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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A ciência no Jornal Nacional:
Entre o fato e a ficção
Gildésio Bomfim de Oliveira
Goiânia
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Oliveira, Gildésio Bomfim de.
O48c A ciência no Jornal Nacional [manuscrito]: entre o fato e a ficção
/ Gildésio Bomfim de Oliveira. – 2008.
153 f. : il., figs., tabs.
Orientadora: Profa. Dra. Rosana Horio Monteiro.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Fa-
culdade de Artes Visuais, 2008.
.
Bibliografia: f.147-150.
Anexos.
1. Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão) 2.Telejornalismo
– Análise do discurso 3. Jornalismo científico – Fato e ficção 4. Ima-
gem e texto 5. Cultura Visual I. Monteiro, Rosana Horio II. Universi-
dade Federal de Goiás, Faculdade de Artes Visuais III. Título.
CDU: 070.41:5/6
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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A ciência no Jornal Nacional:
Entre o fato e a ficção
Gildésio Bomfim de Oliveira
Dissertação apresentada à banca examinadora
da Faculdade de Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE EM CULTURA
VISUAL, sob orientação da Profª
Drª Rosana Horio Monteiro.
Goiânia
2008
Termo de Ciência e de Autorização para Disponibilizar as Teses e Dissertações
Eletrônicas (TEDE) na Biblioteca Digital da UFG
Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de
Goiás–UFG a disponibilizar gratuitamente através da Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações – BDTD/UFG, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº
9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura,
impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir
desta data.
1. Identificação do material bibliográfico: [x] Dissertação [] Tese
2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor(a): Gildésio Bomfim de Oliveira
CPF: E-mail: gilxbonfim@yahoo.com.br
Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [x]Sim [] Não
Vínculo Empre-
gatício do autor
Agência de fomento: Sigla:
País: Brasil UF: GO CNPJ:
Título: A ciência no Jornal Nacional: Entre o fato e a ficção
Palavras-chave: Jornal Nacional, ciência, análise do discurso
Título em outra língua: Science in Jornal Nacional: Between fact and fiction
Palavras-chave em outra língua: Jornal Nacional, science, discourse analysis
Área de concentração: Processos e Sistemas Visuais
Data defesa: (dd/mm/aa) 06/09/08
Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Cultura Visual
Orientador(a): Profª.Drª. Rosana Horio Monteiro
CPF: E-mail: [email protected]
Co-orientador(a):
CPF: E-mail:
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________________________________________ Data: / /2008
Assinatura do(a) autor(a)
1
Em caso de restrição, esta poderá ser mantida por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste
prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Todo resumo e metadados ficarão sempre
disponibilizados.
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Mestrado em Cultura Visual
A ciência no Jornal Nacional:
Entre o fato e a ficção
Gildésio Bomfim de Oliveira
Dissertação defendida e aprovada em
06 de outubro de 2008
Banca Examinadora:
______________________________
Profª Drª Rosana Horio Monteiro
Orientadora e Presidente da Banca
FAV/UFG
______________________________
Profº. Dr. Raimundo Martins
FAV/UFG
______________________________
Profº. Dr. Antonio Carlos Amorim
FE/UNICAMP
AGRADECIMENTOS
À professora e orientadora desta dissertação, Drª. Rosana Horio
Monteiro, pela acolhida, competência e dedicação.
Aos meus pais, Francisco Lessa de Oliveira e Perciliana Bonfim de
Oliveira, por apostarem na educação dos filhos.
Ao Mestrado em Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da
UFG, especialmente aos professores Alice Fátima Martins, Maria Elízia Borges,
Raimundo Martins, Miriam Costa Manso de Mendonça, Maria Paulina, Irene
Tourinho, pelas ricas contribuições.
À Alzira Martins, pela disponibilidade em ajudar.
À Carla Gioconda, pelo companheirismo.
Aos colegas do mestrado, especialmente à Adriana Mendonça e Naira
Rosana, pelo convívio, troca de idéias e sugestões.
Aos meus irmãos Joaquim, Gerusa e Maria do Carmo, pelo apoio.
Aos amigos, especialmente a Adilson Alves e André Evangelista, pelos
suportes técnicos que possibilitaram a gravação dos programas.
Resumo
Esse trabalho investiga a presença de elementos ficcionais no Jornal Nacional
(Rede Globo), a partir da cobertura de notícias relacionadas à ciência e à
tecnologia. São investigadas as reportagens sobre o tema veiculadas no
período de agosto a dezembro de 2006. Para empreender a análise deste
material, coletado através de gravação dos programas, selecionei um “corpus”
constituído de três reportagens de divulgação científica.
O foco da análise é o discurso midiático, construído a partir da relação entre
imagem e texto. Nesse sentido, tomo como referencial teórico a análise do
discurso midiático, a partir da proposta de Charaudeau (2006). As idéias deste
autor a respeito dos dispositivos cênicos da informação midiática nos ajudam a
colocar o telejornal em relação com o cinema e a entender seu funcionamento
e as estratégias discursivas utilizadas em sua configuração.
O estudo revelou que a reportagem recorre a vários tipos de roteirizações,
utilizando os recursos designativos, figurativos e visualizantes da imagem para
satisfazer às condições de credibilidade e de sedução da finalidade da
informação.. Isso nos levou a concluir que a mediação que se dá no telejornal
entre cientista e público, entre academia e comunidade não científica, se
caracteriza pela espetacularização da ciência, gerada a partir dos efeitos de
dramatização e pelo imediatismo das abordagens. Enquanto os pesquisadores
percorrem um longo caminho até chegarem aos resultados, as reportagens
exploram tão somente a aplicação prática e objetiva das descobertas
científicas.
Palavras-chave: Jornal Nacional, ciência, análise do discurso.
Abstract
This work investigates the presence of fictional elements in the Jornal Nacional
(Rede Globo), from the covering of news related to science and technology.
We investigate the reports on the subject circulated in the period of August to
December 2006. To undertake the analysis of this material, collected by
recording the news reports , a “corpus” of three reports of scientific content was
selected. .
The focus of analysis is the media discourse, built from the relationship
between image and text. In that sense, I take as theoretical reference
Charaudeau’s analysis of media discourse (2006). The author’s ideas about
scenic devices of media information help us to put the news in connection with
the film and understand its operations and discursive strategies used in their
configuration.
The study revealed that the report draws on various types of screenplays, using
the designative, figurative and visualities resources of the image to fit the
conditions of credibility and seduction of the purpose of information. This led us
to conclude that the mediation between scientist and public, between academia
and non-scientific community, observed on the news reports studied is
characterized by the spectacularization of science, generated from the effects of
drama and the simplistic approaches. . While the researchers travelled a long
way to reach results, the reports explore just the practical and objective
application of scientific discoveries.
Key-words: Jornal Nacional, science, discourse analysis.
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................
08
CAPÍTULO 1 - TELEJORNAL: ENCENAÇÃO AUDIOVISUAL DA
INFORMAÇÃO ...............................................................................................
15
1.1. Televisão e produção de sentidos ....................................................... 15
1.2. Modos de ver e pensar a TV ................................................................. 18
1.2.1. Televisão e matrizes culturais .......................................................... 23
1.2.2. A posição do espectador em relação à TV....................................... 24
1.3. O telejornal como gênero televisual .................................................... 26
1.3.1. A estrutura do telejornal .................................................................... 28
1.3.2. O telejornalismo e o cinema direto ................................................... 31
1.3.3. O discurso do telejornal .................................................................... 36
1.4. Linguagem e discurso .......................................................................... 37
1.4.1. O discurso da informação midiática ................................................ 39
1.4.2. A ficção no discurso da informação midiática ................................ 41
1.4.3. A reportagem como relato no telejornal .......................................... 47
CAPÍTULO 2 - MÍDIA E CIÊNCIA .................................................................
49
2.1. Diálogos entre ciência, senso comum e desenvolvimento tecnológico .. 50
2.1.2. O senso comum ................................................................................ 55
2.2. Mídia e Ciência: Divulgação e vulgarização científicas .................... 59
2.3. Divulgação científica no Brasil ........................................................... 63
2.4. Panorama atual da divulgação científica ........................................... 66
2.5. A Ciência em outras mídias ................................................................. 69
CAPÍTULO 3 - DESVELANDO O JORNAL NACIONAL ..............................
71
3.1. O JN e sua estrutura ............................................................................. 71
3.2. A escalada .............................................................................................. 76
3.3. Discurso científico e discurso informativo no telejornal .................. 83
3.4. O noticiário de C&T no Jornal Nacional .............................................. 87
CAPÍTULO 4 – REPRESENTAÇÕES DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO
JORNAL NACIONAL .....................................................................................
100
4.1. Sobre o “corpus” .................................................................................. 100
4.2. Fontes das reportagens ........................................................................ 106
4.3. O “corpus” (en)cena ............................................................................ 114
4.4. O tratamento das imagens ................................................................... 124
4.5. Formas de encenação televisuais ....................................................... 130
CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................
141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................
147
ANEXOS.........................................................................................................
151
8
Introdução
Nesta pesquisa empreendo uma investigação voltada para a análise
da estrutura do telejornal, enquanto gênero da informação midiática, tendo
como foco sua forma e construção audiovisual. Neste aspecto a pesquisa é
fruto de uma inquietação, que surgiu a partir de minha experiência como
jornalista e como espectador ao assistir reportagens carregadas de encenação
e dramatização como se fossem verdadeiras narrativas fílmicas. A questão
central era se o telejornal é uma ficção, e, neste caso, como esse gênero de
informação incorpora elementos da linguagem fílmica.
Não imaginava que seria tão instigante procurar as respostas a essas
problematizações especificamente no noticiário de ciência e tecnologia
2
,
quando essa idéia surgiu nas primeiras conversas com a professora Rosana
Horio Monteiro, minha orientadora. Essa sugestão me levou a inúmeras
descobertas sobre os conceitos de ciência e tecnologia, sobre a construção de
fatos e paradigmas científicos. Foi uma grande empreitada.
Esse trabalho investiga a presença de elementos ficcionais no Jornal
Nacional (Rede Globo)
3
, a partir da cobertura de notícias
4
relacionadas à
ciência e à tecnologia. Isso implica em identificar o modo como a imagem é
utilizada para representar fatos e eventos científicos e como se opera a
encenação visual desse tipo de informação no telejornal. Interessa-me estudar
os mecanismos e formas empregados na construção do discurso do telejornal
e como se dá a representação da ciência nesta mídia televisual, ou seja, como
o JN percebe e apresenta a ciência em seu noticiário diário.
2
Neste trabalho, nos casos em que houver a necessidade de se evitar a repetição os termos:
ciência e tecnologia serão identificados pela abreviatura, C&T.
3
O Jornal Nacional foi escolhido, tendo em vista aspectos como audiência, abrangência e
representatividade. Segundo o Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião, Pesquisa e Estatística),
um dos principais institutos de pesquisa do país, o Jornal Nacional tinha em abril de 2007 uma
audiência média diária em torno de 50% cobrindo praticamente todo o território brasileiro. O
título do programa será identificado também com a abreviatura JN.
4
Notícia aqui diz respeito ao acontecimento, levado ao conhecimento de alguém. Segundo
Charaudeau (2006), notícia é um conjunto de informações que se relaciona a um mesmo
espaço temático; é um fato que se inscreve num certo domínio do espaço público e pode ser
reportado sob a forma de um minirrelato.
9
Nessa pesquisa, fixo o olhar no campo do simbólico, a partir do qual os
indivíduos em comunidades específicas se orientam e estruturam suas
representações, que, por sua vez, dão sentido às suas práticas. Segundo
Charaudeau (2006), as lógicas econômica e tecnológica são incontornáveis,
mas é através da lógica simbólica que os indivíduos regulam as trocas sociais,
criando, manipulando signos e produzindo sentido.
Embora as lógicas comercial e simbólica estejam articuladas e inter-
relacionadas na constituição do processo comunicativo das mídias, o caminho
rumo à dimensão simbólica torna possível analisar as formas e os mecanismos
utilizados na realização e elaboração do discurso da informação midiática: ”O
papel do pesquisador em ciências humanas e sociais está em descrever os
mecanismos que presidem o simbólico e as diferentes configurações que o
tornam visível...” (CHARAUDEAU, 2006, p.17).
Um tipo de abordagem específica deve levar em conta as
características próprias da informação televisiva, que, conforme Maia (2005),
irão influenciar no modo como o discurso é elaborado. Na TV, a construção do
discurso passa por questões de espaço e tempo, onde os acontecimentos são
organizados em temas e assuntos, por um processo de decupagem, que
representa recortes do mundo social, exibidos basicamente pela imagem.
A principal característica da televisão é a combinação de dois sistemas
sígnicos: o visual e o sonoro, um não sobrevive sem o outro, imagem e fala se
conjugam permanentemente. Devido a sua capacidade de representação,
capaz de se colocar no lugar do objeto real, a imagem torna-se um suporte
determinante na construção dos discursos de informação na TV. Nesta
pesquisa, percorro o caminho que procura estabelecer critérios de análises da
imagem enquanto discurso, observando a sua relação com a fala.
O estudo é focado no componente visual do discurso informativo midiático, o
que sugere um enfrentamento das imagens. Esse enfrentamento significa
confrontar e esmiuçar imagens, procurando estabelecer elos entre esses
signos não verbais e a fala. Sob esse olhar vem à tona questões como a
encenação audiovisual da informação. Para tanto, busco identificar, sobretudo,
as características da linguagem de ficção, presentes nas reportagens. A ficção
é entendida aqui como processos de produção, criação, edição e montagem
que são estratégias de encenação, como, por exemplo: reconstituições,
10
dramatizações, infográficos
5
, cenários específicos, enquadramentos, planos
de filmagem presentes nas reportagens e, como esses elementos
(re)constroem os fatos científicos e os (re)apresenta para uma audiência de
não iniciados.
Os recursos ficcionais parecem evidenciados, na mídia televisiva,
pelas estratégias discursivas utilizadas pelo telejornal. O gênero que mais
abarca tais procedimentos é a reportagem. De maneira explicativa, em forma
de relato, a reportagem se utiliza fundamentalmente da imagem, para
representar com maior intensidade os fatos e eventos da vida cotidiana, por
isso elas constituem o objeto de estudo dessa pesquisa.
As reportagens estudadas
São investigadas as reportagens sobre o tema veiculadas no período
de agosto a dezembro de 2006. Para empreender a análise deste material,
coletado a partir da gravação dos programas, em seu horário de exibição pela
TV, foi selecionado um “corpus”, constituído de três reportagens. No período
mencionado foram gravadas em fitas VHS 95 edições do Jornal Nacional,
totalizando 3.280 minutos de material coletado para análise, incluindo os
intervalos comerciais. Neste material foram identificadas 106 notícias sobre
ciência e tecnologia.
Todo material coletado foi assistido, o que permitiu inicialmente que
fosse feita uma análise quantitativa e descritiva dos dados, para, em seguida,
nomear os assuntos relacionados à ciência e à tecnologia. Esta análise
possibilitou constatar o número de notícias sobre ciência e tecnologia no
período estudado, chegando-se à divisão em tema e subtema
6
. Essa divisão
indica a rubrica em que o fato está inserido, como forma de nomeá-lo dentro
de uma categoria específica de acontecimento do mundo, organizando-o
5
Material de arte, desenhos, mapas produzidos em computador.
6
Outra possibilidade de nomear e ordenar o acontecimento sugerida por Charaudeau (2006) é
a seção, que procede a um recorte do acontecimento em macrotemas, correspondendo a
grandes áreas de tratamento da informação como Cultura, Política, Exterior, Sociedade,
Esportes, por exemplo. Mas, como o próprio autor aponta uma dificuldade para distinguir entre
rubrica e seção, neste trabalho adoto a rubrica como forma de identificar o conteúdo temático
mais amplo da notícia, caracterizando a ciência e tecnologia como tema e as áreas do
conhecimento como saúde, astronomia e meio ambiente, por exemplo, como subtemas.
11
tematicamente, conforme definição de Charaudeau (2006). As notícias estão
ligadas à rubrica dos fatos de ciência e tecnologia e dentro dela a uma
especificidade (subtema).
Assim, foram identificadas as seguintes especificidades: saúde,
astronomia, meio ambiente, cotidiano e sociedade, genética. As notícias das
áreas de meteorologia, agronomia, língua e literatura, arquivologia,
arqueologia, artes, esportes, política são denominadas neste trabalho de
outros subtemas por serem as abordagens menos freqüentes no período de
coleta dos programas. Das 95 edições que constituem a amostra de
programas gravados, 76 exibiram notícias com conteúdo científico e
tecnológico, o que significa que o tema está presente em 82% dos programas
gravados no período.
A seleção do “corpus” levou em conta os subtemas mais freqüentes
no telejornal e o fato dessas reportagens possuírem modos discursivos e
dispositivos cênicos variados e mais elaborados como a presença de
personagens, movimentos de câmera e enquadramentos diversos. Por isso,
foram selecionadas para análise duas reportagens da área de saúde e uma do
subtema astronomia. Saúde e astronomia são os subtemas mais comuns
dentro da amostra dos programas gravados, correspondendo a 55 notícias ou
52% do total.
Uma das reportagens ligadas à categoria da saúde é sobre uma nova
técnica do Hospital do Câncer de São Paulo para tratar o câncer de pele,
veiculada em 20 de dezembro, de 2006
7
e intitulada, “Novo tratamento para o
câncer de pele
8
”. A outra reportagem da rubrica saúde foi exibida em 10 de
outubro, de 2006, sobre uma Campanha de prevenção ao câncer de mama,
realizada por médicos e voluntários em todo o país
9
.
A terceira reportagem, que está relacionada à astronomia e foi exibida
em 25 de agosto, de 2006 é sobre a possibilidade de pesquisadores da USP –
7
Essa reportagem será identificada no decorrer deste trabalho com o título: Nova técnica no
combate ao câncer de pele. O título será seguido da abreviatura JN e data de exibição, entre
parênteses (JN, 20.12.2008).
8
A reportagem também é identificada neste trabalho com o título: “Técnica no combate ao
câncer de pele”.
9
Essa reportagem foi intitulada de “Prevenção ao câncer de mama” (JN, 10.10.2006).
12
Universidade de São Paulo – observarem o universo através do telescópio
Soar, instalado no Norte do Chile
10
.
Nestas reportagens, a partir dos números disponíveis, procurei
analisar qualitativamente as estratégias discursivas utilizadas como os
recursos audiovisuais, bem como os planos de filmagem, tipos de
enquadramentos e movimentos de câmera empregados
11
. Outro aspecto
importante foi identificar as vozes que aparecem e conduzem os relatos
informativos. Através desse procedimento foi possível identificar a fonte ou
fontes da reportagem: quem fala, de onde fala e para quem, e com que
interesse.
A pesquisa parte do princípio da desconstrução e descrição do objeto
estudado, assim como sugere Vanoye (2006, p. 15): “analisar um filme ou um
fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico do termo...decompô-lo
em seus elementos constitutivos”. A etapa seguinte à descrição consiste em
estabelecer elos entre os elementos descritos, em compreender como eles
interagem na constituição de um todo significante. Da decomposição à
interpretação, que, por sua vez, desencadeia aspectos qualitativos de análise.
Para entender e perceber como o Jornal Nacional se apropria do
discurso próprio da ciência para recodificá-lo e transformá-lo em discurso
midiático informativo, faz-se necessário apontar algumas discussões em torno
das imagens e de um dos meios mais hegemônicos de nosso tempo – a
televisão. Levanto essas discussões no capítulo 1 dessa dissertação –
Telejornal: encenação audiovisual da informação – onde também apresento as
características do telejornal e as estratégias discursivas utilizadas em sua
composição, tomando como referencial teórico a análise do discurso, a partir
da proposta de Charaudeau (2006). As idéias deste autor a respeito dos
dispositivos cênicos da informação midiática levaram-me a aproximar o
telejornal do cinema, mais especificamente do cinema documentário, de onde
os noticiários televisivos extraíram modelos de movimentos de câmera,
enquadramentos, planos de filmagem. Essas técnicas fazem parte de um ritual
10
Segundo a reportagem o telescópio está a dois mil quilômetros de distância da Cidade
Universitária de São Paulo, de onde os pesquisadores brasileiros poderão fazer a observação
das estrelas. Nessa pesquisa a reportagem foi intitulada de “O céu do Atacama em São Paulo”
(JN, 25.08.2006).
11
Ver no anexo 1 glossário com o significado dos termos técnicos empregados neste trabalho.
13
que coloca em evidência o ponto de vista a ser retratado. Esses
procedimentos também contribuem para a elaboração e significação do
discurso informativo midiático.
Ao colocar o telejornal em relação com o cinema e apropriando-se das
concepções de Charaudeau (2006), pode-se dizer que esses recursos
audiovisuais fazem parte das estratégias do discurso midiático de informação,
que visam captar o maior número de espectadores (sedução), com a maior
credibilidade possível (informação).
Ainda no capítulo 1 aplico alguns conceitos desenvolvidos por
Charaudeau ao estudo específico que desenvolvo nesta dissertação. Tais
conceitos são articulados e relacionados aos elementos da linguagem
cinematográfica, permitindo a identificação do modo pelo qual a reportagem
incorpora ingredientes de uma narrativa fílmica, ao mesmo tempo real e
ficcional, artificial e natural, pela maneira com que o fato é colocado em cena.
Tendo em vista esses aspectos há que se perguntar: Por que a expressão
fílmica se faz presente na reportagem televisiva? O que pretendem essas
imagens produzidas tecnicamente? A análise do discurso aliada ao estudo da
linguagem cinematográfica pode nos ajudar a responder a essas questões.
No capítulo 2 – Mídia e ciência – detenho-me na relação entre ciência
e mídia, nos processos que fazem a ciência se aproximar do público, traçando
um panorama histórico da divulgação científica nos diversos meios de
expressão e comunicação. Apresento neste capítulo as noções acerca da
divulgação e vulgarização científicas e suas implicações na sociedade.
No capítulo 3 – Desvelando o Jornal Nacional – apresento,
inicialmente, a estrutura do Jornal Nacional, com ênfase nos mecanismos e
formas empregadas na construção do discurso do telejornal. Em seguida,
destaco a distribuição das reportagens de ciência e tecnologia nas edições
selecionadas para essa pesquisa, classificando-as de acordo com as
temáticas abordadas.
No capítulo 4 – Representações de ciência e tecnologia no Jornal
Nacional – finalmente, detenho-me especificamente nas formas de encenação
e dramatização da imagem televisual identificadas nas três reportagens sobre
ciência e tecnologia estudadas nessa pesquisa.
14
No capítulo 5, apresento as considerações finais fazendo uma revisão
das discussões empreendidas ao longo da investigação, entrelaçando e
articulando idéias e posicionamentos que vieram à tona a partir das
observações e constatações da pesquisa.
Espero que a inquietação que deu início a essa pesquisa contribua
para os estudos de cultura visual, assim como para uma discussão crítica dos
gêneros televisuais, e, ainda, para o conhecimento acerca das representações
da ciência, do cientista e da tecnologia na TV brasileira.
15
1. Telejornal: encenação audiovisual da informação
Diante de toda esta longa e pesada carga de suspeitas e
desqualificações é que abre caminho um novo olhar que,
por um lado, des-cobre a envergadura atual das
hibridações entre visualidade e tecnicidade e, por outro,
resgata as imagísticas como lugar de uma estratégica
batalha cultural (BARBERO E REY, 2001, p.16).
Neste capítulo, primeiramente apresento algumas concepções em
torno da mídia televisual, no sentido de identificar as dicotomias, ambigüidades
e antagonismos que envolvem um dos meios mais hegemônicos de nosso
tempo — a televisão—. Este veículo é entendido aqui como recurso
tecnológico de difusão de imagem, por meio do qual se produz sentido. Entre o
reconhecimento das possibilidades intertextuais e a crítica severa entrelaço
algumas idéias de teóricos como Machado (2005), Kellner (2001), Barbero e
Rey (2001), Charaudeau (2006), Storey (2002), Shohat e Stam (2006) sobre a
televisão e apresento as características dominantes do telejornal enquanto
gênero televisivo, aproximando-o do cinema direto. Para finalizar o capítulo,
apresento a partir de Charaudeau, as concepções acerca do discurso e
encenação audiovisuais da informação, que orientam essa pesquisa.
1.1. Televisão e produção de sentidos
Além das transformações históricas, econômicas e socioculturais
próprias de nosso tempo, o modo das mediações entre o ser humano e o
mundo real também vem mudando. As mediações, feitas através das imagens
e das tecnologias vêm transformando as formas de ver e de olhar. Em Filosofia
da caixa preta, Vilém Flusser (2002, p. 9) escreve: “imagens são mediações
entre homem e mundo [...] Imagens têm o propósito de representar o mundo”.
A esse respeito, Pesavento (2003, p.39) sintetiza: “As representações
construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como
16
fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência”.
São os modos de representação do real que o tornam mais verossímil. Ele
está plasticamente mais bonito, uniforme, tanto que esta representação pode
ultrapassar os limites do objeto representado.
É através das imagens que o olhar se realiza e transforma o mundo
externo em algo interno, vivido; ausência em presença; sombra em evidência e
o espírito se materializa: “As imagens permitem, pois, este duplo movimento:
sair de si e trazer o mundo para dentro de si” (NOVAES, 2005, p.12). A
construção imaginária do mundo põe em relação duas características
essenciais da cultura pós-moderna: tecnicidade e visualidade. Elas se
imbricam, embaralham-se com o objetivo de encurtar as distâncias entre o
imaginário e o real; entre realidade e ficção; entre o natural e o artificial.
No centro dessas dicotomias estão as mídias e, sobretudo, a
televisão. Esse aparelho de produção de imagens técnicas, que Collins (1989
apud STOREY, 2002, p.263) classificou como “o auge da cultura pós-
moderna”, revolucionou as formas de percepção, de ver, de olhar, e colocou a
imagística com um sentido muito mais forte em nossa vida cotidiana. Por sua
vez, Kellner (2001, p.108-109) pontua que a televisão “pode ser interpretada
como a máquina de imagens mais prolífica da história, gerando entre quinze a
trinta imagens por minuto e, assim, milhões de imagens por dia”.
As imagens, captadas através de uma atividade mecânica são
capazes de representar com intensidade aspectos do mundo real. Porém, a
realidade colocada diante do aparelho é ambígua e complexa. Ao mesmo
tempo em que o aparelho se pretende reprodutor objetivo da realidade, ele se
orienta por meio do olhar de um realizador, seguindo uma série de operações
possíveis, que indicam, principalmente, o quê e como mostrar, captando
apenas aspectos precisos e determinados da realidade.
As operações e mecanismos empregados na captação de uma
determinada realidade impõem certo ponto de vista ou perspectiva ao
espectador. A perspectiva proporciona à imagem um efeito de realidade,
porque ela procura reproduzir na tela, ou na TV, exatamente a forma
geométrica como o próprio olho humano visualiza os objetos.
Meio híbrido por excelência, qualquer análise que se faça sobre a
televisão não pode desprezar a palavra, os recursos intertextuais, de
17
sonorização e montagem que se relacionam às imagens e juntos se
entrelaçam para melhor representar o mundo social. Como aponta Mitchel
(2003, p. 33):
O postulado dos meios híbridos, mistos, nos conduz aos
códigos de especificidade, aos materiais, tecnologias, práticas
perceptivas, funções sígnicas e definitivamente às condições
institucionais de produção e consumo que recobrem um meio.
Para Machado (2005, p.71), “herdeira direta do rádio, a televisão se
funda primordialmente no discurso oral e faz da palavra a sua matéria-prima
principal”. A televisão caracteriza-se, basicamente, pela articulação do domínio
visual ao sonoro, por um processo de combinação entre esses dois sistemas
sígnicos, e funciona como uma “máquina de fabricar sentido social”
(CHARAUDEAU, 2006, p.29).
Em pouco mais de cinqüenta anos de existência sabemos ainda muito
pouco sobre a televisão. Nesse período costumes, valores e hábitos têm sido
alterados desde a inserção desse meio nos processos de comunicação e na
vida social, política e econômica das sociedades contemporâneas.
Uma das principais características da contemporaneidade é a
comunicação mediada pelas tecnologias audiovisuais. Os recursos
tecnológicos, sobretudo em informática e telecomunicações transformaram as
formas de ver e de olhar, o que implica numa valorização da visualidade e
coloca a imagística em lugar de destaque nas culturas contemporâneas pelo
fato de representar a realidade com evidência. Assim, o que se pode
apreender é que visualidade e tecnicidade caminham juntas. A difusão
massiva de imagens, principalmente através da televisão, rompeu as fronteiras
e os limites foram transpostos. De acordo com Novaes (2005, p.10):
Culturas convivem com tendências e pensamentos que se
ignoravam, crenças incompatíveis foram postas lado a lado, e
estéticas nunca pensadas são reveladas. Sucessivas
descobertas de mundos jamais vistos antes foram
apresentadas ao espectador comum, graças às imagens
.
18
Parafraseando o próprio Novaes (2005), o mundo foi posto a poucos
metros de nossos olhos. Barbero e Rey (2001, p.18) sustentam ainda que:
O estouro das fronteiras espaciais e temporais, que os fluxos
audiovisuais introduzem no campo cultural, des-localiza os
saberes, deslegitimando as fronteiras entre razão e
imaginação, saber e informação, natureza e artifício, ciência e
arte, saber especializado e experiência profana.
Como uma das mais importantes instâncias de representação dos
objetos, da vida cotidiana, do mundo social, as imagens televisuais podem ser
consideradas como o marco das hibridações de nosso tempo. Eficientes em
apresentar a evidência da realidade, a representação imaginada do real, estas
imagens fazem parte de um arsenal de artefatos e objetos, por meio dos quais
os indivíduos se orientam, produzem sentidos e significados para as suas
práticas e sua cultura. Cabe perguntar: “O que querem as imagens, qual o
segredo de sua vitalidade?” (MITCHEL, 2003, p.35). Não obteremos um código
para decifrá-las ou uma senha secreta e misteriosa para desvelá-las. A
imagem é o próprio mistério.
As imagens são objetos visuais dotados de uma complexidade de
significados, que não são dados de antemão. Eles se constroem na relação
delas com os sujeitos: “Isso significa aceitar que os objetos não têm vida, mas
sim adquirem sentido pela experiência de quem os olha e os possui. Mas, ao
mesmo tempo, os objetos são uma fonte de conhecimento” (HERNÁNDEZ,
2000, p.128).
1.2. Modos de ver e pensar a TV
A televisão está situada no espaço público coordenado pelas mídias,
onde ela assume a responsabilidade de reforçar e amplificar o discurso
circulante. Para Charaudeau (2006, p.118), o discurso circulante “é uma soma
empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres, as
ações, os acontecimentos, suas características, seus comportamentos e
julgamentos a eles ligados”. Através desses enunciados os membros de uma
comunidade se reconhecem, se vêem, se olham, como um reflexo de um
19
eu/outro. Segundo Charaudeau (2006, p.118), “o discurso circulante pode ter
ao menos três funções, que nos remetem, em parte, às das representações”.
As funções são: instituição de poder/contra-poder, o que se impõe como
autoridade, de sua posição de supremacia ou de posição acima das massas;
função de regulação do cotidiano social, assegurada por discursos que, ao
mesmo tempo, determinam o que são e o que devem ser os comportamentos
do corpo social; função de dramatização, que são as histórias, os relatos
ficcionais, mitos e outros discursos que registram o destino humano.
A função de dramatização do discurso circulante pode ser observada
na reportagem sobre uma nova técnica utilizada por médicos de São Paulo
para evitar cirurgias no combate ao câncer de pele
12
. O relato explora o
destino de dois cidadãos-personagens: um casal de idosos, Renata e Arnold,
submetidos ao tratamento da terapia fotodinâmica.
O depoimento do homem, recém curado de um câncer, resume sua
história de agonia até passar pelo tratamento: “Sofri anos e anos com esses
ferimentos nas duas orelhas” (JN,20.12.2006). No laboratório, onde é feita a
aplicação, o médico dermatologista Marco Antônio de Oliveira, fala da eficácia
da terapia fotodinâmica no caso de seu Arnold: “Foram tratadas as lesões com
duas sessões de terapia fotodinâmica” (Idem). Em seguida, o próprio paciente
explica como foi feito o tratamento que o curou: “Primeiro ele passou uma
pomada e depois veio com uma lâmpada em cima”.
12
Reportagem de Neide Duarte, exibida no Jornal Nacional no dia 20.12.2006. Essa
reportagem integra o “corpus” para análise e será melhor descrita no capítulo 3.
20
Visualizada na tela da TV, a repórter Neide Duarte (imagem abaixo)
relaciona o câncer de pele a problemas ambientais.
Fig.1: Imagem da reportagem sobre a técnica contra o câncer de pele (JN, 20.12.06)
Esse tipo de discurso se insere numa categoria que são as histórias, os relatos
que registram o destino humano:
O câncer de pele não é só um problema de saúde, mas uma
questão de meio-ambiente. As indústrias do mundo inteiro
continuam a emitir gases que interferem na camada de
ozônio, que a cada dia, fica mais fina e é ela que nos protege
da luz solar. A situação é pior nos pólos da terra, onde já
existem buracos na camada de ozônio (JN, 20.12.06).
O relato continua: “As estatísticas mostram o que isso significa, a
incidência dos casos de câncer de pele é três vezes maior nos estados do sul
do Brasil do que nos estados do norte” (Idem). O texto é cuidadosamente
relacionado às imagens à medida que cada enunciado é representado por uma
imagem correspondente. Texto e imagens produzem discursos, que por sua
vez, constroem significados. Mais adiante, nos capítulos 3 e 4, atenho-me às
formas com que as imagens são captadas e apresentadas.
21
O estatuto de eficiência do discurso audiovisual fez com que a
televisão colecionasse críticas severas, principalmente no que diz respeito a
seu conteúdo. Nesse aspecto, esse meio de comunicação é tido como
principal artífice da indústria cultural
13
, termo que surgiu a partir da Teoria
Crítica. Tradicionalmente os estudos apoiados na Teoria Crítica investigam tão
somente os efeitos dos produtos gerados pela comunicação de massa sobre
os espectadores-receptores; as distorções de realidade, manipulações de
poder. Sob esse olhar, a televisão é entendida, sobretudo, como um meio a
serviço das elites e do capital.
No entanto, esse tipo de crítica pode impedir a visibilidade de
experiências criativas e culturais realizadas pela televisão, colocando todos os
seus enunciados na vala comum das formas perversas de produção televisiva.
Como afirmam Barbero e Rey (2001, p.25), nesse tipo de visão a televisão é
encarada “a partir de um discurso maniqueísta, incapaz de superar uma crítica
intelectualmente rentável [...] justamente porque a única coisa que propõe é
desligar o televisor”.
Com uma espécie de cegueira, guiada por um direcionamento único, é
impossível perceber que a televisão possui sentido ambíguo e contraditório. A
televisão pode ao mesmo tempo aprisionar ou soltar, censurar ou
democratizar, oprimir ou libertar: “Aos poucos a televisão sai do purgatório ou
do gueto especializado dos sociólogos, tecnólogos e estrategistas de
marketing, e passa a ser encarada como indiscutível fato da cultura de nosso
tempo” (MACHADO, 2005, p.21).
É preciso uma crítica capaz de distinguir as formas perversas das
construtivas, a informação independente e autônoma, da informação submissa.
Desta maneira, compreendo a televisão como um espaço de contradições, de
conflitos, de ambigüidades, onde as dicotomias, como o belo e o feio, o
popular e o erudito, podem se encontrar. Estas dicotomias aparecem na
televisão, por um lado, “com sua suposta redução das complexidades do
mundo em um fluxo de imagens banais e desprovidas de profundidade”
(STOREY, 2002, p.263), mas também, por outro, como espaço de “práticas
13
Para saber mais sobre indústria cultural e Teoria Crítica, ver: Freitag (1986), Matos (1996) e
Rüdiger (1999).
22
visuais e verbais que podem propor, por exemplo, um jogo consciente de
intertextualidade e de ecletismo radical” (STOREY, 2002, p.263-264)
14
.
A televisão é um dos espaços onde as identidades podem se
encontrar, onde os sujeitos podem se olhar e olhar aos outros. Onde as
comunidades, ou o país, ou uma nação são representados. Onde se pode
ouvir uma polifonia de vozes
15
, ou não, onde os sujeitos são incluídos ou
excluídos. Como afirmam Barbero e Rey (2001, p.111), “a televisão constitui
um âmbito decisivo do reconhecimento sociocultural, do desfazer-se e do
refazer-se das identidades coletivas e dos povos”.
Barbero e Rey (2001) sugerem que um dos gêneros que mais
demonstram os cruzamentos entre memória e formato, entre lógicas da
globalização e dinâmicas culturais é a telenovela: “A ligação da telenovela com
a cultura oral lhe permite explorar o universo das lendas de heróis, os contos
de terror e de mistério que deslocaram do campo à cidade” (BARBERO e REY,
2001, p. 111). Desenvolve-se, assim, um novo modelo de oralidade, do tipo
secundária, ou seja, “mediada por tecnologias de gravação e transmissão”
(MACHADO, 2005, p.74).
Não se trata de fechar os olhos aos apelos comerciais e à
mercantilização da cultura promovidos pela televisão. Afinal de contas, com
exceção de redes públicas, e considerando que os canais são uma concessão
do Estado, as emissoras de radiodifusão pertencem a empresas privadas, que
visam lucro: “apesar da sofisticação semiótica de seu jogo intertextual e
ecletismo radical, a televisão está condenada a ser algo desesperadamente
comercial” (STOREY, 2002, p.264). Contudo, a televisão não é exclusivamente
e a todo instante destrutiva. Faz-se necessário ir além do simples olhar sobre
as aparências, de apreender e compreender as mediações que se dão entre
as lógicas de produção e as lógicas de recepção, entre as matrizes culturais e
os formatos industriais.
14
Tradução minha.
15
Nos capítulos 3 e 4 identifico as vozes que aparecem nas reportagens televisivas sobre
ciência e tecnologia.
23
1.2.1 Televisão e matrizes culturais
A observação sistemática em direção às inúmeras possibilidades
apresentadas pela televisão nos leva a identificar algumas experiências
criativas e inventivas de sua programação. São essas experiências que nos
levam a crer que a televisão é também o espaço de expressões do cotidiano e
de práticas culturais, como por exemplo, a série Central da Periferia, que
durante o ano de 2006 foi exibida mensalmente nas tardes de sábado, pela
Rede Globo de Televisão
16
.
A série abria espaço à voz dos povos de periferias de todo o mundo.
Essas pessoas mostravam sua arte, sua cultura, sua criatividade, sua história.
A série procurou ser um retrato, ou uma mirada em relação à cultura popular
brasileira, mostrando situações e comunidades historicamente marginalizadas.
Central da Periferia pode ser caracterizado como uma forma de abordagem na
televisão de uma estética da resistência, em que uma nova forma de
percepção desloca os saberes, rompe as fronteiras e descentraliza o olhar,
antes hegemonicamente eurocêntrico e passa a enxergar também a periferia
17
.
Exemplo de cultura oral e de imagística popular inseridas nos
processos audiovisuais das grandes mídias, Central da Periferia nos leva a
questionar como situar a oralidade de um povo, de uma comunidade, ou nação
na esfera conflituosa e antagônica dos meios de comunicação? Seria injusto
atribuir às grandes redes informacionais a culpa pela usurpação da oralidade.
A cultura oral e popular busca novas formas de resistência e encontra nas
próprias mídias espaços para sua expressão. A esse respeito Barbero e Rey
(2001, p.48) escrevem:
O que, portanto, necessitamos pensar é a profunda
compenetração – a cumplicidade e complexidade de relações
[...] entre a oralidade, que perdura como experiência cultural
primária das maiorias, e a visualidade tecnológica, essa forma
de “oralidade secundária” tecida e organizada pelas
16
Em 2007 a série Central da Periferia, transformou-se em quadro fixo do Programa
Fantástico, exibido aos domingos em horário nobre. O último episódio da série criada e
apresentada por Regina Casé foi exibido em 23.12.2007. Foram 30 episódios no Fantástico.
17
Discussão semelhante, só que com relação ao cinema, sobretudo, é desenvolvida por
Shohat e Stam (2006).
24
gramáticas tecnoperceptivas do rádio e do cinema, do vídeo e
da televisão.
1.2.2 A posição do espectador em relação à TV
Embora o foco de análise desta pesquisa seja o discurso midiático e,
portanto, não abrange os estudos de recepção, é preciso pensar como ficam
os sujeitos receptores e produtores de discursos televisuais em relação a
essas mídias. Essa discussão serve para demarcar ou delimitar o lugar do
sujeito e a importância da subjetividade nos espaços supostamente
majoritários onde estão situados, nas mídias, os regimes escópicos da
modernidade, ou seja: os modelos clássicos e seus cânones; as histórias
universalistas; as forças homogeneizadoras que sempre buscaram “silenciar e
excluir outros discursos, outras vozes em nome dos princípios universais e dos
objetivos gerais”, como atesta Storey (2002, p.243).
Questão fundamental para se entender os processos audiovisuais de
produção de sentidos é pensar a posição do espectador e sua relação com os
meios na tentativa de promover um modelo capaz de romper o regime outrora
unidirecional e abrir uma nova perspectiva dialógica, centrada agora num tripé:
meio – obra – espectador.
Ao negociar as questões do espectador o desafio que se coloca diante
do intenso fluxo audiovisual da informação, em que predominam as novas
tecnologias, é a autonomia dos sujeitos e sua identidade. O que está em jogo
neste campo de forças é a identidade cultural do indivíduo. Essa relação
dialógica abre uma nova perspectiva, uma mirada cultural, que desestrutura as
hegemonias e rompe com o determinismo e com a tradição linear do modelo
cartesiano.
Esse rompimento é a característica essencial da pós-modernidade,
que tem a capacidade de desarticular, desestruturar, surpreender e instigar os
modelos clássicos e seus cânones: “Assim, a televisão, como o sujeito pós-
moderno, deve conceber-se como um lugar, uma intersecção de mensagens
culturais múltiplas e em conflito” (COLLINS, 1989, apud STOREY,2002,
25
p.264)
18
. É neste espaço, uma espécie de mosaico, que a cultura popular se
infiltra e desequilibra as estruturas das grandes narrativas.
Um exemplo do processo de inserção da cultura popular no telejornal
vem da reportagem sobre a procura por água com uma técnica milenar
19
. A
reportagem mostra que no sertão cearense em tempos de seca, muitas
pessoas recorrem a um cidadão bem brasileiro, que conhece uma técnica para
encontrar água no subsolo. Seu Pedro Brasiliano, com o conhecimento
adquirido com sertanejos da região mais seca do Ceará, utiliza uma prática
cujo nome científico é radiestesia. Analisando a cor e a textura da terra ele
descobre, percorrendo determinado local com uma varinha em forma de
gancho, se há água no subsolo. Com a presença do lençol freático,
a radiação fica mais forte e ao balançar a varinha (imagem abaixo) o agricultor
sente a existência
da mina. Seu
Pedro diz que em
muitos casos é
possível saber até
a profundidade do
lençol. Essa
reportagem
também serve
como exemplo
de articulação
Fig.2: Imagem de seu Pedro Brasiliano (JN, 01.02.06) entre senso comum
e ciência. Trato desta relação no capítulo 2 deste trabalho.
18
Tradução minha.
19
Reportagem coletada na pesquisa de campo, exibida pelo JN no dia 01.12.2006.
26
1.3. O telejornal como gênero televisual
O estudo dos gêneros televisuais é importante neste trabalho porque
indica a modalidade ou categoria em que o telejornal está inserido dentro da
grade de programação televisiva.
É a partir das relações entre o dualismo ficção e realidade que se
situam os gêneros do discurso televisual. Os gêneros televisivos são
tipologias, classificações, formas e modos de organização da imagem e da
palavra. Os gêneros são a maneira como essas classificações são
estruturadas e apresentadas na grade de programação televisiva com o
objetivo de produzir sentidos e significados, conforme assinala Machado (2005,
p.68):
Gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de
uma determinada linguagem, um certo modo de organizar
idéias, meios e recursos expressivos, suficientemente
estratificado numa cultura, de modo a garantir a
comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma
junto às comunidades futuras.
Ainda, conforme descreve Charaudeau (2006, p.204): “um gênero é
constituído pelo conjunto das características de um objeto e constitui uma
classe à qual o objeto pertence”.
Assim, quando se fala em telenovela, fala-se em gênero de ficção
televisiva, à classe diretamente relacionada ao melodrama; quando se trata de
telejornal, fala-se em gênero de informação televisual. Essas duas categorias
são as principais modalidades de gêneros televisivos, mas não são as únicas.
Além delas, há uma grande diversidade que integra o formato televisivo, tais
como “as formas fundadas no diálogo, as narrativas seriadas, as transmissões
ao vivo, a poesia televisual, o videoclipe e outras formas musicais”
(MACHADO, 2005, p.71). As formas fundadas no diálogo, que mais
interessam-me neste trabalho são as reportagens, por constituírem o
fundamento dos gêneros informativos televisuais.
O telejornal pode ser tratado como gênero derivado do diálogo
televisual, concebido a partir da entrevista, uma atividade que envolve sujeitos
em situação de comunicação, na qual um tem por finalidade obter
27
determinadas informações e o outro o direito de fornecê-las ou não. O diálogo
fundamenta a entrevista, que constitui os gêneros informativos, dentre eles a
reportagem, cuja finalidade é explicar um determinado evento da vida social
por meio de um relato, de uma narrativa.
O telejornal é o gênero, ou o lugar onde a informação aparece como
relato, o qual se configura em discurso midiático. O discurso procura dar
sentido aos enunciados. O sentido nunca é dado antecipadamente. Ele é
construído pela ação comunicativa do homem, em “situação de troca social”,
como define Charaudeau (2006, p.41). Exemplo:
Há 30 anos o nordestino do Vale do São Francisco vivia
rezando para a chuva não falhar, o que era comum até no
inverno. Na cidade de Juazeiro, na Bahia, o repórter José
Raimundo, da TV Bahia, conta o que mudou (Jornal Nacional,
28.08.2006)
20
.
O exemplo acima é um tipo de relato e é também uma forma de
discurso, mas não é só o texto, ou a fala, ou a língua que configura o
discurso
21
. Há neste relato informativo televisual uma série de elementos que
estruturam o discurso. Esses elementos também chamados de dispositivos
são os quadros que compõem a cena midiática. A cena do exemplo citado é
composta pelo apresentador, que aparece visualizado na tela, a partir de
determinado ponto de vista (enquadramento), no espaço do estúdio (cenário),
com uma imagem ao fundo que melhor associa o texto ao tema abordado
22
(projetos de irrigação mudam o cenário da seca no Nordeste). O tom de voz
narrativizado
23
e expressões no rosto do apresentador também caracterizam o
discurso. O telejornal, portanto, é o gênero que melhor abarca o discurso
informativo midiático.
20
Esse exemplo integra o material coletado na pesquisa de campo.
21
Mais adiante, ainda neste capítulo, procuro esclarecer melhor o conceito de discurso e sua
estrutura.
22
Esse recurso é chamado de selo no telejornal e é a forma de caracterizar o tema. Imagem de
um microscópio, por exemplo, é muito utilizada quando o tema é a ciência.
23
Narração dramatizada que, segundo informa Charaudeau ( 2006), produz um efeito de
melodrama.
28
1.3.1. A estrutura do telejornal
O telejornal é uma das formas de relato do cotidiano social na
televisão. Relatar é contar, narrar, expor, reportar, explicar e comentar os
acontecimentos do mundo. Isso implica em reconhecer que “relatar e comentar
acontecimentos é uma atividade impregnada de subjetividade”
(CHARAUDEAU, 2006, p.241). Grosso modo, pode-se dizer que o telejornal é
uma forma de saber, de conhecimento, de reconhecimento e de mediação, por
meio dos quais a televisão informa seu público sobre o que ocorre de mais
relevante nos acontecimentos do mundo social.
O relato de fatos do cotidiano é prerrogativa deste gênero, o que se dá
por meio de representações, com o uso de uma linguagem própria que
incorpora texto, imagens em movimento, entonação de voz e outros recursos
audiovisuais (trilha sonora e desenhos gráficos, por exemplo): “o telejornal é,
antes de mais nada, o lugar onde se dão atos de enunciação a respeito dos
eventos” (MACHADO, 2005, p.104).
O telejornal se estrutura em torno de três formas de organização do
discurso informativo midiático, que são os modos de enunciação pelos quais a
notícia é apresentada: nota seca ( também chamada de nota simples), nota
coberta e reportagem
24
.
A reportagem é o
relato mais completo da
notícia, com a presença de
um narrador (repórter), no
local do acontecimento.
Este tipo de enunciado é
tratado por Maia (2005)
como o subgênero do
telejornal; é também a
forma de relato que nos
interessa neste trabalho e
Fig.3: Imagem de nota coberta (JN, 06.12.06) será melhor descrita mais
24
Esses modos discursivos serão mais esclarecidos no capítulo 3.
29
adiante. A nota coberta é o que caracteriza uma notícia mais curta, sem a
presença do repórter, com imagens cedidas comumente por agências de
notícias ou produzidas por organizações interessadas na divulgação do
fato
25
(imagem à página anterior). A nota simples ou nota seca
26
é a notícia
curta, sem imagem, lida pelo apresentador em estúdio.
O telejornal e as mídias como um todo têm a pretensão de ser uma
espécie de espelho, um espelho deformante que, “mesmo deformando,
mostram, cada um à sua maneira, um fragmento amplificado, simplificado,
estereotipado do mundo” (CHARAUDEAU, 2006, p.20). Esse gênero
informativo retrata não o todo do mundo social, mas fragmentos dele; recortes
de eventos representativos da realidade, cujas escolhas do que reportar inclui
aspectos como abrangência (capacidade de atingir um maior número possível
de telespectadores), curiosidade, atualidade e proximidade, valores
jornalísticos, valores televisuais, ideologia dominante. Nesse sentido, a seleção
de fatos que são transformados em notícia depende também de fatores ético-
profissionais, da linha editorial do veículo ao qual o telejornal está vinculado.
Esses fatores desencadeiam, quase sempre, estudos sobre o conteúdo dos
telejornais, o grau de politicidade e de imparcialidade presentes nos
enunciados de repórteres e apresentadores. Contudo, esse não é o objetivo
da proposta de análise empreendida neste trabalho, que pretende entender a
estrutura do telejornal, enquanto um dos principais gêneros televisuais e as
estratégias discursivas utilizadas em sua configuração, analisando
especificamente o noticiário de ciência e tecnologia. Sob esse olhar é que
surgem questões como a encenação audiovisual no discurso da informação,
que se remete às características da ficção televisiva.
Impregnado de melodrama
27
, o telejornal dá suporte a várias vozes
como expressões de narrativas cotidianas, que produzem efeitos de verdade,
ou um emaranhado de versões da verdade: “Sujeitos falantes diversos se
sucedem, se revezam, se contrapõem uns aos outros, praticando atos de fala
25
A Nasa, Agência Espacial Americana, por exemplo, é uma das grandes fontes de imagens
em caso de notícias sobre astronomia, como no exemplo da Nota Coberta de 20 segundos
sobre a presença de água em Marte (veiculada no JN em 06 de dezembro de 2006).
26
É o caso da notícia sobre a decisão favorável da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil – à resolução da ortotanásia, veiculada no JN em 11 de novembro de 2006.
27
Para Xavier (2004, p.39), “Apanágio do exagero e do excesso, o melodrama é o gênero afim
às grandes revelações, às encenações do acesso a uma verdade que se desvenda após um
sem-número de mistérios, equívocos, pistas falsas, vilanias”.
30
que se colocam nitidamente como o seu discurso com relação aos fatos
relatados” (Machado, 2005, p. 104).
Os sujeitos são personagens do telejornal, a começar pelo (a) âncora,
ou apresentador(a), colocado(a) no estúdio, em posição frontal à câmera
(imagem abaixo) para anunciar as notícias e, em seguida, chamar o(a) repórter
para apresentá-las.
Fig.4: Imagem da apresentadora em estúdio (JN, 25.08.2006)
A apresentação no espaço do estúdio, segundo Nichols (2005, p.85),
funciona “para dar a sensação de que o noticiário emana de algum lugar
distante dos acontecimentos que relata [...] e, portanto, livre de tomar partido
neles”, procurando demonstrar imparcialidade.
O pressuposto do telejornal, em geral, parece ser o de que quem
chora não mente. Assim, vozes de pobres, de pessoas vulneráveis, como a de
uma mãe que perdeu o filho, menor, assassinado brutalmente por bandidos,
escancara uma verdade oculta, uma verdade simulada, uma versão de
31
verdade
28
. Esse tom melodramático põe o telejornal em relação com o cinema,
de onde os noticiários televisivos extraíram modelos de movimentos de
câmera, de enquadramentos, de planos de filmagem.
1.3.2. O telejornalismo e o cinema direto
O telejornal surge na década de 50, nos Estados Unidos, poucos anos
depois do desenvolvimento da própria televisão. Primeiramente, o cinema de
longa-metragem de ficção foi a grande referência e contribuiu, sobremaneira,
para a linguagem do telejornal: “Para a captação de imagens em exteriores, a
única tecnologia de que a televisão dispunha, nos seus primeiros anos, era a
‘artilharia pesada’ do cinema” (DA-RIN, 2006, p.102).
A linguagem do telejornal relaciona-se, contudo, ao cinema
documentário, na medida em que este tipo de filme representa questões e
problemas encontrados no mundo histórico e essa representação significa uma
visão particular do mundo. Nichols (2005) esclarece bem a diferença entre o
cinema de ficção e o filme documentário: “o estilo da ficção transmite um
mundo imaginário e distinto, ao passo que o estilo ou a voz do documentário
revelam uma forma distinta de envolvimento no mundo histórico” (p.74).
O documentário, por sua vez, se inscreve em modalidades que são as
convenções estilísticas que definem a forma de sua realização. As duas
correntes principais de documentários correspondem, segundo Da-Rin (2006),
ao cinema direto norte-americano e ao cinema verdade francês, denominando-
os, respectivamente, observacional e interativo. O modelo abordado aqui, por
se aproximar do telejornal, é o estilo de cinema direto, cujo início está
associado à produtora Drew Associates, formada em torno do repórter
fotográfico Robert Drew e do cinegrafista Richard Leacock (1954, Estados
Unidos
29
).
28
Como no caso da morte do menino João Hélio, de seis anos, que foi arrastado junto ao carro
da família, após assalto no Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 2007. Essa reportagem não
integra a amostra dos programas gravados.
29
Segundo Da-Rin (2006, p.136-137), Drew e Leacock não consideravam seus trabalhos
documentários, mas cine-reportagens ou jornalismo filmado.
32
Assim como no telejornalismo, o objetivo do cinema direto é trazer o
máximo de realidade à tona. Essa técnica combina com a concepção de
documentário que tem como regra filmar a cena viva e a história viva, com
personagens reais, sem a utilização de atores, com o som e imagens em
sincronismo, captados do ambiente natural, originários da própria locação.
Para Da-Rin (2006), o método de filmagem do grupo da Drew
Associates impossibilitava todas a formas de intervenção ou interpretação e
era marcado por um objetivismo que tentava comunicar a “vida como ela é”. O
modo observacional implica em transmitir da forma mais fiel possível a
sensação experimentada durante a filmagem. Essa tendência que transforma
a câmera em um olho, que apenas observa, é a marca essencial do cinema
direto, conforme assinala Nichols (2005, p.48):
Nos filmes de puro cinema direto, o estilo busca tornar-se
transparente, como o estilo clássico de Hollywood – captando
as pessoas em ação e deixando que o espectador tire
conclusões sobre elas sem a ajuda de nenhum comentário,
implícito ou explícito.
No cinema direto a câmera colocada como uma mosca na parede,
apenas observa a cena e é como se captasse a vida como ela é, sem
interferência do cineasta. Essa é a técnica, por exemplo, do documentário
brasileiro Justiça
(imagem à direita),
de 2003, dirigido
por Maria Augusta
Ramos. O filme
expõe parte do
cotidiano do
Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro.
Sem narração,
imagens feitas com
a câmera fixa num Fig.5: Reprodução de imagem do filme: Justiça
tripé registram flagrantes de julgamentos de pequenos delitos. Não há
entrevistas. A câmera registra o que se passa diante dela.
33
Como se fosse uma grande reportagem, a cineasta acompanha o
cotidiano de alguns personagens: uma defensora pública, um juiz/professor de
Direito, uma juíza e um réu. Primeiro, a câmera os flagra no “teatro” da justiça;
depois, fora dele, na carceragem da Polinter e na intimidade de suas famílias,
numa busca incessante da realidade, aquela que permeia a morosidade da
justiça e como e para quem ela funciona no Brasil.
O que a cineasta Maria Augusta Ramos propõe é a imagem como
representação de uma questão que vai além do imediatamente visível: Justiça.
Ela lança mão de uma técnica que busca extrair do mundo social sua fiel
expressão, sua realidade, facilitada pela disponibilidade de alguns aparatos
técnicos, como aparelhos leves, capazes de registrar imagem e som em
sincronismo, que produz uma espécie de ilusão realista, que consiste “em
reduzir a realidade a suas aparências sem fim” (DA-RIN, 2006, p.145). Pura
ambigüidade. Ao mesmo tempo em que se busca captar o real, com nenhuma
intervenção, mascara-se os processos que dão sentido ao audiovisual: a
edição no telejornal e a montagem no cinema. Como afirma Da-Rin:
A própria estrutura da imagem cinematográfica supõe fatores
irredutíveis, como a escolha entre o que mostrar ou não, a
organização daquilo que é mostrado, a sua duração e
ordenação dos planos entre si. A transparência da realidade
no cinema é uma falácia. A imagem cinematográfica é
essencialmente trucada, um artefato por natureza, nunca o
reflexo transparente do real
(Idem).
O que difere a reportagem televisual do estilo de cinema direto é a
presença explícita de um orador – narrador – que conduz o relato. O (a)
repórter interfere de forma sutil e subjetiva na descrição do fato,
principalmente, porque utiliza a entrevista, um jogo de perguntas e respostas,
além do próprio corpo. A voz que relata o acontecimento, embora não seja a
única que fala
30
, está sempre atada ao corpo do repórter e faz parte da
estética de sedução, que busca captar a atenção do espectador, também por
meio de uma empatia entre jornalista e público.
30
Volta-se aqui à questão do discurso cujo sentido se dá por uma série de elementos possíveis
e não exclusivamente pela fala, conforme apontado anteriormente. Numa análise sobre
documentários, Nichols (2005) pontua que a voz fala através de todos os meios disponíveis
para o criador. Esses meios podem ser resumidos, segundo Nichols (2005,p.76), “ como
seleção e arranjo de som e imagem, isto é, uma lógica organizadora para o filme.”
34
Na reportagem sobre uma pesquisa de cientistas canadenses que
analisaram a obra Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, a voz em off
31
da
jornalista Lília Teles
32
é a que mais se destaca entre os elementos que
descrevem o fato, cuja ação se passa no laboratório onde a pesquisa foi
realizada. Imagens da Mona Lisa e de cientistas realizando o estudo da obra
de arte atestam, legitimam aquilo que se fala. Não por acaso o corpo da
repórter é o último elemento deste relato a ser visualizado no vídeo (imagem
abaixo).
Fig.6: Imagem da repórter (JN, 27.09.06)
Em primeiro plano – o que está na frente do quadro – com o Centro de
Pesquisas ao fundo (plano de fundo), a repórter aparece como quem organiza
uma história atrativa, mas ao mesmo tempo, convincente: “Mas nem a
investigação mais completa conseguiu decifrar os segredos da técnica de
31
Texto e fala do (a) repórter que conduz o relato nos momentos em que ele (a) não aparece
visualizado (a) na tela.
32
Segundo essa reportagem, cientistas do Centro de Pesquisas Canadenses concluíram a
análise mais detalhada feita até então sobre a obra Mona Lisa.
35
Leonardo da Vinci... E o motivo do sorriso de Mona Lisa também permanece
indecifrável” (JN, 27.09.2006).
A forma de organização do relato televisual funda-se na tradição do
discurso retórico, semelhante ao que ocorre no documentário. A tradição
retórica, afirma Nichols (2005, p. 80), “consegue abarcar razão e narrativa,
evocação e poesia, mas faz isso com o objetivo de inspirar confiança ou instilar
convicção no mérito de determinado ponto de vista sobre uma questão
controversa”.
A retórica dá indícios da história que se narra através de provas não
artísticas como testemunhas, tais como documentos, confissões, análise
científica de amostras de impressões digitais, ou artificiais, que são produto da
criatividade de quem narra ou conta uma história. Apoiando-se em Aristóteles,
no que diz respeito ao discurso retórico, Nichols (2005) escreve que as provas
artísticas são divididas em três tipos: ético – que dá a impressão de bom
caráter moral; emocional – que apela para as emoções do público para
produzir o humor desejado; demonstrativo – que usa raciocínio ou
demonstração real ou aparente, que comprova ou dá a impressão de
comprovar a questão. Essas três estratégias convidam o orador – narrador e o
cineasta a honrar os princípios do discurso retórico, que são verossímeis,
convincentes e comoventes.
As junções e imbricações entre provas artísticas e não artísticas
suscitam questões de compreensão, interpretação, valor e julgamento de
determinado aspecto do mundo histórico, o que demonstra que a retórica não
depende de uma questão lógica ou matemática: “A mistura de partes de
raciocínio real com porções veladas de raciocínio aparente, imperfeito ou
enganador caracteriza o discurso retórico” (NICHOLS, 2005, p.81). Essas
confluências são determinantes no que é identificado neste trabalho como fato
e ficção.
36
1.3.3. O discurso do telejornal
O telejornal é a síntese de uma mídia (no caso, a televisão) que parece,
às vezes, querer ocupar o lugar da própria democracia, do próprio espaço
público. No entanto, como nos informa Charaudeau (2006, p.276),
A visão do mundo social, proposta pelas mídias, é ao mesmo
tempo fragmentária e obsessiva, para pretender a tanto. As
mídias devem aceitar que não podem pretender à
transparência, visto que o acontecimento é o resultado de uma
construção.
E essa construção é composta de recortes do mundo real, de
fragmentos dos objetos, dos desejos e das emoções, que eliminam a noção de
passado e instauram a simultaneidade, marcada pelo instantâneo e pelo fluxo
intenso e contínuo da informação. Como constatam Barbero e Rey (2001, p.35),
“uma tarefa-chave hoje da mídia é fabricar presente: um presente concebido sob
a forma de golpes sucessivos sem relação entre si”.
É da natureza do discurso telejornalístico incorporar, de certa forma,
essa característica que elimina a historicidade. O noticiário de televisão exagera
na expressão do presente, na transformação do tempo da história em
instantaneidade. Suprime-se o contexto histórico do fato e cria-se a
representação do fato na intensidade de um tempo que alcança sua plenitude na
simultaneidade e no efêmero: “Essa efemeridade do discurso midiático está
relacionada com as restrições situacionais de tempo e espaço às quais ele
encontra-se submetido” (MAIA, 2005, p.16).
Mesmo fragmentado, recortado, ou distorcido, o cotidiano se faz
presente no telejornal. Trata-se de um arcabouço de contradições, de conflitos e
ambigüidades, conforme destaca Machado (2005, p.100):
Por mais fechado que seja um telejornal, há sempre
ambigüidade suficiente em sua forma significante [...], e há
também autonomia suficiente, por parte do telespectador, de
modo a permitir que ele faça uma triagem do que lhe é
despejado no fluxo televisual
.
37
No programa noticioso de televisão, as informações são como relatos,
como narrativas que se inserem sob um fluxo audiovisual e representam com
mais intensidade, nas mídias televisuais, processos como corrupção, guerra,
política, ciência. Relatos de subornos, superfaturamentos, conchavos políticos,
desvios de verbas públicas, fomento de negócios ilícitos preenchem a cada dia
os espaços dos telejornais.
Isso demonstra, conforme pontuam Barbero e Rey (2001), a
transformação da identidade das mídias e sua presença como atores e não
simplesmente como observadores dos acontecimentos. Nesse sentido, a
participação de repórteres na cobertura dos acontecimentos, no local da cena,
evidencia a curta distância entre jornalista e fato, convertendo os comunicadores
em atores do processo e o fluxo comunicativo em um elemento a mais da
tensão. É assim que se dá a cobertura de guerras e conflitos. Em 2006, nos
embates entre Israel e Líbano, no Oriente Médio, os repórteres apareceram na
cena dos bombardeios. Cresce a intensidade de representação do relato,
espetaculariza-se a verdade dos fatos, transformando-a em verdade midiática.
1.4. Linguagem e discurso
Discurso é uma estratégia da linguagem por meio da qual os indivíduos
se põem em situação de troca social, cujo sentido é efetuado pela atividade
linguageira do homem, a partir de uma relação recíproca entre sentido e forma:
“A linguagem nasce, vive e morre na intersubjetividade. É falando com o outro
isto é, falando o outro e se falando a si mesmo que comenta o mundo,
descreve e estrutura o mundo” (CHARAUDEAU, 2006, p.42).
Discursos são formas de construção de uma determinada língua em que
os sujeitos se colocam em relação, se fazem entender, se fazem perceber e
estabelecem vínculos, comunicação. Segundo esclarece Charaudeau (2006,
pp.33-34),
Trata-se da linguagem enquanto ato de discurso, que aponta
para a maneira pela qual se organiza a circulação da fala numa
comunidade social ao produzir sentido. Assim, pode-se dizer
38
que a informação implica processo de produção de discurso em
situação de comunicação
.
Sob esse viés, a língua está relacionada ao ponto de vista das formas
gramaticais, da sintaxe e da semântica, enquanto que o discurso adquire um
sentido que ultrapassa as fundamentações puramente lingüísticas da
manifestação verbal. O discurso vai além das regras de uso da língua. No caso
de uma reportagem televisual, ele corresponde a uma lógica organizadora que,
parafraseando Nichols (2005), gera decisões sobre como cortar ou editar; como
enquadrar ou compor um plano (primeiro plano ou plano geral, luz artificial ou
natural, quando aproximar ou distanciar-se do elemento filmado, usar travelling,
ou permanecer parado); aderir a uma cronologia rígida ou reorganizar os
acontecimentos.
Assim, percebe-se que o sentido do discurso, conforme assinala
Charaudeau (2006), é efetuado pela atividade linguageira do homem, em
situação de troca social, e a partir de uma relação recíproca entre sentido e
forma, ou seja, nos signos-formas que as linguagens permitem construir e
realizar durante o processo de reconhecimento, catalogação e organização do
mundo.
A partir deste conceito o que se estabelece é uma análise do discurso
como instrumento que sirva de base para desencadear um processo de
interpretação capaz de descobrir o não-dito, o oculto, as significações possíveis
que se encontram por trás do jogo de aparências. Nesse sentido as imagens,
texto, sons da informação midiática são tomados aqui como discurso, numa
busca a respostas para a questão formulada por Mitchel (2003, p.35): “O que
querem as imagens, qual o segredo de sua vitalidade?”
Para empreender a análise do discurso das mídias, tomo como fio
condutor a proposta de Charaudeau (2006, p.12), para quem “o discurso de
informação é uma atividade de linguagem que permite que se estabeleça nas
sociedades o vínculo social sem o qual não haveria reconhecimento identitário.”
O quadro de referência que permite o reconhecimento recíproco das
restrições da situação de comunicação pelos parceiros da troca linguageira está
ligado às convenções dos comportamentos da linguagem, sem as quais não
39
haveria a comunicação humana. Trata-se de uma espécie de acordo prévio
sobre os dados desse quadro de referência, chamado por Charaudeau (2006,
p.68) de “contrato de comunicação”.
O contrato de comunicação possibilita aos parceiros da troca
comunicacional organizar o aparente caos do mundo, ou estabelecer co-
relações entre o imaginário e a realidade; é o que permite a decodificação de
dados e informações e faz com que o imaginário avance da aparência à
realidade. Desse contrato resulta a situação de comunicação, que seria a
capacidade dos parceiros reconhecerem as restrições às quais estão
submetidos durante o ato comunicativo: “restrições de espaço, de tempo, de
relações, de palavras, bem como inferências em relação à identidade dos
parceiros da troca” (MAIA, 2005, p.27).
Com efeito, informação e comunicação põem-se em situação de
convergência pela simples transmissão de sinais, da qual resulta a atividade
discursiva que é composta do contar, do descrever, explicar, ensinar: “Esse
conjunto de atividades discursivas configura os sistemas de interpretação do
mundo, sem os quais não há significação possível” (MAIA, 2005, p.43). Por
depender de uma série de variantes, de condicionantes, entre as quais a
situação de troca social da atividade de linguagem entre os sujeitos, é que
“nenhuma informação pode pretender por definição à transparência, à
neutralidade, ou à factualidade” (CHARAUDEAU, 2006, p.42). Em se tratando de
informação midiática, essas características são praticamente inatingíveis.
1.4.1. O discurso da informação midiática
A informação, entendida aqui como a transmissão de um saber por
alguém que o possui a alguém que se presume não possuí-lo, depende
basicamente da linguagem. Desta maneira, a informação “constrói saber e,
como todo saber, depende ao mesmo tempo do campo de conhecimentos que
o circunscreve, da situação de enunciação na qual se insere e do dispositivo
no qual é posta em funcionamento.” (CHARAUDEAU, 2006, p.36). Suscetível
de ser realizada por todos a informação parece transformar-se no domínio
40
reservado de um setor em particular — as mídias — cuja vocação essencial
seria informar o cidadão.
Conforme pontua Charaudeau (2006, p.72), “como todo ato de
comunicação, a comunicação midiática põe em relação duas instâncias: uma
de produção e outra de recepção”. À instância de produção, também chamada
de instância midiática, cabe fornecer informação, pois deve fazer saber e
impulsionar o desejo de consumir as informações para captar seu público.
Entende-se por instância midiática a instância de produção que integra
os diferentes atores que contribuem para determinar a instância de enunciação
discursiva. Segundo esclarece Charaudeau (2006), a instância midiática
compreende vários tipos de atores que vão desde o jornalista, passando pela
direção do organismo de informação, redatores, editores, operadores técnicos,
que escolhem tratar a informação conforme sua linha editorial.
Implicado no processo de comunicação midiática está o destinatário
da informação, o público-alvo, os receptores, ou simplesmente, instância de
recepção e, no caso da televisão, telespectadores, a quem cabe manifestar
interesse ou prazer ou mesmo consumir as informações. Embora exista uma
complexidade nesse processo de comunicação, que envolve não apenas
produção e consumo de informações, não trato aqui dos problemas
relacionados às condições de receptividade, às restrições situacionais que
envolvem o público-alvo, conforme já enfatizado anteriormente.
É a partir da relação entre essas duas instâncias, uma enquanto lugar
de produção do discurso e outra de recepção e interpretação, que o sentido do
discurso de informação midiática se realiza, por meio de um duplo processo:
“processo de transformação e processo de transação” (CHARAUDEAU, 2006,
p.114).
O processo de transformação consiste, para a instância midiática, em
transformar o acontecimento bruto do mundo a descrever em estado de mundo
midiático construído, ou seja, em “notícia”. No processo de transação, a
instância midiática parte do pressuposto de que a instância de recepção
reinterpretará a notícia à maneira como ela imagina, isto é, o mundo descrito
pela instância midiática já é, segundo essa concepção, um mundo significado,
ordenado, de acordo com seu desejo. Assim, o acontecimento é sempre
41
construído e se transforma em notícia quando o fato
33
é levado ao
conhecimento de alguém.
Os eventos ou acontecimentos do cotidiano, transformados em relatos
informativos, ganham um outro significado: “No ritual de passagem do fato à
notícia engendra-se uma nova realidade que, correspondendo a novas
representações, serve para enfeitiçar a sua realidade original” (SILVA, 1998,
p.14). Todo acontecimento que vira fato noticioso se insere numa narrativa
midiática, construída através de escolhas efetuadas a partir de uma série de
roteiros possíveis. A escolha dos acontecimentos a serem noticiados passa por
um filtro que segue os critérios de atualidade, de expectativa e sociabilidade. A
atualidade se refere à factualidade, ao aqui-agora, ao imprevisto. Reportagens
sobre fenômenos naturais, tempestades, acidentes se enquadram nos critérios
de atualidade. A factualidade dá ao discurso de informação midiática duas
características fundamentais: sua efemeridade e sua a-historicidade, é o
exagero do tempo presente.
No critério de expectativa, a informação midiática deve despertar o
interesse e atenção do receptor através de seu sistema de expectativa, de
previsão e imprevisão. Esse critério é utilizado de acordo com o que a
instância de recepção espera da instância midiática. Já a sociabilidade diz
respeito ao compartilhamento dos dados do contrato de informação midiática
entre os parceiros da troca comunicativa; é o que coloca as duas instâncias em
situação de mediação. É como se uma dissesse o que a outra quer ouvir e
vice-versa.
1.4.2. A ficção no discurso da informação televisiva
A construção do espaço social proposto pelas mídias, sobretudo pela
televisão, implica na utilização de uma série de estratégias discursivas e num
conjunto de dispositivos enunciativos por meio dos quais o discurso da
informação midiática se estrutura. Tomando definição de Charaudeau ( 2006),
pode-se dizer que as estratégias e dispositivos são escolhas efetuadas pelos
33
Para Charaudeau (2006), não há distinção entre acontecimento e fato, mas se fosse o caso,
poderia se dizer que o fato é uma configuração concreta, particular, do acontecimento.
42
parceiros da troca linguageira e que geram efeitos de sentido para influenciar o
outro.
Os dispositivos podem ser entendidos como recursos, como
elementos, ou técnicas que dão suporte físico à mensagem e se realizam por
meio de certa tecnologia: “O dispositivo é um componente do contrato de
comunicação sem o qual não há interpretação possível das mensagens, da
mesma forma que uma peça de teatro não faria muito sentido sem o seu
dispositivo cênico” (CHARAUDEAU, 2006, p.104). O dispositivo enunciativo
midiático é um conjunto empregado na enunciação discursiva, caracterizado
por uma configuração da linguagem que se baseia em dois regimes
semióticos: o da imagem e o do som (palavra, ruído, trilha sonora, música).
Esses dispositivos são utilizados na tentativa de atender aos objetivos da
informação, pela busca de efeitos de credibilidade e de captação, o que se
realiza por meio da emoção e da sedução geradas pelo discurso.
Os efeitos de credibilidade relacionam-se à finalidade de informação,
que consiste em fazer-saber: “ou visada de informação propriamente dita, que
tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o
cidadão” (CHARAUDEAU, 2006, p.86). Essa visada atua numa perspectiva
que busca autenticar os fatos, descrevê-los de maneira verossímil, ou seja, por
meio de uma verdade ligada à forma de reportar os fatos, sob condições de
veracidade, cujo meio mais eficaz, que Charaudeau chama de “designação”, é
a imagem. É ela que “no imaginário social participa da ilusão de verismo,
fazendo com que se tome aquilo que representa o objeto pelo próprio objeto
[...]” (CHARAUDEAU, 2006, p.89). Dessa forma, as mídias dizem o que
aconteceu e isso implica em reconstituição do acontecimento, do fato. O
objetivo da reconstituição é tornar o fato verossímil. Tornar verossímil é retratar
o fato da forma mais fiel possível, assim como no cinema direto. Isso implica
na utilização da analogia, alcançada, sobretudo, pela imagem que descreve o
mundo segundo roteiros de verossimilhança.
Na reportagem sobre o satélite Corrot, por exemplo, imagens
descrevem o que seria o lançamento do aparelho ao espaço
34
. No estúdio,
enquanto o apresentador chama essa reportagem, ao fundo e ao lado dele no
34
Reportagem veiculada no dia 27 de dezembro de 2006 no JN.
43
espaço do estúdio, aparecem imagens que representam o universo como
desenhos de estrelas, da lua e de planetas. Essa técnica chama-se chroma
key
35
e consiste em substituir a imagem ao fundo por uma outra, geralmente
produzida em computador.
A representação do fato (imagem abaixo) se dá com a utilização de
imagens do lançamento do satélite cedidas pela ESA – Agência Espacial
Francesa, parceira do projeto juntamente com o INPE – Instituto Nacional de
Pesquisa Espaciais e outros quatro países da Europa.
Fig.7: Imagem do Corrot exibida na reportagem (JN, 27.12.06.)
O que chama a atenção neste relato é que o repórter não está no local
do lançamento do satélite, que ocorreu no Cazaquistão, mas na sede do INPE,
em São José dos Campos – SP – de onde pesquisadores brasileiros
acompanharam o evento via internet. Após essa cena que descreve o
lançamento do Corrot, o repórter apresenta as características do equipamento:
35
Recurso técnico produzido a partir de um fundo azul ou verde, sobre o qual se inserem
imagens ou vinhetas que correspondem ao tema abordado, contribuindo para a identificação
não só do programa como dos assuntos tratados, reforçando o processo de rubricas no
telejornal.
44
“é um satélite de 600 quilos que leva um telescópio potente e detectores de luz”
(JN, 27.12).
O relato é conduzido com base numa questão: “O satélite vai ajudar
num dos grandes mistérios do universo que é o de se perguntar se estamos
sozinhos ou não” (Idem). Enquanto isso, imagens espaciais, de estrelas, de
planetas, produzidas pela ESA aparecem na tela. Em seguida, do local onde
os pesquisadores acompanham o lançamento do satélite o repórter Rogério
Corrêa aparece visualizado no vídeo (imagem abaixo).
Fig.8: Imagem do repórter (JN, 27.12.06)
A entrada do repórter em cena serve para chamar os entrevistados:
dois cientistas brasileiros que falam da importância do satélite para as
pesquisas espaciais no país. A verossimilhança neste caso se dá em
descrever o fato como ele ocorreu e apresentar provas disso. As provas são as
imagens, os personagens (cientistas entrevistados) e o repórter visualizado na
tela de um local, de onde o fato emerge. Se não do próprio lugar do
lançamento, mas de onde alguém pode confirmá-lo ou corroborá-lo (no caso,
os pesquisadores do INPE).
45
Os efeitos de captação são produzidos a partir de uma visada de fazer-
sentir. Relacionada ao sentimento, essa visada procura emocionar a instância
de recepção, por meio da afetividade, o que se dá com base na encenação
sutil do discurso da informação, estruturado em elementos que exploram
imaginários dramatizantes (imagem abaixo).
Fig.9. Ilustração do Corrot gera efeito de sedução (JN, 27.12.06)
A ambigüidade
que tanto marca a
programação
televisiva, que se
situa entre os pólos
da ficção e da
realidade, também
caracteriza o
contrato de
informação
midiática. Logo, a
informação se
configura entre a
finalidade de fazer Fig.10: Imagem gera efeito de credibilidade (JN, 27.12.07)
46
saber, que atende ao princípio de seriedade e produz efeitos de credibilidade
(ver imagem de cientistas acima) e uma finalidade de fazer sentir, que tende a
produzir emoções na instância de recepção. Sobre essa contradição, conclui
Charaudeau (2006, p.93):
Estamos diante do paradoxo do dado psicossocial que faz com
que o processo cognitivo de compreensão de uma informação
só possa desenvolver-se através do mecanismo psíquico que
integra o saber a representações captadoras.
A partir das idéias de Charaudeau, entendo a ficção como um
dispositivo da informação televisiva, que a coloca num universo construído,
fabricado, produzido. Essa estratégia, que corresponde à encenação visual da
informação, se interpõe ao discurso midiático e o deixa em uma situação de
tensão entre as dualidades que o legitimam: a credibilidade (informação) e a
sedução (captação). O discurso da informação televisiva também se
fundamenta por restrições de ordem situacional e discursiva: “elas influenciam
diretamente o processo de configuração do discurso em questão, determinando
quais os acontecimentos serão tratados e como serão tratados” (MAIA, 2005,
p.31). Essas restrições começam na seleção dos acontecimentos a serem
noticiados, que denotam uma visão particular do mundo social. A respeito
disso, indica Charaudeau (2006, p.131):
Não há captura da realidade empírica que não passe
pelo filtro de um ponto de vista particular, o qual constrói um
objeto particular que é dado como um fragmento do real.
Sempre que tentamos dar conta da realidade empírica,
estamos às voltas com um real construído, e não com a
própria realidade.
Paradoxalmente, os elementos da ficção televisiva visam produzir um
efeito de verdade e aproximam o imaginário à realidade empírica dos objetos.
Esses dispositivos atendem às finalidades do contrato midiático da informação
que busca “gozar de maior credibilidade possível com o maior número possível
de receptores” (CHARAUDEAU, 2006, p.86). A televisão é o espaço no qual
ficção e realidade se alternam, se conjugam e se imbricam permanentemente:
“A imagem televisionada tem uma origem enunciativa múltipla com finalidades
47
de construção de um discurso ao mesmo tempo referencial e ficcional”
(CHARAUDEAU, 2006, p.110). Complementa Charaudeau (2006, p.223):
Diferentemente do cinema, a televisão está obrigada, por
contrato, a dar conta de uma determinada realidade. Assim
sendo, ela não pode se apresentar como máquina de fabricar
ficção, mesmo que, afinal, seja isso que ela produza.
Nesse aspecto, a linguagem televisiva se diferencia do cinema de
ficção e apesar de suas especificidades ainda guarda muitas semelhanças com
a chamada sétima arte, segundo evidencia Maia (2005, p.32):
Os discursos noticiosos da televisão são caracterizados
por certas formas de cinema diegético
36
e das atualidades
cinematográficas, ou seja, em sua estruturação e configuração
discursiva são empregadas características do cinema narrativo
de ficção, bem como do cinema documental. Essas duas
vertentes, enquanto manifestações discursivas que são,
influenciaram o modo de organização dos relatos informativos
herdados pela televisão.
O relato na televisão sugere a descrição do fato e depende de seu
potencial diegético e da encenação discursiva operada pela instância de
produção, que relata o acontecimento. Neste caso, a autenticidade e
verossimilhança dos fatos que descreve são um desafio para as mídias.
1.4.3. A reportagem como relato no telejornal
Para autenticar e proporcionar efeitos de verdade, as mídias recorrem
a três tipos de procedimentos lingüísticos e semiológicos: designação — exibe
provas de que o fato realmente aconteceu, o que ocorre, essencialmente, por
meio da imagem que remete o acontecimento do qual se fala ao acontecimento
que se mostra; analogia — é a reconstituição do fato da maneira mais realista
possível, com riqueza de detalhes na descrição, comparações, encenações
posteriores; visualização faz ver o que não é visível a olho nu, mais uma
vez graças à imagem: mapas, maquetes, panoramas, closes, gráficos,
36
Tudo que diz respeito ao mundo representado, uma capacidade narrativa por meio de
representações (XAVIER, 1984, p.20).
48
infográficos; faz ouvir o que não se ouve, sonoridades obtidas com o auxílio de
aparelhos especiais e de técnicas de gravação específicas. As previsões
meteorológicas na TV são o grande exemplo dessa técnica de visualização.
Inserida na estrutura do telejornal, a reportagem constitui-se num tipo
de relato que se fundamenta em narrativas do fato. Maia (2005) classifica a
reportagem como o gênero central do telejornalismo brasileiro. A reportagem
televisiva diz o que aconteceu e isso significa reconstituir o acontecimento por
meio dos procedimentos de designação, analogia e visualização. Esses
procedimentos estão ligados aos dispositivos da ficção televisiva: “Para
representar os acontecimentos do mundo, a televisão executa uma série de
operações que permitem aproximar a encenação realizada ao universo da
representação” (MAIA, 2005, p.42). Isso é feito com base nas características do
cinema narrativo de ficção e, sobretudo, do cinema documental, que
influenciaram o modo de organização dos relatos informativos herdados pela
televisão, como pontuado anteriormente.
A reportagem é o lugar externo ao estúdio da televisão, onde o fato
aparece mais explicitamente. Uma voz off – do repórter, quando ele não
aparece visualizado na tela – conduz a narrativa, marcada pela presença de
outras vozes: testemunhas, atores ou especialistas em determinado evento ou
fato. No caso das reportagens de ciência, pesquisadores e cientistas aparecem
como protagonistas dos eventos e conferem autenticidade e legitimidade à fala
do repórter e ao fato, como no caso exemplificado anteriormente do
lançamento do satélite Corot.
O processo que dará significado e sentido à reportagem é uma espécie
de re-composição dos quadros e planos, chamado no cinema de montagem: “a
montagem é a organização dos planos de um filme em certas condições de
ordem e duração” (MARTIN, 2004, p.132). No telejornal, trata-se da edição,
que consiste em recortar, ampliar ou transmitir a notícia de uma forma linear e
cronológica.
Apresentados os conceitos centrais e as idéias que norteiam e
orientam o trabalho de análise do discurso do noticiário veiculado no JN,
referente especificamente à ciência, tratarei no Capítulo 2 da relação entre
mídia e ciência, dos processos de inserção do conhecimento científico nos
grandes meios de comunicação.
49
2. Mídia e Ciência
Lá no sertão, quase ninguém tem estudo, um ou
outro, que lá aprendeu ler, mas tem homem capaz de
fazer tudo, doutor, e antecipar o que vai acontecer...
Caatingueira fulora vai chover; andorinha voou vai ter
verão; gavião se cantar é estiada, vai haver boa safra no
sertão; se o galo cantar fora de hora, é mulher dando fora
pode crer; acauã se cantar perto de casa é agouro, é
alguém que vai morrer. São segredos que o sertanejo
sabe e não teve o prazer de aprender ler. (João do Vale,
Disco CBS, 1981).
No capítulo 2, detenho-me nas representações televisuais da ciência,
na relação entre ciência e mídia e em como a mídia representa a ciência no
cotidiano. Apresento neste capítulo, noções acerca da divulgação e
vulgarização científicas e suas implicações na sociedade.
Nesta etapa do trabalho busco perceber e entender como ocorre o elo
entre a produção do conhecimento científico e o público, ou seja, entendo a
mídia televisual como uma ponte, suporte e, principalmente, como instrumento
de mediação entre cientista e público em geral; entre academia e comunidade
não científica.
Este capítulo pretende responder a esses questionamentos, ainda que
as respostas não sejam definitivas como quando se busca o significado das
palavras nos dicionários. Aliás, a busca de sentidos e significados para as
coisas, para os fenômenos sociais e da natureza é uma tarefa da ciência.
Conforme Flusser (2004, p.35) afirma, “a ciência é a tentativa de catalogar e
classificar aparências, e a cada página do catálogo e a cada classe de
aparências corresponde uma ciência especializada”. Kuhn (1994, p.23), por
sua vez, lembra que “a observação e a experiência podem e devem restringir
drasticamente a extensão das crenças admissíveis, porque de outro modo não
haveria ciência”.
Embora ao problematizar estejamos fazendo ciência, isso não quer
dizer que as discussões aqui apresentadas sejam estanques, porque a ciência
também não pára no tempo. A mobilidade é mais uma de suas características:
a cada nova descoberta, a cada nova teoria e novos fatos científicos, surgem
50
novos questionamentos. Assim, busco primeiramente apontar os
entrecruzamentos entre ciência, tecnologia e senso comum, para em seguida
apresentar algumas discussões em torno da divulgação e vulgarização
científicas, da presença da ciência na mídia.
2.1. Diálogos entre ciência, senso comum e desenvolvimento tecnológico
A metáfora do quebra-cabeça, idealizada por Kuhn (1994, p.59), é uma
das mais engenhosas construções do pensamento sobre a definição de
ciência. Para Kuhn, “quebra-cabeça indica, no sentido corriqueiro em que
empregamos o termo, aquela categoria particular de problemas que serve para
testar nossa engenhosidade ou habilidade na resolução de problemas” (Idem).
Montar quebra-cabeças é o desafio da ciência, mesmo que os problemas
realmente importantes não sejam, conforme Kuhn (1994), quebra-cabeças.
A ciência pode ser incluída em um tipo de conhecimento que busca
dar sentido à existência, ou que é capaz de ordenar o aparente caos do
mundo, a partir do mergulho nas aparências, com o objetivo de transformá-las
em realidade. Flusser (2004) sugere que o saber científico pode ser colocado
em relação com a filosofia, a religião e a arte, na medida em que esses
saberes “são os métodos pelos quais o espírito tenta penetrar através das
aparências até a realidade e descobrir a verdade” (p.32). Essa é uma das
tarefas da ciência: a decodificação de fatos e interpretação de conceitos que
permitam organizar o entendimento da realidade; buscar o conhecimento e
através dele desvendar os mistérios da natureza, do universo, do mundo social.
A busca de uma determinada realidade não se dá de forma isolada e
independente. A ciência se desenvolve através de uma rede composta de uma
série de instituições como laboratórios de análises, universidades, centros de
pesquisas, indústrias, comunidades científicas e de interesses econômicos,
políticos e sociais. São esses interesses que determinam, por exemplo, a
destinação dos recursos financeiros – privados ou públicos – para o
desenvolvimento de pesquisas.
A dependência financeira colocou em xeque a autonomia da ciência e
o desinteresse do conhecimento científico e levou ao processo caracterizado
51
por Santos (2001, p.34) de “fenômeno global da industrialização da ciência”.
Santos assegura que “a industrialização da ciência acarretou o compromisso
desta com os centros de poder econômico, social e político, os quais passaram
a ter um papel decisivo na definição das prioridades científicas” (Idem). Entra
em cena nesse campo de forças o conflito de interesses, quando o interesse da
pesquisa se confunde com o interesse político e econômico.
Pesquisadores vêem-se, às vezes, pressionados por patrocinadores a
manipular resultados e metodologias. Em artigo para a revista eletrônica
Comciência
37
, Castelfranchi (2006) sugere que alguns testes clínicos
financiados por empresas privadas são executados sob contratos que proíbem
que os pesquisadores publiquem seus resultados caso estes sejam
desfavoráveis para os patrocinadores.
A disputa por recursos no interior de centros de pesquisas,
laboratórios, universidades, onde pululam controvérsia e estratégias de
convencimento dos próprios pares, responsáveis por avalizar projetos dos
colegas, leva em conta a aplicação prática do conhecimento científico. Essa
disputa que caracteriza a ciência e a tecnologia é um dos fatores que
contribuem para a dispersão e fragmentação das ciências, na medida em que
cada uma busca sobrepor às demais, o seu próprio método, conforme detalha
Latour ( 2000, p.34):
Os economistas da inovação ignoram os sociólogos da
tecnologia; os cientistas cognitivos nunca fazem estudos
sociais da ciência; a etnociência está muito longe da
pedagogia; os historiadores da ciência prestam pouca atenção
aos estudos literários ou à retórica; os sociólogos da ciência
muitas vezes não vêem relação alguma entre seu trabalho
acadêmico e os experimentos in vivo realizados por cientistas
ou cidadãos interessados...
Essa estratificação não é suficiente, visto que, dentro de cada
disciplina especializada há ainda, segundo aponta Latour ( 2000, p.35), outra
divisão: “ a dos objetos que cada uma estuda. Isso implica em localizar dentro
de cada especialidade ramos diferentes de atuação”.
37
Endereço eletrônico: www.comciência.br
52
Divisão e subdivisão são características da ciência que indicam
especificidades e apontam para as questões dos paradigmas e comunidades
científicas. Conforme sugere Kuhn (1994), não há definição cabal, dado
evidente acerca do conceito de paradigma, mas o que me parece mais
apropriado é o que pode ser entendido como práticas, modelos, crenças e
valores compartilhados por um mesmo grupo, ou comunidade científica. A
idéia de comunidade demarca locais onde cientistas e pesquisadores estão
situados quanto a seu posicionamento e filiações comunitárias, vinculados
normalmente a uma escola específica e à delimitação de um objeto próprio de
estudo.
Divisão e subdivisão das ciências nos remetem à noção de
comunidades científicas, que podem existir em vários níveis. Tomando
exemplificação de Kuhn (1994), há uma comunidade mais global composta por
todos os cientistas da natureza e num nível inferior as comunidades de físicos,
químicos, astrônomos, zoólogos, biólogos. O que essas comunidades
compartilham ou têm em comum são paradigmas, cujas práticas científicas
estão voltadas para a solução de “quebra-cabeças”. Um paradigma está
relacionado aos fundamentos do campo de estudo e governa um grupo de
praticantes da ciência. Para fazer parte desses grupos, é preciso: “Possuir a
mais alta titulação, participar de sociedades profissionais, ler periódicos
especializados”, segundo atesta Kuhn (1994, p.21).
De acordo com o que escreve Kuhn (1994), enquanto o campo de
estudos não estiver bem definido, cientistas trabalham no interior dos grupos
para demarcar suas conceituações e o paradigma dominante de sua
comunidade.
Equacionar diferentes pontos de vista é uma forma de montar quebra-
cabeças e também uma busca de um único paradigma capaz de governar
determinada ciência. Essa busca é constante tendo em vista o caráter
revolucionário do progresso científico. Chalmers (1993, p. 126) sustenta que
“um paradigma será sempre suficientemente impreciso e aberto para que se
precise fazer muito trabalho desse tipo”. O desacordo quanto a uma
interpretação ou racionalização de um paradigma dentro de uma comunidade
científica não significa uma ciência desorganizada, mas uma necessidade que
53
funciona para levantar problemas. Os problemas, por sua vez, se resolvem
com base em soluções anteriores, o que pode ser chamado de referencial. O
referencial é aquilo que se tornou prática comum para um grupo de cientistas e
se não funciona como um paradigma determinante é ao menos ponto de
partida que serve de modelo para levantar problemas. O que este grupo de
cientistas compartilha, assegura Kuhn (1994, p.70):
Não é o fato de satisfazer as exigências de algum conjunto de
regras, explícito ou passível de uma descoberta completa [...]
Em lugar disso, podem relacionar-se por semelhança ou
modelando-se numa ou noutra parte do corpus científico que
a comunidade em questão reconhece como uma de suas
realizações confirmadas.
Partir de um eixo central indica a possibilidade de interferência em
determinado fato científico que é dado como pressuposto teórico. Isso implica
em articular um paradigma “com o objetivo de melhorar a correspondência
entre ele e a natureza” (Chalmers, 1993, p.126). A possibilidade de articulação
e interferência demonstra o caráter mutável do método científico e indica que a
ciência evolui à medida que problemas são identificados no interior do
paradigma de um grupo.
A mobilidade aponta para o conceito de revolução científica que
consiste em substituir uma estrutura teórica por outra, proporcionando um novo
fato científico, ou seja, uma nova descoberta, explicação ou fundamentação
para determinado fenômeno da natureza.
Quando pesquisadores, integrantes da comunidade da União
Astronômica Internacional, reunidos na República Tcheca, em agosto de 2006,
decidiram rebaixar Plutão à categoria de Planeta anão do sistema solar (ver
imagem à página seguinte), isso foi feito com base em paradigmas que
demonstravam o tamanho do planeta, considerado pequeno, pelo grupo de
cientistas, em relação a outros corpos celestes. De acordo com esses
astrônomos, a Terra é 400 vezes maior que Plutão. A decisão gerou uma nova
teoria sobre o sistema solar, caracterizando um novo fato científico.
54
Fig.11: Revista Ciência Hoje das Crianças (ago. 2006)
38
A diferença entre fato científico e a categoria particular de
acontecimento do mundo (fato noticiado) reside em que o primeiro depende de
comprovação científica, de evidências elaboradas a partir de pesquisas
empíricas ou teóricas a respeito de um dado já existente a fim de alterá-lo;
enquanto que o segundo, conforme discussão apresentada anteriormente,
trata-se da representação de determinado evento do mundo social, em forma
de notícia.
Tomando como ponto de partida as idéias de Latour (2000), a
construção ou não de fatos científicos leva em conta a descoberta de uma
verdade, buscada na ciência através da evidência dos sentidos, resultante
tanto da capacidade intuitiva, que se encontra no plano da imaginação do
pesquisador, quanto de provas racionalmente obtidas pela pesquisa empírica.
Portanto, o avanço da ciência, lembra Zamboni (2001, p.31): “resultaria ora de
uma aventura especulativa, ora da atividade perceptiva do observador”, o que
se encontra no campo da intuição e da realização prática.
38
Revista do Instituto Ciência Hoje, uma organização social vinculada à Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência – SBPC. O endereço eletrônico é: cienciahoje.uol.com.br
55
O fato científico ou a descoberta científica resulta de uma construção
social de uma dada comunidade e depende de uma decisão colegiada, de
aprovação pelos pares e tem nas publicações e reuniões instrumentos
essenciais para mediar as relações que se efetuam no seio do grupo de
pesquisadores. Isso implica em submeter fatos e teorias a análises críticas de
outros indivíduos, para que possam com base nos resultados obtidos aceitar
tal conhecimento como um novo fato. Essa característica funda-se na
dependência da noção de que a ciência se constrói a partir do processo social
do saber e da partilha do conhecimento. Segundo afirma Zamboni (2001,
p.34), “a circulação de novos saberes e de novos conhecimentos gerados pela
ciência é um componente intrínseco à própria concepção do que seja produzir
ciência”.
2.1.2. O senso comum
Se a ciência se baseia em fatos, raciocínios teóricos, experiências,
metodologias, cálculos já realizados por outros pesquisadores, o senso comum
é uma outra categoria de conhecimento a partir do qual a ciência se constrói. O
senso comum é o pensamento imediato, a explicação evidente para fatos e
fenômenos da natureza: “é um conhecimento que pensa o que existe tal como
existe e cuja função é a de reconciliar a todo custo a consciência comum
consigo mesma” (Santos, 2003, p.32). Marco de dúvidas e problematizações,
esse conhecimento imediato transforma a ciência, ou a ciência se modifica a
partir dele, conforme sugere Alves (2006, p.14): “a ciência é uma metamorfose
do senso comum. Sem ele, ela não pode existir”.
Um paralelo com o senso comum é uma questão central para se
entender o que é ciência. O que a canção “Segredos do sertanejo”, citada no
início desse capítulo, exalta, é uma forma de conhecimento advinda da
experiência, dos costumes, das tradições, das coincidências da vida cotidiana
ou simplesmente do senso comum. Totalmente desprovido de regras
metodológicas, sem leis definidoras, sem arbitrariedades, o senso comum
instiga e perturba a ciência.
56
Na tentativa de esclarecer melhor a relação entre ciência e senso
comum volto aqui ao exemplo da reportagem sobre a técnica milenar utilizada
por um sertanejo do semi-árido cearense para encontrar água no subsolo.
Muito provavelmente, até essa técnica ser chamada pela ciência de
radiestesia, um longo caminho foi percorrido. O início deste percurso teria sido
a aplicação do conhecimento dos sertanejos na luta contra a seca.
Mesmo dotada de rigor metodológico e extrema racionalidade,
fundamentada no discurso cartesiano, a ciência bebe na fonte do senso
comum. É dele, ou a partir dele, que ela questiona, duvida, problematiza e
busca a explicação objetiva para o comportamento futuro dos fenômenos e
para a realidade imediata. Conforme assinala Santos (2001, p.56), “a ciência
pós-moderna procura reabilitar o senso comum por reconhecer nesta forma de
conhecimento algumas virtualidades para enriquecer a nossa relação com o
mundo”. No entanto, essa relação entre cientista e senso comum ainda parece
ser assimétrica. É como se um pedestal separasse o cientista da vida
cotidiana. No início do século XX, Weber pontuava:
A intelectualização e a racionalização crescentes não
equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente a
respeito das condições em que vivemos. Antes, significam
que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, não
existe primordialmente, nenhum poder misterioso e
imprevisível que interfira com o curso de nossa vida. Em
outras palavras, que podemos dominar tudo, por meio da
previsão. Isso é o mesmo que despojar de magia o mundo
(WEBER, 2004, p. 38).
Esse processo de "desencantamento" do mundo, a tentativa de
organizá-lo, conforme métodos e pressupostos teóricos são condições
elementares para a ciência moderna. Santos (2001, p.50) destaca que: “A
ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistémico, mas
expulsou-o, tal como a Deus, enquanto sujeito empírico”.
Em Ponto de Mutação, filme de 1990, dirigido por Bernt Capra,
baseado no livro de mesmo nome, do físico austríaco Fritjof Capra
, que explora
os conflitos teóricos e até pessoais de um político, um poeta e uma cientista,
57
estes três atores sociais aparecem envolvidos em dramas e questões da vida
moderna, que eles não conseguem resolver.
O encontro entre eles ocorre no Castelo Medieval de Saint Michel, na
França. O próprio cenário é um convite à reflexão e introspecção (imagem
abaixo).
Fig.12: Reprodução de capa do filme em VHS.
A
atmosfera sombria do local, envolto a um nevoeiro, dá o tom
melancólico da narrativa. Assim, os três personagens mergulham fundo em seu
interior, na busca incessante de significados para a sua própria existência. Vêm
à tona os dramas pessoais: a derrocada política, a crise nos relacionamentos
familiares. A cientista, personagem da atriz Liv Ullmann, em determinado
momento questiona: "Vocês sabiam que, no mundo todo, todo dia, 40 mil
crianças morrem de desnutrição e doenças evitáveis? Quase a todo segundo?
Agora... agora... e agora...”.
O paradoxo é inevitável. Ao mesmo tempo que se acredita na
possibilidade de dominar tudo, não há domínio sobre os problemas cruciais,
que mais afligem a humanidade, como a pobreza, a fome, as grandes
concentrações de riqueza. Mas como resolver tudo isso, se eles não
conseguem sequer dominar os rumos da própria vida? A cientista, por
58
exemplo, apesar de descrever com precisão, como os sistemas se integram,
não consegue manter uma relação saudável com sua própria filha.
Não se trata de achar que a ciência deva dar conta de tudo, porque ela
não dá, ela é falível. Trata-se de estabelecer limites entre o que é possível e o
que não é. Em certa medida, o cientista poderia diminuir a sua frustração e o
sentimento de culpa que o acompanha, se fosse capaz de devolver ao senso
comum, o que lhe foi tirado, ou seja, a construção de um conhecimento novo:
“O conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida
em que se converte em senso comum” (SANTOS, 2001, p.57).
Tornar o conhecimento científico em senso comum não se trata de
banalização, mas de reconhecer a importância do conhecimento vulgar para a
própria ciência. Nesse sentido, a ciência pós-moderna, sustenta Santos (Idem)
“não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende, que tal
como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o
desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida”. Pode-se
dizer com isso que o desenvolvimento tecnológico é resultado da produção
científica com o uso de determinada técnica, que se realiza por meio de
equipamentos, ou até de conhecimentos novos acerca de determinada teoria.
A tecnologia abrange tanto um maquinário produzido por meio do saber
científico quanto um conhecimento que possam vir a ser utilizados
empiricamente.
As ciências biológicas são férteis em produzir tecnologias relacionadas
à vida como as técnicas de clonagem e alimentos geneticamente modificados,
por exemplo. Elas são a porta de entrada para o paradoxo que tanto
caracteriza as reações à ciência e à tecnologia, segundo afirma Turney (2005,
p.101), “Ao mesmo tempo, desejamos e tememos as coisas que essas
tecnologias podem fornecer [...] Quanto mais sucesso tivermos ao transformar
ciências da vida em tecnologia, maior será a nossa ambivalência”.
A tecnologia caminha junto com a ciência. Massarani, Turney e
Moreira (2005, p.8) escrevem que as duas “habitam nosso mundo material e
intelectual, presidem boa parte das relações econômicas e de poder entre os
povos e adentram nossas vidas individuais”.
59
A técnica é o suporte racionalista integrante da ciência. A respeito
disso, Siqueira (1999, p.59) pontua: “A crença na racionalidade como
paradigma para o desenvolvimento e bem estar social, econômico e cultural é
característica da modernidade”. A modernidade funda o discurso científico
como fonte do progresso, como saber soberano, caracterizado pela ação
racional ancorada em ideais industrialistas e capitalistas, pelo caráter
mercadológico que adquire. Esse discurso ainda resiste, lembra Siqueira
(Idem) “nos meios de comunicação de massa – na televisão em particular –
onde, apoiada na técnica e na velocidade da imagem em movimento, a ciência
é divulgada de forma atraente” (p.60).
2.2. Mídia e Ciência: Divulgação e vulgarização científicas
As discussões apresentadas neste tópico têm o objetivo de apontar os
processos que aproximam ciência e público, investigando as implicações,
convergências e divergências entre o discurso midiático da divulgação
científica e o discurso próprio da ciência.
O que se entende por divulgação científica neste trabalho segue uma
terminologia adotada por Zamboni (2001). Para a autora a expressão
divulgação científica é empregada para “todas as ações que digam respeito à
difusão de conhecimentos científicos ou técnicos” (ZAMBONI, 2001, p.48).
A divulgação científica é a maneira pela qual a ciência se insere no
cotidiano da população, utilizando para isso uma grande variedade de meios,
recursos, técnicas suportes e processos para a veiculação das informações
científicas e tecnológicas ao público em geral. Esses meios, conforme
Zamboni (2001) vão desde os livros didáticos, às aulas de ciências do ensino
médio, passando pelos cursos de extensão para não especialistas, as estórias
em quadrinhos, os suplementos infantis, folhetos de campanhas de educação
voltados para determinadas áreas (como saúde e higiene), os fascículos de
ciência e tecnologia produzidos por grandes editoras, documentários, o teatro,
o cinema dito científico, programas especiais de rádio e TV, jornais e revistas
especializadas (de comunidades científicas), programas informativos
(telejornais) das grandes redes de televisão.
60
O objetivo da divulgação científica é retirar do contexto de origem os
saberes e conhecimentos restritos a uma dada comunidade com certa dose de
vulgarização do discurso original, tornando pública a compreensão da ciência (
imagem abaixo).
Fig. 13: reprodução de imagem da revista Comciência
39
.
A vulgarização pode ser entendida como algo que pressupõe uma
adaptação. E, seguindo definição de Charaudeau (2006), pode-se dizer que a
vulgarização se manifesta cada vez que se tenta tornar claro o que é
complexo; cada vez que se coloca um discurso erudito ou técnico ao alcance
de não especialistas. No caso da TV, esse termo parece ser mais adequado
porque ao se apropriar do discurso científico, o veículo promove uma
39
Revista eletrônica mensal do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor),da
Universidade de Campinas – Unicamp em parceria com a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência. End. Eletrônico: www.comciencia.br/reportagens/framereport.htm
.
61
adaptação à sua linguagem específica, o que presume um trabalho de
recodificação.
Fig.14: Reprodução de imagem da revista Comciência
No plano da linguagem, a recodificação consiste em interpretar e
modificar o saber que deu origem à informação para torná-la acessível a um
grande público, o que implica inclusive, na utilização de recursos audiovisuais
(ver imagem acima). Considerando o que revela Charaudeau (2006), quanto
mais amplo e heterogêneo for o público-alvo da informação, maior será a
necessidade de transformar o discurso original. O próprio Charaudeau (2006,
p.62) sugere que: “Isso explica, em parte, que a vulgarização praticada pela
televisão seja mais deformante do que a praticada pelo rádio ou pela
imprensa”.
Apesar da idéia de transformação do discurso, o entendimento acerca
do conceito de divulgação científica empreendido neste trabalho segue a linha
dos estudos realizados por Zamboni, em sua tese de doutorado (2001, p. 18):
Vejo na divulgação muito mais o trabalho de formulação de
um novo discurso, que se articula, sim, com o campo
62
científico – e o faz sob variadas formas – mas que não
emerge dessa interferência com o produto de uma mera
reformulação de linguagem [...] vejo no discurso da
divulgação científica um gênero discursivo particular, distinto
do gênero do discurso científico, autônomo tanto quanto
qualquer outro discurso possa ser, e envolvente e cativante
tanto quanto qualquer boa mercadoria colocada à venda
possa ser.
A divulgação científica deslocaliza os saberes restritos a um grupo de
especialistas e aproxima ciência e público, numa tentativa de socializar o
conhecimento científico com uma camada da população relegada à exclusão
do saber. Caberia à divulgação científica, de acordo com Zamboni (2001,
p.49):
a tarefa maior de exercer a partilha social do saber, levando
ao homem comum o conhecimento do qual ele historicamente
foi apartado e do qual foi-se mantendo cada vez mais
distanciado, à medida que as ciências se desenvolviam e se
especializavam.
Fazer com que o conhecimento científico seja acessível a um grande
público é uma forma de aproximá-lo do senso comum, o que, segundo
Fahnestock (2005 p.77), a divulgação científica faz: “adaptando novos
conhecimentos a velhas suposições e tentando preencher o grande abismo
existente entre o direito que o público tem de saber e o seu nível de
compreensão”.
A divulgação científica passa pelos caminhos da circulação de novos
saberes, que por sua vez, conforme sugere Zamboni (2002) é inerente ao
próprio processo de construção de fatos científicos. A divulgação realizada por
diversas formas de expressão e comunicação tem como objeto os fatos
científicos, que, por sua vez, “requerem a ação de difundir, divulgar, deixar
conhecer, tornar público” (ZAMBONI, 2001, p.34).
A divulgação científica tem papel relevante na compreensão pública
da ciência, naquilo que a população conhece e apreende do conhecimento e
dos fatos científicos. Ela atua tanto na formação de não iniciados em ciência
quanto na construção de imaginários sociais sobre o conhecimento científico e
os cientistas. Seria a divulgação científica responsável pelas representações
63
do gênio louco, que inventa coisas fantásticas; do tipo excêntrico, distraído,
que normalmente as pessoas comuns têm da ciência ou do cientista? Para
Siqueira (1999, p.53):
O paradoxo que se estabelece, então, é: se, por um lado, a
mediação dos meios de comunicação de massa promove o
conhecimento e a aproximação do grande público com a
ciência, tendendo a facilitar sua compreensão, por outro lado,
o faz em forma de espetáculo, como “ficção científica”,
diminuindo a credibilidade do conhecimento divulgado.
O tema está longe de um consenso, de uma teoria definitiva. O
caminho da ambivalência quanto à divulgação científica parece ser o mais
seguro. Para Turney (2005, p. 99): “... a imagem dos cientistas escravizada às
histórias de ficção e induzida ao erro e estereótipos de desenhos animados é
limitada”. De acordo com Turney (Idem), as histórias que envolvem a ciência
podem desempenhar um papel importante no debate sobre as tecnologias na
vida real. A questão que se coloca é: como as mídias operam o discurso que
contém a informação científica, como esse discurso é transformado? A busca
de respostas a esses questionamentos é o desafio empreendido neste
trabalho.
2.3. Divulgação científica no Brasil
A ambigüidade que caracteriza o papel da divulgação científica na
sociedade também demarca a sua história, especialmente no Brasil. Segundo o
que escrevem Esteves, Massarani e Moreira (2006, p. 67):
a literatura disponível sobre o tema ainda é incompleta e permite
compor um panorama apenas fragmentário da maneira como
evoluíram ao longo dos anos as iniciativas realizadas no país para
levar a ciência ao grande público.
Conforme os autores, um período rico em iniciativas de divulgação
científica no Brasil ocorreu entre 1865 e 1880, quando foi identificada a
64
presença de temas ligados à ciência em publicações do Rio de Janeiro, São
Paulo e outros estados, além da realização de iniciativas como os Cursos
Públicos promovidos pelo Museu Nacional, no Rio de Janeiro. No entanto,
Oliveira (1998) sinaliza que o ponto de partida da divulgação científica
aconteceu no período em que a Corte Portuguesa esteve no Brasil entre 1808
e 1821, época em que se deu a abertura dos portos, o aparecimento da
imprensa e a criação de instituições culturais e de ensino. O marco da
divulgação científica nesse período, revela Oliveira (idem), foram os jornais
impressos Correio Braziliense e O Patriota
40
.
Outro período considerado fértil para a divulgação científica, de acordo
com Esteves, Massarani e Moreira (2006), se deu ao longo dos anos 1920,
com um grupo particularmente ativo de cientistas, entre eles, Manoel Amoroso
Costa, Henrique Morize, os irmãos Álvaro e Miguel Osório de Almeida, Edgard
Roquette-Pinto e Lélio Gama. A década de 20 é marcada pela organização da
comunidade científica no Brasil, que, segundo Massarani e Moreira (2001)
começou a lutar pelo desenvolvimento da ciência no País. Nesta década,
sustentam Massarani e Moreira (Idem), foram criadas novas instituições
científicas como a Sociedade Brasileira de Ciências (SBC) que se transformaria
depois na Academia Brasileira de Ciências (ABC)
41
.
O impulso para a divulgação científica no Brasil, sustentam Esteves,
Massarani e Moreira (2006) foi dado com o suplemento Ciência para Todos
42
,
que “representou uma experiência ímpar na história da divulgação científica no
Brasil” (p.64). A seguir reproduzo capa do suplemento, originalmente publicada
em artigo de Esteves, Massarani e Moreira na revista da Sociedade Brasileira
de História da Ciência – SBHC.
40
Para saber sobre a história da imprensa no Brasil ver: Bahia (1990).
41
A Academia, criada em 1924, desempenhou importante papel em defesa da educação
pública no Brasil. A Academia Brasileira de Ciências defendia ainda a valorização social da
ciência e do cientista.
42
Suplemento de 12 páginas do Jornal diário A Manhã, do Rio de Janeiro. Segundo Esteves,
Massarani e Moreira ( 2006), o Suplemento circulou regularmente durante cinco anos, entre
1948 e 1953 e era editado por Fernando Reis, sobrinho de José Reis, figura central da
divulgação científica no Brasil. Para saber mais sobre o suplemento ver o livro de Esteves (
2006).
65
Fig.15: reprodução da capa do suplemento CpT, publicada originalmente na
revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, jan-jun, 2006.
66
2.4. Panorama atual da divulgação científica
Nos Estados Unidos, a partir da década de 70 a ciência ganha cada
vez mais espaço na grande mídia, com a presença de cadernos especiais,
colunas e suplementos em jornais de grande circulação, além da publicação
editorial de dezenas de revistas de divulgação científica. O crescimento chegou
a triplicar o número de tiragem das revistas.
Segundo o que ilustra Fahnestock (2005), entre 1970 e 1984 a
circulação da revista Science Digest aumentou de 150 mil para 530 mil
exemplares e a da Scientific American
43
, considerada a primeira revista de
divulgação científica do mundo, saltou de 425 mil para 715 mil exemplares. De
acordo com Fahnestock (2005, p.78): “Durante o mesmo período surgiram
diversas revistas de popularização da ciência, vendidas em bancas, incluindo
Discover, Technology, Illustrated, Omni, Physics Today e High Technology”.
Fahnestock afirma que a Science
, uma revista que mudava de
nome a cada ano, levando no
título o número do ano
correspondente ao período da
publicação ( por exemplo:
Science 79, Science 85, Sciente
90 correspondiam ao ano
respectivo), foi a mais bem
sucedida dessas publicações de
divulgação científica, com uma
circulação de quase 800 mil
exemplares, no final da década
de 90.
No Brasil, as publicações de
divulgação científica em meios
Fig.16: Reprodução de capa da ed.2 (nov.1987) de comunicação de massa se
43
A revista ganhou uma versão brasileira em 2002. Endereço eletrônico:
www2.uol.com.br/sciam/
67
intensificam a partir da década de 80, com o lançamento da revista
Superinteressante
44
, pela Editora Abril, em 1987 (imagem de capa à página
anterior).
Em 1991, a Editora Globo lança a revista Globo Ciência, a concorrente
de Superinteressante. Mais tarde, a Globo Ciência mudaria de nome e passaria
a se chamar Galileu
45
.
Entre as publicações de comunidades científicas a revista Ciência
Hoje
46
,
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, é a mais antiga,
segundo o que escreve Lessa (2007), em editorial para a edição comemorativa
dos 25 anos da revista.
De acordo com Lessa, a
revista foi fundada em 1982,
durante a 34ª Reunião anual
da SBPC. O autor sustenta que
a Ciência Hoje (imagem de
capa à esquerda) foi criada
para tornar a ciência um
patrimônio cultural comum,
através da divulgação científica
e da busca da democratização
do conhecimento, tratando de
superar o isolamento dos
cientistas em seus circuitos
específicos — laboratórios,
institutos de pesquisa, salas de
aula, revistas especializadas,
congressos — e de indicar a
necessidade de um vínculo
com o público mais amplo.
Fig.17: Reprodução de capa da ed.229 (ago.2006)
44
Endereço eletrônico: super.abril.com.br
45
Endereço eletrônico: revistagalileu.globo.com
46
Endereço eletrônico: cienciahoje.uol.com.br
68
A Ciência Hoje nasceu a partir da Revista Ciência e Cultura, também
da SBPC, fundada por José Reis
47
, um ano depois da criação da própria
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1948. A Ciência e
Cultura
48
(imagens de capas abaixo) existe até hoje e é editada pelo
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo – Unicamp – com
periodicidade trimestral.
Fig.18: Reprodução de capas da Ciência e Cultura (sem data)
47
Para Zamboni (2001), o biólogo José Reis é considerado o primeiro divulgador de ciência no
Brasil. Ele também foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
ao lado de Maurício da Rocha e Silva e Paulo Sawaya. A Sociedade foi criada para defender
os interesses dos cientistas brasileiros e lutar pelo avanço da ciência no país.
48
Endereço eletrônico: cienciaecultura.bvs.br
69
2.5. A ciência em outras mídias
O estouro das fronteiras espaciais e temporais provocado pelos
modos de operar dos fluxos audiovisuais e das redes comunicacionais, sobre
o qual escrevem Barbero e Rey (2001), encontra na televisão, no cinema, no
rádio, na internet o suporte essencial para deslocar os saberes, entrelaçar
modos de simbolização e ritualização dos laços sociais. Nesse sentido, a partir
da década de 90, a divulgação da ciência ganha contornos inimagináveis
através da internet.
As publicações periódicas impressas passam a disponibilizar seu
conteúdo integralmente também na rede mundial de computadores.
Comunidades científicas, universidades, laboratórios, indústrias, sociedades
de cientistas passam a contar com a internet para difundir informações sobre
eventos e fatos científicos. Sites pessoais, os chamados blogs, também são
criados a partir do ano 2000 com conteúdos exclusivamente de difusão da
ciência
49
(imagem abaixo).
Fig.19: Ilustração no blog: ciência em dia
50
49
Como o blog do jornalista Marcelo Leite, colunista do jornal Folha de São Paulo. O endereço
eletrônico do blog é: www.cienciaemdia.zip.net
50
Disponível em: cienciaemdia.zip.net. Acesso em 29 de fevereiro de 2008.
70
Na mídia televisiva a difusão científica ocorre principalmente em
programas específicos como Globo Ciência (Rede Globo de Televisão), mas
também em telejornais, que por terem uma audiência mais ampla e serem
veiculados em horários considerados nobres utilizam uma série de recursos
para tornar a divulgação científica mais atraente. Os recursos são
evidenciados pelas estratégias discursivas utilizadas pelo telejornal. O
enunciado que mais abarca tais procedimentos é a reportagem, que se utiliza
fundamentalmente da imagem para representar com maior intensidade os
fatos e eventos da vida cotidiana. Imagens inseridas no aparato televisual
contribuem para a divulgação do discurso científico.
Apresentadas as idéias em torno da divulgação científica e dos
processos de aproximação entre ciência e público através das mídias, tratarei
no Capítulo 3 de alguns resultados da pesquisa e da aplicação do referencial
teórico constituído pela análise do discurso e pela linguagem cinematográfica
aos dados coletados na pesquisa de campo. Isso consiste em identificar os
mecanismos utilizados na configuração do discurso informativo televisual
através da estrutura e funcionamento do telejornal.
71
3. Desvelando o Jornal Nacional
Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio de
representações que constroem sobre a realidade
(PESAVENTO, 2003, p.39).
Neste capítulo, apresento, inicialmente, a estrutura do Jornal Nacional,
com ênfase nos mecanismos e formas empregadas na construção do discurso
do telejornal. Em seguida, destaco a distribuição das reportagens de ciência e
tecnologia nas edições selecionadas para essa pesquisa, classificando-as de
acordo com as temáticas abordadas. Finalmente, introduzo a discussão sobre
a relação entre o discurso midiático e o discurso científico presente no Jornal
Nacional, que será aprofundada no capítulo 4.
3.1. O JN e sua estrutura
Objeto desse estudo, o Jornal Nacional foi escolhido por sintetizar o
modelo predominante na transmissão de informações pela televisão brasileira,
com grande poder de captação de público. A escolha também se deve à sua
representatividade em termos de audiência e abrangência. Com audiência
média diária em torno de 50%, alcançando 40 milhões de espectadores por dia,
segundo o Ibope
51
– Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – um
dos principais institutos de pesquisa do país, o JN cobre praticamente todo o
território brasileiro.
O programa é transmitido em rede para todo o país, a partir da sede
da Rede Globo de Televisão, no Rio de Janeiro. Em Memória Globo (2004),
livro que conta a história e trajetória do JN, o telejornal é apresentado como o
principal programa jornalístico da emissora. Seu tempo médio de produção, ou
seja, de material produzido pelo telejornalismo, sem contar com os intervalos
comerciais, é de quase 40 minutos, divididos em seis blocos. O JN é
estruturado seguindo um critério que agrupa as notícias de acordo com os
assuntos de que tratam, gerando a sensação de uma seqüência lógica e
narrativizada com início, meio e fim.
51
Pesquisa de abril de 2007, disponível em: www.comercial.redeglobo.com.br/programacao.
72
Caracterizado como gênero informativo, o JN alia qualidade técnica e
recursos visuais ao modo de apresentação dos fatos do cotidiano e tornou-se
ao longo de sua história referência para outros telejornais, principalmente com
relação ao formato, conforme Silva (1985, p.38):
O Jornal Nacional consagrou um estilo de apresentação visual
requintado e frio, pretensamente objetivo, em que o
apresentador mostra-se formal e distante e os efeitos
especiais têm importância decisiva, como nunca até então no
telejornalismo brasileiro.
A leitura das notícias é feita de forma intercalada por dois
apresentadores, o que confere um ritmo variado e ágil ao programa. Os atuais
titulares da bancada do JN são os jornalistas Fátima Bernardes e William
Bonner, que atuam também na edição do programa. O jornalista William
Bonner é também editor-chefe do JN, responsável entre outros aspectos pela
escolha dos fatos a serem noticiados e pela paginação das reportagens.
Levado ao ar pela primeira vez em 1º de setembro de 1969, o Jornal
Nacional foi lançado pela Rede Globo de Televisão para ser o programa de
prestígio da emissora e há mais de 20 anos ocupa a liderança em audiência no
chamado horário nobre da programação televisiva
52
. Conforme recorda Silva
(1984, p.35):
Para que tivesse uma audiência garantida, ficaria espremido
entre duas telenovelas [...] com uma fórmula que se mostraria
imbatível ao longo dos anos: às 19 horas, um enredo mais leve
e bem humorado e às 20 horas outro mais adulto e dramático.
No meio delas, um telejornal que desse à dona-de-casa o tempo
certo para colocar o jantar na mesa e ao chefe da família a
chance de inteirar-se mesmo que superficialmente, dos
principais assuntos do dia.
O JN incorporou uma linguagem própria e passou a ser o retrato do
chamado padrão Globo de qualidade. Um padrão em que os recursos
tecnológicos são aliados à narrativa do texto, em muitos casos fantástica e
insólita, para produzir um discurso midiático capaz de atingir, influenciar e
emocionar a instância de recepção.
52
Para saber mais sobre a história do JN, ver Memória Globo (2004).
73
Quanto ao formato, o JN se enquadra num modelo clássico descrito
como polifônico, configurando-se como um exemplo de abordagem mais
tradicional do discurso oratório. Conforme pontua Machado (2005, p. 110): “O
enunciado televisual, neste caso, se constrói através de um discurso indireto: o
apresentador chama o repórter, que por sua vez chama o entrevistado e assim
vai se encaixando uma voz dentro da outra”.
Em sua configuração há um emaranhado de formas televisuais
discursivas divididas, segundo Maia (2005), em dois grandes espaços de
enunciação: o espaço do estúdio e o espaço externo. Essa separação é uma
característica de todos os telejornais. O espaço do estúdio, que também pode
ser caracterizado como espaço interno, é o lugar de onde os dois
apresentadores anunciam as notícias. Este espaço é composto de material
produzido por computação gráfica, como vinhetas (de abertura e entre os
blocos), selos (que são as imagens que identificam os temas a serem
abordados), logomarca (que dá nome ao telejornal).
O espaço interno agregou ao longo dos últimos anos outros elementos
ao padrão composto pela tradicional bancada em estúdio, como, por exemplo,
a incorporação da redação como cenário de fundo. Essa estratégia demarca o
local da instância de produção propriamente dito, o ponto de referência de
onde os fatos emergem como enunciação (CHARAUDEAU, 2006). Do espaço
do estúdio raramente são realizadas entrevistas com atores ou testemunhas
implicadas nos acontecimentos. A exceção, especificamente no caso do JN,
são as entrevistas realizadas no espaço interno da emissora com candidatos à
presidência da República, por exemplo, como o que ocorreu no período de 7 a
10 de agosto de 2006
53
.
O contato entre o estúdio e o telespectador se realiza desde a abertura
do telejornal, por saudações dos apresentadores, localizados em posição
frontal diante das câmeras, que anunciam a escalada
54
, uma espécie de
sumário dos acontecimentos, ou o cardápio
55
do dia. Os apresentadores
53
O Jornal Nacional exibiu entrevistas com os candidatos Geraldo Alckmin, Heloisa
Helena,Cristovam Buarque e Luis Inácio Lula da Silva. A cada um foi concedido um espaço de
11,5 minutos. Essas edições não fazem parte do material coletado na pesquisa de campo.
54
O conceito de “escalada” será retomado mais adiante, ainda neste capítulo.
55
Metáfora sugerida por Charaudeau (2006) para indicar que as notícias, assim como o
cardápio, constituem o conjunto de fatos do dia que vão alimentar o telespectador de
74
constroem uma imagem de enunciadores personalizados, que se expressam
como se estivessem falando diretamente a cada um dos telespectadores, com
certa carga emotiva em relação aos acontecimentos dramáticos do mundo e
com o auxílio de movimentos do rosto, de trocas de planos e câmeras, de
certos tons de voz, da escolha de determinadas palavras, o que caracteriza um
discurso informativo personalizado e, por outro lado, sugere uma
representação marcada pelo melodrama
56
, que diz respeito a encenações e
dramatizações da imagem e do texto.
O espaço referencial da emissora estabelece o elo entre o estúdio da
emissora e o espaço externo, representado pelas reportagens que exibem
imagens dos acontecimentos e fatos da vida cotidiana. O espaço externo é
também caracterizado por exibir uma polifonia de vozes dos atores e de
testemunhas dos fatos e de jornalistas, que aparecem visualizados ou não na
tela da TV.
Para verificar a configuração do Jornal Nacional em relação à estrutura
apresento um quadro demonstrativo da duração dos blocos das edições
analisadas:
Tabela 1: Quantidade e duração dos blocos
Blocos JN: 25.08.2006 JN: 10.10.06 JN: 20.12.2006
1º bloco 0:06’14” 0:08’20” 0:11’15”
2º bloco 0:04’51” 0:04’16” 0:07’28”
3º bloco 0:04’41” 0:07’23” 0:06’22”
4º bloco 0:02’52” 0:03’48” 0:03’23”
5º bloco 0:03’08” 0:12’00” 0:04’07”
6º bloco 0:05’21” 0:07’09”
Total
0:21’03” 0:41:31 0:39:04
No que diz respeito à duração dos blocos, o Jornal Nacional intercala
blocos com durações maiores e menores. O primeiro bloco é destinado aos
eventos e acontecimentos considerados de impacto, capazes de causar
indignação e revolta no espectador; são os eventos factuais da vida cotidiana.
informação, boa ou má, agradável ou desagradável, que poderá, em seguida, ser digerida e
eventualmente reutilizada pelo telespectador.
56
Sobre o melodrama ver discussões apresentadas no capítulo 1. A questão do melodrama
será mais explorada no capítulo 4.
75
Os factuais são, segundo Charaudeau (2006), os acontecimentos da
atualidade, do imprevisível, do notável e correspondem, principalmente, às
notícias dramáticas da vida cotidiana, como as informações relacionadas à
rubrica de polícia (seqüestros, assaltos, crimes hediondos) e também às
notícias sobre acidentes e congestionamentos nas grandes cidades. Por
exemplo, na edição do dia 25 de agosto de 2006, a primeira reportagem foi
sobre o número de seqüestros registrados em São Paulo desde o início do ano
até aquela data (64 seqüestros). O apresentador em estúdio, utilizando o
recurso da entonação de voz, com a imagem de uma arma ao fundo (selo)
chama de forma dramática o acontecimento: “Um novo caso intriga os
investigadores: o do diretor de uma cooperativa de ônibus e vans, que
apareceu morto” (JN, 25 de agosto).
Na edição do dia 10 de outubro, a primeira reportagem foi sobre as
buscas aos corpos de ocupantes do Boeing da Gol, que se chocou com um jato
executivo em Mato Grosso
57
. Já o Jornal Nacional do dia 20 de dezembro
começou com uma reportagem sobre a libertação de dois jovens que tinham
sido presos injustamente. Segundo a reportagem, eles eram inocentes e
ficaram um ano na prisão.
Dependendo da repercussão de determinada notícia ela não se esgota
no primeiro bloco. Assim, o cotidiano é diluído em pequenas doses ao longo da
edição do telejornal como estratégia que alia informação à captação do público,
levando o espectador a assistir ao programa até às últimas informações sobre
o caso. Um caso é uma notícia de grande repercussão, que tem continuidade e
pode se estender por dias, meses e até anos. O acidente entre o avião da Gol
e o jato Legacy é um exemplo de fato que se transformou em caso.
Apresentar fatos que provocam impactos e indignação logo no início
do programa é uma estratégia do telejornal ligada à captação do público por
meio da sedução. Esse dispositivo é semelhante às narrativas clássicas do
cinema, que apresentam o problema logo no início da trama e o desenrolar da
narrativa culmina com um final impactante.
A estrutura das reportagens é centrada em depoimentos ou entrevistas
dos sujeitos ligados aos acontecimentos, aqueles que fazem ou testemunham
57
O acidente entre o vôo 1907 da Gol e o jato executivo Legacy aconteceu no dia 29.09.2006.
154 pessoas morreram no acidente.
76
o evento e os que reportam o evento (repórteres). Não raro repórteres se
colocam no palco dos acontecimentos, como em regiões de conflitos ou
guerras, confrontos entre traficantes e polícia, ações e operações policiais, por
exemplo, para determinar o grau de validade dos fatos. Essa é a condição
essencial do relato e serve não apenas como legitimação dos acontecimentos,
mas como parte do seu processo significante. Todas essas vozes aparecem
nomeadas no telejornal (os repórteres são sempre identificados), o que é,
segundo Machado (2005, p.105), “bastante significativo para a individualização
do relato, ou mais exatamente para a identificação de um relato com sujeito
enunciador”.
A figura do sujeito enunciador aparece mais explicitamente na
reportagem que se utiliza do procedimento de narração. A narrativa organiza os
relatos, depoimentos, entrevistas e confere identidade às vozes que aparecem
dentro das reportagens: “O narrativo realiza, dessa forma, uma verdadeira
operação de reconstrução de um universo referencial, estruturado quase
sempre a partir de um conflito que deve ser solucionado” (MAIA, 2005, p.55).
3.2. A escalada
Conforme Maia (2005), a escalada das notícias é um dispositivo do
telejornal que funciona como uma espécie de sumário para anunciar os fatos
do dia. Ela aparece no início do programa e apresenta um resumo das notícias
consideradas as mais importantes pelos editores, de modo a apresentar um
resumo dos temas a serem tratados e, com isso, gerar um efeito de suspense e
expectativa na instância de recepção.
Durante a escalada os apresentadores no espaço do estúdio em
posição frontal à câmera, visualizados dos ombros ao rosto (primeiro plano),
como se estivessem olhando nos olhos do espectador, se alternam na
apresentação das manchetes. Imagens desses acontecimentos cobrem alguns
trechos da fala dos apresentadores de forma intercalada.
Nas três edições estudadas, a escalada dura aproximadamente 50
segundos. Nesse espaço de tempo são apresentadas em média 10 notícias
diferentes, o que caracteriza uma agilidade e um mosaico de cores e
informações que ao mesmo tempo em que prendem a atenção do espectador
77
embaralham o sentido do olhar. A escalada também demonstra uma forma de
diluir os acontecimentos, de resumir o cotidiano em poucos segundos repletos
de imagens e sons; uma realidade visível freneticamente e fragmentada. É
como se a vida passasse como um relâmpago; como um feixe de luz diante
dos olhos do espectador.
A forma diluída de exposição da notícia faz parte do que se pode
chamar de uma estética do prazer, que pretende deixar o espectador em
situação confortável, sem a necessidade de refletir sobre a informação. A
escalada é o componente que dá ao programa um ritmo próprio, procurando
gerar efeitos de instantaneidade e dinamicidade, como a sensação de
atualidade produzida pela estrutura recortada do Jornal Nacional. Constata-se
na escalada as imbricações entre as visadas de informação e de captação
58
,
de modo que a credibilidade, que é sustentada pelas imagens dos
acontecimentos, possa assegurar o maior público possível e ao mesmo tempo
garantir a audiência desse público durante o programa por meio do suspense
gerado pela expectativa do que vem a seguir.
Na escalada, o espaço do estúdio e o espaço externo se alternam de
forma que o fluxo das informações e das imagens embaralhe a identificação de
um e de outro. Isso porque enquanto os apresentadores anunciam as
manchetes algumas são cobertas por imagens dos fatos que correspondem a
elas. A seguir, apresento um quadro demonstrativo da composição do espaço
interno, ou seja, o espaço do estúdio. O espaço interno é dotado de
componentes e dispositivos que atuam textual e visualmente na identificação e
definição do gênero telejornal e indicam certas lógicas e operações de
construção discursiva. A construção dos sentidos a partir do telejornal também
passa pelas diferentes formas discursivas do espaço estúdio.
A tabela a seguir apresenta o tempo destinado a cada espaço nas
edições do Jornal Nacional estudadas:
58
Ver discussão sobre as visadas de informação e de captação de público no capítulo 1.
78
Tabela 2: Espaço Estúdio X Espaço Externo
Edições JN:
25.08.2006
%
JN:
10.10.2006
%
JN:
20.12.2006
%
Espaços Duração
%
Duração % Duração %
Espaço
Estúdio *
0:05’23” 25% 0:10’23” 25% 0: 09’56” 23%
Espaço
Externo**
0:15’:40” 75% 0:31’08” 75% 0:29’48” 77%
Total
0:21’:03” 100 0: 41’31” 100 0:39’04” 100
* Material de arte como vinhetas (de identificação do programa e de passagens dos
blocos); chamadas das reportagens, caracterizadas pela presença dos
apresentadores; títulos e selos que aparecem para identificar os temas abordados são
classificados como espaço do estúdio (MAIA, 2005). Também integra o espaço estúdio
a notícia lida pelo apresentador, chamada de nota simples, em que não há imagens
cobrindo as informações.
** Espaço das reportagens. Os casos em que o off
59
do apresentador está inserido sob
imagens de cobertura (nota coberta) são somados como espaço externo.
Esses resultados indicam a participação dos espaços estúdio e
externo na composição do Jornal Nacional. O espaço do estúdio representa em
média 25% do componente visual do programa. Isso indica a importância deste
espaço como sendo o ponto de referência da emissora, o lugar estratégico de
onde o telejornal fala mais diretamente aos espectadores. Conforme Maia
(2005), as formas de configuração e decoração do espaço estúdio constituem
uma importante função estratégica de identificação e captação. Dentro da
composição total do espaço estúdio a forma discursiva que predomina é a
presença visualizada dos apresentadores, caracterizada pela chamada das
reportagens. A tabela a seguir apresenta a distribuição das diferentes formas
discursivas inerentes ao espaço estúdio de cada edição do programa:
59
Sobre“off” ver capítulo 1 e glossário em anexo.
79
Tabela 3: As formas discursivas presentes no espaço estúdio
Aqui, percebe-se que a forma discursiva predominante do espaço
estúdio é a presença visualizada dos apresentadores. Sua visualização é para
anunciar e chamar as notícias e é sempre acompanhada de um elemento de
identificação, que tanto pode ser a logomarca do telejornal quanto um selo, que
corresponde ao tema apresentado (imagem abaixo).
Fig.20: Imagem do apresentador em plano médio
60
60
Imagem extraída da chamada de uma reportagem que teve o tema Fórmula 1 como
enfoque, no dia 25.08.2006.
Edições JN: 25.08.2006 JN: 10.10.2006 JN: 20.12.2006
Formas
discursivas
Duração % Duração % Duração %
Apresentadores
visualizados –
chamadas
0:04’28”
83
0:08’47”
85
0:08’27”
84%
Arte – Vinhetas,
títulos, logomarca,
jingles
0:00’55”
17
0:01’36”
15
0:01’29”
16%
Total
0:05’23” 100 0:10’23” 100 0:09’56” 100%
80
O enquadramento de visualização dos apresentadores ocorre a partir
da bancada, com a alternância de planos médio (da cintura para o rosto) com
primeiros planos (dos ombros ao rosto). Os primeiros planos são utilizados na
medida em que a apresentação do fato requer uma carga emotiva, o que exige
certa dose de interpretação.
Enquanto a câmera aproxima de seu rosto, o apresentador se dirige a
ela como se estivesse olhando diretamente nos olhos do espectador,
construindo um discurso personalizado, que fala a cada indivíduo da
coletividade e se constitui numa das principais marcas do gênero informativo
na TV.
Conforme Charaudeau (2006), o apresentador desempenha um
importante papel no conjunto da encenação do telejornal pelo uso de modos
discursivos diversos e empregando sua própria emoção com relação aos
acontecimentos dramáticos do mundo.
Na figura abaixo, a imagem de um telescópio no espaço do estúdio
corresponde a um dos modos discursivos utilizados na apresentação da notícia
e a expressão do rosto faz parte do conjunto da encenação visual.
Fig.21: Apresentadora e selo de identificação do tema
61
61
Imagem da chamada de reportagem no dia 16.11.2006 sobre descobertas genéticas
capazes de esclarecer mistérios sobre a evolução humana (homem de Neanderthal). Nas
81
O (a) apresentador (a) representa, portanto, a interface entre o mundo
referencial — espaço da máquina midiática e o telespectador — colocando-se
como pólo organizador dos acontecimentos.
O apresentador é sujeito atuante no trabalho de ordenamento do
sentido porque simbolicamente detém a faculdade de estruturar o mundo,
comentando-o, o que se dá pela presença, conforme Charaudeau (2006), de
três aptidões: reconhecimento (que permite perceber e interpretar os
acontecimentos); percepção (sensibilidade que permite depreender os
acontecimentos externos, acidentais — percepção do inesperado, do aleatório);
reintegração (capacidade para articular o acontecimento acidental assegurando
sua evolução). Além de atuar no processo de identificação do telejornal, a
imagem do apresentador demarca também a dialética do acontecimento, que,
segundo Charaudeau (2006), pode estar na sua natureza enquanto fato, mas
cuja percepção e significância dependem de um sujeito que interpreta o
mundo.
fala coloquial e a imagem que possibilita uma familiaridade com o
telespectador resultam num processo de identificação no qual o apresentador
aparece como elemento central na construção do discurso do programa. Essa
técnica originou-se do cinema narrativo clássico e indica, conforme Vanoye e
Goliot-Leté (2006), que o personagem fingindo a presença do interlocutor,
apaga a distância e o tempo que o separam dele, graças ao código fílmico. É
mantida, portanto, a sensação de atualidade e familiaridade entre
apresentador, personagem e espectador. No espaço estúdio o apresentador se
põe em relação de comunicação com o sujeito receptor. Logo, as formas de
configuração e decoração deste ambiente têm a função estratégica de
identificação e captação do público.
As lógicas e operações discursivas utilizadas na composição do
espaço estúdio do telejornal contribuem para a construção de uma identidade
visual própria estabelecida pela instância de produção. No caso do JN esse
espaço apresenta diferentes tipos de encenação, classificadas por Maia (2005)
como: espaço referencial — representado pela máquina jornalística, com seus
computadores, monitores de TV, profissionais em atividade; espaço decorativo,
reportagens estudadas, a imagem de um microscópio é o selo mais utilizado para identificar o
tema ciência e tecnologia.
82
referente à logomarca do telejornal, aos selos que identificam e nomeiam o
tema do acontecimento; e espaço modulável, que diz respeito à alternância dos
eixos de visão durante interações em estúdio, resultante das constantes
modificações na visualização de um e de outro apresentador e dos
enquadramentos centrados ora em planos médios ora em primeiros planos.
Em relação ao espaço decorativo, um elemento simbólico contribui
decisivamente para identificar o telejornal. Trata-se da utilização de um mapa
do mundo no alto e ao fundo da redação (imagem abaixo), que coloca
metaforicamente o Jornal Nacional como responsável pela cobertura dos
acontecimentos cotidianos em todo o planeta.
Fig.22: Apresentadores no espaço do estúdio (JN, 16.11.06)
Por ironia, a ordem de entrada das reportagens ou a paginação do
telejornal é tecnicamente chamada de espelho, como se pretensamente fosse
um retrato daquilo que ocorre no espaço público. Já a utilização dos selos, que
são os títulos dos acontecimentos, se dá com o uso do chroma key
62
. Os selos
inserem o fato numa categoria particular de notícia como uma tentativa de
organização dos acontecimentos do mundo.
62
Sobre chroma key ver capítulo 1 e glossário em anexo.
83
3.3. Discurso científico e discurso informativo no telejornal
O telejornal, ao se apropriar e simplificar o discurso de cientistas e
especialistas modifica sua estrutura proporcionando um novo sentido, gerado
agora pelo discurso informativo. A diferença essencial entre o discurso
informativo e o discurso científico, conforme Charaudeau (2006) reside na
maneira pela qual cada um utiliza o recurso da prova.
Pode-se dizer que o discurso informativo se utiliza basicamente de
provas artísticas ou artificiais, pela designação e figuração com que põe o fato
em evidência (reconstituições, dramatizações, que são produtos da criatividade
do narrador — orador —). Conforme as discussões propostas por Nichols
(2005) sobre a retórica
63
, é possível colocar o discurso científico em relação
com o discurso demonstrativo, que utiliza provas ou “dá a impressão de
comprovar a questão” (p.81), por meio de um método, ou, ainda, através de
uma pesquisa.
Em relação à retórica, Fahnestock (2005, p.80), por sua vez, identifica
o discurso científico com o discurso jurídico e traz à tona o formato padrão do
artigo científico que dá importância a “tabelas, figuras e fotografias, que
aparecem ali como a melhor representação possível da evidência física que o
pesquisador gerou”.
Levando em conta o que escreve Fahnestock (2005) a respeito do
discurso científico, classificando-o como um tipo de discurso jurídico em função
da importância dada a questões técnicas, como tabelas, gráficos, figuras e
fotografias, “que aparecem como a melhor representação possível da evidência
física que o pesquisador gerou” (p.80), pode-se dizer que o discurso científico
depende da comprovação, ou de um dado real concreto e apóia-se na prova,
como em análise de amostras de impressões digitais, documentos e
testemunhas, por exemplo. Este é o tipo de discurso demonstrativo e racional,
amparado pelo rigor do método científico, que lhe confere força argumentativa.
De acordo com Charaudeau (2006), o discurso científico parte do
pressuposto de que o destinatário já conhece a proposta do cientista e domina
63
Ver discussão empreendida no capítulo 1, especificamente o tópico 1.3.2, no qual trato da
relação entre o telejornalismo e o cinema direto.
84
a metalinguagem específica da sua ciência e de que possui um saber também
especializado. Ao contrário, o discurso informativo supõe que a instância de
recepção não tem conhecimento, nem saber sobre a informação.
Ao se apropriar do discurso científico, adaptando-o ao meio televisual,
o telejornal o apresenta em forma de um novo discurso, que já não é o original
do cientista, fonte da informação. Esse novo discurso passa por critérios de
valor e sentido, por atos da linguagem comuns às instâncias implicadas no
processo de comunicação e pelas estratégias utilizadas para torná-lo inteligível.
De acordo com Zamboni (2001, p. 18):
Nos níveis sintático, semântico e lexical, as transformações
que aparecem desprestigiam, por exemplo, as nominalizações,
as denotações e a nomenclatura especializada – ocorrências
características do discurso científico – fazendo surgir em seu
lugar as construções com verbos, as conotações e o léxico da
linguagem cotidiana.
É o que ocorre, por exemplo, na reportagem sobre o primeiro caprino
transgênico produzido na América Latina
64
. Nesta reportagem (imagem à
página seguinte), o termo transgênico foi substituído pela frase “experiência de
laboratório com embriões modificados”.
A transformação do discurso que ocorre com a mudança do gênero
argumentativo (jurídico) para outro menos técnico, capaz de alcançar uma
audiência mais ampla, se dá a partir de uma linguagem explicativa, acessível a
não iniciados em ciência, com o apoio das imagens que apresentam evidências
do acontecimento.
64
A reportagem veiculada em 26 de outubro de 2006 é sobre uma pesquisa da Universidade
Federal do Ceará (UFCE) em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Durante sete anos pesquisadores tentaram produzir caprinos transgênicos para melhorar a
qualidade do leite que seria utilizado no tratamento contra o câncer.
85
Fig.23: Repórter no local onde a pesquisa sobre caprinos transgênicos é
desenvolvida (JN, 26.10. 06)
O discurso informativo midiático caracteriza-se ainda pela inserção dos
fatos em certas categorias temáticas do mundo social, o que indica logo de
início ao espectador o tema que será abordado. O acontecimento só tem
significado enquanto notícia quando nomeado dentro de um esquema de
rubrica, em que o cotidiano é representado em forma de fragmentos e recortes
do mundo social.
Essa nomeação do acontecimento é uma maneira de organizar o
mundo, de torná-lo existente: “para que o acontecimento exista é necessário
nomeá-lo” (CHARAUDEAU, 2006, p. 131). A reportagem sobre o
lançamento do satélite Corrot
65
, apelidado de caçador de planetas, por
exemplo, foi inserida dentro da categoria de ciência por vários aspectos, entre
65
Reportagem a que já me referi no capítulo 1 e foi exibida pelo JN em 27.12.2006, dia em que
o satélite foi lançado ao espaço. Segundo a reportagem, o Corrot tem a missão de localizar no
espaço corpos rochosos e planetas semelhantes à Terra. O projeto liderado pela França conta
com a participação de pesquisadores do INPE — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de
São José dos Campos (SP).
86
os quais a presença no espaço do estúdio de um selo que identifica o tema
quando o apresentador
66
chama a reportagem. O selo visualizado é a imagem
do planeta saturno rodeado de estrelas (imagem abaixo).
Fig.24: Chamada da reportagem sobre o lançamento do Corrot
Essa imagem é produzida virtualmente e inserida ao fundo do estúdio
através de recursos de computação gráfica para nomear o acontecimento
,
provocando ainda a impressão de que o apresentador está falando de um lugar
que é o próprio universo. Enquanto o apresentador chama a reportagem, essa
imagem que representa o universo é visualizada na tela, numa alusão a astros
e estrelas.
Nomear caracteriza uma forma de construção do espaço social e é
uma maneira pela qual o discurso midiático é produzido. São os discursos, ou o
olhar lançado sobre o espaço social que lhe dão significados, que o tornam
inteligível. Assim, reportagens sobre acontecimentos relacionados a pesquisas,
inovações, são inseridas dentro de uma categoria denominada científica e
tecnológica. Essa singularidade também nos ajudou a identificar as
reportagens sobre ciência e tecnologia no telejornal estudado.
66
No período de férias dos apresentadores titulares William Bonner e Fátima Bernardes o
Jornal Nacional era apresentado por Heraldo Pereira (imagem acima) e Márcio Gomes.
87
As notícias nomeadas sob o tema da divulgação científica não se
restringem exclusivamente à cobertura de fatos considerados específicos de
ciência e tecnologia. De acordo com Oliveira (2002, p.47), “o conhecimento
científico pode ser utilizado para compreender qualquer aspecto, fato ou
acontecimento de interesse jornalístico”.
A informação científica pode aparecer, portanto, em qualquer categoria
temática dentro do telejornal. Assim, o conhecimento científico também é
utilizado para ancorar temas como política, economia, polícia e esportes, como
no caso da reportagem sobre uma máquina desenvolvida por pesquisadores da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – para a seleção brasileira de
vôlei
67
.
A categorização dos acontecimentos do mundo social serve nesta
pesquisa para nos indicar que as notícias estão ligadas à categoria dos fatos
de ciência e tecnologia e, dentro dela, a uma especificidade (subtema). Assim,
no caso específico dessa pesquisa, foram identificados os subtemas: saúde,
astronomia, meio ambiente, cotidiano e sociedade e genética. Meteorologia,
arqueologia, arquivologia, língua e literatura, política, artes, esportes,
agronomia, são assuntos caracterizados neste trabalho como outros
subtemas
68
. Essa classificação foi feita tendo em vista as categorias e áreas da
ciência mais recorrentes no telejornal estudado.
3.4. O noticiário de C&T no Jornal Nacional
No período de 25 de agosto a 30 de dezembro de 2006 foram
gravadas em fitas VHS 95 edições do Jornal Nacional, totalizando 3.280
minutos de material gravado, incluindo os intervalos comerciais.
Todas as edições do JN foram assistidas e selecionei aquelas em que
havia pelo menos uma reportagem sobre ciência e tecnologia. Essa seleção
possibilitou identificar o número de notícias sobre ciência e tecnologia no
67
Reportagem veiculada no dia 10 de outubro de 2006. Segundo a reportagem, a máquina
realiza saques mais potentes que os saques dos jogadores da seleção brasileira de voleibol.
68
A identificação dos temas e subtemas mais comuns nas reportagens estudadas será mais
detalhada adiante.
88
período estudado, chegando-se à divisão em tema e subtema, conforme
proposta de Charaudeau (2006) apresentada anteriormente.
O critério utilizado para identificar as reportagens sobre ciência no
Jornal Nacional é adaptado de um roteiro elaborado inicialmente por Rubbo
(2007), composto de quatro perguntas-chave: Cientistas participam da
reportagem? Cientistas são expressamente citados na reportagem? Dados
científicos são citados na reportagem? Instituições de pesquisa são citadas na
reportagem? A resposta positiva a pelo menos uma dessas perguntas insere a
reportagem no tema da ciência e tecnologia. Dessa maneira, são consideradas
reportagens sobre ciência e tecnologia aquelas ligadas a inovações
tecnológicas e ciências humanas e sociais, bem como as reportagens que
apresentam métodos, dados ou conceitos característicos da ciência, as que
fazem referências a pesquisas, que apresentam informações sobre aplicações
da ciência, sobre os impactos da ciência e da tecnologia; além de saúde, que
no caso específico dessa pesquisa abarca medicina, saúde pública,
tratamentos e terapias.
Após essa identificação inicial selecionei um corpus específico,
constituído de três reportagens que foram digitalizadas para que se pudesse
fazer a decupagem do material, ou seja, a decomposição quadro a quadro,
observando a relação entre imagem e fala
69
.
Duas reportagens são relacionadas ao subtema saúde, uma das quais
é sobre uma nova técnica do Hospital do Câncer de São Paulo para tratar o
câncer de pele, veiculada em 20 de dezembro e intitulada “Novo tratamento
para o câncer de pele”, já mencionada antes. A outra reportagem da rubrica
saúde foi exibida em 10 de outubro, sobre uma campanha de prevenção ao
câncer de mama, realizada por médicos e voluntários em todo o país. O título
desta reportagem é “Prevenção ao câncer de mama”.
A terceira reportagem, também já citada anteriormente, está
relacionada à astronomia. Veiculada em 25 de agosto, essa reportagem acerca
do telescópio Soar foi intitulada: “O céu do Atacama em São Paulo” e mostra
pesquisadores da USP – Universidade de São Paulo – que passaram observar
69
Essa decupagem foi realizada com base em proposta de Vanoye e Goliot-Lété (2006).
89
o universo através de um telescópio instalado a mais de dois mil quilômetros de
distância
70
.
Conforme o que revela Andrade (2004), O Jornal Nacional não dispõe
de uma editoria de ciência e tecnologia, assim como não há uma setorização
de outros temas como ocorre na maioria dos jornais impressos em que os
jornalistas são divididos por áreas de coberturas como as editorias de esporte,
política, cidades ou economia, por exemplo. Ainda, segundo Andrade (2004),
não há na estrutura do JN repórteres especialistas em qualquer assunto sendo
que a produção recorre a consultores em casos de temas científicos mais
complexos e a escolha dos temas se dá de acordo com os valores-notícia
inerentes aos fatos.
Para uma análise acerca dos modos de representações de temas
ligados à ciência e à tecnologia no Jornal Nacional, primeiramente, identifiquei
as formas com que as notícias são apresentadas. As formas de construção da
notícia correspondem aos modos de organização da informação e são
classificadas por Charaudeau (2006) como subgêneros discursivos
71
. Essas
notícias são enunciados de repórteres e apresentadores sobre os
acontecimentos do mundo cotidiano e dividem-se em:
Nota simples ou nota seca: que são informações curtas, lidas pelo
apresentador visualizado no espaço do estúdio, sem a presença
de imagens, cujo tempo varia de cinco a 10 segundos
72
. No
período analisado não houve apresentação de notícia sobre
ciência e tecnologia em forma de nota simples.
Nota coberta: notícias lidas pelo apresentador, com cobertura de
imagens e duração que varia de 15 a 25 segundos
73
. Essas
notícias são caracterizadas pela presença de uma voz em off
74
,
geralmente do apresentador em estúdio, portanto, sem a
70
Essas reportagens serão analisadas no capítulo 4.
71
O telejornal é identificado como gênero maior da informação midiática. Dentro dele há um emaranhado
de formas discursivas consideradas subgêneros da informação.
72
No período analisado não houve apresentação de notícia sobre ciência e tecnologia em forma de
nota simples.
73
Como no caso da notícia sobre o retorno do ônibus espacial Discovery à Terra, veiculada no dia
20.12.2006, com duração de 15 segundos, incluindo a chamada ou o anúncio pelo apresentador no
espaço do estúdio e as imagens cedidas pela NASA – Agência Espacial Americana –.
74
Sobre off ver capítulo 1.
90
presença do repórter no local do acontecimento. Ela se dá pelo
uso de imagens de arquivo, material oriundo das agências de
notícias e também por imagens da cobertura externa do fato em
questão. Neste caso, o apresentador é quem conduz as
informações.
Reportagens: enunciados de repórteres, quando eles conduzem a
explicação do acontecimento com o texto (off) e aparecem
visualizados na tela.Geralmente sua visualização se dá no local
do acontecimento. Uma reportagem no Jornal Nacional dura de 1
minuto e 30 segundos a 2 minutos, mas há exceções que podem
extrapolar esse tempo de duração.
Nota pé: é um arremate da reportagem, uma nota explicativa ao
final do relato do repórter, feita pelo apresentador no espaço do
estúdio.
O quadro a seguir indica as formas de construção e o número de notícias
sobre ciência e tecnologia veiculadas no Jornal Nacional no período estudado
Tabela 4: Modos de construção das notícias
JORNAL NACIONAL
AGOSTO A DEZEMBRO DE 2006
Edições Gravadas
95
Reportagens
93
Notas cobertas
13
Nota simples
00
Total de notícias sobre
C & T
106
Esses dados indicam que as notícias são estruturadas com base,
principalmente, na reportagem. Essa forma de enunciação discursiva constitui-
se, assim, no principal subgênero do telejornalismo, trazendo à tona com maior
intensidade os fatos e eventos da vida cotidiana. No caso da ciência e da
tecnologia, as reportagens contextualizam os fatos, apresentam detalhes da
pesquisa, tais como sua aplicação e metodologia.
91
A inserção de temas de ciência e tecnologia no JN é bastante
freqüente. Das 95 edições que constituem a amostra de programas gravados
para esse estudo, 76 exibiram notícias com conteúdo científico e tecnológico, o
que significa que o tema está presente em 82% dos programas gravados no
período.
Algumas edições chegaram a exibir mais de uma notícia sobre ciência
e tecnologia. O programa do dia 18 de outubro, por exemplo, veiculou quatro
reportagens sobre o tema. Foram duas reportagens relacionadas ao subtema
saúde
75
e duas ligadas ao meio-ambiente
76
.
Dentro do universo que compõe a amostra dos programas gravados,
as ciências da saúde aparecem como o subtema mais recorrente. Nesse
aspecto ganham destaque assuntos ligados a diagnóstico e tratamento
médicos, tecnologia médica (como a reportagem sobre o novo tratamento no
combate ao câncer de pele que integra o “corpus” dessa pesquisa); medicina
preventiva, através de campanhas de prevenção às várias doenças, como
dengue, Aids, câncer, doenças do coração, osteoporose. As fontes dessas
notícias são geralmente sociedades médicas, responsáveis pela realização de
determinadas campanhas, ou laboratórios e hospitais, como o Hospital do
Câncer de São Paulo
77
, por exemplo, e o Instituto do Coração de São Paulo,
como apresentado anteriormente.
A astronomia aparece como um subtema também recorrente, com
abordagens que vão desde estudos sobre a observação espacial a
lançamentos de satélites
78
.
As notícias que procuram relacionar as descobertas e estudos
científicos ao dia-a-dia da população, como, por exemplo, uma pesquisa da
75
Uma das reportagens é sobre uma pesquisa do Hospital do Câncer de São Paulo que mostra
o crescimento da incidência de câncer de mama em mulheres com menos de 35 anos. A outra
reportagem apresenta uma pesquisa de médicos do INCOR – Instituto do Coração de São
Paulo, que concluiu que níveis elevados de ácido úrico no sangue podem indicar riscos de
infarto.
76
Numa das reportagens, pesquisadores do Jardim Botânico de Belo Horizonte descobrem
árvore típica do cerrado ameaçada de extinção. Na outra reportagem, exibida logo na
seqüência da anterior, pesquisadores do Ibama – Instituo Brasileiro do Meio Ambiente e do
Recursos Naturais Renováveis – localizam pássaro silvestre ameaçado de extinção e sumido
por dois séculos.
77
O Hospital do Câncer desenvolveu uma nova técnica para evitar cirurgias de câncer de pele.
A reportagem, já citada anteriormente, foi veiculada em 20 de dezembro.
78
Caso da reportagem sobre o lançamento do satélite apelidado de “Caçador de Planetas”,
veiculada no dia 27 de dezembro.
92
Sociedade Brasileira de Geriatria sobre acidentes dentro de casa com pessoas
idosas, que foi veiculada no dia 24 de outubro de 2006, são aqui identificadas
como sendo do subtema “cotidiano e sociedade”. A reportagem sobre uma
pesquisa da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que apontou que
os casais norte-americanos estão dedicando mais tempo aos filhos, exibida no
dia 19 de outubro, também é um exemplo ligado ao subtema “cotidiano e
sociedade”. Há ainda abordagens a respeito de pesquisas sobre trânsito,
acerca da falta de saneamento básico para crianças e adolescentes e a
respeito de violência
79
.
Outro subtema identificado na cobertura do Jornal Nacional foi o meio
ambiente, com reportagens que apontam quase sempre para desastres
naturais, exploração de recursos naturais, conservação da natureza (como no
caso de reportagem do dia 26 de outubro, que apresentou um diagnóstico feito
pelo INPE — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — sobre o
desmatamento na Amazônia); espécies ameaçadas de extinção,
desenvolvimento sustentável, aquecimento global e para os problemas da
devastação ambiental.
80
A genética também é uma especificidade identificada no interior dos
programas gravados. São notícias relacionadas a pesquisas com células-
tronco, como no caso da informação sobre a produção de fígado humano a
partir destas células, exibida no dia 31 de outubro; as pesquisas a respeito de
produtos transgênicos, como a reportagem que mostra o trabalho da
Universidade Federal do Ceará (UFCE) com cabras transgênicas, citada
anteriormente; pesquisas sobre genoma e DNA, como no caso da reportagem
sobre os estudos que devem ajudar a esclarecer mistérios relacionados à
evolução humana, veiculada em 16 de novembro (imagem à página seguinte).
79
Um exemplo é a reportagem sobre o índice de violência contra professores de 14 capitais
brasileiras. A pesquisa foi feita pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a
Educação a Ciência e a Cultura – em parceria com o Ministério da Educação.
80
Como no caso da reportagem sobre um estudo de duas organizações ambientalistas que
apontou devastação na Amazônia. Segundo o estudo, 30 espécies de plantas e animais da
Floresta Amazônica correm o risco de desaparecer. A reportagem foi veiculada em 3 de
novembro de 2006.
93
Fig.25: Imagem explica a evolução do homem de Neanderthal
Segundo essa reportagem, num pedaço de osso do tamanho de um
dente, cientistas encontraram uma amostra de DNA suficiente para contar a
história do homem de Neanderthal, o parente mais próximo do ser humano.
Devido à amplitude da cobertura do Jornal Nacional em relação às
áreas da ciência, os subtemas com menos de cinco notícias no período
estudado foram classificadas como “outros subtemas”. Assim, abordagens
sobre língua e literatura, arquivologia, arqueologia, justiça, religião, política,
esporte, meteorologia são consideradas nesse trabalho como “outros
subtemas”.
Desta forma, no caso dessa pesquisa, o tema ciência e tecnologia
subdivide-se em seis subtemas. A divisão empreendida nesse trabalho em
temas e subtemas leva em conta as áreas das ciências cujos fatos
transformados em notícias resultaram em cobertura pelo Jornal Nacional no
período considerado para estudo.
A tabela a seguir apresenta a divisão em subtemas e a porcentagem
das notícias ligadas a cada um deles:
Tabela 5/ Reportagens de C&T - Divisão em subtemas
Saúde Astron. Cotidiano
Social
Meio
Ambiente
Genética Outros
Subtemas
Total
40
38,3%
15
14,2%
14
12,3%
13
12,2%
5
4,7%
19
18,3%
106
100%
94
Fig.26: Lançamento de foguete na
reportagem sobre o Huble
Além da ênfase dada às
notícias sobre saúde, é possível
observar a significativa quantidade de
informações sobre astronomia,
superando inclusive o subtema “meio
ambiente”.
Em se tratando de
reportagens obre astronomia
lançamentos de foguetes (imagem à
direita e acima), imagens de satélites (como no caso dos reparos no telescópio
Huble
81
pela NASA – Agência Espacial Americana
82
), imagens de planetas,
dão à informação ares futurísticos que transformam o fato em espetáculo
midiático. Neste caso, a linha que separa o fato da ficção é bastante tênue,
pois uma nova realidade foi engendrada a ele, transformando-o em
acontecimento midiático pelo caráter fantástico e espetacular que adquire
durante a sua representação (imagem abaixo).
81
Segundo a reportagem veiculada no dia 31 de outubro, o Huble foi o primeiro telescópio
espacial e realizou mais de 4 mil estudos astronômicos. Para mantê-lo funcionado, a NASA
anunciou que faria reparos no telescópio.
82
Discussão sobre as fontes das reportagens será empreendida no capítulo 4, especialmente
no que diz respeito às notícias envolvendo a astronomia.
Fig.27: Imagem
do Huble no
interior da
reportagem.
95
Essa característica não é uma exclusividade das reportagens sobre o
tema da ciência e tecnologia e muito menos da rubrica astronomia. A tendência
à espetacularização também aparece na cobertura de outros temas haja vista
que essa estratégia faz parte do contrato midiático da comunicação que se
utiliza simultaneamente de estratégias de sedução (captação) e informação,
como apresentado no capítulo 1.
Em relação à rubrica de saúde há uma grande ênfase na escolha de
uma abordagem voltada para a prestação de serviço utilizando, neste caso,
muito mais a visada de informação propriamente dita, sem dispensar, no
entanto, os dispositivos de captação e sedução do público. As reportagens
alertam para a necessidade de prevenção e cuidados básicos em saúde (como
no caso da reportagem sobre a campanha de combate à dengue, no dia 18 de
novembro); mobilizam para campanhas de vacinação e doação de órgãos e de
sangue, mostram a situação dos serviços públicos de saúde, a exemplo da
reportagem sobre a falta de imunoglubulina
83
no SUS.
As reportagens procuram contextualizar os fatos e buscam na
população histórias de vida para exemplificar as questões abordadas, atraindo
a atenção do público e despertando sua afetividade graças à carga emotiva
gerada pela presença de personagens que enfrentaram e superaram
determinado problema de saúde.
Sob a rubrica identificada como “cotidiano e sociedade” estão as
notícias que procuram aproximar as pesquisas científicas ao cotidiano do
cidadão. Aqui há uma forte presença de assuntos ligados à sociedade, como
no caso de uma pesquisa da Unesco em parceria com o Ministério da
Educação sobre a violência contra professores nas escolas públicas de 14
cidades brasileiras, citada anteriormente.
As reportagens sobre o meio ambiente, que ocupa o quarto lugar entre
os subtemas mais abordados, apresentam quase sempre uma preocupação
com a preservação da natureza. Das 13 notícias sobre meio ambiente,
presentes no Jornal Nacional no período em que os dados foram coletados, a
Floresta Amazônica foi o assunto principal em cinco. No dia 3 de novembro de
83
Segundo a reportagem exibida em 14.11.2006, a imunoglubulina é um medicamento para o
tratamento de deficiências imunológicas usado principalmente em crianças portadoras de HIV.
96
2006, por exemplo, foi veiculada uma reportagem sobre uma pesquisa de duas
organizações ambientalistas que constatou que 30 espécies de plantas e
animais nativos da Amazônia correm o risco de desaparecer.
Na área da genética estão reportagens relacionadas a células-tronco,
genoma, DNA e pesquisas com transgênicos (a exemplo da reportagem já
citada sobre a produção de cabras transgênicas na Universidade Federal do
Ceará).
Classificadas como “outros subtemas” estão reportagens relacionadas
à meteorologia, que, no período estudado, foi tema de três notícias a exemplo
de uma reportagem do dia 19 de dezembro sobre a previsão de
meteorologistas do INPE — Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — para
o verão mais quente dos últimos anos. A área de arte apareceu uma única vez
e foi na reportagem sobre uma análise da obra Mona Lisa, de Leonardo da
Vinci, por pesquisadores canadenses
84
(imagem abaixo).
Fig.28: Pesquisador realiza análise da obra (JN, 27.09.06).
84
A reportagem foi veiculada em 27 de setembro de 2006. Referi-me a ela também no capítulo
1. Segundo a reportagem os pesquisadores utilizaram tecnologia tridimensional para realizar a
análise mais aprofundada sobre a obra até então.
97
Arquivologia também foi outro subtema que apareceu apenas uma
vez, numa reportagem veiculada no dia 11 de novembro sobre um laboratório
de restauração sofisticado montado pelo Supremo Tribunal Federal para
recuperar documentos raros.
A agronomia esteve presente numa reportagem sobre a produção de
insetos de laboratório para combater pragas nas lavouras, veiculada no dia 25
de agosto. Dentro do subtema “política”, identificada uma vez nas edições dos
programas gravados está uma reportagem sobre a cláusula de barreira
85
em
que um cientista político e um jurista falam sobre o assunto. A ciência ligada
ao esporte aparece na reportagem sobre uma máquina desenvolvida por um
grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro para ajudar
nos treinamentos da seleção brasileira de vôlei. Esta foi a única reportagem
desta área nos programas que compõem a amostra.
A arqueologia apareceu em duas reportagens, uma das quais sobre
um fóssil de dinossauro encontrado no Rio Grande do Sul
86
; língua e literatura
estiveram presentes em quatro notícias, como, por exemplo, numa reportagem
sobre um dicionário português elaborado por intelectuais de oito países
87
.
A tabela a seguir apresenta o tempo de duração de cada edição do
programa em que as três reportagens que constituem o corpus específico para
análise foram veiculadas.
Tabela 6: Duração dos programas
Programas Tempo de
Produção
Intervalo comercial Duração total
JN: 25.08.2006
0:21:03 0:09:17 0:30:20
JN: 10.10.2006
0:41:31 0:08:12 0:49:43
JN: 20.12.2006
0:39:04 0:09:47 0:48:51
85
Nesta reportagem o jurista Dalmo Dallari e o cientista político Fernando Abruccio falam
sobre a medida que restringia a atuação dos partidos políticos considerados “nanicos”, ou
pequenos partidos. Com base nesta cláusula, os recursos provenientes do fundo partidário
para os pequenos partidos seriam reduzidos a 1%.
86
Segundo a reportagem, exibida no dia 14 de dezembro, o fóssil encontrado no Rio Grande
do Sul tem 50 centímetros de altura e 230 milhões de anos e teria sido o primeiro dinossauro a
andar com desenvoltura sobre duas pernas.
87
A reportagem foi exibida no dia 20 de novembro.
98
O Jornal Nacional é exibido às 20h15 de segunda a sábado. O tempo
de produção, que corresponde ao que é veiculado por cada edição do
telejornal, está estimado em 40 minutos. O tempo de produção concentra todo
componente visual do programa, ou seja, é o que integra e constitui o telejornal
como forma e conteúdo, sem contar com os intervalos comerciais.
Sua duração total, ou o tempo que ele ocupa na grade de
programação da emissora, incluindo os intervalos comerciais, está estimada
entre 49 e 50 minutos. Cada edição é dividida em seis blocos, ou partes, que
se intercalam aos intervalos comerciais. Os blocos têm durações variadas e
são intercalados por cinco intervalos. Essa é a regra, mas pode variar
dependendo de algumas modificações feitas pela emissora para ajustes na
grade de programação. É o que ocorreu, por exemplo, com a edição do dia 25
de agosto de 2006. Sua duração e horário de transmissão fogem à regra em
virtude da campanha eleitoral, quando as emissoras são obrigadas por lei a
exibirem gratuitamente a propaganda político partidária.
Durante o horário eleitoral gratuito
88
o Jornal Nacional era apresentado
das 20 horas às 20 horas e 30 minutos. Nesse período sua duração total girava
em torno de 30 minutos e seu componente visual correspondia em média a 21
minutos. Percebe-se uma diminuição acentuada no tempo de produção em
relação ao horário normal de exibição do programa. Não houve queda no
tempo destinado aos intervalos comerciais, que, em média, têm duração de
nove minutos em cada edição do JN, o que representa 20% do espaço
destinado ao programa pela emissora, o que dá uma média de 1’30” para cada
intervalo. Isso caracteriza a importância que a Rede Globo de Televisão dá à
publicidade, uma vez que o Jornal Nacional responde por cotas publicitárias de
alto valor financeiro
89
.
A participação do tema ciência e tecnologia representa uma média de
10% do total de notícias veiculadas nas três edições estudadas do JN. Nessa
outra tabela apresento a relação entre a quantidade de notícias veiculadas pelo
Jornal Nacional em cada edição estudada e o número de reportagens sobre
ciência e tecnologia:
88
A propaganda eleitoral gratuita para o 1º turno das eleições de 2006 foi veiculada no rádio e na
televisão entre 15 de agosto e 28 de setembro.
89
Segundo Maia (2005), o programa tem o espaço publicitário mais caro da televisão brasileira, o
chamado horário nobre. Um comercial de trinta segundos custava em 2005 de R$ 250 mil a R$ 380 mil.
99
Tabela 7: C&T no JN
JN: 25.08.2006 JN: 10.10.2006 JN: 20.12.06
Tot. de
Notícias
Not. C & T Tot. de
notícias
Not. C & T Tot. de
Notícias
Not.C & T
18 02 33 03 24 03
Muito embora o número de reportagens dentro dessa temática pareça
significativo no contexto do JN, não é possível concluir que o espaço para a
ciência e a tecnologia em seu noticiário diário seja significativo ou não,
sobretudo se for levado em conta o número reduzido de reportagens
estudadas. Além disso, essa pesquisa foca, sobretudo, no discurso, na relação
entre imagem e texto nas reportagens sobre ciência e tecnologia veiculadas no
Jornal Nacional, cuja análise será desenvolvida no próximo capítulo.
Apresentadas a estrutura do Jornal Nacional e as formas empregadas
na construção do discurso do telejornal, bem como a distribuição das
reportagens de ciência e tecnologia nas edições selecionadas, classificando-as
de acordo com as temáticas abordadas, procedo a seguir à análise do “corpus”
específico para este estudo.
100
4. Representações de ciência e tecnologia no Jornal Nacional
Neste capítulo procedo à análise do “corpus” específico articulando e
aplicando aspectos do discurso e da linguagem cinematográfica. As três
reportagens estudadas nessa pesquisa foram escolhidas levando-se em conta
a representatividade dos temas a que elas pertencem. Por exemplo, como o
subtema saúde foi o mais abordado no Jornal Nacional no período de coleta do
material, escolhi duas reportagens ligadas a essa categoria. Como apontei
anteriormente outro critério adotado na escolha é o fato dessas reportagens
possuírem modos discursivos e dispositivos cênicos variados e mais
elaborados como a presença de personagens, movimentos de câmera e
enquadramentos diversos.
4.1. Sobre o “corpus”
Os títulos a seguir foram elaborados com base nas informações sobre
o fato apresentado pelas reportagens: “O céu do atacama em São Paulo” (JN,
25.08.2006) / “Campanha Nacional contra o câncer de mama” (JN, 10.10.2006)
/ “Nova técnica no combate ao câncer de pele” (JN, 20.12.2006).
Para facilitar a formatação das tabelas as referidas reportagens
também serão identificadas respectivamente como: O céu do Atacama em SP,
Prevenção ao câncer de mama e Técnica contra o câncer de pele. Outra forma
de referir-me a essas reportagens será por meio das datas de sua exibição,
entre parênteses.
A tabela adiante apresenta a duração dessas reportagens e o grau de
participação (em porcentagem) de cada uma no telejornal:
101
Tabela 9: Grau de participação das reportagens no interior do
telejornal [na tabela utilizo as abreviaturas: Cham. = Chamada
Rep. = Reportagem]
As três reportagens analisadas possuem tempos de duração muito
semelhantes, em torno de 1 minuto e 35 segundos. Esse tempo de duração de
cada uma das reportagens corresponde em média a 3,5% do total do
programa. Aqui mais uma vez é possível verificar a relação entre o espaço
estúdio, representado pela presença visualizada do apresentador para chamar
(anunciar) a reportagem e o espaço externo, espaço do fato propriamente dito.
As chamadas têm em média uma duração de 10 (dez) segundos e procuram
despertar o interesse do espectador pela notícia que será apresentada.
A padronização existente em relação à duração e formas de
tratamento das imagens não foi verificada no que diz respeito à existência de
um bloco fixo no programa destinado às reportagens sobre ciência e
tecnologia. Foi constatado que as reportagens são veiculadas dentro de
qualquer um dos blocos, com exceção do primeiro. A ordem de exibição
destas reportagens depende de sua relação com os fatos veiculados antes e
depois de cada uma.
A reportagem sobre o telescópio Soar, por exemplo, foi veiculada no 4º
bloco do programa, logo depois da previsão do tempo. Na mesma edição, no
segundo bloco, foi veiculada uma reportagem sobre uma fábrica de moscas,
produzidas para combater pragas em lavouras (exemplo da rubrica agronomia
citado anteriormente). Essa reportagem, apesar de fazer parte do tema ciência
e tecnologia, foi apresentada em bloco diferente porque este fato não tinha
relação com o convênio entre a USP e o telescópio Soar.
O enfoque da reportagem O céu do Atacama em São Paulo, veiculada
no dia 25 de agosto de 2006, é o convênio entre a USP (Universidade de São
Paulo) e o telescópio Soar, instalado no norte do Chile. O convênio permite a
O céu do Atacama em SP Prevenção ao câncer de mama Técnica contra o câncer de pele
Duração Duração Duração
Cham. Rep. Total % Cham Rep. Total % Cha
m
Rep. Total %
10” 1’31” 1’41” 6,0 10” 1’38” 1’48” 3,5 15” 1’32” 1’47” 3,5
102
Fig.29:
Visualização
da
apresentadora
em plano
médio
pesquisadores brasileiros realizarem a observação do universo através do
telescópio, a partir de uma sala informatizada montada na cidade
universitária de São Paulo.
Em posição frontal à câmera, a apresentadora Fátima Bernardes
(imagem abaixo) visualizada em plano médio anuncia a reportagem:
“Pesquisadores da Universidade de São Paulo ganharam o direito de espiar o
universo através de um telescópio instalado a mais de dois mil quilômetros de
distância” (JN, 25.08.2006).
Curiosamente, nota-se nesta chamada a ausência de um selo que
caracterize o tema. A apresentadora anuncia a reportagem, tendo ao fundo,
preenchendo boa parte da tela, a logomarca do telejornal, em tom azul. Neste
caso, a própria marca de identificação do JN (imagem abaixo) aparece como
elemento do discurso e também interage com o verbal (fala da apresentadora),
podendo contribuir, ainda que inconscientemente, para a produção de sentido
que remete o telespectador à noção de universo (representado pelo azul ao
fundo da apresentadora).
Do “corpus” estudado apenas a chamada da reportagem sobre a nova
técnica no combate ao câncer de pele apresenta o selo de identificação. Este
103
selo é montado tendo como base o recurso do ”croma key”
90
. Enquanto o
apresentador William Bonner chama a reportagem, imagens produzidas
virtualmente (infográficos
91
) surgem do lado direito dele cobrindo a metade da
tela (imagem abaixo). No desenho aparecem imagens do corpo e membros
humanos representando a realização de exames como a radiografia e
eletrocardiograma.
Fig.30: Imagem do apresentador e selo de identificação do tema
92
Essas imagens combinam e se imbricam ao texto da chamada:
“Médicos estão usando em São Paulo uma nova técnica para evitar cirurgias
no combate ao câncer de pele. Desde julho deste ano mais de 100 lesões
foram tratadas com sucesso”... (JN, 20.12.2006). Nessa chamada, tendo em
vista a presença de infográficos, é o recurso da visualização que faz ver e
ouvir, gerando uma significação graças à combinação entre o que se mostra e
o que se fala.
Seguindo o padrão tradicional formado basicamente pela presença
visualizada do repórter e dos entrevistados, as reportagens apresentam uma
90
Sobre o croma key ver capítulos 1 e 3.
91
A respeito desse termo ver introdução.
92
Imagem da chamada da reportagem sobre o novo tratamento no combate ao câncer de
pele, no dia 20.12.2006.
104
predominância do off do jornalista, responsável pela condução do relato e por
intercalar outras vozes à sua fala, estabelecendo um processo de mediação
entre o fato e a instância de recepção, graças, principalmente, à presença de
atores (personagens) implicados no acontecimento, o que Machado (2005)
reconhece como polifonia de vozes.
A tabela
93
abaixo apresenta os tipos de roteirização, formas de
exibição da imagem e encenação que acompanham as vozes no interior das
reportagens. As formas de exibição e roteirização identificadas são: off do
jornalista, vozes dos atores implicados nos acontecimentos (polifonia),
jornalista visualizado (passagem no local do acontecimento), recursos de
visualização (infográficos, mapas, efeitos de edição
94
).
Tabela 10: Formas de visualização e roteirização na construção da notícia
* Jornalista visualizado na tela demarcando a presença dele no local do acontecimento
93
Essa tabela foi adaptada de estudo feito por Maia (2005), em sua dissertação de mestrado.
94
Conforme apresentado no capítulo 1 os efeitos de edição correspondem aos processos de
montagem da reportagem.
Reportagens O céu do Atacama
em SP
Prevenção ao
câncer de mama
Técnica contra o
câncer de pele
Roteirização duração % duração % duração %
[itálico]Off do
Jornalista
59” 65% 35” 36% 29 32
Polifonia -
Vozes /
atores
14” 14% 28” 28% 29 32
Jornalista
visualizado –
Passagem*
18” 21% 15” 16% 34 36
Recursos de
visualização –
efeitos de
edição
_
_
20” 20%
_
-
Total
1’31” 100 1’38” 100 1’32 100
105
Esses resultados indicam os diferentes dispositivos enunciativos
utilizados para trazer os fatos à tona, transformando-os em acontecimentos
midiáticos. Tais procedimentos caracterizam as estratégias do discurso
utilizadas na representação e reconstrução de uma dada realidade.
Nas três reportagens percebe-se que há uma predominância da voz
em off de um enunciador – repórter que se coloca no local do acontecimento e
põe-se a relatar o fato. Ele é uma espécie de personagem-narrador que detém
um saber, de onde emana a informação. É o narrador quem vê e aponta para o
que ele quer que o espectador veja.
A reportagem intitulada O céu do Atacama em São Paulo é a que
apresenta o maior grau de participação da voz off ( 65%), dado que nos leva a
deduzir que quanto maior a presença desse tipo de recurso menor será a
existência de uma polifonia (outras vozes). Nesta reportagem a soma da voz off
e da passagem chega a 86%, o que indica uma característica do relato
informativo no telejornal diário que aponta para a existência de um monopólio
no tratamento da informação por parte de quem conduz a narrativa. Isso
configura um ponto de vista particular sobre determinado acontecimento da
vida social, ainda que o realizador não ouse tomar partido. A esse respeito,
lembra Charaudeau (2006, p.222), “toda construção de sentido depende de um
ponto de vista particular”.
A predominância de uma voz em off também implica numa maior
variedade de recursos utilizados no tratamento da imagem. Neste caso, as
imagens tendem a ser mais diversificadas, os planos e enquadramentos mais
variados. As expressões fílmicas tendem a ser mais exploradas, afinal de
contas, as imagens são imbricadas ao texto, numa tentativa de representar
visualmente o que se fala.
Paradoxalmente, a entrada em cena de outras vozes, ainda que em
menor escala, embaralha o fluxo da informação e faz com que o ponto de vista
não fique claro, não seja evidente. Esse é um modelo polifônico de
telejornalismo, que, para Machado (2005, p.109), “nunca é o resultado de um
consenso coletivo, mas de uma postura interpretativa ‘interessada’ diante dos
fatos noticiados”. Isso quer dizer que os fatos emanam de uma fonte ou fontes
colocadas em evidência pelo repórter, que interpreta à sua maneira as
informações obtidas. O repórter goza aí, segundo Machado (2005, p.107), “de
106
uma autonomia; ele está, por assim dizer, na fronteira intermediária entre a voz
institucional e a voz individual e constitui a interface entre a televisão e o
evento”.
4.2. Fontes das reportagens
Conforme Charaudeau (2006), as fontes da informação são
caracterizadas como internas ou externas às mídias. As fontes internas podem
ser classificadas como os correspondentes, os enviados especiais, as agências
de notícias e outras mídias. As fontes externas estão ligadas às categorias
institucional e não institucional
95
. A identificação das fontes nas reportagens é
importante para se perceber a quem a apresentação do fato interessa e qual o
significado ou ponto de vista presente em seu interior.
No âmbito da amostra dos programas gravados para essa pesquisa, o
que chama a atenção é que das 15 notícias relacionadas à astronomia, a
NASA – Agência Espacial Americana – aparece como fonte em oito. Isso quer
dizer que 50,1% dessas notícias são produzidas com base em informações e
imagens cedidas pela NASA (imagem abaixo).
Fig.31: Imagem
da reportagem
sobre reparos no
Huble
96
95
A institucional pode ser representada por organismos oficiais, como entidades, partidos
políticos, sociedades médicas, laboratórios de pesquisas. A fonte externa não institucional
está ligada a testemunhas, especialistas, representantes de categorias profissionais.
96
A reportagem sobre a qual já me referi anteriormente foi exibida no dia 31.10. 06.
107
Essa tendência à cobertura de pesquisas realizadas na área da
astronomia por organismos internacionais teria relação proporcional com a
produção de ciência e tecnologia no Brasil? Dentro da proposta deste trabalho
que é a de analisar como se opera a encenação audiovisual da informação
acredito que a recorrência a fatos científicos relacionados à rubrica astronomia,
tendo, sobretudo, a NASA como fonte tem relação com a visada de captação
do público, principalmente, em virtude das imagens utilizadas, como a do
planeta saturno (imagem abaixo), por exemplo. O que deve ser levado em
conta também é que a Agência Americana é referência mundial em estudos e
pesquisas espaciais.
Fig.32: Imagem de Saturno (JN, 31.10.06)
Apresento na tabela a seguir a relação das notícias de C&T veiculadas
no JN, no período estudado tendo em vista o país de origem do fato científico.
108
Tabela 11: País de origem das notícias de C&T no Jornal Nacional
A tabela mostra um predomínio de fatos e eventos científicos
provenientes dos Estados Unidos e Europa, o que caracteriza uma forma
hegemônica no enfoque da notícia com abordagem quase que exclusivamente
ocidental, demarcando uma exclusão do terceiro mundo na produção do saber
e do conhecimento. Este tipo de abordagem demonstra a predominância de um
regime midiático que tende a valorizar estéticas e discursos hegemônicos; as
histórias universalistas ou metanarrativas oriundas do ocidente, que sempre
buscaram “silenciar e excluir outros discursos, outras vozes em nome dos
princípios universais e dos objetivos gerais” (STOREY, 2002, p.243),
diminuindo de valor e menosprezando as representações periféricas e não
ocidentais da ciência e tecnologia.
Das 72 notícias sobre fatos e eventos científicos e tecnológicos
oriundos do Brasil, exibidas no JN no período de coleta de dados para essa
pesquisa, 39 ou 53% do total originaram-se de fontes da Região Sudeste, com
ênfase na produção do conhecimento desenvolvido em São Paulo. Foram 26
notícias provenientes do Estado de São Paulo, nove do Rio de Janeiro e
Quatro do Estado de Minas Gerais. A Região Nordeste, a maior em número de
estados da federação participou com sete reportagens; O Centro-Oeste, com
cinco; a Região Sul, com quatro e a Região Norte, também com quatro. Treze
País de origem Quantidade %
Brasil 72 68
Estados Unidos 23 22
Inglaterra 05 4,8
Rússia 01 0,7
China 01 0,7
Nova Zelândia 01 0,7
Canadá 01 0,7
Alemanha 01 0,7
França 01 0,7
Total
106 100
109
notícias eram de âmbito nacional e envolviam mais de uma instituição ou
centro de pesquisa.
Esses dados apontam para uma supremacia da cobertura feita pelo JN
de pesquisas desenvolvidas na Região Sudeste do País. Nota-se também um
olhar direcionado do telejornal à produção científica do eixo Rio – São Paulo,
colocando esses estados como pólos da produção do conhecimento no país.
Isso demarca um olhar com foco sutilmente centralizado, ajustado e ao mesmo
tempo, excludente, porque pode impedir que outras visualidades e
representações da C & T provenientes das periferias venham à tona.
No âmbito desse estudo não é possível afirmar que essa superioridade
tem relação proporcional à ciência produzida na Região Sudeste e
especificamente em São Paulo, onde estão instalados o INPE – Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais e a USP – Universidade de São Paulo.
Pesquisas realizadas pela USP apareceram em 11 notícias, já as pesquisas
ligadas ao INPE foram cinco, totalizando 59% das notícias procedentes do
Estado de São Paulo.
A análise das reportagens também mostra outro tipo de participação
preponderante nas representações da ciência e do cientista no Jornal Nacional,
dentro da amostra dos programas gravados: a presença do cientista homem.
Das 93 reportagens coletadas para este trabalho a voz do cientista –
sexo masculino – aparece em 48, representando 50%. Já a voz da cientista –
sexo feminino – aparece em 26 reportagens, o que representa 28% do total. É
importante salientar quem em 19 reportagens, ou 22% da amostra, o relato é
conduzido exclusivamente pelo repórter e não há a presença de outras vozes.
A participação hegemônica de cientistas do sexo masculino nas
reportagens ao mesmo tempo em que (re)constrói, reforça o imaginário popular
de que a ciência é um reduto de homens, fechados em comunidades secretas,
em seus laboratórios e centros de pesquisas onde permanecem intocáveis.
Essa predominância esconde questões de gênero e pode revelar “processos
de superioridade, hegemonias e dominação nas nossas vidas diárias” (DIAS,
2005, p.104), promovendo através dos discursos audiovisuais, ainda que
veladamente, formas de opressão e dominação.
Sobre o “corpus” específico, na reportagem O céu do Atacama em São
Paulo, a presença dos cientistas Marcos Dias e João Steiner está ligada a uma
110
instituição: o Instituto de Pesquisas Avançadas da USP. A visualização do
espaço que representa o laboratório, onde é feita a observação das estrelas, e
a identificação dos dois como pesquisadores da USP deixam clara a existência
de uma fonte institucional.
Os cientistas Marcos Dias e João Steiner (Diretor do Instituto de
Estudos Avançados da USP) detêm os 14% destinados a outras vozes dentro
do relato. Cada um fala por sete segundos. Eles são visualizados no espaço do
laboratório de pesquisas, de onde é feita a conexão via internet com o
telescópio Soar.
Fig.33: Visualização em primeiro plano no interior da reportagem (JN, 25.08.06)
O pesquisador Marcos Dias visualizado em primeiro plano (imagem
acima), de perfil e tendo ao fundo telas de computadores onde aparecem
imagens de estrelas e do próprio telescópio, chama a atenção para a
importância do aparelho para os estudos espaciais: “A gente vai conseguir
observações sem precedentes. Vamos ter noção de entender como essas
galáxias evoluem e como o universo como um todo evolui” (JN, 25.08.2006).
111
A visualização de João Steiner também se dá em primeiro plano e de
perfil, tendo ao fundo a imagem do telescópio Soar (imagem abaixo). Essa
imagem cobre boa parte da tela e a sensação que se tem é de que o
ator/personagem está bem em frente ao local onde está o telescópio, que serve
como cenário, gerando um efeito de verdade possibilitado pela imagem do
próprio objeto a que ele se refere. O discurso aqui produz não uma verdade,
mas efeitos de verdade sobre o fato (CHARAUDEAU, 2006).
Fig.34: Visualização em primeiro plano (JN, 25.08.06)
A reportagem sobre a campanha contra o câncer de mama é
produzida em torno de um acontecimento programado, por tratar da aparição
de algo conhecido ou anunciado antecipadamente. Trata-se de um evento
esperado, por fazer parte de um calendário, tendo, assim, uma cobertura
preparada pela mídia. O acontecimento é, portanto, construído. Neste caso,
sua construção se deu em função de fontes não institucionais – médicos e
voluntários, uma vez que a reportagem não identifica a fonte institucional a que
os médicos e voluntários estariam ligados.
112
Especialistas em câncer de mama se colocaram no local do
acontecimento – onde a campanha era realizada – para orientar mulheres
sobre como prevenir o câncer de mama (imagem abaixo).
Fig.35: Imagem de mulheres sendo orientadas (JN, 10.10.06)
Percebe-se aqui uma aproximação entre ciência e comunidade não
científica; entre cientistas e sociedade na medida em que médicos
mastologistas saem de seus consultórios e hospitais e procuram fornecer
informações sobre a prevenção ao câncer de mama numa praça pública. O
evento propriamente dito é uma atividade de divulgação científica.
A reportagem sobre o novo tratamento no combate ao câncer de pele
apresenta o Hospital do Câncer de São Paulo como fonte institucional. Sua
identificação é bastante sutil e aparece numa frase curta do relato da repórter
Neide Duarte: “Os dois estão se tratando no Hospital do Câncer” (JN,
20.12.2006). A identificação da fonte se dá também de forma indireta quando o
113
nome do hospital aparece no canto superior do braço esquerdo do jaleco do
médico dermatologista Marco Antônio de Oliveira (ver imagem abaixo).
Fig.36: Nome do Hospital aparece no jaleco do médico (JN, 20.12)
114
A fala do especialista acontece no interior do laboratório onde é feita a
aplicação da nova técnica no paciente – personagem (imagem abaixo).
Fig.37: Médico é entrevistado no interior do laboratório
O relato recorre aqui ao procedimento discursivo da analogia, pela
visualização dos aparelhos técnico-cientiífcos e pela aplicação do medicamento
no interior do laboratório de oncologia do hospital.
4.3. O “corpus” (en) cena
As tabelas a seguir apresentam uma decupagem das formas de
tratamento das imagens no interior de cada uma das reportagens analisadas,
bem como a descrição dos planos, sua duração e movimentos empregados,
além da fala correspondente. Com a reconstituição quadro a quadro das
reportagens pretendo identificar a relação entre fala e imagem, tendo em vista
as formas de encenação do discurso.
115
Tabela 12: Expressões fílmicas x falas da reportagem: O céu do Atacama
em São Paulo [para facilitar a diagramação das tabelas utilizo as abreviaturas:
Enq. = Enquadramento, que corresponde ao tamanho do quadro na tela.
Dur. = Duração dos planos.
Mov. = Movimento de câmera empregado
Pan.= Panorâmica]
Imagem /cena Enq. Dur. Mov. Fala
Pôr do sol no deserto
do Chile
Primeiro plano 2” Zoom-Out Off: jornalista:
O céu do
Atacama
Deserto do Chile à
noite
Plano geral 4” Pan.Horizont
al à
esquerda
Off:
Astrônomos
sonham
acordados
com as
estrelas...
Deserto do Chile Plano geral 3” Pan.
Horizontal à
esquerda
Off: O melhor
lugar do
mundo para
se investigar o
céu
Céu de São Paulo à
noite
Plano geral 2 “ Efeito de
edição –
Fusão*
Passagem: O
céu sobre São
Paulo
Jornalista-
visualizado num ponto
alto da cidade à noite,
com luzes
Plano geral 3” Zoom-in
Passagem:
Poluição,
umidade...
Jornalista visualizado
no canto esquerdo do
vídeo – de perfil
Plano médio 3” Zoom-in Passagem:
tudo atrapalha
a observação
das estrelas.
Jornalista visualizado
em posição frontal –
no centro do vídeo
Plano
americano
3” Zoom-in Mas acaba de
ser
inaugurada...
Jornalista visualizado
em posição frontal –
no centro do vídeo
com luzes da cidade
ao fundo
Plano médio 3” Zoom-in ...uma janela
muito
especial...
116
Imagem /cena Enq. Dur. Mov. Fala
Jornalista visualizado
em posição frontal
com luzes da cidade
ao fundo
Primeiro plano 4” Pan.
Horizontal à
direita
Continua
Passagem:
Porque ela
permite
enxergar o
céu sobre o
deserto do
Atacama.
Estrelas, pontos
luminosos em telas de
computadores
Primeiríssimo
plano – plano
de detalhe ou
close up
3” Efeito-fusão
luzes de
estrelas e
tela do
computador
Off: a luz das
estrelas
atravessa os
Andes via
internet
Computadores no
Laboratório de
Pesquisas
Plano geral 3” Pan.
Horizontal à
direita
Off: e ilumina
os
computadores
da
Universidade
de São Paulo
Telas de
computadores
Primeiríssimo
plano ou close
up
2”
Zoom-in
Off: Nesta sala
Pesquisadores
trabalham nos
computadores
Plano geral 4” Pan.
Horizontal à
direita
Off: A primeira
de sete a
serem abertas
no país...
Pesquisador
visualizado no espaço
do laboratório
Plano médio 4” Câmera fixa Off: ... está o
controle
remoto da
melhor
ferramenta da
astronomia
nacional
Telescópio Soar –
visualizado por fora
Plano geral 4”
Travelling
para frente
Off: O
telescópio
Soar
inaugurado
três anos anos
atrás no norte
do Chile
Pesquisador da Usp
– Marcos dias no
espaço do laboratório
Plano médio 3” Câmera
fixa
A gente vai
conseguir
observações
sem
precedentes
117
Imagem /cena Enq. Dur. Mov. Fala
Pesquisador Marcos
dias no laboratório, de
perfil, tendo a seu
lado um computador
Primeiro
plano
4” Zoom-In Pesquisador
continua fala:
a gente vai ter
noção de
entender
como essas
galáxias
evoluem...
Sede do telescópio
Soar, visualizada do
lado de fora
Plano geral
3”
Câmera fixa
O Brasil pagou
mais de 30
milhões de
reais
Telescópio Soar –
Fachada
Primeiríssimo
plano ou close
up
3” Câmera Fixa Off: virou
sócio
majoritário
Interior do telescópio
– funcionário opera
aparelho
Plano geral 4” Panorâmica
vertical de
baixo para
cima
Off: A cota
nos deu o
direito a 104
noites de
observação
das estrelas...
Computadores no
laboratório montado
na USP;
pesquisadores
trabalham nos
computadores
Primeiríssimo
plano ou close-
up
4” Efeito de
edição –
fusão
telescópio/
computador
Off: A
distância
atrapalhava. A
conexão...
encurtou o
caminho para
os
pesquisadores
brasileiros
Pontos luminosos na
tela do computador
Primeiríssimo
plano ou close-
up
4” Câmera
fixa
Off: Agora em
poucos
minutos as
imagens dos
confins do
cosmos...
Pesquisadores
observam monitores
dos computadores
Plano geral 3” Efeito de
edição –
fusão
computadore
s/pesquisado
res
Off:...
desembarcam
na zona oeste
de São Paulo
118
Imagem /cena Enq. Dur. Mov. Fala
João Steiner – Dir. do
Inst. De Est.
Avançados da USP,
de perfil com a
imagem do telescópio
ao fundo
Primeiro plano
5”
Câmera fixa
Pesquisador
fala: Durante
esses
próximos 30
anos ele será
o sustento dos
programas de
pós
graduação...
Pontos luminosos na
tela do computador
Primeiríssimo
plano ou close
up
2” Efeitos de
edição –
fusão do
pesquisador
para a tela
do
computador
Pesquisador
continua fala:
... de todo o
país.
Total. 25 25 1’31”
* Efeito de transição. Recurso utilizado na edição que consiste em sobrepor uma
imagem à outra.
119
Tabela 13: Expressões fílmicas da reportagem: Prevenção ao câncer de
mama (JN, 10.10.2006)
Imagem Enq. Dur. Mov. Fala
Mãos apalpam
um seio de
borracha
Primeiríssi
mo plano
ou close up
5” Câmera
fixa
Personagem fala:
Assim é que eu encontro
uma coisa mais alterada...
Câmera move-
se para o rosto
da
personagem
Primeiro
plano
5”
Pan.
vertical à
direita
moviment
a a
câmera
das mãos
ao rosto
Personagem fala:
Pra quem não sabe como
eu não sei. Não vou
decifrar o que é isso.
Desenho –
representa
uma mama
Primeiríssi
mo plano
ou close up
20”
Câmera
fixa
Off/ Jornalista:
Isso é o auto-exame. A
mama é formada por
auveólos...
... Doença que todos os
anos... faz 52 mil novas
vítimas
Sob uma
tenda,
montada numa
praça, médicos
ensinam
como fazer o
auto-exame
Plano
geral
2” Pan.
horizontal
à direita
Off: O tratamento deixam
curadas...
Banner da
campanha
Primeiro
Plano
2” Panorâmi
ca à
direita
desloca-
se o olhar
para um
grupo de
mulheres
Off: ... 90% das
mulheres...
Mulheres
visualizadas
sob a tenda da
campanha
Plano
geral
4” Pan.
horizontal
à direita
Off: Mesmo assim, 12 mil
não conseguem vencer o
mal.
Repórter
visualizada no
local da
campanha;
tendas e um
grupo de
mulheres ao
fundo.
Imagem/cena
Plano
médio
Enq.
15”
Dur.
Câmera
fixa
Mov.
Passagem: Um dos
motivos do número tão alto
de mortes é a
agressividade dos
tumores...
... A novidade é que agora
esses tumores também
podem ser tratados.
Fala
Médicos e Plano geral Pan. 8” Off: E é essa a boa notícia
120
voluntários
orientam as
mulheres
horizont
al
que a campanha do
câncer de mama está
espalhando Brasil afora. O
Her 2 pode ser descoberto
com um simples exame
Médica é
visualizada de
perfil no canto
direito do
vídeo, com
desenhos da
mama a sua
frente
Primeiro
Plano
Câmera
fixa
8”
Médica Maria Helena
Vermont: Esse exame é
pedido...
...pode ser encaminhado
pra o tratamento
específico para essa
proteína.
Personagem é
visualizada na
orla de uma
praia
observando a
paisagem
Uma
alternância
sucessiva
de planos
geral,
médio e
primeiro
plano.
Pan.
combina
da com
contra
plongée
**
20”
Off: A dona de casa Lívia
Maciel teve câncer de
mama, foi operada...
... O resultado ela sabe
melhor do que ninguém
Personagem
visualizada em
posição frontal,
tendo um
cenário de
coqueiros e a
praia ao fundo
Primeiro
plano
Câmera
fixa
3” Personagem fala: Graças
a Deus o resultado foi
excepcional.
Personagem
não
identificada é
visualizada no
local da
campanha
Plano
médio
Pan.
horizont
al à
direita
3”
Personagem não
identificada fala: Acho que
é hora da mulher perder o
medo...
Personagem
visualizada no
local da
campanha faz
pose.
Geral Zoom-out 3” ... cuidar de sua saúde, do
seu corpo sempre
Total 13 13
1’38”
** A câmera visualiza a personagem de baixo para cima, proporcionando uma
sensação de grandeza e a idéia de uma pessoa forte, justamente porque ela
conseguiu vencer o mal. Metaforicamente é como se a personagem pisasse no
câncer.
121
Tabela 14: Expressões fílmicas e falas da reportagem: Nova técnica contra
o câncer de pele (JN, 20.12.2006).
Imagem/cen Enq. Dur. Mov. Fala
Casal –
personagem
caminha
pelos
corredores do
Hospital do
Câncer.
Renata e
Arnold são
visualizados
em posição
frontal
Plano
médio
3” Câmera na
mão
acompanha o
casal
Off: Renata e Arnold jogam
tênis há muitos anos
Casal
visualizado
de costas
caminha
pelos
corredores do
hospital
Plano
geral
3” Câmera na
mão
Off: De baixo de pouco ou
de muito sol
Personagem-
paciente
Renata
visualizada
no interior do
laboratório
onde é feito o
tratamento
Primeiro
plano
3” Câmera fixa Personagem: Escuta há 50
anos não havia filtro solar.
Placa de
identificação
do
Laboratório
Primeiríssi
mo plano
ou close up
2” Zoom-in
Off: Os dois estão se
tratando
Personagem-
paciente
Arnold
caminha pelo
hospital.
Plano geral 2” Com uma
panorâmica
vertical para
baixo o olho da
câmera move-
se da placa
para o
personagem
Off: No Hospital do Câncer
Renata passa
por
tratamento no
laboratório
Plano geral 3” Zoom-in Off: Ela com manchas e
lesões na pele.
122
Imagem/cen Enq. Dur. Mov. Fala
Arnold
caminha pelo
hospital
Plano
Médio
3” Contra
Plongée com a
câmera na
mão
Off: Ele recém curado de um
câncer
Arnold no
laboratório
onde é feito o
tratamento-
aparelhos do
laboratório
são
visualizados
Plano
Médio
4” Câmera fixa Personagem: Sofri anos e
anos com esse ferimento...
Detalhe da
orelha do
personagem
Close up 2” Câmera em
pan. horizontal
mostra
detalhes da
orelha
Personagem continua
... nas duas orelhas.
Médico
dermatologist
a faz a
aplicação da
terapia. De
jaleco branco
ele é
visualizado
em posição
frontal.
Plano
americano
4” Câmera fixa
Médico Marco Antônio de
Oliveira: E foi tratada a lesão
com duas sessões de
terapia fotodinâmica
Médico
examina o
personagem-
paciente no
interior do
laboratório
onde é feita a
aplicação
Plano
médio
3” Câmera na
mão
Paciente: Ele passou
primeiro uma pomada
Personagem-
paciente
passa pela
aplicação da
terapia
fotodinâmica
Primeiro
plano
3” Pan. horizontal Paciente continua: e depois
colocou uma lâmpada em
cima...
Médico passa
pomada no
paciente
Primeiríssi
mo plano
ou close up
5” Câmera fixa Off: A maior vantagem
dessa nova terapia é evitar a
operação.
Médico
prepara
aparelho
Plano geral 3” Câmera na
mão
Off: Ela é indicada para a
maioria dos casos
123
Imagem- Enq. Dur. Mov. Fala
Médico
coloca
aparelho
luminoso no
braço do
paciente
Primeiríssi
mo plano
ou close up
3” Câmera fixa Off: com exceção do
melanoma
Detalhe do
braço do
paciente
visualizado
no
computador
do laboratório
Primeiríssi
mo plano
ou close up
2” Com uma
panorâmica
horizontal à
direita a
câmera move-
se do braço
para o
computador
Off: o tipo mais agressivo de
câncer
Repórter
Neide Duarte
caminha por
um parque,
em posição
frontal, tendo
ao fundo um
jardim com
árvores e
flores
Plano geral 6” Câmera na
mão
Passagem: O câncer de pele
não é só um problema de
saúde, mas uma questão de
meio-ambiente...
Repórter
visualizada
ainda em
posição
frontal,
caminha pelo
parque...
Plano
americano
6” Pan.
Horizontal à
esquerda
Passagem: As indústrias do
mundo inteiro continuam a
emitir gases que interferem
na camada de ozônio...
Repórter pára
de caminhar
junto a uma
tela escura,
mas
transparente
Seqüência*
* em plano
americano
23” Câmera fixa Passagem: Que a cada dia
fica mais fina e é ela que nos
protege da luz solar...
124
Imagem/cena Enq. Dur. Mov. Fala
Médico Marco
Antônio de
Oliveira,
visualizado no
espaço do
laboratório
onde é feita a
aplicação da
terapia
fotodinâmina
Primeiro
Plano
8” Câmera fixa Médico: O hábito de usar
todos os dias o protetor
solar... é o recomendado
atualmente.
Total. 20 20 1’31
**A seqüência é um conjunto de cenas longas sem cortes. No cinema, ela é chamada
de plano-seqüência e consiste na filmagem direta de uma ação, que, por si só, detém
um significado. Como por exemplo, a seqüência inicial do filme: Marca da maldade, de
Orson Welles (1958).
4.4. O tratamento das imagens
As três reportagens analisadas apresentam formas de tratamento das
imagens muito parecidas, como, por exemplo, a duração de seu componente
visual e dos planos, que têm em média 4 segundos cada um; a presença das
testemunhas/personagens num cenário onde o fato se desenvolve e a entrada
dos entrevistados no discurso do repórter (polifonia).
Embora a cobertura do fato passe pelo filtro de uma editoria, que
escolhe o que mostrar ou não, de acordo com os critérios de valores
jornalísticos e pela produção, que é responsável por levantar as informações,
escolher locações e entrevistados e orientar a condução da reportagem é o (a)
repórter que participa do acontecimento o (a) responsável pela roteirização, ou
seja, pela condução linear do relato, prevendo e estabelecendo a ordem de
entrada de cada personagem.
Nas reportagens O céu do Atacama em São Paulo e Novo tratamento
no combate ao câncer de pele, a passagem, ou seja, a presença visualizada do
repórter no local do acontecimento, ou num cenário específico, é produzida
com base na dramatização do relato, com o objetivo de seduzir a instância de
recepção, gerando uma empatia entre o espectador e o mediador do relato.
Nessas duas passagens a visualização dos repórteres se dá em mais de um
125
plano
97
. Aqui, eles são sucessivos e formam uma unidade lógica. Para Martin
(2004, p.37): “A maior parte dos tipos de planos não tem outra finalidade senão
a comodidade da percepção e a clareza da narrativa”.
As passagens dos repórteres Ernesto Paglia e Neide Duarte nas
reportagens: O céu do Atacama em São Paulo e Nova técnica contra o câncer
de pele, respectivamente, apresentam em comum também o fato de
começarem com um plano geral, proporcionando uma amplitude da cena e dos
objetos visualizados.
Se no cinema, conforme Martin (2004), o plano geral reduz o homem a
uma silhueta minúscula, fazendo com que as coisas o devorem, nesse caso,
ele incorpora também uma carga dramática ao colocar em relação o
personagem com os objetos da cena. No caso de Ernesto Paglia, ele descreve
claramente a paisagem que o cerca , dialogando com ela (imagem abaixo): “O
céu sobre São Paulo: Poluição, nuvem, a própria iluminação da cidade... tudo
atrapalha a observação das estrelas” (JN, 25.08.2006).
Fig.38: Visualização da passagem em plano geral
97
Segundo Martin (2003, p.37), “o tamanho do plano (e consequentemente seu nome e seu
lugar na nomenclatura técnica) é determinado pela distância entre a câmera e o objeto e pela
duração focal da cena”.
126
No caso de Neide Duarte (imagem abaixo), a amplitude da cena que
dá início à passagem tem o objetivo de relacionar os problemas de câncer de
pele com o meio ambiente, tendo a natureza como cenário: “O câncer de pele
não é só um problema de saúde, mas uma questão de meio ambiente...” (JN,
20.12.06)
Fig.39: Visualização da repórter em plano geral
Nessas passagens os planos se alternam: de plano geral para plano
americano (quando a personagem é visualizada dos joelhos para cima); de
plano americano para plano médio (personagem visualizada da cintura para
cima); do plano médio para o primeiro plano (personagem visualizada dos
ombros ao rosto).
O tamanho do plano aumenta, diminuindo a profundidade de campo e
o eixo da visão, quando os objetos de cena são aproximados do olho da
câmera e, conseqüentemente, do olhar do espectador. Os planos são mais
próximos quando se pretende aumentar a carga dramática de seu conteúdo ou
o nível de representação da personagem. Por exemplo: ao descrever a janela
127
que se abre para a astronomia através do telescópio Soar, o repórter Ernesto
Paglia (imagens abaixo) enruga a testa, faz gestos com as mãos e diz: “Porque
ela permite enxergar o céu sobre o deserto do Atacama” (JN, 25.10.2006).
Fig. 40 e 41: Carga dramática começa em plano médio e se acentua gradualmente
Neste caso, os componentes visual e sonoro – que correspondem à
fala do repórter e aos ruídos da cidade – se imbricam, produzindo uma diégese
que constitui o simbólico, e este, por sua vez, atua na construção do sentido.
128
A reportagem O céu do Atacama em São Paulo é a que mais recorre
aos efeitos de dramatização pelo uso das formas variadas de construção
fílmica, explorando movimentos panorâmicos, zoom-in e out (aproximação e
afastamento, como na imagem abaixo), efeitos de edição (fusão
98
) o que
sugere que quanto menor a polifonia (presença de várias vozes), maior será a
incidência de elementos de encenação e montagem.
Fig.42: Zoom-out distancia o pôr do sol (JN, 25.08.06)
Das três reportagens analisadas, O céu do Atacama em São Paulo, é
a única que utiliza o recurso da fusão durante a montagem (edição) e o
travelling – movimento que depende
de um equipamento – uma espécie de trem sobre trilhos, de onde a câmera é
operada. O travelling para frente neste caso, tenta aproximar o olho do
98
Sobre fusão ver glossário no anexo 1.
129
espectador ao telescópio Soar, mas a sensação produzida é que ele está cada
vez mais distante (imagem abaixo).
Fig.43: Travelling para frente (JN, 25.08.06)
O telescópio parece mover-se como um objeto que não pode ser
alcançado cada vez que a câmera tenta aproximar-se dele. De acordo com
Martin (2004, p.44), o travelling significa exatamente isso: “criação da ilusão do
movimento de um objeto estático”.
Já o uso da fusão
como recurso de transição
procura gerar um equilíbrio
entre a fragmentação dos
planos, que têm duração
média de 4 segundos e o
ritmo da montagem.
Ao sobrepor, por
exemplo, a imagem do
pesquisador João Steiner
(à esquerda) à imagem do
telescópio, além de
produzir a idéia de
Fig.44: Fusão entre um e outro elemento. conexão entre o Atacama
130
e São Paulo sugerida pela fala, o recurso visa diminuir a sensação de
fragmentação dos planos, eliminando cortes bruscos de uma cena para outra,
apresentando desta maneira características do discurso fílmico de ficção.
4.5. Formas de encenação televisuais
Conforme descrição das tabelas apresentadas anteriormente as
reportagens Novo tratamento no combate ao câncer de pele e Prevenção ao
câncer de mama articulam várias formas de encenação como a presença de
personagens e cenários específicos, que contribuem para a reconstituição ou
ilustração dos fatos. No primeiro caso, o próprio Hospital do Câncer e o
laboratório onde é feita a aplicação da terapia fotodinâmica, e, no segundo
caso, a praça onde a campanha é realizada, além da paisagem que tem um
jardim e a orla da praia ao fundo são os cenários onde se desenvolve a ação.
Na reportagem de Neide Duarte sobre a nova técnica no combate ao
câncer de pele a reconstituição e ilustração do fato se dão pela presença dos
personagens/pacientes Renata e Arnold, que passam pelo tratamento da
terapia fotodinâmica. Arnold é apresentado como alguém que recentemente
venceu um câncer. Sua visualização neste caso se dá através de um plano
médio em contra-plongée (magem abaixo), ou seja, de baixo para cima,
gerando uma impressão de superioridade, exaltação e triunfo do personagem
diante de um mal.
Fig.45:
Contra-
plongée
em plano
médio
(JN,
20.12.06
)
131
O mesmo procedimento é adotado quando a repórter Beatriz
Thielman, no relato sobre a campanha contra o câncer de mama apresenta a
dona-de-casa Lívia Maciel, uma personagem, também curada de um câncer. A
sensação provocada pelo ângulo de filmagem (imagem abaixo) e
enquadramento também é de triunfo em relação à doença.
Fig.46: Contra-plongée em plano geral da personagem (JN, 10.10.06)
A cena dura
20 segundos e a
personagem vai
gradualmente tomando
conta do vídeo à
medida que aumenta a
dramaticidade do
relato (imagem à
direita). Aqui é
importante ressaltar o
uso da panorâmica,
Fig.47: Panorâmica acompanha a personagem (JN, 10.10)
que consiste numa rotação da câmera em torno de seu eixo vertical ou
horizontal, sem deslocamento do aparelho (MARTIN, 2004).
132
O objetivo da panorâmica é descrever visualmente o cenário, captando
o personagem em determinado ambiente. Com a panorâmica, a câmera
acompanha a personagem que se move dentro do quadro e torna visível o que
está à sua volta.
Fig.48: Personagem Lívia Maciel contempla a beleza do lugar
O movimento panorâmico acompanha Lívia Maciel (imagem acima)
quando ela olha para o horizonte, como se contemplasse a beleza do lugar.
Ao mesmo tempo a paisagem vai sendo descrita visualmente pelo olho da
câmera. Nesse momento,
um primeiro plano (imagem
à esquerda) traz à tona a
emoção expressa em
seu rosto, complementada
pela fala: “Graças a Deus o
resultado foi excepcional”
(JN, 10.10.2006).
Fig.49: Primeiro plano traz à tona a emoção (JN, 10.10)
133
Das reportagens estudadas, a única que recorre ao procedimento da
visualização, ou seja, faz ver através de infográficos, maquetes, mapas, é a
reportagem sobre a campanha contra o câncer de mama. Esse procedimento
discursivo, articulado com os elementos que integram cenários, paisagens,
personagens, falas constitui o que Charaudeau (2006) chama de dispositivo
enunciativo de informação. Assim, a representação gráfica, através de um
desenho (imagem abaixo) que mostra como a mama é atingida pelo câncer,
integra os dispositivos enunciativos que são articulados para proporcionar
clareza e objetividade à informação.
Fig. 50: Imagem mostra como a mama é atingida pelo câncer (JN, 10.10.06)
Essa estratégia discursiva está relacionada à exibição descritiva
explicativa da imagem, geralmente representada por efeitos de visualização,
que é o que ocorre neste exemplo.
As três reportagens estudadas apresentam a função de descrição
narrativa cenarizada da imagem ao proporem um ponto de vista interno sobre a
experiência de um ator social ligado ao acontecimento. No caso da reportagem
sobre o telescópio Soar, os atores sociais são os pesquisadores Marcos Dias e
134
João Steiner; na reportagem sobre o novo tratamento no combate ao câncer de
pele, as personagens/pacientes Renata e Arnold; e a empresária Lívia Maciel,
que passou por tratamento de câncer e foi curada, no relato da campanha
contra o câncer de mama.
O uso recorrente do primeiríssimo plano, ou close-up, que traz à tona o
objeto em detalhe ou esmiúça a intimidade da personagem, tem pretensões
que vão além da clareza e objetividade da informação.
Fig.51: Close-up na reportagem sobre o Soar (JN, 25.08.06)
Também conhecido como plano de detalhe, o close-up, pode
simplesmente detalhar as estrelas e pontos luminosos numa tela de
computador como na reportagem sobre o telescópio Soar (imagem acima) ou
pode querer sutilmente mostrar os benefícios de uma pomada ou dos
aparelhos utilizados no tratamento da terapia fotodinâmica como na
reportagem de Neide Duarte a respeito da nova técnica no combate ao câncer
de pele.
135
Enquanto o médico faz a aplicação da pomada (imagem abaixo), num
primeiríssimo plano, através do qual é possível visualizar, inclusive, as
manchas na pele da paciente, ouve-se em off a repórter: “A maior vantagem
dessa nova terapia é evitar a operação” (JN, 20.12.2006).
Fig.52: aplicação da pomada em close-up (JN, 20.12.06)
Além da sedução gerada pelo primeiríssimo plano, aqui, produz-se
também um efeito de curiosidade e expectativa na instância de recepção. Essa
curiosidade pode levar o espectador a querer saber mais sobre a terapia,
como, por exemplo, que pomada é essa? Onde é possível encontrá-la? Isso
levanta suspeita quanto aos interesses econômicos que estão por trás da
notícia.
Não se trata de simplesmente informar sobre a nova terapia no
tratamento contra o câncer de pele, a impressão que se tem é que a
reportagem pretende vender um produto, o que se dá de forma camuflada e
sutil, utilizando-se a função de exibição narrativa reconstituída da imagem, uma
forma de cenarização, que ocorre através de procedimentos deliberados de
encenação das ações e acontecimentos por meio de simulações e elementos
136
fílmicos de dramatização (imagem abaixo) o que, conforme Maia (2005, p.96),
“faz chamar simultaneamente um objetivo de dramaturgia e afetividade, o que
revela uma finalidade de captação predominante”.
Fig.53: Aplicação da terapia fotodinâmica (JN, 20.12.06)
A partir dessas reportagens, verifica-se que a articulação entre os
elementos sonoro – constituído pelo texto do repórter, voz dos entrevistados e
som ambiente – e visual é a principal característica do discurso da informação
na TV, fazendo da imagem elemento indispensável na configuração discursiva,
o que se verifica pela sua natureza designativa. É como se a imagem atestasse
que o fato realmente aconteceu, remetendo o acontecimento do qual se fala
àquele que se mostra, legitimado ainda pelos relatos de testemunhas ou atores
envolvidos no acontecimento.
Não foi verificada nas reportagens analisadas a presença de trilhas
sonoras, ou músicas de fundo como ocorre no cinema, onde segundo Martin
(2004, p. 114), “o papel da música é primordial como fator de continuidade
sonora ao mesmo tempo material e dramática”. Nas reportagens analisadas o
som é caracterizado por ruídos naturais e humanos captados pela câmera no
próprio ambiente – dispositivo chamado tecnicamente de sobe som. Conforme
Martin (2006), o som aumenta a impressão de realidade e o coeficiente de
137
autenticidade da imagem. No caso das reportagens analisadas os ruídos
sonoros são: o barulho do vento nas árvores na praça onde é realizada a
Campanha de prevenção ao câncer de mama e o barulho do mar na praia onde
é visualizada a paciente Lívia Maciel (JN, 10.10.2006); o sobe som de pessoas
no Hospital do Câncer de São Paulo, no caso da reportagem sobre a nova
técnica no combate ao câncer de pele (JN, 20.12.2006) e de pesquisadores no
laboratório informatizado no caso da reportagem, O céu do Atacama em São
Paulo.
Percebe-se através do estudo dessas reportagens que as vozes de
cientistas aparecem para corroborar, explicar ou legitimar a fala do jornalista.
Esse especialista é sempre visualizado em plano médio ou primeiro plano,
tomando praticamente toda a tela da TV (imagem abaixo). Isso porque essa
voz é a que proporciona credibilidade ao relato; é a voz que tem legitimidade
para falar, que autentica e chancela a voz de quem detém o monopólio do
relato – que é o repórter.
Fig.54: Primeiro plano/ Médica Maria Helena Vermot (JN, 10.10.06)
138
A voz do especialista também é utilizada para orientar o espectador
quanto a cuidados básicos em saúde, como no caso do dermatologista Marco
Antônio de Oliveira, que na reportagem sobre o novo tratamento no combate
ao câncer de pele diz: “O habito de usar todos os dias o protetor solar onde a
roupa não cobre é o recomendado atualmente” (JN, 20.12.2006).
O condutor do relato é o responsável por organizar as informações que
constituem a reportagem, fazendo com que outras vozes venham à tona. Esse
recurso parece funcionar como estratégia que busca captar a atenção do
espectador através da credibilidade gerada pelas vozes de testemunhas ou
especialistas implicados nos acontecimentos.
Além da designação e visualização, a imagem apresenta também a
função de analogia no interior dos relatos televisuais. Ligada ao procedimento
lingüístico da analogia, representado pela reconstituição do fato, por
comparações e encenações posteriores, está a função chamada por Maia
(2005) de exibição descritiva ilustrativa, que são os planos de fundo (imagem
abaixo); os cenários que contribuem para ancorar o comentário verbal. As três
reportagens estudadas apresentam este tipo de exibição da imagem, ainda que
o espaço externo onde elas ocorrem seja natural.
Fig.55: Encenação da aplicação da terapia fotodinâmica (JN, 20.12.06)
139
O domínio simbólico que preside a estrutura dessas reportagens
proporciona, quase sempre, um aspecto espetacularizado da ciência e da
tecnologia, graças à incorporação sutil de elementos da ficção televisiva. O
espetacular tem ares de fantasia e se sustenta nos critérios de curiosidade e
saliência; é o que salta aos olhos, o que se sobressai. Essa forma de
adaptação do discurso científico leva em conta a natureza do espectador como
leigo e não iniciado em ciência.
O saber técnico-científico é difundido levando-se em conta a sua
eficácia prática, ou o que redunda em inovações técnicas de grande
repercussão, como no caso da reportagem sobre a terapia fotodinâmica,
desenvolvida pelo Hospital do Câncer de São Paulo. Essa estratégia do
discurso informativo de divulgação da ciência é chamada por Fahnestock
(2005, p.81) de “invocação de aplicação”, quando o argumento afirma que
alguma coisa tem valor porque leva a benefícios posteriores.
Outra forma de invocação também observada nas reportagens sobre
ciência e tecnologia é a “admiração”. Segundo Fahnestock (2005), a admiração
tenta elogiar ou denunciar alguma coisa, ligando-a a uma categoria que tenha
um valor reconhecido para uma audiência. A reportagem sobre o telescópio
Soar usa a invocação da admiração porque fala a respeito das realizações
“nunca vistas” proporcionadas por esse equipamento, que permite a
observação das estrelas. O deslumbramento e admiração estão presentes
neste trecho da fala do repórter:
A luz das estrelas atravessa os Andes via internet e ilumina os
computadores da Universidade de São Paulo. Em uma sala, a
primeira de sete a serem abertas no país, está o controle
remoto da melhor ferramenta da astronomia nacional. O
telescópio Soar, inaugurado dois anos atrás no norte do Chile
(JN, 25.08.2006)
.
Concomitantemente essa mesma reportagem faz uso da invocação de
aplicação porque destaca os benefícios decorrentes do programa espacial, ou
do convênio entre a USP e o telescópio instalado no Norte do Chile. Ao
aparecer visualizado na tela, com vestes formas – terno e gravata – o diretor do
Instituto de Estudos Avançados da USP, João Steiner, corrobora o argumento
140
da aplicação: “Durante esses próximos 30 anos ele será o sustento de todos os
programas de pós-graduação de todo o país” (JN, 25.08.2006).
Invocações de admiração e de aplicação fazem da ciência, dos
cientistas e pesquisadores seres soberanos, dotados de verdades absolutas e
infalíveis. Tais argumentos jamais questionam o saber científico. Métodos ou
pesquisas que por ventura falharam não vêm à tona. Pelo contrário, os
discursos invocativos carregam um desejo profundo de aumentar a relevância
do assunto, “afirmando sua singularidade, insistindo que ele tem o status de ser
o único do gênero” (FAHNESTOCK, 2005, p. 83).
A vulgarização científica inclui tornar o assunto noticiado ainda mais
atraente, raro, notável, inesperado. Esses procedimentos aproximam o saber
científico do cotidiano social, mas paradoxalmente distanciam cientistas e
pesquisadores dos cidadãos comuns ao representá-los ou tratá-los como
deuses e semideuses.
Neste capítulo foram apresentados os resultados da pesquisa para se
proceder em seguida à interpretação dos dados, tendo como referência os
aspectos da linguagem fílmica e do discurso midiático, construído a partir da
relação entre imagem e texto. A seguir apresento as considerações finais.
141
5. Considerações finais
Com foco na estrutura e composição audiovisuais do telejornal e da
reportagem, em particular, o grande desafio deste trabalho foi enfrentar as
imagens. Tarefa árdua para alguém até então muito mais acostumado a lidar
exclusivamente com a palavra. Essa dificuldade se transformava em prazer e
numa conquista pessoal cada vez que eu conseguia articular a imagem com o
texto, tendo em vista, inclusive, sua diagramação no corpo do trabalho. Nesse
sentido, foram estabelecidos critérios de análises da imagem enquanto
discurso, observando a sua relação com a fala.
O objetivo desse trabalho foi investigar a presença de elementos
ficcionais no Jornal Nacional (Rede Globo), a partir da cobertura de notícias
relacionadas à ciência e à tecnologia. Isso implicou em identificar o modo como
a imagem é utilizada para representar fatos e eventos científicos e como se
opera a encenação visual desse tipo de informação no telejornal.
A partir das reportagens sobre ciência e tecnologia veiculadas no JN
foi possível identificar estratégias que caracterizam o discurso midiático da
informação e perceber alguns procedimentos que tentam aproximar ciência e
público. Isso possibilitou a percepção dos mecanismos e formas empregadas
na construção do discurso do telejornal e como se dá a representação da
ciência nesta mídia televisual.
Partindo de uma pergunta – o telejornal é ficção? – investiguei se – e
como - esse gênero de informação incorpora elementos da linguagem fílmica.
Essa problematização direcionou meu olhar para o domínio simbólico que
envolve as reportagens de C&T veiculadas pelo Jornal Nacional, uma vez que
é através da lógica simbólica que os indivíduos regulam as trocas sociais,
criando, manipulando signos e produzindo sentido.
Como argumentei nos capítulos anteriores, o domínio simbólico
corresponde à encenação audiovisual da informação. A encenação, por sua
vez, está ligada às reconstituições, dramatizações, infográficos, visualizações;
às formas de tratamento das imagens como processos de criação, edição,
incorporando elementos da linguagem cinematográfica a exemplo dos
enquadramentos, movimentos de câmera e planos de filmagem. O que se
142
pôde constatar foi que na informação televisiva os recursos ficcionais são
evidenciados pelas estratégias discursivas utilizadas pelo telejornal.
Na primeira parte desse estudo defendi que a televisão é o lugar do
visível, que se acha socialmente dicotomizada entre as lógicas de produção
estilizadas e as matrizes culturais. Isso foi empreendido a partir da
apresentação de algumas concepções em torno da mídia televisual,
identificando as dicotomias, ambigüidades e antagonismos que envolvem a
televisão — um dos meios mais hegemônicos de nosso tempo.
Para tanto, trabalhei no capítulo inicial com alguns teóricos, como
Machado (2005), Kellner (2001), Barbero e Rey (2001), Charaudeau (2006),
Storey (2002), Shohat e Stam (2006), que me ajudaram a formular algumas
idéias sobre a televisão e a principal delas é a de que este veículo combina
dois sistemas sígnicos: o visual e o sonoro, sendo que na TV um não sobrevive
sem o outro, imagem e fala se conjugam permanentemente com sua
programação situada entre o universo do sublime e o do espetáculo-
divertimento; entre possibilidades intertextuais e manipulação da audiência.
Ainda no primeiro capítulo apresentei as características dominantes do
telejornal enquanto gênero televisivo, aproximando-o do cinema e mais
especificamente do cinema documentário. Para finalizar o capítulo, apresentei,
a partir de Charaudeau (2006), o método de análise que orientou essa
pesquisa, trazendo à tona as noções acerca do discurso e encenação
audiovisuais da informação.
No capítulo 2 debrucei-me sobre o conceito de ciência e tecnologia,
tratando das representações televisuais da ciência, e da relação entre ciência e
mídia, apontando noções acerca da divulgação e vulgarização científicas e
suas implicações na sociedade.
A partir do panorama histórico e atual da divulgação científica foi
possível perceber como ocorre o elo entre a produção do conhecimento
científico e o público. Esse panorama gerou o entendimento de que a mídia
televisual aparece como uma ponte, suporte e, principalmente, como
instrumento de mediação entre cientista e público em geral, entre academia e
comunidade não científica.
Iniciei a exploração do objeto de estudo dessa pesquisa no capítulo 3,
quando apresentei a estrutura do Jornal Nacional, identificando os mecanismos
143
e formas empregadas na construção do discurso da reportagem, principal
forma de organização da notícia no interior do telejornal, identificando, em
seguida, as notícias sobre ciência e tecnologia nos programas que fizeram
parte da amostra para essa análise.
Assim, nas 95 edições que constituem a amostra dos programas
gravados, 76 exibiram notícias com conteúdo científico e tecnológico, o que
significa que o tema esteve presente em 82% dos programas gravados. Além
disso, nas 95 edições coletadas foram veiculadas 106 notícias referentes ao
tema. Posteriormente a essa identificação, classifiquei as notícias de acordo
com as temáticas abordadas. A divisão, além de nomear o acontecimento de
acordo com uma categoria específica do mundo social serviu para identificar a
área do conhecimento a que a notícia estava relacionada. De acordo com essa
categorização, a saúde aparece como a área do conhecimento mais recorrente
dentre as abordagens de C&T no Jornal Nacional, com 40 notícias,
representando 38,3% do total.
Além da ênfase dada às notícias sobre saúde, foi possível observar a
significativa quantidade de informações sobre astronomia, sendo 15 ao todo,
superando inclusive o subtema “meio ambiente”. Nas reportagens ligadas ao
subtema astronomia notei que imagens de lançamentos de foguetes, imagens
de satélites, de planetas, dão à informação ares futurísticos que transformam o
fato em espetáculo midiático, embora essa característica não seja uma
exclusividade das reportagens sobre C&T e muito menos da rubrica
astronomia. A tendência à espetacularização também aparece na cobertura de
outros temas haja vista que essa estratégia faz parte do contrato midiático da
comunicação que se utiliza simultaneamente de estratégias de sedução e
captação do público e de informação.
Ainda no capítulo 3, introduzi a discussão sobre a relação entre o
discurso midiático e o discurso científico presente no Jornal Nacional,
apontando as diferenças entre um e outro discurso. Para se chegar a essa
distinção entrelacei as idéias de Nichols (2005) e Fahnestock (2005) a respeito
da retórica, o que nos permitiu identificar o discurso informativo midiático com a
utilização de provas artísticas e artificiais como as reconstituições,
dramatizações, que são produtos da criatividade do narrador-orador.
144
Já o discurso científico foi identificado com o discurso jurídico ou
demonstrativo que utiliza provas reais e concretas, por meio de um método, ou,
através de uma pesquisa. O discurso científico apóia-se na prova como
impressões digitais, documentos, testemunhas. É o tipo de discurso
demonstrativo e racional.
O discurso científico parte do pressuposto de que o destinatário já
conhece a proposta do cientista e domina a metalinguagem específica da sua
ciência e de que possui um saber também especializado. Ao contrário, o
discurso informativo supõe que a instância de recepção não tem conhecimento,
nem saber sobre a informação. Desta forma, o telejornal ao se apropriar e
simplificar o discurso de cientistas e especialistas modifica sua estrutura,
proporcionando um novo sentido, gerado agora pelo discurso informativo.
Por fim, no capítulo 4, apresentei as estratégias do discurso
informativo midiático analisando um “corpus” específico constituído pelas três
reportagens sobre ciência e tecnologia exibidas no Jornal Nacional e
selecionadas para o estudo. Essa análise resultou de uma decupagem, ou
seja, de uma decomposição quadro a quadro das cenas, procedendo em
seguida à interpretação desses quadros.
O estudo revelou que a reportagem põe em evidência o relato do
acontecimento, recorrendo a vários tipos de roteirizações, utilizando os
recursos designativos, figurativos e visualizantes da imagem para satisfazer às
condições de credibilidade e de sedução da finalidade da informação, com
provas do que se vê e dramatizações destinadas a tocar a afetividade do
espectador.
As três reportagens analisadas apresentaram formas de tratamento
das imagens muito parecidas, como, por exemplo, a duração de seu
componente visual e dos planos, que são em média 20, sendo que cada um
tem uma duração aproximada de quatro segundos; a presença das
testemunhas/personagens num cenário onde o fato se desenvolve e o
encadeamento dos entrevistados no discurso do (a) repórter.
Em apenas uma das reportagens, no caso do Novo tratamento no
combate ao câncer de pele, o cientista (pesquisador) foi visualizado com o
tradicional jaleco branco. O que se infere dessa forma de representação é que
145
o uso do jaleco está relacionado ao médico, quando sua visualização ocorre no
interior do consultório ou laboratório de pesquisa.
Mesmo não sendo um canal específico destinado à divulgação
científica, o telejornal aparece como uma ponte, suporte e, principalmente,
como instrumento de mediação entre cientista e público em geral; entre
academia e comunidade não científica.
A mediação se caracteriza, no entanto, pela espetacularização da
ciência, gerada a partir dos efeitos de dramatização e pelo imediatismo das
abordagens. Enquanto os pesquisadores percorrem um longo caminho até se
chegar aos resultados, as reportagens exploram tão somente a aplicação
prática e objetiva das descobertas científicas.
A partir da identificação das formas de tratamento da imagem, que
constituem estratégias discursivas da informação televisual, e tomando os
elementos da expressão fílmica como fatores que contribuem para a
construção do sentido, pode-se dizer que os discursos noticiosos da televisão
incorporam certas formas do cinema de ficção bem como do documentário.
Embora tenha herdado as expressões e técnicas da linguagem
cinematográfica, a televisão apresenta características peculiares, que revelam
certa diversidade em relação ao cinema. Especialmente no que diz respeito ao
telejornal, a principal divergência é a predominância da exibição descritiva
ilustrativa da imagem, que combina a utilização de gráficos, mapas ou recursos
de edição ao material verbal de forma clara e objetiva, gerando um efeito de
sincronia entre o que se fala e o que se vê, demarcando, assim, a existência de
duas visadas no interior do contrato de comunicação: as visadas de informação
e captação do espectador.
A visada de informação atua com o desafio da credibilidade, utilizando-
se da descrição-explicação para reportar os fatos do mundo, enquanto que a
visada de captação produz um efeito de dramatização. Logo, deduz-se que o
cinema de ficção atrai seu público exclusivamente através da visada de
captação. O telejornal, portanto, apresenta formas variadas e heterogêneas de
sua organização discursiva, ainda, pelos critérios de atualidade e proximidade
da informação, o que não quer dizer que o telejornal tenha rompido com os
modos de realização e expressão fílmicos. Eles foram apenas apropriados,
incorporados, transformados, modificados.
146
O telejornal, e em particular o JN, é estruturado, portanto, em torno de
uma alternância do informativo, do documentário e do espetáculo, de tal forma
e com tal rapidez que para muitos espectadores, fica difícil identificar os limites
entre o fato e a ficção. E é nesse contexto em que se inserem as notícias de
ciência e tecnologia aqui estudadas.
147
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151
ANEXOS
1.Glossário
Chamada= Anúncio da reportagem feito pelo apresentador( a)
Contra-plongée= ângulo de filmagem que foca o objeto de baixo para cima (o
contrário de plongée).
Croma-key = Técnica que consiste na utilização de um fundo azul ou verde
para se inserir imagens no espaço do estúdio. É utilizado para produção do
selo de identificação do tema da reportagem.
Edição = Processo de montagem do audiovisual.
Enquadramento = Composição geométrica do quadro exposto – corresponde
ao tamanho do quadro na tela.
Fusão= Sobreposição de uma imagem a outra (recurso de edição).
Infográficos=Material de arte, desenhos, mapas produzidos em computador.
Off= Texto da reportagem ( geralmente escrito na redação do telejornal para
cobrir as imagens).
Passagem = Presença visualizada do repórter geralmente no local do
acontecimento.
Plano americano= Visualização da personagem dos joelhos ao rosto.
Plano médio= Visualização da personagem da cintura ao rosto.
Plano geral= Também chamado de plano de conjunto:”valoriza a paisagem
como espaço físico e sugere uma comunhão psicológica entre os personagens
e a natureza” ( MARTIN, 2003,P.263).
Panorâmica= Movimento que consiste numa rotação da câmera em torno de
seu eixo vertical ou horizontal, sem deslocamento do aparelho (MARTIN,
2004).
Primeiro plano ou close-up= Foco num detalhe do objeto ou personagem,
evidencia a carga dramática e encenação da personagem.
Plano-sequência= Cena mais longa e sem cortes.
Travelling= Movimento de câmera efetuado a partir de um equipamento – uma
espécie de trem sobre trilhos.
Selo = Imagem inserida no espaço estúdio para identificar o tema da notícia.
152
Zoom-in = Recurso disponível na própria câmera para aproximar o objeto.
Zoom-out= Recurso na própria câmera para distanciar o objeto.
Selo = Imagem inserida no espaço estúdio para identificar o tema da notícia.
153
ANEXOS
2. Reportagens digitalizadas em mídia DVD
1. O céu do Atacama em São Paulo (JN, 25.08.2006).
2. Campanha de prevenção ao câncer de mama (JN, 10.10.2006).
3. Nova técnica no combate ao câncer de pele (JN, 20.12.2006).
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