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ANA REGINA E SOUZA CAMPELLO
PEDAGOGIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS-MUDOS
Florianópolis, fevereiro de 2008
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ANA REGINA E SOUZA CAMPELLO
PEDAGOGIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS-MUDOS
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
de Educação da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito para a obtenção do título
de Doutorado de Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Sílvia da Ros
Florianópolis, fevereiro de 2008
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PEDAGOGIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS-MUDOS
Ana Regina e Souza Campello
Esta tese foi julgada adequada para a obtenção do título de Doutorado de Educação e aprovada
em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação de Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina.
_____________________________________________
Prof.
Coordenador(a) do Programa de Pós-Graduação de Educação
Banca examinadora:
_____________________________________________
Profª. Sílvia da Ros
Presidente e Orientadora
_____________________________________________
Prof.(a) Profª. Drª. Gladis Perlin
Co-Orientadora
______________________________________________
Prof(a).
Ronice Müller de Quadros - UFSC
Membro
______________________________________________
Prof (a). Lodernir Karnopp - UFRGS
Membro
______________________________________________
Idamara……UFSC
Suplente
Florianópolis, fevereiro de 2008.
1
Nunca ouvi nenhum som sequer: as ondas no mar, o vento, o canto dos pássaros e por aí vai. Para
mim, entretanto, esses sons nunca foram essenciais para a compreensão do mundo, que cada
um deles sempre foi substituído por uma imagem visual, que me transmitia exatamente as
mesmas emoções que qualquer pessoa que ouve sente, ou talvez ainda com mais força, quem
sabe?
As minhas palavras nunca faltaram, e nunca fui uma criança rebelde ou nervosa por uma simples
razão: sempre tive como me comunicar, as pessoas em minha volta sempre entendiam o que eu
queria, pois compartilhavam das mesmas palavras que eu: os sinais.
(Sérgio Marmora de Andrade, Surdo-Mudo, residente no Rio de Janeiro. O depoimento foi
elaborado pela esposa dele, não-surda-muda, que traduziu os sinais para a língua portuguesa)
Então, porque pensamos que lhes falta tudo? Estes pensamentos incorretos surgem do nosso
egocentrismo. (Why, then, do we think they are? This mistake arises from an extrapolative leap,
an egocentric error. LANE, 1999, p.10)
Parodiando Jan Conrad Amman: “A visualização da vida está no ver. O ver é o intérprete dos
nossos corações e expressa o seu afeto e desejos....o ver é a emanação viva daquele espírito que
Deus insuflou no homem quando lhe criou uma alma viva” (“The breath of life resides i the
voice. The voice is the interpreter of our hearts and expresses its affections and desires...The
voice is a living emanation of that spirit that God breathed into man when he created him a living
soul”, LANE, 1999, p.107)
2
Dedico este trabalho a Deus e aos Amigos da Luz
“que podem ver, pois que constantemente vos
rodeiam. Cada um, porém, aquilo a que
atenção. Não se ocupam com o que lhes é
indiferente” (Livro dos Espíritos, Cap. IX, item 456,
2002, p. 245).
3
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado com o apoio, o incentivo e a contribuição de algumas pessoas,
vivas ou falecidas, às quais remeto o meu reconhecimento e agradecimento:
À minha mãe que me proporcionou a confiança como pessoa Surda-Muda;
Ao meu pai falecido que proporcionou a minha formação acadêmica e pelo gosto da
leitura;
À minha família Campello, Costa e de Jesus, e minha vizinha Ignez Oreiro pelo apoio
incondicional na realização do meu projeto de Doutorado;
À minha orientadora Sílvia da Ros pela paciência e preocupação incondicional do meu
trabalho. E também da sugestão da introdução de um assunto novo e estranhável para o meu
mundo: Análise de Discurso que ajudou muito a mapear o discurso para o meu trabalho. Sem
contar do seu desafio de aceitar o trabalho diferente;
Ao GES (Grupo de Estudos Surdos), a DI (Designer Instrucional da Letras Libras) e CCE
(Centro de Comunicação e Expressão) pela disponibilidade do espaço de trabalho e da utilização
de internet;
Aos funcionários e estagiários do GES NUCLEIND, do CED e do CCE, da UFSC, pela
paciência e disponibilidade de colaborar os nossos pedidos;
Aos colegas Surdos-Mudos, surdos oralizados, surdos flutuantes, surdos híbridos, surdos
de múltiplas identidades, que gostam e os que não me interessam, que representaram como atores
que me permearam na minha análise de discurso; aos colegas não-surdos-mudos que se formaram
e os/as que ficaram e, especialmente, à(o)s ex e presentes Intérpretes de Língua de Sinais
Brasileira, pela paciência e que traduziram durante o estudo, conferência e seminário;
Aos amigos Surdos-Mudos falecidos e vivos da cidade do Rio de Janeiro que torceram e
acreditaram a minha capacidade acadêmica. Aos amigos Surdos-Mudos do Além torcendo para
mostrar o valor da comunidade Surda-Muda em diversos contextos;
Á Equipe dos Professores que aprovaram na banca no concurso de Doutorado de
Educação da CED e da confiança de me aceitar como a primeira aluna Surda-Muda, juntamente
com o meu colega, no concurso de Porgrama de Pós-Graduação de Educação da UFSC em 2004;
A Gallaudet University pelo apoio incondicional dos Professores Orientadores do
Exterior, Dr. Robert Jonhson, Benjamim Bahan e Carol Erting. Aos Professores da GU, como
4
Prof.ª Martina J. Benievenu, Prof.ª Dra.ª E. Lynn Jacobowitz, Prof.º Dr.Yerker Andersson,
Mestrado Benjamim Jarashsow e Profº Dr. H-Dirksen L. Bauman, do Department of American
Sign Language and Deaf Studies pela participação das classes como observadora. Aos dirigentes
À Organization International Programs and Service- OIPS pela aceitação do meu projeto de
pesquisa e aos professores Surdos-Mudos da ELISO English Language Institute Student
Organization pela participação das classes do ensino da segunda língua estrangeira: ASL e Inglês
aos Estudantes Estrangeiros, como observadora;
E carinhos aos Surdos-Mudos estrangeiros, como da América do Sul e da América
Central, sem falar de algumas cidades da Ásia. Aos funcionários da College Hall da Gallaudet
University, Eve Mitton, como aos estudantes e líderes que fizeram greve na Gallaudet University
que muito me ensinaram a estratégia e da política de apoderamento de sinais;
À Rosemeri Bernieri pela correção lingüística;
Á Paula Botelho, a brasileira que me recepcionou na terra estrangeira, as Sras. Marilda
Effting e Sandra, pela vivência como vizinhas na Campeche; e
À CAPES – MEC pela bolsa de estudo e bolsa sanduíche durante o trajeto do meu estudo.
Sem ele, eu não teria chegado onde estou.
5
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
LISTA DE ABREVIAÇÕES
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I – MINHA IDENTIDADE VISUAL
CAPÍTULO II HISTÓRIA DA PEDAGOGIA DOS SUJEITOS SURDOS-MUDOS:
MARCOS SIGNIFICATIVOS
2.1 A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS-MUDAS
2.1.1 ALFABETO MANUAL E COMUNICAÇÃO COM AS MÃOS
2.1.2 ENSINO DA ORALIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO COM AS MÃOS
2.1.3 ENSINO DE LÍNGUA DE SINAIS FRANCESA
2.1.4 SINAIS METÓDICOS - MÉTODO DESENVOLVIDO POR DE L` EPÉE
2.1.5 ORALISMO
2.1.6 NOVO ORALISMO
2.1.7 COMUNICAÇÃO TOTAL
2.1.8 BILINGÜISMO
2.2. A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS-MUDAS NO CONTEXTO BRASILEIRO
2.3 A VISUALIDADE DOS SURDOS-MUDOS: OS MOVIMENTOS DOS SURDOS-MUDOS
E SUAS REPERCUSSÕES
2.3.1 ALGUMAS MUDANÇAS NA EDUCAÇÂO DE SURDOS-MUDOS NO BRASIL
6
CAPÍTULO III – PERCEPÇÃO E PROCESSAMENTO VISUAL DO SURDO-MUDO
3.1 CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO SURDO-MUDO
3.1.1 A LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA
3.1.2 FUNDAMENTOS VISUAIS DA LÍNGUA DE SINAIS
3.1.3 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS - DO TEMA CLASSIFICADORES NA LSB
3.2 OS SIGNOS VISUAIS
3.2.1 PERCEPÇÃO E SIGNO VISUAL: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS.
3.2.2 PARTICULARIDADES DO SIGNO VISUAL E SUAS PROPRIEDADES NA
LSB
3.3 SIGNO VISUAL E SUJEITO SURDO-MUDO: EXPERIÊNCIAS E IMPASSES
3.4 POLÍTICA VISUAL
CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
4.1 QUESTÕES METODOLÓGICAS
4.1.1 OBJETIVOS
4.1.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
4.1.3 RESULTADOS
CAPÍTULO V PEDAGOGIA VISUAL E EDUCAÇÃO DE PESSOAS SURDAS-
MUDAS: SUGESTÕES E PARÂMETROS
5.1 O PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER, VISUALIDADE E SUJEITOS SURDOS-
MUDOS: QUESTÕES GERAIS
5.2 SUGESTÕES E PARÂMETROS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE PROPOSTAS
PEDAGÓGICAS PAUTADAS NA VISUALIDADE E VOLTADAS À EDUCAÇÃO DE
SURDOS.
5.2.1 A LÍNGUA DE SINAIS
5.2.2 CURRÍCULO
5.2.3 OS EDUCADORES SURDOS
5.2.4 OS INSTRUTORES DE LÍNGUA DE SINAIS
7
5.2.5 O MONITOR SURDO
5.2.6 O PESQUISADOR SURDO
5.2.7 OS SURDOS UNIVERSITÁRIOS
5.3 PROPOSTA VISUAL
5.3.1 OS FATORES DA MUDANÇA DA DENOMINAÇÃO “CLASSIFICAÇÃO” OU
“CLASSIFICADOR” E OUTRAS DENOMINACÕES PARA DESCRIÇÃO IMAGÉTICA.
CAPÍTULO VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
8
RESUMO
Na atualidade muito se tem falado sobre as linguagens não verbais, dando-se ênfase em
especial à linguagem imagética. Envolvendo vários suportes que incluem o próprio corpo, muros,
telas, cadernos escolares, entre muitíssimos outros. As linguagens não verbais são, sem dúvida,
um tema importante a ser estudado.
A Pedagogia, acompanhando as tendências da chamada Sociedade da Visualidade,
desdobrou-se em diferentes sub-áreas, presentes, por exemplo: na pedagogia dos cegos, na
educação artística, na comunicação, na informática, na estética, na fotografia, pintura e outros na
formação e preparação da graduação de "professores artistas" para o Ensino Fundamental e
Médio, além da formação pedagógica, o professor ou aluno terá uma formação no sistema das
artes: Dança, Música, Teatro, Artes Visuais e Pedagogia da Diferença ou Pedagogia Visual,
podendo escolher qualificar-se em qualquer uma delas, como formação de Professores de Surdos-
Mudos e formação curricular aos Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais Brasileira.
A Sociedade da Visualidade tem contribuído uma transição para firmar a qualidade visual
e construção de pensamento crítico, na área da Educação dos Surdos-Mudos, e se faz a
necessidade de buscar uma qualidade maior e benefíca, que é a Pedagogia Visual da Educação
dos Surdos-Mudos, que ora apresento este trabalho.
9
ABSTRACTS
(Falta traduzir em inglês)
10
INTRODUÇÃO
Na atualidade, muito se tem falado sobre a sociedade da imagem, dando-se ênfase, em
especial, aos processos de comunicação constituídos pela visualidade. Destacam-se, assim, as
presenças de novos discursos, não somente o verbal oral ou escrito, mas discursos
predominantemente imagéticos que medeiam a produção do conhecimento a partir de novas
formas.
Junto com a “linguagem” imagética difunde-se de forma significativa a língua de sinais. É
o caso da língua de sinais brasileira LSB reconhecida como língua oficial pela Lei 10.436/02.
Com características viso-espaciais a LSB inscreve-se no lugar da visualidade e, sem dúvidas,
encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais relacionadas à educação
de sujeitos Surdos-Mudos
1
.
Este tema importante será enfocado na presente tese dentro da chamada Pedagogia
Visual
2
em sua interface com a educação de sujeitos da comunidade Surda-Muda.
É um novo campo de estudos com uma demanda importante da sociedade que pressiona a
educação formal a modificar ou criar propostas pedagógicas pautadas na visualidade a fim de
reorientar os processos de ensinar e aprender como um todo e, particularmente, daqueles que
incluem os sujeitos Surdos-Mudos. Este movimento de estudos da visualidade precisa ser
considerado, portanto, quando se fala de Pedagogia Visual e Educação de sujeitos Surdos-Mudos.
No mundo da imagem ou comunicação visual, os estudos da visualidade estão imbricados
com diferentes áreas. Por exemplo: na comunicação visual (o estudo e investigação do ensino da
expressão e comunicação visual, sua ideologia, pedagogia, didática e marketing); na estética, (a
representação sobre o mundo do corpo, o gesto e cultura do corpo masculino ou feminino, como
uma pedagogia visual e mimética); na informática, (o programa pedagógico com a utilização de
tecnologia educacional através da computação, sua compreensão e linguagem); além da interface
1
É uma representação identitária, cultural e convencionada da comunidade Surda-Muda. Condiz que Surdo-Mudo
não é portador da “mudez” por problema patológico e também por não falar, não ter “voz” e sim por usar a língua de
sinais que é a modalidade viso-gestual e não usa a “fala” ou a “oralização para articular e sinalizar ao mesmo
tempo.
2
Pedagogia Surda ou Pedagogia Visual, uma vez que esta se ergue sobre os pilares da visualidade, ou seja, tem no
signo visual seu maior aliado no processo de ensinar e aprender.
11
com a fotografia, pintura e outros (...).
3
Todos, portanto, constituindo discursos mediados pela
visualidade e pela imagem. JOBIM E SOUZA diz que a imagem
está em toda parte e faz da cultura contemporânea uma cultura figurada
em que a ênfase nas imagens, mais do que nas palavras, cria novas
relações do homem com o desejo e com o conhecimento. O figurado,
como característica geral da cultura do consumismo, penetra todas as
instâncias da vida moderna. A educação e as práticas sociais que se
formam em seu interior começam a ser absorvidas pelas representações
visuais. (2000, p.16).
A visualidade supõe exercícios imagéticos semioticamente mediados, uma vez que não se
realiza sem a presença de signos, ou seja, não se realiza como atividade direta dos órgãos dos
sentidos. Pode constituir-se como discurso justamente pela possibilidade de ser produzida por
signos e por produzir signos.
As experiências da visualidade produzem subjetividades marcadas pela presença da
imagem e pelos discursos viso-espaciais provocando novas formas de ação do nosso aparato
sensorial, uma vez que a imagem não é mais somente uma forma de ilustrar um discurso oral. O
que percebemos sensorialmente pelos olhos é diferente quando se necessita interpretar e dar
sentido ao que estamos vendo. Por isso, as formas de pensamento são complexas e necessitam a
interpretação da imagem-discurso. Essa realidade implica re-significar a relação sujeito-
conhecimento principalmente na situação de ensinar e aprender.
Assim, a presença da ordem imagética não se apresenta como
ilustração do real ou como algo para esteticizar, no sentido do belo, a
sociedade na qual vivemos, mas como algo organizador da atividade do
sujeito, auxiliar na resolução de planejamentos das ações quanto ao fato
de não epizodicizar [sic] a realidade. E, este processo se faz importante no
enraizamento cultural com e pelos signos imagéticos, que tanto podem
produzir uma condição de anonimato, de submissão, como uma outra e
significativa forma de produzir e apropriar-se do conhecimento,
criticamente. (DA ROS, 2006, p.9)
A episodicização da realidade acima referida, fala de uma forma de relação com o mundo
de maneira que cada percepção, cada discurso seja apreendido como um episódio em si, como
3
www.uergs.rs.gov.br, em 2004.
12
algo isolado, prescindido das necessárias relações que os contextualizem social e culturalmente.
Conseqüentemente, reduz as possibilidades do sujeito Surdo-Mudo tornar-se um cidadão crítico,
não submisso e assujeitado àquilo que se mostra como hegemônico na sociedade onde vive. A
lógica do raciocínio pautada pelo discurso oralizado não é a mesma daquela do discurso
imagético. As novas formas comunicacionais exigem novas formas de pensar. SAMAIN (1998,
p.54) diz que:
Há mais de 500 anos que os estudos do homem vivem sob a hegemonia da
verbalidade da escrita em especial. Não tenho a certeza de que os filhos de
nossos filhos saberão ler e escrever como sabemos fazê-lo. Eu sei, desde
já, que o adolescente informatizado não olha o mundo da mesma maneira
como eu o descobrira há 40 anos. Uma coisa é certa: os homens de
amanhã enunciarão o universo e organizá-lo-ão com base em outros
parâmetros lógicos, gerados pelos novos suportes comunicacionais que
continuarão esculpindo.
E, entre esses novos suportes comunicacionais, o discurso imagético ganha um posto de
destaque. Nesse contexto, as línguas de sinais, línguas produzidas por sujeitos Surdos-Mudos em
interação, com seus discursos viso-espaciais, substantivam-se. Quanto a esses suportes
comunicacionais, Hernandez ressalta a importância de prestar atenção a uma outra trajetória, a
que marca a história atual, a “trajetória percorrida pelos olhares que tocam diferentes universos
simbólicos: os que estão nos museus e os que aparecem nos cartazes publicitários e nos anúncios;
nos videoclips ou nas telas da internet...” (HERNÁNDES, 2000, p. 50). Acrescenta-se, ainda, a
conversação mediada pela Língua de Sinais em qualquer contexto relacional constituído por
sujeitos Surdos-Mudos.
Apesar da ênfase aos processos de visualidade, são observadas, muitas vezes, negligências
quanto à importância e presença dos aportes da visualidade nas propostas pedagógicas ou nas
pesquisas elaboradas por sujeitos não-surdos-mudos. COSTA (1996, p.13) ressalta como
exemplo, o livro “História da Pedagogia” onde o autor Franco CAMBI (1999), em 701 páginas,
não apresentou sequer um tema relativo à Pedagogia dos Surdos-Mudos quando fala da
Pedagogia da Diferença ou quando fala da “Pedagogia Intercultural”, tema ao qual destinou
apenas seis páginas.
13
Há que ressaltar também que vigem, ainda, propostas pedagógicas que, além de descuidar
das questões da visualidade e seu significado na educação de sujeitos Surdos-Mudos, pautam-se
em paradigmas que relacionam a Surdez com o conceito da “deficiência”, vendo o sujeito Surdo-
Mudo como ser incapaz e medicável. SKLIAR (1998), nesse sentido, fala da ideologia do
ouvintismo
4
como algo que interfere nesse fato:
Como toda ideologia dominante, o ouvintismo gerou os efeitos que
desejava, pois contou com o consentimento e a cumplicidade da medicina,
dos profissionais da área da saúde, dos pais e familiares dos Surdos-
Mudos, dos professores e, inclusive, daqueles próprios Surdos-Mudos que
representavam e representam, hoje, os ideais do progresso da ciência e da
tecnologia – o surdo que fala, o surdo que escuta (1998, p.16-17).
Nessa perspectiva, encontram-se nas abordagens contemporâneas da pesquisa e
intervenção pedagógicas:
- Reprodução dos métodos de ensino baseados na concepção da incapacidade do deficiente
quando os sujeitos Surdos-Mudos são considerados como tal, gerando a “mesmice” (DELEUZE,
1988). Métodos apresentados de forma sistemática e enfática nos livros principalmente até o
início de 1980, quando surgiram os Estudos Culturais e outros da área específica como os
Estudos Surdos;
- Propostas não condizentes com a cultura e Identidade dos sujeitos Surdos-Mudos.
Homogeneidade em relação aos parâmetros adotados para determinar o que se chama de fracasso
escolar na educação dos sujeitos Surdos-Mudos, especialmente na cognição e lingüística visual
5
.
problemas que se assentam em saberes dogmáticos, que desconhecem a cultura e
identidade dos sujeitos Surdos-Mudos. É o caso das ideologias presentes nos discursos
dominantes da medicina e da “pedagogia da correção” (SÁNCHEZ, 1990 e FOUCAULT, 2007).
4
Isso é o fruto da ascendência política dos ouvintes e manifestam o poder sobre os Surdos-Mudos, em qualquer área
do contexto cotidiano.
5
Quer dizer que os sinalizantes da comunidade Surda-Muda possuem língua de sinais cuja modalidade difere da
língua dos não-surdos-mudos e, conseqüentemente, vêem o mundo diferente, devido aos signos visuais que diferem
dos signos auditivos. Também é uma representação do mundo visual que pode se realizar, dentro dos valores de cada
comunidade, povo ou grupo social. Podemos nos referir às inúmeras diferenças relativas às cores. Sabemos que os
esquimós m várias denominações para a cor branca, e outros nativos fazem distinções dos tons verdes e azuis,
dentro de cada função que as cores exercem para o seu tipo de vida e experiência cultural. (acessado no endereço
eletrônico: http://laudascriticas.blogspot.com/2006/02/os-limites-da-linguagem-do-mundo-e-da.html em 3 de
fevereiro de 2008)
14
O poder do colonizador sobre o colonizado e finalmente a política, como “corpo político”
(FOUCAULT, 2007) na construção da identidade dos “normais”.
que destacar também que os métodos da ciência moderna orquestrada pelas máximas
do positivismo, nesse caso, por estarem pautados nos discursos pedagógicos-terapêuticos,
evidenciam de maneira contundente a biologicização da surdez e a desconsideração de questões
próprias do sujeito Surdo-Mudo e da surdez socialmente compreendida. Dentre elas pode-se
ressaltar como central, mesmo neste momento histórico em que a visualidade ganha postos de
destaque, o desconhecimento por uma parte significativa de educadores e outros profissionais de
áreas afins, de que estes sujeitos se constituem como tal por signos visuais, especialmente.
A questão central que justifica a organização deste projeto de pesquisa é: como
caracterizar o processo de ensinar e aprender voltado à Pedagogia Visual considerando,
simultaneamente, a necessidade de apropriação do conhecimento sistematizado ou científico,
aliada à necessidade dos sujeitos Surdos-Mudos de se constituírem como cidadãos, como rege a
atual Lei das Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) do Ministério da Educação e Cultura. A Pedagogia
Visual, nada mais é que uma pedagogia elaborada e voltada para a comunidade Surda-Muda,
baseada com os próprios entendimentos e experiências visuais. Também tem uma forma
estratégica cultural e lingüística de como transmitir a própria representação de objeto, de imagem
e de ngua cuja natureza e aspecto são precisamente de aparato visual; e dos significados (ou
valores) pelos quais são constituídos e produzidos o resultado visual, como “uma emancipação
cultural pedagógica” (PERLIN, 2006, p. 62). A Pedagogia Visual é um dos itens que a
comunidade Surda-Muda vem movimentando e lutando para conquistar dentro do seu espaço na
educação, por meio de Encontros, Conferências e Congressos, como também na elaboração de
vários documentos pela FENEIS (1987 a 2008) e, o mais importante de todos: o documento A
Educação que Nós Surdos Queremos” elaborado no pré-Congresso ao V Congresso Latino
Americano de Educação Bilíngüe para Surdos.
6
Sem esquecer dos artigos, de abordagem
educacional dos sujeitos Surdos-Mudos, publicados pelas professoras Surdas-Mudas, como
RANGEL e STUMPF (2004), PERLIN (2000, 2006), e de profissionais não-surdas-mudas,
como BRITO (1993), THOMA (2006), LOPES (1997, 1998, 2004, 2006), GIORDANI (2006),
6
Realizado em Porto Alegre/RS, no salão de atos da reitoria da UFRGS, nos dias 20 a 24 de abril de 1999.
15
KARNOPP (2004), SKLIAR (1998, 1999, 2000, 2003), LULKIN (1998), (1998), SOUZA
(1999, 2000), QUADROS (1997), entre outros .
Considerando os aspectos acima mencionados, a presente tese tem como objetivo, então,
sistematizar as linhas mestras de uma pedagogia visual, em suas interfaces com a educação de
sujeito Surdo-Mudo, no sistema de ensino educacional que envolve a educação dos sujeitos
Surdos-Mudos. Para tal será necessário aprofundar estudos relacionados à chamada pedagogia
visual e educação de sujeitos Surdos-Mudos na atualidade, destacando-se as interfaces entre o
significado da pedagogia visual e a importância da mesma na educação de sujeitos Surdos-Mudos
no sistema de ensino educacional (do ensino fundamental ao ensino de pós-graduação)
apresentando sugestões e parâmetros relativos à implementação de propostas pedagógicas
pautadas na visualidade e voltadas à educação dos mesmos.
A presente tese caracteriza-se como um estudo qualitativo
7
, tendo a consulta bibliográfica,
a análise de documentos, as observações e entrevistas informais como procedimentos
fundamentais.
A tese se organiza a partir de um primeiro capítulo que apresenta as motivações pessoais e
os fatos que justificam o conteúdo da mesma: a identidade visual da autora.
No segundo capítulo um destaque especial à história das pedagogias que mais
marcaram a educação dos sujeitos Surdos-Mudos, da antiguidade aos dias de hoje.
O terceiro capítulo discute questões gerais sobre o Signo Visual e sua necessária relação
com a Educação de sujeitos Surdos-Mudos.
O quarto capítulo é composto por considerações metodológicas que destacam o tipo de
pesquisa, os procedimentos de coleta e análise de informações, os sujeitos da pesquisa, entre
outros aspectos pertinentes.
No quinto capítulo constam discussões teóricas que embasam a apresentação de sugestões
e parâmetros relativos à chamada Pedagogia visual em sua relação com a educação de sujeitos
Surdos-Mudos.
No sexto capítulo são apresentadas as considerações finais. Após, constam as Referências
e Anexos.
7
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo, preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado(...)
trabalha com o universo de significados, motivos aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos... (1994, p. 21/22) .
16
É importante adiantar na Introdução desta tese que, como as pesquisas crescem
constantemente, seria impossível oferecer respostas prontas e definitivas para cada ponto aqui
abordado, haverá sempre uma possibilidade de deixar uma lacuna vazia. Sabemos, também, que
as teorias construídas não permitem uma forma ou modo explicitamente possível e, com o
movimento constante do mundo, as conclusões são provisórias e poderão mudar quando surgirem
novos resultados e parâmetros.
17
CAPÍTULO I – MINHA IDENTIDADE VISUAL
Para começar, como pessoa Surda-Muda
8
, quero apresentar o sinal que me identifica
culturalmente: dedo indicador apontando firmemente na lateral do nariz. Culturalmente, a
apresentação deste sinal é importante porque ele se instituiu na comunicação com as demais
pessoas. Como criança Surda-Muda o som não me pertencia e, assim, passei a identificar tudo
visualmente e expressar-me também com “sinais visuais” ou por “signos visuais”. Nesse contexto
nasceu este sinal como uma revelação ou identificação nominal, criado com recursos visuais. A
escritora e atual atriz francesa, LABORIT
9
(Surda-Muda), explica que seu processo de
comunicação, da mesma forma, também esteve marcado pela visualidade. Diz que “…não era
nunca por intermédio de palavras, mas por letras visuais(1994, p.7) ou por “signos visuais”
(grifo meu) que se relacionava com os demais.
Na minha infância, as crianças Surdas-Mudas, como eu, eram submetidas a exercícios de
oralização com o intuito de virem a falar como os ouvintes. Como também fui submetida a
desgastantes exercícios de oralização, tinha muita dificuldade para pronunciar o fonema “m”, por
ser ele foneticamente uma consoante nasal que exige um grande esforço de articulação bilabial.
Para conseguir articulá-la, andava com o dedo indicador no nariz o tempo todo, e as crianças
Surda-Mudas com as quais eu estudava me batizaram
10
assim. Isto me identificava como pessoa
que “Compreendia por fim que tinha uma identidade” (LABORIT, 1994, p. 51).
Nasci no Maranhão com surdez profunda por traumatismo de parto. Com a idade de seis
meses meus pais transferiram residência para o Rio de Janeiro. A minha família até então achava
que eu era ouvinte porque eu respondia intuitivamente aos estímulos olhando sempre aos que me
chamavam. É comum às crianças Surdas-Mudas reagirem aos estímulos externos. Neste sentido,
o depoimento da mãe de Laborit sobre a ausência da fala da filha e a presença destas reações é
esclarecedor: (...) lá em cima, bateu a porta(...) e você se virou, por acaso, ou porque sentiu
8
Em letra “S” maiúscula por questão de identidade.
9
Laborit recebeu prêmio Moliére de Revelação como atriz da peça: “Os filhos do Silêncio” em 1993.
10 É um batizado cultural da comunidade Surda-Muda para identificar os sujeitos Surdos-Mudos. Algo que se
assemelha com o nome próprio para não-surdos-mudos. É um dos artefatos culturais da comunidade Surda-Muda
que caracteriza a particularidade de identificação dos sujeitos Surdos-Mudos, por ex: uma cicatriz, cabelos curtos e
longos; os cílios dos olhos, as sardas, as pintas pretas ou marrons nos membros do corpo, bochechas, as primeiras
letras do nome e até os números de matrícula dos alunos (ex-internatos e atuais) do Instituto Nacional de Educação
de Surdos, no Rio de Janeiro.
18
vibrações, ou simplesmente porque o comportamento dele [o sujeito que provocou a batida da
porta] chamou sua atenção... (1994, p.13). A reação pode dever-se a qualquer um desses
motivos, o que importa é poder destacar a presença de uma resposta. É nessa direção que foi
usada a palavra intuitivamente. Eu, provavelmente, intuía que algo havia passado e reagia de
alguma maneira.
Com a idade de um ano meus pais perceberam que eu não falava. Levaram-me ao pediatra
e, após vários exames, foi constatada a surdez. Minha família se entristeceu com a notícia. No
mesmo momento o pediatra falou que eles não precisavam se entristecer porque eu era
extremamente capaz de desenvolver-me com o decorrer do tempo, aconselhando a minha família
a procurar uma escola. O pediatra, sabendo que meus pais eram do Maranhão, deu orientações
sobre o processo de matrícula em uma escola no Rio de Janeiro, dizendo que primeiro deveria ser
apresentada a uma enfermeira que trabalhava em um hospital, formada em Terapia da Fala. O
médico informou: “Ela poderá ensinar a sua filha a ler, falar e escrever e assim se desenvolver”.
Palavras que entram em sintonia com aquelas do filósofo Richard Rorty deixem que todos
tenham uma chance para ser autocriativos recorrendo às suas melhores habilidades
11
(in
LANE, 1999, p. 23).
Assim, meus pais me levaram a um hospital – Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro.
Iniciei o tratamento com a idade de um ano. Fiquei nesse hospital até os seis anos compartilhando
com as outras crianças Surdas-Mudas o mesmo sentimento: o de que ser surda era uma
deficiência e não uma diferença. MOTA (2003) ao narrar a história de uma Surda-Muda chamada
Sylvia enfatiza aspectos que podem ajudar a compreender o teor do sentimento de angústia
motivado como conseqüência das horas intermináveis treinando fala, aprendendo a “ler
lábios” e responder com educação, entre tantas outras coisas (2003, p. 26). Permaneci com
essa terapeuta até essa idade quando foi cancelado o tratamento. Foi comunicado à minha família
de que eu sabia ler, escrever e oralizar, mas que eu precisava ter contato com outras crianças,
pois ficava muito sozinha. Vale dizer que todos os esforços para aprender a falar, escrever e ler,
tudo foi construído mentalmente com um recurso único que substituía a ausência do som: os
11
Em inglês: “to let everybody have a chance at self-creating to the best of his or her abilities”
19
signos visuais
12
. A experiência de LABORIT (1994,p.15) atesta algo semelhante: Os
acontecimentos, ou melhor, as situações, as cenas (...) tudo era visual....”
Meus pais retornaram, então, ao pediatra que deu orientações sobre as escolas existentes.
Ele falou que, em último caso, fossem procurar o Instituto Nacional de Educação dos Surdos
INES, que, segundo o mesmo, na suposição, tinha antipatia à pedagogia dos Surdos-Mudos e ao
uso da ngua de sinais. Essa postura e concepção médica foram identificadas por LANE (1999,
p. 24) quando diz que: “Os otologistas e os audiologistas são muitas vezes mal informados sobre
a comunidade dos surdos e a sua língua, este conhecimento não é a parte requerida na sua
instrução. Além disso, o audiologista trabalha para uma clínica sob a jurisdição de um médico
ouvinte”
13
Foi então que meus pais procuraram uma escola, escolhendo uma na Gávea (RJ) -
Instituto Nossa Senhora de Lourdes, que é uma instituição educacional que atende aos sujeitos
Surdos-Mudos da a 8ª séries, com estimulação auditiva precoce, e tratamento da fala. A
metodologia, desde 1970, sempre foi voltada à “integração” do sujeito Surdo-Mudo aos ouvintes,
por isso os professores utilizavam, e utilizam, a oralização. Atualmente nuances do português
sinalizado, sem intérpretes de língua de sinais. Ainda conta com serviços especializados, como
reforço ou apoio escolar e tratamento da fala. Tinha, naquele momento, vínculo com o Instituto
Santa Terezinha, de São Paulo. Toda a educação era regulada e controlada através da pedagogia
clínica terapêutica, voltada à normalização
14
e ao assujeitamento
15
dos alunos Surdos-Mudos ao
modelo ouvinte. Antes do ingresso, fiz uma avaliação psicotécnica e a psicóloga constatou que eu
era muito adiantada para minha idade e que não podia ficar com outras crianças de idades
12
Signos Visuais que faz parte da modalidade gesto-visual e que tudo, os acontecimentos, as situações, as distinções
são organizados visualmente através destes signos. É um conceito novo e exige mais profundidade que apresento
adiante.
13
Em inglês: Otologists and audiologists are often poorly informed about the deaf community and its language; that
knowledge is not a required part of their training. Moreover, the audiologist works for a clinic under the jurisdiction
of an ear doctor.
14
Foucault cita que a normalização é baseada pela disciplina de fazer funcionar a norma e a regra a partir de um
sistema de igualdade formal. Para tanto, a medida se realiza através de: comparação, diferenciação, hierarquização,
homogeneização, exclusão e normalização. (Vigiar e Punir, p. 153, 2007)
15
Araldi, Inês Staub, 2005.”Quando nasce, o indivíduo encontra a sua disposição um sistema de comunicação
estruturado e em constante desenvolvimento, do qual se apropria e com o qual interage. As primeiras articulações são
palavras desconexas, rapidamente corrigidas pelo adulto mais próximo. Quer dizer, ele não inventa um digo
lingüístico para sua comunicação: apropria-se de um digo já existente para, através dele, estabelecer comunicação
com as pessoas e o meio que o cerca. Depara-se também com valores éticos e morais, crenças pessoais e religiosas,
ideologias, etc. Tais condições não são estáticas e separadas, coexistem agregando novas crenças e valores, fazendo
com que o discurso seja naturalmente polifônico, ou seja, constituído de várias vozes que o enunciaram em outra
situação.” Acessado no endereço eletrônico: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0502/04.htm.
20
avançadas (uma turma de três Surdos-Mudos com a faixa etária de nove e onze anos) e que eu
precisava ir para uma classe regular. Minha família concordou. Levaram-me para uma escola de
ouvintes perto do atual Instituto - Colégio São Marcelo, atualmente fechado. Estudava pela
manhã até às 12:00 h e na parte da tarde eu ia para o Instituto Nossa Senhora de Lourdes para ter
aulas de reforço com outros sujeitos Surdos-Mudos. Fiquei nesse processo até a idade de 11 anos.
O processo de aprendizagem nas diversas disciplinas era difícil e dolorosa, por não escutar e sem
entender o que os professores falavam, tirava notas baixas nas disciplinas de Matemática e de
Português principalmente nos ditados.
Em compensação, meus pais tinham a crença de que eu podia me desenvolver de modo
independente, ter conhecimento de outras culturas, da literatura pelo acesso à ngua portuguesa,
como segunda ngua. Ofereciam-me, assim, livros, revistas, coleções como a de Machado de
Assis, biografias de pessoas famosas, enciclopédias, dicionários, que até hoje formam um acervo
bibliográfico na residência da minha mãe. Como diz BOTELHO ( 2002, p.78): O interesse em
ler e em escrever é construído com base em hábitos que decorrem de valores familiares. Pais e
irmãos servem, assim, de modelos de leitura e de escrita.” Assim, tornei-me bilíngüe. A leitura
dos livros me possibilitou o acesso ao mundo desconhecido e distante dos sons. Inicialmente
comecei a captar as letras visuais, por gibi ou por revistas em quadrinhos, acompanhando as
perfomances e competência lingüística dos personagens com seus diálogos introduzidos nos
balões ou mesmo na ausência dos balões. Captava, também, os desenhos sem legenda o que me
possibilitou criar um senso crítico visualmente constituído, de acordo com BOTELHO (2002, p.
55) o pensamento é um tráfego de mbolos (...), imagens visuais,(...) palavras escritas.”
Comecei a conhecer as diferenças dos significados, os significantes, estrutura semântica da
estrutura gramatical. Para reforçar o acesso à língua portuguesa, meu pai começou a me levar aos
cinemas, desde os cinco anos. Foi um “amor visual” à primeira vista, perfeito para o meu
pensamento visual. Alguns filmes eram legendados e outros não, mas para mim isso não
importava. O que me importava era aprofundar as perfomances e competências que atiçavam
muitas imaginações e construções de signos visuais. Tentava acertar o final da história e
formulava minhas opiniões, tornando-me mais atuante diante das coisas que aconteciam. Tornei-
me exímia nas captações de signos visuais graças ao processamento visual de grande escala com
raciocínio rápido.
21
Nessa época, eu tinha tido acesso à Língua de Sinais através de um grupo de Surdos-
Mudos que estudava no Instituto Nossa Senhora de Lourdes e que se comunicava com sinais
“domésticos”
16
. Comecei, depois disso, a me interessar pela verdadeira língua dos sinais através
do grupo de Surdos-Mudos que havia sido expulso do INES e foi estudar lá. Descobri a Língua
de Sinais, que é a Língua dos Surdos-Mudos e fiquei pedindo para que me ensinassem tudo sobre
essa Língua. Isso me trouxe satisfação, contentamento e felicidade. É como se eu tivesse
descoberto a língua da minha identidade que estava escondida e percebi como a Língua de Sinais
era bela, expressiva, autêntica e fui, assim, aprendendo cada vez mais. Eu ia para casa
“soletrando” as palavras, mas com muito cuidado, porque a minha mãe desconhecia esta língua e
foi instruída para seguir a metodologia oralista. Eu treinava em casa sem que meus pais
soubessem.
Quando me formei na série, fui a uma escola de não-surdos-mudos para continuar
seguindo a vida acadêmica. Nesse tempo, comecei a me interessar mais pela Associação dos
Surdos-Mudos – Associação Alvorada, espaço que freqüentei por mais de 35 anos.
Depois dos estudos secundários, formei-me em Biblioteconomia e Documentação, em
1981, e dez anos depois resolvi estudar Pedagogia, por ser um dos campos mais interessantes
para a minha realização profissional. Também porque precisava fazer alguma coisa para mudar a
educação dos Surdos-Mudos, na tentativa de introduzir sua língua e cultura. Iniciei minha
atuação, principalmente, na área da educação dos Surdos-Mudos como espaço político e
educacional, tendo em vista o fato de meus colegas, amigos, companheiros Surdos-Mudos, com
os quais eu estava identificada, estarem “excluídos” da sociedade. Um dos pontos de luta se
relacionava com o uso da Língua de Sinais Brasileira, doravante, LSB, pelos motivos que LANE
(1999, p.106) esclarece: “(...) se a língua minoritária não é permitida nas escolas, isso reduz a
auto-estima e o potencial desempenho daqueles que a usam. Desencoraja os membros da minoria
de entrarem no ensino profissional onde serviriam de modelo para as crianças que tende a
perpetuar a língua, a cultura e identidade minoritárias”
17
16
Sinais convencionados da própria escola onde estudam como processo de desenvolvimento comunicativo, simples
e fragmentadas da comunicação, diferente da língua de sinais brasileira, que é uma língua oficial e grupos
lingüísticos distintos. O uso do sinal domesticos era proibido na escola.
17
Em inglês: ..if the minority language is not allowed in the schools, this reduces the self-image and the potential
achievement of those who use it. It discourages minority members from entering the teaching profession, where they
would serve as rule models to the children and tend to perpetuate minority language, culture, and identity.”
22
Após minha formação como pedagoga e professora de ensino fundamental (1ª a série),
no município do Rio de Janeiro, iniciei minhas atividades profissionais como professora do
Centro Educacional Pilar Velazquez, também no Rio de Janeiro. Entidade que é mantida pela
Associação Velazquez de Assistência ao Surdo. É uma instituição sem fins lucrativos e bilíngüe
para crianças e adolescentes Surdos-Mudos de família de baixa renda, com ensino fundamental
de 1ª a 8ª séries.
Lá permaneci por seis anos, de 1998 a 2004, desligando-me em função da necessidade de
me dedicar exclusivamente ao meu Doutorado em Educação na Universidade Federal de Santa
Catarina, na linha de pesquisa: Educação e Processos Inclusivos.
Nas reuniões pedagógicas, onde trabalhei como professora, participava um número
considerável de professores Surdos-Mudos e não-surdos-mudos, funcionários do Centro
Educacional acima citado. Lá, eram debatidas diferentes questões pedagógicas relacionadas às
experiências vividas pelos professores e alunos, entre elas é possível destacar, como exemplo, as
que seguem
18
:
- Os alunos conseguem entender português? (Aula de Português)
- Que tipo de material didático devo utilizar? (em todas as matérias)
- Como incentivar os alunos Surdos-Mudos a lerem o conteúdo de outras matérias?
- Os Surdos-Mudos têm dificuldade de entender história? (Aula de História)
- Não sabem onde fica China? (Aula de Geografia)
- Qual é o sinal que devo usar para indicar esta palavra? (em todas as matérias)
- Eles nem sabem responder o porquê da minha pergunta? (em todas as matérias)
- Como ensinar ciências se aqui não tem material de laboratório? (Aula de Ciências)
- Eles entendem as regras? (Educação Física)
No decurso de seis anos como professora no Centro Pilar Velazquez, igualmente,
trabalhei como professora do Programa de Ensino Supletivo aos Surdos PESS, na APADA
Associação de Pais e Amigos de Audiocomunicação, de Niterói, (de 2001 a 2002), em turno
noturno. Paralelamente, descobri os motivos dos debates e dificuldades dos profissionais em
relação a ensinar e aprender:
18
Estes exemplos foram utilizados no artigo “Pedagogia Visual / Sinais na Educação dos Surdos-Mudos” do Livro
Estudos Surdos-Mudos número 2, de 2007.
23
- Ausência da formação dos professores que relaciona os sujeitos Surdos-Mudos a
sua cultura, identidade, história, gramática, movimentos sociais e políticos; e de língua
estrangeira, no caso do português como segunda língua;
- Dificuldade em transmitir os signos visuais na explanação das aulas, atrelando as
perspectivas “ouvintistas”;
- Ausência dos artefatos culturais da diferença surda-muda, visão crítica e
alternativa diante da cultura hegemônica.
- “Resistência” dos professores e professoras não-surdos-mudos aos “discursos” dos
profissionais Surdos-Mudos.
- No Centro Educacional Pilar Velazquez havia, na minha época, 4 professores
Surdos-Mudos contra 8 professores não-surdos-mudos. No PESS, 1 professora Surda-Muda
contra 4 professores não-surdos-mudos;
- O fato de as formações e currículos da faculdade de pedagogia estarem atrelados
aos modelos da normalidade e, consequentemente, a continuidade ao âmbito homogêneo. Os
currículos de educação especial dão continuidade à perspectiva da “incapacidade” dos sujeitos
Surdos-Mudos.
Essas indagações e observações, nascidas de uma reflexão conjunta, incentivou-me a
pesquisar e buscar alternativas e estratégia de escolarização do sujeito Surdo-Mudo e, a partir
dessa experiência inicial, surge esta tese como respostas a uma pedagogia baseada na visualidade
que serão propostas no capítulo V.
É de supor que no Centro Educacional Pilar Velazquez, assim como o Programa de
Ensino Supletivo aos Surdos PESS, da APADA-Niterói, e como acontece em outras escolas
especiais regulares ou inclusivas onde trabalhei, eram recebidos vários alunos carentes e de idade
avançada em termos educacionais, o que dificultava, sobretudo, os profissionais não-surdos-
mudos que não estavam acostumados a lidar com essa situação pela deficiência do domínio da
língua de sinais, ou seja, por não serem usuários de língua de sinais e ou terem comunicação
reduzida. Alguns alunos Surdos-Mudos entram na escola sem o domínio da ngua de sinais, mas
com a convivência diária com os outros colegas superam essa dificuldade e acabam sendo bem
aceitos pelos demais, integrando-se ao grupo de colegas de aula e desenvolvendo formas de
24
enfrentar as questões básicas que demanda o processo de ensinar e aprender. Alguns professores
não-surdos-mudos ao longo dos anos começaram a dominar a língua de sinais brasileira, mas
ainda estão indispostos a solucionar a questão do uso dessa língua específica no processo de
ensinar e aprender no que se refere ao ensino fundamental.
Após decisivas discussões e reflexões, foi elaborada, no Centro Educacional Pilar
Velazquez, uma apostila da Língua Portuguesa, como disciplina de Língua Estrangeira, assim
denominada “LP para Surdos-Mudos: As cores da Língua”
19
. No Programa de Ensino Supletivo
aos Surdos, obtivemos várias apostilas gratuitas e oferecidas pelo governo estadual e o grupo de
professores trabalhou em conjunto, aprendendo como usar os signos visuais e outros recursos
visuais, como tradução da língua portuguesa para língua de sinais brasileira, não de modo literal e
sim de acordo com a cultura visual dos sujeitos Surdos-Mudos. As apostilas foram consideradas
muito úteis e necessárias. Depois de fazer essa constatação, pude enumerar vários pontos
importantes e destacar um deles que motivou a elaboração desta pesquisa relacionada aos
trabalhos de elaboração de minha tese de doutorado: A necessidade de uma Pedagogia Visual que
engloba os seguintes fatores:
- Formação dos professores que relaciona com a cultura, identidade, história dos
movimentos sociais, educacionais e política dos sujeitos Surdos Mudos, gramática de língua de
sinais, e de língua estrangeira, no caso do português como segunda língua dos sujeitos Surdos-
Mudos;
- Habilitar no exercício visual para captar e de transmitir os signos visuais na explanação
das aulas, atrelando as perspectivas culturais e visuais;
- Entranhar os artefatos culturais da diferença surda-muda, visão crítica e alternativas da
cultura lingüística distinta;
- Objetar de forma consciência a “resistência” dos “discursos” dos profissionais Surdos-
Mudos;
- Alternar as formações e currículos da faculdade de pedagogia e inserção das disciplinas
de educação de sujeitos Surdos-Mudos nos currículos educacionais como um todo.
19
Essa apostila foi elaborada como material experimental pela PUC/RJ – CEPV, em setembro de 2003.
25
Destacou-se nesse contexto de maneira muito significativa a necessidade de uma
Pedagogia Visual e a conseqüente formação específica de professores, mas todos esses pontos
serão esmiuçados no capítulo 3.
Pela própria experiência como professora de ensino fundamental no Centro Educacional
de Surdos (mais tarde, mudou para Centro Educacional Pilar Velazquez), sabia que era para usar
as duas línguas distintas na instrução das crianças de a série, tendo em vista a experiência
que passei nos bancos escolares da minha turma, no Instituto Nossa Senhora de Lourdes, onde
passei da primeira a oitava série. Percebi que as minhas colegas Surdas-Mudas não entendiam o
que o professor ou professora que não usava a língua de sinais e usavam a metodologia oral
naquela época, explicavam. Nas horas de intervalo, precisei traduzir e interpretar aos meus
colegas o conteúdo das aulas por meio de língua de sinais para que eles pudessem entender as
aulas passadas. Os meus colegas Surdos-Mudos entraram na minha turma com desconhecimento
da ngua portuguesa por falta de oportunidade. No ensino às crianças Surdas-Mudas, utilizei os
livros das matérias e conteúdos em língua portuguesa. Eu lia antes do início das aulas e pedia aos
alunos para observar, “dar leitura”, folhear e acompanhar de acordo com as páginas. Explanava o
conteúdo da aula em língua de sinais e trabalhávamos em conjunto os conceitos, não literalmente,
e sim explicando os significados de cada conceito comparando com os exemplos de outros
conceitos parecidos. Depois escrevia as perguntas no quadro negro e pedia para eles responderem
nos cadernos. Toda vez que os alunos não entendiam ou esqueciam o significado das palavras, eu
anotava no outro quadro a palavra com as explicações, como se fosse um dicionário. Enchia a
sala toda de papéis com as palavras em língua portuguesa para familiarizar como, “letramento
visual”, o conhecimento desse conteúdo. Na a rie, com a substituição da professora de
português, recebi as primeiras instruções de um professor lingüista, o Sr. Roberval da Silva, da
PUC-RJ, sobre a questão do bilingüismo que era moda na época. Inicialmente, relutei às
instruções dadas pelo professor no tocante a introdução do português sinalizado, tendo em vista,
de ele ser professor de português aos estrangeiros (não-surdos-mudos) que vieram ao Brasil
estudar e aprender a segunda língua. Discutimos a diferença da língua de sinais brasileira com a
língua portuguesa, na questão da introdução da gramática da língua portuguesa. Ele começou a
participar dos seminários da surdez, das reuniões dos professores e até fez curso de língua de
sinais brasileira para poder formular a concepção a respeito da língua de sinais brasileira como
26
meio de instrução no ensino da ngua portuguesa como segunda língua, ou seja, língua
estrangeira. O ensino da língua portuguesa na turma de a série foi um sucesso e até já
publicou a primeira apostila: “As cores da língua portuguesa” em parceria com a PUC-RJ.
A participação efetiva nas discussões e aulas que tratavam dos Estudos Culturais e de
Estudos Surdos, na UFSC, como duas disciplinas, me “auto-clarificaram” (Hall, 2003) e
ajudaram muito a definir e delinear o projeto da Pedagogia dos Surdos-Mudos, a mapear a
diversidade de posições e tradições que podem legitimamente reivindicar o seu nome de
Pedagogia Visual na Educação dos Sujeitos Surdos-Mudos.
Os Estudos Culturais se fundamentam na perspectiva histórica do conceito de identidade
proposto por HALL (2003) e BHABHA (2005) e os Estudos Surdos (SKLIAR, 1998, 1999 e
2003 e seus seguidores) se fundamentam na cultura surda-muda como algo presente, contendo:
língua de sinais, história cultural, pedagogia dos surdos, arte cultural, literatura surda-muda,
artefato cultural, tecnologia, escrita de sinais, narrativas surdas-mudas, etc. Essa visão se
entrelaça com a teoria cultural dos Estudos Culturais que enfatiza a cultura surda-muda e seus
discursos contra a idéia do sujeito Surdo-Mudo como sujeito deficiente, colonizado e
estereotipado. Nos Estudos Culturais e Estudos Surdos, seus espaços e teorias são constituídos
como
(...) um espaço onde um conjunto de novos discursos teóricos se
interseccionam e onde um novo grupo de práticas culturais emerge. Trata-
se de uma categoria política e culturalmente construída em que a diferença
e a etnicidade são seus elementos constituintes; a experiência da diáspora
se transforma em emblema do presente; a hibridação deixa sua marca e a
fluidez da identidade torna-se ainda mais complexa pelo entrelaçamento
de outras categorias socialmente construídas, além das de classe, raça,
nação e gênero. (HALL, apud ESCOSTEGUY, 2001).
20
Portanto, nesse contexto, os sujeitos Surdos-Mudos precisam constituir outras formas de
pensamento, outra “visão”, outro conceito do “olhar”, outra representação do pensar e da
constituição da cultura própria e distinta dos não-surdos-mudos. Isso leva a criar um novo
conceito que pode desmitificar o conceito do sujeito Surdo-Mudo elaborado pelos “ouvintistas”.
20
Disponível pelo site: http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera03/resenha/txtresen2.htm, datado de
3 de fevereiro de 2008)
27
Durante muitos e muitos anos, desde o Congresso de Milão de 1880
21
, o sujeito Surdo-Mudo
representou o papel de “coitado” e posicionado inferiormente pelo sistema “ouvintista”. Nas
leituras e livros publicados, o sujeito Surdo-Mudo era representado pelas pessoas não-surdas-
mudas.
A Pedagogia Visual da educação dos sujeitos Surdos-Mudos se associa com a vivência
diária como ponto de partida para o entendimento do valor e da cultura do contexto social. Como
bem advoga Caldas
22
(2007, p. 55):
Estes acontecimentos sociais se permitem ser capturados pelos sujeitos no
cotidiano cultural em sua lógica específica. Porém, o virtual, no mundo
de hoje, capaz de transformar e interferir na cultura, produz um contexto
de acontecimentos sociais onde não tempo para o afeto, para a
percepção, para a apreciação, para a intuição, para a troca de energia em
todos os sentidos, para os sentidos, para o toque, o cheiro, a pele, para o
gesto, para a poética visual, para o sensível, para o momento de silêncio.
Sou militante da causa dos Surdos-Mudos e por causa disso assumi a Federação Nacional
de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos - FENEIDA, em 1986. Em 1987 mudei a
denominação para Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos FENEIS, para
preencher a lacuna no contexto político, social, cultural e educacional que se apresenta, aqui no
Brasil, no campo da política dos Surdos-Mudos.
O “conhecimento” a respeito da surdez mudou para mim quando participei, em 1981, no
Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, em Recife. Até aquele momento, eu tinha apenas
breve contato com as pessoas portadoras de deficiência nos movimentos políticos da cidade do
Rio de Janeiro, mas em Recife, com os meus próprios olhos, vi milhares de pessoas portadoras de
deficiência, um grande número delas. Elas estavam reunidos numa mesa redonda, em grupos
pequenos, ou em grupos grandes, elaborando suas propostas e reivindicações e discutindo sobre
os itens propostos e suas alterações. No mundo dos Surdos-Mudos, onde eu convivia, nunca tinha
21
O Congresso de Milão foi um evento marcante e significativo na comunidade Surda-Muda. Por concidência, a data
“maldita” ocorrida coincide com o choque nas duas torres gêmeas nos Estados Unidos, em 2001, e assim como em
outros onze países, como Chile (1973), Afeganistão e outros
21
. O Congresso de Milão foi iniciado no dia 6 de
setembro e culminou no dia 11 de setembro de 1880, quando os membros, na maioria professores e profissionais,
votaram, por 160 votos contra 4, a favor da metodologia oralista na educação dos surdos. Com a opressão realizada
em onze países, subjugaram a mesma metodologia aplicada aos Surdos-Mudos.
22
Mestrada de Artes. Defendeu a sua dissertação em 2007 com o título: “O Filosofar na arte da criança surda:
construções e saberes”, da UFRGS.
28
visto ou pensado que existissem milhares de pessoas portadoras de deficiência. Só via Surdos-
Mudos e convivia com os Surdos-Mudos nas escolas, nas festas, nos jogos esportivos das
associações de Surdos-Mudos onde sou militante há 30 anos, mas o encontro me fez refletir que a
diferença se encontra em muitas outras esferas.
Desse dia em diante, busquei informações a respeito da “Diferença” e certo dia, deparei
com um dos documentos em um dos escritórios da Associação Alvorada
23
, da FENEIS
24
(da qual
eu fui primeira presidente e fundadora) em que encontrei algumas frases ou citações que
distorciam a surdez e seu sujeito Surdo-Mudo, a palavra surdez era mais enfocada pelos
parâmetros da patologia médica do que por referências culturais e antropológicas dos sujeitos
Surdos-Mudos. Isto talvez se deva, como diz David Wright, pelo fato de que o próprio surdo-
mudo não escreve sobre a surdez: “não há muita coisa escrita por surdos sobre a surdez”
(SACKS, 2002, p.17, apud WRIGHT, 1969, p.200-201).
Pelo fato de o sujeito surdo-mudo ter ficado muitas vezes “sem voz” diante de uma
sociedade que busca na homogeneidade as respostas aos problemas cotidianos, busco aqui,
através da minha experiência acima narrada, elevar o conceito de educação de sujeitos Surdos-
Mudos a uma categoria visualmente reconhecida. Antes disso, quero, no segundo capítulo,
contextualizar a educação dos sujeitos surdos-mudos até o presente momento, a fim mostrar as
razões para a necessidade de uma nova proposta.
23
Localizado no bairro de Piedade, na cidade do Rio de Janeiro (RJ)
24
Sede matriz, localizado na Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro (RJ)
29
CAPÍTULO II
HISTÓRIA DA PEDAGOGIA NA EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS-MUDAS
A educação e sua pedagogia não compreendeu ou desconheceu os métodos próprios para
o ensino de sujeitos Surdos-Mudos, isso se deve ao fato de o espaço educacional estar permeado
de ações de controle e poder e de super-valorização da língua oral e da cultura ouvinte. Como
salienta SKLIAR (1998), a problemática da vida escolar e acadêmica foi baseada nos modelos
ouvintes ou “ouvintismo” que culminam na “negação” e no “assujeitamento”, nas palavras de
FOUCALT (1987, 2007) e do pós-colonialismo, termo usado por BHABHA (1998).
A progressão da história até a presente data, com o ato punitivo do Congresso de Milão,
que culminou no fechamento dos internatos e dos institutos e na criação de programas de política
educacional nas escolas de Surdos-Mudos, modificou todo o panorama da educação e da
pedagogia que concerne à área da surdez, ou seja, anulando a experiência visual.
Historicamente, no movimento da filosofia oralista, foram implantadas rias
metodologias sob a perspectiva clínica terapêutica. A educação, o currículo e a metodologia de
Surdos-Mudos foram postas de lado para se envolver nos treinamentos da oralização. O que era
individual passou a ser coletivo. Os recursos da oralização foram totalmente aceitos nas salas de
aulas. Vamos expor, cronologicamente, como essas práticas foram implantadas.
2.1 A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS-MUDAS NO CONTEXTO MUNDIAL
Dos registros encontrados sobre as diferentes pedagogias que nortearam a educação dos
sujeitos surdos-mudos no decorrer da história, ressaltam-se em linhas gerais: as primeiras
iniciativas de criação e sistematização de alfabeto manual que possibilitava a comunicação com
as mãos, ensino da oralização e comunicação com as mãos, ensino de língua de sinais francesa,
30
sinais metódicos - método desenvolvido por de l`Épée, Oralismo, Comunicação Total e Educação
Bilíngüe.
2.1.1 ALFABETO MANUAL E COMUNICAÇÃO COM AS MÃOS
A Pedagogia dos Surdos-Mudos é um tema existente desde culo XVI, como bem se
pode verificar na citação:
“Ponce de Leon, bénédictin de San Salvador de Omã, près de Burgos em
Espagne, se mit em demeure, em 1545, d´enseigner l`écriture à deux enfants d´une
famille de Grands Espagne, les Velasco; et sur sa lancée (peusqui´ils n´etaient,
sans doute, pas tout à fait sourds) les fit parler à peu près correctement. Le modele
pédagogigue (grifo meu) repris par Ponce était calqué sur la méthode classique
d´épellation; sauf que les lettres étaient remplacées para des signes manuels
(SOURDS et CITOYENS. Le pouvoir des signes, 1989/1990, p. 22)
25
A educação dos Surdos-Mudos começou no culo XVI, quando o Frei Pedro Ponce de
Léon, da Espanha, começou a ensinar os surdos-mudos a falar e a ler, para que pudessem receber
as heranças. Foram desenvolvidas as características do alfabeto manual e similar criado por um
dos monges, Melchor Sánchez de Yebra, que, em 1586 criou o alfabeto manual com o objetivo de
ajudar a desenvolver a comunicação das mãos por causa do voto do silêncio no monastério.
2.1.2 ENSINO DA ORALIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO COM AS MÃOS
Em 1620, Juan Pablo Bonet, que era secretário de um governador de uma cidade da
Espanha (Castilla) e que tinha o segundo filho Surdo-Mudo, publicou o primeiro livro de
instrução para educar os Surdos-Mudos, chamado de “Reductión de las Letras. Arte para enseñar
25
Tradução livre: “Ponce de León, beneditino de San Salvador de Omã, próximo de Burgos na Espanha, se
envolveu, em 1545, com o ensino da escrita para duas crianças de uma família de Grands da Espanha, os Velasco: e
sua iniciativa (uma vez que não estavam, sem dúvida, totalmente Surdos-Mudos) os fez falar quase corretamente. O
modelo pedagógico retomado por Ponce era baseado sobre o método clássico da interrogação: considerando que as
letras eram substituídas pelos sinais manuais”
31
a hablar a los mudosque era um livro baseado na fonética para ensinar as pessoas não-surdas-
mudas a falarem corretamente e, por coincidência, passou a ser usado também para os sujeitos
Surdos-Mudos. Nele continha um alfabeto manual. A metodologia de ensino consistia em ensinar
mais facilmente aos Surdos-Mudos a prática da leitura usando o alfabeto manual como
datilologia. Era um dos recursos visuais de aprendizagem mecânica e de memorização, pois a
leitura com a grafia estampada nos papéis e com a datitologia, por meio de soletração, permitia
captar mentalmente cada letra, assim como a leitura das crianças ouvintes que, ao ler, soletram
cada letra em voz alta. Cada letra soletrada e seu som se dirigem para o canal auditivo e as
captações são gravadas em memória auditiva para ajudar a distinguir as diferenças das letras e
seus sons. No caso das crianças Surdas-Mudas, ao lerem, soletram cada letra com as mãos. Cada
letra soletrada e sua visualidade gráfica vai para os olhos e as captações são gravadas em
memória visual para ajudar a distinguir as diferenças das letras grafadas. Bonet usou o livro
baseado na fonética para ensinar ao sujeito Surdo-Mudo a falar, por ele ser filho de um
governador de Castilha. Suponho que tenha usado o alfabeto manual como suporte comunicativo;
e tenha soletrado algumas palavras ao citado Surdo-Mudo quando esse não conseguia
compreender e ter entendimento da língua falada, como as palavras espanholas.
2.1.3 ENSINO DE LÍNGUA DE SINAIS FRANCESA
O modelo pedagógico construído pelas pessoas não-surdas-mudas, como forma de ensino
e instrução, foi utilizado mesmo quando existia o modelo pedagógico dos Surdos-Mudos
criado pelo “Velho Homem Surdo-Mudo”, Etienne de Fay, primeiro professor a usar a língua de
sinais como instrução. Como cito no trecho de um artigo que será publicado no livro Estudos
Surdos, número 3 pela Editora Arara Azul; os trechos foram traduzidos em inglês para a língua
portuguesa:
Finalmente, o primeiro Surdo-Mudo que se tem notícia, chamava-se
Etienne de Fay, denominado também de “Velho Homem Surdo Mudo” na
cidade de Amiens França, onde viveu nos últimos dias. Nasceu em
1669, foi educado na Abadia de Amiens e ficou ali pelo resto da sua vida,
até morrer com mais de 70 anos. Ele recebeu boa educação na Abadia e
deixou a vida sem deixar nenhum material biográfico, a não ser os
32
documentos espalhados e alguns projetos arquitetônicos. Ele era arquiteto,
e quando a Abadia foi construída, os monges solicitaram que ele fizesse
um projeto que foi considerado um sucesso. Também foi professor. Ele se
comunicava muito bem com sinais e educava de modo rígido aos
estudantes Surdos-Mudos, usando sinais e escrita. Também foi
bibliotecário, escultor e procurador. Nunca aprendeu a oralizar. (LANE,
1993, p.13).
Fay ensinou vários alunos como: Jean-Baptiste des Lions, François Meunier, François
Baudrant e Azy d´Etavigny (LANE, 1993, p. 18). Ironicamente, o aluno Azy d´Etavigny
aprendeu com o professor Etienne de Fay por 7 ou 8 anos e os parentes tiraram o aluno para ser
educado com Pereire para ensiná-lo a falar. O método da fala foi singular, como diz o Padre
CAZEAUX (1747, apud LANE, 1993, p.18):
O Senhor d´Etavigny enviou seu filho ao Amiens para receber instrução
junto com quatro ou cinco outros Mudos que estavam lá, e eles eram
instruídos pelo “Velho Surdo Mudo”. Ele era muito habilidoso para
explicar aos alunos por sinais. O jovem Etavigny passou sete ou oito anos
na escola; ele aprendeu a perguntar as coisas por sinais que eram mais
necessários para a vida.
26
Os primeiros sinais foram fundamentais na aquisição da linguagem na apreensão dos
sentidos e significados do mundo a qual foi bem construída em caráter subjetivo e objetivo pelo
resto da vida, antes do aprendizado da oralização ou da “fala” esquematizada.
Portanto ele foi um dos primeiros professores Surdos-Mudos cuja história não foi
registrada e como diz FOUCLAULT (1977, apud LANE 1993), a lembrança não vem em nome
por ser do grupo opressor”.
2.1.4 SINAIS METÓDICOS - MÉTODO DESENVOLVIDO POR DE L` EPÉE
26
Monsieur dÉtavigny sent his son to Amiens to be taught with four or five other Mutes who were there, and who
were directed by an old Deaf Mute who was very skilled at explaining himself in signs. The young d´Etavigny spent
seven or eight years in this school; he learned to ask with signs for the things which are the most necessary to life
33
Os Surdos-Mudos no século 18, estavam espalhados nos arredores da França. O Abade
l`Epée, nascido em Versailles, em 1912, exerceu uma importante iniciativa, em termos
pedagógicos, no que se refere à educação dos sujeitos Surdos-Mudos. Encontrou nesse contexto,
em certa ocasião, sujeitos surdos-mudos que muito o impressionaram, no entanto, não tomou de
imediato nenhuma iniciativa em termos educacionais. Limitou-se a seguir com suas pregações
religiosas à população em geral até o momento em que lhe foi solicitada a mesma tarefa para
duas surdas-mudas, em especial.
Ele aparentemente não se submeteu profundamente à experiência da
conversão durante esse encontro; em vez disso, a idéia de educar essas
mulheres surdas veio a ele depois que a mãe das garotas pediu para que
ele desse as suas filhas as instruções religiosas. (PADDEN p.28, 1988,
apud LANE 1976, 1984)
27
.
E com a medicância nos arredores de Paris, da revolução francesa e da opressão
lingüística, Abade De l`Epée criou uma escola particular bancada com seus próprios recursos.
Depois da sua morte, a Constituição francesa criou a escola chamada de Institution Nationale des
Sourds-Muets, em Paris, em 1760, atual Institut National de Jeunes Sourds de Paris (INJS).
O fato de a instrução religiosa dada a essas pessoas exigir formas diferenciadas de
comunicação, impôs ao abade a criação de sinais . Abbé De L´Épée não criou a língua de sinais, e
sim um francês sinalizado (PADDEN 1988, LANE, 1999). Para aprender a instruir as duas
garotas, dedicou-se a aprender com elas, partindo da gesticulação ofereceu o pão e obteve o
sinal de COMER; água, e obteve o de BEBER; apontando para os objetos ao redor, ele aprendeu
os nomes que elas aplicavam a cada um deles. (LANE, 1999, p.110)
28
. Mas, na verdade, na
época a língua de sinais francesa era considerada como Antiga Língua de Sinais Francesa - ALSF
(WILCOX, 2005, p. 23) que era muito utilizada pela comunidade Surda-Muda francesa. O
próprio Deslogues, no seu livro Observações de um Surdo-Mudo(apud WILCOX, 2005, p.22)
defendia que as pessoas Surdas-Mudas possuíam, de fato, uma língua de sinais francesa e que se
27
Tradução: He apparently did not undergo a profound conversion experience during this encounter; instead, the idea
of educating deaf children came to him after the girls´mother had asked him to give her daughters religious
instruction.
28
Tradução: He offered them bread and obtained the sign for eat; water, and obtained that for drink; pointing to
objects nearby, he learned the names they applied to each.
34
comunicavam em vários assuntos (política, trabalho, religião, família e etc). E que essa língua de
sinais não era popularmente aceita nas instituições educacionais por “resistência ideológica dos
dominantes”. Para não confundir a cronologia, Wilcox optou por chamar de ALSF Antiga
Língua de Sinais Francesa, para marcar a diferença da língua de sinais francesa em tempo
histórico e cronológico. Como Abbé De L´Épée não entendia e nem acompanhava a verdadeira
Antiga Língua de Sinais Francesa, passou a gramaticalizar os sinais, chamando-os de “sinais
metódicos”. Consistia em soletrar algumas palavras francesas (caso não encontre os sinais
específicos) e usar as palavras em francês em sinais da ALSF, como se fosse a gramaticalização
metódica de cada sinal da Antiga Língua de Sinais Francesa, como uma língua artificial.
Nessa época foi criada uma escola, em 1755, sendo ela a primeira a obter auxílio público.
Essa escola propiciou o treinamento de vários professores de Surdos-Mudos e esses, que viajaram
pela Europa e Estados Unidos, criaram cerca de vinte e uma escolas para Surdos-Mudos
(SACKS, 2000, p.31).
LANE (1999) apresenta um ponto de vista positivo quanto a introdução de sinais
metódicos às crianças surdas-mudas francesas oriundas de lugares pobres tanto de Paris como de
outras cidades francesas, pois ele considera que isso permitiu um ponto favorável: a socialização,
por meio da língua de sinais francesa, entre os mesmos (no caso de escolas que serviram de
internatos) e, ao mesmo tempo, os introduziu a um novo mundo, com novos conhecimentos e
aquisição de novos significados ao aprender a ler e escrever. Com tais instruções passaram a
adquirir a sua primeira educação efetiva para torná-los cidadãos franceses na conturbada
revolução francesa da época e no período da proibição de medicância nas ruas de Paris.
Essa abordagem ou proposta pedagógica criada por De L´Epée, com sua marcada
característica populista/nacionalista, ainda tem ressonância na contemporaneidade. Nesse sentido,
McLAREN (2000, p.25) diz que “no atual momento das práticas educacionais dominantes, a
linguagem está sendo mobilizada dentro de uma ideologia populista autoritária, que a vincula à
identidade nacional, à cultura e à formação”.
Isso mostra que, por trás de tudo, está o poder chamado de “corpo político” e que
FOUCAULT (2007, p.27) descreve como um “conjunto dos elementos materiais e das técnicas
que servem de armas, de reforço, de vias de comunicação e de pontos de apoio para as relações
de poder e de saber que investem os corpos humanos e os submetem fazendo deles signos de
saber”.
35
O “corpo político” reflete o círculo vicioso de relação de poder entre dois elementos, de
baixo para cima e de cima para baixo. Nunca há relação de igualdade. O corpo político envolve a
“renúncia” do seu poder em detrimento do poder dos “outros” por meio da ideologia, do
significado da língua, do modelo de conquista; no saber, renúncia do “conhecimento” em
detrimento do “conhecimento” dos outros por meio de técnicas, táticas, funcionamentos e, em
conseqüência, a apropriação” do corpo de modo estratégico até apagar a “alma” da língua e seu
desejo, paixão, conquista, valorização, transformando em um corpo preso e controlado pelo poder
que o oprimiu, de modo consciente ou inconsciente.
Apesar disso, de certo ponto, dois pólos envolvidos: um positivo e outro negativo, tais
como:
Positivo Negativo
- Levar aos sujeitos Surdos-Mudos a
despertarem o conhecimento da língua,
escolarização e valorização como sujeito
e sua língua de sinais;
- Elevação do status social, possibilitando
os sujeitos surdos mudos a exercer
várias atividades profissionais e,
consequentemente, a valorização pessoal
e de identidade;
- Produção “intelectual” o que era
impossível para naquela época.
- Intolerância da ngua de sinais natural
da comunidade Surda-Muda francesa,
apropriando os elementos para
transformar em uma língua distorcida e
fragmentada;
- Briga de relação de poder dentro da
instituição, o que impulsionou o
esmorecimento da valorização da língua
de sinais e da introdução do sistema de
saúde na instituição.
Para anular o efeito negativo da repercussão, os sujeitos Surdos-Mudos, nas suas
narrativas, promoveram, e ainda promovem, ações de reconhecimento ao Abbé De L´Epée como
criador de uma escola e do posterior Instituto de Surdos-Mudos. Ele provou junto com os seus
alunos que o sujeito Surdo-Mudo podia ser aceito na sociedade como qualquer outro cidadão e
que a Língua de Sinais Francesa era uma língua rica e possível de ser ensinada em sua
modalidade sistematizada por Abbé De l`Epée, denominada de Sinais Metódicos. Outro aspecto
36
importante a ser apontado é que a iniciativa do abade, tanto no que se refere à escolarização como
na organização de sua proposta pedagógica, resultou no estabelecimento de um caráter público à
educação dos Surdos-Mudos deixando, então, de acontecer em âmbito particular para poder ser
direcionada com um caráter coletivo (e por isso, possibilitou a criação de várias escolas no
mundo). Esse movimento possibilitou que fosse dado um passo enorme pelos sujeitos Surdos-
Mudos no sentido de reivindicar a mesma condição de igualdade de qualquer outro ser humano.
Todos os anos, o atual Instituto de Jovens Surdos de Paris festeja os feitos do abade.
Apesar da promoção de ensino aos Surdos-Mudos em várias escolas do mundo
permanecia, ainda, a questão central da lingüística relacionada à Língua de Sinais e às propostas
pedagógicas adotadas pelos professores. O problema era na questão dos Sinais Metódicos que
estavam embaraçando em vez de solucionar o caso da educação dos sujeitos Surdos-Mudos.
Havia confronto de interesse pessoal, profissional e de ngua, pelo fato de os sujeitos Surdos-
Mudos, carregados da experiência visual, estarem descontentes com a introdução de Sinais
Metódicos ao longo anos. Eles desejavam mudar para adequar a pedagogia da educação dos
Surdos-Mudos. Ferdinand Berthier, como professor, foi convidado para ser retirado do Instituto
pelo Conselho de Administração, por insubordinação, e deflagrou uma “Guerra dos Surdos”
contra a introdução do ensino da fala e rebaixamento dos professores Surdos-Mudos franceses
como professores repetitores. (LE POUVOUIR DES SIGNES, 1990, p.170). Isso mostra a
nitidez da relação de poder, como diz FOUCAULT (2007), que começa com a introdução de
novos métodos de controle para não modificar algo que é de interesse dos detentores do poder. A
bagagem de conhecimento sobre a surdez associada à ausência de poder do Sr. Sicard (aluno do
abade De L´Epée e depois professor de alunos Surdos-Mudos), que, segundo a literatura, era
medroso e apagado publicamente, contribuiu para que questões cruciais referentes à educação dos
Surdos-Mudos não se resolvessem a contento em sua época. Pela exposição do comportamento
assustador:
tinha muita dificuldade em se integrar no mundo fora do enclave do
Instituto Nacional de Surdos-Mudos em que estava; ele entrou e saiu da
prisão por causa de sua ingenuidade política; descuidadamente contraiu
dívidas dentro e fora, esteve dentro e fora de lugares mais seguros,
escondendo-se da lei.
29
(LANE, 1999, p.76).
29
Tradução: ....had much greater difficulty in the world outside the enclave of the National Institute for Deaf-Mutes
than within it; he was in and out of prison because of his political naïveté; in and out of carelessly contracted debt; in
and out of safe places, hiding from the law.
37
Fatos como esse contribuiu decisivamente para que houvesse uma mudança na direção
das conquistas obtidas em relação a uma educação dos sujeitos Surdos-Mudos que resguardava
seus direitos mínimos ao que chamamos hoje de pedagogia visual.
na história registros como os da atuação de Itard que se constituíram em empecilho
para a construção de uma pedagogia surda. O Dr. Itard, médico e residente no Instituto de
Surdos-Mudos de Paris, aproveitou a ingenuidade de Sicard, para promover a apresentação do
Victor, o Menino Selvagem de Aveyron(SACKS, 2002, p.23) comparando o menino selvagem
com as pessoas surdas-mudas pelo fato de “não falarem”, rotulando os Surdos-Mudos não
instruídos, como selvagens.
Para chegar ao conhecimento de como o método de instrução francesa foi utilizado no
Instituto de Surdos Mudos de Paris, LANE (1999, p. 111) simplificou a descrição da forma da
escolha dos sinais como um dos exemplos na indicação do tempo:
O aluno, apesar de surdo e mudo, tinha, tal como nós, uma idéia de
passado, presente e futuro antes de ser colocado sob a nossa tutela, mas
eram incapazes de fazer os sinais para exprimir as diferenças. Se quisesse
significar uma ação do presente? Fazia um sinal impelido pela
natureza....que consistia em atrair o olhar do interlocutor para
testemunhar a nossa atividade atual; mas se a ação não estivesse lugar em
sua vista, estendia as duas mãos sobre a mesa, tal como nós todos
estamos aptos a fazer em ocasiões semelhantes: e estes são os sinais que
ele aprendeu em nossa aula para indicar o tempo presente do verbo. Se
desejasse significar uma ação do passado? Ele sacudia
despreocupadamente o braço em cima do seu ombro duas ou três vezes:
estes sinais nós adotamos as características para indicar o passado do
verbo. E finalmente, quando ele tinha a intenção de anunciar a ação do
futuro, ele projetava sua mão direita: aqui, outra vez, nós selecionávamos
seu sinal para representar o tempo futuro do verbo.
30
30
Tradução: The pupil, though Deaf and Dumb, had like us, an idea of the past, the present, and the future, before he
was placed under our tuition, and was at no loss for signs to express the differences. Did he mean to convey a present
action? He made a sign prompted by nature….which consists in appealing to the eyes of the spectators to witness our
current activity; but if the action did not take place in his sight, he laid his two hands flat upon the table, bearing
upon in gently, as we are all apt to do on similar occasions? And theses are the signs he learns again in our lessons,
by which to indicate the present tense of a verb. Did he wish to signify that an action is past? He tossed his hand
carelessly two or three times over his shoulder? These signs we adopt to characterize the past tenses of a verb. And
lastly, when it was his intent to announce a future action, he projected his right hand? Here again, we select his sign
to represent the future tense of a verb.
38
Essa Língua de Sinais Francesa foi deixada de lado, porque Sicard, discípulo e sucessor
de Abbé De l`Epée, na criação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, em 1794,
juntamente com esse, esforçaram-se para dialetizar
31
a língua de sinais francesa por meio de
tradução de cada palavra francesa, pois levava muito tempo para ensinar o francês sinalizado
além de prejudicar a compreensão da palavra francesa. O significado de cada palavra era
explicado primeiro em LSF” (LANE,1999, p.112).
Nos Estados Unidos, Laurent Clerc, Surdo-Mudo e professor que foi também aluno do
professor Surdo-Mudo Massieu e, juntamente com Thomas Gallaudet, foi fundador do Asylum
for the Deaf, (SACKS, 2002) em Hartford, escreveu, em 1817, a respeito da dificuldade de
introduzir ou dialetizar a língua de sinais americana com a língua inglesa:
A finalidade da escola não é de ensinar sinais, mas as palavras e assim o
trabalho era dispendioso para definir como (metódico) sinais, e não outro,
como requerimento para ensinar uma palavra (...) Na verdade o sistema
de sinais metódicos é impossível e é uma máquina pesada e difícil de
manejar, e é um peso morto sobre o sistema de instrução da qual é
reconhecido. (LANE, 1999, p.112).
LANE (1999) escreveu que o fracasso da metodologia dos Sinais Metódicos na França e
nos Estados Unidos para dialetizar a língua de sinais natural da comunidade surda dos territórios
francês e norte-americano se deu por duas razões:
a) Lingüística - O grupo lingüístico prova cientificamente que as estruturas da
língua, tanto como na ngua de sinais como na ngua oral, são opostas e que a sua dialetização
não era a solução definitiva. STOKOE (1960, 1976) provou que a língua de sinais é uma língua
natural; utilizada pela comunidade Surda-Muda e possui todas as estruturas distintas de qualquer
língua oral. No século XIX, esse conhecimento não era publicado e nem existia o campo de
lingüística que provasse a língua de sinais como qualquer língua oral. Apenas Diderot por possuir
surdez adquirida quando era jovem, provou categoricamente que a língua de sinais era língua
natural da comunidade Surda-Muda francesa. O livro escrito por ele Carta sobre os Surdos-
Mudos para uso dos que ouvem e falamendereçado ao Abade Charles Batteux, professor de
31
Este termo, dialetizar, está sendo utilizado com uma conotação que leva compreendê-lo como misturar a língua
francesa com os sinais da Antiga Língua de Sinais Francesa
39
retórica e de filosofia, foi ignorado (DIDEROT, 1993), igualmente assim como o professor
Surdo-Mudo Ferdinand Berthier (LANE, 1999, p.73) fez ao publicar o livro dele.
b) Intolerância lingüística os leigos, os cientistas, os pesquisadores, os
educadores quando deparam com outra língua distinta da deles, passam a ter o sentimento em
comum: a superioridade da língua. Se a outra língua não compartilha estruturalmente e em
consonância com a língua portuguesa, a outra língua passa a ser desprezada e submetida como
“estrutura pobre” e “inferior”, como no caso da língua de sinais. Está clara a visão crítica de
LANE (1999, p.108): Até que ponto ele será induzido ao erro de forma ainda mais grave, por
isso, quando a língua estrangeira (no caso da língua de sinais, sugestão minha) tem outro modo e
forma – visual-gestual em vez de oral – auditiva?”
c) Interpretação acerca dos colonizados, sua diferença, valores vantajosos para o
colonizador e desvantagem para o colonizado e tornar essenciais as diferenças para fazer as ações
afirmativas e suas formas de obter isso. (MEMMI, apud LANE, 1999, p.65)
Roch-Ambroise-Cucurron Sicard, foi substituto do Abbé l´Epée por ocasião da morte do
mesmo. Como gramático, escreveu o livro: Cours d'instruction d'un sourd-muet de naissance”.
Foi bom diretor e tinha sido preso por não ser simpatizante do rei Luiz XVI. Massieu assumiu
o lugar dele por certo tempo e, junto com Laurent Clerc, fez uma petição à corte francesa que
conseguiu libertar Sicard da prisão que estava ameaçado de morte por enforcamento. Foi
seguidor da metodologia de ensino do Abbé De l`Epée, mas era inseguro no tocante a gramática
como método de instrução aos Surdos-Mudos. Ele escreveu: “Todos nós conhecemos o tipo de
sentença usada pelas tribos de Negros, mas aquelas usadas pelos surdos e mudos estão ainda mais
fechada pela natureza, são ainda mais primitivas
32
(LANE, 1999, p.111)”.
Mais de uma vez, Sicard, igualmente, era incluído no segundo grupo, segundo Lane, pela
“má vontade” de aceitar a língua de sinais francesa. O mesmo continuava sendo leigo,
diferentemente do Abbé de l`Epée.
32
Tradução: “We all know the kinds of sentences in use among the Negro tribes”, he wrote, “but those used by the
deaf and dumb are even closer to nature, even more primitive”.
40
Para poder sustentar política e financeiramente a instituição e com o intuito de preservar a
elevação de status e reconhecimento do potencial dos sujeitos Surdos-Mudos na educação de
Surdos-Mudos, convidaram várias autoridades para assistir às aulas ministradas aos alunos.
Passaram vários reis, como Rei Luis XIV, Luis XV e Luis XVI; imperadores, como Imperador
José II, Rainha Maria Antonieta e Imperador Napoleão; embaixadores, como embaixador da
Rússia e muitos outros. Todos saíram impressionados, mas no fundo, todos ainda não
acreditavam na capacidade dos sujeitos Surdos-Mudos por uma questão que os incomondava: o
de “não ouvir”. A concepção iluminista, que assolava o império francês, tinha uma mente só: a
teoria de Aristóteles e de Sócrates como documento comprobatório de que os sujeitos Surdos-
Mudos continuavam sendo incapazes. A metodologia foi desacreditada pela medicina e pela
filosofia.
Como diz LANE (1993):
O fenômeno do mundo surdo é mais pronunciado por diversas razões: os
membros desta minoria menos numerosos; a escolha de métodos de
instrução tem sido uma repercussão muito forte para eles; a modalidade
preferida de comunicação é imposta nela a língua de sinais ou da fala -
que são refletidos freqüentemente como um problema da identidade
cultural tão grande que a elite, quebram a estrutura e afastam do povo
surdo como um grupo; conscientemente ou inconscientemente eles
mesmos se desmoronam por ser do povo Surdos.
33
(1993, p.16)
Condillac, filósofo, amigo de Diderot, segundo Lane, estava incluído no grupo e quando
compareceu às aulas, encantou-se com a metodologia aplicada pelo Abbé De l`Epée. A conversão
dele se deu pelo fato de ter ficado encantado e deslumbrado com a rapidez com que os Surdos-
Mudos aprendiam a ler, escrever, analisar e responder ao professor. De fato, a exposição das
crianças Surdas-Mudas, no contexto visual e o contato com a antiga língua de sinais francesa nos
dormitórios (em escolas internatos da época), propiciou o “letramento visual” e seus significados
sem grande dificuldade. O contato visual por meio de sinais propiciou a aquisição dupla de duas
línguas distintas: língua de sinais e língua francesa. Como diz Condillac (SACKS, 2000, apud
33
Tradução: Deaf world the phenomenon is more pronounced for several reasons: the members of this minority are
less numerous; the choice of education methods has stronger repercussions for them; a preferred mode of
communication is imposed on them sign language or speech which is often reflected in a problem of cultural
identity to such an extent that the elite, if they break away from Deaf people as a group, consciously or inconsciolsy
deny themselves the right to be deaf people.
41
LANE 1984b, p.195): “é mais vantajosa do que os sons falados por nossas governantas e
preceptorespor causa da exposição visual: uso da língua de sinais que é da modalidade gesto-
visual diferentemente da modalidade escrita. Mas, mesmo assim, não levou muito à frente o
engajamento da valorização da língua de sinais.
Mais tarde a língua de sinais francesa e sua cultura foram violadas e negadas pela
homogeneidade do positivismo iluminista, desde que foi anunciado o modelo da filosofia oralista
que obrigou a neutralidade e desaparecimento da cultura e sua língua de sinais pelo Congresso de
Milão, em 1880.
2.1.5 ORALISMO
Quanto ao oralismo, foram encontrados pouquíssimos documentos que comprovassem a
introdução da fala junto com alfabeto manual realizado pelo beneditino Pedro Ponce de Léon.
Nos documentos pesquisados no INES e na internet, encontrei alguns relatos, mas não
apresentavam detalhes das técnicas e procedimentos adotados ou de como se desenvolveram os
filhos nobres da época. Os documentos apresentavam trechos de quem foi o idealizador do
alfabeto manual. Tem alguns autores, como PICO DE PONCE (1981, apud COSTA, 1994, p.15)
que escreveu que historicamente, a forma de ensinar palavras utilizando a visão para observar
a mobilidade do rosto na ocasião de suas emissões. O que veio a ser conhecido como o método
oral”. Essa é uma das concepções, mas não diz muito. Isso carece de pesquisas mais
aprofundadas.
Depois de Ponce de Leon, veio o Juan Pablo Bonnet, com a publicação do livro:
Reduction de las letras y arte de enseñar a hablar a los mudos”, cuja metodologia foi
relacionada nas páginas anteriores.
Jacob Rodrigues Pereira começou a usar a metodologia de Bonnet para poder ensinar a
sua irmã que era Surda-Muda (COSTA, 1994, p.16) e com o sucesso dela, começou a aplicar a
outras crianças Surdas-Mudas em caráter individual. A partir de então fundamentou-se na
oralização.
42
Samuel de Heinicke aplicou a metodologia oralista na Alemanha. Como ele era opositor
da sinalização, ou seja, do método do Abade De l`Èpée, promoveu vários congressos e eventos
para discutir a supremacia sobre oralismo versus sinalização. Sua atitude e a de muitos
educadores a favor do oralismo, acabou culminando no Congresso de Milão de 1880.
A prática do Oralismo e sua ascensão se deve a Graham Bell, que nasceu na Escócia, filho
de mãe Surda-Muda e de pai que era professor de “elocução” que consistia em ensinar articulação
de palavras e de ler o que as outras pessoas dizem pelo movimento dos lábios. Casado com uma
Surda-Muda, foi professor de “elocução”, mas se interessou mais pela tecnologia acústica com o
objetivo de devolver a audição para sua mãe.
Foi defensor ferrenho da filosofia oralista e foi inventor de vários aparelhos como o
photophone, que é um aparelho que transmite um som no feixe de luz. Com isso, Graham Bell,
diante da situação do oralismo nas terras norte-americanas, aproveitou a promoção de resoluções
radicais:
a) Proibição de casamento entre Surdos-Mudos, na concepção eugênica;
b) Destituição dos institutos (asilos e dormitórios) como um dos repositórios da língua de
sinais;
c) A superioridade da oralização como um método viável da socialização dos Surdos-
Mudos na sociedade dos ouvintes.
O nome Graham Bell é uma das referências mais rejeitadas pela comunidade Surda-Muda
norte americana.
2.1.6 NOVO ORALISMO
A metodologia do Novo Oralismo é utilizada, em conjunto: a dactilologia, amplificação
sonora, leitura labial e fonoarticulação. Essa metodologia é aplicada nos países da Rússia, Cuba e
em Rochester (Estados Unidos).
2.1.7 COMUNICAÇÃO TOTAL
43
Foi criada para atender todas as necessidades de comunicação de sujeitos Surdos-Mudos.
Foi uma “transição” da educação oralista para educação bilíngüe. A Comunicação Total consiste
na aplicação de todos os recursos e aspectos comunicativos, como no caso de falar e sinalizar ao
mesmo tempo.
Essa filosofia virou moda aqui no Brasil na década de 80, quando foi trazida por alguns
profissionais que foram visitar Gallaudet University (Estados Unidos) e ficaram impressionados
com a nova filosofia passando-se a impulsionar todos os estados do Brasil a praticarem-na.
2.1.8 BILINGÜISMO
Com a introdução dos Estudos Culturais, dos Estudos Surdos e dos Estudos Lingüísticos e
dos eventos realizados nos estados do Brasil, surgiu a nova proposta educacional mais ou menos
viável, pois a questão lingüística ainda permeia a discussão: o bilingüismo carece, ainda, de
muito mais pesquisas sobre a língua de sinais e poucos profissionais envolvem a questão
lingüística.
A educação bilíngüe consiste em dar habilidade aos sujeitos Surdos-Mudos de se
comunicar em duas nguas, sendo que uma língua pode predominar sobre a outra. Atualmente,
não temos proposta bilíngüe. Algumas escolas estão utilizando a proposta bilíngüe mesclando
com outros métodos, como comunicação total e utilização de Intérprete de Língua de Sinais
Brasileira nas salas de aula. Mas ainda não são os fatores importantes para o desenvolvimento
cognitivo das crianças Surdas-Mudas, por dois motivos: a língua de sinais é distinta da língua
portuguesa e deve ser ensinada separadamente; e segundo, os Intérpretes de Língua de Sinais
Brasileira são como uma “caixa preta” onde só repassa as informações do emissor e do receptor.
provas científicas, porém poucas, que a educação bilíngüe proporciona mais
habilidades para percepções mentais, cognitivas e visuais além de fornecer mais capacidade para
analisar os conceitos de modo subjetivo e objetivo às informações recebidas.
Com a introdução de novos espaços para pesquisadores Surdos-Mudos, a proposta
bilíngüe vai caminhando aos poucos até chegar a uma resposta adequada para a educação e, em
44
consequência, o novo parâmetro da pedagogia visual dos Surdos-Mudos. Infelizmente, as
pesquisas se desenvolvem lentamente.
A proposta do Abade De l`Épée era de ensinar aos sujeitos Surdos-Mudos a serem
letrados, tornar-se cidadãos e produtores intelectuais. Defendeu junto com o Abade Sicard, que
formou tantos professores Surdos-Mudos quanto pode, por acreditar na potencialidade dos
sujeitos Surdos-Mudos como cidadãos, independentemente da “audição” que todo mundo
acreditava. Era preciso desmitificar o mito de que a teoria de Sócrates e de Aristóteles no enfoque
da mente e da fala. A visualidade não impede o desenvolvimento natural, pelo contrário, estimula
o Surdo-Mudo, salvo em caso de problemas mentais ou a falta de input adequado para o seu
desenvolvimento. No entanto, é necessário criar uma pedagogia específica voltada para os
recursos, técnicas e procedimentos visuais sem desligar dos artefatos culturais que emergem a
constituição do ser Surdo-Mudo como pessoa.
Com a repercussão do Pereire, português de nascimento, na introdução da metodologia da
fala nas redondezas de Paris, em 1747, e da metodologia alemã, do professor Heinicke, muitos
outros opositores da língua de sinais se levantarem até a abolição da ngua de sinais no
Congresso de Milão, em 1880. Antes do Congresso de Milão, LANE (apud SACKS, 2002)
calculou que em 1869 havia 550 professores de surdos em todo o mundo e que 41% desses
professores nos Estados Unidos, eles próprios surdos”. E com o declínio, a proporção de
professores surdos, que em 1850 beirava os 50%, diminuiu para 25% na virada do século e para
12% em 1960” (SACKS, 2002, p. 41).
O declínio da língua de sinais modificou o quadro da educação dos Surdos-Mudos.
Naquela época os Surdos-Mudos usavam a língua de sinais como os ouvintes usam a fala. Os
resultados escolares eram bons para a educação geral, mas uma pesquisa realizada na Gallaudet,
em 1972 (SACKS, 2002), afirma que os Surdos-Mudos são analfabetos funcionais. O nível da
leitura dos Surdos-Mudos de 18 anos, formados no curso secundário, se parecia com o nível de
quarto ano primário. O mesmo acontece com o resultado semelhante na Inglaterra, realizado pelo
CONRAD (1979). Aqui no Brasil, aconteceu o mesmo caso, depois do Congresso de Milão, de
1880 e suas resoluções aprovadas e enviadas aos governos dos países do mundo. O INSM
Instituto Nacional de Surdos-Mudos, no Brasil, em 1896, enviou o funcionário e professor, A. J.
de Moura e Silva para conhecer a instituição. Avaliando as resoluções e decisões do Congresso
45
de Milão, ele escreveu um relatório ao governo brasileiro dizendo que o método oral puro
(oralismo) não servia para todos os Surdos-Mudos brasileiros.
Na decáda de 60, a ASL foi reconhecida como língua natural da comunidade Surda-Muda
proposto por STOKOE (1960), assim, a ASL teve seu status lingüístico e esta novidade passou a
repercutir no território brasileiro. Em 1980, em Recife, iniciou-se o Estudo Lingüístico no Brasil
sobre a Língua de Sinais, com a publicação do primeiro boletim GELES Grupo de Estudos
sobre Linguagem, Educação e Surdez, na UFPE.
Em 1986, a Língua de Sinais Brasileira começou a ser defendida pela comunidade Surda-
Muda em conjunto com os representantes das associações e federações de Surdos-Mudos. Com
os avanços da pesquisa e dos movimentos de Surdos-Mudos, cresceu a conscientização e a
valorização da língua de sinais brasileira nos currículos de ensino fundamental e superior.
Com a extirpação do processo histórico dos Surdos-Mudos na pedagogia, na reprodução
epistemológica gerada pelo Congresso de Milão de 1880, os registros históricos dos Surdos-
Mudos foram perdidos, subjugando-os à “normalidade”, por imposição de uma maioria ouvinte.
O livro “História da Pedagogia” do autor Franco Cambi, da Editora UNESP, de 701 páginas, nem
sequer foi citado sobre a pedagogia dos Surdos-Mudos pela concepção acerca da deficiência que
deixou de ser importante para a área da educação.
2.2. A EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS-MUDAS NO CONTEXTO BRASILEIRO
No Brasil, foram criados vários institutos para atendimento de pessoas portadoras de
deficiência, como cegos, em 1854, Instituto Benjamim Constant; e de Surdos-Mudos, em 1855,
Imperial Instituto de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de
Janeiro, foi fruto de um decreto imperial. A criação destes institutos foi reproduzida dos modelos
europeus, como: asilo e sistema de internato com currículo adequado e adaptado de acordo com
as suas características.
Depois da criação do primeiro Instituto Nacional de Surdos-Mudos, passou-se à criação
de institutos para cegos para ampará-los e formá-los como cidadãos. Os institutos para Surdos-
46
Mudos e cegos da Europa serviram de modelos para outros países. Os deficientes físicos
receberam a primeira educação em 1832, na Alemanha, e o deficiente mental, em 1848, nos
Estados Unidos. Os profissionais que atenderam as pessoas portadoras de deficiência passaram a
criar, na década de 1900, as classes especiais para que essas pudessem receber uma educação
adequada, como aprender a ler, escrever, contar e se habilitar e serem reabilitados como pessoas
sociáveis e “normais”.
Ao longo de muitos anos, muitas instituições particulares foram criadas em caráter de
assistencialismo, pois o governo não atendia à demanda existente de pessoas portadoras de
deficiência. A educação especial era voltada pela prática de assistencialismo e sem currículo
definido.
Em 1957, o governo federal assumiu a educação especial, transformando-o em um órgão
especial e a partir de então, implantou uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em
1961, objetivando a educação dos “excepcionais”
34
no sistema geral de ensino, tanto nas escolas
públicas como nas associações não governamentais. Um dos artigos da lei incluía a “integração”
das pessoas portadoras de deficiência na comunidade, assegurando-as o direito de receber
educação. Na década de 70, os estados do Brasil passaram a incluir os tratamentos especiais nas
escolas.
Para ter melhor controle governamental a respeito da educação especial, foi criado o
Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) vinculado ao Ministério de Educação e
Cultura, em 1973. Com a promulgação da Constituição de 1988, foram inseridos vários capítulos,
artigos, incisos sobre educação, habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
graças aos movimentos políticos e sociais, da qual participei como militante e ativista da
comunidade Surda-Muda.
Nos anos de 1861, com a saída do primeiro diretor Surdo-Mudo, Eduard Huet, do
Imperial Instituto de Surdos-Mudos, o Instituto passou várias fases, com os regimentos alterados,
revogando vários decretos até a década de 50. Na gestão do governo Getúlio Vargas, impulsionou
o Instituto Nacional de Surdos Mudos a implantar o primeiro Curso Normal, em 1951, na
formação de professores para Surdos-Mudos, com três anos de duração, por meio de orientação
34
A palavra era denominada para todas as pessoas portadoras de deficiência.
47
pedagógico-emendativa. Em 1957, o Instituto Nacional de Surdos-Mudos passou a denominar de
Instituto Nacional de Educação de Surdos, pela Lei 3.198 de 6 de julho de 1957, pelo fato
de que o surdo é mudo, via de regra, porque não tendo ouvido nunca a
voz humana, não pode imitá-la falando; e por outro lado a certeza de que
o surdo é passível de receber a mesma educação, embora por processos
diferentes, dos que fale e ouça [sic]
35
(DÓRIA, 1956)
Para ampliar a ação da educação e fornecimentos de professores especializados para as
classes, foram firmados convênios com os estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Espírito
Santo e São Paulo. Em cada ano formavam-se vários professores que eram distribuídos a cada
estado mediante convênio. Ao mesmo tempo, foi criado o primeiro livro técnico chamado de
“Introdução à Didática da Fala” e entrou em funcionamento o Centro de Logopedia destinado à
assistência às crianças Surdas-Mudas que possuíam problema fonatórios.
Seguindo a metodologia e filosofia oralista, foi criado o Serviço de Estimulação Precoce
para atendimento de bebês, em 1970, foi oferecido um Curso de Especialização, atualmente,
denominado de Cursos de Estudos Adicionais, aos professores de diversos estados do Brasil para
trabalhar na área da surdez, em 1980. Em 1993, pelo ato ministerial, o INES passou a ser um
centro nacional de referência na área da surdez.
Na década de 1880 até 1990, o turno era integral em regime de internato (para quem
morava em lugares de grande distância), o sujeito Surdo-Mudo estudava em um turno e no outro
turno ficava para receber reforço escolar, atendimento fonoaudiológico e outras atividades
extracurriculares, como curso de bordado, de marcenaria, de cozinha, de pintura e outros ofícios
como aprendiz.
Os tipos de métodos definidos por COSTA (1994), esclarece sobre a prática educacional e
sobre a metodologia mais conhecida e que ainda são utilizadas nas classes especiais, nas classes
mistas ou nas classes de integração, em algumas escolas atuais. Os dados reconhecidos são as
sinopses das diversas orientações
36
e técnicas, conforme a proposta curricular para deficientes
35
Relatório anexado a carta da Professora Ana Rimoli Dória
36
Na citação da COSTA (1994) esclarece que a utilização da palavra Método deve ser entendida como orientação.
48
auditivos do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Estas são divididas em 2
categorias:
1) Métodos unissensoriais são os aspectos básicos do oralismo, como leitura dos
lábios, fonoarticulação e treinamento auditivo. Utilizam-se apenas de um canal ou de uma
informação sensorial. São eles:
a) Leitura Labial é uma leitura que consiste em adquirir as habilidades para captar
as palavras oralmente por meio de decodificação dos movimentos labiais e das articulações do
emissor;
b) Fonoarticulação também pode ser chamada de mecânica da fala. Igualmente
chamado pela comunidade surda-muda de “fala de papagaio”. Envolve na leitura labial,
movimento, articulação da fala e por sua vez, envolve o som e o ritmo. Treina-se bastante para
articular todos os fonemas, com os exercícios de respiração, inspiração, expiração, relaxamento e
movimentação de língua, mandíbula, palato, lábios e bochechas;
c) Treinamento auditivo Consiste em treinar a estimulação sonora com a exposição
de ruídos e sons ambientais. Implica a exploração máxima dos resíduos auditivos. Buscava-se
identificar, discriminar, associar, reproduzir e localizar a duração, freqüência, intensidade e ritmo
diferentes e dos sons da fala;
d) Método Tadoma – consiste em usar as informações táteis (percepção de vibrações)
para surdo-cego e também em alguns casos para sujeitos Surdos-Mudos;
e) Método Pollack objetiva-se aumentar o número de possibilidades na utilização
de canal auditivo para que possa armazenar os estímulos sonoros com as informações adequadas.
Preocupa-se em desenvolver a atenção perceptual sobre os estímulos visuais.
2) Método multissensorial Utilizam-se informações sensoriais com os dois órgãos
dos sentidos (visuais/auditivas, visuais/táteis, auditivas/táteis) na educação dos Surdos-Mudos
utilizam-se várias alternativas, como pistas visuais e tátil (via auditiva óssea), que são:
a) Método Sander procede o treinamento auditivo associando com as informações
visuais;
49
b) Método Guberina procede o treinamento dos movimentos ginástico-rítmicos no
ensino da articulação de fonemas, composta de fones de ouvido, amplificadores com filtros e
vibradores (para exploração das vias auditivas aérea e óssea);
c) Método Verbatonal – favorece a entonação e a pausa na emissão das frases;
d) Método Perdoncini – dá ênfase à reeducação educativa. Trabalha-se com um
analisador cinético composto de microfone unido a um analisador acústico. Quando o som é
emitido de modo reduzido, acende-se uma lâmpada verde. Ao contrário, acende-se uma luz roxa.
Tem a finalidade de os Surdos-Mudos aprenderem a discriminar a acentuação das palavras.
A metodologia ainda é praticada, tendo em vista que as escolas particulares e públicas, em
caráter assistencial, praticavam a metodologia clínica terapêutica dentro dos turnos escolares e
grades extracurriculares. Isso envolve os profissionais da terapia da fala, como fonoaudiologia,
no quadro profissional. Para sustentar esta metodologia os profissionais recebem o subsídio da
SUS – Sistema Único de Saúde.
Atualmente, de acordo com o relatório da sinopse estatística da Educação Básica, o censo
escolar de 2006 da FINEP
37
, a educação especial do Brasil, como um todo, conta com cerca de:
Quanto à educação especial, destinada aos alunos portadores de
necessidades educacionais especiais, é importante destacar a existência de
um total de 57.308 escolas que oferecem educação especial. Destas, 2.724
escolas que atendem a 301,5 mil alunos são exclusivamente de educação
especial. Outras 4.325 escolas de ensino regular oferecem classes
especiais (que atendem 74.010 alunos) e as demais 50.259 escolas
oferecem ensino regular a cerca de 136,3 alunos portadores de
necessidades educacionais especiais integrados em salas comuns que
recebem apoio pedagógico especializado, enquanto que aproximadamente
188,7 mil alunos não têm apoio pedagógico especializado.
Isso inclui os sujeitos Surdos-Mudos como alunos portadores de necessidade educacional,
conforme a nomenclatura do governo federal.
37
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
50
Do censo 2000 do IBGE
38
que denomina os sujeitos Surdos-Mudos como “incapaz com
alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir” com as seguintes tabelas abaixo
relacionadas:
1) Populaçăo residente, segundo a situaçăo do domicílio e os grupos de idade – Brasil
Na cidade urbana Na cidade rural Total
4 609 771 1 125 328 5 735 099
2) Populaçăo residente, segundo a situaçăo do domicílio, o sexo e os grupos de idade
– Brasil
Grupos de Idade
0 a 14 anos 406 588
15 a 64 anos 3 240 263
65 a 80 anos 2 088 247
Sexo
Mulher 2 716 881
Homem 3 018 218
3) Populaçăo residente, segundo a cor ou raça – Brasil
Branca 3 085 440
Preta 404 951
Amarela 29 958
Parda 2 152 032
Indígena 30 907
Sem declaraçăo 31 811
Total 5 735 099
38
No site disponível
(http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/deficiencia_Censo2000.pdf, postado em 5
de fevereiro de 2008)
51
Nas duas tabelas abaixo relacionadas não especificação dos sujeitos Surdos-Mudos.
Classificaram estes como pessoas portadoras de deficiência.
1) Pessoas de 5 anos ou mais de idade, portadoras de deficiência, por alfabetização,
segundo o sexo e os grupos de idade – Brasil
3) Populaçăo residente, portadora de deficięncia, por freqüência da creche ou escola,
segundo o sexo e os grupos de idade – Brasil
deficências investigadas frequentam creche ou escolas
24 600 256 3 202 840
Na região Sul do Brasil
39
:
População total 25.110.348
População com deficiência 3.595.028
População de 0 a 17 anos
com deficiência
334.390
0 a 4 anos 45.481
5 a 9 anos 86.973
10 a 14 anos 123.173
15 a 17 anos 78.763
18 a 24 anos 202.320
do Estado de Santa Catarina
39
Censo Demográfico/IBGE/2000. No site disponível (http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/sul.txt, postado em
fevereiro de 2008)
deficiências investigadas alfabetizadas
24 229 726 17 423 580
52
População total 5.357.864
População com
deficiência
761.564
População de 0 a 17
anos com deficiência
74.898
0 a 4 anos 9.870
5 a 9 anos 19.595
10 a 14 anos 27.616
15 a 17 anos 17.817
18 a 24 anos 46.363
Disponibiliza também a evolução de matrículas na Educação Especial no Estado de Santa
Catarina de 2002 a 2006
40
Crescimento de 14% das matrículas em escolas e classes especiais entre 2002 e 2006
Crescimento de 55,4% das matrículas em escolas comuns (inclusão) entre 2002 e 2006
Enumera as condições de Informática e acessibilidades:
a) Condições de Informática nas 2.112 escolas do Estado de Santa Catarina com alunos
na educação especial em classes comuns (inclusão) em 2006
Escolas com Computadores: 87,5%
Escolas com Laboratórios de Informática: 39,4%
Escolas com Acesso à Internet: 54,1%
b) Condições de Informática nas 2801 Escolas Exclusivamente Especializadas/Classes
Especiais do Estado de Santa Catarina com matrículas da educação especial em 2006
40
Fonte: Censo Escolar (MEC/INEP)
53
Escolas com Computadores: 98,6%
Escolas com Laboratórios de Informática: 35%
Escolas com Acesso à Internet: 79,3%
b) Acessibilidade nas Escolas Públicas do Estado de Santa Catarina com
Educação Básica em 2006
Formação e Distribuição dos Professores:
a) Formação dos 2.924 Professores do Estado de Santa Catarina na Educação Especial em
2006
Com Ensino Fundamental: 9 (0,30%)
Com Ensino Médio: 683 (23,3%)
Com Ensino Superior: 2.232 (76,3%)
b) Distribuição dos 1.227 Professores do Estado de Santa Catarina com Curso, de
no mínimo 40h, para atender alunos com N.E.E em 2006
Creche: 144
Pré-Escola: 247
Ensino Fundamental: 640
Ensino Médio: 89
Educação de Jovens e Adultos: 106
Educação Profissional: 1
Escolas Públicas com Educação Básica: 5.592 (100%)
Escolas Públicas com Sanitários Adequados aos alunos com Necessidades Educacionais
Especiais: 566 (10,12%)
Escolas Públicas com Dependências e Vias Adequadas aos alunos com Necessidades
Educacionais Especiais: 382 (6,83%)
54
No que se refere à escolarização no Brasil, segundo o censo do MEC
41
, houve o
crescimento de matrículas das pessoas Surdas Mudas nas escolas públicas de 2005 a 2006:
Deficiência Auditiva
42
: 19.646 em 2005 e 21.439 em 2006 - crescimento de 9%
Surdez
43
: 46.668 em 2005 e 47.981 em 2006 - crescimento de 2,8%
Evolução de Matrículas de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais no Ensino
Superior de 2003 a 2005, com crescimento de 265% entre 2003 e 2005:
Deficiência Auditiva
em 2003 665
em 2004 974
em 2005 2.428
Distribuição de Matrículas na Educação Especial por tipo de necessidade educacional
especial e tipo de atendimento em 2006:
- Deficiência Auditiva:
em escolas regulares/classes comuns 14.614 (68,2%)
em escolas e classes especiais 6.825 (31,8%)
Total 21.439 matrículas
- Surdez:
em escolas regulares/classes comuns 21.231 (44,3%)
em escolas e classes especiais 26.750 (55,7%)
Total 47.981 matrículas
Na distribuição de Escolas com Educação Especial por tipo de atendimento em 2006
sem especificar os sujeitos surdos mudos:
41
(disponível no site http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/brasil.txt, postado em fevereiro de 2008.
42
O governo brasileiro até a presente data não especificou a terminologia.
43
Item ao exemplo mencionado acima
55
Escolas Exclusivamente Especializadas 2.724
Escolas com Classes Especiais 4.325
Escolas Comuns com apoio pedagógico
especializado
17.469
Escolas Comuns sem apoio pedagógico
especializado
38.006
Observação: a mesma escola pode ter dois ou mais tipos de atendimento
Portanto, é interessante notar que o Brasil possui, enquanto estimativa, (porque
oficialmente esses dados são apresentados de acordo com a metodologia de coleta do IBGE e do
MEC/INPE) existem cerca de 66.314 de sujeitos Surdos-Mudos (de 2005 a 2006)
independentemente da etiologia da doença que provoca surdez. E ainda mais a terminologia
elaborada pelo censo do IBGE, rotulando o sujeito Surdo-Mudo como “incapaz com alguma ou
grande dificuldade permanente de ouvir”. Como especificar e classificar os sujeitos Surdos-
Mudos? Pela patologia da surdez? Ou por resíduo da audição? Ou pela ausência da fala? O que
norteia essa concepção é de que o sujeito Surdo-Mudo é incapaz de ouvir ou não dá a importância
a outra alternativa da comunicação que eles têm (por gestos, sinais domésticos, sinais caseiros e
até a sua língua de sinais, propriamente dita). É importante salientar que, com a nomenclatura na
área da Surdez feita por SASSAKI (2005)
44
além destas estatísticas também existem pessoas
surdas ou com deficiência auditiva que são indiferentes quanto a serem consideradas surdas ou
deficientes auditivase a origem dessa diversidade de preferências está no grau da audição
afetada.”
Com estes números apresentados pelo MEC, é bem provável de que cada sujeito Surdo-
Mudo possua múltiplas identidades como afirma Perlin (1998), quando apresenta as categorias de
identidades dos sujeitos Surdos-Mudos:
a) Identidade Surda são aqueles que são sinalizantes e alguns são engajados na
política e movimento social. Utilizam muitas formas de usar a comunicação visual, como
44
Disponível no site: http://sentidos.uol.com.br/canais/materia.asp?codpag=8322&canal=opiniao, datado de
novembro de 2007
56
classificadores, piadas, fatos heroícos, etc. São sinalizantes por aquisição com os surdos adultos e
ou são filhos de pais Surdos-Mudos. Possuem um espaço cultural, têm consciência surda e usa
alternativas comunicativas e visuais, como internet, aparelhos visuais e de contato. Uma minoria
é bilíngüe, especialmente, filhos de pais Surdos-Mudos e de outros, por contato deste pequeno;
b) Identidade surda híbrida são aqueles que adquiriram surdez, por doença ou por
patologia progressiva ou de enfermidade, depois de ouvirem. São aqueles que usam a roupa da
surdez por fora, mas por dentro, pensam como pessoas ouvintes. Alguns sentem dificuldade de
captar e de entender os sinais da língua de sinais e outros não. Sabem e conhecem o suficiente a
estrutura da língua portuguesa e a maioria é oralizada. Usam outras formas de comunicação,
como comunicação total, oralismo e de língua de sinais como suporte de comunicação com
outros parceiros Surdos-Mudos e de não-surdos-mudos;
c) Identidade Surda de transição são os requisitos dos sujeitos Surdos-Mudos com
identidade incompleta ou flutuante que ao mudarem da identidade hegemônica dos ouvintes para
a hegemônica dos surdos mudos. São “os dois corpos colados” ou “emocionalmente conflitante”
por causa da transição que exige uma longa adaptação. Como escreve o roteirista CHARLIE
KAUFMAN
45
que a adptação é “um processo profundo e temos de descobrir como sobreviver no
mundo”. Os requisitos básicos são como: vergonha de assumir como pessoa surda, conflito
emocional, choque cultural e da desconfiança, de não aceitação e desconhecimento da língua de
sinais;
d) Identidade Surda Incompleta São aqueles que estão envolvidos na comunidade
não-surda-muda e acreditam na supremacia e no poder ouvintista sobre eles. São os “espelhos”
dos outros. Se sentem bem e fazem tudo para desacreditar a ideologia, política, cultural e
identidade da comunidade Surda-Muda;
e) Identidade Surda Flutuante - são aqueles que não se manifestam emocionalmente
enquanto sujeitos Surdos-Mudos. Pensam como não-surdos-mudos, tem vergonha de conviver
45
Do filme: “Adaptação”, de 2003
57
com a comunidade Surda-Muda. Têm dificuldade de conviver com a comunidade não-surda-
muda devido a sua comunicação tão fragmentada. São mais solitários.
As múltiplas identidades e suas categorias da PERLIN (1998) mostram a consonância
com a colocação da STRNADOVÁ (2000, p. 50) ao dizer que os problemas e as necessidades
dos ensurdecidos são diferentes dos surdo pré-linguais e, às vezes, até antagônicos”.
Até que ponto os coletores e a metodologia aplicada pelo IBGE e pelo INPE do MEC
podem categorizar a identidade e a comunicação dos sujeitos Surdos-Mudos se não os conhecem?
Os coletores são pessoas pagas e desprovidas de conhecimento acerca da pessoa portadora de
deficiência e, mais ainda, sobre a comunicação dos sujeitos Surdos-Mudos.
Se adotassem uma metodologia e um conhecimento adequado, acredito que poderiam
encontrar um número muito maior que os oferecidos pelo IBGE e pelo INPE/MEC. Com os
dados coletados corretamente, refletindo a realidade, acreditamos que a pedagogia da educação
dos sujeitos Surdos-Mudos possa dar um salto e tentará suprir as suas necessidades educacionais
e sociais a fim de transformá-los em cidadãos brasileiros.
2.3 A VISUALIDADE DOS SURDOS-MUDOS: OS MOVIMENTOS DOS SURDOS-MUDOS
E SUAS REPERCUSSÕES
Um movimento francês teve uma grande repercussão no Brasil. Os representantes que
impulsionaram o movimento foram: Diderot e Berthier que ora apresento.
Antes da criação do primeiro Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, conferido e
constituído pela Constituição Francesa, após a Revolução Francesa, criou-se uma nova política: a
República Francesa. Antes de l`Epée criar os “sinais metódicos” (MOURA, 2000), o povo e
comunidade Surda-Muda francesa existiam nos arredores de Paris. Como segue o pequeno
trecho do meu artigo a ser publicado no livro Estudos Surdos, número 3, da Arara Azul, a
respeito da presença dos Surdos-Mudos:
58
Diderot, filósofo, antes de publicar uma enciclopédia, publicou o livro
“Carta sobre os Surdos-Mudos para uso dos que ouvem e falam” (1751)
divergindo as bases teóricas direcionado ao professor Abade Charles
Batteux sobre a origem das línguas, a linguagem gestual dos Surdos-
Mudos, a unidade (ou simultaneidade) de pensamento e percepção da
formação do juízo e as relações entre a harmonia de estilo e a música,
aproveitando o momento, na criação de uma nova “matéria de inversão”,
que é um signo de estudo que propulsionaram o novo campo que hoje se
chama Lingüística, Epistemologia e Estética. A respeito disso, defendia a
língua dos Surdos-Mudos, cujo discurso, sinais abstratos e convenções
eram produzidos de acordo com a natureza da língua de sinais: “A língua
dos gestos já é clara demais para que aumente o laconismo com o uso
dessa figura. Concebem-se os esforços que fazem os Surdos-Mudos de
nascença para se tornarem inteligíveis, para exprimir tudo o que podem
exprimir.
Esse livro foi publicado antes da criação da primeira escola de Surdos-Mudos em Paris,
portanto, ele nos informa de que havia Surdos-Mudos nas redondezas de Paris, narrada na
descrição de uma partida de xadrez com um Mudo como um ser capaz de ter pensamento lógico:
Um dia estava eu jogando xadrez, e o mudo me via jogar. Meu adversário
deixou-me numa situação embaraçosa; o mudo percebeu isso muito bem
e, acreditando estar perdida a partida, fechou os olhos, inclinou a cabeça e
deixou cair os braços, sinais por meio dos quais me anunciou que me
tomava por morto, ou em xeque. Notai, álias, como é metafórica a língua
dos gestos. (1993, p.25)
Diderot também criticava a posição do Abade Deschamps que era contra o uso gestual
dos Surdos-Mudos na educação. Deslogues defendia a Antiga Língua de Sinais Francesa – ALSF,
cuja estrutura e ngua foram mescladas pela língua oral francesa, dando um novo sinal dialético
(LANE, 1999, p. 110) que é a Língua de Sinais Francesa. Essa língua era desconhecida pela
maioria da Comunidade Surda-Muda que também desconhecia o uso da língua francesa, falada
ou escrita.
É de supor que com a mesclagem da Antiga Língua de Sinais Francesa com a Língua
Francesa tenha apagado alguns vestígios da estrutura gramatical da Antiga Língua de Sinais
Francesa como apoderamento de sinais, como explica o Chamberlin, 1977, Pease, 2002, Adams,
1995, Fosshaug, 2004, Jankowski, 1997, e Charlton, 1998 e De Clerck, 2005, ou de
59
agrupamento
46
dos sinalizantes franceses na época francesa. O apoderamento de sinais é aquele
que quando a comunidade Surda-Muda, com as informações culturais, políticas, educacionais,
visuais e outros contextos nacionais da língua de sinais repassadas pelos professores ou dirigentes
ou pessoas Surdas-Mudas, passam a criar, adquirir e articular os seus poderes.
Um dos motivos que Deslogues levou a defender a volta da Antiga Língua de Sinais
Francesa como língua original da própria comunidade Surda-Muda foi o fato de ele mesmo ter
perdido a audição, de ouvinte mais tarde ficou surdo, devido a uma enfermidade. Escreve o
trecho Olijedo disponível no World Wide Web, no endereço www.cultura-sorda.com:
Sabemos por el libro que la viruela había deformado severamente a
Desloges, quien perdió todos los dientes y la habilidad de controlar los
movimientos de la boca, con lo que perdió también el habla. Su
comunicación con el mundo, tras la enfermedad, se reducía a escribir y
pronunciar lo que podía. Dice Desloges: Al comienzo de mi desgracia, y
por el largo tiempo en el que viví alejado de otros Sordos, mis únicos
recursos de expresión eran escribir o mi pobre pronunciación. Por mucho
tiempo ignoré que existiera la lengua de señas. Solamente me valía de
algunas señas aisladas e inconexas. No conocía el arte de combinarlas
para formar imágenes con las que se pueden representar varias ideas, y
transmitirlas a sus pares, y conversar en un discurso lógico. El conocer la
lengua de señas se convirtió para Desloges en la posibilidade tener una
vida social, pues con ella podía comunicarse sin limitaciones. A partir de
allí Desloges conoció los métodos de trabajo usados por de l`Epée en su
escuela. Los niños sordos, pudo observar Desloges, aprendían sin
dificultad y con gran provecho cuando se les instruía através de la lengua
de señas.
A posição de Deslogues mostra claramente que o uso gramatical da Antiga Língua de
Sinais Francesa era utilizado na comunidade Surda-Muda no seu processo discursivo, retórico,
político, econômico, moral e ética. Era utilizada como língua no processo lingüístico para
comunicação. O ingresso na escola francesa era feito por posição política e concepção
homogênea e monolíngüe, no entanto, ao ingressar à escola, os Surdos-Mudos haviam
adquirido a sua primeira língua, no seio da comunidade Surda-Muda. Isso os ajudava no êxito de
aquisição da segunda língua, que é a Língua Francesa, e sua modalidade escrita. Tudo isso graças
46
As pessoas, coletivamente, em uma da situação. Mesmo que os participantes de um agrupamento pareçam estar
divididos, calados e distantes, ou somente momentaneamente presentes, regras culturais que regem como os
indivíduos devem se conduzir em virtude de estarem em um agrupamento, e essas regras de convivência, quando
seguidas, organizam socialmente o comportamento daqueles presentes.
60
à visualidade. É de supor, que o Abade l`Epée tenha ficado extasiado ao fazer uma apresentação
ao rei Luis XVI, do Império Francês, mostrando que os Surdos-Mudos Franceses dominavam
latim, francês, e outras disciplinas. O Abade l`Epée esqueceu ou desconheceu o processo
lingüístico devido a facilidade de instruir os Surdos-Mudos como produto industrial. Ele ignorou
que os Surdos-Mudos adquiriram a primeira língua que fora construída com o contato
permanente e construtivo dos professores Surdos-Mudos. Essa base primordial da língua foi
passada no contato com os professores Surdos-Mudos que tinham se formado na mesma
instituição. O Rei Francês, por ingenuidade ou por desconhecimento da outra língua diferente do
francês, passou a elogiar o desempenho dos alunos Surdos-Mudos. A aquisição da primeira
língua de sinais francesa foi facilitada pelo ambiente lingüístico do povo e da comunidade Surda-
Muda e depois da língua francesa, como língua nacional para ler e escrever, na modalidade
escrita e visual.
Com a morte do Abade Sicard em 1822, sucessor de l`Epée, e da crise administrativa do
Instituto de Paris e da evidência da publicação dos livros da introdução de ensino da fala por
meio da foniatra ordinária dos professores, houve o afastamento dos professores Surdos-Mudos
na grade curricular. Nesse ponto de partida, surgiu uma revolução dos Surdos-Mudos franceses
contra a metodologia de ensino da fala”. Ferdinand Berthier, Surdo-Mudo, professor,
preocupado com o fracasso e imposição da língua nacional como primeira língua e do
crescimento da erradicação da surdez por meio de metódos cirúrgicos que não deram resultados,
foi um dos precursores da criação das Associações de Surdos do mundo, utilizando o famoso
“banquete” em homenagem ao aniversário do l`Epée que repercutiu em toda a sociedade
francesa. Eram convidados alguns pintores, poetas, escritores e muitos outros que passaram a
mudar os seus “olhares” sobre os Surdos-Mudos. O segundo aniversário de centenário de Abade
l`Epée, também foi celebrado pelos representantes Surdos-Mudos da Inglaterra, Irlanda, Escócia,
França, Alemanha, Áustria, Suécia, Itália, Normândia, Espanha, Suiça, América do Norte e
Turquia, em 1912. (HOLYCROSS, 1913, p.6)
A colonização do Surdo-Mudo teve um efeito positivo: a organização dos Surdos-Mudos
e a criação de associações pelos países afora, tendo como intuito a preservação da língua de
sinais, identidade e cultura. O discurso do banquete não desmoronou, pelo contrário, o discurso
visual que marcou a época francesa passou para vários países. No entanto, essa revolução
61
realizada pelos estudantes passou despercebida e não foi anunciada pelos jornais da época. Da
mesma forma, Surdos-Mudos do INES Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de
Janeiro, em 1942, protestaram jogando as camas fora, consumindo-as pelo fogo, chamando
atenção do governo federal. Eles denunciavam a intolerância do diretor e reclamavam da
alimentação mal servida; também, nos Estados Unidos, o famoso “Deaf President Now” foi uma
articulação de quatro estudantes Surdos-Mudos, da University Gallaudet – Washington, em 1988.
Sua reivindicação era para colocar um Surdo-Mudo como Presidente; outro fato, foi o golpe de
marreta em cima do aparelho auditivo pelo Surdo-Mudo Francês, Jean-François Mercurio, na
Conferência Internacional sobre Língua de Sinais, em julho de 1990; outro ato foi firmado pelo
documento elaborado pela comunidade Surda-Muda: “A Educação que Nós Surdos Queremos”
no pré-congresso que antecipou o V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngüe para
Surdos, realizado em Porto Alegre/RS, no salão de atos da Reitoria da UFRGS nos dias 20 a 24
de abril de 1999; e recentemente, em setembro de 2007, assisti e me surpreendi à manifestação
dos estudantes Surdos-Mudos do CEFET São José, de Santa Catarina. Ocorreu no Seminário
“Bilingüísmo na Educação de Surdos”, promovido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Educação de Surdos (NEPES), em que os Surdos-Mudos exigiram a urgente criação de uma
Pedagogia dos Surdos-Mudos como ensino de instrução e a Língua Portuguesa como disciplina
de língua estrangeira. Essas manifestações partiram da necessidade premente de respeitar o
território que foi usurpado pelo poder dos “ouvintistas”. Nota-se que o crescente número de
professores Surdos-Mudos contratados e professores Surdos-Mudos concursados no Estado de
Santa Catarina, facilitaram a criação de um sistema de apoderamento de sinais.
Essas questões a respeito da Pedagogia dos Surdos-Mudos, ou a Pedagogia da Diferença,
foram definidas pelos participantes, professores Surdos-Mudos, instrutores, estudantes e outros
profissionais Surdos-Mudos. O tema Pedagogia da Diferença sempre foi discutido nas reuniões
dos professores na escola onde trabalhei. A proposta da Pedagogia da Diferença, nomeada por
SILVA (2000), em respeito à diferença dos sujeitos, inclusive dos Surdos-Mudos no tocante a sua
“experiência visual”, em consonância com a dificuldade séria dos professores que alegam em
relação ao processo de ensinar e aprender que envolvem alunos Surdos-Mudos.
62
2.3.1 ALGUMAS MUDANÇAS ATUAIS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS-MUDOS NO
BRASIL
Em todos os acontecimentos históricos que provocaram sucesso e fracasso na área
educacional, nota-se que a língua de sinais com seus direitos, status, reconhecimento de luta no
campo político e movimentos sociais que aconteceram nos últimos anos, pelos seus “sinais”,
continua prevalecendo e atingindo a camada populacional em geral, principalmente, na
escolarização dos Surdos-Mudos.
O resultado da luta no campo político que antecedeu a conquista dos direitos foi a criação
das escolas de Surdos-Mudos em algumas cidades do Brasil, como a CEADA Mato Grosso do
Sul, sendo uma Surda, segunda a ser eleita, no Brasil, como diretora, por meio de voto direto e
democrático pelos professores, funcionários e pais da comunidade surda-muda; da APADA, de
Niterói – Rio de Janeiro, com a indicação da primeira diretora Surda-Muda, da creche, que é uma
instituição bilíngüe e que atende atualmente cerca de 60 crianças Surdas-Mudas e alguns não-
surdos-mudos, por serem filhos de pais Surdos-Mudos e terem irmãos igualmente Surdos-Mudos.
uma grande dificuldade para que o poder público e seus dirigentes reconheçam, em nível
estadual e municipal, a língua de sinais. Um dos motivos é a morosidade das tomadas de decisões
que necessitam ser lembradas aos novos dirigentes que mudam de quatro em quatro anos.
Outro avanço refere-se à criação das 19 escolas de surdos no Rio Grande do Sul, 12, no
Paraná e aqui em Florianópolis, apesar de existirem 8 pólos que possuem educação inclusiva,
mas o que chamou atenção foi a mudança significativa e importante no campo da educação de
Santa Catarina, onde o oralismo exerce e ainda exerce forte influência. A mudança, de acordo
com os dados contidos na dissertação do Professor Vilmar Silva, atualmente estudante de
doutorado em educação. Ele relata que o CEFET
47
, no começo criou um projeto chamado de
“Projeto Experiencial para o Desenvolvimento Cognitivo e da Linguagem” que direcionava o
instrumento para os Surdos-Mudos adquirirem a língua oral, por meio de terapia de oralização.
Naquela data, existiam poucos Surdos-Mudos na época, cerca de 2 a 3 alunos oralizados que
podiam freqüentar as aulas. Houve um crescimento do número dos alunos interessados em
ingressar no CEFET para aprender alguns ofícios com o intuito de se formar e trabalhar no
47
Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina - Unidade São José
63
mercado de trabalho. Devido a essa procura, identificaram que a maioria não era oralizada e, por
isso, foi modificado o projeto para “Pré-Técnico Especial” e mais tarde, “Educação Profissional
Nível Básico”, que é um processo muito importante porque reconheceu a capacidade dos Surdos-
Mudos de exercer os deveres e ofícios por meio de língua de sinais. Como cita o SILVA:
Não é nessa perspectiva pedagógica, em que as relações sociais de
dominação se mantêm, que se propôs esta pesquisa, mas sim em sua
superação no campo institucional, social e cultural, pois assim o surdo terá
uma possibilidade de resgatar sua cultura e seu papel político na
construção de uma ducação em que a maioria surda seja realmente
reconhecida. (2001, p.10)
A focalização oralista foi deixada de lado. Passaram a contratar os Intérpretes de Língua
de Sinais Brasileira e Instrutores Surdos-Mudos. Os currículos foram modificados e implantaram
as disciplinas de Língua de Sinais Brasileira, Cultura Surda-Muda, Movimentos Sociais com o
intuito de repecurtir a importância do “auto-estima” dos próprios Surdos-Mudos na sua condição
de cidadão brasileiro. Mais tarde, com o sucesso da introdução da pedagogia visual, no trâmite do
processo de transformação do “Pré-Técnico” para “Educação Profissional Nível Básico” e para
firmar o projeto viável e reconhecido, foi criado o “Núcleo de Educação Profissional e Educação
de Surdos”, com a sigla de NEPES. Atualmente existem professores Surdos-Mudos, Instrutores
Surdos-Mudos, Professores Bilíngües e usuários de língua de sinais brasileira.
Com o impacto da educação que Santa Catarina oferece, foi criado também o Programa
de Pós-Graduação de Educação, em 2002, graças a Lei 10.436 de 2000 (que foi um dos suportes
políticos da educaçãoe também para outras áreas igualmente de grande importância) do Centro de
Educação da UFSC, o primeiro projeto de expansão e de ensino, com a prova “oral” em
proficiência de língua de sinais brasileira (grifo meu), onde ingressaram 2 alunos Surdos-Mudos,
sendo eu, um deles.
Mais tarde, ingressaram cerca de 5 alunos Surdos-Mudos e 2 não-surdos-mudos no
mestrado em educação, igualmente com a mesma prova “oral”. Atualmente, o Centro de
Educação e Centro de Comunicação e Expressão, contam com cerca de 28 alunos (mestrados e
doutorados formados e não formados) na Pós-graduação da UFSC. Possui também Intérpretes de
língua de sinais brasileira e algumas disciplinas inteiramente em língua de sinais brasileira por
três professores efetivos fluentes e usuários dessa língua.
64
Igualmente, fruto de uma iniciativa pioneira, a criação do curso de Letras, habilitação em
Libras, modalidade a distância que conta com 9 pólos espalhados pelo país e que, atualmente,
está formando 500 alunos, licenciatura – habilitando-os a serem professores para ensinar a
primeira língua de sinais brasileira de sinais. Desses 500 alunos, 447 são Surdos-Mudos e 53 são
não-surdos-mudos, ambos bilíngües (usuários da língua de sinais e do português). Esse projeto de
pesquisa em língua brasileira de sinais e de desenvolvimento cognitivo da criança Surda-Muda é
financiado pelo CNPQ e tem como Coordenadora a professora Ronice Muller de Quadros. Um
novo edital abrirá novo concurso vestibular, oferecendo novas vagas para a segunda turma em
agosto de 2008. Além disso, destinará vagas para bacharelado na formação de intérprete de
língua de sinais brasileira. Serão 900 vagas distribuídas em 6 pólos. Desses 900 alunos, serão 450
Surdos-Mudos e 450 não-surdo-mudo ambos bilíngües (usuários da língua de sinais e do
português).
Esse é um processo para a escolarização de Surdos-Mudos, adotando a prática da
pedagogia visual. Esse passo vem firmar a importância do uso visual na escolarização dos
Surdos-Mudos. A pedagogia visual, no meu entender, não pode ser deixada e ignorada, que o
valor da língua de sinais vai ganhando, gradativamente, o seu espaço visual. A língua de sinais
por meio de “experiência visual” tem derrubado a crença centralista e oralista, que era um
instrumento de serviço da língua distinta da língua de sinais. É um processo político e de
movimento social que precisam ser identificados como um todo.
O Curso de Letras-Libras, por ser de modalidade a distância, tem adequado seu material à
visualidade do Surdo-Mudo e o aproveitamento desses alunos tem sido muito bom, o que
comprova a validade de uma proposta de pedagogia visual.
Mas como se caracteriza o signo visual? Essa resposta será dada no próximo capítulo.
65
CAPÍTULO III
PERCEPÇÃO E PROCESSAMENTO VISUAL DO SURDO-MUDO
Para que se possa falar do processo de ensinar e aprender baseado numa pedagogia para
sujeitos Surdos-Mudos, ou de uma pedagogia visual relacionada à escolarização dessas pessoas, é
necessário, antes, discutir a importância do signo visual, caracterizando as necessidades
específicas voltadas à visualidade como questão central da e na constituição destes sujeitos, entre
outros aspectos significativos. Faz-se importante, igualmente, definir o que se está chamando de
pedagogia visual para se compreender o peso de sua inserção no processo de ensinar e aprender.
3.1 CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO SURDO-MUDO
O Surdo-Mudo é um sujeito participante de uma comunidade que integra a sociedade
como um todo e, assim, vive regido por normas comuns aos demais, esforçando-se para obter
recursos para a consecução de um fim comum que congrega as pessoas desta comunidade em
particular. O objetivo da consecução desse fim comum é a obtenção dos mesmos direitos que os
demais em contextos diversos como escolas, trabalho, vida social, lazer e outros, sem que sejam
vistos como alguém portador de uma patologia. Sem dúvida, não é por má fé, mas por despreparo
de uma parte importante da sociedade que a surdez é vista como patologia e não apenas como
uma diferença. A palavra surdez pode ser difícil de ser “ingerida” por causa da complexidade
que traz em si (como é o caso de outras minorias) tanto no âmbito escolar como no do público em
geral. Prevalecem muitas vezes os pontos de vista pautados no princípio da normalidade,
produzidos pela sociedade que também é produzida por eles. Normalidade compreendida na
perspectiva daquilo que é socialmente esperado dos sujeitos, enquanto padrão de comportamento
instituído de acordo com o pensamento hegemônico de uma época histórica. É possível, assim,
afirmar que os conceitos de patologia ou normalidade são socialmente talhados.
66
O conceito de diferença
48
, hoje amplamente discutido, vem substituir essa dicotomia que
atribui pesados rótulos excludentes àqueles sujeitos que não se enquadram perfeitamente ao
padrão estabelecido para aquilo que se chama de normalidade.
É nesse sentido que os sujeitos Surdos-Mudos serão caracterizados em suas
particularidades, que são bastante diversificadas de acordo com o contexto onde se constituem
como sujeitos: família, escola, presença ou ausência de contato com os outros sujeitos Surdos-
Mudos, comunicação através da língua de sinais ou educação/instrução, com uso distinto da
língua de sinais como Comunicação Total, tentativas de oralização etc, a concepção hegemônica
da sociedade em relação à normalidade ou patologia/deficiência, entre inúmeras outras questões.
Todas formando as diversas facetas da identidade de cada um deles.
Os sujeitos Surdos-Mudos constituem-se como sujeitos mediados por referências
diferentes das dos não-surdos-mudos. Vão aos poucos tomando ciência de que o “seu mundo” é
um mundo sem som e não se sentem incomodados por não ouvirem. Como escreve LANE (1999,
p.212) “os surdos não se sentem incomodados por serem surdos. No século passado, as pessoas
culturalmente surdas pensavam que a surdez era um caminho perfeito para ser, tão bom ou talvez
até melhor do que os ouvintes
49
Mesmo vivendo num “mundo sem som” verifica-se que um processo de adaptação
dos sujeitos Surdos-Mudos ao mundo sonoro, ou seja, desde pequenas as crianças aprendem os
ajustes significativos de seus mundos
50
(PADDEN, 1988, p. 21). As crianças Surdas-Mudas
crescem aprendendo a fazer certos ajustes carregados de elementos significativos por meio da
visualidade.
A visualidade contribuirá, de maneira fundamental, para a construção de sentidos e
significados. Entendendo-se que o sentido, de acordo com VYGOTSKI (1993), refere-se à
dimensão particular, singularizada pelas histórias de cada sujeito pelo processo de apropriação
individual dos significados. O significado, por sua vez, refere-se ao que está coletivizado e que
permeia a relação do sujeito com o mundo, mediada por signos culturais.
48
A Surdez é uma diferença, não como um espaço retórico, mas como uma construção histórica e social, efeito de
conflitos sociais, ancorada em práticas de significação e de representações compartilhadas entre os surdos
(McLAREN, 1995)
49
Tradução: ...deaf people were not disturbed by being deaf. On the contrary, in the last century, as in this one,
culturally deaf people thought deaf was a perfectly good way to be, as good as hearing, perhaps better.
50
Tradução: ...children learn the significant arrangements of their worlds.
67
“Não ouvir” significa muito para o contexto do conjunto de significados e sentidos. Os
sujeitos Surdos-Mudos, em sua relação com o mundo, não desconhecem a presença do som,
mesmo que não o registrem pelo órgão dos sentidos apropriado para tal. Ao contrário, criam
estratégias para lidar com os indícios visuais do som interpretando estes indícios pelo contexto
em que se encontram. Compreendem que o Som não é uma entidade que é livre de
interpretação, mas alguma coisa que emerge dentro de um sistema de conhecimento
51
(PADDEN, 1988, p.23).
Assim, as pessoas Surdas-Mudas que não conhecem ou nunca ouviram um “som”,
como se salientou, sentem, muitas vezes, a sua presença pelos elementos que os acompanham,
apreendem aquilo que significado ao percebido e que permite a interpretação, por exemplo:
sentir as nuvens prenunciando a chuva e seus ruídos; quando um carro vai chocar com outro;
perceber quando alguma coisa vai cair e imaginar qual o tipo de barulho que vai causar; perceber
a expressão de desagrado das pessoas expressa em suas faces quando ouvem um risco de giz em
um quadro negro. Essas são as interpretações visuais que imaginamos como se fossem os sons.
São os “sons” imaginários que substituem o “não poder ouvir”. Em contrapartida, a ausência é
substituída pela visão, que é condicionada de acordo com a percepção visual que vai sendo
construída no e do mundo. Este assunto será retomado novamente mais adiante.
De acordo com os conceitos dos Estudos Culturais, a denominação Surdez é “uma
experiência visual” (SKLIAR, 1998, p. 11), ou seja, “é a experiência de não ouvir” (PADDEN,
1988, p.12). Os sujeitos Surdos Mudos em suas múltiplas identidades, são caracterizados por
PERLIN (1998, p. 62-66) como identidade surda, de transição, incompleta, flutuante e híbrida, de
acordo com diferentes referências das quais serão citadas na página 55, no capítulo 2.
É possível afirmar que a variação de identidades está relacionada em grande parte às
relações interpessoais anteriores à educação formal, bem como às propostas pedagógicas que
embasam seus processos de escolarização. Todas elas possuindo pontos de aproximação ou
distanciamento do que se está chamando de signo visual e ao processo de visualidade.
51
Tradução: Sound is not an entity that is free of interpretation, but something that emerges within a system of
knowledge.
68
3.1.1 A LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA
Sujeita a estas mesmas leis de percepção e, guardando-se, sempre, que o ponto de vista
adotado na tese amplia e re-significa o de Arnheim, está a língua de sinais (Língua de Sinais
Brasileira – LSB).
Nesse sentido, vale destacar uma particularidade desta língua que se refere à classificação
manual (QUADROS, 2004) como algo que também entra no jogo da representação visual. Estes
pontos servem como estímulo, isto é, a mensagem que o mundo físico envia para os olhos
(ARNHEIM, 2004, p.9) e a vida daquilo que se sua expressão e significado processa tudo
da atividade das percepções visuais por meio do estímulo visual. Qualquer linha desenhada
numa folha de papel, a forma mais simples modelada num pedaço de argila, é como uma pedra
arremessada num poço. Perturba o repouso, mobiliza o espaço. O ver é a percepção da ação
(ARNHEIM, 2004, p.9) na formação de sinais, classificação manual e seus signos.
No que se refere à representação do “ver” lingüístico na LSB e da estratégia do uso da
imagem para construir um conceito, vale observar que nem sempre o que se quer transmitir é
feito a contento, podendo acontecer a perda de seu sentido. É preciso considerar com Vygotski,
que os signos são produzidos pelos sujeitos ao mesmo tempo em que estes últimos são
produzidos como sujeitos “pensantes” pelo próprio signo. Não se pode, portanto, considerar
somente a relação de perceptos e interpretação numa comunicação visual. Assim, o próprio
percepto como signo está prenhe de sentidos e significados construídos pelo pensamento visual
de quem se constituiu pela visualidade. Diferenciando-se, de forma marcada, do sujeito não-
surdo-mudo que se constituiu pelas palavras/signos da oralidade. Há um exemplo que pode
esclarecer o que foi dito, relatado (por mim) autora desta tese: “Lembro que a Professora Ronice
Quadros, ao ensinar para a turma inclusiva, composta de dois não-surdo-mudo e seis Surdos-
Mudos e mais duas intérpretes de língua de sinais brasileira (que também eram alunas da
disciplina de Estudos Surdos, no CED, em 2005), o conceito de interdisciplinaridade ficou
surpreendida, na hora, com a explicação por sinais, de tal conceito que foi construído baseado na
visualidade do conceito por imagem”. QUADROS (2007, p.251) ponderou a importância do uso
da imagem para construir o conceito:
69
Eu já havia ensinado o conceito de “interdisciplinaridade” em classes de
ouvintes utilizando Português. Eu costumava explicar que nesse conceito
também fazia parte o estabelecimento de relações entre os diferentes
campos do conhecimento, e exemplifica com interfaces feitas entre a
Educação e outras áreas como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a
Antropologia, entre outras. Também, eu costumava dizer utilizando
palavras em Português como estas relações poderiam ser estabelecidas.
Quando eu necessitava ensinar o mesmo conceito para um grupo de
surdos, eu soletrava a palavra “interdisciplinaridade” e, então, eu
explicava através de uma representação usando o espaço e demarcando os
locais para cada área de conhecimento usando uma metáfora (cada local
era uma casa). Depois usei o sinal de caminhar entre uma casa e outra
como se fosse feita uma visita para trocar idéias e aprender com o outro
campo de conhecimento (na casa dele). Essa relação era estabelecida entre
uma casa e outra (mostra como fez em sinais). Eu jamais usaria esta
metáfora em Português e ela, simplesmente, flui em sinais. No final, eu
percebi que a explicação em sinais era estranha ao Português. É tão
diferente dizer a mesma coisa em uma língua e na outra.
Diderot deixou claro que a Língua de Sinais é uma construção com e pela imagem,
como conjunto de significantes ou signos visuais partindo dos próprios sujeitos Surdos-Mudos:
“eles teriam liberdade quanto à ordem que julgassem conveniente para expor suas idéias, ou
melhor, quanto aos gestos que empregassem para representá-las.”
As regras da percepção expostas por ARNHEIM (2004, p.8), como se vem dizendo,
podem ser comparadas as da Língua de Sinais, embora não a explique em sua totalidade. Na
língua oral ou falada há uma estrutura flexionada tanto como a língua sinalizada, como escreve
STUMPF, na sua tese de doutorado de Escrita de Sinais:
As línguas de sinais são flexionadas como as línguas orais. Assim como
um verbo em português pode ser flexionado como também os símbolos
escritos. Se numa frase em SignWriting
52
um verbo direcional
flexionado, a direção do movimento e a orientação das mãos jogam um
papel funcional. Em um mesmo mbolo escrito nós podemos encontrar
informações lexicais e gramaticais. Ainda assim notamos que o sistema
comporta elementos ideográficos como os sinais de pontuação e que
certos elementos gráficos de um símbolo se relacionam fortemente com o
princípio ideográfico. Isso aproxima o sistema das escrituras ocidentais de
dominância fonética.” (STUMPF, 2007, s.p., no prelo)
52
Escrita de Sinais em português
70
A Língua de Sinais Brasileira, é uma língua sinalizada, de modalidade viso-gestual, com
estrutura gramatical como: fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática,
utilizada pela comunidade e do Povo Surdo-Mudo Brasileiro. A Língua de Sinais, em princípio,
como gesto existia no tempo do Sócrates, na conversa com Hermógenes
53
, sobre os gestos dos
Surdos-Mudos mas é lamentável que os sofistas não tenham reconhecido em curto tempo a
importância do “gesto” como processo lingüístico e de comunicação do “Surdo-Mudo”.
Segundo QUADROS (2004, p.7-8) a língua falada, tanto como a língua de sinais
brasileira, é considerada como: (...) um sistema de signos compartilhados por uma comunidade
lingüística comum. A fala ou os sinais são expressões de diferentes línguas. A língua é a
expressão lingüística que é tecida em meio a trocas sociais, culturais e políticas.
A língua sinalizada utilizada como definição da comunidade Surda-Muda reforça o
sentido histórico e cultural constituído. As pessoas não-surdas-mudas usam a audição como
funcionamento auditivo pela habilidade nos atos do ouvir e do falar. Acontece o mesmo com as
pessoas Surdas-Mudas que usam as mãos como funcionamento visual pela habilidade nos atos do
ver e do sinalizar.
Os Surdos-Mudos usam a língua de sinais brasileira envolvendo o corpo todo, no ato da
comunicação. Sua comunicação é viso-gestual e produz inúmeras formas de apreensão,
interpretação e narração do mundo a partir de uma cultura visual. Muitos professores, familiares
(principalmente, pais de filhos/as surdos/as-mudos/as), não entendem a língua de sinais brasileira,
sendo considerados, então, como “estrangeiros” em relação à língua de sinais brasileira e cultura
visual.
A cultura visual vem da “experiência visual” (PERLIN, 1998) que é um “espaço de
produção” (QUADROS, 2007) da constituição dos Surdos-Mudos que apresenta seus diversos
artefatos, como: língua de sinais, história cultural, identidade, pedagogia, literatura, artes,
trabalho, tecnologia, teatro, pintura, e outros. Complementando com QUADROS (2007) que “o
artefato cultural tem validação enquanto sustenta o pertencimento cultural”
54
A compreensão das narrativas torna-se uma atividade complexa que exige muita
reflexão.LUKLIN (1998, p. 44) explica:
53
Capítulo “Crátilo” de Platão (Diálogos, p.199, subtítulo 422 e – 423 b, 2001)
54
2007, p.16. QUADROS, Ronice & PERLIN, Gladis. O debate sobre o surdo e a inclusão. Versão preliminar do
material de formação docente – SESI
71
Escutar uma comunidade que usa um código lingüístico distinto do nosso,
buscando uma imersão nos aspectos culturais que cercam o diálogo, o
monólogo, as narrativas em grupo, as arquiteturas da justiça e do rumor,
as expressões peculiares, a gíria, a definição de gêneros, não é tarefa que
possa ser cumprida pelo sentido exclusivo do ouvir. O olhar passa a ser
fundamental. Ela colabora para o descentramento do sujeito moderno
obrigando o uso do corpo de forma diferente dos nossos códigos
cotidianos. Implica uma mobilidade dos olhos, da cabeça, do rosto, das
mãos, dos braços, organizados de forma diferente. Solicita uma agilidade
de percepção, uma plasticidade do cérebro.
Para a transcrição da Língua de Sinais Brasileira para a Língua Portuguesa na modalidade
escrita, existem três convenções do Sistema de Notação para a Transcrição de Dados com base
em BRITO (1995), FELIPE (1998) e de QUADROS (2005) nos exemplos mais comuns, a seguir:
a) sinal da LSB item lexical da Língua Portuguesa em letras maiúsculas. Exemplos:
NAMORAR, BONECA, POSTE;
b) sinal traduzido por duas ou mais palavras separadas as duas palavras unidas por
hífen. Exemplos: GOSTAR-NÃO, SABER-NÃO;
c) alfabeto manual — letra por letra, separadas por hífen. Exemplos: A-U-L-A, U-F-S-C;
d) sinal soletrado — datilologia do sinal em itálico. Exemplos: A-C-H-O, N-U-N-C-A;
e) símbolo @ para ausência de desinência. Exemplos: EL@, CASA@;
f) os aspectos da LSB, tais como: expressão facial e corporal que são realizadas,
simultaneamente, a um sinal; os tipos de frases (interrogativa afirmativa, negativa, topicalização,
direção do olhar, construção com foco, escopo da negação, intensidade do sinal e as orações
relativas) e, ainda, os advérbios de modo e verbos classificadores têm suas notações próprias.
Este foi um recurso encontrado com o objetivo de adequar, visualmente, a transcrição,
suavizando as variedades das sinalizações já realizadas na transcrição da LSB.
Existem outras convenções para indicar pausa e outros sons convencionados, Costa-Leite
sugere, também, o uso da convenção de Luiz Antônio Marcuschi (2000), na transcrição de duas
línguas.
72
Sem dúvida, a imagem é um dos componentes documentais que deve ser inserida junto
com este texto. Pois o texto, mesmo com as regras do “texto fixo”, as representações fixadas num
papel através da escrita são indiferentes e insensíveis aos pormenores expressos na imagem.
As línguas de sinais deixaram de ser tratadas como um conjunto de símbolos viso-
manuais desarticulados e passaram a ser concebidas como "uma estrutura multiarticulada e
multinivelada, com base nos mesmos princípios gerais de organização que podem ser
encontrados em qualquer língua" (BEHARES, apud LODI, 1993, p.43). A visualidade, na sua
totalidade, deverá ser preservada e não pode ser dividida em elementos básicos ou em sinais
elementares para caracterizá-lo como um dos componentes classificatórios. Além disso, se a
imagem visual da Língua de Sinais, na sua totalidade pode ser utilizada e as suas funções obtidas
resultarão com "os mesmos rendimentos processuais que se podem alcançar na utilização das
línguas orais, mais antigamente conhecidas e reconhecidas" (BEHARES, apud LODI, 1993,
p.43).
3.1.2 FUNDAMENTOS VISUAIS DA LÍNGUA DE SINAIS
Wrigler (s.d., p. 167) defende a idéia de que:
Os sinais tem a ver com formas visuais e espaciais da gramática. A
fonologia tem a ver com a seqüência serial dos fonemas, bits de sons e
bytes de dados. A música tem a ver com ordem de tonalidade e tempo. A
cibernética tem a ver com representações multidimensionais do
significado das imagens e campo de dados. O Cyberspace tem sido
livremente descrito como onde você está quando você não está no
telefone”…Metáforas que gramatizem a visão e o espaço podem tornar
possíveis novas formas de compreender as profundidades dos dados….A
modalidade pela qual nós compreendemos a “língua” dessa forma coloca
a noção do som que bloqueia nosso acesso ao terreno mais amplo da
língua espacial (grifo meu) necessária as complexas redes de referência de
dados.
Por isso, a escrita está comprometida com a linguagem falada, o som através de sua
representação e do seu referente. A visualidade não. Tem diferentes representações e referentes
diferentes que somente será possível se gravar, copiar, “visualizar”, ler com os “olhos” ou
arquivar a sua imagem, o seu referente, a sua representação através da imagem visual, o que e, na
73
área da imagem, como filme de cinema, pintura, fotografia, e outros, é reconhecida como produto
de documento visual.
(Site: http://usabilidoido.com.br/afinal_o_que_e_semiotica.html)
O produto dos sinais e sua transcrição (os seus conceitos são feitos de um elemento básico
que não se compõe de partes ou substâncias diferentes, singela e segura da própria língua de
sinais) cujos imaginários com significância e significado, muitas vezes, foram relegados ao
mundo rarefeito da interpretação da arte, confundindo com a arte, pintura e de comunicação de
mídia, como veículo de comunicação direta, e não como língua da modalidade visual-espacial.
Mas o que na verdade, os signos visuais e seus produtos também fazem parte do significado da
língua de sinais.
Na história dos Surdos-Mudos nos Estados Unidos da América do Norte, para não perder
a cultura e ngua de sinais devido às imposições da metodologia oralista nas escolas de Surdos-
Mudos americanas implantadas pelo Alexander Graham Bell, a National Association of Deaf
NAD produziu os filmes com tentativa de documentar e preservar a língua de sinais. A produção
dos filmes do NAD durou 1910 a 1920, capturando os poemas, narrativas e histórias dos Surdos-
Mudos e de sinais antigos da ASL – Língua Americana de Sinais, sem voz ou de movimento dos
lábios. Este projeto foi idealizado pelo Surdo-Mudo, George Veditz, ex-presidente da NAD, em
1907 a 1910, intitulando o projeto de Preservação da Língua de Sinais". É evidente de que os
filmes são documentos que provam a autenticidade da Língua de Sinais.
Claudio Pereira
55
, refere-se ao documento:
Do ponto de vista teórico, não existe o registro pelo registro, o que
prevalece na realização cinematográfica é um processo interpretativo, e a
objetividade é garantida por alguns recursos metodológicos mais
55
Antropólogo do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia.
74
amplos, estabelecidos por parâmetros epistemológicos. Já do ponto de
vista do procedimento metodológico, várias fórmulas podem ser
enumeradas, da mais complexa à mais trivial, que apontam para a
necessidade de melhor conhecer a comunidade estudada e a maneira como
deve nela inserir-se o pesquisador. A produção deve atentar para os
aspectos deontológicos próprios à prática antropológica. Existe, assim, um
limite quanto ao que pode ser dito e quanto ao que pode ser desvelado da
realidade dos sujeitos focalizados, por razões éticas. É necessário que o
realizador-antropólogo saiba discernir quanto às diferenças de códigos
culturais do próprio antropólogo, dos sujeitos da sua pesquisa, e do
público. O filme é também uma produção simbólica. Neste sentido,
devemos questionar a função comunicativa do cinema etnográfico: o
material se presta para análise mas não necessariamente deve ser exposto
ao grande público, ou deve ser sempre acompanhado de um texto
explicativo ou compreensivo do fenômeno que o filme trata.
O avanço da pesquisa da Língua de Sinais está possibilitando enormes fatores
“comerciais”
56
com recursos de dados informacionais. A Língua de Sinais, na sua visualidade,
abre a sua extensão através dos limites impenetráveis, e são controlados de modo inflexível com
objetivos muitas vezes rotulados gramáticais ou “pelo sistema de distribuição”
57
.
Esta é uma questão que deve ser discutida a respeito da transcrição da Língua de Sinais
para escrita. Devemos realizar as variedades das nossas idéias e novos conceitos pelo qual nós
operamos a Língua de Sinais que é o “padrão visual”, cuja fonte, visualidade e expressividade
têm seu estilo e funcionalidade flexível.
“Olhar”, acompanhar, interpretar através dos “olhos” pode ser um dos recursos que se
pode ser visto dentro da sala de aula e nas pesquisas lingüísticas, como um dos exercícios visuais
na aprendizagem e pesquisa da Língua de Sinais e sua estrutura. Gravar em filme ou em CD são
os outros recursos documentais para ser apreendida academicamente de modo natural.
Particularmente, para melhor apresentar minha colocação deste ponto de vista, deixo
evidente que a visualidade da Língua de Sinais, não pode ser fixada na ”literatura impressa”
(Wrigler, s.d., p.185):
A escrita é a chave aqui, seus dois momentos de high-tech, tipos móveis e
a imprensa a vapor, apareceram respectivamente nos seculos XV e XIX.
As imagens não podem fornecer os prazeres e os desafios da impressão,
mas não se pode negar que a tecnologia eletrônica pode fazer
infinitamente mais com as imagens e sons do que pode fazer com as
56
No caso da publicacão de livros gramáticais de Língua de Sinais.
57
Controlado pelo sistema da gramática de qualquer língua.
75
palavras impressas. A literatura impressa, cyberpunk ou outras, esta sendo
relegada ao “preservação do jogo do texto fixo” (grifo meu). A Logística
perceptual da identidade – a 0.000,000,000,000,4 segundos.
Outra evidência de que não podemos registrar através do texto fixo está na tradução da
Fonte Reuters
58
:
Uma sonda da Nasa conseguiu flagrar um instante imediatamente inferior-
- menos de um trilionésimo de trilionésimo de segundo-- após o Big Bang,
disseram astrônomos na quinta-feira. O Big Bang, segundo os cientistas,
foi a grande explosão de um ponto que acumulava toda a energia do
universo, 13,7 bilhões de anos, e deu origem às estrelas, planetas e
demais corpos. Observando enormes distâncias, a sonda conseguiu ver
com detalhes inéditos esses primeiros instantes do cosmo(…), disse o
cientista em entrevista coletiva por telefone. "Esta tremenda inflação do
universo aconteceu em muito menos de um trilionésimo de segundo.(…)
Pode parecer pouco, mas essas minúsculas variações térmicas formaram
os padrões que acabaram gerando todas as características físicas que
conhecemos como matéria-- inclusive a Terra e tudo sobre ela.” Na
imagem flagrada pela WMAP, o universo-bebê tem forma oval plana,
com pontos frios retratados em azul e verde e os pontos quentes e
vermelho e amarelo. As linhas brancas mostram a polarização-- a direção
da luz mais antiga. As observações da sonda mostram, nos termos mais
básicos, o conteúdo do universo. Apenas 4 por cento é de matéria comum,
22 por cento é da chamada matéria negra-- que o é constituída por
átomos, não emite nem absorve luz e é detectável por sua gravidade--,
e 74 por cento é uma misteriosa energia negra, que, segundo os cientistas,
ainda provoca a expansão do universo. “A energia negra está provocando
mais um jorro de crescimento atualmente", disse Bennett.
Abaixo desse texto havia um aviso para acessar este site para visualizar melhor a imagem:
www.wmap.gsfc.nasa.gov/results. Reparamos que os vocabulários são básicos para definir o que
está acontecendo e fica impossível descrever detalhadamente a “misteriosa energia negra” se não
tem conceito para defini-lo.
3.1.3 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS - DO TEMA CLASSIFICADORES NA LSB
Os Classificadores ou Classificador (CL) em Língua de Sinais Brasileira LSB, cuja
denominação ou nomeação foi descrita, pesquisada e estudada pela comunidade lingüística,
através das pesquisas e publicações de vários trabalhos e precursores de Stokoe, os seguintes
58
Washington, em 16 de março de 2006.
76
autores, como: KLIMA (1979, 1987), BELLUGI (1979), BRITO (1993, 1995), FELLIPE (2004),
BENEDICTO (2003), BRENTARI (1990, 1995, 2003), LILLO-MARTIN (1986, 1999),
ENGBERG-PEDERSEN (1994, 1999, 2002), QUADROS (2003, 2004), KARNOPP (2003,
2004), LODI (2004), e outros. Esses autores mantêm essas denominações para comparar com as
funções da língua falada ou oral e suas estruturas gramaticais. Como signo de estudo, essa
denominação ainda está à procura de uma definição adequada para nomeá-lo de acordo com as
perspectivas viso-espaciais e, provavelmente no futuro, a sua adequação ficará de acordo com os
pensadores lingüistas Surdos-Mudos, assim que aparecer um número significativo dos mesmos
no campo linguístico, especialmente, na língua de sinais.
BRITO (1995) escreve que “Os CLs (denominados soletradamente de Classificadores)
são morfemas que existem em línguas orais e nguas de sinais. Entre as primeiras, as nguas
orientais são as que mais apresentam CLs. As línguas de sinais, talvez, por serem línguas espaço-
visuais, fazem uso freqüente de vários tipos de CLs, explorando também morfologicamente o
espaço multidimensional em que se realizam os sinais”. Segundo ALLAN (1977) “um
classificador é conectando com um quantificador, demonstrativo ou predicado para formar um
elo que não pode ser interrompido por um nome que ele classifica”. FELLIPE (2004) como
“classificador verbal” e QUADROS (2000) como “classificador manual”.
Portanto, classificador visual é um auxiliar da língua de sinais, para determinar as
especificidades e “dar vida” a uma idéia ou de um conceito ou de signos visuais. Então,
concluímos que o Classificador representa forma e tamanho dos referentes, assim como
características dos movimentos dos seres em um evento, tendo, pois a função de descrever o
referente dos nomes, adjetivos, advérbios de modo, verbos e locativos.
Essa hipótese de representação através da denominação classificador ou classificadores ou
classificação manual (como um dos recursos gramaticais) poderá provocar o desaparecimento da
visualidade e da imagem da Língua de Sinais, tornando a imagem em um “texto fixo”? Por que
dar tanta importância em torno disso, destas denominações e sua gramática? Se a imagem visual
é importante, porque não podemos trocar a denominação de acordo com a visualidade da Língua
de Sinais? As respostas a essas perguntas constarão mais minuciosamente no capítulo sobre
descrição imagética. Mas adiantamos que a comunidade ou Povo Surdo-Mudo entende e
compreende que a denominação, nada mais é do que um dos artefatos do sistema de regulador e
de controle. É de fato o mecanismo regulador e de controle por meio de categorização de imagem
77
para o desenvolvimento da pesquisa; é uma forma de categorização das entidades para comparar
ou diferenciar entre eles, objetivando a apreensão de conhecimento e de ser entendido. Mas o
perigo é que a categorização pode situar a imagem em um sistema de mecanização que simplifica
a parte ou de todo de uma imagem, tornando em um “texto fixo” para denominação dos sinais,
como aconteceu no passado, no tempo do Abade l`Épée, da Comunicação Total, até hoje.
3.2 OS SIGNOS VISUAIS
Para se compreender melhor o lugar do signo na constituição do sujeito e, em especial, do
signo visual na constituição do sujeito Surdo-Mudo, explicitaremos abaixo algumas questões
relativas a esse termo.
O signo é compreendido e definido de diversas maneiras, dependendo do ponto de vista
dos diversos autores que se ocupam sobre o tema. Serão descritos, como exemplo, o ponto de
vista de três autores sobre o signo em geral:
- Eco, “um signo é sempre constituído por um (ou mais) elementos de um plano da
expressão convencionalmente correlatos a um (ou mais) elementos de um plano de conteúdo”
(1976, p. 39) qual seja, uma palavra ou um gesto veicula um conteúdo que é estabelecido
culturalmente e visualmente no caso do sujeito Surdo-Mudo.
- Peirce, “a forma através da qual o significado de algo é dado (...) Este significado
pode ser dado na relação com o homem, pois advém da experiência em relação ao mundo da ação
humana.” E esta experiência que produz significações, no caso dos sujeitos Surdos-Mudos advém
da “experiência visual”.
- Vygotski (1991, 1993, 1995), fala do signo compreendendo-o em sua perspectiva
mediadora da conduta do sujeito. Signo como instrumento psicológico de caráter social que está
dirigido ao domínio de processos próprios ou alheios (1991, p. 65). O signo transforma aquilo
que é considerado natural em algo social e culturalmente caracterizado por ser ele uma
ferramenta simbólica.
78
Em sua grande multiplicidade e enfocando nesta tese o signo visual ou os signos gestuais
em especial, Rosemeri Bernieri de Souza Correa
59
comenta que, “os signos gestuais são
complementares ao código verbal quando:
1. os signos gestuais substituem alguns signos verbais;
2. um signo gestual acrescenta informação ao código verbal;
3. um signo gestual reforça a informação transmitida verbalmente;
4. ambos, signo verbal e gestual contribuem para um mesmo propósito comunicativo.”
O signo visual nascido ou criado culturalmente pela comunidade Surda-Muda está em
constante pesquisa, uma vez que envolve uma dada percepção visual e construção de idéias e
imagens visualizadas que regem ou se constituem como princípios da língua natural e da
modalidade comunicativa que possibilita a interação comunicativa entre os Surdos-Mudos em um
mesmo ambiente lingüístico ou distinto deles. Os signos visuais (ou do som da palavra para os
oralizados) criam uma língua quando repassam uma ou várias informações para o cérebro e este
passa para uma ação verbal ou sinalizada. E, estas informações só são significadas quando houver
um sinalizante ou observador que compartilhe os mesmos conceitos contextuais.
Nesta tese, a terminologia signo visual está sempre relacionada à realidade dos sujeitos
Surdos-Mudos que se constitui na medida da apropriação do signo por meio do “ver” tendo,
portanto, o seu processamento visual distinto do processamento da “fala”.
Se antigas e conhecidas práticas como a de Itard, por exemplo, foram infrutíferas para
dotar os Surdos-Mudos com sons, por que a medicina de hoje continua persistindo com o
pensamento de que o Surdo-Mudo deverá falar e dotar-se com sons “não-entranháveis”
60
ao
mundo dos Surdos-Mudos? Eles podem chegar a falar, sim, existem muitos Surdos-Mudos que
oralizam, utilizam a palavra oral como signo e não somente como um conjunto de sons
pronunciados com muito esforço. Expressam-se com a língua portuguesa oralizada, no caso do
Brasil e em países que se comunicam através de outras línguas orais, mas somente depois de
desenvolver esta capacidade com muito treinamento. No entanto, é importantíssimo sublinhar que
59
“A complementariedade entre língua e gestos nas narrativas de sujeitos surdos. Dissertação de Mestrado, UFSC.
2007
60
Entranhável é uma essência ou um processo adquirida, mais ou menos, agregados e coesos de seres humanos que
criam formas, essência, signos ou códigos próprios que são percebidos como parte da sua constituição como pessoa.
Não-entranhável é o oposto deste.
79
a utilização da palavra oral como signo acontece não porque o sujeito Surdo-Mudo foi treinado
para falar algo em português ou outra língua oral mas porque, antes, foi mediada semioticamente
por signos visuais. É possível dizer que, se o som não chega ao cérebro não é possível mediações
semióticas com e através do som por si só. A mediação semiótica supõe uma relação do sujeito
Surdo-Mudo com o mundo mediada pelo signo, supõe que o sujeito vá além de um contato
imediato e direto com aquilo que se chama de estímulo atendo-se ao exercício dos órgãos dos
sentidos que registram sensações, limitando-se as mesmas sem chegar ao vel da interpretação.
Como os signos são sempre unidades convencionadas culturalmente, toda mediação semiótica
está carregada de nuances sociais e culturais. Assim o sujeito, mesmo em sua singularidade, ao
apropriar-se das significações , apropria-se de algo que foi produzido pelo coletivo do qual ele
faz parte como sujeito ativo. Assim, a mediação semiótica se realiza numa dimensão singular e
social ao mesmo tempo, colocando o sujeito em contato com o mundo simbólico, que produz este
sujeito como ser que se humaniza na e pela atividade simbólica e que, simultaneamente é
produtor deste mundo simbólico, o da ação mediada segundo VYGOTSKI (1991, p.130). Estas
considerações permitem que se compreenda o que este autor chama de segunda natureza, ou seja,
a do desenvolvimento cultural do sujeito, onde as experiências interpsíquicas (sujeitos em
relação) são apropriadas em suas significações ao intrapsíquico (sujeito em sua singularidade),
processo no qual a mediação semiótica é fundamental (VYGOTSKI, 1995, p.150).
Para elucidar a relação sujeito/signo visual, no caso dos sujeitos Surdos-Mudos, inclui-se
abaixo alguns depoimentos sobre as experiências de sujeitos Surdos-Mudos relacionadas ao
exercício da visualidade constituidora e constituída pelos mesmos supondo, portanto a atividade
semiótica e a forma de como a atividade interpsíquica se transforma em intrapsíquica mediada
pela visualidade :
Fabiano Souto (2006, p.59), no seu artigo “Literatura Surda-Muda: Criação e Produção de
Imagens e Textos”, da ETD
61
, relata a sua experiência dizendo :
Nessa experiência com leitura, lembro que quando eu era pequeno, aos 13
anos, tive o primeiro contato com o livro "Família Rato", lido pela turma
na escola regular. Essa experiência foi significativa e até hoje lembro da
importância que é ter contato com os livros para desenvolver a
61
ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p.58-64, jun. 2006
80
criatividade, conhecer coisas, e ter contato com a leitura, tanto de imagens
quanto de textos (grifo meu)
O ato de “ver” ou de “olhar” o mundo exige uma interação entre propriedade suprida pelo
signo e a natureza do sujeito que olha ou observa. Como disse LABORITT (1997, p.15) falando
de sua experiência visual:
Os acontecimentos, ou melhor, as situações, as cenas, pois tudo era visual,
vivi tudo isso como uma situação única, aquela do agora. Tentando reunir
o quebra-cabeças de minha primeira infância para escrever, não encontrei
mais do que imagens.
Ou da construção imagética em relação ao barulho dos sons e do silêncio que são
formulados mentalmente pelos Sujeitos Surdos-Mudos: “Tenho minha imaginação, e ela tem seus
barulhos em imagens. Imagino sons em cores. Meu silêncio tem, para mim, cores, nunca é preto
ou branco. (idem, p.19)”
Ou ainda: “Os barulhos dos que escutam são também imagens para mim, sensações. A
onda que rola sobre a praia, calma e doce, é uma sensação de serenidade, de tranqüilidade”.(
idem, p.19)
Portanto, a mediação semiótica é muito importante porque tudo se realiza em qualquer
dimensão, mesmo no singular até na complexidade ao mesmo tempo. Com o mundo visual, cujo
símbolo está sempre em qualquer lugar, em todos os instantes, no abrir dos olhos de manhã até o
fechar dos olhos ao dormir. Cada imagem vai delineando, construindo até firmar a
representatividade do seu mundo sem “som”.
3.2.1 PERCEPÇÃO E SIGNO VISUAL: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS.
Para iniciar é importante dizer como a construção da consciência de mundo e a
interpretação da realidade são proporcionadas pela percepção da imagem, uma vez que esta acaba
81
constituindo não somente uma ilustração do percebido mas uma “linguagem” imagética. O uso da
imagem e da “linguagem” imagética na literatura, poesia, filme, dialógo, tem significado pelos
processos do “ver”, por meio dos olhares e do processamento visual sígnico, próprio dos Sujeitos
Surdos-Mudos.
O processo perceptivo foi estudado e compreendido de diferentes formas no decorrer dos
tempos. A modo de esclarecimento, descreve-se abaixo alguns pontos teóricos que permitem
agrupar duas das grandes tendências que procuram explicar esse processo.
Segundo VYGOTSKI (1993), para a psicologia associacionista, a percepção era
interpretada como um “conjunto associativo de sensações” e ainda que os “ elementos isolados se
unem (...), associam-se uns aos outros e por conseguinte surge uma percepção única, coerente,
integral (p.351). a psicologia estruturalista defende que a percepção é como estrutura que se
organiza a partir de leis próprias, antecede a apreensão dos estímulos isolados, e o que se percebe,
então, são formações integrais, como imagens , como gestalt (p. 352). Se a estrutura ou as regras
da mesma mudam, muda a percepção. Em ambas o sujeito não é enfocado em sua historicidade.
O conceito de percepção aqui utilizado se diferencia desses últimos expostos, embora
tendo como interlocutor um renomado autor que representa a corrente estruturalista (Gestalt) e
que traz contribuições que merecem ser citadas uma vez que contribuem para esclarecer parte dos
pontos significativos do conceito de percepção em sua interface com o processo da visualidade. O
ponto de vista adotado na tese, atrela-se àquilo que VYGOTSKI (1993), ressalta de maneira
enfática: que o processo de atribuição de sentido e a percepção não estão dissociadas: “A
interpretação da coisa, (...) se junto com a percepção (...) a própria percepção de aspectos
objetivos isolados deste objeto dependem do sentido, do significado que acompanha a percepção”
(p. 359). Não se trata, portanto, somente de uma configuração de perceptos do qual resulta uma
percepção, mas de uma relação dialética de mútua dependência entre percepção e
sentido/significado. Assim, não é possível, a não ser em situações especiais, separar a percepção
direta e imediata do processo sígnico de atribuição de sentidos. A percepção é, sempre, uma
atividade mediada signicamente. Outros autores, a exemplo de BÜHLER, citado por VYGOTSKI
(1993, p. 360) em seus estudos sobre a percepção ao mapear pontos de vista de diversos autores
sobre o assunto, afirmava que “a percepção constitui parte integrante do pensamento visual.
Simultaneamente com aquilo que vejo, é dada a mim a ordenação categorial da situação visual
que constitui, por sua vez, o objeto da percepção”.
82
Pode-se observar, então, que o pensamento visual não pode ser visto como uma
atividade mecânica e conseqüente a uma sensação produzida pelos órgãos periféricos dos
sentidos. É, antes, uma atividade complexa, portanto, atividade de processos psicológicos
superiores, segundo Vygotski
62
. O pensamento visual está associado à percepção mediada por
signos, ou seja, a uma atividade perceptiva com significado. É preciso considerar que diferentes
questões (emocionais, por exemplo) podem contribuir para que a percepção contenha elementos
ilusórios e que o mesmo autor acima citado diferenciou a atividade perceptiva dos adultos e das
crianças, mesmo mantendo o viés social presente nesta atividade. Estes temas específicos, no
entanto, não serão tratados nesta tese por não possuírem interface direta com seu objeto central de
estudo.
ARNHEIM (2004), como representante da corrente estruturalista, fala da percepção visual
(ou do signo visual) dizendo que a atividade do sujeito, na “captação” do real pela visualidade,
não se define como algo que se assemelha a um registro mecânico de dados,
não é um registro mecânico de elementos, mas sim a apreensão de padrões
estruturais significativos. Se isto era legítimo para o simples ato de
perceber um signo, era tanto mais provável sê-lo também a abordagem
artística da realidade (Introdução, 2004, p.5).
Deste modo, a construção e concepção simbólica do mundo se processam por meio de
representação visual ou de uma transcrição mental e visual de acordo com a realidade. Esta
transcrição mental e visual transforma e codifica vários elementos em uma estrutura. Do ato de
“ver” ou de “olhar” uma realidade comunicativa e interpretativa, nascida dentro da subjetividade,
cria-se nesta configuração o significado sobre a realidade. (ARNHEIM, 2004, Introdução, p.5)
Na experiência perceptiva, este padrão estimulador cria uma organização estrutural, um
esquema que ajuda a determinar a função de cada elemento pictórico dentro de um sistema de
equilíbrio que “Serve como moldura de referência, da mesma maneira que uma escala define o
valor da altura de cada tom numa composição musical” (ARNHEIM, 2004, p.8)
62
Processos Psicológicos Superiores, aqueles mediados por signos (Vygotski, 1993).
83
Nenhum ponto de figura está livre desta influência, se aceita como verdadeiro a existência
de pontos estáveis, mas sua estabilidade não significa ausência de perceptos visuais (ARNHEIM,
2004, p.8).
http://i3.photobucket.com/albums/y62/rhodesbauer/blog/ancestral_moldura.jpg
O que mostra é a representação da energia que está sempre em constante e é atraído um ao
outro. A moldura de uma foto mostra a linha, ou da sua forma mais simples, mas no fundo da
foto mostra as diversidades das imagens para ser expor alguma coisa. A moldura representa o
repouso e a diversidade da imagem mostra o espaço carregado de energia.
3.2.2 PARTICULARIDADES DO SIGNO VISUAL E SUAS PROPRIEDADES NA LSB
É sabido que a língua de sinais brasileira produz milhares de signos visuais o que
impossibilita mapear todos eles nesta tese. Igualmente, não pretendo categorizar, porque várias
nuances da imagem podem denunciar outros aspectos lingüísticos, pois a língua e seu discurso de
sinais influi várias possibilidades semânticas, pragmáticas e sintáticas que emaranham na imagem
visual.
84
As descrições visuais podem ser captadas de acordo com as imagens de acordo com o
signo animado e inanimado, som, tamanho, textura, palatar, fenômeno gasoso, líquido, sólido,
tato, cheiro, “olhar”, sentimentos ou desenhos visuais
63
:
1) dimensional - dar dimensões determinadas e adequadas de acordo com a visualidade;
2) bidimensional dar o dobro das dimensoes determinadas e adequadas de acordo com
a visualidade;
3) trimensional e aquele que tem três dimensões e que a sensação de penetração do
relevo visual.
Os Signos Visuais na LSB têm suas propriedades visuais que são: Equílibrio Visual,
Configuração Visual, Forma Visual, e Desenvolvimento Visual.
1) Equilíbrio Visual:
O Equílibrio Visual consta de “perceptivas visuais”, que é nada mais que cada impulso ou
o domínio das mãos (comparando com os “sons” que quando entra nos ouvidos humanos
adquirem a força receptiva) quando é impulsionado durante a gesticulação ou dos movimentos
das mãos de maneira que este impulso tenha um ponto de aplicação, uma direção e uma
intensidade, preenchem as exigências.” (ARNHEIM, 2004, p.9) e como diz os físicos de que as
forças moleculares e gravitacionais são ativas nestes signos, mantendo unidas suas
micropartículas e impedindo que se desintegreme que a visão e percepção dos Surdos-Mudos
como escreve Arnhein, para comparação:
Os raios luminosos emanados do sol ou de alguma outra fonte incidem no
signo, que em parte os absorve e em parte os reflete. Muitos dos pequenos
órgãos receptores situados na retina combinam-se em grupos por meio de
células ganglionares. Por meio destes agrupamentos consegue-se uma
primeira organização elementar da forma visual muito próxima do nível
da estimulação retiniana. À medida que as mensagens caminham em
direção ao seu destino final no cérebro são sujeitas a uma posterior
conformação em outros estágios do percurso até que se complete o padrão
nos vários níveis do córtex visual”. (2004, p.9)
63
Trabalho apresentado no texto-base da disciplina LIBRAS III, da Letras-Libras.
85
E se não houver equílibrio entre as “perceptivas visuais” no processamento visual do
“ver” ou do “olhar” dos Surdos-Mudos, pois existem comunidades Surdas-Mudas com várias
identidades, da qual, vou citar um deles, no caso de pessoas Deficientes Auditivos(as) ou Surdos
(as) Oralizados(as) ou Surdos-Mudos(as) Híbridos
64
que, ideologicamente e produzidos pelos
“ouvintistas” na base do sistema da oralização, aprendem a Língua de Sinais tardiamente. A
ausência do equilíbrio nas visuais perceptivas é como o artista que
(...) não precisa preocupar-se pelo fato destas forças não estarem contidas
no pigmento sobre a tela. O que ele cria com materiais fisicos são
experiências. A obra de arte é a imagem que se percebem, não a tinta. As
forças que impulsionam nosso disco são ilusórias apenas para o homem
que resolve usar suas energias para acionar um motor. Perspectiva e
artisticamente são absolutamente reais”. (ARNHEIM, 2000, p. 10)
A Configuração de Mão - CM 60
65
em uma mão, assim . Este pode não
dar um significado, mas em outros signos imagéticos, pode dar um significado dependendo do
contexto cultural, assim, como: arranhar com os dedos, ou na ação de pegar algum signo. Se tiver
um signo imagético isolado não tem significado visual.
Quando se juntam as duas mãos e em movimento no espaço-visual pode dar um
significado visual e este signo imagético se transforma em um sinal visual, como por exemplo:
bola
64
Gladis Perlin, 1998.
65
Para numerar de acordo com a Configuração de Mãos da LSBVídeo para facilitar a categoria fonética da Língua
de Sinais. Veja Configuração de Mãos pelo site: www.lsbvideo.com.br
86
Na Locação, o significado do sinal visual se situa sempre em uma posição visual, que é
em frente do tórax ou da posição corporal para marcar o espaço onde é inserido, ex:
Mas o Equílibrio Visual tem seu “signo imagético” como figura as duas mãos com as
CMs 60
66
para designar “bola”, cujos dedos das mãos precisam de uma posição que convergem
os traços das mãos em traços curvos para figurar a “forma da bola”. A análise quiremática, para
nós, ou Fonética, para os outros, na área lingüística de língua de sinais, mostra que “descreve a
unidade mínima dos sinais e suas propriedades físicas, articulatórias e perceptivas de
configuração e orientação de mão, movimento, locação, expressão corporal e facial”(QUADROS,
2004). Quadros deixa claro que o quirema não pode ser desvinculado com da Fonologia, pois os
dois estão sempre ligados uns aos outros.
O Equilíbrio Visual das “percepções visuais” tem suas próprias características que são:
66
Para numerar de acordo com a Configuração de Mãos da LSBVídeo para facilitar a categoria fonética da Língua
de Sinais. Veja Configuração de Mãos pelo site: www.lsbvideo.com.br
87
a) Peso O que influencia o peso é a localização, profundidade espacial, tamanho,
isolamento, interesse intrínseco, configuração e conhecimento. Os signos visuais se designam
como apresenta estas figuras e aquilo tudo se reflete na imagem o que se vê, por ex:
PROFUNDIDADE DO MAR (Localização). No nosso mundo, o que atrai os signos
visuais para baixo e para cima é a força gravitacional, que na visualização, todo o signo que cai
ou o signo que está no fundo do mar ou o signo que está subindo ou o signo está lá em cima ou o
signo que está em outros lados. O peso visual também se manifesta em outras direções com os
movimentos para baixo ou para cima ou de outras direções como em dois lados.
O FOGUETE SUBINDO AO CÉU (Profundidade espacial). O mesmo citado acima.
que não podemos omitir que, quando o signo está em direção para cima simulando o vôo do
foguete subindo, a chama e lança do foguete para cima e quando solta fogo faz um barulho
88
estrondoso. O mundo do som é impenetrável para a comunidade Surda-Muda, mas o barulho e a
força da impulsão é percebido por vibração imaginária e esta passa a impressão para o
movimento dos lábios e das bochechas simulando o barulho do som.
A profundidade espacial também pode ser observado em signo tridimensional, como o
sangue correndo pela veia do corpo, ex:
GRANDE PIRÂMIDE (Tamanho). Isto reflete o tamanho da pirâmide, mas tem outro
peso do tamanho que também reflete é a cor, como se segue o desenho abaixo:
Sabemos que a cor vermelha corresponde o peso maior por demonstrar a visualidade mais
chocante. A cor é um signo abstrato, mas sinalizamos a cor vermelha junto com a metáfora ou
com expressões chamativas que possam denominar a cor. A cor preta associa-se com a cor da
morte, do terror, da infelicidade, do prenúncio de dias ruins, etc. A cor branca denuncia a
inocência, a brancura da neve, a pureza, etc. Todos os signos que sinalizamos denotam a
expressividade da suavidade ou de grotesco dependendo da manifestação das cores.
89
TESOURO (Interesse intrínseco). O signo tesouro mostra mais peso e prende mais
atenção do observador devido a sua complexidade dos signos e outras peculariedades como os
brilhos dos anéis, os adornos dos colares, e outros. Este signo exerce o “fascínio” que reluz os
brilhos dos olhos dos observadores, que acabam provocando a expressão facial do observador
associando a ansiedade e desejo. Também pode acontecer se aparecer um signo que deixa o
observador assustado, como ex: o cadáver na rua.
SOLIDÃO
(Isolamento). O signo sozinho ou solidão está relacionado como signo que rodeia por outras
coisas. Este tem um peso maior porque demonstra o único signo dentro de uma localização vazia
ou neutra.
90
CONHECIMENTO O som não é uma entidade que é livre de interpretação, mas algo que
emerge dentro de um sistema de conhecimento
67
(PADDEN, 1988, p. 23).”
b) Direção Vários fatores determinam a direção de perceções visuais como um
sistema de compensação. Este sistema de compensação tem suas características que dependem da
propriedade do Equílibrio Visual, entre eles a atração exercida pelo peso, acima mencionado, dos
outros elementos vizinhos, ex:
CAÇADOR ATIRANDO
Mas outras características também dependem da localização do ponto de aplicação, sua
intensidade e direção. Na localização do ponto de aplicação se relaciona mais com a direção do
ponto de onde o signo está direcionada, quer seja, para cima ou para baixo ou de grande
velocidade ou de pequena velocidade, como exemplo:
CAVALGAR
67
Tradução: Sound is not an entity that is free of interpretation, but something that emerges within a system of
knowledge.
91
PUXAR O CAVALO PARA CIMA
A sua intensidade se relaciona com a atração pela força da atração exercida pelo signo ou
pelo observador quando cai ou sobe, como mostra o exemplo:
PARA-QUEDAS SAINDO DO AVIÃO
Na direção visual, os olhos são uma das características mais importantes na sua
direcionalidade para com o signo. Os olhos do observador se manifestam diante da situação ou do
acontecimento ou da percepção visual que norteia em sua volta. Vou citar do famoso ator,
Humphrey Bogart, do filme Casablanca
68
, que observa a sombra entrando, e ele sai de fininho, ou
as CM que podem simular como os “olhos visuais”, como por exemplo:
68
Do Diretor Michael Curtiz, Estados Unidos da América do Norte, 1942.
92
OLHAR PARA OS LADOS
c) Padrões de equilíbrio para conseguir o equilíbrio visual pode-se usar várias maneiras
de modo igual ou diferentes, como: uma imagem simples ou de uma imagem complexa
(inúmeros signos que cobrem um campo inteiro), ex: FLOR como imagem complexa.
Ex: imagem simples (Flor)
Ex: imagem complexa (Buquê de flores)
d) Alto e Baixo desigualdade de signos sempre mostram a dualidade ou
diferença ou oposto. É comum a associação dos signos visuais com sua concepção de
desigualdade, o que passa a diferenciar seus contextos visuais. O contexto de rico / pobre,
acadêmico / não-acadêmico, e muitos signos, passam a ter suas distinções visualmente.
93
ex: CLASSE ALTA
CLASSE BAIXA
ESQUERDA e DIREITA
94
DESIGUALDADE SOCIAL
FACULDADE X ASSOCIAÇÃO
2) Configuração Visual A visão como exploração ativa requer um mínimo de indícios
para a perceptiva visual. A prática cotidiana do “ver” com os próprios olhos, por meio de
orientação visual, é ver os signos estarem presentes em lugar certo e que estão fazendo uma
determinada coisa. Por exemplo: cada detalhe é visualizado, assim como, as pegadas dos pés
deixadas e marcadas na praia em contraste com a vibração do barulho do mar, cujas águas das
ondas ao cair batem na areia. As pessoas com boa percepção visual tiram essa vantagem durante
o tempo todo. O melhor método para ter uma boa percepção visual é estar associada à idéia do
Diderot, em 1751: Cada um tem seu modo de ouvir; o meu é com os ouvidos tapados, para
ouvir melhor”.
As características da configuração visual são:
a) A visão como exploração ativa - De acordo com ARNHEIM (p.35, 2004), a visão
ótica provém da percepção visual, cuja imagem e mensagem passam ao cérebro:
a imagem ótica da retina estimula cerca de 130 milhões de receptores
microscopicamente pequenos, e cada um deles reage ao comprimento de
95
onda e à intensidade da luz que recebe. Muitos destes receptores não
desempenham seu trabalho independentemente. Conjuntos de receptores
constituem-se em sistema neural. (...) Mesmo assim, alguns princípios
ordenadores são necessários para transformar a infinidade de estímulos
individuais nos signos que vemos.
Não exercitamos o nosso “ver” e sim alcançamos um ou vários signos quando os “vemos”
e o ato de perceber formas ou detalhes são as ocupações mentalmente e visualmente ativas no
processamento visual. Nós construímos o nosso “ver” todas as formas, e aprendemos “os ajustes
significativos dos seus mundos”
69
(Padden e Humphries, p. 21, 1988) como ex:
POESIA – VER – IMAGEM – SOL - LUZ
69
“the significant arrangements of theirs worlds”
96
OU A MUDANÇA DO TEMPO
b) Captação do essencial Essa visão como uma captação ativa está mais inserida na
apreensão dos artefatos culturais do Povo e da Comunidade Surda-Muda. Seus olhos, sua
percepção visual e sensação ou vibração estão mais equipados para ver e sentir os detalhes bem
pequenos e os registra tudo parcialmente e imparcialmente, como exemplo:
- Quando uma pessoa não-surda-suda quer responder por escrito, a pedido do Surdo-Mudo,
para explicar alguma coisa e este advinha rapidamente a resposta, quando o não-surda-muda
escreve a primeira palavra da frase, ou seja, ele recebe uma pista e deduz o restante, dando
sentido ao pedido do não-surdo-mudo.
- Ou observa a resposta quando a pessoa não-surda-muda escreve ou responde em lado
oposto do observador;
- Aponta por “olhos” quando quer referir o referente;
- Padden e Humphries, no seu livro Deaf in America; Voices from a Culture” (p.21,
1988) escreveu: Nas famílias Surdas, as pessoas sinalizam entre si pelo toque ou fazendo
movimento dentro do alcance visual do outro
70
. Outro caso interessante: “...uma colher cai e
provoca um som quando bate no chão. Alguém a pega, mas não simplesmente por ela provocar
um som mas porque saiu fora de vista
71
(p.22, 1988);
- Outro fator que o sopro do vento determina a visualidade: quando sente que a pessoa está
chegando por trás, é porque sopro do vento, cuja força já prenuncia a chegada de alguém. Padden
e Humphries também mostraram que o vento pode ser o ótimo aliado para a visualidade dos
70
“In Deaf families, people signal one another by touching or by making a movement into another´s visual range”
71
“..a spoon falls and makes a sound as it hits the floor. Someone picks it up, not simply because it made a sound but
because it slipped from view”.
97
Surdos-Mudos: Uma porta bate, o vento sopra na sala, e signos sobre a mesa balançam e
deslocam-se
72
(p.22, 1988). Ou de uma visão bem longe o prenúncio da chuva que se aproxima
cujas chuvas mostram suas cores escuras em contraste com as outras cores mais suaves.
- “Ver” capta algumas características dos signos mais chamativos que o resto do mesmo
signo, como ex: a magreza de uma pessoa, a gordura saliente na barriga, as cores dos cabelos, das
roupas, os cortes curtos dos cabelos, e dos números em sinais. Por falar dos números em sinais,
tive uma experiência ao assistir uma palestra dos candidatos à reitoria da UFSC, a Intérprete de
Língua de Sinais, me avisou que a palestra começava no horário das 17 horas. Na soletração
numérica, o número 1 passou despercebido, e entendi que eram 7 horas da noite. Quando chegou
no horário das 18 horas, recebi mensagem incessante no celular de uma conhecida minha,
perguntando se eu compareceria no evento, Fiquei aturdida e confusa na hora. Fui, assisti e no
final, indaguei para a mesma Intérprete de Língua de Sinais que ela tinha soletrado errado, pois o
número para designar horário era da língua portuguesa (17 horas) e o número correto para
designar em língua de sinais era 5.
c) Simplicidade São os signos visuais que mostram as coisas mais simples e usuais do
olhar, mas podem provocar várias reações subjetivas, dependendo do observador. A simplicidade
subjetiva nem sempre compartilha com a simplicidade objetiva, como mostra o exemplo: Amigo
e Errado. A maioria dos observadores não percebe a complexidade semântica e pragmática dos
signos que passam a confundir com a simplicidade dos signos visuais. Isso explica Arnhei*m
(p.51, 2004) que “o cérebro humano é o mecanismo mais complexo da natureza e, quando uma
pessoa formula uma afirmação que deva ser digna dela, deve torná-la suficientemente rica para
refletir a riqueza de sua mente”.
AMIGO PEDIR UM FAVOR
72
“A door slams, air rushes into the room, and objects on the table rattle and wobble”
98
ERRADO OLHE O OUTRO QUE ESTÁ VINDO OU
OLHANDO (de Santa Catarina)
Se a dupla dos dois signos visuais “Amigos” e “Errado” parecessem iguais, então o
conceito lingüístico dos Surdos-Mudos seria privado de um significado simples desejável entre
signo e função semântica e pragmática. A simplificação da forma empobreceria o nosso mundo
visual.
99
d) Nivelamento e aguçamento O nivelamento se mais em alguns signos como
simplicidade, realce de simetria, ênfase (ou repetição), omissão de detalhes não integrados e o
aguçamento realça a diferença. O nivelamento e o aguçamento acontecem no mesmo signo, e ao
mesmo tempo. Na memória visual das pessoas os signos podem ser contextualizados
diferentemente e aceitos no lugar de outros signos, mas ao mesmo tempo, eles sobrevivem ao
contexto, mantendo sua forma e uso em outras situações de uso, por exemplo:
ONTEM ONTEM - ANTES
Nos exemplos acima temos dois signos da LSB, no entanto, o mesmo signo ANTES pode
ser usado como ONTEM em situações informais, sendo interpretado apenas no contexto
conversacional.
e) Os olhos se vêm da verdade Sabemos que a parte visual feita pelo Surdo-Mudo adapta-
se às necessidades humanas. A captação visual das formas exteriores e interiores das coisas
naturais são tão simples quanto a visão e o ato de “ver” permitem; e esta simplicidade favorece a
separação visual. Por exemplo: a água da cachoeira e a correnteza da água, que se distinguem das
diferentes substância (água) e forma (correnteza e de como ele desliza para baixo). Tem uma
manifestação externa pelo fato da água que corre dentro separadamente da correnteza. Existem
uma sucessão de estados separados e objetos diferentes (água e correnteza) que criam, como um
subproduto, transformando a aparência dos signos diferentes. Ou do famoso desenho das mãos
que mudam o significado
100
site: www.eglobe1.com/.../others/livedrawing01.jpg
4) Forma Visual – Orientação no espaço
Na Orientação no espaço, como na figura da gina 86, as palmas das mãos estão mais
para dentro, para figurar a forma da bola junto com os dedos para dentro. Com os dedos em curva
dão o sentido de “segurar” alguma coisa, assim como se segura a “bola”.
5) Desenvolvimento Visual A imagem passa a ser desenhado na sua mente quando os
sujeitos Surdos-Mudos vêem e criam seus conceitos representativos.
3.3 SIGNO VISUAL E SUJEITO SURDO-MUDO: EXPERIÊNCIAS E IMPASSES
Não se pode fazer nada para forçar ou reforçar a audição de um sujeito Surdo-Mudo.
Apenas com aparelhos tecnicamente desenvolvidos é possível sensibilizá-los de alguma forma
para que estes cheguem a apresentar respostas aos sons, o que na verdade expressa um
desconhecimento importante sobre todo o processo de construção de conhecimento que se produz
com e pelos signos visuais para os sujeitos Surdos-Mudos. Estes recursos bem como a prática da
medicalização, foram impulsionados pelo movimento eugênico (século XIX) cuja obra foi
largamente elogiada pela revista americana "Nature", em 1870. Esse movimento quis transformar
a eugênia em uma ciência que menosprezava os que consideravam como deficientes, que
demarcava o perfil de quem era considerado inteligente, o perfil da raça mais “pura” aplicando
101
vários procedimentos, tais como: reprodução seletiva, medicina terapêutica e educação
terapêutica, entre outros. Esse movimento enfraqueceu com algumas ações anti-eugenistas, com a
manifestação de cientistas de diferentes áreas (inclusive questionando o conceito de inteligência),
manifestações das próprias pessoas portadoras de deficiência e reconhecimento dos direitos
humanos (Declaração Mundial de Direitos Humanos, em 1948, movimento dos negros, nos
Estados Unidos, entre 1955 e 1968, movimento do Ano Internacional de pessoas portadoras de
deficiência, em 1981). Nesse mesmo sentido de imposição daquilo que uma parte significativa da
medicina pensa sobre a surdez, destaca-se o caso dos implantes.
LANE (1999,p. 230) a respeito da prática do implante coclear comenta:
Surpreendentemente, a FDA
73
aprovou a implantação em crianças mais
tenras e os cirurgiões continuam procedendo com total ausência de
estudos de pesquisa descrevendo as conseqüências do implante na
qualidade de vida da criança surda, isto é, na sua integração como
adolescente e adulto na comunidade dos surdos, no seu desenvolvimento
nos planos social, intelectual e emocional e na saúde mental
74
A idéia parece ser a de que a intervenção médica resolve o “problema” com o recurso
tecnológico em si, e que, habilitando o órgão dos sentidos “lesado”, re-habilitarão o sujeito.
Parece haver uma negação do entendimento de que a atividade sígnica não se resolve como tal no
território da sensibilidade superficial (a dos órgãos dos sentidos). Mesmo com a ajuda de
profissionais de outras áreas como a fonoaudiologia, por exemplo, em muitos casos trabalham no
sentido da adaptação do “paciente” a um implante, tentando tornar possível algum percentual de
audição, trabalham na re-habilitação de um órgão dos sentidos e a pessoa como um todo parece
ser desconsiderada como sujeito. A questão da surdez é negada em sua dimensão cultural e
lingüística no que se relaciona especificamente a importância do signo visual. A questão da
cognição (permeada pela atividade sígnica) passa a ser vista como algo relacionado de maneira
particular à capacidade auditiva do sujeito e às possibilidades de aprendizagem que emergem daí.
O sujeito em suas dimensões subjetiva e objetivo-social é esquecido, ou seja, o sujeito Surdo-
73
FDA sigla da Food and Drug Administration
74
Tradução: Astonishingly, the FDA has approved early implantation and surgeons are proceeding with it in the total
absence of research describing the impact of the implant on the deaf child´s quality of life on his integration as an
adolescent and an adult into the deaf community, on his social, intellectual, and emotional development and mental
health.
102
Mudo é desconsiderado em suas especificidades que o diferenciam dos demais sujeitos. SACKS
(apud LANE, 1999, p.230), falando a respeito da medicalização da enxaqueca disse que para
tratar uma pessoa que apresenta essa queixa é necessário “explorar o seu significado numa pessoa
em particular. Não é elaborar um “histórico clínico”, mas tentar construir uma completa
narrativa humana”.
Os Surdos-Mudos que não são consideradas em sua totalidade, mas como um ser que
possui uma parte de si “disfuncional” são assim considerados pelo raciocínio do funcionalismo
mecanicista que acredita que, ao corrigir um órgão, corrige toda uma cadeia de elementos
funcionais. Este ponto de vista por certo apresenta questionamentos do ponto de vista moral em
seu fazer. Lane ao falar sobre a questão da visão da moral e ética da medicina ressalta: “Devemos
ser mais moralmente certos quando intervimos do que nos abstemos de intervir
75
, (LANE, 1999,
p.235)
A comunidade dos Surdos-Mudos como grupo culturalmente caracterizado do ponto de
vista lingüístico pelo uso da língua de sinais, prenhe de signos visuais, portanto, distinta de outras
línguas, defende que os princípios e normas sociais aplicáveis à população que utiliza a ngua
oral não devem criar meios considerados como científicos para alterar biologicamente ou
mentalmente uma criança Surda-Muda no sentido de que esta pertença à sociedade dos que
falam uma vez que sua língua difere radicalmente da ngua de sinais da comunidade Surda-
Muda.
A percepção dos ouvintes em geral, por desconhecerem a língua de sinais e talvez por
estarem influenciados pela própria situação em que se encontravam/encontram, muitas vezes, as
comunidades de sujeitos Surdos-Mudos ou mesmo estes individualmente, provocou
interpretações questionáveis sobre estes sujeitos que levaram a serem considerados como
“inválidos”, “burros”, “idiotas” e outras denominações acerca do estereótipo
76
criado em função
da ausência da fala oralizada. Este estereótipo embasou a implantação de várias leis abusivas,
destoantes do que pode ser assegurado como direitos humanos, como a proibição do casamento,
por exemplo. A Lei 3.071 de 1916 proibiu o casamento de um Sujeito Surdo-Mudo com um não-
surdo-mudo. O escrivão do cartório, em Del Castilho, na cidade do Rio de Janeiro negou o
75
Tradução: We must be more morally sure when we intervene than when we fail to intervene.
76
Segundo GOFMANN (1988), estereótipo é uma representação esquemática e frequentemente deformada, aplicada
a um grupo nacional, étnico e racial.
103
casamento alegando a “incapacidade” desse, apesar de ele ser funcionário público de uma
autarquia extinta, que atualmente está emprestado à UFRJ. No final, o casamento se efetivou em
outro cartório.
Pelo “desconhecimento” e supremacia do significado da “incapacidade” atribuída aos
Surdos-Mudos e, em alguns casos, assumida por estes, criam-se comumente vários obstáculos a
serem enfrentados pelos Surdos-Mudos. Um dos obstáculos mais significativos é, sem dúvidas, o
enfrentamento de certos discursos que deixam de ser vistos como produtos sociais e que se
naturalizam como algo que inquestinavelmente faz parte da vida dos homens. É o caso, e
ressaltando mais uma vez, dos discursos balizadores e balizados por aquilo que é considerado
normal numa sociedade.
PRADO FILHO (2006, p.36) baseado em FOUCAULT (1987), diz que o movimento dos
discursos supõe a transposição de alguns limiares para que os mesmos se estabeleçam e entre
estes limiares detacam-se:
a) positividade quando uma prática discursiva se individualiza, tornando-se
autônoma;
b) epistemologização – quando atende a normas de verificação e coerência;
c) cientificidade - quando atende a um grupo particular de critério e regras de
validação;
d) limiar de formalização - quando um discurso científico consegue definir seus
axiomas, suas estruturas e relações.
Para que se estabeleça e se generalize, não se trata de um discurso começar na
individualização e ir sobrepondo limiares até chegar o final na formalização, como um discurso
natural que se realiza gradativamente. Tem, sim, um significado: o do jogo político que institui o
que é considerado como normalidade para o caso que se está discutindo, o da surdez. Este jogo
político constitui um dos artefatos da supremacia dos conhecimentos pelos quais alguns discursos
conseguem chegar no topo e, em conseqüência, acabam sendo conservados e naturalizados como
verdadeiros e muitas vezes imutáveis. Tais discursos persistem no saber popular, no pensar de
sujeitos em particular ou de grupos instituídos, nas estantes das bibliotecas escolares ou livrarias,
enquanto manifestação do “conhecimento” tido como verdadeiro. Professores e mesmo os
104
formadores de futuros professores, por exemplo, aprendem e difundem estes discursos
assentados nos princípios da normalização e que, como verdade, não são questionados, mas
repetidos por meio de seus discursos e das referências bibliográficas utilizadas a cada ano letivo.
Alguns sujeitos, talvez na busca de uma aproximação do status de normalidade hegemonizado
para uma época, podem ser reprodutores e defensores de tais discursos. A busca por Implantes
Cocleares como ação isolada, por exemplo, pode expressar algo nesse sentido.
A título de ilustração, vale transcrever uma discussão calorosa da autora desta tese 2006
no messenger da Hotmail (em 2006) com um surdocego português com implante coclear, a
respeito do “som” e de seu significado social e o quanto uma ação externa provocada por um
Implante Coclear, no caso, alteraria ou não a percepção do entorno de um Surdo-Mudo:
Ana Regina – USA diz:
Implantar o IC
77
nas crianças pequenas mesmo que eles não estejam pedindo para isso.
Eles não estão pedindo para ouvir, já nasceram sem som
SurdoCego diz:
vc n gosta d ouvir?. Como 1 pessoa q nunca ouviu sabe s é bom ouvir ou n.
Ana Regina – USA diz:
eu nunca quis saber em ouvir...uso a minha visão muito bem
Ana Regina – USA diz:
sem ouvir também é MUITO BOM
R. / RJ - Editora ARARA AZUL diz:
Ana, pense no caso da pessoa Surdo-cega. Seria ou não interessante o IC neste caso?
Surdo-Cego diz:
pois é mas, os sons são lindos.
Ana Regina – USA diz:
......., vc não gosta de “não ouvir”. Como uma pessoa q nunca soube de como é “não ouvir” sabe
se é bom “não ouvir” ou não. (grifo meu)
Surdo-cego diz: pois é mas eu j ouvi b. imagine o q é s deixasse d ouvir. R. tratemos d outra
coisa.
77
Abreviatura de Implante Coclear
105
Isso mostra que “não ouvir” pode ser terrível para certas pessoas. O mesmo não
acontecendo com outras, pois, de acordo com o que se pode constatar, para a esmagadora maioria
dos Surdos-Mudos a Surdez não é sinônimo de tristeza ou perda associada à ausência do “som”.
STRNADOVÁ (2000, p.30) afirma que a percepção de mundo parte significativa dos sujeitos
Surdos-Mudos se diferencia daquela que é intermediada pelo som. Tais sujeitos,
Não consideram a surdez como a maior infelicidade do mundo,
principalmente quando alguns problemas causados pela sua deficiência,
como o acesso às informações, os problemas de comunicação e a
possibilidade de viver uma vida independente e plena, são resolvidos.
Orgulham-se por conseguirem aceitar a surdez, possuem uma ngua (a
língua de sinais) e até uma cultura própria. Essa é a forma mais elevada
de aceitação da perda auditiva. Formam seu próprio mundo e consideram-
se uma minoria lingüística e cultural, numa sociedade majoritária de
ouvintes.
Acrescenta a autora citada: “Ouvir o que e com que qualidade?” “É um assunto subjetivo.
Se uma pessoa tem que ouvir sons indefinidos, incômodos, dolorosos, dos quais não tem
benefício algum, a resposta é fácil”. (STRNADOVÁ, 2000, p.30)
Essa necessidade de “busca do som” expressa por alguns, pode ser interpretada como algo
que se constrói em decorrência daquilo que um contingente grande da população significa como
surdez. Ou seja, quando prevalecem certos princípios de normalidade antes destacados que se
generalizam capturando, muitas vezes, mesmo o pensar e o sentir daqueles que se encontram na
condição que os define como “diferentes”.
Um outro exemplo de interlocução onde se enfrentam discursos antagônicos, mas
apresentando outro desfecho, será transcrito abaixo. Trata-se do discurso de um professor e sua
interlocução com outros colegas que se faziam presentes na sala dos professores de uma escola.
Entra na sala dos professores, Mauro, o Professor de Ciências, quando os demais
presentes se ocupavam com seus deveres e bate-papos informais. Com o semblante constrangido
deixa cair os livros didáticos em cima da mesa, chamando-lhes a atenção com um barulho
ensurdecedor. Alguns o olham com surpresa e uma professora surda-muda que naquele momento
escrevia alguma coisa na mesa, também é surpreendida com a ação inesperada de Mauro, presta
atenção em suas palavras:
106
- Não agüento mais dar aula para os surdos-mudos! Eles não entendem nada! Por mais
que tento fazer, eles não conseguem entender, continuando seus papos!
Bianca, a professora surda-muda, tenta pegar as frases ditas por Mauro e sem entender,
pede ao Intérprete de Língua de Sinais, que no momento estava presente, que as traduzisse
literalmente.
Um dos professores, do mesmo colegiado, disse algo que o deixou perturbado:
- Paciência. São os ossos do ofício! Para fazê-los entender, é preciso usar vários recursos
para chamar a atenção.
- Mas, aqui na escola não tem nenhum recurso. Quando mais preciso dos recursos, nunca
tem. Sempre respondem a mesma coisa: dificuldade financeira. - retrucou Mauro.
- Então, use a criatividade! – disse o outro.
- Ah! Como?! – retrucou Mauro
- Nem sei! Isso é da sua matéria. Eu sou da Física.
Bianca e pensa: “Há falta de cooperação, como se vê. Animosidade, falta de respeito,
briga pelo poder, desprezo aos colegas, incompreensão.”
Tal professora, não “agüentando” mais levanta e, com a ajuda do Intérprete de Língua de
Sinais, pede a Mauro para explicar quais as dificuldades que ele tem com os alunos Surdos-
Mudos.
- Eles não conseguem entender o ciclo ovulatório da mulher, por exemplo. Eu sei que sou
fraco em Língua de Sinais, por mais que tento. Usei os desenhos no quadro, apesar de não serem
legais. Mostrei as gravuras no livro, mas você sabe como é. Usar uma mão para sinalizar
enquanto uso a outra mão para segurar o livro, não ficou legal. Prefiro ser independente sem
depender dos outros para usar livremente as mãos para comunicar. Eles não prestam atenção,
ficam rindo das minhas trapalhadas, não são cooperativos e acabam conversando. Como eles são
difíceis de entender!
Bianca, observando todos os detalhes do que Mauro dizia, explicou:
- Os alunos percebem o que você quer explicar, mas não o compreendem. Usando
palavras ou sinais soltos, sem coerência e fluência do discurso, com a Língua de Sinais fraca e
você mostrando a gravura com uma mão e usando a outra para sinalizar, fica pior ainda.
Mesmo com os desenhos no quadro, apesar de não serem perfeitos e com a Língua de Sinais
107
rudimentar, também fica sem coesão. Vou explicar como se faz para chamar a atenção dos
alunos.
Os professores se admiraram com a eloqüência da professora Bianca e com a tradução do
Intérprete de Língua de Sinais, passando a escutá-la com interesse, com curiosidade de saber o
resultado final.
Bianca levantou-se e se dirigiu ao quadro-negro, como se estivesse no lugar do professor
de Ciências. Alguns professores se sentaram, outros ficaram em pé, mostrando expectativa
quanto às explicações da mesma.
Bianca, ao encostar-se no quadro negro, em frente aos professores em sua volta, começou
a chamar a atenção de todos, dizendo:
- Hoje o tema da aula é Reprodução Feminina.
Levantou os dois braços, com as mãos esquerda e direita abaixando, com as palmas das
mãos um pouco fechadas e fechou as pernas. Com a mão direita, mostrou o processo da
penetração do pênis no meio das pernas. As pernas representam a figura do canal vaginal e na
ejaculação, os espermatozóides entram por ele e vão subindo até no antebraço esquerdo ou
direito, que representam as trompas. A mão esquerda ou direita solta um óvulo, que vai
percorrendo o antebraço e os dois, óvulo e espermatozóide, cruzam-se e vão descendo até o
tronco, que na figura representa o “saco vaginal” e se fixam no útero. Algumas semanas depois, o
embrião começa a crescer e, mostrando o tronco vai crescendo, engordando para fora, gerando
uma criança dentro dele. Após nove meses, a cabeça sai pelo canal vaginal entre as pernas,
nascendo (figura 1).
108
Todos ficaram estupefatos e admirados com a narração através da Língua de Sinais na
modalidade visual e espacial.
- É isso aí! Tão simples e sem complicação! - falou uma professora.
- Que imagem! Parece um filme de cinema ou um documentário! – falou outro.
- Isto é função do professor e não de Intérprete de Língua de Sinais - replicou o Intérprete.
- Como é difícil transformar a explanação para a imagem visual! – falou Mauro.
Bianca, somando todas as indagações e comentários dos professores, explicou
calmamente:
- Isso é um processo de conhecimento e da aquisição da cultura surda através da imagem
semiótica. O que estou fazendo não é simplesmente uma tradução como o Intérprete de Língua de
Sinais acabou de falar, e sim uma explanação através da imagem visual, como o outro disse. De
fato parece um filme de cinema ou um documentário, cuja imagem aparece na tela ou nas
gravuras, como o outro disse. É tão simples e sem complicação, como ela disse. De fato, tudo o
que todos falaram agora se juntam em um só. Isso é chamado de semiótica imagética, que é um
estudo novo, um novo campo visual onde insere a cultura surda, a imagem visual dos surdos, os
olhares surdos, os recursos visuais e didáticos também. Quero esclarecer que isto não é um gesto
ou mímica, e sim signo. A imagem em Língua de Sinais, onde vocês podem transportar qualquer
imagem ou signos em desenhos ou figuras em Língua de Sinais como acabei de mostrá-lo. Vocês
podem usar os braços, os corpos, os traços visuais como expressões corporais e faciais, as mãos,
os dedos, os pés, as pernas em semiótica imagética. Não é difícil. O que falta a vocês é freqüentar
as rodas dos amigos, colegas e conhecidos surdos. Lá demonstram muitos, e ricos, recursos
visuais que podem ser transportados para a sala de aula! Isso é um dos recursos da cultura surda
que é desconhecido pela maioria.
- Todos usam isso? - perguntou uma professora.
- Nem todos usam. Isto faz parte do discurso de cada um. E também conta o fato de
alguns surdos serem oralizados, outros não. Alguns são criativos e outros não. São como os
ouvintes. Como no marketing ou na comunicação, os ouvintes podem ser criativos, como nos
desenhos, propagandas, filmes de ação, fotografia, através das palavras, fotos e imagens. O
mesmo acontece com os surdos, que muitos recursos são jogados fora e despercebidos pela
maioria. Isto é uma mina de ouro! Lembre-se sempre que quando encontrar um sujeito surdo,
procure saber qual a origem dele, o modo dele, o discurso, se é criativo ou não e nele encontrarão
109
a semiótica imagética. Se encontrar um surdo submisso, sem opiniões, apagado, dificilmente se
encontrará aquilo que quer.
- Onde posso encontrá-los? – perguntou a professora
- Freqüentando associações de surdos, na roda dos amigos ou conhecidos surdos, nas
festas e outros lugares onde eles estão... – respondeu Bianca
- Mas eles rejeitam quando nos vêem. Fico sem comunicação... – disse a outra.
- É... é pela história que eles passaram, no processo do preconceito que eles passaram.
Eles foram incompreendidos e agora estão devolvendo com a mesma moeda.
- Como... se nós não temos culpa de nada... – disse a professora.
- Sim... respondeu Bianca - Temos um pouco de culpa, por causa da nossa intolerância
para com os outros”. A nossa responsabilidade agora é divulgar a importância e o
reconhecimento da Língua de Sinais. Se for com força de vontade e compreensão, paciência,
segundo o seu senso comum, você conseguirá encontrar neles a mesma afetividade, respeito,
consciente lingüístico, olhe “consciente lingüístico”, e acredito que será bem recebida no seu
círculo de amizade. Caso contrário, nada feito...
- Pode me explicar o que é semiótica imagética? – pediu um professor.
- Bem, isso é um novo campo de estudo disse Bianca É o meu projeto, que pretendo
apresentar no doutorado em educação na universidade. Pretendo aprofundar mais e divulgar a
importância da semiótica imagética no campo de estudo da educação. Este tema é, nada mais, que
um estudo quase inexplorado na educação brasileira assim como em alguns outros países. Isso
requererá muitos anos de estudo para que se alcance este objetivo na educação. Principalmente na
apropriação do conhecimento através da imagem visual, que é um dos recursos pelo qual os
surdos podem lutar para conquistar direitos iguais a todos os demais colegas (em qualquer nível
de escolarização) relativos ao ponto de vista lingüístico, social, político e de relação humana.
Bianca continuou:
- Semiótica imagética é a parte da semiótica geral ou uma ciência geral dos signos, um
dos sistemas de significação. Por exemplo, o famoso fotógrafo e crítico Sebastião Salgado, pelas
tecnologias da imagem, com suas fotografias contribuíram para o desenvolvimento da criação
artística no foto-jornalismo e do estudo para um melhor entendimento sobre a cultura do olhar,
além de provocar reflexões sobre os temas sociais, as configurações econômicas e políticas que
se entrelaçam em um determinado período histórico. Ele consegue fazer uma reflexão de
110
situações capturadas por suas lentes, mostrando o resultado das resoluções que ocorrem nos
centros de poder, como o lado excludente da globalização. Ele mostra a exclusão daqueles que
não são economicamente úteis, sejam homens, mulheres, velhos ou crianças. Ao mesmo tempo
exerce uma função social relevante que é a do jornalista agente da História, função social que
reúne, em uma só, todas as outras funções que vieram se desenvolvendo através do
amadurecimento do jornalismo. Isso mostra o impacto do sofrimento através das expressões
faciais e corporais humanos. Assim acontece como a propaganda das eleições municipais onde o
desenho de uma urna pode ser significado como respeito ao direito da cidadania.
A Língua de Sinais é um campo pouco explorado, mas se encontra a diversidade dos
signos e outros sistemas de significação através da velocidade e da expressividade na leveza das
mãos, dos braços que os desenham, na leveza do ser no ar, no espaço ininteligível da percepção
dos olhares humanos! Vou dar um exemplo de Platão, na sua obra “Fédon”, que começa assim,
metaforicamente:
“... É que muitas partes, ao redor da terra, há um grande número de
cavidades diferentes entre si pela forma e pelo tamanho, para as quais
correram e onde se juntaram águas, vapor e ar. Quanto a terra em si
mesma, pura, encontra-se situada na pura abóbada celeste, onde
demoram os astros, e parte é chamada de éter pelos que disso tratam. A
borra precipitada do éter vem aglomerar-se nas cavidades da terra. Nós
habitamos, pois, essas cavidades, embora não o notemos: cremos que
estamos a morar na superfície do oceano aquele que habitasse o seu
fundo, pois, vendo o sol e os demais astros através da água, haveria de
tomar o oceano por um céu...”
E como traduzir isso para os surdos? Acredito que na posição do Intérprete de Língua de
Sinais, ele traduziria literalmente o que acabei de falar sobre Fédon”, e isso é incompreensível
para o campo lingüístico e visual dos surdos. E eu vou mostrar como eles podem entender
claramente (figura 2).
111
Bianca continua:
- Você mostra através das duas mãos o globo terrestre, sendo uma das mãos em cima e
outra embaixo, imaginado um globo geográfico e mostra que em volta deste globo um espaço
cósmico, chamado éter. No globo há vapor, água e ar. Nós moramos na terra, apontando um lugar
fixo no globo imaginário e olhamos para o céu, para os astros. A mesma coisa acontece com os
peixes e outros animais aquáticos que vivem na água e vêem o céu e os astros através da água.
Nenhum de nós e nem os peixes somos importantes pelo fato de estarmos na terra ou na água.
Cada um tem a sua visão, porém é importante saber escutar, ver, “ouvir” as opiniões dos outros
para poder formular as suas opiniões próprias. Entendeu? - finalizou a Bianca.
- Perfeitamente... Bem, vou me esforçar em traduzir mentalmente, transformando as
palavras, as frases, as significações, os signos, outros signos, signos visuais, ou seja, em “palavras
visuais”, em imagem, porque isso facilita muito para os surdos – disse o professor.
- Também concordo, mas reconheço que é um processo longo - respondeu Mauro.
- Mas não é difícil, é saber estudar muito e ter a consciência lingüística dos “outros” -
explicou Bianca.
Todos levantaram para retornar às suas salas de aula, pois a hora de educação física havia
terminado.
- Parabéns! Você me ajudou muito com as suas idéias – disse Mauro.
- Isto é o meu serviço a todos os professores. Espero que o meu método surta o efeito
esperado – respondeu ela.
- Tchau! – disseram.
Bianca retorna a sua mesa, arrumando os papéis e os livros que estavam. Guarda-os no
seu arquivo e fecha as portas da sala dos professores, deixando todos os conhecimentos, os
recursos visuais e imagens traçadas no ar, pairando no espaço. (CAMPELLO, 2007, p.102-111)
Este evento acima transcrito, exemplifica algo que também se constitui como obstáculo à
educação formal do sujeito Surdo-Mudo: a escolarização em seus diferentes níveis de ensino,
tendo respeitado o direito a uma pedagogia que leva em consideração as bases de visualidade
pertinentes a sua primeira língua: a LSB.
112
Portanto, o direito a pedagogia surda ou pedagogia visual, assim denominada
considerando-se que a pedagogia visual pode ser compreendida como aquela que se ergue sobre
os pilares da visualidade, ou seja, que tem no signo visual seu maior aliado no processo de
ensinar e aprender.
3.4 POLÍTICA VISUAL
A modalidade viso-espacial, como um dos recursos visuais, é defendida pelos sujeitos
Surdos-Mudos na perspectiva de uma política visual da língua de sinais como um conjunto de
experiências culturalmente produzidas. Experiências sociais relativas à utilização dos referenciais
visuais da própria língua de sinais e individualmente apropriadas pelo sujeito, apropriação,..,
das experiências presentes em sua cultura”, como destaca a teoria de Vygotski (ano, p. ), ou
seja, cultura e visualidade produzidas numa relação de mutualidade.
O significado dos sinais, como diz MCLAREN (2000, p.31): “é sempre um espaço
colonizado, no qual a necessidade foi inscrita por códigos culturais e pelo campo mais amplo
de relações políticas econômicas e sociais.”
E a linguagem e o pensamento semioticamente mediados, guardam esta mesma relação
com a cultura, pois, “A linguagem, então, pode ser usada para definir e legitimar leituras
diferentes do mundo. Ela é tanto um sintoma como uma causa de nossas compreensões
culturais”. (MCLAREN, 2000, p.31)
A língua de sinais está relacionada a uma dada cultura, enfatizando mais uma vez, pois é
produzida e produz sujeitos Surdos-Mudos. Da mesma forma que a língua utilizada nos
diferentes países está relacionada a sua cultura própria. Por exemplo, o povo Navaho do Arizona
(Estados Unidos da Ámerica) “é rico em palavras para falar por meio de linhas de várias formas,
desenhos, cores e configurações
78
. Quase mil formas ou palavras que são mostrados para esta
finalidade: adziisgai, que “é um grupo de linhas brancas paralelas correndo para a distância” (fig
78
a forma exterior de um desenho ou de imagem ou de corpo
113
1), ahééhesgai “mais que duas linhas brancas formando em círculo concentrado” (fig. 2) e
álhch´inidzigai “duas linhas brancas juntos até a chegada do ponto” (Fig. 3)
Para entender, os desenhos que são grafados para deixar o documento histórico ou
memória oral. Isto é uma representação do pensamento imágetico do povo Navaho, como mostra
o desenho (reproduzido no exemplo do SAPIR-WHORF, 2002, p.31)
Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3
A presença da voz ou do som não suprem as necessidades específicas do sujeito Surdo-
Mudo no caso da linguagem com dizem os audiologistas e profissionais terapêuticos
educacionais. A linguagem, por meio da oralidade, desenvolvida por eles desconsidera o
território da visualidade, substituindo-o pelo território do som que é estranho para o mundo do
sujeito Surdo-Mudo, sua interpretação de como vê, sente e compreende. “Não nascemos para
ouvir e sim nascemos para ‘ver’”.
O ato de “ver” também é um instrumento de medida para as observações das formas que
transportam a imagem apreendida no espaço. O ato “ver” faz parte de um todo como no caso da
Língua de Sinais. Na Língua de Sinais com sua estrutura viso-gestual não se estabelecem
simplesmente formas, tamanhos, distâncias, direções e especial para em seguida compará-los
parte por parte. Especificamente vemos estas características dos movimentos dos sinais e suas
configurações, locações, orientações e espacialidade como propriedade do campo visual total. Há,
contudo outra diferença igualmente importante. As várias qualidades das imagens produzidas
pelos sentidos da visão não são estáticas, tudo é dinâmico e está sempre em movimentos,
dependendo da relação sujeito, outros sujeitos, signo, espaço, tempo processados pelo próprio ato
de “ver”.
79
79
KIM, Joon Ho, disponível pelo site: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
71832004000100009
114
A Língua de Sinais, portanto, deve ser vista como qualquer outra língua, pois, de acordo
com Bakhtin (apud FIORIN, 2006, p. 18) “em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem
a propriedade de ser dialógica”. A experiência visual para um sujeito surdo mudo é dinâmica e
um signo é como uma energia visual. Não apenas uma combinação de signos, cores e formas,
movimentos e tamanhos: a representação visual é assim como a melodia de uma música presente
em interações dialógicas mediadas pela visualidade.
O processo de dialogicização da palavra, no caso, os “signos” ou sinais visuais, é perpassada
sempre pela palavra ou sinais do outro”.
O processo dialógico supõe, sempre, ao menos dois interlocutores viso-gestuais, mesmo
que um não se mostre presente no discurso o outro. O outro social (ou a presença de signos
socialmente caracterizados) que compõe a situação dialógica. De qualquer maneira, um
enunciado é sempre heterogêneo e multifacetado, pois ele mostra as várias posições dos
interlocutores por meio de signos, a do interlocutor que o formula e aquela em oposição à qual
ele se constrói. Ou repete.
O dialogismo acontece na medida em que os signos se identificam historicamente e
culturalmente como manifestação e constituição dos sujeitos que estão em interação. Quando
houver na comunicação signos possíveis de serem “captados” pelos sujeitos Surdos-Mudos entre
si ou destes com não-surdos-mudos, é possível haver dialogismo na interação estabelecida. Caso
contrário, os signos como que se desintegram e a linguagem perde seu valor como tal, sem haver
uma interação real entre os interlocutores.
Nos tempos considerados como primitivos, os Homos Sapiens usavam gestos como meio
de expressão, mesmo com grunhidos e gritos permeando a comunicação. Os gestos, assim como
os desenhos grafados nas paredes ou nas vestimentas representavam “códigos”
80
como, por
exemplo, do povo Navaho, citado nas páginas anteriores. As comunidades que são ágrafas, como
a surda-muda e alguns povos indígenas não deixam registros escritos, mas seus gestos repassados
visualmente de geração à geração, são registros visuais com valor de um signo. Como diz
ARMSTRONG et alli, (1995, p.46)
Nós recebemos dos gestos uma estrutura complexa em vários níveis. Se
um gesto semiótico (por exemplo: “venha aqui” gesto usado na América
80
Não é exatamente o código, é uma estrutura convencional criada do próprio povo para se comunicar ou transmitir
as informações
115
do Norte) ou um gesto lingüístico (o sinal em ASL, como PAI), gestos
simbólicos são estruturas bipolares, combinações de estruturas
substantivas e conceituais (ultimamente, é claro, no nível neuronal mesmo
na estrutura conceituais são substantivos)”
81
.
Langacker (apud Armstrong, 1995, p.46) explica que o gesto simbólico possui uma
estrutura composta por três elementos: concepção, ação neuromuscular e simbolização.
Qualquer ação incide sobre a estrutura neuromuscular que ativa e processa a
comunicação pelos movimentos das mãos ou dos braços para definir significados.
A significação passa a ter uma estrutura de acordo com o processamento da comunicação
visualizada. Não importando se as palavras fazem uma frase ou muitas frases. O povo indígena
brasileiro usa a língua kadiwéu falando assim “jotagangetagadomotiwaji” como se fosse uma
palavra, mas na tradução para a língua portuguesa isto equivale a uma sentença assim: “eu falo
com eles por vocês”. (frase retirada do texto da midiateca da disciplina Lingüística Geral, da
professora Viotti da USP, 2007). Neste “jogo” de palavras, que se caracteriza de forma
diferenciada em cada língua, está impresso um “jogo” cultural que supõe sujeitos em relação,
onde uma palavra não possui valor de comunicação em si. Supõe, sempre, o outro, que num
processo dialógico entrelaça dizeres de sujeitos numa relação de mútua dependência. Assim
acontece com os gestos que são um dos artefatos da comunicação dos sujeitos Surdos-Mudos
onde a língua de sinais tem, também, a propriedade de ser dialógica e que todos os
enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos
(idem).
No caso das pessoas surdas oralizadas, as palavras são copiadas e repetitivas, o que
muitas vezes impede pensamentos que possam criticar ou contestar. São as palavras do Não-
Surdo-Mudo que são repassados para os surdos oralizados devido a normalização que os levam a
imitar sem entender os signos. Este surdo oralizado não está completamente assujeitado aos
discursos sociais, mas na sua formação por meio da metodologia e filosofia oralista, as réplicas
são permanentes e sem críticas. A não ser o suporte familiar e ou da rejeição da família em
81
we conceive of gestures as complex structures at many levels. Whether a semiotic gesture (e.g. the “come here”
gesture used in America) or a linguistic gesture (a signed word in ASL, such as FATHER), symbolic gestures are
bipolar structures, combinations of substantive and conceptual (ultimately, of course, at the neuronal level even
conceptual structures are substantive) structures.
116
aceitar os sujeitos com aspecto da surdez, em geral aceitam as opiniões formadas. Não encontram
espaço de liberdade na formulação e seus enunciados, sendo submetidos aos discursos sociais
dominantes.
Como diz a FIORIN (2006, p.20) que as unidades da língua são os sons, as palavras e
as orações, enquanto os enunciados são as unidades reais de comunicação”. Mas discordo
porque os enunciados dos sujeitos Surdos-Mudos em oralização são enunciados repetíveis porque
não mostram acento, apreciação ou prósodia própria. Eles são completamente diferentes na
perspectiva do funcionamento discursivo. O que delimita a sua dimensão é a alternância dos
sinais, cujo surdo oralizado mostra suas expressões sem expressividade da prosódia.
Aconteceu um caso em que alguns intérpretes, que divagaram sobre o enunciado dos
Surdos-Mudos a respeito da fluência da língua de sinais, chamando-os de “fraco”, os intérpretes
reagiram pressupondo de que a palavra designava como fluência fraca, mas isso não quer dizer
que eles são fracos e sim da morosidade e da inteligibilidade da tradução da língua para outra.
Também tem outro exemplo, como no caso do vício da linguagem, por exemplo: exemplo,
metaforicamente, não existe significado para os Surdos-Mudos, mas é uma metáfora com
significado indiferentemente para a comunidade não-surda-muda. Isso não quer dizer que o sinal
exemplo seja o vício da linguagem e sim a metáfora do enunciado.
O enunciado é a replica de um diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que
se está fazendo é participar de um dialogo com outros discursos, como, por exemplo, do signo
visual “fraco”.
Os intérpretes de língua de sinais precisam ampliar sua visão numa forma mais dialética
para compreenderem que o processo de significação se caracteriza por uma grande mobilidade
de signos para que seja possível resolver a contradição aparente entre a unicidade e a
pluralidade de significação. (BAKHTIN, 1998, p. 15). É a corrente do objetivismo abstrato
(descrita por Bakhtin em seus estudos) que, com seus constructos, favorece um ponto de vista que
se prende à unicidade, a fim de poder “prender a palavra em um dicionário”. O signo é, por
natureza, “vivo e móvel, plurivalente; a classe dominante tem interesse em torná-lo
monovalente”. (FIORIN, 2006, p. ). “Os signos também são signos naturais, específicos, e, como
vimos, todo produto natural, tecnólogico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim,
um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades” (BAHKTIN, 1998, p. 32).
117
Os enunciados possuem autoria dentro da cultura da comunidade Surda-Muda, por
exemplo, o acréscimo do signo cultural “sinalizado” depois dos substantivos, adjetivos e outros
elementos gramaticais da língua portuguesa: “abraços sinalizados” ou “beijos sinalizados” e isso
passa a ser um enunciado porque se constitui para a comunidade Surda-Muda um enunciado
cultural próprio. Isso não é uma unidade da língua, é um enunciado acrescido do signo cultural
“sinalizado” para dar significação a cada palavra usada. O enunciado tem destinatário. FIORIN
(2006, p.22-23) classificou as diferenças das unidades da língua e enunciados conforme esquema
abaixo descrito no quadro:
Unidades da língua Enunciados
A palavra está à disposição de todos para ser
usada nos enunciados
O enunciado usa a palavra como réplica
As relações entre as unidades da língua são
relações semânticas (ou de concessão) ou
lógicas (sinônimo ou antônimo)
Os enunciado mostra uma posição
Não tem autoria Tem autoria
É completa e não tem acabamento que
permite uma resposta
Como réplica, tem um acabamento específico
que permite uma resposta
As unidades da língua não são dirigidas à
ninguém
O enunciado tem um destinatário
São neutras Carregam emoções, juízos de valores,
paixões. Está impregnada de respeito ou de
zombaria, de desdém ou de indiferença, de
raiva ou de amor e assim sucessivamente.
São entidades potenciais, tem significação,
que é desprendida da relação com outras
unidades da mesma língua ou de outros
idiomas
Tem sentido que é sempre de ordem dialógica
Não apreende seu sentido Para apreender seu sentido precisa perceber as
relações dialógicas que ele mantém com
outros enunciados
118
Os não-surdos-mudos que escrevem e discutem a educação na Escola Bilíngüe,
reconhecem o direito à igualdade, mas na verdade nunca existiu a escola bilíngüe para Surdos-
Mudos. Se não houvesse a desigualdade não existiria a asseveração do termo bilíngüe e esse se
tornaria desnecessário.
A sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes como Surdos-
Mudos oralizados, Surdos-Mudos, Surdos-Mudos sinalizantes, Surdos-Mudos bilíngües, Surdos-
Mudos nativos, etc.... então todos os enunciados são sempre o espaço de luta entre sinais sociais,
o que significa que inevitavelmente um lugar de contradição mesmo dentro de uma categoria
específica. O que é constitutivo nas diferentes posições sociais que circulam numa dada formação
social é a contradição.
Os sinais que passaram a constituir de acordo com o trecho de Montoam a respeito da
escola inclusiva respeito da fundação de uma escola de Surdos-Mudos.
É até positivo que o professor de uma criança Surda-Muda não saiba
libras, porque ela tem que entender a língua portuguesa escrita. Ter
noções de libras facilita a comunicação, mas não é essencial para a aula.
No caso de ter um cego na turma, o professor não precisa dominar o
braile, porque quem escreve é o aluno. Ele pode até aprender, se achar que
precisa para corrigir textos, mas há a opção de pedir ajuda ao especialista.
não acho necessário ensinar libras e braile na formação inicial do
docente.
Neste trecho há uma voz de arrogância ou de desdém da sabedoria sobre os outros,
incapaz de enxergar as necessidades básicas cotidianas de “pessoas deficientes ou de portadores
de deficiência”. Fala de acordo com o fenômeno da fala cotidiana ou da reprodução da fala do
outro com uma entonação semelhante à dos discursos do Milão de 1880. Fala da incapacidade
em função de um dado ponto de vista sobre a inutilidade das pessoas aprenderem a própria língua
no caso dos Surdos-Mudos e Braille nos cegos. Considera uma degradação e um peso à educação
como um todo. A maioria absoluta das opiniões dos indivíduos é social. sempre um
destinatário, mesmo não presencial, uma vez que os enunciados são sempre sociais.
119
O texto também mostra claramente vozes sociais. Mantoan se contrapôs a necessidade dos
professores aprenderem braille e libras para se comunicarem com os cegos e Surdos-Mudos.
Como diz FIORIN (2006): Todos os enunciados constituem-se a partir dos outros.”
Então o enunciado dos Surdos-Mudos é constituído por meio de signos visuais que aos poucos
vão crescendo de acordo com pontos de vista e pelas ações determinantes do meio (porque vive
num ambiente em que imperava a mais completa liberdade de costumes e do uso de LS), da
hereditariedade (os Surdos-Mudos são nascidos filhos de pais Surdos-Mudos e não nascidos por
meio de contato com Surdos-Mudos na infância, juventude e de adulto ou no ingresso das escolas
regulares e inclusivas) e do momento (porque troca de cultura por meio de estórias, narrativas
e eventos heróicos). Por exemplo, a narração sempre é efetivada em terceira pessoa para dar o
toque de objetividade. Os comportamentos sociais e individuais são considerados efeitos de
causas culturais.
Entre a língua portuguesa e língua de sinais há uma grande diferença marcada pela
presença de signos específicos: no português a escrita é baseada no grafismo, sendo a fala
baseada no fonocentrismo - signos calcados na oralidade da fala; a língua de sinais, por sua vez,
é baseada em signos visuais. Suas particularidades e características:
. Língua falada – toda emissão de som é produzido pelos órgãos do aparelho fonador
. Língua escrita toda emissão da grafia é acompanhada com os fones, fonemas e
morfemas dos sons
. Língua de sinais – toda emissão é produzida pelos órgãos visuais e pelas mãos
Estas diferenças não podem ser consideradas apenas em sua dimensão lingüística estrita
uma vez que carregam em si questões culturais e sociais dignas de serem consideradas.
(BAKTHIN, 2006, p.XX), comenta nesse sentido que
A comunicação verbal (tanto como na comunicação visual, acréscimo
meu), inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos,
relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à
hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu
poder, etc. Na medida em que às diferenças de classes correspondem
diferenças de registro ou mesmo de sistema, esta relação fica ainda mais
evidente...”
120
A comunidade Surda-Muda enfrenta esta situação de conflito tendo em vista, entre outros
motivos, a descrença a respeito da língua de sinais manifestada por aqueles que fazem parte de
uma maioria lingüística que se baseia na comunicação oralizada.Os sinais da LSB, não são
compreendidos como signo, mas sim como mímica ou pantomima, pelo desconhecimento de
grupos lingüísticos distintos dos da língua de sinais. Os Surdos-Mudos possuem discursos que
constroem suas histórias, movimentos de resistência e de luta contra os discursos dominantes
desta maioria, no caso de educação inclusiva. Exige a educação para todos, mas com as
especificidades de cada um.
Esse reflete um “signo ideológico”. A evolução da língua e sua modificação é reflexo das
relações sociais. Quanto mais a sociedade necessita de sujeitos escolarizados e quando mais os
Surdos-Mudos se escolarizam, transformando-se em sujeitos ativos no enfrentamento dos
conflitos lingüísticos, mais fortemente começam a modificar porque os signos visuais começam a
codificar a ideologia apresentando mudança, também, em seus discursos e nas formas de
apropriação daquilo que se apresenta de forma velada no discurso da categoria lingüística
dominante, assim toda modificação da ideologia encadeia uma modificação da língua
(BAKTIN, 2006, p.15).
A variação dos signos orais ou visuais é inerente à ngua e reflete variações sociais
(2006, p. 15) que podem variar ainda de acordo com cada subjetividade. A apreensão dos signos
visuais variam de acordo com variações regionais e cidades de origem e de contatos, como
escreve a Fusellier-Souza (1999, p. 54): “A maioria desses autores (WASHABAUGH, 1986 e
YAU SHUN-CHIU, 1992) consideram que a criação gestual por esses indivíduos se manifestam
numa estrutura organizada que possui certos traços presentes na linguagem humana”
82
.
O signo visual ainda não adquiriu devido o status que merece devido, provavelmente, ao
processo chamado por Bahbha de colonialismo que reflete o poder autoritário do discurso que se
assenta sobre signos distintos deste.
O pensamento positivista
83
vê a mímica como:
82
Tradução : La majorité de ces auteurs considèrent que la création getuelle par ces individudus se manifeste dans
une structure organisée possédant certains traits présents dans le langage humain.
83
PENSAMENTO POSITIVISTA AQUELE QUE SE ASSENTA SOBRE TAIS PRINCÍPIOS tais como a
crença no progresso ilimitado da ciência; a procura da exatidão das ciências naturais para aplicação na sociologia e
da defesa dos avanços tecnológicos;
121
“A mímica também é um signo inapropriado,(...) que ordena a função
estratégia dominante do poder colonial, intensifica a vigilância e coloca
uma ameaça imanente tanto para os saberes “normalizados” quanto para
os poderes disciplinares” (BAHBHA, 1998, p. 130,)
Continuando a respeito da representação diferenciada nos olhares dos dominantes:
“Os significantes impróprios do discurso colonial a diferença entre ser
inglês e ser anglicizado; as identidades entre estereótipos, por meio de
repetição, tornam-se também diferentes; as identidades discriminatórias
construídas ao longo de classificações e normas culturais tradicionais, o
Negro Simiesco, o Asiático Dissimulado todas estas são metonímias
84
da presença. São estratégias no discurso que fazem parte da representação
anômala do colonizado algo mais do que um processo de “retorno do
reprimido”, que Fanon caracterizou insatisfatoriamente como catarse
coletiva.”
O signo visual constituído num processo histórico, mesmo no processo de agrupamento
de sinalizantes e de apoderamento de sinais, tem seu significado sincrônico da dominação
(BABHA, 1998), que na demanda pelas múltiplas identidades Surdas-Mudas (PERLIN, 1999) e
seus significados, o signo é mutável e está sempre em contato com a comunidade e seus discursos
de sinais. Prosódia de sinais expressiva, a modalidade viso-gestual-espacial dos atores Surdos-
Mudos e espectadores Surdos-Mudos “adormecidos” os quais não tinham enunciação e seu
conteúdo ideológico. O relacionamento com uma situação nova determinada afeta a significação.
O novo valor do signo, relativamente, a um tema sempre novo, é a única realidade para a
visualidade dos Surdos-Mudos.
Na significação diacrônica, os signos vão mudando todos os anos, em cada lugar, em cada
discurso construído pelas pessoas Surdas-Mudas em todos os eventos quer seja as mudanças que
marcaram o mundo dos Surdos-Mudos, como revolução, manifestações, apresentações teatrais,
poéticas, pinturas, etc, cujo discurso delimita a diferença entre eles e a diferença cultural e
identitária. As diferenças dos signos vão sendo implantadas de acordo com a evolução da língua e
da visualidade. Muitos Surdos-Mudos estrangeiros de países fora da América do Norte
pleitearam seus desejos de serem sujeitos capazes, procuraram seus estudos na Gallaudet
University e acabam descobrindo a sua identidade e língua que fora perdida ou negada. Os
84
São as produções não-repressivas de crença múltipla e contraditória (Babha, 1998, p. 135)
122
Surdos Oralizados Brasileiros e de outros países estrangeiros ao chegar encontraram o mesmo
problema e que é também um mal necessário: aprender a Língua de Sinais Americana - ASL, o
que era, na sua vida toda, negado a aprender a Língua de Sinais das suas cidades. Foi um “baque”
para a sua realidade, mas em compensação eles reagiram e mudaram seus pontos de vistas que
eram cegados e oprimidos. Passaram a aprender a valorizar a língua de sinais, como sua língua e
passaram a aprender os signos novos para recuperar o tempo perdido.
CAPÍTULO IV
4.1 QUESTÕES METODOLÓGICAS
Os pilares sobre os quais se ergueu a presente pesquisa foram determinados em
consonância com as vivências empíricas da autora da mesma em suas próprias práticas
123
relacionadas à pedagogia visual no Brasil, ou fora dele. Foram observações das estratégias
utilizadas por professores em diferentes níveis de escolarização e nos estudos recentes em vel
de Pós-graduação. A prática profissional de longos anos também foi elemento determinante na
coleta e análise de informações. As propostas pedagógicas que embasaram e embasam a
escolarização dos sujeitos Surdos-Mudos, a forma do preparo do material existente sobre a
pedagogia visual, as orientações de emprego em situações de ensinar e aprender, foram re-
visitados constituindo-se como material de pesquisa. Tendo em vista, sempre, os sujeitos surdos-
mudos em sua subjetividade e identidade relacionada à cultura Surda-Muda, onde o
reconhecimento da própria imagem acontece através das relações visuais, no contato com os
signos visuais. A necessidade de criação e ampliação de conceitos sobre a visualidade e sua
representatividade através da significação visual em consonância com o pensamento visual dos
Surdos-Mudos como ferramenta apropriada ao processo de ensinar e aprender na proposta
pedagógica para/por Surdos-Mudos, foi uma preocupação que acompanhou toda a elaboração
desta tese.
4.1.1 OBJETIVOS
Geral
Investigar interfaces entre a chamada pedagogia visual e o processo geral de ensinar e
aprender na escolarização dos sujeitos Surdos-Mudos, destacando os pontos fundamentais que
poderão embasar propostas pedagógicas voltadas à visualidade
Específicos
- Aprofundar estudos relacionados à chamada pedagogia visual;
- Elencar pontos nodais relacionados ao significado da visualidade na constituição do sujeito
Surdo-Mudo, incluindo a Língua de Sinais;
- Destacar interfaces entre o significado da pedagogia visual e a importância da mesma no
processo de ensinar e aprender dos sujeitos Surdos-Mudos;
124
- Apontar sugestões e parâmetros para a implementação de propostas pedagógicas pautadas na
visualidade e voltadas à escolarização dos sujeitos Surdos-Mudos
4.1.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa
85
marcada pelos seguintes
procedimentos referentes à coleta de informações:
- Investigação bibliográfico-documentária e aprofundamento de estudos sobre os pontos
que se constituem como temas pilares da pesquisa;
- Entrevista aberta com profissionais cujo fazer está relacionado com o tema enfocado e
que tenham, preferentemente, experiência profissional como professores de sujeitos
Surdos-Mudos
O objetivo inicialmente era analisar e observar o processo de comunicação visual no
processo de ensinar e aprender de vários Surdos-Mudos adultos e de nível de escolaridade
diferenciado. O espaço utilizado seria o das salas de aula ou conferências, com o(a) professor(a)
Surdos-Mudos e ouvintes fluentes ou usuários de ngua de sinais, ou ainda professor(a) ouvinte
que está acompanhado por um Intérprete de Língua de Sinais.
Após meu doutorado sanduíche esses pontos estabelecidos sofreram algumas alterações
devido às experiências vividas nos Estados Unidos e às exigências legais para a realização de
pesquisa com seres humanos que vigem neste país.
Na Gallaudet University, onde fiz estágio sanduíche, formulei cartas de solicitação ao
Departamento de Estudos Surdos para visitar várias classes e assistir aulas de Ensino de ASL I e
II, e outras disciplinas, como: Seminary in Deaf Cultural Studies, Critical Pedagogy, American
Culture, Math (Algebra, Pre-Algebra and Basic Math), Exploring Deaf Studies, English as a
Second Language Level 1 and 2, English as a Second Language Level 3, Cross-Cultural
85
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo, preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado(...)
trabalha com o universo de significados, motivos aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos... (1994, p. 21/22) .
125
Communication I, Cross-Cultural Communication II, , Oral Traditions in Deaf Community, Sign
and the Philosophy of Language e curso extracurricular como: Turn-a-page-together.
Não utilizei filmagens nem entrevista porque necessitava utilizar o praxe da Institutional
Review Board (IRB), que é um órgão de aprovação e revisão periódica da pesquisa que envolve
assuntos humanos. Tem como objetivo preliminar assegurar a proteção dos direitos, do bem estar
e ética dos seres humanos. O processo de autorização para realizar filmagens demanda meses até
que seja liberada a permissão para filmar os episódios desejados nas salas de aula. Assim,
anotei e observei as perfomances dos professores no meu caderno de campo bem como a
comunicação realizada com os alunos Surdos-Mudos adultos, na faixa de 18 a 24 anos, oriundos
de países estrangeiros que foram para Gallaudet University estudar e aprender no contexto norte
americano e língua ASL como língua estrangeira.
A permanência nas salas de aulas foi nos meses de inverno, em todos os dias (de janeiro a
maio) e nos meses da primavera, visitei alternadamente a biblioteca para consulta dos livros,
revistas, jornais e filmes e coletânea dos livros a respeito da educação e sua história dos Surdos-
Mudos.
Para poder entender bem a língua de sinais americana, participei na sala do curso de ASL
como língua estrangeira e do curso de inglês como segunda ngua para reforçar o conhecimento
acadêmico. Para mais contato com a ASL, participei em várias comunidades constituídas de
grupos indianos, tailandeses, latino-americanos, em vários meses, na ocasião de festas culturais
entre eles. Senti como protagonista (aluna) iniciando na estaca zero o progresso da aquisição da
ASL como língua estrangeira.
Todas essas pessoas contatadas incluindo alunos e professores, constituíram- se em
sujeitos da pesquisa.
Na linha de observação, os temas da pedagogia de surdos e utilização de recursos de
língua de sinais como meio de instrução na sala de aula, resolvi priorizar o uso visual como
objeto de pesquisa, com os dados em diferentes contextos. Por outro lado, tinha a complexidade
do uso da fluência da língua de sinais dos professores usuários de língua de sinais e, por outro
lado, a recepção prazerosa de alunos Surdos-Mudos. Deparei também com a complexidade da
modalidade escrita, as dificuldades gramaticais de outra língua, no caso do inglês e também dos
países de origem dos diferentes sujeitos com os quais travei contato. Aproveitei, nessa ocasião,
para pensar nas várias práticas pedagógicas envolveram os Surdos-Mudos até o presente
126
momento. Que espaços possibilitaram uma pedagogia visual, reflexões que me auxiliaram a
delimitar, aos poucos, esta pesquisa.
É importante ressaltar, neste momento em que se discorro sobre questões metodológicas
de uma pesquisa que tem como sujeitos as pessoas surdas-mudas, que as formas de coleta e
registro de informações não podem se ater as mesmas que se realizam com sujeitos ouvintes.
Com esses últimos é possível obter informações através de uma entrevista registrada em áudio ou
mesmo de uma vivência em sala de aula, por exemplo, registrada em áudio e vídeo. Pode-se, da
mesma forma, utilizar-se de um questionário escrito, tanto com o sujeito Surdo-Mudo como do
ouvinte, fazendo-se uma ressalva ao fato de que o primeiro estará escrevendo suas respostas com
uma segunda língua, se a dominar inteiramente, ou formulará suas respostas tendo a participação
de um intérprete de sinais para o português. será preciso muita atenção por parte do
entrevistador se for ele ouvinte tendo em vista certas particularidades da LS em sua gica de
expressão. Assim, a escolha do intérprete é ponto a ser considerado com muita seriedade para
uma boa entrevista uma vez que, ao contar uma experiência, um entrevistado Surdo-Mudo em
geral, transporta a experiência visual àquilo que foi vivenciado por meio da língua de sinais,
selecionando o “final” da história para dar o “ponto de partida” desta história.
Pela história de discriminação e opressão da comunidade Surda-Muda pelos dominantes, é
perceptível que a mesma manifeste desconfiança em relação ao pesquisador e ao entrevistador.
Para desfazer o equívoco, é importante e imprescindível levar as pessoas Surdas-Mudas
conhecidas no meio familiar, amigos/as do círculo íntimo, amigos/as que freqüentam Associações
de Surdos-Mudos e ou parentes, para dar confiança aos entrevistados. E também com a presença
do/a Intérprete de Língua de Sinais Brasileira, que é usuário da língua dos Surdos-Mudos, que
pode ajudar nas traduções de língua de sinais brasileira para língua portuguesa e vice-versa.
No caso da escola inclusiva, com a presença de Intérprete de Língua de Sinais Brasileira,
os alunos Surdos-Mudos podem reagir de outro modo, dependendo das circunstâncias no ato da
entrevista, que podem ser curiosidade, vaidade, timidez e muitos outros.
O Intérprete de Língua de Sinais Brasileira é um dos auxiliares na tradução da língua de
sinais brasileira para a língua portuguesa e vice versa. Utiliza-se a “fala” do Intérprete para
traduzir os sinais dos Surdos-Mudos na gravação para passar transcrição nos textos. Podemos
usar outro caminho para qualificar a tradução fiel: é possível apoiar-se nas convenções do
127
Sistema de Notação para a Transcrição de Dados com base em Brito (1995), Felipe (1998) e de
Quadros (2005), conforme o que já foi exposto no CAPÍTULO III.
A análise dos dados foi realizada pelo cotejamento das informações obtidas pelas
entrevistas informais e observações com as informações teóricas obtidas em aulas assistidas no
Brasil e exterior, consultas bibliográfica e documental. Minha experiência de vida profissional e
como pesquisadora sendo surda-muda foi de grande valia tanto na obtenção das informações
como em suas análises.
4.1.3 RESULTADOS
Anotava, diariamente, em diários e cadernos de campo e questionava aos Surdos-Mudos
estrangeiros sobre a educação de surdos de seus países e o que o governo oferecia como recursos
para educação dos Surdos-Mudos como um todo. Verificava se tinham leis que respeitassem a
língua de sinais. Obtive depoimentos sobre a metodologia utilizada na educação de outros países.
Conversamos sobre a cultura, costumes, movimentos das Associações, Federações ou
Confederações de Surdos-Mudos. Dessas entrevistas extrai conhecimentos e situações que me
fizeram pensar cada avanço e atraso dos países em relação aos Sujeitos Surdos-Mudos
relacionado ao processo de ensinar e aprender voltado à pedagogia visual.
Também coletei vários livros utilizados pelos professores nas salas de aulas, as narrativas
dos mesmos e dos alunos Surdos-Mudos e pesquisas relacionadas à escolarização de sujeitos
Surdos-Mudos como um todo.
Finalmente, com os dados e livros, a minha pesquisa foi evoluindo gradativamente a
medida que o “olhar” sobre a escolarização e pedagogia de surdos era utilizada na sala de aula.
Com a metodologia utilizada nas salas de aula por meio de língua de sinais, alguns com gestos,
alguns com mímica, devido a complexidade de várias línguas de sinais dos Surdos-Mudos
estrangeiros, com os recursos visuais, no caso de datashow (em todas as salas) e apresentação de
trabalho dos Surdos-Mudos abriram o meu conceito e delimitou-se na pesquisa a importância do
uso de língua de sinais como primeira língua e ensino de língua estrangeira como segunda língua.
Discutia com os professores sobre as dificuldades dos alunos Surdos-Mudos o processo de
ensinar e aprender.
128
Estas e outras considerações estarão contidas no próximo capítulo
CAPÍTULO V PEDAGOGIA VISUAL E SUJEITOS SURDO-MUDOS: SUGESTÕES E
PARÂMETROS
5.1 O PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER, VISUALIDADE E SUJEITOS SURDOS-
MUDOS: QUESTÕES GERAIS
129
Acho que não podemos falar de educação e sim de escolarização. Explico: falar de
educação significa ter que arrolar argumentos teóricos que exigem aprofundamento. Isto foi
feito em muitas teses e dissertações tens outras coisas mais importantes dentro da tua
especificidade para falar.
A necessidade de criar uma Pedagogia Visual se deu, entre outros motivos, pelo fato da
criação dos Estudos Visuais / Cultura Visual existente em vários países, direcionados pelos
princípios da idealização dos Estudos Culturais. Estes temas se interseccionam a alguns
elementos da pesquisa atual da mesma forma, por exemplo, os de gênero e sexualidade,
nacionalidade e identidade nacional, colonialismo e pró-colonialismo, raça e etnia, cultura
popular e seus públicos, ciência e tecnologia, política de identidade, pedagogia, política da
estética, instituições culturais, política da disciplinaridade, discurso e textualidade, história e
cultura global (ELKINS, 2003). Segundo Cary Nelson, Paula A . Treichler e Lawrence Grossberg
(2002) é importante assinalar seus territórios e paradigmas teóricos que mostram sua diferença:
reivindicando um domínio particular de signo, como pedagogia visual; desenvolvendo um
conjunto singular de práticas metodológicas, para produzir novos conhecimentos exigidos pelo
tema particular;
A terminologia “Cultura Visual” vem sendo utilizada desde 1972 por Michael Baxandall,
tendo referências teóricas em Roland Barthes e Walter Benjamin. Mais tarde, George Roeder
utilizou a terminologia como “Visual Culture is what is seen”
86
e a sua definição é “it hints at the
viewer´s share and the work that images do in culture”
87
. Em 1990, foi implantado na University
of Rochester, um programa chamado de Visual and Cultural Studies e, em 1998, na Universidade
da Califórnia com o mesmo destino.
Minhas experiências empíricas contêm informações que podem se transformar em um
material didático relacionado à pedagogia visual na educação dos Surdos-Mudos. A língua de
sinais, como se sabe, é um dos recursos viso gestual e espacial dos Surdos-Mudos, onde se insere
a sua cultura ao mesmo tempo que a produz e a reafirma. Relacionada a esta modalidade de
comunicação a necessidade de se desenvolver materiais educacionais específicos para que o
processo de ensinar e aprender se realize satisfatoriamente. No Brasil, este conteúdo é pouco
86
A Cultura Visual é o que se vê.
87
Isto sugere a parte do leitor pelo trabalho o que a imagem faz na cultura.
130
conhecido, mas o meu estágio como bolsa sanduíche possibilitou encontrar no exterior, Estados
Unidos da América, inúmeros materiais.
A Pedagogia Visual na escolarização dos Surdos-Mudos com suas demandas de recursos
gesto visual e espacial, aproxima-se, sobremaneira da mesma tendência da chamada Sociedade da
Visualidade, a sociedade da imagem. Como diz JOBIM E SOUZA (2000), “vivemos na
sociedade da visualidade, da esteticização da realidade, da transformação do real em
imagens(...).”
Nesse contexto as questões da Surdez relacionadas à comunicação com base em signos
visuais se destacam e se coadunam com as características do tempo contemporâneo: a visualidade
acima citada. Assim, a Surdez passa a ser considerada e reconhecida por parâmetros diferentes
dos tradicionais. Apresenta-se, abaixo, o pensamento de alguns autores sobre tais questões e que
já foram ressaltadas por SKLIAR (1998).
WRIGLEY (1996) afirma que é preciso compreender “a surdez não como uma questão
de audiologia, mas a um nível epistemólogico” (apud SKLIAR, 1998, p.10).
SKLIAR (1998) destaca, por sua vez, que “A surdez constitui uma diferença a ser
politicamente reconhecida; a surdez é uma experiência visual;” (p.11). A surdez não é mais
considerada como patologia clínica terapêutica e sim como uma “experiência visual”;
McLAREN (1995) lembra que a Surdez está “ancorada em práticas de significação e de
representações compartilhadas entre os Surdos-Mudos” (apud SKLIAR, 1998, p.13). Os signos
visuais e suas interpretações variam de acordo com a subjetividade visual, representatividade
visual e pensamento visual dos sujeitos Surdos-Mudos;
LUKLIAN (1998) diz que “O conhecimento dos códigos do ver e do olhar de uma cultura
visual, possibilita outras interpretações e favorece os “estrangeiros” que se aproximam da
comunidade de pessoas Surdas-Mudas” (idem, p.44), favorecendo o conhecimento pela
visualidade e com os signos visuais.
LANE (1999) aponta que é mencionada muita coisa sobre as perdas auditivas e nada
sobre o aumento da percepção visual e raciocínio”88
O tema Pedagogia Visual relacionado ao processo de ensinar e aprender os e com os
Surdos-Mudos é pouco pesquisado, estudado e trabalhado aqui no Brasil, por vários fatores:
- ausência de uma política educacional específica para a educação dos Surdos-Mudos;
88
“Much will be said about hearing loss, nothing about gains in visual perception and thought”
131
- exigência de integração dos componentes curriculares a uma pedagogia visual.
- número mínimo de Surdos-Mudos/as com formação em Ensino Superior: cerca de 344
formados/as (sem especificar os números de pedagogos/as), segundo os dados do censo escolar
de 2003, da Secretaria de Educação Especial – SEE – MEC;
- a política da inclusão, através da Constituição Federal (1988, cap. II, art. 208, inciso III) e
da Declaração da Salamanca, bastante atrelada ainda à oralização;
- a área é ainda destinada a poucos, pois os estudos da imagem visual, da semiótica
imagética e mesmo da língua de sinais estão presentes como disciplina em raros cursos
secundários ou superiores.
- Inexistência da formação específica na área de Pedagogia Visual.
Esses pontos acima descritos são alguns dos principais obstáculos à escolarização plena
do sujeito surdo mudo e que denunciam a pouca importância aos estudos da pedagogia visual ou
pedagogia para escolarização de sujeitos Surdos-Mudos, fato registrado no Brasil e também em
outros países. A pedagogia visual, ou pedagogia surda é assim denominada considerando-se que
a mesma pode ser compreendida como aquela que se ergue sobre os pilares da visualidade, ou
seja, que tem no signo visual seu maior aliado no processo de ensinar e aprender.
Para deixar mais claro o peso da inserção da pedagogia visual em situações do cotidiano
escolar, cito abaixo apontamentos de campo de algumas observações realizadas no estágio
Gallaudet University (durante minha bolsa sanduíche - 2006), onde assisti aulas da disciplina de
Matemática ministrada a alunos Surdos-Mudos estrangeiros. O meu intuito era de inteirar-me às
questões relacionadas à pedagogia visual em situações de escolarização de alunos de outros
países. O professor da disciplina era um Surdo-Mudo oriundo da cidade de Nepal que estava
ensinando e aprendendo ao mesmo tempo a gica da equação matemática da divisão, pois nunca
tinha percebido a diferença cultural na matemática no caso da divisão. O símbolo da divisão de lá
é de , que é diferente da divisão em outros países. É sabido que alguns sujeitos Surdos-Mudos
têm facilidade na percepção gica de números, entretanto começaram a aparecer problemas. O
professor estava se orientando por um livro didático de matemática e encontrou aí, o motivo do
“problema”: a linguagem contida no livro era dirigida aos não-surdos-mudos.
Como desejava que o livro didático de matemática fosse transformado contendo nele uma
didática para Surdos-Mudos que facilitasse o entendimento com enunciados mais claros
132
possíveis, empenhou-se, juntamente com seus alunos, na produção de uma didática baseada na
pedagogia visual. Nos contatos mantidos duas vezes por semana entre os alunos Surdos-Mudos e
o professor Surdo-Mudo, os mesmos aprenderam juntos muitas questões importantes da
visualidade e, entre elas, a mais significativao a ser destacada é a de que as consignas e
explicações elaboradas pelo raciocínio dos não-surdos-mudos diferem grandemente daquelas
orientadas pelo pensamento visual dos Surdos-Mudos ao ponto de trazer problemas ao ensino de
uma equação que em princípio é simples. Do trabalho dos mesmos resultou também um laço de
afetividade muito forte e no final do semestre o professor da cidade de Nepal ganhou,
merecidamente, um prêmio como o melhor professor de ELISO da Gallaudet University.
Devido a sua notoriedade na educação dos Surdos-Mudos, a Gallaudet University, a única
faculdade de e para Surdos-Mudos do mundo, oferece condições de aprendizagem e consulta ao
acervo de materiais específicos desenvolvidos na perspectiva da cultura e educação por meio
da visualidade. Está em andamento a construção de um prédio para o mês de maio de 2008
denominado de James Lee Sorenson Language and Communication Center SLCC. O novo
departamento vai centralizar pesquisas na área de Estudos Visuais.
Esse exemplo inaugura o capítulo quinto desta tese por evidenciar de forma clara os
prejuízos para o processo de ensinar e aprender quando a proposta pedagógica que o embasa não
respeita as especificidades da comunicação próprias dos sujeitos Surdos-Mudos, ou seja: no caso
o processo se baseou na pedagogia da fala e não na pedagogia visual. Tem-se uma primeira
sugestão: a de que o respeito ao processamento cognitivo da visualidade seja condição essencial
à escolarização dos sujeitos Surdo-Mudos. Quando os professores possuem pouco contato com os
Surdos-Mudos e desconhecem a pedagogia visual que se estrutura fundamentalmente com signos
imagéticos, a importância da percepção visual passa despercebida e provoca conseqüência
negativas na comunicação visual e apropriação dos conhecimentos.
Para caracterizar melhor o papel da visualidade na constituição dos sujeitos Surdos-
Mudos, vale lembrar que os próprios Surdos-Mudos que foram oralizados podem evidenciar
dificuldade para ampliar a sua visão de 180 graus em dois lados porque foram treinados com a
percepção baseada no fonocentrismo e logocentrismo, com ênfase na fala. Isto dificulta o
desenvolvimento de uma capacidade visual importante na adequação dos sujeitos surdos mudos
para responderam às demandas do meio ambiente em que se encontram.
133
Sobre essa mesma questão, durante esse mesmo estágio na University Gallaudet, uma
experiência surpreendente com um Surdo Oralizado, de origem chilena, residente nos Estados
Unidos, estudante de Administração, que foi aos Estados Unidos atrás do “sonho americano” de
vencer que em sua cidade, Santiago no Chile, pouco oferecia oportunidade para “ser alguém”.
Na minha concepção Surdista-Muda, pensei que todos os Surdos-Mudos tivessem uma
visualidade de 180 graus, independentemente da “surdez” patólogica, que é estranhável para
mim. Por ser criada na movimentada cidade do Rio de Janeiro e a vivência no mundo dos Surdos-
Mudos, a minha acuidade visual é muito grande assim como é a dos outros sujeitos Surdos-
Mudos, em geral. Nessa ocasião, tentei chamar esse rapaz chileno, a todo custo, para o lado, mas
ele continuava não percebendo ou não sentindo ser chamado a uma distância de 3 metros,
aproximadamente. Andei mais um pouco para ficar mais perto e chamei de novo, nada aconteceu.
Andei até 1 metro e meio e nada acontecia. Andei até chegar perto para poder chamar, tocando no
ombro dele. assim ele me viu e começamos a conversar. No momento, pensei que fosse o
problema da “visão” ou da síndrome de Usher
89
. Mas não era nada disso. Percebi que o processo
da “oralização” dominou todo o território da visualidade e foi substituído pelo território da “fala”.
Ele cresceu oralizado e tinha dificuldade de se comunicar com a família e até com os amigos. Era
um rapaz híbrido em busca da sua identidade, cujo território foi desmantelado. Pensei que fosse
um caso isolado, mas depois encontrei vários casos semelhantes aqui no Brasil, especialmente,
junto aos estudantes de pós-graduação que foram e estão estudando na UFSC como
mestrandos/as e doutorandos/as.
ARNHEIM (2004, p.37,) deixou claro que isso também pode acontecer com
determinadas pessoas quando apresentam dificuldade de olhar e identificar as imagens de uma
fotografia:
“Os antropólogos ficaram surpreendidos ao descobrir que, em grupos não
familiarizados com a fotografia, as pessoas têm dificuldade em identificar
as figuras humanas em tipo de imagens que nos parecem tão “realísticas”
pelo fato de termos aprendido a decifrar suas formas divergentes”.
89
A ndrome de Usher é uma doença genética que causa surdez e cegueira. É basicamente uma retinite pigmentosa
de caráter progressivo combinada com deficiências auditivas graves de natureza congênita. É normalmente uma
doença autossómica recessiva, afetando uma em cada dez mil pessoas.
134
Essa “incapacidade” é produto cultural relacionada ao desenvolvimento da percepção.
Essas nuances culturais próprias de uma comunidade como a dos sujeitos Surdos-Mudos podem
constituírem-se em entraves ao processo de ensinar e aprender, provocando interpretações
equivocadas quanto ao que se chama de dificuldade de aprendizagem. A responsabilidade da não
apropriação do conhecimento nos diferentes níveis de escolaridade muitas vezes é atribuída ao
aluno e não ao desrespeito das propostas pedagógicas que negam a importância da visualidade.
A não utilização da Língua de Sinais nos contextos de escolarização de Surdos-Mudos
pode trazer grande dificuldade ou até impedir a apropriação dos conteúdos acadêmicos. Não se
trata aqui de associar determinados sinais à oralização, mas de sinalizar considerando que a
comunicação com signo imagético ou sinal, necessita de certos parâmetros próprios da Língua de
Sinais (QUADROS, 2004): Configuração de Mão, Orientação da Mão, Movimento, Locação e
Expressões Não-Manuais. Cada parâmetro tem seus signos que precisam estar ligados uns aos
outros, e que sem um desequilibrado no processamento visual e perceptivo, como mostra o
exemplo:
É notório e sabido que a língua de sinais utilizada pela comunidade Surda-Muda não é
uma língua escrita. Narrativas, literatura, piadas, valores, dicas, sabedorias, normas, histórias de
pessoas surdas-mudas famosas, fatos corriqueiros, política passam de geração à geração,
reforçando os laços que as unem através da língua de sinais, fundamentalmente A comunicação
por meio da modalidade viso-gestual é muito importante e seus signos são elemento de
fortalecimento da cultura dos sujeitos Surdos-Mudos. LANE (1999, p.45) diz que “a língua de
sinais não é apenas um meio de comunicação; é também um repositório de conhecimentos
culturais e um mbolo de identidade social”. O fato dos Surdos-Mudos serem ágrafos
90
, acarreta
desvantagem em relação ao povo que possui língua oral
91
, o mesmo acontecendo com os índios e
outros povos que não possuem a escrita. A ausência de escrita contribuiu para que a cultura das
tribos fosse praticamente dizimada
92
É como se não houvesse possibilidade de atestar a
autenticidade da língua nativa dos índios, como produto simbólico de seus conhecimentos. A
90
Segundo o dicionário Houaiss quer dizer que: 1 - que não apresenta sinais gráficos; 2 - que não foi ou não está
escrito; 3 - (1949)Rubrica: lingüística. que não tem escrita Ex.: povos a. 3.1 Rubrica: antropologia.
diz-se de cultura, povo e língua que não têm registro escrito.
91
No caso da modalidade oral-auditiva
92
Eram 5 milhões e agora calcula-se que apenas 400 mil índios ocupam o território brasileiro, principalmente em
reservas indígenas demarcadas e protegidas pelo governo. São cerca de 200 etnias indígenas e 170 línguas. Porém,
muitas delas não vivem mais como antes da chegada dos portugueses. O contato com o homem branco fez com que
muitas tribos perdessem sua identidade cultural. (fonte: http://www.suapesquisa.com/indios/)
135
preservação da cultura Surda-Muda continuava e ainda continua em grande parte, persistindo por
causa dos signos imagético-visuais, em memória, que perpetuam e embasam a constituição dos
sujeitos Surdos-Mudos. Do mesmo modo que os signos da narrativa oral dos índios que, mesmo
sem a língua escrita, perpetuava, e ainda perpetua, a cultura dos mesmos por milhares de anos,
mesmo com as guerras com os brancos, doenças adquiridas e escravidão.
Esses pontos acima comentados têm como objetivo chamar a atenção a uma outra
questão importante relacionada ao processo de ensinar e aprender: o registro escrito dos
conteúdos ensinados”. Os signos da língua dos sujeitos Surdos-Mudos possuem um caráter
visual, independentemente da escrita e da oralidade. Esses possuem um “outro” modo de olhar,
com percepções do mundo pautadas nesse caráter visual que difere do caráter da fala tendo a
palavra como signo. O registro por e com a escrita do português pode ser realizada de forma
mecânica sem “nada dizer” ao aluno Surdo-Mudo, mesmo que as anotações sejam feitas por ele.
È sabido que muitos alunos não surdos mudos são exímios copistas sem que compreendam nada
do que escrevem. As palavras para eles não possuem valor de signo.
Outra sugestão se relaciona à constituição do sujeito surdo como ponto pedagógico
essencial na pedagogia visual. É conteúdo pedagógico de civismo à consciência e instrumentação
para a luta pelo respeito à diferença no processo de transformação daquilo que está generalizado
acerca da surdez. A busca de uma “política unitária e nacional” como acontece em outros países
com independência e quebra dos jugos da visão de “dominância” das resoluções do Congresso de
Milão, onde a pedagogia e o seu papel foram submetidos à uma regulagem social baseada numa
dada visão sobre a surdez. A partir de então, foram afetadas a Identidade, a Subjetividade, a
Cultura, os Currículos, e especialmente, a Pedagogia voltada pela educação dos Sujeitos Surdos-
Mudos, a pedagogia visual.
Para que se reverta essa situação, serão necessárias ações pautadas em muitas reflexões.
Entre elas, sugere-se considerar o que diz SKLIAR (p. 15, 1998), quando ressalta ser necessário:
a) um nível de reflexão sobre os mecanismos de poder/saber, exercidos pela
ideologia dominante na educação dos surdos o oralismo ou, melhor ainda, o “ouvintismo”
desde suas origens até os dias atuais;
b) um nível de reflexão sobre a natureza política do fracasso educacional na
pedagogia para os surdos, visando uma redefinição do problema;
136
c) um nível de reflexão sobre a possível desconstrução das metanarrativas e dos
contrastes binários tradicionais na educação dos surdos;
d) um nível de reflexão acerca das potencialidades educacionais dos surdos que possa
gerar a idéia de um consenso pedagógico.
Com as colocações das reflexões de Skliar, a comunidade surda-muda, não pode perder
tempo, pois a educação dos Surdos-Mudos necessita de muitas mudanças em seu benefício e
também da formação dos professores não-surdos-mudos e Surdos-Mudos que leve em
consideração o consenso pedagógico, produto da comunidade surda e não só de teóricos ouvintes.
A Pedagogia Visual na escolarização dos Surdos-Mudos é um tema novo carregado de
novos conceitos que se relacionam ao uso da língua de sinais constituída por signos visuais.
Sugere a volta da pedagogia que foi usurpada desta comunidade. A pedagogia visual na
escolarização dos sujeitos Surdos-Mudos foi praticamente anulada na perspectiva da formação
dos mesmos, devido a visão “oralista” e a ausência de currículos especificados na formação dos
professores universitários. A crítica da professora Gladis Perlin, no texto Teoria da Educação e
Estudos Surdos (no prelo) enfatiza que: (...) mesmo o discurso curricular referente aos surdos
ou seja o currículo surdo estava completamente impedido de exercer qualquer influência sobre a
educação dos surdos.
A Pedagogia Visual na escolarização dos Surdos é, e continua sendo, pouco discutida e
pesquisada no meio acadêmico e universitário. Este des”conhecimento” se deve as mesmas
concepções “ouvintista” e “dominante” nas esferas acadêmicas e nas instituições envolvidas, com
o pensamento único de que a educação dos sujeitos Surdos-Mudos deve ser tratada no contexto
da educação especial ou de que a surdez é uma incapacidade.
SÁNCHEZ (1988), SKLIAR (1998) e outros, procuraram desviar os pensamentos
retóricos e teóricos da “incapacidade” dos Sujeitos Surdos-Mudos, no segmento da educação
especial, criando um novo pensamento e campo teórico, que é “Estudos Surdos”.
A Pedagogia Visual e a necessidade de sua presença na escolarização de sujeitos surdos
mudos, carece de algumas considerações sobre o conceito de pedagogia que vem pautando
mudanças nas propostas pedagógicas relacionadas aos Sujeitos Surdos-Mudos brasileiros.
137
A pedagogia visual ou da diferença já existia desde nos tempos da criação do alfabeto
manual realizado por Bonet e outros seguidores que entendiam que a pedagogia não pode ser a
mesma para todos. Cada pedagogia tem a sua especificidade. A pedagogia para cegos, elaborara
vários currículos para cegos; a pedagogia que leva em consideração as especificidades culturais
dos índios elaborara propostas pedagógicas de acordo com a língua indígena, por exemplo; a
pedagogia dos surdos já existiu, mas com a concepção ouvintista, tornou-se uma pedagogia geral,
para a elevação da capacidade de “oralizar” como os demais. A Pedagogia Visual está mais
relacionada à visualidade como na “datilologia” de Bonet, das instruções dos abades l`Epée,
Sicard, como mostram os currículos trazidos ao Brasil.
No Acervo da Biblioteca do INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos estão
catalogados os livros como obras raras (de 1855 em diante), das quais podemos citar:
1) “Essai sur la Grammaire du langage natural des signes a l´usage des Instituteurs de
Sourds Muets; avec planches et figures”, por Y,-L, Remi Valade
93
com a introdução a respeito da
língua de sinais: “Le langage des signes est em general considere par les instituteurs de sourds
muets comme um point de départ naturellement indiqué pour l`enseignement de la langue
maternelle.”
94
.
Possui três capítulos a saber: Ideologia, lexical e sintaxe com tabela para comparação da
construção da língua de sinais com a ngua francesa (“Tableau comparatif de construction de
mimique et de la construction française”);
2) “Cours d´Instruction d´un Sourd-Muet de naissance pour servir l`éducation des Sourds-
Muets” por Roch-Ambroise Sicard, do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris;
3) “Cours Élémentaire d´éducation de sourds et muets”, por Abbé Deschamps, de
MDCCLXXIX (1779);
4) “Sourds Muets avant et depuis L`Abee de L`Épée” de Ferdinard Berthier, de 1840, que
trata de como os sujeitos Surdos-Mudos superaram na educação;
93
Diretor honorário de l`Institution Impèriale des sourds-mutes de Bordeaux
94
Tradução: “A Língua de Sinais é em geral considerado pelo Instituto de Surdos Mudos como um ponto de partida
natural indicado para ensinar a língua materna”
138
5) Datilologia dos Surdos-Mudos;
Estes livros, associados a outras ações, possibilitaram que os sujeitos Surdos-Mudos se
tornassem capazes de construir a sua própria identidade, a “subjetividade surda como sujeitos
culturalmente diferentes” (PERLIN, 2008, no prelo). Portanto, retoma-se aí, a sugestão de que a
pedagogia visual não se atenha somente ao estudo o signo visual, mas que se expanda ao ponto
de considerar como pedagógico a constituição do sujeito surdo, A pedagogia visual tem que estar
relacionada com o seu mundo e sua experiência visual desde a educação infantil, passando pelo
no ensino fundamental e médio até o ensino de graduação e pós graduação.
As técnicas, recursos e perspectivas utilizadas na pedagogia visual, estão relacionados
com o uso da “visão”, em vez da “audição”, sendo que a imagem na “apreensão do estímulo
visual” e perspectiva emergem de acordo com forças bidimensionais e tridimensionais, o que
exigem uma nova forma de pensar o processo perceptivo e o processamento visual daquilo que
rodeia o sujeito Surdo-Mudo e qual seu olhar sobre o mundo no processo de ensinar e aprender.
A imagem em perspectiva é, nessas condições, talvez uma espécie de híbridismo
95
entre a
percepção visual e a imagem não técnica, no caso da percepção auditiva, como treinamento da
fala e da audição. Devido a isso, mostra-se assim, a multiplicidade de identidades dos sujeitos
Surdos-Mudos.
A técnica da pedagogia visual exige, sobretudo, o uso da imagem, captando em todas as
suas essências que nos rodeiam, traduzindo todas as formas de interpretações e do seu modo de
ver, de forma subjetiva e objetiva. Não é, simplesmente, usar a língua de sinais brasileira, como
uma língua simples, mecanizada, e sim, muito mais. Exige captações de todos os elementos que
rodeiam os sujeitos Surdos-Mudos para transformá-los em signos visuais.
Sugestões
Para melhor capacitar o treinamento visual para adquirir todos os elementos, utiliza-se as
técnicas antes de usar a língua de sinais no ensino na sala de aula:
95
Por os sujeitos surdos mudos viverem em dois mundos, e, ou, da sua totalidade, passa a maior tempo com os
“dominantes”, no caso de 90% dos sujeitos surdos mudos serem filhos de pais ouvintes.
139
a) Assistir o filme sem legenda e sem áudio. Capte todas as informações e depois
traduza todas as informações que passam neste filme;
b) Convidar seu colega para sentar a sua frente, sem que ele/ela veja.
O ocupante que ficará em frente do seu colega verá um filme, igualmente, sem legenda e
sem áudio e traduzirá para ele/ela em língua de sinais, em 5 minutos. Depois, pergunte ao seu
colega relatar o que entendeu você.
c) Escolha um elemento com traços simples até o mais difícil e complexo, traduzir
em língua de sinais, usando as formas, texturas, cores existentes;
d) Assistir qualquer filme, captando qualquer imagem e depois traduza em língua de
sinais para seus colegas Surdos-Mudos, sem soletrar o nome desse elemento, fazendo-os para que
ele possa entender o tipo de elemento;
e) Visualizar os elementos da botânica, da ciência, da agronomia, da ecologia, da
astronomia, de física, de química, e tudo o que interessa em qualquer disciplina. Visualize cada
elementos e processe mentalmente a sua forma, movimento, textura, cores, e todas as
características e detalhes que os envolvem e traduza para seus colegas não-surdos-mudos e
Surdos-Mudos.
f) Treine sempre a datilologia, soletrando qualquer palavra ou frase, nas duas mãos.
Comece com o lado direito, soletrando em ritmo lento até mais rápido e depois, troque para o
lado esquerdo, fazendo com o mesmo ritmo;
g) Observe no espelho, faça a datilologia sem olhar nas mãos, observando sempre
com os seus “olhos”. E depois faça com os seus colegas.
h) Filme e grave você usando os sinais, traduzindo qualquer coisa, e depois faça sua
auto-avaliação.
Estas são as técnicas da visualidade e sua perspectiva visual que podem ser apreendidas
com o tempo, assim como todas as línguas do mundo.
5.2 SUGESTÕES E PARÂMETROS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE PROPOSTAS
PEDAGÓGICAS PAUTADAS NA VISUALIDADE E VOLTADAS À EDUCAÇÃO DE
SURDOS.
Foram tiradas algumas sugestões e parâmetros no documento de Porto Alegre:
140
5.2.1 A LÍNGUA DE SINAIS
59. Considerar que as línguas de sinais são línguas naturais das comunidades surdas, constituindo
línguas completas e com estrutura independente das línguas orais.
60. Considerar que as línguas de sinais expressam sentidos ou significações que podem
facilmente ser captados e decodificados pela visão.
61. Propor contato obrigatório com Associações ou Federações de Surdos para a formação de
pessoas com prática e conhecimento em língua de sinais.
62. Considerar que a língua de sinais tem regras gramaticais próprias.
63. Considerar que a língua de sinais favorece aos surdos o acesso a qualquer tipo de conceito e
conhecimento existentes na sociedade.
64. Observar que a língua de sinais é uma das razões de ser da escola de surdos, assim como
existem escolas em outras línguas (espanhol, inglês...).
65. Reconhecer a língua de sinais como língua da educação do surdo, que é expressão da(s)
cultura(s) surda(s) - Língua e cultura não estão indissociadas.
66. Considerando que a língua de sinais é própria da comunidade surda, garantir que o ensino de
línguas de sinais seja exclusiva dos instrutores surdos. É necessário que os instrutores surdos
sejam capacitados para o ensino da mesma, com formação específica.
67. Respeitar o uso da escrita pelo surdo com sua estrutura gramatical diferenciada. A cultura
surda merece ser registrada e traduzida para outra língua.
68. Observar que a evolução cultural da comunidade surda se a partir do registro escrito, da
filmagem, de fotos, desenhos (...) que são meios que possibilitam o acúmulo do conhecimento.
69. Criar programas específicos para serem desenvolvidos antes da educação escolar da criança
surda visando à fluência em língua de sinais.
5.2.2 CURRÍCULO
70. Utilizar a língua de sinais dentro do currículo como meio de comunicação.
71. Fazer da língua de sinais uma disciplina no currículo, envolvendo o ensino de sua morfologia,
sintaxe, e semântica.
141
72. Elaborar para as escolas de surdos, uma proposta pedagógica, orientada pela comunidade
surda e por equipe especializada em educação do surdo.
73. Reestruturar o currículo atendendo às especificidades da comunidade surda, incluindo no
planejamento curricular disciplinas que promovam o desenvolvimento do surdo e a construção de
sua identidade.
74. Fazer com que a escola de surdos insira no currículo as manifestações das cultura/s surda/s:
pintura, escultura, poesia, narrativas de história, teatro, piadas, humor, cinema, história em
quadrinhos, dança e artes visuais, em sinais. A implantação de laboratórios de cultura surda se faz
necessária.
75. Contar com a ajuda de professores e pesquisadores surdos na mudança do currículo, para o
qual devem ser consideradas inclusive as especificidades da comunidade surda, incluindo para os
surdos os mesmos conteúdos que para as escolas ouvintes.
76. Usar a comunicação visual para o ensino dos surdos em suas formas: línguas de sinais, escrita
em sinais, leitura e escrita do português. Considerar que existe toda uma problemática na
aprendizagem do português, que deve ser considerada como segunda língua.
77. Informar os surdos sobre educação profissional, propostas salariais e acesso a cursos
profissionalizantes e concursos.
78. Contra-indicar uso de livros e materiais didáticos que ofereçam imagens estereotipadas,
responsáveis por manter discriminações em relação aos surdos.
79. Criar livros e histórias onde apareça o sujeito surdo sem presença de estereótipos.
80. Oferecer aos educandos surdos o conhecimento de tecnologia de apoio, ou seja: os aparelhos
especiais para uso de surdos, por exemplo, aparelhos TDD, TV com decodificador de legenda e
equipamentos luminosos para construções e trânsito.
81. Conhecer a história surda e seu patrimônio, os quais proporcionam o estabelecimento de sua
identidade surda.
5.2.3 OS EDUCADORES SURDOS
142
114. Buscar a formação de profissionais surdos a nível acadêmico, nas áreas afins, tendo em vista
o direito que os surdos têm em serem educados na sua própria Língua.
115. Recomendar ao professor surdo a reflexão sobre a representação de sua identidade surda,
uma vez que ele é, fundamentalmente, um modelo de identidade para a criança surda.
116. Garantir que a escola de surdos tenha a presença de profissionais que sejam surdos, já que
devem ser ouvidos quando se trata de questões próprias de sua comunidade.
117. Assegurar que no curso de formação para os professores surdos exista currículo específico
sobre todas as implicações da surdez ( educacionais, culturais, vocacionais...), bem como sobre
língua de sinais ( estrutura, morfologia, sintaxe...).
118. Considerar que a formação específica e o trabalho do professor surdo, enquanto profissional,
são necessários. É importante que o professor surdo esteja engajado nas lutas da comunidade
surda.
119. Incentivar na comunidade surda a escolha pelas carreiras de licenciatura.
5.2.4 OS INSTRUTORES DE LÍNGUA DE SINAIS
120. Encaminhar o Instrutor surdo com conhecimento no campo da educação de surdos para
trabalhar em escolas. Os Instrutores surdos sem formação no magistério devem atuar em outras
áreas, como por exemplo: família, empresas, etc.
121. Observar que o ensino de língua de sinais requer instrutores surdos com formação.
122. Buscar a regulamentação da profissão de Instrutor de Língua de Sinais, em parceria com
Associações e Federações de Surdos, para obter o reconhecimento legal da profissão.
123. Garantir que a profissão do Instrutor de Línguas de Sinais seja exclusiva dos surdos.
124. Assegurar que os surdos com formação e experiência profissional coordenem os instrutores
surdos.
125. Exigir que a formação mínima do instrutor surdo seja de nível médio.
126. Implementar o curso de formação de Instrutor na escola de ensino médio de surdos como
uma habilitação específica. Ex.: contabilidade, instrutor surdo, secretário, etc.
127. Implementar os agentes multiplicadores para formação de instrutores surdos.
143
5.2.5 O MONITOR SURDO
128. Considerar que o monitor é um auxiliar/estagiário e que a sua permanência em sala de aula,
portanto, não pode ser definitiva.
129. Considerar que o monitor surdo é um recurso humano provisório, um assessor do professor
ouvinte, que não pode se servir dele permanentemente.
130. Favorecer a formação do monitor surdo e sua passagem para outras etapas como instrutor
e/ou professor.
5.2.6 O PESQUISADOR SURDO
131. Incentivar a pesquisa dos surdos, considerando que faltam pesquisadores urbanos.
132. Observar que o pesquisador surdo precisa manter parceria com o pesquisador ouvinte.
133. Considerar que os surdos pesquisadores necessitam de apoio financeiro.
134. Incentivar a que o pesquisador surdo não seja apenas usuário, precisando desenvolver sua
própria pesquisa.
135. Assegurar que seja respeitada a autoria do pesquisador surdo.
5.2.7 OS SURDOS UNIVERSITÁRIOS
136. Assegurar o direito da presença do Intérprete de Língua de Sinais no decorrer do concurso
de vestibular.
137. Garantir a existência de intérpretes contratados pela universidade, assegurando ao surdo
condições semelhantes de seus colegas ouvintes.
138. Lutar para que a comunidade científica das universidades reconheça a Língua, a cultura e a
comunidade surda.
144
139. Implementar o ensino médio para surdos, com vistas à capacitação profissional e para a
disputa nas provas de vestibular, garantindo o acesso do surdo aos cursos profissionalizantes e/ou
às universidades;
140. Caso seja aceito pela comissão organizadora, discutir a estrutura das provas do vestibular,
levando em conta as especificidades da comunidade surda.
141. Propor que intérpretes reconhecidos pelas Associações e Federações de Surdos, possam
atuar nas universidades, sempre que houver solicitação e interesse de ambas as partes.
142. Considerar que a formação universitária dos intérpretes é necessária para garantir a
formação do profissional surdo.
143. Propor que as universidades abram cursos para formação de intérprete de LIBRAS, em
parceria com Associações e Federações de Surdos.
144. Buscar fonte de recursos, governamentais e não governamentais, para a contratação de
intérprete de língua de sinais.
145. Nas universidades que acolhem surdos, lutar para que seja organizado um centro de apoio
onde possam ser divulgadas informações referentes à surdez, para a comunidade universitária.
146. Dentro das universidades e cursos de graduação, assegurar a criação de uma disciplina que
informe aspectos gerais que fazem parte da comunidade surda.
147. Garantir que somente intérprete com formação de Grau possa atuar na tradução para
língua de sinais nas universidades.
Os itens relacionados são as realidades dos artefatos culturais que se predominam sobre a
identidade enquanto sujeito Surdo-Mudo, as línguas de sinais, a pedagogia visual, a história
cultural, a arte surda, a literatura surda, a interculturalidade e muitas pesquisas e investigações
que surgiram, e ainda surgem, sobre o sujeito Surdo-Mudo na contemporaneidade.
Com o movimento político e educacional, os vários autores criaram várias propostas a
seguir:
a) Ronice Quadros, juntamente com a base téorica e experiência do desenvolvimento
cognitivo dos trabalhos de Lodenir Karnopp na sua obra “Educação dos Surdos: efeitos de
modalidade e práticas pedagógicas”, apresentou uma proposta de trabalho na EDUFSCar, da
qual vou resumir:
145
Na Educação infantil de crianças surdas
- Oportunizar a internalização das culturas e identidades surdas através do domínio da LSB;
- Propiciar o desenvolvimento da estrutura gramatical da LSB;
- Propiciar o acesso às diferenças funções e usos da LSB: informal, formal, poético e
narrativas
Atividades na Educação Infantil
- Atividades de rotina em sinais;
- Brincadeiras e jogos em sinais;
- Realização de experiências em sinais;
- Hora do conto em sinais;
- Passeios conduzidos por adultos surdos (acréscimo meu);
- Atividades diversas com as comunidades surdas locais;
- Mini-palestras dadas por outras pessoas surdas das comunidades locais ou de outras
comunidades nacionais e internacionais
É de suma importância o passeio conduzido por adultos Surdos-Mudos, porque os sinais
acontecem tudo ao mesmo tempo, propiciando o “letramento visual” em sua volta.
Acesso aos aspectos formais da LSB:
- Fonologia:
- CM – Configuração de Mãos
- Alfabeto manual
- Uso de uma mão
- Uso de ambas as mãos com a mesma configuração
- Uso de ambas as mãos com configurações diferentes
- Uso de movimento simétricos
- Uso de movimentos alternados
- Exploração dos pontos de articulação dentro do espaço de sinalização
2) Morfologia
- Marcação de plural
146
- de intensidade
- de modo
- de tempo
- de forma
- de tamanho
- classificadores
- incorporação de negação
3) Sintaxe
- Exploração do uso do espaço
- Uso da marcação da concordância os verbos com concordância
- Uso dos elementos necessários para marcação de concordância com verbos sem
concordância
- Uso das estruturas complexas
- Uso de topicalização
- Uso de estruturas em foco
- Uso de marcação não-manual gramatical para realização da concordância, perguntas (QU)
e sim/não, negação, topicalização, foco.
4) Semântica
- Emprego das relações de significado no nível lexical
- Exploração dos aspectos relacionados ao significado da sentença
5) Pragmáticas
- Exploração de implicaturas
- Figuras de linguagem
- Formas de polidez na linguagem
Aspectos às diferentes funções e usos da linguagem
- Conversas com diferentes pessoas da comunidade
- Jogos dramáticos
147
- Mini-palestra, aulas de vídeo, jornais televisionados, etc
- Relato de histórias
- Hora do conto
- Conversas sobre fatos históricos da comunidade surda e da sociedade brasileira
Explorando a arte da língua de sinais
- Produzir histórias usando o alfabeto manual
- Produzir histórias usando números
- Produzir histórias usando configurações de mãos específicas
- Produzir histórias sobre pessoas surdas e ouvintes
- Produzir histórias com pessoas surdas no mundo dos ouvintes
- Produzir histórias com pessoas ouvintes no mundo dos surdos
- Relatar histórias, contos e fábulas explorando os jogos de posições do corpo e direção dos
olhos para estabelecimento de personagens.
Ainda como sugestão de proposta para a implementação de uma pedagogia visual e,
considerando a criatividade e expressividade dos sujeitos Surdos-Mudos no movimento realizado
para garantir seus direitos à modalidade de comunicação viso-gestual com a Língua de Sinais
Brasileira, faz-se importante indicar a ampliação da produção, por esses sujeitos, de materiais
didáticos especificamente relacionados ao processo de visualidade, aspecto cultural que não pode
deixar de ser considerado no processo de ensinar e aprender.
Existem poucos materiais literários específicos e cinemáticos visuais, como CDs e DVDs
que possam dar maior estrutura e apoio lingüístico. Os sujeitos Surdos-Mudos utilizam a visão
para obter informações, acessando o maciço meio da mídia, como vlog
96
e da literatura que
podem criar condições e fortalecimento da identidade, cultura e de conhecimento da Comunidade
Surda-Muda. Existe pouca pesquisa voltada à literatura Surda e existem alguns sites que vendem
em caráter particular os CDs e DVDs da literatura infantil e de outros gêneros, mas, mesmo
assim, são poucos para a demanda das crianças Surdas-Mudas no Brasil. Estes materiais são de
suma importância para a construção de uma auto-representação e de auto-afirmação da
96
Novo sistema de Blog, que ao invés de ser utilizado na escrita, pode ser utilizado como web cam para anexar os
comentários para determinado assunto por sinais.
148
identidade, cultura e língua dos Surdos-Mudos. Os materiais didáticos também estão no mesmo
patamar, ou seja, há insuficiente número de publicações.
A questão da auto-afirmação e de auto-representação positiva na constituição dos alunos
Surdos-Mudos no ambiente escolar é outro aspecto básico que envolve a pedagogia visual. Ele
depende de uma formação específica dos professores e até mesmo da boa vontade dos
professores não-surdos-mudos para a criação de materiais didáticos aos alunos Surdos-Mudos.
Lembro de uma discussão que envolveu um Surdo-Mudo que era professor de Teatro da escola
onde trabalhei no ano de 1998. O próprio Surdo-Mudo, que também é produtor de CDs e DVDs
da literatura infantil e muito conhecido no Brasil, pediu aos professores da escola para
elaborarem material didático que pudesse ajudar a desenvolver os alunos Surdos-Mudos, como
jogos didáticos e materiais didáticos educativos e que a sua empresa bancaria a produção para a
escola e divulgação para outras escolas do Brasil onde existam crianças surdas-mudas. O objetivo
era a inclusão social e visual da ngua de sinais. Os professores reagiram e disseram que ele
estava se aproveitando de suas idéias para enriquecer a sua empresa. A descrença que eles
deixam transparecer mostra a negação e a ausência de ética no envolvimento com as crianças,
descuidando-se com o desenvolvimento cognitivo da língua de sinais. sentimento de
desconfiança e ausência de incentivo do papel como professores e educadores de Surdos-Mudos.
Envolve também a concepção de incapacidade atribuída aos Surdos-Mudos que não sabem ler ou
que não desenvolvem o hábito de leitura. Por isso não incentivam, não proporcionam um
ambiente lingüístico adequado, não fazendo uso de materiais diversificados para que eles possam
compreender a língua e a leitura ou um método para que possa desenvolver o gosto pela leitura.
Essa é uma “guerra lingüística surda”. Isso mostra também a representação fonocentrista que se
preocupa com a aprendizagem da língua portuguesa como primeira língua de grupos lingüísticos
distintos. As atividades de ensino de língua portuguesa são, em geral, sem graça, sem atrativos. O
material é o mesmo e a didática tradicional não muda, não há uma busca de aprimorar os métodos
de ensino que abordem juntamente a língua de sinais e a língua portuguesa, comparando-as em
suas modalidades. Assim, o aluno Surdo-Mudo consegue superar e entendimento dos significados
e de signos visuais de uma língua para outra.
Aos docentes Não-surdos-mudos, segue as exemplificações simples para a utilização dos
signos visuais, sem esquecer as expressões faciais e corporais, que são fundamentais no ato de
ensinar. Comprovado pela minha própria experiência:
149
1) Na aula de física, será fácil compreender que todas as coisas existem por força de
freqüência vibratória, força e velocidade. Desde a formação do átomo, que é a base de qualquer
ser orgânico ou inorgânico, até as galáxias que rodopiam o Universo, a força vibratória é verdade
incontestável, invisível e energética. Apenas a forma de freqüência é que muda. Assim, o som, as
cores, a música, o pensamento, tudo depende da disposição de energia vibrátil que preenche todos
os espaços do cosmos. O pensamento, na disciplina “força quântica”, é uma vibração tão sutil que
é capaz de condensar energia suficiente para formar mundos, com todas as suas características:
reino hominal, animal e mineral, com ilimitadas nuances;
2) Na aula de Biologia, usar todas as formas visuais desde a simplicidade até a
complexidade dos signos visuais. Observar sempre as nuances dos desenhos e imagens visuais
para caracterizar cada especificidade;
3) Na aula de História, usar todas as narrativas heróicas de pessoas que fizeram a
história e comparar com os feitos heróicos dos Surdos-Mudos. Esse produz o discurso
diferenciado entre os dois mundos: Surdos-Mudos e Não-surdos-mudos.
4) Na aula de Português, como uma disciplina de língua estrangeira. É fundamental
usar todos os signos visuais para explicitar todos os significados de cada elemento gramatical da
língua distinta da língua de sinais brasileira. Usar a gramática da língua de sinais brasileira para
comparar com a língua portuguesa e de outras línguas se houver necessidade.
5) Nas outras disciplinas, é fundamental usar todos os recursos visuais, como ngua
de sinais, exposição de DVD, CD, filmes legendados, filmes científicos, filmes nacionais com
legendas, filmes estrangeiros, filmes com ficção, como requisito visual para todos. Na Gallaudet
University, todos usam os equipamentos visuais em cada sala de aula para fazer demonstrações
visuais, o que ajuda a construir as infinitas possibilidades no aprendizado visual e cognitivo como
sujeitos Surdos-Mudos para atingir a plena cidadania como sujeitos Surdos-Mudos.
A relação entre aluno Surdo-Mudo e professor Surdo-Mudo ou não-Surdo-Mudo com
fluência da língua de sinais é outro foco importante a ser discutido. É primordial focalizar essa
questão, tendo em vista, por um lado o exercício da profissão dos docentes e por outro o exercício
150
da cidadania dos alunos Surdos-Mudos, com a finalidade de esclarecer e dissipar muitas
problemáticas da comunicação relacionada ao processo de escolarização.
Tendo em vista que o processo de ensinar e aprender coloca professor e aluno numa
relação de constituição mútua de seus lugares sociais dentro da escola, sugere-se que esta relação
seja considerada em seus aspectos dialógicos uma vez que os “sinais”, assim como a fala, têm
seus modos diferentes de constituírem linguagens, mas ambas refletem a diversidade da
experiência social como lugar de encontro eu/outro.
A língua de sinais, assim como toda língua, tem seu “fluxo da comunicação verbal e,
portanto, não é transmitida como um produto acabado, mas como algo que se constitui
continuamente na corrente da comunicação verbal” (Bakhtin, apud Jobim e Souza, 1994, p.99).
Na vida cotidiana os Surdos-Mudos adquirem e operam gradativamente os signos visuais
como alguma coisa muito íntima, despertando a sua consciência interna, no momento do
nascimento e do desenvolvimento da linguagem, como uma vara mágica ao tocar na sua cabeça.
Os signos visuais, com os próprios olhos, são como uma música visual, assim como os ouvintes
quando ouvem os primeiros sons. O seu desenvolvimento se baseia no fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações(BAKHTIN, apud Jobim
e Souza, 1994, p.99). Assim como a interação verbal constitui a realidade fundamental da língua
para os ouvintes, para os Surdos-Mudos a interação pelos e com os sinais tem a mesma
importância.
É fundamental para toda a comunidade Surda-Muda, especialmente, nas escolas onde
existem alunos Surdos-Mudos e ou com os alunos incluídos no programa de educação, o diálogo
que envolve o relacionamento do professor surdo ou ouvinte com os alunos Surdos-Mudos. Esse
diálogo exige um processo sem fim e permanente de interação, onde na fronteira ou cadeia” do
diálogo exista e se desenvolva a expressividade pela visualidade dos “sinais”, assim como a sua
linguagem cotidiana e sua vivência para com o mundo. Nele se encontra a relação e seu papel,
assim como alunos Surdos-Mudos, no papel do outro” ou “sinalizante” (o conceito “falante” é
mais voltado para a oralização, já que os Surdos-Mudos sinalizam através das mãos) e o papel do
professor ouvinte ou surdo como “falante ou ouvinte ou sinalizante” e o seu diálogo transmitido
contendo as informações e seus conteúdos, através da visualização, que os alunos não podem
ouvir a própria voz e nem a voz do professor ouvinte. As enunciações contêm, sempre, algo “já-
151
falado por alguém” e tudo o que existe na fronteira do diálogo deve ser transmitido de modo
flexível, com nuances próprias, com a expressividade das emoções, expressão facial e corporal
(assim como da entoação para os ouvintes). Existe também a “variabilidade do sentido da
palavra” (Bakhtin, apud Jobim e Souza,1994, p.102) que não pode dar conta nele, assim como
a palavra ou “sinais” no caso dos Surdos-Mudos, é muito mais expressivo com a sua semântica,
morfologia, fonologia (ou quirema) e sintática que no diálogo, a relação é inexpressiva e oculta
para os “olhares” dos ouvintes e dos Surdos-Mudos também.
Esta “variabilidade do sentido da palavra” se faz presente no caso de sinais novos de
acordo com o contexto apreendido ou do encontro dos Surdos-Mudos. As variações dos sinais, no
caso do surgimento de um sinal como o correspondente ao sinal de “tolerância”, se aparecer fora
do ponto de articulação (uma das regras do parâmetro da Língua de Sinais) que usualmente é
fixado na cabeça e agora pode ser fixado em qualquer ponto de articulação, assim como nas
costas da mão, ou no rosto, ou na mesa para definir a “tolerância” para apontar os “outros” com
desdém, com ironia, com desprezo, ou de zombaria. Assim, um sinal adquire outros significados,
como que um código estabelecido por uma comunidade, uma espécie de signos flexíveis que
mudam seu valor de acordo com a situação de uso. Esses sinais são de difícil percepção nos
“olhares” dos falantes. Qualquer captação ou aquisição dos sinais (ou palavras) novos e criativos
que aparecem sempre cotidianamente, assim como a visualização do mundo interno e externo.
A relação professor e aluno, através do diálogo não é difícil, mas quanto mais se conhece
e se “compreende” os sinais, mais fácil se torna a relação entre ambos. Tem “sinais”, cujo valor
semântico diferem dependendo do contexto, assim como todas as línguas. Como exemplo, cita-se
o caso que ocorreu com um aluno do INES Instituto Nacional de Educação dos Surdos-Mudos,
em 2002, com a diretora da instituição, durante a eleição para a Diretoria do INES. O
intermediário foi o intérprete de ngua de sinais, que gerou muitos problemas e questionamento
judiciário que perduram até hoje. Vamos ver o diálogo ocorrido entre eles:
(Aluno) (em sinais): ....EU DESCOBRIR.....DESCOBRIR.....PAPEL
DOCUMENTO....STIL (nome da Diretora) ESTAR-PESCOÇO/CABEÇA-CORTAR)
97
(Intérprete de LS) – “..................................ele vai matar a Diretora”.
97
Tradução: “....eu descobri...descobri....as falcatruas no INES....a Diretora está perdida”
152
Neste momento, gerou-se uma interpretação errônea, cuja “fala” foi do Intérprete de LS,
quando falou no microfone, não gravado, e que entendeu errado os “sinais” do aluno Surdo-
Mudo, a informação passada ao público. Houve murmúrios e confusões e o aluno Surdo-Mudo
percebendo as expressividades atípicas do público, questionou um outro aluno Surdo-Mudo para
saber o que tinha acontecido. Na hora, tentou explicar que ele não queria dizer aquilo, mas foi
tarde e esse foi expulso e está sendo julgado no tribunal até a presente data, sem resolução
nenhuma entre ambos, sem qualquer possibilidade de reconciliação e retorno do estudante ao
INES.
Como diz BAKHTIN, (apud JOBIM E SOUZA, 1994, p.105), que
o que importa observar nesse pequeno fragmento é o movimento das
tendências afetivo-volitivas, quer dizer, dos desejos, das necessidades, dos
interesses e das emoções presentes nessa conversa. Portanto, a
compreensão mútua de suas falas depende não apenas da relação afetivo-
emocional que entre os participantes do diálogo, mas de como essa
relação acontece na entoação.
Nesses casos, muitos professores, mesmo com a parca fluência na língua de sinais, não
conseguem captar a velocidade e expressividade, e igualmente, as expressões faciais e corporais,
dos “sinais” dos “sinalizante”. Somente, com a convivência diária e aceitação (o mais importante
de todos) da suangua, poderá entender e compreender mais, sem empecilho nenhum na
profissão dos docentes.
A posição entre a relação e seu diálogo do professor e aluno, envolve o “contexto
extra-verbal do enunciado que compreende três fatores, segundo BAKHTIN (apud JOBIM E
SOUZA, 1994, p.106)”:
1) o horizonte espacial comum dos interlocutores (a unidade do que é visível por eles no
momento da interação verbal);
2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores e
3) a avaliação comum da situação sobre a qual os interlocutores se expressam.
153
Para isso, é necessário entender e seguir os três fatores para “compreender” o diálogo travado
e sua enunciação, procurando sempre corrigir, passar informações, melhorar, criar situações
engraçadas, com humor, “musicalizar os sinais”, trabalhar com a visualidade, observar as
expressões faciais e corporais, os sinais da cultura, ter consciência da variabilidade dos sinais, uso
dos adequado dos sinais nos níveis semânticos, fonéticos e sintáticos, e tudo o que no diálogo é
possível de ser compreendido e, assim, possibilitar uma comunicação mais segura e inequívoca
na relação dialógica entre professor e aluno Surdo-Mudo.
Os três fatores expostos são importantes para saber ou entender “subjetivamente” o
horizonte espacial comum dos interlocutores através do“ver” quando estão acompanhando a
visualização dos sinais ou signos que representam seus sentidos. Cada signo ou sinais visuais tem
seus significados e muitas vezes invisíveis que podem passar despercebidas pela expressividade,
grau de consciência, de clareza, de acabamento formal da enunciação e nuances dos seus sinais.
Os sinais visuais não são apenas palavras por palavras (sinais por sinais) e sim um complexo
semântico, sintático e fonético (quirema), pragmático com suas sutilezas dentro da comunicação.
Também contam com as expressões faciais e corporais até nas posições dos braços, ombros,
movimentos respiratórios, posição do peito (que vai para dentro ou para fora) e muitos outros,
como se fosse a comunicação unificada em um signo ou sinal só. Um interlocutor, para expressar
a sua comunicação e seus sinais, precisa mostrar tudo e como se fosse o corpo que vem
demonstrando a sua enunciação por outro interlocutor e vice-versa. Uma enunciação em sinais
vem carregada de emoções, cores, sensibilidades, empatias, visibilidades, orientações sociais
distintas e pensamentos para serem comunicadas e entendidas. Basta outro interlocutor precisa ter
a mesma sensibilidade, emoção, empatia, visibilidade, mesma posição social, atividade semiótica
e pensamento para entender a mensagem que recebe com fluidez da comunicação sem empecilho
ou confusão entre ambas. O espaço que nele ocorre é fundamental a participação da “observação”
com atenção para poder captar a mensagem através dos sinais visuais. Os sinais visuais não têm
letras ou formas que podem ser percebidas através da escrita ou da fala (sons). É muito mais que
isso, os signos visuais podem ser captados, sentidos e compreendidos, como um “flash”, pelo
pensamento e seu processamento visual. O segundo fator é o conhecimento da língua de sinais e
dos signos visuais para poder compreender a situação entre partes. Cada interlocutor tem a sua
constituição social da consciência (BAKHTIN) e sem compreensão não haverá diálogo e
comunicação entre eles. Não é o aprendizado de uma língua que vai envolver sua situação
154
comunicativa, isso é muito mais, pois sabemos que a língua envolve a sua complexidade e por
isso é necessário entrar e entender a sua situação, como no caso dos signos visuais, para poder
compreender a subjetividade do interlocutor, através do seu “ver”.
O terceiro fator é avaliar em comum a situação dos sinais visuais sobre a qual os
interlocutores se expressam. É importante, avaliar no momento da dificuldade encontrada para
poder dissipar a confusão e desentendimento dentro da comunicação e do horizonte espacial que
envolve os interlocutores. Diante da complexidade, é natural que se encontrem dificuldades da
comunicação, como o “fio de telefone”, cujos interlocutores não podem “olhar” o outro lado,
apenas escutando as suas vozes, é muitas vezes os interlocutores não sabem o que ocorre no outro
lado da linha. Isso acontece com os interlocutores Surdos-Mudos com os Surdos-Mudos e não-
surdos-mudos com os Surdos-Mudos, devido à complexidade da língua de sinais e seus sinais
visuais carregadas dos nuances gramaticais, pragmáticas e semânticas, que ao momento, o tempo
da captação varia de pessoa para pessoa, demorada ou com rapidez o seu processamento dos
signos visuais em uma mensagem, como no exemplo da experiência da Laborit (1994), Surda-
Muda:
(...)Tive uma boa nota em francês e o professor mo convidou para explicar
o assunto aos alunos que não haviam compreendido. Fui ao quadro e
comecei a exprimir na língua de sinais. No início de minha demonstração,
o professor me deteve. Acusou-me de excesso de “facilidade” e exigiu que
me exprimisse oralmente. Senti-me ridícula. Jamais tinha me sentido tão
ridícula. Os alunos me olhavam rindo, não entendiam absolutamente nada
do que eu tentava formular.
No fim do que me pareceu uma eternidade, parei de uma vez. Não
somente estava infeliz, mas fiz todo mundo perder tempo. Pedi ao
professor para ter “a grande delicadeza” de me conceder 5 minutos para
fazer o mesmo raciocínio, mas dessa vez na língua de sinais. Convencido
de que não tinha nível suficiente para conseguir o que queria, persuadido
de que minha língua era “inferior”, limitada, deixou-me fazer,
provavelmente pensando que iria demonstrar a minha incapacidade. Os
alunos, até eles, olhavam-me com olhos arredondados, brilhando de
malícia, rindo. Habitualmente, entre nós, não nos exprimíamos com sinais
a não ser para trapacear, ou no recreio, ou na rua. A pequena revolução
que eu acabava de conseguir era importante. Iriam eles compreender o que
não haviam compreendido oralmente quando explicado pelo professor?
“Escutaram-me” com bastante atenção; meu raciocínio foi claro, a
explicação convincente, e os alunos ficaram satisfeitos. O professor ainda
assim recusou-se a acreditar que eu havia explicado tão rapidamente e tão
bem.
- Vocês compreenderam tudo?
155
O “sim” foi unânime. Ele duvidou ainda e pediu ironicamente a um aluno
que viesse repetir aquilo que supostamente havia entendido. O aluno
executou a tarefa, e o professor, surpreso, fez uma careta, e se refugiou em
sua má- habitual. Continuou a aula oralmente, esquecendo-se do que
acabava de acontecer.”
BAKHTIN (2006) destaca que, “as condições de comunicação e as estruturas sociais estão
indissoluvelmente ligadas”, que a estrutura da linguagem e a organização da atividade mental
estão ligados na interação verbal. Assim, como as expressões faciais e corporais, que no
momento dos “sinais” (a fala) expressam a sua sintaxe, semântica e ideologia em saber que o
mundo interior é expressão e fundamento das possibilidades de expressão, das características
sociais e das subjetividades. A fala, assim como os sinais, e sua condição de comunicação, no
caso da modalidade viso-gestual (já que sua aquisição ou o significado exterior vem através dos
“olhos” e do ato de “ver”) e sua estruturação social varia de um caso para outro caso, devido a
sua identidade diversificada, de acordo com o ambiente exterior onde é adquirido à língua
materna ou de um ambiente em que foi ou se é criado. As condições de comunicação e sua
estrutura social estão ligadas, porque na aquisição dos primeiros sinais, os significados começam
a se constituírem a partir de um conceito visual. A sua construção subjetiva parte através do
contato com os outros sinais visuais e começa a formar a expressão, os sentidos, os conceitos
visuais relacionados à atividade mental, como diz BAKHTIN (apud JOBIM E SOUZA, 1994,
p.112):
é a expressão que organiza a atividade mental, que modela e determina
sua orientação; não é tanto a expressão que se adapta ao nosso mundo
exterior, mas o nosso mundo interior que se adapta às possibilidades de
nossa expressão, aos seus caminhos e às suas orientações possíveis.
Para adaptar-se à ausência do som, os olhos procuram captar as expressões visuais, no
caso da expressão semiótica” (semiótica porque constituída de signos) que tem seus
significados e nuances facilmente compreensíveis para os Surdos-Mudos por causa do impacto e
dos movimentos ou das imagens e dos seus conteúdos “silenciosos”. Qualquer movimento ou
nuances das imagens geram inúmeros significados e cabem a nós, os Surdos-Mudos,
descobrirmos quais os significados que aquilo quer significar e sua forma de interpretar. Podemos
156
estar errados, mas é a nossa forma de conceber aquilo que nós pensamos ou interpretamos de
acordo com a nossa vivência social. Algumas imagens podem ser exploradas, tais como:
- as fotos e outdoor (a sua imagem visual, as cores, os desenhos, as imagens, as palavras);
- as revistas em quadrinhos (as suas expressões corporais que são excelentes para os exercícios
mentais dos Surdos-Mudos para decifrar os seus significados);
- as propagandas (que são ótimos veículos de marketing e que fazem refletir o seu valor da
imagem, por exemplo: da casa, da mansão, da piscina, em contraste com o mundo exterior em
que vivemos);
- os filmes não legendados que são altamente frutíferos e perspicazes em auxiliar na atenção e no
exercício de captação da mensagem. Por exemplo, os filmes de dramas, ficção ou outro gênero,
possuem muitas expressões faciais, direção de olhares, sutilezas que são percebidas visualmente
pelo Surdo-Mudos. Um movimento, um passo para trás, uma expressão de espanto, podem
denunciar várias coisas que esse é apto a discernir, mesmo sem informações sonoras. Os olhos
dos personagens sempre têm o seu significado especial e querem denunciar o outro que está
fugindo ou sentindo o calafrio de um vento que passa, ou o guarda fica com medo do ladrão
passar para frente e matar. As nossas adaptações se modelam e são orientadas de acordo com a
“expressão semiótica” onde as imagens são vistas todos os dias, como o cego desenvolve a sua
audição na necessidade de se adaptar a ausência de visão.
A consciência de que o significado visual difere, em seu processamento, do significado
oral abre a possibilidade de se descobrir as diferenças e contradições no diálogo, submetido às
pressões sociais com os ouvintes. A diferença começa a ser experimentada e transformada em
uma ideologia, devido a diferença cultural e a imposição da homogeneidade e uso artificial da
fala (no caso da oralização para se igualar com o mesmo modelo dos ouvintes, apesar da voz
continuar distoante). A ideologia surge da experimentação e das experiências vivenciais de um
indivíduo ou de um grupo.
Nem todos os Surdos-Mudos, dependendo do seu ambiente exterior ou de contato com os
mesmos grupos, têm o seu grau de consciência de que são Surdos-Mudos, devido a
homogeneidade e as pressões sociais dos ouvintes, mas começam a ter consciência quase
tardiamente da importância do seu papel. É no encontro com o “outro” (Bakhtin) e na interação
com o seu semelhante que ele desenvolverá um “grau de orientação social” que despertará sua
157
consciência lingüística e de identidade. O mesmo acontece com a escola onde os professores
usuários de LS ou professores Surdos-Mudos, com a formação homogênea das universidades,
tem seus vários níveis de grau de consciência para com a língua e seus contextos visuais, onde
encontram suas dificuldades de ensinar a língua materna aos Surdos-Mudos, devido o
desconhecimento total do valor semiótico dos sinais, como no caso do exercício visual, material
pedagógico, e na relação cotidiana na experiência dos sinais.
A constituição social da consciência, subjetividade e desenvolvimento da visualidade
estão relacionadas:
1) ao contato inicial da LS como língua materna (não quero dizer que a língua
materna seja no caso da língua aprendida em casa e sim com o contato com a língua de sinais dos
Surdos-Mudos, no caso do sujeito surdo)
2) à exposição cotidiana a signos visuais, como imagem nos filmes, revistas em
quadrinhos, livros com desenhos, propaganda, etc.
3) à reflexão teórica e prática das exposições semióticas. Refletir o seu conceito e
suas significações e sentidos para com este signo, por exemplo: rosa vermelha, que pode ser
definida em vários sentidos, a cor, o nome da flor ou da pessoa, a mudança sintática (rosinha
vermelhinha), a mudança semântica (A Rosa vermelha) que pode ser definida como pessoa que
sempre usa a saia vermelha, e vários outros.
4) À formação ideológica e sua reflexão: vermelha pode ter outros significados, que
pode ser a cor do comunismo, da cor do time de futebol, do sangue, da beleza do batom, da forma
que ela expressa, da cor marcante ou insignificante. No caso dos sinais, também carrega a sua
ideologia e do poder do prestígio dos sinais para significar o seu sentido.
5) Ao fato de analisar a diferenciação da língua portuguesa com a LS.
A interação é um dos pontos mais importante para qualquer relação social existente entre
as duas comunidades.
Os sinais, as interações sociais, assim com a relação do sujeito com o outro sujeito, e seu
“olhar” sobre a diferença que se deu pela luz do positivismo europeu atrapalhou muito a
construção da subjetividade dos Surdos-Mudos, por utilizarem a sua comunicação com base na
ideologia da oralização e na escrita impedindo os Surdos-Mudos a expressarem suas convicções
158
e lutas pela emancipação das diferenças sociais. Toda processo de enunciação relacionado a esta
situação está e sempre foi desprezado, anulado, para ser homogeneizado pela ideologia dos
ouvintes. Os Surdos-Mudos defendem e sempre defenderam a LS e sua cultura como uma
“ideologia do cotidiano” para expressar a luta contra a homogeneidade e defesa dos sinais e
cultura. Os sinais, os signos visuais, as “expressões semióticas”, e “ideologia do cotidiano”
98
numa interação dialética constante de acordo com o mundo exterior que nos “molda” a identidade
e o conhecimento do “diálogo já tido”, “já falado por alguém”, “elucidado”, “articulado” e
significativo à formação de consciência carregada de identidade cultural, da diferença social,
marcadas pelos signos visuais.
Sabemos que sem o fluxo da interação verbal, nos casos dos sinais e signos visuais, da
qual vamos citar os casos: o encontro de não-surdos-mudos com outro não-surdos-mudos, ambos
usuários de língua de sinais; eles passam a oralizar em vez de sinalizar. O Surdo-Mudo quando
está inserido no meio não encontrará seus significados de acordo com o contexto, e passará a ter
dificuldade de entender o significado e contexto exterior. Tendo em vista da interiorização que
estava carregado de significados vazios e únicos pela homogeneidade da palavra, da oralização,
do som imperceptível e das omissões dos sinais provocados pelos usuários de LS.
O diálogo se revela como forma de ligação entre a linguagem e a vida(BAKHTIN,
2006) e isto situa culturalmente a expressividade do simbólico-ideólogico de uma comunidade,
no caso dos “diálogos” visuais dos Surdos-Mudos.
Ideologicamente, todo “saber” e a sua relação tem muito a ver com o “poder-saber”
(FOUCAULT, p.27, 2004), pois aquele que “detém” conhecimento, geralmente usa disso para
estar numa posição superior. No entanto, essas relações de “poder-saber” não devem ser
analisadas a partir do conhecimento de um sujeito, pois cada um é livre ou não em relação ao
sistema do poder. É preciso considerar, ao contrário, que o sujeito que conhece os signos e as
modalidades de conhecimento são outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do
poder-saber e de suas “transformações históricas”. É por isso, que, de acordo com Bakhtin, o
sujeito Surdo-Mudo se adquire ou se assimila através da “interação verbal”, realizada através da
“enunciação ou das enunciações” e sua construção na subjetividade, como produto de um
conhecimento e de poder, as suas modalidades do conhecimento e dos signos do conhecimento.
98
A ideologia do cotidiano expressa-se por meio de cada um de nossos atos, gestos ou sinais, permitindo que os
sistemas ideológicos constituídos (moral, politica, narrativa, etc) se transbordam no seu próprio discurso.
159
A própria enunciação vem carregada de uma ideologia, do poder “camuflado”, dos signos
visuais, com suas estruturas, expressivas, sutis, impregnada das tendências afetivo-volitivas que
na relação entre dois interlocutores se formam em um único signo da relação.
As questões acima citadas esclarecem pontos importantes da minha perspectiva da
pedagogia visual na educação dos Surdos-Mudos e das relações implicadas no processo de
ensinar e aprender e que mostram que esse processo é mais amplo do que o do ensino da LSB,
ainda que esta se faça imprescindível.
Uma outra sugestão importante que se destaca nesta tese é a que está baseada no fato de
que as línguas de sinais deixaram de ser tratadas como um conjunto de mbolos visual-manuais
desarticulados e passaram a ser concebidas como "uma estrutura multiarticulada e multinivelada,
com base nos mesmos princípios gerais de organização que podem ser encontrados em qualquer
língua" (BEHARES, apud LODI, p.43, 1993).
5.3 PROPOSTA VISUAL
Quero colocar neste trabalho um o novo conceito que se refere ao termo Classificador, o
de DESCRIÇÃO IMAGÉTICA, em todos os sistemas de classificação, passando a classificá-los
como sistemas visuais. O objetivo é utilizar captação dos sinais visuais, ampliar e exercitar as
capacidades mentais e visuais para se comunicar com os Surdos-Mudos. Todo e qualquer recurso
que for utilizado para ajudar na comunicação, a compreensão dos conceitos deverá ser aplicado
com naturalidade, e não para modificá-los, mas para auxiliar na compreensão e tradução
gramatical visual.
A comunicação visual é o ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio
de métodos e/ou processos convencionados da ngua de sinais e sua linguagem, assim como os
fonemas da linguagem escrita, falada, sinais, signos ou símbolos, ou de aparelhamento técnico
especializado, sonoro e/ou virtual.
5.3.1 OS FATORES DA MUDANÇA DA DENOMINAÇÃO “CLASSIFICAÇÃO” OU
“CLASSIFICADOR” E OUTRAS DENOMINACÕES PARA DESCRIÇÃO IMAGÉTICA.
160
Um dos pontos importantes deste TRABALHO de tese É MOSTRAR as propostas de
MUDANÇAS DESTAS DENOMINAÇÕES, porque as denominações atuais estão mais atrelada
ao estruturalismo e formalismo lingüístico, ou os seus domínios estão mais exercidos em suas
estruturas lingüísticas, ao fonema (e sua fonologia), morfema, sintaxe e outros da língua oral
99
ou
falada
100
com seu status lingüístico próprio e não pelos parâmetros da visualidade.
Pela própria experiência como Surda-Muda, a autora desta tese, como pessoa inserida
dentro da comunidade Surda-Muda com suas concepções linguística e visual, pode demonstrar a
oposição da Língua de Sinais com a Língua Falada ou Oral, tendo em vista que estas
denominações “Oral” ou “Falada” significam que as palavras “são como os sons que saem pela
boca”, com suas “pronunciações distintas”, o que não existe na Língua de Sinais uma vez que a
mesma é usada visualmente e não baseada no som, como pensam alguns teóricos. De acordo
com o pensamento do autor Owen Wrigley, da “Política da Surdez” (s.d., p.164) que afirma que
“…entre os teóricos que assumem que o som e central a linguagem ou que o som se insinua na
estrutura essencial da linguagem – na verdade, esse conhecimento sem o som não é possível”.
Quer dizer que os teóricos preocuparam-se com as regras lingüísticas e, ao mesmo tempo,
desconhecem o “conhecimento sem o som”, no caso da visualidade da língua de sinais.
Segundo o ponto de vista escolhido, os teóricos do campo lingüístico, no caso do estudo
da Língua de Sinais, a nao ser do William Stokoe que defende o fonema do som na sua
denominação como “quirema” (cheremas, do grego cheir, mão) como constituição da unidade
elementar visual da língua de sinais. Os teóricos, apesar da pesquisa digna de louvor, abriram
seus caminhos na criação de um conjunto dos elementos que constituíram a composição das suas
características, mas não conseguem descrever a expressividade da língua de sinais, apesar da
dificuldade e sua constante metodologia para chegar a esta descrição
101
, a não ser dos elementos
ou os sinais básicos (que juntando outros sinais vão formando uma gramática), que podem ajudar
a transcricão, mas isto não é suficiente. A essência da visualizacão difere da escrita, devido a
modalidade visual-espacial. A modalidade viso-espacial não pode ser copiada ou transcrita e
99
radical do latim. os,oris “boca; linguagem, língua, idioma; rosto, fisionomia; abertura, orifício”
100
faculdade que tem o homem de expressar suas idéias, emoções e experiências, e de se comunicar por meio de
palavras (signos verbais da linguagem articulada); antepositivo, do verbo latim for,fáris,fátus sum,fári (dep.) “falar,
ter a faculdade e o uso da fala, dizer, explicar, confessar, declarar”. Na palavra “articulada”, em latim
articùlo,ás,ávi,átum,áre “dar articulações, separar, dividir, articular, pronunciar distintamente” (grifo meu)
101
Em latim, describo, derivacao de scribère “escrever” significa “escrever segundo um modelo, copiar, transcrever,
marcar com o estilo (ponteiro ou haste de metal), traçar uma linha, marcar, assinalar, gravar, marcar com cunho,
desenhar, representar em caracteres, fazer letras, escrever”.
161
passada para o papel pela variedade dos conceitos e dos seus processos visuais e mentais.
Sabemos que a língua de sinais consiste em cinco parâmetros: configuracão de mãos, ponto de
articulacão, movimentos, orientacão e expressão facial-corporal, que poderão ser aplicados,
interpretados em caráter visual e com a criação de uma metodologia especificada para descrever
visualmente, e no futuro, a língua de sinais pode ser padronizada no espaço através de gravacão
de vídeo e filmagem, segundo a teoria de Wrigler: “….as coisas visuais tendem a ser
padronizadas no espaço,…” (s.d., p.166). Com o crescente reconhecimento da língua de sinais
como imagem visual, ficaria mais fácil traduzir visualmente em vez de passá-la para o papel, na
tentativa de materializar a imagem que não é estática, mas é regida pelas nuances do movimento
e ação.
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