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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO
ROBERTA MARÍLIA NAVAES FERREIRA DE CARVALHO
A JUVENTUDE DOS DOURADOS LARANJAIS:
DELINQÜÊNCIA E EXCLUSÃO NA CIDADE PERFUME
Rio de Janeiro
Maio/2008
Reserva Biológica de Tinguá (2008)
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1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO
ROBERTA MARÍLIA NAVAES FERREIRA DE CARVALHO
A JUVENTUDE DOS DOURADOS LARANJAIS:
DELINQÜÊNCIA E EXCLUSÃO NA CIDADE PERFUME
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro como requisito final para
obtenção do Título de Mestre em Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Coelho Soares
Rio de Janeiro
Maio/2008
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2
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ /REDE SIRIUS / CEH/A
F 383 Ferreira de Carvalho, Roberta Marília Navaes.
A Juventude dos Dourados Laranjais : delinqüência e
exclusão na Cidade Perfume/ Roberta Marília Navaes Ferreira
de Carvalho. - 2008.
219 f.
Orientador: Jorge Coelho Soares.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Psicologia.
1. Subjetividade Teses 2. Deliquência Juvenil Teses.
3. Segurança Teses. 4. Violência - Teses. I. Soares, Jorge
Coelho. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Psicologia. III. Título.
CDU 301.151
3
4
AGRADECIMENTOS
- Aos meus pais, Carlos Alberto e Marilia, que me ensinaram a buscar o que desejo
sem medo;
- Às minhas avós, Sylvia e Lucinda, que me ensinaram que tudo está ao nosso
alcance e que persistência e dignidade constroem o sucesso de uma mulher;
- Ao senhor meu marido, Marcelo, pelo apoio que me deu para que eu conseguisse
alcançar os meus sonhos, em especial, agradeço os nossos embates intelectuais que
me levaram à idéia que se desenha neste estudo;
- Ao meu orientador, Professor Doutor Jorge Coelho Soares, pelo estímulo e
orientação na confecção deste trabalho e para a minha vida futura;
- Aos professores Anna Paula Uziel e Marcelo Alves Lima, pelas orientações e
críticas na Qualificação da Dissertação, que se mostraram relevantes e necessárias
para a consecução deste trabalho.
- Ao Doutor Francisco Mariano de Brito, Juiz da Vara da Infância Juventude e Idoso
de Nova Iguaçu, que gentilmente permitiu o uso dos dados citados neste trabalho
para a discussão acadêmica da delinqüência juvenil;
- Aos meus colegas de trabalho Renata, Alda e Vânia que seguraram as pontas
para que eu pudesse fazer o Mestrado em Psicologia Social;
- À amiga e colega de trabalho Neusa, que se predispôs a auxiliar no levantamento de
dados dos adolescentes de Nova Iguaçu, tornando-o uma realidade para futuros
estudos;
- Ao amigo e colega de trabalho Henrique, que sempre esteve disposto a discutir as
idéias deste trabalho e que sempre se mostrou disponível para propor contribuições
relevantes;
- Aos professores Ester Kosovski e Jorge Luis Fortes Câmara pela disponibilidade
em participar da Banca Avaliadora.
Gratidão eterna e meus sinceros agradecimentos a todos!
5
RESUMO
A construção incessante de novas subjetividades tem sido tema de especial
interesse para a Psicologia Social, que sempre procurou estudar a intersecção entre o
individual e o coletivo. Essa específica área de interesse se mostra cada vez mais necessária
na contemporaneidade, pois, o hiperdimensionamento de determinadas características
almejadas pela instauração da civilidade na modernidade levou à constituição de
subjetividades cada vez mais frágeis e vulneráveis. Tais subjetividades constituem frágeis
vínculos identitários e de solidariedade, o que faz com que a convivialidade e a sociabilidade
sejam perversamente constituídas, o que inevitavelmente faz com que o nosso tempo seja de
(in) tolerância. Onde convivem, complementar e paradoxalmente, uma era de direitos e de
respeito ao outro, nunca antes vivida, e uma era de intolerância para com o outro, revestida de
tolerância desinteressada. A percepção de tais elementos eleva o tema da (in) segurança à uma
das principais questões de nosso tempo, onde a desconfiança se instaurou na trama do tecido
social. Todos estão em guerra contra todos e a violência atinge patamares incompatíveis com
o grau de civilidade que pensamos ter atingido. Neste quadro, em destaque, se colocam os
temores relacionados à delinqüência juvenil, que trazem para o debate público e político as
possibilidades de um futuro inclusivo numa sociedade excludente, cujas fronteiras estão
delimitadas e traçadas e as regras de entrada e saída são por demais rígidas para serem
atendidas por todos que nela querem entrar. Neste quadro, situamos o discurso do inimigo que
indica o uso dos instrumentos penais, como possibilidades de controle das fronteiras.
Selecionando aqueles que poderão ser descartados e desclassificados para sempre, perdendo
não um lugar social, mas o status de pessoa, a maior conquista da civilização moderna. No
Brasil, esta seletividade dos usos penais sempre esteve em pauta e permeia as discussões
sobre as ansiedades culturais profundas de nossas raízes históricas, estereotipando e
segregando determinadas parcelas da população, desde sempre excluídas no universo positivo
da cidadania. O que poderemos visualizar no caso da Cidade Perfume, onde estes elementos
se entrelaçam, mostrando uma realidade excludente e segregadora, sobre a qual fazemos um
recorte, para configurar certo tipo de subjetividade e certo tipo de sociabilidade perversamente
constituída e entrevista no conflito de adolescentes com a lei.
Palavras-chave: insegurança; novas classes perigosas; direito penal do inimigo; adolescência
em conflito com a lei.
6
ABSTRACT
The construction of new subjectivities has been one theme of particular interest
to the Social Psychology, which has always sought to study the intersection between the
individual and the collective. This specific area of interest appears increasingly necessary in
contemporary therefore the hyper dimensioning from certain characteristics desired the
establishment of civility in modernity led to the formation of subjectivities increasingly
fragile and vulnerable. Such subjectivities have been fragile links of identity and solidarity,
which makes the conviviality and sociability are perversely formed, which inevitably means
that our time is (in) tolerance. Where to live complementary and paradoxically, an era of
rights and respect to the other, never before experienced, and an era of intolerance for to the
other, coated with disinterested tolerance. The perception of such elements raises the issue of
(in) security to one of the major issues of our time, where the mistrust is introduced in the
weft of the social tissue. All are at war against all, the violence and reaches levels inconsistent
with the degree of civility that we have reached. In this context, highlights, the fears arise
related to juvenile delinquency, which bring to the public debate and political possibilities of a
future in a inclusive society exclusionary, whose borders are defined and outlined in the rules
of entry and exit are all too rigid to be attended by all who want to enter. In this context, we
situate enemy's speech indicates that the use of criminal instruments, as possibilities to control
the borders. Selecting those who can be discarded and declassified forever, losing not only a
social place, but the status of person, the greatest achievement of modern civilization. In
Brazil, the selectivity of uses criminal always been in tariff and permeates the discussions on
the cultural anxieties of our deep historical roots, stereotyping and segregating certain parts of
the population, has always excluded in the universe of good citizenship. What we can see in
the case of the Perfume City, where these elements are intertwine, showing an exclusionary
and segregationary reality on which we do a cut, to set some kind of subjectivity in some kind
of sociability and perversely consists interview the conflict of adolescents with the law.
Keywords: insecurity; new classes dangerous; criminal law of the enemy; adolescence in
conflict with the law.
7
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... 4
RESUMO .................................................................................................................................... 5
ABSTRACT ............................................................................................................................... 6
SUMÁRIO .................................................................................................................................. 7
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................... 8
I. INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10
1.1.
Uma visão panorâmica sobre a delinqüência juvenil ............................................. 10
1.2. A escolha do tema e sua relevância para a Psicologia Social ..................................... 15
1.3. Considerações Metodológicas .................................................................................... 17
II. A SEGURANÇA NA HIPERMODERNIDADE ................................................................ 21
2.1. A Vida Hipermoderna ................................................................................................. 21
2.2. A (In) Segurança na Hipermodernidade ..................................................................... 26
2.3. A (In) Segurança e o Rio de Janeiro ........................................................................... 37
III. INIMIGOS DA SOCIEDADE? .......................................................................................... 55
3.1. As raízes da (in) tolerância contra as novas classes perigosas .................................... 61
3.2. As novas classes perigosas.......................................................................................... 75
IV. OS NOVOS PÁRIAS SOCIAIS ........................................................................................ 96
4.1. A adolescência no contexto da (In) Segurança ........................................................... 96
4.2. Por um Direito do Inimigo: o controle social penal das novas classes perigosas ..... 113
V. DELINQUENCIA E EXCLUSÃO NA CIDADE PERFUME ......................................... 128
5.1. A Cidade Perfume ..................................................................................................... 132
5.1.1. De Ontem ....................................................................................................... 132
5.1.2. De Hoje .......................................................................................................... 138
5.2. A Juventude dos Dourados Laranjais ....................................................................... 141
5.3. O Cotidiano Infracional na Cidade Perfume ............................................................. 156
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 172
ANEXO I: UM PASSEIO POR NOVA IGUAÇU ................................................................ 188
ANEXO II: RESUMOS DE PROCESSO E OUTROS DADOS NIG VIJI ........................... 202
8
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Perfil das Vítimas e Agressores das Ocorrências Registradas pelas Polícias Civis.. 99
Figura 2: Mapa Mundi da Maioridade Penal (UNICEF/2005).............................................. 123
Figura 3: Vista da Estação de Trem de Nova Iguaçu no início do século XX (sem data). .... 133
Figura 4: Vista da Estação de Trem (março de 2003) ............................................................ 138
Figura 5: Conjunto Residencial Ouro Preto (janeiro/2008).................................................... 142
Figura 6: Índice de Crimes Letais Intencionais: 2003 (IETS/2006) ....................................... 144
Figura 7: Registros de Ocorrência Policial (ISP, 2007) ......................................................... 145
Figura 8: Distribuição dos adolescentes em conflito com a lei por medida socioeducativa
(SINASE, 2006) ..................................................................................................................... 147
Figura 9: Perfil dos adolescentes brasileiros que cumprem medida em meio fechado
(SINASE, 2006) ..................................................................................................................... 148
Figura 10: Perfil dos adolescentes brasileiros que cumprem medida em meio semi-aberto
(SINASE, 2006) ..................................................................................................................... 148
Figura 11: Perfil dos adolescentes cariocas que cometeram ato infracional (ISP, 2006) ....... 149
Figura 12: Distribuição por local de moradia de crianças e adolescentes apreendidos (ISP,
2006) ....................................................................................................................................... 150
Figura 13: Número de processos autuados nas cidades do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu
(TJERJ, 2004-2007) ............................................................................................................... 150
Figura 14: Comparação Quanto ao Tipo de Ato Infracional Autuado (TJERJ, 2007) ........... 152
Figura 15: Tipo de Ato Infracional Autuado em Nova Iguaçu (TJERJ, 2007) ...................... 153
Figura 16: Comparação Quanto ao Tipo de Ato Infracional Autuado (TJERJ, 2007) ........... 154
Figura 17: Tipo de Ato Infracional Autuado em Nova Iguaçu (TJERJ, 2007) ...................... 154
Figura 18: Atos Infracionais Autuados em Nova Iguaçu 2004-2007 (TJERJ, 2007)............. 155
Figura 19: Roupas no Varal .................................................................................................... 156
Figura 20: Mapa de Nova Iguaçu ........................................................................................... 188
Figura 21: Acessos a Nova Iguaçu ......................................................................................... 189
Figura 22: Vista do início da Rodovia Presidente Dutra ........................................................ 189
Figura 23: Posto Treze ............................................................................................................ 190
Figura 24: Viaduto da Posse em direção ao Centro................................................................ 190
9
Figura 25: Vista das Torres e da pintura recente das paredes e muros do trecho urbano da Via
Light. As ilustrações e grafitagens são comandadas pelo artista-plástico Raimundo Rodrigues.
................................................................................................................................................ 191
Figura 26: Igreja de Santo Antônio da Jacutinga ................................................................... 192
Figura 27: Vista do Alto da Estação de Trem e o “Buraco do Getúlio” (passagem subterrânea
sob a linha férrea) ................................................................................................................... 192
Figura 28: Vista do Centro da Cidade de Nova Iguaçu. Ao centro a Catedral de Santo Antônio
................................................................................................................................................ 193
Figura 29: Conjuntos Habitacionais nos Bairros do Centro e do Rancho Novo .................... 193
Figura 30: Bairro Santa Eugênia e Bairro da Luz (próximos ao Centro) ............................... 194
Figura 31: Centro, área residencial onde se localiza o Fórum de Nova Iguaçu ..................... 194
Figura 32: Bairro de Austin (obras de drenagem e asfaltamento das ruas principais em 2008) e
Bairro da Grama ..................................................................................................................... 194
Figura 33: Plano de Obras contra enchentes .......................................................................... 195
Figura 34: Margem dos pequenos rios ................................................................................... 195
Figura 35: Bairros Jardim Futurista e Largo dos Peixes (ruas principais asfaltadas em 2008)
................................................................................................................................................ 195
Figura 36: Cemitério de Nova Iguaçu, em frente à Prefeitura (Centro) ................................. 196
Figura 37: Bairros de Vale do Sol e Prados Verdes (ruas principais asfaltadas em 2008) .... 196
Figura 38: Bairros da Cerâmica e Ouro Preto (ruas principais asfaltadas em 2008).............. 196
Figura 39: Bairros da Jacutinga e Comendador Soares (ruas principais asfaltadas em 2008)197
Figura 40: Obra do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ (2008) e do Bairro-Escola Praça
Imperatriz (2007) .................................................................................................................... 197
Figura 41: Bairros de Cabuçu e Jardim Carioca (asfaltamento das ruas principais em 2007)198
Figura 42: Bairros de Pantanal e Marapicu (obras nas ruas principais em 2007) .................. 198
Figura 43: Serra de Madureira e Parque das Laranjeiras ....................................................... 198
Figura 44: Reserva Biológica de Tinguá – Cachoeira da Janjana e Vista da Reserva ........... 199
Figura 45: Fazenda São Bernardino ....................................................................................... 199
Figura 46: Estação Ferroviária do Rio D’Ouro ...................................................................... 200
Figura 47: Torre da Sineira da Igreja de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú ................... 200
10
I. INTRODUÇÃO
1.1. Uma visão panorâmica sobre a delinqüência juvenil
Não raro nos deparamos nos meios de comunicação de massa com o clamor
despertado por crimes cometidos por jovens e adolescentes, e com a argumentação,
largamente difundida, de que o “tratamento especial” dado à “menoridade” no Estatuto da
Criança e do Adolescente está inadequado à contenção da conduta de verdadeiros “monstros”
juvenis. O tema tem sido objeto de atenção também das ciências sociais e humanas,
principalmente no que se refere à associação da juventude pobre aos índices de violência nos
grandes centros urbanos e na periferia destes.
A violência traduzida em índices de criminalidade tem sido atribuída a uma
parcela significativamente jovem da população urbana brasileira. Fenômeno este que,
segundo Gonçalves (2005), não traduz uma novidade e tem sido um dos temas recorrentes da
modernidade cujo foco se acentua de tempos em tempos e que desde os anos 20 do século
passado tem se caracterizado pela associação entre juventude e criminalidade, principalmente
no século XXI, onde o exacerbado individualismo é colocado como responsável pela
criminalidade urbana.
1
Tais argumentações não são novas e permeiam o discurso sobre o tratamento
da juventude e despertam na sociedade debates desde que se firmou como ideal do modelo de
economia capitalista a vida urbana. Variando em intensidade na proporção em que se agravam
as crises sociais e econômicas geradoras e mantenedoras das desigualdades presentes na
sociedade estratificada em classes de pessoas mais ou menos privilegiadas pelos aparatos e
instrumentos sociais e estatais.
Sendo que, desde o estabelecimento da especialização do Direito do Menor,
que teve como marco inicial a criação do Tribunal de Menores de Illinois (1899), nos Estados
Unidos (Pereira, 1996:16)
2
que tais temas estiveram em pauta. Principalmente, após a
separação do tratamento jurídico dado a crianças e adolescentes, ao serem estabelecidos locais
1
GONÇALVES, H. S. (2007) Juventude Brasileira: entre a tradição e modernidade. Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP, v. 17, n.2. (p.207-219)
2
PEREIRA, T.da S. (1996) Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Renovar.
11
próprios para o julgamento dos fatos associados não à garantia e proteção de Direitos, mas
ao envolvimento de crianças e adolescentes com a delinqüência.
Essa especialização legal do tema, que considerou a condição especial de
crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento, introduziu nos institutos legais
conceitos das disciplinas médicas, sociais e psicológicas. Este movimento considerava que a
ciência jurídica, isolada, não pode dar conta da complexidade das subjetividades e dos
fenômenos jurídicos a ela associados. Constatação esta que levou à admissão de profissionais
das ciências sociais e humanas na aplicação e administração da Justiça, segundo reconhece
Moulin (1977)
3
, este movimento foi posto em ação no início do século XIX com a admissão
da credibilidade do nascente saber psiquiátrico.
Ou seja, por meio do questionamento da razão, foi possível a entrada de todas
as ciências sociais e humanas na Justiça e a invasão de certo número de técnicos na
administração da mesma, criando regras para a individualização das penas e para limitação do
poder de magistrados, modificando-se, com isso, o caráter das punições impostas com as
considerações de circunstâncias atenuantes (idade, sexo, personalidade, entendimento,
discernimento, etc.).
Esta mudança no âmbito legal também implicou em modificações no
tratamento dado à menoridade, no Brasil. Ocorrendo uma diferenciação progressiva no
tratamento da maioridade penal, agravando-se os instrumentos de repressão na medida em que
se intensificavam as crises e conflitos sociais. Isto porque as mudanças nos institutos legais
acompanham as dificuldades em organizar o cotidiano citadino, sendo perceptível a
necessidade das leis darem conta das dificuldades que se apresentavam.
Nas Ordenações Filipinas, os meninos eram considerados menores até os 12
anos e as meninas até os 14 anos e, a partir desta idade, a lei lhes reservava o tratamento dado
aos adultos, inclusive no que tangia às condições de exercício do trabalho e de
responsabilidades de sustento e proteção.
No Código Penal de 1830, promulgado após a Proclamação da Independência,
considerava a maioridade penal aos 17 anos, adotando, no tratamento da infância em conflito
com a lei, a teoria do discernimento, instituindo que os menores de 14 anos que agissem com
discernimento, deveriam ser recolhidos à Casa de Correição pelo tempo a ser estabelecido
3
MOULIN, P. As Circunstância Atenuantes. In FOUCAULT, M. (Coordenador). Eu Pierre Rivière, que degolei
minha mãe, minha ire meu irmão…um caso de parricídio do século XIX. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1977. (p. 223-228)
12
pelo Juiz, não podendo ultrapassar os 17 anos. Dos 14 aos 17 anos os menores estavam
sujeitos à pena de cumplicidade, recebendo a aplicação de 2/3 da pena que cabia ao maior de
21 anos. Dos 17 aos 21 anos a pena seria atenuada pela condição de menoridade.
As modificações legais ocorridas no período, já consideravam como importante
as concepções correntes trazidas pela medicina, sendo a diferenciação biológica proposta,
importante no contexto que se avizinhava.
no Código Penal de 1890, promulgado sob a égide dos conflitos sociais e
urbanos do período pós-abolição e pós-Republica, foi instituída a irresponsabilidades plena
para os menores de 09 anos, sendo retomada a doutrina do discernimento aos maiores de 09
anos e menores de 14 anos, permanecendo os dispositivos da pena de cumplicidade e da
atenuação da pena em caso de menoridade.
No limiar do culo XX, as concepções sobre a condição especial da infância e
a necessidade desta ser protegida e educada, para o bom desenvolvimento físico e moral,
tomaram maior vulto, crescendo o movimento de afastamento das concepções religiosas e a
instauração de uma assistência consolidada segundo um Sistema Jurídico-administrativo, que
tomou corpo a partir da década de 20 e que perdurou até a década de 80.
Tal movimento também foi motivado, segundo Pilotti e Rizzini (1995)
4
, pelo
aumento e maior visibilidade da pobreza, conseqüências diretas do processo de urbanização e
de intervenção do Estado. Buscava-se regular a ação antijurídica praticada por crianças e as
ações derivadas do abandono e da desproteção familiar, definidas como situação irregular.
Preconizava-se a idéia de que com a remoção dos obstáculos inerentes à miséria se
possibilitaria o bom desenvolvimento da Nação, no entanto, a pobreza deixou de ser uma
exceção para ser a regra e a institucionalização passou a trazer mais problemas do que
soluções ao problema inicialmente proposto.
Com os objetivos de proteção e reabilitação a doutrina da situação irregular
fracassou. O mecanismo de proteção que estava imbuído do tradicionalismo do mecanismo de
internamento fracassava em proteger por meio da exclusão, sendo os asilos pouco seguros,
sem higiene e estimulação afetiva necessários ao bom desenvolvimento. Além disso, a falta de
estratégias de reintegração familiar e social causava dificuldades de adaptação à vida fora das
instituições. Quanto à reabilitação, calcada na contenção e repressão dos adolescentes,
4
PILOTTI, F. e RIZZINI, I. (Organizadores) A Arte de Governar Crianças: a história das políticas sociais, da
legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Del Niño, Ed. Universitária Santa
Úrsula, Amais Livraria e Editora, 1995.
13
fracassou na criação de mecanismos educacionais e de reintegração social, sendo comuns
fugas e motins nas instituições de internação.
Corrêa (1997)
5
ressalta que após a década de 30, o tratamento de crianças e
adolescente em situação irregular, passou a ser objeto de estudo não de médicos e juristas,
mas também de psicólogos e pedagogos, sendo este o germe da existência da equipe
interdisciplinar nos Juizados de Menores.
Com o fortalecimento do assistencialismo não-governamental nas décadas de
70 e 80, vimos o nascimento de uma política social alternativa e paralela à política oficial,
muitas vezes se ocupando de atender as deficiências e omissões estatais. O foco centrou-se na
prevenção, onde as famílias e a comunidade são chamadas a participar da construção de
melhores condições de vida para crianças e adolescentes. Sendo este cenário que possibilitou
uma renovação na consciência social sobre os problemas que afetam a questão da infância,
auxiliando na criação de instrumentais e articulações que resultaram na elaboração do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
Este movimento preventivo esvaziou-se, pois a prioridade na proposição e
execução das políticas públicas, não recebeu a atenção devida dos governos em seus diversos
níveis, aumentando ainda mais as desigualdades sociais e a oferta de oportunidades iguais de
ascensão social.
Esse especial interesse pelo estudo das relações entre o Direito e as demais
ciências, principalmente nos estudos de Criminologia
6
, também se dirigiu ao crime,
buscando interpretá-lo não somente como um fato contrário à ordem legal, mas como um
fato complexo imbuído de aspectos sociais e psicológicos. Dentro desta concepção, o crime
passou a ser entendido como um fenômeno multifacetado, desenvolvendo-se, após o século
XX, estudos em parceria com as ciências biológicas, humanas e sociais, de forma a
compreender os aspectos individuais e sociais implicados no delito.
No campo da Psicologia, o conceito de Psicologia Criminal aparece como
possibilidade de considerar os aspectos psicológicos presentes nos processos criminais,
sendo o foco de interesse da psicologia direcionado ao indivíduo
7
, sendo neste sentido que
5
CORRÊA, M. (1997) A cidade dos menores: a utopia dos anos 30. In FREITAS, M.C. (ORG) História Social
da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora. (p.77-95)
6
Criminologia é definida "como ciência empírica interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa
do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo" (Molina, 1997:33) MOLINA, A.
GARCIA-PABLOS de. e GOMES, L.F. Criminologia: Introdução a seus fundamentos teóricos. Introdução às
bases da criminológicas da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais criminais. São Paulo/BRA, 1997
7
DEL POPOLO, J. H. (1996) Psicologia Judicial. Mendonza/ARG: Ediciones Jurídicas Cuyo.
14
surgiram alguns estudos que buscavam explicar a ação delitiva. Sobre a delinqüência juvenil
foram desenvolvidas pesquisas que apontavam causas variadas para o envolvimento de
adolescentes em atos infracionais, relacionando conceitos da psicologia clínica e do
desenvolvimento com a ocorrência do crime, estabelecendo causas predisponentes
individuais, familiares e sociais.
8
As definições de delinqüência juvenil serão, então, de difícil conceituação,
pois o que pode ser descrito como infração penal suscita controvérsias quanto à delimitação
da idade, das condutas e fenômenos que podem ser definidos como tal. Ainda passam a ser
consideradas pela Psicologia, as visões partidas sobre as causas do conflito do adolescente
com a lei, cujas explicações são produzidas pelos diversos saberes sobre a infância e a
adolescência.
Frente a tal indefinição, quanto ao critério que define a delinqüência juvenil, o
ordenamento legal brasileiro optou por considerar como diferencial o critério
biopsicossocial, adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que
possibilitou a adequação da lei pátria aos tratados internacionais que o Brasil é signatário.
9
Desta forma, o ato infracional - crime ou contravenção penal cometido por criança ou
adolescente – é definido, hoje, dentro do contexto da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, propondo a aplicabilidade das medidas protetivas e socioeducativas de
acordo com a condição individual de cada uma das crianças e adolescentes implicados no
crime.
Na consideração da aplicação das medidas o Estatuto da Criança e do
Adolescente determina expressamente no art. 105 a aplicação das medidas protetivas do art.
101, às crianças que comentem ato infracional, descrevendo no art. 112 e seguintes as
medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes infratores. Na consideração dos
aspectos individuais e na aplicabilidade adequada das medidas socioeducativas, o art. 112 §
determina que "a medida aplicada ao adolescente levará em conta a capacidade de
8
VARELA, O.H.; ALVAREZ, H.R. e SARMIENTO, A.J. (2000) Psicologia Forense: consideraciones sobre
temáticas centrales. Buenos Aires/ARG: Abeledo-Perrrot.
9
Tais tratados, organizados com a assistência da Organização das Nações Unidas - Regras de Beijyng (1985),
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), as Diretrizes das Nações Unidas para a
Prevenção da Delinqüência Juvenil de Riad (1990), as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens
Privados de Liberdade (1990) - marcaram a criação de políticas internacionais de tratamento e garantias
individuais à criança e ao adolescente, incluindo-se, também os delinqüentes nos sistemas de garantia e
proteção do desenvolvimento.
15
cumpri-Ia, as circunstâncias e a gravidade da infração”
10
Para a aplicação das medidas, protetiva e/ou socioeducativa, a Justiça da
Infância e Juventude estabelece no art. 151 a existência de equipes interdisciplinares
competentes para ''fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na
audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação,
encaminhamento, prevenção e outros”.
11
Para atender tais preceitos, cada Comarca
12
no país deveria separar o
tratamento da infância das demais questões, sendo criados em todo o país Juizados da
Infância e Juventude, cuja prioridade estaria não na seletividade de sua clientela, mas, na
possibilidade de à ela oferecer um enfoque diferenciado daquele que se destina a justiça dos
adultos.
1.2. A escolha do tema e sua relevância para a Psicologia Social
A escolha do objeto a ser estudado partiu da prática, 08 anos, como
psicóloga jurídica/forense em atuação em Vara de Infância e Juventude, onde aspectos
relacionados à exclusão-inclusão social vêm permeando o trabalho junto a adolescentes e
familiares decorrentes da determinação do Juízo nos processos judiciais denominados Auto de
Investigação de Ato Infracional (AIAI).
Os processos de ato infracional
13
são investigativos e as decisões judiciais
quanto à imputação ou não de medidas sócio-educativa e/ou protetiva utilizam-se da
investigação policial, depoimentos de vítimas e autores e dos chamados Relatórios Sociais,
categoria que inclui sempre avaliações sociais e em alguns casos, avaliações pedagógicas,
psiquiátricas e psicológicas. Após a aplicação das medidas sócio-educativa e/ou protetiva a
execução das medidas aplicadas podem ser delgadas a instituições governamentais e não-
10
BRASIL, Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 112. 5 BRASIL, Lei 8.069/90. Estatuto da
Criança e do Adolescente. Art. 112.
11
BRASIL, Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 151
12
A palavra Comarca deriva do latim commarca, sendo utilizada para designar a circunscrição administrativa do
poder judiciário, controlada por um ou mais juízes de direito. Dicionário Digital Aulete.
13
A título de esclarecimento: o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) define que crianças são
aquelas pessoas com menos de 12 anos incompletos (11 anos 11 meses e 29 dias) e adolescentes aquelas pessoas
entre 12 anos e 18 anos incompletos (17 anos 11 meses e 29 dias). Prevê que no conflito com a lei penal – crimes
e contravenções penais se dará tratamento diferenciado do adulto (maior de 18 anos) considerando a condição
especial de pessoa em desenvolvimento, por isso, a crianças e adolescentes não são aplicadas penas, mas
medidas sócio-educativas e protetivas. No caso das crianças são aplicadas as medidas protetivas previstas no art.
101 do referido instituto, aos adolescentes são aplicadas as medidas socioeducativas e protetivas previstas no art.
112 do referido instituto.
16
governamentais ou ficar a cargo da Equipe Técnica do Juízo, composta de Assistentes Sociais,
Psicólogos e Comissários, de acordo com o entendimento do Juiz a cada caso.
Como apontamos anteriormente, a temática da juventude tem se apresentado
como um dos temas que mais tem despertado interesse na atualidade e tem sido objeto de
atenção dos meios de comunicação de massa e das ciências sociais e humanas, principalmente
no que se refere à associação da juventude pobre aos índices de violência nos grandes centros
urbanos e na periferia destes.
Como exemplo, citamos que a busca associando os temas juventude e
criminalidade retorna no Google 286 mil links, no Yahoo e no AltaVista são associados mais
de 46 mil links em português. Acrescendo o termo pobreza à busca no Google são referidos
295 mil links, no Yahoo e no AltaVista são referidos cerca de 11 mil resultados para a busca.
A mesma pesquisa associando-se os temas juventude (youth) e criminalidade (criminality) em
inglês retorna 890 mil links no Google, no Yahoo e no AltaVista são associados mais de 412
mil links. Se a esta busca também associamos o termo pobreza (poverty) teremos 435 mil
links no Google e cerca de 155 mil links no Yahoo e no AltaVista. Fazendo a busca em
francês a associação entre juventude (jeunesse) e criminalidade (criminalité) apresenta 983
mil links no Google, no Yahoo e no AltaVista são apresentados cerca de 240 mil links.
Associando-se o termo pobreza (pauvreté) encontramos 395 mil links no Google e mais de 55
mil links no Yahoo e no AltaVista.
Tal investigação primária parece indicar que a suposição inicial tem
procedência como tema de investigação, sendo possível se direcionar o estudo com o objetivo
de entender os motivos pelos quais a violência traduzida em índices de criminalidade tem sido
atribuída a uma parcela significativamente jovem da população urbana brasileira,
principalmente nos meios de comunicação de massa.
Os crimes cometidos por jovens e adolescentes tem sido expostos na mídia
como aberrantes, no entanto, precisamos considerar as implicações de tais argumentações no
tratamento da juventude pela sociedade e sua correlação com o modelo de economia
capitalista e com a vida urbana que se desenha nos tempos atuais. Tal debate se enrijece na
proporção em que se agravam as crises sociais e econômicas geradoras e mantenedoras das
desigualdades presentes na sociedade estratificada em classes de pessoas mais ou menos
privilegiadas pelos aparatos e instrumentos sociais e estatais.
Propomos-nos, também, a pôr em evidência outro dado no tratamento da
juventude, qual seja, o entendimento de que o envolvimento de jovens e adolescentes no
17
conflito com a lei traz consigo a marca das configurações sociais e econômicas da
hipermodernidade, dada a sua inserção nos acontecimentos do cotidiano vivido.
Para a Psicologia Social o tema se apresenta como relevante não por sua
articulação óbvia com a formação de uma prática da psicologia jurídica implicada com o
reconhecimento de que as individualidades são formadas nas relações sociais. Mas, também,
porque ao considerarmos as desigualdades sociais e os mecanismos de exclusão social
estaremos nos propondo a pôr em pauta aspectos da sociabilidade e da formação da
subjetividade hipermoderna.
Desta forma o trabalho se propõe a identificar as marcas da prolongada
exclusão social e os efeitos da demora da inclusão social no aparecimento dos
comportamentos chamados “desviantes”, propondo discussões sobre o contexto da
hipermodernidade e as produções teóricas em torno da questão da criminalidade juvenil, bem
como a psicologização do crime como patologia individual e como negação dos problemas
sociais.
O tema também se articula com a consideração das formas de reconhecimento
do outro, de reconhecimento do vínculo social e das capacidades intelectuais e afetivas que
nos ligam aos outros seres humanos. O que nos remete à relevância da discussão sobre as
relações de afiliação que consideram as relações entre nós e os outros (excluídos,
estereotipados, discriminados) e a percepção deste outro, implicada nas formas de
representação social considerada a partir da forma como a norma intervém na formação da
subjetividade (representação de si e sua articulação com a representação do outro).
1.3. Considerações Metodológicas
Tendo em vista o rol de possibilidades metodológicas existentes buscamos nos
aproximar daquelas que possibilitassem uma maior compreensão da problematização, ou seja,
possibilitassem a identificação de dados sobre o contexto social que possam gerar discussões
em torno da exclusão-inclusão social e dos instrumentos de controle e estigmatização das
classes mais pobres, que podem levar ao conflito com a lei e ao tratamento de inimigo, como
forma de controle social.
Frente ao interesse que a criminalidade adolescente suscita, surgiu a proposta
inicial de discutir as repercussões de tal tema através da investigação dos aspectos sócio-
familiares dos adolescentes em conflito com a lei que residem no Município de Nova Iguaçu.
Mas as dificuldades em obter tais dados nos encaminharam em uma direção diferente da
18
montagem de um perfil dos adolescentes, dirigindo o foco à montagem do cenário coletivo e o
que seu contexto excludente nos indica como possibilidade futura de tratamento da juventude.
Dificuldades de ordem ética passavam pela implicação profissional da
pesquisadora com seu campo de estudo, sendo impossível realizar entrevistas aos
adolescentes que tivessem seu processo por ato infracional em curso. Por outro lado, questões
de ordem prática, que se colocaram após a consideração ética. Estas tornaram impossível
realizar a aplicação do questionário, inicialmente proposto, aos adolescentes com processos
findos por diversos motivos, desde a inexistência de instalações adequadas para entrevista,
fora do ambiente do Juizado da Infância e Juventude, até a ausência de recursos materiais para
prover o envio de convites e outros procedimentos necessários à coleta dos dados pretendidos.
Por estes e outros motivos buscamos na leitura dos processos findos que
tinham por destino o Arquivo Geral da Justiça, a coleta dos dados pretendidos, o que mostrou
que muito pouco do que se pretendia saber estava neles. Ficando claro que o foco dos
processos é o ato infracional, estando o indivíduo que o comete em segundo plano, visto que
na cena judicial a pessoalidade dos atos caminha no sentido contrário ao da Justiça.
No entanto, a leitura dos processos findos com destino ao Arquivo Geral da
Justiça, mostrou-se rica para exemplificação de outra realidade, ou seja, a que se coloca na
consideração da exclusão social como formadora de certo tipo de subjetividade associada à
percepção de riscos difusos. Em torno destes elementos que se estruturam os discursos
cotidianos da (in) segurança, da desigualdade social definitiva e do próprio direito penal
juvenil, seletivo e excludente, como forma de controle social de determinadas parcelas da
humanidade.
A proposta desenvolvida no trabalho passou, então, a ser a discussão em torno
dos aspectos da exclusão-inclusão social que surgem como formadores do contexto do
conflito com a lei na modernidade, onde se situa a consideração da forma como nossa
sociedade lida com o reconhecimento da alteridade e das diferenças nos espaços de
sociabilidade.
Neste sentido, o levantamento do tipo de atos infracionais cometidos pelos
adolescentes de Nova Iguaçu nos anos de 2004-2007 possibilitou um recorte deste cenário,
pois através deste levantamento, as histórias que se escondem por trás destes atos puderam ser
trazidas. Além disso, a coleta dos dados sociais e criminológicos, disponibilizados por
organizações governamentais e não-governamentais, sobre a cidade perfume tornou possível
19
entrever o contexto do qual tratamos aos associar (in) segurança, desigualdade social e o
discurso penal da (in) tolerância.
Isso significa que optamos pela adoção da pesquisa documental com a qual
realizamos o levantamento dos dados criminológicos associados à criminalidade juvenil em
Nova Iguaçu, obtendo-se tais dados junto à Vara da Infância e Juventude, que possui os dados
informatizados das autuações, e em outros órgãos governamentais e não-governamentais, que
produzem dados confiáveis sobre a criminalidade juvenil no Brasil.
A pesquisa bibliográfica, por outro lado, permitiu a articulação teórica proposta
nos dois primeiros capítulos, tendo a busca por referências teóricas consolidadas o objetivo de
dirimir as limitações dos dados coletados, de forma a embasar de forma adequada a
formulação da análise.
A problematização central pôs em evidência, não a criminalidade juvenil,
mas discutiu o que esta representa num contexto onde estão claros os efeitos da inserção
social fragmentária e degradante como mecanismo de ação na hipermodernidade e suas
conseqüências na identificação de certas pessoas como “inimigas” da sociedade e o
tratamento e atenção dados à “menoridade” como decorrente deste contexto.
Como questões secundárias se colocam a reflexões sobre a função da
psicologia neste contexto, ressaltando outras possibilidades de análise, que não perpassam a
patologia individual ou coletiva, e que surgem como complementares à atuação forense. A
proposta de trabalho também teve como exemplificação do contexto, o uso de 7 processos que
foram extintos em 2007 na Comarca de Nova Iguaçu.
A Comarca de Nova Iguaçu foi escolhida, por três motivações principais. A
primeira parte da facilidade de acesso aos dados, uma vez que o Juiz da referida Comarca
sempre se mostrou aberto à proposta de estudos que possam contribuir para a melhoria da
prestação jurisdicional aos adolescentes envolvidos com o ato infracional.
Como possibilidade de interlocução com a Vara da Infância e Juventude
estamos oferecendo a organização de dados cio-familiares dos adolescentes em conflito
com a lei, mas este não será o foco do presente estudo. A operacionalização dos dados ocorre
com a concessão da licença judicial e da concordância do Ministério Público com a finalidade
de melhor conhecer a realidade da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Nova Iguaçu.
Os dados a serem utilizados, ou seja, aspectos emergentes da leitura dos dados
criminais dos adolescentes e a leitura dos procedimentos, mantêm o segredo de justiça das
20
condições que envolvem os jovens, adolescentes e seus familiares, preservando também a
confidencialidade e sigilo exigidos pelos instrumentos legais.
A escolha pela cidade de Nova Iguaçu também partiu da consideração de que
esta representa um recorte do cenário que se desenha, por suas características de cidade
dormitório, localizada na Baixada Fluminense e cujos índices de desenvolvimento social
apontam para uma realidade excludente. Sua realidade social excludente permite a
objetivação de uma abordagem crítica da patologização da conduta de jovens e adolescentes
como instrumento de segregação e estigmatização social e de negação das desigualdades
sociais como formadoras da subjetividade e da identidade.
Ressaltamos que os documentos jurídicos se apresentam como uma fonte
documental escrita, rica em informações para a análise, que implica na investigação da forma
como uma sociedade regula o comportamento de seus membros e trata os problemas sociais
que nela emergem. Sendo as fontes de informação obtidas em documentação indireta, ou seja,
baseadas em dados pré-existentes, tem como fonte primária os autos dos procedimentos
judiciais.
A pesquisa bibliográfica se apresentou, então, como fonte secundária que se
configura como base teórica para as discussões propostas. Ressaltamos que o processo de
pesquisa bibliográfica, se deu com o levantamento de dados em diversas fontes, fornecendo
material de base para o campo de interesse e evitando gastos desnecessários de tempo com a
leitura de fontes já utilizadas e facilitando a identificação outras fontes de coleta. Ainda vale
afirmar que esta forma de coleta de dados permeou o processo de construção e consecução
deste estudo, permitindo a identificação constante de material útil para o estudo e suas
análises posteriores.
A pesquisa de informações na rede mundial de computadores foi
particularmente interessante. Por meio dela, foi possível identificar a produção de textos em
língua estrangeira, sobre o qual a literatura nacional não possui produção escrita significativa,
sendo esta uma vertente de análise que possibilita considerações de interesse para as
discussões propostas.
21
II. A SEGURANÇA NA HIPERMODERNIDADE
O presente capítulo se propõe fazer algumas considerações sobre a questão da
segurança na pós-modernidade expondo algumas das discussões presentes no cenário da
hipermodernidade que põem em pauta a necessidade premente da sociedade estar em alerta
contra medos, nem sempre fundados em fatos reais, criando mecanismos de evitação do
encontro com as diferenças e com as conseqüências do processo globalizador.
Logo a seguir, nos propomos a trazer a discussão para a forma como tais
medos se traduzem nos espaços urbanos, ou seja, no estabelecimento das comunidades como
espaços de segregação de condição e classe social, onde as chamadas políticas do medo
cotidiano levam à separação dos espaços públicos de sociabilidade, alterando as relações entre
os sujeitos. Também procuramos considerar as mudanças ocorridas na sociedade com a pós-
modernidade e suas conseqüências no sentido da segmentação dos espaços sociais e a
necessidade crescente de negar a alteridade, desqualificando o outro e lhe retirando a
possibilidade de partilhar dos espaços públicos como iguais.
Partindo de tais considerações estaremos buscando situar tais debates à
situação vivida no Rio de Janeiro e, em específico, da Baixada Fluminense, para depois
realizar algumas discussões em torno da criminalidade juvenil dentro deste contexto de
insegurança.
2.1. A Vida Hipermoderna
Segundo Lipovetsky (2004)
14
a modernidade almejava a emancipação dos
indivíduos, de forma que fosse possível, por meio dos valores da igualdade e da liberdade, a
realização de seus desejos subjetivos e individuais. No entanto, o rompimento com as
tradições, que possibilitou a existência de tal autonomia do indivíduo para ser o que desejasse,
trouxe consigo o aumento do poder estatal como regulador das vontades individuais
conflitantes, o que se caracterizou como universo disciplinar.
Com a efetividade dos ideais da modernidade, na primeira metade do século
XX se reconheceu uma nova forma de pensar o indivíduo e a coletividade, a pós-
modernidade. Nela se observou que a autonomia e liberdade como valores reais e presentes no
14
LIPOVETSKY, G. (2004). Os Tempos Hipermodernos. SP: Barcarolla.
22
mundo, levaram à multiplicidade de modos de vida e opiniões, sendo evidenciado o
esvaziamento dos princípios disciplinares e o abandono do universo disciplinar, ambos
ocasionados pelo rompimento dos freios institucionais que davam sustentação à velha ordem
tradicional. Com a desvalorização do passado frente ao novo, a frivolidade e a
superficialidade se tornaram as regras de organização das relações econômicas, políticas,
individuais e coletivas.
Tal fato ocasionou a necessidade de adaptação dos mecanismos de controle
social, que passaram a ter como base de suas normas a escolha pessoal pela lei (autocontrole e
responsabilidade) e a opinião pública como reguladora e formadora dos comportamentos
responsáveis. O controle foi colocado nos indivíduos, sendo as diversas formas de
comunicação de massa utilizadas para a disseminação das possibilidades de vida a serem
escolhidas e das informações que pudessem estimular os comportamentos responsáveis.
Desta forma, após a segunda metade do século XX, observou-se a instauração
de uma nova forma de pensar o homem e a coletividade, o que Marc Augê denominou
supermodernidade, Gilles Lipovetsky caracterizou como hipermodernidade e Zigmund
Bauman nomeou de modernidade líquida.
Segundo Augê (1994)
15
a supermodernidade traz como novidade a incessante
e diária necessidade de dar sentido ao presente e ao passado resgatando a superabundância
factual para dar conta do excesso de tempo, de espaço e de individualidade.
A figura do excesso do tempo coloca a superabundância factual do mundo
contemporâneo como algo que nos remete a uma história imanente de nossas existências
cotidianas, levando a uma dificuldade de dar sentido ao passado histórico, o que cria uma
demanda positiva por sentido, que explique os fenômenos que às vezes são interpretados
como sinais da crise do sentido.
A figura do excesso de espaço se dá pelo encolhimento do planeta, visto que os
meios de comunicação nos possibilitam uma visão instantânea e simultânea dos
acontecimentos ocorridos em qualquer canto do mundo. Essa mudança das escalas levaria à
existência de um universo homogêneo em sua diversidade e à uma espécie de falsa
familiaridade entre os fatos, os telespectadores e os atores da grande história.
A superabundância espacial seria paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que
reforça as grandes redes multirraciais amplifica o peso dos particularismos, esse deslocamento
15
AUGÊ, M. (1994) Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade.São Paulo: Papirus.
23
dos parâmetros espaciais derivaria das modificações físicas da modernidade, ou seja, das
concentrações urbanas e movimentação de pessoas e populações, que multiplicam a existência
dos não-lugares.
16
A terceira figura do excesso remete-se aos indivíduos e à necessidade de uma
reflexão antropológica, pois, na modernidade, ocorre uma individualização dos
procedimentos, de forma que se procura uma história da individualidade e não mais uma
história da coletividade, que os pontos de identificação coletiva se mostram por demais
flutuantes, fazendo a produção individual de sentido necessária. A superabundância do
indivíduo ou o uso de fatos da singularidade constituem o contraponto para a homogeneização
(mundialização) da cultura, mas aponta para o esvaziamento do âmbito social.
Ao caracterizar a hipermodernidade Lipovetsky (2004)
17
vai ressaltar que esta
se caracteriza pela fluidez e flexibilidade da sociedade liberal e que pode ser entendida como
um movimento adaptativo ao acelerado ritmo hipermoderno. Por isto, na hipermodernidade a
sedução é o mecanismo de controle mais efetivo, visto que leva à alienação por escolha e à
disciplina auto-referenciada. Opta-se pela adoção do novo, do efêmero e do presente
absolutos, de forma que a valorização do aqui - agora se traduz na desvalorização das
contribuições do passado ou das necessidades do futuro. Sendo caracterizados, ainda, como
parte de sua identificação o hiperconsumo, a hipermudança e o hipernarcisismo como partes
da composição do quadro que se apresenta.
O hiperconsumo das massas se torna o elemento de distinção social que
possibilita o sentimento de eternidade associado à condição privilegiada. A hipermudança
refere-se à obrigatoriedade da mudança dissociada de qualquer visão utópica, onde se coloca
um futuro imprevisível – flexível e mutável – que exige dos indivíduos a eficiência na rapidez
em mudar como necessidade de sobrevivência.
O hipernarcisismo vai se configurar com a necessidade de constituição de um
indivíduo responsável maduro, organizado e eficiente –, cujo livre arbítrio vai estar referido
à fatores externos, ou seja, à opinião pública que informa e/ou desinforma e à influências
espirituais. No entanto, paradoxalmente à constituição do indivíduo responsável,
16
“Os o-lugares são tanto as instalação necessárias à circulação acelerada de pessoas e bens (vias
expressas, trevos, rodoviárias, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros
comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta.”
(AUGÊ, 1994:36)
17
LIPOVETSKY (2004) Op. Cit.
24
observaremos o aparecimento de comportamentos irresponsáveis que prejudicam a
possibilidade de existência futura.
Tal quadro seria gerador de tensões que caracterizam o ambiente social da
atualidade, surgindo como efeito de tais tensões o exacerbamento das distâncias entre “nós”
(os semelhantes) e “eles” (os diferentes), e o levantamento de fronteiras reais e imaginárias
entre os indivíduos. Dentro da lógica super identifica-se a constituição de corporativismos na
defesa de prerrogativas sociais, sendo o medo resultante das inseguranças pela perda dos
benefícios adquiridos.
A hipermodernidade denuncia a crise civilizatória e a necessidade de repensar
as formas de socialização presentes, isto porque não discursos ideológicos de sustentação
do sentido e a desintegração social atingiu seu nível máximo. Além disso, o
hiperindividualismo foi responsável pela ruína do controle social, pois, retirou dos indivíduos
seus referenciais e favoreceu o relativismo que hoje governa as relações.
Numa perspectiva muito otimista, o autor refere-se ao fato de não um caos
instalado porque teríamos preservados os valores éticos e democráticos que constituem o
núcleo duro da sociedade. Ou seja, hoje vivemos a era em que os direitos humanos estão
estáveis e consolidados, a tolerância e o respeito ao outro são é amplamente professados, e a
repulsa ao uso gratuito da violência governa as relações sociais e pessoais.
Desta forma, mesmo frente às dificuldades hipermodernas, não se verificaria a
presença de comportamentos egoístas no campo social. Observaríamos, também, que apesar
da moral e os costumes sociais estarem em constante mutação, não foram abolidos,
adaptaram-se à lógica do consumo e do espetáculo.
Estaríamos frente à sociedade hipervigilante que vive no tempo do risco e da
incerteza. A sensação de insegurança seria, então, o efeito da experiência hiperabundante do
presente, o que um tom extremamente emocional à vivência do medo e leva à necessidade
de limitar seus estragos pela exigência exagerada de proteção.
Bauman (2001)
18
ao caracterizar a Modernidade Líquida vai apontar que o
discurso da modernidade era sólido, levando ao reconhecimento de constâncias e certezas que
levavam ao sentimento de segurança quanto ao futuro. No entanto, com a eliminação das
obrigações irrelevantes que impediam a completa execução da lógica econômica, os valores,
certezas e projetos da modernidade se liquefizeram.
18
BAUMAN, Z. (2001) Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
25
A velha ordem foi abandonada, mas não se apresentou qualquer preocupação
com a constituição de uma nova ordem. Os indivíduos foram deixados à mercê da lógica
meritocrática e expostos a outra forma de convivência, a rivalidade entre as classes. Também
se apresentou a idéia da velocidade como modo de vida essencial na conquista do espaço e na
aceleração do tempo.
Na modernidade quida, os padrões, códigos e regras estão cada vez mais
escassos, o que coloca para os indivíduos a tarefa de construir seu modo de vida segundo sua
própria vontade, sem pontos de partida como referência. Isso significa que o indivíduo deve
responsabilizar-se por seu destino e arcar com as conseqüências do fracasso pelo resultado de
suas realizações.
O advento da modernidade fluida trouxe tanto como resultado de uma nova
técnica de poder quanto como condição, a desintegração da rede social de sustentação dos
laços sociais, de forma que os poderes globais pudessem livremente se expressar
extraterritorialmente, sem obstáculos.
Com isso, as ações sociais deixaram de ser orientadas por normas sociais,
levando o ser humano à perda da sua condição de ser social, pois, na falta de um lugar social
que determinasse seu comportamento e ações restou o individuo apartado das práticas sociais,
voltado para si mesmo, devendo agir segundo sua autocontenção e auto-suficiência.
Tais aspectos irão se traduzir no entendimento de que os riscos sociais e as
contradições ainda são socialmente produzidos, mas o dever e a forma de enfrentamento
destes foram individualizados. Esta individualização ao mesmo tempo em que trouxe para as
pessoas uma possibilidade de exercício da liberdade de experimentar, também trouxe a tarefa
de enfrentar as conseqüências de tal emancipação.
Desta forma, a capacidade de exercer o controle das situações sociais também
foi entregue aos indivíduos, observando-se, com isso, a vigilância degradada à guarda dos
bens e o egoísmo na gestão dos interesses gerais. Neste contexto, o indivíduo apresenta-se
como inimigo do cidadão ao preencher os espaços públicos com a exposição pública de suas
vidas privadas, reduzindo a isso o interesse público.
As funções do poder blico estariam, então, restritas à garantia dos direitos
humanos e à segurança contra estranhos, entendendo-se como estes últimos, uma enorme
variedade de pessoas, seja pela sua conduta, pela sua inserção no mundo do trabalho e do
consumo, ou seja, pela sua condição física ou psicológica.
26
O capital desobrigou-se de suas funções sociais e morais, rompendo os laços de
responsabilidade mútua que sustentavam a sociabilidade posta no projeto civilizatório da
modernidade. A desintegração da rede social foi um “efeito colateral” que promoveu o
desengajamento e o estabelecimento de novas rotas de fuga, na busca pela segurança perdida.
A necessidade de defesa contra as frações mais vulneráveis do proletariado urbano teria,
então, surgido como uma necessidade para a constituição da identidade pessoal e coletiva e
das relações de sociabilidade.
É nesse contexto hipermoderno, supermoderno ou líquido, que situamos o
sentimento de insegurança, o medo e a necessidade por segurança que se instalam na vida
cotidiana. Os indivíduos se encontram corroídos pela ansiedade e pelo receio dos perigos que
rondam a vida hipermoderna, aspectos que passamos a discutir.
2.2. A (In) Segurança na Hipermodernidade
Desde o incremento da Revolução Industrial, quando as populações passaram a
se concentrar nos centros urbanos, as cidades se transformaram em grandes laboratórios da
sociabilidade, como refere Wacquant (2001)
19
, nelas ficou fortemente marcada e evidente a
separação social, após os anos de 1960, quando a pobreza passou a ser entendida como uma
anomalia a ser combatida.
Para Ribeiro (2001)
20
foi a vida nas cidades que colocou em pauta os desafios
da convivência com a diversidade cultural e as tensões para manutenção da coesão social,
além de r em evidência as separações sociais decorrentes da ordem econômica. A
segregação espacial e social entre burgueses e operários considerada, até então, como objeto
de ação de intervenção moralizadora da pobreza, passou a significar um problema, onde os
pobres e seus territórios passaram a ser responsabilizados pelos problemas urbanos.
Tal quadro teria se agravado ainda mais com as transformações ocorridas na
década de 70 do século XX. As frações mais vulneráveis do proletariado urbano teriam
sofrido os impactos mais perversos da decomposição das relações de sociabilidade e de
trabalho. Estes dois aspectos teriam agravado as distâncias sociais e culturais e fomentado o
pânico social contra as classes perigosas”
21
, presente na pós-modernidade sob a forma de
19
WACQUANT, L. (2001) Os condenados da cidade: estudo sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro:
Revan; FASE.
20
RIBEIRO, L.C.de Q. In WACQUANT, L. (2001). Os condenados da cidade: estudos sobre a marginalidade
avançada. Rio de Janeiro: Revan; FASE.
21
As classes perigosas (dangerous classes) é um conceito definido de várias formas por Guimarães (1981),
podendo significar, de acordo com o contexto social, econômico e histórico: um conjunto social à margem da
27
desqualificação, invisibilidade e inutilidade sociais que colocam os pobres num segmento
marginal da sociedade.
Estas considerações poriam em pauta a questão da segurança que, segundo
Bauman (2001)
22
, seria uma das necessidades mais prementes da modernidade, ou seja, a
necessidade de defesa contra as ameaças que podem vir dos outros e que implicam no
reconhecimento da necessidade de proteção contra os perigos que rondam a sociedade e
causam tais medos, de caráter essencialmente urbano.
Ao desenvolver o tema segurança, Bauman (2003)
23
, o localizou como parte
da forma como se constitui a identidade e a sociabilidade na modernidade líquida. O autor
aponta o claro abandono da idéia de uma comunidade natural e tacitamente aceita, para se
optar pelo estabelecimento de uma comunidade onde as fronteiras entre “nós” e “eles”
definem os limites da convivência e determinam os lugares a que cada indivíduo pode se
referenciar.
O autor aponta que a segurança ocupa “uma espécie de papel tranqüilizante e
consolador” (Bauman, 2003:20), pois remete à percepção de uma proteção dada pela adesão a
uma identidade que cumpre a função de nos singularizar, mas que nos fragiliza frente ao
mundo. A identidade, em seu entendimento, aparece como um substituto da comunidade
natural, divide e separa, criando fronteiras que nos remetem à sensação de insegurança. Pois,
sendo as nossas identidades precárias e vulneráveis, os construtores de identidade precisam
criar coletivamente “cabides” onde são postos seus medos e ansiedades individuais. Assim a
coletividade, assustada e ansiosa, pode exorcizá-los em ritos públicos.
A fronteira torna-se necessária, cumpre a função de proteger as singularidades
ao mesmo tempo em que, quando coletivamente constituída e ostensivamente compartilhada,
define os critérios de acessibilidade e limita a liberdade. Liberdade e identidade são aspectos
complementares, “urgentes e indispensáveis” (Bauman, 2003:24), mas condenadas a um
constante atrito. Uma sempre estará sacrificada quando a outra se puser presente, ou nas
próprias palavras do autor:
sociedade civil, surgido com o excedente populacional e de reserva das indústrias; grupo de pessoas que
passaram pela prisão ou que não se interessam pelo trabalho como fonte de sustento pessoal e familiar; “último
resíduo da superpopulação relativa” (…) o “produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha
sociedade” (p.2); os verdadeiros revolucionários; os famintos e desclassificados que estão prontos para o
conflito armado seja de lado ou de outro da luta de classes. GUIMARÃES, A.P. (1981). As Classes Perigosas:
banditismo rural e urbano. Rio de Janeiro: ed. Graal.
22
BAUMAN (2001) op. Cit.
23
BAUMAN, Z. (2003) Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
28
“Estas duas qualidades são, ao mesmo tempo, complementares e
incompatíveis; a chance de que entrem em conflito sempre foi e
sempre será tão grande quanto a necessidade de sua conciliação.
Embora muitas formas de união humana tenham sido tentadas no
curso da história, nenhuma logrou encontrar solução perfeita para
uma tarefa do tipo da ‘quadratura do círculo’.
A promoção da segurança sempre requer o sacrifício da liberdade,
enquanto esta só poderá ser ampliada à custa da segurança. Mas a
segurança sem liberdade equivale a escravidão (e, além disso, sem
uma injeção de liberdade, acaba por ser afinal um tipo muito
inseguro de segurança); e a liberdade sem segurança equivale a
estar perdido e abandonado (e, no limite, sem uma injeção de
segurança, acaba por ser uma liberdade muito pouco livre).(…)
torna a vida comum um conflito sem fim, pois a segurança
sacrificada em nome da liberdade tende a ser a segurança dos
outros; e a liberdade sacrificada em nome da segurança tende a
ser liberdade dos outros.(Bauman, 2003:24)
Esta secessão é própria desta nova era de desigualdades na qual vivemos, pois
a individualização é a marca registrada da modernidade e faz parte do próprio ‘processo
civilizador’, no qual representou uma troca, nela a liberdade foi oferecida no lugar da
segurança. Isto pareceria um caminho sem riscos quando o que desejamos está à nossa
disposição, no entanto, desfrutar a liberdade sem pagar o preço da insegurança é um privilégio
de poucos.
É neste ponto que Bauman (2003)
24
vai apontar a idéia de emancipação como
sustentação do discurso da secessão posta, apontando-a como conseqüência do inacabado
projeto da modernidade. Mesmo os poucos privilegiados que podiam desfrutar da
emancipação se apresentavam descontentes, como apontou Sigmund Freud
25
: “O homem
moderno trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de
segurança.” (Freud, 1980:137). Explicitando que para desfrutar dos dons da liberdade social e
da segurança pessoal era preciso abdicar dos desejos pessoais em troca da inserção neste
território delimitado, era preciso jogar segundo as regras da sociabilidade posta. Toda a
civilização, a partir da modernidade, precisa se constituir, também, pela coerção e pela
renúncia.
Desta forma o processo civilizatório vai se revestir destas duas faces, uma
coercitiva e outra emancipatória. A primeira referida a uma civilização do controle, da
disciplina demandada pelas massas preguiçosas e tomadas pelas paixões. A segunda referida a
uma civilização do individualismo e da meritocracia, onde os limites da auto-afirmação
24
BAUMAN, Z. (2003) Op. Cit.
25
FREUD, S. (1980). O mal-estar na civilização (1930[1929]), Obras Completas, São Paulo: Imago, v. XXI.
29
seriam uma conseqüência inevitável e lamentável da ordem civilizada. Para que alguns
pudessem se emancipar, os outros deviam ser suprimidos.
Este movimento na direção da secessão ocorreu com o esgarçamento das
lealdades pessoais e o enfraquecimento dos laços comunitários naturais que davam
sustentação aos sentimentos de pertencimento nação, à região, à vizinhança, à família, etc).
As dores acumuladas se perpetuaram e pareceram estimular, cada vez mais, a desintegração
dos laços humanos. Esse movimento teria ficado mais evidente na Pós-Depressão, quando os
bem-sucedidos puderam se distanciar, refugiando-se num exílio voluntário, nos subúrbios, as
chamadas “comunidades cercadas”.
Importa destacar que estes lugares auto-cercados, “lugar sem lugar”,
cumpririam a função de expressar a existência de uma realidade virtual que permite a
conjugação entre liberdade e segurança, coisa que nenhum lugar real poderia vir a lhe
oferecer, onde podemos pensar que “a comunidade é uma versão compacta do estar junto, e
de um tipo de estar junto que quase nunca ocorre na ‘vida real’” (Bauman, 2003:116).
Desta forma também se espera que o delineamento da comunidade consiga
concretizar o afastamento da confusa intimidade da vida comum da cidade, este pode ser
comprado, nenhum gasto parece ser demais para afastar os “intrusos”, assim definidos como:
“todas as outras pessoas, culpadas de ter suas próprias agendas e viver suas vidas do modo
como querem” (Bauman, 2003:52).
O mais terrível no mundo de hoje é o temor de nossos semelhantes, Kehl
(2007)
26
vai referir que este além de empobrecedor e opressor leva ao rompimento da lógica
dos Direitos estabelecida a partir da modernidade. O medo seria a única lei que não pode ser
quebrada, torna o soberano absoluto e prescinde da justiça e da democracia, pois cria estados
de exceção permanentes.
Ao se referir à questão, Novaes (2007)
27
aponta que o medo tem por função
transformar cada indivíduo em suspeito, criando uma paranóia coletiva. Isto porque o medo,
como parte da vida social e política, é cúmplice da razão e realiza a passagem da brutalidade
para a ordem, mas também supõe uma crise entre a sua positividade civilizatória e a
ampliação dos poderes do Estado frente ao cidadão.
26
KEHL, M.R. (2007) Elogio do medo. In NOVAES, A. (org) Ensaios sobre o medo. SP: Ed. SENAC SP e
SESC SP. (p. 89-110)
27
NOVAES, A. (2007) Políticas do Medo. In NOVAES, A. (org.) Ensaios sobre o medo. SP: Ed. SENAC SP:
Edições SESC SP. (p. 9-16)
30
O medo é civilizador quando cria a ordem e inspira o sentimento de
afastamento dos perigos reais mal conhecido. No entanto, é despótico quando captado pelo
poder que instaura a necessidade da obediência civil como regra de convivência em
sociedade, explorando os medos imaginários não conhecidos para impor a necessidade de
ações estatais na garantida da constância das coisas como são.
Estaríamos na “nova era do medo”, na qual os velhos medos – referidos à Deus
– que convidavam ao pensar e ao agir com prudência, foram substituídos por pequenos medos
que rompem a mediação entre o medo e a razão e convidam ao pânico individual e coletivo.
Esses pequenos medos baseiam-se nas falas e imagens cotidianas e espetaculares e se
espalham sobre tudo e sobre todos, às vezes advindos de fatos reais e outras vezes advindos
da suposição imaginária.
Os pequenos medos não necessitam de fatos, o medo alimenta-se de si mesmo
e impede que os indivíduos sejam parte da coletividade. Ou seja, numa sociedade controlada
pelo medo, onde estão rompidas as possibilidades de racionalização, todos são inimigos uns
dos outros, não sendo possível afastar os males imaginários ou criar sensações apaziguadoras
por meio da política. O bom cidadão é aquele que se encontra amedrontado e a sociedade vai
se caracterizar pela falta de solidariedade e pela barbárie.
Novaes (2007)
28
ainda vai se referir à constituição de uma “era do terror” que
soma a ausência de sentido da civilização ao medo do invisível presente em tudo e toda parte,
pois o medo não separa a angústia do perigo e leva o indivíduo para fora do ser e o condena à
alienação e à decadência. Essa característica, então, seria parte da percepção das influências
hipermodernas na constituição do indivíduo e da sociedade, visto que seria o medo do obscuro
que criaria o disfarce perfeito para a ausência de futuro, para o presente eterno e confuso e
para a totalização do medo difuso.
Isto leva, necessariamente, à reformulação do papel do Estado, sendo que,
desde o início da pós-modernidade, do poder público se espera a observância dos direitos
humanos para que cada um possa seguir seu próprio caminho e a segurança de pessoas e
coisas protegendo-a de todo tipo de criminosos e estranhos.
Como os efeitos colaterais deste modo de vida são muitos e variados, Bauman
(2001)
29
vai se referir ao fato de que o isolamento das comunidades facilita o uso dos
chamados movimentos de lei e ordem, que expressam a tendência à homogeneidade em busca
28
NOVAES, A. (2007) op. Cit.
29
BAUMAN (2001) Op. cit.
31
da eliminação das diferenças. Sendo perceptível que quanto mais evidentes se tornam as
diferenças, mais rígidas e intensas serão as formas de reação a ela, dada a ansiedade
deflagrada pela percepção de sua existência.
A formação de nichos na sociedade seja por meio da delimitação dos territórios
bairros ou por meio da identificação de similaridades étnicas, expressa a falência da idéia
de bem comum, sendo cada vez mais difícil buscar estes interesses comuns. Os nichos são
lugares protegidos e seguros onde todos se parecem uns com os outros, por meio de uma
atribuição que os liga entre si.
A retomada da idéia de comunidade se coloca então, não como um mero
acontecimento de passagem, mas algo que parece ser uma escolha pública por um tipo de
racionalidade, frente à crise política e dos espaços públicos. Todos os esforços se concentram
na manutenção das distâncias entre nós e os outros (o diferente, o estranho e o estrangeiro),
partindo-se da identificação do perigo como possíveis violações da integridade física frente ao
“corpo estranho” e a tendência é expelir as diferenças e os portadores destas.
Tais intrusos são por demais desconcertantes e ameaçadores, eles são objeto
não do temor, mas do ódio da “nova elite”, por isso a necessidade das guardas armadas,
câmeras, guaritas e todo um aparato garantidor das fronteiras postas.
Neste sistema que se retro alimenta, o estímulo à sensação crescente de
insegurança nos remeteria à busca pelo comunitarismo, ou seja, a busca pela diminuição da
dor causada pela percepção do rompimento dos laços de solidariedade social e do crescente
desequilíbrio entre liberdade e as garantias individuais.
Na modernidade líquida, a evolução corrente da vida pública, a comunidade
aquilo que restou do projeto moderno de harmonia e de construção de uma boa sociedade
passa a ser definida como sendo um território constantemente vigiado, onde as transgressões à
normas são imediatamente punidas pela necessidade de reafirmação da segurança.
A comunidade deixa de ser definida pelo seu conteúdo de compartilhamento da
vida pública e de possibilidade de encontro para significar a delimitação de fronteiras claras
contra aqueles colocados na posição de inimigos assaltantes, desocupados, vagabundos e
outros intrusos.
30
30
BAUMAN, Z. (1999) Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
32
“(…) a chave para uma sociedade ordeira devia ser procurada na
organização do espaço. A totalidade devia ser uma hierarquia de
espaço. A totalidade social devia ser uma hierarquia de
localidades, cada vez maiores e mais inclusivas, com a autoridade
supralocal do Estado empoleirada no topo, supervisionando o todo
e ao mesmo tempo protegida da vigilância cotidiana.” (Bauman,
1999:24)
Com a existência de tal segregação, e com a fragilidade dos laços humanos, as
cidades se tornaram lugares de ajuntamento de estranhos, onde existe a possibilidade destes se
encontrarem casualmente na condição de estranhos. São encontros que iniciam e terminam
abruptamente, pois além da falta de reconhecimento, pressupõem uma instantaneidade, são
eventos sem passado e sem futuro, calcados na presentificação de um único momento.
Esta forma de encontro, segundo referencia Bauman (2001)
31
, implica no
desenvolvimento de uma certa forma civilidade, ou seja, na capacidade das pessoas
desenvolverem habilidades de proteção uma das outras, permitindo que convivam e
estabeleçam relações de reciprocidade. O encontro urbano possibilita o compartilhamento
entre as personas públicas, de modo que não se envolvam ou exponham suas
individualidades.
Por outro lado, todos aqueles que podem estar dentro da comunidade devem
guardar uma similitude entre si, garantindo-se a homogeneidade pelas regras estritas e
meticulosas de adesão, bem como pela estipulação de padrões rígidos de conduta. Os
diferentes, os estrangeiros, aqueles com inserções culturais diferentes, somente podem entrar
nestes espaços como prestadores de serviços, sendo culturalmente eliminados, são invisíveis.
O pertencimento à comunidade teria a capacidade de criar a falsa ilusão de
estar inserido num sistema solidário onde se fabricaria o sentimento da identidade comum.
Tão forte seria esta imagem que seria capaz de criar uma realidade. Na comunidade, toda e
qualquer diferença é ignorada, de forma que é possível deixar de lado a alteridade, pois,
pertencer à comunidade, não envolve negociações, nem esforços de empatia, compreensão e
concessões”. (Bauman, 201:117)
Vai se delineando, cada vez mais claramente, uma sociedade do risco formas
sistemáticas de lidar com os perigos e as inseguranças induzidas pelo próprio processo de
modernização onde as idéias da possibilidade do controle, certeza e segurança entraram em
colapso. Nenhuma sensação apaziguadora se apresenta e os temores tendem a crescer.
31
BAUMAN (2001) Op. cit.
33
Frente a este quadro, a indústria da segurança cresce absurdamente, pois para
mitigar inseguranças e incertezas tenta-se garantir a segurança dos corpos, das posses, da rua.
A comunidade iria, então, definir-se como o lugar seguro, onde estão garantidos “o
isolamento, separação, muros protetores e portões vigiados” (Bauman, 2003:103).
Esta teria sido a opção da classe média, que escolheu pela compra de segurança
privada em detrimento da busca pelos espaços públicos, afastando as pessoas da possibilidade
de desenvolver habilidades de compartilhamento da vida pública. Birman (2004)
32
aponta
que com o aumento da criminalidade urbana a sensação de que a casa representava um espaço
minimamente seguro e privado se desfez, sendo as fronteiras claramente estabelecidas para
impedir a invasão dos estranhos, imprevistos e brutais. Com isso, “o limiar de relativa
insegurança foi efetivamente ultrapassado, instaurando-se um clima geral de horror e de
terror coletivos” (Birman, 2004:125), nos setores sociais privilegiados. O pânico seria uma
reação natural ao reconhecimento da incapacidade de ação da segurança pública.
Neste contexto, de crise civilizatória, a necessidade pela privatização da
segurança, decorre de um limiar de violência real, que se junta à percepção de um mal-estar
difuso onde o inimigo está em diferentes territórios e em diferentes campos sociais, sendo
impossível localizá-lo e restringi-lo. Também se coloca a percepção de que o Estado seria
incapaz de prover a segurança dos bens e das pessoas, com isso surge a necessidade de uma
contra-reação das classes mais providas de recursos.
Paradoxalmente, a segurança privada vai promover o enfraquecimento do
Estado, pois o reconhecimento da incapacidade deste em prover a segurança, enfraqueceu seu
poder simbólico e sua autoridade. Esta tomada de posição das classes médias e altas
representou um desinvestimento em ações do poder público, pois a opção pela privatização da
segurança implicou no abandono de políticas econômicas e sociais que incidiriam sobre as
classes mais pobres e sobre a redistribuição de renda.
Birman (2004)
33
afirma, então, que este foi um mecanismo usado, desde
sempre, pelas elites brasileiras. Ou seja, o de garantir seus interesses pessoais e imediatos em
detrimento dos interesses coletivos, sem preocupar-se com os efeitos destes à longo prazo
para a produção da miséria e da exclusão social no país. Com isso, as classes populares teriam
ficado mais expostas à violência e desprovidas da proteção efetiva de um Estado social, sendo
32
BIRMAN, J. (2004) Sociedade Sitiada. Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade. Ano 9, número 14,
Instituto Carioca de Criminologia/Ed. Revan. (p.116-153).
33
BIRMAN (2004) Op. Cit.
34
“na sombra da ausência do Estado, no campo das classes sociais desfavorecidas, que os
grupos criminosos vão se disseminar decididamente nas favelas e nas regiões mais pobres da
cidade.” (Birman, 2004:127).
É essa imagem do abandono, da miséria e da pobreza que vai constituir a
contra-cena da vigilância ostensiva e vai colocar em pauta a figura do perigo que alimenta o
medo, o sentimento de insegurança e de horror permanente que salta os olhos e que se
constitui na invisibilidade dos processos de exclusão social.
Esta reflexão complementa a percepção de Bauman (2003)
34
de que serão as
novas formas de vida moderna, deflagradas pelo processo globalizador, que irão alimentar as
“terras de fronteira”, onde determinadas pessoas (imigrantes, asilados e ‘excluídos’) estão
impedidas de entrar ou convidadas a sair, aumentando, ainda mais, os temores relacionados à
segurança e à sua deterioração. Enquanto tais temores são trazidos para a cena pública sob a
forma de preocupação com a integridade física pessoal e dos bens eles se mostram eficazes
em afastar as ansiedades e angústias causadas pelas condições econômicas e sociais presentes
na pós-modernidade.
A associação entre violência e segregação urbana noticiada nos meios de
comunicação de massa, exacerbaria este quadro, onde a “cultura do medojustificaria, cada
vez mais, a necessidade do auto-isolamento social e o abandono progressivo dos espaços de
sociabilidade compartilhados nas cidades.
Glassner (2003)
35
ao definir o que poderíamos chamar de cultura do medo ,
aponta que o medo do crime sempre existiu, mas hoje ele dissemina-se e influi no
comportamento dos indivíduos e na formação de políticas de segurança, pois, na cultura do
medo, os medos reais e os falsos medos não podem ser diferenciados. O autor vai apontar que
o uso político das estatísticas criminais, que gera temores diversos e a necessidade de políticas
de segurança rígidas e totalitárias, atende a motivos econômicos e ideológicos. Ainda influiria
na manutenção de uma cultura do medo a superexposição da criminalidade nos meios de
comunicação, pois com a associação entre desigualdade social e pobreza, se justifica a
criminalização de determinados setores da sociedade.
Uma cultura do medo, necessariamente, existe para a proteção de interesses de
grupos específicos e se estrutura, inicialmente, sobre medos banais que se tomam formas
aterradoras quando alimentados. a tendência a tratar como causa os atos individuais
34
BAUMAN (2003) Op. Cit.
35
GLASSNER, B (2003). Cultura do Medo. SP: Francis.
35
cenas do aqui - agora e não as distorções sociais geradas no processo de
globalização/mundialização. As situações de fato pobreza, desemprego, ausência de
políticas públicas, etc. são desqualificadas e usadas para alimentar os preconceitos sociais e
deflagrar políticas públicas insanas.
O risco eleito como aterrorizante vai depender dos princípios morais, culturais
e dos preconceitos de uma sociedade, os focos podem ser diversos, dentre os quais inclui o
medo do crime, de doenças, da juventude, do diferente/desconhecido, dos pedófilos e dos
pobres. O autor vai afirmar que a cultura do medo somente se instala com sucesso quando o
pavor é eficaz em expressar ansiedades culturais profundas e consegue impedir mudanças
estruturais do Estado. Seria desta forma que cada cultura elegeria seus objetos de temor e
escolheria os mecanismos de retaliação adequados aos preconceitos que alimenta.
Neste mesmo sentido, a disseminação do medo, conforme Malaguti Batista
(2003)
36
, além de gerar inseguranças globalizadas estaria imbuída de um medo cotidiano
concreto, dando origem a discursos e teorias criminológicas do senso comum de retribuição
do mal imposto olho por olho, dente por dente. Isto porque o medo seria um condutor de
subjetividades e se prestaria à neutralização e disciplinamento dos indivíduos, sendo uma
estratégia de controle social poderosa, cujo uso político diminui a capacidade de autonomia
do sujeito e tira-lhe a humanidade (desnatura).
Nos anos 60 e 70 do século passado, nos Estados Unidos, tal discurso teria sido
assumido por essa “nova elite” que optou pela privatização da segurança, ao invés de buscar
soluções políticas no enfrentamento das desigualdades sociais e étnicas. O bairro seguro é um
“gueto voluntário”, onde as diferenças foram eliminadas. O outro diferente/estranho se
entendido como aquele que será capaz de causar desagrados e promover prejuízos. O
interessante é que, dada a intensidade do medo, se os estranhos não existissem teriam de ser
inventados, e o são.
Deste processo surgiu o que se chamou de uma “política do medo cotidiano”,
caracterizada pela suposição de que as ruas são inseguras, levando a uma busca pelo estado de
segurança anterior, dando origem à necessidade de privatização e de militarização do espaço
público compra de segurança privada além da adoção de políticas de combate acirrado ao
36
MALAGUTI BATISTA, V. (2003) Na Periferia do Medo. Estados Gerais da Psicanálise: II Encontro
Mundial. Rio de Janeiro.
http://www.estadosgerais.org/mundial_rj/port/trabalhos/5e_Batista_36020903_port.htm.
36
crime (“tudo penal”), a construção de um grande número de prisões e a adoção de penas de
morte.
Nesta mesma direção Wacquant (2003)
37
afirma que após a segunda metade
do século XX, nos EUA, se optou “pela substituição do Estado-providência por um Estado
penal e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a ‘contenção punitiva’
das categorias deserdadas faz as vezes de política social” (Wacquant, 2003:19). As políticas
sociais, então, não se prestam à solidariedade, ao reforço dos laços sociais, nem à perspectiva
de diminuição das desigualdades, são paliativos calcados no tratamento moral e moralizante
da pobreza, com os quais se objetiva o reforço do mercado e a imposição de salários
desqualificados àqueles que se colocam à margem do mundo do trabalho e do consumo de
bens e serviços.
O encarceramento, mais do que uma estratégia de deslocamento da insegurança
advinda das relações de consumo e trabalho, seria produtivo, pois gera empregos e renda, num
mercado de compra, venda e troca de serviços, prisioneiros e capitais. A ‘política do medo
cotidiano’ e o ‘tudo penal’ conjugados, promoveram o encarceramento das populações
urbanas em situação de abandono, às quais o Estado não mais deseja reabilitar, mas gerenciar
seus custos e controlar as populações perigosas.
Como paradoxal, o autor ainda irá considerar que os índices de criminalidade
nos Estados Unidos, desde então, não se alteraram, permaneceram constantes, o que
claramente confirma que o Estado penal aparece como um substituto do desengajamento do
Estado caritativo. Disso decorre que contribui para o aumento da sensação de insegurança e
da violência, aos quais devia combater.
Na atualidade, o tema tem ganhado expressividade nos meios de comunicação
e nas discussões acadêmicas frente à divulgação dos índices de criminalidade e de ineficácia
do sistema punitivo em ressocializar e conter o avanço da violência urbana, gerando o clamor
pela modificação das leis e do tratamento de determinadas parcelas de nossa sociedade.
Os aspectos referidos são apontados como parte da configuração globalizada,
mas também poderiam ser aplicados ao caso brasileiro, onde a sensação de insegurança e a
necessidade por proteção, desde sempre, se apresentou como preocupação constante, parte do
processo de constituição do território nacional e da organização do Estado brasileiro.
37
WACQUANT, L. (2003). Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Coleção Pensamento
Criminológico. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Ed. Revan
37
2.3. A (In) Segurança e o Rio de Janeiro
No Brasil, as considerações sobre a (in) segurança não são um fato recente e
não podem ser somente atribuídas à urbanização e ao inchaço das grandes cidades. Numa
perspectiva mais ampla, poderíamos situar os debates em torno da (in) segurança na própria
estruturação histórico-cultural da sociedade brasileira.
Matta (1997)
38
sugere que a sociedade brasileira é peculiar, visto que se situa
no meio do caminho entre a hierarquia e a igualdade, entre o mundo da individualização
predominante dos mercados e capitais e o mundo das moralidades pessoais, não é marcado
por dicotomias, padronizações e oposições claras, mas, por diferenças e nuances.
Desta forma, no Brasil, não poderíamos adotar uma suposição linear,
evolucionista ou racional para entender a aplicabilidade das leis, visto que convive de maneira
complexa um forte sistema de relações pessoais embaraçado com um sistema de leis
estabelecido e racional. Este complexo emaranhado teria se formado e guiado por séculos de
relações senhoriais e escravocratas, onde as leis são aplicadas explicitando suas relações
estreitas com um vasto rol de valores e ideologias, o que explicaria, também, a forma como a
violência urbana se configura no Brasil.
Ainda para Matta (1984)
39
a defesa das fronteiras é a forma como a sociedade
brasileira constitui as suas relações de sociabilidade. Expõe a idéia de que sendo a “casa” o
universo representativo das tradições e dos valores coletivos, é corrente no Brasil, mesmo na
atualidade, a necessidade de defesa das fronteiras, seja na forma de proteção dos bens móveis
ou imóveis, seja na forma de proteção dos membros mais frágeis ou serviçais, pondo em pauta
a existência de um espaço totalizador detentor de um forte conteúdo moral e moralizante que
emerge como base do universo relacional.
A casa se coloca como um símbolo da inclusão e da exclusão, onde se realiza
uma “convivialidadesocial profunda, que individualiza e hierarquiza os lugares sociais de
dentro de suas formas de relação (parentesco, compadrio, amizade, etc.).
Sobre a formação das relações sociais e familiares, Costa (2004)
40
vai adotar a
lógica inversa ao afirmar que são as relações intrafamiliares que reproduzem as relações entre
classes sociais, sendo a ética do convívio social que modela o convívio familiar. A norma
familiar, produzida pela ordem médica, a partir do século XIX, desqualificou as tradições e
38
MATTA, R. da (1997). Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. RJ: Rocco.
39
MATTA, R. da (1984) O que faz do Brasil o Brasil?, RJ: Rocco.
40
COSTA (2004) Op. Cit.
38
costumes da família, introduzindo o saber dos especialistas como agente de normalização das
relações e do convívio de fora para dentro.
Matta (1984)
41
também irá referir-se ao lugar que a rua e o trabalho ocupam
no universo relacional brasileiro. O autor aponta que, em complemento e oposição à casa, a
“rua” se apresenta como o local onde as mudanças e os elementos dinâmicos da sociedade
brasileira emergem, sendo, por essência, um espaço revolucionário. Na rua as pessoas toda
uma massa de indivíduos indiferenciados e desconhecidos estão à sua própria sorte, em
confronto com a dura realidade estão sujeitos e subjugados às regras da cidadania, ou seja, ao
universo impessoal da lei onde se expressam toda a sorte de perigos e ameaças.
“(…) o universo da rua tal como ocorre com o mundo da casa
é mais que um espaço físico demarcado e universalmente
reconhecido. Pois, para nós, brasileiros, a rua forma uma espécie
de perspectiva pela qual o mundo pode ser lido e interpretado.
Uma perspectiva, repito, oposta mas complementar à da casa,
e onde predomina a insegurança e a desconfiança. (…) a casa e a
rua são mais que locais físicos. São também espaços onde se pode
julgar, classificar, medir, avaliar e decidir sobre ações, pessoas,
relações e moralidades. Compensando-se mutuamente e sendo
ambas complementadas pelo espaço do ‘outro mundo’, onde
residem deuses e espíritos, casa e rua formam os espaços básicos
através dos quais circulamos na nossa sociabilidade.” (Matta,
1984:30-33).
O “trabalho” aparece como um mediador complexo entre a casa e a rua, sendo
desqualificado e desvalorizado, pois, se insere na lógica de uma sociedade de raízes
escravocratas, fazendo com que as relações entre patrões e empregados sejam tanto de
exploração como supõe a gica capitalista, quanto de posse e proteção explicitando os
elementos morais e pessoais da lógica relacional brasileira.
Esse aspecto é particularmente significativo quando se considera a forma como
se configura a violência urbana no Brasil. Misse (1997)
42
vai discuti-la ao apontar que esta
última teria como elemento singular a incompletude do processo de constituição do
assalariamento, visto que a contrapartida universalista desenvolvimento da regulação do
trabalho e universalização da cidadania foi seletiva e, para ser legitimada, gerou soluções
provisórias e expectativas de inclusão num futuro sempre distante.
41
MATTA (1984) Op. Cit.
42
MISSE, M. (1997). Crime urbano, sociabilidade violenta e ordem legítima: comentários sobre as hipóteses de
Machado da Silva. Trabalho apresentado no VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, agosto de
1997. Disponível em: http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/arquivos.
39
Tal assertiva, segundo Machado da Silva (1999)
43
nos remeteria a questões
mais complexas do que a oposição ao Estado constituído, pois, a experiência da insegurança
passa pela percepção de que a violência em transformação é um meio socialmente regulado e
minimizado de obtenção de interesses que se encontra no centro de um padrão de
sociabilidade em formação, que não está somente referido à ineficácia dos aparatos de
controle social, mas à formação de uma certa configuração do tecido social que constitui
numa nova sociabilidade.
Para Neves (2004)
44
, no entanto, o levantamento de fronteiras sociais é
anterior ao processo de assalariamento, considerando-o como parte da forma como se
constituíam os papéis sociais na América Portuguesa. Ao fazer considerações sobre a
“Inconfidência do Rio de Janeiro (1794)”, o autor aponta que no rastro da Revolução Francesa
(1789) e da revolta dos escravos em São Domingos (1791), se constituiu uma conjuntura
sombria e paranóica no Rio de Janeiro
45
que resultava do constante clima de intrigas e
complôs presente na sociedade colonial.
Em finais do século XVIII, este clima de insegurança na colônia, também era
associado ao tímido incremento da ideologia iluminista, que disseminava a alfabetização e a
escrita, criando o medo de levantes e insurgências à ordem estabelecida. A insegurança gerada
pelas constantes ameaças era de tal ordem que teria motivado a preocupação de que os
moradores cariocas apoiassem os estrangeiros revolucionários, insurgindo-se contra o reinado
português.
Ainda segundo o autor, na realidade luso-brasileira, as “murmurações no dia-a-
dia tinham muita importância, visto que, frente à monótona e repetitiva vida gerenciada
pelos ditames religiosos, ocupavam a função de se opor às ofensivas normatizadoras da Igreja,
bem como definir os papéis e lugares sociais de cada membro da comunidade.
“(...) sobravam os segredos e as murmurações, que davam a cada
um o seu lugar na comunidade; que aproximavam ou separavam
vizinhos; que definiam as atitudes a assumir diante dos
funcionários do rei como dos comerciantes inescrupulosos; que
expressavam os temores em relação à doença e à violência
43
MACHADO DA SILVA, L.A. (1999). Criminalidade Violenta: por uma nova perspectiva de análise. Revista
de Sociologia Política, Curitiba, 13, p. 115-124, Nov. 1999. Disponível em:
http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/arquivos.
44
NEVES, G. P. C. P. das. (2004). Rebeldia, Intriga e Temor no Rio de Janeiro de 1794. SBPH Sociedade
Brasileira de Pesquisa Histórica, XXIV Reunião Anual, Curitiba, julho 2004. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/artigos/neves_rebeldia.pdf.
45
Vice-Reino desde 1763 e transformada em sede do Império Português em 1808.
40
insistentemente presentes; que traduziam para o dia-a-dia uma
visão religiosa do mundo, sob a forma de crendices, de ritos, de
festas, escandindo a trajetória de cada um, do nascimento à morte,
em uma memória volátil, que não precisava passar de uma
geração a outra por que incessantemente recriada, sem grandes
alterações.” (Neves, 2004:5)
Por outro lado, os boatos também se constituíram como a forma corrente de
disseminação do medo e do sentimento de insegurança, principalmente no Rio de Janeiro,
onde o grande fluxo negreiro levava a uma deterioração das condições sanitárias de partes da
cidade onde os escravos eram negociados. As constantes ameaças também eram referidas às
possibilidades de ataques, seja dos estrangeiros ou dos nativos da terra.
Cita Catarin (2007)
46
que, em 1695, a simples solicitação de ancoragem para
reparo de um navio francês foi o suficiente para que muitas famílias deixassem a cidade do
Rio de Janeiro às pressas, o pânico e a insegurança foram tamanhos que chegaram a gerar
desordens e agressões aos tripulantes do navio. Para encerrar tal episódio o Governador
decretou “a proibição da circulação de todo e qualquer tipo de boato na cidade sob a pena
de morte aos boateiros acusados e condenados.” (Catarin, 2007:2)
Nas referências históricas, sempre que o contexto do Brasil Colonial é
apontado, é posta a existência de uma insegurança cotidiana, sendo o período marcado por um
corrente insucesso na criação e manutenção do controle, visto as constantes ameaças de
invasão ou epidemia, e os freqüentes embates entre a Igreja, o poder do Estado e as famílias.
A desordem urbana é sempre citada como uma das características mais
marcantes das cidades coloniais brasileiras, a polícia, frágil e fragmentada, não raramente, se
curvava a interesses privados, pois, era composta por quadrilheiros membros da sociedade
civil que recrutados ou espontaneamente incorporados, obedeciam à autoridade pessoal de
membros importantes da política.
A existência das indicações por conhecimento, fidelidade e compadrio,
decorria da própria lógica de organização dos aparatos político-administrativos na Colônia.
Segundo a forma de organização do Estado Imperial Português, os membros das Câmaras
Municipais destacavam-se à margem da “nobreza de sangue” e conseguiam alçar o status de
“nobreza civil ou política”, mesmo sendo homens de origem humilde, conquistavam o
enobrecimento por meio dos serviços valorosos prestados ao Rei.
46
CATARIN, C. (2007). O Pânico no Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.historianet.com.br.
41
Além do poder político junto ao Rei, os nobres brasileiros tinham autonomia
para prover e gerenciar rendas e impostos, pois, como refere Bicalho (1998)
47
, com a falta de
verbas da Metrópole, as despesas militares da colônia foram transferidas aos colonos que
arcavam com a defesa das terras ultramarinas. Os colonos deveriam, então, providenciar a
estrutura, sustento e suporte às tropas e guarnições, construção e reparo das fortalezas, além
da execução de obras públicas e de outros melhoramentos urbanos.
Ao traduzir o relato de um viajante francês que ancorou no porto do Rio de
Janeiro em 1748, França (1997)
48
, aponta uma visão geral do que se podia encontrar no dia a
dia da cidade no século XVIII. As defesas do Rio de Janeiro estavam entregues a um grupo
reduzido de militares, os batalhões eram formados por filhos do país homens sem berço e
sem mérito” alistados a contragosto e subordinados à autoridade e caprichos do
Governador. Poucos homens livres podiam ser vistos e o número de negros nas ruas era
considerado prodigioso”. As atividades de comércio e agricultura eram apontadas como
precárias e os aparatos jurídicos, burocráticos e administrativos da Colônia são referidos como
pouco estruturados, sendo a colônia totalmente dependente de Portugal.
O contexto descrito levava ao viajante pressupor um clima de constante perigo,
para o qual não via estratégias de manutenção da ordem e da segurança das pessoas, como
descreve:
“(…), o Rio de Janeiro, um verdadeiro formigueiro de negros.
Esta concentração funesta traz consigo o constante perigo de uma
rebelião. Contra tal inconveniente, a solução encontrada pelos
portugueses foi a de adquirir escravos de diferentes proveniências
e utilizar a oposição entre seus caracteres para controlá-los. (…)
É nesta antipatia natural que se funda a seguridade pública.”
(França, 1997:153)
Este contexto tão claramente marcado não era fruto de um mero acaso, pois, ao
longo do século XVIII o Rio de Janeiro conseguiu status junto ao poder Imperial, dado a
organização e eficiência gerencial e militar propiciada pela sua Câmara Municipal. Desta
forma, passou a ser o palco privilegiado destas dificuldades do gerenciamento da coletividade
mesmo porque, já na virada do século XIX, era o maior porto mercantil do império português,
47
BICALHO, Maria Fernanda. (1997). As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de
Janeiro. Revista Brasileira de História. Volume 18, n. 36, São Paulo, 1997. p. 251-580. Disponível em:
http://www.scielo.br
48
CARVALHO FRANÇA, J.M. (1997) Um visitante do Rio de Janeiro Colonial. Revista Brasileira de História.
Volume 17 n. 34. São Paulo, 1997. p.149-161. Disponível em: http://www.scielo.br.
42
sendo a sua importância progressiva para o estabelecimento de uma dinamização da economia
e da urbanização da colônia ultramarina, sendo o local privilegiado para a vida urbana
crescente.
49
A constituição de um espaço urbano se fazia importante para a forma como o
comércio legal e/ou ilegal se estruturava a partir de então, mas também expressava a
existência de uma sociedade altamente desigual e estratificada.
As leis eram aplicadas com penas e execuções diferenciadas para nobres,
clérigos e homens comuns (com ou sem posses e conexões), sendo raros os relatos de
punições pela ilegalidade do comércio ou pela cobrança das taxas de manutenção deste.
Quando aplicadas, as punições indicavam a quebra do decoro e da permissividade que
acompanhava a ilegalidade, levando à ocorrência de murmurações e revoltas da população.
Um cenário de transformações foi incrementado após 1808, com a vinda da
Família Real para o Brasil, pois, como cita Costa (2004)
50
, para a montagem de uma estrutura
administrativa, a centralização das decisões repressivas ficou sob o comando do Rei,
fortalecendo a polícia, dando-lhe, também funções de organização do aparato de
funcionamento e construção da civilidade. A função dos aparatos judiciais e policiais, não se
modificou, continuou sendo apenas punitiva, com altos índices de reincidência, atribuídos ao
ócio e vagabundagem.
O controle social foi estruturado, desde o início, em torno das instituições até
então organizadas, ou seja, a Igreja e o Exército. Dados os conflitos de interesse e objetivos
entre o Governo e as ordens jesuítas, a militarização assumiu maior importância. Por meio das
ações militares se fazia o combate à desordem política e o controle das cidades, o que por si
aponta para a constituição de um aparato em torno do medo, da insegurança gerada pelas
condições de vida, desprovida de meios de produção de trabalho e ocupação, e também
culturalmente atrasada em relação ao Reino.
As famílias obtinham prestígio com a entrada de seus membros no exército e,
usufruíam de vantagens econômicas e pessoais. Na falta de poder das instituições jurídico-
policiais, o aparato repressivo militarizado, atendia aos interesses de organização do Estado,
mas a legalidade se estabelecia em torno das vantagens pessoais, sendo que, muitas vezes, a
inoperância de sua efetividade estava relacionada à descontinuidade de ações.
49
AMARAL, R. (2007). O Rio de Janeiro e o crescimento da vida urbana no primeiro quartel do século XIX.
Combates e Debates: Revista Digital do Curso de História. Rio de Janeiro: Faculdades Simonsen. Disponível
em: http://www.simonsen.br/novo/revista/nesta_edicao.php. (consulta em setembro/2007)
50
COSTA (2004) Op. Cit.
43
A militarização do controle social tinha, então, duplo resultado, se, por um
lado, tinha uma função repressiva, por outro, cumpria a função de integrar, produzindo
sujeitos obedientes aos objetivos do Estado. No entanto, a militarização trouxe como
conseqüência o envolvimento de vários de seus membros com causas emancipatórias, em
oposição ao Governo Português.
Segundo Costa (2004)
51
, estas diversas dificuldades no estabelecimento de um
aparato de Estado fizeram com que o Governo do Reino, buscasse na Medicina Higiênica uma
aliança para efetivar o governo político dos indivíduos. Reconverter as famílias ao Estado era
uma tarefa grandiosa, justificada pelo caos sanitário. Frente ao ambiente insalubre, os
discursos em torno da ameaça de destruição e a possibilidade de transformação, do medo da
morte e da necessidade de expansão das cidades, a medicina adquiriu credibilidade para
organizar, espacial, social e politicamente as famílias, as pessoas e as cidades.
No entanto, as normas higiênicas vão ser pensadas e aplicadas a uma elite
branca e detentora de certo status econômico e social, sendo seu conteúdo moral dirigido à
adaptação dos indivíduos ao sistema econômico e político, de forma que os “escravos,
mendigos, loucos, vagabundos, ciganos, capoeiras, etc., servirão de antinorma, de casos
limites de infração higiênica” (Costa, 2004:33), preferivelmente excluídos da cena social.
Nesta arena de conflitos, onde claramente se punha a verticalidade das relações
e lugares sociais, bem como a hierarquia e a dependência, se insere a lógica patriarcal, citada
por Matta (1984)
52
como pertencente ao universo relacional da casa, que somente admite a
horizontalidade do cotidiano quando insere a alteridade numa lógica senhorial do favor, da
concessão, da proteção. Para fora deste registro histórico-cultural das relações com a
alteridade, se colocam os discursos sobre o caos e a desordem, que então, se colocam como
justificadoras de políticas criminais violentas e exterminadoras.
Por outro lado, o estabelecimento do universo relacional brasileiro pode
também ser entendido como linha de fuga, visto que as relações de favor rompem com a
lógica da invisibilidade social e desvelam uma possibilidade para além das relações sociais
postas na transição entre a escravidão e o assalariamento.
53
51
COSTA (2004) Op. Cit.
52
MATTA (1984) Op. Cit.
53
MALAGUTI BATISTA (2003) Op. Cit.
44
Sob uma perspectiva criminológica, Wacquant (2003)
54
vai afirmar que uma
historiografia do medo do outro na “cidade maravilhosa” é importante para entender a forma
como a violência urbana se estruturou no Rio de Janeiro, bem como para entender a
constituição de um poderoso medo cotidiano que implica na constituição de um aparato
repressivo e punitivo à pobreza. O medo na cidade do Rio de Janeiro poderia ser referido sob
três aspectos.
Um primeiro que aponta o impacto difusor de uma cultura do medo, como
capaz de consolidar e expandir o poder político e simbólico. O medo coletivo “de tumultos
coletivos, atividades criminosas alimentadas pela pobreza, insurreição de escravos, e o seu
correlato repugnante, ‘africanização da nação nascente’ ”(Wacquant, 2003:7) foi capaz de
incrementar a urbanização e a modernização do Brasil. Por um lado, convertendo a emoção
num poderoso catalisador do pertencimento das pessoas ao Estado Brasileiro e, por outro
lado, capacitando o Estado para gerir e comandar a vida das pessoas.
Como segundo aspecto o medo se presta à perpetuar o discurso de estranheza
frente ao negro escravos e seus descentes no Rio de Janeiro, que abrigou a maior
população de origem africana das Américas. O que de maneira incontestável influenciou não
a ordem espacial, mas a medicina e saúde pública, bem como a criminologia e as políticas
de controle da criminalidade.
Em fim, o medo também promove o controle social e a gestão dos
despossuídos e desconsiderados, visto que ao promover discursos em torno da patologização
dos escravos e seus descendentes, opõe o Estado ao caos infracional das comunidades
marginais, o que favorece ações de opressão, extermínio e tortura para a manutenção da
ordem ameaçada.
A patologização da pobreza implica na adoção de uma “cruzada saneadora e
civilizatória” contra o mal que se esconde nas falhas morais e que põe os bons cidadãos em
constante terror frente ao “perigo social” que o convívio cotidiano com os pobres viciosos
promove.
55
54
WACQUANT, L. (2003). Prefácio, in MALAGUTI BATISTA, V. O Medo na Cidade do Rio de Janeiro: dois
tempos de uma história. Rio de Janeiro: Ed. Revan.
55
COIMBRA, C.M.B. e NASCIMENTO, M.L. (2003). Jovens Pobres: o Mito da Periculosidade. In
IULIANELLI, J.A.S. e FRAGA, P.C.P. (orgs.). Jovens em Tempo Real. Rio de Janeiro: DP&A editora. (p. 19-
37).
45
Malaguti Batista (2003)
56
ao discutir o medo na cidade do Rio de Janeiro o
situa como uma das mais poderosas estratégias de neutralização e disciplinamento das massas
empobrecidas, funcionando como um mecanismo indutor e justificador de políticas
autoritárias de controle social, principalmente as políticas criminais de lei e ordem.
Para a autora, a Revolta Malê (1835), ocorrida na Bahia, seguida de rumores e
boatos de levantes teria exacerbado a insegurança e o “medo branco”, que vinha assumindo
características histéricas no século XIX, principalmente, após o levante escravo em São
Domingos (1791) ocorrido alguns anos antes do início do século. Este clima alimentava
políticas de perseguição e aniquilamento, bem como rígidas regras de circulação dos negros
escravos ou forros – e severas punições e castigos físicos a estes últimos.
Para Malaguti Batista (2003)
57
, o medo desproporcional à realidade se
propunha a manter um violento controle social sobre setores da sociedade capazes de se
rebelar contra a gida e hierarquizada sociedade imperial. A possibilidade do caos, sempre
entrevista na sociedade colonial e imperial, suscitaria o terror frente ao estranho, questionando
os lugares e posições sociais dos indivíduos, sendo necessário, frente ao outro, o
estabelecimento de fronteiras, hierarquias e proteção.
A imagem do terror e do caos ocuparia o papel disciplinador emergencial,
possibilitando a exacerbação da estranheza e a violência frente ao diferente. Tais argumentos
apontariam para a percepção de que o sentimento de insegurança frente às ameaças que
podem vir dos outros sempre fizeram parte do imaginário brasileiro, sendo parte do processo
civilizador e da formação da identidade brasileira.
O medo além de poderoso difusor de estratégias de controle social alimenta um
sentimento exacerbado de insegurança, possibilitando o uso de práticas violentas e invasivas
de manutenção da ordem frente ao caos. Por isso, o medo como mecanismo de controle social
também seria usado após a abolição e a instauração da República, onde se verificou uma
intensa ação de intimidação das classes subalternas, vistas como propagadoras de doenças e
valores morais distorcidos. Ações para limpeza da cidade do Rio de Janeiro e para
organização do espaço público foram acompanhadas pela truculência frente à periculosidade
dos pobres.
56
MALAGUTI BATISTA, V. (2003) O Medo na Cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de
Janeiro: Ed. Revan.
57
MALAGUTI BATISTA (2003) Op. Cit.
46
Mattos (2004)
58
aponta que, no período entre a Proclamação da República e o
Golpe Militar de 1964, a vigilância e a repressão policial sobre a classe trabalhadora do Rio
de Janeiro, assumiram forma política e a lei penal passou a tratar como delito o movimento de
greve. Os movimentos operários se tornaram objeto de ações específicas de segurança
pública, sendo o foco primordial de sua ação a manutenção da “ordem social e segurança
pública”, com o uso de aparatos repressivos e violentos.
Esse contexto foi constitutivo da violência urbana brasileira, pois como refere
Misse (1997)
59
a existência de um processo falho de assalariamento se agravou com a
retração econômica. Com esta os serviços públicos entraram em colapso e houve a perda da
validade da ordem institucional-legal, sendo legitimados modelos de conduta das populações
urbanas.
Frente à tal crise de legitimidade passaram a coexistir no Brasil dois
ordenamentos, o legítimo e o da violência urbana constituída, sendo a “ordem legítima de
fato” a vigente, referida às relações entre ambas as ordens na vida cotidiana, que geram novas
regras de convivência originais e um novo padrão de sociabilidade (violento), ambos paralelos
e coexistentes com as regras e padrões tradicionais.
Desta forma, a violência nas cidades brasileiras seria resultante da crise
instaurada por um “padrão longamente maturado” de relações entre sociedade e Estado. De
forma que a violência, em si mesma, teria por função possibilitar um meio socialmente
regulado e minimizado de obtenção de interesses privados.
Para explicar tal função para a violência Misse (1997)
60
, vai se referir ao fato
de que a idéia de um conceito de sociabilidade violenta em expansão seria decorrente da
existência de um individualismo exacerbado, uma tendência nova e permanente no processo
de modernização brasileiro, associada aos processos de globalização, sendo suas
características: o uso da violência como recurso universal; a subjugação pela força como
rotina; as relações inter-individuais técnicas e provisórias; o rompimento com toda a
alteridade e negação da intersubjetividade como valor essencial para a vida em coletividade; e
a inexistência de projetos coletivos ou de estímulo à solidariedade comunitária.
Este processo seria calcado na lógica da existência de uma ordem legítima de
fato, na qual são toleradas formas antes consensualmente criminalizadas, tais como o jogo do
58
MATTOS, M. B. (2004) Greves, sindicatos e repressão policial no Rio de Janeiro (1954-1964). Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, 2004. p.241-270.
59
MISSE (1997) Op. Cit.
60
MISSE (1997) Op. Cit.
47
bicho e outras contravenções de “menor” potencial ofensivo, e aceitas formas de violência
institucional da ordem da vida cotidiana, tais como a arbitrariedade policial.
Com isso, a criminalidade urbana brasileira viria a se organizar de uma forma
diferente após os anos 60, principalmente no Rio de Janeiro, pois a perda dos horizontes de
inclusão teria radicalizado o processo social em curso, sem criar opções para o
estabelecimento de outro tipo de sociabilidade. Esse crescente ‘fechamento’ da sociabilidade
cotidiana, perceptível na ausência de áreas comuns de encontro sociais inter-classes ou pela
sua segregação cada vez maior, se deu com o fim do populismo, concomitantemente com a
construção de condomínios de apartamentos e a remoção das favelas do Rio de Janeiro.
Tais aspectos nos remeteriam ao quadro de incompletude do processo de
assalariamento, ou seja, a informalidade no âmbito econômico e a (in)civilidade no âmbito
sócio-político, criando segregações seletivas no tecido social e a criminalização ou não de
certos tipos de conduta. Processo este que funda a objetalização do outro que sustenta as
fronteiras que se ergueram.
“Afinal, a sociabilidade violenta depende da objetalização do
outro. Nas áreas pobres esta objetalização está dada pela própria
segregação a que estão submetidas igualmente. Mas os pobres
resistem a ela, não se consideram pobres senão pela mediação da
dignificação de sua pobreza. É uma espécie de ‘ponto de vista’
essencialmente ‘excludente’ e ‘superior’ que parece conter esse
olhar objetal, um ponto de vista que se espalhou nas áreas pobres
incorporando-se à criminalidade comum ali existente (…).
Expandia-se uma normalização de comportamentos, com a
incorporação da civilidade burguesa pelas camadas sociais
excluídas, ao mesmo tempo em que as classes médias e as elites
intelectuais incorporavam a malandragem, os valores da preguiça
e da carnavalização da vida”. (Misse, 1997:12)
Num outro registro, como linha de fuga, como propõe Vera Malaguti Batista
61
,
ou como enunciação política, como sugere Joel Birman
62
, a violência ou ódio, como
respectivamente nomeiam os autores citados, também possui uma dimensão de classe que
aponta para as injustiças sociais presentes na sociedade brasileira, cujo caso exemplar é a
cidade do Rio de Janeiro.
61
MALAGUTI BATISTA (2003) Op. Cit.
62
BIRMAN (2004) Op. Cit.
48
Para Birman (2004)
63
o exercício do ódio, que se traduz em violência, supõe
uma situação de dominação social, onde a crueldade inverte as posições entre dominante e
dominado, visto que as demais possibilidades de mediação pela política se encontram
despotencializadas e fracassaram, ele mesmo – o ódio – se torna o discurso político que traduz
as desigualdades.
“Tudo isso nos indica a inexistência de qualquer perspectiva
política na cena em pauta, mas também a impotência e o desespero
dos dominados diante de uma ordem social que é altamente injusta
e que, além disso, não oferece qualquer viabilidade política para
subverter a sua própria injustiça. Por isso mesmo, a crueldade
ocupa de maneira grotesca o primeiro plano da cena, maneira
única vislumbrada pela figura do dominado para lidar com a sua
passividade no registro social. Com efeito, a crueldade é a única
contrapartida encontrada pela figura do dominado para sair da
impossibilidade absoluta presente na experiência social, mas o seu
gesto é marcado pela impotência.” (Birman, 2004:p.125)
Essa despolitização das injustiças sociais, como apontamos anteriormente, não
é nova no cenário brasileiro e pode ser referida como a forma como a sociedade brasileira
vivencia a convivialidade e expressa as relações entre as classes privilegiadas e desassistidas.
A dissolução do político, para Borges (2006)
64
ocorre justamente porque a
emergência de uma determinada realidade social conflitiva e cambiante se faz opaca
frente às estratégias que buscam criar um sentido único para a sociedade. Sem a constituição
de redes de mediação e de lutas para construção de sentido, a política não pode cumprir seu
papel positivo de constituição da ordem. Em seu lugar, o medo exacerbado e a demonização
dos atores sociais que “ameaçam” a ordem urbana carioca, cumprem a função de possibilitar a
constituição de um controle social que reforça a exclusão, o extermínio e o pânico social.
O medo para o autor seria o principal condutor das subjetividades, afirmando
este que a segurança não decorre da possibilidade do controle, visto que este nos dá, apenas,
uma segurança fictícia. Somente o aniquilamento total do outro seria capaz de produzir efeitos
de segurança.
No caso do Rio de Janeiro, o compartilhamento consensual do medo tem
conexão com a memória da cidade e com as identidades sociais constituídas a partir desta,
sendo que, desde a época colonial, qualquer ameaça de insurreição na cidade era vivida como
63
BIRMAN (2004) Op. cit.
64
BORGES, W.C. (2006). A criminalidade no Rio de Janeiro: a imprensa e a (in) formação da realidade. Rio de
Janeiro: Revan.
49
medo do caos e da desordem, o que, necessariamente, nos remete ao uso contínuo, em sua
história, de estratégias de neutralização, disciplinamento e extermínio das massas
empobrecidas.
Uma vez que a violência invade o universo privado da casa, rompendo as
possibilidades de representação da segurança e do conforto existentes nas relações de
intimidade. As fronteiras que nos protegiam dos estranhos são rompidas e os bens materiais e
imateriais são permanentemente vulneráveis aos ataques brutais e inesperados.
Esse era um dos aspectos explorados durante a Ditadura Militar (1964-1985),
as ações de controle social eram dirigidas contra o inimigo interno, que ameaçava a ordem e a
estrutura do Estado e das famílias. Com o fim da Ditadura, as campanhas maciças de “pânico
social” teriam posto o foco sobre a criminalidade crescente, se dirigindo ao disciplinamento
ético-cultural daqueles indivíduos mais vulneráveis socialmente.
Para Birman (2004)
65
, neste ponto, o frágil e instável limiar de insegurança foi
ultrapassado, o que significou para as classes mais favorecidas do Rio de Janeiro, desde a
década de 80, um clima constante de terror e horror coletivos. O “pânico coletivo” teria se
instaurado no imaginário social carioca frente à percepção da fragilidade do Estado em
construir um sistema de segurança público.
O medo da desordem se somou, então, a um fato real. Em fins dos anos 70 o
crime, progressivamente, se tornou mais violento e mais organizado, trazendo à cena
cotidiana dificuldades na manutenção da ordem pública que exacerbaram o sentimento de
insegurança na população.
Teria sido essa insegurança coletiva frente à crescente criminalidade que gerou
o “mito” de que o Rio de Janeiro é uma cidade violenta e perigosa. Este mito também levou à
procura pela privatização da vigilância e da segurança. Tal recurso teria sido primordialmente
utilizado pelas elites cariocas, com vistas a proteger os seus próprios recursos econômicos,
despolitizando a discussão em torno das desigualdades sociais evidentes na cidade e
desqualificando o Estado como capaz de dar conta da necessidade por segurança de todos e de
negociar com as classes menos favorecidas.
Os bairros ricos do Rio de Janeiro passaram a ser “cidades sitiadas”, onde a
liberdade de ir e vir se estreita, seja pelas imposições da insegurança pública, seja pelas regras
65
BIRMAN (2004) Op. cit.
50
de manutenção da segurança comprada, as pessoas se escusam do convívio social,
restringindo-se aos espaços de suas casas ou condomínios.
Por outro lado, nos bairros mais pobres e nas favelas, a população da cidade se
encontra excluída. A criminalização da pobreza faz com que os pobres sejam “refugiados no
seu próprio país, na medida em que a nação o os inscreve efetivamente no seu território
social, político e simbólico, mas os abandona à sua própria errância.” (Birman, 2004:133)
A representação social da barbárie no Rio de Janeiro poderia então ser
conceituada segundo estas duas referências e posta como uma estratégia de criminalização da
pobreza e empoderamento daqueles que residem na “cidade sitiada”. O advento do trafico de
drogas e sua expansão como força paralela e complementar a ação do Estado só veio a
agudizar o quadro posto, visto que, a partir dos anos 90, o cotidiano dos “exilados” passou a
ser gerenciado pelo poder do narcotráfico, estigmatizando de vez o pobre/favelado como
estranho e ameaçador aos cidadãos cada vez mais aterrorizados com a possibilidade do caos e
da desordem.
É neste mesmo contexto que Machado da Silva (1999)
66
vai afirmar que o
crime organizado tem uma função política, uma vez que faz com que os criminosos se
destaquem da coletividade, esse novo ator na ordem coletiva altera as condições de
reprodução da ordem pública. O sentimento de insegurança, no entanto, não possui fatores
isolados e teria tomado maior impulso com o processo de criminalização dos aparatos
policiais, o que necessariamente favoreceu “a desproteção das camadas populares e o
estímulo ao desenvolvimento do crime organizado.” (Machado da Silva, 1999:118). Tais fatos
apontariam para uma crise política que denuncia a ineficiência e a desmoralização
institucional do Estado e, conseqüentemente, a relação deste com a sociedade.
Estes dois aspectos que se evidenciam a crise de autoridade e o crescimento
da criminalidade organizada também apontariam para a seletividade das ações estatais, pois
as áreas mais pobres do Rio de Janeiro são as mais afetadas pela violência e os pobres estão
mais vulneráveis aos efeitos dela. A concentração dos discursos em torno da conduta dos
criminosos se faz com o ocultamento de seu fator complementar, ou seja, a causa da
insegurança também está na dissolução da capacidade de manutenção do controle social e na
incapacidade de manutenção da ordem pública.
66
MACHADO DA SILVA (1999) Op. cit.
51
Para Machado da Silva (1999), tais aspectos são fundamentais para pensar a
violência urbana brasileira, isto porque a criminalidade violenta se constituiria como uma
nova forma de sociabilidade que se baseia nas transformações culturais profundas ocorridas
após os anos 70. O uso da violência e a militarização passaram a ser as marcas referenciais
dessa nova forma de criminalidade, que elimina os fins coletivos e as regras de subordinação.
Todos estão em guerra contra todos.
Com isso, no caso brasileiro, poderíamos supor que a violência é o elemento
organizador do ordenamento social. Isto gera duas ordens de efeito, a primeira é o
cancelamento de toda a alteridade, ocorrendo a negação do outro como igual e reduzindo-o à
condição de objeto. A segunda diz respeito à possibilidade de aceitação de que ao lado da
concepção de luta de classes se instaura a idéia de contigüidade entre fenômenos que não se
combinam – sociabilidade violenta e a sociabilidade citadina. A violência urbana é um
fenômeno complexo que não pode ser simploriamente resolvido com a expansão da cidadania,
pois esta, por si mesma, não garantiria “o controle, cancelamento ou superação da
criminalidade violenta.” (Machado da Silva, 1999:123), pois, esta última refere-se a uma
ordem de fenômenos mais complexos ligados à forma de vida globalizada.
O autor ressalta que os efeitos da criminalidade violenta sobre a sociabilidade
tem como caso exemplar o Rio de Janeiro, pois, foi a partir de uma certa forma de
organização da criminalidade associada ao tráfico de drogas que se passou a considerar a
insegurança cotidiana como uma epidemia no país.
O advento do tráfico de drogas, segundo Souza (2004)
67
teve efeitos de
segregação exacerbada no tecido social carioca, limitando a cidade espacial, política e
socialmente. A existência da justaposição de territórios ilegais e de territórios auto-cercados,
impostos pelo medo teria sido uma falsa solução em busca da proteção contra a violência. Na
verdade, a criação de condomínios no Rio de Janeiro, caminhou no sentido oposto, pois criou
uma ameaça real à civilidade e à cidadania, pois nos condomínios não compromisso com a
totalidade da vida citadina, visto que o enclausuramento voluntário estimula preconceitos e
medos.
A criação de territorialidades excludentes, seja pela via da privatização da
segurança, seja pela constituição dos territórios ilegais, se expressa no Rio de Janeiro como
67
SOUZA, M. L. de. (2004) Planejamento e Gestão urbanos em uma era do medo. Revista Rio de Janeiro, n. 12,
jan-abr 2004. (p. 55-74)
52
um processo limite de aniquilação da alteridade, o que reflete a função mais ampla da
violência urbana, conforme discutimos anteriormente.
A relação entre violência e alteridade no Rio de Janeiro é essencial, pois como
ressalta Coelho (2004)
68
, esta se faz sobre a constatação de que o criminoso é um outro, sobre
o qual não se aplicam sentimentos de empatia e percepção de semelhança. A delimitação das
fronteiras da alteridade seria então marcada pelo pertencimento ou não a um grupo ou
segmento da sociedade, existindo um princípio classificador que acentua ou atenua as
diferenças e semelhanças.
Desta forma, a produção de uma imagem do outro perpassa pela eliminação
das diferenças, de forma que a ordem possa ser mantida, visto que a manutenção das
diferenças passa a ser sentida como a possibilidade do caos. A disseminação do medo,
constrói a imagem de um outro aterrador, o implica num tipo de sociabilidade que favorece as
atitudes de negação e afastamento, eliminando-se o respeito e a aceitação da diferença.
Para a autora o discurso midiático tem dado visibilidade à violência, em todas
as suas formas e manifestações, e tem construído representações sociais sobre a violência e
seus personagens, o que no caso do Rio de Janeiro tem produzido como efeitos o sentimento
de insegurança, a construção de uma cultura do medo cotidiano e a produção de atitudes de
indiferença.
Tais efeitos teriam como conseqüências a busca de estratégias de proteção e
segurança, principalmente contra a expansão das favelas, onde se coloca a necessidade de
contenção dos possíveis indesejáveis pobres e bandidos e a adoção de estratégias eficazes
de segregação e controle social dos possíveis criminosos, como a sugestão de construção de
muros em torno das favelas, criando uma barreira física que delimitaria a cidade social,
espacial e politicamente. Ficando bem clara a separação entre nós e os outros.
Desta forma, a discussão pública em torno da violência e a criminalidade no
Brasil, segundo Zaluar (2004)
69
, também gera efeitos que comprometem a existência da
própria ordem democrática, pois os discursos em torno destas apontam a impossibilidade do
Estado de adquirir legitimidade para lidar com os problemas postos. Primeiramente porque
parte dos discursos aponta para a existência de uma sociedade criminosa que mantém e
sustenta desigualdades e injustiças, o que gera o ataque ao Estado e a qualquer ordem
68
COELHO, M.C. (2004). Rio de Janeiro, Sexta-Feira Santa. Notas para uma discussão sobre mídia, violência e
alteridade. Revista Rio de Janeiro, n. 12, jan-abr 2004. (p. 75-97).
69
ZALUAR, A. (2004) Integração Perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro, Editora FGV.
53
decorrente de suas ações. Em oposição se colocam os discursos dos que se aterrorizam frente
à violência e exigem medidas imediatas, mesmo que isso ocorra com a instauração da guerra,
onde se encontram presentes os discursos autoritários e a possibilidade de admissão da
eliminação de liberdades e garantias individuais, o que é próprio da ordem totalitária.
Tal fato, segundo a autora, levanta a necessidade, cada vez maior, de debater a
correlação entre pobreza e criminalidade no Brasil, pois, atribuir a criminalidade aos pobres
não seria somente errôneo, mas ineficaz para embasar políticas públicas que poderiam
minimizar o quadro atual de violência urbana, como podemos observar no nosso cotidiano.
Pela visibilidade e ressonância que a violência assumiu no Rio de Janeiro,
poderíamos dizer que, hoje, este representa uma espécie de laboratório para políticas
relacionadas aos conflitos urbanos e à segurança pública, como defende Leite (2005)
70
. Ao
referir à gravidade do problema, Zaluar (2004) vai considerar como exemplo de tal
argumentação, o número de jovens vítimas e agentes da violência. A autora considera que tal
crescimento não é um caso isolado, pois, segue uma tendência internacional, que claramente
aponta que a pobreza afeta mais a juventude.
No Rio de Janeiro, este aspecto teria estreita relação com a rede de ilegalidades
constituída pelo narcotráfico, uma conseqüência clara das opções político-institucionais
executadas por governos estaduais e municipais, pois, o crime organizado não poderia
sobreviver sem o apoio político-institucional das agências estatais que deveriam combatê-lo.
A autora aponta que o envolvimento dos agentes estatais dos mecanismos de
controle social com a criminalidade teria sido o fator que alavancou a dimensão da violência
urbana no Rio de Janeiro em fins da década de 70. Sendo, ainda, significativo para este
quadro um aspecto peculiar, o envolvimento dos jovens com grupos criminosos, o que indica
a fragilidade destes frente à pobreza.
A “cultura de valorização do dinheiro, do poder, da violência e do
consumismo” (Zaluar, 2004:32), aspectos presentes na cultura hipermoderna, favoreceriam a
percepção do mercado da droga como capaz de proporcionar aos jovens a possibilidade de
mudanças no estilo de vida, na forma de entender e vivenciar o trabalho e o sofrimento, bem
como criar expectativas para um futuro menos desesperançado.
70
LEITE, M.P. (2005). Violência, insegurança e cidadania: reflexões a partir do Rio de Janeiro. Observatório da
Cidadania. Relatório 2005, n. 9. Rugidos e Sussurros: Mais promessas que ações (p. 66-70). Disponível em:
http://www.socialwatch.org/es:InformeImpresso/pdfs/panoramabrasileiroe2005_bra.pdf
54
“(…) criou na população da cidade um medo indeterminado,
aumentou o preconceito contra os pobres em geral, tomados como
os agentes da violência, e auxiliou a tendência a demonizar os
usuários de drogas, a considerá-los a fonte de todo mal, de toda a
violência.” (Zaluar, 2004: 35)
Estes aspectos também são citados por Coimbra e Nascimento (2003)
71
que
apontam que no atual modelo de sociedade os principais modos de controle estão calcados
nos modos de ser, viver e existir, o que cria possibilidades de segregação. Seriam os jovens
pobres os “excluídos por excelência” que, necessariamente, nos remeteriam ao medo e a
insegurança, bem como a soluções de enclausuramento ou extermínio.
71
COIMBRA & NASCIMENTO (2003). Op. Cit.
55
III. INIMIGOS DA SOCIEDADE?
A exclusão como característica definitiva de alguns grupos de indivíduos se faz
presente na hipermodernidade por conta das conseqüências da fluidez que se instaurou na
segunda fase da modernidade
72
, pois, como discutimos no capítulo anterior, o derretimento
dos sólidos se prestou a eliminação dos deveres do capital para com as chamadas obrigações
éticas com os indivíduos e a Sociedade.
A nova ordem que, na atualidade, se define em termos econômicos, veio
dominar a totalidade da vida humana, ou seja, os acontecimentos da vida tornaram-se
irrelevantes e ineficazes para influenciar os rumos da humanidade, sendo seu prático, o
rompimento de todo e qualquer limite para as relações econômicas, promovendo graves
rupturas no tecido social.
73
A hipermodernidade liquefez os poderes que antes pertenciam ao sistema, à
política e à possibilidade de pensar o convívio social no seu nível macro. No lugar destes,
trouxe consigo uma versão individualizada e privatizada da modernidade, onde a diversidade
de culturas e os frágeis parâmetros identitários promovem um choque de civilizações.
Constata-se que, na contemporaneidade, a diversidade de culturas e os
parâmetros identitários promoveriam um choque de civilizações, pois, apesar da existência de
aparatos tecnológicos que promovem a comunicação em tempo real, os indivíduos co-
habitam, mas não realizam trocas suficientes para promover o entendimento. Montiel (2003)
74
aponta que por tais motivos, caminhamos para um conflito de indiferença entre as culturas,
pois, não se busca mais promover o diálogo intercultural nem se fomenta o pluralismo e a
tolerância.
Em decorrência dos processos de uniformização cultural da globalização, vem
se disseminando rapidamente, pelas tecnologias da comunicação, mudanças sociais,
econômicas e tecnológicas. Esta produção social da cultura vem se manifestando como um
complexo processo de reconfiguração das identidades tornando-as fragmentárias, transitórias,
flexíveis.
72
Como nos referimos no capítulo anterior, a era em que vivemos também pode ser definida como
modernidade líquida, pós-modernidade, hipermodernidade ou supermodernidade.
73
BAUMAN, Z. (2001) Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
74
MONTIEL, E. (2003) A nova ordem simbólica: a diversidade cultural na era da globalização. In SIDEKUM,
A. (org.) Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí; Ed. Unijuí. (p. 15-56).
56
Os vínculos identificatórios, conseqüentemente, se modificam muito
rapidamente produzindo novos elementos simbólicos constitutivos de uma identidade frágil
onde os indivíduos se alienam cada vez mais dos espaços comunitários e se reúnem sem se
comunicarem.
A emoção zapping emocional se coloca como forma de expressão de uma
intensa dificuldade de comunicação e relação com os outros, se prestando a promover
encontros de alta intensidade com o intuito de criar a ilusão de coesão social. Como propõe
Lacroix (2006)
75
a vivência exacerbada de emoções, seja ela qual for (pânico, medo,
compaixão, alegria, etc.), se configurará como a expressão da sociabilidade hipermoderna,
onde as grandes emoções coletivas permitem o encontro transitório, mas, não criam
compromissos e permitem transcender ao individualismo ao mesmo tempo em que permite ao
indivíduo ser individualista.
Conquistar, manter e solidificar relações com os outros, mesmo que este outro
tenha condições semelhantes, implica em gastos não desejados de tempo e empenho, o que
leva ao estabelecimento de laços frágeis e de curto prazo.
Para Cardoso (2003)
76
, essa seria uma conseqüência, na atualidade, da
escassez exacerbada de trabalho, que produz a exaltação de sentimentos de mixofobia
77
e
xenofobia
78
, que nos conduzem ao surgimento de uma nova era de intolerância no mundo.
As características mais evidentes desta nova era de intolerância seriam: o
agravamento da exclusão da vida social e econômica de grupos de indivíduos cuidadosamente
selecionados; o levantamento de barreiras reais e ideológicas para segregação das “classes
perigosas”; o enfraquecimento dos meios tradicionais de reivindicação política e apoio social
dos trabalhadores; o declínio progressivo do Estado do Bem-Estar Social; e a afirmação de
identidades específicas segundo critérios rígidos e imutáveis.
Ao abordar o tema Bauman (2005)
79
vai chamar este mesmo fenômeno de
regresso das classes perigosas, cuja característica mais marcante será o fato de não mais ser
assimilável, sua exclusão é irreversível e irrevogável.
75
LACROIX, M. (2006) O Culto da Emoção. Rio de Janeiro: José Olympio.
76
CARDOSO, C. M. (2003) A Tolerância e seus limites: um olhar latino-americano sobre diversidade e
desigualdade. São Paulo: Ed. UNESP.
77
Mixofobia entendida como expressão que representa o medo dos desclassificados, nega a possibilidade de
aceitação das diferenças e as entende como ameaçadoras e passíveis de segregação e extermínio.
78
Xenofobia entendida como a aversão a outras raças e culturas, referida ao medo exacerbado à pessoas ou
grupos diferentes, com os quais o indivíduo habitualmente não entra em contato e evita. A evitação decorre de
sentimentos de desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao seu próprio modo de vida.
79
BAUMAN, Z. (2006) Confiança e Medo na Cidade. Lisboa: Relógio D’Água Editores.
57
Necessariamente, o contexto onde a exclusão se é o de decomposição do
Estado Social e, conseqüentemente, das relações e da coesão que davam sustentação à
sociabilidade. Por isso mesmo, pouca distância vai separar os desclassificados e os
delinqüentes. Os dois integram o conjunto daqueles à margem de qualquer classe e da vida
social, os primeiros por serem o excedente supérfluo do processo de globalização, e os
segundos por não serem mais suscetíveis de reeducação e regeneração.
Como explicita Jodelet (2006)
80
, a exclusão corresponderia a um sentimento
de incompatibilidade entre os interesses da coletividade e o temor frente à ausência de
solidariedade fraterna, sendo este o nascedouro de um “racismo simbólico”, marcado por uma
falsa imagem de tolerância.
A organização social, na atualidade, tenderia a discriminar e excluir os
diferentes de forma radical, gerando efeitos perversos e duradouros sobre o tecido social,
imputando imagens negativas sobre determinadas parcelas da sociedade, limitando-as e
gerando socializações defeituosas. O que criaria um sistema que se retroalimenta, gerando
efeitos auto-realizadores dos preconceitos nele subentendidos, o que leva à retirada de
legitimidade dos excluídos para reivindicar espaços sociais e políticos.
“Os estereótipos de deslegitimação visam a excluir moralmente
um grupo do campo de normas e valores aceitáveis, por uma
desumanização que autoriza a expressão do desprezo e do medo e
justifica as violências e penas que lhe infligimos.” (Jodelet,
2006:66).
A sociedade brasileira se situaria neste contexto, estando frente a uma situação
onde os inimigos são difusos e o medo restringe os indivíduos nas suas casas, imobilizando-os
politicamente, criando um contínuo e generalizado desrespeito às regras de convivência
social.
Os discursos da insegurança e do medo vão valorizar cada vez mais o uso da
força e da violência institucional, sendo a única organização política possível para dar conta
do problema a mobilização por mais segurança, por diminuição das garantias e direitos
individuais e por leis criminais mais rígidas.
Neste rumo, a desqualificação social seria, então, associada à pobreza, sendo
esta última definida a partir das reações sociais deflagradas em circunstância bem delimitadas.
80
JODELET, D. (2006). Os processos psicossociais da exclusão. In SAWAIA, B. As Artimanhas da Exclusão:
análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes. (p. 53-65).
58
Como define Paugam (2006)
81
, cinco elementos constituintes irão compor este quadro
ameaçador que leva ao rompimento dos vínculos sociais.
O primeiro elemento é referido à estigmatização dos assistidos, não lhes sendo
permitido manterem relações de proximidade, eles não podem pertencer a uma classe social
definida. A barreira que impede a identificação com aqueles que sofrem dos mesmos males é
o sentimento de humilhação frente à percepção de sua inferioridade social.
O segundo elemento diz respeito a um meio específico de integração. Aqueles
que são objeto da assistência mantêm a sua possibilidade de inclusão por meio da
desvalorização, ao ocupar o extrato mais baixo da cadeia social afastam-se da possibilidade de
exclusão.
O terceiro elemento aponta que a exclusão é uma noção equivocada, pois, os
grupos, mesmo os desacreditados, ainda possuem a capacidade de resgatar ou preservar sua
legitimidade cultural integradora.
O quarto elemento está referido aos meios de resistência ao estigma
desqualificante e de adaptação à relação de assistência. Ambos vão estar estreitamente
interligados com a fase do processo de desqualificação ao qual os indivíduos são submetidos,
cada indivíduo vai reagir de uma forma, estando uns mais frágeis frente a desqualificação do
que outros.
O quinto elemento se define segundo os determinantes histórico-sociais do
processo de desqualificação, ou seja, as condições econômicas que degradam as condições de
trabalho e a fragilidade dos vínculos sociais que suscitam reações estatais inadaptadas.
Estes elementos estão sempre presentes quando se coloca a possibilidade de
rompimento dos vínculos sociais, seja pela fragilidade de um grupo, seja pela sua dependência
à assistência. A fragilidade, perceptível nos sinais de inferioridade do seu status e de seu
fracasso social, pode levar à uma segunda fase de rompimento dos vínculos, o
estabelecimento da dependência, que se coloca em relação aos serviços sociais que assumem
a resolução dos problemas do indivíduo desqualificado.
A ruptura dos vínculos se sobrepõe a estas duas fases, pois coloca a
impossibilidade de qualquer oferecimento de ajuda a tais indivíduos, que a partir de então,
81
PAUGAM, S. (2006). O Enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais: uma dimensão essencial do
processo de desqualificação social. In SAWAIA, B. As Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes.
59
estão excluídos das redes de trabalho, apoio à moradia, contatos com a família, entre outros
vínculos que supõem a manutenção da capacidade de pertencimento social.
O rompimento dos vínculos sociais ou sua ameaça cotidiana, como nos
referimos no capítulo anterior, para Bauman (2005)
82
indicam o levantamento de fronteiras, o
declínio da solidariedade, a incerteza que toma conta da vida dos indivíduos adaptados e/ou
desadaptados – promovendo um sofrimento social que lhes retira a capacidade de confiar.
Sem a possibilidade de tecer laços de confiança e de solidariedade, não é
possível incluir certos indivíduos na categoria de indivíduos de fato, sendo a estes relegados
instrumentos de contenção e extermínio, acompanhados de sentimentos de ódio desmedido e
irracional, instaurando campos de batalha locais e transnacionais, marcadamente
estereotipados e preconceituosos, sem qualquer esforço na direção de consensos ou
identificação de semelhanças.
No contexto latino-americano, como refere Silva Filho (2006)
83
, essa
impossibilidade de reconhecimento de consensos e semelhanças sempre esteve presente, visto
que a colonização se fez em cima do conceito de desqualificação dos povos ameríndios. Os
nativos sempre tiveram o estigma da inferioridade e da incapacidade, sendo o seu lugar social
ainda mais desvalorizado devido à implementação de políticas econômicas exploratórias que
se estenderam ao campo filosófico e cultural sob a forma de aniquilação de suas
peculiaridades.
A lutas pela independência e a implementação das indústrias com o capitalismo
em nada alteraram o quadro posto, somente reagruparam os segregados, ou seja, os novos
excluídos passaram a ser os migrantes camponeses, os negros, os índios, os mestiços e os
pobres. A elite branca de descendência européia teria permanecido no poder e preservado sua
capacidade de definir os critérios de exclusão/inclusão no campo de reconhecimento das
semelhanças que compõem a igualdade.
Este quadro, ainda segundo o autor, que vem se reproduzindo nas sociedades
latino-americanas, atingiu um ponto limite na atualidade. A falta de oportunidades de
empregamento, a segregação espacial urbana e a incapacidade dos governos em prover um
estado de bem-estar social, então, gerariam “antimovimentos sociais” tais como as
conturbações urbanas que geram o aumento de crimes contra o patrimônio, saques e
82
BAUMAN (2006) Op. Cit.
83
SILVA FILHO, J.C.M. (2006) Filosofia Jurídica da Alteridade: por uma aproximação entre o pluralismo
jurídico e a filosofia da libertação Latino-Americana. Curitiba: Juruá.
60
depredação, ação de grupos de justiceiros e o crime organizado, atitudes defensivas que
alertam para a existência de uma guerra de todos contra todos.
De fato, o que se observaria nos países latino-americanos seria a percepção de
uma crise de paradigmas do direito, pois, a própria lei perde legitimidade frente aos
fenômenos que acontecem no campo social. Principalmente quando se parte do pressuposto
que a construção jurídica é um processo que conjuga as tarefas de elaboração, análise e
interpretação das normas legais, mas também de contextualização destas ao momento
histórico. Sendo a crise identificada a partir do momento em que o paradigma dominante
não consegue mais explicar os fenômenos que deveria esclarecer.” (Silva Filho, 2006:182)
Desta forma, o aumento da criminalidade e seus efeitos também se incluem
nesta lógica e levam à percepção da necessidade de inadequação dos paradigmas,
principalmente porque os códigos de reconhecimento da alteridade estão cada vez mais
excludentes na hipermodernidade.
Melossi (2006)
84
, neste sentido, aponta que o Estado não mais é capaz de
manter a legitimação e a acumulação, de forma que os sistemas de garantia baseados na
confiança e na solidariedade não podem mais se manter, sendo o Estado Social,
progressivamente, substituído por um Estado Penal. Isso representa a opção pela adoção de
instrumentos de criminalização da diferença e dos desqualificados, observando-se o aumento
das penas e do número de prisões, a adoção de penas de morte e de regimes mais severos no
cumprimento das penas. Mesmo em situações de queda da criminalidade, a adoção de tais
instrumentos cresce proliferando políticas de tolerância zero, como explicita o autor:
“(…) numa situação de expulsão permanente e estrutural da força
de trabalho do processo produtivo e, ao mesmo tempo, de
profunda transformação do modo pelo qual a força de trabalho
vem sendo constituída na fase atual –, a subalternidade’ das
principais instituições de controle social em relação à fábrica está
de algum modo perdida e se teria tornado obsoleta. (...) Resta
apenas aquilo que Cohen chamou de warehousing, o
‘armazenamento’ de sujeitos que não são mais úteis e que,
portanto, podem ser administrados apenas através da
incapacitation, da neutralizazzione (neutralização), como se diz
em italiano.” (Melossi, 2006:9)
84
MELOSSI, D. (2006) Discussão à guisa de prefácio: cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da “canalha”.
In DE GIORGI, A. A miséria Governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan: ICC.
61
Para o autor, numa situação de falta de oportunidades de emprego e degradação
das relações e garantias trabalhistas, o crescimento da criminalidade foi atribuído não à
estrutura econômica e sua capacidade de degradação dos laços sociais, mas à insubordinação,
à falhas no controle das classes que compunham determinados estratos sociais.
As políticas de contenção, então, geraram um processo de penalização e
encarceramento das classes marginalizadas, cujo objetivo não compõe um projeto de
disciplinamento social geral, mas um projeto de segregação e extermínio dirigido a usuários
específicos, como os menores de idade e os estrangeiros.
São estes e outros aspectos que passamos a discutir, pois eles colocam em
pauta o reconhecimento das diferenças e a qualificação das pessoas dentro de uma sociedade
partida, aspectos que nos propomos a discutir no presente capítulo como tendo influências
diretas sobre a forma como se pensa o controle social e como se gere as dificuldades advindas
das grandes desigualdades do tempo em que vivemos e seus efeitos sobre a juventude.
3.1. As raízes da (in) tolerância contra as novas classes perigosas
A instauração da modernidade, como aponta Ruiz (2003)
85
, necessitou da
gestão de novas identidades e com elas teriam surgido novos modos culturais de
autocompreensão.
Ou seja, nas sociedades contemporâneas o indivíduo se sujeitou flexível e
docilmente aos referenciais ditados por um modelo social que o predispõe à uma prática
socialmente cooperante, transformou-se em um ator que representa os papéis que lhe foram
projetados pelos outros. Por isso, os indivíduos, na atualidade, carecem de uma identidade de
sujeito autônoma e capaz de ação transformadora uma vez que a sua identidade se molda
de acordo com as pressões que os mecanismos de poder exercem sobre ele.
Segundo Bauman (2003)
86
a idéia de existência de uma identidade vincula-se à
possibilidade desta substituir a comunidade solidária, sendo inventada no momento em a
comunidade tradicional entrou colapso. Sendo assim, a identidade, tal qual a comunidade,
pode ser livremente imaginada, fornecendo um mínimo de segurança aos indivíduos.
O individualismo posto na pós-modernidade significaria a instauração de uma
busca contínua pela singularidade, pela marca da diferença que nos afasta dos outros
indivíduos, por isso mesmo, a sua procura divide e separa. Sendo a identidade individual
85
RUIZ C.M.M.B. (2003) O (ab)uso da tolerância na produção de subjetividades flexíveis. In SIDEKUM, A.
(org.) Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí; Ed. Unijuí (p. 115-171).
86
BAUMAN, Z. (2003) Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
62
vulnerável cria medos e ansiedades que devem ser expurgados juntamente com os demais
indivíduos, configurando-se como um seguro coletivo contra as incertezas individualmente
enfrentadas. Sendo assim, a exacerbação do individualismo, não deixa de ser um processo de
construção de fronteiras contra os intrusos – estranhos.
A idéia de uma identidade individual pressuporia um substrato sobre o qual
esta pudesse se constituir, esta base é chamada por Ruiz (2003)
87
de simbolismos centrais,
constitutivos de uma forma de ser, estar e existir. Segundo o autor, poderíamos fazer a
distinção entre o simbolismo da honra – próprio das sociedades tradicionais e o simbolismo
da dignidade – matriz da autocompreensão dos indivíduos após a modernidade.
O simbolismo da honra pressupunha a desigualdade natural entre as pessoas,
pois, esta era uma característica própria das sociedades estratificadas, estando vinculada à
herança familiar. Os que não possuíam honra deviam prestar obediência e respeito aos que a
tinham. A identidade formada se vinculava, então, em torno de práticas e valores, onde, se
configurava como naturais, no imaginário social, a estratificação social, a subserviência e a
superioridade de alguns sobre outros.
Com a modificação das relações econômicas e o aumento da influência da
burguesia sobre a constituição das relações socais, instaurou-se um conflito de interesses de
classes e não mais se tornou possível a manutenção dos estatamentos.
No universo simbólico teria surgido, no imaginário social, o simbolismo da
dignidade como princípio que instaura a igualdade entre as pessoas, legitimando as relações
democráticas.
A quebra da ordem hierárquica coloca na dignidade a possibilidade de se dar
direitos ou vantagens individuais aos homens. Em decorrência, a constituição de uma
identidade, baseada na dignidade natural do indivíduo, faz surgir subjetividades flexíveis,
subordinadas a um modelo social predeterminado onde a possibilidade a existência de sujeitos
críticos e autônomos é evitada por ameaçar a nova ordem.
Esse tipo de controle sobre a produção de subjetividades levaria os indivíduos a
pensar que sua sujeição é um fato voluntário, natural e próprio da inserção social, encobrindo
de maneira eficaz os mecanismos de poder postos nas práticas e relações sociais.
O símbolo da dignidade, como eixo constitutivo da identidade moderna, insere
no universo simbólico da modernidade a igualdade entre os indivíduos como um fato natural,
87
RUIZ (2003) Op. Cit.
63
todos estão no mesmo patamar de direitos e deveres frente à sociedade, instaura-se a luta do
homem contra o homem.
“Ao sermos todos iguais, todos somos inimigos de todos, pois,
ninguém vai querer honrar (respeitar) o outro que é igual a ele.
Em resumo, a dignidade natural de todos os homens é a principal
responsável pela violência social”. (Ruiz 2003:124)
A luta do homem contra o homem seria uma conseqüência da polaridade entre
o bem e o mal que gere as relações sociais após a modernidade, os bárbaros são aqueles que
elegemos como tal, pois, a idéia de um universalismo que une os homens não se estende a
determinados costumes e maneiras, sendo alguns indivíduos, por sua óbvia diferença,
irreconhecíveis como iguais.
A idéia da igualdade assumiria posição de dogma, frente a sua ausência se tem
a desqualificação daquele que porta o símbolo da desigualdade. Esta constatação vai levar
Todorov (1989)
88
a propor que todo universalismo é etnocêntrico, estando em real
dependência com a forma como as relações entre as semelhanças e diferenças são constituídas
dentro de uma determinada cultura.
O autor vai apontar que a igualdade, enquanto valor universal que define os
direitos do homem, não instaura a paz, mas a guerra. Pois, a idéia de uma humanidade foi
constituída sobre a idéia da superioridade da cultura européia sobre as demais.
A igualdade seria, justamente, o projeto de eliminar a selvageria, levando os
diferentes (selvagens) a serem iguais aos civilizados europeus, instruindo-se das idéias e
padrões entendidos como civilizados. Frente à efetivação de tal projeto estaríamos diante de
uma Justiça para todos e um único bem comum, ambos constitutivos da paz entre os povos.
No entanto, tais objetivos não caminharam na defesa da paz, mas na instauração da guerra
entre os homens.
O fracasso do projeto civilizatório teria várias razões, mas, o autor vai citar três
às quais considera relevante. Primeira, os filósofos da igualdade não tinham como objeto de
preocupação os conflitos existentes entre os conceitos de homem e o de cidadão, eles
acreditavam que os Estados adotariam políticas universalizantes, o que não ocorreu. A
segunda é a consideração de que a idéia de universalidade é marcadamente etnocêntrica,
88
TODOROV, T. (1989) Nosotros y Los Otros: reflexión sobre la diversidad humana. DF/México: Siglo XXI
Ed. S.A.
64
exclui a cultura diferente não podendo compor um todo que poderia ser considerado
universal. Como terceira razão expõe que não é possível agregar traços específicos à cultura
diferente sem a mudança de todos os outros traços característicos desta cultura, porque
uma desconfiança inerente à relação de subjugação, pois, o subjugado sempre poderá usar o
poder agregado ao conhecimento dado para outros fins não desejados.
Todorov (1989)
89
também irá ressaltar que a escolha por uma Justiça,
necessariamente, leva a uma guerra que a implemente. Da mesma forma, o bem escolhido
como “comum” nem sempre é desejado por aquele a quem é imposto, precisando da guerra
para ser aceito.
“(…) una preferencia por la justicia lleva ineluctablemente a la
guerra (puesto que se intentará imponer esta justicia).” (Todorov,
1989:271)
“Podríamos afirmar, sin temor a equivocarnos, que ninguna
empresa humana ha producido más victimas que la que consiste en
quererles imponer el bien a los demás.” (Todorov, 1989:273)
Os Direitos universais propostos pelo projeto civilizador da modernidade, que
tinham por objetivo a criação da paz social, criaram seu efeito inverso, instauraram a luta do
homem contra o homem porque a igualdade, a liberdade e o bem comum somente podem
existir como imposição de um certo modelo de sociedade, pensado a partir de uma cultura
superior que se impõe a culturas inferiores.
Por outro lado, refere Ruiz (2003)
90
que como naturais e inalienáveis, a
dignidade e a igualdade não podem ser dadas ou transferidas, este fato, conjugado à
hipervaloração do valor econômico, geraram a necessidade da competição e da acumulação de
riquezas. A dignidade de uma pessoa passou, então, a ser medida pela quantidade de
propriedades que ela conseguisse acumular. Os despossuídos de riquezas teriam somente a
posse do seu direito natural à vida, à dignidade e ao seu corpo, podendo deles fazer o que
quiser.
Temos que aqui apontar um paradoxo que marca as relações que constroem o
tecido social a partir de então, ou seja, a existência da constatação de que a identidade humana
é frágil e flexível instaurou a necessidade de tolerância para com as diferenças, no entanto, a
89
TODOROV (1989) Op. Cit.
90
RUIZ (2003) Op. Cit.
65
percepção da fragilidade identitária individual e coletiva alimentou a intolerância com os
dessemelhantes no mundo em que vivemos.
Cardoso (2003)
91
vai afirmar que na lógica iluminista o pressuposto da
emancipação (razão) dava sustentação à possibilidade de existência da tolerância e ao
conceito de cidadania. O cidadão, sujeito livre e autônomo, deveria ser capaz de gerir suas
vontades em função dos interesses da comunidade, garantindo a ordem civil.
No entanto, a emancipação necessita da lógica totalitária, pois, para obter a
liberdade e o desenvolvimento almejado é necessário subjugar o homem, colocá-lo à serviço
da lógica da economia de mercado. Seria a capacidade de exercer uma função produtiva que
permitiria ao indivíduo usufruir da condição social de cidadão.
A tolerância e a solidariedade passaram a ser sentimentos virtuais, incapazes de
prover a diminuição dos preconceitos e da violência entre os homens, instaurando a
intolerância com aqueles que se recusam a aceitar a lógica do processo civilizatório.
Neste cenário Todorov (2002)
92
vai apontar que para poder garantir o bom
andamento das coisas, o controle das vontades e a gestão das desigualdades entre os iguais, os
Estados se muniram de uma ferramenta poderosa, o terror, com o qual criaram um inferno
real. A sua imposição leva todos a abdicarem de suas vontades individuais e submeterem-se à
vontade geral em prol do bem comum.
O ideal de sociedade a ser adotado, a partir de então, se construiu por “meios
de vigilância e de controle incomparáveis” (Todorov, 2002:43), cuja capacidade destruidora
nos afasta do ideal do projeto civilizatório.
O autor também vai referir que o totalitarismo, que vemos em ação no mundo
atual, crê que a verdade do mundo é a segregação impiedosa entre Nós e os Outros, onde a
existência dos conflitos denota a necessidade de uso de instrumentos de guerra.
O mundo, inevitavelmente, se encontra polarizado no conflito entre os bons e
os maus. Sendo assim, o objetivo do Estado é o aniquilamento daqueles que foram eleitos
como os maus, de forma que “o fim do conflito é a eliminação do inimigo”, nos sendo
permitido “desumanizar aquele que se procura vencer” (Todorov, 2002:45).
É através do terror que se exclui a pluralidade, não se delegando lugares
legítimos à alteridade, seu objetivo primordial é suprimir, destruir qualquer autonomia dos
91
CARDOSO (2003) Op. Cit.\
92
TODOROV, T. (2002) Memória do Mal, tentação do bem: indagações sobre o século XX. São Paulo: Arx.
66
indivíduos. Tal aniquilação terá por efeito a impossibilidade de constituirmos uma identidade,
um sentimento de pertencimento a um grupo.
Tal fato, aliado a banalização do passado, tão característico da
hipermodernidade, nos faria capazes de transitar entre o bem e o mal, isso significaria que o
passado nos autorizaria ou nos imporia uma atitude vingativa e agressiva no presente. Desta
forma, grupos atacados no passado poderiam reivindicar a legitimidade de atacar no presente,
pois, “é esse, afinal, o caso de toda vingança: o mal sofrido legitima o mal infligido.”
(Todorov, 2002:197)
Mesmo frente a todas as contrariedades postas pela existência de um Estado
totalitário que se faz presente pelo terror, Todorov (2002)
93
vai apontar que a ausência do
Estado é ainda pior que o Estado injusto, pois, “deixa o campo livre à pura confrontação
entre as forças brutas, isto é, a uma pavorosa ascensão da criminalidade”. (Todorov,
2002:60)
Honneth (2003)
94
vai ressaltar que na lógica hobbesiana, se pensava um
indivíduo com a capacidade de mover-se autonomamente exercitando a capacidade de
empenhar-se na busca pelo seu bem estar futuro. Para atingir seu objetivo ele deve conquistar
o seu espaço singular, daí a luta que se instaurou entre os homens assume grandes proporções,
pois, ao nos deparamos com o próximo antecipamos formas preventivas de poder, justamente
porque suspeitamos das intenções do desconhecido. Como estranhos ambos são forçados a
aumentar sua capacidade de poder de forma a evitar um possível ataque.
A proposição de um contrato ou pacto social de renúncia das vontades
individuais em detrimento da harmonia social e da perpetuação de um estado de paz na
sociedade surgiu da necessidade de regular as relações de luta. Outorgaram-se todos os
direitos ao soberano, que imbuído do poder de coagir pode manter a harmonia social e
suprimir a violência. A liberdade do indivíduo para dispor de seu corpo e de sua vontade será
limitada, a partir de então, pelas leis civis.
A liberdade vai mudar sua função e aparecer como o símbolo articulador do
processo de adaptação dos indivíduos às normas predefinidas, também se prestará a sujeitar o
indivíduo à nova forma de hierarquização da sociedade de classes, ou seja, a divisão entre
proprietários do capital e trabalhadores.
93
TODOROV (2002) Op. Cit.
94
HONNETH, A. (2003) Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34.
67
Dentro de uma lógica individualista, a liberdade, também vai representar a
capacidade de fazer o que se deseja sem que se possa desfazer ou resistir aos resultados. A
idéia de emancipação vai conceder a liberdade pessoal somente para alguns poucos, e os
obstáculos à “vida civilizada” são derrubados em função do progresso inevitável da liberdade.
Com isso, a organização social deslocou o eixo da identidade para a
propriedade, ser e ter passam a ser sinônimos. Auto-afirmar-se como pessoa passou a ser uma
tarefa vinculada ao aumento ou consolidação da posição social de proprietário. A identidade
vai constituir-se, principalmente, na capacidade do indivíduo em conseguir símbolos de
sucesso, de atingir a realização pessoal e a felicidade.
A vinculação entre a identidade de pessoa e a propriedade vai ter como
resultado a desigualdade social, característica essencial das sociedades contemporâneas. O
novo indivíduo social vai se ajustar aos interesses burgueses, sendo natural, nas sociedades, a
coexistência da igualdade e da desigualdade. A primeira referida às condições de
possibilidade de exercício da liberdade e de propriedade da dignidade. A segunda referida à
admissão da diferença natural entre os indivíduos no acesso às vantagens individuais.
Wacquant (2001)
95
ao se referir ao tema aponta que as estruturas de classe
também sofreram uma progressiva fluidez e estiveram sujeitas a uma porosidade cada vez
maior, sendo possível nos referirmos a uma noção de meritocracia de acordo com a qual as
desigualdades sociais são circunstâncias básicas da vida, e, as oportunidades e a aquisição de
status, dependem de esforços individuais.
“… ‘a morte da sociedade tradicional’ implicava a dissolução dos
laços sociais ‘atribuídos’ e a simultânea emergência do indivíduo
livre, empreendedor e ‘realizador’, devido à ascensão da
alfabetização, da tecnologia e dos meios de comunicação de
massa.” (Wacquant, 2001:23)
No imaginário social, após a modernidade, a desigualdade demonstra o
estabelecimento de uma compreensão restritiva da cidadania. Ruiz (2003)
96
refere que são
apartados da disputa de poder pelo símbolo da dignidade todos estrangeiros e aqueles cuja
capacidade de inserção no mundo de semelhanças se encontra comprometida, incluindo-se
entre estes os grupos eleitos pela cultura como socialmente marginalizados (negros, mulheres,
jovens, pobres, etc...). A estes não poderão ser dados nem reconhecidos direitos de cidadania
95
WACQUANT, L. (2001) Os condenados da cidade. Rio de Janeiro: Revan, Fase.
96
RUIZ (2003) Op. Cit.
68
e o estado de dignidade, pois o estranho não é um igual, por isso, não poderá ter os mesmo
direitos sociais que os iguais, sua identidade será sempre marcada pelo signo da diferença.
Para que alguns pudessem se emancipar, os demais deveriam ser suprimidos do
acesso à liberdade de ter. Como aponta Bauman (2003)
97
, a massa formada pelos
despossuídos, foi subordinada a outra lógica, a das rotinas elaboradas pelas modificações no
mundo do trabalho. O resultado do que se iniciou como luta emancipatória foi a retirada da
capacidade dos indivíduos de poder fixar os padrões e papéis válidos na comunidade,
indiferenciando as pessoas e transformando-as em uma massa amorfa e manipulável.
Para que o direito à diferença seja reconhecido ele necessita ser compartilhado
por um grupo ou uma categoria de indivíduos. Somente a reivindicação coletiva teria a
capacidade de obter a representatividade numérica necessária para a garantia de que seus
interesses de classe vão ser atendidos. A luta por direitos individuais e humanos precisa ser
encontrada ou construída, devendo se admitir a necessidade de se separar a política cultural da
diferença da política social da igualdade.
Todos teriam o direito de procurar a estima social em condições de igualdade,
mas, tais demandas impediriam o reconhecimento da diferença e reforçariam a necessidade do
comprometimento mútuo e do diálogo significativo.
Para Nobre (2003)
98
a realidade social do conflito posto experiências de
desrespeito e ataques à identidade pessoal ou coletiva – seria estruturante, visto que a natureza
essencial da interação é, exatamente, a luta por reconhecimento que funcionariam como
“força moral” que impulsionaria, evolutivamente, o desenvolvimento social.
Elias e Scotson (2000)
99
, neste mesmo sentido, vão apontar que a percepção da
diferença reafirma os elementos simbólicos constitutivos da identidade daqueles que se
reconhecem como iguais. Esta seria uma arma poderosa na manutenção das desigualdades de
classe, pois, gera estigmas e preconceitos, fazendo que os outros sejam mantidos em seus
respectivos lugares. O grupo daqueles que se reconhecem como iguais – estabelecidos – tende
a atribuir ao grupo estranho – outsiders características ruins.
Tal situação pode se manter caso um grupo se instale em posições de poder
das quais o outro grupo é excluído. No entanto, é importante ressaltar que os autores apontam
que o diferencial entre os dois grupos são, exatamente, o grau de coesão e de integração entre
97
BAUMAN (2003) Op. Cit.
98
NOBRE, M. Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a teoria crítica. In HONNETH, A. Luta por
Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003.
99
ELIAS, N. & SCOTSON, J.L. (2000) Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
69
os membros de cada grupo. Essas desigualdades de forças são as fontes diferenciais de poder
entre um grupo e outro. Dentro deste contexto, é comum a associação entre a inferioridade de
poder e a inferioridade humana.
Tal consideração leva ao entendimento de que tanto a identidade liberal quanto
a identidade de classe foram incapazes de propor novas práticas ou alternativas às práticas
instituídas, não conseguindo explicar a problemática social. A fragmentação das identidades
decorre da percepção de que as identidades com as quais os sujeitos sociais têm que conviver
e constituir são multifacetadas e não se pode reconhecer um único símbolo articulador do
conjunto de práticas observáveis nas sociedades atuais.
Ruiz (2003)
100
vai apontar que as identidades plurais se constituem de
elementos simbólicos advindos dos vários grupos. Numa mesma sociedade convivem várias
identidades segmentadas que são desafiadas a fazer com que as diferenças coexistam e gerem
um “multicuturalismo real”. No entanto não podemos negar que os interesses de classe e as
contradições sociais continuam a criar lineamentos que segmentam a sociedade em
dominantes, dominados e excluídos socialmente.
A diversidade permite que cada grupo excluído construa sua identidade e gere
práticas singulares. No contra-ataque as elites sociais criam novos símbolos para manter o
sistema e produzir outras formas de sujeição cooperante. A resistência a estes modos de
sujeição tem se proliferado na forma de movimentos sociais que aumentam a fragmentação
das identidades e promovem a convivência de várias identidades num mesmo indivíduo.
Identidades estas fragmentárias, flexíveis, e com referenciais frágeis.
A maleabilidade da identidade leva o indivíduo a deslizar de um grupo a outro,
de uma prática a outra, sem se fixar em nenhuma. Este seria um dos principais sintomas da
crise de paradigmas da sociedade pós-moderna, o indivíduo transita de forma difusa, ao
longo de sua vida, entre uma pluralidade de identidades e formas de ser” (Ruiz, 2003:147).
Decorre disto que identidades maleáveis produzem práticas frágeis, sem compromissos ou
responsabilidades, revestidas de convicções frágeis e crenças voláteis.
Neste contexto, o simbolismo da tolerância surge como um modelo de
padronização que procurava romper com as pretensões de uniformização cultural. A
hegemonia cultural define as diferenças entre o normal e o anormal, tolerando e promovendo
o primeiro, excluindo e reprimindo o segundo.
100
RUIZ (2003) Op. Cit.
70
O estabelecimento de um padrão de normalidade é feito segundo regras sociais
e legais, sendo um campo de disputas de poder onde se produzem as subjetividade e se
reproduzem/interrompem os modelos sociais. Isto porque a produção de subjetividades
flexíveis requer identidades normais e adaptadas que cooperam com a ordem instituída.
É na tolerância do diferente que se mantém a ordem, tudo e todos são
tolerados, desde que se mantenham as condições concebidas como legítimas pelo sistema. O
simbolismo admite duas formas, a indiferença e a renúncia à luta social.
Ambos são expressões do excesso de individualismo da hipermodernidade. Na
primeira a tolerância à diversidade se traduz em indiferença porque me preocupo com meus
interesses pessoais e não entro (não me intrometo) nos problemas ou dores da vida dos
outros.” (Ruiz 2003:151). A segunda diz respeito a deixar que os outros façam o que
quiserem desde que isto se traduza em um tratamento recíproco, não interfiram na minha
vida”. (Ruiz 2003:151)
A tolerância vai ser geradora de efeitos colaterais, o principal deles é a
instauração do simbolismo da diferença. Para legitimar as desigualdades sociais, se faz
necessária uma (con) fusão entre diferença e desigualdade. A diferença é natural e o fato de o
ser naturaliza a existência das desigualdades, pois, cada um atinge determinada condição
segundo sua própria capacidade social ou cultural de progredir.
A diferença enriquece a convivência que é da ordem pessoal. A desigualdade é
social e se produz a partir da injustiça gerada pelas estruturas sociais e mecanismos de poder
em ação nas sociedades contemporâneas. Este raciocínio também se presta a um tratamento
paternalista e caritativo da tolerância, onde o diferente, o outro, é tolerado porque é inferior a
mim.
Como símbolo periférico e complementar da tolerância é posto em pauta, o
respeito ao diferente. A perspectiva liberal deixa o outro onde ele está e a perspectiva
paternalista dele se ocupa sem, no entanto, questionar o motivo das desigualdades que nos
separam dos outros.
Identidade e propriedade vão continuar aliadas e vão ser referidas às origens
culturais, que propõem a aceitação tolerante da diversidade e das identidades. Pela lógica
econômica as identidades se autodefinem segundo a propriedade, todos são tolerados, mas
somente alguns vão atingir as vantagens e os privilégios de classe.
Com isso, ocorre também a negação da dignidade humana, pois, as estruturas
que definem tais privilégios e vantagens são desumanizadoras e exacerbam os interesses do
71
capital exacerbando o sofrimento humano. Este tipo de tolerância e este tipo de
multiculturalismo legitimam os referenciais simbólicos que dão sustentação aos mecanismos
de poder excludentes.
O relativismo cultural, nesta perspectiva, implica num modo de relativizar o
outro, encarando a diversidade como forma de in-diferença e a tolerância como in-
comunicação ou falhas de diálogo no confronto com o diferente. Para o diálogo seria
necessário reconhecer como legítimos da crítica social a alteridade do outro e o mundo da
vida, porque ambos manifestam a irredutibilidade dos valores éticos e das instituições
políticas.
A alteridade permitiria o estabelecimento de critérios para o estabelecimento de
“modos e modelos abertos de valores, princípios e práticas” (Ruiz 2003:158), isto porque
não agrega verdades prontas, mas possibilidades de atribuição de sentido e significações que
favorecem a produção de práticas humanizadoras.
A pretensão de desconstruir a sujeição produzida na modernidade pela
modelagem de subjetividades flexíveis deflagrou uma luta dos grupos excluídos e das classes
dominadas para assumir a constituição das identidades e o direcionamento das práticas por
meio da ressignificação da cidadania.
Quando se considera que a alteridade do outro invoca o reconhecimento e
demanda uma responsabilidade teremos que reconhecer que ela leva ao estabelecimento de
compromissos. Mas, segundo Ruiz (2003)
101
, em sentido oposto, a tolerância liberal promove
um respeito indiferente ao outro, sem gerar os efeitos previstos.
A tolerância promoveria a prática do interesse próprio, da competição natural
entre os seres humanos, sendo um princípio articulador da trama simbólica do capitalismo.
Ser tolerante é não ter interesse pelo outro, nem procurar práticas solidárias com os indivíduos
sujeitados à lógica do sistema calcado na ordem econômica. a alteridade demanda uma
prática do interesse, dos sujeitos sociais que são responsáveis e assumem compromissos
solidários com o sofrimento dos outros.
Nas duas tramas simbólicas poderemos nos referir à Justiça como possibilidade
de construção de práticas. A tolerância promove uma justiça que instrumentaliza os outros
atendendo aos fins institucionais. A alteridade demanda uma prática que desenha modelos
sociais plurais e diversos que promovem a vida e a dignidade dos outros.
101
RUIZ (2003) Op. Cit.
72
Silva Filho (2006)
102
sobre o mesmo tema vai apontar que a sociedade
capitalista avança no sentido contrário à alteridade, pois, condena classes inteiras a lutar para
garantir suas necessidades básicas, condenando-as também a nunca conseguir atingir o que ele
vai chamar de necessidades radicais, ou seja, as necessidades de consumo de bens materiais e
imateriais. Ter tais bens significaria a garantia de um status social que possibilitasse o
reconhecimento de sua semelhança para com os demais.
Por possuir esta marca distintiva, o “bloco social dos oprimidos” teria então,
uma substância, um “ser” totalmente diferenciado daqueles que são privilegiados pelo sistema
econômico vigente. O que levaria à constatação de que qualquer um que esteja longe de
atingir os parâmetros de aquisição de bens não terá reconhecida sua alteridade, sendo excluído
da possibilidade de pertencimento à própria sociedade. Nesta gica surgem duas
possibilidades de realização dos Direitos, a que leva à luta pela conquista da cidadania e de
direitos e outra que prevalece na maioria das vezes e instaura a violência e a intolerância.
Birman (2006)
103
ao referir-se ao estabelecimento das subjetividades modernas
vai apontar que as dificuldades reconhecimento do outro e no estabelecimento da alteridade
são aspectos característicos da modernidade, sendo suas origens referidas ao projeto
civilizatório instaurado por esta. Também seriam decorrentes das posições tomadas neste
sentido a violência e a criminalidade.
Refere o autor que a marca da modernidade seria a servidão voluntária, que
possibilitaria aos homens desenvolver o projeto libertário na direção da emancipação e da
cidadania, porém, sua adoção implicaria em fortes impactos sobre as subjetividades.
O desencantamento do mundo e o rompimento com a tradições abriram o
caminho para um mal-estar progressivo nas relações sociais, pois demoliu os meios sociais de
estabelecimento das identidades que constituíam as subjetividades. Esta ruptura pressupôs a
escolha pela servidão voluntária e lançou o indivíduo no abismo do desamparo, pois, os
parâmetros identitários passaram a ser constituídos pelo indivíduo, que deveria achá-los com
os seus próprios meios.
Disto resultou um empobrecimento simbólico que instaurou uma forma
privilegiada de subjetividade, o masoquismo. Tal forma de subjetivação, que instaura a
violência, existe para que os indivíduos se protejam do horror do desamparo, sendo somente
102
SILVA FILHO (2006) Op. Cit.
103
BIRMAN, J. (2006) Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
73
através do assujeitamento aos outros que seria possível ter uma identidade, porém, isso
implicaria na perda do outro.
“Com efeito, o que está no cerne da experiência masoquista é o
evitamento do desamparo, na medida em que este é vivido como
terror pelo sujeito. O masoquismo seria uma modalidade de
subjetivação mediante a qual o sujeito se submete ao outro de
maneira servil, seja de forma voluntária ou involuntária, pouco
importa, para fugir do horror do desamparo. Para isso, o sujeito
permite que o outro possa fazer o que quiser, com o seu corpo e o
seu espírito, para se proteger do terror do desamparo.”
(BIRMAN, 2006:28)
O contexto em que isso se dá é bem claro para o autor, a modernidade é
autocentrada no indivíduo, sendo a individualidade uma categoria fundamental e
imprescindível. Com isso, o indivíduo para se expandir, atingindo sua autonomia e
emancipação, deve definir, incansavelmente, as fronteiras que os separam dos outros, por isso
mesmo se coloca na oscilação contínua entre o amor de si e o amor do outro, atração e
rechaço, amor e ódio. Nesta tentativa de defesa de si mesmo se instaura uma direção narcísica
do ser.
As construções subjetivas tecidas na atualidade seguem, inevitavelmente, este
rumo. Frente à percepção de sua fragilidade as individualidades assumem todas as formas de
masoquismo e violência, todas as formas de servidão e despossessão subjetiva, tentando
dominar a todo custo o horror de seu desamparo. Isso vai levar Birmam (2006)
104
a afirmar
que serão as modalidades perversas de construção psíquica que estruturam as subjetividades e,
conseqüentemente as relações sociais.
Birman (2007)
105
ao retomar este aspecto, vai referir que a adoção desta
direção narcísica do ser impede a constituição de singularidades. Sem reconhecimento da
singularidade do outro, não é possível a percepção do sujeito da diferença e do desejo, se
negando a possibilidade de constituição de intersubjetividade e da experiência da alteridade.
Assim, na atualidade, temos constituídas individualidades perversas, predatórias do corpo e
do espírito do outro, cuja essência é a indiferenciação e a homogeneidade.
Por isso mesmo seria possível que práticas sociais intolerantes se instaurem e
proliferem, pois, “a cultura do narcisismo revela como nunca a impossibilidade de alteridade
104
BIRMAN (2006) Op. Cit.
105
BIRMAN, J. (2007) Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
74
e intersubjetividade, por onde se empreende a economia narcísica do gozo sem
reconhecimento do sujeito da diferença”. (Birman, 2007:266)
Num desdobramento desta consideração o autor vai apontar impasses
importantes na constituição da lei e da justiça. A adoção do narcisismo primário como forma
de ser, estar e se relacionar, implica na adoção da ordem da onipotência, onde se autoriza o
uso da violência para possibilitar a aquisição do prazer pessoal. Com isso se nega a
subjetividade do outro, que passa, então, a ser destituído de sua interioridade, singularidade
e diferença” (Birman, 2007:276), podendo ser, então, tratado como coisa, como objeto,
destituído de sua humanidade.
Como decorrência, o conceito de lei presente na atualidade prima pelo
afastamento da concepção de universalidade, justamente porque frente à adoção de um
registro narcísico do ser, nenhuma igualdade ou fraternidade é possível. Hoje teríamos como
conceito de Justiça que se orienta não pela concepção da lei, mas, pela concepção de
onipotência que nos remeteria à idéia de predação, depredação e impossibilidade de
reconhecimento do outro.
No caso brasileiro, este aspecto seria muito claro, pois o funcionamento
normativo da lei se encontra dissociado da universalidade da lei, isto porque a nossa
sociedade, desde sempre, optou pela cultura do narcisismo, defendendo o patrimonialismo e
formas de negação da alteridade, da reciprocidade e do reconhecimento dos outros, em
especial o outro desfavorecido ou discriminado.
Como conseqüência disso, a violência seria uma forma básica de
sobrevivência, uma tentativa de resistência frente às violências institucionais, é uma forma
legítima de sobrevivência das individualidades das classes menos favorecidas na defesa de
sua capacidade de ter e manter direitos de cidadania. O que não significa a mudança dos
meios na constituição da subjetividade, para ser, estar e se relacionar os desqualificados e
despossuídos devem, então, agir por meio da afirmação narcísica, ou seja, através da
perversidade, da negação e destruição do outro.
Tais fatos levariam ao clamor pela necessidade da mudança das formas de
controle sobre este outro que se apresenta tão ameaçador. Duas opções se apresentam, a
primeira seria a adoção dos fanatismos religiosos, a segunda o ingresso no mundo da
desordem que representa o crime.
No caminho da adoção do crime estão os jovens, em sua maioria,
impossibilitados de vislumbrar mudanças para futuro em seu quadro de alijamento social.
75
Essa seria a expressão mais clara da forma como a sociedade brasileira faz a regulação da
pobreza no Brasil, para Birman (2004)
106
, o controle social das comunidades e dos enclaves
marginais se por meio da criminalização, com a adoção de representações que as
transformam em formas do mal no imaginário social.
Isto nos leva, mais uma vez a considerar que se os aspectos constitutivos da
subjetividade na atualidade, aqui apresentados, apontam para uma seletividade dos lugares de
pertencimento à fraternidade pressuposta no processo civilizatório da modernidade, também
apontam para o reconhecimento de diferenças inconciliáveis e para a perda da universalidade
na constituição destas individualidades.
Isto significa que adotaremos como pressuposto de conduta que nada de bom
pode vir dos outros, que passam a ser descritos, inevitavelmente, como parasitas, intrusos ou
marginais. Suas intenções estão sempre sob suspeita, sendo sua incapacidade de atingir o
poder de ingerência sobre o outro indicativo de sua inutilidade social e de sua ameaça na
tentativa de atingir o poder de instrumentalizar o outro para realizar a substancia do seu ser,
ou seja, a emancipação e a autonomia. Essa forma de entender a alteridade gera a
consideração de que a qualificação dos indivíduos em sociedade tende a criar categorizações
que implicam em formas de tratamento legal das diferenças.
3.2. As novas classes perigosas
A expressão classes perigosas, segundo Guimarães (1981)
107
teria surgido no
século XIX, como forma de designar “um conjunto social formado à margem da sociedade
civil” (Guimarães, 1981:1), sendo tal designação nascida no momento que a população
relativa atingia os níveis mais altos, ou seja, no período inicial da Revolução Industrial.
O conceito partia do entendimento de que a periculosidade desta parcela da
população seria decorrente de sua capacidade delituosa e de resistência à inserção no mercado
de trabalho. Como explicita o autor:
“Na conceituação de Mary Carpenter, as classes perigosas eram
formadas pelas pessoas que houvessem passado pela prisão ou as
que, por elas não tendo passado, já vivessem notoriamente na
pilhagem e que se tivessem convencido de que poderiam, para o
106
BIRMAN. J. (2004) Sociedade Sitiada. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 9, Número 14,
1º e 2º Semestre de 2004. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Ed. Revan.
107
GUIMARÃES, A.P. (1981) As Classes Perigosas: Banditismo Rural e Urbano. Rio de Janeiro: Ed. Graal.
Biblioteca de Ciências Sociais, v. n. 11.
76
seu sustento e o de sua família, ganhar mais praticando furtos do
que trabalhando.” (Guimarães, 1981:1)
O autor também se refere à definições feitas por Karl Marx e Friedrich Engels
de lumpemproletariado, termo que, na literatura sociológica de fins do século XIX, chegou a
ser identificado com o conceito de classe perigosa, sendo assim conceituado como o “produto
passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade”(Guimarães, 1981:2),
que presta-se tanto à revolução proletária quanto à reação à esta, pois as condições de vida
destes indivíduos os predisporiam à não ter apegos ideológicos, vendendo-se àqueles que
melhores vantagens lhes oferecesse.
A existência das classes perigosas seria uma decorrencia do acréscimo
excepcional de pessoas que vindas do campo se aglomeravam nas cidades, e que viram seu
padrão de vida decair à um estado inferior às suas capacidades de sobrevivência, formando
um exército industrial de reserva de assalariados e de pobres famigerados.
O lumpemproletariado, segundo refere o autor, seria um fenômeno comumente
observado em diversos períodos da história desde o fenômeno da urbanização. Seriam, por
definição, excluídos das possibilidades de composição revolucionária, sendo mendigos,
vagabundos, trabalhadores eventuais e não qualificados, que, por sua condição, não se
vinculavam a coorporações, estando predispostos à venalidade e a degradação. Por isso
mesmo, sempre estiveram associados à depravação, sendo entendidos como bandos de
pessoas que deviam ser escorraçadas das cidades.
Foge a esta linha de pensamento, segundo Guimarães (1981)
108
, os escritos do
revolucionário russo Michail Alexandrovic Bakunin, que considerava que “o verdadeiro tipo
de revolucionário eram os postos à margem da sociedade” (Guimarães, 1981:3), pois,
somente os socialmente desclassificados poderiam ser considerados agentes da revolução, no
entanto, onde houvesse insurreição eles participariam dos conflitos em ambos os lados.
No Brasil, o processo de transição de uma economia escravocrata para uma
economia assalariada e as dificuldades econômicas fizeram com que a massa de pessoas
subempregadas e desempregadas crescesse, aumentando de maneira alarmante a miséria nas
zonas rurais e urbanas. Desta forma, foi um movimento natural o crescimento do
lumpemproletariado, ou das classes perigosas, nos grandes centros urbanos, onde se
aglomeraram indivíduos em busca de melhores condições de vida.
108
GUIMARÃES (1981) Op. Cit.
77
O que viria se sobressaindo nos estudos sobre a criminalidade, desde os anos
70, segundo Perlman (1977)
109
, é a existência de idéias estereotipadas sobre os estratos mais
pobres da sociedade urbana e a sua associação com a marginalidade. Segundo aponta, o
conceito de marginalidade é uma das questões sociais mais centrais na América Latina porque
demonstra a existência de uma certa perspectiva sobre os pobres e os lugares onde estes
vivem, no caso do Brasil, as favelas.
Ao se referir aos usos comuns do termo marginal a autora vai apontar que nas
tradições espanhola e portuguesa o termo possui como designação uma conotação negativa,
significando vagabundo indolente e perigoso, em geral ligado ao submundo do crime, da
violência, das drogas e da prostituição”. A autora também vai se referir à tradição norte-
americana de caracterizar os pobres como suspeitos” referindo-se a estes como “as classes
perigosas”. (Perlman, 1977:124)
Como detentoras de tais estigmas, a autora vai apontar toda a massa de pessoas
que se aglomeram nos locais mais desprovidos da cidade e que sempre teria sido encarada
com temor, sendo tais pessoas tratadas de forma paradoxal, ora como uma praga a ser
exterminada ora como necessitada de assistência humanitária integradora. Como
características gerais a essa massa de pessoas, em geral os pobres favelados, são atribuídos
adjetivos desqualificantes e inferiorizantes, que as tratam como elementos nocivos à
sociedade.
O uso comum do termo marginal aplicado aos pobres urbanos teria diversas
leituras possíveis, dentre as quais destaco a abordagem urbanística, a abordagem econômico-
ocupacional e a abordagem étnico-racial.
A abordagem urbanística levaria em conta na definição de marginalidade a
localização e forma de estruturação urbana das favelas. O que as colocaria num patamar
marginal parte do referencial do oferecimento de aparatos públicos e da baixa qualidade das
morarias e espaços comuns. Aspecto muito marcado nas sociedades atuais que encaram tais
parâmetros como obstáculos intransponíveis e ameaçadores ao modo de vida mais favorecido.
A abordagem econômico-ocupacional vai se referir à associação entre
marginalidade e as classes inferiores desempregados e subempregados designando os
indivíduos à margem do mercado de trabalho por diversas razões, cada vez mais abundantes
no mundo atual e cada vez mais desvalorizados enquanto pessoas.
109
PERLMAN, J. E. (1977) O Mito da Marginalidade: favelas e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
78
Como mais difícil de ser superada nas sociedades de origem escravocrata onde
o processo de transição para o mercado de trabalho foi incompleta, teríamos a abordagem
étnico-racial, pois, esta coloca como marginal a situação de minorias étnicas que tem sobre si
o peso histórico das segregações raciais, sendo a tendência o uso do preconceito como
parâmetro no estabelecimento das relações entre os grupos sociais.
Perlman (1977)
110
também vai apontar que nas teorias sociológicas que
definem o conceito de marginalidade estes elementos e abordagem referidos são aspectos
comuns, cuja explicação varia segundo o ponto de vista proposto pelo autor que a apresenta.
Mas todas as teorias se dirigem ao pobre urbano e o seu caráter excludente da realidade
proposta como ideal nas cidades modernas, sob uma perspectiva estigmatizante.
O que é interessante ressaltar é que o estudo sobre as favelas e o mito da
marginalidade no Rio de Janeiro realizado pela autora retrata um cenário da década de 70,
onde ainda se visualizava uma possibilidade integradora para a sociedade brasileira que se
delineava. Visão que ruiu com as mudanças no rumo das políticas sociais e econômicas que
foram postas em prática na década seguinte.
O estudo da autora aponta ainda que os elementos clássicos de uma teoria da
marginalidade não poderiam ser aplicados ao caso das favelas cariocas. Sua conclusão
caminha para a afirmação de que a marginalidade é um mito que, por um lado, funda crenças
pessoais e interesse seletivos da sociedade e, por outro lado, tem a qualidade de descrever a
realidade social por diversos pontos de vista.
É interessante notar que, com relação à marginalidade econômica são utilizadas
as categorias de análise tradicionais, ou seja, parasitismo e capacidade integração pela via
econômica, que nos apontam que havia uma disponibilidade de inclusão no mundo do
trabalho por parte do pobre urbano carioca, mas o sistema econômico não o absorvia como
mão-de-obra útil, sendo corrente o baixo número de postos de trabalho estáveis, a
remuneração de trabalhadores pouco qualificados, a precarização das relações de trabalho e o
desemprego crônico.
“Os favelados, portanto, não são marginais à economia nacional:
estão integrados na mesma de uma maneira que lhes é prejudicial.
Os trabalhadores favelados parecem condenados ao fracasso no
mercado de trabalho atormentados por um ciclo contínuo de
trocas de empregos que representam retrocesso, rebaixamento e
110
PERLMAN (1977) Op. Cit.
79
freqüentes intervalos de desemprego. Há poucas indicações no
sentido de que os termos fundamentais desta
integração/exploração econômica venham a alterar-se no futuro
próximo.” (Perlman, 1977:200)
Quanto ao aspecto da marginalidade política o cenário da época em que foi
realizado o estudo, Ditadura Militar, não favorecia um quadro da realidade de exclusão ou
inclusão nos movimentos sociais ou possibilidades de aplicabilidade da lei e de mudanças
políticas no país, o que por si só, também indicava uma condição negativa de cidadania, por
meio da opressão.
Essa condição negativa de cidadania é o que leva Pinheiro (1997)
111
a
caracterizar, desde sempre, a situação das classes perigosas como “o
fracasso da não
aplicação da lei” que decorre da exclusão propiciada por “uma democracia sem cidadania” o
que tem como efeitos imediatos os entraves na atribuição de igualdade perante a lei e a
dificuldade no reconhecimento da legitimidade dos governos, alimentando o círculo vicioso da
violência. Pois é nos lugares onde as desigualdades são gritantes que se observam os maiores
índices criminais e de violações de direitos humanos, nos dois casos os mais afetados são os mais
frágeis socialmente, ou seja, as camadas mais baixas da população.
“Em nosso país as maiores vítimas são aqueles cujas rendas
familiares estão abaixo da linha de pobreza. Os autores de crimes
violentos como os homicídios são em geral do mesmo estrado
social de suas vítimas, e vizinhanças pobres são os lugares mais
comuns para que esses crimes possam acontecer. De fato em
muitas das metrópoles latino-americanas, uma estreita
correlação entre vizinhança pobre e mortes por causa violenta
assim como entre condições de vida, violência e taxas de
mortalidade.”
(Pinheiro, 1997:45).
Ainda se considera que sob este aspecto, a violência se torna mediadora das
relações sociais cotidianas. Isto se deu porque a quebra da legitimidade do Estado em manter
o monopólio sobre o uso da violência fez com que, por necessidade de sobrevivência, os
indivíduos tivessem que manter seu status social e reputação impondo-se pela violência, esse
seria um comportamento mais evidente nas classes mais pobres.
111
PINHEIRO, P. C. (1997) Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias. Tempo
Social, Rev. Sociol., USP, São Paulo 9(1):43-52, maio de 1997. Disponível em:
http://www.nevusp.org/downloads/down153.pdf.
80
Sobre este mesmo aspecto, Wanderley (2006)
112
aponta que as dificuldades na
conquista da cidadania se associam às formas degradadas de sobrevivência e moradia das
camadas excluídas dos benefícios da urbanidade, gerando sobre estas uma expectativa de
periculosidade.
Esta expectativa de periculosidade teria se acentuado com as crises econômicas
da segunda metade do século XX, que somadas às falhas no estabelecimento de políticas
sociais agravaram as desigualdades, concentrando atenções sobre os favelados e outros
excluídos na cidade. O que leva a autora a apontar que no terceiro mundo moram os não-
cidadãos, que por definição são consumidores insatisfeitos e alienados, cuja cidadania foi
mutilada pela negação de legitimidade de seus anseios. Sendo presente a impossibilidade de
prover a determinadas parcelas da população as classes desfavorecidas mobilidade e
acessibilidade a bens materiais e imateriais e aos benefícios da urbanização teríamos a
negação de legitimidade à cidadania.
Para a autora, a noção de classe perigosa foi, pouco a pouco, sendo substituída
pela noção de exclusão, pois esta, considerada em sua perspectiva dinâmica, é muito mais
abrangente que o conceito de pobreza, considerando não somente os pobres e desempregados,
mas também aqueles indivíduos “excluídos das trocas sociais, das práticas componentes e
dos direitos de integração social e identidade.” (Wanderley, 2006:34). Aqueles que antes
compunham as chamadas classes perigosas passaram a ser considerados excluídos, pois, o
conceito de exclusão é mais viável e mais coerente com os tempos atuais.
Três tratamentos se colocariam, então, frente à exclusão associada à pobreza.
Seriam eles: a integração, a marginalização e a desqualificação. As duas últimas perspectivas
estariam claramente associadas à periculosidade, pois, por si mesmas, ameaçam a coesão
social.
Mais uma vez, o que se colocaria em pauta é que, nos tempos atuais, os pobres,
trabalhadores e desempregados possuem uma maior vulnerabilidade frente à precarização das
relações de contratuais, a formas de sociabilidade perversas e o desmonte de um futuro
garantido pelo Estado do Bem-Estar Social. O que caminharia no sentido inverso das utopias
modernas, pressupondo um abandono seletivo e concentrado, que nos remete à
potencialização das diferenças e desigualdades, aspecto que marcaria a exclusão.
112
WANDERLEY, M.B. (2006). Refletindo sobre a noção de exclusão. In SAWAIA, B. As Artimanhas da
Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes.
Tema que discutimos de maneira mais ampla no capítulo anterior.
81
A nova desigualdade social, não crê na possibilidade de eliminação das
diferenças entre os mais ricos e os mais pobres, tratando o tema sob uma perspectiva moral,
ou seja, admite que a pobreza seja uma falha de caráter e que os processos sociais excludentes
produzem e (re) produzem relações marginais, que promovem uma sociedade partida.
“(…) a nova desigualdade gera dois mundos, uma sociedade
dupla, de duas partes que se excluem reciprocamente, mas
parecidas por conterem algumas mesmas mercadorias e as
mesmas idéias individualistas e competitivas. que as
oportunidades não são iguais, o valor dos bens é diferente, a
ascensão social é bloqueada.” (Wanderley, 2006:39)
Esses seriam sinais claros dos nossos tempos, pois a globalização pressupõe
que a aproveitabilidade de cada indivíduo perpassa pela remota possibilidade de que dele se
consiga extrair mais-valia. Na impossibilidade disto ocorrer, ele será desumanizado, dele se
terá desconfiança e a sua existência suscitará sentimentos de insegurança definitivos.
Desta forma, uma das possibilidades do existir como igual passaria, então, pela
imitação. Imitar os ricos é quase ser como eles, aspecto que tende a impedir a construção de
metas e sonhos criativos para diminuir o crescente distanciamento e a incomunicabilidade,
criando pontes reais de comunicação entre as duas formas de vida admitidas, integrando os
indivíduos das classes incluídas, das classes marginalizadas e das classes excluídas num
mesmo patamar de tratamento social.
Dubar (2005)
113
ressalta este aspecto ao referir que a socialização, na
atualidade, teria duas formas de constituição: o modelo de continuidade e o modelo da
ruptura. O primeiro referido ao um molde tradicional de emprego, onde os indivíduos
caminham por trajetórias contínuas de empregamento, nas quais é possível a eles assumirem
uma identidade profissional de qualificação. O segundo referido ao oposto, ou seja, na
impossibilidade de constituição de uma identidade para o futuro no interior de um espaço de
produção de uma identidade profissional, ocorrendo nele uma ruptura com a identidade
anterior e a constituição de uma identidade de ruptura desvalorizada.
Estes dois modelos de identidade articulariam modelos de reconhecimento e
não-reconhecimento social. O reconhecimento formando o universo das possibilidades de
inclusão social e o não-reconhecimento como formador do universo dual da exclusão.
113
DUBAR, C. (2005) A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins
Fontes.
82
Ao tratar tal aspecto, Bauman (2005)
114
vai destacar que neste contexto
podemos dizer que uma cultura do lixo, pois, assim como as coisas, as pessoas que não
possuem mais função, serão consideradas supérfluas e poderão ser descartadas. Por isso
mesmo, em semelhança às conceituações feitas por Guimarães (1981)
115
sobre as classes
perigosas, vai apontar a existência de uma nova classe de pessoas, o “refugo humano”,
aqueles que excederam a capacidade de reconhecimento social e possuem a marca da
impossibilidade de inclusão, também chamados de as novas classes perigosas.
“A produção do ‘refugo humano’, ou, mais propriamente, de seres
humanos refugados (os ‘excessivos’ e os ‘redundantes’, ou seja, os
que não puderam ou não quiseram ser reconhecidos ou obter
permissão para ficar), é um produto inevitável da modernização, e
um acompanhante inseparável da modernidade. É um inescapável
efeito colateral da construção da ordem (cada ordem define
parcelas da população como ‘deslocadas’, ‘inadaptadas’ ou
‘indesejáveis’) e do progresso econômico (que não pode ocorrer
sem degradar e desvalorizar os modos anteriormente efetivos de
‘ganhar a vida’ e que, portanto, não consegue senão privar seus
praticantes dos meios de subsistência.” (Bauman, 2005:12)
Bauman (2005)
116
ainda explicita que, desde o início da modernidade, gente
supérflua foi produzida, pois, nem todos conseguiram a capacidade de serem aproveitados,
nem poderiam ser reingressados numa sociedade tão rigidamente organizada em torno da
ordem.
A idéia da ordem pressuporia a eliminação do que excede à capacidade de
absorção do sistema econômico ou social e que a construção da ordem moderna leva
necessariamente à constatação que “certa gente não pode fazer parte dessa ordem” (Bauman,
2005:76) e que deve ser expulsa. Por isso mesmo, levas de pessoas foram despejadas no Novo
Mundo (Américas, África, Austrália, Nova Zelândia, etc..), não eram aproveitáveis em seus
locais de origem e foram levadas para os lugares onde já viviam outros desqualificados
(selvagens).
Com a vitória da modernidade e da forma de vida globalizada, a gente
supérflua se encontra em toda parte e não existem lugares vazios onde eles possam ser
despejados. No entanto, estes indivíduos não possuem capacidade de consumo e necessitam
114
BAUMAN, Z. (2005) Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
115
GUIMARÃES (1981) Op. Cit.
Grifos do autor.
116
BAUMAN (2006) Op. Cit.
83
de subsídios para suas sobrevivências, não gerando ganhos e lucros, este é o motivo pelo qual
são supérfluos, eles atrapalham o bom funcionamento da sociedade, que funcionaria muito
melhor se os desclassificados desaparecessem ou fossem eliminados.
Esse regresso das classes perigosas (os desclassificados) suscita medos e
ansiedades, as intenções deles são ocultas e suas diferenças nos provocam pânicos infundados
e nos levam a assumir posições intolerantes para com eles e a incerteza toma conta das
relações pessoais e sociais. Isto porque os limites entre a zona de utilidade e a de inutilidade
são tênues e, sendo incerto o que faz um indivíduo perder sua capacidade de inclusão e
atravessar tal fronteira, o perigo que nos ronda o tempo todo, está em tudo e todos.
Wacquant (2001)
117
vai se referir à dissolução dos laços sociais como uma
marca da crise no projeto civilizatório da modernidade, apontando que a pobreza representava
uma anomalia causada por resíduos de desigualdades e atrasos passados ou como o produto
de deficiências individuais (Wacquant, 2001:22).
No entanto, na sociedade atual,
poderíamos afirmar a existência de uma “nova pobreza” que se faz acompanhar do
ressurgimento de ideologias raciais e conflitos violentos nas cidades. Com isso, vimos surgir,
principalmente após os anos 80, o aumento da criminalidade, levantes e incidentes
interétnicos de grandes proporções em variados lugares do mundo.
Esse fenômeno de desordem, que se encontra associado aos desclassificados,
combina duas gicas, uma que aponta a característica discriminatória das sociedades atuais e
que protesta contra as injustiças sociais, e outra que aponta a ruptura da vida civil pelo uso
direto da força frente às privações econômicas e às desigualdades sociais crescentes.
À frente de tais protestos seriam constante a presença dos jovens de classe
operária, que visualizam um futuro sem futuro. Mucchielli (2001)
118
aponta que poderíamos
falar de uma nova forma de violência associada à juventude após os anos 80 que, estando
associada aos imigrantes (na Europa) e à discriminação, expressa revolta, insatisfação com o
estado atual das coisas.
Uma das interpretações possíveis para o medo que tal fenômeno suscita é a que
entende que esta forma de violência específica expressaria uma verdadeira cultura de
exclusão, justamente porque a tendência em limitar rigidamente as fronteiras sociais impõe a
117
WACQÜANT, L. (2001) Os Condenados da Cidade: estudos sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro:
Revan, FASE.
Grifos do autor.
118
MUCCHIELLI, L. (2001). Quand la jeunesse fait peur. Scienses Humaines, Mensuel n. 116, mai 2001.
Disponível em http://www.scienseshumaines.com.
84
convivência com pessoas com a mesma história de desclassificação, reforçando as
segregações e as impossibilidades de mudança pela via pacífica.
Para não serem marginalizados, esses novos párias urbanos deveriam ser
capazes de suportar o desprezo público, a privação material, o rancor racial, a profusão de
crimes nas portas de suas casas, a segregação espacial, a desqualificação de suas capacidades
morais, mas não o são. Seria então, o sentimento de indignidade social que levaria os jovens
para a criminalidade, pois, a violência seria capaz de lhes proporcionar uma existência
socialmente reconhecida, fazendo com que conseguissem consumir, integrando-se à
sociedade.
Wacquant (2001)
119
também vai ressaltar que o clima opressivo – de miséria e
exclusão; de cercamento social e de ausência de futuro a que os jovens e suas famílias estão
submetidos, agrava os males sociais elevando as taxas de criminalidade e aumentando o uso
da violência como forma de mediação das tensões sociais. Com isto, a legitimidade da ordem
social fica inevitavelmente minada.
A polícia funcionaria como o último amortecedor entre a sociedade e os
desclassificados, e assumiria o papel de um exército de ocupação, pois, também age pelo uso
excessivo da força, ajudando a deflagrar outras manifestações de violência, hostilidade e
desconfiança para com a ordem vigente e os poderes públicos.
A proposta do autor discute o conceito americano de underclass
(desclassificados), apontando este como característico dos sistemas de segregação que
apontam determinada classe de pessoas como depositários dos males que afligem as
sociedades atuais, em especial a sociedade americana/novo mundo, sem, no entanto,
considerar os fatores que os levaram a existir como ameaça social.
Para Wacquant (2001)
120
, o conceito de underclass se diferencia do conceito
de subproletariado das teorias marxistas, do conceito de nova pobreza ou de exclusão. Ser
desclassificado implica na reunião sob o mesmo rótulo de todos os fracassados sociais, que
passam a ser percebidos como geradores “de uma ameaça, ao mesmo tempo sica, moral e
fiscal, à integridade da sociedade urbana”. (Wacquant, 2001:96). A definição do termo não é
uma mera categorização, mas um instrumento de acusação pública.
Especificamente nos EUA, tal conceito teria se dirigido primeiramente aos
moradores dos guetos negros urbanos e posteriormente se expandido aos agrupamentos de
119
WACQUANT (2001) Op. Cit.
120
WACQUANT (2001) Op. Cit.
85
latinos e outros estrangeiros, fato que explicita um viés segregacionista e discriminatório em
sua elaboração teórica. Suas existências são correlacionadas à periculosidade e à imoralidade,
desde o momento que o capitalismo americano mudou seus rumos e as políticas sociais
estabeleceram outras bases de assistência.
Três vertentes sustentariam a existência do conceito de desclassificação. A
vertente estrutural que considera que o elemento decisivo para sua existência é econômica. A
vertente comportamental que aponta como causa de sua existência comportamentos anti-
sociais individuais e coletivos anômalos. A vertente ecológica que considera os aspectos
ambientais e suas conseqüências.
Sob a perspectiva estrutural o conceito de underclass considera que as
mudanças no mundo do trabalho lançaram sobre determinada parcela da população a
“maldição do desemprego permanente”, pois, com as inovações tecnológicas estes indivíduos
se tornaram obsoletos e foram expulsos da esfera produtiva. Como efeitos são perceptíveis
aspectos que tradicionalmente indicam o rompimento da coesão social, ao qual se somam
secundariamente a desmoralização dos indivíduos que pertencem a tal grupo.
Neste contexto os jovens ocupam um papel exemplar, visto que são os que
mais suscitariam reações de pânico e medo social. No que se refere à eles, três mecanismos
conexos alimentam a desclassificação, a exclusão racial, as práticas de rejeição das
instituições oficiais em especial o fracasso escolar e o dessalariamento. Como
característica agravante teremos a imobilidade social e espacial, que faz com que se dissemine
uma cultura de sobrevivência violenta e criminosa.
A vertente comportamental considera que os comportamentos anti-sociais e
imorais estariam associados aos desclassificados. Isto porque os desclassificados fogem ao
padrão do americano médio. Cometem mais crimes, possuem padrões morais menos rígidos
ou depravados e sobrecarregam o sistema fiscal ao solicitar assistência por serem avessos ao
trabalho.
Sob esta perspectiva os “perdedores sociais” possuiriam comportamentos
específicos, mais comumente observáveis nas zonas onde moram, se dividindo em quatro
categorias: os pobres passivos que vivem da ajuda social; os criminosos de rua; os
trabalhadores informais e; os alcoólatras, vagabundos, moradores de rua, drogadictos e
doentes mentais.
A perspectiva ecológica é uma decorrência das vertentes anteriores, visto que
buscará no meio econômico, social e familiar as explicações para a existência dos
86
desclassificados. Num primeiro momento aponta que as mudanças no cenário econômico
esgotaram as possibilidades de empregamento. Em conseqüência disso os grupos sociais mais
frágeis foram os que sofreram mais com os efeitos destruidores da desindustrialização e da
retirada da proteção do Estado.
Logo a seguir, o autor destaca que o isolamento social e a concentração dos
desclassificados favorecem o aparecimento de certos comportamentos do grupo ao qual
pertencem, justificando a aplicação de políticas de encarceramento e contenção punitiva, que
vem sendo usuais após os anos 80 do século passado.
A palavra underclass não seria só um conceito ou uma categoria sociológica,
mas um perigo que deflagra efeitos sociais perversos, intolerantes e discriminatórios. O termo
desclassificação e sua associação a determinados grupos de pessoas carece de substância, no
entanto, tem sido empregado com maior freqüência em todos os lugares, não colocando em
pauta as desigualdades promovidas pelo sistema econômico e as falhas na formação
educacional e profissional, creditando o aumento das patologias sociais aos comportamentos
individuais (falhas de caráter) e usando os efeitos de seu próprio processo de segregação
como causas do estado atual das coisas.
“Concluindo, as categorias esparsas e variáveis geralmente
classificadas sob a etiqueta de underclassnão apresentam nem
consistência morfológica nem a ‘homogeneidade moral’ e a
‘tendência à unidade’ que estabelecem um coletivo social, segundo
Durkheim. Grupo fictício que não é constituído como tal a não ser
pelas e nas práticas de classificação dos eruditos, jornalistas e
outros especialistas na gestão das populações dependentes que
comungam na crença de sua existência, a underclass é, na
melhor das hipóteses, uma classe-imagem que exibe a todos os que
a ela não pertencem um espetáculo assustador de tudo o que todo
bom norte-americano deve esforçar-se para não ser.” (Wacquant,
1981:107)
Wacquant (2001)
121
vai ressaltar ainda que a noção de desclassificação é uma
forma de entendimento típica da realidade do Novo Mundo, mas, tem sido aplicada, com
diferenças quanto ao conteúdo racial e atuação do Estado, à realidade cotidiana de toda a
Europa, aspecto que se reflete no aparecimento dos elevados níveis de destruição, segregação,
isolamento e miséria.
121
WACQUANT (2001) Op. Cit.
87
O que temos presente na atualidade seria uma nova e incipiente forma de
marginalidade urbana, uma marginalidade avançada”
122
, que se faz característica por sua
extrema pobreza e destituição social, acrescidas da exacerbação de divisões etnorraciais e
violência pública, novas formas de marginalização e o uso freqüente do encarceramento
(social e/ou penal) como estratégia de contenção.
Como possibilidade de resolução de tais problemas sugere a constituição de
novas formas de intervenção política capazes de coibir ou redirecionar os problemas sociais e
econômicos estruturais que dão causa ao aumento progressivo dos índices de criminalidade
associada às populações excluídas. Também sugere o estabelecimento de novas formas de
mediação social agregadoras, capazes de reincorporar as populações excluídas nas sociedades
avançadas.
No sentido oposto, Jakobs (2005)
123
considera que a realidade da
criminalidade presente no mundo atual nos remete a diferenças não mais conciliáveis,
apontando que a relação jurídica que funda a igualdade só pode existir mediante a expectativa
de que todos aceitem e admitam as leis e normas. Na constatação advinda da realidade
assustadora de que existe uma negativa de certos indivíduos em se incluir na ordem civil
posta, a igualdade jurídica deve ser rompida e o indivíduo perigoso deve ser rotulado de
inimigo e tratado pelo Estado como tal.
O indivíduo perigoso, objeto do rótulo de inimigo, será aquele que por seus
atos passados e pela expectativa de periculosidade dos atos futuros deve ser tratado de
maneira diferente dos cidadãos. O que vai diferir inimigo e cidadão é o fato do primeiro
rebelar-se contra as normas contratuais da sociedade deixando de a ela pertencer, podendo ser
obrigado, coagido, a retornar à ordem cidadã.
Aqueles que não se deixam obrigar podem, legitimamente, ser objeto de
hostilidade por parte do Estado, pois, constituem uma ameaça constante. Tal hostilidade teria
dois usos, o primeiro a coação integradora e o segundo a expulsão por motivos de segurança
da comunidade cidadã. No segundo caso, o indivíduo, não mais será tratado como pessoa,
mas como um inimigo, sendo excluído não do convívio com os cidadãos, como de grande
parte das garantias e proteções da sociedade.
122
O termo avançada para o autor se refere a algo que não está no nosso passado e nem se encontra em lento
processo de absorção (no livre mercado e pelo Estado do Bem-Estar social) no nosso presente, mas se impõe em
nossos futuros. (Wacquant, 2001:169)
123
JAKOBS, G. (2005). Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In JAKOBS, G. e MELIÁ, M. C.
(2005). Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.
88
Como aponta Martín (2007)
124
, as não-pessoas, não poderão exigir a seu
favor, nem invocar para si os princípios e regras do Direito Penal das pessoas, pois não
oferecem à sociedade a garantia mínima de que desejam se enquadrar nas regras vigentes, não
podendo desfrutar do direito de pertencimento a um estado de cidadania, nem participar dos
benefícios do conceito de pessoa.
A possibilidade de exclusão do inimigo se calca no direito à segurança dos
demais membros da sociedade, que têm o direito de exigir do Estado que tome medidas
adequadas.” (Jakobs, 2005:29) A principal delas é a coação física, que tal qual na guerra, tem
por função submeter o inimigo, porém, não almeja desprovê-lo de todos os seus direitos. Por
isso, a hostilidade dirigida ao inimigo deveria ser contida, para que ainda se preservasse a
possibilidade da paz.
No entendimento do autor, qualquer pena se dirige a um inimigo e a sua
aplicação significa a violação da coesão social e das normas estatais que dão sustentabilidade
à vida em sociedade, implicando, também, na morte civil daquele que comete a violação.
Como complementar a esse raciocínio Jakobs (2005)
125
se refere ao fato de que a aplicação
da pena deve também pressupor a possibilidade de reparação do dano à coletividade e a
possibilidade de ajustamento às normas estabelecidas, reincluindo o indivíduo na sociedade e
lhe devolvendo a função de cidadão. Ou seja, “o delinqüente não pode despedir-se
arbitrariamente da sociedade através de seu ato” (Jakobs, 2005:27).
Em suma, a perspectiva dual que admite a existência de inimigos e de cidadãos
possui duas formas distintas de atuação, o Direito Penal do Cidadão, que atua na perspectiva
reintegradora e legitimadora da norma, e o Direito Penal do Inimigo, que atua numa
perspectiva excludente de combate de perigos difusos e prévios ao próprio ato delituoso.
A expectativa de que certos comportamentos delituosos se tornem duradouros,
teria a tendência de afastar a possibilidade de tratar o delinqüente como pessoa, visto que por
seu crime, o delinqüente, se afastou por demais e decididamente do Direito, não
proporcionando mais a “garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como
pessoa.” (Jakobs, 2005:35) O inimigo não terá como reparar o dano cometido à coletividade,
então, deve ser eliminado. Com relação ao combate ao perigo que representa, sua conduta será
124
MARTÍN, L. G. (2007) O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais Ltda. Série Ciência do Direito Penal Contemporânea. V. 10.
125
JAKOBS (2005) Op. Cit.
89
criminalizada antes mesmo do ato ser executado ou até mesmo se este não for posto em
execução.
Desta forma o autor considera como passíveis do rótulo de inimigo aqueles
indivíduos que por sua conduta, evidentemente contrária à norma, “não admite(m) ser
obrigado(s) a entrar em um estado de cidadania” (Jakobs, 2005:36). Esses indivíduos são
autores de crime por tendência e estão em guerra com a sociedade, por isso, são perigosos e
não merecem ser tratados como pessoa
126
. A existência de um tratamento, o Direito Penal
do Cidadão, seria uma forma de limitar a ação de reação do Estado nesta guerra, restringindo-
o a respeitar o autor como pessoa, fragilizando-se no combate aos perigos que os inimigos
submetem a coletividade.
Considera-se, então, nesta categoria de inimigo todos aqueles que cometem
crimes econômicos, crime de terrorismo, crime organizado, delitos sexuais e outras infrações
penais perigosas, além dos reincidentes. Tais categorias apontariam para a incapacidade de
reconhecimento da igualdade e da alteridade, pois, o inimigo é um outro tão diferenciado que
não pode pertencer à mesma humanidade que as demais pessoas.
Zaffaroni (2007)
127
ao tratar do tema vai expandir a perspectiva normativa
defendida por Günter Jakobs expondo que a discriminação de certos seres humanos sempre
foi uma prerrogativa do poder punitivo e um instrumento característico das sociedades
absolutas totalitárias. Sendo a sua utilização como representação normativa parte da
tendência atual de expansão do poder punitivo com o endurecimento motivado por causas
ou situações de emergência das sanções penais, de forma a criar exceções perpétuas. Sendo
que a questão do inimigo tem contexto no mundo globalizado, exatamente porque a
globalização debilitou o poder de decisão dos Estados nacionais, empobreceu a política até
reduzi-la à sua expressão mínima”. (Zaffaroni, 2007:17).
Conceituando a questão, o autor considera que os inimigos são aqueles que
politicamente nos são hostis, ou seja, aqueles com quem a possibilidade de comunicação não
existe, sendo, por isso mesmo, suspeitos de nos causar danos. São eles os estrangeiros e os
dissidentes. Os primeiros são naturalmente perigosos, por nos ameaçar com a sua capacidade
126
Apontamos que Martín (2007) Op. Cit. se refere ao fato de que o conceito de pessoa é uma atribuição
jurídica, moral e social, que difere do conceito de humanidade. Todos, inimigos e cidadãos são pessoas no
sentido humano, mas não o serão no sentido normativo-legal. Aquele que se afasta da norma e vive em um
estado de natureza não contratual é um indivíduo perigoso para sociedade. Recebendo o rótulo de inimigo.
127
ZAFFARONI, E. R. (2007). O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan.
90
de reverter a sua condição de subjugação e os segundos porque foram assim designados pelo
poder dominante.
Esse outro hostis, inimigo, estrangeiro sempre demandou desconfiança,
sendo os instrumentos punitivos utilizados para neutralizar sua periculosidade e integrá-los à
sociedade, no que fosse possível. No entanto, o grau de periculosidade do inimigo é que vai
determinar a necessidade de contenção, sendo a avaliação do primeiro requisito
subjetivamente determinada por quem detém o poder de legislar e exercer o poder punitivo.
Desta forma, cada sociedade vai seletivamente nomear quem é esse outro
periculoso, individualizando-o segundo os critérios religiosos, políticos, culturais, étnicos,
econômicos, sociais, geográficos e históricos vigentes. Como exemplo, o autor cita a
brutalidade contra os ameríndios durante a colonização das Américas, pois, a diferença
existente justificava atribuição, pelo colonizador, a estes indivíduos de uma duvidosa
humanidade, bem como a pressuposição de inferioridade e periculosidade. Motivos utilizados
para o extermínio em massa.
Zaffaroni (2007)
128
aponta que a existência de sociedades desiguais sempre
favoreceu a segregação de grupos de indivíduos, os inimigos sempre criaram expectativas de
periculosidade e dificuldades por sua indisciplina, por isso mesmo demandam vigilância
constante do poder punitivo. Mas, para cada inimigo é atribuído um instrumento de contenção
correspondente à sua periculosidade, reservando-se aos iguais especial deferência, sendo que
após o estabelecimento do projeto da modernidade este aspecto em especial virou a questão
central da cultura universal.
Esse aspecto em especial teria se traduzido no Direito Penal, fazendo com que
a animosidade entre os iguais e os estranhos fosse a forma própria de constituição da cultura
moderna. Com a Revolução Industrial e as mudanças por ela promovidas em suas diversas
fases, o poder punitivo se converteu num dos principais instrumentos de dominação das
classes operárias e os indesejáveis passaram a ser objeto de neutralização e domesticação,
sendo as formas de eliminação (deportação) e contenção (encarceramento) mais sofisticadas.
Com isso, após o século XIX, as classes potencialmente perigosas foram
excluídas da cidadania real e formal nas diversas sociedades do mundo, sendo a aplicabilidade
do poder punitivo exercida com um alto grau de seletividade e discriminação.
128
ZAFFARONI (2007) Op. Cit.
91
Após a segunda metade do século XX, com o incremento da globalização, a
eleição de novos inimigos se fez segundo um “autoritarismo cool”, marcado pelo
superdimensionamento do sistema penal e dos mecanismos de aprisionamento. Elegendo-se o
discurso da (in) segurança para conter, neutralizar e eliminar os delinqüentes, diminuindo-se
as garantias e direitos fundamentais, aumentando o rol de condutas criminalizáveis e aumento
de forma desmedidas as penas e outras medidas punitivas, pondo em pauta no cenário a
simples vingança, cuja principal característica é o fato de descartar a possibilidade
reintegradora da pena.
Este aspecto, em específico, ficou bem marcado após o ataque terrorista aos
EUA (em 11 de setembro de 2001), pois a idéia de um inimigo à espreita se tornou real,
demandando ações preventivas de defesa contra um ataque suposto. Isto deflagrou, segundo
Zaffaroni (2007)
129
, a emergência de legislações penais autoritárias que prescindem do uso
das garantias processuais e dos direitos humanos fundamentais para a manutenção de um
suposto direito à segurança presente e futura.
Os novos inimigos seriam então, todos aqueles que ameaçam a estabilidade de
certos grupos de pessoas, ou seja, os criminosos, os imigrantes e os possíveis terroristas, ou
seja, toda a sorte de estranhos que ocupam as camadas inferiores da população do mundo.
Faz-se a opção pelo “fortalecimento de preconceitos e racismos” (Zaffaroni, 2005:67-68),
sendo adotadas em diversos lugares do mundo leis penais e processuais com características do
Direito Penal do Inimigo.
“O certo é que, planetariamente, a rápida sucessão de inimigos
aumenta a angústia e reclama novos inimigos para acalmá-la,
pois quando não se consegue um bode expiatório adequado nem se
logra reduzir a anomia produzida pela globalização, que altera as
regras do jogo, a angústia se potencializa de forma circular. A
voragem de inimigos não deixa tempo livre para a construção de
uma identidade perversa como frente contra um inimigo.”
(Zaffaroni, 2005:67-68).
Esse novo autoritarismo tem como poderoso instrumento de disseminação os
meios de comunicação de massa e as novas tecnologias da informação, difundindo a
presentificação absoluta, a moda e a superficialidade, características da hipermodernidade que
129
ZAFFARONI (2007) Op. Cit.
Grifos do autor.
92
não predispõem ao pensamento crítico ou ao desenvolvimento de outros meios de mediação
para resolução dos conflitos sociais além do controle penal.
Para Bauman (2005)
130
, este tipo de tendência, é um “outro nome para
designar as novas e aperfeiçoadas formas de convívio humano e construção da ordem”
(Bauman, 2005:42). A ordem significaria a possibilidade de colocar as coisas em seu lugar, de
forma que estas possam executar de forma apropriada suas funções, garantindo que a Lei
possa ser posta em ação. A Lei pode existir na presença da ordem, pois é ela quem lista o
rol de condutas não autorizadas e sanciona punições para quem as transgride, impedindo a
anarquia. Para a lei, a exclusão se configura como um ato de auto-suspenção que mantém o
marginalizado fora dos limites do domínio da norma por ela definido.
“O convite da lei à universalidade soaria cínico não fosse a
inclusão que ela faz do excluído por meio de sua própria retirada.
A lei jamais alcançaria a universalidade sem o direito de traçar o
limite de sua aplicação, criando, como prova disso, uma categoria
universal de marginalizados/excluídos, e o direito de estabelecer
um ‘fora dos limites’, fornecendo assim lugar de despejo dos que
foram excluídos, reciclados em refugo humano.” (Bauman,
2005:43)
A máxima expressividade desta tendência de apropriação da lei penal para
resolver conflitos sociais. Quanto a tal aspecto consideraríamos, então, a possibilidade da
existência de duas humanidades”, pois, como se refere Martins (2003)
131
, ao problematizar
as formas de diferenciação social desenvolvidas na pós-modernidade para dar conta do
conceito de exclusão.
De acordo com o seu entendimento, um aumento na rigidez dos atributos
estatamentais nas classes e categorias sociais, que em tese deveriam estar atenuados numa
sociedade dita moderna. A existência de duas humanidades, distintas entre si, com níveis de
desumanização, qualidades e modos sociais distintos, considera que a desumanização que
alcança o favelado ou o imigrante, não é a mesma que alcança quem tem acesso aos meios de
consumo e produção.
Cada um deles possui uma desumanização mediada por relações de mercado e
pela rede de sustentação social à qual se vincula. Neste quadro, a igualdade é um atributo ao
130
BAUMAN, Z. (2005) Op. Cit.
131
MARTINS, J.S. (2003). A sociedade Vista do Abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes
sociais. Petrópolis: Ed. Vozes.
93
qual se recorre para teatralizar uma inclusão, pois, na prática, as forma de pertencimento são
apenas aparentes e se mostram degradadas e marginais. O autor também ressalta que a
igualdade jurídica é essencial para mascarar as desigualdades econômicas, sendo a exclusão
uma forma de expor a impotência do outro e sua dependência, impedindo que este tome em
suas mãos o poder de se desalienar, incluindo-se.
No que se refere à juventude, Coimbra e Nascimento (2003)
132
apontam que o
entendimento de que vivemos numa sociedade partida leva à percepção de uma atenção
diferenciada às formas de vida das classes menos favorecidas e nas atitudes e ações dos
jovens pobres, que seriam os excluídos por excelência.
Pois, são eles os mais frágeis frente aos tempos atuais e sofrem os efeitos mais
perversos da apartação social, acabando por se incluir nas redes de ilegalidade como forma de
marcar suas existências e resistir à exclusão para sempre. Na contrapartida, são objetos de
extermínio, enclausuramento desumano e discursos da (in) segurança que motivam ainda mais
sua discriminação e estigmatização como viciosos irrecuperáveis.
Zaluar (2004)
133
neste mesmo sentido vai apontar que a construção de uma
cultura de pânico em torno dos discursos da (in)segurança ficou muito marcada após os anos
80, principalmente, com o aumento real da criminalidade e a fragilidade dos aparatos estatais
de controle social. Porém, também vai ressaltar que as análises que tinham por objetivo a
explicação do fenômeno da violência no Brasil, partiam de uma noção muito própria de
sociedade, uma noção excludente, onde a sociedade lesada vitimada era definida segundo
os critérios dos mais bem providos de bens materiais, sendo as causadoras das inseguranças
sentidas eram as parcelas menos favorecidas da sociedade.
O clima irracional de medo instaurado agravou a violência, isto porque, o
temor coletivo aumentou as distâncias sociais e tornou a vida nas cidades mais conflituosa.
Desta forma, o simbolismo associado ao crime se revestiu de racismo, marcando ainda mais
as diferenças. O mundo social se impôs divisões e segregações, reforçando a idéia de uma
sociedade partida, onde de um lado ficaram os membros da sociedade (classes abastadas) e do
outro os migrantes nordestinos, “os favelados, pretos e pobres” (Zaluar, 2004:244)
O medo da criminalidade violenta, no Brasil, teria condensado as posições
diante dos pobres, pois a população apavorada teria reagido assumindo um ódio violento e
132
COIMBRA, M.C.B. e NASCIMENTO, M.L. (2003) Jovens Pobres o Mito da Periculosidade. In FRAGA,
P.C.P & IULIANELLI, J.A.S. (orgs.) Jovens em Tempo Real. Rio de Janeiro: DP&A Editora.
133
ZALUAR, A. (2004) Integração Perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: Ed. FGV.
94
assassino contra os marginais, surgindo discursos a favor da pena de morte, de penas mais
duras e criminalização de condutas antes não consideradas como passíveis de punição. Tais
discursos poriam em cena a construção, no imaginário social, de um bode expiatório para a
crise social e política e para a existência de uma cidadania negativa, que negava direitos e
garantias aos bandidos pobres, acusando-os de serem a causa dos problemas sociais e
econômicos.
Para a autora essa tendência implicaria na instauração de um autoritarismo
social que se faz perceber por meio da assimetria entre direitos e deveres, bem como pela
ausência de mediações sociais, visto que a rígida hierarquização social impediria a construção
de um modelo social que prescindisse da violência. Desta forma, a superação dos conflitos
socialmente vividos se faria através da violência, o que seria o denunciador da tendência de
negar a alteridade e o reconhecimento do outro, pois, a identificação imediata de culpados
para o esfacelamento do tecido social, desobriga de resolução os problemas.
“À incivilidade e à inabilidade para negociar, deveria adicionar-
se a incapacidade de exercer compaixão ou empatia, isto é, de se
colocar no lugar do outro. Em vez disso, a rapidez em colocar
rótulos e em identificar os inimigos ou culpados, além da pressa
em justiçá-los através da violência.” (Zaluar, 2004:249)
Dentro desta gica, a associação entre criminalidade e pobreza seria um
argumento fácil de ser vendido, pois, se centraria na lógica de negação da alteridade e de
exacerbação da existência pela obtenção da capacidade de consumo. Nesta a incapacidade de
sobrevivência e a imobilidade social fariam com que o crime fosse uma alternativa possível
para se alcançar o ideal de consumo do imaginário liberal, onde “o crime urbano típico seria
o crime contra o patrimônio.” (Zaluar, 2004:255).
As conseqüências sociais desta associação seriam perversas, levando à
discriminação para com os pobres tanto nas instituições de repressão e controle da
criminalidade, quanto no imaginário popular. Tal associação geraria distorções de percepção,
pois, apesar das grandes desigualdades existentes em nosso país, somente uma pequena
parcela da população pobre tem algum envolvimento com a criminalidade.
Ainda constata Zaluar (2004)
134
que, cada vez mais, jovens de todas as classes
e condições adotam práticas sociais violentas representativas de atitudes predadoras frente ao
134
ZALUAR (2004) Op. Cit.
95
próximo. No entanto, as estatísticas de criminalidade continuam a apontar os jovens pobres
como mais perigosos do que os de outras classes, sendo suas condutas mais criminalizadas do
que a de outros jovens, suscitando discursos de lei e ordem
135
.
O que tais considerações parecem indicar é que o uso do poder punitivo como
instrumento de contenção social e a desqualificação de certos indivíduos frente ao Direito,
funcionam no sentido da negação da condição de pessoa de direitos e exacerbam a condição
de inimigo da sociedade. Essa dualidade aponta para uma sociedade que apregoa a
necessidade de adoção de instrumentos de lei e ordem na proteção de seu direito à segurança
e, por outro lado, permite a arbitrariedade repressora e a violência para certas parcelas de sua
população, com a mesma motivação.
135
Os movimentos de Lei e Ordem defendem a proposição de que leis mais severas seriam capazes de conter os
fenômenos da violência urbana, terrorismo e criminalidade organizada. Defendem a aplicação de penas de morte,
longas penas privativas de liberdade e aumento no rol de medidas cautelares, que teriam como efeitos a
contenção dos altos índices de criminalidade. Sua fundamentação baseia-se nas idéias de retribuição e castigo.
ARAUJO JUNIOR, J.M. de (1991) Os grandes movimentos da política criminal de nosso tempo aspectos. In
ARAUJO JUNIOR, J.M. de (org.) (1991) Sistema Penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel.
Rio de Janeiro: Revan (p. 65-79).
96
IV. OS NOVOS PÁRIAS SOCIAIS
4.1. A adolescência no contexto da (In) Segurança
Adorno, Bordini e Lima (1999)
136
ao considerar as mudanças na criminalidade
urbana situam a preocupação com a delinqüência juvenil como um das principais
preocupações da modernidade, sendo uma característica dos nossos tempos que a necessidade
por mais segurança se acompanhe do descaso com a garantia de direitos para a juventude.
Além disso, o envolvimento de crianças, adolescentes e jovens com o crime vem sendo
tratada como um problema social que toma dimensões exacerbadas frente ao tratamento que a
mídia confere à ele.
A delinqüência juvenil estaria acompanhada da identificação instigada pela
mídia, de que o envolvimento dos jovens com o crime é uma conseqüência da fragilidade e do
protecionismo dos instrumentos legais de punibilidade das condutas anti-sociais. Os dados
divulgados pela mídia não refletem a realidade cotidiana brasileira, seja por falta de
credibilidade dos dados, seja pelo emprego dele numa dimensão muito maior do que a que
deveriam ter, pois são informados como dados isolados não comparáveis a outros grupos
etários ou à amostragem geral das pesquisas criminais.
Quando analisados num contexto mais complexo, os dados concretos não
apontariam na direção de uma epidemia da criminalidade adolescente, como apontam os
dados da pesquisa sobre a criminalidade adolescente na cidade de São Paulo que, num período
de 13 anos, constatou que “o envolvimento de jovens com o crime violento obedece ao mesmo
padrão observado para a população em geral.” (Adorno, Bordini e Lima, 1999:63).
Nesta mesma direção, Glassner (2003)
137
, aponta que, nos Estados Unidos, a
divulgação de dados sobre a juventude é tendenciosa, a mídia escrita e televisiva veicula
dados sobre crimes e violências associadas aos jovens, como se estes representassem
significância no quadro geral da criminalidade no país, quando o número de crimes tendeu a
cair na última década e a idade dos adolescentes infratores não teve variações significativas
no período.
136
ADORNO, S., BORDINI, E.B.T. e LIMA, R.S. de. (1999). Adolescente e as mudanças na criminalidade
urbana. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 13, n. 4, 1999. Available from: http://www.scielo.br/
137
GLASSNER (2003) Op. Cit.
97
O que tais dados apontariam seria um desinvestimento nos gastos sociais, bem
como um descompromisso, típico de nossos tempos, para com o futuro. Também serviriam
para exacerbar o medo e o uso de soluções penais para os problemas decorrentes da falta de
projetos para minimizar as conseqüências deste descaso, o que o leva a concluir que:
“O medo cresce, acredito, proporcionalmente à culpa inconfessa.
Ao se cortar gastos com programas educacionais, médicos e
antipobreza para os jovens, comete-se grande violência contra
eles. Porém, em vez de se enfrentar a responsabilidade coletiva,
projeta-se a violência contra os próprios jovens e contra estranhos
que se imagina que irão atacá-los.
Para os jovens que se desencaminham, as conseqüências das
projeções são terríveis. Quanto mais pessoas sentem medo da
criminalidade, mais punitivas são suas atitudes em relação a
criminosos jovens, revelam estudos, e os políticos capitalizam essa
correlação para construir mais prisões.” (Glassner, 2003:137)
No Rio de Janeiro essa tendência de queda na criminalidade adolescente
também vem sendo observada, mas, o assunto continua sendo tratado como uma epidemia
sem controle, cujo clamor é por políticas mais agressivas no combate ao envolvimento de
jovens com o crime, em especial, o tráfico de drogas. Entre os anos de 2002 e 2006, houve
uma redução de 52,2% das apreensões de adolescentes infratores em todo o estado do Rio de
Janeiro, sendo a maior queda observada entre os anos de 2003 e 2004.
138
Ainda aparece como problema na avaliação da criminalidade juvenil a
consideração de que os dados apontados como passíveis de análise criminológica, para Zaluar
(2004)
139
, apresentam falhas, sendo poucos os dados sobre a criminalidade no Brasil, seja ela
adulta ou juvenil, que podem ser padrões referenciais. Para a autora, tais pesquisas sofrem das
dificuldades decorrentes da complexidade do processo social, apontando-se três problemas
principais que podem ser referidos na produção de dados sobre a violência.
O primeiro se refere à forma como o encarregado dos registros faz a anotação
dos dados coletados, o que pode ocorrer segundo categorias preestabelecidas ou segundo uma
interpretação baseada no senso comum, passiveis de serem influenciados por estereótipos e
preconceitos. Os dados coletados também sofrem interferência do próprio fato, que às vezes
implica em perigo ao informante e de influências do lugar profissional e institucional de quem
os coleta.
138
MIRANDA, A.P.M. de; MELLO, K.S.S. & DIRK, R. (2007) Dossiê Criança e Adolescente. Rio de Janeiro:
ISP. Arquivo disponível em www.isp.rj.gov.br.
139
ZALUAR (2004) Op. Cit.
98
Um segundo problema tem relação com os usos institucionais dos dados
coletados, o que leva à consideração de que não há transparência na forma como se produz os
dados, pois a produção destes depende de como quem os coleta entende sua função pública.
140
Uma terceira dificuldade está diretamente correlacionada com a variedade de
fontes e a confiabilidade destas, principalmente dos dados policiais e das estatísticas do
sistema de saúde, ambas as fontes produzem dados incompletos, distorcidos e incapazes de
fornecer seriações que impliquem num estudo progressivo e seletivo sobre a violência no
Brasil. A autora aponta que, por diversos motivos, cerca de 20% das mortes por causas
externas, não são notificadas aos órgãos competentes. Também se refere ao fato das
estatísticas policiais não serem centralizadas e possuírem defasagem, às vezes de anos, entre a
coleta dos dados e a totalização destes.
Os dados da violência, apesar do descaso com que são coletados e tratados,
possuem extrema significância na análise da cidadania, pois, quando não interesse em
apurar a identidade das vítimas ou dos responsáveis por suas mortes, os direitos fundamentais
dos indivíduos não são respeitados e a vida destes possui muito pouco ou nenhum valor.
Tais dados também ajudariam a identificar os grupos mais vulneráveis à
violência, sendo que, após a década de 80, pode-se afirmar que a juventude é o principal
grupo afetado pela violência no Brasil, seja como agente ou como vítima desta. Como se
observa nos dados coletados entre os anos de 2004 e 2005, divulgados pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública
141
, os adolescentes são apontados como agressores em 11,2%
dos registros de homicídios dolosos, no entanto, são vítimas em 7,7% dos casos registrados.
A falta de compromisso com um sistema de garantia de direitos também pode
ser observados em outros dados. Cita Zaluar (2004)
142
dados de pesquisa realizada tendo
como base as ocorrências policiais e as autuações judiciais em São Paulo, no ano de 1991,
onde somente 1,38% dos homicídios de crianças e adolescentes foram efetivamente apurados,
chegando não só à identificação do agressor como à identificação das vítimas, dando origem a
processos criminais de responsabilização penal, sendo os autores julgados.
140
Como exemplo cita-se a notificação de homicídios no Rio de Janeiro durante o período de redemocratização,
década de 80, onde parte dos homicídios era notificado com a causa ignorada, sendo a categorização adotada
como política institucional. ZALUAR (2004) Op. Cit.
141
BRASIL, Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública Perfil das Vítimas e Agressores das
Ocorrências Registradas pelas Polícias Civis (Janeiro de 2004 a Dezembro de 2005). Arquivo disponível em:
http://www.e.gov.br/defaultCab.asp?idservinfo=4162&url=http://www.mj.gov.br/depen/censo/censo00.htm
142
ZALUAR (2004) Op. Cit.
99
Figura 1: Perfil das Vítimas e Agressores das Ocorrências Registradas pelas Polícias Civis
Dados mais recentes divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Estado
do Rio de Janeiro
143
apontam que “considerando-se os registros policiais, no Rio de Janeiro,
para cada dez crianças e adolescentes vítimas de violência, uma está envolvida em ato
infracional.” (Miranda, Mello e Dirk, 2007:4).
O que tais dados parecem indicar é a pouca importância que o sistema de
garantias de direitos tem em comparação com o sistema de controle e contenção da
criminalidade, sobretudo a de adolescentes pobres.
Esta constatação também leva Schecaira (2007)
144
, a apontar que o aumento da
criminalidade adolescente seria um fenômeno típico da era da globalização, visto que nesta
não nos parece permitido programar o futuro, as possibilidades de segurança quanto à
integração social e econômica se esvaziaram e a realidade implode com a impossibilidade de
determinadas inconseqüências juvenis se transformarem numa via de integração à sociedade.
Com isto, as “aventuras adolescentes”, antes meios de integração pela via negativa,
romperiam com a ordem social e transformar-se-iam em transgressão à lei e criminalidade.
Nesta perspectiva, a marginalização generalizada da juventude seria a primeira
e mais evidente conseqüência da degradação das relações sociais. Vai ser a desigualdade
social exacerbada que possibilitará a marginalização da juventude, sua desumanização e a
permissividade da violência contra os jovens. Sendo assim, o aumento da criminalidade
adolescente caminha paralelamente ao aumento da vitimação de jovens.
143
MIRANDA, MELLO & DIRK (2007) Op. Cit.
144
SCHECAIRA, S.S. (2007). Estudo Crítico do Direito Penal Juvenil. Tese apresentada à Egrégia Congregação
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como exigência parcial à obtenção do título de Professor
Titular em Direito Penal. São Paulo.
100
A globalização se faz sentir por seus efeitos variados e generalizados que
promovem “a progressiva segregação espacial, progressiva separação e exclusão”.
(Bauman, 1999:9). Produzindo, no seu bojo a tendência de criminalizar condutas não
previstas nas normatividades formais como forma de compensação dos desconfortos
produzidos pelo modo de vida pós-moderno.
Como efeitos, Bauman (1999)
145
, ainda vai apontar que o levantamento de
fronteiras se colocou como um fenômeno de estratificação de classe que se correlaciona,
diretamente, com a segregação dos espaços da cidade, das separações que decorrem da
percepção das diferenças como ameaçadoras, e da exclusão por negação da alteridade,
aspectos discutidos anteriormente.
Desta forma, a segregação vai promover efeitos especialmente danosos nas
classes trabalhadoras em trajetória descendente, restritas a determinados espaços urbanos
desqualificados e desprovidos de habilidades utilizáveis no mercado de trabalho. Esta
potencialidade danosa, como aponta Wacquant (2001)
146
, se faz mais impactante sobre os
jovens, não só por estes serem numericamente mais expressivos, mas porque as políticas
governamentais para a juventude “mostram-se incapazes de ajudar os jovens a conquistar
uma base firme no mercado de trabalho em contração, e as atividades esportivas e culturais
propiciam apenas diversão”. (Wacquant, 2001:32).
Esta atmosfera onde os males sociais se acumulam levam à percepção de uma
desesperança desânimo, enfado e desespero - que, facilmente, se dissemina nas
comunidades urbanas mais pobres estimulando uma insegurança opressiva e um medo
exacerbado que se infiltra na vida cotidiana.
Tais fatos levariam também ao aumento da percepção, nas classes mais pobres,
de que a falta de futuro se propaga sobre as novas gerações, perpetuando a miséria e a
exclusão. O cenário de segregação, desqualificação social, privação material e desconfiança
crônica, seriam um terreno fértil para o cultivo da raiva e de sentimentos de indignidade
pessoal, aspectos que minam a confiança interpessoal e o senso de coletividade, que lhes
permitiria atuar politicamente na construção de uma comunidade.
A globalização promove efeitos éticos de degradação, pois, com a segregação,
os espaços públicos perdem sua função positiva, já que neles as normas eram criadas e
145
BAUMAN (1999), Op. Cit.
146
WACQUANT, L. (2001). Os Condenados da Cidade: estudos para a criminalidade avançada. Rio de Janeiro:
Revan; FASE.
101
aplicadas e os valores eram confrontados e negociados. Neste quadro torna-se fácil a
manipulação da incerteza como poderoso instrumento de poder e influência sobre a sociedade,
seletivamente utilizado com a finalidade de definir os que devem ser excluídos do convívio
com a coletividade sob o rotulo marginal.
Os usos da desordem múltiplos e variados desintegram as redes protetoras
do tecido social, instaurando: a suspeita como forma de relação com os outros; a intolerância
como forma de lidar com a diferença; o ressentimento para com os estranhos; banimento e
isolamento do diferente; e, a preocupação paranóica com a “lei e a ordem”. Aspectos que
tendem a se exacerbar nas sociedades mais segregadas, sejam do ponto de vista racial, étnico
ou de classe, onde a facilidade em temer o outro associa os nossos tempos muito mais com o
perigo do que com a segurança.
A idéia de um inimigo interior que gera os medos contemporâneos se infiltra
escolhendo seus alvos preferenciais, os redundantes, aqueles que são “objeto de benevolência,
caridade e piedade (…), mas não de ajuda fraterna, acusados de indolência e suspeita de
intenções iníquas e inclinações criminosas.” (Bauman, 2005:22).
147
A “população excedente”, ou seja, aqueles que dentre os redundantes, podem
ser classificados como alvos legítimos aos quais não se aplica a proteção da lei, são baixas
colaterais do progresso econômico globalizado, não mais serão reciclados, recebendo o rótulo
de parasitas ou criminosos, que devem ser vistos e tratados com desconfiança e rigor.
A existência desse tipo de estratégia para lidar com a segurança, segundo
Bauman (2005)
148
seria parte da idéia de redundância”, pois, a partir de um determinado
momento, a desigualdade social e o desemprego deixaram de ser situações temporárias e
passaram a ser uma condição definitiva, significando a dispensabilidade de alguns indivíduos.
A simples presença destes é redundante, sendo o seu lugar junto com os demais refugos da
sociedade. Antes, o destino dos desempregados era aguardar uma possibilidade de reinserção
nas relações produtivas, agora, seu lugar é junto dos demais dejetos, ou seja, o lixo.
A desigualdade social seria significativa para o estímulo à criminalidade,
porém, não haveria uma associação clara e evidente entre ambas, até porque a primeira se
baseia em elementos como o consumo e a utilidade para o indivíduo de seus meios de
aquisição de renda, em confronto com a insatisfação frente a um nível referencial que sua
renda não é capaz de alcançar.
147
BAUMAN, Z. (2005). Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
148
BAUMAN (2005) Op. Cit.
102
Essa seria uma influencia direta do grupo sobre o indivíduo, até porque os
padrões de consumo e de renda, como referenciais de inclusão social, são estabelecidos
culturalmente e segundo uma forma de organização social em exercício numa sociedade
determinada.
A partir de tais definições os processos de exclusão social possuem estreita
correlação com a globalização e seus efeitos, possuindo como referencial a percepção de um
recorte específico, uma cultura característica e diversa daquela em exercício na sociedade
mais abrangente.
Véras (2006)
149
vai referir que as concepções de marginalidade, desde os anos
70, perpassam as considerações econômicas, associando-se à pobreza. No entanto, após os
anos 90, os problemas sociais em cena, incluem a consideração da exclusão social como
causa, explicativa por si mesma, de tudo e por tudo.
Com isso, no Brasil, a inserção na economia globalizada agravou os contrastes
e desigualdades sociais, desde então, as relações sociais se fundam numa sociedade de
consumo, mercantilizada e monetarizada, onde aqueles indivíduos ou grupos que não
possuem capacidade financeira, não existem como cidadãos, são consumidores insatisfeitos,
“excluídos das trocas sociais, das práticas componentes e dos direitos de integração social e
de identidade.” (Véras, 2006:34)
Essa nova desigualdade tende a produzir e reproduzir relações marginais e
excludentes, gerando um mundo composto por oportunidades desiguais, valores diferenciados
e impedimentos à ascensão social. Onde a hipervalorização do consumo leva à busca de uma
inserção social imaginada e constituída sobre a imitação da forma de vida dos mais ricos,
como se nisso residisse a igualdade.
A dispensabilidade de certos indivíduos gera um “sentimento de hostilidade,
desconfiança, irritação e medo” (Véras, 2006:46), levando à busca da contenção dos efeitos
perversos da globalização por meio da demanda por mais segurança e por maior repressão,
sem quaisquer preocupações com a resolução das origens dos problemas sociais que deram
origem aos mecanismos excludentes.
149
VÉRAS, M.P.B. (2006). Exclusão Social: um problema de 500 anos. Notas preliminares. In SAWAIA, B. As
Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes.
103
A adoção deste tipo de atitude, como explica Martins (2003)
150
, vai levar à
percepção de que a fragilidade de determinados grupos sociais frente à situações adversas, se
relaciona com determinadas circunstância de crise, que teriam a capacidade de desfavorecer a
compreensão e distorcer a consciência social do sujeito, assim como outras possuem a maior
capacidade da sociedade de se reproduzir e se regenerar.
Como hoje o sistema econômico não mais se vê obrigado a arcar com os custos
dos problemas sociais por ele gerados, disto decorre a constituição de uma nova categoria, a
“exclusão”. Ser excluído representaria um rótulo abstrato que não possui sujeitos
determinados, sendo assim designados os que pela sua condição de diferente terão negado o
acesso aos meios e recursos que deveriam poder almejar.
A condição de excluído, antes, temporária e possibilitadora da ação
transformadora da realidade pela tomada de consciência do operariado, agora, se apresentaria
como uma categoria residual na qual os sujeitos se vêem tragados pelas “formas degradadas
de integração social, pelas formas anômicas e desmoralizantes, excludentes, de participação
social” (Martins, 2003:32). O que significaria que determinados indivíduos passaram a ser
tratados como marginalizados sociais, ou seja, a capacidade/possibilidade de inserção
entrada e permanência no mercado de trabalho formal e na sociedade contratual foi limitada
e estão cada vez mais restritas as possibilidades de inclusão.
Para Bauman (2005)
151
, esta percepção inclui a consideração da preocupação
nos países centrais (desenvolvidos) com a superpopulação nos países periféricos
(subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), pois, o crescimento da população excluída gera
ondas de imigração e pedidos de asilo, que acabam por gerar outras inseguranças entre
aqueles que ainda preservam suas capacidades de pertencimento ao mercado de produção e
consumo de bens.
Além disso, na modernidade líquida, já não são mais fornecidos lugares para a
reacomodação de classe e os lugares que se apresentam são cada vez mais disputados e se
mostram frágeis, desaparecendo antes mesmo que a reacomodação consiga ser finalizada. Os
indivíduos estão cronicamente desacomodados.
150
MARTINS, J.S. (2003). A sociedade Vista do Abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes
sociais. Petrópolis: Ed. Vozes.
151
BAUMAN (2005) Op. cit.
104
Para Martins (2003)
152
, essa preocupação com a superpopulação e a associação
desta com a marginalidade social se presta a ocultar a concepção de classe e revela a
existência de um compromisso ideológico, surgido nos anos 60, com a afirmação da lógica da
burguesia e o desenvolvimento de um capitalismo voltado para si mesmo. Decorrendo deste
compromisso, principalmente nos países pobres, um extremo desencontro entre
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, que culminam na proliferação de
regimes políticos totalitários e repressivos, limitadores das liberdades civis e das garantias
pessoais da condição humana, como formas de conter a possibilidade de protesto social dos
‘excluídos’.
Neste rastro observamos a desvalorização do trabalho e a diluição da
identidade do trabalhador, o que ocasionou a despotencialização da capacidade
transformadora dos sujeitos que, ao perderem sua visibilidade, ocupam os lugares de
urbanização patológica as ruas, as favelas, os guetos, as periferias em razão da
diversificação da realidade social e da difusão de formas degradadas de vida.
Estes indivíduos perderam a capacidade de serem protagonistas de suas
histórias e se apresentam como resíduos do desenvolvimento econômico anômalo, são
descartáveis, por isso podem ser excluídos das oportunidades de participação social. Suas
capacidades de inserção social se dão pela capacidade de consumo, ou seja, a aquisição de
bens.
A crescente delinqüência nasceria da vontade de inserção dentro do mundo do
ter e parecer, pois, como pessoa aquém do acesso às possibilidades do sistema econômico, o
excluído – marginalizado, muito mais facilmente se aproxima das formas degradas e precárias
de participação social ou outras formas delinqüentes de participação.
Ser pobre numa sociedade rica implica que os padrões de dignidade estarão
estreitamente relacionados com a capacidade de consumo, não sendo estranho a tal
configuração que os jovens pobres, os “novos párias urbanos”, encontrem na violência e no
crime a sua única possibilidade de aquisição dos meios para chegar a ter dinheiro e bens de
consumo que sejam capazes de lhe dar uma existência socialmente reconhecida.
O crescimento da criminalidade apontaria, então, para a existência de
estratégias sociais de massacre da condição de pessoa, ocultando-se assim os traços da
152
MARTINS (2003) Op. cit.
105
degradação causada pela forma de estruturação econômica e social, onde a única forma
possível de inserção é através da hierarquia do consumo.
Ainda para Martins (2003)
153
, esse tipo de associação nos colocaria frente a
uma forma de protesto ou uma forma de manifestação da afirmação de valores da sociedade
da qual os criminosos se encontram excluídos. que a sociedade carece de valores éticos,
como efeito surge uma socialização anômica das novas gerações, cujo cotidiano se encontra
atravessado por violências reais e simbólicas.
O aumento da violência, principalmente nos locais mais pobres, seria, então,
característico do tempo em que vivemos, onde o aumento das arbitrariedades e mortes, seja
pela ação da polícia ou dos próprios delinqüentes, é um fato corriqueiro que denuncia uma
patologia social que compõe o quadro hipermoderno. Sendo o aumento da violência e da
criminalidade sintomas da fragmentariedade social, que tem como efeito negativo a
exacerbação de sentimentos de medo e insegurança, mas, também tem como efeito positivo o
surgimento do desejo de discutir e participar das possibilidades de solução para a confusão de
sentimentos que se instaura.
A hostilidade e a desconfiança frente ao desigual, segundo Wacquant (2001)
154
, são reflexos diretos da forma como a sociedade hoje se estrutura, frente a isto o uso dos
aparatos repressivos como instrumentos de controle social ajuda a minar a legitimidade da
ordem social e da autoridade. Sendo a polícia o último amortecedor entre os “jovens irados” e
a sociedade, a sua ação não pode ser puramente repressiva, sob o risco de em vez de atenuar e
conter os conflitos, exacerbá-los, acrescentando mais desordem e violência ao cenário urbano.
Zaluar (2004)
155
vai ressaltar que o que observamos no cotidiano pós-moderno
não é uma forma de vingança social dos pobres contra os ricos, mas, uma situação anômala
onde “os sinais de um ódio violento e vingativo começam a aparecer cada vez com maior
intensidade” (Zaluar, 2004:43) nos centros urbanos, que denunciam a ausência/incapacidade
da lei em mediar os conflitos entre os indivíduos e entre estes e a sociedade. Observamos,
então, a existência de regras de convivência calcadas na reciprocidade violenta e na vingança
privada, cujas conseqüências diretas e degradantes se fazem sentir sobre o plano social.
Neste veríamos aparecer as imagens que se constroem sobre a violência, a
oposição entre o bem e o mal que recoloca em cena fantasias sobre o diabólico. Na América
153
MARTINS (2003) Op. cit.
154
WACQUANT (2001) Op. Cit.
155
ZALUAR (2004) Op. Cit.
106
Latina, no imaginário social, esta imagem se constituiria em associação com a herança
maligna das culturas indígenas, onde as fantasias malignas assumiriam a forma das drogas e a
demonização de seus usuários, identificados com a desordem e as imagens do caos e do
descontrole social.
Interessante ressaltar que a autora trata a representação do mal na cultura
brasileira como algo que extrapola os limites religiosos, implicando no esvaziamento da
própria função do sentido normativo da punição e do ordenamento estatal. Por exemplo, as
representações das prisões no imaginário brasileiro seriam representações do paraíso, onde o
indivíduo desfruta das vantagens e benesses de uma vida sem trabalho. Fato que justificaria as
reivindicações por penas de morte e a permissividade com as condições subumanas de vidas
nas prisões.
Com isso, a consideração do trágico na cultura moderna brasileira se
interligaria com a representação da liberdade como um signo vazio, ora reprimida nos
períodos de autoritarismo, ora exacerbada nos períodos de liberalismo anti-social. O bandido
assim o seria por escolha, estando onde a moral enfraqueceu e a autoridade tradicional e o
Estado não ocupou o seu vazio”. (Zaluar, 2004:47-48). O lugar que este ocupa é o da nova
pobreza, um limbo situado entre o Estado e o mercado, onde a sociedade esfacelada não pode
garantir as relações morais e o Estado não consegue garantir direitos.
Seria na ausência de empecilhos para a ascensão social e para a ambição que a
violência se insere como mal absoluto. Esta última busca explicar as ações humanas na luta
entre a sociedade e o mercado, que teria como efeitos a aniquilação de valores e regras
morais. Como elemento novo se insere a lógica do trafico de drogas, que mudou o cenário da
criminalidade no Brasil, bem como cooptou os adolescentes para seus quadros.
A criminalidade associada às drogas competiria com a sociedade, retirando
desta última a capacidade de mediar as relações entre o Estado detentor da capacidade de
uso da força e da violência legítimas – e o mercado – regido pela lógica do lucro. Este aspecto
faria parte do que hoje seria o Brasil, uma economia de mercado gerido pela lógica do lucro
onde os controles morais e éticos se arrefeceram, gerando como conseqüências a ausência de
credibilidade na lei e sua aplicabilidade e a confusão entre os interesses individuais e os
valores pós-modernos.
A extrema violência contra os jovens pobres estaria a partir d justificada,
visto que seriam estes que ocupariam o lugar do outro indiferenciado que veste a imagem do
107
mal. Pois são eles que estão no lado mais fraco na guerra oculta que almeja expurgar o mal
instaurado na pós-modernidade.
Para explicitar tal fragilidade frente à sociedade, Schecaira (2007)
156
vai referir
que as investigações criminológicas confirmariam a existência de uma maior probabilidade de
jovens pobres serem atraídos pela criminalidade. Tais estudos considerariam que a cidade
possui um corpo de costumes e tradições que acabam por se identificar com subjetividade das
pessoas que nelas moram, sendo certo que a variação dos índices de criminalidade possui
estreita ligação com determinadas regiões, onde se verifica criminalidade maior nas áreas
mais pobres e super-povoadas, com um baixo status social, e em áreas industriais, com casas
habitadas por várias família (cortiços), ou em favelas.” (Schecaira, 2007:147).
O próprio fenômeno da criminalidade pressupõe uma seletividade, não de
determinadas pessoas, mas também de determinadas áreas degradadas da cidade. O desenho
urbano e arquitetônico destas áreas e desigualdade na distribuição de recursos favoreceria a
proliferação de determinadas condutas, sendo os jovens mais sensíveis aos efeitos perversos
do quadro de desigualdade, de falta de acesso aos equipamentos socioculturais do Estado e da
falta de oportunidades de inclusão futura no mundo do trabalho, pois eles “vivem
cotidianamente a cidade sem a ela pertencer de fato como sujeitos de direitos.” (Schecaira,
2007:149).
Mendonça, Loureiro e Sachsida (2003)
157
apontam que não seria a pobreza o
deflagrador do aumento dos índices de criminalidade, mas a desorganização social causada
por ela. Como exemplo, os autores citam a sociedade norte-americana, onde os índices de
satisfação das necessidades básicas são altos, mas, os índices de criminalidade também o são.
Observa-se ainda que os índices de expectativa de consumo são muito elevados e o aumento
da criminalidade é observado até nas camadas médias da população. Sendo assim, é
necessário considerar que a cultura de uma sociedade terá influência direta no aumento ou
diminuição dos índices de criminalidade.
Além disso, os autores apontam a constatação de que o envolvimento com a
criminalidade não gera aportes de renda ou perspectivas de ascensão social, mas, se relaciona
a uma perspectiva utilitarista, muito valorizada no mundo hipermoderno.
156
SCHECAIRA (2007), Op. Cit.
157
MENDONÇA, M.J.C de; LOUREIRO, P.R.A. e SACHSIDA, A. Criminalidade e Desigualdade Social no
Brasil. Texto para Discussão 967. Rio de Janeiro: IPEA, julho de 2003. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/pub/td/2003/td_0967.pdf
108
Pela perspectiva utilitarista, a opção pela criminalidade estaria relacionada à
capacidade de satisfação imediata a ser obtida com a renda adquirida em atividades lícitas ou
ilícitas, bem como à capacidade de consumo imediata que cada uma poderia vir a
proporcionar, principalmente se a cultura na qual o indivíduo se encontra inserido valoriza ou
não este aspecto como símbolo de status social.
Ou seja, a incapacidade de obter o consumo socialmente valorizado parece ter
como efeito o aumento na probabilidade de um indivíduo participar do mercado da
ilegalidade, apesar dos riscos nele implicados. Porém, este fator isolado não pode ser
entendido como determinante, visto que algumas comunidades são menos sensíveis aos
efeitos da desigualdade social, seja por conta da cultura regional, da religião ou das redes de
solidariedade social, entre outros fatores.
Neste contexto, a urbanização parece ter influência direta sobre os índices de
criminalidade, o anonimato, as interações sociais baseadas em modelos do grupo e a
amplitude do espaço, aumentam a sua ocorrência, principalmente entre os jovens. As
interações sociais urbanas favorecem a entrada no crime, seja pela influência que o grupo
pode vir a exercer sobre o indivíduo, seja pelo fato de que o meio urbano “favorece a
permanência no crime devido ao fato que diminui a probabilidade de reconhecimento do
indivíduo e por diminuir a chance de ele ser pego quando da prática de um delito.”
(Mendonça, Loureiro e Sachsida, 2003:13)
No que se refere ao contexto hipermoderno, Iulianelli (2003)
158
aponta que na
América Latina, desde a década de 80, a juventude, vem sendo entendida e tratada como um
perigo social.
A questão do menor”, ligada à degradação das condições econômicas no
continente, teria se tornado primordial, pois, frente à constatação de que havia uma patologia
social em curso, era necessário buscar as causas para a entrada da juventude crianças,
adolescentes e jovens no mundo da delinqüência, fato que gerou mobilizações de nível
internacional.
Os jovens passaram a ser considerados agentes e vítimas de “violências
terríveis”, gerando um aporte de políticas internacionais para a promoção de ações de garantia
de direitos à juventude, combate à miséria e monitoramento dos jovens, principalmente os
158
IULIANELLI, J.A.S (2003). Juventude: construindo processos o protagonismo juvenil. In IULIANELLI,
J.A.S. e FRAGA, P.C.P. (orgs.). Jovens em Tempo Real. Rio de Janeiro: DP&A editora. (p. 54-75).
109
pobres, que 85% dos jovens do mundo vivem nos chamados países em desenvolvimento”
(Iulianelli, 2004:62).
A análise que Fraga (2004)
159
propõe considera que a pobreza cria
impossibilidades de ascensão dos jovens a um modo de vida digno, impulsionando o
envolvimento com o crime. Complementarmente, a ineficácia dos sistemas de ensino e as
restrições e exigências do mundo do trabalho, impossibilitam o uso dos meios tradicionais de
inserção social, que passa, então, a se fazer por meio da ilegalidade, da informalidade e da
ausência de garantias e proteções do Estado, “o tráfico é um grande empregador e,
diferentemente de outras atividades ilícitas, é produtivo.” (Fraga, 2003:132).
Para o autor quatro fatores favoreceriam o afluxo de jovens cariocas na
criminalidade associada ao tráfico de drogas. Dois deles associados à demanda do mercado,
ou seja, o aumento do consumo de maconha e cocaína. Um decorrente da acumulação de
capital primitivo, originário dos assaltos a bancos. E outro associado à estruturação da lógica
administrativa do narcotráfico, ou seja, a organização nos presídios, a separação em facções e
o apoio logístico do jogo do bicho.
A idéia inicial, assim como era feito pela cúpula do jogo do bicho, era que o
capital ilícito fosse progressivamente passado para atividades lícitas, mas as divergências para
obtenção do oligopólio das vendas gerou graves crises internas na estrutura, fazendo que as
lideranças fossem rapidamente eliminadas e substituídas, o que levou a uma maior
participação dos jovens nas fileiras do tráfico.
Fraga (2003)
160
vai apontar que o aumento do envolvimento dos jovens com a
criminalidade, também poderia ser lido dentro da lógica de organização social e econômica
das favelas, pois, nelas a exploração do trabalho infanto-juvenil sempre foi um meio de
complementação de renda das famílias, que se realizava por meio da informalidade e da
ausência de garantias legais.
Para o autor, a compreensão do aumento fenomenal do envolvimento e
vitimação de jovens com a criminalidade implicaria no redirecionamento do foco de análise.
Teríamos que considerar “elementos conjunturais produzidos interna e externamente”, pois,
a “violência e desigualdade se agravam em locais e conjunturas onde se caracterizam
processos intensivos de exclusão social.” (Fraga, 2004:134).
159
FRAGA, P.C.P. (2003) Da favela ao Sertão: juventude, narcotráfico e institucionalidade. In IULIANELLI,
J.A.S. e FRAGA, P.C.P. (orgs.). Jovens em Tempo Real. Rio de Janeiro: DP&A editora. (p. 117-147).
160
FRAGA (2003) Op. Cit.
110
Desta forma, fazem parte da análise proposta pelo autor o hiperindividualismo
e o hiperconsumo, além da degradação do mundo do trabalho e as fronteiras sociais e
espaciais que delimitam a diferenciação social que sustenta o tecido social na atualidade.
A primeira característica seria identificada com a tendência moderna de
“psicologizar” a delinqüência, considerando-a uma patologia individual ou familiar. O
hiperindividualismo posto nesta proposta implicaria na responsabilização do indivíduo por
seus atos, desconsiderando-se a conjuntura social e seus mecanismos excludentes.
A segunda característica, o hiperconsumo, seria referida ao desejo de fazer
parte do mundo pós-moderno. Neste a inclusão pelo consumo seria um motivador agressivo
para a entrada na delinqüência, pois, para fazer parte dele é preciso ter elementos de
diferenciação social valorizados. O que nos levaria a considerar que entrada no mundo da
ilegalidade e/ou informalidade, seria uma tentativa de diminuir o hiato entre o poder de
consumo do jovem e a pressão social que existe para que ele venha a consumir, possibilitando
alguma inserção social.
A terceira característica que coloca a existência da degradação do mundo do
trabalho e as relações sociais baseadas nas diferenciações sociais excludentes, leva à
percepção de que para os jovens o futuro, incerto e inseguro, se faz sem possibilidades de
outras composições de ascensão social.
A presentificação absoluta levaria os jovens a recusar as relações de exploração
do trabalho formal como meio de “negação da rotina, da disciplina e da perda de
autonomia, de domínio do tempo livre e de controle das condições de existência” (Fraga,
2004:136-137) cujo acesso também não lhe é assegurado, para investir no imediatismo dos
“difíceis ganhos fáceis”. Por outro lado, a negação do mundo do trabalho criaria uma marca
de diferenciação social que lhes permite o exercício do poder pelo medo que suscitam.
“Assim, esses jovens reproduzem práticas sociais verificadas por
outros agrupamentos, com a diferenciação de utilizar um meio
produtor de riscos sociais.” (Fraga, 2004:135-136)
Nesta mesma linha de abordagem, Zaluar (2004)
161
vai propor a idéia que na
nova configuração urbano-social do Brasil, que instaura a criminalidade violenta associada
aos jovens, os laços de sustentação do universo relacional foram corrompidos, seus valores e
símbolos deram lugar à adoção de uma ideologia individualista moderna, na qual a ilusão de
161
ZALUAR (2004) Op. Cit.
111
liberdade pessoal se encontra intimamente interligada com a adoção de uma concepção de
poder autoritário.
A entrada dos jovens na criminalidade carregaria consigo a marca de um poder
que se exerce numa relação de intimidação e subserviência, onde a “guerra” é uma forma
rápida de aquisição de respeito, admiração e capacidade de consumo. Mas, para manter seu
status, o jovem deve manter uma rede de obrigações financeiras e pessoais com os chefes da
criminalidade organizada, que o levaria a praticar outros tipos de crime.
Para a autora, o fato dos jovens homens entrarem para a criminalidade e nela
permanecerem, também se pela percepção de que o “etos da masculinidade” se faz com
base na identificação com “o bandido” ao qual todos temem. Isto aconteceria porque as
demais figuras masculinas “o bom jogador de futebol, o bom sambista, o bom pai de
família, o trabalhador habilidoso e o malandro esperto” (Zaluar, 2004:63) – desapareceram.
A referência de poder assumiria, então, sua vocação hiperindividualista,
estando relacionada à capacidade financeira imediata e de intimidação pelo uso da violência,
emergindo o símbolo do rebelde que tem por limite a própria vontade e a capacidade de se
impor pela crueldade. A percepção do outro, enquanto limite para a ação individual, vai se
encontrar ausente, visto que, ele mesmo, o jovem, se encontra aniquilado das relações
mantidas no tecido social, sendo percebido como um estranho, que dele não faz parte.
“O bandido, mais do que o malandro, é quem se perde numa
perversão da liberdade na qual o outro não é levado em
consideração. O outro e sua liberdade não impõem limites à ação
individual transgressora do bandido.” (Zaluar, 2004:64)
Mesmo sendo a pobreza um elemento importante para a análise e compreensão
da criminalidade juvenil, não será ela o único motivo para o aumento da criminalidade
urbana, mas é aquele que vai demarcar os preconceitos e escolhas frente à diferença na forma
de vida atual. A pobreza seria um símbolo do medo e da insegurança que se faz acompanhar
de uma violência real que ameaça a integridade física e dos bens daqueles que conseguiram
firmar uma posição frente a uma sociedade tão desigual.
Frente a este quadro, entrever a possibilidade de desqualificação gera angústias
coletivas, não só por conta da ameaça de decomposição da ordem social, mas também por
criar inseguranças quanto à coesão nacional, gerando uma relação de interdependência entre
os pobres e o resto da coletividade, sendo cada vez mais evidente o aumento do numero de
adesões à categoria de pobres ou de excluídos.
112
Esta despotencialização social possui muito mais impacto sobre os jovens,
visto que frente a um alto grau de instabilidade e insegurança quanto ao status social que suas
famílias e eles próprios ocupam falhas no estabelecimento de suas auto-imagens,
identidades e admiração em relação aos semelhantes, o que age diretamente sobre suas
personalidades.
Elias e Scotson (2000)
162
apontam que, desde cedo estes jovens se confrontam
com a desqualificação social de suas figuras de referência parental. Tal confronto os torna
mais frágeis para enfrentar o mundo, pois, suas identidades se constroem sob a condição de
outsiders rejeitados”. Para se rebelar contra a rejeição rotineira a que são submetidos, estes
jovens adotam “uma espécie de guerrilha, provocando, perturbando, agredindo e, tanto
quanto possível, destruindo o mundo ordeiro do qual eram excluídos, sem entender muito
bem por quê.” (Elias e Scotson, 2000:145)
Mello (2006)
163
aponta que este comportamento faz parte dos contrastes de
nosso tempo, já que a modernidade tinha como projeto a disseminação da abundância, sendo a
existência da miséria uma contradição grave, pois, implica que os bens materiais e imateriais
não estão à disposição de todos, nem estarão em um curto espaço de tempo. Essa constatação
leva à impotência e ao aparecimento de violências que nos afastam de nosso campo de
percepção de segurança, facilitando a erupção de fantasias relacionadas ao caos, à desordem e
ao preconceito, pois, as percepções do cotidiano não nos permitem agir com imparcialidade
percebendo o outro como alguém semelhante a nós.
Ressalta a autora que na perspectiva da Psicologia Social o reconhecimento do
outro como semelhante implica na percepção da humanidade deste outro. Num mundo em que
os referenciais de modo de vida são muito distintos as possibilidades de reconhecimento de
semelhanças ficam cada vez mais restritas, sendo que “da desigualdade à inferioridade não
há muita distância” (Mello, 2006:135).
A possibilidade de que as falhas no reconhecimento do outro como igual nos
levem na direção de um temor exacerbado, exaltando sentimentos de insegurança, são muito
grandes. Desta forma, tornar-se-ia mais fácil direcionar tais sentimentos de temor e
insegurança para grupos e segmentos sociais específicos, que ao não serem reconhecidos
162
Elias, N. e Scotson, J. (2000). Os Estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de
uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
163
MELLO, S. L. (2006) A Violência Urbana e a Exclusão dos Jovens. In SAWAIA, B. (org.) (2006) As
artimanhas da Exclusão: Análise Psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes (p. 129-140)
113
como iguais não podem ser percebidos como contendo as mesmas características de
humanidade que acreditamos possuir e reconhecer em nossos iguais.
Por definição, a impossibilidade de reconhecimento do outro nos remeteria à
percepção de que os desconhecidos são por demais assustadores, suas condutas e valores nos
são estranhos, suas características pessoais e caráter são desabonadores e seu suposto
potencial de violência nos fazem crer que são pouco humanos.
Como ressalta Bauman (1998)
164
, esse aumento da distancia física e/ou
psíquica entre nós e os outros produz conseqüências diversas, entre elas a suspensão das
inibições morais que nos impediriam de desumanizar o outro que nos é desigual. Ao
tornarmos as vítimas psicologicamente invisíveis nos tornamos menos críticos quanto ao que
as leva a estar na condição em que estão e admitimos mais facilmente violações a seus
direitos fundamentais.
Ao nos referirmos especificamente à juventude juntaríamos à dificuldade de
reconhecimento do outro desigual outras características extremamente ameaçadoras, como a
necessidade de experimentar coisas novas, a inquietação, a impetuosidade e a busca por
mudanças, levando à percepção de imagens de extrema insegurança como associadas à
juventude, vista, então, como ameaçadora e incapaz de possuir a humanidade pressuposta nos
iguais. Sendo não humanos podem ser objeto de políticas educacionais negligentes,
extermínio, encarceramento e tratamento desumano. Aspecto corroborado pelas estatísticas
criminais e de saúde divulgados pelos organismos governamentais em todo o país, como
apontamos anteriormente.
Feita essa primeira consideração sobre o contexto da (in) segurança na
hipermodernidade e sua associação com o cenário carioca e a adolescência, passamos a
discutir as implicações destas considerações sobre o tratamento dos desiguais, em específico,
o uso de instrumentos penais e o discurso do inimigo.
4.2. Por um Direito do Inimigo: o controle social penal das novas classes perigosas
Os aspectos referidos ao conceito e tratamento das novas classes perigosas,
segundo Beck (2004)
165
, vão estar referidos ao fenômeno da globalização, pois, assim como
Raúl E. Zaffaroni, o autor vai considerar que a globalização desencadeou um processo de
controle econômico que se faz sentir nas demais áreas da vida social. Esse processo tendeu a
164
BAUMAN, Z. (1998). Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
165
BECK, F. R. (2004) Perspectivas de Controle ao crime organizado e crítica à flexibilização das garantias. São
Paulo: IBCCRIM.
114
causar a flexibilização de determinadas áreas da regulação normativa, mas teve o movimento
inverso no que se refere ao Direito Penal.
No âmbito penal, os efeitos da globalização se fazem sentir no movimento de
estabelecimento de regras mais severas e abrangentes, na maior parte das vezes “sob o
pretexto de ampliar a eficiência no combate ao crime organizado, ao narcotráfico, às fraudes
financeiras, ao terrorismo e às operações de lavagem de dinheiro obtido ilicitamente”.
(Beck, 2007:39)
O autor também irá considerar que a globalização exacerbou as desigualdades
sociais, quando substituiu relações de exploração por relações marcadas pela exclusão, sendo
o excluído colocado de fora de qualquer espaço social, político ou territorial. Como
conseqüência disto, o medo dos excluídos, se tornou o alvo preferencial das ações de controle
social, se estabelecendo assim, com o fenômeno da globalização, a criminalização de novas
condutas, exacerbação das penas, a relativização de princípios e a adoção de métodos
questionáveis – do ponto de vista dos direitos humanos – de investigação.
A globalização também coloca para o Direito a necessidade de atuação prática
na direção da eficácia na contenção da criminalidade, apontando para isso respostas punitivas
que representam um reaparelhamento jurídico-penal frente à delinqüência, como reação a um
sentimento de insegurança, não só dos indivíduos, mas do Estado fragilizado.
Essa ampliação das fronteiras do punível, no entender de Beck (2007)
166
,
aponta para uma mudança do papel do direito penal, isso porque frente à existência de uma
sociedade de risco, este se reorienta no sentido da prevenção e do controle penal dos conflitos
sociais. Tal fato configura-se no exagero do uso dos instrumentos penais, que precisam prover
soluções para as questões sociais deflagradas pelo processo globalizador.
“O aumento esquizofrênico do número de leis punitivas que tem
mais um sentido simbólico do que um propósito instrumental de
tutela de bens jurídicos mais importantes para o ser humano e a
coletividade – é um ótimo indício para dimensionar a influência do
processo globalizador no campo penal, mas é insuficiente para a
valoração crítica das leis.” (Beck, 2007:43)
Como conseqüências disso se colocam os efeitos de insegurança, visto que a
exacerbação do uso dos controles penais aumenta a morosidade e os custos dos aparatos
judiciais, bem como promove o aumento da ineficácia e da sensação de impunidade dos
166
BECK (2007) Op. Cit.
115
aparatos penitenciários sobrecarregados pelo excesso de demanda. Estes aspectos
evidenciam o efeito, não desejado”, de fomento da (in) segurança, ou seja, na era
globalizada, a eficácia penal fica comprometida pelo crescimento exagerado e irracional do
direito penal, bem como pela sua instrumentalização como forma de controle social. Também
contribuem para esse quadro o uso excessivo da antecipação da tutela penal e da
flexibilização das garantias penais, processuais e execucionais. Além desses elementos se
coloca a descodificação, com a tendência a se fazer uso de leis excepcionais e especiais para
dar conta da comoção suscitada por determinados crimes e seus efeitos sobre a percepção de
(in) segurança da sociedade.
A percepção de ineficácia também se coloca no cumprimento das penas, pois,
com o inchaço das prisões, uma impossibilidade real do conteúdo reabilitador da pena, o
que suscita outros sentimentos de inoperatividade das leis e da sua execução. Para
determinadas parcelas da sociedade, a percepção de seletividade do direito penal também
funcionaria no sentido de sua deslegitimação, fazendo com que a ação do direito penal seja
mais simbólica do que real.
As percepções de ineficácia e deslegitimação promovem a edição de leis cada
vez mais gravosas, com a criação de novas condutas criminalizáveis e penas mais extensas e
rígidas, relativização de princípios e garantias constitucionais, ampliação do poder de polícia
e de medidas cautelares, aspectos que caminham no sentido inverso da proposta globalizante
de desregulamentação e flexibilização dos demais ramos do Direito.
A explicação para este fenômeno é paradoxal, pois, a adoção de tais medidas
decorre da necessidade de garantir aos indivíduos o direito à segurança, no entanto, a sua
adoção funciona no incremento dos sentimentos de insegurança e de despotencialização do
Estado em conter a criminalidade. O objetivo, implícito, da adoção de tais medidas seria então
o inverso de suas intenções explícitas, ou seja, a difusão do medo e do conformismo com
relação aos excluídos, produzindo benefícios políticos no sentido de sua exclusão definitiva.
“Por meio de respostas penais crescentemente severas, rígidos
regimes prisionais e alargamento dos poderes de polícia, o Estado
procurou demonstrar publicamente que dispunha de um poder
idôneo a reafirmar a força da lei e, portanto, de revigorar o mito
de sua soberania. Todavia, essa exibição de força punitiva não
passa, na realidade, de uma confissão de sua incapacidade de
controlar o crime em níveis toleráveis e de seu fracasso no sentido
de dar segurança à população.” (Beck, 2007:48)
116
O que Giorgi (2006)
167
aponta é que as políticas criminais que adotam a
Tolerância Zero são aquelas que possuem implícitas a “equação entre marginalidade social e
criminalidade, entre classes pobres e classes perigosas” (Giorgi, 2006: 27), tendo
abandonado o modelo de controle social disciplinar, com a adoção da internação penal
(cárcere) e urbana (gueto, favela) como formas de definição do espaço de contenção das
populações excedentes.
O que o autor vai propor é que as tecnologias disciplinares são consideradas
inadequadas para os tempos atuais, pois, partem da idéia de um excesso no horizonte
produtivo, que necessita de novas formas de controle e subjetivação que não passam pela
concepção de trabalho. Desta forma, se delinearia na sociedade do excesso uma “economia
política da penalidade” que se apropria da associação entre encarceramento e desemprego,
assim como a sociedade disciplinar se apropriou dos nexos entre o cárcere e a fábrica.
Essa forma de ação representaria uma gestão penal da miséria, isto porque a
função da pena se estabelece segundo a necessidade de manutenção das relações de classe
dominantes, mantendo não o controle do desvio, mas, também, construindo as tramas
sociais. Nesta perspectivas o público alvo das instituições penais serão sempre as classes
despossuídas, sobre as quais se estabelecem os objetivos preventivos da pena e do mercado de
trabalho. Desta forma, numa situação de excesso de força de trabalho, o uso das penas seria
um movimento natural, como o foi no contexto do nascimento das prisões.
O que temos de diferente agora é que a este excesso de força de trabalho não se
dirige uma expectativa de reinserção, mas a um objetivo outro, o de realização de uma função
social que possibilite ao indivíduo sua manutenção dentro da ordem de pertencimento e
reconhecimento, nem que seja por meio do signo da assistência penal.
A reclusão dos pobres sempre foi uma estratégia de controle das classes
marginais, possuindo por função a subjugação às relações de trabalho. No entanto, se estas
forem abolidas da equação, o que sobra é a apartação social pela contenção pura e simples,
sendo a severidade das penas uma conseqüência decorrente da degradação das condições de
trabalho.
Cita Giorgi (2006)
168
que encarcerar ainda tem o efeito adicional de promover
a redução das taxas de desemprego, visto que após os anos 80 a proteção da assistência social
167
GIORGI, A. Di (2006) A Miséria Governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan/ICC. Coleção
Pensamento Criminológico, v. 12.
168
GIORGI (2006), Op. Cit.
117
foi radicalmente diminuída, não mais se fornecendo o lugar da assistência para os mais
despossuídos. O hiper-investimento carcerário cumpriu a função de conter as camadas mais
baixas da população, ao mesmo tempo em que ocultava boa parte da população
desempregada.
“Analisando a composição de classe da população carcerária dos
Estados Unidos, verificamos que a taxa de desemprego seria pelo
menos dois pontos mais elevada do que a indicada pelas
estatísticas oficiais. O aumento do percentual parece mais
significativo se levarmos em conta a população afro-americana:
incluindo os detentos nas estatísticas, a variação neste caso seria
de 7%. Isso significa dizer que o encarceramento em massa teria
reduzido as taxas de desemprego entre os afro-americanos em
cerca de um terço.” (Giorgi, 2006:53)
O encarceramento em massa indicaria, neste cenário de crise econômica, a
tendência de construção do Estado penal frente ao entendimento que a marginalidade social se
constitui em ameaça à ordem, abandonando-se as políticas de garantia social. Isso se pela
construção de uma nova moralidade, que trata severamente os desvios e que entende que a
pobreza e a precariedade mais se aproximam do crime do que da necessidade de proteção
social, devendo os pobres e miseráveis ser tratados de forma mais severa.
Isto também implicaria na adoção de um pânico moral, que poria na
centralidade dos discursos públicos a necessidade de contenção dos inimigos públicos, ou
seja, toda a sorte de desviantes que ferem o direito à segurança e que demandam nenhuma
tolerância e ações imediatas de defesa da sociedade.
Numa situação de excesso o governo dos desvios necessita de novas
estratégias. A tendência em curso é a de adoção de novas tecnologias de controle, que
utilizam o “regime de supervisão e contenção preventiva de classes inteiras de indivíduos,
renunciando, assim, a qualquer saber sobre os indivíduos” (Giorgi, 2006:93). Isto indica a
opção pelo uso da internação, da vigilância e da limitação do acesso como formas de realizar
a missão de garantir o direito à segurança a determinadas parcelas da população.
As causas dessa tendência no sentido repressivo não estão nas taxas de
criminalidade, mas, na escolha seletiva das populações que vão compor a população reclusa,
como denunciam os dados penitenciários. Com a redução da proteção social, são os pobres, os
carentes de assistência, os imigrantes, os subempregados e os desempregados que comporão a
classe da população prisional.
118
O que embasaria essa escolha seletiva seria o critério do risco, pois, dada a
nova configuração das sociedades, as estratégias penais tentam gerir e reprimir os portadores
potenciais do risco. O que se busca não é o aprisionamento de indivíduos, mas, dos grupos em
risco que se deseja conter, onde a lógica do controle seria da ordem da contabilização da
probabilidade de sinistros relacionados à população excedente, dirigindo-se os aparatos
repressivos para a gestão dos riscos pressupostos para esta coletividade no futuro.
Essa lógica securitária utiliza como mecanismo de regulação a limitação, a
neutralização e a desestruturação das formas tradicionais de interação social (solidariedade,
cooperação e empatia), instaurando a desconfiança que impede o reconhecimento do outro
como igual, fazendo com que este seja tão ameaçador que componha um risco em si mesmo.
Alimentando-se o regime da estranheza frente a esse outro, é possível atribuir a ele uma
periculosidade ilimitada. O caminho, então, não é o do controle, mas da (des) construção das
individualidades ou coletividades fragmentárias, cujas ações podem ser previstas e
planificadas antecipadamente por meio do exacerbamento das práticas preventivas.
Para Bauman (1998)
169
, as práticas de segregação presentes na pós-
modernidade não necessitam de uma atitude hostil para com determinados indivíduos para
existir, necessitam apenas de uma lógica de separação que exacerbe a devoção às normas, que
exalte a repulsa treinada aos transgressores destas e que atribua a certos indivíduos o rótulo
de inferioridade. Essa conjugação de fatores teria o poder de criar práticas generalizadas de
exclusão, construindo distâncias seguras e intransponíveis entre os que estão incluídos e
excluídos do reconhecimento alteritário.
Sob esta ótica, com o desmonte da coesão social e num contexto de
enfraquecimento de pressões morais e de legitimação da desumanidade de certos indivíduos, o
que se impõe é a crueldade para com os desqualificados, sendo a tendência, também, de se
exacerbar as necessidades de autopreservação como forma de sobrevivência.
Este aspecto em especial é considerado importante visto que se é a lógica da
autopreservação que define as formas de relação em sociedade é ela também que orienta o
controle social, pois como aponta Castro (2005)
170
, o processo de criminalização realiza a
escolha por determinados parâmetros, formando os conceitos de delito, delinqüente e
delinqüência. São as opiniões públicas que irão constituir os parâmetros do controle social,
169
BAUMAN, Z. (1998) Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
170
CASTRO, L. A. de (2005) Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan. Coleção Pensamento
Criminológico. V. 10
119
cujo ponto inicial será sempre o estabelecimento de estereótipos e estigmas relacionados a
determinada classe de indivíduos.
Será o medo o orientador, também de políticas criminais de tratamento do
crime, da criminalidade e do criminoso, pois como ressalta Beck (2007)
171
, o medo do crime
e o pânico coletivo que este instaura, levam ao estabelecimento de movimentos que apregoam
a defesa das vítimas frente ao crime, defendendo a aplicação de um direito penal de
emergência ou de exceção. A idéia de urgência ou de emergência sobrepõe as discussões
penais de tal forma que admite estados de exceção permanentes como forma de controle
social.
No entanto, o que esse modelo da emergência marcaria é uma “(falsa) idéia de
resposta pronta e imediata ao mal” (Beck, 2007:100) causado pelo crime à coletividade
assustada, não importando muito que essa falsa imagem se sustente sobre o desmonte dos
direitos e garantias fundamentais que dão sustentação à existência do Estado Democrático.
Sobre este mesmo aspecto, Gomes (2006)
172
ressalta que a tendência na
utilização de mecanismos totalitários e de um direito penal do autor, desvinculado da
constituição democrática pressuposta nos Estados de Direito, nos aproxima dos Estados de
Exceção estado de defesa e de sítio, que para existirem necessitam da demonização de
determinados grupos de delinqüentes para exercer sua ação coatora. Sendo assim, a
desproporcionalidade das penas não considera os danos causados, e, imbuída da lógica da
guerra, perde de vista as condições pressupostas na legalidade democrática.
Riquert e Palacios (2003)
173
também apontam que a aplicabilidade das leis
penais nascidas dos processos de exclusão, deve ser contextualizada politicamente e deve ser
relacionada à positivação dos direito humanos e à permanente necessidade de se responder a
fenômenos excepcionais, sob o risco de adotarmos um totalitarismo revestido com a capa da
defesa cidadã.
Os autores apontam, ainda, que vivemos numa sociedade capitalista de
tendência hegemônica e organizada em classes sociais, onde uma classe detém os modos de
produção e as outras, por muito, possuem sua força de trabalho. Este entendimento coloca
171
BECK (2007) Op. Cit.
172
GOMES, L.F. (2006). Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Texto para discussão
entregue em Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em maio de
2006.
173
RIQUERT, F. L. E PALACIOS, L.P. (2003) El Derecho Penal del Enemigo o las excepciones permanentes.
La Ley: Revista Universitária. Anõ V, Nr. 3, p. 1-8 Disponible en internet.
http://www.unifr.ch/derechopenal/articulos/pdf/Riquert.pdf.
120
em pauta numerosas expressões de resistência que se contrapõem à ação hegemônica do
capitalismo e que poderiam ser incluídas, por definição, na categoria de terrorismo e que
acabam tolhidas em nome da necessidade de uniformidade de condições para o exercício da
livre circulação do capital.
Neste quadro, observa-se a diminuição da força de aplicabilidade dos Direitos
Humanos. Nos países periféricos tal situação remete à extinção de direitos que nunca
existiram de fato e nos países centrais volta-se para a exacerbação dos nacionalismos e o
medo do estrangeiro. Desta forma, a consideração de um Direito Penal do Inimigo atende as
funções políticas de contenção das resistências e controle da massa de pessoas parcamente
incluídas.
Na América Latina está dirigida às classes baixas, na Europa estão referidos
aos habitantes não comunitários e nos EUA estão dirigidos aos estrangeiros ilegais, possíveis
terroristas. Suas concepções se prestariam a ocupar a função de políticas criminais que optam
por exercer o endurecimento na aplicação e no cumprimento das penas, diferenciando as
pessoas das não-pessoas.
Segurança e Paz social são postas como motivadoras da construção da
separação entre cidadãos e inimigos, no entanto, as pessoas existem em função de suas
relações sociais fazendo parte da ordem normativa e as não-pessoas estão definitivamente fora
da ordem normativa e a ela não podem mais regressar. Com isso, os objetivos propostos se
mostram excludentes e definitivos, uma vez atravessada a linha não há mais como retornar.
Resta de tais considerações a crescente expansão do Direito Penal, com o
aumento do rol de condutas puníveis e de tentativa de resolução de conflitos de ordem privada
e pública por meio da ação penal. Afinal de contas, a condição primordial da dominação é a
detenção do poder punitivo, que exacerbado transforma-se em um estado policial que se
utiliza dos instrumentos penais com a finalidade de exercer seu poder político de defesa
contra os inimigos, quaisquer que sejam eles.
Vale ressaltar que, historicamente, o poder de polícia se exerce sobre os pobres
e miseráveis à margem das estruturas de produção e que “o direito penal da era da
globalização caracteriza-se (sobretudo) pela prisionização em massa dos marginalizados.”
(Gomes, 2006:5)
121
Beck (2007)
174
ao tratar da contextualização de tal pensamento no Brasil,
aponta que esta tendência de combate contra determinados grupos de pessoas se faz
acompanhar dos discursos da (in) segurança e focam a necessidade de uma legislação de
características mais duras no tratamento da delinqüência. Tais discursos têm como foco
específico a delinqüência juvenil, bem como na diminuição das garantias pessoais e
processuais nos casos em que se identifica a existência de crimes relacionados ao tráfico de
armas e drogas, constantes reincidências, homicídios e outros crimes relacionados à
criminalidade organizada.
Neste sentido o Direito Penal passaria a ter uma atribuição funcional, cuja ação
se destinaria a reprimir ocorrências futuras. O efeito prático disso é a possibilidade do Estado
intervir sobre o individuo “de uma forma assustadoramente mais flexível” (Beck, 2007:103),
segundo critérios que, implicitamente, negam a própria legitimidade do poder democrático de
punir.
No que se refere às políticas de tratamento penal diferenciado para a infanto-
adolescência, Mendez (1991)
175
vai ressaltar que, desde a especialização do tema e o
estabelecimento de tribunais especiais para o julgamento do conflito de adolescentes com a
lei, que as políticas penais possuem caráter paradoxal. Isto porque as legislações estabelecem
em seu texto um discurso protetivo que na prática não é posto em ação.
176
O que se observaria no tratamento das infrações penais cometidas por crianças
e adolescentes aponta para a perpetuação de uma indefinição no sentido do reconhecimento de
seus direitos e garantias. Onde a concepção de irregularidade de suas situações impede que a
lei estabeleça de maneira clara as garantias processuais e penais, sem que isto se constitua
numa violação de direitos fundamentais do “menor”.
Mendez (1991)
177
ainda aponta que, com a retirada dos investimentos nas
políticas de assistência, se observa uma judicialização da “política do menor”, que assume a
função de propor soluções para os problemas na estruturação de planos para o futuro destes
174
BECK (2007) Op. Cit.
175
MENDEZ, E.G. (1991) Política da infanto-adolescência na América Latina: políticas públicas, movimento
social e mundo jurídico. In ARAUJO JUNIOR, J.M. de (org.) (1991) Sistema Penal para o terceiro milênio: atos
do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan (p. 115-126).
176
Como exemplo, citamos dados do Rio de Janeiro que apontam para o crescimento do mero de crianças e
adolescentes vítimas de violação de direito, muito maior do que o crescimento dos índices de delinqüência da
mesma parcela da população. Vide: MIRANDA, A.P. M. de, MELLO, K. S. S. E DIRK, R. (orgs.) (2007)
Dossiê Criança e Adolescente 3. Série Estudos. Instituto de Segurança Pública, Governo do Estado do Rio de
Janeiro. Disponível em: http://www.comunidadesegura.org/files/active/0/DossieCrianca.pdf
177
MENDEZ (1991) Op. Cit.
122
jovens. A proposta do autor, no início da década de 90, era a de que tal tendência se
convertesse no desafio ao Direito de realizar, dentro de parâmetros democráticos, o controle
penal da juventude, conseguindo separar de suas atribuições o caráter assistencialista, que
deveria retornar para o Estado na forma de execução de políticas sociais.
O que parece não ter se concretizado, pois, como ressalta Beneitez (2005)
178
“cada estado designará a sus enemigos particulares y fomentará la expansión del derecho
penal en una u otra dirección y a una u otra velocidad” (Beneitez, 2005:3), apontando ainda
que, enquanto instrumento de controle, vai se aplicar sobre a justiça de menores com a função
simbólica de pacificação social e educação coletiva.
Neste sentido, a principal tendência no que se refere à Lei foi a diferenciação
do tratamento de crianças e adolescentes perante o crime, pois, por conta de sua condição
especial de pessoa em desenvolvimento, eles eram entendidos como objetos de proteção,
sendo uma conseqüência disso a consideração de que fossem inimputáveis e tutelados, porque
a sociedade os deixou em tal situação de risco que eles cometeram crimes.
No entanto, desde o início deste século, esta perspectiva mudou, se colocando
também como interesse da sociedade, que crianças ou adolescentes reparassem o dano
provocado pelos seus delitos. O clamor da sociedade caminhou no sentido inverso da tutela e
da proteção, sendo desejável a pacificação dos sentimentos de pânico e alarme frente ao
aumento da criminalidade e a percepção de periculosidade associada à juventude,
especialmente a empobrecida.
Esta tendência atual deixa de considerar crianças e adolescentes como vítimas
da sociedade e reclama a posição destes como protagonistas de danos à coletividade, o que
implica na punição mais severa destes pelo cometimento de delitos, onde a idade para
punibilidade de crianças e adolescentes mostra-se cada vez mais baixa, como demonstra o
quadro abaixo.
A punição, supostamente educativa, deveria seguir as diretrizes de manutenção
dos direitos e garantias associados às suas condições de seres em desenvolvimento, ou seja, a
desjudicialização de seus julgamentos, a desinstitucionalização do tratamento punitivo, a
descriminalização de suas condutas e a manutenção do devido processo legal. Aspectos que
passam a ser questionados e negados na maior parte das legislações penais em todo o mundo,
178
BENEITEZ, M.J.B. (2005) Justicia de Menores Española y Nuevas Tendencias Penales: la regulación del
nucleo duro de la delincuencia juvenil. Revista Eletrónica de Ciencia Penal y Criminologia. RECPC, 07-12.
Disponível em: http://criminet.ugr.es/recpc.
123
se abandonando as práticas de reinserção destes jovens e adotando-se as práticas da justiça de
adultos como tratamento da delinqüência juvenil.
Figura 2: Mapa Mundi da Maioridade Penal (UNICEF/2005)
Também ficaria claro, na atualidade, o destaque que certos comportamentos
delitivos assumem e que promovem atenção especial por parte da sociedade e da lei, como
aqueles considerados perigosos pelo uso da violência e da intimidação, os crimes cometidos
por reincidentes e outros delitos graves como os homicídios, determinados crimes sexuais, o
terrorismo e a criminalidade organizada, que de vez, derrubam as iniciativas tutelares, fazendo
com que a lei assuma a tendência oposta da reintegração, ou seja, que adote a neutralização
daquele que comete o delito.
Com isto não mais a tendência a diferenciar o tratamento legal de
crianças/adolescentes e adultos. O jovem delinqüente passa a ser entendido como não mais
capaz de ser reeducado ou reintegrado, tornando-se incorrigível e perigoso para todo o
conjunto da sociedade, isto implica em severas conseqüências como a “de desprotección real
de los menores, de ausencia de garantías individuales, así como de criminalización de la
124
pobreza fueron tan brutales que acabaron generando una reacción en contra” (Beneitez,
2005:6) ao intento de obtenção da pacificação dos sentimentos de insegurança.
A causa de tais mudanças, ainda segundo a autora teria sido a excepcionalidade
e a emergência de algumas situações delituosas envolvendo crianças e adolescentes que
tiveram o poder de mudar as regras do jogo. De tal sorte, se buscou o apoio num princípio
onde prevalecem as considerações de amigo/inimigo para tratar o tema criminalidade juvenil
na esfera política e no debate público.
Ou seja, frente à ocorrência de delitos considerados graves se faz a opção de
excepcionalizar a aplicação da lei dos adultos aos menores de idade, prescindindo-se de seus
direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimento. A alegação que fundamenta tal
excepcionalidade seria a gravidade de certos crimes e a necessidade de tutela de outros bens
constitucionalmente protegidos e lesados pelo envolvimento destes jovens em violências
urbanas e com a criminalidade organizada e o terrorismo.
Beneitez (2005) também vai apontar que, na prática, o abandono dos princípios
tutelares na busca de meios de controle mais eficazes, implica que na luta contra o crime para
a manutenção da segurança dos cidadãos se abandone, também, algumas garantias
irrenunciáveis quando existe, de fato, um Estado social e democrático.
Tais tendências parecem se aplicar ao caso brasileiro, pois, como citam Castro
e Guareschi (2007)
179
, com a expansão dos processos de exclusão promovidos pela
globalização, a tendência no Brasil, e no mundo, foi pela atribuição aos jovens e adolescentes
de um risco social, de forma que “todo adolescente pobre ou excluído torna-se
presumivelmente violento, infrator e drogado.” (Castro e Guareschi, 2007:5)
Isto significa que seus comportamentos são entendidos de maneira diferenciada
pela sociedade, ou seja, os mesmos comportamentos violentos que são entendidos como
passageiros nos adolescentes das classes mais favorecidas, são entendidos como uma predição
de delinqüência irreversível nos jovens pobres, que passam a demandar a necessidade de
punições exemplares.
Outro dado que confirma esta tendência de severidade no tratamento da
adolescência é o alto índice de internações, medida sócio-educativa de caráter excepcional
179
CASTRO, A.L. de S. e GUARESCHI, P.A. (2007) Adolescentes Autores de atos infracionais: processos de
exclusão e formas de subjetivação. Revista de Psicologia Política, v. 7, 13 (1). Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br/~psicopol/seer/ojs/viewarticle.php?id=28&layout=html&mode=preview
Grifos do autor.
125
que prevê a privação de liberdade de adolescentes, largamente usada como forma de punição
da conduta infratora, principalmente, aos jovens pobres.
“A realidade nos mostra que a ampla maioria dos adolescentes
que comentem atos infracionais é julgada e recebem a medida de
Internação provém das camadas pobres da população.” (Castro e
Guareschi, 2007:7)
Beneitez (2005) também se refere a este aspecto apontando que a adoção de
medidas privativas de liberdade internação é colocada como a única passível de restaurar
o estado de segurança perdido com a comoção que a criminalidade juvenil promove na
sociedade. Os castigos devem ser exemplares para impedir que ocorra a reincidência e a
duração das medidas será sempre insuficiente para a percepção de contenção da delinqüência
juvenil.
O que parece contraditório é que os dados criminais apontam o inverso do
acredita a opinião pública, isto é, a delinqüência grave não é a regra, visto que a maior parte
dos jovens comete delitos de pouca gravidade. Assim como a maior parte deles tende a
abandonar o envolvimento com a criminalidade após a maioridade, sendo a reincidência entre
os jovens muito menor do que entre adultos, apesar de extremamente temida e motivadora do
endurecimento das medidas de contenção da criminalidade urbana e organizada.
Os discursos da insegurança e os mecanismos sociais excludentes se utilizam
da construção de uma imagem que degradada os jovens, tornando-os elementos de alta
periculosidade, principalmente os jovens das classes mais baixas, gerando clamores por
punições exemplares. Como se refere Rodrigues (2001)
180
somente as punições exemplares
serão capazes de disciplinar e conter atos sociais, ensinando a criança ou adolescente a ter
temor e aprender a conter-se antes de cometer atos anti-sociais, apresentando respostas sociais
inibitórias e adequadas.
No Brasil os traços de um Direito Penal do inimigo se fazem perceber nas
manchetes de jornal e nas manifestações da opinião pública, que tratam a criminalidade
juvenil como uma das questões centrais do debate público. Diariamente fatos associando a
juventude à criminalidade são divulgados, sem comparação com a criminalidade adulta, o que
180
RODRIGUES, G.A. (2001) Os Filhos do Mundo: a face oculta da menoridade (1964-1979). São Paulo:
IBCCRIM.
126
compromete a percepção crítica de seu hiperdimensionamento, que os crimes cometidos
por adolescentes correspondem a menos de 10% do total de crimes cometidos no país.
181
No debate político, no ano de 2007, foram 79 (setenta e nove) discursos
proferidos no Plenário da Câmara dos Deputados tratando do tema imputabilidade penal. No
Senado Federal foram proferidos em Plenário 74 (setenta e quatro) pronunciamentos sobre o
tema imputabilidade, a sua maioria apontando a necessidade de agravamento das medidas
penais e o sentimento de (in) segurança frente à delinqüência juvenil.
Tramitando para discussão no Senado Federal
182
, se encontram na pauta de
votações para 2008, 6 (seis) Propostas de Emenda à Constituição que dispõem sobre a
diminuição do limite para se considerar um adolescente capaz de receber penas como adulto.
Rompendo a diferenciação do tratamento penal prevista na atual legislação nacional e nos
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
É indicada para aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça a PEC 20
de 1999, que altera a redação do art. 228 da Constituição Federal, propondo a imputabilidade
penal a partir dos 16 anos de idade, seguindo os trâmites de uma legislação especial que adote
o critério do discernimento atestado por laudo técnico, a separação de estabelecimentos
especiais para o cumprimento das penas previstas para os maiores de 16 anos e menores de 18
anos e a substituição das penas por medida socioeducativa.
Na proposta de modificação legal não poderiam ser substituídos por medida
socioeducativa aqueles crimes que são considerados como excessivamente danosos à
sociedade, previstos no inciso XLIII do art. da Constituição Federal, ou seja: os crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura; o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins; o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
A proposta de mudança da lei também adota o critério de maior rigor e
tratamento diferenciado para determinados jovens que, por sua periculosidade, devem ser
exemplarmente punidos por uma força maior do aparato repressivo-punitivo. A seletividade
de tal critério é perceptível, visto que a maior parte dos adolescentes internados no país (76%)
tem entre 16 e 18 anos (IPEA/2003)
183
.
181
SILVA, E.R.A. e GUERESI, S. (2003) Adolescentes em Conflito com a Lei: situação do atendimento
institucional no Brasil. Texto para discussão 979. Brasília: IPEA. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, Governo Federal.
182
BRASIL (2007) Senado Federal. www.senado.gov.br
183
SILVA e GUERESI (2003) Op. Cit.
127
Nesta mesma faixa etária também teríamos em torno de 35 mortes por 100mil
habitantes (ONU/1998)
184
. Apesar dos dados apontarem que a curva de criminalidade juvenil
tende a cair próximo aos 18 anos, a percepção dos riscos subjetivos continua presente e é
apontada como direcionada a parcela significativa dos desclassificados para os quais não se vê
possibilidade de inclusão social.
A Proposta de Emenda Constitucional também relaciona o rol das condutas
mais danosas à coletividade e prevê uma maior rigidez no tratamento destas condutas, como,
por exemplo, o impedimento de sua substituição por medidas de cunho socioeducativo,
adotando a privação da liberdade como medida própria do controle social. Tal tendência, de
excepcionalizar a aplicação da lei, também aponta para certa tendência dos aparatos penais
em neutralizar, tornar invisível, excluir em definitivo parcelas não úteis da sociedade,
encarcerando-as.
Quanto ao direito à segurança e os discursos em torno do medo deflagrado pela
possibilidade do crime, ressalta-se que as medidas propostas não satisfazem a opinião pública,
que ainda continuará achando que os jovens não serão suficiente e exemplarmente punidos.
A proposta de modificação legal que teria por função atender aos fins
psicossociais da pena, ou seja, apaziguar a insegurança e a inquietação social, se esvazia,
deslegitimando ainda mais o Estado e desacreditando a capacidade de contenção do Direito
Penal. O meio viável para se atingir os fins psicossociais propostos se refere à adoção de
estratégias excludentes, ou seja, a gestão preventiva da juventude em detrimento da reação
educativa, formadora à longo prazo do bom cidadão.
Os indícios de tal movimento de combate aos inimigos não param por aqui e
seguindo a proposta inicial passamos ao contexto da Baixada Fluminense, onde se localiza a
Cidade Perfume – Nova Iguaçu – buscando em dados objetivos outros indícios de que
apontem o contexto da exclusão como associado à delinqüência.
184
ONU, Escritório contra Drogas e Crime (1998). Diagnóstico da Criminalidade no Brasil – homicídios.
Disponível em: www.unodc.org/pdf/brazil/pp_1_diagn_introd_pt.pps
128
V. DELINQUENCIA E EXCLUSÃO NA CIDADE PERFUME
A idéia discutir os temas da (in) segurança e do uso dos instrumentos penais
como forma de controle social da desigualdade, anteriormente apresentados, teve como
objetivo trazer para a cena a criminalidade juvenil, sendo a presente proposta de usar a cidade
de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, como exemplo de como tais temas se
articulam no cotidiano de uma cidade periférica ao Rio de Janeiro, cidade onde a violência e a
exclusão começaram a se destacar no cotidiano brasileiro, suscitando a necessidade de
discussão em torno da (in) segurança e dos limites fronteiriços entre a “sociedade” e os
“novos excluídos” (favelados, miseráveis, criminosos, etc.)
A cidade de Nova Iguaçu, cidade perfume, não pode ser descrita como
exemplo de um retrato exacerbado da violência urbana. No entanto, possibilita a leitura de
como a realidade periférica pode ser pensada no cenário de excepcionalidade que observamos
nos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo onde a criminalidade adolescente
assume características “alarmantes” no discurso midiático, levando ao clamor por
modificações na lei para a garantia do direito à segurança.
Neste sentido, a proposta inicial era a realização de pesquisa de levantamento
de dados específicos sobre o perfil dos adolescentes que cometiam crimes ou contravenções
penais na cidade perfume. No entanto, a impossibilidade ética de aplicação dos questionários
aos processos em andamento no Juizado da Infância e Juventude do referido município, nos
levou na direção da investigação da possibilidade de coleta destes dados nos procedimentos
que tinham por destino o Arquivo Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
A primeira consideração no sentido de não dar consecução a esta proposta de
coleta dos dados pretendidos foi de ordem prática, ou seja, a impossibilidade de copiar os
processos e mantê-los para reavaliação das anotações manuais realizadas.
Em seguida, se colocou a consideração de ordem teórico-metodológica, por
que realizar a análise proposta iniciando-a pelo perfil individual na tentativa de compor um
cenário da (in) segurança e do uso dos instrumentos de contenção penal como forma de
controle social da juventude e outras parcelas excluídas da sociedade. Os indícios da exclusão
ultrapassam os limites do perfil individual e se fazem presentes em diversos dados
disponíveis para consulta em organizações governamentais e não-governamentais, compondo
uma cena do que representa a criminalidade adolescente para o conjunto da sociedade.
129
Moreira (2000)
185
, sobre tal aspecto refere que a adoção do levantamento de
um perfil de adolescentes ao discutir um determinado aspecto de sua relação com a
criminalidade parece um rumo natural, pois, através dele se teria a possibilidade de delinear e
materializar os problemas públicos enfrentados pela população alvo do estudo. Essa opção
seria decorrente da percepção de que seria comum o uso de tais dados para caracterizar a
situação de insegurança da população carioca frente ao envolvimento de jovens com o crime
na mídia.
A idéia de traçar um perfil, então, teria a possibilidade de desmistificar a
produção de “um certo tipo de perfil” que se expressa nas leituras intuitivas e ligeiras da
mídia escrita e televisada, optando-se por compor um cenário de situações concretas e
compreendê-las adequadamente. O que teria como efeito secundário a possibilidade de
romper com a imagem estática da diferença cultural, social e econômica que permeia as
percepções do envolvimento de determinadas parcelas da população com o crime,
decompondo os estigmas a ela associados.
Silva e Gueresi (2003)
186
também fazem o uso do levantamento do perfil de
adolescentes que cumprem medida de privação de liberdade no Brasil, utilizando, também,
dados gerais do IBGE sobre a adolescência no Brasil, para fazer o mapeamento sobre as
condições de cumprimento das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A opção por este caminho tem suas vantagens, mas é apenas uma das
possibilidades de análise da questão. Adorno, Bordini e Lima (1999)
187
ao fazerem a análise
dos discursos da (in) segurança associados à criminalidade adolescente, não só utilizaram o
levantamento do perfil social do adolescente infrator da cidade de São Paulo, mas optaram por
também trabalhar com o perfil dos atos infracionais cometidos por estes adolescentes e as
medidas a eles aplicadas, como possibilidades integradas de análise dos discursos sobre a
periculosidade.
Dowdney (2003)
188
também faz a opção por fontes conjugadas de dados,
utilizando diversas estratégias de coleta sobre um fenômeno tão complexo como o
envolvimento de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas. Além das entrevistas com
185
MOREIRA, M.R. (2000) Nem Soldados, nem inocentes: jovens e tráfico de drogas no município do Rio de
Janeiro. Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública. 162p. Disponível em:
http://portalteses.cict.fiocruz.br/pdf/FIOCRUZ/2000/moreiramrm/capa.pdf
186
SILVA e GUERESI (2003) Op. Cit.
187
ADORNO, S. BORDINI, E. e LIMA, R.S. (1999) O Adolescente e as mudanças na criminalidade urbana. São
Paulo em Perspectiva, 13(4). (p. 62-74)
188
DOWDNEY, L. (2003) Crianças do Tráfico: um estudo de caso de crianças em violência armada organizada
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sete Letras.
130
diversos atores que vivenciam o cotidiano do tráfico de drogas, o pesquisador, se utilizou de
dados estatísticos produzidos por órgãos governamentais e não-governamentais, como dados
da saúde pública, estatísticas criminais, estatísticas do registro de ocorrências policiais e
estatísticas de apreensão de armas e mortes por arma de fogo.
Sobre o estudo da criminalidade, Lobão e Cerqueira (2003)
189
apontam que os
fatores criminogênicos são multifacetados, assim como o são os modelos que os explicam. De
certo que, dada a sua complexidade, não haverá uma única forma de fazer interpretações
sobre os fatores criminogênicos ou um único meio de trazê-los para a discussão pública. Seu
conhecimento implica na leitura de dados estatísticos concretos ou imaginários que apontam
suas variáveis e regularidades, sendo a multidisciplinariedade o meio mais eficaz de
“aumentar o conjunto de instrumentos de análise e de intervenção pública, para um objeto
extremamente complexo.” (Lobão e Cerqueira, 2003:1)
Sendo assim, a opção por caminho diverso do levantamento de perfis se coloca
no sentido do estabelecimento de outras possibilidades de interpretação sobre os discursos da
(in) segurança, os caminhos da exclusão e o estabelecimento de uma gestão preventiva da
juventude através dos instrumentos penais. Tais análises podem ser realizadas a partir dos
“perfis estereotipados” disseminados na mídia, ou através dos perfis “não-estereotipados”
produzidos em estudos sobre a adolescência em conflito com a Lei, ou quaisquer outros dados
que possibilitem discutir suas funções na produção de subjetividades em pânico,
subjetividades negadas ou subjetividades inimigas.
No entendimento proposto não o fito de estabelecer contrapontos
decompositores destes perfis, mas de contextualizá-los no discurso do inimigo que se coloca
como possibilidade de gestão preventiva da periculosidade associada à juventude do presente
e do futuro. Por estes motivos, ao invés de adotar a montagem do perfil do adolescente em
conflito com a lei de Nova Iguaçu, optamos por discutir o perfil criminal e o que este pode
representar como recorte da realidade da exclusão e dos discursos da (in) segurança que se
fazem em torno de um inimigo público que condense tais medos.
Fazemos, então, a opção pela descrição dos atos infracionais cometidos pelos
adolescentes da Comarca de Nova Iguaçu, o que aponta outro direcionamento nas
189
LOBÃO, W. e CERQUEIRA, D. (2003). Determinantes da criminalidade: uma resenha dos modelos teóricos
e resultados empíricos. Texto para discussão 956. Brasília: IPEA. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, Governo Federal.
131
possibilidades de análise, que se colocam com relação às características do tratamento da
desigualdade e das dificuldades de reconhecimento do outro, presentes na hipermodernidade.
Também trazemos como possibilidade de discussão das questões propostas
para análise a exemplificação do contexto de aplicação de medidas socioeducativas. Para isso,
foram selecionados para alguns processos que, por sua natureza pudessem ser utilizados como
exemplos das discussões propostas. A seleção destes partiu da verificação de que, em Nova
Iguaçu, do total de processos iniciados num ano, cerca de 40% (dados 2004-2007) tem seu
trâmite se encaminhando para a aplicação de medidas socioeducativas e seu efetivo
acompanhamento judicial.
O que significa que após a leitura de 20 dos processos findos em 2007,
independentemente de seu ano de autuação, selecionamos 7 processos para que servissem de
exemplo do que podemos encontrar como expressão da criminalidade juvenil na cidade
perfume.
Dentre estes buscamos exemplificar a diversidade das situações de crimes neles
descritas, partindo daqueles delitos com maior freqüência de ocorrência, ou seja, atos
infracionais contra o patrimônio, relacionados ao uso e tráfico de drogas, contra a pessoa, que
numericamente, nos anos de 2004-2007, foram os mais representativos. Também trouxemos
exemplos sobre processos que são extintos sem aplicação de medida protetiva ou
socioeducativa, já que estes representaram, em 2007, 64,02% do total de autuações.
Desta forma, procuraremos correlacionar os temas anteriormente discutidos,
qual seja, o contexto da (in) segurança e do controle social das novas classes perigosas através
dos controles penais, incluindo a consideração da proposta de mudança da idade para
responsabilização de pessoas pelo cometimento de atos que conflitam com a lei penal.
Ressaltamos que os dados disponíveis sobre a criminalidade adolescente são de
difícil coleta, pois as entidades governamentais e não-governamentais que produzem os dados
e as análises da segurança pública não fazem estudos setorizados sobre o envolvimento de
adolescente com a criminalidade. Aspecto que dificulta a produção de dados comparativos e
de dimensionamento da criminalidade adolescente e suas características.
O presente capítulo aponta um panorama sobre o contexto de Nova Iguaçu de
ontem e de hoje, apresentando, a seguir, os dados disponíveis sobre a criminalidade juvenil na
cidade perfume.
132
5.1. A Cidade Perfume
5.1.1. De Ontem
A Baixada Fluminense teve sua história de ocupação iniciada com a invasão
francesa ocorrida em 1555, com a intenção de fundar a França Antártica, que seria o refúgio
para os protestantes perseguidos na Europa e em qualquer país do Além-Mar, os franceses
protestantes que aliados às tribos Tupinambás, chegaram ao Rio de Janeiro com cerca de 300
protestantes. A expedição de Nicolau Durand de Villegagnon, adentrando as terras
fluminenses, estabeleceu-se nas margens do Rio Iguaçu fazendo os primeiros contatos com as
tribos Tamoias e construindo as primeiras aldeias.
A união Franco-Tamoia incomodou os jesuítas que reuniram esforços para
expulsar os franceses protestantes, fato que ocorreu entre 1565 e 1567. Como retaliação à
aliança com os franceses, os portugueses adentraram a região dizimando cerca de 160 tribos
Tamoias, com uma população estimada de 10.000 índios, entre elas a tribo Jacutinga que
estava estabelecida na margem direita do Rio Iguaçu.
Para impedir novas invasões o território foi dividido em sesmarias e doado a
Brás Cubas e outros que trouxeram os primeiros portugueses para a baixada fluminense. As
primeiras povoações surgiram a partir do século XVI nas margens dos rios e dos caminhos do
ouro (Estrada Real e Estrada Geral), por onde eram trazidas as riquezas das Minas Gerais que
eram embarcadas para Portugal no litoral do Rio de Janeiro. Pela sua localização geográfica
os povoados adquiriram prosperidade e ganharam importância nos séculos seguintes.
Durante os séculos seguintes a produção de cana-de-açúcar impulsionou o
crescimento econômico e populacional do Rio de Janeiro, sendo o maior produtor da região
do Vale do Iguaçu o Engenho da Maxambomba
190
. A produção era levada até o Rio de
Janeiro através da extensa malha fluvial da região, sendo que ao redor do Portinho do Rio
Maxambomba surgiu um entreposto, um pequeno comércio e um núcleo populacional que foi
prosperando até se transformar no Arraial do Maxambomba, atual centro de Nova Iguaçu.
O próspero comércio da cana-de-açúcar, principalmente de aguardente, foi
acompanhado do crescimento populacional na região dado o grande número de africanos que
190
“Substantivo feminino (Angola) que significa máquina de fogo, de vapor, entre os pretos. Daí, numerosos
sentidos na África e no Brasil. Trem, veículo desconjuntado, carripana, calhambeque. [v. g. o antigo elevador
da Estrela em Lisboa, um pesado carro de dois pavimentos, usado outrora em Porto Alegre (RS), etc.] Ferro de
engomar. (Bras.). Tronco humano. [Cp. bomba de respiro.]” DICIONÁRIO DIGITAL CALDAS AULETE.
133
como escravos
191
, vinham trabalhar nas lavouras, sendo relatada a existência do Quilombo de
Cauanza atual bairro do K11, no Município de Nova Iguaçu para onde iam os escravos
fugidos dos Engenhos Jacutinga e Maxambomba, os maiores da região.
A cultura do café surgiu como riqueza na região de Nossa Senhora da Piedade
do Iguaçu no século XIX, com o declínio da produção de cana-de-açúcar, tornando-se a
freguesia um centro produtor e rota de escoamento pelo Caminho do Comércio que
atravessava a região de Belém (hoje Município de Japeri).
O Município de Iguaçu foi criado no século XIX, em 1833, composto pelas
freguesias de São João Batista do Meriti, Santo Antônio da Jacutinga, Nossa Senhora da
Piedade do Inhomirim, Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, Nossa Senhora do Pilar e
Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, esta última foi escolhida para sediar o município. Em
1835, o recém criado município foi extinto e seu território dividido entre os Municípios de
Vassouras e Magé. No ano seguinte, redividindo-se os territórios, as freguesias de Iguaçu,
Marapicu, Jacutinga e Pilar foram incorporados ao Município de Niterói. Sendo que, ainda em
1836, o Município de Iguaçu foi restaurado com cinco das freguesias iniciais, retirando-se de
seu território de abrangência a Freguesia de Inhomirim que ficou sob a jurisdição do Porto
Estrela.
Figura 3: Vista da Estação de Trem de Nova Iguaçu no início do século XX (sem data).
Com a chegada das Estradas de Ferro Pedro II (1858), Rio D’Ouro (1876) e
Leopoldina Railway (1886) para facilitar o escoamento da produção de café do Vale do
191
IPAHB (2005) Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada. Disponível em:
http://www.ipahb.com.br.
134
Paraíba, houve o aumento da circulação de pessoas e do abastecimento de água. No entanto,
trouxeram o declínio aos povoados localizados à margem dos rios que cortavam as terras da
baixada fluminense, pois, com o desmatamento e o aterramento dos Pântanos para o
assentamento dos trilhos da estrada de ferro, as populações passaram a ficar isoladas nas
margens dos rios e acometidas de malária e outras febres, além de doenças como cólera e
varíola.
Na margem das estradas de ferro se estabeleceram pequenos comerciantes
(cortadores de lenha, carvoeiros, homens de serviços em geral) e aglomerados populacionais
que foram os germes dos futuros distritos de Nova Iguaçu, Nilópolis, Queimados, Japeri,
Meriti, Belford Roxo, Pilar, Xerém e Estrela.
No entanto, com a abolição da escravatura e com as alterações ocasionadas
pela degradação ambiental (assoreamento dos rios, desmatamento, formação de alagadiços) a
região entrou em franco declínio econômico, ocorrendo o êxodo das populações residentes na
baixada para o Rio de Janeiro e outras áreas onde as oportunidades de sobrevivência eram
mais fáceis.
Tal movimento foi acompanhando-se pelo processo de urbanização e, com o
abandono progressivo das áreas rurais, as terras pertencentes às fazendas da região
começaram a ser loteadas e vendidas a baixo preço para a construção de moradias, ou foram
transformadas em sítios de plantação de laranjas.
O incentivo à produção de laranjas ocorreu ainda no século XIX, dada a
valorização da cotação no mercado exportador, e as mudas trazidas de São Gonçalo ensejaram
o primeiro lote de exportação em 1891, ano em que a sede do município foi transferida para a
Vila Maxambomba, dadas as precárias condições de vida existentes na Vila de Nossa Senhora
da Piedade do Iguaçu. Os laranjais da “Cidade Perfume” foram plantados nas áreas de
desmatamento ocasionadas pela construção da estrada de ferro, atingindo o auge como
atividade econômica entre as décadas de 30 e 50.
A atividade da citricultura ainda dava ao município característica
eminentemente rural, mas, paralelamente, desenvolveram-se outras atividades econômicas
com a retomada da produção de tijolos em olarias e a fabricação de lenha e carvão, além da
venda de madeira de lei e a produção de hortifrutigranjeiros.
No entanto, com interrupção dos transportes marítimos durante a Segunda
Guerra Mundial, a atividade de citricultura teve seu declínio e, juntamente com a oscilação do
135
mercado de exportação, ocorreu o esgotamento dos solos pelo uso de técnicas inadequadas no
plantio e o contágio pela “mosca do mediterrâneo”, praga que apodreceu as laranjas.
As terras antes ocupadas pelos laranjais e produção de hortifrutigranjeiros,
parcamente saneadas desde 1934, foram loteadas e postas à venda a baixo custo para a
população que exercia suas atividades laborativas na Cidade do Rio de Janeiro. Já na década
de 50, o município de Nova Iguaçu era denominado “cidade dormitório”, como tantos outros
da baixada fluminense, por agregar um grande contingente de migrantes vindos da capital à
procura de lotes de baixo custo para moradia, ocasionando um violento crescimento
demográfico, não acompanhado de alocação de recursos estatais em serviços de infra-
estrutura.
Este processo de “periferização dos pobres”, segundo Lago (2000)
192
, foi
deflagrado no movimento de higienização e reestruturação da ocupação das zonas centrais da
cidade do Rio de Janeiro, onde um núcleo claramente demarcado foi criado para acolher as
camadas de alto poder aquisitivo, sobrando para o restante da população a ocupação dos
subúrbios e periferias. Como conseqüência direta deste processo novas áreas de ocupação
urbana surgiram nos subúrbios distantes de centro e nos municípios vizinhos da capital.
Observando-se que nos anos 40, as taxas médias de crescimento de Nova
Iguaçu, assim como de outros municípios da periferia do Rio de Janeiro, indicavam que a
periferia já era, nesse período, a principal área de atração de migrantes que se dirigiam para
o Rio de Janeiro.” (Lago, 2000:66). Oliveira e Santos (2005)
193
também ressaltam o papel da
ocupação em massa da baixada fluminense como resolução dos problemas de ocupação dos
espaços urbanos da metrópole.
“A Baixada Fluminense cumpria o papel de receptáculo daqueles
que eram removidos compulsoriamente, devido ao processo de
segregação urbana engendrada com maior vigor a partir dos anos
50. Sua ocupação serviu para atenuar o crescimento das
construções ilegais na cidade-pólo da metrópole e abrigar uma
mão-de-obra barata e de baixa qualificação (…)”. (Oliveira e
Santos, 2005:13,14)
192
LAGO, L.C. do. (2000) Desigualdades e Segregação na Metrópole: o Rio de Janeiro em tempo de crise. Rio
de Janeiro: Revan-FASE.
193
OLIVEIRA, A. e SANTOS, M. (2005) Dilemas e desafios para a cidadania da Baixada Fluminense. In
Impunidade na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: CESEC, FASE, Justiça Global, LAV/UERJ, SOS
Queimados, Viva Rio. (p.10-20) Disponível para donwload em:
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=399&Itemid=2
136
Não tendo sido planejada, a ocupação desordenada do solo ocasionou graves
problemas de infra-estrutura, pois, mesmo com a eletrificação da Estrada de Ferro Pedro II, a
construção de vias de acesso (Avenida Brasil e Rodovia Presidente Dutra) e a instalação de
indústrias, o aparato estatal para a recepção do número de pessoas que vieram morar na
baixada foi deficitário, dificultando a capacidade da municipalidade em estruturar condições
dignas de vida, assim como de fiscalizar as condições de ocupação do solo.
Exemplificando tal explosão demográfica, Lago (2000)
194
cita que, no século
XX, até 1950, cerca de 230 mil migrantes haviam se dirigido à periferia, no entanto, entre
1950-1960 o fluxo migratório para a periferia foi de 570 mil pessoas. Sendo que, nos anos 70,
a Baixada Fluminense, principalmente, Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Nova
Iguaçu e Magé, contribuiu com 36,5% do incremento populacional da metrópole. No entanto,
a autora ressalta que os empregos não acompanharam a desconcentração populacional, sendo
as periferias caracterizadas por trabalhos precários e informais.
Dentro deste quadro, nos anos 70, o município de Nova Iguaçu apareceu como
a maior área de expansão na Baixada, recebendo mais pessoas que a própria capital, tendo o
maior índice de comercialização de lotes na periferia, cerca de 60 mil lotes registrados junto à
Prefeitura, um número ainda maior de lotes foram ocupados, pois não se contabilizaram os
loteamentos ilegais.
Como efeitos da ocupação em massa, observaremos, ainda hoje, a persistência
de alguns dos problemas, tais como enchentes, rede de saúde precária, saneamento básico
deficitário, rede escolar insuficiente e dificuldades de transporte, bem como problemas de
segurança pública.
A década de 70 foi especialmente importante, o somente pelo crescimento
demográfico do município de Nova Iguaçu, mas também pelo incentivo ao crescimento das
indústrias do setor químico, de máquinas, alimentos e vestuário na região, haja vista a
facilidade de transporte da produção. No final da década de 70 houve a instauração, no
município de Nova Iguaçu, de uma unidade do SESC e uma do SENAI.
No entanto, a industrialização não foi suficiente para melhorar o
desenvolvimento humano ou ocasionar, no mesmo ritmo das ocupações, melhorias das
condições sociais dos moradores da cidade. Pois, como caracteriza Lago (2000)
195
, a
população recém chegada às periferias, tinha um elevado nível de pobreza, baixa ou nenhuma
194
LAGO (2000) Op. Cit.
195
LAGO (2000) Op. Cit.
137
escolaridade, com perfil etário que indica o estabelecimento de famílias de adultos jovens
(entre 25 e 44 anos) com filhos (crianças e/ou adolescentes até 14 anos) vivendo em moradia
precária (um cômodo), com parco saneamento (5% do total de moradias).
O quadro geral das periferias do Grande Rio tendeu a melhorar na década de
80, mesmo com o agravamento da crise econômica, pois, com o aumento da quantidade de
pobres houve a necessidade de aumento da alocação de recursos em serviços de consumo
coletivo, tais como saúde, educação, moradia.
Em 1991, Nova Iguaçu concentrava 13,2% da população do Grande Rio, sendo
o segundo município em recepção de migrantes (16%), atrás somente da capital (37,5%), o
que indicava uma redução drástica dos números observados nas décadas anteriores.
O índice de desenvolvimento social na década de 80 também se deu com o
aumento do número de trabalhadores de nível médio e superior que assumiram postos na
indústria, havendo, também a modificação do tipo de migrante, a maioria vinda do interior do
estado, com maior escolaridade, apesar de ainda se localizarem no limite da miserabilidade,
em sua grande maioria. Com isso, a cidade continuou a ser uma alternativa de moradia para a
população de baixa renda residente tanto na capital quanto nos demais municípios periféricos,
atraindo trabalhadores com renda de até 2 salários mínimos.
Nova Iguaçu observou ente 1980 e 1990 uma visível diminuição nas taxas de
crescimento demográfico, o que facilitou a renovação espacial nas suas áreas mais centrais,
dotadas de infra-estrutura gua, luz, esgoto, asfalto, etc.), que passou a receber, também,
migrantes de classe média e média-baixa, com maior poder aquisitivo, que se instalaram em
condomínios fechados e em apartamentos. Apontam-se como fatores determinantes para
modificação do perfil de ocupação espacial da região as ações de instalação das redes de água
e esgoto iniciadas em 1984, com recursos do BIRD para a despoluição da Baía de Guanabara,
que em Nova Iguaçu, elevou para 72% a taxa de residências com água encanada.
Por outro lado, a expansão imobiliária de classe média na década de 80 foi
acompanhada da crise das atividades do comércio varejista local, com a construção de 06
shoppings centers na Baixada Fluminense.
Na década de 90, em parceria com o Poder Público a Associação Comercial de
Nova Iguaçu promoveu a discussão em torno do planejamento estratégico do município,
lançado em 1999, sendo, então, realizada a renovação do centro comercial e proposta a
criação do pólo logístico com o objetivo de trazer investidores para a região.
138
5.1.2. De Hoje
O nome atual, Nova Iguaçu, foi definido em 1916, por sugestão do Deputado
Manoel Reis, pois, com a mudança da sede, a antiga Vila de Nossa Senhora da Piedade do
Iguaçu ficou conhecida popularmente por Iguaçu Velho, sendo, então, mudado o nome de
Maxambomba para o atual nome.
A chegada das estradas de ferro auxiliou na integração entre os povoados da
região, fato esse que associado ao movimento de urbanização desencadeado na década de 30 e
intensificado na década de 40, levou à redivisão do município pela emancipação de alguns
distritos à categoria de município. Nossa Senhora do Pilar e São João Batista do Meriti foram
emancipados à categoria de Município em 1943, chamando-se Duque de Caxias. São João do
Meriti e Nilópolis emanciparam-se em 1947.
As separações mais significativas para a economia da região ocorreram na
década de 90. Em 1990 ocorreram duas emancipações que foram um grande baque à
estruturação econômica de Nova Iguaçu, a de Belford Roxo que era a região mais populosa
do município e a de Queimados – que concentrava o pólo industrial do município. Em 1991
ocorreu a emancipação de Japeri e em 1999 do município de Mesquita.
Figura 4: Vista da Estação de Trem (março de 2003)
Segundo dados da ONU
196
, a cidade de Nova Iguaçu observou na década de
90 um crescimento populacional médio anual de 2,09%, sendo que, em 2000, sua população –
eminentemente urbana representava 6,40% da população total do Estado. Entre 1990 e 2000
196
ONU – Organização das Nações Unidas, Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
139
a taxa de analfabetismo teve um decréscimo de 4% e a taxa de mortalidade infantil diminuiu
em 31,02%. A renda per capta, no mesmo período teve um crescimento de 39,39% e a
pobreza diminuiu em 23,50%, a maioria dos domicílios é servida de água encanada (91,4%),
energia elétrica (99,8%) e coleta de lixo (87,9%). Somente 52% dos domicílios estão ligados à
rede coletora de esgoto. Em 2000, a maior parte dos habitantes possuía, em seus domicílios,
geladeira (96,8%) e televisão (97,4%), mas, 47% das ruas não possuem pavimentação e 45%
são precariamente pavimentadas.
A cidade perfume possui 68 bairros agregados, sendo os bairros mais próximos
do centro com as melhores condições de habitação, renda e aparatos urbanos. Os bairros
localizados na periferia da cidade possuem condições de vida precárias e carência na oferta de
serviços públicos, podendo se reconhecer a existência de um processo de formação sócio-
espacial onde as desigualdades contrapõem a condição de pobreza da maioria e a opulência
de uma minoria”. (Oliveira, 2006:13).
Os dados que eram informados pela Prefeitura de Nova Iguaçu (2005)
197
apontavam que a cidade é o maior município em extensão territorial da baixada fluminense
(ocupa 11% da área metropolitana), possui cerca de 830 mil habitantes, dos quais 51,5% são
mulheres jovens (28-29 anos), sendo 55% do contingente populacional de negros ou pardos. É
uma cidade populosa, a densidade populacional é de 1.449,6 hab./km². A renda per capita era
até 2005 de R$ 237,50 por habitante.
O maior recurso da economia da cidade está referida às atividades de comércio
e serviços segundo maior centro comercial do Estado do Rio de Janeiro que concentram
67% da arrecadação municipal. As atividades da indústria contribuem com 33% do PIB
municipal, estando em seus limites a segunda maior concentração de fábricas de cosméticos
do país. O PIB municipal coloca a cidade como a economia do Estado do Rio de Janeiro,
contribuindo para o seu desenvolvimento o fato de estar estrategicamente localizada às
margens da Rodovia Presidente Dutra e próxima ao Porto de Sepetiba.
A infra-estrutura existente é insuficiente para o tamanho da população
(830.902 habitantes), ocupando a 45ª posição no índice de desenvolvimento humano do
Estado do Rio de Janeiro. Os dados referidos ao Índice de Desenvolvimento Humano da ONU
apontam que Nova Iguaçu possui médio desenvolvimento humano, ocupando boa situação em
197
Dados oficiais da Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu, disponíveis até 2005 em: http://novaiguacu.rj.gov.br,
foram retirados do site na atual administração.
140
comparação com os demais municípios do país e situação intermediária se comparada a outros
municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Oliveira (2006)
198
ressalta que os indicadores econômicos de Nova Iguaçu em
2000, se referem a uma das piores situações econômicas dos municípios que compõem a
região metropolitana do Rio de Janeiro. A distribuição de renda no município indica uma
grave desigualdade social, onde “o percentual da renda apropriada pelos 20% mais pobres
era de 2,64%”, no lado oposto, o percentual da renda apropriada pelos 20% mais ricos era
de 56,19%.” (Oliveira, 2006:3)
A autora também destaca que as desigualdades podem ser auferidas pela
natureza dos rendimentos obtidos pela população, ou seja, 12,7% dos habitantes têm
rendimentos originados em programas governamentais, 25,03% dos habitantes possui renda
inferior a R$80 (oitenta reais) e 22% da população economicamente ativa não tem ocupação.
Dados da Fundação CIDE
199
apontam que a escolarização da população,
segundo o censo de 2000, indica graves distorções e baixa qualificação e preparação para o
mercado de trabalho, 6,8% da população com menos de 10 anos é analfabeta e 70% da
população não concluiu o ensino fundamental. O índice de analfabetos é de 10,48% da
população e grande parte dos potenciais trabalhadores (46%) tem menos de quatro anos de
estudo, ou seja, são analfabetos funcionais.
Dados levantados pelo Observatório/IPPUR/UFRJ-FASE (2006)
200
, também
apontam que a expectativa de vida média da população é de cerca de 65 anos. A ocorrência de
homicídios por faixa etária (1997-2003) indicaria que 15,9% das mortes são de adolescentes
entre 15-19 anos e 41,4% das mortes são de jovens entre 20-29 anos.
A distribuição de bens e equipamentos urbanos e culturais (escolas, postos de
saúde, cinemas, museus, teatros, bibliotecas, etc...) é pouco eficaz para a necessidade da
população. O município possui rede escolar deficitária com condição infra-estrutural precária
e recursos humanos insuficientes. Quanto à freqüência escolar da população de 15-17 anos,
apenas 37,7% da população nessa faixa etária conseguiram concluir o ensino médio, 62,3%
não concluíram o ensino fundamental. Dentre os que não concluíram o ensino fundamental,
198
OLIVEIRA, D. S. (2006) Geografia das desigualdades sócio-espaciais: o caso do município de Nova Iguaçu
na Baixada Fluminense. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006
/docspdf/ABEP2006_845.pdf
199
Fundação CIDE (2008) Banco de Dados Municipais. Disponível em:
http://www.cide.rj.gov.br/banco_municipais.php#14
200
Observatório/IPPUR/UFRJ-FASE (2006) Projeto Localização dos Objetivos do Milênio. Disponível em:
http://www.unhabitat-rolac.org/anexo%5C103200715551588.pdf
141
11,2% são analfabetos funcionais. Chama a atenção, também o fato de que dentre os
adolescentes entre 15-17 anos 21,6% não freqüentavam a escola no ano 2000.
O atraso escolar da população em idade escolar obrigatória (7-14 anos) aponta
que o número de vagas não acompanha a demanda, sendo que 58,5% dos estudantes possuem
mais de um ano de atraso escolar. Também se observam índices preocupantes de reprovação
(13,8% na rede municipal e
17,5%
rede estadual) e abandono escolar (10,4% na rede estadual
e 4% na rede municipal).
A rede de saúde pública tem 0,9 leitos para cada 1000 habitantes, quando a
média no Estado é de 2,9 leitos por cada 1000 habitantes, o que aponta para a parca oferta de
serviços de saúde à população. A cidade possui apenas 4 cinemas, 3 teatros e 1 biblioteca
pública.
Os indicadores sociais postos apontam para fatores de vulnerabilidade social
para a infância e adolescência, e ainda demandam considerações sobre a vontade política de
solucionar os problemas econômicos e políticos das regiões mais pobres, periféricas dos
grandes centros urbanos brasileiros, estimulando ainda mais a segregação dos espaços
públicos.
5.2. A Juventude dos Dourados Laranjais
Historicamente, como apontamos anteriormente, a cidade de Nova Iguaçu
traçou um caminho vinculado aos movimentos de resistência, primeiro à ocupação
portuguesa, depois pela resistência à escravatura com a ação de Quilombolas e pela ação do
movimento campesino durante a maciça urbanização em meados do século passado. Como se
tem conhecimento, a urbanização da cidade, assim como de outros municípios da baixada
fluminense, foi marcada por conflitos entre proprietários de terras, posseiros e grileiros, sendo
referida a existência de conflitos armados entre o movimento camponês e os grupos
dominantes.
O movimento campesino, que demonstrava sua força nos saques ocorridos na
baixada fluminense em 1962, foi contido, restando como herança perversa, a associação da
região à violência e ao caos urbanos, sendo marcada a força da atuação dos grupos de
extermínio, as chacinas e a convivência cotidiana com a criminalidade violenta, letal.
142
Ao referir-se aos conflitos pela ocupação da terra na década de 60, Alves
(2005)
201
destaca o surgimento dos grupos de extermínio na baixada fluminense, como uma
resultante da reconfiguração do poder político na região, principalmente em Nova Iguaçu, que
teve 8 Prefeitos entre os anos de 1963 e 1969, e assistiu a escalada da violência durante toda a
Ditadura Militar.
Nova Iguaçu, na década de 60, era a oitava cidade brasileira em população,
sendo a atuação dos grupos de extermínio vinculada à repressão do movimento campesino e
ao fortalecimento de grupos políticos alinhados ao poder militar. Segundo refere-se Alves
(2005)
202
, “a ditadura militar deu apoio à montagem de um dos mais poderosos esquemas de
execuções sumárias da história do país” (Alves, 2005:23), os grupos de extermínio.
Os grupos criados para auxiliar no processo de repressão e patrulhamento
preventivo eram formados por policiais, em sua maioria, e eram agenciados por comerciantes,
empresários e proprietários de terra, atuando com a complacência do poder público e com o
apoio de grupos políticos. Em pouco tempo, os grupos estavam associados à prestação de
serviços de execução, uma privatização da justiça, que instaura a tradição, na região, de
resolver os problemas de segurança pública e conflitos sociais pela ação de extermínio.
Nas décadas seguintes a situação continuou a se agravar mostrando a
fragilidade dos governos em impor limites à ação dos grupos de extermínio. A ação de
contenção das execuções foi possível nos anos 90 pela ação de desmonte da estrutura de
sustentação da impunidade, principalmente, com o remanejamento e nomeação de novos
delegados na baixada fluminense.
Figura 5: Conjunto Residencial Ouro Preto (janeiro/2008)
201
ALVES, J.C.S. (2005) Violência e política na Baixada: o caso dos grupos de extermínio. In Impunidade na
Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: CESEC, FASE, Justiça Global, LAV/UERJ, SOS Queimados, Viva Rio.
(p.21-30) Download disponível em:
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=399&Itemid=2
202
ALVES (2005) Op. Cit.
143
Na primeira década deste século a cidade voltou a ocupar destaque como terra
sem lei, com a divulgação, na mídia, de chacinas que apontavam a manutenção do costume de
se fazer “justiça” pelo extermínio, mantendo-se grupos de segurança particular armada.
Em 2005, sete policiais militares foram denunciados por envolvimento em ação
típica de grupo de extermínio, mas até 2007, somente um havia sido condenado. Entre as 29
vítimas, executadas a tiros, estavam nove adolescentes de 13 a 17 anos, o motivo da chacina,
controle da segurança particular da área.
“O objetivo dos PMs matadores seria intimidar um grupo de rivais
que disputava o controle da segurança particular na área. Os
policiais envolvidos nos assassinatos prestavam serviços de
proteção a comerciantes, bicheiros e até traficantes num esquema
parecido com o da máfia.” (Jornal da Globo, 11/04/2005)
Com a chacina da Rua Gama, a cidade ficou novamente associada à violência e
à imagem do medo. A edição digital de notícias de O Globo aponta, então, a necessidade de
se realizar ações de contenção da criminalidade violenta no local, descrevendo assim a
questão:
“Palco de chacinas do Rio de Janeiro dentre elas, a que
aconteceu em 31 de março de 2005, considerada a maior delas,
com 29 mortos -, a cidade de Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense, vai contar com um reforço na segurança pública do
município.” (Editoria G1 de O Globo, 30/03/2001)
203
Interessante ressaltar que o foco da matéria apontava a necessidade de reduzir a
criminalidade na cidade, dois anos após esta ter sido o palco da maior chacina ocorrida no
Estado do Rio de Janeiro. No entanto, a ação referida como reação integrada dos governos e
das entidades não-governamentais à criminalidade organizada foi a inauguração de uma
Escola de Cinema cujo foco era assim descrito:
“O objetivo é trabalhar com jovens da periferia do município
para tirá-los da criminalidade. A escola vai oferecer aulas
gratuitas de cinema para 600 pessoas, entre alunos das escolas
municipais e jovens da comunidade.” (Editoria G1 de O Globo,
30/03/2007)
204
.
203
O Globo, Editoria G1, 30/03/2007, Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL16058-
5606,00.html
204
Editoria G1, 30/03/2007, Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL16058-5606,00.html
144
Parece emblemático que tendo sido nove adolescentes vitimados na chacina
executada por policiais adultos que vendiam segurança privada, tenham sido eles escolhidos
como população alvo da reação da sociedade frente à barbárie, com o agravante de que a
matéria associa os estudantes e os jovens da comunidade à criminalidade ativa, quando estes
foram as vítimas passivas do crime descrito.
A matéria referida também situa a necessidade de investimento em aparatos
tecnológicos na contenção da criminalidade da cidade, sendo instaurado o Gabinete de Gestão
Integrada da Segurança Pública (GGI) de Nova Iguaçu. Além do controle e combate à
criminalidade organizada, o GGI também tinha por objetivo tentar identificar os participantes
de grupo de extermínio que atuam nos limites territoriais da cidade, pois, no início de março
de 2007, uma nova chacina havia tomado lugar nos noticiários.
Desta vez, foram cinco jovens mortos a tiros numa festa que se realizava num
CIEP de Nova Iguaçu, uma das vítimas tinha 17 anos, as demais eram jovens com pouco mais
de 20 anos de idade. Três rapazes sobreviveram, mas não se apresentaram à polícia
imediatamente, por medo de retaliações dos assassinos. Os responsáveis pelas mortes teriam
sido oito homens armados e encapuzados cuja ação foi típica de grupos de extermínio, visto
que os tiros foram dirigidos à cabeça das vítimas, que tinham envolvimento com o tráfico de
drogas.
205
As matérias de jornal mostram um quadro cotidiano de violência, fato que se
confirma nos dados disponíveis para consulta. A cidade de Nova Iguaçu é a quarta mais
violenta da baixada fluminense, quando se refere aos crimes letais ficando atrás de
Guapimirim, Itaguaí e Duque de Caxias, como apontam os dados levantados por Cano, Sento-
Sé e Ribeiro (2006)
206
, apresentados no quadro abaixo.
Figura 6: Índice de Crimes Letais Intencionais: 2003 (IETS/2006)
Taxa por 100.000 hab. por Município
Municípios da Baixada Fluminense
Homicídio Auto de
Resistência
Outros Crimes
intencionais
População
residente
p/100.000
hab.
205
Fonte Editoria RJTV Edição em 05/03/2007. Disponível em:
http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL133954-9097,00.html
206
CANO, I., J. T. SENTO-SÉ, ET AL. (2006) Mapeamento da criminalidade na área metropolitana do Rio de
Janeiro. Uma análise das condições socioeconômicas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). Disponível em: http://www.iets.org.br
/article.php3?id_article=9
145
Guapimirim
80 6 28 41.984 271,53
Itaguaí
87 6 9 91.776 111,14
Duque de Caxias
527 113 108 822.610 90,93
Nova Iguaçu
561 35 44 811.571 78,86
Queimados/Japeri
151 8 13 223.122 77,09
Seropédica
45 0 11 73.291 76,41
Nilópolis
79 10 15 151.910 68,46
Belford Roxo
259 40 21 468.376 68,32
Mesquita
77 15 18 178.299 61,69
São João de Meriti
216 22 23 460.456 56,68
Paracambi
11 1 2 41.191 33,99
Magé
41 0 23 224.104 28,56
Quanto ao contexto, podemos situar que em 2007 ocorreram 1842 apreensões
de adolescentes por ato infracional no estado, quando foram registradas 631.684 ocorrências
de crimes cometidos por adultos. Na Baixada Fluminense foram 111.316 registros de
ocorrência de crimes cometidos por adultos e 523 apreensões de adolescentes por ato
infracional.
Figura 7: Registros de Ocorrência Policial (ISP, 2007)
Como demonstrado no gráfico acima, no ano de 2007, segundo dados
disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP/2007)
207
, a apreensão de adolescentes representou 0,29% dos registros de ocorrência no Estado do
Rio de Janeiro. Na Baixada Fluminense, a apreensão de adolescentes representou 0,47% dos
registros de ocorrência no total de registros.
Dados gerais sobre a aplicação de Medidas Socioeducativas no país está
disponível para acesso no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE
(2006)
208
, que constata que o Brasil tem 25 milhões de adolescentes (12 a 18 anos), que
207
Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (2007). Disponível em:
http://www.isp.rj.gov.br/ResumoAisp.asp
208
SINASE (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Brasília: Subsecretaria de Promoção dos
Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA/SEDH, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente CONANDA, UNICEF. Disponível em:
http://www.promenino.org.br/Portals/0/Legislacao/Sinase.pdf
146
representam 15% da população total do país. Também constata que os indicadores sociais
apontam que as desigualdades possuem um claro recorte racial, visto que mais pobres
negros do que brancos na população brasileira. A mesma tendência excludente é observada
nas taxas de escolarização, apontando que existe uma maior probabilidade de adolescentes
negros virem a ser analfabetos, sendo que os brancos estudam mais anos do que os não-
brancos.
As taxas de mortalidade citadas pelo SINASE (2006)
209
por causas externas
são mais altas na população juvenil (72%), dentre as quais 39,9% ocorrem por homicídio. A
comparação com a população adulta aponta taxas de morte por homicídio da ordem de 3,3%
da população não-jovem.
Dados da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA/2008)
210
apontam que entre 1996-2006 os homicídios de jovens (15-24 anos) cresceram 31,3%,
sendo que entre os anos de 1996-2003 registraram aumento de 50%, decaindo entre 2004 e
2006 em 13%.
A cidade do Rio de Janeiro é citada como a “capital da mortalidade de
jovens”, possuindo o maior número absoluto de mortes de jovens entre 15-24 anos de idade,
registrando 879 mortes em 2006. Ressalta-se que entre as 20 cidades com maior número
absoluto de homicídios entre jovens, estão mais duas cidades do Estado do Rio de Janeiro,
Duque de Caxias em lugar, com o registro de 306 homicídios de jovens no ano de 2006
(157,1 homicídios de jovens por 100 mil habitantes) e Nova Iguaçu, que ocupa a 15ª
colocação, registrando, no mesmo ano, 191 homicídios na faixa etária referida (158
homicídios de jovens por 100 mil habitantes).
Tais fatores são apontados como de vulnerabilidade e se refletem na realidade
dos adolescentes em conflito com a lei, o que por si promoveria medidas imediatas para o
desenvolvimento de políticas públicas e de uma rede de atendimento com o objetivo de
minimizar os efeitos das desigualdades sociais e programar um sistema de garantia de
direitos.
209
SINASE (2006). Op. Cit.
210
WAISELFISZ, J.J., RITLA e Ministério da Justiça (2008) Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros.
Disponível em: http://www.ritla.net/index.php?option=com_content&task=view&lang=en&id=2313
147
Dados do Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento dos
Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas (2002)
211
apontaram que 0,2%
dos adolescentes do país (39.578 adolescentes) tiveram passagem pelo sistema
socioeducativo.
Se nos referirmos às medidas restritivas de liberdade, que se referem à
associação com atos infracionais mais graves, o quantitativo é de 0,04% dos adolescentes do
país, sendo a distribuição do tipo de medida socioeducativa aplicada mostrada no quadro
abaixo:
Figura 8: Distribuição dos adolescentes em conflito com a lei por medida socioeducativa (SINASE, 2006)
O perfil dos adolescentes brasileiros que cumprem medidas em meio fechado e
semi-aberto, segundo dados do levantamento do SINASE (2006)
212
apontam a característica
marcadamente seletiva e excludente das desigualdades sociais, bem como a falência dos
meios de proteção previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os quadros abaixo apontam que a maioria dos adolescentes que cumprem
medida sócioeducativa no país, é do sexo masculino, negro ou pardo, que não trabalha ou
freqüenta a escola no momento de cumprimento da medida. A maioria dos adolescentes não
completou o ensino fundamental e tinha alguma experiência de uso ou consumo abusivo de
substância entorpecente. Os dados ainda apontam que mais de 80% dos adolescentes vivia
com a família. Os dados referentes às famílias apontam o limiar da miserabilidade, visto que a
renda de suas famílias é inferior a dois salários mínimos.
211
Ministério da Justiça/IPEA (2002) Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento dos adolescentes em
Cumprimento de Medidas Socioeducativas. Disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/instrucoes_mapeamento.pdf
212
SINASE (2006) Op. Cit.
148
Figura 9: Perfil dos adolescentes brasileiros que cumprem medida em meio fechado (SINASE, 2006)
Figura 10: Perfil dos adolescentes brasileiros que cumprem medida em meio semi-aberto (SINASE, 2006)
A escolarização dos adolescentes é precária e os indicadores de renda apontam
para associação entre baixa renda e envolvimento com o ato infracional. Tais dados parecem
reforçar os estereótipos que associam a pobreza e à criminalidade, gerando a desconfiança
sobre os adolescentes das classes mais baixas.
Dados do Instituto de Segurança Pública (2006)
213
, que levantou o perfil de
crianças e adolescentes em conflito com a lei no estado do Rio de Janeiro, disponibiliza
menos informações do que as constantes nos estudos nacionais, mas, que apontam para uma
constância no perfil dos adolescentes em conflito com a lei.
Encontra-se presente a mesma característica de seletividade com relação ao
sexo, à etnia e à faixa etária. Dos adolescentes apreendidos por ato infracional no estado,
68,6% são não-brancos pardos (43,4%) ou negros (25,2%) e, na sua maioria são do sexo
213
MIRANDA, A.P.M de, MELLO, K.S.S. & DIRK, R. (2007) Dossiê Criança e Adolescente 3. Arquivo
disponível em: www.isp.rj.gov.br. Rio de Janeiro: ISP. Disponível em: http://www.comunidadesegura.org
/files/active/0/DossieCrianca.pdf
149
masculino (87,3%), estando na faixa dos 15-17 anos 89,1% dos adolescentes. O maior
percentual de adolescentes apreendidos tem 17 anos (45,8%).
Figura 11: Perfil dos adolescentes cariocas que cometeram ato infracional (ISP, 2006)
O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo (SINASE, 2006)
214
aponta ainda que, em meros absolutos, o Estado do Rio de Janeiro (1.159) ocupa a segunda
colocação no país no número de adolescentes atendidos em regime de privação de liberdade
(internação, internação provisória e semiliberdade) no sistema socioeducativo, estando
somente atrás de São Paulo (6.059), seguido por Rio Grande do Sul (1.110), Pernambuco
(1.016), Paraná (895) e Minas Gerais (833).
Quando são colocados os dados relativos, ou seja, proporcionais ao
quantitativo populacional, o Rio de Janeiro vai se colocar em 12º lugar nacional, estando à sua
frente: Acre, Distrito Federal, Amapá, São Paulo, Rondônia, Rio Grande do Sul, Pernambuco,
Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso.
Com relação aos dados do regime socioeducativo em meio aberto (prestação de
serviços à comunidade, liberdade assistida, liberdade assistida comunitária e liberdade
assistida judiciária), o Rio de Janeiro (461) possui a 11ª colocação em mero absoluto de
adolescentes atendidos, estando à sua frente: São Paulo (4.517), Ceará (2.157), Distrito
Federal (1.715), Paraná (1.365), Rondônia (1.225), Minas Gerais (1.195), Rio Grande do Sul
(913), Goiás (796), Acre (593), Mato Grosso do Sul (539).
No que se refere à criminalidade adolescente de Nova Iguaçu, o
dimensionamento de sua representatividade é apontada pelo Instituto de Segurança Pública
214
SINASE (2006). Op. Cit.
150
(2006)
215
, quando relaciona que os moradores da cidade perfume ocupam o lugar em
registro de apreensões no Estado do Rio de Janeiro, o que representa 4,2% das apreensões.
Figura 12: Distribuição por local de moradia de crianças e adolescentes apreendidos (ISP, 2006)
Quanto aos dados disponibilizados pela Vara da Infância Juventude e Idoso de
Nova Iguaçu, nos últimos quatro anos, os dados de autuação de ato infracional possibilitam
duas leituras. Uma referida aos dados absolutos e outra aos dados referentes à autuação de
todos os atos infracionais que foram cometidos na Comarca e que foi objeto de aplicação de
medida socioeducativa e protetiva. Também nos é possível comparar os dados referentes ao
tipo de ato infracional cometido na Capital e em Nova Iguaçu.
Figura 13: Número de processos autuados nas cidades do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (TJERJ, 2004-2007)
RIO DE JANEIRO 2004 2005 2006 2007
Nº ABSOLUTO 8071 3858 4066 3122
Valores percentuais de crescimento ou diminuição - -52,20% 5,39% -23,22%
NOVA IGUAÇU 2004 2005 2006 2007
Nº ABSOLUTO 430 460 626 503
Valores percentuais de crescimento ou diminuição - 7% 36,08% -19,65%
PROCESSOS COM PROSSEGUIMENTO 150 226 215 181
Valores percentuais de crescimento ou diminuição - 50,60% -4,87% -15,81%
COMPARAÇÃO
2004 2005 2006 2007
Percentual comparativo 5,33% 11,92% 15,40% 16,11%
A comparação com o local de maior autuação de atos infracionais no estado, a
Vara da Infância e Juventude da Capital
216
, parece indicar que a diminuição expressiva dos
215
MIRANDA, MELLO & DIRK (2007) Op. Cit.
216
Estatística da Vara da Infância e Juventude e Relatório Estatístico de Produtividade do TJRJ. Disponível em:
www.tj.rj.gov.br
151
índices de autuação de ato infracional cometidos por adolescentes na Capital em 2005 e em
2007, elevou a representatividade da delinqüência juvenil em Nova Iguaçu. As autuações por
ato infracional na Comarca de Nova Iguaçu representavam 5,33% das autuações da Capital
em 2004, passando a representar 15,4% em 2005 e 16,1% dos casos autuados na Capital em
2007.
As diferenças entre os dados absolutos e os dados dos processos de ato
infracional com prosseguimento, na Comarca de Nova Iguaçu, apontam que, apesar do
aparente crescimento do número absoluto de autuações, o número de processos com efetivo
prosseguimento pode possuir tendência diversa. Não é possível fazer a mesma análise quanto
aos números de feitos com prosseguimento na Capital.
Do ano de 2004 para o ano de 2005, o número absoluto de casos de ato
infracional autuados em Nova Iguaçu teve pequeno aumento (7%), mas, o número de casos
puníveis teve aumento de cerca de 50%.
Chama atenção esse dado singular, pois, no ano de 2005 a diminuição de cerca
de 50% nos atos infracionais autuados na Capital, “coincidiu” com o aumento na mesma
proporção dos atos infracionais com prosseguimento em Nova Iguaçu. Caso houvesse estudos
setorizados poderíamos analisar se a queda nas autuações de atos infracionais na Capital se
deu com o aumento da ocorrência de atos infracionais na região metropolitana, explicando a
ocorrência de tamanha elevação.
No ano seguinte, 2006, o aumento no número absoluto de casos de ato
infracional foi da ordem de 36%, porém, o número de casos puníveis decresceu em quase 5%.
De 2006 para 2007 as diferenças mantiveram certa coerência entre si, apontando diminuição
de pouco mais de 19% no número absoluto de casos de ato infracional e queda de mais de
15% no número de casos puníveis.
Essa tendência de queda dos índices de criminalidade adolescente, como
destacado nos dados disponíveis, é referida em todo estado, visto que Miranda, Mello e Dirk
(2007)
217
apontam a diminuição de 52,2% do número de apreensões de adolescentes no
período entre 2002 a 2006.
Quanto ao tipo de ato infracional cometido por adolescente autuado na cidade
de Nova Iguaçu a possibilidade de comparação com os atos infracionais autuados na
Capital, nos anos de 2005 e 2006. Os dados da Vara da Infância e Juventude da Capital
217
MIRANDA, MELLO & DIRK (2007) Op. Cit.
152
disponíveis no ano de 2007 estão incompletos, não possibilitando comparações. Os dados
referentes ao primeiro foram disponibilizados pela Vara de Infância Juventude e Idoso de
Nova Iguaçu e do segundo estavam disponíveis para consulta no site do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, e da Vara da Infância e Juventude da Capital.
No entanto, os dados divulgados pela Vara da Infância Juventude da Capital
não são muito confiáveis, pois, apresentam divergências em relação ao quantitativo total das
estatísticas de produtividade de Tribunal de Justiça, não havendo na fonte informações quanto
ao motivo de tal divergência. Podemos supor que na referência dos dados de autuação de ato
infracional possam estar excluídas as remissões e os pedidos de arquivamento de registro de
ocorrência.
A comparação entre a cidade do Rio de Janeiro e a cidade de Nova Iguaçu se
coloca como uma possibilidade de dimensionamento da criminalidade juvenil na cidade
perfume, situando-a em relação ao local com o maior volume de apreensões no estado, tanto
no que se refere ao perfil dos atos infracionais quanto na sua representatividade.
No que se refere ao período de 2004 a 2007, os dados percentuais apontam que
a autuação de atos infracionais assemelhados aos crimes contra os costumes e aos crimes da
legislação de trânsito foi mais representativa em Nova Iguaçu, que na Capital.
Figura 14: Comparação Quanto ao Tipo de Ato Infracional Autuado (TJERJ, 2007)
Quanto aos demais atos infracionais, no ano de 2005, tanto na Capital quanto
em Nova Iguaçu, como demonstra o gráfico acima, a maior representatividade está nas
apreensões por crimes contra o patrimônio e ao uso e tráfico de entorpecentes, seguidos pelos
atos infracionais que reúnem similitude com os crimes contra a pessoa.
153
Convém ressaltar que, em Nova Iguaçu, a autuação dos atos infracionais
relacionados ao uso e tráfico de entorpecentes tiveram uma dimensão mais expressiva,
aspecto que destoou das informações coletadas no ano de 2004 e no ano de 2006.
Como apresenta o gráfico abaixo, no ano anterior, 2004, os atos infracionais
assemelhados aos crimes contra o patrimônio (30,7%) e aos crimes contra a pessoa (28,7%)
tiveram expressividade próxima à dos atos infracionais similares ao uso e tráfico de
entorpecentes (22,7%), não se observando grandes diferenças entre estas, como ocorreu no
ano seguinte.
Figura 15: Tipo de Ato Infracional Autuado em Nova Iguaçu (TJERJ, 2007)
Uma das possibilidades explicativas do aumento da representatividade dos atos
infracionais relacionados ao uso e tráfico de entorpecentes (de 22,7% em 2004 para 30,1% em
2005), como apontamos anteriormente, é o decréscimo de autuações na Capital (52,2%) em
2005. Este fato pode ter tido impacto direto sobre a autuação de atos infracionais nos
municípios da região metropolitana, suposição que somente se confirmaria com a coleta de
dados dos atos infracionais nos municípios que a compõem. A falta de referência das
autuações de atos infracionais na Capital em 2004, também dificulta as possibilidades de
análise quanto ao tipo de criminalidade associada a esta baixa.
154
Figura 16: Comparação Quanto ao Tipo de Ato Infracional Autuado (TJERJ, 2007)
No ano de 2006, os dados comparativos entre a Capital e Nova Iguaçu, também
apresentam constância quanto ao tipo de ato infracional mais freqüentes, prevalecendo a
expressividade nos atos infracionais similares aos crimes contra o patrimônio, aos crimes
contra a pessoa e aos crimes relacionados ao uso e tráfico de entorpecentes. Os valores
percentuais, na comparação, também apresentam certa proporcionalidade, como podemos
observar no gráfico acima.
No ano de 2007, os dados da Vara de Infância e Juventude da Capital não
foram integralmente divulgados, abrangendo apenas o período entre janeiro e junho de 2007,
o que impossibilitou a comparação quanto ao perfil de atos infracionais autuados em Nova
Iguaçu.
Figura 17: Tipo de Ato Infracional Autuado em Nova Iguaçu (TJERJ, 2007)
155
No gráfico acima as autuações por ato infracional em Nova Iguaçu no ano de
2007 apontam a mesma constância quanto ao tipo de ato infracional mais freqüente,
prevalecendo a expressividade nos atos infracionais similares aos crimes contra o patrimônio
(35,9%), aos crimes contra a pessoa (22,7%) e aos crimes relacionados ao uso e tráfico de
entorpecentes (22,7%).
Figura 18: Atos Infracionais Autuados em Nova Iguaçu 2004-2007 (TJERJ, 2007)
Nos quatro anos em referência, ou seja, de 2004 a 2007, o ato infracional com
maior representatividade foi o que reúne semelhança com os crimes contra o patrimônio,
que registrou o maior número de autuações em 2005 (82) e o menor número de autuações em
2004 (46). Este tipo de ato infracional vem apresentando tendência de queda, sendo autuados
74 casos em 2006 e 65 casos em 2007.
Os atos infracionais relacionados ao uso e tráfico de entorpecentes também
tiverem aumento expressivo no ano de 2005, registrando sua maior incidência de autuações
(68). O número de autuações se manteve estável nos dois anos seguintes, 42 em 2006 e 41 em
2007. A menor incidência de autuações ocorreu em 2004 (34).
156
Os atos infracionais que se assemelham aos crimes contra pessoa tiveram seu
menor registro em 2005 (31) e sua maior incidência no ano de 2006 (59). As autuações em
2004 (43) e 2007 (41) mantiveram-se no mesmo patamar, como demonstra o gráfico acima.
5.3. O Cotidiano Infracional na Cidade Perfume
Figura 19: Roupas no Varal
O panorama que os dados apresentados montam se referem à Nova Iguaçu
como uma cidade com dificuldades em estruturar aparatos sociais que provenham bem estar à
sua população e que implicam, necessariamente, na existência de fatores de vulnerabilidade
social frente ao crime e à percepção de dificuldades no reconhecimento dos sinais que nos
fazem iguais.
Os aspectos que compõem os discursos da (in) segurança e da exclusão,
também colocam em pauta que a nova desigualdade, baseada na precarização das relações de
contratuais, favorece o aparecimento de formas de sociabilidade perversas. Ou seja, na
impossibilidade de constituição de um estado de cidadania, claramente, a possibilidade da
“exclusão para sempre” se aproxima das camadas mais pobres da população, surgindo a
formas perversas de socialização. No caso dos adolescentes, surge o crime ato infracional
como sintoma da exclusão das possibilidades de construção de um futuro inclusivo, cidadão.
Esta opção pela criminalidade, como discutimos nos capítulos anteriores, que
se através dos difíceis ganhos fáceis”, garantiria ao indivíduo algum pertencimento à
sociedade, pois, o rótulo marginal o situa no limiar da não-existência social. A
marginalidade indica o último posto a ser ocupado antes da exclusão definitiva, que para
157
além deste limite está a inclusão permanente na categoria dos invisíveis sociais, para os quais
não se demanda nenhuma assistência.
Nos dados apresentados, a influência que mais se destaca é a ocorrência de atos
infracionais assemelhados a crimes contra o patrimônio e ao tráfico de drogas, dois delitos
marcados pela necessidade inclusiva que se faz pelo consumo. Poderíamos então supor que a
formação da subjetividade dos adolescentes da cidade perfume passa pela marca excludente
da sociedade hipermoderna, havendo uma associação clara entre os atos infracionais
cometidos pelos adolescentes e a necessidade do consumo de bens materiais e imateriais.
As subjetividades excluídas têm a necessidade de inclusão no ideário utópico
da igualdade, mas, ao mesmo tempo, percebem como a sociedade, à que supostamente
pertencem, relativiza os valores predeterminados das relações contratuais, criando cada vez
mais categorias de desigualdade e exclusão que os incluem no vasto rol da não-existência.
Neste cenário em que se destaca o hiperconsumo, a imagem do ser cidadão, se
dá somente através do ter. Consumir faz com que o sujeito possa existir como igual e, quando
as oportunidades do ter não estão à disposição, sobram as possibilidades pervertidas do obter.
Isto porque quando nos defrontamos com o exacerbamento do universo negativo da cidadania
(nova desigualdade), sobram poucas possibilidades de atingir o patamar ideal de consumo e
pertencimento social que a sociedade nos oferece como possibilidade de inclusão. Os
exemplos a seguir apontam para esta característica nos atos infracionais cometidos em Nova
Iguaçu.
O primeiro exemplo se refere à situação de dois adolescentes autuados por
tráfico de entorpecentes que foram apreendidos portando drogas e dinheiro e admitiram
trabalhar para o tráfico. Na oitiva com o Promotor de Justiça do plantão judiciário os
adolescentes de 17 anos relatam que moram numa das zonas mais afastadas do Centro de
Nova Iguaçu (Bairro de Marapicu), região desprovida de recursos públicos e transporte, além
de pouca oferta de trabalho formal.
Também relatam que não estudavam, moravam com a família e trabalhavam
para o comércio ilegal de entorpecentes, revelando sua condição de exploração no trabalho,
recebiam como remuneração R$ 30,00 (trinta reais) por carga de droga vendida, com bônus
de vendas ocasional.
O primeiro adolescente relatou que estava evadido do sistema socioeducativo
3 semanas, onde cumpria medida socioeducativa de semiliberdade na Capital por roubo.
158
Ao ser ouvido no Ministério Público disse pensar seriamente em mudar de vida”. O que
parece ter feito, teve seu processo extinto após cumprir internação e semiliberdade.
O segundo adolescente explicitou sua necessidade de consumo ao relatar que
sua vinculação ao tráfico ilícito de drogas teve início com sua necessidade de “comprar
chinelos” para usar no final de ano, desde então, não mais conseguiu sair da atividade ilícita.
O retrato de seu cotidiano familiar aponta a existência de uma família
numerosa (mãe, sete filhos e seis netos) que vivia em situação material precária, mas que
buscava cumprir sua função social provendo o essencial para a sobrevivência de todos. O
sustento da casa era garantido por atividades de baixa qualificação e remuneração incerta,
visto que sua mãe e irmã realizavam trabalhos como diarista. Seu irmão (13 anos), para ajudar
no sustento familiar, exercia a atividade de ajudante de caminhão no CEASA de Nova Iguaçu,
atividade que ele mesmo havia abandonado alguns meses antes por não suportar o ritmo de
trabalho (iniciado às 5 horas da manhã). Sua escolarização era precária e insuficiente (4ª série
do ensino fundamental) para sua colocação formal no mercado de trabalho, indicando a
vinculação a atividades de baixa qualificação e remuneração. As medidas socioeducativa e
protetiva à ele aplicadas não foram cumpridas foi preso pouco depois de completar a
maioridade.
O que a história de vinculação ao mundo do crime destes dois adolescentes
parece nos contar, aponta para a percepção de uma negação de cidadania, em que miséria e
necessidade de consumo de bens materiais e imateriais parecem se entrecruzar criando uma
via alternativa, rápida e eficaz, para obtenção de um modelo de vida ideal. Este modo de vida,
obtido com o produto de suas atividades ilícitas, faz com que eles consigam consumir artigos
de luxo, permitindo-lhes uma capacidade de consumo que suas famílias não conseguirão
oferecer.
O segundo exemplo se refere à três situações de atos infracionais
assemelhados a crimes contra o patrimônio. A primeira situação se refere a um adolescente
que tentou furtar duas campainhas digitais e sem fio de dentro de uma loja. O Adolescente
(17 anos) relata que tentou furtar os objetos para poder receber pagamento pelo serviço de
instalação destas, visto que o rapaz que o acompanhava, prometeu remunerá-lo pelo serviço
caso ajudasse a obter as peças que precisava para a manutenção de sua casa.
O adolescente tinha passagem anterior pelo sistema socioeducativo. Tendo
respondido a processo por ato infracional por porte de droga para uso próprio na Capital,
relatou fazer tratamento para dependência química em Belford Roxo. Não estudava ou
159
trabalhava com vínculo formal e morava com os pais, que no curso do processo relataram não
conseguir lidar com o uso de drogas por parte do filho, que abandonou a escola nos últimos
dois anos e que costumava ficar na boca de fumo com os traficantes. A situação material da
família era precária, visto que o pai havia parado de trabalhar para andar atrás do adolescente.
Além do despreparo para o mercado formal de trabalho por baixa escolarização
e capacitação, a atividade delituosa do adolescente foi referida à sua necessidade de obtenção
de dinheiro, possivelmente, para o consumo de drogas. O adolescente não compareceu aos
atos processuais, mudou-se, sendo o processo extinto dada a pouca gravidade do ato
infracional.
Na situação posta, o ato infracional aponta para a vinculação à dependência do
uso de drogas. Sendo o crime cometido de pouca gravidade, não se impôs a necessidade de
busca e apreensão do adolescente, nem da vinculação de seus responsáveis com a necessidade
de tratamento do adolescente. Não sendo necessária a punição, a proteção perdeu seu
objeto.
A segunda situação se refere a um ato infracional de tentativa de furto
qualificado por concurso de pessoas, cometido por um adolescente (17 anos), que em
conjunto com duas pessoas (outro adolescente e um adulto) tentou furtar um celular. A vítima
ao perceber a intenção reagiu sendo auxiliado por populares.
De seu cotidiano o adolescente relata que é órfão de pais e que mora com
familiares. Estava realizando pequenos delitos mais de um mês sem ser pego. Sua
responsável, não sabia do uso de drogas ou de seu envolvimento com atos infracionais. O
adolescente estudava e repetiu o ano escolar anterior, não sendo referida sua escolaridade. Na
comunidade esteve em risco de morte por ter entregado os companheiros de crime e a família
passou a exercer maior controle, o que o levou a abandonar o uso regular de maconha,
recebendo uma advertência como medida socioeducativa.
A terceira situação se refere a ato infracional de porte ilegal de arma e
receptação, cometido por um adolescente (16 anos), que recebeu uma advertência e foi
encaminhado à Capital onde possuía mandados de busca e apreensão por furto e tráfico de
drogas.
Sua história revela abandono escolar e consumo regular de maconha há mais de
1 ano. Por não morar em Nova Iguaçu, veio “conhecer a cidade com amigos”, nega qualquer
envolvimento com o ato infracional que lhe foi imputado, bem como nega a autoria dos dois
atos infracionais que lhe foram anteriormente imputados na Capital. Em sede policial
160
registrou-se que o adolescente passou dois dias em Nova Iguaçu realizando atos infracionais
em série, roubou um carro, participou do roubo a uma clínica médica, dirigiu sem habilitação,
foi apreendido na intenção de roubar uma loja, portava uma arma roubada e um de seus
comparsas apareceu baleado em hospital público, não sendo esclarecido o motivo desta
ocorrência.
Segundo sua mãe, os problemas que vinha apresentando eram imputados as
más companhias, que ele conheceu quando passou a freqüentar o Shopping. Seu
envolvimento com o mundo do crime era imputado a este fato em especial, visto que desde o
momento que passou a freqüentar o templo do consumo abandonou a escola e passou a
desejar adquirir bens de consumo que sua família não podia lhe ofertar.
O adolescente tinha baixa escolarização (2ª série do ensino fundamental) e
possuía família constituída, convivendo em união estável com uma adolescente, que estava
em início de gestação. A mãe do adolescente estava desempregada e o pai não o assistia
material ou afetivamente.
Mais uma vez, nas três situações relatadas, o retrato cotidiano aponta para as
relações entre o ato infracional e o consumo de bens não alcançados pela capacidade
financeira dos adolescentes e suas famílias, sendo este aspecto bastante evidente até mesmo
nas transcrições processuais, seja de maneira implícita ou explícita.
O terceiro exemplo retrata três situações de extinção do processo de ato
infracional sem aplicação de medida socioeducativa, que estes representam cerca de
60% dos processos extintos entre os anos 2004-2007.
Na primeira situação se descreve uma contravenção penal (vias de fato),
ocorrida após a discussão entre um adolescente (17 anos) e o vizinho, conhecido na
comunidade como encrenqueiro. A autuação ocorreu dois anos depois do fato, quando o
vizinho havia se mudado e o adolescente já havia completado a maioridade, sendo
requerida a homologação da remissão, o processo foi extinto.
O jovem não estudava dois anos, tendo parado na série do ensino
fundamental, não usava drogas e negou sua participação no ato infracional, relatando ser órfão
de mãe e não ter contato com o pai desde antes da ocorrência do ato infracional. No momento
de sua oitiva trabalhava no ramo de confecção de jóias de prata.
A segunda situação se refere ao porte de droga (maconha) para consumo
próprio, autuada um ano depois da maioridade do adolescente. O consumo de maconha teria
ocorrido dentro do CRIAM de Nova Iguaçu quando o adolescente (17 anos) cumpria medida
161
de semiliberdade, a remissão foi pedida visto que o jovem além de ter completado a
maioridade, cumpriu na integralidade a Medida socioeducativa, não mais justificando a
atuação judicial.
Ouvido, o jovem relatou que estava trabalhando com um tio e que fez uso
esporádico de maconha durante um tempo, mas que 2 meses havia parado. Não estava
estudando 9 meses, tendo parado na série do ensino fundamental, morava com a avó e
aceitaria fazer tratamento. Sendo requerida a homologação da remissão, o processo foi
extinto.
A terceira situação refere-se a uma duplicidade de comunicações de um mesmo
fato à Vara de Infância e Juventude o que faz o Ministério Público requerer o arquivamento
do registro de ocorrências. O processo extinto relatava que dois adolescentes de 17 anos,
estavam em duas motos roubadas e dirigiam sem habilitação portando os pertences pessoais
dos donos dos veículos. Um deles portava um revolver municiado que havia sido alugado com
traficantes para prática de roubo.
O primeiro relatou que estudava na série do ensino fundamental, que não
usava drogas e que não tinha antecedentes infracionais. Seus pais são falecidos e ele residia
com os avós maternos. A avó relatou que ele estava desobediente e que vinha aparecendo com
coisas em casa desde o ano anterior à sua apreensão.
O segundo adolescente disse ser natural de Pernambuco e estudar na 6ª série do
ensino fundamental, não usava drogas e também não tinha antecedentes infracionais. A arma
estava em sua posse e pretendia usá-la para assaltar quando foi apreendido. Segundo relatou
seus pais não sabiam de suas atividades delituosas, achavam que ele tinha pegado a moto
emprestada com a namorada. O sustento familiar era provido pelo trabalho dos pais como
ambulantes.
O que se retrata nos dois casos de menor gravidade aponta que a comunicação
da ocorrência dos atos infracionais levou mais de dois anos para ser encaminhada à Vara da
Infância e Juventude, tornando ineficaz a atuação legal por decorrência do tempo entre o fato
e sua autuação. O que ressalta do cotidiano dos adolescentes envolvidos no ato infracional
mais grave é sua baixa escolaridade e os parcos recursos materiais de suas famílias em lhes
prover o consumo de bens materiais, bem como a impossibilidade de todos em desfrutar das
benesses da cidadania.
Os exemplos citados contextualizam os dados anteriormente referidos à
juventude dos dourados laranjais, situando o ato infracional no cenário de exclusão e
162
apontando-o como uma de suas faces. Na impossibilidade de constituição da subjetividade
pela composição de um universo de cidadania, o ato infracional se coloca como um elemento
de constituição de uma subjetividade em busca de inclusão, nem que seja pela via marginal.
163
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que propomos neste estudo foi realizar discussões em torno da delinqüência
juvenil, ressaltando que ela se insere no ideário hipermoderno que põe em cena a exclusão
social como construtora dos discursos da (in) segurança que apóiam as mobilizações por
reações da sociedade frente ao crime. Tal movimento sugere mudanças na lei, calcadas não
mais na característica educadora do tratamento penal, mas na sua capacidade seletiva de
introduzir ou retirar em definitivo os indivíduos da sociedade.
Dentro deste contexto, buscamos situar o cotidiano de exclusão na cidade
perfume nos discursos da (in) segurança por meio dos atos infracionais. O que parece emergir
das articulações feitas é a necessidade de inclusão que os adolescentes demandam de uma
sociedade que lhes nega a capacidade de pertencer ao ideário utópico da igualdade. Sendo por
meios dos atos contrários à lei que eles marcam a sua presença e a resistência à exclusão para
sempre, demonstrando que possuem preservadas suas capacidades de luta por
reconhecimento.
Nascidos e criados neste universo negativo da cidadania, os adolescentes dos
dourados laranjais parecem encontrar no ato infracional uma forma de socialização perversa
que se instaura como possibilidade de resistência ao apavorante rótulo de invisibilidade social
o que os ronda. Na falta de outras possibilidades de pertencimento social, a resistência se faz
por meio da luta aberta, pois como discutimos no capítulo III, a violência assume uma
capacidade mediadora das relações conflituosas em sociedade, visto que a política, na
hipermodernidade, retirou-se de cena como possibilidade de composição entre os indivíduos e
o Estado.
Além disso, as razões para a (in) tolerância se avolumam, pois, as
desigualdades não cessam de se fazer presentes e as igualdades se colocam cada vez mais em
restritas a um determinado perfil de sociedade que exacerba suas fronteiras, indicando a
impossibilidade de existência de igualdade entre determinados indivíduos. As fronteiras
postas nas cidades partidas não marcam somente os limites espaciais, marcam seletivamente,
também, os eleitos como iguais e os desiguais como inúteis.
O rótulo de redundância, de inutilidade social, não é aleatório, ele se faz por
inclusão para aqueles que o adquirem por meio do mérito pessoal ou por meio da exclusão,
que marca aqueles que histórica e socialmente carregam os estereótipos e preconceitos que
164
permeiam a sociedade brasileira. Não sendo à toa que os adolescentes que freqüentam o
sistema socioeducativo sejam homens, negros ou pardos, entre 15-17 anos de idade, sendo
vistos e tratados como não-pessoas, objeto de desqualificação e tratamento degradante, desde
antes da abolição da escravatura.
As razões para o seu tratamento como inimigos estão bem claras, visto que
histórica e socialmente sempre ocuparam os lugares subalternos, sendo suas existências
reconhecidas como iguais somente na letra fria da lei, porque na prática, nunca deixaram de
ser desiguais e inferiores.
A sociedade brasileira parece não priorizar objetivos inclusivos, não investiu
em educação, saúde, saneamento básico ou construção de moradias dignas para os
desqualificados, creditando à eles a desconfiança como forma de relação. Essa maneira de
pensar a desigualdade, própria do colonizador do novo mundo, sempre foi marcada por estas
duas características paradoxais, a disseminação de um mundo de valores universais e o
resguardo das tecnologias civilizatórias, sempre ofertadas com desconfiança ao não-civilizado
que sempre podia se aproveitar do conhecimento adquirido para reverter sua condição de
sujeição.
As dificuldades em constituir uma sociedade inclusiva partem de seu
nascedouro, pois até mesmo a idéia de uma universalidade se calca na exacerbação das
diferenças, que foram exterminadas, excluídas e desqualificadas, pois nada é mais segregador
do que a idéia da igualdade. Esta se faz por meio da luta e não por meio dos consensos, por
isso o mundo de fraternidade e solidariedade somente pode existir ao instaurar a guerra contra
os desiguais. A utopia universalizante nada mais é do que uma declaração de guerra contra
um inimigo, o dessemelhante.
Com isso, as razões para tratar determinados jovens como inimigos estão
postas, pois, ao lhes negar a possibilidade de entrada no universo inclusivo da cidadania, ele
será o dessemelhante a ser combatido.
Isto fica claro quando avaliamos os dados da desigualdade social e os índices
de criminalidade em nosso país, eles indicam que a prioridade não foi posta nas políticas
públicas voltadas para a infância e juventude, o que fez com que as distâncias sociais
traduzidas em baixos índices de desenvolvimento humano e social aumentassem. Desta
forma, a impossibilidade em criar um universo de cidadania e de oportunidades iguais para a
infância e a adolescência empobrecida, retorna para a sociedade como um ônus, materializado
no aumento do crime de jovens e na instauração de uma cultura do medo.
165
Frente ao medo, o que era desassistência social passa a ser encarado como
falha de caráter, patologia individual ou coletiva de determinadas parcelas da sociedade
brasileira, que desde a instauração da república se tornaram objeto privilegiado do tratamento
penal. O que confirma a tendência hipermoderna de se tratar o problema como causa,
negando-se a possibilidade de crítica aos valores econômicos e suas perversidades para com
os indivíduos fragilizados frente ao capital globalizado.
Em 17 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), as
medidas de proteção à infância e juventude têm sido encaradas como um custo
excessivamente alto para o Estado, sendo sua finalidade distorcida e criticada como benesse
àqueles que não a merecem por serem preguiçosos e viciosos. Tal tratamento dado pela
sociedade brasileira à sua juventude indica a falta de oferta de um futuro para determinadas
parcelas jovens da população.
Esta ausência de oportunidades de futuro vem se constituindo, nos últimos 30
anos no Rio de Janeiro, em alardes sobre o aumento dos crimes cometidos por adolescentes, o
que não traduz a realidade dos fatos, pois, a tendência observada na última década foi de
queda dos índices de criminalidade juvenil. O que ocorre na surdina do alarde da
periculosidade adolescente é o extermínio dos jovens, que atingiu na última década índices
alarmantes no Estado do Rio de Janeiro e, consequentemente, na cidade de Nova Iguaçu (158
mortes por 100 mil habitantes).
O discurso da (in) segurança se traduz, de maneira objetiva, nestes dois
movimentos, periculosidade e extermínio. Ambos possuem suas raízes na (in) tolerância de
nossos tempos, que marcam uma passagem significativa dos rumos das sociedades que optam
por retirar da infância empobrecida o rótulo de proteção e nelas marcar o rótulo da
redundância.
O problema é que na ausência de expectativa de um futuro, os demandantes do
porvir também perdem sua função e, por isso, podem vir a ser objeto do tratamento como
inimigos da sociedade. Os indícios desta tendência são sentidos e se fazem presentes nas
conversas cotidianas, na mídia, nas políticas estatais e no discurso político.
Aspectos que nos remetem ao abandono progressivo das medidas protetivas e a
adoção massiva das medidas punitivas, com a judicialização e criminalização de condutas não
criminalizadas anteriormente. Soma-se a esta característica a seletividade das medidas, visto
que a tendência corrente em sociedades desiguais é criminalização das condutas dos mais
pobres e a descaracterização de punibilidade das mesmas condutas quando referidas aos atos
166
infracionais praticados por adolescentes de classe média, que tendem a ser tratadas como
“desatinos da juventude”.
Também ganha destaque neste cenário de luta a diferenciação não justificada
da especial periculosidade juvenil, principalmente nas questões que envolvem o crime
organizado, a ameaça à integridade das pessoas e bens e a ocorrência de delitos sexuais. Tais
aspectos são mais um mito do que um fato, já que a proporcionalidade existente entre a
população total de jovens e a ocorrência de atos infracionais é menos de 1% de adolescentes
envolvidos com o crime, aspecto que por si só fala de uma generalização da excepcionalidade.
Considera-se também neste quadro o alerta para a falta de oferta de postos de
trabalho, pois, o envolvimento de jovens pobres com a criminalidade organizada é outra
marca da exclusão. Isto porque o trabalho de crianças e adolescentes das famílias menos
abastadas sempre foi uma forma de complementação da renda, no entanto, as medidas
protetivas à infância limitaram o universo do trabalho sem oferecer um substituto financeiro
adequado à manutenção digna das famílias.
Por outro lado, a restrição do universo do trabalho, como um todo, levou à
inserção no mercado da ilegalidade-informalidade, que reproduz a situação de exploração e
mais-valia das relações formais de trabalho, sendo corrente entre os adolescentes que
trabalham no tráfico ilegal de entorpecentes o relato de remunerações tão precárias quanto as
obtidas no trabalho assalariado.
Essas características associadas ao discurso de que uma especial
“periculosidade” nos adolescentes trazem uma percepção subjetiva de riscos, que fazem com
que a sociedade permaneça aterrorizada frente a este dessemelhante juvenil. A existência de
preocupações com a segurança e a percepção dos perigos difusos se instaura, criando imagens
do terror e do caos que geram o ódio social contra essa determinada parcela da sociedade
brasileira.
No Brasil esta associação entre juventude e periculosidade é clara, existindo
mobilizações diversas da sociedade em prol da redução da idade da maioridade penal, como
se o tratamento penal de mais uma parcela da sociedade fosse resolver os problemas
relacionados ao surgimento da violência e do crime, subprodutos das socializações anômalas
de nosso tempo. Socializações que não só se restringem à criminalidade comum, mas a
formas degradadas de relação social e crimes contra a coisa pública e contra a humanidade.
No Projeto de Emenda constitucional nº20 de 1999, que tramita no Senado
Federal com parecer favorável a aprovação da maioridade penal aos 16 anos, esta tendência
167
de tomar o problema como causa é bem marcada, como fica explícita no texto do relator,
Senador Demóstenes Torres (PFL/GO), no parecer de 478/2007 da Comissão de
Constituição e Justiça:
“O legislador constituinte de 1988 decidiu simplesmente
suspender a História, e um dos resultados é o aumento da
criminalidade em meio a jovens e o uso crescente de menores por
parte de quadrilhas organizadas, que apenas procuram formar um
escudo protetor contra o Poder Judiciário, beneficiando-se da Lei.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, estima-se que mais de 1% da
população trabalha para o tráfico de drogas, o qual ocupa,
majoritariamente, mão-de-obra jovem ou adolescente. Nos últimos
cinco anos, o dinamismo do comércio ilegal de drogas e o
rejuvenescimento dos seus quadros têm impressionado a polícia. É
um fator que se soma ao fenômeno do rejuvenescimento das
vítimas de homicídios, observado nas últimas duas décadas, e com
tendência preocupante nos últimos anos. Na década de 1980, a
maior incidência de vítimas concentrava-se na faixa entre 22 e 29
anos. Nos anos 90, entre 18-24 anos.
Esses últimos números demonstram claramente que os jovens são
o grupo populacional que mais se envolve com o crime nos dias de
hoje, e o direito penal constitucional não pode permanecer inerte e
suspenso diante dessa realidade.
Urge, portanto, atualizar a maioridade penal.”
O que parece não fazer parte das considerações do Relator é que a oferta de
trabalho para os jovens sofreu graves impactos nos últimos anos, principalmente nos dois
maiores centros do país, onde as ofertas de emprego sofreram drásticas reduções desde os
anos 80. Também não se considera a relação deste dado com o despreparo dos aparatos
públicos para lidar com as conseqüências inevitáveis da falta de oportunidades de
empregamento trazidas pela globalização.
Desta forma, o aumento progressivo do número de mortes entre jovens vêm
sendo uma conseqüência da forma como o poder público lida com a questão. Ou seja,
deixando que os criminosos se eliminem sozinhos nas guerras de facção ou permitindo que a
polícia, os traficantes e os grupos de extermínio façam o papel de executores da pena de
morte, não admitida no ordenamento legal.
Ao contrário do que afirma o Senador, os índices de criminalidade entre jovens
tendeu a decrescer desde os anos 90. O que teve aumento expressivo foi o número de crianças
e adolescentes vítimas de crimes e violações de direitos.
168
No Estado do Rio de Janeiro existe 1 adolescente infrator para cada 9 crianças
e adolescentes vítimas de crime ou violação de direitos. Tais dados pareceriam indicar uma
necessidade imediata, não de aumento do rol de jovens a serem penalizados, mas sim de
adultos a serem penalizados por violar, 9 vezes mais, o direito de crianças e adolescentes.
Os Projetos de Lei, que aumentam o peso da pena para aqueles que cometem
crimes contra crianças ou adolescentes, ganham poucas adesões e tendem a ficar parados nas
casas legislativas por anos seguidos. A vontade política e da sociedade anômala de nossos
tempos não é mais a que se antevia no limiar dos anos 80, abandonamos a vontade de
proteção aos destinatários do futuro. Optamos pela desproteção, optamos pela ignorância
quanto ao destino de tantos jovens, negamos a eles a possibilidade de serem vítimas desta
sociedade perversa, os nomeamos como autores de sua própria miséria. A era da (des)
informação os fez assim, são eles sapientes por serem globalizados.
Por isso, mesmo sem estarem envolvidos com o crime, estarão presos à regra
perversa da convivialidade de nosso tempo, que associa pobreza à marginalidade e naturaliza
a convivência cotidiana com a barbárie como algo que pertence ao universo do outro, estranho
hostil, que deve ser eliminado do universo de reconhecimento daqueles que podem portar o
rótulo de humanos.
Outra consideração que escapa das tendências de apenamento da conduta
juvenil diz respeito a um aspecto da ordem prática que merece destaque. A Justiça da Infância
e Juventude é mais célere e menos garantista que a Justiça dos adultos, pois, não existem
regras claras de delimitação das medidas socioeducativas e protetivas. Ao ser apreendido por
ato infracional grave, como por exemplo, um homicídio, a maior parte dos adolescentes após
45 dias de internação provisória é julgado, sendo à ele aplicada uma medida socioeducativa,
imediatamente iniciada. Um adulto, ao ser indiciado pelo mesmo crime pode receber a
sentença de condenação após muitos anos da ocorrência do fato, podendo passar a cumprir a
pena, somente após o transito em julgado da sentença em várias instâncias judiciárias, como é
cotidianamente noticiado nos meios de comunicação.
Na verdade, o que parece indicar a proposta de modificação legal é o
cancelamento de toda alteridade para certa parcela de nossa juventude, sendo a seleção destes
uma característica das ansiedades culturais profundas de nossa sociedade, que não sabe o que
fazer com o seu excesso. É isto que leva parece levar a opinião pública a reivindicar o seu
direito inalienável por segurança, não saber o que oferecer como possibilidade de futuro,
atendidas suas reivindicações por proteção outras surgirão, pois, a segurança é algo subjetivo,
169
que é deflagrado mais pelas incertezas difusas de nosso tempo do que associado a um objeto
ou “(não) pessoa” em específico.
A proposta de adoção de tratamento penal para estes jovens é uma
característica clara de que a sociedade opta por lhes dar um tratamento de inimigo, admitindo
a excepcionalidade na aplicação da lei para eles. Ou seja, a PEC 20/1999 propõe que existindo
“discernimento” seja aplicada a lei penal, não existindo o “discernimento” seria aplicada a lei
“menorista”.
Essa gestão preventiva da juventude, que se mostra revestida de uma
característica educativa, se propõe a dar uma destinação à juventude. Optando-se pela adoção
do discurso penal na gestão dos conflitos sociais, os jovens podem obter sua inclusão
limítrofe, permanecem na margem interna da sociedade, ao contrário dos reais redundantes,
que nem mesmo essas funções possuem, são invisíveis, não existem como iguais e podem
assim, ser exterminados pela miséria, pelas doenças e pelas guerras, como acontece na África.
Tais sintomas de negação de toda e qualquer alteridade podem reconhecidos na
Cidade Perfume, onde os grupos de extermínio fazem as vezes do poder público e executam a
pena de morte, sem que reações eficazes do Poder Público na sua contenção sejam postas em
prática.
Os atos infracionais cometidos pelos adolescentes iguaçuanos guardam estreita
relação com a necessidade do hiperconsumo por parte destes adolescentes, como foi
exemplificado nos casos cotidianos de infração em Nova Iguaçu. Sendo esta característica
uma derivação da degradação do mundo do trabalho, ter elementos de diferenciação social
valorizados implica na capacidade de obtê-los, o que pode se dar pela aquisição de bens ou
pela imposição de “status” de respeito na comunidade em que vive.
Por outro lado, a percepção de um futuro incerto e inseguro pela falta de
ofertas de ascensão formal, faz com que estes jovens identifiquem a existência de
diferenciações sociais excludentes que os levam a optar pela via de acesso imediato ao
consumo. Essa presentificação absoluta também leva à recusa do mundo formal do trabalho,
que aprisiona sem possibilitar o ideal de consumo almejado.
No contraponto se coloca a reação da sociedade que clama pela manutenção de
seu direito à segurança, adotando para isso a neutralização de seus excedentes pelo direito
penal. Neste sentido a negação de toda a igualdade que desnaturaliza os indivíduos se presta à
neutralização de toda possibilidade de reconhecimento da alteridade, sendo possível, a partir
desta desqualificação definitiva, todo e qualquer tratamento degradante e o extermínio.
170
Dentro deste enfoque, a tendência individualizante de nossos tempos caminha
em duas direções. Uma que resguarda a capacidade de ter e pertencer, creditando essa
especial característica aos bons valores que caracterizam os iguais e outra que aponta para a
justificação dos maus hábitos dos dessemelhantes como anomalia individual ou coletiva de
certos grupos de indivíduos, o que justifica sua incapacidade de ter e pertencer no universo
dos incluídos.
Neste sentido é preciso destacar que a psicologização da delinqüência juvenil,
deve ser contextualizada no âmbito das influências desestruturantes da inclusão social
degradada de nossos tempos que empurra os indivíduos mais “vulneráveis” à escolha pelo
conflito com a lei. Essa “vulnerabilidade”, paradoxalmente, é o que os mantém no caminho da
semelhança, pois, somente os indivíduos mais capazes e ativos de uma determinada
coletividade reagem ao rótulo de invisibilidade e buscam brechas nas fronteiras da negação de
reconhecimento, para se fazerem inclusos.
É assim que fazem os emigrantes e os imigrantes. Como membros mais ativos
de uma determinada coletividade à qual pertencem, reagem à estagnação e à invisibilidade,
buscando na desqualificação em outra coletividade culturalmente diversa da sua a
qualificação para a nova ordem da qual almejam fazer parte. Busca-se, assim, a inclusão pela
negação do que se foi e do que se é, sendo a exclusão a possibilidade para se alcançar o que se
deseja ser ou ter, num futuro incerto, mais muito mais plausível.
Seriam estas “difíceis escolhas por ganhos fáceis” rotas de fuga ou tentativas
de rompimento da fronteira da exclusão? Seria esta a razão de nossas (in) seguranças ou do
temor subjetivo que suscitam, eles, aqueles a quem rotulamos de indesejáveis sociais? Talvez
seja este o motivo pelo qual a afronta à lei por parte dos jovens nos causa essa percepção
exacerbada do risco subjetivo que eles representam. Eles querem o que nós temos e o que
somos. Talvez eles tenham a capacidade de conseguir o que desejam, por uma via ou por
outra. É isso o que mais nos aterroriza.
Para psicólogos jurídicos ou forenses e outros operadores do Direito, a
discussão que se coloca é a possibilidade de compreender o indivíduo para além do ato
delitivo, entendendo sua subjetividade como algo que se constrói num processo social
dinâmico e excludente que nega a alteridade e toda a possibilidade de reconhecimento do
outro desigual.
Este entendimento vai nos permitir, como profissionais, situar o ato infracional
além dos limites da individualidade ou da patologia. No entanto, o intuito que é proposto não
171
é o de negar a individualidade ou a possibilidade de categorização psicopatológica dos
indivíduos, nem mesmo de referenciar as escolhas pessoais a algo que está fora do controle
dos indivíduos, mas, de possibilitar um contraponto complementar à tendência psicologizante
da atualidade.
As subjetividades frágeis e flexíveis constituídas no nosso tempo são,
inevitavelmente, produtos da socialização perversa que a desigualdade social lhes impõe, e os
efeitos disso serão muitos e variados, todos degradados e degradantes, até que façamos uma
opção ética pelo dessemelhante e busquemos na possibilidade de reconhecimento do direito à
existência digna as razões para a convivialidade.
172
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Resumo: apresentação de alguns dos resultados da pesquisa (1993 a 1996)
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AGABEN, G. Estado de Exceção. São Paulo: Bom Tempo, 2004. Coleção Estado de Sítio.
Resumo: O autor trata de por em questão a pós-modernidade como o tempo de consolidação do estado de
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Resumo: Faz um estudo sobre a história da baixada fluminense e
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Resumo: o autor discute o aparecimento
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Disponível em: http://www.simonsen.br/novo/revista/ nesta_edição.php. Setembro de 2007.
Resumo: O autor perfaz o retrato do cotidiano e das modificações da vida na cidade do Rio de Janeiro após a
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Resumo: Descreve as políticas sociais para a
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Resumo: o autor faz uma exposição
dos principais movimentos de política criminal e a aponta algumas das tendências mais atuais e as que se
desenham para o futuro.
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro/BRA: Livros Técnicos e
Científicos Editora S.A., 1981.
Resumo: a construção histórica do conceito e do tratamento da infância,
como fato social que se constrói no contexto da sociedade capitalista e seus aparatos.
ARRUDA. A. (org) Representando a alteridade. Petrópolis: Ed. Vozes, 1998.
Resumo: Coletânea
de artigos que discutem a alteridade e sua importância como tema em discussão na psicologia social. Coloca em
pauta questões atuais como a desigualdade social, regionalismos, racismo, aspectos que apontam os laços entre
nós e os outros.
173
ASSIS, S.G. de e CONSTANTINO, P. Filhas do Mundo: infração juvenil feminina no Rio de
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Resumo: Relata a pesquisa sobre situações de risco
de adolescentes do sexo feminino envolvidas no tráfico de drogas, a partir do trabalho desenvolvido no
Educandário Santos Dumont, pelas pesquisadoras.
AUGÊ, M. (1994) Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. São
Paulo: Papirus.
Resumo: o autor discutes as perspectivas que se apresentam à antroplogia da
supermodernidade, introduzindo a idéia de uma etiologia da solidão. Discute a existência dos não-lugares como
espaços da impessoalidade dos nossos tempos e aponta para o lugar dos indivíduos num mundo onde a relaçõa
contratual representa a possibilidade de ter consigo os símbolos da supermodernidade.
BAUMAN, Z. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
Resumo:
O autor destaca o significado do holocausto como essencial para a compreensão da modernidade, pois,
representa aspectos repulsivos da vida social intrinsecamente relacionados com s própria natureza moderna, suas
instituições e métodos.
___________. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1999.
Resumo: Busca por em discussão as raízes e as conseqüências sociais do processo globalizador
apontando os efeitos deste sobre a economia, a política, as estruturas sociais e nossas percepções de tempo e
espaço.
___________. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
Resumo: o autor
busca realizar o desvelamento da transição da modernidade para a pós-modernidade, repensando conceitos de
emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade e as mudanças decorrentes de suas
concepções na sociedade.
___________. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2003.
Resumo: trata dos conceitos de comunidade e segurança e da necessidade de reflexão
sobre as tensões ocorridas entre os valores modernos, a comunidade e a individualidade
.
___________. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
Resumo: Trata
das questões relacionadas aos refugos humanos, aqueles que não quiseram ficar ou que não puderam ou
quiseram ser reconhecidos, bem como aqueles que não obtiveram a permissão para ficar. Apontando a existência
destes como conseqüência inevitável da modernidade.
___________. Confiança e Medo na Cidade. Lisboa: Relógio D’Água Ed., 2005.
Resumo: neste
livro o autor discute as bases da sociabilidade urbana num mundo onde a solidariedade e os laços de confiança se
desfizeram, instaurando um medo cotidiano do outro, cuja existência degradada inspira ações de negação da
cidadania e da alteridade.
BECK, F. R. Perspectivas de Controle ao crime organizado e crítica à flexibilização das
garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004.
Resumo: a proposta do autor é discutir as leis penais de
emergência e de urgência, apontando o uso progressivo do Direito Penal como forma de controle social
hipermoderno, trabalhando, com destaque especial ao tratamento da criminalidade organizada e as ações penais
que suscitam.
BENEITEZ, M.J.B. Justicia de Menores Española y Nuevas tendencias penales: la regulación
del núcleo duro de la delincuencia juvenil. Revista Eletrônica de Ciência Penal y
Criminologia. 7-12. p. 12:1-12:23. Disponible en internet. http://criminet.ugr.es/recpc/,
2005.
Resumo: Realiza a discussão sobre a evolução da legislação espanhola, no que tange à justiça de
menores, fazendo um paralelo com algumas tendências penais e a lógica do inimigo.
BICALHO, M.F. As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de
Janeiro. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36. São Paulo, 1997. (p.251-580) Disponível
174
em http://www.scielo.br.
Resumo: o autor faz um apanhado histórico da organização administrativa do
Brasil Colonial, apontando como a existência e organização das Câmaras Municipais possibilitou a estruturação
de um aparato de Estado que criou as formas de relação do indivíduo com o Estado.
BIRMAN, J. Sociedade Sitiada. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 9, n.
14. Rio de Janeiro: ICC/Ed. Revan. (p. 116-153).
Resumo: no presente artigo o autor vai remontando a
situação da violência no país, situando a cidade do Rio de Janeiro como o primeiro local onde a violência ganhou
visibilidade nacional, apontando as razões para a existência da perversidade que permeia as relações de
convivialidade e sociabilidade.
_________ . Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006.
Resumo: neste livro o autor debate temas da atualidade e os correlaciona com as patologias da
modernidade. Nosso especial interesse foi pelo debate em torno da função da Justiça e da Violência, como
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Resumo: neste livro o autor também discute as patologias da
atualidade, mas a situa no centro da formação das novas subjetividades, cada vez mais frágeis e vulneráveis aos
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Resumo: Trata de aspectos sociais, psicológicos e
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Resumo: o site disponibiliza consultas sobre o
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Discute os rumos e os compromissos sociais implicados na atuação profissional de psicólogos e as correlações
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Resumo: o autor apresenta os
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175
CARDOSO, C. M. Tolerância e seus Limites: um olhar latino-americano sobre diversidade e
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Resumo: O autor discute o conceito de tolerância e suas
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contexto de pluralidade cultural.
CARVALHO FRANÇA, J.M. Um visitante do Rio de Janeiro Colonial. Revista Brasileira de
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Resumo: o autor
transcreve os relatos de viagem de um viajante francês que chegou ao Porto do Rio de Janeiro na época Colonial,
trazendo, através destes relatos um cotidiano de medo e insegurança geral, que continua presente até os dias
atuais.
CASTRO, L.R. A Aventura urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Fotografias de
Carolina Lamprea. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.
Resumo: o livro se propõe a pôr em pauta as
transformações subjetivas de crianças e jovens no contexto da cidade contemporânea, traçando um panorama do
que é ser jovem na cidade do Rio de Janeiro.
CASTRO, L. R. de e CORREA, J. E Colaboradores. Mostrando a Real: um relato da
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Resumo:
Relata os dados de uma pesquisa sobre a juventude pobre da cidade do Rio de Janeiro.
CASTRO, L. A. de. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan, 2005. Coleção
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Resumo: a autora discute temas da criminologia, apontando as
influências de determinados aspectos sociais sobre a escolha de uma forma de atuação do Direito Penal e
aplicação de seu poder punitivo.
CASTRO, A.L. de S. e GUARESCHI, P.A. Adolescentes Autores de atos infracionais:
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=28&layout=html&mode=preview.
Resumo: o autor apresenta o resumo de sua pesquisa em forma de
artigo, apresentando algumas das possibilidades de leitura do envolvimento de adolescentes com o mundo do
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CATARIN, C. O Pânico no Rio de Janeiro. Disponível em: http://historianet.com.br.
Resumo: o
artigo aponta o receio que permeava o cotidiano dos moradores do Rio de Janeiro colonial, trazendo à tona um
fato em especial, o ancoramento de um navio avariado nos limites marítimos da cidade e o pânico e revoltas que
se sucederam até que a ação punitiva, reprimiu as conseqüências do pânico sobre a população do Rio de Janeiro.
CERQUEIRA, M.N. e PRADO, G. A polícia diante da infância e da Juventude: infração e
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Resumo:
Expõe e discute o cotidiano do trabalho policial e o tratamento da juventude em conflito com a lei.
CERQUEIRA, D. e LOBÃO, W. Determinantes da Criminalidade: a resenha dos modelos
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Resumo: Texto que trata de discutir as políticas criminais no Brasil com base nos dados criminais, aponta os
determinantes sociais e a atuação do poder público.
CHARLES, S. O individualismo paradoxal: introdução ao pensamento de Gilles Lipovetsky.
In LIPOVETSKY, G. Os tempos Hipermodernos. São Paulo: Ed. Bracarola, 2004.
Resumo: o
autor introduz o livro e faz a apresentação da obra do autor, bem como os principais conceitos e linhas de
pensamento do autor do livro, trazendo contribuições à compreensão dos temas a serem desenvolvido no
decorrer do texto do livro.
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violência e alteridade. Revista Rio de Janeiro : Violência percepções e propostas de
176
Intervenção., n. 12, jan-abr 2004. (p. 75-98)
Resumo: examina o tema da alteridade nos discursos sobre
a violência encontrados em alguns veículos da mídia impressa, enfocando a cobertura de um fato dramático
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DP&A, 2003. (p.19-37).
Resumo: Discussão sobre o envolvimento da juventude pobre carioca com o crime,
problematizando os aspectos sociais implicados no aparecimento do crime e o tratamento excludente dado aos
adolescentes em conflito com a lei.
CONSTANTINO, P. Entre as escolhas e os riscos possíveis a inserção das jovens no tráfico
de drogas. Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Ciências na Área de
Saúde Pública. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 2001.
Resumo: Relata a pesquisa desenvolvida
como dissertação de Mestrado que expõe e problematiza as situações de risco de adolescentes do sexo feminino
envolvidas no tráfico de drogas, a partir do trabalho desenvolvido no Educandário Santos Dumont, pelas
pesquisadoras.
CORRÊA, M. A cidade dos menores: a utopia dos anos 30. In FREITAS, M.C. (ORG)
História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 1997. (p.77-95).
Resumo:
Relata a instauração das instituições de menores construídas na década de 30, bem como e em pauta as
concepções do estatuto tutelar e de criminalização do pobre.
COSTA, J.F.C. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004.
Resumo: estudo sobre as ticas médico-higiênicas que se insinuam na intimidade da família burguesa do século
XIX até hoje.
DOWDNEY, L. Crianças do Tráfico: um estudo de caso de crianças em violência armada
organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2003.
Resumo: A pesquisa trata do
envolvimento de crianças na guerra e em grandes conflitos armados, sendo o envolvimento destes com o Trafico
de Drogas no Rio de Janeiro considerada uma das situações de guerra. O autor aponta que pelo fato do Rio de
Janeiro não estar em estado de guerra, as crianças e adolescentes que trabalham no tráfico de drogas são
categorizadas como delinqüentes juvenis, criminosos ou membros de quadrilhas. Um dos principais objetivos da
pesquisa debater a situação internacional de crianças e adolescentes na luta armada, buscando critérios de
identificação e soluções para a questão.
DUBAR, C. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
Resumo: O autor faz um estudo sobre a crise das identidades associada a fenômenos
múltiplos relacionados à dificuldade de inserção social e profissional dos jovens, o aumento das novas exclusões
sociais e as confusões das categorias. Analisa os processos de socialização pelos quais se constroem e se
reconstroem as identidades sociais e suas dimensões profissionais.
ELIAS, N. e SCOTSON, J. L. Os estabelecido e os outsiders: sociologia das relações de poder
a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2000.
Resumo: Relata a
pesquisa desenvolvida em uma cidade do interior da Inglaterra, onde os tensões entre os habitantes estabelecidos
e os forasteiros outsiders (estrangeiros) que não partilham os valores e o modo de vida vigentes, resultando em
segregação, violência, discriminação e exclusão social. Temas que apontam para uma abordagem sociológica da
atualidade
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis/BRA: Ed. Vozes, 1987.
Resumo: O autor, com base
nos documentos históricos relata a constituição das prisões como forma de constituição de certa concepção de
homem e individualidade, bem como as estratégias do poder em pauta na construção dos espaços de exclusão e o
aparatos que o sustentam.
177
______________. A Verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2002.
Resumo: Transcrição de 5 conferências preferidas pelo autor, onde o mesmo faz algumas considerações sobre o
seu método e objeto para depois expor a constituição das práticas históricas e suas implicações na constituição da
sociedade de controle e disciplinamento.
______________. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Resumo: coletânea de aulas
dadas pelo autor sobre o conceito de anormalidade na Psiquiatria, no Direito, em outras disciplinas e instituições
sociais.
FRAGA, P.C.P. Da Favela ao Sertão: juventude, narcotráfico e institucionalidade. In
FRAGA, P.C.P. e IULIANELLI, J.A.S. (orgs.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro/BRA:
DP&A editora, 2003. (p. 117-147).
Resumo: o artigo estabelece um paralelo entre a situação dos jovens
do Rio de Janeiro e do Sertão pernambucano envolvidos no trafico de droga, contextualizando-o nos conflitos da
hipermodernidade e na crise civilizatória que instaura o caminho do crime como possibilidade de inclusão no
mundo do consumo.
FRAGA, P.C.P. e IULIANELLI, J.A.S. (orgs.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro/BRA:
DP&A editora, 2003.
Resumo: coletânea de textos sobre adolescência. Na primeira parte são discutidos o
conceito de juventude e os mitos à ele associados, ou seja, o mito da periculosidade associada à pobreza; a
violência e a objetivação da juventude; o protagonismo juvenil e as políticas para a juventude; mercado de
trabalho e risco social associado a características raciais. Na segunda parte são apresentados diversos olhares
sobre a juventude, ou seja, o narcotráfico e suas configurações nos grandes centros (venda) e no sertão
(produção); a socialização adolescente; exclusão e violência na periferia de Fortaleza; a FEBEM e a violação de
Direitos em São Paulo; a escola tradicional no Rio de Janeiro e sua descontextualização do universo adolescente;
juventude e trabalho em Curitiba.
FREITAS, M.C. de. (org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora
USF/IFAN, 1997.
Resumo: coletânea de textos reunidos pelo Núcleo de Estudos em História Social da
Infância no Brasil, discutindo a infância na sociedade brasileira a partir de perspectivas multidisciplinares.
FREUD, S. A Psicanálise e determinação dos fatos nos processos jurídicos (1906). In. Obras
Completas: Ed. Standart Brasileira. RJ: Imago, 1980. Volume IX, p.105-120.
Resumo: O autor
expõe as bases da psicanálise e critica o uso de seus métodos como prática de interrogatório nos processos
judiciais, diferenciando objetivos e fazendo algumas considerações sobre os processos psicológicos envolvidos
em processos judiciais.
_________. Alguns tipos de Caráter encontrados no trabalho psicanalítico (1916). In. Obras
Completas: Ed. Standart Brasileira. RJ: Imago, 1980. Volume XIV, p.351-380.
Resumo: O autor
faz algumas considerações sobre a culpa e determinados tipos de caráter relacionados ao aparecimento do crime.
FUNDAÇÃO CIDE. Banco de Dados Municipais, 2008. Disponível em:
http://www.cide.rj.gov.br/banco_municipais.php#14.
Resumo: a fundação disponibiliza dados sobre
os municípios do Estado do Rio de Janeiro, organizando os dados fornecidos pelo IBGE, sobre as cidades
fluminenses.
O GLOBO. Editoria G1, 30/03/2007, Disponível em: http://g1.globo.com
/Noticias/Rio/0,,MUL16058-5606,00.html.
Resumo: disponibiliza a consulta das matérias publicadas na
editoria digital, em sua integralidade.
GIORGI, A. Di. A Miséria Governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan/ICC,
2006. Coleção Pensamento Criminológico, v. 12.
Resumo: o autor discute a função do direito penal na
atualidade apontando os seus usos na gestão da pobreza e na manutenção de um sistema de desigualdades sociais
profundas e irreversíveis.
178
GLASSNER, B. Cultura do Medo. SP: Francis, 2003.
Resumo: o autor discute a existência de uma
cultura do medo nas sociedades atuais, apontando onde essa cultura demonstra suas maiores preocupações e as
influencias de sua seletividade para o estabelecimento de estereótipos e preconceitos numa sociedade, apontando
os risco da globalização dos efeitos da adoção de tal cultura na atualidade.
GONÇALVES, H. S. Juventude Brasileira: entre a tradição e modernidade. Tempo Social,
Revista de Sociologia da USP, v. 17, n.2. 2005. (p.207-219).
Resumo: Discute o contexto social da
juventude brasileira, problematizando o novo e o antigo, bem como os estigmas que associam juventude,
pobreza e criminalidade.
GOMES, L.F. (2006). Direito Penal do Inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Texto para
discussão entregue em Palestra proferida na Faculdade de Direito da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro em maio de 2006.
GUIMARÃES, A.P. As Classes Perigosas: banditismo rural e urbano. Rio de Janeiro: Ed.
Graal, 1981. Resumo:
o autor desenvolve o conceito de classes perigosas, desde o século XVIII até a década
de 70 do século XX, colocando o conceito em relação com a escravidão, os movimentos campesinos e o
comunitarismo no Brasil.
HAESBAERT, R. O Mito da Desterritorialização: Do “fim dos territórios” à
Multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
Resumo: Coloca a definição de Mito da
Desterritorialização como a possibilidade do homem viver sem território, dissociando-se sociedade e espaço,
sem considerar a reconstituição de novos territórios. Fim do território assemelha-se ao fim do Estado, tornando
necessário pensar a multiterritorialidade advinda do processo de extinção do espaço-territorial.
HONNETH, A. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São
Paulo: Ed. 34, 2003.
Resumo: O autor coloca o conflito social como base para as interações sendo a
gramática usada a luta por reconhecimento como forma de estabelecimento de padrões de reconhecimento
intersubjetivo: o amor (auto-confiança), o direito (auto-respeito), e a solidariedade (auto-estima).
IPAHB – Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada.
http://www.ipahb.com.br.
Resumo: Expõe para visitação aberta no site a história e outros dados geo-
econômicos de Municípios da Baixada Fluminense.
Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (2007). Disponível em:
http://www.isp.rj.gov.br/ResumoAisp.asp.
Resumo: disponibiliza para consulta publicações e dados
sobre a criminalidade no Estado do Rio de Janeiro, com base nas informações coletadas nas Delegacias do
estado.
IULIANELLI, J.A.S. Juventude: construindo processos o protagonismo juvenil. In:
FRAGA, P.C.P. e IULIANELLI, J.A.S. (orgs.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro/BRA:
DP&A editora, 2003. (p. 54-75).
Resumo: o autor discute a existência de um protagonismo juvenil e os
motivos pelos quais a juventude tem sido objeto de políticas internacionais de educação, profissionalização e
punição em todo o mundo desde a década de 80, apontando a existência de uma sociedade desigual e excludente
que elege estes jovens como depositários de fracassos e sucessos sociais.
JACÓ-VILELA, A.M. Introdução: os primórdios da psicologia jurídica. In TORRACA DE
BRITO, L.M. (org.) Temas em Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro/BRA: Relume Dumará,
1999. (p.11-18).
Resumo: discute o princípio do Direito Moderno do homem universal (sujeito da razão, livre
e igual aos demais seres humanos) e a noção de sujeito jurídico como expressão do individualismo, contextualiza
o movimento do Direito dentro do contexto do Romantismo alemão em busca da singularização; aponta o
nascimento das ciências humanas e sociais e das relações entre a Psicologia e o Direito.
179
JAKOBS, G. e CANCIO MELIÁ, M. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005.
Resumo: Os dois autores tratam da questão do direito
penal do inimigo, onde Jakobs, seu criador, expõe suas concepções e as bases desta, sendo o contraponto as
considerações feitas por Cancio Meliá sobre os Direitos Humanos e o Estado de Direito.
JAKOBS, G. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In JAKOBS, G. e
MELIÁ, M. C. (2005). Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Ed, 2005.
Resumo: o autor apresenta o conceito de Direito Penal do Inimigo, definindo suas
bases filosóficas e jurídicas, bem como as razões de sua adoção, garantindo a ordem democrática e igualitária
dos cidadãos e o resguardo de seu direito à segurança frente ao inimigo.
JODELET, D. Os processos psicossociais da exclusão. In SAWAIA, B. As Artimanhas da
Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006.
(p.53-65).
Resumo: a autora discute a noção de exclusão e os variados fenômenos sociais à ela vinculados,
principalmente a degradação das interações entre pessoas e grupos e a sua importância para a Psicologia Social.
KEHL, M. R. Elogio do Medo. In NOVAES, A. Ensaios sobre o Medo. São Paulo: SENAC
SP e SESC SP, 2007. (p. 89-110).
Resumo: o autor discute a existência do medo como formadora e
deformadora das relações, apontando sua importância para a construção de parâmetros jurídicos de limite para a
ação dos indivíduos e de atuação da lei sobre eles.
KELNER, D. A Cultura da Mídia estudos culturais: identidade e política entre o moderno e
o pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
Resumo: coletânea de textos que tratam de questões da
modernidade, entre estas a segurança, insegurança e a busca de parâmetros para lidar com as questões da
individualidade e da sociedade na modernidade e pós-modernidade.
LACROIX, M. O Culto da Emoção: ensaios. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2006.
Resumo: O autor faz uma apresentação do culto da emoção como uma das expressões dos excessos da
hipermodernidade que traz como conseqüência a degradação da sensibilidade e a instrumentalização do outro
afetando as relações de reconhecimento das semelhanças e o exacerbamento das diferenças.
LAGO, L.C. do. Desigualdades e Segregação na Metrópole: o Rio de Janeiro em tempo de
crise. Rio de Janeiro: Revan FASE, 2000.
Resumo: A autora faz uma remontagem histórica da
ocupação dos subúrbios e periferias do Estado do Rio de Janeiro durante o século XX.
LEITE, M.P. Violência, insegurança e cidadania: reflexões a partir do Rio de Janeiro.
Observatório da Cidadania. Relatório 2005, n.9. Rugidos e Sussurros. Mais promessas do que
ações, 2005. (p. 66-70). Disponível em: http://www.socialwatch.org/es:Informe
Impresso/pdfs/panoramabrasileiro2005_bra.pdf.
Resumo: a autora apresenta dados e reflexões sobre a
violência no Rio de Janeiro, discutindo-a num contexto social de exclusão da cidadania e de precariedade
material e social.
LEITE, M.L.M. A Infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In
FREITAS, M.C. de. (org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora
USF/IFAN, 1997. (p. 17-50).
Resumo: a autora apresenta uma possibilidade de leitura do tratamento de
nossas crianças durante o período colonial, através das imagens dos visitantes e dos livros de viagem que
retratam o cotidiano e o tratamento dispensado à elas.
LIPOVETSKY, G. Os tempos Hipermodernos. São Paulo: Ed. Bracarolla, 2004.
Resumo: O
autor apresenta a s-modernidade a partir da intensificação do mercado, do indivíduo e da escalada técnico
científica, definindo a hipermodernidade a partir dos efeitos da globalização e das novas tecnologias de
comunicação, como uma situação paradoxal da sociedade s-moderna, dividida entre a cultura do excesso e o
elogio à moderação.
180
LOBÃO, W. e CERQUEIRA, D. Determinantes da criminalidade: uma resenha dos modelos
teóricos e resultados empíricos. Texto para discussão 956. Brasília: IPEA. Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, Governo Federal, 2003.
Resumo: os autores buscam fazer um
apanhado sobre os fatores determinantes da criminalidade discutindo os efeitos que sua existência possuem sobre
o aparecimento e crescimento da criminalidade no Brasil.
MACHADO DA SILVA, L.A. Criminalidade Violenta: por uma nova perspectiva de análise.
Revista de Sociologia Política. Curitiba, 13, Novembro de 1999. (p.115-124) Disponível em
http://www.necvu.ifes.ufrj.br/arquivos.
Resumo: o autor situa a criminalidade como um dos efeitos da
modernidade, apontando a definição de uma sociabilidade violente que começa a se delinear como forma de
relação com os pobres e miseráveis, interrelacionando tal com conceito com os sinais claros e inevitáveis da
desigualdade social e da hipermodernidade.
____________________ . O Medo na Cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história.
Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003.
Resumo: a autora trabalha com dois momentos da história no Rio de
Janeiro. O primeiro relacionado ao medo instaurado após a revolta Malê e o medo da violência nos dias atuais e
as possibilidade de uso do Direito Penal de emergência frente à existência de uma manipulação de um medo
difuso e extremamente carregado de preconceitos raciais e estereótipos associados às classes mais pobres de
nossa sociedade.
MALAGUTI BATISTA, V. Na Periferia do Medo. Estados Gerais da Psicanálise: II Encontro
Mundial. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www.estadosgerais.org/mundial_rj
/port/trabalhos/5e_Batista_36020903_port.htm.
Resumo: no artigo a autora resume e apresenta as
discussões feitas em sua tese de mestrado, objeto de seu livro.
MARTÍN, L. G. Consideraciones críticas sobre el actualmente denominado “Derecho Penal
del Enemigo”. Revista Eletrônica de Ciência Penal y Criminologia. Nº 7-2. p. 2:1-2:43.
Disponible en internet. http://criminet.ugr.es/recpc/, 2005.
Resumo: O autor realiza a exposição das
bases filosóficas do Direito Penal do Inimigo, problematizando seus conceitos e proposições.
____________ . O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais Ltda, 2007. Série Ciência do Direito Penal Contemporânea. V. 10.
Resumo: O autor reúne uma coletânea de artigos onde expõe as finalidades do Direito penal que vem se
utlizando de sua vertente preventiva no tratamento das desigualdades sociais, propondo discussões em torno da
adoção de um Direito Penal do Inimigo frente às dificuldades irreconciliáveis da hipermodernidade.
MARTINS, J.S. A sociedade Vista do Abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e
classes sociais. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003.
Resumo: Faz a exposição dos conceitos de exclusão,
excluído e inclusão, problematizando-os nos movimentos sociais e na sociedade como um todo
MATTA, R. da Carnavais, Malandros e Heróis.: para uma sociologia do dilema brasileiro.
Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Resumo: O autor apresenta formas de congraçamento coletivo junto com a
reflexão sobre os malandros e os heróis, seus personagens principais. Ambos são criações sociais que refletem os
problemas e dilemas básicos da formação social que lhes deu origem. Aponta o mito e o ritual como formas,
dramatizações, maneiras, pelas quais se foca uma realidade social, aspectos ocultos no cotidiano.
_________ . O que faz do Brasil o Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
Resumo: o autor faz uma
coletânea de textos onde discute os principais conceitos e teorias de sua obra de forma resumida e direta.
MATTOS, M.B. Greves, Sindicatos e Repressão Policial no Rio de Janeiro (1954-1964)
Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n. 47, 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br.
Resumo: retrata a construção de um aparato repressivo em torno da classe
trabalhadora, apontando que tal movimento teve como efeitos a composição de um cenário de marginalidade
associado à irregularidade de construção de um capitalismo incompleto, segregando aqueles mesmos a quem
181
tentava incluir, para depois criminalizar suas condutas de não empregamento como falhas civilizatórias
individuais e coletivas.
MELLO, S. L. A Violência Urbana e a Exclusão dos Jovens. In SAWAIA, B. (org.) (2006)
As artimanhas da Exclusão: Análise Psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis:
Ed. Vozes, 2006. (p. 129-140).
Resumo: pretende discutir a gênese das representações dos sujeitos na cena
pública, principalmente através de alguns personagens das camadas subalternas, os adolescentes e sua relação
com as representações da violência.
MELOSSI, D. Discussão à guisa de prefácio: cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da
“canalha”. In DE GIORGI, A. A miséria Governada através do sistema penal. Rio de
Janeiro: Revan: ICC, 2006.
Resumo: introduz o livro, promovendo discussões do contexto e de iniciação
das questões desenvolvidas pelo autor do livro, em específico a relação entre as crises econômicas da atualidade
e a produção das novas classes perigosas, sobre as quais o Direito Penal vai aplicar sua função de controle social.
MENDEZ, E.G. Política da infanto-adolescência na América Latina: políticas públicas,
movimento social e mundo jurídico. In ARAUJO JUNIOR, J.M. de (org.) (1991) Sistema
Penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. Rio de Janeiro: Revan, 1991. (p.
115-126).
Resumo: o autor, no início dos anos 90, apresentando as perspectivas do direito penal juvenil e a
necessidade de separação entre o poder punitivo e o poder protetivo, como aspectos distintos e que indicavam,
àquela época, um movimento de construção de um direito penal mínimo juvenil e a desjudicialização do
envolvimento de crianças e adolescente com o ato infracional.
MENDONÇA M.J.C. de, LOUREIRO, P.R.A. e SACHIDA, A. Criminalidade e
Desigualdade Social no Brasil. Texto para discussão n. 967. Rio de Janeiro: IPEA, julho de
2003. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/pub/fd/2003/td_0967.pdf.
Resumo: os autores
apresentam o relatório de sua pesquisa onde demonstram que a melhoria dos indicadores sociais levou à
diminuição nos índices gerais de criminalidade no país, indicando que a opção pela adoção de políticas públicas
tem fornecido melhores condições para contenção da violência.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/IPEA. Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento dos
adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas, 2002. Disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/instrucoes_mapea
mento.pdf.
Resumo: neste estudo são apresentados os dados colhidos em todas as unidades socioeducativas do
país, traçando um perfil das medidas e dos adolescentes que as cumprem.
MISSE, M. Crime urbano, sociabilidade violenta e ordem legítima: comentários sobre as
hipóteses de Machado da Silva. Trabalho apresentado no VIII Congresso da Sociedade
Brasileira de Sociologia, agosto de 1997. Disponível em: http://www.necvu.
ifcs.ufrj.br/arquivos.
Resumo: o autor apresenta em seu trabalho as produções do sociólogo Luis Antônio
Machado, realizando críticas à sua produção teórica e apresentando suas principais contribuições ao
entendimento da violência urbano no Brasil.
MIRANDA, A.P.M. de; MELLO, K.S.S. & DIRK, R. (2007) Dossiê Criança e Adolescente.
Rio de Janeiro: ISP. Arquivo disponível em www.isp.rj.gov.br.
Resumo: apresenta e discute os
dados levantados no ano de 2006 pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sobre a
violência contra crianças e adolescentes, com base nos dados coletados nas delegacias do Estado.
MOLINA, A. GARCIA-PABLOS de. e GOMES, L.F. Criminologia: Introdução a seus
fundamentos teóricos. Introdução às bases criminológicas da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados
Especiais criminais. São Paulo/BRA, 1997.
Resumo: O autor expõe a criminologia, suas correlações
com outras ciências e outros conceitos em Psicologia criminal.
182
MONTIEL, E. A nova ordem simbólica: a diversidade cultural na era da globalização. In
SIDEKUM, A. (org.) Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí; Ed. Unijuí, 2003. (p. 15-56).
Resumo: o autor monta um panorama das razões de construção da diversidade cultural e as suas correlações com
a constituição de um mundo de tolerância desinteressada pelo outro.
MOREIRA, M.R. Nem Soldados, nem inocentes: jovens e tráfico de drogas no município do
Rio de Janeiro. Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, 2000.
162p. Disponível em: http://portalteses.cict.fiocruz.br/pdf/FIOCRUZ/2000/
moreiramrm/capa.pdf.
Resumo: realiza a discussão em torno do envolvimento de jovens cariocas com o
trafico de drogas, montando o cenário em que este envolvimento ocorre, suas relações e o perfil destes
adolescentes, de forma a discutir a sua existência na atualidade.
MOULIN, P. As Circunstância Atenuantes. In FOUCAULT, M. (Coordenador). Eu Pierre
Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão… um caso de parricídio do século
XIX. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977. (p. 223-228).
Resumo: a autora expõe a importância do
crime de Pierre Rivière para entender a humanização da Justiça e a inserção dos conceitos de saúde e doença
mental como facilitadores das relações entre Direito e as Ciências Humanas e sociais.
MUCCHIELLI, L. Quand la jeunesse fait peur. Scienses Humaines, Mensuel n. 116, mai
2001. Disponível em http://www.scienseshumaines.com.
Resumo: o artigo discute a o medo
suscitados pelos jovens, apontando como este medo assumiu proporções exacerbadas na atualidade e o que isto
implica para a sociedade da contemporaneidade.
NEVES, G. P. C. P. das. Rebeldia, Intriga e Temor no Rio de Janeiro de 1794. SBPH
Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, XXIV Reunião Anual, Curitiba, julho 2004.
Disponível em: http://www.historia.uff.br/artigos/neves_rebeldia.pdf.
Resumo: o autor faz uma
comunicação onde pretende apresentar os movimentos de suposta rebeldia contra o domínio colonial português
de fins do século XVIII e inícios do XIX, analisando, mas de maneira preliminar, o episódio de 1794 que ficou
conhecido como Conjuração do Rio de Janeiro.
NOBRE, M. Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a teoria crítica. In HONNETH, A.
Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003.
Resumo: o autor apresenta o livro e o autor, trazendo para discussão os principais conceitos e teorias que serão
desenvolvidos pelo autor nos capítulos seguintes.
NOVAES, A. Políticas do Medo. In NOVAES, A. (org.) Ensaios sobre o medo. SP: Ed.
SENAC SP: Edições SESC SP, 2007. (p. 9-16).
Resumo: o autor discute a existência de uma política
do medo, apontando as formas como este se manifesta e os seus aspectos negativos e positivos para a
constituição dos indivíduos e da coletividade.
OBSERVATÓRIO/IPPUR/UFRJ-FASE. Projeto Localização dos Objetivos do Milênio,
2006. Disponível em: http://www.unhabitat-rolac.org/anexo%5C103200715551588.pdf.
Resumo: apresenta o relatório do diagnóstico feito pelos pesquisadores sobre a situação da Cidade de Nova
Iguaçu e sugere soluções para os problemas identificados.
OLIVEIRA, A. e SANTOS, M. Dilemas e desafios para a cidadania da Baixada Fluminense.
In Impunidade na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: CESEC, FASE, Justiça Global,
LAV/UERJ, SOS Queimados, Viva Rio, 2005. (p.10-20).
Resumo: Conjunto de textos que discute
criminalidade, extermínio e violência na Baixada Fluminense
.
ONU – Organização das Nações Unidas, Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
Resumo: Retrata as condições sócio-econômicas dos municípios brasileiros, expondo índices diversos de
desenvolvimento econômico, humano e demográfico
183
ONU - Organização das Nações Unidas. Escritório contra Drogas e Crime (1998).
Diagnóstico da Criminalidade no Brasil homicídios. Disponível em: www.unodc.org/
pdf/brazil/pp_1_diagn_introd_pt.pps.
Resumo: disponibiliza dados sobre a criminalidade associada às
drogas e o crime no Brasil.
OLIVEIRA, D. S. Geografia das desigualdades sócio-espaciais: o caso do município de Nova
Iguaçu na Baixada Fluminense, 2006. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/
encontro2006/docspdf/ABEP2006_845.pdf.
Resumo: a autora discute os indicadores cio-econômicos
de Nova Iguaçu, apontando as desigualdades sociais e econômicas relacionadas à distribuição da riqueza na
cidade e como este aspecto influi na construção da cidadania nos locais mais pobres.
PAUGAM, S. O Enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais: uma dimensão essencial
do processo de desqualificação social. In SAWAIA, B. As Artimanhas da Exclusão: análise
psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006 (p.67-86).
Resumo:
discute a pobreza e seu status social desvalorizado, apontando os conceitos de desqualificação social e seus
diversos níveis de configuração até a exclusão definitiva.
PEREIRA, T. da S. Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
Resumo: Comenta a legislação que trata do Direito da Criança e do Adolescente em seus mais variados aspectos.
PERLMAN, J. O Mito da Marginalidade: favelas e política no Rio de Janeiro. São Paulo: Paz
e Terra, 1977.
Resumo: Retrata o conjunto de estereótipos sobre a pobreza urbana do mundo e, em particular,
das favelas do Rio de Janeiro, apresentando estudo realizado e concluindo que as teorias em vigor não
correspondem à realidade do cotidiano das favelas.
PILOTTI, F. e RIZZINI, I. (Org.) A Arte de Governar Crianças: a história das políticas
sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Del Niño,
Ed. Universitária Santa Úrsula, Anais Livraria e Editora, 1995.
Resumo: Coletânea de textos que
problematizam as políticas sociais, políticas de assistência e a legislação para a infância e suas raízes, desde a
colonização até a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
PINHEIRO, P. C. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas democracias.
Tempo Social, Rev. Sociol., USP, São Paulo 9(1):43-52, maio de 1997. Disponível em:
http://www.nevusp.org/downloads/down153.pdf.
Resumo: Avalia as instituições encarregadas do
controle da violência como a Polícia, o Judiciário e o Ministério Público, revela uma grande inconsistência entre
o desempenho dessas instituições na prevenção do crime e os princípios dos acordos internacionais ratificados
pelo Brasil. A conclusão é que essas organizações precisam de uma reestruturação completa.
POPOLO,J.H. del. Psicología Judicial. Mendoza/ARG: Ediciones Jurídicas Cuyo, 1996.
Resumo: Manual que expõe as relações entre a Psicologia e o Direito, bem como as áreas de atuação da
psicologia jurídica.
PMNI, Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu – http://www.novaiguacu.rj.gov.br.
Resumo: expõe
dados diversos sobre o município.
RADBRUCH, G. El delincuente por convicción. Revista Eletrônica de Ciência Penal y
Criminologia. 7-r4. p.r.4:1-4:5, 2005. Disponible en internet. http://criminet.ugr.es/recpc/.
Resumo: Contém breves reflexões sobre o tratamento punitivo da delinqüência cometida com base em
imperativo moral do autor. Seu principal argumento é de que não existe reabilitação ou retribuição para o
delinqüente por convicção somente custódia ou aprisionamento com fins de segurança e prevenção geral do
crime.
184
RAUTER, C. Criminologia e Subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
Resumo:
apresenta as relações entre a Psicologia e a criminologia no Brasil, colocando em pauta o conceito de
anormalidade e a atuação profissional de psicólogos nas instituições prisionais.
RIBEIRO, L.C. In: WACQUANT, L. Os condenados da cidade: estudos sobre a
marginalidade avançada. Rio de Janeiro: Revan/Fase, 2001.
Resumo: o autor introduz o livro
apresentando os principais temas desenvolvidos pelo autor e que foram contextualizando-os à realidade juvenil.
RIQUERT, F. L. E PALACIOS, L.P. El Derecho Penal del Enemigo o las excepciones
permanentes. La Ley: Revista Universitária. Anõ V, Nr. 3, p. 1-8 Disponible en internet.
http://www.unifr.ch/derechopenal/articulos/pdf/Riquert.pdf, 2003.
Resumo: Discutem as funções
políticas do Direito Penal e o tratamento dado ao terrorista.
RIZZINI, I. Meninos desvalidos e Menores Transviados: a trajetória da Assistência Pública
até a Era Vargas. In. PILOTTI, F. e RIZZINI, I. (Organizadores) A Arte de Governar
Crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil.
Rio de Janeiro: Instituto Del Niño, Ed. Universitária Santa Úrsula, Anais Livraria e Editora,
1995. (p. 243-298).
Resumo: aponta as políticas de assistência à infância até a Era Vargas, apresentando
desde a época colonial até à instauração dos critérios técnicos para a abordagem da tutela estatal de crianças e
adolescentes desassistidos.
RJTV. Editoria Edição em 05/03/2007. Disponível em: http://rjtv.globo.com/Jornalismo/
RJTV/0,,MUL133954-9097,00.html
RODRIGUES, J.C. Higiene e Ilusão: o lixo como invento social. Rio de Janeiro: Nau, 1995.
Resumo: Trabalha a questão do lixo e suas funções sociais, não expõe questões essenciais.
RODRIGUES, G.A. Os Filhos do Mundo: a face oculta da menoridade (1964-1979). São
Paulo: IBCCRIM, 2001.
Resumo: o trabalho discute os limites da institucionalização da criança e do
adolescente das camadas mais pobres da sociedade, ao longo de 1964-1979. O autor apresenta os discursos sobre
a infância sob a perspectivas dos pareceristas que trabalhavam nas unidades da FEBEM/SP sobre os adolescentes
institucionalizados.
RUIZ C.M.M.B. O (ab) uso da tolerância na produção de subjetividades flexíveis. In
SIDEKUM, A. (org.) Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí; Ed. Unijuí, 2003. p. 115-171.
Resumo: o autos discute a tolerância e a intolerância dos nossos tempos como aspecto constitutivo das
subjetividades flexíveis e frágeis presentes na hipermodernidade.
SAWAIA, B. B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética
exclusão/inclusão. In Sawaia, B. B. (org.) As artimanhas da exclusão: a análise psicossocial e
ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2006. (p. 97-118).
Resumo: discute o sofrimento
pela perspectiva psicossocial, adotando a lógica da emoção e uma postura ético-política no tratamento das
desigualdades sociais.
SCHECAIRA, S.S. Estudo Crítico do Direito Penal Juvenil. Tese apresentada à Egrégia
Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como exigência parcial à
obtenção do título de Professor Titular em Direito Penal. São Paulo, 2007.
Resumo: o autor
apresenta o tema discutindo a sua definição e os diversos motivos do envolvimento de adolescentes com a
criminalidade, principalmente pela ótica da escola de Chicago.
SIDEKUM, A. Alteridade e Multiculturalismo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.
Resumo: Coletânea de
artigos que apresentam a questão da alteridade frente às transformações sociais e o processo de mundialização da
cultura. Debate temas como identidade cultural, diálogo entre culturas, diversidade, desigualdade social, entre
outros, tendo como foco o reconhecimento do diferente e da alteridade.
185
SILVA, E.R.A. e GUERESI, S. Adolescentes em Conflito com a Lei: situação do atendimento
institucional no Brasil. Texto para discussão 979. Brasília: IPEA, 2003.
Resumo: apresenta os
dados e o relatório da pesquisa realizada no país sobre o perfil dos adolescentes que cumprem medida
socioeducativa em meio fechado e as condições do cumprimento da medida.
SILVA FILHO, J.C. M da, Filosofia Jurídica da Alteridade: por uma aproximação entre o
pluralismo jurídico e a filosofia da libertação Latino Americana. Curitiba: Juruá Editora,
2006.
Resumo: O autor faz o estudo dos novos movimentos sociais, caracterizando os filosófica e juridicamente
as ações destes e as significações culturais deles extraídas, e sua representatividade como sujeitos de direitos.
SINASE (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Brasília: Subsecretaria de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA/SEDH, Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA, UNICEF. Disponível em:
http://www.promenino.org.br/Portals/0/Legislacao/Sinase.pdf.
Resumo: disponibiliza dados sobre
os adolescentes e o cumprimento de medidas socioeducativas de jovens e adolescentes em conflito com a lei.
SOBRAL, J. ARCE, R. e PRIETO, A. Manual de Psicología Jurídica. Barcelona/ESP:
Ediciones Paidos, 1994.
Resumo: Manual que expõe as relações entre a Psicologia e o Direito, bem como as
áreas de atuação da psicologia jurídica.
SOUZA, M.L. de Planejamento e Gestão urbanos em uma era de medo. Revista Rio de
Janeiro: Violência percepções e propostas de intervenção, n. 12, jan-abr 2004. (p. 55-74)
Resumo: análise do tráfico de drogas em sua relação com a fragmentação do tecido sóciopolítico espacial da
cidade e o encolhimento da margem de manobra para a promoção de um desenvolvimento urbano autêntico.
TEIXEIRA, M. de F. da S. e BELÉM, R.C.da C. Breve relato sobre a implantação de um
serviço de psicologia jurídica. In TORRACA DE BRITO, L.M. (org.) Temas em Psicologia
Jurídica. Rio de Janeiro/BRA: Relume Dumará, 1999. (p.59-71).
Resumo: relata a implementação
do Núcleo de Psicologia na 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital, relatando as realizações feitas no período
de 1992 a 1998, quando os primeiros concursados assumiram as funções.
TEMPO SOCIAL. Revista de Sociologia da USP. V. 17, n. 2, nov. 2005.
Resumo: Edição que se
dedica a por em questão a juventude na modernidade.
TEMPO SOCIAL. Revista de Sociologia da USP. V. 18, n. 2 nov. 2006.
Resumo: Edição que se
dedica a por em questão estudos sobre desigualdades de diferentes tipos.
TODOROV, T. Nosotros y los otros. Districto Federal, Mexico: Siglo XXI Editores, s.a. de
c.v., 1991.
Resumo: Trata da relação entre o grupo cultural e social ao qual pertencemos (nós) e aqueles que
não são parte dele (outros), apontando a diversidade dos povos e a unidade da espécie humana, propondo-se a
pôr em diálogo alguns pensadores e entender como as coisas tem sido e como devem ser, estudando os outros
que com ele convivemos.
____________. Memória do Mal, tentação do bem: indagações sobre o século XX. São
Paulo: Arx, 2002.
Resumo: o autor trabalha temas da atualidade, apontando a dicotomia existente entre o
bem e o mal em nossa sociedade e como a crise civilizatória da modernidade afeta as configurações dos bem
comum e da justiça.
TORRACA DE BRITO, L.M. (Coord.) Jovens em Conflito com a lei. Rio de Janeiro/BRA:
EdUERJ, 2000.
Resumo: coletânea de textos que discutem a ação profissional e a atuação junto a
adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas.
186
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Produtividade TJRJ.
Anuário Estatístico 2005. Disponível em: http://www.tj.rj.gov.br.
Resumo: disponibiliza os dados
processuais das comarcas e de todas as varas do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2005.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Produtividade TJRJ.
Anuário Estatístico 2006. Disponível em: http://www.tj.rj.gov.br.
Resumo: disponibiliza os dados
processuais das comarcas e de todas as varas do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2006.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Estatística da Vara da
Infância e Juventude e Relatório Estatístico de Produtividade do TJRJ. Disponível em:
www.tj.rj.gov.br.
Resumo: disponibiliza os dados processuais da varas da Infância e Juventude da Capital.
TRINDADE, J. Delinqüência Juvenil: compêndio Transdisciplinar. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Ed., 2002.
Resumo: O autor busca traçar um quadro de referência sobre teorias biopsicológicas,
sociais e psicológicas que tentam explicar a delinqüência, a seguir apresenta algumas pesquisas comparativas
sobre o perfil de adolescentes no Brasil e em alguns países da Europa.
VARELA, O.H.; ALVAREZ, H.R. e SARMIENTO, A.J. Psicologia Forense: consideraciones
sobre temáticas centrales. Buenos Aires/ARG: Abeledo-Perrrot, 2000.
Resumo: Manual que expõe
as relações entre a Psicologia e o Direito, bem como as áreas de atuação da psicologia jurídica.
VÉRAS, M.P.B. Exclusão Social: um problema de 500 anos. Notas preliminares. In
SAWAIA, B. As Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2006 (p. 27-50).
Resumo: o artigo discute a exclusão social e dos novos processos
sociais excludentes que estão presentes na história do Brasil e que se agravaram com o incremento dos processos
de globalização, que trouxeram à tona o conceito de marginalidade social associada a certa parcela da sociedade
brasileira.
VOLPI, M. (org.) O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez Editora INESC,
1997.
Resumo: discute a implementação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente e traça o perfil dos adolescentes internados no Brasil.
WACQUANT, L. Os condenados da cidade: estudos sobre marginalidade avançada. Rio de
Janeiro: Revan FASE, 2001.
Resumo: O autor analisa as configurações marginais em duas realidades
distintas, européia e a americana. Tenta trazer para discussão a consideração de que a marginalidade urbana não
é igual em todas as localidades. Os seus mecanismos são genéricos, mas a sua especificidade é local, o laço que
os une e a matriz histórica de classe, estado e característica local de cada sociedade. Apresenta considerações
sobre a “maldição das cidades” e a necessidade de capturarmos o destino coletivo nos contextos sociais
nacionais. Faz um balanço entre as semelhanças e diferenças entre a nova pobreza da “banlieue” francesa e os
guetos norte-americanos, pela perspectiva da exclusão social urbana, do Estado e das políticas repressivas.
_____________ . Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Coleção
Pensamento Criminológico. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia/Ed. Revan,
2003.
Resumo: O autor busca apresentar as mudanças ocorridas nos EUA que estabeleceram o Estado Penal e
diminuíram as ações do Estado de bem-estar social, com fortes impactos sobre o crescimento da violência e da
criminalidade urbana.
_____________ . Prefácio, in MALAGUTI BATISTA, V. O Medo na Cidade do Rio de
Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2003.
Resumo: o autor discute a
aplicabilidades de seus conceitos ao caso brasileiro, apresentando o livro da autora e as discussões em torno do
medo e das políticas de controle penal como forma de contenção das parcelas mais pobres da sociedade.
WAISELFISZ, J.J., RITLA e Ministério da Justiça. Mapa da Violência dos Municípios
Brasileiros, 2008. Disponível em: http://www.ritla.net/index.php?option=com_content&
187
task=view&lang=en&id=2313
Resumo: Desde 1998 o RITLA produz, de 2 em 2 anosm os Mapas da
Violência do Brasil, que analisam a situação e a evolução da letalidade violenta nas unidades federadas do país,
nas 27 capitais e nas 10 regiões metropolitanas tradicionais.
WANDERLEY, M.B. Refletindo sobre a noção de exclusão. In SAWAIA, B. As Artimanhas
da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006
(p.16-26).
Resumo: a autora discute a noção de exclusão social na literatura francesa e brasileira e as
manifestações destas nas fraturas e rupturas do vínculo social.
XAUD, G. M. B. Os Desafios da intervenção psicológica na promoção de uma nova cultura
de atendimento do adolescente em conflito coma lei. In TORRACA DE BRITO, L.M. (org.)
Temas em Psicologia Jurídica. Rio de Janeiro/BRA: Relume Dumará, 1999. (p.87-102).
Resumo: contextualiza o trabalho do psicólogo nas VIJ´s e insere o tema apresentando a doutrina da situação
irregular e da proteção integral, para a seguir problematizar a atuação interdisciplinar e a psicologização do
delito (desvio de conduta) – relatando a experiência do Centro sócio-educativo em Boa Vista, Roraima.
XIBERAS, M. As Teorias da Exclusão: para uma construção do Imaginário do Desvio.
Lisboa: Instituto Piaget, 1993. Coleção Epistemologia e Sociedade.
Resumo: a autora, antropóloga
realiza um análise do conceito de exclusão, seu significado sociológico e sua representatividade nas sociedades
modernas, pondo em pauta a concepção de laço social e sua importância para a sociologia do desvio.
ZAFFARONI, E. R. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007
. Resumo: o texto
apresenta a dialética entre o Estado de Direito e o de polícia, traduzida no campo penal como tratamento punitivo
aos seres humanos privados de condição de pessoa. O autor retrata a situação de desigualdade social e como ete
fenômeno e suas roupagens revelam uma tendência pela legitimação do exercício legitimados da discriminação
na atualidade.
ZALUAR, A. Integração Perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro, Editora FGV,
2004.
Resumo: a autora apresenta 14 textos sobre temas diferentes que fazem variações sobre o tema do
envolvimento de jovens com o tráfico de drogas. Ela revista alguns dos temas do imaginário popular e dos
cientistas sociais, examinando as causa clássicas da violência e as novas configurações desta. Também apresenta
as relações entre democracia, cidadania e violência e as imagens do crime e do delinqüente associadas às classes
sociais mais desfavorecidas.
188
ANEXO I: UM PASSEIO POR NOVA IGUAÇU
Figura 20: Mapa de Nova Iguaçu
Nova Iguaçu fica localizada na Baixada Fluminense, distando cerca de 50 Km
do centro da Cidade do Rio de Janeiro. Fazendo limites com os municípios de Mesquita,
Belford Roxo, Queimados, Duque de Caxias, Japeri e Rio de Janeiro.
189
Figura 21: Acessos a Nova Iguaçu
Pela Avenida Brasil o acesso é feito após o Viaduto de Parada de Lucas, onde
se localiza o Trevo das Margaridas, próximo ao Motel Champion, onde há o acesso à Rodovia
Presidente Dutra no sentido São Paulo. Este acesso se dá pelo bairro da Pavuna.
A Rodovia Presidente Dutra faz a travessia pelos municípios de São João de
Meriti, Belford Roxo e Mesquita. Pouco depois se localizam os acesso à Nova Iguaçu, que
fica cerca de 15 Km do início da Rodovia Presidente Dutra. O acesso pela Linha Vermelha
em direção à Nova Iguaçu se faz pela Rodovia Presidente Dutra em direção à São Paulo, por
meio do bairro de Vilar dos Teles, em São João de Meriti, que fica no final da via expressa, na
altura do Shopping Grande Rio. Localizado a pouco depois do Trevo das Margaridas.
Figura 22: Vista do início da Rodovia Presidente Dutra
190
Para chegar à Nova Iguaçu varias entradas ao longo da Rodovia Presidente
Dutra, as mais usadas são a do Posto Treze e da Concessionária Ford Besouro, na altura do
SESC de Nova Iguaçu.
Figura 23: Posto Treze
Também é muito usado o acesso pelo Viaduto da Posse, que num sentido se
direciona ao Hospital Geral de Nova Iguaçu e noutro ao centro da cidade. Do alto do Viaduto
da Posse podemos visualizar o Parque Municipal e a Pedreira desativada, localizada na
Estrada Abílio Augusto Távora (antiga Estrada de Madureira).
Figura 24: Viaduto da Posse em direção ao Centro
191
Figura 25: Vista das Torres e da pintura recente das paredes e muros do trecho urbano da Via Light. As ilustrações e
grafitagens são comandadas pelo artista-plástico Raimundo Rodrigues.
Pela Avenida Pastor Luther King Jr. (antiga Avenida Automóvel Clube) e pela
linha 2 do Metrô, no bairro da Pavuna, o acesso a Nova Iguaçu, se dá pela Via Light, via
expressa que atravessa os municípios de Nilópolis, São João de Meriti, Belford Roxo e
Mesquita, chegando-se ao Centro de Nova Iguaçu. existindo a previsão de extensão da via
até a Avenida Brasil, no sentido cidade do Rio de Janeiro.
192
Figura 26: Igreja de Santo Antônio da Jacutinga
O Centro da Cidade de Nova Iguaçu fica localizado em torno da Catedral de
Santo Antônio e é cortado pela via férrea. A estrada de ferro faz o trajeto estação Central do
Brasil Nova Iguaçu, também parando na cidade os trens que se dirigem à Japeri e
Queimados.
Figura 27: Vista do Alto da Estação de Trem e o “Buraco do Getúlio” (passagem subterrânea sob a linha férrea)
No em torno do Centro se localizam os bairros mais prósperos e mais bem
cuidados da cidade, os demais bairros carecem dos mesmos recursos, como vemos a seguir,
boa parte das ruas principais dos bairros da periferia da cidade têm recebido asfaltamento,
rede de água, esgoto e drenagem nas ruas principais com os recursos do PAC, em 2007 e
2008.
193
Figura 28: Vista do Centro da Cidade de Nova Iguaçu. Ao centro a Catedral de Santo Antônio
Figura 29: Conjuntos Habitacionais nos Bairros do Centro e do Rancho Novo
194
Figura 30: Bairro Santa Eugênia e Bairro da Luz (próximos ao Centro)
Figura 31: Centro, área residencial onde se localiza o Fórum de Nova Iguaçu
Figura 32: Bairro de Austin (obras de drenagem e asfaltamento das ruas principais em 2008) e Bairro da Grama
195
Figura 33: Plano de Obras contra enchentes
Figura 34: Margem dos pequenos rios
Figura 35: Bairros Jardim Futurista e Largo dos Peixes (ruas principais asfaltadas em 2008)
196
Figura 36: Cemitério de Nova Iguaçu, em frente à Prefeitura (Centro)
Figura 37: Bairros de Vale do Sol e Prados Verdes (ruas principais asfaltadas em 2008)
Figura 38: Bairros da Cerâmica e Ouro Preto (ruas principais asfaltadas em 2008)
197
Figura 39: Bairros da Jacutinga e Comendador Soares (ruas principais asfaltadas em 2008)
Figura 40: Obra do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ (2008) e do Bairro-Escola Praça Imperatriz (2007)
198
Figura 41: Bairros de Cabuçu e Jardim Carioca (asfaltamento das ruas principais em 2007)
Figura 42: Bairros de Pantanal e Marapicu (obras nas ruas principais em 2007)
O Turismo na Cidade Perfume está associado às importantes áreas de
preservação ambiental, que mais de um terço do território da cidade é coberto por Mata
Atlântica, dividida em duas reservas biológicas a de Tinguá, e a área de Proteção Ambiental
da Serra de Madureira.
Figura 43: Serra de Madureira e Parque das Laranjeiras
199
A Reserva Biológica do Tinguá, segundo informa a Prefeitura de Nova Iguaçu,
possui 26 mil hectares, se localizando entre a Serra e a Região Metropolitana do Grande Rio.
Como atrações a reserva biológica oferece passeios por rios, corredeiras, cachoeiras, piscinas
naturais e ruínas dos séculos XVIII e XIX, onde se pode fazer caminhadas e trilhas.
Figura 44: Reserva Biológica de Tinguá – Cachoeira da Janjana e Vista da Reserva
O Centro de Visitantes, localizado na reserva, é a edificação mais antiga do
município de Nova Iguaçu e foi sede da Fazenda São Bernardino (1875), hoje tombada pelo
patrimônio histórico. O casarão, localizado entre Vila de Cava e Tinguá, foi destruído por um
incêndio, e suas instalações estão em ruínas.
Figura 45: Fazenda São Bernardino
Na região também se encontram as ruínas da Estrada de Ferro Rio D’Ouro,
também chamada Ferrovia das Águas, que foi construída para abastecimento dos reservatórios
200
da Cidade do Rio de Janeiro e para facilitar o comércio com as Minas Gerais. O Início da
estrada estava localizado no Caju e tinha 53Km até o Reservatório de Rio D’Ouro. O ramal,
construído no século XIX, ainda possui parte de suas instalações. A Antiga Estação
Ferroviária de Tinguá e a Estação Ferroviária de Vila de Cava, construídas no século XX,
também possuem algumas de suas instalações preservadas.
Figura 46: Estação Ferroviária do Rio D’Ouro
Na Reserva Biológica de Tinguá ainda podemos encontrar as ruínas da Igreja
de Nossa Senhora da Piedade de Iguassú, onde podem ser vistas a torre da sineira e os restos
da edificação. O local das antigas instalações do Porto da Vila Iguaçu também se encontra
disponível para visita.
Figura 47: Torre da Sineira da Igreja de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú
201
o Parque Municipal de Nova Iguaçu possui dimensões mais modestas, tem
1.110 hectares e está localizado no Maciço do Gericinó, que fica entre as Serras de Madureira
e do Mendanha. A entrada do Parque Municipal de Nova Iguaçu fica localizada em na cidade
de Mesquita, sendo sua principal atração um vulcão extinto. O parque possui nos seus limites,
além de outros atrativos naturais, a Antiga Estação Ferroviária de Jaceruba, construída no
século XX.
Segundo informa a Prefeitura, o parque oferece atividades de turismo
ecológico, trilhas, mirantes, lagos naturais e 12 cachoeiras. Na Serra do Maxambomba um
centro para a prática de vôo livre e vôo de parapente, fazendo parte do passeio aéreo a vista
das crateras, chaminés e outros vestígios de erupções vulcânicas.
Nova Iguaçu também possui um Parque Botânico, localizado nas imediações
da antiga Fazenda da Posse (1743), onde se localiza a Capela da Posse. A Igreja de Nossa
Senhora da Conceição de Marapicu (1736), a Capela de Nossa Senhora de Guadalupe (1750)
e a Igreja de Santo Antonio da Prata (1862), atual Catedral de Santo Antonio de Jacutinga,
reformada em 1930, são referidas como pontos turísticos. Sendo no em torno da Catedral que
se estabeleceu o Centro da cidade.
202
ANEXO II: RESUMOS DE PROCESSO E OUTROS DADOS NIG VIJI
EXEMPLO 1
PROCESSO: 2006.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: ART. 12 E ART. 18, INCISO III, LEI 6.368/76
Lei 6.368/76
Tráfico de drogas
Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que
gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo
substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar;
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços):
III - se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou
suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação
DATA DE NASCIMENTO: 31/05/1989 – 17 ANOS
DATA DE NASCIMENTO: 14/12/1988 – 17 ANOS
INÍCIO: 22/07/2006 FIM: 31/10/2007
REPRESENTAÇÃO:
adolescente apreendido portando entorpecente. Tinha consigo R$ 30,00; foram achados 42
sacolés de cocaína em baixo de uma pedra que seria de sua propriedade.
adolescente apreendido portando entorpecente. Tinha consigo R$ 10,00 e 9 sacolés de
maconha. Por sua indicação se achou a carga de droga pertencente ao primeiro adolescente.
Ambos disseram portar a droga para vender. Disseram ser do mesmo bando e trabalhar para a
mesma pessoa (Lúcia do Jacaré).
OITIVAS – PLANTÃO JUDICIÁRIO DA BAIXADA FLUMINENSE:
adolescente: Mora em Marapicu, foi registrado pelo pai, estava cursando a série no ano
anterior, havia abandonado os estudos. Tinha passagem anterior pelo art. 157 (roubo), tinha
estado internado no IPS, cumpriu Semiliberdade no CRIAM, de onde tinha fugido há 3
semanas. Estava trabalhando no tráfico local 4 dias, disse não se dar com o padrasto.
Recebia R$ 30,00 por carga vendida. “pensa seriamente em mudar de vida e se arrepende
muito de ter fugido do CRIAM”. (sic)
adolescente: Mora em Marapicu. Não trabalha, estava matriculado na série do ensino
fundamental e não freqüentava as aulas. Sem passagens anteriores e registrados pelo pai.
Trabalha no tráfico ilícito de drogas desde o início do ano, entrou para comprar chinelos e não
conseguiu sair. O dinheiro estava com ele e foi obrigado a dizer onde estava a droga. Quatro
PM’s lhe ameaçaram, “tocaram o maior terror”, colocaram um “saco plástico em sua cabeça”
para que informasse onde estava a droga e para quem trabalha. Seu chefe é do Jacaré, não
sabe quem é. Recebe R$ 30,00 por carga vendida. Mãe disse que é bom filho, não sabe porque
entrou para o tráfico, passam dificuldades, mas não falta o essencial em casa. Não sabia que o
filho não estava indo à escola. Disse estar triste e desapontada: “que tudo isto sirva de lição”.
203
IPS RELATÓRIO:
Estudo social adolescente: pais separados 14 anos, ficou com a mãe e o padrasto, tem
um irmão mais novo. Genitor assiste materialmente os filhos. Adolescente não tem boa
relação com o padrasto, já trabalhou como ajudante de montagem de móveis com o tio.
Sugere: acompanhamento social, acompanhamento psicológico e profissionalização.
Estudo psicológico adolescente: adolescente disse ser de família numerosa, mãe, 7 filhos
e 6 sobrinhos, todos moram no mesmo terreno, a maioria na mesma casa. Mãe e uma das
filhas mais velhas são diaristas e sustentam a casa. Um irmão (13 anos) ajudante de caminhão.
Genitor é ausente e não auxilia materialmente. Estudou até a série do ensino fundamental,
saiu da escola no ano anterior. Disse estar trabalhando no tráfico local há 1 mês, antes
trabalhou por 2 meses com um conhecido da família (ajudante de caminhão) no CEASA de
Nova Iguaçu. Saiu do trabalho porque não agüentou o ritmo que começava às 5 horas da
manhã. Nega o uso de drogas e disse fumar desde os 13 anos. Não possuía antecedentes e não
teve vivência de rua ou abrigamento. Mãe “procurou cumprir com sua função social” (sic),
tinha conhecimento da atividade ilícita, mas não conseguiu impedir. Adolescente acha que a
mãe não sabia “toda a verdade” (sic).
Aspectos psicológicos: adolescente normal com ansiedades e interesses próprios da
adolescência, com agravamento sócio-familiar. Pouco senso crítico, vulnerável à situação de
risco.
Sugere: acolhimento em rede de amparo, reinserção escolar e profissionalização.
AUDIENCIA DE APRESENTAÇÃO convertida em INSTRUÇÃO E JULGAMENTO:
MP – pede internação e tratamento antidrogas ao 1º adolescente, evadido da Semiliberdade do
CRIAM da Capital. MP pede liberdade assistida para o 2º adolescente.
DP – pede liberdade assistida e tratamento antidrogas aos adolescentes.
DECISÃO: Aplica-se ao adolescente liberdade assistida e tratamento antidrogas por 3
meses. Ao adolescente foi aplicada a medida de tratamento antidrogas e internação na JLA
por 3 meses, oficia pela inserção escolar e em tratamento para interromper uso de drogas.
1ª AUDIÊNCIA DE REAVALIAÇÃO:
DECISÃO: Decide pela Medida de Busca e Apreensão ao adolescente que não cumpriu as
medidas de liberdade assistida e tratamento antidrogas, o GAP vai conduzir o adolescente. Ao
1º adolescente foram aplicadas a medidas de semiliberdade e tratamento antidrogas.
JLA - AVALIAÇÃO MSE DE INTERNAÇÃO
1º adolescente: Parecer Psicológico: Família comparece às visitas, laços afetivos significantes,
boa relação escolar e interação com profissional e outros adolescentes. Aponta “postura
diferente e diferenciada, reconhece sofrimento familiar” (sic). Planos futuros, conflitos com
relação à figura paterna, introvertido. Indica tratamento antidrogas.
Avaliação da Equipe: Sugere progressão para semiliberdade.
CRIAM NOVA IGUAÇU: comunica evasão do 1º adolescente.
MP: Informa que a mãe do adolescente trouxe o adolescente ao MP e comprometeu-se a
trazê-lo para o CRIAM Nova Iguaçu após o ano novo. Ao adolescente, objeto da Busca e
Apreensão, MP pede regressão para internação no CAI Baixada.
204
PSICOLOGIA: comunica que o adolescente não compareceu após evadir do CRIAM Nova
Iguaçu.
2ª AUDIÊNCIA DE REAVALIAÇÃO:
MP – pede reavaliação em 90 dias.
DECISÃO: Aplica-se ao adolescente que estava internado 30 dias no CAI Baixada a
medida de semiliberdade e tratamento antidrogas. Ao adolescente foi aplicada medida de
semiliberdade e tratamento antidrogas por 90 dias.
PSICOLOGIA: O adolescente nega fazer uso de drogas, sugere extinção da medida de
tratamento antidrogas.
CRIAM NOVA IGUAÇU:
1º adolescente
Assistente social – sugere reintegração ao núcleo familiar
Psicólogo – aponta melhora no comportamento rebelde.
Pedagoga – pede inserção escolar
Conclusão: pela extinção da medida se semiliberdade ao 1º adolescente.
3ª AUDIÊNCIA DE REAVALIAÇÃO:
MP pede extinção das MSE aplicadas ao adolescente. Informa que o adolescente
responde a processo criminal na Comarca.
DECISÃO: Extingue as medidas aplicadas ao 1º e ao 2º adolescente.
205
EXEMPLO 2: SITUAÇÃO 1
PROCESSO: 2005.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: ART.155 CAPUT, § 4º, INCISO IV, N/F ART 14 DO CP.
Código Penal
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Art. 14 - Diz-se o crime:
Tentado
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a
dois terços..
DATA DE NASCIMENTO: 26/09/1988 – 17 ANOS
INÍCIO: 25/11/2005 FIM: 26/03/2007
REPRESENTAÇÃO: em livre comunhão de ações e desígnios, o adolescente e um maior,
subtraíram duas campainhas digitais e sem fio de dentro de uma loja. O furto não se
consumou porque foram abordados pelo segurança da loja. Requer estudo social e
psicológico. Adolescente responde a processo na Capital.
OITIVA DO ADOLESCENTE: relata que participou do furto. Foi fazer um “serviço” na
residência do maior e este o chamou para comprar material do conserto que fariam. Pagou sua
passagem (R$10,00), também teria pego uma peça, mas de desfez dela dentro da loja. Ao
adolescente cabia pegar as campainhas. Quando abordado pelos vigilantes estes lhe pediram
para devolver a mercadoria. Disse que não passa necessidades, sua apreensão anterior foi por
posse de droga para consumo próprio. Faz tratamento para dependência química em Belford
Roxo. Não estuda, parou tem 2 anos, cursou até a série do ensino fundamental. Disse usar
maconha desde os 16 anos, mora com os pais.
O adolescente foi trazido pelo GAP porque não compareceu. No local a mãe informou que ele
estava com os traficantes em local incerto e ignorado, disse também que ele dá muito trabalho
sendo mal exemplo para os irmãos e que não aparecia em casa há alguns dias.
TERMO DE DECLARAÇÃO: pai relata que parou de trabalhar porque o filho “precisa de
babá” para ir às aulas, sendo por diversas vezes desistente por faltas. Pai disse acompanhar o
tratamento e que vai providenciar matrícula no próximo ano.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos que constam na representação e no relato do
adolescente.
ESTUDO SOCIAL: não foi realizado porque o adolescente não foi localizado.
206
CITAÇÃO: não existe o endereço e a comunidade não sabe informar onde ele está.
AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO: não compareceu, manda fazer as tentativas de
localização de praxe.
MP: pede extinção porque o adolescente não foi localizado, já completou a maioridade e o ato
infracional foi de pouca gravidade.
DECISÃO: Juiz extingue o procedimento e manda dar ciência ao MP.
MP: Ciente.
DP: Ciente.
207
EXEMPLO 2: SITUAÇÃO 2
PROCESSO: 2006.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: ART.155 CAPUT, § 4º, INCISO IV, N/F ART 14 DO CP.
Código Penal
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Art. 14 - Diz-se o crime:
Tentado
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a
dois terços.
DATA DE NASCIMENTO: 12/05/1989 – 17 ANOS
INÍCIO: 29/08/2006 FIM: 22/05/2007
REPRESENTAÇÃO: o adolescente, um adulto e outro adolescente que não figura nos autos,
tentaram roubar um celular. O adolescente abordou a vítima e foi apreendido por populares
em flagrante. Levou os policiais até o local onde os seus companheiros poderiam ser
encontrados. A vítima informou que ao ser abordada escondeu o celular nas roupas íntimas,
reagindo ao assalto gritou sendo acudido por populares.MP pede encaminhamento imediato
para tratamento antidrogas, estudo social e acompanhamento periódico.
OITIVA: o adolescente relata que os pais são falecidos e que reside com familiares. Não
possui antecedentes e assume autoria pelos fatos. Os colegas o chamaram para o roubo, o
fazia há 1 mês, não tinha sido pego antes.
TERMO DE DECLARAÇÕES: tia faz testemunho de boa conduta, relatando que o
adolescente foi “pela cabeça de colegas”, desconhecia o uso de drogas por parte do
adolescente.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos que constam na representação e no relato do
adolescente.
ESTUDO SOCIAL: informa a abordagem quinzenal e que o adolescente estuda no turno da
noite. Por ter entregue os colegas foi ameaçado de morte. Repetiu o ano escolar por ter sido
obrigado a abandonar a escola. Relatou ter sido “convidado” para o assalto e achou que seria
fácil. E ele participou de alguns assaltos até ser pego. A família relata surpresa com a
apreensão do adolescente, pois este sempre foi tranqüilo. Não sabiam do uso ocasional de
maconha. Aponta o relatório a reorganização e aumento do controle familiar.
208
INFORMAÇÃO PSICOLOGIA: o adolescente interrompeu o uso de maconha após a
apreensão. Não recomenda tratamento.
AUDIENCIA DE APRESENTAÇÃO convertida em INSTRUÇÃO E JULGAMENTO:
DP – pede aplicação da MSE de advertência.
MP – não se opõe.
DECISÃO: feita a advertência, o juiz concede a guarda provisória do adolescente à tia até a
maioridade. Extingue o procedimento com ciência do MP e da DP.
209
EXEMPLO 3: SITUAÇÃO 1
PROCESSO: 2007.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: REMISSÃO ART.126 CAPUT, LEI 9069/90.
RO: CONTRAVENÇÃO PENAL ART. 21, DECR. LEI 3.688/41
Decr. Lei 3.688/41
Vias de fato
Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.
Lei 8.069/90
Remissão
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder
a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à
personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do
processo.
DATA DE NASCIMENTO: 16/09/1988 – 19 ANOS
INÍCIO: 15/10/2007 FIM: 21/11/2007
REPRESENTAÇÃO: O adolescente teve uma desavença com um vizinho e ambos chegaram
às vias de fato, não houve graves conseqüências para ambos. Pede Remissão.
OITIVA: o jovem relatou não estudar há 2 anos, parou na 7ª série do ensino fundamental, não
usa drogas e não possui passagens anteriores. Negou ter agredido a vítima ou lhe ameaçado,
somente discutiram. Disse que a vítima é criadora de problemas na vizinhança e mudou-se
ano passado. Relatou trabalhar no ramo de confecção de jóias de prata.
INQUÉRITO POLICIAL: relata que a mãe do adolescente faleceu, não via com freqüência ou
morava com o pai, os depoimentos possuem versões divergentes com trocas de acusações
mútuas do adolescente e da vítima.
DECISÃO: Homologa a remissão e extingue o procedimento.
210
EXEMPLO 3: SITUAÇÃO 2
PROCESSO: 2007.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: REMISSÃO ART.126 CAPUT, LEI 9069/90.
RO: USO DE DROGAS ART. 28 CAPUT DECR. LEI 11.343/2006.
Lei 11.343/06
Consumo de drogas
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1
o
Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2
o
Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local
e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3
o
As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4
o
Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez)
meses.
§ 5
o
A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais,
estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da
recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6
o
Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o
agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7
o
O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente
ambulatorial, para tratamento especializado.
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente
Remissão
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder
a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à
personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do
processo.
DATA DE NASCIMENTO: 08/09/1988 – 19 ANOS
INÍCIO: 25/09/2007 FIM: 21/11/2007
REPRESENTAÇÃO: Relata o uso de maconha por parte do adolescente, enquanto cumpria
medida de semiliberdade no CRIAM Nova Iguaçu. O adolescente evadiu da unidade por 1
semana. Pede Remissão porque além de ter completado a maioridade o adolescente cumpriu
na integralidade a MSE, sendo que a autuação de ato infracional não se justifica.
OITIVA: Jovem relata ter feito uso de maconha no CRIAM Nova Iguaçu, disse que evadiu ao
ser flagrado e retornou uma semana depois para cumprir MSE. Atualmente trabalha com o tio,
relata fazer uso esporádico de maconha, faz 2 meses que não usa. Não está estudando 9
meses, parou na 6ª série do ensino fundamental. Mora com a avó e quer fazer tratamento.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos ocorridos no CRIAM Nova Iguaçu.
DECISÃO: Homologa a remissão e extingue o procedimento.
211
EXEMPLO 2: SITUAÇÃO 3
PROCESSO: 2007.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: REQUERIMENTO DE ARQUIVAMENTO DE R.O.
1º ADOLESCENTE
DATA DE NASCIMENTO: 12/12/1989 – 17 ANOS
RO: ART.157 §2º INCISO I E II C/C ART.180 CAPUT DO CP E ART.14 CAPUT DA LEI
10.826/2003.
Código Penal
Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por
qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
Receptação
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir
para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Lei 10.826/2003
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14 - Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
2º ADOLESCENTE
DATA DE NASCIMENTO: 28/12/1989 – 17 ANOS
RO: ART.157 §2º INCISO I E II C/C ART.180 CAPUT DO CP.
Código Penal
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por
qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir
para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Lei 10.826/2003
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14 - Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente
INÍCIO: 31/07/2007 FIM: 21/11/2007
REPRESENTAÇÃO: Solicita arquivamento por duplicidade de procedimentos sobre o
mesmo crime e autores. Anexo à representação segue cópia da inicial do primeiro
212
procedimento. A apreensão policial ocorreu pelo fato do primeiro adolescente portar um
revolver Taurus, 38 com numeração. A arma tinha 5 munições e foi alugada de um traficante
para assaltos. Estavam dirigindo 2 motos sem habilitação, ambas roubadas, também tinham
em seu poder os pertences dos donos das motos. MP solicita internação provisória, aplicação
de MSE, laudo de arma, laudo de avaliação dos objetos roubados, estudo social, juntada de
documentos, solicitação de antecedentes.
OITIVA:
adolescente: assume participação no ato infracional, estudava na série do ensino
fundamental, não usava drogas e não tinha antecedentes. Estava armado, foi apreendido numa
moto roubada. As armas eram alugadas, repete história do outro adolescente, estavam com
caronas que não sabiam da intenção deles. Seus pais são falecidos, mãe morreu 1 ano,
reside com os avós maternos. Ouvida a avó materna nada sabia, viu guiando as motos e lhe
disseram que ele estava errado, ele não obedeceu e continuou. Vinha assim desde o ano
anterior.
adolescente: relata ter nascido em Pernambuco e que os fatos relatados são verdadeiros.
Estuda na série do ensino fundamental, não usa drogas e não tem antecedentes criminais.
Assumiu a realização de 2 assaltos, dizendo que a arma foi alugada para os roubos com
traficantes do seu bairro. Ia fazer ganhos quando foi apreendido. Os pais não sabiam do seu
envolvimento com os atos infracionais. Disse aos pais que a moto era emprestada da
namorada. O pai mandou devolver, mas ele não lhe obedece. Pai e mãe trabalham como
camelô para sustentar os filhos.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos já narrados pelos adolescentes sem novidades.
BUSCA PROCESSUAL: 2 processos dos adolescentes em tela com audiência.
OITIVA DA MÃE:
Adolescente: compareceu ao MP informando que o filho não quis comparecer ao MP. Mãe
foi advertida que deve orientar o filho que se não comparecer quando chamado vai ser
conduzido.
DECISÃO: Juiz extingue o procedimento e manda dar ciência ao MP.
MP: Ciente.
213
EXEMPLO 2: SITUAÇÃO 2
PROCESSO: 2006.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: ART.155 CAPUT, § 4º, INCISO IV, N/F ART 14 DO CP.
Código Penal
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Art. 14 - Diz-se o crime:
Tentado
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a
dois terços..
DATA DE NASCIMENTO: 12/05/1989 – 17 ANOS
INÍCIO: 29/08/2006 FIM: 22/05/2007
REPRESENTAÇÃO: o adolescente, um adulto e outro adolescente que não figura nos autos,
tentaram roubar um celular. O adolescente abordou a vítima e foi apreendido por populares
em flagrante. Levou os policiais até o local onde os seus companheiros poderiam ser
encontrados. A vítima informou que ao ser abordada escondeu o celular nas roupas íntimas,
reagindo ao assalto gritou sendo acudido por populares.MP pede encaminhamento imediato
para tratamento antidrogas, estudo social e acompanhamento periódico.
OITIVA: o adolescente relata que os pais são falecidos e que reside com familiares. Não
possui antecedentes e assume autoria pelos fatos. Os colegas o chamaram para o roubo, o
fazia há 1 mês, não tinha sido pego antes.
TERMO DE DECLARAÇÕES: tia faz testemunho de boa conduta, relatando que o
adolescente foi “pela cabeça de colegas”, desconhecia o uso de drogas por parte do
adolescente.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos que constam na representação e no relato do
adolescente.
ESTUDO SOCIAL: informa a abordagem quinzenal e que o adolescente estuda no turno da
noite. Por ter entregue os colegas foi ameaçado de morte. Repetiu o ano escolar por ter sido
obrigado a abandonar a escola. Relatou ter sido “convidado” para o assalto e achou que seria
fácil. E ele participou de alguns assaltos até ser pego. A família relata surpresa com a
apreensão do adolescente, pois este sempre foi tranqüilo. Não sabiam do uso ocasional de
maconha. Aponta o relatório a reorganização e aumento do controle familiar.
214
INFORMAÇÃO PSICOLOGIA: o adolescente interrompeu o uso de maconha após a
apreensão. Não recomenda tratamento.
AUDIENCIA DE APRESENTAÇÃO convertida em INSTRUÇÃO E JULGAMENTO:
DP – pede aplicação da MSE de advertência.
MP – não se opõe.
DECISÃO: feita a advertência, o juiz concede a guarda provisória do adolescente à tia até a
maioridade. Extingue o procedimento com ciência do MP e da DP.
215
EXEMPLO 3: SITUAÇÃO 3
PROCESSO: 2007.038.XXXXX-X
NATUREZA: AUTO DE INVESTIGAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
AUTUAÇÃO: ART.14 DA LEI 10.826/2003. ART. 180 CP E ART. 1º DA LEI 2.252/54.
Lei 10.826/2003
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
Código Penal
Receptação
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir
para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Lei 2.252/54
Corrupção de Menores
Art Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00
(dez mil cruzeiros), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando, infração penal ou
induzindo-a a praticá-la.
DATA DE NASCIMENTO: 03/02/1991 – 16 ANOS
INÍCIO: 19/04/2007 FIM: 08/05/2007
REPRESENTAÇÃO: o adolescente em companhia de um maior de idade, portando uma arma
de fogo 38, com numeração raspada, iam assaltar uma casa de venda de rações localizada
próximo ao local que forma apreendidos. MP pede estudo social, laudo da arma, requerimento
de testemunhas, verificação de antecedentes, comunicação do andamentos dos processos que
correm na Capital, cópia do interrogatório do maior e Internação Provisória.
OITIVA: o adolescente relata que parou de estudar tem cerca de 3 semanas, usa maconha
mais ou menos 5 meses, depois diz que tem 1 ano. Possui antecedentes, 2 processos, 1 por
tráfico de drogas outro de busca e apreensão por não ter cumprido MSE. Relata que não
conhecia Nova Iguaçu, mas que veio à casa da prima da namorada do seu colega. Estavam
num bar quando foram abordados por policiais, o seu colega, que estava armado tentou fugir e
disse aos policiais que a intenção deles era assaltar. Nega ter conhecimento que seu colega
estivesse armado e diz não ter combinado qualquer assalto. Quanto aos antecedentes disse que
foi apreendido numa operação em sua comunidade, “jogaram umas coisas” para ele, um
radinho, uma arma, maconha e cocaína. Parou de estudar por causa das más companhias que
conheceu. Ficava no shopping, o atraso escolar deve-se ao fato de que nunca foi de estudar.
INQUÉRITO POLICIAL: relata os fatos que constam na representação e no relato do
adolescente. Acrescentando o fato de que a arma constante dos autos é roubada. Além disso,
aponta o adolescente como uma das pessoas que participou do roubo de um veículo e de uma
clínica médica. Duas pessoas reconheceram o adolescente como autores dos roubos ocorridos
na mesma data.
216
FICHA DE ANTECEDENTES INFRACIONAIS: o adolescente possui passagem por furto
qualificado em concurso de pessoas e formação de quadrilha. Foi aplicada a MSE de
Liberdade assistida com inclusão escolar e profissionalização, não cumpriu. Saiu de
internação provisória em início do mês anterior. Na passagem por tráfico de drogas ficou
internado na JLA e teve progressão para semiliberdade a ser cumprida no CRIAM Bangu, não
cumpriu. Tem 2 processos de execução de MSE e 1 busca e apreensão.
DP: pede concessão de alvará de visita para a companheira do adolescente que é menor de
idade.
DESPACHO: juiz autoriza visita.
CERTIDÃO DE ANDAMENTO PROCESSUAL: em contato com a Capital foi informado
que o adolescente estava evadido do CRIAM Bangu há 4 meses.
IPS RELATÓRIO: mora com a mãe e a companheira grávida de 2 meses, ambas visitam
regularmente. A mãe estava desempregada, é separada do pai do adolescente que mora em
São João de Meriti. Cedeu sua casa para o filho e a namorada com quem se relaciona bem.
Estava matriculado na serie do ensino fundamental e não freqüenta as aulas. Cumpriu MSE
de internação na JLA e fugiu do CRIAM Bangu faltando 2 meses para o fim da
semiliberdade. Foi orientado quanto às responsabilidades com o nascimento do filho. Não
teve problemas disciplinares na unidade respeitando as normas e disciplina.
AUDIENCIA DE APRESENTAÇÃO convertida em INSTRUÇÃO E JULGAMENTO:
DP – pede aplicação da MSE de advertência.
MP – não se opõe.
DECISÃO: feita a advertência, o juiz encaminha o adolescente ao CTR para que seja
cumprida sua busca e apreensão no processo que corre na Capital. Extingue o procedimento
com ciência do MP e da DP.
INQUÉRITO POLICIAL: Juntado aos autos após a extinção, aponta que o adolescente estava
com 2 maiores e um deles apareceu baleado no hospital da posse, de onde evadiu em
26/04/2007. Em 18/04/2007 assaltaram uma clínica médica com 1 pistola, estavam com um
veículo roubado no mesmo dia pela manhã. O adolescente foi reconhecido por vítimas do
roubo na clínica.
217
2004
tipo de procedimento
% TOTAL
% PARCIAL
ARQUIVAMENTO, REMISSÃO, PRECATÓRIAS E OUTROS
Carta precatória 133
30,93 47,5%
requerimento de arquivamento de registro de ocorrência 109
25,35 38,9%
pedido de homologação de remissão c.c prestação de serviços 2 0,47 0,7%
pedido de homologação de remissão 35 8,14 12,5%
medida cautelar de busca e apreensão 1 0,23 0,4%
total 280
65,12 100%
CRIMES RELACIONADOS AO TRÁFICO DE DROGAS
tráfico 32 7,44 21,3%
porte de droga para uso próprio 2 0,47 1,3%
total 34 7,91 22,67%
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
roubo 13 3,02 8,7%
roubo em concurso de pessoas 7 1,63 4,7%
roubo qualificado com emprego de arma 3 0,70 2,0%
roubo em serviço de transporte de valores 2 0,47 1,3%
furto 11 2,56 7,3%
furto qualificado em concurso de pessoas 2 0,47 1,3%
furto com emprego de chave falsa 1 0,23 0,7%
furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada 1 0,23 0,7%
receptação 2 0,47 1,3%
receptação qualificada por desproporção entre valor e preço 1 0,23 0,7%
apropriação indébita simples 1 0,23 0,7%
dano 1 0,23 0,7%
extorsão mediante sequestro com lesão grave 1 0,23 0,7%
total 46 10,70 30,7%
CRIMES CONTRA A PESSOA
lesão corporal leve 28 6,51 18,7%
lesão corporal culposa 1 0,23 0,7%
ameaça 8 1,86 5,3%
homicídio simples 3 0,70 2,0%
homicídio culposo 1 0,23 0,7%
violação de domicílio 1 0,23 0,7%
calúnia 1 0,23 0,7%
total 43 10,00 28,67%
CRIMES RELACIONADOS AO PORTE DE ARMA
portar, deter, ainda que gratuitamente, arma de fogo sem autorização 2 0,47 1,3%
portar, arma de fogo com numeração raspada 2 0,47 1,3%
total 4 0,93 2,67%
CRIMES RELACIONADOS A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO
praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 6 1,40 4,0%
dirigir veículo em via pública sem habilitação 6 1,40 4,0%
praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor 1 0,23 0,7%
permitir ou confiar direção de veículo a pessoa não habilitada 1 0,23 0,7%
total 14 3,26 9,33%
CRIMES CONTRA OS COSTUMES
atentado violento ao pudor 5 1,16 3,3%
total 5 1,16 3,33%
OUTROS
quadrilha 1 0,23 0,7%
subtração de incapaz 1 0,23 0,7%
desobediência 1 0,23 0,7%
violação de direito autoral, por venda, exposição à venda 1 0,23 0,7%
total 4 0,93 2,67%
TOTAIS
TOTAL GERAL 430
100,00
TOTAL COM ANDAMENTO 150
34,88 100%
TOTAL SEM ANDAMENTO 280
65,12
218
2005
tipo de procedimento %
ARQUIVAMENTO, REMISSÃO, PRECATÓRIAS E OUTROS
Carta precatória 24
5,22
requerimento de arquivamento de registro de ocorrência 149
32,39
carta precatória para internação 3
0,65
pedido de homologação de remissão 54
11,74
alvará judicial 1
0,22
representação sócioeducativa 3
0,65
total 234
50,87
CRIMES RELACIONADOS AO TRÁFICO DE DROGAS
tráfico 58
12,61
porte de droga para uso próprio 10
2,17
total 68
14,78
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
roubo 34
7,39
roubo em concurso de pessoas 4
0,87
roubo qualificado com emprego de arma 7
1,52
roubo em serviço de transporte de valores 2
0,43
furto 28
6,09
roubo a fim de assegurar a impunidade de outro crime 1
0,22
furto com emprego de chave falsa 3
0,65
roubo com resultado morte 1
0,22
receptação 2
0,43
total 82
17,83
CRIMES CONTRA A PESSOA
lesão corporal leve 21
4,57
ameaça 6
1,30
homicídio simples 1
0,22
homicídio culposo 1
0,22
violação de domicílio 1
0,22
constrangimento ilegal 1
0,22
total 31
6,74
CRIMES RELACIONADOS AO PORTE DE ARMA
portar, deter, ainda que gratuitamente, arma de fogo sem autorização 10
2,17
portar, arma de fogo com numeração raspada 1
0,22
possuir, deter, portar e vender arma de fogo 1
0,22
possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo em desacordo com a lei 1
0,22
possuir, adquirir, arma de fogo de uso restrito sem autorização 1
0,22
suprimir marca de identificação de arma de fogo 1
0,22
total 15
3,26
CRIMES RELACIONADOS A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO
praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 2
0,43
dirigir veículo em via pública sem habilitação 4
0,87
praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor 1
0,22
total 7
1,52
CRIMES CONTRA OS COSTUMES
atentado violento ao pudor 13
2,83
estupro 8
1,74
total 21
4,57
OUTROS
quadrilha 1
0,22
subtração de incapaz 1
0,22
total 2
0,43
TOTAIS
TOTAL GERAL 460 100,00
TOTAL COM ANDAMENTO 226 49,13
TOTAL SEM ANDAMENTO 234 50,87
219
2006
tipo de procedimento %
ARQUIVAMENTO, REMISSÃO, PRECATÓRIAS E OUTROS
Carta precatória 208
33,23
requerimento de arquivamento de registro de ocorrência 139
22,20
carta precatória para cumprimento de medida 4
0,64
pedido de homologação de remissão 57
9,11
pedido de homologação de remissão c.c. prestação de serviços 2
0,32
medida cautelar de busca e apreensão 1
0,16
total 411
65,65
CRIMES RELACIONADOS AO TRÁFICO DE DROGAS
tráfico 36
5,75
porte de droga para uso próprio 2
0,32
importar (...) produto destinado à preparação de droga 1
0,16
importar, exportar (...) droga sem determinação legal 3
0,48
total 42
6,71
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
roubo 16
2,56
roubo em concurso de pessoas 12
1,92
roubo qualificado com emprego de arma 11
1,76
roubo em serviço de transporte de valores 3
0,48
furto 17
2,72
furto qualificado em concurso de pessoas 4
0,64
furto com emprego de chave falsa 1
0,16
furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada 1
0,16
receptação 3
0,48
extorsão mediante sequestro com lesão grave 1
0,16
apropriação indébita simples 1
0,16
dano 1
0,16
violação de domicílio 1
0,16
receptação qualificada por desproporção entre valor e preço 1
0,16
furto praticado durante repouso noturno 1
0,16
total 74
11,82
CRIMES CONTRA A PESSOA
lesão corporal leve 38
6,07
lesão corporal culposa 3
0,48
ameaça 10
1,60
homicídio simples 4
0,64
homicídio culposo 1
0,16
lesão corporal grave 1
0,16
vias de fato 1
0,16
calúnia 1
0,16
total 59
9,42
CRIMES RELACIONADOS AO PORTE DE ARMA
portar, deter, ainda que gratuitamente, arma de fogo sem autorização 7
1,12
portar, arma de fogo com numeração raspada 2
0,32
total 9
1,44
CRIMES RELACIONADOS A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO
praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 2
0,32
dirigir veículo em via pública sem habilitação 6
0,96
praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor 1
0,16
permitir ou confiar direção de veículo a pessoa não habilitada 1
0,16
lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 5
0,80
total 15
2,40
CRIMES CONTRA OS COSTUMES
atentado violento ao pudor 10
1,60
estupro 1
0,16
total 11
1,76
OUTROS
quadrilha 2
0,32
subtração de incapaz 1
0,16
desobediência 1
0,16
violação de direito autoral, por venda, exposição à venda 1
0,16
total 5
0,80
TOTAIS
TOTAL GERAL 626 100,00
TOTAL COM ANDAMENTO 215 34,35
TOTAL SEM ANDAMENTO 411 65,65
220
2007
tipo de procedimento
% %
ARQUIVAMENTO, REMISSÃO, PRECATÓRIAS E OUTROS
Carta precatória 135
26,84 41,93
requerimento de arquivamento de registro de ocorrência 116
23,06 36,02
Carta precatória para cumprimento de medida 3 0,60 0,93
pedido de homologação de remissão 65 12,92 20,19
representação civil 2 0,40 0,62
Habeas corpus 1 0,20 0,31
total 322
64,02 100,00
CRIMES RELACIONADOS AO TRÁFICO DE DROGAS
adquirir, guardar, ... Drogas art 28 lei 11.343/06 10 1,99 5,52
importar, (...) produtos destinados à preparação de drogas art. 33 $1º 1 0,20 0,55
Oferecer droga, para consumo, à pessoa de seu relacionamento. Art. 33 $3º 1 0,20 0,55
Associação de pessoas 1 0,20 0,55
Importar, exportar (...) drogas sem determinação legal. Art. 33 28 5,57 15,47
total 41 8,15 22,65
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
roubo 6 1,19 3,31
roubo em concurso de pessoas 13 2,58 7,18
roubo qualificado com emprego de arma 17 3,38 9,39
furto 15 2,98 8,29
furto qualificado em concurso de pessoas 4 0,80 2,21
furto praticado durante o repouso noturno 1 0,20 0,55
estelionato 1 0,20 0,55
receptação 5 0,99 2,76
apropriação indébita simples 1 0,20 0,55
dano 2 0,40 1,10
total 65 12,92 35,91
CRIMES CONTRA A PESSOA
lesão corporal leve 31 6,16 17,13
ameaça 5 0,99 2,76
homicídio simples 2 0,40 1,10
lesão corporal grave 3 0,60 1,66
total 41 8,15 22,65
CRIMES RELACIONADOS AO PORTE DE ARMA
portar, deter, ainda que gratuitamente, arma de fogo sem autorização 8 1,59 4,42
portar, arma de fogo com numeração raspada 5 0,99 2,76
total 13 2,58 7,18
CRIMES RELACIONADOS A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO
praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor 6 1,19 3,31
total 6 1,19 3,31
CRIMES CONTRA OS COSTUMES
atentado violento ao pudor 12 2,39 6,63
estupro 2 0,40 1,10
total 14 2,78 7,73
OUTROS
quadrilha ou bando 1 0,20 0,55
total 1 0,20 0,20
TOTAIS
TOTAL GERAL 503
100,00 100,00
TOTAL COM ANDAMENTO 181
35,98 181
TOTAL SEM ANDAMENTO 322
64,02 322
Livros Grátis
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