se tornam próximos, pois “apenas” uma tela ou papel os separa. Esses vínculos
produzidos com os personagens midiáticos são fortes, pois atendem as demandas
afetivas de atenção, convivência, proximidade e uma “intimidade” que não causa
desgaste. Mas ao mesmo tempo são temporários, pois a partir do momento que ele perde
seu valor simbólico, ele é descartado. No encontro que realizei, vários cosplayers
relataram que aprenderam muito com mangás e animes e que, através do processo de
identificação com os personagens, muitos deles passaram a comparar sua atitude com a
dos personagens e a rever seus posicionamentos frente a diferentes situações,
encarando as questões vividas sem um nível alto de tensão. As falas seguintes foram
algumas respostas dos participantes sobre o meu questionamento sobre se eles tiram
algumas lições ao ler ou fazer cosplay:
- Márcia - Na verdade todos os otakus10 são uma mistura de todos os personagens de
todos os animes que ele já assistiu.
- Márcia - Tem gente que fala “Terapia para quê se existe Fruits Basket?” É uma lição de
vida. É um mangá de auto-ajuda. Eu tenho milhões de problemas e qualquer um deles você
vê em algum dos personagens, e eles resolvem. E você pára e pensa: “Eu também posso
resolver meus problemas”. O mangá trata, lida muito com sentimentos, então é muito com
uma coisa interior. Todo mundo tem problemas. Beleza, você tem problemas, assim como
eles, mas eles estão vivendo, não estão? A história do mangá tá correndo, a sua vida
também e no final tudo dá certo, sabe?
Em outro momento perguntei o que modificou neles ao lerem ou fazerem cosplay. Resgato
dois relatos:
- Mônica - No meu caso parece meio clichê, mas eu acho que lendo as histórias, você se
identifica com aqueles personagens excluídos, mas acabam [os personagens] arrumando
amigos e arrumando pessoas que eles gostam e eles vivem felizes para sempre.
- Facilitador - Dê um exemplo
- Mônica - Eu pensei no Keitarô de Love Hina. Ele era o feioso, o excluído do colégio, que
não pegava ninguém e não passou no vestibular. Love Hina é muito bom para
vestibulandos e no final do mangá ele entra em História e vira um grande historiador.
Parece meio clichê, mas eu tiro a lição de acreditar em mim mesmo.
- Márcia - Uma coisa engraçada é que na época que eu fui prestar vestibular pela primeira
vez, foi quando começou a sair [o mangá] Love Hina e eu nunca tinha lido ou assistido o
anime. Eu sabia da história básica, mas não sabia tudo. Eu lembro que quando saiu o
volume que eles estavam reprovados no vestibular, foi logo depois que eu vi o resultado da
UFRJ e não tinha passado. E eu fiquei assim: “Ai! Caraca! Eu, o Keitarô e a Naru não
passamos no vestibular”. Era nós três. Não era só eu. Era eu e mais os dois no mangá.
Depois eu continuei lendo e eles passaram... Então eu vou passar também [pensou]. É
claro que não foi por isso, eu estudei, mas você se sente melhor [...] Foi exatamente isso,
eu olhei para o mangá e vi que não era a única, eles também não passaram. Não é como
10
Quando foi solicitado que os participantes do grupo explicassem o que seria esse termo, eles colocaram que era tipo
o “nerd” no Japão, só que lá teria uma conotação um pouco pior. Segundo Barral (2000, p. 15), um jornalista que vive no
Japão desde 1986 e escreveu um livro sobre os otakus, estes seriam “os catalisadores dos excessos da sociedade
nipônica nos três domínios [educação, informação e consumo], e, como tal, carregam os estigmas. Indubitavelmente,
não são eles os doentes, mas sim a sociedade que os engendrou”. Para o autor, otakus são as pessoas que não se
encaixaram na sociedade japonesa, e acabam se fechando em um mundo virtual, preferindo, então, um mundo mais
previsível e confiável.
Barral (2000) explica que o termo otaku contém dois significados que já existiam e, foi logo aceito para designar o
fenômeno, por serem as características principais que o definem. Estes são: distanciamento das relações pessoais e
isolamento na casa, mais especificamente no quarto. As convivências virtuais são vistas como mais seguras.
Quando o termo otaku foi difundido no Brasil, ele era uma expressão positiva, pois só os fãs de anime e mangá o
utilizavam. Significava justamente as pessoas que eram fãs de anime e mangá. Porém, aos poucos, também foi
adquirindo um tom mais pejorativo, referindo-se aqueles que são viciados em anime e mangá, agindo de uma maneira
considerada “exagerada” por esse grupo, pois só falam nisso, a vida gira em torno deste assunto. Apesar dessa
mudança, o termo otaku continua sendo utilizado pelo grupo aqui no Brasil nos dois sentidos. O que costuma diferenciar
quando se fala no sentido negativo, é que eles normalmente usam a expressão “otakus nerds”.