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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Federalismo e Reforma Tributária no Governo de Fernando Henrique Cardoso
(1994-2002)
Luciléia Aparecida Colombo
São Carlos
2008
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Federalismo e Reforma Tributária no Governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
Federalismo e Reforma Tributária no Governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002)
Luciléia Aparecida Colombo
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Ciência Política, do Centro de
Educação e Ciências Humanas,
da Universidade Federal de São
Carlos, como parte dos requisitos
para a obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.
Prof. Dr. Eduardo Garuti
Noronha
São Carlos, 2008
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
C718fr
Colombo, Luciléia Aparecida.
Federalismo e reforma tributária no governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002) / Luciléia Aparecida
Colombo. -- São Carlos : UFSCar, 2008.
219 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2008.
1. Federalismo. 2. Reforma tributária. 3. Tributos. 4. Poder
executivo. 5. Poder legislativo. I. Título.
CDD: 321 (20
a
)
Luciléia Aparecida Colombo
Federalismo e Reforma Tributária no Governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002)
Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Carlos, como parte
dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Banca de defesa:
Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha: __________________________________
(Presidente e Orientador)
Profa. Dra. Maria Hermínia Brandão Tavares de Almeida: ______________
(Universidade de São Paulo)
Profa. Dra. Marcia Teixeira de Souza: _______________________________
(Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”)
Suplentes:
Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa: ___________________________
(Universidade de Campinas)
Profa. Dra. Vera Alves Cepêda: ____________________________________
(Universidade Federal de São Carlos)
À Luiz e Helena, meus pais,
pelo apoio incondicional.
Agradecimentos:
Devo agradecer a muitas pessoas que colaboraram para a realização deste
trabalho. Em primeiro lugar, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), cujo apoio financeiro foi primordial para a conclusão desta
pesquisa de mestrado. Além disso, agradeço às considerações fornecidas pelos
pareceristas anônimos da FAPESP, cujos comentários e sugestões puderam aperfeiçoar
este texto.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha, agradeço por cada parte
deste trabalho, que desempenhou um papel muito além de suas competências, dando
exemplos de profissionalismo, de honestidade e dignidade. Seus apontamentos foram
essenciais para que este trabalho pudesse ser realizado. Admiro o Professor não só pelas
suas qualidades profissionais, indiscutíveis, mas também pela pessoa que é e pelos
ensinamentos recebidos, que serão para sempre lembrados.
Às Professoras Maria Hermínia Tavares de Almeida e Marcia Teixeira de Souza,
que aceitaram o convite para participar de minha Defesa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação da UFSCar, agradeço pelo
conhecimento compartilhado, assim como às Secretárias do Programa, sempre dispostas
a ajudar na parte burocrática.
Aos meus pais, Luiz e Helena, que sempre me estenderam a mão, apoiando,
incentivando e confiando em minha capacidade; indubitavelmente, os pilares de minha
vida. À vovó Antonia, tia Alice e tia Elena, que tornam meus dias mais alegres e
coloridos.
Aos assessores de imprensa dos entrevistados, que contribuíram com o acesso
aos dados, meus agradecimentos sinceros. Aos entrevistados, agradeço enormemente,
pois reconheço suas agendas apertadas e seus compromissos; no entanto, com toda a
atenção e gentileza, concederam um espaço e contribuíram com seus depoimentos,
engrandecendo a pesquisa.
Aos meus amigos de longa data, que me apóiam e incentivam, compartilhando
as alegrias e as dores do dia-a-dia: Lia Rocha, Mayara Cheade e Giseli Belentani,
obrigada por tudo. Aos amigos da época da Graduação, Marcos Alan dos Santos,
Alexandre Jerônimo, e Lessandra Carvalho, que, embora distantes, são muito presentes
em meus dias. Obrigada pela torcida e pelo carinho! Aos amigos que fiz na UFSCar,
Ana Paula Mondadore, Antonia Celene Miguel, Karen Artur, Luciana Martins, Pablo
dos Santos e Nelson Ruggiero, obrigada pelo companheirismo. Conhecer vocês foi, sem
dúvida, um grande presente.
“Aos intelectuais cabe-lhes aprofundar a percepção
da realidade social para evitar que se alastrem
as manchas de irracionalidade que alimentam o
aventureirismo político; cabe-lhes projetar luz sobre
os desvãos da história onde se ocultam os
crimes cometidos pelos que abusam do poder;
cabe-lhes auscultar e traduzir as ansiedades e aspirações
das forças sociais ainda sem meios próprios
de expressão”.
CELSO FURTADO
Resumo:
O presente estudo visa oferecer uma contribuição sobre a influência do Federalismo
sobre a Reforma Tributária, entre os anos de 1994 a 2002, que correspondem, portanto,
aos dois mandatos do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tal trabalho
justifica-se, sobretudo porque grande parte do referencial teórico sobre o tema encontra-
se em áreas diferenciadas, sendo os trabalhos em Ciência Política ainda bastante
reduzidos. A escolha deste período derivou do fato de que neste intervalo temporal os
debates sobre a reforma foram intensos, ocupando a agenda do Executivo, que possuiu a
iniciativa de apresentar a PEC 175, que tratava da reformulação do sistema tributário.
No entanto, apesar de todos os esforços, a reforma não conseguiu implantar-se; neste
sentido, cabe à presente investigação apontar os fatores e fundamentalmente os atores
políticos que contribuíram para o fracasso da mesma. Para tanto, a metodologia
empregada utilizou-se de um material bibliográfico relevante, com a análise de
importantes obras sobre o tema, juntamente com a análise dos discursos dos
parlamentares na Comissão Especial de Reforma Tributária; realizou-se, ainda,
entrevistas com membros envolvidos na época dos debates, obtendo, desta maneira,
uma quantidade de dados satisfatórios para o apontamento dos motivos que levaram à
paralisação desta importante matéria, que ainda necessita de concretização.
Palavras-Chave: Federalismo; Reforma Tributária; tributos; Executivo; Legislativo.
Abstract
The present research wants to offer a contribution over the influence of Federalism on
the Tributary Reform, between 1994 and 2002. This period comprises the two mandates
of the government of President Fernando Henrique Cardoso. This work makes sense
because a great part of the theoretical references about the theme is located on different
areas, and the researches on Politics Science are still scarce. The choice of this period
came to the fact in this temporal interval, the discussions about the reform were intense
and they kept the attention of the Executive, that had the initiative to present the PEC
175, concerning to the reformulation of the tributary system. However, although all the
efforts, the reform didn’t succeed; concerning to this, the present investigation wants to
point the factors and, fundamentally, the political actors that contributed to its failure.
For this, the methodology used a relevant bibliographic material, with the analysis of
important works about the theme, concomitant to the analysis of the speeches of
congressmen on the Special Committee of Tributary Reform. It also had been done
some interviews with the members that were implied at the time of the discussions. This
way, a great deal of satisfactory data were obtained to point the reasons that led to a
paralisation of this important subject, that still needs a true realization.
Key-words: Federalism; Tributary Reform; Taxes; Executive; Legislative.
Lista de Tabelas:
TABELA 1: Distribuição dos Tributos por Unidade da Federação................................11
TABELA 2: A Estrutura Tributária Brasileira: Anterior e Constituição de 1988...........27
TABELA 3: A Nova Estrutura Impostos Diretos e Indiretos..........................................29
TABELA 4: A Distribuição das competências tributárias..............................................33
TABELA 5: Desoneração das Exportações. Estimativa das Perdas dos Estados............39
TABELA 6: Competências Concorrentes.......................................................................62
TABELA 7: Variáveis de descentralização fiscal (médias dos anos 1990)....................65
TABELA 8: Carga Tributária e Distribuição das Receitas Tributárias entre Níveis de
Governo (Brasil, 1960-1995)...........................................................................................71
TABELA 9: A composição e a evolução da dívida estadual (1983-1995) bilhões de
reais..................................................................................................................................77
TABELA 10: Bancos estaduais – situação das instituições – 1998................................79
TABELA 11: Ajuste dos bancos estaduais – o custo do PROES em R$ bilhões...........80
TABELA 12: Acordos negociados pelos estados com governo federal.........................81
TABELA 13: Investimentos no setor automotivo – Regiões Sul e Sudeste...................86
TABELA 14: Relação dos benefícios concedidos pelo Regime Especial
Automotivo......................................................................................................................87
TABELA 15: Representação dos estados na Câmara dos Deputados (2002).................91
TABELA 16: Índice de desproporcionalidade distrital (Dd) na Câmara Baixa em 40
democracias.....................................................................................................................92
TABELA 17: distorção percentual do número de cadeiras por anos selecionados e
regiões do país (1947-2002)............................................................................................93
TABELA 18: Indicadores de desigualdades socioeconômicas entre regiões e estados na
federação brasileira (2001)..............................................................................................95
TABELA 19: Distribuição dos Recursos Públicos (%) 1985-1993..............................96
TABELA 20: A multiplicação dos municípios brasileiros (1988-1997).......................97
TABELA 21: Brasil e Regiões – Número de municípios instalados, após 1984, por
estratos de população, 1997.............................................................................................98
TABELA 22: Brasil e Regiões – Receita corrente própria dos municípios como
percentagem da sua receita corrente total por grupos de municípios, 1996....................98
TABELA 23: Partilha - Carga tributária de cada nível de governo, após as transferências
constitucionais, no período 1991 a 1997 (em % do PIB)..............................................118
TABELA 24: Participação regional - Distribuição da carga tributária por regiões, no
período 1991 a 1997 (em % do PIB).............................................................................119
TABELA 25: Proposta FIPE/USP: Segundo Emenda Revisional à Constituição Federal
do Dep. Nelson Proença...............................................................................................123
Lista de Gráficos:
GRÁFICO 1: Receita própria por esfera de Governo.....................................................31
GRÁFICO 2: Brasil - Gastos Sociais por Função - Média 1989-1991...........................36
GRÁFICO 3: Gasto Público Total em Países Selecionados............................................37
GRÁFICO 4: Participação dos Níveis de Governo na Arrecadação Tributária..............71
GRÁFICO 5: Participação das Esferas de Governo na Receita Tributária Disponível...72
GRÁFICO 6: Composição da Receita Tributária Federal como porcentagens das
receitas de todos os níveis de governo.............................................................................73
GRÁFICO 7: Relação Dívida x Receita dos estados brasileiros.....................................82
GRÁFICO 8: Evolução da carga tributária - % do PIB................................................114
GRÁFICO 9: Carga Tributária no Brasil e no Mundo, em % do PIB...........................116
GRÁFICO 10: Outros países.........................................................................................117
Lista de Apêndices:
APÊNDICE A: Quadro parlamentar da Comissão Especial de Reforma Tributária.....210
APÊNDICE B: Principais cargos ocupados pelos entrevistados...................................213
APÊNDICE C: Roteiro das entrevistas – Secretários de Finanças...............................217
APÊNDICE D: Roteiro das Entrevistas – Membros participantes dos debates acerca da
Reforma Tributária........................................................................................................219
Sumário:
Introdução:.........................................................................................................1
Metodologia:.........................................................................................................6
Capítulo I: Perspectiva histórica das reformas tributárias: a Constituição
de 1967 e a Constituição de 1988...................................................................8
1. As propostas apresentadas durante a Constituinte.....................15
1.1. Os debates na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, na
Comissão de Sistematização e no Plenário durante a Constituinte
....................20
2. O sistema tributário na Constituição de 1988.............................. 25
2.1. A distribuição de recursos e encargos na Constituição de 1988................. 29
3. Conclusões Preliminares..............................................................40
Capítulo II: O Federalismo brasileiro e suas variações: a União, os
estados e os municípios.................................................................................45
1. Federalismo: o entendimento do conceito...................................45
1.1. O Federalismo e suas implicações na democracia..................................52
2. A origem do Federalismo no Brasil..............................................55
3. A Constituição de 1988 e suas implicações no sistema
federativo................................................................................................61
4. Resquícios do modelo não-cooperativo: o relacionamento entre a
União e os estados.................................................................................70
4.1. A Guerra fiscal e sua influência nas relações intergovernamentais..............83
4.2. A sobre-representação dos estados no Congresso Nacional....................89
5. O município como ente federado uma análise de sua
participação............................................................................................96
6. Conclusões Preliminares............................................................102
Capítulo III
: Os anos 90 e o debate acerca da reestruturação dos tributos:
da Revisão Constitucional de 1993 ao Governo de Fernando Henrique
Cardoso..........................................................................................................104
1. A formação da agenda da Reforma Tributária nos anos 90............105
2. As Propostas de Reforma Tributária durante a Revisão Constitucional
de 1993............................................................................................107
3. O governo Fernando Henrique Cardoso e o renascimento de
propostas de reforma tributária: a PEC 175............ .......................112
3.1. As propostas de emendas apresentadas pela sociedade civil..................121
3.2. As propostas de reforma tributária apresentada por parlamentares............126
3.3. O predomínio do regionalismo em propostas apresentadas por
parlamentares: evidências de interesses particularistas..............................127
4.
Os estados e os municípios: questionamentos a PEC 175.....................134
4.1. O debate sobre a “guerra fiscal” na Comissão Especial de Reforma
Tributária..............................................................................................................
138
5. Conclusões preliminares.................................................................141
Capítulo IV: O desfecho da reforma tributária no Governo Fernando
Henrique Cardoso: atores e interesses:......................................................143
1. Justificativa do Governo para a PEC 175........................................144
2. As críticas à PEC 175: analisando a dimensão do conflito
técnico.............................................................................................147
3. O cenário da reforma tributária segundo a visão dos
entrevistados...................................................................................152
4. A tramitação da PEC 175 e evidências dos conflitos intra-poderes:
Executivo X Legislativo....................................................................158
4.1. Analisando o conflito político em torno da reforma tributária proposta por
FHC.........................................................................................................................
167
5. A reforma tributária na agenda do Executivo..................................177
6. Expectativas para a reforma no Governo Lula...............................180
7. Conclusões preliminares................................................................187
Considerações Finais:...............................................................................192
Referências Bibliográficas........................................................................196
1
Introdução:
O presente trabalho trata do entendimento do Federalismo e da Reforma
Tributária, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. Tal escolha deriva do
fato de que foi entre os dois mandatos de FHC (1994 a 2002) que as discussões sobre a
reforma tributária foram mais intensas, pois o Executivo enviou para apreciação na
Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional que reordenaria o sistema
de arrecadação tributária no Brasil. Todavia, apesar de todos os esforços e do debate
intenso, a reforma não logrou o alcance previsto, que era uma alteração substancial nos
dispositivos tributários. Ao final das discussões, o que se empreendeu foram mudanças
parciais, pontuais, reformando pequenos pontos do sistema. Partindo desta constatação,
a questão central deste trabalho reside em responder à seguinte questão: Por que, apesar
de todo o debate ocorrido no Governo FHC, a reforma não se concretizou? Quais foram,
efetivamente, os fatores e fundamentalmente, os atores políticos que contribuíram para
o malogro da reforma?
1
Desenvolvemos, a priori, três hipóteses para o insucesso da reforma tributária,
apontando, conseqüentemente, três atores políticos que pudessem ter atuado no sentido
de paralisar os debates. Em primeiro lugar, testamos se os responsáveis por tal insucesso
foram os parlamentares, que debateram sobre o tema na Comissão Especial de Reforma
Tributária; em segundo lugar, verificamos se foram os governadores de estado os
responsáveis pela paralisação; e por último, nossa indagação remete ao papel do
Executivo Federal, naquele momento, o qual poderia ter contribuído, também, para a
paralisação dos debates. Para todas as hipóteses, entretanto, priorizamos como a reforma
tributária se desenvolve em um contexto federativo e como este produz implicações
naquela.
A primeira hipótese a ser testada neste trabalho é que a reforma poderia ter sido
paralisada devido à ação individual dos parlamentares envolvidos na discussão, mais
1
Cabe ressaltar que os estudos sobre a reforma tributária geralmente estão concentrados em áreas como a
Economia e Direito, sendo o enfoque na área de Ciência Política ainda bastante reduzido. No entanto,
existem trabalhos que merecem ser destacados, acerca da reforma tributária, como os desenvolvidos por
Marcus André Melo (2002; 2004; 2005) e Maria Hermínia Tavares de Almeida (2001; 2003; 2005). Além
disso, autores como Celina Souza (2001; 2003; 2005), Marta Arretche (1999; 2004; 2005), Fernando Luis
Abrúcio (1999; 2002; 2003; 2005), José Roberto Afonso (2001), Fernando Rezende (1994), Fabrício
Augusto de Oliveira (1992), Valeriano Mendes Costa (1999; 2004), dentre outros, devem ser destacados,
por seus trabalhos a respeito do Federalismo.
2
especificamente, dos parlamentares no âmbito da Comissão Especial. Partiu-se deste
princípio baseando-se em vertentes do institucionalismo, de que os atores políticos
adotam comportamentos individualistas, buscando maximizarem seus interesses
individuais. Tais parlamentares, no momento dos debates sobre a reforma tributária, no
Governo FHC, poderiam utilizar suas prerrogativas políticas com o intuito de
angariarem recursos para as regiões que representavam, fato que contribuiria para uma
conquista pessoal de votos para suas próximas eleições. Partindo deste pressuposto,
dado que eram muitos os interesses envolvidos, e, mais do que isso, como era alto o
grau de conflito, a falta de consenso entre estes parlamentares quanto à definição do
novo sistema tributário, fortemente influenciados pelo regionalismo, poderia ter sido o
motivo pela paralisação dos debates e para o malogro da reforma.
A segunda hipótese sugere que a reforma tributária não alcançou o sucesso
esperado no governo de FHC devido à ação dos governadores de estado. O poder dos
governadores têm sido amplamente discutido pela literatura (ABRÚCIO, 2002), a qual
considera que grande parte das reformas não implementadas derivam da capacidade dos
governadores para mobilizarem suas bancadas nas votações de matérias importantes
para os governos estaduais. Nesse caso, os governadores seriam os responsáveis pela
não concretização da reforma tributária.
A terceira hipótese levantada pelo presente trabalho é que a reforma poderia ter
fracassado em virtude de uma mudança de preferência do próprio Executivo, que,
apesar de ser o propositor da matéria, optou por não implementá-la naquele momento,
dada a percepção dos irreconciliáveis conflitos políticos envolvidos. Estas foram as
questões levantadas por este trabalho, que foram testadas, a fim de elucidarmos os
motivos pelos quais a reforma não aconteceu. Consideramos, sobretudo, como uma
hipótese primária, que o Federalismo exerce influência sobre as questões tributárias.
Historicamente, o sistema federativo teve sua origem associada à formação do
Estado nacional norte-americano, a partir da unificação das treze colônias inglesas.
Neste sentido, a organização federal é um sistema que responde aos problemas
envolvidos na formação de um Estado nacional inserido num contexto de
heterogeneidades territoriais, visando promover a acomodação dos interesses territoriais
dentro de um Estado nacional já consolidado. O Federalismo é, portanto, o elo que
consiste em instituir uma dupla soberania política, com a distribuição do poder entre
3
duas esferas territoriais, ou seja, o Governo Central (União) e as entidades subnacionais
(estados). No Brasil, o município passou a ter o mesmo status de unidade federativa,
definido no texto Constitucional de 1988. Não só a divisão do poder é personificada
através do Federalismo, como também o mecanismo de checks and balances (freios e
contrapesos), ou seja, as instituições políticas se limitariam umas às outras,
favorecendo, desta maneira, o alcance de um maior equilíbrio federativo.
Porém, no caso brasileiro, o que se observa é que o Federalismo é comumente
associado ao processo de descentralização das entidades subnacionais, o que
proporciona uma falsa visão de autonomia. Isto se deve ao fato de que, nos anos 60 e
70, os governos militares promoveram a centralização (fiscal e política) associada com
o autoritarismo. Mais tarde, a redemocratização permitiu aos estados e municípios uma
maior independência, desarticulando tais esferas do governo central e promovendo
grandes alterações no Federalismo. Contribuiu para a desconfiguração do Federalismo a
elevada heterogeneidade regional que, agravada pela crise econômica brasileira exigiu
uma disponibilidade de recursos cada vez maior, aprofundando, sobremaneira, a
incapacidade da União em articular as esferas subnacionais de governo e de
proporcionar pactos inter-regionais de poder.
Estudos empíricos apontam para uma federação que convive com alto grau de
desigualdade regional. As regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste
apresentam alto grau de disparidade, acentuando a necessidade de aumento do repasse
das receitas tributárias aos estados menos desenvolvidos. Este é, portanto, o pano de
fundo sobre o qual se formou a agenda da reforma Tributária, que encontra vários
óbices que impedem a sua consolidação. Os impasses para a aprovação de reformas
tributárias derivam essencialmente de questões de ordem federativa, como se verá
adiante neste trabalho. Cabe ressaltar que não somente no Brasil, mas em vários países
do mundo, os sistemas tributários são difíceis de alterar, pois as estruturas tributárias
são altamente path dependent. As reformas no campo tributário são tarefas complexas,
pois exigem mudança constitucional.
Todavia, reformas tributárias importantes foram implementadas nos países
capitalistas avançados, nos anos 80 e início dos anos 90. Na América Latina, o primeiro
ciclo de reformas iniciou-se na década de 60; após um longo interstício, assistiu-se,
recentemente a uma onda de reformas tributárias igualmente importantes. No Brasil,
4
várias tentativas reformistas foram realizadas, e o tema passou a ganhar importância e
centralidade na agenda pública brasileira. Desde o período pós-constituinte, ocorreram
vários episódios nos quais buscava-se um equilíbrio e uma reorganização do sistema
tributário nacional.
Em 1995, em sua posse, o presidente Fernando Henrique Cardoso reafirmou o
compromisso de promover mudanças profundas no sistema de arrecadação tributária.
Reafirmando tal compromisso, o Executivo enviou ao Congresso Nacional em agosto
do mesmo ano, a Proposta de Emenda Constitucional 175, a qual seria responsável por
fornecer as diretrizes que norteariam as alterações nos dispositivos constitucionais, em
relação ao sistema tributário. No entanto, apesar dos debates intensos, a reforma não
logrou os objetivos pretendidos.
Assim, no primeiro capítulo, há uma exposição do sistema tributário definidos
por duas diferentes Constituições brasileiras: a Constituição de 1967 e a Constituição de
1988. A escolha destes dois períodos baseou-se na constatação de que o Brasil passou
recentemente por modelos de centralização e descentralização, não só tributária e fiscal,
mas essencialmente de autonomia e controle pelos entes que compõem a federação. A
descentralização promovida pela Constituição de 1988, em contraposição à
centralização do período militar, é amplamente discutida no meio acadêmico até hoje,
principalmente porque além de descentralizar recursos, promoveu uma maior autonomia
para os entes subnacionais. Demonstrar as propostas de reforma constitucional desde a
Assembléia Nacional Constituinte até a efetivação dos trabalhos desta, com o
nascimento da Constituição de 88 (na qual está disposto o sistema tributário atual), é
objetivo do primeiro capítulo deste trabalho.
No segundo capítulo, há uma exposição acerca do Federalismo e de suas
implicações para o sistema tributário brasileiro. São analisados os dispositivos
constitucionais que influenciaram o comportamento adotado pela União, estados e
municípios, que geralmente são configurados sob um modelo de relações não-
cooperativas. O capítulo faz também uma exposição sobre as características do
Federalismo brasileiro e de que maneira tais características e padrões de relacionamento
entre os entes federados representam óbices para a reforma tributária. A partir da análise
das origens do Federalismo no Brasil, o capítulo procura enfocar o poder que passam a
ter os governadores de estado em determinado período de nossa história política. Além
5
disso, a análise do Federalismo enquanto instituição, levando-se em conta a maneira
como ele foi moldado e transformado ao longo dos anos, ajudam a explicar o desenho
federativo atual; não se trata de comungar da idéia de que a história explica tudo, mas
dizer tão somente que as instituições são aderentes e têm efeitos de longa duração nos
resultados de políticas econômicas. Por este motivo, “os episódios históricos de escolha
institucional são cruciais para a compreensão dos resultados econômicos, como por
exemplo, os regimes de tributação” (MELO, 2002, p. 5).
O terceiro capítulo trata da agenda tributária dos anos 90, destacando as
propostas apresentadas desde a Revisão Constitucional de 1993, até a Proposta de
Emenda Constitucional elaborada pelo Governo FHC. Cabe ressaltar que neste capítulo
delineamos a importância das propostas apresentadas pelos parlamentares e como tais
propostas continham em si preocupações com as questões regionais, presentes no debate
acerca da reforma no referido governo.
O quarto e último capítulo é o que, de fato, argumenta sobre os motivos que
levaram ao fracasso da reforma naquele momento. Neste sentido, é analisado o conflito
político em torno do tema e, principalmente, da relação estabelecida entre Executivo e
Legislativo para o desfecho da reforma. Este capítulo é, pois, o cerne de nossa
indagação inicial sobre por que efetivamente a reforma tributária não aconteceu no
Governo de Fernando Henrique Cardoso. Nele sustenta-se se a reforma falhou pela
influência da ação dos parlamentares, na Comissão Especial, pelos governadores de
estado ou pela ação do próprio Executivo Federal, propositor da matéria. Nesta parte do
trabalho testamos as três hipóteses consideradas, as quais foram enriquecidas pelas
entrevistas realizadas, com as interpretações dos atores políticos envolvidos naquele
momento de debates acerca da reforma tributária.
Sinteticamente sustentamos que a explicação para o fracasso da reforma
tributária deriva de um jogo político mais complexo, o qual não pode ser reduzido ao
debate entre a preponderância do Executivo sobre o Legislativo (ou o oposto) o poder
dos governadores ou das clivagens regionais ou ao exame das instituições políticas
enquanto regras do jogo dos processos decisórios, descoladas dos interesses eleitorais.
Essa é, pois, uma seção conclusiva desta investigação baseada na metodologia descrita a
seguir.
6
Metodologia:
A pesquisa empírica consistiu da análise de um material oriundo da Câmara dos
Deputados, especificamente, do Departamento de Taquigrafia, Redação e Revisão, que
disponibilizou os discursos dos parlamentares na Comissão Especial de Reforma
Tributária, responsável por elaborar um novo sistema tributário. Tratam-se de atas de
reuniões, audiências públicas, nas quais os parlamentares participavam e forneciam
sugestões e proposições, entre os anos de 1994 (quando as discussões iniciaram de
forma efetiva) a 2003. Aproximadamente, foram analisados cerca de 65 discursos
parlamentares. Estes documentos são uma fonte empírica importante, pois contém em si
o posicionamento individual dos parlamentares sobre o que estava sendo discutido
naquele momento a respeito da reforma tributária.
No entanto, como a reforma tributária foi palco de grandes conflitos,
entrevistamos membros do Legislativo, do Executivo e um Técnico, recolhendo, assim,
diversas visões sobre o tema. Tais entrevistas complementaram a elucidação dos
motivos que levaram ao malogro da reforma, bem como esclareceram quais os atores
políticos que mais contribuíram para que os debates fossem paralisados naquele
período.
Cabe ressaltar que houve uma dificuldade relativamente grande para a realização
de tais entrevistas. Inicialmente, foram realizadas duas entrevistas, nos municípios
paulistas de Araraquara e Taquaritinga, com os Secretários de Finanças, com o intuito
de verificar, previamente, como uma experiência piloto, o comportamento dos
municípios frente aos outros entes federados, como a União e os estados.
2
A partir deste primeiro contato nos municípios, iniciamos as consultas com os
membros participantes do debate da reforma tributária no Governo FHC.
3
Para isso, foi
elaborado um questionário (ver apêndice) que buscava entender basicamente: 1) Os
2
As entrevistas foram realizadas pessoalmente e devidamente gravadas. Nesta fase-piloto foram
identificados alguns problemas pelos quais passam os municípios, bem como algumas assimetrias
contidas no Federalismo brasileiro. Os entrevistados foram: Nelson Gênova (Secretário de Finança da
cidade de Taquaritinga, SP) e Luis Antonio Araújo e Samuel Martins (Secretário de Finanças do
município de Araraquara, SP).
3
Houve a realização de uma entrevista pessoalmente com Ary Oswaldo Mattos Filho, e as demais foram
realizadas através de telefonemas, todos gravados em um gravador de voz, contendo, cada uma das sete
entrevistas, cerca de uma hora e meia de gravação (90 minutos aproximadamente). Os entrevistados
foram os seguintes: Ary Oswaldo Mattos Filho, Luiz Carlos Hauly, Eliseu Rezende, Everardo Maciel,
Fernando Rezende, Luiz Roberto Afonso e Marcos Cintra.
7
fatores que contribuíram para o malogro da reforma e 2) Os principais atores que
também colaboraram para a paralisação dos debates. O questionário foi construído com
questões abertas, procurando, contudo, obedecer a uma seqüência lógica de interação
entre o pesquisador e o entrevistado. Assim sendo, o mesmo foi dividido basicamente
em quatro partes:
A primeira parte buscava situar os entrevistados e obter deles quais as principais
contribuições que tiveram, em diferentes momentos do debate, respeitando-se,
obviamente, as diferentes posições por estes ocupados;
A segunda parte pretendia obter quais eram suas principais opiniões a respeito
dos motivos que levaram ao malogro da reforma;
A terceira parte visou obter quais os principais atores políticos envolvidos e a
natureza dos conflitos existentes;
A quarta e última parte do questionário visava saber dos entrevistados, quais as
expectativas dos mesmos para a concretização da reforma tributária.
Foi possível observar durante esta fase de entrevistas, a posição dos membros
consultados e, mais do que isso, as respostas que eles forneceram continham elementos
semelhantes.
8
Capítulo I: Perspectiva histórica das reformas tributárias: a
Constituição de 1967 e Constituição de 1988
“As Constituições, no contexto do Estado moderno,
em que as relações de poder são secularizadas e
configuradas numa esfera autônoma, estabelecem
as estruturas que formam o governo
e especificam o estoque de direitos e deveres
dos indivíduos”.
(Schmitt, 1982)
A Reforma Tributária tornou-se uma questão proeminente nos países latino-
americanos no final dos anos de 1980, tendo as agências multilaterais como o FMI e o
Banco Mundial , importante papel na convergência das agendas de reformas. Diversas
explicações são sugeridas para os determinantes da reforma tributária, como os fatores
políticos, institucionais, bem como os fatores intrinsecamente relacionados aos impostos
e suas legislações. Neste capítulo, faremos uma exposição acerca dos regimes
tributários no regime militar, (onde a concentração de recursos era uma característica,
legitimada pela Constituição), assim como abordaremos também a evolução deste
sistema tributário a partir da segunda metade dos anos 80, com a redemocratização e as
novidades trazidas com a Constituição de 1988. Priorizamos, neste sentido, o papel que
exercem as Constituições como fonte prescritiva da legitimidade e da garantia de
cumprimento das leis, em diferentes momentos da história brasileira.
Cabe ressaltar que o sistema tributário geralmente insere-se em um contexto
político e social de um determinado país, enquadrando-se, desta maneira, dentro dos
modelos econômicos vigentes. Em especial no Brasil, a estrutura social, política e
econômica passou a depender mais do setor público após o processo de substituição de
importações. Até a década de 50, o país não dependia do sistema de arrecadação
tributária, pois o próprio modelo primário-exportador não exigia uma estruturação mais
sólida do sistema tributário. Todavia, com a falência deste modelo exportador, o Estado
teve que assumir o controle sobre as finanças, tendo a obrigação do provimento da
infra-estrutura básica para o processo de industrialização. Por conseguinte, o sistema
tributário anterior ao ano de 1966 não dispunha de meios eficazes de arrecadação,
9
impossibilitando o Estado de atender às demandas de industrialização que se faziam
necessárias e, mais do que isso, de promover a dinamização da economia.
É neste cenário que o sistema tributário de 1967 tem sua origem, vindo atender
ao clamor do desenvolvimento acelerado, possibilitando ao Governo Federal comandar
o processo de crescimento e acumulação de capital, proporcionando, desta maneira, uma
centralização destes recursos na órbita da União, responsável direta pela dinamização da
economia.
Para cobrir o déficit público e acumular recursos que seriam empregados nos
novos projetos de desenvolvimento nacionais, houve um aumento da carga tributária,
visando, assim, uma elevação das receitas tributárias. Analisando a evolução desta carga
tributária neste período, Riani (2002)
4
salienta que ela foi substancialmente elevada até
o ponto em que o crescimento atingia seus altos índices. A modernização e ampliação
do aparelho arrecadador proporcionavam, também, aos cofres públicos, uma parcela
cada vez maior do produto nacional. Neste sentido, os tributos foram alterados, de
forma a proporcionar maior arrecadação, minimizando as distorções existentes. O
Imposto de Renda, por exemplo, sofreu alterações significativas:
Entre 1965 e 1969, o número dos contribuintes do imposto de
renda aumentou de 400 mil para 1,5 milhão de pessoas. Embora a
arrecadação desse imposto tenha-se mantido estável, durante
1965/68, nos três anos seguintes o produto desse imposto mostrou
uma taxa de crescimento maior do que as outras fontes de
tributação. (RIANI, 2002 p. 247).
O ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) também foi remodelado e
seria, a partir de então, imposto sobre o Valor Adicionado, com a mesma alíquota, para
todos os bens. Esta alteração permitiu um aumento no nível de produtividade do ICM,
aumentando a participação relativa dos estados no total da receita arrecadada. Além
disso, a aprovação da Emenda Constitucional n° 1, de 1969, promovia alterações quanto
à distribuição das fontes de receita, entre os entes que compõem a federação. Através
desta emenda, aumentava a dependência de estados e municípios pelo Governo Federal,
reforçando, desta maneira, o caráter centralizador adotado pela Constituição deste
4
Trata-se de um trabalho desenvolvido por Flávio Riani, denominado: “Economia do Setor Público –
uma abordagem introdutória”, publicada no ano de 2002.
10
período. Através de tal emenda, e obedecendo aos princípios constitucionais de 1967, a
distribuição de recursos ficava assim estabelecida:
À União, caberia a competência sobre os seguintes tributos:
importação de produtos estrangeiros;
exportação de produtos para o estrangeiro;
propriedade territorial rural;
renda e proventos de qualquer natureza;
produtos industrializados;
operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários;
serviços de transporte e comunicações;
combustíveis e lubrificantes;
energia elétrica;
minerais.
Aos estados, a competência recairia sobre:
transmissão de bens imóveis;
operações relativas à circulação de mercadorias;
E, finalmente aos Municípios, seriam destinados os seguintes tributos:
propriedade predial e territorial urbana;
serviços de qualquer natureza, com exceção aos concedidos pela União e pelos
estados.
Observa-se, deste modo, uma grande centralização de recursos na esfera da
União, em detrimento de estados e municípios. Os estados contavam com a arrecadação
de dois tributos, sendo o ICM, o principal deles, já que fornecia grande fonte de
arrecadação; os municípios, em contrapartida, possuíam a competência sobre dois
impostos, que são caracterizados principalmente, por não oferecerem grande
contribuição no sentido de arrecadação de recursos.
Apesar de seu contestável caráter centralizador, convém ressaltar que esta
reforma procurou corrigir alguns problemas do sistema tributário. Em primeiro lugar,
como já salientado, substituiu os impostos em cascata por impostos sobre o valor
agregado, modernizou a máquina arrecadadora, com avanços na cobrança do Imposto
de Renda, aliviando os problemas do governo, evitando a emissão de papel-moeda. Não
11
promoveu, contudo, mudanças positivas no Federalismo, que se torna uma peça
meramente decorativa. A tabela 1 demonstra como se deu a partilha dos tributos através
da Reforma de 1964, comparativamente à do período anterior:
TABELA 1:
Distribuição dos Tributos por Unidade da Federação
ANTERIOR REFORMA 1964 – 1966
1.UNIÃO
-importação
-consumo
-rendas e proventos
-combustíveis e lubrificantes
-energia elétrica
-selo
-outros
1. UNIÃO
-importação
-exportação
-propriedade territorial rural
-renda e proventos
-produtos industrializados
-operações financeiras
-transportes e comunicações
-combustíveis e lubrificantes
-energia elétrica
-minerais
2. ESTADOS
-vendas e consignações
-transmissão “causa mortis”
-exportação
-selo
-outros
2. ESTADOS
-transmissão de bens imóveis
-circulação de mercadorias
3. MUNICÍPIOS
-territorial rural
-transmissão “inter-vivos”
-predial e territorial urbano
-indústria e profissões
-licença
-diversões públicas
-selo
3. MUNICÍPIOS
-propriedade territorial urbano
-serviços de qualquer natureza
4.UNIÃO, ESTADOS E
MUNICÍPIOS
-taxas e contribuições de melhoria.
4. UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS
-taxas e contribuições de melhorias.
Como já salientado, apesar de algumas alterações importantes, esta reforma
iniciada em 1964 e concluída em 1966, não promoveu o fortalecimento do Federalismo,
para que uma possível distribuição do bolo tributário fosse realizada entre as esferas da
12
federação, nem promoveu mudanças significativas na redistribuição da renda entre os
indivíduos, a fim de tornar mais igualitária a questão social. Entretanto, o sonho do
crescimento econômico se consolidou, e durante o chamado “milagre econômico”
(1973-1974), a economia brasileira atingiu o apogeu, assim como o sistema tributário.
Como lembra Oliveira (1992), a carga tributária saltou de 19,1% do PIB em 1965, para
25,2%, em 1975; em contrapartida, estados e municípios viam suas dívidas aumentarem
consideravelmente, mas não questionavam, esperançosos de que em algum momento,
haveriam de se beneficiar com o crescimento global do país.
A situação da classe assalariada era particularmente complicada, pois os
trabalhadores eram expropriados em seus salários, pelos altos tributos cobrados. Em
contrapartida, as classes média e alta jamais se opunham ao modelo, pois desfrutavam
dos incentivos e dos menores ônus a elas delegadas. Porém, toda a reformulação deste
sistema tributário se mostrou ineficiente, face aos gastos públicos. Em 1974, iniciou-se
um período de crise da economia brasileira, e o “milagre” parece esfacelar-se. A
economia apresentava grandes oscilações e, no ano de 1979 era consenso de que o
sistema tributário já não era suficiente para financiar esse brutal crescimento. Tanto isso
é verdade que, segundo Oliveira (1992, p.18),
Após meados da década de 1970, nenhum novo programa amparado
em recursos fiscais seria criado para estimular o processo de
crescimento, embora fossem mantidos aqueles criados no período
precedente.
Esse quadro era agravado ainda mais pela situação dos estados e municípios, que
deteriorados financeiramente, passaram a reclamar para si, uma partilha maior do bolo
tributário. No entanto, ao invés de se implantar uma reforma efetiva no sistema de
arrecadação, optou-se pelo caminho mais fácil: os cortes nos gastos públicos, com o
propósito de reduzir o papel do Estado na economia, adotando para isso, medidas
paliativas, desagregando ainda mais a estrutura tributária brasileira. Aliás, estava claro
que não havia possibilidade de dividir o montante arrecadado entre as esferas da
federação, pois todos os recursos eram destinados a cobrir os rombos do setor público
federal. Neste sentido, foram tomadas medidas que não visavam sanar o problema
através de uma ampla reforma, mas sim que resolvessem as questões mais simples e
aparentes.
13
Assim, irremediavelmente, houve a expansão da carga tributária, sem o
desenvolvimento de reformas profundas no sistema. É inegável, porém, que a classe
média passava a ser penalizada, a partir deste momento, já que os assalariados
representavam uma fonte de renda exaurida. Atacando-se a classe média, decretava-se a
falência da indústria de bens de consumo e, conseqüentemente, do nível de emprego e
da arrecadação indireta, cada vez mais regressiva.
Era preciso promover o ajustamento da economia, para sanar o déficit público e
os rombos de outros agentes, como a Previdência Social, por exemplo. Apelou-se,
então, a partir de 1981, ao FMI (Fundo Monetário Internacional), com empréstimos que
agravariam ainda mais o sistema. O resultado: uma profunda recessão, onde o
desemprego atingiria índices alarmantes, e a área social, novamente, era a mais
prejudicada. A economia começava a perder suas forças e o sistema tributário já não era
capaz de financiar o crescimento. Era consenso, portanto, que este sistema necessitava
de novos ajustes, que só seriam realizados através de uma profunda Reforma Tributária.
Importante destacar, neste momento, a presença de alguns atores que, até então,
permaneciam ocultos. A sociedade civil, por exemplo, começava a exigir espaço e a
participação nas decisões referentes aos rumos do país. Além disso, a fim de conter o
autoritarismo, em 1982, os oposicionistas conseguiram maioria na Câmara Federal,
onde colocariam óbices ao Executivo para legislar através dos decretos-leis; o
Congresso Nacional, até então adormecido, retomava suas forças. Era um indício de que
o regime militar estava se enfraquecendo.
É neste cenário conflitivo que no dia 01 de dezembro de 1983 foi aprovada a
Emenda Passos Porto, que, devido à sua abrangência, foi considerada uma mini-reforma
tributária. Tal Emenda visava, principalmente, o fortalecimento das finanças dos estados
e municípios; versava que a União deveria abrir mão de parcela significativa de seus
recursos, à medida que introduzia modificações no sistema de transferências
governamentais.
5
Oliveira (1992) destaca o que a aprovação da Emenda Passos Porto
representou naquele momento:
5
Essas transferências representavam importante fonte de renda, pois complementavam a arrecadação dos
entes subnacionais, beneficiados por estas.
14
A Emenda, apresentada por um Senador do próprio partido
governamental, muito mais do que ser indicadora de que a
paciência dos representantes políticos das esferas inferiores se
esgotara, constituía uma amostra inequívoca de que o Legislativo,
ao se fortalecer e começar a resgatar seu papel no conserto dos
poderes, passava a ter capacidade de influir decisivamente em
matéria de economia, ainda que isso fosse motivo de irritação,
inútil, para o Executivo. Mais do que isso mostrava que, com o seu
fortalecimento e o da sociedade, tornava-se possível influir na
mudança de rumos da política econômica, o que se confirmou com
a rejeição dos projetos salariais ao longo de 1983 e com a
aprovação da Emenda Passos Porto. (OLIVEIRA, 1992 p. 42).
A Emenda em questão vinha oferecer sua contribuição no sentido de
promover uma reorganização do Federalismo brasileiro, que se tornou confuso após o
golpe de 64, promovendo uma distribuição dos recursos tributários a estados e
municípios, transferindo, de certa maneira, grande quantidade de recursos do
Governo Federal. Representava, principalmente, o enfraquecimento do regime
autoritário, que se encontrava isolado, a medida em que a sociedade, fortalecida
politicamente, passava a exigir mudanças na política econômica. A própria
reestruturação do Federalismo através desta Emenda sinalizava que novos rumos
apontavam para o país.
Neste sentido, em 25/01/1984, o país se reunia em torno das “diretas já”,
movimento que exigia o fim do regime autoritário, na medida em que reivindicava
eleições diretas para a presidência da república. Com a morte de Tancredo Neves, seu
vice, José Sarney, assume o posto de chefe do Executivo, possuindo a penosa tarefa de
convocar o Congresso Nacional para elaborar uma nova Constituição para o país, que
nortearia o novo regime democrático que então se instalava. Os trabalhos da Assembléia
Nacional Constituinte tiveram início em fevereiro de 1986. Ulisses Guimarães foi eleito
seu presidente, acumulando os cargos de presidente da Câmara dos Deputados e de
presidente nacional do PMDB.
A partir deste momento, mudanças importantes seriam instauradas no quadro
tributário e fiscal, mas, em contrapartida, eram grandes os problemas a serem
enfrentados pelos constituintes. Em primeiro lugar, era preciso conter os gastos do
Estado, que apresentava grande déficit, incapaz de realizar investimentos e de atender
aos setores sociais; em segundo lugar, estados e municípios necessitavam,
15
urgentemente, de uma reorganização em suas receitas, para proporcionar, desta forma,
um maior equilíbrio da federação. E, além disso, era necessário promover uma política
de desenvolvimento regional, para que as desigualdades fossem amenizadas.
Esses eram alguns dos óbices que os constituintes teriam de enfrentar, para a
criação da Nova Constituição, que seria responsável por delinear o novo regime que
então se instalava no país.
1. As propostas apresentadas durante a Constituinte
“Nas Assembléias Constituintes convivem a linguagem da
negociação e da argumentação, como
duas formas de comunicação que ora se
justapõem ora prevalecem uma sobre a outra,
dependendo das contingências
específicas”.
(Elster, 1994).
Durante o período em que a Assembléia Constituinte
6
se reuniu para discutir a
nova Constituição do Brasil, diversas propostas foram apresentadas, tanto pela
sociedade civil, quanto por associações e por parlamentares, que tinham por objetivo,
dentre outras matérias, balizar o debate em torno das mudanças que promoveriam uma
reorganização do aparelho tributário e fiscal. Oliveira (1992) enumera três propostas
que, segundo ele, foram as mais importantes: a proposta da Comissão Afonso Arinos, a
do Instituto de Advogados de São Paulo e da Associação Brasileira de Direito
Financeiro (IASP/ABDF) e, finalmente, a proposta da Comissão de Reforma Tributária
e Administrativa (CRETAD). Segundo o autor em tela, tanto a proposta do IASP/ABDF
como a da Comissão Afonso Arinos não visavam uma alteração substancial do formato
6
Segundo dados de Celina Souza (2001), a Assembléia Nacional Constituinte possuía 559 membros, dos
quais 72 senadores e 487 deputados federais, que receberam a tarefa de elaborar a sétima Constituição
para o Brasil. O senador Fernando Henrique Cardoso era o relator do regimento interno, o qual
determinava que haveria 24 subcomissões, 8 comissões, que, posteriormente, constituiriam uma comissão
de sistematização. Cada uma das 24 subcomissões e das 8 comissões contava com um presidente, dois
vice-presidentes e um relator.
16
da estrutura tributária, embora destacavam a criação de novos tributos e de alterações na
distribuição de recursos entre as esferas subnacionais de governo.
Entretanto, a proposta da Comissão de Reforma Tributária e Administrativa
(CRETAD), apresentava-se como uma alternativa para que reformas profundas fossem
realizadas. Visava, entre outras alterações, reduzir o número de impostos indiretos,
fortalecer o Federalismo, estreitando os laços entre estados e municípios, distribuindo
recursos e encargos e, finalmente, atribuía ao sistema um caráter progressivo, a medida
em que propunha a criação de impostos sobre o patrimônio, sobre as heranças e as
doações; promovia, concomitantemente, modificações na estrutura de cobrança do
Imposto de Renda, visando oferecer, desta maneira, uma maior justiça social.
A proposta da CRETAD visava promover a modernização dos instrumentos
fiscais, procurando corrigir distorções oriundas da reforma Tributária de 1966, que
como já salientado, delineou o sistema tributário de forma a atender às exigências do
período autoritário. Em segundo lugar, a proposta visava reduzir as desigualdades do
sistema, tornando-o mais progressivo, com reformulações nos impostos diretos e
indiretos. Um terceiro ponto a ser ressaltado em tal proposta é o fato desta reatribuir aos
estados e municípios uma maior autonomia, reforçando, sobremaneira, o Federalismo.
Oliveira (1992) salienta que a proposta da CRETAD propunha, fundamentalmente:
manter os impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação),
mantida a competência da União;
extinção do IPI e criação de imposto sobre o fumo, bebidas e veículos
automotores, de competência da União;
criação de um imposto sobre o comércio varejista de combustíveis, de
competência dos municípios;
reestruturação do ICM;
extinção do salário-educação e do FINSOCIAL, que seria arrecadado pelo
Governo Federal para financiar um programa de descentralização de encargos
para estados e municípios;
reforma do mecanismo de financiamento da Previdência Social;
transferência dos recursos do FINSOCIAL e do salário-educação para o
programa de descentralização.
17
Com o intuito de diminuir as desigualdades entre as esferas subnacionais, a
proposta contemplava a criação de um Fundo de Equalização dos Estados (FEE) e de
um Fundo de Equalização dos Municípios (FEM), que seriam mantidos através de um
repasse percentual das receitas da União. Além disso, para complementar os Fundos de
Equalização, seria criado um Fundo Social que seria formado com recursos da União,
para financiar os gastos de estados e municípios em áreas como Saúde, Educação,
Habitação popular e Saneamento básico. Nos termos de Oliveira (1992, p. 60):
O rateio desse Fundo entre as esferas subnacionais seria definido
consoante o aumento anual da participação dos gastos sociais na
despesa total, com o claro objetivo de incentivar e premiar as
unidades administrativas mais preocupadas com os programas
sociais.
Um aspecto importante da proposta da CRETAD era a que promovia a criação
do Fundo de Descentralização, o qual fomentaria a descentralização de encargos do
Governo Federal para estados e municípios, visando, desta maneira, redistribuir
recursos e promover alterações nas relações federativas. O procedimento era o seguinte:
os estados e municípios apresentariam projetos, pleiteando recursos em áreas que
estavam mais aptos a desenvolver que o Governo Federal. Neste sentido, haveria o
fortalecimento institucional destas instâncias subnacionais, pois aumentaria a
competência destas esferas em determinadas áreas sociais. Tal Fundo teria um caráter
transitório de repasse de recursos, pois seria eliminado no momento em que as
atividades a que foram propostas se consolidassem. No caso dos estados, estes poderiam
aumentar as alíquotas do IVA (Imposto sobre o Valor Adicionado), de forma a atender
suas necessidades financeiras. Segundo Oliveira (1992, p. 61), “recursos e encargos
seriam descentralizados após um período de transição necessário para a adaptação das
estruturas político-institucionais à nova situação”.
Para o autor, além das modificações acima destacadas, a proposta visava uma
maior equidade social, na medida em que promoveria alterações na estrutura de
importantes impostos, como o Imposto de Renda, além de reduzir os impostos
incidentes sobre produtos de primeira necessidade e promover a instituição de impostos
sobre o patrimônio. A proposta da CRETAD sugeria, ainda, uma reestruturação do
Federalismo no país:
18
Estimativas preliminares realizadas pelos técnicos da Comissão,
oriundas das simulações por eles feitas, indicavam um apreciável
fortalecimento financeiro dos estados e municípios. Para se ter uma
idéia dessa melhoria, considerando-se o conceito de recursos
efetivamente disponíveis, isto é, computadas as transferências
intergovernamentais, os estados teriam sua participação aumentada
no total do bolo tributário de 35 para 40%; os municípios de 18 para
21%, enquanto a União veria a sua reduzida de 47 para 39%.
(OLIVEIRA, 1992, p.63).
Com o intuito
de fortalecer o Federalismo, não somente a transferência de
recursos era prevista através da proposta da CRETAD, como também a transferência de
encargos da esfera federal para as entidades subnacionais. Isto porque, com a ampliação
de encargos, segundo Oliveira (1992), aumentaria, conseqüentemente, o poder de
estados e municípios, pois estes poderiam ter maior credibilidade, diante da
obrigatoriedade de intervirem em atividades que antes não eram de sua competência.
A própria faculdade de estados e municípios determinarem a alíquota de seus
tributos, podendo decidir qual seria a melhor alternativa tributária que atendesse aos
objetivos econômicos e sociais, sinalizava a preocupação em resgatar o princípio do
Federalismo. Esta autonomia para definir as alíquotas impediria que fossem geradas
guerras interestaduais, pois o IVA incidiria sobre o consumo, e não sobre a produção.
Além disso, a criação dos fundos de descentralização, de equalização fiscal e de
programas sociais, previstos na proposta da CRETAD, promoveria um espaço maior
para que os representantes de vários setores da sociedade pudessem participar,
juntamente com o poder Legislativo, de todo o processo decisório sobre a alocação dos
recursos públicos, estreitando, desta forma, os laços democráticos de uma nova
sociedade que então emergia. A proposta contemplava, ainda, uma simplificação do
sistema tributário, a medida em que reduzia o número de tributos indiretos, conferindo
ao sistema uma maior progressividade
7
, permitindo ainda contornar diversos problemas
técnicos presentes no sistema tributário, facilitando a administração e fiscalização.
Oliveira (1992, p. 61) descreve, nesta passagem, o que significava a proposta da
CRETAD:
7
Segundo Riani (2002), um sistema tributário é progressivo quando se aplicam maiores percentuais de
impostos para as classes de renda mais alta, distribuindo, portanto, de forma mais igualitária, a renda em
toda a sociedade. Por outro lado, o sistema é regressivo quando tributa fortemente as camadas mais baixas
de renda. Neste caso, quanto menor é o nível de renda, maior é o percentual de imposto a ser pago pelo
indivíduo.
19
Analisada em seu conjunto, a proposta não somente aparecia como
perfeitamente adequada ao estágio de desenvolvimento econômico e
social atingido pelo país, como também atendia aos objetivos de um
novo projeto de sociedade em gestação.
Entretanto, a proposta apresentava algumas imperfeições, caso viesse a ser
aprovada. Em primeiro lugar, Oliveira (1992) destaca que, se os Fundos de
Descentralização e os Fundos Sociais eram importantes, do ponto de vista de melhorias
que poderiam ser trazidas com eles, estes apresentavam, também, em contrapartida,
alguns problemas. Vejamos porquê.
Os estados mais desenvolvidos economicamente estariam mais propensos a
desenvolverem projetos e encaminharem suas reivindicações ao Governo Federal, do
que aqueles estados onde há baixos índices de desenvolvimento econômico e social.
Neste sentido, a proposta assumiria um caráter de injustiça, já que os estados mais
pobres não possuíam uma assessoria técnica adequada para encaminharem seus
projetos, exigindo melhorias em seus territórios. Neste sentido, a proposta deveria
estabelecer mais claramente outros critérios de distribuição para estes fundos.
Um segundo ponto a ser destacado é que a proposta da CRETAD não
proporcionava mudanças no ITR e no IPTU, impostos que poderiam ser utilizados como
instrumentos de desenvolvimento social. O ITR, se reformulado, poderia corrigir
distorções existentes em propriedades rurais, permitindo, desta forma, que os latifúndios
improdutivos fossem taxados de forma intensiva, favorecendo, sobremaneira, a
realização da Reforma Agrária. O IPTU, também ignorado na proposta, se
reestruturado, poderia ser transformado em imposto progressivo, contribuindo, assim,
para o princípio da equidade e como instrumento do desenvolvimento social.
Neste sentido, observa-se que, embora a proposta apresentasse algumas
imperfeições, ela contribuía para solucionar algumas lacunas do sistema tributário
brasileiro; observava-se, contudo, que diversos eram os pontos que necessitavam de
uma remodelação, a fim de tornar o aparelho arrecadador mais equilibrado em relação
aos tributos. A seguir será detalhado o processo de debate em torno de algumas
propostas, discutidas nas Comissões formadas durante o período em que a Assembléia
Constituinte esteve reunida.
20
1.1. Os debates na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e
Finanças, na Comissão de Sistematização e no Plenário durante a
Constituinte
Com o intuito de tornar o processo de apreciação das propostas mais ágil e
eficiente, convencionou-se dividir os trabalhos da Assembléia Constituinte em
comissões temáticas, que eram em número de oito.
8
A Comissão do Sistema Tributário,
Orçamento e Finanças teve como Presidente o antigo ministro da fazenda, Francisco
Dornelles e como Relator, José Serra; era formada por 63 parlamentares, dos quais,
segundo Oliveira (1992), 40% eram nordestinos. Esta Comissão se desmembrou,
dividindo-se em três subcomissões para a elaboração dos trabalhos: Tributos,
Orçamento e Sistema Financeiro.
O trâmite dos projetos era o seguinte: os projetos deveriam obter aprovação em
sua respectiva Subcomissão, para serem enviados, então, ao Relator da Comissão, no
caso, José Serra. Este Relator encaminharia o projeto para uma Comissão Temática,
onde receberia aprovação, sendo destinado, posteriormente, à Comissão de
Sistematização
9
; passando por todas estas fases, o intento era apresentado ao Congresso,
para apreciação ou rejeição. Segundo Oliveira (1992, p. 79), na época da aprovação do
Substitutivo
10
, José Serra fez uma avaliação acerca dos rumos dos trabalhos na
Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças:
Durante muito tempo, imaginou-se que a Assembléia encarregada de
definir uma nova ordem jurídica para o país seria monopolizada pelo
permanente confronto entre progressistas e conservadores, esquerda e
direita. Nos últimos dias, sem que se pudesse aplicar aos participantes
dos debates quaisquer dos chavões ideológicos, um novo divisor de
águas emergiu no rastro de uma das mais antigas pendengas da
política brasileira: a questão regional.
8
As Comissões Temáticas eram as seguintes: Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do
Homem e da Mulher; Organização dos Poderes e Sistema de Governo; Sistema Tributário, Orçamento e
Finanças; Ordem Econômica; Ordem Social; Comissão de Família, Esportes, Comunicação, Ciência e
Tecnologia; Organização do Estado; Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das
Instituições.
9
A Comissão de Sistematização tinha a função de compatibilizar os projetos das várias comissões
temáticas.
10
O Substitutivo é um relatório que contém Emendas, substituindo, portanto, um texto anterior,
desprovido destas.
21
E ainda, Souza (C., 2001, p. 533) destaca o depoimento de Osmundo Rebouças,
parlamentar constituinte:
O ambiente na Comissão era emocional e irracional. Eu presenciei
cenas deprimentes. Um dos debates mais acirrados deu-se em torno
dos percentuais do FPE e do FPM. Os Constituintes dos estados
menos desenvolvidos lutavam para que eles fossem os mais altos
possíveis e os dos mais desenvolvidos os mais baixos. Para se chegar
a um acordo, a cesta de trocas foi enorme, incluindo o aumento da
bancada paulista no Congresso.
11
O momento era preocupante, pois se os parlamentares constituintes estavam
pressionados por questões regionalistas, o sistema tributário poderia nascer totalmente
desfigurado, ameaçando, futuramente, o equilíbrio federativo. Entretanto, os
Constituintes priorizaram a questão regional, polarizando os debates no Congresso e
relegando ao segundo plano, questões importantes, impedindo, desta maneira, que uma
profunda reforma no sistema tributário fosse realizada. Oliveira cita, mais uma vez, um
discurso do relator José Serra, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, na época
da Constituinte:
Eu acho que nós vamos ter uma reforma do sistema tributário
bastante razoável. Não é aquele que se deseja, porque entre desejo e
realidade há um caminho muito complexo e um entendimento
político de diversidades regionais, de problemas dentro da federação
extremamente difíceis de serem transpostos. (OLIVEIRA, 1992, p.
82).
E
ntre as Subcomissões formadas, a mais disputada foi a referente aos Tributos e
haviam evidências claras de uma disputa aberta entre os estados do Norte e Nordeste, de
um lado, e do Sul e Sudeste, de outro, prevalecendo a dicotomia entre “estados pobres”
e “estados ricos”. As discussões eram pautadas pela tentativa de recuperar a autonomia
fiscal dos estados, descentralizando recursos da União. Os principais pontos debatidos e,
posteriormente, incluídos ao projeto final aprovado, foram:
Possibilidade de criação de novos tributos, tanto pela União, quanto por estados
e municípios, desde que os impostos de competência estadual não concorressem
com os da União;
11
Souza (2001), através de Unafisco, 1992.
22
Concessão de empréstimos compulsórios aos estados e Distrito Federal, em
casos de despesas provocadas por calamidade pública, mediante lei aprovada por
maioria absoluta das duas esferas;
Ampliação da tributação tanto a estados como para municípios. Haveria
mudanças no ICM, que passaria a absorver cinco impostos federais (ISC, ISTR,
IUCL, IUEE e IUM), além do ISS, municipal. Para compensar a perda do ISS,
os municípios aumentariam sua arrecadação de 20% para 25%, agora sobre o
novo ICMS.
Além disso, obedecendo aos critérios de descentralização de recursos, foram
ampliadas as parcelas destinadas aos Fundos de Participação de estados e municípios,
criados com o intuito de tornar mais equilibradas as contas destas esferas. Antes da
Constituinte, estes Fundos - formados com recursos do IR e do IPI - eram assim
distribuídos: 14% dos recursos totais eram destinados aos estados, 17% aos municípios,
e 2% iam para o Fundo Especial, que beneficiaria as regiões menos desenvolvidas.
Todavia, a Subcomissão do Sistema Tributário pretendia o aumento destes índices, para
18,5% para os recursos destinados a estados, 22,5% para os municípios, mantendo os
mesmos 2% para o Fundo Especial. Uma tentativa, portanto, de aumentar a receita das
entidades subnacionais.
Entretanto, o conflito entre os estados se acirrou devido à aprovação dos critérios
de partilha do FPE, que passariam a descartar, a partir de então, aquelas regiões com
renda superior à média nacional de serem beneficiários, favorecendo, portanto, os
estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em detrimento do Sul e Sudeste. Todavia,
Oliveira (1992) destaca outros momentos em que as questões regionais exerciam
influência sobre os debates:
Na Subcomissão de Orçamento, que também teve como relator um
representante do Nordeste, o deputado José Muniz Maia, aprovou-se
uma proposta que garantia a aplicação de 31,97% dos recursos
orçamentários na região Nordeste, enquanto estabelecia a destinação
de 25,65% ao Sudeste. Já na Subcomissão do Sistema Financeiro,
essa tendência se confirmava com a aprovação de um artigo que
proibia a realização de depósitos bancários de recursos oriundos das
regiões menos desenvolvidas para as mais ricas. (OLIVEIRA, 1992,
p. 88).
23
O conflito era latente, tanto por pressões por maiores recursos a diferentes
regiões, quanto por transferências mais amplas a estados e municípios. Neste sentido,
para compensar as perdas nos estados mais desenvolvidos, a Subcomissão de Tributos
decidiu que estes disporiam de recursos do Fundo de Exportação, baseado na
arrecadação do IPI, mais a cobrança de 5% do IR, da União. Nota-se, portanto, que as
duas esferas seriam responsáveis pela cobrança de um mesmo imposto, instituindo a
chamada “competência compartilhada”, inexistente na Constituição anterior.
Com relação aos municípios, a fim de minimizar as pressões exercidas por seus
representantes legais, negociou-se o repasse do Imposto de Transmissão de Bens
Imóveis inter-vivos (ITBI), já que esta entidade perderia a arrecadação do ISS, que se
integraria ao novo ICMS; além disso, era previsto aos municípios a elevação da
participação em 50% na arrecadação do ICMS, que antes era previsto em 25%.
O relatório referente à Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças
foi aprovado no dia 12/06/1987, sendo então encaminhado à Comissão de
Sistematização, onde seria novamente avaliado e possivelmente, emendado. Esta
Comissão de Sistematização da Constituinte era formada por 93 parlamentares, dos
quais o deputado Afonso Arinos era o presidente e o senador Bernardo Cabral, o relator.
Os parlamentares que compunham esta Comissão também faziam parte das oito
Comissões Temáticas do processo constituinte, contando ainda, a Comissão de
Sistematização, com a participação dos vinte e quatro Relatores das Subcomissões.
Reunida de junho a novembro de 1987, o projeto elaborado por esta Comissão
pautava-se por respeitar o princípio da equidade, procurando diminuir as desigualdades
sociais. As discussões foram as seguintes:
O Imposto Territorial Rural (ITR) deveria desestimular as terras improdutivas,
devido ao aumento de suas alíquotas;
Haveria a restrição de incidência do IR estadual aos lucros das empresas,
retirando os rendimentos assalariados;
A criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), representava uma tentativa
de diminuição das desigualdades sociais.
24
Apesar de visar uma melhoria no sistema tributário, observa-se, contudo, que
nenhuma alteração substancial foi realizada na Comissão de Sistematização, na seção
que tratava do Orçamento e do Sistema Financeiro; desta maneira, os projetos
aprovados nesta Comissão foram, então, encaminhados ao Plenário, para aprovação
final.
A votação em Plenário da nova Carta Constitucional mantinha, ainda, alguns
pontos sem o devido consenso. Uma das grandes discussões relacionava-se com o fato
de a União descentralizar alguns de seus recursos, mas permanecendo com seus
encargos; outro ponto polêmico referia-se ao IR estadual, que poderia afetar as regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, pois a distribuição de tal tributo obedeceria ao
princípio da competência compartilhada, o que poderia gerar conflitos tributários com
as regiões Sul e Sudeste.
Muitos analistas faziam especulações acerca do processo constituinte, que
segundo os quais, seria marcado por posições partidárias ou ideológicas, entre esquerda
e direita, entre progressistas e conservadores. Entretanto, nada disso ocorreu; o que
ficou latente foi a pressão de parlamentares pela descentralização de recursos da esfera
da União, para estados e municípios, colocando no centro das discussões e prioridades,
a questão regional, levando alguns parlamentares a travarem verdadeiras contendas em
nome dos territórios aos quais representavam.
Com o fim dos trabalhos das Comissões e Subcomissões e apesar de alguns
contragostos, a nova Constituição foi promulgada no dia 05/10/1988, encerrando o
período de transição para a democracia, iniciado com a queda do regime militar no
Brasil e inaugurando um novo sistema tributário, cujas características serão analisadas
no item abaixo.
25
2. O sistema tributário na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 alterou substancialmente a distribuição da
competência tributária entre as esferas de governo, tendo como característica
fundamental a descentralização de recursos da União, para estados e municípios. Surgia
num momento muito específico da sociedade brasileira, que estava há muito tempo
mergulhada no duro regime militar, que destituía e desrespeitava várias garantias
individuais. Entretanto, segundo Oliveira (1992, p.117),
O novo texto constitucional representa de longe, um grande avanço
em relação ao anterior no tocante à explicitação de princípios
universalmente consagrados nas sociedades democráticas, que têm o
condão de informar e estabelecer as relações Estado/cidadão,
inibindo abusos, que pudessem vir a ser cometidos pelos governantes,
e reafirmando o tratamento igualitário a ser concedido aos membros
que compõem a sociedade.
Todavia, mesmo com todas as críticas em torno da Constituição de 1988,
convém iniciarmos a discussão sobre as modificações introduzidas com esta Nova
Carta, analisando a composição do sistema tributário. A estrutura tributária anterior,
datada de 1964, era composta de 16 impostos; com a constituição de 1988 esse número
diminuiu para 14. Os impostos que permaneceram foram os seguintes:
Importação
Exportação
Renda
Propriedade territorial rural
Produtos industrializados
Operações financeiras
Veículos automotores
Propriedade territorial urbana
Serviços de qualquer natureza
Foram extintos sete impostos, a saber:
Transporte rodoviário
Serviços de comunicações
Combustíveis e lubrificantes
26
Energia elétrica
Minerais
Circulação de mercadorias
Transmissão de bens imóveis
Em contrapartida, foram criados cinco impostos, pela Constituição de 1988:
Grandes fortunas
Circulação de mercadorias e serviços
Transmissão “causa mortis”e doação
Transmissão de bens imóveis “inter-vivos”
Vendas de combustíveis a varejo.
É necessário ressaltar que o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
(ICMS) sofreu uma reestruturação, onde absorveu seis impostos federais: ICM, ISTR,
ISC, IULC, IUEE, IUM. Esta mudança visava a criação de um imposto sobre o Valor
Agregado, de base ampla, moderno e produtivo, que substituísse os impostos em
cascata. A Tabela 2 ilustra de forma clara, a nova estrutura tributária na Constituição de
1988:
27
TABELA 2
A Estrutura Tributária Brasileira:
Anterior e Constituição de 1988
Estrutura Anterior Constituição de 1988
1. Impostos:
Importação
Exportação
Renda
Propriedade Territorial Rural
Produtos Industrializados
Operações Financeiras
Transportes Rodoviários
Serviços de Comunicações
Combustíveis e Lubrificantes
Energia Elétrica
Minerais
Circulação de Mercadorias
Transmissão de Bens de Imóveis
Veículos Automotores
Propriedade Territorial Urbana
Serviços de qualquer natureza
2. Taxas
3. Contribuição de Melhorias
1. Impostos:
Importação
Exportação
Renda
Propriedade Territorial Rural
Produtos Industrializados
Operações Financeiras
Grandes Fortunas
Transmissão “causa mortis” e doação
Circulação de Mercadorias e Serviços
Veículos Automotores
Propriedade Territorial Urbana
Transmissão de Imóveis “inter-vivos”
Vendas a varejo de combustíveis
Serviços de qualquer natureza
2. Taxas
3. Contribuição de Melhorias
Esta nova Carta Constitucional promoveu algumas alterações positivas, que
convém ressaltarmos: o Imposto de Renda, por exemplo, sofreu importantes
28
modificações, que favoreceram sua expansão, pois segmentos da sociedade isentos na
Constituição anterior, passavam a serem taxados, como é o caso dos militares,
magistrados e parlamentares. Este imposto baseou-se no princípio da isonomia,
corrigindo falhas da Constituição anterior. Assim, com todas estas alterações, estimava-
se um aumento de 4% do PIB e, se a sonegação fosse combatida, este índice poderia
crescer ainda mais.
Com relação à distribuição dos tributos diretos e indiretos, algumas
modificações foram promovidas, com a Constituição de 1988
12
: a antiga estrutura
possuía cinco impostos diretos e onze indiretos; a nova Carta buscava um equilíbrio
entre as duas categorias de tributos. Uma importante novidade no novo Texto é a
criação do tributo direto sobre grandes fortunas (IGF) que, embora apresentasse muitas
dúvidas com relação à arrecadação, representava um instrumento amenizador das
desigualdades sociais.
O IR, além de taxar como já salientado, segmentos da sociedade anteriormente
isentos, passava a incidir também sobre aplicações financeiras, como bolsa de valores,
bolsa de mercadorias, rendimentos de poupança, respeitando o princípio da igualdade,
pois o texto denomina que é proibido “o tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, vetada qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica
dos rendimentos, títulos ou direitos”. (Constituição Federativa do Brasil).
Mudanças importantes eram almejadas com a reformulação do imposto sobre
herança, ou imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação, que representava
uma possibilidade de maior justiça social, na medida em que outrora, várias fontes de
renda e riqueza não eram tributadas. O Imposto Territorial Rural (ITR) procurou
também alterar positivamente a estrutura agrária do país, na medida em que o aumento
de suas alíquotas desestimulava as terras improdutivas, fonte de desigualdade social.
12
Os impostos diretos derivam do trabalho (salários, ordenados, honorários, etc), bem como a herança de
bens, etc. Os impostos indiretos incidem sobre a produção e utilização de bens e serviços. Enquanto os
diretos incidem sobre as pessoas e seus níveis de rendimento e propriedade, sendo por este motivo
considerados progressivos, os indiretos, paralelamente, são ditos regressivos, pois o valor pago pelo uso
de um bem ou serviço, é taxado indistintamente, não levando em consideração os rendimentos dos
contribuintes.
29
A tabela 3 demonstra detalhadamente, a distribuição dos tributos diretos e
indiretos:
TABELA 3
A Nova Estrutura
Impostos Diretos e Indiretos
Diretos Indiretos
Renda
Grandes Fortunas
“Causa mortis” e doação
Territorial Rural
Predial Urbano
“Inter-vivos”
Veículos Automotores
Importação
Exportação
Produtos Industrializados
Operações Financeiras
Circulação de Mercadorias e Serviços
Vendas a Varejo de Combustíveis
Serviços de qualquer natureza
Observa-se, entretanto, que, embora apresentasse algumas debilidades, a
Constituição de 1988, fruto de complexos interesses políticos envolvidos, procurava
tornar o sistema tributário mais progressivo, melhorando a distribuição de renda na
sociedade, tornando mais igualitária a cobrança de tributos. Procurava, acima de tudo,
contornar vários problemas e distorções oriundas da Constituição anterior.
2.1. A distribuição de recursos e encargos na Constituição de 1988
A tentativa de equilíbrio entre as esferas que compõem o Federalismo é uma das
peças centrais para que sejam atingidos os princípios de uma sociedade verdadeiramente
democrática, principalmente em países como o Brasil, que apresenta gritantes
desigualdades econômicas e sociais. Neste sentido, o consenso era a palavra-chave no
momento constituinte, a fim de que houvesse negociações entre os constituintes, com
interesses distintos, para uma configuração que trouxesse à tona uma federação capaz de
30
atender aos anseios de seus três níveis de governo, ou seja, um equilíbrio entre União,
estados e municípios.
Uma das características da Constituição de 1988 foi a grande descentralização de
recursos que a mesma promoveu; no entanto, alguns analistas apontam para o fato desta
não ter se preocupado, em contrapartida, com a descentralização de encargos,
preocupação, aliás, contida na proposta da CRETAD. Neste sentido, Oliveira (1992)
destaca que, com relação ao pacto federativo, a Constituição de 88 não se diferencia
muito da de 1967, uma vez que apenas inverte as regras do jogo: enquanto que no
período autoritário havia grande concentração de recursos na órbita da União, na
transição para a democracia, houve a descentralização destes recursos para estados e
municípios. Desta forma, segundo o autor, nenhuma estruturação profunda ocorreu,
apenas inverteram-se as “regras do jogo”. Cabe analisarmos, pois, os efeitos da nova
Carta Constitucional para o redesenho do Federalismo e do sistema de arrecadação
tributária, ou seja, seus avanços e seus retrocessos.
A Constituição de 1967 restringia a capacidade de autonomia de estados e
municípios. Neste sentido, um dos desafios da nova Constituição seria a ampliação da
autonomia financeira de entidades subnacionais, delegando a estas, principalmente,
incentivos para a geração de recursos próprios, adquirindo, desta maneira, uma certa
autonomia financeira com relação à União. O Gráfico 1 evidencia a evolução das
receitas próprias de cada ente subnacional, a partir da Constituição de 1988:
31
GRÁFICO 1
Receita própria por esfera de Governo:
Fonte: Affonso, 1995.
Analisando o gráfico acima, podemos compreender que houve alguns avanços
em termos de arrecadação própria de recursos a estados e municípios, nos anos
posteriores à promulgação da nova Constituição. Assim, observa-se, que os entes
subnacionais tiveram suas receitas individuais aumentadas, o que proporcionou uma
relativa independência financeira, com relação à União, para o financiamento dos seus
projetos, considerados prioritários. Um segundo aspecto que convém ressaltar é com
relação à competência tributária em cada esfera da federação. Com a Constituição de
1993
Estados
27%
M unipio
s
5%
União
68%
Estados
M unipios
União
1988
Estados
26%
Municípios
3%União
71%
Estados
M unipios
União
1980
Estados
22%
Municípios
3%
União
75%
Estados
Municípios
União
32
88, os municípios ampliaram o número de seus tributos, de dois para quatro, os estados
permaneceram com três, enquanto a União reduziu seus onze impostos para sete.
No caso dos estados, apesar de terem permanecido com o mesmo número de
impostos, pode-se dizer que apresentaram substancial amplitude na arrecadação, já que
a nova estrutura ofereceu a esta esfera, a participação no ICMS, um tributo que possui
uma base fiscal ampla, e considerável fonte de arrecadação, uma vez que é resultado da
fusão de outros seis impostos. Entretanto, com relação à União, pode-se dizer que esta
esfera contou com um corte significativo em suas receitas, pois perdeu os impostos:
ISTR, ISC, IUCL, IUEE e IUM (fundidos ao novo ICMS), ganhando, com a nova
Carta, o IGF, mantendo ainda o IPI, IOF, II e IEX. Além disso, a União passou a ter o
direito de contrair o empréstimo compulsório, para o atendimento de despesas com
calamidade pública. A Tabela 4 ilustra a distribuição de recursos, em cada esfera
federativa, com a Constituição de 1988:
33
TABELA 4:
A Distribuição das competências tributárias:
Anterior Constituição de 1988
UNIÃO
Importação
Exportação
Renda
Propriedade Territorial Rural
Produtos Industrializados
Operações Financeiras
Transportes Rodoviários
Serviços de Comunicações
Combustíveis e Lubrificantes
Energia Elétrica
Minerais
Taxas e Contribuição de Melhorias
ESTADOS
Circulação de Mercadorias
Transmissão de Bens Imóveis
Veículos Automotores
Taxas e Contribuição de Melhorias
MUNICÍPIOS
Propriedade Territorial Urbana
Serviços
Taxas e Contribuição de Melhorias
UNIÃO
Importação
Exportação
Renda
Propriedade Territorial Rural
Grandes Fortunas
Produtos Industrializados
Operações Financeiras
Taxas e Contribuição de
Melhorias
ESTADOS
Circulação de Mercadorias e Serviços
Transmissão “causa mortis” e doação
Veículos Automotores
Taxas e Contribuição de Melhorias
MUNICÍPIOS
Transmissão de Bens Imóveis “Inter-
vivos”
Propriedade Territorial Urbana
Serviços
Venda de Combustíveis a Varejo
Taxas e Contribuição de Melhorias
Neste sentido, autores como Oliveira (1992), apesar de possuírem algumas
ressalvas, observa de forma positiva o novo sistema tributário, oriundo da Constituição
de 1988:
34
Do que procede – e embora algumas críticas fossem tecidas à nova
estrutura – pode-se afirmar, sem receio de incorrer em equívocos, que
a distribuição de competência no novo texto constitucional, afigurou-
se bem mais equilibrada do que a anterior, repontando de forma
positiva para a recuperação do equilíbrio federativo no Brasil.
(OLIVEIRA, 1992 p. 149).
Entretanto, algumas lacunas permaneceram na Constituição de 88. Esta não
incorporou, por exemplo, a sugestão da criação do Fundo de Equalização Tributária e
do Fundo Social, contidos na proposta da CRETAD. Optou-se, mais uma vez, pelo
caminho mais fácil, que foi o de ampliar a participação de estados e municípios nas
receitas do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, sem,
contudo, promover uma reestruturação para que tais Fundos fossem criados.
Um outro ponto muito discutido por analistas do tema, aponta para o fato de a
Constituição de 88 promover um corte substancial nas receitas da União. Oliveira
(1992, p. 158) fornece alguns dados que são ilustrativos desta questão:
Numa perspectiva mais otimista, a União teria a sua participação
reduzida de 44,6% em 1985 para 36,5%, enquanto os estados
aumentariam a sua de 37,2% para 40,7% e os municípios de 18,2%
para 22,0%. (...) não se podia negar, entretanto, que, nessa estrutura, a
União inevitavelmente perderia posição para as esferas subnacionais.
Além de haver uma diminuição dos impostos de competência da União, como já
salientado acima, a criação dos Fundos de Participação dos estados e municípios foi
também responsável pela perda da receita do Governo Federal.
A questão da diminuição dos tributos da União tem, na verdade, outros
desdobramentos. Muitos analistas defendem a idéia de que a Constituição de 1988
promoveu a descentralização de recursos, mas não de encargos, ou seja, a União teria
redistribuído parcela de seus recursos a estados e municípios, mas, em contrapartida,
permaneceria com gastos em áreas como Saúde, Educação, Cultura, entre outras.
Embora o Novo Texto Constitucional tenha explicitado a municipalização de alguns
serviços básicos, este abriu lacunas e deixou dúvidas com relação aos encargos
referentes à União, complicando, desta maneira, a situação das finanças federais.
Oliveira (1992) fornece-nos alguns dados sobre essa questão:
35
À redução das receitas do Governo Federal contrapôs-se,
paradoxalmente, uma elevação de suas despesas (aumento do
percentual destinado à educação de 13 para 18%; gastos com a
criação de novos estados; ampliação de recursos vinculados à saúde,
assistência à família e à criança, etc), indicando que poderia se
aprofundar a crise fiscal e financeira em que se encontra ele
mergulhado. (OLIVEIRA, 1992, p. 160).
Entretanto, há autores que não corroboram tal argumentação. Para Affonso
(1995), por exemplo, haveria uma meia verdade nas afirmações acima. Segundo o autor,
De fato, como conseqüência da ampliação da capacidade financeira
dos governos subnacionais, aumentou significativamente a sua
participação no total da despesa pública. Os estados e municípios
respondem hoje por cerca de 80% da inversão pública e 67% do
consumo corrente. O Governo Federal, por sua vez, concentra a
responsabilidade dos gastos com a Previdência Social (80,4% do
total) e do pagamento dos juros das dívidas interna e externa (81% do
total); porém, os indicadores físicos e financeiros disponíveis
mostram uma elevação importante na participação de estados e
municípios no gasto social total, e uma diminuição da participação da
União. (AFFONSO, 1995, p. 65).
O gráfico abaixo vem referendar o suposto de Affonso, demonstrando que, em
certos setores, as esferas subnacionais assumem maiores encargos, embora de maneira
diferenciada, em cada região.
36
GRÁFICO 2
Brasil
Gastos Sociais por Função - Média 1989-1991
Fonte: Affonso, 1995.
Convém destacar que a participação na despesa total do setor público pelas
entidades subnacionais alcança a cifra de 49% no Brasil, superando os países
desenvolvidos como os Estados Unidos e a Alemanha, que dispõem de uma tradição
longa de descentralização. O gráfico abaixo ilustra, o gasto público total, nos EUA,
Alemanha e Brasil:
Saúde
Estados
28,1%
Municípios
15,4%
União
56,5%
Estados
Municípios
União
Educação e Cultura
Estados
45,2%
Municípios
23,8%
União
31,0%
Estados
Municípios
União
37
GRÁFICO 3
Gasto Público Total em Países Selecionados
Fonte: Affonso, 1995.
O interessante é observar nestes dados como há divergências quanto ao tema da
descentralização, tanto com relação à descentralização de encargos, como de recursos.
Entretanto, esse cruzamento de informações é de fundamental importância para que
possamos observar, através de diversas correntes de pensamento, a questão da relação
existente entre os entes da federação.
EUA (1990)
Estados
26,9%
Munipios
23,6%
Gov. Federal
49,5%
Estados
Municípios
Gov. Federal
ALEMANHA (1989)
Estados
27,0%
Municípios
18,7%
Gov.
Federal
54,3%
Estados
Municípios
Gov. Federal
BRASIL (Média 1990-92)
Estados
32%
Munipios
17%
Gov.
Federal
51%
Estados
Munipios
Gov. Federal
38
A descentralização de encargos, como já salientado acima, abriu uma lacuna no
novo Texto Constitucional, e diversas dúvidas surgiram, quanto à competência de
funções. Neste sentido, Dain (1988) ressalta esta situação de confusão:
Pouco se avançou na concepção de um equilíbrio federativo, que
significasse também um ganho de equidade, em termos das relações
interpessoais. Nem pela ótica dos tributos, nem pelo aperfeiçoamento
dos mecanismos redistributivos, é possível antever a possibilidade de
universalização de uma política de necessidades básicas. Ao
contrário, destacam-se as tendências para o descomprometimento da
União com o financiamento e execução de políticas sociais,
justificada pela diminuição de seus recursos, e a total ausência de
princípios, diretrizes e definições em torno da descentralização de
encargos. (DAIN, 1988, p. 125).
Neste sentido, uma Reforma Tributária sistemática, exige, em contrapartida, a
definição do papel do Estado, distribuindo devidamente os encargos entre as esferas
para, posteriormente, estabelecer os níveis adequados de tributação à União, estados e
municípios. A partir deste ponto, é necessário definir a incidência dos tributos, o que
depende da resolução da questão distributiva. Rezende (1991) atenta para o fato de que
é necessário o estabelecimento de um plano estratégico, de forma a conduzir
adequadamente a Reforma, a fim de que esta não cause prejuízos ainda maiores para os
orçamentos estaduais e municipais. O autor destaca que qualquer projeto de Reforma
Tributária que não seja bem elaborado pode prejudicar ainda mais um cenário já
confuso, citando o exemplo da desoneração das exportações, defendida pela
Constituição de 88. Segundo ele, “estimativas realizadas por técnicos estaduais
indicam que a receita estadual proveniente da tributação das exportações de produtos
primários e semi-elaborados alcança a cifra de 1,5 bilhões de reais” (REZENDE,
1991, p. 34). Assim, as perdas causadas pelas desonerações seriam bastante
significativas, afetando a receita de cerca de sete estados da federação, como ressaltam,
também, Azevedo e Melo (1997), através dos dados da Tabela 5:
39
TABELA 5
Desoneração das Exportações
Estimativa das Perdas dos Estados
Estado
% perdas
Estado
% perdas
Acre 0,98 Minas Gerais 10,14
Amazonas 1,55 Espírito Santo 22,01
Pará 34,84 Rio de Janeiro 3,09
Rondônia 3,30 São Paulo 2,73
Amapá 28,46 Paraná 13,03
Roraima 0,74 Santa Catarina 5,32
Tocantins 0,49 R. G. do Sul 7,50
Maranhão 15,12 Mato Grosso 10,19
Piauí 1,12 M. G. do Sul 6,14
Ceará 3,78 Goiás 4,03
R. G. do Norte 4,06 Distrito Federal 0,08
Paraíba 0,52 Sergipe 0,72
Pernambuco 1,87 Bahia 4,44
Alagoas 8,37
Fonte: Azevedo; Melo, 1997.
Através dos dados da tabela acima, pode-se perceber que estados exportadores
como Pará, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso, Maranhão, Paraná e Minas Gerais são
os mais afetados pelas desonerações, estimando perdas intensas em suas receitas. Esta
questão será detalhada com maior profundidade no capítulo 4.
Portanto, observa-se que o campo de ação das políticas tributárias é
primordialmente, um espaço onde se confrontam vários interesses, e desse embate,
sempre saem vencedores e perdedores. É necessário, então, que o debate acerca das
possíveis reformas que vierem a ser implementadas, sejam norteadas pelo consenso das
diversas forças sociais do país. Nos termos de Oliveira (1992, p. 205):
O caminho deve ser percorrido para evitar que a visão paroquial de
interesses regionais e a negociação varejista de proposições que
visem atender a interesses particulares, concorram para a ocorrência
40
de surpresas desagradáveis. Nesse sentido, a deflagração do processo
de reforma tributária deve ser acompanhada da instituição de um foro
próprio para a discussão das propostas, a avaliação de posições, o
mapeamento dos conflitos e as margens de negociação.
Evidencia-se, contudo, a dificuldade para a implantação de uma reforma capaz
de corrigir as distorções existentes no sistema tributário nacional.
3. Conclusões Preliminares
A partir dos anos 60, até meados dos 70, o Estado interveio fortemente na
economia, no acelerado processo de desenvolvimento econômico do país, ou o chamado
“milagre econômico”. Neste sentido, a concentração de recursos tributários pelo
Governo Federal promoveu grandes distorções no aparelho tributário, fragilizando o
orçamento de estados e municípios, que, a partir de então, tiveram seus recursos
reduzidos, com a conseqüente perda de sua capacidade de gasto. Dentro deste contexto,
a Reforma Tributária implantada em 1966 era utilizada como financiadora deste
processo de crescimento, ajustando-se ao novo padrão de competição internacional:
Os objetivos da Reforma Tributária traziam importantes implicações,
sobretudo por centralizarem, na esfera da União, as decisões a
respeito do modo de aplicar os recursos estaduais e municipais, a fim
de compatibilizá-los com as metas do desenvolvimento nacional.
Além disso, essa centralização consubstanciava-se na transferência de
alguns impostos para a competência da União, no controle sobre as
alíquotas dos impostos estaduais (as alíquotas do então ICM
passaram a estar subordinadas à decisão do Senado Federal) e no veto
às outras esferas de governo para decretação de novos impostos.
Portanto, a centralização envolvia a concentração dos recursos, da
competência quanto à arrecadação e da própria administração dos
recursos transferidos, em prejuízo dos estados e dos municípios que
tiveram suas bases tributárias reduzidas. (BOVO, 1999, p. 69).
A Reforma Tributária representava, pois, naquele momento, um instrumento de
política econômica, de forma a garantir uma maior concentração de recursos para o
setor público, os quais seriam empregados em áreas que o governo central julgasse
prioritárias, contribuindo, neste sentido, para o crescimento econômico do país.
Entretanto, se, por um lado, tal Reforma garantia a expansão do crescimento, por outro,
proporcionava a deterioração das contas de estados e municípios, o que, a longo prazo,
traria implicações para o governo central, causando distúrbios no funcionamento do
próprio equilíbrio federativo.
41
Além disso, entre os anos de 1968 a 1976 os Fundos de Participação de estados e
municípios foram reduzidos, promovendo uma diminuição considerável nas receitas
destas esferas, uma vez que estas transferências tinham um peso significativo em seus
orçamentos, principalmente em estados e municípios menos dinâmicos. Contribuiu para
o agravamento da situação dos municípios, principalmente, o fato de haver um grande
adensamento urbano, conseqüência das transformações ocorridas principalmente na
agricultura e na indústria, o que implicava num aumento da demanda por serviços
públicos
13
. “As despesas cresceram, sem que os municípios tivessem capacidade de
arrecadação compatível”. (BOVO, 2001, p. 72).
O II Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo Geisel (1974-1978)
aprofundou os conflitos existentes na sociedade brasileira, principalmente entre o
empresariado brasileiro e o Estado autoritário, pois a estatização representava um perigo
para os primeiros. O desgaste dos laços do Estado com a sociedade brasileira associado
à crise econômica fortaleciam a corrente dos adeptos à volta da democracia.
Concomitantemente a estes problemas, o sistema tributário que até então era utilizado
para o financiamento do crescimento acelerado do país, demonstrava-se insuficiente
para gerar recursos e para contribuir para tal processo.
Algumas alterações no sistema tributário começaram a ser discutidas, por
iniciativa do Congresso Nacional, demonstrando a insatisfação com a centralização e
com o regime autoritário. Tratam-se das Emendas Passos Porto e João Calmon. A
primeira, detalhada acima, propunha o aumento da participação de estados e municípios
no montante arrecadado, promovendo, desta maneira, mudanças no Federalismo. De
acordo com Bovo (1999), a Emenda João Calmon, por sua vez, determinava o repasse
de 13% do orçamento da União para a Educação, sendo que para os estados e
municípios, o percentual foi estabelecido em 25%. Tais Emendas sinalizavam que
mudanças estavam por acontecer na sociedade brasileira, que passava por um momento
bastante conturbado:
13
No início dos anos 70, segundo Bovo (2001), modernas indústrias começam a serem instaladas no
interior, através de vários incentivos fiscais concedidos, desenvolvendo um processo de urbanização
rápido e caótico. Neste sentido, estes municípios passam a, de um lado, obter crescimento pela vinda de
tais indústrias, mas por outro lado, devem arcar, a partir de então, com uma demanda crescente por
serviços públicos. Aliados às distorções no sistema tributário, ao aumento da demanda por melhores
serviços públicos e pelo centralismo fiscal, os municípios brasileiros passam a conviver com uma crise
financeira grande e com a escassez de seus recursos.
42
O agravamento da crise financeira do Estado brasileiro, além de seus
componentes políticos, passava a ser preocupante do ponto de vista
social, desde que impunha limites à ação governamental. Tais limites
rebatiam cada vez mais tanto na quantidade como na qualidade dos
serviços públicos, reduzindo a capacidade de realização das políticas
públicas. A grave crise fiscal da União implicava na recomposição de
suas receitas tributárias e, por sua vez, a precária situação financeira
dos estados e municípios só poderia ser revertida no âmbito de uma
profunda e urgente reforma tributária que conseguisse restaurar suas
finanças e repor sua autonomia, por meio da descentralização das
decisões e dos recursos tributários. (BOVO, 1999, p. 79-80).
Como já ressaltado, a estrutura tributária aprovada com a Constituição de 1988,
promoveu maior autonomia para estados e municípios, mas em contrapartida, não
contribuiu para a configuração de um novo Federalismo. A necessidade da
descentralização traduziu-se na defesa por maior participação nas receitas da União,
aguçando os desequilíbrios existentes no Federalismo brasileiro, a medida em que
fomentava uma repartição cada vez maior das receitas fiscais. Este processo acentuou os
desequilíbrios entre as unidades federativas, uma vez que os critérios de partilha não
foram alterados.
Neste sentido, entre os problemas não resolvidos pela nova Constituição,
encontrava-se o da equalização fiscal, ou seja, de medidas que tinham por objetivo
reduzir as desigualdades entre entidades subnacionais e entre regiões. Desigualdades
que podem ser verificadas quando analisamos a distribuição dos Fundos de Participação
dos estados, por exemplo. Segundo Bovo (1999), as regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste possuem 85% de participação neste Fundo, enquanto que o Sul e o Sudeste
permanecem com 15% da participação. Os estados favorecidos com os recursos do FPE
são Bahia, Ceará, Maranhão e Pernambuco, enquanto que os menores coeficientes de
partilha se concentram em São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Espírito
Santo. O autor fornece-nos alguns dados que nos permite uma observação profunda dos
percentuais de partilha do FPE:
Em 1991, a distribuição do FPE entre as regiões era a seguinte: Norte
(25,37%); Nordeste (52,46%); Centro-Oeste (7,17%); Sudeste
(8,48%); e Sul (6,52%). No entanto, apenas quatro estados da região
Nordeste (Bahia, Ceará, Pernambuco e Maranhão) receberam 30,4%
do total. (BOVO, 1999, p. 85).
Quanto ao Fundo de Participação dos municípios, Bovo (1999) ressalta que a
distribuição é menos concentrada. Os municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-
43
Oeste recebem, em média 51,2%, enquanto que os municípios das regiões Sudeste e Sul
têm uma participação em torno de 31,3% e 12,5%, respectivamente. Além disso, os
critérios para a distribuição dos recursos deste Fundo são bastante confusos, como um
exemplo fornecido por Barrera e Roarelli (1995), sobre o município de Londrina, que,
em 1991, contava com 389 mil habitantes e estava entre os 500 municípios mais
desenvolvidos do país. Entretanto, segundo dados apresentados por estes autores, este
município recebeu recursos do FPM muito superiores aos de São João do Meriti e
Duque de Caxias, que são municípios mais populosos e com infra-estrutura bem
inferiores aos de Londrina.
Diante destas questões e devido a estes problemas, depois de três anos da
promulgação da nova Constituição, o debate sobre a necessidade de revisão das regras
que norteiam o sistema tributário brasileiro ressurgiu, provando, que o mesmo necessita
de algumas remodelações, a fim de encontrar o caminho para uma maior ordem fiscal
no país.
Analistas apontam que alguns problemas permanecem sem solução, tais como: a
União, a fim de retomar os investimentos e sanar os déficits, promove um aumento de
suas dívidas, aumentando, também, seus tributos. Em contrapartida, os estados e
municípios, mesmo favorecidos com a ampliação dos recursos tributários promovidos
pela Constituição de 88, queixam-se de dificuldades financeiras.
No entanto, a questão do aumento de impostos é, todavia, questionável, pois o
volume de impostos não está ligado a distribuição de renda. A população de baixa renda
pode ser favorecida pelo aumento dos tributos, os quais permitem ao Estado ampliar os
serviços públicos, favorecendo, no curto prazo, os setores de baixa renda. Se há uma
redução da desigualdade, rapidamente há o aumento do consumo interno (o que eleva a
produção, que gera renda, emprego e consumo, criando um círculo virtuoso já previsto
por Keynes). Enfim, este é um eterno debate entre Keynesianos e Pós-Keynesianos,
Liberais e Neo-Liberais.
Assim, chega-se aos anos 90 com vários conflitos regionais e locais, com conflitos
entre os entes federados (a União reclamando para si a reconcentração de recursos) e
com desequilíbrios financeiros entre as esferas que compõem a federação. Em meio a
este cenário, surge também a necessidade de uma nova reforma tributária. Todavia, a
44
idéia de Reforma Tributária encontra uma série de divergências no sentido de qual
reforma se pretende alcançar. O Governo Federal e mais especificamente, a União,
declaram que a elevação dos tributos, bem como sua reconcentração - descentralizada
pela Constituição de 1988 -, são as melhores alternativas. Entre os empresários e
contribuintes, porém, prevalece a idéia de redução da carga tributária, a fim de atrair
investimentos. Estados e municípios, por sua vez, reivindicam uma melhor repartição do
bolo tributário nacional, com o intuito de reduzir as desigualdades da estrutura
econômico-social brasileira, marcada por intensas disparidades e heterogeneidades
regionais, que influenciam, muitas vezes, a guerra fiscal entre os estados.
Observa-se, pois, que vários atores ocupam o palco onde é debatido o tema da
Reforma Tributária, o qual faz emergir conflitos de natureza diversa, mas que necessita
de um ponto de convergência, para que mudanças estruturais possam ocorrer, a fim de
tornar o sistema mais virtuoso. A seguir, no capítulo 2, serão analisadas as questões que
envolvem o Federalismo e de que maneira estas distorções contribuem para a
paralisação do debate sobre a reestruturação do sistema tributário brasileiro.
45
Capítulo II: O Federalismo brasileiro e suas variações: a União,
os Estados e os Municípios
“O sucesso do sistema federativo não é medido
em termos de eliminação de conflitos sociais
mas em sua capacidade de regular e administrar
estes mesmos conflitos”
(Alain Gagnon, 1993, p.18).
O Federalismo vem se destacando como um tema desafiador a ser estudado pela
Ciência Política Contemporânea, pois as relações que este abarca compreendem um
campo enorme de empregabilidade, em áreas diferenciadas do conhecimento científico;
as relações entre os entes federativos, bem como entre as diferentes regiões de um país,
são às vezes determinantes para a produção de determinada política pública e afetam,
sobretudo, o funcionamento do sistema político.
Existem, na literatura disponível a respeito do tema, diversas denominações para
o tema do Federalismo; definições, aliás, que provém de áreas como o Direito, a
História e a Economia. No entanto, cada uma dessas áreas promove discussões que não
conseguem obter consensos a respeito dos conceitos que são utilizados, fazendo com
que o debate seja pontuado por particularidades que, apesar de serem consideradas
satisfatórias, ainda carecem de dados empíricos concretos para a sofisticação teórica.
Neste sentido, o objetivo desta parte do trabalho é pontuar como o termo tem
sido utilizado pela Ciência Política e a partir desta conceitualização, verificar quais as
origens do Federalismo no Brasil, assim como entender as relações intergovernamentais
que derivam deste tipo de formação político-territorial.
1. Federalismo: o entendimento do conceito
A expansão e a complexificação das funções públicas, promoveu o surgimento
do Estado moderno, que necessita, a partir de então, de uma reorganização político-
territorial do poder, favorecido pelos mecanismos de descentralização das competências
e das atribuições deste moderno Estado. Aliado a esta modernização do setor público,
46
houve uma expansão da democracia, com o aumento das instituições político-
democráticas, alterando, assim, o desenho institucional, que necessita, a partir de então,
de novos moldes para sua reorganização.
A literatura aponta, em termos típicos ideais, três modelos de arranjos
intergovernamentais e de distribuição político territorial de poder. São eles: o Unitário,
o Confederativo e o Federativo, onde o ponto de confluência entre eles deriva do fato de
objetivarem a organização do espaço político, considerando a maneira como a soberania
é constituída para cada modelo. Convém, portanto, destacarmos as diferenças entre estes
arranjos institucionais.
Como ressalta Abrúcio (2003), a Confederação é a união de unidades
independentes, buscando um compartilhamento de poder pelas vias do comércio ou de
laços culturais. Esta forma de associação procura evitar a criação de um governo
central, contando com o maior número de indivíduos nas decisões tomadas
coletivamente, onde qualquer alteração nas regras do jogo precisa da aprovação
unânime de todos os membros envolvidos. Este modelo foi implantado nos EUA após
sua independência em 1776; atualmente, pode-se considerar que a União Européia é um
exemplo de Confederação. Entretanto, o modelo confederativo não obteve muito êxito e
Abrúcio (2003, p. 230) aponta três fatores que explicam o fracasso desta forma de
Estado:
(...) quanto mais relações são estabelecidas entre as partes
constituintes, não somente mais ações conjuntas são realizadas como
também mais conflitos surgem. A ausência de mecanismos ou regras
que arbitrem tais conflitos torna mais complicada a manutenção da
Confederação. Além disso, como as principais decisões válidas para
todos os integrantes precisam de anuência completa dos membros da
Confederação, o processo decisório fica mais emperrado. O custo do
veto é baixíssimo para um ente individual, ao passo que o preço da
unanimidade normalmente é bastante alto. Mas o maior problema
está no fato de que os participantes de uma estrutura confederativa
não abdicam do controle exclusivo de sua política externa, tornando
muito difícil a proteção diante de inimigos externos ou mesmo de
guerras internas.
Outro modelo de organização político territorial são os Estados Unitários. Nele,
a soberania é concentrada no governo central e é, por tal motivo, indivisível. O poder
dos entes subnacionais deriva da União, que delega graus de autoridade para os demais
47
membros. Muitos países adotam este modelo, mas terão características particulares que
poderão diferenciá-los entre si, pois estas especificidades, dependem, em grande parte,
das características socioeconômicas, étnicas, da divisão territorial do poder, do processo
de formação das elites, etc.
Um ponto que diferencia o Estado Unitário dos outros modelos, ou seja, da
Confederação ou da Federação é que, no primeiro, a distribuição de poder obedece a
uma hierarquia, ou seja, qualquer processo de desconcentração do poder vai depender
de aprovação do nível central, no caso, o Parlamento, constituído por membros que,
embora sejam eleitos em distritos, tem um mandato nacional e, além disso, não
representam regiões específicas. Neste sentido, o poder dos entes subnacionais é inferior
ao do Poder Central, e é este ponto exato que limita e impede a “federalização” dos
Estados Unitários, permitindo seu desmembramento.
A ausência de estruturas capazes de defender especificamente os
interesses regionais comprova que os governos ou administrações
subnacionais não possuem direitos originários. Em suma, eles não são
soberanos, e a soberania nacional é fruto de um contrato entre todos
os indivíduos da nação, e não de um acordo entre entes territoriais.
(ABRÚCIO, 2003, p. 231).
Diferentemente dos dois modelos acima descritos, a Federação é uma formação
que tem a soberania compartilhada entre o governo central e as unidades subnacionais.
As leis que regem tal pacto são declaradas em uma Constituição escrita, e a formalidade
de tal pacto é firmada através do princípio de indissolubilidade, que, por sua
importância, ganha caráter de cláusula pétrea. A Constituição é o marco inicial para que
se comece o “jogo” federativo, como salientou Abrúcio e Costa (1999, p. 23):
Este contrato torna vinculantes normas aceitas por todos os jogadores
para que se comece o próprio jogo. E aqui é preciso entender o início
do jogo como um problema de ação coletiva, ou mais
especificamente, analisá-lo como um dilema do prisioneiro, no qual
os estados, individualmente, não possuem a certeza de que todos
aceitarão a solução adotada, podendo existir algum (ou alguns) free
rider entre os participantes. Assim, a Constituição, que é o contrato
federativo por excelência, procura garantir a participação equânime
de todos e levá-los à cooperação, a fim de que permaneçam com o
valor mais prezado entre eles, qual seja, o de ter o maior grau
possível de autogoverno.
48
A diferença entre o sistema federativo e o Estado Unitário é que neste último,
estabelece-se uma relação hierárquica, onde o poder emana do centro para as
comunidades locais, enquanto que a Federação resulta de um acordo, no qual os entes
concordam em estabelecer uma parceria, evitando a concentração de poder em um único
ente, pois há um compartilhamento de poder entre todos os membros envolvidos.
Abdicam de sua independência em nome de um sentimento nacional comum.
A federação brasileira tem como fonte inspiradora a experiência norte-
americana, ou seja, a idéia de que um sistema federativo precisa compatibilizar
autonomia dos entes subnacionais e também promover relações intergovernamentais
cooperativas. Assim, o Federalismo é permeado pelo o que a literatura denomina de
cheks and balances (freios e contrapesos), onde as unidades subnacionais fiscalizam o
governo central e vice-versa.
Contudo, o problema básico que permeia o Federalismo é adotar um desenho
institucional que seja capaz de promover a resolução dos conflitos entre os níveis de
governo, sem destruir sua autonomia; além disso, a distribuição de poder deve ser o
mais equânime possível entre estes entes, evitando o surgimento de desigualdade de
ordem sócio-econômica.
Dentre os modelos apontados pela literatura, o pacto federativo é considerado a
forma mais adequada de equacionar o conflito existente entre os entes subnacionais.
Está presente em vinte países e nasceu nos Estados Unidos, possuindo como referencial
teórico a obra “O Federalista”, dos “pais fundadores”, James Madison, Alexander
Hamilton e John Jay. Estes pensadores tinham o objetivo de fundar uma nova nação que
respeitasse a liberdade das antigas colônias, e, ao mesmo tempo, vislumbravam a
criação de um poder político federal (no caso, a União), a partir do qual seria
estabelecido um conjunto de regras a ser obedecido por todos os membros que
compunham o território. Neste sentido, nascia um sistema político onde os princípios de
independência caminhariam lado a lado com os de interdependência, como enunciado
no famoso conceito de Elazar: self rule plus shared rule. Contudo, a harmonização entre
autonomia e controle é algo que pressupõe conflito, e é esse conflito que estará presente
nas relações estabelecidas entre os diferentes níveis de governo, dentro de uma mesma
federação, como bem apresenta Burgess (1993):
49
O gênio da Federação está em sua infinita capacidade de acomodar a
competição e o conflito em torno de diversidades que têm relevância
política dentro de um Estado. Tolerância, respeito, compromisso,
barganha e reconhecimento mútuo são suas palavras-chave, e ‘união’
combinada com ‘autonomia’ é sua marca autêntica. (BURGESS,
1993, p.7).
Uma grande novidade oriunda deste modelo proposto pelos autores de “O
Federalista” foi a combinação de representação popular com dupla divisão de poder;
passava a existir, a partir de então, três esferas independentes, ou seja, Executivo,
Legislativo e Judiciário, tanto para a União quanto para os estados. Além disso, o poder
deveria ser distribuído de forma tal que nenhuma esfera poderia interferir nas tarefas de
outra, respeitando, portanto, sua independência em relação às demais.
Convém salientar que existem duas condições que viabilizam o nascimento do
Pacto Federativo: uma é o objetivo de “unir”, (come together) e também aquelas
federações que tem o propósito de “manter a união” (hold together). A idéia de uma
federação para unir é baseada no modelo norte-americano, onde em 1787, na
Convenção da Filadélfia, unidades autônomas promoveram um pacto para formar um
poder central, deixando aos estados, poderes residuais.
Todavia, muitas das federações democráticas contemporâneas tiveram sua
origem baseada no modelo de hold together, isto é, países com variadas etnias,
nacionalidades, diferenças sócio-econômicas (desigualdades regionais), lingüísticas,
culturais e políticas, decidem-se unir em uma federação, a fim de acomodar as
diferenças existentes na sociedade. E a literatura aponta, ainda, um terceiro tipo de
trajetória histórica (putting together), que possui um poder coercitivo central e não-
democrático, capaz de promover a junção de várias etnias e nacionalidades, algumas
delas, anteriormente, organizadas em Estados independentes.
Com a revisão da literatura acerca dos modelos de Estado existentes, observou-
se, contudo, que a federação origina-se para manter a estabilidade social, a convivência
entre identidade nacional e regional, especialmente porque aceita o desafio de acomodar
o conflito e a diversidade. A passagem abaixo ressalta o importante papel do Pacto neste
momento:
50
O termo ‘federal’ é derivado do latim foedus, o qual significa pacto.
Em essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e
regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo
especial de divisão de poder entre os parceiros, baseada no
reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de
favorecer uma unidade especial entre eles. (ELAZAR, 1987, p. 5).
Entretanto, o conceito de Federalismo varia muito, pois os teóricos vislumbram
um olhar diferente sobre ele. William Riker (1964)
14
define a formação dos sistemas
federativos como uma centralização política, onde os atores racionais promovem um
acordo com o objetivo de formar um governo central que será responsável por algumas
das prerrogativas que permeiam as relações das outras unidades da federação. Para o
autor, o Federalismo é uma espécie de barganha, entre atores racionais que visam
expandir seu controle territorial utilizando-se de meios pacíficos e de atores que aceitam
tal barganha e abrem mão de sua independência, em benefício da formação de um todo
consistente, ou seja, a União. Um aspecto interessante na formulação de Riker (1964) é
que, segundo ele, o Federalismo é o mecanismo que impede a “tirania da maioria”, ou
seja, seu estudo fornece contribuições normativas positivas para estudos sobre a
democracia.
Todavia, Stepan (1999) é um dos críticos à teoria do autor em tela. Os
argumentos de Stepan (1999) contrários à teoria de Riker (1964) derivam do fato de este
último autor considerar que a Constituição dos Estados Unidos representou um marco,
pois instituiu o Federalismo centralizado, onde a forma de Federalismo existente até
aquele momento era o Federalismo descentralizado. Stepan (1999) argumenta que o que
Riker (1964) chama de Federalismo descentralizado, com uma série de alianças entre os
indivíduos, é que, na verdade, o fato de que a soberania dos membros não era limitada
constitucionalmente, ao contrário, os membros eram limitados pelas circunstâncias e
agiam coletivamente, mas somente enquanto cada um julgava ser de seu interesse. Nas
palavras de Stepan (1999, p. 11):
Todas as federações democráticas, por serem federações, restringem
o poder central. Em vez de tomar o ‘Federalismo centralizado’ como
dicotomicamente oposto ao ‘Federalismo descentralizado’ sugiro que,
para fins analíticos, é mais útil conceber o Federalismo democrático
14
Riker foi quem obteve maior impacto nos estudos de ciência política sobre o Federalismo; ele é um dos
pais da teoria da escolha racional e teoria das coalizões. No famoso The New Handbook of Political
Science, Riker é citado como um dos integradores da ciência política mundial.
51
como um continuum que vai da alta restrição à ampliação do poder
do demos (high demos constraining to demos enabling). A referência
de um continuum permite abrir a categoria analítica e histórica do
Federalismo a uma série de distinções empíricas e conceituais
impossíveis de fazer se apenas agrupamos todos os sistemas
federativos em uma categoria única de ‘Federalismo centralizado’.
Stepan (1999) afirma que as federações são restritivas do poder central por três
motivos. O primeiro deles é que, contrariamente a um sistema democrático unitário, em
todos os sistemas federativos, o poder central tem que aceitar uma agenda fechada que
restringe, desta maneira, o poder de legislar em determinadas matérias de cunho
político. Uma segunda maneira de restringir o poder do demos, é que existem duas
Câmaras, a Câmara Alta e a Câmara Baixa; esta última representa o princípio da
população, e está mais adequada aos padrões de igualdade democrática, qual seja, “um
cidadão, um voto”. A Câmara Alta, no entanto, representa o território, a qual também
pode dissimular desigualdades extremadas, pois o voto de um cidadão de uma
determinada região pode valer mais do que o voto de um cidadão de outra região. No
entanto, a existência delas é uma maneira de contrabalançar o poder.
Um terceiro ponto abordado por Stepan (1999), no qual as federações restringem
o poder central é a existência das Constituições, as quais devem possuir regras que
sejam difíceis de serem alteradas, como já enunciara Elster (1988). Desta maneira, a
obediência às leis estará resguardada e só serão alteradas se uma grande maioria assim
se manifestar.
Um forte argumento de Riker (1964) refutado por Stepan (1999) diz respeito à
formulação de políticas. Riker (1964) considera que se um determinado grupo de
instituições, como as federativas, não estiverem satisfeitas com o conjunto de políticas
que está sendo empregado, é relativamente fácil mudar as regras do jogo e,
conseqüentemente, as políticas públicas praticadas. Neste sentido, para Riker (1964), o
Federalismo enquanto instituição não tem importância alguma para o conjunto de
políticas públicas que são empregadas. Suas opiniões baseiam-se na compreensão de
que as decisões coletivas partem de um conjunto de preferências individuais:
Os gostos fazem demandas; as instituições acabam por traduzir
gostos em políticas. Assim sendo, os gostos são a explicação
fundamental das políticas. Partindo desta lógica é que Riker afirma
que as instituições federativas constituem ‘no máximo uma variável
52
interveniente e relativamente desimportante’. (STEPAN, 1999, p.
14).
As análises de Kenneth Shepsle (1987) e Barry Weingast (1987) demonstram
que parte do argumento de Riker decorre do fato de que como as instituições são
moldadas pelos gostos individuais, então se os indivíduos preferirem a aprovação de
determinadas medidas políticas, as mesmas serão facilmente atendidas, o que não ocorre
na realidade. Se assim o fosse e tomando o Brasil como exemplo, em 1996, a maioria da
população demonstrou interesse por um plano de reformas constitucionais (dentre elas a
Reforma Tributária, objeto de estudo deste trabalho) e o Presidente Fernando Henrique
Cardoso, que também apoiava, terminou seu primeiro mandato com altos índices de
aprovação. No entanto, nem a vontade da população, nem a do Executivo conseguiram
aprovar tais reformas. Isso porque, além dos percalços comuns a qualquer tipo de
reforma desta natureza, existem outros problemas decorrentes da natureza federativa,
como será abordado com mais detalhes nos próximos capítulos. Neste sentido, o
argumento de Riker (1964) quanto ao fato de considerar que o Federalismo, enquanto
variável institucional que não tem importância relativa, não se sustenta.
1.1. O Federalismo e suas implicações na democracia
Os estudos sobre o Federalismo podem oferecer contribuições para o
entendimento da democracia, pois a população exerce sua soberania através de dois
mecanismos: pela soma dos votos individuais e pela ação democrática segundo a
distribuição territorial dos indivíduos. Entretanto, conciliar identidade nacional e
regional é tarefa difícil e, por este motivo, para a democracia se sustentar neste
ambiente, é necessário que possua instituições fortes, com divisão do poder e processos
de negociação de interesses consistentes.
Como ressalta Stepan (1999), uma importante implicação do princípio federativo
para a democracia é que toda Federação, de alguma maneira, restringe o poder da
maioria, o que ele denomina de demos constraining, personificado na soma dos votos de
todos os indivíduos que compõe a nação. Por outro lado, a Federação também prevê a
garantia dos direitos das minorias, consubstanciadas sob o aspecto territorial.
Entretanto, como ressalta Abrúcio (2003), como este demos constraining é intrínseco ao
Federalismo democrático, ele não pode ser excessivo, posto que poderia prejudicar a
53
nacionalização do processo político, extremamente importante para a garantia da
igualdade:
O estabelecimento de padrões nacionais, ademais, é fundamental para
aumentar a esperança por maior simetria entre os atores,
especialmente quando a situação federativa for marcada por um alto
grau de desigualdade, seja socioeconômica, política ou cultural
(étnica ou religiosa). Nesse aspecto, está em jogo o equilíbrio entre a
garantia dos direitos dos pactuantes e a criação de respostas nacionais
à heterogeneidade, sendo estas últimas, muitas vezes, as responsáveis
pela manifestação política autônoma dos entes mais fracos na balança
federativa de poder. (ABRÚCIO, 2003, p. 236-237).
Outra forma de garantia dos princípios democráticos dentro da Federação é
através do mecanismo de checks and balances, já descrito acima. Tal mecanismo
propicia uma fiscalização recíproca entre os poderes, um controle mútuo entre os níveis
de governo e também oferece mecanismos que promovem o controle dos governantes,
especialmente daqueles que representam as esferas subnacionais de poder.
O primeiro benefício dos checks and balances, ou seja, a fiscalização entre os
governos, é garantir uma democracia que distribui o poder e evita que haja a
concentração deste em uma única esfera federativa. O segundo benefício dos checks and
balances é o controle mútuo entre os poderes, o qual garante que nenhum ente
concentre poder capaz de intervir na autonomia dos demais; por fim, o último benefício
dos checks and balances é a idéia de accountability, que embora esteja presente em
países não-federativos, teve sua origem e é constituinte do modelo federativo; trata-se
de estabelecer um conjunto de mecanismos que permitem a participação dos cidadãos
nas esferas públicas em que estão mais próximos.
Além dos checks and balances, existe, na federação, o princípio da coordenação;
embora sejam entes autônomos e configurados sob o desenho da descentralização, estas
esferas federativas se articulam para promover um ambiente de negociação e de
cooperação, facilitando, desta maneira, a governabilidade democrática.
A combinação do princípio do demos constraining, dos checks and balances e a
coordenação entre os entes, são elementos importantes presentes em uma democracia
federativa. Entretanto, para que tais princípios sejam exercidos, é necessário que se
tenha um desenho institucional que garanta a efetividade deles. Neste sentido, e
54
tomando emprestados os conceitos da teoria de Lijphart (1989), é comum aos países
federativos possuírem as seguintes características: descentralização e republicanização
do poder local, uma Constituição escrita formal, a adoção do modelo bicameralista, com
uma segunda Câmara respeitando os interesses regionais, e uma sobre-representação na
Câmara Baixa, que permite que as minorias sejam atendidas, principalmente aquelas
dos estados menos populosos. A descentralização é um dos princípios básicos do
Federalismo e especialmente no Brasil gera muitas controvérsias, como se verá adiante.
Uma das garantias para manter tal descentralização é o acordo escrito formal, no caso, a
Constituição, que deve ser responsável pela manutenção do pacto e também do respeito
aos direitos dos indivíduos.
Não foi por acaso que Lijphart (1989) observou que a Constituição é o ponto de
partida para o início de qualquer federação, pois no momento do Pacto, não há garantias
de que o acordo será obedecido por todos, podendo surgir alguns free riders entre os
membros. E a Constituição surge como o contrato federativo por excelência, garantindo
que todos os indivíduos respeitarão as regras e terão o compromisso da cooperação
mútua, a fim de que tenham garantido sua autonomia. Além disso, no momento da
criação do pacto, é necessário que se estabeleçam mecanismos capazes de promover a
justa distribuição de poder entre os jogadores, evitando, além de um jogo de competição
não-cooperativa, a desigualdade de distribuição entre os poderes, protegendo, desta
maneira, as prerrogativas de cada membro:
O requisito de uma Constituição escrita deriva logicamente do
princípio essencial do Federalismo, a divisão de poder, que tem que
ser especificada, pois tanto o governo central como os regionais
precisam de uma firme garantia de que os poderes que lhes foram
atribuídos não lhes podem ser retirados. (LIJPHART, 1989, p. 225).
Outra característica dos estados federativos é que eles adotam o bicameralismo,
ou a segunda Câmara, que tem a função de representar os interesses regionais,
comumente chamada de “Casa dos Estados”. O princípio majoritário convive com o
consociativo, o princípio da maioria, convive com a idéia de demos constraining, aqui
representado pelos critérios territoriais. O povo seria representado tanto pelo todo
(nação) quanto pelas partes (regiões), em uma configuração dual de unidade na
diversidade.
55
Conceitualizado o tema do Federalismo e situado nas condições democráticas
vigentes, analisaremos agora quais as origens do Federalismo no Brasil e as relações
que se estabeleceram a partir de sua gênese.
2. A origem do Federalismo no Brasil
Desde o período colonial, entre os anos de 1500 a 1822, Portugal sempre
enfrentou grandes obstáculos para governar o Brasil, um território extenso e que exigiu
sempre algum grau de descentralização. Prova disso, é que a metrópole foi obrigada a
dividir a nova colônia em feudos, as chamadas capitanias hereditárias, que eram
administradas por indivíduos oriundos da nobreza, e que cumpriam tal tarefa em nome
da Coroa Portuguesa. Este sistema de capitanias hereditárias foi decisivo para a
organização territorial brasileira, desde a delimitação das províncias, durante o período
Imperial (1822-1889) e da transformação destas em estados, com o nascimento da
República em 1889.
Além disso, Portugal nunca buscou organizar um centro político-administrativo
capaz de aglutinar e organizar a ação dos diferentes grupos que compunham a nação.
Neste sentido, o poder público era fortemente influenciado pelas oligarquias locais, que
exerciam poder mandonista; a situação federalista do Brasil foi sendo permeada por
grandes heterogeneidades entre as elites políticas regionais, que se distinguiam pela
desigualdade econômica entre os estados e diferentes características, causadas em parte,
pelo processo de colonização.
Temerosos de uma divisão do país, com as revoltas pernambucanas de 1817 e de
1824, os então “donos do poder” trataram de organizar um modelo centralizador, onde o
poder político das províncias dependia das decisões do governo central. Assim, com a
primeira Constituição escrita do Brasil, promulgada em 1824, após a independência de
Portugal, delegou-se poderes administrativos às 16 províncias, que não possuíam
autonomia política e dependiam do governo central para decidir sobre as questões
político-territoriais. Entretanto, dois fatos promoveram uma perda de legitimidade do
Império e um aumento do desejo de autonomia das províncias, que foi a decadência de
Dom Pedro II e a abolição da escravatura. Nesta passagem, Abrúcio (2003, p. 245)
destaca a origem do desejo da autonomia provincial:
56
(...) o sentimento de autonomia das províncias cresceu enormemente
à medida que a centralização prolongava-se no tempo e reforçava-se
em seus instrumentos, por meio da indicação de governantes locais
pela cúpula do poder central, que normalmente não só escolhia
pessoas de outras regiões como estabeleceu uma alta rotatividade no
cargo. Por isso, a luta pelo fim da monarquia respondeu, em certa
medida, mais aos anseios por descentralização do poder do que por
uma republicanização da vida política. Desse modo, a república
brasileira não só nasceu colada a um certo ideal federativo como a ele
foi subordinada.
Além disso, com a Proclamação da República em 1889, as reivindicações pelo
Federalismo foram maiores, pois as províncias como São Paulo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul se desenvolveram economicamente durante o Segundo Reinado (1841-
1889) e desejavam participar das decisões tomadas pelo governo central. Assim, após a
proclamação da República, nasceu uma nova Constituição, em 1891, que consolidou
formalmente o pacto federativo e seguiu, então, uma promessa descentralizadora, onde
os recursos públicos foram concentrados em alguns poucos estados, que desenvolviam
escassas relações com os entes da federação. Como ressalta Tavares de Almeida (2001,
p. 15), remetendo à idéia de Kugelmas (1986), que emprega ênfase nos interesses e no
processo político, que deram origem ao modelo federativo:
A federação extraordinariamente descentralizada, que resulta da
Constituição de 1891 e da construção política realizada pelos
primeiros presidentes civis, é obra das elites paulistas. Elas se
movem, segundo o autor, não por um projeto nacional de hegemonia,
mas pelo objetivo de assegurar condições para o funcionamento, no
Estado de São Paulo, de um poder público capaz de atender às
necessidades do complexo de atividades estruturadas em torno da
cafeicultura. É um projeto de construção estatal no nível estadual que
molda o arcabouço político nacional segundo um modelo federativo
dual e descentralizado.
O exercício da representação popular naquele momento era bem confuso, pois
tanto as eleições estaduais como as presidenciais eram controladas pelas elites regionais.
Os dois principais estados eram São Paulo e Minas Gerais, dispostos segundo as regras
estipuladas com a chamada “política dos governadores”, modelo de Campos Sales, que
estabelecia a supremacia política destes dois estados na federação. A partir de então, os
governadores passavam a serem atores políticos dotados de grande poder, no âmbito
57
estadual e também no nacional. As eleições presidenciais passavam por um acordo entre
São Paulo e Minas Gerais, na chamada “política café com leite”.
O poder do presidente era, pois, bastante limitado, diante dos estados fortes;
entretanto, perante os estados mais fracos, o Executivo Federal ainda exercia seu poder,
pois tais estados participavam como atores menores na definição do poder nacional e
dependiam dos recursos da União para sobreviverem. Era, pois, através do apoio desses
estados menores, que o presidente buscava aumentar seu cacife, que não era, porém,
capaz de enfrentar os estados mais fortes. Era a ascensão ao poder também das
oligarquias estaduais, como ressalta Abrúcio (2002, p. 37):
O pacto da política dos governadores perpetuou no poder todas as
oligarquias estaduais que ali estavam no governo Campos Sales (...).
Em Minas Gerais e em São Paulo, os partidos republicanos locais
dominaram a política por todo o período; no Rio Grande do Sul,
Borges de Medeiros ficaria no poder por 25 anos; no Norte e
Nordeste, grupos familiares únicos comandavam estados inteiros, tal
como no caso dos Acioly no Ceará.
O autor ressalta o poder que passavam a ter neste momento, os governadores de
estado e os tipos de alianças que começaram a serem estabelecidas entre os atores
políticos:
Esta interdependência adquirida pelo poder estadual, traduzida na
eleição do governador, foi a base original do Federalismo brasileiro.
Por trás deste poder da esfera estadual estava o controle sobre os
votos, adquirido através de um compromisso com os ‘coronéis’. Se
no plano nacional vigorava o pacto da ‘política dos governadores’, no
nível estadual imperava o compromisso entre o Poder público
estadual e os ‘coronéis’. Nos dois tipos de relacionamento o elo mais
forte era o governador. (ABRÚCIO, 2002, p. 38).
O Federalismo, nesta época, apresentava-se, pois, bastante distorcido, não
permitindo uma interdependência entre União e estados. Ele surgiu dissociado da
República, sendo patrimonialista, oligárquico e não abria canais de comunicação
democrática com a população.
O fim da Primeira República culminou com a derrocada da “política dos
governadores”, onde São Paulo não obedeceu a rotatividade do sistema, insistindo em
58
lançar um candidato paulista, o que gerou uma nova ordenação regional e rompeu o
pacto hegemônico. Em 1930, com o golpe de Getúlio Vargas, um novo cenário se
desenhou, com novas implicações no Federalismo. Neste sentido, a Revolução de 1930
trouxe consigo a diminuição da autonomia dos estados, que foi reduzida pela imposição
dos “interventores” no lugar dos governadores, fato que, entretanto, na visão de Abrúcio
(2002, p. 42) não permitiu que estes últimos deixassem de possuir influências políticas:
A Revolução de 30 deu início a uma nova fase do Federalismo
brasileiro, com um perfil mais centralizador. Isto não quer dizer que
as elites regionais tenham perdido seu poder de influência na cena
política e que o Estado nacional tenha se transformado em organismo
totalmente avesso às pressões das oligarquias. Tal hipótese, pelo
menos no curto prazo, não poderia fincar raízes na realidade, dado
que os grupos políticos estaduais, especialmente os dissidentes do
antigo núcleo hegemônico, foram partícipes fundamentais na tomada
de poder. O que Vargas fez, num primeiro momento, foi reacomodar
as elites regionais num esquema de poder em que haveria outros
personagens envolvidos, particularmente os ‘tenentes’.
Uma das primeiras medidas tomada por Vargas foi o perdão das dívidas dos
estados com a União, fato que acalmou os ânimos das elites regionais. Além disso, em
1932, Vargas promoveu uma reforma eleitoral, que, entre outras medidas, instaurou um
mecanismo de maior participação, na Câmara dos Deputados, dos estados menos
populosos, através do princípio da sobre-representação, que ainda permanece nos dias
atuais, como uma forma de contrabalançar as diferenças regionais e políticas, em
territórios tão heterogêneos, como o Brasil.
Já em 1934, com o estabelecimento de uma nova Constituição, novas alterações
foram realizadas no Pacto Federativo. Desta vez, ficava estabelecido que o Governo
Federal deveria ampliar a assistência aos entes subnacionais, através do repasse de
recursos; importantes modificações foram realizadas, como por exemplo, o fato de os
municípios coletarem seus próprios impostos, além de contarem com o repasse de
impostos estaduais. Esta Constituição também definia que, a partir de então, o Senado
seria um mero colaborador da Câmara dos Deputados, reduzindo, portanto, suas
funções. O cenário político deste período fica bem evidenciado nesta passagem de
Abrúcio (2002, p. 44):
59
No interregno de 34 a 37, Vargas usou toda sua astúcia política:
barganhou com grupos oligárquicos, anulou as oposições urbanas e
os movimentos mais à esquerda por meio de leis de exceção e prisões
e obteve o apoio dos militares. Vargas armou, assim, as condições
para o golpe, finalmente dado em novembro de 1937. Somente a
partir do Estado Novo, como era chamada a ditadura varguista, foi
possível consolidar a construção efetiva do Estado Varguista-
Desenvolvimentista. A variável Varguista deste Estado redefiniu o
padrão de relações intergovernamentais. Em primeiro lugar, em
termos constitucionais, foi abolido completamente o Federalismo. Em
nenhum outro momento do século XX a estrutura de governo se
tornou tão unitária como no Estado Novo.
A Constituição promulgada por Vargas em 1937, após o golpe por ele liderado, e
que instaurava o Estado Novo, determinava o fechamento do Congresso Nacional e das
assembléias estaduais; era necessário, naquele momento, neutralizar o poder dos
interesses regionais, a fim de que pudesse haver uma maior concentração de poder na
esfera federal para, então, modernizar o país. Tal fato é comprovado com a queima das
bandeiras dos estados, em praça pública. Os entes subnacionais perderam grande
parcela de recursos, pois a competência de legislar sobre questões fiscais passou a ser
exclusividade da União, com a justificativa de que, desta maneira, o processo de
industrialização seria favorecido.
Além do fim do Federalismo, Vargas precisava encontrar mecanismos de
modernização do aparelho estatal, a fim de que o Executivo Federal pudesse dominar o
centro político do sistema autoritário. Foi criado então o DASP (Departamento de
Administração do Setor Público), assim como houve uma multiplicação das agências
públicas destinadas a fortalecer a burocracia federal, atuando, principalmente na área
econômica. Um outro instrumento de controle do poder Executivo sobre os entes
subnacionais eram os Daspinhos, que tinham a função de supervisionar os prefeitos, em
matéria econômica, funcionando como uma extensão do Poder Central, subordinado ao
DASP e ao Ministério da Justiça.
Assim, as relações “federativas” do Estado Novo se resumiam ao controle do
DASP, dos Daspinhos e do Ministério da Justiça, com o poder concentrado no âmbito
Federal:
60
Em nome da modernização econômico-administrativa, os estados
ficaram com menos autonomia do que as províncias do Império.
Pensando no ideal de Federalismo republicano, pode-se dizer que se
na Primeira República o Federalismo tinha se dissociado da
república, no Estado Novo o próprio Federalismo tinha desaparecido.
(ABRÚCIO, 2002, p. 47).
Com o retorno da democracia, na Segunda República, surgiu uma nova
Constituição escrita, a de 1946. O Federalismo foi restaurado, foi criado o mecanismo
de transferência da esfera federal para as municipais, na tentativa de diminuir os
desequilíbrios de receita; entretanto, não era vislumbrado um princípio de equalização
fiscal, visando diminuir as desigualdades entre estes municípios, pois o montante da
receita federal era dividido conforme o número destes, independentemente de serem
classificados como mais ou menos desenvolvidos. No que compete às desigualdades
horizontais, houve uma preocupação em destinar uma parcela dos recursos federais para
as regiões mais pobres, estreitando, desta maneira, a relação entre a União e os estados.
Embora o crescimento econômico continuava concentrado na região Sudeste,
principalmente na cidade de São Paulo, algumas modificações importantes surgiram, a
fim de melhorar o relacionamento intergovernamental.
O princípio da sobre-representação, com redação semelhante ao da Constituição
de 1934, favorecia os estados pobres, através da sub-representação dos estados mais
desenvolvidos, especialmente São Paulo e Minas Gerais, rompendo, assim, com o temor
do retorno da hegemonia de São Paulo, presente na Primeira República. Além disso,
houve um fortalecimento do bloco nordestino, onde a Carta Constitucional reservava
3% da renda nacional para o combate da seca do Nordeste, para o desenvolvimento da
região.
Embora o cenário acima descrito sugere que São Paulo obteve grandes perdas
neste período, ao analisar a composição ministerial, a situação demonstra-se bem menos
dramática para os paulistas, visto que ocupavam postos públicos importantes, como o
Ministério da Fazenda, de Obras Públicas e do Banco do Brasil, como ressalta Abrúcio
(2002). Em contrapartida, a bancada do Nordeste começava a impor seu poder político,
principalmente atuando como veto players no Congresso, barrando projetos que
pudessem promover mudanças negativas para o interesse das elites destas regiões.
Estava montado, neste sentido, o “tabuleiro” do jogo político, com a definição dos
61
principais atores no poder, que mais uma vez, era pautado pela dicotomia entre regiões
desenvolvidas e não desenvolvidas.
Como destaca Celina Souza (2005), esta Constituição de 46 foi a mais longa da
história constitucional brasileira. A autora lembra que suas leis sobreviveram a várias
crises: suicídio de Vargas, renúncia de Jânio Quadros e posse de João Goulart.
Entretanto, a Carta Constitucional não conseguiu sobreviver à crise política e econômica
de meados de 1960 e com o golpe militar de 1964, que colocou o Brasil no cenário dos
regimes militares que dominaram a América Latina nos anos 60.
Neste sentido, a fim de solidificar formalmente o novo Regime militar, foi
instituída uma nova Constituição, promulgada em 1967, que novamente trariam
novidades para o Federalismo. A reforma tributária de 1965, iniciada com a Emenda
Constitucional n° 18 e consolidada com a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966,
discutida no capítulo anterior, centralizou na esfera central o poder político e tributário,
afetando as relações entre os entes federativos.
Depois de uma série de mudanças no quadro tributário e fiscal, a crise financeira
do Governo Federal no início da década de 80, a conquista dos governos estaduais pela
oposição, as “Diretas-já” e as regras estabelecidas pela Constituição de 1988, com a
redemocratização, destruíram o modelo autoritário então vigente e trouxe consigo a
bandeira da descentralização, provocando, novamente, mudanças no Federalismo.
Como existe uma vasta literatura a respeito das mudanças trazidas com a Constituição
de 1988, cabe dedicarmos um tópico especial a ela, demonstrando a influência de suas
regras na delimitação do novo desenho federativo que se instalava a partir de então.
3. A Constituição de 1988 e suas implicações no sistema federativo
Dentre muitas modificações trazidas com a Constituição de 1988, uma delas diz
respeito à opção que os constituintes fizeram pelo princípio da responsabilidade
compartilhada sobre os serviços públicos, em especial, os sociais, que se torna comum
aos três níveis de governo, como evidenciado na tabela abaixo:
62
TABELA 6
Competências Concorrentes
Fonte: Souza, 2005.
A questão das competências de cada ente federado é amplamente discutida, pois
como já evidenciado na discussão abordada no capítulo anterior, alguns teóricos
consideram que a Constituição de 1988 reduziu o número de impostos da União, mas,
em contrapartida, aumentou suas competências e encargos. A partir desta tabela é
possível entender, portanto, que em diversas áreas, as três esferas federadas atuam de
modo a oferecerem serviços públicos aos cidadãos. Ao lado das competências dos
serviços públicos, está a capacidade de tributar dos entes federados. Alguns tributos são
exclusivos da esfera que o arrecada; outros são partilhados com estados e municípios e
coletados pela União; outros, ainda, são coletados pelos estados e partilhados com os
municípios.
Isso está sendo descrito para demonstrar que a Constituição de 1988 possui uma
característica que é especialmente marcante: a descentralização política e fiscal, tema
que aliás, promove grandes dissensos no campo da Ciência Política. Celina Souza
(2001, p. 34) enumera um conjunto de razões que explicam os motivos pelos quais se
convencionou que a descentralização seria uma saída viável para o país:
1 – reação contra o regime autoritário, já que centralização e
autoritarismo sempre foram temas que estiveram associados no
Brasil;
2 – questões contrárias a descentralização, tais como equilíbrio fiscal
e controle do déficit público, não constavam da agenda de transição,
sendo principal objetivo legitimar a redemocratização;
63
3 – ausência de consenso sobre um novo formato para o Estado e um
novo modelo de desenvolvimento econômico tornou o processo
decisório fragmentado, permitindo posturas regionalistas, além de
dificultar um acordo sobre o que deveria ser alcançado pelo novo
Federalismo e pela descentralização;
4 – havia uma enorme euforia no país quando a Constituição estava
sendo escrita, estimulada por fatores econômicos e políticos, tal como
o sucesso inicial do Plano Cruzado, e poucos políticos arriscavam
falar de problemas, como os constrangimentos fiscais do Governo
Federal;
5 – havia um ambiente favorável aos governos subnacionais, abrindo
caminho para assunções normativas sobre a descentralização, como
por exemplo, seu potencial para promover eficiência, democracia e
accountability.
Além destes fatores, a autora sugere mais dois blocos de motivações que
favoreceram o processo de descentralização. Segundo Souza (2001), um dos fatores que
contribuíram para tal processo foi a relação entre o Executivo e o Legislativo. Depois de
anos de luta contra um poder central, o Congresso estava em luta contra o poder
Executivo, sempre ameaçado pela descentralização; isso se deve ao fato da imagem
forte que o Executivo sempre possuiu, de concentrador de poder. Além disso, Souza
(2001) considera que Sarney era uma figura fraca, diante de tantos constituintes e
governadores, ansiosos pela descentralização.
Um último bloco de motivações destacado por Souza (2001) refere-se às
particularidades da Assembléia Nacional Constituinte. Segundo a autora, o parlamentar
constituinte desconhecia as questões fiscais e também porque 54% dos membros da
ANC tinham uma experiência política anterior, como governadores, prefeitos,
vereadores ou deputados federais, que visavam, portanto, um repasse de verbas do
governo central para as entidades menores. O que importa destacar é que a
descentralização, associada a um Federalismo que constrangeu o centro, foram vistas
como processos legítimos para a reestruturação do Estado e para a consolidação do
novo regime.
Entretanto, neste processo, alguns percalços surgiram, sinalizando as grandes
desigualdades existentes no Brasil:
No entanto, a determinação de promover a descentralização e mudar
as feições do Federalismo foi marcada por conflitos entre regiões e
entre estados e municípios, acirrados pelas circunstâncias daquele
64
momento histórico, isto é, pelas turbulências e comoções que sempre
se seguem às mudanças de regime político, em especial de autoritário
para democrático. Ademais, a decisão foi marcada por premissas
normativas em lugar de avaliações sobre suas conseqüências na
correlação de forças dentro da Federação. Por outro lado, essa
decisão expressa a concepção ideológica (ou de valor) que tem
sustentado o Federalismo no Brasil, ou seja, a necessidade de
acomodar demandas regionais conflitantes em um país marcado por
alto grau de desigualdades inter e intra-regionais. (SOUZA, 2001, p.
35).
O processo de descentralização é polêmico principalmente porque é comumente
associado a uma diminuição de poder político de um ente, em benefício de outro.
Entretanto, um estudo de Jonathan Rodden (2005), pressupõe um novo entendimento
sobre o fenômeno da descentralização, ao comparar a descentralização fiscal em
diversos países, dentre eles o Brasil, como verificado na tabela abaixo:
65
TABELA 7 - Variáveis de descentralização fiscal (médias dos anos 1990)
Fonte: Jonathan Rodden, 2005.
66
O interessante nos dados apresentados por Rodden (2005), é que a
descentralização do gasto governamental, embora possa parecer um indício sobre o grau
de autonomia de determinado ente federado, na verdade, não pode dizer muito a
respeito do locus de autoridade. Por exemplo, a Dinamarca aparece como o terceiro país
mais descentralizado do mundo, pela amostra colhida; entretanto, o governo central
regula quase todos os aspectos das finanças dos governos locais naquele país. A Nigéria
ocupa o sétimo lugar em termos de descentralização, embora durante o regime militar,
os estados eram meros postos administrativos do poder central. O autor chama a atenção
para o fato de que, ao analisar a descentralização de determinada nação, deve-se
considerar um estudo mais aprofundado de suas instituições e, principalmente, das
particularidades de cada membro subnacional, para, então, se obter dados realmente
consistentes a respeito da transferência de poder do centro para os membros
subnacionais.
No Brasil, o que convém ressaltar é que, com a descentralização tributária e
fiscal, houve, também, com a Constituição de 1988, um processo de fortalecimento do
Congresso Nacional e, conseqüentemente, dos estados. Isso porque, com o
fortalecimento do Congresso Nacional perante o Executivo, houve um avanço dos
estados perante a União, pois as bancadas estaduais passaram a formar coalizões e
atuarem como veto players às mudanças com as quais não concordavam. O
fortalecimento dos estados e, principalmente de seus governadores provoca, segundo
uma corrente de pensamento, obstáculos a várias reformas, necessárias para toda a
sociedade. Abrúcio e Costa (1999, p. 36), representantes de tal corrente, evidenciam,
nesta passagem, o poder que passam a ter os estados, provocando, assim, uma relativa
diminuição do poder da União:
Ao conquistar mais poder, os estados puderam adotar uma postura
mais independente frente ao Governo Federal. Porém, em vez de
fazerem valer apenas a soberania recém conquistada, as unidades
estaduais vêm assumindo uma prática predatória perante a União.
Predatória no sentido de apropriar-se de recursos do Governo
Federal, ou então, de obter proteção – neste caso, quase sempre
financeira – diante de eventuais perdas. Em suma, a predação
acontece quando determinado ente federativo não assume
integralmente os custos de suas decisões.
67
Diante desta exposição, pode-se dizer que o Federalismo no Brasil adotou um
modelo não-cooperativo de relações intergovernamentais. É necessário aqui abrir um
parêntesis para explicar que existem autores que enfatizam os efeitos positivos dessa
competição entre os entes que compõe a federação. Thomas Dye (1990), por exemplo,
explica o funcionamento do jogo federativo americano; seu pressuposto é o de que essa
competição aumenta o controle do poder e melhora a prestação dos serviços públicos,
sobretudo nos entes subnacionais, onde o ambiente competitivo incita a inovação e
ampliação das políticas. Além disso, a competição pode aumentar a responsividade dos
governos em oferecer políticas públicas qualitativamente melhores, e o maior ganhador
em todo este processo seria o cidadão. Assim, os indivíduos têm mais chances de
obterem melhores serviços públicos, se estiverem inseridos em um sistema de múltiplos
governos competindo entre si, do que em uma situação de ofertas de serviços onde os
entes agem em cooperação entre si.
15
No entanto, para que o modelo funcione adequadamente, com a competição
entre estados e União, e estados entre si, é necessário que os entes subnacionais não
sejam dependentes do governo central, nem politicamente, nem financeiramente, o que
não ocorre no Brasil:
Os estados e os governos locais não podem ser verdadeiramente
competitivos se os custos de suas decisões podem ser externalizados
– transferidos para o governo nacional e para os contribuintes através
dos impostos. (DYE, 1990, p. 5).
Entretanto, o modelo de Dye (1990) possui uma série de deficiências. Em
primeiro lugar porque, se todos os jogadores incorporarem a competição, não haverá a
possibilidade para a cooperação; neste caso, se houver um aumento da desigualdade
dentro da Federação, haverá um problema para o modelo de Dye (1990), pois a
competição não garante a equidade. Além disso, se neste jogo os jogadores tiverem
condições de grande disparidade entre si, é provável que abandonem o jogo. Nos
Estados Unidos é provável que isso não aconteça, mas no Brasil, com um Federalismo
15
Abrúcio e Costa (1999) atentam para o fato de que é necessário observar que a oferta de políticas
públicas e de serviços aos cidadãos tem sua lógica própria, e não obedecem à lógica de mercado, proposta
no modelo de Dye (1990).
68
dotado de grandes assimetrias regionais, não seria possível adotar esse modelo
competitivo.
Como salienta Abrúcio e Costa (1999), é possível que aconteça, ainda, um outro
fenômeno: se todos os jogadores não assumirem a competição, podem começar a
aparecer os chamados free riders.
Isto porque o ente federativo X pode se aproveitar de Y, que é aquele
que oferece um serviço público melhor, dando incentivos para que os
cidadãos de X utilizem-se dos equipamentos sociais de Y. Essa
situação é mais comum no caso dos governos locais brasileiros, em
que prefeitos compram ambulâncias para que os cidadãos usem
serviços hospitalares de outros municípios. Desta maneira, X pode
instrumentalmente dizer que participa do jogo federativo competitivo,
mas, predatoriamente, tirar proveito de algo realizado por outro ente
federativo. (ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 29).
Neste sentido, o modelo de Dye (1990) não funcionaria no Brasil por dois
motivos: porque não contempla a questão da equidade, e também em razão do
fenômeno do free rider. Esses problemas produziriam efeitos negativos sobre o
Federalismo e, no limite, poderiam colocar em risco a própria continuidade do jogo.
Ao lado do modelo de Dye (1990), surgem teóricos que propõe um modelo
capaz de compatibilizar a cooperação e a competição entre os entes federados, como
Daniel Elazar (1987) e Vicent Ostrom (1991). A harmonia entre os dois conceitos
obedeceria ao princípio do autogoverno, valorizando os entes subnacionais e também
fortalecendo os laços de parceria, barganha, tolerância e respeito entre eles. Elazar
(1987) salienta que se não houver a cooperação, a própria natureza do Pacto estará
comprometida, pois haverá apenas estados isolados, sem nenhum comprometimento
com o sentimento de nação. Além disso, o autor resgata o sentimento dos atores
envolvidos no momento do pacto, qual seja, a confiança no autogoverno e a esperança
da assimetria entre todos os jogadores, da parceria e da existência de um Governo
Central que possa assegurar um modelo benéfico para todos os jogadores. O modelo
cooperativo também garante a existência das instituições, como uma maneira de
formalizar as negociações, a fim de manter a diversidade e a unidade. Nos termos de
Abrúcio e Costa (1999, p. 31):
A relação entre os pactos (inicial e parciais ao longo do jogo) e as
instituições dá conta das preocupações básicas dos participantes da
69
estrutura federativa, as quais não custa relembrar: manutenção, no
maior grau possível, do autogoverno; estabelecimento de condições
simétricas a todos ao longo do jogo; unidade potencializando a
diversidade, e controlada por esta última; e, finalmente, proteção
institucional para os direitos e posições assumidas pelos jogadores.
Expostos os modelos teóricos, convém ressaltar que no Brasil, após a
redemocratização, vigorou um sistema competitivo não cooperativo, com relações
tortuosas estabelecidas entre os estados e a União, e dos estados entre si. Relações
tortuosas que se verificam, sobretudo porque os estados, em muitos momentos,
utilizaram-se da União para proteção financeira, como evidenciado, por exemplo, com a
dívida que os bancos estaduais contraíram no início dos anos 90, tendo a União como
“fiadora” deste processo.
Além disso, a sobre-representação dos estados menores, garantida pela
Constituição de 1988, é também bastante contestada, pois pode aumentar o poder de
determinados territórios, exacerbando, desta maneira, o jogo competitivo e não
resolvendo o problema principal que são as grandes desigualdades regionais. E diante
desta grande heterogeneidade regional, surge um novo fenômeno, que é a guerra fiscal,
tema que será abordado adiante.
Não somente os estados entre si geram desacordos e práticas individualistas.
Existe, na federação brasileira, uma outra esfera que é também motivo de grandes
preocupações, que são os municípios, que foram reconhecidos formalmente como entes
federativos, com a Constituição de 1988. Embora o tema desta pesquisa não recaia na
análise dos municípios (visto que há uma grande corrente de pensamento que aprofunda
melhor a questão), convém discorrermos a respeito de sua proliferação e de que forma
isto provoca implicações no sistema federativo.
Neste sentido, os próximos tópicos abordarão as questões que foram levantadas
aqui, e que são oriundas das transformações ocorridas com a Constituição de 1988, ou
seja, a relação estabelecida entre a União e os estados, a sobre-representação no
Congresso Nacional, a guerra fiscal e a ampliação dos municípios. Segue, portanto, a
abordagem destes temas.
70
4. Resquícios do modelo não cooperativo: o relacionamento entre a União
e os Estados
Um dos aspectos para analisar o bom funcionamento de um sistema federativo é
a forma como se apresentam as relações entre os diferentes níveis de governo. No
Brasil, as relações intergovernamentais dependem muito da cooperação entre os entes
federados, bem como do esforço da União em promover tal coordenação entre estados e
municípios. A descentralização promoveu mudanças nas relações estabelecidas entre os
níveis de governo, pois além de descentralizar recursos, promoveu a distribuição de
competências aos entes federados.
Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005)
16
, fornece-nos dados importantes
para a compreensão do que representou o processo de descentralização, promovido pela
Constituição de 1988 e de que maneira esta distribuição afeta o relacionamento dos
entes federados:
Os recursos federais foram distribuídos em prejuízo do Governo
Federal, dado o crescimento das receitas compartilhadas com estados
e municípios. As receitas transferidas dos estados para os municípios
também se expandiram. Em 1985, o Fundo de Participação dos
Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
chegavam respectivamente a 14% e 16% das receitas federais
provenientes dos impostos. Em 1993, eles atingiram 21,5% e 22,5%.
Ademais, 10% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi
destinado a um fundo de compensação para os estados que deixaram
de taxar suas exportações de manufaturados e 3% do Imposto de
Renda e do IPI foram alocados em um fundo de desenvolvimento
regional, que deveria apoiar projetos no Norte, Nordeste e Centro-
Oeste do país. (ALMEIDA, 2005, p. 32).
Segundo a autora e alguns teóricos, a Constituição de 1988 beneficiou, através
do processo de descentralização, a receita de estados e municípios, conforme
demonstram os dados da tabela e dos gráficos abaixo representados:
16
Estas idéias estão contidas no artigo publicado em 2005, pela Revista de Sociologia e Política,
intitulado “Recentralizando a Federação?”, onde a autora expõe brilhantemente suas idéias acerca das
contribuições da Constituição de 1988 para o desenho do Federalismo atual.
71
TABELA 8
Carga Tributária e Distribuição das Receitas Tributárias entre Níveis de
Governo (Brasil, 1960-1995)
Fonte: Almeida, 2005.
GRÁFICO 4
Participação dos Níveis de Governo na Arrecadação Tributária
Fonte: Almeida, 2005.
72
GRÁFICO 5
Participação das Esferas de Governo na Receita Tributária Disponível
Fonte: Almeida, 2005.
Entretanto, Tavares de Almeida (2005) salienta que, apesar de os recursos
tributários da União terem sido reduzidos, a expansão dos recursos federais foi
garantida através do aumento das Contribuições Sociais, destinadas a financiar
programas na área social e que nos anos 90, foram as responsáveis pela compensação do
Governo Federal pelas perdas obtidas com a Constituição de 1988, como demonstra o
Gráfico abaixo; além disso, a União contou, ainda, com a criação da CPMF
(Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), que, como tem sido
prorrogada constantemente, pode-se dizer que se tornou permanente, rendendo mais
recursos para o Governo Federal.
73
GRÁFICO 6
Composição da Receita Tributária Federal como porcentagens das receitas de
todos os níveis de governo:
Fonte: Almeida, 2005.
Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005, p. 35) ressalta o que significou essa
ampliação das Contribuições Sociais, neste período:
O crescimento das Contribuições Sociais não é evidência de
recentralização, como afirmam alguns analistas. Ele é antes expressão
da dificuldade em alterar o padrão da descentralização fiscal
estabelecido pela Constituição de 1988. O Governo Federal expandiu
as Contribuições Sociais porque tinha dificuldades em reduzir
significativamente, em seu benefício, a parcela de receitas tributárias
compartilhadas com estados e municípios.
Entretanto, pode-se dizer que a relação entre os estados e a União foi marcada
pela tentativa de extrair o máximo que podiam dos recursos da esfera central, algumas
vezes, de forma inconseqüente, sem considerarem os danos para cada um dos jogadores.
Exemplo típico desta situação descrita é a rolagem da dívida dos estados, que
dificultaram sobremaneira, o pagamento ao Governo Federal, tornando a receita federal
prejudicada e aumentando o déficit em suas próprias contas estaduais.
Abrúcio e Costa (1999) fazem uma análise das dívidas dos estados e remontam
ao regime militar para explicar as origens deste problema. Para os autores, a partir de
1975, o Governo Federal facilitou a tomada de empréstimos estrangeiros, para os
74
estados mais ricos e para as capitais, a fim de obter o apoio das elites estaduais,
podendo, assim, restaurar a ditadura. Esta medida teve uma implicação imediata nas
contas públicas estaduais, que chegavam ao ano de 1981, com uma dívida externa de
cerca de US$ 22,8 bilhões, sendo que US$ 18,3 bilhões foram contraídos pela Região
Sudeste e US$ 8,1 bilhões somente por São Paulo:
O Governo Federal incentivava, à época, os estados para que
conseguissem empréstimos externos, através, sobretudo, das
empresas estatais. Foi o que fizeram os quatro principais devedores
estaduais, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do
Sul. (ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 41).
Mas em 1982, no auge da crise da dívida, houve uma diminuição do crédito
internacional, onde a saída encontrada foi o que os autores chamam de “federalização”
desta dívida, uma vez que o governo militar precisava, ainda, do apoio das elites
estaduais. Esta “federalização” implicava em um processo de renegociação dos débitos
dos governos estaduais, que neste processo ainda saíram com algumas vantagens.
Contudo, a situação dos estados ainda era dramática. Assim, as negociações das dívidas
passaram a ser uma constante nos governos, com tentativas logo após a
redemocratização, no governo Sarney e também com o governo Collor. Neste último,
houve duas importantes negociações. A primeira foi denominada de “memorando de
entendimento”, destinada aos governadores:
Nesse documento, havia o pedido para que os chefes dos Executivos
estaduais ajudassem a aprovar várias medidas de cunho estrutural, a
fim de evitar a imposição de um novo ‘choque’ para conter a
inflação. Além de se propor o aumento da carga tributária, havia uma
medida que atingia em cheio aos governos estaduais: a rolagem da
dívida dos estados, efetuada com recursos provenientes de 80% dos
Fundos Constitucionais do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, de parte
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), na arrecadação do
PIS/PASEP, e de recursos provenientes da quota-parte do ICMS dos
municípios, que perdiam 5% destes recursos. (ABRÚCIO; COSTA,
1999, p. 42).
Os autores apontam que este “memorando do entendimento” promoveu várias
conseqüências e reações. A primeira delas é que trouxe à tona mais um ator, que até
então, não estava envolvido neste processo: os municípios. Receosos de sua perda nos
recursos do ICMS, os municípios se aliaram aos estados, contra o Governo Federal.
75
A dívida se concentrava mais nos estados ricos como São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que concentravam quase que 62% de todo o
montante a ser pago; entretanto, alguns estados como Bahia, Paraná, Goiás e Santa
Catarina eram também afetados pela rolagem, uma vez que o endividamento deles se
tornava mais alto que a própria receita, pois o Governo Federal impôs medidas a estes
estados iguais aos maiores devedores; era uma situação desigual, na visão destes
estados, pois, mesmo aqueles que não contraíram dívidas tão significativas para a
União, eram obrigados a pagar com as porcentagens iguais aos dos entes com montantes
maiores a serem pagos. Estava, portanto, decretada a guerra de todos os estados contra a
esfera central e os estados que mais sofreriam com as conseqüências da rolagem da
dívida ganharam mais aliados:
A estratégia a ser tomada era desviar a discussão da rolagem da
dívida àqueles pontos em que o governo atingia aos novos aliados dos
principais devedores. Assim, de um universo de mais ou menos dez
estados, o governo construiu contra si uma aliança que mobilizava
praticamente toda a Federação. A derrota já estava desenhada.
(ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 43).
Outra negociação da dívida foi tentada em 1991; desta vez, o Executivo federal
tentou realizar uma reforma tributária, novamente utilizando o Federalismo como pano
de fundo, onde o objeto da barganha seriam as dívidas estaduais. Todos os estados se
interessavam, naquele momento, pela rolagem de suas dívidas, pois a recessão
econômica do período aumentava o montante a ser pago. Em contrapartida, os
benefícios para o Governo Federal para a rolagem da dívida, naquele momento, também
eram interessantes:
Para o Governo Federal, a aprovação do acordo, nos termos em que
vinha sendo discutido, traria dois benefícios: o primeiro seria a
entrada no caixa do Tesouro Nacional de recursos anuais da ordem de
US$ 4 bilhões – o dobro do que estava recebendo anteriormente; o
outro benefício seria trocar a rolagem da dívida dos estados pela
aprovação do pacote fiscal elaborado pelo governo, a partir do qual o
Executivo Federal esperava obter algo em torno de US$ 12 bilhões,
quantia essencial para tentar zerar o déficit público e assim viabilizar
um acordo com o FMI. (ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 43).
Estando os dois lados de acordo – União e estados -, houve, então, uma
mobilização por parte de todos os governadores para a aprovação da rolagem da dívida
76
e o projeto foi então sancionado. Entretanto, nada do que foi acordado fora cumprido
pelos estados. Mais uma tentativa frustrada da União em zerar as dívidas dos estados,
que sempre encontram lacunas para burlarem acordos e negociações, não permitindo um
consenso em torno do pagamento de suas dívidas. Aqui fica evidente que as relações
intergovernamentais no Brasil criam uma lógica própria de funcionamento, afrouxando,
desta maneira, os laços que unem os entes federados em um ponto comum, que é o
sistema federativo.
Entretanto, como as dívidas estaduais representavam um ponto de
estrangulamento para as contas da União, que arcava sempre com os maiores ônus,
Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco,
conseguiu aprovar novamente um acordo de repactuação da dívida, desta vez, cumprida
pelos estados; a princípio, parecia uma grande vitória da União, mas a situação não era
tão simples assim. Somente foram contempladas no acordo as dívidas com os bancos
federais; o restante das dívidas, não contempladas no acordo, eram referentes à dívida
imobiliária, a dívida externa e que perfaziam um número muito maior do que a própria
dívida dos estados com os bancos federais, com a qual o acordo previa o pagamento. A
situação dos estados era caótica, como mostra a tabela abaixo:
77
TABELA 9
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
Os dados da tabela demonstram que grande parte das dívidas estaduais eram
compostas das dívidas contraídas junto aos bancos estaduais, que faziam empréstimos
aos seus territórios, inconseqüentemente, criando, assim, relações intergovernamentais
tortuosas:
A politização do Banco estadual leva a uma relação predatória entre
os estados e a União, na medida em que os governos estaduais
externalizam seus custos repassando-os ao Governo Federal, e em
última análise a população brasileira como um todo, inclusive àquela
parte que não mora na unidade estadual criadora do déficit.
(ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 46).
O Banespa é um caso típico desta situação, pois concedia benefícios ao estado
de São Paulo e às suas empresas, financiando os mais diversos empreendimentos:
O Banespa se vê, ao longo dos anos, em situação sui generis,
deixando de ser o banco do estado de São Paulo para ser o banco dos
negócios do estado de São Paulo, obrigado a suportar a contínua
necessidade de financiamento do Governo Estadual e suas empresas.
Ou seja, tem-se um estado que, por motivos conjunturais, tipificados
na queda de arrecadação estadual, ou por não inspirar credibilidade
78
aos agentes econômicos, constantemente recorre ao meio mais
simples para suprir suas necessidades mais imediatas, qual seja,
utilizar-se do banco que possui para o saque dos recursos que lhe são
indispensáveis, sem que tal prática resulte na débâcle do banco que
controla. (ABRUCIO, 2002, p. 127).
Para os estados, era conveniente manter esta relação predatória, como uma
garantia para as negociações com o Governo Federal, que precisava obter apoio político
no Congresso Nacional, e que, em grande parte das matérias, passava pela questão das
bancadas estaduais. Era uma espécie de arma que os estados possuíam contra o Governo
Federal, para o apoio em determinados projetos do Legislativo ou então a promessa de
que não vetariam e não bloqueariam projetos que necessitassem de sua aprovação. Mais
uma vez, o sistema federativo era utilizado como pano de fundo de uma barganha
política, evidenciado nesta passagem de Abrúcio e Costa:
De fato, estas pressões e contra-pressões fazem parte da lógica da
política, bem como das barganhas realizadas em qualquer Federação
democrática. O problema, no entanto, é quando as barganhas políticas
potencializam o cenário predatório do Federalismo brasileiro. Um
bom exemplo disso encontra-se no socorro dado pelo Governo
Federal aos bancos estaduais dos estados mais ricos, em 1994. Esse
socorro foi feito para, de um lado, garantir apoio no Congresso – ou
pelo menos evitar resistências -, e de outro, para ajudar na articulação
da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da
República. Assim, a União comprou títulos dos Bancos estaduais que
eram considerados ‘podres’ pelo mercado, gastando com essa
operação, no segundo semestre de 1994, US$ 5 bilhões, mais do que
o dobro do que foi injetado em todas as instituições financeiras nos
seis anos anteriores. (ABRÚCIO; COSTA, 1999, p. 47).
Assim, a utilização dos bancos estaduais pelos estados era feita de forma
desordenada, os quais não se preocupavam com os efeitos macroeconômicos de tal
ação, visto que transferiam o ônus, inconseqüentemente, para o Governo Federal. Além
disso, a lógica adotada pelos estados é uma lógica perversa, que muitas vezes pode
prejudicá-los também individualmente, mas, que, entretanto, agem porque tem certeza
de que o outro estará agindo da mesma maneira predatória. Neste sentido, as relações
intergovernamentais estabelecidas entre a União e seus estados são pautadas pela lógica
da não-cooperação, pois os custos da cooperação são maiores e mais demorados do que
os da predação, que, apesar de serem maléficos, são muito praticados, pois geralmente
79
não se apresentam incentivos nem penalidades para aqueles que agem de forma não-
cooperativa.
17
Neste sentido, somente no Governo de Fernando Henrique Cardoso é que
surgirão negociações que permitirão solucionar a dívida dos estados. Uma das saídas
encontradas para sanar o problema foi a política de privatização dos bancos estaduais,
como uma garantia para quitar a dívida e também para exterminar possíveis focos de
endividamentos futuros. Um mecanismo facilitador deste processo de privatização foi a
criação do Proes (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na
Atividade Bancária), através do qual a União refinanciava as dívidas dos estados com
seus respectivos bancos, da seguinte maneira:
O financiamento total dos débitos levava à privatização, extinção ou
transformação em agências de fomento;
O financiamento de 50% dos débitos mantinha o banco nas mãos dos estados,
mas requeria o enxugamento dos mesmos, com critérios mais transparentes de
administração e concessão de créditos.
A tabela a seguir demonstra a situação dos bancos estaduais em 1998:
TABELA 10
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
17
Além de a dívida estadual ser, em grande medida, composta pelos empréstimos junto aos bancos
estaduais, outra situação que promoveu uma complicação das contas estaduais foi a aprovação de duas
medidas, enviadas pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. São elas: a manutenção do Fundo Social
de Emergência, que retém 20% dos Fundos de Participação e a Lei Kandir, que isenta as exportações da
tributação do ICMS, já destacadas no capítulo anterior.
80
Entretanto, como ressalta Abrúcio e Costa (1999) apesar de, aparentemente, o
Governo Federal obter grandes vantagens com essa negociação, a tabela abaixo
demonstra que os custos da União com o Proes foram bem altos, em torno de R$ 39,61
bilhões:
TABELA 11
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
O refinanciamento das dívidas no primeiro governo de Fernando Henrique
Cardoso portava um arcabouço estruturado em quatro pontos:
1 – quitação das dívidas via privatizações das estatais estaduais;
2 – cumprimento de cláusulas mais rígidas de desempenho fiscal;
3 – penalidades bem definidas àqueles que não cumprirem regularmente com os
pagamentos;
4 – assunção pela União – através de títulos públicos federais – de dívida que seria
difícil de ser refinanciada.
18
A tabela a seguir demonstra o montante da dívida renegociada dos estados com o
Governo Federal, no ano de 1998, bem como o prazo estabelecido para o pagamento da
mesma:
18
Dados obtidos em Abrúcio e Costa, 1999.
81
TABELA 12
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
Apesar dos esforços para a negociação da dívida dos estados, ainda existem
dúvidas quanto ao cumprimento do acordo, pois existem casos em que a receita dos
estados é inferior à sua dívida. Dos 27 governos estaduais, 22 devem mais do que
arrecadam em um ano, conforme evidencia o gráfico abaixo.
82
GRÁFICO 7
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
Outros problemas que poderiam comprometer o acordo da negociação das
dívidas estaduais eram a situação financeira destes, que era precária, especialmente
pelos déficits da Previdência Social e por problemas ocasionados pela guerra fiscal,
terma que será abordado no item seguinte e que, em alguns territórios, compromete a
capacidade de arrecadação.
Além da tentativa de reordenar as contas estaduais, com a renegociação das
dívidas, cabe ressaltar, por fim, que, com o intuito de reduzir e fiscalizar melhor os
gastos dos entes federativos, no ano de 2000 houve a apresentação de uma proposta pelo
Executivo federal e votada no Congresso Nacional, que foi a Lei de Responsabilidade
Fiscal, responsável por limitar os gastos indevidos pelas esferas subnacionais, buscando,
portanto, uma coordenação do comportamento fiscal dos governos. A Lei estabeleceu
pesadas punições para quem não cumprisse com a nova regra, até mesmo a prisão de
administradores e governantes.
83
4.1. A guerra fiscal e sua influência nas relações
intergovernamentais
A chamada “guerra fiscal” tem adquirido, constantemente, debates para que se
encontrem saídas paupáveis para tal fenômeno. Trata-se de relações competitivas
travadas entre os governos estaduais (em alguns casos também com os governos
municipais), com o intuito de atrair investimentos privados para o desenvolvimento de
seus territórios. A guerra fiscal é um produto das distorções do nosso Federalismo e das
particularidades de nossa federação, com grandes desigualdades inter e intra-regionais.
Com a redemocratização, houve um aumento das prerrogativas tributárias
estaduais, com o conseqüente aumento de suas receitas, produto das transferências
constitucionais vinculadas a impostos federais. Entretanto, nos anos 90, as finanças
públicas entraram em decadência, como destacado no item acima, e a guerra fiscal passa
então a ser um fenômeno bem conhecido na federação brasileira. Contudo, não é um
fenômeno existente somente no Brasil, mas também existe em outras nações, cujo traço
comum são as fortes heterogeneidades econômicas. O que é particularmente
interessante observar no Brasil, é que este fenômeno ocorre em um cenário hobbesiano,
onde a competição é travada sem meios capazes de promover uma regulação e atenuar
seu impacto sobre as relações federativas.
Grosso modo, um dos fatores que culminou com o aprofundamento da
competição entre os estados é o fato de que a Constituição de 1988 atribuiu a cada
estado, individualmente, o poder de fixar as alíquotas do ICMS (Imposto de Circulação
de Mercadorias e Serviços). Além disso, outros fatores contribuíram, tais como: a
recessão iniciada no período do Governo Collor, a paralisação dos investimentos
federais nos estados, a falta de financiamento, nacionais ou internacionais, a partir dos
anos 80 e, finalmente, a saída das empresas dos seus estados de origem para outros
estados, motivadas pelos incentivos fiscais oferecidos.
Cabe ressaltar ainda, que as agências federais de desenvolvimento regional
começaram a ser extintas a partir de 2001, deixando para as administrações
subnacionais a incumbência de nutri-las. Entretanto, tal ação foi considerada nociva por
muitos especialistas na área, dentre eles, Prado e Cavalcanti (1998, p. 113): “Na
84
prática, a progressiva retirada do Governo Federal das ações discricionárias não
levou à saudável hegemonia do mercado, como muitos esperavam, mas criou um vazio
de políticas rapidamente preenchido pela ação dos grupos regionais”.
Diante do exposto, restavam aos estados, duas alternativas para resolverem seu
problema financeiro: a primeira seria a atuação, junto a outros estados, para a promoção
de estratégias de desenvolvimento, em uma ação, portanto, cooperativa; a segunda
alternativa seria agir competitivamente, a fim de estabelecerem estratégias para o
estabelecimento de indústrias em seus territórios, sinalizando, portanto,
comportamentos individualistas e não cooperativos. A segunda opção foi escolhida,
originando, portanto, o fenômeno da guerra fiscal. Além dos objetivos econômicos
envolvidos na guerra fiscal, aqui assinalados, existem os objetivos políticos, como
ressalta Varsano (1997):
O governador de um estado, como homem público que é, está
certamente empenhado em atender aos objetivos maiores da nação.
Mas, até mesmo por dever do ofício, coloca os de seu estado acima
daqueles e, no caso do conflito de interesse, certamente defenderá os
de sua unidade, tendo como bandeira a autonomia dos entes
federados. Ademais, preocupa-se também – ninguém é de ferro –
com sua carreira política. Se a concessão de incentivos, ao menos na
sua visão, traz benefícios para seu estado e, além disso, gera bons
dividendos para seu projeto político pessoal, junta-se o útil ao
agradável. Ele fatalmente os concederá, a despeito dos interesses
nacionais, ainda mais quando estes se manifestam de forma difusa,
como por exemplo, eficiência econômica. (VARSANO, 1997, p. 12).
Para o país como um todo, as conseqüências são nocivas, pois ao lado da tensão
existente entre os estados, existem as renúncias fiscais dos mesmos, que nem sempre
estão aptos a fazê-las. Como salienta Diniz (2000, p. 343): “Nesta guerra, ganham os
estados mais desenvolvidos, com melhores condições locacionais e maior cacife
financeiro e político. Isto seguramente agravará as desigualdades regionais”. Além
disso, as empresas multinacionais são beneficiadas pelos incentivos concedidos, em
detrimento das empresas nacionais, que além de não encontrarem grandes incentivos
para o desenvolvimento, são oneradas com a quantidade de impostos pagos.
Para se ter uma idéia desta guerra de incentivos, vários benefícios foram sendo
concedidos por diferentes estados, entre os anos de 1991 a 1994, iniciando uma
85
verdadeira “maratona”, a fim de atrair investimentos. Os programas de incentivos neste
período foram os seguintes:
Santa Catarina: Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense
(PADEC);
Paraná: Programa de Estímulos ao Investimento Produtivo (PROIN);
Minas Gerais: Programa Pró-Indústria;
São Paulo: Fundo de Apoio ao Contribuinte de São Paulo (FUNAC);
Rio Grande do Sul: Fundo Operação Empresa (FUNDOPEM);
Bahia: Programa de Desenvolvimento da Bahia (PROBAHIA);
Mato Grosso: Programa de Desenvolvimento Industrial (PRODEI);
Mato Grosso do Sul: Fundo do Programa de Desenvolvimento Industrial (F-
PDI);
Ceará: (PROVIN-FDI);
Rio de Janeiro e Espírito Santo: dilatação do prazo de recolhimento do ICMS.
19
Nesta verdadeira maratona de oferta de incentivos, um dos setores industriais mais
disputados pelos estados foi o setor automotivo que ganhou visibilidade, pois os
benefícios estaduais concedidos foram inúmeros, principalmente a partir da segunda
metade dos anos 90. A tabela abaixo ilustra os investimentos das regiões Sudeste e Sul
na indústria automobilística.
19
Dados obtidos por LAGEMAN, 1995, p. 11.
86
TABELA 13
Investimentos no setor automotivo – Regiões Sul e Sudeste
Fonte: Prado; Cavalcanti, 1998.
Em 1997, ocorreu um fato interessante que convém destacar: a reedição da medida
provisória do setor automotivo. Tal medida visava direcionar os investimentos no setor
automobilístico para as regiões menos desenvolvidas, onde as bancadas das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste saíram em defesa de seus territórios, na busca de
incentivos especiais. Apesar de todo o esforço para a implementação, a MP não vingou,
visto que houve a desistência de vários investimentos previstos. No entanto, vale a pena
destacarmos os benefícios que seriam concedidos pelas diferentes regiões, ao setor
automobilístico:
87
TABELA 14
Relação dos benefícios concedidos pelo Regime Especial Automotivo:
Fonte: Prado; Cavalcanti, 1998.
Observa-se, portanto, que os blocos Norte / Nordeste / Centro-Oeste são
dicotômicos do bloco Sul / Sudeste na atração de investimentos, o que configura as
assimetrias contidas na Federação.
88
É necessário entender as razões pelas quais o termo adquire a conotação de uma
“guerra”. A literatura aponta que a prática de incentivos gera uma competição que
expressa, portanto, um comportamento não cooperativo e um sistema que possui uma
competição não-cooperativa, tornam-se facilmente uma guerra, se não houver
mecanismos capazes de promover a cooperação. E a modificação de uma relação não-
cooperativa para uma cooperativa, se dá através de contratos fortes, e, especificamente
no Federalismo brasileiro, a instância responsável pela resolução dos conflitos entre os
estados é o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
Os estados têm descumprido as regras impostas pelo CONFAZ, criando suas
próprias normas, gerando uma briga que acaba por se dirigir ao Supremo Tribunal
Federal. No entanto, a falta de eficiência deste órgão reside nas próprias regras do jogo,
pois para que um produto adquira benefício fiscal, a determinado estado, é necessária a
aprovação de todos, ou seja, as decisões são tomadas por unanimidade. Se um estado
não concordar com o incentivo fiscal destinado a outro, ele então, não será introduzido.
Neste sentido, a unanimidade provoca uma controvérsia. Os que a defendem, utilizam o
argumento de que ela visa a proteção dos estados mais fracos. No entanto, surgem, neste
jogo, algumas distorções; em alguns casos, os estados pobres utilizam-se da regra da
unanimidade para barganhar algum benefício em troca da aprovação de determinado
incentivo fiscal ao estado pleiteante.
Esta prática da barganha tende a afrouxar a regra da unanimidade, uma vez que
vários estados tentam burlar as regras estabelecidas pelo CONFAZ, a fim de obterem
benefícios através do processo de barganha. No entanto, quando há um descrédito pela
regra da unanimidade, a própria legitimidade do CONFAZ é colocada à prova, o que
promove um descrédito na crença da redistribuição de recursos entre os estados. Diante
disso, surge o modelo de competição não-cooperativa do jogo federativo, pois os
estados utilizam-se de práticas individualistas, seja desrespeitando o CONFAZ e suas
regras, seja desvirtuando estas mesmas regras, com o objetivo de que as mesmas lhes
que tragam benefícios imediatos.
A prática da guerra fiscal é, pois, bastante contestada, pois mesmo aqueles que são
contrários à prática, de alguma maneira, se rendem ao cenário não-cooperativo e tentam
se adequar à mesma racionalidade imposta pelos outros estados. No governo de
Fernando Henrique Cardoso, esperava-se que o cenário federativo, com a posse de
89
governadores do mesmo partido que o presidente, favorecesse o fim da guerra fiscal.
Entretanto, em finais de 1995, três governadores membros do PSDB se envolveram em
uma guerra de incentivos pelas multinacionais do setor automobilístico, como no caso
da Volksvagen, que foi para o Rio de Janeiro, como já mostrado na tabela acima.
O tema ficou ainda mais acalorado com a discussão sobre o Projeto de Emenda
Constitucional (PEC 175), que tratava da reformulação do sistema tributário; os
parlamentares se dividiram quanto à questão da guerra fiscal, mas concordavam com o
fato de que em alguns territórios ela é essencial para a continuidade do
desenvolvimento. Este posicionamento dos parlamentares será descrito no capítulo
seguinte.
A única maneira de resolver a questão da guerra fiscal seria a realização de uma
reforma tributária capaz de coibir estas práticas competitivas. No entanto, dado que a
mesma não ocorreu, a corrida dos estados à procura de investimentos é intensa,
justificada a sua prática com o argumento de que ela é necessária para que o estado
continue dispondo da mesma receita, para a promoção do desenvolvimento. Enquanto
isso, a configuração do Federalismo permanece tortuosa, visto que os entes adotam
posturas não-cooperativas, desvirtuando os princípios estabelecidos pelo Pacto.
No próximo tópico serão abordados outros temas que são frutos de um Federalismo
distorcido. São mecanismos que surgem para tentar amenizar os efeitos de uma
federação que por si só é assimétrica. A sobre-representação no Congresso Nacional é
um exemplo típico de tais mecanismos, como abordado no item seguinte.
4.2. A sobre-representação dos estados no Congresso Nacional
De acordo com o princípio federativo, a Câmara dos Deputados deveria
representar proporcionalmente os cidadãos, enquanto que o Senado seria o responsável
pela representação da autonomia e da igualdade dos estados. No entanto, no Brasil, as
regras eleitorais obedecem ao princípio da desproporcionalidade, que tem origem em
1977, sob o governo militar, onde através da Emenda Constitucional n° 8, ficou
estabelecido que a Câmara dos Deputados seria representada por um mínimo de 6 e um
máximo de 55 representantes, por cada estado da Federação. No entanto, a Emenda
90
Constitucional n° 22, de 1982, alterou esse mecanismo: os estados passariam a ter de 7 a
70 representantes, segundo a regra da desproporcionalidade.
Para citar um exemplo do que essa desproporcionalidade representa, tomando-se
Roraima e São Paulo, em termos populacionais, o menor e o maior estado,
respectivamente, cada deputado federal eleito por Roraima representa 9.125 votos e por
São Paulo, 308.350 votos. Portanto, o voto de um eleitor de Roraima vale 34 vezes mais
que o voto de um cidadão de São Paulo, para a composição da Câmara Baixa. Neste
sentido, é violado um dos princípios da democracia, que pressupõe a fórmula um
cidadão = um voto. A tabela abaixo destaca os diferentes estados brasileiros e seus
graus de representação política.
A conseqüência de tal processo é que os estados do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste têm uma sobre-representação no Congresso Nacional vis à vis uma
subrepresentação no Sudeste e no Sul (Tabela 15). O Brasil está entre os países com o
maior índice de desproporcionalidade da Câmara Baixa do mundo, como indicado na
tabela 16:
91
TABELA 15
(*) Censo Demográfico 2000, IBGE
(**) Representação dos estados proporcional à população e por maiores sobras.
Fonte: Soares; Lourenço, 2004
.
92
Fonte: Soares; Lourenço, 2004
93
Para se ter uma idéia da distorção no número de cadeiras ocupadas na Câmara
dos Deputados, por cada região do país, segue a tabela abaixo:
TABELA 17
* Diferença entre o percentual de população e cadeiras parlamentares nas regiões brasileiras.
Fonte: Soares; Lourenço, 2004.
Isto evidencia que o Sudeste, desde os anos do período militar, foi sub-
representado, ao contrário das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sempre sobre-
representados. A grande contradição presente na desproporcionalidade reside no fato de
que o princípio democrático pressupõe uma representação na Câmara dos Deputados
que obedeça a igualdade dos cidadãos independentemente de sua localização territorial;
para a representação das regiões, é estipulado que a instância que os representará seja o
Senado. No entanto, observa-se que o fator regional tem estreita ligação com o número
de parlamentares eleitos, através do princípio de desproporcionalidade, provando, desta
maneira, que o Federalismo exerce influência sobre a representação parlamentar.
Além de apontar que o Federalismo influencia na representação política de uma
nação, é necessário ressaltar, sobretudo, que esta influência é mais comum em
territórios com grandes desigualdades de ordem sócio-econômica, como apresenta a
realidade brasileira. No entanto, como aponta Soares e Lourenço (2004), se houvesse
uma representação proporcional, na Câmara Baixa, aumentariam os desequilíbrios
federativos, pois estariam equiparados o poder econômico e o poder político. Neste
94
sentido, por mais contestado que seja este princípio de desproporcionalidade, ele ainda é
considerado válido em territórios com grandes heterogeneidades sociais, como no
Brasil.
Para reforçar o argumento acima, a tabela abaixo mostra as diferenças existentes
entre os estados brasileiros, particularmente entre São Paulo e o restante do país. Em
2001, São Paulo tinha 33,4% do PIB brasileiro, quase o triplo do segundo estado mais
rico do país (RJ=12,3%) e superior à somatória das riquezas das regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste, que juntas, detém 25,1% do PIB.
20
20
Dados coletados em Soares e Lourenço, 2004.
95
TABELA 18
(*) Censo Demográfico 2000.
(**)Representação dos estados proporcional à população e por maiores sobras.
Fonte: Soares; Lourenço, 2004.
Procurou-se, contudo, demonstrar neste tópico, que as distorções presentes no
Federalismo promovem, no plano federal, distorções representativas que constrangem,
de certo modo, o princípio democrático e, mais do que isso, impedem decisões políticas
que atendam aos interesses nacionais, de forma igualitária. Entretanto, a influência do
Federalismo não acaba por aqui. No plano municipal, a natureza das elites locais e a
implantação de novos arranjos institucionais reforçam uma participação residual dos
cidadãos e, muitas vezes, promovem maiores desconfigurações em um cenário já tão
96
comprometido, como o Federalismo brasileiro. Neste sentido, observa-se que os
municípios são atores relevantes no jogo federativo brasileiro.
5. O município como ente federado – uma análise da sua participação
A Constituição de 1988 trouxe uma novidade significativa: a formalização do
município como ente federativo. Após descentralizar recursos, a nova Carta promoveu
também a descentralização de algumas políticas sociais, que passaram então, a ser de
competência compartilhada com os municípios. A literatura comumente aborda os
efeitos da municipalização de duas principais políticas sociais, que são a Educação e a
Saúde, as quais serão analisadas neste tópico.
A Reforma Tributária promovida em 1988 delegou importantes recursos aos
municípios, que passaram a contar com uma importante contribuição do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM), formado por 22,5% do IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) e do IR (Imposto de Renda), aumentando, portanto, a receitas deste
ente, em comparação com a época anterior ao estabelecimento da Constituição, como
pode ser verificado com a tabela abaixo:
TABELA 19
Distribuição dos Recursos Públicos (%) 1985-1993
Distribuição anterior à
Constituição
Distribuição pós-Constituição
1985 1993 (*)
Esfera de
governo
% PIB % PIB
Federal 44,6 6,7 36,5 5,7
Estadual 37,2 5,6 40,7 6,3
Municipal 18,2 2,7 22,8 3,5
Total 100,0 15,1 100,0 15,6
(*) 1993 foi o ano em que a reforma de 1988 foi integralmente implantada.
Fonte: Souza, 1998.
97
Não somente entre os estados existe um jogo de competição não-cooperativo.
Entre os municípios também se firmam relações competitivas. Prova disso é que desde
1988, vem crescendo o número de emancipações distritais no Brasil, cujo principal
motivo é a busca por recursos do FPM, que pode ser obtido por qualquer município,
havendo, portanto, um incentivo material para o desmembramento. A tabela abaixo
evidencia a multiplicação dos municípios brasileiros, a partir de 1988:
TABELA 20
Fonte: Abrúcio; Costa, 1999.
Além disso, no conjunto destas emancipações, observa-se, principalmente o
surgimento de municípios com menos de 5.000 habitantes, como destaca a tabela
abaixo:
98
TABELA 21
Fonte: Gomes; Mac Dowell, 2000.
O crescimento destes micromunicípios, com até 5.000 habitantes, saltou de 2%
para 25,6% (IBGE), do total dos municípios brasileiros, no período de 1940 a 1997. A
grande polêmica da emancipação destes municípios pequenos é que a receita própria
deles é muito reduzida, dependendo, pois, do repasse de recursos federais e estaduais
para sobreviverem
21
. A tabela abaixo demonstra claramente estes dados:
TABELA 22
Fonte: Gomes; Mac Dowell, 2000.
21
No entanto, cabe ressaltar que em entrevista realizada com Secretários de Finanças municipais, de
cidades diferentes, obteve-se a informação de que estes concordam com a emancipação dos municípios.
Neste sentido, apesar de ser uma prática que colabora para o agravamento da situação federativa, ela é um
mecanismo defendido atualmente. Tal defesa reside no argumento de que, uma vez emancipados, estes
municípios poderiam melhorar os serviços sociais de atendimento à população.
99
Observa-se, portanto, que a receita própria dos municípios com até 5.000
habitantes é bem menor do que daqueles com mais de 1.000.000 de habitantes. Neste
sentido, para custear seus gastos, estes municípios pequenos dependem, principalmente,
de transferências federais, como ressalta a passagem abaixo:
Estatísticas da Secretaria do Tesouro Nacional para o ano de 1997,
abrangendo um total de 5.046 municípios, mostraram que as
transferências federais e estaduais constituíram mais de 50% da
receita corrente de 4.876 cidades. Dados do estudo do BNDES para
1999, com amostra de 1.404 prefeituras, revelaram que, entre os
municípios com população abaixo de 30 mil habitantes, a receita
tributária própria não representou mais de 3% da receita disponível e
em 36% (dos 412 municípios) esta mesma relação situou-se entre 3%
e 10%. (ANDRADE, 2004, p. 215).
Além disso, as próprias regras do FPM estimulam a criação destes municípios
menores, pois garante uma destinação maior dos recursos a estes, visto que 10% dos
recursos são destinados às capitais, 3,6% aos municípios do interior com mais de
156.000 habitantes e o restante, 86,4% aos demais municípios. Neste sentido, para os
municípios com maior população, o FPM não é considerado importante.
Uma das queixas mais comuns dos prefeitos é um aumento na participação do
bolo tributário nacional, pois os municípios aumentaram suas competências na execução
e prestação de serviços, principalmente na área de saúde e parte das tarefas
educacionais, com a respectiva descentralização do SUS (Sistema Único de Saúde) e
com a criação do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério).
A situação dos serviços de Saúde, antes da descentralização do SUS era precária.
O Governo Federal centralizava a maior parte dos gastos e administrava a maior rede de
saúde do país, mas isso não significava eficiência na gestão, nem economicamente,
tampouco administrativamente. O ponto decisivo para a descentralização do SUS foi a
aprovação das seguintes leis: a Lei Orgânica de Saúde, em 1990, a Lei 8.080, que
vincula a descentralização aos municípios e a Lei 8.142/90, que dispõe sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Assim, a partir dos anos 90, houve uma grande adesão dos municípios ao SUS,
onde em 1997, 58% dos municípios brasileiros estavam habilitados em alguma condição
100
de gestão do SUS, com 54% das consultas médicas prestadas por unidades municipais
de saúde. O sistema de adesão evoluiu tanto que, em 2002, 5.537 dos 5.560 municípios
brasileiros – ou seja, 99,6% do total – haviam se integrado ao SUS.
22
Os grandes
orientadores do processo de descentralização foram as NOBs (Normas Operacionais
Básicas), editadas pelo Ministério da Saúde. O sucesso da descentralização deveu-se,
em grande medida, ao fato de que, boa parte das disposições contidas nas NOBs foi
aceitas pelos entes federados. As normas definiam com clareza o repasse de recursos
financeiros entre a União, estados e municípios, bem como estabeleciam critérios
detalhados e precisos sobre a prestação de contas.
Através do programa federal de habilitação municipal do SUS, o município teve
que arcar com a responsabilidade pública na oferta de serviços de saúde, necessitando,
portanto, de uma capacidade técnica instalada que o habilitasse a desempenhar as
funções previstas, ou seja, equipamentos, recursos humanos e conhecimento
especializado necessários à oferta do serviço.
Outra questão polêmica relacionada aos municípios é na área de educação. A
oferta de serviços na área de ensino fundamental é de competência dos estados e dos
municípios, mas as duas esferas operam de modo inteiramente independente uma da
outra. A Constituição de 1988 estabeleceu que a oferta de matrículas deveria ser
preferencialmente oferecida pelos municípios, estipulando, ainda, que tanto os governos
estaduais, quanto os municipais, seriam obrigados, a partir de então, a gastarem 25% de
sua receita disponível com o setor de ensino. Diferentemente da área da saúde, o
Governo Federal não é o principal agente na área educacional, pois desempenha uma
função secundária, de financiar gastos com a alimentação de estudantes das escolas
públicas e de construção e capacitação das unidades escolares, contando com recursos
institucionais bem mais limitados à execução de objetivos nacionais de política.
Para alcançar um objetivo nacional, diminuindo as desigualdades intra-estaduais
no gasto do ensino fundamental, promovendo a valorização dos salários dos
professores, o governo Fernando Henrique Cardoso propôs a aprovação de uma Emenda
22
Dados obtidos em Arretche (1999; 2004).
101
Constitucional, responsável pela criação do Fundef
23
(Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Através de
tal Fundo, a cada ano, 15% das receitas totais de estados e municípios são retidas no
Fundo e então redistribuídas, para cada estado, entre governos municipais e estaduais,
de acordo com o número de matrículas efetivadas nas respectivas redes estaduais e
municipais de ensino fundamental.
Para alcançar seus objetivos, o Governo Federal adotou a estratégia
de constitucionalizar as transferências intra-estaduais, eliminando a
incerteza quanto ao recebimento dos recursos vinculados à oferta de
matrículas. Para obter o comportamento desejado por parte dos
governos locais, criou uma obrigação constitucional, dada sua
limitada capacidade institucional de afetar as escolhas dos governos
locais. (ARRETCHE, 2004, p. 24).
Neste sentido, a legislação do Fundef previa uma cooperação nas relações
intergovernamentais, a medida em que designava a participação do Governo Federal na
complementação dos recursos do fundo, sempre que nos estados o valor médio anual
gasto por aluno matriculado fosse inferior ao valor mínimo estabelecido nacionalmente.
Como apontado por Vazquez (2005), segundo o então Ministro da Educação Paulo
Renato Souza, o Fundef seria um exemplo inovador de política social, visando os
seguintes objetivos estratégicos:
Promover a justiça social;
Promover uma política nacional de equidade;
Promover a efetiva descentralização e
Promover a melhoria da qualidade da educação e a valorização do magistério.
No entanto, neste mesmo estudo elaborado por Vazquez (2005), onde o autor faz
uma análise minuciosa acerca da implantação do Fundef, é demonstrado que, após seis
anos da implementação do Fundo, surgiram problemas estruturais relacionados ao
23
Segundo Arretche (2004), a Emenda Constitucional Fundef – EC/96, estabelece que, pelo prazo de dez
anos, estados e municípios devem aplicar, no mínimo, 15% de todas as suas receitas exclusivamente no
ensino fundamental. Além disso, 60% destes recursos devem ser aplicados no pagamento de professores
em efetivo exercício do cargo do magistério. A EC/96 ainda estabelece que o governo federal deve
complementar o gasto naqueles estados que não conseguem alcançar um valor mínimo nacional, com
base em suas receitas.
102
modelo tributário vigente e, mais uma vez, implicações sobre o Federalismo fiscal
brasileiro:
De um lado, o que se pode concluir é que não houve possibilidade de
alterar-se a estrutura fiscal vinculada ao programa, pois exigiria uma
reforma tributária e alterações na questão do Federalismo fiscal. Pelas
mesmas razões, o mecanismo do Fundef não prevê a redistribuição
dos recursos do Fundo no plano nacional, ou seja, entre as unidades
federadas. Com isso, a responsabilidade pela correção das
desigualdades interestaduais no financiamento do ensino fundamental
recai, exclusivamente, sobre a União. (VAZQUEZ, 2005, p. 162).
Neste sentido, observa-se que o inter relacionamento entre as esferas federadas
afeta o grau de eficácia das políticas públicas empregadas; no caso do Fundef, houve
uma incapacidade, por parte da União, em complementar os gastos dos estados que não
conseguiam dispor de recursos necessários para a destinação de recursos ao Fundo; por
este motivo, como observa Vazquez (2005), houve uma ampliação das desigualdades
interestaduais existentes no financiamento do ensino fundamental, logo após seis anos
da implementação do Fundef.
Os exemplos fornecidos aqui, da descentralização do Sistema Único de Saúde
(SUS) e da criação do Fundef, são ilustrativos para se destacar a natureza das políticas
públicas oferecidas, bem como a dificuldade que os entes federados possuem, de
estabelecerem padrões de relações que busquem o fortalecimento do Federalismo,
auxiliando, sobretudo, na melhoria das políticas públicas empregadas. Optou-se pela
explanação das áreas de Saúde e Educação porque na visão dos administradores
municipais, são as áreas que mais carecem de recursos públicos. Neste tópico, procurou-
se destacar que as relações entre os entes federativos, especialmente entre os
municípios, são determinantes, contudo, para o sucesso ou o fracasso de projetos que
visem à melhoria de serviços públicos oferecidos aos cidadãos.
6. Conclusões Preliminares
Procuramos, neste capítulo, mostrar as possibilidades dos jogos federativos,
descrevendo o modelo que vigora no caso brasileiro. A partir de uma retrospectiva,
através de como o Federalismo foi organizado, em diferentes Constituições, permite-nos
103
entender o desenho federativo atual, fruto de momentos de centralização do poder e de
recursos e de descentralização dos mesmos. O modelo adotado pela Constituição de
1988, apesar dos esforços dos constituintes, revelou-se insuficiente para conter as
diversas desigualdades existentes na federação brasileira, bem como para conter os
conflitos inerentes às relações entre União, estados e municípios. Relações estas que,
muitas vezes, contribuem para a construção de um Federalismo tortuoso que
compromete a própria natureza de mudanças institucionais importantes para a nação.
Neste sentido, evidenciado o caráter das relações intergovernamentais, bem
como destacado o cenário federativo brasileiro, no próximo capítulo serão abordadas as
discussões ocorridas no Governo de Fernando Henrique Cardoso, no que compete à
Reforma Tributária. Grande parte das questões levantadas neste capítulo, com a
evidência dos atores envolvidos – qual seja, União, estados e municípios – estarão
novamente em destaque quando analisaremos a Emenda que forneceria as disposições
para a Reforma Tributária naquele momento. Além disso, as desigualdades existentes
entre as regiões e entre os entes federativos também serão elementos decisivos que
envolverão a natureza dos debates parlamentares. Como mostrado em diversos
momentos, um pacto federativo consistente deve abarcar o equilíbrio entre coordenação
e competição, algo que se torna particularmente difícil de se atingir, no caso brasileiro.
No contexto atual, a realização da reforma tributária, bem como de outras
reformas importantes para a sociedade, estão intrinsecamente ligadas ao
estabelecimento de um pacto federativo que estabeleça formas de cooperação, entre os
entes federados, fornecendo, sobretudo, critérios claros de distribuição dos recursos
tributários. Seria ingênuo supor a existência de um modelo onde não exista nenhum tipo
de interesses conflituosos ou mesmo díspares entre os entes envolvidos. Neste sentido,
cabe aqui a justificativa do uso da epígrafe do início deste capítulo, proferida por
Gagnon (1993, p. 18): “O sucesso do sistema federativo não é medido em termos de
eliminação de conflitos sociais mas em sua capacidade de regular e administrar estes
mesmos conflitos”.
No próximo capítulo será apresentada uma análise do debate em torno da
Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Tributária, proposta pelo governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso.
104
Capítulo III: Os anos 90 e o debate acerca da reestruturação
dos tributos: da Revisão Constitucional de 1993 ao governo de
Fernando Henrique Cardoso
Após a promulgação da Constituição em outubro de 1988, várias mudanças
ocorreram no sistema tributário, juntamente com alguns novos problemas que então
emergiam. A ingovernabilidade fiscal, aliada a um novo ambiente econômico, passou a
ocupar lugar de destaque e temas como rigidez fiscal e orçamentária necessitavam de
uma reavaliação, a fim de tornar mais justo e igualitário o sistema de arrecadação
tributária no Brasil. Ademais, as reformas pró-mercado começaram a ganhar força no
país, que, em contrapartida, encontrava dificuldades para a concretização, devido, entre
outros fatores, à fragmentação do sistema de representação e intermediação de
interesses.
Além disso, no Brasil, o processo de descentralização teve repercussões sobre a
agenda das reformas e também sobre o Federalismo, principalmente atuando sobre as
finanças estaduais e municipais, como destacado no capítulo anterior, que necessitam de
novos ajustes. Observou-se um endividamento dos governos estaduais, que, diante da
corrosão de suas receitas, recorreram à ajuda financeira dos bancos estaduais, com
dívidas que chegavam a US$ 22,8 bilhões, sendo que US$ 18,3 bilhões foram
contraídos pela Região Sudeste e US$ 8,1 bilhões somente por São Paulo. (REZENDE,
1982, p. 535).
Neste sentido, o presente capítulo procura fornecer um panorama acerca das
tentativas de reordenação do aparelho tributário brasileiro, com uma análise das
propostas apresentadas desde a Revisão Constitucional de 1993, até os anos de 1994,
com a ascensão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que tomou posse visando
promover reformas em várias áreas, inclusive e especialmente no setor tributário.
Todavia, procuramos delinear, de forma sucinta, o pano de fundo da nova agenda da
reforma tributária dos anos 90, que agora convive com novos problemas fiscais,
sinalizando a necessidade de ascensão de novos debates acerca da reformulação do
sistema tributário brasileiro. A seguir serão detalhadas as iniciativas de modernização
do sistema tributário, após a promulgação da Constituição de 1988.
105
1. A formação da agenda da reforma tributária nos anos 90
Contrariamente à agenda de reformas dos anos 80, caracterizadas principalmente
pelo processo de descentralização, que visava redistribuir e promover a inclusão social,
a reforma preconizada pelos anos 90 visava principalmente a inserção do Brasil ao
mercado internacional, promovendo, contudo, a simplificação e a harmonização
tributária, recuperando a capacidade fiscal e tributária da União. Sobretudo após a
promulgação da Constituição de 1988, os setores técnicos e burocráticos entenderam
que havia duas principais motivações que necessitavam de ajustes, que eram a
ingovernabilidade e a necessidade de reformas pró-mercado. Como ressalta Melo
(2002):
A discussão acerca da ingovernabilidade assumiu grande centralidade
no debate político em torno das reformas recentes. Mais do que isso:
ela se tornou um princípio ordenador do campo político. A
ingovernabilidade fiscal passou a ser invocada com base num duplo
diagnóstico de rigidez fiscal e orçamentária e de expansão de direitos
sociais e do gasto social crescente, sem previsão de novas fontes de
financiamento. (MELO, 2002, p. 48).
Além disso, o processo de descentralização promovido pela Constituição de
1988 influenciou a agenda das reformas dos anos 90, principalmente após o processo de
endividamento de estados e municípios, como analisado no capítulo anterior. A
redistribuição de tributos, promovida pela Carta de 88, promoveu um substancial corte
nas receitas da União, que passou, então, a recorrer às Contribuições Sociais, como uma
maneira de contrabalançar as perdas:
Embora a União permanecesse praticamente com as mesmas
atribuições anteriores à promulgação da Carta Magna, a sua
incapacidade de manter os níveis históricos de investimentos em
infra-estrutura e em políticas sociais acarretou uma espécie de
‘descentralização selvagem’ de atividades para os governos sub-
centrais. Em função dessa perda no orçamento fiscal a partir de
1988, a União começa a lançar mão das Contribuições Sociais, como
um meio compensatório de arrecadar recursos suplementares. Essa
estratégia, desenvolvida ao longo dos últimos anos, tinha a vantagem,
por um lado, de o Governo Federal não ter que repassar esses
recursos para os estados e municípios – como ocorre na criação de
novos impostos previstos na Constituição – e, por outro, essas
contribuições poderiam entrar em vigor apenas três meses após sua
aprovação, não exigindo o princípio de anterioridade para serem
implantadas. (MELO, 2002, p. 48).
106
A tática da União em participar das Contribuições Sociais representa uma
maneira de se defender das perdas sofridas com a Constituição de 88. No entanto, como
ressalta Melo (2002), a receita de tais Contribuições passou a ser disputada pelo
Tesouro Nacional, que, aliado aos estados e municípios, passam a ser atores
institucionais que se privilegiam, de alguma maneira, dos conflitos federativos e intra-
poderes. As áreas econômicas começaram a ocupar um espaço relativamente
importante, a fim de restabelecerem as contas da União:
As áreas Fazendária e de Planejamento do governo passaram a se
mobilizar em torno da questão da rigidez orçamentária e da
necessidade de garantia de receitas livres. Com base no fato de que o
Governo Federal só passou a dispor de liberdade alocatícia no que se
refere a 10% do orçamento, a União passou a patrocinar iniciativas
que visavam à retenção de parcelas das transferências constitucionais
aos estados e municípios, retirando parte dos recursos que compõe as
fontes dessas transferências (Imposto de Renda de pessoa jurídica e
Imposto sobre Produtos Industrializados). Essa disputa federativa
evoluiu gradativamente e ganhou certa permanência com a criação,
em 1993 – e as sucessivas prorrogações -, do Fundo Social de
Emergência (transformado em 1996, no Fundo de Estabilização
Fiscal, e, em 2000, na Desvinculação de Recursos da União). Pela
importância que essa disputa vem assumindo, podemos afirmar que
ela constitui-se em dimensão essencial do conflito social e
distributivo brasileiro. (MELO, 2002, p. 49).
Como fonte de ingovernabilidade fiscal, podemos considerar a situação dos
estados, que, como destacado no capítulo anterior, passaram a contrair dívidas com seus
bancos, gerando um enorme endividamento, escapando do controle de autoridades
monetárias. Além disso, a guerra fiscal é outro fenômeno que contribui para debilitar
ainda mais as bases fiscais subnacionais, interferindo na autonomia de estados e
municípios.
Esta é a agenda da reforma tributária do período pós-Constituinte, onde os
problemas são a ingovernabilidade fiscal, associada ao processo de descentralização
promovido pela Carta de 88, e diminuição das receitas da União. Neste sentido,
pretende-se encontrar medidas capazes de reduzir a carga fiscal e o chamado Custo
Brasil. Pretende-se, ainda, estabelecer mecanismos que proporcionem uma redução das
Contribuições Sociais, a desoneração das exportações e a eliminação dos impostos
cumulativos. Além disso, a agenda prevê a formação de blocos regionais, promovendo
uma melhor distribuição de recursos para as regiões e a harmonização tributária.
107
2. As Propostas de Reforma Tributária durante a Revisão Constitucional
de 1993
Durante o Governo de Fernando Collor de Melo, houve a primeira tentativa de
reforma tributária e fiscal do período Pós- Constituinte, com a criação da Comissão
Executiva da Reforma Fiscal (CERF). A CERF, possuindo Ary Osvaldo Mattos Filho
como Presidente e contando com contribuições de cerca de 50 especialistas, propunha
um conjunto de medidas, dentre elas, a criação de um Imposto sobre o Valor
Adicionado que seria criado a partir da fusão do IPI, ICMS e ISS, pagos no destino, a
desoneração plena das exportações, a eliminação das Contribuições Sociais, com a
privatização parcial da Previdência Social, a criação de uma Contribuição sobre
Transações Financeiras (depois denominada de IPMF e posteriormente CPMF), e a
criação de impostos seletivos sobre combustíveis e energia elétrica. Em entrevista, Ary
Oswaldo Mattos Filhos destaca o cenário onde se desenvolvia tal reforma:
Nós estamos falando do início da década de 90, em que a taxa de
inflação era muito alta, o nível de investimento muito baixo, a
disponibilidade de moeda estrangeira muito baixa, estávamos no auge
dos problemas do Governo Federal por conta da Constituinte de 88,
que retirou recursos tributários da União, para entregá-los aos estados
e municípios. Ao mesmo tempo em que a União estava com muita
dificuldade financeira, os estados e os municípios estavam quase
quebrados. A carga tributária já era relevante, não era tão alta quanto
hoje, mas já era relevante, e havia um sistema tributário desconectado
do sistema de arrecadação, e um grupo de tributos concorrentes, que
propiciavam vários incidentes entre União, estados e municípios,
sobre um mesmo fato econômico, além de propiciar a guerra fiscal.
Então, motivos não faltavam; mas os motivos não eram de reforma
tributária, mas de reforma fiscal. Porque não adiantava mexer só no
lado da receita se não mexesse no lado do gasto. Ou seja, o projeto se
predispôs a mexer nos dois lados. (MATTOS FILHO, entrevista,
02/05/2007).
Mattos Filho (2007) salienta a necessidade da reforma fiscal, naquele momento:
Talvez das coisas que um governo faça, a reforma fiscal é a mais
complicada, porque ela está remexendo no pacto federativo. E através
desta mexida no pacto federativo, ela está redistribuindo as cartas,
dizendo quem paga, pra quem paga e pra receber o que. Então ela é
uma proposição que mexe com interesses de todos os lados. É um
problema redondo, ou seja, de qualquer lado que se olhe é um
problema, mas que se precisa ser feito. Não se esquecendo nunca que
na reforma fiscal entra a Previdência; não se esquecendo que na
reforma fiscal, no capítulo da Previdência, por exemplo, temos que
discutir a idade mínima da aposentadoria. Por que a aposentadoria é
108
mais cedo para as mulheres, por que é mais cedo pras pessoas. A
reforma fiscal mexe com todos os interesses cristalizados do país.
(MATTOS FILHO, entrevista, 02/05/2007).
Azevedo e Melo (1997) ressaltam que os trabalhos de tal Comissão implicavam
mudanças em 33 artigos da Constituição, mas que não foram apreciados pelo Congresso
Nacional, devido ao impeachment do presidente Collor. No entanto, os autores
ressaltam que “a proposta estava fadada ao malogro pela intensa resistência oferecida
por setores da burocracia pública – notadamente, Receita Federal, Ministério da
Previdência e BNDES -pelos governos estaduais e pelas associações empresariais”.
(AZEVEDO; MELO, 1997, p. 08). Tal idéia é reafirmada por Mattos Filho (2007):
Nós éramos em sete pessoas na Comissão da Reforma Fiscal e a
Receita queria ter um papel dentro da Comissão das propostas que a
Comissão ia produzir. E ela não tinha nenhum membro. Então ela
ficou brava com isso, principalmente os sindicatos, os agentes
federais de renda. No começo não foi fácil, mas a gente foi superando
aos poucos isso. (MATTOS FILHO, entrevista, 02/05/2007).
Apesar de a CERF não ter concretizado as medidas que propunha, uma nova
tentativa de reordenar o sistema tributário surgiu, com os trabalhos da Revisão
Constitucional realizada em 1993-1994, uma vez que no dispositivo constitucional
denominado “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”, que é composto de 70
artigos, estava consignado o seguinte: “A revisão constitucional será realizada após
cinco anos, contados da promulgação da Constituição pelo voto da maioria absoluta
dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral”. (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, 1998). Durante este processo revisional, cerca de 60 propostas de reforma
tributária tramitaram no Congresso Nacional, embora apenas quatro emendas foram
aprovadas, dentre elas a que criava o Fundo Social de Emergência.
O então senador, Humberto Lucena, foi quem presidiu os trabalhos da Revisão
Constitucional, e Nelson Jobim, ocupava o cargo de Relator. No período desta Revisão,
era vedada a apresentação de propostas por parte do Executivo; portanto, as propostas
109
foram apresentadas por deputados.
24
Azevedo e Melo (1997) destacam algumas
propostas que apresentavam mudanças no sistema tributário. Tratam-se da proposta do
deputado Luiz Roberto Ponte, a chamada “Emenda Ponte”, a proposta do Instituto de
Estudos Avançados da USP, do Instituto Nacional de Assuntos Estratégicos (INAE), da
Força Sindical do Estado do Rio Grande do Sul, da Comissão Executiva da Reforma
Fiscal do deputado Germano Rigotto e, finalmente, do Banco Mundial. As propostas
apresentadas por estas entidades possuíam algum tipo de vínculo com deputados, ou
com os projetos por elas elaborados, segundo a Receita Federal.
Dentre as propostas apresentadas, durante a Revisão Constitucional de 1993,
uma apresentou grande repercussão, que foi a de autoria de Luiz Roberto Ponte, que
posteriormente se transformou na Proposta de Emenda à Constituição n° 46, de 1995,
quando se iniciariam novamente os debates sobre a reforma tributária. Segundo
Azevedo e Melo (1997):
Ponte viajou por todo o país defendendo a sua emenda, procurando
sensibilizar, sobretudo, setores empresariais e a classe média, que
suporta a maior parte dos impostos diretos. Sua emenda, que sofreu
várias versões, baseia-se fundamentalmente em impostos seletivos.
Inicialmente, inspirou-se em um imposto sobre transação financeira
e, depois, incorporou impostos seletivos, totalizando seis impostos
em suas versões mais recentes. Estes últimos são impostos que
incidem sobre mercadorias e serviços de grande peso e com maiores
facilidades de serem cobrados na origem, como é o caso dos cigarros,
automóveis, bebidas, combustível, energia elétrica e
telecomunicações. (AZEVEDO; MELO, 1997, p. 10).
Segundo o autor da proposta, esta diminuiria os custos de arrecadação e de
fiscalização, além de contribuir para eliminar a burocracia existente para a declaração e
pagamento de impostos. Entretanto, segundo Azevedo e Melo (1997), tal proposta
fracassou, pois retirava dos estados e municípios o controle sobre os impostos:
Pelo projeto, a União deveria concentrar a arrecadação, cabendo aos
estados e municípios apenas as transferências. Ademais, a Emenda
Ponte também não foi endossada pelo governo – embora tenha sido
24
Diversos deputados apresentaram propostas substantivas. Tratam-se de Delfim Neto, José Serra,
Roberto Campos, Francisco Dornelles, Luis Carlos Hauly, Benito Gama, Pedro Simon, Victor Faccioni,
Luiz Eduardo, Roberto Freire, Flávio Rocha e Luiz Roberto Ponte. O projeto foi elaborado por Edmar
Bacha, economista e apresentado por Eva Blay, suplente do então ministro da fazenda, Fernando
Henrique Cardoso.
110
apresentada em 1995 como proposta oficial do PMDB – em virtude
da resistência dos setores burocráticos, que enfatizavam que reformas
não incrementais seriam foco de incertezas. (AZEVEDO; MELO,
1997, p. 11).
Em meados de 1993, como parte dos preparativos para o Plano Real, o então
Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, propôs a
criação, dentro do processo em curso de Revisão Constitucional, do Fundo Social de
Emergência – FSE -, que limitava o volume das transferências vinculadas a estados e
municípios. A aprovação deste dispositivo explica-se pelo temor da explosão
inflacionária e seu caráter transitório (o texto referia-se apenas aos anos de 1994 e
1995). Considerada vital para dar credibilidade fiscal ao plano de estatização, esta
medida foi a primeira revisão na trajetória descentralizadora, que se iniciara nos últimos
anos do regime militar e foi considerada uma das principais medidas aprovadas durante
o processo revisional.
Todavia, devido ao fracasso da Revisão Constitucional de 1993, como ressalta
Souza (M, 1998), o único sistema de mudança formal da Constituição de 1988 seria
através do processo de Emendas
25
à Constituição, processo este que contaria com um
quorum de aprovação de 3/5, após os debates, em dois turnos, na Câmara e no Senado.
A autora em tela ressalta que a Revisão, que deveria obter um quorum qualificado de
aprovação e a uma maior formalidade, fora realizada de uma forma menos rigorosa.
“Mas o que importa é a vontade do constituinte. Consumida a oportunidade de revisão
e sendo esta norma transitória, outra possibilidade igual seria excluída”. (SOUZA, M.,
1998, p.130).
Neste sentido, o processo de Emendas passou a balizar a agenda do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, que tomou posse para o seu primeiro mandato em 1994;
neste período, o Executivo teve a iniciativa de enviar ao Legislativo um lote de emendas
constitucionais para ser discutido e aprovado. Dentre estas Propostas de Emendas
Constitucionais, a mais importante para esta investigação, é a PEC 175, que tratava da
reformulação do Sistema Tributário. Souza (M., 1998) faz um balanço prévio do que
representava esta proposição de emendas constitucionais, em diversas áreas, iniciando-
se no ano de 1994, no Governo Cardoso:
25
O processo de emenda é um mecanismo menos rigoroso, segundo Marcia Teixeira de Souza (1998).
111
É notório, portanto, que o governo de Fernando Henrique Cardoso
tem apresentado uma agenda política extensa e profundamente
reformadora, o que vem monopolizando a pauta do Legislativo.
Mesmo que a organização do processo legislativo continue
possibilitando a prevalência das iniciativas do Executivo sobre as
demais, uma certa dificuldade de tramitação das proposições que
encerram alto grau de conflito, ainda se impõe. Outros aspectos como
o absenteísmo e uma frágil coordenação da bancada governista, vêm
se configurando, também, como complicadores da ação reformista do
governo. (SOUZA, M., 1998, p. 132).
Como ressalta Souza (M, 1988), o trâmite de um Projeto de Emenda
Constitucional deve obedecer a uma agenda de reformas constitucionais, que é uma
agenda ultraconsociativa, pois impõe a necessidade de construir-se uma coalizão
reformista que ultrapasse, consideravelmente, a maioria absoluta dos congressistas – via
de regra, aquela necessária para a aprovação da maior parte da legislação -, pois a
aprovação das emendas constitucionais requer uma maioria de 60% dos votos, obtida
em duas votações em cada uma das duas Casas do Congresso Nacional (Câmara dos
Deputados e Senado Federal).
26
No entanto, examinando o Projeto de Emenda Constitucional 175, que trata da
reformulação do sistema tributário, observou-se que, frente às dificuldades de
encaminhamento do projeto no Congresso Nacional, adotou-se, naquele momento, a
estratégia de levar a cabo a mudança pela via infraconstitucional. O Governo Federal
enviou projetos de lei ordinária na área tributária, tendentes a alcançar objetivos
embutidos na proposta de reforma constitucional em tramitação. E é sobre a PEC 175
que se concentra a análise do item seguinte.
26
Segundo Marcia Teixeira de Souza (1998), com o propósito de acelerar o processo de apreciação destas
leis, apela-se ao sistema de comissões. O trâmite legal é o seguinte: no âmbito da Câmara dos Deputados,
o Projeto de Emenda passa por uma espécie de “porta de entrada” da legislação pretendida, a Comissão
de Constituição, Justiça e Redação, que se pronuncia a respeito da admissibilidade das proposições, ou
seja, sua adequação perante a Constituição. Após este estágio, a proposição passa pela Comissão
Especial, que se pronuncia quanto ao mérito das proposições, examinando-as quanto a oportunidade e a
conveniência. Somente após o trâmite acima descrito é que a proposta chega ao Plenário, instância que
permite a possibilidade de apresentação de novas Emendas ao texto, desde que tenham o apoio de 1/3 dos
parlamentares; é também no Plenário em que se a votação final sobre o objeto da matéria proposta.
Algumas abordagens teóricas tecem críticas a este processo constitucional, utilizando o argumento de que
há um dispêndio de tempo muito grande, tornando o processo demasiadamente longo. Entretanto, outros
estudiosos alertam para o risco de reformas constitucionais mal planejadas, pois, uma vez inseridas na
Constituição e transformadas em lei, uma eventual mudança seria muito mais complicada. Além disso,
matérias tributárias e fiscais exigem um grau de precaução redobrado, considerando-se a amplitude que
tais matérias atingem.
112
3. O Governo Fernando Henrique Cardoso e o renascimento de propostas
de reforma tributária: a PEC 175
No dia 17 de outubro de 1995, o Executivo Federal apresentou, na Comissão
Especial do Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional n° 175, que
traria inovações para o sistema de arrecadação tributária. Esta Comissão Especial era
formada por Germano Rigotto, que ocupava o cargo de Presidente, e pelos Vice-
Presidentes, Antonio Kandir, Antonio Palocci e Romel Anízio. O Relator ficava a cargo
do deputado Mussa Demes. A Comissão contava, ainda, com alguns líderes do governo,
representados pelo deputado Arnaldo Madeira, juntamente com Everardo Maciel, então
Secretário da Receita Federal.
27
A discussão girava em torno da centralidade que a Reforma Tributária passava a
ter na agenda do governo a partir daquele momento: tornava-se central para estimular o
desenvolvimento dos setores produtivos, reduzindo o índice de desemprego no país,
bem como para promover um ajuste fiscal, que respeitasse a devida carga tributária,
visando a melhoria da qualidade do Sistema Tributário e da eficiência dos tributos.
Além disso, a proposta visava adotar um princípio de harmonização tributária, a fim de
promover uma maior integração da economia brasileira com os demais países. O
Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, que naquele momento fornecia sua
contribuição para a discussão, salientava que esta reforma era vista como uma
“panacéia” para os males econômicos e sociais do país; porém, não descartava a sua
importância para a construção de um Brasil moderno.
Convém ressaltar que, como assinala Melo (2002), oito propostas foram
apensadas à PEC 175: a PEC 14/95, do deputado Luís Carlos Hauly (PSDB-PR), a PEC
110/95, do deputado Germano Rigotto (PMDB-SP), a PEC 176/93, do deputado
Eduardo Jorge (PT-SP), a PEC 195/95, do deputado Vítor Faccioni (PPB-RS), a PEC
124/95, do deputado Firmo de Castro (PSDB-CE), a PEC 38/95 do deputado Paulo
Gouveia, a PEC 46/95, do deputado Luís Roberto Ponte (PMDB-RS) e a PEC 47/95,
também do deputado Luís Carlos Hauly.
27
O Apêndice, ao final deste texto, contém todos os membros que compunham a Comissão Especial de
Reforma Tributária, bem como seus respectivos partidos políticos.
113
A proposta que reordenaria o Sistema Tributário portava duas premissas básicas.
A primeira era a manutenção do arranjo redistributivo entre os três níveis de governo da
federação, como consolidado na Constituição de 1988. Segundo Fernando Rezende
(1996, p. 9-10), um dos mentores da proposta,
Parte-se do suposto de que, na atual conjuntura, quaisquer tentativas
de reverter esse pacto, forjado durante o processo constituinte, depois
de muita negociação, inviabilizaria politicamente a proposta de
reforma tributária. Em função disso, a proposta do governo preserva
as regras básicas e os percentuais de partilha estabelecidos pela atual
Constituição.
A segunda premissa estava vinculada à necessidade de reformular o sistema
tributário nacional, adequando-o ao novo cenário nacional e internacional. No nível
interno, buscava-se a superação da crise fiscal, a redução do chamado “custo Brasil” e a
diminuição das desigualdades regionais e sociais, acentuando a competitividade da
economia brasileira, tornando-a mais atraente a investimentos internacionais. A PEC
175 objetivava, ainda, como já ressaltado, a manutenção da carga tributária global
28
. Diz
textualmente a proposta: “nenhuma esfera de governo, incluída a União, teria redução
no montante de recursos que no sistema atual lhe cabe”.
O gráfico 8 vem demonstrar o grau da carga tributária no Brasil, entre os três
níveis de Governo, considerando o período de 1986-1995:
28
Segundo Riani (2002, p. 171): “A forma mais tradicional de se apurar a carga tributária de um país é
através da relação entre o montante de recursos obtido pelo governo via tributação e seu Produto Interno
Bruto. Por esta relação, consegue-se apurar quanto da renda gerada no país, em determinado momento, é
destinada ao financiamento dos gastos governamentais. De outra forma, pode-se dizer, também, que a
carga tributária representa quanto do PIB de um país que é recolhido aos cofres públicos via tributação”.
114
GRÁFICO 8
Fonte: Secretaria da Receita Federal, 1999.
A decisão dos parlamentares em não aumentar a carga tributária, residiu no fato
de que ela já era elevada e representava o máximo que o contribuinte brasileiro pode
sustentar. O risco de ultrapassar este limite seria, pois, estimular a sonegação.
Entretanto, existiram muitos desacordos em torno da questão. Para o empresariado, a
redução da carga tributária e das Contribuições Sociais, representava um incentivo para
a expansão de suas indústrias. Para o Governo, entretanto, a ampliação da base
monetária, através do aumento da carga tributária, era o meio encontrado para deter os
rombos do orçamento, causados pelos déficits públicos. Para o contribuinte - onerado
em sua folha de pagamento através dos inúmeros tributos - a redução destes impostos
representava um meio de combater a desigualdade social.
Além disso, devido à expansão da carga tributária, os setores da classe média e
alta, começaram a encontrar formas de burlar a Receita Federal. A evasão fiscal se
transformou num dos maiores problemas que o governo devia enfrentar, a fim de
restabelecer o principio da eqüidade, na cobrança de tributos. Como salienta Júlio César
do Prado Leite (1983, p. 310), “a evasão fiscal não apenas encurta o que deveria ser
disponível pelo Erário, mas premia fortemente os inadimplentes desestimulando os que
acreditam na eficácia das leis”.
115
O autor em tela aponta que existem verdadeiras “riquezas subterrâneas”, através
dos produtos sem nota fiscal, das prestações de serviço sem o devido cadastro, enfim,
práticas que, de um lado, colaboram para o enriquecimento de determinados setores da
população e, de outro, ajudam a corromper ainda mais a estrutura tributária, já tão
desfigurada. Para reforçar esta idéia, Batista Jr. (1995, p. 36), fornece alguns dados
importantes, referentes a uma pesquisa realizada no ano de 1994, pela Receita Federal,
sobre os contribuintes de maior renda no país, e suas práticas tributárias:
Num universo de 460 indivíduos, proprietários dos maiores
patrimônios declarados, com valores entre US$ 19,2 milhões e US$
764,3 milhões, constataram-se, entre outras, as seguintes
barbaridades: (a) 45% desses indivíduos calcularam um imposto
devido na declaração menor que US$ 20 Mil; (B) 12% deles
justificaram aumentos substanciais de patrimônio com rendimentos
isentos ou não tributáveis e 5% aumentaram seus patrimônios sem
justificativa de rendimentos de qualquer espécie; (c) 65% desse grupo
apresentam baixíssimos rendimentos, tributados exclusivamente na
fonte; (...) e um caso chega a ser grotesco: o maior proprietário de
terras do país (pessoa física) declarou prejuízos em sua atividade
rural e pagou imposto de renda semelhante ao de um metalúrgico do
ABC.
E ainda, um outro estudo da Receita Federal, sobre as empresas de maior porte,
divulgado em fins de 1993, apresenta um quadro igualmente impressionante sobre a
extensão da evasão tributária: “em 1993, 54% da COFINS (contribuição para o
financiamento da seguridade social), devida pelas 30 mil maiores empresas deixaram
de ingressar nos cofres públicos, em função de ações judiciais, inadimplência ou
sonegação”. (BATISTA, 1995, p. 36).
Com relação à carga tributária, um estudo do economista Ricardo Varsano
(1997), apontou que em 1996, a carga tributária equivaleu a 29,8% do PIB. O autor em
tela salienta que os Estados Unidos possui uma carga tributária de 29,5% do PIB,
percentual semelhante ao Brasil; porém, a renda média de cada norte-americano
corresponde a US$ 24,3 mil, enquanto a de cada brasileiro, chega a US$ 4.776.
Reportando-se ao estudo de Varsano (1997), os gráficos abaixo fazem uma
comparação das cargas tributárias de vários países, demonstrando que no Brasil a carga
tributária alcança um grande percentual:
116
GRÁFICO 9
Carga Tributária no Brasil e no Mundo, em % do PIB
38,7
32,9
36,7
44,2
20,3
36,5
50,1
47,4
21
45,3
29,7
50,3
52,4
43,8
Itália
Austrália
Reino Unido
Alemanha
Cingapura
Cana
Holanda
Áustria
Japão
França
Estados Unidos
Suécia
Dinamarca
Noruega
Países de Renda Alta (*)
13,3
18,3
14,3
22,2
15,6
22,4
19,9
15,3
29,8
Bolívia
México
Peru
Panamá
Venezuela
Costa Rica
Chile
Argentina
Brasil
Países da América Latina
Fonte: “Uma análise da carga tributária brasileira”, estudo coordenado por Ricardo Varsano
(IPEA), 1997.
117
GRÁFICO 10
17,2
17,2
12,7
23
46,7
18
27,9
49,5
30
17,9
40,1
36,2
Ruanda
Índia
Gana
Egito
Polônia
Tailândia
África do Sul
Hungria
Portugal
Coréia do Sul
Israel
Espanha
Outros países
Fonte: “Uma análise da carga tributária brasileira”, estudo coordenado por Ricardo Varsano
(IPEA), 1997.
Convém analisarmos, também, a carga tributária incidente em cada nível de
governo. Existe uma corrente de analistas que ressaltam que a carga tributária é
especialmente concentrada na União. Segundo dados do IBGE, a parcela
correspondente à União, na carga tributária, no período de 1991 a 1997, aumentou de
15,8% do PIB em 1991, para 19,4% em 1997. Portanto, segundo a pesquisa, mesmo
descontadas as transferências legais para estados e municípios, a esfera Federal
continuou retendo o equivalente a 15,7% do PIB em 1997, com relação aos 12,5% de
1991, como demonstra a tabela 23:
118
TABELA 23
PARTILHA
Carga tributária de cada nível de governo, após as transferências
constitucionais, no período 1991 a 1997 (em % do PIB)
Ano Total Federal Estadual Municipal
1991 24,6 12,5 7,7 4,4
1992 24,8 12,4 7,5 4,8
1993 25,2 14,1 7,1 4
1994 27,8 14,8 8,4 4,5
1995 28,3 14,6 8,6 5,1
1996 28,6 15,3 8,2 5,1
1997 28,8 15,7 8,1 5,1
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2000.
Realizadas as transferências, a fatia correspondente aos estados aumentou para
8,1% do PIB em 1997, e a dos municípios, para 5,1%. Sem levar em consideração o
repasse de recursos pela União, os estados aumentaram de 7,4% do PIB em 1991 para
8% em 1997; os municípios de 1,4% para 1,5% no período.
Os dados, consolidados e divulgados pelo Departamento de Contas Nacionais,
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, revelaram, ainda, que a maior
incidência de tributos recai sobre a região Sudeste. Dos 28,8% do PIB arrecadados na
forma de impostos e contribuições, 18,5% são provenientes dos estados de São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. A tabela 24 demonstra a distribuição
regional da carga tributária no período de 1991 a 1997:
119
TABELA 24
PARTICIPAÇÃO REGIONAL
Distribuição da carga tributária por regiões, no período 1991 a 1997 (em % do
PIB)
Ano Brasil
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
1991 24,6 0,6 2,4 16 3,3 2,2
1992 24,8 0,6 2,4 16,4 3,5 1,9
1993 25,2 0,6 2,3 17 3,4 1,9
1994 27,8 0,7 2,5 18,2 4,1 2,2
1995 28,3 0,8 2,6 18,6 4,1 2,1
1996 28,6 0,8 2,7 19 4 2
1997 28,8 0,8 2,5 18,5 3,7 3,3
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2000.
A pesquisa do IBGE revelou, ainda, que os estados que arrecadavam mais eram
aqueles que recebiam menos, na forma de transferências federais per capita, ou seja, por
habitante da região. Enquanto o repasse per capita para a população paulista em 1997
foi de R$ 113, o valor da transferência chegou a R$ 1.544 para cada habitante de
Roraima. Esta diferença assegurava, na transferência de recursos, benefícios sociais
para as áreas mais pobres, incapazes de garantir recursos por outras vias.
Neste sentido, a implementação da proposta do Governo tinha objetivos a curto,
médio e longo prazos. A curto prazo, ela tratava de resolver três pontos, como destaca
Melo (2002, p. 91-92):
Primeiramente, desonerar as exportações, de modo a torná-las mais
competitivas tanto no que diz respeito aos bens industrializados – o
que já vem ocorrendo desde a Constituição de 1988 -, como,
especialmente, em relação aos produtos semi-elaborados e primários.
Em segundo lugar, busca-se desonerar os investimentos de capital,
visando aumentar a competitividade da nossa indústria e também
incentivar novos investimentos. Por fim, procurar-se-ia reduzir a
taxação da agropecuária (porque são produtos que participam, como
insumos importantes, da produção de outras mercadorias e que
compõem a ‘cesta básica’).
120
No entanto, a desoneração das exportações traria alguns problemas para alguns
estados que têm suas receitas vinculadas ao comércio exterior, como é o caso do Pará,
Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso, Maranhão, Paraná e Minas Gerais. Para a
compensação de tais perdas, o governo previa a criação de um Fundo especial, com
duração de cinco anos, que atuaria de modo a compensar a perda de tais estados, até que
eles se adaptassem à nova situação.
A médio prazo, os objetivos da PEC 175 eram a simplificação do sistema
tributário, o combate à sonegação, visando uma melhor distribuição da carga tributária,
em termos regionais e sociais. Além disso, a longo prazo, a expectativa governamental
era de que haveria um aumento da arrecadação, e se isso ocorresse, era previsto até
mesmo a redução das alíquotas dos impostos. O cerne da proposta de reforma tributária
do Executivo era a criação de um Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, nos
níveis federal e estadual. A idéia era extinguir o Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI, da União, e a transformação do ICMS estadual, tornando-o um
único imposto, que seria, ao mesmo tempo, de competência da União e dos estados.
Internacionalmente, a tendência é a criação de um imposto sobre o valor agregado, de
responsabilidade do governo central. A proposta do governo previa, então, um novo
ICMS, com uma alíquota federal e outra estadual, ou seja, duas alíquotas para um
mesmo imposto.
Esta remodelação do ICMS eliminaria, segundo os mentores da proposta, a
possibilidade de fraudes propiciadas pelas diferenças hoje existentes entre as alíquotas
internas e interestaduais, conhecida como o “passeio da nota fiscal”. Além disso, como
ressalta Melo (2002, p.93):
As regras no novo ICMS ao definirem alíquota permanente
impediriam a guerra fiscal, já que, mesmo que um estado da
federação decidisse conceder isenção a alguma empresa de parte de
seu percentual, isso acarretaria automaticamente um aumento, nas
mesmas proporções, do índice a ser pago ao Governo Federal.
E ainda:
Segundo a expectativa do Governo, o novo ICMS – inicialmente um
imposto tradicional cobrado na origem – traria, quando fosse
totalmente implantado, maiores vantagens para os locais de destino
das mercadorias e serviços. Assim, nas operações interestaduais – a
médio e longo prazos – os estados consumidores (mais pobres)
121
seriam beneficiados, e os produtores arcariam com perdas. Haveria,
ainda, uma outra possibilidade na proposta do governo para regular as
operações interestaduais. A segunda alternativa seria a criação de
uma câmara de compensação entre os estados
. (MELO, 2002, p. 93).
Além disso, a proposta do governo previa ainda, a fusão do ISS municipal a este
novo ICMS, proposta que, aliás, não vingou e que, provavelmente, foi bastante
contestada pelos prefeitos. Estas eram, pois, as medidas que a PEC 175 previa, para a
Reforma Tributária. Neste sentido, nos itens seguintes, serão apresentadas as propostas
de reforma tributária elaboradas por parlamentares e setores da sociedade civil, com
relação a PEC 175, proposta pelo Executivo.
3.1. As propostas de emendas apresentadas pela sociedade civil
Após a apresentação da PEC 175, abriu-se a possibilidade de apresentação de
Emendas, que poderiam, futuramente, serem apensadas ao Projeto do Executivo. Cabe
ressaltar que estas iniciativas de reformas foram recebidas com grande entusiasmo por
parte dos parlamentares, que participavam ativamente das discussões, apresentando
propostas isoladas ou em nome dos partidos aos quais representavam.
29
Com relação às propostas oriundas fora da arena parlamentar, convém ressaltar a
que alcançou grande repercussão, encaminhada ao governo em maio de 1995, que
envolvia grandes entidades empresariais do país, entre elas a Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (FIESP) e Pensamento Nacional das Bases Empresariais
(PNBE) e as três maiores centrais sindicais, Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e Força Sindical.
A proposta da FIESP/CUT visava a desconstitucionalização dos impostos e
sustentava a progressividade do sistema, privilegiando os impostos diretos, criando um
imposto sobre o consumo. Azevedo e Melo (1997) destacam a importância de tal
proposta:
29
As propostas poderiam ser apresentadas tanto por parlamentares como por partidos e associações da
sociedade civil, obedecendo, desta forma, ao princípio democrático.
122
Fundamentalmente, a proposta FIESP/CUT representa uma
articulação do “mundo do trabalho organizado” diante do profundo
processo de reestruturação econômica em curso, em particular o
processo de abertura comercial. Forja-se uma aliança entre setores
industriais protecionistas e sindicatos afetados pela reestruturação
produtiva em busca de se assegurar maiores níveis de emprego.
(AZEVEDO; MELO, 1997, p. 12).
Outra proposta que merece menção é a da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE/USP). Tal proposta dispunha de
alguns pressupostos que delimitavam sua estrutura. Ela possuía uma abordagem
política, na medida em que procurava o fortalecimento da cidadania, através de uma
progressividade do Sistema Tributário, bem como o fortalecimento do Federalismo,
buscando um equilíbrio entre as esferas subnacionais. Possuía uma abordagem social,
procurando diminuir a desigualdade; uma abordagem econômica, impulsionando a
competitividade da economia brasileira e, por fim, uma abordagem operacional, que
visava uma simplicidade do sistema, contando com mecanismos que dificultariam a
prática da sonegação. Os principais itens desta proposta eram os seguintes:
Criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal, incidindo sobre bens e
serviços, a uma alíquota única e inferior às atuais alíquotas do ICMS;
Criação do Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV), incidente sobre bens,
mercadorias e serviços, de competência estadual, quando se tratar de bens e
mercadorias, e de competência municipal, quando se tratar de serviços;
Criação do “Excise Tax”, de competência estadual, incidente sobre a venda, ao
consumidor final, de bens de elevada capacidade de arrecadação e de difícil
sonegação, entre os quais, fumo, bebidas, telecomunicações, energia e
combustíveis;
Extinção dos seguintes tributos: IPI, IPVA, IOF, CPMF, ICMS, CSLL,
COFINS, PIS / PASEP e as Contribuições Sociais;
Manutenção do Imposto de Renda (com novas alíquotas), do Imposto de
Importação e do Imposto de Exportação.
Além disso, a proposta visava manter o princípio de descentralização, instituído
em 1988, onde nenhuma esfera da Federação teria redução no montante que lhe
coubesse, estabelecendo, porém, maior autonomia para as esferas subnacionais.
123
Partilhando da mesma convicção que o Ministro de Orçamento e Gestão, Pedro Parente,
e do Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, a proposta reconhecia a COFINS
como sendo um “lixo tributário”, e que, portanto, que deveria ser eliminada.
A tabela abaixo demonstra a disposição dos tributos, de acordo com a proposta
FIPE/USP:
TABELA 25
Proposta FIPE/USP:
Segundo Emenda Revisional à Constituição Federal do Dep. Nelson Proença
IMPOSTOS BASE TRIBUTÁVEL ALÍQUOTAS RECEITA PREVISTA
Imposto Sobre
Renda
Rendimentos da Pessoa
Física:
• Salários, honorários,
pró-labore, soldos;
• Juros reais, lucros,
ganhos de capital,
aluguéis;
• Aposentadorias, pensões
e proventos de qualquer
natureza.
• Média de 10%;
• Marginal de
10%, 20%, e
30%;
• Isenta até 500
UFIR/m
US$ 40 bilhões
(10% do PIB)
Imposto sobre
Comércio
Exterior
Importações e casos
especiais de exportação.
De acordo com a
política
industrial e do
comércio
exterior
US$ 1,9 bilhão
(0,5% do PIB)
Impostos
Seletivos
Fumo, bebidas alcoólicas,
armas, munições e
receitas sobre concursos
de prognósticos.
As atuais do IPI. US$ 10,8 bilhões
(2,7% do PIB)
Impostos sobre
Consumo
Venda de Bens e Serviços
no Varejo.
Média de 15%,
variável entre
produtos e entre
estados.
US$ 39,6 bilhões
(9,9% do PIB)
Imposto sobre
Imóveis
Valor de mercado da terra
nua mais construções não-
operacionais na zona
rural, e do imóvel urbano.
Variável entre
localidades.
US$ 4,0 bilhões
(1,0% do PIB)
Fonte: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE/USP)
Entretanto, Rezende (1996) tece muitas críticas à Emenda FIPE/USP, também
chamada de Projeto Vitor Faccioni:
124
Se adotado, o projeto em questão consolidará a existência de regimes
fiscais distintos na Federação brasileira, com conseqüências perversas
para os propósitos de harmonização fiscal e de redução de
disparidades regionais. (...) Em resumo, apesar de meritório no que
diz respeito à sua intenção de desonerar o setor produtivo, o projeto
em questão não preenche requisitos mínimos de viabilidade, pois
ignora a complexa realidade do Federalismo fiscal brasileiro,
desconsidera as desigualdades regionais e urbanas, e deixa em aberto
a questão do financiamento de vários programas sociais prioritários
na atual conjuntura brasileira. (REZENDE, 1996, p. 20-21).
Por fim, cabe uma menção à proposta apresentada pelo Partido dos
Trabalhadores, que foi posteriormente apensada a PEC 175. Tal proposta fundava-se em
um enfoque redistributivista, pois propunha um imposto de renda negativo para os
indivíduos detentores de até três salários mínimos. Tal iniciativa visava compensar os
setores de baixa renda, por suportarem uma carga tributária mais elevada, em função da
incidência dos tributos indiretos e das Contribuições Previdenciárias descontadas em
seus salários. Além disso, para reduzir a regressividade dos impostos indiretos (como o
IPI ou ICMS), era necessário, segundo o Partido, a implantação do princípio da
seletividade dos tributos, previsto na Constituição de 1988. Como os tributos indiretos
são repassados aos preços, recaem indistintamente sobre todos os consumidores,
onerando aqueles de menor nível de renda. A fim de contornar o problema, a proposta
do Partido propunha a diferenciação de alíquotas sobre bens e serviços de peso, no
consumo das famílias de baixa renda, como os produtos da cesta básica, aumentando a
tributação indireta sobre produtos mais consumidos por famílias de alta renda.
O Partido dos Trabalhadores defendia os princípios descentralizadores descritos
na Constituição de 1988; por este motivo, a proposta previa a manutenção do arranjo
federativo da seguinte forma: o IPI deveria permanecer na União, o ICMS, nos estados e
o ISS, nos municípios. O PT salientava que a partilha do ICMS era confusa e desigual,
na medida em que o Valor Adicionado gerava, para alguns municípios, fartura, e para
muitos, penúria
30
.
30
Como exemplo, podemos lembrar dos municípios com Valor Adicionado elevado, como aqueles que
abrigam portos e aeroportos, refinarias de petróleo, usinas de cana e laranja, pólos automotivos,
siderúrgicas, etc. e, por outro lado, existem municípios que possuem Valor Agregado reduzido, sobretudo
as cidades-dormitório e municípios agrícolas. Ocorre que o Valor Adicionado das refinarias, pólos
automotivos e siderúrgicas é formado por trabalhadores que residem em cidades-dormitório, que não
possuem qualquer incentivo.
125
Assim travava-se uma verdadeira guerra fiscal entre municípios de um mesmo
estado. Neste sentido, a proposta do PT para a partilha do ICMS era que este fosse
distribuído de acordo com a equivalência populacional. Estados mais populosos
receberiam uma parcela maior, e os menos populosos, parcela menor. “A redefinição
dos critérios de repartição do ICMS é urgente e necessária, nos moldes de nossa
proposta, a qual permitirá reduzir as diferenças regionais, reduzir a guerra fiscal entre
municípios e otimizar a competência tributária dos municípios”.
31
Além disso, a proposta designava a importância do princípio da seletividade para
a cobrança do ICMS, assim como para o IPTU (que deveria garantir a cobrança de
alíquotas mais altas para os patrimônios imobiliários de maior valor, garantindo, assim,
o cumprimento da função social da propriedade). O projeto apresentado pelo Partido
previa, ainda, a formulação de um imposto único sobre a riqueza das famílias cujo
patrimônio líquido global excedesse R$ 40 milhões, bem como ao patrimônio líquido
global de grupos econômicos, cujo valor excedesse a R$ 100 milhões, a uma alíquota de
10%. Tal medida já fora adotada em países como a Bélgica, Alemanha e França, com o
intuito de atender a conjunturas críticas e emergenciais. O Brasil, com graves problemas
de ordem social e econômica estaria apto, segundo o PT, a adotar o “Imposto de
Solidariedade”.
Estas eram as alterações que o Partido dos Trabalhadores propunha; o argumento
final para tais medidas, era o seguinte:
As propostas que apresentamos se inserem na busca de caminhos
alternativos para o desenvolvimento do país. Queremos construir uma
sociedade solidária, em que todos contribuam para o fim comum (...)
por isso, defendemos uma Reforma Tributária que permita recuperar
a capacidade de investimento do Estado e viabilizar políticas sociais
que enfrentem as profundas desigualdades geradas pelo capitalismo
selvagem no Brasil. Uma Reforma que enfrente o vergonhoso nível
de evasão e impunidade de uma classe dominante que não tem
qualquer preocupação com o destino do País e da maioria da
população brasileira. (PROPOSTA de Reforma Tributária do Partido
dos Trabalhadores, apresentada à Comissão Especial, 1995).
31
Proposta de reforma tributária do PT, apresentada à Comissão Especial da Reforma Tributária, 1995.
126
Além destas propostas acima destacadas, houve também um número expressivo
de projetos que foram apresentados por iniciativas parlamentares individuais, e é sobre
tais propostas que a análise a seguir se concentrará.
3.2. As propostas de reforma tributária apresentadas por
parlamentares
Analisando material de fonte primária, oriundo da Câmara dos Deputados,
observou-se que as propostas apresentadas por parlamentares versavam sobre os mais
diferentes assuntos e interesses. Os então Deputados Carlos Santanna, Affonso
Camargo, Ilma de Souza e Deputado Eliseu Rezende, por exemplo, apresentaram uma
proposta de emenda que sugeria a conservação da malha viária no Brasil e discorreram
acerca da importância de tal proposição, fazendo um histórico sobre o financiamento da
manutenção de estradas e rodovias.
A Constituição de 1988 adotou o princípio da desvinculação de recursos gerados
de impostos, proibindo sua vinculação a órgão, fundo ou despesa; além disso, deixaram
de existir na nova Carta, todos os impostos específicos ou seletivos, entre eles o Imposto
Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos ou Gasosos – IULCLG; o Fundo
Rodoviário Nacional era então eliminado, por duas razões: pela eliminação de sua fonte
(o então IULCLG) e pela proibição de vínculo dos impostos com qualquer fundo.
Na verdade, para os seus propositores, a presente proposta tendia a sanar uma
distorção criada pela Constituição de 1988, no Sistema Tributário Nacional, ao
transferir para estados e municípios, a quase totalidade dos recursos resultantes das
contribuições fiscais dos usuários das rodovias, sem a concomitante transferência das
rodovias da malha federal, para os estados. Tal fato decorreu da extinção do IULCLG –
Imposto Único sobre Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos e do Imposto
sobre Serviços de Transporte – IST, de competência federal – componentes do antigo
Fundo Rodoviário Nacional – FRN, cujo produto era repartido entre a União, estados e
municípios, substituindo-os na nova estrutura tributária pelo ICMS, beneficiando apenas
os estados e municípios.
127
Outra proposta parlamentar que vale ressaltar foi a do deputado Luis Carlos
Hauly. A proposta de reforma tributária defendia para a União os impostos do comércio
exterior, renda e transações financeiras, além de uma taxa de Contribuição dos
empregados e empregadores. Para os estados, era prevista a criação de um imposto de
valor agregado, envolvendo a produção industrial e a circulação de mercadorias e
serviços. Para os municípios, a proposta do deputado Hauly previa quatro impostos:
propriedade predial e territorial urbana, propriedade predial e territorial rural,
transmissão “inter-vivos” e “causa-mortis” e também, veículos automotores. No
entanto, em sua versão final, a proposta foi alterada, reservando para a União, os
impostos seletivos, e para os estados, um imposto sobre vendas a varejo.
Neste sentido, observa-se que a questão tributária perpassa por diferentes
assuntos e interesses, refletindo, pois, o anseio de diversos segmentos da sociedade.
Abaixo estarão listadas outras proposições que foram apresentadas por parlamentares,
durante os debates na Comissão Especial, que evidenciavam um caráter regionalista nas
propostas.
3.3. O predomínio do regionalismo em propostas apresentadas por
parlamentares: evidências de interesses particularistas
Como já salientado em itens anteriores, um dos desafios presentes no
Federalismo brasileiro são as divisões resultantes das profundas disparidades sociais que
separam indivíduos e grupos nas várias regiões do país, sobretudo entre as regiões
Sul/Sudeste e Norte/Nordeste/Centro-Oeste do país. Segundo o que informou o
Relatório sobre Desenvolvimento Humano de 1998, no Brasil, entre 1960 e 1990, a
renda dos 20% mais ricos aumentou em 11%, enquanto a renda das 50% pessoas mais
pobres diminuiu em 6%. A pobreza tem estreita ligação com o componente regional,
sendo mais elevada nas regiões Norte (43%) e Nordeste (46%), reduzindo em direção ao
Sul (20%).
Deste modo, observou-se que vários parlamentares propunham emendas que
possuíam interesses puramente regionais, almejando alcançar parcelas cada vez maiores
do bolo tributário. Antes mesmo de iniciarmos a apresentação destas propostas que
128
visavam ao atendimento de necessidades regionais, convém fornecermos alguns dados
sobre a federação brasileira.
Do ponto de vista político-geográfico, o Brasil possui 26 Estados, mais o distrito
Federal, e está dividido em cinco regiões. O Estado de São Paulo, no Sudeste, é o centro
da economia brasileira. Em 1985, o Sudeste concentrava 70% da produção industrial no
Brasil e 58% do PIB, estando 34% deste localizado em São Paulo. Em 1970, a
participação de São Paulo no PIB nacional era de 39%. Apesar da desconcentração
econômica, processada a partir de 1975, a distância entre São Paulo e os demais estados
e regiões ainda é grande. Assim, o Sudeste brasileiro, que representa 10,8% do território
do país, concentra hoje 42,6% da produção brasileira, mas representa 59% do produto
interno e 66% do produto industrial nacional. Em contraste, no Nordeste, onde vivem
28,9% da população, gera-se 13,6% do produto interno total e 12% do produto
industrial.
32
Souza (C., 2001) menciona dados obtidos através de um relatório do
IPEA/PNUD, que ressalta a existência de três “Brasis”:
Uma área constituída pelos sete estados mais ao sul do país que,
juntamente com o Distrito Federal, apresenta elevado nível de
desenvolvimento humano; uma faixa que se estende na direção
noroeste, a partir de Minas Gerais, e que exibe índice de
desenvolvimento humano médio; uma área que reúne os estados do
Nordeste, além do Pará e do Acre, que mostra níveis reduzidos de
desenvolvimento humano. Esses resultados configuram uma nítida
diferenciação regional, apontando para um novo desenho do mapa
das regiões brasileiras, diverso do mapa geográfico que divide o
Brasil em cinco regiões. (SOUZA, C., 2001, p. 01).
33
Em relação aos indicadores sociais, o Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA) destaca que a renda por habitante do Sudeste é quase três vezes maior
que a do Nordeste. A esperança de vida no Nordeste era de 58 anos em 1990, enquanto
a do restante do país era de 64, segundo dados do IBGE.
32
Dados extraídos de Celina Souza, 2001.
33
É importante destacar que estão situados na primeira faixa os Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo,
Santa Catarina, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, além do Distrito Federal; na
Segunda faixa os Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas, Roraima e
Amapá; no terceiro grupo estão os Estados do Pará, Acre, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Maranhão, Ceará, Piauí, Alagoas e Paraíba.
129
Segundo dados de Souza (C., 2003), no que se refere aos estados, em 1990, a
participação das economias estaduais mais desenvolvidas no PIB brasileiro era a
seguinte: São Paulo, 35%; Rio de Janeiro, 11%; Minas Gerais, 9,5%; Rio Grande do
Sul, 7,8%; Paraná, 7,7%; Bahia, 5%. A participação de São Paulo e Rio de Janeiro
decresceu em uma década, Minas Gerais e Rio Grande do Sul tiveram suas
participações estabilizadas e o Paraná e a Bahia aumentaram suas participações em 1%
cada. No entanto, o PIB per capita mostra índices bem díspares entre os estados; o mais
alto é encontrado no Distrito Federal (US$ 4.498), seguido de São Paulo (US$ 3.993),
Rio de Janeiro (US$ 3.352), Rio Grande do Sul (US$ 2.738), Santa Catarina (US$
2.344) e Paraná (US$ 2.037). Minas Gerais passa para o 7° lugar, com US$ 1.850 e a
Bahia, para o 10° lugar, com US$ 1.226
34
.
Entretanto, existem medidas, já mencionadas no capítulo anterior, que tentam
corrigir estas disparidades regionais, como uma forma de compensação; um exemplo de
tais medidas é a participação política na Câmara dos Deputados. O Sudeste, com 46%
do eleitorado ocupa 33,6% das cadeiras na Câmara, enquanto o Norte, com 4,8% dos
eleitores, elege 11,3% dos deputados federais. Como salienta Souza (C., 2001), esta
fórmula de preenchimento das cadeiras foi introduzida em 1932 pelo Código Eleitoral,
como forma de compensar os estados menos desenvolvidos, onde seus representantes
parlamentares forçam o Governo Federal a incorporar, na agenda política, os problemas
oriundos destas regiões às quais representam.
Outra maneira de contrabalançar as disparidades regionais tem sido a adoção,
desde 1946, de um sistema de distribuição da receita nacional das regiões mais
desenvolvidas para as menos desenvolvidas, através do Fundo de Participação de
Estados e do Fundo de Participação de Municípios, tentando comparar-se ao que existe
na Alemanha, com o chamado Federalismo cooperativo. Todavia, apesar destes
mecanismos de compensação, as relações entre os entes federados e entre as regiões não
diferem das características socioeconômicas do país: eles são marcados por enormes
diferenças e por alto grau de complexidade. A federação apresenta grande participação
das esferas subnacionais na receita pública nacional, assim como na despesa, sem
grande interferência do Governo Federal. Por outro lado, o país paga também um custo
relativamente alto para manter a unidade nacional e registra um sistema federativo, de
34
Celina Souza, 2003.
130
relações intergovernamentais e de formulação e implementação de políticas públicas,
complexo e ainda desarticulado.
Deste modo, parlamentares optaram (e optam) pela defesa de determinados
territórios, propondo medidas que beneficiassem tais regiões, ressaltando a importância
das questões regionalistas, que passaram a ocupar um lugar de destaque na agenda de
políticas públicas a serem solucionadas no Brasil. Tal argumento é evidenciado, por
exemplo, na proposta de emenda apresentada pelo deputado Edson Soares (PSDB-MG),
que pretendia estender a aplicação de recursos para o Vale do Jequitinhonha, Vale do
Mucuri e ainda, para parte do Estado de Minas Gerais, seu estado natal. Segundo Soares
(1999), em depoimento na Comissão Especial, “as regiões do Vale do Jequitinhonha e
do Mucuri, tem características fiscais, sociais e econômicas muito próximas às
apresentadas pelo Nordeste brasileiro, justificando a sua inclusão como beneficiários
dos recursos federais”.
O argumento do deputado em tela era o de que a economia dessas regiões é
centrada no setor primário, responsável em grande parte pela ocupação da população
local, o que, segundo Soares, resultava em baixos níveis de urbanização. Ademais, a
proposta de Soares pretendia angariar mais recursos para estas regiões, com o intuito de
incrementar a economia regional, com reflexos positivos nos investimentos produtivos
no campo e na indústria. Com tais investimentos, haveria aumento da renda local e da
oferta de empregos, resultando em ganhos sociais para estas regiões.
A região Nordeste também contou com parlamentares que pretendiam amenizar
os efeitos da pobreza. O Deputado Sarney Filho (PFL-MA) propôs emenda que
salientava que os recursos destinados ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste deveriam ser aplicados através de suas instituições financeiras de caráter
regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao
semi-árido nordestino a metade dos recursos destinados à região, na forma que a lei
estabelecesse. E ainda buscava o apoio de outros parlamentares: “diante de todas as
ponderações apresentadas, esperamos contar com o indispensável apoio dos senhores
131
parlamentares, sobretudo daqueles que integram as bancadas das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, com vistas à aprovação da presente emenda”.
35
Eujácio Simões (PL-BA) ressaltou, na ocasião dos debates referentes a PEC 175,
que a partilha das receitas provenientes do Imposto de Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS -, de competência estadual, representa grande injustiça com relação
aos municípios menos favorecidos economicamente. O parlamentar destacou que nas
regiões Norte e principalmente Nordeste, encontram-se uma grande quantidade de
pequenos municípios que praticamente sobrevivem com os recursos provenientes da
partilha de receita do ICMS estadual, não gerando qualquer outra riqueza aos cofres
municipais; portanto, são justamente as pequenas e médias cidades do Norte e Nordeste
brasileiro que a emenda de Simões procurava beneficiar, carreando recursos para um
possível desenvolvimento.
Firmo de Castro (PSDB-CE) era outro parlamentar que possuía, também,
preocupação com as regiões Norte e Nordeste do Brasil; ele mencionava, em sua
proposta, a relevância que possuem os chamados Fundos Constitucionais de
Financiamento, para a dinamização dos setores econômicos produtivos dessas regiões.
Segundo o deputado, o Fundo Constitucional de Financiamento da região Nordeste
(FNE), vem concedendo cerca de 50% do total de recursos, incorporando mais de
50.000 hectares de área irrigada, recuperando, economicamente, a região semi-árida.
Além disso, o deputado em tela ressaltava que em todo o Nordeste, são mais de 220.000
os beneficiários desses financiamentos, sendo a grande maioria – cerca de 210.000 – é
formada de mini e pequenos produtores; ao mesmo tempo, cerca de 75% do total dos
recursos são emprestados a esse segmento de beneficiários do crédito. Castro afirmou,
com ênfase:
A conclusão que se retira de todo o exposto é a de que não se pode
quebrar a continuidade do atual processo dinamizador dos setores
produtivos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, pulverizando-
se a mais importante fonte de financiamentos de longo prazo, ao
estender-se à concessão de seus créditos a investimentos na infra-
estrutura, em outros serviços e no comércio, conforme propõe o
Poder Executivo, implicitamente. (DEPUTADO Firmo de Castro, em
discurso na Comissão Especial da Reforma Tributária, 2000).
35
Deputado Sarney Filho, em sua proposta à Comissão Especial de Reforma Tributária, 2000.
132
No entanto, Fernando Rezende (1996) atenta para a proposição apresentada pelo
deputado Firmo de Castro (PSDB-CE):
A preferência concedida aos fundos regionais será facilmente
contestada. O potencial de conflitos dessa proposta é reconhecido
pelo autor (no caso, Firmo de Castro), que acrescenta um dispositivo
no seu projeto prevendo que a União compensará os fundos caso seja
constatada uma perda de seus recursos nos dois anos subseqüentes à
aprovação da emenda. (REZENDE, 1996, p. 26, grifo meu).
As questões regionalistas permearam também as discussões acerca da Zona
Franca de Manaus, onde os parlamentares procuraram angariar recursos fiscais para a
referida região
36
. Para alcançar objetivos geopolíticos, o Governo Federal tomou a
iniciativa de instalar no interior da Amazônia brasileira, uma área de livre comércio de
importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, materializados através do
Decreto-Lei número 288/67, de 28 de fevereiro de 1967. Criava-se, então, a Zona
Franca de Manaus, com a finalidade de dotar a região de um centro industrial, comercial
e agropecuário, permitindo o seu desenvolvimento em face dos fatores locais e da
grande distância a que se encontram os centros consumidores de seus produtos.
Para atrair investidores para a região, foram concedidos incentivos fiscais para a
aludida Zona Franca, declarando-a sua extraterritorialidade para fins fiscais, ao
equiparar a exportação de produtos industrializados nacionais, para consumo e
industrialização naquela área. Ademais, a legislação tributária federal desonerou as
importações de produtos estrangeiros (insumos industriais e produtos finais) de
impostos quando realizados por importadores (estabelecimentos industriais e
comerciais) estabelecidos na Zona Franca de Manaus. Visando criar um centro
industrial que atualmente engloba os setores eletrônicos, relojoeiro, produtos
descartáveis, etc., a União concedeu isenção total do atual Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI.
Entretanto, o deputado Pauderney Avelino, do PFL, natural do estado do
Amazonas, sustentou o argumento de que os investimentos da União para coadjuvar os
Estados Amazônicos não ultrapassavam 1,5 a 2% do PIB, o que significa um repasse de
36
Vale destacar que os parlamentares que propunham medidas que beneficiavam as regiões Norte e
Nordeste eram os seguintes: Max Rosenmam (PMDB-PR), José Luiz Clerot (PMDB-PB), Miro Teixeira
(PDT-RJ), Ivan Paixão (PPS-SE), Alberto Mourão (PMDB-SP), entre outros.
133
500 milhões de dólares ao ano, a título de fundos de participação, Saúde, Educação e
investimentos. Avelino justificava sua proposta ressaltando que a União arrecada, por
ano, neste estado, cerca de 1 bilhão de dólares, repassando um valor inferior, e,
contribuindo, portanto, para o empobrecimento da região:
Impõe-se, pois, compensar os estados da Amazônia Ocidental,
assegurando-lhes recursos adicionais, de caráter participativo na
arrecadação da União, para investimentos públicos na região,
principalmente os voltados para obras de infra-estrutura, que lhes
permitirão acompanhar, ainda que em considerável distância, o
progresso das demais regiões brasileiras. (DEPUTADO Avelino, em
discurso na Comissão Especial da Reforma Tributária, 2000).
Neste sentido, a proposta apresentada por Pauderney Avelino, juntamente com o
deputado Átila Lins (PFL-AM)
37
, sugeria o seguinte, para a Zona Franca:
O sistema especial de incentivos fiscais seria mantido até o ano de 2013;
No que tange especificamente à política industrial na Zona Franca de Manaus,
quanto aos critérios de aprovação dos projetos na região ou à modificação desses
critérios, aos fatores de nacionalização, às normas técnicas aplicáveis, ao processo
produtivo básico, que envolve importações de insumos e o grau de industrialização
desses insumos, somente por lei federal poderão ser modificados; isenção do
Imposto de Importação de Produtos estrangeiros, relativamente às mercadorias
estrangeiras, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau;
Isenção do imposto sobre produtos industrializados;
Isenção do IPI e do ICMS, quanto às mercadorias de origem nacional, para consumo
na região.
Quanto às mercadorias de origem nacional, para industrialização ou comercialização
locais ou reexportação para o exterior:
Não incidência do IPI e do ICMS por equiparação a uma exportação brasileira para
o exterior;
37
Convém ressaltar que emendas semelhantes foram apresentadas pela deputada Alzira Ewerton e Carlos
da Cabrás.
134
Concessão de crédito fiscal, pelo estado do Amazonas, do ICMS que teria sido pago
na origem em outros estados da União, se a remessa de mercadoria para a Zona
Franca de Manaus não fosse equivalente a uma exportação brasileira para o
Exterior;
Isenção do IPI;
Restituição total ou parcial do ICMS, devido ao Estado do Amazonas.
Neste sentido, o que se observou na análise das propostas apresentadas, foi uma
predominância de interesses regionalistas que obedeciam, na maioria das vezes, a
origem de representação política de seus propositores, que propunham emendas que
evidenciavam o interesse em obter recursos da esfera federal, para as regiões que
julgavam os propositores serem necessitadas. Cabe ressaltar que por dispositivo
regimental, essas propostas foram anexadas ao Projeto de Emenda Constitucional
enviado pelo Poder Executivo ao Congresso (PEC 175).
4. Os estados e os municípios: questionamentos à PEC 175
Como uma Proposta de Emenda Constitucional gera sempre divergências,
alguns pontos da discussão não obtiveram consenso; como os debates se alargaram até o
segundo mandato do presidente FHC, algumas questões permaneceram sem acordo,
principalmente entre os estados. Estes não desejavam a criação do IVA federal,
incidente sobre a circulação de mercadorias e a prestação de serviços em geral, exceto
energia elétrica, petróleo e derivados, combustíveis, serviços de comunicação e
minerais; consideravam que não era necessário que as decisões definitivas de mérito
relativas ao IVA federal e estadual fossem proferidas por 2/3 dos membros do Supremo
Tribunal Federal. Além disso, os estados defendiam a ampliação do prazo de vigência
da Zona Franca de Manaus para 15 anos, contados a partir da cobrança do novo
imposto, para coincidir com o prazo dos demais incentivos fiscais; não concordavam,
portanto, com a proposta, que ampliava o prazo até 2023.
Obviamente, evidencia-se a necessidade de os estados manterem ou aumentarem
suas receitas. Prova disso é que os mesmos clamavam pela permanência do Fundo de
135
Participação das Exportações, com base na totalidade das exportações e não somente
naquelas relativas a produtos industrializados.
Albérico Mascarenhas, então secretário da fazenda do estado da Bahia, forneceu
alguns dados que destacavam o fato de os estados serem os mais prejudicados dos entes
da Federação. Segundo o Secretário, a compensação dos Fundos Constitucionais era
extremamente necessária, pois desde a Constituição de 1988, as receitas não-
compartilhadas pela União com estados e municípios ultrapassaram as receitas
compartilhadas, que são compostas do IPI e do Imposto de Renda. Assim, em 1988, as
receitas compartilhadas com estados e municípios representavam 65% da arrecadação
total da União; em 2001, essas receitas, com IR e o IPI, representavam somente 45% da
arrecadação; em 2002, a União arrecadou 196 bilhões com COFINS, PIS, Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido e CPMF. Sua participação no bolo tributário nacional
aumentou 4% nos últimos 10 anos, mesmo percentual perdido pelos estados.
Todavia, a permissão de compensação para impostos federais compartilhados,
tem subtraído parcela considerável do Fundo de Participação. Os estados, em sua
totalidade, entendem que os Fundos Constitucionais, principalmente o Fundo de
Participação de Estados e o Fundo de Participação de Municípios, devem ser
estabelecidos com base na receita total dos impostos e contribuições federais,
evidentemente com percentuais a serem definidos, de forma a manter a atual
distribuição.
O interesse regional dos representantes destes estados eram explícitos,
evidenciando a necessidade de partilha, como neste relato do Secretário da Fazenda da
Bahia, uma região considerada carente, que necessita de subsídios federais: “Não
queremos aumentar a fatia do bolo dos estados, e sim participar de todo o bolo, com
uma fatia maior. Falo em nome de todos os estados, na qualidade de Coordenador dos
Secretários Estaduais da Fazenda”. (MASCARENHAS, em proposta à Comissão
Especial de Reforma Tributária, 2003).
Os estados defendiam a manutenção atual da base do ICMS, com a superação
das áreas de atrito entre este tributo e o ISS; após inúmeras análises e debates, chegou-
se à conclusão de que a ampliação da base do ICMS, incorporando o ISS, poderia gerar
distorções em muitos setores prestadores de serviços; a criação de mais um imposto
136
sobre Vendas a Varejo e Serviços, de competência municipal, além de representar mais
um tributo incidindo sobre o consumo, poderia gerar problemas de administração e
cobrança principalmente nas pequenas cidades, abrindo a possibilidade de uma nova
guerra fiscal ou até mesmo de altos índices de sonegação, considerando a dificuldade
que têm esses pequenos municípios de manterem uma máquina tributária que cubra os
impostos municipais.
Depois de longas e exaustivas reuniões, alguns incentivos foram acordados, tais
como: vedação à concessão de novos benefícios, quando isso resultasse em renúncia de
receita, admitida a concessão de subsídios à conta do Orçamento dos estados e do
Distrito Federal; manutenção, pelo prazo máximo de 15 anos, dos benefícios fiscais que
teriam sido concedidos até 31 de dezembro de 1999, por legislações estaduais, sob
condição e por prazo certo; redução, na razão de 1/3 ao ano, dos benefícios fiscais
concedidos por convênios celebrados entre os estados no âmbito do CONFAZ;
ampliação do prazo de tratamento constitucional à Zona Franca de Manaus por 15 anos,
contados a partir da cobrança do novo imposto; fortalecimento do Instituto da
Substituição Tributária, com aprimoramento da redação do dispositivo constitucional
correspondente; não-incidência do IVA estadual sobre as exportações; estabelecimento
de regimes especiais ou simplificados de tributação, através de lei complementar, para
atender as pessoas e as microempresas, que hoje têm um sistema simplificado não só na
União, mas em todos os estados.
Além disso, a proposta dos estados estabelecia um período de transição de sete
anos para implementação do princípio de destino, com redução da partilha – origem e
destino – do imposto a partir do quarto ano, à razão de 20% ao ano e a manutenção das
configurações atuais do Fundo de Participação dos Municípios, do Fundo de Exportação
e dos Fundos Regionais, inclusive os percentuais de participação, com simples
adequação dos dispositivos ao imposto da União que substituiria o IPI.
Em relação à guerra fiscal e respectivos incentivos concedidos, alguns estados
defenderam a tese de suspensão imediata, outros a sua manutenção pelo período de sete
anos e a maioria, cerca de 21 estados, um prazo de 15 anos, mesmo prazo aprovado para
o incentivo da Zona Franca de Manaus. Na verdade, a proposta dos estados se limitava,
basicamente, ao ICMS e a alguns outros pontos de interesse, como o Fundo de
137
Participação, com a finalidade de diminuir as desigualdades regionais e de equilibrar as
contas destes entes subnacionais.
Com relação aos municípios, algumas propostas foram discutidas, para melhor
organizar este ente subnacional, que se tornaram autônomos a partir da Constituição de
1988, inclusive com capacidade de administração própria. Os interesses desta esfera
foram defendidos durante os debates da PEC 175, por parlamentares que buscavam
destinar a estes uma maior parcela dos recursos tributários. O Deputado Roberto
Magalhães (PFL-PE), por exemplo, propôs uma emenda que tinha por finalidade o
aperfeiçoamento e o aprofundamento da descentralização do poder de tributar,
ampliando a possibilidade de os municípios se financiarem por conta própria, seja
arrecadando diretamente mais tributo, seja recebendo mais transferências federais de
maneira automática e com critérios objetivos e técnicos.
Quanto mais puderem as prefeituras sobreviver às custas de seus
próprios recursos, sejam os recolhidos por conta própria, sejam os
recebidos de forma compulsória, mais se fortalece a democracia e a
cidadania no país, porque só assim se estará o mais próximo possível
da população a decisão pública de como arrecadar e como gastar.
(MAGALHÃES, proposta de reforma tributária, 2003).
Acentuando a autonomia concedida pela Constituição de 88 aos governos
estaduais e municipais, a Proposta
38
elaborada pelos estados advogava pela delegação
aos governos estaduais e municipais, competência para arrecadar diretamente parte das
Contribuições Sociais, aplicando de forma mais rápida e eficiente tais recursos em
programas sociais. Desta forma, os parlamentares propositores da emenda pretendiam
que impostos como o IPTU, ITR e IPVA, fossem repassados diretamente aos
municípios, mantendo, ainda, sobre a competência deste ente subnacional, o IVV de
combustíveis. Também era proposto que a União destinasse diretamente aos municípios
a cota do Fundo de Ressarcimento das Exportações (FREx), evitando que os estados
retivessem parcelas destas transferências. Propunham, ainda, a ampliação da base dos
38
Convém salientar que a proposição de maior destino de recursos aos municípios foi também
apresentada pelos seguintes deputados: Antonio Kandir (PSDB-SP), José Carlos Aleluia (PFL-BA),
Fernando Coruja (PDT-SC), Zaire Rezende (PMDB-MG), Edson Soares (PSDB-MG), Rubens Cosac
(PMDB-GO), Alzira Ewerton (PPB-AM), Francisco Dornelles (PPB-DF), Roberto Magalhães (PFL-PE) e
Pedro Valadares (PSB-SE).
138
Fundos de Participação dos Municípios (FPM), de modo que estes fossem formados a
partir da receita de todos os impostos federais.
Quanto ao rateio da cota municipal do ICMS, os parlamentares propunham que
tal tributo fosse repassado de forma que estas cotas fossem proporcionais à contribuição
que cada município possuía para a geração deste imposto estadual, ou que os estados
obtivessem uma partilha mais expressiva dos recursos, para que estes distribuíssem os
recursos do ICMS entre seus municípios de forma mais adequada.
Além disso, o Deputado Rubens Cosac (PMDB-GO) apontou em sua proposta,
que os coeficientes dos Fundos de Participação dos municípios não são bem definidos,
possuindo, portanto, os Tribunais de contas dos estados, a competência para a fixação.
Cosac ainda salientou que a Constituição de 1988 outorgou competência à União para
instituir e cobrar o Imposto Territorial Rural – ITR, estabelecendo que os municípios
recebessem 50% do produto da arrecadação; porém, sua proposta pretendia que fossem
repassados para os municípios, 100% deste tributo, tendo em vista que este tem como
fator gerador a propriedade localizada nas proximidades da zona urbana do município.
Os argumentos do deputado em tela sustentavam que assim se poderia “aliviar a
situação aflitiva do tesouro dos municípios menos desenvolvidos, enquanto não
aprovada uma Reforma Tributária que venha, de uma vez por todas, trazer a redenção
financeira às comunas do país”.
4.1. O debate sobre a “guerra fiscal” na Comissão Especial de
Reforma Tributária
Uma das dimensões do eixo federativo do jogo político, diz respeito à guerra
fiscal. Este fenômeno tem sido praticado desde o período Pós-Constituinte e trata-se de
um jogo de ações e reações travado entre os governos estaduais e municipais com o
intuito de atrair investimentos para seus territórios, como demonstrado no Capítulo
anterior.
Os estados, ao possuírem prerrogativas para o estabelecimento de alíquotas
diferenciadas de ICMS, adquiriram grande autonomia política e econômica. Embora
formalmente exista a necessidade de sua aprovação por unanimidade, pelo CONFAZ, os
139
governadores – fortalecidos politicamente no novo quadro político – passaram a ignorar
esse requisito. A geometria das perdas e ganhos resultantes é muito variada.
Especialmente Espírito Santo, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro têm tido sucesso na
atração de novos investimentos nacionais ou internacionais. Um dos exemplos sempre
lembrados é o de Goiás, que nos últimos dez anos conseguiu atrair mais de 250
indústrias, criando 130 mil empregos e passando do 12° lugar, para o 8° lugar, em
termos de participação no PIB nacional, em função de uma política explícita de
incentivos fiscais
39
. A guerra fiscal, na realidade, parece fazer sentido contra o Estado
de São Paulo, onde se encontra o parque industrial brasileiro. Esse estado, na opinião
dos especialistas, aparece sempre como o grande perdedor.
A dimensão política do conflito era, portanto, bastante variada. Tanto entre
parlamentares federais quanto entre autoridades estaduais, existiam muitos defensores
da livre competição entre os estados em prol da atração de novas indústrias e serviços
para os seus territórios. Afirmavam ser os incentivos fiscais um direito constitucional e
que, apesar de apresentarem um lado negativo, eram vitais para o desenvolvimento de
alguns estados. Na Comissão Especial, as opiniões dos parlamentares se dividiam, com
relação à guerra fiscal. Segundo a maioria deles, numa tentativa de amenizar os efeitos
desta prática, destacavam que existem dois tipos desta guerra, uma das quais é
extremamente predatória, que é aquela que concede benefício a determinado setor, na
tentativa de atrair um pouco mais de operações – por exemplo, a circulação apenas da
nota fiscal e não da mercadoria
40
. Neste caso, um setor é beneficiado em um estado e,
em cascata, os outros estados terminam por conceder este benefício também. O
depoimento a seguir refere-se ao então Secretário da Fazenda da Bahia, Albérico
Mascarenhas, que forneceu sua opinião acerca da guerra fiscal:
Concordo também com que a guerra para a atração de investimentos
não é a melhor saída, mas não resta alternativa. Não temos opção, por
exemplo, para cidades do interior da Bahia e do Nordeste em que não
há uma única forma de geração de emprego. Não pode ser turismo,
porque não existem atrativos turísticos, são regiões pobres, de semi-
árido, onde não se tem o que fazer. Essas populações acabam indo
39
Fonte: Melo (2002).
40
Este procedimento é comumente chamado de “passeio da nota fiscal” e ocorre porque se vendem
produtos dentro do estado e emite-se nota fiscal como se estivesse realizando uma transação para outro
estado, geralmente do Norte e Nordeste, onde a complementação da alíquota do ICMS é substancialmente
maior. Para citar um exemplo, por um produto vendido em São Paulo e lá mesmo entregue, faturado
como se fosse para a Bahia, se paga 7% de ICMS. Se fosse emitida nota fiscal dentro do próprio
território, pagar-se-ia 18%.
140
para as grandes cidades em busca de emprego. Cito como exemplo o
setor calçadista da Bahia, que gera hoje mais de 30 mil empregos. É
um custo alto para o Estado, concordo com isso. Na verdade, está
comprando emprego, mas é a única esperança que temos. Mesmo
com toda essa dificuldade, a Bahia cresceu sua participação nacional
de 4,5%, em 1995, para 4,9%, em 2002. Temos conseguido crescer,
mas concordo que esse não é o melhor mecanismo. Concordo
também que os Governadores dos estados menos desenvolvidos não
tiveram outra opinião. (MASCARENHAS, em discurso à Comissão
Especial, Câmara dos Deputados, 2002).
Os parlamentares que apoiavam a guerra fiscal eram favoráveis ao aumento dos
incentivos fiscais, como no discurso do Deputado Sandro Mabel (PL-GO):
O algodão do Mato Grosso tem 75% de incentivo, por isso se
desenvolveu, tem qualidade para ser exportado. Lá o programa tem
efeito qualitativo, buscam a qualidade para exportar o algodão
produzido no Centro-Oeste, no Mato-Grosso. Se esses 75% forem
retirados, torna-se inviável, pois não se chega ao preço internacional
com a qualidade que é pretendida e que permite ao Brasil exportar e
tornar o Mato Grosso um dos maiores produtores de algodão.
(DEPUTADO MABEL, em discurso à Comissão Especial, Câmara
dos Deputados, 2003).
A questão de incentivos fiscais não existe somente no Brasil, mas também em
países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, onde há uma enorme concorrência
entre os estados em relação à concessão de benefícios. Entretanto, com a ascensão do
presidente Roosevelt, houve uma política de desenvolvimento que equilibrou tal
concorrência. Tais medidas transformaram a região sul daquele país, que contou com
uma melhor infra-estrutura, colaborando, dessa forma, com o nivelamento social das
regiões. Porém, em contrapartida, torna-se necessário ressaltar, também, que existiam
parlamentares, como Paulo Rubem Santiago (PT-PE), que destacou que a guerra fiscal é
um fenômeno nocivo, e não deve ser enaltecida no debate tributário:
Não me convence o discurso desenvolvimentista da guerra fiscal. Ou
me apresentam os números concretos da geração de empregos, da
arrecadação tributária, do desenvolvimento do espaço de cada estado
– Zona da Mata, agreste, sertão, zona rural do Rio de Janeiro, interior
de São Paulo, oeste do Paraná, etc – ou então não vamos mais debater
guerra fiscal nem Reforma Tributária. (DEPUTADO SANTIAGO,
em discurso à Comissão Especial, Câmara dos Deputados, 2002).
141
O problema que envolve a guerra fiscal tem seus desdobramentos na necessidade
de uma política nacional de desenvolvimento regional, destacando o que há de melhor
em cada região, incentivando, dessa forma, a atração de investidores. Sobretudo porque
a guerra fiscal é um instrumento de desagregação do pacto federativo, pois os estados
devem constituir um elo de equilíbrio, que os manterão unidos, contrabalançando,
obviamente, perdas e ganhos, mas que não trarão problemas a ponto de gerar uma
concorrência desleal, semelhante ao que ocorre atualmente.
O que é necessário salientar é que apesar de haverem parlamentares que
apoiavam (e continuam apoiando) esta concorrência entre estados, um survey realizado
pelo deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), sinalizou que em sua maioria (93%) dos
deputados, estavam de acordo com a introdução de mecanismos que coibissem a guerra
fiscal, demonstrando, neste sentido, que o fenômeno era visto como mais uma distorção
a ser combatida na federação brasileira.
5. Conclusões Preliminares
Este capítulo buscou elucidar a necessidade da Reforma Tributária, onde, logo
após ela ter sido exaustivamente debatida por ocasião da Constituinte de 1988, ela
ressurgiu em 1993, por ocasião da Revisão Constitucional. Além disso, como não houve
nenhuma medida que, de fato, solucionasse os problemas da reforma, ela foi postergada
até o governo de Fernando Henrique Cardoso, onde ressurgiram os debates acerca de
sua necessidade.
No entanto, a formação da agenda desta reforma nos anos 90, diferiu das
tentativas de reformas anteriores, principalmente porque ela assumiu um caráter de
concentrar em si os vícios adotados no passado, como por exemplo, o efeito do processo
de descentralização, que provocou distorções a longo prazo e que agora necessita de
novos ajustes. Além disso, a busca constante, de cada um dos entes federados por um
aumento de recursos provou que, de fato, a questão federativa influencia no conteúdo
das medidas responsáveis pela reorganização do sistema tributário.
A PEC 175, proposta pelo Executivo, durante o Governo de Fernando Henrique
Cardoso, buscava solucionar alguns destes problemas. No entanto, ao abrir para os
debates, nos quais era permitido a apresentação de novas emendas, o que se verificou
142
foi que a Reforma Tributária é uma matéria que reflete, em si, os dilemas existentes na
sociedade e, mais do que isso, os dilemas existentes dentro da própria federação
brasileira.
A questão federativa ganhou destaque quando analisamos o material da
Comissão Especial da Reforma Tributária, disponibilizado pelo Departamento de
Taquigrafia e Redação, no qual percebeu-se que a questão regional ocupou um lugar de
destaque em relação às políticas tributárias. Os discursos parlamentares, analisados
individualmente naquela Comissão, evidenciavam seu anseio pelo repasse de recursos
para as regiões que representavam, às vezes, inconseqüentemente, como é, por exemplo,
o caso daqueles que defenderam a guerra fiscal como um mecanismo de promoção do
desenvolvimento. Além disso, convém destacar que, como evidenciado no Capítulo 1
deste trabalho, na Assembléia Nacional Constituinte o debate acerca do regionalismo
esteve presente. O mesmo debate renasceu novamente, por ocasião das discussões sobre
a Reforma Tributária no Governo FHC, provando que tais questões estão
permanentemente presentes.
A questão que buscaremos elucidar no capítulo seguinte é a razão da não
implementação desta reforma e, sobretudo, apontar quais os atores relevantes que
contribuíram para o malogro da mesma. Até aqui, podemos, pois, concluir que a
reforma é fortemente envolvida pelas as questões federativas, nos quais os interesses
são basicamente, o aumento dos recursos às regiões mais pobres, que formam o eixo
Norte / Nordeste / Centro-Oeste.
Assim, poder-se-ia concluir que a reforma não aconteceu no Governo de FHC,
devido aos interesses díspares dos próprios parlamentares, dentro da Comissão Especial,
influenciados pelas questões regionalistas. No entanto, faz-se necessário investigar se a
posição dos parlamentares, com seus compromissos e interesses regionais, foram
decisivas e são suficientes para explicar a não-implementação da reforma tributária
naquele momento. Esse é o tema do próximo capítulo.
143
Capítulo IV: O desfecho da Reforma Tributária no Governo
Cardoso: atores e interesses
“Todo homem que se entrega à política, aspira
ao poder –seja porque o considere como
instrumento a serviço da consecução
de outros fins, ideais ou egoístas, seja porque
deseja o poder ‘pelo poder’, para gozar do
sentimento de prestígio que ele confere”.
(Max Weber, em ‘A Política como Vocação, p. 57)
Este capítulo pretende fornecer subsídios para a compreensão das hipóteses
lançadas no início deste trabalho, às quais buscavam compreender os fatores e atores
que contribuíram para o malogro da reforma tributária no Governo Fernando Henrique
Cardoso. Um primeiro ponto questionado foi o fato de que a reforma poderia ter sido
paralisada devido a uma interferência dos próprios parlamentares, envolvidos na
Comissão Especial, pois, como visto no capítulo anterior, os mesmos eram pautados
pela necessidade de responderem aos interesses das regiões às quais representavam.
Neste sentido, o consenso estava comprometido, pois a Federação brasileira é, por si só,
assimétrica.
Um segundo elemento que poderia ter contribuído para o fracasso da reforma
eram os governadores de estado, apontados pela literatura como atores políticos, com
poderes para a mobilização e influência de suas bancadas parlamentares e que, diante de
seus interesses políticos ou econômicos específicos agem como atores com poder de
veto, a determinadas matérias com as quais se sentem ameaçados ou que simplesmente,
por algum motivo, discordam. Como a reforma tributária previa uma série de
modificações em dispositivos diretamente relacionados aos estados, esta é, portanto,
uma hipótese válida.
Uma terceira hipótese para a paralisação dos debates a respeito da reforma
poderia ter sido causada pelo próprio Executivo, que, frente às dificuldades para a
aprovação da matéria e dado que afloraram conflitos de toda ordem, inclusive os
federativos, optou, naquele momento, pela não realização da mesma, devido
144
principalmente à falta de consenso com os atores envolvidos. Cabe ressaltar que a
reforma tributária envolve uma gama enorme de atores políticos, pois previa alterações
em diversos entes federados.
Para responder a tais questões, foram entrevistados alguns dos atores envolvidos
na época dos debates
41
, mesclando suas posições, para assim obter uma visão mais
global possível acerca do objeto de estudo. Para isso, foram entrevistados membros do
Executivo e do Legislativo, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a fim de
que eles pudessem contribuir para o entendimento dos motivos que favoreceram a não
implantação da reforma naquele período.
1. Justificativa do Governo para a PEC 175
No dia 23/08/1995, Nelson Jobim, Ministro da Justiça, Pedro Sampaio Malan,
Ministro da Fazenda e José Serra, Ministro do Planejamento e Orçamento, transmitiram,
em um documento enviado à Comissão Especial, a justificativa para as propostas
contidas na PEC 175. Segundo os parlamentares, a proposta visava simplificar o
Sistema, aumentando sua eficácia para o Fisco e para o contribuinte, bem como facilitar
o combate à sonegação e injustiças por ela criadas, permitindo, sobretudo, uma
distribuição social mais justa da carga tributária.
Segundo o Executivo, a PEC 175 conservava alguns dos princípios da
Constituição de 1988, como a manutenção dos direitos e garantias dos contribuintes, as
limitações do poder de tributar, a autonomia dos estados e municípios e a
descentralização tributária. Entretanto, após grande período de discussão, algumas
alterações foram elaboradas. A Reforma proposta não visava, segundo o Executivo
Federal, o aumento da carga tributária, mas buscava meios para redistribuí-la melhor à
sociedade. Neste sentido, o Governo Federal intencionava arrecadar o mesmo volume
de recursos, porém, combatendo a evasão e a elisão fiscal:
41
Foram entrevistados apenas 7 pessoas, presentes nas discussões sobre a reforma tributária, mais 2
secretários de finanças de cidades do interior de São Paulo, em função das limitações financeiras e dos
prazos exigidos para a conclusão da Dissertação de Mestrado.
145
A sonegação é, hoje em dia, um fator que concorre para desorganizar
a produção, a comercialização e o abastecimento, além de aumentar a
injustiça fiscal. A emenda proposta fecha uma das maiores brechas à
sonegação no campo do ICMS e impõe barreiras à competição
predatória entre contribuintes e sonegadores. (Justificativa do
Governo para a PEC 175, 1995).
Neste sentido, segundo a justificativa do Governo, as alterações se dividiam em
três grupos. O primeiro continha modificações que visavam à justiça fiscal, o combate à
sonegação e a harmonização tributária; o segundo grupo pretendia simplificar o Texto
Constitucional, deixando à competência da Lei Complementar, algumas disposições que
necessitassem de ajuste. O terceiro grupo alteraria o Texto Constitucional, como o fez,
por exemplo, com a remodelação do ICMS e a extinção do IPI, substituindo-o por uma
alíquota federal incidente sobre a mesma base do ICMS.
Com relação à intenção de simplificação do sistema tributário, Rezende (1996) é
enfático:
O fetiche do número de impostos não deve obscurecer o pensamento.
Não é necessariamente a existência de um número mínimo de tributos
que garante simplicidade, eficiência e equidade na tributação. O
discurso da simplificação, quando desprovido de fundamento,
encobre uma enorme complexidade. Ainda que o sistema tributário
brasileiro careça de mudanças profundas, estas não podem ser
realizadas de uma só vez, sob pena de comprometerem o equilíbrio
regional e federativo e o financiamento de programas sociais
indispensáveis à melhoria das condições de vida de grande parte da
população brasileira. (REZENDE, 1996, p. 29).
Segundo a justificativa do Governo, não haveria, “federalização” do ICMS; nem
a União, nem o Executivo Federal teria poderes para fixar alíquotas estaduais, ou
mesmo para receber o imposto devido aos estados. De acordo com a Proposta, cada
esfera do governo cobraria e arrecadaria diretamente sua parte no imposto: “os estados
e a União, por conta própria, administrarão, arrecadarão e fiscalizarão as suas
respectivas parcelas no imposto único”. Além disso, o ICM passaria a ser um tributo
seletivo, ou seja, alíquotas diferenciadas para produtos diferentes, permitindo, dessa
forma, uma tributação mais suave sobre as mercadorias de primeira necessidade. Desta
forma, para o Governo, a evasão fiscal sobre este imposto também se tornaria mais
difícil, na medida em que ele seria cobrado na saída da mercadoria, não mais possuindo
146
alíquotas internas e interestaduais. E a eficiência destas alterações seria completa: “são
resolvidos, ao mesmo tempo, os problemas de efeitos econômicos da tributação, da
sonegação e da redistribuição de receitas entre os estados”.
Além disso, ressaltavam os defensores da proposta que os municípios obteriam
alterações em suas arrecadações, pois o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU), seria mais detalhado no Texto, para que não houvesse dúvidas quanto a
sua cobrança; o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), teria suas alíquotas
máximas e mínimas atribuídas através de Lei Complementar, a fim de evitar conflitos
sobre a jurisdição. Além disso, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
permaneceriam com os recursos para o financiamento de projetos de infra-estrutura, a
fim de complementar o investimento na produção, reduzindo a desvantagem
competitiva destas regiões.
Essas foram as justificativas que a equipe técnica do Executivo mencionou
acerca das alterações que a PEC 175 pretendia alcançar. Segundo o Executivo Federal:
A proposta constrói uma solução adaptada à realidade, ajustada às
particularidades do nosso Federalismo fiscal e que, ao mesmo tempo,
combate à sonegação, melhora a justiça fiscal e cuida de promover as
alterações indispensáveis a uma progressiva adaptação de nosso
Sistema Tributário às exigências ditadas pela globalização dos
mercados e pela inserção competitiva do Brasil no cenário
internacional. (Justificativa do Executivo para a proposta de Reforma
Tributária, 1995).
No entanto, em quatro anos de governo, a equipe econômica apresentou ao
Congresso três versões de um novo sistema tributário. Em 1995, como ressaltado acima,
foi encaminhado o projeto de reforma constitucional, que, entretanto, acabou caducando
ao longo do tempo, pois várias medidas tomadas pelo Governo acabaram tornando
obsoletos seus princípios; dois anos depois, em 1997, foi exposta uma versão informal
do que o governo pretendia ver alterado no texto anterior e em 28/11/1998 foi entregue
à Câmara uma nova proposta, que foi maturada há mais de um ano pela equipe
coordenada pelo então secretário-Executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente,
conhecida por Proposta Parente, que será exposta adiante. No entanto, a discussão
realizada na Comissão Especial era com relação às medidas propostas pela PEC 175,
que englobava uma reformulação mais ampla do sistema tributário.
147
Além disso, com o desenrolar do tempo, havia ainda mudanças propostas pelo
Substitutivo Mussa Demes que, por não obter consenso, acabou culminando na criação
de uma Comissão Tripartite. Tal comissão propunha alterações no Substitutivo Mussa
Demes, dando origem à Emenda Aglutinativa Mussa Demes. Como todas estas
tentativas malograram, principalmente por falta de consenso entre os atores envolvidos,
ao final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o que foi de fato
realizado, foram medidas pontuais, para resolver pequenos problemas no sistema
tributário.
Neste sentido, a reforma tributária foi alvo de inúmeras críticas, que
demonstravam a insatisfação com questões diferenciadas: o andamento dos trabalhos da
Comissão Especial, o conteúdo dos projetos apresentados, a indefinição quanto à
questão do Pacto Federativo, etc. Esta insatisfação demonstra a amplitude das questões
referentes ao tema, bem como o difícil consenso, em torno das propostas, para que uma
Reforma fosse implantada de forma eficaz.
2. As críticas a PEC 175: analisando a dimensão do conflito técnico
A questão da repartição social dos tributos foi a que causou maior polêmica por
parte da oposição ao Governo. Oriunda, principalmente da bancada parlamentar do
Partido dos Trabalhadores e dos setores sindicais vinculados à Receita Federal, a crítica
refere-se ao fato de que, na proposta, as classes médias continuariam sendo as mais
oneradas pelo imposto de renda e as classes trabalhadoras teriam que suportar a parte
mais pesada da tributação: os impostos indiretos.
Outro argumento levantado é que a Reforma Tributária encaminhada pelo
Governo Federal seria muito acanhada na medida em que não enfrentava o problema
das chamadas Contribuições Sociais, nem reduzia o número de impostos. O mais
conhecido crítico da proposta oficial era o ministro da Indústria e Comércio, o deputado
Francisco Dornelles (PFL-RJ), além de Roberto Campos (PPB-RJ). Segundo estes,
enquanto o Brasil possui 13 impostos (sete da União, três dos estados e três dos
municípios), o número das chamadas Contribuições Sociais estaria em torno de vinte,
sendo que a incidência sobre o faturamento ou receita operacional, ao taxar fases
148
intermediárias e finais do processo produtivo, produziria o chamado “efeito cascata”,
repercutindo cumulativamente sobre os preços finais. A questão essencial é que,
mantendo-se o atual formato, teríamos, mesmo se totalmente aprovada, uma Reforma
Tributária tímida, pois estaria sendo deixada de lado uma questão de grande
centralidade, já que onera o fator trabalho e possui peso fundamental na receita global
do Governo Federal.
Todavia, os defensores e mentores da proposta do Governo Federal ressaltavam
que não se trata de denunciar o acanhamento da proposta, mas de saber os perigos de
Reformas Tributárias excessivamente abrangentes. É o caso, por exemplo, da visão de
Fernando Rezende (1996), então Presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas:
Projetos menos ousados, porém mais realistas, têm maiores chances
de desencadear um círculo virtuoso de mudanças capazes de
promover uma completa modernização do sistema tributário
brasileiro em um prazo compatível com as exigências desse fim de
século. Muitas idéias nessa linha já estão sedimentadas, como
revelam alguns dos projetos que estão sendo analisados pelo
Congresso Nacional. Ao Congresso cabe extrair das lições da história
e do debate do momento a proposta mais condizente com as
limitações e as necessidades do presente e com as demandas do
futuro. (REZENDE, 1996, p. 29).
Um eixo estruturador do jogo político em torno da proposta é a questão do pacto
federativo. Os críticos da proposta do Executivo ressaltavam que a mesma propunha
determinadas medidas que ocasionariam perdas em algumas regiões e estados. A
desoneração das exportações e a aplicação do princípio de destino, que seria implantado
aos poucos no ICMS, prejudicariam, por exemplo, o estado de São Paulo, grande
exportador de produtos e serviços. O mesmo ocorreria com o Amazonas, que exporta
quase toda sua produção industrial e não importa quase nada. Segundo Melo (2002, p.
101), com a desoneração das exportações, haveria uma perda no valor de R$ 1,5
bilhões, valor estimado pela Comissão Especial: “Na realidade, na forma em que foi
proposto, esse custo equivalia a um subsídio explícito aos setores exportadores sem
nenhuma compensação fiscal, porque os recursos viriam do IPI, mantido sem alteração
(de fato, o que aconteceu com a Lei Kandir)”.
149
No caso da compensação das perdas com a mudança do ICMS federal (chamado
mais tarde de IVA), seriam criados mais impostos, conforme a proposta, como o IVA, o
IVV e o Excise Tax, com alíquotas altas e o restante que sobrasse, seriam empregados
no Fundo de Compensação. Segundo Melo (2002, p. 102):
Pode-se dizer que em geral o trade off era entre maior centralização /
mais transferências – portanto, maior dependência das entidades
subnacionais frente à União – com maiores alíquotas dos novos
impostos; ou mais descentralização com perdas potenciais menores.
O Estado de São Paulo, grande exportador de produtos e serviços,
perderá quantia considerável de receita, estimada de R$2,5 a R$11
bilhões nos estudos da FIPE. O Amazonas, que exporta quase toda
sua produção industrial e não importa quase nada, poderia se
inviabilizar, caso não se adotem medidas corretivas e específicas.
Outra questão federativa importante era o impacto decorrente da implantação de
alíquotas interestaduais uniformes. Para os críticos da proposta, esta medida
ocasionaria, em curto prazo, perdas enormes para os estados menos desenvolvidos,
especialmente os do Norte e alguns do Nordeste, que hoje se beneficiam das alíquotas
diferenciadas nas operações interestaduais realizadas com os estados do Sul e Sudeste.
Apesar de seus efeitos perversos - dentre os quais se destaca a maior
facilidade para a sonegação fiscal nas operações interestaduais -, este
mecanismo de alíquotas preferenciais constitui um arranjo
institucional redistributivo, ancorado na legislação em vigor, que
beneficia os estados mais pobres. (MELO, 2002, p. 103).
Ainda com relação às perdas estaduais, havia o debate em torno da insuficiência
do Fundo proposto pelo governo, estabelecido por um período de cinco anos, que seria
responsável pela compensação dos estados exportadores, que teriam perdas de
arrecadação devido à isenção de imposto a ser concedida às exportações. Este ponto foi
discutido e sofreu críticas dos governadores de estado:
Possivelmente, a menor prioridade dada pela equipe econômica à
reforma tributária, comparativamente à da Previdência e à Reforma
Administrativa, possa ser explicada pelo seu impacto fiscal no curto
prazo. Com efeito, ressalte-se que, enquanto a Reforma
Administrativa e a da Previdência poderiam, em tese, assim que
aprovadas permitiria uma redução do gasto para o erário nacional, a
Reforma Tributária, na forma em que foi proposta, exigiria a curto
prazo, gastos adicionais da União para a formação do referido fundo
150
de compensação dos estados exportadores. Apenas a médio e longo
prazos, os efeitos econômicos em geral, e na área fiscal, em
particular, da Reforma Tributária, traduzidos pela diminuição do
‘Custo Brasil’, implicariam maior competitividade da economia,
incremento dos investimentos, crescimento do nível de emprego e,
conseqüentemente, aumento da arrecadação. (MELO, 2002, p. 104).
Outro ponto questionado na proposta do governo foi com relação à guerra fiscal,
tema que é bem controverso, pois, como já salientado no capítulo anterior, é defendido
por alguns estados, que adquirem certos benefícios com tal prática, mas combatido por
outros. Como ressalta Melo (2002):
A guerra fiscal, apesar de permitir ganhos pontuais regionais, produz
uma situação coletivamente perversa por duas razões: Em primeiro
lugar, a renúncia fiscal e a compressão da receita pública para baixo
têm efeitos negativos em quadro de crise fiscal generalizada nos
estados. Essa guerra torna-se um leilão fiscal por aquilo que poderia
ser obtido sem ônus, na medida em que há fortes evidências de que as
empresas jogam estrategicamente com decisões locacionais tomadas
ex ante. Por outro lado, com a guerra fiscal, a lógica coletiva do
desenvolvimento econômico se torna caudatária da lógica individual
das empresas. A racionalidade individual dos governadores os leva a
praticar renúncia fiscal para atrair empresas e empregos. Quando
todos os governadores fazem isso – ou, pelo menos, se um conjunto
importante dos estados o fizer -, a renúncia fiscal deprime a receita
pública agregada, deixando o país em seu conjunto em uma situação
inferior à que se encontrava. (MELO, 2002, p. 104).
Além disso, a permanência da prática da guerra fiscal pode ser entendida, ainda,
como a perpetuação do status quo dos governadores, que utilizam-se dos ganhos com tal
prática, pensando, racionalmente, nos futuros ciclos eleitorais e, conseqüentemente,
projetando seus ganhos individuais nas eleições.
Além das críticas que enfatizavam perdas nos estados, havia outra gama de
questões relativas ao pacto tributário federativo. O primeiro argumento era o de que,
embora os mentores da proposta federal declarassem que não haveria mudanças no
arranjo redistributivo que envolve os três níveis de governo, na verdade, a proposta teria
um sentido recentralizador. Segundo este ponto de vista, a União estaria abrindo mão do
IPI - que atinge apenas alguns setores industriais – em prol de um imposto com uma
base de arrecadação muito mais ampla. Em suma, isto significaria, de fato, uma carga
tributária muito maior em favor da União.
151
Dentre os argumentos de favorecimento da União estava o de que a proposta
oficial reservava para esta, todo Imposto de Renda cobrado dos funcionários públicos
federais, excluindo estados e municípios de qualquer participação. Ainda neste sentido,
criticava-se também a cláusula do novo imposto que reservava exclusivamente para o
Governo Federal, a receita incidente sobre energia elétrica, petróleo e derivados – ou
seja, todo esse montante, que é expressivo, ficaria apenas para a União, em detrimento
dos estados.
Outra crítica relativa ao privilegiamento do Governo Federal, dizia respeito à
regulamentação de modificações no ICMS, pois, enquanto a União necessitaria apenas
de uma lei ordinária para fixar ou alterar as suas alíquotas, para modificar as alíquotas
do ICMS estadual, seriam necessárias resoluções do Senado, que são mais difíceis de
aprovação.
Por fim, uma das maiores críticas ao projeto de Reforma Tributária referiu-se à
proposta de mudança constitucional, que flexibilizava as condições da União, para a
criação de novos impostos. Pela proposição oficial, retirava-se a obrigação
constitucional de a União repassar 20% da arrecadação de novos impostos para os
estados e municípios. Além disso, abria-se a possibilidade da criação de impostos
cumulativos ao nível da própria União.
Melo (2002) destaca, ainda, outras particularidades da reforma tributária,
especialmente, da PEC 175:
Uma característica importante da PEC 175, como visto, é que ela era
multidimensional, atacando três tipos de problemas: desoneração das
exportações, sentido da cobrança de tributos, proibição de concessão
de incentivos fiscais unilaterais pelos estados, Contribuições Sociais
para o financiamento da seguridade, etc. (...) A geometria política das
perdas é, portanto, extremamente variada, não permitindo a formação
de coalizões vencedoras. A questão do efeito da
multidimensionalidade sobre a formação de coalizões é um ponto
extremamente conhecido na literatura ancorada na escolha racional.
A observação do líder de governo de que ‘não dá para o governo
impor um projeto de reforma tributária porque são muitos os
interesses contrários’, é particularmente apta para descrever a
situação. A fragmentação poderia facilitar uma imposição pelo
governo se houvesse menos interdependências entre os issues e se
esses fossem em menor número. (MELO, 2002, p. 105).
152
Estas foram as observações feitas por técnicos quanto aos riscos existentes em
torno da proposta apresentada pelo governo. No entanto, muitos outros problemas
envolviam a PEC 175, como será abordado a seguir.
3. O cenário da reforma tributária, segundo a visão dos entrevistados
Optou-se por realizar a pesquisa de campo para que algumas questões contidas
nas hipóteses deste trabalho pudessem ser elucidadas. Além disso, as entrevistas
trouxeram à tona novos elementos para a discussão, não abordados pela literatura
corrente, preenchendo, portanto, algumas lacunas desta. Neste sentido, a escolha dos
entrevistados baseou-se na importância dos cargos ocupados por tais indivíduos, na
época dos debates, procurando-se mesclar os perfis destes, e, desta maneira, obter visões
distintas sobre o tema. Foram entrevistados membros do Executivo, do Legislativo e
membros ligados a órgãos técnicos. São eles: Ary Oswaldo Mattos Filho (presidente da
Comissão Executiva da Reforma Fiscal, durante o Governo Fernando Collor de Melo e
Itamar Franco); Marcos Cintra (membro da Comissão Especial da Reforma Tributária);
Eliseu Rezende (membro da Comissão Especial da Reforma Tributária); Fernando
Rezende (um dos mentores da proposta do Executivo e Presidente do IPEA); Luiz
Carlos Hauly (parlamentar especialista em assuntos tributários, propositor de Emendas
de reforma tributária e membro da Comissão Especial); Everardo Maciel (Secretário
Executivo da Receita Federal na época dos debates tributários no Governo Fernando
Henrique Cardoso) e José Roberto Afonso (economista do BNDES).
42
Um dos maiores desafios da reforma naquele momento, segundo Eliseu Rezende
(2007), era diminuir a carga tributária, que, segundo o parlamentar ultrapassava os 35%
do PIB. Além disso, deveriam ser estabelecidas medidas para conter o gasto público,
para que ele fosse melhor administrado, e assim, o Estado poderia investir em seus três
níveis de governo, em infra-estrutura e gestão, aplicando recursos nas áreas de
Educação, Segurança Pública e Saúde. Além disso, havia outros problemas a serem
resolvidos. O primeiro era a complexidade do ICMS, que gera distorções entre os
estados, aumentando a disparidade entre os entes; não havia consenso em torno da
42
A lista completa dos entrevistados e os cargos ocupados por estes estarão designados no Apêndice, ao
final deste texto.
153
criação do IVA, pois a maioria dos entrevistados afirmou que este tipo de imposto é
típico de países unitários, não de países federados como o Brasil. Além disso, era
necessário resolver a tributação excessiva na folha de salário, que é desproporcional
enquanto padrão internacional.
Outra dificuldade, na época das discussões era o estabelecimento dos níveis
claros de arrecadação de cada ente federado, pois havia o dilema (presente desde a
promulgação da Carta de 1988), da perda de arrecadação da União. Como afirmou
Everardo Maciel, os entes subnacionais, frente à maior participação no bolo tributário
nacional e ainda com a participação no Fundo de Participação dos Estados e no Fundo
de Participação dos Municípios, sacrificam a parcela da União, que, diante da redução
de sua receita apela para as Contribuições Sociais:
Ao longo do tempo, a proporção do IPI e do IR foi crescendo na linha
de transferência para estados e municípios. Então, remanesceram os
encargos da União. Então, o que fez a União, através de uma via
racional? Foi fazer o seguinte: aumentar as Contribuições Sociais.
(MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
De fato, qualquer aumento de arrecadação associado ao IR e ao IPI tinha que ser
compartilhado com estados e municípios. Frente a essa realidade, o Governo Federal
acabou trilhando o caminho mais simples, ao criar as Contribuições Sociais cumulativas
para as quais não há obrigatoriedade constitucional de compartilhar com os entes
subnacionais. Neste contexto, se inserem o Programa de Integração Nacional (PIS), o
Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) renomeado de Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e, posteriormente, na década de 90, a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto Provisório sobre
Movimentações Financeiras, transformado posteriormente em Contribuição sobre
Movimentações Financeiras (CPMF).
No entanto, afora estes fatores apontados, havia um ponto de enorme dissenso
em torno da proposta, que era definir os limites da reforma, ou seja, qual o modelo de
reforma se desenvolveria, naquele momento: se uma reforma abrangente, ou se uma
reforma pontual, promovendo alterações em apenas alguns pontos do sistema tributário.
Para o ex-Secretário da Receita Federal, uma Reforma Tributária mais abrangente não
seria a forma mais adequada, para aquele momento:
154
Eu posso dizer: jamais haverá uma reforma abrangente no Brasil,
nem em lugar nenhum. Porque a reforma tributária repercute
diferenciadamente em setores, regiões, pessoas, estamentos sociais.
Bom, se você põe todas as coisas aí, você consegue fazer uma guerra
campal, de todos contra todos. E o jogo é de soma zero. Quer dizer,
ou você identifica um ponto de menor resistência, ou não vai entrar.
Porque é uma briga de rua. Todos batem em todos. Então, enquanto
todos batem em todos, não tem nada. Não tem ganhos nem perdas.
Então, é impossível. Quer dizer, uma reforma ampla é desnecessária e
impossível. Por isso que eu disse desnecessária, porque a questão tem
que ser tratada pontualmente, com objetividade, senão ela não é uma
reforma. Não existe reforma tributária. Reforma tributária para
reformar o que? Qual reforma tributária o governo quer? (MACIEL,
entrevista, 22/05/2007).
Para Maciel (2007), a reforma tributária deveria ser objetiva, podendo ser
comparada à reforma de uma casa, onde existem pontos apenas que devem ser
modificados:
Então, se você vai reformar a sua casa, reformar o quê? Por quê? Pra
quê? Então, reforma tributária não é nada. É qualquer coisa. No
momento em que há o interesse pela reforma tributária, tem que ver o
que é mais importante. Importante hoje, porque pode ser que não seja
importante amanhã. Então, não existe a reforma tributária. Existem
reformas tributárias. Aqui, esses problemas tributários merecem ser
reformados. Reformar esses problemas tributários, pela convicção
que se tem do problema de a nossa reforma tributária, no nosso país,
já é uma belíssima discussão. (MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
A idéia de uma reforma pontual, menos abrangente, era defendida também,
como já salientado acima, pelo mentor da proposta do Executivo, o economista
Fernando Rezende, que, em entrevista
43
, salientou que os desafios, naquele momento
das discussões giravam em torno do dilema encontrado para avançar em uma reforma
abrangente, que em parte encadeia uma série de restrições impostas pelo ajuste fiscal
macroeconômico. Além disso, segundo Rezende (2007), qualquer perspectiva de
reforma abrangente que pusesse em risco os níveis de arrecadação, não obteria o
consenso necessário para concretizar-se. Na verdade, esse é um dos grandes dilemas da
reforma tributária, pois há um temor muito grande em se promover grandes alterações
no sistema, sem a contrapartida da dimensão exata dos riscos nela envolvidos; frente a
43
Fernando Rezende, em entrevista à pesquisadora, 21/05/2007.
155
estes desafios, opta-se por reparações, pequenas alterações no sistema tributário, como
assinalou Luís Carlos Hauly (2007):
O que eu percebo nestes anos todos é que os governantes falam em
reforma tributária, mas quando chegam ao poder, eles fazem
remendos de reforma. Então, eles enfrentam o dilema em que a
tributação está boa e que se mexer, pode colocar em risco a
arrecadação. É uma luta entre a cultura conservadora, da máquina
arrecadadora e do Ministério da Fazenda contra o que as ruas, as
pessoas, as empresas, os trabalhadores, pedem e que é uma reforma
tributária ampla, geral e irrestrita. Então os governantes assumem
esses compromissos enquanto candidatos e quando assumem o
governo eles não sabem operar essa proposta. (HAULY, entrevista,
03/05/2007).
No entanto, como assinalado acima, o posicionamento dos parlamentares, na
Comissão Especial, era distinto com relação a uma reforma mais pontual do sistema
tributário, havendo, pois aqueles que ansiavam por uma reforma mais radical,
abrangente, como o então deputado Marcos Cintra (2007), por exemplo, que criticava,
também, o posicionamento da Comissão Especial, que, segundo ele, deveria adotar uma
postura mais “ousada”, para produzir uma reforma mais abrangente
44
:
A comissão de reforma tributária tinha uma visão que era uma visão
mais ortodoxa, clássica, de fazer o que Roberto Campos chamou de
mero ‘aperfeiçoamento do obsoleto’. Ou seja, manter como está, o
sistema tributário arcaico, mas vamos tentar melhorar, aperfeiçoar o
obsoleto. E isso envolvia basicamente a manutenção do atual sistema,
com alguns aperfeiçoamentos em termos principalmente de ICMS.
Podendo eventualmente, chegar a criação de um IVA nacional. De
outro lado, tinha uma visão minoritária dentro dessa Comissão, na
qual eu me inseria, que pedia uma reforma mais radical, que tinha
como base principal uma radical simplificação do sistema,
incorporando um projeto de indústria. Essa é a primeira dificuldade,
na qual não se chegava a um consenso. A sociedade quer o imposto
único, mas a burocracia pública e a elite política, querem a
manutenção do atual sistema. E isso criou, ao longo dos debates,
visivelmente, um conflito claro, nas audiências públicas, entre o que
o pagador de impostos achava que era uma reforma tributária e o que
majoritariamente a Comissão estava apresentando, sobre o interesse
do relator, Mussa Demes. (CINTRA, entrevista, 05/05/2007).
44
Uma das divergências entre o deputado Marcos Cintra e a Comissão Especial residia no fato desta
última desejar o fim da CPMF, contribuição defendida e considerada importante para o deputado e que,
segundo ele, deveria permanecer.
156
Dada a indefinição em torno de qual a melhor proposta, a discussão caminhou,
basicamente, nas remodelações do ICMS e nas decisões quanto à permanência ou não
da guerra fiscal, fenômeno que a maioria dos entrevistados concordou que é nocivo:
A política de incentivos fiscais no Brasil destruiu a economia de
mercado e distorce a formação de consenso, concentra segmentos
empresariais, e traz prejuízos incalculáveis tanto para a arrecadação
quanto para a economia, porque são privilégios fiscais aos estados, de
forma direta ou indireta, através de guerras fiscais e financeiras, que
acabam distorcendo totalmente. E nessa guerra fiscal alguns estados
oferecem mais que outros. Os malefícios desta guerra fiscal são
incalculáveis. (HAULY, entrevista, 03/05/2007).
O debate em torno da guerra fiscal, aliado à desoneração das exportações, onde
alguns estados sairiam perdendo, como destacado no item anterior, eram os temas que
detinham o maior grau de conflito, com uma dificuldade grande de se obter consenso. O
dissenso reside no fato de que os incentivos oferecidos pela guerra fiscal, por exemplo,
beneficiam alguns estados, em detrimento de outros. Foi um ponto, portanto, de grande
divergência entre os governadores:
As relações regionais têm muita influência. Total. Porque uma das
linhas mestras da proposta do governo era o combate radical à guerra
fiscal. E a eliminação de todos os incentivos fiscais que haviam sido
concedidos e a proibição de novos incentivos fiscais. E vários
estados, alguns estados eram radicalmente contrários à guerra fiscal,
como era o caso, por exemplo, de São Paulo. O Mário Covas chegava
a dizer que mesmo o estado perdendo, ele era a favor do fim da
guerra fiscal; o Rio Grande do Sul tinha essa posição também. Por
outro lado, estados como a Bahia, Goiás, Mato Grosso, que praticam
essa política de incentivos fiscais, o Amazonas, de certa forma,
também, acabavam defendendo a guerra fiscal. Então não houve
nenhum consenso; pelo contrário, a guerra fiscal foi uma constante e
uma das razões pela discordância da visão entre os vários
governadores. (CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
No entanto, as opiniões dos parlamentares envolvidos são bem díspares, como
afirma Mattos Filho (2007), por exemplo; para ele, a guerra fiscal tem um lado positivo,
no financiamento de grandes projetos, mas, em contrapartida, gera alguns problemas
para o município-sede de instalações de futuros empreendimentos:
A guerra fiscal é difícil dizer, depende muito. A maioria das coisas
que eu vi, ela não foi boa, principalmente na esfera municipal, o que
ela causa para o município. Vamos analisar assim, primeiro o
157
município. Ela não é boa pro município porque ela causa uma série
de despesas como melhorar a infra-estrutura, porque aumenta o
número de habitantes, cresce a população, o consumo de água, de
esgoto, necessita-se de mais escolas municipais, de iluminação
pública. Você tem uma série de gastos, o IPTU vai aumentar muito.
Nos estados você tem algumas situações muito tópicas. A Bahia é um
caso. Você pega a briga lá do Antonio Carlos Magalhães, pra levar a
Ford pra lá, isso gerou receita, o pólo petroquímico da Bahia gerou
receita, o pólo lá em Pernambuco também está indo direitinho. A
construção, por exemplo, de uma usina siderúrgica no Ceará que
vende combustível mais barato, também seria um ótimo
empreendimento. Ou seja, grandes projetos talvez até funcione.
Agora, projeto miúdo, médio, não vale a pena. Acho que megas
projetos valem a pena o uso dos incentivos fiscais porque isso reverte
em termos de geração de emprego, de arrecadação de ICMS. Agora
vai depender muito se o ICMS vai ser na fonte ou no consumo.
(MATTOS FILHO, entrevista, 02/05/2007).
Uma das críticas à prática da guerra fiscal é que, além de promover grandes
divergências entre os estados, uma vez que uns saem ganhando e outros perdendo, esta
prática promove, ainda, distorções nas empresas nacionais, uma vez que desestimula a
instalação e permanência destas:
Eu costumo dizer que o sistema tributário brasileiro é um verdadeiro
manicômio tributário, anárquico e caótico. E sobrevive a este modelo
tributário somente os monopólios, as empresas monopolistas,
oligopolistas, empresas com incentivos fiscais e sonegadores. Então,
uma empresa normal, regular, que paga todos os seus impostos, não
consegue sobreviver nesse sistema tributário anárquico, caótico,
predatório. Destroem as empresas, destroem os empregos e distorcem
a formação de empresas. Então você pega uma empresa monopolista,
ela não ta nem aí pra carga tributária e taxa de juros. Ela impõe os
seus meios e acabou. Diferentemente das outras empresas. Aqueles
que são mais espertos conseguem incentivo fiscal; o restante padece
ou sonega. É por isso que a concentração da economia está
concretamente nas empresas. Dois por cento do universo financeiro
das empresas concentra 90% da arrecadação tributária brasileira.
(HAULY, entrevista, 03/05/2007).
Apesar de todas as discussões, a reforma tributária não conseguiu transpor todos
os percalços que havia, naquele momento. A própria expectativa dos parlamentares
envolvidos evidencia que os mesmos não acreditavam que a reforma pudesse acontecer
de forma ampla:
Quando o presidente FHC assumiu, no dia da posse, ele deu uma
entrevista coletiva, para a imprensa nacional, reafirmando o seu
compromisso de reforma tributária, e que o seu partido tinha dois
158
grandes especialistas na área, que era o José Serra e o Deputado
Hauly, manifestando sua vontade de realizar. Mas com o início do
governo, as autoridades do Ministério da Fazenda e do Planejamento,
não conseguiram implementar esta proposta. Então nós discutimos
exaustivamente durante o governo Fernando Henrique, na Comissão
Especial de Reforma Tributária, que era presidida pelo Germano
Rigotto, relatada pelo deputado Mussa Demes; então, nós tentamos
enfrentar a emenda constitucional, de nossa autoria e que acabou
sendo apensada àqueles projetos. O que resultou do governo FHC
foram mudanças pequenas e implementações que acabaram
aumentando a arrecadação federal. (HAULY, entrevista, 03/05/2007).
Estes foram alguns desafios encontrados pelos parlamentares da Comissão
Especial para a implementação da proposta de reforma tributária. No entanto, havia
dificuldades não só técnicas, mas também políticas em torno da proposta. Como se verá
adiante, existiram confrontos difíceis de serem solucionados, entre o que a Comissão
Especial considerava adequado de se realizar naquele momento e o que o Executivo,
principalmente a equipe econômica envolvida, qual seja, Receita Federal, Ministério do
Planejamento e Ministério da Fazenda desejavam realizar. Os atores e conflitos
estabelecidos entre eles serão apresentados nos itens seguintes.
4. A tramitação da PEC 175 e evidências dos conflitos inter-poderes:
Executivo x Legislativo
Durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, diversas
reformas constitucionais ocuparam a agenda, com a previsão de mudanças nas áreas
Administrativa, Previdenciária e Tributária. No entanto, a tramitação da PEC 175,
responsável pela remodelação no sistema tributário foi bem lenta. Isso se deve a alguns
fatores, pois, como ressalta Melo (1997), a PEC 175 foi enviada ao Congresso Nacional
logo após o envio da Emenda Constitucional da Reforma da Previdência e ao contrário
das outras reformas, a PEC 175 exigiu um esforço maior para sua apreciação. Um dos
motivos para tal para tal atraso é que, o Governo, frente à derrota da PEC referente à
Previdência, mostrou-se cauteloso e a apreciação pela Câmara foi mais demorada. Além
disso, a equipe econômica rejeitava o relator escolhido, Mussa Demes, que, por sua vez,
rejeitava veementemente o projeto proposto pelo Executivo.
159
Aliás, a escolha de Demes para a relatoria também foi bastante significativa,
pois pareciam levar em conta os fatores federativos, principalmente dos estados mais
pobres, uma vez que o deputado era nordestino; a escolha foi uma decisão do PFL
nordestino, onde o vice-líder do PFL, Antonio Kandir, afirmou que ele próprio não fora
aceito, para o cargo, por ser um parlamentar de São Paulo.
Todavia, a demora na tramitação pode ser explicada, ainda, porque o governo
criou, através do deputado Antonio Kandir (PSDB - SP), uma Subcomissão de Reforma
Tributária, composta por especialistas em finanças públicas, que produziu um projeto de
lei no qual boa parte da matéria infraconstitucional aprovada na PEC originava-se de tal
Subcomissão. Assim, em busca do consenso, o deputado Kandir elaborou um survey na
Comissão de Finanças, identificando quais os pontos de menor atrito, para que fosse,
então criado, o Projeto de Lei:
Tentando mudar de estratégia, o governo encaminhou um projeto de
lei complementar, a Lei Kandir, regulamentando o convênio 66/88,
que na ausência da regulamentação da matéria, o substituía. Embora a
legislação impusesse perdas e um mecanismo pouco crível de
compensação, o Executivo logrou aprová-la recorrendo a seus
poderes de agenda. Após vários reveses, a proposta recebeu o regime
de urgência e foi aprovada. (MELO, 2002, p. 94).
O survey elaborado por Kandir contou com a negociação com os governadores
dos estados do Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul, onde os deputados supostamente
votariam contra, principalmente devido aos mecanismos compensatórios, o que não
ocorreu. Além disso, retirava-se parte da matéria que delegava sobre a guerra fiscal,
objeto de dissenso entre os membros; outras medidas foram tomadas para que o projeto
fosse aprovado:
No Senado persistiu a resistência em relação à parte que permaneceu,
e para evitar que o projeto retornasse à Câmara, em virtude de ter
sido alterado, um acordo foi fechado para que o Presidente
sancionasse o projeto com vetos a tais dispositivos. Kandir também
preparou um projeto de unificação das Contribuições Sociais,
fundindo-as em uma só, mas não submeteu uma proposta concreta.
(MELO, 2002, p. 94-95).
160
No entanto, a Comissão Especial continuava seus trabalhos para a apresentação
do Substitutivo à Proposta do Governo, uma vez que o relator da Comissão Especial, o
deputado Mussa Demes, rejeitava as medidas contidas na PEC 175. Contudo, segundo o
relator, havia uma grande dificuldade em se obter quorum na Comissão Especial para a
votação do Substitutivo, que só veio a ser apresentado, em setembro de 1996, ou seja,
depois de três anos do início das discussões e demoraria mais três anos para ser votado.
Para se ter uma idéia, desde o início dos trabalhos, em 1995, houve quatro versões
diferentes do parecer do relator da Comissão Especial de Reforma Tributária, Mussa
Demes. Três delas não foram sequer apreciadas na Comissão Especial, por ausência de
apoio parlamentar.
Este Substitutivo teórico apresentava evidências das preocupações do relator
com as questões federativas. Havia a rejeição de todas as medidas que limitavam a
concessão de benefícios e isenções pelos entes subnacionais. Exemplo disso, é que a
Zona Franca de Manaus era mantida até o ano de 2023, assim como o Fundo Regional,
que visava a aplicação de 50% dos recursos no semi-árido nordestino. Além disso, os
mecanismos que previam mudanças na estrutura de repartição das receitas também
foram rejeitados, principalmente os que delegavam que a União poderia contrair
empréstimos compulsórios e competências residuais. No entanto, o relator manteve a
competência, consagrada na Constituição de 1988, que determinava que cada vez que a
União criasse um imposto novo, deveria reservar 20% para os estados.
Com relação aos municípios, o Substitutivo propunha a municipalização do ITR
e limitava a progressividade do IPTU; além disso, o relator introduziu mecanismos que
impediam a proliferação de novos municípios, uma vez que determinava que o FPM não
deveria ser alterado para os demais municípios, havendo redução somente do FPM do
município original, que seria desmembrado. Além disso, como destaca Melo (2002), o
relator discordava da proposta oficial em outros pontos:
O relator também contrariou a proposta do Executivo ao condicionar
o retorno das bases tributárias dos combustíveis à União, através do
ICMS federal, a vinculação dos recursos arrecadados à aplicação na
conservação de rodovias. Esta vinculação vinha sendo combatida
pelo Executivo desde a criação do Fundo Social de Emergência.
(MELO, 2002, p. 96).
161
A tabela abaixo demonstra os principais pontos da reforma tributária,
contemplada no Substitutivo Demes:
Principais pontos da reforma tributária, segundo o Substitutivo
Demes:
Mercadorias e
Serviços:
- Três impostos atuais
sobre a circulação de
mercadorias e serviços –
IPI (federal), ICMS
(estadual) e ISS
(municipal) – seriam
substituídos pelo IVA
(Imposto sobre Valor
Agregado), com
arrecadação
compartilhada entre a
União, os estados e o
Distrito Federal.
- O IVA substituiria
também o salário-
educação, Cofins,
Pis/Pasep e CPMF
- Teria cinco faixas de
alíquotas: seletivas (fumo,
bebidas, energia elétrica,
carros e serviços de
comunicação), ampliada
(supérfluos), padrão
(produtos em geral),
reduzida (serviços) e
especial (cesta básica);
- Seria não-cumulativo (o
valor será compensado em
cada operação);
- Parte da arrecadação se
destinaria ao
financiamento de ações da
União em seguridade
social, ensino fundamental
e amparo ao trabalhador;
- As alíquotas seriam
fixadas pelo Congresso e
valeriam para todo o país,
mas lei estadual poderia
aumentá-las ou reduzi-las
em até 20%;
- O imposto passaria a ser
cobrado no local de
consumo e não mais no de
produção, como ocorre
Vendas a Varejo:
- Permite que os municípios
criem imposto sobre venda
a varejo (IVV), com
alíquota de 4% até a
regulamentação;
- O imposto incidiria sobre
o consumo final de
mercadorias e serviços.
Sistema
Financeiro:
- Seria criada uma
contribuição social que
incidiria
especificamente sobre a
receita líquida dos
bancos;
- A alíquota deveria ser
de 8%.
Estradas:
- Cria um fundo para
conservação e
recuperação de
estradas, constituído da
arrecadação do imposto
seletivo sobre
combustíveis. A
vinculação seria por
três anos.
Meio ambiente:
- Permite que o
Governo Federal crie
uma contribuição
ambiental para
compensar a utilização
ou a degradação dos
recursos naturais.
Sigilo bancário:
- Permite que as
Taxa de limpeza e
iluminação:
- Permitiria a criação
de taxas de limpeza e
iluminação pública;
- Atualmente alguns
municípios têm sido
impedidos por decisões
judiciais de criar estas
taxas.
Noventena:
- Um tributo só poderia
ser cobrado 90 dias
depois de aprovada a
lei que o criou;
- Mantém anualidade: o
tributo só pode ser
cobrado no ano
seguinte ao de sua
criação;
- As contribuições
ficam fora da
anualidade, mas seriam
submetidas à
noventena.
Imposto Rural:
- O ITR passaria a ser
um imposto municipal.
Medida
Provisória:
- Impede a utilização
de medidas provisórias
para instituir ou
aumentar taxa, imposto
ou contribuição.
Zona Franca:
- Prorroga até 2023 a
Zona Franca de
Manaus.
162
hoje;
- Haveria prazo de
transição para que a
cobrança passe totalmente
da origem para o destino;
- 25% da arrecadação dos
estados seria destinada aos
municípios.
autoridades da área
tributária requisitem
informações sobre
operações bancárias dos
contribuintes;
- Os casos e a utilização
das informações serão
definidos em lei
complementar.
Fonte: A autora, a partir da compilação dos dados obtidos através dos debates na Comissão
Especial de Reforma Tributária, novembro, 1999. Departamento de Taquigrafia, Revisão e
Redação.
Neste sentido, devido a esses impasses, principalmente com o relator, Mussa
Demes, o Executivo não levaria à frente o processo de negociação, mantendo o
Substitutivo praticamente arquivado, enquanto pretendia a aprovação da Lei Kandir e,
ainda, visava apresentar, como alternativa à PEC, uma proposta chamada de Proposta
Parente. No entanto, segundo o estudo de Melo (2002, p. 97),
Um ano e três meses se passaram para o Executivo apresentar uma
proposta à Comissão. Enquanto ela não era formalizada – segundo
Demes, ‘aguardamos este texto durante os últimos três meses do ano,
e ele não apareceu’ – a Comissão Especial continuou com seus
trabalhos. O contexto foi descrito adequadamente por um
parlamentar: ‘criou-se um clima de confronto, e o substitutivo tem
que ser derrotado’.
O relator Mussa Demes teve que enfrentar, além da difícil negociação com o
governo, uma forte resistência dentro da própria Comissão Especial
45
, para a aprovação
do Substitutivo, conforme constatado em entrevista realizada com Marcos Cintra
(2007):
A comissão funcionou com posições pessoais, mesmo, dos seus
representantes. Houve conflitos internos muito sérios, mesmo dentro
dos partidos da aliança. Por exemplo, eu me lembro, que um
determinado momento, o próprio PFL, que era o partido do relator,
vetou e não deu quorum, para que o próprio relator do partido
45
Tal fato era noticiado pela mídia, na época: “Reforma tributária vai a votação sem consenso”, Jornal
Folha de São Paulo, 17/11/1999.
163
aprovasse sua conclusão, naquele momento, porque tinha
discordância. Só dois ou três dias depois é que se conseguiu dar
quorum para que ele pudesse apresentar. Então, mesmo dentro dos
partidos havia enormes discordâncias, não havia unidade de
pensamento dos partidos, e o Executivo, que vetou. Eu acho que essa
é a principal razão, pelo não andamento da reforma. (CINTRA,
entrevista, 09/05/2007).
No entanto, apesar de todos os contragostos, foi aprovado em novembro de
1999, (depois de três anos da apresentação) o Substitutivo do relator
46
, por 35 votos
favoráveis e um contra; porém, o clima era tenso, principalmente entre a Comissão
Especial e o Ministro da Fazenda, Pedro Malan e o Secretário da Receita Federal,
Everardo Maciel, que rejeitavam o Substitutivo aprovado, alegando que ele era
inconsistente do ponto de vista do Federalismo fiscal.
47
Assim, reitera-se o confronto
entre Executivo e Legislativo, já salientado no início deste capítulo.
A principal crítica da Comissão Especial era a de que o Executivo negava o
Substitutivo nos pontos centrais da PEC, por eles mesmo elaborada. Ou seja, os
parlamentares estavam discutindo um texto apresentado pelo Executivo, que já não
demonstrava interesse em aprovar uma proposta que ele mesmo havia submetido à
apreciação. Apesar de tudo isso, havia uma mobilização para que o projeto fosse à
Plenário. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, naquele momento, Michel
Temer (PMDB-SP), representante de interesses empresariais, mobilizou, juntamente
com o apoio de Germano Rigoto (PMDB-RS), um movimento na mídia para que o
46
Em 22/11/1999, foi publicada no jornal Folha de São Paulo uma matéria com o título: “Por que apoiar
o Substitutivo Mussa Demes”, na qual havia uma exposição dos benefícios trazidos com tal Substitutivo,
que seriam os seguintes: Possibilitar melhor distribuição da carga tributária; federalizar a legislação do
ICMS; federalizar as operações interestaduais; eliminar os tributos em cascata, PIS, COFINS e CPMF;
garantia de imunidade tributária na exportação de bens e serviços, tornando mais competitivo o produto
nacional; estimular os investimentos produtivos e aproximar o sistema tributário nacional aos sistemas
dos países concorrentes. Ao fim da matéria, havia o seguinte comunicado: “A Comissão Especial para a
Reforma Tributária, de forma democrática, após ouvir todos os segmentos da sociedade, discutiu à
exaustão todas as questões referentes à Reforma do nosso sistema tributário. É chegada a hora de votar.
Cabe ao Congresso e ao Executivo através de sua base parlamentar de apoio assegurar que o Brasil tenha
o melhor sistema tributário possível”. Tal matéria evidenciava que a Comissão Especial tornava público
a finalização de seus trabalhos e, de certa maneira, ressaltava que cumprira aquilo que lhe foi incumbido
de realizar.
47
Tais fatos foram noticiados pela mídia, na época: Jornal Folha de São Paulo, 24/11/1999: “Governo
perde em Comissão da Reforma”, “Para Malan, proposta aprovada é inviável e pode gerar inflação”;
Jornal Folha de São Paulo, 29/11/1998: “Proposta mantém carga tributária alta”.
164
Substitutivo fosse a Plenário.
48
A grande divergência do Executivo em relação à
proposta de Demes residia no fato desta última prever o dispositivo de eliminação da
cumulatividade de impostos e da CPMF.
Além disso, órgãos como o Ministério da Fazenda e do Planejamento
publicavam duras notas a respeito do trabalho desenvolvido pela Comissão Especial,
fator que impedia a continuidade do processo de reforma, como ressaltado por Melo
(2002):
O Ministro da Fazenda e o Secretário da Fazenda reiteradamente
criticaram essa proposta pelo potencial de perda de arrecadação e
pelas incertezas sobre seus efeitos. O desenlace deste processo
ocorreu em junho de 2000, quando o Governo apresentou uma
proposta ignorando o Substitutivo aprovado na Comissão. Todos os
líderes partidários recusaram-se a aprovar a que mantinha as
Contribuições Sociais (salvo CSLL) e tornava permanente a CPMF
(mas que seria dedutível do imposto de renda). Embora seja plausível
que na realidade, essa recusa dos líderes, possa ser vista como
expressão da própria posição do governo, que não queria a reforma, a
dimensão do conflito entre as lideranças do Congresso e o Executivo,
neste ponto, parece ser paradigmática de uma situação em que os
parlamentares tinham preferências distintas do Executivo, que é
percebido como o principal obstáculo às reformas por 70% dos
congressistas. (MELO, 2002, p. 98).
No entanto, a Comissão Especial rebatia as críticas do Executivo, como o fez,
por exemplo, Mussa Demes, que salientava que o Governo Federal nunca aceitou a
proposta que beneficiasse os estados, como no discurso a seguir:
Na tarde em que aprovamos a matéria, o Ministério da Fazenda fez
publicar nota extremamente violenta contra o nosso trabalho, com
algumas frases absolutamente incompreensíveis. Recordo-me muito
bem da afirmação de que o estado do Tocantins, por exemplo, teria
sua receita reduzida a 5%. Não sei de onde tiraram esse número.
Nunca nos deram nenhuma explicação a respeito, mesmo que o
estado do Tocantins tivesse ganhos significativos com o sistema
origem/destino, pois era um estado que acabava de nascer e vivia
praticamente de transferências federais do ICMS e do IR. (DEMES,
em discurso à Comissão Especial, Câmara dos Deputados).
48
No entanto, o empenho de Temer era contestado, à época, pois segundo os analistas políticos, ele estava
tentando a aprovação para que a mesma servisse de plataforma política para uma futura candidatura dele
ao governo do Estado de São Paulo. Tal fato foi, inclusive, publicado no Jornal O Estado de São Paulo,
no dia 26/11/1999 com a seguinte matéria: “Avaliação é que o Planalto tem que dar resposta a
empresários e impedir Temer de tirar proveito político”.
165
A Comissão Especial, respondeu severamente à equipe econômica do governo.
O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), por exemplo, ressaltava que o Congresso
Nacional era a “Casa da democracia” e não a “marionete da tecnocracia”. Instalou-se,
assim, um clima de hostilidade entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo:
Entretanto, a viabilização de um entendimento para a realização da
votação da proposta, foi barrada, mais uma vez, pela intransigência:
ao longo do tempo sentimos as dificuldades existentes e chegamos à
conclusão de que era praticamente impossível votar aquele projeto no
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, embora Sª. Exª.
dissesse, de vez em quando, que a culpa era do Congresso Nacional,
que não queria realizar as reformas. Na verdade, o Congresso sempre
quis implementá-las, mas a equipe econômica sempre colocou
obstáculos. (DEMES, em discurso à Comissão Especial, Câmara dos
Deputados).
Além disso, Melo (2002) também aponta, nesta passagem, a hostilidade e as
peculiaridades no relacionamento entre o relator da Comissão Especial e os membros da
equipe econômica do governo:
É bastante significativo – sinalizando o isolamento político do
governo em torno do tema – que, ocupando o cargo de relator desde
meados de 1996, o deputado Mussa Demes tenha se reunido apenas
uma vez, rapidamente, com o ministro Pedro Malan e sido recebido
somente duas vezes pelo ex-ministro José Serra para discutir as
questões relativas à reforma tributária. (MELO, 2002, p. 100).
Com relação à Proposta Parente, salientada acima, ela foi apresentada em 1998,
um ano antes da aprovação do Substitutivo do Relator, e veio acompanhada de
simulações antigas, encomendadas pelo Ministério da Fazenda à FIPE (Fundação
Instituto de Pesquisa Econômica) e ao Departamento de Economia da PUC-RJ e à
própria Receita Federal. As simulações foram realizadas com base no texto anterior, que
o próprio Parente havia apresentado ao Congresso em 1997. As razões para a tal
proposta é, segundo Pedro Parente, que a PEC 175 era uma proposta limitada, que não
promoveria mudanças nas Contribuições Sociais, fator que facilitaria o processo de
apreciação e para que ela tivesse uma rápida tramitação, a fim de promover mudanças
na desoneração das exportações e no ICMS. No entanto, segundo Melo (2002, p. 98):
166
A reforma, no entanto, não pôde tramitar na velocidade pretendida,
em função, primordialmente, da prioridade que se julgou necessário
conceder à tramitação de outras reformas constitucionais,
nomeadamente, a Administrativa e a Previdenciária, as quais só
tiveram sua votação concluída recentemente.
A proposta previa a extinção dos tributos em cascata, como o PIS, COFINS,
além de acabar com o ISS, IPI, Contribuição Social sobre o Lucro e com o ICMS, que
seria transformado em IVA, da União. Desapareceriam, pois, seis tributos em troca de
três: IVA, que substituiria o ICMS, um imposto sobre Vendas a Varejo, a ser cobrado
pelo comércio varejista, na competência dos estados e um imposto seletivo para
substituir o IPI.
No entanto, as medidas contidas na Proposta Parente não foram acatadas pela
Comissão Especial, que identificava alguns problemas. O primeiro deles eram as
garantias do contribuinte, uma vez que a CPMF se tornaria permanente, com a alíquota
máxima fixada através de lei ordinária, o que poderia abrir o precedente para que o
governo estabelecesse as alíquotas conforme lhe conviesse. Além disso, a proposta, por
reduzir a base de arrecadação da União, poderia elevar as alíquotas de impostos federais
e estaduais.
Neste sentido, no capítulo anterior, verificou-se que o debate foi permeado por
interesses particularistas de parlamentares, em favor de determinadas regiões,
especialmente as mais pobres, e que isso de certa maneira, era um fator que tornava
difícil o estabelecimento de um consenso entre os próprios parlamentares pertencentes à
Comissão Especial, e, por conseguinte, poderia ser entendido também como um óbice
para a própria reforma tributária. Todavia, constatamos que ao final das discussões
sobre a Reforma Tributária, houve um choque também entre o Congresso Nacional e o
Poder Executivo, propositor da PEC 175, que se acusavam mutuamente pela não
realização da referida reforma. Neste sentido, buscaremos elucidar a natureza deste
conflito em torno do tema para, a partir daí, ressaltarmos quais os motivos que
contribuíram, de fato, para que a reforma tributária não se concretizasse no Governo de
Fernando Henrique Cardoso.
167
4.1. Analisando o conflito político em torno da reforma tributária
proposta por FHC
Mesmo com todos os percalços encontrados dentro da Comissão Especial, cujos
debates se pautavam por interesses regionais dos parlamentares, como assinalado no
capítulo anterior, o relator, Mussa Demes, conseguiu apoio majoritário e produziu o
Substitutivo teórico, fruto do cumprimento das tarefas designadas àquela Comissão.
Como ressaltado, foi um trabalho árduo, pois Demes, em determinado momento, tivera
que pacificar os ânimos de todos os parlamentares envolvidos, inclusive os de seu
próprio partido, o PFL. No entanto, a hipótese de que a reforma tributária não aconteceu
devido à falta de consenso entre os parlamentares envolvidos no debate, mais
especificamente na Comissão Especial, não se confirmou, uma vez que esta apresentou
o resultado de seus trabalhos, no caso, o Substitutivo. Até mesmo um parlamentar,
contrário aos trabalhos da Comissão, ressalta que esta cumpriu seu papel:
O fato é que a proposta do Congresso, que foi subscrita pelo
Deputado Mussa Demes, foi aprovada na Comissão de Reforma
Tributária. Não pelo meu voto, eu fui voto contrário, mas ela foi
aprovada. Portanto, o Congresso apresentou uma proposta. E o
Deputado Michel Temer, na época presidente da Câmara, fez um
esforço muito grande no sentido de viabilizar e levar a plenário
aquela proposta. Agora, a posição do Executivo, mais
especificamente do secretário da Receita Federal, praticamente vetou
qualquer possibilidade da coisa caminhar. Não havendo apoio do
Executivo, a gente sabe que a independência de poder é uma coisa
muito relativa, a proposta não foi à frente. Tanto que levou o
presidente da Câmara, a ele mesmo dizer, vamos arquivar esse
projeto, não levarei esse projeto a Plenário, não vou discutir, uma vez
que não houve consenso. E o próprio Executivo não tinha interesse
em que ele caminhasse. (CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
E ainda:
Sem dúvida. O ator mais relevante para a paralisação dos debates foi
o próprio Executivo. A Câmara dos Deputados apresentou uma
proposta de consenso, majoritariamente aprovada. Eu fui contra,
porque eu acho que aquela proposta não representava os interesses da
sociedade brasileira. Eu defendia a idéia do imposto não declaratório,
do imposto único, mas o Congresso, a maioria do Congresso aprovou
a proposta, que não foi levada a Plenário, não foi votada, porque o
Executivo vetou. (CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
168
No entanto, era necessário verificar, ainda, a veracidade das outras duas
hipóteses, consideradas neste trabalho: o suposto de que os governadores poderiam ser
responsáveis pela paralisação dos debates, pois, de alguma maneira, a proposta previa,
como ressaltado acima, modificações que influenciavam o interesse dos estados, e, desta
maneira, a falta de consenso com tais governadores também poderia ser um indício para
o malogro da reforma. A outra hipótese para a paralisação da matéria poderia residir no
próprio Executivo, visto o atrito existente deste com a Comissão Especial.
Para a resolução de tais supostos, foi necessária a consulta com membros ativos
na época das discussões, ou seja, os parlamentares envolvidos na Comissão Especial e
também, um representante do Executivo, no caso, Everardo Maciel, apontado como um
dos principais membros do governo contrários ao Substitutivo elaborado pela Comissão
Especial, como ressaltado neste discurso de Cintra (2007):
Não se chegou a um acordo, quanto às garantias necessárias aos
estados, aos municípios, de manutenção de arrecadação, porque
existe o conflito latente, aliás, típico de todos os países federativos,
tanto das competências tributárias aos entes subnacionais, que
inevitavelmente gera guerra fiscal, gera conflitos, intermediados pelo
Governo Central, que achou melhor nem avançar mais no projeto
para não criar mais desagregação política do que já existia. E essa
posição foi amplamente endossada pelo então Secretário da Receita
Federal, que via nas propostas encaminhadas pela Comissão, dessa
linha mais convencional, um retrocesso, ao invés de ser um avanço. E
essas foram as duas principais dificuldades da reforma tributária, que
acabaram levando ao total fracasso da proposta do Mussa Demes.
(CINTRA, entrevista, 05/05/2007).
O conflito entre Everardo Maciel, na qualidade de Secretário da Receita Federal,
naquele momento e a Comissão Especial, residia no fato, segundo Maciel, de que ele
discordava de a Comissão desejar a criação do IVA dual, que, para ele, não seria
adequado, pois é um imposto típico de países unitários e que não teria êxito no Brasil e
rebate com duras críticas à Comissão Especial: “É um despropósito o que fizeram. Eu
diria até que ultrapassa o limite até de qualquer coisa experimental. É loucura,
loucura” (Maciel, entrevista, 22/05/2007). E complementa:
Bom, aí a discussão aconteceu espontaneamente e montaram uma
solução arriscada, que geraria um caos fiscal sem precedentes. Não
era um IVA, era um IVA dual. E com certeza, o Mussa chegou a
169
dizer mais tarde: ‘Olha, ainda bem que não fizemos a reforma
naquele momento’. (MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
De fato, a criação do IVA pela Comissão Especial era também criticada por
outros parlamentares, envolvidos no debate, como esclareceu Marcos Cintra (2007):
IVA é um imposto que tem uma vocação para Estados Unitários,
senão ele não funciona, ele não é bem administrável, ele gera guerra
fiscal, inevitavelmente. Por isso é que eu acredito que a linha de
reforma tributária no Brasil tenha que ser uma linha baseada em
impostos não declaratórios, e o maior exemplo disso é a CPMF, que
surgiu como uma idéia de imposto único e acabou virando um
imposto a mais dentro de nossa estrutura. Mas depois de anos com
experimentos com a CMPF, que mostrou que é um imposto bom, que
é um imposto barato, que é um imposto eficiente, que é um imposto
insonegável, que é um imposto justo, porque ninguém sonega, e ao
mesmo tempo tem uma enorme capacidade de arrecadação.
(CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
No entanto, foi possível constatar ainda, um fato político novo em torno da
Reforma Tributária: a fragmentação dentro do próprio Executivo. Até aqui, havíamos
delineado o conflito entre a Comissão Especial e o Executivo, mas constatou-se,
também, uma divergência e uma falta de consenso entre o Ministro da Fazenda e o
Ministro do Planejamento, naquele momento das discussões:
Veja bem. Nós começamos inicialmente a discutir as operações no
ICMS. Saber se ele ia permanecer no nível nacional ou nos estados.
Mas na época, se é que eu posso falar que é passado, houve uma
descontinuidade, houve uma disputa interna, entre o José Serra,
(Ministro do Planejamento) e o Ministro Malan. E o José Serra queria
tocar esse processo. O processo da reforma, que na hora queria fazê-
lo. Então, quando eu percebi aquilo, eu sugeri ao Malan e assumi:
‘Deixa isso com o Serra, que o Serra se vira, ele entende a técnica
jurídica. Enquanto isso, a gente faz uma reforma, e a maior reforma
tributária brasileira, que é a reforma no imposto de renda’. Mas no
meio disso tudo, tinha um filme, que era o ICMS, que o Serra queria,
porque ele serviu como um impasse que passou a existir. E se o
Governo Federal, ele próprio, tinha dúvidas, depois da competição
com o Serra, a reforma não tinha mais chance nenhuma de passar.
(MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
Neste sentido, a dimensão do conflito era muito mais ampla. Ou seja, além do
atrito existente entre a Comissão Especial e o Executivo, mais especificamente, com a
equipe econômica, evidenciou-se o conflito dentro do próprio Executivo, entre os
170
Ministros José Serra e Pedro Malan. Reforçando tal argumento, quando questionado se
havia consenso no Executivo em torno dos caminhos da reforma tributária, Maciel
(2007) argumenta:
Não, não havia. Da reforma tributária não, da reforma do ICMS. É
porque era sobre ela a divergência entre o Serra e Malan. Não havia
consenso e ai dado que afloravam que as intenções regionais, São
Paulo contra o Nordeste, Zona Franca de Manaus, todas as questões
da assimetria que existia, ficou difícil. Mas é que também existiam
muitas divergências, por exemplo, com a Comissão que tinha como
presidente Germano Rigotto, e o relator Mussa Demes, que produziu
um Substitutivo teórico em que eu fui tecnicamente, absolutamente
contrário àquilo. Ele invalida toda a nossa reflexão. Então, diziam
que eu era contra a reforma. Eu não era contra a reforma, eu era
contra aquela discussão da Comissão. (MACIEL, entrevista,
22/05/2007).
Evidenciou-se, portanto, que o cenário era bastante complicado para o
desenvolvimento de qualquer tipo de discussão que pudesse levar a um consenso. Havia
divergências sérias não somente quanto à tecnicalidade da questão tributária, mas,
sobretudo, as relações inter e intra-poderes eram bastante tortuosas.
Além do alto custo político envolvido, naquele momento, havia ainda, o temor
da União em perda de receita, conforme ressalta Eliseu Rezende (2007). O parlamentar
destaca que o Governo Federal sempre teve a preocupação de deixar claro que a reforma
não impusesse perdas à União, aos governos estaduais ou municipais, o que, na visão de
Rezende (2007), seria impossível. Segundo o parlamentar, “À época aventou-se até a
possibilidade de se recorrer aos fundos de compensação, mas houve muita
desconfiança por parte de quem perderia arrecadação e nada foi pra frente”.
49
A indefinição quanto à arrecadação de cada ente subnacional, o temor de perda
de receita da União e a falta de consenso, produziam altos riscos para a reforma
tributária naquele momento e impunham uma difícil escolha para a continuação ou não
daquelas discussões. O fato de a União ter perdido grande parcela de recursos, com a
descentralização promovida pela Constituição de 1988, parece ter criado path
dependency, onde qualquer mudança que implicasse perdas para o Governo Central não
seria bem acolhida. Além disso, havia uma desconfiança mútua, segundo Mattos Filho
(2007), entre os entes federados, para a determinação dos níveis de arrecadação:
49
Eliseu Rezende, entrevista, 23/05/2007.
171
No caso da reforma tributária, o consenso é inatingível. Tanto que
você tem uma discussão muito grande para saber se o conteúdo das
reformas deve conter poucas coisas, e um por um ou se um projetão,
vai. A minha visão é que se você tiver algo muito complexo pra
abranger o todo, não anda nada. Agora o Legislativo e o Executivo
precisam ter um plano claro pra ir mandando pedaços para apreciação
no congresso. Então, é razoável você juntar todos os tributos
incidentes sobre o consumo, ICMS, ISS, as Contribuições. Agora,
como é que faz a divisão? Quem arrecada? Enfim, você tem um jogo
de desconfiança, um jogo muito forte de poder e de interesses não
altruísticos. Aí o presidente Fernando Henrique tirou o time de
campo, porque ele viu que não tinha força suficiente no congresso pra
propor alguma coisa que o Executivo não saísse depenado, e aí
morreu. Mas estudos pra se fazer uma reforma são mais que
suficientes para se fazer mais de dez reformas. O problema não mais
acadêmico, o problema não é mais científico, o problema não é mais
de falta de dados. O problema é político. (MATTOS FILHO,
entrevista, 02/05/2007).
Neste sentido, o papel do Executivo, naquele momento, era, no mínimo,
decorativo, pois, além de não promover um estabelecimento de um consenso com a
Comissão Especial, ainda possuía fraturas internas graves, dentro da própria equipe
econômica, propositora da reforma. Por este motivo, é possível ressaltar que não havia o
interesse por parte do Executivo, em continuar com os debates e levar a proposta à
votação no Plenário. Esta foi a visão da maioria dos parlamentares envolvidos na época
dos debates e endossada até mesmo por um parlamentar da base governista, Luis Carlos
Hauly (2007):
O interesse sempre é do governo. O modelo presidencialista
brasileiro, a figura do Presidente, do Governador e do Prefeito, ela é
imperial. Porque imperial? Porque as coisas só acontecem com a
determinação, a palavra primeira e única é do Executivo. Pra mim o
maior erro do Plano Real foi não ter feito a reforma tributária. O
sistema tributário é mais da metade do erro. Você tem erros nos
recursos humanos, da política salarial, o não-enfrentamento de uma
série de outras questões, previdenciárias e trabalhistas. Mas o
responsável pela paralisação dos debates foi o Governo. O Executivo.
A equipe econômica é que torna o sistema tributário inadequado e
tomar uma iniciativa de qual seria o melhor modelo. (HAULY,
entrevista, 03/05/2007).
No entanto, quando questionado sobre os motivos que levaram à não
concretização da matéria, naquele momento, Maciel (2007), na época, Secretário da
Receita Federal, é enfático ao afirmar que a reforma tributária aconteceu, com grandes
mudanças, segundo ele, no Imposto de Renda:
172
Houve uma reforma. A maior reforma tributária contemporânea foi
no imposto de renda. A reforma no Imposto de Renda brasileira é,
pelo menos, dentro da minha avaliação como Secretário da Receita e
diante de observadores internacionais, é a maior reforma que agora
existe e antes não existia. Então, resolvemos investir nessa área e
investir na administração dessa área. Ou seja, delegamos novas
tecnologias da informação, de conexão à Internet, que antes não
existia e passou a existir. Porque no Brasil considera-se que reforma
tributária é a reforma tributária convencional. (...) Quer dizer, uma
reforma ampla é desnecessária e impossível. Eu disse desnecessária
porque a questão tem que ser tratada pontualmente, com objetividade,
senão ela não é uma reforma. Não existe reforma tributária. Reforma
tributária para reformar o que? Qual reforma tributária o governo
quer? (MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
Mas em meio a esse cenário conturbado, surgiu uma questão importante: mas
porque, afinal, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não interveio nestes conflitos
políticos, buscando uma conciliação, ao menos dentro do Executivo, entre José Serra e
Pedro Malan, para dar continuidade ao processo de votação, e, sobretudo, para tentar
uma negociação com a Comissão Especial? Pois, a PEC que reformularia o sistema
tributário adveio do próprio Executivo. Então, quais os motivos que levaram FHC a não
interferir, buscando uma negociação, uma vez que os debates e os trabalhos eram
intensos?
Marcos Cintra (2007) fornece importante consideração a respeito desta questão:
Realmente, a reforma tributária não avançou no governo FHC porque
ele não tomava partido. É parte de sua característica pessoal não criar
problemas internos, e sempre que eles surgiam, preferia não se
envolver. Se por um lado foi bom, ao não gerar conflitos no governo,
por outro resultou em paralisia de ações e de reformas, que não
aconteceram em todo o seu governo. Esta é minha opinião. Não
houve, creio eu, razões técnicas para ter adotado esta atitude, apenas
razões políticas. (CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
No entanto, Maciel (2007) fornece dados que mascaram o conflito político com
fatores econômicos, como evidenciado nos dados abaixo:
Não sei quais os motivos pelos quais o Presidente Fernando Henrique
não interveio no assunto. Posso tão-somente especular: a) a
complexidade da matéria, cuja solução jamais será evidente por si
mesma; b) a convicção de que o tema encontraria uma forte
resistência política dos Governadores e Prefeitos e, por via de
conseqüência, pouco viável; c) a atenção prioritária que haveria de
173
ser conferida ao Plano Real, de implantação recente. (MACIEL,
entrevista, 22/05/2007).
Luiz Carlos Hauly (2007) aponta o Executivo como sendo realmente o grande
responsável pelo malogro da reforma, não somente no governo de FHC, mas a falta de
interesse na reforma tributária, segundo o parlamentar, parece se expandir para o
governo Lula:
O Governo FHC e Lula nunca se interessaram em fazer a reforma
tributária. Creio que os ex-ministros Malan e Palocci e o atual Guido
Mântega, nunca entenderam a necessidade básica de termos um
sistema tributário nos moldes dos países do primeiro mundo.
(HAULY, entrevista, 03/05/2007).
Os fatores apontados pelos entrevistados têm muita relevância, uma vez que,
como as discussões iniciaram em 1995, provavelmente podemos supor que o Presidente
não se manifestou publicamente pela divergência política em torno da reforma devido à
reeleição, com a qual ele necessitaria do apoio dos governadores envolvidos. Interferir
nos interesses de um desse estados não seria, portanto, para os interesses individuais do
Presidente, uma atitude muito inteligente. Já no segundo mandato, como destacado pelo
próprio Maciel (2007), a implantação do Plano Real, foi o grande “trunfo” do governo,
naquele momento, e de certa maneira, desviou a atenção para a reforma tributária. Além
disso, existiam outras reformas que estavam na pauta, como a Reforma da Previdência e
a Reforma Administrativa, que demonstravam mais facilidade na negociação com os
atores envolvidos, para a aprovação, como se verá no item seguinte e que, de certa
maneira, foram priorizadas em detrimento da reforma tributária.
Observou-se, contudo, que o Executivo, naquele momento, parecia abandonar a
idéia de tocar o processo de reforma tributária, confirmando, assim, a hipótese deste
trabalho, de que a proposta poderia ter malogrado em virtude da falta de interesse do
Governo.
Com relação à segunda hipótese, alicerçada em uma literatura acerca do poder
dos governadores, os quais poderiam ser os responsáveis pelo malogro da reforma, foi
possível constatar também, se as pressões exercidas por estes, foram realmente os
174
únicos fatores que impediam o andamento dos trabalhos. Quando questionados se eles
mobilizaram suas bancadas, para que estas agissem de acordo com os interesses dos
estados, obteve-se o seguinte argumento:
Aconteceu, só que as forças se neutralizaram. Porque uns
governadores eram a favor, outros eram contra. É lógico que os
governadores têm muita força no Congresso. Eles conseguem
realmente mobilizar suas bancadas, ainda que essas bancadas tenham
também fraturas internas, de situação e oposição, mas a força é
grande. Agora, como no caso da reforma tributária não houve tanta
pressão, porque uns eram a favor, outros contra, não houve consenso
entre os governadores. Acabamos ficando num impasse. (CINTRA,
entrevista, 09/05/2007).
Percebe-se que havia pressão não de um único estado, mas de todos os estados,
tornando igualitária a pressão, ou seja, uns governadores não se sobrepuseram a outros.
E ainda, segundo Everardo Maciel (2007), os governadores pressionavam no sentido de
angariarem mais incentivos do Governo Federal:
Os estados não querem a reforma nenhuma não. Os estados querem
fazer o seguinte. Eles querem que o Governo Federal faça concessões
para que eles aceitem fazer a reforma. Ou seja, então, não existe
negociação. O Governo Federal tem um projeto que reforma de
ICMS que muda inteiramente a concessão. Então eles não tinham
interesse na reforma não. (MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
No entanto, descobriu-se um fato bastante curioso: não somente os governadores
exerceram pressão, em busca da manutenção e ampliação dos incentivos; havia um
outro ator, que embora a literatura não atribua grande peso, foi citado nas entrevistas
como um agente de pressão, que são os representantes dos municípios.
Uma reforma abrangente, na linha de reforma imposta, com corte nos
gastos, de retirar a concorrência fiscal entre os municípios, de
avançar na discussão ou não avançar na reforma, leva a grande
resistência. Mesmo porque nós não sabíamos qual seria a
modernização exata dos entes subnacionais. Os estados que não
querem perder a possibilidade de continuar promovendo a
competição e os municípios não querem abrir mão da competição.
Dessa perspectiva, a mobilização dos prefeitos continua, não somente
naquele momento, mas em outros também. (REZENDE, F.,
entrevista, 21/05/2007).
175
Os prefeitos exerceram pressão também sobre o Governo Federal, como
destacado por Ary Oswaldo Mattos Filho (2007), que faz uma retrospectiva, na qual
aponta o poder dos governadores, mas dos prefeitos também, não somente naquele
momento, mas em outros momentos de reformas:
Então, se você conversa com funcionários federais, aqueles de
carreira, que estão lá ha muito tempo, do primeiro escalão, eles tem
uma lembrança muito ruim da época do presidente Sarney, que foi a
Constituinte de 88, que, em troca de passar o mandato de quatro para
cinco anos, ele perdeu completamente o controle sobre o Congresso e
aí houve a criação dos Fundos de participação, dos Fundos Especiais
e a União foi depenada em favor dos estados e municípios porque os
governadores e fundamentalmente os prefeitos, eles controlam as
bancadas federais. Se você perguntar quem tem mais força, se o
governador ou o prefeito da região ou os prefeitos das regiões das
quais o deputado foi eleito, eu diria os prefeitos. (MATTOS FILHO,
entrevista, 02/05/2007).
Mattos Filho (2007) diferencia o tipo de pressão exercida pelos governadores e aquelas
exercidas pelos prefeitos:
O governador é importante enquanto breque, porque
fundamentalmente a reforma pressupõe mexer no ICMS, que é o
grande imposto arrecadatório dos estados, e aí surgem discussões em
que você vai ter que necessariamente, mudar a repartição do que
existe hoje. Cobra no destino, cobra na origem, tem o sistema de
barquinho, paga na fronteira, não paga, quem controla, quem não
controla, é bom ter guerra fiscal, não é bom ter guerra fiscal, isso é
um problema dos estados. O problema dos prefeitos é outro. Me dê
um aumento da arrecadação que eu aprovo a reforma. E foi o que o
presidente Lula acabou de fazer agora. Deu 1% e os prefeitos vão
correndo agora no congresso para aprovar a prorrogação da CPMF.
(MATTOS FILHO, entrevista, 02/05/2007).
50
50
O dado do entrevistado é comprovado com matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, com a
seguinte notícia: “Lula acena com R$1,3 bilhões por ano a mais para municípios”, Folha de São Paulo,
11/05/2007, caderno A5. Diz textualmente a matéria: “Pressionado pela presença de 3.000 prefeitos em
Brasília, o presidente Luiz Ignácio Lula da Silva acenou com mais verbas para os municípios e afirmou
que a reforma tributária que está no Congresso não interessa mais ao Planalto. O que mais agradou aos
prefeitos da 10ª Marcha em Defesa dos Municípios, aberta ontem, foi a decisão de propor à base aliada
que vote, separadamente à proposta de reforma tributária que está parada no Congresso, o aumento do
Fundo de Participação dos Municípios, de 22,5% para 23,5% da arrecadação federal do Imposto de Renda
e do IPI. Com isso, o governo diminui seu orçamento e aumenta o repasse aos municípios”. Ainda, na
mesma matéria: “O aumento do FPM é uma pendência de quatro anos entre governo e prefeitos. O
aumento do FPM foi oferecido pelo governo para atrair o apoio dos prefeitos à reforma, que ficou
paralisada no Congresso por falta de consenso político. A partir daí, cresceu a pressão para desmembrar o
texto e votar apenas o benefício às cidades, o que o governo rejeitava”.
176
Convém ressaltar que verificamos com as entrevistas, que a força dos prefeitos é
superior ao que a literatura aponta, pois esta sugere que o prefeito possui um poder
residual de pressão frente ao Executivo. No entanto, reiterando o argumento da força
dos representantes dos municípios, citamos um exemplo das eleições passadas, em que
o Governo Lula, buscando a reeleição, promoveu grande parte de sua campanha,
buscando apoio ao lado dos prefeitos de várias cidades; na verdade, tal atitude foi
original, na medida em que há o consenso de que o município é o ente que está mais
perto do cidadão, proximidade que se torna mais difícil com o governador de estado.
51
Neste sentido, conseguindo o apoio do prefeito, com aparições públicas com o mesmo, é
natural que o cidadão perceba também, que o Presidente está mais próximo deles,
podendo, desta maneira, realizar melhorias para suas cidades. E o aumento recente do
Fundo de Participação dos Municípios, citado por Mattos Filho (2007), pode ser
considerado também, hipoteticamente, como um indício de que o Presidente Lula
retribuiu o apoio recebido nas eleições passadas.
Com tais dados, pretende-se sugerir que futuros estudos abordem as relações
estabelecidas não só entre Governo Federal e estados, mas fundamentalmente, que se
percebam melhor as relações entre Governo Federal e municípios. Neste sentido, na
época das discussões sobre a reforma tributária, obviamente havia pressões dos
governadores, mas também os prefeitos buscavam “um lugar ao sol”, e, desta maneira,
questionamos a idéia de que os governadores são os únicos responsáveis pela
paralisação de matérias importantes, como a literatura aponta.
52
A presença de prefeitos
e governadores foi constante também, em outros momentos de reforma, como, por
exemplo, durante as discussões para a Reforma Fiscal, no Governo Collor:
A primeira vez que eu tive reunião com os Secretários de Fazenda,
estavam todos munidos com suas planilhas de arrecadação, de gasto,
e quanto implicaria a eventual proposta na diminuição da arrecadação
e quanto mais eles precisariam pra tocar os seus respectivos estados.
Ou seja, a primeira coisa que um Secretário de Fazenda faz, não é o
Governador, não é o Ministro, é o Secretário da Fazenda. A primeira
coisa que eles fazem é levantar a situação pela planilha mensal que
eles tem. Então é aritmética. Num primeiro momento, as propostas
são analisadas aritmeticamente. No tempo em que aconteceu a
reforma fiscal, você tinha várias outras propostas de reforma
tributária andando, feitas por advogados. Só que nenhum deles fez
51
Tal afirmação pôde ser comprovada em entrevista realizado com secretários municipais de finanças.
52
Remeto-me à idéia de Abrúcio, em Barões da Federação, 2002, em que o autor destaca os governadores
como os atores políticos mais importantes, com grande poder de veto.
177
conta. E a primeira coisa que os estados e municípios fazem é conta.
Então, não adianta uma proposta elegante, que tira isso daqui, passa
pra lá, se você não rechear isso com os prefeitos, os governadores, os
seus secretários, os ministros da fazenda, não sai. (MATTOS FILHO,
entrevista, 02/05/2007).
O parlamentar em tela destaca, ainda que ele acredita que os deputados são
influenciados financeiramente pelos governadores, mas politicamente pelos prefeitos,
com os quais têm uma ligação direta. Tal argumento é, em parte endossado em pesquisa
realizada com os Secretários de Finanças de duas cidades do interior de São Paulo
53
,
onde ambos ressaltaram que o prefeito tem ligações diretas com Deputados Federais, os
quais, em determinados momentos, trazem muitos benefícios para a cidade, como ajuda
financeira para construção de hospitais, compra de novas ambulâncias, ajuda para a
criação de centros comunitários, etc. Além disso, os deputados, estabelecendo esta
relação direta com os municípios, garantem apoio eleitoral e, mais do que isso, ganham
a simpatia dos cidadãos, para angariar votos para futuras legislaturas.
5. A reforma tributária na agenda do Executivo
Mapeados os fatores que permearam a discussão, cabe ressaltar a agenda do
Executivo naquele momento. Para isso, o trabalho de Melo (2002) é interessante de
destacar, pois ele aborda, em perspectiva comparada, a reforma da Previdência, a
Administrativa e a Tributária, que também ocupavam a pauta naquele momento. Como
salienta o autor, se uma reforma implica mudanças em várias áreas, simultaneamente,
sobretudo se os custos forem concentrados, a probabilidade de formação de coalizões
vencedoras se reduz significativamente:
Uma coalizão vencedora para uma dimensão da proposta seria
derrotada por outra, majoritária na votação de outra dimensão. Isto
foi, de fato, o que aconteceu com as reformas tributária e da
previdência. Nesses casos, há o risco potencial de formação de ‘ciclos
condorcetianos de preferências’, através dos quais uma proposta que
53
Refiro-me às entrevistas realizadas com os Secretários de Finanças de dois municípios pequenos do
interior de São Paulo, como ressaltado em notas anteriores. A escolha de tais municípios baseou-se no
fato de, por serem considerados pequenos, gostaríamos de apurar qual o grau de dependência dos mesmos
em relação às outras esferas, como os estados e a União. O roteiro destas entrevistas encontra-se ao final,
em Apêndice.
178
derrotaria aquela apresentada pelo governo seria derrotada pela
proposta de manutenção do status quo. Se este último é preferível à
proposta do Executivo, o resultado é paralisia decisória. (MELO,
2002, p. 179).
De fato, a reforma tributária previa, como assinalado acima, perdas para os
estados do Amapá, Pará, Minas Gerais e até mesmo São Paulo, caso fosse adotado, por
exemplo, a mudança de cobrança no ICMS. Além disso, a eliminação da guerra fiscal
era uma bandeira de São Paulo, mas não era bem vista pelos estados do Norte, Nordeste
e Centro-Oeste, que se utilizam desses incentivos.
No caso da reforma Administrativa, os ganhos fiscais levou a área da Fazenda a
negociar com os estados o apoio à aprovação da matéria, uma vez que utilizava a
renegociação de suas dívidas como moeda de troca. Movimento semelhante ocorreu
com a reforma da Previdência. Isto porque as mudanças que ocorreriam com a
Previdência e com a reforma Administrativa implicariam redução considerável do gasto
público: “A estimativa destes ganhos constituiu-se em ingrediente central da retórica
da mudança” (MELO, 2002, p. 180). No caso da reforma tributária, há uma diferença
com relação às demais, pois o grau de incerteza quanto aos efeitos das políticas era
enorme. A reforma representava não uma elevação da carga tributária, grande temor dos
atores envolvidos, mas elevava os custos fiscais devido às incertezas de compensação
de perdas estaduais. Além disso, como ressalta Melo (2002):
Um problema adicional na reforma tributária é que os atores, nessa
arena, têm altas taxas de aversão ao risco em relação aos efeitos de
mudanças. Essa característica é intrínseca à política tributária
enquanto área temática (issue área) e contrasta marcadamente com as
outras áreas de política pública. Essa aversão é consistente com a
firme crença dessas burocracias setoriais que ‘imposto bom é imposto
velho’. Esse viés pró status quo tende a converter as políticas
tributárias em experiências incrementalistas onde os ‘legados de
política’ são importantes. (MELO, 2002, p. 181).
Cabe destacar que a agenda do Executivo, naquele momento, não era prioritária
para todas as reformas. Havia diferença por parte deste poder no tratamento delas. A
reforma tributária foi marcada pela presença dos setores burocráticos, como o IPEA, o
179
Ministério da Fazenda e do Planejamento e a Secretaria da Receita Federal. O conflito
era tão acentuado que o Ministro da Fazenda se recusou a defender a proposta no
Congresso, cabendo ao Ministro da Justiça tal tarefa. O contrário acontecia com as
outras duas reformas, como destaca Melo (2002):
As reformas previdenciária e administrativa foram marcadas pela
intensa atuação de seus mentores no Congresso e em vários fóruns.
No início, a reforma administrativa desfrutava de baixa visibilidade
(salvo no que se refere à questão da estabilidade) e pouco suporte no
âmbito do Executivo. Paradoxalmente, este último fator permitiu ao
Ministro Bresser Pereira maior espaço, potencializado em virtude do
baixo nível de resistência encontrado no seio do Executivo.
Gradualmente, uma coalizão pró-reforma se forjou, que incluía os
governadores e os Ministérios do Planejamento e Fazenda em virtude
da crescente visibilidade dos ganhos concentrados (no primeiro caso)
e fiscais que aquela possibilitava. A aprovação da emenda da
reeleição foi decisiva para realinhar a estrutura de incentivos com a
qual esses atores se deparavam. Com a formação desta coalizão, os
interesses fiscais da reforma passaram a subsumir os interesses de
mudança institucional associadas ao ‘novo gerencialismo público’.
(MELO, 2002, p. 182).
Não se pode esperar, portanto, que em uma área que implique custos
concentrados seja tratada de forma similar a outras reformas, cujos custos são menores
ou no limite, menos concentrados. Sobretudo porque a propensão do Executivo em
negociar concessões com atores que possam vetar a proposta varia segundo a área de
política. Segundo Melo (2002):
Supondo-se que um conjunto de anos o número de iniciativas em
áreas que imponham perdas concentradas seja atipicamente alto, a
taxa de sucesso em termos de aprovação de medidas será diferente de
outros anos com características diferentes. Não se pode esperar que
uma reforma numa área como a tributária, cujos atores exibem taxas
de aversão ao risco muito maiores que nas demais, o grau de ousadia
do Executivo seja o mesmo que em outras. O Executivo tenderá a
propor menos propostas do que em outras áreas. O padrão
incremental de recuos e avanços da reforma é consistente com essa
característica da área tributária. (MELO, 2002, p. 190).
Comparativamente a outras reformas que ocupavam a agenda do Governo
Fernando Henrique Cardoso, observa-se, portanto, que a reforma tributária possuía uma
série de desvantagens, devido a todos os aspectos aqui apresentados. Neste sentido,
180
como não houve a realização da reforma naquele governo, a necessidade está sendo
postergada para os futuros presidentes, como é o caso do Governo Lula, onde, no
primeiro mandato não conseguiu implementá-la, tentando remodelações agora no
segundo mandato. Apesar de não ser objeto de estudo do presente trabalho, o item a
seguir abordará como a reforma tributária está sendo tratada pelo Governo Lula, dado
que ela não aconteceu no governo de seu antecessor.
6. Expectativas para a reforma no Governo Lula
Ao tomar posse em 2003, o Presidente Luís Ignácio Lula da Silva assumiu a
necessidade de realizar medidas pontuais no sistema tributário. Em maio de 2003,
editou a Medida Provisória nº 107, que elevou o COFINS para as instituições
financeiras de 3% para 4% e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para
as empresas prestadoras de serviço, ampliando a base de cálculo de 12% para 32% do
faturamento para aquelas que pagam IR por lucro presumido. Essas alterações
promoveram um aumento na arrecadação destes tributos.
A mudança de grande alcance foi a transformação da COFINS em um tributo
sobre o valor agregado. Em outubro de 2003, o Governo Federal editou a Medida
Provisória nº 135, transformada na Lei nº 10833/2003 que majora a alíquota de 3%
sobre o faturamento para 7,6% sobre o valor agregado a partir de fevereiro de 2004 para
a maioria dos setores econômicos, embora mantenha cumulativa para boa parte deles.
Comparando os resultados da antiga COFINS com a nova contribuição sobre o valor
agregado, observa-se que a mudança tal como efetivada assegurou um forte aumento de
arrecadação. Segundo dados da Receita Federal, previa-se um aumento de R$ 4,4
bilhões na arrecadação da COFINS pela incidência sobre as importações de bens e
serviços. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário,
apenas no primeiro trimestre de 2004, verificou-se um aumento na arrecadação da
COFINS de R$ 2,24 bilhões, representando um aumento de 16% com relação ao ano de
2002.
Outra mudança que vale a pena ressaltar é que os prefeitos, com o apoio do
Governo Federal, que incluiu o projeto na convocação extraordinária, conseguiram com
181
que o Congresso aprovasse a Lei que amplia a base de cobrança do ISS de 101 para 208
itens, que passou a vigorar a partir de 2004. A base de tributação do ISS passou a incidir
sobre serviços de informática, serviços bancários, serviços de saúde e de educação e
serviços de jornalismo. Tal alteração aumentou significativamente a arrecadação do ISS.
Ou seja, tanto o Governo Fernando Henrique Cardoso, como o Governo Lula,
promoveram mudanças pontuais no sistema tributário brasileiro. Tais medidas, editadas
por Medidas Provisórias e sancionadas, posteriormente em lei, embora intencionassem a
melhoria da qualidade dos tributos, na verdade produziram um aumento de arrecadação
dos entes federados.
Convém ressaltar que o governo Lula, após uma ampla negociação política
principalmente com os governadores, encaminhou ao Congresso Nacional a PEC nº
42/03. Essa PEC, após aprovada na Câmara, foi encaminhada ao Senado Federal, no
qual sofreu várias modificações. O Senado dividiu a proposta de reforma tributária em
duas partes. A primeira foi aprovada através da EC nº 74 e sancionada pelo Poder
Executivo. A outra parte, referente ao ICMS, foi novamente encaminhada para a
Câmara, onde foi modificada e transformada na PEC nº 255, que tramita atualmente.
As principais medidas contidas na PEC nº 42 e sua modificação através da EC nº
74, aprovada no Senado, são as seguintes:
Imposto sobre a Renda e o Patrimônio:
- regulamentação do imposto sobre grandes fortunas;
- determinação da progressividade para o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e
Doações, de competência estadual;
- determinação da progressividade para o Imposto municipal sobre Transmissão
Intervivos, permitindo alíquotas diferenciadas em função da localização ou uso do
imóvel;
- transferência do Imposto sobre Propriedade Rural (ITR) para os estados e Distrito
Federal, permitindo a progressividade e mantendo a legislação federal; assegura que
50% dos recursos serão destinados aos municípios no qual se localiza o imóvel;
182
- estabelece que, no caso de instituições financeiras, a alíquota do CSLL não pode ser
inferior a maior alíquota prevista para as demais empresas;
- renda mínima: previsão constitucional de uma renda mínima concedida às pessoas
mais pobres com a participação da União, estados e municípios para o pagamento dos
benefícios.
Prorrogação da DRU (Desvinculação das Despesas da União):
- a DRU foi prorrogada até este ano (2007). A questão é a seguinte: a União aumenta
suas receitas através de contribuições, as quais não precisa repartir com Estados e
municípios. O problema é que a Constituição determina que a receita das contribuições
deve ser utilizada para serviços como a seguridade social, saúde e educação. No entanto,
a DRU permite a utilização livre de 20% dos recursos, sem nenhuma vinculação a
nenhuma outra área.
Contribuições Sociais:
- a CPMF é prorrogada até 2008, com alíquota de 0,38%. Além disso, a EC autoriza a
União, os estados e municípios a instituir esta contribuição decorrente de obras públicas,
tendo como limite a despesa realizada.
Após aprovada pela Câmara dos Deputados, a parte referente ao ICMS da PEC
nº 42 foi modificada pelo Senado. Isso exigiu que o capítulo da reforma que trata das
alterações do ICMS voltasse à Câmara através da PEC nº 255. Os principais pontos da
PEC nº 255 são:
Unificação:
- a lei Complementar que disciplina o ICMS poderá ser proposta por um terço dos
governadores ou por mais da metade das Assembléias Legislativas. Para assegurar a
unificação das 27 legislações estaduais em uma lei federal, o CONFAZ seria substituído
por um Colegiado, integrado por representantes de cada estado, do Distrito Federal e da
União. O Colegiado terá duas diferenças em relação ao CONFAZ. A primeira é que,
enquanto no CONFAZ a aprovação é por unanimidade, no Colegiado será de pelo
183
menos 4/5 de seus membros. Além disso, o Colegiado terá atribuições mais amplas que
atualmente possui o CONFAZ.
Redefinição de alíquotas e o aumento da carga tributária:
- o Senado definirá por meio da resolução aprovada por 3/5 de votos (atualmente é por
maioria absoluta) as cinco categorias de alíquotas que deverão prevalecer em todo país.
A sugestão é de 4% (especial); 12% (reduzida); 15% (padrão); 18% (ampliada) e 25%
(Seletiva).
Isenções:
- A EC isenta as microempresas e exportações (que já existe pela Lei Kandir). Além
disso, abre a possibilidade de isentar: energia elétrica de baixo consumo, alimentos de
primeira necessidade, medicamentos de uso humano e insumos agropecuários.
Recolhimento do ICMS na origem, mantendo alíquota interestadual e o
passeio de notas fiscais:
- a EC permite que o ICMS seja cobrado integralmente no estado de origem, mas
continue sendo distribuído entre o estado de origem e o estado de destino, segundo a
proporção determinada pela alíquota interestadual.
Fundo de Desenvolvimento Regional:
- a PEC nº 225 cria um Fundo que deverá destinar recursos para as regiões mais pobres.
Os recursos destinados ao fundo deverão obedecer aos critérios de repartição dos
Fundos de Participação dos Estados e Municípios da seguinte forma: 93% nas regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 7% nas áreas menos desenvolvidas do Sul e Sudeste.
A fonte de recursos será 45% do aumento de arrecadação do IPI decorrente da extinção
dos créditos de incentivos fiscais.
Incentivos e benefícios fiscais:
- no que se refere à guerra fiscal, a PEC nº 255 limita-se a remeter a lei complementar a
regulamentação dos prazos de vigência dos incentivos e benefícios fiscais já concedidos
184
pelos estados. Proíbe, no entanto, a partir da data de promulgação da EC a concessão ou
prorrogação de incentivos e benefícios fiscais ou financeiros relativos ao ICMS.
Neste sentido, a proposta encaminhada pelo Governo Lula previa um enfoque na
cumulatividade das contribuições e nas distorções do ICMS, comprometendo-se,
contudo, a não aumentar a carga tributária. Além disso, fazendo uso de medidas
provisórias, o atual Governo promoveu modificações nas contribuições como o
PIS/PASEP, COFINS e CSLL. No entanto, as mudanças profundas deverão ocorrer no
ICMS, cujas medidas, se aprovadas, deverão simplificar a tributação deste imposto e
dificultar fraudes.
No entanto, a pesquisa de campo trouxe visões distintas acerca das expectativas
para a promoção da reforma tributária no Governo Lula. Existem posições otimistas,
que acreditam que alguns pontos serão solucionados:
Bom, eu acho que pode sair um pedaço, que são as mudanças no
ICMS. Dificilmente nós teríamos uma junção de todos os impostos
incidentes sobre o consumo. Acho que uma discussão sobre o ICMS,
se no destino ou na origem, fundo de compensação. Isso tudo ta
pronto, é só puxar da cartola que ta pronto. Você pega Kandir, Hauly,
Dornelles, Roberto Campos, você tem papers e mais papers que
foram produzidos com isso. (MATTOS FILHO, entrevista,
02/05/2007).
Mas existem posições pessimistas em torno da continuidade dos debates, pelo
Governo Lula:
Hoje, em termos de reforma tributária, se continua elaborando o
mesmo erro feito na legislatura 99-2003. Ou seja, o modelo que se
tem na cabeça, hoje, no governo, no Ministério da Fazenda, é uma
reforma tributária que unifique os vários tributos em torno de um
IVA nacional. Eu acho que estão elaborando o mesmo erro, repetindo
o mesmo erro. A criação de um IVA num estado federativo é um
erro, principalmente quando este tributo tem uma forte gerência dos
entes subnacionais. Então, eu acho que a linha da reforma tributária
que poderia avançar hoje e que contaria com a simpatia da sociedade
é uma proposta como essa, que ao invés de criar e fortalecer os
impostos declaratórios convencionais, vai diminuindo a importância
destes tributos e aumentando a importância de tributos modernos,
como é a CPMF, que tem essas características, de automaticidade,
transparência, etc. As críticas que são feitas à CPMF, que é um
imposto cumulativo, em cascata, etc, eu tenho consistentemente
refutado. Demonstrei que são críticas infundadas, ninguém, até hoje,
185
refutou teoricamente o conceito, esse posicionamento, de modo que
eu acho que há um enorme preconceito quanto a esse tipo de imposto.
E enquanto esse preconceito continuar existindo, a reforma tributária
vai continuar patinando, porque a linha de continuar na linha do IVA
já comprovou que não vai jamais produzir consenso mínimo
necessário pra reforma tributária avançar. (CINTRA, entrevista,
09/05/2007).
Cintra (2007) acredita que a reforma abordará medidas pontuais, promovendo
alterações pequenas:
A única coisa que se tem a fazer são modificações pontuais, aqui e
acolá, atendendo aos interesses ora do Governo Federal, ora dos
estados, atendendo necessidades específicas de municípios, e com
isso, pontualmente, vai se criando um verdadeiro Frankstain
tributário, que não tem mais conserto e que perdeu todas as suas
características, na medida em que ele é alterado de acordo com os
interesses momentâneos e perdeu a visão do conjunto. Então eu diria
que eu sou muito pessimista em relação à reforma tributária e
enquanto a sociedade não manifestar, não se mobilizar para uma
reforma tributária moderna, não declaratória, simplificadora,
automática, eletrônica, como é o projeto de imposto único, nós vamos
continuar vivendo esse drama. (CINTRA, entrevista, 09/05/2007).
Os entrevistados apontaram, no entanto, que hoje no Governo Lula a reforma
tributária está com maiores oportunidades de implementação:
Durante todo o tempo, no Governo FHC, a verdade é que a discussão
da reforma sempre envolveu posições conflitantes ante o risco claro,
pelas partes envolvidas, das três esferas de governo, de perda de
receita diante de demandas sociais crescentes e alarmantes. Como
discutir um assunto tão técnico num meio tão político? IVA e IVV
foram o que mais, em determinado momento, obtiveram consenso.
Mas hoje o momento é outro. Estamos diante de outra realidade
econômica mundial. O país está parado em termos de
desenvolvimento e investimentos. Nosso PIB não dá mostras de
vigor. O Congresso é outro. A oposição é outra. Obrigatoriamente
precisamos pensar no pacto federativo, nas reformas política, fiscal e
tributária. E na previdenciária! Precisam caminhar juntas para o êxito
do país, negociadas com a sociedade no âmbito do Congresso
Nacional. Mas ao que tudo indica, as reformas seguirão sendo
fatiadas. (REZENDE, E., entrevista, 23/05/2007).
Apesar da reforma tributária ser necessária, entrevistados como Hauly (2007) e
Maciel (2007) não acreditam que haverá sua concretização agora no governo do
presidente Lula, o qual é alvo também de críticas quanto à reforma:
186
O governo diz que não faria uma reforma tributária, depois disse que
faria. O governo está mandando a CPMF e a DRU, e ao mandar a
CPMF e a DRU já é uma finalização de que ele não quer uma
reforma tributária. Ele quer manter o status quo, a arrecadação
crescente. Nestes últimos 12, 15 anos, a marcha da voracidade, da
insensatez, da insanidade tributária brasileira só aumentou. Porque
nós temos carga tributária potencial para quase 55% do PIB.
(HAULY, entrevista, 03/05/2007).
E ainda:
Não haverá reforma tributária no Governo Lula. Ele vai se limitar às
mudanças na CPMF e DRU. Porque o governo Lula não é um
governo reformista. O governo Lula é um governo do ‘deixe
acontecer, deixe tudo como está. Deixe a coisa acontecer’. Ele espera
que as próprias forças encontrem a solução. E nem uma área, nem
uma esfera tem a solução. (MACIEL, entrevista, 22/05/2007).
Neste sentido, as dificuldades para a aprovação da reforma tributária no Governo
Lula não diferem muito daquelas encontradas pelo governo Cardoso, expressando,
assim, o profundo conflito de interesses entre os principais atores envolvidos. Os
contribuintes, particularmente os setores empresariais desejam a simplificação do
sistema de arrecadação, pleiteando uma redução da carga tributária; os governos
estaduais aceitam mudanças desde que isso não signifique a perda de arrecadação e,
mais do que isso, perda de legitimidade frente às outras esferas subnacionais e do status
quo; o Governo central, por sua vez, receoso na aprovação da matéria, em vista dos
custos políticos e econômicos envolvidos, compromete-se genericamente em não
aumentar a carga tributária. Forma-se, assim, um frágil acordo político em torno da
reforma, que ainda caminha a passos lentos.
187
7. Conclusões preliminares
Este capítulo procurou demonstrar o principal argumento contido no início deste
trabalho, a respeito dos atores que participaram na reforma tributária e, mais do que isso
contribuíram para o enfraquecimento da mesma, durante o Governo Fernando Henrique
Cardoso. Percebemos que, além das dificuldades técnicas envolvidas, dada a
complexidade da matéria, haviam muitos interesses políticos e estes foram, na verdade,
o que contribuiu para o malogro da mesma. Pois os óbices técnicos existem em qualquer
tentativa de reforma, mas, no entanto, eles deveriam ser resolvidos pela equipe
econômica e negociados pelo próprio Executivo, o que não aconteceu entre os anos de
1994 a 2002.
Como descrito e verificado acima, a reforma tributária teve uma dinâmica muito
peculiar, envolvendo atores políticos dos poderes Executivo e Legislativo, e ainda, as
burocracias técnicas. Evidenciando o conflito velado entre o Executivo e a Comissão
Especial, a implementação da reforma, naquele momento, era quase que impossível,
devido à enorme falta de consenso. Além disso, as discordâncias entre José Serra e
Pedro Malan, aguçavam as dificuldades existentes para a concretização da questão. O
suposto de que a reforma poderia ter malogrado devido a uma falta de consenso entre os
parlamentares que compunham a Comissão Especial foi, portanto, abandonado, visto
que esta produziu seus resultados, através do Substitutivo entregue ao Executivo e, mais
do que isso, a Comissão fazia apelos públicos na mídia, a respeito da necessidade de se
levar a reforma à votação, como publicado em vários jornais da época.
Outra hipótese testada era a de que os governadores pudessem ser os atores
responsáveis pelo malogro da reforma. No entanto, evidenciou-se claramente que eles
tiveram um papel importante, mas não foram os únicos responsáveis pela paralisação
dos debates, visto que existiam fortes pressões dos prefeitos que, à época, exigiam um
aumento de seus níveis de arrecadação e mais do que isso, como a proposta previa a
perda do ISS, obviamente os prefeitos se oporiam à reforma. Estados e municípios
buscavam, ambos, um aumento exponencial de suas receitas, mas, entretanto, não
tiveram influência direta na paralisação dos debates, visto que havia um fator político
maior envolvido que era a falta de interesse do poder Executivo em continuar com os
debates. No entanto, este trabalho considera a variável federativa como importante peça
para a montagem do “quebra-cabeça” tributário. Digo isso porque, analisando a reforma
188
tributária nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, podemos
perceber outros elementos federativos presentes naquele cenário.
Em primeiro lugar, quando Fernando Henrique assumiu a necessidade da
reforma tributária, no seu primeiro mandato, uma das primeiras medidas previstas na
PEC 175 era a manutenção da guerra fiscal por mais quatro anos. Ora, não causa
estranheza tal fato, pois é justamente no tema da guerra fiscal que surgem as maiores
divergências entre os estados e é onde se concentram os maiores custos da reforma; não
era, pois, nada conveniente para o então Presidente comprar uma briga com os
governadores de estado naquele momento, visto que havia a necessidade do apoio
político destes, para o sucesso da reeleição em 1999. No primeiro mandato, a reforma
caminhou muito lentamente, sendo que a PEC/95 até caducou, com várias medidas que
tiveram que ser substituídas por outras, provando que o interesse do Executivo para a
aprovação da matéria era realmente limitado.
Outro fator técnico que causava dúvidas e se transformou, posteriormente em
um fator político, era com relação à desoneração de exportações, medida que, se
implantada, atingiria negativamente os estados do Pará, Amapá, Espírito Santo, Mato
Grosso, Maranhão, Paraná e Minas Gerais. Era prevista a criação de um Fundo, para
compensar estas perdas, mas as dúvidas com relação ao seu funcionamento
imobilizaram a continuidade da matéria. Além disso, para o Presidente Cardoso, ir à
frente com tal medida poderia, a médio e longo prazo, trazer conseqüências políticas
sérias, pois os governadores destes estados certamente se manifestariam, exigindo
medidas para o controle da situação.
Como ressaltado em itens anteriores, além da desoneração das exportações, a
aplicação do destino, que seria implantado aos poucos no ICMS, traria algumas
conseqüências perversas para os estados. O estado de São Paulo, por exemplo,
exportador de produtos e serviços teria uma perda substancial de receita, estimada entre
R$ 2,5 a R$ 11 bilhões. Outra questão federativa que merece destaque e que
concentrava altos custos para a reforma eram os efeitos da implantação de alíquotas
interestaduais uniformes. A medida ocasionaria, segundo os críticos, perdas para os
estados menos desenvolvidos do Norte e Nordeste, que se beneficiam das alíquotas
diferenciadas nas operações interestaduais realizadas com o Sul e Sudeste. Apesar de
ser considerado maléfico, pois esse mecanismo facilita a sonegação fiscal, é, em
189
contrapartida, um meio redistributivo, amparado pela legislação, que beneficia os
estados menos desenvolvidos.
Todas as mudanças assinaladas acima trariam prejuízos para os estados, tanto o
combate à guerra fiscal, como a desoneração das exportações, como as remodelações no
ICMS. Neste sentido, a reforma continha em si um custo não só econômico e técnico,
mas fundamentalmente, um custo político muito alto, pois estaria tocando na ferida dos
estados, fator que aumentava o grau de conflito. Contudo, apesar de não exercerem seu
poder diretamente, os governadores foram e são, até hoje, variáveis federativas
importantes para a reforma tributária, uma vez que o então Presidente não arriscaria a
estabilidade de seu mandato, comprando uma briga com os estados, por uma reforma
que não havia nem ao menos as dimensões exatas das conseqüências de sua
implantação.
Todavia, a influência dos governadores é considerada indireta porque a proposta
de reforma tributária previa alterações tanto nos estados considerados desenvolvidos, no
Sul e no Sudeste, quanto naqueles considerados pobres, do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste. Assim, a afirmação de Cintra (2007) cabe em tal argumento, visto que o mesmo
assinalou que, embora houvesse a pressão dos governadores, as forças se neutralizaram,
justamente porque estavam em “xeque” os interesses de ambas as regiões do país. No
entanto, Fernando Henrique sabia das conseqüências da implantação de uma reforma
que pudesse causar danos a um destes estados, pois o grau de incerteza em torno da
reforma era altíssimo. Indiretamente, pois, os governadores influenciaram nos caminhos
da reforma e são, portanto, variáveis federativas importantes para o entendimento do
fracasso da reforma.
Neste ponto, o presente trabalho diferencia-se do trabalho realizado por Marcus
André Melo (2002), um dos atores que, em “Reformas Constitucionais no Brasil” faz
uma análise brilhante das reformas da Previdência, Administrativa e da Tributária. No
entanto, Melo (2002), em seu trabalho, não considera as variáveis federativas
importantes, pois destaca que, como o Governo obteve sucesso em aprovar e prorrogar
190
o Fundo de Estabilização Fiscal, hoje rebatizado com o nome de DRU
54
, isto foi um
indício de que as variáveis federativas não tiveram tanta influência. No entanto, não se
pode desconsiderar que a proposta do governo previa perdas para algumas regiões, e
isso ocasionaria risco para os estados. Portanto, não se pode ignorar, também, a
presença marcante das questões federativas em relação ao sistema tributário.
A explicação pelo abandono da reforma pelo Executivo, evitando o
estabelecimento de negociações possui, como já destacado, uma natureza política, visto
o atrito entre o Executivo e a Comissão Especial e mesmo a divergência envolvendo os
Ministérios do Planejamento e da Fazenda. Em segundo lugar, havia os riscos de
natureza federativa, envolvendo principalmente governadores e prefeitos. Mas pelo viés
econômico, existem, ainda, outras explicações.
O Governo aprovou uma parte das medidas propostas na PEC através de
legislação infraconstitucional
55
e um exemplo claro de tal afirmação foi a Lei Kandir.
Além disso, em 2000, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma nova
reordenação era realizada também, inclusive nos orçamentos públicos. Outras mudanças
eram realizadas, ainda, pela Secretaria da Receita Federal, e implantadas posteriormente
através de Medidas Provisórias e legislação ordinária, que eram as reformulações no
Imposto de Renda e a criação do SIMPLES. A utilização da via infraconstitucional,
além de fazer valer a lei do “menor esforço”, era uma forma simples de se obter várias
alterações, sem os riscos que comumente envolvem uma mudança pela via
constitucional, muito mais difícil de ser aprovada, pois o grau do conflito também é
muito maior.
Além disso, outros fatores econômicos devem ser ressaltados, para explicar a
falta de interesse do Executivo em ir adiante com a reforma. Houve, ao longo dos dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso, uma melhoria da situação financeira da
54
Este mecanismo foi criado em 1994, pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, inicialmente com o
nome de Fundo Social de Emergência, depois rebatizado com o nome de Desvinculação dos Recursos da
União (DRU). O DRU é essencial para o Governo, porque permitiu a desvinculação de 20% das receitas
do Orçamento da União até 2004, o que representa uma mobilidade de R$ 40 bilhões por ano, segundo
dados obtidos através do site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão:
www.planejamento.gov.br
.
55
A respeito do uso da legislação infraconstitucional no Governo de Fernando Henrique Cardoso, ver
Cláudio Gonçalves Couto, “O avesso do avesso – conjuntura e estrutura na recente agenda política
brasileira”. São Paulo em Perspectiva, vol. 15, nº 4, 2001.
191
União, principalmente após a aprovação do FEF (ou DRU)
56
e da prorrogação da
CPMF, o que, de certa maneira, dava uma certa “tranqüilidade” para o Executivo
naquele momento, que optou por manter o status quo. Além disso, havia uma forte taxa
de aversão ao risco, como já assinalado acima, com as incertezas sobre os mecanismos
previstos na PEC. Após a melhoria do quadro econômico (com a Lei Kandir e com o
FEF), houve, como ressalta Melo (2002), uma “mudança endógena de preferências ou
mais acertadamente, uma atualização de preferências” por parte do Executivo.
Neste sentido, pode-se dizer que houve um abandono do Executivo pela reforma
tributária, devido a fatores econômicos, técnicos, mas fundamentalmente, fatores
políticos envolvidos em torno da matéria. Vale destacar, entretanto, que a variável
federativa teve um peso muito grande na decisão de não levar adiante aquele processo
de reforma, visto que os interesses envolvidos, se atacados, poderiam levar à derrocada
o Governo de Fernando Henrique Cardoso.
No entanto, apesar de todos os problemas, Fernando Henrique Cardoso não
procurou intervir no processo de negociação, fator talvez decisivo para explicar o
desfecho da reforma em seu governo. Pois, se houvesse realmente o interesse por parte
daquele Presidente em torno da reforma, era necessário o estabelecimento de um
consenso, que poderia ser mediado através da própria figura do Presidente, que,
entretanto, não o fez. Além disso, tentando abster-se do problema, no início do segundo
mandato, o Presidente FHC dizia publicamente que eram muitos os interesses
contrariados e se deveria esclarecer melhor a real necessidade para o país da reforma.
Ora, esse era um dos motivos pelos quais a Comissão Especial criticava tão amplamente
o Executivo, pois, ele próprio foi o propositor da matéria e, logo em seguida, dizia que
deveria ser avaliada a real necessidade para o país? Neste sentido, pode-se dizer que,
mesmo que a reforma estivesse envolvida por fatores econômicos e técnicos, o que mais
contribuiu para seu malogro foram os fatores políticos.
56
O DRU, juntamente com a CPMF são duas fontes de recursos valiosas para o Governo Federal,
chamados também de “impostos da governabilidade”. Através do DRU, é possível evitar que
determinados itens de despesas fiquem com excesso de recursos parados, devido a vinculações com
programas específicos, ao mesmo tempo em que outras áreas apresentam carência de verbas. Só no ano
passado (2006), R$ 80 bilhões ficaram livres das amarras da vinculação. Exemplo da importância da
DRU é que em matéria publicada no dia 22/06/2007, pelo Jornal O Estado de São Paulo, há o destaque da
importância destes mecanismos para a receita também do governo Lula, que já busca meios de aprovar
novamente o dispositivo, uma vez que este tem o seu vencimento agora, no ano de 2007.
192
Considerações finais
Este trabalho buscou contribuir para o entendimento dos atores relevantes para
os destinos das tentativas de reforma tributária nos dois mandatos do presidente
Fernando Henrique Cardoso, como premissa que a dimensão federativa é uma das
variáveis mais relevantes nesse tema. É um trabalho que se pauta pelos pressupostos
teóricos de diversas vertentes institucionalistas da Ciência Política, analisando tanto o
formato federativo do Estado Brasileiro definido pela Constituição de 1988 quanto os
atores responsáveis pelo malogro da reforma naquele período.
Evidenciou-se, portanto, que reformar uma Constituição é mais difícil ou quanto
elaborar uma nova. Como são muitos os interesses envolvidos na sociedade, e, mais do
que isso, como convivemos com um Federalismo assimétrico, que, por si só tem seus
desdobramentos no campo político, reformar um texto constitucional é tarefa árdua.
Tanto que as iniciativas para trazer a tona um texto mais condizente com a realidade,
especialmente no que compete à reforma tributária, não foram poucas. A Constituição
de 1988 surgiu, necessitando de reparos, como era sabido desde sua aprovação, na qual
já estava prevista uma revisão constitucional.
Observou-se também o quanto as reformas tributárias criam path dependent.
Analisando os debates ocorridos na Assembléia Constituinte comparativamente aos
ocorridos na Comissão Especial de Reforma Tributária, iniciados no ano de 1995,
percebeu-se que as questões regionais têm um papel muito relevante na política
brasileira, particularmente em questões tributárias. Desde a promulgação da
Constituição faz-se necessário a definição de políticas que forneçam uma melhor
organização do Federalismo. Contudo, o temor de uma piora no quadro existente parece
criar uma resistência a reformas mais amplas e ousadas, que poderiam contribuir para
uma modernização do aparelho tributário.
Além disso, como abordado no Capítulo 2, muitos são os problemas existentes
na federação brasileira, cujo desenho induziu a adoção de comportamentos não
cooperativos. União, estados e municípios entram em jogos negativos de
competitividade, sendo o exemplo mais evidente a guerra fiscal. Esse fenômeno
contribui para aumentar ainda mais as assimetrias do Federalismo, pois opõem as várias
regiões do país. No entanto, como ela tem seus resultados positivos naqueles estados
193
que praticam tal “guerra”, ela é um dos pontos difíceis de serem solucionados na
federação.
A ausência de políticas federais de incentivo ao desenvolvimento regional
também contribuem para o agravamento das desigualdades entre as regiões, as quais
parecem dividir o país entre dois blocos: de um lado, Sul e Sudeste e de outro, Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Neste sentido, pode-se dizer que os problemas que hoje
existem na federação são de duas óticas diferentes: primeiro a relação estabelecida entre
as esferas federadas, ou seja, entre União, estados e municípios. E em segundo lugar, a
diferença econômica existente entre as várias regiões do Brasil também representa um
problema a ser solucionado.
É neste cenário que as tentativas de reforma tributária foram (e são) realizadas.
No entanto, o foco deste trabalho foi responder à seguinte indagação: Por quê,
efetivamente, a reforma malogrou, no Governo FHC? Muitos foram os fatores para tal
fracasso, e podemos até mesmo, como salientado no capítulo acima, fornecer
explicações através de variáveis técnicas e econômicas. Mas, o processo decisório da
política, como se sabe, não se pauta prioritariamente por tais dimensões, mas sim pelas
dimensões propriamente políticas.
Inicialmente, havia a suposição de que os parlamentares envolvidos na
Comissão Especial poderiam ser os grandes responsáveis pela paralisação, pois o
material analisado, do Departamento de Taquigrafia e Redação evidenciava claramente
que estes debates eram pautados pelo regionalismo, onde os parlamentares buscavam
angariar recursos para as regiões que representavam. No entanto, houve o abandono
desta hipótese, quando verificado que o consenso foi estabelecido dentro dessa
Comissão e com esses parlamentares; tanto que produziram o Substitutivo teórico à
proposta do Governo. Houve, por parte da Comissão, uma grande mobilização,
inclusive, para que a reforma fosse a votação no Plenário, o que não ocorreu.
Poder-se-ia supor que a reforma poderia ter fracassado devido à ação dos
governadores de estado, pois como aponta a literatura corrente, eles são agentes com
grandes poderes, inclusive para mobilizarem suas bancadas, em votações de políticas
públicas importantes. No entanto, não se pode afirmar, com relação à reforma tributária,
que eles foram os responsáveis pelo fracasso da reforma, por duas razões. Em primeiro
194
lugar, eles não foram os únicos agentes de pressão no Governo Federal, pois a presença
dos prefeitos também era intensa, uma vez que a proposta visava alterar os dispositivos
tributários tanto dos estados, quanto dos municípios. Além disso, não se pode afirmar
que os governadores de alguns estados se sobrepunham aos de outro estado, pois a
reforma pretendia interferir e modificar tanto as competências dos estados dito
desenvolvidos quanto aqueles menos favorecidos. Havia, pois, como ressaltou Marcos
Cintra (2007), uma “neutralidade de forças”, visto que as alterações eram previstas
entre regiões dicotômicas.
No entanto, afirmamos aqui que os governadores são responsáveis indiretos pelo
fracasso da reforma, pois para o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não era
interessante entrar em conflito com diversos estados, visto que isso poderia se tornar um
fator de ingovernabilidade política, bem como poderia dificultar a passagem do
Presidente ao segundo mandato. Neste sentido, cabe aqui a afirmação de que a reforma
tributária é envolta por um fator estritamente político. Não foi realizada em sua
amplitude no governo FHC por ausência de interesse do poder Executivo em dar
continuidade aos debates e levar o projeto à votação, visto o grau de conflito existente
entre os atores políticos envolvidos.
Não se pode negar, contudo, os inúmeros conflitos existentes no período, entre a
Comissão Especial e o Executivo. Mas mais interessante ainda foi observar as fraturas
internas dentro do próprio Executivo, entre os Ministérios da Fazenda e do
Planejamento. Todavia, a omissão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, naquele
momento, era um forte indício de que, realmente, havia desinteresse pela reforma. Se
havia grandes atritos dentro da própria equipe econômica, era necessária a intervenção
do Presidente, para o estabelecimento de uma negociação, de um acordo entre as partes
envolvidas, o que não ocorreu.
Aliás, em toda e qualquer tentativa de reforma constitucional de grandes
amplitudes, sempre haverá um grau elevado de conflito, os quais geralmente são
intermediados pelo Poder Executivo. No entanto, o Presidente Fernando Henrique
Cardoso não se manifestou supostamente porque, além dos motivos eleitorais, deveria,
naquele momento, manter a sustentação de sua coalizão de governo, dado o conflito
existente entre o Ministério do Planejamento e Ministério da Fazenda, quanto aos rumos
da reforma.
195
Assim, respondendo à indagação central deste trabalho, a reforma não logrou os
objetivos que continha porque houve um abandono da mesma, por parte do poder
Executivo, devido ao conflito político existente, permeado pelas questões federativas. O
desinteresse pela reforma causou sua paralisia. Entretanto, não se pode generalizar,
dizendo que o Federalismo impeça sempre a realização de reformas importantes.
Existem obviamente, vários problemas na federação brasileira, mas a influência dita
negativa do Federalismo aconteceu, em particular com a reforma tributária. Mas outras
reformas que envolviam, igualmente, as questões federativas, obtiveram resultados
satisfatórios, como o caso da reforma administrativa.
Espera-se, portanto, que o atual Governo Lula - que em alguns momentos
demonstrou interesse pela matéria - consiga promover alianças capazes de transpor os
inúmeros óbices que envolvem o tema da reforma, que se torna essencial para a
promoção do desenvolvimento e, fundamentalmente, que alcance os ideais de justiça e
igualdade e que não induzam a práticas competitivas deletérias entre os estados da
federação.
196
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>. Acesso em jan. 2007.
TUROLLA, F.; OLIVEIRA, G. Política Econômica do Segundo Governo FHC:
mudança em condições adversas. Revista Tempo Social, São Paulo, vol. 15, n. 2, p.
195-218, nov., 2003.
VARSANO, R. A Evolução do Sistema Tributário Brasileiro ao Longo do Século:
anotações e reflexões para futuras reformas. Revista de pesquisa e planejamento
econômico. Rio de Janeiro, vol. 27, n. 1, p. 1-40, 1997.
_____________. A Tributação do Comércio Interestadual: ICMS atual versus ICMS
partilhado. IPEA, Brasília, Texto para discussão n. 382, p. 1-14, set. 1995.
_____________. A Guerra Fiscal do ICMS: quem perde e quem ganha. IPEA, Rio de
Janeiro, Texto para discussão n. 500, p. 1-13, jul.1997.
209
VAZQUEZ, D. A. Desequilíbrios Regionais no Financiamento da Educação: a política
nacional de equidade do FUNDEF. Revista de Sociologia e Política, Dossiê
Federalismo, Curitiba, n. 24, p. 149-164, jun. 2005.
WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1967. 124 p.
WEINGAST, B. A Rational Choice Perspective in Congressional Norms. American
Journal of Political Science, 1979.
WEINGAST, B.; MARSHALL, W. The Industrial Organization of Congress. Journal
of Political Economy, 1988.
WHITAKER, F. Iniciativa Popular de Lei: limites e alternativas. In: BENEVIDES, M.
V.; KERCHE, F.; VANNUCHI, P. (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 182-201.
210
APÊNDICE A:
Quadro parlamentar da Comissão Especial destinada à proferir parecer à proposta de
Emenda à Constituição n° 175-A, de 1995, que altera o capítulo do sistema tributário
nacional.
PRESIDENTE: Deputado Germano Rigotto – PMDB - RS
1° VICE-PRESIDENTE: Deputado Antonio Kandir – PSDB - SP
2° VICE-PRESIDENTE: Deputado Antonio Palocci – PT - SP
3° VICE-PRESIDENTE: Deputado Romel Anízio
Relator: Deputado Mussa Demes – PFL – PI
Partido: PFL
Titulares Suplentes
Eduardo Paes – RJ Betinho Rosado – RN
Eliseu Rezende - MG Cleuber Carneiro – MG
Jorge Khoury – BA Deusdeth Pantoja – PA
Moreira Ferreira – SP Pauderney Avelino – AM
Mussa Demes – PI Paulo Braga – BA
Pedro Fernandes – MA Pedro Pedrossian – MS
Rodrigo Maia – RJ Roberto Argenta – RS
Ronaldo Caiado – RJ Wilson Braga – PE
Gerson Gabrieli - BA
Partido: PMDB
Titulares Suplentes
Alberto Mourão – SP Antonio Cambraia - CE
Antonio do Valle – MG Barbosa Neto - GO
Armando Monteiro – PE Edinho Bez – SC
Edinho Araújo – SP Gastão Vieira - MA
Germano Rigotto – RS José Chaves - PE
José Priante – PA Philemon Rodrigues – MG
Luiz Bittencourt - GO Waldemir Moka - MS
211
Partido: PSDB
Titulares Suplentes
Antonio Kandir - SP Alberto Goldman – SP
Emerson Kapaz – SP Anivaldo Vale – MG
Lúcia Viana – GO Basílio Villani – PR
Luis Carlos Hauly – PR José Militão – MG
Marcio Fortes – RJ Manoel Salviano - CE
Nilo Coelho - BA Ricardo Ferraço – ES
Roberto Brant - MG Sampaio Dória - SP
Partido: PT
Titulares Suplentes
Aloízio Mercadante – SP Avenzoar Arruda - PB
Antonio Palocci - SP Henrique Fontana – RS
Milton Temer - SP João Fassarella – MG
Ricardo Berzoíni - SP Virgílio Guimarães - MG
Partido: PPB
Titulares Suplentes
Fetter Júnior - RS Eliseu Moura – MA
João Pizzolatti – SC Enivaldo Ribeiro – PB
Romel Anízio - MG Gerson Peres – PA
1 vaga 1 vaga
Partido: PTB
Titulares Suplentes
Félix Mendonça – BA Celso Giglio – SP
Walfrido Mares Guia – MG José Carlos Elias - ES
Partido: PDT
Titulares Suplentes
Coroliano Sales – RS Luiz Salomão – RJ
João Sampaio – RJ 1 vaga
212
Bloco PSB / PC do B
Titulares Suplentes
Eduardo Campos – PE Sérgio Miranda - MG
Bloco PL / PST / PMN / PSD / PSL
Titulares Suplentes
Marcos Cintra - SP Ronaldo Vasconcellos - MG
213
APÊNDICE B:
Principais cargos ocupados pelos entrevistados
Ary Oswaldo Mattos Filho:
Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1965),
Mestrado em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (1969),
Mestrado em Direito - Harvard University (1969) e
Doutorado em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (1973).
Foi presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, membro do CMN -
Conselho Monetário Nacional (1990-1992) e membro da Comissão de
Privatização.
Presidente da Comissão Executiva de Reforma Fiscal, nomeado pelo governo
federal em 1992.
Atualmente é Diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas, e professor titular da mesma instituição.
Árbitro da CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem e da CAM -
Câmara de Arbitragem do Mercado, associado da ABDT - Academia Brasileira
de Direito Tributário.
Associado efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário e Direito
Comercial.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
Obteve quatro títulos pela Universidade de Harvard (EUA):
Bacharel em Economia (B.A cum laude, 1968),
Mestre em Planejamento Regional(M.R.P., 1972),
Mestre em Economia (M.A., 1974) e
Doutor em Economia (Ph.D.,1985).
Atualmente é professor-titular da Escola de Administração de Empresas de São
214
Paulo – EAESP, da Fundação Getúlio Vargas. É professor de microeconomia,
macroeconomia, finanças públicas, economia agrícola e desenvolvimento
econômico nos cursos de Administração de Empresas e de Administração Pública
da FGV.
Foi chefe do Departamento de Economia da EAESP/FGV entre 1985 e 1987, e
diretor da instituição de 1987 a 1991, quando introduziu os cursos de mestrado e
doutorado em Economia de Empresas.
É o idealizador da proposta do Imposto Único.
Em 1997 foi eleito vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, cargo
que ocupa até o momento.
É colunista do caderno Dinheiro da Folha de São Paulo. É colaborador regular dos
jornais Gazeta Mercantil, Correio Braziliense, Valor Econômico, Diário do
Comércio, e de centenas de outros veículos em todo o país.
Foi secretário do Planejamento, Privatização e Parceria do Município de São Paulo
em 1993, e vereador em São Paulo entre 1993 e 1996.
Foi eleito deputado federal em 1998, cargo que ocupou até 2003. Na Câmara dos
Deputados foi membro das Comissões de Finanças e Tributação e de Reforma
Tributária e presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio.
Foi secretário municipal das Finanças de São Bernardo do Campo de 2003.
Membro da Comissão Especial de Reforma Tributária no Governo FHC.
Eliseu Rezende:
Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG);
Foi Ministro da Fazenda do Governo de Itamar Franco;
Deputado federal por Minas Gerais;
Candidato à governador em 1982;
Atualmente é Senador da República.
Membro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de
Assuntos Econômicos, dentre outras.
215
Membro da Comissão Especial de Reforma Tributária no Governo FHC.
Fernando Rezende:
Diretor Executivo do IPEA
Mentor da Proposta de Reforma Tributária do Governo FHC.
José Roberto Rodrigues Afonso:
É economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social -
BNDES, desde agosto de 1984.
Atualmente é assessor do Diretor de Planejamento do Banco.
Foi Consultor Técnico Especial da Câmara dos Deputados entre dez./2002 e
nov./2006.
É ex-superintendente da área fiscal e de emprego do BNDES e ex-
superintendente de seguridade social do fundo de pensão do respectivo banco -
FAPES
É economista e técnico em contabilidade.
Concluiu o mestrado em Economia da Industria e da Tecnologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1989.
Em suas publicações, tem como principais parceiros José Serra, Érika Amorin e
Fernando Rezende.
Luiz Carlos Hauly:
Economista e professor;
Vice-líder do governo no Congresso Nacional, no Governo de FHC;
Membro do PSDB, do Paraná;
Foi e é membro da Comissão de Finanças e Tributação por dezesseis anos.
Autor de Projeto de Lei sobre a Reforma Tributária;
Atualmente é deputado federal pela sigla acima descrita.
216
Everardo Maciel:
Secretário da Receita Federal
Foram entrevistados, ainda, dois Secretários de Finanças de duas cidades do
interior de São Paulo, Araraquara e Taquaritinga.
Os entrevistados foram:
Nelson Gênova – Taquaritinga e
Luiz Antonio Araújo e Samuel Martins – Araraquara.
217
APÊNDICE C:
Roteiro das entrevistas – Secretários de Finanças
Questões da Entrevista:
1- apresentação e um breve histórico:
Escolaridade:
Idade:
Carreira: como ingressou na vida pública? Tem algum parente ou conhecido na
esfera pública? Qual o cargo deste?
Filiação partidária e/ou apoio partidários:
Experiência na vida privada? Qual a ocupação?
2- na sua visão, quais são os problemas que enfrentam hoje os municípios? Em especial,
(...) citar o nome da cidade.
3- qual sua opinião a respeito da concentração de recursos entre União, Estados e
Municípios? Concorda com ela? O que deveria mudar?
4- fale um pouco sobre a elaboração do Orçamento municipal (da arrecadação até a
aplicação de recursos).
5- Os recursos disponíveis hoje, no município, são suficientes para suprir as
necessidades deste? Qual a área que mais carece de recursos?
6- Nos municípios é fácil observarmos a presença de líderes locais, ou seja, indivíduos
ligados diretamente à defesa de interesses regionais. Existe neste município alguns
nomes a destacar? Se sim, existe alguma ligação deste com o Senado ou a Câmara dos
Deputados? Qual o papel deste indivíduo na negociação para o aumento de repasses?
7 – qual sua opinião sobre o Orçamento Participativo?
8- na sua opinião, deve haver uma reforma tributária? O que já foi proposto de mais
pertinente na sua opinião?
- Qual a proposta ideal?
- Qual a mais realista?
- Porque o senhor acha que a reforma tributária não se concretizou?
9 – como é a arrecadação do IPTU neste município? É significativo do ponto de vista da
arrecadação? O município oferece algum tipo de incentivo à população para o
pagamento deste?
218
10 – na sua opinião, com relação à (...), o senhor acha que deveria ser alterada a forma
de arrecadação dos tributos municipais? Sugere alguma alternativa?
11 – o senhor considera que o município deve assumir a iniciativa de políticas em áreas
como saúde, educação, habitação, assistência social, ou isso deveria ficar a cargo do
Estado?
219
APÊNDICE D:
Roteiro das Entrevistas – Membros participantes dos debates acerca da Reforma
Tributária
1 – Em 1994, com a posse do presidente FHC, novas reformas voltam à agenda,
inclusive a Tributária. Naquele momento, quais eram suas expectativas para a
concretização da Reforma Tributária? Quais os maiores desafios para a reforma
tributária, naquele momento?
2- Havia consenso no governo federal de quais seriam os caminhos da reforma?
3- Qual sua opinião acerca da PEC 175/95, proposta pelo Executivo?
4- Qual sua opinião sobre os trabalhos da Comissão Especial, designada para discutir a
Reforma, naquele momento?
5 – Na sua opinião, qual a capacidade dos governadores de mobilizarem suas bancadas,
de obstruírem votações, de pressionarem diretamente o governo federal, na época das
discussões sobre o Projeto de Emenda Constitucional, (PEC 175/95) proposto pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso?
6 – Na sua opinião, existe alguma influência de interesses regionais, nas discussões
sobre a Reforma Tributária? Se sim, percebe de forma positiva tal manifestação?
7 – Na sua opinião, porque não houve a Reforma Tributária no governo Fernando
Henrique Cardoso?
8 – Porque houve a paralisação dos debates?
9– Gostaria que V. Ex.
a
falasse, de forma geral, quais são suas expectativas para a
reforma? O que foi proposto de mais pertinente? Qual a proposta mais realista?
10 - Existiu, na sua opinião, algum ator político relevante que influenciou para a não-
concretização da reforma tributária?
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