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Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
Mestrado em Cultura Visual
A (IN)VISIBILIDADE DA CULTURA NEGRA AFRICANA
NO ENSINO DE ARTES VISUAIS
IVAINA DE FÁTIMA OLIVEIRA
Goiânia/GO
2008
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Termo de Ciência e de Autorização para Disponibilizar as Teses e Dissertações Ele-
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– BDTD/UFG, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a
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download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.
1. Identificação do material bibliográfico: [ x] Dissertação [ ] Tese
2. Identificação da Tese ou Dissertação
Autor(a): Ivaina de Fátima Oliveira
CPF: E-mail: ivainafat@hotmail.com
Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [ x ]Sim [ ] Não
Vínculo Empre-
gatício do autor
Agência de fomento: Sigla:
País: Brasil UF: Goiás CNPJ:
Título: A (In) Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
Palavras-chave:
Ensino de Artes Visuais, Cultura Afro-Brasileira e Exclusão/Inclusão
Título em outra língua:
The (In)Visibility of Black African Culture in the Teaching of Visual Arts
Palavras-chave em outra língua:
Visual art education, African Brazilian culture and
exclusion/inclusion
Área de concentração:
Educação e Cultura Visual
Data defesa:
17/04/2008
Programa de Pós-Graduação:
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL -
MESTRADO
Orientador(a):
Profª. Drª. Leda Maria de Barros Guimarães
CPF: E-mail: [email protected]
Co-orientador(a):
CPF: E-mail:
3. Informações de acesso ao documento:
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________________________________________ Data: ____ / ____ / _____
Assinatura do(a) autor(a)
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Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
Mestrado em Cultura Visual
A (IN)VISIBILIDADE DA CULTURA NEGRA AFRICANA
NO ENSINO DE ARTES VISUAIS
Ivaina de Fátima Oliveira
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de
Goiás, como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE EM CULTURA VISUAL, sob a orientação da
Profª Drª Leda Guimarães
Goiânia/GO
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Oliveira, Ivaina de Fátima.
O48i A (In) visibilidade da cultura negra africana no ensino de
artes visuais [manuscrito] / Ivaina de Fátima Oliveira.- 2008.
123 f. : il., Figs., color.
Orientadora: Profª. Drª. Leda Guimarães.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Artes Visuais, 2008.
Bibliografia: f. 119-123.
Inclui listas de ilustração e de siglas.
Anexos.
1. Artes [visuais] – Estudo e ensino – Afro-brasileira
2 Cultura Afro-brasileira 3. Exclusão na cultura Afro-brasileira
4. Inclusão na cultura Afro-brasileira 5. Cultura visual I.
Guimarães, Leda II. Universidade Federal de Goiás.
Faculdade de Artes Visuais III. Titulo.
CDU:7:37.036(=96:81)
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
Mestrado em Cultura Visual
A (IN)VISIBILIDADE DA CULTURA NEGRA AFRICANA
NO ENSINO DE ARTES VISUAIS
Ivaina de Fátima Oliveira
Dissertação defendida e aprovada em _____/ ________________/ _________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Leda Guimarães
Orientadora e Presidente da Banca
Profª Drª Ana Mãe Barbosa (ECA/USP)
Membro Externo
Profª Drª Irene Tourinho (FAV/UFG)
Membro Interno
Profº Dr Alecsandro Ratts (IESA/UFG)
Suplente Membro Externo
Profº Dr Raimundo Martins (FAV/UFG)
Suplente Membro Interno
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
Ah! Noite feiticeira Noite! Ó Noite misericordiosa, coroada
no trono das Constelações pela tiara de parta e diamantes
do Luar, Tu que ressuscitas dos sepulcros solenes do
Passado tantas ilusões, tantas e tamanhas Saudades, ó
noite! Melancólica! Soturna! Voz triste, recordativamente
triste, de tudo o que está morto, acabado, perdido nas
correntes eternas dos abismos bramantes do Nada, ó
noite meditativa! Fecunda-me, penetra-me dos fluídos
magnéticos do grande Sonho das tuas Solidões panteístas
e assinaladas, dá-me as tuas brumas paradisíacas, dá-me
os teus cismares de Monja, dá-me as tuas asas
reveladoras, dá-me as tuas auréolas tenebrosas, a
eloqüência de ouro das tuas Estrelas, a profundidade
misteriosa dos teus sugestionadores fantasmas, todos os
surdos soluços que rugem e rasgam o majestoso
Mediterrâneo dos teus evocativos e pacificadores
silêncios!”
Cruz e Souza, Emparedado, in: Prosa: Missal e Evocações
Este momento parece ser o mais simples de uma pesquisa, mas não é. No
decorrer dela, fui guardando no meu armazém de memórias quais foram os
personagens cruciais na empreitada e êxito desta construção. Agora, ao rememorá-
los diante do teclado e tela em branco, também é difícil e doído transcrever a
importância de cada um deles de maneira imparcial. Como demonstrar o apreço na
medida exata pra cada um? Parece-me que só as palavras são poucas para
mensurar a gratidão que ofereço, mas, neste ato, serão elas mesmas que irão
explicitar este sentimento.
Não os relaciono por ordem de importância nem merecimento, todos aqui são
dignos do meu muito OBRIGADA! Então...
Agradeço à Profª Drª Leda Guimarães, minha orientadora, que me aceitou,
ajudou, auxiliou, esclareceu, norteou, dispensou atenção e me incentivou com
carinho durante a escolha do bordado, que está apenas começando.
Agradeço, especialmente, ao Profº Dr. Alex Ratts pela sua participação da
banca de qualificação, quando suas contribuições, orientações e incentivo foram de
grande valia.
Agradeço à Profª Drª. Irene Tourinho pelas contribuições na banca de
qualificação e, também, por sua participação na banca de defesa.
Agradeço a Aleones de Castro, companheiro e maior incentivador que,
sempre solícito, suportou meus ataques de nervos à beira desta dissertação.
Agradeço à amiga Raquel Mendes de Melo, sempre companheira nas horas
do sufoco.
Agradeço a minha mãe pela dedicação eterna.
Agradeço aos colaboradores que, direta ou indiretamente, contribuíram nas
coletas de dados para esta pesquisa.
Agradeço a todas as pessoas próximas a mim que, nos momentos de
necessidade e de benevolência, me apoiaram com ânimo e força para trilhar o
caminho escolhido.
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
RESUMO
Essa pesquisa teve como objetivo de refletir sobre a (in)visibilidade da
cultura afro brasileira no ensino de artes visuais examinando especificamente a Lei
10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana na Educação Básica. O campo da arte educação é um dentre
outros dois incumbidos dessa missão. Realizei um levantamento bibliográfico acerca
da implementação da lei, considerando os movimentos sociais, o multiculturalismo e
as ações afirmativas como fatores relevantes no processo da sua implementação.
Minha pesquisa partiu também de uma inquietação decorrente da obrigatoriedade da
lei, ou seja: Como trabalhar com História e Cultura Afro-brasileira e Africana no
ensino de artes visuais? Em contraponto a invisibilidade da cultura negra no ensino
de artes visuais, enfatizo algumas ações que apresentam com um olhar diferenciado
sobre a cultura negra como fonte para uma pedagogia mais crítica, consciente e
transformadora a respeito das nossas raízes culturais e para a valorização da cultura
africana na nossa formação estética do nosso povo. Vejo a Lei como um aporte
para uma práxis transformadora para o ensino de artes ao tornar obrigatória a
inclusão de segmentos étnico-sociais e culturais excluídos ou incluídos de formas
estereotipadas. Mas a pergunta continua sem respostas mesmo porque essas serão
sempre incompletas. A pesquisa mostrou que temos avançado, mas que ainda
temos a difícil tarefa de gerar mais questionamentos sobre a exclusão num país
marcado por desigualdades sociais, raciais e culturais.
Palavras - chaves: Ensino de artes visuais, Cultura Afro-brasileira
e exclusão/inclusão.
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
ABSTRACT
This survey aimed to argue about the (in) visibility of African Brazilian culture
in visual arts education specifically examining the Law 10.639/2003 that has
established the compulsory teaching of Afro-Brazilian history and African Culture in
Basic Education. The field of art education is one of two responsible of this mission.
I developed a bibliographic survey about the implementation of the law, considering
the social movements, multiculturalism concepts and affirmative actions as relevant
factors in the process of its implementation. My search started also with a concern
arising from the requirement of the law: How we will work with History and Culture
Afro-Brazilian Culture and African contends in the teaching of visual arts? In contrast
the invisibility of black culture in visual arts education, I brought up some events that
present different regard on black culture as source for a critical art pedagogy, aware
about the diversity of our cultural roots and concerned to the enhancement of African
culture aesthetics in our people heritage. I see the law as a contribution to a
transformative praxis for teaching arts for the inclusion of ethnic, social and cultural
groups excluded or included in stereotypical ways. But the question remains without
answers because these are always incomplete. This research has shown that we
have advanced, but still we have the difficult task of generating more questions about
the exclusion in a country marked by social, racial and cultural inequalities.
Key- words – Visual art education, African Brazilian culture and exclusion/inclusion.
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
8
Fig. 01 – Foto do Parque Vaca Brava-Goiânia/GO, set./2003 ..................................24
Fig. 02- Foto do Parque Vaca Brava-Goiânia/GO, set./2003 ...................................25
Fig. 03 – Imagem do Sítio do Pica Pau Amarelo ......................................................44
Fig. 04 - Foto de livro didático sobre o 13 de maio (Abolição da Escravatura) ........45
Fig. 05– Imagem de livro didático sobre o dia do folclore ........................................46
Fig. 06– Foto de trabalho de aluno da E. M. João Braz ...........................................46
Fig. 07– Cartaz do lançamento do livro: Mulheres Negras do Brasil ........................76
Fig. 08 – Imagem da obra de Manet “Olympia” ........................................................84
Fig. 09 – Imagem da obra de Abdias Nascimento “Tema para Lea Garcia” ............85
Fig. 10 – Imagem da obra de Abdias Nascimento “Oxum em êxtase” .....................85
Fig. 11 – Imagem da obra de Guignard “Família do Fuzileiro Naval” .......................86
Fig. 12 – Imagem da obra de Rubem Valentim “Emblema”, 1985 ............................93
Fig. 13 – Imagem da obra de Rubem Valentim “Emblema”, 1972 ............................93
Fig. 14 – Foto da capa do livro: Artes Visuais da Exposição a Sala de Aula ...........94
Fig. 15 - Imagem da obra de Rosana Paulino “Bastidores” ......................................97
Fig. 16 – Imagem da obra de Rosana Paulino “Bastidores” .....................................97
Fig. 17 – Imagem da obra Caixa Brasil: Lygia Pape e a mistura de raças ...............98
Fig. 18 – Imagem de crianças brincando de roda em Minas Gerais ........................99
Fig. 19 – Imagem de alunos ensaiando ritmos africanos com tambor ...................100
Fig. 20 – Imagem da capa do filme: Vista Minha Pele ...........................................101
Fig. 21 – Imagem da capa do filme: Atlântico Negro ..............................................102
Fig. 22 – Imagem da capa do filme: Kiriku e a Feiticeira ........................................102
Fig. 23 – Imagem da capa do livro: Escravidão e Cidadania no
Brasil Monárquico ....................................................................................103
Fig. 24 – Imagem da capa do livro: Eu sou Atlântida .............................................104
Fig. 25 – Imagem da capa do livro: Consciência Negra em Cartaz ........................104
Fig. 26 - Imagem da capa do livro: Arte Afro-Brasileira ..........................................105
Fig. 27 - Imagem da capa do Livro: Herdeiros da Noite .........................................106
9
Fig. 28 - Imagem da capa do Livro: Para Nunca Esquecer ....................................106
Fig. 29 – Imagem da obra de Jorge dos Anjos .......................................................108
Fig 30 - Imagem da obra de Jorge dos Anjos .........................................................109
Fig. 31 – Imagem da obra de Chico Tabibuia .........................................................109
Fig 32 – Imagem da obra de Antônio Dias “Personagem Complexo” ....................110
Fig. 33 – Imagem da obra de Rosana Paulino “Número I com casulos” ................110
Fig. 34 - Imagem da obra de Rosana Paulino “Parede da Memória” .....................111
Fig. 35 - Imagem da obra de Artur Bispo do Rosário “Macumba” ..........................112
Fig. 36 – Imagem da obra de Mestre Didi ..............................................................113
Fig. 37 - Imagem da obra de Mestre Didi “Ewé Ödë Àrólé” ....................................113
Fig. 38 - Imagem de Parreiras "Zumbi dos Palmares" ...........................................114
10
AA – Ações Afirmativas
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil
CECAB – Centro de Estudos do Caribe no Brasil
CEFRE – Centro de Estudos e Formação da Rede de Educação
Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro)
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNPIR – Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
CONSED – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação
EP – Estudos e Pesquisas
FAV – Faculdade de Artes Visuais
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional
FIPIR – Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
GT – Grupos de Trabalhos
GTE – Grupos de Trabalhos e Estudos
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IESA – Instituto de Estudos Sócio- Ambientais
INEP – Instituto Nacional de Educação Anísio Teixeira
IPEA – Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MAC – Museu de Arte Contemporânea
MAN – Museu de Arte Negra
MID – Movimento Índio Descendentes
NEABs – Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
PNPIR – Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PNE – Plano Nacional de Educação
PUC – Pontifica Universidade Católica
11
RME – Rede Municipal de Educação
SME – Secretaria Municipal de Educação
SEE – Secretaria Estadual de Educação
SEPM – Secretaria Especial de Políticas para Mulheres
SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos
SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial
SECAD – Secretaria Continuada, Alfabetização e Diversidade
TEN – Teatro Experimental do Negro
UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UCG – Universidade Católica de Goiás
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UFG - Universidade Federal de Goiás
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFTO - Universidade Federal do Tocantins
UnB - Universidade de Brasília
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
USP - Universidade de São Paulo
12
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................13
PARTE l
Experiência, Desejo, Escola
Caminhos metodológicos percorridos pela pesquisa ...................................15
Caminhos abertos pelas narrativas .................................................................20
PARTE ll
Educação e Diversidade
Multiculturalismo, Educação e Relações Raciais ...........................................31
PARTE III
Inclusão como Aspecto da Pós-Modernidade
Educação Pela Igualdade Racial ......................................................................50
Delineando as Ações Afirmativas ...................................................................55
Lei 10.639/03: Conquista do Movimento Negro ..............................................61
Instituições de Ensino: ações e determinações .............................................66
PARTE IV
Avanços, Experiências e Outras Miradas
Ensino de Arte e Educação Multicultural ........................................................82
Outras Miradas ..................................................................................................91
Reflexões Finais ..............................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................119
ANEXOS ................................................................................................................124
13
“As pessoas têm direito a ser iguais sempre que a
diferença as tornar inferiores; contudo, têm também
direito a ser diferentes sempre que a igualdade colocar
em risco suas identidades.” (Boaventura de Sousa
Santos,1997)
É preciso repensar a arte-educação no paradigma atual, voltando os olhos
para abordagens multiculturais que privilegiam a diversidade e o questionamento
de formas culturais tidas como de alto código e mais valoradas no currículo.
Uma parcela significativa de crianças e adolescentes negros e indígenas
brasileiros configura um percurso educacional marcado pela exclusão. Subsiste
uma realidade no contexto escolar em que as visualidades africanas e indígenas
são apresentadas nos currículos como culturas exóticas e seus espaços ficam
restritos a subitens de projetos cunhados como folclóricos ou a datas
comemorativas. Os movimentos sociais trouxeram para a educação a denúncia do
racismo e discriminação, da visão etnocêntrica e da desconsideração de que
existem diferentes identidades levantadas por estes movimentos, levando-nos a
repensar a estrutura da escola. Historicamente, a União pouco fez para mudar
essa realidade, até que foi promulgada a Lei 10.639/03, que inclui nos currículos
dos Ensinos Fundamental e Médio a História e Cultura Africana. O ensino deve
ficar a cargo dos profissionais de Educação Artística, Literatura e História
Brasileira, como aprovado pelo Conselho Nacional de Educação.
Diante destes fatos, proponho com esta pesquisa discussões sobre o
potencial das artes visuais como área de conhecimento para o cumprimento da Lei
10.639/2003; enxergando o multiculturalismo como possibilidade da práxis
pedagógica, a lei como um aporte que valida e garante essa práxis e a arte-
educação como meio que pode dar visibilidade a segmentos étnico-sociais e
culturais nunca incluídos no currículo ou incluídos de formas estereotipadas.
14
Meu interesse surge após presenciar, em vários momentos, o descaso e o
desrespeito em relação à inclusão da cultura negra nas escolas que trabalhei. Para
isso, descrevo alguns destes momentos vivenciados e faço um levantamento
bibliográfico acerca da implementação da citada lei, considerando os movimentos
sociais, o multiculturalismo e as ações afirmativas como fatores relevantes no
processo de sancionamento da mesma. Por fim, faço um contraponto do início da
pesquisa com o final, citando exemplos de (in)visibilidade da história e cultura negra
nos currículos escolares.
Divido este trabalho em 4 (quatro) etapas que denomino “partes” - e não
“capítulos” - por entender que cada uma delas é passível de continuidades
ampliadas e resignificadas, pois o assunto é inesgotável e instigante.
Na parte l, conto como surge meu interesse pelo tema da inclusão da cultura
negra nas escolas na minha vida profissional como professora de artes. Aponto,
também, as interrogações, os dilemas e as dúvidas que traçaram
metodologicamente este percurso e que ajudaram esta proposta a nascer.
Na Parte ll, apresento o multiculturalismo sob a ótica de McLaren (1999;
2000; 2004), Banks (1997; 1999), Hall (2000; 2002) e Candau (2002) como proposta
de ação que dialoga com as reflexões teóricas e conceituais de autores como Paulo
Freire (1996; 2004), Ana Mae Barbosa (1998; 2001; 2002; 2005; 2006) e Giroux
(1996), discutindo as relações raciais, as ações afirmativas e os movimentos sociais
no intuito de construir um percurso teórico para esta pesquisa na educação.
Na Parte lll, descrevo o contexto que gerou a lei nos aspectos sócio histórico
e cultural brasileiro, seus avanços, retrocessos, ações e determinações nas
instituições educacionais de Goiânia (Secretaria Municipal de Educação-SME e
Secretaria Estadual de Educação-SEE), bem como nas secretarias governamentais
(SECAD e Seppir), onde e como se encontra a arena de nossas discussões sobre a
lei.
Na Parte lV, encerro esta pesquisa trazendo exemplos de (in)visibilidade da
cultura negra, contemplando o conteúdo da história e da cultura africana sob o olhar
do ensino da arte. Esta é uma das várias formas de contribuição da educação
através da arte para a efetivação da Lei. Assim, sem a intenção de concluir o tema,
deixo a esperança de que meus questionamentos e reflexões contribuam para as
pesquisas dos leitores que aqui se debruçarem.
15
“...a dúvida, aliada à curiosidade, é o berço da
pesquisa,portanto de todo conhecimento sistemático.”
(Vilém Flusser, 1999)
Este caminho foi elaborado paulatinamente como toda pesquisa. Diferente de
um risco de bordado, onde tudo parece definido e de fácil visualização, o caminho
que propus foi riscado pelas próprias idéias, demandas e ações que surgiram antes
e durante a mesma.
Como toda empreitada, esta também não se esquivou das dúvidas,
incertezas e muitas expectativas. As dúvidas e incertezas foram decorrentes da
minha natureza humana ao se propor algo novo e fazer seus devidos
enfrentamentos. As expectativas foram em razão de um desejo por resultados
próximos do esperado, em outras palavras, apresentar uma pesquisa que tivesse
uma efetividade, que movesse a prática docente e, quiçá, promovesse uma
mudança da postura de educadores para a inserção da cultura negra em suas aulas.
Se por um lado o descaso de professores com relação a esta cultura me
incomodou, por outro, me incomodou também a incerteza de não saber lidar com o
tema. Desta forma, ao iniciar a pesquisa, me deparei com a instabilidade e a
insegurança de minha parte enquanto professora de artes, mas, ao mesmo tempo,
me dispus a mergulhar na dúvida e na insatisfação, elementos pertinentes numa
pesquisa. Como já dizia Corazza (2002), toda pesquisa há de se começar por uma
insatisfação. E sendo assim, completa: “Somente na condição de insatisfação com
as significações e verdades vigentes é que ousamos toma-los pelo avesso, e nelas
investigar e destacar outras redes de significações” (CORAZZA, 2002, p.111).
Mesmo que a insatisfação fosse somente pelo descaso que percebi, eu sabia que a
pesquisa só se consumaria caso houvesse minha inserção, meu contágio, minha
paixão pelo tema.
16
Essa pesquisa é de caráter qualitativo, onde se busca a coleta de dados de
maneira interativa com o sujeito e onde os dados colhidos nas diversas etapas são
constantemente analisados, avaliados e vão dando forma à investigação de maneira
orientada. O caráter da pesquisa qualitativa é processual e interpretativo, o que deve
favorecer possibilidades de interação e análises ao obter as informações através do
contato direto com o sujeito e propiciando o diálogo. A pesquisa com coleta de
dados tem a descrição como um fator importante, servindo para narrar como ela
transcorre se concentrando nos significados de conceitos e situações vivenciados. É
uma postura que requer do pesquisador/a uma percepção sensível e atenciosa
durante todo o trabalho, principalmente se considerarmos a percepção como um
aspecto humano inserido e produzido na cultura em que se vive, definindo nossa
maneira de perceber e de ver o mundo.
Entendo esta pesquisa como qualitativa por não fornecer dados mensuráveis,
mas apenas análises de contextos constituídas a partir de instrumentos de coleta de
dados como observação participativa, levantamentos de dados, levantamento
bibliográfico, análise de conteúdo e entrevista interativa.
Iniciei minha escritura desta pesquisa dando ênfase, primeiramente, na minha
trajetória enquanto professora de arte, abordando as minhas principais dúvidas,
questionamentos e idéias, trazendo exemplos depreciativos e de negligencia
vivenciados por mim em relação à história e cultura negra na escola. Diante de todas
as indagações, construí algumas narrativas destas minhas experiências, através de
momentos reflexivos para os efeitos de uma construção crítica, rememoração e
escrita. Esta etapa foi construída pela observação participativa, onde anotações
foram feitas sobre o porquê da não inclusão de algumas manifestações da cultura
negra nas escolas em que trabalhei no período de 2000 a 2005. Esta questão
tornou-se mais polêmica para mim quando foi realizada a exposição das esculturas
dos Orixás no Parque Vaca Brava (2003). Na época, houve várias manifestações a
favor da retirada das esculturas por muita gente entendê-las como parte de algo
demoníaco. Também, passei a questionar a polêmica na medida em que tive
conhecimento da lei 10.639/03, que determina aos professores/as de arte a
incumbência de ministrar tal conteúdo.
Outras dúvidas surgiram, tais como: Qual é a contribuição do ensino de arte
para minimizar a desigualdade e a discriminação? De que maneira introduzir este
17
conteúdo? Não tenho formação pra este fim e, agora, como farei? Por que uma lei
obrigando o conteúdo africano e deixando pra trás o indígena?
Diante destes impasses, busquei participar de eventos que esclarecesse
melhor esta inclusão. Novas anotações, que falarei mais detalhadamente
posteriormente, foram registradas nestes eventos e foram pontuais para a
continuidade da pesquisa.
Ao me deparar com a Lei 10.639/03
1
, vi a possibilidade de assegurar o
arremate necessário para efetivar minha proposta de pesquisa. Para tanto, foi
necessário entender como se configurou a lei no cenário brasileiro, seu real objetivo,
suas demandas e seus interesses. Para contrapor as imagens de desigualdades
presenteadas nas escolas e afirmar ser possível fazer diferente, busquei uma
proposta que atendesse de forma mais semelhante às reivindicações dessa
população sedenta por visibilidade. Encontrei na proposta multiculturalista esta
semelhança.
Sei que muitos autores discordam dessa proposta, pois ela não é a única nem
mesmo a melhor. Mas a escolhi por considerá-la adequada a esta pesquisa, tendo
base em autores que a defendem, como Banks, Candau, McLaren e Barbosa.
Realizei em livros publicados e textos de internet um levantamento
bibliográfico de autores que abordavam o multiculturalismo e o ensino de arte para
fundamentar a linha da pesquisa e para que estes servissem de caminhos a seguir
na compreensão da lei.
Esta pesquisa engloba a contextualização da lei, a tendência de uma
educação de igualdade, relações raciais e as ações afirmativas. Nesta pesquisa,
verifiquei que a efetivação da lei seria uma parceria entre o governo e as Secretarias
de Educação dos municípios e dos estados. Percebi, portanto, a necessidade de
fazer um levantamento junto às secretarias (estadual e municipal) da cidade de
Goiânia para compreender como estas instituições educacionais estavam se
preparando para esta efetivação e quais as ações por parte do governo estavam
sendo tomadas para apoiar a iniciativa da inclusão da área citada pela lei.
Nesta fase da pesquisa, realizei entrevistas interativas com pessoas ligadas
diretamente às secretarias de educação do município e do estado. Este modo de
entrevista prima por colher informações baseadas no discurso livre do entrevistado,
1
Ver anexo A em Anexos
18
que é “convidado” a exprimir-se com clareza sobre as questões da sua experiência,
prestar informações, revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos,
concepções e idéias. O entrevistador deve manter uma escuta ativa com atenção
receptiva a todas as informações prestadas, estimular adequadamente e orientar o
discurso para as questões frontais.
As pessoas das secretarias de educação (estadual e municipal) me
receberam bem e estiveram dispostos a colaborar com a investigação. Os contatos
foram inicialmente por telefone e trocas de e-mails. A entrevista na Secretaria
Estadual de Educação (SEE-GO) foi rápida, com apenas um encontro e poucas
informações. Através do depoimento coletado, suas ações ficaram mais a mercê das
ações dirigidas pelo governo federal.
Na SEE-GO, existe um grupo de educadores que discutem as relações raciais
no âmbito educacional no qual o prof.º Dr. Alex Ratts, docente do departamento do
IESA/UFG (Instituto de Estudos Sócio-Ambientais/Universidade Federal de Goiás),
faz parte. O grupo direciona suas discussões e ações para o ensino médio e a
educação quilombola, mas como meu foco é o ensino fundamental direcionei minha
investigação neste sentido.
Já na Secretaria Municipal de Educação houve três encontros com a equipe.
O primeiro encontro foi com Mônica Mitchell, prof.ª de arte e engajada na inclusão do
conteúdo da lei na rede. O segundo encontro foi com Marcilene Pellegrine Gomes,
responsável pela discussão do tema na rede e da reestruturação curricular, além de
coordenar o curso sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira direcionado aos
professores também da rede municipal de ensino. Maiores detalhes acerca do
levantamento destas ações junto às unidades de ensino são relatadas na terceira
parte da pesquisa. O terceiro e último encontro aconteceu no encerramento do curso
citado, onde houve um debate em torno das ações afirmativas e as cotas
universitárias.
Após a concretização desses levantamentos mencionados (minha trajetória,
uma proposta pedagógica, o multiculturalismo, a problematização da lei e suas
ações), notei a necessidade de dar continuidade do inicio e a intenção da pesquisa
em razão do meu questionamento: Como o ensino de artes visuais pode dar
visibilidade à cultura negra no currículo escolar? Este questionamento me fez buscar
exemplos de projetos no ensino de arte que já concretizaram ações que tenham
possibilitado a visibilidade da cultura negra. Realizei um levantamento de escolas,
19
entidades sociais e culturais que tenham ou tiveram experiências pedagógicas
(formal ou informal), abordando a cultura negra. Descobri algumas propostas de
projetos educacionais, descrições de experiências, artigos com sugestões e
atividades e projetos culturais desenvolvidas por entidades sociais que menciono e
comento na última parte do trabalho. Para minha grata surpresa, percebi que, após
seis anos do sancionamento da lei, é possível vislumbrar a comunidade escolar
abrindo brechas para que este conteúdo seja efetivado.
Este trabalho associou a problematização da lei à uma proposta pedagógica
multicultural como propulsora pela igualdade racial, buscando exemplos de
propostas pedagógicas da inserção da cultura negra tendo como eixo o ensino de
arte, mais especificamente o de artes visuais.
Tal qual uma aprendiz de bordadeira, que precisa de pequenos traçados para
iniciar seu ofício, sou também aprendiz desta pesquisa. Aprender a escolher a
melhor linha, as cores mais equilibradas, a posição da mão para que o ponto fique
perfeito, adequar o tipo de ponto ao tecido; assim também foi meu aprendizado na
pesquisa. E assim, à medida que o bordado vai surgindo, as cores em harmonia, o
ponto bem feito, o arremate bem dado, a satisfação é ver o que era apenas uma
tentativa transformar-se, agora, em realidade.
Finalmente, pude entender que visualizei apenas uma parte do bordado, não
pronto e findado, mas o que se estende para novos traços, novas linhas, novas
cores e novas composições.
20
“_Você viu como sua colega (Cecília
2
) está fantasiada a caráter,
hoje? (risos).
_Não. Quem e porquê? - eu disse
_É porque hoje é dia 20 de novembro, né? Dia da Consciência
Negra.” (risos)
Diante da minha seriedade e silêncio, encerramos o assunto. No
entanto, dentro de mim, ficou um incomodo grudado na garganta
que foi se transformando num bichinho que me picava a cada vez
que me deparava com atitudes parecidas. Daí por diante, fui
prestando mais atenção nestas atitudes - de professores - com
relação ao famigerado slogan dos direitos iguais que muitos
teóricos defendem e muitos professores tomam para seus
discursos, mas não para suas práticas.
Eu ficava pensando: se fosse eu “fantasiada” de gueixa ou
espanhola, seria alvo de comentários sarcásticos como fez meu
colega de trabalho que por sinal é professor de História? Que
história poderia ensinar este colega aos seus alunos?
Este episódio ocorrido no ano 2000 marcou profundamente minha percepção
e tornou meu olhar mais apurado sobre as questões da inserção da pluralidade tão
bem defendida pelos autores dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais). Penso
o quanto nós, professores, devemos tomar o cuidado de não distanciar nossas
práticas de nossos discursos, já que qualquer um de nós corre o risco de nos
enganar com pequenas, mas significantes, atitudes no nosso dia-a-dia, podendo
sucumbir às condições de desagravo e desrespeito ao nosso semelhante. Para
reforçar esta idéia faço a seguinte citação:
2
Todos os nomes aqui citados são fictícios para preservar a identidade das pessoas envolvidas.
21
Ao tentar definir ou delimitar um repertório de manifestações, objetos
e imagens a ser estudado e a ser feito e construído na educação do
ver, instituições religiosas, políticas, educacionais e acadêmicas
estabelecem juízos e valores estéticos que representam perspectivas
unilaterais com a pretensão de criar regras que influenciam – muitas
vezes sem melhorar – a experiência visual dos indivíduos (M
ARTINS,
2007, p.37).
Foi a partir deste episódio que se iniciou meu interesse pela invisibilidade de
assuntos como gênero, xenofobia, raça, idade, religiosidade, entre outros, e como
esses são criados, recriados e resignificados nos bastidores da escola. Reporto-me
à preocupação de McLaren (2000) quanto à abordagem e compreensão de
conhecimento. Segundo ele, devemos localizar a produção de significados ante o
embate de gêneros, classes, sexualidade e etnicidade.
Talvez por ter presenciado um ato relacionado à discriminação racial de forma
velada, a condição do negro, especificamente, ficou mais latente na minha memória.
É nesse momento e nesse contexto que surge meu interesse em pesquisar este
assunto e, da minha parte, fazer alguma diferença para que negros, índios, gays,
etc. possam adentrar na escola pela porta da frente como os ditos normais, ou seja,
aqueles que fazem parte de um padrão (branco, mediano, cabelos lisos, magro,
cristão), figuras que normalmente vemos nos livros didáticos e literários. Este
interesse tornou-se maior quando foi inserido o conteúdo da História e Cultura
Africana nos currículos do ensino fundamental para as áreas de história, literatura
brasileira e artes, por onde começa toda esta minha narrativa.
Atuando como arte-educadora da rede municipal de educação de Goiânia
desde 1998 e, posteriormente, como coordenadora pedagógica, vivenciei a grande
lacuna que existe a respeito da pluralidade, dos saberes e das crenças quando se
refere à cultura dos negros. Em algumas ocasiões, na escola, sugeria que se
incluíssem nos projetos pedagógicos algo referente à cultura negra, ao mesmo
tempo em que procurava perceber se haveria alguma recusa da minha sugestão e
se os demais professores demonstrariam alguma forma de preconceito racial, o que
habitualmente acontecia de forma velada. De fato, minhas sugestões eram
recebidas com muito espanto e recusadas quase que por unanimidade. Talvez por
muitos relacionarem essa cultura a significados depreciativos (como coisas do mal)
ou pela crença de que se trata de manifestações folclóricas que têm importância
apenas em datas comemorativas e, portanto faziam parte do currículo paralelo. A
22
ignorância dos professores quanto ao assunto ser proveniente da formação
educacional, profissional e cultural que receberam e não muito raro, se esforçam em
defender e reproduzir, já que o “novo” nos assusta.
Normalmente, no contexto escolar, as raízes africanas e indígenas da nossa
formação histórica são apresentadas nos currículos como culturas exóticas e seus
espaços ficam restritos a subitens de projetos (a maioria, ao encargo dos
professores de arte), como “Folclore” ou a datas comemorativas como “Abolição da
Escravatura”, etc.
Creio tratar-se de um ponto de vista que muito têm influenciado, ano após
ano, seus leitores e interpretes, e causando em alguns uma espécie de efeito
multiplicador do olhar e da significação. Talvez meus questionamentos possam
encontrar alguma resposta no modo de pensar de McLaren a respeito do pluralismo
liberal. Segundo ele, não se discrimina nenhum indivíduo e nem seus grupos com
base em suas diferenças; ao invés disso, a enunciação da própria discriminação
constrói a forma e o caráter da “diferença” e produz as interpretações através das
quais as diferenças são medidas, avaliadas e julgadas. Penso que, de algum modo,
tais representações podem afetar os alunos negros num efeito de subtração da auto-
estima ao se verem retratados de maneira que deixa implícita ou até mesmo
explícita a forma desigual de tratamento de uma cultura (branca) com a outra
(negra).
Em reforço ao meu olhar sobre as questões da inserção da pluralidade e seus
agravantes, trago um exemplo que confirma a existência da visão estereotipada,
citada acima. Em uma reunião de professores, o coordenador pedagógico, Mário,
sugeriu um projeto de diversidade cultural para toda a escola no período matutino, 2º
e 3º ciclos (abarcando da 3ª à 8ª série do ensino fundamental). Nesse, poderíamos
levar variadas manifestações culturais a fim de que houvesse uma diversidade de
“apresentações culturais” (músicas, danças, comidas típicas, roda de capoeira,
teatro, etc). No momento, argumentei que a diversidade cultural não perpassava
apenas por apresentações culturais, mas que iria muito além delas. Ao invés de nos
restringirmos a elas, deveríamos ampliar o conceito de diversidade e cultura,
trazendo como exemplo: “que tipo de acesso nosso aluno tem à manifestação
cultural e o que ele entende por e sobre isso?”. O diretor, Carlos, gostou da
sugestão, todos os professores concordaram e foi-nos pedido que fizéssemos este
levantamento. Verifiquei nas aulas de arte que a maioria dos alunos gostava de ir a
23
shows de hip-hop. Iniciamos um trabalho sobre este movimento. Em outra reunião,
relatei esta minha experiência com os alunos e o coordenador disse conhecer uma
pessoa que poderia ir à escola para dar uma oficina de grafite aos alunos. Isto
realmente aconteceu e foi uma experiência muito positiva.
Assim como vários colegas professores sugeriram apresentações culturais
para a culminância do projeto, propus trazer um grupo de “Congada”
3
para dançar e
cantar. Para meu espanto, os comentários que ouvi foram de injuria e desrespeito,
tais como: “você quer trazer pra dentro da escola isso? A música que eles cantam,
falam de vários deuses, pois é nisto que eles acreditam. Isto não é coisa de Deus, e
sim adoração àquelas figuras esquisitas dos negros. E se eles começarem a
incorporar aqui, o quê agente faz?” Naquele momento tentei contra argumentar, mas
a discussão foi inflamando e preferi me calar. Calei-me sentindo-me dilacerada. Ao
final, o que todos, professores e coordenador, concordaram foi levar uma roda de
capoeira, que em minha opinião “fica mais fácil de aceitar” porque ela já se
branqueou. Este fato aconteceu em 2001.
Além desse fato ocorrido na escola, minha observação da resistência das
pessoas entenderem, aceitarem e vivenciarem a diversidade cultural como algo
peculiar de nossa formação pode ter sua extensão confirmada ao relembrar, aqui, a
Exposição de Esculturas dos Orixás do artista baiano Tati Moreno em 2003, no
Parque Vaca Brava, vítima de repúdios e descontentamentos por parte dos
segmentos católicos e evangélicos. Esses, ao tecerem seus argumentos, refletiram
bem o preconceito e o desrespeito ao direito de expressão, transparecendo a
opinião de que ali estavam expostas imagens que afrontaram à população de
Goiânia. Em um dos jornais locais da capital, um dos entrevistados justificou sua
posição favorável à retirada da exposição alegando que: “as imagens tratavam-se de
adoração ao culto de magia negra” e que por sinal, não deveria ser “coisas do bem”
ou que seria “adoração ao demônio”. Nesta foto (1) podemos ver ao fundo um
aglomerado de pessoas e em primeiro plano uma mão em sinal de protesto pela
retirada das esculturas.
3
Congada é o nome dado ao conjunto de ternos de congo. É uma manifestação de religiosidade
popular encontrada em quase todo o Brasil, onde as pessoas reúnem para dançar, cantar e tocar
instrumentos embalados pela fé em Nossa Senhora do Rosário (santa da igreja católica identificada
como protetora dos negros). Conservando a beleza e a variedade das manifestações do homem
oriundo da África, a irmandade funde-se na mistura da mente, ritmo e dos mistérios da Igreja. As
festas de Congada realizadas hoje no Brasil são manifestações da expressão tradicional de nosso
povo, inspiradas na consagração dos chamados Reis de Congo. (Fonte: O que é Folclore, Coleção
Primeiros Passos, Ed. Brasiliense, 1988)
24
Fig. 1 - Fonte: O Popular, setembro/2003 Parque Vaca Brava-Goiânia/GO Foto:Weimer Carvalho
Parece ingênuo de pelo menos uma fração social goiana a incompreensão de
que não se tratava de uma manifestação religiosa simplesmente, mas da
manifestação de parte da cultura dessa mesma fração. Uma cultura que tem se
esgarçado nas fendas da sociedade e carregado em suas costas um peso de quase
cinco séculos de descaso, ou seja, a cultura afro-brasileira. O “afronto que ela
provoca” parece não delimitar-se somente à crença, mas, também, às
nomenclaturas, cores, formas e representações imagéticas que, ao mesmo tempo,
são constantemente apropriadas e afrontam a si mesmas ao revestirem-se de um
caráter folclorizado para servir aos seus interesses da cultura predominante.
Boa parte da população, inclusive eu, sentiu um grande pesar diante das
manifestações ocorridas dessa exposição. Foi relatado pelo jornal televisivo que,
dentre as várias cidades que receberam tal exposição, Goiânia foi a única a
demonstrar este tipo de atitude. Na foto (2) podemos verificar parte destas pessoas
dando um “abraço” simbólico em sinal de paz e respeito à exposição.
25
Fig. 02 - Fonte: O Popular, setembro/2003 Parque Vaca Brava-Goiânia/GO Foto: Weimer Carvalho
Este evento também repercutiu na escola onde eu trabalhava e, mais uma
vez, pude presenciar manifestações em defesa da retirada das esculturas. Lembro,
inclusive, de uma professora (Francisca) que afirmou concordar com os protestos
por que, na sua igreja, o pastor tinha recebido uma mensagem dos anjos dizendo
que tudo aquilo era obra do demônio para afastar as pessoas do bem. Fiquei
preocupada com esta afirmação, pensando que esta professora poderia passar esta
imagem da religião africana aos seus alunos. Perguntei-lhe se pretendia abordar
este assunto em sala e qual seria sua posição, ela respondeu que era seu dever
enquanto cristã “esclarecer” por que estava havendo os protestos. Argumentei o fato
de se ver com outros olhos, não somente pelo lado da religiosidade, mas pelo lado
artístico (apelei para defender “minha disciplina”), em vão... Outros casos
semelhantes ocorreram, mas com alguns professores foi possível um melhor diálogo
e uma suposta compreensão do assunto.
Neste ano, assumi o cargo de coordenadora pedagógica e pude propor aos
professores uma visita à exposição das esculturas dos orixás, no Parque Vaca
Brava. Mesmo que alguns professores tivessem colaborado na divulgação e
incentivo, tivemos poucos alunos dispostos a ir. Eles argumentaram que seus pais
não concordavam com a visita de uma “coisa de macumba”. Mais uma vez, constatei
que a falta da informação poderia distorcer e escamotear uma cultura quando ela
está ausente do nosso cotidiano curricular.
26
Por compreender a situação de outra forma, iniciei algumas pesquisas sobre
a religiosidade dos afro-descendentes e constatei que ela foi e ainda é importante na
nossa formação cultural. Através dela, se perpetuaram muitas das influências
africanas no nosso cotidiano. E segundo Gonçalves (2000) foi com as irmandades
religiosas (Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Paulo e
Irmandade do Rosário dos Anturos em Contagem - MG (OLIVEIRA, 2001)),
incentivadas pela igreja católica, que se deu o início das primeiras escolas para os
negros. Notei também que uma delas, a Umbanda, nasceu de uma miscigenação
das principais religiões cultuadas no Brasil.
Esses dados trouxeram novos olhares para minhas inquietações sobre a
inclusão da história e cultura africana nos currículos escolares. Percebi que, embora
existissem teorias - como algumas políticas publicas - com propostas inclusivas e
que são do conhecimento de alguns professores, quando proposto o trabalho - de
inclusão da cultura negra - seja em que aspecto for, na prática ainda prevalecem as
propostas euro-americanas. Se a cultura afro-brasileira também faz parte do nosso
processo identitário, sua inclusão no currículo escolar faz sentido como parte dos
elementos que dão visibilidade à cultura afro-brasileira, assim como qualquer outro
elemento dessa mesma cultura. Tanto é que, desde 1997, o ensino religioso foi
reorientado pelo PCN como orientação religiosa, sem dar ênfase a nenhuma
religião, mas tratando a religiosidade como um fenômeno inerente ao ser humano.
Outro motivo que muito contribuiu para meu interesse pelo assunto da
(in)visibilidade da cultura negra nos âmbitos educacionais foi acompanhar o projeto
realizado no CECAB (Centro de Estudos do Caribe no Brasil) vinculado à Faculdade
de História da UFG (Universidade Federal de Goiás). O projeto pesquisava a
influência dos “terreiros” de Candomblé na vida dos alunos/professores das escolas
estaduais da região sudoeste de Goiânia e a vida social dos quilombolas em um
distrito (Almeidas) da cidade de Silvânia-GO. Na primeira pesquisa mencionada foi
constatado que muitos alunos que freqüentavam e eram membros praticantes da
religiosidade afro, neste caso, o candomblé, não assumiam este pertencimento, pois
sentiam-se descriminados. Foi relato também, pelos alunos que a discriminação
estava presente por atitudes de risos e comentários sobre os cabelos, roupas
coloridas, estéticas, etc. Em relação aos quilombolas do município de Silvânia, o que
mais me incomodou foi o fato de que eles estavam perdendo suas terras e seus
direitos sobre ela para proprietários latifundiários das circunvizinhanças. E que as
27
pessoas jovens da comunidade estavam ficando sem estudar pelo fato de sentirem
discriminados pelos seus pares residentes na zona urbana. Isso contribuiu para
minhas inquietações, pois, se de um lado eu presenciava lacunas de oportunidades
e igualdade nas escolas, por outro, não conhecia tão profundamente as seqüelas da
discriminação que havia ficado nos afro-descendentes após a abolição.
Estes acontecimentos vieram pontuar meus estudos e instigar-me mais ao
conhecer o caso dos quilombolas, abandonados pelo governo brasileiro durante
longo tempo e que, por várias vezes, tiveram suas terras apropriadas por
fazendeiros que se intitulavam seus donos, expulsando-os desses locais e
submetendo-os ao êxodo e à informalidade, marginalizando-os.
No início de 2003, foi aprovada a Lei 10639/03, sancionada pelo presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, instituindo a obrigatoriedade do ensino da
História da África e dos africanos no currículo escolar do ensino fundamental e
médio, a ser ministrada pelos profissionais de Educação Artística, hoje denominada
Ensino de Arte, de Literatura e de História Brasileira. Esta lei traz em seu segundo
parágrafo o seguinte: “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de literatura e Histórias Brasileiras”.
Pensei que esta seria mais uma boa oportunidade para contemplar meu
desejo de dar visibilidade a cultura negra nos espaços escolares. Mas foi neste
momento que me deparei com algumas questões que, durante algum tempo, me
acompanharam enquanto arte-educadora. Sendo eu uma das personagens que terá
a incumbência de ministrar este conteúdo, como poderei fazê-lo se não tenho
formação para esta tarefa? Como seria a contribuição do ensino da arte para a
concretização do conteúdo proposto na lei?
Procurava me informar através do apoio pedagógico da SME, mas, também
nela, faltavam maiores esclarecimentos sobre como ficaria, ao certo, esta situação.
Diziam que o Governo Federal iria providenciar uma formação a estes profissionais.
Durante este ano de 2003, nada foi providenciado pelo Governo Federal para esta
formação e as informações vindas da SME não solucionavam nada.
A vontade de trabalhar com este tema foi amparada pela troca de
informações e experiências de colegas professores de arte e de outras áreas,
principalmente de história, que também possuía alguns professores que tentavam
trabalhar o conteúdo proposto. Sem uma diretriz, fizemos conforme o esforço e a
28
vontade de cada um para introduzir um pouco da cultura negra. Hoje, confesso que,
em vários momentos, trabalhamos com as atividades em si mais do que com
conteúdos contextualizados. Por exemplo: manifestações culturais (maracatu,
capoeira, congada, cavalhadas, maculelê) e, mais no final do ano, um projeto sobre
Consciência Negra que será relatado com detalhes mais adiante.
Em Novembro de 2004, participei do Fórum “Educação e Diversidade
Étnico-Racial” realizado em Goiânia. Em todo o país foi programado um total de 20
fóruns estaduais para discutir a desigualdade no cotidiano escolar. Um dos objetivos
dos fóruns foi de colocar na agenda de discussão dos gestores públicos, dos
educadores e dos movimentos sociais as estratégias de reflexão, conhecimento e
intervenção sobre a presença do racismo e seus derivados nos sistemas de ensino
em seus diversos níveis, além de discutir a implementação da Lei 10.639/03. Outro
objetivo foi a articulação e o fortalecimento de uma rede de profissionais de
educação para implementação e a valorização da diversidade étnico-racial, da
formação anti-sexista e o combate à intolerância religiosa (fonte:
http://portal.mec.br/secad).
O Movimento Negro
4
, peça fundamental na conquista dessa batalha, vem
travando uma grande luta para conquistar seu espaço no cenário sócio político e
cultural brasileiro. Desde o início do século XX, os movimentos sociais dos negros
aprenderam a partir dos processos da educação para a cidadania a lutar contra o
preconceito e a discriminação raciais, inclusive reivindicando a ruptura com o
abandono dessa população negra e exigindo direitos sociais e oportunidades de
educação e trabalho (GONÇALVES, 2000).
Minha participação nesse Fórum foi importante pela oportunidade de
conhecer melhor esse segmento e alguns nomes importantes dessa luta, como
Nelson Inocêncio, professor do departamento de artes da UnB profundamente ligado
às questões africanas tanto no seu trabalho acadêmico quanto nas suas obras de
arte e na sua opção religiosa; Alex Ratts, professor do IESA/UFG que também é um
grande conhecedor e estudioso das pertinências relacionadas à diáspora negra,
juntando-se a eles Petronilha Silva, professora da UFBA (Universidade Federal da
Bahia); Nilma Lino Gomes e Cidinha da Silva, ambas escritoras que problematizam
4
As revoltas e rebeliões que dominaram praticamente todo o período da escravidão no Brasil,
conhecidas como quilombos, reapareceram na era republicana sob a forma de movimentos sociais,
inclusive os movimentos de protesto dos negros(GONÇALVES, 2000).
29
as questões do negro na sociedade brasileira; Beatriz Nascimento, professora e
pesquisadora da diáspora negra; Milton Santos, pesquisador e escritor na área da
geografia; Kabengele Munanga, professor e pesquisador do departamento de
antropologia e sociologia da USP (Universidade de São Paulo). De uma forma ou de
outra, todos eles são nomes relacionados com estas questões em prol da inserção
da cultura negra nas escolas brasileiras, como as cotas Universitárias e as
representações do negro em todos os segmentos da sociedade em geral. Aprender
um pouco mais sob o olhar destes e de tantos outros autores aumentou a vontade
de levar adiante meu posicionamento ante o assunto, principalmente por que minhas
inquietações em relação à real lacuna, descaso e preconceito por parte da educação
referente ao tema da cultura e história dos negros foram confirmadas.
Apoiando-me na Lei 10.639/03, que vislumbra a entrada destes conteúdos
nos currículos oficiais, busquei ampliar meus estudos sobre a inclusão da história da
cultura negra nos currículos escolares e na medida do possível, incluí-lo na dinâmica
das minhas aulas. Neste período, algumas indagações, questionamentos e dúvidas
(já mencionadas na apresentação desta pesquisa) foram surgindo ao pensar como
se daria a implementação da lei e como poderia ser inserida no currículo de forma
que não fosse visto apenas como um projeto que se encerra em poucos dias. Ao
mesmo tempo em que as questões iniciais faziam parte dos meus questionamentos,
eram elas as principais motivadoras para que eu fosse em busca de novos caminhos
a serem trilhados. No entanto, elas se revelaram tangenciais para o trabalho.
Percebi que o grande desafio deste estudo seria a problematização destes olhares,
ou melhor, que outros olhares serão possíveis nessa relação da diversidade dentro
da escola?
Com base neste panorama, onde se encontrava de um lado a cultura negra,
de outro, o processo de implementação da Lei 10.639 e ainda os educadores,
pensei na possibilidade de apresentar como proposta ao Mestrado em Cultura Visual
(FAV/UFG) um projeto onde pretendia explorar a cultura negra amparada pela lei.
Inicialmente, a idéia foi trabalhar a visibilidade da cultura negra nas escolas através
de suas manifestações religiosas, o que seria para mim uma oportunidade de
expandir o olhar da pluralidade, do hibridismo e do sincretismo da nossa formação
cultural, reforçando que não somente as religiões cristãs têm direito de fazer parte
do currículo escolar: as outras também têm o mesmo direito.
30
Essa proposta previa o estudo das visualidades dos elementos religiosos afro-
brasileiros, inserindo-os no ensino de artes atendendo a especificidade da lei. No
final da pesquisa, pretendia elaborar um material didático para o ensino de artes
visuais no ensino fundamental, que serviria como suporte para o professor de artes
dando auxílio ao seu trabalho dentro do conteúdo de História e Cultura Afro-
Brasileira. Esta escolha foi pensada tendo por base as indagações e deficiências
apontadas pela equipe da SME ao ser questionada sobre a inserção do conteúdo no
currículo citado pela lei.
No início do mestrado, achei que não teria dificuldades em focar meu objeto,
mas logo nos primeiros meses de pesquisas, percebi o quão extenso e conflituoso é
o tema da religiosidade para ser trabalhada e inserida nas escolas de Goiânia por se
tratar de uma sociedade tradicionalmente cristã. Estas idéias foram, então,
analisadas nos encontros de orientações e foram redirecionadas conforme foi se
desencadeando o tempo e a demanda do estudo.
No decorrer do tempo, fui delimitando o foco do estudo, tendo a Lei como
alicerce e, para isso, foi necessário fazer um mapeamento do contexto das
discussões sobre a educação brasileira, algumas tendências sociais, culturais e
econômicas. Este levantamento é de suma importância para entender como a Lei
chega ao cenário brasileiro em 2003, levando em conta o papel de cada instituição
de poder público ligada a educação para o cumprimento da Lei. Na tentativa de
compreender como a História e Cultura Africana podem entrar no currículo do ensino
de arte e como esta disciplina poderá contribuir com o panorama atual (da
multiplicidade e do pluralismo), fez-se necessário um paralelo entre o ensino de arte
e educação das relações étnico-racial trabalhado na perspectiva da pedagogia
crítica e do multiculturalismo crítico.
Como conseqüência do redirecionamento da pesquisa, penso que a
contribuição do ensino de arte e o meu desejo desde o início desta narrativa
independem de ter ou não um material elaborado nesta pesquisa. Mas o mais
importante é a problematização da Lei nos currículos do ensino fundamental, a
efetivação da mesma, é denunciar o olhar estereotipado que, muitas vezes, ainda é
percebido na escola e discutir como poderemos apontar teorias pedagógicas que
possibilitem a visibilização da cultura negra através de uma pedagogia crítica que
leve em conta o multiculturalismo. E é isto que, agora, me proponho a fazer no
decorrer desta narrativa.
31
“Educação Multiculturalista permite ao aluno lidar
com a diferença de modo positivo na Arte e na
Vida.” (Ana Mae Barbosa)
A prática educativa não excludente é firmada na educação multicultural,
movimento surgido na Inglaterra nos anos 60 com a proposta de reformulação
curricular que atendesse os direitos humanos, igualdade de oportunidade e o
embate à segregação racial para integrar crianças de outras nacionalidades e raças
à sociedade. Uma educação que promovesse principalmente a valorização e
aceitação da herança étnica, reforçando a identidade cultural das minorias raciais,
dando maior espaço no currículo escolar a referências culturais e artísticas de outros
países. Até então, prevalecia o predomínio do eurocentrismo, que privilegiava a
cultura branca, masculina e cristã, e menospreza as demais culturas dentro da
composição do currículo e das atividades do cotidiano escolar.
O movimento multicultural expandiu-se para outros países que ampliaram os
limites da igualdade, acrescentando outros temas e incluindo novos valores como o
feminismo e o homossexualismo. Nos Estados Unidos, o multiculturalismo originou-
se no final da década de 60 como conseqüências das preocupações dos
movimentos de direitos civis como a liberdade, o poder político e a economia. Este
movimento se desenvolveu a partir da preocupação dos educadores em apoiar as
lutas sociais, políticas e econômicas de diversos grupos étnicos. Grande parte da
liderança do ensino multicultural veio das comunidades afro-americanas.
Grupos multiétnicos europeus também reivindicaram uma reflexão acerca dos
direitos e oportunidades, bem como do reconhecimento e valorização de suas
diferenças. Neste caso, o Conselho da Europa acompanhou esta questão, mantendo
como uma de suas prioridades culturais o reconhecimento das minorias. Data de
1970 o primeiro termo de referência ao movimento, originado no Conselho sobre
esta temática. É interessante destacar que a opção pelo termo intercultural está de
32
acordo com a evolução da problemática que, em vez de uma multivivência cultural,
propunha uma interação dos grupos.
Neste trabalho opto pelo termo multiculturalismo pelas diversas ênfases que,
segundo autores como CANEN e MOREIRA, ele sugere: a) atitude a ser
desenvolvida em relação à pluralidade cultural; b) meta a ser alcançada em um
determinado espaço social; c) estratégia política referente ao reconhecimento da
pluralidade cultural; d) corpo teórico de conhecimentos que busca entender a
realidade cultural contemporânea; e) caráter atual das sociedades ocidentais
(CANEN e MOREIRA, 2001). Segundo os autores acima, a última ênfase é a mais
apropriada para expressar os complexos fenômenos culturais contemporâneos. Para
eles, o multiculturalismo pode também ser empregado para resgatar valores culturais
ameaçados, visando garantir a pluralidade cultural. Pode-se ainda, buscar reduzir os
preconceitos e as discriminações (CANEN, 1998).
Peter McLaren (2000) é um educador canadense radicado nos Estados
Unidos, que tem as idéias de Paulo Freire e o ensino multicultural inseridos na linha
de frente de seu trabalho. Sob tais influências, ele enumera quatro grandes
tendências do multiculturalismo: conservador, humanista liberal, liberal de esquerda
e o crítico, também chamado de revolucionário, emancipatório ou contra-
hegemônico (McLAREN,1997; 2000). Esta última tendência tem como base a
política cultural da diferença e do respeito ao ponto de vista, às interpretações e
atitudes do sujeito. Ele questiona o monoculturalismo, sublinha as diferenças e as
ausências de muitas vozes silenciadas pelas metanarrativas da modernidade, rejeita
o preconceito ou a hierarquia e, portanto, possibilita o entendimento sobre a
dinâmica das culturas como uma elaboração coletiva. Esta cultura dinamizada se
reconstrói a partir de denominadores interculturais, admitindo o diálogo como
reconhecimento e a negociação entre elas, ao contrário de considerá-las como um
conjunto de características rígidas e transmitidas. Esta tendência do
multiculturalismo crítico, quando atrelada ao ensino de arte e considerando outros
códigos estéticos e culturais não hegemônicos, conduz o educador e educando a
abrirem-se para a riqueza cultural da humanidade e para os conceitos de artes
visuais tidos como “belas artes”, “arte erudita” ou “arte maior”, a considerar a idéia de
“artes menores” ou “arte populares”.
Tomaz Tadeu da Silva (1999) faz uma a relação da teoria do currículo, ensino
e cultura, onde vê o currículo como um artefato histórico e social, não neutro de
33
transmissão de conhecimentos e, portanto, passível de mudanças e constituinte de
identidades individuais e sociais. Assim, o multiculturalismo crítico também não pode
conceber estas diferenças culturais e sociais separadamente das relações de poder.
Ainda segundo o autor, a perspectiva crítica do multiculturalismo pode ser dividida
numa concepção pós-estruturalista, que concebe a diferença como um processo
lingüístico e discursivo e com uma concepção mais materialista, em que as
instituições estariam na base da produção dos processos de discriminação e
desigualdade baseados na diferença cultural (MOREIRA, 2001).
Segundo Denise Cogo (2000) o multiculturalismo é resultado das intensas
migrações provocadas pela globalização e que, através da heterogeneidade, marca
a experiência migratória. Os migrantes desenvolvem várias identidades
simultaneamente com mais de uma nação. O multiculturalismo permite, então, o
reconhecimento da diversidade cultural e a proteção das culturas minoritárias.
Banks (1999) apresenta um aspecto da educação multicultural pelo qual não
se deve enfatizar alternativas (isto ou aquilo), mas, sim, ampliar as alternativas (isto
e aquilo). Assim, cada atividade trabalhada na perspectiva multicultural estará
integrada numa proposta ampla, ou seja, que não se reduz a uma iniciativa isolada.
Outro aspecto se relaciona às estratégias utilizadas para se transformar o currículo
na perspectiva da introdução à sensibilização da diversidade cultural. Ele distingue
quatro abordagens indicando diferentes níveis de mudança curricular: 1) O mais
elementar é o que ilustra (sem afetar o currículo formal) as contribuições das
diferentes culturas através da introdução no cotidiano escolar de comemorações
(datas, eventos e acontecimentos) específicos relativos às diversas culturas; 2) A
abordagem aditiva é aquela inserida no currículo formal acrescentando
determinados conteúdos em diferentes disciplinas sem afetar a sua estrutura básica;
3) O enfoque transformador, que em contraste ao aditivo, reestrutura o currículo em
sua própria base, de modo a permitir que os estudantes trabalhem conceitos, temas,
fatos, originados das diferentes tradições culturais; 4) Da ação social, expande a
transformação curricular à possibilidade de desenvolver projetos e atividades
agregando envolvimento e compromisso com diferentes grupos culturais, onde
favoreça a relação teoria/prática em relação à diversidade cultural.
Percebe-se em Banks uma consonância com Peter McLaren no que diz
respeito ao multiculturalismo. No seu modo de ver, a educação multicultural é um
movimento reformador que almeja realizar mudanças no sistema educacional. Banks
34
vê como finalidade da educação multicultural contribuir para que todos os
estudantes desenvolvam “habilidades, atitudes e conhecimentos, necessários para
atuar no contexto da sua própria cultura étnica, da cultura dominante, assim como
interagir com outras culturas e situar-se em contextos diferentes dos de sua origem”
(BANKS; 1999 p.2). Ele afirma que são muitos os paradigmas formulados para
explicar o fracasso escolar. Um deles é a diferença cultural partindo da afirmação de
que as diferentes culturas possuem linguagens, valores, símbolos e estilos de
comportamentos diferentes. Estes têm de ser compreendidos na originalidade das
relações, nos mecanismos que geram significados e que provocam transformações
nas instituições, na sociedade e na cultura. Com esta perspectiva, percebe-se um
aspecto que McLaren reconhece no educador - um agente revolucionário preparado
para criticar o currículo e sua prática - argumentando que as representações de
raça, gênero, classe, cor de pele, religião, deficiência e cultura são produtos de lutas
sociais e de processos interligados, que ocorrem em diferentes formas e situações e
que a formação de identidade ocorre dentro do processo da globalização. Ele afirma
que as diferenças são determinadas pelos processos históricos, mentalidades,
ideologias e disputas de poder que mobilizam nações portadoras das formas da
oralidade (linguagem e discurso) que continuamente deslocam e alocam valores,
símbolos e significados ao mesmo tempo em que os produzem. Assim, o autor
destaca as contribuições desta perspectiva para elaboração de um currículo crítico:
[...] um currículo multiculturalista crítico pode ajudar as educadoras a
explorarem as maneiras pelas quais alunas e alunos são
diferencialmente sujeitados às inscrições ideológicas e aos
discursos de desejo multiplamente organizados, por meio de uma
política de significação (MCLAREN, 2000, p. 131).
Em outro paradigma citado por Banks, a Privação Cultural considera a cultura
de origem dos alunos como o maior problema e não a cultura da escola. Neste
sentido, a diversidade cultural é hierarquizada, pois “desvaloriza determinadas
culturas e suas especificidades e reduz o papel da educação a uma função de
compensação cultural” (CANDAU, 2002, p.85). Pela visão multicultural, as relações
entre as culturas não podem ser analisadas numa perspectiva hierarquizadora e
opõem-se ao primeiro paradigma deslocando o cerne da questão. Por esta, o que
precisa ser mudado não é a cultura do aluno, mas a cultura da escola, construída
35
com base num único modelo cultural, o hegemônico. Essa questão torna-se de
grande importância para o ensino de arte quando consideramos que o professor
desta disciplina precisa conhecer e reconhecer os códigos visuais e estéticos
presentes na comunidade escolar. Como exemplo, a composição étnica e social da
comunidade escolar, “o quanto ela é heterogênea, quais seus pontos de encontros e
desencontros” (RICHTER, 2002, p. 90), de maneira a utilizá-los como seu referencial
e ponto de partida, para construir a abordagem metodológica e os conteúdos a
serem trabalhados.
Banks (1999) afirma que a escola envolve uma conceituação mobilizadora de
mudança social a partir do próprio ambiente educacional, onde estudantes de todas
as classes sociais, raças, etnias e gêneros terão oportunidades de sucesso.
Portanto, a escola ainda é um espaço privilegiado para crianças, jovens e adultos de
camadas populares terem acesso ao conhecimento artístico e científico.
Paulo Freire dá base a essa concepção ampliando a escola além de seu
espaço físico. Segundo ele, a escola deve entender e perceber a realidade local
(incluindo a vida dos estudantes) como possibilidade de espaço de formação,
aproveitando referências múltiplas, estimulando a vontade de saber mais, a
identidade e a autonomia. Nesse caminho, o ato da repetição dará lugar ao ato da
criação e recriação de novos territórios para o conhecimento e ação do sujeito
(FREIRE, 1996). Na maioria das vezes, a escola cumpre apenas o papel
fundamental de ler e redimensionar os modos como as pessoas vivenciam suas
identidades e é neste espaço que as relações sociais manifestam-se de diversas
maneiras, produzindo, inclusive, formas de preconceito e controle. Com isso, as
teorias de Paulo Freire se tornam importantes na efetivação de um currículo que
questione os modelos prontos e traga o conflito para arena do cotidiano escolar. A
postura anti-discriminatória e anti-segregacionista de Freire apresenta-o como um
dos mais importantes teóricos do movimento de ruptura com o paradigma moderno
de educação, na busca pela instauração do que hoje denominamos de paradigma
da inclusão através da crítica social e de si mesmo.
Paulo Freire (2004) afirma que a pedagogia do oprimido “tem de ser forjada
com ele, e não para ele, enquanto pessoa ou povo, na luta incessante de
recuperação de sua humanidade” tendo como base desta pedagogia o diálogo,
principal instrumento para a educação como prática libertadora. Paulo Freire vê o
diálogo como instrumento essencial para quem exerce o papel de educador-
36
libertador. Para ele, o diálogo transforma as relações de poder e ocorre quando os
agentes da relação se comprometem com o pensamento libertador que só se
concretiza quando há esperança. Dessa forma, ele passa a ser um caminho através
do qual os homens ganham e dão significados que os libertam. Neste sentido, o ato
de dialogar passa a ser cultura, pois pensar o mundo é julgá-lo, é expressar juízos.
Ao fazê-lo, assume-se a consciência de testemunha de uma história em que se sabe
autor e responsável por ela. É mister que o diálogo seja verdadeiro para que se
tenha significados também verdadeiros e críticos, objetivando superar, assim, a
contradição que se instaura entre opressor-oprimido. Para tanto, penso que o
diálogo se inicia na busca do conteúdo programático, quando o educador está
preparando a abordagem dos seus encontros com os alunos. No caso que citei do
episódio da exposição dos orixás, o professor poderá utilizar como referencial as
visualidades das esculturas para exaltar a riqueza da arte africana e compor uma
articulação desta arte com outra visão de arte e, assim, pontuar os pressupostos da
“Pedagogia do Oprimido”. Se os professores privilegiarem temas que sejam
significativos para a compreensão da história do negro no Brasil, evidentemente, o
seu diálogo não se concentrará na depreciação da imagem do negro nem na
escravidão. Portanto, cabe a nós professores buscar novos conhecimentos, através
dos quais os alunos negros e não negros busquem compreender que os afro-
brasileiros possuem uma história cultural milenar e que ela é parte integrante da
história da humanidade.
Por isso é que, acrescento que quem tem o que dizer deve assumir
o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que,
quem escuta diga, fale, responda. É intolerável o direito que se dá a
si mesmo o educador autoritário de comportar-se como proprietário
da verdade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela.
Para ele, quem escuta sequer tem tempo próprio pois o tempo de
quem escuta é o seu, o tempo de sua fala. Sua fala, por isso
mesmo, se dá num espaço do silenciado e não num espaço com ou
em silêncio. Ao contrário, o espaço do educador democrático, que
aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio intermitente de
quem, falando, cala para escutar a quem, silenciado, não silenciado,
fala. (FREIRE, 1996, p. 132)
Acrescento ainda a visão de Humberto Maturana que, embora seja biólogo,
traz um olhar bastante significativo sobre o campo da educação. Maturana tece
37
comentários sobre a linguagem, considerando-a fundamentada nas emoções. Para
ele, ambos (linguagem e emoções) ocorrem na medida em que convivemos, na
medida em que nos relacionamos “linguageando”
5
nos espaços relacionais. Estes
últimos são considerados fundamentais porque constituem os ambientes nos quais
se dão as relações e o fluir acontece. Nestes espaços, o intervalo é algo que não
existe e a educação é, nesta condição, permanente e contínua. Neles, todas as
ações vão delineando a pedagogia desse processo de aprendizagem, o da
convivência. Assim, o efeito de conviver relacionalmente provoca a incessante
manutenção desse sistema, pois nele, e através dessa convivência, ocorre a criação
e recriação da vida, das realidades e também das autonomias de modo
relacionados. Estas concepções confluem com as do multiculturalismo e reforçam a
importância de promovermos momentos de diálogo sobre temas diversos para
oportunizar aos nossos alunos o exercício do discurso, do “linguagear”,
compreendendo que este processo oferece a eles a oportunidade de legitimar suas
opiniões, de “autoria” de discurso, de autonomia da fala e de empoderamento.
Aspectos estes que são provocantes por deslocarem os alunos de uma zona de
conforto para outra de conflito e também servem como intervenientes para as
transformações nas maneiras como eles vêem o outro e como os professores os vê.
Vejo que as preocupações relacionadas à educação, por compreenderem
vastas áreas do conhecimento, ecoam como uma espécie de provocação que nos
exige cada vez mais atitudes diante de antigas necessidades humanas/sociais, já
nos tem dado o enorme testemunho de que a educação multicultural não surgiu
apenas por motivos pedagógicos mas, principalmente, por razões sociais, políticas,
ideológicas e culturais.
A pedagogia multicultural contribuiu para o surgimento do que se pode
chamar de reações anti-racistas, anti-sexistas, anti-homofobicas e anti-autoritárias,
além de preocupar-se em melhorar as relações humanas. (McLaren, 2004). A
perspectiva multicultural apresenta um amplo horizonte para o desenvolvimento da
pesquisa e do debate sobre as questões relativas ao papel da escola na nossa
sociedade, ao cotidiano escolar e à formação de professores. Ela se tornou um
aporte consciente para reconhecer aqueles que são diferentes, um meio de
5
Termo derivado do substantivo linguagem, usado por Maturana (linguagear) na forma verbal para
designar as ações que temos no conviver, porém aqui adaptado para o gerúndio. Grifo meu.
38
equidade de direito e de respeito mútuo entre pessoas de todas as comunidades,
países e todas as raças.
Contudo, sua efetivação nos modos de uma educação multicultural não se dá
por ações ou princípios simplificados. Ela sugere o exame de alguns mecanismos
que possibilitem a viabilidade de emergir culturas submersas pelos traumas
causados pela linguagem e o discurso dominantes.
Explicando melhor algumas das dimensões de uma educação multicultural,
preciso antes pontuar um aspecto de democracia que nos fala McLaren (2000): as
sociedades que não conseguem se organizar de forma que todos os cidadãos
tenham direitos e deveres iguais, mas se organizam em torno de causas nacionais e
particulares. A esse respeito, ao observar os modos como tais comportamentos são
assimilados e reproduzidos por seus participantes com efeitos, inclusive, práticos,
parece-me que eles ocorrem de modo bastante inconsciente.
Esse comportamento parece se fundar através de ritos do cotidiano nos quais
as coisas vão sendo organizadas e ordenadas, delineando os sistemas
classificatórios e dominantes de suas operações interiores. Em tais ritos cotidianos e
através de sistemas classificatórios, os significados vão sendo construídos por via
de sistemas simbólicos. McLaren, ao citar Hall, apresenta um exemplo que nos
ajudar a compreender esse processo: “...o pão que é comido em casa é visto
simplesmente como um objeto cotidiano” “...o pão especialmente preparado e
partido na mesa da comunhão torna-se sagrado podendo simbolizar o corpo de
cristo”. (Hall apud McLaren, 2000, p.273). Com tal exemplo, percebo que um fator
comum às questões do ritual e do cotidiano é o caráter social. Ambos ocorrem no
domínio do social. Isso me leva a pensar que a constituição de sistemas se dá nas
relações (em casa, na igreja, no trabalho, nas ruas, na escola) ou, como chama
Maturana (1998), nos espaços educativos. Inserem-se nessas relações, também, os
meios pelos quais os quais seus agentes assumem autoria e empoderamento.
A linguagem e o discurso como formas do exercício de suas oralidades os
conduziriam, também, ao exercício da capacidade de distinguir e de fazer juízos. A
saber, as realidades percebidas poderão ser equivalentes ao número de
participantes de uma relação, bem como as posições e identidades ali envolvidas.
Essa visão torna-se enriquecida na visão de Maturana por não atribuir neutralidade e
descomprometimento ao ser humano com relação ao que percebe. Para Maturana
(1998), o ser humano é também influenciado na medida em que é afetado pelas
39
realidades que o tocam, e os juízos que ele emite o constituem diferentemente dos
demais observadores.
Se a matéria-prima do pensamento são gestos, idéias, emoções, imagens e
palavras, pensamos que é do outro o ato de nomear aquilo que vemos – as
imagens. Isso nos convida a quase concluir que o ato de construir realidades é
apenas mental. Por sorte, sendo também social, o pensamento “fornece as auto-
definições a partir das quais as pessoas agem, negociam as várias posições de
sujeito e assumem o processo de nomear e renomear as relações entre elas
próprias” (McLAREN, 2000, p.34). Se a linguagem é capaz de fornecer “...as auto-
definições a partir das quais as pessoas agem”, torna-se raso perceber que ela pode
ser mobilizada em termos de – condição pedagógica para o exercício crítico do
sujeito – interrogar as suposições sobre as quais suas experiências se constroem no
contexto em que se inserem.
Colocando de outra maneira, o uso da linguagem numa educação
multicultural implica no exercício de suas dimensões como proposta pedagógica,
oferecendo aos alunos a oportunidade de extrair de suas próprias reflexões sobre o
mundo uma compreensão sobre suas narrativas, chegando às auto-definições que o
impelem para as ações. Ações estas que são também tratadas por Maturana (1998)
como o efeito de agir, tomado pela definição de autoconsciência. O autor argumenta
que a autoconsciência não se encontra no cérebro, mas “... pertence ao espaço
relacional que se constitui na linguagem fundamentada nas emoções” (1998, p. 36).
Para ele, “A operação que dá origem à autoconsciência está relacionada com a
reflexão na distinção do que distingue que se faz possível no domínio das
coordenações de ações no momento em que há linguagem” (MATURANA, 1998, p.
28). Nesse sentido, linguagem aqui passa a ser compreendida não como processo
cerebral, mas como espaço edificado por meio de ações comuns. Suas dimensões
são aquilo que constitui os observadores: as distinções, os juízos e as narrativas.
Pensando dessa forma, chego à concepção de que, embora o multiculturalismo não
tenha surgido apenas por motivos pedagógicos, duas de suas dimensões
(linguagem e discurso) germinam a noção que faço sobre as propriedades de uma
educação multicultural.
Assemelhando-se à visão de McLaren sobre o pluralismo liberal, este tipo de
educação não seria uma que neutralize as características particulares e relevantes
de seus participantes em favor das características particulares de alguns, nem outra,
40
que neutralize ambas as características, como se fosse provável o consenso e a
ordem compartilhados por todos e alguma forma essencialmente pura,
essencialmente branca. A educação multicultural que destaco enfatiza a diversidade
de vozes, de opiniões, de características, de raça, do eu e do outro abertos entre si.
Empreende a consciência de que as diferenças como etnia, gênero e classe social,
por exemplo, não são medidas para qualquer julgamento sobre quem pode e quem
não pode ter acesso à educação. Essas servem para que ela se paute pelas
distinções, no sentido de incluí-las valorizadas, partindo da concepção de que todos
podem aprender independente dessas diferenças. Para esta proposta de educação,
não só “o pão terá o seu valor, mas também o vinho, a cachaça, o leite, a água” etc.
consagrados em processo de construção conjunta de sentidos.
Em outras palavras, significa dizer que, sendo observado os valores de várias
culturas, os indivíduos, ao tentarem se organizar como cidadãos do mundo,
considerariam os demais em torno de causas nacionais coletivas. Isto, posto que os
indivíduos que reproduzissem tais valores como sendo também seus destacariam
também os valores dos demais agentes ao colocá-los em prática nos seus
cotidianos.
Esta aproximação implicaria, ainda, na atitude produtiva e participativa de
toda a comunidade educativa (professores, alunos, pais, administração e agentes da
comunidade), sua implementação nos suportes oficiais efetivos e o envolvimento
das comunidades. Nesse sentido, ao dar visibilidade os conteúdos da história e da
cultura negra no currículo escolar de forma a possibilitar interpretações que
valorizem as imagens e os modos como vemos e pensamos sobre os negros,
estaremos sendo coerentes com a perspectiva multicultural, viabilizando
reconhecimentos, visibilidades e participações outrora negados e camuflados.
Penso ser mister reconhecer as tendências da configuração multicultural
brasileira a partir do reconhecimento da nossa própria formação histórica, desde o
início pautada por processos migratórios dos quais fizeram parte, cruel e
forçosamente, os negros, fragmentados em pertencimentos dual denominado
“pessoas traduzidas”.
6
No Brasil vêm crescendo, principalmente nos anos 1980 e 1990, uma nova
consciência das diferenças culturais presentes no terreno social e um incisivo
6
Stuart Hall nos fala sobre pessoas pertencerem ao mesmo tempo a dois lugares (2000).
41
questionamento do mito da “democracia racial” - ideologia do branqueamento com
objetivo de propagar que não existem diferenças raciais no país e que todos aqui
vivem de forma harmoniosa, sem conflitos ou, como denomina Fernando
Rodrigues,
7
“racismo cordial”.
Na abertura oficial das comemorações dos 500 anos do descobrimento do
Brasil, o então presidente Fernando Henrique Cardoso proferiu um discurso no qual
dizia:
Somos talvez a maior nação multirracial e multicultural do mundo
ocidental, senão em números de habitantes, na capacidade
integradora da civilização que fundamos. Essa diversidade e sua
mestiçagem constituem a marca do nosso povo, o orgulho de nosso
país, o emblema que sustentamos no pórtico do nosso século. E
essa identidade dá-nos a base para a entrada do novo milênio, o da
civilização global, nos distingue pelos valores de tolerância que
reflitamos, a partir dela, o quanto conseguimos caminhar nesses
500 anos.
8
Embora o próprio presidente tenha reforçado nosso status de nação
multicultural e diversificada onde, apesar de toda nossa realidade de desigualdades
sociais, ainda somos uma nação culturalmente rica, temos o exemplo de vários
movimentos sociais como o movimento negro, grupos indígenas (MID – Movimento
Índio Descendentes)
9
, movimentos feministas etc., que têm reivindicado um
reconhecimento e uma valorização mais eficaz de suas identidades culturais. São
esses movimentos que levam para a educação a denúncia do racismo e da
discriminação, da visão etnocêntrica da cultura, da não-consideração de que existem
diferentes identidades, induzindo-nos a repensar a estrutura educacional e da
escola.
Neste sentido, os efeitos das reivindicações que rompem o campo da
educação buscando caminhos que possibilitem incorporar a diversidade cultural no
cotidiano escolar, temos como exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais
7
Fernando Rodrigues é repórter especial da Folha de S. Paulo. Racismo Cordial (1998, p.11).
8
Cogo, Denise. Multiculturalismo e Campo Midiático: “narrativas sobre as identidades nos 500 anos
de Descobrimento do Brasil” (p.2).
9
São mais de 220 etnias espalhadas por todo território nacional e contam com um forte movimento,
organizado e atuante e que têm exigido uma educação que respeite seus costumes, sua língua e sua
visão de mundo.
42
(PCN) proposto pelo Ministério de Educação e Desporto como um dos temas
transversais, que passou a justificar a inclusão:
Tratar da diversidade brasileira, reconhecendo-a e valorizando-a, e
da superação das discriminações aqui existentes é atuar sobre um
dos mecanismos de exclusão, tarefa necessária, ainda que
insuficiente, para caminhar na direção de uma sociedade mais
democrática.
É um imperativo de trabalho educativo voltado para a cidadania,
uma vez que tanto a desvalorização cultural – traço bem
característico da nossa história de país colonizado – quanto a
discriminação são entraves à plenitude da cidadania para todos,
portanto, para a própria nação (p. 4).
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN - está expresso que o dia 13
de maio, Dia da Abolição da Escravatura será resignificado como Dia Nacional de
luta Contra o Racismo, que o dia 20 de novembro traga a figura guerreira de Zumbi
dos Palmares para marcar o Dia Nacional da Consciência Negra e o dia 21 de
março como Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Estas datas estão no calendário escolar. No entanto, este documento não vislumbra
medidas objetivas que possam indicar possibilidades concretas de mudanças
sociais. Penso que é necessário uma revisão dos currículos e materiais pedagógicos
em todos os níveis de ensino, principalmente dos livros didáticos, nos aspectos que
abrangem a cultura e política do povo negro, inserindo-os na pauta da comunidade e
do currículo escolar.
Percebe-se que a inclusão da cultura negra no currículo e o tema transversal
(que perpassa as matérias) chamado Pluralidade Cultural nos Parâmetros
Curriculares Nacionais foi um avanço conquistado pelos movimentos sociais, mas
traz anexa a exigência de uma postura diferenciada que poderia ser sua
resignificação de maneira valorada e positiva.
O tema multiculturalismo, aqui, serve para sustentar a existência da
pluralidade cultural brasileira, representada pelas ações positivas e pelos valores
humanos que reivindicam seu espaço e seu direito. Inclui-se nesse ínterim os
aspectos da cultura negra como valores e as escolas como espaços de direitos
inclusive dessa cultura. As escolas poderão fazer uso dela em praticamente todas as
disciplinas (Lima, 2002), no sentido de se construir outras visões e leituras que
43
reconheçam e valorizem tais aspectos, em detrimento de antigas concepções
reproduzidas com freqüência.
Deflagrando a Lei 10.639/03
Embora o MEC tenha definido uma meta de 30% de pessoas em idade
universitária matriculadas no ensino superior até o final desta década, para a autora
Cidinha da Silva (2003), será muito difícil que essa meta seja cumprida obedecendo
a critérios mínimos de qualidade de ensino.
Segundo o parecer das diretrizes, o governo federal, a partir do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, assume o compromisso de redefinir o papel da Nação
como propulsora das transformações sociais, reconhecendo as disparidades raciais
na sociedade brasileira no intuito de eliminar estas desigualdades. Nesse contexto, o
governo federal sancionou a Lei 10.639/03 – MEC que altera a LDB (Lei Diretrizes e
Bases) e estabelece as Diretrizes Curriculares
10
para a implementação da mesma.
Esta lei traz em seu segundo parágrafo o seguinte: “Os conteúdos referentes à
História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de literatura e Histórias
Brasileiras”. Essa decisão a intenção de resgatar historicamente a contribuição da
população negra na construção e formação da nossa sociedade (ex-ministra Matilde
Ribeiro, 2004). Logo após o sancionamento desta Lei, criou-se a Seppir (Secretaria
Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial) e instituiu-se a Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
A secretaria (Seppir) tem por objetivo contribuir para a redução das
desigualdades educacionais por meio da participação de todos os
cidadãos, em especial de jovens e adultos, em políticas públicas que
assegurem a ampliação do acesso à educação continuada. Além
disso, a secretaria responde pela orientação de projetos político-
pedagógicos voltados para os segmentos da população vítima de
discriminação e de violência (fonte: http://portal.mec.br/secad
).
Segundo a então ministra chefe da Seppir, Matilde Ribeiro, o principal
objetivo desses atos é promover alterações positivas na realidade vivida pelos
10
Ver anexo B em Anexos
44
negros, buscando reverter os efeitos de preconceitos, discriminação e racismo
arraigados pela sociedade brasileira.
Será que, a partir destas diretrizes, é possível suprir os ecos silenciados de
épocas remotas, mas, ao mesmo tempo, tão recentes? Ou eles haverão de se
arrastar por mais algumas centenas de décadas? Estes são alguns questionamentos
que trago para elucidar a urgência de uma educação multicultural que possibilite a
reversão da opressão por diversos aspectos de classes historicamente
marginalizadas para uma relação de reconhecimento e valoriza de suas
importâncias.
Reiterando esses questionamentos, ainda hoje, ocorrem em vários lugares
movimentos sociais que reivindicam direitos como, por exemplo, o cumprimento da
Lei 10639/03. Isto me leva novamente a questionar se o que se tem feito não é
ainda pouco diante dos prejuízos causados pela exclusão destas classes oprimidas?
Como finalidade, a Lei prevê que seja eliminada a forma que a imagem do
(a) negro (a) tem se apresentado nos materiais didáticos e para-didáticos utilizados
direta e/ou indiretamente pelas escolas, como pode ser vista nas figuras abaixo.
Fig. 03: Ilustração da turma do Sítio do Pica Pau Amarelo. Monteiro Lobato, Fonte:
www.miniweb.com.br
45
Neste caso (Fig. 03), trata-se de uma ilustração de uma das obras mais
conhecidas pelo público infantil (O Sítio do Pica Pau Amarelo, Monteiro Lobato),
transmitida para este público tanto de maneira impressa como televisiva. A única
figura negra é a empregada e aparece de maneira caricaturada com lábios
excessivamente grossos, gorda, usando chinelos, com ferramentas de trabalho (a
colher, o avental e o lenço), e posicionada atrás da cadeira da “sua senhora” e de
todos os demais. Se a personagem Tia Anastácia é revelada assim, associa-se a
figura do negro ao trabalho. Entende-se que seu espaço é reduzido ou que é menos
bonita e menos merecedora de respeito que os demais e, portanto, deva usar
apenas vestimentas de sua classe social (a colher, o avental e o lenço), ou seja, a
serviçal.
Temos abaixo três ilustrações que retratam como, algumas vezes, o negro ou
sua cultura são vistos. A figura 04 foi retirada de livros de referência de um professor
da primeira fase do ensino fundamental. São livros normalmente denominados de
apoio pedagógico. A figura 05 é “suporte” para ilustrar o Dia do Folclore, ou até
mesmo um projeto folclórico. A figura 06 é um desenho feito por um aluno da Escola
Municipal João Braz, na cidade de Goiânia, que mostrar uma imagem que retrata
apenas uma visão da história (do estigma de pobreza representada pela vestimenta
e a fisionomia da criança no braço da mulher, da escravidão representada pela
ferramenta de trabalho).
Fig. 04
Fonte: Datas Comemorativas:
Comemorando com Projetos Ed.
Claranto, 2002, p. 44
Foto: Ivaina Oliveira
46
Fig. 05
Fonte: Garcia, E. Minhas
Descobertas, Alfabetização, Ed
N. Geração PNLD, 2004
FNDE/MEC, p. 201
Foto: Ivaina Oliveira
Fig. 06
Fonte: Trabalho do aluno Carlos
na E. M. João Braz, Goiânia-GO,
set/2006.
Foto: Aleones de Castro
Relações raciais, multiculturalismo e currículo são temas imbricados. Na
educação, são temáticas que não só estão conectadas umas com as outras como,
também, emergem juntas. Não é possível abordar multiculturalismo e currículo sem
problematizar as relações raciais na escola (Gonçalves e Silva, 1996). Esta
preocupação está presente também nas pesquisas de Candau (2002), professora
titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro com Pós-doutorado em
47
Educação pela Universidad Complutense de Madrid e coordenadora do grupo de
Pesquisas sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s), através do qual tem
desenvolvido sistematicamente pesquisas sobre as relações entre as culturas e a
educação na sociedade brasileira. Para ela, a questão multicultural no Brasil
apresenta uma configuração peculiar à nossa formação multicultural que, devido as
heranças do currículo eurocêntrico, deixaram as etnias indígena e africana
relegadas à inferioridade ou, até mesmo, em certos casos, ao abandono total e à
exclusão, onde “as relações interétnicas têm sido uma constante através de toda
nossa história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que diz respeito
aos grupos indígenas e afro-descendentes” (CANDAU, 2002, p.84).
Os materiais didáticos, por exemplo, com suas formas tradicionais de
estereótipos
11
atribuídos aos não-brancos, influenciam a não identificação por parte
de alunos negros com a cultura negra. Incluem-se aí crianças que rejeitam seus
traços da herança étnica, ressaltando apenas as outras características de sua
suposta herança branca.
Neste sentido, reporto-me a Paulo Freire quando ele argumenta que a
vocação natural de todo ser humano é ser mais e não ser menos. O sentimento de
ser menos ocorre e, às vezes, se cristaliza. É quando o sujeito “oprimido” se
encontra em permanente situação-limite e onde o sujeito “dominador” aparece,
sempre, como o vencedor que usurpa/detém o poder sobre a produção econômica e
cultural. Se os educandos marginalizados (“à margem de”) estão assim intitulados, o
melhor para eles seria “integrá-los”, incorporá-los a uma sociedade sadia de onde
um dia vieram. Desta forma, os alunos negros terão a oportunidade de fortalecer o
direito de serem mais valorizados e culturalmente mais respeitados. E os alunos
não-negros terão a oportunidade de compreender que ninguém pode ser mais nem
considerar que o outro pode ser menos, pois, ao violentar e proibir que outros sejam,
serão igualmente racistas.
11
Estereótipo, termo muito utilizado para as representações sociais, institucionalizadas e
reducionistas. São representações sociais porque pressupõe uma visão compartilhada que um
coletivo social possui sobre outro coletivo social. São reiteradas porque são criadas com base na
repetição. À base de rigidez e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; o seu
objetivo é, na realidade, que não pareça formas da realidade. Finalmente, são reducionistas porque
reduzem uma realidade complexa em algo simples. ”(FERRÉS/1998, p.135). Possui um caráter de
opinião preconcebida, transmitida entre os pares de uma coletividade; conceito bem próximo de
preconceito. Sant`Ana define o termo como tendência à padronização que elimina as qualidades
individuais e as diferenças e sem caráter crítico nas opiniões sustentadas. (SANT`ANA, 2004 apud
SECAD, 2006)
48
O que tenho dito sem cansar e redito, é que não podemos deixar de
lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos [...]
trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas
dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua
fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno do
chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes em torno da
saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos
santos, dos conjuros (FREIRE, 1996, p. 85-86).
Segundo Silva (2001), pesquisas realizadas nos Estados Unidos e também
no Brasil apontaram algumas dificuldades que as crianças negras têm para se auto-
representar através do desenho. Geralmente, elas se auto-representam através dos
traços morfológicos da população branca. Até mesmo os esboços de agrupamentos,
tais como as favelas, os quilombos urbanos e rurais, aparecem como configurações
territoriais depreciativas desmembradas de um passado e de um presente histórico
comum ao descendente africano. Ana Célia Silva (2001) considera fundamental o
reconhecimento destes estereótipos como uma variável importante para explicar o
fracasso escolar das crianças negras na escola.
Essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o
privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades
dominadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de
representação racial, o texto curricular conserva, de forma evidente
as marcas da herança colonial. O currículo é, sem dúvida, entre
outras coisas, um texto racial (SILVA, 2001, p.102).
Assim, uma abordagem multicultural na práxis pedagógica deve perpassar o
reconhecimento desse tipo de formação social (que frequentemente ainda ocorre) de
forma recíproca entre nossos participantes concidadãos. E deles fazem parte os
negros. Vejo, então, a necessidade das ações positivas que procurem melhor
entender, valorizar e viabilizar as demandas que caracterizam nossa formação
social.
Se a educação está centrada na dominação cultural da elite branca, o
multiculturalismo - por ser uma estratégia de orientação educacional para os
problemas das diferenças culturais na instituição escolar - reconhece a alteridade e
49
o direito à diferença dos grupos minoritários como negros, índios, homossexuais,
mulheres, deficientes físicos e outros que se sentem excluídos do processo social.
50
“A educação é um direito humano e um fator fundamental
para quebrar o ciclo de pobreza e promover a inclusão
social”(Matilde Ribeiro – ministra da Séc. Esp. de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial – Seppir)
Diversas formas de violência e exclusão social estão presentes nos múltiplos
cenários sociais, políticos e culturais que compreendem o histórico das sociedades
contemporâneas (McLaren, 2000).
No Brasil, esses cenários refletem, dentre outras causas, a má formação do
Estado. Criado sob a tradição conservadora, autoritária, patriarcal e patrimonialista,
mantêm parcelas significativas de crianças, adolescentes, negros e indígenas
brasileiros sob o atestado de sofrimentos históricos político educacional excludente.
Para se compreender a gravidade da exclusão e a necessidade de novos
parâmetros, sobretudo educacionais, deve-se, ao menos, fazer um retorno ao
período marcado pela escravatura no Brasil. Nele, percebe-se como as decisões
governamentais têm sido tomadas em prol de interesses político-econômicos que
privilegiam uma elite nacional que só providenciou a abolição da escravatura ao
percebê-la como empecilho para integrar o país nos mercados internacionais e
bloquear o desenvolvimento das classes sociais e do mercado de trabalho. O
movimento de independência, por exemplo, “preservou as elites nacionais no poder,
manteve a nação dividida entre senhores e escravos e não criou um sistema
educacional público de qualidade. Não se construiu, também, espaços em que as
discussões e reivindicações dos movimentos populares tivessem lugar...” (Fonte:
www.educarede.org.br
).
Ainda há grupos escolares que recebem negros porque é obrigatório,
porém os professores menosprezam a dignidade da criança negra,
deixando-os de lado para que não aprendam, e os pais pobres e
desacorçoados pelo pouco desenvolvimento dos filhos resolvem tirá-
lo da escola e entregar-lhes serviços pesados (Olimpio Moreira da
Silva, “O que foi a raça negra”, A Voz da Raça, ano l no 32, fevereiro
de 1934, pg. 2).
51
Mais adiante, com a inserção das nações no mercado internacional, o Estado
investe em seus interesses pela educação, na criação das escolas de formação
técnica com currículos pré-determinados, para atender às demandas de mão de
obra especializada do mercado nacional. Com isso, abriu-se um grande abismo
entre aqueles que sabiam ler e escrever (minoria) e os que não sabiam ler nem
escrever (maioria). Esta característica de não saber ler e/ou escrever solapou essa
maioria para condições reservadas à marginalidade, discriminação e processos
migratórios em busca de melhores condições de vida, dando origem a novos
espaços e grupos sociais variados.
Desse processo, é importante salientar dois aspectos. Primeiro, o uso da
educação como ferramenta para atender e privilegiar a supremacia branca,
causando um tipo de segregação: os técnicos (letrados) e os não técnicos (não
letrados). Isso conduziu essas parcelas sociais a outros processos de exclusão
social - acesso à saúde, educação, moradia, emprego – resultando, novamente, em
movimentos sociais que pressionam o governo a eqüalizar essas diferenças. O
Brasil passou por pressões de vários movimentos sociais no final dos anos 1980,
questionando a ambigüidade das orientações curriculares que evocavam práticas
pedagógicas sugerindo um tratamento de igualdade a todos. Seria nos anos 90 que
a relação entre educação e diversidade predominaria nos debates educacionais do
país.
O segundo aspecto foi a integração do país no processo que mais contribuiu
na eliminação das fronteiras comerciais, culturais e sociais, conhecido por
globalização. Neste aspecto tanto os direitos quanto os cidadãos são
constantemente negociados. As pressões sociais sobre o Estado para reverter este
quadro datam do século XVIII, contando com a edificação do conceito de igualdade
como princípio jurídico e com os esforços, sobretudo, dos EUA e França. Mas, de lá
pra cá, os direitos sociais conquistados são infinitamente negligenciados e
esmagados por uma minoria que insiste em decidir os rumos do Estado, da
população e da educação.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) em 2001, constatou que todas as políticas públicas em discussão universal e
que foram implantadas pelo governo brasileiro, desde 1929 até os dias atuais, não
conseguiram saldar a taxa de desigualdade racial no nosso processo educacional.
Os indicadores sociais desta pesquisa foram apresentados aos membros do
52
Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da
Justiça, apontando que entre os 53 milhões de brasileiros pobres, 63% são negros e
que, dos 22 milhões que ficam abaixo da linha de pobreza, 70% são negros. Os
números se tornam mais reveladores ao se levar em conta que os negros formam
46% da população brasileira. Se esses dados radiografam a desigualdade racial, ao
analisar o grau de escolaridade de brancos e negros, os pesquisadores se
depararam com índices que mostram, de forma ainda mais contundente, o quão
reduzidas foram as melhorias na educação dos negros desde o século 20.
Alguns grupos conquistaram dimensões antes não imaginadas como, por
exemplo, o movimento gay, que conquistou uma razoável aceitação social. As
mulheres já compreendem uma fatia significativa no mercado de trabalho. Os idosos
contam com alguns mecanismos facilitadores de suas necessidades. Ainda assim,
aspectos culturais como os de origem africana, continuamente utilizados nas
práticas diárias de muitos brasileiros, incluindo idosos, mulheres, homossexuais etc.,
permanecem ocultos nessas práticas desde o século XVI. Seus lugares em uns dos
mecanismos de formação social – a educação – ainda atém-se a uma visão
estereotipada. Mesmo o mecanismo citado permanece engessado em formatos
autoritários e militaristas que impedem sua própria reforma cultural e curricular
enquanto impele a reforma cultural dos alunos aos seus moldes.
Como já foi citado anteriormente, para J. A. Banks (1999) é preciso mudar a
cultura da escola e não a cultura do aluno, já que a escola é construída a partir de
um único modelo cultural, o hegemônico, apresentando um caráter monocultural.
Mas o problema é ainda mais profundo; nossos profissionais da educação sequer
receberam alguma formação sobre estes aspectos e, ainda, admitimos que salas e
mais salas de aulas de inúmeras escolas e universidades apresentem, no máximo,
um portador de deficiência física, quando nenhum. E enquanto os não-negros
estudam em média 6,6 anos, os negros estudam 4,4 anos. Essa distância, de 2,2
anos, é praticamente a mesma do início do século XX (IPEA, 2001).
A marca da sociedade e da cultura dominante é impressa em uma
variedade de práticas escolares, isto é, na linguagem oficial, nas
regras da escola, nas relações sociais na sala de aula, na seleção e
apresentação do conhecimento escolar, na exclusão de capital
cultural específico, etc. É desnecessário dizer que ela não é
simplesmente impressa ou imposta sobre a consciência ou sobre as
ideologias dos oprimidos. É sempre mediada, algumas vezes
53
rejeitada, algumas vezes confirmada. (...) É crucial reconhecer que
as escolas representam terrenos contestados na formação das
subjetividades, mas que esse terreno é tendencioso a favor da
cultura dominante (GIROUX 1996, p. 94-95).
A educação, enquanto política pública que fomenta programas de
desenvolvimento, inclusão e promoção social, não pode ficar alheia a esta realidade
e às suas funções sociais na construção do conhecimento, identidades pessoais e
comunitárias. Este cenário determina uma mudança nos currículos escolares,
ressaltando a necessidade de valorizar a diferença da diversidade, voltando o olhar
para a multiplicidade em que a sociedade tomou rumo. Neste sentido, é urgente a
promoção de ações como as políticas educacionais, o currículo, os materiais
didáticos e programas de formação dos professores que fomentem a diversidade em
que chegamos.
Em relação aos mecanismos ou ao funcionamento do ritual pedagógico,
entendido como a materialização da prática pedagógica vivenciada na sala de aula,
que exclui dos currículos escolares a história dos negros na sociedade brasileira,
Cavalleiro afirma que:
É flagrante a ausência de um questionamento crítico por parte das
profissionais da escola sobre a presença de crianças negras no
cotidiano escolar. Esse fato, além de confirmar o despreparo das
educadoras para relacionarem com os alunos negros evidencia,
também, seu desinteresse em incluí-los positivamente na vida
escolar. Interagem com eles diariamente, mas não se preocupam em
conhecer suas especificidades e necessidades...(CAVALLEIRO,
2000, p. 35).
A formação docente é, atualmente, prioritária para a mudança desse
contexto. Grande parte dos educadores ainda não reconhece a diversidade e a
diferença como aspecto social e, por conseguinte, não possui a capacidade de
análise para transformar a sua prática.
A educação voltada para igualdade racial pode ser concebida agregando a
educação multicultural que, segundo Banks e McLaren, tem como uma das
características reduzir o preconceito no cotidiano escolar, o que significa ter como
princípio básico o desenvolvimento de uma postura racial e étnica positiva nos
educadores e educadoras. Construir um relacionamento positivo com outros grupos
raciais deve ser estimulado cotidianamente.
54
O professor deve se reconhecer nesse espaço, opinar e ampliar sua própria
leitura do mundo. Mas, sobretudo, deve lembrar que admitir a existência e identificar
as práticas racistas no cotidiano escolar são passos para a prevenção da
discriminação. O grande desafio é romper com a ideologia da democracia racial
quando ainda nos deparamos com professores que não percebem ou não querem
perceber a questão do racismo na sala de aula. Alguns deles são bem formados,
algumas vezes até com pós-graduação, mas muitos não tiveram ainda a
oportunidade de refletir a respeito dessa problemática.
Propor uma melhoria na rede de ensino respaldada na igualdade implica
exigir políticas governamentais universalistas que, isoladamente, não atacam o
racismo, não reduzem a desigualdade racial no país. Elas, pelo contrário,
contribuem para reproduzir a separação existente entre negros e brancos na
estrutura de classes. Para corrigir essa deficiência do sistema educacional, também
são necessárias políticas públicas específicas em favor da população negra, como
os programas sociais que tratam à questão racial na prática, sob o nome de ações
afirmativas (assunto do próximo subtítulo).
55
“Ação afirmativa é uma iniciativa essencial de
promoção da igualdade.” (SILVA, 2003, p.20)
As ações afirmativas, como ficaram conhecidas, foram efetivadas graças às
conquistas do movimento negro dos Estados Unidos após décadas de lutas pelos
direitos civis. Mas elas não se restringem a este país. Na Índia, desde 1948, previa-
se medidas especiais de promoção dos Dalits
12
no parlamento, no ensino superior e
no funcionalismo público. Também, na Malásia, adotou-se medidas de promoção da
etnia majoritária (Buniputra), sufocada pelo poder econômico dos chineses e
indianos. Outros países como Israel, Nigéria, Colômbia e Canadá também adotaram
medidas especiais para a promoção da igualdade (Silva, 2003). Este termo ganhou
ênfase em 1963, quando o então presidente dos Estados Unidos J.F. Kennedy usou
a expressão “ação afirmativa” significando “um conjunto de políticas públicas e
privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao
combate à discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticados no passado” (Silva, 2003) (Gomes, apud
Domingues, 2005).
Domingues (2005) cita alguns objetivos das ações afirmativas: suscitar
transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, visando desconstruir o
imaginário coletivo da subordinação racial e/ou de gênero; proibir a discriminação no
presente; implantar a diversidade, dar visibilidade a grupos minoritários nos diversos
setores e mostrar que as gerações mais jovens podem investir em educação. O
objetivo pode ser, também, amenizar os efeitos psicológicos e culturais da
12
Dalits ou Intocáveis: parte miserável da população da Índia que, segundo a crença local, não
descende da divindade Purusha. Por isso, os dalits não possuem status social e, geralmente, são
considerados imundos, sendo constantemente proibidos de freqüentarem templos religiosos, escolas,
e até de trabalhar preparando comida para as castas superiores (SILVA, 2003).
56
discriminação do passado, que tendem a se perpetuar e que ainda permanecem na
discriminação velada.
Para a Cidinha da Silva, “o principal objetivo da ação afirmativa para
pessoas negras é combater o racismo e seus efeitos duradouros de ordem
psicológica” (2003, p. 20). Mas é, também, inserir mudanças de ordem cultural e de
convivência entre pessoas diferentes. Esta convivência acontece numa perspectiva
que só faz sentido ao se desconstruir as bases da desigualdade. Neste sentido,
efetivar um programa de ações afirmativas é fundamental para garantir aos seus
contemplados as condições materiais e simbólicas para que as dificuldades sejam
superadas.
Uma pesquisa realizada pelos economistas H. Holzer e D. Newhart acerca
de programas de ações afirmativas concluiu que elas promovem uma justiça
distributiva, aumentando o nível de emprego entre mulheres e minorias nas
organizações que a utilizam. As instituições que utilizam as ações afirmativas
recrutam, selecionam e avaliam os empregados de modo mais criterioso e que os
patrões engajados na ação afirmativa, que não perdem em nada o nível de
execução do trabalho pelos empregados (Domingues, 2005).
O Programa de Ações Afirmativas pauta-se por um conjunto de
ações que visam formular projetos específicos de fortalecimento de
grupos discriminados, com especial atenção para as mulheres
negras e a juventude negra, garantindo o acesso e a permanência
desse público nas mais diversas áreas (educação, saúde, mercado
de trabalho, geração de renda, direitos humanos e outros) (Fonte:
www.presidencia.gov.br/seppir).
A introdução dos debates sobre as Ações Afirmativas (AA) no Brasil ocorreu
na segunda metade dos anos de 90, intensificando-se e tomando proporções globais
a partir das propostas apresentadas pelo governo brasileiro (Fernando Henrique
Cardoso) na IIl Conferencia Mundial contra o Racismo: a Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância, que se realizou no início do segundo semestre de 2001
em Durban, África do Sul. No segundo parágrafo, esta proposta traz a seguinte
orientação:
...os principais institutos responsáveis pela produção e análise dos
indicadores socioeconômico brasileiros, notadamente IBGE e Ipea,
orientaram as discusões sobre a premência da adoção de políticas
de Ações Afirmativas no Brasil para produzir condições de eqüidade
para a população negra (pág. 17).
57
No seu plano de ação, a III Conferência Mundial recomendava, entre outras
medidas, que os Estados desenvolvessem “ações afirmativas ou medidas de ações
positivas, que promovem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a
ser vítimas de discriminação racial” (DOMINGUES, 2005). Em consonância com tal
orientação, alguns ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), estabeleceram
programas de ações afirmativas, dando preferência na contratação de empresas
prestadoras de serviços que incluíssem em seu quadro de funcionários
trabalhadores negros. O Ministério da Justiça e o Ministério da Cultura adotaram
cotas de 20% exercendo funções de direção e assessoramento superior desde
agosto de 2002. A partir de fevereiro de 2003, o Ministério de Comunicação do
Governo determinou que todas as campanhas publicitárias da Presidência da
República, dos Ministérios, das estatais e das autarquias federais deveriam respeitar
a diversidade racial brasileira.
O Rio de Janeiro foi um dos primeiros estados a promover as ações
afirmativas na área da educação, estabelecendo uma lei de cotas raciais como
forma de democratizar o acesso ao ensino superior em duas universidades
estaduais. Apesar de polêmico, o sistema de cotas das universidades do Rio de
Janeiro foi adotado posteriormente por outras instituições públicas de ensino
superior como a Universidade de Brasília (UnB).
Antes destas primeiras iniciativas de absorção das referidas ações nos
vários segmentos governamentais, particulares, sociais e culturais, há que se situar
as condições em que se encontravam as lutas sociais precursoras das Ações
Afirmativas. Em maio de 2000, o IBGE divulgou a pesquisa Síntese de Indicadores
Sociais de 1998, onde os resultados comprovaram que as diferenças existentes nas
áreas de educação, mercado de trabalho e apropriação de renda são movidas pelas
questões raciais. Na época, os presidentes destes órgãos (Sérgio Bessman e
Roberto Martins, respectivamente) reconheceram publicamente que as
desigualdades entre negros e brancos no Brasil é abissal e tão profunda que não há
como escondê-las por mais tempo e que, para minimizá-las, serão necessárias
políticas de ações afirmativas.
Essa desigualdade se manifesta mais efetivamente ao se relacionarem
questões de raça, índice de escolarização e condições econômicas. Entre as
crianças de zero a seis anos, 38% das brancas são pobres, enquanto 65% das
58
negras estão nessa condição. Na faixa etária dos sete aos catorze anos, a pobreza
atinge 33% dos brancos e 61% dos negros. Na faixa etária dos jovens de quinze a
vinte quatro anos, 22% dos brancos e 47% dos negros são pobres. O mais
preocupante é que há pouca possibilidade desse quadro ser revertido a curto prazo,
porque, segundo o coordenador nacional da pesquisa do IPEA, Ricardo Henriques,
em 13 anos, os brancos devem alcançar uma média de oito anos de estudos e a
projeção para os negros é de que eles cheguem ao mesmo resultado daqui a 32
anos. Ao apresentar o estudo, Henriques lembrou ainda que o Brasil melhorou o seu
desempenho em uma série de indicadores sociais na década de 90 mas ainda não
foi capaz de fazer com que a desigualdade entre negros e brancos diminuísse
(IPEA, 2001). Diante desses dados que mostram que o acesso e a permanência na
escola têm cor, tomo como referência as palavras da Profa. Eliane Cavalleiro, ao
afirmar que:
Nos últimos anos, alguns estudos têm demonstrado que o acesso e a
permanência bem sucedida na escola variam de acordo com a raça /
etnia da população. Ao analisar as trajetórias escolares dos/as
alunos/as negros/as, as pesquisas revelam que essas apresentam-
se bem mais acidentadas do que as percorridas pelos/as alunos/as
brancos/as. O índice de reprovação nas instituições públicas também
demonstra que há uma estreita relação entre a educação escolar e
as desigualdades raciais na sociedade brasileira (CAVALLEIRO,
2001, p.85).
Em 2004, foi aprovado o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Este parecer objetiva atender aos indícios enunciados na
CNE/CP 6/2002 e regulamentar a alteração expressa na Lei 9.394/96 de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional pela Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. Para isso,
é necessário que se cumpra o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º,
l, Art. 210, Art. 206, l, §1º do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26
A e 79 B na Lei 9.994/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que
garantem o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania.
A Lei é um instrumento que viabiliza a promoção e consolidação de políticas
públicas de ação afirmativa, com vistas ao combate ao racismo e sexismo, à
discriminação e às desigualdades étnico-raciais, considerando os valores
59
civilizatórios afro-brasileiros e o respeito à diversidade étnico-racial. Ela oferece
direitos iguais às histórias e culturas que configuram a nação brasileira, além do
ingresso de todos os brasileiros nas diferentes fontes da cultura nacional. Junta-se,
também, ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.096/90),
bem como ao Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) (Fonte: Diretrizes para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, 2004).
Além das reivindicações e propostas do Movimento Negro no decorrer do
século XX, estes dispositivos legais apontaram para a elaboração de diretrizes que
fomentassem os “projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-
brasileiros e dos africanos, corroborando, assim, com a educação das relações
étnico-raciais” (BRASIL, 2004, P. 09).
O Parecer das Diretrizes destina aos administradores dos sistemas de ensino,
as instituições escolares, seus professores e a todos empenhados na elaboração,
execução, avaliação de programas educacionais, de planos institucionais,
pedagógicos e de ensino. Evoca as famílias dos estudantes, a eles próprios e a
todos os cidadãos envolvidos com a nossa educação que reportem ao parecer
quando pretender dialogar com as instituições de ensino sobre “respeito às relações
étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-
brasileiros" (ibidem, p.10); à diversidade da nação, ao direito por educação de
qualidade, que abarque o direito ao estudo e à formação de cidadania pela
construção de uma sociedade democrática. Para tanto, foram encaminhados por
meio de questionário questões pertinentes ao parecer a grupos de Movimentos
Negros, aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, aos professores, pais
e alunos envolvidos com a questão racial. Suas respostas ressaltaram a importância
de se tratarem problemas, dificuldades, dúvidas, antes mesmo do parecer traçar
orientações, indicações e normas. O parecer procurou dar uma resposta, na área da
educação, à demanda da população negra, na forma de políticas de ações
afirmativas, ou seja, de políticas de reparações. Esta demanda da população afro-
brasileira passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei
10.639/2003.
É função do Estado promover e incentivar as ações afirmativas, cumprindo ao
disposto na Constituição Federal, Art. 205, ressaltando o objetivo do Estado de
garantir, através da educação, direitos iguais para o desenvolvimento de todos e de
60
cada um, enquanto cidadão. Sem a intervenção do Estado, a população negra
dificilmente romperá o sistema meritocrático que reforça as desigualdades que
geram a injustiça. “A meritocracia, conforme descrita na origem do termo, [...] é
utópica, porque busca recompensar indivíduos com base na inteligência ou nas
habilidades cognitivas; e isto não ocorre em lugar algum” (DOMINGUES, 2005,
p.56).
O reconhecimento e a valorização da história e cultura e identidade afro-
brasileira demandam justiça e igualdade de direitos sociais, civis, culturais e
econômicos. Isto gera mudanças nos discursos, nos raciocínios, nas lógicas e
gestos, nas posturas e nos modos de se tratar as pessoas negras, conforme
assevera a Professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2004). Conhecer sua
história e culturas representadas com o intuito de desconstruir o mito da democracia
racial na sociedade brasileira – crença de que os negros não atingem os mesmos
patamares que os não-negros por falta de competência ou de interesse – onde a
desigualdade histórica produz e alimenta prejuízos aos negros através da estrutura
social hierárquica.
Políticas de reparações criarão programas de ações afirmativas – um
conjunto de ações políticas destinadas à correção das desigualdades raciais e
sociais - a fim de oferecer um procedimento diferenciado com o propósito de ratificar
as desvantagens e marginalização cultivada pela estrutura social (SILVA, 2003). As
ações afirmativas atendem às determinações do Programa Nacional de Direitos
Humanos, bem como a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil com o
objetivo de combater o racismo e as discriminações, tais como: “a Convenção da
UNESCO de 1960, direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de
ensino, bem como a conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas de 2001” (ibidem, p.12). Além disso,
atendem às novas tendências educacionais que muitos autores denominam de
pedagogia multiculturalista.
No entanto, penso que, para efetivar programas de ações afirmativas, será
necessário ir além da oferta de oportunidades. É primordial que se garanta às
pessoas em questão condições materiais e simbólicas para que as dificuldades
sejam superadas.
61
"Uma norma não muda a realidade de imediato, mas
pode ser um impulso para introduzir em sala de aula um
conteúdo rico em conhecimento e em valores".
(Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva)
As questões pedagógicas nas salas de aula e as implicações da Lei
10.639/03 para a didática têm sido trabalhadas tanto pelas iniciativas do governo
federal quanto pelas mantenedoras dos sistemas educacionais de ensino
fundamental, médio e superior. Mas estas ações estão ainda tímidas e muito
recentes se comparadas ao histórico de nossas teorias educacionais. Não podemos
fazer nenhuma conclusão avaliativa, pois ainda há muito a fazer.
Para tanto, faço um levantamento bibliográfico sobre a qualidade do
processo de luta dos movimentos sociais, em prol da visibilidade da contribuição e a
valorização da cultura africana na nossa formação identitária até chegar à
formulação e promulgação da lei.
Até o final da década 70, os estudos sobre a situação dos negros no Brasil
ficavam basicamente concentrados nas áreas da psicologia e da antropologia, que
tinham como vertente principal o folclore e as religiões afro-brasileiras. No entanto, a
partir do início dos anos 80, surge na universidade um novo viés teórico, elaborado
quase que exclusivamente por pesquisadores militantes do Movimento Social Negro.
Esse vem, organizadamente, promovendo espaços políticos para a inserção de suas
propostas nos diversos campos de conhecimento.
A discriminação racial subsumida na escravidão emerge após a abolição,
quando os ex-escravos perceberam que a luta pela liberdade fora apenas o primeiro
passo para obtenção da igualdade. Tornou-se necessário lutar pela “segunda
abolição” (BASTIDE e FERNANDES, 1995). Rapidamente, os negros perceberam
que tinha que criar técnicas sociais para melhorar sua posição social e/ou obter
mobilidade social vertical, visando superar a condição de excluídos.
62
A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais
empregadas pelos negros para ascensão de status. A escola passou a ser definida
socialmente pelos negros como um veículo de ascensão social, segundo pesquisa
realizada por Florestan Fernandes em 1951. Os negros adquiriam a consciência de
que só poderiam “combater com a mesma arma do branco se tivessem cultura e
instrução” (CORREIA LEITE, apud GONÇALVES, 2000).
Talvez essa constatação explique porque o ideário de luta dos negros pela a
educação ocupou lugar de destaque. Segundo Gonçalves, ela era ora vista como
estratégia capaz de se equiparar aos brancos, ora como veículo de ascensão social,
ora como instrumento de conscientização por meio do qual o negro aprenderia a
história de seus antepassados, os valores e a cultura de seu povo, podendo assim
reivindicar direitos sociais e políticos, direito à diferença e respeito humano. “A
grosso modo, a educação, em geral, e a educação escolar, em particular, sempre
estiveram no topo das reivindicações desses movimentos” (GONÇALVES, 2000, p.
337). Já naquela época, o jornal “O Quilombo” dizia que era preciso lutar para que,
enquanto não fosse gratuito o ensino em todos os graus, fossem admitidos
estudantes negros como pensionistas do Estado em todos os estabelecimentos
particulares e oficiais de ensino secundário.
O movimento negro foi peça fundamental para reivindicar junto ao Estado
brasileiro a inclusão do estudo da história do continente africano e dos africanos, a
luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional brasileira. “A educação como técnica foi amplamente utilizada
pelos movimentos sociais dos negros no início do século XX” (GONÇALVES, 2000,
p. 336). Parte desta reivindicação já constava na declaração final do I Congresso do
Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)
13
– RJ 26/08 a
04/09/1950.
Dentre várias conquistas, em 1988 foi promulgada a 8ª Constituição
Brasileira batizada de “Constituição Cidadã” por Ulisses Guimarães. Na década de
13
T.E.N. através de diferentes organizações visavam reforçar, quando não despertar, o sentimento
de orgulho e de distinção por ser negro, desse modo, contribuir para capacitá-lo a
enfrentar o seu pior inimigo na sociedade, o preconceito racial, agente também
perturbador do progresso integrado do país na comunhão das raças, dos credos, das diferenças.
(Carlos Vogt, in: Ações afirmativas e políticas de afirmação do negro no Brasil,
fonte:www.comciencia.br)
63
80, estados e municípios aprovaram diplomas normativos sobre educação e
relações raciais. Já na década de 90, há a promulgação em vários estados de leis
que incluíram no currículo escolar da rede municipal de ensino de 1º e 2º grau
conteúdos programáticos relativos ao estudo da História da África e da Cultura afro-
brasileira. Ainda nesta mesma década, o movimento negro recuperou e utilizou
jurídica e politicamente os tratados internacionais ligados à educação, ratificados
pelo Brasil, como a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do
Ensino e a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural aprovada pela
Unesco.
Após a execução destas políticas, a União sanciona a Lei 10.639/03
aprovada por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação em 2004. Essa Lei
é leitura fundamental para os evolvidos em sua implantação: administradores de
sistemas de ensino, mantenedores, professores e todos os que elaboram, executam
e avaliam programas de interesse educacional de planos institucionais de ensino.
Munanga (2000), numa entrevista disponibilizada por uma revista eletrônica,
afirma que Lei 10.639/03 prova que o Brasil nunca foi uma democracia racial, pois
levou 115 anos para introduzir no ensino o estudo da matriz cultural africana. Essa
lei não saiu “do nada”, “não caiu do céu”; é resultado da luta do movimento social
negro. Mesmo reconhecendo que a lei tem muito de positivo, o autor concorda que é
preciso implementá-la efetivamente e definir exatamente o conteúdo a ser
ministrado, já que a África é um continente de 56 países e ilhas e a lei não afirma
qual África ensinar a qual Brasil. Mas, segundo ele, se não fosse a lei, ninguém se
mobilizaria.
O texto das diretrizes instrumentaliza o Estado e a sociedade a
encaminharem ações de ressarcimento aos descendentes de africanos dos
prejuízos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais cometidos durante
o regime escravista, e a evitarem políticas explícitas e implícitas de branqueamento
da população, de manutenção de privilégios exclusivos na formulação de políticas
no pós-abolição. Sobretudo, o parecer das diretrizes enfatiza que o Estado deve
investir nos recursos efetivos e na formação dos docentes a fim de concretizar a
implementação da Lei 10.639/03. Munanga (2000) reafirma esta idéia ao discutir a
necessidade de mostrar uma África que não seja apenas a do Safári, da Aids, das
guerras, das tribos e do Tarzan. Ele questiona: Qual livro didático mostra a África
como berço da humanidade? Quais deles (livros) mostram que as maiores
64
civilizações se desenvolveram lá? Qual autor trata a civilização egípcia como negra?
Para ele, é isso que a lei pretende corrigir. Ele afirma que, além de introduzir a
história da África nos currículos, uma nova história em que a identidade africana e
dos afro-descendentes é apresentada de maneira positiva. Concordo com o autor
reafirmando que não basta destacar a África como um continente importante a ser
incluído nos currículos, mas, também, deve-se reconhecer que a imagem dos
negros e seus descendentes deverá ser resignificada, abandonando de vez o
caráter folclórico e exótico, mas como parte integrante de um povo que têm seus
direitos respeitados e reconhecidos.
A autonomia repassada para os estabelecimentos de ensino é a de prover
os projetos pedagógicos no cumprimento exigido pelo Art. 26-A da Lei 9394/1996,
valendo-se da colaboração das comunidades das escolas, do apoio do Movimento
Negro e cooperação direta ou indireta de estudiosos. Os sistemas de ensino, as
mantenedoras, a coordenação pedagógica de ensino e os professores deverão
estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas,
abarcando os diferentes componentes curriculares. Caberá aos administradores dos
sistemas de ensino e das mantenedoras proverem as escolas, seus professores e
alunos de materiais bibliográficos e didáticos, além de acompanhar os trabalhos
desenvolvidos a fim de evitar que, tanto na formação inicial de professores como na
continuada, sejam abordadas formas incompletas, estereotipadas e equivocadas.
Fica atribuída aos estabelecimentos de ensinos a responsabilidade de
promover a capacitação dos professores, bem como organizar e elaborar os
recursos didáticos a eles e aos alunos para o cumprimento da Lei. Fica, também, o
papel de fiscalizar para que, na própria escola, os alunos deixem de sofrer atos de
racismo. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades pode implicar numa condição
de laissez-faire caso não haja oportunidades para efetivar estas ações de autonomia
necessárias. Por outro lado, isso implica, também, em compromissos que envolvem
questões sócio-culturais da escola e sua comunidade. Esses compromissos são
com a formação de cidadãos atuantes e democráticos.
Estas ações reforçam a necessidade da população brasileira de se
organizar em torno das comunidades escolares onde todos se vejam incluídos,
garantindo o direito de aprender e ampliar seus conhecimentos. Com certeza, estes
direitos serão indicadores da qualidade da educação que os estabelecimentos de
ensino de diferentes níveis procuram oferecer à sua comunidade. A assinatura da
65
Lei 10.639/03 representa um grande passo no caminho de transformação da
estrutura curricular na escola. No entanto, esse ato ainda não é o bastante. A Lei
precisa ser ratificada dia-a-dia pelos docentes que irão lecionar as disciplinas ou os
temas propostos em seu contexto. Como se sabe, há uma defasagem de habilitação
do professorado quanto a esses assuntos, evidenciando o descaso com que a
matéria foi tratada.
Uma das mudanças que ocorreu com os PCN foi o repasse de boa parte da
responsabilidade de definição dos conteúdos e do currículo para as equipes de
professores, com a finalidade de adaptar o currículo às necessidades dos alunos. É
evidente a necessidade de professores mais capacitados, capazes de assumir a
autonomia que a proposta apresenta. Portanto, a formação dos professores, que
sempre foi uma necessidade, é mais do que nunca, imprescindível na obtenção de
uma ação docente de qualidade. No entanto, poucos foram os estudos que
procuraram verificar se e como os currículos dos cursos de formação docente
evidenciam uma orientação multicultural. Penso que trata-se de uma lacuna a ser
preenchida. Deve-se pensar não somente os conteúdos curriculares e temáticos,
mas, sobretudo, o modo de lidar com uma “matéria tão nova”
14
e como ela deve ser
apresentada aos alunos para que os antigos estereótipos e discriminações
referentes à cultura do negro não venham a se repetir nem a se transformar numa
pedagogia de eventos
15
. Como, então, garantir ações pedagógicas que não fiquem
restritas a projetos especiais, mas que realmente sejam incorporadas ao cotidiano
escolar?
Sempre limitando meu foco à escola, coloco-me contra a visão de
multiculturalismo que incentiva eventos episódicos como feiras,
exposições, debates, comemorações, nos quais certos aspectos de
determinado grupo social são ressaltados. Essas atividades
esporádicas podem, no máximo, corresponder a momentos iniciais
de um trabalho de sensibilização da comunidade escolar para a
diversidade cultural (MOREIRA, 2000, p.76).
14
Este termo foi usado por Ana Lúcia Lopes (2006, p. 23) no livro que faz parte do material de um
curso sobre “Educação – Africanidades – Brasil”, oferecido aos professores da rede publica de
educação em parceria com o MEC e UnB. quer dizer que ao mesmo tempo que esta matéria já nos é
conhecida de alguma forma, ela é nova ao fazer parte do currículo enquanto conteúdo obrigatório.
15
Pedagogia de Eventos ou pedagogia do exótico, termo utilizado por Ana Lúcia Lopes (2006. p.25)
no livro “Educação – Africanidades – Brasil”. Ela se refere àqueles projetos temporários que são
inseridos no currículo apenas para abordar temas, normalmente transversais. Projetos que não fazem
parte do cotidiano escolar, nem são trabalhados interdisciplinarmente, apenas passam e acabam
caindo no esquecimento.
66
“...destituíram a identidade dos negros, torturando seus
corpos e aniquilaram o patrimônio da sua cultura
sagrada. Esse acervo religioso foi parar nas salas de
polícia a título de estudo na luz da antropologia a fim de
compara diferentes etnias entre si.” (EMANOEL
ARAÚJO, 2000, p. 25)
Após entender que a Lei 10.639 é fruto das reivindicações da luta do
movimento negro brasileiro e constatar que a assinatura da mesma não foi nem é
fato suficiente para sua efetivação, vejo que se faz necessário explicitar o
mapeamento das ações realizadas pelas Secretarias de Educação Estadual e
Municipal de Goiânia, além de verificar pelo site do MEC, especificamente da
SECAD e da Seppir, quais foram e quais são as ações de iniciativas do Governo
Federal. Ao iniciar este levantamento, percebi que são muitas e amplas as ações.
Para focar meu objeto de pesquisa, selecionei as ações direcionadas à primeira fase
do ensino fundamental, pois esta é a fase que atuo como professora de arte.
Para facilitar a compreensão destas ações, farei a descrição das iniciativas
do governo federal através das consultas aos relatórios da Seppir nos anos de 2003 a
2006. Em seguida, registro as informações obtidas nas secretarias de educação
(Estadual e Municipal) em ordem cronológica. Dessa maneira ficarão contempladas
as três instâncias escolhida por mim para relatar nesta pesquisa.
A implementação da Lei 10.639 tem como estímulo apresentar uma
pedagogia não racista, não sexista e não homofóbica no sistema educacional
brasileiro. A meta principal foi o estabelecimento de uma ação contínua para a
inclusão, na perspectiva da igualdade racial, em todas as políticas públicas da área
educacional.
É fundamental ressaltar que não se trata de mudar uma visão etnocêntrica
marcada pela raiz européia por uma africana, mas sim de ampliar o foco dos
currículos escolares para a diversidade cultural, racial, religiosa, de gênero, social e
67
econômica brasileira, além de dar visibilidade e valorar a figura do negro na nossa
sociedade e sua contribuição na nossa cultura. É preciso esclarecer que o Art. 26º
acrescido à Lei 9.394/1996 sugere bem mais do que a inclusão de novos conteúdos.
Ele demanda reconsiderar as relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, como
condições à aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida
pelas escolas.
Alguns princípios foram sugeridos pelo parecer para conduzir as ações dos
sistemas de ensino, dos estabelecimentos e dos professores que terão referência
assumindo, entre outros princípios, as bases filosóficas e pedagógicas. Eles são os
seguintes: a) Consciência política e histórica da diversidade; b) Fortalecimento de
identidades e de direitos; e c) Ações educativas no combate ao racismo e às
discriminações.
Pesquisando o site da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD), algumas ações foram e tem sido tomadas para a efetivação do
cumprimento da Lei 10.693. A sub-coordenação de Estudos e Pesquisas (EP)
vinculada ao SECAD afirma que:
tem como objetivo desenvolver e disponibilizar subsídios de caráter
técnico-acadêmico, à orientação e implementação de políticas
públicas em educação, para o combate ao racismo e a valorização e
respeito à diversidade étnico-racial, com enfoque na população afro-
brasileira” (fonte: www.presidencia.gov.br/seppir).
Ações de 2003
Neste ano a sub-coordenção de Estudos e Pesquisas (EP) realizou uma série
de atividades, entre elas:
Jornadas do GT (Grupo de Trabalho) à inserção das Diretrizes
Curriculares Nacionais à Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas.
Pesquisas sobre ensino médio e população negra, abrangendo as
áreas: expectativas de inserção no mercado de trabalho para jovens,
religiosidade, educação formal e informal em comunidades negras
rurais, pesquisas sobre a permanência da população negra no ensino
superior e sobre relações raciais na educação infantil, ensino
fundamental na 1ª e 2ª fases.
Organização, coordenação e/ou apoio à publicação de obras sobre
diversidade étnico-racial e educação.
Distribuição de material às Bibliotecas, Entidades e Organizações da
Sociedade Civil, Núcleos de Estudos (Fonte:
www.presidencia.gov.br/seppir
).
68
O CNPIR (Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial) foi criado pela
lei nº. 10.678, de 23 de maio de 2003, e regulamentado pelo decreto nº 4.885, de 20
de novembro de 2003. Ele foi presidido pela ex-ministra Matilde Ribeiro fazendo parte
da estrutura da Seppir e tem como:
objetivos a proposição de políticas em âmbito nacional de políticas
de promoção de igualdade racial, com ênfase na população negra e
outros segmentos étnicos da população brasileira, para combate ao
racismo, à discriminação racial e redução das desigualdades raciais,
inclusive nos aspecto econômico e financeiro, social, político e
cultural, além do aumento do processo de controle social dessas
política (www.presidencia.gov.br/seppir).
A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)
foi criada pela Medida Provisória nº. 111, em 21 de março de 2003, transformada na
Lei nº. 10.678, em 23 de maio do mesmo ano. Esta iniciativa do Estado brasileiro
inaugura um tratamento dispensado às mazelas resultantes da discriminação e das
desigualdades raciais no país e explicita as diretrizes governamentais para o
enfrentamento do racismo. No mesmo ano, é instituída, também, a Política Nacional
de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR).
No que tange à educação e com o objetivo de organizar as ações efetivadas
para implementar o Programa de Inclusão da População Negra na Educação
Brasileira, a Seppir elaborou, em parceria com o Ministério de Educação, três
documentos como pilares básicos para a política de inclusão dos diversos grupos
étnicos, em especial, a população negra, no processo educacional brasileiro. São
eles:
• Protocolo de Intenções como instrumento formal, no âmbito do
Governo Federal, para a execução de ações que promovessem
igualdade racial no sistema educacional;
• Implementação da Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de2003,
prevendo o ensino de História da África nas instituições escolares;
• Portaria Conjunta nº. 2.430 de 9 de setembro de 2003, criando o
Grupo de Trabalho Interministerial, composto por 11 organismos do
Governo Federal, com a finalidade de efetivar a proposta de Ação
Afirmativa visando a criação de cotas para negros nas universidades
públicas e privadas do país.
69
Este GTI encerrou a primeira fase do trabalho em 16 de dezembro de 2003 e
retomou as ações em janeiro de 2004, com outro formato, com o objetivo de detalhar
as propostas de implementação das medidas.
No ano de 2003, as ações se restringiram basicamente a articulação com
Estados e municípios para propor e desenvolver políticas de promoção da igualdade
racial, sob a forma de visitas ou de eventos que constituíram em audiências e
reuniões com governadores e prefeitos, com representantes dos poderes legislativo
e judiciário, com assessorias e coordenadorias da população negra, com a imprensa
e a sociedade civil e, ainda, com participação em eventos em instituições locais e
visitas. Todos os estados e municípios visitados foram favoráveis aos futuros
acordos para a implentação de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial.
Goiás não foi visitado neste ano. Resumidamente o ano de 2003 foi o período de
estruturação da Secretaria (Seppir).
Ações de 2004-2005
Desde 2003, a Seppir e o MEC assumiram o compromisso, por meio de um
Protocolo de Intenções, de elaborar uma proposta para efetivação da
transversalidade da temática racial no sistema de ensino. O ano de 2004 foi
marcado por importantes realizações conjuntas de desenvolvimento de ações
visando à implementação da Lei no 10.639/03.
Na área da educação, a Seppir, em ação conjunta com a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), promoveu o Programa
de Inclusão da População Negra na Educação Brasileira. Esse compreende: (a)
Implementação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, prevendo o ensino de
História da África nas instituições escolares; (b) Portaria Conjunta nº 2.430 de 9 de
setembro de 2003, criando o Grupo de Trabalho Interministerial, composto por 11
organismos do Governo Federal, com a finalidade de efetivar a proposta de Ação
Afirmativa visando à criação de cotas para negros nas universidades públicas e
privadas do país; (c) A realização do Fórum Intergovernamental de Promoção da
Igualdade Racial, com os “Seminários Técnicos de Promoção da Igualdade Racial”
em 29 municípios, por meio do Fipir, para fortalecer as ações em âmbito local que se
somaram aos Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Étnico-Racial, que
atingiram cerca de 10 mil professores.
70
Neste mesmo período, foi adotado o Caderno das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, material didático pedagógico de apoio à Lei,
elaborado por Petronilha Beatriz da Silva, integrante do Conselho Nacional de
Educação. Estes seminários tinham o objetivo de fazer a articulação com as
Secretarias Estaduais e Municipais, os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs),
o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED), A União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), os sindicatos patronais,
ONGs e representantes das Comunidades Quilombolas, além de outras entidades
ligadas aos sistemas de ensino da promoção de políticas públicas de ação
afirmativa.
Nestes fóruns, buscou-se criar uma agenda para a implementação da Lei
10.639/03, das Diretrizes Nacionais Curriculares e o conteúdo proposto pela Lei. As
ações foram planejadas, organizadas e realizadas em parcerias com as Secretarias
Estaduais e Municipais e diversos segmentos da sociedade civil. No ano de 2004,
foram realizados oito fóruns (Sergipe, Amapá, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal,
Goiás, Piauí, Pará e São Paulo), um fórum regional (Alagoas, Paraíba e
Pernambuco) e, no ano de 2005, foram nove: Santa Catarina, Maranhão, Minas
Gerais, Tocantins, Rondônia, Paraná, Rio de Janeiro, Amazonas e Bahia.
Os objetivos destas atividades foram: (a) estimular a capacitação de
educadores para a diversidade étnico-racial em meio escolar; (b) contribuir para a
inclusão da população negra no sistema de ensino a partir de um Programa de
Inclusão da População Negra na Educação Brasileira; (c) propor às Secretarias
Municipais e Estaduais de Educação a realização de atividades regionais para
subsidiar os gestores públicos na implementação da Lei nº. 10.639.
A Seppir também apoiou a realização do Curso de Pós-Graduação Lato
Sensu: Culturas Negras do Atlântico, promovido pelo Departamento de História da
Universidade de Brasília (UnB), de outubro de 2004 a dezembro de 2005. Destinado
a 45 (quarenta e cinco) educadores da rede pública do Distrito Federal, ele foi
estruturado em 13 módulos presenciais, palestras, seminários e defesa de
monografias. Foi, ainda, oferecido apoio institucional a pesquisadores negros e às
suas respectivas instituições: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC/MG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal
do Tocantins (UFTO).
71
Estas ações apoiadas pela Seppir estimularam as universidades a
desenvolver o ensino da história e cultura afro-brasileira de maneira mais efetiva,
para a preparação de professores em larga escala.
Mais uma iniciativa para a implementação da Lei 10.639/03 foi o projeto “A
Cor da Cultura”, idealizado por Wania Sant’Anna, Antonio Pompeo e Luis Antonio
Pilar. A Seppir e demais entidades como a Petrobras, o Cidan (Centro Brasileiro de
Informação e Documentação do Artista Negro), a TV Globo e a Fundação Roberto
Marinho, por meio do Canal Futura, desenvolvem esse projeto com o objetivo de
valorizar e preservar o patrimônio cultural afro-brasileiro por meio das seguintes
iniciativas: (a) criação de materiais áudio-visuais sobre a história e cultura afro-
brasileira; (b) valorização de iniciativas de inclusão que dêem visibilidade às diversas
formas de ações afirmativas já promovidas pela sociedade; (c) favorecimento da
criação de práticas pedagógicas inclusivas para fornecer a educadores exemplos
práticos adotados em diversas salas de aula do País.
Este projeto previa que esse material seria apresentado e divulgado por meio
da televisão e, também, distribuído em duas mil escolas públicas de ensino
fundamental de vários estados do país. Em pesquisa ao site da Seppir, os
professores seriam capacitados para utilizar este material em sala de aula e teriam
um acompanhamento para essa implementação. Além disso, os conteúdos seriam
disponibilizados em um site, que aprofundaria os temas tratados por meio de artigos
e biografias. Toda a fase de produção dos materiais e de capacitação dos
profissionais envolvidos, bem como a disponibilização dos kits, foi planejada para
que o projeto fosse implementado nas escolas a partir do início do ano letivo de
2006.
Os cinqüenta e seis programas foram produzidos para a TV divididos em
cinco séries que, além de valorizar a história e a cultura afro-brasileira, tinham por
objetivo fornecer um panorama dos afro-descendentes no Brasil, contemplando as
diversidades regionais, culturais, religiosas e de gênero. Os programas escolhidos
para a exibição foram: o Ação, exibido na TV Globo e no Canal Futura (4 episódio
sobre iniciativas sociais afirmativas desenvolvidas por organizações não-
governamentais em todo o país); Livros Animados, exibido no canal Futura (10
episódios de incentivo à leitura, destacando escritores, temáticas e artistas negros);
Nota 10, no canal Futura (5 episódios voltado para metodologia de ensino e
formação de educadores); além dos inéditos Heróis de todo mundo, no canal Futura
72
e na TVE (trinta inter-programas de 1´30” que retrata homens e mulheres negros
que se destacaram nas diferentes áreas do conhecimento no Brasil) e Mojubá, canal
Futura e TVE (sete documentários apresentando os orixás, sua relação na cultura
brasileira).
Os episódios de cada um dos programas reunidos em fitas VHS fizeram parte
de um kit educativo (Kit Educativo e Capacitação) do projeto que teve, também, um
livro para professores, um dicionário de línguas africanas e um jogo educativo. Em
novembro de 2005, passaram por atividades de capacitação 40 agentes
multiplicadores que coordenaram os treinamentos dirigidos a dois mil profissionais
de ensino (um por escola), até 2007, das redes pública e privada, nos estados do
Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Pará.
A intenção da SECAD era distribuir todo esse material para educadores por
meio de oficinas presenciais de capacitação, formando uma rede social de
multiplicadores nas duas mil instituições contempladas pelo projeto. No entanto, esta
distribuição parece não ter atingido o objetivo. Em Goiânia, por exemplo, ela se
restringiu a apenas um Kit para cada secretaria de educação (municipal e estadual).
Segundo informações do Centro de Formação da SME, este material foi
desmembrado ao passar de mão em mão, muito do material ficou perdido e o kit
incompleto.
Outra ação desenvolvida foi estruturar o Censo Escolar com recorte racial,
onde a Seppir, juntamente com o MEC e o Instituto Nacional de Educação Anísio
Teixeira (INEP), coordenou a elaboração da portaria determinando que as unidades
escolares atualizassem suas fichas de matrícula com os quesitos do questionário do
Censo Escolar. Isso significa que, na ficha de matrícula do aluno, além dos dados
habituais (naturalidade e filiação), passam a ser incorporados os quesitos cor/raça,
informações sobre necessidades educacionais especiais e a data de ingresso na
escola. No que se refere ao quesito cor/raça, foi adotado o critério já instituído pelo
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): branca, preta, parda, amarela e
indígena. O dado em relação à cor/raça será obtido mediante documento
comprobatório ou por auto-declaração do aluno, quando maior de 16 (dezesseis)
anos, ou por declaração do responsável.
A Seppir participou de algumas atividades propostas por diversas instituições
na contribuição do debate e da formulação de proposta para políticas de educação
mais inclusivas do ponto de vista social e racial. Entre elas, destaco: (a) Fórum
73
Mundial de Educação – integração do comitê de coordenação; (b) participação em
Conferências e Seminários sobre a Promoção da Igualdade Racial e divulgação do
Pôster Educação e Etnias. Seminário Estadual “Educação e Diversidade Étnico
Cultural”–nov/2004, na Bahia, com o objetivo de discutir a história e cultura dos afro-
brasileiros e africanos, a fim de incluí-los no Currículo da Educação Básica
Brasileira, atendendo à Lei nº 10.639/03; (c) Seminário “Educando para a Igualdade
de Gênero, Raça e Orientação Sexual”–MEC/SECAD, Secretaria Especial de
Política para Mulheres (SEPM), Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e
Conselho Britânico, a fim de refletir sobre materiais didáticos e práticas educativas
para a eqüidade racial e de gênero e para o respeito à diferença de orientação
sexual; (d) em parceria com a Secom-PR Secretaria de Comunicação de Governo e
Gestão Estratégica da Presidência da República, desenvolveu e apoiou programas e
projetos culturais voltados à cultura africana e afro-brasileira, como a Campanha da
Diversidade, lançada em 20 de novembro de 2004, durante um show realizado pela
Companhia em Black e Preto (apoio: Petrobrás e Rede Globo), nos Arcos da Lapa
(RJ); (e) em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos apoiaram a
Campanha “Ação Afirmativa–Atitude Positiva”, de 17/11/03, pelo Centro de
Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), entidade do movimento negro
brasileiro do Rio de Janeiro, em prol da defesa e valorização das iniciativas já
existentes no campo das ações afirmativas que passam a integrar o Movimento pela
Diversidade; (f) em parceria com o Fórum Cultural Mundial, realizado em São Paulo,
6/06 a 4/07 apoiou a realização do (1) Encontro “Abdias 90 anos, um brasileiro do
mundo”; (2) o Seminário “A Casa da África no Brasil”, uma realização conjunta com a
Comissão Brasileira de Justiça e Paz, para discutir as relações entre o Brasil e o
Continente Africano e a ênfase nos países ao sul do Saara; (3) o Lançamento do
livro “Rompendo o Silêncio, história da África nos currículos de educação básica”.
Somente em 2006, o Kit Educativo, contendo um livro para professores, um
dicionário de línguas africanas e um jogo educativo e a capacitação pelo MEC foram
distribuídos nas escolas estaduais de Goiás. Segundo a prof.ª Marcilene Pellegrine
Gomes que forneceu as informações, este kit não abasteceu todas as escolas do
Estado, embora a meta do governo fosse repassá-lo para cada professor que
participasse da capacitação.
74
Ações de 2005
Em dezembro de 2005, o MEC instituiu a Comissão Técnica Nacional de
Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros (Cadara),
tendo como objetivo acompanhar, analisar e avaliar as políticas educacionais
voltadas para o cumprimento do dispositivo na lei 10.639. Essa comissão é
coordenada pela SECAD e composta por 34 membros, entre eles representantes da
Seppir e de outros órgãos dos governos federal, estadual e municipal, bem como por
movimentos sociais organizados e da sociedade civil.
Nesse intuito, 2005 foi instituído como Ano Nacional da Promoção da
Igualdade Racial, por meio de decreto publicado em 31.12.04. O ano teve como
proposição o desenvolvimento das prioridades estabelecidas em 2003 e 2004: as
formulações do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (Fipir),
do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e da Campanha
da Diversidade. Os grandes destaques foram a realização da 1ª Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial; os processos preparatórios da
Conferência Regional das Américas sobre os Avanços do Plano de Ação contra
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas e da 2ª
Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora; e a ampliação do Fórum
Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial.
Na agenda desse ano, foram inseridos estímulos para a realização de
atividades de promoção da igualdade racial nos mais diversos âmbitos
governamentais, de forma a despertar a sociedade brasileira para a relevância desta
temática na construção de uma nação com justiça social e racial. Com isso,
reafirmaram-se os princípios da transversalidade, descentralização e gestão
democrática, instituídos a partir da PNPIR.
Este ano se destacou pelo lançamento de dois importantes livros em parceria
com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para orientar os
professores do ensino fundamental e médio. Os livros "Educação Anti-racista:
caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03", da coleção Educação para Todos e a
histórica edição de "Superando o Racismo na Escola" de Kabulenge Munanga,
esgotado desde 2001, tiveram tiragem inicial de 10 mil exemplares e começam a ser
repassados para as escolas públicas a partir de 1º de julho. O conteúdo dos livros
75
também foi disponibilizado para a população e professores da rede particular de
ensino na página da internet do Ministério da Educação (www.mec.gov.br).
Ações de 2006
Em 2006, foi iniciado pela SECAD/MEC, em parceria com a Universidade de
Brasília/UnB, o curso “Africanidades”, realizado à distância e em nível de extensão,
com a participação de cerca de 10 mil professores em todo o território nacional. Com
carga horária de 120 horas, o programa é dirigido à formação de professores
multiplicadores com conhecimento sobre a história do negro no Brasil e ao estimulo
da escola na construção coletiva de um projeto educacional de inclusão social na
perspectiva da diversidade cultural.
Em 2006, a resolução número oito do MEC, articulada com a Seppir,
autorizou a apresentação de pleitos de assistência financeira suplementar aos
projetos educacionais para implementação do ensino da história e cultura afro-
brasileira, no âmbito da educação básica, para a oferta de ensino fundamental nos
municípios das capitais brasileiras e do Distrito Federal, considerando os que
integram o Fipir. Os dados fornecidos pelo MEC/FNDE na Formação Continuada de
Professores demonstram que foram beneficiados com essa medida, até dezembro
de 2006, 48 municípios de 20 estados brasileiros (401.135 alunos e 13.418
professores), com investimento de R$ 2.170.534,96. O projeto teve sua primeira
fase, incluindo a estruturação e execução, entre 2004 e 2006.
Em Goiânia, a Secretaria Municipal de Educação (SME), em 2006 procurou
estabelecer inicialmente uma reestruturação em todo o currículo, incluindo a inserção
do conteúdo de História e Cultura Africana
16
.
Segundo Marcilene Pellegrine Gomes, coordenadora da reestruturação
curricular, o MEC propôs à SME um curso à distância para a formação continuada de
professores, tendo como parceira a UnB (Universidade de Brasília). Na época, foram
solicitados ao MEC recursos para aquisição de materiais didáticos para profissionais
participantes deste curso e, também, para material a ser distribuído aos seus alunos.
No entanto, a SME, percebendo que este curso atende uma exigência do MEC, mas
que não é suficiente para habilitar todos os profissionais na rede, planejou um curso
presencial para Abril de 2007. O Departamento Pedagógico direcionou o referido
16
Veja parte da reestruturação curricular desta secretaria no anexo C
76
curso aos professores de história, artes, língua portuguesa e aos pedagogos. Os
pedagogos foram incluídos considerando que eles, normalmente, atuam sozinhos na
primeira fase do ensino fundamental (1º ao 6ºano).
Neste ano, o MEC distribuiu um Kit de material pedagógico de referência ao
professor, material de biblioteca, para as escolas estaduais de todo o país, na área da
língua portuguesa. Entre eles, havia dicionários de matriz africana com dialeto Ioruba.
Ações de 2007
Neste ano, somente as ações das secretarias de educação Estadual de Goiás
e Municipal de Goiânia serão relatadas, pois, até o presente momento, não há
registros pela Seppir e SECAD de nenhuma ação oficial disponível nos sites das
referidas instituições governamentais.
Fig. - 07 Fonte: http://videoideia.files.wordpress.com/2007/08/desconhecido.jpg
Ações das Secretarias de Educação do Estado de Goiás e Município de
Goiânia-GO
77
Desde 2000, a Superintendência de Educação do Estado de Goiás tem um
grupo de estudo sobre Ensino e Diversidade, composto por professores da rede
estadual de educação, representantes da FUNAI, técnicos da SUEF
(Superintendência de Ensino Fundamental), docentes da UFG (Universidade Federal
de Goiás) e UCG (Universidade Católica de Goiás). Este grupo tem caráter
permanente e discute temas no campo indígena, educação quilombola, educação
racial e educação do campo (MST). Na semana desta pesquisa, foi realizado e
organizado por este grupo o I Fórum de Educação Quilombola em Goiânia. Em 2003,
não havia nenhum direcionamento de ações acerca da efetivação da Lei nas
secretarias de educação de Goiânia e Goiás.
Ao buscar informações acerca da efetivação da lei junto à Secretaria
Municipal de Educação, recebi um relatório das ações referentes a esta temática na
gestão de 2005 - 2008, do qual faço um resumo delas a seguir:
Em 2005, concomitante ao trabalho de adequação das Diretrizes Curriculares
exigida pela lei, desenvolveu-se, por meio do Centro de Formação dos Profissionais
da Educação/CEFPE, várias ações articuladas para assegurar a incorporação dessa
temática nos conteúdos escolares e nas práticas do cotidiano escolares. Entre as
ações, destaco:
Divulgação da Lei 10.639/03 na rede através de convite para palestra
sobre o tema e distribuição da Cartilha das Diretrizes Curriculares para
cada escola, no período de agosto a dezembro de 2005. Aquelas que
não compareceram à palestra receberam a cartilha por malote;
Reestruturação das diretrizes curriculares para o ensino fundamental,
no período de abril a dezembro de 2005, já concluída e encaminhada
para aprovação do Conselho Municipal de Educação (ANEXO).
Durante o período da reestruturação, teve a participação de
representantes das escolas da rede como colaboradores;
Participação do programa de Formação Continuada de Professores e
Gestores Educacionais através do: a) Curso “O Brasil também é
Negro” em parceria com a Universidade Católica de Goiás no período
de janeiro a junho de 2005; b) Grupos de Estudo e Trabalho (GTE)
sobre a Lei de agosto de 2005 a junho de 2007, com 112 inscritos.
Apenas 89 concluíram; c) Curso Africanidades Brasil, parceria com
78
Ministério da Educação e Universidade de Brasília, no período de
agosto a dezembro de 2006.
A Secretaria de Educação do Município implantou, conforme mencionado
anteriormente, um curso presencial com 140 (cento e quarenta) vagas para os
professores da rede, mas apenas 120 (cento e vinte) concluíram o mesmo. O curso
“História e Cultura Africana e Afro-brasileira”
17
, em parceria com o Ministério da
Educação/FNDE, foi realizado no período de abril a dezembro de 2007. Este curso
foi encaminhado como projeto para o MEC que, após aprova-lo, liberou os recursos
juntamente com o FNDE. Como fechamento deste curso, foi realizado o Seminário
“Educação e Questões Étnico-Raciais na RME (Rede Municipal de Educação)
Caminhos Percorridos e a Percorrer” em 17/12/2007 com a participação de 80
(oitenta) profissionais da rede.
Representantes da SME participaram do Fórum Permanente para
Implantação e Implementação da Lei 10.639/03, coordenado pela Secretaria
Estadual de Educação de Goiás, realizado entre fevereiro a dezembro de 2007.
Adquiriram um acervo bibliográfico (livros paradidáticos e literários) para 30 escolas
da RME em parceria com Ministério da Educação/FNDE, no período de agosto a
dezembro de 2007. A SECAD encaminhou apenas um kit “A cor da cultura” no início
de 2007 para a Secretaria e, quando chegou ao departamento responsável, o
mesmo já estava incompleto. A SME entrou em contato com a SECAD para receber
outros exemplares, no entanto, não foi atendida, mesmo tendo uma resposta
afirmativa da instituição reivindicada.
Segundo o relatório do CEFPE, a SME vem contribuindo com a construção de
uma prática pedagógica “pautada no respeito à diversidade étnico-racial e cultural do
educando...”. Mesmo assim, ainda há vários desafios a serem superados, tais como:
pouca intervenção das divisões e unidades regionais da rede para acompanhar o
processo de implementação da lei nas escolas, escassez de recursos municipais
direcionados à “formação continuada e aquisição ou confecção de material didático”.
A Secretaria Estadual de Educação, em Goiânia, através da
Superintendência da Educação, recebeu, em 2007, a cartilha das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
17
Ver o cronograma disciplinar deste curso no anexo D em Anexos
79
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Essa foi redistribuída aos professores
do ensino fundamental com orientações e formação teórico-pedagógico de dezesseis
horas para incentivar os professores a inserir a matriz africana no currículo e nas suas
práticas pedagógicas. Esta distribuição das Diretrizes aos professores faz parte de
uma das ações da Reorientação das Matrizes Curriculares que a superintendência de
Educação tem elaborado como uma ação efetiva para o cumprimento da inserção da
matriz africana, indígena e educação quilombola nos currículos do ensino
fundamental das escolas estaduais de Goiás. A Reorientação das Matrizes
Curriculares teve início em 2004, encontrando-se em fase de conclusão. A
organização tem acontecido por encontros de áreas de conhecimento e não tem a
participação direta de representantes de escolas. Os colaboradores são da própria
sede da secretaria e sub-secretaria.
Mesmo diante de todas estas determinações, sugestões e princípios
contidos nos diversos pareceres, a realidade tem demonstrado carência em alguns
aspectos que foram levantados numa pesquisa realizada por Moreira (2001) nos
artigos dos Cadernos de Pesquisa, Revista Brasileira de Educação, Educação &
Realidade, Educação e Sociedade, Educação em Revista, onde se destacam: as
opressões vividas pelas crianças e adolescentes negros na escola; as dificuldades
envolvidas no tratamento do problema racial nas salas de aula (o mito da
democracia racial evocado justificando a despreocupação com a questão), o
despreparo dos professores, a falta de material didático adequado, as
representações estereotipadas dos negros nos livros-texto e, em alguns casos, a
importância de se incluírem nos currículos estudos da história e da cultura africana
indígena, ciganas etc. Pode-se concluir, por fim, que parece ser comum a todos os
artigos a perspectiva de transformar as escolas em espaços que melhor atendam às
necessidades e aos interesses de inúmeros alunos que têm sido objeto de
preconceitos e discriminações. “Subjaz a alguns textos, porém, o ponto de vista de
que as esperanças na mudança se depositam mais em ações dos movimentos
sociais e em projetos de intervenção do que em reformas curriculares” (MOREIRA,
2001 p. 69).
80
*Carolina Noémia Abranches de Souza nasceu em Catembe, Moçambique, em 1926. Faleceu em
Lisboa, em 2001. Vítima de perseguições políticas por parte das autoridades coloniais portuguesas,
viveu muito tempo exilada na França. Apesar de ser uma notável expressão da poesia na língua
portuguesa, ela não acreditava que seus versos – aparecidos em jornais e folhas soltas –
merecessem sair publicados em livro. Foi a Associação de Escritores Moçambicanos que, em 1988,
81
A escolha deste poema de Noémia de Souza se deu primeiramente, pelo
fato de ser uma voz feminina e negra. Depois, pela autenticidade do título. SÚPLICA
é um grito, um pedido, um clamor de vozes africanas e africanizadas que alinhavo
nesta proposta de pesquisa de dar visibilidade aos aspectos nunca antes incluídos
no currículo escolar. Assunto relevante e muito debatido por movimentos sociais que
discutem a educação voltada para a igualdade das relações raciais. Então, “tirem-
nos tudo, mas deixem-nos a música”, deixem!!! Por que a música é um elo de
permanência com sua cultura, com seus ancestrais, com sua terra, com seus ritos,
mitos e ritmos, com seus cheiros, sabores e odores, com seu sentimento de
pertencimento. E é assim pra todos nós. A música também, nos refresca a memória
dizendo que foi ela uma das primeiras manifestações culturais africanas a ser
reconhecida pelo país como herança de sua raiz.
A musicalidade também faz parte do meu lado lúdico, da criança que habita
no meu interior e se manifesta nas canções de ninar, nas cantigas de roda (presente
em quase todas as culturas), trazendo à tona memórias e aflorando imagens de
tempos de escola, de quintal, de traquinagem, de cheiro de beiju (que aprendi a
comer com os pretos nossos vizinhos) e da manga. Fruta doce que aprendemos
saboreá-la com os negros. A música é a voz de tantas vozes caladas, silenciadas e
emudecidas que vêem nesta expressão seu grito de resistência, de rebeldia, de
alegria, de protesto, de empoderamento, de lamento, de súplica.
A música é um sistema simbólico carregado de significados. Na medida em
que são sentidos, esses significados são partilhados e repensados pelos ouvintes de
uma canção. Eles pensam nas palavras e nos sons da música, dançam ao seu
ritmo, são transportados para os ambientes que ela sugere, relembram momentos
vividos, imaginam outros possíveis, negam alguns, ressignificam outros, sentem-se
pertencentes ou não a seus elementos e agem motivados por este poder. Neste
sentido, a música pode ser utilizada com fins pedagógicos emancipatórios, uma vez
que, em muitos casos e sem mediadores, é capaz de provocar nas pessoas a
ativação de funções mentais que as levam a estas elaborações, o que nem sempre
exige suas presenças diante dos objetos contidos na música.
Portanto, não tirem nossa música! Ela é parte integrante da nossa história,
da nossa cultura, ela é conteúdo a ser trabalhado pela pluralidade escolar.
82
“Ser um professor multiculturalista é ser um professor que
procura questionar os valores e os preconceitos.” (Ana Mae
Barbosa)
Nesta última parte do trabalho, me debruço sobre um dos questionamentos
que me instigaram a estas investigações. Ele se resume na seguinte pergunta:
Como trabalhar com História e Cultura Afro-brasileira e Africana no ensino de artes
visuais? No início da construção desta pesquisa, apresentei exemplos de atitudes
que contribuíram para a exclusão e invisibilidade da cultura negra na escola em que
eu trabalhava. Neste momento, quero apresentar o ensino de arte como uma
abordagem multiculturalista, enfocando um olhar positivo sobre a cultura negra que
se contrapõe àquelas atitudes da primeira parte.
Como já apresentei no início desta pesquisa, as transformações culturais
geradas pela globalização e os processos migratórios, bem como as diferenças
diversas entre classes, ocasionaram reivindicações dos movimentos sociais que
induziram a cultura na pós-modernidade a uma maior rotatividade simbólica à
procura de concepções mais abrangentes e que justificassem o hibridismo cultural
em todos os processos sociais. Estas transformações provocaram mudanças nas
relações sociais, com conseqüências nas informações, na pluralidade, na
fragmentação das crenças e na aclamação por direitos. No campo da educação, por
exemplo, chegamos ao sancionamento da Lei 10.639/03, que outorga a inclusão da
cultura negra enquanto conteúdo curricular para efeitos de uma educação que seja
democrática, igualitária e que respeite as diferenças étnicas, sociais e de gênero.
A visão etnocêntrica da cultura, que desconsidera que existem diferentes
identidades, levou estes movimentos a questionarem posturas como esta,
respaldados pela crítica que fazem autores como Ana Mae Barbosa e Paulo Freire:
a de repensar a estrutura escolar. Barbosa (2002) afirma que somente uma
educação democrática poderá fortalecer a diversidade cultural, sendo a
83
multiculturalidade o foco principal que nos levará a considerar e respeitar as
diferenças, de modo a evitar o equívoco da pasteurização humana.
O alargarmento das portas para a rotatividade simbólica da cultura na pós-
modernidade facilitou a compreensão da arte como representação de significados,
cuja interpretação depende mais da compreensão de códigos simbólicos e
convenções culturais que circulam nos contextos de origem da obra do que de
aproximações formalistas, como afirma Fernando Hernández (2000). Daí resulta os
arte-educadores de hoje estarem mais atentos à relação entre arte e cultura e mais
preocupados em compreender os objetos estéticos dentro de sistemas simbólicos
culturais mais amplos. Suas concepções, segundo o pensamento sobre a cultura e a
sociedade (sobretudo os oriundos da pós-modernidade), levam a estabelecer que a
finalidade da arte na educação em uma cultura em mudança seria apreender
significados para compreensões mais críticas e plurais (HERNÁNDEZ, 2000).
Para Laraia, a cultura determina o comportamento do homem e justifica suas
realizações, “nossa herança cultural desenvolvida através de inúmeras gerações,
sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento
daqueles que agem fora dos padrões aceitos para a maioria da comunidade” (2003,
p. 67). Neste sentido, reafirmo a importância de uma arte-educação multicultural com
o argumento de que ela deve firmar uma política crítica e um compromisso com a
justiça social. A arte-educação nesta perspectiva seria dialógica, emancipatória e
inclusiva, partindo de uma prática restauradora, transgressora e intercultural como
um poderoso instrumento para reafirmar a singularidade na diversidade. Vejo, assim,
a arte-educação como um caminho que estimula a consciência cultural do indivíduo
durante as relações, para que os alunos negros possam construir e apropriarem de
suas histórias, indagarem sobre suas biografias e sistemas de significados,
confrontando-os com discursos que abordem a cultura do “outro” a fim de
aprenderem sobre as forças que restringem suas visões.
A história da arte, como foi escrita e como normalmente se ensina nas
escolas ilude as concepções culturais. Os códigos europeus estabeleceram os
padrões morais, políticos e intelectuais do mundo, com reflexões também nas artes e
no seu ensino. Hoje, diante das perspectivas plurais, não existe mais espaço para
um mundo com padrões tradicionais. Neste, outras vozes antes silenciadas que
solapam as “verdades” também constituem história e arte como matérias a serem
84
multiplicadas na arte através da educação. Sendo assim, vemos a necessidade de
transformar o ensino da arte num lugar privilegiado para reorganizar vozes e
“verdades”, tomando a escola como espaço para diálogos sobre as diferenças, as
minorias étnicas, às questões de raça, gênero, orientações sexuais e aos outros
tantos temas excluídos, porém, presentes na sociedade.
Para exemplificar esta idéia, insiro, abaixo obras de arte. A primeira (fig.
08) é uma pintura (Olympia) bastante conhecida pela história da arte mundial. Seu
autor, Manet, retrata uma mulher nua deitada sendo atendida por outra mulher.
Percebe-se claramente a divisão de classe, sendo a mulher negra a empregada
doméstica que oferece um bouquet de flores a outra mulher (branca), suas
expressões pouco aparecem, tem uma postura física de servidão e encontra-se em
segundo plano. A mulher branca está em destaque, sendo servida pela mulher negra
e com aparência de tranqüilidade e insensível à presença da serviçal.
Fig.08 - Edouard Manet, Olympia, 1863, 130x190, Museu Mosee d`Orsay, Paris
As imagens abaixo (figs. 09 e 10) são de Abdias do Nascimento, artista
brasileiro que desde a década de 60 já tinha a preocupação de lutar contra o
preconceito e a discriminação racial que impingiam a condição sócio-histórico do
negro e do mulato no Brasil no século XX. Sua luta pela igualdade racial teve inicio
85
nas artes cênicas, nas ações do TEM, depois migrando para as artes plásticas,
organizando o concurso de artes plásticas para a escolha do “Cristo de Cor” – obra
muito polêmica de 1955. O Cristo Negro organizou o Curso de Introdução ao Teatro
e às Artes Negras, em 1964 e, em seguida, o Museu de Arte Negra (MAN) teve sua
primeira exposição em 1968, no Museu da Imagem e do Som (RJ). A partir de 1968,
foi obrigado a interromper suas ações, exilando-se em países como Estados Unidos
e no continente africano, onde ampliou sua militância (artística e intelectual)
internacionalmente. Estas imagens foram escolhidas para contrapor a imagem
anterior (Fig. 08), pois trazem em suas visualidades uma visibilidade positiva à
cultura negra.
Fig. 09 Fig. 10
Tema para Lea Garcia, Oxumaré,
acrílica s/ tela, 1969 Abdias do
Nascimento
Oxum em Êxtase, Búfalo, 1975
Abdias do Nascimento
Nesta obra de Guignard, pintor brasileiro que morou durante muito tempo na
Alemanha, são realçadas as cores, crenças, sonhos, esperança e olhares firmes. Os
personagens da obra não falam de um povo negro vencido, nem melhor nem pior
que outros, mas falam das alegrias, da ascensão do homem negro, das crianças e
86
mulheres que valorizam sua cultura e superam o preconceito racial. Após a década
de 30, o artista trabalha numa série de retratos de famílias negras no Brasil. Algumas
destas pinturas retratam cenas do cotidiano deste povo brasileiro.
Fig 11
Família do fuzileiro naval, 1930,
Guignard
Fonte: www.cultura.mg.gov.br
O ensino de arte, como já foi amplamente esclarecido no decorrer desta
pesquisa, é uma das disciplinas outorgada pelo parecer 003/2004, que estabelece
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais,
regulamentado pela lei 10.639/03, sob a incumbência do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana.
No campo da educação visual, para a arte/educadora Ana Mae Barbosa
(2002), a educação multicultural foi um dos avanços educacionais conquistados nos
últimos anos, que permite ao educando lidar com a diferença de modo positivo tanto
na arte quanto na vida. Para ela, a multiculturalidade “é compreendida no contexto
de reconhecimento de diferentes códigos culturais e de diferentes necessidades
culturais.” (2002, p. 46). O aprendizado destas diferenças culturais passou a ser um
direito de todo cidadão, indiferentemente de etnia, de raça, de sexo, e de
dificuldades motoras ou mentais. Graças à multiculturalidade, foi selado o
compromisso da inclusão nas escolas que exigem respeito às minorias, clamando
87
igualdade de tratamento e de direitos para os diferentes, sejam eles de raça, de
nacionalidade, de classe social, de religião, deficiência física e mental etc.
Barbosa ensina que o multiculturalismo deveria ser o objetivo da educação
interessada no desenvolvimento cultural. O multiculturalismo defende que o acesso
aos códigos eruditos da arte é primordial para todas as classes sociais. Assim, ela
argumenta:
As décadas de luta para salvar os oprimidos da ignorância sobre eles
próprios nos ensinaram que uma educação libertária terá sucesso só
quando os participantes no processo educacional forem capazes de
identificar seu ego cultural e se orgulharem dele (BARBOSA, 2002,
p.20).
Percebendo a relevância de conhecer o processo histórico do aluno e nele
saber interferir com consciência, Barbosa (1998) apresenta importantes análises
pela democratização do conhecimento da arte, considerando fundamental a
percepção das “realidades pessoais e sociais, aqui e agora, e lidar criticamente com
elas” (1998, p. 39). Esta autora afirma que a arte leva os indivíduos a conectar um
comportamento mental a outras coisas e que, ao passar de um estado das idéias
para o estado da comunicação, eles conseguirão formular conceitos e descobrir
como se imbricam esses conceitos. “Arte é cognição [...] é uma forma diferente da
palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo”
(BARBOSA, 2001, p.4).
A arte enquanto disciplina é apontada pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais da área, um posicionamento teórico-metodológico conhecido por
Abordagem Triangular, proposta elaborada por Ana Mae Barbosa (1998) a partir de
estudos feitos nos EUA, no final dos anos 1980. Esta abordagem, ao se preocupar
com a contextualização histórica de produtos e valores estéticos do objeto e o fazer
artístico, retoma uma visão de educação que visa à promoção do homem, fazendo
com que a arte se aproxime deste conceito de educação que propicia ao aluno
possibilidades de contato com conhecimentos culturais necessários para uma
prática social transformadora e crítica, “onde a atitude multiculturalista é
desenvolvida”.
Para esta autora, o fazer artístico e a contextualização (histórica, social,
cultural, ecológica, etc) da obra de arte contribuem para o desenvolvimento dos
88
educandos ampliando seus potenciais cognitivos de forma a capacitá-los a ter uma
visão mais crítica, a fim de que a prática pedagógica seja coerente ao possibilitar
uma leitura de mundo através da consciência de si mesmo, sem a imposição de
conhecimento e sem a dicotomia entre reflexão e prática. Sem o exercício da
contextualização, corre-se o risco, sob a ótica da arte, de que a pluralidade cultural
se restrinja a uma abordagem aditiva. Abordagem criticada também por Banks,
como já descrita anteriormente. Segundo ele, essa abordagem procura apenas
penetrar o currículo formal acrescentando determinados conteúdos em diferentes
disciplinas sem afetar a sua estrutura básica.
Segundo Barbosa (2001) a função da Arte na Educação é desenvolver as
diferentes inteligências, pois cada uma participa do exercício da vida cotidiana de
mais de um grupo social. Para isso, é preciso sustentar “uma atmosfera
investigativa” sob as culturas a serem compartilhadas pelos alunos nas aulas.
Barbosa defende que é preciso estimular a percepção das mais variadas culturas
possíveis para que haja uma experiência cognoscente, equacionando as normas e
os valores de cada uma destas culturas. Esta percepção é, também, observada por
Banks (1999) ao destacar as abordagens de níveis de mudanças curriculares
referindo-se ao enfoque transformador (propõe uma reestrutura do currículo de
forma a possibilitar que os estudantes trabalhem com diferentes tradições culturais)
e a ação social (propõe a transformação curricular a partir de projetos e atividades
que envolvem diferentes grupos culturais, favorecendo a relação teoria/prática em
relação à diversidade cultural).
A autora compreende que o ensino da arte está intimamente ligado ao
interesse de quem aprende, pois ele rompe com as barreiras de exclusão e com a
relação dominado/dominante do ensino tradicional, reconhecendo todos como
participantes e construtores de seus próprios caminhos, ao mesmo tempo em que o
aluno saberá avaliar de que forma se dão os caminhos e quão distantes ou não são
de sua realidade. Lembro que a realidade a qual me refiro é a que está relacionada
ao ambiente comunitário do aluno, aquela que está o mais perto dele possível, ou
seja, seu próprio cotidiano.
Se esta mesma consciência não se fizer presente também nos professores,
eles não reconhecerão sua condição de excluídos e jamais trabalharão no sentido
da emancipação dos alunos que estão sob a sua responsabilidade e corre o risco de
contribuírem para a formação de uma mentalidade elitista; e a sonegação de
89
conhecimentos os fará acreditar que é normal uns terem acesso a tudo e outros não
têm esse direito. “A consciência de ser colonizado dos brasileiros é titubeante,
confusa e mal explicitada” (BARBOSA, 1994, p.13).
Numa entrevista à revista eletrônica: Cultura e Conhecimento –
Democratização Cultural (26/04/2007), a própria Ana Mae Barbosa afirma que “A
Pedagogia Questionadora”, de Paulo Freire, é ainda o melhor caminho para levar os
educadores a pensar e formular significados, levando os alunos ao contato direto com
a arte e fazendo-os pensar no que estão vendo e fazendo.
O comum entre a inclusão da História e Cultura Africana e dos Afro-
descendentes, a pedagogia questionadora de Paulo Freire e o multiculturalismo crítico
de Barbosa é a forma de pensar a educação, onde o sujeito aprende a escrever a sua
vida como autor e como testemunha de sua história, é “biografar-se, existenciar-se,
historicizar-se”, como já dizia Ernane Maria Fiori ao escrever o prefácio do livro
Pedagogia do Oprimido (2004). É tornar um indivíduo sabedor de onde veio, onde
está e para onde vai. Seria a “boniteza” do reencontro do sujeito com os outros e nos
outros através da retomada reflexiva do próprio processo de redescobrir-se, ou seja, o
aluno torna-se construtor de sua própria narrativa, compreende modos flexíveis e
cooperativos de ensinar e aprender, cuja finalidade é questionar visões rígidas e
inflexíveis da realidade.
Entendendo que a consciência e a interferência sobre o processo educativo,
neste caso, da arte, é fundamental para o professor, para os alunos, e enfim, para
todos que estão envolvidos com a educação que se pretende transformadora, tomo
como referência o seguinte trecho:
A consciência histórica e a reflexão crítica sobre os conceitos, as
idéias e as ações educativas de nossa época possibilitam nossa
contribuição efetiva na construção de práticas e teorias de educação
escolar em arte que atendam às implicações individuais e sociais dos
alunos, às suas necessidades e interesses, e, ao mesmo tempo,
proporcionem o domínio de conhecimentos básicos da arte (FERRAZ,
1999, p 36).
Embora saibamos ser impossível uma escola igual para todos, acreditamos
ser possível a construção de uma escola que reconheça que os alunos são
diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense o currículo, partindo da
necessidade real de direitos sociais. Assim, podemos deduzir que a exclusão
90
escolar não está relacionada somente com o fator econômico, mas, também pela
sua origem étnico-racial. Só assim será possível transformar a escola em um espaço
plural, onde todas as crianças poderão ter a oportunidade de ver a sua história e a
sua imagem refletida positivamente. Este argumento casa com a proposta desta
pesquisa ao perceber que é de suma importância que a imagem do negro(a) seja
inserida nos currículos escolares de maneira positiva e resignificada, mas que não
se restrinja à inclusão da cultura negra: é necessário que a escola abra espaço para
a diversidade cultural, onde todas as culturas possam fazer parte da dinâmica do
currículo escolar.
Para efeitos práticos da lei, penso ser necessário o envolvimento de todos
em processo revisionais sobre ensino/aprendizagem construindo a consciência
sobre a importância e necessidade dessas revisões e de suas participações no
combate à discriminação racial, ampliando as discussões sobre o assunto e
engendrando as ações pedagógicas que promovam o reconhecimento e respeito à
diversidade étnico-racial.
91
Quão importante foi, para mim, pisar pela primeira vez
o chão africano e sentir-me nele como quem voltava e
não como quem chegava (Paulo Freire)
Chamo de outras miradas as contribuições advindas de ações pedagógicas
na forma de projetos, aulas ou oficinas que de algum modo têm tentado tratar a
cultura negra de modo a contemplar a lei, mas, principalmente de devolver o
respeito elevando a auto-estima com identificação de valores positivos destas
pessoas. Os projetos sugeridos aqui têm a interdisciplinaridade como foco mesmo
por que, a intenção de inserir o conteúdo da história e cultura negra nas escolas
tendo como proposta pedagógica o multiculturalismo só seria possível com este
olhar.
No tocante, nos deparamos com situações cotidianas que atestam as
incompreensões e limitações dos professores quanto ao “como trabalhar esses
conteúdos”. Porém, fazer entender que as manifestações culturais africanas não
podem restringir-se a interpretações apenas estereotipadas, mas que devem fazer
parte da pluralidade escolar e social, onde coexistem várias culturas, não é tarefa
que se faça da noite para o dia.
O conhecimento específico das modalidades de Arte das matrizes culturais
brasileiras (branca européia, negra e índia) é articulado com grau de compreensão
do espectador quanto à linguagem e o conteúdo. A difusão da arte de origem
européia no Brasil tem ocorrido dentro de um contexto histórico–social
discriminatório e opressor dessa fração sobre as demais, tornando invisível qualquer
outra expressão artístico-cultural.
Ana Mãe Barbosa (2002) defende um currículo onde correlata o fazer
artístico, com a história da arte e a análise da obra de arte consolidaria o respeito
das necessidades, interesses e desenvolvimento da criança seu valor, sua estrutura
e sua contribuição específica para a cultura. A história da arte auxilia as crianças a
92
entenderem melhor o lugar e o tempo nos quais as obras de arte existem porque,
parte do significado de qualquer obra depende do entendimento de seu contexto.
Nessa perspectiva apresento um exemplo da profª. Márcia Silva
18
, que
produziu um artigo narrando sua experiência num projeto de artes que potencializa
esta disciplina como área de conhecimento para o cumprimento da lei 10.639/2003
subsidiando os profissionais da área, sugerindo um plano de unidade, que
presentificasse a relação da estética da arte da África com a estética da arte do
Brasil.
Para esta autora ao se inserir a produção artística da África e dos afro-
brasileiros nos conteúdos das aulas de artes, os estudantes negros e não negros
poderão reconstruir a sua noção de identidade por meio da relação com o outro. Ao
dar visibilidade a um artista afro-brasileiro como exemplo, Rubem Valentim e a obra,
“Emblemático” e explicitar a relação da estética da arte da África, o professor terá
oportunidade de colocar as características estéticas da Arte da África tradicional - a
configuração estilizada e geométrica e cores chapadas - e desenvolver conteúdos
específicos de artes visuais. Ela apresenta como resultados de atitudes e valores
esperados na articulação dos objetivos específicos do ensino de Artes com os
objetivos propostos pela lei 10.639/2003, a saber: a) Os alunos passam a conhecer,
respeitar e valorizar a concepção estética da África. b) Eles são capazes de
reconhecer a interculturalidade presente na arte brasileira. c) os alunos negros
elevam sua auto-estima com identificação de valores positivos. d) Percepção
positiva da sua singularidade na composição da universalidade do grupo.
Embora o projeto exemplificado não tivesse sido realizado com alunos e sim
para capacitação de professores, penso que ele possa ser reestruturado pelo
professor de arte do ensino fundamental e médio tendo em vista o envolvimento de
alunos no seu corpo teórico/ prático.
18
Márcia Silva é Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Docente no Ensino Superior,
atuando junto às disciplinas: Fundamentos da Arte-educação; Metodologia do Ensino da Arte e
Prática de Ensino de Arte.
93
Fig 12
Emblema, Rubem Valentim
50x35cm acrílica s/ tela, 1985
No livro Artes Visuais: da exposição à sala de aula, Ana Mae Barbosa
(Org) (2005), reflete sobre a experiência de várias escolas, ao total de 70 (setenta),
em São Paulo/SP que participaram do projeto de pesquisa que o CCBB (Centro
Cultural Banco do Brasil) em parceria com Arteducação Produções e a empresa La
Fabbrica do Brasil promoveram para verificar o uso dos materiais distribuídos aos
Fonte: www.pinturabrasileira.com
Fig 13
Rubem Valentim
Fonte: www.museuvirtual.com.br
94
professores no Programa Diálogos & Reflexões com Educadores e como se dava a
recepção destes juntos aos professores. A pesquisa foi dividida em 4 (quatro)
grupos para visitar 4 (quatro) exposições no decorrer do ano de 2004. A turma
escolhida foi a 5ª série, hoje 6º ano, do ensino fundamental, por se tratar da série
que inicia o ensino de arte com o profissional especializado em licenciatura ou
similar, assim o aspecto homogeneidade ficaria garantida na pesquisa. Todas as
escolas de todos os grupos receberam materiais (Material Diálogos & Reflexões)
elaborados pelo Arteducação Produções. Algumas escolas tiveram
acompanhamento de monitores, transporte para a visita na exposição e participaram
dos Encontros Diálogos & Reflexões. Outras apenas receberam o material.
Fig. 14 - Artes Visuais da Exposição a Sala de Aula
Autoras: Ana Mãe Barbosa, Rejane Galvão Coutinho e Heloisa Margarido Salles. Ed. EDUSP
O objetivo da pesquisa era que todas as escolas levassem seus alunos às
exposições, desenvolvendo posteriormente atividades relacionadas a estas visitas.
O material produzido pelos alunos seria utilizado para avaliar o desenvolvimento do
professor. Entretanto a autonomia do professor quanto ao uso do material e ao envio
95
das produções foi respeitada pela equipe da pesquisa. As exposições foram: Arte da
África, com obras do Museu de Etnologia de Berlim, de janeiro a março; Nuno
Ramos, Morte das Casas, esculturas e instalações do artista, de abril a junho;
Rosana Palazyan, O Lugar do Sonho, trabalhos e instalações da artista, de julho a
setembro e Antoni Tàpies, com o acervo do artista da Galeria Lelong de Paris, de
outubro a janeiro de 2005. O ponto de intersecção entre as quatro exposições foi a
“situação multicultural do ponto de vista da etnia, gênero e relação entre o centro
hegemônico da cultura, a Europa e a cultura periférica, África e Brasil.” (BARBOSA,
2005, p. 17).
Concentrando na primeira exposição Arte da África, e entre alguns relatos de
experiência, houve uma professora que narrou a dificuldade de desenvolver as
atividades relacionadas a exposição Arte da África por considerá-lo um tema
desconhecido.
Houve outros relatos de professores que conseguiram trabalhar positivamente
através da experiência desta exposição. Até mesmo por professores que não
realizaram a visita no CCBB. A exemplo da professora Melina de Oliveira Barbosa
da pesquisa, que explorou do ponto de vista plástico e informativo, ao fazer
comparações sobre a cultura brasileira aludindo a artistas brasileiros como Tarsila,
Di Cavalcanti e Portinari, que representam o negro em suas obras. Essa professora
ampliou o universo das crianças, quando posteriormente desenvolveu uma produção
plástica através de desenhos com seus alunos, deu prioridade à imagem
apresentando também imagens em movimento com os filmes Kiriku e a Feiticeira,
Atlântico Negro: A Rota dos Orixás. O primeiro, uma animação, o outro uma história
baseada em fatos reais. Em ambos foi possível explorar a riqueza que cada um
representava. Iniciativas como esta, atestam a consistência de argumentos como o
de Ana Mae Barbosa, ao afirmar que o mundo cotidiano está cada vez mais sendo
dominado pala imagem que, portanto, existe uma alfabetização cultural que “é de
fundamental importância não só para o desenvolvimento da subjetividade, mas
também para o desenvolvimento profissional” (BARBOSA, 2002, p.20).
Percebe-se com isso que o conhecimento em artes se dá na interseção da
experimentação, da decodificação e da informação e que só um fazer consciente e
informado torna possível a aprendizagem em arte. Esse mesmo fazer consciente e
informado é muito presente na experiência de outro professor (José Lopes Rebelo
Junior) da exposição Arte da África onde abordou junto com seus alunos, a
96
problemática da estética do cabelo do negro e discutiram sobre o que é cabelo bom
e cabelo ruim na tentativa de resignificar o mito de que o cabelo crespo é ruim. Ao
propor aos alunos que observassem as texturas de cabelos de maneira a classificá-
los entre crespos, lisos e ondulados, ressaltando suas qualidades antes
desconhecidas, demonstrou que ao fazê-lo provocou essa interseção entre
experiência e informação. Isso vem demonstrar as infinitas possibilidades que se
abrem quando propomos experimentar outras miradas como é também outro
exemplo vindo da profª Maria Cristina da Rosa
19
com um Artigo publicado pela
Revista Pátio Ano X - Nº 40 - Formação Docente – Nov.06 à Jan.07, intitulado “Uma
proposta inclusiva na arte-educação” onde produziu um projeto de pesquisa
abordando os conteúdos acerca da cultura e da história da África e dos seus
desdobramentos para a cultura afro-brasileira através de quatro oficinas.
Em uma das oficinas o tema gerador foi o modo de ver o cabelo, isto é, a
cabeça na sociedade africana. Construiu-se um paralelo de comparações com
diversos períodos da arte ocidental utilizando como ilustração, imagens de obras de
arte que enfocavam retratos, sabendo-se que nessa trajetória, o cabelo se constituía
como espaço de revelação do poder e da consolidação da nobreza dos indivíduos
retratados (uso de perucas grandes e brancas pelos nobres). As atividades giraram
em torno do manuseio de materiais que as mulheres negras (uma atividade
tipicamente realizada pelas mulheres) utilizam para trançar os cabelos, partindo da
“análise do cabelo como elemento de resistência cultural e do seu desdobramento
no Brasil como atividade política de afirmação da africanidade.” Diversificando ainda
um pouco mais este olhar, a autora utiliza imagens da artista plástica Rosana
Paulino, na Mostra Brasil 500 anos, que procura refletir aspectos da memória
feminina e da ancestralidade africana mostrando o silenciar da voz no fio de cabelo
costurado nas bocas e a impossibilidade de olhar das mulheres representadas em
seus objetos artísticos. Segundo a profª. Maria Cristina essa atividade propiciou uma
reflexão acerca da educação racial e a consciência do racismo como fator de
discriminação na escola.
19
Maria Cristina da Rosa é licenciada em Educação Artística, mestre em Educação, doutora em
Engenharia de Produção, professora do Centro de Educação a Distância da UDESC e coordenadora
do Laboratório de Educação Inclusiva da UDESC.
97
Fig. 15 - Rosana Paulino Bastidores (Embroidery frames)-30 cm diameter-1997 image transferred,
cloth, sewing thread
20
Fonte:www.galeriavirgilio.com.br/.../artistas.html
Fig. 16 - Rosana Paulino Bastidores (Embroidery frames)-30cm diameter-1997 image transferred,
cloth, sewing thread
21
Fonte:www.galeriavirgilio.com.br/.../artistas.html
20
(Bastidor bordados) -30 cm de diâmetro-1997 imagem transferida, pano, linhas de costurar.
(tradução da autora)
21
(idem)
98
A artista Lygia Pape também representa a etnia através de mechas de cabelo
louro, castanho e negro. Ela explora a hierarquia das raças evidente na valorização
dos tipos de cabelo. Canduru afirma que “enquanto paródia poético-crítica, Caixa
Brasil se constitui como precedente importante para diálogos contemporâneos entre
os campos da arte e da cultura afro-brasileira” (2007, p. 62).
Fig. 17 - Lygia Pape Caixa Brasil. Fonte: www.veja.abril.com.br
O mundo é feito de diferentes países com suas formas culturais específicas.
A identificação, assim como o entendimento destas manifestações culturais locais e
regionais, abre a possibilidade de estudos e experimentos sobre seus aspectos
através da arte e a estética desenvolvida por grupos humanos específicos é refletida
por ela e não está dissociada da realidade social e histórica afro-brasileira tão pouco
do cotidiano cultural dos alunos.
A partir dessa visão, que universaliza a questão em estudo podemos propor
a transição de alunos de suas experiências particulares para outras e vice-versa,
compreendendo o conceito de pluralidade cultural como parte da vida das
comunidades. Se para Paulo Freire a fala é criadora de cultura e com ela o sujeito
assume conscientemente sua condição humana essencial, o diálogo da escola como
modo de vida dos seus alunos, neste caso os afro-brasileiros, permitirá a vivência e
a potencialização de outros contextos de aprendizagem inseridos em suas
experiências, porém camuflados até então.
99
O aprofundamento em uma ou mais linguagens artísticas pela ótica desses
exemplos nas manifestações dramático-religiosas, na música, na capoeira nas
organizações carnavalescas (afoxés, batucadas e blocos afro), entre outros, poderá
fazer com que o aluno realize, questione, aprecie e debata, elabore e colabore com
sua realidade, porque estes são alguns elementos provocadores da reflexão sobre a
identidade cultural do negro que desencadeia e reproduz o dialético processo
histórico de produção humana que é conquistar sua forma humana em toda sua
intensidade de respeito e direitos.
Outro exemplo de projeto pedagógicico preocupado com a pluralidade
cultural refere-se ao que a Escola Municipal José Calil Ahouagi, Juiz de Fora, MG,
vem fazendo no sentido de “contar a história do samba, aulas de penteados afros,
confecção de roupas para apresentações artísticas, canções de congo, jogos típicos
das aldeias africanas, tambores, literatura, receitas de comidas típicas, cartazes
sobre animais da savana...”. (Revista Raça Brasil, Edição 115 - Outubro/2007, p. 24-
26). Para a comunidade local a escola conta com expressões artísticas do projeto
“África-Brasil”, que reúne atividades voltadas ao público do bairro Nova Califórnia.
São as mais variadas e livres. Segundo o relato da revista Raça Brasil, por Breno da
Fonseca e Silvana Regina Inácio, foi através do teatro, da dança e principalmente do
artesanato que os contos e as lendas africanas ganharam novas interpretações e
assim, o papel do negro no Brasil tornou-se objeto de discussão, no cotidiano
escolar.
Fig. 18
Alunos de 4 a 5 anos
aprendem as canções
de roda.
Foto: Rafael Cusato
A responsável pelo projeto é a professora e diretora da escola, Andréa
Borges de Medeiros, diz que a idéia começou em 1999, durante sua pesquisa de
100
mestrado quando a “ intenção era promover a igualdade. Um dos achados é que as
crianças tinham baixa auto-estima por conta da não aceitação étnico-racial, o que
acabava afetando o desempenho escolar e as relações sociais no colégio”. Depois
de um tempo o projeto “África-Brasil” ganhou novos simpatizantes: professores,
alunos, pais. Todos como membros participantes das atividades culturais
promovidas na escola. E foi assim que despertou o interesse de pesquisadores da
Universität Siegen, da Alemanha, que visitaram a instituição no primeiro semestre de
2007. Andréa Medeiros ainda esteve entre as três finalistas do Prêmio Nacional
“Educar para a Igualdade Racial”, que teve 393 trabalhos inscritos de 23 estados
brasileiros.
Fig. 19
Alunos ensaiam ritmos
africanos ao som do
tambor.
Foto: Rafael Cusato
Uma melhor forma de compreensão do universo artístico cultural é aguçar os
sentidos para a diversidade étnica através do produzir, apreciar e conhecer arte
conectando as relações entre o particular e o universal. O conhecimento
contextualizado das produções artísticas que apresentam a concepção estética de
seus descendentes é um dos vários caminhos que permitem ao estudante negro
sentir-se parte de um grupo e/ou de uma cultura, recuperar ou alimentar uma auto-
estima positiva e ao estudante não-negro, o conhecimento dos valores de outra
etnia.
101
Se considerarmos os conhecimentos dos negros (sua cultura, história,
contos, religião) em sala de aula, perceberemos o quanto a cultura negra está
presente em nosso cotidiano, principalmente no escolar. A partir disso, poderemos
criar uma nova temporalidade e outros caminhos para uma educação ancorada
pelos princípios de uma pedagogia multidisciplinar (Petronilha, 2001).
Um bom exemplo da permanência negra nas nossas vidas está presente no
vídeo produzido durante uma oficina de vídeo com jovens negros de Salvador em
2000. Um trabalho simples, interpretando a letra da música do grupo Rappa através
de imagens de revistas que podem ser trabalhadas com alunos em escolas
realizando desdobramentos múltiplos como os que já exemplifiquei, explorando as
imagens, seus contextos fazendo-se valer a educação democrática, multicultural, a
minimização do preconceito racial, visibilizando a cultura negra e contemplando a lei.
http://br.youtube.com/watch?v=3t8CSkv0z8s
Alguns exemplos enquanto recursos didáticos que poderemos lançar mãos
são livros, filmes, poemas, cartazes e até mesmo os episódios do programa A Cor
da Cultura, transmitidos pelo Canal Futura, entre outros. Abaixo está descrito e
mostrado alguns destes.
Fig. 20
Filme: Vista Minha Pele.
Roteiro: Joel Zito Araújo e
Dandara. Duração: 28
min.
Este filme serve de material para discutir sobre o racismo e o preconceito em
sala de aula através de uma paródia da nossa realidade brasileira, invertendo a
história conhecida por nós (os negros como a classe dominante e os brancos
escravizados). Conta em seu elenco com atores conhecidos do público alvo -
adolescentes de 12 a 16 anos - por meio de uma linguagem direta e simples.
102
Fig. 21
Filme: Atlântico Negro –
na rota dos Orixás
Diretor: Renato Barbieri
Ficha técnica: Mídia:
DVD
Ano de produção: 1998
País de Produção: Brasil
Gênero: Documentario
Duração: 54 min
Sistema de Cor: Colorido
Dublagem: sem dublagem
Este documentário faz uma viagem no espaço e no tempo em busca das
origens africanas da cultura brasileira. Historiadores, antropólogos e sacerdotes
africanos e brasileiros relatam fatos históricos e dados surpreendentes sobre as
inúmeras afinidades culturais que unem os dois lados do Atlântico. Filmado no
Benim, no Maranhão e na Bahia.
Fig. 22
Filme: Kiriku e a Feiticeira
Diretor: Michel Ocelot
Ficha técnica: Mídia: DVD
Ano de produção: 2001 País
de Produção: França
Gênero: Animaçao
Duração: 71 min
Sistema de Cor: Colorido
Idioma Original: Frances
Dolby Digital 2.0
Dublagem: Portugues Dolby
Digital 2.0
Legenda: Inglês/Portugues
Kiriku é um garoto pequeno, mas muito inteligente e com dons especiais, que
nasceu em uma pequena aldeia sobre a maldição da cruel feiticeira Karaba que
secou as fontes de água e seqüestrou todos os homens da região. Encontrando
103
amigos e seres fantásticos pelo caminho, Kiriku resolve combater a malvada
feiticeira para salvar sua aldeia. História baseada em uma lenda da África Ocidental.
Fig. 23
Livro: Escravidão e
Cidadania no Brasil
Monárquico Autora: Hebe
de Maria de Matos. Ed.
Jorge Zahar
A Constituição outorgada de 1824, que pela primeira vez definia os direitos e
deveres dos cidadãos do jovem Brasil, legitimava ao mesmo tempo a continuidade
da escravidão. Este livro busca esclarecer o que significavam esses direitos e
deveres para a imensa população livre afrodescendente no Brasil monárquico, num
momento em que a moderna noção de raça começava a tomar forma no Ocidente.
Neste livro, a autora (Hebe de Maria de Matos) recupera e reintroduz na nossa
memória a presença de personagens negros brasileiros que ocupavam posições de
destaque durante o período monárquico. O texto também apresenta aspectos
importantes para adentrarmos ao atual tema de debates de raça e desigualdade,
quando tratamos do tema exclusão social. Este livro é recomendável para quem
quiser entender um pouco mais o Brasil e compreender porque nossas instituições
republicanas parecem esquecer o significado da palavra República.
104
Fig. 24
Livro: Eu sou Atlântida
Autor: Alex Ratts Ed.:
Imprensa Oficial do Est.SP
e Instituto Kuanza
Neste livro Alex Ratts narra a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, uma
mulher brasileira pesquisadora, poeta, historiadora e ativista negra. Dividido em
duas partes, o livro inicia com “Quantos caminhos percorro” quando o autor dialoga
com a obra inédita de Beatriz Nascimento, através das temáticas e categorias da
pesquisadora em pesquisa nos acervos públicos e particulares das cidades do Rio
de Janeiro, São Paulo e Brasília. Na segunda, “É tempo de falarmos de nós
mesmos”, são reeditado oito artigos escritos por Beatriz nos anos de 1974 a 1990,
publicados nos periódicos: Revista Cultura Vozes, Estudos Afro-Asiáticos,
Afrodiáspora, Maioria Falante e Última Hora. O autor é antropólogo, geógrafo e
professor da Universidade Federal de Goiás, é pesquisador/ativista do campo das
relações raciais, de gênero e sócio-espaciais.
Fig. 25
Livro: Consciência negra
em Cartaz Autor: Nelson
Inocêncio Ed.: Editora
UNB
105
Este livro enfatiza uma linguagem que se ocupa da produção da imagem,
considerando que sobre a imagem incide várias questões conotativas que muitas
vezes levam às dúvidas. Consciência Negra em Cartaz é um livro que trata das
questões de relações raciais, mencionando uma variedade de cartazes impressos
ao longo da década de 1980 cuja importância, se reflete na recente atitude corporal
manifesta por parcelas visíveis da população afro descendente em nosso cotidiano.
O autor, Nelson Inocêncio é de uma geração de ativistas da vanguarda negra
militantes a partir da década de 1970 sendo hoje responsável por uma parte
significativa da reflexão que se faz na universidade brasileira sobre relações raciais.
Fig. 26
Livro: Arte Afro-Brasileira -
Coleção Didática Autor:
Roberto Conduru, 2007
Este livro discute a problemática cultural afro-brasileira e suas manifestações
artísticas, desde a vinda dos africanos para o Brasil no período colonial e sua
escravidão até às mudanças de configurações culturais e artísticas no império, na
modernidade e na contemporaneidade. Arte Afro-brasileira é o segundo número da
Série Historiando a Arte Brasileira, que discute um tema específico da História da
Arte Brasileira e sua aplicação pedagógica. As orientações didáticas deste livro
foram elaboradas pelos professores Lúcia Gouvêa Pimentel e Alexandrino do
Carmo. Roberto Conduru é pesquisador da cultura artística afro-brasileira.
Várias também são as obras de Emanoel Araújo, autor/artista muito atuante
na luta pela causa negra, sua contribuição como curador e organizador de várias
exposições são provas de sua permanente atuação para desmistificar a visão
106
eurocêntrica. Exposições tais como Negras Memórias, Memórias de Negros, (2001),
Mão Afro-Basileira (1988), Bahia África Bahia, Vozes da Diáspora, Arte e
religiosidade Afro-brasileira e Herdeiros da Noite (1995) foram resultado de um
trabalho que Araújo vem desenvolvendo desde 1981 e segundo ele, elas têm
ajudado a recuperar a memória e resgatar a história do negro no Brasil. Araújo
afirma que todas as exposições vêm servindo como espelho para o orgulho dos
heróis negros e marcar seu lugar na história, cientistas, engenheiros, poetas,
escritores, historiadores, um universo de pessoas que foram importantes para
reafirmar a contribuição do negro na identidade nacional. Segundo ele, a relação
entre arte do negro e a identidade deste grupo é muito importante, pois é através
desta relação que se pode determinar a valorização de certos grupos étnicos, já que
a contribuição do negro na cultura brasileira foi durante os séculos XVIII ao XIX,
construída sob os padrões eurocêntricos.
Fig. 27 – Livro de Emanuel Araújo Fig. 28 – (Idem)
Outros personagens e artistas como Teodoro Sampaio, Luis Gama, Cruz e
Souza, Paula Brito, Mestre Valentim, Luiz Anselmo, Juliano Moreira, Rosana Paulino
107
foram também importantes para a construção dessa identidade e da cultura negra
no Brasil. Estes eventos ajudam a população a refletir e discutir sobre a cultura
brasileira e de que maneira a inclusão do negro acontece ou não na cultura
brasileira. Estas exposições mais a atuação de Emanoel Araújo como diretor da
Pinacoteca do Estado de São Paulo culminaram na criação do Museu Afrobrasil em
2003 na cidade de São Paulo que segundo Conduru (2007) “se constitui na maior e
mais importante iniciativa museológica de reflexão sobre a participação dos
africanos e seus descendentes na constituição do Brasil.”(p. 75)
A exemplo desse olhar contra-hegemônico tem também a atuação da Profª
Ana Mãe Barbosa a frente do MAC/USP (Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo) na década de 1980 que leva a arte do povo e o próprio
povo para o museu, explicando melhor,
“(...) em vez de romper com o erudito ela (Barbosa) abre espaços
para o diálogo e interpenetração dos códigos. Os projetos que foram
desenvolvidos ‘(...) a ampliação e diversificação do público
freqüentador do Museu.’ Para Barbosa o MAC deveria ser ‘(...) uma
porta de comunicação da Universidade com o público, não só
universitário, mas principalmente, com aquele público que não
conseguiu entrar na Universidade ou que já saiu dela’. Sua
preocupação é clara ‘(...) criar canais de comunicações da arte
erudita com a arte das minorias, com a estética das massas e com
as classes que, até então, não freqüentavam o Museu. Pretendeu-
se dar ao artista popular as mesmas condições que os artistas
eruditos para trabalhar dentro do Museu’.” (GUIMARÃES, apud
BARBOSA, 2005, p. 113)
Além destes exemplos citados podemos lembrar de várias outras obras
artísticas que trazem em suas (in)visualidade a visibilidade da cultura negra,
sobretudo voltadas para a temática da religiosidade da matriz africana. Lembrando
que a dimensão estética da arte africana é constitutiva nos cultos afro-brasileiros,
visto que, para a cultura africana e afro-brasileira, o fazer artístico não está
desassociado do imaginário religioso, ou seja, o ser humano é visto de maneira
integral. É o caso de artistas como Ronaldo Rego, Mestre Didi, Artur Barrio, Cildo
Meireles, Ronald Duarte, Antônio Dias, Chico Tabibuia, Leandro Machado, Nelson
Leirner, Artur Bispo do Rosário, Jorge dos Anjos.
108
Fig. 29 - Jorge dos Anjos. Exposição na Praça da Estação faz parte da assim chamada Semana de
Arte Negra. Fonte: www.flickr.com
Esta obra de Jorge dos Anjos está exposta na Praça da Estação, onde faz
parte da intitulada Semana de Arte Negra em Belo Horizonte. Nela está presente o
jogo espacial entre vazio e cheio que “mantêm a tensão inerente à reversibilidade e
abertura dos signos abstrato-geométricos” (CONDURU, 2007 P. 76) elementos
presentes nas obras africanas herdados por artistas atuais brasileiros da vertente
artística afro-brasileira. Vejo no seu geometrismo uma possibilidade bastante
eficiente para a introdução da cultura africana na sala de aula, haja vista seu
aspecto abstrato e simplificado, porém, intrigante, pelo jogo entre figura e fundo,
resguardada sua simbologia.
109
Este é outro trabalho de
Jorge dos Anjos que segue uma
linha da matriz religiosa
africana.
A relação de vazio/cheio,
positivo/negativo, claro/escuro,
ou seja, as dualidades poderão
ser exploradas pelo professor
(a). De igual modo, conceitos
como os de repetição,
regularidade, rebatimento,
dentre outros podem fazer parte
das abordagens desta imagem.
Fig. 30 - Jorge dos Anjos Altar /oratório Fonte: www.cultura.mg.gov.br
Neste trabalho o artista segue a
mesma linha da matriz religiosa africana.
Através dela pode-se pensar e discutir em
termos de hierarquias, valor de posição, e
a importância do simbolismo religioso
africano como elemento significativo e
representante de uma linguagem que
pode se tornar própria a uma ou mais
culturas. Os materiais empregados nesta
representação, podem até fazer parte de
uma ação prática, para a elaboração de
outras representações (incluindo as que
são próprias do universo cultural do
aluno), visando a desmistificação através
da ressignificação dada pelo aluno a estes
materiais, mantendo a referência à cultura
africana.
Fig. 31 - Chico Tabibuia Exposição
Réplica e Rebeldia, CCBB, 2007
Fonte: www.
p
almares.
g
ov.br
110
Antônio Dias explora
elementos geométricos
presentes nas obras de
alguns países africanos.
Nesta cultura, estes
elementos representam a
ambigüidade entre signos
como: cultura e natureza,
masculino e feminino, bem e
mal, religião e erotismo,
presentes nas tensões
contemporâneas.
Fig 32 - Antonio Dias, 1963 Personagem Complexo Técnica mista
Este trabalho de Rosana Paulino
levanta o questionamento sobre a
questão da “libertação”, da
“transformação” ou mesmo da “prisão”
da mulher. A questão da escravidão é
um discurso presente nessa obra e
mostra a relação vigente no
subconsciente social brasileiro entre
mulher/trabalho (os casulos de
terracota, a mulher casulo, presa,
imóvel em sua própria teia). Relação
conflituosa onde muitas vezes, a
mulher é vista como o próprio objeto
daquilo que ela produz. Esta relação
(mulher/trabalho) é atual e presente
principalmente na mulher negra e pode
ser explorado de modo a relacionar-se
com a libertação humana.
Fig 33- Rosana Paulino Número I com
casulos-2003 terracota, algodão, linha e
poliéster e pigmento vermelho Fonte:
www.galeriavirgilio.com.br/.../artistas.html
111
Fig 34 - Rosana Paulino Parede da Memória (Wall of memories) -8x8x3cm-1994 Detail Mixed media
on cloth
22
Fonte:www.galeriavirgilio.com.br/.../artistas.html
A memória, abordada neste trabalho de Rosana Paulino é um tema bastante
interessante para ser explorado pelo ensino de arte sob vários pontos de vista. Um
deles está relacionado à importância dessa faculdade no processo da aprendizagem
humana por proporcionar a nós o reconhecimento e a identificação trazendo também
à tona, os significados. Rosana Paulino aborda questões da mulher afro-
descendente a partir da memória familiar. São aspectos da história e da formação da
sociedade brasileira. Reviver a memória familiar questiona a visibilidade dos afro-
brasileiros e sua condição social.
22
Parede da Memória (muro de memoras) 8x8x3cm, detalhe da técnica mista em tecido. (tradução da
autora)
112
Fig 35 – Arthur Bispo do Rosario Macumba (madeira, plástico, cartón. 193 x 75 x 15 cm.)
Neste trabalho de Artur Bispo do Rosário estão presentes elementos “de sua
auto-representação, da construção de si que faz através da rearticulação de coisas e
sentidos (...) de múltiplos objetos, fios de contas, imagens de divindades”
(CONDURU, 2007, P. 56), de gente. É forte a presença do sincretismo religioso, da
mesma forma que é da pluralidade de objetos vinculados à cultura afro-brasileira.
113
Fig 36 - Mestre Didi Fig. 37 - Ewé Ödë Àrólé - o chifre do caçador mítico
As obras de Mestre Didi (Figs. 36 e 37) são bons exemplos de possibilidade
de aplicação dos elementos simbólicos da cultura negra na elaboração de outras
representações, as quais podem ter maior relação com o cotidiano do aluno, porém
com referências desmistificadas e ressignificadas da cultura negra. Objetos como
estes podem ser aqui (de uma maneira imaginativa), interpretados como o resultado
de uma atividade prática que explorou os recursos materiais e simbólicos afros,
apresentados no livro de Emanoel Araújo (Fig. 27) e discutidos anteriormente. Ao
enfatizarmos o ensino da história e da cultura afro-brasileira, podemos buscar
114
conhecer os espaços de tradição dessa cultura na suas diversas formas de
preservação e manifestação. Espaços religiosos e festivos como os terreiros, os
congados, os batuques, as folias de reis, maracatus, tambor de crioula, entre outros,
devem ser vistos e reconhecidos como aspectos fundamentais na vinculação com a
ancestralidade, no que se refere a lugares de composição de identidades da
população negra.
Fig. 38
Esta é uma das raras imagens em que se tem representado a figura de Zumbi
(líder negro que criou o mais significativo quilombo, o Quilombo de Palmares - PE).
Embora a maioria da população brasileira a conheça através dos livros de história do
Brasil, ela é uma obra do artista plástico Antônio Parreiras que retratou Zumbi sob a
influência do realismo (estilo artístico da época – séc. XIX). Aqui Zumbi, é
representado, buscando aproximar-se do seu cotidiano, com uma roupa que embora
simples, junto aos demais elementos do contexto - a rocha no chão, a árvore no
fundo, a cor de sua roupa, a camisa e gola abertas, o lenço na cabeça, a calça e
camisa arregaçadas - lhe conferem, cada qual ao seu modo e proporção, altivez,
decisão, poder, resistência, sobriedade e vigília, valores estes
115
que simbolicamente e ainda hoje, fornecem as noções ou idéias ressignificadas, de
resistência e de luta pela igualdade racial que vigoram desde sua época.
Nesse sentido, vejo o ensino de arte como um campo inacabado no qual a Lei
10.639/03 vem dar maior completude em suas dimensões tornando-o mais prenhe
de valores de diferentes manifestações artísticas e de inter-relação entre os códigos
culturais de diferentes grupos. No entanto não podemos pensar que somente as
disciplinas determinadas pela lei irão garantir sua efetivação. Nem acreditar que a
elaboração de “kits pedagógicos” para o ensino fundamental, médio e educação
quilombola, garantem a efetivação dos conteúdos nos currículos, nem a
presentificação da cultura negra no bojo da sociedade brasileira. Penso que se as
escolas colocassem em prática cotidianamente, a noção da pluralidade cultural
permeando todas as disciplinas minimizaria o preconceito secular existente na trama
social e que se manifesta inclusive nas escolas.
Apesar de ter uma produção bastante significativa de artistas afro-
brasileiros ou os que exploram esta temática nas suas obras, ainda é incipiente a
referência destas obras/destes artistas em materiais didáticos nos currículos
escolares, tais como livros didáticos, filmes, etc., voltados para o ensino de artes
visuais.
Vimos ao longo dessa pesquisa que a (in)visibilidade vem sendo combatida
desde o início dos anos 80 quando os movimentos sociais se articularam em prol de
conquistas, como a promulgação da Constituição de 1989, Percebemos também que
a (in)visibilidade aparece por meio da produção artística como nas obras de Mestre
Didi, Rubem Valentim, Emanuel Araújo, Abdias Nascimento, Rosana Paulino, etc.,
bem como por meio da institucionalização de espaços culturais como o Museu
Afrobrasileiro em 2000 que expõe ao público essa produção de ontem e de hoje.
Constatamos também a luta de movimentos sociais na luta por ações afirmativas
com resultados como a promulgação da Lei 10.639/03. Diante desse quadro
podemos perceber que no Brasil, o limite entre visibilidade e invisibilidade é muito
tênue, pois apesar dessas ações não promoverem sozinhas uma mudança
significativa da prática pedagógica e na sociedade brasileira, é preciso que,
educação e sociedade optem por um movimento contínuo e de auto-sustentação
para que estas idéias não caiam no esquecimento.
116
Iniciei esta pesquisa dando evasão a minha inquietação diante da
(in)visibilidade da cultura negra na escola, pelos meus questionamentos diante da
efetivação da Lei 10.639 e com uma idéia de que pouco se havia feito para a
promoção da inserção desta cultura assim como pouco investimento para a
formação de profissionais. Os questionamentos sobre a efetivação da lei vinham da
dúvida de não ter conhecimento suficiente para ministrar o conteúdo. Assim que
comecei a levantar as ações que o governo havia feito para orientar tais
profissionais, pude perceber que em cinco anos o governo brasileiro procurou estar
atento às demandas sociais que atendem a população negra. Apesar do empenho
por parte do governo federal pela efetivação, através das ações afirmativas, da
inserção e do envolvimento da população negra no cenário nacional é bom lembrar
que estas ações são frutos das reivindicações dos movimentos sociais que vêm
sendo construídas aproximadamente há 50 anos. Estas ações não se restringiram
apenas no âmbito educacional, mas também no social e cultural. Sem dúvida a Lei
10.639 traz uma contribuição de fundamental importância nas relações sociais. O
debate sobre ela já trouxe um grande benefício à sociedade ao colocar o tema na
pauta das discussões nacionais na tentativa de que todos reconheçam que é preciso
realizar algo para diminuir a desigualdade na educação de negros e brancos.
Embora não tenha realizado nesse trabalho uma investigação sobre a
formação de professor de artes visuais, esta questão me acompanhou durante o
todo o processo da pesquisa e sobre a qual vislumbro possibilidades de futuras
pesquisa. Ao observar o material didático de dois cursos de História e Cultura
Africana (um já mencionado anteriormente oferecido pela SME (2007) e outro,
promovido em parceria entre a SME e UnB (2006)) verifiquei uma forte tendência à
formação sob o ponto de vista histórico geográfico (ênfase na história, nos aspectos
geográficos da África e nas manifestações culturais) sem reforço nas manifestações
artísticas e bem menos nas produções de artistas negros que abordam a temática
117
desta cultura e suas matrizes. Apesar de constatar esta carência no material didático
de apenas dois cursos, vejo que o campo do material didático tanto para formação
de professores quanto de alunos está prenhe de possibilidades para pesquisas, uma
delas poderá desenvolver-se com as novas tecnologias já que a maioria dos cursos
que atendem a Lei 10.639/03 têm sido à distância. É bom destacar a importância
das novas tecnologias que oferecem maior acesso à possibilidade de formação do
ponto de vista da educação à distancia, lembrando que também será necessário a
elaboração de materiais didáticos para multimídia.
Outro aspecto observado por mim em relação a formação do professor está
na ausência de disciplinas que contemplem a História e Cultura Africana dos cursos
de licenciaturas de cursos de artes visuais que indicarão caminhos para a
preparação de docentes críticos e solidários. Estas discussões estão ainda no
campo das idéias, posto que boa parte das instituições de ensino superior ainda
estão discutindo medidas e ações que entrem em consonâncias com as
determinações do governo federal ao sancionar a Lei 10.639/03. Os cursos de
graduações para o ensino de arte, segundo pesquisas realizadas por Funari (2000)
na sua grande maioria não contemplam, em seus currículos, os conteúdos da
História e Cultura Africana e dos Afro-brasileiros embora esse assunto já venha
sendo abordado nos exames de vestibulares das universidades e nos concursos
públicos para professores de ensino fundamental como temos o exemplo do último
concurso da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia em 2006.
Minha pesquisa foi amparada pela compreensão de uma proposta
multicultural transformadora como práxis pedagógica para o ensino de artes visuais.
Nessa proposta examinei a questão da cultura do negro como determina a lei.
Contudo, não é difícil compreender que a perspectiva multicultural pode ser aplicada
no cenário educacional para atender também a outras culturas e suas variáveis
sociais tais como: o índio, o cigano, os portadores de deficiência, a questão de
gênero e idade, etc.
A lei determina e valida a inclusão da cultura negra nos currículos escolares
por meio do conteúdo da história e cultura africana. A este respeito, as
mantenedoras de ensino estão promovendo a formação de professores, se
adequando às novas realidades através de materiais acessíveis, reestruturação
curricular, dentre outras ações.
118
Neste sentido o governo federal através das SECAD e Seppir, incentivou e
promoveu uma pluralidade de ações para a concretização da inserção do conteúdo
nos currículos escolares, além de publicar materiais didáticos e para didáticos e
programas educacionais áudio-visuais, com a finalidade de serem distribuídos aos
professores e alunos. Temos como exemplo a publicaçáo em 2006 do dicionário da
matriz Iorubá. Porém se os professores têm recebido e utilizado estes materiais bem
como assistido aos programas são também questionamentos e objetos para outra
pesquisa.
Finalizando estas considerações, lembro do bordado que propus fazer no
início desta pesquisa e vislumbro muitos caminhos a serem percorridos, muitos
bordados a serem riscados e pontos a serem preenchidos. Penso que este é um
bordado que conta histórias de vida, de costumes. Sendo assim, tudo se configura,
se realinha, se constrói e reconstrói, pois esta é dinâmica e o fluido da vida que se
recomeça a cada instante. Neste sentido a auto-avaliação é um traço peculiar e
inerente neste processo. Vejo nisso um dado positivo para meu crescimento.
Se fosse para iniciar esta pesquisa novamente, algumas coisas mudariam,
mas mudariam somente por que hoje elas existem pra mim. Uma delas seria dedicar
menos ênfase na folclorização da cultura negra como forma de invisilibizá-la.
Poderia ter verificado por meio de uma pesquisa de campo como que os
arte/educadores têm lidado com a inserção deste conteúdo enquanto pluralidade
cultural e o que mudou em suas práticas educativas após a lei.
Diante destas narrativas escritas e novos questionamentos que parecem não
chegar a nenhum ponto final nem a uma zona de conforto, me vejo em meio a novas
configurações e novos bordados vão colorindo a trama do tecido simbolizando novos
conhecimentos. Espero dar continuidade a estes bordados num projeto de
doutoramento onde certamente novos desafios/tramas serão postos no meu
caminho enquanto professora/pesquisadora que se re-constrói ao caminhar.
119
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Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
ANEXOS
ANEXOSANEXOS
ANEXOS
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
Índice do Anexo
Anexo A – Lei 10.639/2003
Anexo B – Cartilha do Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana
Anexo C – Parte do Documento da Reestruturação Curricular da Secretaria
Municipal de Educação
Anexo D – Cronograma do Curso de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira
oferecido pela Secretaria Municipal de Educação/2007
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
LEI Nº 10.639, DE JANEIRO DE 2003.
1
Altera a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPUBLICA Faço saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º A Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
“Art. 26-A. nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social. Econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
mininstrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas ares de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3º (VETADO)”
“Art. 79-A. (VETADO)”
“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182º da Independência e 115º da Republica.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
1
Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004, p. 35
Ivaina de Fátima Oliveira / A (In)Visibilidade da Cultura Negra Africana no Ensino de Artes Visuais
“Entre todas as linguagens, a arte é a linguagem de um idioma
que desconhece fronteiras, etnias, credos, épocas. Seja as
linguagens das obras de arte daqui, seja de outros lugares, de
hoje, ontem, ou daqueles que estão por vir, traz em si a qualidade
de ser a linguagem cuja leitura e produção existe em todo o
mundo e para todo mundo.”(Mirian Celeste Martins)
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