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Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós Graduação em Educação
Mestrado em Fundamentos da Educação
Autora: Claudia Regina Almeida
Orientador: Prof. Dr. Luiz Hermenegildo Fabiano
Maringá
2005
CORPOS SUSPENSOS E EMOLDURADOS:
ARQUÉTIPOS DE UMA EDUCAÇÃO DANIFICADA
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Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós Graduação em Educação
Mestrado em Fundamentos da Educação
Dissertação apresentada ao
Programa de s-Graduação em da
Educação da Universidade Estadual
de Maringá, área de concentração:
Fundamentos da Educação, como
requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação, sob a
orientação do Prof. Dr. Luiz
Hermenegildo Fabiano.
MARINGÁ, 2005
CORPOS SUSPENSOS E EMOLDURADOS:
ARQUÉTIPOS DE UMA EDUCAÇÃO DANIFICADA
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Universidade Estadual de Maringá
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós Graduação em Educação
Mestrado em Fundamentos da Educação
FOLHA DE APROVAÇÃO
Esta Dissertação de mestrado, intitulada “Corpos suspensos e emoldurados:
arquétipos de uma educação danificada foi aprovada pela Banca Examinadora
abaixo nominada em 30 de março de 2005.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Luiz Hermenegildo Fabiano
(Orientador)
Prof. Dr. Paulo Sérgio Bereoff
Profª. Dra. Ednéia Regina Rossi
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos que,
como eu, sonham com uma
sociedade onde todos tenham o
direito de ser socialmente iguais,
humanamente diferentes e
totalmente livres.
“Aos predadores da utopia: dentro
de mim morreram muitos tigres, os
que ficaram, no entanto, são livres”
(Lau Siqueira)
AGRADECIMENTOS
Agradeço às minhas paies... às antigas, às de agora e às que virão, porque
elas movem minha vida;
“Mundo, mundo, vasto mundo... Mais vasto é meu coração”
(Carlos Drumond de Andrade)
A meus pais, Claudio e Edna, pessoas maravilhosas, companheiros de todos os
momentos, por estarem impregnados em todos os meus poros, pensamentos e
coração e sobretudo porque nessa vida se aprende que mais de seus pais
em você do que você supunha”..
À minha querida irmã Erica, simplesmente por ser minha grande companheira
nessa vida, minha alma gêmea, minha foa, minha inspiração. Pelos momentos
de alegria, descontração e cumplicidade. Pelo poder de indignação que
compartilhamos. Por ser meiga, doce, inteligente, sensível e maravilhosa. Por ser
assim como eu sou... e principalmente por me fazer acreditar que há pessoas
que transformam o sol numa simples mancha amarela; mas também aquelas
que fazem de uma simples mancha amarela o sol.” (Pablo Picasso);
À minha querida irmã Sandra que é tão inteligente e doce, sempre maravilhosa e
alegre. Pelo seu exemplo de serenidade na vida, por ser tão carinhosa e
companheira a me confortar por me fazer saber que ela estará sempre por perto
com seus olhos de Capitu. Nela vejo que “há tanta suavidade em nada dizer e
tudo se entender”. (Fernando Pessoa)
Ao meu querido orientador Prof. Dr. Luiz Hermenegildo Fabiano, pessoa por
demais encantadora, exemplo quase único de docilidade e sabedoria. Pelos
elogios e pelas broncas. Pelo carinho e dedicação em fazer-me entender
algumas coisas imprescindíveis. Por ser poeta, por ser TUDO!
Ao novo amigo e cunhado Ricardo, pessoa o especial e doce que raramente
encontramos nessa vida. Por seu sorriso fácil, por sua alegria e por seu carinho,
sempre atencioso e prestativo. Por me fazer acreditar novamente que ainda vale
a pena procurar um grande amor.
Aos professores da banca examinadora, Ednéia e Paulo que gentilmente
aceitaram o convite para avaliar a produção teórica dessa caminhada. Em
especial à professora Ednéia, por ter marcado minha graduação com sua doce
sabedoria, fazendo-me despertar a paio pela história e pela filosofia tornando-
se um exemplo para minha prática profissional e pessoal.
Aos querido amigos, que mesmo distantes me trazem muita alegria: Natália,
Paulinha e Arnaldinho.
Aos “meus” queridos alunos da Academia de Ensino Superior de Sorocaba,
pelos sorrisos constantes, pela alegria que lhes são peculiares. Por me deixarem
fazer parte da construção de seus conhecimentos. Por tantas coisas que me
ensinaram e com certeza ainda irão me ensinar, compartilhando os prazeres e
dificuldades da educação. Em especial às doces Samira e Tádia e aos
encantadores Luiz Carlos, Grillo, Fabrício, Ricardo, Fernando e José Antonio.
Ao grupo O Rappa, por me inundar de alegria a cada show. Pelas músicas
intensas, belas e formativas que auxiliam em minhas reflexões. Por me darem
um instrumento rico e novo no entrelaçamento das questões filosóficas durante a
prática docente. Por me fazer acreditar que também por meio da música é
possível pensar criticamente os fenômenos sociais e humanos. E finalmente
porque sou “pescador de ilusões” e no final dessa caminhada pude compreender
melhor que “o mar escuro trará o medo lado a lado com os corais mais coloridos”.
(O Rappa)
PESCADOR DE ILUSÕES
(Marcelo Yuca, O Rappa)
Se meus joelhos não doessem mais
Diante de um bom motivo que me traga fé, que me traga fé!
Se por alguns segundos
Eu observar, e só observar
A isca e o anzol, a isca e o anzol, a isca e anzol, a isca e o anzol
Ainda assim estarei pronto pra comemorar
Se eu e tornar menos faminto do que curioso, curioso
O mar escuro trará o medo lado a lado com os corais mais coloridos
Valeu a pena he, he
Valeu a pena he, he
Sou pescador de ilusões...
Se eu ousar catar na superfície de qualquer manhã
As palavras de um livro sem final, sem final, sem final, sem final, sem final, final...
Minha Alma
(Marcelo Yuca, O Rappa)
A minha alma
Está armada e apontada
Para a cara do sossego
Pois paz sem voz
Paz sem voz
Não é paz é medo
As vezes eu falo com a vida
As vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero
Conservar pra tentar ser feliz
As grades do condomínio
São pra trazer proteção
Mas também trazem a duvida
Se é você quem está nesta prisão
Me abrace e me dê um beijo
Faça um filho comigo
Mas não me deixe sentar
Na poltrona num dia de domingo
Procurando novas drogas de aluguel
Nesse vídeo coagido
Pela paz que eu não quero seguir admitindo
RESUMO
Considerando a perspectiva histórica de que o corpo é um dos locais onde as
marcas sociais o expostas, além de ser o meio principal pelo qual as questões da
Educação Física são abordadas, a possibilidade de se explorar o tema "corpo e
cultura" são diversos. Entretanto, este estudo está centrado na reflexão de um
possível comprometimento da consciência corporal autêntica e autônoma na
sociedade contemporânea, ou seja, a existência de uma educação do corpo que
assume formas cada vez mais danificadas em detrimento da formação digna. O
trabalho estrutura-se da seguinte maneira: o primeiro capítulo destina-se a apontar
como o corpo vem sendo tratado na linha da história, passando pela antigüidade, a
idade média, a formação do capitalismo e a modernidade. O segundo capítulo, ao
situar o contexto histórico, apresenta elementos que demonstram como o modelo
industrial determinou o modo de organizão social em que vivemos. Dentro dessa
linha de investigação, segue uma análise acerca do processo de mercantilização da
cultura e a apresentação dos conceitos de “Industria Cultural” e “Semiformação
Cultural”. Para encerrar a investigação o terceiro capítulo analisa, à luz de reflexões
desenvolvidas pelos pensadores clássicos da Escola de Frankfurt, as imagens
corporais expostas na forma de outdoors para discutir a concepção de corpo
difundida nos centros urbanos fazendo as possíveis relações entre a cultura
danificada e a educação do corpo na contemporaneidade. Nesta etapa são
utilizadas fotos de outdoor como fonte de analise da argumentação levantada,
enfatizando que as imagens devem ser vistas como textos a serem lidos. Com essa
investigação concluiu-se que, na linha da história, o corpo, essa singularidade
multifacetada, pouco a pouco parece perder sua inteireza, identidade sensorial e
liberdade. O corpo moderno tornou-se aquele que se afirma como identidade de
uma sociedade que glorifica o sistema econômico. Assim, o sujeito não consegue
agir de forma consciente permitindo uma identidade corpórea para a possibilidade
de existência na produção da história que o determina enquanto ser social. É nesse
sentido que a subjetividade torna-se comprometida com a objetividade ideológica,
reproduzindo na sua particularidade uma totalidade social que exclui o seu direito de
existência. Nesse contexto, o corpo passa a ser suscetível às sujeições que lhe são
impostas pelo modo moderno de produzir a vida e também pelos ditames da
Indústria Cultural que, através dos mecanismos de manipulação ideológica, ajudam
na impossibilidade do corpo de entender-se enquanto ação histórica e estabelecer
sua identidade. Acreditamos que uma educação do corpo, assim danificada pelo
conjunto de processos informativos que resultam em semiformação cultural
compromete aquilo que o ser humano poderia construir enquanto uma vida justa e
de rejeição à barbárie. Ou seja, a educação do corpo, danificada por tais princípios
de manipulão, tanto da consciência corpórea quanto a de sua situação no mundo
social, torna-se um obsculo para o esclarecimento (Aufklärung) e este é peça
fundamental para uma sociedade de indivíduos emancipados. Enfim, as reflexões
aqui levantadas serão de grande valia para se repensar as questões do corpo, bem
como a Educação Física como possibilidade educativa emancipatória.
Palavras –chaves: Industria Cultural, Semiformão Cultural, Educação do Corpo.
ABSTRACT
Considering the historical perspective that body is one of the places where the social
brands are exposed, besides it is the main way by where the questions of Physical
Education are treated, the possibility of exploring the theme body and culture” are
various. However, this study is centred at the reflection of a possible commitment of
the authentic and autonomous corporal conscious at the contemporary society, i.e.,
the existence of a body education that assumes forms more and more damaged in
place of the worthy formation. The work builds it self in the following way: the first
chapter shows how body has been treated at the history line, passing by antiquity,
medium age, formation of capitalism and modernism. The second chapter, when it
points out the historical context brings elements that show how the industrial model
determinate the way of social organisation where we live. In this line of investigation,
follows an analysis beyond the culture commercialisation process and the
presentation of concepts of “Industrial Cultureand “Cultural half-formation”. To finish
the investigation, the third chapter analyse, in lights of reflections developed by
classical studious of Frankfurt School, the corporal images exposed in outdoors to
discuss the conceptions of body spread out at the urban centres doing the possible
relations between damaged culture and body education at this days. In this step
outdoor photographs are used as font of analysis of the argument emphasising that
images must be seen as texts to be read. With this investigation we conclude that, at
the history line, the body, this multifaceted singularity, starts slowly to loose its
completion, sensorial identity and freedom. The modern body became that one that
affirms it self as identity of a society that glorifies the economical system. In this way,
the person can not act in a conscious way allowing a corporeal identity to the
possibility of existence at the history production that determinate that he is a social
being. It is in this way that subjectiviness become committed with ideological
objectiveness, reproducing a social totality that excludes his own of existence. In this
context, body became susceptible to what is imposed to it by the modern way of
produce life and by what Cultural Industry says too that, beyond the mechanisms of
ideological manipulation helps at the impossibility of body to understand itself as an
historical action and establish its identity. We believe that a body education,
damaged by the group of informative process that results in Cultural Half-formation
compromises what human being could construct as a joust life and rejection to
barbarian, body education, damaged by this principles of manipulation, of body
conscious and its social situation of the world, becomes an obstacle to clarification
(Aufklarüng) and emancipated and this is the fundamental piece for an emancipated
citizens society. Finishing, the reflections here showed will be very important to think
one more time about the body questions, as well as Physical Education as an
emancipator educative possibility.
Key words: Cultural Industry, Cultural Half-formation, Body Education
ÍNDICE
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................12
1. CAPÍTULO I O corpo na linha da história...........................................................24
1.1. Antigüidade e Idade Média ........................................................................25
1.1.1. Antigüidade.................................................................................25
1.1.2. Idade Média................................................................................31
1.2. Modernidade (O corpo moldado ao capital)................................................37
1.3. Um parênteses para o século XIX e XX.....................................................43
1.3.1. A ciência e a construção do homem no capitalismo...................45
2. CAPÍTULO II - Corpo, Cultura e Sociedade...........................................................52
2.1. O Homem e o Mundo..................................................................................53
2.2. Razão e Cultura Danificada........................................................................55
2.3. Indústria Cultural.........................................................................................59
2.4. Semiformão Cultural...............................................................................70
3. CAPÍTULO III – Corpos suspensos e emoldurados: a subserviência escancarada.........84
3.1. Imagens da educação no corpo...................................................................86
3.2. Os corpos suspensos e emoldurados..........................................................88
3.3. Implicações de uma educação do corpo na atualidade.............................100
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................108
5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................114
ÍNDICE DE FIGURAS
Fig. 01: Outdoor da campanha publicitária de uma loja de roupas femininas.......89
Fig. 02: Outdoor da campanha publicitária de uma loja de roupas femininas.......92
Fig. 03: Outdoor de uma campanha publicitária de lingerie..................................94
Fig. 04: Outdoor de marca de bolsas.....................................................................95
Fig. 05: Outdoor da campanha publicitária da loja de roupas ..............................97
Fig. 06: Outdoor de loja de departamentos...........................................................98
Fig. 07: Campanha de promoção de troca de óleo em posto de gasolina..........111
INTRODUÇÃO
“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente,
o que fazemos para mudar o que somos”
(Eduardo Galeano)
No que se refere às questões relacionadas com a área da Educão Física,
percebe-se que amplas são as discussões sobre os mais variados temas. Dentre
eles destacam-se diferentes manifestações da cultura corporal de movimento tais
como: o esporte, a dança, a ginástica, as lutas, as atividades relacionadas à saúde,
a educação física escolar, entre outras.
Entretanto, mesmo sabendo das diversas possibilidades de se tratar o corpo, o
conceito de Educação Física abordado nesse estudo é aquele ligado à intenção de
constituir uma prática formativa do e no indivíduo, ou seja, uma Educação do Corpo.
Nessa concepção, quaisquer atividades desenvolvidas corporalmente contêm uma
intenção educativa. Então passamos a pensar na formão do homem em todos os
aspectos de produção da vida. Falamos do homem que tem “o corpo como primeiro
plano de visibilidade humana, como lugar privilegiado das marcas da cultura (...),
como espaço de imposição de limites psicológicos e sociais” (VIGARELLO citado por
SOARES, 1999, p.05). Falamos de uma Educação Física que, sobretudo, deveria
servir como uma possibilidade de resistência e de uma atitude emancipatória.
Educar o corpo também é produto das relações de poder entre ciência, política e
cultura, envolvendo diversos interesses econômicos e sociais. Na linha da história, o
corpo, essa singularidade multifacetada, pouco a pouco parece perder sua inteireza,
identidade sensorial e liberdade. Enfim, fatores como o desligamento dos seres
humanos da totalidade (que reforça a crença no individualismo) e produção da vida
numa sociedade altamente racional acabam engendrando um indivíduo com o corpo
extremamente adestrado.
A modernidade é o período histórico onde se realizam mudanças decisivas para o
que vemos configurar como uma concepção de corpo na atualidade. Com o
desenvolvimento pleno das regras do capitalismo, a sociedade vai tornando-se
extremamente racional. No ocidente, o interesse pelo conhecimento é transfigurado
em ciência que luta para se impor com total credibilidade, pois deveria respaldar a
construção do homem necessário ao capital, ou seja, um homem produtivo. Esse
tempo apoia-se na crença desmedida pelo “progresso” e pauta as práticas sociais
nos pametros ditados pelos “métodos científicos”. Dessa forma, impregna a vida
do indiduo com pragmatismos onde tudo deve ser medido, classificado.
Nesse momento, a Educação do corpo estará intimamente ligada à construção do
novo homem e se expressará através dos gestos disciplinados e da saúde. Os
valores e hábitos corporais propagados com o desenrolar da sociedade burguesa
tiveram como alvo a consolidação de um homem saudável fisicamente, na mesma
medida em que tornava-se adequado física e moralmente aos padrões desta
sociedade emergente. O pensamento de produtividade, necessários à consolidação
do Estado burguês e da burguesia como classe foi gestando um pensamento
científico, que “cuidaria” do homem em seus aspectos mentais, intelectuais e
corporais.
Há, ainda, uma outra consideração de central importância: o século XIX será
primordial para entendermos os conceitos básicos sobre o corpo e sua utilizão
como força de trabalho. Além disso, a construção do novo homem é engendrada em
todos os espaços: no campo, na cidade, na fábrica, nos lares, na escola e na família.
A Educação Física como ponto de partida e de chegada
“A experiência não é o que aconteceu com você,
mas o que você fez com o que aconteceu”
(Audous Huxley)
A Educação Física, entendida como prática de homens concretos, determinada
hisrica e socialmente, logo, sujeita a contradições e conflitos sociais e individuais,
assumiu em sua existência histórica categorias que vão ao encontro da perspectiva
da transformão ou da reprodução das relações sociais tal como se apresentam .
Entretanto, nos moldes do capital, a Educação de uma maneira mais ampla e
conseqüentemente a Educação Física vem desempenhando o papel burguês à
medida que não assume uma visão crítica do processo. Mesmo apresentando várias
conotações (a higienista, a militarista, a pedagogicista, a competitivista, entre
outras), quase não mudou seu suposto objetivo histórico: atender às necessidades
burguesas dando continuidade ao modo de produção capitalista. (GUIRALDELLI
JR., 1988, p.33) Através da forma como os conteúdos da cultura corporal são
tratados, acaba interferindo na forma como a Educação Física transmite os valores
dominantes.
longo tempo essa área de conhecimento específica vem concentrando seu ato
pedagógico, principalmente, nos aspectos cnicos, baseando-se
metodologicamente na fisiologia e na biologia, buscando sempre a perfeição dos
movimentos corporais em detrimento de aspectos tão imprescindíveis em nossa
época como os conhecimentos históricos, filosóficos, econômicos e políticos.
Justaposto a esses conhecimentos destaca-se a importância da experiência
sensorial e experiência formativa com os fenômenos da cultura corporal de
movimento.
No que concerne à prática da Educação Física dentro do contexto escolar, o
esporte, que segundo o COLETIVO DE AUTORES (1994) se encaixa na
denominação de esporte na escola, manifesta-se como um de seus principais
conteúdos, tornando-se muitas vezes o aspecto que a legitima. Todavia, salienta-se
que o problema o é o esporte em si, mas a forma como ele se produziu na
sociedade capitalista. Ele vem se constituindo como estratégia burguesa de
relacionar a prática corporal à vida social do indivíduo que, no entanto, o se
apresenta de outro aspecto que o o funcional, isto é, adequando seus praticantes
à atual estrutura, sem, contudo, refleti-la, compreendê-la ou contestá-la. A prática do
esporte de acordo com a forma burguesa de concebê-la, parece forjar um indivíduo
“conformista, feliz e eficiente. Outra faceta do esporte na sociedade capitalista é sua
estreita relação com o mundo do consumo.
Para complementar essa abordagem sobre a esportivizão da Educação Física
escolar recorremos às palavras de Francisco Mauri de Carvalho Freitas (1995, p 07),
que sempre ao tom de seu peculiar palavreado, observa que na Educação Física
sem matiz, incolor, amorfa politicamente, o desporto se concebe como fenômeno
desculturado, construído por ‘generatio aequivoca’ (geração espontânea) e portanto
despolitizado.
As considerações feitas anteriormente caracterizam uma Educação sica sem
continuidade de conteúdos, demasiadamente cnica, antieducacional,
esportivizada, tornando-se muitas vezes desapropriada às necessidades históricas
dos sujeitos no processo social. Em suma, pratica social desvinculada da realidade
no que se refere às possibilidades de resistência e/ou atitude emancipatória.
Recentemente a Educação sica escolar é mais marginalizada porque não serve
necessariamente para impor um determinado modo de vida como aconteceu nas
décadas de 1930 e 1940 no Brasil. Nessa época, tal disciplina da grade curricular
era primordial na formão de um homem higiênico, “reto e patriota que iria
representar o fortalecimento da nação
1
, configurando-se como aparelho ideológico
do Estado. As investidas da Indústria Cultural na atualidade dão conta de moldar a
consciência (também corpórea) dos sujeitos a uma sociedade pautada no
individualismo, no consumismo e nas regras do capital.
1
Reflexões realizadas tendo por base o estudo de Katia Danailof “Corpos e Cidades: lugares da Educação”
Dissertação de Mestrado –Faculdade de Educação – Unicamp Campinas – 2002.
Ao contrário do que acontece com a Educação Física escolar, o corpo ganha
enorme visibilidade na contemporaneidade histórica porque se tornou objeto de
manipulação ideológica à medida que se transformou em mercadoria. O corpo é o
centro das atenções em vários segmentos da sociedade, mesmo que essa atenção
seja na esfera da aparência para o consumo e o discurso sobre o mesmo desprovido
de historicidade
2
e significado real à contribuição de uma vida humana mais justa.
Nessa visibilidade do corpo, as atividades físicas relacionadas à saúde e
principalmente à estética corporal tornam-se coqueluche entre os indivíduos,
envolvendo nesse contexto um padrão de corpo estereotipado, alienado e
fetichizado que corresponde aos mais perversos mecanismos de manipulação
subjetiva que pouco tem a ver com qualidade de vida.
Partimos da Educação Física quando decidimos discutir a educação do corpo e a ela
retornamos por apresentar-se como uma das formas possíveis de “organizãodo
corpo, de uma educação do corpo pelas experiências formativas dignas, atendendo
a interesses coletivos e pessoais. Na medida em que agrega o biológico, o simbólico
e o pedagógico, essa área de conhecimento configura-se como uma possibilidade
formativa no sentido da emancipação.
Cabe destacar que, embora tenham sido elencadas aqui as especificidades da área
da Educação Física não se pode perder de vista que as questões formativas
engendradas na sociedade refletem-se no aspecto educacional institucionalizado (na
escola), como por exemplo a falta de um projeto educacional mais responsável e/ou
a negligência do Estado no compromisso com uma formão digna e verdadeira no
âmbito da educação formal.
Portanto, não se trata de culpar a Educação Física e os profissionais que nela atuam
pelo fato de conceberem uma educação danificada. Isso deve também ser
considerado, mas o foco da atenção para o entendimento da formação dos sujeitos
deve se dar no plano mais geral da sociedade, na sua conjuntura, que é o elemento
que deve ser posto em questão como originário de muitos fatores externos à boa ou
2
O uso da expressão desprovido de historicidade” se deve ao argumento de que, embora o corpo esteja na
história, e nesse sentido ele é repleto de historicidade, a consciência histórica não se fala no sujeito.
má vontade dos profissionais da Educação sica ao repassar conteúdos
ideológicos.
A teoria crítica como referencial teórico
“Todas as teorias são legítimas e nenhuma tem importância, o que
importa é o que se faz com elas.” (Jorge Luiz Borges)
Refletir sobre essas questões remete aos conteúdos que fundamentam a
perspectiva de abordagem dos objetos sociais estabelecidos pela Teoria Crítica.
Esta constitui uma teoria que objetiva a reflexão crítica da sociedade e elege a crítica
à razão instrumental como um dos maiores alicerces de reflexão. A reflexão dialética
tornou-se a essência dessa teoria, no qual a razão constitui-se, muitas vezes, o
elemento desestabilizador da sociedade ao mesmo tempo em que pode remeter a
uma sociedade mais justa.
Na Teoria Crítica, cultura e formão cultural formam outro alicerce para as reflexões
concernentes a reprodução social. Para Bruno Pucci e Antônio Álvaro Soares Zuin
(1995), foi a partir do momento que a cultura se transformou em Industria Cultural,
que a manipulação da consciência tornou-se massificada. Daí a relevância da
cultura constituir-se como uma das principais atenções dos pensadores críticos.
Mais do que uma proposta teórica, a Teoria Crítica compõe uma forma concreta de
resistência, “resistência ao irracionalismo da barbárie fascista, do autoritarismo
estalinista, da semicultura capitalista. Resistência individual e coletiva, resistência
através da razão, da cultura, da educação, da arte” (ADORNO citado por PUCCI,
1995, p. 29.). Considera-se ainda que a primeira regra para a Teoria Crítica é a
orientação para a emancipação, fator importante que deve permear todo o estudo.
A partir das reflexões de Theodor Adorno (1903 1969) e Max Horkheimer (1895
1973), a Indústria Cultural transformou-se em categoria explicativa da dominação
cultural no capitalismo monopolista/decadente. Nesse sentido, Theodor Adorno
enfatiza que a Indústria Cultural determina toda a estrutura de sentido da vida
cultural pela racionalidade estratégica da produção econômica, que se inocula nos
bens culturais enquanto se convertem em mercadorias; a própria organização da
cultura, portanto, é manipulatória dos sentidos dos objetos culturais, subordinando-
os aos sentidos econômicos e políticos, logo, à situação vigente.” (ADORNO, 1985,
p.21)
Adorno (1985) também aponta que a formação cultural torna-se o caminho para a
emancipação humana, mas também, pode converter-se no seu contrário: a barbárie.
No âmbito dessas possibilidades, através dos elementos da cultura na sociedade
atual, é possível uma reflexão sobre a educação do corpo a partir da exposição das
contradições imanentes do processo de (semi) formação cultural sob a égide do
capitalismo decadente; até porque “a reprodução da sociedade es diretamente
ligada à produção [reprodução] e distribuição de suas mensagens culturais
(GIROUX, 1997, p. 113).
Sobretudo, é preciso não apenas levantar preocupações com o que a sociedade
inclui de concreto em sua tarefa formativa, mas, sobretudo, no que é difundido como
normas e valores culturais, sendo tais explícitos ou ocultos. Assim, parece ser
significativo compreender o modo como a Industria Cultural e a semiformão se
inserem e influenciam a constituição do corpo enquanto momento particular que não
oculta o universal. Principalmente quando Herry Giroux (1997) expõe que “aquilo
que não é dito é tão importante quanto aquilo que é dito”.
A Conjuntura (Teoria Crítica e Corporeidade)
“Não somos, de maneira nenhuma escravos de nosso
destino. Mas seus donos e criadores; o destino é
inevitavelmente nossa própria e exclusiva obra”.
(Helena Blavatsky)
As reflexões dos pensadores da Escola de Frankfurt, especialmente as de Adorno e
Horkheimer, relacionadas à amplitude e a influência dos fenômenos culturais sobre a
formação dos indivíduos, e consequentemente sobre a educação do corpo parecem
atuais, pois o corpo o se reduz aos seus aspectos biológicos e sim possui relação
intima com a cultura, política e economia que socialmente são determinantes.
No processo de consolidação da sociedade burguesa a cultura foi submetida às
regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria, baseada na idéia e na
prática do consumo de produtos. Sob a égide do capital, a cultura tende a constituir-
se como instrumento de inclusão num modelo de sociedade burguesa, tido como
ideal para impor um sentido prejudicado de subjetividade, que, por sua vez
incorpora-se como fator objetivo de reprodução material da sociedade. Ou seja, a
própria cultura se torna um instrumento útil à dominação.
Nesse sentido, a formação do sujeito no capitalismo transforma os bens culturais em
mercadoria e os indivíduos em consumidores desses bens. Produzido não pelas
massas, mas para elas, os bens culturais não são também mercadorias, mas
somente mercadorias. Ao transferirem a importância da cultura de seu conteúdo
para seu lucro, homogeneizam-na.
No pensamento frankfurtiano, o resultado desse processo de enfraquecimento da
formação cultural, devido à relação dos homens com os elementos da cultura,
produziu uma formão cultural danificada, ou o que eles chamaram de
Semiformação Cultural
3
. A semiformação trabalha no âmbito da subjetividade e
encontra na Indústria Cultural um meio privilegiado para sua existência. A Indústria
Cultural impossibilita o acesso dos trabalhadores a todos os pressupostos para uma
formação cultural digna. Assim, a formação cultural, ao ser danificada resulta em
semiformação.
Nesse contexto, a semiformação não pode ser refletida, pura e simplesmente, na
dimensão pedagógica, mas deve penetrar pelos meandros da reflexão social e
filosófica. A Indústria Cultural, por trabalhar com a consciência e a inconsciência dos
indivíduos, mantém o controle subjetivo de milhares de sujeitos solapando uma
construção corporal autêntica e legitimando o processo de coisificação do corpo no
processo de produção.
3
Estudiosos da Escola de Frankfurt alertam que a palavra semiformação pode deixar a entender que se trata de
uma de uma formação pela metade, entretanto a Semiformação não é a carência ou falta de cultura/conteúdos
culturais, mas a apreensão de uma cultura com sentido formativo prejudicado.
A cultura construída social e historicamente passa a transmitir, pelos grilhões da
Indústria Cultural, a escravização do padrão único, a negação do diferente, a
negação do dissonante: o arcabouço da lógica do sempre igual”. Esse processo
permitiu o aparecimento dos estereótipos que, através de signos ocos, impõem
carregados de ideologia.
No que concerne aos meios de comunicão no Brasil, vemos que em sua maioria
acabam por definir qual “cultura” (ou “anti-cultura”) o indivíduo deve ou não ter
acesso, como ele deve se comportar, como deve ser, o que ele deve pensar e sentir.
A dominação e manipulação se lançam de maneira estrondosa no íntimo espaço
particular, nos próprios lares e meandros da vida cotidiana dando forma a uma
sociedade administrada”. Uma sociedade pautada na ganância, no individualismo,
na competição exacerbada, com indivíduos preocupados em sobreviver num mundo
globalizado.
De alguma forma os indivíduos acabam sendo cercados pelos mais diversos
mecanismos de dominação e alienação, que reduz ao máximo as reações
opositoras, passando a desacreditar e muitas vezes a não se darem conta da
necessidade das formas de contestação coletiva, da reflexão sobre o próprio
homem, os meandros da sociedade, da participação, permanecendo imersos na
banalidade humana, na passividade
O estudo
“Porque arriscar-se a ser seguro se é muito mais divertido ser original”
É característica marcante na literatura voltada às discussões da Educação Física a
reflexão acerca das crises que ela tem enfrentado ao longo de sua caminhada
hisrica. Entretanto, dentro desta crise da Educação Física há outra que diz respeito
à educação do corpo e que pouco tem sido discutida, mas que é conseqüência
também de uma determinada forma de ser da Educação Física na sociedade
capitalista.
Sendo esta área de conhecimento manifestação humana inerente a uma referida
sociedade concreta, historicamente situada, a mesma caracteriza-se como atividade
mediadora no seio da prática social global. Portanto, torna-se necessário enfatizar
seu caráter contraditório/dialético, podendo manifestar-se a favor da transformação
ou da reprodução social, envolvendo em seu interior as variadas crises e problemas
para a disputa de objetivos distintos e antagônicos.
Considerando esse estreitamento da Educação Física com a realidade social é
inevitável que ela esteja intimamente ligada o somente com as questões
específicas da sua área de conhecimento, mas também da formação humana de
maneira ampliada. Esta formão extrapola os meios educacionais
institucionalizados e passa por todas as esferas formadoras da consciência dos
indivíduos na sociedade, até aquelas que aparentam ser mais ingênuas.
Nesta perspectiva, questões formativas do imaginário social, que ultrapassam os
limites do ensino escolar, não devem ser desconsideradas no entendimento do
processo de formação dos indivíduos na sociedade brasileira atual. Os conteúdos
informacionais veiculados pela Industria Cultural acabam interferindo na
autenticidade da construção corpórea à medida que veiculam a ideologia dominante.
Considerando a perspectiva histórica de que o corpo é um dos locais onde as
marcas sociais são expostas, além de ser o meio principal pelo qual as questões da
Educação Física são abordadas, a possibilidade de se explorar o tema "corpo e
cultura" são diversos. Entretanto, neste momento estamos centrados na reflexão de
um possível comprometimento da consciência corporal autêntica e autônoma na
sociedade contemporânea, ou seja, a existência de uma educão do corpo que
assume formas cada vez mais danificadas em detrimento da formação digna.
É Interessante observar que a Indústria Cultural reforça e naturaliza um determinado
tipo de educação corporal, portanto, exerce o papel de legitimão do processo de
alienação determinado pelo processo de produção social que ela é produto da
sociedade capitalista.
Neste ponto destacamos a formação de diversas concepções de corpo alienantes e
estereotipadas que se caracterizariam como um fator de enfraquecimento do
indivíduo no movimento da teia social. Essa educação do corpo comprometida na
perspectiva dos estereótipos veiculados pela Indústria Cultural acarretaria uma falsa
consciência corporal, pois, se as experiências se realizam através de estereótipos, a
possibilidade da conquista da autenticidade acaba prejudicada e o sujeito debilitado.
Voltando a questão da formação do indivíduo, a priori, a Industria Cultural foge do
âmbito educacional institucionalizado, mas acaba influenciando na formação
humana, a medida em que veicula a ideologia de maneira sutil na vida cotidiana dos
sujeitos. Alguns conteúdos ou facetas da Indústria cultural podem ser pensados
como uma cultura danificada que causa interferência sobre a formão do indivíduo
no capitalismo tardio. Isso nos leva a seguinte indagação: qual a relação entre a
concepção de corpo veiculada pela Industria Cultural e a educação do corpo na
sociedade contemporânea?
Esse estudo se propõe analisar de que forma as imagens corporais veiculadas pela
indústria cultural nos centros urbanos acarretam em si um fator preponderante na
educação do corpo. E ainda, como acabam refletindo uma determinada concepção
de corpo alicerçado na racionalidade técnica que vem se construindo desde a
modernidade.
Para garantir a organização das idéias ao longo desta investigação optou-se por
dividi-la em três capítulos. Devido à preocupação de tratar o corpo numa perspectiva
hisrica relacionada à formão do homem para posteriormente analisarmos a
concepção de corpo na atualidade, o primeiro capítulo destina-se a apontar como o
corpo vem sendo tratado na linha da história, passando pela antigüidade, a idade
média, a formação do capitalismo e a modernidade. Tamm foi abordada a questão
de como a modernidade vem destruindo a possibilidade do corpo de construir na sua
autenticidade.
O segundo capítulo, ao situar o contexto histórico, apresenta elementos que
demonstram como o modelo industrial determinou o modo de organização social em
que vivemos. Dentro dessa linha de investigação, segue uma análise acerca do
processo de mercantilização da cultura e a apresentação dos conceitos deIndustria
Cultural” e “Semiformação Cultural”.
Para encerrar a investigação o terceiro capítulo analisa, à luz de reflexões
desenvolvidas pelos pensadores clássicos da Escola de Frankfurt, as imagens
corporais expostas na forma de outdoors para discutir a concepção de corpo
difundida nos centros urbanos fazendo as possíveis relações entre a cultura
danificada e a educação do corpo na contemporaneidade e como essas imagens
refletem uma educão do corpo ao mesmo tempo que educam o corpo na
atualidade histórica. Nesta etapa são utilizadas fotos de outdoors como fonte de
analise da argumentação levantada, enfatizando que as imagens devem ser vistas
como textos a serem lidos.
Acredita-se que as reflexões aqui levantadas serão de grande valia para se repensar
as questões do corpo, bem como a Educação Física como possibilidade educativa
emancipatória.
CAPÍTULO I
O CORPO NA LINHA DA HISTÓRIA
Referindo-se a história européia, ADORNO (1985) diz que ela consiste no destino
dos instintos e paixões humanas recalcados e desfigurados pela civilizão.”
Portanto, admite a existência, em outro momento, de homens com instintos livres.
Pensar em um corpo livre é pensar num corpo equilibrado, ou seja, em estado de
harmonia com a natureza terrestre e humana. Os homens primitivos, talvez sejam
aqueles cujos corpos mais se aproximaram desse conceito pois desfrutavam uma
vida onde o trabalho e o corpo não estavam associados a uma organização de vida
imposta pelos ditames de uma determinada “civilização”. A sensorialidade e a
corporeidade eram vividas plenamente na produção da vida.
A civilização, com suas ambigüidades, acarretou, entre outras coisas, uma mudança
na relação com o corpo. Um corpo que outrora era livre passa a atender às
necessidades específicas de um modo de vida e também a configurar-se como
agente reprodutor de interesses hegemônicos.
Partimos do pressuposto de que a forma de tratar o corpo está extremamente
relacionada à forma que a sociedade se organiza. Portanto torna-se fundamental a
recuperação do contexto social de alguns períodos históricos distintos para
entendermos as concepções de corpo que antecedem a forma social assumida pelo
capitalismo hoje, pois não bastaria verificar apenas a concepção de corpo na linha
da história e na atualidade mas entender os motivos que fizeram com que
determinado enfoque aparecesse em determinado momento histórico.
A transição de uma forma de viver para outra, não pode ser marcada em uma data
do calendário, pois es acompanhada pelo nascimento e estruturação de outra
forma de pensamento que acarreta uma negação da antiga forma de viver. Ao se
caracterizar o corpo na sociedade contemporânea, não se pode deixar de situá-lo
numa certa contextualização histórica que permite entendê-lo nos seus limites e
possibilidades atuais. Nesse caso, nosso recorte analisa dois momentos distintos: o
período que antecede a modernidade ou a concepção de mundo burguês e
modernidade.
Antigüidade e Idade Média
A antigüidade e a Idade média foram períodos bastante peculiares no que concerne
à educação do corpo. Esse períodos históricos possuem características marcantes e
bem distintas entre si e poderão contribuir para uma reflexão crítica e imanente da
educação do corpo atualmente difundida.
Antiguidade
A literatura grega é dividida e classificada pela historiografia em três partes: Idade
nica, Idade Ática e Idade Helenística. Nesses períodos destacaram-se alguns
autores importantes para compreendermos a antigüidade. Homéro e Hesíodo, na
Idade Jônica, Platão e Aristóteles na Idade Ática o os mais expressivos.
Priorizamos em nossa abordagem da concepção de corpo grega o período da
Grécia antiga por expressar nuances que se estenderão até a Idade Média.
Antecedendo a Grécia Clássica (século V e IV a.c.) existiu a Grécia Gentílica que foi
marcada por duas fases distintas, o período homérico e o período arcaico. Estas são
duas organizações sociais diferentes e que em determinado momento travam um
processo de luta pela permanência ou transformão de alguns ideais. A forma de
se conceber o corpo e sua educação também são distintas.
A analise dos poemas épicos do poeta Homero, principalmente “A Ilíada“ (s.d) dão
subsídios para falarmos do período heróico da Gcia antiga. Homero e sua obra
o expressões da realidade vivida pelos homens em determinado período, através
dos quais podemos entender o comportamento daqueles homens, a visão que
tinham do corpo ou do tratamento dado a ele para que as necessidades fossem
satisfeitas.
Nesse momento os homens mantinham fortes vínculos familiares com a terra, da
qual tiravam seu sustento e enterravam seus antepassados. O conceito de
propriedade privada não existia, ou seja, tudo que estava sobre ela era de posse
comum. Notamos nos poemas homéricos uma referencia à paternidade no sentido
de prestígio sempre que se falava de algum herói que se orgulhava por um dia poder
ser enterrado junto com seus antepassados.
Na medida do possível os homens trabalhavam nas terras onde ficava sua família
(os genos). Porém, as pobres características naturais do local, em virtude da
localizão geográfica da Grécia, impulsionavam os homens a recorrerem aos
saques como atividade necessária a subsisncia. Para saquear era necessário
guerrear.
Sendo a posse da terra comum e a guerra a atividade responsável pela existência
da sociedade, podemos afirmar que o conceito de indivíduo, tal como entendemos
hoje era impossível sob tais condições. Era preciso aos homens um sentido de
coletividade para alcançarem seus objetivos. Fazer parte de um todo era
imprescindível à vida. Carlos Herold nior (1997) em suas analises acerca da
sociedade grega observa que
“o homem era pensado como parte de um todo, sendo sua
vida, sua morte e seus atos julgados, avaliados e enaltecidos
de acordo com a importância que tinham na prosperidade da
organização social na qual viviam. (...) Podemos ver que a
exaltação do herói não chega a caracterizar-se como culto ao
indivíduo que realizava proezas na guerra, mas sim a exaltação
da família a qual é beneficiada por este ou aquele heroísmo.
(...) Assim, Aquiles, Agamenon, Nestor, são corporificações da
tribo ou organização a qual representam (HEROLD JÚNIOR,
1997, p.1538)
Com esse destaque da guerra e da coletividade, as qualidades físicas do homem
guerreiro eram extremamente valorizadas pois o corpo forte, robusto e ágil atendiam
às necessidades colocadas pela prática social. Portanto tudo o que era contrário a
essa concepção de homem, tanto no sentido corporal como no sentido psicológico
(a fuga, a covardia, a fraqueza do corpo e do espírito) era acompanhado de severas
críticas.
Nas descrições de Homero o corpo era valorizado de duas maneiras. Primeiro na
exaltação das qualidades físicas dos heróis que ao defenderem com destreza sua
pátria, eram com orgulho elogiados pelo corpo social. Segundo no realismo com que
as cenas de morte e sepultamento eram narradas.
A forma de organização da Grécia nesse momento o colocava como imperativo
qualquer meio de conscientização para que os homens fossem dotados de força,
destreza e coragem porque esses requisitos eram necessários à conservão da
vida eo uma opção. Não era necessário treinar o indivíduo para a guerra,
preparando-o para tal, a própria prática dos homens encarregava-se desse “papel
educativo”.
Apesar das obras de Homero representar bem essa concepção de homem e de
corpo existente na Grécia antiga, pode-se perceber tamm, alguns vestígios de que
a organização social em questão estava apresentando sinais de desgaste. Os
germes da transformação social comavam a se colocar e algumas práticas iniciam
um quadro de declínio. Um exemplo é a desavença entre Aquiles e Agamenon em
“A Ilíada indicando um posicionamento oportunista e egoísta de Agamenon
quando se acha no direito de ficar com quantidade superior aos demais na divisão
dos saques. Da mesma forma verifica-se a posição de Aquiles, que reclama pelos
bens que não recebera. Essas posturas contradizem os prinpios de coletividade
cultivados no momento.
Seguindo o mesmo princípio, a moral guerreira e a força corporal dos homens, antes
inquestionável e absoluta, começam a entrar em decadência. De uma forma mais
desacortinada, Hesíodo retratará essa nova condição social que passa da
valorização da guerra para a valorização do trabalho. Os valores coletivos também
o se converter em valores individuais pois um homem só se preocupa com o outro
na medida que prejudica ou é prejudicado em seus interesses. Nesse contexto a
forma de conceber o corpo tamm passa por reformulações.
Hesíodo (1991) começa a delinear aquilo que será sua preocupação central: a nova
forma como os homens devem viver. O sustento dos homens não mais se daria
pelos saques obtidos nas guerras e sim pelo trabalho. Hesíodo relata sobre a
diferença entre o homem homérico e hesiódico na lenda das cinco raças. A raça de
bronze representa o antigo homem guerreiro que tem no seu físico as virtudesem
desuso e por isso muitas vezes é zombado e criticado, sinalizando que o valor
guerreiro já não mais responde às necessidades dos homens.
Em contrapartida, a raça de ferro caracteriza-se por aquela que sobrevivecom o
suor de seu rosto. Entretanto ao trabalho não é atribuído o prazer e o amor que
eram concernente à guerra. Sua necessidade para a sobrevivência não o eximia de
causar sofrimento aos homens.
Essa nova forma de produzir a vida acaba causando mudanças de valores. Como o
indivíduo basta-se a si mesmo, os laços familiares se quebram, tanto afetivamente
como hierarquicamente. Se antes todos se uniam e, juntos lutavam, literalmente,
pela sobrevivência da sociedade, agora a luta é entre indivíduos.(HEROLD JÚNIOR,
1997, p. 1541). Assiste-se também a desagregação dos genos e consequentemente
o processo de formação das cidades-estados ou pólis. Na pólis se engendra a
divisão da sociedade em classes e o surgimento do aristocrata rural (um grande
proprietário de terra) e o comerciante.
A produção da vida na sociedade grega começa então a se realizar através da
agricultura, do artesanato e do comércio. Era mais valorativo viver do cultivo da terra
do que das guerras. Dessa forma, o corpo passa a desenvolver-se fisicamente
pautado nas qualidades requisitadas aos trabalhos de agricultor. Entretanto, esse
corpo destinado ao trabalho era para os homens que não possuíam terras (escravos
e camponeses).
O trabalho braçal é valorizado apenas no sentido econômico produtivo mas ainda é
tido como algo digno e construtivo para a prática humana. Aos aristocratas cabia
possuir um corpo modelado, desenvolvido a partir dos jogos e práticas atléticas. Pois
o ser belo, ter corpo escultural (como os deuses) servia para preservar o poder
pessoal através de uma postura dominadora.
Embora Hesíodo fale das transformações reais de uma sociedade, onde a principal
mudança era a conversão do coletivo para o individual, considera que elas não são
perfeitas. A predominância do interesse individual faz Hesíodo pensar em valores
que devem existir mas não existem. Se na prática existe a cobiça, a inveja, o
egoísmo, elas devem ser freadas com a idéia de justiça, ou seja a instituição de leis
para conter os “excessos” dos homens.
Nesse interim, o corpo, expressão máxima do homem guerreiro, torna-se menos
importante que o trabalho, a palavra e a habilidade de fazer leis, o que deixa
explícito que a antiga necessidade do corpo forte e ágil está se tornando
ultrapassada. Herold nior (1997, p. 1543) observa numa passagem da Teogonia,
de Hesíodo, “a inteligência e a língua são um tesouro(...)”.
Ao contrário do que Hesíodo pensava em relação ao trabalho
4
, esse adquire valor
estritamente funcional pois deveria estar a serviço da acumulação de riquezas para
a aristocracia e liberação destes para o ócio e não promover uma vida justa a todos
os homens. Dessa forma, o corpo passa a ser visto somente como instrumento de
trabalho, mão de obra.
Essa forma de conceber o trabalho ainda permanece por todo o período da
antigüidade, mesmo na fase onde Platão e Aristóteles atestam o valor dos exercícios
físicos e os colocam em igualdade às manifestações artísticas e culturais na
formação do homem, além de terem especial contribuição higiênica e terapêutica.
“A Grécia, entrou em ruína, mas deixou para a posteridade (o
Império Romano) sua ideologia sagrada e o valor dos
exercícios físicos como agente da educação” (...) Roma se
desenvolve numa terra onde havia duas civilizações (...). Da
Grécia, herdou Roma sua cultura, mas sua civilização se
caracterizou pelo seu espírito prático e utilitário.” (RAMOS,
1982, p89)
Portanto percebemos que coma a configurar-se uma distinção no trato com o
corpo que se caracteriza de duas formas: o corpo como força física para o trabalho e
o corpo sendo cuidado, esculpido para expor uma aparência bela e obter êxito nos
4
O poeta Hesíodo não associava trabalho à acumulação desenfreada de riquezas nem com a miséria do mau
pagamento, mas apenas com a dignidade de uma existência virtuosa.
jogos e demonstrações físicas. No segundo caso isso era obtido através da
realização de exercícios e jogos manifestados nos ginásios da Grécia Clássica.
Na civilização grega, as atividades corporais como os
desportos e a ginástica constituíam-se como requisitos de
cultura para a formação integral do homem. (...) A educação
corporal tinha lugar de destaque, adquirindo padrões de
eficiência educacional, fisiológica, terapeutica, estética e moral
compatíveis, dentro das limitações da época” (RAMOS, 1982,
p. 96)
As contínuas guerras enfraqueceram os estados gregos. Disso se aproveitou Felipe
da Macedônia, para estender seu domínio sobre a totalidade do território. Sob o
comando de Alexandre, após grandes vitórias militares, foi estabelecido vasto
império. Morto o grande conquistador, tudo se desfez; formaram-se os estados
helênicos. Resultante da fusão da cultura grega com a dos povos orientais surgiu a
chamada civilização helenística.
Mais tarde, sobretudo após a conquista romana, a Grécia entrou em decadência.
Roma assumiu a liderança do mundo constituindo o chamado Império Romano. No
Império Romano, as atividades relacionadas ao corpo estruturam-se segundo alguns
fatores referentes à dinâmica social. Consequentemente evidenciam formas
distintas que o Império Romano paulatinamente transfigurou-se num quadro de
ruína.
Primeiramente, no tempo da monarquia romana, os exercícios físicos destinaram-se
a preparação militar dos soldados para defender Roma. No tempo dos cônsules
predominou a preparação guerreira devido aos tempos de conquista de territórios,
porém foram retiradas algumas práticas higiênicas e esportivas que vigoraram na
Grécia. No tempo do Império mantiveram-se as práticas anteriores que pouco a
pouco foram sendo abandonadas, salvo o especulo circense, tão cruéis e
sanguinários como os combates dos gladiadores que visavam o entretenimento dos
imperadores.
Com o tempo, os romanos, inspirados nos jogos gregos, procuraram criar os seus
jogos, porém, sem o brilho helênico que as atividades realizadas eram orientadas
para os adestramentos militares. Entretanto, os artistas romanos sempre estiveram
motivados pelos exercícios físicos, sobretudo no campo da escultura e da
arquitetura. Ao lado de obras de arte, Roma conserva, até hoje as recordações de
suas admiráveis instalações esportivas. As termas, o circo, o anfiteatro e os estádios
constituíam os principais locais de práticas corporais, embora normalmente
abastardadas nas finalidades de uma atividade corporal racional.
Depois de largo tempo de explendor, junto ao surgimento de um novo conceito de
vida com o Cristianismo, o abastardamento do povo, as lutas políticas e as práticas
sangrentas e amorais acarretaram a decadência de Roma, completada com a
invasão dos germanos.
Idade Média
A negação da antiga forma (antigüidade) coma a acontecer a partir da era cristã,
quando ocorrem sistemáticas modificações no interior do Império Romano. Crises
econômicas e a perda da função social da antiga educação levam a alteração no
pensamento do homem sobre a vida que leva.
A forma de produzir a vida se transforma no momento em que a relação social de
servidão substitui o escravismo. Essa transformão não se dá em momento
definido, mas sim no momento em que a sociedade cria novas necessidades para a
sobrevivência; necessidades estas evidenciadas nos acontecimentos políticos,
culturais e religiosos que paulatinamente vão dando outro contorno ao pensamento
humano vigente.
A formão do novo pensamento es diretamente relacionada ao despontar da
nova era cristã, que dava uma nova forma de conceber a dependência dos homens
a Deus e também ao estabelecimento de uma hierarquia de deveres que se
expressavam na obediência onde todos os homens de diferentes níveis teriam de
obedecer ao “plano divino”.
Temendo ao castigo e tamm por dever de consciência é que os indivíduos se
submetiam às “autoridades cristãsque representavam Deus. Nesse momento, em
toda a história da igreja, que antes era tido como movimento clandestino, ela está
tendo uma organização digna de se tornar a nova organização dos homens
baseados em direitos e deveres que vão se tornando mais claros, à medida que a
servidão se impõe em detrimento do escravismo.” (NAGEL, 1996, p.12).
Após o triunfo do cristianismo, por volta do século VIII, ocorre um formal início da
Idade Média. Com a permanência da hierarquia da obediência, a igreja se fortalece
cada vez mais e consequentemente conseguia manter uma estrutura social pautada
no trabalho subordinado ao poder espiritual.
O período de supremacia cristã se deu, principalmente devido ao empobrecimento
cultural, pelo qual a igreja católica passou e, acima de tudo, expressou a
possibilidade de vida desse período. Destruída a sabedoria que simbolizava a
Grécia antiga restava a “ignorância” sobre o mundo dos homens.
O feudalismo é um modo de regime resultante do enfraquecimento do poder central
e que une estreitamente autoridade e propriedade de terra, estabelecendo entre
vassalos e suseranos
5
uma relação de dependência.
A igreja católica representa uma unidade que se torna política nessa sociedade onde
um terço das terras do mundo feudal lhe pertenciam, o que a caracterizava como o
“maior dos senhores feudais”. Despalhar por todos os lugares o culto ao divino.
Portanto, a característica de ter a alma (essa alma ter sido criada por Deus) exige
que todo o empenho educativo dirija-se ao aprimoramento espiritual, religioso de
cada um.” (NAGEL, 1985, p.15)
A expressão da formação do homem da Idade Média eram os mosteiros que
disseminavam as regras de moralidade, exercendo assim uma influência sem
precedentes no ensino. Com a afirmão da em Deus e a negação das ciências
dos homens, o ensino se pautava no ascetismo, disciplina, contemplação, jejum,
penitência, flagelação, extorsão, exercícios exaustivos, uso de roupas
desconfortáveis e insuficientes, silêncio, desrespeito ao cultivo do intelecto e do
estético.
5
Na Idade Média havia uma relação de dependência entre proprietários de terra e camponeses (vassalo). O
proprietário de terra, ao ceder parte dela a um indivíduo tornava-se o suserano e recebia em troca a prestação de
servos de quem recebeu a terra tornando-se seu vassalo. Criava-se assim um vinculo pessoal entre suserano e
vassalo.
A crise desencadeada pela ruína do Império Romano permitia ao pensamento a
suposão imediata de um mundo fora do controle dos homens, favorecendo ainda
mais o domínio da superstição. O mundo se explica pelo “bem” (Deus) e pelo “mal
(demônio), onde o bem se identifica com a negação do corpo físico, com a negação
da natureza humana imutável, que é condenada à danação contínua, perpétua.
A negação do conhecimento dos homens e a afirmação da para Deus levam ao
cultivo “intelectual”, aqui no sentido contrário ao de corpo. Os assuntos escolares
centravam-se na vida dos santos, contos de ordem moral, comentários bíblicos ou
resumos condensados, destruídos na sua essência, que devem ser reproduzidos
com absoluto rigor em relação à síntese cristã já feita.
Nesse contexto, nota-se o desprezo pelo corpo e o culto somente da alma. Verifica-
se também a ênfase à negação dos estudos clássicos (gregos), pois eram
investigações das coisas pertinentes aos homens.
A obra “A regra de São Bento” (1992), do autor clássico SÃO BENTO, nos dá
subsídios concretos para uma identificação do perfil de homem necessário para a
sociedade feudal, bem como para uma abordagem da concepção de corpo desse
período. O modelo de homem pretendido nesse momento retrata a não valorização
da atividade corpórea e educação do corpo, e sim, a valorização, sobretudo, do
divino no intuito de humanizar os sujeitos.
A obra citada trata dos conhecimentos disseminados pela igreja como normas/regras
de conduta para a vida dos homens em todos os aspectos, inclusive a educação do
corpo.
A rejeição ao corpóreo coloca-se de forma tão absoluta na
sociedade feudal que não vê nenhuma virtude no trabalho,
justamente por se caracterizar enquanto atividade física. O
trabalho humano, responsável pela produção dos bens
materiais necessários à sociedade, torna-se castigo. Quem
trabalha nesta época segue a vontade de deus, como castigo
pelos pecados cometidos. Aliás, os castigos divinos consistiam
justamente em mortificar o corpo, sendo a única forma ‘correta’
de pagar aos pecados e alcançar o bem, salvando a alma”.
(GUILHERMETTI, 1990)
Dessa forma, o trabalho configura-se como o responsável para a produção da vida
mas é tido como esfera de indignidade humana perante o poder divino que só
“admitia” a contemplação e obediência a Deus.
Através de um certo tipo de educação dos homens tamm se revela o
desenvolvimento da sociedade crisque estimulava, acima de tudo, a vida emotiva
e religiosa, não tendo interesse na educação cognitiva e do corpo. A nova religião
coloca-se em oposição ao corpo, como expõe Oliveira (1983): afogado em crenças e
dogmas religiosos, surge um homem que só é encorajado à vida celestial. O total
descaso pelas coisas materiais estabelecia um absoluto divorcio entre o físico e o
intelectual”, ou seja, o corpo e a alma.
É nos mosteiros que se constituíam os formadores de opinião que iriam disseminar
um discurso em defesa das doutrinas cristãs que acabaram por influenciar o
pensamento do homem de todo um momento histórico. Aspectos como esse
evidenciam que nesta época a igreja exercia um domínio muito forte sobre as
pessoas, fazendo com que elas vivessem em função da ideologia pregada: a
rejeição da vida terrestre e total dedicação à vida eterna. Um exemplo importante
encontramos nas regras do Mosteiro de São Bento onde era ensinado, acima de
tudo:
primeiro amar o Senhor Deus de todo o coração, de toda a
alma, com todas as forças. Depois amar ao próximo como a si
mesmo; abnegar-se a si mesmo para seguir a Cristo; não
abraçar as delícias; não ser guloso; ter pavor ao inferno;
desejar a vida eterna; nada colocar acima do amor de Cristo;
amar o próximo; abstenção à carne... (SÃO BENTO, 1992).
Uma característica marcante do período feudal foi o trato com o corpo onde este era
visto como subordinado à alma. Segundo as reflexões de Guilhermetti (1990), este
período marca uma fase obscura para as manifestações esportivas e culturais onde
todas as atividades atléticas herdadas dos gregos e romanos foram pouco a pouco
perdendo o prestígio até cair totalmente no esquecimento.
Partindo do pressuposto de que nada existe no intelecto humano sem que antes
tenha passado pelos sentidos”, a concepção de corpo está determinada por uma
forma de existência. São as exigências colocadas pela organização social que irão
definir maior ou menor valorização da atividade corpórea. Desta forma buscamos
fugir a uma explicação que atribui uma intenção maniqueísta, uma vontade subjetiva
ao fato de valorizar ou não a atividade corpórea.
Outro fator interessante relacionado ao corpo nesse período histórico trata das
manifestações esportivas que:
“assumem um caráter folclórico, como os jogos eqüestres
(principais jogos do período feudal). A cavalaria converte-se na
ordem social como responsável pela proteção e manutenção
das terras feudais . Assim a educação cavalaresca impõe o
aprendizado da esgrima, da caça, da luta, da equitação e até
mesmo do xadrez; no entanto, nem a leitura nem a escrita
eram tratadas na formação dos cavaleiros.” (GUILHERMETTI,
1990)
Também, os que não se adequavam a esse tipo de tratamento com o corpo eram
extremamente criticados. É o caso, por exemplo dos acrobatas e funâmbulos,
artistas de ruas que utilizavam o corpo de forma livre e lúdica, atitudes consideradas
como “excessos do corpo”.
Verifica-se que o período feudal é marcado como uma fase obscura para as
manifestações esportivas e culturais que tiveram tanta importância na formão do
homem grego e romano. O corpo foi relegado a um segundo plano sendo o espírito
e até mesmo o “resgate da humanização do homem (para os bárbaros) a
preocupação primordial do período. O homem feudal é diferente do homem grego,
romano e também do homem burguês, eles são distintos pois os elementos
convocados na formação de um e de outro são completamente diferentes.
Com a descaracterização do feudalismo, as terras passaram a ter uma utilidade
mais lucrativa, fazendo com que os senhores feudais expulsassem os servos das
mesmas. Este servo, por sua vez, evadiu para ascidades”, aglomerando-se e
formando pequenos centros urbanos, o que propiciou o nascimento do comércio.
Mais adiante assistimos a um processo de profunda transformão marcando o
período que compreende o século XV e XVI. Este período é conhecido como
“período de transição”, onde estão as questões relacionadas com a estrutura da
sociedade que passa do modo de produção feudal para o advento do que iria se
consolidar como modo de produção capitalista.
Modernidade (O corpo moldado ao capital)
“Quando a dominação assume completamente a forma
burguesa mediatizada pelo comércio e pelas comunicações e,
sobretudo quando surge a indústria, começa a se delinear uma
mutação formal. A humanidade deixa-se escravizar, o mais
pela a espada, mas pela gigantesca aparelhagem que acaba, é
verdade, por forjar de novo a espada”. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p.217)
A modernidade é o período onde ocorrem mudanças realmente decisivas para o que
vemos configurar como uma concepção de corpo na atualidade. O nascimento
desse período histórico foi marcado por acontecimentos desestabilizadores da visão
de mundo anteriormente colocada. Os valores cultivados como normas para a Idade
Média definitivamente caem por terra com o fim da transcendência e da aristocracia,
o triunfo da racionalidade instrumental, e o alargamento do processo de dominação
subjetiva.
Na transição do feudalismo para o capitalismo, ou seja, entre a Idade Média e a
Idade Moderna observa-se uma fase denominada Renascimento, que se caracteriza
enquanto um período de manifestações intelectuais e culturais que evidenciam uma
nova civilização. Pode-se tamm referir-se a este período como Humanismo.
Esse período histórico difere muito do período feudal pela sua concepção de homem
pois, mesmo sem negligenciar a religião, dirige-se novamente ao homem,
inspirando-se nas obras da antigüidade clássica. Neste momento, valoriza-se a
realização terrena, contrapondo-se às concepções medievais que tem a única
preocupação na salvação da alma.
Juntamente a este movimento que valoriza novamente o homem e todas as suas
manifestações, observa-se o surgimento das fábricas e indústrias no sistema
produtivo, a passagem da manufatura para a mecanização promove significativo
rendimento na produção de mercadorias.
Entre as mudanças sociais que vão ocorrendo insere-se o Movimento Iluminista e a
busca pela emancipação através da razão. Contudo, o conhecimento científico
converte-se em dominação do próprio homem e do ambiente social em que vive com
o intuito de promover o desenvolvimento tecnológico dos meios produtivos segundo
os interesses da classe economicamente dominante. Essa forma instrumental de
conceber a racionalidade humana tem como conseqüência a consolidação de um
sujeito reificado.
A prática social relacionada ao trabalho, que vai constituindo um novo mundo,
coloca a necessidade de apreensão teórica deste movimento. Um dos mais
significativos pensadores desse período é John Locke, que em sua obra Segundo
tratado sobre o governo”, publicada na Inglaterra em 1960, faz uma reflexão radical
da época.
Ao questionar o poder absoluto do rei, Locke coloca teoricamente o homem que o
século XVII esproduzindo, a necessidade de serem compreendidos no estado de
natureza onde todos os homens são livres e iguais. Desta forma torna-se ilegítimo o
poder do rei (outorgada pela vontade de Deus, segundo as concepções anteriores),
que assim, iguala-se ao mais humilde súdito.
Os pressupostos divinos são quase todos destruídos, sendo agora o trabalho
humano sobre a natureza a única coisa que diferencia os homens. Locke coloca
assim, o novo conceito de propriedade: ...”cada homem tem uma propriedade em
sua própria pessoa, a esta ninguém tem o direito, senão ele mesmo. O trabalho de
seu corpo e a obra de suas mãos, pode dizer-se são propriedades dele.” (LOCKE,
1978, p.43).
Portanto, tendo uma propriedade em seu corpo o homem pode trabalhar para si ou
para outrem, pois tem liberdade para tanto, retomando a valorizão do ato de
trabalhar. Explicitando o trabalho como direito e propriedade, Locke acaba
legitimando na teoria a prática social de interesses burgueses de seu tempo (a forma
do assalariado e do capitalista que estava em formão).
Diante do crescimento no processo de industrialização, a nova sociedade traz a
necessidade de mais conhecimento da natureza (ambiental e corporal) para prover
os homens de novos recursos e inventos. Daí o papel da ciência para o
desenvolvimento industrial que ao mesmo tempo opõe-se a igreja. Assim,
passo a passo com a ascensão da burguesia produzia-se um
grande ressurgimento da ciência. Volta-se a cultivar a
astronomia, a mecânica, a física, a anatomia e a fisiologia. A
burguesia necessitava para o desenvolvimento da sua
produção industrial de uma ciência que investigasse as
propriedades dos corpos físicos e o funcionamento das foas
naturais. Mas até então a ciência não havia sido mais que uma
servidora humilde da igreja, não lhe sendo permitido transpor
as fronteiras estabelecidas pela (...) Agora a ciência rebela-
se contra a igreja; a burguesia precisava da ciência e lançou-se
com ela na rebelião” (ENGELS citado por GUILHERMETTI,
1990).
Na consolidação dos ideais capitalistas, a ciência pautada na dimensão instrumental
da razão se constitui em canal para a veiculação da visão de mundo burguesa e
fornecerá as justificativas para seu modo de ser e de viver. Esse objetivo da ciência
moderna reflete que “o século XVIII vem construindo uma nova mentalidade (...),
prática e paradigmática, baseada na ciência e na técnica como formas específicas
de saber.” (SOARES, 2002, p.18).
O ressurgimento das atividades corporais, a preocupação com o corpo vem ao
encontro com as necessidades desta nova ordem social em formão. Com a
valorização do indivíduo e da ciência, o corpo ganha destaque. Por isso encontra-se
referência à educão corporal em inúmeros pensadores como Bacon, Locke, Da
Vince, Rosseau, Pestalozzi e outros, que passa a ser valorizada enquanto elemento
de educação.
A preocupação com o corpo baseava-se em garantir um corpo forte e saudável,
consequentemente, produtivo e necessário à sociedade nascente. Portanto a
questão agora é o trabalho e não mais Deus. Estão dadas as condições necessárias
para se repensar o corpo, sobretudo, um corpo produtivo, voltado para o trabalho.
Entretanto, a valorização do corpo se devido à força de trabalho como
instrumento da produção e não como sujeito da produção. Sanches (2003, p. 26)
considera que a noção de corpo instituída nos primórdios da industrialização, salvo
devido distanciamento histórico, ainda fundamenta a concepção de corpo na
atualidade. Tal encaminhamento hisrico sobre o conceito de corpo baseia-se na
adequação ideológica que ele ainda acarreta: reprodução do modo de produção
social vigente.
O mundo do trabalho nas sociedades capitalistas prescreve a necessidade de
alienação do indivíduo do seu próprio eu e de suas manifestações corporais. Se foi
pela socialização do trabalho que o homem se humanizou, a divisão social do
trabalho, própria do capitalismo, particularizou a atividade laboriosa e retirou do
indivíduo a dimensão da totalidade ao mesmo tempo que acomodou-o na execução
de tarefas ritmadas por máquinas.
Nesse sentido verifica-se que o trabalho na antigüidade e no feudalismo pouco se
assemelha ao trabalho que vemos configurar na sociedade capitalista, pois nesta
etapa do desenvolvimento da sociedade burguesa o corpo explorado do trabalhador
representava o mal, e as atividades corporais ligadas ao ócio representavam o bem.
Transfigura-se nesse contexto de controle sobre o corpo uma relação que Adorno e
Horkheimer vão chamar de “amor-ódio pelo corpo”.
“O amor-ódio pelo corpo impregna toda a cultura moderna. O
corpo se de novo escarnecido e repelido como algo inferior
e escravizado, e, ao mesmo tempo desejado como o proibido,
reificado, alienado. É a cultura que conhece o corpo como
uma coisa que se possa possuir, foi nela que ele se
distinguiu do espírito, quintessência do poder e do comando,
como objeto, coisa morta, ‘corpus. (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p.217).
É importante não tomarmos como natural a associação da produtividade com a
educação do corpo na modernidade, uma vez que ela se coloca como cultural e
hisrica devido aos fatores que regiam o nascimento de uma nova ordem para
produzir a vida. Existe uma complexidade de acontecimentos sociais dedicados a
educar os corpos, principalmente numa época assombrada pela degeneração do
homem e encantada pelas promessas de progressos científicos e tecnológico em
todas as áreas.
Junto a um pensamento de produtividade, necessários à consolidação do Estado
burgs e da burguesia como classe, foi gestado um pensamento científico, que
“cuidaria” do homem em seus aspectos mentais, intelectuais e físicos. A Educação
do corpo estará intimamente ligada a construção do novo homem pois “será a
própria expressão física da sociedade do capital. (...) Se faz protagonista de um
corpo ‘sauvel’; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia,
indolência, preguiça, imoralidade...” (SOARES, 2001 p.06)
A Educação do sico dos indivíduos foi necessária na modernidade para a
instauração de uma nova ordem e uma nova racionalidade, sobretudo exigidas pela
instauração da sociedade industrial na medida que foi preciso transformar
camponeses em operários. Também ajudando na construção de uma unidade social
estão a ginástica e o esporte. Esses fenômenos da cultura corporal de movimento
encontram-se no interior das instituições como a escola e tem como suposto objetivo
a higiene e a saúde. No entanto, o que se observa é a preocupação com corpos
retos e rígidos, corpos sem excessos, corpos fortes e servis. Corpos moldados e
adestrados para encaixarem-se na dinâmica de reprodução da sociedade industrial
a serviço de um determinado modo de organização social.
Vemos, agregado à ascensão do progresso industrial, o nascimento de um corpo
quantificável, mensurável, puramente biológico e estatístico. O caráter instrumental e
parcelar do corpo a serviço da ciência. O corpo desprovido de subjetividade, o corpo
não-sensível, o corpo pouco humano. Sobretudo, a história nos permite
compreender como se constituíram diferentes expectativas de corpo a partir do
momento em que este se separa da natureza e constitui-se emobjeto” da ciência.
A modernidade, na sede pelo domínio da natureza, considerando-a como um outro a
ser dominado coloca-se em um paradoxo. Ao pensarmos que tamm somos
natureza, ou que temos parte da natureza em nós tornamo-nos outro em relação a
nós mesmos, objetos perante um espelho. Nosso corpo (o que há de natureza em
nós) tamm é tido como algo a ser dominado, domesticado, apaziguado. Ao tornar
o corpo objeto de domínio, o ser humano torna-se sujeito a ser dominado por ele
próprio.
Não se pode mais reconverter o corpo físico (körper) em corpo vivo (leib)
6
(Adorno e
Horkheimer, 1985, p.218), ou seja, um corpo puramente biológico e administrado,
que vem se concebendo na modernidade, em um corpo livre, pois esse corpo é
reflexo de um “progresso” a que não se abre mão. O que está em questão porém
não é o progresso em si, mas como ele foi desenvolvido na modernidade. A reflexão
sobre esse modelo visa a superação das injustiças que ele oculta. A crítica deve
buscar maneiras que possibilitem formas de existência autênticas desse corpo.
Os valores e hábitos corporais propagados com o desenrolar da sociedade burguesa
tiveram como alvo a consolidação de um homem saudável fisicamente, na mesma
medida em que tornava-se adequado física e moralmente aos padrões desta
sociedade emergente. O corpo passou a ser tratado como qualquer outro objeto,
destituídos de sentimentos, pensamentos e aspirações. Foi analisado e tratado
como matéria e objeto de uma única cncia empirista, isolado da totalidade e,
portanto, reificado.
Freitas (1994) ajuda-nos no entendimento dessa nova configuração corporal
refletindo que o corpo é coisificado pelo capitalismo (...) como uma entidade
observável por via empírica, que referenda a continuidade de uma ordem econômica
barbárica que impede o livre desenvolvimento do homem social”. (FREITAS, 1994,
p.37). Portanto, a imagem do corpo é assim reificada com vistas a perpetuação de
um sistema que ao fragmentar o indivíduo, desumaniza-o, tirando-lhe a possibilidade
de transcendência e transformão da realidade.
O quadro social que a modernidade vai delineando evidencia o distanciamento dos
homens de uma formação genuinamente integral, e, portanto, emancipadora, como
6
Adorno e Horkheimer, nas notas e esboço da Dialética do Esclarecimento utilizam para referirem-se ao corpo
duas expressões: Korper e Leib. Explicam que na língua alemã corrente elas são sinônimos porém o termo
korper é usado por filósofos para designar o físico e o termo leib para designar o orgânico, o corpo vivo.
idealizaram os Iluministas. Ana Márcia Silva (1999, p. 08) justifica esse
acontecimento defendendo, entre outros fatores, a tese de que o homem é
constituído essencialmente de natureza
7
e que a partir da modernidade ocorre uma
intensificação no processo de separação entre o ser humano e a natureza. O
entendimento de totalidade
8
vai se desfazendo concomitantemente ao crescimento
dos moldes impostos por uma sociedade sedenta de conhecimento para se dominar
essa natureza
9
. A autora enfatiza que
“O progressivo desligamento dos seres humanos da totalidade
(...) vinha sendo identificado desde a idade média, com as
práticas de isolamento e preocupação por si, não comuns em
períodos anteriores. (...) A esse processo de desligamento
entre ser humano e natureza corresponde um tipo muito
específico de interesse pelo corpo, que caminha muito mais
próximo da dominação e da sujeição, tal como se busca
realizar com toda a natureza (...)” (SILVA, 1999, 08)
Posteriormente, a perspectiva da individualidade/independência tornar-se-á
individualismo (no sentido de separação de todos os seres humanos entre si para
tornarem-se indivíduos). Na esfera da estética corporal esse individualismo pode ser
caracterizado pelo narcisismo. Entretanto esse processo não se dá de forma clara,
está entrelaçado às mudanças ocorridas gradualmente nos séculos XVIII e XIX onde
o homem vai passando a ser moral, independente, autônomo e assim,
essencialmente não social” (Dumont citado por SILVA, 1999, p.08).
Um parênteses para o século XIX e XX
“O século XIX merece a atenção daqueles que desejam
compreender o homem e a sociedade do ocidente. A Europa,
que consolida uma dupla revolução, é o lugar da formação de
um novo homem e de uma nova sociedade regida por um
‘espírito capitalista’ que passa a dominar quase exclusivamente
aquele presente.” (SOARES, 2002, p.10)
7
Essa nese humana é relatada na antigüidade pelo poeta Hesíodo, mas também está presente nas tradições
judaico-cristãs que acopla ao homem a essência divina e foi registrada por milênios em diversas culturas
espalhadas por todo o planeta.
8
A totalidade se contrapõe ao conceito de bastar-se a si mesmo, ser um homem não social, um individualista.
9
Ana Márcia Silva demonstra nas suas analises acerca da perda da totalidade pelo homem moderno um dado
importante dizendo que “é no século XIX que aparecem as primeiras precauções ambientais, formalizando a
separação entre ser humano e natureza. (SILVA, 2001)
A partir do século XIX a modernidade vai se configurando como agente destruidor da
possibilidade do corpo se construir na sua autenticidade devido as normas, aos
padrões e as regras que o difundidos objetiva e subjetivamente no intuito de
reproduzir a sociedade capitalista. Nesta perspectiva podemos observar como o
corpo foi violentado na sua proposta de existência a partir da promessa de
humanização que a modernidade não concretizou. Carmen Lúcia Soares,
prefaciando o livro de Ana Márcia Silva, adverte que “o corpo, este território múltiplo,
polissêmico e idiossincrático parece que perde, a cada dia, sua inteireza (...)”.
(SILVA, 2001, 27)
Notamos que, com o desenvolvimento pleno das regras do capitalismo, a sociedade
vai tornando-se extremamente racional. O interesse pelo conhecimento é
transfigurado em ciência que luta para se impor com total credibilidade, pois deveria
respaldar a construção do homem necessário ao capital, ou seja, um homem
produtivo, um homem biológico. Esse tempo apoia-se na crença desmedida pelo
“progresso” e pauta as práticas sociais nos parâmetros ditados pelos “métodos
científicos”. Dessa forma, impregna a vida do indivíduo com pragmatismos onde tudo
deve ser medido, classificado.
Assiste-se uma fase de transformão do ser humano em objeto de conhecimento e
conseqüente valorizão da dimensão corporal no sentido de entendê-lo
mecanicamente, biologicamente e fisiologicamente. O pensamento médico higienista
é bastante difundido no sentido de dar saúde ao “corpo biológicoe também ao
“corpo social” através da disseminação dos hábitos apropriados à família moderna.
Também a modernidade se responsabiliza pelo despertar de um interesse com a
aparência do corpo (que se torna crescente aos dias atuais) como sinônimo de
felicidade e bem estar físico e social. Essa preocupação se responsável também
pela reificação do sujeito também na sua corporeidade que coma a educar-se
através de estereótipos sem se dar conta das sutilezas de dominação que este
acarreta imanentemente a si. O narcisismo será por conseguinte um fenômeno a
alastrar-se mais e mais.
Por fim, essa ditadura da aparência incorrerá no erro da identificação da
personalidade pela aparência além das patologias modernas como anorexia e
bulimia.
A ciência e a construção do homem no capitalismo
“O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é
a alienação daquilo sobre o que exercem o poder”
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985)
O homem da modernidade acaba transformando a si próprio em objeto de
conhecimento da ciência quando começa a utilizar o corpo humano como fonte de
experiência. Ao milimetricamente conhecê-lo, detalhando-o, mensurando-o
10
, o
homem se convence definitivamente de seu poder de dominação da natureza. Esse
conhecimento inaugura uma nova concepção de conhecimento corporal que
extrapola a experiência humana do vivido, próprio do ser humano.
As experiências realizadas com corpos humanos pautavam-se na lógica instrumental
da razão, portanto reducionistas, desconsiderando a complexidade inerente à
realidade humana. Não tardou o fato de que as conseqüências das descobertas
científicas comassem a ditar normas e padrões de vida, alterando as práticas
corporais juntamente ao pensamento higienista e eugenista que se propagava no
século XIX.
O interesse pelo corpo na modernidade é marcado pelo credo na materialidade
manifesta do mesmo, no qual o indivíduo vai se identificando com um corpo
altamente visado pelas ciências biomédicas destinadas à medicina privada. Os
hábitos dos sujeitos o se adequando e essa nova ordem instaurada. A assepsia,
na época representada por Pasteur, vai interferindo nas atividades cotidianas dos
indivíduos alterando suas práticas corporais.
O médico vai ditar como deve ser o trato com o corpo que perde sua dimensão
lúdica para ter uma dimensão extremamente utilitarista na sociedade (no sentido de
10
Ver mais em SILVA, 2001 Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca de um novo arquétipo de felicidade.
(capítulo 01)
higiene) que deve se afirmar como modelo de ordem para uma suposta felicidade.
Um exemplo da perda da ludicidade corporal refere-se a forma de como o corpo ao
se relacionar com a água vai se modificando. Os banhos (inclusive o de mar) deixam
de ser momento de convivência e festividade para se tornar obrigação médica que
posteriormente é arraigada no imaginário social somente como utilidade à limpeza
do corpo. Portanto,
“a atividade dos médicos vai ser fundamental no processo de
subjetivação que ocorre na modernidade, com um incentivo
especial à identificação do indivíduo com sua dimensão
corporal” (SILVA, 1999, p. 14)
“A medicina e a expectativa corporal do século XIX se rendem
à lógica dos laboratórios, acreditando se beneficiar com os
prestígios da ciência e da nova racionalidade que se instauram
(SILVA, 2001, p.17).
A fragmentação do corpo para estudos científicos de seu funcionamento e o
individualismo como expressão ideológica do capitalismo industrial tem relação
intima com o conceito que se estabelece de partes constituintes da sociedade. A
perspectiva de movimento apontada pela ciência é a mesma que se estrutura nas
sociedades de mercado, com a livre circulação de mercadorias” (SILVA, 1999, p.
20).
Nesse desenvolvimento da medicina percebe-se a valorização e a preocupação com
o conhecimento técnico-científico subsidiado pela racionalidade instrumental, pois as
revoluções burguesa e industrial, símbolos da modernidade, operam a
transformação do ser humano em objeto de conhecimento e conseqüente
crescimento do interesse pelo corpo.
“É esse indivíduo que subsiste numa sociedade que se coloca
como “liberal”, que transforma a si mesmo em objeto de
conhecimento e instrumentaliza sua dimensão corporal, como
realiza com toda a natureza” (SILVA, 2001, p.38)
A importância que a medicina ao corpo nesse período pode ser considerado
como exemplo da forma como o corpo é tratado na cultura capitalista emergente.
Vemos claramente como uma racionalidade burguesa destinada à reprodução de
uma sociedade governada por interesses hegemônicos, a serviço dos interesses
mercadológicos, domina a vida intima do homem tanto objetivamente como
subjetivamente.
Além da medicina, outras esferas sociais seguem essa lógica; a arte por exemplo,
apresenta-se como elemento importante para a compreensão de como o corpo era
concebido pelos homens. O processo de individualização pode ser percebido devido
ao surgimento de auto-retratos mais realistas na dimensão corpórea. Algumas obras
de arte tamm seguem uma tendência a revelar a vida cotidiana de forma mais
elementar.
Os estudos de Ana Márcia Silva (1994) revelam tamm que a literatura contribuiu
para essa articulação da ciência com a arte. Um exemplo clássico é a obra Madame
Bovary” de Gustave Flaubert
11
que, de certa forma, populariza as descobertas
científicas sobre o funcionamento do corpo humano. Essa mesma autora tamm
cita a divulgação da fotografia e a difusão do uso do espelho como fatores
importantes no acentuamento do interesse dos homens por sua dimensão corpórea.
Em seus escritos sobre as imagens da educação no corpo, Carmen Lúcia Soares
(1999) constata que “forma-se no século XIX, de um modo mais preciso que em
outros momentos da história do homem ocidental uma pedagogia do gesto e da
vontade, configurando-se assim, uma ‘educação do corpo’, conhecida como
importante”. (SOARES, 2002, p.17).
Nesse sentido, um dos grandes responsáveis na educação/adestramento do corpo
dos homens durante todo o século XIX na Europa foi à ginástica. Ela configura-se
como grande aliado dos ideais burgueses por dar forma a uma prática pautada nos
rigorosos métodos científicos tão valorizados na época. De certa maneira a ginástica
correspondia a expressão física para um novo “código de civilidade”.
Evidenciando seu vínculo com a ciência, a ginástica, ao promover a retidão corporal,
ao possuir em seu interior princípios de ordem e disciplina, ao permitir que o
11
Ana Márcia Silva (1999) registra em suas análises que esse romance específico do autor traz detalhes de
procedimento dicos e a descrição do quadro de sintomas que envolve o suicídio da protagonista.
indivíduo internalizasse uma noção de economia de tempo e energia, desenvolve-se
como norteadora de princípios organizadores do cotidiano.
O movimento ginástico científico também objetivava a regeneração da raça e
promoção da sde que a sociedade sofria com o alto nível de mortalidade e
doenças, sem contudo alterar as condições de vida e trabalho. Mas a finalidade
maior foi moralizar os indivíduos da sociedade, intervindo radicalmente no seu modo
de ser e viver, justificando inclusive sua inserção nos currículos escolares.
Nessa empreitada da ciência da sociedade capitalista em adequar os indivíduos à
afirmão do sistema, vemos a negação da globalidade do corpo, de sua utilização
como entretenimento e de manifestações livres e lúdicas. A utilização do corpo no
não-trabalho deveria assemelhar-se também a uma prática condizente ao princípio
de utilidade. Assemelhando-se aos mecanismos da Indústria Cultural, as
manifestações corporais são sutilmente impostas por essa forma de organização
social para controlar o corpo do homem em todos os momentos da vida.
Nesse sentido as manifestações corporais mais autênticas, como aquelas praticadas
por artistas de rua e artistas circenses, foram redesenhadas no imaginário popular
através de sua negação e marginalização por parte das autoridades da sociedade
(os cientistas). Esses artistas viviam fora da idéia de utilidade, pois apresentavam
movimentos realizados por um corpo ágil, alegre e cheio de vida, numa expressão
de liberdade corporal, mas sobretudo contrários à qualquer regra e norma.
“Opunham-se aos novos cânones do corpo acabado, perfeito, fechado, limpo e
isolado que a ciência construíra, da vida fixa e disciplinada que a nova ordem exigia
(SOARES, 2002, p.25). Transfiguravam-se portanto como perigo à sociedade.
Para que melhor se compreenda a utilização do corpo e forma de vida nos círculos
artísticos recorremos a uma passagem que Carmen Lúcia Soares faz sobre o
universo circense.
Artistas, estrangeiros, errantes. (...) Traziam o corpo como
espetáculo. Invertiam a ordem das coisas. Andavam com as
mãos, lançavam-se ao espaço, contorciam-se, encaixavam-se
em potes, em cestos, imitavam bichos, vozes, produziam som
com as mais diferentes partes do corpo, cuspiam fogo, vertiam
líquidos inesperados, gargalhavam, viviam em grupos.
(SOARES, 2002, p.25)
Dessa forma foi inevitável que ocorresse uma negação e marginalizão dos artistas
circenses que ameavam a “ordem com seus espetáculos. Em contrapartida, a
ginástica coma a configurar-se como espetáculo a ser assistido para suprir uma
necessidade do público. Inicialmente as aulas de ginástica realizadas em ginásios
foram freqüentada por pessoas que desejavam divertir-se com exibições corporais,
mais adiante a ginástica será demonstrada pelos grupos escolares. Posteriormente
vemos nascer a ginástica como esporte e que sela definitivamente a falta de
“espetáculos”.
Outro fator que levou a sociedade moderna a marginalizar as atividades corporais
circenses foi o caráter de liberdade e espontaneidade corporais expressadas nas
exibições dos artistas, fazendo renascer “formas de inteireza humana” (SOARES,
2002, p. 25). Tais manifestações eram dissonantes aos padrões corporais afirmados
pela ciência moderna: o corpo rígido, reto, limpo, consertado, controlado, construído,
modelado, obediente, saudável, portanto útil.
É típico da sociedade burguesa também controlar o tempo fora do trabalho, por isso
tantos esforços em desqualificar as atividades circenses e promover a ginástica
científica mais condizente com os novos modos de vida. Outro agravante decorrente
das práticas biomédicas referentes ao corpo humano é a criação de tabelas
referenciais para definir as medidas corporais. A característica de generalização
destas tabelas demonstra uma tendência à hegemonia de uma certa concepção de
corpo imposta pelas regras que regem a sociedade e o descompromisso com as
particularidades e complexidades inerentes ao corpo e à vida humana. Evidenciando
que a “ciência reduz-se ao como’ e não se pergunta mais sobre o ‘porque’” (SILVA,
2001, p. 39).
Na utilização restrita de medições, descrições, cálculos e classificações no estudo
do corpo, a ciência moderna utiliza uma racionalidade reduzida ao formalismo dos
dados obtidos através de verificação, o centro de critério da ciência positivista.
Nesse sentido, abandonam toda a pretensão do conhecimento que se realiza no
“desdobramento de seu sentido social, histórico, humano” (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985).
Outro aspecto que foi importante para a consolidação da forma de tratar o corpo na
modernidade, especialmente a partir do século XIX e que perdurará até a atualidade
hisrica, foi a deificação da aparência/estética/imagem corporal. A valorização da
dimensão corporal, entre outros fatores, acaba consolidando a aparência corporal
como sinônimo de felicidade.
A partir do culo XIX a necessidade de reprodução social cria ideologicamente um
mundo de aparências, principalmente no que diz respeito à aparência a ser
apresentada em blico. Nesse momento, os valores humanos estavam
extremamente relacionados com o desenvolvimento social e deveriam fortalecer um
modelo de produção que se afirmava: o modelo capitalista. Portanto, a normatização
dos comportamentos, a verticaização dos corpos, a higienização dos atos blicos e
privados, bem como a valorização da estética corporal colocavam-se como fatores
importantes a serem difundidos entre os indivíduos para que os mesmos se
integrassem a essa sociedade. Nesse sentido verifica-se que
O corpo vigoroso, altivo, autônomo, é o primeiro sinal de um
mundo em estruturação. A imagem de elegância, de
sobriedade, de comedimento, de perfeito auto-domínio. À
correção das indumentárias escuras, das camisas e dos
colarinhos brancos, do movimento adequado e das
capacidades que se desenvolvem pela vontade, pela
regularidade, pela repetição e pelo exercício, pelo ensaio e
pelo erro, a imagem e eficiência acompanha cada corrente.
(HASSE, 2002, p. xii)
Vale destacar que é na modernidade que são construídos muitos dos valores que
vemos prevalecer na atualidade sobre o trato com o corpo. A concepção de corpo
deste período acaba sendo responsável, em grande medida, pelo nascimento de
diversas facetas da educação do corpo hoje. Com a consolidação dessa concepção
de corpo vemos o destaque do cuidado com a aparência. A dimensão ideologizada
da padronização da mesma, bem como os mecanismos de estereotipia corporal e
sua idolatria, entre outros fatores, comprometerão a construção de uma consciência
verdadeira na educação do corpo. Ao contrário de outras épocas onde existiam
possibilidades maiores para corpos diferentes, o século XXI vem se destacando por
padrões únicos na concepção de corpo: os estereótipos corporais.
CAPÍTULO II
CORPO, CULTURA E SOCIEDADE
“Sonhar mais um sonho impossível.
Lutar quando é fácil ceder.
Vencer o inimigo invencível.
Negar quando a regra é vender”
(Miguel de Cervantes)
Para discutir algumas facetas da educação do corpo na atualidade é imprescindível
analisarmos como a sociedade se engendrou na linha da história possibilitando a
formação de um determinado tipo de homem e de uma forma peculiar de tratar o
corpo no interior das relações humanas e produção da vida, pois existe uma relação
dinâmica entre indivíduos e determinantes estruturais do meio que o cerca. Aquilo
que o indivíduo é, sente e pensa apresenta uma grande conexão em relação ao
contexto cultural, social, político e econômico.
Nesse sentido, as imagens corporais que entremeiam a identidade corporal na
sociedade capitalista contemporânea não devem ser analisadas e discutidas sem o
entendimento do desenvolvimento da sociedade industrial. A cultura que permeia
essa sociedade tamm é algo que determina como o corpo se articula perante
determinadas práticas e acaba por interferir numa formação que é específica de uma
forma social que articula objetiva e subjetivamente estilos de vida para reproduzir-se.
Ao discutir a situação do corpo na sociedade contemporânea, considerando-se as
determinantes históricas que o produzem, faz-se necessário uma contextualização
hisrica para situá-lo no processo social que se desenvolveu pautada nos princípios
industriais e comerciais do conceito de homem e de corpo na atualidade. Trata-se,
portanto, do desvelamento de como uma sociedade pautada nos princípios
industriais e comerciais determina o modo do homem educar-se e relacionar-se com
o mundo.
O Homem e o Mundo
A forma de produção da vida que antecedeu o capitalismo baseava-se no trabalho
doméstico em que as famílias produziam tudo o que lhes era necessário para a
sobrevivência. O excedente do trabalho era permutado por bens de uso não
considerados como de necessidade básica. Romper com esta organizão de
trabalho foi o grande desafio do capitalismo emergente, que necessitava de uma
nova ordem e disciplina produtiva.
A dissociação do trabalhador dos seus meios de produção foi um dos primeiros
fatores para que a forma de produção capitalista pudesse se desenvolver e chegar
ao que hoje denomina-se capitalismo tardio ou monopolista. Essa nova relação entre
capital e trabalho marca uma nova forma econômica de organização da sociedade: o
capitalismo clássico.
O princípio básico dessa nova organização social era a reunião de uma gama
enorme de trabalhadores sob o comando de um único capital, com a finalidade de
produzir mercadorias e trocá-las. Está, portanto, colocada a contradição fundamental
da sociedade capitalista: a produção socializada e a apropriação privada.
Configuram-se então três fases distintas dessa nova organização para a produção
material da vida: a cooperação, a manufatura e a grande indústria. Na configuração
desse quadro histórico o trabalhador torna-se duplamente livre. Primeiro por não ter
mais os instrumentos do trabalho e o domínio do processo produtivo (que foi
evolutivo nas três fases) e, segundo, por poder vender ao capitalista sua força de
trabalho em troca de um salário.
Quando a grande indústria entra em cena, a partir do século XIX, o trabalhador
encontra-se totalmente desqualificado para a produção de mercadorias devido à
parcialização das tarefas (simplificação do trabalho) que objetivava o aumento da
produtividade na fabricação dos produtos.
Essa objetivação do trabalho humano permitiu, a introdução da máquina automática
na produção e também caracteriza a desqualificação subjetiva do trabalhador, ou
seja, a habilidade e engenhosidade outrora necessários ao artesão não eram mais
necessários. Marx se refere a esse processo como enriquecimento do trabalhador
coletivo (as forças produtivas sociais) e conseqüente empobrecimento do
trabalhador individual.
Com o aumento da maquinaria no interior das fábricas ocorreu o crescimento da
desqualificação do trabalho humano ampliando o excedente de mão de obra. Daí
surge o rebaixamento dos salários obrigando todos os membros da família a
contribuírem na subsistência familiar, inclusive mulheres e crianças. A degradação
moral e intelectual, bem como o afrouxamento dos laços familiares estarão
definitivamente instaurados. Marx afirma no Manifesto Comunista (2001, p.13) que
a burguesia arrancou da família o véu sentimental e reduziu a relão familiar a
uma mera relão de dinheiro”.
Percebe-se que o avanço dos recursos técnicos na produção de bens destinados à
troca (mercadorias) vem acompanhado de um processo de desumanizão do
homem trabalhador. Por conseguinte tal progresso social alcançado por essa nova
forma de produzir a vida ameaça anular seu pressuposto ideal, o de tornar a vida
humana digna em todos os sentidos. Ideais estes que posteriormente foram bem
delineados pelo Iluminismo.
Para dois dos mais expressivos pensadores frankfurtianos, Theodor W. Adorno e
Max Horkheimer, críticos das promessas libertárias do Iluminismo, essa relação
entre progresso técnico e desenvolvimento humano é posta em questão. Afirma um
dos autores que:
enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da
atividade e do pensamento humano, a autonomia do homem
enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao
crescente mecanismo de manipulação das massas, o seu
poder de imaginação e o seu prejuízo independente sofreram
aparentemente uma redução.” (HORKHEIMER, 1976 p.52)
É nos interstícios de uma sociedade na qual a técnica se sobrepõe à reflexão que
todo um modo de vida se inaugura. A razão entendida como necessária na
sociedade capitalista, face aos valores do desenvolvimento humano indicam os rumo
para a formação de um homem reificado. Nesse sentido, o sujeito assim constituído
perde a sua identidade e se objetifica na intencionalidade ideológica do processo
industrial” (FABIANO, 2002 p.228).
O quadro historicamente configurado de padronização da produção e do consumo
configurou o surgimento de um corpo padronizado e fetichizado. Enfim, pouco a
pouco o modelo industrial determinou o modo de organizão social para a
produção da vida que da mesma forma parece ter sido industrializada”. Uma vida
que objetiva a acumulação do capital a qualquer custo.
Razão e Cultura Danificada
Juntamente a esse quadro de mudanças econômicas e produtivas, o surgimento da
classe burguesa determina uma nova realidade cultural. As reflexões de Pucci
(1994, p.20) acerca dos ideais iluministas apontam que a cultura e a racionalidade
humana se projetavam como uma promessa de felicidade. Mediante as
necessidades históricas colocadas naquela ocasião elas se caracterizavam como
instrumentos revolucionários de libertação e emancipação humana
12
.
No ensaio "O Conceito de Esclarecimento”, Adorno e Horkheimer (1985, p.19),
expõem que o esclarecimento (Aufklãrung) teve como finalidade libertar os homens
do medo, tornando-os senhores e liberando o mundo da magia e do mito. Admitindo-
se que essa finalidade possa ser atingida por meio da ciência, da tecnologia, da
razão e da cultura, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder racional e
humanístico do homem sobre a ciência e sobre a técnica. (...) Enquanto repertório
histórico da humanidade com fim em si mesma [a cultura e a razão humana] se
oporia como potencial emancipatório à sociedade economicamente totalizada e sua
estrutura ideológica formalizante” (ADORDO & HORKHEIMER, 1985, p. 37)
12
Através da cultura, os indivíduos poderiam alcançar o esclarecimento (“Aufklärung). A
razão/esclarecimento e a cultura apresentavam-se como força histórica capaz de fazer do mundo um
lugar de progresso e felicidade, triunfando sobre a irracionalidade social e proporcionando a vida
justa. (reflexões tecidas a partir da leitura do ensaio de Immanuel Kant, “Resposta à pergunta: o que é
esclarecimento” publicado em 1985)
No entanto, o que foi construído na história em relação à cultura e a racionalidade
humana a partir do advento do Iluminismo, foi justamente o contrário. Bruno Pucci
(1994, p.23), na leitura de Adorno e Horkheimer, aponta que a Razão Iluminista -
desenvolvida pela burguesia desde os inícios da era moderna - continha em sua
afirmão primeira as dimensões emancipatória e instrumental, a segunda integrada
e a serviço da primeira. Porém, a burguesia, na medida em que foi impondo seu
domínio às outras classes sociais, ofuscou e reprimiu a dimensão emancipatória da
razão, privilegiando sua dimensão instrumental que posteriormente - com o
surgimento do capitalismo monopolista – acabou se tornando onipresente.
Essa exigência foi imposta por um quadro social sedento de conhecimento técnico e
pragmático, com a urgência de se dominar e explorar racionalmente a natureza
externa e interna do homem e atingir o objetivo de ampliar a reprodução do capital.
Esse quadro possibilitou o surgimento da cultura danificada (a cultura como
ideologia). Ou seja, cultura submetida aos princípios reducionistas de uma razão
instrumental e cnica, enfraquecendo assim a própria ação emancipatória da razão
em termos sociais mais amplos.
A instauração pragmática do conhecimento resultante da perspectiva instrumental da
razão atinge a cultura com força e brutalidade. O tom utilitarista que a cultura
recebeu acabou dando a ela uma função adaptativa que debilita a sua força
civilizatória. Por isso que Adorno enfatiza a necessidade da reflexão sobre a razão e
ao que ela foi reduzida: racionalidade técnica, para assim resgatar a sua força na
humanização efetiva da vida social. Sobretudo porque o iluminismo deixou de lado
a exigência de se pensar o próprio pensamento... transformando o pensamento em
coisa, em ferramenta (ADORNO & HORKHEIMER, 1991, p.18)
Em grande medida, os teóricos frankfurtianos ressalvam que a situação
incongruente percebida na cultura - e realizada por ela – se constitui como uma das
ingerências da razão instrumental sobre o todo social. A cultura danificada é produto
da racionalidade absolutizada em sua faceta instrumental e também é produtora de
subjetividades e realidades [prejudicadas]. Isso resulta em um circulo vicioso
perverso.
Para Wolfgang Leo Maar (1999), estudioso da Teoria Crítica da Sociedade, a cultura
representa uma mediação no seio da sociedade. Mas, nos moldes em que ela fora
subsumida pelo pragmatismo que a tomou como forma de ajuste ideológico, tal
mediação acabou por danificar a sua dimensão formativa em relação a constituição
da identidade do sujeito. Dentro desta abordagem, a cultura representaria uma
mediação agressiva, que reprime e expurga toda possibilidade de experiência
formativa autêntica e, portanto, de um esclarecimento (Alfklärung), ou a construção
daquilo que Theodor Adorno denomina de “consciência verdadeira” ou autonomia.
A cultura se colocaria, nestas circunstâncias, como uma brutalidade social
constituída a partir de objetivações isoladas, enrijecidas, formalizadas: “bens”
culturais fetichizados, mercantilizados ao extremo. Essa fetichizão da cultura é
reforçada no capitalismo tardio, a partir do processo de fetichizão dos produtos
(mercadorias) onde quase tudo passa a ser permutável, coisificado, inclusive a vida
intima.
Após estudos acerca da cultura, ALMEIDA (2001, p 33), menciona que, de fato, na
sociedade administrada, a cultura se padroniza para fins mercadológicos e não é
apreendida pelos indivíduos para a satisfação de suas necessidades formativas
como valor de uso - mas como auto conservação da sociedade como valor de
troca”. Isso mostra que os sujeitos também passam a se relacionar com a cultura
não pelo seu valor formativo, mas para se integrar numa rede social em que o
consumo de bens culturais é apresentado como sobrevivência num mundo
extremamente consumista.
Neste ínterim, percebemos que a cultura foi submetida a uma nova servidão: as
regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria, baseada na idéia e na
prática do consumo de produtos.
Diante das análises e reflexões empreendidas pelos teóricos frankfurtianos, seus
comentaristas e estudiosos, entende-se que esse tipo de cultura apropriada aos
princípios mercantis é produto da racionalidade embrutecida pelo fator de mera
instrumentalização e passa, sob determinados alicerces, a produzir subjetividades
danificadas. Dessa forma, ela é produto e processo, reproduzindo um antiprogresso,
uma incoerência cultural, uma irracionalidade sem precedentes.
O que parece é que, no contexto da racionalidade técnica, a cultura e também a
cultura corporal passam a refletir e realizar um papel histórico a serviço da razão
burguesa. Uma racionalidade desenvolvida na produção e reprodução da sociedade
capitalista tardia que utiliza-se única e exclusivamente da razão instrumental. Entre
outras questões, acaba produzindo a frieza burguesa, comportamento bastante
presente na contemporaneidade, onde as relações humanas são pouco cultivadas
no sentido da sensibilidade, do respeito, do afeto. Nesse sentido recorremos às
reflexões de FABIANO (1999) para dar mais autoridade a essa idéia.
“... a função da cultura, no seu sentido mais essencial e
profundo enquanto principio civilizatório, desloca-se em
processos de dimensões estéticas e/ou culturais esvaziados
desse sentido, para então incorporar elementos de diversão e
lucro cuja finalidade é subsumir o sujeito a essa forma de
organização social” (FABIANO, 1999, p.35).
No capitalismo tardio, uma das principais instituições que auxilia e reproduz essa
tarefa é a Indústria Cultural.
Indústria Cultural
No pensamento clássico frankfurtiano, uma das principais atenções reflexivas se
refere aos mecanismos de produção, distribuição e apropriação da cultura. Isso se
cristaliza através da chamada Indústria Cultural
13
. Como afirma Adorno, “através da
Ideologia da Industria Cultural, o conformismo substitui a consciência: jamais a
ordem por ela transmitida é confrontada com o que ela pretende ser ou com os reais
interesses dos homens” (ADORNO, 1971, p.293).
Entretanto, de modo algum, se poderia falar em Industria Cultural num período
anterior ao da Revolução Industrial, no século XVIII. Embora esta Revolução seja
13
Em relação ao termo “Industria Cultural”, ele foi empregado pela primeira vez no livro Dialética do
Esclarecimento, publicado em 1947, em Amsterdã, por Adorno e Max Horkheimer. Essa expressão
uma condição básica para sua existência, ela não é, ainda, condição suficiente. É
necessário acrescentar a esse quadro a existência de uma economia de mercado,
ou seja, uma economia baseada no consumo de bens. É necessário, enfim, a
ocorrência de uma sociedade de consumo forte, só verificada na segunda metade
do século XIX. Esse é o quadro que coloca em evidencia a Industria Cultural:
revolução industrial, capitalismo liberal, economia de mercado, sociedade de
consumo.
Os meios pelos quais a Indústria Cultural se manifesta são amplos e diversos. Na
época de Adorno, o cinema, o dio, as revistas ilustradas e os LPs possuíam maior
expreso. Hoje adicionamos a esses a televisão, como sendo o mais expressivo,
além do vídeo e os novos recursos digitais de produção e difusão audiovisuais (CDs,
DVDs, Internet). Outra faceta da Indústria Cultural é a veiculação de imagens
através dos outdoors espalhados pelas cidades. Esse último se impõe de modo
perverso por não dar ao indivíduo a escolha de querê-los ou não, simplesmente eles
estão ali.
Diante desse contexto, a Teoria Crítica é uma referência teórica de interlocução para
se repensar as categorias Industria Cultural, Racionalidade Técnica e Formação
Cultural no contexto em que surgem novas tecnologias. Nesse sentido, Rodrigo
Duarte também adverte que
enquanto nos séculos precedentes a ideologia ocorria
principalmente através de discursos, de narrativas, sobre como
era a realidade e como devia ser, a partir de inícios do século
XX, depois do surgimento de meios cada vez mais realistas de
produzir e difundir sons e imagens num processo de
desenvolvimento tecnológico que nunca se estagnou -, a
ideologia passou a ter por objeto o mundo enquanto tal, ou
seja, as palavras se tornam supérfluas pois o que fazer passar
por verdadeiro pode ser mostrado, num processo que a
divindade do real’ é garantida por mera repetição. Uma prova
fotológica como essa, na verdade, não é rigorosa, mas é
avassaladora’ (DUARTE, 2002, p.26).”
Belarmino César Guimarães da Costa (1997), que investiga a questão da Industria
Cultural pelo viés da área da Comunicação, traz importantes contribuições no
vem substituir “cultura de massas” até então utilizada em seus esboços para excluir a interpretação
sentido de se entender de forma mais atual os meios pelos quais ela (a Industria
Cultural) se faz presente na vida cotidiana da sociedade contemporânea. Ele sinaliza
que a lógica do capital no campo da produção simbólica tem modificado as noções
de autonomia cultural e tornando impessoal a fruição de artefatos simbólicos. Em
contraposição, as novas tecnologias de comunicação vêm ampliando a circularidade
de informões, a interatividade entre os agentes comunicativos. O mais importante
é que isso representa
“maior horizontalidade do processo de produção e distribuição
de mensagens, cuja ação acaba inserindo cada vez mais
pessoas nos círculos informatizados, o que pode representar
novas formas de intersubjetividade e sociabilidade, tendo a
técnica como agente mediador” (COSTA, 1997, p.182).
Destaca-se ainda em suas analises a idéia de que a comunicação de massa se
relaciona tamm com os estágios de evolução técnico-científica da humanidade.
Através das novas tecnologias de comunicação, que dispõem de imagem, som,
movimento, amplia-se a capacidade de representação que o homem faz do mundo.
Signos, códigos, a onipresença das mensagens transmitidas artificialmente a
disncia (que está ao mesmo tempo em toda parte) agem no sentido do
deslocamento.
Retornando aos autores clássicos frankfurtianos, em suas reflexões mais
radicalizadas sobre a produção, disseminação e apropriação de bens culturais no
capitalismo tardio, Adorno e Horkheimer, no ensaio intitulado Industria Cultural: o
esclarecimento como mistificação das massasdiscutem que, por meio da Industria
Cultural o Capital reorganiza a sociedade, reescreve a sociedade. Aquilo que
concretamente não revela nenhuma unidade, no plano da Industria Cultural tem uma
unidade, é a unidade constituída no plano da mercadoria, do equivalente geral e
abstrato do consumo que junta todos.
Em um outro texto sobre o assunto, Adorno afirma que ela (a Indústria Cultural)
“.impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e
de decidir conscientemente. Mas estes constituem, contudo, a condição prévia de
de que esta última seria uma cultura surgida espontaneamente das próprias massas.
uma sociedade democrática, que o se poderia salvaguardar e desabrochar
através de homens não tutelados” (ADORNO, 1971, p. 295).
Portanto, os mecanismos de produção e reprodução de bens culturais através da
Indústria Cultural visam repetir, reafirmar e renovar as normas sociais inerentes ao
modo de produção capitalista, e nisso é ideologia.
Bruno Pucci (1994, p. 32), em seus estudos sobre os teóricos frankfurtianos
complementa o exposto quando reflete que “para a Teoria Crítica, a Industria
Cultural se transformou no mais sensível instrumento de controle social e na venda
em liquidação dos bens culturais. Se aparentemente, traz um ar de democratizão,
no fundo, se manifesta como decadência da cultura e progresso da barbárie. O que
a Indústria cultural deixa transparecer é o seu papel de ideologia
14
.
Gabriel Conh (1986) vai mais além na discussão sobre a ideologia quando relaciona
o conceito de Industria Cultural à analise mais aprofundada da cultura nas reflexões
de Adorno. Ao indagar se a Indústria Cultural é cultura ou indústria expõe que não é
nem um nem outro pois
“... isolar um ou outro pólo é consagrar a ideologia. Tratá-los
conjuntamente é mostrar no que constituem ideologia – na
incapacidade de desenvolver-se, de realizar plenamente seja
sua condição de cultura, seja sua condição de industria. É por
isso que, na industria cultural, a cultura subordina-se à
industria, não na sua expressão mais moderna, mas no seu
significado mais arcaico: a industria como ardil, como
engodo“(CONH, 1986, p. 19).
Em suas analises acerca da Industria Cultural e de como ela traz imanente a si o
reforço das questões relativas ao empenho da estrutura capitalista mundial para
sustentar-se, Fabiano (1999) discute que:
14
Segundo comentário de Gabriel Cohn (1986p. 11-12), Adorno desenvolve, ao longo da sua obra,
uma concepção de ideologia que retoma temas básicos do marxismo. Para ele a ideologia não se
reduz a um sistema de idéias ou representações culturais, não é uma característica de tal ou qual
modalidade de consciência social, mas é um processo responsável pela própria formação da
consciência social. Não se trata também de instrumento nas mãos de alguém (classes ou indivíduos),
nem de cortina para ocultar alguma outra coisa, mas de falsa experiência social. Falsa porque é
incapaz de reconhecer e realizar sua própria verdade, que é a de ser resultado de uma atividade
social determinada.
“Industria Cultural enquanto expressão ideológica da cultura,
tomada num sentido fetichista, resulta num fenômeno onde a
subjetividade fica comprometida com a incorporação de valores
culturais identificados com os interesses ideológicos vigentes,
cuja finalidade é reforçar e perpetuar o seu processo de
reificação.” (FABIANO, 1999, p 03)
Em tal forma de expressão e inculcação culturais, o objetivo da cultura o é outro
senão reproduzir a racionalidade instrumental burguesa da qual se origina e sob a
qual se estrutura.
Outra contribuição para a analise é de ZUIN (1994); esse estudioso do potencial
pedagógico da Teoria Crítica remete ao caráter amguo da produção cultural e
mostra também o caráter ideológico desta Indústria ao elaborar a seguinte idéia:
“Por detrás do processo de massificação do produto veiculado
pela industria Cultural, pode-se vislumbrar a promessa de que
a produção cultural, enquanto patrimônio universal da
humanidade, seria efetivamente reapropriada por todos. Não
obstante, o que efetivamente ocorre é a
(pseudo)democratização destes mesmos produtos. Ora, os
produtos culturais são objetivações humanas que devem ser
reapropriados de forma coletiva, pois podem ser utilizados
tanto para a narcotização, quanto para a emancipação das
consciências”. (ZUIN, 1994, p.155)
A partir das reflexões de Fabiano (1999, p 03), entende-se que a cultura se coloca
como conteúdo de cil absorção mental, onde o espectador não necessita de
nenhum pensamento próprio. Uma cultura que se fecha num “bloco informácional”
para ocultar as possibilidades de percepção da sociedade como um todo, ou nas
próprias palavras do autor “procura ocultar aquilo que informa qualquer nível de
contradição ou elementos de percepção da totalidade social”.
Ao contrário da sua função emancipatória, de educar a percepção e civilizar o
indivíduo, esse tipo de cultura acaba apenas preenchendo o tempo livre que lhe
resta nas formas de trabalho pelas quais esse tipo de sociedade está organizada. A
sociedade, na cultura e na produção, passa a ser avaliada exclusivamente pelos
valores do preço e do lucro.
Na área da Educação Física, alguns poucos autores como Alexandre Fernandes
Vaz, realizam análises a respeito da Industria Cultural e o corpo. Especificamente no
seu ensaio “Corpo, Tecnologia, Industria Cultural”, Vaz (2002) reflete a respeito da
Industria Cultural em algumas de suas manifestações relacionadas ao corpo e suas
expreses, sobretudo no que se refere aos esquemas de incorporação tecnológicas
e suas possíveis conseqüências para uma ética de reconhecimento do corpo, esse
outro em relação ao sujeito esclarecido.
A utilização de imagens corporais pela Indústria Cultural é grande e diversificada,
mas traz na sua essência determinados padrões que a reduzem a simples
mercadorias estereotipadas evocando um único padrão estico. Destaca-se dentre
as imagens corporais utilizadas os corpos femininos, geralmente seminus e
destituídos de realidade e naturalidade.
Outro destaque conferido à Indústria Cultural é a “lógica do sempre igual”. Tudo o
que essa indústria transmite é incrivelmente semelhante em sua essência. Sua
engrenagem trabalha para a negação do novo, do diferente, do dissonante, pois
“Cada vez mais, a máquina da Indústria Cultural, ao preferir a
eficácia dos seus produtos, determina o consumo dos mesmos
e exclui tudo o que é novo, tudo o que ela configura como
risco. O menor acréscimo ao inventário cultural comprovado é
um risco excessivo.” (PUCCI, 1994, p. 31)
Ao mesmo tempo que gera a padronização de tudo, a Industria Cultural atrofia a
imaginação, a espontaneidade, a atividade intelectual dos espectadores. Faz
desaparecer tanto a capacidade crítica como a do respeito humano. Exclui o
diferente, o novo.
“Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura
elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo
que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale,
que por frações de milímetros se distinguem uma das
outras. As particularidades do eu são mercadoria
monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem
passar por algo natural.” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985 p.
145)
A identidade do domínio que a indústria cultura exerce sobre os indivíduos, aquilo
que ela oferece de continuamente novo não é mais do que a representação, sob
formas diferentes, de algo que é sempre igual. A mudança oculta um esqueleto, no
qual muda tão pouco como no próprio conceito de lucro, desde que este adquiriu o
predomínio sobre a cultura. Neste sentido Adorno enfatiza que
“não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as
novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos mas o
conteúdo específico do espetáculo é ele próprio derivado deles
e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se fungíveis”
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, 117)
"As estrelas de cinema, as canções de sucesso com suas
letras e seus títulos irradiam um brilho igualmente calculado”
(ADORNO, 1996, p. 397)
Nesse ‘universo’ onde o diferente é descartado, cada vez mais o mundo se
padroniza tendo como base os estereótipos, principalmente em relação as imagens
pois "encantos desencantados, as imagens não transmitem qualquer segredo, mas
o modelos de um comportamento, que corresponde tanto à gravitação do sistema
total quanto à vontade dos controladores" (ADORNO, 1971, p. 352). Adorno reflete
implicitamente sobre os estereótipos em grande parte de suas analises acerca da
Industria Cultural pois o blico é sempre manipulado e ajustado às exigências de
um comportamento adaptado às condições sociais e que reduz ainda mais a formas
de comportamento inconscientes.
Outra característica peculiar a esse tipo de mecanismo ideológico de veiculação da
produção cultural é o processo de prometer e não cumprir. Nesse “comércio”
propenso à enganação, onde a consciência das massas é entorpecida e os
espectadores/consumidores o constantemente levados a uma ilusão, a Indústria
Cultural, de forma cruel, priva aquilo que ao mesmo tempo parece oferecer. Nesse
sentido,
“ao expor sempre como novo o objeto de desejo (o seio sob o
suéter ou o dorso nu do herói desportivo), a Industria Cultural
não faz mais do que explicitar o prazer preliminar não
sublimado que, pelo hábito da privação, converte-se em
conduta sadomasiquista. Assim, prometer e não cumprir,
oferecer e privar, são um único e mesmo ato da Industria
Cultural”. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985 Pág.131)
Neste momento, vale destacar a importância do fascinante mundo publicitário para a
afirmão, manutenção e sobrevivência da Indústria Cultural. Este é um outro
mundo que nos é mostrado dentro de cada anúncio, onde produtos são sedimentos
e a morte o existe. É parecido com a vida e, no entanto, completamente diferente,
posto que é sempre bem sucedido. Nele não habitam a dor, a miséria, a angústia e
onde existem seres vivos, paradoxalmente, dele se ausenta a fragilidade humana.
Um mundo nem enganoso nem verdadeiro, simplesmente um mundomágico”.
Evidentemente, trata-se de uma ilusão, mas dotada de poder real, porque é
aparência. Eis aqui o encantamento, o feitiço! De fato, a Industria Cultural expressa
a forma repressiva da formação da identidade da sociedade contemporânea.
“Nos dias de hoje, quando as pessoas se encontram cada vez
mais dessensibilizadas, é praticamente impossível ficar
insensível aos apelos sedutores feitos pela Industria Cultural,
numa sociedade cuja consolidação e reprodução da cultura
prioriza o princípio da comercialização de seus produtos sob as
mais variadas embalagens. No reinado dos simulacros, esses
produtos são revestidos por invólucros esplendorosos,
proporcionando o fascínio e o deslumbramento coletivo. Com
os olhos embasbacados no glamour geral, as pessoas os
consomem de forma compulsiva, na esperança de adquirir
imediatamente os atributos e qualidades vinculados, tais como
sexualidade, sofisticação, etc. (ZUIN, 1994, p. 153)”
A função manifesta da publicidade é aquela de “vender um produto”, “aumentar o
consumo” e abrir mercados”. Se compararmos o fenômeno do “consumo de
anúncios e o de produtos”, podemos perceber que o volume de consumo
implicado no primeiro é infinitamente superior ao do segundo. Em cada anúncio
“vende-se” estilo de vida, sensações, padrões estéticos, visões de mundo, relações
humanas, sistemas de classificação, hierarquia, entre outros, em quantidades
significativamente maiores que geladeiras, roupas ou cigarros.
Adorno e Horkheimer analisam que a publicidade é o elixir da vida da Industria
Cultural porque "como seu produto reduz incessantemente o prazer que promete
como mercadoria a uma simples promessa, ele acaba por coincidir com a
publicidade de que precisa, por ser intragável" (ADORNO & HORKHEIMER, 1985,
p.151).
Com a padronização dos produtos/bens culturais em conjunto com a mundialização
da imagem, sobretudo com a publicidade, a Indústria Cultural cria uma atmosfera
espiritual para se pensar o mundo como “um todo articulado”. Isso permite
apreensões coletivas de normatização de sentidos que, de maneira incisiva,
contribuem para a reprodução da ordem social, para a formulação de um imaginário
coletivo.
Na educação do corpo, a Industria Cultural exerce uma afirmão ideológica direta
na medida que consome um grande tempo na vida das pessoas, principalmente
através da televisão, criando no imaginário do indivíduo, e mais facilmente no das
crianças, um certo tipo de modelo ou estética corporal, no sentido de idolatria e culto
ao estereótipo, um padrão de beleza, alem do exarcebamento do glamur do esporte
de alto rendimento, sendo quase fascista, tornando esses fatos, que aparentemente
o simples, num tipo de controle subjetivo que pode ter reflexos na experiência
formativa com os componentes da cultura corporal.
Nesse sentido, observa-se que a Indústria Cultural abarcou todas as esferas da
sociedade, inviabilizando a prática emancipatória, dirigindo as pessoas, manipulando
suas necessidades, invertendo a subjetividade de modo perverso, mudando os
indivíduos de tal forma que eles se conciliem sempre à sociedade, se integrem a ela,
esquecendo todo o resto. Nas palavras de ADORNO (1971, p. 294), a dependência
e a servidão dos homens é o objetivo ultimo da Instria Cultural”.
Nesse movimento de manipulação das necessidades dos sujeitos, a Industria
Cultural cria o resultado originariamente das necessidades dos consumidores. Não
o as pessoas que tem necessidades a serem satisfeitas na sociedade, mas a
sociedade que inventa necessidades para as pessoas se satisfazerem na mesma.
Esse é o mecanismo da Industria Cultural, trata-se do círculo da manipulação das
necessidades no qual a unidade ideológica do sistema torna-se cada vez mais
coesa.
A verdade em tudo isso é que o poder da Industria Cultural provém de sua
identificação com a necessidade produzida, não da simples oposição a ela. Quanto
mais firmes se tornam as posições da Industria Cultural, mais sumariamente ela
pode proceder com as necessidades dos consumidores, produzindo-as, dirigindo-as,
disciplinando-as e, inclusive, suspendendo a divero: nenhuma barreira se eleva ao
próprio princípio da cultura. O fato de que milhões de pessoas participam dessa
industria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a
disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais.
O entendimento dos mecanismos ocultos de dominação trazidos pela Indústria
Cultural perpassa pela reflexão desse poder de manipulão dos sujeitos,
controlando suas necessidades, e com isso mudando-as de tal modo que eles se
conciliem, se integrem sempre à sociedade da cultura banal, que gostem de
consumir aquilo que é apresentado à eles a todo momento e esqueçam de todo o
restante.
A planejada manutenção do povo em um estado de ignorância é apontada por
Rodrigo Duarte (2002, p.34) como sendo uma das principais preocupações do
capítulo “Industria Cultural: esclarecimento como mistificação das massas” da obra
“Dialética do Esclarecimento” de Adorno e Horkheimer. Segundo ele, os autores
frankfurtianos denunciam que, a despeito de sua postura aparentemente
democrática e liberal, a cultura massificada realiza impiedosamente os ditames de
um sistema de dominação econômica que necessita, entretanto, de uma
concordância pelo menos tácita das pessoas para a legitimão de sua
existência.
“A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de
uma vez por todas. Os produtos da Industria Cultural podem ter
a certeza de que a mesmo os distraídos vão consumi-los
alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria
econômica que, desde o início, não folga a ninguém, tanto
no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao
trabalho”. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.119).
Outro foco de discussão de extrema importância para se refletir a sociedade e seus
variados fenômenos - como por exemplo a educação do corpo - é que geralmente as
pessoas não conseguem se desvencilhar desse mundo cruel e deformador da
Indústria Cultural. Nessa integração os sujeitos não se sentem desconfortáveis no
processo social de reprodução material que mantém a continuidade da própria
exploração. “Eles estão felizes na sua exploração, pois o amor funesto do povo pelo
mal que a ele se faz chega a se antecipar à astúcia das instâncias de controle”
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.125).
“O sujeito é constantemente submetido a um processo de
conformismo com o qual é ajustado a reproduzir a estrutura de
uma sociedade que o fragmenta pela forma como se organiza.
Os valores estéticos estereotipados de que se vale tal contexto
social se determinam, entretanto como elementos de sedução
e formação cultural do indivíduo, embotando os seus sentidos e
percepções” (FABIANO, 1999 p. 03)
Nessa perspectiva, percebe-se o quanto os sujeitos são integrados à sociedade que
se reproduz passando por cima das sensações e percepções embotadas pelos
diversos mecanismo de manipulação ideológica, comprometendo a formão cultural
e a formulação da consciência crítica e verdadeira. Esses mecanismos abarcam as
insncias mais intimas da vida do homem através da ciência, da mídia, da
educação, fazendo-se presente no cotidiano através do trabalho e do não trabalho.
Para Fabiano (1999, p. 03-04) a cultura disseminada na sociedade adapta os
sujeitos à uma ideologia, no caso, a ideologia industrial pautada na racionalidade
técnica, por isso, a massa recebe como alimento cultural signos ocos e clichês
carentes de historicidade, cuja função ideológica é manter o indivíduo restrito a um
imediatismo cotidiano que reduz seus horizontes de emancipação”.
A apropriação da cultura pela ideologia industrial e a disseminação de uma cultura
comprometida com os ideais de subserviência e integração social traz como
resultado o entrelaçamento de todas as possibilidades de reprodução do status quo.
Torna-se possível perceber, dessa maneira, o caráter “educativo” que a cultura e
consequentemente a Indústria Cultural assumem.
“Conectada a todas as suas artérias e vasos comunicantes, a
Industria Cultural torna-se expressão e pressão da consciência
humana inserida nesse ambiente socialmente administrado. Ela
é forjada para não questiona-lo e muito menos revê-lo,
perpetuando assim relações sociais que na verdade são
relativas e históricas e, por conseguinte, passíveis de
transformação”(FABIANO, 1999, p. 04).
Para Wolfgang Leo Maar (1997, p.31) ocorre uma totalização social nos termos da
sociedade integral, em que economia e cultura se fundem num amálgama com a
função de anular o curso da ação histórica dos homens, procurando fixá-los em
determinadas configurações sociais por eles mesmos produzidas, mas em que se
manifestam potenciais de alienação e dominação e ainda faz o alerta de que é
preciso desconfiar da ‘cultura’, deixando de lhe atribuir valor inquestionável, nos
termos da constituição de uma formação social estruturada no processo de
reprodução da sociedade capitalista”.
Adorno e Horkheimer, em suas discussões sobre a Indústria Cultural, situam o leitor
sobre a função de integração dos sujeitos à realidade perversa realizada por essa
indústria, e, sobretudo, pelo fato de utilizar o engodo, o engano, o logro para realizar
esta tarefa de integração. Assim, sinalizam que o logro, pois, não está em que a
Indústria Cultural proponha diversões, mas no fato de que ela estraga o prazer com
o envolvimento de seu tino comercial nos clichês ideológicos da cultura em vias de
se liquidar a si mesma” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 133-134).
Nessa ótica de pensamento constata-se que, pelos produtos da Industria Cultural, os
indivíduos se integram à sociedade alegremente, sem rumores de resistência,
vida e reflexão. “Com seus produtos, a Industria Cultural pratica o reforço das
normas sociais, repetidas até a exaustão e sem discussão. Em conseqüência, uma
outra função: a de promover o conformismo social” (COELHO, 1998, 23).
Diante desse contexto tão complexo de ideologia, a cultura, sendo tratada como
mercadoria e entretenimento na e pela Industria Cultural, portanto danificada e
descaracterizada de sua dialeticidade, tende a descartar totalmente sua
possibilidade de emancipação humana, despotencializando qualquer forma de
autonomia, consciência crítica e experiência formativa digna. Nestes termos, a
industria Cultural projeta objetiva e subjetivamente a reprodução da racionalidade
burguesa da sociedade do capitalismo tardio integrando e alienado os sujeitos em
escala universal.
Profundamente relacionada com a reflexões sobre a Indústria Cultural e a cultura
danificada está a questão do resgate da "formão cultural digna" (Bildung). No
pensamento adorniano fica claro que é imprescindível também repensar os aspectos
e processos que tornam essa formação prejudicada no capitalismo tardio. MAAR
(1997), com efeito, destaca essa necessidade em suas análises sobre a gênese da
Indústria Cultural e sua relação com a formão cultural dos indivíduos.
“A Industria Cultural oriunda do processo valorativo da
produção capitalista tardia produz um objeto que conduz a sua
crítica ao abismo. Somente a apreensão da gênese histórica
material e conceitual da Industria Cultural promotora da
Semiformação revela a luta de classes que parece se esgotar
na crítica do fetiche e precisa ser orientada à crítica das
Relações Sociais Materiais de Produção reprodutoras da
própria Industria Cultural (...)” (MAAR, 1997, p. 45) (grifo nosso)
Semiformação Cultural
A partir das experiências e reflexões desenvolvidas pela Escola de Frankfurt é
possível pensar que uma das formas de sujeição do sujeito é justamente a
construção social de uma formão cultural prejudicada/danificada a
Semiformação Cultural (Halbbildung). É aquilo que nos anos 30 Adorno e
Horkheimer vão caracterizar como a integração do sujeito à sociedade na
perspectiva da continuidade do modo de produção Capitalista, sublinhando a
dominação no plano subjetivo.
Mais especificamente, junto com essa integração do sujeito há tamm uma
integração das formas críticas de se recuperar a dignidade da formão humana:
uma integração da cultura, por exemplo, como possível crítica do sujeito alienado. A
cultura socialmente produzida (mas adulterada) deixa de ser um instrumento
revolucionário de libertação. Ela também é inserida como um instrumento de
integração. Esse processo de integração duplamente concebido precisa ser
devidamente apreendido de maneira crítica para fazer face a construção de uma
formação cultural digna, autentica, verdadeira (Bildung) em momentos difíceis.
Poderíamos dizer que uma importante contribuição da Escola de Frankfurt é
explicitar e pensar criticamente a semiformação, e junto com ela, também repensar e
apresentar uma discussão dos instrumentos que pretendiam estar associados a uma
superação da sujeição do sujeito, como por exemplo, a cultura. Através da
apreensão de uma cultura mais autêntica as relações de sujeição social poderiam
ser superadas, o contrário do que aconteceria com a cultura no sentido de
mercadoria.
Adorno enfrenta a questão da formão danificada (Semiformão) argumentando
que o fetichismo da mercadoria produz subjetividade e que os homens, ao se
relacionarem com as mercadorias, conseguem se desvencilhar de seu valor de uso.
Por essas duas colocações é possível imaginar que através do mecanismo do
fetichismo da mercadoria se produz uma determinada consciência que, por suas
vez, não permite a construção da Bildung, e consequentemente, a construção da
vida reta.
Torna-se possível imaginar que, para Adorno, vai-se construindo no processo de
reprodução da sociedade uma necessidade de consumir valores de troca. A partir
dessas necessidades criadas socialmente, mas de forma perversa, vai se
construindo uma consciência danificada que muda a relação dos sujeitos com a
realidade, levando-os a viverem de maneira afirmativa em relação ao status quo.
Essa parece ser a base do mecanismo pelo qual vai se interferir nos sujeitos,
mudando a sua relação com o mundo. Desvencilha-se a relação com o valor de uso
para construir uma nova necessidade hipostasiada no valor de troca dos bens,
inclusive da cultura.
O risco da dominação se interiorizar nos homens por meio de suas necessidades
constitui uma tendência real do capitalismo tardio. Agora a dominação das pessoas
se apresenta exatamente na conversão das necessidades de uso por necessidades
de troca, na produção de necessidades danificadas. Perigo esse que não diz
respeito à possibilidade da barbárie após a revolução, mas a obstrução da
revolução, inclusive formativa, por intermédio da sociedade cujas pessoas se
integram totalmente à ela.
Passamos então a falar de uma sociedade que procura integrar totalmente os
indivíduos à sua realidade opressiva e obstruir a construção da Bildung. A sociedade
integrada consegue se reproduzir, se perpetuar, porque não resta quase mais nada
fora dela. Não resta quase nada que se dissocie de seu processo de integração à
barbárie. Não quase pessoas que pensem diferente das formas capitalistas de se
relacionar com tudo. As formas concretas nas quais essa nova integração se dá vão
ser apresentados por Adorno em dois escritos de seu período posterior: A Indústria
Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas” (da obra “A Dialética do
Esclarecimento) e o ensaio “A Teoria da Semiformação”.
No primeiro texto citado, Adorno argumenta que Indústria Cultural é a acentuação da
transformação de valores de uso em valores de troca. Mas esse é um mecanismo
que é complexo e é explicado, tamm explicitado numa obra introdutória da
elaboração da Indústria Cultural, que é o ensaio “O fetichismo na música e a
regressão da audição”.
Interessante registrar aqui que a manipulação das necessidades e a criação das
necessidades retroativas vão mudando os sujeitos. Eles não são mais os
mesmos. As necessidades das massas são produtos da sociedade. A sociedade
inventa as suas massas.
Nessa construção de subjetividades semiformadas percebe-se uma grande
influência da Indústria Cultural - mecanismo de produção e reprodução da formação
danificada, da Semiformão - pois nela o duplo caráter da cultura constituído pelas
dimensões da autonomia e da adaptação perdem a tensão/movimento necessários
para promover a formação cultural digna.
No sentido de absolutizar a cultura em sua dimensão administrada/adaptativa, ela
acaba tornando quase impossível a construção de uma sociedade de indivíduos
emancipados, de seres livres e iguais.
“Tal fato não apenas indica uma consciência progressivamente
dissociada, mas sobretudo um desmentido objetivo ao
conteúdo daqueles bens culturais a humanidade e tudo o
que lhe for inerente — enquanto sejam apenas bens, com
sentido isolado, dissociado da implantação das coisas
humanas. A formação que se esquece disso, que descansa em
si mesma e se absolutiza, acaba por se converter em
semiformaçã”o (ADORNO, 1996, p. 48).
Bruno Pucci (1997) argumenta que a progressiva impotência da cultura burguesa
15
em realizar a construção de uma sociedade de homens livres e iguais fez com que
ela, historicamente, satisfizesse-se de si mesma e se transformasse em um valor de
mercado, ou seja, os produtos culturais, antes revolucionários, deixam de ser
predominantemente valores de uso para se tornarem apenas valores de troca,
disseminados pela Industria Cultural. Assim unidimensionalizou-se o momento de
adaptação da cultura e "a consciência da massa, 'formada' por bens 'culturais'
neutralizados e petrificados, é levada a desenvolver valores de consumo
imediatos(...)". (PUCCI, 1997, p. 91)
Verificamos portanto que, no período liberal do capitalismo, o momento de
autonomia da Cultura, formador da Bildung era buscado como reparador da
deformação cultural do proletariado no sentido de apreensão insuficiente de cultura.
No entanto, como predominou o momento da adaptação da cultura, faltando-lhe o
princípio propulsor da formação cultural digna (o momento emancipador e de
autonomia), a correção da deformação cultural e criação de uma experiência
formativa digna perderam-se, foram recalcadas.
Nesse sentido, a deformão dos sujeitos não pode ser equalizada, transformando-
se em semiformação cultural. Transforma-se nessa última pelo processo de
mercantilização imediata da cultura, portanto, sua adulteração. A proposta da Teoria
Crítica, especialmente a de Adorno e Horkheimer é o resgate da tensão entre esses
dois momentos antagônicos e complementares da cultura, pois na verdade, o
processo cultural formador apresenta-se como um todo: autonomia e adaptação. A
hipóstase de uma das dimensões significa negar-lhe a potencialidade e mesmo a
realidade. Adorno entende que:
“quando o campo de forças a que chamamos formão se
congela em categorias fixas — sejam elas do espírito ou
15
Com a queda do sistema feudal e a progressiva implantação do domínio burguês (séc. XVII, XVIII,
XIX), a possibilidade de usufruto dos bens espirituais e da cultura se apresenta mais concreta para a
maioria da população. Porém, as conseqüências da exploração do trabalho e suas formas
desumanizadas de organização excluem a massa dos trabalhadores do deleite da formação cultural.
Apenas alguns poucos tinham acesso. Contudo, mesmo que a serviço de uma minoria e impotente
em seus pressupostos iniciais, a cultura burguesa continuava trazendo em si uma proposta
inovadora, ao mesmo tempo que representava e consolidava a nova classe dominante, criticava a
da natureza, de transcendência ou de acomodação —
cada uma delas, isolada, se coloca em contradição com
seu sentido, fortalece a ideologia e promove uma
formação regressiva”(ADORNO, 1996)
Um aspecto muito importante em toda essa reflexão é o fato de que, com a
universalização do mercado, a contradição social entre formação cultural e
sociedade de consumo não apresenta como resultado a não-cultura, o não-saber e
sim a semicultura (Halbbildung).
“O desenvolvimento que culminaria no conceito de Industria
Cultural e no seu correspondente no plano da subjetividade, a
Semiformação, ilustra de forma exemplar como apreender a
formação social contemporânea caracterizada pela
globalização econômica e mundialização da cultura” (MAAR,
1997, p. 78).
Por conseguinte, defrontamo-nos com um problema a ser pensado no capitalismo
tardio: a presença de uma maioria de indivíduos semiformados. Isso se coloca
socialmente porque a cultura danificada bloqueia a “boa formação” e promove a
Semiformação. É preciso debruçar-se nessas reflexões, aprofunda-las para,
posteriormente, podermos repensar algumas questões relacionadas à Educação
Física, Cultura Corporal e Concepção de Corpo na sociedade contemporânea.
A semiformação cultural, nesse sentido, difere da deformação cultural na medida em
que não basta fornecer cultura aos semiformados pois "a contradição entre formão
cultural e sociedade não apresenta como resultado apenas uma incultura do antigo
estilo, a camponesa (ADORNO, 1996) ". A Semiformação não é a carência ou falta
de cultura/conteúdos culturais, mas a apreensão de uma cultura com sentido
formativo prejudicado, uma falsa cultura. Nas palavras de Adorno, " O
semiconhecimento e a semiexperiencia não correspondem ao nível elementar de
formação, mas são na verdade seus inimigos mortais" (ADORNO, 1996).
A Semicultura é um produto da experiência danificada com os fenômenos. Ela se
torna perigosa para os indivíduos porque eles “pensam que sabeme o homem
situação existente e até apontava para o surgimento da nova sociedade mais justa. A tensão entre a
dimensão conservadora e emancipadora da cultura continuava presente.
domina o existente mediante a autolimitação (que eles acham que não tem). Pucci
(1997, p. 96) argumenta que “no não-saber há uma predisposição do homem para a
busca do saber e “no semi-saber, a pessoa julga-se sabedora e se fecha às
possibilidades da sabedoria”, portanto,
“A não cultura, como mera ingenuidade e simples ignorância,
permitia uma relação imediata com os objetos e, em virtude do
potencial de ceticismo, engenho e ironia qualidades que se
desenvolvem naqueles que não são inteiramente
domesticados -, podia elevá-los à consciência crítica. Eis
algo fora do alcance da semiformação cultura”l (ADORNO,
1996).
Adorno subsidia teoricamente os que trabalham com a questão do entendimento da
semiformação reportando-se à necessidade que a sociedade tem de atrelar a
cultura aos mecanismos de dominação subjetiva. O autor contextualiza o caráter
ideológico da semicultura apontando que
“A formação cultural agora se converte em uma semiformação
socializada, na onipresença do espírito alienado, que, segundo
sua gênese e seu sentido, não antecede à formação cultural,
mas a sucede(...) a semiformação passou a ser a forma
dominante da consciência atual” (ADORNO, 1996).
Nesse contexto desvenda-se que a questão primordial da formão cultural, que é a
autonomia adquirida pelos sujeitos para ter condições de desconfiar, de criticar, não
teve tempo histórico nem condições para se realizar. O homem trabalhador passa
diretamente de uma heteronomia para outra, ou seja, da autoridade da Bíblia no
feudalismo para a autoridade da Industria Cultural no capitalismo. "As
conseqüências são a confusão e o obscurantismo, e, pior ainda, uma relação cega
com os produtos culturais não percebidos como tais, a qual obscurece o espirito a
que esses produtos culturais dariam expressão viva” (ADORNO, 1996).
A negação dos pressupostos básicos para a formão cultural digna, que passa
pelas condições sociais trouxe conseqüências trágicas aos indivíduos. Bruno Pucci
(1997, p. 101-102) aborda as seguintes conseqüências: a eliminação dos
momentos de diferenciação; a poda do espirito crítico; a atrofia da espontaneidade;
a adulteração da vida sensorial”. Essas facetas serão posteriormente abordadas nas
analises sobre a concepção de corpo na sociedade capitalista contemporânea.
Em relação à eliminação dos momentos de diferenciação, recorremos aos
pressupostos da Industria Cultural que, a tudo confere um ar de semelhança a seus
produtos, bem como padroniza os bens, harmonizando a palavra, a imagem, a
música, reproduzindo o que é sempre o mesmo, desenvolvendo
indiscriminadamente a exclusão de tudo que é diferente ou novo na esfera social.
Agora assistimos esse mesmo processo se repetir em relação à semiformão pois
a formação cultural digna seria o diferente para a semiformação, portanto ela é
negada e em seu lugar aparece um sucedâneo, a própria semicultura.
Adorno defende que para se alcançar a Bildung faz-se necessária a existência da
diferença qualitativa, da particularidade e da individualidade. No entanto, com o
avanço da integração do sujeito no processo de reprodução material da sociedade
esses pressupostos são negados, poda-se o espirito crítico, o que acarreta uma
inestimável degradação em relação à criticidade dos sujeitos, pois os mesmos são
cada vez mais levados a pensar segundo a ordem do mercado no capitalismo tardio.
Reiterando, Adorno entende que o pensamento crítico sustenta a capacidade de
adentrar no conhecimento e não ser travado por ele. Quando o conhecimento trava
o pensamento, trata-se de um semi conhecimento ou apenas informão, tão
privilegiada nos dias atuais, uma vez que não possibilita a atividade crítica. A partir
daí, pode-se entender a crítica realizada pelo autor em relação aos conhecimentos
dados, ou seja destituídos de experiência formativa
Na concepção Iluminista de Bildung o sujeito poderia, a partir de si mesmo e através
da experiência verdadeira com o social, pensar uma sociedade emancipada, uma
vida digna, pois ele se fazia sujeito ativo na teia social, compreendendo-a e
interagindo com a mesma, indo além, ousando espontaneamente.
No entanto, sabe-se que essa energia insuflada pela Bildung desaparece devido à
estandartizão da dimensão instrumental da razão na formão cultural que se
torna mercadoria nas mãos da Indústria Cultural. O que Adorno chamou de a atrofia
da espontaneidade seria a não liberdade de pensamento e tem como conseqüência
o esquema de repetão que o semiculto faz do "sempre igual" difundido pela mass
mediaporque ele também perde o sentimento e os valores da esfera intelectiva.
Sua percepção é ‘castrada’ no momento que se perde a experiência formativa com
os objetos culturais. Em uma passagem da obra “Mímima Morália” de Theodor
Adorno, isso fica bem claro. Nas palavras do autor: "uma vez suprimido o ultimo
traço da emoção, o que resta do pensamento é apenas a absoluta tautologia
(ADORNO, 1993, p.33).
Adorno adverte ainda que, na semiformação, não existe apenas a
despotencialização da razão, mas outra conseqüência é a adulteração da vida
sensorial, ou seja, a adulterão dos sentidos humanos. Essa adulteração
transforma a razão em irracionalidade. O indivíduo como um todo é incapaz de
estranhar, de resistir.
Com os aspectos destacados anteriormente e que retratam bem os prejuízos
causados pela semiformão na vida dos sujeitos históricos, percebemos também a
diferença gritante do tipo de formão pensada à época do Iluminismo kantiano e a
que se engendrou no capitalismo tardio. Adorno, seguindo essa lógica de analise
observa que
“A formação devia ser aquela que dissesse respeito de uma
maneira pura como seu próprio espírito ao indivíduo livre e
radicado em sua própria consciência, ainda que não tivesse
deixado de atuar na sociedade e sublimasse seus impulsos. A
formação era tida como condição implícita a uma sociedade
autônoma: quanto mais lúcido o singular, mais cido o todo.
Contraditoriamente, no entanto, sua relação com uma práxis
ulterior apresentou-se como degradação a algo heterônomo,
como percepção de vantagens de uma irresolvida bellum
omnium contra omnes. Sem dúvida, na idéia de formação
cultural necessariamente se postula a situação de uma
humanidade sem status e sem exploração. Quando se denigre
na prática dos fins particulares e se rebaixa diante dos que se
honram com um trabalho socialmente útil, trai-se a si
mesma”(ADORNO, 1996).
Portanto vemos nascer no processo de semiformação cultural um indivíduo que
corresponde à uma sociedade também semiforrmada, uma sociedade reconstruida
que conduz a uma falsa experiência social vivida pelo sujeito submerso na
objetividade ideológica. Os indivíduos têm uma relação com a sociedade que é
falha, é danificada. A relação deles com a sociedade é uma relação de afirmação e
não de entendimento dos mecanismos sociais. Walter Benjamim faz referencia a
esse processo de organização da sociedade a partir da constituição subjetiva do
indivíduo numa reflexão contundente que diz: a reprodução em massa corresponde
de perto à reprodução das massas”. (BENJAMIN, 1994, p. 194).
Os sujeitos experimentam a sociedade como sendo um modelo do qual têm que
participar para sentirem-se bem. Precisam consumir os valores de troca que são
impostos a eles.
Os indivíduos semiformados tem experiências reais, experimentam a sociedade,
mas a experimentam de maneira prejudicada. Essa, portanto, é a nova forma de
sujeição da sociedade, a qual é preciso enfrentar de uma forma nova tamm. Não é
possível pensar que a sujeição da subjetividade pode ser enfrentada fornecendo
cultura a estas pessoas. A maneira de interferir nisto é interferir na maneira de
inserção do indivíduo na sociedade. Pensar criticamente a própria cultura e a
formação dos indivíduos. Esse é o desafio que a Teoria Crítica apresenta para os
indivíduos nesta nova forma de sujeição social da subjetividade
Um fato não mudou: o indivíduo continua sendo importante para reproduzir o Capital
e o pode ser eliminado em sua individualidade, mas ele precisa ter uma relação
crítica com a individualidade que ele assume socialmente.
No entanto, ter uma visão crítica e reflexiva da sociedade torna-se cada vez mais
difícil no momento que se privilegia a circulação de informações superficiais em
detrimento de um conhecimento mais consistente. Na era da informação, o semiculto
procura subjetivamente a possibilidade de formação cultural, entretanto, ele está se
colocando contra ela, pois a experiência é substituída por um estado informativo
pontual, desconectado, intercambiável e efêmero que ficará manchado rapidamente
por outras informações. De maneira similar à cultura, o progresso cnico-científico
possui um duplo caráter pois ao mesmo tempo que oportuniza o crescimento das
forças produtivas, este não desemboca no esclarecimento, mas constantemente
conduz ao seu contrário.
As solicitações por mais cultura crescem proporcionalmente ao desenvolvimento do
vel de vida advinda do progresso, mas o que preocupa é que a expansão da
formação cultural nas condições vigentes (a semiformão) aniquila imediatamente a
formação cultural no sentido da Bildung. O progresso contém em si as
potencialidades do avanço e do retrocesso, no entanto o retrocesso que ele causa
fica esquecido mediante as maravilhas da civilização. É também esse descompasso
entre avanço tecnológico e desenvolvimento humano, onde os instrumentos e as leis
comerciais valem mais que a reflexão, que possibilita a formação de sujeitos cuja
consciência social apresenta-se debilitada. Nesse sentido, Fabiano (1999) afirma
que:
“... não se pretende relegar a importância a própria
necessidade histórica na qual o processo de
instrumentalização ocorre, mas evidenciar que,
concomitantemente a essa conquista técnica e humana,
historicamente determinada, esse processo tem centrado o seu
foco de interesse nos aspectos técnicos-comerciais, em
detrimento do desenvolvimento humano “(FABIANO, 1999, p.
24)
A semiformão nasce a partir da perda da experiência com os objetos formativos
pela mera coisificação dos bens culturais transformados não tamm em
mercadorias, mas somente em mercadoria. "No clima da semiformação, os
conteúdos objetivos, coisificados e com caráter de mercadoria da formação cultural,
perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de suas relações vivas com o
sujeito vivo (...)” (ADORNO, 1996, p.58).
Vale dizer que a Teoria Crítica da Sociedade não apresenta uma apologia da cultura
quando apresenta uma tensão entre adaptação e emancipação, a verdadeira
Bildung. Contudo, verifica-se que a necessidade do esclarecimento como ponte para
se evitar a reprodução dos males acarretados pela semiformação é urgente. É
preciso ter claro, todavia, que a formação cultural sozinha não pode garantir a
racionalidade da sociedade, mas representa um momento necessário no processo
de conscientização e emancipação.
Também seria preocupante o discurso de que nada escapou do controle da
semicultura, pois Adorno adverte que, existem alguns poucos que não caíram no
seu engodo: alguns indivíduos singulares e mesmo alguns grupos profissionais
qualificados. De um lado esses grupos são exceção à regra geral e, com o tempo,
podem ser contaminados. De outro lado, esses poucos não envolvidos podem
significar a resistência.
Ainda, insiste Adorno, a única possibilidade de sobrevincia que resta à cultura é a
auto-reflexão crítica sobre a semiformação em que necessariamente se converteu”
(ADORNO, 1996, p.62). A tentativa é a de demonstrar que a formação cultural é um
longo processo histórico de mediação e continuidade que visa a humanização do
homem na sua racionalidade, sensibilidade, corporeidade, materialidade. Visa
humanizar o homem, suas relações e o mundo biológico e material. E que a perda
da capacidade de fazer experiências formativas não é um problema imposto de fora
à sociedade, acidental, e nem é provocado por intenções subjetivas, e sim
corresponde a uma tendência objetiva da sociedade, ao próprio modo de produzir-se
e reproduzir-se.
Um aspecto importante observado por Pucci (1997) é que o capitalismo tardio e suas
crias, a Industria Cultural e a Semicultura, limitaram o homem em suas condições
sociais bem como no tempo necessário para realizar suas experiências formativas e
lhes preencheram o tempo com vivências, emoções contínuas e de fácil alcance. O
processo da semicultura, neste sentido, contrapõe-se a proposta de Kant, pois priva
o sujeito da sua individualidade, criatividade e o despotencializa na objetivação de
sua subjetividade em suas relações concretas. Ao mesmo tempo, é a semicultura
como resultado da Industria Cultural, uma realidade objetiva social onde os
elementos culturais estão submetidos às leis dos sentidos econômicos e políticos
vigentes.
A busca da educação/formação enquanto Alfklärung, em sua contraposição ao
processo de semicultura não se dá, pois, apenas no campo puramente subjetivo e
superestrutural; é uma busca que atinge o homem e a sociedade enquanto um todo,
em sua capacidade subjetiva/objetiva, nas condições ideais e materiais de reagir, de
se contrapor e de direcionar a perspectiva da emancipação.
Adorno encara a Educação num sentido mais amplo que a escolarização, mas é
evidente que a escolarizão é um dos momentos fundamentais no processo
formativo e pode transformar-se num momento privilegiado na busca do resgate da
experiência formativa. Mas não é o momento único e, para muitos que estão fora
dos muros escolares, não é nem o momento privilegiado. O processo de
semiformação permeia todo o processo produtivo e as relações sociais de produção.
O chamado "saber popular", o aparente "tempo livre", os "democráticos" meios de
comunicação, as diferentes manifestações esticas respiram semicultura por todos
os seus poros” (PUCCI, 1997, 112-113).
É necessário entender os aspectos ligados a cultura danificada (semicultura) como
elementos super-estruturais, ainda que se considerem originários dos elementos
infraestruturais, estes tornam-se legitimadores desse processo, inviabilizando a sua
dinâmica de transformão.
Partindo desse pressuposto, defender a educação na sociedade burguesa vigente
significa antes de tudo resistir criticamente ao processo de semiformão e à própria
sociedade burguesa que gerou esse processo. Nesse sentido percebe-se que a
própria expreso consciência crítica e suas derivadas (conscientizão, espirito
crítico, etc) foram despotencializadas em seu sentido próprio pelo processo da
semicultura”(PUCCI et al, 1997, 113).
Entendemos, assim como Adorno, que na condição de semiformados os indivíduos
participam da sociedade administrada como pseudo-indivíduos pois eles não podem
ser possuidores da autonomia, da liberdade que evolui na relação com o objeto, tal
como certa vez a idéia de formão conservou em si própria.
Entretanto, o processo de Semiformação não se de forma clara e lícita, e sim de
forma autoritária e oculta, portanto, totalitária, não permitindo aos sujeitos a visão da
armadilha na qual estão caindo. Tais mecanismos de manipulação funcionam sob o
“manto encantado da democracia” que encobre e cega a sociedade moderna.
Sob essa estrutura de dominação no capitalismo contemporâneo, apresenta-se a
“semiformação corporal”
16
como resultado de um processo social objetivo, em que a
dominação do momento de adaptação é superior à autonomia. Sobre essa base
social observa-se que, a semiformação na educação do corpo ocorre pela forma
social assumida também pela Educação Física Escolar, pelas atividades corporais
desenvolvidas nas academias e clubes, pelo treinamento corporal determinado pelos
esportes de alto rendimento, que são objetos de dominação reificados em bens
culturais a serem transmitidos e assimilados.
E, tal como uma mercadoria da sociedade consumista, a cultura corporal danificada
que está atrelada a uma educação danificada do corpo produz uma satisfação de
interesses objetivos, mas que por sua vez, provoca o travamento da experiência
formativa. Ao mesmo tempo, faz com que o sujeito vá perdendo gradativamente a
capacidade de experimentar uma realidade diferenciada, obrigando-o, a adaptar-se
à situação vigente, a aceitar a heteronomia social, provocando uma regressão na
formação de sua corporeidade. (BEREOFF, 1999)
Essa regressão da construção da formão corporal dos indivíduos se manifesta por
meio da diminuição dos momentos de diferenciação do conhecimento corporal. Uma
educação do corpo voltada para a emancipação do indivíduo tem como condições
básicas necessárias as sensações autenticas, verdadeiras e reais, proporcionadas
por experiências concretas, no contato aberto com a realidade. Entretanto, as
experiências autenticas foram substituídas por experiências danificadas através de
bens culturais congelados, de categorias afirmativas do espirito objetivo, que não
causam mais estranhamento e admiração. (BEREOFF, 2003)
16
O termo “semiformação corporal” foi utilizado por analogia ao termo “semiformação cultural” para destacar
que o sujeito é debilitado no processo de formação cultural também num plano fisiológico e biológico
(percepções sensoriais/sentidos) e não somente no âmbito da subjetividade
CAPÍTULO III
CORPOS SUSPENSOS E EMOLDURADOS:
A SUBSERVIÊNCIA ESCANCARADA
“O que não está reificado e não pode ser contado
nem medido, deixa de existir”
(ADORNO, 1993, p.39)
Os fenômenos sociais, dentre eles o trato com o corpo, são falsa e comumente
vistos pelos indivíduos na sociedade contemporânea como puramente naturais e
biológicos e não como uma relação entre cultura e natureza. É por isso que o
percurso teórico apresentado até o momento buscou demonstrar as condições que
levaram a consolidação da situação do corpo na linha da história para entendê-lo
como alvo a ser analisado e entendido na atualidade.
Partindo tamm das análises realizadas sobre as categorias frankfurtianas,
“Indústria Cultural e “Semiformão Cultural”, será possível demonstrar nesse
capítulo, como os indivíduos são induzidos a uma determinada educação do corpo
por meio das imagens corporais, onde a subjetividade incorpora a objetividade
ideológica. Mais especificamente será destacado nesse momento de analise e
discussão as facetas perversas que constituem uma formação danificada tais como
os estereótipos e a gica do sempre igual, a produção de necessidades, a
coisificação humana e o fetiche.
Procura-se investigar, portanto, a relação entre a formação da consciência corporal
humana e os possíveis investimentos formativos da Indústria Cultural assumidos
pela exposição de imagens do corpo na esfera da sociedade capitalista moderna.
Para isso foram examinadas imagens corporais veiculadas nos centros urbanos,
especificamente pelos outdoors’, no sentido de desmistificar alguns mecanismos de
manipulação ideológica desse aparato.
Vale dizer que consideramos as imagens como textos a serem lidos. O contato com
elas atua como uma educação visual, que se revela como uma educação política.
Nessa educação há sempre um modelo para se seguir e a dominação nesse
contexto coma pelos sentidos, no caso, a visão. As imagens, neste caso, são o
grande trunfo da Indústria Cultural por construir símbolos, e o efeito do simbólico
acaba produzindo mitos. A representação mítica exagerada converge na destruição
das possibilidades de construção de uma experiência verdadeira com os fenômenos.
Ainda cabe observar que a Indústria Cultural, na sua cumplicidade ideológica com
um modo de produção social que coisifica a vida humana, assume o seu caráter
autoritário pela forma como ime valores que legitimam esse modelo de sociedade.
Ou seja, ela é conseqüência de uma sociedade autoritária que coisifica a vida
humana e mantém uma cumplicidade que acaba desembocando na reprodução da
sociedade. No entanto, por mais que esse processo cultural tende a
homogeneidade, ele apresenta fendas onde a impossibilidade de uma formão
cultural digna se transforma em possibilidade.
A escolha dos outdoors prende-se ao fato de que, ao contrário dos demais discursos
de massa, como as revistas e programas televisivos, eles não são eletivos. Não
como evitá-los, eles se impõem ao olhar mais desatento ou desinteressado
traduzindo-se em resquícios totalitários e fascistas na sua forma sutil de impor
padrões comportamentais. Da mesma maneira, o formato do outdoor é, por si só,
autoritária. Ele é gigantesco, é imenso, se impondo em todos os sentidos.
Também, seu caráter exclusivo de publicidade induz na percepção dos indivíduos
uma identificação que ultrapassa o mero consumo do produto para assumir uma
dimensão consumista da própria noção de corporeidade. Por sua vez, a noção de
corpo assim veiculada, presta-se mais facilmente às imposições mercantis que a
sociedade de consumo procura imputar às suas formas de expressão.
Nessa perspectiva, apontamos para uma reflexão de Adorno (1993) sobre a relação
da propaganda com a dominação da subjetividade: o mecanismo de reprodução da
vida, de sua dominão e aniquilação, é imediatamente o mesmo, e em
conformidade com ele a indústria, o Estado e a propaganda se
amalgamam”.(ADORNO, 1993, p; 45). Segundo a linguagem de que a propaganda
se vale, Adorno & Horkheimer esclarecem que:
A propaganda faz da linguagem um instrumento, uma
alavanca, uma máquina. A propaganda fixa o modo de ser
dos homens tais como eles se tornaram sob a injustiça
social, na medida em que ela os coloca em movimento.
(Adorno & Horkheimer 1985, p.238)
Possivelmente, nesse processo engendra-se um importante canal na formação de
milhares de indivíduos que, de um modo ou de outro direciona uma concepção de
subjetividade e educa uma compreensão de corpo podendo impossibilitar o sujeito
de se constituir como sujeito autônomo. O indivíduo vivendo numa sociedade
administrada acaba nomeando na dimensão corpórea a dimensão do objeto.
Imagens da Educação no corpo
Os estudos desenvolvidos por Soares (2002) mostram claramente que o corpo é
educado a todo o momento e essa educação do corpo se reflete tamm pelas
imagens corporais apresentadas na sociedade. Nas análises da autora, essa
educação do corpo se manifesta lentamente no processo civilizatório e geralmente
ocorre pelo constrangimento do corpo. Esse constrangimento pode se revelar de
diversas maneiras, desde os hábitos de higiene corporal até a escolha das roupas,
passando pela educação das sensibilidades,pelos objetos, comidas, religiões e
mídia.
Contudo, cada época fala da sua retórica corporal, e nesse sentido, o corpo pode
ser encarado como um texto que traz informações relevantes para entendermos a
sociedade, pois diferentes épocas elaboram diferentes pedagogias do corpo e isso é
extremamente político.
Na história, a modernidade vai trazer um tipo de valorização do corpo nunca antes
visto. É nesse contexto que vai se produzir em abundância tecnologias para
reconstruir o corpo (as cirurgias plásticas estéticas, por exemplo) e tantas outras
para mostrá-lo e afirmá-lo nos mais diversos locais (outdoors, filmes, revistas,
televisão, embalagens de produtos). Nesse momento, e hoje mais ainda, uma
fertilidade impressionante da reprodução da imagem corporal. Cada vez mais se
mostra o corpo em todos os lugares. Entretanto, o problema não é a quantidade de
imagens, mas quando elas se mostram como clichês. nessa situação alguns
progressos, mas é preciso pensar também nos infinitos problemas acarretados sobre
a formação dos sujeitos por esse fenômeno.
Essa visibilidade do corpo “24 horas por dia” pode afetar o modo de ser dos
indivíduos. Podemos citar alguns problemas dessa visibilidade desmedida, tais como
o nascimento da exigência de ser sempre fotogênico; estar sempre dentro de
padrões estéticos predeterminados; o controle do corpo para atender às exigências
da moda e a naturalização do processo de exibição do corpo em todos os lugares.
Em decorrência dessa visibilidade que produz exigências estéticas, possivelmente
nascerão novas necessidades nos indivíduos que reforçará a dimensão consumista
na sociedade, uma vez que uma infinidade de produtos se destina a facilitar o
“alcance” de determinados objetivos esticos relacionados ao corpo. Também, a
dimensão fragmentada de estabelecer uma imagem de corpo vai se fortalecendo,
pois o corpo passa a assumir uma ordem alheia e isto se revela como controle do
corpo no contexto mais amplo da sociedade de consumo.
É a partir da modernidade que o corpo tamm estará diretamente atrelado aos
valores comerciais deflagrados com o nascimento da grande indústria. Do mesmo
modo irá ocorrer sua associação com a máquina, ou seja, o mundo técnico da
maquinaria, bem como um estreitamento com os valores burgueses em ascensão.
Nesse momento ocorrerá uma separação histórica da educação do corpo quanto às
suas finalidades. Sobre isso Adorno e Horkheimer enfatizam que
“Para os senhores da Grécia e do feudalismo, a relação
com o corpo ainda era determinada pela habilidade e
destreza pessoal como condição da dominação. O
cuidado com o corpo tinha, ingenuamente, uma finalidade
social. (...) Quando a dominação assume completamente
a força burguesa mediatizada pelo comércio e pelas
comunicações e, sobretudo, quando surge a indústria,
começa a se delinear uma mutação formal. (...) É assim
que desapareceu o sentido racional para a exaltação do
corpo viril; as tentativas dos românticos, nos séculos
dezenove e vinte, de levar a um renascimento do corpo
apenas idealizam algo de morto e mutilado, (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 217)
A relação entre a forma de se educar o corpo e a estrutura social passa a ser
irracional, pois essa educão não é necessária para a produção da vida e sim para
a reprodução do sistema político e econômico vigente. O que es em questão é a
perpetuação do sistema e não a construção de uma concepção de corpo que
contribua para a emancipação do sujeito.
Os corpos suspensos e emoldurados
As imagens dos outdoors analisados, em linha geral expõem corpos estereotipados
e extremamente sexualizados onde o destaque principal não é o produto que se
quer vender e sim um deteminado padrão estético de vida que ao produto todas
as credenciais de mercadoria a ser aceita na sociedade.
Também, nos outdoors selecionados para o estudo, nota-se a presença quase total
de corpos femininos, que nos centros urbanos quase não tem a exposição de
corpos masculinos, com excão daqueles outdoors onde se encontram casais, mas
que, mesmo assim, são escassos. A análise dos primeiros outdoors será feita de
forma mais detalhada em relação às posteriores uma vez que muitos dados se
repetem e o importante será a mensagem principal.
Percebe-se uma realidade pungente nas imagens e o apelo sexual é quase sempre
muito bem empregado de forma implícita e sutil, não referenciando assim a
vulgaridade, que no caso causaria efeito contrário ao pretendido. Ou seja, o que é
visto a todo o momento é um “aliciar” o consumidor pelos olhos e pela sedução.
Figura 01: Outdoor da campanha publicitária de uma loja de roupas femininas.
O corpo que se apresenta neste outdoor é um corpo feminino magro e torneado.
Observa-se no seu colo a saliência do osso externo, ou seja, uma magreza
exagerada, concatenada com os corpos de modelos profissionais, os quais são
sempre longílineos e esbeltos, portanto, diferentes dos corpos “comuns” na realidade
das ruas ou das relações interpessoais. Esse corpo também lembra os corpos das
adolescentes anoréxicas e bulímicas, que em função da ditadura de um padrão de
corpo, quase atingem níveis de auto mutilação, como se fossem parâmetros de
beleza.
A modelo está vestida de forma provocante, pois deixa ombros, colo e coxa a
mostra. Os zíperes do vestido por fechar, sugerem ao observador abrí-los em dois
lugares estratégicos do corpo que evocam partes intimas, estabelecendo uma
relação de apelo erótico: um convite disponível ao prazer. O olhar da modelo
carrega-se de elementos sensuais, buscando atrair de forma provocante a atenção
de quem passa. A posição do corpo, lateralmente deitada com a cabeça erguida
pelo braço, expressa sensualidade, juntamente com o olhar “fatal”.
O cabelo solto e aparentemente bem cuidado parece estar recebendo uma brisa
leve, própria dos lugares altos e abertos, onde se localiza o outdoor, para que a
imagem possa ser mais real, como se o vento, naquele momento tivesse
esvoaçando seus cabelos. A falta de cenário, além de enfatizar ainda mais o corpo
que se quer mostrar, pode ser encarado como fator que sugere liberdade. A
ausência de outras figuras também sugere o reinar absoluto do corpo. As sensações
do observador deste outdoor são captadas pelo jogo de imagens que as remetem
numa relação de identificação com o modelo de corpo apresentado.
Vale ressaltar que a modelo selecionada para a campanha publicitária do pôster em
questão, seguindo uma tendência desse tipo de mensagem, é de uma mulher de
características físicas européias, enfatizando um padrão idealizado de beleza que se
impõe ao público alvo a que se destina, no caso, o público feminino brasileiro. Aqui
também o imaginário de corpo feminino de um Brasil popular e miscigenado,
mostrado muitas vezes na literatura e nas artes plásticas, é quase que esquecido
ficando apenas imposto para quem o olha, a lembrança dos corpos que a ciência e a
publicidade querem mostrar: sem traços de cultura brasileira. Podemos dizer que
esse é um exemplo onde “a experiência é substituída pelo clichê e a imaginação
ativa na experiência pela recepção” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, 187).
Nesse ponto de analise ressalta-se uma particularidade regional já que a modelo se
destoa do público alvo, entretanto o aspecto de logro é uma característica inerente a
Indústria Cultural que se manifesta no mundo todo.
Na estruturação e organização espacial da propaganda, na configuração da cena
descrita e nos referenciais estratégicos utilizados (olhar, intimidade a mostra, cabelo,
cenário), percebe-se que a vestimenta é o que menos se destaca. Entretanto, trata-
se da propaganda de uma loja de roupas femininas. O que menos se quer vender é
a roupa, no caso o sempre básico tubinho preto”, peça indispensável” no guarda
roupa da mulher moderna.
Mais do que reduzir a informão à marca de uma roupa, o anúncio relaciona o
seu uso com um estilo de vida que pressupõe beleza, sensualidade e liberdade.
Evidencia-se um certo tipo de logro: quem usa as roupas dessa determinada
marca torna-se tão bela ou desejada e livre quanto às sensações provocadas pela
organização das mensagens no outdoor.
Fica implícito na mensagem uma promessa de felicidade que só pode ser alcançada
mediante a aquisição do produto anunciado. E sobre essa (pseudo) felicidade que
se atrela ao consumo de bens Adorno (1993) reflete a seguinte questão:
Como se uma felicidade que se deva à especulação com
a felicidade não fosse o contrário da felicidade, não fosse
mais uma irrupção dos modos de comportamento
institucionalmente planejados no domínio cada vez mais
atrofiado da experiência.” (ADORNO, 1993, p;53).
O logro também se manifesta quando o outdoor apenas revela o corpo seguido das
três letras T.V.Z. Apenas tais informações não permitem o observador perceber do
que se trata a suposta marca TVZ”. Provavelmente só alguns saberão que se trata
de uma loja de roupas femininas e nisso configura-se um emaranhado fantasioso
que aliena ainda mais o receptor.
O que se pode perceber é que esse tipo de discurso inscreve no imaginário
individual e coletivo uma lista de mensagens sociais que afirmam, pelos seus
mecanismos de informação, a lógica mercantil que rege a sociedade capitalista.
Na análise dessa primeira imagem pode-se dimensionar essa educão
tendenciosa do olhar que se converte numa educação de adaptação ideológica
ao conceber o corpo como objeto dos interesses econômicos através dele
mediados.
Figura 02: Outdoor da campanha publicitária de uma loja de roupas femininas
Seguindo o mesmo padrão da imagem corporal exposta na figura 01, temos
novamente uma pose sensual com pouco cenário, evidenciando assim o corpo da
modelo magra e loira. A angulação do braço permite que a mão adquira uma
posição que aponte para a região do quadril e extremidade do vestido que esconde
as partes intimas. A posição do corpo desenha com bastante expressividade os
seios que na mesma linha vai ao encontro das coxas bem torneadas. O recurso
induz o olhar que percorre os signos de sensualidade que a organização fotográfica
expõe.
Observam-se aqui as mesmas características do outdoor anterior que é da
mesma loja, seguindo, portanto uma linha de propaganda que evidencia um estilo
de vida e não um produto. O receptor, seduzido pela imagem da modelo passa
então a observar também o nome da loja evidenciado em letras garrafais,
associando a mesma com as qualidades demonstradas pela imagem. Tudo parece
ser uma imposão, logo uma educação danificada do sujeito, dizendo: “Seja
assim!!!”
Apesar da semelhança entre essa imagem e a anterior, como o apelo sensual,
vemos aqui um apelo exagerado a um estereótipo de mulher de classe alta, um tipo
socialite”, como é de uso definir personalidades das Colunas Sociais ou revistas
voltadas ao tema. A modelo sugere estar pronta para uma festa de luxo exibindo
jóias brilhantes, colocados estrategicamente ao centro do seu corpo e nos pés,
explorando de maneira genérica fetiches do imaginário social. Há nuances que
sugerem uma espécie de glamour, pois o penteado, os brilhantes, a maquiagem e a
sandália da modelo apresentam características de quem se apronta para uma festa
ou acontecimento que requer tal aparência.
O que parece ingênuo e discreto está certamente concatenado com a mensagem
que se quer fazer internalizar: seja glamourosa!”. Com isso propõe-se qualidades
de requinte e luxo a um corpo condicionado a essas estereotipias como
possibilidade de realização pessoal. Um investimento pessoal, todavia, que deve
constituir-se dos valores consumistas de exposição corpórea e de um conceito de
beleza permeado por investimentos com valor de troca: o corpo é mais desejado ou
aceito, segundo os acessórios do consumo que o constituem. Nesse sentido Adorno
observa que
“É de bom alvitre desconfiar de tudo o que é ingênuo,
descontraído, de todo descuidar-se que envolva
condescendência em relação à prepotência do que
existe. (ADORNO, 1993, p.19)
O corpo exposto fica marcado na consciência do indivíduo que vai subjetivamente
aumentando suas vivências sobre uma concepção de corpo a ser vivida na
sociedade. Essas imagens acabam substituindo uma série de experiências
formativas que comprometem a formação cultural do indivíduo no sentido da sua
emancipação. O processo, logicamente forjaria uma educação do corpo mais
autêntica e consciente com uma sensibilidade para estabelecer a sua própria
escolha.
Figura 03: Outdoor de uma campanha publicitária de lingerie.
Esse outdoor apresenta a mesma estrutura de uma série de outros, ou seja, a
mesma exposição corpórea estereotipada. Destaca-se a falta de cenário que
evidencia o corpo da modelo, agora somente com peças intimas. O símbolo da
marca da lingerie está estrategicamente posicionada em cima da genitália da modelo
e o nome da marca envolve todo o seu quadril.
Trata-se de um corpo estereotipado em todos os sentidos, tanto na sua constituição
física como nas nuances sensórias. É certo que uma propaganda de lingerie deva
mostrar peças intimas, mas o apelo sexual observado não está relacionado apenas
com a venda de simples peças intimas, mas a uma atmosfera sensual e sexual que
se mescla a uma determinada concepção de corpo e de mulher como objeto de
venda no plano mais geral da sociedade de consumo.
Figura 04: Outdoor de marca de bolsas
A organizão espacial da imagem desse outdoor chama atenção do olhar pela
disposição da modelo enfocada de baixo para cima, com o corpo praticamente nu e
coberto pelo produto anunciado. O apelo sexual muito forte denota os mecanismos
de sedução e identificação com um ideal de corpo condicionado ao uso do produto.
A modelo passa a sensação de uma mulher moderna, assumida, liberada, que sabe
o que quer, criando a imagem de uma mulher desejada, não sem os componentes
de consumo, como as bolsas Victor Hugo, que anuncia. A sensualidade despertada
sai do vel erótico para despertar o desejo do produto, processo pelo qual o desejo
da consumidora possível se identifica. Desejo e sensações corpóreas são veiculados
num plano de consumo e não de educação da própria expressão da sensualidade.
Quem reina absoluta no outdoor é a modelo loira com seu corpo escultural, magro e
bronzeado já que o cenário que envolve a modelo é insignificante perto da
grandiosidade daquele “ser humano”. A calcinha é quase cor da pele, o que num
olhar rápido certamente daria a impressão de que a modelo não estaria usando a
referida peça íntima. Os sapatos de salto alto deixam a perna direita da modelo
bem definida e num patamar que levanta ainda mais a perna esquerda enaltecendo
as coxas e glúteos. O seio, apesar de bem coberto, é bastante realçado. Mesmo
com óculos escuros ela nos encara e nesse “encarar” revela uma sensão de poder
e segurança. O conjunto desses elementos contribui para cercar a percepção do
espectador que “compra ”não apenas o produto anunciado, mas as sensações
despertadas pela mulher-produto” que tamm esa venda para as fantasias
do consumidor. A relação de troca, que é a marca da sociedade capitalista como
um todo, se revela na relação de troca entre corpos tomados como objetos de
venda, tão descartáveis como as demais mercadorias.
É interessante ainda observar que se trata de uma bolsa de grife muito cara, ou seja,
de pouco acesso à maioria da população. E, se poucos m acesso porque ainda
colocar uma pessoa com três bolsas? Parece ainda que o acento onde a modelo
essentada é também uma bolsa, ou se assemelha muito a sua forma. É uma
mensagem que afirma a sociedade da abundância e do consumismo em que
vivemos, que contraditoriamente se confunde com a sociedade da exclusão e da
desigualdade social injusta. Portanto,
“Seria psicologia supor que aquilo de que se é
excluído desperta tão somente ódio e ressentimento;
também desperta uma espécie de amor possessivo e
intolerante, e aqueles que a cultura repressiva rejeita
tornam-se facilmente seus defensores mais estreitos.”
(ADORNO, 1993, p.45)
Provavelmente os indivíduos que não possuem condições financeiras de adquirir
uma bolsa o cara, ao se depararem com o nível de mensagens do outdoor em
questão, não as perceba como logro e sim desejam também possuir uma bolsa Vitor
Hugo, como possibilidade de mobilidade social. A “necessidade” produzida pela
atmosfera grandiosa da mensagem que se desenvolveu principalmente a partir de
um corpo estereotipado não satisfaz apenas pelo consumo do produto, mas pelas
sensações de identificação provocadas. Ou quem sabe, as bolsas não sejam o
passaporte mágico para uma vida que a sociedade priva à maioria dos
indivíduos?
Figura 05: Outdoor da campanha publicitária de loja de roupas
Nessa imagem do corpo a modelo essentada, o que muda um pouco a posição
mais freqüente nos outdoors que mostra geralmente o corpo deitado. A cor do
cabelo também muda, mas permanece o esvoaçar das madeixas soltas. Entretanto,
nota-se que o que não muda é a constituição física da modelo e o clima de
sensualidade explicitado através do olhar que continua a nos encarar, da boca
entreaberta, do cabelo bem cuidado e solto, do olhar fatal e dos braços projetados
para frente.
As pregas e a luz na blusa evidenciam os seios da modelo. A calça está colada às
pernas e quadril e também o jogo de luz acaba evidenciando as coxas. Assim, as
partes do corpo parecem fragmentar-se para tornar evidentes somente aquelas
relacionadas a uma sugestão de apelo sexual, como se a sensualidade não fosse
inerente ao corpo biológico e cultural e sim a determinadas partes isoladas. A
inclinação do corpo insinua que a modelo está se oferecendo ao olhar do receptor.
Associando-se a inclinação do corpo, a modelo parece emitir uma mensagem, por
meio do raio amarelo, marca registrada da grife, que este sai explicitamente da
boca. Logo se percebe, com a pequena frase do lado inferior direito, que o raio trata-
se mesmo de uma “fala”, que induz ao seguinte pensamento: quem tem Zoomp,
tem tudo”. Sequer é preciso falar ou pensar, pois a marca já diz tudo. Em um
mundo tão empobrecido de narrativas
17
e diálogos, o outdoor ratifica tal
empobrecimento.
Figura 06: Outdoor de loja de departamento
Nesse outdoor, além da redundância da estereotipia exposta nos gestos e
insinuações das modelos, observa-se ainda que a modelo em evidência é uma
personalidade conhecida do público no mundo da moda internacional. Como se
pode constatar na mídia especializada em moda, trata-se da modelo mais bem paga
e requisitada na atualidade. Associa-se, portanto, à marca do produto um nome
respeitado mundialmente no mundo fashion, como é denominado o ambiente
glamouroso do mundo da moda.
O anúncio, mesmo revelando apenas as palavras “primavera, verão 2005” convence
o receptor, apenas mostrando o corpo/imagem da famosa modelo, de que ele,
consumidor, também deva adquirir roupas na loja que a reconhecida e sensual
modelo, supostamente abastece o seu guarda-roupas. Entretanto, sabe-se que esta
modelo é vestida por marcas européias famosas. Talvez, ecoe nesse fato os
significados das palavras da Dialética do Esclarecimento em relação a pseudo
17
Sobre o assunto consultar BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Obras escolhidas. V. I. São Paulo,
satisfação proporcionada pelas promessas da indústria cultural: “quando ainda se
deixa uma aparência de decisão ao indivíduo, esta se encontra essencialmente
predeterminada”. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.189)
O anúncio do produto parece estar subtraído em relação à personalidade famosa
e ao seu modo de vida descontraído e glamouroso, não a qualidade das roupas.
A mensagem sendo veiculada por uma manequim tão bem sucedida em termos de
mercado endossa com credibilidade e bom gosto os produtos da loja que promove.
Mais uma vez o corpo se apresenta não como investimento na sua autenticidade,
mas na sua importância em consonância com a lógica do mercado. A montagem da
propaganda evidencia isso: é mostrada somente uma peça de roupa na sua
totalidade (blusa), pois a calça está cortada pela metade na fotografia escolhida.
Não se trata de evidenciar as qualidades das peças mostradas, como um bom
caimento, o conforto, a beleza, a praticidade ou algo parecido e sim a postura da
famosa modelo, que inclusive aparece em close do lado esquerdo do outdoor, para
que os receptores não se enganem daquela que está recomendando o uso das
roupas. Ao contrário dos outros outdoors analisados, o produto mostrado o se
associa apenas à perspectiva estética da modelo. As roupas, da referida loja estão
associadas não apenas ao seu jeito livre e atual de ser, mas ao status social que a
personagem representa.
Destaca-se a crueldade da mensagem que faz o receptor se identificar com um
corpo e um tipo de vida quase inalcançável a uma pessoa “comum”. O corpo muito
magro e longilíneo padronizado nas passarelas acaba sendo o parâmetro para que
as demais mulheres desfilem também nas ruas, nos shoppings, nas Academias, nas
escolas, enfim, em todos os lugares. Novamente uma reflexão de Adorno e
Horkheimer se ajusta a esse conteúdo de mensagens fetichizadas: “A Indústria
Cultural o cessa de lograr seus consumidores quanto àquilo que es
continuamente a lhes prometer”. (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 130)
Implicões de uma educação do corpo na atualidade
Brasiliense, 1985.
Na rie de imagens apresentadas e analisadas a ilusão e a aparência envolvem e
seduzem o indivíduo que internaliza diversos valores explícitos e implícitos de uma
educação do corpo e de uma educação do olhar. O primeiro fator a nos chamar a
atenção foi o caráter estereotipado dos corpos, seguindo todos um mesmo padrão
estético. A experiência por meio da estereotipia é bastante abordada nas obras dos
autores clássicos frankfurtianos como sendo um oponente à formação cultural.
Destacamos uma passagem da Dialética do Esclarecimento para dar mais
autoridade a essa idéia.
“O que é salutar é o que se repete, como os processos
cíclicos da natureza e da indústria. Eternamente sorriem
os mesmos bebês nas revistas, eternamente ecoa o
estrondo da máquina do jazz. Apesar de todo o progresso
da técnica de representação, das regras e das
especialidades, apesar de toda a atividade trepidante, o
pão com que a Indústria Cultural alimenta os homens
continua a ser a pedra da estereotipia.” (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p. 139)
Nos outdoors trazidos à cena neste estudo percebe-se que todas as modelos são
jovens, o que evidencia uma sensação de juventude que o uso dos produtos projeta
no consumidor. Não se marcas da vida como pintas, sardas, manchas ou rugas,
extinguindo a possibilidade da utilização de modelos com mais idade. E sobre essa
artimanha da Indústria Cultural Adorno observa oportunamente que faz parte dos
crimes simbólicos dos nazistas liquidar anciãos”. (ADORNO, 1993, p. 16)
Foi a partir da modernidade que essa busca incessante pela juventude, pela
limpeza, pelos corpos retos, lisos e sem excessos se intensificou, pois a ordem
capitalista deveria se estender a todas as esferas da vida para que os valores da
sociedade burguesa se consolidassem. Essa manipulação dos corpos torna-se uma
pedagogia social. A educação do corpo deve se guiar por princípios definidos
como afirmativos na sociedade. E nisso, “zela-se pela ordem: uns tem que se
conformar porque, de outro modo, não podem viver; outros, que poderiam viver de
outro modo, são deixados de fora porque não querem se conformar”. (ADORNO,
1993, p. 15/16)
Essa beleza plastificada e muitas vezes enganosa, que atualmente quase todas
as fotos são tratadas no programa de computador fotoshop
18
antes de serem
publicadas, afasta cada vez mais o caráter humano das pessoas. Tudo parece muito
limpo, artificial, plastificado e alinhado, como nos referenciais de regime fascista, nos
robôs e andróides dos filmes de ficção ou no mundo das bonecas barbies. Tudo é
tão coisificado que parece que estamos a contemplar seres sem vida, ou cuja vida
tem sentido quando lhes são imputados um sentido mercantil.
Com outdoors que mostram um mundo de perfeição corporal, onde as modelos
sempre aparentam estar plenamente realizadas por utilizarem um determinado
produto, vai desvelando-se uma ideologia da felicidade e da perfeição num mundo
extremamente marcado por injustiças, portanto a imagem é uma aparência falsa da
realidade no mundo social. O logro torna-se quase que um imperativo nos outdoors.
“O olhar voltado para possíveis vantagens é o inimigo
mortal da formação de relações compatíveis com a
dignidade humana em geral; destas podem decorrer
solidariedade e empenho recíproco, mas estes jamais
podem surgir no pensamento que almeja finalidades
práticas”.(ADORNO, 1993, p. 27)
Também, uma ditadura da aparência vai se disseminando através da exposição de
corpos extremamente estereotipados e sexualisados, uma vez que, ao se mostrarem
tão grandiosos e perfeitos acabam sendo naturalizados como padrões a serem
sempre seguidos para complementar o conjunto de fatores necessários para uma
pseudo qualidade de vida.
Nessa perspectiva Herbert Marcuse (1997) nos ajuda a pensar sobre esse caráter
ilusório que a Indústria Cultural determina ao expor a aparência como fator de
extrema importância na formão cultural. A reflexão do autor revela como os
aparatos dessa cultura administrada assumem a perspectiva da homogeneidade
ideológica reforçando um modo único de vida na sociedade. A constatação do autor
nesse sentido é a de que
18
O programa de computador fotoshop é um programa que manipula as imagens de fotos com o intuito de
modifica-las. No caso de fotos de modelos o costume é tirar possíveis imperfeições do corpo como estrias,
manchas, rugas, pintas e outros elementos que se julga necessário tirar pois atrapalham a beleza estética.
Atualmente o programa é bastante utilizado para tratar as fotos das modelos que saem em revistas masculinas.
100
(...) por vias da cultura, mais especificamente, da Industria
Cultural, instala-se na sociedade a verdadeira “felicidade
das aparências”, assim como a liberdade, a solidariedade
e a consciência da aparência. Nestas “aparências” os
sujeitos tendem a “suportar” a imensa infelicidade,
injustiça, autoritarismo e miséria produzidos pela ordem
social do ‘ser morto’: o capital”.(MARCUSE, 1997)
A concepção de beleza, essa estética corporal da magreza produzida no imenso
rodamoinho do consumo estimulado, mostrada nos outdoors de uma sociedade
dominada pelo princípio da troca acaba enfraquecendo a experiência formativa do
indivíduo que se torna fragmentado na constituição da sua identidade. Essa
identidade fragilizada vale observar, é justamente o processo pelo qual a coerção
ideológica se fortalece e as possibilidades emancipatórias vão sendo danificadas
pelo processo social autoritário que se instala.
As experiências visuais relacionadas a um corpo quase inalcançável desautorizam
uma série de outras experiências necessárias a uma educação do corpo e a uma
formação cultural mais autêntica, ou seja, a experiência, no sentido que Walter
Benjamin lhe atribui, foi substituída pela vivência empobrecida.
O indivíduo acaba caindo no engodo de que tais experiências, no caso visuais, são
suficientes para a elaboração de um conceito de corpo. Esse processo se
assemelha a formação de uma semicultura, (Halbbildung) que no caso poderíamos
denominar de semiformão corporal, pois o indivíduo se convence de que detém
as experiências necessárias a uma educação do corpo colocando-se ele próprio na
contra-mão de uma formação autêntica. As considerações de Adorno (1998) sobre
esse processo deixam claro que:
A aparência de liberdade torna a reflexão sobre a própria
não-liberdade incomparavelmente mais difícil do que
antes, quando esta estava em contradição com a não-
liberdade manifesta”. Os indivíduos, vivendo sobre essas
aparências, essas mentiras, encontram-se presos nas
garras da sociedade, que aspira pela passividade, pela
docilidade e pela semiformação da humanidade.
(ADORNO, 1998, p. 10)
101
A indústria cultural e seus aparatos acabam se configurando como um totalitarismo
pós-moderno que usurpa do sujeito sua potência intelectual e reflexiva,
conseqüentemente reprimindo-o. É como se existisse mesmo um espraiamento
fascista na vida cotidiana. Educado através de experiências danificadas, numa
sociedade carregada de indiciamentos comportamentais falaciosos, o corpo tende a
seguir integrado na formatação que o sistema social impõe. Recorremos aqui a uma
passagem da Minima Moralia, uma das mais expressivas obras de Adorno e que
remete às pequenas nuances da vida administrada.
A palavra direta, que sem delongas, hesitação e reflexão
diz as coisas na cara do intelecutor, possui a forma e o
timbre do comando, que sob o fascismo vai dos mudos
aos calados. A objetividade nas relões humanas, que
acaba com toda ornamentação ideológica entre homens,
tornou-se ela própria uma ideologia para tratar os homens
como coisas. (ADORNO, 1993, p. 35)
Ao constatarmos a utilizão de um mesmo padrão estético de corpo em quase
todos os outdoors vemos se configurando com força total a “lógica do sempre igual”
e tamm a produção de uma certa necessidade de se ter um corpo como os que se
apresentam, que embutido a essas imagens corporais estão as sensações de
liberdade, satisfação, sensualidade e aceitação.
Torna-se, portanto evidente nessa série de outdoors a maneira explicita de educar o
corpo segundo um padrão de beleza e estética, o que reforça a negação do
diferente, do dissonante nos produtos da Indústria Cultural. Os estereótipos
corporais, explorados pela mídia, têm veiculado o corpo associado à ideologia
mercadológica da sociedade contemporânea comprometendo a consciência das
adequações e ajustes ideológicos feitos contra o corpo instrumentalizado.
Sublinhamos nesse padrão a estética da magreza para as mulheres e a negação de
um corpo que tenha experiências do tempo e da vida, já que “o corpo, em si mesmo,
deve ser expressão da natureza dominada”. (VAZ & BASSANI, 2003, p. 20).
Pesquisas vêm comprovando que no decorrer da história as medidas do corpo
feminino vêm diminuindo drasticamente, apontando para uma generalizão da
estética da magreza (SILVA, 1999, p.41).
102
Em termos ideológicos esse tipo de concepção corporal mostrado nas análises
assume uma fuão adaptativa na sociedade e remete a um entendimento das
mensagens veiculadas nos outdoors numa perspectiva comprometedora da
educação do corpo. Cuidar do corpo na perspectiva de se ter a melhor” aparência,
ou a aparência da moda e mostrá-lo em público vai se tornando uma necessidade
para os indivíduos modernos. Ana Márcia Silva chama a atenção para esse fato ao
observar que,
“A aparência individual, em sua constituição e em sua
mensagem, se coloca como o próprio conteúdo ético da
vida humana moderna. Em sua aliança com o ideal de
saúde, esta imagem idealizada de corpo parece estar se
transformando no ‘novo arquétipo de felicidade’.” (SILVA,
1999, p.41)
A sensualidade é explícita em todos os casos mostrados, o que confirma uma
tendência forte da sociedade atual de banalizão do sexo. O corpo sempre é
colocado como a mercadoria principal onde sem ele a campanha não se realiza,
uma vez que o produto que se quer vender perde o sentido se não estiver
relacionado diretamente a uma imagem, na maioria das vezes, associada a um
conteúdo erótico.
A intimidade é mostrada quando o sujeito se projeta grandioso. Passa-se a
sensação que ele existe em evidência e em primeiro plano. O corpo é valorizado,
entretanto, quando a evidência torna-se absoluta da realidade, a reflexão deve ser
condição indispensável para apreender aquilo que as evidências ocultam. O outdoor
coloca a intimidade em evidência. Num tempo em que a intimidade é solapada no
processo de objetificação do sujeito, evidenciar o culto à intimidade que é despojada
torna-se o evidenciamento de uma intimidade falida”
19
.
Esse corpo que se fala nos outdoors é subliminarmente constituído de um conjunto
de atividades adaptativas, pelas quais a grandeza do corpo tende a compor o capital
simlico. Nesse sentido ganham força os processos de menoridade vinculados à
sociedade administrada. Os corpos que se apresentam o definitivamente
expreso de uma educação do corpo que vem se configurando com a
19
Anotação literal da fala do professor Luiz Hermenegildo Fabiano na disciplina “Mídia, Estética e Educação”
oferecida pelo programa de pós graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá no ano de 2003.
103
modernidade, mas ao mesmo tempo é mais um canal que educa os corpos na
atualidade no caminho da semiformação. Entenda-se, portanto, corpos dependentes
que perdem a exigência de sua autonomia para acatar o comando alheio.
Estão implícitos nos anúncios, fatores como a imposição de valores e
comportamentos humanos, a disseminação de uma determinada estética corporal, a
afirmão de uma sociedade que valoriza o comércio de bens culturais coisificados,
a produção de necessidades perversas. Uma sociedade que vende um produto sem,
no entanto, evidenciar as qualidades do mesmo; de ser honesto com o consumidor.
Utiliza-se uma determinada estética corporal como mediação no processo de
semiformação.
. (...) tudo é percebido do ponto de vista da possibilidade
de servir para outra coisa, por mais vaga que seja a
percepção dessa coisa. Tudo só tem valor na medida em
que se pode trocá-lo, não na medida em que é algo em si
mesmo.(ADORNO, 1993, p. 35)
A posição "sem concessões" de Adorno (COHN, 1990, p.18) o leva a identificar, na
indústria cultural não apenas a ideologia do conformismo em substituição à
consciência: que promete enganosamente as satisfações que não podem ser
satisfeitas e resolve aparentemente os problemas que o podem ser por ela
resolvidos. Para o autor, o objetivo central da indústria cultural é o de submeter os
homens à condição de dependência e servidão, como massa passiva (ADORNO,
1986:99).
As imagens corporais expostas testemunham a própria não-identidade dos corpos.
Pois, identidade segundo o pensamento critico frankfurtiano seria aquilo que se
constitui no sujeito a partir de experiências formativas com fenômenos sociais não
danificados. Os corpos emoldurados mantêm a ilusão individual de que, por não ter
livre escolha, não passa de uma pseudo-individualização. E, nesse sentido Vaz
(2003, p. 07) reflete sobre a identidade burguesa afirmando que “no contemporâneo,
as imagens corporais são importantes como portadoras de identidades”.
104
O receptor dessas imagens simbólicas é levado a se identificar com uma concepção
falaciosa de corpo que o levam à não-identidade autêntica e, por sua vez, não fazem
vingar na vida social uma existência esclarecida e emancipada. A atrofia da
consciência ou como poeticamente se expressa Fabiano (1999), a taxidermia das
consciências”, definitivamente se espraia sobre a humanidade.
Como tudo o que está no mundo nos educa, com as imagens corporais não poderia
ser diferente. Os corpos presentes nos outdoors demonstram que a veiculação de
figuras corporais, sobretudo estereotipadas, esrelacionada a um determinado tipo
de educação que pode levar a uma perda da sensibilidade para a formação corpórea
autêntica no sentido do indivíduo ter consciência da educação do seu corpo, pois o
corpo ganha uma dimensão alienada de si mesmo.
O indivíduo vem apreendendo a discursividade ideológica de uma educação do
corpo danificada e com isso se fragilizando ainda mais no que diz respeito à
formação de uma vida social para a emancipação. E Horkheimer já evidencia que: “a
crise da razão se manifesta na crise do indivíduo, por meio da qual se desenvolveu.”
(HORKHEIMER, 1975, p.19).
O corpo dos outdoors e que transita no imaginário do corpo social, é realçado pelo
poder de investimento que lhe permite um valor de troca em todos os sentidos.
Através deles o vendidos os velhos valores capitalistas do consumo e do falso
bem-estar, supostamente obtidos pela obediência aos estereótipos veiculados. Esse
processo propicia a incorporação de valores perversos, dificultando que o sujeito se
conta ou tenha consciência de outras possibilidades de consciência sobre o
próprio corpo e os seus limites individuais.
A vida sendo reproduzida em larga escala nos grilhões de uma sociedade que poda
o espírito humano e estabelece experiências formativas danificadas, possivelmente
forjará um indivíduo que não questiona, não critica, ou melhor, um indivíduo que está
alheio para o entendimento social. Essa formação humana vai ao encontro do que
foi chamado pelos frankfurtianos de semiformação cultural. E para encerrar nossas
reflexões recorreremos a uma reflexão que Adorno faz no último dos aforismos de
sua obra, Prismas critica cultural e sociedade”, no qual indica que a reprodução
105
da vida na forma como a Indústria Cultural fomenta é a própria morte. A morte do
indivíduo. Entretanto, isto não quer dizer que o indivíduo está morto, que o
mais possibilidade de reação ou de negação dessa estrutura. O autor reflete apenas
demonstrando que o individuo ao se resignar apenas reproduzindo a vida, impede-
se de viver a vida.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cisco em teu olho é a melhor lente de aumento”
(Theodor Adorno, 1993, p.42)
Vários fatores podem levar o indivíduo a uma formão cultural regressiva: aquilo
que Adorno chamou de semiformação cultural. A principal delas seria a perda da
experiência formativa digna que, cada vez mais, é substituída por símbolos ocos e
experiências danificadas. Entretanto, segundo a proposta da dialética negativa (obra
capital do autor), deve-se investir na análise critica dessa formação para convertê-la
numa educação no sentido autêntico do esclarecimento (Aufklãrung) e da
emancipação. Nisso a área da Educação formal deve contribuir, pois embora ela
sozinha não seja a resposta para a erradicação da semiformação (Halbbildung), ela
pode se constituir como momento privilegiado no caminho para alcançar a vida justa.
Essa contribuição deve ser no sentido de estabelecer uma reflexão crítica dos
fenômenos sociais no sentido do resgate da dimensão emancipatória da razão, pois
cada vez mais esse tipo de reflexão se deteriora no interior das relações humanas,
no âmbito da formação escolar e também na formação de professores. Apesar da
escola ser um fruto do seu tempo, hoje uma atitude pedagógica mais ctica coloca
em questão a sociedade. A tensão/conexão entre a dimensão instrumental e a
dimensão emancipatória da razão se torna urgente em todos as esferas da formão
dos sujeitos e deve também se constituir como preocupação pedagógica.
Nesse estudo, a referência de um tipo de mídia outdoors - constituiu uma trama de
informações necessárias para o entendimento do corpo e sua inter-relação com a
situação paradoxal vivenciada hoje pela humanidade, uma vez que a Indústria
Cultural parece constituir-se como parte significativa no processo formativo de
milhões de pessoas. É nesse sentido que se torna urgente, necessária e
fundamental uma reflexão crítica dos conteúdos disseminados por essa “indústria”,
visto que atualmente tais reflexões parecem ausentes na sociedade.
107
A mediação do sujeito com os corpos veiculados pela Indústria Cultural, que
determinam um certo padrão estético e a redução das experiências, é grande
colaboradora no embotamento dos sentidos que acabam por desembocar na
legitimão dos processos produtivos da reificação do sujeito e, conseqüentemente,
das relações humanas. Sobretudo, porque educar através de estereótipos impede o
exercício de uma experncia formativa autêntica para o processo de emancipação
social.
Na atualidade, quase todos os outdoors espalhados pelos grandes centros urbanos
utilizam imagens corporais. Qualquer produto, de qualquer característica e natureza
pode se atrelar a um corpo, ou melhor, a uma determinada concepção de corpo para
que seja vendido. Essa relação entre as mercadorias e os corpos demonstra como
esse último adquiriu, desde a modernidade, o empobrecimento necessário a inseri-lo
nas relações fetichizadas e manter a ordem social vigente. A coisificação do corpo
parece ser parte da educação dos sentidos humanos na sociedade moderna e
conseqüentemente de uma formação corporal danificada.
A relação entre os indivíduos e os “corpos emolduradosproduz uma experiência
danificada com a dimensão corporal que leva ao enfraquecimento do indiduo como
sujeito capaz de ter consciência do seu corpo porque tem experiências falsas com
os fenômenos sociais. Além disso, os estereótipos corporais estão relacionados com
a reprodução de uma estrutura social que prioriza o ajustamento do indivíduo numa
perspectiva fetichista. Por meio da analise das imagens corporais demonstrou-se o
comprometimento de uma determinada educação do corpo para manter a lógica da
barbárie da sociedade contemporânea.
Na exposição em larga escala de imagens corporais, bem como o direcionamento
das imagens para corpos estereotipados, engendra-se a imposição de um padrão
corporal no qual o indivíduo é levado a se identificar sem, no entanto entender ou
questionar a mensagem cultural que está sendo veiculada. Instala-se, portanto um
culto às aparências, às mensagens imediatas.
108
As imagens corporais utilizadas nos outdoors, em sua maioria, enunciam a
“grandiosidade” da “pequeneza” do corpo na modernidade, pois o corpo está tão
enfraquecido na sua inteireza que necessidade de um reforço exagerado da sua
existência. Também os signos utilizados em campanhas publicitárias são em sua
maioria signos destituídos de substância humanística.
A criação de necessidades se realiza de forma sutil. Por exemplo, no contato com as
imagens do corpo expostas pelas várias faces da Indústria Cultural o indivíduo é
levado a uma identificação forçada com determinada estética corporal levando a
uma necessidade implícita de satisfazê-la. Revela-se aqui que esse tipo de cultura
corporal é uma mediação que passa a ter um valor afirmativo da sociedade. Assim,
percebe-se que a Semiformão trabalha no âmbito da subjetividade e encontra na
Indústria Cultural um meio privilegiado de sobrevivência.
Com a cultura danificada sendo produzida e reproduzida em larga escala na
sociedade do capitalismo tardio, a possibilidade de emancipação social torna-se
cada vez mais comprometida com os princípios ideológicos desse modo de
produção social. A formação mais consistente no sentido do fortalecimento da
identidade do sujeito na sua dimensão social tem sido substituída por uma espécie
de simplismos culturais de entretenimento como forma de adestramento da
subjetividade. Essa formão danificada, no entanto, expressa resultados
preocupantes em termos educacionais da sociedade atual: perda de reflexão das
condições objetivas da produção da vida social, sujeitos acticos na reprodução da
ocultação dos interesses que perpassam tal forma de produção social.
A educação do corpo vista a partir dos reducionismos que a ela são agregados em
termos ideológicos é um canal de eficiência constavel para que a semiformação se
instale nos processos formativos alienantes da atualidade. Esse processo é difuso,
impreciso, mas de eficiência inegável para que os valores dominantes de uma
determinada sociedade sejam disseminados em larga escala.
A História nos mostrou que desde a modernidade o corpo vem sofrendo as
conseqüências drásticas de uma organização social que tenta se manter. E é nesse
sentido que a subjetividade torna-se comprometida com a objetividade ideológica,
109
reproduzindo na sua particularidade uma totalidade social que exclui o seu direito de
existência.
Nesse contexto, o corpo passa a ser suscetível às sujeições que lhe são impostas
pelo modo moderno de produzir a vida e, principalmente, pelos ditames da Indústria
Cultural que através dos mecanismos de manipulação ideológica impossibilitam o
corpo de entender-se enquanto ação histórica e estabelecer sua identidade. A
inconsciência do corpo (de sua identidade autêntica) é, portanto, parte da
inconsciência de sua ação e intervenção no mundo social e inconsciência da ação
social no seu mundo existencial.
O corpo moderno tornou-se aquele que se afirma como identidade de uma
sociedade que glorifica o sistema econômico. Assim, o sujeito não consegue agir de
forma consciente permitindo uma identidade corpórea para a possibilidade de
existência na produção da história que o determina enquanto ser social.
Figura 07: Campanha de promoção de troca de óleo em posto de gasolina
110
Um dentre os outdoors analisados no corpo desse estudo reforça a dimensão
corporal coisificada na sociedade capitalista atual. A interioridade do corpo é
mostrada na sua condição de máquina. A musculatura revela na intimidade corpórea
a incorporação do ambiente técnico sob o qual se ordena vida humana na sociedade
industrial. Numa espécie de raios-X nota-se uma série de engrenagens e peças
mecânicas que dão ao corpo humano o desempenho preciso e eficiente; a dinâmica
necessária para a sua sobrevincia no sistema produtivo enquanto instrumento de
produção.
É hispostasiada uma visão do corpo nos seus aspectos mecânicos e não no
entrelaçamento entre cultura e natureza. Como bem observou Karl Max, nesse
sistema produtivo, além de produzir mercadorias o sujeito não só as produz, mas
passa a reproduzir as condições sociais que o tornam também mercadoria, ou seja,
uma máquina produtiva, um motor.
Sobre as máquinas pode-se exercer todo o domínio e aqui também esse domínio se
torna legítimo quanto ao corpo que tanto se assemelha à maquina. A interiorização
dessas imagens pelos sujeitos revela não somente a percepção de que o corpo
pode-se traduzir em máquina no seu desempenho eficiente, mas a sua própria
expreso enquanto máquina. A lógica do capital pautada pela produção industrial
passa a determinar também a lógica da produção da existência. Lembremos que a
máquina é algo morto, sem vida. Ao estabelecer analogia direta com o corpo, como
se ele fosse realmente uma máquina, ratifica-se a tendência social de fazer os
sujeitos encararem o corpo como coisa morta, objeto subordinado e sem autonomia.
As análises realizadas neste estudo não têm a pretensão de sobrepor-se à
perspectiva pedagógica que a formação humana deve submeter-se. Elas se somam
enquanto mais um elemento formativo no imaginário social e por isso se faz
importante a dimeno crítica que possa desocultar dos seus recursos informativos,
os mecanismos de manipulação e de dominação social que legitimam e perpetuam.
Como historicamente a Educação Física também foi um instrumento de legitimação
desta concepção de corpo útil nas relações sociais, é nela também que se torna
possível fazer com que o sujeito tenha uma experncia formativa digna, capaz de
111
levar à percepção das contradições imanentes ao modelo de organização social
estabelecido.
A educação do corpo o é uma educação onipresente, mas uma forte mediação
para a formação dos sujeitos. Entretanto, como nos ensina o pensamento
frankfurtiano, os fenômenos sociais são ambíguos e nesse caso seria a Educação
Física, sobretudo a escolar, um contraponto para realizar uma educação do corpo
digna ao se comprometer com a possibilidade de experiências formativas
verdadeiras e autênticas com os conteúdos da cultura corporal.
Acreditamos que uma educação do corpo, assim danificada pelo conjunto de
processos informativos que resultam em semiformação cultural compromete aquilo
que o ser humano poderia construir enquanto uma vida justa e de rejeição à
barbárie. Ou seja, a educação do corpo danificada por tais princípios de
manipulação, tanto da consciência corpórea quanto de sua situação no mundo
social, torna-se um obstáculo para o esclarecimento (Aufklärung) e este é peça
fundamental para uma sociedade de indivíduos emancipados.
112
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Industria Cultural e os paradigmas da resistência e da reprodução em educação.
In: PUCCI, Bruno et al. Teoria Crítica e Educação: a questão da formação cultural
na Escola de Frankfurt. Petrópolis, RJ: Vozes; São Carlos, SP:EDUFISCAR,
1994, p 155.
117
Ao querido menino anjo de Ubatuba, Gabriel, que me encanta cada vez mais por ser assim tão
iluminado, doce, especial, sensível e meigo. Sua voz habita meus ouvidos, sua imagem habita
meus sonhos, sua força me encoraja e sua história me comove... Por entrar na minha vida de
uma forma tão peculiar e simplesmente por existir. E por acreditar que: “se as coisas são
inatingíveis, ora, não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos se não fosse a mágica
presença das estrelas” (Mário Quintana).
ANEXO
Outdoor da campanha publicitária de marca de Jeans
Outdoor da campanha publiciria de uma loja de bolsas e sapatos
118
Campanha Publicitária de uma modalidade de academia
Campanha Publicitária de uma modalidade de academia
Campanha Publicitária de um modelo de automóvel
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