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leis da termodinâmica foram suprimidos. Assim, somente as informações acerca da teoria
cinética dos gases são mostradas, em seu aspecto evolutivo.
Em 1866, ano da conclusão de seu doutorado, o físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann
(1844-1906), publicou um artigo intitulado ''Acerca do significado mecânico da segunda lei
da teoria do calor" onde, como o título destaca, ele tenta fundamentar a segunda lei através
da aplicação de princípios mecânicos ao movimento das moléculas de um gás. Este era o
segundo artigo deste jovem físico. No ano anterior ele havia publicado um trabalho sobre o
''movimento da eletricidade em superfícies curvas", seu tema de doutorado sob a orientação
de Josef Stefan. A aplicação da mecânica para um gás de partículas tivera seus precursores:
em 1738, Daniel Bernoulli levantou a hipótese de que as propriedades de um gás, como
pressão e temperatura, poderiam ser entendidas considerando-se um gás como um conjunto
grande de moléculas elásticas que colidiam entre si e contra as paredes do recipiente. Esta
idéia não era nova, porém Bernoulli foi o primeiro a colocar a hipótese em termos
quantitativos, lançando assim as bases do que viria a ser a teoria cinética de algumas
décadas a frente. Entre os antecessores de Boltzmann podemos contar A. Krönig, que em
1856 deduziu a equação:
P.V = n.R.T
e R. Clausius, que em 1857 mostrou de maneira clara que a energia térmica de um gás nada
mais era que a energia cinética das moléculas. Em outras palavras, a primeira lei da
termodinâmica nada mais era que uma lei da mecânica aplicada às partículas do gás. Mas foi
J. C. Maxwell que, a partir das idéias de Simon, Lagrange, Bernoulli, Herschel, Krönig e
Clausius desenvolveu em 1859 uma teoria para processos de transporte em gases,
calculando entre outras coisas a viscosidade, a difusão e a transmissão de calor. Neste ano
ele deduziu a lei de distribuição de velocidades das moléculas de um gás de um modo ainda
um tanto heurístico e em 1867 de forma mais fundamentada. O mérito de Clausius e
Maxwell foi mostrar que as propriedades de equilíbrio e de transporte seguem da cinética
das moléculas. O ''problema" da segunda lei então torna-se claro: se quiser-se fundamentar a
termodinâmica sobre uma teoria cinética, deve-se ser capaz de explicar a segunda lei em
termos cinéticos, sem a necessidade de introduzir hipóteses adicionais - a irreversibilidade
deve surgir naturalmente das leis da mecânica. Mas se estas são reversíveis, surge então um
paradoxo. Foi buscando uma resposta a esta pergunta que Boltzmann fez aquilo que, nas
palavras de Schrödinger, representa seu maior legado à Física: mostrar que aquilo que nos
parece impossível, a reversibilidade dos fenômenos naturais, na verdade não é impossível,
mas sim improvável. Nenhuma lei da Física é violada se os pedaços de um copo estilhaçado
se juntarem novamente. Nunca vimos isso ocorrer apenas pelo fato que a probabilidade que
isso ocorra é inimaginavelmente pequena. A segunda lei é assim uma lei probabilística. E
aqui está a outra grande contribuição de Boltzmann à Física: a introdução do conceito de
probabilidade como ingrediente fundamental para a descrição da natureza. Boltzmann
muito provavelmente chegou à teoria cinética através de Maxwell, de quem era um grande
admirador e cujos trabalhos em eletromagnetismo ele ajudou a popularizar no continente
europeu. Ele certamente conhecia os trabalhos de Maxwell sobre a teoria cinética de 1859 e
1867, pois já em 1868 o citara em seu trabalho o qual era focado no problema da
distribuição de velocidades das moléculas de um gás. A partir deste trabalho Boltzmann deu
início a um longo programa que o levaria a generalizar o trabalho de Maxwell sobre
distribuição de velocidades para o caso geral de moléculas poliatômicas inter-agentes, razão
pela qual a conhecemos hoje como ''distribuição de Maxwell-Boltzmann". Dahmen (2006,
p. 281-295)