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REGINA HENRIQUETA LAGO SPITZNER
SEXUALIDADE E ADOLESCÊNCIA:
REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
MARINGÁ
2005
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REGINA HENRIQUETA LAGO SPITZNER
SEXUALIDADE E ADOLESCÊNCIA:
REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito para obtenção
do título de Mestre. Área de Concentração:
Aprendizagem e Ação Docente. Orientadora: Prof.ª
Dr.ª Solange Franci Raimundo Yaegashi.
MARINGÁ
2005
REGINA HENRIQUETA LAGO SPITZNER
SEXUALIDADE E ADOLESCÊNCIA:
REFLEXÕES ACERCA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Solange Franci Raimundo Yaegashi.
COMISSÃO JULGADORA
___________________________________________________
Profª. Drª. Solange Franci Raimundo Yaegashi (Orientadora)
Universidade Estadual de Maringá
________________________________________________________
Profª. Drª. Nerli Nonato Ribeiro Mori (Membro Titular)
Universidade Estadual de Maringá
_________________________________________________________
Profª. Drª. Rachel de Maya Brotherhood (Membro Titular)
Centro Universitário de Maringá
AGRADECIMENTOS
A Deus, modelo de fé e perfeição, pai onipotente e onipresente.
A meus pais, André e Ely, pelo apoio incondicional e incentivo em todos os
momentos de minha vida.
Ao meu sogro Percy, que mesmo no plano espiritual foi o mentor para que este
sonho se concretizasse. À minha sogra, Leonor, pelo carinho e incentivo.
Ao meu marido Cliceu, pelo seu apoio incondicional e paciência sempre
incentivando e ajudando-me a persistir nesta tarefa.
Aos meus filhos, Fernanda e Rodrigo, pelos momentos de ausência em suas vidas
em função dos estudos e trabalhos.
Aos meus familiares, que sempre me acompanharam e torceram por minha vitória.
À minha orientadora, Solange, pelo carinho, apoio e competência, ao longo desta
caminhada.
À minha amiga Maria Olésia, que me socorreu, com bondade, numa das etapas
deste trabalho.
À minha amiga Carmen, que sempre me incentivou e acreditou em mim.
AO MEU MARIDO CLICEU E MEUS FILHOS FERNANDA E
RODRIGO PELO INCOMPARÁVEL AMOR, PELA CARINHOSA
COMPREENSÃO E PELO INCENTIVO DURANTE A
REALIZAÇÃO DESTE TRABALHO.
“NÃO BASTA TER BELOS SONHOS PARA REALIZÁ-LOS. MAS
NINGUÉM REALIZA GRANDES OBRAS SE NÃO FOR CAPAZ DE SONHAR
GRANDE. PODEMOS MUDAR NOSSO DESTINO, SE NOS DEDICARMOS
À LUTA PELA REALIZAÇÃO DE NOSSOS IDEAIS. É PRECISO SONHAR,
MAS COM A CONDIÇÃO DE CRER EM NOSSO SONHO; DE EXAMINAR
COM ATENÇÃO A VIDA REAL; DE CONFRONTAR NOSSA OBSERVAÇÃO
COM NOSSO SONHO; DE REALIZAR ESCRUPULOSAMENTE NOSSA
FANTASIA.”
LÊNIN.
RESUMO
O presente trabalho é de natureza essencialmente teórica e tem por objetivo realizar
um estudo sobre a sexualidade e a adolescência ao longo dos tempos, bem como
efetuar algumas reflexões acerca da Orientação Sexual – enquanto Tema
Transversal instituído pelos Parâmetros Curriculares Nacionais nas escolas. Para
tanto, foi realizada uma retrospectiva histórica da sexualidade desde os tempos
primórdios até nossos dias, definindo as práticas, os mecanismos de representação,
significação e controle da sexualidade, visando mostrar como estas influenciaram a
cultura sexual que afeta nosso dia-a-dia. Buscou-se ainda abordar o adolescente e
as mudanças físicas e sócio-afetivas decorrentes desse processo evolutivo que a
adolescência é uma fase de descobertas e experimentações em relação ao sexo e
outros aspectos da vida. Por fim, procurou-se tecer algumas reflexões acerca da
Orientação Sexual nas escolas, tendo em vista a história da sexualidade e o
comportamento dos adolescentes no mundo atual. Ao fazer com que os
adolescentes falem sobre sexo, a escola aumenta o controle sobre os indivíduos
através de metodologias e práticas que visam produzir sujeitos autodisciplinados no
que se refere à maneira de viver sua sexualidade. O objetivo único da Orientação
Sexual nas escolas preconizado pelos PCN’s é a prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis e o controle da gravidez precoce, estabelecendo
mudanças no modo de ser dos indivíduos e dando novos sentidos aos desejos,
prazeres, sentimentos e sonhos dos adolescentes. Por outro lado, muitos
professores sentem-se despreparados e inseguros para tratar de questões sobre a
sexualidade além de muitos carregarem tabus e valores que lhes foram transmitidos,
influenciando a prática pedagógica com julgamentos moralistas e preconceituosos.
Dessa forma, chegou-se à conclusão que a escola ao orientar seus alunos deve
fazê-lo não somente apresentando-lhes questões biológico-reprodutivas, médico-
higienistas e preventivas ou de cunho moral, espiritual ou mística. A escola deve
formar adolescentes conscientes, críticos, emancipados despertando-lhes a
consciência de si e do outro e reconhecendo como lícito o direito ao prazer e à
felicidade. Paralelamente, é fundamental que os professores, além da formação
inicial (licenciatura), tenham uma formação continuada (cursos de especialização,
cursos de aperfeiçoamento, grupos de estudo etc.) que possa garantir-lhes
subsídios para o desempenho de seu papel em consonância com as necessidades
dos alunos, da escola e da sociedade.
Palavras-chave: Adolescência; Orientação Sexual; Parâmetros Curriculares
Nacionais.
ABSTRACT
Current theoretical research analyzes sexuality and adolescence along history and
attempts to reflect on sexual counseling in the school since the latter is a transversal
theme instituted by the Brazilian School Curricular Parameters (BSCP). An historical
survey on sexuality has been undertaken from primitive times up to the present day.
Coupled to the manner these factors influenced our contemporary sexual culture, the
practice, mechanisms of representation, meaning and control of sexuality were
defined. Since it is a discovery and experimental phase with regard to sex and facts
of life, adolescence and its physical, social and affective changes, hailing from the
evolution process, were approached too. Finally, sexual counseling in the school was
analyzed in the context of the history of sexuality and young people’s behavior today.
When young people are invited to speak about sex, the school increases its control
on the subjects through methodologies and practices that aim at producing self-
controlled individuals with regard to the manner they face their sexuality. Sexual
Counseling in the school, as has been planned by the BSCP, aims solely at
preventing sexually transmitted diseases and the control of early pregnancy. It
therefore tries to establish changes in the individuals’ behavior and a new meaning to
young people’s desires, pleasure, feelings and dreams. On the other hand, many
teachers consider themselves inadequate and unsure of themselves to deal with
problems on sexuality. Actually most teachers have taboos and values that have
been transmitted to them and which will surely affect the pedagogical practice
through moralist and biased opinions. Consequently, the school should not merely
forward to students the biological, reproductive, medical, hygienic, preventive,
moralistic, and spiritual problems involving sexuality, but educate young people to be
self-aware, critical and independent. Or rather, conscience awareness through the
acknowledgement of the right to have pleasure and to happiness is paramount.
Further, it is necessary that teachers should not merely have a starting formation
(through a university degree) but a continuous training (specialization courses,
updating courses, study groups and others) that would warrant them a solid
formation for the achievement of their role according to the needs of the pupils, the
school and society.
Key words: Adolescence; Sexual Counseling; Brazilian School Curriculum
Parameters.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
1 A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE..........................................................................16
2 ADOLESCÊNCIA E SEXUALIDADE.....................................................................82
2.1 ASPECTOSSICOS...........................................................................................90
2.2 ASPECTOS SÓCIO-AFETIVOS...........................................................................96
3 A EDUCAÇÃO SEXUAL E A ESCOLA................................................................114
3.1 ORIENTAÇÃO E EDUCAÇÃO SEXUAL.............................................................124
3.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS129
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................147
REFERÊNCIAS........................................................................................................154
INTRODUÇÃO
A sexualidade é parte integrante da vida do homem, pois está presente desde o seu
nascimento até a morte e também nas relações e ações entre as pessoas, ou
consigo mesmos, enquanto seres sexuados. A sexualidade é inerente ao ser
humano e está presente em todos os atos de sua vida. Encontra-se marcada pela
cultura, pela história, pela ciência, assim como pelos afetos e sentimentos,
expressando-se com singularidade em cada sujeito.
A sexualidade, sendo um elemento básico da personalidade, determina no indivíduo
um modo particular e individual de ser, de sentir, de manifestar-se, de comunicar-se,
de expressar e de viver o amor.
A sexualidade não é apenas um conjunto de atos e reflexos herdados, também é
construída a partir das possibilidades individuais e de sua interação com o meio e
com a cultura, satisfazendo às exigências físicas psicológicas do indivíduo.
Ao longo do tempo, a sexualidade humana tem sido objeto de estudo em várias
pesquisas. Também muito se tem falado e discursado como sendo a adolescência a
fase em que todas as questões da sexualidade se intensificam, com novas
descobertas e experimentações em relação à atração e às fantasias sexuais.
A adolescência é uma fase da vida marcada por mudanças de toda ordem. Os
adolescentes se encontram em um mundo de escolhas que se deslumbram aos
seus olhos. São livres para escolher entre as mais variadas atividades, deparam-se
com diversos códigos morais e encontram-se frente a uma série de grupos
diferentes, que têm crenças, costumes e práticas diversas.
As mudanças biofisiológicas fazem com que o corpo se transforme rapidamente
obrigando a uma reorganização intrapsíquica muito profunda, além de causar
alterações no comportamento e em sua identidade.
Concomitantemente, o jovem se atraído pela sociedade tecnológica, complexa e
veloz, na qual o apelo da máquina consumista é irresistível. O capitalismo inaugura
um progresso enorme em relação às comunicações que agora são o novo aparelho
ideológico de enquadramento das massas consumidoras; cria-se a “aldeia
global” onde todos se sentem integrados. Em comum, os adolescentes
mudam de um canal para o outro na televisão. Vão da internet para o telefone, do
telefone para o vídeo e retornam novamente à internet. Os jovens têm à sua
disposição todo e qualquer tipo de informação, que traz um forte apelo à
sexualidade.
O adolescente vive num ambiente sexualizado e, os discursos sobre sexualidade
entrelaçam todas as esferas da vida diária apresentam-se confusos, apelativos,
mistificadores e enquadradores. Segundo Nunes (1997, p.11),
[...] cada vez mais o consumismo e a pornografia alimentam
adolescentes e jovens com sua superficialidade grotesca e objetual,
10
confundindo a quantificação de discursos sobre o sexo ou de atos
sexuais como uma verdadeira libertação sexual.
Essas mudanças refletem-se nos valores, nos comportamentos, no modo de vestir,
na música, no vocabulário, nas formas de se relacionar. As descobertas científicas,
os métodos anticoncepcionais estão ao alcance de todos. A indústria do sexo acaba
transformando algumas concepções mais tradicionais e preocupando alguns setores
da sociedade.
Cada vez mais a família se tolhida no discurso sobre a sexualidade. O discurso
religioso é cada vez mais contraditório e conservador. O Estado, por sua vez, agente
controlador da escola, se mantém numa posição, segundo Nunes (1997, p.16),
“menos comprometida moralmente e mais técnica, vendo a questão sob o ponto de
vista demográfico, biológico, profissional e político”.
Como uma realidade essencialmente humana, a sexualidade não pode permanecer
como assunto restrito das ciências biológicas, valorizando os aspectos físicos e os
hábitos saudáveis. Não se pode tratá-la ao nível do senso comum, expondo
concepções superficiais e pessoais como verdadeiras, acabadas, adotando seus
valores como universais, enfim, abordando a sexualidade de maneira simplista,
primária e, sobretudo de maneira preconceituosa como tem sido tratada no meio
escolar.
Muitas vezes, o intuito da escola, segundo Enderle (1988, p.46),
é justamente promover a desqualificação sexual, esvaziando a
sexualidade de conteúdos gratificantes, descolorindo-a e
substituindo-a por uma intoxicação improfícua de informações sobre
11
a fisiologia do corpo humano, anatomia dos órgãos reprodutores
numa narrativa fria e técnica, onde, infalivelmente, são omitidas
informações sobre o prazer, tema tabu nas abomináveis lições de
sexualidade. A escola cumpre, assim, juntamente com a família e a
sociedade, sua função dessexualizante, visando salvaguardar as
instituições. [...] O objetivo da escola em suas bases, identificam-se
com os da família: obediência irrestrita, respeito pela autoridade,
repetição de fórmulas comportamentais determinadas previamente,
ou seja, submetimento total ao sistema, quando o papel da escola
deveria ser exatamente o contrário: levantar as contradições deste
sistema no qual está inserida.
Assim, a questão da sexualidade deve ser tratada com muita seriedade no meio
escolar, pois ao educador compete o desafio de encontrar um meio justo de
transmitir as contradições existentes de maneira honesta e significativa. Ao se
propor a realizar a tarefa educativa, o professor inicialmente precisa conhecer a si
próprio, conhecer a história dos homens e das sociedades através dos tempos.
Nesse sentido, por termos realizado anteriormente um trabalho de pesquisa, em
nível de especialização, acerca do adolescente e seu mundo familiar e escolar e, por
ser um tema inquietante para todo educador, é que houve de nossa parte um
interesse maior em desvendar aspectos da sexualidade na adolescência e fazer
uma reflexão acerca da Educação Sexual que vem sendo proposta às escolas.
Assim, a problemática que se pretende investigar pode ser colocada da seguinte
forma: que contribuições os Parâmetros Curriculares Nacionais podem trazer à
escola tendo em vista os comportamentos dos adolescentes no que se refere à
sexualidade? Em outras palavras, como se pode compreender a Orientação Sexual
nas escolas, tendo por base a história da sexualidade e o próprio desenvolvimento
do adolescente no mundo atual?
12
Portanto, retomando as considerações acima, o objetivo desse trabalho é realizar
um estudo sobre a sexualidade e a adolescência ao longo dos tempos e efetuar
algumas reflexões sobre a Orientação Sexual realizada na escola que esta tem
sido convocada a enfrentar as transformações das práticas sexuais
contemporâneas, principalmente na adolescência, uma vez que seus efeitos se
fazem alardear no cotidiano escolar.
O percurso dessa análise, portanto, parte da pesquisa realizada em autores como
Ariès, Foucault, Marx, Tannahill, Quintella e Dietrich, Erikson e outros que
fundamentam e embasam este trabalho teórico.
Assim, o trabalho está organizado de forma a apresentar, no primeiro capítulo, uma
retrospectiva histórica da sexualidade humana, desde os tempos primórdios até
nossos dias. Isto se fez necessário, pois as relações sexuais são relações sociais
construídas historicamente em determinadas estruturas, modelos e valores que
dizem respeito a determinados interesses e épocas diferentes.
Neste capítulo foram definidos as práticas, os mecanismos de representação,
significação e controle da sexualidade, desde os tempos primitivos, passando pelas
civilizações greco-romana, pela cultura hebréia, pelas civilizações orientais e
ocidentais visando mostrar como estas influenciaram a cultura sexual que afeta o
nosso dia-a-dia.
Ainda neste capítulo buscou-se apresentar a sexualidade na contemporaneidade
bem como a expansão do “sexo”, pela indústria da comunicação e da propaganda.
13
Procurou-se enfatizar que o jovem, em contato com o mundo sexualizado e
massificado, não percebe o bombardeamento dos meios de comunicação de massa
que a tudo controla, planeja e determina, inclusive as relações sexuais entre as
pessoas. As novas descobertas, o avanço científico e tecnológico, a indústria
cultural, massificam o indivíduo, tornando quase impossível sua emancipação,
espontaneidade e espírito crítico.
No segundo capítulo, buscou-se abordar o adolescente e as mudanças decorrentes
do processo evolutivo. Com o início da puberdade, todo o organismo é invadido
pelas transformações biológicas gerando intranqüilidade e insegurança. Sem saber
ao certo o significado de sua sexualidade e de como dispor dela, o adolescente vai,
pouco a pouco, descobrindo os mistérios e os devaneios que essa situação atraente
e angustiante lhe desperta.
No terceiro capítulo, por sua vez, procurou-se tecer algumas reflexões acerca da
Educação Sexual na escola tendo em vista a história da sexualidade e o
comportamento do adolescente nos dias atuais. Este é um tema bastante polêmico,
pois não se tem uma data precisa de quando esta foi instituída na escola como parte
integrante do currículo. Apesar das grandes transformações ocorridas ao longo dos
últimos anos, a escola tem sido, cada vez mais, convocada a enfrentar as questões
relativas à sexualidade.
Por último, nas considerações finais, será ressaltada a importância da compreensão
de que a adolescência é uma fase de transição e que, tanto a família quanto os
14
educadores, devem conhecer as transformações ocorridas neste estágio para ajudar
o adolescente a ultrapassar mais esta etapa com segurança, equilíbrio e autonomia.
Ainda nas considerações finais, a sexualidade será discutida enquanto parte
integrante do ser humano, especialmente no adolescente enquanto objeto de
estudo, e a inserção da Orientação Sexual nas escolas, articulada às demais
disciplinas.
15
1 A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE
De acordo com Quintella e Dietrich (1992, p.9), a sexualidade está presente desde o
nascimento até a morte, porém a forma de vivenciá-la é que se modifica ao longo da
história da humanidade, influenciando os relacionamentos entre os sexos.
Para discorrermos sobre sexualidade, é necessário fazermos um resgate histórico
da evolução sexual, abordando aspectos econômicos, sociais, culturais, biológicos e
religiosos nas diferentes sociedades desde os tempos mais remotos até nossos
dias, pois não se pode falar sobre sexualidade de maneira fragmentada, dividida,
estanque. As relações sexuais são relações sociais construídas historicamente em
determinadas épocas, envolvendo valores, modelos e estruturas.
Segundo Quintella e Dietrich (1992, p.11), ao escrever a “Origem das Espécies”,
Darwin afirmou que não houve nenhum ato de criação; que o Homem não fora
criado à imagem e semelhança de Deus, entretanto, assim como as demais
espécies do mundo, esse surgira de alguma forma primitiva de vida.
O Ramapithecus seria, dessa forma, o ancestral direto do homem e, no decorrer de
milhões de anos, esse trocou a vida nas árvores pela vida no solo. Fazendo suas
migrações, ia conquistando novos espaços de alimentação, pois não era capaz de
produzi-los e, a caça e a pesca contribuíram para a modificação da alimentação,
antes exclusivamente vegetal. A ingestão de carne forneceu-lhe uma quantidade
extra de proteínas acelerando a evolução do néocortex cerebral, fonte do raciocínio
e da simbologia.
O Ramapithecus precisava ser cada vez mais dinâmico para obter alimentos e lutar
contra animais ferozes. Dessa forma, descobriu também, que duas mãos eram muito
mais úteis que quatro pés, dispensando-as para o ato de caminhar no chão e
assumindo uma postura cada vez mais ereta.
Quanto ao acasalamento, na posição primata costumeira, a fêmea apresentava o
posterior ao macho atraindo-o para o intercurso breve e com finalidade instintiva.
Nessa posição, o macho possuía apenas uma visão do posterior de seu parceiro
sexual. A fêmea não tinha visão alguma.
Não se conhece, porém, quando os sucessores do Ramapithecus adotaram a
posição frontal de acasalamento: se pelo Australopithecus (mais macaco que
homem), se pelo Homo erectus ou pelo pré-humano Homo habilis (homem manual)
ou pelo Homo sapiens (pai do homem moderno).
Entretanto, nessa nova posição, o sexo se tornava ativamente agradável e
instintivamente premeditado, visando à manutenção do casal e à proteção da mulher
e dos filhos. Nesse contexto, o orgasmo feminino emergiu em resposta à nova
postura. Na posição frente a frente, o rosto começou a ganhar importância entre os
sexos.
17
O hábito monogâmico foi atribuído ao fato de a fêmea não se encontrar sujeita a um
ciclo estral, ou seja, a fêmea não se mostrar receptiva apenas em um ou dois dias
de fertilidade, mas estar sexualmente disponível para que o macho satisfizesse seu
impulso sexual, acentuando, dessa forma, a fidelidade do casal.
Por volta do ano 10000 a.C., na era paleolítica, o homem primitivo era nômade não
por necessidade como também por escolha. Quando acabava a caça e a
vegetação se tornava escassa pelas mudanças climáticas, era necessário seguir em
frente. A mudança, do campo aberto para as cavernas, e o domínio do fogo, tiveram
um efeito revolucionário no processo humanizante e as separações e os
agrupamentos deram início à idéia de família.
Segundo Campos (1981, p.5),
as comunidades do paleolítico possuíam um certo grau de
sedentarização, mas também viviam se deslocando em perseguição
aos animais que caçavam. A necessidade da colaboração,
principalmente para os grandes empreendimentos de caça, deve ter
gerado, no final do período, o aparecimento dos primeiros clãs,
famílias extensas onde várias gerações se sobrepõem. Os clãs do
paleolítico eram matriarcais, uma vez que os homens, em sua
atividade de caça, viviam se deslocando mais constantemente,
deixando às mulheres toda e qualquer forma de governo familiar.
O paleolítico era dominado pelo matriarcado, pelo culto e valorização do elemento
feminino e assim permaneceu por milhares de anos. As mulheres possuíam o
sentido da observação, da experimentação e pesquisa de novas tecnologias para a
subsistência e produção da vida.
No final da era paleolítica, era “natural” para a fêmea humana ficar grávida e
amamentar durante um longo tempo de sua vida adulta, como também era “natural”,
18
homem e mulher entregarem-se ao ato sexual somente para satisfação física.
Apesar da mulher passar a maior parte de sua vida grávida, não eram muitas as
crianças que chegavam a nascer. Dentre as nascidas, poucas conseguiam
sobreviver pelo alto índice de desnutrição, falta de higiene e doenças.
A gravidez, nesse estágio, não incapacitava as mulheres como nas sociedades
avançadas. As mulheres exercitavam-se, continuamente, recolhendo aquilo que o
homem caçava. A segurança e a estabilidade provocadas pela vida em cavernas
influenciaram a estrutura interna da tribo. As condições de frio eram adequadas às
caças maiores, sendo necessário um empreendimento em cooperação, surgindo daí
as negociações entre as tribos. Esse contato intertribal colocou um ponto final em
todos os relacionamentos incestuosos, pois a união sempre dentro de um grupo
social tornava inevitável a consangüinidade, onde o incesto surgia como o primeiro
tabu da humanidade.
No período neolítico, que se iniciou por volta do ano 9000 a.C., homens e mulheres
tornaram-se agricultores e criadores de gado modificando não apenas o padrão de
existência humana como também toda a vida na terra. É no neolítico que
encontramos as primeiras formas de religião. O poder é patriarcal, isto é, a família é
dominada pelo homem com a função de pai e chefe. Os homens passaram a
controlar o poder real, o exército, as formas de defesa, luta e guerra, o poder
religioso e ideológico, assumindo funções sacerdotais e mágicas.
Nesse período, a mulher cuidava da lavoura e da casa. Engravidava e tomava conta
do filho, ignorando os fatos biológicos da vida. A função biológica da menstruação
19
era desconhecida, era inexplicável e, por não ser compreendida, era algo que
causava temor. Era magia, feitiçaria ou alquimia.
Com o passar do tempo, percebeu-se que o início da menstruação era sinal de
maturidade física na qual a mulher estava apta a ter filhos.
Segundo Tannahill (1983, p.48),
se o sêmen era o catalisador místico do processo que se encerrava
com o parto, então a menstruação, que demonstrava o fracasso da
mulher em conceber, devia ter surgido como um insulto ou rejeição,
uma sangria que negava brutalmente ao homem seu novo papel
como produtor de filhos.
O homem poderia ter um harém, se quisesse e caso pudesse defendê-lo. O conceito
de “meu filho” exigia que a mulher fosse monógama, daí a necessidade de ser
contida e reservada. Nessa sociedade, a mulher era propriedade do homem assim
como os animais que ele pastoreava.
Estima-se que a população mundial, por volta de 9000 a.C., era de
aproximadamente três milhões de habitantes. Essa explosão demográfica foi
causada por uma melhoria substancial na nutrição. Mais filho significava mais ajuda
na lavoura que produzia abundantemente. Uma nutrição superior aumentava a
fertilidade e a perspectiva de vida significando, para a mulher, um aumento de anos
para conceber.
No final desse período, a população atingiu uma qualidade mais dinâmica, em
virtude da diversidade genética, aliada a uma alimentação mais elevada e à nova
auto-segurança da humanidade.
20
Por volta do milênio a.C., na cultura hebréia, foi o homem que delineou a
sociedade. Os hebreus, cuja fonte de conhecimento era a Bíblia, possuía um Deus
concebido como Homem, senhor e primeiro patriarca que exigia fidelidade exclusiva
e era juiz implacável. Nessa sociedade a mulher era inferiorizada. Além de ancorar a
mulher a seu lar, delimitando o relacionamento com sua família e proibindo-a de
aparecer diante de estranhos, era necessário aprisionar-lhe a mente de maneira tão
eficaz como o corpo. A mulher era propriedade do pai durante a infância, e do
marido, a partir dos 11 ou 12 anos, quando o casamento era consumado. Esse era
um contrato familiar entre senhores e a mulher possuía um preço que
posteriormente se transformou em dote.
A mulher, sendo propriedade do marido, encontrava-se na mesma escala dos
escravos, dos bois e jumentos que, na época, eram animais valiosos.
Segundo Tannahill (1983, p.67), a esposa hebréia partilhava os favores sexuais do
marido com uma ou mais esposas e concubinas secundárias, ficaria divorciada se
ofendesse o marido e seria apedrejada até a morte se fosse infiel. Era a poliginia
que, mais tarde, foi substituída pela monogamia. Todavia, ter mais de uma esposa
dependia da consciência e das condições financeiras de cada um.
Os hebreus destinavam o sexo à procriação dos filhos, que era uma tarefa destinada
por Deus. Feliz o homem cuja família era numerosa. Era sábio ter filhos, logo, a
relação sexual tornava-se bem vista. O aborto era crime, pois evitando-se que um
filho homem fosse trazido ao mundo, estaria sendo negado ao pai, o direito de
sobreviver através do filho.
21
A imortalidade do povo se dava através da linhagem familiar. Ter um filho significava
a continuidade pós-morte, enquanto ter uma filha era sinal de futuro prejuízo em
razão do dote que o pai deveria dar ao futuro genro.
A fertilidade do casal e o cuidado adequado às crianças poderiam fazer com que o
povo eleito filhos de Israel se multiplicasse. Um homem casado recentemente
era dispensado de suas obrigações durante um ano para “ser feliz com a esposa a
quem tomou” e iniciassem uma família prontamente.
Para os hebreus, o sêmen era fonte da vida e próprio do homem. A mulher, por não
o ter, era considerada um vaso receptáculo da semente. Assim, a homossexualidade
e a masturbação eram condenadas entre os homens, pois significavam desperdício
de sêmen e forma de desagradar a Deus. Por outro lado, eram permitidas às
mulheres e, muitas delas tornavam-se prostitutas, por não encontrarem outro meio
para permanecerem vivas.
Entre os gregos, nobreza de espírito, simetria e beleza eram indissociáveis. Esses
aspectos deveriam estar integralmente relacionados. Um não poderia viver sem o
outro, pois um corpo atraente e simétrico deveria conter um espírito magno.
Os gregos criaram um mundo aventureiro e amoral. Concebiam o sexo entre os
deuses fogosos e também entre um homem e um deus.
A pederastia traduzia-se na atração sexual de um adulto por um menino que
passara pela puberdade, mas ainda não atingira a maturidade. Nessa relação, o
22
adulto tornava-se responsável pelo desenvolvimento moral e intelectual do menino
tratando-o com delicadeza e afeição. Entre os gregos, a pederastia tornou-se um
ramo da educação superior e não era condenada, por não ser considerada um
desviante sexual. Os jovens eram alugados por hora ou em uma base contratual e
havia uma vasta legislação sobre o relacionamento homem-rapaz. Sólon, no início
do século VI a.C., afirmou que a pena de morte caberia àquele que fosse encontrado
sem autorização, com jovens, antes da idade da puberdade. Também declarou
ilegal, um escravo ter ligação com um jovem nascido livre e, qualquer homem, teria
seus direitos cívicos tolhidos pelo resto da vida, se incentivasse um jovem livre a
oferecer seus encantos.
Na sociedade grega, o escravo era empregado praticamente em todas as atividades
econômicas, possibilitando ao cidadão grego, tempo disponível para dedicar-se às
atividades culturais, políticas e físicas. Em outras palavras, graças à não-liberdade
dos escravos, os cidadãos poderiam gozar da mais absoluta liberdade. Durante a
era da escravatura, o trabalho físico, requisito essencial para a criação de condições
materiais de existência, cabia sobretudo ao escravo, que odiava o seu trabalho e
o fazia à força.
O casamento era monogâmico não por razões religiosas, mas seculares, pois o
sistema de heranças e propriedades exigia origem conhecida de cada geração. No
entanto, era permitido que os homens tivessem relacionamento extra-conjugal, ao
contrário da mulher.
23
Na Grécia, as mulheres eram tratadas com desdém e não possuíam direitos
políticos nem legais. Não recebiam qualquer tipo de educação formal e eram
obrigadas a passar a maior parte do tempo encerradas no gineceu aposento da
casa – destinado somente a elas.
As mulheres eram submetidas ao pai e a casamentos arranjados. Não saíam
sozinhas; raramente faziam refeições com os maridos e nunca, se havia convidados.
O marido poderia repudiá-la por motivos banais, mas o mesmo não aconteceria com
elas, pois o adultério e a pederastia não eram considerados crimes.
Por volta do primeiro milênio a.C., a mulher era considerada um bem. Para os
gregos ela era somente gyne, cujo significado é “portadora de filhos”. Os homens
consideravam todas as mulheres como irracionais (por lhes ter sido negada a
instrução), hiperssexuadas (por se queixarem de que os maridos raramente
dormiam com elas) e moralmente defeituosas (por criticarem os maridos ao
perderem tanto tempo filosofando na Assembléia, quando deviam estar ganhando a
vida fora dali).
Para os gregos, uma boa esposa deveria ser casta, sensata, saber fiar, tecer,
costurar, ser capaz de administrar a casa com sabedoria e as tarefas adequadas
aos empregados, gerar filhos, ser econômica com o dinheiro e bens do marido.
Nem sempre as esposas negligenciadas se queixavam, pois a despeito das
dificuldades, encontravam satisfação sexual através da masturbação e da
homossexualidade. Para elas a masturbação era uma válvula de segurança e, como
utilizavam com freqüência olesbos” ou “dildos” (pênis artificial), estes
24
proporcionavam a satisfação solitária tanto a elas como às tríbades (homossexuais).
Safo, diretora de uma academia para mulheres e notável poetisa, era habitante de
Lesbos. Sendo a mais famosa homossexual daquela época, seu nome e o da ilha
onde viveu, deram origem ao “amor lesbiano”, ou lésbico, em substituição ao
tribadismo.
Na sociedade grega, havia as hetairas para o prazer dos homens; as concubinas
para satisfazerem as necessidades diárias e as esposas que lhes davam filhos
legítimos e administravam a casa.
As hetairas eram cortesãs de alto nível. Eram belas, talentosas, inteligentes e muitas
vezes tinham conhecimentos de literatura clássica e em contas de lucros e perdas.
Apesar de serem de baixa origem, desde a infância eram treinadas nas artes sociais
e aceitas pelas qualidades de suas mentes e pelos corpos voluptuosos. Os homens
apreciavam as hetairas pelo fato de serem exímias em todas as coisas que aqueles
mesmos homens proibiam que suas esposas aprendessem.
As hetairas sabiam que seus encantos não eram duradouros, ter muito dinheiro
guardado, porém, era o objetivo que deveria norteá-las.
As concubinas, na escala social, vinham logo abaixo das hetairas. Elas não
alcançavam nem a independência das hetairas nem a proteção assegurada à
esposa. Quando o senhor se cansava delas podia vendê-las para um bordel, onde
se poderia tê-las por uma pequena soma sem nenhum risco.
25
Outra figura da época era a prostituta de rua, identificada assim por calçar sandálias
onde estava impressa, no reverso da sola, uma mensagem, que se imprimia na
terra, e podia assim ser lida: “siga-me”.
A prostituição floresceu muito em cidades onde havia intenso movimento de trânsito.
Corinto, com seus dois portos e ativo comércio marítimo, atraía mulheres para servir
aos marinheiros em terra. Também o templo de Afrodite contava com mais de mil
hetairas dedicadas ao serviço da deusa e de seus adoradores.
Entre os romanos era valorizado o corpo forte, o herói. Para eles, era importante a
luta, a guerra, o poder, a força, o Direito e, a vida do povo, girava em torno desses
valores.
Até o século V a.C., a maioria das romanas tinha uma existência de “retidão
inatacável”; porém no início do século II a.C., o poeta Juvenal disse que a castidade
era uma virtude raramente observada em Roma.
Em Roma, esposa e filhos constituíam bens dos homens da família. No final do
primeiro século a.C., o marido tinha o direito legal de matar a esposa no ato, caso
fosse apanhada em adultério. Também poderia divorciar-se caso ela tivesse uma
conduta perversa e repugnante, lassidão moral e sexual e ser estéril. Ter filhos e
administrar a casa era considerado apenas parte das obrigações de uma mulher,
pois esperava-se que ela participasse ativamente dos negócios da família.
26
As mulheres romanas tiveram uma vida menos confinada que as de outros países,
entretanto, possuíam consciência de seu próprio valor, o que lhes davam grande
confiança.
Em Roma, tradicionalmente havia três tipos de casamento: a confarreatio,
semelhante aos casamentos religiosos da igreja católica; a coemptio, que
assemelhava-se à moderna cerimônia civil; o usus, um tipo de casamento de
experiência, em que os noivos só se uniam legalmente após um ano de vivência em
comum. Durante este ano, a noiva pertencia à família paterna e, depois disso,
passava a pertencer total e legalmente à do marido.
Como os romanos possuíam uma tendência belicosa, essa obrigava-os a ficar fora
de casa por um longo tempo, guerreando meses a fio. Daí surgiram os eunucos,
homens castrados que acompanhavam as mulheres. Eram homens de boa
aparência, sem capacidade sexual, que se tornavam leais aos patrões, os quais lhes
poderiam tornar ricos ou colocá-los em postos de destaque.
Em 131 a.C., as mulheres podiam divorciar-se do marido por quase nenhum motivo
e isso acontecia com crescente e entusiasmada freqüência. Entretanto, anos mais
tarde, o Imperador Augusto instituiu uma lei, levando o adultério para o domínio
público e introduzindo penalidades legais. Essas penalidades eram aplicadas
principalmente contra as mulheres e, mais tarde, é que os maridos adúlteros
foram sujeitos às mesmas regras. As mulheres eram banidas de seus dotes
constituindo-se ofensa criminal para qualquer homem casar-se com ela. Seu amante
também era banido, embora não para a mesma ilha que a mulher em questão.
27
O romano era levado ao casamento pela perspectiva de um filho herdeiro, além da
certeza de uma “transfusão” de dinheiro, feita pelo dote tradicional.
Naquela época havia um número bem maior de homens que mulheres. Isso se
deveu a uma exigência das “leis de Rômulo”, que impunha aos pais que criassem
todos os filhos homens e a primeira mulher a nascer.
Os bebês indesejados, os meninos ilegítimos, deformados ou cujo nascimento trazia
maus presságios, podiam ser adotados e criados como escravos ou deixados à
morte, em cestas expostas ao tempo. Mais tarde, o infanticídio foi proibido, embora a
negligência materna tenha tido a mesma eficácia.
Em 18 a.C., os romanos tinham consciência dos riscos de uma natalidade baixa e,
por isso, o Imperador Augusto decretou que as viúvas deveriam tornar-se a casar
em dois anos e as divorciadas em 18 meses. Havia recompensas que encorajavam
a natalidade, porém com essa lei, o adultério proliferou, mas não teve efeito sobre a
taxa de nascimento.
Assim, o império romano foi se decompondo lentamente durante trezentos ou
quatrocentos anos, na Era Cristã. A escassez de mão-de-obra, a falta de
policiamento das fronteiras, a má administração do império e a invasão dos bárbaros
foram as causas mais importantes que levaram à desintegração do império romano.
28
Enquanto o império se fragmentava, a Igreja conseguia manter-se firme e bem
sucedida em unir a heterogeneidade reinante, pois durante as conquistas, os
romanos haviam trazido prisioneiros de raças e culturas diferentes para Roma.
A Igreja demonstrava interesse pela estabilidade social através da moralidade cristã
investida de autoridade religiosa. A lei moral empregada era respaldada por
ameaças com o fogo do inferno e do fim do mundo, atingindo a todos
indiscriminadamente. Essa moralidade era extraída de três fontes: de partes do
Antigo Testamento, do Novo Testamento e dos comentários e meditações dos
primitivos pensadores cristãos.
No século 1 d.C., São Paulo apontava que o celibato era superior ao casamento.
Mas, como o sexo com prostitutas era inadmissível, o sexo com as esposas poderia
ser uma experiência religiosa aceitável. Paulo condenava a homossexualidade, o
adultério e a prostituição e propunha um ideal de mulher, uma mulher submissa e
obediente ao marido.
São Jerônimo, no século IV d.C., era antifeminista e defensor do celibato, associado
ao ideal de virgindade. Desprezava o matrimônio, prezando a continência
permanente e chamando o intercurso sexual de imundo, pois para ele, a mulher era
“instrumento do demônio” para corromper os homens puros. Essa doutrina
influenciou muito a Igreja primitiva e a sociedade medieval.
Foi Agostinho quem disseminou entre os padres da Igreja, um sentimento de que o
ato sexual era fundamentalmente repulsivo e que a culpa não jazia em Deus, mas
29
em Adão e Eva, quando esses caíram em pecado. Ele acreditava que a
transgressão cometida por Adão e Eva persistia na humanidade e que sexo e luxúria
eram tão vergonhosos da mesma forma que, toda criança dele nascida, nascia em
pecado.
A moral sexual de Agostinho foi a base doutrinária da moral cristã e era
extremamente rígida e negativa. Ele escreveu argumentos condenatórios contra a
anticoncepção com drogas, contra a interrupção do ato sexual, bem como todo tipo
de intercurso sexual.
Para os sacerdotes, a mulher, como um todo, e o homem, da cintura para baixo,
eram impuros, vergonhosos, criações do demônio.
O celibato era o símbolo da autoridade moral. Contudo, nessa época, podiam ser
aceitos homens casados para ordenação; os solteiros, porém, não podiam casar-se
depois de ordenados.
A homossexualidade era vista, pelos padres, como imunda; um perigo para o Estado
e para a Igreja por ferir a moralidade cristã. No início do século IV o batismo era
proibido ao homossexual, assim como a instrução na fé, embora esse desvio se
fizesse presente entre os sacerdotes.
Em 567, sabedor disso, o Concílio de Tours reforçou a regra beneditina proibindo
que dois monges dormissem na mesma cama, além de que, as lâmpadas deveriam
permanecer acesas durante a noite.
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A Igreja via o casamento como uma série de concessões à fraqueza humana
como necessidade de companheirismo, sexo e filhos, e fazia o possível para
combatê-lo.
De acordo com Tannahill (1983, p.158),
certos teólogos recomendavam a abstenção nas quintas-feiras, em
memória da prisão de Cristo; nas sextas-feiras, em memória de sua
morte; aos sábados, em honra à Virgem Maria; aos domingos, em
homenagem à Ressurreição e às segundas-feiras em comemoração
aos mortos. As terças e quartas-feiras eram amplamente abrangidas
por uma proibição de intercurso durante jejuns e festivais os
quarenta dias antes da Páscoa, Pentecostes e Natal; os sete, cinco
ou três dias antes da Comunhão, e aí por diante.
O cristianismo instaurou uma melhoria na posição das mulheres. Se por um lado, a
impossibilidade de gerar filhos não era motivo para o divórcio, por outro, seu status
legal e social praticamente não se alterou.
As penitências não eram o produto de algum órgão central, e sim elaboradas por
autores que pareciam ter um amplo conhecimento teórico sobre as excentricidades
sexuais. As penitências variavam e constituíam-se de jejuns, de abstinência de
comida e bebida, de sexo e de tudo que fosse compreendido como auto-indulgência.
No decorrer do tempo, avolumaram-se os preceitos e dogmas repressores e
normatizadores da sexualidade, tanto procriativa como matrimonial. Contudo, a
Igreja não conseguiu conter a sexualidade entre as classes populares. Proliferaram-
se as relações primárias, comunitárias. As casas não possuíam quartos separados
entre homens e mulheres; a linguagem era rica e picante, as músicas, as danças,
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as piadas enfim, deixavam transparecer a voluptuosidade e a sexualidade. Sexo
com animais, sexo entre clérigos, tudo era proibido, porém continuamente praticado.
Os banhos públicos e a nudez, no entanto, ainda eram comuns.
Enquanto os clérigos advogavam a abstinência sexual como o único caminho para o
céu, os homens, do mundo asiático, tinham uma concepção sobre a sexualidade
totalmente oposta.
Os chineses proclamavam que quanto mais fossem as mulheres com quem um
homem mantivesse relações sexuais, maiores seriam os benefícios decorridos do
ato. Essa era uma das doutrinas do Tao, o “Caminho”, a “Senda Suprema da
Natureza”, uma filosofia que impregnou todo o pensamento e a sociedade chinesa
por mais de 2000 anos.
Seus seguidores acreditavam que a longevidade, a felicidade e a imortalidade
seriam alcançadas se os homens pudessem aprender a viver em perfeita harmonia
com a natureza. Segundo eles, todos os elementos da natureza se encontram em
permanente estado de avanço ou recuo, de expansão ou contração; “não existe
ativo sem um passivo correspondente; nenhum positivo sem um negativo
compensador”. Daí, a interação entre a força passiva yin, e a ativa yang, que se
fundiam para impulsionar o ch’i a essência vital, o hálito da vida, o Caminho, o
Tao.
Segundo Tannahill (1983, p.180),
32
como havia sido o exercício da mente e da vontade que tinha levado
a humanidade a desviar-se da Senda natural, as disciplinas que a
levariam de volta a ela teriam que ser, necessariamente, disciplinas
do corpo. Uma das mais importantes dessas disciplinas era, sem
dúvida, o sexo, cuja relevância tinha fácil explicação, sem
necessidade de apelar-se para o simbolismo demasiado obscuro.
Pouco esforço de imaginação era requerido para reconhecer-se que
o intercurso sexual era o equivalente humano da interação entre as
forças cósmicas entre o yin e yang.
Segundo os chineses, o sexo era um dever sagrado que deveria ser executado com
certa freqüência e de modo consciente para realmente se alcançar a harmonia com
a Senda Suprema. Sendo esse o caminho para o céu, não havia motivo para
silenciar-se a respeito, daí surgindo os primeiros e mais detalhados manuais de sexo
conhecidos no mundo. Tais livros eram um trabalho sério, com o objetivo de educar
seus leitores na maneira de alcançarem a harmonia entre o yin e o yang.
Os manuais chineses foram divididos em seis partes, segundo Tannahill (1983, p.183),
a primeira abrangia comentários introdutórios sobre o significado
cósmico do encontro sexual; em seguida, vinham recomendações
sobre as carícias preliminares; depois uma descrição do ato do
intercurso, incluindo técnicas e posições aprovadas. Tendo sido
manejado o lado prático, seguiam-se seções sobre o valor
terapêutico do sexo, como escolher a mulher certa e como ela
deveria conduzir-se durante a gravidez. A última parte continha
receitas e prescrições úteis.
A harmonia entre o yin e o yang era a preocupação máxima dos manuais, sendo o
intercurso o primeiro passo para alcançá-la. Essa filosofia demonstrava um interesse
maior nas propriedades cósmicas do sêmen de um homem do que nas humanas
reprodutoras, porém reconhecia que o desejo de produzir filhos era um fato natural.
De acordo com Tannahill (1983, p.187), os chineses acreditavam que se um homem
mantivesse relações sexuais com várias mulheres durante uma noite, isso seria
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benéfico, pois caso contrário, a energia vital da mulher enfraqueceria e esta não
ofereceria condições de satisfazê-lo.
Quando um homem se privava de sexo, os chineses acreditavam que sua mente
ficaria irrequieta e que o espírito sofreria, daí a importância de tanto o homem
quanto a mulher demonstrarem boa disposição e ânimo.
As mulheres poderiam não ser belas, mas deveriam ser agradáveis, bem educadas,
miúdas, rechonchudas, bem feitas de corpo e, de preferência, que não tivessem
atingido a maturidade. Os manuais traziam sérias recomendações e técnicas que
deveriam ser utilizadas com uma parceira de primeira vez. Deveria haver, no ato
sexual, ternura, consideração, exploração, suaves carícias, palavras tranqüilizadoras
e beijos delicados. Os beijos somente poderiam ser dados em ambientes íntimos,
jamais praticados em lugares públicos. Uma mulher que fosse beijada por um
homem em público estaria agindo como uma prostituta barata.
A masturbação era permitida às mulheres, pois seu suprimento de yin era
inexaurível, por outro lado, era condenada para os homens pelo desperdício que
acarretava. Os chineses temiam a polução noturna, pois acreditavam que algum
espírito, disfarçado de mulher, vinha roubar-lhe a energia yang, através do intercurso
durante o sono.
Os chineses não se opunham à realização do sexo grupal, sendo comum por volta
do século IV. Um verdadeiro exército de homens usava uma faixa de cor amarela
em volta da cabeça e praticava disciplinas sexuais grupais em noites de lua cheia. O
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sexo era praticado em grupo com a finalidade de ficarem “shih tsui”, isto é, isentos
de culpa.
A homossexualidade masculina era permitida. Vários imperadores da dinastia Han
eram mais bissexuais que propriamente homossexuais. Anos mais tarde, os
chineses passaram a acreditar que pais bissexuais, geralmente tinham filhos
hermafroditas ou monstros antinaturais, capazes dos crimes mais hediondos.
Aceitava-se o lesbianismo com indiferença, pois esse era o resultado da convivência
natural das numerosas esposas e concubinas que viviam juntas nos aposentos das
mulheres.
Com o passar do tempo, o conhecimento dos manuais chineses diminuiu e os
acessórios mecânicos para satisfação sexual, assim como as drogas usadas como
afrodisíacos, começaram a ser inventados e utilizados tanto pelos homens quanto
pelas mulheres.
Por volta do século II a.C., o pensamento de Confúcio começa a ganhar força e se
opunha a tudo o que os taoístas acreditavam como verdadeiro. O confucionismo
surge para satisfazer às necessidades da sociedade e do Estado.
Um dos elementos principais do confucionismo era a família, que deveria ser
ordenada e unida de acordo com o conceito taoísta da criação.
O homem deveria ser o elo de ligação entre seus ancestrais e seus filhos. As
mulheres eram consideradas inferiores e se constituíam numa necessidade biológica
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para a produção de filhos homens, os quais iriam continuar administrando as
necessidades “dos ancestrais”.
O desejo por filhos homens, o sistema polígamo, o sexo e proporção de classes da
população eram todos interdependentes. Um chefe de família de classe média
possuía entre três e doze esposas e concubinas, enquanto os membros da nobreza
chegavam a possuir trinta ou mais.
O casamento era arranjado e o intermediário verificava se a descrição da
propriedade correspondia à realidade, isto é, se a mulher era virgem intacta, não
possuía nenhuma debilidade estrutural evidente, pais aceitáveis e nenhum
impedimento legal ou social para o preço ser fixado. Os direitos, de cada esposa ou
concubina, tinham de ser respeitados, pois era um dever do marido prover suas
mulheres não somente economicamente, como também emocional e sexualmente.
As mulheres se encontravam com os maridos à hora das refeições ou na cama,
que os homens acreditavam que a participação delas nos assuntos públicos era a
raiz de todos os males. O homem que não fosse capaz de manter a própria casa em
ordem, não seria capaz de assumir um posto de responsabilidade oficial.
As mulheres respeitáveis eram iletradas, visto que saber ler e escrever eram as
ferramentas das prostitutas. Geralmente, o marido chinês recorria a prostitutas, não
para o relacionamento sexual, mas para fugir dele. Nos “aposentos verdes”, os
bordéis, como eram chamados, eles encontravam calma e relaxamento, boa comida
e bebida, música, dança e uma noite de hospitalidade. As cortesãs eram rápidas e
ansiosas para aprender tudo o que os maridos não comentavam com as esposas:
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literatura, filosofia, negócios e políticatemas ausentes da educação de uma jovem
bem nascida.
O palácio real chinês contava com centenas de ocupantes para satisfazer o rei
sexualmente. Além da rainha, viviam três consortes, nove esposas de segunda
categoria, 27 esposas de terceira categoria e 81 concubinas, o que tornou
necessária a presença de várias damas da corte empregadas como “secretárias de
sexo”. As empregadas tinham como objetivo organizar a programação e ter sempre
atualizada a data e a hora das uniões, os períodos menstruais, indícios de gravidez
e outras. Elas também asseguravam que o rei mantivesse relações com a parceira
certa, no dia certo e com a freqüência certa. Em primeiro lugar, o rei deveria manter
relações com as de categoria mais baixa, até chegar à rainha, que o encontrava
uma vez por mês, quando a energia vital do marido tivesse sido fortalecida pelo
yin de suas inferiores. Quando uma jovem era escolhida para dormir com o
Imperador essa recebia um anel de prata para ser colocado na mão esquerda após
o intercurso. Se a jovem concebesse, receberia um anel de ouro.
Nos últimos anos do século XIII, os chineses começaram a desenvolver um novo
puritanismo, sendo uma de suas expressões a Tábua de Méritos e Deméritos,
que enumerava os bons atos contra os maus, avaliando cada um de acordo
com uma base moral. Um composto filosófico incorporando as teorias dos sábios
taoístas e budistas, começou a restringir a sociedade chinesa com tendências de
moralidade.
Na sociedade indiana, o mais famoso manual de sexo, o Kamasutra, atribuído ao
sábio Vatsyayana, surgiu por volta do terceiro e quinto séculos d.C. e apresenta
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algumas semelhanças com seus predecessores. O Kamasutra foi um produto da
Índia de seu tempo e, suas qualidades especiais, foram características da sociedade
indiana e do tipo de mente por ela modelado.
Na época do Kamasutra, a sociedade era dividida em quatro classes desiguais (os
brâmanes eram superiores aos kshatriyas, os kshatriyas aos vaisyas e os vaisyas
aos sudras) e, todos eles eram superiores aos povos conquistados que não
possuíam status algum.
O sistema sócio-religioso de classe dos Vedas caracteriza-se por um mundo de
deuses e deusas elementares e era reforçado pela doutrina do Karma, ou
transmigração da alma. Essa afirmava que, quando um ser vivo morria, se tivesse
vivido corretamente dentro dos preceitos, a alma reencarnaria em um nível mais
alto, caso contrário, em um nível mais baixo.
Para todos os indianos, havia Quatro Objetivos de vida unidos ao conceito de
comportamento correto: o dharma, que significava satisfazer as obrigações
religiosas, sociais e morais; o artha, a busca do sucesso mundano verdadeiro; o
kama, a busca do prazer e do amor; e o moksha, a iluminação. Os Objetivos do
dharma, artha e kama eram orientados para a melhoria do karma de cada indivíduo
e, o sexo, era a maneira mais agradável, natural e virtuosa para alcançá-lo.
Segundo Tannahill (1983, p.219),
o Kamasutra reconhecia quatro tipos de amor: havia o simples amor
de intercurso, um hábito, uma droga, não diferente do amor de um
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jogador pelo jogo e outro, uma adição separada aos aspectos
específicos do sexo, como beijar, acariciar ou o intercurso oral. Havia
então o amor consistindo de atração mútua entre duas pessoas,
instintivo, espontâneo e possessivo. E, por fim, o tipo de amor
unilateral, que freqüentemente nasce da admiração do enamorado
pela beleza da pessoa amada.
O Kamasutra, ao separar o amor da sexualidade, fornecia apenas um guia de sexo
e, segundo Vatsyayana, as regras nele contidas não se aplicavam às pessoas que
realmente se amavam, ou para apontar as qualidades ditas para serem buscadas
em uma esposa. O homem somente deveria casar-se com “outra jovem senão
aquela a quem ama”.
A satisfação dos dois primeiros tipos de amor dependia particularmente da
proficiência física, que poderia ser aperfeiçoada pela observância das regras e
técnicas que haviam sido elaboradas ao longo dos séculos. Os verdadeiros
enamorados, contudo, não precisavam de regras, tendo como professor somente os
instintos.
Por volta do segundo e terceiro séculos d.C., o casamento ideal era aquele em que
a idade da noiva era um terço da do noivo. Os livros propunham como idade ideal 8
e 24 anos respectivamente. Os indianos consideravam as jovens naturalmente
lidibinosas e prontas a perderem sua virgindade, daí a preocupação em ligá-las a um
marido antes que o “mal” acontecesse. A esposa adolescente dependia do marido
em todos os aspectos, emocional, intelectual e fisicamente, considerando-o como
um ser absolutamente superior.
Na Índia a poligamia estava presente entre a realeza e os ricos. Até mesmo a
poliginia era aceita quando a primeira esposa de um homem fosse estéril e, a
poliandria, era praticada apenas em um sentido um marido estéril transferia
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temporariamente seus deveres conjugais para outro mais forte sexualmente, de
quem ele poderia esperar belos e vigorosos filhos, sem contudo que o casamento
fosse desfeito.
Segundo os indianos, uma dona de casa deveria saber costurar, dançar, arrumar
camas, tocar um instrumento musical, fazer colares, cantar, fabricar flores artificiais.
Para agradar seu marido, ainda a mulher deveria estudar magia e feitiçaria, briga de
galo, de codorna e de carneiro; que conhecesse as várias maneiras de jogar e que
tivesse alguma destreza com a espada, bastão de esgrima bordão e arco-e-flecha.
Na Índia, o homem era intransigentemente o chefe da casa. A idéia de “família
ampliada” ou “família conjunta”, era comum na Índia, pois filhos, filhas, tias, tios,
primos, todos viviam unidos sob um mesmo teto ou grupos de tetos, juntamente com
os servos permanentes, que também haviam trazido suas famílias para morarem
com os patrões. Esse era um sistema que protegia, econômica e emocionalmente,
os membros mais fracos do clã, afastando-os das tomadas de decisões mais
importantes e da pobreza que assolava outras sociedades.
Quando o marido morria e o casamento ainda não havia sido consumado, as viúvas
adolescentes eram proibidas de manterem relações sexuais pelo resto da vida. A
viúva dormia no chão, alimentava-se somente de uma refeição diária, era impedida
de usar cores, enfeites, perfumes e deveria raspar a cabeça. Seus dias eram
dedicados à oração e aos ritos religiosos com a finalidade de que ela e o marido se
casassem novamente numa outra encarnação.
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Na Índia, grande parte da existência era vivida em público; havia privacidade para o
corpo, mas raramente para a mente ou para as emoções. O sexo era natural,
agradável, uma virtuosa busca para se alcançar o Terceiro Objetivo.
Como as cortesãs tinham como único objetivo propiciar amor e prazer, a gravidez
sempre se tornava indesejável e, desta forma, era-lhes permitido praticar o controle
de natalidade. Os indianos foram os primeiros a reconhecer o sal como um
excelente material para evitar a concepção pelo seu efeito espermicida.
De acordo com Tota (1995, p.109), os árabes espalharam-se por todo o
Mediterrâneo em início do período medieval e conquistaram a grande civilização da
Pérsia. Na Pérsia, os árabes herdaram não apenas a sofisticada tradição da própria
Pérsia como as idéias científicas gregas abrandadas e modificadas pelo contato
com o pensamento sírio, persa e hindu.
Entre os séculos VIII e XII, o Islã detinha em suas mãos todo a sabedoria do mundo
conhecido a medicina, os numerais hindus, experimentos científicos, fabricação
chinesa de papel, sedas, vitrais, tapetes, tintas corantes, o arco em pontas da
arquitetura, a escritura gótica, banhos públicos, hospitais seculares, a flauta
tornando-se os maiores intermediários culturais de um extremo a outro do mundo
ocidental.
A sociedade islâmica conhecia somente dois tipos de mulheres: a cortesã,
geralmente uma cantora, bonita, inteligente, talentosa e inconstante, e a dama,
refinada, inacessível, que vivia confinada. Os principais deveres femininos com
exceção das damas da família imperial eram permanecer escondidas e gerarem
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filhos. Muitas vezes as jovens eram mantidas em total reclusão que nem mesmo os
servos as viam. Na cerimônia de casamento era permitido que o marido ficasse
alguns minutos a sós com a noiva e retirasse-lhe o véu para ver-lhe o rosto pela
primeira vez. Muitas vezes os casamentos não chegavam a se consumar, pois uma
vez a sós com a esposa, o marido informava-lhe que, em benefício da própria alma,
decidia viver com ela como se fossem irmãos.
A poligamia era aceita, pois os homens acreditavam que a mensagem contida no
Corão dava-lhes a liberdade para se casarem com um máximo de até quatro
esposas, desde que fossem capazes de tratar as quatro com imparcial gentileza e
respeito. Os que se sentissem despreparados ou sem condições, deveriam ter
somente uma esposa e um número não especificado de concubinas.
As mulheres, segundo o Islã, tinham uma posição inferior ao homem, e todo o
sofrimento a elas impingido era decorrente da transgressão cometida por Adão e
Eva.
Segundo Tannahill (1983, p.252-253),
quando Eva comeu o fruto da árvore do Paraíso que Ele proibira, o
Senhor, louvado seja, puniu as mulheres com dezoito coisas:
menstruação; parturição; separação do pai e da mãe, e casamento
com um estranho; gravidez; não ter controle sobre a própria pessoa;
uma parte menor da herança; possibilidade de ser repudiada pelo
divórcio e impossibilidade de pedir o divórcio; ser legal para os
homens terem quatro esposas, mas para a mulher ter apenas um
marido; o fato de ela ter que ficar confinada na casa; o fato de dever
manter a cabeça coberta dentro de casa; o fato de o testemunho de
duas ser válido quando efetuado contra o testemunho de um
homem; o fato de que ela não poderia sair de casa, a menos que
acompanhada por um parente próximo; o fato de que os homens
tomam parte nas preces da sexta-feira, dias festivos e funerais,
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enquanto que elas não podem fazê-lo; desqualificação para governar
e julgar; o fato de que o mérito tem mil componentes, somente um
dos quais é atribuído às mulheres, enquanto novecentos e noventa e
nove são atribuídos ao homem; o fato de que se as mulheres forem
devassas, receberão apenas metade do tormento da (restante)
comunidade, no Dia da Ressurreição; o fato de que se seus maridos
morrerem elas terão que observar um período de espera de quatro
meses e dez dias antes de um novo casamento; o fato de que se
seus maridos se divorciarem delas, elas terão que observar um
período de espera de três meses ou três períodos menstruais antes
de um novo casamento.
Segundo a lei, nessa época era proibido, de acordo com o Profeta Maomé, que as
esposas fossem discriminadas. Cada uma delas deveria ter seu quarto, apartamento
ou casa separada, mantendo-as como virtuais prisioneiras.
As canções de amor-árabe contribuíram para cristalizar uma sensual imagem de
mulher e, conseqüentemente, havia duas formas de canções de amor e duas
escolas do próprio amor.
As escravas cantoras, altamente treinadas e cultas, floresceram em uma elite
elegante e eram o alvo primário do amor-desejo. Cabia à dama conquistar o
cavalheiro com sua espirituosidade e beleza, no entanto, usava de astúcia para
retirar-lhe a fortuna, pois com o dinheiro podia comprar sua própria liberdade,
segundo a lei muçulmana. No jogo do amor-desejo, o único rival sério da cortesã era
o jovem de aproximadamente 18 anos, cuja atração os árabes sentiam fortemente
assim como seus predecessores, os gregos.
O amor-puro era algo bem diferente, um jogo destinado a satisfazer as emoções dos
homens. Graças ao véu e ao harém (harãm), o rosto, o corpo e a inteligência das
mulheres eram desconhecidos do amante, pois o amor pertencia à mente, o sexo ao
corpo, de modo que os árabes o viam razão para confundir os dois. Enquanto as
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cortesãs eram mulheres sedutoras, as heroínas do “amor-puro” não eram uma
pessoa em absoluto e sim um ponto focal.
Um harém podia conter de 300 a 1200 concubinas, atendentes e guardas,
encarregadas das vestes, guardadoras dos banhos, das jóias e das despensas,
leitoras do Corão, administradoras da mesa e outras. As jovens que ali viviam
haviam sido compradas nos mercados de escravos ou presenteadas por seus
captores ao sultão. Cada uma ocupava um lugar dentro do harém, dependendo da
idade, da condição e de sua educação. Ao chegar, era designada a um chefe de
departamento para aprender a bordar, preparar café, música ou contabilidade. Se a
jovem jamais chegasse a chamar a atenção do sultão, essa permaneceria
bordadeira, preparadora de café, instrumentista ou guarda-livros, ou receberia uma
pensão e seria enviada ao harém de um sultão mais idoso. Por outro lado, se o
sultão se interessasse pela jovem, essa era separada das demais, recebendo
aposentos privados e atendentes. Ao ser convocada, era enviada aos banhos do
harém, para ser banhada, massageada e perfumada. Recebia vestidos riquíssimos,
jóias e era levada ao quarto do sultão. Alguns demonstravam um interesse muito
grande por moças virgens e nunca convocavam a mesma jovem duas vezes. Outros
usavam as concubinas por motivos dinásticos ou preferiam rapazes pelo simples
prazer sexual.
A esposa ou concubina poderia ser repudiada, mas a mãe do sultão ocupava um
lugar de honra dentro do harém. Era ela quem o dirigia com autoridade e todas as
jovens almejavam ocupar a sua posição, que não poderia ser alcançada senão após
a morte do sultão, pai de seu filho.
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Os árabes não seguiam a linha de primogenitura, mas de prioridade tribal (califa) em
questão de sucessão. A mulher que lhe desse um filho, era normalmente elevada à
condição de kadin, tendo inúmeros privilégios. A posição de kadin era mutável, pois
uma segunda kadin poderia ultrapassar a primeira, sem contudo chegar a ocupar o
lugar de Sultana Valideh (mãe do sultão). Entretanto, a kadin poderia fazer de tudo
para que seu filho aparecesse aos olhos do sultão para que, mais tarde, pudesse
substituí-lo no harém.
Como os sultões não poderiam levar para a cama uma de suas concubinas mais de
uma ou duas vezes por ano, isso tornava o harém entediado e difícil de ser
controlado e guardado. A tarefa de acalmar os ânimos era confiada aos eunucos
(palavra derivada do grego, significando “aquele que cuida da cama”) homens
emasculados que serviam ao sultão com lealdade.
Os eunucos eram homens que tinham sido desprovidos de seus órgãos sexuais
externos ou de parte deles, para beneficiar-se das vantagens e oportunidades
oferecidas pelos serviços no harém. Eram excelentes cavaleiros, lanceiros e
exerciam suas atividades esperando conquistar melhores posições e tornarem-se
ricos. No palácio real, eram os eunucos negros que se encarregavam da guarda do
harém, sendo brancos os que serviam nos aposentos do sultão, o selãmlik. Os
eunucos da África sofriam a mutilação de todos os órgãos externos enquanto os
eunucos brancos, que no século XV, vinham principalmente da Hungria, Alemanha,
e Geórgia, em geral, haviam perdido apenas os testículos. O reinado dos eunucos
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durou tanto quanto o de seus senhores, ou seja, até as primeiras décadas do século
XX.
Embora a Igreja Cristã continuasse desaprovando tanto as mulheres quanto o sexo,
o século XII começou a visualizar algumas mudanças. As Cruzadas, onde se
combinavam as atrações da guerra, religião e pilhagem ajudaram, segundo
Tannahill (1983, p.278), a “transformar a mulher da Idade da Grosseria na dama da
Idade da Cavalaria”.
Durante este período, a autoridade do marido sobre a esposa faz parte do
fundamento principal do matrimônio. A Igreja conferia ao marido a autoridade de
chefe da família e à esposa, o dever de obediência ao seu senhor a fim de exercer
sua função principal, que era gerar filhos. Os casamentos eram negociados para
garantir o não empobrecimento das famílias. Por isso era comum a endogamia
casamento entre primos a fim de não dividirem as riquezas e também a
preocupação de limitar o número de filhos.
Até o final do século XI, as mulheres eram totalmente dependentes de seus pais,
maridos e depois de seus filhos. Entretanto, durante o período das Cruzadas, com a
partida de muitos cavaleiros, as mulheres viram-se obrigadas a cuidar das
propriedades dos maridos, administrar as terras, impostos e dízimos, sendo
encorajadas pela Igreja, que ajudou a estabilizar sua posição legal. A mulher
transformava-se de Eva, a arquiteta da queda do homem, em Maria, a dama pura,
inatingível e virtuosa.
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Nessa época, amor e casamento eram desvinculados. O sentimento de amor era
reconhecido como sinal de fraqueza, principalmente para os homens, que
apregoavam a resistência, a bravura e a coragem. No entanto, o amor tinha espaço
para todo cavaleiro que se apaixonasse por uma dama inacessível.
Segundo Kolllontai (1978, p.111)
o amor, como fator social, era valorizado quando se tratava dos
sentimentos de um cavaleiro pela mulher do outro, sentimentos que
serviam de impulso para a realização de valentes façanhas. Quanto
mais inacessível se achava a mulher escolhida, maior era o esforço
realizado pelo cavaleiro para conquistar os seus favores, com as
virtudes e qualidades apreciadas no seu mundo (intrepidez,
resistência, tenacidade e bravura).
Na metade do século XII, o jogo do amor palaciano, que começou como um conceito
literário, logo se transferiu para o mundo da realidade. O amor palaciano tinha
consciência de classe. Era uma espécie de caso amoroso idealizado entre uma
dama de alto nascimento e um cavaleiro romântico, para preencher as horas de
ócio.
As mulheres levavam uma vida monótona, pois seu senhor e seu séqüito estavam
fora de casa e elas ficavam somente na companhia dos jovens squires (fidalgos
rurais) e dos cavaleiros empobrecidos. Essas damas pagavam aos trovadores, para
que esses cantassem músicas de amor que tivessem algum significado para elas.
Os trovadores eram obrigados a imaginar um grande herói de nível inferior que
lutava por tornar-se merecedor do amor da dama e que, finalmente, terminava
apaixonando-se por ela. As canções de amor eram escritas em primeira pessoa,
ficando fácil à dama assumir que o próprio trovador era o enamorado que dizia em
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versos aquilo que não ousava falar-lhe em prosa. Mesmo que a dama porventura
viesse a corresponder ao amor de seu apaixonado, este amor tinha que ser mantido
em segredo, objetivando resguardar a honra e a reputação da amada.
Segundo Tannahill, (1983, p.287), a convenção do amor palaciano existiu em três
níveis:
o dos homens, e por vezes mulheres, que compunham as canções; o
dos trovadores (que também podiam ser compositores) que
disseminavam, não apenas as canções, mas todo o sistema-idéia
que as circundava, preenchendo mais ou menos a mesma função da
mídia de hoje; e o do mundo elegante, que se dedicava ao novo jogo
do amor, seguindo as regras estipuladas nas letras das canções.
Na maioria das vezes, o jogo amoroso a que se entregava o mundo elegante, seguia
os padrões das canções proporcionando, dessa forma, a satisfação das
necessidades do corpo e do espírito. Depois de trilharem o caminho do assédio, das
falas amorosas, entrevistas ilícitas, beijos, carícias, abraços e admiração das
perfeições nuas, parece ter sido impossível que trovador e dama pudessem se
conter.
Em princípios do século XII, também se desenvolveu o roman (romance) uma
história rimada que conseguia fundir as histórias de amor com as de ação,
transformando o amor em uma aventura e o cavaleiro em um cavaleiro errante,
fazendo surgir, dessa forma, a instituição da cavalaria.
O amor palaciano assegurava virtude à dama enquanto a cavalaria lhe concedia a
insígnia do comando. Assim, a idealização da figura feminina, forjada pela
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imaginação masculina, introduziu uma nova fase no relacionamento entre homens e
mulheres.
No século XIII, S.Tomás de Aquino Doctor Angelicus juntamente com outros
teólogos, defendia o matrimônio por duas razões: a primeira, por ser a única
condição de se conceber filhos sem cometer pecado; e, a segunda, para resguardar
os homens de problemas sexuais como a zoofilia, a homossexualidade, as práticas
anormais durante as relações sexuais, masturbação, incesto, adultério, sedução e
fornicação rotineira. Condenou o prazer carnal e o amor desenfreado ensinando
que, se o marido e a mulher transgredissem a lei do matrimônio, estariam
vulneráveis à vingança de Deus.
Tomás de Aquino acreditava que, beijos, toques e carícias poderiam acontecer,
desde que não motivados pela luxúria. A polução noturna também poderia ser
perdoada se não fosse resultado de pensamentos lascivos.
Intercurso sexual com o demônio. A Igreja acreditava não nas visitas noturnas
dos demônios, como também, que eram capazes de engravidar mulheres a quem
visitavam. Para esse fato a explicação era curiosa: sob a forma de súcubo, o
demônio visitava um homem e retirava a semente; sob a forma de íncubo, visitava
uma mulher para depositar-lhe aquela semente. Assim, era comum nascerem filhos
de mulheres solteiras, viúvas e também casadas.
Sendo o casamento declarado um sacramento, tornava-se indissolúvel sob qualquer
pretexto.O inferno era pregado como o lugar de pecadores, fornicadores, prostitutas
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e pervertidos sexuais. Padres e freiras, pegos em pecado, eram queimados e
enforcados. Homens e mulheres tinham seus órgãos genitais queimados.
Apesar de todas as proibições da Igreja, os homens continuaram a ser infiéis, pois
de certo modo lhes era cobrada uma postura de macho. Quanto às mulheres, eram
cobrados os valores femininos como a virgindade para as moças e a fidelidade para
as casadas. No caso do adultério feminino cabia ao marido e à família desse fazer
justiça e promover a vingança, pois o adultério era um erro abominável. O mesmo
acontecia quando uma jovem era raptada; cabia a seus parentes homens
encontrarem a solução.
Por volta do século XIV, na Itália, surgiu o cinto de castidade, uma proteção não
somente contra o estupro, mas uma dádiva para os maridos que acreditavam que as
mulheres eram libertinas por natureza. No entanto, com ou sem cinto de castidade,
os historiadores confirmam que o século XV foi a era dos bastardos. Nas famílias
nobres, os bastardos eram considerados como parte do pessoal da casa, cuidados
junto com os filhos legítimos e recebiam pensão e herança quando seus pais
faleciam. Entre os camponeses, o adultério era geralmente uma questão de impulso.
Nessa época, foram construídos inúmeros “lares de Madalena”, isto é, bordéis
comuns, religiosos e seculares. Eram chamados de casas-de-banho ou lupanares. O
surgimento dos inúmeros bordéis e de prostitutas provocou a disseminação da sífilis,
um dos piores flagelos da sociedade. Nos registros oficiais das igrejas e das cortes,
consta que de 1430 a 1550, a porcentagem populacional era de cerca de 130
homens para cada 100 mulheres, sendo isso apontado como a causa determinante
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do alto número de adultérios ocorridos naquele período. As mulheres públicas, em
Roma, chegavam a 7000 aproximadamente, as quais viviam em casas pertencentes
aos mosteiros e igrejas e eram vistas constantemente desfilando pelas ruas em
companhia de sacerdotes.
Quando o sistema feudal mostrou-se enfraquecido, passou a buscar novas formas
de se garantir, adotando a centralização e a hierarquização do poder com formas
políticas e ideológicas mais avançadas. A Igreja, por meio do terror, do medo, da
tortura e da Inquisição contribuiu para a solidificação do poder que se espalhou por
toda a Europa.
Os camponeses foram subjugados pelos senhores feudais assim como os membros
de sua família. Além de serem submetidos à fome e à miséria, eram enquadrados
nas normas de controle e transformados em controladores de si mesmos. Tendo o
corpo e a sexualidade do camponês sob seu jugo, os senhores feudais obtinham
homens alienados, normatizados, incapazes de se rebelar contra a ordem imposta.
Paralelamente a esse massacre ao prazer, o mundo assiste ao surgimento de um
novo tempo, a Renascença. O humanismo renascentista considera a volta à cultura
e aos ideais da antiguidade greco-romana, bem como a restauração e a valorização
da dignidade do espírito humano. Um novo horizonte desponta no Ocidente e
renascem as artes, as ciências, a literatura, o conhecimento e as transformações
sociais e políticas.
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A Renascença italiana foi um novo alvorecer não somente na cultura, mas na
história das mulheres que passaram a desfrutar de uma posição igual à dos homens
em todos os sentidos. Se a Idade Média inventou o cavaleiro, a Renascença
inventou o cavalheiro, um homem de maneiras perfeitas e educadas. O amor passou
a ser tema inspirador de todas as artes. A nudez do corpo feminino passou a ser
representada como expressão de beleza e pureza contrariando o antigo dogma da
inferioridade da mulher e a crença de que o corpo era algo “sujo, feio e lugar de
pecado”.
Por volta do século XVI, a Europa foi abalada por inúmeros movimentos religiosos
que contestavam abertamente os dogmas da Igreja Católica e a autoridade do Papa.
A Reforma de Lutero reúne forças e mecanismos para se contrapor ao relaxamento
moral em que se encontravam os padres e os bispos da Igreja Romana e, a partir de
suas idéias, o casamento passou por transformações significativas.
Segundo Tannahill (1983, p.355), “na opinião de Lutero, a virgindade era
indesejável, a continência anormal e a castidade ativamente perigosa”. Ele admitia
ser o ato sexual uma necessidade vital referendando a vinculação sexo-procriação.
Para ele, Deus concedia a misericórdia divina aos esposos e isso serviu como
justificativa para seu casamento, que os bispos e príncipes proibiam a união para
os religiosos. Lutero aconselhava o divórcio embora achasse que esse não era
obrigatório. Também condenou as relações sexuais com amantes e prostitutas e a
abertura de bordéis, pois esses criavam hábitos de libertinagem.
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Enquanto a Reforma luterana se disseminava pela Alemanha, os franceses
tentavam elaborar uma reforma mais pacífica, orientada pelos humanistas. Calvino,
como Lutero, partia da salvação pela fé, mas suas conclusões eram bem mais
radicais: o homem seria uma criatura miserável, corrompida e cheia de pecados;
somente a poderia salvá-lo, embora essa salvação dependesse da vontade
divina.
Calvino adotou um outro ponto de vista em relação ao casamento. Não via a mulher
somente como geradora de filhos, nem como um recipiente para os desejos do
homem, mas uma companheira inseparável para o resto da vida.
Como a situação da Igreja Católica era bastante difícil, pois perdera metade da
Alemanha, toda a Inglaterra e os países escandinavos e estava em recuo na França,
nos Países Baixos, na Áustria, na Boêmia e na Hungria, resolveu colocar uma
barreira contra a crescente onda do protestantismo – surge assim a Contra-Reforma,
ou a Reforma Católica.
De acordo com Cabral (1995, p.126),
é Lutero quem, por primeiro desafia a estrutura sagrada do
medievalismoa Igreja romana, representada pelo papa. E esta por
sua vez, sentindo-se ameaçada, promove a Contra-Reforma. Para
tal, a Igreja agora identificada como católica reúne forças em seu
próprio seio e se reorganiza a partir do Concílio de Trento (1545 a
1564), apresentando ao novo mundo que surgia sua face reformista.
Com o Concílio de Trento reforça-se o rigor em relação à sexualidade, o celibato é
reafirmado e a caça às bruxas é referendada com a ameaça do fogo do inferno. A
Igreja, a partir do Concílio, reestabelece o sacramento do matrimônio, introduz novas
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exigências para o consentimento paterno para o casamento, referenda a virgindade
e decreta que, pinturas e esculturas que levavam à luxúria deveriam ser
condenadas.
Dessa forma, fortalece-se a “cultura da vergonha”, onde tudo é proibido. Católicos e
protestantes passam a viver à sombra do pecado, principalmente os de ordem
sexual. O corpo é culpado de todos os vícios e pecados restando somente vigiá-lo e
puni-lo, reduzindo-o à total submissão. E, para alcançar tal intento, a confissão foi
instituída como mecanismo de repressão.
O pecador poderia livrar-se de seus tormentos se ficasse de joelhos diante do
confessor e relatasse detalhadamente sua intimidade, seus desejos, seus sonhos,
seus gostos, seus prazeres, enfim tudo, para libertar-se do fogo do inferno.
Segundo Foucault (2003, p.59),
quando a confissão não é espontânea ou imposta por algum
imperativo interior, é extorquida, desencavam-na na alma ou
arrancam-na ao corpo. A partir da Idade Média, a tortura a
acompanha como uma sombra, e a sustenta quando ela se esquiva:
gêmeos sinistros. Tanto a ternura mais desarmada quanto os mais
sangrentos poderes têm necessidade de confissões. O homem, no
Ocidente, tornou-se um animal confidente.
Durante este período, há um avanço das técnicas e da organização da produção.
o desenvolvimento e a exploração das minas de ferro, mais tarde utilizados na
agricultura e na indústria; exploração do cobre, do estanho e do chumbo; são
criadas máquinas movidas a água e azenhas; a colaboração do compasso e o
emprego de novas velas facilitaram as viagens por mares afastados, preparando o
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caminho para as grandes descobertas geográficas. Os europeus descobrem novos
países, e abrem rotas seguras para distantes regiões do globo.
Quando os espanhóis chegaram à América pré-colombiana, separada da Europa por
cerca de 8000 quilômetros de oceano e também por mais de 2000 anos de
desenvolvimento técnico, político e filosófico, houve um preconceito e um julgamento
racional dos povos que nela habitavam.
Segundo Tannahill (1983, p.314),
canibalismo, sacrifício humano, incesto, abuso de drogas,
embriaguez, sodomia, adultério, roubo, assassinato [...]. O único
pecado que os espanhóis não atribuíram instantaneamente aos incas
e astecas foi a heresia, e isto porque eles não podiam, por definição,
ser pagãos e heréticos ao mesmo tempo.
De acordo com os pecados que lhes eram atribuídos, os índios pareciam não ser
melhores que os animais selvagens e por isso, os espanhóis acreditavam que,
criaturas irracionais, não poderiam ter domínios, porque domínio significava ter
direitos.
Em maio de 1493, o papa espanhol, Alexandre VI, ao expedir as bulas Intercetera,
concedia à Espanha o domínio sobre a maior parte do Novo Mundo com a condição
de que os habitantes fossem instruídos na católica. Isso acabou gerando um
conflito entre o Estado e a Igreja, pois as criaturas, ditas “irracionais”, eram
incapazes de receber a instrução.
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Ao chegaram à América encontraram três centros principais de cultura: os astecas,
no vale do México, os incas, no Peru e um terceiro, em fase de desintegração, os
maias de Iucatan, entre o Caribe e o Golfo do México.
Os maias foram os primeiros povos a serem encontrados pelos espanhóis. Os maias
reconheciam a homossexualidade adolescente em detrimento da heterossexualidade.
Enquanto um rapaz não tinha idade suficiente para se casar, era comum que os pais
providenciassem um escravo jovem para a satisfação de suas necessidades. Se o
jovem mantivesse relações com uma jovem solteira, era obrigado a pagar uma
multa; caso a jovem fosse virgem, seguia-se rapidamente o casamento.
A lei asteca proibia a homossexualidade e punia com pena de morte, homens,
mulheres e os travestis. A lei era reforçada por regulares caças aos homossexuais
que eram queimados ou pendurados a troncos até que morressem.
Os astecas puniam o sexo não produtivo e condenavam à morte quem cometesse o
aborto. Os jovens eram encorajados a se casar mais cedo (14 ou 15 anos para as
jovens e 20 para o rapaz) e, caso a união não desse certo, poderia ocorrer o divórcio
e um novo casamento. Os reis astecas praticavam a poligamia, enquanto as classes
mais baixas e pobres, eram monógamas por necessidade.
Segundo Tannahill (1983, p.332), algumas mulheres astecas, que não quisessem se
casar, poderiam tornar-se fiandeiras, tecelãs, pintoras, curandeiras, parteiras,
cozinheiras ou prostitutas. A mulher pública era bem aceita nas cidades e arrumava-
se cuidadosamente “parecendo uma rosa” (rosa de mexicale) ao terminar de
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aprontar-se. Os homens que freqüentavam os bordéis entregavam-se inicialmente à
autoflagelação com talos de relva com a finalidade de realizar uma limpeza pessoal
e ritual. Em seguida, praticavam “muitas obscenidades e pecados”.
No Peru, quando os espanhóis chegaram, a homossexualidade havia sido
rigorosamente suprimida. Todo sodomita encontrado, assim como os suspeitos
acusados por evidência circunstancial, deveriam ser mortos em praça pública. Seu
corpo era arrastado, enforcado e queimado com todas as suas roupas para
simbolizar destruição completa.
O trabalho árduo e o casamento eram os pilares da política Inca, sendo punidos os
ociosos e vadios. A nenhum homem era permitido ficar solteiro e esse deveria ter
cerca de cinqüenta mulheres a seu serviço. Ao pai cabia fornecer maridos a suas
filhas, providenciar um terreno, construir uma casa e mobiliá-la para o jovem casal.
Esses deveriam ser adultos (18 a 20 anos para as moças e 24 para o rapaz) e
responsáveis para assumir o casamento, pois era proibido o divórcio ou uma esposa
secundária, caso a primeira morresse. Era comum que o filho mais velho assumisse
a responsabilidade quanto às damas paternas.
O harém do imperador Inca era abastecido por funcionários do governo, que
selecionavam as mais belas meninas de dez anos do reino. As acllacuna, ou
“mulheres escolhidas”, eram separadas de suas famílias e conduzidas aos
conventos especiais e, quatro a cinco anos mais tarde, suas qualidades eram
reavaliadas.O Inca fazia sua escolha entre as jovens, distribuía alguma entre alguns
homens e despachava as outras para se tornarem “Virgens do Sol”, freiras que
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juravam castidade absoluta. Caso faltassem ao juramento eram mortas, mas se
alegassem que o pai de seu filho era o Sol, eram poupadas.
O Inca alegava ser um descendente direto do Sol e para manter a pureza da
descendência, esse somente poderia casar-se com outra descendente do Sol, nesse
caso sua irmã. Entre o povo, era castigado quem praticasse o incesto, o estupro, o
adultério e o aborto. As prostitutas eram proibidas de permanecer nas cidades e
aldeias, mas admitidas no campo, sendo chamadas de “mulheres dos lugares
desabitados”.
Percebendo que a homossexualidade era comum, na época da conquista, a Igreja
armou seus padres com perguntas apropriadas a serem formuladas no
confessionário. As confissões, assim como as penitências, abrandavam os pecados
sexuais. Os sermões proferidos aos índios convertidos pregavam o fogo do inferno e
a pena de morte caso praticassem a sodomia, isto é, pecassem com outro homem,
menino ou animal.
Os conquistadores espanhóis que chegaram à América eram jovens aventureiros
que partiam da Europa, em busca de riquezas para seus países e para si próprios.
Faziam viagens ultramarinas indo e vindo pelo Atlântico, mas era proibido, pelo rei
espanhol, que suas esposas os acompanhassem. Isto, inevitavelmente facilitou as
relações sexuais entre homens espanhóis e mulheres ameríndias. Algumas vezes
os contatos eram casuais, em outras, eram ligações legalizadas entre oficiais e
mulheres de alta classe. Os mestizos, que herdaram as características de ambos os
pais foram geneticamente preparados para sobreviver e se tornarem os fundadores
das novas raças que herdaram a América Central e do Sul atuais.
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No século XVII, os europeus começaram a chegar à costa leste da América do
Norte, tornando-se mais uma tribo, no meio de tantas outras. Não tinham o incentivo
da prata ou do ouro, da seda ou das especiarias para travarem uma guerra contra os
índios. Esses europeus dirigiram-se para a América com a imagem da “Pátria” a ser
construída em solo estrangeiro.
Os europeus acreditavam que, se aquele ia ser o seu país, aquela tinha que ser a
sua cultura. Como a cultura representada por peles escuras não fizera parte da
Europa branca, também não faria parte da América branca. Assim, efetivamente
separaram as pessoas brancas e de cor impedindo os intercasamentos, os contatos
sexuais ao nível de cliente e prostituta ou de violador e vítima.
Do mesmo modo que os espanhóis chegaram à América Central e os europeus à
América do Norte, também os portugueses chegaram a um mundo muito antigo a
Índia abrindo uma rota marítima da Europa ocidental para a fonte das especiarias,
que representava uma preciosa fonte na economia, rompendo o monopólio turco-
veneziano. Em Goa, na Índia, os portugueses começaram a criar um império
baseado no comércio mantido pelo domínio das rotas marítimas e no
desenvolvimento da população mestiça.
Quando os jesuítas também chegaram, em 1542, templos foram derrubados,
livros sagrados destruídos, sacerdotes deportados e todos foram forçados a se
voltar para o cristianismo. Aos não cristãos era proibida a celebração dos
casamentos em público e a monogamia foi imposta a todos. Os homens deveriam
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abandonar suas concubinas ou se casar com uma delas. Se possuíssem mais
esposas, deveriam ficar com a primeira delas e repudiar as outras.
Os soldados e mercadores portugueses mostravam-se dispostos a irem para a cama
com as mulheres indianas, especialmente as bailarinas e prostitutas do templo.
Muitas vezes, casavam-se com elas na Índia tendo outra esposa em Portugal.
Com o passar do tempo, os mestiços, filhos de indianas com os portugueses
colonizadores, começaram a ser vistos como preguiçosos, efeminados e
imprestáveis até mesmo como bucha de canhão. Qualquer mestiço que desejasse
entrar para o exército, teria de apresentar um certificado comprovando ser filho ou
neto de português nascido na Europa.
Assim como os portugueses, os ingleses também dominaram a Índia. Esta
dominação teve início por volta de 1757 e terminou com a independência em 1947.
criaram uma população com um poder maior de resistência e modificaram a face
do próprio hinduísmo, as leis e as tradições milenares da Índia.
Por volta de 1795, os ingleses tentaram proibir a prática do sati (morte voluntária por
amor ou lealdade ao falecido) e o infanticídio feminino classificando-o como
assassinato e também pôr um fim na poligamia hindu declarando-a como crime.
Durante os primeiros setenta anos de domínio inglês na Índia, era escasso o número
de mulheres portuguesas, o que facilitou consideravelmente as relações com as
mulheres nativas. Os mestiços ou eurasianos eram repudiados e impedidos de
retornarem à comunidade hindu de sangue puro, fosse pelo casamento ou pela
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conversão à religião. Com isso, passaram a formar uma classe bastante expressiva,
a qual recebia dos ingleses um tratamento diferenciado. Os mestiços eram
empregados nos níveis técnicos e administrativos, como trabalhadores nas estradas
e na polícia.
Foi o fervor evangélico que impeliu os jesuítas à longa viagem para a China por volta
do século XVIII. Eles reconheceram que o confucionismo não era uma religião, mas
um vasto código moral capaz de reconciliar-se com o cristianismo, atraindo o vasto
império para o seio cristão.
Nesta época, na China, falar de sexo era pecaminoso, porque o confucionismo tanto
era um código de maneiras como de moral. No entanto, a prática do sexo possuía
tanto um significado espiritual quanto físico, desde que praticado no quarto de
dormir.
A dinastia Ch’ing, após a queda da dinastia Ming, impôs rígidos controles e rígida
censura, obrigando os chineses a manterem suas vidas particulares em silêncio e
fazendo desaparecer as fontes do conhecimento tradicional a respeito das variações
e refinamentos do sexo. Como resultado, o sexo na China tendeu a deteriorar-se
para uma rotina destinada somente à produção de filhos.
Enquanto a China renunciava às práticas sexuais tradicionais, os japoneses, por sua
vez, ajudaram a perpetuá-las. Os estrangeiros que visitaram o Japão entre os
séculos XVI e XIX, puderam constatar o grande número de bordéis e cortesãs
existentes no país. Esses locais ofereciam uma atmosfera aconchegante e
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animadora e, por vezes, abrangiam quarteirões inteiros. Eram conhecidos como a
“Cidade sem Noite”, com seus próprios teatros, casas de chá, lojas, mercadores e
cerca de 3000 cortesãs, as quais trajavam-se com vestes ricas e formais bordadas
em ouro e prata, quimonos floridos e com os cabelos pesadamente carregados de
enfeites e prendedores. Os encontros eram realizados nos restaurantes ou nas
casas de chá, cujo entretenimento era oferecido pelas dançarinas, cantoras e
musicistas conhecidas como geisha a gueixa, que raramente apelava para a
prostituição. A geisha nem sempre era mulher, pois sempre havia um geisha
masculino trabalhando nos maiores restaurantes de Tóquio.
De acordo com Cabral (1995, p.127), “se a Antigüidade foi o império da razão da
natureza, e a Idade Média, o da razão de Deus, a Idade Moderna inaugura a
supremacia da razão do homem”. O Renascimento e a Reforma Protestante levaram
os homens a questionarem os valores morais, padrões e concepções a respeito da
mulher, do casamento e da própria sexualidade.
Nesse período, a aristocracia feudal via-se relegada a um segundo plano, pois em
seu lugar, surgia a burguesia que se desenvolvia com vigor e poder, impondo seus
novos princípios. Com princípios contrários à moral feudal, os burgueses impuseram
uma radical individualização da família burguesa e, a colaboração, a principal
característica da economia comunal, deu lugar à concorrência e à propriedade
privada.
Sendo assim, iniciam-se novas relações de produção, caracterizadas pela
exploração capitalista de um proletariado assalariado. Os camponeses expulsos de
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suas terras, artesãos, mercenários dos senhores feudais que ficaram
desempregados e todos os oprimidos pelo regime feudal, mas que foram
expropriados de seus meios de produção, viram-se obrigados a vender sua força de
trabalho ao capitalista para não morrer de fome. A partir daí, o homem se torna
escravo do trabalho como também se aliena nele. Reduz-se sua capacidade de
percepção, de consciência de si mesmo e de análise do processo produtivo.
Segundo Marx (1984, p.412),
[...] a manufatura se apodera da força individual de trabalho em suas
raízes. Deforma o trabalhador monstruosamente levando-o
artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial, à custa da
repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas,
lembrando aquela prática das regiões platinas onde se mata um
animal apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Não o trabalho é
dividido e suas diferentes frações distribuídas entre os indivíduos,
mas o próprio indivíduo é mutilado e transformado no aparelho
automático de um trabalho parcial.
Da mesma forma, Nunes (1997, p.93) comenta que, neste período,
o sexo é reduzido ao privado e com fim procriativo. À concepção de
racionalidade e eficiência burguesa soma-se a produtividade. O sexo,
subjetivo, humano, prazeroso desaparece. O corpo é negado ao
trabalho e na repressão sexual. O “eu” corporal não existe; existem,
sim, a civilização e a máscara social. Sobre o sexo nasce a cultura
da vergonha e do pecado em níveis tão profundos que nem mesmo a
Idade Média tinha conseguido.
O conceito “puritano” começava com a rígida disciplina familiar. A obediência, a
solidariedade e a fecundidade eram os princípios que norteavam as famílias
puritanas.
63
Nessa época, os homens se viam privados de mulheres e, quando essas eram
suspeitas de algum ato imoral, eram castigadas cruelmente. Os fornicadores e os
adúlteros eram obrigados a se confessar publicamente na igreja e também eram
marcados. O pelourinho era a penalidade para o pai cujo primeiro filho nascesse
cedo demais e os fracos de espírito poderiam ser queimados como feiticeiros ou
enforcados. Numa época em que a palavra dos idosos era lei, cabia às mulheres
sensatas permanecerem fora de vista.
A família nuclear consistia apenas de pais e filhos. O marido ao se casar desejava
que a esposa fosse uma dona-de-casa eficiente, uma companheira racional, uma
concubina não paga e uma competente mãe para seus filhos. O amor ainda tinha
pouco a ver com o casamento. A mulher, nessa época somente deveria ceder ao
homem e, sem lamentações, suportar suas injustiças.
Ainda no século XVII, Fallopius, grande anatomista, havia inventado o condom
(preservativo conhecido como camisinha) somente como proteção contra a sífilis.
Entretanto, no século XVIII esse começou a ser utilizado como contraceptivo, pois
devido à grande mobilidade e deslocamentos freqüentes, marinheiros, cavalheiros,
mercadores, advogados e caixeiros viajantes começaram a preferir a amante semi-
oficial, segregada da família e mantida em um apartamento ou casa alugada,
gerando o nascimento de um grande número de filhos ilegítimos.
A grande descoberta de que a mulher era fértil e participava na fecundação com
igual contribuição ao homem e não apenas como um vaso receptáculo, se deu
somente no século XVIII, pois perceberam que os filhos, em geral, tanto se pareciam
64
com as mães como com os pais. A mulher, a partir de então, passou da condição de
inferioridade à de igualdade, de passiva para ativa em relação ao homem.
Até o século XVIII, como acreditavam que o homem era o único responsável pela
fecundação, várias teorias foram elaboradas sobre o fluido seminal masculino. No
século IV a.C., Aristóteles pensava que o sêmen fosse uma espécie de substância
da alma que se misturava ao sangue menstrual da mulher para produzir a criança. A
Igreja dizia ser um pecado desperdiçá-lo em qualquer outra finalidade que não a da
procriação. Os chineses acreditavam que o desperdício de sêmen levava o homem
ao enfraquecimento geral e, o “desperdício” abrangia a homossexualidade, a
masturbação e o coito por mais de uma vez na semana.
De acordo com Tannahill (1983, p.373), foi Sinibaldi, um escritor italiano, que
publicou em 1642, a primeira obra padronizada na Europa sobre sexualidade, a
Geneanthropeia, onde relacionava o desperdício seminal com prisão de ventre, gota,
corcunda, mau-hálito e nariz vermelho. Cinqüenta anos depois, ainda a medicina
afirmava que o excesso de masturbação causava aos homens a cegueira e a
epilepsia. Segundo a mesma autora, por volta do século XIX, Ellen White, fundadora
dos Adventistas do Sétimo Dia, afirmava que a masturbação transformaria o homem
em aleijado e imbecil.
Ainda segundo Tannahill (1983, p.375), a descoberta do microscópio possibilitou
inúmeros estudos sobre os óvulos e espermatozóides elaborando teorias de
reprodução, porém nenhuma delas explicava que ambos os pais pudessem
contribuir para a hereditariedade física e intelectual dos filhos. Inúmeros estudos
65
continuaram a ser elaborados até que Darwin revolucionou os conhecimentos com o
seu estudo sobre “A origem das espécies”.
Apesar de todos esses avanços científicos, a sociedade do século XIX continuava a
manter o puritanismo, o qual impunha seu tríplice decreto: a interdição, a
inexistência e o mutismo. A burguesia mantinha um apego desenfreado à
privacidade encerrando a sexualidade nos domínio do lar.
De acordo com Foucault (2003, p.9),
a sexualidade é cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de
casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na
seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo se cala. O
casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz
reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar,
reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no
coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade
reconhecida, mas utilitário e fecundo; o quarto dos pais. Ao que
sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos,
a decência das palavras limpa os discursos.
Na Inglaterra, mais precisamente no período vitoriano, o progresso das ciências e a
sofisticação da técnica, com reflexos em todas as camadas sociais, criaram um
ambiente propício para o surgimento de um tipo feminino cujo perfil se pode
nitidamente traçar.
Nessa época, surge a necessidade de se buscar um ponto de equilíbrio entre o
público e o privado, uma base que refletisse solidez e estabilidade. Essa base seria,
naturalmente, o lar e, como representante elegeu-se alguém com as qualidades de
guardião da moral e da castidade. A exigência de um anjo do lar fez nascer a mulher
vitoriana.
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A mulher, com o perfil assim delineado, tinha todo o apoio da rainha Vitória, que
atribuía o sucesso de seu reinado à moralidade da corte e à harmonia da vida
doméstica. Conseqüentemente, olhava o movimento em defesa dos Direitos da
Mulher como ameaça à virtude do sexo frágil. Essa situação viria a repercutir, ainda
de forma silenciosa, na vida privada, onde a repressão, principalmente a sexual, se
agravaria intensamente.
Nesse mesmo período, a ideologia dominante era de que as únicas paixões sentidas
pelas mulheres eram pelo lar, pelos filhos e deveres domésticos. A mulher deveria
submeter-se ao marido para satisfazê-lo e, se não fosse pelo prazer da
maternidade, deveria preferir não ter atenção sexual. Acreditava-se que para a
felicidade da sociedade as mulheres, com exceção das ninfomaníacas e das
prostitutas, deveriam saber pouco ou serem indiferentes às necessidades sexuais.
Sendo a mulher excluída do mundo público dos negócios e recolhida ao mundo
privado do lar, por injunções de uma sociedade fundada na diferença dos sexos, era
de se esperar que as jovens de boa família recebessem uma educação destinada
apenas a conquistar e a cativar algum pretendente. Uma lady deveria falar francês,
italiano, tocar piano, dançar e bordar. As mulheres da alta classe média não queriam
ou não podiam ensinar seus filhos, pois isso comprometia o status de que gozavam
e, além disso, não estavam suficientemente preparadas. A solução encontrada era
recorrer aos pensionatos da moda, cuja tarefa precípua era revestir a mulher de
certo verniz cultural.
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Segundo Tannahill (1983), os maridos as protegiam evitando a contaminação
excessiva com o mundo fora e procuravam fazê-las feliz para resguardar a honra
do matrimônio. Um mundo do qual as damas deveriam ser protegidas era o da
medicina. O médico podia ser consultado na presença de um acompanhante e, nos
casos extremos, era permitido o exame ginecológico, o qual era realizado sob um
lençol em um aposento escurecido. Essa atitude impedia que o exame fosse
realizado adequadamente e que as mulheres conhecessem alguma coisa sobre sua
própria anatomia e fisiologia. A menstruação era raramente mencionada em
consultas entre a paciente e o médico. Os vitorianos estavam convencidos de que o
desejo sexual era raramente conhecido por uma mulher virtuosa, pois o orgasmo e a
função do clitóris na relação sexual eram aspectos que somente diziam respeito às
mulheres indecentes, as prostitutas.
De acordo com o mesmo autor, no século XIX, a burguesia, que havia
conquistado o sucesso econômico, almejava agora o status social e, um dos indícios
de distinção social, era ter um número elevado de criados comandados pela dona de
casa. Dessa forma, isso permitia que as mulheres da classe média tivessem um
tempo maior para se dedicar às obras caritativas, compras, mexericos e cultivando
etiquetas. A ênfase, contudo, recaía sobre a principal função da mulher, que era ser
esposa e mãe. Contudo, as mulheres operárias não se preocupavam muito com “o
lugar da mulher na sociedade” porque não podiam se dar a tal luxo. Eram escravas
do salário, pois além de mal pagas, recebiam às vezes a metade do que ganhava
um homem pelo mesmo trabalho.
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A mulher vitoriana era suave, submissa e recatada sexualmente porque, no decorrer
de sua vida, fora reprimida quanto à instrução e não possuía conhecimentos sobre
seu próprio corpo. No intercurso sexual necessitava ser tratada com delicadeza e
candura, porém os homens sentiam-se constrangidos e despreparados para a
tarefa. Para eles era difícil manter relações sexuais com o “anjo do lar”, o que
acabava comprometendo seu desempenho. Além do mais, os homens não deveriam
impor seus desejos animais sobre as esposas, sendo aconselhável as relações
acontecerem somente uma vez por semana ou uma vez por mês e nunca durante o
período menstrual ou a gravidez. Muitos homens acreditavam que prestavam um
grande favor às esposas ao recorrerem às prostitutas para aliviar seus instintos.
Assim, a prostituição floresceu como nunca, pois o sexo mecânico, sem amor, sem
fortes emoções não oferecia riscos e não era prejudicial à saúde.
As mulheres que se prostituíam eram as que necessitavam de dinheiro. Existiam as
mulheres “carreiristas”, as profissionais, que viviam exclusivamente desse
expediente; as viúvas ou mães solteiras que se prostituíam para ganhar o seu
sustento e de seu filho e, as operárias das fábricas, que ganhavam salários abaixo
da média precisando suplementá-los para continuarem vivendo. Essas mulheres
podiam encontrar protetores entre os banqueiros, financistas, oficiais do exército e
aristocratas de todas as nacionalidades. As cortesãs mais discretas, que
conseguiam manter uma aparência de respeitabilidade, freqüentavam os mais altos
círculos da sociedade.
Contudo, o aumento desenfreado da prostituição provocou o surgimento das
doenças venéreas como a sífilis e a blenorragia. Os homens vitorianos,
69
descuidados, acabaram transmitindo as doenças para as esposas e para os filhos
que nasciam doentes. A medicina, na época, não conseguia fazer a distinção
entre as duas doenças e as drogas utilizadas eram às vezes ineficientes. Com isso,
o número de doentes aumentou em todas as partes do mundo, especialmente na
Europa a na América.
Sérias medidas foram tomadas pelas autoridades para controlar o aumento das
doenças venéreas e isto começou pelo controle das prostitutas, que eram obrigadas
a realizar exames médicos periódicos e, como várias não eram registradas em
bordéis e exerciam suas atividades na clandestinidade, ficava muito difícil o controle
da doença. A partir de 1864, foram assinados vários decretos sobre o controle das
doenças venéreas e decretos proibindo a prostituição. Pela primeira vez a polícia
fazia um registro das prostitutas e decidia quem deveria estar presente nela. Quem
resolvesse se prostituir e receber dinheiro por serviços sexuais era duramente
perseguido.
O terror vitoriano pela doença venérea fez com que muitos homens procurassem
manter relações sexuais com mulheres virgens, pois supunham que eram limpas.
Alguns bordéis iam procurar as mulheres nos terminais ferroviários, aonde
chegavam inúmeros trens vindo do interior, trazendo-as para procurar emprego
como balconistas ou babás. Certos bordéis possuíam médicos que ofereciam
certificados de virgindade aos clientes que costumavam pedir.
Apesar da prostituição ser duramente combatida era comum encontrar, na metade
do século XIX, meninas de 10 a 12 anos que agiam por conta própria, prostituindo-
70
se. Muitas também eram mandadas pelos pais para conseguir o pão na rua, sem
fazerem perguntas.
Por outro lado, não eram somente as jovens adolescentes ou adultas que atraíam a
atenção dos homens. Havia senhores da sociedade, instruídos, que tomavam sob a
sua proteção, jovens das classes mais humildes, com a finalidade de amá-los,
ajudá-los e orientá-los. Entretanto, em 1885, a Lei de Emenda do Direito Criminal
condenava à prisão todo aquele que tivesse um relacionamento homossexual
privado ou consentido.
Por volta de 1890, a mulher começou a se conscientizar de que tinha novas
oportunidades, mas ao mesmo tempo sofria com a necessidade de tentar equilibrar
uma carreira bem-sucedida e a vida familiar.
Grandes mudanças sociais ocorreram nesta época e, uma delas foi o direito ao voto.
Vale ressaltar que este foi um movimento de luta demorado em que as mulheres
exigiram e finalmente conseguiram conquistar o direito de voto. Em 1918, as
mulheres inglesas com mais de 30 anos poderiam votar. No entanto, na América,
este processo foi mais lento, pois era necessário conseguir um sólido apoio dentro
dos próprios Estados e isto implicava não apenas em melhorar as condições das
mulheres, mas em uma emenda à constituição federal.
As mulheres, ao adquirirem o direito de voto, realizaram inúmeras reformas.
Reivindicaram o ingresso às universidades e algumas profissões; ter propriedades e
receber a custódia dos filhos em caso de divórcio; a abolição da escravidão; uma
71
legislação para promover o bem-estar social e o controle ao licenciamento de
bebidas alcoólicas e da prostituição.
Por volta de 1920, a maioria das mulheres, em quase todos os países, havia
conquistado o direito de voto. Lutavam por direitos iguais, justiça e igualdade,
representando dessa forma, o final da supremacia masculina por mais de 5000
anos.
O mundo também assistiu a vários acontecimentos como a Greve Geral na
Inglaterra em 1926, o colapso da Bolsa na América em 1929, a Depressão nos anos
30 e a 1ª Guerra Mundial de 1939 a 1945.
De acordo com Marcuse (1997), a racionalização do trabalho acentuada
principalmente durante a Primeira Guerra Mundial e depois de seu término,
incrementou as invenções. As mudanças tecnológicas modificaram o modo de ser e
viver dos homens, o modo de pensar e sentir a vida. Essa nova forma de produção
em massa significou um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova
política de controle e gerência do trabalho, uma nova sociedade. Nessa nova
sociedade, o homem é incentivado a consumir, a ter.
A grande produção industrial lançou, principalmente sobre as mulheres, inúmeros e
variados produtos de beleza, jóias baratas, discos, salões de danças, cafés, salas de
chá, férias à beira-mar e em especial, o cinema hollywoodiano que incentivava o
consumo, o glamour, o romance e sustentava a imagem do casamento como
objetivo natural da mulher.
72
De acordo com Tannahill (1983, p. 440), a “explosão de bebês”, que durou por mais
de dez anos após a guerra, não impediu a insatisfação e a incompatibilidade entre
os casais. Apesar das pequenas discussões, das tensões financeiras, dos
problemas com os filhos e da rotina, a família da classe média não estava preparada
para o divórcio e a admissão do próprio fracasso, por isso as famílias cresciam e
mantinham-se juntas por “causa dos filhos”. Sem amor ou com amor, não se
questionavam quanto aos danos da obrigatoriedade de viverem juntos até que “a
morte os separassem”. Os maridos comumente procuravam a companhia das
prostitutas e das amantes enquanto que, as mulheres, mergulhavam nas neuroses.
Neste período, a Psicanálise e as teorias de Freud tornaram-se familiares tentando
encorajar os descontentes a explorarem seus sentimentos íntimos.
Por volta dos anos 60, uma geração de adolescentes, nascida no pós-guerra,
descobriu um mundo novo, diferente, sem restrições e rebelou-se contra a
monotonia em que viviam seus pais. Monotonia não política, mas também
social e sexual. Sem atentar para as convenções, esses adolescentes movimento
hippie criaram os seus próprios padrões de vida, obrigando as gerações mais
velhas a se adaptarem a eles. A esse conjunto de manifestações que surgiram em
diversos países, deu-se a contracultura, isto é, a busca por um outro tipo de vida.
Faziam parte desse novo comportamento, cabelos longos, roupas baseadas num
misticismo oriental, músicas, drogas, o amor livre, o aborto, o homossexualismo, a
nudez em público, a paz e o retorno à natureza.
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Segundo Tannahill (1983), um exemplo dessa mudança aconteceu em relação ao
casamento, pois em 1965 havia um divórcio para cada quatro casamentos, enquanto
que em 1977, um divórcio para cada dois casamentos.
Durante anos, a Igreja e o Estado sempre estiveram envolvidos na questão do
controle da natalidade, por serem contra esta prática. Além dos motivos religiosos, a
contracepção não se coadunava com a romantização da maternidade.
A classe médica, segundo Tannahill (1983, p.444), também afirmava que “uma
mulher com quem seu marido pratique o que é chamado de cópula preventiva é,
necessariamente, levada à condição mental de uma prostituta”. Mesmo assim, as
mulheres utilizaram-se de diferentes meios, como o diafragma Mensinga, as
injeções de estrogênio, progesterona ou testosterona, o DIU e a pílula
anticoncepcional, para evitar uma gravidez imposta pelos “maridos bêbados”. No
entanto, foi somente a partir de 1970 que o mundo ocidental passou a aceitar a
contracepção como um problema pessoal.
Para as mulheres, o surgimento da pílula anticoncepcional foi responsável por um
comportamento sexual feminino mais liberal e, diante dessa liberação, de sua
independência sexual, os homens começaram a adotar uma nova postura frente aos
relacionamentos sexuais.
Segundo Tannahill (1983, p.459),
o homem começou a perder a calma. [...] ele foi batendo em retirada.
O sexo casual perdeu muito de sua atração e os pesquisadores do
74
início dos anos 70 descobriram que esse homem estava tendo
intercurso com menos freqüência, que se voltava mais para a
masturbação e desenvolvia gosto pela pornografia, algo que, em
meados da década assumia proporções epidêmicas. Uma parte
dessa pornografia não passava de superficialidade erótica, mas os
filmes proibidos eram destinados barata, sórdida e sadisticamente
a alimentar o mais profundo ressentimento masculino (em geral
reprimido) por sua própria incapacidade, vis-à-vis a imagem popular
da mulher liberada.
Também por volta dos anos 60 surgiu o Movimento de Liberação Gay, em que os
homossexuais passaram a ser vistos com mais desconfiança e como ligações
problemáticas. Esses buscavam o reconhecimento de seus direitos para poderem
enfrentar o preconceito e assumirem postura política na discussão dos grandes
assuntos nacionais. Na área médica, o homossexualismo foi classificado como uma
doença ou uma anomalia e, raramente era aceito socialmente. Quanto às mulheres,
algumas se refugiaram no lesbianismo, outras no trabalho e a maioria em novelas,
em livros bestsellers, onde homens apaixonados e dominadores levam as mulheres
ao êxtase, ao orgasmo.
O casamento deixou de ocupar lugar no quadro feminista e surgiu um crescente
número de casais unidos sem documentação legal e, caracterizando-se, pela
fidelidade, dependência e possessividade como nos casamentos convencionais.
As mudanças ocorridas no âmbito do trabalho, na segunda metade do século XX,
interferiram na formação do sujeito. O trabalhador deixa de ter o poder de decisão e
de transformação. a fragmentação da produção e do consumo sob a gerência
científica e dos especialistas em merchandising, o lazer e os conhecimentos são
divididos em pequenas especialidades e a sexualidade também é fragmentada,
destruída.
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De acordo com Chauí (1984, p.156),
para que o trabalho se torne central, valor e virtude, condenação e
destino, a repressão dessexualiza e deserotiza o corpo, destrói as
múltiplas zonas erógenas (cuja satisfação, se for conservada, será
chamada de perversão, crime, imoralidade) e reduz a sexualidade
exclusivamente à zona genital, com finalidade procriativa. A
sociedade racionalizada é uma sociedade funcional, isto é, nela tudo
o que existe, tem direito à existência se for definido por uma
função útil, adequada e aceita: a sexualidade será, então, a função
especializada em procriar e função especializada de alguns órgãos
do corpo.
Nesse período o trabalhador considera normal viver dessa maneira tendo um tempo
mínimo e um espaço mínimo para a sexualidade: algumas horas noturnas do leito
conjugal, no quarto secreto do casal, num motel, num camping.
Ainda segundo Chauí (1984, p.157),
como também as horas de lazer são controladas, porque estão
ligadas ao consumo, assim como o consumo controla também os
espaços de lazer, restam duas saídas: o lazer exclui um tempo
para a sexualidade, ou a coloca sob o controle do consumo, isto é,
da pornografia, do motel, da sauna, da casa de massagem.
Especialização do espaço e ilusão da sexualidade liberada.
Assim, houve a proliferação da sexualidade “fabricada” pelo “poder”, com o objetivo
de lucrar economicamente, por intermédio da medicina, da psiquiatria, da
propaganda, da prostituição e da pornografia.
De acordo com Marcondes Filho (1994, p.60),
o século XX é o período histórico marcado pela pulsão desenfreada
da visão e a pornografia é o exemplo mais claro desse mecanismo.
Ela, na medida em que se propôs, no campo da sexualidade, a
mostrar o ato sexual como prática crua, fria, depurada de charme e
76
do clima passional, quase como um fenômeno clínico, acabou por
liquidar o próprio sabor e a magia do erotismo, reduzindo-o a meros
atos e comportamentos mecânicos, repetitivos e viciados. Gozo
neurótico e entediante. Anti-sexo.
A indústria cultural, muito mais que revistas, moda, produtos de beleza, discos,
vende um estilo de vida, ela ensina um jeito de ser. A indústria cultural institui
códigos de sedução, de bom gosto, de saúde e de exercício da sexualidade. Ela
constrói e legitima determinadas identidades sociais e desautoriza outras.
O homem pós-moderno busca aproveitar a vida ao máximo, experimentar fortes
sentimentos de prazer e, secundariamente, evitar o desprazer. Os instintos devem
ser “soltos” e satisfeitos, deve-se apenas “viver o momento”.
Segundo Nunes (1997, p.14),
a paulatina implementação da influência dos veículos de
comunicação, e dentre eles a televisão, refletem-se nos valores, nos
comportamentos, na linguagem, no modo de vestir, nas músicas, nos
filmes, nas formas de relacionamento. O acréscimo das descobertas
científicas, os métodos anticoncepcionais ao alcance de todos, a
indústria do sexo, a pornografia, tudo isso hoje é inegável que acaba
transformando algumas concepções mais tradicionais.
A sociedade da pós-modernidade é invadida pela propaganda erotizada que se
materializa a todo instante, chamando a atenção do consumidor. Não importa qual
seja o produto desde que a sensualidade esteja presente, pois essa ajuda a vender
e a consolidar a marca.
De acordo com Nascimento (1999, p.87), “é impossível escapar a uma
uniformização mais abrangente imposta pela indústria cultural. Esta universaliza e
77
coletiviza os sujeitos para atender as exigências do consumo, ultrapassando as
fronteira nacionais e etárias”.
Nos anúncios, os corpos primam pela perfeição das formas e começa então a busca
constante para atingir o ideal das deusas dos comerciais. O próprio corpo torna-se
um instrumento com propriedades utilitárias e transforma-se num objeto de troca
como outra mercadoria qualquer.
Atualmente, a figura feminina, na sociedade consumista, deixa a condição de ser
humano com história de vida e transforma-se em símbolo de erotismo reforçando
posturas machistas. O homem sente-se na obrigação de representar a figura do
sedutor propalada pela mídia desvalorizando as relações afetivas.
Segundo Fabiano (1998, p.161),
a massificação cultural cumpre assim um papel de não elevar a
consciência da massa mas, ao contrário, das mais diversas e
ardilosas formas, fragmentar a subjetividade humana para nela
introjetar uma objetividade ideológica que retroalimente a própria
estrutura dominante. [...] a cultura que viceja passa a ser
resultante de um pragmatismo em que a utilidade se impõe como
a intenção primeira das aspirações e ações humanas. O próprio
corpo instrumentaliza-se como propriedade utilitária e se objetifica
num processo de troca. A sociedade começa então a
caracterizar-se como uma sociedade de objetos: de bens
descartáveis, de bens culturais [...].
Em nossos dias, a sexualidade é tratada de forma banal influenciando no
comportamento dos jovens e adolescentes. Os jovens sofrem a todo instante a
influência da mídia com mensagens que vendem um dos produtos mais desejados: o
sexo. A mercadoria esdisponível na internet, no rádio, na televisão, no sexo virtual,
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nos namoros eletrônicos, nos rádios, nas bancas de jornal e livrarias, gerando
informações distorcidas e levando à prática desenfreada de impulsos e desejos.
De acordo com Costa (1998, p.190),
a produção de mensagens jornalísticas, a tendência ao
sensacionalismo, a exploração do extraordinário, factual e
contingente como referências para a codificação do enunciado, da
titulação, podem conduzir em escala inimaginável a um certo estado
de dessensibilização coletiva sobre problemas de ordem social ao
invés de estimular a ação consciente. A indústria cultural, com a
padronização dos produtos culturais, transnacionalização da
imagem, sobretudo com a publicidade, criou a atmosfera espiritual
para se pensar o mundo como um “todo articulado”. A combinação
de imagem, som, movimento associados aos recursos da eletrônica
e da informática permitiram apreensões normatizadas e coletivas de
sentidos que, de maneira incisiva, contribuem para a reprodução da
ordem social, para a formulação de um imaginário coletivo.
Analisando-se a história da sexualidade em diferentes épocas, percebe-se que os
relacionamentos amorosos e os impulsos sexuais válidos em determinada cultura,
nem sempre foram aceitos por outra e vice-versa. O que era verdadeiro e legítimo
em uma civilização, passou a ser rejeitado e abominado por outra.
Os principais tabus que sustentavam o patriarcado milênios caíram por terra, os
gêneros humanos se multiplicaram frutos de uma nova consciência sobre a própria
sexualidade e frutos da tecnologia aplicada. As formas de relacionamento
assumiram formas e facetas plurais e fluidas.
Vivemos numa era pós-pílula, pós-liberação da mulher, pós-liberação gay, pós AIDS
e pós Viagra. Todos os tabus possíveis de serem superados em relação ao sexo já o
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foram ou têm possibilidade de o serem. Isso quer dizer que cada qual pode, se
quiser, viver plenamente sua própria sexualidade seja ela qual for.
Dessa forma, pode-se afirmar que a sexualidade sofreu a influência dos aspectos
sociais, econômicos e culturais nas diferentes épocas históricas e que, o
relacionamento homem x mulher é conseqüentemente, resultado das experiências
acumuladas ao longo da vida.
Retomando-se, portanto, aspectos relevantes da história da sexualidade,
abordaremos, neste segundo capítulo, a adolescência, as mudanças decorrentes
desse processo evolutivo e a influência exercida pela cultura e pela sociedade sobre
a sexualidade do adolescente.
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2 ADOLESCÊNCIA E SEXUALIDADE
Na sociedade atual circulam muitas e variadas idéias a respeito da adolescência.
Muito se tem falado e discutido sobre esta fase da vida, porém os discursos muitas
vezes, parecem ser inadequados ou incompreendidos.
Diz-se que a adolescência é uma época de crises, turbulências e transformações
marcantes. Muitas frases e estereótipos alimentados pelos meios de comunicação e
pela publicidade desorientam os pais e professores e os deixam sem saber que
atitude assumir perante essa criatura misteriosa e multifacetada.
A idéia de infância e adolescência como atualmente é compreendida, é recente na
história da sociedade humana e, para que se possa entender o conceito atual de
adolescência e a conseqüente crise de identidade relacionada à mesma, é
necessário um resgate histórico deste, pois ele é sem dúvida, construído
socialmente pelos homens.
De acordo com Salles (1998, p.44), “até o Renascimento, a infância e a
adolescência não eram distinguidas como uma etapa própria do desenvolvimento do
ser humano, pois as crianças eram consideradas adultos em miniatura”.
Entre os povos primitivos, a passagem da infância para a vida adulta era marcada
pelos ritos de iniciação. Com 10 ou 11 anos, os meninos eram entregues a alguns
adultos escalados para esse trabalho. O menino era pintado com símbolos
totêmicos, atirado ao ar e surrado violentamente. A escarificação, das costas, ou do
peito, deixava marcas para o resto da vida como sinais de identificação. Durante
certo tempo, o jovem ficava sem se alimentar e no dia da “benção do fogo”, este
deveria caçar para oferecer alimentos para os adultos. O período inteiro era ocupado
por uma variedade de cerimônias e danças onde o jovem era dirigido por um adulto.
Depois dessa fase, o adolescente seria admitido plenamente à vida adulta e, daí por
diante, não se associaria mais a mulheres e crianças.
Por outro lado, entre os hebreus não havia adolescência. As meninas passavam
para a vida adulta através do casamento que se consumava aos 11 ou 12 anos. Os
meninos eram circuncisados representando um rito de passagem para a
adolescência. A circuncisão era obrigatória entre os judeus, pois representava um
símbolo eterno do pacto de Deus com o povo judeu.
Segundo Tannahill (1983, p.71),
tudo apontava para um rito de puberdade: a idade do paciente, a
exposição triunfante da glande masculina e a remoção das dobras
flácidas de pele que, para o homem primitivo, talvez oferecessem
uma certa aparência feminina.
Na Grécia Antiga, um jovem adquiria status se tivesse educação. O rito de
passagem era o período de aprendizagem, entre o mestre e o discípulo.
82
De acordo com Brandão (1984), entre os gregos sempre se acreditou que todo
saber que se transfere pela educação circula através de trocas interpessoais, de
relações físicas e afetivas entre as pessoas. Assim, a pederastia era a forma mais
completa e pura de educação entre homens livres e iguais. Quando a criança atingia
a idade de 12 anos aproximadamente, era tomada sob a proteção de um homem
mais velho que se tornava responsável pelo seu desenvolvimento moral e intelectual
até que se tornasse jovem, tratando-o com delicadeza, compreensão e afeição,
dedicando-lhe amor puro.
Dessa forma, a educação grega se preocupava em transformar rapidamente a
criança, no jovem perfeito, no guerreiro, no atleta, no artista perfeito de seu corpo e
mente e no adulto educado a serviço da polis.
Segundo Monroe (1976), em Roma, somente aos 14 anos, o jovem abandonava as
vestes infantis, a toga praetexta, e passava a ter o direito de fazer o que gostasse.
Aos 17 anos, podia entrar para a carreira pública ou para o exército. Se ingressasse
na carreira pública, deveria freqüentar a escola de retórica para completar a
preparação lingüística recebida nas escolas de gramática.
Não havia um marco que separasse a criança do adolescente, pois isso era decidido
pelo pai, quando este pensava ter chegado a hora do impúbere abandonar as vestes
de criança. As jovens romanas, das classes superiores, se casavam com cerca de
13 ou 14 anos. As mais pobres casavam-se mais tarde porque os jovens não
possuíam meios para a união.
83
Na Baixa Idade Média, ser ordenado cavaleiro significava deixar de ser criança. O
jovem era o recém entrado no mundo adulto, o que era feito através da barbatoria,
cerimônia que se seguia ao primeiro barbear do rapaz. Possuir pêlos significava que
a criança tornara-se homem e a qualidade da agressividade poderia ser cultivada,
objetivando a boa formação do guerreiro.
Por volta dos quinze anos, o jovem recebia armas, cavalo e armadura para os
combates e era preparado para exercer sua virilidade através da habilidade em
matar ou a disponibilidade para morrer. Os jovens deveriam aprender os rudimentos
do amor, da guerra e da religião.
De acordo com Monroe (1976), à medida que os preparativos se aproximavam o
jovem passava por várias cerimônias de purificação onde jurava defender a Igreja,
atacar os perversos, respeitar os sacerdotes, proteger as mulheres e os pobres,
manter a região em tranqüilidade e derramar o sangue em defesa de seus irmãos.
Na Índia, no final da infância, os brâmanes, os kshatriyas e vaisyas eram investidos
com o fio sagrado e renasciam na sociedade. Dessa fase até aproximadamente 20
anos, os jovens permaneciam no estágio de estudante e esperava-se que fossem
obedientes a seu professor, austero e celibatário. O estágio seguinte seria o
casamento e a paternidade.
Segundo Tannahill (1983), na Índia, os textos religiosos recomendavam com
insistência que as mulheres se casassem antes da puberdade por serem as jovens
84
naturalmente libidinosas e prontas a perderem sua virgindade. Assim, parecia
conveniente ligá-las a um marido antes que algo acontecesse.
No século XVII, num período conturbado por guerras na Europa, a iniciação era
ingressar no serviço militar. Muitas vezes a vida profissional começava bem antes,
com o trabalho nos campos e nas manufaturas.
Com o advento do capitalismo, a maquinaria torna supérflua a força muscular,
permitindo o emprego de trabalhadores sem a devida força ou com o
desenvolvimento físico incompleto. O capitalista, então, utiliza a força de trabalho
das mulheres e das crianças aumentando o grau de exploração. Os meninos e
meninas de aproximadamente 12 a 13 anos são empregados na indústria têxtil
algodoeira ou nas fábricas de fiação de lã. As meninas são obrigadas a freqüentar
as escolas de costura para aprenderem a nova profissão solicitada pelo capital.
Segundo Marx (1984, p.450),
[...] a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de
aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros
da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de idade, sob o
domínio direto do capital. O trabalho obrigatório para o capital tomou
o lugar dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado, em casa,
para a própria família, dentro de limites estabelecidos pelos
costumes.
Dessa forma, nesse período, as crianças passavam da infância rapidamente para a
idade adulta, sofrendo todo e qualquer tipo de exploração, violência e degradação
moral.
85
Apesar de no século XVIII aparecerem as primeiras tentativas de se definir a
adolescência, foi somente no século XX que surgiu o adolescente moderno
exprimindo uma pureza provisória, espontaneidade e alegria de viver. Esta fase da
vida a adolescência tornou-se então um tema literário e uma preocupação dos
moralistas e dos políticos. Começaram a surgir, então, várias pesquisas para saber
seriamente o que pensava, de que maneira agia, e o que sentia a juventude.
De acordo com Ariès (1978, p.46),
a juventude apareceu como depositária de valores novos, capazes
de reavivar uma sociedade velha e esclerosada. Havia-se
experimentado um sentimento semelhante no período romântico,
mas sem uma referência tão precisa a uma classe de idade.
Sobretudo, esse sentimento romântico se limitava à literatura e
àqueles que a liam. Ao contrário, a consciência da juventude tornou-
se um fenômeno geral e banal após a guerra de 1914, em que os
combatentes da frente de batalha se opuseram em massa às velhas
gerações da retaguarda. A consciência da juventude começou como
um sentimento comum dos ex-combatentes, e esse sentimento podia
ser encontrado em todos os países beligerantes, até mesmo na
América. Daí em diante, a adolescência se expandiria, empurrando a
infância para trás e a maturidade para frente. Daí em diante, o
casamento, que não era mais um “estabelecimento”, não mais a
interromperia; o adolescente-casado é um dos tipos mais específicos
de nossa época; ele lhe propõe seus valores, seus apetites e seus
costumes. Assim, passamos de uma época sem adolescência a uma
época em que a adolescência é a idade favorita. Deseja-se chegar a
ela cedo e nela permanecer por muito tempo.
Percebe-se, dessa forma, que cada época histórica correspondia a uma idade
privilegiada e a uma periodização particular da vida humana. Essas variações
dependiam das relações entre as pessoas, das interpretações ingênuas que eram
realizadas e da própria reação da sociedade diante das transformações sociais
ocorridas.
86
Ao estudar-se o adolescente dos dias atuais, deve-se entendê-lo como parte
integrante de um sistema, relacionando-o diretamente ao funcionamento da
sociedade em que está inserido.
Segundo Salles (1998, p.46),
a adolescência é entendida socialmente como o estágio intermediário
entre a infância e a idade adulta e como período transitório no qual
as responsabilidades são menores. O adolescente se caracteriza
pela indefinição de seu papel social, o que resulta num status
intermediário e provisório e conseqüentemente, passa a ser tratado
de forma ambivalente: como criança e como adulto. O conceito de
adolescência e adolescente é invenção da sociedade industrial ligado
às leis trabalhistas e ao sistema educacional e que torna os jovens
dependentes, cada vez mais, dos pais.
Os adolescentes do mundo moderno têm à sua volta um universo de escolhas que
se vislumbram aos seus olhos, têm à sua frente um vasto rol de possibilidades e
vivem conflitos afetivos, sociais e morais em uma sociedade onde as opções são
inúmeras.
Atualmente, discorrer sobre a adolescência implica primeiramente delimitar um
período de vida do sujeito para poder compreendê-lo em função dos muitos
aspectos conflitivos que o envolvem.
Sabe-se que a maturidade do indivíduo é determinada por um relógio biológico,
porém, para a grande maioria, a puberdade é um fenômeno característico do início
da adolescência.
87
De acordo com Bossa (1998), a adolescência, que se inicia por volta dos 9 aos 12
anos, é marcada por uma intranqüilidade motora, por fantasias em torno da vida
familiar, pela necessidade de investigação e pela conquista de sua independência e
autonomia.
Em face ao crescimento desordenado, o adolescente sofre e fica ansioso pelas
perdas. É uma época de lutos. Sofre pela perda do corpo infantil, pela perda de sua
identidade e dos pais da infância. Com um corpo em mudanças e sendo obrigado a
enfrentar a independência e a responsabilidade que o novo papel exige, afasta-se
dos pais como medida de proteção, pois toda a questão edípica, volta com nova
força.
Além da confusão da identidade sexual em que luta por um papel masculino ou
feminino, o adolescente se atraído pela sociedade, uma entidade que antes era
temida, pois estava fora dos limites familiares. O adolescente deixa de ser criança,
mas tem medo da vida adulta, porque essa representa uma ameaça desconhecida.
Também Ackerman (1986, p.207) afirma que,
o adolescente perde a proteção da infância mas ainda não tem a
força e os privilégios do adulto. As realidades da vida adulta
representam uma ameaça desconhecida e indefinida. O medo de ser
uma criança empurra o adolescente para frente. O medo de ser
adulto empurra-o para trás.
Dessa forma sente-se angustiado e esconde seus medos e incertezas atrás de uma
máscara de arrogância ou indiferença, buscando formas alternativas de aliviar suas
tensões.
88
E é nesse contexto, envolvido em problemas fundamentais, que muitos jovens,
segundo Knobel (apud BOSSA, 1998, p.271),
são levados a intelectualizar e fantasiar lutando contra a perda do
corpo da infância, as regras que organizavam neste período e as
vivências infantis com os pais. Perde o modelo de proteção e
onipotência infantil; perde a bissexualidade da identidade infantil.
Perde o que era e não pode ainda construir o que será. o pode
fazê-lo na fantasia. Quando neste plano se torna um construtor de
teorias ou devaneios, isto está reparando a angústia das perdas que
vive. Não é o mundo que ele quer reconstruir ou salvar, mas é a si
que deseja construir e estabilizar.
2.1 ASPECTOS FÍSICOS
Segundo Magalhães (1970), o termo adolescência provém do latim adolescentia
de adolescere e significa crescer para a maturidade, desenvolver-se.
O crescimento físico caracteriza a adolescência. É durante essa fase que os
indivíduos têm de se adaptar às rápidas transformações fisiológicas e psicológicas
sofridas, associadas inicialmente à fase conhecida como “puberdade”. Pubertas
significa “idade viril”, e faz-se coincidir com o aparecimento da menstruação nas
garotas e da pilosidade púbica, seguida pela primeira ejaculação, nos rapazes.
Essas mudanças biofisiológicas são conseqüência do amadurecimento dos órgãos
sexuais, pois o sistema endócrino passa a funcionar com o objetivo de concluir e
ativar o sistema reprodutor.
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É o hipotálamo que começa a produzir fatores de liberação para que a hipófise
produza hormônios de crescimento e amadurecimento físicos. Situado na base do
cérebro, o hipotálamo funciona de acordo com a programação genética, obedecendo
a um determinismo biológico, enquanto a hipófise por sua vez, produz hormônios
responsáveis pelo crescimento físico e hormônios que proverão o amadurecimento
das características sexuais secundárias e irão agir nos óvulos e nos testículos.
A aceleração do ritmo do desenvolvimento faz com que o corpo se transforme
rapidamente e o adolescente desaparecer um importante ponto de referência no
qual se apoiava desde a infância: o corpo que conhecia.
Para Aberastury (apud WEINBERG, 1999, p.58), a “adolescência é uma época de
lutos e o primeiro deles é pelo corpo infantil perdido”.
O adolescente observa passivamente todas essas transformações que ocorrem e
sente-se inseguro perante esse processo que não sabe como irá terminar.
À medida que o corpo muda, aparecem caracteres sexuais secundários. Nas
meninas, essas mudanças têm início bem cedo, em torno dos dez anos. o
arredondamento dos quadris, desenvolvimento dos seios, aparecimento dos pêlos
pubianos e axilares, arredondamento dos ombros e a definição das pernas e dos
braços. O útero, vagina, lábios e clitóris mostram um crescimento acelerado e a
menarca ocorrerá na seqüência de desenvolvimento, variando entre 9 a 15 anos e
meio. A menstruação significa a maturação dos ovários e a produção de folículos
que serão os óvulos. O útero torna-se vascularizado, enche a parede interna de
90
sangue, tudo em preparo e antecipação de uma possível fecundação do óvulo por
um espermatozóide e a conseqüente gravidez. Caso isso não ocorra, o óvulo
degenera e se desintegra, sucedendo o mesmo à parede interna do útero.
Nos meninos, embora o crescimento das células testiculares e a secreção de
hormônios masculinos comecem por volta dos 11 anos, aproximadamente, o
primeiro sinal de maturidade sexual é o aumento no crescimento dos testículos, do
escroto e da glândula prostática. A primeira ejaculação pode ocorrer como resultado
da masturbação ou mesmo durante o sono (polução noturna) quando a presença de
milhões de espermatozóides pode estimular o cérebro a sonhar conteúdos sexuais
que culminam em orgasmo. A polução noturna também pode acontecer quando a
excitação sexual permanece mesmo após a prática da masturbação.
também, o aumento da transpiração axilar, mudança de voz causada pela
dilatação da laringe e aumento das cordas vocais, definição do contorno do cabelo,
o aparecimento dos pêlos dos braços e pernas, o surgimento de barba e bigode, o
desenvolvimento de ossos largos e espessos e o aumento de massa muscular.
Os meninos ainda possuem maior força física, pois desenvolvem coração e pulmões
maiores, uma pressão sangüínea sistólica mais alta, capacidade maior para carregar
oxigênio no sangue e uma taxa de batimento cardíaco mais baixa, no repouso.
Também são mais resistentes à fadiga após esforço físico.
Além dessas mudanças nas proporções corporais, mudanças na altura e no
peso. Esse desenvolvimento começa aos nove, dez anos para as meninas atingindo
91
o máximo entre os 12, 13 anos, enquanto para os meninos, o processo se inicia
cerca de dois anos mais tarde. Dos 11 aos 14 anos, as jovens são mais altas, mas
gradualmente, eles atingem os mesmos níveis e depois ultrapassam-nas.
Além do desenvolvimento físico, aptidões manuais e motoras adquiridas, parecem
diminuir; o adolescente não sabe o que fazer com os compridos braços e pernas.
Certos músculos e algumas partes do corpo crescem inesperadamente
surpreendendo-o; não é capaz de controlar suas aptidões e seus gestos, necessita
de tempo para se familiarizar com este corpo estranho.
Os fenômenos de desenvolvimento físico são muito importantes devido às profundas
reações psicológicas que suscitam, pelo efeito que produzem sobre toda a
personalidade do indivíduo, pela formação de sua identidade e mudanças na auto-
imagem.
Segundo Bossa (1998, p.222), “o ritmo das mudanças puberais é importante para o
status de um adolescente no seu grupo de pares e pode produzir certas respostas
psicológicas e sociais no adolescente e nos outros à sua volta”.
Quando o jovem está insatisfeito com seu aspecto físico, angustia-se e o estado de
ansiedade o faz julgar-se diferente do grupo e marginalizar-se devido ao complexo
de inferioridade. Os complexos devido ao peso excessivo são mais fortes que os
motivados pelo excessivo crescimento em altura. O jovem começa a fazer dietas
severas sem atentar para as características passageiras da adolescência ou aos
fatores de origem genética. Se recomeça a comer normalmente, culpa-se, sente-se
covarde e, nesta batalha, gasta grande parte de suas energias.
92
Outro motivo de complexos é a desproporção entre as diversas partes do corpo, o
desenvolvimento das pernas antes do desenvolvimento do tronco e o
desenvolvimento de algumas partes do rosto, como o nariz e o queixo.
Tanto os meninos quanto as meninas sofrem com as imperfeições da pele (o
aparecimento de sardas, espinhas, pele oleosa, pele seca), a irregularidade dos
dentes, a necessidade de usar óculos e aparelhos ortodônticos...
O adolescente não apenas responde psicologicamente à mudança biológica, mas
seu estado psicológico pode, por sua vez, influenciar o sistema biológico. É o caso
de meninas que sob um estresse muito grande, pode ter seu ciclo menstrual
interrompido ou cessado completamente por um bom tempo.
Segundo Bossa (1998, p. 223), “tanto o início quanto o resultado final do processo
puberal podem ser afetados por fatores psicossociais. Estas influências também
podem ter efeitos indiretos no processo de crescimento”.
Para os meninos é importante o bom índice de força física, condição essencial para
se sentir seguro, ser aceito pelo grupo e tornar-se popular. As meninas, no entanto,
medem o grau de sua aceitação social pelo aspecto físico, facilidade de
relacionamento, graciosidade e outros atributos físicos.
Segundo Salles (1998, p.55),
com a maturação sexual, o sexo e a atração sexual tornam-se fontes
de inquietação. A preocupação com o corpo se traduz no desejo de
ser atraente, o qual está associado ao êxito heterossexual e ao
prestígio. A interação social volta-se para o estabelecimento das
93
relações amorosas e sexuais, e a auto-aceitação depende da
aceitação do seu corpo por si mesmo e pelos outros.
É nessa fase que os impulsos sentimentais e sexuais têm um aumento significativo
devido a uma série de razões fisiológicas, psicológicas e sociais. Tanto os meninos
quanto as meninas começam a ser observados com curiosidade e interesse. Aparece
o desejo de agradar, de fazer-se notar, de obter uma nova forma de reconhecimento e
de proximidade física através de atividades de grupo, passeios, manifestações
culturais. Os jovens iniciam primeiramente um diálogo, seguram-se as mãos e
oferecem o corpo às carícias e, quando não os querem mais, abandonam-nos. É
nessa etapa das carícias e do assédio masculino, que surge, para as meninas, a
questão da virgindade e isso, passa a ser uma preocupação concreta.
Os meninos, geralmente, têm uma grande curiosidade em relação ao seu
funcionamento sexual, se seu pênis é normal e, as meninas, acabam se conhecendo
através da mão do namorado, percebendo sua excitabilidade, sua sensibilidade e
zonas erógenas. Esse relacionamento causado pelo despertar dos impulsos sexuais
traz aos meninos satisfação e alegria, enquanto para as meninas isso causa medo,
culpa, embaraço e preocupação.
2.2 ASPECTOS SÓCIO-AFETIVOS
Com o crescimento e amadurecimento físico, os impulsos básicos e os conflitos
emocionais agravam-se, obrigando a personalidade a reorganizar-se.
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A adolescência é uma fase da vida que não tem limites definidos e varia conforme
alguns fatores, tanto de ordem psicológica e constitucional, quanto os de ordem
social, geográfica, econômica e cultural.
Alguns autores costumam dividir a adolescência em três fases: a pré-puberdade,
puberdade e pós-puberdade tomando as mudanças fisiológicas como ponto de
referência, que estas mudanças são fundamentais no desenvolvimento
psicológico dos jovens.
Segundo D’Andrea (1996), nos dois ou três anos que antecedem à puberdade, a
criança aumenta cerca de cinco a seis quilos e cresce, em média, dez centímetros
por ano, sendo que as meninas se desenvolvem mais que os meninos.
Na pré-puberdade, a criança sofre grandes mudanças no seu aspecto físico e esse
desenvolvimento obriga-a a uma reorganização intrapsíquica muito profunda,
além de causar algumas mudanças de comportamento e alterações em sua
identidade.
Segundo D’Andrea (1996, p.85), nesta fase,
uma intensificação nas atividades físicas, intelectuais e artísticas,
bem como das aspirações emocionais e das tendências a buscar
objetos fora da família para odiar, amar ou identificar-se. Apresenta
um crescente senso de responsabilidade e independência e tem uma
grande necessidade de ser reconhecido como adulto.
Ao mesmo tempo que deseja ser reconhecido como adulto, sente o desejo de
permanecer criança, pois se sente inseguro e incapaz de cuidar de si mesmo. Esse
95
sentimento de ambivalência tem na pré-puberdade a sua maior expressão e pode
ser influenciado pelos pais ao tentarem bloquear as necessidades de independência
ou incentivá-las de modo exagerado.
O crescimento influencia e traz perturbações à auto-imagem e à auto-estima do
jovem adolescente, pois os rótulos ridicularizantes fazem-no reagir agressivamente,
afastar-se do convívio de seu grupo social ou apegar-se a livros para compensar
intelectualmente seus sentimentos de inferioridade.
De acordo com D’Andrea (1996, p.87),
o aumento de sensibilidade leva o indivíduo a estar constantemente
inundado de novas percepções e novos sentimentos e, também, de
novos critérios para julgar as experiências sensoriais. Além disso, o
crescente desenvolvimento da sexualidade influencia nas sensações
e sentimentos, dando um colorido erótico às percepções.
Nessa fase é comum também o jovem mostrar-se apático, desinteressado, incapaz
de se relacionar e fechado ao convívio social e, nem mesmo ele e seus pais,
compreendem a melancolia e o embotamento afetivo que o acometem
intermitentemente.
A momentos de uma exultante sensação de liberdade sucedem-se outros de
desconforto, incerteza e depressão. O adolescente debate-se, insatisfeito consigo
mesmo, faz críticas aos outros, ao ambiente em que vive, à vida que leva,
atormentado por uma sensação de carência ao ver que está cortando as pontes com
o passado sem saber ainda para onde ir.
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Não conseguindo compreender-se, sente-se incompreendido. Não sabendo bem
que atividades o satisfazem, entra em fase de renúncia a tudo e evita situações
novas para não correr o risco da falhar.
Na busca de sua própria identidade, procura fora do lar, muitas vezes, identidades
negativas, opondo-se àquilo que foi e àquilo que os pais lhes transmitiram. Essas
identificações em geral são parciais e raramente levam a problemas sociais graves.
Contraditoriamente, continua tanto mais dependente dos pais quanto mais se opõe a
eles, contesta-os, tenta ser diferente deles.
De acordo com Salles (1998, p.66),
o contato com o grupo social e com pontos de vista diferentes
possibilita, ao adolescente, questionar regras de conduta e ação
familiar. Percebe que pais diferentes ensinam coisas diferentes, o
que o leva a reavaliar a repensar normas aprendidas. Na sua
percepção, agora modificada do mundo, os pais e autoridade deixam
de ser infalíveis.
Os pais, por sua vez, ressentem-se quando percebem que os filhos estão tentando
trocar os ideais familiares por outros e pensam que tudo o que aprenderam no lar,
como preceitos morais e normas sociais, foram perdidos.
Assim, passam a recriminar os filhos pelas suas novas atitudes, influenciando de
maneira especial, o autoconceito e a auto-estima e prejudicando sua tarefa de
seleção e integração das identificações que fará nessa etapa da vida.
Quanto à curiosidade sexual, tanto meninos quanto as meninas têm grande
interesse. Gostam de conversar muito sobre sexo, menstruação, gravidez, relações
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sexuais, chegando a criar teorias fingindo entender tudo. No entanto, não
compreendem que os pais pratiquem sexo nem que os adultos sintam prazeres
eróticos e, por algum tempo, negam a realidade para não sofrerem.
Somente a partir da maturação das glândulas sexuais é que o ressurgimento da
libido. A sexualidade despertada pela puberdade, ameaça a segurança do jovem,
aumenta a tensão sexual e o leva a reviver os objetos incestuosos. O complexo de
Édipo é reativado, desencadeado pelas mudanças físicas pelas quais passa.
Entretanto, logo esses desejos infantis são abandonados e ambos os sexos
consolidam as diferenças.
A menina, segundo D’Andrea (1996, p.90), “renuncia definitivamente aos impulsos
masculinos e, o menino, supera sua ansiedade de castração. Ambos abandonam os
objetos sexuais incestuosos e tornam-se plenamente livres para escolher objetos
fora da família”.
Se porventura o jovem não conseguir dirigir sua sexualidade sob a liderança sexual
e não se livrar definitivamente de seus impulsos edípicos, sérios distúrbios poderão
ocorrer e, dentre eles, os impulsos homossexuais poderão persistir.
A menstruação é um momento crítico na vida das meninas. Contudo, a aceitação
das mudanças corporais e da menstruação depende exclusivamente da estabilidade
de suas identificações femininas.
Segundo D’Andrea (1996, p.92),
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esta estabilidade depende da firmeza do desempenho dos papéis
sexuais dos pais, observados na infância, de uma solução positiva do
complexo de Édipo, que conduz a uma sólida identificação com a
mãe e das identificações femininas realizadas nos grupos de que
participou durante a latência.
Nos meninos, embora a adolescência não envolva grandes transformações quanto
às que ocorrem com as meninas, a primeira ejaculação é o sinal característico da
chegada da puberdade. As poluções noturnas, que são acompanhadas de sonhos
eróticos, levam-no a pensar que algo errado está acontecendo.
Para D’Andrea (1996, p.93),
os sonhos que acompanham as emissões de espermas e as
fantasias eróticas que acompanham a masturbação, em geral,
possuem componentes homossexuais ou incestuosos, gerando uma
ansiedade mais difícil de ser aliviada, pois o rapaz evita discutir
essas fantasias com outras pessoas.
Os jovens fazem grandes esforços para abandonarem essa prática e, não
conseguindo, sofrem uma queda no auto respeito, deprimindo-se e envergonhando-
se de suas fraquezas.
Segundo Freud (apud SOUZA, 2000, p.38), “o que ocorre na puberdade é uma
recapitulação da vida sexual infantil e, nesse caso, como na puberdade ocorre a
maturidade física sexual, é a genitalidade que ocupa o lugar de destaque,
predominando sobre as tendências pré-genitais.”
Nesta fase, o id ameaça invadir o ego e este, defende-se da ameaça utilizando-se
de recursos de que dispõe. Assim, duas conseqüências podem surgir: ou o ego sai
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vitorioso e o caráter do indivíduo ficará consolidado para sempre, ou o id vencendo,
o sujeito entrará na vida adulta num processo de descontinuidade total em relação
às etapas anteriores do desenvolvimento.
Ainda de acordo com Freud (apud SOUZA, 1999), duas atitudes defensivas que o
ego pode tomar em relação à vida instintiva na puberdade, são o ascetismo e a
intelectualização que, quando exacerbadas, podem apresentar uma grave distorção
de caráter.
O ascetismo refere-se ao repúdio ao instinto, a todos os impulsos e atividades que
lhe dão prazer. A renúncia radical chega a estender-se às necessidades mais
simples. Trata-se de uma atitude de abstenção de tudo o que poderia relacionar-se a
uma manifestação sexual. Quando o ascetismo perdura, as atividades vitais do
sujeito são prejudicadas e ele pode parecer ou tornar-se psicótico.
A intelectualização refere-se ao mecanismo de defesa onde o jovem utitliza de seus
recursos intelectuais para refletir sobre seus conflitos institntivos. A intelectualização
reflete o exagero de uma atitude do ego, determinado por um aumento de energia
sexual. Esse aumento da energia sexual ameaça o ego, que se defende por meio
dos pensamentos para dominar os instintos.
Segundo D’Andrea (1996, p.98),
o adolescente entrega-se a toda sorte de considerações abstratas
sobre a vida, nos seus diversos aspectos e nestas divagações, cujo
conteúdo não tem quase nenhuma relação com sua conduta real,
julga que é capaz de manejar com todas as tentações. Em vez de
bloquear os impulsos pelo ascetismo, o ego aproxima-se deles, mas
apenas intelectualmente.
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Assim, o ascetismo e a intelectualização atuariam como uma espécie de reajuste
emocional. É nesse processo defensivo que ocorrem as preocupações com os
princípios éticos, filosóficos e sociais, surgindo grandes teorias, os movimentos
políticos e as idéias de salvar a humanidade,
O período pós-puberal inicia-se por volta dos quinze anos, indo até os 20 anos
aproximadamente. Este período de vida é o mais conflitivo, pois é nesta época, que
ocorrem as divergências entre as gerações, em que os jovens passam a integrar
definitivamente o mundo dos adultos, onde a escolha vocacional, a emancipação
da família, o estabelecimento das relações afetivas com o sexo oposto e a
integração de sua personalidade cristalizando uma identidade pessoal.
Se o jovem trouxer problemas não resolvidos das fases anteriores e se deparar com
novos problemas de difícil solução, isso provocará uma desorganização mental
muito grande. Segundo D’Andrea (1996, p.99), alguns aspectos sócio-culturais
também tornam mais complexa a adolescência:
1- Duração demasiado longa do período que vai desde a puberdade
até a fase adulta. 2- Cultura conflitiva, com valores antagônicos ou
contraditórios, por exemplo, ideais cristãos de fraternidade em
contraposição com ideais capitalistas de competição. 3- A sociedade
cria a expectativa de que o jovem seja capaz de realizar-se
sexualmente, mas ela própria estabelece exigências e proibições
contrárias às tendências naturais do indivíduo. 4- Não uma
posição social definida para o adolescente. Não sendo considerado
nem adulto nem criança, o jovem ocidental tem papéis
incaracterísticos e imprecisos. Assim, tem poucas oportunidades de
aprender a decidir por si mesmo, a ser responsável pelos próprios
atos e a tomar iniciativas.
Além desses aspectos, que tornam muito complexa a adolescência, os jovens têm
de enfrentar os problemas de ordem familiar. Alguns pais, por insegurança ou
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imaturidade emocional, tendem a prolongar a dependência afetiva dos filhos,
entretanto, por outro lado, alguns casais insatisfeitos e desajustados, podem usar o
adolescente como objeto intermediário, “bode expiatório”, nos conflitos.
Muitas vezes, o jovem tenta afastar-se do jugo dos pais pela desvalorização de suas
qualidades, porém isso não ocorre intencionalmente, mas por motivos inconscientes.
Esta queda de valores tem origem na decepção que o adolescente sofre, ao
perceber que os antigos valores não correspondem mais aos fatos, que os pais não
são mais modelos de virtude, induzindo-os a práticas que pareciam recriminar
anteriormente, entre as quais, as próprias relações sexuais. Os enfrentamentos dos
adolescentes em relação aos pais não visam a destruí-los, mas apenas reforçar a
diferenciação entre as duas gerações promovendo o sentimento de independência.
Dessa forma, a superação da dependência familiar é importante para que o
adolescente atinja a maturidade. É necessário que sejam, pois, estabelecidas
relações de mútuo respeito para que o jovem desenvolva autonomia, autoconfiança
e iniciativa.
Nessa fase, o jovem questionará também o seu vir-a-ser, isto é, a busca mais
abrangente da profissão a escolher. Essa procura está diretamente relacionada à
família e à instituição educacional das quais faz parte, pois o grupo familiar e o grupo
de iguais são grupos de referência, influindo em seus valores, tanto de forma
positiva como negativa. Na escolha profissional, tem de ser levado em conta a
situação de perdas e lutos, pois escolher algo novo implica a dor de deixar o resto.
102
De acordo com Enderle (1988, p.73),
a escolha vocacional encontra como problema crucial a ajuda da
elaboração de tudo o que tem de ser deixado, mais do que o que tem
de ser tomado. As carreiras supõem sempre, a elaboração de lutos,
pois deixam-se objetos e formas de ser, surgindo a culpa decorrente
daquilo que se abandona. Isto pode representar ter de deixar de lado
projetos valiosos acalentados durante muito tempo. Abraçar uma
carreira em detrimento de outra pode ter como conseqüência a
autocensura, passando o jovem a sentir-se perseguido por esta parte
abandonada, a qual já fazia parte de si mesmo.
O contato entre moças e rapazes, nesta fase, acontece mais com propósitos sociais
que sexuais. O jovem se invadido por uma intensa necessidade de amar e ser
amado, o que força a voltar-se novamente para o mundo exterior à procura de
pessoas que correspondam a este amor. Na falta de uma pessoa, serve uma causa,
um ideal, uma ficção ou um objeto de amor inatingível que alimente suas fantasias.
A vivência amorosa nesta fase está mais em nível de idealização, o que vale mais
para as mulheres do que para os homens, estabelecendo normas diferentes para
cada sexo.
De acordo com Nascimento (1999, p.129), “apaixonar-se, na adolescência, seria
uma tentativa de projetar e testar o próprio eu por meio de outro eu construindo,
assim, a própria identidade”.
As confidências orientam-se para as relações heterossexuais e a “paquera” ou o
“flerte”, constitui-se numa espécie de jogo erótico cuja finalidade é preparar os
jovens para as relações sexuais que estarão por vir.
103
Para a integração de sua personalidade e afirmação de uma identidade própria, o
jovem precisa realizar uma revisão das vivências infantis e das identificações
estabelecidas anteriormente.
É na adolescência que o jovem se questiona e vai respondendo às perguntas: quem
sou eu? Qual o meu destino? Essas respostas, no entanto, são elaboradas após um
exame longo e minucioso, mais sentido do que pensado, sobre todo o universo e
vivências infantis. Dessa forma, a nova identidade resultará de um jogo de diversos
fatores que envolverão a família, a sociedade e seus valores predeterminados.
De acordo com Enderle (1988, p.24),
a adolescência constitui-se, em grandes linhas, em um novo surto de
independência que o jovem empreende contra a moral coercitiva da
família e da sociedade. [...] para estabelecer a identidade própria,
conquistar autonomia e viver a sua vida, o jovem precisa, no entanto,
romper com esta vigilância adulta e com os quadros do passado.
Para chegar a uma identidade própria, faz-se necessário que o adolescente coloque
em questão as construções dos períodos anteriores. Essa atividade, realizada
consciente ou inconscientemente, permitirá uma remodelação das estruturas
psicológicas defeituosas ou incompletas que vinham se formando na personalidade
deste enquanto criança.
A conquista da identidade e o lugar seguro que o jovem ocupará na sociedade,
dependem do reconhecimento pelos outros.
Segundo Erikson (1972, p.21),
104
a formação da identidade emprega um processo de reflexão e
observação simultâneas, um processo que ocorre em todos os níveis
do funcionamento mental, pelo qual o indivíduo se julga a si próprio à
luz daquilo que percebe ser a maneira como os outros o julgam, em
comparação com eles próprios e com uma tipologia que é
significativa para eles; enquanto que ele julga, julga a maneira como
eles o julgam, à luz do modo como se percebe a si próprio em
comparação com os demais e com os tipos que se tornaram
importantes para ele.
Dessa forma, a construção da identidade é um processo pessoal e social,
acontecendo de forma interativa entre o indivíduo e o meio em que está inserido.
Assim, o adolescente entrará para a fase adulta, quando conseguir avançar para as
mudanças estabelecendo relações dialéticas com o mundo.
Na década de 60 aproximadamente, predomina a idéia de que a adolescência é a
idade da contestação social. A sociedade o adolescente como contestador das
normas, da ordem social e dos padrões tradicionais de comportamento. Segundo
Salles (1998, p.72), “plasma-se uma noção de juventude com conteúdo de rebeldia,
contestação e utopia que permanece como imagem mítica desses anos”.
Ainda de acordo com Salles (1998), os estudos empreendidos na década de 70 e
nos anos 80 e 90, mostram que o adolescente compartilha os valores sociais,
aceitando, muitas vezes sem questionar, as normas e as regras sociais, almejando
status social, situação financeira estável e a constituição de família pelo casamento.
Hoje, o adolescente tem sido rotulado de alienado, consumista e individualista,
porém Nascimento (1999), diz que este conceito sobre os jovens não pode ser
generalizado, pois corre-se, freqüentemente, o risco de julgar a atual geração
tomando-se como parâmetros as gerações passadas.
105
De acordo com Nascimento (1999, p.26),
se tomarmos como modelos os comportamentos de gerações
anteriores, ficaremos paralisados por atitudes nostálgicas. Cada
época tem seus jovens idealistas, militantes, heróicos, assim como
jovens perdidos, acomodados, autocentrados, etc. Desacreditar nos
adolescentes produz os mesmos efeitos que desacreditar nos
políticos: cruzar os braços e dizer “não tem jeito”. É fácil identificar a
quem interessam tais desilusões [...].
Assim, os modelos de comportamento e os papéis desempenhados pelos
adolescentes de várias gerações, revelam as marcas dos acontecimentos históricos
e sociais nos quais estão inseridos.
Atualmente, os pais se encontram confusos quanto às práticas educativas e quanto
à imposição de limites e disciplina aos filhos. Os pais se sentem inseguros e hesitam
em impor seus padrões, ao mesmo tempo em que os adolescentes sentem-se
seguros do próprio comportamento. De um lado, o adolescente convive com as
crises e busca de identidade e, de outro, a sociedade se vê em crise de autoridade e
confusa quanto aos valores morais que deve adotar, refletindo nos pais e
educadores. A liberalização de valores e costumes acaba por interferir na educação
dos filhos, a qual se torna menos rigorosa.
Muitas das funções assumidas anteriormente pela família, hoje estão a cargo de
outras instituições. A família, segundo Salles (1998, p.76), “está sendo substituída
por outras agências socializadoras. Os pais podem, agora, apresentar-se como
amigos, companheiros mais velhos dos filhos, tornar-se colegas dos filhos...”.
106
Há, na maioria das famílias, a falta do conceito de hierarquia, pois o modelo de
família, na sociedade atual, é o de igualdade entre os indivíduos. As relações
familiares se tornam relações entre pares, igualitárias e sem exigências. A
autoridade fez-se anônima, tudo é certo e admissível.
Segundo Salles (1998, p.74),
hoje um mito, um mito social de juventude que leva os pais a
abandonar sua autoridade e disfarçar sua idade “meus filhos são
meus amigos” – identificando idade adulta com abolição da
juventude. O jovem torna-se modelo para as diferentes faixas etárias,
pois se difunde o culto à aparência, à beleza, à erotização e à
necessidade de se conservar a juventude. [...] exalta-se a juventude,
fazendo com que os mais velhos desejem ser jovens e as relações
de pais e filhos se transformem, com os pais perdendo a autoridade,
questionando o que fazem de errado e o adolescente querendo
apenas ter direitos.
Os pais apresentam-se como amigos, companheiros mais velhos dos filhos e, sendo
relações entre pares, nada pedem, tudo compreendem e perdoam. A cultura hoje é
a cultura do evitar conflitos, do suavizar o que é penoso. Os pais substituem o que é
certo e o que é errado por relações humanas e a “amizade se torna a nova religião”.
Aos problemas familiares juntam-se o consumo e a cultura de massa, provocando
grandes alterações e mudanças nas organizações sociais.O consumo e a cultura de
massa passam a oferecer uma gama infinita de opções e proporcionam liberdade de
escolha a todos fazendo com que os consumidores escolham seu “estilo de vida”.
Segundo Salles (1998, p.78),
107
consumo e trabalho são partes do mesmo processo que leva à
passividade do indivíduo, de tal forma que este se transforma em
espectador, que lançar mercadorias no mercado significa também
desestimular a confiança do consumidor no próprio julgamento e
faze-lo a aceitar o dos outros. Os meios de comunicação nos dizem
quem somos, a que gostamos de assistir, o que comprar, em quem
votar, quantos vão casar, quantos vão se divorciar, quanto tempo
vamos viver.
As informações transmitidas pelos meios de comunicação unificam, padronizam os
sujeitos e, os adolescentes, inseridos nesse contexto, absorvem esses valores como
corretos e fascinantes.
Surge o grande interesse dos adolescentes pelo culto ao corpo como instrumento de
afirmação. Os adolescentes freqüentam as academias de ginástica, malham,
correm, pois sabem que qualquer defeito pode ser corrigido para atrair o sexo
oposto.
As relações, entre moças e rapazes, se modificaram em função da modernização
dos costumes. Essas relações passaram a ser descartáveis. As meninas e os
meninos divertem-se em conjunto, aprendem a “ficar”, pois o prolongamento da
escolaridade permitiu a maior convivência entre os sexos. O advento da pílula, o uso
dos preservativos, a ampliação dos direitos da mulher e a debilitação dos valores
religiosos e familiares permitiram ao jovem maior liberdade e reformulação de
antigos valores impostos pelas famílias.
Segundo Nascimento (1999), o prazer sexual deixou de ser considerado
pecaminoso à medida que, na sociedade urbana e consumista, a religião perdeu a
influência e o peso que tivera na determinação dos valores e comportamentos do
indivíduo.
108
Ainda, de acordo com Nascimento (1998, p.130),
a falência dos namoros pode ser atribuída às injunções do sistema
mercantilista que prevalece no mundo contemporâneo. O homem-
mercadoria se relaciona com os outros homens como se relaciona
com os objetos materiais: possuindo-os, usando-os. Essa
característica do homo consumens é estimulada, permanentemente,
pela incessante criação de novas necessidades que reforçam o
desejo de ter em detrimento do ser.
A sexualidade, atualmente, está escancarada. Ela surge nas propagandas, nos
anúncios e comerciais de televisão, nos outdoors, em revistas, trazendo uma imensa
variedade de necessidades como técnicas inovadoras, conselhos de sexólogos,
ginásticas estimuladoras, massagens eróticas, aparelhos, sem falar nas
propagandas de motéis, perfumes, lingerie e vídeos pornográficos.
De acordo com Zagury (2000), é inegável o poder de atração que a televisão exerce
sobre as pessoas e em especial sobre os adolescentes. Em uma entrevista
realizada pela pesquisadora, cerca de 61% dos jovens entrevistados gastam o
tempo livre em frente à televisão. E, as emissoras de televisão, sabendo disso, não
investem em programas educativos e sim seguem a direção dos anunciantes de
produtos. Ou seja, o que vende mais é o que será colocado na programação.
Também de acordo com Nascimento (1999, p.157),
parece que todas as barreiras foram quebradas, todas as mordaças
arrancadas e, se não fosse a AIDS, se transaria com a mesma
facilidade com que se toma uma coca-cola. Os anticoncepcionais
podem ser adquiridos em qualquer farmácia da esquina, e basta ter
dinheiro para se abortar com todo o conforto em consultórios
sofisticados.
109
Segundo a autora, a primeira relação sexual acontece cada vez mais cedo e ainda
os homens a têm antes das mulheres, porém ambos os sexos estão desinformados
ou mal informados sobre tais questões. O alto índice de gravidez indesejada entre
os adolescentes e o aumento de doenças sexualmente transmissíveis são
comprovados em pesquisas realizadas ultimamente.
A pesquisa realizada por Zagury (2000), constatou que 35,4% iniciam o
relacionamento sexual com quatorze anos ou menos e a proporção vai diminuindo
paulatinamente a partir daí. De acordo com a pesquisadora, a iniciação ocorre com
um(a) namorado(a) ou amigo(a), tanto para homens quanto para as mulheres.
Quanto mais tradicional é a postura dos pais, maior é a tendência dos filhos a
esconder dos mesmos o início de seu relacionamento sexual. De acordo com
Zagury (2000, p.186), “mais da metade dos jovens que mantêm vida sexual ativa,
59,6%, oculta este fato dos pais ou tem consciência de que eles preferem não saber
oficialmente. Se acrescentarmos a estes o percentual dos que nem tocam no
assunto (20,7%), teremos o altíssimo percentual de 77,6% de jovens cujos pais
ignoram ou preferem fingir que ignoram tais temas”.
Apesar do alto nível de informação, os jovens ainda possuem pouco conhecimento
sobre as formas de transmissão da AIDS e, comprovando isso, somente 22,7% dos
adolescentes utilizam preservativos em todas as vezes que mantêm relações sexuais.
Atualmente os rapazes consideram a virgindade um aspecto irrelevante quando se
trata de escolher a esposa, do mesmo modo que aceitam a homossexualidade.
110
Para os adolescentes, as diversões e os programas de fim de semana, além de
serem momentos de trégua aos estudos, são momentos de relacionamento com
jovens da mesma idade.
De acordo com Zagury (2000), nas conversas entre os amigos, os assuntos mais
comuns o as garotas/garotos, sexo e namoro. A sexualidade é a mais importante
descoberta, a mais emocionante aquisição da idade. Os adolescentes trocam
confidências para aumentar a confiança em relação ao sexo oposto. Cerca de 56%
falam de sexo enquanto 26,4% tratam de amenidades. Poucos falam de política
ou problemas sociais de maneira geral.
Outra grande fonte de conflitos é a escolha profissional. Ao sair da infância, o
adolescente vê-se obrigado a assumir o papel de adulto útil à sociedade e por
desconhecer, ou possuir informações deturpadas sobre as profissões, faz escolhas
erradas. Também o desejo de casar ou obter independência atuam como forças
motivadoras para a escolha da carreira.
De acordo com Zagury (2000, p.70), o mais importante para o adolescente em
termos profissionais é ter um trabalho que o realize pessoalmente. O jovem de hoje,
criado numa sociedade da supervalorização do psicológico, coerentemente, mostra
que o mais importante objetivo profissional é a felicidade, a realização como pessoa.
O “eu” é prioritário ao “nós”.
Assim, ao analisar-se diferentes aspectos da adolescência e da sexualidade
percebe-se que, para tornar-se adulto, o jovem tem um caminho a percorrer e que
esta passagem nem sempre é linear e nem suave. Os papéis desempenhados pelos
111
adolescentes revelam as marcas dos acontecimentos históricos, pois esses estão
inseridos num contexto social.
E, com as mudanças na estrutura social da família, a escola passa a ser um forte
contexto para o desenvolvimento de uma Educação Sexual que promova no
adolescente um senso de auto-responsabilidade e compromisso para com a sua
própria sexualidade.
Desta forma, no terceiro capítulo serão discutidos alguns aspectos da Educação
Sexual realizada nas escolas, isto é, como se pode compreender a Orientação
Sexual realizada nas escolas, tendo por base a sexualidade e o próprio
desenvolvimento do adolescente no mundo atual.
112
3 A EDUCAÇÃO SEXUAL E A ESCOLA
Nos três últimos séculos, levando-se em consideração as transformações históricas
ocorridas, uma enorme explosão discursiva sobre a sexualidade humana.
uma grande rede de aparelhos criados para se falar sobre sexo, para ouvir, registrar,
classificar, valorizando-o como um “segredo”. Os meios de comunicação, as
reportagens, debates, entrevistas, artigos e publicações utilizam-se de um
vocabulário refinado para expressá-lo definindo as situações, os locutores e os
interlocutores. Dentro desse contexto, a escola é apontada como a instituição capaz
se solucionar os problemas através da Educação Sexual.
De acordo com Sayão (1997), não se tem conhecimento sobre a data precisa em
que a Educação Sexual foi instituída nas escolas como disciplina integrante do
currículo, porém alguns estudiosos acreditam que foi na França, a partir da segunda
metade do século XVIII, que a Educação Sexual começou a ser objeto de
preocupação dos educadores.
Um dos problemas mais sérios era a questão disciplinar, quando esta atingia os
“bons costumes”, pois algumas práticas dos adolescentes, como a exibição explícita
de certas partes do corpo, a masturbação e o uso de bebidas alcoólicas,
desconcertavam os adultos.
Assim, a escola passou a ter como característica principal, um controle e uma
Educação Sexual onde o “pecado universal da juventude” a masturbação fosse
combatida.
A sexualidade dos adolescentes, então, passou a ser um problema público, pois os
médicos, higienistas, dirigentes de escolas e professores passaram a dar conselhos
às famílias. Os pedagogos criaram projetos e os apresentaram às autoridades, os
professores davam conselhos aos alunos e escreviam livros com recomendações
médicas e exemplos edificantes. Surgiu, assim, toda uma literatura de preceitos,
pareceres, observações, advertências, casos clínicos, esquemas de reformas e de
construções de instituições ideais em torno do jovem e de sua sexualidade.
Segundo Cunha (2000, p.453),
para adequar pais, mães, filhos e filhas ao que consideravam
pertinente às normas da saúde física, mental e moral, os higienistas
combateram em várias frentes. Uma delas foi a escola, mais
particularmente os internatos, redutos de famílias mais abastadas.
Bastiões da moralidade, essas escolas deviam organizar-se para
coibir todas as modalidades de manifestação sexual inadequadas,
etiologia da maioria dos males segundo o receituário dos médicos;
deviam estabelecer padrões de alimentação, regrar horários de
estudo e de atividades físicas, controlar o tempo dos banhos,
fiscalizar os dormitórios, separar meninos e meninas, enfim, uma
série de medidas higiênicas para produzir o indivíduo saudável, o
cidadão decente e honesto, o responsável pelo futuro da nação. As
escolas deviam fazer aquilo que a família era incapaz: educar
segundo os saberes oriundos da ciência.
Para isso, as escolas deveriam incentivar a prática de exercícios corporais para
combater as manifestações sexuais, especialmente a masturbação. Tal hábito,
descrito como vício, provocaria o aniquilamento físico, perverteria a moral e reduziria
a inteligência.
114
De acordo com Gondra (2000, p.536),
exaurir fisicamente o corpo e, entorpecer o espírito de
aconselhamento moral seriam portanto, estratégias para interditar o
corpo dos meninos da prática masturbatória, que, no interior da
ordem médico-higiênica, concorria para impedir a constituição de um
corpo forte e robusto, uma boa moral e uma sabedoria desejada. No
cumprimento desse roteiro estaria o remédio contra o raquitismo e a
fraqueza, contra o demônio dos vícios e a ignorância. Segundo os
médicos, ‘se aqueles que se acham à testa dos estabelecimentos da
educação’ seguissem cuidadosa e obedientemente esse roteiro
estariam desempenhando ‘o seu dever, e importante missão que lhes
foi confiada, e terão satisfeito os desejos ardentes daqueles que lhes
houverem confiado seus filhos’.
Sendo a escola a responsável pela educação dos adolescentes, dava-se ênfase à
conduta moral do professor e pouca exigência quanto à sua qualificação profissional.
O professor deveria ser um ser “assexuado, respeitável e puro”. Na concepção dos
dirigentes, a escola destinava-se mais a moralizar e disciplinar do que propriamente
instruir.
De acordo com Sayão (1997, p.107), “na medida em que não se podia assegurar a
ignorância absoluta, a informação dirigida e repressiva era o ‘menor dos males’,
preservando assim, a criança dos “perigos” da sexualidade”.
No final do século XIX, retomam-se as discussões acerca da sexualidade nas
escolas, preocupadas agora com as doenças venéreas, a degenerescência da raça
e o grande aumento do aborto clandestino. O discurso médico apregoava que, se o
sexo não fosse contido poderia, não ameaçar o indivíduo, mas as gerações
futuras com doenças como o raquitismo, esgotamento nervoso, comprometendo a
sociedade. Assim, o homem seria o responsável pela saúde do povo.
115
De acordo com Lima (2001, p.70),
o sexo se enroscava numa rede de discurso científico balizante da
teoria da raça pura, saudável. Os especialistas assinalam perigo em
toda a parte, com o objetivo de proteger, separar e prevenir.
Despertam as atenções, solicitam diagnósticos, elaboram e
acumulam relatórios, desenvolvem e organizam terapêuticas, tanto
para a prevenção do mal iminente, quanto para sua cura. Irradiam-se
discursos em torno dele, incitando-se a falar de sexo, a se confessar.
Cria-se toda uma patologia orgânica, funcional e mental em torno das
sexualidades indevidas.
No século XX, ocorreram algumas iniciativas favoráveis à Educação Sexual com o
objetivo de ensinar os jovens a “transmitirem a vida” dada a relação entre instinto
sexual e reprodução humana.
Segundo Sayão (1997), ainda no século XX, os livros e artigos científicos que
discursavam sobre sexo pediam “licença” ao leitor por tratar de um tema tão
constrangedor e malvisto. Progressivamente, falar de sexo foi deixando de ser
condenável desde que possuísse uma organização científica e se relacionasse com
os ideais higienistas.
Segundo a mesma autora, em 1920, surgiu na França uma lei proibindo o aborto e a
propaganda da utilização dos anticoncepcionais.
Apesar de a França ter sido considerada a precursora nas discussões sobre a
sexualidade nas escolas, foi a Suécia que sistematizou e organizou em escolas e
instituições, a Educação Sexual propriamente dita. A Suécia realizou em 1770, as
primeiras conferências públicas sobre as funções sexuais onde foram pleiteados o
livre acesso aos métodos contraceptivos e o direito ao aborto em certas
116
circunstâncias. Em 1942, o governo da Suécia recomendou a Educação Sexual nas
escolas, tornando-a obrigatória em 1956. A França, contudo, somente inseriu a
Educação Sexual obrigatória em seus currículos a partir de 1973.
No Brasil, no início do século, a Educação Sexual sofreu a influência das correntes
médico-higienistas da Europa que apregoavam o combate à masturbação e às
doenças venéreas, bem como o preparo da mulher para exercer o papel de esposa
e mãe. Esta educação visava preservar a saúde pública e a moral sadia, procurando
assegurar a reprodução da espécie.
Por volta de 1920, alguns segmentos inovadores, dentre eles feministas lideradas
por Berta Lutz, tentaram implantar a Educação Sexual tendo como objetivo proteger
a infância e a maternidade. No entanto, somente oito anos depois foi aprovado no
Congresso Nacional de Educadores a proposta de um programa de Educação
Sexual nas escolas para crianças acima de onze anos de idade.
Em 1930, o jornal Diário da Noite, do Rio de Janeiro, realizou uma pesquisa pública
obtendo como resposta o apoio à Educação Sexual havendo, contudo, divergências
quanto às estratégias de ensino e ao conteúdo programático. No mesmo ano, o
Colégio Batista, no Rio de Janeiro, incluiu em seu currículo o ensino da evolução
das espécies e da Educação Sexual, sendo o professor Stawarski, responsável pela
iniciativa, demitido posteriormente. Esse programa a priori restringia-se à análise da
condição feminina na reprodução. Cinco anos depois, a esse programa foi
acrescentado o comportamento sexual masculino.
117
Na década de 50, como a Igreja dominava o sistema educacional, houve severa
repressão à Educação Sexual. Mesmo assim foram publicados vários livros para
responder às dúvidas dos leitores quanto à sexualidade, embora os leigos
tivessem acesso aos livros médicos. Em 1959, foi publicada no Brasil, a obra de
Edith Carnot e Dr. J. Carnot, A serviço do amor traduzida do francês. Essa obra
era reservada às jovens casadoiras e às senhoras casadas.
Na década de 60, nosso país foi marcado por mudanças políticas radicais, levando
os militares ao poder e deixando marcas no processo de implantação da Educação
Sexual nas escolas oficiais. Surgem os livros publicados pelo padre Charboneau,
escritos numa linguagem filosófica e sob a ótica da moral católico-cristã. Esses livros
foram adotados por pais e educadores e deixados de lado pelos jovens por sua
linguagem pouco acessível.
De 61 a 69 destacam-se em São Paulo, os Ginásios Vocacionais, que levam a
Educação Sexual a fazer parte de seus currículos com o objetivo não somente de
informar, mas formar conceitos e valores, de modo a conduzir os jovens a ter
parâmetros para “escolhas coerentes” com o conceito de homem e sociedade,
propostos pela escola.
De 1963 a 1966, várias tentativas foram realizadas para a implantação da Educação
Sexual tanto em escolas privadas quanto em escolas públicas. Algumas escolas
pioneiras destacaram-se por suas iniciativas como o Grupo Escolar Barão do Rio
Branco, em Minas Gerais, que introduziu no currículo o programa de Educação
Sexual para alunos do então quarto ano ginasial (oitava série). No Rio de Janeiro,
118
vários colégios como o Colégio Pedro Alcântara, André Maurois, Infante D. Henrique
e Orlando Rouças, introduziram a Educação Sexual em seus currículos.
Foi em São Paulo, de 1954 a 1970, que o Serviço de Saúde Pública do
Departamento de Assistência ao Escolar, passou a oferecer aulas de Orientação
Sexual às meninas que freqüentavam a quarta série do ensino primário. Além disso,
educadores sanitários e professores informavam sobre as modificações da
puberdade. Todavia esse programa foi interrompido em função da ideologia
moralista defendida pelo golpe militar de 64, ocasionando o fechamento do
programa pela Secretaria de Educação.
De acordo com Sayão (1997), as experiências da década de 60 apresentavam
intensas mudanças em relação àquelas que apenas abordavam os aspectos
biofisiológicos, e tinham como meta a normatização de condutas.
Também o Colégio de Aplicação Fidelino Figueiredo, ligado à Faculdade de Filosofia
da USP, desenvolveu trabalhos na área de sexualidade com seus alunos, nos quais
sugeriam temas para discussão, debatiam o tabu da virgindade, o amor livre, a
utilização dos anticoncepcionais e outros temas de interesse. Os professores e
orientadores educacionais eram os responsáveis pelas sessões de grupo e pela
integração do conteúdo de Educação Sexual às outras disciplinas e matérias
tradicionais.
Foi também em 1968 que a deputada do Rio de Janeiro, Julia Steimbruck, propôs a
implantação obrigatória da Educação Sexual em todas as escolas do país, porém a
119
Comissão Nacional de Moral e Civismo, do Ministério da Educação em 1970,
pronunciou-se radicalmente contra esse projeto. Como o país atravessava um
período de intensa repressão, vários Colégios e Ginásios Vocacionais e
Experimentais foram fechados e muitos trabalhos e pesquisas existentes em relação
à Educação Sexual foram interrompidos.
Segundo Sayão (1997), instalou-se no país um clima de moralismo, puritanismo e
medo, e as poucas experiências que se mantiveram não eram divulgadas.
Neste mesmo ano, foi editado o Ato Institucional 5, marcando um forte poder à
censura, afetando todas as instituições e, dentre elas, as educativas.
Na segunda metade da década de 70, entre 1974 e 1975, o comandante da Escola
Preparatória de Cadetes do Exército, José Maria de Toledo Camargo, organizou
uma série de debates e conferências sobre Orientação Sexual para os alunos do
Grau, pertencentes à Escola Militar.
A partir de 1975, surgiu o interesse pela Educação Sexual provavelmente em
decorrência do interesse dos jovens pós-68, entretanto a Secretaria de Educação
impediu a oficialização nas escolas sob a alegação de que ela era de
responsabilidade exclusiva dos pais.
Em 1978, época da abertura política, realizou-se o Congresso Nacional sobre
Educação Sexual nas Escolas, em o Paulo, onde os educadores, cerca de 2000,
ali reunidos, constataram que seria impossível implantar essa modalidade devido às
120
precárias condições de trabalho, alterações político-administrativas e falta de
pessoal qualificado para viabilizar a Educação Sexual nas escolas.
Sayão (1997), afirma ainda que, em 1979, a Fundação Carlos Chagas coordenou
uma pesquisa com adolescentes entre 15 a 17 anos, para avaliar valores relativos à
sexualidade. Com o resultado desse trabalho, foram publicados dois livros
(BARROSO, C.; BRUSCHINI, C. Sexo e juventude. São Paulo: Cortez: 1990 e
Educação Sexual: debate aberto. São Paulo: Vozes: 1982) sobre sexo, juventude e
Educação Sexual.
Na década de 80, houve uma grande divulgação e veiculação de questões ligadas à
sexualidade. Enquanto o povo saía às ruas reivindicando as “Diretas Já”, várias
revistas eram publicadas com fotos e artigos pornográficos; os cinemas traziam à
tona o prazer visual nas cenas de sexo; foram criados os chamados sexshops,
enciclopédias e fascículos vendidos em bancas de revistas, programas de televisão
e rádio respondiam questões sobre sexo. Também congressos e encontros
profissionais foram realizados com a participação de educadores, médicos e
cientistas sociais, contribuindo para a implantação da Educação Sexual nas escolas.
Essa década trouxe novos comportamentos, muitos preconceitos foram
questionados, tabus foram “derrubados”, e sólidas tradições conservadoras foram
abaladas. Foi neste contexto que os educadores intensificaram a demanda por
trabalhos na área de Educação Sexual, tendo somente como motivação básica,
questões relativas à gravidez indesejada na adolescência, contaminação por
doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas a AIDS.
121
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 1989, sob a responsabilidade
do professor Paulo Freire, implantou nas escolas de primeiro e segundo graus a
Orientação Sexual. Além disso, preocupou-se com a formação dos professores que
passavam por um curso inicial e de acompanhamento continuado, em supervisão
semanal. A partir dessa experiência, outros estados e redes municipais de ensino
criaram a orientação nas escolas e voltaram-se para a produção de materiais e
formação de profissionais da educação para o trabalho de Orientação Sexual nas
escolas visando à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS.
Nos anos 90, os trabalhos se intensificaram ainda mais devido ao crescente
aumento da gravidez indesejada na adolescência e ao número de pessoas
contaminadas pelo vírus da AIDS.
Em 1995, o Ministério de Educação e Cultura coordenou a elaboração dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) a serem apreciados pelo Conselho
Nacional de Educação. Em 1997, os PCN’s são propostos a todas as escolas do
país, incluindo como um dos “temas transversais” a Orientação Sexual, a ser
abordada pelos professores de a série, permeando as demais disciplinas e, a
partir da série, em um espaço específico como preconizam os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2000,
p.133),
o objetivo do trabalho de Orientação Sexual é contribuir para que os
alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e
responsabilidade. Este tema vincula-se ao exercício da cidadania na
medida em que, de um lado, se propõe a trabalhar o respeito por si e
pelo outro, e, por outro lado, busca garantir direitos básicos a todos,
como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos
122
fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e
conscientes de suas capacidades.
Assim, a Educação Sexual escolar emerge oficialmente como Orientação Escolar
surgindo no currículo de forma transversal, sendo de responsabilidade de todos os
professores, discutida e trabalhada em todas as disciplinas.
3.1 ORIENTAÇÃO E EDUCAÇÃO SEXUAL
Educação e Orientação, apesar de serem terminologias conhecidas e usadas por
educadores, estudiosos da área e pesquisadores, o termos muitas vezes
confundidos e empregados inadequadamente, como sinônimos.
Durante o trabalho de pesquisa detectou-se a falta de padronização de uma
terminologia básica, comum, e de uma posição teórica clara e objetiva quanto ao
conceito de Educação Sexual. Além disso, muitas diferenças e incoerências foram
encontradas ao se tentar classificar e definir alguns tipos de Educação Sexual.
Ribeiro (1990), afirma que Educação e Orientação são duas expressões de sentido
semelhante, mas que, cada uma delas relaciona-se a uma situação específica. A
Educação Sexual refere-se aos processos culturais contínuos, que se iniciam desde
o nascimento e que de uma forma ou de outra direcionam e impulsionam os
indivíduos para diferentes atitudes. Para o autor, a Educação Sexual é dada na
família, na escola, no bairro, com os amigos, pela televisão e, por outro lado,
Orientação Sexual é uma intervenção institucionalizada, sistematizada, organizada e
123
localizada, com a participação de profissionais treinados. Portanto, para esse autor,
a terminologia Educação Sexual é usada para se referir aos processos informais.
Werebe (1977), utiliza a terminologia Educação Sexual, reconhecendo a supremacia
desta. A autora classifica a Educação Sexual em dois tipos: a Educação Sexual
informal, processo global, não intencional, que engloba toda ação exercida sobre o
indivíduo, no seu dia-a-dia, desde o nascimento, com repercussão direta ou indireta
sobre sua vida sexual e, a Educação Sexual formal, deliberada, intencional,
institucionalizada, feita dentro ou fora da escola.
Para Felizari (1989, p. 30),
educar sexualmente consiste em propiciar experiências que auxiliem
o ser humano a viver e expressar o amor através do sexo, com a
aceitação do papel sexual correspondente. A educação sexual
significa muito mais do que a instrução a respeito dos fenômenos da
reprodução, vistos como princípios biológicos ou fisiológicos,
Significa, na verdade, um processo progressivo de orientação e de
exemplo, assim como de informação.
Por outro lado Vitiello (1994, p.203), afirma que “educar, embora possa passar por
informar, por orientar e por aconselhar, é mais do que a soma dessas partes
isoladas [...] significa formar [...] na acepção de que o educador ao educando
condições e meios para que cresça interiormente”.
Segundo este mesmo autor, Educação Sexual é um termo que está em consonância
com as estratégias consideradas fundamentais nesse processo, quais sejam: debate
aberto, discussões e educação através da participação em lutas sociais.
124
Kehl (1981), usa o termo Orientação Sexual para referir-se à sexologia como
“modelo de Orientação Sexual para adultos”. Para o autor, esse termo é aplicado ao
trabalho do orientador e do terapeuta sexual, cujo objetivo primordial é divulgar
técnicas que vão dirigir e orientar a sexualidade dos adultos para uma vida sadia e
equilibrada.
De acordo com Sayão (1997, p.112), “a educação sexual ocorre, na verdade, desde
o nascimento, É predominantemente no território familiar, da intimidade, que são
transmitidas à criança, as primeiras noções e valores associados à sexualidade, em
geral não explicitamente”.
Dessa forma, considerando-se o grande número de definições e classificações
utilizadas, percebe-se a importância da padronização e a elaboração de uma
linguagem comum, no que concerne especificamente à terminologia básica e à
classificação do processo em si.
A Educação Sexual é um processo ininterrupto pelo qual vamos formando nossa
opinião, desfazendo-nos de coisas que foram sendo superadas dentro de nós e que,
ao mesmo tempo, transformaram nosso modo de ser, nossas atitudes e nossos
pensamentos. É vista como um processo que percorre a vida inteira do indivíduo.
Começa muito antes do nascimento, através das expectativas dos pais em relação
ao sexo da criança e que, segundo muitos estudiosos, irá influenciar o
comportamento sexual do indivíduo. O ser menino ou ser menina é transmitido às
crianças desde o nascimento pela educação informal, estabelecendo as
características da categoria a qual deverão pertencer.
125
De acordo com Ribeiro (1996, p.35),
o conceito de família e seu papel dentro da sociedade, as funções
paternas e maternas e a adoção de papéis, inclusive sexuais,
constituem um aspecto importante da compreensão da sociedade.
Os modelos masculinos e femininos fornecem os esboços para o
esquema sexual, que possibilitam à criança agir e operar sobre o
meio e denotam a sua organização interna. Constroem os conceitos
do que é ser homem ou mulher e a adoção de padrões de
comportamentos que combinam com um ou outro esquema sexual.
Mediante aprovação dos adultos, a criança saberá se esse padrão é
apropriado ou não.
Assim, a educação deve começar na família, pois ela se constitui o primeiro grupo
social no qual a criança toma contato com o mundo. Além disso, o contato diário da
criança com os pais, o comportamento destes, o processo de socialização que se
segue, a influência da mídia, dos grupos sociais, dos amigos, da escola, as
expressões, os gestos, tudo isso transmite os valores conservadores ou
progressistas – que a criança assimila.
Ribeiro (1996, p.41) afirma que,
o contexto cultural no qual a criança participa e as práticas sociais
historicamente constituídas são incorporadas por ela, ativamente.
Essa rica experiência acumulada pela humanidade possibilita à
criança aprender pela palavra do outro, organizando os próprios
processos mentais e suas ações. É por esse processo que se
constrói o senso de si mesmo, como indivíduo único que está em
constante transformação o seu projeto identificatório que
pressupõe o senso de si mesmo como menino ou como menina,
homem ou mulher. O corpo sexuado deixa a sua marca nas ações do
indivíduo, naquilo que pensa, sente, diz ou faz.
Por outro lado, Orientação Sexual, como preconizam os Parâmetros Curriculares
Nacionais, é um processo formal, sistematizado, planejado e intencional, com o
126
objetivo de erradicar tabus e preconceitos, esclarecer dúvidas, atitudes e posturas,
contribuindo para a vivência da sexualidade de forma responsável e consciente.
De acordo com Souza (1999, p.23),
orientar é dar esclarecimentos intencionais. É intervir. É ajudar a
formar valores e opiniões. É passar noções sistematizadas e formais,
planejadas. Não é educar. É dar uma direção aos conhecimentos
existentes. É lapidar as idéias adquiridas pelo exemplo, no núcleo
familiar ou social.
O trabalho de Orientação Sexual visa propiciar uma visão mais ampla, profunda e
diversificada acerca da sexualidade, abordando os inúmeros pontos de vista
presentes em nossa sociedade.
Segundo Sayão (1997, p.112),
a orientação sexual é um processo de intervenção planejado,
intencional e sistemático, que inclui o esclarecimento das dúvidas, o
questionamento das posições estanques e a ressignificação das
informações e valores incorporados e vivenciados do decorrer da
vida de cada criança ou jovem.
De acordo com os autores elencados anteriormente, a Orientação Sexual não deve
acontecer necessariamente no espaço escolar, mas também em ambientes como
centros de saúde, comunidades de bairros, clubes, igreja, creches, sindicatos e
outros. Por outro lado, uma corrente dentro da Educação que afirma que as
questões da sexualidade devem ficar a cargo da Orientação Educacional, no interior
do espaço escolar.
127
De acordo com Sayão (1997), a Educação Sexual passa a ser, dentro da escola,
Orientação Sexual, pois assume características de planejamento estratégico.
Para a autora (1997, p.114),
a orientação na escola deve se dar em âmbito coletivo, não tendo
portanto caráter de aconselhamento individual ou psicoterapêutico.
Deve também promover informações e discussões acerca das
diferentes temáticas considerando a sexualidade em suas dimensões
biológica, psíquica e sociocultural, articulando-se, portanto, a um
projeto educativo que exerça uma função integradora das
experiências vividas pelo aluno e que inclua a sexualidade como algo
ligado à vida, à saúde e ao bem-estar de cada criança ou jovem.
Para tanto, se faz necessária a adoção de princípios norteadores do
trabalho, condizentes com uma educação voltada para a cidadania
numa sociedade democrática, priorizando o reconhecimento do
aspecto saudável da busca do prazer, o respeito a si próprio e ao
outro, bem como o respeito à diversidade de valores, crenças e
comportamentos relativos à sexualidade, desde que seja garantida a
dignidade do ser humano. Em suma, o objetivo mais amplo da
orientação sexual é o de favorecer o exercício prazeroso e
responsável da sexualidade dos jovens.
3.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL E OS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS
Ao longo da história, a sexualidade dos adolescentes sempre foi motivo de
preocupação. Em quase todas as civilizações, o rito de passagem da infância para a
adolescência era o aprendizado entre o mestre e o discípulo. Era um rito de
iniciação em que o mestre, detentor dos segredos de sua arte, transmitia ao
discípulo seus conhecimentos. A família delegava ao mestre poder que muitas
vezes, lhes era devido e, dentre eles, educar sexualmente seus filhos.
128
algumas décadas, a questão da sexualidade era tida como um tabu. Esse
assunto era resolvido com uma grande dose de repressão, em que os adolescentes
deveriam manter-se no desconhecimento e na ignorância sobre o assunto. Os pais
não conversavam com os filhos, os quais tratavam de se informar do modo que
conseguiam: lendo livros e revistas que encontravam, conversando com amigos,
com irmãos mais velhos... Uma vasta rede de informações, por vezes incorreta e
fantasiosa, tentava suprir essa necessidade básica.
Atualmente, o bombardeio de informações, e de toda liberdade vivenciada pelos
jovens não são suficientes para alterar a realidade na maioria dos lares: sexo
continua sendo um tabu. A geração do “ficar” e do “consumo”, educada por pais que
se ressentem de uma criação repressora, ganhou o direito de ter opinião sobre
quase todos os assuntos, de decidir seu próprio futuro, fazer suas próprias escolhas.
Aos poucos os adolescentes vão se libertando das paredes do lar e ganhando
oportunidades de ampliar seus espaços e enxergar o mundo com outros olhos. Vão
buscar com os amigos as informações que muitas vezes não encontram em casa,
com os pais, pois sentimentos como vergonha, medo, insegurança e até
desinformação afinal os pais de hoje não tiveram abertura para falar sobre sexo
afastam a possibilidade de um diálogo franco entre estes e os adolescentes.
Atualmente, é bastante comum pais sentirem-se pressionados a adotar
determinadas posturas com as quais muitas vezes não concordam, por existir muita
pressão sobre eles. Esta pressão é exercida pelos próprios filhos, por grupos dentro
da própria sociedade e até por alguns programas de televisão, formadores de
opinião. Juntos ou isoladamente, exercem forte influência para que os pais ajam de
129
maneira a se tornarem aquilo que eles acreditam seja o comportamento de um pai
ou mãe modernos.
Diante desses inúmeros conflitos, a escola tem sido convocada a enfrentar as
questões relativas à sexualidade. Presente em diversos espaços escolares, a
sexualidade ultrapassa fronteiras disciplinares e de gênero, permeia as conversas
entre os jovens de ambos os sexos e é assunto a ser abordado em sala de aula
pelos diferentes especialistas da escola; é tema de capítulos de livros didáticos, bem
como de músicas, danças e brincadeiras que animam recreios e festas.
A iniciativa de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais procura responder
às novas demandas de qualidade do ensino e ao estabelecimento de padrões de
desempenho do conjunto da população brasileira que melhor correspondam às
exigências de inserção no país, da nova ordem mundial. Guarda referências
estreitas com iniciativas semelhantes, tomadas em diversos países europeus e da
América Latina com o respaldo das agências internacionais.
Para poder definir quais temas sociais deveriam ser selecionados como
transversais, a equipe responsável pela elaboração dos PCN’s estabeleceu que o
tema teria de atender aos critérios de urgência social, abrangência nacional,
possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, favorecimento da
compreensão da realidade e da participação social.
Dessa forma, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000, p.114), “o
trabalho sistematizado de Orientação Sexual dentro da escola articula-se com a
130
promoção da saúde da criança e dos adolescentes e também possibilita a realização
de ações preventivas às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS de forma mais
eficaz”.
Assim, a Educação Sexual pôde ser incluída, então, por atender todos os critérios
acima. O fator mais decisivo foi, sem dúvida, a urgência social, o que é totalmente
válido e fundamentado, pois se não fossem os problemas que a vivência da
sexualidade trazem para a sociedade, provavelmente este tema não teria sido
incluído no currículo escolar.
Por outro lado, Figueiró (1998, p.96-97) afirma que,
a preocupação da escola em fazer a educação sexual porque
necessidade de resolver e controlar os problemas da AIDS e
gravidez precoce, possivelmente torna o trabalho árduo, pesado,
angustiante e desvirtua as energias que poderiam ser redobradas se
se falasse da sexualidade de uma forma alegre e descontraída.
Embora se saiba que são as necessidades, que na prática, têm
impulsionado o começar a falar sobre a sexualidade, é preciso
assegurar que a força propulsora do trabalho seja o reconhecimento
do direito.
A mesma autora assegura que, a própria seleção do termo Orientação Sexual, nos
PCN’s, em vez de Educação, parece estar ligada muito mais a um trabalho diretivo e
de “controle”, que a um trabalho formativo, conforme sugere o termo educação.
Por outro lado, Barretto (1998, p.36) assevera que, nessa versão dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, “a conotação sociopolítica da educação tende a ser
substituída pela necessidade de que a escola assuma explicitamente a tarefa de
transmitir valores, que devem ser traduzidos em sua nova transposição didática, em
131
ensinamentos como: Orientação Sexual, Ética, Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade
Cultural, Trabalho e Consumo”.
De acordo com Altmann (2001), a sexualidade é um tema de interesse público, pois
a conduta sexual da população diz respeito à saúde pública, à natalidade, à
vitalidade das descendências e da espécie, o que, por sua vez, está relacionada à
produção de riquezas, à capacidade de trabalho, ao povoamento e à força de uma
sociedade.
A partir do século XVII, formou-se uma aparelhagem para a produção de discursos
sobre o sexo, a qual, baseada na técnica da confissão, possibilitou a constituição do
sexo como objeto de verdade. A confissão na Idade Média difundiu amplamente
seus efeitos, entre outros, na pedagogia – e, através de dispositivos que passaram a
produzir discursos verdadeiros sobre o sexo, pôde aparecer algo como a
sexualidade, enquanto verdade do sexo e de seus prazeres.
De acordo com Foucault (2003, p.59),
a confissão difundiu amplamente seus efeitos: na justiça, na
medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações
amorosas, na esfera mais cotidiana e nos ritos mais solenes;
confessam-se os crimes, os pecados, os pensamentos e os desejos,
confessam-se passado e sonhos, confessa-se a infância; confessam-
se as próprias doenças e misérias; emprega-se a maior exatidão
para dizer o mais difícil de ser dito; confessa-se em público, em
particular, aos pais, aos educadores, ao médico, àqueles a quem se
ama; fazem-se a si próprios, no prazer e na dor, confissões
impossíveis de confiar a outrem, com o que se produzem livros.
Confessa-se – ou se é forçado a confessar.
132
Nesta perspectiva pode-se dizer que a sexualidade sempre foi controlada, pois,
analisando-se as diferentes épocas, o homem sempre buscou meios para
“organizar” os relacionamentos afetivos e sexuais, ora com explicações pautadas na
natureza, ora na afirmação da vontade de Deus, ora nos preceitos médico-
higienistas. E, ainda na sociedade contemporânea, estas três formas aparecem
quer separadas, quer interligadas para justificar ou condenar os relacionamentos
sexuais humanos.
As uniões toleradas na Antigüidade, o homossexualismo, por exemplo, apesar de
todas as considerações legais naquela época, foram severamente punidas na Idade
Média e, com toda desconfiança possível, voltaram a ser discutidas por volta dos
anos sessenta.
Santo Agostinho, assim como São Jerônimo, condenava todo e qualquer
relacionamento sexual excluindo a possibilidade do prazer. Da mesma forma, este
tipo de poder foi indispensável no processo de afirmação do capitalismo, que pôde
desenvolver-se à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção
e por meio do ajustamento da população aos processos econômicos. A sexualidade
foi manipulada para atender às necessidades do capital.
Assim, a partir do século XIX, a nova tecnologia do sexo desenvolve-se ao longo de
três eixos: o da pedagogia (tendo como objetivo a sexualidade da criança), o da
medicina (com a fisiologia sexual própria das mulheres) e o da demografia (com o
objetivo da regulação espontânea ou planejada dos nascimentos). O sexo passa a
133
ser administrado pelo poder e todos os indivíduos são convocados a posicionarem-
se em vigilância.
Dessa forma, conforme afirma Louro (1999, p.25),
a escola passa a ser um espaço de controle dos jovens e
adolescentes. É uma entre as múltiplas instâncias sociais que
exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em
ação várias tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno
exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um investimento
continuado e produtivo desses sujeitos na determinação de suas
formas de ser ou “jeitos de viver” sua sexualidade e seu gênero.
As várias estratégias de poder encadeadas na escola para exercer controle e para
educar os adolescentes, podem ser analisadas a partir do currículo.
De acordo com Silva (1999, p.27), “o currículo estabelece formas de melhor
organizar experiências de conhecimento, dirigidas à produção de formas particulares
de subjetividade. Ao corporificar determinadas narrativas sobre o indivíduo e a
sociedade, o currículo nos constitui como sujeitos”.
Assim, para atingir os objetivos propostos pelos PCN’s, a Orientação Sexual deve
impregnar toda a área educativa do ensino fundamental e ser tratada por diversas
áreas do conhecimento. O trabalho de Orientação Sexual deve ocorrer, portanto, de
duas formas: dentro da programação, através de conteúdos transversalizados nas
diferentes áreas do currículo, e como extraprogramação, sempre que surgirem
questões relacionadas ao tema.
134
Nos PCN’s, a Orientação Sexual é entendida como sendo de caráter informativo, o
que está vinculado à visão de sexualidade que perpassa o documento. A
sexualidade é entendida como um dado da natureza, como algo “inerente,
necessário e fonte de prazer na vida”. Fala-se ainda, em “necessidades básicas”, em
“potencialidade erótica do corpo”, em “impulsos de desejos vividos no corpo”, sobre
o que os adolescentes e jovens precisam ser informados.
De acordo com Altmann (2001, p. 581),
a sexualidade é vista dessa forma sob o ponto de vista biológico,
atrelada às funções hormonais. Quanto à experimentação sexual, à
curiosidade e ao desejo, estes são considerados comuns, quando
compartilhados. A potencialidade erótica do corpo a partir da
puberdade é concebida como centrada na região genital, enquanto
que, à infância é admitido um caráter exploratório pré-genital. Os
conteúdos devem favorecer a compreensão de que o ato sexual,
bem como as carícias genitais, tem pertinência quando
manifestadas entre jovens e adultos.
Ao estabelecer como bloco de conteúdo o “Corpo: matriz da sexualidade”, os PCN’s
admitem as manifestações diversificadas da sexualidade, porém não problematiza a
categoria sexualidade sob o ponto de vista de sua constituição histórica, da mesma
forma que em relação a outras categorias como a homossexualidade e a
heterossexualidade.
Enquanto nos anos 30 a discussão sobre Educação Sexual eclodiu na escola num
momento em que a sífilis fazia numerosas vítimas, os PCN’s (2000, p.147), ao
referirem-se ao item “Prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS”,
reforçam a idéia de que o trabalho de Orientação Sexual visa desvincular a
sexualidade dos tabus e preconceitos afirmando-a como algo ligada ao prazer e à
135
vida. Porém, defender a sexualidade como algo ligado ao prazer e à vida não diz
muito e não é suficiente para desvinculá-la de tabus e preconceitos.
Ainda de acordo com Altmann (2001), soa contraditório e limitado pretender livrar a
sexualidade de preconceitos e tabus apenas vinculando-a ao prazer e à vida,
justamente numa proposta de prevenção às doenças, o que implica pensar a relação
da sexualidade também com a dor, o mal-estar e até mesmo a morte.
No que se refere às relações de gênero, os PCN’s destacam que as diferenças entre
meninos e meninas são determinadas social e culturalmente, mas em nenhum
momento elas são problematizadas. Não preocupação em demonstrar as
relações de poder, exploração e dominação da mulher pelo homem nas diversas
sociedades ao longo da história, o tabu da virgindade e a violência contra a mulher.
Todavia convoca os professores para intervir didaticamente, propiciando
experiências de respeito às diferenças entre meninos e meninas.
Também de acordo com os PCN’s, um dos principais objetivos da Orientação Sexual
nas escolas é o fomento de atitudes de autocuidado, preparando sujeitos
autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua sexualidade, sujeitos que
incorporem a mentalidade preventiva e a pratiquem sempre.
Além de outras disciplinas, a Educação Física aparece como um espaço privilegiado
para isso, seja devido aos seus conteúdos e dinâmica de aula, seja pela relação que
se estabelece entre professor e aluno. Essa disciplina, segundo os PCN’s, propicia
experiências de aprendizagem peculiar ao mobilizar os aspectos afetivos, sociais,
136
éticos e de sexualidade de forma intensa e explícita, o que faz com que o professor
tenha um conhecimento abrangente de seus alunos. Por meio da interação
professor-aluno, as questões da sexualidade poderão ser discutidas para evitar,
segundo os PCN’s, “as discriminações e o respeito pelo outro”.
Da mesma forma, se nos reportarmos à sociedade do século XVIII, perceberemos a
mesma preocupação com a sexualidade das crianças como ocorre atualmente nos
PCN’s. Muitos acreditavam que as crianças se dedicavam ou eram suscetíveis de se
dedicarem a uma atividade sexual; e de que tal atividade sexual, sendo indevida, ao
mesmo tempo natural” e “contra a natureza”, trazia consigo perigos físicos e morais,
coletivos e individuais. Dessa forma, os professores deveriam fazer com que as
crianças realizassem atividades físicas, exaurindo fisicamente o corpo, para evitar a
prática da masturbação. Os professores deveriam se encarregar continuamente
desse germe sexual precioso e arriscado, perigoso e em perigo.
Ao inserir a Orientação Sexual como Tema Transversal temos de pensar que o
professor que desempenhará esta função dificilmente estará preparado para
executá-la.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2000, p.123), ao propor que o
professor “[...] tenha acesso à formação específica para tratar de sexualidade com
crianças e jovens, possibilitando a construção de uma postura profissional e
consciente [...]”, bem como tenha “discernimento para não transmitir seus valores,
crenças e opiniões como sendo princípios ou verdades absolutas”, enfatiza que o
professor adote uma postura ética em relação aos alunos, no que se refere à
137
Educação Sexual. Entretanto, essa não é uma tarefa fácil, pois implica uma
reestruturação dos valores arraigados desde a infância.
Portanto, a condição solicitada é utópica, pois não condições para que o
professor oriente sexualmente seus alunos, pois ele mesmo é sujeito e,
conseqüentemente, carrega preconceitos e tabus. Os educadores de hoje foram os
jovens de ontem, que sofreram toda espécie de repressão moral, sexual e política e,
com certeza, essas deixam marcas profundas em seu modo de pensar e em seus
comportamentos.
Além do mais, os professores não estão preparados para orientar sexualmente seus
alunos. Muitos se sentem despreparados e inseguros e também desconhecem o
papel da Orientação Sexual, pois acreditam que ao informar estariam orientando e
educando. Assim fazendo, nada mais são do que transmissores e opressores de
comportamento.
Segundo Raiça e Fernandez (1985, p.66),
os professores precisam rever sua postura pois: a) é evidente a
insuficiência da qualificação obtida nos cursos de grau. Esses
cursos, especialmente as chamadas licenciaturas, não enfatizam a
formação do professor-educador, papel atual a ser desempenhado
pelos docentes de e graus, e nem conhecimentos corretos
lhes propiciam; b) proliferam as licenciaturas curtas, de carga
horária reduzida e conseqüentemente redução de conteúdo
específico, além de quase ausência de princípios básicos de
Psicologia, Filosofia e Sociologia, mínimos indispensáveis ao
exercício da profissão; c) não se oportuniza, nestes cursos, a
reflexão e a crítica da sociedade e da função do professor inserto
neste contexto. Não se questiona, premiando a passividade
organizada, o comodismo útil e até a omissão planejada; d) deixa-
se para outros setores de economia e para outras áreas do
conhecimento a preocupação com o homem e sua interação com o
seu meio; e) o professor, destituído de reflexão, torna-se impedido
138
de assumir seu verdadeiro papel, jamais oportunizando a crítica,
considerando esta como ameaça em todas as suas manifestações.
Segundo Schneltzner (2000), as disciplinas de conteúdos específicos constituem
grande parte dos currículos de licenciatura e são geralmente embasadas no modelo
psicopedagógico da “transmissão-recepção”, reforçando a concepção de que
ensinar é muito fácil: basta apenas saber o conteúdo e utilizar algumas técnicas
pedagógicas bem treinadas. Os professores, sem ter nenhum conhecimento, tempo
e interesse, tornam-se presas fáceis dos livros e textos didáticos.
De acordo ainda com a mesma autora:
é esta característica dissociativa de dois blocos de disciplinas
estanques específicas/científicas de um lado e pedagógicas de
outro que pode ser apontada como uma das responsáveis quer
pela ineficiência quer pela ineficácia da formação docente nas
licenciaturas. (SCHNELTZLER, 2000, p.17)
Assim, diante dessas dificuldades, é importante que se invista na continuidade do
processo formativo do professor, pois segundo Imbernóm (1998), o professor deve
ser formado para desenvolver uma cultura profissional, a qual se constrói no
coletivo, transcendendo a ação individual. O professor deve refletir continuamente
sobre seu trabalho de forma crítica e construtiva, analisar os pontos positivos e
negativos do seu dia-a-dia, e utilizar-se da teoria como forma para contextualizar
suas ações.
É também importante que os professores contextualizem os temas a serem
trabalhados em termos sociais, econômicos e históricos, buscando articular a teoria
139
e a prática, porque somente assim, tanto professores quanto alunos, poderão ter
acesso à construção de conhecimentos científicos.
É indispensável que haja, por parte dos professores, um aprofundamento em nível
de informação e reflexão, em nível de entendimento do que é o homem e seu papel
social, em nível de entendimento da própria sexualidade humana para poderem
orientar sexualmente os alunos. É necessário garantir espaços específicos na
formação profissional para tornar esses temas objeto de reflexão e análise, revendo
valores e atitudes em relação a eles.
De acordo com Chitolina (2003, p.185),
é um despropósito supor que os temas transversais (ou seriam
filosóficos?) possam ser trabalhados por professores com formação
científica apenas. A visibilidade científica de um problema não
coincide com o horizonte filosófico de sua compreensão.
Historicamente, essas questões pertencem ao campo filosófico, e é
uma doce ilusão imaginar a solução dos problemas que comportam
sem antes se recorrer ao patrocínio da reflexão crítica da filosofia.
Assim, da forma como se nos apresenta o fenômeno educacional,
temos a impressão de que tudo deve se mover para que nada mude.
Pretender que o real seja redutível aos fatos é proclamar a
supremacia positivista do conhecimento, que, por sua vez, tem sido
objeto da própria investigação filosófica.
Dessa forma, o desenvolvimento de atitudes pessoais coerentes com os princípios
éticos, a reflexão filosófica e o domínio de conhecimentos sobre os temas
transversais ao currículo, são fundamentais para a função educativa inerente à
condição de professor. A maneira como se trabalha essas questões na escola trará
repercussões consideráveis na formação dos alunos, tanto na formação de sua
140
auto-imagem quanto na forma de se ver e de se posicionar no mundo enquanto
sujeito.
A escola, de acordo com Enderle (1988), ao propor a Orientação Sexual aos alunos
tenta suprimir toda e qualquer manifestação de energia, autonomia e prazer.
Segundo Enderle (1988, p. 46),
o intuito é justamente promover a desqualificação sexual, esvaziando
a sexualidade de conteúdos gratificantes, descobrindo-a e
substituindo-a por uma intoxicação improfícua de informações sobre
a fisiologia do corpo humano, anatomia dos órgãos reprodutores,
numa narrativa fria e técnica, onde infalivelmente, são omitidas
informações sobre o prazer e a excitação, tema tabu nas
abomináveis lições de sexualidade. A escola cumpre juntamente com
a sociedade, sua função dessexualizante, visando salvaguardar as
instituições.
Também Guirado (1997, p.35) afirma que,
as crianças ou adolescentes, como alunos, reeditam nas relações
constituídas na escola, suas fantasias, seus desejos, conflitos, sua
história; reeditam a posição que se vêem ocupando vida adentro nas
relações entre gerações, gêneros, raças e/ou religiões; um
entrecruzamento fértil, circunstancialmente dado, desses e de outros
vetores. Pretender organizar cada um desses planos, direcionando-
os para um único norte, ou melhor, pretender organizá-los em
atitudes uniformes, conforme as metas de uma educação atitudinal,
é, sem dúvida, uma tarefa a que a escola se propõe, como não
poderia deixar de ser, para se fortalecer como instituição social. Mas
é exatamente nisto que força a barra, que ultrapassa seus limites,
anda na contramão de uma ética da relação social, e mesmo da
intimidade.
A Orientação Sexual nas escolas deve deixar de ser uma questão meramente
técnica para ser uma questão abrangente, uma questão social e histórica, pois não
se pode educar de maneira fragmentada, dividida e superficial. Isso, implicitamente,
reforça a educação tradicional, sistemática, induzindo o adolescente a ter uma visão
141
preconceituosa da realidade. Orientar sexualmente implica uma retomada de
recursos metodológicos como a história, a psicologia, a filosofia, a antropologia, a
moral e a evolução social, permitindo a construção social da sexualidade.
Segundo Vasconcelos (apud NUNES, 1997, p.18),
educação sexual é abrir possibilidades, dar informações sobre os
aspectos fisiológicos da sexualidade, mas principalmente informar
sobre suas interpretações culturais e suas possibilidades
significativas, permitindo uma tomada lúcida de consciência. É dar
condições para o desenvolvimento contínuo de uma sensibilidade
criativa em seu relacionamento pessoal [...] a procura mesmo da
beleza interpessoal, a criação de um erotismo significativo do amor.
Assim, a Orientação Sexual deve estar implicitamente ligada a uma transformação
social mais abrangente e, a escola, além de ser espaço de novas significações e
vivências, deve ser o espaço onde a crítica sobre a sexualidade estabelecida deve
ocorrer constantemente.
E, para alcançar tal objetivo, é imprescindível ressaltar também a importância e as
relevantes contribuições da Psicologia para a Educação, tanto no desenvolvimento
das práticas educacionais nos cursos de licenciatura quanto fonte de subsídios para
a formação do professor. É importante também que o orientador sexual perceba que
a Psicologia é uma grande aliada no processo educativo por oportunizar
conhecimento sobre a adolescência, uma fase da vida dos jovens marcada por
crises e transformações marcantes.
A esse respeito, Ragonesi (apud KARLING, 2000, p.62), argumenta que
142
a dialética histórica pode evidenciar o homem em seu
desenvolvimento de vir a ser e, é nesta práxis que podem se
constituir e criar novas formas de objetivação, que preparam e
possibilitam novas formas de subjetivação. Para nós, assumir estes
pressupostos significa colocar a Psicologia de fato como a ciência do
e para o homem e que, por isto, pode reunir as condições
necessárias, ainda que não suficientes, para responder à sua
realidade concreta, social e historicamente determinada.
Atualmente, inseridos numa sociedade altamente erotizada e consumista, os jovens
sentem-se invadidos e expostos a uma grande quantidade de estimulação sexual. A
indústria cultural vende um jeito de ser e de se comportar legitimando determinadas
identidades e negando outras. A sexualidade é tratada de forma banal e as relações
entre os adolescentes se modificaram em função da modernização dos costumes.
Essas relações passaram a ser descartáveis, pois o “homem-mercadoria” se
relaciona com os outros homens como se relaciona com os objetos materiais.
Conforme afirma Fabiano (1998), a massificação cultural fragmenta a subjetividade
humana para nela introjetar uma objetividade ideológica reforçando a estrutura
dominante. A sociedade como um todo passa a caracterizar-se como uma
sociedade de objetos, de consumo, na qual tudo é descartável, inclusive as relações
entre as pessoas.
uma proliferação da sexualidade “fabricada” pelo poder, com o objetivo de lucrar
economicamente, por intermédio da medicina, da propaganda, da prostituição e da
pornografia. Os jovens falam de sexo a todo instante, incentivados por metodologias
e práticas pedagógicas que têm por objetivo produzir sujeitos autodisciplinados para
evitar as doenças sexualmente transmissíveis conforme preconizam os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Por outro lado, a primeira relação sexual acontece cada vez
143
mais cedo e, apesar do nível de informação, os adolescentes ainda possuem pouco
conhecimento sobre tais aspectos.
De acordo com os PCN’s, a Orientação Sexual deveria se concentrar maciçamente
na transmissão de informações científicas para evitar atualmente o avanço da AIDS
e da gravidez na adolescência, no entanto, conforme afirma Boruchovitch (2000),
atualmente os cursos de Orientação Sexual não têm se mostrado eficazes em ajudar
os adolescentes a transformarem a informação científica em comportamentos
saudáveis. Isto se deve ao fato de a Educação Sexual ter se concentrado
efetivamente na transmissão de informações científicas as quais, de uma maneira
geral, o adolescente pode adquirir por intermédio de outras fontes.
Segundo a mesma autora, os adolescentes atuais revelam uma preferência por uma
Educação Sexual que envolva discussões em grupo, com pessoas do mesmo sexo
e voltada para os aspectos humanos e positivos da sexualidade, ao invés de única e
exclusivamente ser centrada na prevenção de conseqüências negativas associadas
a ela.
Dessa forma, as mensagens para o desenvolvimento de um conceito mais realista a
respeito do risco, por oposição a mensagens que provocam medo, bem como
informações precisas de como o comportamento perigoso pode ser mudado,
mostram-se bem mais efetivas na redução do comportamento de risco e no
compromisso com a mudança. Assim, a sexualidade na escola deve ser tratada e
discutida de maneira profundamente próxima, densa de dignidade e humanismo,
para ser eficaz e significativa.
144
De acordo com Adorno (1995, p.150), a educação tem grandes desafios. “Um deles
é eliminar a educação para a disciplina, através da dureza que sempre predominou,
antigamente de forma explícita, através de castigos físicos e morais, e hoje, de
maneira camuflada através de uma repressão psicológica”.
A escola, atualmente, ao propor espaço para debates e discussões sobre a
sexualidade, deve priorizar experiências crítico-formativas, possibilitando aos
adolescentes desenvolverem suas potencialidades humano-formativas.
A escola precisa realizar um processo auto-reflexivo e repensar sua prática de
maneira a formar pessoas emancipadas, capazes de tomarem decisões e utilizarem-
se do entendimento sem que outra pessoa a oriente ou dirija.
Orientar sexualmente não se limita apenas a transmitir informações reprodutivas ou
preventivas como a escola vem fazendo, mas realizar um trabalho mais amplo,
profundo, abordando uma dimensão ética, cultural, filosófica, histórica e política,
abrangendo o indivíduo como um todo, isto é, razão e emoção, corpo e espírito.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objetivo realizar um estudo sobre a sexualidade e a
adolescência ao longo da história e efetuar algumas reflexões acerca da Orientação
Sexual realizada na escola, diante das transformações e das práticas sexuais
contemporâneas, principalmente na adolescência, uma vez que seus efeitos
repercutem no espaço escolar.
A relevância de se estudar a sexualidade e a adolescência nos dias atuais não
chega a ser um fato novo, porém é um trabalho de pesquisa instigado pela
necessidade de entendimento de algumas questões relacionadas ao trabalho
desenvolvido junto aos jovens.
A sexualidade faz parte da vida do homem e vem percorrendo caminhos
interessantes ao longo de sua história. Houve épocas em que fazer sexo e falar
sobre ele não requeria muitas restrições. A partir do século XVII a sexualidade foi
encerrada, pois a Igreja e o Estado, através de mecanismos de poder, tentaram
controlar as vivências sexuais com o auxílio da ciência. A sexualidade mudou-se
para dentro de casa e voltou-se inteiramente para a função de reproduzir. Isto
coincidiu com o desenvolvimento do capitalismo que reprimiu o sexo com rigor por
este ser incompatível com as relações de trabalho.
Por volta do século XVIII, a preocupação passou a ser com o sexo dos
adolescentes, tornando-se um problema público. Toda uma literatura de preceitos,
pareceres, observações, advertências, casos clínicos, esquemas, reformas e planos
proliferou em torno do adolescente e seu sexo. Neste momento, a sociedade afirma
que, seu desenvolvimento econômico e social está ligado à maneira como cada qual
utiliza seu sexo e acaba por regular a virtude dos cidadãos, as regras dos
casamentos e a organização familiar.
No século XIX, falar sobre sexo era motivo de vergonha e pudor. Os controles
sociais se desenvolveram e filtraram a sexualidade dos casais, dos pais e dos
adolescentes, tratando de separar, proteger e prevenir. O perigo era visto em toda
parte, despertando atenção, cuidados, diagnósticos e tratamentos terapêuticos.
O século XX caracteriza-se por um momento em que os mecanismos de repressão
teriam começado a afrouxar, passando das interdições sexuais imperiosas a um
controle mais “disfarçado”, em que são impostas normas, regras, valores e
“cuidados”. Os indivíduos não são mais obrigados a se “confessar” como na Idade
Média para obter a indulgência de seus “pecados”, entretanto, “confessam” por puro
prazer nas conversas com os amigos, nos chats via computador.
Atualmente o sexo exacerbou-se em função dos meios de comunicação e os
adolescentes ficam expostos a uma grande quantidade de estimulação sexual. A
sexualidade é tratada de forma banal, influenciando o comportamento dos jovens
que se sentem cada vez mais inseguros e angustiados, pois estão numa fase de
grandes transformações físicas, de indefinição de seu papel social e de sua
147
identidade sexual. Os jovens sofrem pelo corpo perdido, pela perda de sua
identidade e dos pais da infância.
Diante de muitas incertezas, os adolescentes tentam imobilizar o tempo na intenção
de preservar as conquistas passadas e apaziguar as angústias relacionadas ao
futuro. Os adolescentes percebem que seus desejos e idéias não são mais
concordantes com os dos pais e, sentindo remorso em assumi-los pelo temor das
conseqüências, procuram o grupo de amigos para transferir-lhes essa dependência.
Assim, as questões referentes à sexualidade também são discutidas entre os
amigos que adquirem um papel relevante, no entanto, as conversas entre iguais
estão longe, muitas vezes, de se constituírem em informações coerentes e corretas.
Muitos pais, por tabu ou desinformação, omitem-se e não dialogam com os filhos
sobre sexo, relegando às outras instituições a sua função.
E, dentre as inúmeras instituições, a escola é convocada a solucionar os problemas
através da Orientação Sexual. Concebida como um tema transversal, atravessa as
fronteiras disciplinares e se dissemina por todo o campo pedagógico, não apenas
com um caráter informativo como sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais,
mas com um efeito de intervir no interior do espaço escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais incitam a escola, por meio de práticas
pedagógicas diversas, a construir e mediar a relação do jovem com ele mesmo, de
modo a fazer com que esse tome a si próprio como objeto de cuidados, alterando
comportamentos.
148
Fazendo com que os adolescentes falem sobre sexo, tirem dúvidas, questionem, a
escola aumenta seu controle sobre os indivíduos, não através de proibições e
punições, mas através de mecanismos, metodologias e práticas que visam a
produzir sujeitos autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua
sexualidade. Percebe-se claramente que, um dos principais objetivos dos PCN’s ao
implementar a Orientação Sexual nas escolas, é a preparação de sujeitos que
incorporem a mentalidade preventiva contra as doenças sexualmente transmissíveis
e a gravidez precoce, sem levar em consideração muitos outros aspectos.
Dessa forma, a sexualidade atravessa todos os espaços escolares impondo regras e
normas, estabelecendo mudanças no modo de ser dos indivíduos e dando novo
sentido e valor à sua conduta, aos seus desejos, prazeres, sentimentos e sonhos.
De acordo com Chauí (apud CHITOLINA, 2003, p.198),
em nossa época, quando observamos o prestígio e o fascínio que o
saber científico exerce na vida das pessoas ao pretender explicar ou
fazer transparente a realidade, somos obrigados a suspeitar do poder
de domínio da ciência. No momento em que cada vez mais pessoas
depositam uma confiança cega, acreditam nos procedimentos, nos
resultados, nas descobertas e nos avanços científicos, faz-se
necessário indagar dos interesses em jogo. No momento em que a
ciência deseja ter a última palavra, determinar a vida das pessoas,
ela se torna o lugar privilegiado da ação ideológica. A compreensão
da realidade cede lugar à explicação; a capacidade crítica é
destruída em nome da crença.
A escola, ao orientar sexualmente os alunos, o faz de modo superficial, preso à
aparência dos fatos e acontecimentos, não atingindo a profundidade das questões
porque não indaga para além daquilo que foi observado, sentido e verificado. A
ação educativa que se instaura no interior da escola pela transversalidade do
149
conhecimento apresenta-se não como um ideal a ser perseguido, mas como
reprodução de um sistema de poder permeando as relações.
A grande maioria dos professores, por sua vez, além de não terem sido preparados
para trabalhar questões sobre a sexualidade, não se sentem suficientemente
seguros, pois muitos educadores de hoje foram os jovens de ontem, que sofreram
toda espécie de repressão, o que deixou marcas profundas em seu modo de pensar
e agir. Muitos deles ainda carregam tabus e valores que lhes foram transmitidos e
que acabam por influenciar toda a prática pedagógica com julgamentos moralistas e
preconceituosos.
Analisando-se, pois, essas questões, percebe-se que escola ao se propor educar
sexualmente jovens e adolescentes, deve fazê-lo não somente na forma de
questões biológico-reprodutivas, médico-higienistas e preventiva ou ainda como
questões de cunho moral, espiritual ou mística. A escola deve contribuir para que os
adolescentes possam desenvolver sua sexualidade de maneira responsável,
implicando numa retomada de recursos metodológicos como a história, a filosofia, a
psicologia, a antropologia e a moral.
A escola, ao orientar sexualmente jovens e adolescentes, deve estar consciente de
seu papel enquanto formadora de homens críticos, emancipados, pois segundo
Chitolina (2003, p.192),
qualquer sociedade será emancipadora se a sua ação política se
manifesta através de uma educação emancipadora, apta a operar a
passagem da consciência reflexa para a consciência reflexiva. Cuidar
da educação significa cuidar do homem, de seu ser e existir.
150
Confirma-se, ainda, a necessidade da formação do professor para que este possa
orientar jovens e adolescentes no desenvolvimento de atitudes coerentes com os
valores que ele próprio elegeu como seus.
É importantíssimo que o professor, principalmente aquele que se dispõe a ser um
orientador sexual ou que trabalhe outros Temas Transversais (Pluralidade Cultural,
Ética, Saúde, Meio Ambiente) em sua disciplina, possua uma formação tanto inicial
quanto continuada, que possa garantir-lhe subsídios para o desempenho de sua
função em consonância com as necessidades de seus alunos e da escola.
O professor deve estar consciente de que as mudanças tecnológicas e científicas
ocorrem velozmente, alterando todas as instituições culturais e sociais, os usos e
costumes, refletindo de maneira efetiva na vida das pessoas, principalmente dos
jovens e adolescentes.
De acordo com Libâneo (2002, p.70), os professores deveriam desenvolver
simultaneamente três capacidades:
a primeira, de apropriação teórico-crítica das realidades em questão
considerando os contextos concretos da ação docente; a segunda,
de apropriação de metodologias de ação, de formas de agir, de
procedimentos facilitadores do trabalho docente e de resolução de
problemas de sala de aula. O que destaco é a necessidade da
reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como
marco para as melhorias das práticas de ensino, em que o professor
é ajudado a compreender o seu próprio pensamento e a refletir de
modo crítico sobre sua prática e, também a aprimorar seu modo de
agir, seu saber-fazer, internalizando também novos instrumentos de
ação. A terceira, é a consideração dos contextos sociais, políticos,
institucionais na configuração das práticas escolares.
151
Portanto, é necessário que o professor não perca de vista o adolescente que tem
diante de si para, efetivamente, poder compreender como agem, pensam e sentem.
Ao professor cabe despertar nos alunos a consciência de si e do outro e reconhecer
como lícito o direito ao prazer, propiciando condições para que estes busquem sua
própria felicidade.
Por fim, foi muito gratificante e prazeroso realizar este trabalho, porque veio
responder às inquietações e dúvidas levantadas enquanto professora de pré-
adolescentes e entusiasta por essa temática. Temos a convicção de que esse tema
não se esgotou com este trabalho e espera-se que as reflexões contidas aqui
possam ser aprofundadas e discutidas por todos aqueles que se interessam e
refletem sobre a adolescência, sua sexualidade e o papel da escola frente aos
problemas enfrentados pelos jovens.
152
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