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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A PRECOCIDADE DO VAZIO
(Barbie, tudo que você quer ser!)
Shirley Elias Vilela
Goiânia/GO
2008
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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A PRECOCIDADE DO VAZIO
(Barbie, tudo que você quer ser!)
Shirley Elias Vilela
Dissertação apresentada à Banca
examinadora da Faculdade de Artes Visuais
da Universidade Federal de Goiás, como
exigência parcial para a obtenção do título
de MESTRE EM CULTURA VISUAL, sob a
orientação da Profa. Dra. Miriam da Costa
Manso Moreira de Mendonça.
Goiânia/GO
2008
2
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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A PRECOCIDADE DO VAZIO
(Barbie, tudo que você quer ser!)
Shirley Elias Vilela
Dissertação defendida e aprovada em 18 de abril de 2008.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Miriam da Costa Manso (FAV/UFG)
Orientadora e Presidente da Banca
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Rosane Preciosa Siqueira (UAM)
Membro Externo
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Elízia Borges (FAV/UFG)
Membro Interno
__________________________________________________________________
João Alberto da Costa Pinto (FCHF/UFG)
Suplente do Membro Externo
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Edgar de Oliveira Costa (FAV/UFG)
Membro Interno
3
RESUMO
A presente pesquisa visa analisar manifestações diversas da sociedade pós-
moderna, onde a frivolidade, lazeres intensos, busca pelo prazer, representam uma
cultura hedonista recheada pelo vazio, alicerçada na rapidez de informações. O
objeto de investigação é a boneca Barbie, e sua relação com esta sociedade.
Palavras chave: consumo, estética, vestimenta.
4
ABSTRACT
This research main point is to analyse different manifestations of post-modern
society, where frivolity, leisure intense, searching for pleasure, represent a hedionist
culture filled with emptiness, base don the speed of information. The subject of
research is the Barbie doll, and its relationship with the society.
Keywords: consumption, aesthetics, apparel.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................5
1. OS BRINQUEDOS E AS BRINCADEIRAS.............................................................19
2. A CONSTRUÇÃO DA DIVA....................................................................................26
2.1 - A Construção da Diva nos Contos de Fada..................................................42
2.2 - A Construção da Diva no Consumo..............................................................56
3. UMA NARCISA EM BUSCA DE SI.........................................................................64
3.1 - Beleza Concebida; Beleza Transformada.....................................................71
3.2 – Uma Narcisa em Busca do Fausto fashion..................................................85
4. CONCLUSÃO........................................................................................................106
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................110
6
INTRODUÇÃO
Nos séculos XVIII e XIX, era muito comum a mulher trocar receitas de
beleza, máscaras caseiras, sugestões de cores para maquiagem, etc. No século XX,
principalmente depois das Guerras Mundiais, o ideal de estética e construção de
beleza tornou-se relativamente acessível. A beleza viu-se mais cultuada, símbolo de
status e aceitação social. A procura pela juventude e o narcisismo tornaram-se
comuns no mundo globalizado. A imprensa, dentre outros veículos de comunicação,
insiste na idéia de que a beleza, a felicidade e o status podem ser comprados.
O tema estudado envolve análises referentes ao consumo do corpo, à
estética e a construção de símbolos imagéticos por meio de um dos brinquedos da
fábrica Mattel: a boneca Barbie. Este trabalho prende-se à observação da boneca,
em prateleiras comerciais, em catálogos de venda da Mattel e nos sites da mesma,
analisando seus signos e símbolos.
Na pesquisa analisamos uma manifestação da sociedade pós-moderna
em suas expressões onde a frivolidade, lazeres intensos, busca pelo prazer,
representam uma cultura hedonista, recheada pelo vazio, alicerçada na rapidez de
informações e armadilhas ardilosas do consumo.
Investigamos a boneca Barbie, sua história, sua relação com a sociedade
contemporânea, a estrutura semiológica do brinquedo procurando entender porque é
7
a boneca mais vendida do mundo. Nesta relação dialogamos com o objeto de
estudo formalizando hipóteses e problemáticas. Por que Barbie é líder mundial de
vendas? Que armadilha esconde este brinquedo supostamente inocente? Ser
cidadão incluso é ser consumidor consumista? Por que a insistência em uma
imagem feminina bela, fútil e vazia? A beleza e a moda ainda são obrigações ou
imposições para uma aceitação social do modelo feminino? E finalmente, “Barbie é
tudo que você quer ser”?
O título “A precocidade do vazio” é justificado a partir do argumento de
que a boneca é um brinquedo consumido por crianças e adultos, manifestador de
urna imagem de perfeição física e de felicidade ideal. A boneca Barbie induz
precocemente meninas a uma visão consumista da beleza e felicidade materialista.
A criança cresce tendo a convicção de que a beleza é uma conquista fácil e de que
fetiches materiais compráveis são realmente necessários. A boneca leva a uma
ideologia onde a beleza e o consumo não são apenas desejos, mas um dever.
Indiretamente, cultua-se a beleza como obrigação e por ela conquista-se a
felicidade, posição e fortuna.
Existe uma promoção da sedução relacionada à era do consumo. Seduzir
tem diversos caminhos e um deles é por meio da aparência que trafega pelo mundo
da imagem e de serviços que se apóiam no hedonismo, em ambientes de euforia e
tentação. No capitalismo é necessário multiplicar e diversificar, e esta linguagem
diversificada tornam o eco da sedução. Essa intensidade de informações traz o
vazio de sentimentos e o preenchimento posterior de expectativas ligadas ao
consumo simpático e prazeroso. O vazio, ligado ao desmoronamento dos ideários
sociais, abre um momento único de apatia. Acreditar em que afinal? O mundo
contemporâneo é muito rápido e intenso. Não existe tanta rapidez ou expectativa
que corresponda ao sentimento acostumado com o descartável. Inicia-se o
8
fenômeno da indiferença por saturação.
O capitalismo tem se renovado pela construção artificial do desejo e é
neste contexto que nasce uma sociedade alimentada por imagens cuidadosamente
arquitetadas, solicitadas pelo mercado ávido de frivolidades, futilidades e prazeres
intensos. Algumas vezes o consumo e consumismo existem sem finalidade ou
sentido, pecando por excesso. Quando o contexto social é inexpressivo, o desejo e
o prazer pelo material se transformam em valores pessoais. Estes valores, por
serem materiais e trocáveis, logo perdem o brilho. Tudo é tão intenso que não se
consegue manter o pico de excitação e logo morre, tornando ao vazio,
desencadeando uma apatia que precisa ser sanada imediatamente, o que lembra a
busca incessante de experimentação.
Diz Lipovetsky:
“O homem indiferente não se apega a nada, não tem certeza absoluta,
adapta-se a tudo, suas opiniões são suscetíveis de modificações rápidas;
para atingir esse grau de socialização, os burocratas do saber e do poder
têm a oferecer verdadeiros tesouros de imaginação e toneladas de
informações” (Lipovetsky, 2005, p. 26).
É nessa sociedade que nasce o símbolo Barbie, que cresce, se adapta às
modificações capitalistas e à aceleração da sedução pela aparência. A empresa
Mattel veicula um slogan que vem corroborar estas teorias: “Barbie, tudo o que você
quer ser”. Este brinquedo vem refletindo o comportamento de cada época. A boneca
acompanhou todas as mudanças das últimas décadas. Barbie é rica, bonita e
famosa, e suas roupas, acessórios e situações cotidianas mostram a rapidez dessas
modificações. Barbie tem um namorado perfeito e muitos amigos ricos, bonitos e
fúteis que pensam o tempo todo em festas, praia e shoppings, entre outras situações
hedonistas. O mundo da Barbie é cor-de-rosa, repleto de sonhos e fantasias, onde
tudo é possível. Ela é uma narcisa, e este narcisismo proporciona um perfil
9
especifico nas relações com seu corpo, com outras pessoas e com o mundo que a
rodeia, que, obviamente, para aceitar este perfil vem ao encontro dele, corrobora-o.
Barbie representa uma nova geração do individualismo comum, desprovido de
valores sociais mais profundos, não se importando com as grandes causas. Uma
vez que sua própria esfera privada entrega-se aos desejos diversificados. Sim,
Barbie é rica, bonita e soberba. Convive com isso sem pudor, disfarces ou modéstia.
A boneca é um sucesso de vendas, considerada a mais vendida do
mundo. O estereótipo da mulher estadunidense, loira, linda, de nariz afilado, boca e
dentes perfeitos, cintura fina e pernas de manequim é um sonho de consumo e
idealização de vida. Ela foi representada como modelo, primeira-dama, bailarina,
professora, aeromoça, médica, popstar. Quando assume outros papéis, é
representada como mãe moderna, dona de casa com mãos perfeitas. Também pode
viver personagens históricos e literários como Rapunzel, Cinderela, etc. Sempre
linda e refinada, encarnando os privilégios da monarquia.
Barbie foi produzida pela empresa Mattel, fundada por Ruth Handler,
esposa de Elliot Handler. Barbie sai do senso comum, pois nasce quase adulta,
diferente das bonecas bebê do período. Foi lançada oficialmente na feira anual de
brinquedos de Nova York, em 9 de março de 1950, como modelo “teenager” vestida
com a última tendência do momento. A partir daí passa a ser aliada à beleza,
sucesso e juventude. Nasceu loira, vestida com um maiô listrado em preto e branco,
acompanhado com outros modelos de roupas e acessórios que podiam ser
trocados. A Moda dos últimos 50 anos pode ser contada pela sua forma de vestir
com coleções de modelos e estilos sempre refletindo as mudanças do mundo
feminino.
Nos anos 60 a Barbie encarnou a típica garota estadunidense, com twin-
set de , cabelos coloridos e bonés. Em 1962 se vestiu como Jacqueline Kennedy,
10
com o famoso tailleur cor-de-rosa da primeira dama dos EUA. Em 1967, imitou
Twiggy, vestida com um tubinho mini e botas de cano longo amarelas. Em 1965,
suas pernas ficaram flexíveis e, em 1968, seu rosto ganhou mais juventude e cílios
longos. No auge da contra-cultura, onde o movimento hippie, o movimento feminista
e o movimento negro eram uma realidade pulsante, ela ganhou roupas coloridas e
psicodélicas, além de uma amiga negra que se chamava Christie (1969). Nos anos
80, Barbie apareceu com longos cabelos estilo Farrah Fawcet, muito glitter, lábios
vermelhos e mangas bufantes. Em 1982, artigos de maquiagem foram incorporados
aos seus acessórios. Nos anos 90, dirigia uma Ferrari, muito feliz. Em 1992,
candidatou-se à presidência dos Estados Unidos da América. Em 2000, adquiriu
corpo flexível como deve ser o da mulher moderna que trabalha e se diverte.
Ganhou computador e celular. Ela pode ser o que você quiser, com estilo e muito
dinheiro.
Em 1997, no Museu Nacional de Mônaco, foram expostas 110 bonecas
Barbie, vestidas por 55 estilistas. Em 1998, aconteceu uma outra exposição, “Barbie
em Férias”, no Museu da Boneca em Paris. No ano de 2002, em São Paulo, no
Senac Moda, a exposição “Forever Barbie” mostrou 120 Barbies históricas. Como
explicar este fenômeno?
Segundo Lipovetsky:
“hoje em dia vivemos para nós mesmos, sem nos preocuparmos com as
nossas tradições e com a nossa posteridade. Criou-se uma crise de
confiança nos líderes políticos, um clima de pessimismo, de catástrofe
iminente que explicam o desenvolvimento das estratégias narcisisticas
de”sobrevida” que prometem saúde física e psicológica. Quando o futuro
parece ameaçador e incerto, resta debruçar-se sobre o presente que não
paramos de proteger, arrumar e reciclar, permanecendo em uma juventude
sem fim” (Lipovetsky, 2005, p. 33).
O narcisismo aboliria um suposto e trágico desencanto, uma vez que se
11
volta para si. Estaríamos em uma era de super investimento do eu e de tudo que ele
pode representar. O materialismo exagerado e o culto da abundância proporcionou o
surgimento de uma cultura centrada no Eu e na subjetividade. Este momento é
representado pelo cruzamento do hedonismo individualista impulsionado pelos
objetos e sinais estimuladores que estão em toda parte. O adestramento social
existe, mas de forma sorrateira e a democrática, que existem várias opções de
sedução.
Lipovetsky (2005) considera o narcisismo como a nova tecnologia de
controle suave e autogerado que socializa dessocializando, e coloca os indivíduos
de acordo com o social pulverizado, privilegiando assim o reino da expansão do ego
puro. O Eu se torna flutuante e pronto para a assimilação dos modelos de
comportamentos, mas o conteúdo jamais seria definitivo. Tudo aquilo que representa
as próprias motivações, liberações da personalidade, expressão de sentimentos,
ganha terreno. Daí, uma das justificativas do fascínio exercido pelos famosos, pois
ressaltam o Eu e os sonhos dos narcisistas.
As Estrelas, modelos e personagens famosos em geral, encorajam o
homem a se identificar e agir como eles. A imagem de felicidade, bem estar, beleza,
juventude, vigor e luxo que estas celebridades passam, tem um efeito avassalador
em um cidadão comum. Isto ativa a ambição e os sonhos de realizações
impossíveis. Pessoas montam clubes, associações, workshops, convenções para,
por exemplo, discutir coleções da Barbie e modelos de roupas e acessórios que a
vestem.
Rodrigo Elísio, 28 anos, arquiteto, coleciona a Barbie, possuindo 90
bonecas, e se diz atraído pela beleza dela. “São como obras de arte, elas têm um ar
que quem coleciona consegue enxergar”. “Elas são maravilhosas e bem feitas,
12
me fazem feliz e isso não tem preço”, diz a médica Vera Andiara ao comprar uma
Barbie por 2000 reais.
1
Em 2005, nos dias 20 e 21 de novembro, aconteceu a primeira
Convenção Oficial de Colecionadores da boneca mais famosa do mundo, cerca de
200 colecionadores de todos os Estados brasileiros se reuniram neste evento
patrocinado pela Mattel e organizado por e para colecionadores. A gerente de
produtos da Mattel, Isabel Patrão, explicou: “apesar de não ser o maior mercado da
boneca da América Latina o Brasil é o maior mercado de Barbies colecionáveis”.
2
O
estilista Lino Villaventura criou cinco bonecas, exclusivas para a convenção, sendo
uma delas leiloada e arrematada por 900.00 reais. Além disso, foram doadas
Barbies para creches, com a campanha “Barbie para todos”. No mesmo evento,
aconteceu o concurso “Miss Barbie Brasil” de bonecas customizadas. No final do
evento, os colecionadores foram convidados a se vestir como sua boneca favorita.
“Barbie, tudo o que você quer ser”.
As vedetes são efêmeras em consonância com o ritmo acelerado das
manifestações do capitalismo, mas Barbie ainda resiste, pois os signos que a
rodeiam são reciclados constantemente, e resultam na manutenção da Diva. Ela, e
tudo que a rodeia, refletem a inconsistência da sociedade pós-moderna.
Baudrillard (1968) diz que o corpo foi transformado em um dos símbolos e
objetos de venda cultuados no capitalismo. O corpo é capital e fetiche sendo ele
próprio objeto de consumo. O consumo propõe novas relações estabelecidas entre o
objeto e os sujeitos. Os objetos estão sendo cada vez mais valorizados de acordo
com a construção de uma ideologia de consumo. Para alguns pode ser definido por
uma prática ideológica, o signo deve reproduzir uma imagem para preencher um
1
MOURA, Ana Carolina. Loucos por Barbie. Disponível em <www.ousadia.com.br>. Acesso em 21 de maio de
2006.
2
TAVARES, Marcela. Barbie. Disponível em <www.delas.com.br>. Acesso em 21 de maio de 2006.
13
desejo de realidade ausente. Para isso a publicidade apóia o consumo, produzindo
um discurso de amparo à imagem cuidadosamente construída.
Para abordar este brinquedo, a boneca Barbie, repositório de ideologias e
valores sociais, constituído de hedonismo, de comportamento alienado e vazio,
recorrer-se-á à semiótica, que levantará o significado e o significante das imagens
retiradas dos catálogos da empresa Mattel.
A proposta metodológica é ancorar a imagem. Barthes(1979) descreve
que o signo de primeira ordem se torna o significante da segunda ordem. O signo de
primeira ordem compreende uma descrição: Barbie, loira, bronzeada, roupa de surf,
vendida com uma prancha e óleo de coco, com o nome de venda “Califórnia Girl”.
Em segunda ordem essa associação de significante passa para significado: Barbie
“Califórnia Girl”, bela, morena bronzeada, com cheirinho de coco, rica, pois tem
tempo e dinheiro para a praia e para a prática de um esporte caro como o surf, entre
outros prazeres que a riqueza proporciona. Nesse segundo nível é, sem duvida,
indispensável os conhecimentos culturais, antropológicos e sociais.
A proposta dentro da metodologia escolhida é desvendar essas imagens
hedônicas, deslumbrantes, explicar o que mantém a fama e as vendas da boneca. O
material destacado para o levantamento de dados visuais, foi composto pelos
catálogos de vendas da Mattel, identificando as imagens e fazendo o inventário
denotativo e de significação conotativa. Dentro desses inventários serão colhidos
dados relacionados à estética, ao modelo de beleza, à futilidade alicerçada no
consumismo e à simbologia das vestimentas.
Quanto às técnicas de investigação utilizamos, além do levantamento de
imagens em catálogos, a coleta interativa de dados na internet, a fim de avaliar a
extensão do alcance das imagens. As pesquisas qualitativas têm caráter flexível e
são perfeitamente admissíveis dentro deste novo paradigma da ciência pós-
14
moderna, pois, até a forma de condução da pesquisa é relevante. Dentro dessa linha
nenhum processo social pode ser compreendido isoladamente ou distantes dos
conflitos ideológicos. A pesquisa qualitativa admite a subjetividade, explicação
plausível para a escolha do objeto.
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações
que constroem sobre a realidade. Isso marca a emergência da subjetividade. A partir
das experiências pessoais é possível resgatar emoções, sentimentos e idéias que
traduziriam um mundo presente. Nesse contexto a tradução é extremamente rica,
pois indica caminhos das materialidades e objetividades que se manifestam em uma
experiência de coletividade. Essa subjetividade, que valor às sensibilidades,
remete ao mundo imaginário da cultura e ao conjunto de significações construído
sobre o mesmo. Está, sem dúvida, presente na formulação do imaginário social que
os sujeitos produzem.
O imaginário social seria, portanto, um sistema de idéias e imagens de
representação coletiva que seres humanos adquiriram para si. É um sistema de
representação coletiva, que tem signos e significados construídos sobre uma
realidade. Esse imaginário produz modelos de comportamentos estéticos e culturais
alicerçados em algumas realidades econômicas, sociais e políticas específicas.
Contém a idéia de conferir sentido ao real. Comprovam crenças, valores, conceitos e
identidades (como vai ser construída a identidade de Barbie), além de apontar
semelhanças e diferenças (como vai ser buscada por aqueles que amam Barbie.
“Barbie tudo que você quer ser?”).
É perfeitamente plausível trabalhar aqui com a idéia do imaginário social,
pois nenhuma sociedade vive fora dele, existindo um lado que induz ao sonho, que
também é um construtor do real. Nele é possível a concretização do real, baseando-
15
se nesse contexto, os grupos conduzem sua existência. Enfim, tudo isso forja uma
percepção do mundo construído por um discurso representado por imagens.
A cultura visual é ampla e reveladora. A imagem pode ser manipulada em
sua realização. Daí a necessidade de interpretações das narrativas visuais, que
provocam um impacto profundo no leitor, configurando sua subjetividade. A análise
visual descortina a identidade através dessa subjetividade.
Baudrillard (1968) confirma que os seres humanos têm vivido a ponto de
alcançar um desenvolvimento social e econômico sem separação da cultura e da
ideologia. Portanto, as imagens, representações culturais existentes nos
sentimentos e estruturas psíquicas têm também transitado no mundo econômico. Na
verdade, existe um entrelaçamento muito profundo entre todos esses âmbitos,
principalmente pela cultura do simulacro.
O fio condutor deste trabalho é identidade e identificação. Obviamente, Barbie
não resume tudo que queremos ser, mas expressa pelo menos uma parcela dos
desejos da mulher contemporânea. As crianças e mulheres se identificam com a
boneca, por admirarem a beleza aceita e que traz viabilidade social, pela inovação
nas vestimentas e acessórios que tanto encantam o mundo feminino e pelo estilo de
vida divertido, luxuoso e hedonista.
O trabalho foi concebido em: Introdução, Os brinquedos e as brincadeiras, A
construção da Diva, Uma narcisa em busca de si e Considerações finais.No primeiro
capítulo procurei elucidar a origem do brinquedo e o porquê da brincadeira advinda
do mesmo. Dentre os brinquedos mais famosos, a boneca, que em sua função
inicial, tinha como objetivo “treinar” a menina para o dever materno. Hoje, a boneca
tem uma lógica mercantil, instrumento de denominação de classes abastadas e
dominantes, repositório destes valores. Barbie foi construída com critérios das divas
16
do cinema. Um pouquinho de cada uma das famosas e belas atrizes do período.
O segundo capítulo consiste no levantamento da história da boneca Barbie e
de sua construção, bem como de sua “participação” nos filmes de contos de fadas e
como representante fiel do consumo. Barbie nasce em um período de sedimentação
da classe burguesa no ocidente, principalmente de autonomia estadunidense. O
pós-guerra provocaria como conseqüência a exaltação de tudo e de todos que
representam o modo estadunidense de ser, ver e viver. A boneca apenas facilitou o
acesso das massas a um ícone que reunia vários ícones desta realidade burguesa
ocidental. Grace Kelly, Andrey Hepburn, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot foram
algumas inspirações.
Barbie tornou-se então uma projeção da necessidade de uma vida intensa.
Esta boneca passou a incorporar as mesmas características de uma diva. Funciona
como uma grande estrela de sucesso da alta camada social com todos seus
símbolos e signos. Sua identidade reflete feminilidade, individualidade, hedonismo,
consumismo e visibilidade social. Ela é identificada por meio de uma imagem de
luxo, estabelecida pela estratégia mercadológica da indústria cultural. Esta atinge o
imaginário infantil e conseqüentemente voltará reconstruindo-o e alimentando-o.
Ilusoriamente o mundo da boneca Barbie parece estar ao nosso alcance, mesmo em
um cotidiano espetacularizado.
No mesmo capítulo em sua subdivisão é desenvolvido “A construção da Diva
nos contos de fadas”. Uma análise dos personagens dos filmes onde ela, a Barbie,
interpreta vários papéis. A empresa deu vida à boneca, a ponto de torná-la estrela
de sucesso dos filmes desenvolvendo ainda mais seu fascínio sobre as crianças e
adultos. Nestas produções, Barbie incorpora heroínas corajosas, boas, sempre
felizes. Ao final tudo certo e ela sempre consegue o que quer. Seus personagens
17
vestem modelos esfuziantes e moram em castelos luxuosos ou os conquistam
posteriormente. Barbie é uma Diva, uma estrela de cinema eternizada pela marca
que a consagrou. Em todas as situações aparece como se viva estivesse, como se
mulher de verdade fosse.
Ainda na segunda etapa do trabalho enfocamos, “A construção da Diva do
consumo”. Tudo que representa a boneca revela sinais de propriedade e
abundância. Tudo que faz ou mostra, sinaliza a evidência do consumo. A idealização
do “eu” feminino conquistado na década de 60 com o movimento feminista esfacela-
se hoje no “ter”. É o “eu” ser, no “eu” ter. A Diva sempre se apresenta em ambientes
urbanos que, de alguma forma, lembram o consumismo. Cinema, shoppings, praias
e balneários são alguns exemplos de ambiência da estrela. Cuidadosamente
estudados provocam um envolvimento emocional profundo em uma situação
devidamente culturalizada. O “eu” ter induz ao simulacro da felicidade. O consumo e
acumulação advinda dele são carregados de sentido individual e de aceitação
coletiva. O brinquedo em questão representa o luxo que é um diferencial de riqueza.
Jamais vai ser a mesma, com roupas, assessórios e situações totalmente diferentes
a cada coleção. Uma apologia da identidade descartável por meio das roupas e
acessórios. Mas, mesmo diante deste cotidiano que estimula o descartável surge
uma identidade de síntese, aquela que assume o papel de consumidora assídua e
feliz.
Finalmente, o terceiro capítulo recebe o título de “Uma narcisa em busca de si
- Beleza concebida, beleza transformada”, e a exemplo da obra de Goethe, Uma
narcisa em busca do Fausto fashion. Em Uma narcisa em busca de si”,
primeiramente é levantado o motivo do título, narcisa em busca de qual si,
propriamente. O corpo, a beleza e a vestimenta têm sido objeto de uma cultura
18
narcisista. O si seria uma imagem idealizada, construída e alicerçada no imaginário
social, alimentada pela publicidade. Barbie representaria a mulher, e o espelho do
desejo da mesma. Barbie reflete a beleza aceita que preserva a visibilidade e a
aceitação social. Esta aceitação é narcisista, lembrando o mito de Narciso, que se
apaixona pela própria imagem refletida nas águas. A narcisa pós-moderna apaixona-
se pela imagem (falsa) “refletida” nas fotografias construídas com recursos
tecnológicos, ou como o próprio objeto estudado (Barbie), que é uma boneca
concebida “à luz do modelo de beleza ideal”. Afinal, Barbie é tudo que você quer ser,
pois é tudo que é aceito e desejado, seja fisicamente, emocionalmente ou
socialmente.
Por meio das Narcisas através dos tempos visamos levantar padrões de
beleza na trajetória histórica. Em beleza concebida; beleza transformada o objetivo
desta etapa é mostrar que a beleza sempre foi fator de desejo. A necessidade de
bela aparência sempre existiu, com padrões diferenciados, de acordo com a época
e a localização. Hoje a narcisa (mulher de verdade) quer uma imagem virtual em seu
corpo real.
Uma narcisa em busca do Fausto fashion é a última parte do corpo do
trabalho. Este momento da dissertação levanta detalhes de uma imagem perfeita. A
vestimenta e os acessórios diversos completam uma imagem de perfeição e
inovação do brinquedo. As roupas dentre outros objetos de enfeites corporais
funcionam como linguagem provocando um conjunto de textos reveladores.
Denotam um momento de identidade em um espaço de significação. A vestimenta
revela discursos sociais de cada época, lugar e contexto. As Barbies colecionadas
são ferramentas de exaltação da marca, incitando um diferenciado acolhimento.
Estas são luxuosas e caríssimas, itens de colecionadores. O luxo dispendioso
19
também faz parte da aceitação e da felicidade pessoal. O desejo tornou-se a tônica
do mundo contemporâneo. Ser e ter se fundiram, provocando novas personalidades
e comportamentos. O direito de admirar ao objeto e a si próprio por possuí-los. No
narcisismo declarado, as mulheres estão em busca de si e do Fausto. As bonecas
Barbies são apenas sua representação, projeção. Portanto, analisado por este
ângulo, a boneca passa a ser vista por nós sociólogos da cultura visual como objeto
em contínua construção, advindo de pesquisas de mercado e da psicologia humana.
Estas bonecas têm que provocar diálogos plausíveis e claros no consumidor,
incitando ao desejo, provocando possibilidades para a sua própria construção
identitária.
As Barbies colecionáveis têm sua maior característica no vestuário
elaborado, como meio de expressão simbólica e artística. Também por meio destas
vestimentas e indumentárias, Barbie torna-se um objeto de desejo. Afinal, Barbie é
tudo que você quer ser. Barbie é tudo que você quer ter.
20
1. OS BRINQUEDOS E AS BRINCADEIRAS
Segundo Tambini (1996) os primeiros brinquedos surgem na antiguidade,
mas é no século XVII que estes são vistos como objetos lúdicos específicos.
Deixam de ser confeccionados pela família, serão produzidos pelo artesão e
posteriormente vendidos pelos comerciantes. Especificamente eram produzidos por
comerciantes vendedores de materiais de marcenaria, enfeites, ferragens, etc
lembrar de Pinóquio, o boneco de madeira).
no século XIX é que a difusão do brinquedo, como objeto real de
consumo, se amplia, devido ao advento da industrialização. Quanto às bonecas, até
o século XX, eram feitas à imagem dos adultos, olhos de vidro e pestanas de cabelo
humano. Na Alemanha, em 1900, surge a “Boneca de Schilling” feita de pasta de
papel e tecido com enchimento de palha. Com 60 cm, vestia-se como uma babá. Em
1913 surge nos E.U.A, Kewpie uma boneca projetada por Joseph Kallus e fabricada
por George Borgfeld. Corpo e cabeça eram moldados em argila líquida. Na década
de 20 aparece “My Dream Baby” de Armond Marseille, imitação verdadeira de um
bebê. Os traços faciais pintados à mão, camisola de bebê em seda creme. Em 50
apareceram as bonecas tirolesas, alemãs, feitas de celulóide para exportar para o
Reino Unido e os E.U.A., material mais barato, fácil de usar e leve. Ao final da
década de 50, surge Barbie, refletindo ainda mais o modo estadunidense de ser e
21
viver.
Os brinquedos e brincadeiras deles provenientes são importantes para a
construção da personalidade infantil. Para Piaget (1990) ao brincar, a criança
assimila o mundo à sua maneira e interage com o brinquedo. Essa interação foi
chamada por ele “jogo simbólico”, que funciona inicialmente solitário, evoluindo para
o estágio sócio-dramático que é a representação de papéis. Esses papéis podem
ser presenciados em bonecas Barbies, passeando, maquiando-se, surfando etc.
Este jogo implica a representação de um objeto por outro, atribuindo-lhe novos
significados. Para a criança, a interpretação do papel do adulto é sem dúvida uma
simbolização. A criança, sem senso crítico recorre às suas propriedades de
evolução do ser humano normal, reproduz as atividades dos adultos. Através das
fantasias imaginativas e das brincadeiras a criança pode até compensar as pressões
do cotidiano. Se a criança se imagina uma Barbie, linda, loura e poderosa, ela pensa
poder se livrar do controle dos adultos e acredita inocentemente, que está dentro
dos padrões aceitos. Através dos brinquedos e brincadeiras deles advindos é
possível harmonizar perda e recuperação, conceitos do bom e do mau. O brinquedo
é, então, mediador de uma relação com uma cultura específica. Introduz a criança
em um universo de sentidos. O brinquedo valoriza o imaginário sem perder a relação
com a realidade de uma camada social privilegiada ainda que distante. Por exemplo,
quando a criança brinca com a Barbie “Califórnia girl surfista” e encarna o papel da
boneca, ela está valorizando o seu imaginário e, ao mesmo tempo, remetendo-se a
uma situação real. O brinquedo, então, é utilizado como um segmento de cultura ao
alcance da criança. Os brinquedos representam cada cultura e por meio deles
podem ser apreendidos valores diversos, como os discutidos aqui, os hedonistas e
consumistas.
22
Brougére (1998) levanta que o brinquedo é um repositório de valores
sociais e a brincadeira dele advinda, envolve questões de ordem física, cognitiva e
simbólica. O desenvolvimento infantil se por meio de sua interação com o
ambiente e o brinquedo faz parte deste ambiente que dá, inclusive, suporte a uma
lógica comercial. O brinquedo e a brincadeira que surge em função dele, produzem
a afirmação da personalidade, a realização do Eu. Esta é a história da construção da
personalidade e da vontade. O projeto para o futuro pode ser moldado através de
personalidades construídas, embora o futuro possa vir a ser a era do vazio.
(Lembrando do livro a Era do Vazio de Lipovetsky).
Segundo Kishimoto (2002) o brinquedo propõe uma relação íntima com a
criança, não tendo regras definidas. O brinquedo estimula a representação, a
expressão de imagens que evocam aspectos da realidade. O brinquedo faz com que
a criança se depare com o cotidiano. Um dos objetivos do brinquedo é dar à criança
um substituto dos objetos reais, pois sendo um simulacro do real, permite manipulá-
los. A imagem logicamente não é uma cópia idêntica, mas aproxima-se bastante.
Dentro deste contexto, estrutura-se o arcabouço psicológico infantil. O
fabricante de brinquedos os constrói de acordo com a cultura e com o imaginário de
cada idade. A infância projetada no brinquedo carrega mundos reais, repletos de
valores. O brinquedo é um suporte da brincadeira. Faz fluir o imaginário infantil.
Para Piaget (1990) o brinquedo e a brincadeira provocam um processo
assimilativo, promovendo a aprendizagem. Ao manifestar uma conduta lúdica, a
criança manifesta o nível de seu estágio cognitivo desta forma construindo
conhecimento. Ou seja, a partir de uma determinada fase a criança não assimila
o que o brinquedo quer “demonstrar”, como também constrói a fantasia partindo
dele. Este objeto é um símbolo de dimensões enormes, possibilitando a mediação
23
entre realidade e pensamento. Segundo Maria Célia,
A realidade é concebida como um sujeito que interpreta o mundo a partir de
esquemas de pensamentos que são redes intricadas afetivas, cognitivas,
conscientes e inconscientes, elaborações internas de cada um, construídas
dentro e a partir do contexto cultural e social. O contexto cultural, por sua
vez, se estrutura por meio de representações coletivas simbólicas, que vão
ser, ao mesmo tempo, alimento e produto do pensamento humano
(linguagem, arte, religião, mito, ciência) (Dias, 2002, p. 47)
Essa mediação entre realidade e pensamento é uma forma da criança
assimilar o mundo à sua maneira. O pequeno manterá uma interação com o
brinquedo de acordo com a função que ele lhe atribuir. Piaget (1990) levanta que o
jogo simbólico evolui da brincadeira solitária para um estágio sócio-dramático, com a
representação de papéis. (Bomtempo 2002, p. 60) “O apogeu do jogo simbólico
situa-se entre 2 e 4 anos de idade declinando a partir daí.”
Vygotsky (1988) diz que a brincadeira advinda do brinquedo comporta uma
imaginação e uma regra da própria criança. Brincando, a criança integraria o
brinquedo como desejaria que fosse, conferindo-lhe novo significado. Daí a
importância fundamental do brinquedo, pois cria relações contundentes entre
situações no pensamento e as reais. Os pequenos vivem uma passagem de uma
posição de passivos para ativos.
O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance da
criança. É seu parceiro na brincadeira. A manipulação do brinquedo leva a
criança à ação e à representação, a agir e a imaginar (Bomtempo, 2002, p.
68)
Ivan Santo Barbosa (1989), em sua tese “Jogada Publicitária” considera
que em uma organização capitalista, os brinquedos industrializados atendem às
classes dominantes. A criança “assiste” aos brinquedos, tendendo à passividade.
Tudo isso passa a ser mais freqüente após a Segunda Guerra Mundial. O uso do
24
plástico promoveu o barateamento, a higienização e resistência do brinquedo, porém
conferiu-lhe artificialidade. Além disso, o barateamento provocou o consumo em
massa e o descartável. O brinquedo passa a ser facilmente substituível.
Sempre renovados, muito iluminados, autônomos e coloridos. Estão prontos
e finalizados. Assim, os adultos esperam introduzir o mais rapidamente
possível os “baixinhos” no mundo do consumo, dos objetos, dos adultos na
chamada vida cotidiana. (Barbosa, 1989, p. 111)
Ainda segundo o mesmo autor (Barbosa, 1989), o mundo contemporâneo
é rápido tendo os membros da família a necessidade cotidiana do trabalho. Este fato
propõe a necessidade das mães de acionar creches, berçários, escolas integrais,
promovendo nas crianças a idéia de espaços fechados para o lúdico. Os brinquedos
em sua lógica de consumo, precisam caber em caixas, pequenos espaços,
plenamente disputados em residências com metragem cada vez mais reduzida.
No quarto, com sua ternura vaga e insípida, parecem ter como função
manifestar seu desprezo pela ausência materna. O brinquedo começa a
emancipar-se: quanto mais avança a industrialização,mais ele se esquiva ao
controle da família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças,
como também aos pais. (Benjamim, apud Barbosa 1989, p. 112)
Fica clara então a lógica mercantil do brinquedo. O brinquedo, ideológico,
é identificado por uma imagem da marca construída por estratégia mercadológica e
dentro do contexto cultural.
Assim, essa produção simbólica (especialmente a mediática estabelecida
pelos anúncios publicitários) inscreve-se no brinquedo, no brincar e,
portanto, definitivamente no imaginário infantil que projetará o adulto.
(Barbosa, 1989, p. 115)
Ainda reportando a Ivan Santo Barbosa (1989), os brinquedos são
instrumentos de dominação de classes abastadas, portanto dominantes, pois
25
induzem aos estilos de vida baseados no consumo. Muitos brinquedos e a própria
mídia que os vende, apresentam modelos que são desejados pelas classes menos
favorecidas.
Os brinquedos podem ser classificados quanto ao sexo, ou seja,
masculinos ou femininos e aqueles sexualmente não marcados. No caso das
bonecas, em geral, são direcionadas às meninas. Existem também os brinquedos
classificados quanto à faixa etária. Em geral são divididos em: do nascimento até
dois anos, de dois anos até sete anos, dos sete aos doze anos, e do décimo
segundo ano ao décimo quinto ano. Esta é uma classificação feita por Jean Piaget
3
,
que concebia o ser humano enquanto um ser que se constrói na relação com o
meio.
Aberastury, citado por Barbosa (1989), relata que de quatro a seis meses
os melhores brinquedos seriam os chocalhos. De oito a doze meses, as bonecas e
os animais são os que mais agradam. Três anos, brinquedos relacionados ao corpo.
Cinco anos, seriam as gavetas. Depois desta idade, jogos em geral e a retomada do
interesse pelo corpo. No caso das meninas, as bonecas teriam privilégio. Aos dez
anos em diante, inicia-se o desinteresse pelos brinquedos.
Existem os brinquedos segundo o conteúdo pedagógico, classificando- o
em didático e não didático. O brinquedo educativo tem por objetivo promover o
desenvolvimento da inteligência e o aprendizado de forma lúdica. Além desses, os
brinquedos existiriam quanto à confecção, sendo artesanais, semi-artesanais e
industrializados. Estas são apenas algumas das diversas classificações para os
brinquedos.
3
Piaget foi biólogo, influenciado por Charles Darwin, criador da teoria da “Evolução das espécies”. Dedicou-se
à decifração do universo infantil.
26
Os brinquedos tornam-se, portanto, objetos de comunicação, meio através
do qual a criança sai de uma relação centralizada em um objeto, para torná-
lo um utensílio mediador entre ela e as outras crianças e, de forma mais
generalizada, entre ela e o mundo. (BROUGÉRE apud RIBEIRO, 2002, p.
138).
A imagem dos brinquedos é estruturada pelo adulto que o associa a um
complexo de valores e aspirações da sociedade. O brinquedo contém o mundo real.
Sendo assim ao final da Segunda Guerra Mundial, a moda transforma as mulheres.
Diversos estilistas como Christian Dior, Coco Chanel, Balenciaga, Givenchy,
passaram a divulgar as roupas com design. O resultado foi um popular interesse
pela moda. Em meio a este interesse, surge um brinquedo, que iria refletir a
realidade. Em 1959, a nova boneca, da Mattel é exposta em New York, descrita
como “Teenager Fashion Model”. Nascia a boneca Barbie que combinaria com a
fascinação dos estadunidenses pela moda. Esta boneca torna-se Diva.
Posteriormente passará a ser imitada. Um círculo envolvente de projeção, de
identidade e identificação.
27
2. A CONSTRUÇÃO DA DIVA
A década de 50 teve como uma das metas amenizar o impacto de um
grande conflito mundial. De acordo Cotrim (2002) a Segunda Guerra Mundial
acabara em 1945 e a década posterior necessitava de reconstrução e de objetivos
firmes, uma vez que o mundo havia se bipolarizado. Durante a guerra as
divergências entre capitalistas ocidentais e socialistas orientais foram abafadas com
o fito principal de derrotar Hitler. A partir do fim do conflito armado surge a famosa
Guerra Fria.
Em meio às negociações de paz, ao final da guerra, a Alemanha foi
dividida em quatro grandes zonas de ocupação: a francesa, a inglesa, a
estadunidense e a soviética. Em 1947 o ocidente unificou suas zonas e, em 1949, foi
criada a República Federal da Alemanha, a Alemanha Ocidental. Enquanto isso
Stálin implantava a “Cortina de Ferro” dividindo a Europa em socialista e capitalista.
Iniciava-se a Guerra Fria que bipolarizou o mundo. De um lado, o capitalismo
liderado pelos Estados Unidos, a nova Super Potência que, dali para frente, ditaria
ordem e até comportamento ao ocidente. Do outro lado, no Oriente, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas que controlaria o mundo socialista baseado nas
regras e ideologias dos teóricos Karl Marx e Frederich Engels.
28
A cidade de Berlim foi dividida por um muro construído em 1961 com 45
quilômetros de extensão e 3 metros de altura, com minas explosivas e arame
farpado do lado soviético. O muro era vigiado para impedir a passagem da
população de um lado para outro. O “Muro de Berlim” tornou-se o emblema da
Guerra Fria. No lado ocidental, Berlim tornou-se uma vitrine do mundo capitalista,
cheio de delícias e novidades que o capitalismo dissipador poderia proporcionar. Do
outro lado o socialismo descrito como brilhante, coletivista, onde o trabalhador era o
centro, o símbolo e a grandeza da nação, sem problemas de moradia, educação e
sem desemprego, pois o Estado assumia o controle da economia. A URSS
descrevia o ocidente capitalista como um caos, pois neste lado do mundo os
privilégios de uns significariam a miséria de muitos outros.
Na década de 60, um personagem cinematográfico, traduziu
perfeitamente este momento. No filme 007, Sean Connery representou James Bond,
um sedutor agente da inteligência inglesa, trajando smoking e usando alta tecnologia
em defesa das potências ocidentais. As mulheres caiam aos seus s, pois ele
representava inteligência, glamour, educação e elegância. A simbologia destes
filmes era clara, a imagem do ocidente era maravilhosa e sedutora enquanto os
socialistas do outro lado do mundo eram grosseiros, frios, cruéis e deselegantes.
A década de 50 representou um marco no ocidente, pois possibilitara a
era do consumismo capitalista. Assinalou uma emergente cultura adolescente, com
roupas, músicas e comportamentos próprios. O visual, para o consumo capitalista,
tinha que ser associado ao arrojado, moderno e tecnológico. Afinal, acontecia uma
frenética disputa espacial entre as super potências. A ciência e a ficção científica
passaram a povoar o imaginário da população capitalista consumista.
O design, influenciado por esta etapa da história, produzia carros
29
arrojados. A Harley, da General Motors começou a alterar a forma dos automóveis
dentro de um esquema de obsolescência planejada. O design estava se
transformando no próprio objeto de publicidade, estruturando um conjunto de valores
na mente do consumidor por meio de imagens. A década de 50 abriu-se para uma
nova cultura da visualidade. Michael Tambini em seu livro, “O Design do século”,
descreve uma das maravilhas desse período:
Nada assume melhor o otimismo da década de 50 do que o Cadillac
conversível de 1959. O mais chamativo e extravagante dos carros
produzidos em massa, esta bela e ousada máquina foi criada pelo estilista e
construtor de carros Harley Earl, influenciado por Clarence Johnson, o
designer do avião P38, da Lockheed, certamente uma fonte de inspiração
para o Cadillac. O resultado foi uma série de carros baseados tanto na
ficção científica e na fascinação com o vôo espacial quanto na pesquisa
empírica. Para os EUA da década de 50, o estilo desses carros representou
mais do que um mero entusiasmo pela modernidade: eles encarnavam um
sonho (Tambini, 1999, p. 184).
Tudo se voltava para o design moderno. A era da tecnologia e a
necessidade de esquecer a guerra contaminava a todos. E é neste contexto de
inovação, de busca do preenchimento do ideal consumista, que nasce a boneca
Barbie, em 1959. Barbie é apresentada em plástico moldado, com 30 cm de altura,
cabelos de náilon enraizados na cabeça, braços rígidos e articulados, quadris
flexíveis e cintura giratória. Barbie é uma boneca consumidora de trajes e
acessórios diversos. A partir daí, a cada mudança de época, Barbie a acompanhará,
mudando também. O seu ápice vai se dar na década de 60, uma década de
autoconfiança, otimismo e de progresso tecnológico. Durante este período, a
televisão leva ao consumismo em massa. Os fabricantes percebem a força da
população jovem e principalmente a da ala adolescente. A moda torna-se um dos
maiores nichos de consumo, exercendo então, profunda influência sobre
vestimentas comercializáveis. Obviamente, a boneca mais famosa do mundo não
30
deixaria de fazer parte deste “boom” de inovação e consumismo.
Todos estes dados sem dúvida vêm comprovar o aburguesamento do
ocidente e do imaginário ocidental. Tudo que se aproxima do imaginário burguês
aproxima-se do real. A partir de então, acelera-se, ainda mais, o acesso das massas
populares aos ícones que representam essa individualidade burguesa. Esse
momento da história é ideal para transformar os sonhos em realidade. Algumas
conquistas materiais de existência, como a redução de jornadas de trabalho, férias
pagas, melhoria de salário, aumento do consumo, torna a vida mais concretamente
farta, introduzindo, inclusive, novas formas de lazer. Dentro desse aspecto o ser
humano ocidental vai ao encontro de suas ilusões, e, cada vez mais, sonha a vida.
Edgar Morin em seu livro “Mito e sedução no cinema”, comenta sobre este novo
estereótipo de comportamento burguês.
Um movimento não real faz as massas ascenderem ao nível afetivo da
personalidade burguesa. Suas necessidades são moldadas pelos modelos
padrões reinantes, que são os da cultura burguesa. Elas são exercitadas e
canalizadas pelos meios de comunicação que a burguesia controla (Morin,
1989, p. 12).
Isso quer dizer que o aburguesamento do imaginário composto pelas
bonecas corresponde ao aburguesamento da psicologia popular. Os brinquedos
também passam a oferecer a identificação de pontos de apoio desta realidade
construída. Por isto Ruth Handlers com sua observação atenta da realidade
presente, no período, via que a filha passava horas vestindo e despindo suas
bonecas de cartão. Percebeu que acontecia uma identificação com as bonecas e, no
caso, as crianças da mesma idade não tinham uma boneca que as inspirasse, sobre
o que seriam quando crescerem. Fabricou uma boneca de plástico que aparentasse
uma idade entre 16 a 20 anos e que as meninas pudessem vestir, pentear e
31
transformar.
Em meio a essa descoberta, uma abundância de imagens existia para
servir de inspiração para a aparência da boneca. Grace Kelly encarnava o ideal de
beleza feminina na década de 50. O cinema a tornou célebre com os filmes “Crime
perfeito”, “Janela indiscreta”, “O ladrão de casaca”. Audrey Hepburn, a teenager, foi
uma das maiores inspiradoras da boneca; inocente, com olhos profundos, adorava
dançar em seus filmes “Férias em Roma”, “Sabrina”, “Cinderela em Paris”. Neste
último a moda era uma obsessão e deixava o exemplo de que uma mocinha comum
poderia transformar-se em uma manequim célebre. Obviamente o sonho poderia
transformar-se em realidade nas telas do cinema, no imaginário infantil e
adolescente. Após o lançamento do brinquedo o imaginário da construção de uma
estrela, da diva, passaria a traduzir o sonho de beleza e ambição de estrelato de
todas as meninas do ocidente.
Outras mulheres serviram de inspiração para a fabricação desse produto
da Mattel e também fizeram parte do imaginário burguês. Marilyn Monroe estrelando
os filmes “Os homens preferem as loiras”, “Como casar com um milionário” e “O
pecado mora ao lado”. Com seus cabelos pintados de um tom loiro cuidadosamente
alinhado, olhos com cílios bem longos, sobrancelha detalhadamente desenhada,
boca perfeita, pintada com batons úmidos e brilhantes, Bardot teve sua imagem
copiada pela Mattel. Ela reproduzia uma mistura inusitada de ingenuidade,
erotização, sensualidade feminina e leve requinte, ressaltados no filme “E Deus criou
a mulher”.
Barbie apareceu em uma década de extrema exaltação da beleza e das
vestimentas. O look da época exigia um rosto com variedades de cores para a
maquiagem, que mudava junto à moda. O rosto da boneca era pintado à mão, com
32
várias tonalidades. Ao longo de sua trajetória, Barbie teve mais de 500 maquiadores.
Na década de 50, a maquiagem era forte, de consistência pesada.
Sombras prateadas, traços de delineador nos olhos, batons alaranjados nos lábios,
pele pálida. Exatamente o tipo de maquiagem usada no cinema pelas grandes e
famosas atrizes do período. Muitos adornos, brincos redondos ou argolas, colares
de pérolas, compunham o visual das atrizes, da boneca e, consequentemente, das
demais mulheres, “pobres mortais”. É dentro deste contexto que a boneca torna-se
uma imagem palpável das grandes divas da década de 50 e das posteriores. Essas
estrelas, assimiláveis e “necessárias”, são “modelos-de-vida”, concretizando um
constante sistema de relações entre o que é real e o imaginário, imposto pelo
capitalismo.
Mais uma vez Morin aponta:
É dessa forma que a evolução que degreda a divindade da estrela estimula
e multiplica os pontos de contato entre estrelas e mortais. Longe de eliminar
o culto, incentiva-o. Mais presente, mais familiar, a estrela está quase à
disposição de seus admiradores: daí o florescimento de fãs-clubes, revistas,
fotografias, correspondência, que institucionalizam o fervor. Toda uma rede
de canais conduz a partir daí homenagem coletiva, que retorna aos fiéis na
forma dos mil fetiches (Morin, 1989, p. 20).
Ora, Barbie, assim como os mitos e as estrelas do cinema, também tem
revistas e filmes que institucionalizam sua imagem. Estes são elementos
estimuladores da fé, do culto do qual a boneca é objeto. Hoje, em pleno século XXI,
temos uma infinidade de blogs, fãs-clubes e sites relacionados à boneca Barbie.
Esses elementos aumentam o processo de identificação psíquica entre aquele
que absorve a imagem e a ação representada pela boneca. Quem a acessa, vive,
de alguma forma, a vida imaginária, intensa, valiosa, hedonista que a boneca
repassa. Quem adora a boneca torna-se adorador também das ações e
33
representação de comportamento, torna-se adorador daquilo que gostaria de ser e
ter. O amante da boneca vai de alguma forma imitar algumas características do
brinquedo. A Mattel, sabendo disso, institui um slogan: “Barbie, tudo que você quer
ser”.
O astro americano Johnny Depp, 43 anos, contou que seu passatempo
favorito é brincar com as bonecas Barbie, “Brincar de Barbie é uma ótima atividade
para se fazer com as crianças; eu adoro”, disse ele.
4
Outros depoimentos podem ser registrados, e demonstram uma atitude
apaixonada, como o de colecionadores que se identificam como Cristina Preda,
Priscila e Renata. Relataram em mídia eletrônica;
Sempre fui apaixonada pela Barbie, mas comecei a colecionar depois
que minha filha nasceu 6 anos, porque comecei a freqüentar lojas de
brinquedos, então eu comprava uma Barbie para ela e guardava, aí comecei
a comprar pra mim mesma, até que um dia conheci as colecionáveis que
são para adultos colecionadores, então fiquei maluca pela Water Lilly by
Monet, mas aqui no Brasil elas não eram vendidas.
5
Sou Priscila, tenho 14 anos e faço coleção de Barbie desde 5 anos. Na
minha casa eu tenho 4 quartos só de coleção de Barbie. Quando conto para
alguém eles não acreditam, mas ando com uma foto do meu quarto na
minha bolsa para alguma desconfiança do povo (meus colegas) tenho 9.000
Barbies.
6
Barbie sempre foi minha paixão, ganhei minha primeira em 1983 e nunca
mais larguei. Enquanto minhas amiguinhas queriam brincar de escolinha, de
mamãe e babe, de feirinha, etc., eu queria brincar de Barbie... sempre.
Mas se engana quem pensa que eu tive muitas durante a infância, pois tive
apenas duas... mas a gente juntava com as Barbies das amigas e ficava
tudo bem. Minha maior frustração infantil foi nunca ter tido um Ken.
O tempo passou, eu cresci, mas meu sonho ainda era ter um Ken, e “enchia
o saco” dos meus pais por causa disso, até que no natal de 1999 minha
mãe me deu um Ken e uma Barbie de presente. A partir daí me veio a
vontade de colecionar... sempre ficava “babando” nas lojas de brinquedos
até que em Novembro de 2000 eu não resisti, entrei na loja e comprei 2
bonecas, iniciando minha coleção. Eu adoro todas as Barbies
(Collectibles, Vintage, Estrela, etc), mas minha paixão mesmo são as novas
pink box (destinadas ao público infantil), pois adoro suas maquiagens, além
do novo molde de corpo, mais real com o quadril mais largo e cintura com
4
Coluna Jr. 21.07.2006, Edição nº 587. www.folhaes.com.br. Acesso 21 de julho 2006.
5
Cristina Preda. Uma paixão que virou mania. <www.maniadecolecionador.com.br> Acesso em 23 de julho de
2006.
6
Priscila. Barbiemania. <www.barbiemania.blig.com.br> Acesso em 23 de julho de 2006.
34
umbigo, e como são mais baratas que as Collectibles, posso comprar
várias... também gosto do restante da família: Ken, Midge, Teresa, Kelly,
etc.
7
No Brasil, um colecionador, Carlos Keffer, conseguiu reunir mais de 300
Barbies temáticas que representam a evolução da moda e dos ideais de beleza. A
fabricante Mattel reconheceu que a mostra do brasileiro é a única no mundo a
revelar a evolução dos costumes, da moda e dos padrões de beleza por meio da
Boneca Barbie. A revista Ícaro no texto de Carlos Moraes ressaltou:
Com o apoio do fotografo Ricardo Schetty e do Senac Moda de São Paulo,
Carlos Keffer selecionou 90 de suas preciosas Barbies para montar uma
exibição itinerante que mereceu a visita de mais de 1 milhão de pessoas
nos lugares onde tem sido montada. A primeira em 2003, chamou-se
Coleção de Sonhos; a segunda, em 2004, 45 anos de Barbie. A atual,
Barbie na moda, viaja pelas filosofias, usos e costumes de cada grande fase
da humanidade. A mostra encontrou multidões nos shoppings de Recife,
Vitória, Curitiba, Campinas e São Paulo. Em São Paulo, ocupou os
Shopings Paulista e Pátio Higienópolis. Barbie na moda estará durante as
férias de julho no Shopping Paulista, em São Paulo, e com a possível
presença de uma Barbie viva, selecionada por critérios de um vigor
praticamente científico.
8
Barbie é representada em grandes cenas, em grandes papéis. O
colecionador torna-se um adorador daquilo que gostaria de ser. Em sua grande
maioria procura suportes míticos para a identificação com blogs e sites. Em outros
casos adotam maquiagem, mochilas, cadernos, bijuterias, kits de festa entre outros.
É uma verdadeira “Barbiemania”. A diva Barbie é uma projeção da necessidade de
uma vida imaginária intensa. Morin mais uma vez explica:
A estrela submerge no espelho dos sonhos e emerge na realidade tangível.
Num e noutro caso, são os poderes da projeção que a divinizam. É no
instante em que a projeção mítica se fixa na sua natureza dupla e a unifica
que se realiza a estrela-deusa. Essa deusa, porém, deve ser consumida,
assimilada, integrada: o culto é organizado com vistas a essa identificação.
A estrela é o fruto de uma complexa projeção-identificação particularmente
virulento (Morin, 1989, p. 67).
7
Renata. Perfil. <www.barbieneon.com.br> Acesso em 22 de janeiro de 2007.
8
Moraes Carlos. Todo mundo é louco por ela. Ícaro, revista de bordo, Varig. < Acesso em 23 de junho 2006.>
35
Essa imitação de comportamento e adoração da beleza da boneca, de
suas roupas, cabelos e o próprio fato de possuí-la, é um indício de sucesso e de
status. Barbie é uma boneca cara: Barbie Water Lilly by Monet, por exemplo, foi
arrematada em um leilão pela internet por 100 dólares. A coleção Platinum Label
tem uma produção restrita que chegam a custar R$ 1.000,00. O casal Arthur e
Guinevere (Barbie) sai por R$ 500,00. A boneca Barbie, então, funciona como uma
deusa, a estrela, a modelo encarnada na alta camada social, um signo ideal de
feminilidade e até individualidade. Dispõe também o hedonismo, o consumo ressalta
beleza, riqueza, lazeres intensos ou ócio moderno. Sem dúvida é na adolescência,
quando se constrói a personalidade, que o papel da Barbie e de tudo que ela
representa se torna mais eficaz.
As ruas deixaram de ser espaços de convivência e houve a redução do
associativismo infantil. Os parceiros infantis agora, na maioria das vezes, são os
brinquedos, as bonecas de coleções, e, nesse terreno, verifica-se que uma coleção
puxa a outra. Barbie como boneca e imagem de boneca, continua sempre a ser um
sucesso e vende não apenas a ela, mas também carros da Barbie, Poneys da
Barbie, jogos da Barbie, “computadores”, ipod, roupa, mala, etc. Esta boneca é líder
no mercado licenciado infantil. A fabricante Mattel faturou US$ 5 bilhões em 2004 e
US$ 3 bilhões vieram da boneca Barbie. O vice-presidente da Mattel para a Ásia,
América Latina e Canadá diz ter acordo de licenciamento para o ipod, notebook e
computador de mão da Barbie. Érica Giacomelli que nos fornece os dados acima é,
gerente de licenciamento da Mattel no Brasil, ressalta a interatividade pela internet.
“Temos registro do acesso de 2,5 milhões por mês. O que é altíssimo, e a
maioria buscam integração com o universo Barbie e outras crianças por
meio de uma comunicação divertida, na linha dos games” (Franco, Carlos.
O Estado de São Paulo, Economia, domingo, 14 de agosto de 2005, p. 17)
A Mattel encontrou, na diversificação e no entretenimento, uma forma de
36
sustentar as vendas da boneca e dar fôlego permanente a essa indústria do
licenciamento da marca. Nos últimos anos, a empresa firmou parceria com a
Universal para produção de filmes, que são vendidos posteriormente ao lançamento.
O primeiro da série foi “Barbie e o Quebra-nozes”, depois “Rapunzel”, “Lago dos
Cisnes”, “A Princesa e a Plebéia”. Em 2005 foi lançado “Barbie Fairytopia” e a
“Magia de Alados” e, logicamente, seus cavalos alados tornaram-se campeões de
vendas. Estas são estratégias que garantem a exposição da marca e a venda de
produtos licenciados. No Japão existem 21 lojas vendendo produtos e roupas com
estilo Barbie. A Primícia licenciou malas e frasqueiras com a imagem da Barbie.
Barbie tornou-se a expressão do brinquedo e brincadeira da criança do
final do século XX e início do século XXI. Para a concretização dessa realidade
massiva, temos a estrutura social que induz ao consumo e ao descartável. O
brinquedo tem que ser dinâmico, belo, inserido nas práticas cotidianas além de
substituível. Isso transfere o universo dos sonhos da criança para os elementos que
vivem em seu espírito infantil, beneficiando os interesses ideológicos e econômicos
dos detentores do poder.
Foucault (1979) revela que existem mecanismos gerais, efeitos de
conjunto e de poder, que se expandem por toda a sociedade. Este poder, paralelo
ao do Estado, pode estar em qualquer instituição, tomando corpo em técnicas de
dominação. Este poder existe, é forte, persuasivo e atinge realidades concretas do
indivíduo, como o corpo social e sua imagem na sociedade. Esse teórico
caracterizou esta estrutura como micro poder, considerando-o em seus extremos,
realizando um controle de gestos, atitudes, comportamentos e hábitos.
“O importante é que as análises indicaram claramente que os poderes
periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho
de Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado, nem, se
37
nasceram fora dele, foram inevitavelmente reduzidos a uma forma ou
manifestação do aparelho central. Os poderes se exercem em níveis
variados e em pontos diferentes da rede social e neste complexo os micro-
poderes existem integrados ou não ao Estado [...] (Roberto Machado, In:
Foucault, 1979, p. XII).
A revista “Isto É”, na edição 1870 (na reportagem “ter ou não ter”)
levantou muito bem este tipo de dominação ideológica e a força deste micro-poder
chamado consumo. A reportagem trata de adolescentes consumistas, moldados
pela sociedade capitalista de consumo, que altera comportamentos, gestos, atitudes,
etc. Segundo estudos da revista, em 2004, 4,3 milhões de adolescentes entre 13 e
17 anos, de todas as classes sociais, freqüentaram shoppings e são usuários da
internet; 62% freqüentaram shoppings, 43% tinham celular, 20% possuíam um
computador pessoal (lembrando que Barbie se apresenta em todas estas situações
citadas). Segundo a revista, nas classes A e B, essas cifras sobem para 78%, 65% e
44% respectivamente. Este grupo foi até três vezes por semana ao shopping,
gastando em média R$ 69,00 em cada passeio
9
.
É no shopping, esta força persuasiva de poder, que os adolescentes em
processo de reconhecimento do outro, promovem uma super valorização da
aparência, da beleza e do julgamento alheio. Em quase todo shopping existe uma
loja de brinquedos, ou uma loja de departamentos famosa, as quais expõem, em
suas vitrines, os últimos lançamentos de brinquedos e, no caso específico deste
estudo, da boneca Barbie.
A criança e o adolescente se vêem diante desta força de indução,
entregando-se ao simulacro afetivo, materialista, calcado na imagem. A boneca é
identificada por uma imagem de marca, construída por meio da produção simbólica
estabelecida pela estratégia mercadológica da indústria cultural. É a construção do
ser humano segundo uma imagem induzida.
9
Revista Isto É, comportamento, edição nº 1870, 17/08/2005, Marina Caruzo.
38
“O poder funciona e se exerce em rede nas suas malhas, os indivíduos não
só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer
sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre
centros de transmissão. Em outros termos o poder não se aplica aos
indivíduos, passa por eles [...] O indivíduo é um efeito do poder e
simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de
transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constitui (Foucault,
1979, p. 183).
Isto quer dizer que brincando com uma boneca, simbolicamente
repositório de valores capitalistas, as crianças estariam criando e recriando o
universo que as circunda, tornando-se um centro de transmissão do poder do
consumo e de valores capitalistas. O brinquedo passa uma mensagem para que as
crianças reproduzam funções, gestos e modos de ser socialmente dominante. A
criança é extremamente importante para o comércio de brinquedos e isto significa
muito dinheiro. A imagem do brinquedo, boneca Barbie, nos aparece altamente
persuasiva, fazendo com que, ilusoriamente o mundo pareça estar ao nosso
alcance, em um cotidiano espetacularizado com imagens de um simulacro social.
A figura da boneca é apresentada em catálogos, propagandas televisivas,
em suas próprias embalagens, além de sites e páginas da internet. Esta linguagem
busca envolver e seduzir com o intuito de provocar reações e estimular desejos,
como mostram algumas situações nas quais Barbie é apresentada.
39
40
“Conversível da Barbie” “Combinando liberdade e
estilo, seus detalhes trazem a realidade das estradas
para o quarto das meninas”. Argumento retirado do
catálogo Mattel 2004, p. 18 (Boneca vendida
separadamente. Idade a partir de 3 anos).
“Buzzy da Barbie”
“O buzzy da Barbie vem decorado com temas de
praia e combina com toda linha Califórnia
Girl” (Mattel, 2004, p. 18)
41
“Barbie Chic”
A Barbie tem estilo e
elegância. Tendência.
(Mattel, 2004, p.22)
“Barbie Acessórios Mil”
Vem com argolas para meninas criarem
acessórios. (Mattel, 2004, p.22.)
42
“Mascote puro Glamour”
Barbie vem com uma cachorrinha ou
uma gatinha. Os acessórios da boneca
combinam com os acessórios dos
animais. Inclui carrinho. (Mattel, 2004,
p. 22)
“Loja de Surf”
Loja de Surf em miniatura com diversos
acessórios. Prancha de surf, equipamento
de mergulho, óculos de sol, maquininha
de fazer estampas. (Mattel, 2004, p. 17)
43
“Piscina Califórnia Girl”
O conjunto inclui chuveiro
em forma de coqueiro,
cadeira salva-vidas (que se
transforma em
espreguiçadeira),
equipamento de mergulho,
óculos de sol, refrigerante,
sacola, petiscos de praia,
castelo de areia. ( Mattel,
2004, p. 17.)
“Barbie Presente de
Aniversário”
Traz dois presentes, um par
de brincos e um anel.(Mattel,
2004, p.21.)
2.1. A Construção da Diva nos Contos de Fadas
Barbie, além de boneca, transformou-se em estrela de cinema,
desenvolvendo ainda mais o seu fascínio sobre crianças e adultos, protagonizando
filmes referentes à magia, sonho e contos de fadas, tornando-se uma referência nas
telas.
Estes filmes baseiam-se no principio construtor dos contos de
encantamento, cheios de sentidos e significados para as crianças. Esses contos
apresentam fantasias que vêem colaborar com a edificação do enorme arcabouço
que constitui o imaginário infantil. Os contos de fadas narrados nestes filmes
oferecem soluções simples para o nível de compreensão dos pequenos
espectadores. Têm, de certa forma, uma função terapêutica, porque a criança neles
se espelha para dar soluções aos seus próprios problemas, imaginários ou não, pois
seus finais são sempre felizes. Assim pensa Bruno Bettelheim quando cita em seu
livro “A psicanálise dos contos de fadas”:
O conto de fadas procede de uma maneira consoante ao caminho pelo qual
uma criança pensa e experimenta o mundo; por esta razão os contos de
fadas são tão convincentes para elas. Ela pode obter um consolo muito
maior de um conto de fadas do que de um esforço para consolá-la baseada
em raciocínio e pontos de vista adulto. Uma criança confia no que o conto
de fadas diz porque a visão de mundo ai apresentada está de acordo com a
sua.( Bettelheim, 1980, p. 59)
Estas projeções trabalham a segurança, e as imagens dos contos
encantam pelo colorido e estrutura mágica. Por meio da trama revelada nos filmes
torna-se, mais fácil alcançar a criança e ativar-lhe traços de divagação. Barbie é uma
boneca e participa dos filmes. Neste caso, a própria boneca produz um efeito com
sentido duplo, além de ser repositória de desejos sociais e representação de
consumo, ela é também personagem de filmes de um conto de fadas, com toda uma
44
simbologia subjacente. É importante frisar que as bonecas em uma brincadeira
normal são usadas para incorporar vários aspectos da personalidade da criança e
isto pode se tornar ainda mais intenso quando esta boneca, além de ser um
brinquedo é também um personagem de um filme gico, cheio de fantasias. É o
imaginário infantil em projeção. Segundo Bettelheim:
... A criança não necessita manter secretos seus sentidos sobre o que se
passa no conto de fadas ou sentir-se culpada por gostar destes
pensamentos ( Bettelheim, 1980, p.73).
Esta fantasia é acirrada, pois, já que os contos têm caráter mágico, de
faz-de-conta, a criança pode ser o que quiser, uma heroína, ser mais bonita, ter
poderes especiais, ou a própria personagem que Barbie representa. As fantasias
das crianças são desenvolvidas de acordo com o que elas vêem, tornando seu
mundo mais interessante. Bettelheim ainda discute:
O inconsciente é a fonte de matéria-prima e a base sobre a qual o ego age
o edifício da personalidade. Prosseguindo na comparação, nossas fantasias
são os recursos naturais que fornecem e moldam esta matéria prima,
tornando-a útil para as tarefas de construção da personalidade que cabem
ao ego. Se formos privados desta fonte natural, a vida fica limitada; sem
fantasias para nos dar esperanças, não temos forças para enfrentar as
adversidades da vida. A infância é a época em que estas fantasias
precisam ser nutridas. (Bettelheim, 1980, p.152).
Estes filmes e as bonecas Barbies, que representam as personagens,
resgatam a fantasia e o sentimento de otimismo, antes existentes nos contos de
fadas. A fantasia é irreal, porém, pode incentivar bons sentimentos nas crianças,
alicerçando segurança, sustentando o otimismo. A felicidade é traço essencial e
marcante na boneca e nos personagens dos contos de fadas. Em outros
seguimentos, a boneca Barbie assume o papel de consumidora, hedonista fashion.
45
Já, vivendo uma personagem de um filme de contos de fadas, ela é simples,
batalhadora, vitoriosa e sempre resolve alguma situação adversa. Incita a criança a
acreditar que, um dia, o reino será dela e que o bem sempre triunfa sobre o mal.
Ilusório e distante, para a dura realidade cotidiana, mas um bálsamo para as
crianças que ainda não têm seus alicerces formados. Os problemas não serão
resolvidos, mas serão evitados por alguns momentos.
Os filmes da Barbie, em geral, enfocam a realeza que conserva seu
embasamento histórico e existiu envolta em uma atmosfera de poder e riqueza,
representação visível de privilégios sociais. Segundo Santaella,
A realeza funciona como uma relíquia da ordem feudal. Uma ordem social
extinta. Por isso mesmo, a realeza social extinta. Por mesmo, a realeza é
tão preciosa quanto uma peça de antiguidade, memória de um tempo que
não existe (Santaella, 2004, p.104).
Todas as imagens veiculadas pela mídia são signos e neste caso o signo
Barbie vem ao encontro das situações de contos maravilhosos, alicerçados na
condição privilegiada da realeza. O que as pessoas desejam é essa representação
de forma mais próxima, o acesso direto. Então o signo Barbie torna-se o objeto
dinâmico, porque apesar de representar situações inusitadas e gicas ela é
tocável. Primeiramente vêem-se e escutam-se os filmes, depois se compra o sonho
concretizado nas imagens das bonecas personagens. As prateleiras estão repletas
delas.
Barbie, na forma de suas personagens, com roupas e objetos
representativos dos papéis que encarna, é vendida em embalagens ilustradas com
as cenas dos filmes. Neles, mesmo que não inicie sua história em situação de
privilégio, estando geralmente presa, oprimida, perseguida, entre outras situações,
posteriormente, a vitória prevalece e o privilégio da realeza triunfa. A imagem bela e
46
boa da personagem, aliada à fama construída da boneca, deixa sua marca de vitória
e de conquista de espaço. Santaella ressalta que “a essa superfície, o feio, o
comum, o previsível são insustentáveis e insuportáveis”. Por isso a realeza nos
filmes funciona como um legi-signo simbólico. E Santaella mais uma vez, sublinha:
Nenhum nobre pode vir a deixar de ser nobre, porque a nobreza é um signo
de lei. Vem daí a força simbólica da nobreza, erigida como valor máximo,
insuperável, símbolo de todos os símbolos sociais. (Santaella, 2004. p, 104).
Esta identificação com a Barbie, em especial, por meio da realeza, vem de
uma aceitação histórica, social e de uma ligação afetiva. O reino era dominado,
“protegido”, representado e dirigido pela realeza. Desta maneira o rei, a rainha, os
príncipes e as princesas parecem ser, na realidade, os povos representados. Sendo
assim surge o sentimento de identidade e, ao mesmo tempo, de distância, fantasia e
mágica que é despertado nos ditos. A representação da realeza mantém uma
relação icônica e a distância, uma relação simbólica. A realeza, então, deve ainda
ser explorada pela mídia como um último reduto de poder, uma relíquia preciosa,
como ressalta Santaella:
Vem dessa mistura bem integrada do ícone e do símbolo que a realeza
como relíquia se preserve como se os séculos não houvessem transcorrido;
como se o modo de produção capitalista não tivesse levado de roldão todos
os valores estéticos e éticos prezados pela aristocracia. Se, até o culo
XIX, a burguesia ainda prestava os valores da aristocracia, a
mercantilização e vulgarização de todos os valores no culo XX vieram
transformar a realeza no ultimo reduto, relíquia preciosa de uma ordem
perdida e que se mantém pela força afetiva de sua representatividade
social. (Santaella, 2004. p. 105.).
Barbie, em seus filmes, aparece envolta em uma aura de beleza extrema,
cabelos longos, vestidos esfuziantes, em uma elegância cintilante e diáfana, aliada a
um comportamento ousado de mulher moderna. As personagens principescas da
47
“atriz” Barbie moram em castelos enormes e luxuosos, são refinadas, educadas, têm
direito a banheiras fundidas em ouro, sobem escadarias suntuosas, possuem
carruagens decoradas, camas requintadas e confortáveis. Estes objetos o
posteriormente vendidos, acompanhados ou não da boneca, na série especial
chamada “Barbie, princesas collection”.
As personagens, em geral, casam-se com príncipes ou homens
belíssimos e são felizes para sempre. O direcionamento da trama dos filmes
sempre gira em torno da Barbie, isto é, de personagens representados por ela. Isto
rompe um pouco com as convenções de uma imagem comum, de uma família real,
geralmente ligada ao patriarcado. A representação feminina é forte e presente,
respeitando os novos tempos.
Estes filmes mantêm a imagem da boneca viva e consequentemente as
vendas são incrementadas, pois seus personagens e os a eles ligados são vendidos
como aparecem nos filmes, com os mesmos apetrechos, objetos, ambientes e
roupas visualizados nas telas. Primeiramente os personagens (brinquedos) vestidos
a caráter aparecem na mídia, em campanhas publicitárias veiculadas na televisão,
em revistas ou na internet, e pouco tempo depois, esses filmes são lançados em
vídeo. A criança, naturalmente, insiste na compra dos dois, enquanto os
colecionadores, em geral, dão preferência às bonecas.
Barbie não é um ser humano real, mas é tratada como se fosse. Ela é a
representação da mulher em uma sociedade pós-moderna. Pensando assim, torna-
se simples concluir a necessidade de um investimento de construção imagético na
mídia. Mais uma vez Santaella colabora com esta idéia:
Todas as imagens criadas pela mídia sobrevivem na medida em que o
ser humano real, o objeto dinâmico que existe por trás dessas imagens
consegue manter o apelo do público. Basta o ser existente objeto das
48
imagens, envelhecer, afastar-se um pouco para que esse apelo também
comece a fenecer. Os signos midiáticos, feitos de imagens, fotografias,
filmes, são seres vicários. Dependem da existência dos seres de que os
signos são os registros. Desaparecendo os seres existentes que os signos
registram, esses signos também desaparecem. Eles precisam do existente
para existirem eles mesmos. (Santaella, 2004. p. 107).
Barbie, pelo investimento feito pela empresa Mattel, em sua contínua
promoção, parece que jamais será uma boneca ultrapassada. Seus índices serão
constantemente renovados com situações adversas e personagens intrigantes.
Conforme aponta Santaella (2004, p. 107) “signos midiáticos podem continuar
existindo na medida em que sugam a vida, transformando a existência viva em
superfície imagética”.
Barbie parece ser uma “obra de arte”, com vida própria, história e
durabilidade. Ela já foi eternizada pela marca que a produziu. Sua realidade não está
presa ao segmento de tempo em que dura uma existência, pois é uma boneca,
podendo ser imortalizada. Pode reviver em qualquer história ou a qualquer momento
da história. Barbie é, dessa forma, uma rainha e as crianças e colecionadores seus
súditos.
49
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
50
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
51
G4608 – Barbie como Princesa Anneliese
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
52
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
53
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
54
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
55
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
56
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
57
Fonte: Catálogo Mattel, 2004.
2.2. A Construção da Diva do Consumo
Barbie é um ícone da sociedade pós-moderna. Tudo que a rodeia sinaliza
a evidência do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos. Ela
se encontra rodeada por diversos elementos representativos contemporâneos.
Segundo Baudrillard (1968) esses inúmeros objetos sugerem a impressão
de vegetação proliferante e de selva, a alusão feita à constatação de que existem
em grande quantidade e diversidade, correspondendo à constituição de atividades
58
humanas regidas pelo valor da troca. Nas propagandas veiculadas na televisão,
folhetos comerciais, catálogos, entre outros veículos midiáticos, Barbie refestela-se
em meio a riquezas do universo da moda: sapatos, unhas postiças, roupas da moda,
óleos bronzeadores, carros modernos, óculos incrementados, vestidos culturais, e
itens característicos de vários países e épocas.
As Barbies e tudo o que as rodeia, apresentam-se e organizam-se como
panóplia ou coleções. Ela é oferecida em inúmeros modelos e até mesmo esta
diferenciação de formas induz à idéia de abundância. Por isso Barbie tem tantas
roupas, acessórios, atividades e lazeres. Esta situação proporciona um sentido
duplo de indução ao consumo, arrastando o consumidor em meio a uma série de
motivações. Além de ser encontrada nestes contextos, existe uma iniciativa de
venda indireta da boneca, promovendo mochilas, roupas, sapatos, kits de festas de
aniversários, entre outros, com sua imagem e seu nome. Baudrillard colabora com
esta visão quando cita:
... A marca, que desempenha papel essencial impõe a visão coerente,
coletiva, de uma espécie de totalidade quase indissociável, de cadeia que
deixa aparecer como série organizada de objetos simples e se manifesta
como encadeamento de significantes na medida em que se significam um
ao outro como super- objeto mais complexo e arrastando o consumidor para
uma série de motivações mais complexas. (Baudrillard, 1968, p.17).
O entorno da diva é constituído pelos novos ambientes cotidianos
urbanos ou extensão deles. Centros comerciais, cinemas, praias, hotéis, fazendas
urbanizadas, apartamentos bonitos mostram uma nova arte de viver. No caso dos
contos de fadas, ambientes ilusórios, exibindo muito luxo ou, no mínimo, razoável
conforto. A ambiência é importante, daí tanta preocupação na escolha dos lugares
onde a diva vai estrear.
59
...O recital subtil do consumo, cuja arte consiste toda precisamente em
servir de ambigüidade do signo nos objetos e em sublimar o seu estatuto de
utilidade e de mercadoria pelo artifício da ambiência... (Baudrillard, 1968, p.
18).
Isto quer dizer que todas as atividades relacionadas ao consumo
desencadeiam-se de um modo combinatório. As satisfações e o encontro de um
ambiente elaborado, de uma cultura de fetiche, provocando um envolvimento
emocional profundo, em uma situação organizada e culturalizada. O comportamento
da boneca, retratado em diversas situações, reflete o que existe e o que pode
existir em maior intensidade. Toda essa sensação de prosperidade e opulência,
estrutura uma forma de ser feliz. A opulência parece ser um signo de felicidade. O
consumo traz a simulação, o simulacro dessa alegria. Barbie, a diva do consumo
para a concretização do consumo, se eternamente feliz. Deixa transparecer que
todos têm o direito natural à abundância, que vivemos em uma sociedade s-
moderna. A técnica, o progresso, o crescimento, subsidiaram o gasto e promoveram
a ilusão de um falso milagre, ou seja, a idéia de que todos e a todo o momento terão
acesso à abundância, ao consumo e, lendo-se as entrelinhas, à felicidade. Barbie é
um signo com função de estimular um estereótipo de beleza, de comportamento, de
lazer, profissão de sucesso, consumo e felicidade. Esta imagem torna-se
comunicação das massas, fornecendo-nos uma nova realidade. Uma universalidade
reduzida a signos encantadores. O cotidiano sem encanto precisa do incrementado,
do simulacro, o que nos leva a consumir uma imagem. Então:
Vivemos desta maneira do abrigo dos signos e na recusa do real.
Segurança miraculosa ao contemplarmos as imagens do mundo, quem
distinguirá esta breve irrupção da realidade do prazer profundo de nela não
participar. A imagem, o signo, a mensagem, tudo o que consumimos é a
própria tranqüilidade selada pela distância do mundo e que ilude, mais que
compromete, a ilusão violenta ao real. (Baudrillard, 1968, p.25).
60
Este cotidiano precisa ser valorizado por meio do dispendioso, e pelo
supérfluo e até mesmo pelo colecionismo, pela idéia de acumulação propriamente
dita e às vezes pelo gasto sem finalidade ou destinação. O sentido do consumismo
inerente à própria boneca, quando aparece em situações hedonistas, tem função de
valor. Nesta cadeia, quando se compra a boneca pertencente a ultima coleção ou ao
último filme, a situação assemelha-se: não seria um desperdício, mas representaria
aquele valor em sentido individual e coletivo, cultuado nas sociedades burgueses
pós-modernas, onde o “mais é sempre mais”. O “mais” é acumulação, carregada
de sentido individual e de aceitação coletiva, representativa da lei do valor simbólico.
As sociedades democráticas buscam, acima de tudo, o bem-estar e este
precisa ser renováveis o tempo todo. Esta felicidade é mensurável por objetos e
signos que proporcionam uma sensação de igualdade. A satisfação das
necessidades proporciona o empate, tornando todos os seres humanos iguais
perante o valor de uso dos objetos e bens. A diferenciação viria posteriormente, nas
vias de acesso aos objetos.
É no luxo que se define a riqueza, pois é uma espécie de antena que
capta as condições estruturais da sociedade. O luxo detectado nas bonecas é o
reflexo dos privilégios das classes observadas. Neste sentido existe uma
necessidade de igualdade, uma vez que se quer ter o que ela tem, ou aproximar-se
do que representa esta abundância. Esta é uma herança deixada pelas sociedades
burguesas que pautavam o bem estar. E isto significa aquisição de bens materiais
palpáveis que poderiam ser colecionáveis ou acumuláveis. Ela, a boneca, como
objeto, consegue simular a essência da sociedade pós-moderna que, mesmo
democrática, é regida pelo processo de classificação e diferenciação social, pois os
objetos e signos se ordenam como valores estatutários de uma hierarquia.
61
(Observemos, para tanto as próximas, imagens da boneca Barbie e tudo o que a
rodeia).
O crescimento constante, mesmo que irregular e desequilibrado, é
sempre acompanhado de novos produtos, pois a elevação dos rendimentos abre
lugar para um maior índice de consumo. Daí, Barbie jamais ser a mesma, com
roupas e acessórios indumentários totalmente diferentes a cada edição. A boneca
faz parte de um campo de consumo estruturado na exteriorização de status social,
onde bens e cultura transitam a partir de um grupo que serve como modelo, para
outros grupos, compostos por classes menos abastadas, prontos para captarem
estes modelos.
O homem, enquanto ser social, está sempre procurando superar seus
limites de valor em relação aos demais. Em uma sociedade urbana, pós-moderna, é
necessária uma diferenciação crescente e até mais expressiva que a produtividade
material. É o fenômeno da concorrência que rege esse movimento. Esta
concorrência é, sem dúvida, maior nos meios urbanos, devido a alta concentração
de informações diversas. Baudrillard (1964, p.93) afirma: “Assim como a
concentração industrial origina o aumento constante de bens, também a
concentração urbana suscita a eclosão ilimitada das necessidades.”
Nisso um colabora com o outro, como podemos observar na boneca
Barbie. A concentração urbana anda mais depressa que a produtividade, mas
produz necessidades norteadoras da indústria. Na verdade é um circulo composto
pela necessidade. O meio cultural, posteriormente seu reflexo na indústria, em
seguida, produção de bens, o escoamento desses mesmos bens nesta mesma
sociedade urbana, que os recebe acolhedoramente e, finalmente, o estabelecimento
da imagem simbólica através do objeto (Barbie). Baudrillard mostra-se atento a isso,
62
quando pontua que o consumo não é apenas prazer, mas principalmente uma troca
de símbolos. Sendo assim mais uma vez Baudrillard afirma:
As condutas de consumo aparentemente orientadas e dirigidas para o
objeto e para o prazer correspondem na realidade a finalidades muito
diferentes, a da expressão metafórica ou desviada do desejo, a da produção
por meio de signos diferenciais de um código social de valores. Não é
determinante a função instantaneamente social de troca, de comunicação e
de distribuição dos valores através de um conjunto de signos. (Baudrillard,
1964, p.79).
O sistema de consumo, então, não se baseia apenas no prazer irracional e
desenfreado (embora também por ele), mas num código de signos e de diferenças.
Barbie é uma representante eximia dessa troca simbólica, como também o é deste
jogo do desejo de se divertir, de explorar e de fazer valer a gratificação pessoal.
Essa troca simbólica e esse jogo de prazeres desembocam em um terceiro elemento
que é a personalização. Mediante tantas ofertas é necessário à criação de uma
individualidade de síntese. Mesmo assim, embora todos sejam iguais perante os
objetos enquanto valor de uso, não o são perante os objetos enquanto signos, uma
vez que estes se encontram profundamente hierarquizados. Os valores são
diferentes para cada um, de acordo com a idade, trajetória, sexo e cultura.
Desta forma a Diva foi construída e divinizada em um processo ininterrupto
que perdura desde 1959 e que não dá sinais de fenecimento. Barbie é uma narcisa
em busca de si que procura o estabelecimento de uma identidade alicerçada na
auto-estima estimulada pelo consumo, pela estética e pelo “fashion”.
63
Fonte: Catálogo Mattel, 2004
Fonte: Catálogo Mattel, 2004
64
“Barbie Sapatomania”
Barbie tem mania de sapatos. Inclui
boneca e sapatos.
“Barbie Weekend”
Com três opções de roupinhas, três
sapatos, duas bolsas, dois óculos de sol,
uma echarpe e uma escova de cabelo.
Traz um baú para guardar objetos da
boneca.
Fonte: Catálogo Mattel, 2004
65
“Barbie Mensagem de Texto”
Visual high-tech, vem com um
mini-celular que recebe mensagem
e envia. Inclui uma bolsa para
transportar o produto.
3. UMA NARCISA EM BUSCA DE SI
Por que uma mulher buscaria a si? O que faria de uma mulher uma
narcisa?
Na verdade, o corpo, a beleza e a vestimenta têm sido objeto de uma
cultura narcisista. A mulher, hoje, busca uma imagem idealizada, edificada no
imaginário social alicerçado pela publicidade. Hoje, o gênero feminino procura um
conjunto diversificado de artigos, manuais de beleza, guias de boa forma, conselhos,
enfim, remédios que curariam a feiúra.
Barbie representaria, então, um comportamento narcisista, imagem e
semelhança das mulheres pós-modernas. A mulher moderna calcada nesta imagem
idealizada busca a si mesma, por meio de uma identidade que as insira no corpo-
social recheado pelos conceitos de beleza, que se confundem com os de bem-estar.
Estar e ser bela é tornar-se feliz e satisfeita. O acesso a esse “corpo-social” é
fornecido pelo cultivo diário de uma aparência bela. Recusar o embelezamento seria
um “erro tenebroso”, uma negligência combatida vorazmente.
O narcisismo
10
descreve uma condição psicológica e uma condição
cultural. Sob a ótica da psicologia, indica um investimento exagerado na própria
imagem. As narcisistas estão preocupadas como se apresentam à sociedade em
10
História e conceitos retirados do livro Narcisismo de Alexandre Lower.
66
detrimento do que sentem, identificando-se com uma imagem idealizada. A auto-
imagem real busca uma imagem falsa, mas, perfeita, perdendo-se em meio às
mentiras de uma simulação.
O narcisismo, ou melhor, o estudo do narcisismo, surgiu da inspiração do
mito de Narciso. De acordo com a mitologia grega, Narciso era belo jovem por quem
a ninfa Eco se apaixonou. Eco fora privada da fala, por Hera, a esposa de Zeus, e só
podia repetir as últimas sílabas das palavras. Eco não podia mais expressar seu
amor por Narciso e foi por este rejeitada, morrendo de desgosto.
Os deuses, inconformados com Narciso, o puniram, fazendo-o apaixonar-
se por sua própria imagem. Assim, quando viu sua própria imagem refletida nas
águas de uma fonte, ficou perdidamente apaixonado, permanecendo até sua
morte.
Narciso negou seu ser interior, em favor de sua aparência. Esta é uma
manobra comum entre as pessoas dos grandes centros urbanos. No entanto, não
abordaremos aqui o aspecto psiquiátrico, segundo o qual o verdadeiro demente teria
comportamento de excitação crítica em contemplação da própria imagem. O objetivo
é a análise social e visual e não psiquiátrico. Este estudo visa buscar o porquê de
uma imagem formalizada em um corpo magro, jovem, o que leva, muitas vezes, a
ser mutilado com cirurgias, enfim, ter partes do corpo modificadas para, socialmente,
serem aceitas por um senso comum.
Uma pessoa pode apresentar uma aparência física que contradiz o
estado interior de seu ser, pois a sedução do mundo incita o desenvolvimento de
uma personalidade narcisista e hedonista. A pós-modernidade troca sentimento por
sensações. E com dinheiro ou poder, pessoas podem transmitir uma imagem
simulada de força e segurança, perfeição física, conferindo-lhe status. E o status
abre acesso à sobrevivência e boas uniões amorosas e sexuais. Seria um tratado
67
inconsciente de “sobrevivência” e estabelecimento do próprio eu identitário. A
predominância do narcisismo contemporâneo existe em uma sociedade que substitui
por valores superficiais, como poder, status, beleza física, realidades importantes
como amor fraternal e solidário, a família, sentimento de doação em uma estrutura
de comunidade.
Todo este estilo de vida e busca por status por meio da aparência
modifica-se de acordo com o processo de industrialização da sociedade. Tudo isso é
condicionado pelos valores e normas culturais que, em geral, gravitam em torno de
uma massificação de comportamento padrão. Desta forma, o corpo, o padrão
estético também cai em uma idealização e um modelo padronizado de acordo com o
determinado tempo cronológico e lugar. A empresa Mattel apenas introjetou na
boneca estímulos que recebeu do mundo e da sociedade. O mesmo acontece com
uma boa parte das mulheres dos dias de hoje.
Por vezes, homens e mulheres se vêem isolados como se estivessem em
pleno deserto com seus corpos em plena forma. Para eles a publicidade não
cessou de prometer um inédito de transfiguração: pode-se passar o inverno
bronzeado, chegar aos cinqüenta com o rosto de quarenta e adquirir a
aparência ideal para cada circunstância. Maravilhosa liberdade que,
evidentemente, faz algum sentido quando existem meios de consumir. As
centenas de tratamentos e produtos à venda (SANT’ANNA, 2001, p. 69).
O olhar sobre o corpo e tudo o que este representa foi se transformando
paulatinamente, através dos tempos. A priori o corpo era uma máquina capaz de
produzir a sobrevivência. No século XVIII passou a ser visto em um contexto
médico-científico. Foucault (1979), como um estudioso, relata que o corpo é uma
realidade biológica que a sociedade capitalista investiu. Neste contexto, a disciplina
vai produzir, pela solução e até coerção, exercícios e táticas, o tipo de indivíduo que
necessita em cada época (hoje a cirurgia plástica, alimentos ou remédios que
emagrecem, entre outros). Ele diz que as técnicas disciplinares não aparecem
68
apenas na produção de corpos dóceis, mas o verdadeiro objetivo seria as atitudes e
hábitos de submissão e de produtividade. Neste caso, a submissão a este novo
modelo estético produz corpos de acordo com o modelo contemporâneo idealizado
pela indústria de consumo. Estamos nos referindo ao modelo Barbie de corpo
esguio, pele perfeita e maquiada, cabelos desejosamente belos, nariz afilado.
A partir do momento que existe a relação saber-poder, o domínio, a
consciência do corpo puderam ser adquiridas pelo efeito do investimento em
técnicas de exaltação entre elas o regime, a cirurgia plástica e a ginástica.
Considera-se complexidade, pois ao mesmo tempo em que existe um modelo de
estética alienante, também permanece um saber-poder que autonomia ao corpo
e vitalidade para fazê-lo surpreender como símbolo idêntico.
A multiplicação de imagens sobre corpos saudáveis e sempre belos é bem
mais rápida do que a produção real de saúde e beleza no cotidiano. A
corrida rumo à juventude é hoje uma maratona que alcança jovens e idosos
de diversas classes sociais, mas estes não conseguem ver o pódio, porque
se trata de uma corrida infinita. Ignoram quem compete com quem, talvez
porque a principal competição se passa dentro de cada um, entre o corpo
que se é e o ideal de boa forma com que se sonha. (SANT’ANNA, 2001, p.
70)
As mulheres são narcisas buscando a si mesmas, voltando-se para o
interior, procurando uma imagem que promova bem-estar, elevando a auto-estima.
Portanto, existe uma relação ao corpo, da qual o imaginário social introjeta atitudes,
modelos corpóreos, mas ao mesmo tempo provoca conscientização do corpo,
inclusive buscando sensações.
A indústria cultural através dos meios de comunicação, cria personagens
com atitudes e ideais que impõem uma forma corporal. Cabe aos chamados
“simples mortais”, ir ao encontro deste modelo, por meio de diversas técnicas
oferecidas. Foucault (1979) destaca que a sociedade, investindo sobre o corpo,
69
tornou o produto consumível. Daí a preocupação e tanto investimento no mesmo.
Este investimento é individualizante e ao mesmo tempo massificante.
A narcisa (a mulher) tem necessidades individuais de espaço e tempo que
a auxiliam a expressar o eu. O corpo, o eu e as conquistas a eles relacionadas,
reincidem em tesouros pessoais. O corpo tem fronteiras a serem vencidas e
exploradas, ganhando novas codificações.
(...) na medida em que é reconstruído como se fosse algo exclusivo a cada
um, pronto para responder apenas às necessidades individuais
independentemente do espaço e do tempo em que vive, ele tende a
expressar unicamente este “eu” e a ressoar exclusivamente para si mesmo.
(SANT’ANNA, 2001, p. 70)
Portanto, a identificação
11
é inerente ao ser humano e ocorre quando a
criança ou adulto incorporam qualidades, valores de outras pessoas. Esta
identificação tem um papel no desenvolvimento da personalidade da criança. Esta
então imitaria o comportamento e modelo de corpo e estética do brinquedo
analisado. Cada época e cada sociedade têm seu corpo . Portanto, o processo de
construção do corpo, revela a história e a forma de pensar de nossa época e
localidade. Hoje se alia informática e biologia para o perfeito funcionamento dos
corpos.
As sensações corporais são valores pessoais, muito particulares, que
pulverizam uma dimensão simbólica. A sociedade contemporânea vive um
enfraquecimento dos padrões tradicionais. Deste modo, a nova ordem sócio-
econômica, tomando o corpo como objeto homogêneo, atuou a partir das
determinações específicas de uma sociedade de classes e criou “tabelas” que
definiriam valores referentes ao peso, idade, tipo de aparência, pré-determinando o
11
Identificação é a tendência para reproduzir as ações e atitudes ou respostas emocionais de modelos reais ou
simbólicos. Considerado de grande importância na infância, na formação de valores. (BIAGGIO, 1985, p. 230)
70
corpo. Este pode ser constituído de possibilidades de processos de intervenção,
remodelando-o e reconstruindo-o.
Os ideais e padrões de beleza partem da disseminação de determinados
esportes, do fenômeno da moda e do cinema. Aparelhos de ginástica, suplementos
nutricionais, vitaminas, publicações de revistas, regimes e cuidados corporais
revelam esta preocupação, expõe Coutine (1995).
De acordo com Sant’Anna (2001), o corpo contemporâneo é o corpo
produtor de informações, é uma máquina que gera lucros servindo ao utilitarismo
biotecnológico. A concepção a partir do século XIX atribuiu valores positivos à
magreza, condenando excesso de peso, inclusive atribuindo-o à doença
12
.
Toda esta nova forma de pensar, faz o ser humano procurar técnicas para
melhorar a aparência. O mercado da beleza é hoje um dos mais rentáveis,
recheados pelos profissionais especializados em tratamento de pele, unhas, pêlos,
cabelos, gordura localizada, etc. Além dos profissionais, os produtos e aparelhos
como chapinhas, eletroestimulação, máquinas de bronzeamento artificial, shakes
para emagrecer, entre outros, fazem parte do dia-a-dia da mulher, sendo ela
classe alta, média ou baixa (em suas devidas proporções).
Como resistir aos comerciais que apresentam mulheres perfeitas e belas?
Como se opor ao modelo de estética apresentado como certo? Como subsistir ao
modelo Barbie de beleza? O mercado incute a fabricação de um ser perfeito. Dietas,
exercícios, sacrifícios e dores, além de dinheiro, todos estes são fatores que
demonstram o que Foucault teorizou: a normatização do corpo. O ideal de beleza
gera padrões normatizadores e para aquele que não consegue alcançar o desvio
12
No século XIX, aconteceu a ascensão e estabelecimento da industrialização. Este processo promoveu o
advento do proletário. Este necessitou disciplinar o corpo para se tornar apto para conduzir as máquinas. O
trabalhador deveria então ser magro, rápido e ágil. Além disso, neste mesmo período a medicina evoluiu,
fazendo do movimento corporal uma necessidade para a aquisição de saúde e de qualidade de vida. Finalizando,
o surgimento da fotografia promoveu a investigação minuciosa do corpo, contribuindo para a concepção de
máquina moldável.
71
psicológico é quase certo. Todos vigiam a todos. (Foucault, 1983). O olhar do outro
é um olhar sobre si, sendo que o campo de visibilidade está no interior do próprio
sujeito.
Como se o corpo fosse a última fronteira que doravante devesse ser
rompida, segundo a lógica dos contemporâneos mestres e possuidores do
mundo. Após a colonização externa, a endocolonização massificada na
medicina e expressa na cultura e no lazer. O corpo humano, derradeiro
território a ser conquistado, desvendado e controlado, revela-se, assim, um
campo proferido às experimentações da biotecnologia e do investimento da
economia de mercado, justamente quando é fortalecido um paradoxo
característico das sociedades industriais. Por um lado, tem-se o culto, a
adoração, a valorização extrema das aparências e da saúde; por outro, a
fragmentação dos organismos e das terapias em expansão, a dispersão de
células, genes e órgãos, além do comércio destes materiais em longa
escala. (Sant’Anna, 2001, p. 16)
Neste sentido, esta pressão pela imagem perfeita, gera anorexia, bulimia
e busca frenética pelas cirurgias plásticas. Todas estas são formas de depressões
feminina, provocada pelas armadilhas da simulação estética. A aparência valorizada
sobrepõe ao ser humano profundo e verdadeiro. Para Foucault (1983), a disciplina
se aplica sobre o corpo, mas dilacera a alma. Faz sofrer, através da culpa, a beleza
é necessária, mas normatizadora. Esta culpa vem do medo do ridículo e do
abandono. Obrigando o aindivíduo a se adequar às “normas”, à “reforma corporal” e
às devidas “correções” (de acordo com os padrões). O ser humano sofre um poder
exercido pela coerção e também passa a ser dominado pela sedução. Por todo este
processo é coercivo, mas tentador e deslumbrante.
O interesse econômico que o corpo desperta deveria servir para esclarecer
à sociedade quais são os grupos que ganham e quais são os que perdem
com a transformação das diversas partes do humano em equivalentes
gerais de riqueza. (Sant’Anna, 2001, p. 74)
3.1. Beleza Concebida, Beleza Transformada: Narcisas Através dos Tempos
72
Em cada época e lugar, a beleza do corpo é concebida de uma forma
específica. Na Grécia antiga a beleza se encontrava associada a outras qualidades.
A crença popular dizia que o oráculo de Delfos respondia sobre o critério de
avaliação da beleza: “O mais justo é o mais belo” (ECO, 2004, p. 37). A beleza teria
uma relação com a moral e a bondade. O belo era sinal de virtude. Também se
acreditava que o belo estaria na harmonia
13
e na proporção das partes e no
esplendor, sendo que a beleza não estaria vinculada a um objeto específico, seria
encontrada em toda parte. Nem todos poderiam vê-la, apenas aqueles que
bebessem da filosofia.
Já existiam concursos de beleza por volta da metade do século V a. C. As
representações femininas eram fortemente marcadas pelo modelo do corpo
masculino, aparecendo pintadas em vasos, de forma musculosa e com ombros
largos. Apenas os seios eram ressaltados como identidade feminina (as
manifestações do período revelam um valor supremo conferido à beleza dos
rapazes e do corpo nu masculino, devido ao patriarcalismo e a cultura da
pederastia).
Ao longo da Idade Média, a beleza também era uma manifestação de
poder. Os ricos e poderosos enfeitavam-se de jóias e vestiam roupas com cores
consideradas preciosas. A cor púrpura e ouro eram artifícios que derivavam de
minerais ou vegetais representavam prosperidade, devido ao seu valor. Em um
corpo feminino eram belos os olhos verdes azulados, a pele rosada, que
determinava um aspecto de saúde
14
(Fontanel, 1998). Deu-se ênfase à magreza e à
verticalidade, além de um ventre avantajado (símbolo de fertilidade) e um busto
13
O conceito de harmonia teria sido criado por Pitágoras e elaborado por Heráclito, sendo esta um equilíbrio de
contrastes-simetria (ECO, 2004, p. 49).
14
No período medieval havia intensidade de mortes, devido a inúmeras doenças, fome e invasões.
73
miúdo. As roupas se ajustavam ao corpo, a fim de assemelharem-se às colunas
góticas. (Fontanel, 1998)
Ao longo da Idade Média, a beleza feminina também era considerada
perigosa, por vezes armadilha do maligno. Apenas a Virgem Maria era ressaltada e
somente como mãe de Cristo e não como símbolo de beleza e de mulher. Então a
beleza feminina e o culto ao corpo podem ser considerados como uma invenção de
Renascença.
O humanismo da Renascença foi acompanhado de uma nova significação
da beleza feminina. A partir de então, a beleza será divinizada, esplendor de luz
sagrada. Com o advento da burguesia, o corpo feminino passa a ser cultuado em
suas formas arredondadas, pois as “gordinhas” representam a opulência,
prosperidade. A pele branca destaca-se da morenice, efeito do trabalho sol a sol
causticante, condição apenas imposta às camponesas pobres. A mercantilização e
distribuição das normas estéticas determinaram um novo momento da história da
beleza feminina. Eco (2004) diz que a mulher renascentista usa a arte da cosmética
e delícia-se com o embelezamento dos cabelos. “Seu corpo é feito para ser
ressaltado pelos produtos da arte dos ourives (...)” (ECO, 2004, p. 196).
No período do Iluminismo, David Hume (ECO, 2004) levanta a idéia de
que a beleza não seria inerente às coisas, mas se formaria na mente do observador
(“gosto não se discute”). As pinturas encontradas neste período mostram mulheres
sem corpetes sufocantes, com seios e cabelos livres. A razão passa a dar
praticidade às novas concepções do ver. Segundo Beatrice Fontanel (Fontanel,
1998) “Antes da Revolução, o apelo de Jean-Jacques Rousseau para o retorno à
simplicidade e à natureza foi ouvido e influenciou os nobres”. Os seios volumosos e
as formas arredondadas era a imagem que agradava.
74
No século XIX, após as revoluções burguesas, dá-se mais atenção às
pesquisas históricas. se admite o papel da cultura na formação do gosto e no
comportamento. O período pós-revolucionário estabelece o Estado burguês e
promove a negação do mundo frio aristocrático. Neste século era comum o
romantismo que propunha uma intensidade sentimental. O ar lânguido encontrava
os homens em um ideal de beleza perseguido pelo senso comum. Em meio a este
rosto sem maiores recursos estéticos, um olhar doce, cheio de amor.
Cada vez mais a cidade torna-se pólo de intensidade de acontecimentos
e novidades. A cidade se mecaniza, o tempo diminui e o ser humano individualiza-se
e massifica-se.
A cintura fina torna-se a essência da beleza corporal. Segundo Fontanel
(2004, p. 55), “A cintura fina de minha divina caberia, creio, em meus dez dedos”,
dizia a atriz Polouire a uma outra atriz em 1890. Um marechal do período descrevia
uma bela imperatriz “(...) Bela, elegante (...) o busto e os braços magníficos, a
silhueta esguia, seu vestido delicado e luxuoso”.
Com o tempo, o corpo e a beleza começam a mudar seus critérios. Ao
final da primeira Guerra Mundial, aparecem as cintas elásticas, o corpo começa a se
soltar. No início do século XX “finalmente” aparece a moda da mulher magra. As
roupas surgiam mais coladas e, obviamente, o corpo precisava ser mais definido.
Certos produtos de beleza começam a ser comercializado para deixar as
consumidoras mais belas e isto quer dizer que a beleza passa a ser mais cobrada.
Dentro deste esquema, a moda, a vestimenta, incorpora estes padrões de beleza.
Corpo e roupa embelezam a mulher para agradar socialmente. A moda neste caso
funcionava como sedutora, com seu caráter mutável, propondo o prazer do novo,
ajudando a enaltecer ou inibir os apelos sexuais. A urbanidade exige uma forma
75
mais adequada ao meio público de se vestir e de ser.
Nos anos 20 e 30 do século XX acontecia a busca pela aparência
saudável, corpo firme e jovem que poderiam ser adquiridos com uma vida higiênica
e disciplinada. Theda Bara e Greta Garbo eram mitos do período, consideradas
mulheres misteriosas, com bocas ressaltadas com batons, trajes artísticos que
valorizam as formas, cabelos detalhados com penteados esfuziantes. Aparência
bem cuidada com detalhes atentamente estudados, com o fim de transformar o
corpo em objeto de desejo e (em objeto) de consumo. Mulheres novas aparecem
constantemente em revistas, filmes, shows, enquanto as mulheres mais velhas são
afastadas do cenário público. No livro “Corpo a corpo com a mulher”, Mary Del
Priore afirma: “Envelhecer começa a ser associado à perda de prestígio e ao
afastamento do convívio social. Associa-se gordura diretamente à velhice.
Curiosamente esbeltez e juventude se sobrepõem. Velhice e gordura, idem” (Priore,
2000, p. 71’).
Outro modelo do final do século XIX e início do século XX é o da beleza
branca. Bonecas francesas de olhos azuis e cabelos loiros eram comuns dentro da
elite brasileira. No início do século XX existia a crença de que o clareamento da pele
melhoraria a raça e induziria a um progresso social. Daí as bonecas serem tão
aceitas. Esta idéia seria reforçada pelo culto às atrizes Marlene Dretrich, Marilyn
Monroe e Doris Day, entre tantas outras. Feiúra e beleza seria um discurso das
elites e um meio de normatização, uma vez que o mercado daria subsídios para a
busca da “beleza certa”. Mesmo sendo a perfeição física um discurso, onde a mulher
seria induzida a ser bela, jovem e saudável, existiam recursos que possibilitariam a
beleza do corpo ainda que fossem constrangedores, molestadores, mutiladores,
caros e alguns de difícil alcance. Apesar dos padrões de beleza serem surreais, as
76
mídias insiste em tentar convencer que a beleza é alcançável por meio de produtos
mágicos. Em seu livro “A lei do mais belo”, Nancy Etcoff propõe:
A mídia controla e dirige o desejo e reduz a amplitude de nossa faixa de
preferência. Uma imagem que agrada a um grande grupo se torna molde, e
a beleza é seguida pelo seu imitador. Marilyn Monroe agradava de tal forma
a massa que foi imitada por todo o mundo, de Jane Mansfield à Madona (...)
(ETCOFF, 1999, p. 59).
Portanto, tivemos outros narcisos na história da humanidade. Outros
ícones que demonstravam ideal de beleza existiram e obviamente loucuras
concebidas para estabelecer a imagem considerada perfeita.
A aparência é a primeira contribuição na vida pública. A imagem é
inevitavelmente compartilhada com todos. A beleza é um prazer de acordo com o
olhar e interpretação do meio.
Aqueles que visitam uma exposição de arte de vanguarda, que compram
uma escultura “incompreensível” ou que participam de um happening
vestem-se e penteiam-se segundo os cânones da moda, usam jeans ou
roupas assinadas, maquiam-se segundo o modelo de beleza proposto pelas
revistas de capas cintilantes, pelo cinema, pela televisão, ou seja, pelos
mass media. Eles conseguem os ideais de beleza propostos pelo consumo
comercial, aquele contra os quais a arte de vanguardas lutou durante mais
de cinqüenta anos (ECO, 2004, p. 418).
No mundo contemporâneo, beleza é sinônimo de magreza e juventude.
Estas características são cada vez mais alimentadas pela mídia e pela publicidade.
Esta mídia traz tecnologia da imagem, a fotografia tecnológica, da qual é possível
fazer interferências e construir a imagem de acordo com as necessidades, deturpou
o mundo real. A relação entre imagem construída e realidade foram invertidas.
Busca-se a imagem virtual irreal em prol do material real. Ou seja, a narcisa quer
uma imagem virtual em seu corpo real.
É através das imagens dos corpos perfeitos, encontrados em revistas,
77
sites e “bonecas” que um padrão estético baseado na perfeição (segundo padrões
do século XXI) na magreza e na juventude, é disseminado. Segundo a antropóloga
Fabiana Jordão Martinez, doutoranda em Ciências Sociais (UNICAMP).
O corpo, hoje, é visto como um projeto, um dever, um sacrifício para
alcançar o desejo do que se quer ser e se sentir satisfeito. O problema é
que esse projeto nunca é finalizado, é uma promessa impossível de ser
alcançada porque o modelo ideal de beleza é virtual e, por isso, perfeito.
(www.comciencia.com.br/sonhadabelezavirtual/carolinacantarino) com
acesso em 07 de julho de 2007.
Segundo um estudo da Universidade de Yale
15
, divulgado em maio de
2006, pessoas estariam dispostas a sacrificar alguma coisa em troca de não serem
gordas. Dos 4 mil e 283 participantes, 46% abririam mão de um ano de vida para
não serem obesos; 15% desistiriam de 10 anos; 25% optariam pela esterilidade;
15% prefeririam uma depressão profunda; 14% sofreriam de alcoolismo, do que ser
gordos, e 5% aceitariam perder um membro do corpo ou ficar cego do que ter
excesso de peso.
A beleza não existe em si mesma, existe em uma trama de relações
sociais. Claro que a vontade de rejuvenescer, de conquistar a beleza e a aceitação,
é milenar, mas cada época é demarcada por determinados padrões. Barbie nasce
em uma época em que a beleza pode ser conquistada, tende a ser o resultado de
um trabalho que pode ser realizado segundo os recursos da “malhação”, cirurgias,
cosméticos, entre outros. Ser belo pode ser um dever mas, dependendo da condição
social, um direito. Este direito está alicerçado nos progressos da ciência, da
indústria, no papel da publicidade e na liberação sexual feminina. Hoje o corpo
tornou-se parte principal do ser. É no corpo que se deflagra a sucessão de
sacrifícios e que se espera a resposta de prazeres intensos pois, ao tornar-se belo,
15
CANTARINO, Carolina. A sonhada beleza virtual. Disponível em www.comciencia.com.br. Acesso em 07 de
julho de 2007.
78
será aceito e admirado. O corpo, nesse sentido, é um veículo de investimento do
capitalismo, pois abarca o desejo de ser capturado pelos diversos movimentos do
capital. É um objeto de consumo e lazer. Claro que nesta relação não podemos
desprezar os sentimentos relacionados a outros âmbitos da vida humana.
Na face da boneca foram observadas algumas linhas que lhe emprestam
harmonia e beleza. O senso comum percebe que as mulheres ditas bonitas, no
mundo ocidental, têm algumas características que se repetem, como a região malar
mais proeminente, o contorno da mandíbula bem marcada e o aparecimento de uma
leve depressão na bochecha, uma definida proporção entre o nariz e o queixo. Estas
imagens de mulheres belas são aceitas, procuradas e bem conhecidas na indústria
da moda e do marketing. Muitas modelos são escolhidas com base nestas
características. Barbie também tem esses predicados, como modelo de beleza
feminina. Percebemos na boneca uma região malar proeminente, com discrição. A
região malar se alonga pela região zigomática em direção ao lobo superior da
orelha. O zigomático sutilmente avolumado vai se estreitando e terminando
suavemente no nível geral da face. Daí surge o efeito “blush” que é uma depressão
formada pelas proeminências do malar de um lado e da mandíbula do outro. Ela tem
uma mandíbula agradavelmente marcada com correta proporção entre suas duas
partes, com ângulos tendendo ao reto. A mandíbula sutilmente marcada ajuda a
formar o efeito “blush”.
Quantas mulheres não gostariam de se submeter a cirurgias plásticas
para imitar a beleza de Barbie?
Neste mundo ocidental quando beleza e saúde são vistas como capitais,
o trabalho de melhorar o estado físico torna-se infinito. É uma busca constante.
Barbie é uma narcisa em busca de si. A mulher ocidental, capitalista, classe alta ou
79
média, também é uma narcisa em busca de si. Afinal, Barbie é tudo que você quer
ser! Busca-se ser percebido, marcar presença e é a aparência a porta de entrada
por onde se iniciam estas conquistas. Onde tudo parece instável ou descartável,
como relações, emprego, vontades, bens materiais, o próprio corpo tende a ser
considerado no seu aspecto real, pois é único e identitário. O ideal é ser belo para si
primeiramente e posteriormente para a coletividade. Para alguns a beleza talvez,
seja o meio mais seguro e rápido de obter sucesso, poder e significado individuais e
coletivos.
O sofrimento não é exclusivamente material, a fonte de prazer não é
apenas corporal, as relações humanas não são tão simples assim. Mas
principalmente nesta relação é demarcado uma identidade e um novo espaço
feminino. Esta relação indica uma mulher que busca autonomia, senhora do seu
próprio corpo, uma mulher proprietária do seu físico, de sua beleza, saúde e auto-
estima. Beleza-saúde-auto-estima é uma tríade que rege o universo ocidental. A
beleza torna-se um investimento e uma marca de identidade.
Barbie é enfocada em uma revista chamada Barbie Magazine, que surgiu
em 1984, com a principal função de ressaltar e mitificar sua imagem. Na revista a
boneca é representada pela associação de beleza moral e beleza física. O corpo
ideal revela uma alma ideal. Como nos catálogos, a aparência ressaltada é de
elegância, acompanhada de caprichos, luxo, riqueza e refinamento, bem acoplados
a um rostinho feminino, doce e meigo, disfarçado de simplicidade. O que nunca é
esquecido é que beleza e juventude estão sempre presentes, são condições
primordiais de graça. Vejamos o que Ingeborg Majer O´Sickey diz em “Por dentro da
moda”.
Barbie magazine constrói idéias que a boneca manifesta e inicia suas
leitoras nas práticas que as revistas destinadas à mulher adulta irão dar
continuidade. Essencial às lições da revista sobre feminilidade é a promessa
80
de que ser feminina é estar em constante necessidade de “inovações
estéticas”; ensinar às meninas que as mulheres, assim como os carros,
devem ser redesenhados todo anos (O´Sickey, 2002, p. 34).
Sem dúvida existe uma relação entre a construção de uma Diva, no caso
a Barbie, e a mercadoria, a mulher e o consumo. Todas as meninas, adolescentes e
até mulheres adultas poderiam olhar para si próprias como Barbies. A estratégia da
empresa Mattel é a mesma estratégia utilizada por Hollywood, dentre outras grandes
empresas de cinema, para mostrar a imagem de suas respectivas celebridades. A
estrela, a Diva Barbie, nasce da estética persuasiva. Esta persuasão leva a um
processo de identificação psíquica entre o consumidor da boneca, ou da imagem da
boneca, com a própria boneca. A criança ou adolescente vive, ao nível psíquico, a
vida maravilhosa e hedonista que Barbie vive. Vejamos algumas destas situações.
Na figura “XY”, Barbie aparece com seus amigos em uma praia da Califórnia. A
caixa, inclui a prancha de surf e óculos escuros. Todos os bonecos e bonecas da
linha Califórnia Girl tem cheirinho de bronzeador de coco. Nota-se a cena alegre que
permite diversão e felicidade. Os bonecos e bonecas o magros e bem
proporcionados. As bonecas possuem cabelos longos e detalhadamente cuidados.
As roupas são coloridas e ressaltam as formas belas e perfeitas. Os pormenores das
indumentárias não são esquecidos: brincos, colares, tornozeleiras, adereços de
cabelos entre outros.
81
Figura “XY” – Linha Califórnia Girl
Fonte: Catálogo da Mattel 2004.
Figura “ZY”: Esta caixa contém a piscina, o escorregador, cadeiras,
sombrinhas. Não inclui as bonecas. A tranqüilidade e mais uma vez a felicidade são
pertinentes a este conteúdo cênico que revela o ócio merecido das classes
abastadas. É necessário ressaltar que as bonecas desta série têm a pele
bronzeada, fator um tanto comum entre as pessoas com tempo para o lazer. Essas
são cenas cotidianas que seriam presenciadas, vividas por crianças e adultos das
classes privilegiadas.
82
Figura “ZY” – Linha Califórnia Girl
Fonte: Catálogo da Mattel 2004.
Na figura “LHBarbie com seu Buggy passeia pelas belíssimas praias da
Califórnia. Para completar a cena do catalogo, refrigerantes aparecem no capô do
carro. Todas as imagens apresentam ícones da sociedade capitalista burguesa do
século XXI. Barbie tem os cabelos longos, cor mel, e mechas douradas,
representação de cabelos dispendiosos da moda.
83
Figura “LH” – Buggy da Barbie
Fonte: Catálogo da Mattel 2004.
A figura “XX” ressalta a tradicional sociedade estadunidense calcada na
terra e nos valores rurais do sul produtor. É interessante notar que em nada
apresenta a figura tradicional da “caipira”. As botas são de grande estilo e design,
que combinam de alguma forma com as vestimentas do corpo. As calças justas são
representativas da sensualidade e uma das marcas mais presentes na sociedade
estadunidense, o jeans, que iniciou sua carreira, como roupa de trabalho pesado
mas, que hoje é ícone do que existe de mais “fashion”. O cabelo sem dúvida é uma
das maiores representações de beleza na boneca: cabelo longo, corte maroto, com
franja nas cores sensuais e arrojadas de mulher. O chapéu é uma indumentária que
representa coragem, erotização e simplicidade, uma falsa simplicidade, pois a
verdadeira, existia nos primeiros colonos estadunidenses dos séculos XVIII. A
84
figura “YY” é apresentada em um conjunto de uma boneca e um cavalo por
embalagem. A equitação é um dos esportes mais caros, primeiramente pela
aquisição de um cavalo e, posteriormente, pela sua manutenção. A representação
dos brinquedos mostra uma imagem de cavalos bem cuidados e repletos de
indumentárias, acessórios na crina, além do grande estilo da cela O cavalo é
articulado, podendo ter várias posições. A crina é detalhadamente penteada. Toda
esta montagem vem corroborar com a imagem de Barbie estrela, de Diva, bem
como realçar sua suposta condição social.
Figura XX – Linha Country
Fonte: Catálogo da Mattel 2004.
85
Figura YY – Linha Country
Fonte: Catálogo da Mattel 2004.
São cenas bem construídas no catálogo, em publicidade de televisão , no
brinquedo ou na própria embalagem. A vida que é apresentada ao consumo é semi-
real. É tão presente que estimula a participação, seja pela compra do brinquedo ou
pela imitação dos comportamentos, dos penteados, da beleza, das roupas. Essa
estrela em miniatura induz outras estrelas em miniaturas (ou mesmo estrelas
adultas) a também se transformarem em ídolos, divas.
Morin conclui:
É típico do mito se inserir ou se encarnar de qualquer maneira na vida. Se o
mito das estrelas adere tão notavelmente à realidade, é porque é esta
realidade que o produz, ou melhor, é a história humana do século XX; mas
também porque a, realidade humana se alimenta do imaginário a ponto de
ela própria se tornar semi-imaginária (Morin, 1989, p. 107).
86
3.2. Uma Narcisa em Busca do Fausto fashion
Como havíamos relatado, o narcisismo descreve uma condição
psicológica e uma condição cultural. Indica um investimento exagerado na própria
imagem. Uma narcisa em busca de si, é a projeção de uma mulher contemporânea
em busca de sua própria identidade alicerçada no corpo ideal e aceito. As mulheres
narcisas buscam a si mesmas em um processo de aceitação. Buscando a si,
esbarram no luxo e na pompa. Também vem ao encontro dos valores propostos em
cada momento da história.
Uma narcisa em busca do Fausto fashion norteia-se sob forma de
inspiração, na obra de Goethe que parte de uma lenda popular alemã. Fausto de
Goethe relata a tragédia do Doutor Fausto, que desiludido com o conhecimento do
seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles, que lhe insufla energia
geradora de paixão pela vida, pela técnica e pelo progresso.
Fausto, a obra, começa a ser escrita em 1775, mas tem versão definitiva
publicada em 1808. Fausto invoca espíritos para explicar e amenizar sua angústia
provocada pelos efeitos do cotidiano. Desejava superar os conhecimentos de sua
época. Nestas invocações surge Mefistófeles, com o qual negociava viver por vinte e
quatro anos sem envelhecer. Durante o trato que foi assinado com sangue, o diabo
serviria ao Doutor. Fausto e ao final de sua vida terrena, a alma do médico serviria
ao diabo. No decorrer de sua existência, Fausto entregou-se aos prazeres, ao
hedonismo. Após sua morte, como combinado, sua alma foi encaminhada ao
inferno
16
.
A síndrome do Fausto acomete homens e mulheres de tempos em
16
O adjetivo Fausto do latim, significa: Venturoso, ditoso e próspero. O substantivo significa ostentação,
soberbia, magnificência.
87
tempos. Vem ao encontro do pensamento ocidental em uma existência reduzida. A
explicação das coisas e o sentido da vida tornam sonho, miragem. A existência
revela uma busca de respostas prontas e fáceis, nem sempre verdadeiras. O mito do
Fausto é a simplificação da tragédia humana, a negação da verdade. Fausto apega-
se ao mundanismo. Daí, o ser humano pós-moderno, em um mundo conturbado
aliar-se ao efêmero. Os prazeres hedonistas são imediatos, simples de serem
compreendidos, mesmo que de forma errada. O ser humano decide ignorar a
existência da verdade e o peso das mazelas que o cercam, por dificuldade de ser
entendidos. margem aos prazeres e à precocidade do vazio. Entregar-se ao
“demônio” é o mesmo que se doar ao luxo e aos prazeres que o dinheiro pode
proporcionar. Até que ponto este luxo e o Fausto fashion são demoníacos?
Fausto é um arquétipo da alma humana e o Fausto pós-moderno pode
projetar-se em qualquer situação ou indivíduo. As mulheres contemporâneas podem
simbolicamente acomodar-se na personagem de Doutor Fausto.
Uma narcisa em busca do Fausto justifica-se pois, sendo uma hedonista à
caça de uma imagem perfeita calcada na auto-estima, preocupa-se com detalhes
deste conceito. Alimenta o almejo da tecnologia que sustenta o luxo e os prazeres. A
segunda pele ressalta o corpo perfeito e provoca prazeres. As vestimentas,
acessórios e artigos de luxos diversos provocam deliciosas sensações.
Barbie é a projeção das mulheres, portanto também busca aceitação e
visibilidade por meio das vestimentas. Baseada nesta paixão feminina (roupas), a
Mattel desenvolve a linha “Barbies Colecionáveis”. São bonecas voltadas ao
colecionismo que atende ao público adulto. Barbie colllection é sinônimo de alta
costura e glamour. São produtos limitados, dotados de sofisticação. O Design é
desenvolvido em detalhado processo de elaboração.
88
Giorgio Armani, Ralph Lauren, Chrístian Dior, Givenchy, Dolce &
Gabbana, Fendi, John Galliano, Gaultier, Calvin Klein, Viviane Westwood entre
muitos outros vestiram Barbie. No Brasil, Herchcovitch, Walter Rodrigues, Lino
Villaventura.
Barbie Colecionáveis revela o modo de vida da mulher, seu tempo e a
sociedade em sua essência. Barbie coleção e suas roupas demonstram parte da
cultura mundial, refletindo os costumes sociais, tradicionais e ambientais. Esta linha
é dividida em quatro categorias. A primeira é a “Pink Label” com produção acima de
cinqüenta mil unidades. Em seguida a “Silver Label”, com tiragem de até cinqüenta
mil. As “Gold Label” com apenas vinte e cinco mil unidades distribuídas no mundo
todo. Estas são criadas por estilistas renomados. São confeccionadas em
Silverstone que tem peso e textura da porcelana, com a durabilidade do vinil.
Finalmente as mais raras e caras, chamadas de “Platinum Label” produzidas em
torno de três mil exemplares.
Todas elas e suas respectivas vestimentas funcionam como linguagem. O
vestuário desta boneca é um conjunto de textos. Sobre esta idéia corrobora Castilho
e Martins.
Como os demais discursos sociais, a moda concretiza desejos e
necessidades de uma época, circunscrevendo os sujeitos num determinado
espaço de significação. Do erudito à cultura de massa, podem ser
recuperadas, por meio da moda, as identidades do sujeito, uma vez que a
moda se constitui como um dos extensores do próprio ser humano, filiando-
o a determinados discursos sócias que veiculam sua visão de mundo.
(Castilho e Martins, 2005, p. 28)
Nas Barbies colecionáveis nota-se uma intensa preocupação com esta
linguagem, que é cuidadosamente estudada. Existe uma constante busca pelo novo
e uma necessidade de investigação da forma, do volume da textura não do corpo
89
da boneca, como também das vestimentas e acessórios que a rodeiam. As
vestimentas são extensão do corpo de Barbie, uma vez que complementam certas
partes deste, que foi construído por um discurso estético admitido pela sociedade.
Ao ressaltar a moda, ressalta-se o corpo. A moda e o corpo perfeitamente
constituído trazem visibilidade social.
Nos mundos ilusórios criados pela moda, o sujeito entra em conjunção com
determinados produtos aos quais são agregados valores subjetivos. São
esses, por sua vez, que promovem a satisfação do sujeito em relação à sua
identidade construída [...] Tanto a indumentária como os adornos
contribuem para a construção das identidades da personagem, além de
revelarem os objetos e valores com os quais ela se relaciona, e como eles
lhes dotam de certas competências, mesmo que apenas imaginárias.
(Castilho e Martins, 2005, p. 30)
Portanto, moda é comunicação e como diz Lipovetsky (1989) provoca
prazer de ver e de ser visto. Esta é compreendida quando os sinais visuais estão de
comum acordo com a aceitação de seu tempo, seu espaço. Esta moda Barbie
estabelece diálogos com quem a observa e a admira. A seleção dos trajes e adornos
promovem consentimento e prazer, tornando-a visível e também tornando visível
quem a tem.
A moda, em todo o seu teor, vestimentas e acessórios, tem significado
simbólico, mas, também, em muitos casos, indica a situação social de quem a
utiliza. Muitas vezes a variação da moda estaria relacionada à necessidade das
classes abastadas de demonstrar luxo, prestígio. A moda tem o poder de distinguir a
posição social de quem a porta, além de satisfazer os desejos de afirmações
individuais da personalidade. A moda facilita a exteriorização da personalidade de
cada um. Tudo isso, observando a historicidade e o seu espaço em “O Império do
Efêmero”, Lipovetsky diz:
90
(...) a moda não se identifica de modo algum a nenhum neototalitarismo
suave, mas permite, bem ao contrário, a ampliação do questionamento
público, a maior autonomização das idéias e das existências subjetivas; é o
agente supremo da dinâmica individualizada em suas manifestações
(Lipovetsky, 1989, p. 16)
Em sua maioria, Barbies Colecionáveis mostram sofisticação nas
vestimentas, principalmente em se tratando das Platinum Label. Estas exibem
roupas de festas ou para ocasiões muito especiais. Gilda de Mello e Souza (1987)
explica muito bem o papel das festas e deste tipo de roupas. As festas têm fator
fundamental na modificação das relações entre os sexos e entre as classes sociais.
Ela diz que este é um espaço de exceção, pois a roupa cotidiana é deixada de lado,
dando lugar ao glamour dos trajes da moda, estes sedutores e exuberantes,
favorecem o contato entre os sexos.
Contudo, entre todos os elementos que entram em jogo no exibicionismo da
festa, a moda é um dos mais eficientes. Uma conexão íntima sempre a ligou
às reuniões sociais, pois juntamente com a força física, as armas, a
inteligência e os ardis, é a vestimenta um instrumento de luta, quer ela se
trave entre os grupos ou os sexos. (Souza, 1987, p. 151)
A mesma autora ainda revela:
A roupa simples da vida comum, ajeitada às exigências triviais da realidade,
é substituída na festa pela forma fantasmal que o narcisismo opõe ao corpo
e ao rosto. O universo do sonho é também o reino das transformações. E
uma nova personalidade emerge no momento da exceção, quando à esfera
da pessoa se acrescenta uma ambiência fictícia, feita de novas cores com
que se enriquece o matiz natural da epiderme, de novas curvas que se
adicionam ao corpo, ajustando muito os vestidos ou multiplicando as formas
com o recurso das folhas, dos babados, dos ruches e franzidos. (Souza,
1987, p. 151)
Este é um momento especial para a mudança de significados das roupas.
A identidade das roupas pode ser então construída fora das esferas econômica e
política. A moda ajuda a definir identidades sociais redefinindo significados nos
91
espaços públicos. A diversidade de roupas com que a Barbie se apresenta pode ser
vista como uma tentativa de definir as identidades da mulher pós-moderna.
A mulher pós-moderna busca o luxo e o fetiche do luxo, pois hoje, como
nunca, ele se encontra pelo caminho da democratização e direito aos signos que
trazem prestígio. Alguns símbolos luxuosos trazem promessa de felicidade para a
nova classe média. A Mattel soube e sabe fazer isto muito bem com as Barbies
Colecionáveis. Estas funcionam como ferramentas de exaltação da marca. Elas
enriquecem a reputação e imagem desta fábrica de brinquedos, pois a beleza e luxo
incitam um diferenciado acolhimento. Este acolhimento tem aliança com o prazer
pessoal e à promoção da sedução e desejo. Estamos em uma era de consagração e
de personalismo. A coleção, de uma forma geral, traz uma emancipação do
indivíduo frente à autoridade das normas coletivas. As Barbies Colecionáveis, por
serem muito luxuosas, advertem ainda mais esta idéia. Lipovtsky (2005) diz que a
globalização provoca um abalo nas instituições, levando também a ressaltação da
individualização e que isso significa uma emergência das relações afetivas com os
bens de luxo. Diz também:
Sob o impulso do neo-individualismo, vêm á luz novas formas de consumo
dispendioso que dependem mais do regime das emoções e das sensações
pessoais do que das estratégias distintivas para a classificação social.
(Lipovetsky, 2005, p. 54)
Algumas Barbies Colecionáveis provocam sensações diversas. Talvez
pela profunda beleza, ou pelo extremo luxo, ou até pela riqueza de detalhes.
Provocam um luxo experiencial que estimulam bem-estar. Lipovetsky (2005) afirma:
“Teatro das aparências, o luxo tende a pôr-se a serviço do indivíduo privado e de
suas sensações subjetivas. Um luxo para si”.
Vejamos algumas delas, colocando assim em prática o teatro das
92
aparentes formas e o sentimento de bem-estar que estas bonecas provocam.
Fonte: http://www.barbiescollector.com
Essas imagens sustentam o sonho, a volúpia, a beleza, o direito à felicidade
e ao luxo. Por que não colecionar tudo isto? Em uma sociedade globalizada,
partindo da classe média, não é preciso consumir apenas necessário para
sobrevivência. Estamos em um mundo de bombardeios emocionais que incitam ao
desejo. “Precisar não precisa, mas eu quero”. O crescimento do consumo estimula
o supérfluo, este se torna bandeira da massa. A mídia alicerçada no consumo
estimula o gosto pelas novidades e pelas marcas famosas, propõe o direito à
qualidade, à beleza e ao lazer. Tudo isso rompe o cotidiano e a banalidade do dia
após dia. Quem tem uma destas Barbies Colecionáveis é considerado privilegiado
93
no meio desta categoria de colecionadores. Existem sites especializados em vendas
e troca das mesmas. Elas são comercializadas até por meio de leilões. Estas
luxuosas bonecas são as “tops” da fábrica Mattel. Lipovetsky mais uma vez filosofa
sobre os produtos luxuosos:
A paixão pelo luxo não é exclusivamente alimentada pelo desejo de ser
admirado, de despertar inveja, de ser reconhecido pelo outro e também
sustentada pelo desejo de admirar a si próprio, de deleitar-se consigo
mesmo, e de uma imagem elitista. Foi essa dimensão de tipo narcísico que
se tornou dominante. A redução do peso do julgamento do outro que
acompanha o neonarcisismo contemporâneo não significa a diminuição da
importância da relação de si com os outros. (Lipovetsky, 2005, p. 52)
As Barbies Colecionáveis são criadas de forma espetacularizada. São
arquitetadas especificamente para algumas ocasiões especiais e em poucos
exemplares. A marca tem interesse de inovar, investindo principalmente em
vestimentas meticulosamente planejadas. São estandarte de beleza e bom gosto,
remetem ao refinamento, tendo em todo este conjunto a incitação do sagrado. As
colecionáveis provocam sentimentos de intimidade daquele que o reconhece.
Estimulam a noção do autêntico além do sentimento de valorização do material que
foram preparadas. Este é de duração e sensitividade, que é um material distinto.
Lipovetsky (2005) diz: Para o produto de luxo as três dimensões mais acentuadas
são a altíssima qualidade, o preço muito elevado e o efeito do prestígio da marca”.
Neste contexto não o corpo das Barbies é especial como suas
vestimentas, e tudo que as acompanham. Castilho e Martins levantam:
A roupa, dessa perspectiva, deixa de ser analisada como objeto construído
e passa a ser entendida com o um objeto em construção. No primeiro caso,
a roupa como objeto é revestida de valores para o sujeito que a porta e, ao
mesmo tempo, recebe uma leitura estética daqueles que o vêem no sujeito.
No segundo caso, antes de ser usada por um sujeito, ela se apresenta
como projeto, fruto de pesquisas diversas por parte do criador, e o seu
resultado é o que dialoga com mundos possíveis e imaginários, cujos traços
podem ou não ser instauradores de desejos e de necessidades do sujeito
94
consumidor/usuário que vê, então, na moda apresentada, possibilidades
para a sua própria construção identitária. (Castilho, Martins, 2005, p. 54)
O corpo é então um suporte que configura um texto. No caso, a vestimenta é
simbólica e altamente reveladora da situação social e cultural em que se vive. Esta
roupa é identitária provocando uma identificação. A boneca e suas indumentárias,
portanto, instigam a revelação de uma identidade e identificação. Será que, por isso,
Barbie é tudo que você quer ser? Este brinquedo é então um suporte de discursos
sociais?. Como vemos a Barbie? Como nós, mulheres, nos vimos? Como queríamos
nos ver? O corpo é suporte de identidade e identificação e a vestimenta é
complemento deste processo. É meio de expressão e de significação que geram
visibilidade e aceitação. Este objeto em questão (Barbie) desvenda uma presença
que dialoga com o contexto globalizado, pós-moderno que nos envolve.
O fato de boneca oferecer tantas composições de vestimentas permite uma
inovação constante, condicionando o admirador a buscar situações inéditas que
estão longe da monotonia visual. O mundo contemporâneo é repleto de situações
inéditas e esta boneca acompanha o ritmo frenético da vida. As vestimentas e
indumentárias que acompanham ou acompanharam a boneca propõe
significações ao corpo (como também ao corpo da mulher) e formam discursos
significativos. E em se tratando de Barbie, existe uma harmonia entre corpo e sua
decoração (vestimenta e adereços). Presenciamos uma integração entre corpo,
indumentárias, situações de ambiência e recepção. É então ressaltada a identidade
e a identificação no contexto em que se insere, destacando a ligação com o outro;
no caso, o colecionador, ou admirador da boneca. Castilho e Martins também
corroboram com esta idéia:
A constatação da presença do “outro” faz, como dissemos, com que o corpo
95
se reconstrua, se revestindo de características culturais e adquirindo,
portanto, uma noção de identidade de sujeito de um discurso. Não
dúvida de que as sanções cognitivas, isto é, a de reconhecimento do ser e
do fazer do “outro”, possam também por todo tipo de julgamento estético,
cabendo ao sujeito aceitar tal sanção ou não. (Castilho e Martins, 2005, p.
105)
As vestimentas e indumentárias diversas ajudam a compor este julgamento
estético. A vestimenta promove um jogo de teatros ressaltando uma imagem
plenamente elaborada que permite uma mutação conforme a necessidade. A roupa
e tudo que a acompanha é transformável por conveniências. Miriam Mendonça, em
seu livro “O reflexo no espelho” também levanta esta idéia.
O vestuário, espelho do tempo, uma manifestação humana tão antiga quanto a
própria existência do homem, reflete, em sua composição, toda a filosofia que
organiza a trama da vida social dos indivíduos, em qualquer época ou lugar. É
incontestável que as roupas, desde os tempos mais remotos, foram utilizadas
como meio de expressão simbólica e estética. (Mendonça, 2006, p. 17)
Esta mesma autora, Mendonça (2006), ainda relata que existe nas
vestimentas uma inegável criatividade artística. Neste aspecto podemos detectar
esta criação artística nas Barbies Colecionáveis. A beleza e a criatividade ressaltam
o artístico. Ela relata:
Não como negar que o vestir-se de determinada maneira é uma das
formas usadas pelos indivíduos para sensível ou insensivelmente realizar
uma desejada interação com os demais membros de seu grupo,
transmitindo suas idéias opções filosóficas. O homem não se exprime
apenas por meio de palavras, às quais são atribuídos determinados
significados, mas comunica-se através de uma série de sinais, tais como o
olhar, a expressão do rosto, os gestos e, mesmo, a maneira de compor seu
indumento. (Mendonça, 2006, p. 56)
Em algumas bonecas Barbies podemos perfeitamente reconhecer esta fala.
Os sinais como o olhar de candura por meio de delicados olhos azuis, a expressão
facial de felicidade, atenciosamente arquitetada por uma pintura (maquiagem)
96
objetivamente elaborada, além de todos os detalhes das vestimentas. Miriam
Mendonça mais uma vez nos ajuda.
Os códigos da moda, uma reconhecida forma da comunicação não-verbal,
tem a capacidade de fornecer uma leitura imediata e precisa sobre outros
pormenores, tais como sexo, faixa etária ou sentimento dos indivíduos. Tais
códigos constituem, além disso, expressivos indicadores dos papéis
assumidos pelo indivíduo dentro de um grupo e, por esse grupo, no contexto
social. Oferecem, assim, fartas informações sobre o trabalho, a origem, a
personalidade, a filosofia de vida, os gestos, os desejos, os impulsos
sexuais e até mesmo as variações de humor de alguém em determinado
momento. (Mendonça, 2006, p. 19)
Embasados nestas análises, façamos então um inventário das imagens a
seguir:
Barbie 1959. Primeira boneca. Poás e
listras eram tendência no período,
inspirando o primeiro traje. Reação aos
tristes anos da guerra. Surge a Lycra,
possibilitando a produção de roupas
menores e versáteis. A moda, a música e o
cinema eram valorizados e inspiradores.
97
Primeira boneca Barbie e sua embalagem
lançadas em 1959.
Barbie 1961. Enfermeira Modelo formal como
pede a profissão. Ainda uma das poucas
profissões para mulheres. Pierre Cardin e Guy
Laroche inspiravam conjuntos como este para a
classe média e alta, como sempre foi a proposta
da boneca.
Barbie 1967. Airlines Conjunto muito parecido
com os que Jackie Kennedy usava, feitos por
Givenchy. Alfaiataria com linhas minimalistas.
98
Barbie 1969. Astronauta Em 1961 o russo Yuri
Gagarin foi o primeiro a visitar o espaço. Em
1969, dois estadunidenses chegaram à lua. Este
modelo demonstra a fixação pelo tema e o
nacionalismo extremado deste povo.
Barbie 1971. Hippie Momento da contra-
cultura. O movimento Hippie, feminista, negro e
gay estouraram neste período. Os jovens
queriam contestar o capitalismo e por meio das
vestimentas eles conseguiram. Barbie expressou
este momento, com seu vestuário rústico e
étnico.
99
Barbie 1981. Cowgirl Década de 80, um período
de ascensão das mulheres que deveriam transmitir
autoridade e poder por meio das séries televisivas
como Dallas. Mostram como poderia ser uma vida
em um rancho luxuoso.
Barbie 1996. Rauf Lauren A década de 90 foi
marcada pela palavra “minimalismo”. Cores escuras e
o preto tornaram-se presentes na moda. Modelo
comedido e básico, socialmente aceitável. Neste
período, os blazers e calças eram a expressão das
roupas utilitárias, o verdadeiro luxo estaria nos
materiais empregados. Este estilista era considerado
um valor seguro, graças ao poder da publicidade. Era
o estilista verdadeiro representante dos EUA.
100
Barbie 1996. Calvin Klein Edição limitada.
Jaqueta denin, luxuosa, mais enxuta,
minimalista e esportiva. Uma Barbie com
imagem funcional e prática, como a da maioria
das mulheres desta época. Simplicidade radical
e funcionalismo justificado.
Barbie 1996. Statue of Liberty Edição
limitada. Efeméride – 110 aniversários da
estátua. Criada apenas como edição
comemorativa, portanto com venda limitada.
Tem as cores dos Estados Unidos. A boneca
Barbie é símbolo de garota estadunidense,
portanto perfeita para aportar este símbolo da
liberdade do país.
101
Barbie 2003. Armani Barbie Edição limitada.
Chifon e crepe. Característica deste designer
declarada pelo aspecto leve e corte elegante. O
século XXI combina com a perfeição,
funcionalidade e qualidade.
Barbie 2005. Chocolate Obsession
Silver Label. Vestimenta inspirada na
fascinação das mulheres por chocolate.
Esta iguaria advinda do cacau, agora
está presente não apenas no alimento,
mas na cosmética.
102
Barbie 2004. Gold Label – Donatella Versace segue
o estilo que consagrou a marca, padrões e formas
que passeiam desde a antiguidade, renascimento,
barroca ao futurismo. Vestido de noite exuberante e
luxuoso. A própria boneca segue a imagem de
Donatella com longos fios de cabelos absolutamente
platinados.
Barbie 2004. Versus Versace Proposta de
flexibilidade e sensualidade com luxo extremo.
Utilização de cores fortes e inusitadas são também
característica da mason.
103
Barbie 2006. Souter Beach, Pink
Label Versões praia, dia e noite de
festa. Riqueza de detalhes e
demonstração de luxo extremo, como
alguém deve demonstrar em férias .
Barbie 2006. Monte Carlo, Pink Label Esta boneca
faz parte de uma série intitulada Monte Carlo. Este
traje de banho demonstra estilo e beleza e cai
anatomicamente frente a um corpo meticulosamente
elaborado, seguindo os critérios de beleza
contemporânea.
104
Barbie 2006. Anna Sui Boho, Gold Label
Urbano tribal inspirado na década 60 e 70 Retrô
Chic. Roupa jovial e fácil de usar. As garotas
estadunidenses adoram usar. Estilo próprio a
partir de peças soltas. A própria Anna Sui
descreve suas criações como “puzzle look”.
Barbie 2005. Red Hot, Coleção Diva Vermelho
quente e vivo que ressaltam as curvas e portanto a
sensualidade. Uma boneca para colecionadores
adultos que admiram a beleza feminina e as Divas de
sucesso. Traje com riqueza de detalhes e cuidado na
arquitetura das medidas.
105
Barbie 2008. Dallas Cowboys Cheerleaders, Pink
Label Uniforme de recreação do footboll. Posição
muito comum entre as belas jovens estudantes que
fazem coreografias antes ou durante os jogos de
futebol americano.
Barbie 2006. Pink Label, rie
Festivais do Mundo Inspiração
no carnaval do Rio de janeiro
seguindo a proposta de sandálias
plataforma, exposição do corpo,
brilhos e penas. Nota-se cabelos
encaracolados remetendo às
características da mulata brasileira.
106
Barbie 2006. Oktoberfest, Pink Label, Original
in Munich, Alemanha Este traje lembra as
vestimentas tradicionais alemãs usadas em
festas folclóricas.
Barbie 2005. Princesa da Renascença Representa
o ambiente burguês, inovado pelo renascimento
comercial e urbano. A vestimenta demonstra essa
liberdade obtida numa atmosfera do humanismo.
107
CONCLUSÃO
A moda da loura no Brasil ganhou reforço com a proclamação da
República. O ideal de branqueamento é ressaltado com a chegada de imigrantes,
principalmente alemães, considerados modelos de beleza. O positivismo imposto na
primeira República detinha o lema “ordem e progresso”, que incutia o ideal de
melhoria de raça, que, assim sendo, corroboraria com o progresso social e nacional.
O corpo magro também passa a ser padrão de beleza. Barrigas perfeitas
e chapadas, pernas torneadas, seios alvos, posição ereta. O corpo magro é o corpo
ágil, perfeito para o veloz culo XX. A beleza feminina está mais exposta com o
advento do cinema. A partir de 1913, a estrela, o mito da atriz, se cristaliza
provocando frisson no mundo inteiro. Theda Bara introduz o beijo na boca, Cecil de
Mille lançará o modelo de mulher bela e provocante. Apenas a primeira, de muitas,
que guiaram os modelos de beleza de Hollywood. Mulheres sublimes e excêntricas,
jovens e belas. A mulher comum agora tem um novo caminho a trilhar, um modelo a
seguir. As suas necessidades são moldadas pelos modelos padrões canalizados
pelos meios de comunicação. Então o imaginário cinematográfico dissemina-se para
o imaginário jornalístico de revistas femininas que, por sua vez, espelha-se em
forma de psicologia popular.
Barbie foi criada para ser estrela e manequim, uma vez que foge dos padrões
108
de boneca, pois nasce adulta com corpo de mulher, diferente das bonecas bebês.
Obviamente de acordo com a mística da época, não existe estrela que não seja
bela, tenha sucesso e riqueza. A imagem da estrela é a imagem do luxo, das festas,
viagens e beleza extraordinária e impecável. A manequim existe para propiciar uma
beleza para a moda, para ser admirada principalmente pelas próprias mulheres,
como representação de sedução e narcisismo.
Quanto mais o ideal de corpo belo torna-se exigência, mais a mídia vai
consagrar os modelos de beleza. Barbie é um sucesso, pois é espelho de uma
sociedade que faz tributos à aparências físicas, representada por um corpo magro,
delineado e jovem. O modelo de beleza Barbie é mercantil, funcional, a serviço da
promoção das marcas e do faturamento milionário da indústria do imaginário. A
boneca tem uma grande capacidade de manter-se fashion, com acessórios
incrementados, roupas cuidadosamente estudadas, cores que acompanham as
cartelas da estação. Impossível a monotonia.
O futuro é incerto, mas o presente é aqui e agora e pode ser aproveitado. O
novo século canalizou as paixões para o Eu, para o hedonismo e para a exaltação
da aparência física. Logicamente as grandes indústrias detentoras do processo
capitalista investem em estratégias de sedução, de consumo da aparência.
Plenamente explicável o fascínio exercido pela boneca, vivamente estimulado
pela mídia intensificando os sonhos narcisicos, encorajando a criança, a adolescente
e a mulher comum a se identificarem e copiarem a estrela, a manequim incorporada
na boneca. A felicidade está associada à imagem da celebridade. Por isso Barbie
tem tantas roupas e sapatos, vive em shoppings, passa férias em praias descoladas
e tem muitos amigos ricos. Barbie (ou suas seguidoras), com certeza, admira-se no
espelho todos os dias e indaga: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do
109
que eu?” A Narcisa não precisa temer rivais ou Brancas de Neve jovens, pois, afinal,
a beleza é construída, comprada, consumida. A beleza é vendida como uma
promessa para todos. A beleza e o corpo perfeito é o que se quer ter, mesmo sendo
uma miragem. Como escapar deste simulacro? Como escapar à imagem tentadora
do que representa o padrão Barbie? Corpo magro, esguio, cintura fina, seios
perfeitos, os esculpidas, nariz afilado, este é o modelo Barbie de consumo
estético. Barbie é o modelo de beleza, comportamento e felicidade ocidental.
A boneca propõe um discurso dinâmico e de interação com a sociedade pós-
moderna. Este sujeito tem elementos figurativos que demonstram feminilidade,
segurança, visibilidade e até rompimento com o patriarcalismo, uma vez que, ela,
sempre está à frente das situações de uma forma independente. Mesmo calcada no
vazio da aparência, e no ócio hedonista, Barbie sempre dita as regras, é
independente e autônoma. Tem delicadeza, sensibilidade e pureza, como os
estereótipos de feminilidade propostos pelo ocidente. Tem profissão (burguesa),
dinheiro e firmeza que lhe dá identidade.
É clara a relação estética que a Mattel faz entre a forma aceita do corpo da
boneca, com a decoração e incrementação têxtil. Os discursos da segunda pele
(roupas e acessórios) são encantadores e sedutores ao olhar, dando movimento aos
olhos, às emoções e às compras. Estes arranjos estéticos desenvolvem um contexto
específico construindo uma identidade (mesmo que momentânea) inserida em um
determinado tempo ou espaço (Barbies colecionáveis, festivais do mundo,
princesas, praias, etc). Este tipo de imagem provoca expectativas de conhecimento
do mundo, gerando o envolvimento com a globalização, dando a sensação de
inclusão. O corpo e as vestimentas deste brinquedo constituem, portanto, uma
linguagem altamente eficaz de aceitação, visibilidade e prazer. Este agrega valores
110
subjetivos e objetivos, construindo identidades que se edificam por meio de
identificações.
O fio condutor desta análise é, portanto, a identidade e a identificação. Foi
construída nesta boneca, uma imagem eficaz condizente com o aceito e desejado
socialmente de si mesmo (uma narcisa em busca de si) e do outro (uma narcisa em
busca do Fausto) provocando identificação. A mulher, a criança (precocemente), por
meio da boneca traços identitários, ativando a subjetividade e identificação. Na
verdade um círculo, do qual não se sabe qual veio primeiro, se a identidade ou a
identificação. Simplificando, isto é uma espetacularização que existe em função do
outro e da cultura em que se vive.
Barbie é líder de vendas porque a beleza expetacularizada está em constante
construção. É uma armadilha pois ressalta constantemente a necessidade de uma
beleza que nem sempre é real e de uma felicidade que dificilmente pode ser
mantida.
Um dos aspectos de sua identidade é o consumismo que incita também à
felicidade. Promove a idéia de que ser cidadão incluso é ser consumidor consumista
(precisar não precisa, mas eu quero!). O desejo é a tônica da pós-modernidade.
Barbie é um objeto de cobiça e tudo que a rodeia são inspirações de aspiração.
Mesmo sendo independente, autônoma, vencedora, segura, faz da beleza um de
seus atributos principais. Por meio da beleza é possível alcançar a felicidade,
aceitação e visibilidade, esta uma mensagem incutida latente. Por isso, Barbie é
tudo que a maioria das mulheres e meninas (precocemente) querem ser. O culto à
beleza está intimamente ligada ao da juventude e ao efêmero. Uma construção
social de uma identidade calcada no corpo esculpido, fabricado, moldado para o
fetiche do consumo.
111
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