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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
VANEY CUNHA
DE BARRA SECA A JAGUARÉ: CULTURA CÍVICA E CAPITAL SOCIAL
VITÓRIA
2008
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VANEY CUNHA
DE BARRA SECA A JAGUARÉ: CULTURA CÍVICA E CAPITAL SOCIAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Administração do Centro
de Ciências Jurídicas e Econômicas da
Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para a obtenção do
grau de mestre em Administração.
Orientador: Prof. Dr. João Gualberto Moreira
Vasconcellos.
VITÓRIA
2008
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VANEY CUNHA
DE BARRA SECA A JAGUARÉ: CULTURA CÍVICA E CAPITAL SOCIAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Administração do Centro
de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração.
Aprovada em 26 de junho de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. João Gualberto Moreira Vasconcellos
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________________
Profa. Dra. Márcia Prezzotti
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Rodrigues Leite da Silva
Fucape Business School
À Marizete Nascimento da Cunha por estar sempre ao
meu lado, mesmo que não fisicamente.
AGRADECIMENTOS
À Ane Ramaldes, esposa, companheira e amiga, cuja contribuição foi fundamental para
o término deste trabalho. À pequena Lara, um grande presente que me foi dado. À
família Jantorno pela acolhida. A todas as pessoas e instituições de Jaguaré pelas
importantes contribuições. Ao Prof. Dr. João Gualberto pelas sábias palavras e
direcionamento preciso. À Petrobras pelo incentivo.
“A confiança é a moeda da democracia”.
Robert Putnam
RESUMO
O presente trabalho discute os conceitos de desenvolvimento local, cultura cívica e
capital social. Para sua realização é tomado como objeto de estudo o município de
Jaguaré, localizado ao norte do Estado do Espírito Santo. Visa a analisar a existência
de capital social naquele espaço a partir de uma análise sócio-histórica. Após a análise
dos dados, são apontados possíveis ciclos históricos existentes, sendo o primeiro o da
colonização, onde a cultura cívica e o capital social mostram-se presentes; o segundo
diz respeito ao processo pós-emancipação que levou a divergências políticas, gerando
enfraquecimento das relações de cooperação e confiança; por fim, o terceiro ciclo
refere-se à rearticulação do capital social por meio de uma iniciativa do poder público
local.
Palavras-chave: desenvolvimento local, cultura cívica, capital social.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Regiões administrativas italianas......................................................... 31
Figura 2 – Modelo de governança para avaliação do desempenho institucional.. 33
Figura 3 – Redes de confiança.............................................................................. 39
Figura 4 – Tradições cívicas e comunidade cívica contemporânea...................... 41
Figura 5 – Tradições de participação cívica, 1860-1920 e desempenho
institucional, 1978...................................................................................................
42
Figura 6 – Tradições cívicas nas regiões italianas, 1860-1920............................. 43
Figura 7 – Microrregiões do Espírito Santo........................................................... 45
Figura 8 – Mapa de Jaguaré após a emancipação e seus respectivos distritos... 56
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Indicadores de desempenho institucional........................................... 35
Quadro 2 – Subdivisão do capital de acordo com o Banco Mundial..................... 37
Quadro 3 – Linha do tempo de Jaguaré................................................................ 50
Quadro 4 – Trecho da ata de reunião realizada em 30 de novembro de 1968.....
86
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – População por situação de domicílio.................................................... 52
Tabela 2 – Nível educacional da população jovem................................................ 57
Tabela 3 – Nível educacional da população adulta (25 anos ou mais).................. 57
Tabela 4 – Indicadores de longevidade, mortalidade e fecundidade.....................
58
Tabela 5 – Indicadores de renda, pobreza e desigualdade................................... 58
Tabela 6 – Estratificação fundiária do município de Jaguaré................................. 59
Tabela 7 – Principais atividades agrícolas do município – Ano 2007....................
62
Tabela 8 – Royalties + Participações Especiais, Espírito Santo, 1999 a 2007...... 66
Tabela 9 – Royalties e participações especiais corrigidos pelo IGP-DI (2007)......
67
Tabela 10 – Arrecadação de Jaguaré com royalties e participações especiais
gerados pelo petróleo, 1999 – 2007.......................................................................
69
Tabela 11 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em
Jaguaré...................................................................................................................
72
Tabela 12 – Ranking IDH-M – Espírito Santo........................................................ 76
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição populacional em Jaguaré................................................ 54
Gráfico 2 – Taxa de Urbanização em Jaguaré...................................................... 55
Gráfico 3 – Principais municípios beneficiários de Royalties e Participações
Especiais comparados com a arrecadação do governo do Espírito
Santo (2007)...........................................................................................................
68
Gráfico 4 – Evolução do pagamento de Royalties + Participações Especiais,
Jaguaré, 1999 a 2007 (em milhões de reais).........................................................
70
Gráfico 5 – Comparativo IDH - Espírito Santo, Vitória, Jaguaré e São Caetano
do Sul.....................................................................................................................
73
Gráfico 6 – Tempo necessário para Jaguaré alcançar o IDH de São Caetano
do Sul, Vitória e Espírito Santo..............................................................................
74
Gráfico 7 – Diagrama de dispersão, Municípios do Espírito Santo, IDH-M
(1991 – 2000).........................................................................................................
79
LISTA DE RELATOS
Relato 1 – Rita Falchetto, moradora de Jaguaré e filha de Nicolau Falchetto,
primeiro comerciante local.....................................................................................
46
Relato 2 – Nery de Rossi, gerente de engenharia de produção da Unidade de
Negócio de Exploração e Produção da Petrobras no Espírito Santo.....................
64
Relato 3 – Nicolau Falchetto, pioneiro e primeiro comerciante de Jaguaré.......... 82
Relato 4 – Polônia Falchetto, pioneira de Jaguaré................................................ 83
Relato 5 – Nery de Rossi, gerente de engenharia de produção da Unidade de
Negócio de Exploração e Produção da Petrobras no Espírito Santo.....................
89
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 15
1. MARCOS TEÓRICOS, CONCEITOS E REFLEXÕES ACERCA DA CULTURA
CÍVICA E DO CAPITAL SOCIAL..............................................................................
18
1.1. ANÁLISES DO DESENVOLVIMENTO............................................................ 18
1.1.1. Considerações acerca do desenvolvimento a partir da crítica de
Milani.................................................................................................................
18
1.1.2. O desenvolvimento a partir de Cornelius Castoriadis....................... 21
1.2. CULTURA CÍVICA: A CONTRIBUIÇÃO DE ALEXIS DE
TOCQUEVILLE.......................................................................................................
26
1.2.1. Participação cívica................................................................................ 28
1.2.2. Igualdade política.................................................................................. 29
1.2.3. Solidariedade, confiança e tolerância................................................. 29
1.2.4. Associações: estruturas sociais da cooperação............................... 30
1.3. FUNDAMENTOS DO CAPITAL SOCIAL......................................................... 31
1.3.1. Os estudos de Robert Putnam............................................................. 31
1.3.2. Do desempenho institucional............................................................... 32
1.3.3. Conceitos de capital social................................................................... 37
2. DE BARRA SECA A JAGUARÉ: UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICA.................... 44
2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO.................................................... 44
2.2. ASPECTOS GERAIS....................................................................................... 52
2.2.1. População e organização geográfica
.................................................. 52
2.2.2. Educação, longevidade e renda........................................................... 56
2.3. ASPECTOS ECONÔMICOS............................................................................ 58
3.3.1. O agronegócio....................................................................................... 58
3.3.2. A economia do petróleo em Jaguaré................................................... 62
2.4. ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO................................................. 71
2.4.1. Conceitos gerais.................................................................................... 71
2.4.2. IDH em Jaguaré...................................................................................... 71
4. JAGUARÉ: POSSÍVEIS CICLOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO........................ 80
4.1. PRIMEIRO CICLO: A COLONIZAÇÃO A PARTIR DAS RELAÇÕES DE
COOPERAÇÃO E CONFIANÇA.............................................................................
81
4.2. SEGUNDO CICLO: DISPUTAS POLÍTICAS COMO FATORES PARA UMA
POSSÍVEL DESARTICULAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL EM JAGUARÉ...............
86
4.3. TERCEIRO CICLO: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A REARTICULAÇÃO
DO CAPITAL SOCIAL.............................................................................................
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 97
15
INTRODUÇÃO
O principal caminho adotado para a elaboração deste trabalho foi a partir da obra de
Robert Putnam (2006), com base em seus estudos na Itália. De acordo com o autor,
o desenvolvimento é um elemento que não está ligado apenas às questões
econômicas, e uma função vital para o desempenho local está centrada fortemente
nas relações de cooperação e confiança construídas ao longo de sua trajetória
histórica por meio de uma cultura cívica.
A partir de pesquisas que contemplaram uma análise aprofundada da Itália ao longo
da criação de suas administrações regionais, Putnam (2006) esclarece que os
fatores que favoreceram o desenvolvimento do norte italiano não estavam
relacionados apenas com a capacidade de suas regiões gerarem riquezas, mas em
sua habilidade em garantir o bom desempenho institucional por meio de uma
sociedade democrática, participativa e cidadã, fundamentais para o círculo virtuoso
naqueles territórios.
Deste modo, a partir das pesquisas de Putnam (2006), pretendeu-se neste trabalho
estudar o capital social no município de Jaguaré, localizado no interior do Estado do
Espírito Santo. A escolha deste objeto deveu-se ao fato de ser um espaço de
destaque no norte capixaba, impulsionado principalmente pela produção petrolífera
a partir do início deste século.
Em suas primeiras décadas de existência o então povoado de Barra Seca,
colonizado principalmente por descendentes de imigrantes italianos oriundos das
regiões sul e sudoeste serrana do Espírito Santo, tinha como característica a
participação popular em praticamente todas as obras (de interesse público ou
privado), que eram realizadas por meio de mutirões envolvendo a população local.
A exemplo de outras localidades colonizadas por italianos, a igreja era o principal
espaço para a organização civil e serviu de berço para o surgimento de inúmeras
associações, sejam elas de interesse comercial ou até mesmo recreativo.
Entretanto, aparentemente a partir de sua emancipação, em 1981, até o final dos
anos 1990 as relações de cooperação foram desgastadas provavelmente em função
16
de uma política local que não favorecia a permanência de relações de cooperação e
confiança naquele espaço.
Em 1999, a partir de uma iniciativa do poder público, foram criados fóruns de
discussão em prol do desenvolvimento de Jaguaré. Assim, parte-se do princípio que
o capital social existente deva ser rearticulado pelo poder executivo municipal
utilizando-se do maior volume de recursos arrecadados nos últimos anos,
principalmente em função das novas tecnologias agrícolas implementadas nas
lavouras e das descobertas de poços de petróleo na região de Fazenda Alegre, que
já somam uma produção de cerca de 27 mil barris por dia, rendendo royalties da
ordem de R$ 7,5 milhões/ano
1
, correspondendo a cerca de 20% da arrecadação
municipal. Embora a possibilidade de participação do poder público possa ser
compreendida como elemento fundamental para a retomada do capital social, parte-
se do pressuposto de que a nova realidade no município tenha como elemento de
sustentação as relações de cooperação e confiança encontradas em sua origem.
Tendo como ponto de referência os estudos neo-institucionalistas
2
, pode-se propor o
cruzamento da cultura com as instituições, ou seja, os fatores culturais instalados –
como as relações cívicas, de confiança e cooperação – dando conteúdo às ações
institucionais. Os estudos de Putnam (2006) apontam para algo semelhante no norte
da Itália quando da criação das administrações regionais naquele país.
Nesse contexto, com o propósito de pesquisar o desenvolvimento numa perspectiva
local, este trabalho pretendeu analisar os conceitos de desenvolvimento local e
capital social tomando por base a realidade sócio-histórica de Jaguaré. Sua
relevância encontra-se na possibilidade de estabelecer parâmetros para a análise
em outros espaços e que contribuam para os estudos acerca do desenvolvimento
local.
Quanto aos aspectos metodológicos, para que fossem atingidos os objetivos deste
estudo foi utilizada, quanto à natureza, a pesquisa qualitativa e, quanto ao tipo, a
pesquisa exploratória (VERGARA, 1998). A pesquisa levou em consideração a
1
De acordo com a publicação “Espírito Santo: anuário 2007”, do Jornal A Gazeta.
2
Não é objetivo neste estudo aprofundar os conceitos inerentes ao neo-institucionalismo.
17
utilização de dados secundários a partir de levantamentos bibliográficos e
documentais e teve por objetivo maior a aproximação com o objeto empírico, neste
caso o município de Jaguaré. O pesquisador foi a campo com a finalidade de obter
dados primários, sendo as fontes de dados os indivíduos “portadores” de
informações que pudessem, de alguma forma, apontar para a construção de uma
trajetória histórica do município e que servisse de base para a análise do
desenvolvimento de Jaguaré, bem como a existência ou não de uma cultura cívica e
de relações de confiança e cooperação.
Quanto à pesquisa de campo, por se tratar de um estudo qualitativo não houve
interesse na determinação de uma amostra probabilística. A coleta de dados foi
realizada por meio de entrevistas individuais em profundidade com roteiro semi-
estruturado. Foram entrevistados dez indivíduos, que atenderam pelo menos um dos
critérios a seguir:
a) Profundos conhecimentos da trajetória histórica independente do tempo de
moradia no município de Jaguaré;
b) Participação direta ou indireta em instituições públicas ou privadas da
localidade;
c) Proximidade com personagens que participaram da construção do município;
d) Participação em movimentos comunitários e sociais do município.
Quanto à organização, este trabalho está subdividido em três capítulos. No primeiro,
são discutidos os conceitos de desenvolvimento local, capital social e cultura cívica.
No segundo, é realizado um levantamento histórico de Jaguaré, bem como os
aspectos ligados à sua estrutura social e econômica. No terceiro capítulo, é
apresentada uma proposta de ciclos que aparentemente marcaram a trajetória do
município.
18
1. MARCOS TEÓRICOS, CONCEITOS E REFLEXÕES ACERCA DA CULTURA
CÍVICA E DO CAPITAL SOCIAL
Algumas questões podem surgir a partir do discurso acerca do desenvolvimento. Ele
depende do crescimento econômico de um dado espaço? O desenvolvimento está
sujeito a políticas compensatórias nos âmbitos governamental e empresarial? A
cultura é elemento fundamental para o desenvolvimento? As relações de confiança e
cooperação são necessárias para o desenvolvimento? (DE FRANCO, 2002).
Como indica Castoriadis, “o desenvolvimento tornou-se tanto um slogan quanto um
tema da ideologia oficial e ‘profissional’ [...] bem como das políticas de governo”
(1987, p. 135). Embora sob críticas, sua origem, de acordo com o autor, encontra-se
na celebração do “progresso” na sociedade do século XIX.
Tema em constante debate, o desenvolvimento está no epicentro da cultura
capitalista e figura-se nos grandes nós da sociedade contemporânea. Contudo,
Milani (2004) adverte que o universalismo do desenvolvimento passou a ser
severamente questionado. Por meio de novas metodologias, governos, sociedade
civil organizada e entidades de apoio (como o Sebrae, no Brasil) têm buscado
respostas e estratégias que possam maximizar o potencial do desenvolvimento de
países, regiões, estados, municípios e até mesmo organizações.
Nesse contexto, o desenvolvimento deve ser estudado levando em conta as diversas
realidades sociais, culturais, políticas e econômicas nos mais variados espaços,
sejam eles públicos ou privados; locais, regionais ou nacionais. Assim, o presente
trabalho visa a contribuir para a compreensão da temática do desenvolvimento em
um espaço específico tendo por base os conceitos de cultura cívica e capital social.
1.1. ANÁLISES DO DESENVOLVIMENTO
1.1.1. Considerações acerca do desenvolvimento a partir da crítica de Milani
Conforme aponta Milani
3
(2004), a visão universalista do desenvolvimento passou a
ser questionada. Nesse contexto, a legitimação do desenvolvimento econômico em
3
Professor-adjunto da Universidade Federal da Bahia e coordenador do LABMUNDO, Laboratório de
Análise Política Mundial. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Relações
19
detrimento do social e cultural é colocada em xeque. “O desenvolvimento é
igualmente criticado em seus fundamentos, em suas práticas freqüentemente
contraditórias e em seus mitos fundadores” (MILANI, 2004, p. 9).
Ao citar os estudos de Gilbert Rist (1996, apud MILANI, 2004), que tratava o
desenvolvimento como uma “crença ocidental”, o autor apresenta três críticas ao
tema: i) a pregação de um evolucionismo social, que delega aos países
subdesenvolvidos a responsabilidade de alcançar os países desenvolvidos por meio
de ações contínuas e cumulativas; ii) a visão individualista e economicista do
desenvolvimento; iii) a tendência instrumental e normativista dos escritos sobre o
desenvolvimento.
As visões de desenvolvimento ao levarem em consideração apenas aspectos de
âmbito econômico são aparentemente míopes. Não é uma garantia para uma
sociedade a experiência do desenvolvimento apenas a partir da lógica do dinheiro
ou dos mercados (MILANI, 2004; PUTNAM, 2006). A exacerbação de uma causa em
detrimento de outras nada contribui para complexidade do assunto.
Deste modo, são apontadas outras possibilidades para elucidar as problemáticas
que circundam rotineiramente o tema desenvolvimento. Assim,
[...] seria o desenvolvimento a simples extensão planetária do sistema de
mercado em detrimento de valores relacionados à solidariedade, da ética,
da responsabilidade intergeracional, de culturas e histórias tão distintas em
diferentes regiões do mundo? Apesar do discurso bem construído em
manuais e relatórios, poder-se-ía dizer que o desenvolvimento é sinônimo
de intervenção, de imposição ou de assistência humanitária? Seria possível
tornar a retórica, a ciência e a prática internacionais em torno do
desenvolvimento mais coerentes entre si? A dificuldade de responder
rigorosamente a tais questões, trazidas ao debate internacional por
intelectuais, movimentos sociais, acadêmicos, pela mídia e por ONG’s
nacionais e internacionais, leva muitos pensadores a proclamar o fim do
desenvolvimento e a pensar no chamado pós-desenvolvimento (MILANI,
2004, p. 9).
Para o autor, seus questionamentos poderiam submeter as problemáticas do
desenvolvimento a um olhar menos associado à colonização do mundo, bem como a
Internacionais, realizando pesquisas principalmente sobre temas como desenvolvimento local,
participação e sociedade civil, movimentos sociais, cooperação internacional, governança, meio
ambiente e política internacional, e transnacionalização.
20
uma uniformização planetária, fatores esses que não colaboram para uma possível
observação de questões locais.
Paralelo aos aspectos conceituais, a inércia do Estado é denunciada frente às
desigualdades apresentadas década após década. Ausência de transparência,
imobilismo, ineficiência e corrupção são apenas alguns problemas percebidos na
sociedade moderna e principalmente em países tidos como emergentes. Assim,
percebe-se o surgimento de correntes que defendem o Estado como elemento
aglutinador e responsável pelas mudanças que poderiam levar ao desenvolvimento
(EVANS, 1993). Contudo, o mesmo não seria grande o suficiente a ponto de
responder a todos os anseios, nem onipresente a ponto de sanar com eficiência as
minúcias das questões locais.
Surgem as discussões acerca do desenvolvimento local não apenas sob a ótica da
responsabilidade estatal, mas que possa englobar também uma cooperação
multilateral, onde passam a surgir temas como, por exemplo, a descentralização, a
governança local, a emergência da sociedade civil, a participação e o capital social
(MILANI, 2004). Despontam, então, discussões mais acaloradas que possam dar
conta da questão do desenvolvimento local, cuja conceituação não pretende estar
ligada a análises etimológicas, mas que possa deixar clara a sua relevância no
âmbito dos estudos sociais (OLIVEIRA, 2002; MILANI, 2004).
A concepção do desenvolvimento como solução para as questões locais emergentes
é um risco evidente. Primeiro pela tendência ao enaltecimento do localismo como
elemento fundamental sem que sejam levadas em consideração as esferas de poder
nas quais o local está inscrito. Segundo pela visão autônoma da questão local
descolada de estratégias de âmbitos nacional e internacional. Terceiro pela
possibilidade de fragmentação de iniciativas (MILANI, 2004). É um risco encarar o
desenvolvimento local como um remédio “capaz de curar as mazelas de uma
sociedade pervertida, colocando-se no lugar bucólicas e harmônicas comunidades”,
como sugere Oliveira (2002, p. 12).
Para Milani (2004), o local é construído social e territorialmente. Assim, ações
verticais não são suficientes para tal discussão. Segundo o autor,
21
O local pode ser emancipatório, tornar-se fonte de novas utopias e
apresentar potencial transformador. Para fazer-se o desenvolvimento,
Amartya Sen lembra-nos que é fundamental ampliar a capacidade de
realização das atividades livremente escolhidas e valorizadas por cada
sujeito do desenvolvimento; portanto, o desenvolvimento não é
conseqüência automática do crescimento econômico (Sen, 2000)
4
. [...] O
desenvolvimento local pode tornar-se ferramenta de análise mais dinâmica
quando posto em relação com as lógicas de desigualdade, ou seja, quando
associado à hipótese de que as dinâmicas geradoras de desigualdade e
exclusão não podem ser desconstruídas exclusivamente pelo alto. Por isso,
pensar o desenvolvimento local implica extravasar o local limitado por
espaços geográficos e pensar sua identificação a partir da desconstrução
da falsa antinomia entre o micro e o macro (MILANI, 2004, p. 11-12).
Desconsiderando o mito econômico como paradigma único e fundamental ao
processo de desenvolvimento, emergem outras questões como as relações sociais
alimentadas pela solidariedade, cooperação e confiança. Segundo Hoffman (2005,
p. 14),
Há algum tempo os estudiosos do desenvolvimento econômico têm se
debruçado sobre novas questões que permeiam tal tema. Os tradicionais
modelos de localização de investimentos padecem de revisão,
principalmente por não inserirem entre os fatores decisivos a um
determinado empreendimento os valores culturais contidos no território
produtivo que ele ocupará. Tais valores formam um tipo de capital de uma
região, que se soma aos capitais natural, físico-econômico e humano, ao
qual damos o nome de capital social.
É nesse contexto que surge o interesse pelo debate acerca do capital social,
principalmente pela possibilidade de contribuir, sob uma perspectiva histórica, social,
política e institucional, para a elucidação de questões que envolvam o
desenvolvimento local.
1.1.2. O desenvolvimento a partir de Cornelius Castoriadis
Embora este trabalho pretenda tratar da temática do desenvolvimento local, não
poderia se furtar da responsabilidade de destacar as mazelas do desenvolvimento e
do progresso criadas na sociedade moderna a partir de sua lógica. Em “Reflexões
sobre o desenvolvimento e a racionalidade
5
”, Castoriadis (1987) apresenta uma
visão crítica do desenvolvimento levando em consideração uma análise que vai de
sua genealogia conceitual, no século XIX, até os anos 1970.
4
Como também pode ser constatado em Putnam (2006).
5
CASTORIADIS, Cornelius. As encruzilhadas do labirinto II: os domínios do homem. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
22
De acordo com o filósofo grego, no século XX, percebeu-se a crise do progresso em
função de acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial, o crack de 1929, a
ascensão de regimes totalitários na Itália e Alemanha, além da Segunda Grande
Guerra. No pós-guerra, os olhares estavam voltados para a reconstrução
patrocinada por russos e norte-americanos.
Uma nova “saída”, a do crescimento econômico, é dada como a solução para os
problemas humanos. Embora o poder soviético continuasse sendo ameaçador,
acreditava-se que a maturidade industrial levaria esses países ao consumismo e à
liberalização econômica de acordo com as políticas internacionais (fato que hoje
pode ser percebido na China). No que diz respeito ao terceiro mundo, outro entrave
para o processo de crescimento: era preciso desenvolvê-los ou fazê-los se
desenvolverem.
Esses países, que antes eram denominados, com brutalidade sincera,
“atrasados”, depois “subdesenvolvidos” e por fim, “países em via de
desenvolvimento” – agradável eufemismo que de fato significava que esses
países não se desenvolviam. Como foi diversas vezes formulado nos
documentos oficiais, desenvolvê-los significava: torná-los capazes de
entrar na fase do “crescimento auto-sustentado” (CASTORIADIS, 1987, p.
136).
Contudo, garantir o desenvolvimento passou a gerar críticas em função de o
crescimento estar pautado puro e simplesmente no próprio crescimento. Assim,
passa a ser questionado o preço a ser pago por ele.
Castoriadis (1987) aborda o tema desenvolvimento nos idos da década de 1970
buscando apresentar a sua problemática e possíveis questionamentos (nas palavras
do autor: “desenvolvimento de quê em direção a quê?”). Guiados pelo racionalismo
da modernidade, diversos países passam a buscar respostas para o processo
desenvolvimentista, mas sem se preocuparem com as conseqüências de tal
“progresso”. Em sua incessante busca, numa Era marcada pelo crescimento,
inúmeras “fábricas” surgem, inclusive, na tentativa de corrigir as mazelas causadas
23
por um ciclo muitas vezes desenfreado, a exemplo das “indústrias de controle de
poluição”
6
.
Entretanto, alguns fatores podem ser apontados como hipóteses de obstáculos ao
desenvolvimento, a saber: i) a ausência de crescimento devia-se à própria ausência
de crescimento; ii) falta de qualificação técnica; iii) necessidade de desenvolvimento
de pessoas para o desenvolvimento de países.
Ao Terceiro Mundo “era preciso se modificar as estruturas sociais, as atitudes, a
mentalidade, as significações, os valores e a organização psíquica dos seres
humanos” (CASTORIADIS, 1987, p. 142). Assim, na visão do autor, o
desenvolvimento não está ligado apenas a estruturas, mas também a pessoas.
Considerado como efetivação do virtual, o desenvolvimento pode ser visto como um
processo análogo ao de maturação biológica. Embora seja percebida uma tentativa
de busca do desenvolvimento infinito, para Castoriadis (1987), baseado em
Aristóteles, o infinito só pode ser considerado no âmbito virtual, não existindo,
portanto, um infinito efetivo. Por isso a necessidade de uma referência para o
desenvolvimento, aquilo que se pretende atingir. “O Deus infinito está alhures; este
mundo é finito” (CASTORIADIS, 1987, p. 144).
Recorrendo à trajetória histórica do mundo ocidental, Castoriadis explicita a
coincidência da incessante e deveras racionalizada busca pelo desenvolvimento. O
autor apresenta como marco o século XIV, especificamente entre o nascimento e a
expansão da burguesia.
Não teria interesse nem sentido tentar explicar “causalmente” a ascensão
do racionalismo ocidental através da expansão da burguesia, ou vice-
versa. Temos de considerar estes dois processos: de um lado, a
emergência da burguesia, sua expansão e sua vitória final são
acompanhadas pela emergência, a difusão e a vitória final de uma nova
‘idéia’, a idéia de que o crescimento ilimitado da produção e das forças
produtivas é, de fato, o objetivo central da vida humana. [...] O movimento
se dirige para o cada vez mais; mais mercadorias, mais anos de vida, mais
casas decimais nos valores numéricos das constantes universais, mais
6
Expressão trabalhada por Castoriadis, na década de 1970, prevendo o surgimento de empresas
focadas na área ambiental, que na atualidade tornaram-se importantes elementos de suporte para as
os empreendimentos industriais.
24
publicações científicas, mais pessoas com o um título de doutor – e o
“mais” é o “bom” (CASTORIADIS, 1987, p. 144).
As conseqüências de tal modelo não fazem parte das análises daqueles que
defendem a idéia de crescimento infinito. A elaboração de uma matriz
desenvolvimentista replicável a todo e qualquer país passa a ser uma peça
fundamental para o crescimento. Uma economia global e interdependente de
mercados passa a demandar uma integração internacional: o crescimento só pode
ser concretizado se alcançado por todos. Nesse contexto, não seria exagero retornar
aos anos 1950, quando do apoio financeiro dado pelos Estados Unidos aos países
europeus destruídos pela guerra.
Contudo, segundo Castoriadis (1987, p. 140),
Será que os países “desenvolvidos” aceitariam tornar a ser uma minoria
impotente frente a países asiáticos, africanos e latino-americanos tão ricos
quanto eles e mais populosos? [...] Como sempre, o reformismo pretende
ser realista, mas, quando se chega às questões verdadeiramente
importantes, ele se revela como uma das maneiras mais ingênuas de tomar
os desejos pela realidade.
Percebe-se aí uma das contradições do desenvolvimento. O racionalismo
econômico, bastante celebrado na modernidade, parece não dar conta da
problemática apontada. Embora não tenha por objetivo reduzir séculos de
pensamento a alguma linhas, Castoriadis (1987) reflete que a idéia de
desenvolvimento está ligada à noção de infinito, ilimitado.
Assim, o autor sugere ideologias relacionadas a um homem naturalmente
predestinado ao progresso e ao crescimento (homo economicus), sem deixar de
levar em consideração a possibilidade de manipulação do mesmo até que seja
atingido esse ponto (homo madisoniensis pavlovi). Outros fatores como a
onipotência da técnica, a exacerbação do conhecimento científico, a racionalidade
econômica também podem ser explicitados como postulados do desenvolvimento.
Entretanto, a crise do desenvolvimento pode estar contida na crise desses
postulados.
25
O caráter racionalista da economia é um paradigma compreensível em seus mais de
dois séculos de existência. “A economia trata de ‘quantidades’ e, quanto a este
ponto, todos os economistas sempre estiveram de acordo” (CASTORIADIS, 1987, p.
148). Contudo, quais as taxas de investimento devem ser aplicadas para a garantia
do desenvolvimento? A aparente possibilidade da matematização do mundo parece
ruir à medida que os números não são suficientes para explicar a “realidade”
7
.
Retornando ao postulado da técnica moderna, Castoriadis (1987) ironiza o caráter
do progresso técnico como bom em si mesmo. Para o autor, “o que está errado é
que ela é utilizada para o benefício e/ou o poder de uma minoria, em vez de sê-lo
para o bem de todos” (CASTORIADIS, 1987, p. 152).
A forma com a qual a técnica (moderna) e economia (racional) são empregadas, vão
de encontro ao conceito de infinito aplicável ao desenvolvimento, uma vez que,
embora o tempo infinito tenha sido dado ao homem (ou criado por ele),
aparentemente o único intervalo de tempo perceptível é o de alguns anos à frente. O
conceito moderno de desenvolvimento pode ser o responsável pela quase
inexistente visão de longo prazo do homem, uma vez que suas ações estão
pautadas num presente que aos seus olhos está no campo do infinito ou na
existência apenas de um futuro próximo sem a preocupação com as gerações
posteriores a ele.
Na construção de sua análise, Castoriadis remonta o cenário de milhares de anos
para explicar a capacidade do homem de modificar o ambiente para garantir a sua
sobrevivência sem danificá-lo. Ao que parece, a destreza esvaiu-se com o tempo à
medida que sua racionalidade o tornou cego e, nas palavras de Hegel, louco.
“Sendo um animal louco, ele [o homem] naturalmente fez dessa invenção – a razão
– o instrumento e a expressão mais metódica de sua loucura” (CASTORIADIS, 1987,
p. 158).
7
Daí a necessidade de estudos que extrapolem a visão economicista e que se aproxime cada vez
mais de questões ligadas à sociedade como a sua capacidade de gerar ativos não financeiros, como
por exemplo, a cultura cívica (TOCQUEVILLE, 2004) e o capital social (PUTNAM, 2006).
26
O autor não busca, assim, incentivar a rejeição à razão. Considera insensato o
pensamento de que se pode separar a razão de sua realização histórica, mas
sinaliza para o caminho de que esse conhecimento [...]
[...] pode nos ajudar em muito se ele nos tornar capazes de denunciar e
destruir a ideologia racionalista, a ilusão da onipotência, a supremacia do
‘cálculo’ econômico, o caráter absurdo e incoerente da organização
‘racional’ da sociedade, a nova religião da ‘ciência’, a idéia de
desenvolvimento pelo desenvolvimento (CASTORIADIS, 1987, p. 158).
Para Castoriadis (1987), não se deve renunciar ao pensamento e à
responsabilidade, uma vez que se pode caminhar a um ponto no qual o homem será
confrontado com uma catástrofe natural ou social. Antes ou depois disso, é possível
que novas formas de organização surjam trazendo novos sentidos à sociedade.
Nesse contexto, o autor encaminha a discussão para uma reflexão que leva à
destruição dos mitos, elementos que, em sua avaliação, mais que as armas e
dinheiro são os principais obstáculos para a existência humana.
1.2. CULTURA CÍVICA: A CONTRIBUIÇÃO DE ALEXIS DE TOCQUEVILLE
Uma das possibilidades para a compreensão do desenvolvimento local como objeto
de análise é a partir das relações que contribuem para a sua existência. Nesse
contexto, as reflexões de Alexis Tocqueville
8
podem ser consideradas relevantes
para os estudos referentes ao tema.
Tocqueville, mergulhado nos Estados Unidos do início do século XIX, teve por
objetivo o estudo do sistema jurídico norte-americano. No entanto, a partir de suas
observações, passou a contrastar os fundamentos das sociedades norte-americana
e européia, descobrindo, na cultura cívica daquele país, elementos que tenham
favorecido aquilo que ele chama de democracia pura. De acordo com Fernandes
(2001, p.3),
[...] para Tocqueville um dos principais aspectos que asseguravam o bom
funcionamento da democracia na América era o caráter associacionista dos
8
Alexis de Tocqueville pertenceu a uma importante família aristocrática francesa. Estudou direito em
Paris e em 1827 ingressou na magistratura. Em 1831 foi enviado pelo governo francês para estudar o
sistema prisional dos Estados Unidos. Suas análises deram origem à obra “A democracia na
América”, publicada em 1832 e referência para estudos sobre teoria política moderna. Tornou-se
deputado em 1839, permanecendo na câmara até o golpe de Estado de 1951. Morreu em 1859,
vítima de tuberculose.
27
cidadãos americanos. Embora achasse que fossem necessárias outras
medidas para assegurar a democracia, tais como - descentralização
administrativa e autonomia do poder local; criação de leis que assegurem a
igualdade de direito; liberdade de imprensa; eleições indiretas; justiça
independente; separação da igreja e do Estado; - o suporte maior da
liberdade com igualdade para Tocqueville estava colocado na ação cívica
dos cidadãos e sua participação nos negócios públicos. E é através da
criação e desenvolvimento de organizações e associações livres que
estimulavam a cidadania que se podia assegurar a manutenção do espaço
da palavra e da ação comunitária.
Whitehead
9
(1999) confere a Tocqueville o título de primeiro teórico de importância a
apresentar a sociedade civil como contrapartida para uma democracia estável e
vigorosa. Segundo o autor, para Tocqueville “o que era fundamental nas instituições
políticas norte-americanas era a profusão de suas associações políticas
democráticas” (WHITEHEAD, 1999, p. 18), fator preponderante para a formação de
seu estado democrático. Ao contrário das observações de Hobbes e Hegel
10
,
Tocqueville considera que a sociedade civil e a democracia são essencialmente
relacionadas entre si (WHITEHEAD, 1999).
Segundo Tocqueville (2004), a origem da democracia norte-americana está pautada
em duas circunstâncias principais: na religião
11
e no fato de sua sociedade ter
nascido a partir de valores igualitários entre seus cidadãos, não tendo havido a
necessidade de uma revolução democrática
12
. Como sugere o autor, na América a
igualdade é mais importante que a liberdade.
A primeira e mais viva das paixões que a igualdade das condições faz
nascer, não preciso dizer, é o amor por essa igualdade mesma. [...] Amor
muito mais ardente e muito mais tenaz pela igualdade do que pela
liberdade. [...] Como nenhum homem difere então de seus semelhantes,
ninguém poderá exercer um poder tirânico; os homens serão perfeitamente
livres, porque serão todos inteiramente iguais; e serão todos perfeitamente
iguais porque serão inteiramente livres (TOCQUEVILLE, 2004, p. 113).
9
Whitehead destaca a fraqueza no associativismo civil em algumas partes dos Estados Unidos, como
o Bronx, fator não levado em conta por Tocqueville.
10
Para Hobbes a sociedade civil deve fazer frente aos riscos do estado de natureza. Para Hegel a
sociedade civil reflete o crescimento do comércio como esfera supostamente independente da política
(WHITEHEAD, 1999).
11
Para Tocqueville (2004), foi a religião que deu origem às sociedades anglo-americana. Por meio
dela os limites foram estabelecidos entre os americanos. Assim, podemos considerar a religião como
uma importante instituição imaginária social (CASTORIADIS, 1987), sendo uma das responsáveis
pela gênese da democracia nos Estados Unidos da América.
12
Diferente do que aconteceu na França, quando da Revolução Francesa.
28
Segundo Tocqueville (2004), os americanos possuem um Estado democrático
natural, surgido a partir de leis e costumes políticos próprios daquela nação. Para o
autor,
O mesmo estado social [...] fez nascer, entre eles, uma profusão de
sentimentos e opiniões que eram desconhecidos nas velhas sociedades
aristocráticas da Europa. Ele destruiu ou modificou relações que existiam
outrora e estabeleceu novas. O aspecto da sociedade civil viu-se tão
mudado quanto a fisionomia do mundo político (TOCQUEVILLE, 2004, p.
XII).
Em suas análises acerca da sociedade norte-americana Tocqueville (2004) sugere
que provaria com muita facilidade que a origem de seus cidadãos, a religião dos
fundadores, seus hábitos, entre outros, exerceram e exercem grande influência nos
Estados Unidos da América, fatores que contribuíram para a instauração de uma
cultura cívica e na consolidação de um Estado democrático.
Para Putnam (2006), autor contemporâneo que se baseou na obra de Alexis de
Tocqueville, o conceito de comunidade cívica é essencial para a compreensão do
capital social. Mas o que vem a ser em termos práticos tal “comunidade cívica”? –
indaga o autor. Quais os elementos que podem ser utilizados como parâmetros para
a análise da existência da cultura cívica? Segundo Putnam (2006), os elementos
fundamentais para a elucidação de tais problemáticas estão inseridos na
participação cívica; na igualdade política, na solidariedade, confiança e tolerância e
nas associações.
1.2.1. Participação cívica
Numa comunidade onde é detectada a cultura cívica, a cidadania se caracteriza
em primeiro lugar pela participação nos negócios públicos. Segundo Walzer (1974,
apud PUTNAM, 2006, p. 101), “o interesse pelas questões públicas são os
principais sinais de virtude cívica”. A virtude cívica está ligada à busca pelo bem
público em detrimento de interesses individuais e particulares. Vale ressaltar que o
interesse pelo público não pode ser caracterizado de forma simplista como
altruísmo, mas naquilo que Tocquevile (2004) chama de “interesse bem
compreendido”. Ou seja, o interesse próprio é sensível ao interesse dos outros.
29
Nos Estados Unidos, quase não se diz que a virtude é bela. Sustenta-se
que é útil, e prova-se isso todos os dias. [...] Perceberam que, em seu
país e em seu tempo, o homem era voltado para si mesmo por uma força
irresistível e, perdendo a esperança de detê-lo, passaram a pensar
apenas em conduzi-lo. Não negam, pois que cada homem possa seguir
seu interesse, mas desdobram-se para provar que o interesse de cada
um é honesto. [...] A doutrina do interesse bem compreendido não é
nova, portanto; mas, entre os americanos de nossos dias, ela foi
universalmente admitida, tornou-se popular: encontramo-la no fundo de
todas as ações; ela transparece em todos os discursos; encontramo-la
tanto na boca do pobre como na boca do rico (TOCQUEVILLE, 2004, p.
148).
Assim, os cidadãos de uma comunidade cívica não são santos
13
, “mas consideram o
domínio público algo mais do que um campo de batalha para a afirmação do
interesse pessoal” (PUTNAM, 2006, p. 102).
1.2.2. Igualdade política
Como citado anteriormente, Tocqueville (2004) enfatiza que, para os americanos, a
igualdade é mais importante que a liberdade. Segundo o autor, a igualdade é
elemento fundamental para a geração de mais igualdade. Um estoque que quanto
mais é utilizado, maior fica.
Nesse contexto, a cidadania implica em relações horizontais onde a participação
política se concretiza pela igualdade. “Numa comunidade cívica, a cidadania
implica direitos e deveres iguais para todos” (PUTNAM, 2006, p. 102). As relações
horizontais de reciprocidade e cooperação se sobrepõem às relações verticais e de
dependência. Diante disto, todos são considerados e agem como iguais, fator
preponderante para o combate à tirania e à corrupção (TOCQUEVILLE, 2004;
PUTNAM, 2006).
1.2.3. Solidariedade, confiança e tolerância
Além de atuantes, portadores de um espírito público e iguais, “os cidadãos virtuosos
são prestativos, respeitosos e tolerantes uns com os outros, mesmo quando
divergem em relação a assuntos importantes” (PUTNAM, 2006). Inerentes ao
processo democrático, os conflitos surgem, mas a tolerância está presente, mesmo
nas mais acaloradas discussões. Soma-se a isso a importância da cooperação e da
confiança como elementos aglutinadores na comunidade cívica.
13
Para Putnam o altruísmo universal é, no mínimo, uma premissa quixotesca.
30
Mesmo as relações que aparentemente apresentam um caráter individual assumem
um novo papel fazendo avançar a confiança mútua. A ausência de um compromisso
mútuo confiável pode levar ao oportunismo. “Para haver cooperação é preciso não
só confiar nos outros, mas também acreditar que se goza da confiança dos outros”
(PUTNAM, 2006, p. 174).
1.2.4. Associações: estruturas sociais da cooperação
Tocqueville (2004) observou que nos Estados Unidos o associativismo foi elemento
fundamental para abrandar a debilidade individual, evitando assim o surgimento da
tirania e corroborando as relações de igualdade.
Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os
espíritos, se unem sem cessar. Não apenas têm associações comerciais e
industriais de que todos participam, mas possuem além dessas, mil outras:
religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito particulares, imensas
e minúsculas; os americanos se associam para dar festas, fundar
seminários, construir albergues, erguer igrejas, difundir livros, enviar
missionários aos antípodas; criam dessa maneira hospitais, prisões,
escolas. [...] O país mais democrático da terra é aquele, dentre todos, em
que os homens mais aperfeiçoaram em nossos dias a arte de perseguir em
comum o objeto de seus desejos comuns e aplicaram ao maior número de
objetos essa nova ciência (TOCQUEVILLE, 2004, p. 131-132).
Para Putnam (2006) a estabilidade do governo democrático depende das
associações civis. São as associações as principais responsáveis pela disseminação
de valores como a cooperação e solidariedade. A capacidade de indivíduos se
associarem está diretamente ligada à concretização do interesse comum. Contudo,
Putnam (2006), a partir dos estudos de Esman e Uphoff
14
, constata que as
associações “implantadas” tendem ao fracasso
15
. Assim, “as organizações locais
mais bem-sucedidas representam iniciativas autóctones participativas em
comunidades locais relativamente coesas” (PUTNAM, 2006, p.104).
14
ESMAN, M. J.; UPHOFF, N. T. Local organizations: intermediaries in rural development.
Ithaca: Cornell University Press, 1984.
15
Congruente com a constatação de Cardoso (2004, p. 48): “Atualmente sabe-se que a
sustentabilidade das mudanças depende de desenho de programas que incluam a participação dos
beneficiados e promovam o desenvolvimento do capital social que existe em todas as comunidades”.
31
1.3. FUNDAMENTOS DO CAPITAL SOCIAL
1.3.1. Os estudos de Robert Putnam
A partir dos anos 1970 um novo modelo de gestão foi implantado na Itália onde foi
rompida a secular organização centralizada. Putnam percorreu o país de norte a sul
durante mais de vinte anos tendo por finalidade o estudo das regiões administrativas
recém-criadas. De acordo com o autor, uma viagem qualquer ligando Seveso e
Pietrapertosa (Figura 1), pode aos olhos de um observador atento denunciar os
contrastes históricos entre o ponto de partida e de chegada (PUTNAM, 2006).
Ao longo de duas décadas Putnam teve por objetivo a compreensão dos fenômenos
ocorridos na Itália a partir do processo de estruturação dos governos regionais
buscando contribuir para a compreensão do desempenho das instituições das
sociedades democráticas. De acordo com Fernandes (2001) os estudos de Robert
Putnam foram, nas palavras do autor, os mais fecundos no contexto atual da ciência
política.
Figura 1: Regiões administrativas italianas
Fonte: PUTNAM, 2006, p. 18.
32
Segundo Putnam (2006, p. 23), “a ciência política tem se ocupado das instituições
desde a antiguidade, mas recentemente os teóricos passaram a abordar as
questões institucionais com vigor e criatividade renovados em nome do ‘novo
institucionalismo’”.
De forma resumida, Fernandes (2001) aponta a corrente neo-institucionalista
adotada por March e Olsen (1989, apud PUTNAM, 2006), autores que “desenvolvem
um pensamento que procura entender as instituições como fruto de processos
culturais, respondendo à necessidade de reassegurar normas, valores e crenças
adquiridos ao longo do tempo” (FERNANDES, 2001, p. 6). Destaque também pode
ser dado a Evans (1993) na análise do capital social sob uma perspectiva
institucional. Sob essa perspectiva, March e Olsen afirmam o seguinte:
A organização da vida política é importante, e as instituições influenciam o
fluxo da história. [...] As instituições influenciam a maneira pela qual os
indivíduos e grupos se tornam atuantes dentro e fora das instituições
estabelecidas, o grau de confiança entre os cidadãos e líderes, as
aspirações comuns da comunidade política, o idioma, os critérios e os
preceitos partilhados pela comunidade, e o significado de conceitos como
democracia, justiça, liberdade e igualdade (MARCH; OLSEN, 1989, apud
PUTNAM, 2006, p. 33).
Embora haja divergências
16
na corrente neo-institucionalista, tanto de ordem teórica
quanto metodológica, estão de acordo dois fatores: as instituições moldam a política
e as instituições são moldadas pela história
17
.
1.3.2. Do desempenho institucional
Conforme Putnan (2006) apresenta, na Florença do século XVI, Maquiavel e outros
contemporâneos concluíram que o êxito ou fracasso das instituições dependia do
caráter dos cidadãos, isto é, de sua virtude cívica, reflexão posteriormente negada
por Hobbes, Locke e seus sucessores liberais. A partir de seus estudos empíricos
acerca da descentralização administrativa italiana, Putnam revela que “há uma forte
correlação entre modernidade econômica e desempenho institucional e que o
16
Este trabalho não tem como objetivo estabelecer uma relação dicotômica entre o culturalismo e o
neo-institucionalismo em questões ligadas ao capital social.
17
Aspecto consoante com as idéias de March & Olsen, citados por Fernandes (2001).
33
desempenho institucional está correlacionado com a natureza da vida cívica”
(FERNANDES, 2001, p. 2).
Para Putnam (2006), raras são as avaliações rigorosas sobre o desempenho
institucional, o que o insere seus estudos numa perspectiva. Visando
especificamente estudar o governo representativo como instituição, o autor deixa
claro que “um bom governo democrático não só considera as demandas de seus
cidadãos (ou seja, é sensível), mas também age com eficácia em relação a tais
demandas (ou seja, é eficaz)” (PUTNAM, 2006, p. 77).
De acordo com o autor, o conceito de desempenho institucional baseia-se no
seguinte modelo:
Figura 2: Modelo de governança para avaliação
do desempenho institucional
Fonte: PUTNAM, 2006.
34
A partir de estudos quantitativos, para dar corpo a sua pesquisa, Putnam (2006)
utilizou uma metodologia comparativa envolvendo análises fatoriais e regressões
múltiplas, percorrendo as vinte regiões entre o norte e o sul da Itália, de 1976 a
1989, contabilizando centenas de entrevistas com conselheiros regionais, líderes
regionais e sondagens eleitorais junto à população. Para que fosse criado um índice
de desempenho institucional, foram estabelecidas doze variáveis: estabilidade do
gabinete, presteza orçamentária, serviços estatísticos e de informação, legislação
reformadora, inovação legislativa, creches, clínicas familiares, instrumentos de
política industrial, capacidade de efetuar gastos na agricultura, gastos com a
unidade sanitária local, habitação e desenvolvimento urbano, sensibilidade da
democracia (Quadro 1).
Um dado curioso na avaliação destes indicadores é a tentativa de Putnam
em avaliar o que chama de ‘produtos’ e não os resultados destes
indicadores. Sua intenção foi trazer o foco mais para o modus operandi das
políticas do que para os resultados destas, encontrar no caminho e
desenvolvimento de determinada política sua eficácia, ao invés de
comumente associar eficácia aos resultados trazidos por esta política.
Importou, portanto, verificar não a taxa de mortalidade, mas a concepção e
o funcionamento do sistema de saúde, não o nível de poluição atmosférica,
mas a concepção e o funcionamento da política ambiental (FERNANDES,
2001, p. 8).
De um modo geral os indicadores propostos por Putnam (2006) ajudaram a tornar
claras as diferenças entre as diversas regiões estudadas, conquanto não houvesse
crença de que, necessariamente, tais indicadores evidenciariam total coerência no
estudo dadas às imprecisões na mensuração, às diferenças nas prioridades
regionais e às múltiplas influências exercidas em cada uma das atividades
institucionais. Para satisfação do pesquisador, ao longo do estudo, foi constatada
notável coerência entre os doze indicadores.
As regiões que têm gabinetes estáveis, que aprovam seu orçamento dentro
do prazo, que utilizam seus recursos conforme o planejado e que
introduzem novas leis costumam ser as mesmas que oferecem creches e
clínicas familiares, têm um planejamento urbano detalhado, concedem
empréstimos aos agricultores e respondem prontamente às cartas que lhes
enviam os cidadãos (PUTNAM, 2006, p. 87).
No entanto, o autor chama a atenção para a análise isolada dos indicadores
propostos, ação que pode não refletir as diferenças entre as regiões estudadas.
Além disso, deve-se ter em mente que esses mesmos indicadores não são perfeitos
35
sugerindo que as análises sejam feitas em mais de uma dimensão para que possam
ser evitados vieses que prejudiquem o olhar do pesquisador.
Quadro 1: Indicadores de desempenho institucional
(continua)
Indicador O que foi mensurado
Estabilidade do gabinete
Medida da variação de gabinetes constituídos
nas legislaturas de 1975-80 e 1980-85.
Algumas regiões tiveram gabinetes bastante
estáveis e com isso puderam seguir uma linha
política coerente. Já outras tiveram dificuldade
não só para formar uma coligação, mas
também para mantê-la.
Presteza orçamentária
Tempo médio para a aprovação do orçamento
pelo conselho regional. Putnam constatou que
praticamente nenhuma região cumpriu esta
meta no prazo estipulado. Percebendo-se um
atraso maior nas regiões ao sul.
Serviços estatísticos e de
informação
As regiões foram classificadas de acordo com
o nível de seus serviços estatísticos e de
informação. Assim, de acordo com o autor, os
governos mais bem informados sobre os
eleitores e seus problemas podem servi-los de
modo mais eficaz.
Legislação reformadora
Exame de toda a produção legislativa no
período 1978-84 em três áreas de atuação:
desenvolvimento econômico, planejamento
territorial e ambiental e serviços sociais. Foram
utilizados três critérios gerais de avaliação: a
abrangência da legislação, a coerência da
legislação, a criatividade da legislação.
Inovação legislativa
Foram avaliados doze diferentes tópicos nos
quais surgiram legislações semelhantes em
várias regiões: poluição do ar e da água,
fomento da pesca, proteção ao consumidor,
assistência médica preventiva, regulamen-
tação da mineração de superfície, classifica-
ção de hotéis, proteção à fauna, entre outros.
O indicador foi empregado para que fosse
analisado, em média, quanto tempo cada
região levou para implantar as leis nas doze
áreas.
36
Quadro 1: Indicadores de desempenho institucional
(conclusão)
Indicador O que foi mensurado
Creches
Número de creches mantidas pela região que
estavam em funcionamento até 1983.
Clínicas familiares
Número de clínicas familiares que estavam em
funcionamento até 1978, em relação com a
população regional.
Instrumentos de política
industrial
Assim que os recursos se tornaram
disponíveis, algumas regiões simplesmente
optaram pelo clientelismo, concedendo
subsídios a determinadas empresas. Outras,
mais adiantadas, prestaram apoio aos setores
público e privado. O grau de sofisticação
alcançado pelas regiões na área da política
industrial foi aferido a partir de seis instru-
mentos: plano regional de desenvolvimento
econômico, plano regional de utilização da
terra, parques industriais, agências de
financiamento do desenvolvimento regional,
consórcios de desenvolvimento e comercia-
lização industriais, programa de capacitação
no emprego.
Capacidade de efetuar gastos
na agricultura
Foi aferida por meio da análise da parcela de
recursos destinados e utilizados na agricultura
entre 1978-80.
Gastos com unidade sanitária
local
Aferição do gasto per capta com as unidades
sanitárias locais em 1983, cinco anos após a
promulgação do estatuto nacional.
Habitação e desenvolvimento
urbano
Foram coletados dados nos anos de 1979,
1981, 1985 e 1987 referente à capacidade das
regiões de utilizar recursos voltados para as
áreas de habitação e desenvolvimento urbano.
Sensibilidade da burocracia
Único indicador onde foi avaliado o ponto de
vista do cidadão. Chegou-se à conclusão que
nas regiões mais eficientes, o tempo de
resposta às demandas dos cidadãos era
menor.
Fonte: PUTNAM, 2006, p. 79-87.
37
1.3.3. Conceitos de capital social
Tema recorrente nos círculos acadêmicos, o capital social vem sendo empregado
como elemento de análise que possa contribuir para a elucidação do
desenvolvimento em inúmeros espaços e localidades.
De acordo com Hoffmann (2005), o Banco Mundial subdivide o capital em quatro
formas básicas. A saber:
Quadro 2: Subdivisão do capital de acordo com o Banco Mundial
Capital natural
Composto pelos recursos naturais dis-
poníveis em um determinado território.
Capital físico-econômico
Composto por insumos, infra-estrutura,
bens de capital e condições de finan-
ciamento.
Capital humano
Definido pelo grau de acesso à
educação, saúde e nutrição de um
povo.
Capital social
Definido pela capacidade de uma so-
ciedade construir inter-relações de
confiança e redes de cooperação entre
seus membros, com o objetivo de
construir bens coletivos.
Fonte: HOFFMANN (2005).
Segundo Frey (2003), a concepção de capital social ganhou bastante destaque a
partir das análises de Robert Putnam acerca do desenvolvimento em regiões da
Itália, estudo que deu origem à obra “Making democracy work”
18
, publicado em 1993.
“Putnam identificou uma grande densidade de associações e a existência de
relações sociais de reciprocidade como as principais premissas de uma democracia
vital e de um engajamento cívico efetivo” (FREY, 2003, p.2).
18
“Comunidade e democracia”, no título em português.
38
Para Milani (2004), a tentativa de definir a autoria do termo capital social não traz
nenhum tipo de contribuição aos estudos acadêmicos
19
. Na opinião do autor, as
análises realizadas nos Estados Unidos são fundamentais para o desenvolvimento
de uma teoria do capital social.
Desde os conhecidos estudos de Alexis de Tocqueville no século XIX [...] a
maioria das análises sobre a própria sociedade norte-americana salientam
o impacto do compromisso cívico das entidades da sociedade civil
(associações, clubes, sindicatos) na construção da democracia liberal. Da
combinação entre compromisso cívico, comunidade e liberdades
individuais resultaria o capital social, base da democracia liberal norte-
americana (MILANI, 2004, p.13).
Embora não seja um conceito recente, o capital social busca apresentar, segundo
Fernandes (2001), antigas noções de civismo comunitário, assunto tratado
amplamente por Tocqueville em “A democracia na América” (2004).
Como observa Milani (2004), na Europa o desenvolvimento político e a história das
relações entre Estado e sociedade resultaram em um menor grau de estudos acerca
do capital social. Um de seus expoentes, Pierre Bourdieu, dispôs, além do capital
social o capital econômico, simbólico, histórico e cultural. Segundo Bourdieu,
[...] o capital social é propriedade do indivíduo e de um grupo; é
concomitantemente estoque e base de um processo de acumulação que
permite a pessoas inicialmente bem dotadas e situadas de terem mais êxito
na competição social. A idéia de capital social remete aos recursos
resultantes da participação em redes de relações mais ou menos
institucionalizadas. Entretanto, o capital social é considerado uma quase-
propriedade do indivíduo, visto que propicia, acima de tudo, benefícios de
ordem privada e individual (BOURDIEU, 1980, apud MILANI, 2004, p.14).
No entanto, mesmo sendo uma vasta fonte de auxílio para a discussão do
desenvolvimento local, é importante ressaltar que, o conceito de capital social
quando superdimensionado ou tratado de forma messiânica pode causar um efeito
que o leve à desqualificação, evidenciando uma compreensão equivocada
(D’ARAÚJO, 2003).
19
Milani (2204) esclarece que Lyda Hanifan já utiliza o termo capital social em 1916, no artigo “The
rural school community center”, publicado nos anais da “American Academy of Political and Social
Science”. Segundo o autor, Putnam considera que a urbanista Jane Jacobs é a primeira a utilizar o
termo capital social com o significado atual, em 1961.
39
Resumidamente, o capital social pode ser explicado como as relações de
cooperação, solidariedade e confiança contidas em um dado espaço ou comunidade
(FUKUYAMA, 1999; D’ARAÚJO, 2003; PUTNAM, 2006). De acordo com Putnam
(2006), o capital social está associado a características da organização social, como
confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da
sociedade. De acordo com Coleman,
Assim como as outras formas de capital, o capital social é produtivo,
possibilitando a realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis se
ele não existisse [...]. Por exemplo, um grupo cujos membros demonstrem
confiabilidade e que depositem ampla confiança uns nos outros é capaz de
realizar muito mais do que outro grupo que careça de confiabilidade e
confiança [...]. Numa comunidade rural [...] onde um agricultor ajuda o outro
a enfadar o seu feno e onde os implementos agrícolas são reciprocamente
emprestados, o capital social permite a cada agricultor realizar o seu
trabalho com menos capital físico sob a forma de utensílios e equipamento
(COLEMAN, 1990, apud PUTNAM, 2006, p. 177)
.
Fukuyama (1999) acrescenta à discussão o conceito de redes de confiança. De
acordo com o autor, todos os grupos que compartilham a existência de capital social
estão inscritos em uma espécie de raio de confiança, ou seja, num espaço em que
as normas cooperativas operam. Em sua opinião, uma sociedade moderna que goza
de capital social, pode ser pensada como uma série de raios de confiança
concêntricos e sobrepostos, como apresentado na Figura 3.
Figura 3: Redes de confiança
Fonte: FUKUYAMA, 1999
20
.
20
Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/seminar/1999/reforms/fukuyama.htm>. Acesso
em 01 de outubro de 2007.
40
Ainda que muitas definições possam surgir acerca do capital social, pretende-se,
neste trabalho, adotar o conceito de Robert Putnam, autor que enaltece as redes de
confiança e cooperação como elementos geradores desse tipo de capital. Na citação
abaixo, Putnam (2006) evidencia no exemplo das associações de crédito rotativo um
breve relato da utilização de capital social.
O capital social facilita a cooperação instantânea. Um bom exemplo desse
princípio é a instituição de poupança informal, largamente difundida nos
quatro continentes, chamada associação de crédito rotativo. Tal associação
consiste num grupo que aceita contribuir regularmente para um fundo que
é destinado, integral ou parcialmente, a cada contribuinte alternadamente.
[...] Numa associação de crédito rotativo com vinte membros, por exemplo,
cada um contribui com um montante mensal equivalente a um dólar, e todo
mês um membro diferente recebe esses vinte dólares para gastar como
bem entender. [...] As associações de crédito rotativo variam bastante em
tamanho, composição social, organização e critérios para determinar as
contribuições. Todas elas combinam sociabilidade com formação de capital
em pequena escala (PUTNAM, 2006, p. 177).
Nesse sentido, a confiança é elemento fundamental para a geração de cooperação.
As ações mútuas entre os cidadãos de uma determinada região podem ser
benéficas, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. Assim, quanto maior o
nível de confiança, maior a probabilidade de haver cooperação. Um ponto relevante
quanto à aplicação do capital social como elemento de desenvolvimento local é que
seu estoque aumenta proporcionalmente ao uso (HOFFMANN, 2005).
Na Itália, a partir das noções de cultura cívica, cujas contribuições de Tocqueville
(2004) são indispensáveis, Putnam (2006) observou que nas regiões menos cívicas
daquele país, a vida coletiva foi comprometida (Figuras 4 e 5). “Talvez as tradições
de participação cívica [...] ajudem a explicar as atuais diferenças no nível do
desenvolvimento. [...] Talvez o civismo ajude a explicar a economia, e não o inverso”
(PUTNAM, 2006, p. 164). Assim, para o autor o capital econômico não é suficiente
para explicar o sucesso ou fracasso de uma região.
Buscando exemplificar a ênfase dada ao civismo como elemento de
desenvolvimento, Putnam (2006) propõe duas situações: a primeira onde seria
analisado o desenvolvimento econômico de uma região qualquer nos anos 1970,
tendo por base a participação cívica em 1900; a segunda, prevendo o grau de
41
participação cívica nos anos 1970, a partir da análise do desenvolvimento
econômico em 1900. Em seus estudos comparativos entre o norte e o sul da Itália, o
autor conclui que, embora o sul tenha sido muito rico nas décadas passadas, a
ausência de cultura cívica foi a peça fundamental para o seu baixo desempenho na
atualidade. De modo contrário, o alto grau de cultura cívica no norte, foi condição
primária para seus grandes resultados institucionais. Desta forma, Putnam (2006)
visa a comprovar sua tese de que a cultura cívica é uma condição sine qua non para
o desenvolvimento econômico e, concomitantemente, para o desempenho
institucional.
Figura 4: Tradições cívicas e comunidade
cívica contemporânea
21
Fonte: PUTNAM, 2006, p. 161.
21
As regiões do norte como Emilia-Romagna (Em) e Toscana (To) são aquelas que apresentam
maior tradição cívica e melhor desempenho institucional, ao contrário de regiões do sul como Calábria
(Cl) e Campânia (Cm).
42
Figura 5: Tradições de participação cívica, 1860-1920
e desempenho institucional, 1978
Fonte: PUTNAM, 2006, p. 161.
Com base nos indicadores apresentados por Putnam (Quadro 1), percebeu-se a
grande vantagem das regiões do norte sobre as do sul, cuja primazia é explicada
pelo autor principalmente a partir da cultura cívica, amplamente percebida em
regiões como Emilia-Romagna e Toscana e de forma pífia em Calábria e Campânia
(Figura 6). “Onde um século atrás os italianos estavam mais fortemente engajados
em novas formas de solidariedade social e mobilização cívica, [...] hoje demonstram
maior civismo em sua vida política e social”
22
(PUTNAM, 2006, p. 160).
22
Como pode ser constatado nas Figuras 4 e 5.
43
Figura 6: Tradições cívicas nas regiões italianas, 1860-1920
Fonte: PUTNAM, 2006, p. 160.
Como apresenta Milani (2004), Putnam partiu de estudos comparativos para a
elaboração de suas análises. De acordo com o autor, as pesquisas econômicas
podem ainda se subdividir em quantitativas, avaliativas e qualitativas. Tendo em
vista os conceitos apresentados por Putnam (2006), pretendeu-se estudar o
município de Jaguaré, interior do Estado do Espírito Santo, porém numa perspectiva
qualitativa, visando a compreender a trajetória histórica desse município, a
existência de capital social e de cultura cívica e como o desenvolvimento nesta
localidade está ligado a esses conceitos.
44
2. DE BARRA SECA A JAGUARÉ: UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICA
2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO
Localizado a aproximadamente 200 km da capital capixaba, o município de Jaguaré
está situado na Microrregião Litoral Norte do Estado do Espírito Santo (Figura 7).
Sua origem data de 1946, quando da chegada de um grupo de quatorze colonos
italianos, provenientes do distrito de Jaciguá (Cachoeiro de Itapemirim), lideradas
por Pedro Altoé (AURICH, 1996; FALCHETTO, 2003; DIAGNÓSTICO
PARTICIPATIVO LOCAL, 2002; INSTITUTO JONES SANTOS NEVES, 2007
23
).
Nesse período, Jaguaré ainda era denominado de Ponte do Rio Barra Seca,
localidade do município de São Mateus. Embora a chegada dos italianos seja dotada
de grande relevância, a região foi habitada por índios denominados genericamente
de botocudos e posteriormente por caboclos, provavelmente oriundos do nordeste
brasileiro e de Minas Gerais. Segundo Aurich (1996) esse grupo que povoava a
referida região era, na verdade, formada por mestiços. “Foram denominados
‘caboclos’ pelos primeiros moradores italianos vindos do Sul do Estado” (AURICH,
1996, p.20).
A migração dos agricultores italianos do sul do Estado foi patrocinada pelo governo
estadual, com o objetivo de povoar o norte capixaba. A facilidade na aquisição de
terras por meio da doação deu grande impulso à colonização e a caravana que ali
chegava foi acompanhada por um orientador, Bertolo Malacarne, autorizado pelo
governador Carlos Lindemberg. Sua principal função era criar as condições para que
a distribuição de terras atendesse às expectativas dos colonos que chegavam
(AURICH, 1996; FALCHETTO, 2003; DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO LOCAL,
2002; INSTITUTO JONES SANTOS NEVES, 2007).
O norte do Estado se apresentava com áreas ainda inexploradas, uma
cobertura vegetal quase intocada, com terras a preços muito abaixo do
mercado, além do incentivo do governo estadual para a exploração e
conquista da região. Essas são as condições ideais para o
empreendimento de expansão desejada pelos colonos do sul (AURICH,
1996, p. 36).
23
Disponível em: < http://www.ijsn.es.gov.br>. Acesso em: 1 out. 2007.
45
Figura 7: Microrregiões do Espírito Santo
Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves (2007).
O primeiro grupo vindo do sul do Estado abre espaço para um fluxo contínuo de
novos colonos. Surgem a partir daí as demarcações com cercas e escrituração das
terras. Em 1949 chega a Barra Seca Cipriano Cocco, pioneiro responsável pela
construção de um barracão de estuque, marcando efetivamente a consolidação do
núcleo colonizador.
Antes dele [Cipriano Cocco] chegaram, em junho de 1949, seus filhos
Olímpio, Malvino e Francisco, acompanhados de Sebastião Ribondi,
cunhado de Olímpio. Miguel e Alfeu Sossai, com as respectivas famílias,
chegam para ficar em 22 de agosto de 1950, exatamente no dia em que foi
celebrada a primeira missa (AURICH, 1996, p. 40).
46
As famílias italianas que passaram a habitar a região de Barra Seca possuíam
valores culturais fortemente ligados aos valores religiosos. A construção da igreja
foi uma das prioridades e elemento fundamental para a realização das missas de
domingo, cerimônias de casamento e batismos. A igreja foi um dos principais
espaços de inter-relação e de coesão naquele período e sua construção foi
realizada a partir de um mutirão envolvendo colonos italianos e caboclos.
Com o passar dos anos a mata cede espaço à lavoura. O clima favorável, as
chuvas regulares e a fertilidade do solo propiciam uma farta colheita. Inicialmente
foram implementadas a cultura de banana e mandioca pelo curto ciclo de produção
e alta produtividade. Em seguida foram plantadas as primeiras sementes de café
Bourbon
24
, tradicionalmente plantado no sul do Estado, mas não adequado ao
clima do norte capixaba.
A partir da década de 1950 foram comprados equipamentos para o beneficiamento
do café, cultura agrícola que neste momento já apresentava ganhos de produção.
As primeiras aquisições foram feitas por José Sossai. Embora a base econômica
estivesse fundamentada na produção do café, as atividades comerciais começam
a se desenvolver. Em outubro de 1953 é aberta a primeira casa de comércio, de
propriedade de Nicolau Falchetto. A partir de 1957, Barra Seca passa a ser ligada
por um ponto de ônibus, elemento fundamental para o desenvolvimento do
comércio local, uma vez que provocou considerável aumento na circulação de
pessoas, favorecendo a venda de mercadorias.
Relato 1 [sic]: Rita Falchetto, moradora de Jaguaré e filha de
Nicolau Falchetto, primeiro comerciante local
25
O seu José Sossai e meu pai eram muito amigos. Seu José Sossai veio pra cá,
pra Jaguaré, ele e a família. Só que ele ficou morando isolado, tinha muita mata,
muito bicho e ele ficou meio espantado com a situação. Ele vivia pedindo,
mandando cartas para papai vir morar pra cá. [...] Ele conseguiu convencer
papai de vir pra cá com a família, na época papai tinha dois filhos. Papai falou
24
Espécie de café arábica desenvolvida na França no século XVIII.
25
Entrevista concedida em 20 de outubro de 2007, no local onde funcionou a primeira casa comercial
de Jaguaré, hoje um pequeno bar de propriedade de Rita Falchetto.
47
que vinha dar uma olhada pra ver se compensava. A intenção do seu Zé Sossai
era que papai montasse um comércio em Jaguaré, porque ele já trabalhava com
isso em Venda Nova
26
nessa época. Trabalhava com os Perim, lá em Venda
Nova. Ele veio aqui, gostou do lugar, fizeram reuniões com os caboclos, com o
seu José Sossai e conseguiram convencer papai. A partir desse momento eles
decidiram que seria fundado aqui um distrito.
Traço característico da cultura italiana, Jaguaré, já naquela época, revelava uma
tradição de festas e reuniões, normalmente associadas a eventos religiosos. A
igreja era considerada o epicentro dos principais acontecimentos da cidade, dos
encontros familiares até as decisões do futuro da nova comunidade. As relações
de cooperação extrapolavam as obras comunitárias perpassando também as
construções privadas.
Ligando o norte do Estado à capital capixaba, a BR 101 foi uma importante obra
para o desenvolvimento econômico da região. Base para o escoamento dos
produtos e para a locomoção de pessoas, a rodovia federal atravessava o então
povoamento de Jaguaré. O grande fluxo de pessoas e automóveis na localidade foi
agente responsável pelo desenvolvimento comercial, facilitando a compra e venda
de mercadorias. Com o asfaltamento da estrada, o percurso foi transferido para
Barra Seca, dando maior destaque ao povoado e fazendo com que Jaguaré
perdesse o impulso econômico inicial, dificultando inclusive o processo de criação
de um distrito.
As atas do Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré
27
, evidenciam o clima de
reciprocidade e da organização em torno de ideais comuns (AURICH, 1996).
Percebia-se então a necessidade de uma representação política composta por
membros da própria comunidade. Em 1962, Nicolau Falchetto, presidente do
comitê, foi eleito vereador do município de São Mateus.
26
Município da Microrregião Sudoeste Serrana do Estado do Espírito Santo.
27
Criado em 25 de julho de 1960, o Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré tinha por objetivo a união
de forças para encontrar as soluções que a comunidade exigia, dada a nova realidade do distrito e as
demandas que surgiam em função do desenvolvimento da localidade (AURICH, 1996).
48
Com o desenvolvimento experimentado a partir do advento do extrativismo da
madeira e o surgimento de inúmeras serrarias, Jaguaré passa a demonstrar
grande força política e econômica para o município de São Mateus (AURICH,
1996). A partir daí, inicia-se um processo de discussão entre os moradores de
Jaguaré e Barra Seca em torno da transformação dessas vilas emergentes em
distrito de São Mateus. O sentimento de abandono em relação à sede
administrativa torna-se base para amplas reivindicações, uma vez que já
demonstravam sua importância econômica.
A década de 60 assiste a uma significativa transformação da localidade
com a chegada de uma nova mentalidade empresarial e uma nova forma
de explorar as riquezas da terra – a mata começa a ser utilizada como
fonte de lucro. Nesta época o café atravessava uma séria crise, que abala
de forma marcante toda a economia nacional, com desdobramentos no
Estado e, conseqüentemente, na região de Jaguaré. Entretanto a região
adapta-se a esta situação, garantindo o seu desenvolvimento alicerçado no
extrativismo vegetal e no beneficiamento da madeira, com a instalação de
serrarias (DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO LOCAL, 2002).
Nesse período, a imensa reserva de madeira proveniente da Mata Atlântica tomou
conta do cenário local. Como resultado, graças ao funcionamento de dezenas de
serrarias, houve grande desmatamento da floresta natural e, em função da
crescente necessidade de mão-de-obra, um considerável aumento do contingente
populacional.
A partir desse momento, a necessidade de energia elétrica passa a fazer parte da
agenda do distrito. Os motores que faziam funcionar as serrarias serviam também
às casas ao seu redor, entretanto isso não era suficiente.
A tarefa de trazer a energia elétrica para Jaguaré foi cercada de problemas,
que exigiram contínua busca de soluções. A solidariedade entre os
moradores, capitaneada pelo Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré,
facilitou o encontro dessas soluções. A vinda da energia da Escelsa
28
,
depois de todo o projeto já elaborado minuciosamente, esbarrou em uma
questão burocrático-finaceira: o escritório central da Escelsa, instalado em
Nova Venécia, recusou-se a executar o projeto devido a um débito da
prefeitura de São Mateus que precisava ser quitado. [...] A dívida deveria
ser paga para que fossem obtidas as benesses da energia elétrica e
ninguém mais que os donos de serrarias tinham interesse no
empreendimento. É feita então uma cotização entre esses empresários e,
em uma reunião memorável, ocorrida no restaurante de Aniceto Sossai,
Paschoal Brioschi, Calixto Dagostini, Tranqüilo Gasparini e Pedro Sossai
28
Companhia energética local.
49
entregam ao Prefeito de São Mateus, Danilo Pirola, o dinheiro arrecadado
para saldar a dívida, liberando os entraves burocráticos que impediam o
crescimento da vila (AURICH, 1996, p. 40).
Embora os interesses econômicos fossem claros em relação ao pagamento da
dívida, o processo que envolveu o levantamento dos recursos financeiros
necessários a sua quitação demonstra um forte laço de cooperação entre o grupo
de empresários da região.
Dadas as condições impostas pela política mateense e graças à organização
comunitária, lotes são doados pelos próprios moradores, a exemplo de Luiz Facco
e Nicolau Falchetto, para a construção do posto de saúde, posto de arrecadação,
delegacia e cartório de registro civil. A liderança do Comitê Pró-melhoramentos de
Jaguaré foi fundamental para que as reivindicações da criação do novo distrito
chegassem ao prefeito de São Mateus. Com parecer favorável à transformação de
Jaguaré em distrito, faltava a aprovação da Assembléia Legislativa, o que ocorreu
nos meses seguintes. Com a superação das dificuldades, em 9 de agosto de 1964
foi instalado o distrito de Jaguaré.
Em 1970 novos representantes foram eleitos para a câmara municipal de São
Mateus, confirmando a importância política conquistada na década anterior. No
mesmo ano o Sr. Nicolau Falchetto torna-se vice-prefeito do município.
O crescimento econômico do distrito, as conquistas sociais, o avanço na
área de educação, a representatividade política confirmada, paralela às
expectativas de obras de saneamento básico, realizações que o lugar já
pleiteava, fazem aflorar no povo de Jaguaré o desejo de enfim conquistar
sua emancipação político-administrativa (AURICH, 1996, p. 104).
Em 1979 é dado início ao processo de emancipação com o recolhimento de
assinaturas para que fossem encaminhadas à Assembléia Legislativa. O objetivo
era que os deputados verificassem as possibilidades de emancipação, uma vez
que o então distrito já possuía índices populacionais e eleitorais e rendimentos
proporcionados pela produção cafeeira e pecuária, fatores que davam condições
ao pleito da comunidade. No ano de 1980 o abaixo assinado é lido na sessão,
dando continuidade ao processo. Ao final daquele mesmo ano o processo é
50
arquivado, com base no artigo 134 do Regimento Interno da Assembléia
Legislativa.
No mês de abril de 1981 o processo foi desarquivado a pedido do deputado
estadual Lúcio Merçon e um novo abaixo-assinado foi encaminhado à Assembléia
com a solicitação de anexação da vila de Barra Seca ao novo município que
surgiria. Após todas as providências legais cabíveis, no dia 13 de dezembro de
1981, o governador Eurico Vieira de Rezende sancionou a lei que criava o
município de Jaguaré (Figura 8).
As comemorações pela emancipação mais uma vez mostraram o espírito
de união dos moradores de Jaguaré. [...] O povo compareceu às ruas, com
ar de festa. Faixas em que foram escritas saudações de progresso ao novo
município engalanavam a cidade (AURICH, 1996, p. 104).
A eleição do primeiro prefeito do novo município ocorreu em 15 de novembro de
1982. Foram eleitos o Domingos Sávio Pinto Martins e Ozílio Carlos Pansini,
prefeito e vice-prefeito, respectivamente. Assim, uma nova realidade é instalada no
agora município de Jaguaré.
Quadro 3: Linha do tempo de Jaguaré
(continua)
1946 – Chegada dos primeiros italianos no município;
1950 – 1ª Missa celebrada em Jaguaré pelo cônego Guilherme Smith;
1953 – 1ª produção de café;
1954 – 1ª máquina de pilar café de propriedade de José Sossai;
1963 – Em dezembro foi criado o distrito de Jaguaré;
1964 – Em 9 de agosto foi instalado o distrito de Jaguaré, razão pela
qual a principal avenida chama-se Nove de Agosto;
1970 – Foram eleitos vereadores Paschoal Brioschi e Crispiniano Cerutti
moradores do distrito de Jaguaré que pertencia ao Município de São
Mateus. Neste mesmo ano Nicolau Falchetto foi eleito vice-prefeito,
mais tarde foram eleitos também os Pedro Sossai e Almiro Altoé, além
de Manoel Moreira Braga;
51
Quadro 3: Linha do tempo de Jaguaré
(conclusão)
1976 – Foi eleito para vice-prefeito do Município de São Mateus o Túlio
Pariz, morador do distrito de Jaguaré;
1981 – Eleição através de plebiscito da emancipação em 15 de
novembro. Dia 13 de dezembro de 1981 é a data oficial da emancipação
política, quando o então governador do estado, Eurico Vieira de
Rezende, sancionou a Lei nº 3.445;
1982 – Domingos Sávio Pinto Martins é eleito o primeiro prefeito de
Jaguaré, que governou por um período de seis anos;
1988 – É eleito prefeito Túlio Pariz;
1992 – Domingos Sávio Pinto Martins é reeleito. Neste mesmo ano
houve renúncia do cargo de prefeito para assumir, como suplente, a
vaga de deputado estadual na Assembléia Legislativa do Espírito Santo.
Seu vice, Alaídes Mariani, assume o cargo, administrando entre 1992 a
1996;
1996 – Evilásio Sartório Altoé é eleito prefeito;
1998 – Início da produção de petróleo em poços localizados no campo
de Fazenda Alegre;
2000 – Evilásio Sartório Altoé é reeleito prefeito do município;
2003 – Jaguaré obtém arrecadação recorde de aproximadamente R$
12,8 milhões;
2004 – Florivaldo Picolli, apoiado por Evilásio Altoé é eleito prefeito,
porém não é diplomado por possuir contratos com a prefeitura.
2005 – O presidente da Câmara Municipal, Rogério Feitani, assume
interinamente o cargo de prefeito e logo após a definição do novo pleito,
é candidato e vence o processo eleitoral.
Fontes: Diagnóstico sócio-econômico de Jaguaré (2004), Agência de Desenvolvimento de Jaguaré
(ADEJ), Petrobras e Incaper.
52
2.2. ASPECTOS GERAIS
2.2.1. População e organização geográfica
Entre 1991 e 2007, a população de Jaguaré teve uma taxa média de crescimento
anual de 4,4%, passando de 14.771 em 1991 para 21.098 em 2007. A taxa de
urbanização cresceu 9,7 pontos percentuais, passando de 45,9% em 1991 para
55,6% em 2000 (Tabela 1 e Gráficos 1 e 2). Em 2007, a população do município
representava 0,63% da população do Estado, e 0,01% da população do País.
Tabela 1: População por situação de domicílio
Indicadores 1991 2000 2007
População total
14.771 19.539 21.098
Urbana
6.777 10.699 11.730
Rural
7.994 8.840 9.367
Taxa de urbanização
45,9% 54,8% 55,6%
Fonte: IBGE (2007).
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do IBGE.
Quanto à organização comunitária, Jaguaré, mesmo antes de sua emancipação,
estava dividido em dois distritos (Sede e Barra Seca), tendo sido criado
posteriormente o distrito de Nossa Senhora de Fátima. A Sede do município é a
principal área urbana e onde está concentrada a maior parte dos moradores. Os
três distritos estão organizados de acordo com as seguintes comunidades (Figura
8):
Jaguaré (Sede)
Córrego das Abóboras;
Japira;
Girau;
Santa Maria Gorete;
São Brás;
Córrego da Areia;
São José;
São Paulo;
Bom Jesus;
Rio do Sul;
53
Assentamento 13 de Setembro;
Aracati.
Barra Seca (Sede)
Palmito;
Zanelato;
São Roque;
Santa Rita;
São João do Estivado;
Palmitinho;
Água Limpa;
São Domingos;
Comunidade Luterana.
Nossa Senhora de Fátima (Sede)
Santo Antônio de Pádua;
São João Bosco;
Vargem Grande;
Barra Seca Velha;
São Judas Tadeu;
Valiati;
Santo Anjo.
54
Gráfico 1: Distribuição populacional em Jaguaré
14.771
19.539
21.098
6.777
10.699
11.730
7.994
8.840
9.367
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
1991 2000 2007*
Ano
População
População total Urbana Rural
Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000 e contagem Populacional 2007.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do IBGE.
55
Gráfico 2: Taxa de Urbanização em Jaguaré
45,9%
54,8%
55,6%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
1991 2000 2007*
Ano
Taxa de urbanização
Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000 e contagem Populacional 2007.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do IBGE.
56
Figura 8: Mapa de Jaguaré após a emancipação e seus respectivos distritos
Fonte: Prefeitura Municipal de Jaguaré.
2.2.2. Educação, longevidade e renda
Em relação ao nível educacional encontrado no município de Jaguaré, percebe-se
um processo de melhora substancial no que tange a população jovem do
município. De acordo com a projeção para o ano de 2007, quando comparado com
os índices obtidos em 1991, há uma considerável diminuição na taxa de
analfabetismo entre jovens de 7 a 9 anos (-83,5%), 10 a 14 anos (-93,1%) e 15 a
17 anos (- 84,72). Quanto aos jovens de 18 a 24 anos, o recuo foi da ordem de
48,0%, o que pode ser considerado positivo, ainda que destoe dos números
referentes às outras faixas etárias estudadas. Outro fator relevante, segundo
projeção para 2007, é a freqüência à escola, cujo índice chegou a praticamente
100% da população entre 7 e 17 anos (Tabela 2).
57
Tabela 2: Nível educacional da população jovem
Taxa de
analfabetismo (%)
% com menos de 4
anos de estudo
% com menos de 8
anos de estudo
% freqüentando a
escola
Faixa
etária
(anos)
1991 2000 2007 1991 2000 2007 1991 2000 2007 1991 2000 2007
7 a 9 20,0 6,3 3,3 - - - - - - 82,6 92,0 100
10 a 14 10,1 1,7 0,7 56,8 40,6 32,5 - - - 79,0 90,5 100
15 a 17 7,2 2,2 1,1 30,2 13,5 8,3 85,4 70,2 61,5 44,8 65,9 96,9
18 a 24 10,2 6,9 5,3 28,4 16,8 12,0 79,0 61,4 51,8 - - -
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
Quanto ao nível educacional da população adulta, a taxa de analfabetismo no
período de 1991 a 2007 apresentou redução de 50,1%. Embora a média de anos
de estudos tenha dobrado no intervalo, ainda pode ser considerada baixa,
alcançando 5,8 anos, cerca de um ano a menos que a média do Espírito Santo, de
acordo com projeção para 2007 (Tabela 3).
Tabela 3: Nível educacional da população adulta (25 anos ou mais)
Indicadores 1991 2000 2007
Taxa de analfabetismo 34,9 22,9 17,4
% com menos de 4 anos de estudo 59,9 44,9 37,0
% com menos de 8 anos de estudo 88,7 79,2 73,3
Média de anos de estudo
2,9 4,3
5,8
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
No período 1991-2007, a taxa de mortalidade infantil do município diminuiu 45,8%,
passando de 65,0 (por mil nascidos vivos) em 1991 para 35,2 (por mil nascidos
vivos) em 2007, e a esperança de vida ao nascer cresceu 8,4 anos, passando de
58,3 anos em 1991 para 66,7 anos em 2007 (Tabela 4).
58
Tabela 4: Indicadores de longevidade, mortalidade e fecundidade
Indicadores 1991 2000 2007
Mortalidade até 1 ano
29
65,0 44,9
35,2
Esperança de vida ao nascer
30
58,3 63,1
66,7
Taxa de fecundidade total
31
4,3 2,8
2,1
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
A renda per capita média do município cresceu 13,0%, passando de R$ 280,58 em
1991 para R$ 322,68 em 2007
32
. A pobreza (medida pela proporção de pessoas
com renda domiciliar per capita inferior a R$ 380,00, equivalente à metade do
salário mínimo vigente em dezembro de 2007) diminuiu 48,0%, passando de
63,1% em 1991 para 40,2% em 2000. Além disso, com base no Índice de Gini, a
desigualdade diminuiu cerca de 48% passando de 0,70 para 0,48 no mesmo
período (Tabela 5).
Tabela 5: Indicadores de renda, pobreza e desigualdade
Indicadores 1991 2000 2007
Renda per capita média (R$ de 2007) 280,58 301,63 322,68
Proporção de pobres 63,10 40,20 30,0
Índice de Gini
33
0,70 0,56 0,48
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD.
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
2.3. ASPECTOS ECONÔMICOS
2.3.1. O agronegócio
Quando de sua colonização, a principal atividade econômica registrada em
Jaguaré era o extrativismo da madeira, matéria-prima abundante nas grandes
extensões territoriais da Mata Atlântica.
29
Por mil nascidos vivos.
30
Anos.
31
Filhos por mulher.
32
Com base na inflação acumulada de 2000 a 2007, tomando-se por base o IPCA (IBGE). Fonte:
Banco Central do Brasil.
33
Neste indicador, o Índice de Gini é utilizado como medida de concentração ou desigualdade
utilizada na análise da distribuição de renda. Seus valores podem variar de zero, quando não há
desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor) a um, quando a desigualdade é
máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros
indivíduos é nula). Embora seja de uso comum nas análises referentes à distribuição de renda, sua
aplicação pode ser empregada para avaliar o grau de concentração de terra em uma determinada
região, a distribuição urbana de um país em relação às suas cidades, entre outros.
59
Atualmente, a estratificação fundiária de Jaguaré (Tabela 6) evidencia um
município formado por pequenos produtores (área de até 80ha
34
), o que
corresponde a aproximadamente 91,4% do número de propriedades do município.
Seu modelo de produção é basicamente familiar, contando com a contratação de
mão-de-obra principalmente nos períodos de colheita. Há pouca concentração de
terras, sendo que apenas 8,6% das áreas de produção agrícola pode ser
considerada de médios e grandes produtores.
Tabela 6: Estratificação fundiária do município de Jaguaré
Extratos de
Área (ha)
Nº Total de
Propriedades
Percentual
(%)
Classificação
do Produtor
Até 20,0 1.119 59,43 Mini Produtor
20,0 a 80,0 602 31,97 Pequeno Produtor
80,0 a 500,0 132 7,01 Médio Produtor
500,0 a 1000,0 20 1,06 Médio Produtor
Acima de 1000,0 10 0,53 Grande Produtor
TOTAL 1883 100
-
Fonte: Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Proater 2008 (Incaper).
Atualmente, o município de Jaguaré destaca-se principalmente quanto à produção
agrícola. As principais culturas são a do café, da pimenta-do-reino, do mamão e do
maracujá, segundo dados da Secretaria Municipal de Agricultura. Atividade de
maior destaque, a cafeicultura ocupa cerca de 20 mil hectares de plantação, sendo
o produto que concentra a maior parte da mão-de-obra, bem como de
propriedades voltadas para o seu cultivo, chegando a um total de 1,5 mil
produtores.
Produtores oriundos de Rio Bananal, Marilândia e São Gabriel da Palha foram os
principais responsáveis pelas primeiras mudas plantadas em Jaguaré, na década
de 1970.
Maior produtor nacional do café conilon
35
, Jaguaré possui uma produtividade entre
32 e 36 sacas/beneficiadas/hectare, representando a principal atividade econômica
do município. Em 2006, foram produzidas aproximadamente 680 mil sacas,
gerando uma receita bruta anual de aproximadamente R$ 122,5 milhões e cerca
34
O hectare (ha) é uma unidade de medida de área e corresponde a dez mil metros quadrados.
35
De acordo com dados do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência técnica e extensão rural
(Incaper).
60
de 10,8 mil empregos, segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência
Técnica e Extensão Rural (Incaper).
A utilização de tecnologias agrícolas por grande parte dos produtores apresenta-se
como principal fator para a alta produção cafeeira no município. Destaque para a
utilização de clones altamente produtivos, irrigação, nutrição, controle
fitossanitário, entre outros. Embora a maior parcela de cafeicultores disponibilize
de tais tecnologias em suas propriedades, um número expressivo de pequenas
propriedades familiares ainda utiliza-se de baixos aparatos tecnológicos em função
da falta de recursos financeiros disponíveis para o investimento em técnicas mais
avançadas, ocasionado principalmente pela descapitalização e pelo pouco acesso
a linhas de crédito rural, fatores essenciais para a renovação tecnológica das
lavouras, além de parcos incentivos públicos destinados às propriedades de baixo
desempenho.
Mesmo com tamanho potencial produtivo, Jaguaré convive ao mesmo tempo com
a baixa qualidade no que se refere ao tipo de café e bebida. De acordo com dados
do Incaper (2008), acredita-se que as demandas externas e o pagamento justo por
um produto de alta qualidade, podem ser elementos fundamentais no processo de
melhoria dos produtos ofertados, fatores que não são percebidos no momento
atual.
Outro elemento de destaque na economia de Jaguaré é a fruticultura. Culturas
como a do mamão e do maracujá tem sido uma opção de diversificação de renda
no município. A implementação de uma indústria de processamento de poupas no
município de Linhares, localizado ao sul de Jaguaré, trouxe uma grande
expectativa de aumento nas áreas de cultivo de maracujá. Por meio de uma
cooperativa criada com o objetivo de produzir e comercializar o maracujá, foi
estabelecido um preço mínimo a ser pago pelo produto e a garantia de compra de
70% da produção, um importante avanço para os agricultores, uma vez que os
preços passam a sofrer menos sobressaltos no mercado local, além da eliminação
de atravessadores no processo.
61
Considerada a segunda atividade geradora de emprego e renda em Jaguaré, a
fruticultura destaca-se pela característica da constante oferta de trabalho no
decorrer do ano, diferente da cultura do café cuja concentração das contratações
intensifica-se no período de colheita que vai de abril a julho. Embora o maracujá e
o mamão sejam os principais frutos cultivados e maiores geradores de receita,
percebe-se uma tendência à ampliação do cultivo do abacaxi, dadas as
características favoráveis de solo e clima da região, além de seu potencial de
venda.
Tradicional produto da região, o cultivo da pimenta-do-reino também constitui uma
importante fonte de geração de renda, principalmente para os pequenos
produtores que empregam basicamente a mão-de-obra familiar, sendo um
importante elemento de fixação do homem ao campo.
Com menor destaque, porém de certa relevância, Jaguaré apresenta ainda o
cultivo dos seguintes produtos agrícolas (INCAPER, 2008):
Seringueira: com aproximadamente 283 hectares de área plantada esta
atividade normalmente é conduzida por médios e grandes produtores;
Noz-macadâmia: cerca de 30 hectares de plantio;
Palmito pupunha: aproximadamente 40 hectares;
Pimenta da Jamaica: 40 hectares de área plantada.
Eucalipto: cerca de 5,2 mil hectares de florestas plantadas. Uma pequena parte
é cultivada por produtores rurais (aproximadamente 400 hectares). A maior
parte da área cultivada é administrada por indústrias de celulose. Nestes
espaços são utilizadas máquinas e equipamentos sofisticados nas operações
de plantio e colheita. A atividade ocupa cerca de 7% da área do município e é
considerada inexpressiva na geração de emprego e renda no município.
As atividades pecuárias são caracterizadas por uma produção mista (corte e leite)
e é explorada por apenas 8% dos proprietários rurais do município, sendo o
rebanho próximo de 13,5 mil cabeças.
62
A agroindústria ainda é incipiente em Jaguaré e pouco representativa na geração
de emprego e renda no município. Destaca-se nesse processo a compra por parte
de um grupo de empresários locais de uma fábrica de poupas, porém ainda não se
encontra em funcionamento.
Tabela 7: Principais atividades agrícolas do município – Ano 2007
Atividade
Área
plantada
(ha)
Área em
produção
( ha )
Produção
Anual
Valor bruto
Produção Anual
(valores em 1000)
Café conilon 21.000 19.000 665.000/sacas R$ 122.400.000,00
Pimenta do reino
230 200 760 t R$ 2.660.000,00
Maracujá
320 250 6.250t R$ 3.250.000,00
Mamão
350 250 10.000 t R$ 3.600.000,00
TOTAL
- - -
R$ 131.910.000,00
Fonte: Programa de Assistência técnica e e Extensão Rural – Proater 2008 (Incaper).
2.3.2. A economia do petróleo em Jaguaré
Depois da agricultura, a produção de petróleo é a segunda maior fonte de receitas
para o município de Jaguaré, correspondendo a aproximadamente 20% da
arrecadação. A principal área de extração petrolífera está localizada na Estação
Fazenda Alegre (FAL), que teve suas atividades iniciadas após descoberta do
campo em 1996 e é responsável pela maior produção em terra no Espírito Santo e
uma das maiores do Brasil.
O primeiro poço perfurado em FAL apresentou uma produtividade muito pequena.
Havia grande dificuldade na extração do petróleo encontrado ali, pelo fato de ser
muito pesado (aproximadamente 13º API
36
). Os primeiros volumes extraídos não
chegavam a um metro cúbico/dia (aproximadamente 6 barris). Após aplicação de
novas técnicas de extração, oriundas de experiências em outros campos, FAL
passou a produzir cem metros cúbicos/dia (600 barris), sem a utilização de métodos
de elevação artificial, o que impressionou os engenheiros responsáveis pelas
atividades no campo, dada grande viscosidade do óleo.
36
O grau API é uma escala hidrométrica idealizada pelo American Petroleum Institute (API),
juntamente com a National Bureau of Standards e utilizada para medir a densidade relativa de
líquidos. Sua escala permite classificar o óleo como leve (maior que 33,1 ºAPI), médio (22,3 a
33,1ºAPI) e pesado (abaixo de 22,3ºAPI).
63
Após a percepção da diminuição da produtividade do campo, foram instalados
sistemas artificiais de elevação a partir da utilização de equipamentos de bombeio
mecânico (popularmente conhecidos como cavalos-de-pau), tecnologia empregada
até o presente momento no campo.
Dadas as metas de produção e pelo fato do campo ser considerado de grande porte
para os padrões brasileiros, muitos poços foram perfurados resultando em níveis
elevados de produtividade, proporcionando sucessivos recordes de produção em
terra no Espírito Santo.
A alta viscosidade do petróleo de Jaguaré não possibilitava sua transferência por
meio de oleodutos para o Terminal de Regência, em Linhares. Assim, a produção
era armazenada em tanques com capacidade para aproximadamente 400 barris. O
transporte era feito por carretas que faziam cerca de cinqüenta viagens por dia em
direção a Regência, o que implicava em altos riscos ambientais e de acidentes, além
de custos elevados.
O projeto de construção de uma planta industrial de processamento de óleo em
Jaguaré surgiu pelo fato de não existir no Espírito Santo nenhuma estação de
tratamento voltada para um óleo tão pesado e também pelo campo possuir um
grande volume de óleo no reservatório. Hoje Fazenda Alegre é considerado o maior
campo com volume de óleo in place do Espírito Santo e responsável por
aproximadamente 27 mil barris por dia.
De acordo com dados da Petrobras, o campo de Fazenda Alegre foi considerado
uma espécie de laboratório para que fossem testadas tecnologias que pudessem ser
empregadas na produção em alto mar. Outro fator relevante é que FAL não possui
tanques de armazenamento, uma vez que hoje sua produção é toda escoada por
meio de um oleoduto ligado ao Terminal Norte Capixaba (TNC), localizado no
município de São Mateus, de onde o petróleo é transferido para navios-tanque. O
TNC possui quatro tanques de armazenagem, isolados termicamente e que mantêm
o óleo aquecido para facilitar a sua transferência em função de sua elevada
viscosidade.
64
A partir de uma análise das propriedades do petróleo de FAL, chegou-se à
conclusão que o mesmo poderia ser empregado na produção de óleo isolante,
utilizado principalmente na fabricação de transformadores elétricos e amortecedores
automotivos. Antes do início das operações em FAL, o país precisava importar esse
tipo de óleo da Venezuela (pelo fato de possuir características muito específicas),
fato que atualmente não mais ocorre. Atualmente Jaguaré conta com
aproximadamente sessenta poços de produção.
Relato 2 [sic]: Nery de Rossi, gerente de engenharia de produção da Unidade
de Negócio de Exploração e Produção da Petrobras no Espírito Santo
37
Nós percebemos que a Petrobras importava óleo naftênico da Venezuela.
[...] Entramos em contato com a Lubnor
38
, em Fortaleza [CE] que é quem
processava o óleo venezuelano. A Lubnor começou a dizer: “Mande pra
gente para gente ver”. Então nós começamos a mandar alguns pequenos
carregamentos de navio. [...] Quando ele começou a ir para a Lubnor, viram
que esse óleo era melhor que o da Venezuela. Hoje, o grande volume de
petróleo processado na Lubnor é proveniente de Fazenda Alegre.
A produção de petróleo tem garantido importantes receitas graças aos royalties e
participações especiais pagas, principalmente pela Petrobras. No ranking capixaba
de arrecadação de royalties, Jaguaré ocupa a 7ª posição
39
com uma receita da
ordem de R$ 7 milhões em 2007 (Tabela 9). A arrecadação do município
corresponde a 4,3% da receita da estadual que representou aproximadamente R$
173 milhões anuais (Tabelas 8, 9 e 10; Gráficos 4 e 5).
Quando comparada a evolução dos pagamentos de royalties e participações
especiais do petróleo no período de 1999 a 2007, Jaguaré alcança um crescimento
de mais de 5.035,85%, contra 926,15% do Espírito Santo (Tabelas 8 e 10).
37
Entrevista concedida em 09 de abril de 2008.
38
A Lubnor (Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste) é uma refinaria pertencente ao
Sistema Petrobras e responsável pela produção de asfalto, óleo combustível para navios, óleos
lubrificantes e isolantes, entre outros.
39
Dados de 2007, segundo o Inforoyalties.
65
O pagamento de royalties e participações especiais ultrapassou os R$ 12 milhões
em 2003. Em 2004 houve uma queda de arrecadação da ordem de 37,5%, em
relação ao ano anterior. Nos anos seguintes, os pagamentos apresentaram
oscilações, fechando o ano de 2007 com um recolhimento de R$ 7,8 milhões
(Gráfico 5).
66
Tabela 8: Royalties + Participações Especiais, Espírito Santo, 1999 a 2007
40
Ano Royaties (R$)
Participações
Especiais (R$)
Royalties +
Participações
Especiais (R$)
Resultado da
arrecadação em
relação a 1999 (%)
Resultado da
arrecadação em
relação ao ano
anterior (%)
1999 16.942.740,34 0,00 16.942.740,34 - -
2000 27.932.443,79 0,00 27.932.443,79 64,86 64,86
2001 44.422.578,30 182.061,39 44.604.639,69 163,27 59,69
2002 49.404.715,40 3.164.295,29 52.569.010,69 210,27 17,86
2003 77.767.608,88 10.984.862,01 88.752.470,89 423,84 68,83
2004 61.782.479,57 13.448.314,26 75.230.793,83 344,03 -15,24
2005 64.846.437,97 15.693.979,75 80.540.417,72 375,37 7,06
2006 107.142.832,83 17.604.658,29 124.747.491,12 636,29 54,89
2007 151.719.928,34 22.138.777,69 173.858.706,03 926,15 39,37
Fonte: Universidade Cândido Mendes. Inforoyalties, 2008.
40
Corrigido pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) de janeiro de 2008.
67
Tabela 9: Royalties e participações especiais corrigidos pelo IGP-DI (2007)
Colocação Município Royalties (R$)
Participações
Especiais (R$)
Royalties +
Participações
Especiais (R$)
1º Linhares 24.406.239,06 - 24.406.239,06
2º Aracruz 20.996.147,95 - 20.996.147,95
3º Presidente Kennedy 14.803.455,00 4.152.786,11 18.956.241,11
4º São Mateus 16.473.351,67 - 16.473.351,67
5º Serra 11.517.403,75 - 11.517.403,75
6º Itapemirim 9.074.326,94 884.602,57 9.958.929,51
JAGUA 6.966.774,75 101.113,64 7.067.888,39
8º Fundão 5.882.498,85 - 5.882.498,85
9º Vitória 4.357.266,64 - 4.357.266,64
10º Vila Velha 3.880.823,76 - 3.880.823,76
11º Anchieta 2.425.514,81 - 2.425.514,81
12º Conceição da Barra 1.528.119,26 - 1.528.119,26
13º Marataízes 1.313.477,73 126.277,20 1.439.754,93
14º Guarapari 521.881,11 - 521.881,11
15º Piúma 333.424,01 - 333.424,01
Fonte: Universidade Cândido Mendes. Inforoyalties, 2008.
68
Gráfico 3: Principais municípios beneficiários de Royalties e Participações Especiais comparados
com a arrecadação do governo do Espírito Santo (2007)
14,8%
12,7%
11,5%
10,0%
7,0%
6,0%
4,3%
0,0%
2,0%
4,0%
6,0%
8,0%
10,0%
12,0%
14,0%
16,0%
18,0%
20,0%
Linhares Aracruz Presidente
Kennedy
São Mateus Serra Itapemirim Jaguaré
Fonte: Universidade Cândido Mendes. Inforoyalties, 2008.
69
Tabela 10: Arrecadação de Jaguaré com royalties e participações especiais gerados pelo petróleo, 1999 - 2007
Ano Royaties (R$)
Participações
Especiais (R$)
Royalties +
Participações
Especiais (R$)
Resultado da
arrecadação em
relação a 1999 (%)
Resultado da
arrecadação em
relação ao ano
anterior (%)
1999 145.743,20 0,00 145.743,20 - -
2000 790.800,24 0,00 790.800,24 442,60 442,60
2001 4.933.907,44 0,00 4.933.907,44 3.285,34 523,91
2002 8.657.586,30 791.073,82 9.448.660,12 6.383,09 91,50
2003 11.110.562,84 1.630.882,71 12.741.445,55 8.642,39 34,85
2004 7.668.785,52 294.774,60 7.963.560,12 5.364,10 -37,50
2005 7.618.652,63 51.218,74 7.669.871,37 5.162,59 -3,69
2006 8.255.497,69 72.452,89 8.327.950,58 5.614,13 8,58
2007 7.377.130,64 108.024,88 7.485.155,52 5.035,85 -10,12
Fonte: Universidade Cândido Mendes. Inforoyalties, 2008.
70
Gráfico 4: Evolução do pagamento de Royalties + Participações Especiais,
Jaguaré, 1999 a 2007
41
(em milhões de reais)
0,79
4,93
9,45
12,74
7,49
8,33
7,67
7,96
0,15
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Ano
Royalties + Participações Especiais
Fonte: Universidade Cândido Mendes. Inforoyalties, 2008.
41
Valores corrigidos pelo IGP-DI de janeiro de 2008.
71
2.4. ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
2.4.1. Conceitos gerais
Base para a elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o conceito de
desenvolvimento humano
42
leva em consideração aspectos que vão além da
dimensão econômica para que seja avaliado o avanço de uma população. Outras
características também são levadas em consideração, bem como aquelas referentes
a questões sociais, culturais e políticas como fatores influenciadores da qualidade da
vida humana (ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, 2003).
O objetivo central do IDH é a contraposição a outro índice, o PIB per capita, bastante
utilizado como indicador de desenvolvimento, que, porém, leva em consideração
apenas a produção de riquezas dividido pela população de um determinado espaço,
sendo, portanto, um indicador que leva em consideração apenas a dimensão
econômica do processo. Criado pelo indiano Mahbud ul Haq, com colaboração
Amartya Sem, o IDH avalia a longevidade e aspectos educacionais em determinado
espaço, além de medida de renda per capita.
O IDH é calculado a partir da média aritmética simples de três subíndices referentes
a longevidade (IDH-Longevidade), educação (IDH- Educação) e renda (IDH-Renda).
Seus resultados podem ser voltados para a mensuração em esferas nacionais,
regionais, estaduais e municipais, sendo que, no Brasil, tais informações estão
consolidadas no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, elaborado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
2.4.2. IDH em Jaguaré
Nos últimos dezesseis anos (1991-2007) o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH-M) de Jaguaré cresceu 17,48%, passando de 0,629 em 1991 para
0,739 em 2007 (Tabela 11).
42
Além do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o conceito de desenvolvimento humano
também é utilizado para a elaboração dos Relatórios de Desenvolvimento Humano (RDRs),
publicações que visam a mapear de forma mais abrangente fatores que possam impactar a qualidade
de vida humana (PNUD, 2008).
72
Tabela 11: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) em Jaguaré
Indicadores 1991 2000 2007
IDH-M 0,629 0,691 0,739
Educação 0,700 0,793 0,867
Longevidade 0,555 0,635 0,699
Renda 0,632 0,644 0,653
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD (2003).
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
Os índices que registraram maior crescimento foram a Educação, com 23,9% e
longevidade, com 25,9%. O IDH-Renda obteve um crescimento de apenas 3,3%,
sendo o principal responsável pela queda na média de crescimento global do IDH-M.
Com base na projeção para 2007, o hiato de desenvolvimento humano
43
foi reduzido
em 29,6%. Assim, se a taxa de crescimento do IDH-M fosse mantida, o município
levaria 26,2 anos para alcançar São Caetano do Sul
44
(0,919 em 2000), e 17,0 anos
para alcançar Vitória (0,856 em 2000), os municípios com melhor IDH-M do Brasil e
do Espírito Santo, respectivamente (Gráficos 6 e 7).
43
Distância entre o IDH do município e o limite máximo do IDH (1 – IDH).
44
Estado de São Paulo.
73
Gráfico 5: Comparativo IDH - Espírito Santo, Vitória, Jaguaré e São Caetano do Sul
0,842
0,919
0,978
0,690
0,823
0,797
0,856
0,900
0,629
0,691
0,739
0,765
0,500
0,700
0,900
1991 2000 2007*
Ano
IDH
São Caetano do Sul (SP) Espírito Santo Vitória Jaguaré
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD (2003).
Nota: Os dados referentes ao ano de 2007 são uma projeção segundo dados do PNUD.
74
Gráfico 6: Tempo necessário para Jaguaré alcançar o IDH de São Caetano do Sul, Vitória e Espírito Santo
4,2
17,0
26,2
0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0
Espírito Santo
Vitória
São Caetano do Sul (SP)
Anos
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD (2003).
Nota: Projeção Segundo dados do PNUD.
75
Segundo projeção, em 2007, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de
Jaguaré foi de 0,739. De acordo com a classificação do PNUD, o município está
entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,500
e 0,799
45
).
Quanto aos dados coletados no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2003),
com indicadores referentes a 2000, Jaguaré ocupa a posição número 3137, sendo
que 3136 municípios (56,9%) estão em situação melhor e 2370 municípios (43,1%)
estão em situação pior ou igual, o que pode ser considerada uma condição
intermediária. Em relação aos outros municípios do Estado do Espírito Santo,
Jaguaré ocupa a 63ª posição (Tabela 12). Em relação aos subíndices IDH-
Educação, IDH-Renda e IDH-Longevidade, Jaguaré ocupa a 48ª, 51ª e 74ª
colocação, respectivamente. Além disso, Jaguaré ocupa a 68ª posição em relação
ao percentual de crescimento do IDH entre 1991 e 2000 (6,9%), sendo Brejetuba
(22,5%) o município que se encontra em primeiro lugar nesse cruzamento.
45
Classificação do IDH: entre 0 e 0,499 – baixo; entre 0,500 e 0,799 – médio; entre 0,800 e 1,000 –
alto.
76
Tabela 12: Ranking IDH-M – Espírito Santo
(continua)
Colocação Município
IDH-M
(2000)
IDH-M
Educação (2000)
IDH-M
Longevidade (2000)
IDH-M
Renda (2000)
1º Vitória 0,856 0,948 0,762 0,858
2º Vila Velha 0,817 0,928 0,734 0,79
3º Iconha 0,79 0,83 0,808 0,732
4º Guarapari 0,789 0,872 0,784 0,712
5º Santa Teresa 0,789 0,827 0,831 0,708
6º Anchieta 0,785 0,891 0,784 0,679
7º Ibiraçu 0,78 0,865 0,76 0,715
Venda Nova do Imigrante 0,778 0,847 0,762 0,724
9º Piúma 0,776 0,854 0,784 0,691
10º Colatina 0,773 0,847 0,762 0,709
11º Aracruz 0,772 0,885 0,736 0,695
12º Cachoeiro de Itapemirim 0,77 0,867 0,732 0,711
13º Dores do Rio Preto 0,769 0,858 0,759 0,689
14º Bom Jesus do Norte 0,766 0,86 0,772 0,665
15º João Neiva 0,766 0,879 0,734 0,684
16º Castelo 0,762 0,828 0,757 0,702
17º Serra 0,761 0,896 0,705 0,683
18º Rio Novo do Sul 0,76 0,814 0,808 0,658
19º Linhares 0,757 0,852 0,719 0,700
20º Alfredo Chaves 0,754 0,823 0,784 0,655
21º Marechal Floriano 0,754 0,809 0,762 0,692
22º Fundão 0,752 0,842 0,734 0,68
23º São Roque do Canaã 0,751 0,822 0,772 0,658
24º Cariacica 0,75 0,878 0,703 0,669
25º Itaguaçu 0,748 0,811 0,772 0,662
26º Marilândia 0,745 0,824 0,762 0,648
27º São José do Calçado 0,745 0,817 0,757 0,662
77
Tabela 12: Ranking IDH-M – Espírito Santo
(continuação)
Colocação Município
IDH-M
(2000)
IDH-M
Educação (2000)
IDH-M
Longevidade (2000)
IDH-M
Renda (2000)
28º Guaçuí 0,743 0,808 0,727 0,693
29º Mimoso do Sul 0,742 0,814 0,767 0,645
30º São Gabriel da Palha 0,742 0,806 0,73 0,689
31º Itarana 0,741 0,808 0,753 0,662
32º Alegre 0,739 0,818 0,727 0,671
33º Nova Venécia 0,738 0,837 0,704 0,673
34º Viana 0,737 0,874 0,701 0,635
35º Domingos Martins 0,736 0,793 0,74 0,675
36º São Mateus 0,730 0,843 0,666 0,68
37º Iúna 0,729 0,749 0,759 0,679
38º Atilio Vivacqua 0,728 0,818 0,734 0,633
39º Vargem Alta 0,727 0,786 0,743 0,653
40º Rio Bananal 0,725 0,788 0,719 0,668
41º Marataizes 0,724 0,839 0,654 0,678
42º Santa Maria de Jetibá 0,724 0,753 0,753 0,666
43º Apiacá 0,723 0,797 0,734 0,639
44º Muniz Freire 0,723 0,758 0,727 0,685
45º Muqui 0,723 0,819 0,682 0,667
46º Ibatiba 0,721 0,735 0,759 0,67
47º Irupi 0,719 0,741 0,759 0,658
48º Laranja da Terra 0,719 0,789 0,74 0,628
49º Afonso Cláudio 0,717 0,769 0,74 0,643
50º Montanha 0,717 0,796 0,692 0,663
51º Santa Leopoldina 0,711 0,772 0,753 0,609
52º Baixo Guandu 0,71 0,824 0,659 0,646
53º São Domingos do Norte 0,71 0,805 0,7 0,626
54º Conceição do Castelo 0,709 0,785 0,701 0,641
55º Pinheiros 0,709 0,801 0,705 0,621
78
Tabela 12: Ranking IDH-M – Espírito Santo
(conclusão)
Colocação Município
IDH-M
(2000)
IDH-M
Educação (2000)
IDH-M
Longevidade (2000)
IDH-M
Renda (2000)
56º Jerônimo Monteiro 0,706 0,81 0,65 0,658
57º Sooretama 0,702 0,765 0,719 0,621
58º Barra de São Francisco 0,701 0,794 0,663 0,645
59º Vila Valério 0,699 0,771 0,676 0,649
60º Ponto Belo 0,696 0,791 0,692 0,604
61º Ecoporanga 0,695 0,793 0,681 0,612
62º Boa Esperança 0,694 0,81 0,641 0,631
63º JAGUARÉ 0,691 0,793 0,635 0,644
64º Ibitirama 0,69 0,707 0,727 0,636
65º Conceição da Barra 0,688 0,81 0,638 0,617
66º Divino de São Lourenço 0,688 0,756 0,727 0,582
67º Vila Pavão 0,688 0,787 0,676 0,602
68º Itapemirim 0,687 0,792 0,654 0,614
69º Águia Branca 0,686 0,787 0,641 0,63
70º Mantenópolis 0,683 0,76 0,663 0,627
71º Brejetuba 0,68 0,692 0,701 0,646
72º Alto Rio Novo 0,679 0,765 0,638 0,634
73º Mucurici 0,679 0,776 0,692 0,57
74º Presidente Kennedy 0,674 0,761 0,654 0,606
75º Pedro Canário 0,673 0,787 0,635 0,598
76º Pancas 0,667 0,752 0,635 0,613
77º Água Doce do Norte 0,659 0,767 0,626 0,583
78º Governador Lindenberg
46
- - - -
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD (2003).
46
Município instalado em 2001, após a realização do último levantamento do PNUD.
79
Gráfico 7: Diagrama de dispersão, Municípios do Espírito Santo, IDH-M (1991 – 2000)
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – PNUD (2003).
80
3. JAGUARÉ: POSSÍVEIS CICLOS HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO
A cultura italiana traz em si algumas questões que nortearam o processo de
colonização de Jaguaré. Nesse sentido, a exemplo de outras localidades, pode-se
destacar três elementos fundamentais: a família, a igreja e o trabalho
(VASCONCELOS E PANDOLFI, 2004, PANDOLFI, 2007).
Segundo Colbari (1998), a imigração italiana teve papel fundamental na substituição
da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre. Assim,
Essa substituição propiciou a criação de um perfil de trabalhador diferente do
escravo, com um nível de escolaridade melhor, de uma etnia branca, com um
entendimento de ética para o trabalho bem diferente do encontrado no Brasil até
então. Para a imigração, eles representavam um tipo humano disciplinado, com
uma cultura de trabalho e organização social cujo eixo estava na igreja e no grau
de parentesco (PANDOLFI, 2007, p. 88).
Nesse contexto, a família poderia ser compreendida tanto como uma unidade de
produção quanto de reprodução, sendo auto-suficiente tanto na produção de
alimentos quanto de bens artesanais (COLBARI, 1998).
Outro aspecto relevante é o papel desempenhado pela igreja. O trabalho balizado
pelos preceitos religiosos apresentava valores de solidariedade que se
sobrepunham às pretensões individuais. Como afirma Pandolfi (2007, p. 89), “A
coesão e os investimentos em prol da coletividade são aspectos encontrados na
vida comunitária das colônias italianas. Talvez o isolamento e o difícil acesso a
outras localidades expliquem um pouco esse fator de coesão social”. A religião
afirmava-se como uma variável cultural que corroborava e estimulava a tendência à
solidariedade na cultura italiana (DERENZI,1974; BANCK,1998; PANDOLFI, 2007).
A formação baseada na cultura do trabalho, no núcleo familiar e na religião é
percebida de forma evidente em Jaguaré. Colonizado por descendentes de italianos
que migraram principalmente das localidades de Castelo e Venda Nova do Imigrante
(regiões sul e sudoeste serrana, respectivamente), Jaguaré apontou sérios indícios
da existência de capital social. No levantamento histórico deste trabalho e por meio
das entrevistas realizadas, alguns pontos podem ser destacados, corroborando esta
81
afirmativa. Para enumerar alguns, destacam-se a ajuda mútua na realização das
obras públicas e privadas; decisões tomadas por meio de reuniões comunitárias; a
criação de associações e cooperativas visando a alavancar o desenvolvimento local,
a exemplo da Cooperativa de Cafeicultores e do Comitê Pró-melhoramentos de
Jaguaré.
Contudo, imaginava-se no princípio deste estudo um município dotado de capital
social e relações cívicas do início de sua colonização até os dias atuais, entretanto,
face aos dados coletados no transcorrer da pesquisa percebeu-se uma espécie de
organização cíclica de sua história.
Assim, com base nas pesquisas bibliográficas e das entrevistas realizadas, parte-se
do pressuposto da existência de três ciclos no município de Jaguaré que podem ser
demarcados por acontecimentos referentes ao caminhar de sua história: i) o primeiro
ciclo diz respeito ao processo de colonização; ii) o segundo ciclo, relativo ao
processo de emancipação e a ascensão de disputas políticas e iii) o terceiro ciclo
que se refere a um possível processo de organização capitaneado pelo poder
público local.
3.1. PRIMEIRO CICLO: A COLONIZAÇÃO A PARTIR DAS RELAÇÕES DE
COOPERAÇÃO E CONFIANÇA
Como observado no capítulo 3 deste estudo, o município de Jaguaré surge a partir
da migração de descendentes de italianos que viviam nas regiões sul e sudoeste
serrana do Estado do Espírito Santo. A busca por novos espaços territoriais,
somadas ao grande número de herdeiros das pequenas propriedades rurais
daquelas regiões e os incentivos do governo estadual foram fatores fundamentais
para o fluxo em direção ao norte capixaba.
Segundo José e Ilha Sossai
47
, as condições inóspitas foram percebidas tão logo
chegaram a Jaguaré, até então conhecido por Barra Seca. Segundo o casal, nada
existia além da mata. Oriundos de Venda Nova do Imigrante, o casal, assim como
outros, optou por migrar para o norte do Espírito Santo em função da escassez de
47
Em entrevista concedida em 18 de março de 2008.
82
terras no sul, o que as tornavam muito caras para os pequenos agricultores. Naquele
momento, as terras do norte eram doadas pelo executivo estadual, em função de
uma política de ocupação territorial do Estado, motivado principalmente pela
construção da ponte de Colatina, o que veio a facilitar o processo de escoamento da
produção da daquela região.
Embora fosse interesse do governo o assentamento de famílias no norte, os
incentivos eram restritos à doação das terras, não sendo dada nenhuma outra
contrapartida ou apoio àqueles que ali chegavam. Os primeiros anos foram
marcados por condições desfavoráveis e a ausência do poder público. O fato de o
norte ser conhecido como um espaço de miséria e falta de recursos, fazia com que
muitos não incentivassem a migração, como ocorreu com Nicolau Falchetto,
conforme o relato abaixo.
Relato 3 [sic]: Nicolau Falchetto, pioneiro e primeiro
comerciante de Jaguaré
48
Notícias ruins se verificaram em Venda Nova e Castelo com os nossos
amigos e parentes ao saberem que estamos de partida para Jaguaré,
município de São Mateus. Todos nos aconselhavam não arriscar em transferir
a residência para o norte do Estado. Alegavam dizendo:
– Você não sabe que São Mateus é a terra do ‘já teve’?.
E diziam:
– Lá já teve estrada de ferro, não tem mais. Teve porto marítimo, não tem
mais. Teve aeroporto, não tem mais. Não vá lá, é a terra do ‘já teve’.
Diante destas manifestações não sabíamos como agir. Passamos a pedir
informações com as pessoas que conheciam melhor a realidade sobre o norte
do Espírito Santo, precisamente São Mateus. Uns diziam:
– Lá é terra de índio. Tem malária, tem onça”.
Encontrei-me com o Pe. Cleto Caliman, velho companheiro e amigo que
também não deu boa notícia a respeito de São Mateus.
48
Relato publicado em “Jaguaré: uma história de conquistas” (2003) de autoria de Nicolau Falchetto,
falecido em 2007.
83
– Mas... agora que está tudo pronto para mudar para lá, o que vou fazer, Pe.
Cleto?
Ele me responde:
– Bom, leva Dom Bosco para lá que tudo vai dar certo.
O conselho de Pe. Cleto Caliman funcionou mesmo. Ao chegar em Jaguaré,
logo tratamos de organizar os Cooperadores Salesianos, compramos a
imagem de Dom Bosco, construímos o campo de esporte Dom Bosco,
abrimos a serraria Dom Bosco. Tudo feito com muita animação e participação
de todos. Logo surgiram outras irmandades.
Aos que ali se instalaram, além de todo o ambiente inóspito oferecido pela mata, a
dificuldade na compra de mantimentos e remédios tornavam a vida ainda mais difícil.
As compras eram feitas a cavalo e os enfermos precisavam ser tratados no próprio
local, sem os recursos necessários, uma vez que o transporte até a sede de São
Mateus poderia agravar a situação.
Frente às dificuldades percebidas os colonos buscavam formas de organização que
pudessem facilitar o processo de ocupação do solo. Num primeiro momento, a
religião exerceu um importante papel. Aos domingos, os encontros que eram
realizados com finalidades espirituais também serviam para reuniões onde eram
discutidas ações que pudessem auxiliar no desenvolvimento daquele espaço. Além
disso, nesses encontros eram marcados os mutirões para construção de casas e
espaços de lazer.
Relato 4 [sic]: Polônia Falchetto, pioneira de Jaguaré
49
O povo era muito unido. Porque era um lugar novo mesmo, era mata ainda.
Aí, então, quando um precisava construir a casa, chegava dia de domingo e
avisavam: essa semana “tamo” precisando de gente para ir embarrear a casa,
que era difícil. Aí ia todo mundo pra lá, embarrear... não, antes eles iam
juntar as madeiras, aí fincavam aqueles paus cumpridos assim, colocava tudo
os paus atravessados, assim, aí pegava um de cada lado e ia levando os
49
Relato publicado em “Jaguaré: uma história de conquistas” (2003) de autoria de Nicolau Falchetto,
falecido em 2007.
84
paus até de madrugada. Aí, depois que estava a estrutura da casa pronta, aí
então que ia fazer o embarreio que eles falavam.
A união se estendia também ao empréstimo de equipamentos para a produção
agrícola e à doação de terrenos para a construção de espaços comuns aos colonos,
como a igreja e a sede da primeira cooperativa de agricultores de Jaguaré, na
década de 1950. Eram poucos os recursos financeiros, evidenciando a necessidade
de busca de mais dinheiro para a conclusão da obra. Para que pudesse haver
repasse de verba do poder público para os processos de melhoria, era preciso a
formação de uma associação. Surge então o Comitê Pró-melhoramentos de
Jaguaré.
O Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré, no ano de 1959, por ocasião da
construção da igreja, tendo em vista a carência de recursos para tocar a
obra, o Sr. Aniceto Sossai, sugeriu que se entrasse em contato com o Sr.
Oswaldo Zanelo, solicitando dele ajuda para poder tocar a construção da
igreja. Enviamos o pedido ao Sr. Zanelo, tendo o mesmo nos orientado a
passar por Castelo e procurássemos com o Sr. Arquileu Viváqua uma cópia
do estatuto do Comitê Pró-melhoramentos de Castelo. Só nos era possível
adquirir recursos se tivéssemos uma sociedade com personalidade jurídica
(FALCHETTO, 2003, p. 153).
De posse do estatuto do comitê de Castelo, foi iniciado um ciclo de reuniões de
conscientização com as lideranças de Jaguaré, sob a direção de Nicolau Falchetto e
secretariado por Antônio Sossai e Wantuil Facco (FALCHETTO, 2003). Em 25 de
julho de 1959, após a discussão e aprovação do estatuto, deu-se início à eleição da
diretoria. Muitas barreiras burocráticas tiveram que ser vencidas para que o Comitê
Pró-melhoramentos de Jaguaré fosse registrado.
Ultrapassados os obstáculos, Jaguaré passou a usufruir das vantagens junto ao
poder público, obtendo recursos para a finalização da construção da igreja e para a
realização de outras obras como estradas, um ginásio, uma escola e a sede da
primeira cooperativa do município.
O Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré pode ser considerado o embrião do
processo de desenvolvimento e também a materialização das relações de
cooperação e confiança encontradas na região. Criado a partir de uma demanda
85
social e gerido por membros da própria comunidade, o comitê foi um marco para o
desenvolvimento da capacidade associativa daquele povo.
Outro momento vivido pela comunidade de Jaguaré que evidencia a capacidade de
união de seus membros foi o processo de emancipação do município. Após
perceberem que Jaguaré estava em processo de estabilização econômica por meio
do extrativismo vegetal e da agricultura, chegou-se à conclusão que já havia a
possibilidade daquele espaço se transformar em um distrito e assim obter mais
recursos para a aplicação no bem público.
A organização popular levou membros da comunidade a ocuparem espaços políticos
até então distantes de sua realidade. Foram eleitos vários vereadores, além de um
vice-prefeito, quando o município ainda pertencia a São Mateus. A capacidade de
organização política levou a um inevitável processo de emancipação, tornando
Jaguaré, até então distrito mateense, em um município no ano de 1981.
Como apresentado no Capítulo 1, Putnam (2006) procura evidenciar possíveis
parâmetros para avaliar aquilo que Tocqueville (2004) nomeou cultura cívica. São
elencados pelo autor norte-americano fatores como a igualdade política, perfil
associativista, solidariedade, confiança e tolerância como elementos que ajudam a
comprovar a existência de uma cultura cívica num determinado espaço.
Como Putnam (2006) preconiza, o interesse pelas questões públicas é um sinal
relevante para a virtude cívica. Assim, a forma com a qual o processo de
desenvolvimento de Jaguaré se deu desde o princípio – a partir de reuniões
democráticas, da criação de associações e cooperativas (a exemplo do Comitê Pró-
melhoramentos de Jaguaré) e de relações de cooperação – é um forte indício que
leva a crer na existência de cultura cívica e capital social em Jaguaré.
Outro fator muito presente nas entrevistas realizadas é a existência de relatos que
evidenciam a noção de um interesse bem compreendido, como trabalhado por
Tocqueville (2004). Muitos daqueles entrevistados apresentaram a questão da união
não apenas como um elemento necessário apenas ao desenvolvimento do
município no âmbito comunitário, mas também pessoal, ou seja, o interesse próprio
86
apresentou-se sensível ao interesse dos outros e gerou relações de cooperação e
confiança favoráveis a todos os membros da comunidade.
3.2. SEGUNDO CICLO: DISPUTAS POLÍTICAS COMO FATORES PARA UMA
POSSÍVEL DESARTICULAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL EM JAGUARÉ
O processo de emancipação de Jaguaré tem início nos anos 1960 quando da
criação do distrito. Segundo relatos, a independência política em relação a São
Mateus nasceu de um anseio popular e por meio de reuniões, sendo capitaneado
pelo Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré.
A em 1968 foi realizada uma reunião cujo principal ponto de pauta tratava do
processo de emancipação.
Quadro 4: Trecho da ata de reunião realizada em 30 de novembro de 1968
[...] Discorrendo sobre o resultado do esforço de todos e que esta graça [a
possibilidade de emancipação] não pertencia a ninguém a não ser a todos os
habitantes da Vila [de Jaguaré]. Usou da palavra a seguir o professor David
Hupp. Fazendo um relatório da viagem que fez com Sr. Nicolau Falchetto a
Vitória por ocasião do curso de diretores de ginásio e disse do apoio e
interesse que viu das autoridades em Vitória em nos orientar e nos apoiar no
desenvolvimento de Jaguaré.
O vereador Pedro Sossai usando da palavra discorreu sobre a união que
existiu no passado nas lideranças dos nossos velhos e que aquele exemplo
deve ser imitado sobretudo nesta obra difícil que só a união e compreensão
de todos pode-se evoluir. Prosseguindo, indicou os senhores Calixto
Dagostini, David Hupp, Nicolau Falchetto, Ernani Rocha, Zenóbio Prati como
membros da comissão pró-emancipação de Jaguaré que foi aprovada por
unanimidade.
Usou da palavra o Sr. Ernani Rocha discorrendo sobre o entusiasmo e a
satisfação que reina entre o povo conclamando a união e colaboração de
todos. A reunião ocorreu sob absoluto interesse, participando da mesma
87
homens e senhoras, rapazes e moças e até mesmo as crianças. Todos numa
verdadeira vibração cívica.
Em 1981 ocorreu a primeira eleição em Jaguaré, tendo sido eleito Domingos Sávio
Martins. As relações de cooperação e confiança, construídas ao longo do processo
de colonização, passam a se enfraquecer no município, aparentemente em função
das disputas políticas percebidas naquele período. Nesse pleito, a cidade passa a
se dividir em grupos políticos distintos, fator que pode ser considerada como uma
evidência da gênese da perda da cultura cívica naquele espaço.
As decisões conjuntas em reuniões envolvendo a comunidade cedem espaço ao
jogo político bilateral. Há um processo de desestabilização das características que
envolvem fortes laços cívicos e de cooperação, fator que pode ser decisivo para a
quebra da coesão social percebida até aquele momento.
Possíveis conseqüências desse processo pode ser a perda de elementos ligados
ao interesse bem compreendido, apresentado por Tocqueville (2004), afinal, num
espaço de disputas onde a ação política está dissociada das questões
comunitárias, interesses pessoais (ou de um determinado grupo) tendem a se
sobrepor aos interesses públicos, o que pode ser um elemento de cisão de um
círculo virtuoso e o surgimento de um círculo vicioso.
Na década de 1990 as relações de disputa se intensificam, sendo consolidada a
existência de dois grupos: de um lado Domingos Sávio Martins e de outro Evilásio
Sartório Altoé. Em 1992 Martins é eleito novamente, porém deixa o cargo para
assumir como suplente uma vaga na assembléia legislativa, assumindo o seu vice,
Alaídes Mariani. No pleito seguinte (1996), Altoé é o vencedor da disputa, sendo
reeleito em 2000 e fazendo seu sucessor, Floriano Picolli, em 2004.
Neste ano, a vitória de Picolli foi contestada, uma vez que ele possuía contrato
com a Prefeitura Municipal de Jaguaré, não sendo o mesmo diplomado para
assumir o cargo em janeiro de 2005. Assume a prefeitura, em caráter interino, o
presidente da Câmara Municipal, vereador Rogério Feitani, que se afasta do cargo
para disputar as novas eleições de 2005 (Quadro 3).
88
Somadas às questões políticas, a ampliação do contingente populacional,
agravado principalmente pela colheita agrícola, possivelmente criou-se uma
desestabilização no município em função da chegada de novos moradores que
não estavam inseridos na matriz histórica daquele espaço, ou seja, não eram e
não foram partícipes do seu processo de construção.
Segundo relatos coletados nas entrevistas, a chegada de lavradores atraídos pelas
colheitas trouxe um ciclo de pobreza ao município e graças às condições de
disputa política municipal, favoreceu a adoção de ações assistencialistas que
perduram até o presente momento.
A coleta de dados evidencia que nos espaços mais tradicionais do município como
as comunidades do interior, a exemplo da comunidade de Nossa Senhora de
Fátima e Jiral, foram mantidos determinados laços de cooperação e confiança.
Porém, nas comunidades próximas à Sede, espaço no qual tradicionalmente se
instalam os lavradores em busca de trabalho, é percebido o aumento da pobreza.
Nesse contexto, o processo político em Jaguaré apresenta-se dissociado das
relações encontradas naquele município quando de sua construção. As decisões
conjuntas cedem espaço para um processo político bipolar, marcado pelo
denuncismo. Além disso, a chegada e instalação de lavradores em busca de
trabalho trouxe uma nova configuração àquele município: o surgimento de uma
classe com poucos recursos para a sobrevivência que passaram a ser
dependentes de políticas assistencialistas.
Esses fatores podem ser considerados como possíveis sinais para a redução do
estoque de capital social (PUTNAM, 2006) o que pode ter impactado a cultura
cívica (TOCQUEVILLE, 2004) do município e ter gerado como conseqüência a
diminuição do perfil associativista entre o início dos anos 1980 e o final da década
de 1990, além de resultados pouco expressivos no que diz respeito ao Índice de
Desenvolvimento Humano, que está entre os piores do Espírito Santo.
89
3.3. O TERCEIRO CICLO: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A REARTICULAÇÃO
DO CAPITAL SOCIAL
A partir de 2000, Jaguaré passa por um processo de reestruturação no âmbito
econômico alavancado pelo crescimento da produção agrícola, graças às
condições favoráveis para o processo de implantação de novas tecnologias no
campo
50
. Incentivos foram dados tanto pelo poder público estadual quanto
municipal. A produção cafeeira passou a ser ampliada e as novas tecnologias
passaram a fazer parte da agenda produtiva do município.
Paralela às novas ações voltadas para a melhoria nos processos agrícolas, a nova
economia do petróleo, intensificada no Espírito Santo a partir da descoberta de
novas fronteiras exploratórias passa a gerar grandes volumes de royalties e
participações especiais para Jaguaré (Tabelas 9 e 10). Embora as receitas
oriundas da produção petrolífera representem apenas 20% da arrecadação
municipal, aparentemente, a aplicação desses recursos, de um certo modo,
alavancaram o investimento em infra-estrutura no município, importante fator de
suporte para as atividades agrícolas.
Relato 5 [sic]: Nery de Rossi, gerente de engenharia de produção da Unidade
de Negócio de Exploração e Produção da Petrobras no Espírito Santo
51
Jaguaré, que recebia trocados de royalties [nos anos 1990], passa a receber
muitos royalties. Um valor considerável [na casa de R$ 7 milhões ao ano].
Independente do partido político dos representantes legais da época houve
um fator interessante em Jaguaré. Os dirigentes tiveram uma percepção
muito interessante. A regra para a aplicação de royalties antes da lei em
1998 dizia que esses recursos deveriam ser aplicados em infra-estrutura,
educação, saneamento, entre outros.
Com a legislação de 1998, isso ficou meio no ar e turma de Jaguaré sabia
que a curva de produção naquele período era pequena e resolveram pegar
esse dinheiro para desenvolver aquilo que eles eram mais fortes: a
cafeicultura. Então eles melhoraram a qualidade do café, criaram centros de
50
Vale ressaltar que a política bipolar observada no segundo ciclo ainda está presente em Jaguaré.
51
Entrevista concedida em 09 de abril de 2008.
90
melhorias, trouxeram mudas. Tiveram a visão de olhar para o futuro e dizer:
“se conseguirmos desenvolver a cafeicultura enquanto tivermos esse
dinheiro, o petróleo pode até acabar, mas a agricultura permanecerá”.
A capacidade de organização em Jaguaré foi fundamental para o processo.
Jaguaré era e ainda é um município pequeno, o dinheiro era suficiente e o
quadro político [a partir de 1996] era favorável de tal maneira que eles
conseguiram se articular e definir o uso prioritário para a aplicação dos
royalties. Eles se preocuparam em abrir estradas para escoamento da
produção e se preocuparam com a agricultura e melhoria econômica do
município esperando o futuro. A legislação do petróleo veio para corroborar
práticas que já eram utilizadas em Jaguaré. A prefeitura foi um fator
determinante para esse processo.
O relato acima apresenta um panorama da aplicação de recursos do petróleo como
elemento fomentador para a agricultura, principal fonte de recursos de Jaguaré. A
participação institucional na aplicação desses recursos mostrou-se pioneira e de
grande relevância para que fossem criadas condições para o desenvolvimento.
Neste novo ciclo, o incentivo à organização social também se mostrou como um
fator determinante para a criação de cooperativas e associações. Atualmente
Jaguaré conta com cerca de vinte associações ou cooperativas em funcionamento, o
que evidencia, no momento presente, a capacidade de organização por um lado e a
presença institucional como fomentadora desse processo.
Além disso, as projeções para índices correlacionados à educação, saúde e renda
(Tabela 11) são favoráveis e podem reverter o quadro referente ao Índice de
Desenvolvimento Humano, consolidado pelo PNUD.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta pesquisa realizada em Jaguaré foi possível o delineamento de
possíveis ciclos históricos naquele município. A chegada dos imigrantes é
considerada neste trabalho como um marco no processo de colonização daquele
espaço. Os processos democráticos de organização, a percepção de que a
colaboração mútua e a confiança que era percebida entre os membros daquela
comunidade são fatores que explicitam a existência de capital social, tal qual
trabalhado por Robert Putnam (2006).
Nesse contexto, segundo Hoffmann (2005, p. 44),
O capital social, baseado em confiança e cooperação, surge
espontaneamente apenas em sociedades que seguem uma tradição
histórica de civismo e de utilização da confiança e cooperação para
resolver conjuntamente seus problemas. Nesse caso, é a trajetória histórica
de um determinado território que determinará a existência ou não do capital
social.
Como analisado ao longo deste estudo, a trajetória histórica de Jaguaré apresenta a
existência de capital social que, de acordo com Hirshman (1984), quanto maior o uso
maior a sua consolidação. O surgimento do Comitê Pró-melhoramentos de Jaguaré
pode ser considerado a materialização da análise do autor, uma vez que o
surgimento dessa associação vem corroborar a capacidade de organização
comunitária encontrada naquele espaço.
No entanto, as disputas políticas ocasionadas quando de sua emancipação, passam
a ser um marco para redução do estoque de capital social, uma vez que as relações
de cooperação e confiança são substituídas pelos jogos de poder. Nesse sentido, há
um possível processo de esgotamento daquele capital social encontrado nas
décadas anteriores.
Contudo, o processo de esgotamento de capital social percebido nos anos seguintes
à emancipação pode ser considerado como um marco para o seu sepultamento?
Jaguaré passou a estar inscrito numa nova realidade. O desenvolvimento de
tecnologias agrícolas potencializou a produção e, por conseqüência, a necessidade
92
de um maior contingente de mão-de-obra. A cada colheita, uma representativa
parcela de lavradores passou a se instalar no município, modificando seu desenho
populacional, uma vez que o município passa a contar com novos moradores que
não foram partícipes de sua colonização. Somada a uma condição política
desfavorável às relações de cooperação, solidariedade e confiança, a inserção de
atores deslocados do processo de desenvolvimento do município pode ser
considerada também como indício do enfraquecimento do capital social.
A noção de marco de poder salientada por Merval Pereira em coluna publicada no
jornal O Globo de 31 de maio de 2008, apresenta-se como pertinente a este estudo.
Durante o período de emancipação de Jaguaré, instala-se uma condição política
pautada nos embates políticos que dão origem a uma relação vertical e de
esvaziamento da participação comunitária. Segundo Pereira (2008, p. 4),
North afirma que a determinados marcos de poder favorecem o
desenvolvimento, enquanto outros prejudicam. Putnam, apropriando-se dos
conceitos de North, avalia que as máfias no sul da Itália prejudicam o
desenvolvimento, enquanto um maior valor de cidadania, relações
horizontais e de confiança, em outras regiões da Itália, contribuem para a
potencialização do desenvolvimento.
Porém, o marco de poder instalado após a emancipação pressupõe a extinção do
capital social encontrado na trajetória histórica de Jaguaré? Como rearticular o
capital social percebido em sua origem?
Essas questões levam ao estudo de uma aparente polarização no que tange os
estudos do capital social, onde de um lado pode ser destacada a visão culturalista,
defendida por Robert Putnam (2006) e a visão neo-institucionalista, do trabalho de
Peter Evans (1993). Vale ressaltar que não houve, nesta pesquisa, a pretensão de
discutir os apontamentos propostos pelos autores, mas o delineamento de caminhos
que possam ser aplicados à questão jaguareense. Segundo Abu-El-Haj (1999, p.
69),
A teoria de Putnam [...] adota uma vertente cultural na explanação das
fontes de confiança. Percebe-se, na leitura da obra, que a cultura política e
a história particular determinam a existência ou inexistência do
associativismo horizontal, base do engajamento cívico. Putnam acredita
que o sistema político é um reflexo da lógica de hierarquia, coesão e
autoridade das particularidades locais. Distinguiu entre dois tipos de
93
associação: o horizontal e o vertical. O primeiro aglutina membros de igual
status e poder; o vertical reúne sujeitos desiguais numa relação assimétrica
de hierarquia e dependência.
Nesse contexto, para Abu-El-Haj (1999), Putnam apresenta uma visão culturalista do
capital social, sendo a cultura o elemento chave para a sua existência ou não. Para
o autor, Putnam afirma a ausência de fatos conclusivos sobre a efetividade de uma
possível ação institucional no auxílio da geração de capital social numa dada
sociedade.
Porém, “a associação do capital social à herança cultural inquietou a grande maioria
dos pesquisadores” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 71), dentre eles Peter Evans e Jonathan
Fox. Segundo a visão destes autores, há um questionamento entre a causalidade de
engajamento cívico e história-sociocultural. Abu-El-Haj (1999) salienta que Evans
defende que a ausência de relações horizontais é fruto de ações políticas
autoritárias. Ainda segundo o autor, “Fox concluiu que sociedades dominadas por
poderes públicos clientelistas, autoritários e coercitivos não somente impedem a
mobilização coletiva local, mas também bloqueiam a generalização de experiências
bem-sucedidas” (ABU-EL-HAJ, 1999, p. 71). Nesse sentido, pôde-se perceber em
Jaguaré a extinção do Comitê Pró-melhoramentos e a diminuição da participação
comunitária nas decisões políticas como fatores que levaram a uma verticalização
do processo, onde a principal conseqüência é a perda do engajamento cívico.
A contribuição de Evans (1993) parece pertinente em relação à realidade encontrada
em Jaguaré. Nesse sentido, partiu-se do pressuposto que o engajamento cívico
encontrado nas primeiras décadas de Jaguaré é um elemento relevante na análise
do processo, uma vez que a base histórica é favorável ao capital social.
Entretanto, aparentemente, o novo marco de poder instalado pós-emancipação
inseriu o município num sufocamento das ações bem-sucedidas (como o Comitê) o
que leva a uma situação de ausência de relações horizontais que favoreçam a
retomada do capital social como elemento do desenvolvimento daquele espaço.
Assim, de acordo com os pressupostos neo-institucionalistas, o poder público por
meio de políticas de longo prazo, em detrimento de políticas de governo, pode ser
um importante ator no processo de retomada do capital social. Dessa forma,
94
Evans e Fox assumem o pressuposto básico de que as instituições
públicas têm, além do monopólio da coerção, a exclusividade da
mobilização dos recursos sociais. O Estado na sociedade moderna é a
arena principal da convergência das demandas sociais, determinando, em
última instância, o sucesso das iniciativas voluntaristas (ABU-EL-HAJ,
1999, p. 71-72).
Assim, a corrente neo-institucionalista ressalta a idéia de que o ativismo institucional
pode ser elemento de incentivo para as redes cívicas adormecidas ou reprimidas,
podendo essas redes ganharem vida autônoma num segundo momento (ABU-EL-
HAJ, 1999; CUNHA, 2000).
Nesse sentido Evans (1993) apresentou três tipos de intervenção pública. A saber:
Intervenção predatória – caracterizada por intervenções arbitrárias e coercitivas;
Intervenção desenvolvimentista – mais eficiente na utilização dos recursos
sociais disponíveis;
Intervenção intermediária – pressupõe uma combinação híbrida de elementos
desenvolvimentistas e predatórios, caracterizado pela imensa descontinuidade de
ações e variedade de resultados.
A adoção de uma política de intervenção desenvolvimentista apresenta-se como um
possível caminho para Jaguaré, onde ações fomentadas pelo poder executivo
municipal poderia se apresentar como uma alternativa ao enfraquecimento do
engajamento cívico, das relações de cooperação e confiança e ao enfraquecimento
do perfil associativista no âmbito local.
Embora desconsidere o papel do poder público como agente para o (re)surgimento
do capital social, a obra de Putnam (2006) é fundamental para a análise proposta
neste trabalho. Seus conceitos ligados à idéia do associativismo horizontal são
importantes quando se insere o Estado no processo de rearticulação do
engajamento cívico e do capital social. Assim, como em Tocqueville (2004), é
importante considerar que a confiança, a cooperação e a solidariedade brotam sob
condições de relativa igualdade e de ausência de hierarquias impostas.
95
Nesse contexto, percebe-se em Jaguaré uma trajetória histórica como aquela
percebida por Putnam (2006) no norte da Itália, porém, ao contrário do que
aconteceu naquele país europeu, o adormecimento do capital social encontrado na
origem da colonização jaguareense pode ser rearticulado pelo poder executivo
municipal, por meio de ações que visem a ampliação da capacidade associativista,
do processo de participação popular nos rumos do município, no desenvolvimento
de metodologias que auxiliem a inserção comunitária no processo de
desenvolvimento.
Cabe ressaltar que esta pesquisa teve como principal objetivo a análise do contexto
sócio-histórico do município de Jaguaré e a possível existência de capital social
naquele espaço. A partir do levantamento de informações e das entrevistas
realizadas, foi possível chegar a alguns elementos conclusivos:
Em seu processo de colonização, a partir de uma cultura pautada na família, no
trabalho e na religião, Jaguaré apresentou a existência de capital social em sua
origem até sua emancipação;
O processo emancipatório gerou disputas políticas instaurando um marco de
poder que, a partir daquele momento, fragilizou as relações de cooperação e
confiança;
A partir do final dos anos 1990, um novo marco de poder viabiliza o
ressurgimento de novos movimentos associativistas e de participação popular,
capitaneados pelo poder público municipal de Jaguaré. Assim, é evidenciado um
possível redesenho da história do município, alavancado pela herança da cultura
cívica e do capital social existentes quando de sua colonização e pela próspera
arrecadação obtida por meio de novas tecnologias implantadas no campo e pelos
royalties da nova economia do petróleo.
Entretanto, este trabalho limitou-se a descrever os fatos buscando principalmente a
análise da existência ou não de capital social em Jaguaré. Como possibilidades de
novas pesquisas, podem ser sugeridos estudos mais aprofundados sobre os
seguintes temas: i) no que diz respeito ao município de Jaguaré, a análise do
processo de emancipação e o surgimento de disputas políticas e sua relação com o
enfraquecimento do capital social existente em sua origem; ii) no que tange ao papel
96
do Estado, a inserção do poder público como elemento de articulação ou
rearticulação do capital social em municípios brasileiros.
Como é possível perceber, este trabalho não teve por objetivo o esgotamento das
possibilidades de análise. Muito pelo contrário, pretende-se trazer à luz aspectos
relevantes sobre os temas desenvolvimento local, cultura cívica e capital social,
vistos aqui como importantes vetores para instrumentalizar atores sociais na busca e
promoção de um desenvolvimento pleno e sustentável.
97
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