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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Fundamentos da Educação
A PEDAGOGIA DE MANOEL BOMFIM: UMA PROPOSTA
HIGIENISTA NA EDUCAÇÃO
ROSELANIA FRANCISCONI BORGES
MARINGÁ
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Fundamentos da Educação
A PEDAGOGIA DE MANOEL BOMFIM: UMA PROPOSTA
HIGIENISTA NA EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada por ROSELANIA
FRANCISCONI BORGES, ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de Concentração:
Fundamentos da Educação, da Universidade
Estadual de Maringá, como um dos requisitos
para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora:
Profª Dra. Maria Lúcia Boarini
MARINGÁ
2006
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ROSELANIA FRANCISCONI BORGES
A PEDAGOGIA DE MANOEL BOMFIM: UMA PROPOSTA
HIGIENISTA NA EDUCAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profª. Dra. Maria Lúcia Boarini (Orientadora)
Universidade Estadual de Maringá
______________________________________
Prof. Dr. José Gonçalves Gondra
UERJ – Rio de Janeiro
_____________________________________
Prof. Dr. Pedro Jorge de Freitas
Universidade Estadual de Maringá
Maringá, fevereiro de 2006.
A todos aqueles que se dedicam a resgatar a
memória da educação no Brasil. E,
principalmente, àqueles que - assim como Manoel
Bomfim fazem de sua trajetória pessoal e
profissional a busca de um sentido maior para a
vida.
AGRADECIMENTOS
A meus familiares e amigos pelo apoio e compreensão necessários a esta caminhada.
A André, Angélica e Jéssica que muitas vezes evitaram fazer “ruídos” para me
proporcionarem o silêncio fundamental à leitura e reflexão.
A Walfredo, companheiro de uma vida, pela capacidade de dedicar-se a meus projetos e
fazer deles nossos projetos.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação e aos secretários Márcia e Hugo Alex
pelo atendimento competente, cordial e carinhoso.
Aos professores do Mestrado pelo compromisso e competência demonstrados em sua
atuação em sala de aula e também fora dela. Em especial à professora Guaraciaba, pelo
interesse e desprendimento em proporcionar importantes esclarecimentos sobre o processo
de construção do conhecimento, com a clareza e a simplicidade peculiar aos grandes
mestres.
Às queridas amigas Márcia e Glasieli pelo trabalho de tradução e correção, haja vista que
tais aspectos, além de enriquecerem a pesquisa, valorizam a produção teórica.
À Cleonice, amiga de longa data, pelo apoio incondicional em todas as horas e por sua
presença amiga em todos os momentos mais significativos de minha vida.
Aos professores da Banca Examinadora José Gonçalves Gondra e Pedro Jorge de Freitas,
ao professor Sezinando Luiz Menezes do Exame de Qualificão pelas importantes
contribuições e pelo interesse em colaborar para minha formação teórica.
E, especialmente à professora Maria Lúcia, a quem considero LÚCIDA na exata definição
do termo (resplandecente, clara, brilhante, que tem clareza e transposição de inteligência e
que mostra uso da razão), e a quem cada vez mais admiro, tanto quanto mais conheço.
Admiração esta que tem sua origem e sua prevalência em sua postura ética enquanto
profissional e, principalmente, em sua sensibilidade enquanto ser humano maravilhoso que
é.
FIGURA 1
FIGURA 2
Que a burguesia se tranqüilize! [...] Que os privilegiados gozem em
repouso. A Igreja está morta: Viva a Escola!
Payot, 1872.
BORGES, Roselania Francisconi. A pedagogia de Manoel Bomfim: uma proposta
higienista na educação. (122 f.). Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade
Estadual de Maringá. Orientadora: Profª Dra. Maria Lúcia Boarini. Maringá, 2006.
RESUMO
O objetivo deste estudo é a análise da obra Lições de pedagogia escrita e publicada em
1915 por Manoel Bomfim (1868-1932), dico de formação, membro da Liga Brasileira
,de Higiene Mental (LBHM) e um dos idealizadores da educação no Brasil, especialmente
no que se refere a educação escolar. Este trabalho insere-se na proposta do GEPHE
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Higienismo e o Eugenismo “que tem como premissa
básica a análise dos encaminhamentos educacionais pautados nos pressupostos do
higienismo e da eugenia como processo de desenvolvimento da sociedade capitalista”. Tais
movimentos, bastante difundidos entre a intelectualidade brasileira, em especial a classe
médica, foram estabelecendo uma pedagogia médico-higiênica pautada nas premissas
básicas de que o acesso à higiene física e, principalmente, a um ideal de higiene moral,
através da educação, seria a resposta para lidar com as exigências e as controvérsias de
uma nova ordem social que se consolidava no Brasil na transição do século XIX para o
século XX: a ordem social burguesa. Recorremos a obra Lições de Pedagogia por
reconhecê-la como fonte histórica, através da qual buscamos identificar os pressupostos
higienistas contidos nas concepções educacionais de Manoel Bomfim, estabelecendo
correlações e contradições presentes em sua pedagogia em relação aos ideais educacionais
dominantes na época. Nestes termos, buscamos a articulação entre suas concepções
educacionais e o cenário educacional, bem como sócio-político e econômico do Brasil, nas
primeiras décadas do século XX. Cenário este que se mostrava bastante conturbado em
função do acirramento dos conflitos e antagonismos de classes existente pelas diferenças
nas relações sociais de trabalho estabelecidas, principalmente, no período de transição do
Império para a República, ou seja, na passagem de uma política econômica global pautada
no trabalho escravo em uma sociedade de economia basicamente agrícola, para uma
política assentada na mão-de-obra livre e na industrialização. Nesse sentido, os higienistas,
ao recorrerem às diferenças individuais para encaminharem questões de ordem coletiva
como se fossem leis de natureza e ao proporem explicações pautadas em questões
individuais e o em condições sociais, naturalizaram as desigualdades sociais
constituindo-se como álibi para justificar tais desigualdades, escamoteando as contradições
sociais inerentes à sociedade de classes. Desse modo, encontraram forte aceitação no
ideário dessa nova sociedade ao defenderem o controle social e a manutenção da ordem
estabelecida. Sendo assim, compreendemos que os adeptos do movimento higienista
entre eles Manoel Bomfim - ao delinearem ões de prevenção e promoção da higiene
mental/moral para a infância baseadas em um modelo ideal através de intervenções na
família e na escola, nos legaram exemplares lões de como encaminhamentos sustentados
pelo saber das ciências naturais, sem as necessárias mediações sociais, podem favorecer
ações que o tempo transcorrido pode demonstrar tratar-se de equívocos ou apresentarem
sinais de incorreção.
Palavras-chave: Manoel Bomfim, Higienismo, Educação, Higiene Mental, Pedagogia.
BORGES, ROSELANIA FRANCISCONI. Manoel Bomfim's pedagogy: a proposed
higienista in the education. (122 f.). Dissertation (Master's degree in Education) - State
University of Maringá. Advisor: Profª Dr(a). Maria Lúcia Boarini. Maringá, 2006.
ABSTRACT
The objective of this study is the analysis of the work Pedagogy Lessons, written and
published in 1915 by Manoel Bomfim (1868-1932), doctor graduate, member of the
Brazilian League of Mental Hygiene (LBHM) and one of the idealist of the education in
Brazil, especially in what it concerns about school education. This work inserts in the
proposal of GEPHE - Group of Studies and Researches on Higienismo and Eugenismo "
that it has as first base the analysis of educational directions in the presuppositions of the
higienismo and of the eugenics as process of development of the capitalist " society. Such
movements, quite spread among the Brazilian intellectuality, especially the medical class,
they established a medic hygienic pedagogy regulated on the first base that the access to
the physical hygiene and, mainly, an ideal of moral hygiene, through the education, would
be the answer to work with the demands and the controversies of a new social order that
consolidated in Brazil in the transition of the century XIX for the century XX: the
bourgeois social order. We took the work Lessons of Pedagogy to recognizing it as
historical source through which we intended to identify the presuppositions higienistas
contained in Manoel Bomfim's educational conceptions, establishing correlations and
present contradictions in his pedagogy in relation to the dominant educational ideals in that
time. In these terms, we looked for the articulation between his educational conceptions
and the educational scenery, as well as political partner and economical in Brazil, in the
first decades of the century XX. The scenery that was shown quite disturbed in function of
many hard conflicts and antagonisms of classes existent by the differences in the social
relationships of work established, mainly, in the period of transition of the Empire to
Republic, in other words, in the passage of an economical model based on the slave work
in a society of agricultural economy for a model seated on the hand of free work and in the
industrialization. In that sense the higienistas, took as base the personal differences to
collective questions - as if they were nature laws - and when they present ruled
explanations in personal subjects and no in social conditions they naturalized the social
inequalities, being constituted as alibi to justify such inequalities, pilfering the inherent
social contradictions to the society of classes. This way, they found strong acceptance in
the ideal of that new society to defend the social control and the maintenance of the
established order. Being like this, we understood that the followers of the higienista
movement one of them Manoel Bomfim when delineate prevention actions and
promotion of the hygiene mental/moral for the childhood - based on an ideal model -
through interventions in the family and in the school, they delegated us models as
directions sustained by the knowledge of the natural science, without the necessary social
mediations, they can favor actions that the elapsed time can demonstrate to treat of
misunderstandings or they present incorrectness signs.
Word-key: Manoel Bomfim, Higienismo, Education, Mental Hygiene, Pedagogy.
SUMÁRIO
O BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: NOVAS PERSPECTIVAS
ECONÔMICAS, NOVAS CONFORMAÇÕES SOCIAIS.............................................12
1. CONDICIONANTES HISTÓRICOS DOS “MALES SOCIAES”........................... 23
1.1 – O cenário sócio-político e educacional brasileiro no limiar da República............23
1.2 - As divergências entre os setores médios. O apoio da medicina.............................31
1.3 - Para os “males”: diferentes explicações................................................................35
1.4 - Educação como adaptação ao meio.......................................................................38
1.5 - Lições de pedagogia: um preceito higienista.........................................................41
2. EDUCAÇÃO COMO FORMA DE “CORREÇÃO E APURO”.............................. 45
2.1 - Idéias precursoras da Escola Nova no Brasil....................................................... 47
2.2 - Educação natural e educação intencional.............................................................. 51
2.3 - A pedagogia médico-higiênica no espaço escolar................................................ 54
3. EDUCAÇÃO DO ORGANISMO: A HIGIENE COMO REGRA.......................... 64
3.1 - A higiene como necessidade histórica.................................................................. 69
3.2 - O espaço escolar como local de formação de hábitos de higiene..........................72
3.3 A higienização de outros espaços urbanos.............................................................77
3.4 A higiene enquanto política pública.......................................................................80
3.5 Mudanças econômicas determinando novos impasses sociais...............................83
3.6 A busca da higiene moral...................................................................................... 85
4. EDUCAÇÃO MORAL COMO CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E BEM ESTAR PESSOAL...............................................................................87
4.1 - O pensamento de outros higienistas...................................................................... 92
4.2 - A educação como resposta aos “males sociaes”....................................................96
4.3 Higiene moral como “formula” da felicidade ........................................................98
PARA NÃO CONCLUIR...COM A CERTEZA DE QUE O PERCURSO DA
HISTÓRIA CONTINUA................................................................................................103
REFERÊNCIAS...............................................................................................................111
FIGURA 3
... os mercados eram a projeção da multiplicidade de modos de vida e
sociabilidade dos moradores citadinos. Vendedores de peixe, ambulantes caipiras
com os produtos de suas roças, brancos, negros, mestiços e imigrantes
compunham o cenário turbulento e sonoro dos mercados.
Wissenbach, 1998.
O BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: NOVAS PERSPECTIVAS
ECONÔMICAS E NOVAS CONFORMAÇÕES SOCIAIS.
... não se trata simplesmente de decidir se as
crianças deveo de acordo com a lei, saber ler e
escrever. Os povos, afinal de contas, têm vivido
sem essa ciência! A questão é mais elevada.
Trata-se de saber se a escola será o instrumento
pelo qual a lei moral conservará ou retomará seu
império, e assegurar para ela a transmissão dos
princípios conservadores de toda sociedade.
Rendu, 1872.
Este estudo tem como objetivo a análise de alguns aspectos da proposta educacional
elaborada por Manoel Bomfim (1868-1932), médico e educador, através de sua obra
Lições de pedagogia, escrita em 1915 e reeditada em 1917 e 1926.
Este tema insere-se na proposta do GEPHE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o
Higienismo e Eugenismo dentro da linha de pesquisa: a educação e os pressupostos do
higienismo e da eugenia, cujo objetivo é “conhecer a leitura acerca da educação e das
propostas médico-pedagógicas para prevenir doenças físicas e mentais, realizadas pelos
intelectuais auto denominados higienistas e eugenistas”. Tais movimentos, bastante
difundidos no Brasil no início do século XX, são freqüentemente assinalados como “fatos
de um passado distante”. Porém, que se convir que tais encaminhamentos exerceram
forte influência tanto nas propostas educacionais como nas “regras de convivência social”.
Nesse sentido, o estudo desses movimentos pode permitir, pelo distanciamento histórico
ocorrido, a construção de reflexões acerca de seus desdobramentos na dinâmica das
relações sociais.
Manoel Bomfim foi um dos integrantes da Liga Brasileira de Higiene Mental
(LBHM)
1
a qual congregava profissionais, em sua maioria, com formação médica os quais
1
A Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) foi fundada em 1923, no Rio de Janeiro, pelo médico
Gustavo Riedel, tendo como objetivo básico a elaboração de programas de higiene mental difundidos
principalmente através do sistema educacional. Segundo Lopes (1925, p. 151) o grande objetivo era de
“realizar na vida social um programma de hygiene mental e de eugenética, que melhore o vel de saúde
mental collectiva.”. Em nosso trabalho abordaremos brevemente a constituição da Liga (p. 93), à qual nos
referiremos como LBHM ou simplesmente Liga.
pautavam sua atuação em preceitos de higiene
. Bomfim era reconhecido por seus pares
como um importante colaborador em defesa da causa do higienismo. Seu pensamento
revela algumas concepções criadas acerca da educação no início do século XX e expressa
as idéias vigentes na época. Suas produções contribuíram para legitimar o pensamento
higienista no Brasil. Bastante atuante e influente em sua época, contribuiu com diversas
obras para o delineamento do pensamento educacional, no Brasil, marcando sua atuação,
principalmente, na elaboração de currículos e materiais didáticos utilizados nos cursos de
formação de educadores. Como pensador de seu tempo, Manoel Bomfim deixou algumas
formulações defendidas por alguns segmentos das elites intelectuais da época.
Descrito por Leite (1976) como nacionalista num período em que havia ainda um
pessimismo em relação à possibilidade de formação de uma nacionalidade, Manoel
Bomfim se contrapunha aos intelectuais que descreviam o povo brasileiro como inferior e
atrasado e se destacava ao enfatizar a necessidade de valorização do povo e de
investimentos nos ideais cívicos da pátria.
Esse ideal de nacionalismo, segundo Aguiar (2000, p. 184) tinha um duplo
significado:
De um lado, tratava-se de um processo de afirmação diante do
parasitismo, ou seja, diante do colonialismo e do imperialismo; de outro,
era também uma reação ao racismo científico, que dividia a sociedade
entre indivíduos capazes e incapazes, superiores e inferiores, úteis e
inúteis, com vistas à dominação dos últimos. E, é claro, da própria nação
brasileira.
Em O Brasil na América: caracterização da formação brasileira, uma de suas
últimas obras, escrita em 1929, Bomfim (1997, p. 91-93) ainda defendia o nacionalismo
como condição para a existência do Brasil como não verdadeiramente independente de
seus colonizadores e constituinte de suas próprias tradições. Para ele, como
condição natural, necessaria, na realisação da sociedade humana, o
nacionalismo não deve ser considerado degradante, ou motivo de
menosprezo ... como povo, reconhecemo-nos numa tradição, e, como
formula da vida, a consciencia de um povo é o nacionalismo ... qualquer
que seja a condição historica de um povo, a affirmação nacional tem de
Em nosso estudo tomamos como definição do termo higiene aquela compreendida como efeito de lutas no
campo médico e que, pouco a pouco, fez emergir variadas instituições, descrita por Gondra (2000, p. 521)
como sendo “o ramo da medicina que se ocupou da descrição e redescrição dos objetos sociais em
conformidade com os cânones desta Ciência [...] ramo que se preocupou, sobretudo, com uma medicina do
social”. Na mesma perspectiva, como definição do termo higienista, tomamos aquela elaborada por Costa
(2004, p. 36) que se refere “aos profissionais da medicina que funcionaram como teóricos ou executores da
política de higienização das cidades, da população e da família”.
fazer-se pelo destaque bem explicito dos relevos da sua tradição, e isto
inclue a necessidade de ajustar a esses relevos todas as contingencias da
actualidade.
Como exemplo de autores adeptos dos ideais nacionalistas naquele período, Leite
(1976) indica Alberto Torres (1865-1917) e Olavo Bilac (1865-1918) que, assim como
Bomfim, acentuavam os valores nacionalistas e defendiam as riquezas nacionais
2
. Entre as
frentes de discordância da possibilidade de construção de uma nacionalidade a partir do
investimento educacional nas diversas etnias que compunham o Brasil-Império (negros,
indígenas e mestiços) estão autores como Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) e Silvio
Romero (1851-1914) adeptos das idéias evolucionistas formuladas por Charles Darwin
(1809-1882)
3
. Pautado nessas premissas Silvio Romero apregoava, que a formação do
povo brasileiro provinha “de uma sub-raça mestiça e crioula, distinta da européia”. Dessa
forma, defendia a necessidade de um branqueamento progressivo da população que poderia
ser alcançado somente através da imigração (ROMERO apud LEITE, 1976, p. 187). Ele
elenca fatores que explicariam o atraso em que o Brasil vivia, identificando-os como de
ordem natural ou primários, de ordem étnica ou secundários e de ordem moral ou
terciários. Para ele,
Os principais daqueles [de ordem natural] vêm a ser o excessivo calor,
ajudado pelas secas na maior parte do país; as chuvas torrenciais no vale
do Amazonas, além do intensíssimo calor; a falta de grandes vias fluviais
nas províncias entre o São Francisco e o Parnaíba; as febres de mau
caráter reinantes na costa. O mais notável dos secundários é a
incapacidade relativa das três raças que constituíram a população do país.
Os últimos os fatores históricos chamados política, legislação, usos,
costumes, que são efeitos que depois atuam também como causas (grifos
2
Alberto Torres, em seu livro O Problema Nacional Brasileiro, escrito em 1914, expõe os fatores
ecomicos e sociais das condições de miserabilidade da população brasileira e sentencia: o nosso
nacionalismo não é uma aspiração sentimental, nem um programa doutrinário, que pressuponha um colorido
mais forte do sentimento o do conceito patriotico. É um simples movimento de restauração conservadora e
reorganizadora” (TORRES, 1982, p. 133). Olavo Bilac, por sua vez, fazia da defesa da nacionalidade um de
seus principais temas. Em um discurso proferido em 17 de novembro de 1916, no Centro de Letras de
Curitiba-Pr, à guisa de defender o idioma nacional, ressaltava: “É indispensável que, constantemente, seja
defendido e protegido o nosso idioma. disse, um dia, e todos o compreendem e professam: o máximo
problema da formação da nossa nacionalidade é a assimilação dos elementos adversos, que estão fecundando
e enriquecendo a nossa terra” (BILAC, 1980, p. 88).
3
Charles Darwin é considerado o maior sistematizador das teorias evolucionistas. Em sua mais conhecida
obra A Origem das Espécies (1859) ele afirma que o homem é resultado de um processo de seleção da
evolução natural onde “as circunstâncias externas determinam rigidamente a natureza dos seres vivos,
inclusive o homem, e que nem a vontade, nem a razão podem agir independentemente de seu
condicionamento passado”. Para Darwin o homem é parte integrante da ordem natural e passa a ser tomado
como ser animal, regido pelo instinto biológico, pelas mesmas leis que regem todos os animais
(SCHWARCZ, 1993, p. 57).
do autor, ROMERO, 1960, p.73).
Enquanto Silvio Romero e alguns outros intelectuais - em sua maioria, médicos e
educadores - defendiam a idéia de superioridade de uma raça sobre outra, ou seja, da raça
branca sobre as raças negra e amarela, e, principalmente combatiam a miscigenação racial,
Manoel Bomfim defendia a mistura de raças. Entretanto, enquanto adepto dos preceitos
higienistas defendia a idéia de formar nas futuras gerações o “apuro do caracter a e
organisação do proceder” (BOMFIM, 1926, p. 387). Opunha-se, todavia, veementemente
às idéias eugenistas presentes no discurso de muitos médicos e educadores segundo as
quais haveria uma raça superior e outra inferior e que a mistura delas resultaria em
degeneração biológica e moral
4
. Bomfim, inversamente afirmava que, com esta mistura
“criam-se novos motivos, entrevêem-se novas possibilidades, e novas capacidades se
revelam em vista dessas possibilidades”. Dessa forma “a sociedade inteira passa por um
período de rejuvenescimento” (BOMFIM, 1997, p. 185).
Esse “rejuvenescimento” provocado pelo encontro de tradições distintas seria
fundamental para que a humanidade avançasse, pois haveria o que ele chamou de
“fecundação de tradições” através da qual a humanidade progrediria. Em suas palavras:
Para que um povo realize de fato uma não ou
sociedade politica, em tipo formal de civilização, ele
ha de ser uma legitima combinação humana,
verdadeira sintese de qualidades psiquicas, não
diversas dos elementos formadores, mas distinta e
caracterizada, como sintese ou unidade nova e
complexa (grifo do autor, BOMFIM, 1997, p. 188).
Para ele essa síntese seria atingida através do processo educacional o qual
tornaria viável a capacidade de aperfeiçoamento intelectual e moral a que os seres
humanos seriam capazes de alcançar.
Dessa forma, colocando-se a favor de propostas para melhorar as condições
educacionais do país, Manoel Bomfim desempenhou várias funções no setor público. Foi
médico, jornalista, historiador e estudioso de pedagogia e psicologia
5
. Em 1890,
4
No interior das propostas da LBHM coexistiam os ideais higienistas e eugenistas. Com relação a algumas
questões esses ideais se entrecruzavam. Porém sobre outras, se distanciavam fundamentalmente. Entre os
nomes de maior destaque entre os eugenistas estava o médico Renato Kehl. Para um estudo aprofundado
sobre os ideais eugenistas da LBHM consultar Reis (1994) e/ou Nalli (2000).
formado em medicina transferiu-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou como tenente-
cirurgião da brigada militar passando a escrever artigos para a imprensa, atividade a que se
dedicou ao longo de toda a vida. Após 1894 abandonou a medicina e passou a dedicar-se à
política e à educação
6
. Entre os anos 1901 e 1902 residiu na Europa e estudou psicologia e
pedagogia. Nesse período freqüentou a Universidade de Paris: Sorbonne e conheceu
Alfred Binet (1857-1911), psilogo francês criador da escala métrica de inteligência, com
quem trabalhou e de quem recebeu influências que marcaram sua atuação profissional no
Brasil, voltada à educação, nas primeiras décadas do século XX. Ao retornar ao Brasil,
criou e dirigiu o primeiro Laboratório de Psicologia Experimental de Pedagogia no Brasil,
no Pedagogium
7
, em 1903.
O Pedagogium foi uma instituição pedagógica pioneira no Brasil. Fundado em
1890, funcionava como uma espécie de academia de educadores e museu pedagógico,
tendo sido a primeira instituição a criar espaço para um novo campo da psicologia no
Brasil: a psicologia da educação. Esta surgia desvinculada da prática psiquiátrica,
neurológica ou assistencial. O novo compromisso era com a educação e com problemas
específicos da psicologia (PESSOTTI, 1988).
Além de ter sido diretor-geral do Pedagogium por duas vezes, a primeira em 1897 e
a segunda em 1910 permanecendo no cargo até 1919 quando a instituição foi extinta, ainda
exerceu cargos de diretor da Instrução Pública (1898 a 1890) e diretor da Escola Normal
do Rio de Janeiro (1898) na qual lecionou nas cadeiras de Instrução Moral e Cívica,
Pedagogia e Psicologia. Foi eleito deputado federal também pelo Rio de Janeiro em 1907.
Como integrante da LBHM foi membro da Secção de Deficiencia Mental (ARCHIVOS,
5
Manoel José do Bomfim nasceu em Aracaju (SE) em 08 de agosto de 1868. Era o sexto filho de uma prole
de treze de uma família abastada que havia feito fortuna como comerciantes e proprietários de um engenho
de cana-de-açúcar nas proximidades de Aracaju. A contragosto do pai, Manoel Bomfim cursou medicina na
Faculdade de Medicina da Bahia entre 1886 e 1890. Bomfim “não queria ser o sucessor de ninguém, queria
seguir o seu próprio caminho e este para desgosto do pai, não passava pelo engenho Bomfim, nem pelos
demais necios da família” (AGUIAR, 2000, p. 93).
6
Por causa da morte da filha (de um ano e dez meses) ocorrida em 1894, Manoel Bomfim abandonou a
medicina. Morte esta que lhe afetou imensamente, pois quando a filha foi acometida pelo tifo, epidêmico na
época, Bomfim “sentiu-se dominar pela angústia e por um dilacerante sentimento de impotência e
desespero diante do sofrimento da filha. Maria morreu na madrugada de 15 de outubro de 1894, após
queimar em febre durante três dias e três noites” (AGUIAR, 2000, p. 173).
7
A idéia de criação do Pedagogium como um museu pedagógico nacional” surgiu do Parecer de Rui
Barbosa (1883) sobre a reforma de ensino de Rodolfo Dantas. Rui Barbosa recomendou a criação de
bibliotecas e museus pedagógicos nos lugares onde houvesse escolas normais visando “expor,
demonstrativamente, a história, a estatística e a situação atual do ensino em todos os seus graus, no país e no
estrangeiro” (AGUIAR, 2000, p. 189).
1925, p. 230). A partir de 1928 passou a ocupar a presidência da Secção de Psychologia
Aplicada e Psychanalyse (ARCHIVOS, 1929, p. 55). Enquanto escritor produziu inúmeras
obras
8
e criou vários periódicos
9
, tanto sozinho, como em parceria com diversos outros
intelectuais da época, como Olavo Bilac (1865-1918) e Machado de Assis (1839-1908).
Ao longo de toda a sua vida suas produções refletem seu comprometimento com
questões nacionais e seus anseios de melhorar as condições sociais da nação brasileira, pois
via no progresso cultural e no conhecimento científico o caminho para o enfrentamento de
questões que tornavam o Brasil uma nação em atraso em relação a outras nações mais
desenvolvidas economicamente. Assim, como tantos outros intelectuais de seu tempo,
Manoel Bomfim dedicou-se a diversas áreas do saber, desempenhando nesse percurso
várias funções, tomando posicionamentos diferenciados em relação a algumas questões
prementes na época ao longo de sua trajetória como médico, político e educador.
Posicionamentos estes, que são nosso objeto de estudo no âmbito de algumas de suas
formulações teóricas na área da educação.
A guisa de estabelecermos um parâmetro metodológico para esta investigação
tomamos como premissa básica a concepção de que a história é mais complexa do que um
mero sistema de idéias. Assim, buscamos refutar a visão naturalizada de que o homem,
como ser natural, é regido pela lei de natureza e que deve cumprir seu destino natural.
8
Entre as principais obras didáticas e para-didáticas do autor, em parceria com Olavo Bilac, destacam-se:
Livro de composição para o curso complementar das escolas primárias (1899); Livro de leitura para o curso
complementar das escolas primárias (1901) e Através do Brasil (1910). Publicou sozinho: Compêndio de
zoologia geral (1901); Das alucinações auditivas dos “perseguidos (1904); O fato psíquico (1904) A
América Latina: males de origem (1905); Lições de pedagogia: teoria e prática de educação (1915); Noções
de psicologia escolar (1916); Primeiras saudades (1920); A cartilha, Lições e leituras, Crianças e homens e
Livro dos mestres (1922); Pensar e dizer: estudo do símbolo no pensamento e na linguagem (1923); O
método dos testes: com aplicações à linguagem do ensino primário (com Ofélia e Narbal Fontes); O Brasil
na América: caracterização da formação brasileira (1929); O Brasil na história: deturpação dos trabalhos,
degradação política (1930); O Brasil nação e Realidade da soberania brasileira (1931) e Cultura e
educação do povo brasileiro (ditada a Joracy de Camargo e publicada postumamente em 1932). (BILAC e
BOMFIM, 2000).
9
Como jornalista foi diretor e redator das revistas Pedagógica (da qual foram editados apenas cinco
números) e Educação e Ensino (revista oficial da Diretoria de Instrução Pública), ambas criadas em 1897.
Em 1901, em conjunto com Rivadávia Correia e Tomás Delfino fundou a revista Universal que circulou de
1901 a 1902 e teve como colaboradores: Machado de Assis, Vicente de Carvalho, Tavares Bastos, entre
outros. Apesar do breve período de existência esse periódico foi considerado referência no tocante à
divulgação de temas da educação nacional e estrangeira. Em 1905 criou a revista Tico-Tico em parceria com
Renato de Castro, Cardoso Junior e Luís Bartolomeu. Voltada ao blico infantil, a Tico Tico foi classificada
na época, entre as de maior circulação no Brasil, inclusive sendo editada até 1956. Colaborou com artigos e
ensaios para diversos jornais de grande circulação, tais como: A República (do qual foi redator em 1896) e A
Nação (criado em 1903 em parceria com Alcindo Guanabara, para o qual escreveu apenas nas doze primeiras
edições, tendo deixado o editorial por divergências teóricas com o amigo e editor Alcindo Guanabara). Fonte:
AGUIAR, 2000.
Outrossim, buscamos trabalhar com a premissa de que o homem é um ser histórico e, por
isso, social. Portanto, os homens não nascem prontos, eles se constroem como seres
humanos enquanto se relacionam entre si e enquanto produzem suas vidas e, nesse
contexto, modificam-se a si mesmos. Nesta perspectiva, as condições de produção da vida
material determinam as necessidades sociais, as formas de intercâmbio que se estabelecem
e as idéias que se criam durante esse movimento. Tomando como base tal concepção,
nosso objetivo é analisar algumas formulações teóricas de Manoel Bomfim no campo
da educação, tomando-o como exemplo representativo de um pensamento construído
por um agrupamento social específico, composto por parte da intelectualidade
brasileira daquele período, cuja meta era o desenvolvimento do Brasil-Nação.
Para atingir tal objetivo privilegiamos para análise a obra Lições de pedagogia,
escrita em 1915 e reeditada em 1917 e 1926. O motivo da escolha se deve ao fato de que,
dentre a produção bibliográfica de Manoel Bomfim que tivemos acesso (nomeadas na nota
8), consideramos que a mesma agrega grande parte de suas concepções teóricas, além de
uma proposta educacional pautada em uma pedagogia permeada pelos princípios do
movimento higienista, fortemente veiculado no Brasil desde o final do século XIX até
meados do século XX. Princípios estes que contemplavam, além da higiene física, também
a higiene mental. Sob este aspecto, a educação seria o caminho mais curto para se alcançar
não a higiene do corpo mas, sobretudo, a higiene moral. Como adepto do higienismo,
Manoel Bomfim, assim como outros eminentes intelectuais da época, contribuiu para
introduzir tais princípios na área educacional tendo como ideal a elevação do nível de
saúde mental/moral da população brasileira.
Buscamos contextualizar o cenário educacional, bem como sócio-político e
econômico do Brasil nas primeiras décadas do século XX visando reconstruir um universo
intelectual distante em busca de elementos para entender os anseios da elite intelectual
daquela época, da qual Manoel Bomfim foi um dos representantes. Historicamente, é
possível afirmar que, Bomfim foi um dos mais convictos adeptos da idéia de que, o acesso
à educação seria a resposta para lidar com as exigências e controvérsias de uma nova
ordem social que se consolidava no Brasil na transição do século XIX para o culo XX: a
ordem social burguesa.
Desse modo, pautados nas premissas da análise histórica, buscamos elementos para
compreender a construção teórica deste pensador e as razões que o levaram, à sua época, a
elaborá-las. Tendo em vista a proposição básica de que a sociedade é o produto da ação
recíproca dos homens e, portanto, a concepção de que todos participam ativamente na
construção da história, tomamos as idéias de Manoel Bomfim como um recorte de um
discurso que legitima alguns encaminhamentos apregoados e oferecidos para a sociedade
brasileira daquele período. Nesta perspectiva, o estudo de seu pensamento possibilita-nos
entender alguns encaminhamentos que os homens deram para as questões da época em
função do novo modelo de sociedade que se formatava com o fim do Império e o advento
da República. Entendemos ainda que trabalhar com fatos hisricos vivenciados
possibilita a reflexão, pois o pensamento a própria subjetividade se permite
compreender ou ser compreendido quando algumas questões estão postas. E isso não
ocorre no tempo vivido e sim no tempo revivido, já elucidado.
Para tanto, tomamos como fonte de pesquisa, além das produções do autor
estudado, outras produções, preferencialmente, datadas do final do século XIX e início do
século XX que abordam temas referentes à educação escolar, bem como outras fontes
documentais (legislação, relatórios, atas de congressos, periódicos, etc.) que possam
esclarecer o contexto sócio-político e econômico da época.
Agindo dessa forma, no tocante ao nosso objeto de estudo, estaremos analisando os
pressupostos de Manoel Bomfim tendo-o como protagonista de sua própria história e de
parte da história dos homens. Tomando suas idéias como produto de necessidades criadas
pelos homens daquele período, as analisamos não como acaso, mas como decorrência de
mudanças nas relações materiais, que em sua essência determinam as produções teóricas
dos homens. Nessa direção, nos reportamos a Engels (1894, apud FERNANDES, 1983, p.
470) que ao analisar a ocorrência de fatos hisricos tidos como produtos do acaso, nos
adverte:
Que um tal homem, e exatamente este, apareça nesta época determinada,
exatamente neste país, é, naturalmente, mero acaso. Mas se o riscamos do
mapa, então existe a demanda de um substituto, e este substituto é
encontrado, tant bien que mal [bem ou mal], mas com o tempo ele é
encontrado. Que Napoleão, exatamente este corso, tenha sido o ditador
militar tornado necessário pela República francesa cansada da guerra
civil, isso foi acaso; mas que, à falta de um Napoleão, um outro teria
preenchido o lugar, isso é provado pelo fato de que sempre se encontrou
o homem toda vez que e assim que ele se tornou necessário.
Portanto, buscamos tematizar o pensamento de Manoel Bomfim, bem como de
demais integrantes do movimento higienista, o como produto unilateral, produzido e
executado por apenas um segmento social, mas como produto de um ser humano integrante
de uma determinada sociedade, e como produto coletivo legitimado por esta mesma
sociedade nele envolvida: sociedade esta que o criou como necessidade em dado momento
de sua história social. Dessa forma, o poderíamos deixar de tomar a construção teórica
de Manoel Bomfim como produto de um determinado homem que existiu enquanto ser
humano individualizado e único em determinado contexto histórico, porém, também como
alguém que tenha representado a síntese de parte da intelectualidade de uma época. Nesse
sentido, sua construção teórica pode ser considerada a expressão de um pensamento
construído por parte desta intelectualidade, como necessidade da época.
Estudando-o em seu tempo, com o distanciamento que a história transcorrida nos
permite, temos a possibilidade de perceber seus avanços, suas contradições, seus equívocos
e/ou limitações, bem como as mudanças em sua construção teórica durante sua trajetória
como higienista e educador.
Dessa forma, no primeiro capítulo abordamos algumas questões educacionais
presentes nas primeiras cadas do século XX delineando alguns impasses e consensos
construídos em torno delas. É nosso intuito também inserir o pensamento de Manoel
Bomfim, no tocante a referências a ele formuladas por autores contemporâneos -
estudiosos daquele período buscando situar seu pensamento e suas idéias nas correntes
de pensamento presentes na sociedade da época. Por fim, neste capítulo apresentamos o
conceito de educação veiculado por Manoel Bomfim e estabelecemos algumas categorias
para análise.
No segundo capítulo tratamos do conceito de educação e de pedagogia formulado
por Manoel Bomfim e identificado como educação natural e educação intencional
buscando perceber, em que medida, as raízes de suas concepções teóricas, se inserem no
ideário da Escola Nova que se consolidaria no Brasil após 1932. Nessa trajetória,
pretendemos entender o processo de inserção da família moderna e da criança como alvo
de intervenção e de implantação dos princípios de normatização veiculados pelos
higienistas e a contribuição de Manoel Bomfim nesse sentido.
No terceiro capítulo ressaltamos a sistematização definitiva da higiene como regra
para a proteção à saúde da coletividade, frente à urbanização ocorrida no início do século
XX. Enfocamos além da higiene urbana (das cidades) também a higiene escolar.
Destacamos a preocupação dos higienistas tanto com a higiene física quanto com a higiene
mental. Para tanto, buscamos no contexto social brasileiro os condicionantes históricos que
possibilitaram a inserção das idéias higienistas no espaço social, principalmente no
contexto escolar.
Por fim, no capítulo quatro discorremos sobre a proposta de educação moral
construída como possibilidade para a superação dos “males sociaes” e da situação de atraso
do Brasil em relação a outros países como condição para o desenvolvimento social e o bem
estar pessoal. Destacamos também o posicionamento de outros higienistas como forma de
melhor caracterizar o discurso presente entre outros adeptos do higienismo. Finalmente,
discutimos os pressupostos teóricos pautados na idéia de educação moral como recurso
para promover a supressão de tendências de caráter consideradas inferiores, que levaram
Manoel Bomfim e demais higienistas a recomendarem ações de prevenção e promoção da
higiene mental para a infância, que deveriam se materializar principalmente atras de
intervenções na família e na escola.
Como finalização deste trabalho, tecemos algumas considerações refletindo em que
medida o pensamento de Manoel Bomfim voltado para a área educacional de oferecer
contribuições para o campo da educação escolar e, em que medida tal pensamento
evidencia equívocos e/ou limitações decorrentes de concepções teóricas presentes na
sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX.
FIGURA 4
Enquanto o telégrafo nos dava notícias o graves [...], coisas que entram
pelos olhos, eu apertei os meus para ver coisas miúdas, coisas que escapam ao
maior número, coisas de míopes. A vantagem dos míopes é enxergar onde as
grandes vistas não pegam.
Machado de Assis, 1900.
1 - CONDICIONANTES HISTÓRICOS DOS “MALES SOCIAES”
E é disto do trabalho intelligente, da perfeição
dos processos que depende a riqueza; um
caminho para chegar lá, a cultura da
intelligencia, a difusão da instrucção, a
propagação da sciencia.
Manoel Bomfim, 1905.
A epígrafe citada anteriormente é a expressão de uma idéia formulada por Manoel
Bomfim originalmente na primeira década do culo XX que passou a ser amplamente
veiculada e aceita no cenário educacional brasileiro as a década de 20, época na qual foi
sendo estabelecida uma forte crença na educação como proposta de superação do atraso em
relação a outros países.
Manoel Bomfim, assim como muitos outros teóricos da educação, formulou
propostas visando melhorias para as condições de atraso da nação brasileira em relação a
outros países mais desenvolvidos economicamente. Suas propostas, pautadas nas premissas
do movimento higienista contemplam ideais educacionais específicos frente à realidade
social que se colocava na época em que as produziu. Dessa forma, buscaremos neste
capítulo abordar brevemente o contexto histórico brasileiro do período estudado para
podermos vislumbrar os condicionantes históricos de suas produções no campo da
educação.
1.1 - O cenário sócio-político e educacional brasileiro no limiar da República
Desde a virada do século XIX para o século XX se colocava como proposta,
entre alguns setores da sociedade, a idéia de que a educação seria o caminho para levar o
país a ser uma grande nação. o obstante restavam muitos impasses, como o acesso do
imigrante à escolarização ou a vinculação ou não da alfabetização como condição para
direito a ser eleitor, embora a Constituição de 1891 fosse clara quanto ao impedimento do
analfabeto ao voto
10
.
Em meio a estas e a outras questões amplamente debatidas pelos setores médios da
sociedade (em sua maioria constituído por intelectuais, políticos e profissionais liberais),
surgia o que Nagle (1976, p. 239) denominou de “preparação para o terreno” para a difusão
do ideário da Escola Nova no Brasil, pois nesse período passa a ocorrer, de um lado, uma
“modesta infiltração destes ou daqueles procedimentos, idéias ou práticas”, e de outro,
algumas “condições facilitadoras para a mais sistemática e ampla difusão posterior do
ideário”. A criação de laboratórios de psicologia e pedagogia, entre eles o Pedagogium em
1903, é citada como uma dessas condições facilitadoras
11
.
É oportuno demarcar que o apogeu do movimento da Escola Nova ocorreu no
Brasil após 1932, cujo marco teórico se deu com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros
da Educação Nova. Anteriormente, a preocupação se dava em relação à formação “cívica e
moral”, tendo como meta a nacionalidade. Nesse sentido, os discursos em defesa da
escolarização se avolumavam, seja para ampliar o direito ao voto, seja para preparar mão
de obra para a indústria crescente ou ainda com vistas a unificar os chamados valores
nacionais.
Sampaio Dória, defendendo essa linha de pensamento (de defesa da escolarização)
e imbuído dos ideais de unificação dos valores nacionais ressalta que a tarefa a ser
executada seria a oferta de instrução básica a todo cidadão através da qual seriam
desenvolvidos os ideais necessários à nação.
A nossa terra, na opulencia dos seus thesouros, e a nossa gente, no valor
de sua raça, requerem da escola, e dela esperam, o aprimoramento das
gerações novas para as virtudes democraticas, para as virtudes politicas,
para a pratica intransigente da moral civica, que, se desdobra, em ultima
analyse, de moral commum. Porque, se nós brasileiros, não formos
cidadãos efficientes da democracia, a estrella do Brasil se eclipsará, num
céo tempestuoso, sobre um chão de anarchia, nos elementos e funções, e
no delirio dos homens. (DÓRIA, 1919, p. 258).
10
No artigo 70, no parágrafo 2º, o texto constitucional continha a seguinte redação: Não podem alistar-se
eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados; 1º) Os mendigos; 2º) Os analfabetos; 3º) Os praças
de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; 4º) Os religiosos de ordens monásticas,
companhias, congregações, sujeitos a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da
liberdade individual” (BARRETO, 1971, p. 77-78).
11
Nagle (1976) cita ainda a Reforma Leôncio de Carvalho (1879), o Parecer de Rui Barbosa sobre o ensino
primário (1882), a I Exposição Pedagógica (1883), entre outras, como condições facilitadoras da inserção do
escolanovismo no Brasil.
Também adepto desse ideal de “unificação moral”, José Veríssimo (1857-1916), no
ano de 1906, em A Educação Nacional, referindo-se a seu próprio discurso publicado no
Jornal do Brasil no ano de 1892, tece comentários sobre a Reforma Benjamim Constant
acentuando que a mesma traria essa unificação através da implantação da instrução
primária nacional. Em suas palavras:
Deve-se esperar que uma organização sistemática do ensino primário,
como foi a do Sr. Benjamim Constant, posta em prática com constância e
seriedade, e munida de meios de sucesso, como felizmente vai sendo,
acabaria por se tornar o tipo de igual ensino em todo o País ou pelo
menos reagiria favoravelmente sobre toda a organização da instrução
primária nacional, como aconteceu com idêntica organização nos estados
da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. E tanto mais é de crer este
resultado, o desejável como, a bem da unidade moral da Pátria,
indispensável, quando a reforma do Sr. Benjamim Constant criou no
Pedagogium um órgão que devia ser o fator consciente dessa obra de
unificação moral (VERÍSSIMO, 1985, p.15).
Veríssimo ainda lança o de experiências educacionais de outros países, visando
despertar no povo brasileiro a busca do nacionalismo como fator de desenvolvimento,
exemplificando:
A educação nacional, largamente derramada e difundida com o superior
espírito de ser um fator moral de nacionalismo, poderosissimamente
concorreu para despertar no americano o sentimento patriótico. Teve esse
grande povo a intuição de que a escola, isto é, a mesma educação
prodigamente distribuída a todos os cidadãos, devia ser a cadeia que
ligasse os elementos heterogêneos da nação. E assim, sem obstáculo da
federação e do espírito individualista do elemento anglo-saxônico, ali
predominante, a unidade escolar, unidade de espírito, entenda-se, veio a
ser um remédio às fundas diversidades de raça, de religião e de costumes
(VERÍSSIMO, 1985, p. 45).
Chamando atenção para a falta de um ideal nacionalista, em outra passagem ele
ainda declara:
Brasileiro nenhum, estudando com amor, à falta de talento, a sua Pátria,
em todas as manifestações da sua vida, na sua Política, na sua Arte, na
sua Indústria, na sua Literatura, a até nos seus Costumes e Tradições,
deixará de verificar a pobreza do nosso sentimento nacional
(VERÍSSIMO, 1985, p. 43).
Para ele o desenvolvimento de sentimentos nacionalistas, via educação escolar,
contribuiriam para a criação de uma unidade nacional capaz de elevar o Brasil ao mesmo
patamar de progresso material alcançado por algumas nações por ele tidas como modelos a
serem seguidos, como por exemplo, os Estados Unidos.
Também defendendo a educação como meio de alcançar o progresso Bomfim
declara:
Nem é impossível fazer destas sociedades atuais naconalidades livres
,
prosperas e felizes; o que é impossivel é transformal-as em grandes, e
ricas, e poderosas nações, dentro de seis ou oito annos [...] desprezando
as causas dos males sociaes [...]. Raros, rarissimos são os que pensam
nestas obras de educação social, instrucção popular e aperfeoamento da
producção, indispensaveis ao progresso do paiz, e essenciaes para a
constituição de sociedades harmonicas, adiantadas e felizes (1905, p.
405-406).
É merecedor de destaque também o posicionamento de Alberto Torres em O
Problema Nacional Brasileiro escrito em 1914, sobre a questão da formação de uma
nacionalidade, haja vista que quando ele escreveu era grande a preocupação com a
incorporação dos imigrantes à língua e aos costumes nacionais. Preocupado com a falta de
coesão nacional em termos de identidade em relação à pátria ele também recomenda a
obserncia dos modelos de outras nações, porém adverte que tal situação não poderia
prescindir de reflexão, visando a formação de normas próprias e princípios nacionais.
A nossa curiosidade intelectual e o nosso interesse por assimilar
produções e estudos alheios, a nossa aspiração de fusão na sociedade
mental da nossa época, devem conduzir-nos a dilatar o círculo das nossas
colheitas de saber, substituindo a atitude passiva, que nos tem trazido a
receber idéias que nos exporta o acaso, ou o instinto político, de outros
povos, por um trabalho autônomo de escolha e de seleção consciente.
Aprender com alemães, com americanos, com franceses, com ingleses, e
com brasileiros, quando for possível, a ser brasileiros; eis a fórmula ideal
do nosso cosmopolitismo mental (primeiro grifo nosso e grifos
posteriores do autor, TORRES, 1982, p. 29).
Mesmo de forma o direta e consciente, quando fala em passividade, ele também
acaba por reiterar a visão de inferioridade atribuída ao povo brasileiro e destacada por
José Veríssimo e Silvio Romero (não como algo inato, porém como algo aprendido durante
o processo de colonização) e reforça a idéia de importação de saberes e conceitos de
nações, por ele consideradas mais desenvolvidas. Visando formar um caráter nacional
Manoel Bomfim está fazendo referência aos países da América Latina, colonizados pelos europeus.
único e unificado em todo o país acredita que o povo brasileiro estava “a pretender
executar, sobre este solo único, um repertório de teorias exóticas” (grifo nosso, p. 53).
Apoiava-se ele, o no conceito de raça ou de clima como o faziam Romero e Veríssimo,
mas no conceito de pátria (como extensão territorial) como ponto de partida para a
constituição de uma nação, enquanto identidade comum, plenamente desenvolvida.
Outro exemplo de tal pensamento é a criação da Liga de Defesa Nacional, em 1916,
por iniciativa de Olavo Bilac (1865-1918), Pedro Lessa (1859-1921) e Miguel Calmon
(1879-1935) visando desenvolver os sentimentos patrióticos e tendo como objetivos
básicos:
manter a idéia de coesão e integridade nacional; defender o trabalho
nacional; difundir a instrução militar nas diversas instituições;
desenvolver o civismo, o culto do heroísmo, fundar associação de
escoteiros, linhas de tiro e batalhões patrióticos; avivar o estudo da
História do Brasil e das tradições brasileiras; promover o ensino da língua
pátria nas escolas estrangeiras existentes no País; propagar a educação
popular e profissional; difundir nas escolas o amor à justiça e o culto do
patriotismo; combater o analfabetismo (NAGLE, 1976, p. 45).
Tais concepções foram sendo enunciadas em função da realidade que se delineava
no período transcorrido entre o fim do Império e as primeiras décadas da República, para o
qual haveria a necessidade de mão-de-obra preparada para atender a nova organização do
trabalho e plenamente educada para suprir aos anseios de formação de uma nacionalidade.
Para isto, a integração do imigrante europeu seria de fundamental importância visando
garantir a ordem necessária à consolidação do novo regime político, nascido no advento do
novo século. Nesse sentido, esse elemento novo na população brasileira trazia inúmeros
impasses sociais quanto aos costumes, à língua e, principalmente, quanto à forma de
estabelecer relações de trabalho.
Tais imigrantes, em geral provindos de países da Europa, onde as relações
capitalistas de produção haviam sido estabelecidas pela chamada via clássica, estranhavam
as particularidades da forma de estabelecimento das relações capitalistas de trabalho pela
via denominada prussiana
12
.
12
A via clássica é definida por Rodrigues (1979, p. 74-76) como aquela “em que a maioria da populão
participa na destruição da sociedade feudal, liderada pela burguesia, que nesta época traz a firma de classe
revolucionária”. Por outro lado, a via prussiana é definida por ele como aquela onde a objetivação do
capitalismo foi sendo estabelecida sem que houvesse uma revolução democrático-burguesa.
Segundo Rodrigues (1979, p. 74-75), a inserção das relações capitalistas de
produção no cenário nacional brasileiro esteve pautada na ausência de revolução, sem que
houvesse o rompimento da condição de país subordinado aos pólos hegemônicos da
economia internacional. Isto determinou que o desenvolvimento das forças produtivas
fosse mais lento e retardatário, e ainda que sofressem “obstaculização e refreamentos
decorrentes da resistência de forças contrárias e adversas”. Para ele, verifica-se nesse
problema “que o novo paga alto tributo ao velho”.
Nesta perspectiva, Chasin (1978, p. 639) esclarece que esta forma “não clássica” ou
“não revolucionária” é característica da realidade brasileira, pois
No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou
dependentes, a evolução do capitalismo não foi antecedida por uma época
de ilusões humanistas e de tentativas mesmo utópicas de realizar na
prática o ‘cidadão e a comunidade democrática. Os movimentos neste
sentido, ocorridos no século passado e no início deste século, foram
sempre agitações superficiais, sem nenhum caráter verdadeiramente
nacional e popular.
E prossegue:
Aqui, a burguesia se ligou às antigas classes dominantes, operou no
interior da economia retrógrada e fragmentada. Quando as
transformações políticas se tornavam necessárias, elas eram feitas ‘pelo
alto’, através de conciliações e concessões mútuas, sem que o povo
participasse das decisões e impusesse organicamente a sua vontade
coletiva.
Eça de Queiroz (1979, p. 120-121) ao descrever detalhes sobre a imigração
européia para a América Latina retrata em parte essa situação afirmando que
Os trabalhadores da Europa erão então homens que tinham visto os
regimes liberaes e os nivelamentos revoluccionarios: não podião viver
sem conflitos permanentes [...] o trabalho europeu tinha exigencias de
dignidade e de self-respect: os plantadores decidiram-se sem hesitação
contra o elemento europeu, e pelo elemento asiatico: este, acostumado
pelas latitudes de origem aos climas violentos, facilmente domavel pelos
habitos tradicionaes dos despotismos sopportados, sem representação
consular, sem protecção inquietante, offerecia aos plantadores uma
similhança da escravatura que convinha ao seu caracter e aos seus
interesses.
Como país colonizado, tal forma de inserção denominada “capitalismo hiper-
tardio denotou características particulares para o Brasil. Sendo assim, na opinião de
Chasin (1978, p. 642-644) a formação da burguesia brasileira constituiu-se comprometida
com o passado, haja vista que a passagem da economia agro-exportadora para a forma
urbano-industrial deu-se tardiamente em relação a outros países. Tal particularidade
ocasionou a não ruptura com o passado colonial ao mesmo tempo em que havia a formação
de uma outra classe social a burguesia - que não se constituiu como conseqüência de uma
revolução como na via clássica outrossim, formou-se apesar da ausência de rupturas
transformadoras que pudessem romper com o imperialismo engendrado na economia
colonial
Nesse contexto, foram sendo delineados os encaminhamentos cio-político e
educacionais que se refletiram nas produções da época, bem como sendo gestados os ideais
de prosperidade nacional. Prosperidade esta que, na opinião da maioria dos integrantes dos
setores políticos e intelectuais, somente seria alcançada mediante a superação do
analfabetismo no país. Nesse sentido, o debate em torno de questões educacionais começou
a ganhar ênfase com as propostas de organização de um Sistema Nacional de Educação.
De acordo com Nagle (1976, p. 03), havia no Brasil desse período “um clima de
efervescência ideológica e de grande inquietação social”, além de um “alto grau de
perturbação provocado pelas campanhas presidenciais”, pelo “alastramento das incursões
armadas” pelas “lutas reivindicatórias do operariado e também pelas ”pressões da
burguesia industrial”. Tais impasses revelavam intensos conflitos relacionados aos
conglomerados urbanos que então se formavam em função da estrutura fundiária ligada ao
uso da mão-de-obra estrangeira que dispensava o excedente de imigrantes e ex-escravos,
em um contexto de incipiente desenvolvimento industrial.
Esses fatores favoreciam o que Petta e Ojeda (2002, p. 230) denominaram de
aglomeração urbana e desencadeavam situações, tais como:
lutas políticas das camadas sociais intermediárias, cujas propostas de
caráter liberal entravam em choque com os desmandos da aristocracia
fundiária; o crescimento do operariado e os embates característicos da
oposição entre o capital e o trabalho; as lutas das camadas mais pobres da
população por espaço para morar, e as transformações culturais que
acompanharam o deslocamento das elites do campo para as cidades.
O cenário político revelava a exisncia de condições materiais distintas que
começavam a se confrontar: de um lado o esforço para manter a ordem política nacional, e
de outro, o esforço para a sua alteração. Esta variedade de orientações ideológicas
presentes no cenário nacional da época tinham como fatores desencadeantes: o processo
imigratório, a industrialização incipiente e a urbanização crescente, trazendo novas feições
às cidades em meio a um quadro sanitário-educacional precário (NAGLE, 1976, p.11).
Analisando as questões educacionais presentes no contexto histórico das sociedades
humanas Nagel (1992, p. 01) mostra que o conteúdo dos discursos feitos em prol da
mudança no modelo educacional pode ser considerado a expressão direta de novas
exigências da sociedade. Portanto, “quando novos padrões de acumulação emergem o
quando um determinado tipo de acumulação não está se viabilizando, a comoção social se
instaura e, nesse período de abalo generalizado, a educação é convocada para prestar
contas à sociedade do que não fez! (grifo da autora).
Nessa direção, no contexto histórico brasileiro das primeiras décadas do século XX
a incapacidade para adaptação às novas exigências do mercado, ou seja, às condições de
mão de obra operária treinada para tarefas a serem executadas nas linhas de produção em
série e pautadas em regras específicas para a produção, porém carente de legislação que
trouxesse garantia de direitos em termos de salários e de condições de trabalho era
atribuída ao alto índice de analfabetismo.
Dessa forma, a educação seria o caminho para debelar a “falta de gosto pelo
prático” a “falta de amor ao trabalho”, a “falta de amor às grandes realizações”, afalta de
profissões independentes da burocracia, capazes de engrandecimento da pátria” (NAGEL,
1992, p.05).
Portanto, esses ideais de escolarização para todos veiculados por diversas correntes
de pensamento, expressam os interesses dos novos setores emergentes compostos em sua
maioria por políticos, profissionais liberais e intelectuais - que almejavam fazer da
educação o seu maior instrumento para obtenção da hegemonia sobre os demais setores
tradicionais da sociedade. O projeto de desenvolvimento que se criava com a instauração
da República exprimia uma nova forma de coerção, que antes era alcançada através da
escravidão e/ou através do regime colonial. Nessa nova forma de organização social a
força e a imposição características daqueles regimes seriam substituídas por outras formas
de encaminhar os conflitos decorrentes da nova forma de exisncia das relações sociais,
formas estas que pudessem garantir a ordem, sem ferir os direitos adquiridos na nova
conformação social. Nesse sentido, à educação passaria a ser atribuída a tarefa de educar os
novos homens na nova sociedade de classes.
1. 2 - As divergências entre os setores médios. O apoio da medicina
pontuamos anteriormente que desde a segunda metade do Brasil-Império, dos
mais variados setores emergiam falas condenando o analfabetismo e associando, cada vez
mais, o combate a ele à possibilidade de construção de uma nacionalidade
13
. Porém, as a
constituição do Brasil-República é que os ideais de unidade nacional foram sendo
intensificados em função da situação deflagrada pelo fim da escravidão e pela imigração
crescente. Tais ideais fizeram emergir uma ampla produção e divulgação de livros
didáticos com conteúdo moral e cívico
14
enfocando o patriotismo como meta a ser
amplamente desenvolvida no país. Nesta perspectiva, o que se acreditava era que
“resolvido o problema da educação do povo, todos os mais se resolverão [resolveriam]
automática e espontaneamente, pela ação natural das inteligências” (grifo nosso, COUTO,
1927 apud NAGLE, 1976, p. 110).
Essa visão idealizada também povoava os debates de parlamentares do período,
dividindo opiniões em torno de duas correntes de pensamento: uma delas enfatizando a
necessidade da intervenção do Estado na educação escolar primária
15
como forma de
buscar uma unidade nacional e a modernização do país, e outra, defendendo “a educação
como uma questão de ordem privada, familiarna qual o Estado deveria ter o papel de ser
o “auxiliar transitório das famílias, assegurando, sobretudo, a liberdade de ensino pelo
incentivo à iniciativa particular” (SCHELBAUER, 1997, p. 85).
Entre os adeptos da corrente favovel à intervenção da União na educação primária
estavam parlamentares, como Rui Barbosa, Tavares Bastos, Leôncio de Carvalho e
Monteiro de Souza, o qual argumentava: “Ella, [a educação] como fada bemfazeja,
transformará em realidade todos os nossos sonhos. Principiemos por fazer a luz por toda a
parte, eduquemos a Nação para o seu destino poderoso e nobre” (apud SCHELBAUER,
1997, p. 118). Estes, entre dezenas de outros parlamentares defendiam a intervenção direta
13
Vale ressaltar que a luta pela unidade nacional vinha sendo buscada na história do Brasil. Já no século
XIX, a expressão de tal ideal já era bastante enfatizada. Sobre esse tema consultar, autores como: Magnoli
(1997); Machado (1980).
14
Nagle (1976) cita algumas produções que revelam esse enfoque adotado na época, entre elas: Contos
Pátrios (1904) de Olavo Bilac e Coelho Neto; A Educação Nacional (1906) de José Veríssimo; A Pátria
Brasileira (1909) de Coelho Neto e Olavo Bilac; Através do Brasil (1910) de Olavo Bilac e Manoel Bomfim.
15
Vale lembrar que a Constituição de 1891 dava autonomia a cada unidade da federação para legislar sobre
as questões educacionais, não havendo a exigência de uma base nacional comum entre elas.
da União nos Estados, com vistas a lidar com o analfabetismo e alcançar uma unidade de
pensamento nacional.
Como parlamentar daquele período e adepto dessa corrente de pensamento Manoel
Bomfim também enfatiza:
É forçoso crear fortes correntes internas de sentimentos e de ias, que
liguem os nossos destinos; e a base de tudo isto é a escola primaria. O
Imperio não o fez, e por isso nos legou o Brazil que hoje temos, atrazado,
sem comprehensão dos seus destinos, sem vontades e sem enthusiasmos
... Que resta fazer, si nos queremos conservar como uma nacionalidade
unica? Crear, o mais cedo possivel, um espirito publico; levar a todos os
animos o sentimento de uma Patria unica; afirmar, de um extremo ao
outro do paiz, a noção de um Brazil comum. E o que está naturalmente
indicado para isto, de accôrdo com a nossa situação especial, a nossa
divisão politica e a nossa crise social, é desenvolver, unificando e
nacionalizando, a escola primaria, - questão urgentissima para a
Republica e para a Patria (sem grifo no original, BOMFIM, 1918 apud
SCHELBAUER, 1997, p. 108).
Seu discurso em defesa do esforço conjunto entre a União e os Estados em prol da
causa da educação faz eco com o de outros parlamentares como Augusto de Lima, cujas
palavras se reportam a um relario apresentado pelo Governo de Minas Gerais no qual
consta que:
A educação e a instrucção fundamental do povo brasileiro – a mais
nacional de todas as causas estão a reclamar a intervenção da União
nesse importantissimo departamento de publica administração ... Sem
duvida, aos Estados competem o governo das escolas e a livre
administração do ensino publico primario, mas nada impede que o
Governo Federal venha em auxilio daqueles que mais se empenham na
nobilissima tarefa de eliminar do paiz o seu mal inveterado e chronico, a
sua grande chaga, sempre viva, cujo periodo de cicatrização o se de
precisar o analfabetismo (BRASIL CONGRESSO, 1918a apud
SCHELBAUER, 1997, p. 113).
O deputado José Bonifácio também endossa essa aclamação acentuando que a
União deveria “oferecer os meios para que os indivíduos possam [pudessem] exercer seus
direitos de cidadão, facilitando a sua instrução, através do conhecimento das noções
comuns e elementares que o habilitem [habilitassem] para o direito ao voto (apud
SCHELBAUER, 1997, p. 113).
Nesses embates, mesmo se posicionando contrariamente à intervenção direta da
União no ensino, o deputado Reis de Carvalho defende a intervenção parcial somente no
ensino primário não obrigariopara suprimir a ineficiência pedagógica da família(apud
SCHELBAUER, 1997, p. 109).
Em Lições de pedagogia Manoel Bomfim também defende a educação escolar
primária conferindo a ela importante papel na vida do indivíduo, como o de ensinar a
todos, tudo aquillo que todo individuo precisa saber para viver como ser humano social,
qualquer que seja a sua situação pessoal e o seu destino possível...”. Atribuía a ela uma
dupla função: “ensinar umas tantas cousas, e educar convenientemente a mentalidade da
criança(grifo do autor, 1926, p. 99).
Sobre a alegação de alguns parlamentares de que havia o direito dos pais de não
obrigarem seus filhos a freqüentar a escola primária, Manoel Bomfim recorre ao Estado
como lei maior na tarefa de debelar o analfabetismo:
O direito delles, paes, decorre exclusivamente do cumprimento de um
dever de promover o bem dos filhos; neste caso, reconhece-lhes o Estado
o direito de fazerem o bem como quizerem. De outro modo, seria
monstruoso que o Estado, defensor effectivo dos fracos, além de admitir
o não cumprimento de um dever moral, reconhecesse nos paes o direito
de condemnar as crianças, pessoalmente indefesas e fracas, ao grande mal
do analphabetismo e da ignorancia (1926, p.101).
Na mesma perspectiva de alise Carneiro Leão conclama ao poder público por
educação popular. Inflamado, expressa-se: “Organizemos a educação nacional, eduquemos
o nosso povo, ensinando-lhe cousas praticas e uteis, fazendo-o trabalhar, individualizar-se
e viver” (1917, p. 83).
Seus anseios, tais como os de Manoel Bomfim, se pautavam em ideais por eles
vislumbrados em países aos quais admiravam as conquistas educacionais e às quais
atribuíam o desenvolvimento econômico alcançado. Nessa linha de raciocínio Carneiro
Leão ainda acentuava: “Unamo-nos, solidários e resolutos, para esta campanha de
alevantamento cívico, de educação do nosso povo, de salvação da pátria” (1917, p. 153).
Enquanto grande parte dos setores médios discutia a necessidade ou não de se
ofertar educação escolar primária obrigaria à população infantil, para o segmento médico
integrante do movimento higienista havia a constatação de que: “A mentalidade
desenvolvida correctamente, e actuando por meio de reacções convenientes, traduz-se no
comportamento mais adequado ao ajustamento do individuo ao meio physico e social,
exhibindo o que se póde chamar a saude mental”. E, para que isso ocorresse
verdadeiramente seria preciso empreender “esforços e organizações, para insistir, um
pouco menos summariamente, sobre o lado constructivo do problema, que encontra na
educação a fórma util de realizar-se” (grifos do autor, FONTENELLE, 1925, p. 02-03).
O ideal expressado pelo Dr. Thomaz Lessa, secretário geral da Liga Nacionalista de
São Paulo, criada em 1916, também confirma esse posicionamento:
É sabido que a causa primordial de todos os nossos males é o
analfabetismo, que traz como conseqüência inevitável a ausência de
cultura cívica e política, a ignorância dos preceitos higiênicos, a
incapacidade para grande número de profissões, atraso nos processos
agrícolas e nos das indústrias que lhe são conexas. A população brasileira
é vítima na sua quase totalidade do analfabetismo. Sem que se consiga
derramar a instrução primária, de um modo intenso por todos os recantos
do País, serão inúteis quaisquer tentativas de formação de uma grande
coletividade política (LESSA apud NAGLE, 1976, p. 102-103).
Em 1925, o Dr. F. Esposel também médico higienista e integrante da LBHM,
sugerindo o combate ao analfabetismo, reitera os anseios de demais higienistas de
promover a higiene mental colocando a Liga a esse serviço: “Um modo pratico de
combater o analphabetismo poderia ser proposto pela nossa Liga. Em seguida um inquerito
do que se pratica em nossas escolas primarias, e o que de melhor se poderia fazer para
maior e mais fácil aproveitamento do escolar para sua cultura mental”. Ele sugere ainda, a
possível colaboração da Liga na composição do currículo escolar visando desenvolver “um
programma pratico para realisar nas massas uma formação moral mais apurada”
(ESPOSEL, 1925, p. 104-105).
Portanto, defendida pelos setores médios e apoiada pela medicina a educação
escolar passa, paulatinamente, a ser considerada um remédio para amainar os males
identificados como entraves à superação das condições de atraso do país naquele período.
1. 3 - Para os “males” diferentes explicações
Em meio a tantas tentativas de se criar explicações e formular alternativas para a
superação do atraso a que estava submetido o povo brasileiro, haviam diferentes vertentes
que explicavam tal atraso com base em inúmeras idéias e proposições.
Nessa direção, entre as explicações mais prementes estavam aquelas que
relacionavam tal atraso ao passado colonial e ao trabalho escravo, aos determinismos
naturais (traduzidos pelo clima tropical e pela formação racial) ou também às péssimas
condições sanitárias do país.
Sobre esse aspecto, Monteiro Lobato é bastante taxativo ao citar o que Belisário
Penna denominou síntese diagnóstica da situação do Brasil naquele período:
O Brasil é um paiz de doentes no sentido literal da expressão. A nossa
miseria financeira e economica é o reflexo da desnutrição organica que
converte a maioria dos nossos concidadãos em inuteis unidades sociais,
incapazes de concorrer com a quota do seu esforço para o aumento da
riqueza comum. A nossa incapacidade militar é o resultado sintetico da
fraqueza fisica de uma enorme população rural estiolada pelos germes da
molestia. A nossa falta de energia moral é o precipitado etico da
deterioração cerebral e nervosa de um povo invalido (PENNA, 1912 apud
LOBATO, 1951, p. 256).
Na contra-mão desse pensamento, estavam os mais otimistas, como Afrânio
Peixoto que afirma:
O nosso povo não é perfeito, está longe disso, mas é calunia dizê-lo todo
doente. Doentes não aumentam de população, e o Brasil cresce: doentes
não trabalham e não produzem e o Brasil consome sempre e exporta
progressivamente mais, e, a despeito dessa suposta doença, e dos erros
financeiros dos maus governos, a economia nacional é cada vez mais
próspera... (PEIXOTO, 1938, p. 215).
Para Silvio Romero (1960, p.93-94) o contingente populacional brasileiro também
era provido de fraqueza física e espiritual devido às suas origens e pouco fazia para sair
desse estado mórbido. Assim ele se expressa sobre essa questão:
Temos uma população rbida, de vida curta, achacada e pesarosa em
sua mor parte [...] O brasileiro é um ser desequilibrado, ferido nas fontes
da vida [...] A nação não ama de frente a natureza, nem se une a ela pela
ciência, ou pela arte. Os mos quase nunca têm uma inspiração sua,
nacional, brasileira: não neutralizam a fraqueza original de nosso espírito
pelo regimen saudável da ciência, pelo estudo sério e pela higiene do
corpo [...] É a rao de toda essa galeria pátrica, merencória e sombria, de
tísicos e histéricos, mortos antes dos trinta anos [...] A geração dos
homens vigorosos vai-se acabando, como se vão acabando as nossas
matas; temos hoje em paga o beribéri, a febre-amarela, e um descrédito
cada vez mais crescente aos olhos do estrangeiro.
Como um dos integrantes dessa elite pensante, Manoel Bomfim destoava dessas
proposições. Contrariamente às correntes teóricas que explicavam o atraso e a ignorância
do povo brasileiro pelas questões de insalubridade, clima ou pelo cruzamento racial,
Manoel Bomfim analisa o contexto político-econômico e social da época e fornece
explicação divergente para as péssimas condições sociais e para a falta de desenvolvimento
do Brasil perante outras nações desenvolvidas. Ele localiza tais causas na centralização
política, nas condições de vida da população, na falta de escolarização, na política
econômica que privilegia os monopólios das oligarquias e na falta de investimento na
produção (BOMFIM, 1905).
Sobre a alegação de fraqueza física e espiritual do povo, Bomfim a rebatia
inflamado:
desanimados? É natural; isto não significa, porém, que tenha razão os
que sustentam que estas nações
jamais se organizarão definitivamente, e
que jamais progredirão. As allegações pseudo-cientificas com que se
queria provar uma pretensa inferioridade ethnica, são tão insubsistentes
que nem encobrem a natureza dos sentimentos, onde se inspiram os
celebres sociologos e scientistas inventores das raças nobres. E, quanto à
Historia? Haverá, ahi, elementos que autorisem esse juizo sobre a nossa
incapacidade para a civilisação? Dir-seque as leis geraes do progresso
impliquem a nossa condemnação? De forma nenhuma (grifo do autor,
1905, 387).
Leite (1976) se refere a Manoel Bomfim como dono de um “espírito apaixonado”
dotado de uma ferrenha capacidade de crítica aos pessimistas (aqueles que naquele período
acreditavam na inferioridade do povo brasileiro em relação a outros povos mais
desenvolvidos economicamente, entre eles, Silvio Romero, seu principal contraponto).
Bomfim é citado também como crítico das teorias racistas amplamente amparadas pelas
correntes biológicas em voga na época. Tais teorias atribuíam a suposta degeneração racial
(de negros e índios, principalmente) aos males sociais que se faziam presentes na realidade
brasileira. Ele advoga ainda que Bomfim procurava explicar que “os defeitos apontados
nos negros submissão incondicional, frouxidão da vontade, docilidade servil resultam
da situação de escravo” e que “os suicídios dos negros e suas revoltas mostram que o
lhes faltava amor à liberdade pessoal”. Quanto aos indígenas, acrescenta que ao lhe
apontarem os defeitos destes, como a perfídia e a crueldade, Bomfim sugeria “que os
grupos brancos, em seus contatos com os índios, foram muito mais pérfidos, muito mais
sanguinários” (p. 250-255).
Novamente Manoel Bomfim está se referindo aos países da América Latina.
Defendendo sistematicamente a idéia de progresso pela instrução como redenção às
condições de atraso Manoel Bomfim conclama: “Resgatemos a nossa inferioridade, e
mostremo-nos dignos do ideal que almejamos: façamos pelos de amanhã o que os de
ontem não souberam ou não quiseram fazer por nós” (BOMFIM, 1904, apud AGUIAR,
2000, p. 277).
Prefaciando a obra O Brasil Nação: Realidade da Soberania Brasileira, escrita por
Manoel Bomfim em 1928, Aguiar (1996, p. 25) ainda observa que Bomfim repudia o
discurso dominante, colocando-se como um “contradiscurso ousadíssimo para a época”,
haja vista que atacava o “chamado racismo científico, e acentuava que os “males de
origem” o provinham dos povos, mas sim seriam “produto do parasitismo colonialem
função da forma de dominação instaurada pelas “classes dirigentes locais, que aqui
organizaram uma sociedade em proveito próprio, com o maior descaso pelo povo
trabalhador, visto como uma fonte de energia produtiva que elas podiam ‘queimarcomo
bem quisessem.
Na opinião de Silva (1987, p. 105) Manoel Bomfim dirigia sua crítica às classes
dirigentes e aos intelectuais pessimistas, pois estes, tal como aqueles, não acreditavam na
possibilidade de progresso para as nações ibero-americanas em função de se apegarem em
teorias evolucionistas pautadas na superioridade da raça branca, justificativa esta
ferrenhamente combatida por ele que não admitia a associação raça/progresso e sim a
associação educação/progresso, haja vista que, em seu entender toda nação devia
encontrar o seu caminho para o progresso, pois, nenhum país estava incapacitado
organicamente para atingir tal meta” (grifo do autor).
Souto Maior (1993, p. 18-22) acentua que Manoel Bomfim clamava por instrução.
Concebendo que através dela haveria o progresso econômico e social, alerta que “um povo
não pode progredir sem instrução, que encaminha a educação e prepara a liberdade, o
dever, a ciência, o conforto, as artes e a moral”. Ele propunha o investimento na educação
e na ciência como meio de alcançar o desenvolvimento científico e tecnológico e, com
isso, a superação das condições de miserabilidade existentes no país. Apregoa “a educação,
a cultura, a ciência, a tecnologia, a industrialização e a reforma agrária como fatores
decisivos da transformação do Brasil de ‘país essencialmente de vocação agrícola’ numa
não próspera, desenvolvida e independente economicamente”.
Outras referências a Manoel Bomfim também podem ser encontradas em Bertonha
(1987), Botelho (1997), Gontijo (2003), porém nenhum desses estudos citados o abordam
enquanto teórico da educação, e tão pouco ainda como higienista integrante da LBHM.
Nesta perspectiva, nosso propósito neste capítulo é recuperar algumas de suas idéias
enquanto higienista e educador e enquanto teórico da educação voltado à formação de
educadores. Para tal empreitada adotamos Lições de pedagogia como objeto de análise por
considerá-la como a sua mais importante produção no campo da educação, sendo vasta em
concepções e idéias que refletem seu pensamento e sua proposta educacional
16
. Tomando
Manoel Bomfim como um dos representantes de um pensamento construído por um
segmento da sociedade, buscamos perceber as concepções educacionais presentes naquele
momento hisrico, tendo como pressuposto que estas são frutos de uma prática social que
passou a embasar os encaminhamentos teóricos e as práticas educacionais ao longo do
século XX.
1. 4 - Educação como adaptação ao meio
Pautado em uma visão de progresso a ser alcançado via educação, Manoel Bomfim
produziu seu pensamento voltado ao ideal de educação como adaptação e busca de
perfeição moral. Em Lições de pedagogia ele expressa esta concepção afirmando que:
Desde que procuramos caracterisar a acção educativa, reconhecemos que
ella consiste principalmente em modificações, correctivas e apuradoras.
Objectivamente, essas modificações se fazem no sentido de adaptar ao
meio; mas, subjectivamente, ellas se apresentam e são consideradas como
um trabalho de aperfeiçoamento. Então, com toda razão, diz a moral: o
fim geral da educação é levar o indivíduo ao maximo de perfeição
possivel (grifos do autor, 1926, p. 25-26).
Nesse sentido, o papel da escola e, por conseguinte, do educador é para Manoel
Bomfim a busca do ideal de evolução moral, tendo em mente que esse ideal seria
16
Não temos maiores informações sobre a adão desta obra em outras Escolas Normais ou mesmo durante
qual peodo ela foi o recurso didático-metodológico adotado por Manoel Bomfim na Escola Normal do Rio
de Janeiro. Pom, pelo intervalo das edições em anos, sendo 1915 a primeira e 1926 a terceira, podemos
dimensionar o tempo em que teria sido utilizada. Partindo da informação que naquele período havia uma
política descentralizada quanto à instrução, através do Ato Adicional de 1834 (pelo qual cada unidade da
federação possuía autonomia para estabelecer seus programas de ensino), ficamos no plano das suposições,
com todas as ressalvas que as mesmas requerem, de que a obra em tela teve abrangência significativa. Nossas
suposições se amparam em fatores, como: pela referência que era o Rio de Janeiro como capital da República
(nas artes, na potica, na medicina, na educação, etc); pelo destaque teórico de Manoel Bomfim, como
diretor do Pedagogium, como Diretor Geral da Instrão Pública e ainda pelo fato de que muitas de suas
obras foram adotadas em escolas de ensino primário e secundário, como: Livro de composição (1899)
Leitura para Todos (1901); e Através do Brasil (1910). Fonte: Aguiar, 2000.
a propria indicação do que deve ser o viver de amanhã, - qual deve ser
essa formula de vida, mais perfeita e mais apurada, para onde se
encaminha a especie humana. Por outras palavras: o educador deve ter
uma concepção bem nitida das virtudes moraes para reforçal-as na
consciencia das novas gerações, afim de leval-as a essa forma de vida
superior, e que é a propria realisação do progresso (1926, p.30-31).
Nesse aspecto seu pensamento seria também veiculado por outros higienistas em
décadas posteriores. Por exemplo, o Dr. Waclaw Radecki (1925, p. 20-21) advoga que o
educador deve ter consciência, tanto da função em que pretende influir, como da direcção
em que o vae fazer, como finalmente dos meios da influencia mesma”. Para Radecki o
objetivo do educador deveria ser o de “fornecer á creança educada a possibilidade de se
desenvolver de modo a attingir o maximo da duravel felicidade pessoal e utilidade social”.
Para alcançar tais ideais propunha a higiene mental como “uma ação que fórma as
condições da vida, capazes de assegurar o desenvolvimento normal em todos os domínios
da vida psychica da creança” (grifo do autor).
Adepto desse pensamento Manoel Bomfim também propõe a higiene mental
visando “o apuro do caracter e a organisação do proceder”, tendo esta como objetivo “opor
tendências, ou instinctos, uns aos outros, desenvolver e reforçar os bons pelo exercicio;
deixar atrophiar os máos, evitando as tentações, organisar os habitos, de sorte que sobre
elles tenha sempre a vontade um poder efficaz “(1926, p. 387).
Tais concepções de educação como “busca de perfeição moral suscitam alguns
questionamentos sobre seus posicionamentos e suas contraposições em relação a alguns
ideais presentes na época.
Senão vejamos, o termo adaptação pressupõe ajustamento e aceitação das
condições existentes, sem questionamentos ou posicionamentos divergentes ou
reivindicações a fazer. Se para ele, a adaptação ao meio deveria ser a condição básica da
educação, esta seria a aceitação do que estava sendo posto no meio, sendo este favorável
ou desfavorável ao indivíduo.
Nesse sentido, Manoel Bomfim – tal como aqueles a quem se opunha teoricamente
- parece conceber o meio social como um espaço idealizado composto por entes que
estariam sempre à serviço dos novos seres. Desse modo, nega as contradições sociais e os
diferentes posicionamentos entre as classes sociais, além do anseio de dominação de uma
sobre outra, tratando a educação como fenômeno isolado das questões sociais.
Insere-se também no âmago desta questão sua concepção de moralidade ou de
“perfeição moral”. Ele ressalta a formação de virtudes morais como condição para o
alcance do progresso. Porém, não se questiona: à realização do progresso de quem? Ou de
qual classe social? Possivelmente em seus questionamentos a seus interlocutores, não
trabalha com conceito de classe e sim com conceito de raça, pois em seu entender o que
impediria a realização do Brasil como nação seria a divisão entre as raças responsáveis
pela formação do povo brasileiro e não a divisão entre as classes sociais. Nesse sentido,
defendia sem o saber, a hegemonia das classes dominantes sobre as dominadas, pois,
negava as desigualdades sociais concebendo o indivíduo como ente descolado do contexto
social concreto e a sociedade como a somatória de indivíduos unidos pelo mesmo ideal,
sujeitos a determinadas leis biológicas, tendo em comum o objetivo de progresso nacional
para todos.
Cabe ressaltar que nesse período o mundo vivia em plena Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) enquanto o Brasil vivia uma grave crise econômica desencadeando protestos
freqüentes e greves operárias que denunciavam o descontentamento com as péssimas
condições de trabalho. A fala de um operário do setor de cristais denuncia tais condições:
O ambiente era o pior possível. Calor intolerável, dentro de um barracão
coberto de zinco, sem janelas nem ventilação. Poeira [...] saturada de
miasmas, de pó de drogas moídas. Os cacos de vidro espalhados pelo
chão representavam outro pesadelo para as crianças, porque muitas
trabalhavam descalças (SAGA apud CARMO e COUTO, 1994. p. 76).
Esse cenário por si só já denuncia que não havia condições iguais para todos e, nem
tão pouco possibilidades de progresso nacional para todos. Denuncia ainda que a criança a
qual Manoel Bomfim se refere como alvo das ações de higiene mental não poderia ser
aquela que trabalhava nas fábricas, à mercê dos cuidados advogados por ele e por demais
higienistas de sua época.
Segundo Moura (1982, p. 71-75) O Departamento Estadual do Trabalho do Estado
de São Paulo, ao elaborar um Relatório sobre as condições de trabalho nas fábricas no ano
de 1912 chega a denunciar o emprego de menores, muitos deles com menos de doze anos,
em serviços que considera prejudiciais ao seu desenvolvimento. Em outro trecho o referido
Relatório recomenda:
Quanto aos menores de 10 ou 12 anos, em particular, é proibido pelo art.
173 atribuir-lhes servos que não sejam leves. Ora, por menos esforço
muscular que isso exija de uma criança, nunca é prudente e nunca se
justificará perante o Regulamento Sanitário dar semelhante encargo a um
operariozinho, cuja inexperiência é mais que de presumir e cuja
imprudência é mais do que natural. Um serviço perigoso nunca será um
serviço leve, embora nem sempre canse muito (grifo nosso).
Além de demonstrar a existência de crianças em situação de trabalho formal, pelo
teor do trecho do documento transcrito, o trabalho infantil não era visto como incorreto ou
degradante, o que havia era a preocupação em preservar a mão de obra também para o
futuro.
1. 5 - Lições de pedagogia: um preceito higienista
Quando escreveu Lições de pedagogia Manoel Bomfim havia realizado um
razoável percurso na área educacional e revelava seu compromisso com questões
nacionais, expressando anseios de ver o Brasil tornar-se uma grande nação. Assim como
tantos outros teóricos de sua época, nutria o ideal de progresso e desenvolvimento
nacional. Nesse sentido, Lições de pedagogia pode ser considerada um interessante
exemplar de suas concepções e idéias educacionais. Assim, com o intuito de apreender tal
visão, nos capítulos posteriores nos ocuparemos da análise de algumas categorias contidas
nesta obra - as quais delinearemos a seguir - visando contextualizá-la historicamente.
No prefácio da primeira edição de 1915, Manoel Bomfim explica que esta obra é
um resumo das aulas por ele ministradas no curso de pedagogia da Escola Normal do Rio
de Janeiro. Acentua também que o referido programa contém uma outra parte de
psicologia, porém ele as trata de forma separada por considerar que o assuntos distintos,
embora relacionados entre si. Explica que escreveu separadamente Lições de pedagogia e
outra obra intitulada Noções de psicologia por uma questão metodológica e acrescenta que
os escritos são resumos e, por causa disso, sujeitos a acréscimos no momento da exposição
em aula.
No prefácio da segunda edição de 1917, Manoel Bomfim assevera que haviam sido
introduzidos novos regulamentos através dos quais a pedagogia e a psicologia estavam
totalmente separadas, inclusive sendo ministradas por professores distintos. Justifica que,
pela iminência de uma nova Reforma de Ensino em curso naquele período, se absteria de
fazer referências àquela organização didática.
A edição de 1926, com a qual trabalhamos, não traz prefácio ou nota explicativa
que possa lançar luz sobre as proposições do autor nesta nova publicação. O que parece
provável é que pela distinção teórica e pelos temas abordados ele procura, o quanto
pode, respeitar a distinção estabelecida para as duas áreas do saber, no tocante à sua
abordagem teórica como disciplina do Curso Normal.
Lições de pedagogia é nossa fonte primária e nosso principal recurso nesta
investigação. Como referência básica a utilizamos inúmeras vezes. Sendo assim, omitimos
o ano de sua publicação nas citações a ela realizadas. Portanto, em todas as referências a
Manoel Bomfim nas quais não houver a data especificada, trata-se da terceira edição de
Lições de pedagogia, com a qual trabalhamos.
Dessa forma, a obra estudada é dividida em seis diferentes temáticas. A primeira
delas é composta pela introdução que também é citada como catulo I. Sob esta temática
Bomfim trata dos conceitos de pedagogia e de educação. A segunda temática se refere à
doutrina geral de educação contemplada nos capítulos II e III nos quais aborda a
formação da personalidade e sua interface com a educação, além de algumas vicissitudes
acerca do processo educativo, como o papel do erro e da imitação e a formação de hábitos.
A terceira temática é referida como educação do organismo abordada nos capítulos IV e
V pelos quais são tratadas as questões de desenvolvimento de hábitos de higiene e de
cultura física. A quarta temática, é a mais extensa delas e é denominada educação
intellectual e methodologia e aborda os métodos e processos em pedagogia nos aspectos
referentes ao ensino da linguagem, mathematica, geographia, historia, sciencias physicas
e naturaes, lições de cousas, trabalhos praticos e trabalhos manuaes”, compreendendo os
capítulos X a XVIII. A quinta divisão temática intitulada educação moral engloba os
capítulos XIX a XXIII. Nela são discutidos o conceito de moral e o papel da educação
enquanto formadora de tal conceito. A última divisão temática é a conclusão, denominada
O problema da felicidade na qual Manoel Bomfim aborda a questão do seu conceito de
felicidade identificando-a como o alcance da expansão do ser, atingida através do domínio
de seus próprios sentimentos afetivos.
Como recurso metodológico, dentre as temáticas abordadas, elegemos três
categorias para análise, a saber: a concepção de educação adotada por Manoel Bomfim, a
educação do organismo (entendida por ele como o desenvolvimento de hábitos de higiene
e de cultura física) e a educação moral. Tais categorias serão trabalhadas através de
leitura cuidadosa das mesmas visando compreendê-las no contexto em que foram
produzidas, tendo-as como produção individual, mas, sobretudo, como produção social de
uma época e expressadas teoricamente como necessidade naquele momento histórico.
Agindo dessa forma, buscamos apreender um processo social no seu movimento mais
geral.
Interessa-nos nessa análise perceber em que medida as idéias produzidas por
Manoel Bomfim são frutos de concepções mais amplas, da sociedade como um todo, em
função dos condicionantes históricos inerentes ao contexto em que foram produzidas.
FIGURA 5
A pedagogia não é o “bom senso” espesso e vulgar, applicado ao ensino. [...] Ella exige a
sciencia da natureza infantil, do modo pelo qual desabrocha e se desenvolve o espirito da
creança, e, assim armada, investiga os meios educativos mais sagazes e opportunos. O
educador terá, pois, de conhecer as dominantes da psychologia do alumno, pelo menos
desde que este inicia, até que interrompe o seu contacto com a escola.
Almeida Junior, 1922.
2 - EDUCAÇÃO COMO FORMA DE “CORREÇÃO E APURO
Pouco a pouco está caminhando, em nosso meio,
a idéa de cuidar-se da saude das crianças das
escolas, de fazer-lhes a educação hygienica, de
examinar-se-lhes systematicamente o corpo e o
espirito e de corrigirem-se-lhes os defeitos e
desvios.
J. P. Fontenelle, 1925.
Na introdução de Lições de pedagogia Manoel Bomfim apresenta uma definição de
pedagogia, bem como delineia seu objeto de estudo: a educação. Nesse sentido, ele a
define como um corpo de doutrinas em plena evolução, sendo uma theoria da
Educação”. Nessa direção, define educação como a adaptação do indivíduo às condições
da vida humana, ou seja, à forma de “transmissão psychica dos processos e capacidades
adaptativas”. Para Bomfim a pedagogia deve inspirar-se na psicologia através do estudo da
vida psíquica ou das “actividades conscientes”. Para ele, a personalidade é a “synthese
psychica, autonoma e completa, ao mesmo tempo em que é a individualidade consciente,
associada e relacionada na harmonia do viver social, e inteiramente dependente delle”.
Segundo ele, a formação da personalidade é dada pelas qualidades que a criança traz ao
nascer e as influências do meio onde adquire processos adaptativos de forma consciente
através da educação. Em sua concepção, a educação modifica e corrige, estimula e
desenvolve. Sendo assim, o ideal de educação é alcançar o desenvolvimento das “energias
intimas da creança”. O objetivo educacional não pode ser o de criar personalidades novas e
artificiais, e sim o de “adaptar e apurar a personalidade” que deve resultar “das qualidades
herdadas e da influencia do meio” (p. 11-15).
Para ele, através da hereditariedade os indivíduos passam para as gerações futuras
algumas capacidades adaptativas e outras são desenvolvidas ou modificadas pela educação.
A ênfase de sua proposta recai, dessa forma, sobre o papel e a importância da educação
como forma de “correção e apuro” (p.35).
Refletindo sobre seu conceito de educação como adaptação ao meio podemos
perceber que Bomfim se refere à aceitação de regras e padrões de comportamento tidos
como normais naquele contexto histórico. Dessa forma, suas proposições delineiam-se a
partir de um pensamento hegemônico construído e pautado em uma realidade histórica
concreta a sociedade capitalista presente no contexto brasileiro das duas primeiras
décadas do século XX. Época na qual o capitalismo ganha forma e força com as mudanças
ocorridas na forma de organização do trabalho. Nesse sentido, adaptar-se significa
adequar-se às necessidades da época, sem questionamentos ou tentativas de reivindicações.
Podemos perceber tal concepção quando ele sugere que a escola primária deve
oferecer a aprendizagem de “Trabalhos Manuaes”, com o fim de alcançar três objetivos:
“de educação moral; de educação motora; e de instrução propriamente dita” (p. 313).
Sendo assim poder-se-ia desenvolver “o amor ao trabalho” que seria a “garantia de exito na
vida” (p. 314). Visando reforçar sua tese, Bomfim lança mão da fala de J. Ferry
17
ao se
reportar ao sistema escolar da França: “A Escola Nacional, numa democracia como a
nossa, deve ser a escola do trabalho” (FERRY, apud BOMFIM, p.314).
Desse modo, logo a seguir reafirma: “Á Escola Primaria compete ministrar essa
parte da instrucção, porque é a Escola destinada á universalidade dos individuos, cuja
maioria não é de afortunados, isto é, cuja maioria é constituida de proletarios e de
trabalhadores” (p.317). E ainda sentencia:
Os degenerados, os inadaptaveis, os rebeldes á disciplina moral e
social, revelam geralmente a sua ineducabilidade pela resistencia
ao regimen de actividade methodica, e pela pronunciada inaptidão
para o trabalho. Nos typos normaes, a evolução da personalidade se
manifesta, não pelo vigor do pensamento e a affirmação dos
sentimentos, como pela habilidade crescente nos esforços repetidos
e coordenados, de que resulta o sentimento de capacidade pessoal e
de poder productor. Estabelece-se uma perfeita harmonia de
pensamento, sentimento e acção (p. 315-316).
Em seu entender, aquelas capacidades que a educação não consegue modificar são
inatas no indivíduo.
Dessa forma, recorrendo novamente à história, podemos considerar que as
concepções de educação de Manoel Bomfim apresentam-se afinadas com as concepções
teóricas que serviram de base para a criação do ideário da Escola Nova no Brasil, ou seja,
tanto os idealizadores do movimento construído ao longo das primeiras décadas do século
XX - que culminou com o Manifesto de 1932 - quanto Bomfim, representam uma corrente
17
J. Ferry (1945), educador francês, na obra “La escuela laica: carta dirigida a los maestros por el ministro
de instrucion publicaenfatiza a necessidade da escola desenvolver os preceitos morais visando garantir a
ordem social. Para ele, a escola não deveria ensinar somente a ler e escrever, mas também preceitos morais.
de pensamento criada como necessidade histórica naquele período. Corrente esta que
segundo Mello (1984, p. 14) “inaugura uma linha de preocupação com os procedimentos
técnicos e didáticos que, exacerbada, está na base do tecnicismo pedagógico”.
Tal concepção encontrou respaldo significativo entre a elite intelectual brasileira,
da qual Manoel Bomfim era integrante, vindo a constituir-se como ideário construído nas
três primeiras décadas doculo XX. Assim, buscamos recuperar alguns pressupostos
desse ideário como forma de melhor compreendermos os posicionamentos teóricos de
Manoel Bomfim.
2.1 - Idéias precursoras da Escola Nova no Brasil
O movimento da Escola Nova, nascido no final do século XIX, na Europa, como
expressão de uma necessidade histórica frente aos desafios de “levar adiante um novo
modo de produção, segundo Lopes (1984) tinha a missão de “ampliar as oportunidades
educacionais pois “era necessário uma escola nova”, haja vista que a crença veiculada era
a de que “exatamente onde se processava o ensino e a aprendizagem, na escola, que as
coisas não funcionavam bem”. Nesse sentido, buscava-se “cientificizar-se” a escola. Isto
seria alcançado com a contribuição da biologia e da psicologia que seriam o suporte para o
conhecimento da criança, seus estágios de maturação e suas diferenças individuais. Dessa
forma, a criança passa a ser estudada cientificamente a sobre ela “convergem-se estudos,
testes, medidas, programas, métodos e metodologias” (grifo nosso, p. 24-25).
Entre os muitos precursores dos ideais do escolanovismo naturais de diversos
países, entre aqueles que serviram de referência a educadores brasileiros
18
podemos citar:
Decroly, Maria Montessori, John Dewey, entre outros. Destacamos, a título de referência,
algumas proposições do pedagogo e filósofo americano John Dewey (1859-1952) haja
vista a repercussão de suas obras no cenário nacional brasileiro
19
.
18
Dentre os diversos defensores dos preceitos do escolanovismo Maestri (2000, p. 56) destaca o filósofo
Anísio Teixeira que importou as idéias pragmatistas de John Dewey; o sociólogo Fernando de Azevedo,
influenciado pelo pensamento de Durkhein e o educador Lourenço Filho imbdo pelas idéias pedagógicas de
Filpatrick, Decroly e Kerschensteiner. Por outro lado, existiam também os pensadores católicos, como:
Jackson de Figueiredo, Padre Leonel França e Tristão de Athaíde que, com base na visão moral cristã,
combatiam a laicinização do ensino religioso obrigatório nas escolas.
19
No Brasil, muitas de suas obras foram traduzidas por Anísio Teixeira, entre elas: Democracia e educação
(1959); Experiência e educação (1971) e Vida e educação (1980). Fonte: Galliani (2003).
John Dewey, adepto do experimentalismo das ciências naturais - cuja premissa
básica é a de que os seres vivos sobrevivem quando se adaptam ao ambiente - e das
concepções do psicólogo americano William James (1842-1910), foi o criador da Escola
de Chicago: uma escola-laboratório ligada à Universidade onde lecionava. Esta experiência
chamou a atenção de diversos intelectuais de muitos pses, inclusive do Brasil. Como
pressuposto básico ele tinha a premissa teórica de que “o homem é um ser biológico, em
interação contínua com o ambiente, e que se torna moral por meio da sociedade”
(SCHMITZ, 1980, p.23).
Portanto, pautado em pressupostos da biologia evolutiva, Dewey (1971, p. 17)
define a educação como o “processo de reconstrução e reorganização da experiência, pela
qual percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o
curso de nossas experiências futuras”. Para ele, a educação se coloca como necessidade na
vida social, pois a vida se caracteriza por uma força de resistência que permite ao
organismo renovar-se e adaptar-se quando ocorre um conflito entre o organismo e o meio
ambiente. Segundo ele,
Quando um indivíduo sucumbe ou morre, a vida continua em
outros seres, cada vez mais complexa, mais readaptada e mais
perene, tendo em si mesma o segredo de sua perpetuidade. Ora, se
assim é com a vida física e animal, não o é menos com a vida
social. A vida social se perpetua por intermédio da educação. O
que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica, a
educação é para a vida social (grifo nosso, DEWEY, 1971, p. 19).
Bebendo na mesma fonte Manoel Bomfim, ao se referir à educação como fator de
progresso geral acentua: “O progresso humano é o resultado immediato e necessario da
educação, isto é, da transmissão consciente, de geração em geração, das capacidades e dos
recursos adaptativos, accumulados na experiência geral da espécie. Dada a educação, o
poderia deixar de haver progresso(p. 29-30). Ao que a educação não conseguisse corrigir
ou “apuraratribuía ele à hereditariedade, pois “no conjuncto do proceder pessoal, cada
reacção é ao mesmo tempo effeito da educação e da heraa” (p. 29). Não deixando
nenhuma possibilidade de crítica ao ato educativo, nos casos em que este não pudesse
atingir os objetivos propostos, afirma:
Tudo que tende para a uniformidade, a rotina e a tradição, provém
especialmente da educação; tudo que tende a personalisar e
distinguir as individualidades, é resultado da herança. Convem
assignalar, tambem, que há individuos muito mais acessiveis á
acção educativa do que outros. Muitas vezes, a resistencia á
influencia da educação é correlata do valor moral e intellectual do
individuo (grifo nosso, BOMFIM, p. 29).
Sendo assim, caso não houvesse a adaptação almejada, o indivíduo era
culpabilizado localizando-se nele questões que seriam extrínsecas a ele. Dito de outro
modo, em sua perspectiva o fracasso seria sempre do indivíduo, em função de suas
deficiências individuais, sejam elas identificadas como orgânicas ou mentais. Tal
concepção se ampara em um modelo genético-funcional
20
pautado em pressupostos da
psicologia evolutiva, cujo papel é influir de modo útil na organização escolar, através do
estabelecimento de padrões para avaliação das diferenças individuais.
Tais proposições partem ainda do princípio de que os conhecimentos sobre o
organismo animal poderiam ser transpostos aos seres humanos, pois ambos estariam
sujeitos às mesmas leis de natureza. A pequena diferença estaria na singularidade da
educação que teria a função de adaptar os seres humanos às condições naturais do
ambiente.
Esse pensamento é reconhecido por Manoel Bomfim também quando defende a
idéia de que a pedagogia deveria inspirar-se no conhecimento do indivíduo, na
compreensão de sua personalidade particular, pois isto lhe daria os principais subsídios,
além do que o estudo “systematico e scientifico da vida psychica ou das actividades
conscientes” daria os fundamentos para o conhecimento dos princípios da pedagogia
(p.14).
Dentro da mesma temática, quando se refere às modificações que a educação
promoveria através das funções psíquicas Manoel Bomfim utiliza-se, inclusive, de uma
citação de William James, um dos criadores do movimento da psicologia funcional
baseada nos ideais do evolucionismo, a saber:
Todo programma educativo que pretendesse simplesmente suprimir
as reacções ou actos imperfeitos, seria absurdo e contraproducente,
porque as reacções necessarias de um organismo não se suprimem.
Tudo que se pode obter é substituil-as (grifo nosso, W. JAMES
apud BOMFIM, p. 43).
20
Diz-se que esse modelo é genético porque leva em conta fatores que as pesquisas sobre hereditariedade,
imediata ou mediata, têm esclarecido para a compreensão de fatores estruturais de cada indivíduo, como a
sua constituição física e seu temperamento; e diz-se que é funcional porquanto na interação entre o
organismo e o ambiente, ou no ajustamento do ser humano ao longo de todo o processo, é que se poderá
encontrar uma satisfatória compreensão do conjunto (LOURENÇO FILHO, 1978).
Pautado nessa premissa Manoel Bomfim tece algumas recomendações de como o
educador deveria agir com o fim de alcançar da criança a reação desejada e adverte que tal
fato deriva, tanto das “condições pessoaes da criançacomo “dos meios a empregar” para
conseguir tal objetivo e recomenda: “Na pratica, há dois modos de intervir no caso: ou pela
coacção impondo-se á criança a substituição dos actos reprovados, e forçando-a a novas
praticas; ou pela suggestão, levando-a a abandonar o que não convém, e a acceitar a
substituição que lhe é indicada” (grifos do autor, p. 44).
Transpondo esse raciocínio para a vida psychica” Bomfim ainda adverte: Uma
acção se cumpre pela primeira vez difficilmente, sob a forma de uma attenção rigorosa e
exclusiva, por entre tacteios; repete-se amanhã mais facilmente; repete-se ainda, repete-se
espontaneamente, e, finalmente, converte-se em movimento mecanico, quase inconsciente”
(p.47-48). Nesse sentido ele reafirma que o educador deveria estar sempre vigilante
visando “fazer evitar quanto possivel, na criança, as reacções, ou os actos cuja repetição
não convém; e dahi a regra de evitar quanto possivel o erro, que se pode tornar habitual.
O espírito absorve e guarda (grifo do autor, p. 49).
Ao tratar o desenvolvimento da criança como um encadeamento de hábitos que,
pela repetição, se tornariam inconscientes e automáticos, Manoel Bomfim reflete um
pensamento baseado em estudos da Reflexologia,
21
a qual estaria bastante em voga em
décadas posteriores, inclusive no Brasil.
Marçal Ribeiro (1997) ao realizar um estudo sobre os primeiros trabalhos
desenvolvidos na área de psicologia em solo brasileiro, descreve a implantação de
laboratórios experimentais de pedagogia e psicologia ao longo das três primeiras décadas
doculo XX. Estes tiveram como pioneiros Domingos Jaguaribe (1901); Manoel Bomfim
(1906), Ugo Pizzoli (1914); Waclaw Radecki (1924) e Helena Antipoff (1927).
A importância atribuída aos instrumentos de medida psicológica e, por
conseqüência, à medida educacional - derivada dessa corrente de pensamento - tornou-se
um dos pilares de sustentação do movimento escolanovista “dada a importância que nele se
atribui ao conhecimento das características do educando, tais como as suas formas de
percepção, inteligência, interesses, capacidades, destrezas” (NAGLE, 1976, p. 248).
Esses novos ideais sociais de escolarização veiculados por estes precursores da
Escola Nova, segundo Nagle (1976, p. 199) eram descritos com a seguinte afirmação: a
21
A Reflexologia é estudo dos reflexos condicionados pautado nas técnicas criadas pelo fisiologista russo
Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) em 1913. Para maiores informações consultar Davidoff (1983).
educação constitui elemento dinâmico de transformação social juntamente com a função
de adaptação ao meio social” (grifo nosso). O autor ainda salienta que nesse período
houve esfoos conjuntos por parte de diversos outros pensadores brasileiros, pautados nas
idéias de Émile Durkheim (1858-1917), Decroly (1871-1932), Helena Antipoff (1892-
1947), Eduardo Claparède (1873-1940) entre outros, para criar instituições escolares “em
que se realizassem os princípios da atividade investigadora e experimental do aluno, do
respeito pelas leis do desenvolvimento mental da criança, do exercício normal do trabalho
e cooperação, do self-government, e outros afins” (p.248).
Como exemplo de tal afirmação podemos citar o exemplo de Eduardo Claparède
que em 1905 publicou estudos sobre o que denominou pedotécnica, nos quais, visava o
conhecimento da criança através da pedagogia experimental. Nesse estudo ele definia a
pedagogia experimental como:
o conhecimento ou a investigação das circunstâncias favoráveis ao
desenvolvimento da criança e dos meios de educar em vista de um
fim determinado. Compreende, em conseência, a psicopedagogia
e a higiene escolar; e, se se tratar da educação de crianças não
normais, a pedagogia médica ou ortofrenia (CLAPARÈDE, 1905
apud LOURENÇO FILHO, 1978, p. 39).
Esse ideal educacional de adaptação ao meio através do desenvolvimento de
processos adaptativos é idéia fortemente presente na pedagogia da Escola Nova e também
na proposta educacional de Manoel Bomfim em uma época de grandes transformações no
modo de produção da vida material e, por conseguinte, nas relações sociais. Para ele, o
ideal educacional de adaptação seria alcançado pela educação natural e complementado
pela educação intencional. Buscando compreender a distinção feita por ele sobre o
conceito de educação, caracterizaremos a seguir o papel de ambas em sua obra.
2.2 - Educação natural e educação intencional
Tomando a educação como processo de adaptação às condições do viver humano,
Manoel Bomfim salienta que a educação é o preparo para a vida e, nesse aspecto, a
distingue sob duas denominações: educação natural e educação intencional.
Segundo ele, como condição natural da espécie humana a educação é um fato
Absolutamente necessario para a realisação da vida humana, e que
deriva, ao mesmo tempo, das formas superiores e conscientes das
nossas capacidades adaptativas, e dos vigorosos e irresistíveis
instinctos de sociabilidade de que somos possuidos (p. 17).
E enquanto condição sistematizada pela sociedade ou pelo “meio moral” a
educação é uma ação intencional cujo fim é “levar o indivíduo ao maximo de perfeição
possível” (p. 26).
Manoel Bomfim critica a preocupação exclusiva com a perfeição absoluta, pois esta
se baseia em um modelo determinado que não corresponde às linhas essenciais do caráter
da criança. Argumenta que por causa desse anseio de perfeição absoluta, a obra da
educação falha, pois deturpa o caráter natural da criança, tornando-a revoltada ou hipócrita.
Para ele, a quase totalidade dos fracassos ou defeitos oriundos da prática educativa provêm
da falta de compreensão quanto ao que se deve querer e ao que se pode alcançar, como
correção do educando. Adverte que a educação não pode almejar a perfeição suprema,
pois:
O ideal de perfeição, em educação, não consagra nenhuma realização
irrevogavel; elle vale como tendencia, como aspiração inesgotavel. O
programma educativo não será o de moldar completamente a creança
num typo acabado; e, sim, leval-a a acceitar, em consciencia, uma
formula de vida que seja um continuo esfoo de
aperfeiçoamento.Portanto a educação será sempre uma escola de
correcção e apuro. (grifo nosso, p. 35).
Com o intuito de compreendermos esse conceito levantamos alguns
questionamentos. Quando Manoel Bomfim questiona a busca de perfeição nesse ideal
educacional, para ele, o que seria essa busca de perfeição? Haveria um quantum máximo
ou uma escala de perfeição através da qual poderiam ser medidas as capacidades
adaptativas do indivíduo? Ou tal perfeição se referiria, novamente, à aceitação
incondicional do que estava estabelecido como norma no meio social? Provavelmente seu
ideal de perfeição absoluta pressupunha o adestramento e a internalização de hábitos
transmitidos pela educação e de aceitação de preceitos tidos como inquestionáveis e
uniformes em qualquer época e em qualquer contexto histórico.
Para ele, a educação é um “facto natural” da raça humana em função dos cuidados
com as novas gerações. Em suas palavras: “é por isso mesmo por ser um fato natural a
educação um facto instinctivo. Os cuidados e as preocupações educativas precederam na
nossa espécie qualquer systematisação moral ou politica” (p. 17-18).
Esta afirmação demonstra que Manoel Bomfim trata a educação como fator
instintivo. Sendo assim, não atribui a ela o caráter histórico que lhe é peculiar. Não a
concebe como construção histórica, criada por diferentes homens em diferentes momentos
da existência das sociedades humanas. Pauta-se numa visão linear de homem e de mundo
onde a educação é tida como fenômeno à parte das questões sociais.
Quando se refere ao fato das gerações mais velhas se preocuparem com as gerações
mais jovens como algo instintivo ou natural na espécie humana, equipara-as a espécies
animais e retira de tais relações seu caráter histórico, pois as considera como dotadas de
um mesmo repertório comportamental descrito pela biologia evolutiva como constantes
desde os primórdios da humanidade, fato este que a história já demonstrou ter sido
diferente, em diferentes sociedades humanas ao longo dos tempos.
Essa forma de educação determinaria o seu caráter de “actividade instinctiva
systematisada pela rotina”. Nessa perspectiva, à família é atribuída a educação natural da
criança, enquanto que, a escola teria como atribuição a educação intencional da mesma.
Para tanto, a educação intencional tem por finalidade imediata:
fazer da criança uma creatura sã, moral, activa e productora, e que, para
tentar e estimular a actividade do individuo, é preciso estimular a apurar
os seus dotes e as suas energias pessoaes, em vez de contrarial-as e
annullal-as. A pessoa age e trabalha com empenho, com amor e
enthusiasmo, quando quer satisfazer as solicitações profundas da sua
consciencia. E’ deste modo que o individuo chega ao maximo da bôa
producção; é deste modo que se obtem a perfeita especialisação de
trabalho e de funcções, necessaria ao progresso geral. Em si mesma, pois
que é a adaptação a um meio geral, sob a influencia decisiva desse meio
(p.28).
Provavelmente o meio por ele citado é ao meio escolar, de onde a criança receberia
todas as possibilidades de aperfeiçoamento e desenvolvimento moral entendido como o
desenvolvimento de qualidades necessárias à vida social: “a generosidade, a cordialidade,
o heroismo, o sentimento de justiça e mais fortemente ainda a educação teria a função de
“adaptar uma criança normal às formas normaes de vida humana, e fazer della uma
individualidade util, moral e productora”. Buscava ele então atribuir à educação da criança
um caráter útil e funcional visando promover nela o desenvolvimento moral pois, em suas
palavras: “o effeito da acção educativa é excellente si produziu uma personalidade útil, e si
evitou que se formasse um parasita, ou um criminoso [haja vista que] a educação não
transforma o caracter natural do individuo, nem póde substituir as suas qualidades
essenciaes” (p. 26).
Nesse aspecto podemos perceber que tanto as suas concepções de criança (como ser
idealizado) e de família (como protetora natural da criança) são concepções a-históricas, ou
seja, pautadas e uma visão naturalizada, haja vista que nem uma e nem outra possuem uma
conformação natural e permanente, outrossim, se modificam à medida em que se
modificam os contextos sociais nos quais estão inseridas.
Nesse sentido, a história transcorrida pode nos mostrar que a preocupação e os
cuidados com as novas gerações não fazem parte de um passado muito distante e, que a
criança passou a ser objeto de intervenção educacional sistematizada pela escola quando a
família passou a ser alvo de intervenção das ações médico-higiênicas com o advento da
modernidade
22
.
Portanto, como objeto de intervenção direta dos higienistas a criaa passa a ser
percebida enquanto ente em formação pelas correntes pedagógicas modernas, passando a
ser um dos principais alvos das ações médico-higiênicas inseridas nessas propostas
pedagógicas nesse período de transição do século XIX para o século XX.
2. 3 - A pedagogia médico-higiênica no espaço escolar
Na introdução da obra Arte de Formar Homens de Bem, escrita em 1880 pelo
médico Domingos Jaguaribe, o também médico Antonio Corrêa Souza Costa, professor da
Academia de Medicina da Corte fazendo alusão ao conteúdo da referida obra comenta:
No vosso excellente trabalho fazeis estudo sobre a criança, encarando-a
especialmente sob o ponto de vista hygienico e traçais as regras e
preceitos, que devem ser observados pelas mãis de familia para
conseguirem a saude e vigor dos seus filhos, preservando-os de uma
infinidade de molestias, que atacão de preferencia as crianças debeis e
cacheticas (SOUZA COSTA apud JAGUARIBE, 1880, p. 07).
22
ARIÈS (1978), através de uma análise iconogfica minuciosa (realizada pelo estudo e conhecimento de
imagens, retratos, quadros ou monumentos antigos) analisa a evolução da família e sua lenta mudança ao
longo dos séculos, enfatizando a trajeria social da criança e da família desde o fim da Idade Média a a
Modernidade.
Encerrando a referida introdução o mesmo autor conclui:
a par dos mais importantes e salutares preceitos hygienicos encontram-se
a mais sã moral e exemplos vivos da benefica influencia que a educação
moral exerce sobre o homem, a familia e o Estado, demonstrando que
toda a grandeza do nosso paiz provirá da educação que as mãis derem aos
seus filhos – verdade eterna, que quizeramos perdurasse indelevel no
espírito de nossas mãis de familia (p. 08).
Enfatizando o papel da família moderna no projeto de sociedade a ser desenvolvida,
ao encerrar a obra o autor enfatiza: “É assim que se conseguirá fazer dos meninos homens
de bem, o futuro de nossa pátria será todo moldado pela educação moral das crianças do
presente” (JAGUARIBE, 1880, p. 183).
Nesse contexto, passa a ser consolidada a união de esforços entre o saber médico e
o saber educacional em um momento em que a família vive uma intensa mudança em sua
conformação quanto à convivência íntima e quanto às atribuições de papéis para fazer
frente à nova ordem econômica vigente no limiar da República.
Reforçando o discurso da nova premissa educacional e trazendo-o para o contexto
da educação escolar, Manoel Bomfim recomenda ao professor o conhecimento das reações
imperfeitas de seus alunos, ou seja, propõe o conhecimento do caracter da criança” para
saber como intervir adequadamente com o fim de conduzi-los a “novas formas de agir”.
Para isso ele exemplifica :
A criança sente qualquer comichão nas narinas, leva para ahi os dedos... a
criança uma fructa, apanha-a immediatamente... São as reacções
naturaes, primitivas. A educação procura substituil-as por outras mais
convenientes, mais de accordo com a hygiene e com o viver social: a
criança tem de habituar-se a conter o impulso, e a procurar um lenço... a
servir-se, na mesa, como os outros se servem... São formas de agir mais
perfeitas, mas tambem mais difficeis (p. 44).
Tanto a fala de Domingos Jaguaribe quanto a de Manoel Bomfim pode ser tomada
como exemplo de manifestações em torno do papel conferido à família ao longo das
transformações sociais, passando esta a ser legitimada como a principal provedora de
proteção e cuidados com as novas gerações. Costa (2004) demonstra essa mudança através
da análise de estudos médicos cujo conteúdo revela que as preocupações que se colocavam
como necessidade aos profissionais da área médica nesse período de transição
Império/República se referiam basicamente a higienização dos ambientes, dos hábitos e
costumes das famílias oitocentistas
23
. Tais conteúdos estão expressos nas teses
empreendidas por eles, as quais sugerem que a medicina como saber cienfico
historicamente construído - refletiu em seu bojo as mudanças em curso na configuração
familiar e como tal contribuiu significativamente para reorganizar os novos papéis e as
novas funções dos membros da família moderna.
Por volta da década de 20, esse ideal buscado já demandava saberes a ações
instituídas e amplamente divulgadas pela medicina e pela pedagogia moderna. No III
Congresso Brasileiro de Hygiene, realizado em 1926, a família era elencada pelo médico
Ulysses Pernambuco como a primeira encarregada de formar hábitos higiênicos na criança.
Afirma ele:
os bons ou os máos habitos adquirem-se ou perdem-se pela educação. Ha
habitos que duram tanto quanto a vida, outros que são modificados pelas
condições especiaes da existencia, transformam-se e tomam até direcções
contrarias. Como obrigar a creança a adquirir habitos sadios? Em
primeiro logar educando os adultos. A creança é grande imitadora. Em
uma familia imbuida de preceitos hygienicos os bons habitos formam-se
naturalmente, sem esforço nas creanças (1926, p.889).
Porém, havia situações que, segundo ele, o meio familiar falhava em ser o formador
dos bons hábitos e ao contrário, se colocava como o grande gerador de máos habitos, de
praticas condemnadas pela hygiene”. E acrescentava “a escola tem de ser a grande
modificadora da actividade automática da creança e nisto ella não se afasta da sua
finalidade educativa (p.889).
Outro importante evento, o I Congresso Nacional de Educação, realizado em 1927,
através de seus Anais, ilustra a consolidação dos princípios educacionais da época e
23
Entre as muitas referências de estudos citados por Costa (2004) alguns deles são: ALMEIDA, P.J de.
Algumas considerações higiênicas das habitações. Tese. Fac. de Medicina do Rio de Janeiro, 1845. EBOLI,
T. Dissertação sobre a higiene, os prejuízos que causam uma amamentação. Tese, Fac. de Medicina do
Rio de Janeiro, 1880. UBATUBA, M.P.S. Algumas considerações sobre a educação física. Tese, Fac. de
Medicina do Rio de Janeiro, 1845. COUTINHO, J.L. Cartas sobre a educação de Cora. Bahia, Typografia
de Carlos Ponggeti, 1849. BARROS, J. F.M.de Considerações gerais sobre a mulher e sua diferença do
homem, e sobre o regime que deve seguir no estado de prenhez. Tese. Fac. de Medicina do Rio de Janeiro,
1845. BARBOSA, A.A.S. Higiene da primeira infância. Tese, Fac. de Medicina de Rio de Janeiro, 1882.
ARMONDE, A. F.N. Da educação física, intelectual e moral da mocidade no Rio de Janeiro e de sua
influência sobre a saúde. Tese. Fac. de Medicina do Rio de Janeiro, 1847. MAFRA, J. J. O. Esboço de uma
higiene de colégio, aplicável aos nossos: regras principais, tendentes à conservação da saúde, e ao
desenvolvimento das forças físicas e intelectuais, segundo as quais se devem reger os nossos colégios. Tese.
Fac. de Medicina do Rio de Janeiro, 1885. ROSÁRIO, A. J. do. Dissertação sobre a influência dos alimentos
e bebidas sobre a moral do homem. Tese, Fac. de Medicina do Rio de Janeiro, 1839. CAMILLO, A.D.A. O
onanismo na mulher; sua influência sobre o físico e o moral. Tese, Fac. de Medicina de Rio de Janeiro, 1886.
VASCONCELOS, C.R.de. Higiene escolar, suas aplicações à cidade do Rio de Janeiro. Tese de concurso,
Rio de Janeiro, 1888.
demonstra, grosso modo, a repercussão e o alcance da pedagogia médico-higiênica como
difusora dos princípios higienistas no âmbito da educação escolar da Escola Nova.
Tais teses confirmam que o ideal educacional divulgado deveria ser o de impor a
educação higiênica através da escola visando o bem estar coletivo e o desenvolvimento
moral como meio de se alcançar a produção de riquezas e desenvolver uma consciência
nacional. Reportando-se a isso Penna (1927, p.33) afirma que
A imensa maioria da população brasileira desconhece rudimentos de
biologia e de higiene; vegeta, por isso, em apavorante estado patológico e
de miséria, sem capacidade para exercer a finalidade biopsíquica do
homem, de defesa e melhoramento incessante da vida individual, da
família, da sociedade e da espécie, limitando-se a realizar, em péssimas
condições, a finalidade bioinstintiva dos irracionais, reduzida à
conservação do indivíduo, pela nutrição, e à perpetuação da espécie, pela
reprodução. Ao contrário, o seu concurso de indolentes, de depositários e
propagadores de doenças e de taras patológicas é de contínua e
progressiva degeneração da raça e da espécie. Dessa incapacidade
biopsíquica do povo brasileiro resulta o trabalho escravizado e
improdutivo, a miséria econômica, a falência financeira, a do caráter das
elites e uma mentalidade coletiva caótica, inconsciente, passiva, sem
aspirações, sem rumo e sem aptidão para criar a consciência nacional.
Nessa tarefa o papel do professor é ressaltado por Cunha Freire (1927, p. 411):
A obrigação do pedagogo deve repousar sobre um conhecimento
aprofundado da natureza humana única base científica para a educação
moral. Cabe-lhe a tarefa de estudar com interesse e compreensão a
atmosfera especial onde vive cada aluno, as boas ou perniciosas
influências que o circundam, para entrar mais esclarecido em plena
atividade, confiante na perfectibilidade moral do homem. Tirar desta o
maior partido possível é o fim sublime da educação.
A autora ainda aponta a função da escola e reforça o papel do professor enfatizando
que
Se, por um lado, a escola necessita absolutamente de colaboração da
família na sua dupla missão de instruir e de educar, tem ela, por sua vez,
o estrito dever de promover a valorização do indivíduo, proporcionando-
lhe todas as garantias naturais e sobrenaturais susceptíveis de arma-lo
para a vida prática como para todo conflito interior. Corrigindo, na
medida do possível, as falhas vindas da natureza ou de certos ambientes
domésticos, ela não deve esquecer que ‘o mestre que transmite
conhecimentos não passa de um simples operário; aquele, porém, que
modela o caráter é um artista’, e isto na mais verdadeira exteno da
palavra... (grifo nosso, CUNHA FREIRE, 1927, p. 415).
A preocupação com a higiene enquanto meio empregado para se evitar grande parte
das moléstias, naquele período histórico era uma necessidade imperiosa, até como uma
possível condição de vida ou de morte, porém quando tal discurso passa para o plano da
educação moral, ou seja, da higienização dos costumes, assume um caráter ideológico por
trabalhar com a possibilidade de exisncia de um modelo ideal de ser humano a ser
desenvolvido inicialmente pelo esforço da família tendo a colaboração posterior da escola
através da modelagem do caráter visando complementar o trabalho iniciado na família ou
até mesmo corrigir os defeitos ou vícios não sanados ou transmitidos por ela.
Dessa forma, esse trabalho de “artista” teria a finalidade última de modelar o
caráter da criança visando a higiene mental, entendida como adaptação ao meio. Sobre isso
outro congressista também acentua:
No desenvolvimento psíquico, pensamos que é a vontade que mais sofre
a influência da escola. É a obrigatoriedade diária da freqüência, dos temas
e exercícios impostos pelos professores, que devem ser preparados em
prazos certos e determinados; são os preceitos de ordem, que obrigam a
calar e a largar as distrações e divertimentos pelos superiores, que mais
vêm modificar ou perturbar a vontade da criança. Ou ela se adapta e
submete a sua vontade ao novo regime, educando-se e aprendendo
normas que lhe serão preciosas na vida futura, ou ela não se adaptará,
tornando-se um elemento pernicioso na escola e, o que é mais importante,
sofrendo diária e freqüentemente, a cada ordem ou reprimenda, um
choque que vem, cada vez mais, afastar o seu psiquismo do meio escolar
(GUIMARÃES FILHO, 1927, p. 466).
Tal processo de formação do caráter também foi amplamente defendido por Manoel
Bomfim. Sobre esse aspecto ele se expressa argumentando: “Um dos objectivos formaes
na educação humana é desenvolver no individuo a foa do caracter. Graças a isto, poderá
elle resistir ás solicitações inferiores, e manter o seu proceder na linha de dignidade e de
honestidade que a moral exige (grifo do autor, p. 27).
E como conseqüência dessa suposta elevação moral conquistada pela formação e
aperfeiçoamento do caráter - haveria o progresso social e econômico da nação. Na mesma
perspectiva, segundo Dechandt (1927, p. 428) “é no caráter do povo que está a grandeza da
Nação; cumpre aperfeiçoar, aprimorar e enriquecer de virtudes os filhos desse povo [pois]
a criança cujo caráter for bem formado será um bom elemento na classe e na sociedade”.
Nesse contexto, a educação escolar, juntamente com a medicina social, passou a
ocupar, paulatinamente, um lugar de destaque nesse novo projeto higiênico de sociedade
visando atender ao princípio naquele momento construído de que se a criança fosse
adequadamente cuidada sob os ditames da higiene, conseqüentemente se tornaria um
adulto física e moralmente saudável.
Porém, enquanto Bomfim advoga preceitos educacionais para a infância, pautado e
um modelo médico-pedagógico com o intuito de preparar as novas gerações para alcançar
o progresso da nação, nesse mesmo contexto hisrico e no mesmo cenário social algumas
condições adversas denunciam que a criança à qual ele se reporta não é a mesma que
trabalhava precocemente nas fábricas durante horas sucessivas visando garantir a
sobrevivência diária, alheias ao preceitos higiênicos e pedagógicos por ele recomendados.
Como exemplo de tal situação podemos recorrer novamente ao Relatório do Departamento
Estadual do Trabalho do Estado de São Paulo, publicado em 1912, o qual descrevia as
condições do trabalho na indústria têxtil no Estado. Sobre o trabalho de menores, no
mesmo está escrito: ‘Felizmente, na maior parte das fábricas, o trabalho destinado aos
menores [...] não é exaustivo nem traz deformidades’ (grifo nosso, apud MOURA, 1982, p.
73). Em outro trecho o mesmo Relatório traz dados referentes aos motivos pelos quais
esses menores deveriam trabalhar precocemente:
Esses menores [...] são aceitos em algumas fábricas, por empenho de seus
pais, que desejam dessa maneira evitar que fiquem em abandono pelas
ruas e sujeitos aos perigos da vagabundagem [...] o aproveitamento de
crianças à conta de 5 anos no trabalho industrial: ocupados em serviços
fabris [...] não aumenta a falange dos menores vagabundos que infestam
esta cidade (apud MOURA, 1982, p. 90).
A justificativa contida no Relatório referido acima, além de localizar nos pais a
motivação para a aceitação de crianças na produção fabril ainda coloca que havia uma “boa
ação” em aceitá-las como trabalhadores para que não ficassem ociosas pelas ruas que
seus pais não poderiam dispensar-lhes os cuidados necessários ao seu bem estar, incluindo-
se aqueles apontados por Manoel Bomfim. Dessa forma, é fácil perceber que se a criança
precisava trabalhar supostamente para se ocupar é porque a situação dela e de sua família
não era a mesma apontada e defendida por Manoel Bomfim para a infância. Essa criança,
além de não ter as mesmas oportunidades educacionais, era explorada economicamente
como mão de obra barata nas linhas de produção.
Portanto,o se dando conta destas questões, nem tampouco do caráter histórico da
conformação familiar como condição criada pela organização do trabalho, Manoel Bomfim
concebe a formação familiar como condição natural e permanente para todos os grupos
familiares desde os primórdios da humanidade. Ele revela esse pensamento quanto trata
dos cuidados despendidos pelos pais aos filhos advogando que:
Ainda hoje, si queremos observal-os e conhecel-os nas suas formas
elementares, basta-nos contemplar o proceder da generalidade dos paes:
são educadores por instincto. Absorvidos pelos cuidados da prole,
commovidos á ideia do destino dos filhos, deixam-se conduzir, quase que
exclusivamente, pelo affecto; não chegam a estudar convenientemente o
problema que os oprime (p. 18).
Ele acrescenta ainda que a afeição natural dos pais pelos filhos, em certa medida,
muitas vezes os impedia de corrigirem algumas tendências inferiores herdadas como
herança biológica. Visando reverter tais tendências resultantes, principalmente de meios
considerados inapropriados, ele identifica o papel da escola e do professor salientando que:
De tudo isto, resulta que o educador tem necessidade de bem conhecer o
meio actual em que a criança vive, e aquelle em que ella vae viver.
deste modo poderá elle prepal-a convenientemente para a vida, e dar-lhe
as qualidades e as aptidões que farão della uma creatura realmente bem
adaptada. deste modo saberá elle como deve completar a acção da
educação natural, no que tiver de ser completado, e como poderá corrigir
o que nella houver de falho ou defeituoso. Em certos casos, ser-lhe-á
preciso até mesmo lutar contra a acção do meio de certos meios
especiaes, degradantes ou desmoralisadores (p. 25).
Ele aponta o meio familiar como possível núcleo degradante ou desmoralizador e
não o percebe como parte de um contexto hisrico dotado de condições que pudessem
trazer prejuízos aos indivíduos, como o trabalho infantil ou insalubres e exaustivas
condições de trabalho a que os operários eram submetidos nas linhas de produção e as
péssimas condições de vida da imensa maioria de trabalhadores já bastante denunciadas na
época.
Demonstrando mais uma vez essa visão naturalizada de educação, ele a concebe
como infalível na medida em que através dela poder-se-ia alcançar progresso para todos,
pois segundo ele, a correlação educação/progresso era incontestável. Em suas palavras:
A educação se torna o mais poderoso factor de progresso geral. As
individualidades se affirmam, desenvolvendo o maximo de acção util;
multiplicam-se as iniciativas; suggerem-se as reformas, e o progresso se
realisa á medida que os caracteres se fortalecem e se definem. Por sua
vez, o progresso geral facilita o aproveitamento dos talentos, e estimula
as vontades (p. 29).
Essa afirmação expressa um dos pressupostos teóricos do escolanovismo que
identifica no indivíduo as possíveis fontes para seu desenvolvimento – como características
biológicas e naturais - e também as explicações de seus possíveis fracassos. Tal visão
expressa a dinâmica das relações sociais da sociedade capitalista pautada no princípio
básico das liberdades individuais e nos ideais de desenvolvimento pessoal e,
conseqüentemente, de alcance de progresso social, desde que o indivíduo se empenhe e
mobilize seus recursos bio-psíquicos naturais para desenvolver-se, sem considerar as
questões do meio como fator facilitador ou entrave a esse desenvolvimento. Nesta
perspectiva, deixa-se o terreno do acesso às oportunidades para buscar as explicações pela
ótica dos talentos individuais e, nesse caso, pela pretendida força de caráter.
Portanto, algumas das premissas teóricas tanto do higienismo quanto do
escolanovismo - introduziram paulatinamente a idéia ingênua de que as soluções para os
problemas de escolarização, identificados e analisados pela elite pensante, seriam
autônomas em relação ao contexto histórico-social. Esse pensamento ofereceu sustentação
política às ações médico-pedagógicas implantadas nas primeiras décadas do culo XX.
E a hisria nos mostra que obtiveram tal sustentação, pelo menos no que tange à
atuação do movimento higienista por um considerável período de tempo, com
desdobramentos em épocas posteriores. Pois, assim como os primeiros teóricos da
educação do século XX buscavam implantar os princípios do escolanovismo com a
proposta de educação para todos e preparação para o trabalho decorrente do processo de
industrialização, também os médicos higienistas ampliavam suas ações estendendo cada
vez mais ao espaço escolar os ideais de higienização da população brasileira. Nesta
perspectiva, parece claro que esses discursos se interpenetravam na medida em que,
pautados em premissas teóricas similares, fundadas em concepções advindas das ciências
naturais - para as quais o mundo objetivo tem existência própria e é regulado por leis
próprias ambos foram sendo implantados e amplamente aceitos ao longo das décadas
posteriores.
Portanto, os ideais do escolanovismo e dos integrantes do movimento higienista
podem ser considerados como duas faces da mesma questão na medida em que ambos
surgem como necessidade criada em um mesmo contexto histórico a sociedade
capitalista e apontam soluções historicamente construídas para os impasses político-
econômicos e cio-educacionais do Brasil sem considerar as contradições surgidas pela
organização social do trabalho. Desse modo, ao proporem encaminhamentos fundados em
preceitos das ciências naturais para explicarem os relacionamentos humanos naturalizam as
relações sociais retirando delas seu caráter histórico e, por conseguinte, social.
FIGURA 6
[...] a prática da virtude, o cumprimento do dever sob todas as suas
formas, eis a meta suprema da educação humana. A instrução não vale a
não ser que ela tenda e conduza a fins morais.
Compayré, 1908.
3 - EDUCAÇÃO DO ORGANISMO: A HIGIENE COMO REGRA
Na lucta contra os venenos sociaes representa
papel saliente a educação das collectividades.
Dr. Cunha Lopes, 1925
No presente capítulo abordaremos a temática denominada por Manoel Bomfim
como educação do organismo. Esta engloba acultura physica” como o desenvolvimento
esmerado do organismo e o desenvolvimento de “habitos hygienicos” que, por sua vez,
englobam os cuidados e as práticas que permitem ao indivíduo a defesa de sua saúde. A
esse tema Manoel Bomfim dedica parte de sua obra apresentando-o como o
“desenvolvimento apurado do organismo, no sentido de bem adaptal-o ás condições
normaes da vida que lhe é dada” (p. 53).
A idéia de adaptação é tema recorrente em sua obra. Ele defende a adaptação às
condições de vida como regra básica para a educação. Como condições de vida identifica,
além das questões do meio físico, também as “condições sociaes, porque ellas exigem do
homem real capacidade de trabalho e de producção” (p. 53).
Ao referir-se às condições de vida que são dadas aos seres humanos Manoel
Bomfim, via de regra, reforça a necessidade dos mesmos se adaptarem a elas e não as
questiona no sentido de refletir sobre quais condições os homens daquele período viviam.
Esse raciocínio expressa um pensamento idealizado e pautado na auncia de reflexão
sobre a realidade histórica presente na época, no Brasil, haja vista que as condições sociais
eram bastante diferentes para uns e para outros indivíduos no mesmo contexto histórico.
Dessa forma, para aqueles que podiam usufruir dos benesses alcançados pelo
desenvolvimento científico (moradia, trabalho, educação, saúde, etc) as idéias de Manoel
Bomfim fazem sentido. Porém, para aqueles para os quais as condições sociais se
pautavam em condições de vida miseráveis em decorrência de fatores como o desemprego
ou a expropriação extrema pelo trabalho, além de falta de oportunidades educacionais essa
realidade mostrava-se bastante diferente. Para os ex-escravos e para os imigrantes
estrangeiros, por exemplo, tais condições se colocavam bastante adversas.
Essa situação desfavorável pode ser vislumbrada pela fala de Oliveira (citado em
SPINDEL,1979 p. 165) que ao analisar a formação do regime de trabalho urbano no
Estado de São Paulo composto por trabalhadores assalariados - sendo a maior parte deles
constituída por ex-colonos das lavouras de café - descreve que o processo de “constituição
da economia urbano-industrial pode ser avaliado quando se observa os indicadores de
mortalidade geral e de mortalidade infantil naquele período, pois “a mortalidade (...) é
função do ‘consumo’ das forças de trabalho. Seus níveis, taxas, coeficientes gerais e
específicos dependem, em última análise, dos níveis de exploração da força de trabalho, da
intensidade da exploração, da brutalidade da exploração”.
Alguns indicadores sociais relatados por Nogueira (1963 citado em SPINDEL,
1979, p. 165-166) dão a dimensão das precárias condições de vida da população, em sua
maioria assalariados compostos por imigrantes estrangeiros. Realizando um estudo
estatístico dos índices vitais no Estado de São Paulo entre 1900-1934 o autor presta as
seguintes informações: entre os anos 1900-1904 os índices de mortalidade geral eram de
17,60 por mil nascidos vivos. Entre 1905-1909 subiram para 19,48 chegando em 1914 a
19,52. Esse índice declinou em 1934, ficando em 16,77. Sobre a mortalidade infantil
entre 1910-1914 o índice era de 186,11 decaindo para 172,58 em 1934.
Nesse período de incipiente industrialização Fausto (1976, p. 224) relata que as
condições de trabalho e sobrevivência eram tão precárias que a preocupação com a
preservação da força de trabalho passou a demandar leis, reivindicadas através de
movimentos grevistas e formuladas pelo Estado. Sobre isso ele informa que
em 1911, foram incluídos no Regulamento do Servo Sanitário do
Estado (Decreto nº 2141, de 14-11-1911) dispositivos sobre condições de
higiene nas fábricas, proibindo-se também a atividade dos menores de 10
anos e o serviço noturno dos menores de 18; no mesmo ano, criou-se o
Departamento Estadual do Trabalho (Decreto nº 2071, de 5-7-1911),
encarregado do estudo, informação e publicação das condições de
trabalho no Estado.
Tais concessões feitas aos trabalhadores incluíam o acesso aos serviços de saúde,
com o objetivo de
limitar a exploração do trabalho, proteger os membros mais fracos da
classe operária mulheres e crianças – e garantir a continuidade do
fornecimento da força de trabalho. Dentro deste contexto, torna-se claro
que a reprodução do capital passou a “necessitarSS (serviços de saúde)
verdadeiramente eficazes. O seu papel passou a ser – pois não o era antes
o de garantir a reprodução da capacidade de trabalho (SINGER, 1981,
p. 21).
Nesse sentido as verdadeiras “condões sociaes” que exigiam a “capacidade de
trabalho e de producção” estavam exigindo o máximo da força física e mental do
trabalhador a ponto de impor sérios riscos à sua sobrevivência.
A preocupação com as questões de higiene, bastante ressaltada por Manoel
Bomfim decorre de uma necessidade, principalmente em função do processo de
urbanização presente tanto em sua época como também na atualidade. Ele dedica especial
atenção à formação de hábitos higiênicos, inclusive distinguindo na educação do
organismo a “educação hygienica e a educação motora”. Para ele, a primeira compreende a
aquisição de hábitos e o conhecimento de preceitos de higiene, os quais nos primeiros
tempos ... consiste, apenas, na organisação dos habitos”, ou “na imposição dos habitos”.
Justifica ainda que é “justamente pela ‘imposição da hygiene’ que começa a intervenção
educativa” (p.56).
Porém, parece que sua grande preocupação não era saber necessariamente quais
hábitos ensinar à criaa, mas como ensiná-los de forma gradual, de acordo com o seu
desenvolvimento cronológico. Segundo ele:
Enquanto o bebê póde ser tratado psychologicamente como um ser
passivo, a cousa é facil: elle é submetido ao regimen conveniente de
alimentação, de vestuario, e de repouso. Mas, depois, quando a pratica
hygienica exige uma manifestação activa da propria criança, é mister
fazer acceitar a pratica recommendada, segundo os preceitos geraes de
suggestão e acceitação dos habitos (p. 56).
Retirando a ênfase dos conteúdos e colocando-a nos métodos, Manoel Bomfim
procura superar a concepção de uma pedagogia tradicional e valorizar uma nova pedagogia
que enfatizasse os métodos de ensino, que priorizasse os processos de aquisão de tais
conteúdos. Nesse caso, expressava-se coerentemente baseado nos ideais pedagógicos da
Escola Nova.
Sua concepção de pedagogia propõe a racionalidade como preceito através da qual
a aprendizagem estaria diretamente associada ao desenvolvimento mental, ou seja, de
acordo com as fases de desenvolvimento da criança. Portanto, nesse aspecto suas
proposições também se identificam com os ideais do escolanovismo. Para ele
o que interessa á Pedagogia, não é tanto a enumeração, as regras –
materia de instrucção propriamete dita, mas o methodo de ensinal-as. É
preceito formal de educação intellectual: que todo ensino se deve dirigir á
comprehensão do alumno, e todo conhecimento deve ser uma acquisição
racional (p. 57).
Porém, logo adiante, contrariando o seu próprio enunciado, adverte que nem
sempre “é possivel fazer comprehender pela criança a razão de ser de certas regras
hygienicas quanto ao asseio, por exemplo. São preceitos que se baseiam em noções
scientificas que, em muitos casos, estão acima da comprehensão da criança” (p. 57-58).
Para esses casos, recomenda: “Então, é preciso ensinal-os dogmaticamente, dizendo
simplesmente – que é conveniente, ou não é conveniente, praticar tal ou qual acção (p. 58).
Pensamento análogo expressa Almeida Junior sobre o ensino de hábitos,
estabelecendo estreitas correlações entre higiene e moral:
a educação higienica se approxima da educação moral: tem de iniciar-se
dogmatica. O alumno se fiana sciencia do mestre. Explique a este o
que puder ser comprehendido. Mas não adie os habitos e conselhos cujos
fundamentos estejam acima da intelligencia infantil. Quando for possivel,
virá a razão de ser. E si não vier, ficarão, em todo o caso, os habitos. E os
habitos são quasi tudo (grifo nosso, ALMEIDA FILHO, 1922, apud
ROCHA, 2003, p. 45).
Tal afirmação nos remete à reflexão sobre os riscos de se promover a aproximação
da educação para a aprendizagem de hábitos de higiene à educação para a moralidade, haja
vista que, no contexto onde tal aproximão se instalava a premissa teórica era a
concepção de indivíduo como ser biológico a ser modelado segundo um repertório de
hábitos a serem administrados via educação escolar, sendo esta plena de posições
dogmáticas em relação ao ensino.
Esse ensino dogmático pautado na moralidade como regra também é defendido por
Manoel Bomfim nos casos em que a mentalidade da criança ainda não tivesse alcançado o
nível de maturidade suficiente para compreender e aceitar tais ensinamentos. Nesse ponto
parece pressupor que a criança teria duas alternativas: aceitar as imposições
dogmaticamente por não estar preparada mentalmente ou aceitar passivamente por estar
preparada para compreender racionalmente os preceitos científicos. Assim, Manoel
Bomfim nega qualquer possibilidade de contestação ou questionamento, por parte da
criança, dos preceitos ou idéias postas como prontas e acabadas.
Em relação à formação de bitos higiênicos, em nosso entender, esses
ensinamentos se justificam plenamente, haja vista que algumas questões da época
“exigiam” tais preocupações.
Como expressão de tal necessidade Costa (1985) relata a adoção de campanhas
sanitárias incluídas na Legislação Sanitária na cidade do Rio de Janeiro em 1914. Com isso
o Estado buscava
evitar a manifestação ou propagação de moléstias infecciosas, prevenir e
corrigir os vícios das habitações particulares e coletivas, nos terrenos, nos
lugares e logradouros. Como habitações coletivas se compreendiam as
avenidas, estalagens, cortiços, albergues, hospedarias, casas de cômodos,
pensão de hotéis. Nestes locais a vigilância sanitária observaria as
condições higiênicas, asseio, conservação e estado de saúde dos
moradores. Am disso: seria verificado o estado dos reservatórios de
água povel, seu abastecimento, a integridade do funcionamento das
instalações sanitárias, banheiros, tanques, lagos, esgotos, bueiros, etc (p.
70-71).
Descreve o autor que tais medidas visavam combater a proliferação de doenças que
passavam a ser de notificão obrigatória, entre elas: “febre amarela, peste, cólera, varíola,
impaludismo, lepra, tifo e tuberculose”, pois as mesmas pela sua virulência ofereciam
riscos iminentes à população, haja vista que eram contagiosas e, naquela época, de difícil
restabelecimento (1985, p. 72).
Retratando a realidade social da época Aluísio de Azevedo (1857-1913) ilustra a
aglomeração urbana e algumas conseqüências deste panorama:
Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. [...] onde se
dependurou uma lanterna amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta
encarnada e sem ortografia: ‘Estalagem de São Romão. Alugam-se
casinhas e tinas para lavadeiras’. As casinhas eram alugadas por mês e as
tinas por dia; tudo pago adiantado. O preço de cada tina, tendo a água,
quinhentos réis; sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham
preferência e não pagavam nada para lavar. [...] E naquela terra
encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a
minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, que
parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se
como larvas no esterco (AZEVEDO, 1988, p. 13).
Reiteramos que a preocupação com a higiene se fazia bastante pertinente e que
quase não havia o que ser questionado sobre a necessidade de prevenção às doenças
contagiosas. Porém, atentamos para o fato que esse ensino dogmático apregoado por
Manoel Bomfim ia muito além dos hábitos de higiene sica. Também o o
questionamento sobre as leis ou preceitos de higiene eram transpostos para outras questões,
como a disciplina, por exemplo: ao se reportar à questão da disciplina ou como ele
denominava, à “lei moral”. Nessa direção ele salienta:
Permittir que a criaa argumente, ou refute as raes do dever, equivale
a admittir a falta no cumprimento delle. Isto não quer dizer obediencia
cega, si o que o dever se baseia em sentimento: affirma-se o dever
infundindo-se o respectivo sentimento; e, uma vez que este se estabeleça,
não ha o que discutir (p. 394).
Como meio de alcançar a disciplina propunha o convencimento da criança através
de argumentos pautados em prinpios que a fizessem sentir-se bem ao realizar a ão
desejada. Com isso, supunha ele garantir a solução para os impasses e a ausência de
questionamentos ou oposição por parte da criança.
3. 1 - A higiene como necessidade histórica
À temática da higiene Manoel Bomfim também inclui os critérios de escolha da
localização das escolas, a conformação do espaço físico e as condições ambientais.
Segundo ele, a localização das escolas deveria atender a critérios que vão ao encontro das
necessidades da população. Nesse sentido, menciona detalhadamente quais deveriam ser os
critérios de escolha e as condições ideais para a implantação de uma unidade escolar:
A Escola tem sempre uma situação central; nas grandes cidades, as
escolas se dispersam pelos bairros, servindo a cada um delles, de tal
modo que os alumnos não tenham de fazer longos caminhos. De qualquer
modo, satisfeita essa primeira necessidade, convem attender ás exigencias
especialmente hygienicas, e escolher o local: salubre quanto ás
qualidades do solo, secco, bem arejado, illuminado, livre das poeiras e
dos rumores da rua. Isto se de obter, mesmos nos quarteirões
populosos, desde que se prefiram as ruas transversaes, menos transitadas,
e que se construam os predios escolares bem para dentro da fachada da
rua. Não ha nenhuma vantagem em abrir a escola directamente para a via
publica. Pelo contrario – só ha desvantagem. No interior do terreno,
afastada, isolada das outras habitações, separada da rua por um muro de 2
e mais metros, a Escola está inteiramente abrigada de todos os elementos
nocivos poeiras e rumores, sem deixar de servir convenientemente á
população (p. 58-59).
É também meticuloso quanto às recomendações sobre as condições ambientais
adequadas do espaço escolar. Sobre elas aconselha:
Si o terreno o permitte se ha espaço, convem cercar o predio escolar de
arvores, que o abriguem, sem que o abafem. Em nosso clima, a arvore é o
mais salutar dos temperantes para a habitação. Attenua a crueza da luz,
mantem a pureza do ambiente, drena o solo, protege contra as intemperies
contra as rajadas frias e contra os mormaços escaldantes. Si ha
possibilidade de orientar livremente o predio, convem dirigil-o para E. e
expol-o francamente ás brisas matinaes (p.59).
Para Bomfim, os preceitos de higiene interessam particularmente à pedagogia pois
esta “inspira-se directamente na Hygiene, não para formular o programma de Educação
physica, como para organisar as condições materiaes da vida escolar, a instituir o regimen
de trabalho para os alunnos” (p.58).
Outros integrantes da LBHM também demonstravam preocupações com tais
questões, indicando que tais preocupações faziam parte das ações desenvolvidas pela Liga.
Na I Conferência Nacional de Educação, Ribeiro (1927, p. 478) ao se referir à inspeção
feita em internatos de São Paulo declara que o referido trabalho tinha o objetivo de
“despertar a atenção dos nossos educadores para uns tantos problemas escolares de ordem
sanitária que ainda não tiveram, entre nós, as atenções de que são merecedores”. Sobre o
espaço físico destinado a cada aluno recomenda:
procuramos estabelecer a relação entre os espaços de que deve dispor um
indivíduo para assistir higienicamente a uma aula e a um recreio [...] os
números indicados pelos higienistas: Erismann pede 1,48 m
2
por aluno;
Baginsky, 1,10 m
2
por aluno;[...] A média desses números é 1.16 m
2
por
aluno (p. 499).
Nestes aspectos específicos, suas preocupações em atender às exigências das regras
de higiene e salubridade do ambiente são perfeitamente justificáveis, pois naquele
momento havia a necessidade de se atentar para tais questões assim como atualmente ainda
há preocupações com situações similares, como por exemplo, em relação ao número
adequado de pessoas que determinados espaços físicos comportam.
Saindo das queses particulares e enfocando os aspectos gerais, a história nos
mostra que no início do Brasil República, pelas condições sociais desencadeadas pela
industrialização crescente, passou a ocorrer o interesse por parte dos dirigentes
republicanos em desenvolver um projeto de controle higiênico amparado pela proliferação
das tecnologias médico-sanitárias e pelo trabalho de especialistas (sanitaristas) que
investigavam sobre “a saúde dos imigrantes, a situação sanitária dos portos, o dia-a-dia das
cidades, a higiene infantil, os hábitos e costumes populares, a eugenia ou ‘ideal de
branqueamento’ do povo brasileiro, o trabalho fabril, o mundo do crime, etc”. Esse
discurso médico-higiênico forneceu respaldo ao início do processo de transformação
política e econômica da sociedade brasileira, que estava passando a ser uma economia
urbano-comercial e expressando o pensamento de uma elite dominante que queria
modernizar o país” (grifo nosso, SILVA, 2000, p.117).
Parece evidente que a solução estaria em sanear, ou seja, eliminar as causas do
males que assolavam a população, promovendo a melhoria das condições de vida das
camadas sociais mais desassistidas economicamente. Porém, as medidas adotadas não
priorizavam os fatores intrínsecos ao surgimento das doenças como as péssimas condições
de moradia, a falta de alimentação adequada, a extensa jornada de trabalho sob condições
insalubres e a exploração pelo trabalho, inclusive pelo trabalho das mulheres e dos
menores de idade.
Versando sobre a adoção de práticas de higiene como recurso para o combate as
doenças, desenvolvidas com o surgimento da microbiologia Boarini (2003) delineia que a
falta de acesso à higiene o necesria à vida tornou-se um álibi para justificar as
péssimas condições de saúde da população trabalhadora. Assim a combinação doença-
pobreza vai se constituindo em terreno fértil para o surgimento do mito: a pobreza e a falta
de higiene d decorrente passa a ser a causa da doença (grifo nosso). E, com esta
explicação, foi surgindo a “educação hignica” como pretensa solução para tais impasses.
Frente a isso passam a ser constituídas “as grandes cruzadas em prol da higiene: higiene
escolar, higiene social, puericultura, higiene mental, educação física, educação sanitária
etc” (p. 35-36).
Boarini (2003) ainda salienta que a higiene como necessidade forjada no âmago do
desenvolvimento da civilização sob pena de inviabilizar o processo de exisncia dos
indivíduos se tornou um imperativo à medida que a convivência social tornou-se mais
próxima e intensa entre os homens. Todavia, para que se possa obter alguns benesses
relacionados com a existência de hábitos de higiene (entre eles, asseio corporal e do
ambiente, bem estar físico, ausência de certas doenças) faz-se necessário obter o acesso a
práticas higiênicas, como: saneamento básico, salubridade do ambiente, alimentação
adequada, boas condições de trabalho etc. Por outro lado, sem que tais condições estejam
atendidas, ou seja, estejam disponíveis, torna-se paradoxal imputar ou culpabilizar o
indivíduo pela falta de zelo com sua saúde e pela sua vulnerabilidade às doenças. Através
dessa forma de pensar,
Nega-se que a natureza do indivíduo é vulnerável às condições precárias
vividas socialmente. Nega-se o fato de que a viabilização da higiene não
é apenas uma questão de desejo particular de cada um. Nega-se a
diferença de recursos dos diferentes segmentos da sociedade. Nega-se,
enfim, a diferença entre classes sociais. Na lógica dessa negação, a alta
incidência de mortalidade infantil ocorre porque o indivíduo é pobre e
não conhece os preceitos de higiene. Nesse caso, a educação é o
caminho” (grifo nosso, p. 36).
Nesse sentido, higienizar passou a ser sinônimo de resolver as queses sociais que
ideologicamente passam a ser atribuídas à sua ausência. Assim, a falta de acesso aos bens
produzidos socialmente (saneamento básico, alimentação adequada, condições de trabalho
dignas, etc) que levava a imensa maioria da população a adoecer passa a ser justificada
pela falta de higiene por opção, como causa de muitas moléstias.
Nesse contexto, a educação escolar foi se constituindo como um dos importantes
caminhos trilhados pelos higienistas para sanear o corpo e também os comportamentos
considerados inadaptados socialmente.
3. 2 - O espaço escolar como local de formação de hábitos de higiene
Para Manoel Bomfim, trabalhar preceitos e regras de higiene no contexto escolar
parecia de fundamental importância. E de fato o eram, haja vista que naquele momento
histórico as condições sociais demandavam tais conhecimentos e tais práticas.
Suas preocupações eram ainda mais acentuadas quanto à constituição física do
prédio escolar, a adequação do material escolar e a disposição de horários de estudo por
faixa etária. Com referência ao prédio escolar, versava ele:
A disposição e distribuição interna das diversas salas e dos outros
compartimentos obedecem a condições hygienicas e condições
pedagogicas. É indispensavel que todas as salas sejam bem illuminadas,
offereçam facilidade de entrada e sahida dos alumnos, e se prestem a uma
fiscalização efficaz. Quanto á illuminação, é preferivel que a luz directa
tenha entrada por um lado, um tanto por cima, por meio de janellas
largas, que se abram bem no alto, munidas de parasol ou de persianas,
para o caso de ser preciso proteger o interior da sala contra os raios
directos.... A cubagem da sala de aula se calcula de modo que a cada
alumno corresponda, pelo menos, 5 metros cubicos; e como a frequencia
media das classes primarias não deve exceder de 35 crianças, num predio
que tenha 4 metros de direito, as salas de aula não podem ter menos de
40 metros quadrados de superficie. É necessario fazer renovar
frequentemente o ambiente das salas. ... Essa renovação do ar realisa-se
mais facilmente si as salas dão internamente para halls, em vez de
communicarem simplesmente com corredores. Esta questão tem uma
grande importancia, não para a hygiene, como, principalmente, para a
disciplina e a ordem os trabalhos escolares. o esqueçamos que o
movimento dos alumnos (principalmente as sahidas), se faz em conjunto,
donde resulta que a casa da escola deve ser disposta de tal ordem que os
locaes para onde se abrem as salas tenham uma capacidade quase egual á
das salas; de outro modo, have atropello, agglomeração, desordem (p.
59-60).
Suas recomendações quanto ao material escolar se referiam basicamente aos
bancos-carteiras e aos livros. Para ele os bancos-carteiras deveriam satisfazer as seguintes
prescrições higiênicas e pedagógicas:
a) ser proporcionada á estatura do alumno, de modo que lhe permitta uma
attitude natural, confortavel; b) ter a banqueta disposta de modo a não
exigir desvio ou inclinação forçada no busto, no ler ou no escrever; c)
offerecer facilidade aos movimentos de entrada e sahida dos alumnos
para os bancos; d) ser solido, pesado e simples; e) ter a banqueta presa ao
proprio banco, e ser para “um” alumno, de modo que este fique isolado,
com o seu banco e a sua carteira (p.61).
Citando a Escola Nilo Peçanha do Rio de Janeiro, Vidal (2000, p. 499-500) relata
que em 1911 a mesma contava com bancos-carteiras em geral importados, preceituados em
“proporcionalidade à estatura do aluno e fixas no chão para evitar a mobilidade da
criança”. Esta devia manter-se em “posição rígida” em decorrência de “prescrições
higiênicas” e também fazer uso de “ardósias para a aprendizagem inicial do escrever”.
Outras preocupações de Bomfim em relação ao material escolar seriam quanto a
“disciplina, conservação e preço dos mesmos, haja vista que
para facilitar o movimento dos alumnos e garantir a ordem, convem que,
ou o banco, ou a carteira, seja movel; a carteira movel seria mais pratico
quanto ás entradas e sahidas: mas é inconveniente quanto á disciplina,
pois permitte á criança levantar e mover a banqueta durante a lição. Os
bancos-carteiras para “um” alumno favorecem a bôa ordem, e garantem
mais a disciplina que os bancos duplos; o mesmo acontece com os
bancos-carteiras onde a carteira esta preza ao proprio banco. Os bancos
pesados e simples são convenientes no ponto de vista da conservação, do
preço e da disciplina; o banco-carteira complicado, carregado de
accessorios, tenta a criança, desvia-lhe a attenção e deteriora-se mais
facilmente (p.63-64).
Quanto aos livros suas “prescripções hygienicas” se referiam às dimensões das
letras e a cor do papel, sendo que este deveria ser de côr um tanto amarellada” e aquelas
de tamanho compatível com a faixa etária da criança, sendo maiores para as crianças das
classes elementares e mais miúdas para as classes superiores (p. 64).
Sobre o tema da disposição de horários de estudo, Bomfim o trata com cuidado e
preocupação, pois o considera fundamental para o bom aproveitamento das lições”. E
para isso ampara-se também na higiene, acentuando que:
Na organisação de horário é preciso attender de modo especial: á duração
que devem ter as lições, ao numero de horas de trabalho mental que a
criança póde dar por dia, ao numero de horas que deve passar na escola, á
relação dos intervalos ou repousos entre as lições, e á alternancia de
trabalhos praticos e trabalhos theoricos (p. 64-65).
Delimita também a duração das lições segundo as faixas etárias e a ordenação das
classes, sendo de menor duração para as classes elementares e de maior duração para as
classes superiores. Quanto ao tempo das lições, faz uma recomendação especial sobre o
intervalo necessário entre as mesmas. Acentua que tal intervalo é necessário “não para
repouso hygienico, como para organisação e assimilação dos conhecimentos adquiridos na
aula”. Adverte que uma lição dada após outra “é uma das causas de estafa, porque é muito
maior o esforço que o alumno tem de desenvolver para manter-se attento, quando ainda se
sente fatigado da lição anterior”. Sendo assim, lições seguidas poderiam “perturbar toda a
instrucção”. (p.66-67).
A preocupação com o aspecto de distribuição de classes por níveis também é
ressaltada por outro higienista, o médico Henrique Roxo ao tratar sobre o tema da hygiene
mental. Abordando o tema inclui:
A distribuição das classes por este feitio gico e scientifico não visa
unicamente o melhor aproveitamento dos escolares e sim um meio de
evitar que a criança se enerve, já no afan de hombrear com as mais
evoluidas, no receio das censuras ou castigo das professoras. Nessa
ocasião é a excitação nervosa de cada dia que vai condicionar um estado
de desequilibrio nervoso, o qual póde mais tarde culminar no
desenvolvimento de uma psychopathia (1925, p.05).
Estas preocupações se assentam em alguns prinpios considerados pertinentes na
época. Muitos deles ainda são considerados apropriados a o momento atual, como a
questão da preocupação com a postura corporal adequada ao sentar-se, por exemplo.
Outras recomendações, como o descanso entre as lições, sob pena de ocorrer a
“perturbação de uma lição sobre a outra” ou a necessidade de se deixar “ao espírito um
período de repouso relativo entre uma e outra lição são princípios passíveis de
questionamento na atualidade.
Sobre a necessidade do ensino de preceitos de higiene como matéria de estudo,
outros trabalhos podem nos indicar que muitas questões se faziam presentes justificando
essa necessidade na transição do Império para a República. Uma das teses mais prementes
no final do Império era a preocupação com a higienização dos espaços públicos e privados
e, entre eles a escola. Além dos educadores, outros elementos da sociedade, como por
exemplo, os membros da Academia Imperial de Medicina (AIM)
24
também demonstravam
tal preocupação. Em 1872, o Dr. Luiz Corrêa de Azevedo descreve a cidade do Rio de
Janeiro como “mal delineada, mal construída, mal ventilada, úmida, quente, fétida,
insalubre, de arquitetura mesquinha e defeituosíssima no tocante aos trabalhos de higiene
pública, polícia médica e educação higiênica” e conclui que a falta de higiene dos colégios
estava deflagrando “a destruição do physico e do moral da mocidade” (apud GONDRA,
2000, p. 530). Nesse sentido o mesmo médico denuncia veementemente:
Oh! Não. Homens da época e do Brazil, não consintais que o collegio seja
uma perigosa banalidade industrial. Fazei delle um seio de educão e de
sãos principios de instrucção; fazei dos pequenos pensadores uteis e
esforçados e, das meninas uteis mulheres mãis do futuro, is que
resgatem a maternidade da criminosa indolencia em que jaz. Dissestes um
dia que no Brazil, dahi em diante, ninguem mais nasceria escravo: pois
bem; sede coherentes: Salvai na pia da familia e na pia da escola esses
christãos, escravos da ignorancia e da prejudicialissima falta de
principios sãos de educação (grifo nosso, AZEVEDO, 1872 apud
GONDRA, 2000, p. 530).
Como preocupação coletiva visando o bem estar da coletividade, as medidas
sanitárias são um recurso fundamental para prevenir o contágio por determinadas doenças.
Nesse caso, como expressão de uma necessidade histórica, no início do Brasil República
tais medidas foram sendo intensificadas. Porém, a existência de tais medidas passaram
pouco a pouco a ser justificadas como decorrência de fatores inerentes à constituição
24
A Academia Imperial de Medicina (AIM) foi fundada em 28 de maio de 1829 com o nome de Sociedade
de Medicina do Rio de Janeiro passando a denominar-se Academia Imperial de Medicina em 28 de fevereiro
de 1835. Atualmente é denominada de Academia Nacional de Medicina, com sede ainda no Rio de Janeiro.
(BARSA, 1978).
biológica do ser humano e, o como fenômeno inerente a uma realidade social específica,
como foi o contexto social caracterizado pelos movimentos republicano e abolicionista no
final do século XIX e, o processo de industrialização e urbanização decorrentes das
mudanças no modelo econômico desencadeadas por esses movimentos. Nesse sentido,
como expressão de uma época de grandes mudanças sociais, várias teorias cienfico-
filosóficas estariam e em ascensão em função da expansão do ideário da sociedade
burguesa para o qual o evolucionismo
25
e o positivismo
26
passaram a se fazer presentes.
Através de tais doutrinas passou a se instaurar a crença, cada vez mais arraigada, de que as
leis biológicas explicariam a conduta e a evolução da sociedade humana. Assim, nesse
contexto de crise o indivíduo passou a ser responsabilizado pelos acometimentos
justificados como sendo devido à sua constituição genética ou à sua condição biológica
desfavorável.
Tecendo severas críticas a estas explicações do comportamento humano guiadas
pelos ditames das ciências da natureza Machado de Assis (1839-1908) satiriza o
positivismo exacerbado e relativiza as verdades científicas de seu tempo:
Meus senhores, antes de comunicar-vos uma descoberta, que reputo de
algum lustre para o nosso país, deixai que vos agradeça a prontidão com
que acudisses ao meu chamado. [...] Minha descoberta não é recente; data
do fim do ano de 1876. Não a divulguei então, - e, a não ser o Globo,
interessante diário desta capital, não a divulgaria ainda agora, - por uma
razão que achará fácil entrada no vosso espírito. Esta obra de que venho
falar-vos, carece de retoques últimos, de verificações e experiências
complementares. Mas o Globo noticiou que um sábio inglês descobriu a
linguagem fônica dos insetos, e cita o estudo feito com as moscas.
Escrevi logo para a Europa e aguardo as respostas com ansiedade. Sendo
certo, porém, que pela navegação aérea, invento do padre Bartolomeu, é
glorificado o nome estrangeiro, enquanto o do nosso patrício mal se pode
dizer lembrado dos seus naturais, determinei evitar a sorte do insigne
Voador, vindo a esta tribuna, proclamar alto e bom som, à face do
universo, que muito antes daquele sábio, e fora das ilhas britânicas, um
modesto naturalista descobriu coisa idêntica, e fez com ela obra superior.
Senhores, vou assombrar-vos, como teria assombrado a Aristóteles, se lhe
perguntasse: Credes que se possa dar um regime social às aranhas?
Aristóteles responderia negativamente, com vós todos, porque é
impossível crer que jamais se chegasse a organizar socialmente esse
articulado arisco, solitário, apenas disposto ao trabalho, e dificilmente ao
amor. Pois bem, esse impossível fi-lo eu.[...] Ouço um riso, no meio do
sussurro de curiosidade. Senhores, cumpre vencer os preconceitos. A
25
Para uma compreensão mais abrangente sobre este tema a leitura de Darwin (1994) é muito importante.
26
A premissa sica do positivismo criado por Auguste Comte (1798-1857) é a defesa da tese de que o único
meio de atingir o conhecimento válido é a observação, a experimentação e a comparação.
aranha parece-vos inferior, justamente porque não a conheceis.[...] Sim,
senhores, descobri uma espécie araneida que dispõe do uso da fala; coligi
alguns, depois muitos dos novos articulados, e organizei-os
socialmente.[...] E fi-lo, notai bem, vencendo dificuldades aspérrimas
com uma pacncia extraordinária. Vinte vezes desanimei; mas o amor da
ciência dava-me forças para arremeter a um trabalho que, hoje declaro,
não chegaria a ser feito duas vezes na vida do mesmo homem (ASSIS,
1994, p. 53-55).
3. 3 - A higienização de outros espaços urbanos
O médico, Dr. Moncorvo Filho
27
, em 1901 chamava atenção para a necessidade da
higiene como forma de atender as questões de ordem naquele momento:
De hoje em diante ficais sabendo que a higiene é a parte da medicina que
cuida da saúde de pessoas, estabelecendo regras do modo de viver com
cuidados imprescindíveis sobre a habitação, a alimentação, o vestir, o
dormir, a educação, etc (apud RAGO, p. 117).
Esta orientação formulada no início do século XX indica a exisncia de uma
preocupação com cuidados de saúde das novas gerações. Tal preocupação não é original,
embora bastante em voga nesse período. Relatos sobre a necessidade da manutenção da
saúde da população e das novas gerações são relativamente freqüentes na literatura
produzida ao longo de todos os tempos. Desde a Grécia Antiga, com Hipócrates, o Pai da
Medicina, até a época atual com a engenharia genética busca-se zelar pela saúde das novas
gerações. E isso o ocorre ao acaso e sim como conseqüência histórica das necessidades
humanas geradas na forma de organização das relações sociais construídas através da
produção da vida material. Pom, o surgimento de uma preocupação mais sistematizada
com o estudo dos fenômenos da hereditariedade e do aparecimento das doenças e da
prevenção às mesmas pode ser circunscrito ao advento da Modernidade
28
.
27
O dico, Dr. Moncorvo Filho, fundador e diretor do Departamento da Criança do Brasil, o qual fora
criado em 1/3/1919, ao escrever a obra História da protão à infância no Brasil (1500-1922), apóia-se em
Carneiro Leão, 1917, para confirmar o persistente quadro de abandono e ineficia da instrução primária no
Brasil, o qual, segundo ele, modifica-se com a criação da Escola Normal no Rio de Janeiro em 1881. Para
ele, datava daquele momento uma “nova era para o nosso paiz, porque até então o ensino popular quase se
cingia á uma simples e mal orientada leitura e peior escripta, as quatro operações e um grande apuro no
connhecimento do cathecismo” (GONDRA, 2000, p. 544).
28
Rosen (1994) aborda esse tema através de um estudo sobre a preocupação com a saúde e a constituição de
Sistemas de Saúde em diversas épocas.
Também preocupado com tais questões Manoel Bomfim enuncia, quanto às regras
de higiene:
São preceitos praticos quanto à hygiene da alimentação, dos abrigos,
dos vestuarios, da habitação... quanto á influencia dos agentes e das
causas naturaes luz, ar, água, solo, clima, estações; quanto ao contagio e
á necessidade do asseio... A isto se juntam algumas indicações e alguns
conselhos, a proposito das molestias mais communs e de intervenções
urgentes... (p. 57).
Suas recomendações são bastante pertinentes, pois, os cuidados com o asseio e a
prevenção de moléstias eram imperativos pois muitas doenças contagiosas assolavam a
maior parte da população.
Ilustrando esta questão, Costa (1985) explica que até o final do século XIX, no
Brasil, havia a predominância das chamadas doenças pestilenciais, como a varíola e a febre
amarela. Após 1860 os registros de mortalidade passaram a indicar que os óbitos por
tuberculose, febre amarela e malária atingiam índices elevados no Rio de Janeiro. Ele
enfatiza ainda que as práticas sanitárias até eno existentes no Brasil se baseavam em
modelos europeus
29
. Sendo assim, as doenças eram tratadas sem aparato cienfico capaz
de diminuir os índices de morbidade e mortalidade decorrentes das epidemias que, pouco a
pouco, se alastravam pelo país. De forma geral,
Até meados do século XIX, os problemas de higiene ficavam sob
responsabilidade das autoridades locais que tomavam medidas contra a
imundície das ruas e quintais. A assistência médica à população pobre e
indigente ficava sob responsabilidade da iniciativa filantrópica de figuras
de importância econômica e social, e de instituições beneficentes, ligadas
à Igreja Católica, como a Santa Casa de Misericórdia. A parcela restante
da população se socorria dos médicos existentes, ou então, de cirurgiões,
barbeiros, sangradores, empíricos, curandeiros, parteiras e curiosas
(COSTA, 1985, p. 34).
Esse precário quadro sanitário foi sendo acirrado e tomando grandes proporções nas
primeiras décadas do século XX. A epidemia de gripe espanhola ocorrida no Rio de
Janeiro em 1918 demonstra essa situação: “Os jornais noticiavam o dia 22 [de outubro]
como um dia de angústia: na véspera a epidemia causara mais de quinhentas mortes”
(COSTA, 1985, p. 89).
29
Esse modelo era baseado na teoria dos miasmas através da qual acreditava-se que os surtos epidêmicos de
doenças infecciosas seriam causados pela putrefação da matéria animal e vegetal e pelas águas paradas que
emanavam odores para a atmosfera (ROSEN, 1994).
Juntamente com as doenças a situação de fome e miséria da classe trabalhadora
também era desvelada, configurando-se como fatores determinantes daquelas:
‘As zonas onde m havido maior número de falecimentos são as
compreendidas entre o Engenho de Dentro e Realengo, justamente
aquelas que até agora estão desprovidas de recursos médicos,
farmacêuticos e alimentares. Nessas localidades reside a maioria da nossa
população proletária. Nos tempos normais as populações nesses
subúrbios sofrem sérias privações com o encarecimento da vida, avalie-se
no momento atual o que de doloroso não se passa naqueles modestos
lares. A epidemia, a fome e a falta de recursos médicos invadiram as
habitações proletárias de tal modo que quem de perto observa esse
espetáculo doloroso pode ter a impressão real da calamidade que vai
pelos surbios desta capital’ (GAZETA DE NOTÍCIAS, 25 de outubro
de 1918, apud COSTA, 1985, p. 90).
Assim, pelo número de mortes em um dia e pelo fato de a grande maioria das
pessoas vitimadas pertencerem às camadas pobres da população é possível perceber que o
processo de industrialização/urbanização trouxe conseqüências bastante funestas para este
segmento da sociedade.
Esse contexto de incertezas quanto à duração da própria vida em função dos
infortúnios causados pela iminência das doenças - quase sempre fatais - se refletia também
na produção literária. Os versos de Manoel Bandeira (1886-1968) revelam sua
preocupação com o tema da doença e da morte e sugerem a impotência da medicina da
época ante a possibilidade de morte.
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
.......................................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino
(BANDEIRA, 1993, p. 93).
Esse panorama vai ser lentamente modificado somente depois de transcorrido o
período de transição do culo XIX para o século XX quando medidas mais consistentes
em torno de queses de saúde da população passam a ser implantadas em função do
acirramento dos problemas sanitários e da mortalidade por moléstias até então incuveis.
Porém, antes disso, muitos agravos ceifavam cotidianamente a vida de pessoas
principalmente das camadas mais pobres da população
30
.
Demonstrando preocupação também quanto a manutenção da saúde e a defesa do
organismo contra as doenças, Manoel Bomfim recomenda: “desde que o organismo se
apura e se reforça, resiste melhor ás causas nosológicas; assim como preparando-se para
bem resistir a essas causas, o organismo ao mesmo tempo se reforça e se apura” (p. 55).
Em função do grande peso atribuído ao processo saúde/doença naquele período de
incipiente industrialização, consideramos necessário abordar um pouco mais detidamente o
contexto social brasileiro, contexto este no qual Manoel Bomfim produziu suas idéias e
ofereceu suas contribuições. Assim, buscamos ressaltar mais algumas questões referentes
ao cenário econômico, político e social do Brasil nas primeiras cadas do século XX.
Nesse sentido, abordamos a questão da higienização das cidades e as questões políticas e
sociais em voga no período.
3. 4 - A higiene enquanto potica pública
O período conhecido como Primeira República (entre 1889 e 1930) foi marcado por
um considerável desenvolvimento da indústria brasileira que se concentrou principalmente
nos Estados de o Paulo e Rio de Janeiro. Nessa época o Brasil se caracterizava como
um país de grandes contrastes. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro tinham realidades
diversas daquela em que vivia a população das zonas rurais. O crescimento populacional
dessas cidades ou a urbanização desencadeou fortes efeitos sociais gerando conflitos de
ordem sanitária com sérias conseqüências para a população, especialmente para as
camadas mais pobres. No Rio de Janeiro havia o investimento em saneamento e infra-
estrutura na região central onde residia a população de melhores condições econômicas.
Porém, nas regiões afastadas da parte central e na região portuária as condições de higiene
e salubridade eram precárias. O lixo exposto e o esgoto a céu aberto favoreciam a
proliferação de ratos e mosquitos que transmitiam peste bubônica e febre amarela. Doenças
30
Como exemplo de dados de mortalidade nesse período temos os índices de mortalidade por peste na
cidade do Rio de Janeiro no ano de 1903 era de 48,74 por 100.000 habitantes baixando ano 1920 para 0,09;
dados de mortalidade por varíola também do ano de 1903, sendo 137,44 por 100.000 habitantes baixando no
ano de 1920 para 7,04. (COSTA, 1985, p. 63-65).
como a varíola também fazia inúmeras vítimas fatais (CARMO e COUTO, 1994, p.64).
Visando combater tais problemas de saúde pública, em 1904, no governo de Rodrigues
Alves (1902 a 1906) foram determinadas medidas de higienização da cidade viabilizadas
através da demolição de habitações coletivas e abertura de grandes avenidas visando
promover a circulação do ar, o que na opinião dos médicos higienistas diminuiria a
incidência de doenças contagiosas. Como medida desse processo de limpeza foram
tomadas medidas para vacinar a população contra a varíola. Essa medida gerou grande
revolta na populão que ficou conhecida como Revolta da Vacina
31
. Essa inquietação
popular e a heterogeneidade cio-cultural tiveram como importante elemento
impulsionador o processo imigratório
32
que foi mais forte entre 1888 e 1914 (NAGLE,
1976, p. 23-24). Nesse contexto a imigração
foi elemento importante na alteração do mercado de trabalho e das
relações trabalhistas, e representou nova modalidade de força de trabalho,
qualitativamente diferente daquela formada nos quadros da produção
escravagista. Este fato vai explicar o aparecimento dos novos
sentimentos, idéias e valores no processo de integração social (NAGLE,
1976, p.24).
Em meio a impasses sociais e à industrialização incipiente, o aumento do número
de indústrias levou ao crescimento da classe operária que passou a representar um novo
31
Em outubro de 1904, como parte do processo de higienização, Pereira Passos o então prefeito do Rio de
Janeiro nomeou o médico sanitarista Osvaldo Cruz para chefiar o trabalho de combate às epidemias. Uma de
suas primeiras medidas foi iniciar a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola. A população que
vinha sendo atingida pela política econômica do governo, que gerara desemprego e carestia, revoltou-se
ainda mais e passou a protestar contra a vacinação. Esse levante popular quase resultou na queda de
Rodrigues Alves. A multidão foi às ruas e incendiou bondes e depredou lojas. Em 5 de novembro Vicente de
Souza, líder do Centro das Classes Operárias, fundou, com o apoio dos positivistas, a Liga Contra a
Vacinação Obrigatória. No dia 13 de novembro o governo decretou o estado de sítio, lançando suas tropas
contra os bairros pobres, segundo informa José Maria dos Santos em A Política Geral do Brasil: “Sem direito
a qualquer defesa, sem a mínima indagação regular de responsabilidades, os populares suspeitos de
participação no motim daqueles dias começaram a ser recolhidos em grandes batidas policiais. Não se faria
distinção de sexos nem de idades. Bastava ser desocupado ou maltrapilho e não provar residência habitual,
para ser culpado. Conduzidos para bordo de um paquete (pequena embarcação) do Lóide Brasileiro, em
cujos porões já se encontravam a ferros e no regime da chibata os prisioneiros (do bairro) da Saúde, todos
eles foram sumariamente expedidos para o Acre” (grifo nosso, In: BRASIL 500 ANOS: 1892-1910, 1999, p
623).
32
Em sua obra A Emigração como força civilizadora (1979, p. 15) Eça de Queiroz apresenta um relatório
sobre a emigração ocorrida ao longo do século XIX aos países novos de forma “individual, espontânea, livre,
protegida pelas leis, organisada por associações, com causas puramente econômicas, com um fim meramente
agrícola ou industrial”. Nesse relatório o autor faz um apanhado sobre o contexto econômico e sócio cultural
dos diversos países que receberam imigrantes, bem como as condições em que estes foram recebidos e
inseridos nesses contextos.
segmento em luta no conjunto da sociedade brasileira
33
. Esse novo segmento foi sendo
formado principalmente pela participação de imigrantes europeus e ex-escravos. Pois,
embora o Brasil continuasse sendo um país essencialmente agrícola e dependente da
exportação de produtos primários como o café, lentamente a atividade industrial foi se
desenvolvendo e forjando com ela novas conformações sociais.
Essas novas conformações sociais trouxeram agravos que refletiam não a
proliferação de doeas pela ausência de medidas de higiene e assepsia, mas por falta de
resistência física a elas, haja vista que a mão de obra operária mostrava-se debilitada pelas
longas jornadas de trabalho e pelo estado de miséria a que estava submetida.
‘O alcoolismo, o ar confinado das oficinas, das miseráveis habitações
sem luz e sem conforto, impregnadas de poeiras, de resíduos químicos, de
filamentos de algodão, de cânhamo, de metais e carvão pulverizados, o ar
agitado e rodopiante em colunas, em lufadas girando pela força dos
ventiladores elétricos; o trabalho exaustivo na tarefa diária, nos serões,
nas noites brancas; a exígua remuneração nos plantões esmagadores e
noites mal dormidas; as esfalfantes caminhadas das oficinas para
longínquas habitações de aluguéis módicos; o frio intenso, os aniquilantes
calores estivais; as privações de alimentação bastante à nutrição e de boa
qualidade; a miséria, enfim, a fome são os principais fatores da pior das
endemias reinantes, a tuberculose(RODRIGUES, 1972 apud COSTA,
1985, p. 82).
Não demonstrando preocupação com a necessidade de braços fortes para o trabalho,
Manoel Bomfim (p. 70) ao tratar do desenvolvimento físico da criança desestimula o uso
da força muscular. Reportando-se a este aspecto, recomenda: “De todas as formas puras de
energia que o homem póde produzir, é essa a menos importante. O trabalho humano é
caracterisadamente o trabalho intelligente e methodico. Mesmo para os productos
manuaes, a força muscular é um simples instrumento da intelligencia: é necessaria, mas
não é o essencial”.
33
Em junho de 1917 operários do setor xtil da cidade de São Paulo iniciaram uma greve que reuniu cerca
de 6 mil trabalhadores. O movimento foi reprimido pelo policiamento do governo paulista. Policiais atiraram
contra uma passeata e um operário foi morto. A greve generalizou-se, com a paralisação de mais de 70 mil
operários. Entre suas principais reivindicações estavam: a redução da jornada de trabalho para oito horas
diárias, 35% de aumento para os salários mais baixos, proibição do trabalho de menores de 14 anos,
congelamento dos preços dos alimentos e redução de 50% nos aluguéis. Após um dia de paralisação algumas
reivindicações foram atendidas depois de negociadas. Operários de outros estados também entraram em
greve, levando o governo a aplicar a Lei Afonso Gordo (Lei de Expulsão dos Estrangeiros), de 1907, pela
qual todo estrangeiro que se envolvesse em movimentos sociais era expulso do Brasil. A lei serviu de
instrumento para enfraquecer a lideraa anarquista, formada em grande parte por italianos e espanhóis
(PETTA & OJEDA, 2003).
Porém, para a classe trabalhadora a ausência de força muscular representava a
ausência de trabalho e produção de sua sobrevivência. Portanto, para Manoel Bomfim, este
contexto social de utilização de esforço físico no trabalho era desconsiderado. Seu
pensamento demonstra a idéia de que o progresso almejado, não se faria às custas do
trabalho incessante e, muitas vezes desumano, da imensa maioria dos trabalhadores braçais
que vendiam sua força física para garantir as mínimas condões para sua sobrevivência.
3. 5 - Mudanças econômicas determinando novos impasses sociais
As transformações no modo de produção do trabalho repercutiam no modo de
produção da vida social. E a arte, mais uma vez, expressava essa mudança. Como exemplo
tomamos o escritor Lima Barreto (1881-1922) que refletia em suas produções algumas
questões em evincia na época. Nesse sentido, atento às transformações econômicas e
sociais em seu tempo ele retrata as mudanças ocorridas na vida da população em sua obra,
na qual, em uma das passagens, denuncia as péssimas condições de moradia da população
trabalhadora.
As casas de modos (quem as suporia lá!) constituem um deles bem
inédito. Casas que mal dariam para uma pequena família são divididas,
subdivididas, e os minúsculos aposentos assim obtidos, alugados à
população miserável da cidade. [...] Às vezes, num cubículo desses se
amontoa uma família, e há ocasiões em que os seus chefes vão a pé para a
cidade por falta do níquel do trem (BARRETO, 1987, p.60).
Dessa forma, ainda na década de 20, esse clima de insatisfação e de denúncia
cresceu muito porque a situação financeira do país se agravou. A superprodução do café já
não podia ser totalmente compensada pela compra de estoques que o governo fazia e os
preços de exportação estavam caindo no mercado internacional. Outros produtos de
exportação, como a borracha da Amazônia, também entraram em crise. A insatisfação se
intensificou e cresciam críticas, por parte dos setores da imprensa, sindicatos e até das
próprias oligarquias estaduais, contra os métodos eleitorais, contra a corrupção, o
empreguismo e o domínio de São Paulo e Minas Gerais sobre o país (CARMO e COUTO,
1994, p.80-81).
Esse descontentamento com as questões econômicas e o desejo de renovação
política também se fazia sentir – cada vez mais – no campo das artes. Pautados em
influências dos movimentos de renovação da arte européia, mas com a tentativa de criar
uma arte original e orientada para o novo, pintores, poetas e escritores, organizaram a
Semana de Arte Moderna
34
que aconteceu de 13 a 17 de fevereiro de 1922. Comentando
sobre esse evento Carmo e Couto (1994, p. 82) afirmam que a Semana “foi um escândalo.
A platéia, acostumada com os velhos estilos artísticos, nada entendia, achava tudo muito
absurdo e não tinha a menor idéia do grande alcance do movimento modernista. Foram três
dias de grandes vaias”. Como um dos modernistas, Mário de Andrade faz uma crítica
veemente ao modo como os brasileiros reproduziam o comportamento parisiense, em
desacordo com a realidade brasileira.
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curvas! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
(ANDRADE, 1980, p. 62).
Porém, enquanto alguns segmentos da elite intelectual questionavam os valores
europeizados e defendiam a valorização da arte nacional, a elite médica geralmente
buscava reforçar esses mesmos valores através da valorização da raça européia como
modelo biológico e moral ideal, a ser buscado para a população brasileira.
Em meio à ocorrência dessa efervescência de idéias, posicionamentos,
questionamentos de valores e movimentos sociais anunciando e denunciando a necessidade
de nossas formas de pensar as questões sociais e entre elas a educação, Manoel Bomfim
apregoa:
Ha, por toda a parte, inquebrantavel confiança na educação, confiança
tão profunda e natural que parece instinctiva. Paes e educadores estão
absolutamente convencidos de que os educandos conservarão as
modificações e os apuros que a educação lhes traz, e que as futuras
personalidades guardarão o proceder que lhes é incutido (grifos nossos, p.
47).
34
O movimento foi idealizado por artistas e intelectuais que tiveram contato com artistas europeus do
começo do século XX, dos quais receberam influências do Cubismo e do Futurismo. Os mais destacados
participantes da Semana de 1922 foram os escritores Menotti Del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de
Andrade, os pintores Di Cavalcanti, Anita Malfatti e Yan de Almeida Prado, os escultores Vitor Brecheret e
Wilheim Haarberg, e os compositores Heitor Villa-Lobos e Ernani Braga. A continuidade do movimento
agregou ao Grupo de 22 outros nomes de expressão na arte e na literatura, como Tarsila do Amaral e Patrícia
Galvão (Pagu). (PETTA & OJEDA, 2003, p. 233).
Possivelmente desconsiderando os conflitos e questionamentos sobre a realidade
existente e até buscando metodicamente perpetuá-la em seus aspectos conservantistas,
ainda propunha que “organisada a actividade psychica do individuo segundo um modelo
qualquer, a realidade do habito garantira no futuro a persistencia das praticas repetidas e
das normas estabelecidas” (p. 47).
Essa tônica de Manoel Bomfim educação como adaptação ao meio e às normas
estabelecidas assim como as formulações de demais higienistas, figuram entre as razões
da emergência do higienismo no Brasil, movimento que esteve fortemente presente nas
práticas médicas e educacionais propondo-se a orientar mudanças significativas nas regras
de convivência social nas primeiras décadas do século XX, com importantes
desdobramentos em décadas posteriores.
3. 6 - A busca da higiene moral
Consideramos até o momento que Manoel Bomfim produziu suas idéias e
concepções amparadas pelo saber das ciências da natureza que por sua vez embasaram os
ideais da Escola Nova que também foram referência para suas produções, antes mesmo de
serem consolidados como movimento de renovação educacional no Brasil. Consideramos
também que tais idéias (do higienismo e do escolanovismo) foram configurando-se como
recursos adotados frente ao acirramento das contradições sociais existentes na sociedade
no início do culo XX.
Desse modo, amparando-se em princípios de atenção à higiene física como
inspiração teórica, como regra prática Manoel Bomfim visava criar as condições favoráveis
à implantação do que valorizava como ideal educacional que, em sua essência, faziam
parte do pensamento dominante na época. Assim, além de considerar como conteúdo de
estudo o ensino da higiene como solução para os “males sociaes”, Bomfim defendeu
sistematicamente a necessidade de propiciar à criança a educação moral como meio de se
alcançar o progresso moral da nação.
Para ele, como condição básica do viver humano, a educação moral devia ser objeto
de estudo no espo escolar, pois “a moralidade é a consciencia que o individuo tem da
existencia da especie” (p.330). Dessa forma, no próximo capítulo estudaremos seu conceito
de educação moral e o alcance da mesma em sua proposta educacional.
FIGURA 7
Higiene mental não é distração. Não é vazio mental. Nada enche tanto como um coração
vazio! Veja a menina [...] Ela foi ao bosque. Contemplou. Olfactou. Deixou-se acariciar
pelo vento suave. Ouviu murmúrios serenos e pássaros alegres. Em sua inocência, captou
a presença inefável do Espírito Santo que enche o orbe da terra. Depois sentou. E
guardou tudo no seu coração.
Ovídio Zanini, 1977.
4 - EDUCAÇÃO MORAL COMO CONDIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
SOCIAL E BEM ESTAR PESSOAL
Toda civilização repousa sobre o cerebro e na
organisação atual, de grande e rapido progresso,
torna-se cada vez mais difficil a adaptação do
individuo ao meio, o que faz da hygiene mental
tão importante quanto a hygiene physica”.
A. C. Pacheco Silva, 1928
pontuamos que desde o final do século XIX e ao longo das duas primeiras
décadas do século XX foi se tornando cada vez mais freqüente o debate educacional em
torno da necessidade de se promover o acesso à escolarização básica. Nesse contexto,
Manoel Bomfim há muito chamava a atenção para a necessidade de investimento na
instrução pública e popular como condição de desenvolvimento social e progresso moral.
Em um discurso dirigido às formandas da Escola Normal em 1904, Bomfim cobra das
mesmas a busca de um ideal de progresso que as levaria a trabalhar em prol do
desenvolvimento social da nação, por ele considerada inferior e atrasada pela falta de
investimento na educação. Em suas palavras:
Somos educadores para dar à sociedade homens aptos e vigorosos,
de corpo e espírito, feitos para a justiça e para a razão [...] De nós
depende, principalmente o dar à instrução a proeminência que lhe
cabe entre as funções sociais, acentuando a sua importância,
conquistando, pela nossa tenacidade, as atenções e a cooperação
das outras frações do Estado, provando, pelos resultados obtidos, a
eficácia e influência do grande processo civilizador.[...] Ide,
serenas, mas entusiásticas, com os olhos nos vossos ideais,
alimentando-o no sentimento benfazejo de ver um povo redimido
por si mesmo, crescendo-o no desejo e na esperança de ver a nossa
pátria em ascensão indefinida para a justiça, para a beleza e para a
harmonia, cooperando ativamente para a definitiva emancipação
humana, na liberdade, na luz e na fraternidade (BOMFIM, 1904
apud AGUIAR, 2000, p. 276-277).
Esta forma de pensar demonstra ainda uma inabalável crença de que é através das
idéias que ocorrem as transformações sociais. Sendo assim, a crença de que estas
antecedem os fatos sendo, inclusive, as produtoras dos mesmos.
Tal pensamento se faz na contramão de uma análise pautada sob a perspectiva da
história, pela qual a essência humana é o resultado de relações sociais desencadeadas em
função de relações de produção da vida material. Outrossim, expressa um pensamento
através do qual os fatos históricos o interpretados como sendo leis da natureza e, onde
tais leis governam as ações dos homens.
Sendo assim, também em Lições de pedagogia Manoel Bomfim parece
desconsiderar o saber humano como produto histórico ou como produto da atividade
humana, pois denota uma visão a-histórica refletindo um pensamento pautado em uma
idéia de linearidade dos fatos segundo a qual estes já existem previamente e onde as novas
gerações são inseridas na dinâmica social através da educação para absorverem o
conhecimento produzido pelas gerações anteriores e reproduzirem-no ordenadamente,
sem questionamentos de preceitos ou introdução de novas contribuições.
Percebemos que essa visão naturalizada de mundo e que o papel por ele atribuído à
educação perpassam todos os capítulos de sua obra. Porém, quando trata da educação
moral fica mais evidente ainda sua concepção a-histórica e a crença na educação moral
como condição para o desenvolvimento pessoal e social dos seres humanos.
A preocupação com a questão da adaptação da criança ao meio é bastante presente
em sua obra. Em suas produções ele trata por inúmeras vezes dessa questão colocando-a
como condição sine qua nom para a saúde mental da criança e do futuro adulto. Inclusive
denomina o conceito de saúde mental como saúde moral e exemplifica:
A criança não poderá acceitar em consciencia aquilo que considera – vida
penosa e infeliz; ela quer ser feliz, e é preciso que se sinta feliz. A tristeza
na infancia é sempre sinistra e de máos auspicios. É um veneno que se
filtra no corão para toda a vida. Amarguras e desesperos de criança nos
parecem, por isso mesmo, pueris e insignificantes; no emtanto, o elles
que, geralmente, fazem seccar as fontes da alegria, e destroem, assim, a
saude moral, fechando a consciencia na desconfiança, no misoneismo, na
melancolia (primeiros grifos do autor e grifo finais nossos, p. 407).
Nessa afirmação ele faz perceber que atingir a moralidade ditada pelas regras e
preceitos considerados adequados socialmente e transmitidos via educação, é condição
fundamental para que haja a saúde mental.
O também médico higienista Henrique Roxo recomenda a intervenção educacional
visando assegurar a saúde mental. Segundo ele:
Os bons conselhos quer de moral, quer de hygiene, o muito
aproveitaveis neste periodo e assim como os máos processos pedagogicos
pódem influenciar na genesis de degeneração mental, assim tambem a
boa orientação impressa á educação de uma criança póde salvaguardal-a
do desequilíbrio psychico (1925, p. 06).
Porém, é importante determinar a qual criança Manoel Bomfim e Henrique Roxo
estão se reportando. Em nosso entender, isto se faz necessário visto que algumas crianças
tinham acesso a essa intervenção, enquanto outras permaneciam à margem de tal condição.
Com o intuito de nos aproximarmos do que vinha ocorrendo na sociedade brasileira
no período em que Manoel Bomfim escreveu Lições fazemos novamente referência ao
Relatório de inspeção de fábrica divulgado em 1912 no qual alguns trechos refletem a
situação do trabalho infantil naquele período qualificando de desagradável a impressão
que causa ao visitante o excessivo mero de menores no trabalhoe a descrição dos
mesmos comoesqueléticos, raquíticos”, além da denúncia de “emprego de menores,
alguns de menos de doze anos, em serviços que considera notadamente prejudiciais
(grifos nossos, MOURA, 1982, p. 73).
Portanto, se na mesma época em que Bomfim produzia suas idéias educacionais
havia no Brasil a necessidade de implantação de legislação visando proteger as crianças da
exploração pelo trabalho é porque, certamente, grande parte destas ainda estavam
submetidas a situações de exploração e desprovidas dos direitos divulgados pelos
pensadores da educação, entre eles, Manoel Bomfim.
Assim, a criança referida por Manoel Bomfim certamente não é a criança
trabalhadora pertencente às classes populares. Para esta, a falta de oportunidades de acesso
à escolarização era uma realidade vivenciada no cotidiano das linhas de produção das
fábricas nas primeiras décadas do século XX.
Dessa forma, a recomendação tanto de Henrique Roxo quanto de Manoel Bomfim
para a criança que se enquadra no padrão de infância, por eles considerado, era de que a
educação deveria ser o meio para se corrigir os defeitos e vícios, logo na infância. Para
Bomfim, além de evitar a degeneração mental do indivíduo, a educação moral traria a
felicidade pessoal, ou seja, a tarefa da educação seria oferecer a aprendizagem de normas
de convívio social visando a busca da felicidade pessoal.
Em função disso adverte:
É bem sabido que os desejos incoherentes, caprichosos, estravagantes,
doentios, são, em grande parte, expressão de um systema nervoso
doentio, mal equilibrado, mal estimulado... num organismo mal educado,
mal nutrido... A educação não se faz sem lutas contra as tendencias
animaes e inferiores; mas esta luta deve travar-se na propria consciencia
da criança, para ter como desfecho a victoria das inclinações moraes,
com a plena acceitação do dever, que neste caso, é acceito por parecer
mais conveniente, ou mais agradavel (grifo nosso, p.408).
E recomenda:
para chegar a taes resultados, é mister que o educador transforme a sua
intervenção numa acção benevolente, cordeal e sincera, solicita, perenne
e confortante. Essa attitude bemfazeja a amiga concorre poderosamente
para que a criança se sinta feliz. Ella confia a ama, e na alliança desses
dois estados de espírito ninguém é infeliz (p.408).
Sobre o papel do educador nesse processo ainda reitera: “a elle incumbe evitar a
desgraça de amanhã” devendo ele negar ao presente “aquillo que é virtualmente funesto
ao futuro” mas não “opor-se ao presente”, porém conciliá-lo ao futuro. Assim procedendo
haveria a possibilidade de plena felicidade na infância, pois esta “é o legitima e
necessaria como a das consciencias amadurecidas” (p.408).
Argumentando em favor da necessidade de se desenvolver na criança os aspectos
positivos, ou seja, suas “tendencias superiores” e atrofiar os aspectos negativos ou as
“tendencias inferioresBomfim ressalta que a educação como meio de “crescer no homem
o valor humano”, cumpre a tarefa de desenvolver os “sentimentos moraes”, visto que os
mesmos seriam “indispensaveis á vida social” (p. 350).
Discutindo sob a mesma perspectiva didático-pedagógica de Manoel Bomfim, ou
seja, a perspectiva da formação moral através do adestramento e da inculcação das regras,
Costa (2004, p. 198) denomina essa forma de educação como moral higiênica”. Segundo
ele, esta tem como método educativo não mais os castigos físicos freqüentes em épocas
anteriores, pois os novos princípios pautam-se em premissas que a punição degradava as
crianças sem obter nenhum resultado positivo. O medo aos castigos físicos tornava-as
mentirosas, hipócritas, pusilânimes e temerosas”.
Esse pensamento é compartilhado por Bomfim no sentido de também ele repudiar
os castigos corporais quando estes pudessem acarretar ferimentos físicos. Porém, não os
repudiava tanto por considerá-los humilhantes ou deturpadores da condição emocional da
criança. Repudiava-os sim, principalmente por considerá-los ineficientes frente à
possibilidade que os castigos morais ofereciam em termos de eficácia de resultados. Além
disso, os preferia em certa medida, por considerar que eram menos dolorosos do ponto de
vista emocional do que os castigos morais. Estes segundo Bomfim, se aplicados
injustamente poderiam ser altamente desmoralizadores provocando “um movimento de
rancor e revolta contra a acção injuriosa do educador podendo levar a criança à
convicção de que a consideram e incorrigível” (p. 411). Recomendando então
parcinia e ponderação adverte: o que dá caracter ao castigo e o torna ou educativo,
ou desmoralizador, não é o genero da pena, em si mesmo, mas o espirito com que é
apllicada, e o conjuncto de condições que a determinam” (p. 411).
Sobre o uso de um ou de outro desses recursos pedagógicos Bomfim se posiciona a
favor dos castigos corporais – desde que não ocasionassem lesões orgânicas - em função de
sua grande preocupação com a repercussão negativa dos castigos morais e afirma:
De um modo geral, baniram-se da educação os castigos corporaes. Si se
designam com essa expressão os castigos capazes de produzir leo
organica, é muito justa a condemnação; mas si se incluem nessa categoria
todos os castigos que se resumem em dores physicas, a exclusão dos
castigos materiaes é absurda. Não ha nenhuma razão para que se inflijam
á criança dores moraes, de preferencia ás dores physicas .... De todo
modo, ha casos, e ha idades, em que elles os castigos físicos o os mais
efficazes (grifo nosso, p.411-412).
Ao utilizar o termo “dores moraes” Bomfim demonstra mais uma vez a importância
e o peso por ele atribuído aos aspectos morais como determinantes, em termos de
prevenção a saúde mental, ou também como responsáveis pelo desequilíbrio mental.
O posicionamento de Manoel Bomfim, em relação à preferência de castigos
corporais aos castigos morais, provavelmente representa mais uma opinião pessoal do que
os ideais já em voga nesse período, pois de forma geral a tendência era para o uso dos
castigos morais em detrimento dos corporais. É o que Costa (2004, p.98-200) explica ao
comentar que “o esteio da nova moral recusava este tipo de repressão. Seu método era
outro. Suas técnicas eram uma variante da criação do hábito. Como o corpo, o espírito das
crianças deveria, progressivamente, regular-se autônoma e automaticamente”. Para ele,
essa nova moral atendeu aos interesses de enquadramento da criança à nova ordem
social, pois ela como ser em formação passou a ser considerada “os germes da moralidade
do indivíduo urbano integrado à ordem política característica do capitalismo industrial”.
Esse pensamento não fazia parte da perspectiva de análise de Manoel Bomfim,
pois, mesmo sendo considerado crítico às correntes deterministas e descrito como
adiantado em seu tempo, por exemplo, por Leite (1976) e Souto Maior (1993), ele não
consegue transpor sua visão naturalizada de homem e de infância considerando o ser
humano como um organismo basicamente biológico no espo social, o qual deveria fazer
a sua parte em prol do progresso de todos.
4.1 - O pensamento de outros higienistas
Os aspectos do pensamento de Manoel Bomfim até o momento elencados, assim
como as proposições de alguns outros higienistas de sua época demonstram a importância
atribuída ao higienismo, particularmente, à higiene mental como proposta de regeneração
moral, nas primeiras décadas do século XX. É digno de nota frisar que esse ideal esteve
presente nas práticas da elite médica brasileira, inicialmente de forma assistemática e
diluída no discurso da elite pensante desde meados do século XVIII.
Porém, esse discurso tornou-se mais conciso e aceito como referência para as ações
médicas e educacionais após a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), em
1923. Com a criação da Liga esse discurso tomou peso e passou a ser deliberadamente
veiculado pelos higienistas como saber constituído nas ciências médicas.
A Liga era uma entidade civil mantida através de contribuições de filantropos e
com uma subvenção federal
35
sendo a primeira Associão de Medicina Social da América
do Sul. Após 1925, passou a ser mantida principalmente com a renda proveniente de
anúncios contidos em sua revista Archivos Brasileiros de Hygiene Mental
36
. Em seus
estatutos constavam os objetivos e formas de aplicação dos mesmos. Os meios para
alcançar tais objetivos se referiam fundamentalmente à divulgação dos preceitos da Liga
através da propagação das idéias sobre higiene mental com propagadas, realização de
35
Tal subvenção provinha do prestígio obtido junto ao Estado devido ao “alto apoio moral do Exmo Sr.
Presidente da Republica e de outras personalidades representativas, tendo sido considerada de utilidade
publica por decisão legislativa sancionada não há muito” (LOPES, 1925, p.158).
36
Os Archivos foram constituídos com a finalidade de divulgar as ões da Liga e “sobretudo a orientar os
que desejem (desejassem) collaborar na campanha pela hygiene mental. Nesse sentido, pretendia-se que eles
fossem “não só um repositório do que se publique sobre o assumpto em nosso meio, ou alhures, mas também,
si possivel, um núcleo e attração de proselytos, no amplo domínio dessa Hygiene Mental, que com justo
direito aspira tornar-se ‘moral universal de amanhã’ ( FONTENELLE, 1925, s/p).
eventos, publicações, além da instalação de uma biblioteca aberta ao público interessado
no tema.
Assim, nascida o seio da ciência psiquiátrica a LBHM tinha suas ações inicialmente
voltadas aos cuidados psiquiátricos e congregava entre seus principais membros alguns dos
médicos ligados à “elite psiqutrica do Rio, talvez do Brasil”.
37
Seu campo de atuação até
1926o esteve voltado à prevenção da doença mental. Esta, “fazia-se na medida em que a
assistência aos doentes era melhorada através das reformas dos serviços psiquiátricos e do
aperfeiçoamento profissional dos psiquiatras, enfermeiros e monitores da higiene mental”.
Após 1926, passaram a ser inseridas algumas concepções de prevenção dirigidas ao
público em geral e “daquele momento em diante, o alvo de cuidados dos psiquiatras
[higienistas] passou a ser o indivíduo normal e não o doente. O que interessava era a
prevenção e não a cura” (grifo nosso, COSTA, 1989, p. 78-79).
Traçar o alcance tomado pela Liga, bem como abordar todas as suas áreas de
intervenção na vida social
38
não é tarefa fácil, portanto, nos limites deste estudo, interessa-
nos destacar seus auspícios e suas pretenes em relação ao ensino da higiene mental no
contexto da educação escolar
39
.
Pela vertente tomada em relação aos objetivos iniciais propostos na criação da Liga,
consideramos interessante ressaltar que nessa nova orientação a prevenção e a educação
se aproximavam do mesmo contexto, sendo que a última se constituiria, cada vez mais,
como o recurso criado para a veiculação dos ideais de prevenção a serem alcançados
através da higiene mental/moral.
Gondra (2000, p. 524-525) tematizando sobre algumas relações entre “medicina,
educação e sociedade” acentua que a constituição da ordem médica no Brasil” tomou um
percurso que partiu de uma perspectiva de cura para um projeto de prevenção. Tal projeto
“implicaria tanto a existência de um saber médico sobre a cidade e sua população, quanto a
presença do médico como uma autoridade que intervém na vida social, decidindo,
37
Em alguns Estados brasileiros foram criadas Ligas independentes, como é o caso da Liga Paulista de
Hygiene Mental e da Liga de Hygiene Mental de Pernambuco, fundada em 1933 por Ulisses Pernambucano
(1892-1943), que tinha como principal objetivo “promover o maior contato entre os médicos que se dedicam
à neuropsiquiatria e congregar em torno do movimento pró-higiene mental os elementos mais destacados de
todos os setores da sociedade humana que tenham boa vontade e espírito de colaboração” (MEDEIROS,
2001, p. 80).
38
As demais áreas de atuação são: hygiene mental e organização do trabalho, higiene mental no meio militar,
hygiene mental na prodão literária e artística e hygiene mental e delinqüência (LOPES, 1925).
39
Um estudo mais aprofundado sobre a LBHM pode ser encontrado em Maestri (2000).
planejando e executando medidas ao mesmo tempo médicas e políticas”. Para tanto, a
medicina deveria deslocar sua ênfase da doença para a saúde e da clínica para a
intervenção no social. Em suas palavras:
Na expansão da medicina, a escola não é esquecida nem a educação de
um modo mais geral, pois, para formar as novas gerações seria necessária
uma intervenção não apenas no espaço público da escola, mas, também,
no espo privado da casa. Pais e mestres constituem-se, portanto, nos
principais destinatários das prescrições médicas quando se trata da
educação.
Nesta perspectiva, como educadores do social e com o aval da sociedade, os
integrantes da ordem dica promoveriam a produção de um futuro ordeiro, homogêneo
e civilizado” (GONDRA, 2000, p. 526).
Como exemplar dessa proposta ligada a uma visão médico-pedagógica, Lições de
pedagogia é uma obra voltada à formação de professores e sua ênfase recai sobre a
educação intencional, ou seja, aquela ofertada através da escola. Nesse sentido, Manoel
Bomfim discute amplamente a intervenção da escola no desenvolvimento moral da criança
e afirma: “A Escola julga, recompensa, castiga... A Escola dirige, orienta... A Escola não
poderia deixar de influir na moralidade dos alumnos”. o obstante, ele não desconsidera a
papel da família como formadora da moral, inclusive atribui àquela uma grande parcela de
responsabilidade pela formação moral da criança e declara: “a principal influencia é a da
familia, cuja acção é decisiva. A Escola completa, apenas, a educação resultante da
assistencia domestica” (p. 332-333).
Porém, sua crença no papel da educação escolar como forma de correção dos
“defeitos moraes” e tão acentuada que ele recomenda a prática educativa como meio de
prevenção daquilo que considera prejudicial como heraa genética e daquilo que pode ser
pernicioso se adquirido pela ação do um meio desfavorável. Nesse sentido afirma: “há uma
forma de intervenção immediata que a Escola não pode, nem deve, evitar é a correcção
dos defeitos positivos no proceder da criança” (p. 335). Esses “defeitos positivos” seriam
defeitos por serem obtidos como resultado da herança genética, e positivos por serem
manifestados logo cedo pela criança em função de terem nascido com ela. Sobre isso
afirma:
os defeitos que se accusam na criança, ou o herdados directamente, ou
são imitados das pessoas da familia. De qualquer forma, os paes que, pelo
exemplo ou pelo sangue, passaram aos filhos uma qualidade
condemnavel, estão em más condições para reconhecer o defeito, e
principalmente para corrigil-o efficazmente (p.335).
Tendo em mente o papel da escola como formadora da educação moral visando
corrigir os defeitos adquiridos por herança ou pelo meio complementa: “a acção do mestre
deve completar a formação moral do alumno, ajustando-a, quando esta fôr deficiente” (p.
335).
Localizando mais uma vez na família ou em algumas famílias a falta de condições
morais adequadas para educar adequadamente suas crianças ele alerta:
A situação da criança, na familia, ca-se espontaneamente, quer dizer: o
governo a que a submettem institue-se sem nenhuma tranzição, e é,
muitas vezes, moralmente máo, anti-educativo. Além disto, as inevitaveis
crises affectivas da vida domestica, as opposições que se estabelecem,
vêm repercurtir sobre o coração das crianças, torturando-as, ou
desmoralisando-as. É preciso pensar em tudo isto (p.335).
Como limite máximo de desenvolvimento moral Manoel Bomfim denomina a “alta
moralidade”, alcançada através do processo educativo, com o qual “se obtem a selecção
dos sentimentos pela “opposição de umas tendencias a outras, procurando sopitar os
appetites e os impulsos grosseiros e egoistas, com o contraste e a ascendencia das
tendencias sympathicas e sociaes” (p.343).
Reiterando o papel da escola na tarefa de prevenir males maiores e promover a
moralidade na criança, afirma: “disciplina moral livremente acceita, esforço de constante
aperfeiçoamento, noção de um ideal eis o que a Escola póde dar eis o que ella deve
realisar, na educação moral” (grifo do autor, p. 334).
Portanto, esse ideal de moralidade era buscado pelos integrantes da Liga, entre eles
Manoel Bomfim, como atributo de saúde mental/moral e esta era entendida como um bem
a ser alcançado em prol do progresso coletivo e da harmonia social.
Nessa empreitada a educação passou a ser a forma ideal para se alcançar o
desenvolvimento moral que, na visão dos higienistas, daria os meios para o
desenvolvimento social.
4.2 - A educação como resposta aos males sociaes
Essa convergência de idéias em torno da crença no papel da educação como
proposta de desenvolvimento social e a expectativa de se corrigir os defeitos e/ou
promover o ajustamento dos desadaptados como forma de alcançar o progresso almejado
para a nação passou, pouco a pouco - no Brasil República - a estar entre as bandeiras de
reivindicações expressadas no conteúdo das idéias veiculadas tanto no meio político, nas
produções literárias e didáticas, bem como em demais produções culturais.
Ainda no início do culo, discursos como o de Jo Veríssimo em A
Educação Nacional datada de 1906 (citada anteriormente), demonstram a preocupação
com a suposta degradação moral e ilustram algumas das convicções até eno formuladas
acerca das características morais do povo brasileiro:
É este o grande mal que corroi o corpo social brasileiro e envergonha a
Patria, verdade que precisamos dizer é aceitar se nos queremos
sinceramente corrigir: não é principalmente atividade fisica, é antes a
energia moral que nos falta e que torna negativas as boas qualidades que
temos (grifo nosso, VERÍSSIMO, 1985, p.63).
Adepto da corrente intelectual de Silvio Romero
40
, Veríssimo (1985, p. 73) concebe
o povo brasileiro como dotado de caráter indolente e preguiçoso, dado à passividade e à
inatividade. Ao que explica serem estas características herdadas da constituão de nossa
nacionalidade pautada na exploração do índio e do negro que haviam acarretado, além dos
vícios da hereditariedade, também a frouxidão para o trabalho. Ele demonstra alguns
aspectos do pensamento higienista quando defende a educação do caráter e advoga que o
caráter pode educar-se e, de fato, educa-se, isto é, toma na mesma vida comum esta ou
aquela direção, estas ou aquelas tendências, segundo as diversas influências que sobre ele
atuam” (p. 73).
Discordando destes autores quanto ao posicionamento dos mesmos sobre as
características negativas em termos de caráter do povo brasileiro como um todo, mas
concebendo a existência de tendências inferiores e tendências superiores herdadas
geneticamente, Bomfim propõe a supressão das mesmas pela educação moral, pois acredita
40
Silvio Romero é considerado um dos principais oponentes teóricos de Manoel Bomfim e caracterizado por
Leite (1976, p. 178-194) como sendo convencido da inferioridade racial do povo brasileiro, tendo suas idéias
calcadas na visão do brasileiro como constituído de um caráter apático, sem iniciativa e desanimado.
quedesse esforço educativo resulta, concomitantemente: recalcamento das tendencias
inferiores, a attenuação das manifestações violentas e irreflectidas” (p.343).
Atribuindo menor peso às tendências e peso maior a educação acentua que a
“tendencia é sempre vaga”, ou uma “pura virtualidade”, pois ela passa a ser definida
pela educação. Nesse sentido, “se sempre possivel educar e adaptar á vida moral o
individuo normal, quaesquer que sejam as suas tendencias” (p. 344).
Enquanto Manoel Bomfim atribuía à educação escolar (intencional) maior parcela
de responsabilidade sobre a formação da criança Jo Veríssimo, por exemplo, acentuava o
papel da família como formadora do caráter.
A educação do carater, entretanto, é, principalmente, fora da escola que
se faz. [Através da] educação domestica, por ventura o mais poderoso
agente da cultura moral e, finalmente, o meio, isto é, o complexo de
funções fisicas e morais que sobre nós atuam: a sociedade, a leitura, as
festas, a religião, a arte, a literatura, a ciencia, o trabalho (VERÍSSIMO,
1985, p.73-74).
Suas afirmações nos remetem à proposição de que, ora defendendo a escola como
meio de redimir o passado trágico da colonização, ora proclamando a família como a
principal formadora dos padrões morais do cidadão, o discurso da educação como
redentora dos “males sociaes” torna-se cada vez mais hegemônico passando a enfatizar a
prevenção como forma de melhorar a constituição física, mental e moral as futuras
gerações.
Esse discurso foi ganhando força à medida que as mazelas sociais se acirravam
nesse momento de constituição do mercado de trabalho livre, primeiro à medida que a
tônica era preparar mão de obra para atender as novas funções no mundo do trabalho e,
posteriormente, para formar cidadãos disciplinados (SCHELBAUER, 1997).
Por seu lado, Almeida Junior (1922 apud ROCHA, 2003, p.41) também comunga
com esse ideal acentuando que as “condutas desregradas da populão deveriam ser
estancadas através do “disciplinamentoa ser auferido pelos médicos higienistas através
do uso combinado entre os preceitos higiênicos e os preceitos morais, haja vista que:
Comprehende-se que não basta sanear o ambiente. O homem alheio á
hygiene é o maior viveiro de germens pathogenicos, e o mais activo
popularisador de molestias. elle mesmo, pela sua propria vontade,
aquiescida pela educação moral e orientada pela instrucção hygienica,
poderá estancar a fonte morbigena.
Dessa forma, os anseios de regeneração moral foram amplamente veiculados por
diversos pensadores da época, seja por Manoel Bomfim que dava peso maior à educação
escolar, seja por aqueles que defendiam o disciplinamento moral como função fundamental
da família. Os discursos, via de regra, apregoavam que a formação moral deveria permear
a educação da criança o mais cedo possível. É o que ressalta Barbosa (1882 apud COSTA,
2004, p. 174) ao referir-se à formação de hábitos na criança: “aproveitar as primeiras
épocas da vida, em que é mais fácil amoldar essa cera mole, como já o disse alguém, aos
atos, é um grande passo para o fim a que se propõe a educação” (grifo do autor).
4. 3 - Higiene moral como “formula” da felicidade
Concebendo a moral como “o codigo dos bons costumes” e a “enumeração dos
deveres” decorrentes dela como “sentimentos normaes do homem” Manoel Bomfim
defende seu desenvolvimento desde a infância (p. 340). Para ele, sendo a educação moral
realizada através da inculcação de hábitos, tanto mais cedo sendo realizada, mais
fortemente seria cristalizada através do processo educativo, resultando daí o crescimento
do valor humano” e dos “sentimentos moraes” capazes de tornarem-se “uteis á grandesa
do proprio individuo, e indispensaveis á vida social” (p. 350).
Na mesma perspectiva de progresso moral, via higiene mental/moral, o dico
Ernani Lopes, em uma conferencia proferida em 1925 na Faculdade de Medicina de Porto
Alegre acentua que o movimento em prol da higiene mental que havia sido criado nos
Estados Unidos e expandido para muitos países da Europa (entre eles França e Alemanha)
havia chegado ao Brasil por volta de 1906 por intermédio do psiquiatra Juliano Moreira
41
.
Ao encerrar o tópico sobre Hygiene mental e educação Lopes (1925, p. 160) cita
o caso de uma criança em particular e sentencia: “como se vê, trata-se de um caso
manifesto de creança anormal, com um ‘deficit’ accentuadissimo da esphera moral”.
41
Juliano Moreira foi um dos presidentes de LBHM. Nos Archivos Brasileiros de Higyene Mental de outubro
de 1929, na seção Noticiário, é citada uma homenagem feita a ele após seu regresso do Japão e Alemanha.
Nesse evento estavam presentes, além de inúmeros membros da Liga, o representante do Sr. Ministro da
Justiça e os Professores Pan Soldán, do Peru, Bernardo Houssay, da Republica Argentina, Vegara Keller, do
Chile, Pacheco e Silva da Liga Paulista de Hygiene Mental e Fabio de Barros da Faculdade de Porto Alegre.
(CALDAS, 1929, p. 02).
Esse “deficit acentuadissimo da esphera moral” deveria ser sanado através de
duas frentes de atuação: uma delas composta pelas mães, as quais seriam incumbidas de
“formar os primeiros habitos de seus filhinhos, adaptando-os da melhor maneira aos
problemas iniciais da vida” e sobretudo, evitando de deixarem os “cuidados educativos
iniciaes a amas e criadas”. Para tanto recomendava-se a criação de “jardins de infancia”
visando “fazer a educação dos sentidos, preparar a adaptação das crianças e tornar mais
facil e economico o futuro trabalho escolar”. A outra frente de atuação seria composta
pelas professoras primárias, através das quais “se multiplicariam as fontes de propaganda
dos grandes principios que em na educação os fundamentos da hygiene mental,
cultivando e preparando as mentalidades individuaes para o correcto ajustamento futuro,
base da saúde, do trabalho e da felicidade (grifo nosso, FONTENELLE, 1925, p.8-9).
Adepto desse posicionamento, em relação à busca da felicidade Manoel Bomfim
afirma: “esta é uma situação de espírito para onde o individuo não se encaminha por si
mesmo; é a educação que a prepara”. Para ele, a felicidade é a “formula da temperança”
que resulta de condições que vêm do berço, e que na educação se affirmam e se apuram
(grifos nossos, p. 417-419).
No discurso proferido em 13 de maio de 1904 a formandas da Escola Normal do
Rio de Janeiro (já citado anteriormente), Bomfim (apud AGUIAR, 2000, p. 277)
destacava:
Se nós, brasileiros, possuíssemos um ideal, seríamos o mais feliz dos
povos sobre a terra” –Fez uma pausa e acrescentou: “Um ideal!
Indagareis vós: qual? Um ideal” prosseguiu”- “não se fabrica ao
capricho dos indivíduos; é a própria vida quem o formula. [...] O homem
moderno tem o seu destino e a sua missão na terra; não aspira a morte,
quer a vida; e o seu ideal está ligado ao destino e à felicidade de todos.
[...] O seu ideal é ver a humanidade consciente da sua força e da sua
grandeza – ideal tangível, que a ciência demonstra, e que a evolução
justifica.
Sempre enfatizando esse ideal, como uma das condições fundamentais para a
busca da felicidade Manoel Bomfim defende a “actividade laborativa”. Defende o trabalho
como meio de obtenção de satisfação pessoal, mas adverte que o trabalho não deve ser
convertido em pena, pois “são infelizes aquelles a quem a vida condemna ao trabalho
desinteressante e exhaustivo de galés. O bom trabalho, propriamente humano, é aquelle
que captiva attenção, e se faz enquanto as energias se offerecem para a acção” (p.424).
Sintonizado com os ideais de progresso presentes na época Manoel Bomfim
defende a atividade laborativa concebendo-a como conseência da educação moral.
Atribuindo a possibilidade de felicidade pessoal à busca de progresso geral, acentua: “E
isto só é possivel si se concretisa a vida num sincero programma de trabalho”, pois diante
disso “os desejos se attenuarão, convertendo-se em virtualidades de acção coherente(p.
425). Trabalhando sempre na perspectiva de progresso geral ou para todos, acredita que
através do trabalho de todos
desapparecem os motivos isolados, eliminam-se os impulsos dispersivos;
todos os fins se encadeiam, porque cada acto suscita um novo acto, em
vista do fim superior e geral, e a vida feliz será, não a sucessão de gosos,
mas multiplice prazer de viver uma vida ao mesmo tempo vigorosa e
serena, feita de unidade interna e de desdobramento exterior (grifo do
autor, p. 425).
Defendendo a idéia de que o indivíduo “realisa a existencia como a Naturesa
realisa a arvore” Bomfim propõe que não há “receita pratica de felicidade” sem a educação
moral, pois “é dominando a si próprio, que o individuo domina o destino” (p. 426).
Assim, denotando sua crença incondicional no desenvolvimento moral como
possibilidade de alcance de felicidade pessoal e de progresso geral adverte que a criança
necessita ser conduzida, desde cedo, a sentir-se satisfeita e feliz”. Essa condução seria
realizada “á medida que a vida vae se revelando, e que os desejos vêm surgindoatravés
da definição daqueles que “devem ser afastados e reprimidos” evitando-se, o mais cedo
possível, “tudo que a póde levar para o mal”. Em seu entender, o desenvolvimento de
“prazeres superiores e moraes” incutiriam na criança a iia quenão falta na vida belleza
a admirar, nem grandeza a que nos deliquemos [e que] os desgostos virão na sua hora, as
misérias se farão conhecidas; mas, apezar de tudo, o coração achará sempre motivos para
meditações consoladoras”. Tais fatores por si teriam a vultuosidade de proporcionarem ao
individuoos limites de felicidade possivel e a condição de “partilhar de um viver
feliz...gosar a justa ventura de quem deseja sem invejar e sem exasperar-se...” (p.427).
Refletindo sobre seus posicionamentos percebemos em Bomfim a premissa teórica
de idealização do ser humano identificando-o como se fosse, inicialmente, um emaranhado
de tendências (inferiores e superiores) sob o qual a educação atuaria, esquadrinhando-o e
localizando tais tendências para reformulá-las em sua estrutura mental/moral. Ele parte do
princípio de que a criança é moldável, como cera mole e que a educação irá torná-la
humanizada ou moralmente saudável.
Portanto, Manoel Bomfim parece não considerar o contexto histórico em que vivia
a criança, que é seu objeto de intervenção. Parece negar as desigualdades sociais e
desconsiderar a existência de interesses diversos e divergentes entre as classes sociais, por
acreditar na harmonia entre todos em prol do desenvolvimento da nação. Nesse sentido, em
nosso entender, Manoel Bomfim pode ser considerado um legítimo representante da ética
social burguesa, pois seu pensamento foi sendo construído como fruto de uma visão
ideologizada, não pautada na criticidade e na historicidade dos fatos.
Assim, a idéia de progresso moral a ser alcançado através da educação,
tendo esta como formadora de mentalidades capazes de promover o bem estar social,
parece ter sido a grande crença de Manoel Bomfim. Crença esta que o levou, em sua
trajetória como higienista e educador, a acreditar em um ideal de homem e de mundo
descolado das relações concretas de vida e de sobrevivência.
FIGURA 8
O que se não se aloja jamais no que se diz, e por mais que faça ver o que está
dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não
é aquilo que os olhos descortinam, mas aquilo que as sucessões da sintaxe definem.
Michel Foucault, 1999.
PARA NÃO CONCLUIR... COM A CERTEZA DE QUE O PERCURSO DA
HISTÓRIA CONTINUA.
Finalmente, há que preparar e elevar a massa do
povo brasileiro, trazer para o nível cultural do
momento os milhões de descendentes e
representantes das raças a quem, até agora, só foi
dado trabalhar e sofrer. É este o caos santo,
donde surgirá o que, na sua hora, definirá
explicitamente a alma brasileira. Através da
salutar e indispensável renovação revolucionária,
esse caos se distribuirá em germes de novas
formas, para a nova vida com que contamos.
[...]
Esperamos, confiemos, no entanto, ainda quando
tudo se nega a uma tal perspectiva.
Manoel Bomfim, 1931.
Iniciamos este estudo tendo o objetivo de conhecer e discutir alguns aspectos da
proposta educacional de Manoel Bomfim através da análise de uma de suas obras
denominada Lições de pedagogia, escrita em 1915.
Ao longo desse percurso interessava-nos analisar o pensamento desse autor que foi um dos
integrantes de um movimento em voga no Brasil no período compreendido entre o final do
século XIX e início do século XX: o movimento higienista. Tal movimento, de forma
geral, figurou como proposta médico-pedagógica construída por dicos auto
denominados higienistas que tinham suas ações voltadas à higienização das cidades, da
população e da família tendo como meio de ação a promoção da higiene física e da higiene
mental e como uma das metas a prevenção às doenças mentais.
Tivemos a preocupação de entender o contexto sócio-econômico, bem como
político-educacional em que Manoel Bomfim escreveu Lições de pedagogia visando
perceber sob qual concepção de homem e de mundo ele se expressava. Consideramos a
análise desse contexto de fundamental importância já que Manoel Bomfim não tratava de
fatos abstratos ou fictícios, ele tratava de fatos concretos ligados a relações sociais
estabelecidas pelos homens que viviam naquele período característico na história do Brasil:
o período de transição de uma política econômica global pautada no trabalho escravo em
um regime de governo imperial para uma conjuntura econômica assentada no trabalho livre
e na livre concorrência de mercado que demandava novos saberes e novas conformações
sociais. Conjuntura esta onde estava sendo implantada uma modernização “pelo alto”,
como afirma Chasin (1978, p. 28), ou seja, pautada na ausência de participação
democrática, caracterizada pela união entre a burguesia emergente e a antigas classes
dominantes, comprometidas com o passado colonial.
Sua trajetória como dico, político e educador o caracterizava através de suas
produções teóricas - como um dos representantes dos ideais buscados pelos homens
naquele período, frente a nova necessidade criada de preparação de mão de obra necessária
a um novo projeto de sociedade, seja visando a atenuação das conseqüências da transição
de um modelo econômico para outro ou para garantir a supremacia da nova ordem social
nascida com a República. Nesta perspectiva, consideramos Manoel Bomfim um dos
legítimos representantes de um pensamento construído por um agrupamento social
composto por parte da intelectualidade que tinha como meta uma proposta de
desenvolvimento para o Brasil.
Pressupondo-o como tal e justificando tal pressuposição em função de partimos
das premissas da análise histórica, pela qual as idéias dos homens o a expressão de uma
prática social e que as produções de uma época revelam o modo de pensar dos homens
dessa época buscamos compreender o que o levou, em seu tempo, a produzir tais idéias,
ou seja, quais práticas sociais estavam se configurando e determinando o conteúdo destas
idéias, e ainda, o que estas representavam naquele momento histórico.
Embora tenha sido descrito como revolucionário por alguns autores que o adotaram
como objeto de estudo, tais como: Souto Maior (1993); Aguiar (1996), Bertonha (1997),
em função de o reconhecerem como autor de um contra-discurso avançado para a época,
cujas idéias teóricas caminhavam distintas da grande maioria das de seus pares, parece
provável que os ideais de Manoel Bomfim assim como o de muitos outros componentes
dessa elite pensante - eram basicamente voltados aos ideais expressados por teóricos do
Iluminismo, tais como: Pécaut, Fouillée, Ferry, Condorcet, Tocqueville, Compayré, entre
outros.
Segundo Leonel (1994), estes pensadores franceses podem ser considerados como
alguns dos grandes expoentes das idéias iluministas presentes na França na transição do
século XVIII para o século XIX. Em função da repercussão que tiveram, tais idéias se
constituíram como base para a criação dos Sistemas Nacionais de Educação, o na
França, mas em diversos países, inclusive no Brasil
42
.
A título de referência destacamos um trecho da fala de Condorcet (1929) em
Memórias sobre a Instrução Pública, escrita em 1790, na qual na Terceira Memória
intitulada Sobre a Instrução Comum para os Homens ele declara: a instrução moral deve
ter por objetivo fortificar os hábitos virtuosos e de prevenir ou destruir os outros” (p.68).
Também a título de ilustração tomamos a fala de Fouillée (s/d, p. 08) em A
Educação Moral e Cívica dos Professores na qual ele recomenda:
Se vocês querem humanizar as ciências, comecem por iniciar todos os
futuros professores na psicologia científica, na lógica, na moral científica,
nas doutrinas filosóficas ou científicas sobre a natureza e sobre a vida,
sobre o valor e os limites do conhecimento; eles verão então a parte no
todo, o especial no geral, o particular no universal. [...] para todos os
professores, o único e verdadeiro estágio [...] é um estágio intelectual e
moral [...] A pedagogia em si mesmo, da qual falo tanto, não é senão a
psicologia, a lógica e a moral aplicadas à educação; nós reclamamos
então, em todos os exames de licença e de título, uma composição de
psicologia, de lógica ou de moral privada ou social.
Assim, identificando alguns dos fundamentos teóricos de suas idéias nas
concepções elaboradas pelos teóricos do Iluminismo temos a possibilidade de reconhecê-lo
não como um “contra-discurso avançado para a época”, ou como alguém que estava
“adiantado em seu tempo”, mas sim como alguém que estava afinado com o seu tempo,
pois defendia aquilo que se colocava como necessidade naquele momento histórico: a
defesa da educação escolar como saída para todos os males, inclusive para os males
sociaes”. Sendo assim, Manoel Bomfim, foi, dentre tantos outros intelectuais de seu tempo,
um defensor dos ideais de que a educação seria o caminho a ser percorrido para debelar
tanto o atraso de muitas nações em relão a outras como também as diferenças sociais
entre as classes na sociedade capitalista como um todo.
42
Leonel (1994) estudando a constituição da escola pública, elenca fatores norteadores dos ideais do
liberalismo na educação demonstrando as transformações sociais no pensamento liberal que no século XVIII
tinha características de um “esrito revolucionário” e, no século XIX, “contra-revolucionário” (p.146).
essa nova ordem, o Brasil passava por mudanças nas relações de produção, e como
conseqüência, na produção da vida social que se caracterizava, paulatinamente, pela
existência do trabalho livre e pela venda da força de trabalho onde o antigo escravo ou
colono não mais seria submisso ao senhor ou proprietário de terras e sim regidos pelas leis
de mercado e pela livre concorrência, e onde esse indivíduo perderia definitivamente sua
identidade social como servo ou escravo e passaria a ser força de trabalho anônima no
mercado. De acordo com Bomfim (1926, p. 35), a adaptação era uma necessidade e a
educação a forma de atendê-la.
Consideramos Manoel Bomfim como um teórico que partia do plano das idéias e
não da prática social, pois acreditava que reformulando as idéias dos homens, estes
modificariam sua prática. Nesta perspectiva teórica nutria um grande ideal de regeneração
mental do povo brasileiro visando a construção de uma grande nação através do progresso
social que em sua concepção - seria alcançado para todos os homens através da
educação.
Esse ideal de regeneração mental criado pelo movimento higienista do qual Manoel
Bomfim era um dos integrantes, assumiu um cater ideológico ao transpor as ações de
higiene do corpo e dos ambientes para a higiene moral. Ou seja, ao buscar a higienização
dos costumes os higienistas passaram a trabalhar em função da idéia da possibilidade de
existência de um modelo ideal de homem, o qual seria formado ou modelado através da
educação moral, via educação escolar. Em sua forma de atuação mais abrangente, o
movimento higienista serviu amplamente aos interesses da nova sociedade como forma de
negligenciar a existência de intensos conflitos sociais decorrentes do acirramento das
contradições sociais inerentes a essa nova conformação social. Nesse sentido, ao proporem
explicações para problemas gerados na coletividade como é o caso de muitas moléstias,
por exemplo como se fossem gerados por questões individuais os integrantes dessa elite
pensante escamoteavam a existência de contradições sociais e naturalizavam as relações
sociais.
O ideal de progresso social expressado por Manoel Bomfim e por outros higienistas
identificava-se com os ideais do escolanovismo. Além de terem sido trazidos para o país
pelas mãos de inúmeros intelectuais da época, a mesma visão de homem e de mundo os
embasavam, ou seja, a visão de ser humano como organismo biológico, regido segundo as
leis da biologia evolutiva e guiados pelas leis de natureza. Leis estas que, no entender
destes homens, se apreendidas e reproduzidas pela educação seriam capazes de reformar os
homens e gerar a harmonia e o progresso social.
Assim como Romero (1960) e Lobato (1951), Manoel Bomfim condenava as
condições de atraso do povo brasileiro, porém diversamente deles, tinha um ideal de
“regeneração através da educação. Almejava o progresso social e econômico pela
educação moral. Condenava o racismo e a opressão (do negro e do índio) e defendia o
civismo e o patriotismo pela mistura das raças visando a constituição de uma coesa
nacionalidade decorrente dessa mistura. Propunha a ciência pautada no ideal evolucionista:
suporte do pensamento burguês, pelo qual o individuo como organismo, melhoraria em sua
constituição e funções à medida que houvesse a sua adaptação às condições do meio.
Compreender a trajetória teórica de Manoel Bomfim implica em levar em
consideração que o período de suas produções mais precisamente entre 1890 e 1932 – foi
caracterizado como uma época de grande efervescência ideológica em função de mudanças
significativas havidas na conjuntura econômica brasileira, onde as produções das diversas
ciências impulsionadas com o advento do sistema capitalista de produção (biologia,
psiquiatria, pedagogia, psicologia, etc) passaram a reproduzir os interesses das classes
emergentes, haja vista que as mesmas também são produtos dessa nova ordem social
vigente. Nesse sentido, podemos afirmar que as produções teóricas de Manoel Bomfim o
fugiram à regra.
Em Lições de pedagogia Manoel Bomfim professa exaustivamente sua crença no
poder das idéias. Nesse sentido, equipara a sociedade a um conjunto de homens guiados
pelo mesmo ideal de progresso social a ser alcançado pelo progresso moral que os tornaria
capazes de agregar-se funcionalmente como engrenagens de uma máquina, visando o
desenvolvimento da nação e o bem estar de todos. Sendo assim, deixa claro que o
concebia a existência de conflitos de interesses entre as classes sociais, conflitos estes
acirrados com o avanço da industrialização. Deixa claro também que não considerava os
antagonismos e as desigualdades entre as classes sociais, pois possuía uma visão
naturalizada de homem e de mundo.
Nesse sentido, suas proposições teóricas ficam a grande distância das proposições
teóricas da análise histórica elaborada por Marx (1818-1883). Inclusive em Obra do
Germanismo
43
, escrita em 1915, Bomfim tece críticas à teoria marxista da luta de classes.
Segundo ele,
a Alemanha foi romântica, liricamente sonhadora, numa inspiração
nebulosa e vaga, para ser humanitariamente utopista e revoltada. o
admira, por conseguinte, que do espírito alemão tivesse surgido o
materialismo histórico de Karl Marx. Quando todas as outras civilizações
reclamavam, em nome da justiça, contra a espoliação dos trabalhadores;
enquanto o gênio russo exprime-se nas teorias libertárias de Bakunin, e o
francês nos processos humanos e associativos de Saint-Simon e de
Blanqui; o alemão produz a teoria da luta econômica a luta de classes
como norma explicativa, a luta como processo normal de solução (apud
AGUIAR, 2000, p. 427).
Para Aguiar (2000), Bomfim considerava a palavra luta como possibilidade de
embate físico ou luta armada, tomando-a “ao pé da letra” e o como “oposição de uma
determinada classe social à ação de outra”. Desconsiderava ele, que “as tensões entre as
classes exprimem as contradições da própria sociedade” (p.427).
Dessa forma, parece provável que sua crítica às teorias racistas (pautadas no
conceito de raças superiores e raças inferiores) se esgotava nesse limite, haja vista que seu
discurso ousado extrapolava o limite de raça, porém se esbarrava no limite de classe.
Bomfim demonstrava ter consciência da existência de classes sociais distintas, porém
negava os conflitos de interesses entre elas e a exploração de uma sobre a outra,
concebendo-as como harmonicamente constituídas em função de um ideal de progresso
social. Essa visão de esforço de todos em prol de um mesmo ideal, em seu entender, traria
“a felicidade que se incorpora ao progresso geral, sem possibilidades de opposição entre as
preoccupações pessoaes e o bem commum” (p. 426).
Em relação a sua crença no poder da educação como reformadora das mentalidades
dos homens, esta se mostrava tão expressiva que ao localizar no individuo algumas
tendências tidas como inferiores e herdadas como herança ou como influência de um
possível meio desmoralizador, as concebia como passíveis de supressão pela educação, ou
nos casos em que esta não conseguisse dar a solução adequada, ou seja, fazer com que o
indivíduo se adaptasse às normas vigentes, a questão seria explicada como falha do
43
De acordo com Aguiar (2000) esta obra não teve significativa expressão dentre as produções de Manoel
Bomfim. Porém, deixou dois marcos em sua trajetória teórica, sendo o primeiro a condenação da tentativa de
imperialismo da Alemanha sobre a Bélgica (fato este que o levou a ser condecorado pelo rei da Bélgica em
1918, recebendo o oficialato da Ordem Leopoldo). O segundo marco foi a substituição que passou a fazer do
termo parasitismo pelo termo imperialismo para designar a dominação econômica, política e militar de uma
nação sobre outra.
indivíduo, como possível degeneração de caráter. Ou seja, o que a educação não pudesse
corrigir era atribuído ao indivíduo como causa, e, portanto as conseqüências deveriam ser a
ele imputadas.
Nesse sentido, em seus anseios de melhorar as condições sociais do povo brasileiro
através da associação educação/progresso Manoel Bomfim aderia ao discurso dominante e
tratava a educação como fenômeno isolado das relações sociais, ou das condições
concretas de existência da grande maioria da população.
Feitas estas considerações, em função da proposta formulada inicialmente e dos
questionamentos levantados ao longo deste percurso, consideramos ter alcançado os
objetivos propostos, pois, embora durante o processo de pesquisa e análise tenhamos
considerado a produção teórica de Manoel Bomfim bastante rica e diversificada, buscamos
trabalhar dentro dos parâmetros estabelecidos no início, segundo o recorte realizado.
Assim, nos limites deste estudo, não seria possível apreender sua linha de pensamento
como um todo, haja vista terem sido muitas as suas áreas de atuação, primeiramente
exercendo a medicina e, oportunamente, como político, escritor e pensador da história e da
educação, além de estudioso de psiquiatria e psicologia.
Porém, mesmo não tendo acesso a todas as suas produções teóricas pudemos
verificar suas contribuições para a inserção dos princípios higienistas no campo da
educação em seu ideal de elevação do nível mental/moral da população. Percebemos ainda,
sua inabalável crença na educação como formadora da moral considerada por ele como
condição fundamental para o progresso social da nação.
Parafraseando Seve (1969) podemos afirmar que a vida humana não é a somatória
de atos e condutas, mas formada por um mundo social. Nesse sentido, consideramos que
Manoel Bomfim, em sua trajetória pessoal expressa parte de um pensamento construído na
sociedade daquele período. Sendo assim, pudemos perceber que Manoel Bomfim,
enquanto teórico de uma época e, enquanto recorte tomado desta mesma época, representa
uma variável histórica capaz de representar - em certa medida - o conjunto das relações
sociais.
Considerando-o assim, temos a clareza de que o estudo de suas idéias no campo
educacional não pode esgotar-se nos limites de algumas páginas. Outrossim, requer
maiores aprofundamentos em questões ainda mais abrangentes, tais como: sua atuação
política à frente do Parlamento da época ou sua atuação político-administrativa à frente do
Pedagogium ao longo de mais de uma década. Estudos estes que, possivelmente,
revelariam demais aspectos de seus posicionamentos teóricos enquanto educador e
enquantodico higienista integrante da LBHM.
De forma geral, o estudo de parte de sua produção teórica nos levou à reflexão de
que assim como ele, muitos outros importantes personagens da história são ainda legados
ao esquecimento, quando poderiam ser tomados como legítimos representantes de
concepções teóricas vigentes em seu contexto histórico, de acordo com o segmento social
do qual fizeram parte e sob o qual gestaram seus conhecimentos e suas concepções.
Ao final do percurso até aqui empreendido, deixamos este estudo em aberto” pelo
interesse futuro em estudar e compreender mais profundamente o pensamento de Manoel
Bomfim, haja vista acreditarmos que suas concepções sobre educação não tenham surgido
ao acaso, mas, sobretudo, como fruto de suas reflexões sobre sua prática social e acerca da
prática social dos homens daquele período.
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Tese (Doutorado em Letras) – Unesp. Araraquara, 2003.
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