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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ÁREA: FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
MARIA SILVINHA CARARO MARTINS
A PARCERIA FAMÍLIA-ESCOLA:
UMA PROPOSTA DOS HIGIENISTAS.
MARINGÁ
2005
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MARIA SILVINHA CARARO MARTINS
A PARCERIA FAMÍLIA-ESCOLA:
UMA PROPOSTA DOS HIGIENISTAS.
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá,
como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação da
Profª. Drª. Maria Lúcia Boarini.
MARINGÁ
2005
2
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BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profª. Drª. Maria Lúcia Boarini
Presidente da Banca - Orientadora
______________________________________________
Profª. Drª. Guaraciaba Aparecida Tullio
Membro do Corpo Docente (UEM – PPE)
______________________________________________
Prof. Dr. Marcos Alexandre Gomes Nalli
Membro Convidado (UEL – Londrina – PR)
3
AO NOSSO FILHO MORENA
Se hoje a tua mão não tem manga ou goiaba
Se a nossa pelada se foi com o dia
Te peço desculpas , me abraça meu filho
Perdoa essa minha melancolia
Se hoje você não estranha a crueza
Dos lagos sem peixes, das ruas vazias
Te olho sem jeito, me abraça meu filho
Não sei se tentei tanto quanto podia
Se hoje teus olhos vislumbram com medo
Você já não vê e eu juro que havia
Te afago o cabelo, me abraça meu filho
Perdoa essa minha agonia
Se deixo você no absurdo planeta
Sem pique-bandeira e pelada vadia
Fujo do teu medo, me abraça meu filho
Não sei eu tentei mas você merecia.
(Oswaldo Montenegro)
Às pessoas do passado e do presente que
através de sua vida e suas palavras
4
tentaram humanizar um pouco mais este
mundo.
AGRADECIMENTOS
Deixo aqui consignados sinceros agradecimentos a todos que comigo fizeram a
caminhada a cujo fim me alegro em estar chegado, especialmente:
- à professora Maria Lúcia Boarini, que acreditou e me conduziu,
em seu modo sempre sereno, sempre seguro.
- à minha família nuclear Celso e Mariana, que reconhece meu esforço e
incentiva com afeto.
- a Marlene e à Júlia, por me substituírem como mãe, esse meu outro
lugar de realização.
5
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................... 07
ABSTRACT.................................................................................................. 09
CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................... 11
CAPÍTULO I – A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA 15
1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A FAMÍLIA 15
1.1.1 A família reconhecida pelo projeto 17
1.1.2 A educação redentora dos males sociais 19
1.1.3 “Amigos da escola” 21
1.2 A TRANSFORMAÇÃO DA FAMÍLIA RUMO À MODERNIDADE 31
1.2.1 A construção do sentimento de família 31
1.2.2 Formas de organização da família 36
1.3 A FAMÍLIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA 40
CAPÍTULO II ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A SITUAÇÃO
ECONÔMICO-SOCIAL DO BRASIL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO
SÉCULO XX.
45
2.1 AS LEIS E OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO NAS PRIMEIRAS
DÉCADAS DO SÉCULO XX
47
CAPÍTULO III – O MOVIMENTO HIGIENISTA 58
3.1 O HIGIENISMO LEGITIMA AS CIÊNCIAS 58
CAPÍTULO IV – O CAMINHO CONSTRUÍDO 67
4.1 TRAJETO DE NOSSA PESQUISA 67
4.2 OS “ARCHIVOS BRASILEIROS DE HYGIENE MENTAL” 69
6
CAPÍTULO V – AS PRÁTICAS HIGIENISTAS
72
5.1 AS AÇÕES HIGIENISTAS 72
5.2 A SAÚDE ATRAVÉS DA HIGIENE ESCOLAR 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 96
REFERÊNCIAS ....................................................................... 101
7
RESUMO
Esta pesquisa se insere nas investigações que vêm sendo desenvolvidas
pelo Grupo de Pesquisas sobre Higienismo e Eugenismo (GEPHE) vinculado ao
programa de pós-graduação ao nível de mestrado, da Universidade Estadual de
Maringá, sob o tema “A educação e os pressupostos do Higienismo e da Eugenia”.
O objetivo deste estudo é compreender e analisar as propostas para
aproximar a família da escola apresentadas pela Liga Brasileira de Hygiene Mental,
nas décadas de 1920 a 1940, no Brasil. Nele se evidenciam os meios e as formas
como se deram as ações de intervenção na família e na escola, considerando-se os
movimentos sociais e as descobertas científicas ocorridos nessa época, que
favoreceram novas elaborações na forma de pensar e constituir o mundo. Vale
lembrar que os avanços médico-científicos desses momentos demonstraram à
humanidade que as doenças orgânicas eram causadas por microorganismos vivos,
que se reproduziam em ambientes e corpos sem higienização, por isso criar hábitos
de higiene na população era tarefa urgente. Em articulação com o desenvolvimento
científico, uma nova ordem econômica se estabelecia num meio crescentemente
citadino, o qual exigia uma nova forma de conduta da população urbanizada, que,
por carência de estruturas sanitárias e por condições econômicas ínfimas, vivia em
ambientes onde se originavam e proliferavam doenças. Este contexto científico e
econômico legitimou as ações dos médicos higienistas, considerados, na época, os
detentores dos conhecimentos biológicos que elaboraram ações para possibilitar
mudanças no comportamento da população. Limitando nossa atenção à educação
higiênica, buscamos compreender como estas intervenções higienistas foram
conduzidas pela escola às famílias e à comunidade naquele momento.
Por assim ser propomos uma análise histórica dos projetos propostos
pelos higienistas no que se refere às ações a serem desenvolvidas com as famílias
e os alunos. Consideramos também que tais ações fazem parte da história social
construída de forma não linear, mas entre contradições. Destarte partimos das
análises dos projetos contemporâneos “Dia Nacional dos Pais na Escola“ e “Amigos
8
da Escola”, os quais buscam aproximar a família da escola, com propostas para a
participação dos pais na vida e na realidade escolar.
Para finalizar, confrontamos os encaminhamentos propostos pelos
higienistas com os projetos de atualidade, à luz dos acontecimentos histórico-sociais
de uma sociedade que vive sob a égide do sistema capitalista.
Concluímos que, apesar das transformações ocorridas quer na família
quer na instituição escolar, a busca de solução para a crise da sociedade continua
sendo atribuída ao indivíduo em particular, e neste caso, a família é este indivíduo, e
vai ser chamada para assumir responsabilidades que eram de atribuição do Estado.
9
ABSTRACT
This research infers in the investigations that have been developed by the
Group of Researches on Hygienism and Eugenics (GEPHE) linked to the masters
degree program at the master's degree level, of the State University of Maringá, and
it has been submissed to the theme " the education and the presuppositions of
Hygienism and of the Eugenics ".
The principal goal of this study is to understand and to analyze the proposals to
approximate family and school together. They are presented by the Brazilian League
of Mental Hygiene, in the decades from 1920 to 1940, in Brazil. In this research has
shown the ways and actions which they interfered in the family and in the school.
This study also has being considered the social movements and the scientific
discoveries happened in that time, and it helped to elaborate new ways of thinking
and of the constitution the of world. There is still an important reminder of progresses
of those moments, and they were demonstrated the humanity that the organic
diseases were caused by alive microorganisms, reproduced in atmospheres and
bodies without clean. For this reason, It was necessary to create hygiene habits in
the population was urgent task. In articulation with the scientific development, a new
economical order could be established in town planner, where it demanded a new
form of conduct of the urbanized population. And for lack of sanitary structures and
for tiny economical conditions, the urbanized population lived in atmospheres where
arose and diseases proliferated. This scientific and economical context legitimated
the actions of the doctor hygienists considered, at that time, the holders of the
biological knowledges. So they elaborated actions to make possible changes in the
behavior of the urbanized population. We can limit our attention to the hygienic
education, we looked for to understand as these interventions hygienistcs were
driven by the school to the families and to the community on that moment.
Thereby, we propose a historical analysis of the projects proposed by the
hygienistics actions to be developed with the families and the students. We can also
considered that these actions are part of the built social history in way no lineal. But
10
the same time this kind of history has been contradictory. Then we can analyse of the
contemporary projects " National Day of the Parents in the School " and " Friends of
the School ", and Te projects look for to approximate the family of the school, and
they propose for the parents' participation in the life and in the school reality.
We can confront the directions proposed by the hygienists with the current time
projects, and they are involved in the historical-social events of a society that lives
under the leadership of the capitalist system.
Therefore, in spite of the happened transformations in the family group or in
the school institution, the solution search for the crisis of the society continues being
attributed to the individual. In this case, the family is this individual particularly, and
this familiar group will be called to assume responsibilities which were attributed to
Federal Government.
11
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente estudo tem por objetivo investigar as propostas para
aproximar a família da escola apresentadas pela Liga Brasileira de Hygiene Mental -
LBHM, nas décadas de 1920 a 1940 no Brasil.
Partiremos do princípio de que a ação humana é construída social e
historicamente, visto que o homem se constrói incorporando experiências e
conhecimentos produzidos e transmitidos por outras gerações. Neste processo, ele
se humaniza à medida que, ao se relacionar com o outro, desenvolve o seu
potencial de entendimento, alterando também o potencial de quem se relaciona com
ele. Desta forma o processo de humanização promove a interdependência de outros
seres humanos, tanto para a produção de bens como para produzir conhecimentos,
valores e costumes.
Partilhamos da idéia de que o sustentáculo de todas as relações humanas
é o trabalho, que determina e condiciona a vida. O trabalho, desta perspectiva, é
uma atividade intencional, envolvendo formas de organização, com o objetivo de
produzir os bens necessários à vida humana.
Assim, sob a perspectiva histórica, entendemos que são as bases
produtivas de uma sociedade que irão determinar as suas formas políticas e
jurídicas, bem como todo o conjunto de idéias existentes em uma sociedade, como
sustenta Marx (1998, p. 24):
(...) a produção de idéias, de representação e da consciência está em
primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao
comércio material dos homens; é a linguagem da vida real (...) Não é a
consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a
consciência.
Destarte, investigar as ações higienistas, que interferiram na família e na
escola através da Liga Brasileira de Hygiene Mental (LBHM)
1
nas quatro primeiras
1
Utilizaremos a sigla LBHM em todo o trabalho para nos referir a Liga Brasileira de Hygiene Mental.
12
décadas do século XX é buscar o passado para entender o presente, sobretudo
quando observamos que na atualidade são propostos projetos no campo
educacional escolar, para uma interação entre a família e a escola, dirigindo ações
para a aproximação dessas duas instâncias.
Desta forma, as propostas higienistas, como uma expressão social,
podem nos ajudar a compreender, além do pensamento higienista e dos problemas
históricos sociais daquela época, também as propostas de interferência na escola e
na família apresentadas na contemporaneidade.
Para tanto, a recuperação dos ideais e das propostas da LBHM será
realizada por meio da investigação da literatura da época e, principalmente, através
da publicação editada pela LBHM, os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental
(ABHM)
2
e também dos anais de congressos e conferências que tiveram a
participação do grupo de higienistas, pois, “o resgate do pretérito enquanto cenário
de construção do conhecimento científico e suas interfaces ideológicas é, sem
dúvida, um dos compromissos do pesquisador” (GEPHE, 2005).
Decorrido quase um século desde o início das propostas médico-
pedagógicas dos higienistas encontramos os projetos “Dia Nacional da Família na
Escola”, proposto pelo Governo Federal, através do Ministério da Educação, nos
anos de 2001, 2002; e o programa “Amigos da Escola”, proposto pela Rede Globo
de Televisão. Esses projetos, apesar de apresentarem objetivos diferentes dos do
projeto higienista, utilizam os mesmos caminhos, ou seja, a parceria entre a escola e
a família, para alcançar seus objetivos.
Esses dois projetos atuais trazem como proposta realizar uma integração
dos pais com a escola, desconsiderando o contexto social econômico, que vem
promovendo no transcorrer do tempo significativas mudanças de valores na
redefinição de papéis dos membros das famílias, ao apresentar novas configurações
na organização familiar.
Compreendemos, não obstante, que os fatos históricos estudados não
devem ser transpostos mecanicamente de uma época para outra, mas sim, com
entendimento de sua complexa dinâmica, onde encontramos avanços e retrocessos
que ampliarão nossa visão global do seu conjunto.
2
A sigla ABHM será utilizada para nos referirmos aos “Archivos Brasileiros de Hygiene Mental”.
13
Assim, essas formas de interferência na escola e na família, propostas
por empresas privadas e pelo governo, instigam-nos a questionamentos. Qual a
intenção das propostas de aproximação entre a família e a escola, atualmente? Até
que ponto a interferência na escola e na família, efetuada na contemporaneidade,
estaria repetindo um procedimento que os higienistas apresentaram no início do
século? A família chamada para vir à escola, atualmente, consegue atender a esse
chamado?
São estas questões que nos estimulam a estudar esta temática, que é
desenvolvida em cinco capítulos.
No primeiro capítulo, realizamos o levantamento sobre as propostas
atuais, dirigidas à família e à escola, apresentadas nos projetos “Dia Nacional da
Família na escola” e “Amigos da escola”, focalizando o discurso desenvolvido pelos
idealizadores destes projetos quando chamam a família para participar da educação
escolar, observando a forma como tais projetos vêem a configuração da família
atual. Para melhor entendimento da formatação histórica da organização familiar,
recorremos aos estudos de Philippe Ariès (1981) e Friedrich Engels (2002) e a
alguns dados de levantamentos estatísticos apresentados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, 2002), que nos ampliam a visão para melhor pensar e
compreender o grupo família, que não se mantém estático, mas é transformado no
âmago do desenvolvimento da sociedade.
Para entender as formas de relacionamento social, no segundo capítulo
localizaremos o contexto econômico-social do Brasil no início do século XX,
destacando, também, algumas formas de pensar a educação que o movimento
renovador da educação trazia para o campo educacional, contribuindo para
divulgação do ideário higienista.
No terceiro capítulo deste trabalho demonstraremos como o avanço
científico deu abertura para os médicos e educadores pensarem e executarem
ações voltadas para a saúde e higiene dos indivíduos e nesta mesma ação
legitimarem as ciências como meio para se resolverem questões sociais
apresentadas pela sociedade da época.
O nosso percurso metodológico, o caminho que os higienistas
percorreram para desenvolver os seus projetos e intentos, bem como a
apresentação dos históricos da Liga Brasileira de Hygiene Mental, serão
desenvolvidos no quarto capítulo.
14
No quinto capítulo faremos as apresentações de como foram
desenvolvidas as práticas higienistas, que orientavam a escola para interferir no
âmbito familiar, bem como das formas de atuação utilizadas pela escola no
desenvolvimento dessa relação, a qual direcionava costumes e hábitos higiênicos da
sociedade presentes até os dias atuais.
Para finalizar, teceremos algumas considerações que apontam para o retorno a
família na busca de soluções de problemas que ela, isolada, não tem possibilidades
de resolver.
15
CAPÍTULO I - A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA
A participação de mães, pais e outros familiares é
muito importante num projeto de abertura da
escola. Quando eles participam, o desempenho
escolar dos filhos e filhas melhora visivelmente.
(CENPEC, 1999, p.15).
1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A FAMÍLIA
Atualmente temos no Brasil, no campo escolar, uma proposta de
integração entre família e escola apresentada pelo Governo Federal, que, através do
Ministério da Educação, apresenta um projeto sugerindo às escolas a busca da
participação dos pais, com vista à melhoria da escola pública, desde a educação
infantil até o ensino médio. Estamos nos referindo ao “Dia Nacional da Família na
Escola”, cujo objetivo é incentivar e intensificar a relação entre a família e a escola.
16
Desta forma, o Ministério da Educação (MEC) propôs e desenvolveu o “Dia Nacional
da Família na escola” no espaço dos anos de 2001 e 2002, tendo término no final do
Governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse dia, as escolas do ensino
fundamental e médio, em nível nacional, programaram-se para receber os pais de
alunos, com reuniões nas suas respectivas comunidades escolares. Em referência a
isso disse então ministro Paulo Renato de Souza, através de teleconferência:
Na perspectiva de realizar a integração entre família e escola, propomos
que a cada semestre, os pais sejam chamados pela escola, para participar
de um encontro. A cada escola cabe estabelecer sua programação especial
para receber os pais (BRASIL, 2001).
As escolas da rede pública que aderiram a essa proposta do MEC
passaram a inserir nos calendários escolares anuais as semanas programadas para
a presença da família na escola. Desta forma, no decorrer do ano letivo, efetivavam
o convite para que a família se fizesse presente na escola. Na ocasião, o MEC, em
nível nacional, fazia um chamamento, por intermédio de diversos meios de
comunicação (rádio, televisão, jornais, etc.), para que os pais se fizessem presentes
nas escolas de seus filhos, onde conversariam com os professores e a equipe
pedagógica.
No lançamento do programa, que ocorreu no dia 24 de abril de 2001, foi
realizada uma teleconferência, através da TV Educativa, a qual, dentre outras
autoridades, contou com a presença do então Ministro da Educação, Paulo Renato
de Souza. Nessa teleconferência, foram mostradas matérias de experiências
positivas das parcerias escola-família em algumas partes do país, e também como
acontecera o lançamento do programa “Dia Nacional da família na Escola” em
alguns Estados brasileiros.
No rádio e televisão a mensagem publicitária trouxe um jingle, com vozes
infantis, apresentando o refrão: “Quero você na escola, com meu professor, me
ajudando a aprender. Quero você na escola, com meu professor me ensinando a
viver”. A idéia exposta era que a escola precisava de ajuda no ensino e
aprendizagem dos alunos, e por esta razão, os pais eram chamados para ajudá-la.
No ano de 2002, as famílias das crianças de a série receberam cartilhas com
orientação de como se programar para participar das aprendizagens escolares dos
filhos.
17
Aproximadamente 20 milhões de cartilhas, foram distribuídas em todo o
território nacional, nas escolas do Ensino Fundamental, do primeiro
segmento, com o objetivo de orientar os pais a incentivar o aprendizado dos
filhos por meio de atividades do cotidiano
(BARRETO, 2003).
Não como discordar da importância da participação e a atuação da
família na vida escolar de seus filhos. É a família que dentre tantas outras funções
tem o direito e o dever de cobrar do Estado a garantia de qualidade na educação
escolar. Mas apesar de que o convite às famílias para participarem do processo de
aprendizagem escolar dos filhos tenha sido conduzido como sinônimo de
participação democrática, se observado com mais cuidado pode revelar a possível
intenção de transferir para a família a total responsabilidade pelo sucesso ou
fracasso escolar de seus filhos. Sob esta perspectiva, este programa educacional se
sustenta na política social cujo objetivo é assegurar a situação de Estado mínimo,
com a individualização dos problemas ou questões sociais.
Este Estado mínimo vai delegar as responsabilidades para a comunidade
e, no processo, abandonar espaços de atividade pública social, assumindo a
condição de Estado forte na organização econômica, através de mecanismos
institucionais, e de Estado mínimo nas questões sociais. Esta posição tomada pela
política neoliberal sustenta-se na teoria de que é o “estado de bem-estar social” que
gera a crise, portanto a lógica se faz pela retomada dos mecanismos do mercado,
seguindo a tese apresentada por Hayek (1977), de que as políticas sociais
conduzem a escravidão e a liberdade de mercado à prosperidade. É neste contexto
de liberdade de mercado e de minimização das políticas públicas que a família e a
comunidade como um todo vão ser solicitadas para participar da escola. Seguindo a
orientação do Banco Mundial, o Estado deve passar por uma redefinição de suas
funções, superando o momento em que ele se concentra na correção das falhas do
mercado. Nesta meta de redefinições, o Estado deve buscar a participação da
comunidade. Entre as orientações para esta nova forma de governo, encontramos a
seguinte observação:
Levar as sociedades a aceitar uma redefinição das responsabilidades do
Estado é apenas uma parte da solução. Esta de incluir uma seleção
estratégica das ações coletivas que os Estados procurarão promover,
juntamente com maiores esforços para reduzir a carga imposta ao Estado,
fazendo com que os cidadãos e as comunidades participem da prestação
dos bens coletivos essenciais (BANCO MUNDIAL, 1997).
18
A educação escolar, sendo um desses bens essenciais para a coletividade,
vai estar inserida nessa concepção de redefinição de responsabilidades entre o
Estado e a comunidade. O programa “Dia Nacional da Família na Escola” é a
confirmação disso, visto que solicita a participação dos pais na educação escolar de
seus filhos.
1.1.1 A família reconhecida pelo projeto
Na cartilha Educar é uma tarefa de todos nós (BRASIL, 2001?), parte
integrante do material pertencente ao projeto “Dia Nacional da Família na Escola”,
distribuído no ano de 2002, encontramos o modelo de família que este projeto
pressupõe. Na capa da referida cartilha temos um desenho em que, representando a
família, está a imagem de um pai e uma mãe com um casal de filhos se
encaminhando para a escola. Nessa representação de família transparece a idéia de
que se trata de uma família nuclear
3
, harmoniosa, onde a participação efetiva do pai
e da mãe que conduzem o filho deixa-nos uma visão ideológica de sociedade,
ocultando a transformação na organização das famílias ao longo dos séculos e
desconsiderando a configuração da família na sociedade contemporânea, bem como
suas possibilidades para atender a este projeto. A referida cartilha apresenta
sugestões de atividades que os pais possam desenvolver em casa com seus filhos,
despertando-lhes a curiosidade e aumentando-lhes o prazer em aprender.
Observamos, no entanto, que as atividades sugeridas encontram-se restritas a áreas
de conhecimento como Língua Portuguesa e Matemática. Essa cartilha também
aponta, por tópicos, o que cada criança deve ter aprendido ao final de cada ciclo de
escolaridade, para que os pais possam acompanhar o desenvolvimento escolar
dessas crianças de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental.
A título de exemplo, segue o conteúdo da série, apresentado na
cartilha “Educar é uma tarefa de todos nós” (BRASIL, 2001, p. 4):
Ao final da 2ª série, as crianças já devem ter aprendido:
3
Segundo Cambi (1999, p. 2005), família nuclear é a família constituída por um único núcleo parental
(pai-mãe-filhos), na qual os vínculos afetivos se colocam cada vez mais ao centro, atribuindo aos
filhos papéis chave na vida da família.
19
- que ler e escrever são muito importantes para resolver coisas do dia-a-
dia, por exemplo: aprender um jogo, fazer uma receita, estudar,
informar-se, ler para se divertir;
- a ler e entender alguns textos simples, como cartas, bilhetes, listas,
receitas, cartazes, histórias conhecidas, poesias, manchetes ou
notinhas de jornais, legendas de revistas, entre outros;
- a escrever corretamente diferentes tipos de textos, como cartas,
bilhetes, listas, receitas, recados, histórias curtas, poesias et;
- a escrever corretamente as palavras que elas mais usam;
- a falar comunicar-se adequadamente em diferentes situações, quando
conversam, contam coisas que aconteceram ou que aprenderam.
Como afirma o Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza (BRASIL,
2001, p. 3), “nossa idéia é de que os pais, as mães e os responsáveis discutam o
conteúdo deste guia na escola, conversem com os professores e acompanhem o
desenvolvimento de suas crianças mais de perto e de forma mais atuante”.(grifo
nosso)
É coerente a família atuar na educação do filho a medida em que pode se
dedicar a observar o desenvolvimento e envolvimento deste nos trabalhos escolares
acompanhando seu desempenho estimulando e cobrando visto que no processo de
interação social, seja nas aprendizagens formais, seja nas escolares ou informais,
outras dimensões que favorecem o desenvolvimento do conhecimento. Desta
forma, não é possível conceber a aprendizagem à margem de um processo de
interação que busque articular as diferentes dimensões do sujeito, como: dimensão
cognitivo-intelectual, dimensão sociocultural e relacional, dimensão afetivo-
psicológica, dimensão orgânica. Cumpre considerar que as experiências do sujeito,
com referência aos diversos aspectos apontados, imprimem significação única e
específica ao seu processo de desenvolvimento como um todo, e não apenas às
suas aprendizagens escolares (GROSSI e BORDINI, 1993), sem comparti
mentalizar o sujeito. É importante que a escola tenha uma aproximação com a
família, porém, sem que esta assuma o papel da escola, sem ter que ensinar ou
vigiar as ações pedagógicas escolares; mas que ambos compartilhem as
expectativas em relação ao sucesso dos alunos, que também aprendam a absorver
os insucessos e estimulem o sucesso desses alunos. Sob esta perspectiva, pedir
aos pais para acompanhar as especificidades da educação escolar é, em nosso
entender, negar a educação escolar formal e o papel da escola na sociedade
moderna.
20
Nestas condições, pedir que os pais acompanhem as especificidades da
educação escolar é, em nosso entender, negar a educação escolar formal e o papel
da escola na sociedade moderna.
1.1.2 A educação redentora dos males sociais
Uma das justificativas para estimular a aproximação dos pais com a
escola é a crença na educação como possibilidade de enfrentar a situação de
desemprego e pobreza existente nas sociedades que vivem sob a égide do sistema
capitalista. Segundo IBGE (BRASIL, 2005), no ultimo mês de 2004 a taxa de
desocupação (desemprego) ficou 0,8 ponto percentual acima da de dezembro de
2003. Estimou-se que neste período 2,4 milhões de pessoas buscavam trabalho nas
seis regiões metropolitanas investigadas pela Pesquisa Mensal de Empregos.
Dentre os desocupados, 25,9% eram pessoas que tinham responsabilidades
familiares. Os números de pobreza no Brasil, segundo levantamento do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostram 56,9 milhões de pessoas vivendo
abaixo da linha de pobreza e 24,7 milhões abaixo da linha de indigência.
Outra realidade demonstrada é que o grau de escolaridade de 39,0%
dos desocupados em janeiro de 2003 era de pelo menos segundo grau completo,
percentual que em Janeiro de 2004 já subia para 42,2%.
Não obstante, o modelo de economia adotado na atualidade discursa
sobre o valor da educação,como elemento para o alcance de desenvolvimento com
eqüidade, conforme afirma Herrera (2000, p. 48): “(...)com a educação, homens e
mulheres têm possibilidade de possuir e desfrutar de uma vida mais completa e
alcançar melhores alternativas profissionais de informação e lazer e mais
oportunidades de crescimento”.
Essa forma de ver o acesso à educação escolar respalda a idéia de que
é necessário investir em educação como capital cultural
4
, sendo que essa educação
será a propulsora do desenvolvimento desse capital, ampliando a possibilidade de
produzir riquezas e diminuir as diferenças sociais. Assim, os projetos que buscam a
4
Capital cultural - teoria que assumiu relevo a partir da década de 1960, com Theodor Schultz. A
teoria centra sua atenção no poder explicativo das variáveis de escolaridade e experiência no
trabalho, como forma de determinar os níveis de rendimentos individuais. Cf. SCHULTZ, 1962.
21
aproximação entre família e escola, no final de século XX, são, segundo Nogueira
(2001), uma tendência que tem se manifestado também em países como a França,
a Suíça e os Estados Unidos, onde esta prática é bem aceita pelos pais.
Na Suíça, 50% dos pais, concordam em realizar pequenos cursos para
participar da vida escolar de seus filhos. Na França, em 1998, o governo
encoraja os pais a participarem da semana dos pais na escola. Nos Estados
Unidos, o dever de casa é interativo, onde em uma tarefa doméstica, como,
por exemplo, cozinhar junto com o filho, torna-se um momento de ensino e
aprendizagem dos conteúdos básicos das ciências (NOGUEIRA, 2001).
Não é possível negar o valor da educação escolar na formação do
indivíduo, que por sua vez, também participa no delineamento dos rumos da
sociedade na qual está inserido. Todavia, considerar a educação escolar como
solução de problemas conjunturais de caráter econômico-político é no mínimo
travestir de caráter ideológico as razões que propiciam as causas de tais problemas.
Buscar a solução para as mazelas e desigualdades sociais na escola,
sobretudo através da aproximação desta com a família do aluno, não é novidade de
nossos dias. Fazendo uma retrospectiva das primeiras décadas do século XX, temos
o registro deste empenho para aproximar a escola da família como uma tentativa de
solucionar os graves problemas de saúde existentes nesse período, por conta da
falta de saneamento básico e problemas do gênero. Maiores detalhes desta
retrospectiva, temática principal deste estudo serão apresentados no capítulo V
desta dissertação.
1.1.3 “Amigos da escola”
Com fundamento no discurso sobre uma suposta “crise na educação”,
segundo o qual a escola não corresponde com qualidade aos serviços prestados à
sociedade, encontramos também atualmente, no âmbito escolar, o projeto “Amigos
da Escola”. Esse projeto é de iniciativa da empresa de comunicação Rede Globo de
Televisão, que elegeu a “Educação” como tema para o seu projeto “Brasil 500 anos”.
Lançado em agosto de 1999, o projeto “Amigos da Escola” procura incentivar a
participação da comunidade nas escolas da rede pública do ensino fundamental.
Recebeu apoio do Governo Federal, através de parceria com um programa
22
governamental existente na época, o “Comunidade solidária”,
5
e ainda conta com o
apoio de empresas privadas - como o Banco Itaú e a Indústria Parmalat - e de
empresas estatais como a Telemar e Petrobrás, e ainda do governo da Bahia.
Segundo esse projeto (CENPEC, 1999, P. 6),
Organizações, universidades, empresas e outros parceiros podem
contribuir com a escola de diferentes maneiras: suprindo ou
complementando necessidades por meio de apoio financeiro, ampliando e
enriquecendo o trabalho escolar com atividades culturais, esportivas e
profissionalizantes, oferecendo espaços produtos e o trabalho de
profissionais e somando forças na luta pela escola pública de qualidade
para todos.
O projeto da Rede Globo de Televisão “Amigos da Escola”, se desenvolve
paralelo ao projeto proposto pelo Governo Federal “Dia Nacional da Família na
Escola”, porém oferece uma forma de participação mais abrangente, propondo que
não somente a família do aluno participe no âmbito escolar, como pretende o
Governo Federal em seu projeto, mas também que a comunidade em geral
contribua para a melhoria da escola.
Esses projetos deixam transparecer o modo de pensar da teoria
econômica neoliberal, a qual acredita que os empresários de sucesso no mercado
sabem como se deve conduzir a educação para superação da “crise na educação
escolar”. Portanto, a lógica do mercado adentra o âmbito escolar com modelos
empresariais, passando a lei de mercado e do trabalho para a produção a ser a
referência para a área educacional. É neste sentido que orienta o Consenso de
Washington
6
realizado em1989, propondo que a educação deve ser gerida tal como
o sistema de mercado, pois
O sistema educacional deve converter-se, ele mesmo, num mercado.
Assim, devem ser consultados aqueles que melhor entendem do mercado,
5
Comunidade solidária - órgão que reúne a sociedade civil e o governo, criado pelo Presidente
Fernando Henrique Cardoso em 1995. Naquele momento, era composto por 32 membros: quatro
ministros e 28 representantes da sociedade civil, provenientes do setor privado (ONGs), de
universidade, da Igreja, e da área cultural, sendo presidido pela primeira dama do País, Ruth
Cardoso.
6
Em novembro de 1989, reuniram-se em Washington, nos EUA, funcionários do governo norte-
americano e dos organismos financeiros, FMI, Banco Mundial e BID especializados em assuntos
latino-americanos. O encontro convocado pelo Institute for International Economics, tinha o título de
“Latin Americam Adjustment: How Much has Happened?”, tendo por objetivo proceder uma avaliação
das reformas econômicas empeendidas nos países da região. Nesta avaliação ratificou-se, a
proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha recomendando, por meio das referidas
entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral. Para
saber mais, ver em BATISTA, 2001.
23
para nos ajudarem a sair da improdutividade e da ineficiência que
caracteriza as práticas escolares e que regulam a lógica cotidiana das
instituições educacionais, em todos os níveis (GENTILI,1998, p. 25).
Esta posição recebe a crítica de Gentili (1998, p. 35), que considera
aspectos educacionais mais abrangentes, pois se a educação oferecida na escola
pública está em crise “... não se trata apenas de um problema de qualidade
pedagógica, ainda que também o seja. Trata-se apenas de um problema político e
ético”. Seguindo a lógica do mercado, nossas escolas serão piores, porque serão
mais excludentes.
Desta forma, o projeto “Amigos da Escola”, coerente com a orientação do
Consenso de Washington, apresenta-se no campo educacional buscando
sensibilizar a sociedade brasileira sobre a importância de se ajudar a educação
pública. No site oficial da Rede Globo, encontramos a afirmativa de que “o projeto
‘Amigos da Escola’ é uma iniciativa destinada a fortalecer a participação comunitária
no esforço de melhoria da escola pública”.
7
Esta proposta se sustenta na idéia de
que uma crise entre a escola e a família. Esta crise é posta por este projeto do
seguinte modo:
Muitas vezes os pais reclamam da escola. Acham que o ensino não está
bom, que os professores faltam muito, que a limpeza do prédio deixa a
desejar, que muitas reuniões e os alunos ficam sem aulas. As escolas
por sua vez se queixam das famílias. Consideram que os pais não dão
atenção à vida escolar dos filhos, não comparecem as reuniões, não
colaboram com as festas ou outros eventos (CENPEC, 1999, v. 01, p. 8).
Nos fascículos
8
que direcionam e orientam o projeto “Amigos da Escola”
essa demonstração de uma aparente crise, existente entre a escola e as famílias,
não é aprofundada, nem são analisadas as suas possíveis causas. No primeiro
fascículo encontramos a apresentação e os encaminhamentos, divulgando as
propostas e a forma de se executar o projeto e trazendo orientações para que a
escola incentive a participação da comunidade, através da integração com os
“Amigos da Escola”. Estes voluntários das famílias ou da comunidade são de
qualquer idade ou grau de escolaridade, abrindo possibilidades de fortalecimento da
escola, para que esta cumpra o seu papel de garantir a aprendizagem de todos.
7
Cf. o site <<www.redeglobo.globo.com/amigosdaescola/index01.htm>>, acessado em 12/11/03.
8
Esses fascículos compreendem sete cartilhas, destinadas a orientar a equipe escolar, pessoas e
grupos da comunidade que atuam na escola, sobre como desenvolver o trabalho com voluntários e
parceiros em diferentes focos do Projeto.
24
Esse projeto demonstra, com sutileza, a intenção de que a união entre a
escola, a família e comunidade, além de fazer muito pela educação, também
reivindique aos órgãos públicos as condições mínimas de que a escola necessita
para funcionar satisfatoriamente. Entretanto, em nenhum dos fascículos são
apresentadas sugestões ou encaminhamentos para reivindicação do cumprimento
dos deveres dos órgãos públicos. Notamos assim que o discurso do projeto
demonstra a base ideológica e conceitual que o Banco Mundial, por intermédio do
BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, lança ao
setor educacional brasileiro, com diretrizes redutoras de despesas.
Conforme aponta Fonseca (1998), um dos pontos centrais da política do
BIRD para os anos 1990 foi a redução do papel do Estado na educação, com o
direcionamento das verbas, priorizando os instrumentos educacionais, como livros e
materiais didáticos, e desconsiderando a importância do fator humano, como salário,
preparação do professor, número de alunos por professor, visto que estes são
reconhecidos como meio de se reduzirem os custos da educação.
Propondo estratégias de descentralização da educação, o BIRD explica
que a participação da comunidade na escola é uma forma de estimular o custo
compartilhado. “Visto deste ângulo a descentralização contribui, preferencialmente,
para a política de recuperação de custos e para a redução do papel do Estado na
oferta dos serviços educacionais” (FONSECA, 1998, p.17).
Em conformidade com essas políticas, o projeto “Amigos da Escola”
sugere que, para ajudar a escola que enfrenta dificuldades, devem-se organizar
focos de atuação do voluntariado. Assim, para atender às necessidades da escola, é
preciso atuação nas diferentes áreas: gestão escolar, reforço escolar, estímulo à
leitura, esportes e artes, saúde e instalações e equipamentos.
Dentre os sete fascículos, mencionados, que visam a orientar a
execução do projeto “Amigos da Escola”, o primeiro traz orientações gerais e os
outros seis referem-se a cada uma das áreas mencionadas no parágrafo anterior.
Contendo de 18 a 33 páginas, esses fascículos integram o material impresso do
projeto “Amigos da Escola”, sendo enviado às escolas que a ele aderiram. Neles
estão dispostas as orientações sobre como realizar o projeto e são apresentadas
sugestões para o desenvolvimento do trabalho voluntário. Como exemplo,
recorremos a algumas sugestões apresentadas nos fascículos (CENPEC, 1999, v.
01, p. 17-18), como segue:
25
Há muitas maneiras de participar:
- Apoiando os alunos nas atividades escolares para que aprendam mais e
melhor;
- Trazendo de volta para a escola alunos faltosos ou que desistiram de estudar;
- Ajudando a montar bibliotecas e a estimular os alunos para a leitura;
- Organizando e desenvolvendo atividades culturais, artísticas e esportivas;
- Orientando as famílias e os alunos sobre cuidados com a saúde;
- Auxiliando famílias de alunos que apresentam problemas de saúde a encontrar
atendimento na comunidade próxima ou em outra localidade;
- Ajudando a escola a conservar seu prédio, móveis e equipamentos;
- Participando de reuniões do conselho de escola e da associação de pais e
mestres ou do caixa escolar.
O projeto sugere que as escolas reúnam os interessados da equipe
escolar e da comunidade com a finalidade de elaborar um plano de ação articulada,
para desenvolver o trabalho de voluntariado, propondo formas de atuação em todas
as repartições escolares públicas do país.
Essas formas de agir, através do voluntariado, são vistas por Soares
(2003) como ações de caridade ou solidariedade, as quais servem para amenizar
situações críticas nos sistemas da sociedade.
A ajuda individual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o
provisório substituem o permanente. As microssoluções ad hoc substituem
as políticas públicas. O local substitui o regional e o nacional. É o reinado
do minimalismo no social para enfrentar a globalização no econômico
(SOARES, 2003, p. 13).
É importante lembrar que a responsabilidade do Estado para com a
educação implica na formação e pagamento do professor, idéia defendida pelo
Estado republicano - burguês desde o século XIX. E para justificar este investimento
do Estado a escola é apontada como um caminho necessário para o progresso da
nação. os projetos contemporâneos “Dia Nacional da Família na Escola” e
“Amigos da Escola” sugerem que o processo de conhecimento que ocorre na
instituição escolar fique, embora não exclusivamente, a mercê de um voluntariado
convocado a participar sem pagamento
9
(neste sentido como caridade) e sem um
planejamento político prévio por parte do Estado. Assim são convidadas todas as
pessoas que tem algo a oferecer a educação escolar que pode ser desde a
9
O projeto “Amigos da Escola”, na proposição da utilização do voluntário, legitima-se na Lei do
Voluntariado de número 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, a qual regulamenta o trabalho voluntário
como atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública ou instituição sem fins
lucrativos, não gerando vínculo empregatício nem obrigação de natureza trabalhista
26
participação no processo de alfabetização do aluno até a limpeza ou pintura do
prédio escolar. O fundamento desta atitude está pautado no apelo ao sentimento de
cidadania dos voluntários. De acordo com Soares (2003) a convocação das famílias
para atuar como voluntariado caracteriza a perda de um projeto político planejado e
o esvaecer da direção política pública..
No fascículo de orientação, o projeto traz sugestões de conteúdos
pedagógicos para o voluntário desenvolver trabalhos dentro da escola, com o
discurso de que “a educação é responsabilidade do Estado e de toda a sociedade
civil, é preciso que lutemos todos pela qualidade da educação” (CENPEC, 1999, v.
01, p. 4).
A chamada, realizada pelo Projeto “Amigos da Escola”, para que a
sociedade assuma junto com o governo a responsabilidade da gestão social da
escola pública é posta como caminho para a mudança na escola. A questão exige
um cidadão que tenha uma família ideal e que seja um bom trabalhador, como nos
ideários liberais. Traz também a idéia de que a mudança na educação somente irá
acontecer através da somatória da participação de todos da comunidade. O discurso
de escola para todos é entendido, neste contexto, como escola para receber o
trabalho de todos, e não como oportunidade de educação escolar para todos. Assim,
o programa “Amigos da Escola” traz a seguinte observação:
Enquanto não formos capazes de conscientizar as famílias, o entorno sócio-
comunitário e a comunidade escolar de que a escola pública é escola de
todos, as chances de mudarmos realmente o rosto de nossa educação
continuarão muito reduzidas (CENPEC, 1999, v. 01, p. 4).
No entendimento dos idealizadores desse projeto, a conscientização vai
se concretizar quando a comunidade como um todo participar ajudando a escola,
pois, além de beneficiar o aluno, a participação voluntária é um recurso de
fortalecimento da sociedade civil e do Estado, demonstrando uma intenção do
projeto, que é de “fortalecer ações que a escola desenvolveu ou ajudá-la a iniciar
atividades que contribuam para sua melhoria, sempre pensando na aprendizagem
do aluno” (CENPEC, 1999, v. 01, p.5).
Esta concepção de política social consta na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, que, ao tratar da Educação nacional, em seu artigo
205, dispõe que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
27
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (Brasil, 1989).
Desta forma, a Constituição Brasileira abre espaços para a intervenção
das várias instâncias da sociedade no processo de educação escolar, expandindo o
conceito de educação escolar, enquanto processo formativo, o qual será
desenvolvido na família, no trabalho, na escola e nas demais organizações sociais.
Na Lei 9394, de dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da
educação nacional (LDB), a educação escolar é pensada como um dever não
somente do Estado, mas também da família, e, por conseguinte, da sociedade como
um todo, sendo um instrumento para a promoção do exercício da cidadania.
O artigo 2º dessa lei (BRASIL, 1997) dita que
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Para organizar os sistemas de ensino sob esses princípios, a LDB, em
seu artigo 12, regulamenta que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência,
entre outras, de:
VI. Articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de
integração da sociedade com a escola;
VII. Informar aos pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos
alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.
Assim, a comunidade é chamada a participar na escola através de
projetos elaborados por ações e programas de âmbito estadual, federal e de
empresas privadas, buscando caminhos para a educação escolar por meio de
projetos de intervenção que articulem família e escola.
Tanto o programa “Dia Nacional da Família na Escola”, “Amigos da
Escola” e outros do gênero são legitimados pela determinação da Carta Magna do
Brasil e pela mais importante legislação brasileira na área educacional: a LDB.
Ora, estes princípios, contidos nas mais importantes legislações
brasileiras e subjacentes aos projetos aqui discutidos, não são simples orientações
28
atuais nem exclusividade brasileira. Entendê-los exige o retorno e a análise
cuidadosa das bases do pensamento que sustenta a sociedade capitalista.
De uma forma simples, podemos apontar a vertente ideológica do
pensamento burguês, que justifica e legitima a necessidade da existência do Estado,
fundamentando-se no “direito natural da propriedade privada”. No pensamento de
Locke (1998) encontramos a defesa da concepção liberal, possessiva, a qual
entende que o direito natural do homem é o direito à liberdade, que, juntamente com
o trabalho, sustenta o direito à propriedade; e que ao Estado caberia a defesa
através de leis elaboradas por representantes do povo. Assim, o Estado é o
contrato, e por isso ele cria e recria caminhos através de leis, para garantir a
manutenção da propriedade e de outros direitos do cidadão.
A diferença entre a contemporaneidade e o momento do liberalismo
econômico, segundo Macrids (apud Santos, 1998), é que a teoria neoliberal se
reafirma enfatizando somente os aspectos econômicos. O cidadão, criado no
liberalismo econômico, agora vai ser substituído pelo consumidor. Contudo, para se
manter a democracia ou liberdade, o Estado deve garantir, antes de tudo, o direito
individual, ou seja, não interferir no âmbito da vida pública e especialmente no
âmbito econômico da sociedade. A proposta neoliberal é assegurar a situação de
Estado mínimo, ou seja, a individualização dos problemas ou questões sociais.
As concepções que Smith (1985) pontuava no mercantilismo se
apresentam como a opção para a forma capitalista e neoliberal recente. Nas suas
palavras, encontramos a seguinte orientação:
... deixe-se a cada qual, enquanto não violar as leis da justiça, perfeitas
liberdade de ir a busca de seu próprio interesse, a seu próprio modo, e faça
com que tanto seu trabalho, como seu capital concorra com os de qualquer
outra pessoa ou categoria de pessoa (p.104).
Com a atenção estatal voltada para a produção do capital, afastando-se
da oferta de direitos sociais e saindo da condição de governo interventor, o Estado
estimula o surgimento de um cidadão consumidor, que terá a liberdade de
conquistar e gerir sua igualdade, o que se traduz em eqüidade. Neste sentido, vão-
se abrindo espaços para a participação da família, da empresa e da comunidade na
escola, as quais têm por objetivo promover melhorias na educação, efetivando a
participação dos indivíduos no sucesso ou insucesso escolar.
29
Para que o indivíduo de uma comunidade participe quer na escola de
seus filhos quer em outros trabalhos sociais voluntários, é necessário que ele tenha
condições para isto, como, por exemplo, tempo disponível e conhecimento
específico para um determinado trabalho. Somente pedir a participação em forma de
solidariedade não é suficiente, faz-se necessário observar quais as reais condições
dos indivíduos para participar.
Referindo-se a esta condição de insuficiência do indivíduo para assumir o
trabalho voluntário, Bordieu (1998, p. 11) afirma que àqueles que são enviados á
linha de frente, para desempenhar as funções ditas ‘sociais’ e suprir as
insuficiências mais intoleráveis da lógica do mercado, não lhes são dados os meios
para cumprir verdadeiramente sua missão”. As políticas neoliberais, assumidas mais
especificamente na década de 1990, em oposição ao Estado de bem-estar social,
não se limitam a ajustes econômicos empresariais, mas se estendem também às
reformas educacionais, sustentadas por políticas globalizadas provindas de diversas
organizações.Destacam-se como exemplos dessas organizações o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), e como ramificações regionais de apoio a estas, a
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e, a nível diretamente
educacional, a Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe
(OREALC) (SOARES, 2003).
Esses organismos, entre outros, unificam o pensamento neoliberal,
dificultando a análise dessas políticas. As idéias do individualismo, de
descentralização e de privatização vão se interpenetrando, sendo mecanismos
promotores da mutação da política capitalista, rompendo com os seus próprios
obstáculos. Portanto, em um contexto de redefinição entre Estado e sociedade civil,
fica o espaço ocupado por instituições situadas entre o mercado e o Estado, como é
o caso dos programas “Dia Nacional dos Pais na Escola” e “Amigos da Escola”, os
chamados “parceiros sociais” que pretendem articular ações na área educacional,
para melhoria da educação brasileira.
Tratando do programa “Dia Nacional da Família na Escola”, Nogueira
(2001) alerta que, ao preparar atividades para as participações dos pais na escola,
deve-se levar em consideração o grau cultural dos pais. Vemos neste alerta uma
preocupação com os diferentes níveis de escolaridade existentes entre os pais de
alunos, pois as atividades devem ser planejadas para que todos possam participar.
30
Ao referir-se ao “grau cultural”, Nogueira (2001) faz um discurso pautado
na economia política da educação, que vincula produto ou resultado da educação
escolar com as demandas do empresariado, deixando clara a ligação direta dessa
educação com os interesses do capital. Esta concepção, que assume relevância na
década de 1960, é apresentada por Schultz (1973) como uma teoria que centra a
atenção no poder explicativo das variáveis de escolaridade e experiência de
trabalho, como forma de determinar os níveis individuais de rendimento. A aquisição
da educação e experiência de trabalho passa a ser fator de investimento humano, o
que vai ser tido como fator absolutamente necessário para o desenvolvimento
humano. Esta teoria concebe que o indivíduo deve investir em sua educação, e que
após concluí-la ele alcançará rendimentos maiores, na idéia de que quanto mais
variados e profundos forem os estudos a que o indivíduo puder ter acesso, maiores
serão as oportunidades de ganho. No campo da educação, o capital não é um
capital comum que possa ser negociado, mas um capital humano, que vai servir a
fins sociais e políticos, entre outros.
Firmando-nos em Bourdieu (2001), entendemos que a explicação pela via
do capital cultural é um discurso ideológico da burguesia, que considera o estilo, a
linguagem e as disposições culturais, sejam elas de origem escolar ou não-escolar,
constituintes de um capital cultural. De posse deste discurso, o grupo dominante,
centrado em torno da classe (nova burguesia), justifica as diferenças existentes
entre as classes, ratificando a idéia de que a classe dominante assim o é por ter se
apossado desse capital cultural. Em vista disso, o indivíduo que não se apoderou
deste conhecimento é o “culpado” do seu desfavorecimento, justificando, assim, as
diferenças econômicas existentes entre classes.
Na intenção de ajudar o aluno, a escola deve cuidar para não assumir o
papel da família. Em debate realizado por teleconferência, no momento do
lançamento do projeto “Dia Nacional da Família na Escola”, Sayão (2001) ressalta
que a família deve ser considerada como um espaço de unidade, e a escola como
lugar da diversidade, alertando os professores quanto às relações da escola com a
família. Essa psicóloga faz um alerta: Peço aos professores que não tomem o lugar
dos pais e se concentrem na educação de seus alunos” (SAYÃO, 2001).
Para ela, a escola sabe como educar os alunos e não deve assumir
papéis de pais, nem cobrar que os pais ensinem as crianças, o que é tarefa dela,
(escola). Alerta ainda que a escola não pode ser considerada como uma
31
continuação da família, pois, são campos de diferentes e distintas interações, onde a
criança se forma. A escola deve instrumentalizar a criança com conhecimento e
capacidade crítica, para que essa criança possa desenvolver a capacidade de
superar as adversidades próprias da existência humana.
A teleconferencista, mesmo crendo que a aproximação entre a escola e a
família pode contribuir para uma interação desses dois campos, entende que a
escola não deve direcionar a atuação dos pais por meio de textos técnico-
pedagógicos, e não pode cobrar que os pais ensinem conteúdos escolares aos
filhos, ficando clara a idéia de que, nesse processo, a família não é uma continuação
da escola, nem a escola é uma continuação da família.
Nessas análises dos programas que pretendem intervir na escola,
sugerindo uma participação mais efetiva por parte da família, mais especificamente
dos pais na educação escolar dos filhos, é importante observarmos que a família é
uma instituição dinâmica, que participa ativamente do processo de desenvolvimento
socioeconômico e do impacto da ação do Estado através de suas políticas
econômicas e sociais.
Desta forma, como pensar as questões sociais sem considerar que, nesta
sociedade pós-industrial contemporânea, a família, a mídia e o mundo do trabalho
estão transformados? Vemos que essas mudanças interferem nos padrões
tradicionais de comportamento, de sexualidade, de consumo, de educação e de
relações pessoais, e que as rupturas dos moldes tradicionais em relação às
identidades são as formas adequadas ou inadequadas de ser e de agir.
A organização familiar tem mudado muito desde o século XVIII. Não
obstante tantas transformações vivenciadas através dos séculos, a família ainda é
pensada como uma instituição estática constituída pelo trinômio pai-mãe-filho(s).
Na tentativa de possibilitar uma melhor compreensão sobre estas
mudanças na formatação da família, sem a pretensão de esgotar o assunto, na
seqüência deste trabalho demonstraremos o processo de transformações realizadas
historicamente no campo da organização familiar, o qual sustentará nosso
entendimento dos projetos que propõem a aproximação entre a família e a escola.
1.2 A TRANSFORMAÇÃO DA FAMÍLIA RUMO À MODERNIDADE
32
Nos dias atuais não é correto pensarmos em um tipo de família único,
constituído de pai, mãe e filhos. Diferentes abordagens teóricas demonstram que a
família tem transformado suas formas de convivência através dos tempos. É
pautado no trabalho de Ariès que observaremos como a família compreendeu
modificações de significados à medida que o sentimento desta família se
transformava. Pelos estudos de Engels (2002), seguiremos observando como a
família evoluiu à medida que se transformava a unidade de produção; e através do
censo demográfico realizado no Brasil no ano de 2000 observaremos as novas
formatações da organização familiar na sociedade brasileira.
1.2.1 A construção do sentimento de família
Abordar o tema família é ter pela frente um grande desafio, tamanha a
amplitude desse assunto. Encontramos uma vasta quantidade de pesquisas neste
campo, realizadas por autores de diferentes campos do saber - como a antropologia,
a sociologia, a psicologia, a filosofia, a literatura, dentre outros. Segundo Canevacci
(1976), foi L. H. Morgan o primeiro pesquisador que, através da antropologia, trouxe
importante contribuição para o entendimento sobre a evolução histórica da família ou
sobre sua autotransformação, rompendo com as idéias milenares sobre a eternidade
das formas familiais.
O conceito básico subjacente às teorias de evolução sócio-cultural é de
que as sociedades humanas, no curso de longos períodos,
experimentaram processos simultâneos e mutuamente complementares de
autotransformação, um deles responsável pela diversificação e o outro pela
homogeneização das culturas (CANEVACCI, 1976, p.17).
Para refletir sobre algumas mudanças significativas na organização da
família nuclear, iniciaremos nos apoiando nos estudos de Ariès (1981), que, em suas
pesquisas, partindo do final da Idade Média, percorreu a história das transformações
que envolveram a família até o século XIX.
Em seu trabalho, Ariès pesquisou, minuciosamente, na arte, no folclore e
na pedagogia, a ordenação da família nuclear conjugal e doméstica, podendo, em
suas análises, afirmar que o surgimento e o progresso dessa organização familiar
acontecia à medida que se transformava seu modo de se relacionar com a infância.
33
Esse fato é relevante se considerarmos que a sociedade tradicional pesquisada por
Ariès desconhecia o sentimento de infância, o qual é próprio da sociedade moderna.
De acordo com Ariès, as crianças, na arte medieval, eram representadas como
adultos em miniatura, pois das características físicas infantis era mantido somente o
tamanho. A fisionomia infantil não se mostrava nas poucas representações de
imagens de crianças registradas nas artes.
Pode-se observar ainda que a família tinha a presença das crianças sem
distingui-las. Elas viviam misturadas aos adultos em seus trabalhos ou lazeres,
tomavam parte nos “jogos de azar”, que nesse período não provocavam nenhuma
reprovação moral, uma vez que contribuíam para a aprendizagem.
Se os jogos de azar não provocavam nenhuma reprovação moral, não havia
razão pára proibi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças
jogando cartas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias.
(ARIÈS,1981, p. 61)
Por conseguinte, a preocupação com o encaminhamento específico para
estas crianças não existia. O retrato de crianças, até o século XIV, fica limitado a
representar o menino Jesus. Essa iconografia religiosa da criança transformou-se
lentamente até chegar em uma iconografia leiga, nos séculos XV e XVI, porém as
crianças eram representadas sem exclusividade. O sentimento de criança
“engraçadinha”, que seria a diversão para as pessoas com as quais convive, vai
sendo criado, numa demonstração de como a criança começava a ser percebida
com maiores atenções.
Um avanço significativo na percepção da infância, é o
... fato de que a criança se tornou uma das personagens mais freqüentes
dessas pinturas anedóticas: a criança com sua família; a criança com seus
companheiros de jogos, muitas vezes adultos; a criança na multidão, mas
‘ressaltada’ no colo de sua mãe ou segura pela mão... (ARIÈS,1981, p. 21)
Vemos que a criança, apesar de ainda viver entre adultos e como adulto,
é ressaltada na sua condição física da infância; no entanto a transmissão de
valores não era assegurada nem controlada pela família. As crianças cresciam
misturadas com os adultos, aprendendo um ofício, trabalhando. Referindo-se a isso,
Ariès (1981, p. 157) afirma que “não havia lugar para a escola, nessa transmissão
34
[de valores e de conhecimentos para prática de um ofício] através da aprendizagem
direta de uma geração para outra”. Neste período,
as crianças eram freqüentemente negligenciadas, tratadas brutalmente e
até mortas; muitos adultos tratavam-se mutuamente com suspeita e
hostilidade; o afeto era baixo e raro. [...] A falta de uma única figura materna
nos primeiros dois anos de vida, a perda constante de parentes e amigos
próximo, irmãos, pais, amas e amigos devido a mortes prematuras, o
aprisionamento físico do infante em fraldas apertadas nos primeiros meses
e a deliberada quebra da vontade infantil, tudo contribui para um
“entorpecimento psíquico”, que criou muitos adultos, cujas respostas aos
outros eram, no melhor dos casos, de indiferença calculada e, no pior, uma
mistura de suspeita e honestidade, tirania e submissão, alienação e
violência. (STONE apud ZILBERMAN, 2003, p.36)
O sentimento da infância vai se desenvolvendo com sutileza. A
manutenção de uma ampla relação que existia entre a família medieval e a
sociedade, no sentido de que não se valorizavam os limites da individualidade, não
vai se conservar por muito tempo, pois a evolução dos costumes e os novos
progressos voltados à construção de uma intimidade vão superar a formatação da
família medieval, trazendo uma forma de vida familiar com modelo mais próximo dos
dias atuais.
A família medieval, que se mantinha unida pelo trabalho e pela
propriedade, exercendo a função de centro de segurança, vai passar por um
processo de transformação imposto pelas novas forças produtivas que se
estabeleciam na sociedade industrial. A primeira revolução industrial, que ocorreu na
Inglaterra entre fins do século XVII e início do século XVIII, além do significativo
desenvolvimento da produção, influi também nas formas de relacionamento entre os
homens, cujos padrões econômicos e sociais vão ser substituídos, refletindo-se no
comportamento dos indivíduos. Para Ariès (1981), a família dos senhores passa a
ser uma família mais íntima, com um relacionamento de maior proximidade entre
pais e filhos, dentro de uma consciência de uma nova classe familiar. Ele afirma que
esta família “postulava zonas de intimidade física e moral que não existiam antes” (p.
184).
Ariès observa como esta reorganização social deixou a casa com mais
espaço para as intimidades, pois a família é reduzida a pais e a crianças, que podem
desenvolver um relacionamento mais afetivo e íntimo. As cartas escritas pelo
general Martange à sua mulher, entre os anos de 1760 e 1780, demonstram a
mudança significativa no recolhimento do lar, quando este relata: “Anseio por
35
encontrar contigo em nosso pobre lar, e gostaria de não ter nenhuma outra
preocupação além de arrumar teu quarto e tornar nossa estada cômoda e
agradável” (apud Ariès, 1981, p.186).
A sociedade industrial vai tornando as relações sociais mais
individualizadas, com maiores envolvimentos entre pais e filhos, e a casa não se
encontrava mais aberta para toda sociedade, como no século XVII, desenvolvendo o
que Ariès denomina “sentimento de família”. A família moderna passou a apresentar
características novas, e seus membros se recolhem com prazer a seus lares. Essas
transformações atuaram de forma decisiva na mudança do papel econômico e social
da mulher, que perde sua função puramente maternal. A família assume uma vida
profissional e uma particular, restringindo as relações sociais, que antes eram
extensas, e a casa perde seu caráter público. Assim, com a convivência mais íntima,
a família tende a perder o sentimento solidário que existia entre ela e a comunidade.
Outrossim a família, em sua condição urbana, trabalhando nas fábricas
burguesas, não é mais o centro de instrução e educação, de divertimento e lazer, da
vida religiosa e moral, pois na ordenação produtiva burguesa a família perde o
sentido de célula mestra. O Estado moderno encontra na família nuclear uma
estrutura que favorece o desenvolvimento do Estado burguês, como afirma Marx e
Engels (1998, p. 24): “O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral”.
Com o modo de produção burguês nasce um novo tipo de organização
familiar moderna, passando a ser restrita, com menos filhos, visto que a família
recebe despesas adicionais que não havia antes: aluguéis, diversão, vestimentas,
transportes e outras exigências da vida citadina.
Na ordenação burguesa do século XIX, o sustentáculo para a
sobrevivência da classe trabalhadora era o trabalho nas fábricas. Marx (1996)
observa que os membros das famílias, agora individualizados, iam para a fábrica
desenvolver partes do trabalho, mas sob condições impostas pela produção
moderna da maquinaria. As mulheres e crianças eram forçadas a vender barato seu
trabalho.
Aumentou muito o número de trabalhadores porque os homens foram
substituídos no trabalho pelas mulheres e sobre tudo porque os adultos
foram substituídos por crianças. Três meninas com 13 anos de idade e
salário de 6 a 8 xelins por semana substituem um homem adulto com salário
de 18 a 45 xelins (MARX, 1996, p. 451).
36
A situação da classe trabalhadora, sobretudo na Inglaterra do século XVII,
era calamitosa, visto que as indústrias exploravam excessivamente a força de
trabalho em favor da produção, contribuindo para um maior lucro dos proprietários
dos meios de produção.
(...) as 2, 3 e 4 horas da manhã, as crianças de 9 e 10 anos são arrancadas
de camas imundas e obrigadas a trabalhar até às 10, 11 ou 12 horas da
noite, para ganhar o indispensável à mera subsistência. Com isso, seus
membros definham, sua estatura se atrofia, sua face se tornam lívidas, seu
ser mergulha num torpor pétrico, horripilante de se contemplar. (MARX,
1996, p.275-276)
A família que vai sustentar a força de trabalho nas indústrias passará por
mudanças na forma de relacionamento entre seus membros. A mulher, que é levada
ao campo de trabalho deixa os filhos sem assistência em casa, quando não os leva
para o trabalho na fábrica também. O tempo para convivência entre as pessoas que
participam da família se restringe muito. Com a força de trabalho da mulher
explorada pelos baixos salários, os problemas da família se encadeiam, conforme
demonstra Marx, ao se referir à situação da classe operária e de sua família na
Inglaterra em 1861,
(...) pondo-se de lado circunstâncias locais, as altas taxas de mortalidade
decorrem principalmente de trabalharem as mães fora de casa. Daí serem
as crianças abandonadas e mal cuidadas. Esse desleixo se revela na
alimentação inadequada e insuficiente e no emprego de narcóticos; além
disso, as mães, desnaturadamente se tornam estranhas a seus próprios
filhos, e intencionalmente os deixam morrer de fome ou os envenenam.
(MARX, 1996, P. 453-454)
Diante desta situação, Tocqueville (1994), nas primeiras décadas do
século XIX, interpreta determinados aspectos dessa nova família afirmando que, em
busca da democracia e liberdade, o pai de família perde sua autoridade sobre o
filho, quando esse, terminado o período da infância, toma a condução de sua vida,
apoderando-se da liberdade concedida e “traçando sozinho seu caminho”. Assim, a
democracia cria o homem individual, e
... o braço do governo vai procurar cada homem em particular no meio da
multidão, para curvá-lo isoladamente às leis comuns, não é necessário que
exista semelhante intermediário; o pai, aos olhos da lei, é apenas um
cidadão mais velho e mais rico do que o filho (TOCQUEVILLE, 1994, p.447).
37
Neste sentido Goode (1970) afirma que no momento em que os pais
levavam os filhos para as fábricas, eles (os pais) ainda podiam supervisioná-los, e
deste modo exercer a autoridade paterna. Mais tarde a autoridade paterna iria
diminuir à medida que tipos mais novos de maquinaria fossem introduzidos. Desta
forma o sistema de produção fabril enfraqueceu a organização familiar tradicional da
classe trabalhadora.
Destarte, através de um processo histórico, a família se reorganiza, e
para Engels (2002) ela condiciona a ordem social em que vive.Por isso
observaremos em seus trabalhos como esses movimentos familiares ocorreram na
história das organizações familiares.
1.2.2 Formas de organização da família
Para Engels (2002), as sociedades denominadas “primitivas” ou “em
desenvolvimento” viviam em um momento histórico em que a produção era limitada,
as famílias eram formadas por laços de parentesco amplos, sendo esta forma de
parentesco que substanciava as obrigações do indivíduo para com o seu grupo.
Com o desenvolvimento do modo de produção, essa família antiga vai perder seu
caráter público e reduzir o seu grupo de parentesco, formando a família patriarcal.
Conforme afirma Engels (2002, p. 10),
A ordem social em que vivem os homens de uma determinada época ou de
um determinado país está condicionada por essas duas espécies de
produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da
família do outro.
Sabemos que a família, em seu percurso histórico, passou por várias
formas de organização, diferentes da patriarcal, e estas formas muitas vezes são
ignoradas ou omitidas pela ordem vigente. Para compreensão dos diversos tipos de
família constituídos desde os primórdios da humanidade, os estudos realizados por
Engels sobre o processo de desenvolvimento da humanidade do Estado selvagem e
da barbárie até o começo da civilização são de grande valia,
38
Por ora, podemos generalizar a classificação de Morgan da forma seguinte:
Estado Selvagem – Período em que predominam a apropriação de produtos
da natureza, prontos para serem utilizados: as produções artificiais do
homem são, sobretudo, destinadas a facilitar essas apropriações.Barbárie
Período em que aparece a criação de gado e agricultura e se aprende a
incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano.
Civilização Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os
produtos naturais, período da indústria propriamente dita e da arte
(ENGELS, 2002, p. 35-36).
Através dos estudos de Engels é possível notar que em diferentes
estágios das sociedades predominaram diversas formas de organização familiar. A
história revela a presença de uma série de famílias extremamente diferentes das
consideradas válidas nos dias atuais. As pesquisas de Engels rompem com a visão
conservadora de família no momento em que mostra arranjos poligâmicos em
conjunto com a poliandria, constituindo famílias imensas, nas quais a paternidade e
maternidade eram coletivas, bem como a responsabilidade para com a prole e com
os cuidados de sua educação. Engels (2002) afirma que, segundo Morgan, o
processo de convívio e relacionamento entre homem e mulher resulta na formação
de alguns tipos de família:
- Família consangüínea: para o autor, esta é a primeira etapa da
família, na qual o grupo conjugal era definido por gerações. Todos
os membros do grupo de uma mesma geração eram marido e
mulher entre si. Com a evolução este tipo de família desapareceu.
- Família punaluana: esta forma se apresenta quando a
exclusão do casamento entre pais e filhos e em seguida entre os
irmãos, e depois, entre os primos de segundo e terceiro graus.
Esta mudança foi considerada pelo autor como lenta, porém foram
os primeiros passos para que se desenvolvessem novos núcleos
familiares. Um grupo de irmãs saía para casar com um grupo de
homens, sendo excluídos deste os seus irmãos; os quais
formariam outro grupo que se casariam com outro grupo de irmãs.
Os filhos desta união representavam-se no grupo da seguinte
forma:
39
Os filhos das irmãs de minha mãe são também filhos desta, assim como os
filhos dos irmãos de meu pai o são também deste; e todos eles são irmãs e
irmãos meus. Mas os filhos dos irmãos de minha mãe são sobrinhos e
sobrinhas desta, assim como os filhos das irmãs de meu pai são sobrinhos
e sobrinhas deste; e todos são meus primos e primas (ENGELS, 2002,
p.49).
Do interior desta forma de organização do parentesco é que será
formada uma gens
10
, ou seja, um grupo fechado de parentes
consangüíneos, tendo como tronco comum uma mãe, pois os homens
da família não tinham como ter certeza da paternidade, assim somente
os descendentes das filhas formavam uma gens.
- Família sindiásmica: quando ainda o casamento era realizado
por grupos, existia a união por pares. Isto se dava porque no
grupo um homem poderia ter uma mulher especial entre as outras
e a mulher também poderia ter o esposo preferido. A família
sindiásmica vai surgir quando, com o crescimento da gens, os
grupos de irmãos se ampliavam, e ficava difícil o casamento por
grupos; desta forma, eles eram forçados a consolidar a união por
pares. Com a mudança da forma de organizar a família vão se
transformando também os costumes. Uma mudança significativa
era a cobrança da fidelidade conjugal da mulher. Já ao homem era
conservado o direito de ser poligâmico ou de cometer ato de
infidelidade. Contudo, afirma Engels (2002, p. 57) que “as tribos
que haviam adotado o regime das gens estavam chamadas, pois,
a predominar sobre as mais atrasadas, ou arrastá-las com seu
exemplo”. Este fato é explicado por Engels (2002) pelos princípios
da eugenia, ou seja, pela seleção positiva da raça. Segundo ele, a
união entre as gens não consangüíneas produz uma raça mais
forte, tanto física como mentalmente. No matrimônio sindiásmico a
mulher adquire o direito de não manter relações sexuais,
libertando-se da obrigatoriedade de fazer sexo com todos os
10
Gens palavra que procede do latim, genus, que significa linhagem ou descendência. Morgan usa
para designar um grupo consangüíneo, que constrói uma descendência comum. No caso da família
punaluana, a gens estava em sua forma primitiva, compondo-se de todas as pessoas, que pelo
matrimônio punaluano, e de acordo com as concepções que nele necessariamente dominam forma a
descendência reconhecida de uma determinada antepassada, fundadora da gens.
40
membros do grupo. Porém, significativas transformações ocorriam
o âmbito familiar, que se encontrava reduzido a um homem e
uma mulher. A explicação dessas transformações é posta por
Engels (2002, p. 65) da seguinte forma: “Se não tivessem entrado
em jogo novas forças impulsionadoras da ordem social, não teria
havido qualquer razão para que da família sindiásmica surgisse
outra forma de família”. Nesta fase de mudança no Velho Mundo,
a famílias empregavam sua força de trabalho em suas
propriedades particulares, introduzindo a criação de gado, o
preparo dos metais, feitio de tecidos e a implantação do cultivo
agrícola. Ao pai cabia prover à alimentação e aos instrumentos
para o trabalho da família, logo ele era o proprietário. Desta forma
a família vai se submeter ao poder do pai, servindo com trabalhos
na agricultura. Este tipo de família vai favorecer a passagem da
família sindiásmica, para a família monogâmica.
- Família monogâmica: esta família apresenta uma união conjugal,
mais sólida, onde a fidelidade feminina continua sendo exigida e a
infidelidade do homem tolerada. A mulher casta, mãe dos filhos e
propriedade do pai, demonstra como essa forma de família
monogâmica surge com formas de opressão e escravidão, como
afirma Engels (2002, p. 75),
a existência da escravidão junto à monogamia, à presença de jovens e
belas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem, é o que imprime
desde a origem um caráter específico á monogamia que é monogamia
para a mulher, e não para o homem. E, na atualidade, conserva-se esse
caráter.
Segundo este autor, a forma de união monogâmica não tinha relação com
laços afetivos, tinha caráter econômico. Nela, a superioridade do pai de família
assegurava a paternidade dos filhos e esta assegurava o direito da herança. Ao
mesmo tempo em que a monogamia assinalava um desenvolvimento, ela fazia
retroceder a própria condição humana ao estado de escravidão, e isto possibilitava o
acúmulo de riquezas. Assim os registros da história confirmam que a família vai se
reformatando no ritmo da organização de produção da vida.
41
Dando um salto na história, é possível afirmar que as transformações
sociais e culturais, nas últimas décadas do século XX, levam a família patriarcal ao
enfraquecimento, alterando a idéia do homem como único provedor do grupo
conjugal, bem como o paulatino desaparecimento da família nuclear, cujos
integrantes marido, esposa e filhos - viviam juntos e felizes até que a morte os
separasse. É o que tentaremos exemplificar a seguir, com o caso da família na
sociedade brasileira. É possível afirmar ainda que a família moderna monogâmica
contribui para o desenvolvimento da propriedade privada, dando início ao espaço
público distinto do espaço privado, que está posto na concepção do capitalismo.
1.3 A FAMÍLIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
As diversas configurações da família, observadas em diferentes épocas,
demonstram que a família é dinâmica em seus arranjos. Portanto, na atualidade os
papéis assumidos por seus membros não são os mesmos. A forma de família
nuclear não é a única configuração desta, pois uma heterogeneidade de formas
ou arranjos vai se apresentando.
Podemos observar nos resultados do censo demográfico realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), no ano 2002, um significativo
aumento de domicílios unipessoais, ou seja, aquele que tem um morador. Os
dados mostram que 17,9% dos domicílios chefiados por mulheres eram unipessoais.
Dos domicílios chefiados por homens apenas 6,2% eram de homens morando
sozinhos. Esses tipos de domicílio unipessoais apresentam-se nas unidades da
federação mais urbanizadas. Podemos reconhecer, portanto, um novo padrão de
organização familiar. Para Garbar & Theodore (2000, p. 135-136), esse tipo de
relação é denominada de monoparental e se demonstra atualmente no campo
familiar com os seguintes arranjos:
- Mãe sozinha com filho de pai desconhecido;
- Mãe que conhece bem o pai, mas este recusa -se a reconhecer o filho;
- Família monoparental voluntária: uma mulher ou um homem escolhe
alguém para ter um filho, mas não quer viver com ele ou com ela;
- Viúvas ou viúvos: a criança conhece melhor, ou não, seu pai ou mãe
que faleceu.
- União livre com duas residências;
42
- Adoção: algumas pessoas sós decidem adotar uma ou mais crianças;
- Pais divorciados ou separados: as crianças têm dois pais vivos. Vivem
seu dia-a-dia com um e vêem o outro, com menor ou maior
regularidade.
Para Garbar & Theodore (2000), outros arranjos familiares se configuram,
quando pais divorciados ou separados recompõem suas famílias e “novos pais” se
apresentam. A criança receberá dois “novos pais”: um, o novo cônjuge daquele com
quem a criança mora, e o novo cônjuge, da parte que não convive com ela, sendo
que este novo cônjuge conviverá ocasionalmente com ela. A situação fica mais
complexa quando os dois novos pais têm cada um seus próprios filhos, pois a
integração desta família requer uma relação afetiva, e esta relação com alguém que
não se conhece, ou com que não se convivia antes, é sempre um procedimento que
requer tempo para a sua construção.
A respeito da superação das dificuldades no relacionamento entre os
“novos pais” e “novos filhos” Garbar & Theodore (2000, p. 178) afirmam que “as
coisas serão mais simples se os pais adotarem um tom convival em família, falando
das coisas difíceis de serem exprimidas”. Neste cenário do ciclo evolutivo do sistema
familiar, Garbar & Theodore (2000) reconhecem novas formas de configurações
familiares, desenhando-se as chamadas famílias reconstituídas ou recasadas.
Por ser esta família o local onde se realizam as experiências de afetos,
como, o prazer, a dor e o medo e muitas outras emoções que contribuem para
aprendizados significativos na sociedade atual, e por se considerar que as
experiências construídas pelo sujeito, em todos os seus círculos sociais, contribuirão
diretamente para a sua formação enquanto adulto, fazendo-o capaz de tomar
decisões, relacionar-se, trabalhar, escolher um cônjuge, etc., devemos questionar:
qual a forma de família que se apresenta na atualidade?
Um condicionante que interfere na forma de relacionamento entre pais e
filhos, na organização de família tipo nuclear, é observado nos dados do censo
brasileiro em 2000, quando eles indicam que, cada vez mais, nos domicílios
brasileiros as mulheres estão assumindo a responsabilidade de chefe. Segundo a
divulgação do Instituto (IBGE, 2002a), são mais de 11 milhões de mulheres
brasileiras à frente de domicílios, representando 12,9% da população feminina; e se
no ano de 1991 apenas 18% dos lares eram comandados por mulheres, no ano
2000 já são 25%.
43
Devemos considerar que parcela significativa de mulheres que assumem
a sustentação e manutenção financeira da família vai para o campo do trabalho por
necessidade, assumindo assim uma dupla função: de mãe, com responsabilidades
na condução do lar; e de trabalhadora, no mercado de trabalho. Referindo-se a este
contexto da mulher trabalhadora, Goode (1970, p. 180) afirma que “O industrialismo
moderno tem oferecido maior liberdade econômica às mulheres, mas não as tem
libertado de suas tarefas domésticas. [...] O status principal das mulheres em todas
as sociedades é o de dona de casa e de mãe”.
O Censo brasileiro realizado no ano 2000, divulgado pelo IBGE (2002b),
indica ainda que nos domicílios comandados por mulheres, nota–se o aumento de
proporção de crianças da primeira infância (zero a seis anos) que residem no
mesmo domicílio. Os dados demonstram que em 1991 este índice era de 10,5% e
em 2000, cresceu para 14,2%. Portanto, passa a ser significativa esta nova
organização de família onde a mulher se destaca como provedora do sustento
econômico da família, ao invés do homem como pai e provedor da família. Esse fato
é abordado por Soares (2003, p. 80) como um processo de feminização da pobreza,
visto que esta situação ocorre sobre tudo nas classes sociais de menor poder
aquisitivo
constata-se que a quarta parte de todas as famílias do mundo é chefiada
por mulheres e muitas outras dependem da renda da mulher, mesmo
quando o homem está presente. Nos estratos mais pobres, sobretudo, nota-
se a maior presença da mulher no sustento á família ou ao domicílio.
Ao assumir novas responsabilidades, a mulher aumenta sua participação
no mercado de trabalho, o que nem sempre reflete melhores condições de vida, pois
na maioria das vezes é realizada pela necessidade de sustento da família, não
representando desta forma uma maior independência da mulher. As estatísticas do
IBGE (2002b) atestam o crescimento do número de mulheres que realizam dupla
jornada de trabalho. No ano de 1992 o percentual das mulheres que trabalhavam
fora de casa e também cuidavam dos afazeres domésticos era de 90%, e no ano de
1999 este índice passou para 93,6%. Nestas condições, as mulheres assumem
novos papéis na sociedade, aumentam sua participação no mercado de trabalho e
também, com nível maior de escolaridade, expandem a possibilidade de acesso às
informações e são estimuladas a um padrão de família menos numeroso. As famílias
atualmente, conforme as estatísticas do IBGE em 1991 (IBGE, 2002a), diminuem
44
quanto ao número de pessoas por domicílio: em 1991 esse número era de 3,9,
pessoas por domicílio, no ano 2000 baixou para 3,5. Tais informações indicam
que a família contemporânea passa por modificações significativas, no quadro de
desenvolvimento social global.
Reforçando esta idéia, constatamos que aumentou o número de famílias
em que as mulheres assumem o comando do lar, indo para o campo de trabalho,
buscando dividir o curto espaço de tempo que têm após sua jornada de trabalho,
entre os afazeres domésticos e cuidados com filhos. Para estas famílias, não cabe
mais o mito da família apoiada na manutenção do arranjo de família nuclear: pai,
mãe, filhos coabitando em domicílio conjugal, sendo o pai provedor do sustento e a
mãe cuidadora do lar.
Por conseguinte, compreender essa nova configuração da família e as
diferentes possibilidades de convivência de seus membros é considerar a dialética
do movimento social. Pois “... a família não apenas depende da realidade social em
suas sucessivas concretizações históricas como também é socialmente mediatizada
até em suas estruturas mais íntimas”, como afirmam Adorno & Horkheimer (apud
Canevacci, 1976, p. 213)
Assim as transformações na configuração do grupo familiar pode não se
constituir em impedimento para sua participação na vida escolar de seus filhos. O
que é necessário destacar é que ao solicitar a participação da família na escola com
tarefas direcionadas em dias determinados estes projetos não levam em conta as
transformações sócio-economicas e em decorrência a transformação nas
necessidades e organização do grupo familiar.
No entanto, recorrer à família para buscar soluções que cabe ao Estado
resolver é uma velha prática. O Brasil, nas primeiras décadas do século XX, teve o
significativo empenho dos médicos higienistas para solucionar problemas de
natureza político-social buscando o auxílio das famílias.
Em defesa deste recurso Carvalho
11
(1994, p.93) coloca: “retomar a
família, como unidade de atenção, das políticas públicas, não é um retrocesso a
velhos esquemas. É, sim, um desafio na busca de opções mais coletivas e eficazes
na proteção dos indivíduos de uma nação”
11
Carvalho se refere à retomada do tema família, como unidade de atenção das políticas públicas,
culminando com a designação, pela ONU, do ano de 1994, como o Ano Internacional da Família.
45
Diante desta polêmica, a seguir, vamos recuperar as ações de
aproximação entre a Escola e a Família realizadas pelos médicos higienistas,
membros da Liga Brasileira de Hygiene Mental, no período de 1925 a 1940.
Antes, porém, faremos uma breve retrospectiva da situação econômico-
social no Brasil naquele período, quando ocorriam as ações da LBHM.
CAPÍTULO II – ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICO-
SOCIAL DO BRASIL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX
Más condições higiênicas da habitação
Alimentação ou insuficiente As condições
higiênicas da habitação foram apreciadas com
base na natureza do imóvel (cortiço).
(MARCONDES, 1942, p.584).
46
As primeiras décadas do século XX foram prodigiosas em trocas
econômicas, sociais e tecnológicas, em escala mundial. Esse período ficou
conhecido como o período da transição do capitalismo monopolista e da expansão
mundial do capital. Essa expansão produziu transformações substanciais na
organização física das cidades, que passaram a conviver com uma desorganização
de seus espaços. Essa transição repercutiu nos pensamentos e nas idéias de
organização da sociedade e do planejamento urbano, bem como na divulgação dos
ideais higienistas.
A situação econômica do Brasil, no início de século XX, era a de um país
que havia desenvolvido uma economia cafeeira e dava um incontestável poder
econômico aos Estados, que vinculavam as suas forças econômicas à cafeicultura.
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que gozavam do direito de
contrair empréstimos externos e de arrecadar vultosos impostos de exportação e
sobressaíram entre os demais estados, pois conjugaram a cafeicultura com o novo
regime de governo, o presidencialismo.
Esse presidencialismo, sob o signo de federalismo republicano, implantou
um regime descentralizado, que, apesar de ser coordenado nacionalmente pelo
Presidente da República, era controlado por partidos regionais, os quais
representavam as oligarquias estaduais dominantes.
Esta forma de política aplicada à cafeicultura expandiu e promoveu
mudanças econômicas e sociais. Por essas razões, nesse período houve profundas
mudanças econômicas e sociais. Com a abolição da escravatura (1888) e a
expansão do trabalho assalariado, a economia e a diversificação do mercado se
expandiram. No entanto, a expansão urbana foi abrupta, e, com a ocorrência de
geadas, o aparecimento de pragas nas lavouras e a queda internacional do preço do
café, a cafeicultura entrou em crise. Os colonos, sem possibilidades de emprego no
campo, evadiram-se para os centros urbanos. Por outro lado os colonos
demonstravam-se insatisfeitos com as condições do trabalho nas fazendas
(FAUSTO, 1982), provocando o acúmulo de despossuídos nas cidades, o que
ocasionou um rápido desenvolvimento das cidades e provocou um inchaço no meio
urbano, que cresceu sem planejamento sanitário algum. Sobretudo depois da
década de 1920, houve um processo de transformação intenso na forma de viver
das pessoas, que formavam grupos de favelas ou vilas operárias em centros
47
urbanos. Essas pessoas enfrentavam novas formas de trabalho nas indústrias,
estando mais expostas aos freqüentes acidentes, às doenças e à subnutrição.
O dinheiro público privilegiava os cafeicultores, com a desvalorização da
moeda interna, fato este necessário para manter a exportação do café. Essa
orientação econômica oficial, centrada no café, causava sérios prejuízos a todos os
outros setores da economia e da população que não estavam ligados à cafeicultura.
No pós-Primeira Guerra Mundial, houve uma aceleração no processo de
industrialização do Brasil, estimulada pela falta de produtos importados da Europa.
Após 1920, esse crescimento industrial passou a ocorrer em ritmo mais lento,
chegando quase à estagnação, visto que o mercado internacional se recuperava do
período pós-guerra (1ª Guerra Mundial, 1914) e investia no desenvolvimento de
técnicas avançadas de produção, enquanto as indústrias brasileiras estavam com
máquinas obsoletas e sem condições de competir com o mercado externo, com
conseqüências como o desemprego e a miséria com que a classe trabalhadora se
deparou nesse cenário do início de século XX.
Por não ter uma estrutura sanitária adequada e possuir condições
insalubres de trabalho e de moradia, o novo espaço urbano industrial propiciava a
disseminação de doenças em massa, entre elas a malária, a tuberculose, a lepra e
outras mais. Conforme relata Basbaum (1968, p. 124), as condições do Rio de
Janeiro nesta época podem ser assim resumidas:
... era o Rio uma cidade de ruas tortas, estreitas e mal calçadas, traçadas
ao acaso por entre os vales, que em épocas chuvosas se transformavam
em lamaçais com as águas que desciam do morro. Não tinha esgoto, a luz
de gás, precária, fazia das ruas lugares perigosos à noite.
Essa situação contribuía para que as doenças se propagassem entre as
diversas classes sociais, indiferentemente das condições de habitação ou de
trabalho, como era o caso das pestilências, levando os setores governamentais a se
preocupar com os surtos de epidemias, como se verificou no caso da gripe-
espanhola entre 1928 e 1929. Por isso, os serviços de saúde se expandiram, e a
questão de saúde da população iria ser tomada pelo Estado. Conforme aponta Luz
(1984, p.159), “através da criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, [o
Estado] atua no saneamento urbano e rural da higiene industrial e dos serviços de
higiene materno infantil”.
48
Nesse contexto socioeconômico é que as idéias higienistas tomaram
impulso no Brasil. Após a proclamação da República, os postulados positivistas, que
se assentavam na ordem e no progresso, ampliavam caminhos para a divulgação
das idéias higienistas. Nos centros industriais e portuários, bem como nas capitais
dos Estados, a repercussão dessas idéias higienistas era maior, embora elas
também atingissem todos os recantos do país. Muitas ações significativas, voltadas
ao sanitarismo, foram realizadas, como a da “Reforma Passos”, que desenvolveu
intervenções e obras urbanas realizadas na primeira década do século XX, na
cidade do Rio de Janeiro, transformando a morfologia de sua área central.
Dentre os pensamentos voltados à promoção da saúde, como aqueles
postulados pelos sanitaristas Oswaldo Cruz e Carlos Chagas e pelo engenheiro
Saturnino de Brito, iremos destacar os pensamentos higienistas que se firmaram
com a fundação da Liga Brasileira de Hygiene Mental (1923). Neste contexto de
efervescentes mudanças nas relações sociais, que se refletem nas relações
familiares e do trabalho, a LBHM se destaca com a proposta e o desenvolvimento de
ações higienistas condizentes com as necessidades da época. Na seqüência
trataremos de algumas características das reformas educacionais que foram postas
em prática na primeira metade do século XX, as quais expressaram e o
desenvolvimento dos ideários higienistas e contribuíram para ele.
2.1 AS LEIS E CAMINHOS DA EDUCAÇÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO
SÉCULO XX
A década de 1920 foi um período de significativa expressão na área da
educação brasileira, sendo um período de grandes iniciativas na reforma da
educacional. Entre os primeiros renovadores da escola destacam-se Anísio Teixeira,
Francisco Campos, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, que sentiam a
necessidade de melhor coordenar o trabalho da escola, ampliando sua oferta para
todos, pois até aquele momento essa oferta não era abrangente, ficando à família e
à comunidade a responsabilidade pela educação dos indivíduos.
Referindo-se a esse contexto, Lourenço Filho (1978, p. 19) afirma que “as
primeiras escolas haviam sido criadas em sociedades de singela composição, em
que a ação da família, da igreja e da comunidade próxima era bastante à formação
49
educadora”. A escola, organizada por um sistema de ensino público, até esse
período histórico ainda não era solicitada pela sociedade, e isto acontecia pelo fato
de que as atividades profissionais não requeriam uma aprendizagem escolar.
Como observamos no primeiro capítulo deste trabalho, a família passou
por mudanças em sua forma de organização. Essas mudanças foram determinadas,
em grande parte, pela industrialização, que intensificava seu ritmo através da
diminuição do valor da força de trabalho, pela urbanização crescente, que exigia a
força de trabalho feminina, pela expansão da jornada de trabalho e pelo surgimento
do sentimento da infância, dentre outras características. As formatações acontecidas
na organização familiar favoreciam a classe burguesa, que se fortalecia com o
crescente desenvolvimento da indústria e também determinava transformações na
organização da família. Na educação, as mudanças também foram necessárias,
para atender a uma nova organização social da família e da sociedade como um
todo.
Assim no Brasil, na década de 1920, surgiram as primeiras raízes do
movimento da Escola Nova. Segundo Lourenço Filho (1978), a origem e a evolução
desse movimento correspondem ainda aos fatos históricos influenciados pelos dois
grandes conflitos armados ocorridos na primeira metade do século XX, ou seja, a
Primeira (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Na origem e evolução do movimento da Escola Nova há, sem dúvida,
alguma coisa correspondente a esse sentimento, determinado pela
complexidade social decorrente da industrialização, e pelas formas de
opressão resultante dos dois grandes conflitos armados deste século, e,
enfim, da guerra-fria, em que temos vivido e agora vivemos (LOURENÇO
FILHO, 1978, p. 23).
Dentre as mudanças educacionais enfatizava-se a gratuidade do ensino
público, idéia esta posta por Marx (1998, p.31), ao afirmar que a “educação
pública [deveria ser] gratuita para todas as crianças. [E que deveria haver a]
abolição do trabalho infantil nas fábricas na sua forma atual. [Bem como a]
combinação da educação com a produção material etc.”
Marx não manifesta uma educação escolar voltada para a formação
profissional, educação esta que não qualifica nem o homem nem o trabalhador,
como almejavam os burgueses, mas sim, uma educação que oportunize trabalho
50
para todos. Lênin (apud, MANACORDA, 2002, p.313) interpretando Marx, resume
que
não é possível conceber o ideal de uma sociedade futura sem
conjugar a instrução com trabalho produtivo da jovem geração. Nem
a instrução isolada do trabalho produtivo, nem o trabalho produtivo
isolado da instrução poderiam ser colocados à altura do atual nível
da técnica e do presente estado dos conhecimentos científicos.
A proposta de Marx (1998) para uma educação politécnica compreende
três pontos centrais: educação intelectual, educação corporal e educação
tecnológica. O primeiro ponto não é detalhado pelo próprio autor. O segundo tem
como objetivo atenuar os efeitos mutiladores da produção, através de exercícios
militares e de ginástica, o que demonstrava a preocupação com a higiene corporal.
O terceiro ponto compreende a educação tecnológica, que deve abordar os
princípios gerais e de caráter científico de todo o processo de produção e, ao
mesmo tempo, iniciar as crianças e adolescentes na operação de instrumentos de
trabalho dos diversos ramos industriais. A combinação desses três elementos
colocaria a classe operária acima do nível da aristocracia e da burguesia.
A proposta da mudança educacional no Brasil estava diante do intenso
processo de industrialização de base científica e tecnológica, que se modificava
utilizando novas fontes produtoras de energia. Havia também a evolução dos meios
de transporte, automação das máquinas e do campo, propiciando um crescente
processo de urbanização, além do significativo avanço da ciência. que aprimorava a
medicina. Tudo isso justificava a necessidade de uma transformação educacional
que correspondesse à realidade desta época, que buscava um homem solidário e
cooperativo, como esclarece o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (apud
GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p.60):
A escola socializada, reconstituída sobre a base da actividade e da
produção, em que se considera o trabalho como melhor maneira de estudar
a realidade em geral (acquisição activa da cultura) e a melhor maneira de
estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana,
se organizou para remontar a corrente e restabelecer entre os homens, o
espírito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma profunda obra
social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de
classes.
51
O Estado Nacional Brasileiro, que estava se formando, requeria um
cidadão livre e consciente, com um ensino voltado para um indivíduo com talentos e
características diferenciadas, recebendo uma educação laica, ou seja, sem a
influência da Igreja, que até o momento havia influenciado ideologicamente a
educação tradicional.
Nesse contexto de mudanças e inquietações sociais, as ciências
humanas apresentaram novidades para a pedagogia, que desenvolveu novas visões
e interpretações de mundo. Desta maneira firmavam-se as idéias do “movimento da
Escola Nova”,
12
postulando uma escola pública, universal e gratuita.
No campo político e econômico havia o confronto de idéias entre
correntes divergentes influenciadas pelos movimentos europeus, culminando com a
crise econômica mundial de 1929. Essa crise iria refletir-se diretamente nas forças
produtoras rurais, que, subsidiadas pelo governo, garantiam a produção. A
oligarquia dos coronéis dos estados de São Paulo e Minas Gerais, chamada
popularmente de “a política do café-com-leite”, iria ser rompida com a Revolução de
1930, que pôs fim à Primeira República e passou a ser um marco referencial da
entrada do Brasil no mundo capitalista de produção. A acumulação de capital, do
período anterior à crise econômica de 1929, possibilitou que o Brasil pudesse
investir no mercado interno e na produção industrial. Mediante esse panorama
econômico, o novo mercado industrial passou a exigir mão-de-obra especializada e
a educação iria fazer investimentos para responder a isso.
Conjugando política econômica com ideais educacionais, vamos ter no
campo pedagógico uma crítica severa à escola, realizada pelos postulantes do
Movimento Escolanovista, que denunciavam a escola tradicional em sua forma de
priorizar o intelectualismo e a memorização,. Seus defensores viam também a
escola como instrumento para estender a todos os indivíduos os seus benefícios,
tendo em seus discursos a educação com uma função democratizada de igualar as
oportunidades de direito à educação (LOURENÇO FILHO, 1978). Para os
educadores escolanovistas, o saber é constituído por conhecimentos e vivências
que se entrelaçam de forma dinâmica. Assim a escola deve voltar-se às questões de
necessidade prática, adequando o indivíduo ao mundo que se transforma e dando
maiores condições para esse indivíduo avançar e progredir na busca de uma vida de
condições sociais mais justas.
12
Ver LORENÇO FILHO (1978).
52
Não obstante, as idéias de transformação da escola estavam submetidas
à realidade político-social, o que em partes dificultava maiores avanços. Desta forma
os escolanovistas não romperam com os ideais liberais, quando silenciaram frente
às desigualdades sociais, sem se contrapor aos valores burgueses, e assim
reforçavam a adaptação do indivíduo à sociedade. Para Dewey (apud LOURENÇO
FILHO, 1978, p. 157), a conexão com a realidade e a ação está intimamente posta
em lugar em que as idéias muitas vezes não podem penetrar:
...a moral está jungida á realidade da vida, não a idéias, fins e obrigações
independentes das realidades concretas. Os fatos dos quais ela depende,
que são seus alicerces, procedem das ligações ativas e recíprocas entre
indivíduos, são conseqüências das suas atividades entrelaçadas com a vida
dos desejos, crenças, dos julgamentos, das satisfações e dos
descontentamentos. Neste sentido a conduta e, conseqüentemente o moral
é social.
Desta forma, a escola passou a pensar o homem na sua dimensão
individual e social, em que o seu agir atinge a sociedade e desdobra-se em ações
políticas, que construirão esta sociedade. Portanto, a construção do ser irá propiciar
uma reflexão interior que interagirá com as suas ações exteriores. A escola,
conduzida pela crença no progresso e na ciência, iria expandir-se, buscando, nas
normas éticas, orientar o homem para este tempo histórico, em que a educação
deveria desenvolver as aptidões “naturais” do indivíduo. Segundo Azevedo (2002, p.
88), acreditava-se possível “... ser tão científico no estudo e na resolução dos
problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças”. O escolanovismo
iria representar um marco na redefinição da educação no Brasil e na construção da
Escola pública, tendo representatividade significativa neste processo o Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova, lançado em 1932 (AZEVEDO, 2002).
No quadro das significativas mudanças que ocorriam nesse período era
preciso criar um Brasil novo, um Brasil que deixasse para trás as mazelas do
passado e vislumbrasse o futuro. Nesse sentido o, Manifesto dos Pioneiros da
educação, que expressava as idéias dos educadores liberais, mas que também
recebia a oposição dos conservadores defensores da pedagogia tradicional,
consubstanciava-se em um corpo de medidas delineadoras de um novo sistema
educacional - sistema este de caráter único, laico, com base científica e sob a
responsabilidade do Estado. Tais proposições, contudo, lograram efetivação
conforme a correlação de forças existentes na sociedade e assim constituíram-se
53
em um movimento com avanços, recuos e permanências. O saldo dos embates
entre renovadores e conservadores não foi positivo para os renovadores e
expressou o modo como o poder estava estruturado no contexto brasileiro, como
assinala Romanelli (1994, p.191),
...a vitória dos antidemocratas e conservadores, sendo mais constante,
colocaram os destinos da educação, sua expansão e rumos sob o controle
desses grupos. Esse controle se exerceu de duas formas. Primeiro, através
da contenção da expansão do ensino em limites mais estreitos (…).
Segundo, através da criação de uma estrutura de ensino, baseada em
valores próprios desses grupos dominantes, valores, portanto, ligados à
velha ordem social aristocrática e oligárquica...
Nas ações políticas transparecia o campo teórico da classe dominante,
quando o presidente interino, Getúlio Dorneles Vargas, criou o Ministério da
Educação e Saúde Pública, e, em 1931, editou decretos organizando o ensino
secundário e as universidades brasileiras, medidas que ficaram conhecidas como
“Reforma Francisco Campos”.
Um avanço significativo era a difusão da instrução básica. O Presidente
acreditava poder formar um povo com mais consciência e mais apto às exigências
de uma democracia que tinha o voto como artifício, e também acreditava construir
uma elite de futuros políticos, pensadores e técnicos.
Se as medidas progressistas da educação obtinham êxito, medidas
conservadoras também eram lançadas pela Liga Eleitoral Católica (LEC), que pedia
a continuidade do ensino religioso na escola, e não a laicidade, como desejavam os
renovadores.
No pensamento da Igreja, segundo Ghiraldelli (1994), era importante criar
uma ordem política e social fundamentada nos princípios cristãos. Em outras
palavras, transformar o regime político num verdadeiro Estado Cristão, em que as
normas ideológicas do cristianismo influenciariam a conduta ética do cidadão. Nesse
sentido, dois enfoques marcavam a ação da Igreja: em primeiro lugar, a necessidade
de uma presença mais efetiva da católica na sociedade, e como conseqüência do
primeiro aspecto, uma maior aproximação e colaboração entre Igreja e Estado.
A presença efetiva do ideário católico na educação visava criar uma
sociedade que respeitasse os valores tradicionais do cristianismo, e para que essa
presença fosse eficaz, os bispos desejavam reconquistar uma série de privilégios e
regalias. Dois pontos tinham vínculo direto com a esfera educativa: como dissemos
54
anteriormente, o restabelecimento do ensino religioso nas escolas públicas, e
também o direito à obtenção de subvenções públicas para as instituições católicas
com finalidade social. Portanto, essa proximidade da igreja com o Estado efetivava-
se com o decreto de obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas.
Fausto (1998, p. 333) afirma que a igreja, levou a massa da população católica a
apoiar o governo”.
Não obstante, em 1924 havia sido criada a Associação Brasileira de
Educação (ABE), que se constitui no órgão representativo do Movimento Renovador
na Educação e culminou em 1932, com o citado “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova” de iniciativa de 26 educadores, dentre eles: Anísio Teixeira,
Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Cecília Meirelles. Com uma proposta de
reconstrução educacional no Brasil, vemos já no início do documento o seguinte:
Na hierarchia dos problemas nacionales, nenhum sobreleva em importancia
e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter econômico lhe
podem disputar a primazia nos planos de reconstrucção nacional. Pois, se a
evolução orgânica do systema cultural de um paiz depende de suas
condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou
de produção, sem o preparo intensivo das forças culturaes e o
desenvolvimento das aptidões à invenção e iniciativa que são os fatores
fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade (apud,
GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 54).
O Manifesto dos Pioneiros na Educação supõe a educação como um
problema social e preconiza uma mudança nos métodos educacionais,
fundamentando-se nas descobertas da psicologia, filosofia e sociologia. Busca a
mudança propondo a educação como função pública, assegurando escola para
todos, pois a educação familiar não atendia à necessidade do mundo do trabalho.
Segundo o entendimento dos renovadores, a escola deveria melhorar quantitativa e
qualitativamente. Desta forma, caberia à União fixar um “Plano Nacional de
Educação”, coordenando e fiscalizando a educação de todo o país. Pela força dos
conservadores da educação e pela característica do governo populista de Getúlio
Vargas, a família é reconhecida em seu papel educativo. Para os renovadores da
educação, a família não deveria prover à educação escolar, mas deveria ser uma
força maior no trabalho educativo da escola,
Por isto, o Estado, longe de prescindir da família, deve assentar o trabalho
da educação no apoio que ellaá escola e na collaboração effectiva entre
Paes e professores, entre os quaes, nessa obra profundamente social, tem
55
o dever de restabelecer a confiança e estreitar as relações, associando e
pondo a serviço da obra commum essas duas forças sociaes
(apud,GHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 62).
Portanto, a constituição de 1934 dispõe pela primeira vez que a educação
é um direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes públicos,
no caso representados pela escola. O artigo 149 traz a seguinte redação:
A educação é, direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos
Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores
da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana (BRASIL, 1934).
Deste modo, a União estava encarregada de fixar um plano nacional de
educação que compreendesse o ensino em todos os graus e ramos, comuns ou
especializados, e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do país,
estabelecendo o ensino como obrigatório e gratuito. Nesse plano, os conservadores
católicos conseguiram inserir o ensino religioso nas escolas públicas, os colégios
particulares foram reconhecidos e a família foi afirmada em seu papel educativo
(HORTA, 2001).
O cenário de avanços na educação se mudou quando em 1937 foi
instalado o “Estado Novo”, que centrava o poder no Executivo, que por sua vez, era
exercido por um governo autoritário. Os debates educacionais não prosseguiram,
saindo da sociedade civil e ficando controlado pela sociedade política.
A constituição brasileira de 1937, imposta ao país, foi redigida por
Francisco Campos, instituindo o Estado Autoritário, que extinguia partidos políticos,
prescrevendo ao Presidente Getúlio Vargas o controle sobre os poderes Legislativo
e Judiciário. Tornava-se o fator limitador dos avanços obtidos pelos renovadores da
educação, que foram intimidados pelo autoritarismo implantado.
A Constituição de 1937 enfatizava o ensino pré-vocacional e profissional,
sob uma orientação político-educacional que reclamava por preparação de mão-de-
obra para o mercado. Enquanto a Constituição de 1934 determinava a educação
como direito de todos e obrigação do Estado, como vimos anteriormente, a de 1937
tirava a obrigação de manter e expandir o ensino público. Desta forma, a Lei
Constitucional de 1937, em seu artigo 125, estabelecia sobre o dever da educação o
seguinte:
56
A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais.
O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira
principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as
deficiências e lacunas da educação particular (BRASIL, 1937).
Destarte, a educação era responsabilidade da família, a rede pública
ofereceria escola gratuita de nível primário, através de uma rede de ensino público e
gratuito; o ensino secundário não iria ser ofertado pelo Estado à população, somente
quem pudesse pagar uma escola particular poderia manter a continuação da
escolaridade de seus filhos. Os operários, sendo aqueles pais que não podiam
pagar o ensino particular, deviam encaminhar os filhos para o ensino
profissionalizante. Nesse arranjo, para as classes de operários trabalhadores, o
ensino seria profissionalizante, o ensino e o trabalho intelectual ficariam para a prole
da classe rica. O artigo 130 dessa Constituição nos deixa clara essa posição,
estabelecendo que:
O ensino-primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o
dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; por
ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente
não puderem alegar, escassez de recursos, uma contribuição módica e
mensal para o caixa escolar (BRASIL, 1937).
Antes da Segunda Guerra Mundial, no período brasileiro do Estado Novo,
“governado por um regime fortemente autoritário” foi realizada, na educação, através
de decretos, a reforma do ensino secundário, chamada de Reforma Capanema, que
regulamentava o ensino técnico-profissional, que não atendeu às demandas de
mão-de-obra técnica que a industrialização necessitava. Portanto, organizou-se um
ensino profissionalizante (GHIRALDELLI, 1994), paralelo com a rede pública, porém,
mais ágil e rápido na formação de mão-de-obra, o SENAI Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial e o SENAC – Serviço Nacional de atividade Comercial.
Estudar para se preparar para o trabalho era uma forma de inserção na
sociedade. Somente após 1945, com a deposição de Getúlio Vargas, é que as idéias
liberais de educação, propagadas pelos renovadores da Escola Nova, iriam ser
retomadas. Demonstrando a situação dos educadores pioneiros do escolanovismo,
Ghiraldelli Junior (1994, p. 89) afirma que:
57
... muitos educadores liberais, adeptos do escolanovismo, vinham ocupando
cargos na burocracia estatal desde os anos 20. A Revolução de 30 não
interrompeu esse processo. Educadores como Fernando de Azevedo,
Anísio Teixeira, Lourenço filho e outros continuaram os trabalhos de
disseminação da Pedagogia Nova através dos cargos ocupados após a
Revolução de 30.
Outro fator que influenciou os escolanovistas, segundo Gadotti (1993), foi
que o movimento da Escola Nova se mostrou contraditório, pois no mesmo momento
em consideravam os aspectos educacionais sob uma ótica social marxista ou
histórico-crítica, também recebia contribuições do pensamento positivo, que primava
pela acomodação da ordem e do progresso, sem questionar as diferenças entre as
classes sociais.
Os escolanovistas não puderam negar as contribuições do ‘positivismo’ e
do ‘marxismo’. Daí constituir-se num movimento complexo e contraditório.
Não podemos confundi-lo apenas como um movimento liberal. Seus
desdobramentos foram inevitáveis. Mesmo alguns educadores socialistas
foram influenciados pela Escola Nova. [...] a ‘Escola Socialista’, popular e
autônoma, como teoria e prática da educação, supera, sem anular, as
conquistas anteriores, quer da ‘Escola Tradicional’, quer da ‘Escola Nova’
(GADOTTI, 1993, p.148).
É sabido que antes da deposição de Vargas a legislação estava mais
flexível, pois os países direta ou indiretamente envolvidos na Segunda Guerra
Mundial aspiravam ao Estado de Direito, ou seja, um Estado em que todos os
indivíduos estivessem sob a lei, formando um governo democrático. O Brasil não
fugia a essa regra, e a opinião pública e as forças políticas nacionais reivindicavam o
retorno do estado de direito. Assim o Presidente também estaria subordinado às leis
que regem o Estado democrático, às leis que preservam os direitos de liberdade dos
cidadãos.
Nesta abordagem histórica sobre a educação escolar vimos a forma como
foi se apresentando o relacionamento entre escola e família. Nas primeiras décadas
do século XX, quando surgiram os ideários escolanovistas brasileiros, podemos
notar que uma das questões defendidas girava mais em torno da gratuidade do
ensino público, procurando saber se o governo proveria educação para todos ou a
família tomaria providências acerca da educação de sua prole.
Não obstante, outro relacionamento entre a escola e a família estava
sendo realizado paralelamente a estas discussões. Este relacionamento vinha
orientado pelos médicos higienistas, apresentando-se os primeiros esforços para
58
controlar as dificuldades encontradas principalmente nos centros urbanos. A
salubridade das cidades iria ser realizada com fundamento nas ciências biológicas
que se expandiam, sustentando os ideários higienistas; os médicos, fundamentados
nas ciências físicas e biológicas, legitimariam a ciência, na tentativa de formar uma
reação em cadeia, estendendo os princípios higiênicos para as gerações
posteriores.
A educação iria receber as contribuições das propostas higienistas para a
educação. Destarte no próximo capítulo deste trabalho observaremos como os
médicos higienistas legitimaram as ciências psicológicas e as biológicas, ao
estabelecerem bases nas atividades da escola e na sociedade como um todo.
CAPÍTULO III – O MOVIMENTO HIGIENISTA
A vida política, a econômica, a jurídica, a escolar e
a familiar têm todas que evoluir no sentido
59
biológico. O problema humano é um problema de
higiene, resolvido o qual, desaparecerão as
causas da miséria humana.
(LUIS HUERTA, apud PENNA, 1997, p. 32)
3.1 O HIGIENISMO LEGITIMA AS CIÊNCIAS
Desde o início do século XVII, a biologia, como as demais ciências, vinha
realizando consideráveis progressos. Em Théodoridès (1965), encontramos como as
investigações científicas foram estimuladas por um novo modo científico de pensar,
o qual proporcionava o desenvolvimento da tecnologia, do conhecimento, do âmbito
do direito, da política e da moral.
Este novo modo de pensar inaugura o aperfeiçoamento técnico das
formas de investigar, como as regras de investigação científicas, que foram
formuladas por René Descartes (1556-1650). Entre os seus desdobramentos
posteriores, é pertinente observar a invenção do microscópio, que ocorreu no século
XVI, mas que seria aperfeiçoado no decorrer do século XVII. Avanços como esses
iriam permitir um estudo mais minucioso do seres vivos.
Cientistas como Francesco Redi (1629 1696), que havia avançado
nas concepções teóricas da “geração espontânea”,
13
com seus discípulos Bonomo e
Cestoni, através de observações microscópicas, realizaram a descoberta e
descreveram o microorganismo “sarcopta da sarna”. Pela primeira vez a medicina e
a biologia reconheciam um ser vivo como causador de uma doença. É pela
microbiologia que iria se expandir à idéia do contagium vivum, que admitia o
contágio de doenças causadas por seres vivos. Ao longo do século XIX, estas
descobertas microbiológicas iriam ser confirmadas, como é o caso dos
microorganismos (bactéria e protozoários), que foram objeto de investigação no
século XIX, destacando-se as pesquisas de Fredinand Cohn, considerado como
fundador da bacteriologia morfológica.
Muitos cientistas se destacaram, como o médico francês Cassimir
Davaine e o alemão Robert Koch, que confirmaram o papel patogênico de uma
13
Teoria da geração espontânea desde a Antiguidade acreditava-se que certos animais
invertebrados, como por exemplo, insetos e vermes, e também alguns animais vertebrados como
sapos, rãs, enguias entre outros, nasciam espontaneamente no meio em que viviam, ou seja, na
lama, no lodo, ou nos fragmentos orgânicos em decomposição. Esta teoria da geração espontânea foi
combatida, mais enfaticamente, pelo naturalista italiano Francesco Redi (1629-1697).
(THÉODORIDES, 1965).
60
bactéria, o “bacterídio carbonoso”, agente da doença do carbúnculo. Esses avanços,
mais tarde, iriam se expandir nas pesquisas de um dos mais notáveis
microbiologistas, Louis Pasteur. Este cientista revolucionou a medicina e a biologia
com suas descobertas, em que demonstrava o papel patogênico dos micróbios,
descrevendo-os e preparando vacinas destinadas a combatê-los.
Dentre os muitos avanços, nas últimas décadas do século XIX, na área da
microbiologia, seria a partir das descobertas realizadas por Pasteur sobre o mundo
dos micróbios que se iriam descobrir muitas espécies capazes de produzir doenças.
Essas e outras descobertas no campo da microbiologia contribuíram para que os
princípios higienistas se fortalecessem e estimulassem ações nos campos sociais da
educação e da família, dentre outros.
Os avanços das ciências foram incorporados a uma série de
propostas e encaminhamentos, que os médicos higienistas desenvolveriam no
final do século XIX e início do século XX, em vários países, e no Brasil, através
da Liga Brasileira de Hygiene Mental (LBHM). Essa Liga foi fundada em 26 de
Janeiro de 1923, por Gustavo Riedel, e era dirigida por, psiquiatras, médicos,
juristas, educadores e jornalistas. Segundo Lopes (1925a), no Brasil, essas
ações estavam se desenvolvendo satisfatoriamente, considerando-se que em
outros países tidos como mais desenvolvidos elas ainda insistiam em divulgar
esclarecimentos sobre o higienismo. Como exemplo temos o caso dos
Estados Unidos, onde, apesar de a campanha pela higiene mental ter sido
iniciada desde 1907, por Clifford Beers
14
, em 1924, foi publicado na Revista de
Psiquiatria um artigo que se intitulava O que é hygiene Mental? Isto
demonstrava que ainda havia necessidade de se divulgar a higiene mental, e
que também o assunto estava em expansão.
Sabemos que no Brasil se reconheciam e realizavam ações que
vinham favorecendo a "conservação da saúde intelectual e moral dos
indivíduos”, pois, antes da criação da LBHM, havia sido inaugurado, em 13 de
junho de 1920, o primeiro instituto de higiene mental da Arica do Sul. Esse
instituto, denominado Instituto de Prophilaxia Mental do Engenho de Dentro,
foi fundado por Gustavo Riedel, que buscou doações de particulares e
14
Clifford Beers foi um filantropo de alta estirpe moral e intelectual, que se interessou pela psiquiatria,
após ter tido uma psicose funcional, que o levou para o internamento. Curado, escreveu Um espírito
que encontrou a si mesmo, em que divulga a idéia de regras capazes de prevenir as doenças
mentais, combatendo preceitos errôneos sobre os males que atacam a mente, realizando, também,
um trabalho de campanha pela higiene mental, nos Estados Unidos, em 1907.
61
donativos para construir um ambulatório, e investimentos públicos para a
manutenção dos serviços prestados. Lopes (1925b, p. 156) afirma que este
Instituto tinha a finalidade de
... realizar a prevenção das doenças mentaes pelos methodos
modernos, pôr em pratica os mais úteis objetivos eugenéticos e, como
pretexto prestar optima assitencia médica a grande parte da população
pobres de subúrbios do Rio de Janeiro.
Com a ampliação do atendimento às doenças mentais, quer pelo
internamento quer por atendimento domiciliar, mediado por enfermeiras
“monitoras de hygiene mental” e por médicos visitadores”, foi levada até as
famílias dos doentes a propagação das práticas de higiene mental e de
eugenética, por meio de folhetos com conselhos práticos, ilustrados com
figuras. Podemos encontrar em Lopes (1934, p. 166) recomendações para a
atuação das visitadoras domiciliares:
É ás visitadoras em apreço que incumbe ir, nos lares, não unicamente
recolher dados e informações, senão desenvolver uma intelligente
propaganda hygienica e, nos casos indicados, convencer venham á
presença do médico todas as pessoas predisposta ás neuro-
psychopathias, ou já doentes desses males.
O projeto de higiene mental fazia-se necessário, dentro do contexto
da época, como um recurso preventivo das degenerações da mente.
Fontenelle (1925, p. 195) afirma que:
A hygiene mental é uma parte importante da actividade mental, que
exige ser tomada em consideração em nosso meio, dado o enorme
peso que exercem as deficiencias e degenerações psychicas sobre a
colletividade, quer como encargos financeiros rapidamente
crescentes, quer representando avultadas somas de infelicidade e de
sofrimento humanos.
No momento em que os médicos, firmados nos avanços científicos,
entendiam que as deficiências e degenerações psíquicas eram produzidas por
hereditariedade ou pela situação econômico-social, a higiene pública também
teria que ser feita de uma forma orientada pelas ciências físicas e biológicas,
num trabalho extenso, que seria colocado além da defesa de doenças,
62
considerando que as partes física e psíquica encontravam-se entrelaçadas no
funcionamento do organismo humano. Segundo menciona Fontenelle (1925, p.
1),
essa hygiene mental apresenta duas faces: uma, tendo em vista o
trabalho contra as causas de degeneração psychica, é a prophylaxia
mental; outra, procurando preparar o equilíbrio de adaptação entre a
mentalidade individual e o meio physico e social, é a hygiene mental
propriamente dita.
Um canal útil para se efetivar um trabalho profilático seria o canal do
processo educativo, seja escolar seja através de orientações a grupos
comunitários, com panfletagem e outros meios de diálogo, pois as pessoas
comuns e sem instrução, os trabalhadores das indústrias e os de mão-de-obra
rural precisavam ser orientados sobre as causas e conseqüências das
doenças, para então evitá-las. Isto porque, apesar do avanço da ciência, as
informações não atingiam as pessoas em geral, ficando restritas à classe
médica. Portanto, era objetivo da Liga desenvolver um trabalho de prevenção
ás doenças por meio de ações voltadas às práticas higiênicas.
Desenvolvendo estas ações, entre outras que apontaremos na
continuidade deste trabalho, a LBHM, sediada no Rio de Janeiro, foi
reconhecida como de utilidade pública pelo Decreto Federal 4.778, datado
de 27 de dezembro de 1923, e segundo seu Estatuto, tinha como finalidade:
Artigo 1º. (...)
a) prevenção das doenças nervosas e mentaes pela
observância dos princípios da hygiene geral e especial do
sistema nervoso;
b) proteção e amparo no meio social aos egressos dos
manicômios e aos deficientes mentaes passiveis de
internação;
c) melhoria progressiva nos meios de assistir e tratar os
doentes nervosos e mentaes em asylos públicos,
particulares ou fóra delles;
d) realização de um programa de Hygiene Mental e de
Eugenetica no domínio das actividades individual, escolar,
profissional e social (grifo nosso).
Para atingir seus objetivos, o Estatuto propunha as seguintes
incumbências à Liga:
63
Artigo 2º (...)
a) actuar junto dos poderes públicos federaes, estadoaes e
municipaes, suggerindo medidas e obtendo realizações;
b) propagar as modernas idéas sobre prophylaxia mental;
c) estudar todos os problemas relativos á hygiene do systema
nervoso;
d) publicar periodicamente os seus trabalhos em revista por elle
mantida;
e) promover a realização de Congressos de Hygiene Mental e de
Eugenética;
f) manter relações com associações congêneres nacionais e
estrangeiras;
g) installar em sua sede social, uma bibliotheca relativa á hygiene
mental e sciencias affins, franqueando-a a todos os interessados.
Com esta orientação, a Liga Brasileira de Hygiene Mental iria prestar
serviços à higiene pública, no momento em que a industrialização em ritmo
crescente exigia cada vez mais o esforço físico e psíquico dos homens, que
trabalhavam muitas vezes em ofícios insalubres, o que agravava o surgimento
das doenças. E mesmo em condições normais de trabalho, os operários
chegavam ao esgotamento físico ou nervoso. Nesses casos, Penafiel (1925, p.
12) recomendava que
A Liga de Hygiene Mental têm que deixar de lado a influência exercida
por habitações malsans ou de nutrição insuficiente. E até no que
concerne á fadiga que certos trabalhos causam principalmente ao
systema nevoso, fadiga que pode ser de três espécies, muscular, por
choques moraes (emoções), e intelectual, o papel daquella Liga deve
cifrar-se, - uma vez que o problema do trabalho industrial não póde
mais, hoje em dia, ser tratado unicamente qual um ramo da mecânica
applicada ás sciencias naturaes, - no estudo, sobretudo, do elemento
psychico que envolvem taes problema.
A expansão das ações higienistas proporcionava condições de
realizar um trabalho de cunho preventivo de saúde mental, que não era voltado
somente para a assistência do corpo, mas também servia ao comércio e à
indústria moderna, com serviços médico-psicológicos. Penafiel (1925) chama a
atenção para as questões do esgotamento nervoso, de que muitos operários
eram acometidos, em vista do grande desgaste físico e psicológico causado
pelos trabalhos intensos e repetitivos nas indústrias e no comércio. Portanto,
64
a Liga deveria dar atenção também às causas psíquicas do homem, e apontava
três questões, as quais considerava interessarem ao homem do comércio e ao
industrial, que procuram bons colaboradores e operários úteis:
- Como conhecer as qualidades mentaes que fornecerão o melhor
rendimento para os trabalhos a executar;
- Que condições psychologicas asseguram o melhor e o mais
considerável rendimento de trabalho;
- Que meios educativos elevarão ao máximo as faculdades de que a
industria e o commercio têm necessidade. (PENAFIEL, 1925, p. 13).
Assim, a ciência tinha a importante função de assessorar na
organização do trabalho industrial, pela prática da psicologia experimental, no
intuito de prevenir doenças mentais e nervosas. Um trabalho com
características preventivas e não somente de assistência, mas de intervenção
na conjuntura da vida social, despontava, portanto, como novidade em
campanha pela higiene mental. Desta forma, Lopes (1925b, p. 155) afirma que
Quem lance um olhar sobre o desenvolvimento da psychiatria nos
últimos tempos reconhecerá que essa sciencia, não se occupa em
exclusivo com o tratamento de alienados durante a internação. Cada
vez mais se verifica a necessidade que há de intervenção da
psychiatria em numerosos casos da vida social.
A expansão dos objetivos da LBHM se encaminharia para além do
tratamento dos psicopatas e de assistência profilática, pois a Liga passava a
realizar programa de higiene mental e de eugenética, empenhando-se em
melhorar o nível de saúde, seja no trabalho (indústrias) seja nas escolas. Desta
forma, buscando apoio nos poderes públicos federal, estaduais e municipais,
a Liga propôs e realizou medidas de higiene mental nos meios militares,
educacionais, industriais, dentre outros, buscando, assim, atingir a totalidade
da população.
Segundo seu estatuto, após uma reformulação que aconteceu em 28
de fevereiro de 1928, a Liga passou a ter 12 Sessões de Estudos (LBHM, 1929,
p. 45) de caráter permanente, com no máximo 20 membros cada uma, sendo
elas:
Artigo. 32º - (...)
65
I – Dispensários e assistência social.
II – Assistência hospitalar aos psychopathas.
III – Legislação Social.
IV – Medicina Legal e Prevenção da delinqüência.
V – Educação e Trabalho profissional.
VI – Ensino e vulgarização da Neuro – Psychiatria.
VII – Hygiene Militar.
VIII – Propaganda e Publicidade.
IX – Puericultura e Hygiene Infantil.
X – Medicina e suas relações com o systema nervoso.
XI – Cirurgia em suas relações com o systema nervoso.
XII – Psycologia Applicada e Psychanalyse.
Estas sessões de estudos tinham a intenção de buscar meios para a
propagação dos bons hábitos de higiene para todas as instâncias da
sociedade, pois os higienistas entendiam que o que dificultava a aquisição e
manutenção dos bons hábitos higiênicos era a vida urbana conturbada que as
pessoas experenciavam.
Com este intuito, a higiene mental iria agir, sobretudo, na formação
da criança, considerando esta atuação necessária desde os primeiros dias de
vida, diante da necessidade de um acompanhamento das sensações dos
bebês, no primeiro ano de nascimento.
“A educação da criança de vir do berço, se não quizermos
consentir os motivos que a farão soffrer mais tarde” (ZBINDEN apud VIANNA,
1925, p. 178), pois, segundo os higienistas, para crescer com energia e
equilíbrio moral, devem-se equilibrar os tratos com a criança, não exagerando
nos mimos, ela deve ser aconselhada a fiscalizar sua alimentação, para que
seja nutrida conforme as regras estabelecidas. Ainda na concepção de
Zbinden (Ibid., p. 178), na proteção da criança devem ser observados os
preceitos da higiene física e mental, pois além dos cuidados com o corpo, não
convém tratá-los de coitadinhos e queridinhos, predispondo a criança a um
sentimentalismo. Neste mesmo pensamento, Olinto (1934, p. 122) afirma que
A verdadeira prophylaxia infantil, a verdadeira eugenia, resume-se em
educar. Primeiro pelo exemplo, na phase da imitação, depois, pela
implantação de hábitos sadios, na phase da compreensão, finalmente
pelo estudo na phase da invenção. [...] A felicidade está em almejar
pouco e trabalhar muito. Activo, alegre, occupado, é o homem feliz.
Notamos que um princípio de ordenação e ajustamento do
indivíduo, de que, nesta forma de pensar, colocam-se os princípios da ordem
66
das regras e do cultivo ao trabalho como meio para se conseguir felicidade.
Destarte, a ciência aqui legitima a dedicação ao mundo do trabalho e à
obediência treinada, sendo isto parte dos fundamentos da ideologia liberal.
Devemos reconhecer que as questões divulgadas pelos higienistas
eram fundamentais para as questões de saúde pública da época. Os preceitos
higienistas contribuíam atendendo ao anseio da população, que tinha carência
de assistência médica e de orientações para combater as causas das doenças,
as quais eram disseminadas em meio à população sem distinção de classe
social. Desta forma, eram valiosas as orientações higienistas.
. Para Vianna (1925, p. 180), as vozes autorizadas da ciência, alargam a
missão social da medicina”, deixando aparente o quanto estava presente o crédito
na ciência como redentora dos males da nação, visto que “confiamos no méthodo
scientífico e prevemos, em futuro próximo, a redenção sanitária de nossas
populações (Ibid., p. 180). Dessa forma, para esta redenção, eram ativadas
medidas preventivas contra as causas de degeneração da raça. Para alcançar esses
propósitos, os higienistas traçaram caminhos e registraram seus modos de pensar e
agir na sociedade do início do século XX, e quando os observamos os documentos
destes registros, temos um melhor entendimento de seus propósitos, e é isto que
faremos no próximo capítulo.
67
CATULO IV – O CAMINHO CONSTRUÍDO
(...) a árvore impede a visão da floresta, mas o
tempo maravilhoso da pesquisa é sempre aquele
em que o historiador mal começa a imaginar a
visão do conjunto, enquanto a bruma que encobre
os horizontes longínquos não se dissipou
totalmente, enquanto ele ainda não tomou muita
distância do detalhe dos documentos brutos, e
estes ainda conservam todo o seu frescor.
(MAISONS-LAFFITTE apud ARIÈS, 1981, p. 9)
4.1 O TRAJETO DE NOSSA PESQUISA
Na investigação das propostas que os higienistas realizaram nos campos
familiar e escolar, nas primeiras décadas do século XX, analisaremos os importantes
meios de promoção e divulgação de seus ideários, os Archivos Brasileiros de
Higiene Mental (ABHM), divulgados no período de 1925 a 1940. Estes eram
publicações periódicas, cujos conteúdos compreendiam as propostas e ações, do
movimento higienista no Brasil. São também ferramentas úteis para estas análises
os Anais do Congresso Nacional de Saúde Escolar de 1942, os Anais do III
68
Congresso Brasileiro de Hygiene publicado em 1929, como também algumas teses
da I Conferência Nacional de Educação, que foi realizada em 1927, na cidade de
Curitiba.
De posse desses materiais, buscaremos contextualizar historicamente as
formas como os higienistas propuseram as ações dirigidas à escola, no intuito de
que esta desenvolvesse trabalhos com a família. Ainda observaremos quais eram as
orientações para as questões postas neste início de século XX pelos higienistas, em
um momento histórico em que a educação brasileira foi envolvida pelo ideário
renovador das práticas pedagógicas no âmbito escolar. Vale lembrar que nessa
época, o Brasil incrementava o processo de industrialização e urbanização, que
acontecia nas chamadas nações desenvolvidas. Assim, os ideários de
modernização tomavam conta dos meios intelectuais, indicando a urgência das
transformações, que deveriam abranger os setores produtivos e também a
mentalidade da população. Essa idéia modernizadora tornava imprescindível uma
total renovação de hábitos comportamentos e modos de pensar do homem
brasileiro.
Nesse contexto, a escola era vista como um espaço privilegiado para a
inserção do ímpeto transformador; uma escola renovada, evidenciando uma
educação nova, com bases no movimento escolanovista, que havia surgido na
Europa e nos Estados Unidos em fins do século XIX. Este movimento opunha-se às
práticas pedagógicas tidas como tradicionais, as quais sustentavam as ações
pedagógicas nas escolas. O ideário renovador da educação escolar visava a uma
educação que pudesse integrar o indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo,
ampliar o acesso de todos à escola (LOURENÇO FILHO, 1978).
Anísio Teixeira, um dos maiores representantes do movimento
escolanovista no Brasil, afirma que a escola é um local propício para a construção
de uma consciência social, lugar onde o indivíduo adquire valores e condições para
formar o ser social. Assim ele discorre:
Como a escola visa formar o homem para o modo de vida democrático, toda
ela deve procurar, desde o início, mostrar que o indivíduo, em si e por si, é
somente necessidades e impotências; que só existe em função dos outros e
por causa dos outros; que a sua ação é sempre uma trans-ação com as
coisas e pessoas e que saber é um conjunto de conceitos e operações
destinados a atender àquelas necessidades, pela manipulação acertada e
adequada das coisas e pela cooperação com os outros no trabalho que,
69
hoje é sempre de grupo, cada um dependendo de todos e todos
dependendo de cada um (TEIXEIRA, 1968, p. 10).
Na visão desse autor, a escola deve ser agente da contínua
transformação e reconstrução social, colaboradora da constante reflexão e revisão
social frente à dinâmica e mobilidade existente em uma sociedade democrática.
É neste contexto que a educação, pautando-se em linhas gerais pela
defesa da escola pública obrigatória, laica e gratuita, e também pelos princípios
pedagógicos renovados, abre espaço para as ações de articulação entre família e
escola. Discorreremos sobre a proposta higienista, buscando a forma como ela se
relacionava com a educação escolar e com as famílias, nos aspectos da higiene
corporal e mental.
Foram os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental, registrados pelos
médicos higienistas, que nos proporcionaram a observação das relações entre a
família e a escola e como estas se desenvolviam neste contexto histórico do início
do século XX. Por esta razão, voltaremos nossa atenção para esta publicação no
que se refere às ações dos higienistas para aproximar a escola da família.
4.2 OS ARCHIVOS BRASILEIROS DE HYGIENE MENTAL
Os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental (ABHM) são uma publicação
da Liga Brasileira de Hygiene Mental, na primeira metade do século XX, voltada à
divulgação do pensamento e das ações dos médicos higienistas da referida Liga. Na
sua composição, apresentam-se artigos e resenhas científicas e ainda quadros de
noticiários sobre as ações e movimentos da Liga. Segundo Caldas (1930, p. 76) “A
Liga que, em 1925, publicara 2 números de uma revista semestral intitulada
‘Archivos brasileiros de Hygiene Mental’, fêl-a voltar á circulação como revista
mensal, em outubro de 1929”. Caldas se refere à volta dos ABMH, em 1929, pelo
fato de que nos anos de 1926, 1927, 1928 e até setembro de 1929 não houve
publicação dos ABHMs. As causas da não-publicação não são explicitamente
postas, porém, em seu discurso, esse higienista se refere à falta de recursos e às
dificuldades que a Liga enfrentava no intento de seus objetivos.
70
Sempre que a diretoria desta instituição se empenha na consecução de um
‘desideratum’, surge um obstáculo que lhe embaraça e lhe detem a marcha.
Ainda neste momento vê-se a Liga na dura contingência de abandonar a
sua sede actual em virtude de determinações do Snrs. Ministro da justiça e
do Diretor do Instituto de Surdos-Mudos (CALDAS, 1930, p.76).
A conquista de se fazer uma publicação mensal dos ABHMs era um dos
objetivos da LBHM, declarado no ano de 1925, quando a redação da revista
publicou, em sua abertura do número I, que os Arquivos, que haviam sido
publicados duas vezes durante o ano de 1925, deveriam ser publicados
mensalmente nos anos subseqüentes, visto que, no 2º artigo, na alínea d, o Estatuto
da Liga Brasileira de Hygiene Mental lançava a seguinte meta para consecução de
seus objetivos:
d) publicar periodicamente os seus trabalhos em revista por ella mantida;
Os artigos publicados nos ABHMs eram escritos pelos seus associados,
sendo mais recorrentes as publicações de artigos dos médicos membros da LBHM:
Ernani Lopes, Renato Kehl, Gustavo Riedel, Henrique Roxo, J. P. Fontenelle, dentre
outros.
Na concepção dos higienistas, as idéias difundidas nos Arquivos
deveriam ser divulgadas a todas as classes sociais; para isto, a revista não traria
somente artigos científicos, mas colocaria boletins e prospectos procurando difundir
as normas de “hygiene” e “neuro-pisychica” às camadas populares. Como exemplo,
as exortações realizadas às mães, na cerimônia de inauguração da Clinica de
Euphrenia (1932), em que o Cardeal D. Sebastião Leme (LBHM, 1932, p.81) se
dirigiu às mães com a seguinte exortação:
EXHORTAÇÃO ÁS MÃES
MÃE extremosa!
Teus filhos são a relíquia mais preciosa que possues.
São o teu sangue e a tua própria vida.
[...]
Não te esqueces nunca de os alimentar, de mudar as suas roupinhas, e de
o ninar, de o fazer dormir “o somno da innocencia”.
[...]
O teu filho cresceu, tornou-se homem, a tua filha também se tornou mulher.
Era o momento de sentires a felicidade integrada no teu lar, e a alegria de
ter cumprido condignamente a tua missão de mãe.
[...]
71
... porém, appareceram terríveis decepções: teu filho que desde a infância
se mostrara um menino teimoso e pugnaz, tornou-se um criminoso...
[...]
... Muitos doentes nervosos e mentaes, muitos criminosos e viciados, que
hoje se encontram nos manicômios, nas prisões e até nos salões elegantes
da sociedade, seriam pessoas equilibradas e felizes se a sua infância
tivesse sido convenientemente vigiada, si as suas anomalias
constitucionaes, os seus vicios e defeitos de comportamento tivessem sido
tratados ou corrigidos desde o início.
Nesse fragmento de texto, notamos que o objetivo de alcançar as famílias
e as pessoas de todas as classes sociais estava sendo buscado, visto que o texto
também foi distribuído, posteriormente, como folheto de propaganda.
Desta forma, as ações da Liga se expandiram através dos ABHMs,
passando também a ser uma via para alcançar os médicos do interior do país, que
desejavam trocar idéias com especialistas da Liga, sobre as novidades relativas aos
métodos profiláticos e às doenças nervosas e mentais. Abriu-se, portanto, nos
Arquivos, uma “Secção de Informações Neuro-psychiatricas”.
Os “Archivos”, como órgão official da Liga Brasileira de Hygiene Mental, têm
uma grande e nobre missão a realizar: Órgão de doutrina e de combate,
elles se propõem a abrir, em nosso meio, a senda por onde possam
enveredar, crescer e frutificar os ideaes de hygiene mental e eugenia, que
consubstanciam o programa d’aquela Instituição.
Apparecendo no dia 15 de cada mez, esta revista circulará intensamente na
Capital da República e nos estados, levando a todos os recantos do Brasil a
opnião, os appellos e conselhos dos nossos mais eminentes neuro-
hygienistas (CALDAS, 1929, p. 2).
É significativo atentarmos para o fato de que o movimento higienista
cresceu a medida que se desenvolvia a as ciências atendendo às necessidades de
higienização física e mental do indivíduo, essencial ao desenvolvimento da
sociedade e amenização dos os problemas que afligiam a sociedade da época.
Um canal eficaz para desenvolver os ideários higienistas iria ser a relação
da escola com a família do aluno. Portanto a estas duas instâncias serão dirigidas as
ações pensadas pelos higienistas, as quais observaremos no próximo capítulo.
72
CATULO V – AS PRÁTICAS HIGIENISTAS
“É imprescindível a assistência social às famílias,
atraindo-as ao seio das escolas, interessando-as
nos trabalhos que se processam, atuando nos
pais”...
(AZEVEDO, 1942, p. 551)
5.1 AS AÇÕES HIGIENISTAS
Os problemas escolares mais enunciados pelos educadores nas primeiras
décadas do século XX são a repetência e a desistência dos alunos, além da falta de
freqüência escolar (BOISSON, 1942). Podemos observar que estes assuntos foram
largamente debatidos no Primeiro Congresso Nacional de Saúde Escolar, realizado
73
na cidade de São Paulo, em 1941, o qual contou com a participação de professores,
delegados de ensino e representantes da Liga Brasileira de Hygiene Mental.
O problema da repetência e desistência do aluno, nos meios escolares,
exigia a busca de soluções, considerando-se, como parte de suas causas, do ponto
de vista pedagógico, a falta de professores especializados para a alfabetização e a
heterogeneidade de maturação dos alunos. Por isso, procedeu-se à seleção das
turmas, realizada através de testes, os quais se fundamentavam na psicologia e
eram aplicados pela escola, a qual buscava formar turmas homogêneas, de alunos
com níveis de maturação equivalentes. Segundo (AZEVEDO, 1942, p. 560), para
organizar uma classe de alunos dever-se-ia:
- Distribuir os alunos em classes, de acordo com os resultados obtidos
pelos testes (forte, média e fraca).
- Reajustar, no fim de um ou dois meses, os alunos mal ajustados às
classes em que foram distribuídos.
Os educadores esperavam que seguindo estas orientações os problemas,
em especial o de repetência, seriam minimizados. No entanto Boisson (1942),
comentando a questão, ponderou que a repetência não acontecia somente nas
primeiras séries, sendo também uma preocupação pedagógica nas séries seguintes,
e a justificava por diversos fatores, como deficiência no ensino da leitura e da
escrita, a heterogeneidade das turmas e o excesso de alunos por classe escolar.
Também que se considerar o extremo rigor na condução da disciplina dos alunos
(escola tradicional), bem como o excesso de liberdade proposto pelos modelos
pedagógicos tidos como inovadores (escola ativa).
Neste contexto de início do século XX, do ponto de vista médico-social, a
escola deveria estar em contato com a família em que a criança convivia, atuando
junto aos pais, através da assistência social. A interação proposta apontava para o
assistencialismo às famílias, atraindo-as para a escola, a fim de melhor
compreendê-las e ajudá-las.
A escola, diante dos problemas pedagógicos mais eminentes, tais como a
reprovação, a falta de freqüência e a evasão do aluno, propiciava um espaço ideal
para a aplicação de medidas de caráter higienista. Entre essas medidas, que tinham
a intenção de intervir na sociedade visando a melhorias nos seus procedimentos
74
higiênicos, foram encaminhadas propostas de atuação não somente com o aluno, no
âmbito escolar, mas também junto à família.
Desta forma, os professores, as educadoras sanitárias, os médicos e os
dentistas estariam atuando junto aos pais. Aos professores, segundo Azevedo
(1942), caberia a realização da educação higiênica em geral e da higiene alimentar,
através de aulas, utilizando-se de recursos como cartazes, cardápios diários,
pesquisas e questionários, e se houvesse a necessidade de um trabalho mais
intenso, o professor receberia auxílio da educadora sanitária. O professor deveria
observar também os problemas dentários e de acuidade visual e auditiva dos
alunos, problemas estes que se acreditava serem os causadores das dificuldades na
aprendizagem, bem como da não-freqüência e até mesmo da evasão dos alunos.
Neste caso, os que apresentassem algum desses problemas deveriam ser
encaminhados ao serviço público de saúde. E ainda o professor deveria encaminhar
à educadora sanitária os casos de alunos que apresentassem problemas de
deficiência física ou mental.
Para a educadora sanitária era passada a incumbência de fichar todos os
alunos encaminhados por seus professores e visitar os domicílios desses, com a
finalidade de levantar as condições econômicas, morais, higiênicas e de saúde em
que viviam essas famílias.
O fichamento dos alunos, nesse momento histórico, orientava-se pelo
método indutivo, ou seja, era aplicada a forma de partir do concreto para o abstrato
nas ações da escola. A ação de ir à casa do aluno e documentar as características
necessárias para orientar a ação dos professores e profissionais despertava uma
certa confiança na educação. Também esta ação demonstrava que a racionalidade
pedagógica articulava-se com os princípios de racionalização da produção e da vida
social: partir da documentação do conhecido, para obter formas viáveis aos
problemas desconhecidos. Spinola (1929) descreve a ficha sanitária utilizada no
serviço escolar do Estado da Bahia, a qual contém as seguintes informações: Nome
do aluno, idade, cor, responsável pelo aluno, antecedentes de doenças na família,
os antecedentes pessoais e exame somático, e também os números do peso e a
medida da altura do aluno. Desta forma, poderiam detectar os alunos portadores de
doenças, encaminhando-os para os médicos especialistas.
Essas medidas foram postas como tendentes a solucionar,
principalmente, o problema das reprovações. Azevedo (1942, p.559) observa que a
75
educadora sanitária “deveria fichar todos os alunos, em geral, e especialmente os
que foram encaminhados por razões particulares e urgentes”. Assim, em caso de
necessidade, esta educadora encaminharia o aluno à assistência médica e ao
serviço de higiene mental ou à assistência dentária.
Ainda para a solução das questões tidas como problemáticas na
educação escolar, Azevedo (1942, p. 560) sugeria “Atrair os pais ou responsáveis à
escola para solução de todos os problemas que dizem respeito ao educando:
freqüência, saúde, alimentação, vestuário e higiene em geral e maneira de educar
os filhos”.
Sendo assim, pensando estar agindo diretamente na solução dos
problemas considerados como as causas do insucesso escolar do aluno, os
educadores, fundamentados no ideário higienista, procuravam minimizar a
ocorrência desses problemas que se evidenciavam na escola.Eles acreditavam que,
para que esta educação sanitária se efetivasse, além da formação de hábitos sadios
nos alunos das escolas primárias, deveriam ser prescritas orientações sanitárias
para a família e para o meio em que a criança estivesse inserida. Oliveira (1929)
comenta o problema de se trabalhar com a criança sem se fazer um trabalho com a
respectiva família, afirmando que isso dificultaria o alcance dos objetivos propostos,
pois a família era o lugar onde a criança convivia a maior parte do tempo. Em sua
reflexão, ele afirma:
como valerá tentar formar hábitos sadios às creanças de famílias de
syphiliticos ou de tuberculosos desprotegidos de assistência sanitária, que
vão disseminando males, arruinando a raça e que, desamparados de
instrucção sanitária, ficam entregues aos próprios recursos (OLIVEIRA,
1929, p. 801).
A educação sanitária apenas através da escola precisava de um certo
tempo para atingir seu objetivo. Logo, se a escola se aliasse à família, este processo
seria acelerado, alcançando mais prontamente seus objetivos, pois a educação
sanitária, uma vez vinda da família, precederia a educação escolar.
Os higienistas propunham a instrução sanitária para a família,
justificando-a pela heterogeneidade da população brasileira, que naquele momento
recebia grande leva de imigrantes. Segundo os higienistas, estes imigrantes vinham
carregados com todos os tipos de males, “analfabetos incultos, com hábitos
viciosos, tarados, pervertores da ordem e da sociedade” (OLIVEIRA, 1929, p. 802).
76
Caberia, portanto, aos trabalhos da educação sanitária e da saúde pública
a formação dos hábitos sadios de higiene na população. No entanto, podemos
observar que a assistência sanitária às famílias, que acontecia dentro e fora da
educação escolar, estava impregnada pelo discurso eugenista de melhoria da raça,
como podemos observar no discurso de Oliveira (1929, p. 803), ao afirmar que,
Com efeito, é forçoso assistir a população aos grandes males que a afligem;
organizar contra a mortalidade infantil, contra a syphilis, contra a
tuberculose e contra tantos outros menores males que deprimem,
enfraquecem e estiolam a grandeza da raça.
A família era, conseqüentemente, encarregada das primeiras e
principais orientações; entretanto, sabemos que não basta somente conhecer os
preceitos higiênicos, é preciso ter as condições básicas para praticá-los, como boas
condições de moradia, infra-estrutura sanitária apropriada, alimentação adequada e
boas condições de trabalho. A questão da higiene era bem mais complexa, pois se
tratava de uma situação de pobreza que afligia as famílias dos alunos, como
pontuamos anteriormente neste trabalho. Legitimado pela ciência como meio de
preparar as pessoas para enfrentar a situação social calamitosa, o ideário higienista
se colocava tanto na área educacional escolar como em outras áreas da sociedade.
Se mais de 90% dos brasileiros não sabem ou não têm suficientemente
educadas a inteligência e a vontade para defender e melhorar
incessantemente a própria vida é evidente que não contribuem para a
defesa e melhoramento da vida da família, da sociedade e da espécie
(PENNA, 1997, p. 30).
Notamos que as questões sociais voltadas ao contexto de miserabilidade
em que vivia grande parte das famílias brasileiras são postas como problema da
falta de conhecimento científico. Assim, a escola, ao propagar os conhecimentos
científicos ao aluno e à sua família, estaria realizando o encaminhamento necessário
para a resolução dessas questões sociais, mais recorrentes na classe operária.
Angelis (1997) afirma que somente a execução de um trabalho dos órgãos públicos
voltados à profilaxia e ao saneamento, sem a conscientização dos indivíduos da
necessidade de se ter uma prática higiênica, não seria suficiente para o combate
aos males que afligiam a sociedade. Assim,
77
É preciso a educação, como o maior recurso para os milagres da
regeneração física. A educação higiênica se impõe, como um postulado da
razão, como necessidade inadiável e imprescindível, como um dilema de
sobrevivência ou iluminação (ANGELIS, 1997, p.445).
Visto desta forma, reforça-se a necessidade de ensinar hábitos higiênicos
à família, pois, segundo Fontenelle (1925. p. 8),
os hábitos mentais iniciam logo após o nascimento, quando devem ser
formados os hábitos de regularidade para dormir e para se alimentar. Essas
primeiras adaptações levarão o indivíduo a se ajustar às condições sociais,
para uma convivência harmônica, o cuidado com a inteligência e com a
conduta do indivíduo deverá ser realizado ainda na fase de criança.
Outro aspecto que deveria ser considerado, para o êxito da educação, era
o exemplo que o adulto demonstra às crianças, visto que a criança segue uma
tendência imitativa até que ela possa desenvolver sua autoconfiança, resultando no
domínio de si mesma. Nas orientações dos médicos higienistas para a educação
das crianças, é apontada a necessidade de se combater o excesso de
sentimentalismo da família para com seus filhos. Conforme explica Olinto (1942, p.
635):
Os processos de dor e de prazer físicos tornam-se pouco a pouco
psíquicos, com o desenvolvimento e durante a formação da personalidade.
O choro, o cultivo do choro e sua animação na criança, os carinhos
demasiados, o escândalo diante de suas quedas, a incitação à vingança
quando a criança se machuca numa porta de automóvel porta má, mesa
má, fez dodói no bebê, - os socorros exagerados, as defesas inoportunas,
etc., predispõem a criança ao sentimentalismo, quando não a uma
convicção de sofrimento e de inferioridade.
Segundo os higienistas, os pais devem ser orientados para educar a
criança quanto mais cedo possível, deixando-os enfrentar dificuldades,
experimentando as frustrações e alegrias da realidade da vida, e, assim,
desenvolvendo a capacidade de resolver sozinho as dificuldades, tornariam possível
o domínio dos seus próprios atos. Deste modo, acreditava-se que o indivíduo
poderia desenvolver bons hábitos, resultando num convívio harmonioso com a
sociedade, e assim numa vida feliz. Essa idéia tinha por objetivo a prevenção de
doenças mentais e, consecutivamente, voltava-se para a economia dos gastos
públicos com saúde.
78
Pouco a pouco está encaminhando, em nosso meio a idéa de cuidar-se da
saúde das crianças das escolas, de fazer-lhes a educação hygiênica, de
examinar-se-lhes systematicamente o corpo e o espírito e de corrigirem-se-
lhes os defeitos e desvios. Todavia, para certas questões da saúde physica
e para quase todas as de hygiene mental, é preciso cuidar da criança antes
do período de escolaridade (FONTENELLE, 1925, p. 7).
Para a escola se encarregar dessa tarefa, o aluno teria que começar a
freqüentá-la com idade menor. Assim surge a necessidade de um trabalho antes da
idade escolar, iniciando o trabalho junto aos alunos de idade pré-escolar , visto que
os higienistas consideravam que os primeiros seis anos de vida eram o principal
período para desenvolver os fundamentos da estrutura da personalidade da criança.
Essa concepção da necessidade de se educar a criança logo cedo, para
que se tornasse possível dar a ela a formação que fosse peculiar a sua natureza, é
recorrente nos diversos registros dos pensamentos dos higienistas, que defendiam
uma educação escolar maternal, pois as famílias, em sua grande maioria, não
possuíam condições de ensinar atos de higiene a sua prole, e assim atingiriam o
objetivo de melhorar as condições de vida da sociedade.
Para os higienistas, a normalidade fisiológica da vida se apresentava
como condição primeira ao aperfeiçoamento de qualquer espécie. O homem, que é
dotado de psiquismo, domina outras espécies pela sua capacidade de raciocínio, e
as domina a seu favor. Assim, fazia-se necessária uma educação escolar higiênica,
pois, segundo Penna (1997), no Brasil havia um elevado desconhecimento das leis
da biologia humana, da higiene e de profilaxia, bem como o desconhecimento da
eugenia e de medicina social, inclusive por parte dos encarregados pela instrução
primária, que tinham um conhecimento superficial sobre o assunto. Para Penna
(1997), a importância nacional da educação higiênica e eugênica, iniciada na escola
primária, teria por objetivo formar uma consciência sanitária nacional.
De acordo com os higienistas, para a realização desta educação higiênica
a escola e o lar eram as instâncias mais importantes na formação do caráter da
criança, por isso a escola passava a ser um meio que, desenvolvendo a proposta da
educação higiênica. A escola “iria complementar a educação que a família não
conseguisse dispor às crianças”. (grifo meu)
Os professores recebiam contribuições da ciência através das ações dos
médicos higienistas, que propagavam as “contribuições da biologia para, o
conhecimento da criança” (LOURENÇO FILHO, 1978, p. 56), criando-se, desta
79
forma, uma atitude técnica para a educação escolar. Nas orientações médicas, os
pedologistas, através de descrições estatísticas, fundavam bases para a
caracterização das fases evolutivas da infância. A psicologia vinha também
contribuir para este processo de higienização mental. Assim, os educadores
deveriam acompanhar variados domínios na vida da criança, para subsidiar os
encaminhamentos de sua aprendizagem.
A higiene mental, fundamentada na concepção psicológica das leis
evolutivas da infância, propunha um conjunto de ações práticas para facilitar o
desenvolvimento psíquico das pessoas, adaptando o ser humano às exigências
sociais, bem como lhes oportunizando realizações pessoais.
Considerando a ampla área de abrangência da psicologia e da
psicopatologia, Radecki (1925, p. 12) alerta os educadores de que “quem, portanto,
não quiser agir às cegas e com erros, deve entender e conhecer a psychologia da
creança antes de iniciar a acção pratica no dominio da hygiene mental”. Para os
professores, a difícil tarefa de observar as crianças, através da psicologia, foi
auxiliada pelos testes psicológicos, que, por meio de uma série de questões
construídas, fornecia uma amostragem de diversas propriedades psíquicas das
crianças. Os testes, chamados por Stern de “experiências verificativas”, eram
definidos como uma “experiência construída, de modo a poder, em cada caso, fixar
a integralidade das propriedades individuaes de um sujeito ou de uma propriedade
isolada do mesmo” (STERN apud RADECKI, 1925, p.15).
Destarte, a ciência psicológica era levada aos professores por intermédio
dos testes, os quais proporcionaram investigação e interpretação das condições
mentais de cada criança. Radecki (1925, p. 56) afirma que
A educação hygienica das funções do pensamento, na creança o
desenvolvimento do automatismo, da iniciativa do pensamento, a adaptação
delle aos fins da vida pratica, o assegurar lhe a eficiecia, isto é, a exactidão
logica representa um dos mais difficeis, é dos mais importantes e
constantes problemas de pedagogia.
Com a finalidade de facilitar as observações dos educadores, foram
elaborados questionários que recolhiam dados de todas as circunstâncias da vida do
indivíduo, caracterizando-o de forma geral. Estas observações, efetivadas pelos
professores, passariam também pelos especialistas (psicólogos), e através desses
80
testes e questionários a instituição escolar passou a ser um meio de realizar a
higiene mental nas crianças. Como aponta Radecki (1925, p. 20),
a escola, a classe maternal, e todos os outros meios educativos, devem ser
assistidos, não por médicos escolares que cuidem do lado organico das
crianças, como por psycologos escolares, para dirigir a observação
systematica, classificar creanças atrazadas e especialmente as adiantadas,
investigar o gráo de adaptabilidade da creança ás futuras, e junto com os
pedagogos elaborar os methodos educativos didáticos.
Nota-se, desta forma, o cuidado e a obediência aos preceitos científicos
tão propalados na época. Respaldados nas ciências biomédicas, os higienistas
atuavam na escola e na família, sugeriam à sociedade e especialmente à escola
interpelações de caráter biológico, psicológico e sociológicos, na busca de melhorias
da qualidade de vida dos indivíduos.
Os problemas a serem entendidos e enfrentados recebem primeiramente
um destaque, dirigido a fatores biológicos, como demonstra o relato de Almeida
Junior (apud ANDRADE 1942) sobre os índices de repetência, que no momento
eram preocupantes:
a observação demonstra que, em escolas convenientemente instaladas,
com programa razoável, bons professores, alunos normaes e frequentes, a
porcentagem de promoção se avizinha de 100%. Nas condições da escola
pública, porém nem todos os alunos são inteligência normal, nem a
frequência é de 100%.
Assim, as dificuldades sociais, como pobreza, desemprego falta de
moradia digna, condições de trabalho, não eram comumente analisadas ou
questionadas. Quando se referiam às situações sociais que produziam dificuldades
no aluno para um bom desempenho na escola, as questões eram remetidas a fatos
individuais das famílias, como o fato do uso de língua estrangeira falada nas famílias
dos imigrantes. Isto pode ser observado quando Andrade (1942, p.566) analisa os
fatores sociais que influenciavam a reprovação dos alunos nas escolas primárias da
seguinte forma, O uso de lingua estrangeira no lar aparece na escola como
elemento, além de desnacionalizador, fortemente negativo para o aprendizado da
linguagem, o que origina conseqüentes reprovações”.
Seguindo com sua forma de pensar estruturada nas ciências biológicas,
os higienistas entendiam que somente assistência médico-social não bastaria para
conduzir a sociedade a uma construção efetiva para se evitarem doenças, ou seja,
81
uma efetiva ação de profilaxia. O trabalho deveria chegar à raiz do problema, que no
entender destes intelectuais seria a educação das crianças, preparando-as para se
tornarem adultos sadios A educação entendida desta forma revela uma concepção
de ordenação para o progresso, que busca formar o cidadão político que viverá para
uma unidade coletiva (escola, família, nação ou pátria). Tal forma de entendimento
desconsidera as desigualdades sociais geradas no bojo do sistema de produção
capitalista. Historicamente esta forma de compreender a educação como redentora
das mazelas sociais é apresentada por Tocqueville (1805-1859) que em uma leitura
política defendia a questão de que a educação uniria a sociedade, pautada no amor,
na ordem e no progresso. Portanto, a educação somente poderia ser efetivada
através da moral, em que a ordem e o progresso seriam princípios da ordenação
social e econômica.
Em assim sendo, o trabalho educativo da instituição escolar se estendeu
à família, com o propósito de criar bons hábitos mentais, buscando regrar e
normatizar os indivíduos e desenvolvendo personalidades confiantes, com
capacidades de convívio social harmonioso. Através da educação psicológica, os
higienistas objetivavam o homem comedido, sendo urgente desenvolver ações
voltadas ao desenvolvimento desses homens, potencializados para ordem do corpo
e para a moral. Desta forma, os professores teriam que ser preparados para atender
a este intento e a família deveria ser convidada a participar.
Almeida Junior (1929) observa que, no curso das Escolas Normais, havia
uma disciplina específica para tratar da questão higiênica, ou seja, a disciplina de
Hygiene e puericultura, pertencente ao ano deste curso, a qual se justificava pela
necessidade de preparar o professor para conduzir as questões ligadas ao
higienismo durante o processo de educação escolar das crianças.
O autor afirma também que os professores deveriam ser orientados e
assessorados por materiais distribuídos pelo governo, em forma de compêndios
ilustrados e claros, contendo o essencial para a propagação da educação higiênica.
Verificamos que a importância da educação higiênica, que cada aluno
adquiriria por intermédio da escola, levava-o a se tornar um divulgador da higiene
física e mental. No entanto, a ordem e a higiene são propagadas, desprezando-se
as questões das dificuldades sociais e a condição de pobreza que os alunos
vivenciavam em suas famílias.
82
Com a finalidade de favorecer as práticas da educação higiênica, são
realizadas ações para criar hábitos nos alunos, como as apresentadas nas escolas
paulistas, relatados por Almeida Junior no III Congresso Brasileiro de Hygiene
(1929), em que eram desenvolvidas as revisões diárias de verificação dos asseios
dos alunos em 32 grupos escolares, sendo que nos demais estas revistas não
tinham dias determinados, porém seriam realizadas duas vezes por semana.
A proposta da pesagem periódica dos alunos, com a finalidade de
estimular a higiene alimentar, recomendava que a pesagem fosse efetivada a cada
bimestre. No entanto, na prática, as escolas paulistas realizavam esse processo
uma vez ao ano. A maioria, segundo Almeida Junior (1929), não realizava a
pesagem por falta de balanças nas escolas. Também a prática de lavar as mãos
antes das refeições e após o uso do banheiro era exigida em apenas duas escolas
paulistas. “Em algumas escolas realizam o banho semanalmente, mesmo estas
apresentando deficiência nas instalações” (ALMEIDA JUNIOR, 1929, p. 823).
Ao denunciar a falta de condições para o desenvolvimento do trabalho de
caráter higienista e também ao participarem de congressos científicos para discutir a
questão da reprovação e não-participação do aluno na escola, os professores e os
higienistas estavam denunciando questões que necessitavam de outros
encaminhamentos além do escolar, pois os próprios médicos higienistas sentiam as
dificuldades para pôr em prática seus projetos, “faltava horário para a realização de
hygiene, faltava material didático” (Ibid., p. 825). Não bastava a divulgação das
novas descobertas cientificas no campo da saúde. Não bastava um plano
fundamentado num saber cientifico para deter as doenças que se propagavam na
época interferindo negativamente na consolidação da industrialização, no Brasil. Era
necessário que as condições sociais fossem favoráveis para coloca-las em pratica.
Ao denunciar as precárias condições da escola e do escolar os higienistas deixavam
entrever que não se tratava da crise de uma escola em particular mas da sociedade
em que ela estava inserida.
Os problemas enfrentados pela escola, pelos higienistas e também pela
família não podem ser analisados como falta de responsabilidade, ou, no caso
específico da família, uma predisposição biológica para o fracasso, individualizando
o problema. A crise secular enfrentada por estas instituições denuncia a estrutura do
modo em que os homens se organizam para produzir sua subsistência, onde as
diferenças sociais se constituem na base de sustentação.
83
No geral, a escola buscou atender ao modelo de educação sanitária
elaborado pelos médicos higienistas, que pretendiam eliminar os vícios e
desenvolver hábitos sadios nas crianças, desde o pré-escolar. Almeida Junior (1929,
p. 821-822), referindo-se à importância da escola primária, como elemento desse
processo, afirma que
Esta é o verdadeiro instrumento de difusão da educação higiênica. Pouco
adianta formarmos legiões de ensinantes, si não lhes dermos
opportunidades para porem em prática a sua competencia. Por outro lado,
imagine-se o esplendido resultado quando as 400 mil crianças de nossas
escolas estiverem sob o influxo demorado da hygiene: serão outros tantos
propagandistas das normas sanitárias e, sem dúvida, indivíduos sadios que,
de futuro, pouca despeza darão ao Estado, para cural-os do amarellão, da
maleita, da syphilis, ou livral-os da tuberculose e da lepra.
Esse sistema de hábitos higiênicos não deveria se restringir a um ou
outro hábito isolado, mas construir hábitos conscientes na criança. A escola, neste
contexto, atende a uma necessidade de saúde, para a sobrevivência dos indivíduos,
porém a questão social da falta de infra-estrutura ao desenvolvimento urbano produz
problemas sociais como a fome, o desemprego, a violência e a desintegração da
família. Essas questões atingem a saúde do indivíduo que, sem condições mínimas
de alimentação e de moradia, fica enfraquecido e exposto a todas as espécies de
males.
Na função de educar, instruir e socializar, a escola iria ordenar os alunos
nos moldes dos projetos científicos, com práticas higiênicas não condizentes com a
realidade do entorno social da criança, pois a escola pública atendia aos filhos dos
trabalhadores, e estes viviam, em sua grande maioria, em condições de pobreza,
com falta de condições de moradia e alimentação adequadas, sem assistência
médica e carentes de toda a estrutura que requer a prática da higiene.
Outra forma de intervenção da escola na família era realizada através do
assistencialismo às famílias pobres (ALMEIDA JUNIOR, 1929). A assistência
mantida pela “caixa escolar”, formada por pais de alunos, professores e particulares,
bem como a “assistência dentária escolar”, contribuíam para a realização de
iniciativas higiênicas, conduzidas pela escola, que também englobavam outras
ações, como: distribuição de roupas, calçados, alimentos e medicamentos a alunos
pobres, cortes de cabelo, e ainda o tratamento de moléstias parasitárias. Para a
84
comunidade como um todo, também era realizada, por meio de folhetos,
conscientização sobre higiene, como podemos constatar neste fragmento do folheto
de propaganda que a Liga distribuía:
Não é raro, porém, apparecerem as terríveis decepções: teu filho que desde
a infância se mostra um menino teimoso e pugnaz, tornou-se um criminoso
e se encontra agora na desolação do cárcere....
De certo que em alguns casos, é a fatalidade a grande e única responsável.
Na maioria dos casos, porém, podem ser evitadas essas desgraças.
[...]
É muito importante saber alimentar bem as criancinhas, obedecendo a um
horário e a um regimen dietectico convinientes; é muito importante
acompanhar o seu crescimento, o seu augmento de peso, a sua dentição, o
seu desenvolvimento somático em geral (LBHM, 1932, p. 81-82).
Sabemos que, mesmo tendo seu valor reconhecido, a educação higiênica
não tinha diretriz clara para seu desenvolvimento na escola, ficando a cargo de cada
instituição escolar traçar os caminhos para desenvolvê-la. Observamos essa
carência no relato de Almeida Junior (1929, p. 824) ao afirmar que “não
compêndios, dizem ainda os interessados, em que possamos facilmente encontrar a
discriminação de nossa tarefa; não recebemos instrucções especiais a respeito.
Portanto, os cuidados higiênicos deveriam ser mais práticos que teóricos. Se o aluno
não trouxesse a prática higiênica desenvolvida da família, a escola teria que
trabalhar esses hábitos no período escolar em que ele permanecesse na escola.
Poucos materiais eram produzidos, como cartazes ilustrados, os quais
eram distribuídos pelo Estado às classes elementares (alfabetização). Esses
materiais auxiliavam os professores e introduziam nos lares a prática da higiene
através das gravuras, dos métodos e dos processos de educação higiênica
apresentados nas cartilhas de higiene. Os professores reclamavam da falta de
materiais e de uma literatura didática, no aspecto da educação sanitária. Como
afirma Braga (1930, p. 274): um problema era a escola “ter pouco material na
educação sanitária em geral e no que diz respeito ao antialcoolismo, sendo que os
poucos materiais existentes abordavam somente as questões patológicas.
A necessidade do trabalho higiênico na escola era reforçada pela
sociedade industrial, que reclamava não higiene física, mas também mental, pois
a tensão provocada pela rapidez das máquinas exigia um outro ritmo de vida dos
trabalhadores. Neste processo de aceleração do ritmo de trabalho, apresentavam–
se mudanças que provocavam freqüentes acidentes de trabalho, como o caso de
85
mutilações ocasionadas pelas máquinas que os trabalhadores operavam. Assim,
vemos que o homem moderno que esta fase industrial exigia se diferenciava do
homem que viveu na época da Primeira Guerra Mundial. Conforme Braga (1930, p.
274), o herói moderno seria “conduzido por uma inteligência clara, de músculos
firmes e retezos, olhar percuciente, coração rytmico, nervos sadios, vontade segura”.
A promoção desse bem-estar e da saúde do povo estava aliada à
intensificação da educação higiênica, pois, com a exigência desse novo homem, a
escola também iria modificar seus objetivos. O saber-viver deveria ser uma das
condições essências desenvolvidas pela escola, que, naquele momento, encampava
ações em favor do desenvolvimento da higiene.
Um aspecto geral, observado pelos palestrantes do III Congresso
Brasileiro de Hygiene (1929) é que tanto a Federação Brasileira como os estados e
municípios tinham programas higienistas nas esferas rural e urbana, que mostravam
esforços para o desenvolvimento da higiene. O problema era que essas instâncias
não se coordenavam em uma ação única de integração em favor da higiene, visto
que cada qual seguia uma orientação própria, podendo muitas vezes, em seus
esforços, se anularem. Para Ferreira (1929), era necessária uma combinação de
ações nas diversas esferas públicas, bem como entre as instâncias da sociedade,
pois
A hygiene, como todas as grandes manifestações da actividade humana,
será neste ou naquele meio tanto maior quanto fôr, para diffundil-a e
pratical-a, a acção combinada do cidadão, da família e do Estado (p.837,
grifo nosso).
A aproximação entre a família e a escola, nesse momento, iria ser
realizada, dentre outras formas, pela educação sanitária e pelo assistencialismo
desenvolvidos nas escolas, que buscavam um estreitamento nas relações família-
escola, pondo em relevo a função social da escola e buscando formar um indivíduo
capaz de viver e servir ao Estado. A escola iria formar o homem por meio do
desenvolvimento de habilidades para integrá-lo no campo do trabalho para a
produção (Braga, 1930). Neste aspecto, a escola era a grande articuladora da
promoção do homem cidadão, seguidor das normas e regras, anunciado por
Tocquevile (1805 - 1859), que, em seu tempo, entendia que a família não conseguia
formar o homem público, portanto esta tarefa caberia à educação escolarizada, a
86
qual desenvolveria o sentimento de cidadão político que viveria para uma unidade
coletiva, que era a escola, a família a Nação ou a Pátria.
Na proposta de educação higiênica, a educação passa das atitudes e
dos comportamentos à cognição. A prática escolar passaria por princípios que
levariam a criança a adquirir hábitos higiênicos, sendo eles: a imitação, a
obediência, o amor próprio e, por último, o raciocínio. A escola buscaria a
participação de alguns pais no desenvolvimento de ações voltadas à educação
higiênica. As famílias que apresentassem um bom nível social seriam convidadas,
pela escola, para comporem grupos de apoio educativo. Um bom nível social teriam,
as famílias que possuíssem boas condições de moradia, alimentação e trabalho
digno.
Destarte, como observamos no primeiro capítulo deste trabalho, convidar
os pais para participarem da escola não é um procedimento da sociedade atual. A
educação escolar do início do século, orientada pelo ideário higienistas, também se
dirigia à casa dos alunos, na tentativa de conscientizar a família sobre saúde e
higiene.
na atualidade a família e a comunidade como um todo são convidadas
a vir para escola, participar como forma de ajuda, seja na limpeza ou conservação
do prédio escolar, levando orientações sobre saúde para aluno, seja promovendo
lazer através de jogos ou brincadeiras, ou até mesmo desenvolvendo aulas de
reforço escolar. Portanto hoje a família é que adentra o âmbito escolar, com base
nos projetos que sugerem ajuda à escola, que passa por uma suposta “crise”.
Ainda nas propostas higienistas do início do século XX, também
registro de convite à família para cooperar com a escola através dos círculos de
mães, como relata Aragão (1997, p. 451), “A cooperação da família na obra da
escola é indispensável. Em cada escola deve existir um Círculo de Mães que as
prepare convenientemente”. Desta forma, as famílias são convidadas a freqüentar a
escola para serem educadas nas concepções de higiene e educação familiar e
economia doméstica, pois assim a escola estaria trabalhando em favor da
comunidade. Esse momento de participação da família na escola é registrado por
Alberto (1997, p. 448) da seguinte forma:
Que saibamos, coube à escola Regional a fundação do primeiro Círculo de
Mães entre nós, o qual, com as outras afirmações de sua atividade, foi-se
esboçando desde os primeiros tempos, para, afinal, surgir em hora
87
oportuna. Daí a sua eficácia. Tem dois anos e meio de funcionamento, com
programa especialmente traçado para aquelas mães, analfabetas em sua
maioria; higiene, educação familiar e economia doméstica são as três partes
do programa, destinado a preparar a cooperação que sonhamos das
famílias com a Escola (grifo nosso).
Percebemos, portanto, que a escola, com a função que tinha de ocupar-
se da educação infantil, buscava parceria na família, procurando prepará-la para o
exercício da função educativa, sendo freqüentes as ações de visitar as casas dos
alunos. Assim, a escola tentava, através dessas ações, direcionar os hábitos e
costumes higiênicos da família. Segundo Pernambuco (1929, p.891), deveriam ser
realizadas intervenções como;
- Visitar os alumnos que faltarem mais de três dias à escola, verificando a
causa das faltas communicando immediatamente à directoria ou ao medico-
escolar;
- Visitar a família dos alumnos que se monstrarem desleixados no traje ou
nos costumes, procurando melhorar o meio familiar(grifo nosso);
O baixo grau de nutrição e de saúde das crianças que freqüentavam as
escolas era preocupante, conforme afirma Souza (1942, p. 652), Existe uma
elevada proporção de desnutridos entre os escolares”. Segundo o autor, ao serem
atendidas pelos médicos, somente recebiam o diagnóstico, e não o tratamento para
que se restabelecesse a saúde. A situação exigia gastos do Estado, com postos de
saúde e distribuição de remédios, que, na maioria das vezes, estavam em falta.
Conforme aponta Ferreira (1929, p. 837), era necessária a interação entre as ações
do cidadão, da família e do Estado, pois “sem a acção combinada desses três
factores, lenta e não accelaradamente irão predominando os bons hábitos sobre
os máos”.
No ano de 1927, quando foi realizada a I Conferência Nacional de
Educação, na cidade de Curitiba, coube a Aragão (1997) discorrer sobre a
implantação da Caderneta Sanitária para as crianças, a qual era obrigatória no
Brasil. Esta caderneta era necessariamente apresentada em qualquer organização
em que a criança desejasse ingressar, quer nas instituições escolares quer em
outros estabelecimentos públicos de caridade ou organizações, como a de
agrupamento de escoteiros. O fato da existência da Caderneta Sanitária indica uma
idéia higienista que estava se realizando na prática.
88
Devemos considerar também que, no pensamento dos higienistas, à
educação caberia realizar seu trabalho perseguindo o objetivo de transformar a
sociedade, visto que em todos os âmbitos sociais existiam problemas que os
educadores acreditavam afetarem a educação escolar. Os problemas não se
acumulavam somente nos centros urbanos, mas também os havia na zona rural.
Lembramos que a situação de pobreza, deixava o homem interiorano em condições
de abandono, longe das informações que direcionavam o controle das endemias
rurais, como o caso da malária da doença de chagas entre outras. Esta situação do
trabalhador rural é apresentada, em uma das fases literárias de Monteiro Lobato,
que após ter contato com os médicos sanitaristas como Arthur Neiva, Belisário
Penna, Renato Kehl entre outros sanitaristas, apresenta uma caricatura do caipira
brasileiro, o Jeca Tatu. Esse ao ter contato com a ciência médica era curado das
moléstias que o abatia. Assim o caipira se tornava ativo e forte que segundo o autor,
era de sua natureza. Monteiro Lobato relaciona esta trajetória do caipira a ação das
políticas públicas de saúde e educação que favoreciam o desenvolvimento
econômico e social do país. Em relação a zona rural também havia dificuldades no
que tange a educação. De acordo com Aragão (1997, p. 452), na zona rural as
crianças tinham dificuldades em serem alfabetizadas
o problema educativo e de alfabetizar torna difícil e defeituoso, sobretudo
nas zonas rurais, falhas de escolas e onde os processos modernos de
educação não chegam senão tardiamente, crivados de erros e defeitos, em
virtude sua propagação lenta e vagarosa.
Em contrapartida, as crianças da zona rural usufruíam condições
climáticas muito favoráveis, o problema se agravava nas zonas urbanas pois as
crianças das cidades viviam em áreas poluídas pelas indústrias que contaminavam o
ar, e ainda residiam em locais sem infra-estrutura, onde as pessoas se
aglomeravam, vivendo em ambientes sem ventilação, luz, higiene e conforto
adequados, conforme relata Aragão (1997). As mães das crianças que viviam na
cidade eram obrigadas a trabalhar na indústria, não tendo tempo nem condições de
tomar conta dos filhos, confiando-os a terceiros, que, muitas vezes, encarregavam-
se de inúmeras crianças e, não conseguindo dispensar cuidados a todas, deixavam-
nas em ambientes insalubres, favorecendo, assim, a propagação de doenças nas
populações infantis.
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Aluisio de Azevedo, no romance de sua autoria intitulado, O Cortiço,
narra, em linguagem vigorosa, a vida miserável dos moradores das habitações
coletivas do Rio de Janeiro, próprias da situação urbana do início do século XX. Em
um de seus relatos, o autor descreve a ausência de hábitos higiênicos:
As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada
instante, um entrar e sair sem tréguas. o demoravam lá dentro e vinham
ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao
trabalho de ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por
detrás da estalagem ou no recanto das hortas (AZEVEDO, 1984, p. 28-29).
As denúncias das péssimas condições de vida da população pobre da
cidade do Rio de Janeiro também podem ser observadas nos jornais paulistas
daquela época, que se referiam a “constantes queixas contra trocas de tiros,
obscenidades, algazarras, que acontecem nos cortiços” (FAUSTO, 1998, p.22).
Assim podemos entender os esforços realizados pelos higienistas e sanitaristas, que
programavam ações para todas essas urgências sociais, buscando amenizar as
questões que afligiam a sociedade, principalmente a classe trabalhadora. Entendiam
que se a família, envolta nestas condições de penúria, não possuía condições e
conhecimentos para realizar um trabalho higiênico, este deveria ser realizado pela
escola, que teria ainda a atribuição de buscar a parceria da família para esta
participar na escola.
Temos que considerar ainda que, além da saúde e higiene física, a escola
também contribuiria, na visão dos higienistas, para a detecção das dificuldades de
relacionamento apresentadas pelos estudantes dos colégios, encaminhando-os para
profissionais como psiquiatras e psicólogos, que direcionavam assim um trabalho
específico dos problemas mentais nos alunos (OLINTO, 1942).
A higiene mental, pensada nos meios dos médicos alienistas e dos
psiquiatras, buscava resolver as questões de sanidade psíquica. Como se
acreditava que essa higiene era realizada no decorrer da formação da
personalidade, a escola passou a ser um local privilegiado para o desenvolvimento
de ações voltadas ao cultivo da boa higiene mental. A atuação da escola
demonstrou-se tão relevante que, entre os higienistas, era consensual que a Higiene
Mental caberia mais à pedagogia que à medicina, conforme afirmou Olinto (1942, p.
635): “Atualmente, porém todas as celebridades médicas conhecem nela [higiene
90
mental] as mais estreitas ligações com a educação e ninguém mais põe em dúvida
que o maior campo de ação é nas escolas e não nos hospitais.
Assim, é a educação escolar que, de acordo com os higienistas, dirigindo-
se à família, vai levar as normas de saúde física e psíquica do individuo à população
e a todas as esferas sociais. A educação escolar é posta como o lugar da verdadeira
profilaxia da doença mental, pois as difíceis situações de perversão moral do
ambiente em que a criança vivia, a situação de miséria, abandono, maus exemplos e
companhias, podem trazer conseqüências como a delinqüência infantil. Na
concepção de que o meio físico e social é determinante na construção mental da
criança, levá-la para a escola é o melhor recurso para normatizá-la conforme os
preceitos tidos como dignos pela sociedade. “é preciso criar nos escolares o
sentimento de solidariedade, que tem suas raízes no instinto gregário. O Combate
contra o crime é, pois, do domínio da Hygiene mental” (OLINTO,1942, p. 637).
Além de colaborar para a prevenção de doenças, a incumbência dos
professores em participar ativamente na boa formação do caráter e dos valores
morais das crianças era vista pelos higienistas como a mais relevante das funções
docentes, conforme enfatiza Castro (1929, p. 141):
Por isso vossa tarefa é, assim, nobilitante. A de collocar toda uma
sociedade em guarda contra um dos perigos que mais a ameaçam e mais
conspiram contra a sua estabilidade... A de vos empenhardes na educação
do caráter e dos valores moraes das crianças, orientando-a para as
finalidades superiores da vida unindo-a em solidário esforço na luta pelo
bem e pela virtude, criando-lhe, na mente, o amor ao trabalho.
A escola teria por finalidade o bem-estar social do aluno, buscando
espaços para a participação ativa deste aluno na sociedade, como cidadão capaz de
empreender seus deveres para com a pátria e a humanidade. A escola, na visão dos
higienistas, torna-se guardiã da ordem e do progresso desta sociedade, onde a
higiene é condição primeira.
Como meio de informação e formação do aluno, a escola deveria abrir
mais espaço para a realidade vivenciada por este, deixando de ser enciclopedista.
Desta forma, ela muda seus métodos didáticos, conforme aponta Claparéde (apud
BRAGA, 1931, p. 3) “a educação tem por finalidade o bem estar e comunhão social,
reforçando os ideaes do individuo; e concurrentemente, tem por objetivo dar ao
91
individuo mais vazas na vida, aperfeiçoando a comunhão social de que este é
parte”.
Esta forma de pensar é apresentada nos fundamentos da Escola Nova,
conforme apresentado no item 2.1 deste trabalho, em que se desenvolvia uma
relação mais recíproca entre professor e aluno, o que iria levar os educadores a
considerar a criança como sujeito da educação. O trabalho escolar procuraria ser
pautado na realidade social que o circunda, conforme apresenta Claparéde (apud
BRAGA 1931, p. 3) “como a vida que espera a criança ao sahir da escola, é a vida
no seio de um ambiente social, apresentar o trabalho sob forma vital é apresenta-lo
sob seu aspecto social, como instrumento de acção social”.
O relacionamento entre os alunos e professores passou a ser mais
horizontal, apresentando um ”antiautoritarismo“. Segundo Braga (1931. P. 4), o
centro coordenador dos processos educativos passava a ser a psicologia, pois
As pesquisas psycológicas seguindo linhas experimentais anteriormente
lançadas, estavam dando á educação um magnífico apparelhamento para
aferir a capacidade mental, verificar o rendimento dos processos didáticos e
avaliar os resultados obtidos.
Observamos, neste trabalho, que o avanço científico subsidiou as
propostas higienistas, levando à concepção de atividade e não de passividade na
defesa contra as doenças e degenerações humanas, desenvolvendo, assim, a
capacidade de preveni-las. Os discursos registrados nos Archivos da Liga Brasileira
de Hygiene Mental (LBHM), bem como nos Anais de Congressos de saúde e
educação apresentados nas primeiras décadas do século XX, demonstram como a
escola pública foi alvo de preocupação dos higienistas.
Os fundamentos fisiológicos, psicológicos e biológicos respaldavam o
trabalho dos higienistas para a educação, mas esses fundamentos necessitavam da
inter-relação social da escola com a família e vice-versa, produzindo assim uma
educação funcionalista, em que a base da ação educativa era a busca da satisfação
das necessidades dos adultos e da sociedade (elementos externos ao aluno),
ficando em segundo plano as necessidades (desejos) desse aluno, o que. tirava,
desta forma, sua autonomia. Uma das funções da escola, neste momento, foi a
transmissão de normas e valores comuns que propiciassem a vida coletiva.
92
O professor passou a executar a orientação dos médicos, sendo um
mediador entre a família e as ações médico-higienistas. No entanto, a tarefa não era
fácil para a escola, pois esta família se apresentava comprometida com o trabalho
extrafamiliar. Não podemos esquecer que havia um processo de intensificação do
trabalho operário, em que toda a família estava envolvida no trabalho de produção.
De forma geral, todos os membros da família eram mal remunerados, tendo que
comprometer seu tempo com o trabalho. Conforme afirmam Marx & Engels (1998, p.
69), “essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema
social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época
burguesa de todas as precedentes”.
A situação social dificultava a ação dos higienistas em prol da saúde e
bem-estar dos indivíduos, visto que este trabalho necessitava de contatos com a
família e da disponibilidade desta para atender ao chamado da escola. Esta família
também não conseguia atender às necessidades de seus membros. Podemos
observar a afirmação de Oliveira (1929) como exemplo dessas necessidades
quando ele destaca o papel da mulher na formação dos filhos, bem como a
necessidade da presença, principalmente da mãe, nos projetos de vida de sua prole.
De acordo com o pensamento higienista, a mãe exerce influência significativa na
vida da criança, não somente pelo fato de realizar atividades de grande importância
para esta, como é o caso do aleitamento e da assistência abnegada aos filhos, mas
também pela tendência que apresenta em perceber e prever as necessidades dos
seus filhos e guiá-los, facilitando-lhes o desenvolvimento.
A mulher pobre, a viúva, a abandonada iam para as fábricas trabalhar por
longas jornadas, e esta alternativa de trabalho não lhes permitia cuidar ou
acompanhar a vida escolar dos seus filhos, considerando ainda que esta mulher
tinha a incumbência dos afazeres domésticos. Esta situação impedia que a mãe
pertencente à classe trabalhadora adquirisse as noções sobre o desenvolvimento
psicológico da criança e primasse pelos princípios de higiene preconizados pelos
higienistas.
Esta realidade em que viviam as famílias não era reconhecida pelos
higienistas. Segundo BOARINI (1993, p.33),
os movimentos higienistas e eugênicos se sustentavam em idéias que não
levavam em conta que a péssima qualidade de vida da população antes de
93
ser resistência às normas de asseio, morais e bons costumes, era a
explicitação das contradições sociais que permeiam a ordem capitalista.
A posição dos higienistas em destacar o aspecto biológico dos problemas
que afligiam a sociedade, não dando relevância às condições sociais que geram
estes, é própria do biologismo, que tem o entendimento de que, se o indivíduo nasce
com características biológicas predeterminadas, são as regras e normas que
poderão encaminhá-lo para uma vida regrada e saudável. Desta forma, eles
garantiam a importância da influência da mãe sobre os filhos, conseqüentemente,
havia a necessidade de essa mãe ser orientada pela escola, pois cabia a ela
aconselhar e dirigir as ações dos filhos, segundo os preceitos higiênicos. Como
afirma Oliveira (1929, p. 851), “É da mãe que depende essencialmente a orientação
boa ou e todas as conseqüências benéficas ou desastrosas do apprendizado da
criança. Tal mãe, tal filho”.
Desta forma, para se realizar o trabalho de higiene mental dirigido aos
alunos, a escola precisava da contribuição dos pais. Conforme relata Alberto (1997),
existia a participação da família, como nos casos dos Círculos de Mães, que
desenvolviam programas voltados à higiene, à educação familiar e à economia
doméstica.
Neste relacionamento, às vezes os pais também precisavam de correção
sobre a forma mais conveniente de tratar os filhos, e isto gerava um desequilíbrio no
relacionamento entre estas duas instâncias, por isso muitas vezes a família negava-
se de se envolver com a escola. Se as questões exigissem alguma participação
mais intensa da família na escola, estas famílias chegavam a mudar seus filhos de
escola,para não serem incomodados (BITTENCOURT, 1942).
O recurso dos círculos dos pais e mestres para ajustar aqueles á escola, se
revela geralmente inoperante, entre nós, como a experiência tem
demonstrado. Os pais de alunos resistem até quando são chamados para
tratar, a sós com os diretores do estabelecimento, sobre o caso particular de
seu filho (BITTENCOURT, 1942, p. 632).
A família formava, na visão dos higienistas, uma comunidade que deveria
ser atingida pelas propagandas higiênicas encaminhadas pela escola, visto que,
dentre os fatores tidos como desencadeadores da “má” escolaridade, segundo os
higienistas, estava o fato da negligência dos pais no acompanhamento quanto à
freqüência dos filhos à escola. Quando Azevedo (1942) aborda os problemas dos
94
repetentes na escola, ele aponta, dentre as medidas tendentes a solucioná-los, a
participação dos pais na escola, afirmando que é necessário atrair os pais ou
responsáveis à escola para a solução de todos os problemas que dizem respeito ao
educando: freqüência, saúde, alimentação, vestuário e higiene em geral e maneira
de educar os filhos.
A escola deveria firmar uma relação mais íntima com os pais dos alunos,
a fim de conduzi-los ao conhecimento dos preceitos higiênicos e assim praticá-los
com os filhos, ensinando-os em casa, com o objetivo de desenvolver o hábito de
higiene. Para as escolas realizarem um trabalho com os pais eram sugeridas as
seguintes formas:
1. º - pelas reuniões provocadas pela educadora Sanitária;
2. º - por palestras e demonstrações feitas pelos professores, em dias bem
escolhidos, presentes os alunos e os respectivos pais;
3.º - pela distribuição de folhetos, cartazes, avisos, etc. dirigida pelos
Centros de saúde, mas realizada pela escola;
4. º - por meio de prêmios, mesmo singelos mas expressivos, ás famílias
que melhor compreenderem ou praticarem a Hygiene e melhor fizerem pela
saúde e asseio de seus filhos;
5. º - pela distribuição de material necessário á prática da hygiene,
aproveitando-se o governo, então, para usar melhor da despesa efetuada
com muita propaganda supérflua, exterior e mal dirigida, que campeia por
aí;
6. º - Pela distribuição do mesmo material, em modelo de propaganda, por
parte da indústria privada, o que poderia ser conseguido pelo governo, se
estimulasse os industriais que assim auxiliassem a tarefa de educar o povo;
7. º - por meio de uma nova organização das Caixas Escolares (AVANCINE,
1941, p. 533-534).
5.2 A SAÚDE ATRAVÉS DA HIGIENE ESCOLAR
Para o desenvolvimento do projeto higienista, do início do século XX,
coube à escola promover a saúde através do conhecimento de hábitos higiênicos,
na intenção de desenvolver uma educação útil para a vida. As ações que são
realizadas no interior da escola com os alunos devem se prolongar, atingindo
também as famílias destes e encaminhando a ordem da sociedade, com vista ao o
progresso social.
Podemos verificar estas práticas quando Leão (1929, p. 872) relata a
experiência das escolas do Distrito Federal, afirmando que na escola, desde o
95
começo do primeiro ano de escolaridade, é preciso procurar iniciar a criança em
hábitos de higiene como:
1º - Tomar banho com sabão todos os dias e lavar freqüentemente as mãos
com sabão, em especial antes da comida.
2º - Escovar os dentes ao levantar-se e ao deitar-se.
3º - Beber no mínimo cinco copos de água diariamente.
- Fazer uma evacuação intestinal todas as manhãs e lavar as mãos em
seguida com sabão.
6º - Usar roupas leves frescas e desapertadas.
7º - Brincar uma parte do dia ao ar livre, dormir sempre de janella aberta, ou
conservar apenas fechadas as venezianas quando as habitações forem de
um só pavimento.
8º - Manter o mais possível uma posição erecta quer de pé quer sentado.
9º - Manter-se, o mais possível, calmo, confiante e alegre.
10º - Não lançar perdigotos
15
nas outras pessoas e evitar recebe-los.
11º - Não apertar a mão de ninguém nem beijar ou deixar-se beijar.
12º - Não usar copos, toalhas ou outros objetos recentemente maculados
com a saliva das outras pessoas.
Com a intenção de educar para a higiene, as ações práticas passaram a
ser mais significativas que a instrução. Assim a importância do professor e da família
como modelos eram fatores determinantes para sua efetivação.
Observamos que os trabalhos higiênicos propostos para as escolas
desenvolverem com os pais e alunos seriam cobrados dos professores. Os médicos
realizavam observações das turmas a fim de julgarem as condições higiênicas por
elas apresentadas. Assim os professores que atingissem os objetivos de
desenvolver hábitos higiênicos em seus alunos receberiam uma promoção, como
uma forma de estímulo. Este fato é firmado no Decreto 2008, de 14 de Agosto de
1924:
Examinados obrigatoriamente pelo médico ao entrar em classe todos os
alumnos são forçados, desde logo, a hábitos de asseio e de hygiene. É até
elemento considerado para determinar o merecimento de um professor a
ser promovido, cujo julgamento é privativo do médico escolar, o cuidado
com a saúde da criança, com a educação physica e com a hygiene da
classe (LEÃO, 1929, p. 872)
Para desenvolver esse trabalho higiênico a escola teria que organizar o
seu espaço físico com as disposições espaciais dos lavatórios e banheiros, sendo
recomendado o uso de copos descartáveis ou individuais, bem como a organização
de fichas e entrega de produtos de higiene pessoal, como: sabonete, toalha de
rosto; copo; balde; escova de dente; escova de unhas; creme dental; pente; avental.
15
Esse termo designa o ato de soltar saliva enquanto se fala.
96
Esse fato demonstra que o aluno não dispunha dos instrumentos básicos
necessários para a higiene pessoal, cabendo à escola a tarefa de condicionar os
hábitos de higiene que os alunos não recebiam na família (LEÃO, 1929).
Esses trabalhos, segundo os propósitos higienistas, resultariam mais
tarde em uma “consciência sanitária”, meio fundamental para a defesa da saúde
pública. Oliveira (1929, p. 807) demonstra como acontece a evolução sanitária
racional:
E a evolução é tanto mais necessária para as meninas. Crea-lhes habitos
sadios. (...) hábitos sadios, que vão contribuir para o benefício da futura mãe
anjo tutelar das creanças que perpetuarão e regenerarão a espécie,
tornando-a mais capaz e mais bella.
Muitas dificuldades também eram enfrentadas pela escola ao desenvolver
este projeto higiênico. Encontramos relatos de professores que reclamavam das
dificuldades em infundir os hábitos de higiene, em vista da situação de pobreza em
que os alunos se encontravam, não possuindo condições financeiras para manter a
alimentação necessária para se ter saúde. Assim, mesmo a escola desenvolvendo
um bom trabalho de higienização do aluno, ele continuava magro e sem saúde. Leão
(1929, p. 876) relata a pesquisa realizada em 1929 no Rio de Janeiro, por seus
professores, fazendo o seguinte questionamento:
Como augmentar de peso o alumno, por mais cumpridor que seja de seus
deveres assignalados na ficha do Pelotão de Saúde, se nem ao menos
satisfaz a sua fome, se além da água de café com uma triste fatia de pão
pela manhã, somente a noite, à chegada do pai, vai comer alguma coisa de
sólido?
Segundo esse autor, para atender aos casos de subnutrição dos alunos, a
diretoria da escola e os professores estimulavam e arrecadavam auxílio de
particulares. Desta forma surgiram instituições como a do copo de leite, da sopa
escolar e da merenda com frutas. Hoje escolas que distribuem diariamente 15,
20 até 30 letros de leite, havendo algumas dando ainda o pão como a Escola Padre
Manoel da Nóbrega que, além dos 25 litros, fornece dez mil réis de pão por dia
(LEÃO, 1929, p.877).
97
Higienizar para a saúde requeria condições sociais que os higienistas não
encontravam nessa sociedade; assim o assistencialismo se fazia um meio aceitável
de ser realizado pela escola neste momento.
crianças que vivem e crescem nas ruas, nas casas dos visinhos, em
verdadeiro abandono e são mandadas à escola para o sossego dos pais
que, ignorantes em grande parte ou ocupadíssimos com a luta de todos os
dias, não podem controlar a vida escolar de seus filhos, pouco importando
se o mesmo ‘passe de ano’. O que unicamente lhe importa é que o filho
permaneça na escola o maior espaço de tempo possivel, até que atinja a
idade de trabalhar (CAMARGO, 1942, p.571)
A família do aluno estava envolta em uma situação de pobreza em que a
assistência realizada pela escola era uma importante ajuda, e desta forma era bem-
vinda para os professores. Os higienistas reclamavam da imobilidade dos pais, que
não correspondiam aos direcionamentos higiênicos encaminhados pela escola.
Neste entrave, tanto a escola como a família ficam postas sob uma
pretensa crise, que acreditaram os higienistas e acreditam os projetos
contemporâneos, resolver-se através da aproximação dessas duas instâncias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao reportar nossas análises para a forma de integração existente entre
escola e família, observamos que, na atualidade, a escola tem recebido orientações
para realizar a aproximação com a família do aluno. Dentre estas encontramos os
projetos “Dia Nacional da Família na Escola” e “Amigos da Escola”, os quais
orientam a instituição escolar a receber os pais e a comunidade na escola para
98
participarem das questões escolares, ajudando a escola a superar uma suposta
crise no campo educacional e de relacionamento com as famílias de sua
comunidade escolar. No mesmo momento em que estes projetos reconhecem a
escola e a família como instituições educativas que trabalham em torno de um
objetivo comum, que é o sucesso do educando, eles se pautam em um conflito
existente entre estas duas instâncias. No entanto, esse conflito, além de não ser
analisado historicamente, propõe-se solucioná-lo através da participação dos pais na
escola.
Para os idealizadores desses projetos, a crise é causada pela
improdutividade da escola, faltando qualidade nos resultados desta; acreditam,
portanto, que o caminho é a ajuda da comunidade, a qual assumirá, conjuntamente
com o governo, as responsabilidades da gestão social da escola pública.
Assim a aproximação da escola com a família, no entender destes
projetos, é uma forma de a escola receber a ajuda de que necessita, sendo
valorizada e reconhecida pela sociedade. Incentivados a assumir mais
responsabilidade em relação à educação escolar, os pais o orientados a realizar
atividades com os filhos em suas casas, buscando despertar a curiosidade das
crianças, bem como o prazer em aprender, e ainda a praticar ações de arrumação e
manutenção do prédio escolar: limpeza, jardinagem, preparação de merenda,
decoração, realização de jogos e atividades lúdicas ou de reforço escolar. Dentre
estas e outras atividades, os projetos atuais acreditam que as dificuldades
enfrentadas pela escola serão amenizadas pela ação de solidariedade da família e
da comunidade, e que as famílias serão recompensadas pelo sentimento de
satisfação em ter ajudado.
A fundamentação destes projetos está sustentada em uma política
econômica neoliberal, a qual não diminui a intervenção estatal, mas muda o tipo de
intervenção. Ao invés de as autoridades governamentais intervirem para
nacionalizar, realizam a individualização dos problemas ou questões sociais, como é
o caso da problemática da escola no que diz respeito à qualidade de ensino, evasão
escolar, oferta de ensino, entre outras questões, que passam a ser colocadas como
questões para a sociedade resolver.
Na lógica da visão neoliberal, as soluções para os problemas da escola
pública estão na ação de compartilhar encaminhamentos possíveis para a solução,
formando uma parceria entre o governo e a comunidade, que atuará mais
99
efetivamente na escola, atendendo desta forma ao princípio da minimização do
Estado. Para Bourdieu (1998), é criado um clima favorável de retraimento do Estado
à submissão aos valores da economia neoliberal, que tende a destruir os
fundamentos filosóficos do Estado de bem-estar–social, desenvolvendo a noção de
responsabilidade coletiva e fazendo um retorno ao individualismo, retirando assim os
encargos do governo.
No Brasil, a proposta de aproximação entre escola e família recebeu um
importante marco no início do século XX, quando encontramos o movimento dos
médicos higienistas, que propuseram uma aproximação entre a família e a escola,
encaminhando atividades para a escola desenvolver com a família. Nestas
atividades os preceitos higiênicos e os conhecimentos científicos sobre prevenção
de doenças seriam ampliados.
Ao investigarmos as propostas que os higienistas apresentaram para
aproximar a família da escola, registradas nos documentos da Liga Brasileira de
Hygiene Mental, no período de 1920 a 1940 no Brasil, podemos observar as formas
de pensar as relações entre a escola e a família empregadas naquele momento
histórico.
Nesta busca constatamos que os encaminhamentos higienistas propostos
para a escola e a família possuíam uma gama de preocupação com os problemas e
questões sociais próprios daquela época, sendo imprescindíveis ações que
desenvolvessem a salubridade humana, visto que o Brasil passava por um intenso
processo de industrialização e urbanização, apresentando graves problemas de
fatores sociais, os quais observamos no interior deste trabalho. Entre esses fatores
estavam o desemprego, a situação de estrema pobreza da classe operária, a falta
de infra-estrutura sanitária urbana, e isto ocasionava a proliferação de doenças e de
moléstias, que se propagavam atingindo pessoas de todas as classes sociais; desta
forma todas estavam expostas às doenças, que se alastravam. Outro fato a se
considerar era que o tratamento destas doenças ainda não estava popularizado e
suas formas de prevenção não eram divulgadas.
O Brasil dessa época foi descrito, tanto pelos higienistas como na arte
literária, como um país de pessoas enfraquecidas por causa dos germes e das
moléstias. A zona urbana havia recebido um fluxo muito grande de pessoas e essas
se amontoavam em locais insalubres, que não apresentavam condições sanitárias
adequadas. Não que as práticas higienistas resolvessem todos os problemas, pois,
100
como constatamos, eles eram, em sua maioria, problemas de ordem econômica e
social; no entanto, a questão da disseminação de doenças, pela falta de higiene, era
fato relevante de encaminhamento, para contribuir, em parte, para a preservação da
vida e da saúde. Assim os projetos higienistas se sustentavam nos avanços
científicos, que principalmente na área da biologia, estavam se verificando naquele
momento histórico.
Para adaptar a família aos moldes das normas de saúde física, mental e
moral, entre os caminhos utilizados pelos higienistas, a escola foi o meio mais
utilizado. A família, principalmente a da classe operária, que, segundo os higienistas,
estava incapacitada de educar seus filhos dentro dos padrões higiênicos, deveria
receber o trabalho da escola para desenvolver uma ação consciente. Desta forma,
os pais eram convidados a participar de reuniões na escola, mas também eram
visitados em suas casas pela educadora sanitária, que observava as condições de
saúde e higiene da família, orientando-a sobre os cuidados com a saúde. Os
higienistas entendiam que os problemas sociais eram de natureza individual, assim
cada família poderia conduzir seus filhos, desenvolvendo as normas de higiene e
bons costumes, e com isso, a escola também resolveria suas questões, a
reprovação, evasão e faltas escolares.
Os méritos do projeto higienista no esforço por desenvolver uma
consciência profilática nos indivíduos são inegáveis, porém, ao desconsiderar o
contexto histórico dos modos de produção e as desigualdades sociais da época,
posicionando-se somente na orientação das ciências biológicas, ele nega o
processo histórico de sua época.
Hoje, os projetos “Dia Nacional dos Pais na Escola” e “Amigos da Escola”,
que buscam a aproximação dos pais com a escola, refletem as diretrizes das
políticas relacionadas às estratégias neoliberais, que se estendem, além do campo
econômico, para o campo social.
As estratégias da política neoliberal divulgam uma forma de aceitação das
diferenças sociais, como o caso da situação de pobreza, que é posta como um
fenômeno natural, o que demonstra a sua posição de política conservadora em
relação à atuação do Estado no campo social. A política do Estado de Bem-Estar
Social existente nos meados do século XX no Brasil deixa de ser realizada pelo
Estado, e passa a ser de responsabilidade das comunidades.
101
O fim do Estado de Bem-Estar Social é justificado pela política neoliberal,
que entende que o Estado, ao suprir necessidades e provisões em forma de
assistência, gerou uma acomodação da sociedade, e esta exige intervenções cada
vez mais amplas do governo. Assim, na política neoliberal o Estado se afasta do
âmbito social que vai receber ajuda da comunidade, e mais especificamente, da
família.
Assim, observamos que os projetos contemporâneos “Dia Nacional da Família
na Escola” e “Amigos da Escola” também propõem intervenções da família e da
comunidade na escola, chamando estas instituições para assumirem
responsabilidades próprias do Estado. Na visão dos projetos analisados, os pais
devem ser mais atuantes na vida escolar de seus filhos; no entanto as
transformações pelas quais passa a família em sua forma de conviver e de se
organizar e produzir não são consideradas nem questionadas. Ao contrário, a família
é estimulada a participar com ações de solidariedade.
Encontramos nos projetos “Dia Nacional dos Pais na Escola” e “Amigos da
Escola” o discurso, secular, de crise na educação apresentado no início do século
XX pelos projetos higienistas, os quais mostravam que a escola passava por um
momento de crise, conforme observamos nos congressos realizados nas primeiras
décadas do século XX, em que os professores discutiam a temática das causas de
reprovação na escola primária, evasão e desistência. Se esta questão se estendeu
por um século, somente a participação da comunidade e da família na escola seria
suficiente para encaminhar soluções, visto que também um século estas
aproximações também foram realizadas?
Se nas primeiras décadas do século XX os projetos higienistas se
concretizavam através da escola e da família, na atualidade, os projetos
contemporâneos seguem a mesma via. Entre as diferenças está a de que, naquela
época, a escola deveria ir até a família, orientando-a com relação à necessidade de
higiene - que, diga-se de passagem, era algo urgente na época; os projetos
contemporâneos buscam o ganho de qualidade para a escola pública, onde o
Estado vai interferir o mínimo e os indivíduos assumirão participação efetiva.
Nos estudos realizados por Ariès (1981) e Engels (2002), observamos como a
organização familiar se modificou condicionada pelas relações sociais em que vivia,
pois em diferentes estágios das sociedades se apresentavam diversas formas de
organização familiar. Portanto a família sempre realizou uma dinâmica muito
102
expressiva em sua organização, e continua, nos tempos atuais, a se reorganizar,
como demonstram os dados estatísticos do IBGE (2002). No entanto, quando a
família é chamada para atender aos projetos, tanto os dos higienistas no início do
século XX como os projetos contemporâneos “Dia Nacional da Família na Escola” e
“Amigos da Escola”, todas as famílias são tratadas como se tivessem o mesmo
formato, o mesmo nível social, desconsiderando-se a dinâmica histórica social em
que estas estão inseridas. Nessa concepção, é convidá-las a participar que tudo
se resolve.
Não obstante, entre os avanços e retrocessos em que a família e a escola
estiveram envolvidas, devemos ter claro que, sempre como pano de fundo, esteve
presente uma ideologia subordinada ao sistema produtivo capitalista.
Desta forma a aproximação da escola e da família poderá ser possível quando
essas instâncias tiverem oportunidade de pensar e materializar suas idéias,
participando como sujeitos e não como meios para projetos, tendo como função
primordial atualizar e construir o saber historicamente acumulado, por meio de um
projeto que alcance a todos, buscando a humanização do ser e expandindo suas
possibilidades de influir na construção de sua própria história.
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