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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
MICHELE CIA
A DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA COMO ALTERNATIVA
PARA A OBRIGAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO FRENTE
AOS ATOS PRATICADOS POR INIMPUTÁVEIS
FRANCA
2008
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MICHELE CIA
A DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA COMO ALTERNATIVA
PARA A OBRIGAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO FRENTE
AOS ATOS PRATICADOS POR INIMPUTÁVEIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Faculdade de História,
Direito e Serviço Social, Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Direito Penal.
Área de Concentração: Direito Obrigacional Público
e Privado.
Orientação: Prof. Dr. Fernando Andrade Fernandes
FRANCA
2008
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Cia, Michele
A desinternação progressiva como alternativa para a obriga-
ção político-criminal do Estado frente aos atos praticados por
inimputáveis / Michele Cia. –Franca : UNESP, 2008
Dissertação – Mestrado – Direito – Faculdade de História,
Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Direito penal – Inimputáveis – Brasil. 2. Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico – Brasil. 3. Portadores de
anomalia psíquica – Medidas de segurança – Desinternação
progressiva.
CDD – 341.5251
MICHELE CIA
A DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA COMO ALTERNATIVA
PARA A OBRIGAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO FRENTE
AOS ATOS PRATICADOS POR INIMPUTÁVEIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de
História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Penal. Área de
Concentração: Direito Obrigacional Público e Privado.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: _________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Andrade Fernandes
1º Examinador: _____________________________________________________________
2º Examinador: _____________________________________________________________
Franca, ___ de ________________ de 2008.
Dedico esse trabalho a Deus e a todos seus filhos
que se encontram em Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico nesse momento.
À minha mãe, grande realizadora de sonhos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, grandíssimo pai que simplesmente tudo operou nas difíceis estradas por que
passei.
À Virgem Maria, que me acompanha em todos os caminhos trilhados.
À minha família, que sempre me apóia em todas as minhas escolhas, ajudando-me a
conquistar todos os meus sonhos. Agradeço o imenso apoio dado para a consecução desse
projeto, principalmente a ajuda no que toca à realização da pesquisa de campo.
A Thiago José Menezes Martins e à sua família.
A Christian Fernandes Gomes da Rosa.
À Profa. Dra. Marisa Helena D’Arbo Alves de Freitas, que lançou a semente dessa
pesquisa anos atrás.
Ao Prof. Dr. Fernando Andrade Fernandes, que soube, com maestria, conduzir a
pesquisa, de modo que desse muitos frutos. Sinto-me muito honrada por ter sido orientada e
assistida durante esse período por tão notável jurista, indispensável para as Ciências
Criminais.
Ao Prof. Dr. Flávio Caetano da Silva, que, com seu vasto conhecimento,
pacientemente muito me auxiliou na preparação e na realização da pesquisa de campo.
Ao Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges e ao Prof. Dr. Antonio Milton de Barros,
ilustres juristas, que enriqueceram a pesquisa grandemente.
Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault, eterno entusiasta, que nos auxilia a
não desistir.
À Roseli Costa Rios, que nos ajudou nos momentos mais difíceis.
Aos funcionários da Pós-Graduação, notadamente à Maísa Helena de Araújo, à
Luzinete Suavinho Gimenes e à Regina Celi Santos Gomes.
A todos os funcionários da biblioteca da Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, na pessoa de Laura Odette Dorta Jardim.
Aos funcionários da biblioteca do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Aos diretores, funcionários e alunos das Faculdades Integradas Libertas.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
À Diretoria do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha,
pela presteza e gentileza com que receberam a pesquisa.
A todos os funcionários do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de
Franco da Rocha, sem os quais esse projeto não teria logrado seus objetivos. A todos os
profissionais entrevistados, essenciais para a elaboração dessa dissertação.
À Coordenadoria de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária do Governo
do Estado de São Paulo.
Ao Juízo de Direito da Vara das Execuções Criminais do Estado de São Paulo,
assim como a seus funcionários.
Não por último, ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Franca
(Uni-FACEF).
Finalmente, aos meus amigos e a todos aqueles que, direta ou indiretamente, tornaram
essa pesquisa possível.
Corremos el riesgo de producir libros bien
encuadernados, cuando en realidad deberíamos tratar de
evitar muertes” (ZAFFARONI, 1991, p. 236).
Las cárceles y los psiquiátricos penitenciarios son partes
del mundo, no mundos aparte. La más grave vulneración
que pueden sufrir los derechos de los enajenados
delincuentes por parte de la justicia penal, es
precisamente la que se ha constatado: El olvido de que
existen. Este olvido los despersonaliza, los cosifica, los
enajena de la sociedad de por vida y ello es la peor de las
penas posibles, una especie de muerte civil que no se
impone a ningún delincuente cuerdo por grave que haya
sido su delito” (GIMENEZ GARCIA, 1993, p. 37-38).
CIA, Michele. A desinternação progressiva como alternativa para a obrigação político-
criminal do Estado frente aos atos praticados por inimputáveis. 2008. 210 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Penal) Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2008.
RESUMO
São deveres do Estado, no contexto do ato do portador de anomalia psíquica que entra em
contradição com o ordenamento jurídico pátrio, proteger a sociedade de novas lesões de bens
jurídicos penalmente relevantes, proporcionar ao indivíduo adequado tratamento terapêutico,
reinseri-lo no convívio social, e, não por último, respeitar e fomentar sua dignidade humana.
O presente trabalho investiga as potencialidades da desinternação progressiva na efetivação
das finalidades político-criminais das medidas de segurança, finalidades essas que se
constituem verdadeira obrigação do Estado Social e Democrático de Direito Material. Ao lado
do quadro teórico a respeito de tais finalidades e dos princípios constitucionais aplicáveis à
medida de segurança, este trabalho apresenta dados a respeito de sua execução tradicional no
Brasil, que apontam para a urgente necessidade de sua reestruturação. O trabalho também
expõe dados empíricos relacionados à desinternação progressiva, colhidos no Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, local em que a experiência
inovadora se dá. Revela seus objetivos, características e critérios de funcionamento, assim
como desvela os resultados já obtidos e patenteia as imperfeições encontradas. Por fim,
evidencia em que medida a desinternação progressiva permite o atingimento das finalidades
político-criminais das medidas de segurança e o que deve ser feito para aumentar-lhe a
eficácia.
Palavras-chave: obrigação potico-criminal. medida de segurança. desinternão progressiva.
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
CIA, Michele. The progressive disinternment as an alternative to the politic-criminal
purpose of the State before actions rendered by unimputables. 2008. 210 f. Thesis
(Master of Criminal Law) Faculty of History, Law and Social Work, University of São
Paulo State, Franca, 2008.
ABSTRACT
Protecting the society from attempts against interests protected by criminal legal rules,
providing the patients a proper therapeutical treatment, embedding the patients in the social
conviviality, and also respecting and promoting their human dignity, are obligations of the
Brazilian State considering the mental ill’s act against legal rules. This paper investigates the
potentiality of progressive disinternment on accomplishing the politic-criminal purposes of
the Safety Measures. Such purposes are stablished as real obligations of the actual Democratic
Welfare Legal State. Besides theoretics on these purposes and applicable constitucional
principles related to Safety Measures, the research presents information about their usual
execution in Brazil, whose qualifications bring up the need of urgent reorganization. It also
presents empirical data about progressive disinternment, collected from the Franco da Rocha
Custody and Psychiatric Treatment Second Hospital, establishment in which this innovative
experience occurs. It discloses the objectives, characteristics and operational criteria of this
experience as well as it studies the results obtained and points the imperfections revealed.
Finally, it highlights how progressive disinternment is able to provide the achievement of the
politic-criminal purposes related to the Safety Measures and what should be done in order to
increase its effectiveness.
Key Words: politic-criminal obligation. Safety Measure. progressive disinternment. Custody
and Psychiatric Treatment Hospital.
LISTA DE SIGLAS
CDP Colônia de Desinternação Progressiva
CF Constituição Federal
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
DP Desinternação Progressiva
HCTP Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
HCTP I Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof. André Teixeira Lima
HCTP II Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha
INFOPEN Sistema Integrado de Informação Penitenciária
LEP Lei de Execução Penal
PNASH Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares
RT Revista dos Tribunais
STF Supremo Tribunal Federal
SUS Sistema Único de Saúde
UF Unidade da Federação
VDA Visita Domiciliar Assistida
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1
DA REALIDADE MANICOMIAL DOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO BRASILEIROS..........................................................17
1.1 Diagnóstico da realidade manicomial nos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico brasileiros ....................................................................................................18
1.2 Dados oficiais a respeito da execução das medidas de segurança no Brasil................23
1.3 Necessidade de reestruturação dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico brasileiros ....................................................................................................34
CAPÍTULO 2
DA OBRIGACÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO FRENTE AOS ATOS
PRATICADOS POR INIMPUTÁVEIS ...............................................................................40
2.1 Constituição Federal, política criminal e medidas de segurança.................................41
2.1.1 Valor político-criminal fundamental da Constituição Federal: a dignidade da
pessoa humana................................................................................................................42
2.2 Finalidade político-criminal da medida de segurança enquanto obrigação estatal...46
2.2.1 Prevenção especial positiva: o tratamento e a (res)socialização do portador de
anomalia psíquica...........................................................................................................47
2.2.2 Prevenção especial negativa: a proteção da sociedade..................................................48
2.2.3 A questão da prevenção geral na medida de segurança.................................................50
2.3 Princípios constitucionais e a regulamentação da medida de segurança....................53
2.3.1 Intervenção mínima.........................................................................................................54
2.3.2 Princípio da legalidade...................................................................................................58
2.3.3 Princípio da igualdade....................................................................................................62
2.3.4 Princípio da jurisdicionalidade.......................................................................................66
2.3.5 Princípio da individualização da medida de segurança.................................................68
2.3.6 Princípio da proporcionalidade......................................................................................73
CAPÍTULO 3
DA ANÁLISE DA DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA ENQUANTO
ALTERNATIVA PARA A OBRIGAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO NO
ÂMBITO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA....................................................................89
3.1 Histórico da desinternação progressiva..........................................................................90
3.2 Regulamentação legal da desinternação progressiva....................................................92
3.3 Características e dinâmica da desinternação progressiva............................................97
3.3.1 Imediações e Visitas Domiciliares Assistidas ...............................................................105
3.3.2 Atividades realizadas pelos internos.............................................................................108
3.3.2.1 Trabalho......................................................................................................................108
3.3.2.2 Educação e lazer.........................................................................................................110
3.3.3 Divisão dos internos nos pavilhões...............................................................................112
3.3.4 Equipes profissionais atuantes na desinternação progressiva .....................................114
3.4 Análise da eficácia político-criminal da desinternação progressiva..........................119
3.4.1 Eficácia com relação à prevenção especial positiva.....................................................120
3.4.2 Eficácia com relação à proteção da dignidade do interno...........................................129
3.4.3 Eficácia com relação à prevenção especial negativa ..................................................137
CONCLUSÃO.......................................................................................................................146
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................150
APÊNDICES
APÊNDICE A – PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO CÓDIGO
PENAL E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL......................................161
APÊNDICE B – TERMO DE COMPROMISSO FIRMADO JUNTO À
SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA.............171
APÊNDICE C – MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO EXARADO PELOS ENTREVISTADOS...............172
APÊNDICE D – CONTROLE DE VISITAS AO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO II DE FRANCO DA ROCHA....174
ANEXOS
ANEXO A – PORTARIA 09/2003 ......................................................................................176
ANEXO B – DECRETO ESTADUAL N
O
46046 ..............................................................179
ANEXO C - AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO
PENITENCIÁRIA..........................................................................................192
ANEXO D - AUTORIZAÇÃO DO JUÍZO DE DIREITO DA 5ª VARA DAS
EXECUÇÕES CRIMINAIS..........................................................................199
ANEXO E – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DO CENTRO
UNIVERSITÁRIO DE FRANCA.................................................................200
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre as questões contemporâneas fundamentais da
execução das medidas de segurança, no contexto da obrigação estatal de reagir eficazmente ao
fenômeno do delito, efetivando o direito à segurança de todos os cidadãos, ao mesmo tempo
em que tem o dever de preservar e fomentar a dignidade dos indivíduos submetidos à
intervenção penal, além de propiciar tratamento e ressocialização adequados ao indivíduo
submetido à medida. Ressalte-se que, no que concerne às obrigações estatais no contexto do
direito penal, pouco tem se contribuído com relação às medidas endereçadas aos portadores
de transtornos mentais que entram em conflito com a ordem jurídica. A pesquisa ora realizada
objetiva contribuir, ainda que modestamente, para a reflexão de dita obrigação estatal.
A pesquisa realizou-se tendo por base a metodologia racionalista teleológico-
funcional
1
, fundada “na perspectiva de se estabelecer uma conexão direta entre os elementos
integrantes do Sistema Jurídico-Penal e a sua respectiva função” (FERNANDES, 2003, p. 80.
grifo do autor). Essa perspectiva se constrói no contexto da chamada Ciência Global do
Direito Penal, que é composta de três ciências, autônomas e independentes, mas que se inter-
relacionam, a saber: criminologia, política criminal e dogmática jurídico-penal. Conforme o
entendimento doutrinário cada vez mais consolidado, as três ciências referidas
2
devem ser
levadas em conta no estudo do fenômeno delitivo e da reação estatal correspondente.
Contemporaneamente, tem assumido peculiar importância a ciência político-criminal
3
,
eis que deve orientar o sistema jurídico-penal com considerações teleológicas. Esclarece
Fernandes (2003, p. 80. grifo do autor) que “conseqüência prática dessa opção metodológica
é, pois, a de que as categorias e os conceitos básicos da dogmática jurídico-penal devem ser
determinados e cunhados a partir de proposições político-criminais e da função que por estas
lhes é assinalada no sistema”. Proposições essas construídas após a análise fática
proporcionada pela criminologia. Percebe-se, assim, a imbricação das três ciências integrantes
da Ciência Global do Direito Penal e sua contribuição para o estudo do delito e de suas
conseqüências jurídicas.
Foi justamente tendo por base referida metodologia que a presente pesquisa construiu-
se. Partindo de considerações fáticas a respeito da execução das medidas de segurança
incluindo a desinternação progressiva propriamente dita – e das orientações político-criminais
próprias do Estado Democrático Social de Direito Material brasileiro, buscou-se fazer
1
Os maiores expoentes da construção dessa metodologia são Claus Roxin e Jorge de Figueiredo Dias.
2
Mir Puig (apud FERNANDES, 2003, p. 78), utilizando-se da teoria dimensional do Direito para explicitar as
diferenças entre as três ciências, esclarece que a criminologia cuida do âmbito fático do direito penal, a política
criminal da dimensão valorativa, e a dogmática jurídico-penal de seu aspecto normativo.
3
Ressalte-se que a política criminal deve, necessariamente, ser desenhada a partir da concepção do Estado
plasmada na Constituição” (FERNANDES, 2003, p. 82).
projeções dogmáticas, sobretudo no que diz respeito à desinternação progressiva. Tudo para
fundamentar o seguinte juízo: se a desinternação progressiva atende ou o, de maneira mais
adequada, à obrigação específica a que se vincula o Estado no contexto das medidas de
segurança. Juízo esse que deve irradiar conseqüências para a reflexão sobre a pertinência de
se regulamentar legalmente o instituto.
A adequação da metodologia utilizada demonstra-se patente na medida em que não é
de hoje que se reclama a formulação de políticas públicas calcadas em análises empíricas de
seu impacto, sobretudo no âmbito do sistema penitenciário. No campo doutrinário, não são
poucos os autores
4
que sustentam a necessária vinculação entre normativismo e ontologismo
no âmbito do direito penal, pleiteando que as análises normativas próprias desse ramo do
direito realizem-se levando em conta as estruturas lógico-reais, de forma que as teorias e as
propostas legislativas - no caso, sobre a desinternação progressiva - não sejam construídas
apenas a partir de abstrações e considerações normativas
5
, mas comportem também suportes
fáticos. Por isso a indispensabilidade da realização de pesquisa de campo no Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico que desenvolve a desinternação progressiva. Acresça-se a
isso a parca literatura existente a respeito do tema, impelindo-nos a buscar as informações
necessárias através do contato com a instituição referida, consistente na realização de
entrevistas com funcionários que a compõem e na análise de documentos por ela
disponibilizados.
Obviamente não se tem a ilusão de captar a “verdade única” a respeito do instituto
analisado, conceito sistematicamente desconstruído nas ciências humanas. Porém, a pesquisa
de campo certamente proporciona os dados mais seguros possíveis a respeito de experiências
pouco estudadas, tal qual é o caso da desinternação progressiva. A pesquisa empírica
objetivou romper com as especulações feitas sem nenhum suporte fático, para propiciar à
pesquisa como um todo bases mais seguras.
Se a pesquisa de campo não pode oferecer uma concepção exclusiva sobre a
desinternação progressiva, seguramente pode nos propiciar o conhecimento de sua efetiva
estruturação, indicando as características do instituto, suas conquistas e suas imperfeições.
Mais do que isso: o contato efetivo com a instituição, a análise de documentos e a realização
de entrevistas foram essenciais, na presente pesquisa, para iluminar o juízo que se deve fazer a
respeito da eficácia político-criminal da desinternação progressiva no contexto das obrigações
estatais no âmbito penal. Assim é que, no presente estudo, a hipótese fundamental é
4
Especialmente Schünemann (2003) e Mir Puig (2007) têm insistido nessa idéia.
5
Entenda-se normativa como fundada em juízos de valor, isso é, valorativa, atitude própria das ciências humanas.
justamente a eficácia político-criminal da desinternação progressiva no contexto da obrigação
estatal de reação ao fenômeno do delito, hipótese essa concebida no interior da teoria das
medidas de segurança, abordada a partir da perspectiva metodológica fundada na ciência
global do direito penal.
CAPÍTULO 1
DA REALIDADE MANICOMIAL DOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO BRASILEIROS
1.1 Diagnóstico da realidade manicomial nos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico brasileiros
O número de doentes mentais que cometem injustos penais é significativamente menor
quando comparado ao número de delinqüentes que não sofrem do mesmo distúrbio.
Estatisticamente falando, os crimes cometidos por enfermos mentais não são tão preocupantes
quanto à delinqüência comum. No entanto, o enfermo mental causa grande temor à sociedade,
que não os quer soltos pelas ruas. Isso se deve muito mais à imprevisibilidade de suas
condutas do que a uma real necessidade de controle do número de crimes cometido por esses
indivíduos, pois esses não são expressivos (GOMES; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA,
2000, p. 256-257).
Apesar dessa constatação, a realidade enfrentada pelos doentes mentais que cometem
ilícitos no Brasil é preocupante, revelando absoluta desproporcionalidade e desnecessidade
das medidas adotadas. A pretexto de proteger a sociedade e curar tais doentes mentais, esses
são submetidos a tratamentos clinicamente questionáveis nos Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico a que são remetidos. É o que nos informa o Relatório da I Caravana
Nacional de Direitos Humanos, realizada pela Câmara dos Deputados no ano de 2000.
Intitulada “Uma Amostra da Realidade Manicomial Brasileira”, a caravana investigou a
realidade manicomial no Brasil, abrangendo tanto hospitais psiquiátricos comuns, quanto
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, esses ligados à execução penal.
De um modo geral, a constatação da Casa Legislativa é alarmante
1
, pois a realidade
manicomial brasileira fere, de um modo geral e frontalmente, os direitos humanos dos
indivíduos que a ela se submetem. Especificamente no que nos diz respeito, a realidade da
execução das medidas de segurança nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é
preocupante.
No Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico situado em Manaus revelou-se
uma ausência total de qualquer tipo de tratamento psiquiátrico aos internos, que são ali
unicamente depositados em lugares inapropriados. A Caravana indicou a necessidade de
interdição do estabelecimento e de urgente intervenção do Estado para resolver a situação.
1
A respeito dos casos de violações dos direitos humanos em instituições psiquiátricas brasileiras, confira Silva
(2001), em que consta, entre outros casos, o relato da carbonização de um interno, que estava amarrado em sua
cama, e que por isso não conseguiu livrar-se do incêndio. O episódio ocorreu na Clínica Izabela, em Goiânia,
em 8 de agosto de 1999.
A segunda instituição visitada em Manaus foi o manicômio judiciário que, ao
contrário do que indica o seu nome, não oferece qualquer tipo de tratamento aos seus
internos. Quando de nossa visita, havia 24 internos na instituição, um pequeno
pavilhão dentro da área onde está localizada a Cadeia Pública de Manaus. Neste
pavilhão há 5 celas; três delas absolutamente inabitáveis. Esses espaços violam
flagrantemente as normas básicas previstas pela própria Lei de Execuções Penais
(LEP) e os princípios internacionais ratificados pelo Brasil. São celas escuras, sem
ventilação, com dimensões inferiores aos 6 metros quadrados onde se empilham
pessoas doentes. Não um corpo técnico na instituição. O único psicólogo é o
diretor. As três celas referidas devem ser imediatamente interditadas e o estado deve
providenciar na formação de um corpo técnico capaz de, efetivamente, tratar os
internos (BRASIL, 2000, on-line).
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Itamaracá
2
, em Pernambuco,
não demonstrou realidade diferente: os internos não recebem qualquer tratamento quando
da incursão, o hospital estava sem qualquer medicamento havia um mês -, as instalações são
espúrias, faltam água e colchões. Essa situação revela absoluto descaso e profunda violação
aos direitos humanos dos indivíduos ali custodiados. Também nesse caso, a Caravana de
Direitos Humanos sugeriu a interdão do hospital, visível descumpridor de suas funções.
A Casa de Custódia e Tratamento Arnaldo Amado Ferreira, em Taubaté, no Estado de
São Paulo, também foi objeto da investigação realizada pela comitiva. A realidade ali
encontrada também não propicia o tratamento e a reintegração social dos internos. Esses são
aprisionados separadamente
3
e não têm acesso às demais dependências da instituição
4
, que
poderiam ser utilizadas para inúmeras atividades produtivas e ressocializadoras. O lugar em
que os internos são colocados são verdadeiras celas, cujas condições não são satisfatórias. Seu
2
“[...] a instituição possui 70 leitos (56 para homens e 14 para mulheres). No dia de nossa visita abrigava 336
(trezentos e trinta e seis) internos. [...] No dia em que estivemos, a única profissional de vel superior
presente na instituição era a médica plantonista. Esta profissional estava trancada em sua sala, dormindo. A
sala onde ficam os médicos plantonistas é gradeada. Perguntada a respeito, a profissional revelou que teme
muito por sua segurança e que, com a grade, sente-se melhor. Superlotado, o HCTP é uma casa de abandono e
violência. Os pacientes não são tratados. Aliás, não são sequer concebidos como pacientes. Estão trancafiados
em celas imundas e tidas. Alguns deles, isolados e completamente s. Segundo a médica plantonista, ficam
nús por prescrição médica (!) pois são pacientes com risco de suicídio. Neste caso, como não outro recurso
técnico, nem pessoal para garantir que esses pacientes sejam observados, providencia-se no seu isolamento e
se lhes retiram as roupas. (sic) Os pavilhões onde estão amontoados os internos são prédios inabitáveis,
lúgubres e pestilentos. Em muitas celas, os internos convivem com seus próprios dejetos. A maioria é obrigada
a dormir no chão. Os banheiros são imundos e em alguns não há sequer água. Quando de nossa visita, fazia um
mês que o hospital estava sem qualquer medicação para fornecer aos internos. Tudo aqui não funciona. O
HCTP é uma instituição de reclusão sem qualquer segurança que oferece aos internos a perspectiva de pena
cruel e degradante. Em síntese, nem custodia, nem trata. Caso de interdição imediata e denúncia pública.”
(BRASIL, 2000, on-line, destaque do autor).
3
“O escândalo da Casa de Custódia encontra-se precisamente no fato de os pacientes psiquiátricos estarem
presos e isolados em celas. Com essa estrutura e com a toda a praxe de sujeição que lhe acompanha os
pacientes não podem encontrar o tratamento que precisam. Pelo contrário, a circunstância de isolamento
celular só pode trazer complicadores para a saúde mental dos internos” (BRASIL, 2000).
4
“Dentro da instituição inúmeros espaços e pátios internos. Com exceção de uma pequena horta cultivada,
todos os demais pátios são desertos. O diretor nos informou que aqueles espaços permanecerão desertos por
‘motivo de segurança’. O argumento sustenta que os internos poderiam esconder estiletes entre as plantas”
(BRASIL, 2000, on-line, destaque do autor).
espaço é muito reduzido, além de inexistir condições de higiene mínimas: o sanitário é
desprovido de vaso e até mesmo o controle da descarga não se encontra à disposição dos
internos, sendo acionado pelos funcionários, pelo lado de fora da cela
5
. Tal configuração não
possibilita o tratamento da doença mental desses indivíduos
6
, ao contrário, fomenta apenas
uma cronificação da doença.
Alguns aspectos positivos, no entanto, foram levantados. Um deles é a existência de
uma sala de terapia ocupacional, embora pequena, na qual os indivíduos realizam atividades
artesanais. Além disso, duas unidades produtivas na instituição, a saber: o trabalho de
acabamento de peças plásticas para automóveis e de montagem de cartelas com botões. A
maioria dos indivíduos internados trabalha na instituição, seja nas atividades referidas, seja
em tarefas de manutenção do hospital, como capinar ou varrer. Outro aspecto considerado
positivo pela Caravana de Direitos Humanos é a existência de um gabinete dentário com
serviço de próteses dentárias, muito embora não se tenha conseguido apurar quantos internos
teriam recebido tais próteses. De qualquer forma, considerou-se que se trata de um recurso
importante para possibilitar a promoção da auto-estima dos internos, essencial para que o
tratamento psiquiátrico tenha êxito, razão pela qual tal serviço deveria ser considerado
obrigatório em relação aos demais hospitais psiquiátricos
7
.
Na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, assim como ocorre na grande maioria
das instituições psiquiátricas brasileiras, o exercício da sexualidade é vedado aos internos, em
qualquer circunstância. Tal dado foi registrado pela Caravana como uma afronta aos direitos
fundamentais assegurados pela Constituição Federal
8
. Também deve ser considerado o fato de
5
“As celas são espaços minúsculos -verdadeiros cubículos- onde os internos dispõem de um colchão e de um
sanitário sem vaso (também conhecido por ‘Boi’). Em algumas galerias, o controle da descarga encontra-se no
corredor de tal forma que são os agentes e monitores que as acionam. O acesso às celas não é gradeado. Suas
portas são compactos em ferro e madeira onde se fez constar uma abertura retangular - do tamanho suficiente
para que um prato de comida possa ser oferecido aos internos em suas celas. Esse espaço é fechado ou aberto
por fora, com o manuseio de uma tranca. Os internos, assim, não estão apenas isolados. Estão, também,
invisíveis” (BRASIL, 2000, on-line). Cumpre registrar que o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária estabeleceu para quartos individuais com banheiros a metragem nima de doze metros
quadrados (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005, on-line).
6
“Quando nos deslocávamos da Casa de Custódia e atravessávamos o último corredor em direção à saída, um
dos internos passou a bater em sua cela enquanto gritava sem parar: -‘Fim da tortura humana, fim da tortura
humana, fim da tortura humana...’ Seu protesto desesperado, possivelmente enlouquecido, encerrava nossa
visita e a própria caravana como uma síntese no interior da qual é possível identificar uma redundância; a
tortura, afinal, é uma prática só construída pelos humanos” (BRASIL, 2000, on-line).
7
“Tendo em conta que os pacientes internados nas instituições psiquiátricas brasileiras são, em regra, muito
pobres e que possuem dentes em péssimo estado (quando os possuem), um serviço de prótese dentária deveria
ser considerado um recurso básico e obrigatório” (BRASIL, 2000, on-line).
8
“Aqui, como em todas as outrasinstituições, as chamadas ‘visitas íntimas’ são vedadas. Assim, por uma decisão
administrativa, o direito ao exercício da sexualidade é arbitrariamente suprimido. Trata-se de uma nova
condenação, não prevista por qualquer lei e que contraria frontalmente os direitos e garantias individuais
assegurados pela Constituição” (BRASIL, 2000, on-line).
que tal proibição tende a dificultar o êxito do tratamento desses indivíduos. Isso porque, a
pretexto da existência da doença mental, tais indivíduos são proibidos de manifestar reações
humanas absolutamente normais. Tal situação também inibe a criação de laços afetivos que
poderiam ser importantes para a cura e ressocialização desses indivíduos que, dessa forma,
pouco a pouco vão sendo despersonalizados
9
.
Uma constatação verificada pelos parlamentares da Caravana merece destaque: além
dos duzentos e quarenta e quatro indivíduos que se encontravam submetidos à medida de
segurança, havia um anexo à Casa de Custódia que concentrava mais cento e sessenta presos
comuns considerados inadaptados ao sistema penitenciário paulista
10
. Trata-se de uma
situação claramente irregular, que não poderia ter se configurado.
No Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof. André Teixeira Lima,
localizado em Franco da Rocha, Estado de São Paulo, foram encontrados seiscentos e vinte e
um internos, dentre homens e mulheres, sendo que a capacidade máxima do hospital é
estimada em quatrocentas vagas. Para a comitiva, o número referente à capacidade máxima
deveria ser menor, considerando as necessidades terapêuticas adequadas. Em outras palavras,
a superlotação nesse Hospital de Custódia é gravíssima
11
. Além desse problema, identificou-
se a existência de uma prática de tratamento coletivo, isto é, o tratamento não é realizado de
acordo com o diagnóstico e necessidades de cada paciente, e sim de maneira massificada
12
.
Como nas demais instituições psiquiátricas, o exercício da sexualidade pelos internos é
proibido, em qualquer situação.
A Caravana identificou, no entanto, um aspecto positivo nessa unidade psiquiátrica: a
criação da alta ou desinternação progressiva, realizada em uma outra unidade do hospital
13
.
Como se vê, a desinternação progressiva foi considerada pelos membros da Caravana como
9
Devemos reconhecer, no entanto, que a efetivação desse direito aos internos traria outros problemas, já que o
artigo 224 do Código Penal estabele a presunção de violência, nos crimes sexuais, quando a vítima é alienada
ou débil mental.
10
“O perfil desses internos, não obstante, é totalmente diverso: trata-se de um conjunto de presos comuns
‘inadaptados’ ao sistema penitenciário, ameaçados de morte ou com histórico de indisciplina e delitos graves
cometidos nas prisões paulistas” (BRASIL, 2000, on-line).
11
“Nessa instituição estavam alojados 621 homens e mulheres para uma lotação de 400 vagas, segundo as
estimativas oficiais. A superlotação é aqui um problema sério e a lotação máxima cairia abruptamente se
fôssemos calculá-la de acordo com os requisitos para um razoável tratamento de saúde. Os alojamentos
coletivos dispõem de leitos que estão ‘colados’ uns aos outros” (BRASIL, 2000, destaques do autor).
Ademais, conforme a Resolução 03/05 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a
capacidade mínima de um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é de vinte vagas, e a máxima é de
cento e vinte vagas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005, on-line).
12
“Ao que tudo indica, os internos são medicados ‘coletivamente’; vale dizer: sem a necessária atenção
individualizada” (BRASIL, 2000).
13
“A situação não é ainda mais grave por conta dos esforços da atual direção que desenvolveu uma unidade
paralela destinada a preparação da ‘alta progressiva’ dos internos” (BRASIL, 2000, on-line). Essa unidade é
denominada Colônia de Desinternação Progressiva, assim como HCTP II.
fomentadora dos direitos humanos dos indivíduos internos, pois através dela recebem um
tratamento não apenas farmacológico, mas também de intuito ressocializador, que são
realizadas visitas a familiares, é permitido trabalho externo, além de haver atividades dentro
da instituição como horticultura e marcenaria (FERRARI, 2001b). Através desse trabalho a
característica hospitalocêntrica do tratamento é minimizada, possibilitando a efetivação da
inserção social dos internos.
No entanto, o diagnóstico traçado pela Caravana aponta para a predominância de
uma realidade manicomial violadora dos direitos humanos dos indivíduos a ela submetidos
e desrespeitadora de suas finalidades terapêuticas. Embora a incursão o tenha visitado
todos os Hospitais de Cusdia e Tratamento Psiqutrico brasileiros, características muito
semelhantes foram encontradas nos hospitais objetos da Caravana, denunciando uma forte
tenncia no sentido acima mencionado. Dessa forma, podemos afimar que a execução das
medidas de segurança no Brasil necessita de urgente reestruturação, a fim de melhorar tanto
as condições físicas das instituições psiquiátricas, quanto a qualidade do tratamento
terapêutico dispensado, pois essas não têm correspondido nem ao mínimo que delas se
espera.
Essa configuração é ratificada pelo relatório anual sobre direitos humanos do Centro
de Justiça Global, de 2003. Esse documento denunciou a situação do Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico da Bahia, no qual ocorreram vinte mortes em 2003 (DIREITOS...,
2004, p. 118). Relata o documento que o Ministério Público da Bahia havia instaurado
inquério civil (nº 004/03) para apurar as condições de internação no hospital, baseado em
informações que denunciavam diversas irregularidades
14
. No Hospital de Custódia do Espírito
Santo também foram encontradas graves irregularidades
15
, conforme consta do relatório sobre
tortura no Brasil, elaborado pela Câmara dos Deputados. Como se vê, é inadiável que se
14
“[...] além das questões relativas às péssimas condições de trabalho dos agentes penitenciários, problemas
graves de insalubridade nas instalações hospitalares, como por exemplo banheiros completamente entupidos
de excrementos, falta de água, corredores das alas onde ficam os internos sujos, onde exala um odor
insuportável de fezes e urina, refeitório sujo, falta de iluminação nas áreas internas e externas, lixo na área
externa, camas enferrujadas, sem colchões, falta de medicamentos, inexistência de tratamento terapêutico
adequado, dentre outras irregularidades” (Portaria do Ministério Público da Bahia n.º 004/03, de 26 de
fevereiro de 2003 apud DIREITOS..., 2004, p. 118).
15
“Vários doentes dormem no chão. As paredes das celas/quartos estão queimadas, molhadas pelas infiltrações,
propiciando um ambiente mal cheiroso, úmido, com mofos e conseqüentemente, de total insalubridade. [...]
Os banheiros são imundos. Além dos alagamentos nos banheiros da unidade, quase todos os sistemas de
‘descargas’ dos sanitários estão quebrados, deixando aqueles entupidos e, conseqüentemente, com um mal
cheiro insuportável, expondo ainda mais a risco a saúde de todos os internos e funcionários. [...] A sujeira
também se acumula nas celas e parte externa do manicômio, propiciando o aparecimento de ratos e baratas,
vistos em qualquer parte do ‘hospital’. [...] Por problemas de vazamento a enfermaria funciona mais de
um ano dentro de um banheiro. O único leito na enfermaria não possui nem mesmo colchão(CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2005, 105-108, destaque do autor).
enfrente a questão psiquiátrica no âmbito da execução penal, para que os direitos
fundamentais dos inimputáveis sejam respeitados e para que a medida de segurança cumpra
suas funções minimamente.
1.2 Dados oficiais a respeito da execução das medidas de segurança no Brasil
Informações oficiais a respeito da execução das medidas de segurança no Brasil, assim
como do sistema penitenciário como um todo, são escassas, o que certamente dificulta o
levantamento dos problemas enfrentados e a formulação de soluções pertinentes. Tanto é
assim que a referida Caravana de Direitos Humanos elencou, entre suas recomendações, a
de que o Ministério da Saúde realizasse, conjuntamente com os Estados-membros, um
“diagnóstico preciso sobre a realidade dos manicômios judiciários brasileiros” (BRASIL,
2000, on-line).
Apenas recentemente esforços mais expressivos têm se realizado, através do
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), ligado ao Ministério da Justiça. Nesse
sentido, foi formulado o documento “Sistema penitenciário no Brasil: dados consolidados”
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). O relatório trata de dados referentes a dezembro de
2004 e dezembro de 2005, baseados em informações fornecidas pelas próprias instituições
ligadas à execução penal, através do Sistema Integrado de Informação Penitenciária
(INFOPEN). Por essa razão, como o próprio Departamento admite na apresentação do
trabalho, esse é ainda incompleto, pois muitas instituições não se manifestaram ou forneceram
apenas parte das informações requeridas. De qualquer forma, trata-se de documentação muito
importante, e que se paulatinamente acrescida das informações faltantes, no sentido de
contribuir para o levantamento total a respeito do sistema penitenciário brasileiro. Com efeito,
nova edição do documento foi publicada em 2007 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a),
tudo levando a crer que a sistematização dos dados do sistema penitenciário brasileiro será
cada vez mais aprimorada
16
.
Conforme levantamento realizado através do INFOPEN (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2006), em 2004 havia três mil e cinqüenta e sete (3057) pessoas submetidas à
medida de segurança no Brasil, sendo duas mil oitocentos e sete (2807) homens e duzentas e
cinqüenta (250) mulheres. Em 2005 havia três mil oitocentos e quarenta e cinco (3845)
16
Indício de que esse sistema de levantamento de dados parece seguir no rumo certo, é a premiação obtida em 23
de outubro de 2007 (prêmio Mérito 2007), durante a realização do XII Encontro Politec de Tecnologia e
Negócios (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007b).
indivíduos cumprindo a medida, sendo que do número total três mil seiscentos e cinqüenta e
seis (3656) eram homens e cento e oitenta e nove (189) eram mulheres. Mil quatrocentos e
quarenta e sete (1447) homens e noventa e oito (98) mulheres cumpriam, naquela data,
medida de segurança detentiva (internação), ao passo que dois mil duzentos e nove (2209)
homens e noventa e uma (91) mulheres estavam submetidos à medida de segurança restritiva
(tratamento ambulatorial)
17
.
O levantamento apresenta também a distribuição do número de pessoas que cumpriam
medida de segurança por Estados, em dezembro de 2005 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006,
p. 42). No entanto, tal quadro apresenta diversas incongruências, pois muitas instituições
prestaram informações apenas em 2004, ou então simplesmente não as forneceram. Assim, os
dados consolidados não representam exatamente a realidade da execução das medidas de
segurança em cada Estado brasileiro. A expectativa é a de que, nos próximos anos, as
instituições forneçam dados precisos e atualizados, para que o levantamento corresponda cada
vez mais à realidade. De qualquer forma, o esforço é válido no sentido do início de uma
sistematização dos números relativos à medida de segurança, há tempos requerida
18
.
17
Vale lembrar que nem todos os Estados prestaram informações, não sendo portanto esses dados completos.
18
O Seminário nacional para reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (BRASIL, 2002),
realizado pelos Ministérios da Justiça e da Saúde, apontou para a necessidade de se criar um banco de dados
com a finalidade de registrar os dados identificadores pessoais e familiares dos indivíduos submetidos à
medida de segurança, além de dados sociais, psiquiátricos e jurídicos (delito cometido, tempo de internação,
situação do processo etc).
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
AC 5 0 1 1
AL 29 4 32 4
AM 4 0 0 0
AP 0 0 0 0
BA 80 3 0 0
CE 36 0 112 0
DF 55 3 0 0
ES 63 4 0 0
GO 20 3 0 0
MA 0 0 0 0
MG 5 2 36 -
MS 0 0 0 0
MT 28 5 4 2
PA 76 0 0 0
PB 90 4 0 0
Quadro 1 – Quadro Geral do Sistema Penitenciário – Dezembro 2005
Valores marcados com ‘ - ’ não foram informados pelos Estados desde dezembro de 2004.
Valores sublinhados referem-se a dez/2004.
Fonte: Quadro Geral do Sistema Penitenciário – Dezembro de 2005 (MJ/DEPEN/INFOPEN)
Conforme dados do mesmo levantamento (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006, p. 43),
ainda parciais, existem no Brasil vinte e seis Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico,
assim divididos entre os Estados:
UF HCTP
AC 0
AL 1
AM 1
AP 0
BA 1
CE 2
DF 0
ES 1
GO 0
MA 0
MG 2
MS 0
MT 1
PA 1
PB 1
PE 0
PI 0
PR 1
RJ 8
RN 1
RO 0
RR 0
RS 1
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
RO 34 20 12 6
RR 0 0 0 0
RS 443 26 - -
SC 121 0 0 0
SE 29 2 - -
SP - - 623 78
TO 0 0 0 0
Total 1447 98 2209 91
UF HCTP
SC 1
SE 1
SP 2
TO 0
Total 26
Quadro 2 – Quadro Geral de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Fonte: Quadro Geral de Estabelecimentos por Estado (MJ/DEPEN/INFOPEN)
Conforme dados do DEPEN (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006), seguem as
denominações dessas instituições psiquiátricas. Em Alagoas: Centro Psiquiátrico Judiciário
Pedro Marinho Suruagy. No Amazonas: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do
Amazonas. Na Bahia: Hospital de Custódia e Tratamento. No Ceará: Hospital Geral e
Sanatório Penal Professor Otávo Lobo e Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. No
Espírito Santo: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Em Minas Gerais: Hospital de
Toxicômanos Padre Wilsom Vale da Costa e Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz. Em
Mato Grosso: Unidade de Saúde II (Saúde Mental) - Anexo a Unidade Prisional Regional
Pascoal Ramos. No Pará: Hospital de Custódia de Americano. Na Paraíba: Instituto de
Psiquiatria Forense. No Paraná: Complexo Médico Penal do Paraná. No Rio de Janeiro:
Hospital Penal de Niterói, Hospital Sanatório Penal, Hospital Psiquiátrico Penal Roberto
Medeiros, Hospital Dr. Hamilton Agostinho Vieira de Castro, Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, Hospital Penal Fábio Soares Maciel, Hospital Fábio
Soares Maciel, e Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo. No Rio
Grande do Norte: Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento de Natal. No Rio Grande do
Sul: Instituto Psiquiátrico Forense. Em Santa Catarina: Hospital de Custódia e Tratamento
Penitenciário. Em Sergipe: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Sergipe. Em
São Paulo: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Prof. André Teixeira Lima de
Franco da Rocha I e Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha II.
A incompletude dessas informações fica clara, por exemplo, quando o quadro nos
informa que em Pernambuco não há qualquer Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico,
quando se sabe da existência de um hospital na cidade de Itamaracá, visitado pela Caravana
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Também não consta do levantamento o
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Arnaldo Amado Ferreira, em Taubaté, Estado
de São Paulo, também objeto da caravana. Assim, fica claro que as informações a respeito da
execução penal no Brasil ainda não foram totalmente concentradas, e a expectativa é a de que
se logre em breve alcançar esse objetivo, essencial para uma análise cada vez mais realista e
capaz de formular soluções adequadas para os problemas enfrentados.
Os dados mais recentes, por sua vez, apresentam uma sistematização mais completa
em determinados pontos; em outros, porém, tal não ocorreu, o que passaremos a analisar.
Com relação ao número de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, o levantamento
parece ser mais completo (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a, p. 45):
Quadro 3 - Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Fonte: Estabelecimentos por Estado (MJ/DEPEN/INFOPEN)
Com efeito, parecem ter sido incluídos os Hospitais de Custódia localizados em
Taubaté
19
, Estado de São Paulo, e em Itamaracá, Estado de Pernambuco
20
. Na tabela, observa-
19
De fato, o HCTP Arnaldo Amado Ferreira é citado nos dados a respeito dos estabelecimentos prisionais
estaduais, constantes do sítio do DEPEN (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006).
20
As informações sobre as instituições penais não elencam nem nomeiam esse Hospital, no entanto
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006).
UF Mas. Fem. Amb. Total
AC 0 0 0 0
AL 0 0 1 1
AM 0 0 1 1
AP 0 0 0 0
BA 0 0 1 1
CE 0 0 2 2
DF 0 0 0 0
ES 0 0 1 1
GO 0 0 0 0
MA 0 0 0 0
MG 3 0 0 3
MS 0 0 0 0
MT 0 0 0 0
PA 0 0 1 1
PB 0 0 1 1
PE 0 0 1 1
PI 1 0 0 1
PR 0 0 1 1
RJ 0 0 7 7
RN 0 0 1 1
RO 0 0 0 0
RR 0 0 0 0
RS 0 0 1 1
SC 1 0 0 1
SE 0 0 1 1
SP 0 0 3 3
TO 0 0 0 0
Total HCTP 5 0 23 28
se a presença de mais um Hospital em Minas Gerais
21
; no Piauí
22
, passou a figurar um
Hospital de Custódia; no Rio de Janeiro
23
, o número de Hospitais caiu em uma unidade (de
oito para sete); e, no Mato Grosso
24
, figurava um Hospital na consolidação anterior, e na atual
isso não se repetiu. Deve-se frisar também que, enquanto o levantamento anterior trazia em
seu bojo o nome de todos os estabelecimentos prisionais brasileiros, o publicado em 2007 não
o faz. Esses dados, no entanto, podem ser encontrados no sítio do Ministério da Justiça, e
referem-se a janeiro de 2007 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006).
Tais dados, como verificado, parecem conflitar, em alguns aspectos, com a tabela
ora analisada. Com exceção da inclusão do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Arnaldo Amado Ferreira, no Estado de São Paulo, as modificações trazidas na tabela o
são refletidas nessas informações, o que, no que diz respeito aos Hospitais, pode nos levar a
afirmar que os dados não foram devidamente atualizados, ocorrendo uma certa desarmonia
entre os dados fornecidos pelo DEPEN. Ademais, com relação aos estabelecimentos de São
Paulo (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006), outras duas inclusões se fizeram sentir,
caracterizadas como Hospitais de Custódia: “Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário +
Ala de Psiquiatria” e “Centro de Atendimento Hospitalar a Mulher Presa”, não ficando
claro, apesar da classificação, se realmente se trata de Hospitais de Custódia, destinados a
indivíduos em medida de segurança, mais parecendo se tratar de Hospitais vinculados à
execução da pena, com o intuito de cuidar da saúde mental dos apenados. De qualquer
forma, observe-se que essas duas inclues não obtiveram guarida na consolidação
publicada em 2007 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a), conforme expressa a tabela
objeto da presente análise
25
.
Por outro lado, a consolidação levada a cabo em 2007 avançou na tentativa de numerar
os Hospitais de Custódia destinados ao público masculino, os que abrigam o público
21
Os dados relativos aos estabelecimentos penitenciários estaduais, no entanto, não cita nem descreve esse
terceiro Hospital (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). Em verdade, afirma haver apenas dois Hospitais de
Custódia em Minas Gerais.
22
O mesmo ocorre com o Estado do Piauí: não referência a esse Hospital no rol dos estabelecimentos penais
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006).
23
Nesse mesmo rol, ainda figuram oito Hospitais no Rio de Janeiro, os mesmos acima nomeados (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA, 2006). Talvez a redução tenha ocorrido na tabela acima em razão do “Hospital Penal Fábio
Soares Maciel” e “Hospital Fábio Soares Maciel” parecerem ser o mesmo Hospital, inclusive porque os
endereços indicados são muito parecidos.
24
No entanto, as informações sobre os estabelecimentos prisionais preservam a existência de um Hospital no
Estado, denominado Unidade de Saúde II (Saúde Mental) - Anexo a Unidade Prisional Regional Pascoal
Ramos. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). Talvez não conste da tabela ora analisada (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2007a), em razão de parecer ser um setor de uma unidade prisional, setor esse encarregado da
saúde mental dos presos, o que não lhe dá o caráter de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
25
Ou ainda, o terceiro Hospital, agora incluído na tabela, pode se referir a um desses Centros Hospitalares, e não
ao Hospital Arnaldo Amado Ferreira, como insinuamos.
feminino, e os que se destinam a ambos, diferentemente do levantamento anterior, que
fornece apenas o número total de Hospitais de Custódia. Trata-se de iniciativa importante,
para detalhar as informações a respeito dessas instituições. Ainda assim, algumas
ambigüidades parecem existir.
Assim é que com relação ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de
Franco da Rocha, onde ocorre a desinternação progressiva, a classificação feita considerou-o
como destinado a ambos os sexos
26
. No entanto, durante a pesquisa de campo, verificou-se
que a instituição somente abriga homens, não havendo possibilidade de internação para
mulheres
27
. Sendo assim, parece que seria mais adequado classificar o referido Hospital de
outra maneira, a não ser que a intenção seja futuramente ampliar as atividades. Nesse exato
sentido, a descrição dos estabelecimentos prisionais de São Paulo traz a destinação do referido
Hospital como masculina
28
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a). Note-se que se trata todos
de dados de 2007 e, no entanto, são conflitantes. De toda forma, o que se quer dizer com essa
reflexão é que os dados do INFOPEN, provavelmente, não são absolutamente exatos
29
,
requerendo um certo cuidado em sua manipulação.
Tanto assim que, em nova estatística, datada de junho de 2007, também constante no
sítio do DEPEN (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006/2007, on-line), a numeração e a
configuração dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico brasileiros sofrem
novamente modificação:
26
Considerando que três Hospitais de Custódia de São Paulo encontram-se nesse levantamento, e que nenhum
Hospital paulista foi inserido nas outras classificações.
27
Questionando-se então a respeito da possibilidade de progressão da medida de segurança para pacientes
mulheres, verificou-se que o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico I conta com uma ala de
progressão para mulheres, instituição que, essa sim, abriga indivíduos de ambos os sexos.
28
A mesma descrição caracteriza o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha como
de segurança máxima, o que provavelmente deveria ser revisto, considerando a natureza da instituição,
destinada a aumentar o contato do interno com a sociedade, e sua própria estrutura física (sequer há cercas em
todo seu entorno, por exemplo).
29
O que pode ser compreendido pelo fato de ser uma experiência recente, ainda em construção, e que tem de contar
com a boa-vontade e disciplina de todos os estabelecimentos penais brasileiros para obter uma maior exatidão.
UF Mas. Fem. Amb. Total
AC 0 0 0 0
AL 0 0 1 1
AM 0 0 1 1
AP 0 0 0 0
BA 0 0 1 1
CE 2 0 0 2
DF 0 0 0 0
ES 0 0 1 1
GO 0 0 0 0
Quadro 4 - Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Fonte: Quadro Geral de Estabelecimentos por Estado (MJ/DEPEN/INFOPEN)
As mudanças apresentadas nessas novas estatísticas são de duas ordens: acréscimo de
três unidades no número total de Hospitais de Custódia e reclassificação dos mesmos,
segundo sua destinação (masculino, feminino e ambos). No Ceará, os dois Hospitais passaram
a ser classificados como masculinos, e não mais destinados aos dois gêneros; em Pernambuco,
o mesmo ocorreu com o Hospital de Custódia daquele Estado. No Rio de Janeiro, o número
total de Hospitais continuou o mesmo (sete), mas dois deles passaram a figurar como
masculinos. Com relação ao Rio Grande do Sul, houve aumento do número de Hospitais,
passando agora os dados a nos informar que há dois Hospitais que atendem ambos os gêneros,
e não apenas um
30
. Finalmente, em São Paulo, o número total passa a ser de cinco Hospitais
de Custódia, provavelmente em razão da inclusão do “Centro Hospitalar do Sistema
Penitenciário + Ala de Psiquiatria”, que atende os públicos masculino e feminino, e do
“Centro de Atendimento Hospitalar a Mulher Presa”, que atende as mulheres. O rol de
estabelecimentos prisionais de São Paulo informa, como dito, que o Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha atende homens, e que os Hospitais de Custódia
30
A esperança é a de que as próximas consolidações definam corretamente os Hospitais de cada Estado e
forneçam informações detalhadas a seu respeito.
UF Mas. Fem. Amb. Total
MA 0 0 0 0
MG 3 0 0 3
MS 0 0 0 0
MT 0 0 0 0
PA 0 0 1 1
PB 1 0 0 1
PE 0 0 1 1
PI 1 0 0 1
PR 0 0 1 1
RJ 2 0 5 7
RN 0 0 1 1
RO 0 0 0 0
RR 0 0 0 0
RS 0 0 2 2
SC 1 0 0 1
SE 0 0 1 1
SP 1 1 3 5
TO 0 0 0 0
Total
HCTP 11 1 19 31
e Tratamento Psiquiátrico Arnaldo Amado Ferreira e Prof. André Teixeira Lima atendem
todos os gêneros (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). Sendo assim, o HCTP II de Franco da
Rocha, antes classificado como destinado aos dois gêneros, passou definitiva e corretamente a
ser classificado como masculino, o que corresponde à realidade dos fatos.
Cumpre registrar também o número de indivíduos submetidos à medida de segurança
no Brasil, em dezembro de 2006: três mil quinhentos e noventa e cinco (3595). Desses, três
mil duzentos e cinqüenta e seis (3256) eram homens e trezentas e trinta e nove (339) eram
mulheres. Dois mil setecentos e noventa e quatro (2794) homens e duzentas e dezesseis (216)
mulheres estavam internados, ao passo que quatrocentos e sessenta e dois (462) homens e
cento e vinte e três (123) mulheres encontravam-se submetidos a tratamento ambulatorial
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a, p. 34; 44). Observe-se que o número de pessoas
submetidas a internação (3010) é bem maior que a população submetida a tratamento
ambulatorial (585), o que revela que o Brasil muito tem que avançar na construção de um
tratamento psiquiátrico menos asilar. Ademais, registre-se que, seguindo a tendência do
sistema prisional como um todo, há mais homens cumprindo medida de segurança que
mulheres
31
.
Em dezembro de 2006, o número de submetidos à medida de segurança por Estados é
o seguinte (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a, p. 44):
31
As razões desse fenômeno fogem aos limites desse trabalho.
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
AC 9 1 0 0
AL 31 3 0 0
AM 18 0 8 0
AP 0 0 9 0
BA 78 4 0 0
CE 40 0 147 0
DF 58 4 0 0
ES 31 3 0 0
GO 21 4 0 0
MA 4 0 0 0
MG 192 22 0 0
MS 23 0 0 0
MT 29 0 0 0
PA 0 0 0 0
PB 0 0 0 0
PE 284 25 0 0
Quadro 5 - Medida de Segurança por Estados
Fonte: Quadro Geral do Sistema Penitenciário – Dezembro de 2006 (MJ/DEPEN/INFOPEN)
Note-se que no Estado de São Paulo havia 1050 pessoas submetidas à medida de
segurança, sendo que o número de indivíduos internados corresponde a 913, e o de
submetidos a tratamento ambulatorial a 137. Havia mais homens (874) que mulheres (176)
cumprindo a medida, ressaltando-se que a grande maioria de internos nesse Estado era
formada por um público masculino que cumpria internação. Considerando que no Brasil,
nessa data, o número total de pessoas submetidas à medida de seguraça era de 3595
indivíduos, a polulação paulista correspondia, nessa data, a cerca de 29% do total da
população brasileira nessa mesma situação.
em junho de 2007 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007a), a distribuição dos
indivíduos era a seguinte:
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
PI 12 1 28 0
PR 280 19 0 0
RJ 147 7 6 0
RN 46 0 14 0
RO 25 3 0 0
RR 12 0 49 7
RS 456 24 146 34
SC 121 0 0 0
SE 55 2 0 0
SP 819 94 55 82
TO 3 0 0 0
Total 2794 216 462 123
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
AC 3 6 2 1
AL 27 4 0 0
AM 21 0 5 0
AP 2 0 0 0
BA 57 3 0 0
CE 47 0 129 0
DF 68 3 1 0
ES 36 4 0 0
Quadro 6 - Medida de Segurança por Estados
Fonte: Quadro Geral de Estabelecimento por Estado (MJ/DEPEN/INFOPEN)
Pode-se tranqüilamente concluir que, no Brasil, em junho de 2007, havia 4254 pessoas
cumprindo medida de segurança, sendo que no Estado de São Paulo havia 1215 indivíduos, o
que corresponde a aproximadamente 28,5% do total. Note-se que São Paulo responde por
quase um terço da população dos Hospitais de Custódia brasileiros, sendo que 984 pessoas
cumpriam internação, enquanto que 231 cumpriam tratamento ambulatorial, e 1013 eram
homens e 202 eram mulheres
32
. Segue, portanto, a tendência da predominância da espécie
internação dirigida ao público masculino, acompanhando aliás a tendência geral brasileira.
De qualquer forma, percebe-se que a desinternação progressiva, realizada atualmente
no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, merece ser
analisada de forma mais aprofundada e específica, seja porque se trata de experiência
inovadora, seja porque o Estado de São Paulo detém quase um terço da população submetida
32
Registre-se que a capacidade de ocupação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátricos paulistas, ou
seja, considerando a modalidade internação, foi estimada em 904 vagas em junho de 2007, sendo 824
referentes ao público masculino e 80 ao público feminino (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006). portanto
um excedente de 67 homens e 13 mulheres internados, totalizando 80 indivíduos,o que gera preocupação.
Medida de Segurança
Internação
Medida de Segurança
Tratamento
UF Masculino Feminino Masculino Feminino
GO 52 1 1 0
MA 0 0 0 0
MG 61 455 0 0
MS 28 0 0 0
MT 27 0 0 0
PA 55 0 40 0
PB 0 0 0 0
PE 341 33 0 0
PI 54 1 31 0
PR 283 16 0 0
RJ 162 7 11 1
RN 47 0 4 0
RO 27 3 0 0
RR 1 0 0 0
RS 657 57 0 0
SC 105 1 0 0
SE 55 3 0 0
SP 891 93 122 109
TO 0 0 0 0
Total 3107 690 346 111
à medida de segurança
33
. Uma mudança substancial na execução das medidas de segurança no
Estado de São Paulo, como é o caso da desinternação progressiva, certamente configura uma
tendência significativa no quadro do sistema penitenciário brasileiro, merecendo maior
análise.
1.3 Necessidade de reestruturação dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico brasileiros
A ineficiência do tratamento psiquiátrico asilar é cada vez mais evidente e
reconhecida
34
(DELGADO, 2001). Ainda quando realizado em condições satisfatórias (corpo
técnico preparado, medicamentos adequados, boa estrutura física da instituição etc), o
tratamento não obtém êxito. Isso porque o próprio pressuposto da intervenção médica a
segregação do doente
35
não possibilita a cura e a ressocialização do indivíduo. Antes disso,
o que se obtém, não raro, é a cronificação da doença, que passa a legitimar a continuidade da
segregação. Esse ciclo aprisiona o indivíduo, que se encontra coativamente internado para
alcançar uma cura que nunca se efetiva. Conforme Goffman (2003, p. 294), o tratamento
psiquiátrico dispensado nos hospitais psiquiátricos “não tem, em si mesmo, uma
probabilidade de acerto suficientemente grande” que justifique a hospitalização e suas
decorrências. Ademais, uma grande incoerência é apontada: quando cura ou melhora, o
resultado é creditado ao trabalho do hospital; quando elas não ocorrem, o fracasso é explicado
pela natureza rebelde da doença e as dificuldades que traz, e não à incompetência do hospital
para lidar com aquela situação. Mesmo nessa situação de inoperância, justifica-se o
tratamento psiquiátrico, que, nessa ótica, deve continuar sendo realizado, exatamente porque
não obteve êxito (GOFFMAN, 2003, p. 309).
Na verdade, há uma grande controvérsia a respeito do próprio conceito de doença mental,
questão que foge aos limites desse trabalho, mas que merece ser mencionada. Isso porque
muitos teóricos que rejeitam a idéia de doença mental ou, antes, consideram-na uma construção
33
A desinternação progressiva propriamente dita abriga aproximadamente 200 pacientes, o que corresponde a
cerca de 15% dos indivíduos submetidos à medida de segurança no Estado de São Paulo e a cerca de 5% da
população brasileira custodiada.
34
Goffman (2003) denuncia, eloqüentemente, a realidade das instituições totais.
35
Goffman (2003, p. 286-287) ressalta que, na verdade, o serviço psiquiátrico o busca, primordialmente, o
tratamento da doença mental do inimputável, e sim a protão da sociedade contra seus atos inoportunos. Assim, o
cliente do serviço psiquiátricoo é o doente, mas sua família, vizinhos etc. Lembre-se que o autor está analisando
o tratamento psiqutrico comum, realizado nos hospitais públicos, e não especificamente o relativo à execução
penal. Se no serviço psiqutrico comum a cura do doente não é objetivo primeiro, que dirá do tratamento penal,
cujo pressuposto foi a efetiva ofensa de bens jurídicos relevantes e a necessidade de proteção da sociedade. Nesse
contexto, deve haver um imenso esforço para que o tratamento tenha algum efeito terautico.
histórica, muito embora ordinariamente aceita-se a hegemonia de seu conceito. Para a cncia
dica convencional, a doea mental seria uma alteração da saúde mental, causada por fatores
biológicos, químicos ou neurogicos, sendo seu tratamento preponderantemente farmacogico.
Outra corrente, herdeira da psicologia e das ciências sociais, entende que os fatores sociais e
culturais tamm influenciam o surgimento da doença mental, ao lado das alterações físicas
(GONÇALVES, 2004). Entendimento diverso questiona o conceito de doença mental, chegando
mesmo a desconstruí-lo. Nesse sentido, destaca-se Foucault, para quem a Psiquiatria, muito longe
de descobrir a verdade da doença mental, tratou de construí-la
36
. Szasz (1976)
37
, ícone da
Antipsiquiatria, pondera que a criação da disciplina Psiquiatria foi parte integrante do processo de
substituição de conceitos religiosos por conceitos científicos, que se deu em muitos outros
campos. Para Birman (1978), o núcleo central da cura psiqutrica, muito longe da cura de uma
suposta doença mental e da volta à normalidade, seria o tratamento moral do indivíduo
38
. Assim,
note-se que não apenas a questão do tratamento da doença mental é controverso, como tamm a
própria definição da patologia mental.
De qualquer forma, as conseqüências negativas da internação prolongada do doente
mental são diversas (GOFFMAN, 2003; DELGADO, 2001, p. 191-192), como a perda do
contato com a realidade externa, a submissão às atitudes autoritárias do corpo técnico, o ócio
forçado, a sedação medicamentosa, a perda da perspectiva de vida para além da instituição, a
perda de amigos e do contato com familiares, a desqualificação permanente do discurso e das
36
Foucault (2003) afirma que a loucura substituiu o espaço da lepra, ou melhor, os asilos tomaram o lugar antes
designados aos leprosários. Foi somente na época do Iluminismo que se enclausuraram os loucos, com a
chamada grande internação, internando-se loucos, marginais, mendigos e ladrões com o objetivo de reforçar e
transmitir a disciplina para o trabalho. Na França, por exemplo, cada grande cidade tinha seu Hospital Geral:
Bicêtre, Salpêtrière, Charenton. Foi Pinel, no século XVIII, que criou os manicômios com o objetivo de
separar os
loucos dos outros marginalizados. Com isso, o internamento torna-se medida de caráter médico. A
loucura é então aprisionada no conceito de doença mental, possibilitando o próprio surgimento da Psiquiatria.
A história da Psiquiatria elenca Pinel, Tuke, Wagnitz e Riel como os fundadores da Psiquiatria e do
humanismo no tratamento da doença mental. Para Foucault, entretanto, eles apenas estreitaram as práticas do
internamento em torno do louco. Quando Pinel liberta os acorrentados, se se rompe as restrições físicas dos
doentes, reconstitui-se um encadeamento moral sobre eles. Enfim, nas palavras de Foucault (1968, p. 80):
“tudo isto não é a descoberta progressiva daquilo que é a loucura na sua verdade de natureza; mas somente a
sedimentação do que a história do Ocidente fez dela em 300 anos. A loucura é muito mais histórica do que se
acredita geralmente, mas muito mais jovem também”.
37
Também para esse crítico da Psiquiatria, o internamento dos chamados doentes mentais não é realizado em
benefício deles mesmos, mas enquanto medida de proteção da sociedade, por eles ameada. Em última
instância, a Psiquiatria seria uma verdadeira ancia de controle social, disfarçada atras do tratamento
mental que realiza (SERRANO, 1985). A estreita relão entre Direito Penal e Psiquiatria, para Velo (2003,
p. 241) se deu exatamente nestes termos: “o direito criminal e a medicina, a psiquiátrica em especial,
aliaram-se e se fortaleceram como instâncias formais de controle social”.
38
Muitos teóricos distanciam-se da concepção exclusivamente médica da doença mental. Lévi-Strauss, por
exemplo, entende que a doença mental ocorre quando o indivíduo se dissocia do sistema simbólico do grupo,
dele se alienando. Frayze-Pereira (1985) sustenta a relatividade da doença mental, ilustrando-a com uma
comparação: um indígena epilético, em certas culturas indígenas, é considerado mais evoluído que os demais,
pois isso significaria o contato com as divindades, o que o elevaria à categoria social de xamã; na cultura
ocidental, é um doente mental.
atitudes dos internos
39
. Em decorrência dessa configuração institucional, o paciente passa a
apresentar a chamada neurose institucional, caracterizada por apatia, ausência de interesse e
iniciativa, indiferença frente a medidas tomadas contra ele, submissão, resignação diante dos
fatos, incapacidade de formulação de projetos pessoais e deterioração dos hábitos pessoais,
como a higiene (BARTON, 1974 apud DELGADO, 2001, p. 191).
Em outras palavras, muito longe de socializar, o que o internamento prolongado
40
faz é
dessocializar definitivamente o indivíduo, além de deteriorar sua identidade e auto-estima
41
.
Em razão disso, chega-se a questionar (DELGADO, 2001) se o comportamento do indivíduo
cronificado - caracterizado pelo isolacionismo, embotamento afetivo, presença de hábitos
grotescos e dificuldade de realização de atividades práticas - decorre da patologia ou da
própria vida asilar.
Se assim é ainda quando há condições terapêuticas mínimas, o quadro se agrava
quando essas são deficientes. No que diz respeito ao tratamento dispensado nos Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico brasileiros, a possibilidade de êxito quanto à
ressocialização dos internos é certamente mais distante, eis que suas condições não são nem
um pouco favoráveis: acomodações insalubres, falta de medicamentos, corpo técnico reduzido
ou despreparado, realização de tratamentos coletivos
42
e ausência de fiscalização, entre tantos
outros fatores a dificultar o desempenho mínimo do tratamento.
Essa constatação é tão grave e evidente, que o próprio Poder Executivo aponta para
a necessidade de reorientação dos Hospitais de Custódia brasileiros
43
, no sentido da
reconfiguração do tratamento psiquiátrico conforme as diretrizes da reforma psiquiátrica
brasileira em curso
44
. Os Ministérios da Justiça e da Saúde ressaltaram a urgente necessidade
39
Delgado (2001) denomina esses fatores como dispositivos institucionais de cronificação, cuja desmontagem é
essencial para que se consiga realizar a ressocialização dos internos.
40
Para Delgado (2001, p. 184-185), a questão da desinstitucionalização do tratamento psiquiátrico passa
necessariamente pela devolução progressiva à comunidade da responsabilidade com os cuidados em relação
aos doentes mentais.
41
A estigmatização do doente mental internado é um fator que contribui para a dificuldade de sua reinserção
social. “Ao contrário do que ocorre com grande parte da hospitalização médica, a estada do paciente no
hospital psiquiátrico é muito longa e o efeito muito estigmatizador para permitir que o indivíduo volte
facilmente ao local social de onde veio” (GOFFMAN, 2003, p. 289). Mais difícil é, portanto, a reinserção do
louco infrator, pois esse carrega dois estigmas: o de delinqüente e o de doente mental.
42
Tal realidade é denunciada por Goffman (2003, p. 293) também em relação aos hospitais psiquiátricos
comuns: “o tratamento dado em hospitais psiquiátricos tende a não ser específico à perturbação (...); em vez
disso, se se algum tratamento, um ciclo de terapias tende a ser dado a toda uma classe de pacientes
recentemente admitidos, e as doses são usadas mais para descobrir se existem contra-indicações para o
tratamento padronizado, do que para encontrar indicações para ele”.
43
Realizou-se, em julho de 2002, pelos Ministérios da Justiça e da Saúde, o seminário nacional para reorientação
dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, do qual resultou um relatório final (BRASIL, 2002).
44
“Que os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sejam reorientados, atendendo a um modelo de
tratamento psiquiátrico adequado à reforma psiquiátrica (espaço adequado, projeto terapêutico, equipe
multidisciplinar, oficinas, licenças para saídas, educação e formação profissional)” (BRASIL, 2002, p. 15).
de humanização, desospitalização e desinstitucionalização do tratamento do doente mental
infrator
45
. A longo prazo, preconizaram a própria superação dos Hospitais de Custódia,
devendo os doentes mentais infratores serem tratados em regime aberto, pelo Sistema Único
de Saúde (SUS)
46
.
Como se vê, a orientação interministerial é no sentido da desinstitucionalização do
tratamento dos inimputáveis
47
, que devem ser paulatinamente e o mais rapidamente possível
reconduzidos à sociedade. O tratamento deve ser cada vez mais extra-hospitalar, evitando-se
as distorções que o internamento provoca e realizando a reinserção social do doente mental.
Ademais, estabeleceu-se também que o tempo do tratamento deve ser o menor possível, e que
se deve possibilitar a integração do doente na rede de saúde mental da própria comunidade
48
.
O tratamento do louco infrator, conforme o relatório final, deve ser de responsabilidade tanto
do sistema penitenciário quanto do Sistema Único de Saúde, eis que deve ser encarado como
questão de saúde e de justiça (BRASIL, 2002). Trata-se de mudança paradigmática muito
importante na reconstrução da execução das medidas de segurança. No entanto, como o
próprio relatório afirma, a reformulação do tratamento do doente mental infrator só se tornará
realidade a partir da atuação concreta dos Hospitais de Custódia e dos Estados e Municípios
em que estiverem localizados.
Conforme a nova orientação sugerida pelo relatório, a reintegração do submetido à
medida de segurança deve ser preocupação constante e objetivo primeiro. Para tanto, propõe a
criação de programas permanentes de reintegração social, preferencialmente baseados em
equipes interdisciplinares
49
, assim como a conscientização dos agentes envolvidos para a
45
“Nos Estados, Municípios e Distrito Federal, onde existam manicômios judiciários, as condições de
funcionamento devem estar ajustadas às diretrizes do SUS, direcionadas no sentido da humanização, da
desospitalização e desinstitucionalização, evoluindo para o regime aberto, conforme a lei 10216” (BRASIL,
2002, p. 15).
46
“Diretriz geral de desinstitucionalização dos manicômios judiciários na direção de sua superação, através da
universalização do cumprimento da medida de segurança em regime aberto na rede de serviços de saúde
mental do SUS” (BRASIL, 2002, p. 18).
47
Tendência essa influenciada certamente pela Declaração de Caracas, de novembro de 1990, que consigna a
necessidade de reestruturação da assistência psiquiátrica geral, visando a desospitalização e a intervenção
comunitária no tratamento do doente mental (BRASIL, 2008).
48
“Reafirmar que medida de segurança é tratamento e que o tratamento é direito do cidadão. Definição de
projetos terapêuticos que garantam que o tratamento possa ser feito no menor tempo possível. Quando feito
em manicômio judiciário, o tratamento deve ser voltado para a reinserção dos pacientes nos serviços de saúde
mental comunitários” (BRASIL, 2002, p. 17).
49
“Que os Programas Permanentes de Reintegração Social a serem implantados nos Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico, meta constante do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, sejam
concebidos por equipes interdisciplinares e intersetoriais, compostas por profissionais das áreas da saúde,
justiça, educação, trabalho e assistência social, visando a incorporação das pessoas submetidas à medida de
segurança na rede de cuidados do SUS” (BRASIL, 2002, p. 11).
importância da consecução desse objetivo
50
. Uma das estratégias essenciais para o êxito do
projeto é a articulação com a rede de saúde mental comunitária, tando durante quanto após a
internação. Outra ação considerada fundamental para efetivar a reinsercão social dos internos
é a adoção de saídas terapêuticas
51
, serviços residenciais terapêuticos
52
e desinternação
progressiva
53
. Ademais, é extremamente importante que se garanta aos indivíduos internados
acesso à educação, à formação profissional e à inserção no mercado de trabalho, para que sua
reintegração social seja efetivamente possível (BRASIL, 2002, p. 16).
Como conseqüência, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através
da Resolução 05, de 4 de maio de 2004, ordenou a adequação da execução das medidas de
segurança à Lei 10216/01
54
, devendo ser sua finalidade permanente a busca e a efetivação da
reinserção social dos internos (art. 4º, § 1º, Lei 10216/01). Determinou a integração dos
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ao Sistema Único de Saúde, devendo aqueles
inclusive adequar-se aos padrões de atendimento previstos no Programa Nacional de
Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH).
Elencou o respeito aos direitos humanos, a desospitalização e a superação do modelo
tutelar como princípios norteadores do tratamento que, ademais, deve ser individualizado.
Apontou-se o imperativo de que o Hospital de Custódia ofereça assistência integral ao
interno, contemplando tanto cuidados médicos quanto assistência social, assistência
psicológica, atividades ocupacionais e de lazer (art. 4º, § 2º, Lei 10216/01). A referida
resolução ressaltou também a importância da existência de ações destinadas aos familiares e
de projetos comprometidos com o desenvolvimento da cidadania e com a geração de renda, de
modo a possibilitar a reintegração sócio-familiar. Por fim, a resolução em tela apontou a
necessidade de aplicação progressiva da medida de segurança
55
(MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2004). Convém registrar que a Lei 10216/01 (art. 4º, § 3º) estabeleceu a vedação
50
“Que os estados da federação promovam seminários para articulação e sensibilização dos setores da justiça,
execução penal, segurança pública, saúde, assistência social, educação e trabalho para a urgência da
implantação dos Programas Permanentes de Reintegração Social dos pacientes em medida de segurança,
articulados a rede de atenção à saúde do SUS” (BRASIL, 2002, p. 12).
51
“Que sejam adotadas as saídas terapêuticas pelos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, e que estas
sejam baseadas em parecer de equipe técnica multiprofissional” (BRASIL, 2002, p. 13. grifo do autor).
52
“Criação de um programa de desospitalização para a população interna dos manicômios judiciários, com a criação
de serviços residenciais terapêuticos, através do envolvimento dos gestores locais” (BRASIL, 2002, p. 18).
53
“Que seja adotado, em âmbito nacional, um projeto de humanização dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico, que institua casas de passagem para desinternação progressiva, estabelecendo vínculos com a
sociedade” (BRASIL, 2002, p. 14).
54
Tal lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o
modelo assistencial em saúde mental.
55
“A medida de segurança deve ser aplicada de forma progressiva, por meio de saídas terapêuticas, evoluindo
para regime de hospital-dia ou hospital-noite e outros serviços de atenção diária o logo o quadro clínico do
paciente assim o indique” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004).
de internação de doentes mentais em instituições com características asilares, isto é, as que
não se adequaram ao artigo 4º, § da mesma Lei, assim como ao art. 2º, § único, que trata
dos direitos dos doentes mentais:
Art. : Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de
transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde,
consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no
interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela
inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer
forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de
comunicação disponíveis; VII - receber o maior mero de informações a respeito
de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos
meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços
comunitários de saúde mental.
Como se vê, um consenso a respeito da necessidade de se reformular as práticas
terapêuticas nos Hospitais de Custódia, transformando, assim, a própria execução das medidas
de segurança. O desafio que se impõe, e que deve ser enfrentado com urgência, é concretizar
o novo discurso no cotidiano dessas instituições.
CAPÍTULO 2
DA OBRIGACÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO FRENTE AOS ATOS
PRATICADOS POR INIMPUTÁVEIS
2.1 Constituição Federal, política criminal e medidas de segurança
A política criminal, enquanto Ciência integrante da denominada Ciência global do
direito penal
1
, ao lado da criminologia e da dogmática jurídico-penal, tem assumido um papel
importantíssimo contemporaneamente. Tendo deixado de exercer um papel meramente
auxiliar em relação ao direito penal, alcançou sua autonomia científica e teve suas relações
com a dogmática profundamente alteradas, sobretudo com a assunção do Estado de Direito
Material contemporâneo. Conforme o novo estatuto por ela obtido, a política criminal
transformou-se em uma ciência intermediária entre a criminologia e a dogmática jurídico-
penal, com o objetivo precípuo de funcionalizar e otimizar a construção e a aplicação do
direito penal
2
. Em outras palavras, cabe à política criminal a definição das finalidades a serem
atingidas pela aplicação do direito penal e a funcionalização das categorias da dogmática para
que sejam aptas à consecução dessas finalidades
3
.
Em um Estado Democrático e Social de Direito Material, como é o nosso, a política
criminal é, nas palavras de Dias (1999, p. 43), “imanente ao sistema jurídico-constitucional”.
As finalidades político-criminais relevantes para a aplicação do direito penal, portanto, estão
inscritas na Constituição Federal, seja expressa ou implicitamente. Com isso quer-se dizer que
a política criminal deve condicionar-se aos fundamentos jurídico-políticos
4
da concepção de
Estado
5
, expressos na Constituição, para que seja legítima. A política criminal não pode
destoar dos objetivos e alicerces da Constituição ou, mais precisamente, deve fomentá-los.
Apesar da evolução da política criminal nesse sentido, deve-se constatar que sua
influência é bem mais sentida em relação às categorias da teoria do delito, não ocorrendo o
mesmo com as conseqüências jurídicas do delito
6
. Essas ainda reclamam uma funcionalização
político-criminal que leve em conta a Constituição Federal e a realidade sociológica que
subjaz à execução das sanções penais. Se, por um lado, as categorias da tipicidade, da ilicitude
1
Conforme clássica denominação de Franz von Liszt.
2
Segundo Figueiredo Dias (1999, p. 42), a função última da política criminal é constituir-se no padrão crítico do
direito constituído e do direito a constituir, assim como de seus limites e da sua legitimação. Conforme Roxin
(2002, p. 206): “O progresso está, principalmente, em substituir-se a vaga orientação a valores culturais do
neokantismo por um parâmetro sistematizador especificamente jurídico-penal: os fundamentos político-
criminais das modernas teorias da pena”.
3
Claro está que a política criminal encontra limites no direito constituído, sobretudo nos direitos e garantias
individuais, não podendo instrumentalizar o homem para o atingimento de seus objetivos.
4
Em nossa Constituição, sobressai o fundamento da dignidade da pessoa humana.
5
Apesar de a doutrina tradicional denominar o Estado brasileiro como Estado Democrático de Direito, mais
precisa e profunda é a designação de Fernandes (2003, p. 59), aqui seguida, que prefere chamá-lo de “Estado
de Direito, Democrático e Social, Material”. Tal concepção explicita todas as nuances do Estado brasileiro,
advindas da própria Constituição.
6
Fernandes (2006, p. 9) pondera que as evoluções culturais fizeram-se sentir muito mais no âmbito da teoria do
delito que na teoria das conseqüências jurídicas do delito.
e da culpabilidade têm sido analisadas e reconstruídas com base em valorações político-
criminais, o mesmo não tem ocorrido com a pena e a medida de segurança, sobretudo no que
tange à sua execução. Em verdade, a ausência de revisão político-criminal é mais acentuada
com relação às medidas de segurança, pois em relação à pena ao menos tem se defendido a
utilização de critérios político-criminais para a sua aplicação concreta, assim como é mais
freqüente o debate acerca de suas finalidades preventivas. Dessa feita, é forçoso concluir que
a execução das medidas de segurança requer uma funcionalização político-criminal assentada
na Constituição Federal
7
, sob pena de ser, concomitantemente, ineficaz e ilegítima, não
servindo, portanto, para dar cabo à obrigação a que se vincula o Estado brasileiro, por
imperativo constitucional, de desenvolver e executar políticas públicas frente ao fenômeno do
delito.
2.1.1 Valor político-criminal fundamental da Constituição Federal: a dignidade da
pessoa humana
O constituinte de 1988 inovou ao elencar, entre os fundamentos da República
Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana. Com efeito, a Constituição Federal de
1988 foi a primeira constituição brasileira a conferir esse importante tratamento à dignidade
da pessoa (SARLET, 2006, p. 61). Em sendo assim, qualquer política criminal que pretenda
ser efetivada no Ordenamento Jurídico brasileiro deve observar e fomentar esse fundamental
princípio
8
, especialmente porque a intervenção penal constitui potencial restrição a essa
dignidade. A política criminal, enquanto racionalidade dirigida à contenção da violência,
sendo, pois, uma obrigação a que se vincula o estado, dito, restringe determinados direitos
(como a liberdade, por exemplo) dos indivíduos ofensores dos bens jurídicos essenciais de
determinada comunidade, com a finalidade de efetivar a dignidade e os direitos dos demais
cidadãos. No entanto, nessa importante missão, a política criminal e os aparatos do controle
social não podem sacrificar a dignidade das pessoas a eles submetidas, sob pena de clara
7
Segundo Barreiro (2001, p. 152), No será tarea fácil la de articular el sistema dualista sin contradicciones
respecto del Estado de Derecho, pues resulta evidente la más que previsible tensión entre los derechos
fundamentales de la persona humana y el Derecho de medidas. Sin embargo, con las aportaciones de la
doctrina y legislación penales modernas, se puede llegar a un tolerable nivel de compatibilidad entre las
medidas de seguridad y las exigencias derivadas del Estado de derecho”. Na doutrina brasileira, Braga (2004,
p. 275) sustenta que o sistema de medidas de segurança necessita submeter-se a diversas alterações, “de modo
que se coadune à ordem constitucional vigente e aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito”.
8
Nesse sentido é o ensinamento de Fernandes (2003, p. 63-64, grifo do autor): “Sem dúvida alguma, o princípio
nuclear de toda uma ordem jurídica e constitucional que se pretenda ancorada em um modelo de Estado de
Direito, Democrático e Social, Material é aquele da indispensável proteção da dignidade humana,
densificação de uma série de outros princípios”.
ofensa aos valores considerados fundamentais para nosso Estado Democrático Social de
Direito Material. Assim, percebe-se a delicada função dessa Ciência: fomentar a dignidade de
todos sem violar a dignidade dos submetidos à sanção penal
9
. Ao contrário, deve-se promover
a dignidade também desses indivíduos, de forma a atingir certas finalidades que fundamentam
a intervenção penal, isto é, a reinserção e a ressocialização do indivíduo, verdadeiras
finalidades político-criminais. Tarefa essa que certamente é das mais difíceis, razão pela qual
merece toda nossa atenção.
No que concerne à intervenção penal frente aos portadores de doença ou transtornos
mentais, a temática da dignidade da pessoa humana assume importante e específica feição. A
primeira problemática que se nos impõe é o próprio reconhecimento da dignidade do doente
mental. Isso porque a dignidade da pessoa humana decorre da razão e da capacidade de
autodeterminação do ser humano, que o diferencia dos demais seres vivos. Em razão dessas
características, a pessoa humana tem uma pretensão de respeito em face dos demais, ao
mesmo tempo em que deve também respeitá-los. No entanto, a ausência de capacidade de
autodeterminação é o que caracteriza o inimputável, podendo-se então ser questionado ser ou
não ele dotado de dignidade. Para evitar quaisquer equívocos, importa ressaltar que a
liberdade da qual emana a dignidade deve ser considerada abstratamente, independentemente
da sua realização no caso concreto. É dizer, a capacidade potencial de autodeterminação do
indivíduo é que revela sua dignidade. Dessa feita, o inimputável, conforme entendimento
pacífico, é possuidor da mesma dignidade de todos os seres humanos em geral
10
.
Ademais, a própria conceituação da dignidade da pessoa humana apresenta
dificuldades. Sarlet (2006, p. 39-51) esclarece-nos que se trata de um conceito vago e
impreciso, de natureza polissêmica, caracterizado por ambigüidade e porosidade. Ademais, a
dimensão histórico-cultural da dignidade influi decisivamente em sua conceituação. Trata-se,
portanto, de conceito em permanente processo de construção, sobre o qual a doutrina e a
jurisprudência têm se debruçado. De qualquer forma, existe ao menos um consenso a respeito
9
A relativização da dignidade do condenado justifica-se, no caso concreto, pela necessidade de prevenirem-se
violações da dignidade e dos direitos fundamentais de terceiros. Isso, no entanto, não autoriza sua total
supressão. Ao contrário, o indivíduo encarcerado deve ter sua dignidade assegurada, apesar das restrições a ela
impostas, garantindo-se a ele um mínimo em dignidade e direitos fundamentais. (SARLET, 2006, p. 133, 136).
Convém registrar que todos são iguais em dignidade, ainda que se portem de modo indigno, isto é, o indivíduo
que entrou em contradição com o ordenamento jurídico tem a mesma dignidade dos demais. Assim, não
importam as circunstâncias concretas, mas sim a condição de ser humano, da qual decorre a sua dignidade
(SARLET, 2006, p. 44).
10
A dignidade da pessoa humana, em um primeiro momento, expressa a autonomia da pessoa humana. No
entanto, ela também indica a necessidade de sua proteção, ainda que e principalmente quando essa autonomia
inexistir ou estiver mitigada. Dessa forma, o inimputável pode perder o exercício pessoal de sua autonomia,
através, por exemplo, de uma submissão involuntária a tratamento psiquiátrico, mas jamais perderá sua
dignidade e o direito a que ela seja respeitada e fomentada (SARLET, 2006, p. 44-45, 49).
das hipóteses em que a dignidade é violada, através da utilização da fórmula kantiana do
homem-objeto
11
. A dignidade da pessoa humana, assim, importa em vedação da
instrumentalização do ser humano, ou seja, a proibição da utilização do indivíduo como mero
meio para a obtenção de determinadas finalidades.
Apesar da dificuldade em se caracterizar a dignidade da pessoa humana, essa tarefa é
essencial para que ela tenha operacionalidade frente aos casos concretos. Essa importância
resulta evidente em se considerando que, em nosso ordenamento jurídico, a dignidade da
pessoa humana foi elencada como fundamento de nosso Estado Social e Democrático de
Direito Material, consistindo, em conseqüência, em valor e princípio jurídico-constitucional
fundamental. Em outras palavras, trata-se de norma fundamental dotada de status
constitucional formal e material, e portanto dotada de eficácia (SARLET, 2006, p. 67-70).
Conforme Sarlet (2006, p. 60), a dignidade da pessoa humana pode ser definida como
[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e considerão por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais nimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria exisncia e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Aqui encontram-se bem explicitados os dois sentidos da dignidade humana que
projetam-se diretamente no âmbito penal. Ou seja, por um lado, e dizendo mais respeito ao
delito, a intervenção do Estado pela via do Direito Penal, restringindo direitos, somente se
justifica quando a pessoa tenha posto em causa algum aspecto relevante do “complexo de
direitos e deveres fundamentais” (bem jurídico referido aos direitos fundamentais). Por outro
lado, e agora dizendo mais respeito às conseqüências jurídicas do delito, essa intervenção
está, primeiramente, colonizada pela restrição em não consistir um “qualquer ato de cunho
degradante e desumano” e, também, que atenda ao fim de propiciar e promover a participação
ativa e co-responsável da pessoa nos destinos da sua própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos (não estigmatização e, em expectativa, respeito à
dignidade alheia).
11
Conforme Kant (1980, p. 134-135, grifo do autor): “O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional,
existe como fim em si mesmo, não como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. Sendo toda
pessoa humana um fim em si mesmo, não pode ser instrumentalizada para a obtenção de fins de terceiros.
Com base nessa afirmação, tem-se sustentado que toda vez que se pretenda utilizar um ser humano como
objeto, tão-somente com vistas à realização de objetivos que lhe são alheios, está-se frente a uma violação da
dignidade da pessoa humana.
Feitas essas considerações, percebe-se que o indivíduo portador de doença mental que
entrou em conflito com o ordenamento jurídico ou, em outras palavras, o inimputável que
tenha praticado um ilícito-típico possui, como qualquer outro ser humano, dignidade,
resultante de sua condição humana. Em razão disso, a intervenção penal do Estado com
relação a esse indivíduo, através da aplicação de medida de segurança, deve, necessariamente,
respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de inconstitucionalidade
12
. O
Estado, na execução da medida de segurança, tem a inafastável obrigação de obedecer ao
referido princípio, por um lado não violando a dignidade dos internos
13
e, por outro,
promovendo essa mesma dignidade através de ações positivas
14
. Inclui-se nessa obrigação até
mesmo o dever de proteger o indivíduo contra si mesmo, se necessário for, em razão do
caráter irrenunciável da dignidade (SARLET, 2006, p. 113). Dessa feita, dentre todas as
obrigações do Estado na aplicação e execução da medida de segurança, destaca-se o dever de
respeito e promoção da dignidade das pessoas a ela submetidas. Assim, exemplificativamente,
é claramente violadora da dignidade da pessoa humana a aplicação de medida de segurança
com base na prática do ato descrito no artigo 147 do Código Penal (ameaça), em razão de sua
desproporcionalidade
15
. Com relação à execução da medida, cite-se como violação da
dignidade a não prestação de tratamento psiquiátrico adequado.
Longe de significar discussão apartada da realidade, o cumprimento da obrigação do
Estado em fomentar a dignidade dos inimputáveis, mormente quando praticam um ilícito-
típico, é condição essencial para a legitimidade da aplicação e da execução das medidas de
segurança
16
. No entanto, o princípio em tela não raramente é desrespeitado nesse âmbito,
deslegitimando a própria intervenção penal. Efetivar o respeito à dignidade dos inimputáveis,
12
Não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao
princípio da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2006, p. 110).
13
Poder-se-ia argumentar que o tratamento psiquiátrico coativo do doente mental ofende sua dignidade, eis que
viola o livre desenvolvimento de sua personalidade. No entanto, como os inimputáveis nãom capacidade de
autodeterminação, entende-se que a submissão coativa ao tratamento não é violadora da dignidade humana,
desde que a execução da medida de segurança não se opere através de procedimentos degradantes (GRACIA
MARTÍN, 2006, p. 441).
14
Em síntese: “la medida podrá estimarse conforme con el principio del respeto debido a la dignidad humana
sólo si su aplicación persigue finalidades estrictamente curativas y su concreta ejecución no supone un trato
que degrade a la persona a la categoría de un ser puramente corporal” (GRACIA MARTÍN, 2006, p. 442,
grifo do autor).
15
Sarlet (2006, p. 127) cita, com relação ao imputável, o encarceramento de reincidente em furto como violador
do princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. o encarceramento de um homicida
não ofenderia os princípios em questão.
16
Com efeito, Sarlet (2006, p. 137) afirma que a dignidade da pessoa humana é “a última fronteira contra
qualquer ingerência externa que se pretenda legítima”. Especificamente com relação à medida de segurança,
Gracia Martín (2006, p. 440-441) afirma que sua legitimação deve passar pela prova de sua compatibilidade
com o mandamento constitucional de respeito à dignidade da pessoa e com a proibição de tratamentos
desumanos ou degradantes.
sobretudo quando internados nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, constitui
objetivo essencial de uma política criminal afinada com a Constituição.
2.2 Finalidade político-criminal da medida de segurança enquanto obrigação estatal
Como toda intervenção estatal, a medida de segurança não se justifica a si mesma
17
.
Ao contrário, sua legitimação funda-se na consecução de objetivos reputados essenciais
socialmente. A importância da busca dessas finalidades legitima o poder do Estado de aplicar
tais medidas. Porém, ao mesmo tempo, tais expectativas também inauguram o dever do
Estado de fomentar e tender à consecução dessas finalidades. Trata-se, portanto, de um
verdadeiro poder-dever, a vincular e a legitimar a atuação do Estado.
Segundo Gracia Martín (2006, p. 437, grifo do autor):
Las medidas de seguridad, como la pena, son medios coactivos estatales de
protección del ordenamiento jurídico y su aplicación supone siempre también
materialmente la irrogación de un mal al sujeto a quien se imponen, pues su
ejecución da lugar siempre, de un modo u otro, a una privación o restricción de
bienes o derechos fundamentales.
Apesar de já se ter afirmado que as medidas de segurança traduzem apenas um bem ao
indivíduo, é dizer, consistem apenas em um tratamento terapêutico, incapaz de afligir
qualquer mal, atualmente reconhece-se a falácia dessa argumentação
18
. Afinal, a submissão
do agente à medida de segurança vale lembrar, de modo involuntário importa em
relevantes restrições de seus direitos individuais, sobretudo a liberdade. Aliás, a contundência
da intervenção estatal é ainda maior no contexto das medidas de segurança, eis que está
inclusive prevista a intervenção farmacológica (coativa), destinada a modificar interiormente
o indivíduo. Assim, não que se falar que a aplicação de medida de segurança consiste
exclusivamente em um bem, mas implica sobretudo em graves restrições aos direitos do
interno. Se assim é, é inegável que a imposição e a execução de tal medida fundam-se na
obtenção de finalidades sociais. Em outras palavras, legitimam-se na proteção de bens
jurídico-penais relevantes socialmente.
17
Anabela Rodrigues (1995 apud FERNANDES, 2003, p. 61) destaca a importância da legitimação material do
direito penal, baseada na constatação empírica dos efeitos da aplicação de suas normas, ao lado da legitimação
formal, consistente na legitimidade do processo de elaboração normativa.
18
No mesmo sentido, GOMES (1993, p. 64).
De qualquer forma, não é demais dizer que as medidas de segurança constituem,
contemporaneamente, a reação estatal frente ao fato, definido como crime, cometido por um
doente mental. Sendo um inimputável, não pode ser responsabilizado penalmente por seu
ato
19
. Como é cediço, sua culpabilidade é excluída, e não se pode aplicar qualquer espécie de
pena a esse indivíduo. No entanto, sua conduta ofendeu bens jurídicos reputados essenciais,
demonstrando sua potencial periculosidade em lesionar outros bens jurídicos, demandando do
Estado uma atuação, no sentido de proteger tais bens da conduta desse indivíduo.
É nesse contexto que surge a delicada e indispensável obrigação do Estado frente ao
fato do inimputável: proteger a sociedade de novas afetações de bens jurídicos relevantes, ao
mesmo tempo em que deve tratar e ressocializar o indivíduo portador de anomalia psíquica
20
.
Essas são justamente as duas faces da finalidade político-criminal fundamental das medidas
de segurança
21
, a saber, a prevenção especial, que passamos a analisar.
2.2.1 Prevenção especial positiva: o tratamento e a (res)socialização do portador de
anomalia psíquica
A primordial finalidade da medida de segurança é o tratamento da doea ou
perturbação mental do indivíduo, visando sua reintegração social
22
. Através dele, procura-se
curar ou, ao menos, minimizar a doença mental, diminuindo conseqüentemente a periculosidade
do indivíduo. Ao ter seu quadro clínico melhorado, entende-se que o indiduo passa a ter
melhores condições de conviver harmoniosamente em sociedade, tendo ademais diminuído seu
sofrimento mental. O objetivo mediato é a prevenção da prática de novos fatos ilícito-típicos
19
Vale lembrar que a dualidade do sistema sancionatório remonta ao debate entre escola clássica e escola
positiva
(GRACIA MARTÍN, 2006, p. 432).
Para a primeira, o fundamento da aplicação da pena reside no
livre-arbítrio do agente, a configurar sua culpabilidade. a segunda nega o livre-arbítrio do ser humano, e
conseqüentemente a culpabilidade, defendendo a responsabilidade social do indivíduo, pelo mero fato de
viver em sociedade. O fundamento de aplicação da sanção era, para essa escola, a periculosidade do indivíduo
ou, nos seus termos, sua temibilidade. Curiosamente, os sistemas penais passaram a adotar um sistema misto
de reações penais: ora fundado na culpabilidade, ora na periculosidade. Em sua configuração atual, nosso
sistema jurídico-penal prevê dois tipos de sanções: a pena propriamente dita, quando se conformar a
culpabilidade do agente, em uma nítida conformação clássica, e a medida de segurança, quando a
culpabilidade não restar configurada em razão da perturbação da saúde mental do agente. Medida de
segurança essa fundada na periculosidade do agente, sentindo-se aqui a forte influência da escola positiva. O
sistema sancionatório, portanto, funda-se em uma controversa combinação de escolas distintas.
20
Eloqüente é a afirmação de Diaz-Maroto y Villarejo (1991, p. 454, grifo nosso): “considerar como
fundamento de la medida de seguridad el principio preventista (corrección y educación del delincuente y
defensa de la sociedad) limitado por el principio de que el deber del Estado es, a la vez, el de imponer
medidas que sirvan para el desarrollo de la personalidad individual”.
21
Conforme Dias (2005, p. 424, grifo do autor), “a finalidade de prevenção especial ganha assim [...] uma dupla
função: por um lado, uma função de segurança, por outro lado, uma função de socialização”.
22
Nesse sentido é a posição de Ferrari (2001b, p. 60-61).
pelo indivíduo, através da intervenção psiquiátrica sobre ele (DIAS, 1999, p. 143). A aplicação
e a execão da medida de segurança m portanto essa finalidade fundamental: possibilitar a
realização de um tratamento psiquiátrico adequado e eficaz, que culmine na reinserção social do
inimpuvel. Trata-se da prevenção especial positiva em sede de medida de segurança, que deve
predominar sobre as demais finalidades político-criminais.
A tarefa de tratamento, no entanto, não é tão incontroversa quanto era de se esperar.
Como visto, ainda em contextos não-penais de intervenção psiquiátrica, muitos são os
desafios a serem enfrentados, e muitas vezes escassos os resultados. Porém, essa constatação
não pode conferir ao Estado um salvo-conduto para não realizar um tratamento psiquiátrico
satisfatório. Ao contrário, maior deve ser o esforço para que a medida de segurança atinja
realmente suas finalidades terapêuticas. Nesse sentido, a execução dessas medidas deve estar
atenta aos avanços e descobertas da Psiquiatria, da Psicologia e de outras ciências, sobretudo
com relação às terapêuticas inovadoras e não asilares.
O aspecto preventivo-especial é essencial para a aplicação e a execução da medida de
segurança. Não se pode renunciar a ele frente a quaisquer dificuldades que se impuserem. Enquanto
houver a previsão de aplicação de medida de seguraa aos portadores de anomalia psíquica que
entrarem em contradão com o ordenamento judico-penal, o Estado deve propiciar a eles
tratamento adequado
23
, possibilitando sua inseão social
24
. Caso contrário, haverá desvio da
atuação do Estado, que se furta assim de sua obrigação constitucional, fazendo com que a medida
de seguraa consista apenas em arbitrário uso do poder, destitdo de qualquer sentido.
2.2.2 Prevenção especial negativa: a proteção da sociedade
Para Dias (2005, p. 429), as medidas de seguraa legitimam-se na necessidade de defesa
social, para prevenir novas pticas de icito-picos pelo inimpuvel que já cometera um fato dessa
23
Segundo Gracia Martín (2006, p. 439), “el Estado tiene el deber de proporcionar al individuo aquéllos
instrumentos educativos y curativos que le sean precisos para que éste pueda adquirir y ejercitar la
capacidad de adecuar su conducta a las exigencias del orden ético-social, es decir, de modo compatible con
las exigencias de libertad y seguridad de los demás”.
24
Em realidade, já é hora de se começar a reconhecer que basta a reintegração social do interno,
independentemente da efetiva cura de sua anomalia psíquica. O que ocorre é que uma tradição de se
acreditar que a reintegração do doente mental é possível se ele for primeiramente curado. Tal não é bem
verdade, o que é provado pelo fato, muito freqüente, de os pacientes desinternados continuarem a realizar o
tratamento psiquiátrico através do sistema de saúde pública, a indicar que sua doença mental ainda persiste,
apesar de ter sido lograda sua inserção comunitária. Sendo assim, pode-se afirmar que o aspecto principal da
prevenção especial positiva é a ressocialização do interno, a cuja efetivação pode e deve contribuir o
tratamento terapêutico a ser realizado. Para tanto, ademais, referida terapêutica não deve abranger apenas as
abordagens psiquiátrica e psicológica, mas também privilegiar outras importantes intervenções destinadas a
colaborar com a inserção social do paciente.
ordem. Cumpre registrar que a idéia de defesa social por si só o basta. Segundo o mesmo autor
(2005, p. 430), a medida de seguraa apenas se justifica quando baseada no princípio da
ponderação de bens conflitantes, isto é, quando a restrão da liberdade do indiduo cause menos
prejuízos do que seu uso traria a outras pessoas. Em outras palavras, a medida de segurança deve
ser aplicada quando a restrição da liberdade do portador da doença mental for consideravelmente
menor que a ofensa que provavelmente ocorreria aos bens judicos de terceiros, caso o fosse
imposta a medida
25
. Assim, a medida de segurança pode ser aplicada
[...] para defesa de um interesse comunitário preponderante e, por conseguinte, em
medida que se não revele desproporcional à gravidade do ilícito-típico cometido e à
perigosidade do agente [...] deste modo se poderá aceitar que a aplicação da
medida de segurança, não sendo função da ideia jurídico-penal de culpa, nem
encontrando nesta o seu limite, todavia constitua uma reacção aceitável nos quadros
do Estado de Direito e de modo algum violadora do respeito absoluto pela dignidade
da pessoa (DIAS, 2005, p. 429-430).
Enquanto o inimputável que cometeu um ilícito-típico revelador de sua periculosidade
não for submetido a tratamento, os bens jurídicos relevantes da sociedade provavelmente
serão afetados
26
. Por isso se justifica sua inocuização através da medida de segurança, em
razão da proteção da sociedade frente a seus atos
27
.
Ademais, a contenção do doente mental, emanada da prevenção especial negativa, é o
que possibilita a efetivação de seu tratamento, ou seja, a realização da prevenção especial
positiva. Dessa feita, percebe-se que a prevenção negativa é subsidiária da positiva, conforme
ficou anteriormente enunciado. A inocuização destituída de finalidades terapêuticas não se
justifica em nosso ordenamento, a não ser nos raríssimos casos em que a compensação clínica
é impossível, ao menos com os conhecimentos médicos atuais (FERRARI, 2001b, p. 60).
Em outras palavras, conforme o entendimento doutrinário contemporâneo, a finalidade
preventivo-especial positiva deve prevalecer sobre a negativa. O tratamento do submetido à
medida de segurança é a expectativa primordial da execução dessa, enquanto a inocuização do
agente consiste em aspecto secundário, a viabilizar o primeiro. O aspecto negativo, regra
25
No mesmo sentido, Sanz Morán (2005), afastando uma legitimação puramente utilitarista, baseada apenas na
defesa social, e acolhendo o princípio do interesse preponderante. Confira também Barreiro (2001, p. 153).
26
Essa é a premissa sobre a qual se funda todo o sistema das medidas de segurança, embora seja de difícil comprovação.
27
Frise-se que a imposição da medida é decorrência da periculosidade do agente, para a qual o fato típico-ilícito
funciona apenas como comprovador. Pode-se afirmar que, no fundo, a proteção da sociedade se faz necessária
em razão da imprevisibilidade do comportamento do inimputável, em razão de sua doença mental. É disso que
a sociedade pretende se proteger através da medida de segurança. Por isso é que, modernamente (FERRARI,
2001b, p. 156-158), tem-se exigido que a periculosidade consista na probabilidade de novas práticas de ilícito-
típicos, e não de sua mera possibilidade, em razão da imprevisibilidade de seu comportamento.
geral, não pode consistir em finalidade autônoma da medida de segurança, a não ser nos casos
em que a ressocialização for impossível
28
. Nas palavras de Dias (2005, p. 424-425):
[...] o propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a intenção
de segurança, como é imposto pelos princípios da socialidade e da humanidade que
[...] dominam a nossa constituição político-criminal; e consequentemente que a
segurança pode constituir finalidade autónoma da medida de segurança se e onde
a socialização não se afigure possível. Até porque [...] através da segurança, como
tal, não se torna possível lograr a socialização; enquanto esta, quando tenha lugar no
quadro de uma medida institucional, arrasta consigo um elemento de segurança pelo
tempo do internamento respectivo.
Gracia Martín posiciona-se no sentido de reconhecer que, quando a ressocialização o
for concretamente possível, a medida de segurança continua legitimada, em razão de sua fuão
preventiva especial negativa, é dizer, ela deve ser imposta visando a proteção da sociedade
29
.
Com efeito, esse raciocínio procede, desde que o Estado realmente dispenda todos os esforços
possíveis no sentido da consecução da reinserção do indivíduo. Com isso quer-se dizer que, caso o
Estado, após oferecer materialmente todas as condições terapêuticas para que a ressocialização se
opere, não consiga atingir esse objetivo, a inocuização do indivíduo justifica a medida de
segurança, em função da proteção da sociedade e de seus bens jurídicos face àquele indivíduo. No
entanto, o pode o Estado utilizar esse argumento quando não colaborar efetivamente para a
satisfaria execução das medidas, não propiciando a cura e a reintegração social do interno, como
o raro ocorre no ordenamento jurídico brasileiro.
2.2.3 A questão da prevenção geral na medida de segurança
Enquanto a existência da prevenção especial como finalidade precípua da medida de
segurança é incontroversa, há um intenso debate a respeito da prevenção geral. Para alguns
doutrinadores, secundariamente à prevenção especial, a medida de segurança visaria também
28
Mais uma vez, frise-se que a contenção do agente podeconsistir em finalidade exclusiva da medida apenas
quando o tratamento for clinicamente inviável, em casos excepcionais, e não como conseqüência do descaso
do Estado em cumprir fielmente sua obrigação.
29
Em suas palavras (GRACIA MARTÍN, 2006, p. 438, grifo do autor): “Si en un Estado social y democrático
de Derecho [...] se reconoce al Derecho penal como un instrumento válido y legítimo para la protección de
los bienes jurídicos en el marco del respeto a determinados principios y garantías fundamentales sobre cuya
observancia tienen los ciudadanos una pluralidad de derechos fundamentales, una medida de seguridad que
en razón de las condiciones y circunstancias de su aplicación, no pueda satisfacer los fines de reeducación y
de reinserción social, pero aparezca como estrictamente necesaria para obtener el aseguramiento
imprescindible de la sociedad, será justa, y estará constitucionalmente legitimada si se mantiene dentro de
los límites infranqueables que impone el respeto a aquellos derechos y garantías constitucionales
vinculantes”.
a prevenção geral. Para outros, a prevenção especial é a única finalidade político-criminal das
medidas de segurança.
Para Gracia Martín
30
, tais medidas o atendem à prevenção geral, sendo sua exclusiva
finalidade a consecão da preveão especial, seja negativa ou positiva. Conforme seu
entendimento, as medidas de segurança devem ser orientadas exclusivamente às finalidades
preventivas especiais, a saber: advertência individual, corrão ou emenda e inocuização do agente.
No mesmo sentido é o posicionamento de Antunes, que não admite qualquer finalidade preventiva
geral com relação à medida de seguraa, pois o fato do inimpuvel o seria apto a abalar as
expectativas comunitárias na vigência das normas, eis que todas as pessoas reputam a prática do fato
à condão excepcional do doente mental (DIAS, 2005, p. 426).
Posição interessante é a de González-Rivero (2003, p. 69), que, para tratar das
finalidades da medida de segurança, divide-a em fases. No momento de reconhecimento da
inimputabilidade e valoração de sua periculosidade, presente está a “protección de la
generalidad; esto es, al sujeto se le va a imponer una determinada medida de seguridad por el
hecho de que resulta peligroso para la sociedad”. na execução da medida, presente se faz a
prevenção especial, objetivando a reinserção social do indivíduo. Pelo que se pode inferir,
apesar da ausência de referência expressa, na primeira fase a autora acolhe a prevenção
especial negativa, e na segunda a prevenção especial positiva. Ao que parece, rejeita a
prevenção geral como finalidade da medida de segurança
31
.
Em sentido contrário posiciona-se Dias (2005, p. 427-428), para quem o legislador
quis alcançar finalidades preventivas gerais, sobretudo positivas. Isso porque, se a aplicação
da medida de segurança pressupõe a prática de um fato ilícito-típico (que deve ser ademais
grave), isso significa que ela participa da proteção de bens jurídicos e da tutela das
expectativas comunitárias, autonomamente à função preventivo-especial. Sendo assim, a
medida de segurança é utilizada para estabilizar contrafaticamente tais expectativas, numa
típica função preventivo-geral positiva
32
, ao contrário do que querem os autores anteriormente
citados. Bem exemplifica essa questão, conforme o entendimento de Dias, o estabelecimento
30
Para esse autor (GRACIA MARN, 2006, p. 437), as medidas de segurançao podem nem devem orientar-se aos
fins de prevenção geral. Cita, no entanto, o posicionamento de Roxin e de Jakobs, que entendem ter a medida de
segurança um efeito secundário de prevenção geral, a demonstrar-nos a atualidade e a densidade do debate.
31
Até porque entende que a medida de segurança tem natureza administrativa.
32
Em nosso sistema, prova disso seria a previsão da aplicação de medida de segurança de internamento para o
inimputável que praticar fato definido como crime punido com reclusão, e a aplicação de tratamento
ambulatorial no caso de previsão de detenção (art. 97, caput, CP). A razão que está por detrás dessa
regulamentação pode ser preventivo-geral, pois à luz da prevenção especial não faz qualquer sentido. No
entanto, aqueles que reconhecem apenas as finalidades preventivo-especiais criticam veementemente a
disposição do artigo em tela justamente por não levar em conta que a única finalidade político-criminal
legítima na medida de segurança é a preventivo-especial.
de limites mínimos de duração da medida de segurança
33
, pois, ainda que a periculosidade
cesse, antes desse prazo a medida não pode findar. Se assim é, está aí exteriorizada a presença
da prevenção geral na medida de segurança de forma autônoma, ainda que secundariamente à
prevenção especial
34
. Conclui referido autor que, no que diz respeito às finalidades político-
criminais, não há diferenças essenciais entre as medidas de segurança e as penas. A diferença
residiria apenas na “forma de relacionamento entre as finalidades de prevenção geral e
especial” (DIAS, 2005, p. 428), pois nas penas a primeira seria preponderante, ao passo que
nas medidas de segurança a segunda seria prioritária, mas estando sempre as duas finalidades
presentes em ambas sanções.
Na doutrina brasileira, Ferrari (2001b, p. 63) acolhe o posicionamento acima referido,
afirmando que “a prática de um ilícito-típico por parte do doente mental origina abalo na
comunidade social, constituindo necessária a reafirmação do ordenamento jurídico com o
intuito de estabilizar contrafaticamente as normas violadas”.
De nossa parte, entendemos que a medida de segurança tem, secundariamente,
finalidades preventivo-gerais, de índole positiva. Isso porque sua aplicação e execução
visam a proteção de bens jurídicos relevantes socialmente. Por esse motivo, a prevenção
geral positiva também é, embora de maneira absolutamente secundária, finalidade autônoma
da medida de segurança. Claro está, por outro lado, que a prevenção geral negativa não se
inclui entre as expectativas pprias da medida de segurança, eis que o ato do inimputável
não gera abalo na confiança comunitária com relação à vigência da norma. Ademais, ele
sequer comete um delito, mas sim um fato descrito como crime, reafirmando o que
acabamos de mencionar. De qualquer forma, a prevenção especial é, indubitavelmente, a
principal finalidade da medida de segurança, devendo preponderar, como anteriormente
dito, seu aspecto positivo.
Não extraímos, no entanto, as mesmas conclusões da doutrina a partir do
reconhecimento da prevenção geral enquanto expectativa legítima da medida de segurança.
Embora o artigo 97 de nosso Código Penal estabeleça a aplicação de internamento para os
fatos punidos com reclusão, e a aplicação de tratamento ambulatorial para os punidos com
detenção, e isso decorra, provavelmente, da finalidade preventivo-geral, essa disposição
necessita ser urgentemente revista. Isso porque deve prevalecer, sempre, a finalidade
33
Em nosso ordenamento, tal disposição encontra-se no artigo 97, § 1º, CP. Para os defensores da outra tese,
esse artigo é incoerente com as finalidades da medida de segurança, e necessita de urgente reformulação.
34
No mesmo sentido, e coerentemente com seu pensamento, é a posição de Jakobs: a medida de segurança tem ,
secundariamente, finalidade preventivo-geral e, primordialmente, a finalidade de eliminação de perigos
(SANZ MORÁN, 2005, p. 977).
preventivo-especial, e em sua dimensão positiva. Vale dizer: o tratamento do doente mental
deve ser incansavelmente buscado, e todas as disposições legais devem tender a isso. Ora, a
disposição do artigo 97 parece não se preocupar com as necessidades terapêuticas do
inimputável, ao vincular a escolha da espécie da medida de segurança à punição abstrata do
fato. Não se legitima essa preponderância da prevenção geral, sacrificando a prevenção
especial. Afinal, a escolha equivocada da espécie de medida, ao arrepio das reais necessidades
terapêuticas, pode até mesmo inviabilizar a consecução da ressocialização do doente. Posto
isso, vale registrar que, a despeito de reconhecermos a existência da prevenção geral na
medida de segurança, não aceitamos a disposição do artigo 97, tampouco a regulamentação
prevista por seu § 1º, ao estabelecer limites mínimos para a duração da medida. Embora seja
forçoso reconhecer, também, uma manifestação da prevenção geral, certamente visada pelo
legislador, tal expressão é equivocada, por fazer prevalecer tal finalidade sobre a prevenção
especial, trazendo sérias e inoportunas conseqüências. Isso porque, conforme a
regulamentação citada, ainda que o tratamento seja exitoso e a periculosidade do doente cesse,
a medida não poderá findar-se enquanto não escoada sua duração mínima, com o risco,
inclusive, de o indivíduo ter sua situação clínica piorada em razão da continuidade do
internamento. Isso fere, frontalmente, a necessária prevalência da prevenção especial positiva,
motivo pelo qual pleiteamos a supressão do estabelecimento de prazos mínimos de duração
para as medidas de segurança.
2.3 Princípios constitucionais e a regulamentação da medida de segurança
Sendo a medida de segurança uma conseqüência jurídica do delito, todos os princípios
que regem o direito penal são a ela aplicáveis, sobretudo os de origem constitucional. Do
mesmo modo, todas as construções dogmáticas da teoria do delito aplicam-se à medida de
segurança, como a análise a respeito da existência, no caso concreto, de alguma causa de
justificação
35
.
Afastada a posição que defende a natureza administrativa de tais medidas
36
, deve ser
35
Tais como: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de
direito, ou ainda uma causa excludente supra-legal. Em outras palavras: o fato deve ser típico e ilícito, para
que se possa, através da exclusão da culpabilidade em decorrência da anomalia psíquica, falar-se em aplicação
da medida de segurança. Nesse sentido, Toledo y Ubieto (2000, p. 113), elencando também a hipótese de o
inimputável “haber padecido miedo insuperable, cumplirse una condición personal de exclusión de la pena o
haber trascurrido el plazo de prescripción”.
36
Cf. Lascuraín Sánchez (2005); Ferrajoli (2002, p. 626). Para Zaffaroni (2001, p. 855), as medidas de segurança
são apenas formalmente penais.
reconhecida sua natureza eminentemente penal
37
, por dois motivos. Formalmente, estão
previstas no Código Penal, e sua execução se através do sistema penitenciário.
Materialmente, um de seus pressupostos é justamente a prática de um fato previsto como
crime. Ademais, a periculosidade criminal outro importante pressuposto consiste no juízo
de probabilidade de cometimento de novos fatos delitivos. Claro está, pois, que, em nosso
ordenamento a medida de segurança é uma medida de natureza penal
38
, sendo verdadeira
sanção penal ou, melhor dizendo, conseqüência jurídica do delito
39
.
Muito contundente é a posição de Toledo y Ubieto (2000, p. 111), para quem, ainda
nos ordenamentos em que estejam previstas medidas de segurança pré-delituais, resta
caracterizada sua natureza eminentemente penal:
[…] allí donde subsistan, e independientemente de su ubicación en una u otra parte
del ordenamiento, a mi juicio habrá de afirmarse que pertenecen al derecho penal:
su íntima relación con el delito, siquiera sea futuro, me parece razón suficiente para
ello. Con la consecuencia de que habrán de someterse a los principios
garantizadores (limitadores) propios de esta rama del derecho en cuanto a su
creación, contenido, entidad, imposición y ejecución.
Por essa razão, faz-se importante analisar os princípios político-criminais
constitucionais e sua projeção nas medidas de segurança.
2.3.1 Intervenção mínima
Tratemos por ora da intervenção mínima, e de suas projeções no âmbito das medidas
de segurança. A doutrina, tradicionalmente, confere à intervenção mínima o status de
princípio
40
. Concordamos, no entanto, com a tradicional lição de Fernandes (informação
verbal)
41
, no sentido de que se trata, antes disso, de uma verdadeira opção político-criminal, a
fundamentar e irradiar significado aos princípios constitucionais penais. Opção essa não
37
Nesse sentido, Amadeo (2004, p. 259-260); Antunes (2002, p. 91-101); De La Fuente (1998, p. 289-293);
Ferrari (2001b, p. 76-77); Levorin (2003, p. 162-163), Ribeiro (1998, p. 32), entre outros.
38
Obviamente pode-se questionar a adequação desse estado de coisas, e a possibilidade de retirar do âmbito
penal o tratamento do doente mental que entra em contradição com o ordenamento jurídico. Mas isso não
afasta a constatação de que, em nossa ordem jurídica, a medida de segurança tem natureza penal.
39
Segundo Dias (2005, p. 434), “a legitimação da medida de segurança como instrumento sancionatório
especificamente político-criminal é tão indiscutível quanto a da pena”.
40
Considerando a intervenção mínima como princípio implícito, decorrente do Estado Democrático de Direito,
confira Borges (2005, p. 143).
41
Conforme o ensinamento Fernando Andrade Fernandes, em aula do curso de Direito Penal III da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em 4 mar. 2004: “o legislador constituinte fez uma opção
político-criminal de intervenção mínima. Esta é a opção primeira, da qual derivarão todas as outras. o se
trata, entretanto, de um princípio do Direito Penal, e sim de uma opção político-criminal, da qual decorrerão
todos os princípios”.
expressamente referida pelo texto constitucional, mas certamente a mais coerente com seu
espírito
42
, podendo-se ademais percebê-la implicitamente ao longo das disposições
constitucionais que se referem ao direito penal.
Nas palavras de Luisi (1991, p. 26):
A Constituição vigente no Brasil diz ser invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à
igualdade, à segurança e à propriedade (art. caput), e põe como fundamento do
nosso Estado democrático de direito [...] a dignidade da pessoa humana. Decorrem,
sem dúvidas, desses princípios constitucionais [...] que a restrição ou privação desses
direitos invioláveis somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal
para a tutela de bens fundamentais do homem [...]. Destarte, embora não explícito no
texto constitucional, o princípio da intervenção mínima se deduz de normas
expressas da nossa Grundnorm, tratando-se, portanto, de um postulado nela
inequivocamente implícito.
A intervenção mínima
43
no âmbito do direito penal vincula tanto o legislador, na
criação de normas penais incriminadoras, quanto o aplicador, diante do caso concreto. Com
relação à aplicação da norma, a opção da intervenção mínima exige que tenha ocorrido uma
efetiva violação do bem jurídico objeto de proteção, e que essa lesão seja relevante
44
.
Ademais, à sua luz é que se deve elaborar o juízo a respeito da necessidade de concreta
aplicação da conseqüência jurídica do delito. No caso da resposta ser positiva, isto é, da
aplicação da sanção ser indispensável, essa deve ser a menos gravosa possível para obtenção
de suas finalidades (ROBERTI, 2001, p. 88-98).
Com relação às medidas de segurança, a intervenção mínima tem, como era de se esperar,
completa projeção. Deve, portanto ser respeitada na previsão, aplicação e execução da medida.
Conforme Barreiro (2001, p.164), deve-se analisar, no caso concreto, a necessidade de se aplicar a
medida de seguraa enquanto proteção da sociedade face à periculosidade do indivíduo, e sua
idoneidade para a preveão especial do delito. A necessidade e a idoneidade da medida apenas
estao configuradas quando o existam outros meios menos gravosos, preferindo-se, sempre
que possível, a aplicação de medidas não detentivas.
42
Nesse sentido, exemplificativamente, é a posição de Roberti (2001, p. 72), para quem o princípio da
intervenção mínima, “apesar de não estar expressamente enunciado em nosso ordenamento jurídico [...]
caracteriza-se como uma conquista do Estado Democrático de Direito”. Fica assim sugerida a absoluta
compatibilidade da intervenção mínima do direito penal com o Estado Social e Democrático de Direito
Material, mormente porque fundado na dignidade da pessoa humana. A comprovação dessa afirmação não
será aqui realizada, já que foge as limites do trabalho.
43
São corolários da intervenção mínima os princípios da necessidade, da subsidiariedade e da fragmentariedade.
Para maiores detalhes sobre essa relação, confira Schmidt (2001, p. 316-337).
44
Também são aplicados, ressalte-se, os princípios da insignificância e da lesividade.
Com isso podemos afirmar, seguramente, que a comprovação da prática de fato que
seja típico e ilícito não autoriza desde logo a aplicação da medida de segurança
45
. Muito
embora seja requisito essencial, não é o único juízo que deve ser feito. Isso porque o
cometimento do fato não necessariamente levará a comprovação da periculosidade criminal
do indivíduo
46
, sobretudo com relação a fatos de pouca gravidade. Ademais, ainda que a
periculosidade do doente mental reste atestada, não necessariamente o direito penal deve
intervir, que é preferível, em vista da intervenção mínima e de seus corolários, alternativas
não penais de tutela como, por exemplo, o tratamento psiquiátrico através do Sistema Único
de Saúde. No caso da intervenção penal ser requerida, isso não deve nos levar à conclusão
imediata da necessidade de internação, considerando que, à luz da intervenção mínima, deve-
se analisar a possibilidade e a idoneidade do tratamento ambulatorial
47
. Se esse for suficiente
para o tratamento adequado e eficaz do doente mental, deve ser essa a modalidade de medida
de segurança a ser aplicada. Sendo assim, ressalte-se que a mera prática do fato pelo
inimputável não nos leva à necessária conclusão pela necessidade de aplicação da medida de
segurança, em sua espécie internamento
48
. Caso seja, no entanto, indispenvel a internação,
deve-se analisar constantemente a possibilidade de aplicação da desinternação progressiva (se a
execão estiver sendo realizada no Estado de o Paulo, evidentemente), que claramente
intervém de maneira menos gravosa sobre o indivíduo. Como se pode perceber, a desinternação
progressiva é absolutamente compatível com a interveão mínima, rao pela qual deve ser
instituída por lei, de modo a ser exigível sua aplicação em todo o território brasileiro.
Ainda tendo em vista a projeção da intervenção mínima na medida de segurança,
deve-se questionar a disposição do artigo 97 do Código Penal, ao determinar a aplicação de
internação ao agente, quando o fato por ele praticado for punível com reclusão, e a aplicação
45
No mesmo sentido, Ferrari (2001b, p. 110), para quem, de acordo com a intervenção mínima, “a incidência da
sanção penal se justifica se possível o alcance de seus fins. A medida de segurança criminal apenas será
aplicável quando necessário o tratamento, não se justificando a imposição, caso o cidadão já tenha se
recuperado”. Cumpre ressaltar que o autor considera plenamente cabível ao agente doente mental a aplicação
do rito da Lei 9099/95 nos casos de fatos previstos como delitos de menor potencial ofensivo, justamente
como decorrência da intervenção mínima.
46
Conforme Urruela Mora (2001, p. 192-193), o Código Penal espanhol (art. 6.2, última parte) alude diretamente
ao princípio da necessidade, estabelecendo que as medidas de segurança não podem exceder o limite do
necessário para prevenir a periculosidade do autor. A necessidade de aplicação da medida, segundo esse autor,
relaciona-se diretamente com a periculosidade criminal. Considera, no entanto, que apenas a periculosidade
deve ser analisada, e não quaisquer outros fatores, como a gravidade do fato cometido. Em sentido contrário,
confira Levorin (2003, p. 135), afirmando que uma das projeções do princípio da fragmentariedade nas
medidas de segurança é justamente impedir sua aplicação no caso de condutas de gravidade leve, pois nesses
casos não há demonstração da periculosidade do agente.
47
Segundo Levorin (2003, p. 136), em obediência ao princípio da subsidiariedade, “se for possível obter a cura
ou a ressocialização do Internado por outros meios menos lesivos não se deve aplicar a medida de segurança”.
Ou, se ela for aplicável, deve-se verificar a possibilidade de imposição de tratamento ambulatorial.
48
Esse raciocínio, no entanto, não raro é negligenciado pelos aplicadores da norma penal.
de tratamento ambulatorial, no caso de fato previsto como crime punível com detenção. Ora,
se a conseqüência jurídica do delito deve ser aplicada na medida e somente na medida – em
que seja suficiente e necessária para a obtenção de seus fins, a medida de segurança deve
guardar estrita relação com as necessidades clínicas de tratamento do inimputável e de
diminuição de sua periculosidade. Se o tratamento ambulatorial for suficiente para a obtenção
dessas finalidades, podendo lograr a prevenção especial de maneira satisfatória, não razão
para que se imponha a internação
49
ao agente. Dessa feita, o referido dispositivo fere
frontalmente a intervenção mínima, opção político-criminal primeira de nossa Constituição,
devendo sua inconstitucionalidade ser reconhecida pelos juízes quando de sua aplicação.
Ademais, quando a periculosidade do doente mental cessa ou diminui de maneira
considerável, durante a execução da medida de segurança, essa deve findar imediatamente,
como decorrência direta da intervenção mínima
50
. Nesse sentido é o posicionamento de
Gomes (1990, p. 20), pois “uma vez atingida a finalidade da sanção, deve cessar
imediatamente o poder punitivo do Estado”. Sendo assim, é inconstitucional o
estabelecimento de limites mínimos de duração da medida de segurança (art. 97, § 1º, CP),
que prolongam sua execução ainda que a periculosidade do indivíduo cesse por completo, é
dizer, mesmo que a medida tenha obtido sua finalidade exitosamente. Tal disposição fere a
intervenção penal mínima, de maneira descabida e não legitimada.
Por outro lado, ao exigir o término da execão da medida de seguraa assim que a
cessação da periculosidade do indivíduo, não estamos afirmando que a medida de seguraa se
legitima, ad eternum, enquanto essa cessação não ocorre. Isso não é possível, em razão da
dignidade da pessoa humana e de todos os princípios político-criminais aqui analisados, sobretudo
o princípio da proporcionalidade e a vedação de sanções penais pertuas
51
. De qualquer forma,
mesmo à luz da interveão nima a duração indeterminada não seria possível. Levorin (2003,
p. 131), conjugando-a ao princípio da legalidade, afirma que a “interveão para ser legal deve ser
nima, determinada e delimitada, inclusive no tempo”. Ou seja, a falta de previsão xima de
duração das medidas de seguraa também fere a intervenção nima, revelando um absoluto
descompasso entre a regulamentação legal pertinente e a Constituão Federal
52
.
49
Internação essa als cujos efeitos negativos, aptos a retardar o tratamento, foram destacados no primeiro capítulo.
O tratamento ambulatorial, ao não separar o indivíduo de seu convívio, sempre que posvel deve ser preferido.
50
Segundo Urruela Mora (2001, p. 193), ausente a periculosidade do indivíduo, a medida de seguraa deve ser
extinta, ressaltando que a cessação da periculosidade não necessariamente coincide com a cura efetiva da doença.
51
As excepcionais hipóteses em que a cura do inimputável não é possível serão tratadas posteriormente.
52
O que não impede o reconhecimento da não recepção dessas normas pela nova ordem constitucional,
inaugurada em 1988.
Conclusivamente, pode-se afirmar que a regulamentação, aplicação e execução das
medidas de segurança precisam harmonizar-se com a intervenção mínima, como obriga o
texto constitucional, eis que, como demonstrado, essa opção político-criminal não é
satisfatoriamente obedecida, atingindo os fundamentos do Estado Democrático e Social de
Direito Material e obstando a própria consecução das finalidades das medidas. É preciso
irradiar o juízo exigido pela intervenção mínima para toda a regulamentação da medida de
segurança, sob pena de ser eivada de inconstitucionalidade
53
.
2.3.2 Princípio da legalidade
Expresso na locução latina nullum crimen, nulla poena sine lege, o princípio da
legalidade
54
estatui que a conduta considerada delitiva e a sanção correspondente devem ser
estabelecidas através de lei antes da realização da conduta, ou, em outras palavras, que
nenhum fato será considerado criminoso ou terá como conseqüência uma sanção penal se tal
não tiver sido instituído previamente por meio de lei (TOLEDO, 1994, p. 21).
Apesar de, na tradição jurídico-penal, se ter afastado a aplicação do princípio da
legalidade em sede de medida de segurança, em razão de uma interpretação literal da palavra
“pena”, atualmente está cada vez mais evidente que a expressão refere-se a todas as
conseqüências jurídicas do delito, entre elas as medidas de segurança
55
. Interpretação diversa,
na verdade, colidiria com os próprios fundamentos do Estado Social e Democrático de Direito
Material
56
. Por essa razão, cada vez mais os doutrinadores contemporâneos
57
ressaltam a
53
“No âmbito das medidas de segurança, cada vez mais revela-se necessária a interferência subsidiária,
buscando outras soluções menos onerosas aos objetivos pretendidos, conferindo efetividade às concepções de
necessidade, subsidiariedade e fragmentariedade” (FERRARI, 2001b, p. 115).
54
No ordenamento jurídico-penal brasileiro, o princípio da legalidade penal está inscrito no artigo , inciso
XXXIX, da Constituição Federal (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”) e no artigo do Código Penal (“Não crime sem lei anterior que o defina. Não pena
sem prévia cominação legal.”).
55
No mesmo sentido, analisando a Constituição argentina, Hegglin (1996, p. 368).
56
Nas palavras de Urruela Mora (2001, p. 168): El sometimiento de las medidas de seguridad en su condición
de consecuencias jurídicas del delito al principio de legalidad constituye una exigencia inexcusable de la
concepción de nuestro Estado como – social y Democrático – de Derecho”.
57
Conforme Dias (2005, p. 437, grifo do autor): “o princípio da legalidade é convocado, também relativamente
às medidas de segurança, a desempenhar uma função garantística fundamentalmente idêntica à que
desempenha relativamente às penas. Esta concepção das coisas todavia, repete-se, não passou ainda hoje, em
quase toda a parte, de um anseio doutrinal, enquanto na ordem jurídica portuguesa ela se encontra já realizada
e, na verdade, ancorada ao mais alto nível: o nível jurídico-constitucional”. Para nós, tal disposição também se
encontra no nível constitucional brasileiro, merecendo, no entanto, maior aplicação prática.
absoluta aplicação do princípio da legalidade
58
, mutatis mutandis, com relação às referidas
medidas.
Nas palavras de Dias (2005, p. 437, destaques do autor):
A aplicação do princípio da legalidade [...] à teoria da medida de segurança
representa, sem dúvida, uma das mais importantes e decisivas conquistas da ciência
jurídico-penal do nosso tempo, constituindo o passo fundamental para que
desapareçam definitivamente as ‘reservas democráticas que [...] durante muito
tempo foram opostas a este tipo de reacções criminais.
Posto isso, ressalte-se as conseqüências trazidas pelo princípio da legalidade nesse
âmbito. Indiscutivelmente, a lei tem exclusividade para estabelecer e regular as medidas de
segurança, proibindo-se inclusive o uso da analogia para tanto. Ademais, os pressupostos de
aplicação da medida e de aferição da periculosidade devem ser definidos da forma mais
completa e descritiva possível. Finalmente, o princípio da legalidade faz com que se proíba a
retroatividade de lei penal maléfica
59
, e aplique-se a lei penal vigente à época do cometimento
do fato ilícito-típico (DIAS, 2005, p. 435-436).
Eventuais necessidades preventivo-especiais não podem mitigar a aplicação do
referido princípio que, historicamente, constituiu-se justamente como limite à intervenção
estatal sobre a pessoa, seja qual for o fundamento
60
. Nesse sentido é o posicionamento de
Schmidt (2001, p. 219): “creio ser notória a submissão das medidas de segurança ao princípio
da legalidade, sujeitando-se as alterações legislativas acerca do assunto aos postulados da
irretroatividade da lex gravior e à retroatividade da lex mitior”.
Parte da doutrina, no entanto, sustenta que, embora seja indiscutível a adoção do
princípio da legalidade no âmbito das medidas de segurança, sua aplicação sofre limitações.
58
O digo Penal Espanhol de 1995 faz refencia expressa à aplicação, nas medidas de segurança, do princípio da
legalidade, assim como dos prinpios de proporcionalidade, irretroatividade e necessidade. Segundo Urruela Mora
(2001, p. 168), tal disposição facilita a concretização constitucional de ditos prinpios na aplicação das medidas.
Em nossa codificão, a falta dessa alusão expressa não impossibilita o acolhimento do referido prinpio no âmbito
das medidas de segurança, eis que a Constituição irradia normas e valores para todos os ramos do Direito.
59
Urruela Mora (2001, p. 174-177) sustenta que, se com relação ao fato descrito como crime, a anterioridade da
lei é irrenunciável, no caso de alteração legislativa no sentido da inclusão de novas categorias de estados
perigosos ou de novas espécies de medidas, pode-se aplicar a nova lei, vigente ao tempo da sentença, eis que
é, potencialmente, mais eficaz para o tratamento do indivíduo. Data venia, esse posicionamento não parece
obedecer ao princípio da legalidade de maneira satisfatória. Sustentamos, uma vez mais, que se dita lei for
materialmente maléfica, não poderá ser aplicada; se efetivamente benéfica, deverá sê-lo.
60
Intentando, por exemplo, aplicar lei penal posterior à prática do fato, vigente à época da sentença, que
considera crime conduta antes atípica. Não se diga que, em razão do fato ser mera exteriorização da
periculosidade do doente, pouco importa a ocorrência posterior da criminalização. Em razão do princípio da
legalidade, no caso em análise, um dos pressupostos para aplicação da medida de segurança restará não
configurado: a prática de fato previsto como crime. Assim também no caso de ocorrência da abolitio criminis.
Por expressa determinação constitucional (art. , XL, CF), a lei mais benéfica deve retroagir, alcançando os
fatos pretéritos. Dessa feita, se o fato praticado pelo inimputável era, à época, descrito como crime, e
posteriormente deixou de sê-lo, não há razão para aplicação da medida de segurança.
Segundo Urruela Mora (2001, p. 170-173), a acolhida do referido princípio não seria
exatamente absoluta, em razão da categoria da periculosidade criminal
61
, para cujo
preenchimento, no caso concreto, sempre uma discricionariedade jurisdicional, não
preenchida pela lei. Para Robledo Villar (1998, p. 592-593), o que impede a realização
absoluta do referido princípio é o juízo a respeito da probabilidade de prática de fatos ilícitos
futuros, além da necessária flexibilidade das medidas na fase de execução para atender as
finalidades terapêuticas, seguindo, ademais, a própria evolução da situação clínica do
indivíduo.
Diversamente se posiciona Sanz Morán (2000, p. 36), para quem o código penal
espanhol aplica os mesmos critérios, advindos do princípio da legalidade, a penas e medidas
de segurança, afastando-se do disposto pelo código alemão, segundo o qual aplica-se às
medidas a lei vigente ao tempo da sentença. Esclareça-se que, para o referido autor, o
fundamento da disposição alemã seria o fato de que, tratando-se a medida de técnica
terapêutica - entendida como despida de caráter aflitivo -, a lei mais recente é a mais adequada
à reabilitação
62
.
De nossa parte, entendemos que, se o preenchimento das categorias de periculosidade ou
as necessidades próprias da execução das medidas não têm se deixado penetrar pelo princípio da
legalidade, isso o atesta a aplicabilidade limitada desse princípio
63
. Ao contrário, escancara
apenas a tradição de impermeabilidade da legislação relativa às medidas aos ditames
constitucionais, e a sua necessária reformulação. Se os critérios que caracterizam a periculosidade
o ainda abstratos e indeterminados, devem-se propor, de lege ferenda, requisitos que atendam
ao princípio em tela e, enquanto tal o advir, deve a jurispruncia esforçar-se por elaborar
critérios que sejam constitucionalmente coerentes. Se as necessidades do tratamento psiqutrico
variam no decorrer da execução da medida, isso não prova a aplicação limitada do princípio da
legalidade, mas clama o estabelecimento de limites para a atividade terautica.
O princípio da legalidade, tal como é aplicado à regulamentão e aplicação das penas,
deve ser obedecido e fomentado no que se refere às medidas de segurança. o se diga que tal
posicionamento implica em uma inadequada aproximação entre pena e medida de segurança. O
que ocorre é que, enquanto conseqüência jurídica do delito, a medida de segurança deve ter as
61
Para Barreiro (2005, p. 570), o cumprimento do mandato de taxatividade, decorrente do prinpio da legalidade, é
especialmente problemático com relação às medidas de segurança, em razão da incerteza inerente ao pressuposto de
periculosidade criminal e da duração relativamente indeterminada das medidas de segurança.
62
Já nos posicionamos a respeito do equívoco de se considerar a medida de segurança um “bem”.
63
Em sentido contrário, Lascuraín nchez (2005, p. 601-603) considera que, se o princípio da legalidade não
obtém ampla acolhida nas medidas de segurança, é precisamente porque o “Direito das Medidas de
Segurança” é distinto do direito penal, opinião da qual não comungamos.
mesmas garantias aplicáveis à pena. As especificidades que lhe são próprias – incluindo o juízo de
periculosidade e a interveão de critérios médicosdevem ser realizadas no marco estabelecido
pelo princípio da legalidade, e por todas as demais garantias do ordenamento jurídico-penal.
Uma das conseqüências de tal postulado é a necessidade de limitação da duração das
medidas de segurança
64
. Na opinião de Hegglin (1996), a determinação temporal das medidas
de segurança deve ser estabelecida, em obediência ao princípio da legalidade, em sua
exigência da lex stricta. Isso porque todo cidadão tem o direito de saber previamente que tipo
de intervenção estatal sofrerá e durante quanto tempo
65
. Por esse mesmo motivo, Levorin
(2004, p. 6-7) sustenta que se deve reinterpretar o artigo 97, § 1º, do Código Penal, à luz do
princípio da legalidade: a duração da medida de segurança é relativamente indeterminada,
vinculada “ao máximo da pena cominada em abstrato”
66
, e não absolutamente indeterminada,
ligada à verificação da cessação efetiva da periculosidade. Do contrário, a
inconstitucionalidade do referido parágrafo deve ser reconhecida.
Muito embora a doutrina prevalente aceite resignadamente a indeterminação da
duração das medidas, como conseqüência natural da periculosidade do indivíduo
67
, esse
posicionamento fere frontalmente um dos princípios basilares do Estado Social e Democrático
de Direito Material: o da legalidade
68
. O fato de a medida de segurança estar baseada na
periculosidade do sujeito não afasta a aplicação da Constituição Federal em seu âmbito. Se
grandes são as dificuldades na concretização do princípio, em razão dos pressupostos próprios
das medidas, deve-se fazer um sério esforço teórico e prático para contornar tais entraves,
rumo à materialização das garantias previstas por nossa Carta Política.
Com relão à desinternação progressiva propriamente dita, é extremamente importante
cote-la com os ditames estabelecidos pelo princípio da legalidade, para verificar-se se o obedece
64
Para Gomes (1990, p. 19), a cominação prévia exigida pelo princípio da legalidade refere-se tanto à natureza
da medida, quanto à sua duração.
65
Em suas palavras: Como miembro de una sociedad democrática, todo ciudadano debe conocer hasta dónde
podrá el Estado afectar su libertad en el supuesto de que cometa un hecho típico y antijurídico y, además, se
convierta en un sujeto peligroso para y para terceros. Ese conocimiento hace a su seguridad jurídica”.
Continua a autora, afirmando que o princípio da legalidade exige que el presupuesto de cualquier medida
penal pena o medida de seguridad deba ser constituido por la realización de una de las figuras delictivas
taxativamente previstas en la ley, con indicación del límite máximo de privación de libertad
correspondiente” (HEGGLIN, 1996, p. 376-377, grifo nosso).
66
Estamos plenamente de acordo com a necessidade de limitação temporal da intervenção estatal no âmbito das
medidas de segurança. Se o critério deve ser a pena abstrata cominada ao delito, é questão que deve ser
analisada também à luz de outros princípios. Enfrentaremos essa questão ulteriormente.
67
Esse argumento é citado e posteriormente desconstruído por Hegglin (1996).
68
A questão da duração indeterminada das medidas de segurança é, seguramente, um dos aspectos que merecem
urgente reformulação legislativa em nosso ordenamento. Isso porque sua previsão fere, de uma vez, além
do princípio da legalidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade, o princípio da
segurança jurídica, a vedação de sanções perpétuas, a proibição de tratamentos desumanos e degradantes e,
não por último, a dignidade da pessoa humana.
adequadamente. Como não es prevista no ordenamento judico, poder-se-ia concluir que o
cumpre o princípio da legalidade satisfatoriamente; é necesria, no entanto, uma análise mais
detida a esse respeito.
Se é verdade que o princípio em tela exige a existência de lei formal, que deve ser clara,
certa e precisa, am de ser anterior à prática do icito-pico, a auncia dessa previsão com
relação à desinternação progressiva não faz com que ela, automaticamente, desobedeça ao
princípio da legalidade
69
. Com efeito, a analogia é proibida em sede de medida de segurança
quando esta ocorre em prejuízo do agente, sendo admitida nos casos em que é a ele favorável.
Sendo a desinternação progressiva medida certamente menos gravosa que a internação
tradicional, es permitida a analogia com o sistema progressivo de cumprimento de penas, de
modo a se construir uma progressividade na execução das medidas de segurança. Essa realidade
o fere o princípio da legalidade, justamente porque o estabelecimento da progressão também
para o inimputável é medida que o beneficia, sendo muito mais favorável que o enclausuramento
contínuo e indeterminado. Deve-se reconhecer, no entanto, que a desinternação progressiva o
obedece apropriadamente os ditames de clareza, certeza e precisão exigidos pelo princípio da
legalidade, em razão da ausência de estabelecimento legal de seus pressupostos e condições de
aplicação, aspecto que merece ser revisto
70
, para que a medida subsista em absoluta consoncia
com o referido princípio. Bem verdade que o se trata de questão de simples solão, eis que
para alcançar-se uma detalhada e exaustiva regulamentação da medida necesrio se faz conjugar
e coadunar conhecimentos jurídicos e terauticos, em uma inédita interlocução apta a delinear
contornos mais precisos à desinternação progressiva.
2.3.3 Princípio da igualdade
A Constituição Federal brasileira, como não poderia deixar de ser, contemplou o
princípio da igualdade
71
. Trata-se de princípio basilar de nosso ordenamento, a vincular
legislador e aplicador do Direito. Ponto de partida da materialização desse princípio é a
conhecida afirmação de Aristóteles, segundo a qual se deve tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Em outras palavras: àqueles que
69
Não se diga que a desinternação progressiva consiste em sanção penal, não prevista pelo ordenamento jurídico
pátrio e, não obstante, aplicada. Ora, a desinternação progressiva não é sanção autônoma, e sim uma forma de
cumprimento da medida de segurança, não havendo qualquer violação à regra constitucional que estabelece que não
há sanção penal sem prévia cominação legal.
70
Disso decorreria uma outra conseqüência importantíssima: a aplicação da desinternação progressiva
transformar-se-ia em efetiva obrigação estatal, sempre que os referidos pressupostos fossem concretamente
cumpridos.
71
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput, CF).
se encontram na mesma situação, tratamento isonômico; àqueles que se encontram em
circunstâncias diferentes, tratamento diferenciado, com vistas à superação da desigualdade
fática, fomentando-se a igualdade material.
Para Mello (2006), no entanto, a afirmação de Aristóteles é insuficiente, embora
importantíssima. Isso porque se deve precisar com cuidado o critério que possibilita a
discriminação positiva, estabelecendo a alguns a categoria de diferentes. Para tanto, elabora
três critérios: análise do elemento erigido a fator de discriminação; correlação gica abstrata
entre esse fator e o tratamento jurídico estabelecido; compatibilidade dessa correlação com o
sistema constitucional, in concreto. O próprio autor esclarece (MELLO, 2006, p. 21-22):
[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério
discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se justificativa racional, isto é,
fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico
tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente,
impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é,
in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.
No que toca a projeção do princípio da igualdade nas medidas de segurança
72
, a lei
pode, a princípio, estabelecer distinções entre o inimputável e o imputável. Em matéria penal,
essa diferenciação ocorre porque, em razão da anomalia psíquica, não se pode reprovar a
conduta do doente mental
73
. Sendo assim, não pode o inimputável sofrer as mesmas
conseqüências do imputável, que tem sua culpabilidade caracterizada. Ademais, ele necessita
de tratamento psiquiátrico tendente à cura de sua anomalia, aproximando-o faticamente do
imputável. Nesses dois aspectos reside a fundamentação do discrímen estabelecido pela lei.
Sendo assim, e seguindo a análise proposta por Mello, o critério diferenciador não fere,
aparentemente, o princípio da igualdade.
No que diz respeito à correlação lógica entre esse fator discriminatório e o tratamento
jurídico estabelecido pela lei em função dessa diferença, não se pode afirmar o mesmo. Isso
porque, para não ferir o princípio da igualdade, a desequiparação feita pela lei deveria
objetivar a diminuição das desigualdades características dos inimputáveis, e não as acrescer.
O que faz a lei ao regulamentar as medidas de segurança é exatamente o contrário: o
inimputável recebe tratamento muito mais gravoso que o imputável, apesar de não ser
72
Sobre essa projeção, Levorin (2003, p. 147-150); Ferrari (2001b, p. 124-125); Gomes (1990, p. 20). Em geral,
essa matéria é pouco tratada pelos doutrinadores.
73
Por isso sua culpabilidade é excluída.
considerado culpado
74
. A partir do elemento discriminador, a lei estabelece conseqüências
que fazem aumentar a desigualdade dos doentes mentais
75
, ferindo o princípio da
igualdade
76
.
É com relação ao terceiro critério elaborado por Mello, no entanto, que a
regulamentação legal dada ao doente mental que comete um ilícito-típico fere frontalmente o
princípio da igualdade. Como visto, esse critério trata da compatibilidade da correlação
acima descrita com o sistema constitucional, isto é, se o tratamento jurídico diferenciador
(medida de segurança), elaborado à luz do discrímen estabelecido (inimputabilidade), obedece
aos valores e garantias constitucionais
77
. Ora, a indeterminação temporal das medidas de
segurança não se compatibiliza com a dignidade da pessoa humana, com a proibição de
sanções penais perpétuas, tampouco com o princípio da legalidade, entre outras disposições
constitucionais já citadas.
Por essa razão, afirma Gomes (1990, p, 20):
A proibição de pena perpétua vale também para a medida de segurança; a limitação
do cumprimento máximo da pena prevista no art. 75 do CP vale também para as
medidas de segurança. Tudo porque não pode haver tratamento discriminatório entre
imputável e inimputável.
Nesse mesmo sentido, importante decio do STF, no bojo do Habeas Corpus 84.219,
reconheceu a aplicão do artigo 75 do digo Penal às medidas de seguraa, justamente como
decorrência da vedação de sanções penais pertuas, constitucionalmente prevista:
MEDIDA DE SEGURANÇA PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A
interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do
Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a
garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica
jungida ao período máximo de trinta anos (BRASIL, 2005).
74
Ao o ter, por exemplo, prevista a duração máxima da medida de segurança que lhe se imposta que pode,
inclusive, nunca findar. O fator discriminatório doença mental ou periculosidade, que leva à absolvição imprópria,
não pode levar a conseqüências mais drásticas do que aquelas aplicadas ao imputável. Ao fim e ao cabo, o
imputável recebe tratamento mais benéfico, apesar de sua conduta ser reprovada, pois a intervenção estatal através
da pena tem um limite temporal bem definido (abstratamente, estabelecido pela cominão típica da pena e pela
proibição de cumprimento de penas superior a trinta anos art. 75, CP –; individualmente, estatuído pela própria
sentença condenatória). Trata-se de uma inversão lógica de difícil legitimão.
75
Sobretudo quando, faticamente, o Estado não proporciona tratamento médico adequado a esses indivíduos.
76
Conforme Gomes (1990, p. 20), a violão ao princípio da igualdade fica evidente quando se compara a situão do
inimputável e do impuvel face o mesmo delito cometido: Imaginemos duas pessoas autoras de um delito de furto,
com a diferença de que uma delas é imputável e a outra inimpuvel. À primeira cabe o tempo máximo do seu castigo;
o inimpuvel, ficará privado de sua liberdade até que ‘cesse sua periculosidade. Fatos idênticos tratados
discriminatoriamente”. No mesmo sentido, Ferrari (2001b, p. 125). o se diga que a categoria da periculosidade
possibilita essa ordem de coisas pois, com relação ao imputável, a sociedade assume o risco de novas práticas delitivas
justamente em respeito aos prinpios constitucionais.
77
A norma fere o princípio da igualdade quando “o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de
qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente” (MELLO, 2006, p. 47-48).
Dessa feita, para que a regulamentação da medida de segurança obedeça satisfatoriamente
ao princípio da igualdade, é necesrio, ao lado do reconhecimento da aplicação do artigo 75,
estabelecer seu prazo ximo de duração
78
. Assim a discriminão feita pelo legislador guardará
coerência e legitimação, eis que os “infratores-doentes mentais o podem ser tratados de forma
mais severa se comparados aos imputáveis. Devem possuir os mesmos direitos e instrumentos
garantísticos enunciados em nossa Constituão Federal” (FERRARI, 2001b, p. 124-125).
Instituída a duração xima da medida, terá sentido a sujeição do inimpuvel a conseqüência
jurídica diferenciada, baseada no tratamento de sua doença mental.
Com relação à desinternação progressiva especificamente, trata-se de um instituto
certamente promotor do princípio da igualdade no âmbito das medidas de segurança. Isso
porque está prevista para os imputáveis a possibilidade de progressão no regime de
cumprimento de pena, ao passo que, para os inimputáveis, não qualquer situação
semelhante prevista, tudo a contribuir para a situação acima exposta. Ora, a desinternação
progressiva possibilita para o doente mental a progressão de seu internamento, no sentido de
lhe serem aplicadas formas de execução menos gravosas e mais tendentes à sua efetiva
ressocialização. Em outras palavras: a desinternação progressiva retira o indivíduo do
completo isolamento para paulatinamente reinseri-lo na sociedade, semelhantemente ao que
faz o regime semi-aberto na execução da pena. Nas palavras de Ferrari (2001a, p. 129), a
desinternação progressiva consiste em um “modelo transitório entre a situação de
hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo”.
Não se argumente contra a desinternação progressiva uma inadequada aproximação à
pena, como se a progressão na medida de segurança fizesse com que sua natureza se
transmutasse para a da pena. Definitivamente, a diferença entre pena e medida de segurança
não reside, respectivamente, na permissão e na proibição da progressão. Mais do que isso: se
a desinternação progressiva promove a igualdade, criticar essa suposta aproximação à
execução da pena seria o mesmo que defender a não aplicação de tal princípio nas medidas de
segurança, algo absolutamente descabido.
78
Segundo Levorin (2003, p. 150, destaque do autor): “Deve haver uma igualdade de tratamento no que respeita
a incidência dos direitos e garantias fundamentais atinentes ao cidadão, sob pena de se romper o postulado
básico da igualdade. [...] Os delinqüentes loucos são marginalizados em relação aos imputáveis, que gozam de
todas as limitações impostas pela legalidade e igualdade. Neste sentido, pelo princípio da igualdade, não se
pode determinar o prazo na intervenção estatal na esfera da liberdade do Sentenciado (lhe conferindo mais
direitos) e indeterminá-lo para o Internado”.
2.3.4 Princípio da jurisdicionalidade
O princípio da jurisdicionalidade
79
implica que as medidas de segurança podem
ser aplicadas em rao de uma decio de um órgão jurisdicional, com competência penal.
Segundo Robledo Villar (1998, p. 591), como conseências jurídicas do fato punível que
são, estão necessariamente submetidas ao princípio de jurisdicionalidade, consistente na
submissão de sua imposição a um órgão com poder jurisdicional de caráter penal
80
.
As projeções da jurisdicionalidade, no entanto, excedem à mera questão de
competência
81
:
[...] la jurisdiccionalizacn de las medidas de seguridad se refiere no sólo a la
atribución de la competencia exclusiva a los órganos ordinarios del Poder
Judicial, que deben imponer las medidas de seguridad conforme a los
presupuestos legalmente establecidos […], sino también a las exigencias jurídico-
formales de un proceso garantizador de los derechos de defensa del sujeto
afectado y a la ejecución jurisdiccional de las medidas de seguridad (BARREIRO,
2005, p. 579, grifo do autor).
Em nosso ordenamento judico, a aplicação da medida de segurança tem sido
realizada através dos órgãos jurisdicionais competentes, obedecido portanto, nesse aspecto,
o princípio em tela. As ressalvas que devem ser feitas guardam relão com o processo
penal propriamente dito e com a execução da medida. Isso porque nem sempre se garante o
direito de ampla defesa ao inimpuvel que, não obstante sua condição, tem o direito de ter
oportunidade de provar que sua conduta é atípica ou cita, desconfigurando assim o injusto
penal que supostamente praticou, afastando a possibilidade da intervenção estatal. Assim, a
constatação de que o agente do injusto é um inimpuvel não pode conduzir imediatamente
à aplicação de medida de segurança, sob pena de desrespeito aos princípios constitucionais,
mormente o princípio ora analisado.
79
Conforme o artigo 5º, LIII, da Constituição Federal: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente”. No caso das medidas de segurança, essa autoridade compete ao juízo criminal.
Reafirmando a aplicação jurisdicional – e não administrativa – da medida de segurança, o artigo 171 da Lei de
Execução Penal estabelece: “Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será
ordenada a expedição de guia para a execução”.
80
Dias (2005, p. 452-453) reconhece também o princípio em tela. Assim também Ribeiro (1998, p. 36-37).
81
Com o que está de acordo Robledo Villar (1998, p. 591), afirmando é também decorrência do princípio da
jurisdicionalidade o controle judicial da execução da medida de segurança.
Ademais, a execução da medida
82
deve ser supervisionada pelo órgão judicial
83
constantemente. Esse deve acompanhar a evolução do tratamento ininterruptamente,
analisando a superveniência de cura ou ao menos a cessação da periculosidade do indivíduo.
Entretanto, esse é o ponto mais débil no que se refere ao princípio da jurisdicionalidade, pois
o acompanhamento judicial da execução das medidas de segurança está longe de ser
satisfatório. Muito embora o artigo 97, § 2º, do Código Penal ordene a verificação da cessação
da periculosidade após o término do prazo mínimo de duração da medida, e a partir de então
anualmente (“ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução”), não raro esse
dispositivo é descumprido
84
. Historicamente isso ocorre, e não apenas em terras brasileiras,
como informa-nos Garcia
85
(1993, p. 30. grifo nosso), retratando a realidade espanhola:
Ciudadano internado por orden judicial en proceso penal desde 1983, que fallece
sin haber sido revisada nunca su causa. […] Ciudadano internado en el año 1962
por Delito de Amenazas, hasta 26 años s tarde, en el o 1988 el Tribunal no se
pronuncia sobre las medidas de tratamiento ambulatorio. […] Ciudadana ingresada
en 1928 por asesinato. Fallece tras 60 años de internamiento ininterrumpido sin que
su situación fuese revisada.
Tal situação ofende o princípio da jurisdicionalidade, que obriga a que a execução da
medida de segurança seja acompanhada constantemente pelo órgão judicial, assim como fere
outros postulados fundamentais de nossa ordem constitucional
86
, sobretudo a dignidade da
pessoa humana.
De qualquer forma, cumpre ressaltar que, com relação à desinternação progressiva,
sua aplicação tem sido determinada pelo órgão judicial, de maneira a obedecer ao princípio da
jurisdicionalidade. Não se deve olvidar contudo, que a atuação jurisdicional não termina com
essa decisão; ao contrário, deve o juiz acompanhar, paulatinamente, a situação do interno
submetido à desinternação progressiva, tudo em conformidade com o princípio sob análise.
82
Conforme o artigo 66, VI, da Lei de Execução Penal, compete ao juiz da execução “zelar pelo correto
cumprimento da pena e da medida de segurança”.
83
A despeito de isso normalmente não agradar a equipe médica que está envolvida com a execução da medida,
esse controle jurisdicional é essencial, justamente por se tratar a medida de uma reação estatal frente ao
fenômeno criminal. Em outras palavras, é questão de segurança pública, e por essa razão não pode sua
execução ficar apenas a cargo do juízo médico. Ademais, o controle jurisdicional também garante ou ao
menos essa é uma de suas funções - o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais do interno ao longo da
execução.
84
Conforme Robledo Villar (1998, p. 592), o controle efetivo da evolução do inimputável nem sempre é exercido.
85
Baseando-se em dados recolhidos em 1991, e trazendo mais exemplos, aqui não transcritos.
86
Principalmente no caso de delitos de menor potencial ofensivo, como a hipótese relativa ao delito de ameaça,
em que se ofendem também os princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade. No Brasil, no
caso do agente ser imputável, a pena cominada à ameaça é de detenção, de um a seis meses, ou multa,
conforme redação do artigo 147 do Código Penal.
2.3.5 Princípio da individualização da medida de segurança
Outro importante princípio político-criminal de nossa ordem jurídica é o princípio da
individualização das sanções penais, estatuído pelo artigo 5º, inciso XLVI, primeira parte da
Constituição Federal: a lei regulará a individualização da pena”. Não se diga que, como o
dispositivo constitucional utilizou-se da expressão “pena”, excluiu propositadamente as
medidas de segurança da incidência do referido princípio. Como temos insistido, nessas
ocasiões o legislador refere-se à reação estatal punitiva
87
, a qualquer título, abrangendo
portanto todas as conseqüências jurídicas do delito, inclusive a medida de segurança.
Interpretação diversa destoaria do próprio espírito da Constituição.
Na verdade, a projeção do princípio da individualização é absolutamente nítida na
medida de segurança, a despeito da escassa referência doutrinária, já que sua aplicação
depende das peculiaridades do agente e da anomalia psíquica de que é portador e, sobretudo,
durante a execução, a medida modifica-se constantemente, seguindo a evolução individual do
tratamento de cada interno. As necessidades terapêuticas ditam, portanto, a dinâmica da
aplicação e execução da medida, que deve ser permanentemente individualizada. Pode-se
mesmo afirmar que, caso não obedecido o princípio da individualização no âmbito das
medidas de segurança, suas finalidades jamais serão atingidas. Nas palavras de Ribeiro (1998,
p. 37), discorrendo sobre as garantias próprias das medidas de segurança:
A outra garantia consiste no princípio da individualização da execução das medidas
de segurança: o indivíduo a elas submetido receberá tratamento médico-psiquiátrico
o mais individualizado possível em face do distúrbio específico que apresente, sendo
inclusive facultado a seus familiares contratarem médico de sua confiança a fim de
orientar e acompanhar o tratamento, devendo o juiz da execução solucionar as
eventuais divergências havidas entre os médicos oficiais e os particulares.
Posto isso, vale ressaltar que a individualização exterioriza-se em três momentos
distintos: individualização legislativa, individualização judicial e individualização executória
(BARROS, 2001, p. 109). Comentando o princípio da individualização da pena, Luisi (1991,
p. 37-39) afirma que, na individualização legislativa, o legislador “fixa para cada tipo penal
uma ou mais penas proporcionais a importância do bem tutelado e a gravidade da ofensa”. Na
individualização judicial, o juiz, considerando as circunstâncias específicas do caso concreto e
87
O mesmo raciocínio vale para a disposição do artigo 5º, inciso XLIX da Constituição Federal, que assegura
aos presos o respeito à integridade física e moral. Obviamente o constituinte não visou, ao usar o termo
“presos”, excluir da proteção os internos e submetidos a tratamento ambulatorial. Sustentar essa posição seria
afirmar que é permitido violar a integridade física e moral dos inimputáveis sujeitos ao controle penal, algo
completamente destituído de sentido em nossa ordem jurídica, fundada na dignidade da pessoa humana.
do agente
88
, fixa a pena dentro do marco legal e determina seu modo de execução.
Finalmente, na individualização executória, a pena estabelecida pelo juiz será efetivamente
concretizada, podendo haver modificações em sua execução, conforme as circunstâncias
individuais determinarem, sempre tendo em vista as finalidades da pena.
Pois bem, com relação às medidas de segurança, o princípio da individualização não é
obedecido na fase legislativa, eis que não previsão de conseqüências diferentes, é dizer,
proporcionais, aos fatos cometidos. Praticado o ilícito-típico, seja ele qual for, as
conseqüências são as mesmas, dependentes apenas do que ocorrer na própria execução, em
decorrência da evolução do tratamento. As únicas manifestações da individualização
legislativa presentes no Código Penal vigente são equivocadas, a saber: as disposições do
artigo 97 e de seu parágrafo primeiro. O caput estabelece a internação para os fatos punidos
com reclusão, e faculta a aplicação de tratamento ambulatorial no caso de fatos punidos com
detenção (“poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”). Essa disposição parece
tentar realizar a individualização legislativa da medida de segurança, prevendo conseqüências
diferentes para fatos diferentes; porém, a faz de maneira equivocada, por desconsiderar as
finalidades preponderantes - preventivo-especiais - da medida. Ademais, essa disposição fere
a intervenção mínima, opção político-criminal basilar de nossa ordem jurídica. A
concretização da individualização legislativa, portanto, deve ser feita de outro modo,
prevendo outras conseqüências.
O mesmo ocorre com o parágrafo primeiro do artigo 97: parece ser uma expressão da
individualização legislativa, mas absolutamente equivocada. Estabelece dito dispositivo que a
medida de segurança será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada
a cessação da periculosidade, e que seu prazo mínimo deve ser de um a três anos. De uma
vez, o legislador demarcou a duração mínima da medida, e estabeleceu expressamente a sua
duração indeterminada, isto é, não estabeleceu qualquer limite para a duração máxima da
medida. Afirmamos que, a princípio, essa disposição seria uma tentativa de individualização
legislativa porque o legislador considerou a situação peculiar do agente que será submetido à
medida de segurança, e por isso vinculou, lastimavelmente, a extinção da medida à cessação
da periculosidade. No entanto, a expressão maior da individualização reside no
estabelecimento de limites mínimos de duração, que pode variar de um a três anos. O
legislador deixou ao arbítrio do juiz a fixação concreta desse prazo, tendo em vista as
88
Vale lembrar que essa atividade do juiz é orientada pelas determinações do artigo 59 dodigo Penal (LUISI,
1991, p. 37).
necessidades terapêuticas do caso concreto
89
. Ocorre que essa individualização levada a cabo
pelo legislador não obedece aos demais mandamentos de origem constitucional, viciando-a e
reclamando uma nova regulamentação.
Isso porque o estabelecimento de duração mínima da medida de segurança fere, de
uma vez, a necessária preponderância da prevenção especial, a intervenção mínima
90
e a
dignidade da pessoa humana
91
. Com relação ao próprio princípio da individualização, esse
também não é obedecido, já que o estabelecimento de limites mínimos obrigatórios de
duração da medida não favorece a consecução dos objetivos das medidas de segurança. Ora, a
medida deve ser individualizada para, com maior adequação e rapidez, atingir as finalidades
de tratamento e ressocialização do doente. Ao obrigar a esdrúxula situação de continuar a
execução da medida ainda que o indivíduo esteja plenamente curado se não terminado o
prazo mínimo –, o dispositivo em tela fere o princípio da individualização das medidas de
segurança.
Na verdade, parece que o legislador, ao não estabelecer prazos certos e determinados
de duração, como fez com relação à pena, receou que algum inimputável rapidamente
deixasse de ser submetido à medida de segurança, porque curado. Estabeleceu então o prazo
mínimo
92
. Ocorre que, no Brasil, esse receio não é fundamentado, que infelizmente as
conquistas terapêuticas não vêm tão prontamente. Ademais, ainda que assim fosse, o
legislador estaria equivocado, por fazer prevalecer a prevenção geral, em detrimento da
especial, e por esquecer que, na medida de segurança, não qualquer reprovação ao fato do
agente. Dito de outro modo: se, em algum caso, o doente mental permanecer poucos meses
submetido à medida e logo se curar
93
, ou ter sua periculosidade cessada, eis um motivo de
comemoração, pois está em condições de conviver harmoniosamente com a sociedade. Não
motivo para o legislador tentar evitar essa situação; deve, na verdade, fomentá-la. No
entanto, a única função do estabelecimento de limites mínimos parece ser justamente a de
regular as hipóteses de cura precoce, no sentido de proibir a extinção da medida.
Por sua vez, a ausência de prazos máximos de duração viola o princípio da
individualização das sanções, porque desrespeita nitidamente os seguintes postulados:
dignidade da pessoa humana, princípio da legalidade, princípio da igualdade, intervenção
89
Para indivíduos mais perigosos, em tese, maior deve ser o prazo mínimo de duração a ser estabelecido.
90
A crítica ao artigo 97, § 1º, do Código Penal à luz da prevenção especial e da intervenção mínima já foi
demonstrada em tópicos próprios.
91
Certamente a continuidade de uma internação que se torna desnecessária, porque atingiu seu objetivo de
eliminação da periculosidade do indivíduo, não se compatibiliza com a dignidade da pessoa humana.
92
Também visou, como já dito, garantir minimamente a prevenção geral.
93
Nesse sentido, Dias (2005, p. 475-476) afirmando que, se o estado de periculosidade cessar, ainda que a
medida esteja apenas no início da sua execução, essa deve findar.
mínima
94
, princípio da proporcionalidade e vedação de sanções penais perpétuas
95
. Com
efeito, a individualização da sanção deve guardar estrita obediência aos mandamentos
constitucionais. Barros (2001, p. 112), analisando a projeção do princípio da individualização
no âmbito da pena, afirma que
Ao longo desse processo, a pena está condicionada aos princípios constitucionais
norteadores do Estado de direito [...] a pena que será aplicada e executada vem
condicionada pelos objetivos traçados nos níveis normativos superiores, ou seja, na
Constituição. Esses objetivos vinculam o legislador e os juízes da ação e da
execução.
Isso quer dizer que a lei, ao regular a individualização da sanção, como ordena o artigo
5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, não pode fazê-lo contrariando os valores e
princípios político-criminais constitucionais, sob pena de a individualização ser
inconstitucional. E é justamente isso que fez o legislador ao não estabelecer prazos máximos
de duração das medidas de segurança
96
, destoando dos postulados do sistema penal
constitucional.
Sendo assim, fica claro que urge repensar o sistema legal de “cominação” das
medidas, que devem ser, abstratamente, individualizadas, e isso em consonância com os
demais valores e princípios constitucionais. Os primeiros passos nesse sentido devem ser a
supressão de prazos mínimos de duração das medidas de segurança e o estabelecimento de
prazos máximos
97
, além do fim da vinculação da espécie de medida de segurança a ser
aplicada à punição abstrata do fato.
Importante registrar que se a individualização legislativa da medida de segurança
necessita de reformulações, isso também ocorre nas fases judicial e executória. Na
individualização judicial, deve o juiz levar em conta as especificidades do caso concreto, ou
seja, do ilícito-típico praticado e do grau de periculosidade do indivíduo, em razão da
anomalia psíquica, para fixar a espécie de medida de segurança a ser aplicada e sua duração.
O grande problema é que o juiz faz a individualização judicial com base nas premissas
94
A não obediência a esses postulados, no que tange a indeterminação das medidas de segurança, já foi analisada
em tópicos específicos.
95
A necessidade de determinação da duração máxima da medida de segurança em razão do princípio da
proporcionalidade e da vedação de sanções penais perpétuas será demonstrada posteriormente.
96
A indeterminação temporal das medidas de segurança parece ser fruto da prevalência absoluta de finalidades
preventivas especiais negativas, em razão da periculosidade do indivíduo. O legislador, que no
estabelecimento de limites mínimos simplesmente não levou em conta a necessária prevalência da prevenção
especial positiva, na disposição da indeterminação das medidas considerou absoluta a prevenção especial
negativa, ainda que contrariando os dispositivos constitucionais citados. A incoerência do parágrafo
primeiro do artigo 97 é notória.
97
Questão controversa, a ser posteriormente tratada, é a definição dos critérios para tanto.
equivocadas estabelecidas pela individualização legislativa. Em outras palavras, o juiz
analisará as seguintes questões: se o fato praticado pelo inimputável é punido abstratamente
com reclusão (caso em que determinará a internação) ou detenção (caso em que aplicará o
tratamento ambulatorial, se possível); e quais o as necessidades terapêuticas tendentes à
diminuição de sua periculosidade, para fixar o prazo mínimo entre um a três anos.
Caso o magistrado siga tão-somente esse raciocínio, a individualização judicial restará
insatisfatória. Para bem cumprir seu mister, deve ele reconhecer a inconstitucionalidade
98
de
tais disposições quando da individualização concreta da medida, decidindo com base nas
exigências preventivo-especiais, sobretudo positivas, e nos princípios constitucionais
pertinentes. Felizmente, decisões judiciais
99
no sentido de admitir a aplicação de
tratamento ambulatorial ao doente mental que praticou fato punido com reclusão, se essa
medida for terapeuticamente suficiente. com relação à duração das medidas, a atividade
judicial nesse sentido é mais tímida, não se tendo notícia de decisões que não fixaram prazo
mínimo de duração das medidas, ou que estabeleceram prazo máximo.
Com relação à terceira espécie de individualização a executória –, pode-se dizer que
ela é absolutamente essencial para o êxito da medida de segurança. Isso porque, à medida que
o tratamento evolui, ou mesmo retrocede, a medida vai sendo modificada para se adaptar à
nova condição do interno. As decisões
100
a serem tomadas na fase executória são
imprescindíveis para a consecução das finalidades das medidas, tendo aqui a individualização
uma relevância extremamente importante. Cumpre ressaltar que, muito embora o juiz da
execução seja o ator principal nessa fase de individualização, os profissionais da saúde
101
que
intervém constantemente na execução da medida também contribuem para essa
individualização de maneira determinante. Esses atores concorrem portanto para a
individualização da execução da medida de segurança, que deve ser realizada sempre tendo
em vista a finalidade de ressocialização do indivíduo.
Sendo assim, convém ressaltar que omissões
102
ao longo da execução da medida ferem
o princípio da individualização. A medida de segurança deve ser constantemente
103
monitorada, por todos os profissionais envolvidos, inclusive pelo juiz da execução. Viola
também o princípio da individualização da medida de segurança a realização de tratamento
98
Ou, ao menos, realizar uma interpretação constitucional, adaptando o dispositivo aos ditames da Carta Maior.
99
Cf. RT 770/557, RT 748/656, RT 791/664, RT 814/609. Contra: RT 760/648, RT 741/694, RT 797/616.
100
Tais como: conversão da internação em tratamento ambulatorial (e vice-versa) e desinternação condicional.
101
A atuação de um médico, por exemplo, concorre efetivamente para a individualização da medida, e da
prescrição correta ou equivocada de um fármaco também depende o sucesso de sua execução.
102
Conforme Barros (2001, p. 211), “o princípio da individualização da pena na execução penal, sua extensão,
não se reduz a uma mera declaração formal de boas intenções, senão que impõe exigências concretas”.
103
Não se pode tomar conhecimento das mudanças ocorridas apenas anualmente, por exemplo.
psiquiátrico massificado
104
, assim como a terapêutica realizada apenas com a finalidade de
acalmar os doentes, e não efetivamente curá-los
105
.
No sentido contrário, ou seja, de modo a obedecer ao princípio em tela, encontra-se o
instituto da desinternação progressiva, que representa uma outra forma de execução da
medida, à disposição do juiz quando da individualização da medida de segurança. Analisando
o indivíduo concreto, sujeito à referida sanção, pode o juiz lançar mão da desinternação
progressiva, desde que seja a alternativa mais adequada para seu tratamento e ressocialização.
Na verdade, mesmo no âmbito da própria desinternação progressiva, várias são as
possibilidades de individualizar a execução da medida, que são diversas
106
as espécies de
atividades que podem ser realizadas na Colônia de Desinternação Progressiva (CDP),
devendo ser elegidas sempre de acordo com a evolução terapêutica de cada interno. Tal
instituto conduz a uma possibilidade de efetivação concreta do princípio da individualização,
já que permite a constante mudança na execução da medida de segurança, conforme o
andamento do tratamento e as possibilidades de cada indivíduo. Convém ressaltar que, não
estando baseada apenas no tratamento farmacológico, a desinternação progressiva apresenta
mais instrumentos capazes de colaborar para a consecução da cura dos internos. Instrumentos
esses, aliás, que podem e devem ser utilizados de forma combinada, sempre que a
individualização concreta da execução da medida requerer. Dessa forma, analisada à luz do
princípio da individualização da medida de segurança, a instituição legal da desinternação
progressiva é altamente recomendada.
2.3.6 Princípio da proporcionalidade
Essencial para o direito das medidas de segurança é o princípio da
proporcionalidade
107
. Como qualquer ato de ingerência estatal na esfera de bens e direitos dos
cidadãos, a medida de segurança deve, indubitavelmente, estar submetida ao princípio em tela
104
Cujos malefícios foram apontados no primeiro capítulo, assim como sua relativa trivialidade na realidade
manicomial brasileira.
105
Prática infelizmente comum.
106
Se, para um determinado paciente, é mais adequado e eficaz para seu tratamento que ele cuide da horta, assim deve
ser feito. Se o mais recomendado é que cuide da faxina, essa atividade deve ser desenvolvida. No caso de ser mais
ressocializadora a atividade de cuidado com a cozinha e o refeitório, essa deve ser a escolhida, e assim
sucessivamente. Também pode ocorrer de ser mais adequada a realização conjunta de todas essas atividades,
hipótese que deve ser acolhida, sempre tendo em vista o doente concreto, cuja medida deve ser individualizada.
107
Os Códigos Penais alemão (§62), espanhol (art. 6.2) e português (art. 40.3) reconhecem expressamente esse
princípio. A disposição aleestabelece que a medida de segurança e correção deve guardar proporção com
a importância dos fatos cometidos pelo autor e dos fatos que se esperam, assim como com o grau de
periculosidade que se deriva daqueles (BARREIRO, 2001, p. 160). a lei portuguesa estabelece que a
medida só pode ser aplicada se for proporcional à gravidade do fato e à periculosidade do agente.
(GRACIA MARTÍN, 2006, p. 459), enquanto decorrência mesma do Estado Social e
Democrático de Direito Material. A submissão da medida a esse princípio se não apenas
em sua aplicação, mas também em sua cominação e execução (DIAS, 2005, p. 449;
BARREIRO, 2005, p. 576).
Esclareça-se que a proporcionalidade tem dois aspectos, quais sejam: princípio da
proporcionalidade em sentido amplo e princípio da proporcionalidade em sentido estrito
108
.
Concordamos com Barreiro (2005, p. 575-576) ao afirmar que o primeiro princípio, ao se
referir aos princípios de necessidade e de subsidiariedade, aproxima-se da intervenção
mínima, cujas projeções para o âmbito das medidas de segurança foram tratadas nesse
trabalho. Sendo assim, trataremos por ora do princípio da proporcionalidade em sentido
estrito, consistente na manifestação do princípio da proibição do excesso e fundamentalmente
relacionado à idéia de ponderação de bens.
O princípio de proporcionalidade, segundo doutrina autorizada, exerce a mesma
função que o princípio da culpabilidade tem no direito das penas
109
:
Se a culpa, por um lado, constitui o limite inultrapassável da medida da pena, à
proporcionalidade cabe, no direito das medidas de segurança, uma função de não
menor relevo: a de proibir a aplicação de uma medida de segurança que se revele, na
carga de negação ou de restrição de direitos fundamentais do agente que representa,
desajustada, desproporcionada, desmedida ou excessiva face à gravidade do facto
ilícito-típico cometido e à perigosidade do agente. De modo que ainda aqui, tal como
sucede com a culpa, a proporcionalidade limita a necessidade de protecção de bens
jurídicos e a desejável reintegração social do agente pela exigência de respeito pela
eminente dignidade pessoal daquele (DIAS, 2005, p. 449).
O pensamento defendido por Dias traz uma contribuição importante ao direito das
medidas de segurança. Enquanto a doutrina tradicional substitui a culpabilidade pela
periculosidade, como fundamento e limite da medida de segurança, extraindo daí a
conseqüência de que essas podem ser indeterminadas, enquanto não cessada a periculosidade,
Dias superpõe no espaço deixado pela culpabilidade que não se aplica à medida de
segurança - o próprio princípio da proporcionalidade
110
. Juízo que deve levar em conta não
apenas a periculosidade, mas também a gravidade do ilícito-típico cometido pelo agente.
108
Hegglin (1996, p. 370) afirma que o princípio da proporcionalidade, entendido como proibição do excesso
(isto é, em sentido amplo), decompõe-se em três subprincípios, a saber: idoneidade, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.
109
Nesse sentido: Antunes (2002, p. 114-115); Barreiro (2001, p. 160); Gomes (1990, p. 19); Hegglin (1996,
p. 370); Seitún (2004, p. 44-45), entre outros.
110
Para Sanz Morán (2000, p. 37), a periculosidade é o fundamento da medida de segurança, e a proporcionalidade é o
limite às suas necessidades preventivas.
Como decorrência, as medidas de segurança podem ser delimitadas temporalmente,
funcionando o fato também como seu limite.
Como se pode notar, a aplicação do princípio da proporcionalidade nas medidas de
segurança é inafastável, e quanto a isso não maiores controvérsias. A grande e tormentosa
questão reside no estabelecimento dos critérios que regem dita proporcionalidade. Nas
palavras de Gracia Martín (2006, p. 459-460):
¿cuáles deben ser los términos de comparación entre los que habrá que establecer
la relación de proporcionalidad?. Uno está claro que es la medida, dado que es la
consecuencia jurídica aplicable, pero ¿el otro?, ¿a qué o en relación a qué tiene
que ser proporcionada la medida de seguridad?
O próprio autor enuncia uma resposta a essa pergunta, afirmando que a segunda
categoria a ser analisada na relação de proporcionalidade é a periculosidade do indivíduo e a
gravidade dos delitos que se espera que ele cometa no futuro. O fato praticado não deve ser
levado em conta no juízo de proporcionalidade, que o fundamento da medida de segurança
é a periculosidade do indivíduo, analisada a partir da probabilidade de lesões futuras, e suas
finalidades são, em sua comentada opinião, exclusivamente preventivo-especiais. Como
decorrência desse pensamento, Gracia Martín sustenta que a duração das medidas de
segurança não podem ser determinadas previamente, pois não se tem como precisar o término
exato da periculosidade, momento em que a medida de segurança não seria mais necessária.
Conclui o referido autor pela indeterminação das medidas de segurança, ressaltando, no
entanto, que a lei deveria fixar um limite máximo para sua duração, em razão da segurança
jurídica, limite esse a ser estabelecido conforme a duração habitual do tratamento de que
precise o indivíduo. O autor diverge, portanto, da posição de parcela da doutrina que defende
que a duração da medida não pode ser superior à duração da pena prevista abstratamente para
o delito. Perspectiva essa aliás explicitamente adotada pelo Código Penal espanhol, em seu
artigo 6.2, ao estabelecer que as medidas de segurança não podem ser nem mais gravosas nem
de maior duração que a pena abstratamente aplicável ao fato cometido, nem exceder o limite
do necessário para prevenir a periculosidade do sujeito. Para Gracia Martín (2006, p. 461-
463), “la formulación del principio de proporcionalidad de las medidas en el Código penal
español incurre en una grave contradicción interna”
111
.
111
Além dos motivos já esposados, e considerando a previsão de medidas de segurança para imputáveis no
ordenamento espanhol, o autor pondera que se a medida, nesse caso, se faz necessária justamente porque a
duração da pena é insuficiente para a contenção da periculosidade do agente, não faz sentido condicionar a
duração da medida à da pena. No Brasil, recorde-se que a medida é possível apenas para inimputáveis e semi-
imputáveis que necessitarem de especial tratamento curativo.
Parece assistir razão a esse autor quando critica a questão da onerosidade da medida,
que não pode ser maior que a da pena. Isso porque, sendo assim, se a previsão é de pena não
privativa de liberdade, não se poderá aplicar medida de segurança de internamento, em razão
tanto do dispositivo em tela, quanto de expressa vedação (art. 95.2 do Código espanhol)
(GRACIA MARTÍN, 2006, p. 463). Com efeito, essa disposição não leva em conta as
necessidades terapêuticas do indivíduo, que podem indicar a necessidade de internação. De
nossa parte, entendemos ser necessário o estabelecimento prévio de limites máximos de
duração da medida, mas também não consideramos plausível essa comparação entre a
onerosidade da pena e da medida de segurança, tendo em vista sua natureza (detentiva ou
restritiva).
Em dissonância com o critério reconhecido por Gracia Martín para delimitação das
medidas de segurança (duração habitual do tratamento psiquiátrico), posiciona-se Toledo y
Ubieto (2000, p. 122-124). Após rejeitar a posição do fato cometido enquanto delimitador da
duração da medida, por considerar a periculosidade seu único fundamento, critica também o
critério baseado na habitualidade do tratamento necessitado pelo sujeito, em razão da dúvida a
respeito do momento desse juízo, concluindo então pela necessidade de indeterminação das
medidas de segurança, como decorrência de seu fundamento e finalidades. Toledo y Ubieto,
portanto, elege a periculosidade como critério adequado para a concretização do princípio da
proporcionalidade.
Assim também Urruela Mora (2001, p. 178-186), para quem a proporcionalidade deve
se referir à periculosidade do indivíduo
112
, revelada pelo fato cometido, que funciona como
um mero indício daquela. Critica também esse autor, por essas razões, a disposição do Código
Penal espanhol, considerando que, em nenhuma hipótese, a duração das medidas pode estar
vinculada à duração máxima da pena. Aceita, no entanto, a possibilidade de estabelecer a
duração habitual do tratamento como critério limitador
113
:
[...] cabría de lege ferenda sostener un criterio intermedio entre las dos posiciones
extremas […], cuales son, por un lado, la limitación temporal de la duración de la
medida de seguridad en función de la pena impuesta, y por otro, su indeterminación
112
Segundo esse autor (URRUELA MORA, 2001, p. 178), cabe poner de manifiesto la imposibilidad de
determinar ex ante el periodo de tratamiento necesario para hacer frente a la peligrosidad revelada por el
sujeto, por lo que la medida adecuada, considerándola desde un punto de vista estrictamente dogmático,
habría de ser de duración indeterminada”.
113
Note-se que, doutrinariamente, basicamente tem sido três os critérios elencados como conteúdo do princípio
da proporcionalidade: a periculosidade, com a conseqüência de a medida ser indeterminada; a gravidade do
fato, decorrendo-se normalmente dela a vinculação ao máximo da pena abstrata; e, finalmente, a necessidade
habitual do tratamento enquanto delimitador temporal da medida. Alguns autores, frise-se, elegem mais de
um critério, ou extraem conseqüências diferentes que as citadas.
relativa en atención al criterio de la peligrosidad criminal. La consecución de una
absoluta seguridad jurídica en fase de imposición de las medidas de seguridad
podría lograrse mediante el establecimiento de un límite legal al internamiento de
acuerdo con la duración normal (estándar) del tratamiento (URRUELA MORA,
2001, p. 185).
De qualquer forma, registre-se que o referido autor aceita plenamente a vigência do
princípio da proporcionalidade, nos contornos por ele reconhecidos, inclusive incidindo com
relação às equipes responsáveis pela execução das medidas. O tratamento da periculosidade deve
prevalecer sobre o tratamento da doea mental do indivíduo pois, em muitos casos, pode a
periculosidade cessar, não obstante a continuidade da enfermidade, razão pela qual os critérios
legais, como o princípio da proporcionalidade, devem prevalecer sobre os objetivos terapêuticos.
Por sua vez, como já dito, Dias considera que a gravidade do fato praticado pelo
agente, além de sua periculosidade, fundamenta o juízo de proporcionalidade.
Proporcionalidade
114
essa que deve ter por critérios, de um lado, o fato praticado pelo
inimputável e, de outro, o “significado do(s) facto(s) cuja repetição no futuro seja
razoavelmente de esperar e, consequentemente, no grau de perigosidade que do
relacionamento daquele com este(s) resulte” (DIAS, 2005, p. 450). Semelhante é o
pensamento de Barreiro (2005, p. 576-577), sustentando que o principio da proporcionalidade
condiciona a aplicação das medidas à gravidade do fato cometido e dos fatos que possam ser
cometidos futuramente, e ao grau de periculosidade criminal do indivíduo, devendo-se fazer
uma valoração global de todos esses aspectos a fim de formular o juízo de proporcionalidade.
Para esse posicionamento, portanto, não é apenas a periculosidade
115
que deve ser considerada
no juízo da proporcionalidade, perdurando a medida enquanto essa não cessar, mas também o
fato efetivamente praticamente pelo inimputável. Sendo assim, no caso de fatos de pouca ou
nenhuma gravidade, a aplicação da medida de segurança será desproporcional, não devendo
ocorrer (DIAS, 2005, p. 451).
Isso não quer dizer, necessariamente, que a limitação da medida de segurança à pena
abstrata do delito seja adequada. Barreiro, por exemplo, ainda que considere a gravidade do
fato cometido um dos parâmetros da proporcionalidade, critica a já citada disposição do
Código Penal espanhol, por que ela desconsidera o elemento fundamental da formulação do
114
Na verdade, o referido princípio tem um viés negativo, pois se pode afirmar a desproporcionalidade de
uma medida, e não fixar com exatidão a proporcionalidade em si mesma (DIAS, 2005, p. 450).
115
A periculosidade criminal, para Dias (2005, p. 442-443), consiste na probabilidade de repetição de ilícitos da
mesma espécie que o já praticado, pois senão a prática do fato transforma-se em mero ensejo para possibilitar
a intervenção estatal sobre o indivíduo.
princípio da proporcionalidade: o grau de periculosidade
116
. Nas palavras do autor, essa
disposição legal desnaturaliza las medidas de seguridad y lleva consigo una comprensión
errada del modo en que deben incorporarse las garantías del Estado de Derecho a las
medidas de seguridad” (BARREIRO, 2005, p. 577). Como conseqüência desse equívoco
legislativo, a medida de segurança não poderá jamais ultrapassar o limite da pena máxima
abstrata, ainda que a situação concreta do indivíduo exija a continuidade da medida. Como
alternativa, o autor propõe que se fixe o prazo máximo de duração das medidas tendo em vista
as suas finalidades específicas
117
.
Antunes (2003, p. 96-99) sustenta que apenas deve ser levada em conta a
periculosidade do agente no juízo do princípio da proporcionalidade. Para ela, o fato praticado
conta apenas como fato comprovador daquela periculosidade, que é derivada da doença
mental de que o indivíduo é portador. Ademais, critica a vinculação do marco temporal das
medidas tendo em vista a pena máxima do delito, pois essa delimitação só deveria levar em
conta “considerações alheias à pena”, ponderações específicas do âmbito das medidas de
segurança, sob pena de uma aproximação inadequada ao direito das penas
118
. Cita então,
como um marco defensável da limitação das medidas, a disposição do Projeto Preliminar
italiano de 2000, que estabelece que a medida de segurança aplicada ao portador de doença
mental não pode ultrapassar cinco anos (duração máxima). Pelo que se pode inferir, a autora
considera como fundamento para essa delimitação as necessidades terapêuticas habituais,
considerando-se o avanço atual da Psiquiatria
119
.
116
Barreiro (2005, p. 577) elenca, no entanto, alguns argumentos daqueles que defendem o artigo em tela, dos quais
destacamos os seguintes: trata-se de uma opção garantista; adapta-se ao princípio da igualdade. Quanto à violação
ao prinpio da igualdade, representada pela não vinculão da duração da medida à pena abstrata, Barreiro (2001,
p. 163) o a reconhece, entendendo ser absolutamente proporcional a fixação desse prazo tendo por base
sobretudo a periculosidade do sujeito, devendo a lei recorrer a outros critérios para sua delimitação.
117
Assim também Sanz Morán (2000, p. 38-39). Com relação à possibilidade de transferir o indivíduo para o
internamento civil, no caso de a medida findar e a periculosidade persistir, Sanz Morán questiona se não se
trataria apenas de uma fraude de etiquetas, que o internamento civil é indeterminado. Contra, Hegglin
(1996, p. 372), para quem a transferência para o juízo cível não é uma mera troca de etiquetas, já que há uma
efetiva atenuação do modo de cumprimento do tratamento.
118
“Acreditamos que, sob pena de descaracterização e de confusão relativamente ao direito penal das penas, o
direito penal das medidas de segurança tem que se afirmar, no futuro, como um direito onde o facto praticado
releve, não autonomamente, mas apenas na medida em que tiver significado para o juízo sobre a perigosidade
criminal do agente” (ANTUNES, 2003, p. 97).
119
Antunes (2003, p. 100) pondera que o direito atual das medidas de segurança, equivocadamente, estabelece
limites máximos de duração do internamento absolutamente “defasados do tempo médio do internamento
psiquiátrico, o que anula a garantia dada, no passado, pela determinação de um limite máximo de duração
coincidente com o da pena prevista para o facto praticado”. Como exemplo, esclarece que “o tempo médio de
internamento necessário à compensação clínica” da esquizofrenia é hoje cerca de um mês. Assinale-se que,
se no direito penal português a garantia da delimitação temporal da medida, que estaria prejudicada em
razão desses argumentos, no Brasil isso ainda deve ser construído.
Ponderação interessante é a trazida por Robledo Villar (1998, p. 593, destaque do
autor). A princípio, a proporcionalidade da medida deve ser valorada segundo o grau de
periculosidade do indivíduo. No entanto,
[...] las dificultades surgidas ante la subjetividad que implica la peligrosidad
criminal individual y los escasos resultados terapéuticos de muchas de las medidas
impuestas han propiciado que, en no pocas ocasiones, se haya buscado la
equivalencia entre las características del hecho cometido (no de la peligrosidad
criminal) y la medida a imponer.
Em outras palavras: teoricamente, para esse autor, o critério para aferição da
proporcionalidade é a periculosidade, mas, por razões de ordem prática, alguns ordenamentos
têm feito a vinculação com o fato cometido. Ele próprio, no entanto, é taxativo ao afirmar que
a delimitação temporal das medidas deveria ser feita segundo o tempo que habitualmente dura
o tratamento, e não conforme a gravidade do fato cometido (ROBLEDO VILLAR, 1998, p.
600). para Seitún (2004, p. 44-51), a proporcionalidade não deve guardar relação nem com
a pena prevista para o delito, nem com a periculosidade, e sim deve ser simplesmente um
marco garantista
120
, apto a limitar sua intervenção no tempo. Isso porque o princípio em tela
deve balancear o grau de sacrifício imposto pela intervenção estatal ao inimputável, e a
importância do interesse salvaguardado pela medida; no entanto, quando a importância do
interesse tutelado tender à justificação de uma medida que contraria o conteúdo essencial de
um direito fundamental, a medida não pode ser aceita, em razão da inalterabilidade de ditos
direitos. O princípio da proporcionalidade, portanto, para esse autor, deve ser concretizado
nesses termos.
Na doutrina brasileira, Gomes (1990, p. 19) sustenta que o parâmetro correto para
aferição da proporcionalidade é tão-somente a gravidade do fato cometido. Isso porque o
juízo sobre a periculosidade é impreciso, não servindo como critério para o princípio da
proporcionalidade, pois não consegue atender as exigências impostas pela segurança jurídica
e pelo Estado de Direito, tampouco pelo próprio princípio da proporcionalidade. O critério
adequado para delimitar as medidas seria, em sua opinião, a gravidade do fato, vinculando-se
a duração da medida à duração abstrata da pena, que não pode ser ultrapassada em nenhuma
hipótese, mesmo que a medida não tenha atingido satisfatoriamente suas finalidades. Também
para Levorin (2003, p. 124) a medida de segurança deve guardar proporção com a gravidade
120
Um primeiro limite máximo imaginado pelo autor foi o período de vinte anos, tendo em vista que, no
ordenamento argentino, essa era o prazo que permitia o livramento condicional para os delitos mais graves.
Posteriormente, com a mudança legal para trinta e cinco anos, motivada, segundo o autor, apenas pelo
reclamo social, passou a considerar esse critério inadequado, postulando então a limitação vinculada à pena
máxima abstrata cominada ao delito (SEITÚN, 2004, p. 75-76).
do fato cometido pelo doente mental, que deve ser o limite de duração daquela. Para ele, “uma
medida de segurança indeterminada é desproporcional porque o tipo penal violado prevê um
marco mínimo e máximo para se estabelecer a proporcionalidade”.
Hegglin, admitindo a necessidade de valoração do fato cometido no juízo de
proporcionalidade, sustenta que as medidas de segurança têm um limite mínimo e um
máximo. O mínimo deve ser fixado pela periculosidade do sujeito, com a ressalva de que, se
essa não existir, apesar do fato praticado, não se deverá impor a medida. O limite máximo é
fixado pela pena máxima prevista para o delito pelo qual o indivíduo foi acusado. Como
fundamento, Hegglin (1996, p. 372-373) assevera que
[...] el juez penal no puede, por razones de seguridad, someter al sujeto al régimen
penitenciario más tiempo del que le hubiera correspondido si hubiera sido
declarado culpable. Admitir lo contrario significaría darle al juez penal mayor
intervención en los supuestos en que el sujeto sea absuelto y corresponda una
medida de seguridad que en el supuesto en que el sujeto sea condenado y sometido
a la ejecución de una pena. Aun cuando el sujeto culpable resulte criminalmente
peligroso, razones de defensa social no justifican la extensión de la ejecución de la
pena más tiempo del previsto por el legislador para el delito cometido.
De fato, tal como vínhamos insistindo, isso fere frontalmente qualquer
razoabilidade, além dos princípios da igualdade, legalidade e proporcionalidade. Ora,
proporcionar um tratamento muito mais severo
121
àquele que foi absolvido, sob pretexto de
sua doença mental, não é algo que se coadune com nosso Estado. A intervenção penal sobre o
doente mental precisa findar em um determinado momento e, idealmente, na imposição da
medida de segurança o indivíduo deve saber o tempo máximo possível da intervenção sobre
ele. Se o risco da prática de novos delitos é assumido com relação ao imputável, justamente
em razão do peso dos referidos princípios, com maior razão deve ser assumido frente ao
inimputável
122
.
Na verdade, a lei deve sim fixar limites máximos de duração da medida, e o Estado
deve, concretamente, fornecer tratamento eficiente e adequado para efetivamente possibilitar
a cura ou a diminuição da periculosidade do indivíduo. Nos casos em que, apesar de todos os
esforços concretos nesse sentido, o indivíduo continuar extremamente perigoso, a
121
Há um relato privilegiado de um ex-interno sobre essa questão. Trata-se do famoso filósofo Louis Althusser que,
em 16 de novembro de 1980, estrangulou e matou sua esposa. Considerado irresponsável, foi internado em um
sanatório. Entre outras muitas críticas que fez à medida de segurança, “Althusser considera que ambas
consecuencias, ‘pena-encarcelamiento’ y ‘medida-confinamiento’ son condenas, llegando a la lógica
conclusn que muchos juristas niegan: la indeterminación del plazo de las medidas de seguridad permite
apreciarlas como consecuencias jurídicas (‘condenas’), más severas que las penas” (RIGHI, 2001, p. 73-81).
122
Nesse sentido, Seitún (2004, p. 73), para quem, em determinado momento, a sociedade terá que aceitar os
riscos decorrentes da soltura do inimputável, se eles forem menores que o sacrifício acarretado pela medida
de segurança.
transferência para o tratamento público de saúde, desvinculado da execução penal, parece ser
adequado
123
, que nem retorna o indivíduo imediatamente em sociedade, nem permite a
perpetuação da intervenção penal. Certamente a situação do indivíduo não será piorada, eis
que o médico do serviço público de saúde não precisará fazer o juízo impreciso da
probabilidade de repetição de novos fatos típicos, mas se restringirá a considerações de ordem
clínica, analisando a sociabilidade e a evolução da doença do indivíduo. Em verdade, o que
passa a estar em pauta é tão-somente a doença do indivíduo, e não mais o fato praticado que
deu ensejo à medida de segurança, nem a periculosidade que ele representou. Essa relação
precisa findar no tempo, sob pena de se desestruturar os mais importantes fundamentos de
nossa ordem constitucional.
Em verdade, o posicionamento doutrinário que extrai da periculosidade a
conseqüência da indeterminação das medidas de segurança é fruto de uma ainda persistente
influência da escola positiva e da defesa social, que tudo permitia em razão da segurança da
sociedade. Creio estar bem delimitada nossa posição que de resto segue as tradicionais
considerações a respeito do Estado Democrático de Direito no sentido de que as finalidades
preventivas das conseqüências jurídicas do delito, entre elas as medidas de segurança, são
limitadas por todos os fundamentos desse mesmo Estado, e pelas garantias por ele
reconhecidas, movimento que, de resto, remonta ao Iluminismo. O que torna a medida de
segurança diferente da pena (tal como a periculosidade do indivíduo e a exclusão da
culpabilidade pela inimputabilidade), não tem o condão de afastar a aplicação da Constituição
Federal, como se a sobrevivência pura do instituto fosse mais importante que a defesa de
nossa ordem constitucional.
Ora, se a projeção dos princípios constitucionais no âmbito das medidas de segurança
pode levar-nos a identificar novas características (como sua delimitação temporal), que no
surgimento das medidas não estavam presentes, isso não é motivo suficiente para tornar as
medidas imunes aos princípios maiores de nossa ordem jurídica, sobretudo a dignidade da
pessoa humana. A regulamentação e execução das medidas é que devem, subservientemente,
receber os mandamentos constitucionais, e não o contrário. Parece-me definitivamente
absurdo pretender afirmar o contrário, como se o âmbito das medidas de segurança fosse um
capítulo à parte de nosso ordenamento jurídico. Dessa feita, ainda que se defenda como
critério norteador do juízo da proporcionalidade tão-somente a periculosidade do indivíduo,
123
Nesse sentido, também Seitún (2004, p. 76): “Para el caso de considerarse necesaria la continuación de la
medida, será la jurisdicción civil la que deba supervisar, en adelante, la internación que, bajo ningún
concepto podrá quedar bajo la órbita del servicio penitenciario”.
ainda assim limites máximos de duração da medida devem ser estabelecidos, em nome da
dignidade da pessoa humana, do princípio da legalidade e da segurança jurídica.
O argumento de que a delimitação temporal das medidas confundi-las-iam com as
penas não procede
124
, como expressamente reconhece Antunes (2002, p. 120-121, grifo do
autor):
[...] muito embora a natureza político-criminal da medida de segurança continue a
apontar para uma duração ilimitada e indefinida desta e, por conseguinte, para a
admissibilidade da perpetuidade desta sanção, a extensão a este domínio de
princípios como o do Estado de direito, o da legalidade e o da proporcionalidade
impôs a vigência da regra da natureza temporária, limitada e definida das medidas
de segurança privativas ou restritivas da liberdade. Um regra fundada, estritamente,
nos princípios destacados e não, portanto, fruto de qualquer alteração ao nível da
natureza político-criminal da medida de segurança. De todo o modo, uma evolução
ditada por princípios característicos do direito penal das penas, ditada pela
aproximação da medida de segurança à pena.
Também a idéia de que o fato típico-ilícito funciona como mero indício da
periculosidade, não devendo por isso ser considerado no juízo de proporcionalidade, é
também resquício do pensamento positivista. No estágio atual de desenvolvimento da
dogmática penal, o fato do inimputável é de extrema importância, pois consiste em uma
concreta lesão ou exposição a perigo de bens jurídicos relevantes. Não dar importância a ele, e
se prender apenas na probabilidade de cometimento de fatos futuros, é confiar em um juízo
totalmente incerto, e que por isso mesmo margens a muitas arbitrariedades, inadmissíveis
no Estado de Direito.
Por essa razão é que entendemos serem dois os critérios pertinentes ao princípio da
proporcionalidade, a saber: a gravidade do ilícito-típico efetivamente praticado pelo indivíduo
e a sua periculosidade, entendida como a efetiva probabilidade de se repetirem esses ilícitos.
Ademais, sustentamos que o fato deve ser um limite à intervenção estatal, justamente para que
o princípio da proporcionalidade cumpra efetivamente o papel da culpabilidade no direito das
penas, freando o afã preventivo quando a aferição da periculosidade pretender tender as
medidas à perpetuidade. Em sendo assim, discordamos radicalmente do posicionamento
esposado pro Urruela Mora (2001, p. 186), no sentido de que fatos de escassa relevância penal
podem ser expressão de uma elevada periculosidade, que requer a aplicação da medida de
segurança - por tempo indeterminado -, tendo em vista que o fato cometido funciona como
mero indício da periculosidade.
124
O que critica a autora, por resultar em uma indevida aproximação entre pena e medida de segurança, é a
referência à pena cominada ao delito, quando da delimitação da medida e, antes disso, a autonomização do
fato cometido face à periculosidade (ANTUNES, 2003, p. 97-98).
Além dessas razões, não é demais dizer que nossa Constituição veda a existência de
sanções penais perpétuas e de tratamentos desumanos e degradantes
125
(art. 5º, XLVII, CF),
tudo a exigir a delimitação das medidas de segurança no tempo. Em sendo assim, a
indeterminação temporal das medidas de segurança, estatuída pelo artigo 97, § 1º, do
digo Penal brasileiro, é inconstitucional, a não ser que se faça uma interpretação
conforme a Constituição, como, por exemplo, fez o Pretório Excelso na citada decisão
(Habeas Corpus 84.219).
De qualquer forma, no que toca à delimitação dos critérios que entram em causa no
juízo de proporcionalidade, estabelecemos nosso posicionamento, no sentido de admitir
tanto a periculosidade, quanto o fato típico cometido. No entanto, reconhecer o ilícito-típico
como uma das categorias da proporcionalidade não é o bastante. Falta ainda precisar as
conseqüências dessa afirmação, tarefa nada fácil e para cuja consecução muito labor doutrinal
ainda se fará necessário. De todo modo, permitir-nos-emos refletir sobre algumas formas de
delimitação da medida de segurança, de lege ferenda.
A primeira delas, amplamente referida nesse trabalho, diz respeito à vinculação do
máximo da medida com a duração abstrata máxima da pena, sendo essa justamente a proposta
do Projeto de Lei 3473/00
126
, ainda em tramitação. É muito razoável a crítica da doutrina que
pondera que uma disposição desse tipo desconsidera as necessidades de tratamento
psiquiátrico tanto com relação ao caso concreto, como com relação à evolução das ciências
que realizam esse tratamento, que atualmente têm conseguido resultados mais céleres que os
de outrora. Em que pese essa consideração, tendo em vista que no direito penal brasileiro
vigente não qualquer delimitação máxima da medida de segurança, essa disposição
resultaria amplamente satisfatória nesse momento histórico. Ademais, obedece ao critério por
nós já delineado da necessidade do fato cometido servir de limite concreto à medida, sem a
preocupação, de nossa parte, de que isso poderia gerar uma confusão indevida entre medida e
pena, em razão dos argumentos acima referidos.
Isso, todavia, não nos impede de pensar outros critérios diferentes para o máximo de
duração da medida, projetando nessa reflexão inclusive os outros princípios relevantes nesse
125
Segundo Seitún (2004, p. 70-71), as conseqüências penais entre elas as medidas de segurança devem
respeitar a dignidade humana, que se materializa no princípio da humanidade e na proibição de tratamentos
degradantes ou desumanos.
126
O artigo 98 do Código Penal passaria a dispor que o tempo de duração da medida não será superior à pena
máxima cominada ao tipo legal de crime. O parágrafo primeiro desse artigo estabeleceria que, findo o prazo
máximo e não cessada a doença por comprovação pericial, será declarada extinta a medida de segurança,
transferindo-se o internado para tratamento comum em estabelecimentos médicos da rede pública, se não for
suficiente o tratamento ambulatorial. Por fim, o parágrafo segundo dispõe que a transferência será de
competência do juízo da execução.
tema. Se a vinculação à pena abstrata do delito pode ser, também ela, desproporcional, em
razão da capacidade terapêutica célere da Psiquiatria, podemos pensar outras formas quiçá
mais adequadas para atingir o objetivo presente.
O argumento de parcela da doutrina, que sustenta que a medida deve ser precisada
segundo as necessidades terapêuticas específicas de cada caso concreto, leva-nos a uma
imediata dificuldade prática: em verdade, a limitação máxima não estaria previamente fixada,
continuando o problema de se estabelecer um marco legal inultrapassável. Ademais, esse
juízo de individualização do tratamento necessariamente ocorrerá ainda quando houver, em
nosso sistema, essa delimitação máxima, findando a medida, a qualquer tempo, quando a
periculosidade cessar ou diminuir consideravelmente. Persiste então a pergunta sobre esse
marco inultrapassável. Não recorrendo novamente à idéia da pena abstrata, que estamos
tentando construir um critério diverso, parece ser adequado estabelecer pura e simplesmente
um prazo legal para as medidas, como faz o artigo 75 do Código Penal para as penas (em
trinta anos), em razão da dignidade da pessoa humana, do princípio da legalidade, da
segurança jurídica, entre outros. Entretanto, fica ainda a pergunta a respeito da fixação desse
prazo: deve ser de quantos anos?
A primeira proposta poderia ser a de estender a garantia do artigo 75 às medidas de
segurança, e isso já seria sem dúvida um grato avanço da legislação pátria, que atualmente
estabelece expressamente sua indeterminação. Mas isso poderia ainda ser excessivo,
considerando as potencialidades do tratamento da doença mental, e também poderia ser
inadequado do ponto de vista da igualdade, que os inimputáveis não podem, em razão dele,
receber o mesmo tratamento que o imputável. Sendo assim, poder-se-ia estabelecer o prazo
máximo de duração das medidas de segurança em dez ou quinze anos. Findo esse prazo, se o
grau de periculosidade do indivíduo não indicar sua reinserção na sociedade, a execução penal
deve findar, competindo ao juízo cível as diligências cabíveis no âmbito do sistema de saúde,
tal como a transferência do indivíduo a um hospital público. Até porque, convenhamos, se
nesse período (de quinze anos, por exemplo) o sistema penitenciário não logrou diminuir a
periculosidade do sujeito, através do tratamento de sua doença, dificilmente conseguirá tal
objetivo prolongando ainda mais a medida, sendo mais recomendável uma nova tentativa de
tratamento por outra instituição, desligada do sistema penal. Com a vantagem de se
efetivamente abolir de nosso Código Penal a possibilidade de conseqüências jurídicas do
delito perpétuas, proibidas constitucionalmente.
Pois bem, mas ainda aqui temos um problema a tratar. Se apenas esse limite for
estabelecido, teremos uma outra indesejável situação: a do inimputável que, por exemplo,
praticou um fato descrito na lei como lesão corporal leve (artigo 129, caput, do Código
Penal), punido abstratamente com detenção, de três meses a um ano, poder ficar internado
quinze anos
127
para tratamento de sua periculosidade. Nesse caso o fato já não se configuraria
como um efetivo limite à intervenção estatal, apto a fazer com que o princípio da
proporcionalidade exerça a função de delimitação dessa.
Em sendo assim, recomecemos a construção de um critério delimitador para as
medidas de segurança. Talvez pudéssemos pensar, tendo em vista todas as dificuldades
teóricas e práticas que permeiam essa discussão, em estabelecer a duração máxima da medida
tendo em conta a pena abstrata, mas não em sua totalidade, senão em uma porção apenas. Por
exemplo: “o prazo de duração das medidas de segurança não pode exceder a 2/3 da pena
abstratamente prevista para o delito”. Um critério desse tipo atenderia à isonomia, afinal dessa
forma o indivíduo absolvido em razão de sua anomalia psíquica teria um tratamento
consentâneo à sua situação, menos gravoso que o destinado aos culpados. Com relação à
porcentagem da pena a ser escolhida, devemos reconhecer que, de qualquer forma, ela será
“arbitrária”, pois o objetivo seria delimitar objetivamente um marco legal garantindo-se o
princípios como o da legalidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e da
individualização da medida de segurança, assim como a vedação de sanções penais perpétuas
–, marco esse menor que o previsto para o indivíduo culpável, garantindo-se então o principio
da igualdade.
Novamente, ressalte-se que não compartilhamos a opinião doutrinária que afirma ser
esse um risco de confusão entre pena e medida de segurança. Adequar essa sanção penal a
todo esquema de valores, fundamentos e princípios da Constituição Federal é algo
absolutamente salutar, ainda que tenha como conseqüência indireta uma certa aproximação ao
regime das penas. Poder-se-ia argumentar também que, aceitando-se uma regulamentação
semelhante, um problema de origem oposta surgiria: casos em que, apesar de escoado o prazo
máximo da medida, a periculosidade persiste grave
128
, requerendo a intervenção penal. Esse
problema não é, definitivamente, mais importante que a urgente constitucionalização das
medidas de segurança. Ademais, lembre-se que a intervenção penal finda para o imputável,
por mais perigoso que esse seja no fim da execução da pena, em razão de uma opção, fundada
basicamente na dignidade humana e na segurança jurídica, de nossa Carta Maior. O mesmo
127
Ou, ainda no citado exemplo trazido por Antunes (2003, p. 99), em que o projeto italiano prevê a fixação
desse prazo em cinco anos. Ainda assim haveria desproporcionalidade.
128
Sobretudo nos casos, sobre os quais nos pronunciamos, de que fatos de pouca gravidade podem revelar
uma periculosidade extremada.
raciocínio vale para as medidas de segurança, com a possibilidade adicional do problema
continuar a ser tratado como questão de saúde
129
, acabando a intervenção penal de todo modo.
No entanto, na hipótese de não ser considerada adequada a delimitação da medida
vinculada a uma porcentagem da pena, talvez ainda uma outra saída: estabelecer-se o prazo
ximo de duração da medida de seguraa (por exemplo, em quinze anos) e proibir-se a
aplicação dela nos casos de delito de menor potencial ofensivo. Dessa feita, poder-se-ia escapar
àquelas situações em que o indivíduo que cometera fato de pouca gravidade fique por muito
tempo submetido à medida de seguraa, de maneira desproporcional. Ressalte-se, no entanto,
que esse critério minimiza a função do fato no juízo de proporcionalidade. De qualquer forma, nas
hiteses em que houvesse periculosidade, apesar da pouca gravidade do fato perpetrado, dever-
se-ia estabelecer o encaminhamento do agente para tratamento comum de saúde. Um critério
dessa feição obedeceria claramente ao princípio da interveão mínima, mas talvez não atendesse
à finalidade secundária de prevenção geral da medida de segurança, por nós admitida.
Obviamente essas considerações não têm a pretensão de ser definitivas, mas sim de
contribuir modestamente para uma das maiores controvérsias do direito das medidas de
segurança: o debate a respeito de sua delimitação temporal. Vale ressaltar que,
independentemente do critério afinal adotado pelo legislador
130
que, diga-se de passagem,
não pode tardar a se configurar –, a disposição legal correspondente incidiria não apenas nos
novos fatos praticados por inimputáveis; mas, como a lei penal mais benigna retroage, muitos
doentes mentais teriam sua situação revista.
Conm aqui registrar, pela imporncia da contribuição, que os primeiros movimentos
pela formulação das medidas de segurança no Brasil previam sua delimitação temporal. Com
efeito, o Projeto Pereira, de 1927, foi o primeiro a incluir as medidas de segurança
131
em
suas disposições; após algumas reformulações, a redação do projeto de 1933 previa a limitação
temporal da medida, estabelecendo sua duração máxima. Essa proposição, no entanto, foi alvo
129
A proteção da sociedade não ficaria portanto descuidada, como querem alguns.
130
Vale lembrar o ensinamento de Dias (2005, p. 475), com o qual estamos plenamente de acordo. Nos
ordenamentos em que haja previsão abstrata da duração máxima da medida de segurança, a sentença judicial
não deve fixar em concreto, previamente, a duração do internamento. Isso porque a duração efetiva do
tratamento dependedo êxito na consecução das finalidades político-criminais da medida, muito embora
seja delimitada temporalmente por aquela disposição abstrata. Assim, quando a periculosidade cessar, antes
desse prazo máximo, a medida de segurança deve ser extinta (LEVORIN, 2003, p. 132), tudo em
conformidade com os princípios e valores de nosso ordenamento.
131
Lembrando que as medidas de segurança, à época, eram também previstas para os imputáveis, e abarcavam
diversas espécies, tais como: internação em manicômio judiciário; internação em colônia agrícola ou em
instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional; liberdade vigiada; proibição de freqüentar
determinados lugares; exílio local; confisco etc.
de intensas críticas por parte da doutrina
132
, que julgava ser incompatível com a essência das
medidas de segurança o estabelecimento de sua duração xima. Essas críticas foram
explicitadas na Primeira Conferência Brasileira de Criminologia, realizada no Rio de Janeiro,
em 1936, que se posicionou expressamente, em suas conclusões, contra a fixação da duração
xima das medidas de seguraa (PINHO, 1938, p. 105-116; NOGUEIRA, 1937, p. 237-240).
Esse posicionamento, como se sabe, foi o que alcaou acolhida pelo Código Penal de 1940, e
que atualmente passa por uma contundente reconstrução
133
.
Feitas essas considerações, cabe registrar que o princípio da proporcionalidade o se faz
apenas relevante no que diz respeito aos prazos ximos de duração da medida de seguraa.
Também com relação aos prazos mínimos sua projeção se faz sentir, compelindo-nos a afirmar a
inconstitucionalidade do artigo 97, § 1º, in fine, do digo Penal. Isso porque, fazer prevalecer a
internação ainda quando o indivíduo o apresente mais nenhum estado perigoso, é medida
desproporcional, por isso inadmissível (DIAS, 2005, p. 476). Uma tal situação significa que a
intervenção penal está se dando mesmo diante da inexistência de periculosidade, afrontando, de
maneira evidente, o princípio da proporcionalidade. Por essa razão é que o Projeto de Lei 3473/00
retira a delimitação temporal nima das medidas de seguraa
134
de nossa sistetica penal,
regulamentação que deve ser aprovada, por ser consentânea com o princípio da
proporcionalidade, além dos demais princípios já assinalados anteriormente.
Finalmente, tratemos da projeção do princípio em tela no âmbito da desinternação
progressiva propriamente dita. Como dito, um dos elementos fundamentais do juízo da
proporcionalidade, ao lado do ilícito-típico, é a periculosidade do doente mental, e é essa
categoria que se fará essencial no contexto da desinternação progressiva
135
. Isso porque, se em
determinado caso concreto, a desinternação progressiva for suficiente para conter e tratar a
periculosidade do indivíduo, ela deve ser aplicada. Qualquer outra medida mais gravosa será
132
Nas palavras de um de seus maiores críticos: Medidas de Segurança com prazo determinado é cominão
infeliz e desastrosa”. “Desde que o fundamento da M. S. é a perigosidade social do agente, aquela
gicamente só pode desaparecer, uma vez supressa a razão que lhe deu causa. Aplicar a M. S. sem
qualquer fundamento retributivo ou expiatório e tão sómente como meio de tratamento do delinquente e
fixar-lhe um limíte, sem ateão aos efeitos da terautica, é confundil-a na sua essência com a pena, é
transforma-la em meio de opressão e de agravação da pena”. “Deve o digo Criminal tornar
indeterminada a duração xima da M. S. fixando-lhe necessariamente um limíte de durão mínima
(PINHO, 1938, p. 113-114, 116, sic).
133
Resta saber a quem a história dará razão.
134
O artigo 97, § 2º, do Código Penal passaria a determinar que a medida de segurança deve ser interrompida
quando for averiguada, mediante perícia médica, a sua desnecessidade, ou a cessação da doença.
135
Observe-se que, com relação aos limites ximos, a desproporcionalidade tende a se configurar com relação
ao fato praticado, se bem que a periculosidade aqui também desempenha sua função. no que se refere aos
limites mínimos, a desproporcionalidade normalmente relaciona-se à periculosidade. Assim também com
relação à desinternação progressiva. Tudo a confirmar, a nosso ver, que ambas categorias confluem para o
adequado juízo sobre a proporcionalidade.
desproporcional, porque mais excessiva do que requer o estado perigoso do portador de
anomalia psíquica. Por essa razão, nada obsta que sua instituição legal ocorra; ao contrário, o
princípio da proporcionalidade até mesmo o recomenda.
Contribuição importante a esse respeito nos traz Seitún (2004, p. 62-68), ponderando que
a evolão do tratamento psiquiátrico “reduce la funcn de la internación e impone la necesidad
terapéutica de salidas transitorias y otras cnicas de reincorporación paulatina del sujeto a la
vida social, en una suerte degimen progresivo. O problema que se estabelece, enfrentado pelo
autor, diz respeito à possibilidade de ser aplicado tal regime, no caso de silêncio da lei a esse
respeito, é dizer, quando não tiver sido previsto
136
. Em razão do princípio da proporcionalidade,
sustenta Seitún que o referido regime deve ser aplicado, ainda que o regulamentado pela lei
137
,
quando for suficiente para fazer frente à periculosidade do sujeito.
136
Tal como ocorre atualmente com a desinternação progressiva em nosso ordenamento.
137
Segundo ele, “parece razonable que en la medida que existan otras alternativas, por más que no se
encuentren previstas en la ley, se las aplique en base a criterios de necesidad, recordando que el principio
de proporcionalidad tiene base constitucional” (SEITÚN, 2004, p. 67-68).
CAPÍTULO 3
DA ANÁLISE DA DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA ENQUANTO
ALTERNATIVA PARA A OBRIGAÇÃO POLÍTICO-CRIMINAL DO ESTADO NO
ÂMBITO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
3.1 Histórico da desinternação progressiva
Nos anos 80
1
, certamente sentindo a influência dos movimentos anti-manicomiais e
anti-psiquiátricos, começa a surgir no seio do sistema penitenciário, mais precisamente
através dos próprios funcionários ligados à execução da medida de segurança, a idéia de se
transformar a internação do inimputável que entrou em conflito com o ordenamento jurídico.
Segundo Ferrari (2001b, p. 169-170):
No período de 1981 a 1984, o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de
Franco da Rocha iniciou visitas experimentais, admitindo que os pacientes-
delinqüentes passassem os fins-de-semana junto a seus familiares, resultando em
concretos ganhos terapêuticos. Tal ensaio, todavia, foi suspenso judicialmente sob a
alegação de ausência de amparo legal. [...]. O apego ao formalismo jurídico,
contudo, não venceu a imaginação e a resistência dos bem intencionados,
inaugurando-se em 1989, em Franco da Rocha, um pavilhão destinado ao
implemento de uma progressividade na execução da medida de segurança de
internamento, constituindo-se num modelo transitório entre a situação de
hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo. Instituía-
se, assim, uma progressividade à medida de internamento, proporcionando aos
indivíduos, que aos poucos melhorassem, um momento de liberdade, retornando ao
convívio social.
No mesmo sentido, Adomaitis et al (2000, p. 12) afirmam que “em 1981, se pôs em
prática as saídas experimentais de pacientes em companhia de familiares que perduraram até
1984 e foram retomadas em 1989 com a implantação do Projeto de Desinternação
Progressiva”. Foi, portanto, em 1989
2
que a progressão da medida de segurança no Estado de
São Paulo se consolidou definitivamente, passando a contar com o apoio do Poder Judiciário
de uma maneira cada vez mais ampla. De qualquer forma, a idéia da progressão na medida de
segurança foi sendo amadurecida e aprimorada ao longo do tempo, tornando-se cada vez mais
1
Os dados que doravante passam a ser citados e analisados m por fonte pesquisa de campo realizada no
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, entre os dias 17 de dezembro de 2007 e
18 de janeiro de 2008, pesquisa essa devidamente autorizada pelas autoridades competentes, conforme pode se
verificar nos anexos a este trabalho. A pesquisa teve por instrumentos a realização de entrevistas com diversos
profissionais atuantes na desinternação progressiva, análise de documentos e prontuários, assim como
informações verbais concedidas pelos funcionários. Como a pesquisa se desenvolveu sob a condição de sigilo
absoluto a respeito da identidade dos profissionais envolvidos, assim como da identidade dos internos citados
ou constantes dos documentos analisados, não se pode indicar diretamente a fonte dos dados, sob pena de grave
infração ética. Fato é que toda a descrição da dinâmica da desinternação progressiva foi-nos fornecida pelos
profissionais do Hospital, assim como pelos documentos analisados, sendo que se tentará reunir todas essas
informações de modo que se descreva, o mais fielmente possível, a realidade vivida pelos internos. Bem
verdade que não é tarefa fácil reunir as diferentes percepções da desinternação progressiva expressadas por
cada profissional, assim como relacioná-las com as impressões e interpretações da pesquisadora, mas se trata de
tarefa tão desafiadora quanto necessária. Registre-se ainda, sobretudo no que tange às conclusões da pesquisa,
que se trata de um posicionamento possível, ainda que empiricamente fundamentado, entre outras construções
dogmáticas que podem ser feitas.
2
Informação essa confirmada por um entrevistado. No mesmo sentido, Corocine (2006, p. 214).
consistente. De início, fala-se em alta progressiva ou ainda em alta progressiva e programada,
conforme se verifica deste trecho de uma decisão judicial, datada de 20 de março de 1987:
Ante o laudo psiquiátrico, e tendo em conta o parecer do digno Promotor de Justiça,
prorrogo a medida de segurança imposta a * , por um ano. A medida poderá, a
critério da culta Diretoria do Manicômio, ser aplicada com a alta progressiva e
programada, na forma alvitrada no bem elaborado laudo psiquiátrico.
Com efeito, o parecer psiquiátrico
3
em tela recomendou a aplicação da chamada alta
progressiva, conceituando-a como “a possibilidade de liberar o paciente de forma gradativa,
segundo seus avanços terapêuticos”. Ademais, o perito ressaltou os desafios
4
que teriam de
ser enfrentados para a efetivação da medida, porém “somente diante da possibilidade concreta
de execução de um novo trabalho, esta Casa poderá moldar-se às novas exigências”. Pode-se
perceber, com efeito, que o mérito da instituição da desinternação progressiva é dos próprios
funcionários que atuavam no Hospital, sobretudo dos médicos psiquiatras, que, convém
ressaltar, sempre pediam autorização do Poder Judiciário para aplicar a medida.
Como se vê, a iniciativa da criação da desinternação progressiva não se deu no meio
jurídico, mas sim no meio médico, a julgar pela sua primeira denominação alta progressiva
e programada . Essa questão não é importante apenas do ponto de vista histórico, mas é
fundamental porque projeta conseqüências para a própria dinâmica atual da desinternação
progressiva, caracterizada por um forte viés médico e terapêutico. Embora esse aspecto não
possa ser deixado de lado, é necessário priorizar doravante a abordagem jurídica,
aprofundando-a, na medida em que a desinternação progressiva se processa no seio de uma
sanção penal.
De qualquer forma, como ficou patente, a experiência denominada de alta
progressiva e programada posteriormente passou a ser chamada de desinternação progressiva.
Um dos motivos para essa modificação seria a necessidade de diferenciá-la da alta
progressiva, realizada no Rio Grande do Sul. Na verdade, conforme um dos entrevistados
afirmou, informações a respeito da alta progressiva gaúcha inspiraram a criação de prática
semelhante no Estado de São Paulo. Segundo Ferrari (2001b, p. 169), a experiência do
Instituto Psiquiátrico Forense, localizado em Porto Alegre, iniciou-se em 1966, sendo pioneira
nesse sentido. Sendo assim, é muito provável que tenha mesmo influenciado a criação da
3
Importante registrar que o laudo entende a utilizão da alta progressiva como terapêutica: “como um
tratamento que usasse a alta como terapia e que contemplasse os aspectos orgânicos, psicodinâmicos e
sociais de seu desajuste, poderíamos devolvê-lo à sociedade protegendo o paciente e a mesma”.
4
Dificuldades e necessidades que ainda hoje tem de ser enfrentadas.
desinternação progressiva paulista
5
. Ademais, segundo o trabalho de profissionais que
atuaram na desinternação progressiva, a confirmar a estreita relação entre alta e desinternação
progressiva,
[...] em 1989, inaugurou-se um pavilhão destinado ao implemento da Desinternação
Progressiva, um projeto calcado nos moldes do existente no Manicômio do Rio
Grande do Sul, que constitui-se num momento transitório entre a situação de
hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo
(ADOMAITIS et al 2000, p. 7-8).
No início, as experiências da desinternação progressiva foram realizadas no Manicômio
Judiciário do Estado de São Paulo, que em 1988 passa a denominar-se Hospital de Custódia e
Tratamento Psiqutrico Prof. André Teixeira Lima
6
(ADOMAITIS et al, 2000, p. 7). Em 2001,
o Poder Executivo
7
cria um hospital exclusivamente destinado à desinternação progressiva,
chamado de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, destinado
tão-somente ao público masculino. Por sua vez, o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico Prof. André Teixeira Lima (HCTP I) continua contando com uma ala de
desinternação progressiva, destinada a mulheres. Seja como for, o fato de ser destinado um
Hospital exclusivamente para a realização da desinternação progressiva é muito significativo,
pois deixa claro o apoio dado pelo Poder Executivo a essa prática, assim como a inexistência
de dúvidas quanto a sua legalidade
8
. Da mesma forma, a tradicional consulta ao Poder
Judiciário, que decide quais indivíduos devem ou não ser transferidos para a medida, revela
que esta já se incorporou ao sistema penitenciário paulista.
3.2 Regulamentação legal da desinternação progressiva
Como é sabido, as leis brasileiras são silentes no que toca a desinternação progressiva.
O Código Penal não faz qualquer menção a ela, tampouco o Código de Processo Penal. Nem a
Lei de Execução Penal, que detalha melhor o cumprimento das sanções penais, instituiu-a.
Em outras palavras, a desinternação progressiva não está prevista no ordenamento jurídico
brasileiro
9
. A única regulamentação existente a respeito do tema não emana do Poder
5
Confirmando essa relação, Corocine (2006, p. 216).
6
Conquanto o hospital se destinasse à execução tradicional da medida de segurança, a chamada desinternação
progressiva começa a se articular, na chamada Colônia de Desinternação Progressiva (CDP).
7
Através do Decreto estadual n
o
46046, de 23 de agosto de 2001.
8
Considerando que a desinternação progressiva não está prevista na legislação penal e processual pátria.
9
Justamente por isso o interesse que ela desperta, em se tratando de fenômeno já não tão recente e que se realiza
a despeito da ausência de previsão legal.
Legislativo, e sim do Poder Judiciário, que reconheceu a importância e possibilidade de
aplicação da desinternação progressiva através da Portaria n
o
9, de 09 de junho de 2003, da
Vara das Execuções Criminais de São Paulo
10
. A referida portaria estatui:
Artigo 1º - Fica instituída, no âmbito dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico do Estado de São Paulo, a possibilidade de transferência de paciente,
quer do sexo masculino quanto do sexo feminino, submetido a medida de segurança
para a Colônia de Desinternação Progressiva.
Segundo seu artigo 3º, a transferência do interno para a desinternação progressiva
pode ser efetuada a qualquer tempo, durante o cumprimento de medida de segurança.
Dependerá, no entanto, de determinação judicial, concedida à luz de relatório circunstanciado
oriundo do Hospital que abriga o interno, subscrito por um médico psiquiatra, um psicólogo,
um assistente social e um diretor de segurança (art. 2º). Convém registrar que a portaria
determina ainda que a sistemática a ser aplicada à desinternação progressiva é aquela
detalhada no “regulamento interno estabelecido em projeto apresentado pelo H.C.T.P. de
FRANCO DA ROCHA [...] que fica fazendo parte integrante da presente Portaria” (art. 4º)
11
.
Ocorre que o regulamento é datado de 1999, período em que a desinternação progressiva
desenvolvia-se no HCTP I, referindo-se a este Hospital portanto, e não ao HCTP II. Assim,
não é de se estranhar que a sistemática experimentada atualmente pela desinternação
progressiva no HCTP II não é mais idêntica ao que o regulamento em tela retrata, ressalvado
obviamente seu próprio espírito
12
. Dessa feita, pode-se concluir que o regulamento a que se
refere a portaria não tem mais ampla observância, gerando a necessidade de ser revisto.
De qualquer forma, ressalte-se que a Portaria 09/03 prevê ainda a chamada
desinternação progressiva domiciliar ou licença terapêutica, destinada àqueles internos que
ainda não reúnam condições de serem transferidos à Colônia de Desinternação Progressiva, e
consistente na possibilidade de visitar seus familiares, até dois finais de semana ao mês
13
(art.
e 6º). Importante se notar que a autoridade judicial considerou essencial não a
desinternação progressiva operada plenamente e em estabelecimento próprio, mas estabeleceu
a possibilidade de um maior contato com o meio social e familiar também para aqueles
internos que não podem ainda ser transferidos ao HCTP II, a evidenciar uma mudança de
10
A portaria é assinada pelo Dr. Miguel Marques e Silva, então Juiz Corregedor dos Presídios da Capital.
Referida portaria encontra-se anexada ao presente trabalho.
11
Não se juntou à portaria anexa o regulamento interno, por nele constarem a identidade de alguns profissionais,
a que a presente pesquisa obrigou-se a não revelar.
12
Até mesmo porque é natural a mudança de características e critérios no seio da desinternação progressiva.
13
A verificação da realização desse instituto foge aos limites deste trabalho.
concepção significativa. Afinal, passa a ser cada vez mais corrente, ao que parece, as noções
de que a desospitalização deve ser concretizada e de que o contato com o meio externo tem
uma função terapêutica e social
14
.
Cite-se também o Decreto estadual n
o
46046, de 23 de agosto de 2001, que cria e
organiza o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha. Muito
embora o Hospital, desde sua fundação, dedique-se à execução da desinternação progressiva,
e pelo que pôde ser averiguado, esta ter sido a razão mesma de sua instituição, em nenhum
momento o Decreto citado deixa clara essa intenção. É dizer: o Decreto não explicita em que
o HCTP II diferencia-se dos demais, até mesmo ao discorrer sobre sua destinação:
Artigo - O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha
é um estabelecimento penal destinado ao cumprimento do tratamento de
internos/pacientes inimputáveis dos sexos masculino e feminino portadores de
patologias clínicas associadas à doença mental.
Na verdade, o artigo do Decreto n
o
46046 poderia ter uma redação bem mais
sofisticada, do ponto de vista técnico, asseverando tão-somente que o Hospital em tela se
destina à execução de medida de segurança
15
. Apesar da obviedade dessa afirmação, já que se
trata de um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, uma tal redação pelo menos não
faltaria com a verdade. Ademais, se a criação do Hospital realmente tiver por objetivo abrigar
exclusivamente o cumprimento da medida de segurança na forma da desinternação
progressiva, seria aconselhável que isso fosse aclarado no artigo do Decreto
16
. Por não ter
explicitado essa questão, o Decreto também é silente com relação a uma de suas decorrências:
a enumeração das condições e dos pressupostos de aplicação da desinternação progressiva.
Ainda que isso seja matéria mais afeita à legislação federal, a ausência dessa previsão no
Decreto que institui o Hospital revela que não há qualquer clareza com relação a esses
requisitos.
Uma outra incoerência pode ser ainda apontada, a saber: a questão do gênero a que se
destina o Hospital. Apesar de asseverar que o estabelecimento destina-se a homens e a
mulheres, tal não corresponde à realidade dos fatos. Resta saber se o Decreto deveria ser
corrigido nesse ponto, ou se o Hospital tem pretensões de abrigar também mulheres
17
. De
14
Em última instância, só se pode pretender realmente inserir alguém na sociedade estimulando esse contato.
15
Com isso se evitariam muitas imperfeições, como a de ter deixado de lado a aplicação de medida de segurança
a semi-imputáveis.
16
Algo como: “O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha é um estabelecimento
penal destinado à desinternação progressiva dos indivíduos submetidos à medida de segurança”.
17
Essa intenção não foi percebida durante a pesquisa de campo.
qualquer forma, algo muito positivo foi identificado no decreto: a concepção de que o
tratamento dos internos não se resume apenas a aspectos psiquiátricos e farmacológicos
18
.
Muitas outras questões poderiam ainda ser levantadas com relação à redação do
Decreto, mas isso se aparta dos objetivos deste trabalho. Essencial, no entanto, registrar a
opinião dos funcionários que participaram da pesquisa: entre aqueles que se manifestaram
expressamente sobre o Decreto, a maioria se manifestou insatisfeita, seja por que ele não
refletiria a realidade do Hospital, seja porque não teria tratado de todas as suas necessidades.
Em outras palavras, não teria corretamente estabelecido, na visão desses indivíduos, no que
consiste o Hospital, nem no que ele deveria tornar-se, devendo por isso haver uma
reestruturação do Decreto. De nossa parte, frise-se que muitas determinações
19
do Decreto
não foram ainda cumpridas
20
, apesar de já terem decorridos sete anos desde sua feitura, tudo a
tornar evidente que muitas arestas devem ser aparadas, em se tratando da correlação entre o
conteúdo do Decreto e a sistemática concreta do HCTP II.
De qualquer forma, retomemos a discussão a respeito da ausência de lei federal que
discipline a desinternação progressiva
21
. Muito embora não haja previsão expressa da medida
em nosso ordenamento, é forçoso reconhecer que ela se alinha aos ditames constitucionais,
principalmente na medida em que procura respeitar a dignidade da pessoa humana,
fundamento de nosso Estado Democrático e Social de Direito Material
22
. Teoricamente,
portanto, não entrave algum para a legitimidade da desinternação progressiva em nosso
sistema jurídico. Tudo para dizer que não se trata de estratégia ilegal, mas que se coaduna
com nosso modelo de Estado e seu ordenamento jurídico.
18
Pelo menos é o que se pode deduzir do artigo 15, inciso VI que, ao tratar das atribuições do diretor do HCTP
II, elenca a promoção de “parcerias com a Sociedade Civil Organizada, com o intuito de melhorar as
condições de tratamento bio-psicossocial e cultural dos pacientes/presos”.
19
Como, por exemplo, a instituição da chamada Equipe de Nutrição e Dietética (art. 3º, V, a; art. 4º, III, a e art.
7º, XXVIII) e a previsão de terapia ocupacional (art. 8º, XXIII). Cite-se também a criação das Comissões de
Ética Médica, de Controle de Infecção Hospitalar e de Revisão de Prontuários (art. , I a III), cuja
composição e atribuição devem ser definidas pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo,
conforme o artigo 14 do Decreto.
20
Segundo seu artigo 28: “A implantação da estrutura constante deste decreto será feita gradativamente,
mediante resoluções do Secretário da Administração Penitenciária, de acordo com as disponibilidades
orçamentárias e financeiras”.
21
Essa ausência de regulamentação adequada, através de lei federal, não é percebida uniformemente por todos os
funcionários. Com exceção de uma minoria, grande parte dos funcionários supõe que a desinternação
progressiva tem previsão e regulamentação legal. Isso provavelmente ocorre porque, no imaginário do corpo
funcional, basta para tanto a existência da Portaria e do Decreto instituidor do Hospital. Não estamos com isso
querendo dizer que a desinternação progressiva não se reveste de legalidade por ausência de previsão expressa
no ordenamento, mas apenas registrando a compreensão dos funcionários no que toca a essa questão.
22
Essas relações foram analisadas no segundo capítulo, para o qual remetemos o leitor. o é demais, no
entanto, destacar o alinhamento da desinternação progressiva com relação à intervenção mínima, ao princípio
da individualização das sanções penais e ao princípio da proporcionalidade, além da citada dignidade
humana.
Essa constatação, no entanto, não faz mais do que reconhecer legitimidade à
experiência em curso no Estado de São Paulo, assim como àquelas que lhe são assemelhadas.
Não institui, no âmbito das medidas de segurança, a obrigação do Estado em fornecer essa
estratégia político-criminal àqueles internos para os quais for adequada, em âmbito nacional.
Claro que sua efetivação desde que bem aplicada em todos os Estados brasileiros seria
altamente recomendável, por todos os motivos expostos neste trabalho
23
. No entanto, essa
ainda não é uma obrigação exigível do Estado, justamente por falta de legislação a respeito. É
nesse contexto que seria importante uma reforma legislativa que estabelecesse a desinternação
progressiva como uma etapa possível a todo indivíduo submetido à medida de segurança no
Brasil. Possível porque o juiz pode entender mais conveniente a aplicação direta do
tratamento ambulatorial, sem submeter o indivíduo ao instituto da desinternação progressiva.
Esta passaria a ser portanto uma alternativa, de existência obrigatória, dentro do sistema das
medidas de segurança, mas que não necessariamente abrigaria todos os internos.
Com efeito, o Projeto de Lei n
o
3473, apresentado em 18 de agosto de 2000 e ainda
não apreciado, tem esse intuito
24
. Se aprovado, o parágrafo do artigo 97 do Código Penal
passaria a ter a seguinte redação:
O juiz, após perícia médica, poderá conceder ao paciente que apresentar melhora em
seu tratamento, a desinternação progressiva, facultando-lhe saída temporária para
visita à família ou participação em atividades que concorram para o seu retorno ao
convívio social, com a indispensável supervisão da instituição em que estiver
internado.
Como se vê, o Projeto sob análise consagra o termo desinternação progressiva, e tem
sobre ela uma concepção um pouco restrita, pelo menos tendo em vista a experiência paulista.
Como se verá mais adiante, as saídas dos internos não têm por único objetivo visitar os
familiares, mas também satisfazer necessidades básicas dos internos, tais como a aquisição de
víveres ou vestimentas. De qualquer forma, é inevitável a constatação de que, caso aprovado o
citado parágrafo, a sistemática da desinternação progressiva não seria absolutamente idêntica
em todos os Hospitais de Custódia que passariam a aplicá-la. Ademais, o referido parágrafo
apresenta uma outra imprecisão, ao estabelecer como pressuposto da aplicação da
desinternação progressiva apenas questões terapêuticas. Como se verá mais adiante, embora
isso deva ser levado em conta, o juiz deve considerar a evolução comportamental do interno,
23
Como a positiva tendência de desospitalização do tratamento do doente mental.
24
O Projeto de Lei em tela pretende muitas outras alterações da parte geral do Código Penal, que não serão aqui
analisadas, por não terem relação com o objeto da pesquisa.
apta a tornar possível sua efetiva ressocialização e a diminuir os riscos de lesão a bens
jurídicos essenciais.
Outro dispositivo do Projeto também trata da medida em tela, aspirando a seguinte
redação ao parágrafo 4º do artigo 97: “observados os resultados positivos da desinternação
progressiva e realizada a perícia, com a melhora do quadro clínico do internado, poderá o juiz
autorizar a transferência para o tratamento ambulatorial, ouvido o Ministério Público”.
Comente-se a esse respeito que tal proposta, acertadamente, concebe a desinternação
progressiva como uma etapa anterior ao tratamento ambulatorial. Ademais, note-se a
concepção insuficiente de que a progressão do interno no seio da execução da medida de
segurança depende apenas da evolução de seu tratamento, tendente à cessação da
periculosidade
25
, pois não foram contempladas as indicações relativas às mudanças
comportamentais do interno.
Referido projeto intenta ainda algumas outras alterações na regulamentação das medidas de
segurança, como a obrigatória semestralidade na realização das perícias dicas, que se apartam
dos objetivos específicos da presente pesquisa
26
. Esta se debruça sobre a própria instituição da
desinternação progressiva e o fornecimento de subsídios quiçá hábeis a contribuírem, ainda que
timidamente, com a elaboração legislativa, como a caracterização do instituto paulista e a avaliação
de sua eficácia na consecução das finalidades das medidas de seguraa.
3.3 Características e dinâmica da desinternação progressiva
A desinternação progressiva consiste em uma forma diferenciada de executar-se a
medida de segurança na sua espécie internação, visando a efetiva reintegração social do
interno. Sua estratégia principal reside no aumento progressivo do contato e da vivência do
custodiado com o meio social e na diminuição, também progressiva, de sua dependência com
relação ao hospital. No intuito de capacitar o interno para a vivência comunitária, são
estimuladas atividades relacionadas à educação, ao trabalho e ao lazer. Ademais, como se
25
Pertinente o registro da opinião de um dos entrevistados, afirmando que o mais comum, em se tratando de
medida de segurança, não é a cura absoluta da doença mental e a cessação plena da periculosidade do
indivíduo, mas sim um controle de ambas, levando-o a formular o interessante conceito de “periculosidade
controlada”. Segundo ele, quando atingido esse patamar, normalmente o interno pode retornar ao convívio
social, devendo persistir o controle sobre esses fenômenos, através da continuidade do tratamento e da
medicação adequada, a serem fornecidas pelo Sistema Único de Saúde. Com efeito, ainda de acordo com seu
depoimento, poucos dos pacientes desinternados passam a apresentar saúde mental perfeita. Apesar de isso
parecer uma constatação evidente àqueles que executam a desinternação progressiva, é importantíssimo
registrá-la no âmbito das ciências criminais.
26
Se bem que algumas dessas questões já foram tratadas, como as relativas aos limites máximos e mínimos da medida.
verá, o tratamento dispensado na desinternação progressiva tem caráter interdisciplinar, já que
congrega várias terapêuticas e intervenções distintas. Pode-se afirmar que o objetivo da
referida medida é preparar adequadamente o interno para sua desinternação, de modo que ela
seja planejada, paulatina e mais segura, tanto para a sociedade quanto para o próprio interno.
Conforme Corocine (2006, p. 213), o programa de desinternação progressiva
[...] visa à reinserção psicossocial dos pacientes com ações terapêuticas
interdisciplinares, de forma gradual, ampliando o espaço terapêutico para fora dos
muros da instituição e envolvendo o meio familiar, a comunidade: a retomada do
contexto sócio-histórico do paciente que foi perdido na sua institucionalização.
Como pode se ver, a desinternação progressiva objetiva recuperar e reconstruir as
relações familiares e sociais dos internos, de modo que sua reintegração social seja alcançada.
No mesmo sentido é a opinião de Ferrari (2001a, p. 130):
Enquanto no internamento fechado o paciente adquire hábitos condutores ao
hospitalismo, ao mimetismo, agravando a patologia, cronificando a doença,
originando um estado de dependência contínua do ambiente hospitalar,
intensificando o distanciamento do meio sociofamiliar, na desinternação progressiva
visa-se a integração gradativa entre o paciente e o meio social, oferecendo-lhe
formas terapêuticas alternativas, que variam desde saídas extra-institucionais para o
trabalho, visitas familiares, passeios pela região, compras na cidade, até o
recebimento de aposentadoria, sempre com o devido acompanhamento dos
funcionários da instituição pública.
É importante salientar que a desinternação progressiva não consiste em via exclusiva para
a saída definitiva do interno da execão da medida de seguraa, pois os juízes o raro
determinam a imposição de tratamento ambulatorial para indivíduos internados em outros
hospitais do Estado de São Paulo, a saber: Hospital de Custódia e Tratamento Psiqutrico
Arnaldo Amado Ferreira e Hospital de Cusdia e Tratamento Psiqutrico Prof. André Teixeira
Lima. Contudo, o crescente recurso à desinternação progressiva como meio de reinserir o interno
ao convívio social se tem feito sentir, evidenciando a importância da medida
27
.
Seja como for, o indivíduo que ingressa no HCTP II para cumprir a medida de
segurança nos moldes da desinternação progressiva certamente já passou por outro Hospital
de Custódia do Estado, quando não pelos dois
28
. Conforme se pôde inferir das entrevistas e
informações verbais concedidas, considera-se o Hospital localizado em Taubaté destinado aos
custodiados mais perigosos, tendo um regime bem mais rigoroso do que os outros hospitais.
27
Segundo uma das pessoas entrevistadas, a maioria dos internos do Estado de São Paulo passa pela
desinternação progressiva antes de ser desinternada.
28
Para um dos entrevistados, dever-se-ia analisar a hipótese de se iniciar a execução diretamente na desinternão
progressiva, eis que ela, em alguns casos, seria suficiente para alcançar a reabilitação do interno.
Assim, nos casos em que o indivíduo esteve internado nos demais hospitais, antes de ingressar
no HCTP II, o percurso mais comum traçado é: a internação se inicia no Hospital localizado
em Taubaté, posteriormente o interno é transferido para o HCTP I, para depois ingressar no
HCTP II
29
. Considerando que o Hospital de Taubaté é o mais rigoroso, e o HCTP II o mais
brando, no que toca à execução da medida, pode-se notar a construção de um viés tipicamente
progressivo, não apenas na desinternação progressiva propriamente dita, mas considerando
todo o sistema. Comprova essa afirmação declaração
30
da própria Secretaria da Administração
Penitenciária (SÃO PAULO, on-line, grifo nosso), afirmando que as instalações do HCTP II
[...] funcionam como Ala de Desinternação, uma espécie de regime semi-aberto para
pessoas julgadas inimputáveis, que cumpriram um determinado tempo da pena no
HCTP I (regime fechado), também localizado no município, e que após um período
de tratamento, expedição de laudos médicos, psicológicos e psiquiátricos foram
considerados de baixa periculosidade, o que lhes deu o direito de progredir de
regime e, conseqüentemente, serem enviados à unidade de desinternação, por
determinação judicial.
Como se vê, o interno só é removido para o HCTP II mediante ordem judicial, ou seja,
apenas quando o juiz entenda possível e necessária a aplicação da desinternação progressiva
31
.
Da mesma forma, o interno é desinternado definitivamente ou removido para outro
Hospital de Custódia com autorização judicial. Caso o interno não se adapte à desinternação
progressiva ou não apresente condições terapêuticas para nela continuar, normalmente é
removido ao HCTP I. Isso acontece quando, por exemplo, não obedece a suas normas ou
comete falta grave no interior do Hospital, como agredir colegas e funcionários
32
ou inserir
substâncias entorpecentes na unidade. Deve-se notar a semelhança dessa sistemática com o
que ocorre nos regimes de cumprimento de pena privativa de liberdade, em que, ao mesmo
tempo em que é possível e desejável a progressão, também a existência da regressão para
aqueles que cometerem faltas que a justifique
33
. Trata-se portanto de prática que permeia as
29
Essa trajetória foi constatada em diversos prontuários analisados.
30
Registre-se o absoluto equívoco da utilização da palavra “pena”, em se tratando de clara aplicação de medida
de segurança, a demonstrar que a distinção entre essas duas sanções penais parece não estar esclarecida para o
Poder Executivo.
31
Ademais, como se sabe, o juiz periodicamente avalia a ocorrência da cessação da periculosidade dos internos,
a justificar sua desinternação (art. 97, § 2º, CP). Quando tal não ocorre, os internos denominam de “repique” a
prorrogação da medida de segurança.
32
Desde que a agressão não decorra de um quadro de surto, obviamente.
33
A possibilidade de aplicação de penalidades disciplinares é prevista no Decreto n
o
46046, como atribuição do
diretor do HCTP II, dentro de sua competência regimental (art. 15, XIII). O artigo 27, inciso II, do mesmo
Decreto estabelece que o regimento interno do HCTP II deverá dispor sobre as espécies e os critérios de
aplicação de penas disciplinares. Tal regimento, no entanto, ainda não foi elaborado.
relações dentro da desinternação progressiva, talvez indicando queé faticamente possível a
progressão se a via inversa também puder ser aplicada, a saber, a regressão.
Um dado a mais a confirmar essa aproximação da execução da medida de segurança
ao cumprimento de pena é a nomenclatura não raro utilizada pelos juízes
34
nas decisões que
ordenam a aplicação da desinternação progressiva, de que é exemplo o trecho que segue,
datado de 2007:
[...] o relatório psiquiátrico [...] concluiu que a periculosidade está presente, mas em
razão do bom comportamento, respaldo familiar e as características da doença reúne
atuais condições de ser transferido para o regime de Colônia de Desinternação
Progressiva do HCTP II, onde, num local mais aberto, será melhor aferido seu grau
de drogadição, iniciando paulatina reinserção social. [...] o representante do
Ministério Público se manifestou às fls. 22, bem como a defesa, concordando o teor
do r. laudo psiquiátrico. [...] dessa forma, confirmada que não houve cessação da
periculosidade de *, razão pela qual prorrogo a medida de segurança de internação,
anteriormente imposta, pelo prazo de um ano, contado a partir da data do término da
última prorrogação, se o caso. Autorizo a remoção, apenas, para a Colônia de
Desinternação Progressiva, sob exclusivo critério médico, devendo apresentar
relatórios semestrais. Ressalto que nova avaliação poderá ser realizada, a qualquer
tempo, desde que verificada a possibilidade de ocorrência da cessação da
periculosidade [...] e que novo laudo deverá ser encaminhado a este Juízo, até um
mês antes do término da presente prorrogação.
Como se vê, a desinternação progressiva é comumente compreendida como um
regime da medida de segurança
35
. Na verdade, uma concepção, tanto na instituição que a
abriga, quanto no Poder Judiciário, que percebe a desinternação progressiva como o regime
semi-aberto
36
das medidas de segurança.
De qualquer forma, o indivíduo só é transferido para o HCTP II através de autorização
judicial, como pode se perceber dessa decisão de 2006:
Ante o teor do laudo psiquiátrico, que constatou a permanência da periculosidade de
*, qualificado nos autos, prorrogo a medida de segurança que lhe foi imposta
(internação) por um ano, ficando autorizada sua transferência para o Hospital de
Custódia II (Colônia de Desinternação Progressiva) como sugerido no referido
laudo.
34
A mesma utilizada pela Secretaria da Administração Penitenciária no trecho anteriormente transcrito.
35
É comum encontrarem-se nos autos expressões tais como: “regime de desinternação progressiva”, “regime de
progressão” e outras assemelhadas, assim como referências expressas dos outros hospitais como “regime
fechado”.
36
Isso foi repetidamente constatado na fala dos entrevistados e informantes. Já a internação nos outros Hospitais
de Custódia do Estado representaria o regime fechado. A própria doutrina também usa essa nomenclatura:
“[...] para a realização do parecer médico que opinará o juiz sobre a cessação da periculosidade, a
continuidade da desinternação progressiva, ou mesmo sobre a regressão ao internamento exclusivamente
fechado” (FERRARI, 2001a, p. 130, grifo nosso).
É o que constata também o seguinte excerto, de decisão judicial exarada em 2001:
Examinando os autos, percebe-se que o reeducando [...], apresenta, ainda,
periculosidade, mas pode ser colocado em Colônia de Desinternação Progressiva.
Ante o exposto, prorrogo a medida de segurança, na modalidade de Desinternação
Progressiva em Colônia do Hospital, por mais um ano, a *.
Finalmente, cite-se interessante decisão datada de 2005:
O sentenciado foi avaliado por técnicos e o respectivo laudo constata ainda presente
a periculosidade vinculante, apesar de atenuada, razão pela qual determino a
prorrogação da medida de segurança de internação a ele imposta, por mais um ano,
contado a partir da data do término da última prorrogação, se o caso. (...) Autorizo a
sugerida manutenção na ‘colônia de desinternação progressiva do hospital de
custódia II’, sob exclusivo critério médico, uma vez que tal situação foi admitida
pela Corregedoria dos Presídios (Portaria DECRIM n
o
09/2003), devendo ser
apresentados relatórios semestrais sobre a evolução da medida.
Pois bem. Se o interno ingressa ou deixa o HCTP II mediante ordem judicial, o
mesmo não ocorre com relação às decisões tomadas no seio da desinternação progressiva.
Assim, a decisão de proibir ou permitir as saídas dos internos não passa pelo crivo judicial.
Considerada uma estratégia terapêutica e social, são os profissionais atuantes na desinternação
progressiva que julgam a conveniência e a pertinência dessas saídas. A partir do momento em
que foi ordenada a aplicação da desinternação progressiva, sua sistemática será ministrada ao
interno, com plena autonomia da unidade, que pode, inclusive, dependendo da resposta do
interno ao tratamento, antecipar suas etapas ou retardá-las
37
. Dessa forma, assinam as
autorizações de saída o psiquiatra do interno, o técnico do caso (como se verá posteriormente,
o psicólogo ou o assistente social), o enfermeiro, o diretor de segurança e disciplina e o
diretor da própria unidade. que haver concordância de todos esses profissionais quanto à
necessidade da saída e quanto à suficiente preparação do interno para tanto. Frise-se também
que cada nova saída é assim analisada, por mais que o interno efetue saídas um bom
tempo.
Essa autonomia do Hospital em definir quando e quais internos efetuarão saídas
parece contar com a anuência do Poder Judiciário, que nunca foi questionada essa
sistemática. Embora ela seja considerada absolutamente natural pelo Hospital e pelo próprio
Judiciário, cabe refletir se isso realmente se coaduna com as regras da execução penal. Apesar
de se tratar de um Hospital e este é o argumento daqueles que defendem a sistemática aqui
37
Pode ocorrer inclusive que, não estando a instituição segura da aptidão do interno para iniciar o contato com o
meio social, tendo em vista suas condições particulares, essas etapas não avancem.
analisada –, trata-se de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que por sua própria
natureza deve perseguir finalidades político-criminais. Está-se frente a estabelecimento ligado
a execução penal, razão pela qual a análise terapêutica não é suficiente para formar o juízo a
respeito das saídas dos internos: deve-se acrescer a ela uma análise jurídica e político-
criminal, mais afeita ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Embora se perceba que os
técnicos do Hospital se esforcem para analisar adequadamente tais questões (por exemplo, se
o interno tende a lesionar bens jurídicos durante as saídas), essa atividade não é propriamente
deles, e sim do Poder Judiciário. Se é verdade que os profissionais fornecem subsídios
fundamentais para essa análise, não podem esgotar essa questão sozinhos, até porque,
segundo a Lei de Execução Penal, compete ao juiz da execução autorizar as saídas
temporárias (art. 66, IV). A rigor, a sistemática adotada pela desinternação progressiva e
admitida pelo Poder Judiciário padece dessa irregularidade, pois este último deveria participar
da decisão que autoriza as saídas dos internos pelas imediações ou através de VDA’s. Mais do
que isso: o Poder Judiciário é que deveria autorizá-las, ouvindo para tanto os profissionais que
atualmente decidem essa questão sozinhos.
Deve-se reconhecer, no entanto, que a regularização dessa questão defrontar-se-ia com
um grande embaraço: a estrutura morosa do Poder Judiciário. Isso porque as decisões no seio
da desinternação progressiva devem ser tomadas rapidamente, tendo em vista as
transformações da situação clínica do interno. Imagine-se pedir a autorização ao Judiciário
para que um interno realize uma Visita Domiciliar Assistida essa semana, por apresentar boa
evolução clínica e comportamental, e a resposta advir meses depois, ou semanas depois, em
momento em que o interno pode apresentar situação absolutamente diversa daquela que
motivou o pedido
38
. Uma realidade assim estruturada certamente obstaculizaria todo o
programa de desinternação progressiva, sendo portanto inadmissível. Para que o Judiciário
bem cumpra sua função, uma mudança estrutural seria essencial, para garantir que as decisões
a respeito das autorizações fossem exaradas em tempo hábil. Ademais, para que o Judiciário
tivesse condições de opinar autonomamente sobre cada caso concreto, deveria acompanhar
mais de perto a execução da desinternação progressiva, sob pena de sua decisão converter-se
em mero expediente burocrático, destituído de sentido material.
O distanciamento do Judiciário no que toca a essas questões tem trazido
conseqüências também para a decisão de desinternação definitiva do interno, essa sim tendo
sido objeto de sua deliberação. Muito embora se saiba que a opinião do perito não vincula o
38
O agravamento dessa situação, inclusive, pode ter origem na demora em se obter uma resposta a respeito da
própria autorização de saída.
juiz, que vige no processo brasileiro o princípio do livre convencimento, constatou-se que,
na prática, a maioria das decisões segue automaticamente a sugestão dada pelo experto em
psiquiatria. Isso provavelmente deriva de duas razões: em primeiro lugar, o receio do juiz em
decidir diferentemente e, posteriormente, ser responsabilizado por eventuais ações dos ex-
internos; e o fato de os juízes não contarem com outros elementos aptos a auxiliá-los na
formulação de seu convencimento, a não ser o próprio parecer de cessação de periculosidade.
Com efeito, esse distanciamento em que é colocado o juiz brasileiro faz com que seja
obrigado a depositar no referido parecer toda a função que lhe seria própria, em um desvio de
difícil legitimação.
Por isso é que sustentamos que deve haver uma aproximação do Poder Judiciário à
desinternação progressiva, aproximação essa não meramente formal ou burocrática, mas sim
uma aproximação qualificada, apta a aperfeiçoar a medida, no sentido de um efetivo
acréscimo da atuação jurídica. Entre as medidas mais urgentes, o Judiciário deveria participar
da autorização das saídas dos internos, com a ressalva de que ele é que deve se adequar à
dinâmica da desinternação progressiva – ou seja, ao tempo necessário para a tomada de
decisões –, e não o contrário. Essa tese certamente encontrará resistência, podendo até mesmo
ser considerada uma involução da sistemática da desinternação progressiva, por
“descaracterizar” a terapêutica dispensada pelo Hospital. Ao contrário, do ponto de vista
jurídico, essas medidas são essenciais para que a desinternação progressiva encontre sua
essência no seio do sistema penitenciário. Ela integra, efetivamente, uma sanção penal, em
cuja execução os conhecimentos médicos e psicológicos e outros tantos são essenciais
para seu sucesso, não fazendo sentido o Judiciário ficar alijado das decisões tomadas em seu
seio. Como argumento a reiterar a necessidade e a relevância dessa transformação, considere-
se a ausência de lei que regulamente e detalhe a desinternação progressiva. Com efeito, o juiz
poderia ter um protagonismo fundamental para a elaboração de regras da medida
39
, ele que é
profundo conhecedor do ordenamento jurídico. Além de se formular um regramento
compatível com o ordenamento pátrio, ter-se-ia a conseqüência adicional de se conferir um
respaldo ainda maior ao HCTP II em sua prática
40
.
Seja como for, a duração da submissão do indivíduo à desinternação progressiva é
variável, não sendo determinada previamente, já que segue a regulamentação das medidas de
segurança. Averiguou-se, no entanto, o período médio de sua duração, quando o custodiado
apresenta condições terapêuticas e sociais satisfatórias. Conforme foi-nos informado, se não
39
Em verdade, o Poder Judiciário paulista tem perdido uma oportunidade histórica.
40
Respaldo maior do que é conferido pela Portaria 09/03.
ocorre nenhum incidente, a medida costuma durar de um a dois anos
41
. Deve-se lembrar, no
entanto, que o interno da desinternação progressiva permaneceu anteriormente em outros
Hospitais de Custódia, quando não em penitenciárias
42
, a elevar consideravelmente seu tempo
de permanência no sistema penitenciário como um todo.
Quando desinternados, os indivíduos passam a morar com a família ou mesmo
sozinhos, se sua condição sócio-financeira permitir. Também é muito freqüente sua
transferência para hospitais psiquiátricos comuns ou para residências terapêuticas, se não
puderem contar com apoio familiar e tampouco forem autônomos. Ademais, normalmente
continuam a sujeitar-se à medida de segurança, na modalidade tratamento ambulatorial, sendo
raros os casos em que este é dispensado. Importante registrar que além do tratamento
ambulatorial, diversas obrigações são impostas ao indivíduo quando de sua desinternação,
como condição para que esta se perpetue. Fala-se em desinternação condicional, ou mesmo
apenas em “condicional”, em analogia ao livramento condicional, mais um dado a confirmar a
aproximação crescente entre medida de segurança e pena. Prova disso é a decisão judicial que
segue, de 2004:
[...] na constatação de que quando embriagado o paciente torna-se extremamente
agressivo [...] e na notícia de que todas as vezes em que deixou o hospital de
custódia para visita domiciliar, retornou o sentenciado alcoolizado e bastante
agressivo [...] Inviável, nesse contexto, eventual desinternação condicional ou
mesmo conversão da internação em tratamento ambulatorial.
Em outro processo, pôde-se constatar o teor das condições impostas na desinternação
condicional: a própria submissão ao tratamento ambulatorial, até a obtenção de alta médica; a
demonstração da submissão ao tratamento ambulatorial; a comunicação mensal ao juízo das
ocupações; a comprovação, no prazo de trinta dias, de exercício de ocupação cita ou a
justificação de sua impossibilidade; a impossibilidade de mudança de residência sem prévia
autorização judicial; o comparecimento ao Juízo de Execução do local em que residirá, em 48
horas. Esclarece ainda a decisão que a transgressão a qualquer dessas condições pode
acarretar a revogação do tratamento ambulatorial e sua conversão em internação. Com
exceção das duas primeiras, essas condições são aquelas estabelecidas pelos artigos 132 e 134
da Lei de Execução Penal, que regulamentam o livramento condicional
43
. Com efeito, o art.
41
Ressalte-se que essa informação não é fruto da análise de todos os casos em que foi aplicada a desinternação
progressiva, mas sim é resultado das informações colhidas verbalmente in loco. Serve muito mais para dar
uma noção do período de duração ideal da medida, do que para retratar com exatidão o que ocorre.
42
No caso de superveniência de doença mental ao indivíduo preso, por exemplo.
43
Respectivamente: art. 132, § 1º, b; art. 132, § 1
o
, a; art. 132, § 2
o
, a; e art. 134.
178 da mesma lei estabelece que nas hipóteses de desinternação do indivíduo submetido à
medida de segurança, deve-se proceder conforme os artigos 132 e 133. A novidade trazida
pela decisão está na aplicação do art. 134, que ordena que o indivíduo seja advertido da
obrigação de apresentar-se imediatamente às autoridades competentes. Seja como for, note-se
a similitude de tratamento dado ao indivíduo preso e ao internado quando de sua liberação, a
indicar a aproximação da medida de segurança à pena privativa de liberdade.
3.3.1 Imediações e Visitas Domiciliares Assistidas
Na desinternação progressiva estimula-se um contato cada vez maior do interno com
seu meio social e familiar, estreitando esses laços, ao passo que se vai diminuindo sua
dependência com relação ao hospital. Para atingir esses objetivos, diversas estratégias foram
formuladas e colocadas em prática. Em primeiro lugar, estão previstas as chamadas
imediações acompanhadas, pelas quais o interno, acompanhado dos agentes de segurança
penitenciária, pode conhecer a cidade de Franco da Rocha. Também as imediações
desacompanhadas
44
, pelas quais o interno, sem a companhia de nenhum agente, pode se
dirigir à cidade de Franco da Rocha ou mesmo a outras cidades, desde que não muito
distantes. Importante assinalar que as imediações, regra geral, podem durar no máximo três
horas
45
, eis que se trata de um tempo reputado suficiente seja para conhecer o centro da cidade
(imediações com acompanhamento), seja para realizar compras ou dirigir-se a determinadas
instituições (imediações sem acompanhamento).
Finalmente, tem-se a Visita Domiciliar Assistida (VDA), instrumento pelo qual os
custodiados podem ficar com suas famílias por um determinado período
46
. Normalmente
essas estratégias são aplicadas nessa exata ordem, isto é, primeiro o interno sai pelas
imediações com acompanhamento, depois sai pelas imediações desacompanhado e, então,
pode visitar sua família, fazendo uso da Visita Domiciliar Assistida. Na verdade, a praxe
consiste em submeter o interno a no mínimo três imediações estando acompanhado,
44
Chamada também por alguns de permissões de saída.
45
Também nesse caso existe a possibilidade da duração da saída ser alargada, desde que haja justificativa
convincente de sua necessidade, de modo que o interno não fique ocioso pelas ruas. Por exemplo, se três
horas forem insuficientes para ir e voltar de uma determinada cidade relativamente próxima.
46
Como já dito anteriormente, o HCTP I mantém uma ala de progressão destinada a mulheres. Suas
características básicas são semelhantes às do HCTP II, inclusive as denominações “imediações” e “VDA’s”,
com a diferença de que o período máximo de permanência com a família é de 25 dias. As atividades
principais desempenhadas pelas custodiadas são panificação e limpeza geral. A ala é composta de quartos
com capacidade para até cinco internas, sendo que sua capacidade total é de 25 vagas.
posteriormente a três imediações sem acompanhamento, para então permitir as Visitas
Domiciliares Assistidas.
Ademais, ressalte-se que essas medidas não são aplicadas assim que o interno chega
ao hospital. Normalmente no primeiro mês o interno não realiza nenhuma saída, no segundo
mês realiza imediações acompanhado, no terceiro mês faz imediações desacompanhado, para
depois realizar as chamadas VDA’s. Nas primeiras saídas em VDA o interno passa poucos
dias com a família
47
; se não ocorre nenhuma intercorrência, e sua situação terapêutica
permite, ele vai passando pouco a pouco mais dias com sua família, até atingir o limite
máximo de vinte dias. Quando atinge esse patamar, passa a permanecer sete dias no hospital
(mínimo) e vinte dias (máximo) em sua casa
48
. Em verdade, embora esse seja o modelo de
progressão no HCTP II, é muito comum que a ordem de aplicação das estratégias seja
invertida, ou mesmo que se omita alguma das fases, tendo em vista as necessidades
terapêuticas e sociais do interno em concreto. Sendo assim, é possível que, dada a rápida
evolução do interno, ele não precise fazer as seis imediações, por exemplo. Ou então, em
razão da ausência de apoio familiar, apenas realize imediações
49
. O modelo desenhado serve
muito mais de guia de orientação
50
do que consiste em um ritual a ser necessariamente
seguido: tudo depende da adequada abordagem que deve ser feita com cada interno.
Seguindo esse mesmo raciocínio da não absolutização das regras aqui esboçadas, eis
que podem ser adaptadas a razões de ordem terapêutica ou prática, convém registrar que as
imediações com acompanhamento são normalmente realizadas com um grupo de, no máximo,
seis internos, em um veículo do hospital. Eles são acompanhados pelo motorista e dois
agentes de segurança penitenciário, um alocado no banco da frente, e outro acomodado no
banco de trás. Dirigem-se até o centro de Franco da Rocha, ocasião em que o primeiro agente
mostra e explica aos internos as principais ruas e avenidas, os estabelecimentos e as
47
Normalmente a primeira VDA é feita com acompanhamento de agentes de segurança penitenciária e tem a
duração de um dia.
48
Mesmo quando o interno atinge essa situão ideal, muitas vezes passa mais de sete dias no hospital por razões
práticas, tais como falta de dinheiro e problemas familiares, que o impedem de voltar a sua casa imediatamente. Da
mesma forma, nem sempre ficará vinte dias no seio familiar, seja por impedimento da própria família, seja por
necessidades do hospital. Ademais, esses prazos podem ser modificados em razão de comportamentos inadequados
do interno, tal como não ter ingerido a medicação corretamente na sda anterior.
49
Esses casos são os de progressão mais difíceis de serem viabilizadas.
50
Deve-se evitar uma compreensão matemática e linear da dinâmica da desinternação progressiva, pois isso não
corresponderia aos fatos. Se bem entendemos seu funcionamento, é perfeitamente possível que um interno, já
realizando VDA’s em seu período máximo (vinte dias), saia nas imediações desacompanhado. Isso seria
possível se, por exemplo, estando o interno no hospital, necessitasse fazer algo urgente na cidade, atividade
essa que não poderia aguardar a próxima VDA.
instituições da cidade
51
, assim como aponta os pontos de ônibus e estações de trem e explica
seu funcionamento. Os custodiados não saem do veículo durante essa saída, o motorista
apenas pára
52
vez em quando para que eles apreendam a localização. A saída para imediações
é uma medida essencial na desinternação progressiva, que se pretende reinserir o interno
socialmente. Considerando que a maioria dos internos do HCTP II é do interior de São Paulo,
trata-se de um imperativo mostrar a eles a cidade em que se encontra o Hospital, assim como
ensinar-lhes a irem visitar sua família, através dos meios de transporte disponíveis na cidade.
Ademais, como muitos deles ficaram internados anos a fio em outros hospitais, é muito
conveniente essa primeira visita extra-muros ser feita com acompanhamento, e de uma forma
não demorada, para que entrem em contato com a realidade exterior paulatinamente. Quando
forem realizar as imediações desacompanhados, saberão para onde se dirigir, no sentido de
satisfazer suas necessidades, tais como comprar mantimentos e roupas, ou dirigir-se ao
dentista
53
.
Com relação às VDA’s, cumpre salientar que elas só se viabilizam se houver a
anuência da família
54
, que inclusive se responsabiliza por cuidar do interno durante esse
período. Ademais, no retorno do interno, a família deve informar ao Hospital tudo que
ocorreu durante essa fase, sejam avanços ou intercorrências. Assim é que o interno deve trazer
um formulário preenchido e assinado por um familiar, em que constam perguntas relevantes a
respeito da observância do tratamento medicamentoso e de seu comportamento
55
. Essas
informações são importantes na medida em que proporcionam ao hospital a formulação do
juízo a respeito da evolução do tratamento do custodiado e de sua inserção social,
colaborando, aliás, para a autorização ou a denegação da próxima VDA.
Além das VDA’s, o contato dos internos com suas famílias pode ocorrer nas visitas
que eles recebem aos finais de semana e feriados. Na verdade, todo e qualquer interno que se
encontra no Hospital pode receber visitas, inclusive aqueles que ainda não podem estabelecer
contato com o meio externo
56
. No entanto, o número de pessoas que visitam os internos é bem
pequeno, provavelmente em razão da distância entre o Hospital e suas cidades de origem.
51
Por exemplo, delegacias, supermercados, bancos, prefeitura, previdência social etc. Conforme nos foi
informado, não são apontados lugares que não serão utilizados ou não devem sê-lo pelos pacientes, tais
como bares, creches etc.
52
A parada dura de dez a quinze minutos, em regra.
53
Algo comum, pelo que se pode inferir da fala dos entrevistados e informantes.
54
Em regra, se bem entendemos o programa, a família busca o interno.
55
Os assistentes sociais checam essa informação, pessoalmente ou através de ligação telefônica, com os
familiares. Na verdade, a principal forma de comunicação nesse caso é a oral, sendo o formulário secundário.
Ademais, pelo que se averiguou, a instituição do instrumento escrito é relativamente recente.
56
Quando os internos começam a fazer VDA’s, a freqüência das visitas tende a diminuir.
3.3.2 Atividades realizadas pelos internos
Os internos do HCTP II têm à sua disposição diversas atividades, sejam educativas,
laborativas ou recreativas. São fomentados, portanto, o trabalho, o lazer e a educação, como
estratégias fundamentais para o tratamento e a reinserção social dos internos.
3.3.2.1 Trabalho
Os internos têm a possibilidade de trabalharem no interior do Hospital. Nenhum deles
trabalha fora do hospital, ao menos formalmente, eis que a sistemática das VDA’s, ainda que
em seu momento ideal (vinte dias no meio social e sete dias
57
no hospital), impossibilita a
continuidade em um emprego. Na desinternação progressiva não funciona, portanto, o regime
de hospital-noite
58
, no qual os custodiados trabalham diuturnamente fora do hospital e a ele
retornam à noite para repousar. Embora isso fosse absolutamente desejável, sua implantação é
muito improvável, justamente porque as saídas dos internos são pautadas por necessidades e
possibilidades terapêuticas. Não como garantir a regularidade das saídas, a longo prazo,
pois os internos necessitam ser acompanhados paulatinamente, sendo comum alguns
retrocessos no tratamento, que impossibilitam por um tempo as saídas. Sendo assim, o HCTP
II não funciona como um hospital-noite, ao menos por enquanto.
Fato é que nenhum dos internos conta com registro em carteira de trabalho feito por
instituições e empresas externas ao Hospital. Por outro lado, é comum a consecução de
trabalhos informais, principalmente nas próprias comunidades de onde vieram. À margem da
crítica que se deve fazer ao trabalho meramente informal, é extremamente positiva a
manutenção do interno em serviços informais na sua comunidade de origem, porque isso
viabiliza certamente seu retorno ao convívio social, ao passo que denota a acolhida que a
comunidade dispensa a ele
59
.
Já dentro do Hospital propriamente dito há a possibilidade de trabalho, remunerado
ou não. As atividades desenvolvidas basicamente são: serviços de manutenção, tais como
57
Ademais, como dito, mesmo com relação àqueles internos que já alcançaram esse patamar, nem sempre
regularidade no número de dias autorizados em todas as saídas, mais um motivo a impossibilitar a consecução
de um emprego formal extra-muros.
58
Data venia, ao contrário do que insinua Ferrari (2001b, p. 170-171). Na verdade, talvez o autor esteja se
referindo a um outro período histórico da desinternação progressiva, em que o hospital-noite pode ter sido
implantado. Ocorre que, atualmente, esse sistema não opera, e certamente teria dificuldades em se estabelecer.
Confirmando a hipótese de que anteriormente, quando alocada no HCTP I, a desinternação progressiva
funcionava como hospital-noite, Cf. Adomaitis et al (2000, p. 13).
59
É muito valiosa a postura da comunidade que passa a se responsabilizar pelo interno.
pintura, alvenaria, conservação da parte elétrica e atividades assemelhadas; manutenção do
jardim e do campo de futebol; capinação; e limpeza das depenncias do hospital (pátio,
pavilo, parte administrativa, cozinha e refeirio). Estima-se que o mero de custodiados
envolvidos nessas atividades seja de cinenta a sessenta
60
, com alta rotatividade.
Atualmente a Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel" de Amparo ao Preso (FUNAP),
ligada à Secretaria de Administração Penitenciária, emprega formalmente cerca de vinte
internos
61
, remunerando-os com um salário-mínimo. Para dar oportunidade a um maior
número de internos, há rotatividade entre os contratados. Note-se que todo o trabalho
desenvolvido pelos custodiados relaciona-se às necessidades do próprio hospital, o
havendo convênios com empresas que os contratem para realizar outros tipos de atividades
laborativas, como ocorre em outros estabelecimentos penitenciários. É fundamental mudar
essa realidade, proporcionando aos custodiados outras possibilidades, e empregando um
maior número de internos.
Entre os internos formalmente empregados, dois realizam o trabalho de entrega e de
circulação de papéis e documentos na parte administrativa do Hospital, entre os diversos
setores e profissionais, recebendo por isso o nome de estafetas
62
. Obviamente não se trata de
documentos sigilosos ou de extrema relevância, mas sim daqueles que se porventura forem
lidos ou extraviados não gerarão maiores problemas para a unidade
63
. O estafeta percorre os
corredores da parte administrativa do hospital, munido de sua pasta contendo a documentação
a ser entregue e do caderno de protocolo, em que colhe a assinatura de cada destinatário
visitado, através da qual é confirmado o recebimento da documentação. Finalmente, três
outros internos contratados pela FUNAP têm por função zelar do Centro Cultural, que
passamos a analisar, sempre com a supervisão de agentes de segurança penitenciária.
3.3.2.2 Educação e lazer
No HCTP II há o chamado Centro Cultural, em que é possível se desenvolver diversas
atividades
64
:
60
Cerca de 30% dos custodiados, considerando que o número total de internos ronda duzentos.
61
10% portanto do total de internos. Nem é preciso dizer que seria fundamental aumentar esse índice.
62
Seu trabalho assemelha-se a de um “office-boy”.
63
Como exemplo de documento carregado e entregue a seus destinatários pelos estafetas, cite-se a autorização
de saída que, como se verá, é assinada por diversos profissionais da unidade. O estafeta percorre sala por sala,
colhendo a assinatura das autoridades responsáveis pela permissão da saída de um determinado interno.
64
Por exemplo, a realização de palestras e oficinas.
No mês de setembro de 2006, internos e funcionários se reuniram para transformar
uma pequena casa situada a poucos metros da administração, no ‘Posto Cultural
Encontro do Saber’; o lugar era usado, até então, apenas para guardar ferramentas.
No local foram montados uma biblioteca, uma sala de aula e um ateliê de arte, onde
se pode fazer trabalhos manuais e até pintar quadros [...]. (SÃO PAULO, on-line,
destaque do autor).
Destaque-se a biblioteca nele sediada, contando com cerca de 800 exemplares à
disposição dos internos. O ritmo de leitura, entretanto, fica aquém do desejado. Espera-se que
paulatinamente se crie uma cultura de leitura mais abrangente. Existe também uma videoteca,
sendo facultado aos custodiados assistirem às fitas VHS ou aos DVD’s no interior dos
pavilhões, consistindo, essa sim, em um atividade muito procurada.
Desenvolve-se também na unidade o artesanato, contando principalmente com
oficinas de pátina, bijuteria e confecção de caixas de madeira. Com relação a essas atividades,
inicialmente a procura é maior, mas nem todos persistem no aprendizado. Interessante
registrar que é urgente a presença de um terapeuta ocupacional
65
que tome a frente dessas
atividades, aumentando-as e aprimorando-as, para que melhor atinjam seus objetivos.
Especialmente em se tratando de doentes mentais, que em razão da patologia tiveram muitas
de suas habilidades comprometidas, um profissional dessa área seria salutar para aumentar-
lhes o rendimento.
Os esportes também se fazem presentes no HCTP II, sendo muito cultivados pelos
internos, especialmente o futebol. Partidas de futebol são muito comuns, inclusive com a
participação do corpo funcional da unidade. Também ocorrem partidas de voleibol e de
pingue-pongue, assim como é muito freqüente a participação no dominó
66
e no xadrez. Com
relação a essa questão, notabilizou-se a necessidade de profissionais da área de educação
física, que direcionassem a prática do esporte não apenas com finalidade recreativa, mas
também com objetivos educativos, entendidos como o ensino e a aprendizagem global dos
esportes e de suas regras, assim como a apreensão de pressupostos essenciais a essas
atividades, como disciplina e cuidados especiais com a saúde. Nem é preciso dizer que o
desenvolvimento de tais habilidades se coaduna perfeitamente com os objetivos da
desinternação progressiva.
Consideradas essenciais para o tratamento e reinserção social do custodiado no
contexto da desinternação progressiva, as atividades recreativas extra-muros também são
65
Necessidade essa patenteada por diversos entrevistados e informantes, chegando-nos a parecer a mais urgente
do ponto de vista da própria instituição. Da mesma forma, aventou-se a necessidade de um pedagogo e de um
diretor de educação, ausentes na unidade.
66
Segundo informações, o dominó é praticado diariamente.
fomentadas, como idas ao cinema ou a restaurantes supervisionadas pelos técnicos do
Hospital. Esse tipo de passeio é fundamental, porque auxilia o interno na retomada do contato
com o meio social, ao mesmo tempo em que instrui e diverte, sem contar com a possibilidade
de os técnicos observarem o comportamento dos internos no meio social. O difícil é viabilizá-
las, eis que não são suficientes as verbas destinadas a esse tipo de atividade, absolutamente
compatível com a sistemática da desinternação progressiva.
Seja como for, todas essas atividades elencadas o orientadas e supervisionadas por
agentes de segurança penitenciária, evidenciando-se a urgência na contratação de outros
profissionais especializados que os auxiliem nessa tarefa, fundamental para o êxito da
desinternação progressiva, eis que detém um grande potencial terapêutico e de reinserção
social.
Constatou-se também a existência de aulas ministradas
67
diariamente por uma
professora contratada pela FUNAP, sendo que seu trabalho se desenvolve principalmente com
a alfabetização. É comum, no entanto, o ensino de conteúdos do ensino fundamental ou
mesmo do ensino médio, seguindo as necessidades de cada interno. Deve-se registrar que
diversos deles conseguiram complementar os seus estudos, mediante avaliações
comprovativas do aprendizado, que garantem a certificação de conclusão daquele nível de
estudo. Observe-se também que nem todos os internos participam das aulas, mas somente
aqueles que se interessam
68
.
Outras atividades são ainda desenvolvidas dentro do Hospital por outras entidades,
como as reuniões semanalmente ministradas pelos Alcoólicos Anônimos (AA) e pelos
Narcóticos Anônimos (NA). Nem é preciso dizer que o trabalho desenvolvido por essas
entidades é muito importante, pois muitos internos são dependentes de álcool ou de
substâncias entorpecentes, que têm efeitos avassaladores em seu tratamento, que diminuem
o efeito do medicamento e pioram o quadro clínico da doença
69
.
Vale lembrar que, ao lado das possibilidades permanentes de lazer e educação, muitas
outras atividades foram desenvolvidas na unidade. Como exemplos relevante, citem-se os
cursos ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) na unidade,
como os de olericultura, horticultura, fabricação de conservas vegetais, minhocultura,
preservação do meio ambiente e piscicultura. Como conseqüência desse último curso,
67
As aulas acontecem no Posto Cultural.
68
Segundo estimativa feita por um entrevistado, cerca de um quinto dos internos, no máximo, participariam
dessa iniciativa.
69
A adesão dos pacientes, no entanto, fica aquém do desejável.
funcionários
70
e os internos da unidade construíram um lago, aliando também os
conhecimentos adquiridos no curso de preservação ambiental. O objetivo da construção do
lago era continuar praticando os ensinamentos fornecidos no curso, no que tange à criação de
peixes, assim como também desenvolver com os internos a pesca. Essa fantástica iniciativa
tem uma dúplice função: atuar terapeuticamente e propiciar a reinserção do interno no
mercado de trabalho, quando da desinternação
71
. No entanto, faz-se necessário observar que o
lago não tem sido explorado adequadamente, por falta de funcionários suficientes para tanto,
ocorrendo o mesmo com a horta constante na unidade.
3.3.3 Divisão dos internos nos pavilhões
O HCTP II conta com cinco pavilhões, unidos por um pátio comum
72
. Cada pavilhão
tem, em média, capacidade para 40 internos
73
, não havendo divisões internas em cada
pavilhão, como celas ou quartos, com exceção do pavilhão E que conta com algumas
subdivisões em seu interior assemelhadas a quartos. Além disso, esse pavilhão não é
imediatamente ligado ao pátio comum antes referido. Na verdade, o pavilhão é
geograficamente deslocado dos restantes, por se destinar àqueles indivíduos que estão mais
próximos da desinternação, marcando essa progressão também do ponto de vista da estrutura
das acomodações e da menor vigilância.
critérios relativamente bem definidos para dividir os custodiados nos diferentes
pavilhões
74
. Dessa forma, o pavilhão A é destinado àqueles internos que realizam VDA’s,
assim como o pavilhão E. Inicialmente, esse era o pavilhão que detinha essa destinação,
justamente por sua própria estrutura física diferenciada. No entanto, como o número de
custodiados que realizam VDA’s excede sua capacidade, foi necessário alocar outro pavilhão
para acomodar a todos que estão nessa situação, no caso, o pavilhão A. Por sua vez, o
70
Alguns funcionários também freqüentaram o curso que, vale dizer, conta com certificação de validade
nacional.
71
Ainda mais considerando que a maioria reside no litoral ou em áreas rurais do Estado, regiões em que a
piscicultura é essencial.
72
Todos os pavilhões são fechados às nove horas da noite, e reabertos às sete da manhã.
73
Em 17 de janeiro de 2008, o pavilhão A abrigava 42 custodiados, sendo que desses 15 internos estavam em
VDA; o pavilhão B encerrava 35 pacientes; o pavilhão C detinha 41 internos; o pavilhão D acolhia 40
indivíduos; e o pavilhão E abrigava 24 internos, estando 8 em VDA.
74
Esses critérios não foram nem serão sempre os mesmos, eis que a desinternação progressiva é uma prática
concreta, em constante transformação, que aproveita, aliás, de sua própria experiência para redefinir as regras
e critérios que a norteiam, no sentido de seu aperfeiçoamento. Feitas essas observações, cumpre assinalar que
a divisão dos internos nos pavilhões registrada nesse trabalho parece ser relativamente recente.
pavilhão B abriga os indivíduos que não realizam nenhum tipo de saída
75
nem imediações,
tampouco VDA’s e que também não trabalham no Hospital. A escolha desse pavilhão para
abrigar os internos que estão nessa situação tem uma justificativa simples: situa-se bem
próximo à sala do Diretor de Segurança e Disciplina, possibilitando assim uma maior
supervisão
76
. Já o pavilhão C é exclusivamente destinado àqueles que efetuam imediações ou
que trabalham nas dependências do Hospital. Finalmente, o pavilhão D foi designado para
acolher os internos que têm outros tipos de doenças
77
, que requerem constantes cuidados, ou
mesmo aqueles cujo estágio da doença mental demanda uma maior atenção. Essa designação
tem uma razão prática: o pavilhão D se localiza proximamente à enfermaria.
Para a instituição é essencial separar os internos que realizam imediações ou VDA’s
daqueles que nunca saem do Hospital, em razão do risco dos primeiros trazerem encomendas
para os segundos, incluindo substâncias entorpecentes. Separar esses grupos, alocando cada
um em pavilhões diferentes dificulta a troca e a distribuição de objetos trazidos do meio
exterior, que se encontram basicamente apenas no pátio. Provoca suspeitas nos agentes de
segurança penitenciária a atitude de um interno que, acabando de chegar de uma VDA, por
exemplo, passa a freqüentar o pavilhão B
78
. A princípio, não há problema algum nesse
trânsito dos internos em outros pavilhões; no entanto, se isso ocorre logo após a chegada do
interno no Hospital, a atenção dos agentes é aguçada, e uma apurada averiguação se dá.
Finalmente, é importante frisar que o arranjo dos internos nos pavilhões transmuda-se
constantemente, dependendo da mudança de sua situação particular. Por exemplo, quando um
determinado interno não tinha contato com o meio externo, abrigava-se no pavilhão B.
Posteriormente, quando começa a cumprir as imediações, passa a residir no pavilhão C. Se
vier a efetuar VDA’s, poderá ser alocado nos pavilhões A ou E. Da mesma forma, se em um
dos contatos com o meio social não se comportou adequadamente, o que culminou na
suspensão de suas saídas, retornará ao pavilhão B, enquanto essa situação perdurar.
Cada pavilhão tem seus representantes, que fazem a interlocução entre a administração
e os internos, transmitindo as ordens ou os comunicados. Interessante que esses
representantes
79
não são nomeados pela instituição, mas sim se apresentam como tais, falando
em nome dos demais colegas. O Hospital interfere nessa representação caso o interno
75
Seja porque chegaram no Hospital pouco tempo, seja porque não detêm condições terapêuticas ou
familiares de realizar saídas.
76
Nem é preciso dizer que esses pacientes encontram-se em um nível incipiente da desinternação progressiva,
além de serem os mais vigiados.
77
Exemplificativamente, SIDA, diabetes, doenças respiratórias, doenças cardíacas etc.
78
Da mesma forma, se os internos do pavilhão B passam a imiscuir-se nos outros pavilhões após a chegada de
alguns internos do meio externo.
79
Obviamente esses indivíduos tem um grau de consciência razoável, que permite o cumprimento dessa função.
abuse dela, aproveitando-se de sua posição para conseguir benefícios escusos. Caso contrário,
a administração não questiona a representatividade desses indivíduos, ao contrário, utiliza-se
dela para garantir uma boa e rápida comunicação com todos os internos
80
.
3.3.4 Equipes profissionais atuantes na desinternação progressiva
É pressuposto da desinternação progressiva a abordagem não psiquiátrica e
farmacológica, mas também de índole social e psicológica, de modo que se logre o tratamento
da doença mental do interno, assim como seu adequado retorno ao convívio social. Isso é
possível através da atuação e da interação de diversos profissionais, que somam esforços para
conseguir atingir tais objetivos. Nesse mister, sobressai a atuação da psiquiatria, da
psicologia, do serviço social, da enfermagem, da assistência jurídica e da segurança
penitenciária.
De acordo com as informações colhidas, a unidade conta com um clínico e sete
psiquiatras
81
, dois psicólogos, quatro assistentes sociais
82
, um advogado e dois assistentes
jurídicos
83
, um enfermeiro, cerca de quinze auxiliares de enfermagem
84
e cerca de trinta e
cinco agentes de segurança penitenciária
85
. Pelo volume de trabalho do HCTP II, certamente
seria necessária uma ampliação do número desses profissionais
86
, o que foi reconhecido pelo
próprio corpo funcional da instituição.
Expressão disso é o que tem ocorrido no seio da chamada diretoria multidisciplinar,
integrada pelos psicólogos e pelos assistentes sociais do Hospital. Muito embora cada
custodiado devesse ter a assistência dos dois profissionais em tela, e essa seja a proposta da
desinternação progressiva, não é isso que tem ocorrido no HCTP II. Em razão da falta de
funcionários suficientes, apenas um deles ou o psicólogo ou o assistente social atua em
80
Frise-se, no entanto, que os representantes não são o único veículo de comunicação utilizado pela unidade. É
extremamente comum o contato direto com os pacientes, independente da intermediação do representante.
81
a Secretaria de Administração Penitenciária fala em oito médicos psiquiatras (SÃO PAULO, on-line). A
pequena discrepância talvez se deva a uma mudança no quadro funcional, ou à inclusão do médico clínico no
número dos psiquiatras.
82
A informação quanto ao mero de psicólogos e assistentes sociais é confirmada pela própria Secretaria da
Administração Penitenciária (SÃO PAULO, on-line).
83
Esclareça que o advogado trabalha para a FUNAP, e que os assistentes jurídicos são na verdade agentes de
segurança penitenciária que têm formação jurídica, tendo sido por isso deslocados para essa função.
84
Os números coincidem com o informado pela Secretaria de Administração Penitenciária (SÃO PAULO, on-
line), sendo que apenas treze trabalham efetivamente em sua função, haja vista o deslocamento de dois deles
para atuarem na farmácia da unidade.
85
Sendo que muitos deles foram alocados para a realização de serviços administrativos.
86
Entre as graves conseqüências do diminuto quadro de funcionários, ressalte-se que o plantão médico
atualmente não tem se dado de forma ininterrupta, apresentando lacunas sobretudo no período noturno.
Ademais, a maioria dos médicos é plantonista, inclusive os médicos que funcionam como peritos, situação
que deve ser urgentemente regularizada.
cada caso concreto
87
. Na terminologia utilizada pelo Hospital, cada interno tem seu “técnico”,
isto é, um profissional que integra a diretoria multidisciplinar. Evidentemente essa sistemática
impede a efetivação de um verdadeiro trabalho multidisciplinar, pois esse sempre restará
incompleto. Indo ainda mais adiante, poderíamos afirmar que a chamada diretoria
multidisciplinar na verdade não proporciona um trabalho digno dessa qualificação, que
apenas um tipo de profissional atuará em cada caso específico. Na verdade, a equipe é
multidisciplinar, eis que congrega psicólogos e assistentes sociais, mas o trabalho dispensado
por ela a cada interno é unidisciplinar. Claro que tendo em conta os outros profissionais que
atuam necessariamente nos casos concretos, como psiquiatras e enfermeiros, o tratamento
dispensado aos internos será sempre multidisciplinar, mas sempre a custa de se deixar de lado
o Serviço Social ou a Psicologia.
Assim é que a existência da diretoria multidisciplinar, nesse estado de coisas, serve
apenas para trair o próprio ideal do trabalho interprofissional, ou seja: a concepção do
trabalho multidisciplinar é fraudada pela própria iniciativa de garanti-la. Somando-se isso à
ausência de outros profissionais, faltantes na desinternação progressiva, a atuação
multidisciplinar fica efetivamente aquém do desejado, não com relação ao trabalho
realizado com o custodiado durante sua internação, mas também quando da análise da
pertinência de sua desinternação definitiva. Com efeito, o papel desses profissionais na
formação do juízo judicial sobre a desinternação do indivíduo é muito importante, devendo
somar-se à perícia médica propriamente dita. Na atual conjuntura, entretanto, apenas um deles
estaria apto a contribuir com o juiz da execução nesse mister, situação que só pode ser
reparada aparelhando-se devidamente o Hospital com um maior número de psicólogos e
assistentes sociais.
A importância desses profissionais, inclusive, é reconhecida pela Lei de Execução
Penal, com relação à execução da pena privativa de liberdade, quando estipula, em seu artigo
7º, que a Comissão Técnica de Classificação
88
será composta pelo diretor do estabelecimento
prisional, e, no mímino, por dois chefes de serviço, por um psiquiatra, por um psicólogo e por
um assistente social. Ainda que a Lei 10792 tenha modificado a Lei de Execução Penal para
retirar a exigência do parecer da referida Comissão, assim como do exame criminológico,
para fins de concessão de progressão do regime da pena privativa de liberdade, a atuação da
referida Comissão na desinternação progressiva poderia ter um papel importante, ou ao menos
87
Esse era o estado de coisas quando da realização da pesquisa de campo, sendo que essa informação foi
confirmada por diversos entrevistados e informantes.
88
Comissão destinada a viabilizar a individualização da execução penal.
o estabelecimento da participação obrigatória de alguns dos profissionais que a compõem.
Com efeito, se com relação à pena privativa de liberdade tem-se polemizado a sua
participação, na medida de segurança e especificamente na desinternação progressiva ela é
altamente recomendável, principalmente com relação ao médico psiquiatra, ao psicólogo e ao
assistente social. Se o psiquiatra se faz presente atualmente nas decisões de transferência para
a desinternação progressiva ou de desinternação definitiva, o mesmo não se pode dizer com
relação ao psicólogo e ao assistente social, devendo ser alvitrado um protagonismo maior
desses profissionais nesses momentos.
O modelo de decisão judicial fundado apenas nas informações médicas, exaradas
através das perícias, deve ser reformulado, de modo a exigir-se também a participação de
outros profissionais importantes, a começar-se pelos assistentes sociais e pelos psicólogos. É
dizer: estabelecer-se a obrigatoriedade não apenas das perícias médicas, mas também dos
pareceres sociais e das avaliações psicológicas. Ademais, com relação à psiquiatria
propriamente dita uma outra modificação deve ser operada: a participação não do médico
perito no momento de avaliação da desinternação do interno, mas também do psiquiatra que o
acompanha, eis que normalmente essas duas funções não recaem no mesmo médico. Em
regra, o médico perito desenvolve apenas a atividade de realização das perícias, com a
conseqüência de que o psiquiatra do interno não tem participado efetivamente da formulação
do juízo a respeito da indicação da desinternação definitiva do interno. Trata-se de importante
questão a demandar transformações na execução das medidas de segurança.
Analisemos doravante a concretização do trabalho multidisciplinar no interior da
desinternação progressiva.
As equipes profissionais que nela atuam, além do contato cotidiano e de outros
encontros que se efetivam, comparecem basicamente a duas reuniões distintas.
Primeiramente, a chamada reunião multidisciplinar, ocasião em que diversos profissionais
congregam-se com a finalidade de analisar a situação de determinados internos. Essa reunião
é semanal, e dela normalmente participam um profissional de cada área, além do diretor do
Hospital, diretor multidisciplinar e diretor de segurança e disciplina. Assim, comparece à
reunião um psiquiatra, um psicólogo, um enfermeiro, um assistente social, um assistente
judiciário e um agente de segurança penitenciária
89
. Em geral analisam-se nessa reunião os
89
Pode ocorrer, por exemplo, que não haja um agente de segurança, já que está presente o diretor de segurança e
disciplina, o mesmo ocorrendo com o diretor multidisciplinar, que será psicólogo ou assistente social.
Ademais, nem sempre todos os profissionais estarão presentes, dependendo de sua disponibilidade e também
da necessidade concreta de participação na reunião, que pode às vezes não ocorrer.
casos clínicos mais complexos, decidindo-se em conjunto
90
se os respectivos internos poderão
ou não realizar saídas. Note-se o caráter interdisciplinar que essa sistemática confere à própria
desinternação progressiva, na medida em que não é apenas o juízo psiquiátrico que contribui
para a apreciação da situação de cada interno e sua possibilidade de evolução, mas uma
verdadeira conjunção dos aspectos psicológicos, sociais e médicos, além da importante
análise de enfermeiros e agentes de segurança. Ressalte-se que a equipe da enfermaria e os
agentes se segurança são os profissionais que mais contato têm com os internos, eis que os
orientam e supervisionam diariamente. Dessa feita, observam continuamente o
comportamento dos internos, conseguindo perceber rapidamente suas mudanças, quando elas
ocorrem. Contribuem portanto, ao contrário do que se possa pensar, de forma decisiva na
avaliação do quadro do custodiado. Além da análise dos casos concretos mais intrincados,
algumas outras questões importantes são examinadas na reunião multidisciplinar, como as
problemáticas eventualmente enfrentadas pelo HCTP II na concretização do tratamento dos
internos
91
. Ademais, pelo que pôde se averiguar, a análise das faltas cometidas pelos internos,
dentro do Hospital ou durante as saídas, também são feitas nessa reunião
92
, com seu
respectivo encaminhamento. Sobre essa reunião, pronunciam-se Adomaitis et al (2000, p. 13):
A Equipe Técnica da C.D.P., é composta por um médico, uma assistente social, uma
psicóloga, um chefe de segurança penitenciária. Essa Equipe reúne-se semanalmente
para discutir e deliberar sobre as condutas, analisar e estudar os casos dos pacientes
e suas respectivas famílias, além de decidir sobre as visitas familiares que os
pacientes podem estar fazendo aos finais de semana, os trabalhos que exercem e
outras atividades necessárias aos objetivos que norteiam o tratamento.
Assinale-se, no entanto, que a reunião multidisciplinar, em regra, dá-se sempre em um
mesmo dia da semana. Disso decorre alguns obstáculos à consecução da
interdisciplinariedade na análise dos casos concretos, eis que muitas vezes acabam
participando da reunião apenas os profissionais que trabalham no hospital nesse dia. Explico.
Cada profissional pode emitir juízos sobre os casos que acompanha. Assim, ainda que haja
representantes de todas as categorias profissionais, nem sempre estarão presentes os
profissionais de todas as áreas que atuam efetivamente nos casos sob análise naquela reunião.
Ou então, pode ocorrer que, se entre os casos debatidos na reunião, nenhum é da atribuição de
90
As decisões a respeito de casos mais simples também são tomadas em conjunto, mas não no contexto da
reunião multidisciplinar. A comunicação e a tomada de decisão são feitas através dos próprios prontuários dos
internos, ou mesmo no contato cotidiano dos profissionais. De qualquer forma, como já asseverado, todos
assinam as autorizações de saída.
91
Exemplificativamente, cite-se a necessidade de obtenção de um determinado medicamento para um certo
interno.
92
Só não se sabe se esse é o único espaço em que essa questão é avaliada.
um determinado profissional que está na unidade, este não participe da reunião. Por mais sutis
que possam parecer, essas questões acabam trazendo conseqüências negativas no que tange à
prática da interdisciplinariedade.
ainda um segundo tipo de reunião que ocorre com freqüência e continuidade: a
reunião do corpo funcional
93
com os internos
94
da unidade. Também realizada semanalmente,
no pátio do Hospital, seu objetivo é possibilitar um momento para que os internos exponham
seus problemas e necessidades, buscando o encaminhamento das soluções possíveis
95
.
Também é o momento de oferecerem sugestões ou fazerem indagações, a fim de sanarem
eventuais dúvidas a respeito da condução dos trabalhos no Hospital. De plano se diga que
se trata de iniciativa louvável, pois literalmente institucionaliza o direito dos internos de
expressarem seus descontentamentos e pugnarem por soluções adequadas a suas
contingências. Mais do que isso: estabelece o direito de falarem e de serem ouvidos, ao
mesmo tempo em que estabelece o dever da instituição
96
em conceder soluções ou
explicações para a questão aventada.
Esse momento, destaque-se, não é exclusivo, de forma a não haver outro espaço para
que tais questões sejam ventiladas. É certo que isso ocorre também no cotidiano dos internos,
de maneira individualizada. Mas o que deve ser notado é a importância de existir um
momento formal e coletivo para o encaminhamento das questões, ainda que não raro
discutam-se problemas individuais em tal oportunidade. Além do mais, a existência desse
encontro institucionalizado reforça e naturaliza a necessidade de os funcionários atenderem
aos pleitos dos internos no dia-a-dia da unidade. Claro que isso não necessariamente significa
a satisfação do problema no sentido pleiteado pelo interno, mas certamente estabelece um
convívio saudável entre estes e os funcionários do hospital, ao passo que se exercitam as
regras da sociedade mais ampla.
Destaque-se também uma característica laudável do encontro em tela: sua pauta é
ditada pelos próprios internos. Dessa feita, os temas são apresentados pelos internos e
anotados pelos funcionários. Há duas possibilidades de encaminhamento: a solução ou a
93
Costumam ir à reunião praticamente todos os profissionais que se encontram na unidade.
94
Geralmente comparecem todos os pacientes que se encontram na unidade ou seja, que não estão fazendo
imediações ou VDA’s –.
95
Ferrari (2001a, p. 130) noticia a existência dessas reuniões: “existindo contínuo contato com os técnicos e
funcionários da administração, com reuniões semanais, nas quais todos em conjunto deliberam sobre as
decisões relativas às normas de funcionamento da Colônia”.
96
Obviamente esses direitos e deveres existem, não necessitando ser restabelecidos. O que se quer dizer é que há
o seu reconhecimento por parte da instituição e, o que é mais importante, sua prática.
resposta para a questão advir na própria reunião
97
, ou então a réplica dar-se em outro
momento, quando for possível. Conforme foi averiguado, sempre é dada uma resposta aos
internos, ainda que ela consista na explicação do motivo pelo qual o problema não pode ser
por ora solucionado
98
. Finalmente, no fim da reunião os funcionários transmitem suas
mensagens aos internos, tais como orientações, advertências ou mesmo comunicação de novas
regras que serão aplicadas na unidade.
3.4 Análise da eficácia político-criminal da desinternação progressiva
Enquanto estratégia político-criminal no seio da medida de segurança, a desinternação
progressiva deve obviamente perseguir suas finalidades, tendendo sempre para sua
consecução. Na verdade, a efetiva realização das finalidades político-criminais da medida de
segurança relaciona-se com a própria legitimação da desinternação progressiva. Como ficou
manifesto no capítulo anterior
99
, a finalidade da medida de segurança no âmbito do Direito
Penal é de índole preventivo-especial, em seus aspectos positivo e negativo. Com relação ao
primeiro, que aliás deve ser a finalidade preponderante, a desinternação progressiva deve
realizar o tratamento e a reintegração social dos internos a ela submetidos
100
. Com relação ao
segundo, a desinternação progressiva deve ser eficaz na proteção da sociedade contra lesões
de bens jurídicos penalmente relevantes
101
.
Na seqüência, a partir dos dados empíricos coletados no HCTP II, assim como das
informações e declarações prestadas pelos sujeitos da pesquisa, analisar-se-á a adequação da
desinternação progressiva para atingir os objetivos mencionados, acrescendo-se a análise da
adequação da medida para proteger a dignidade da pessoa humana, a que toda intervenção
estatal deve tender.
97
Se a questão for simples ou se o profissional que cuida daquele interno estiver na reunião, e a questão
puder ser por ele resolvida.
98
Conforme nos foi afirmado, sempre é tentada a solução concreta para os problemas aventados pelos internos,
recorrendo-se a esse expediente somente quando tal não for realmente possível, ou ainda quando a solicitação
do interno for incompatível com as normas de segurança e disciplina do Hospital. Destaque-se também que,
conforme as informações colhidas, o diretor da unidade cobra na semana seguinte o cumprimento das
providências adequadas.
99
Especificamente no item 2.2.
100
O tratamento deve ser realizado enquanto instrumento para a cessação ou para a diminuição da periculosidade
do indivíduo, de modo a efetivar sua reintegração social.
101
Espera-se que o tratamento e a reinserção social do interno levem-no a não mais entrar em conflito com o
ordenamento jurídico.
3.4.1 Eficácia com relação à prevenção especial positiva
Como visto anteriormente, a prevenção especial positiva nas medidas de segurança
é sua finalidade primordial, abrangendo dois aspectos: o tratamento da doença mental do
interno de modo a reduzir-lhe a periculosidade e sua reinserção social. Por isso é que a
desinternação progressiva deve concretizar essas finalidades, para que seja reconhecida sua
eficácia. Com efeito, a metodologia terapêutica da desinternação progressiva diferencia-se
basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, o tratamento é entendido de uma forma
multidisciplinar, isto é, um reconhecimento de que a intervenção médica e farmacológica,
por si só, não consegue realizá-lo de maneira eficaz: são necessárias outras intervenções, tais
como a psicológica e a social. Admite-se portanto, institucionalmente, que a doença mental do
interno não tem um caráter apenas biológico, mas compreende outros aspectos:
Do ponto de vista de saúde, se o indivíduo portador de uma alteração mental não
receber uma terapêutica condizente com suas reais necessidades, e isso implica a
adoção de técnicas psico e sócio-terapêuticas, o tratamento psicofarmacológico
servirá, tão somente, para controlar o quadro psicopatológico, sem interferir no
processo de reintegração sócio-familiar. A adoção de tais técnicas tem sido o norte
do Manicômio Judiciário Paulista, pois assim a Instituição deixará de ter uma
função custódio-assistencial, para exercer relevante papel no processo de
ressocialização do paciente (ADOMAITIS et al, 2000, p. 16, grifo nosso).
Note-se que o adequado tratamento da doença mental do interno é percebido como um
instrumento para lograr sua ressocialização, e não como finalidade autônoma. Com efeito, foi
corrente na fala dos entrevistados a afirmação de que a cura absoluta da doença ocorre muito
raramente, havendo na verdade o controle da doença, apto a permitir o retorno do interno ao
convívio social. Do ponto de vista político-criminal, essa abordagem é adequada, que
enxerga nas terapêuticas fornecidas ao interno um instrumento de sua ressocialização, não
fazendo, ademais, a desinternação definitiva depender da cura da doença, mas sim da
readaptação do interno para o exercício das relações sociais. Obviamente não se está querendo
dizer com isso que o tratamento possa ser descuidado; ao contrário, ele deve ser perseguido,
mas na exata medida em que pode facilitar a inclusão do custodiado no meio social.
Outra diferença essencial que caracteriza a desinternação progressiva é a convicção de
que a periculosidade do interno não se deve apenas a fatores endógenos, mas é vigorosamente
influenciada pelo meio social em que o indivíduo estava inserido, e para o qual provavelmente
voltará, quando de sua desinternação. Essa concepção, além de ser inovadora, tem uma
conseqüência importantíssima: para cessar a periculosidade do sujeito, são necessárias
intervenções sobre ele e também sobre seu meio. Pouco adiantará intervir na doença e no
comportamento do indivíduo, se as características de seu ambiente social continuarem
intocadas, conforme se pôde depreender da fala de um dos entrevistados. Com efeito, este
afirmou que a desinternação progressiva abarca duas questões fundamentais, do ponto de vista
da reinserção social: o trabalho junto ao próprio indivíduo internado, visando sua recolocação
na sociedade e o trabalho junto à sociedade, objetivando prepará-la para o acolhimento do
interno. O entrevistado esclareceu que a intervenção na sociedade como um todo pode parecer
muito ampla – implicitamente parecendo querer dizer de difícil operacionalização –, devendo-
se trabalhar fundamentalmente com o microcosmo em que o interno será reinserido.
Para ilustrar a pertinência de sua asserção, o entrevistado cita o clássico exemplo da
ancilostomíase, popularmente conhecida como amarelão: ainda que o doente seja curado da
doença, se não forem mudadas as condições sanitárias do local em que vive, a recontaminação
é certa. Para que a cura sobrevenha de forma estável, é necessário intervir tanto no sujeito
contaminado quanto na comunidade em que vive. Analogamente, o entrevistado afirmou que
a doença mental também sente influência do aspecto social, seja na sua própria gênese, seja na
não realização do tratamento tempestivamente. De forma que, se não se intervir na
comunidade de origem do interno, maiores são as chances de ele voltar a praticar um ilícito-
típico
102
. Para o entrevistado, a única forma de evitar que isso aconteça é ingerir-se no
microcosmo social do interno, fazendo do Serviço Social uma das atividades mais importantes
do Hospital. Além disso, o entrevistado esclareceu que o pano de fundo para seu raciocínio é
uma mudança na própria acepção da periculosidade, não mais concebida como
exclusivamente endógena ao indivíduo; para ele, o interno é perigoso em determinadas
situações e em certas condições, normalmente ligadas à sua história e à sua vivência social.
Com efeito, em um dos documentos disponibilizados pelo hospital
103
, encontrou-se a
afirmação de que a desinternação progressiva tenta controlar a ocorrência de comportamentos
descritos como crimes “através do tratamento do indivíduo e da ão sobre o meio”. No
mesmo parecer, uma dura crítica ao conceito de periculosidade
104
é formulada:
102
Em suas próprias palavras: “Ele vem de um lugar e de uma coisa que propiciou que ele bebesse, ou que ele
ficasse [...]. Inclusive que a doença dele não fosse compreendida. E isso eu posso te provar que acontece. Eu
tiro ele daqui e coloco ele no mesmo lugar. Que vai acontecer? Ele vai cometer outro crime. Aí ele vai voltar.
eu solto, ele vai voltar. Eu solto, ele vai voltar. [...] Vai pegar amarelão de novo que nem eu tava falando
pra você, dez mil vezes vai pegar amarelão, se eu mando o cara pro mesmo lugar que ele veio, que foi o que
levou ele a cometer um delito, ou o que levou ele a ficar doente inclusive”.
103
Especificamente uma complementação de laudo de cessação de periculosidade.
104
Conceito que realmente merece ser repensado no âmbito das ciências criminais.
A Periculosidade Jurídica é um conceito anacrônico porque se apóia somente nas
condições do indivíduo. Neste sentido se assemelha ao conceito Lombrosiano. Não
considera as causas sociais e a responsabilidade social no caso da cessação da
periculosidade e da reinserção do doente na comunidade. Age como fazia o
positivismo ingênuo do início do século passado. A criação da Desinternação
Progressiva colocou em relevo a importância do meio social no controle da
periculosidade. Demonstrou que a periculosidade é fruto da interação do doente com
o meio.
Essa abordagem se coaduna com os pressupostos e com a dinâmica da desinternação
progressiva. Ora, na execução tradicional da medida de segurança, a periculosidade é
realmente considerada como uma característica tão-somente do sujeito, que deve ser
diminuída através do tratamento. Assim, pode-se verificar a cessação da periculosidade do
indivíduo independentemente da avaliação de seu comportamento no meio social: atestada a
cessação, o sujeito é desinternado definitivamente, para então voltar ao meio social. Na
desinternação progressiva, entende-se que o como verificar a diminuição da
periculosidade sem apreciar as atitudes do custodiado no ambiente social. Por isso é que
primeiro se vai aumentando progressivamente o convívio sócio-familiar, para verificar
efetivamente como tem se dado a interação do interno com o meio social, de que depende a
periculosidade do primeiro. Somente após esse juízo é que se pode analisar se o custodiado
tem condições de ser desinternado. Ademais, isso implica em uma outra importante mudança
metodológica: a reinserção do interno é buscada através da efetivação de sua própria
ressocialização. Explico. Enquanto na internação tradicional a inclusão do interno em
sociedade é construída – incoerentemente – através de seu absoluto isolamento do meio
social, em que é muito mais provável que desaprenda as regras sociais do que as apreenda, na
desinternação progressiva ocorre justamente o contrário: entende-se que a recolocação do
sujeito em sociedade é possível se for viabilizada paulatinamente. Mais do que isso: se
pode saber se o indivíduo está realmente apto para esse convívio através do processo
proporcionado pela desinternação progressiva.
Nesse sentido é a fala de um entrevistado, afirmando que apenas a desinternação
progressiva permite que o conceito de periculosidade seja revisto efetivamente. Isso porque,
na execução tradicional da medida de segurança, os critérios para aferi-la acabam sendo
subjetivos, que não parâmetros seguros para traçar uma expectativa do comportamento
social do interno. Na desinternação progressiva, ao contrário, os profissionais têm um contato
cotidiano com as questões práticas relacionadas à reinserção social do interno, em razão de
acompanharem e assistirem as relações do interno com o meio social, passando a contar com
parâmetros objetivos para analisar o comportamento futuro do interno. O entrevistado reputa
essa conquista à realização de saídas pelo interno, aos relacionamentos travados por ele e ao
que chama de liberdade com responsabilidade, que teria efeitos terapêuticos.
Com efeito, a construção de uma liberdade responsável, a ser exercida pelos internos,
é parte essencial da abordagem própria da desinternação progressiva. Não se pode negar que
isso potencializa a eficácia da medida, que os internos compreendem que do exercício
adequado de sua liberdade depende sua desinternação definitiva. Isso certamente fomenta a
autonomia e a cidadania dos sujeitos custodiados, ao mesmo tempo em que prolonga a
fiscalização da unidade sobre seu comportamento
105
, diferentemente da desinternação
tradicional em que o vínculo se finda abruptamente
106
.
Para lograr a ressocialização do interno, o trabalho com sua comunidade de origem é
uma das propostas mais interessantes e coerentes da desinternação progressiva, sobretudo por
tentar preparar a própria família do custodiado para o momento da desinternação definitiva,
fazendo com que ela paulatinamente aceite e se responsabilize pelo interno. Ademais, a
família é considerada um dos componentes
107
mais importantes na estratégia de reintegração
social do interno, sendo muito comum a melhora da situação clínica do interno quando é
restabelecida a convivência familiar através da realização de VDA’s. Com efeito, é papel
crucial da desinternação progressiva avaliar e melhorar as condições concretas da família e da
comunidade
108
em acolher o interno quando de sua desinternação. Nesse sentido, dois
recursos são fundamentais, a saber: garantir a aproximação adequada da família ao indivíduo
custodiado e fomentar a melhora na situação social da própria família e a concretização de
seus direitos através da utilização dos serviços públicos da comunidade em que está inserida.
Para que isso seja realmente alcançado pela desinternação progressiva, faz-se necessário uma
aproximação dos assistentes sociais do Hospital a essa realidade
109
, para que consigam
efetivamente nela intervir, construindo as mudanças essenciais para a preparação do retorno
do interno ao convívio social. No entanto, como a falta de recursos suficientes
110
é a
105
Em verdade, como são fiscalizados quando saem para o meio externo, é muito provável que a sensação de
vigilância continue mesmo após a desinternação.
106
Ademais, para os internos, a forma de recolocação social proporcionada pela desinternação progressiva tende
a ser muito mais apropriada, na medida em que não ficam desassistidos nesse processo.
107
Tanto que os casos de internos que não m nenhum contato familiar ou cujas famílias não querem recebê-los
de volta são reputados como os de maior dificuldade.
108
Insistiu-se na idéia de que deve haver com relação à comunidade um juízo duplo: se o interno não oferece
risco para ela – no sentido da lesão de bens jurídicos essenciais –, e se ela não representa riscos para o interno
– compreendidos como o fomento à prática de ilícitos-típicos e o agravamento da anomalia psíquica –.
109
Composta de inúmeras ações, tais como o contato freqüente com as famílias dos casos mais complexos e o
levantamento dos serviços públicos disponíveis na comunidade respectiva, com o devido encaminhamento.
110
Somado ao fato de que cada interno conta apenas com um técnico (psicólogo ou assistente social).
imperfeição mais patente na desinternação progressiva, essa intervenção, fundamental para o
êxito da medida, é exercida na prática de modo restrito.
Seja como for, é mister reconhecer que a desinternação progressiva é muito mais
adequada para os familiares do indivíduo custodiado do que a forma tradicional de
desinternação, eis que estes freqüentemente têm temor do comportamento do interno, que no
passado praticou um fato descrito como crime, muitas vezes dentro do próprio seio familiar.
Essa lenta retomada do convívio entre eles serve para a família notar as mudanças de
comportamento e a melhora clínica do interno, e, é claro, para testá-lo durante esse processo.
Ademais, a desinternação progressiva torna possível a efetiva responsabilização da família,
que passa a compreender sua importância para o tratamento e para a ressocialização do
interno. Mais do que isso, não deixa esse exercício apenas para depois da desinternação
definitiva, mas o põe em prática ainda na fluência da internação, com a existência de apoio
profissional. Em outras palavras, a desinternação progressiva intenta concretizar, antes do
desligamento definitivo do Hospital, os fatores que serão essenciais para a estabilidade do
indivíduo na vida social, promovendo a desinternação do sujeito de forma gradativa e
assistida.
Nesse sentido, um dos depoimentos colhidos foi bastante expressivo, afirmando o
entrevistado que o trabalho realizado na desinternação progressiva faz com que se descubram
com detalhes as condições sociais e familiares do interno, de modo a permitir uma
intervenção pontual sobre elas, de forma que, quando o indivíduo é desinternado, tanto ele
quanto sua família e sua comunidade estão diferentes. Segundo ele, as Visitas Domiciliares
Assistidas possibilitam a interação e a aproximação entre interno e sociedade, com a
conseqüência de que o primeiro retoma as atividades comuns aos sujeitos daquela
comunidade, tais como visitar seus moradores, freqüentar determinada igreja, praticar
esportes em suas quadras coletivas, ou mesmo trabalhar em seus estabelecimentos. Com
efeito, o entrevistado afirma que muitos internos empregaram-se
111
durante a realização das
VDA’s, em estabelecimentos próximos à sua moradia, em razão da vontade da comunidade
em auxiliar o indivíduo durante esse período. Como resultado desse processo, o entrevistado
assinala que, quando da desinternação, o interno pode contar não com o apoio de sua
família, mas também da comunidade que o acolherá definitivamente.
Com relação ao trabalho com a família, o entrevistado assinala que a desinternação
progressiva é mais adequada que a execução tradicional. Isso porque, na última, quando
111
Cita, concretamente, o caso de um paciente que começaria em breve a trabalhar em uma funilaria, e de alguns
que trabalham em atividades agrícolas durante suas saídas.
ocorre a desinternação do interno a família o recebe definitivamente, muitas vezes após anos
de ausência de contato entre eles. Na verdade, não raro a família não quer acolhê-lo, em
razão do medo que sustenta perante ele ou simplesmente porque o quer por ele se
responsabilizar. na desinternação progressiva a retomada do contato do interno com sua
família não se de forma súbita, de modo a acirrar os temores ou as rusgas existentes entre
eles, e sim de forma lenta, possibilitando a efetiva retomada dos laços efetivos que
conduzem a família a querer se responsabilizar pelo interno –. O entrevistado cita inúmeros
casos em que no primeiro contato do Hospital com a família esta se posiciona de modo
desfavorável à retomada do contato com o interno
112
, revendo porém essa posição
posteriormente. Narra que o Hospital nesses casos propõe à família apenas passe um dia com
o interno, para verificar se há ou não possibilidade de retomada do contato
113
. Em caso
positivo, a unidade propõe à família, paulatinamente, que o interno permaneça com ela mais e
mais dias, deixando a família à vontade para escolher o momento de dar um passo à frente
nesse processo. Conforme relatou o entrevistado, essa forma de abordagem permite a criação
de uma oportunidade concreta e qualificada de retomada do contato familiar, fundamental
para o interno. Finalmente, o entrevistado atesta que a principal estratégia da desinternação
progressiva reside na inserção paulatina do interno em sua família e na comunidade, ao
mesmo tempo em que se intervém sobre elas, no sentido de prepará-las para o retorno do
primeiro em seu convívio. Reconhece, porém, que a atuação do Hospital no que toca ao
trabalho com a comunidade nem sempre ocorre, sendo comum nesses casos que a própria
comunidade gerencie a problemática trazida pelo interno.
Note-se que a mida intervenção muitas vezes realizada pela desinternação
progressiva na comunidade, reconhecida pelo entrevistado, denota situação que deve ser
regularizada o mais rapidamente possível para que a eficácia da medida seja maior. No
entanto, também fica claro que apenas o contato efetivo entre o interno e a sociedade é, não
raro, fator de modificação na própria interação. Tão-somente o fato de proporcionar esse
contato concreto do interno com sua comunidade de origem inaugura inúmeras possibilidades
absolutamente convenientes do ponto de vista de sua ressocialização, situação certamente
bem mais fecunda do que seu enclausuramento absoluto
114
.
112
Provavelmente como se comportaria frente à desinternação definitiva de seu familiar nos moldes da execução
tradicional.
113
Essa primeira visita permite à família verificar as mudanças clínicas e comportamentais do interno, aptas a
tornar possível a reconstrução das relações familiares.
114
Trata-se de mais um indício de que a metodologia da desinternação progressiva é bastante acertada.
Outra questão considerada fundamental pelos entrevistados para o êxito da
desinternação progressiva é a continuidade do acompanhamento do custodiado após sua
desinternação, sobretudo através do Sistema Único de Saúde. Isso porque afirmam que, para a
periculosidade do indivíduo continuar controlada e para a estabilidade de seu convívio social
restar garantida, comumente é essencial a não interrupção do tratamento
115
. Ou ainda, nos
casos em que o interno não conta com sustentação familiar
116
, é necessário transferi-lo para
um hospital psiquiátrico comum
117
ou para as residências terapêuticas, dependendo portanto o
desligamento definitivo do sujeito do HCTP II, nesses casos, à existência concreta dessas
outras unidades. Sendo assim, deve-se reconhecer que interferem na eficácia da medida
muitas questões que lhe são exteriores, como foi sugerido em uma complementação de laudo
de cessação de periculosidade: “mantenho a opinião de que o interno * tem sua periculosidade
controlada do ponto de vista médico e permanecerá assim se for atendido em um bom serviço
de Saúde Mental e seguir com o apoio de seus familiares”. Obviamente essas condições não
são as mesmas para todos os internos, mas a afirmação encontrada no laudo nos mostra a
importância de fatores externos à desinternação progressiva.
Ratificando essa relação, um entrevistado afirmou que a eficácia da desinternação
progressiva depende da realização de um trabalho conjunto, a envolver não apenas o Hospital,
mas também a família do interno e a própria sociedade. Relatou que por diversas vezes foi
constatado que ex-internos voltaram a entrar em conflito com o ordenamento jurídico em
razão da não continuidade do tratamento psiquiátrico, fruto da falta de medicamentos na
unidade de saúde em que eram atendidos. O entrevistado afirmou que essa realidade não é um
problema da desinternação progressiva propriamente dita, competindo a sua solução ao
Sistema Único de Saúde, ao Estado e a sociedade como um todo.
Para o entrevistado, portanto, parte da responsabilidade pela ineficiência da
desinternação progressiva não é propriamente dela, mas da ausência de tratamento do interno
quando este se encontra vivendo novamente em sociedade. Assinale-se apenas que, em sua
fala, esse tratamento dispensado no meio externo é de responsabilidade do Estado, no que tem
115
Consistente, por exemplo, no acompanhamento médico, na administração correta dos medicamentos, que para
tanto devem ser disponibilizados tempestivamente, na assistência conferida pelo Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS), na continuidade do apoio prestado pela assistência social, e assim por diante.
116
Conforme informou um entrevistado, diversos custodiados passam a morar sozinhos, principalmente se
contam com aposentadoria ou algum outro benefício previdenciário. Nesse caso, a equipe do Hospital
ordinariamente auxilia o interno na escolha da residência e na compra da mobília, efetivadas com dinheiro do
próprio interno.
117
Registre-se que a concretização dessa possibilidade tem sido cada vez mais difícil, já que em razão da
reforma psiquiátrica muitos hospitais não destinam seus leitos para internações definitivas, exatamente para
impedir que se tornem instituições asilares.
absoluta razão; ocorre que a desinternação progressiva, afinal, também é obrigação estatal,
sendo certo que o Estado deve cumprir satisfatoriamente com todos esses encargos.
De qualquer forma, é essencial para a comprovação da eficácia político-criminal da
desinternação progressiva, no que diz respeito à resinserção social do interno, que um
considerável número de internos tenham efetivamente retornado ao convívio social. Para esse
objetivo, de nada adiantaria uma reformulação na execução da medidas de segurança, nos
moldes da desinternação progressiva, se não houvesse efetiva reintegração social dos internos.
Nesse sentido, é importante a constatação de que 297 internos foram desinternados, dentro de
um universo de 591 indivíduos custodiados
118
, resultando portanto em um índice de 50,25%
de sucesso.
Os funcionários entrevistados, salvo poucas exceções, insistiram na idéia de que a
eficácia da desinternação progressiva não é maior em razão da ausência de um “perfil”
119
adequado e homogêneo dos internos que são nela custodiados. Para eles, deveria ser
estabelecido um perfil ideal dos indivíduos a serem submetidos à desinternação progressiva, e
então essa abrigaria apenas as pessoas que se amoldassem a esse formato, com a imediata
conseqüência de que os objetivos da medida seriam mais amplamente atendidos. Ocorre que
não souberam descrever como seriam os contornos exatos desse perfil, até mesmo porque não
se tem o levantamento preciso das características dos sujeitos atualmente custodiados. Com
efeito, não há dados compilados que informem a classificação das doenças mentais dos
internos, os tipos de fatos cometidos descritos como crimes, o tempo de submissão de cada
um à desinternação progressiva, tampouco outras informações que descrevam as identidades
dos internos custodiados. A única coisa que se afirma convictamente muito mais pela
experiência cotidiana do que em razão de um levantamento propriamente dito é que a
maioria esmagadora dos internos provém das classes sociais mais baixas, sendo raro os
indivíduos que fogem a essa regra. Mesmo sem ter desenhado com rigor o perfil dos sujeitos
que são ou já foram abrigados na desinternação progressiva, os funcionários da unidade
insistem na idéia da formulação de um perfil desses indivíduos, a ser obedecido quando de
seu envio para a medida.
Embora não tenham nenhuma certeza a respeito da caracterização desse perfil,
citaram-se
120
os seguintes atributos como seus possíveis definidores em um momento futuro:
118
Dados consultados em documentação disponibilizada pelo HCTP II, e referentes ao período compreendido
entre 2002 e 2007.
119
A convicção de que o estabelecimento desse perfil é uma das necessidades mais prementes do hospital ganha
cada vez mais adeptos.
120
Reunindo a opinião de diversos funcionários.
o interno possuir família, e essa família ter uma situação econômica razoável; no caso do
interno não ter família, contar com alguma renda que possibilite sua sobrevivência quando da
desinternação; desenvolvimento de um trabalho mais aprofundado, nos campos psicológico e
social, nos hospitais por onde o interno passa anteriormente; situação processual regularizada,
definida como a ausência de outros processos em andamento ou de mandados de prisão
expedidos contra o interno. Um dos argumentos mais contundentes na defesa da definição do
perfil do interno da desinternação progressiva é o fato de que isso diminuiria a ocupação não
produtiva de vagas no programa, isto é, a acolhida de indivíduos que não conseguem atingir a
desinternação definitiva, ou não a atingem rapidamente, em razão de não estarem plenamente
preparados para receberem a desinternação progressiva. Como conseqüência, ao invés da vaga
ficar sendo ocupada por um indivíduo que não tem o perfil adequado, diversos outros internos
dotados desses atributos pré-estabelecidos seriam efetivamente desinternados, aumentando
consideravelmente a eficácia da medida.
A pretensão de definição do perfil do custodiado certamente é de difícil viabilização,
pois o Poder Judiciário transfere para a desinternação progressiva aqueles indivíduos que
entende aptos ou mesmo necessitados dela, não tendo por critério a conveniência do Hospital,
que teria mais facilidade em atender casos menos complexos
121
. Em verdade, a partir da
Portaria 09/03 da Vara das Execuções Criminais de São Paulo todo indivíduo submetido à
internação tem direito a ser transferido à desinternação progressiva, desde que haja melhora
em seu quadro clínico e sobretudo em seu comportamento social. Todo interno tem direito
pelo menos à possibilidade de tentar ser reinserido socialmente de forma gradual e assistida:
não pode ter essa possibilidade negada porque eventualmente não se enquadra no “perfil”
desejado pelo hospital. Não é o interno que deve se amoldar ao programa de desinternação
progressiva, e sim o contrário: a medida é que deve procurar superar os desafios
cotidianamente enfrentados. Claro que, após a frustação da tentativa de desinternação de um
determinado interno, melhor é possibilitar que outro interno usufrua dessa alternativa, nada
impedindo que o primeiro retorne, posteriormente, à unidade. O que não pode ocorrer, a nosso
ver, é a decretação prévia da impossibilidade do interno ser transferido para o Hospital,
121
Alguns funcionários compreendem que não faz parte da autonomia do Hospital definir esse perfil, e que
precisariam convencer as outras instâncias da adequação disso. Outros entendem que basta o médico perito
não sugerir a transferência do interno para a desinternação progressiva – tendo em mente a caracterização do
perfil para que este não seja removido. Nesse caso, um desconhecimento do fato de que a opinião do
perito não vincula a decisão do juiz.
estando em condições comportamentais de sê-lo
122
, sob a alegação de que não reúne
determinadas características ideais, facilitadoras da ressocialização.
O que nos parece latente em todo esse discurso de justificação da necessidade de um
perfil pré-determinado dos internos é a tentativa de resolver os problemas relativos à falta de
recursos suficientes destinados à desinternação progressiva. Isso porque se o quadro funcional
da unidade estivesse completo e se houvesse dotação suficiente que garantisse, por exemplo,
um adequado trabalho a ser desenvolvido com todas as famílias dos internos, certamente
casos mais complexos seriam resolvidos pela unidade. Com efeito, avançar-se-ia não apenas
com relação aos internos que se encontram sem evolução há um certo tempo na desinternação
progressiva, como também seria possível nela abrigar situações de crescente dificuldade
123
,
fazendo com que o percentual de indivíduos efetivamente ressocializados através dela
superasse os atuais 50,25%.
Em verdade, no contexto das obrigações político-criminais na medida de segurança,
não pode o Estado pretender aumentar a eficácia da desinternação progressiva definindo um
perfil ideal de seus destinatários, acolhendo então somente os que se adequarem a essa
caracterização, de modo a induzir um aumento no número de sujeitos ressocializados pela
medida através da decretação da impossibilidade de reinserção social de muitos outros. Isso
representaria, na verdade, uma diminuição da eficácia da desinternação progressiva, pois não
se conseguiria atingir satisfatoriamente a prevenção especial positiva
124
. Ao contrário, o
Estado deve aparelhar o HCTP II para que tenha condições de enfrentar e resolver os mais
diferentes tipos de situações apresentadas pelos internos, seja tendo em vista a anomalia
psíquica de que são portadores, seja considerando o ilícito-típico praticado por eles, ou
mesmo considerando sua realidade sócio-familiar, aumentando concretamente as
possibilidades da unidade no importante ofício de reinserir os internos socialmente.
3.4.2 Eficácia com relação à proteção da dignidade do interno
Entre as finalidades alcançadas pela desinternação progressiva, certamente destaca-se
a proteção da dignidade humana dos internos a ela submetidos. Como analisado, a
dignidade da pessoa humana constitui-se em fundamento da República Federativa do Brasil, e
122
Note-se que já há uma seleção prévia desses internos.
123
Até mesmo poder-se-ia pensar em custodiar sujeitos que hoje são considerados inaptos para a desinternação
progressiva do ponto de vista médico e comportamental. Possibilidade que nos faz refletir na seguinte
questão: os internos considerados inadaptáveis socialmente o são realmente ou isso se em decorrência da
falta de condições das instituições para atingir sua ressocialização?
124
Tampouco a proteção à dignidade da pessoa humana, ao se proibir a possibilidade concreta de progressão.
toda e qualquer política pública deve efetivá-la, inclusive a aplicação das conseqüências
jurídicas do delito. Da adequação da desinternação progressiva no fomento à dignidade dos
internos nos notícia Ferrari (2001a, p. 129, grifo nosso), afirmando que é consentânea a
esses objetivos a abertura diuturna dos pavilhões
125
,
[...] permitido, a qualquer momento, o acesso ao refeitório, à sala de atividades de
lazer e pátio. Para as refeições, liberavam-se os pratos, bem como os copos de vidros
e os talheres de alumínio, havendo ainda geladeira, fogão industrial e comum, além
de pias, mesas, bancos e armários para uso geral. Permitia-se assim, o contato com
instrumentos cotidianos da vida sociofamiliar. Paralelamente a tais características
internas, que conferiam dignidade ao doente mental, ampliaram-se os espaços de
locomoção externa, permitindo que os pacientes-delinqüentes andassem pelas
imediações da Instituição.
Com efeito, essa situação respeita e enaltece a dignidade dos internos, sendo para tanto
muito mais adequada que o enclausuramento típico da vida asilar, já que permite ao indivíduo
a retomada de sua cidadania
126
. Todo o cotidiano dos internos, aliás, demonstra um
considerável abrandamento do rigor da execução da medida de segurança encontrada em
outros Hospitais.
O mesmo raciocínio se pôde depreender da fala de um dos entrevistados, que
categoricamente considera a desinternação progressiva adequada no que toca ao respeito à
dignidade dos internos. Elenca, para comprovar sua assertiva, o fato de a desinternação
progressiva possibilitar que os internos tenham contato com o meio social inclusive
podendo namorar, atividade considerada salutar pelo entrevistado –, além de poderem realizar
compras de vestimentas e alimentos, não os obrigando a comer e a vestir apenas o que a
instituição fornece. Ademais, afirma que a relação dos funcionários com os internos é a
melhor possível
127
, sendo o tratamento nominal uma prática habitual. Também declarou a
inexistência de qualquer cela no hospital, incluindo as celas surdas e as celas denominadas de
“castigo”. Elogiou o programa, que mesmo sem contar com celas, apresenta poucas
intercorrências, se comparado a outros Hospitais de Custódia. Admite, no entanto, que
contribui para isso a existência de normas disciplinares na unidade, para cujo descumprimento
pode ser aplicada uma “restrição” ao interno, ou então seu envio ao HCTP I.
125
Acresça-se a própria estrutura do local, que permite amplo contato com a natureza.
126
A tentativa de resgate da cidadania do interno não é uma conseqüência acidental da desinternação
progressiva, mas sim algo pré-determinado: “Esse tipo de atuação técnica possui como pressuposto o respeito
ao doente mental como cidadão” (ADOMAITIS et al, 2000, p. 14).
127
O entrevistado explica essa relação pelo fato de a maioria dos funcionários da unidade terem ingressado
diretamente no HCTP II, sem terem permanecido trabalhando em outros estabelecimentos prisionais, não
adquirindo assim hábitos incompatíveis com o trabalho da unidade.
Destaque-se na fala do entrevistado a referência ao tratamento nominal que os internos
recebem por parte dos funcionários, obrigação que a Lei de Execução Penal instituiu mas que
se sabe de difícil aplicação no sistema penitenciário. Esse fator também contribui para o
resgate da dignidade dos internos, indubitavelmente. Além do tratamento nominal, os internos
recebem a denominação de “pacientes”, e não de “presos”. um acerto nessa postura, ao
pretender diferenciar o indivíduo submetido à medida de segurança daquele que cumpre pena
privativa de liberdade, e isso contribui para o respeito à dignidade dos internos. No entanto, a
palavra “paciente” não engloba toda a realidade da medida de segurança, considerando que
eles não se encontram na unidade apenas para receber tratamento outras finalidades
político-criminais em jogo, como a proteção da sociedade –. Ainda assim, na mentalidade dos
funcionários essa diferenciação é importante, porque os leva a admitir que existe uma
distinção fundamental entre o cidadão preso e o custodiado, com implicações no que toca à
reflexão de como devem então agir frente ao segundo.
Ademais, a possibilidade de contato do interno com o meio social, através das
imediações e das VDA’s também concorrem para o fomento de sua dignidade, que
contribuem para a retomada dos contatos familiares e sociais do interno, essenciais para a vida
humana, assim como para a recuperação das atividades corriqueiras de toda pessoa. Trata-se
de auxílio essencial para que o interno passe a conduzir, paulatinamente, sua vida de forma
autônoma e responsável, assim como lhe possibilita a reconstrução de sua própria identidade.
Essa ordem de coisas sem dúvida alguma obedece ao preceito insculpido no artigo 1º, inciso
III da Constituição Federal.
Ressalte-se a convicção do entrevistado em afirmar a inexistência de qualquer tipo de
cela destinada ao castigo dos internos, típica das instituições asilares. Trata-se de grande
avanço no respeito aos direitos humanos dos internos, que merece aplauso. Por outro lado, o
entrevistado assume a aplicação de restrições aos internos quando se portam
inadequadamente, em contraste às normas disciplinares da unidade, ou então o envio do
interno ao HCTP I, situação essa que comentamos como caracterizadora de uma verdadeira
regressão. A restrição, pelo que se pode perceber, seria a diminuição do perímetro de
locomoção do interno, que, apesar disso, pode suprir suas necessidades básicas autônoma e
prontamente
128
. Sendo assim, em princípio a restrição não violenta a dignidade dos internos,
128
Como dormir em seu leito, comer, tomar banho etc. Segundo um dos entrevistados, quando aplicada a
restrição o interno pode permanecer no pavilhão e no pátio, ficando impedido de se dirigir até o campo e
arredores; além disso, não pode fazer uso do telefone e, se houver alguma festividade, fica proibido de
participar. Essa situação é certamente bem diversa do que ocorre nas celas surdas (celas com tratamento
acústico para não se ouvirem os brados dos pacientes) ou nas denominadas de “castigos”.
desde que realmente seja a única punição existente para os comportamentos indesejados. A
restrição, no entanto, revela-nos mais que isso: demonstra que a medida de segurança não é
apenas tratamento, mas se inscreve na dinâmica típica do sistema penitenciário como um
todo. O mesmo se diga com relação à regressão do interno ao HCTP I nos casos de infrações
mais graves: a desinternação progressiva é realmente um regime mais brando das medidas de
segurança, em que o interno permanece se tiver rito para tanto
129
. Em outras palavras,
não basta a diminuição e o controle da doença mental do interno para que ele permaneça na
desinternação progressiva, é necessário que ele atue conforme as regras da unidade e, em
última medida, conforme as regras da sociedade como um todo
130
.
Um entrevistado, comentando o abrandamento da sistemática aplicada na
desinternação progressiva, confirma a existência dessa regressão, assim como revela a clareza
que os internos têm a respeito dessa possibilidade, afirmando que eles possuem um certo
temor de suas atitudes serem apreendidas como involutivas e redundarem em sua reinternação
no HCTP I. Quanto às características que levariam a desinternação progressiva a ser mais
branda, cita a existência de um campo de futebol, a possibilidade de contato com a natureza e
a inexistência de celas isoladas ou destinadas a castigo.
Ao que parece, os internos percebem a existência da possibilidade de voltarem a serem
custodiados no HCTP I. Por um lado, isso pode significar que as regras estão de um certo modo
claras; por outro, significa que os internos compreendem que estão sendo colocados à prova a todo o
instante, e que de seu comportamento depende o retorno ao HCTP I
131
ou a sua desinternão. A
configurão da progressividade na medida de segurança realmente tem implicado na construção da
regressividade em via oposta, similarmente ao que ocorre com as penas privativas de liberdade.
Com efeito, em um relatório sobre a unidade encontrou-se o que segue:
O HCTP II faz uma seleção dos pacientes quase que espontânea. Quando não é
possível a reabilitação devolve o paciente para o hospital de origem. As causas de
remoção dos pacientes são, em geral, as seguintes: Desordens do comportamento
incompatíveis com a reinserção social [...]. Três pareceres negativos (causa relativa).
Periculosidade impossível de ser tratada. Possibilidade remota de reabilitação ou
recolocação social.
129
Trata-se do sistema meritório de recompensa e punição, ao qual podem se fazer muitas críticas, mas que
afinal é característico da execução das conseqüências jurídicas do delito, a reafirmar a natureza penal das
medidas de segurança e, conseqüentemente, da desinternação progressiva.
130
O envio do interno ao HCTP I nesses casos incomoda alguns funcionários, que afirmam que se deveria
priorizar o tratamento do interno, e não aplicar punições, ainda que ele cometesse infração muito grave no
hospital. Seja como for, isso prova que a desinternação progressiva é uma medida penal, e prova também que
esses funcionários não têm adequada compreensão disso.
131
Conforme se verificou, 66 internos foram transferidos para outros Hospitais de Custódia do Estado, desde
2002: 61 deles para o HCTP I e 5 para o Hospital localizado em Taubaté. A regra, portanto, é a remoção da
desinternação progressiva para o HCTP I.
Um outro entrevistado reflete sobre essa questão da regressão na medida de segurança
e sobre a prática de infração pelos internos. Indagado se não haveria uma regressão, ao
mesmo tempo em que a progressão, respondeu positivamente, indo inclusive mais além:
para ele, a existência da regressão confirma ainda mais a natureza progressiva do instituto sob
análise. Declarou que a regressão é feita após uma apuração preliminar do interno que, por
exemplo, foi flagrado adentrando a unidade portando entorpecentes. Essa apuração, segundo
ele, comportaria a oitiva do próprio interno, a oitiva de testemunhas, a investigação do fato e a
remessa da questão ao juiz da execução. Ainda segundo ele, embora na execução da medida
de segurança não haja previsão legal para a apuração da falta disciplinar, ela vem sendo feita
por analogia à execução da pena privativa de liberdade, até como forma de efetivar a
regressão sem a qual, em sua opinião, não haveria progressão –. Declarou que o objetivo
dessa medida é aplicar realmente uma sanção ao interno que se portou de maneira adequada,
defendendo a existência dessa punição em razão da inexistência de outros meios hábeis para
ensinar ao interno o equívoco de sua conduta. Asseverou também que, embora seja uma
punição, trata-se de uma punição mais branda do que as aplicadas nos presídios comuns,
consistente no envio do interno ao regime fechado da medida de segurança. Ademais, depois
de um certo período o interno é reavaliado, para se verificar se ele reúne condições de
voltar ao HCTP II.
Em primeiro lugar, o entrevistado é categórico em afirmar a existência da regressão no
sistema paulista das medidas de segurança, asseverando inclusive que a existência da
regressão fortifica a progressão, demonstrando que ambas estão intimamente
relacionadas
132
. Cita a realidade da falta disciplinar, afirmando que, embora não haja
legislação específica no contexto das medidas de segurança, faz-se a apuração e tomam-se as
providências em analogia ao que ocorre com a pena, com a finalidade de regredir o interno de
regime. Isso demonstra claramente a penumbra em que a desinternação progressiva tem se
efetivado, a reclamar um detalhado trato legal que supra essas necessidades
133
. Finalmente,
destaque-se que, após a regressão do interno ao HCTP I, é possível que ele progrida
novamente, se reunir as condições para tanto. De fato, progressão e regressão parecem ser
uma via de mão dupla no sistema penitenciário paulista.
132
Como se fossem as duas faces de uma mesma moeda, isto é, indissociáveis.
133
Frente a ausência de lei específica, cada vez mais a desinternação progressiva utiliza-se da analogia à pena
privativa de liberdade, principalmente no intuito de se resguardar, de alguma forma, de eventuais futuras
contestações. Mais apropriado seria certamente o estabelecimento de regras adequadas à sua própria
realidade e condizentes com sua essência.
Embora não consigamos por ora vislumbrar uma alternativa ao reenvio do interno a
outro Hospital de Custódia, caso realmente seja indispensável a aplicação de uma reprimenda,
necessário se faz problematizar essa punição aplicada ao interno. Isso porque, ainda que o
entrevistado considere-a amena, que consiste simplesmente no retorno do interno a outro
HCTP, de regime fechado, fato é que nesse outro Hospital não estarão presentes todas as
características elogiáveis da desinternação progressiva, do ponto de vista da proteção à
dignidade do interno. Se o reenvio do interno a outro HCTP, em si, realmente é uma punição
menos grave do que outras que poderiam ser aplicadas, deve-se pensar em suas
conseqüências, eis que o cotidiano do interno transformar-se-á radicalmente pense-se nas
celas e na inexistência de contato com o meio externo e com a natureza . Embora estejamos
frente a uma execução penal, não se deve naturalizar a aplicação dessa punição aos internos,
principalmente porque isso conduz à uma prática nada recomendável: a inexistência de
reflexão sobre os fatores que levaram esse interno a praticar uma conduta indesejável, já que a
própria desinternação progressiva pressupõe que a conduta do interno é fortemente
influenciada pelo meio social em que está inserido. Meio social que, com relação a essa
questão, abrange tanto a influência de sua comunidade quanto a do próprio Hospital, que
devem ser analisadas. No caso específico do porte de entorpecentes, seria o caso de se pensar,
por exemplo, na hipótese de inadequação da terapêutica de desintoxicação a que foi
submetido o interno, que pode tê-lo levado a praticar a conduta de tentar adentrar o Hospital
portando entorpecentes, que lhe satisfizessem o vício durante o período de internação efetiva.
Ou então, levando em conta a hipótese de o interno não ter trazido entorpecente para si
próprio, mas para outros internos que ainda não realizam saídas, é muito provável que o
móvel do interno consista na obtenção de dinheiro. E, se assim fosse, poderíamos concluir que
a remuneração obtida pelo interno por fontes lícitas não tem sido considerada por ele mesmo
satisfatória, motivando a conduta indesejada sob análise. Refletir sobre essas questões para
nelas intervir é fundamental para que não se aplique a técnica da regressão, ou então para que
se a aplique comedidamente, de forma a tornar a desinternação progressiva mais consentânea
à dignidade dos sujeitos a ela submetidos.
O depoimento de outro entrevistado também fornece elementos para que se
compreenda em que nível a desinternação progressiva protege a dignidade dos internos a ela
submetidos. O entrevistado atestou, sem qualquer hesitação, a inexistência de celas destinadas
ao castigo dos internos (chamadas de celas “de seguro”), afirmando que nunca viu ou ouviu
falar da existência dessas celas, reconhecendo que essa característica da desinternação
progressiva é absolutamente positiva. Ainda que o entrevistado pondere que muito deve ainda
ser feito para que os funcionários entendam que a desinternação progressiva compreende uma
realidade de Hospital, admite que os funcionários da unidade são diferentes dos funcionários
dos demais estabelecimentos prisionais do Estado. Segundo ele, os funcionários do HCTP II
compreendem que estão lidando com uma desinternação, de modo que não são violentos com
os internos, tentando resolver os problemas que surgem de modo amigável. Assinalou que
também os internos, após certo período na unidade, percebem que se trata de um local
diferenciado dentro do sistema penitenciário do Estado, por não apresentar uma dinâmica de
cadeia, característica até mesmo dos outros Hospitais de Custódia. Finalmente, o entrevistado
ressaltou a inexistência de tratamento massificado na unidade ou de utilização de punição
química. Atestou que intervenções medicamentosas agressivas são utilizadas em hipótese
de surto do interno, nunca por punição frente a uma determinada conduta. Afirmou que os
medicamentos utilizados na unidade são medicamentos de ponta, razão pela qual têm preço
elevado, com a conseqüência de que têm menos efeitos colaterais que os tradicionais.
O depoimento em tela é rico em elementos que subsidiam a constatação de que a
desinternação progressiva é efetivamente adequada para a consecução do respeito à dignidade
da pessoa humana. A inexistência de cela de seguro, o adequado tratamento dispensado pelos
funcionários, que não prezam pela violência, a qualidade e o adequado uso dos medicamentos
psicotrópicos são fatores que demonstram a eficácia da medida para proteger referida
dignidade, sobretudo a indicação de que não é corrente na unidade a utilização da contenção e
punição químicas. No mesmo sentido, destaque-se a afirmação de que o HCTP II não tem
uma dinâmica parecida a de uma penitenciária, como sói ocorrer em outros Hospitais de
Custódia, mas sim se assemelha muito mais a um hospital propriamente dito. Contudo
convém fazer uma observação: o entrevistado afirma que deve ser feito um trabalho mais
intensivo para conscientizar os funcionários de que a unidade se trata tão somente de um
Hospital. Tal não corresponde à verdade dos fatos. Se é verdade que o HCTP II não consiste
em uma penitenciária, não é verdade que seja uma instituição apenas de saúde. É
concretamente um Hospital, mas um Hospital de Custódia, a indicar que tem ligação com o
sistema penitenciário e persegue determinadas finalidades que um hospital não está obrigado
a buscar. Percebe-se, mais uma vez, que a identidade da medida de segurança não está bem
resolvida na mentalidade dos funcionários que nela atuam, talvez por falta de preparo
específico nesse sentido.
Finalmente, com relação à proteção da dignidade do interno, uma última questão deve
ser enfrentada, embora ela não se relacione exclusivamente à desinternação progressiva, e sim
à medida de segurança como um todo: a submissão coativa do interno ao tratamento.
Enquanto na pena privativa de liberdade as estratégias que visam a reinserção e a reeducação
do apenado podem apenas ser oferecidas a este, que fica livre para aceitá-las ou não,
justamente em nome de sua eminente dignidade, a proibir sua instrumentalização (ROXIN,
1993), na medida de segurança nunca se questionou a possibilidade de submeter coativamente
o interno às medidas terapêuticas que lhe são próprias, embora ele possa rejeitar as atividades
voltadas à sua reinserção social
134
. Em verdade, a falta de autonomia do interno frente às
práticas terapêuticas é mesmo pressuposta com relação à medida de segurança, fazendo dela a
única sanção penal em que a intervenção coativa – de índole biológica e química inclusive – é
permitida e recomendada. Prova disso, na desinternação progressiva propriamente dita, é a
legitimidade que os agentes de segurança penitenciária e os auxiliares de enfermagem têm
para fiscalizar o seguimento da terapia medicamentosa, e a possibilidade de regredir o interno
caso não a acolha
135
.
Essa ordem de coisas está amparada, certamente, no consenso cultural que existe ao
redor da figura do portador de anomalia psíquica, considerado como incapaz de decidir, em
razão da doença mental ter-lhe afetado a consciência e o livre-arbítrio. Como se reputa aos
medicamentos justamente a função de recobrar-lhe esses atributos, sua ingestão forçada é
amplamente legitimada. Ademais, na maioria dos casos, juridicamente esses indivíduos
necessitam de representação, não tendo validade alguma seu consentimento
136
. Imaginando-se
então a hipótese de os responsáveis legais
137
pelo interno precisarem consentir no tratamento a
ser dispensado pelo HCTP II, ter-se-ia uma situação curiosa: o Estado, tendo a obrigação de
reagir eficazmente frente ao ato do inimputável, ficaria à mercê da concordância dos
responsáveis pelo interno, tornando ilegítima qualquer ação autônoma sua. Resolver essa
questão, de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos sujeitos submetidos à medida
de segurança ao mesmo tempo em que se concretizem as demais obrigações estatais, é tarefa
tão necessária quanto árdua.
Devemos, no entanto, reconhecer que a submissão coativa ao tratamento não é
característica exclusiva da medida de segurança, mas é originária dos próprios tratamentos
134
No seio da desinternação progressiva o interno pode se recusar a realizar atividades pedagógicas, esportivas
ou artesanais, e até mesmo a realização de imediações e de VDA’s passa pela sua concordância.
135
Com efeito, esses funcionários fiscalizam a efetiva ingestão do medicamento pelos internos, através da
observação de seu comportamento seja no momento posterior à entrega do remédio, seja nos dias que se
seguem, no caso de haver piora brusca do quadro clínico do interno, a indicar que a medicação não está
sendo consumida.
136
Note-se como a reconstrução da identidade e da dignidade dos doentes mentais assenta-se em questões muito
mais amplas.
137
No entanto, aqui também haveria uma afronta à dignidade do interno, já que de qualquer forma não é ele que
decide sobre seu tratamento.
psiquiátricos comuns, pródigos em legitimá-la, admitindo como é notório até mesmo o
uso da força para garantir a intervenção química
138
. Trata-se, é verdade, de prática tradicional
e intrínseca ao tratamento psiquiátrico comum
139
; no entanto, é hora de começar a
questionar a necessidade de a medida de segurança, sanção jurídica que é, seguir essa
orientação automaticamente, sem maiores reflexões, considerando que é também sua
obrigação político-criminal respeitar e fomentar a dignidade do interno. Mais do que isso,
uma mudança
140
no sentido de não acatar irreflexivamente as tradições médicas no seio da
medida de segurança – e da desinternação progressiva –, mas submetê-las a um juízo político-
criminal e, portanto, jurídico, seria mais coerente à natureza da medida, que tem
prevalecido o aspecto terapêutico, inclusive na desinternação progressiva.
3.4.3 Eficácia com relação à prevenção especial negativa
Enquanto a prevenção especial positiva é a finalidade primeira da medida de
segurança, e, por conseqüência, da desinternação progressiva, a prevenção especial negativa é
finalidade secundária, destinada a viabilizar a primeira. Consistindo na proteção da
sociedade
141
contra novas lesões de bens jurídicos efetuadas através da prática de ilícitos-
típicos pelos inimputáveis, a prevenção especial negativa deve ser buscada em dois
momentos, a saber: durante a própria execução das medidas de segurança (estando o interno
no Hospital efetivamente, em imediações ou realizando VDA’s) e após a ocorrência da
desinternação.
Obviamente a possibilidade de atuação social do interno estando ainda sujeito à
medida aumenta o risco de ocorrerem lesões a bens jurídicos
142
nesse período; porém isso se
justifica pela própria necessidade de testar o interno e de melhor prepará-lo para a retomada
do convívio social, eis que se espera que com essa forma de desinternação paulatina o risco de
138
Quando a força é requerida, é freqüente o uso de medicação intra-venosa para anular a possibilidade de
evasiva a seu acolhimento.
139
Que nem por isso deixa de ser controvertida.
140
Isso depende, bem verdade, de um aprofundamento desse debate no âmbito das Ciências Criminais.
141
Essa finalidade político-criminal não é percebida homogeneamente pelo HCTP II: alguns funcionários
acreditam ser função da unidade tratar o interno e proteger a sociedade; outros crêem que, em se tratando de
um hospital, apenas o tratamento deve ser buscado. Entre os documentos analisados na pesquisa de campo,
encontrou-se importante registro da primeira visão: “Os programas [...] que seguem vigentes em nosso
Estado, e que pretendem tratar do problema dos doentes mentais que cometem delitos, guardam ainda
características medievais e são menos resolutivos que o nosso tanto na proteção da sociedade como na
proteção e respeito ao enfermo mental e seus direitos”.
142
Risco bem maior do que se ele se encontrasse recluso numa cela, sem possibilidade de contato com o meio
externo, situação em que haveria possibilidade, ainda assim, de lesionar bens jurídicos, tais como a
integridade física dos funcionários.
afrontamento posterior com o ordenamento jurídico seja menor. Isso porque a lenta e
crescente retomada da vida em sociedade é muito mais adequada para esse fim do que a
desinternação tradicional, em que em um dia o interno se encontra enclausurado dentro de
uma cela, sem qualquer contato com o meio externo
143
, e no dia posterior, quando advém a
desinternação, ele encontra-se nas ruas, sem ter mais contato com a instituição, e muitas vezes
sem nem saber onde se encontra sua família.
A fala de um entrevistado descreve bem essa situação trazida pela desinternação
tradicional, relacionando-a inclusive à prática de novos fatos contrários à ordem jurídica. Com
efeito, afirma que um dos motivos que levou à criação da desinternação progressiva foi o fato
de que os egressos da execução tradicional da medida de segurança voltavam com muita
freqüência a praticar ilícitos-típicos. Relata que, na execução tradicional, a ordem judicial que
põe termo à internação deve ser imediatamente cumprida ainda que não se tenha encontrado
algum familiar do interno, ou ainda que ele não conte com família. Em outras palavras: seja
qual for a situação social do interno, a internação deve findar sem nenhum planejamento. O
entrevistado demonstrou não aprovar esse processo de desinternação, pois considera que,
frente aos longos anos em que a pessoa esteve internada, sem qualquer contato com o meio
externo e sem acompanhar suas transformações, a ligação com a instituição não pode acabar
repentinamente.
Note-se que não uma preparação apropriada do interno para sua recolocação
social
144
, situação que certamente gera insegurança para ele e para a sociedade, aumentando
as chances de que esse indivíduo entre novamente em confronto com o ordenamento jurídico.
A desinternação progressiva, por outro lado, “visa beneficiar [...] a sociedade que recebe em
seu meio indivíduos melhor preparados para enfrentar e adequar-se à complexa realidade
social” (ADOMAITIS, 2000, p. 14). Nesse sentido, deve-se reconhecer que a adequada
ressocialização do interno (aspecto preventivo especial positivo) faz com que a probabilidade
de consecução da finalidade de proteção da sociedade (aspecto preventivo especial negativo)
seja também acrescida.
Ademais, em diversos documentos e na fala dos entrevistados, é corrente a afirmação
de que a desinternação progressiva se presta à avaliação do interno
145
no meio social, até
143
De forma a desconhecer as mudanças sociais e até mesmo os avanços tecnológicos.
144
Questões básicas normalmente não são resolvidas na desinternação tradicional, gerando uma série de
obstáculos para os ex-internos, tais como a enorme dificuldade de encontrar sua família e de dirigir-se até ela.
145
Interno esse que está em condições de ser submetido a esse teste, devido à evolução de seu tratamento e de
seu comportamento.
como forma de averiguar seu nível de periculosidade
146
. Antes de se desinternar o sujeito
definitivamente, coloca-se-o à prova: se se demonstrar inapto para as relações sociais mais
amplas, sua desinternação definitiva não se dá. Essa sistemática contribui de maneira muito
mais considerável para a proteção da sociedade do que o modo tradicional, que retira
definitivamente o indivíduo do hospital para então verificar como se dão suas relações em
sociedade, fazendo a desinternação progressiva ser potencialmente mais eficaz na proteção
dos bens jurídicos essenciais à sociedade.
No entanto, como pode se inferir de um dos trechos das entrevistas anteriormente
citado, uma seleção prévia dos indivíduos que se submeterão à desinternação progressiva,
dentre todos aqueles que se encontram custodiados em HCTP’s paulistas. O critério para se
submeter à desinternação progressiva não é objetivo, tal como, por exemplo, o cumprimento
da medida de segurança na sua forma de execução tradicional por um determinado número de
anos. O que é levado em conta é a possibilidade considerável de reinserção do indivíduo, que
leva o juiz da execução a entender que o risco de lesões a bens jurídicos é diminuto,
normalmente em decorrência da evolução do tratamento terapêutico. Interessante registrar que
a gravidade do fato desencadeador da medida de segurança imposta também desempenha um
papel importante na conformação desse juízo. Aliás, também para a concessão da
desinternação definitiva do interno esse fato tem relevância: pelo que se pode depreender da
fala de alguns entrevistados e da leitura de algumas decisões judiciais, muitas vezes o juiz
avalia o interno por um período maior na desinternação progressiva em razão da gravidade do
ilícito-típico anteriormente cometido.
De qualquer forma, essa cuidadosa escolha dos custodiados que compõem a
desinternação progressiva certamente é uma das responsáveis pelas conquistas efetivadas pelo
programa: se todo indivíduo submetido à medida de segurança estivesse internado nos moldes
da desinternação progressiva, a realidade provavelmente seria bem diferente
147
. Deve-se
reconhecer contudo que essa eleição dos indivíduos que estariam aptos a serem efetivamente
desinternados, melhor dizendo, a escolha das pessoas que teriam chances de serem
146
Exemplo disso é a indicação feita pelo perito, em laudo de verificação de cessação de periculosidade, de
transferência do interno para “o regime de Desinternação Progressiva, onde seu comportamento em meio
mais amplo será melhor avaliado”. No mesmo sentido, Adomaitis et al (2000, p. 11) afirmam que a
desinternação progressiva possibilita a observação e conhecimento do interno atuando no meio social mais
amplo.
147
Isso nos leva a reconhecer que a desinternação progressiva não é uma “alternativa” para a obrigação político-
criminal do Estado no âmbito das medidas de segurança, mas uma possibilidade, que não pretende extinguir
as outras formas de execução de tais medidas. Ao contrário, ela pode existir se houver concretamente a
possibilidade de regressão, sendo para isso absolutamente necessária a existência do “regime fechado”.
ressocializadas em um determinado momento sem dúvida contribui para a efetiva proteção da
sociedade contra os atos lesivos dos internos.
Faça-se no entanto uma importante ressalva: a prevenção especial negativa não é
finalidade autônoma da medida de segurança, a não ser excepcionalmente. Dessa forma, não
se pode priorizar a proteção social em detrimento da ressocialização do interno
148
, a não ser
naqueles casos em que os bens jurídicos que o interno lesionaria sejam mais valiosos do que
aqueles atingidos pela internação. Isso quer dizer que o que essa seleção dos internos aptos a
serem transferidos para a desinternação progressiva pode fazer, regra geral, é escolher o
momento pertinente para a tentativa de construção da desinternação do indivíduo. Não se
pode decretar a impossibilidade de ressocialização do sujeito pura e simplesmente, já que essa
é a finalidade primeira da medida de segurança, a ser buscada obstinadamente.
De qualquer forma, para analisar a eficácia da desinternação progressiva no que toca à
finalidade político-criminal de proteção social, é imprescindível o exame concreto do
comportamento dos internos que foram a ela submetidos, a fim de verificar se eles
retornaram a ofender bens jurídicos penalmente relevantes. Nesse sentido, analisar-se-á
documento
149
disponibilizado pelo HCTP II, com o levantamento da situação de todos os
sujeitos que foram efetivamente desinternados, assim como outro relatório contendo
também as ocorrências constatadas durante a própria submissão à desinternação progressiva.
Deve-se atentar para o fato de que essas informações apenas levam em conta os dados
posteriores à criação do HCTP II, não analisando os dados da desinternação progressiva
quando esta se dava no HCTP I. Os dados que serão doravante analisados englobam portanto
o período desde a criação do Hospital até novembro de 2007, ou seja, seis anos. Ressalte-se
apenas que nesses documentos não qualquer referência a respeito da eventual
inimputabilidade ou semi-imputabilidade dos internos quando da prática dos fatos. Essa
questão é extremamente relevante porque se cometeram os ilícitos-típicos em situação de
imputabilidade, isso não depõe contra a eficácia da desinternação progressiva, muito pelo
contrário. Em verdade, um dos relatórios é expresso em afirmar que “a reinserção social tem o
sentido de reabilitar e dar autonomia para que este indivíduo decida o que quer fazer em vida
e de sua vida”. Desta feita, se o indivíduo comete novo crime dotado de capacidade de
entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, porque
148
Não tendo sido possível verificar se esse fenômeno ocorre efetivamente na desinternação progressiva.
149
Tais documentações foram elaboradas tendo por base informações disponibilizadas pela Companhia de
Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) à instituição, de acesso restrito aos órgãos
subordinados à Secretaria da Administração Penitenciária. Não tivemos, portanto, acesso a essa fonte.
decidiu, exercendo sua liberdade, deliberadamente entrar em conflito com o ordenamento
jurídico, essa situação não pode ser reputada à qualquer falha na desinternação progressiva.
Em primeiro lugar, é essencial a informação de que, durante o período referido, 297
indivíduos foram desinternados. Desses, 16
150
voltaram a praticar fatos descritos como crime,
assim divididos: 9 o fizeram durante o período de prova, de um ano, imediatamente posterior
à desinternação, e 7 o praticaram posteriormente a esse tempo. No entanto, nem todos eles
foram sentenciados definitivamente: apenas 6 deles contam com efetiva sentença transitada
em julgado
151
. Ou seja: ainda não se tem certeza se os outros 10 realmente praticaram fato
descrito como crime, para o que devem estar presentes as categorias da tipicidade e da
ilicitude. A rigor, apenas seis indivíduos voltaram a lesionar bens jurídicos relevantes, para
efeitos penais, o que corresponde a 2,02% do universo total de desinternados
152
.
Ainda que não esteja diretamente relacionada à ofensa a bens jurídicos, é interessante
o registro de outra informação trazida por um dos documentos: a inobservância ao tratamento
ambulatorial, espécie de medida de segurança. Com efeito, dos 297 indivíduos desinternados,
11 teriam descumprido a exigência de submissão ao tratamento ambulatorial: 8 deles durante
o período de prova e 3 deles posteriormente. Somado esse número ao número de ex-internos
que novamente praticaram fato descrito como crime, tem-se 27 internos que se comportaram
de maneira indesejada após a desinternação
153
(9,09%).
Com relação a possível ofensa de bens jurídicos, que a medida de segurança tem por
objetivo evitar, já se disse que 6 internos foram sentenciados por terem cometido fato descrito
como crime. Supondo que os outros 10 indivíduos - ainda não sentenciados -, também sejam
ao final considerados perpetradores de ilícitos-típicos, a porcentagem será de 5,38%. Pode-se
afirmar então que, durante o período analisado, a porcentagem de ex-internos que novamente
praticaram fato descrito como crime situa-se entre 2,02% e 5,38%.
150
Desses, 11 praticaram fato idêntico ao que motivou a primeira internação (68,75%).
151
O documento analisado fala impropriamente em “reincidentes condenados”. Ora, não reincidência
propriamente dita, que os inimputáveis não podem cometer crime ou contravenção. Poder-se-ia usar essa
denominação para os semi-imputáveis apenas, ou para os condenados à pena privativa de liberdade a que
sobreveio doença mental. Pelo mesmo motivo, também não se pode falar em condenação, considerando que
os inimputáveis são absolvidos impropriamente. A documentação vai ainda além, falando em reincidência
específica quando o interno volta a praticar o mesmo fato descrito como crime.
152
Com relação a essa numeração, o documento afirma que “a reincidência, nesse quesito, compreende o
instituto previsto no Código Penal (art. 63), que para fins jurídicos é o que tem aplicabilidade”.
153
O documento denomina esses indivíduos de “pacientes egressos ‘reincidentes’”, explicando que “a
reincidência aqui abordada, para uma melhor compreensão, trata dos egressos que tanto cometeram crimes ou
descumpriram o tratamento ambulatorial, mesmo que ainda não haja condenação vigente ou em trâmite”.
Como o próprio documento indiretamente reconhece, ao colocar a palavra “reincidentes” entre aspas, essa
não é uma denominação correta, pois, além da reincidência propriamente dita, abarca a situação daqueles que
não foram ainda sentenciados, e até mesmo aqueles que simplesmente descumpriram o tratamento
ambulatorial, nada tendo que ver com reincidência. Na verdade, com essa expressão, quis-se denominar todos
aqueles que se comportaram de uma maneira não ideal, portando-se inadequadamente após a desinternação.
Esse dado é fundamental para se analisar a efetividade político-criminal da
desinternação progressiva no que toca a prevenção especial negativa, consistente na proteção
social. Obviamente, não é exigível que a medida atinja um nível tal de eficácia que nenhum
ex-interno volte a entrar em conflito com o ordenamento jurídico. Embora isso fosse o ideal,
sua chance de viabilização é muito remota. Importa é saber se esse percentual, acima
informado, apresenta índices satisfatórios, quando comparado com o nível de reincidência dos
egressos do sistema penitenciário comum
154
.
O sistema penitenciário brasileiro apresenta níveis de reincidência ao redor de 70%, ou
seja: 70% dos ex-detentos brasileiros voltam a praticar crimes após seu retorno ao convívio social.
Com relão ao sistema penitenciário paulista especificamente, a taxa de reincidência ronda os
58% (AUMENTO, 2008; AZEVEDO, on-line). Como já dito, a porcentagem de egressos da
desinternão progressiva que ofendem bens jurídicos está entre 2,02% e 5,38%. Mesmo se
considerarmos que tal índice atinja seu ximo
155
, ainda assim será menor que o encontrado no
sistema penitenciário paulista, e ainda menor que a taxa verificada no sistema penitenciário
nacional. Sendo assim, considerando os fatos praticados pelos internos após a efetiva
desinternão, a desinternão progressiva é muito mais eficaz na consecão da prevenção
especial negativa do que o sistema penitenciário comum, ainda mais se considerarmos que seus
egressos foram custodiados em rao de serem portadores de anomalia psíquica, elemento que
torna a execão da medida de segurança muito mais complexa.
Uma ressalva deve no entanto ser feita, a respeito dos ilícitos-típicos praticados pelos
ex-internos. Muito embora a taxa de repetição de fatos ofensivos seja razoavelmente baixa,
sobretudo se a compararmos com a execução da pena privativa de liberdade, devemos
também analisar a tipologia desses fatos, para saber quão lesivos são, isto é, se ofendem bens
jurídicos essenciais
156
à comunidade, assim como deve ser considerada a quantidade de fatos
praticados por cada ex-interno. Com efeito, considerando tanto os ex-internos sentenciados
quanto os demais
157
(totalizando 16
158
), 81,25% cometeram apenas um ilícito-típico, 6,25%
dois ilícitos-típicos
159
, 6,25 três ilícitos-típicos
160
e 6,25% quatro ilícitos-típicos
161
. Em
154
Haja vista não se terem encontrado dados oficiais a respeito dessa questão com relação às medidas de
segurança propriamente ditas.
155
A depender do trânsito em julgado da sentença de dez internos.
156
Analisou-se apenas o bem jurídico em si, e não a relevância da ofensa. Esse exame ficou prejudicado em
razão de não termos tido acesso a detalhes de cada caso concreto que nos permitissem esse juízo.
157
Os documentos não tratam tais situações separadamente.
158
Respectivamente, treze, um, um e um ex-internos.
159
Estupro e atentado violento ao pudor, na forma tentada.
160
Homicídio qualificado (art. 121, § 2
o
, III e IV, CP), estupro e atentado violento ao pudor na forma
qualificada.
161
Dois roubos, uma resistência e uma exposição a perigo.
conjunto, os dezesseis ex-internos cometeram 22 fatos tipificados como crime, assim
distribuídos:
- 27,3% fatos descritos como crimes contra a liberdade sexual;
- 27,3% tipificados como crimes contra o patrimônio;
- 22,73% fatos descritos como crimes contra a vida;
- 9,1% descritos como crimes contra a saúde pública;
- 4,55% tipificados como crimes contra a liberdade pessoal;
- 4,55% descritos como crimes contra a vida e a saúde;
- 4,55% fatos descritos como crimes contra a administração pública.
Os ilícitos-típicos contra a vida subdividem-se em: uma tentativa de homicídio simples
(art. 121 e art. 14, II, CP); uma tentativa de homicídio qualificado (art. 121, § 2
o
, I e II e art.
14, II, CP); dois homicídios simples (art. 121, CP) e um homicídio qualificado (art. 121, § 2
o
,
III e IV, CP). Os fatos ofensivos ao patrimônio, por sua vez, consistiram em: uma tentativa de
furto qualificado (art. 155, § 4º, II e III e art. 14, II, CP); um furto (art. 155, CP); uma
tentativa de roubo (art. 157 e art. 14, II, CP) e três roubos (art. 157, CP). Os fatos
assemelhados aos crimes contra a liberdade sexual são os que seguem: um atentado violento
ao pudor (art. 214, CP); um atentado violento ao pudor com presunção de violência (art. 214 e
art. 224, CP); uma tentativa de atentado violento ao pudor (art. 213 e art. 14, II, CP) e uma
tentativa de estupro (art. 214 e art. 14, II, CP)
162
; um estupro qualificado (art. 213 e art. 223,
CP) e um atentado violento ao pudor qualificado (art. 214 e art. 223, CP)
163
.
Com relação aos ilícitos-típicos contra a saúde blica, houve dois fatos relacionados
ao tráfico de entorpecentes (art. 12, Lei 6368/76). Finalmente, nos fatos contra a liberdade
pessoal, tem-se uma ameaça (art. 147, CP e Lei 11340/06); nos ilícitos-típicos contra a
administração pública, tem-se uma resistência (art. 329, CP); e nos fatos contra a vida e a
saúde de outrem, uma exposição a perigo (art. 132, CP).
Do ponto de vista da ofensividade da conduta, os fatos que lesionaram os bens
jurídicos vida e liberdade sexual certamente são os mais graves, dada a importância de tais
bens. Somando-se os índices relativos aos fatos a eles lesivos, tem-se a porcentagem de
162
Na verdade, o documento analisado não é claro se tanto o estupro quanto o atentado violento pudor se deram
na forma tentada, que dizem respeito ao mesmo indivíduo. Como não tivemos acesso aos autos dos
processos respectivo, não podemos afirmar categoricamente que se trata de duas tentativas. Sendo assim,
pode ser que se trata de um fato na forma tentada e outro na forma consumada.
163
O mesmo se diga com relação à forma qualificada: pode ser que apenas um dos dois fatos tenha se dado
qualificadamente.
50,03%. Em outras palavras: um em cada dois ex-internos atentaram contra esses
fundamentais bens jurídicos. Somando a esse índice os ilícitos-típicos contra o patrimônio,
tem-se o percentual de 77,33%. Assim, percebe-se que os fatos ofensivos à vida, à liberdade
sexual e ao patrimônio respondem por grande parte dos atos cometidos pelos ex-internos. No
entanto, uma distinção deve ser feita no seio dos fatos direcionados ao patrimônio, que o
crime de roubo consiste em lesão mais relevante do ponto de vista penal, pois atinge também
a pessoa humana. Assim, somando a porcentagem dos ilícitos-típicos lesivos à vida e à
liberdade sexual aos fatos contra o patrimônio cometidos mediante violência ou grave
ameaça, tem-se o elevado percentual de 68, 21%.
Tudo para fazer a seguinte ilação: o índice de cometimento de fatos descritos como
crimes pelos ex-internos do HCTP II é baixo (entre 2,02% e 5,38%). No entanto, quando tal
ocorre, a probabilidade de que se ofendam bens jurídicos essenciais é alta, rondando os
70%
164
. De qualquer forma, é forçoso reconhecer a eficácia da desinternação progressiva no
atingimento da prevenção especial negativa, ao menos no que diz respeito ao comportamento
dos internos após a desinternação. Falta-nos analisar a ofensa a bens jurídicos penalmente
relevantes pelos internos antes da desinternação definitiva.
Com efeito, durante a aplicação da desinternação progressiva, tem-se notícia de cinco
ilícitos-típicos praticados dentro do HCTP II, envolvendo indivíduos que retornavam de
VDA, todos relacionados ao tráfico ou ao porte de substâncias entorpecentes. Considerando
que é de 591 o número de indivíduos custodiados pela unidade, a porcentagem de internos
que cometeram fatos descritos como crimes dentro dela é de 0,84%. Fora da unidade, consta
que três internos praticaram ilícitos-típicos, todas as vezes estando em VDA
165
, o que equivale
ao índice de 0,51%. Os fatos praticados são: quatro roubos, um estupro e uma tentativa de
estupro; um atentado violento ao pudor e uma tentativa de estupro; e dois homicídios
166
. No
total, tem-se dez ações realizadas por três internos ainda na constância da medida de
segurança, nos moldes da desinternação progressiva.
Reunindo-se todos os internos que realizaram ações ofensivas durante a execução da
desinternação progressiva, o número representa 1,35% do total de sujeitos que já foram
custodiados no HCTP II. Trata-se de percentual não elevado
167
, a indicar que a desinternação
progressiva atinge sua finalidade de proteção à sociedade também quando os internos estão
164
Por isso o cuidado que a unidade deve ter no desempenho de sua função.
165
Não há registro de ocorrências do gênero na realização de imediações.
166
Os ilícitos-típicos de dois internos foram julgados. Um deles ainda aguarda julgamento, podendo ser a ele
atribuído, além dos dois fatos descritos como homicídio, a realização de fatos tipificados como atentados
violentos ao pudor.
167
Percentual ainda menor que o relativo ao cometimento de ilícitos-típicos após a desinternação.
realizando imediações e VDA’s. Mais uma vez, no entanto, ressalte-se a gravidade dos
ilícitos-típicos
168
praticados pelos sujeitos também nessas condições: 26,67% fatos ofensivos
ao patrimônio, em sua modalidade mais grave; 26,67% relacionados a crimes contra a
liberdade sexual; 13,33% referidos a crimes contra a vida e 33,33% relacionados a
entorpecentes.
Outros dados merecem destaque, com relação à análise estatística da desinternação
progressiva. Durante os seis anos de existência no HCTP II, 39 internos tentaram subtrair-se à
custódia da unidade (6,6%), assim divididos: 7 internos fugiram das próprias dependências do
HCTP e 32 internos não voltaram das imediações ou das VDA’s
169
. No entanto, 3 deles
retornaram espontaneamente, ao passo que foram efetivadas 27 recapturas, ou seja, apenas 9
internos se furtaram efetivamente da custódia (1,52% do total de internos custodiados pelo
programa). Além disso, se se somar o índice de fugas (6,6%) ao percentual de ilícitos-típicos
praticados dentro da unidade (1,35%), tem-se o índice de 7,95% de internos que se
comportaram de maneira não desejável durante a execução da desinternação progressiva.
Por fim, registrem-se alguns outros índices, a saber: ausência de ocorrência de
suicídios; ausência de homicídios tendo por vítimas os internos; índice de óbitos estimado em
2,03% (12 internos faleceram durante a execução da desinternação progressiva); e
inexistência de rebeliões e motins.
168
O índice de atingimento de bens jurídicos essenciais é de 66,67% (vida, liberdade sexual e patrimônio, este
último sendo lesado mediante violência ou grave ameaça à pessoa).
169
Conforme relatório consultado sobre a unidade, dá-se o nome de evasão à fuga ocorrida dentro do hospital, e
de abandono de tratamento ao não retorno das saídas realizadas.
CONCLUSÃO
A totalidade dos entrevistados afirmou ser a desinternação progressiva,
indubitavelmente, um avanço
1
na história das medidas de segurança. Afirmaram também,
unanimemente, que são urgentes diversas mudanças em seu contexto, principalmente o
aumento da destinação de recursos para sua viabilização, destinado tanto a contratação de
funcionários
2
quanto para a satisfação de necessidades materiais
3
.
Com efeito, sobressaem as deficiências com relação ao corpo funcional da unidade.
Talvez isso se deva ao fato de que o HCTP II se trata de unidade destinada a abrigar os
internos menos perigosos
4
e que estão em um nível terapêutico reputado melhor, levando a
se extrair a conclusão de que o Hospital não precisa de muitos recursos. Esse raciocínio não
poderia ser mais equívoco; afinal, muitos profissionais são essenciais para efetivar o
tratamento e a reinserção social dos internos nos moldes da desinternação progressiva,
inclusive profissionais que não são fundamentais em outros Hospitais de Custódia. Ao
contrário do que se possa pensar, o HCTP II requer um expressivo investimento financeiro
para que consiga atingir os objetivos da medida de segurança satisfatoriamente. Em verdade, a
desinternação progressiva é altamente eficaz na consecução dessas finalidades, se comparada
ao modo tradicional de execução da medida de segurança, razão pela qual o investimento em
sua concretização certamente redundará em ótimos resultados, sendo por isso recomendado.
Frise-se, no entanto, que a eficácia da medida não depende apenas de investimentos
em sua própria efetivação, mas deriva também da estruturação dos serviços públicos de uma
maneira geral. Isso porque os ex-internos passarão, em sua maioria, a depender do Sistema
Único de Saúde para prosseguir realizando seu tratamento, necessário para garantir sua
estabilidade do ponto de vista médico e social, ou ainda, nos casos mais complexos,
necessitarão serem abrigados por outras instituições públicas
5
quando de sua desinternação do
HCTP II. Também com relação a esses serviços públicos são requeridos maiores
1
Frente a seguinte pergunta: “A desinternação progressiva é um avanço ou um retrocesso?”. Cite-se a fala de um
dos entrevistados, sintetizadora dessa posição: “- Na sua opinião, a desinternação progressiva é um avanço ou
um retrocesso? Comparando com as outras formas da medida de segurança. - Eu acho que eu dei elementos
bastante contundentes que eu acredito sim que seja um avanço. Um avanço total. Retrocesso seria se
determinasse que não existisse mais. Isso seria um retrocesso. Isso é um avanço, eu acho que tem que
aperfeiçoar cada dia, eu acho que cada vez que a gente está trabalhando a gente consegue ter elementos que
possam agregar a este projeto, e que o norte, que amplie esse projeto, que eu acho que é de extrema
importância.”
2
São necessários, basicamente: aumento do corpo administrativo, contratação de médicos (clínicos e
psiquiatras), psicólogos, assistentes sociais, dentistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes de
segurança penitenciária, terapeutas ocupacionais, pedagogos e professores de educação física.
3
Para, por exemplo, levar os internos a passeios extra-hospitalares, possibilitar aos assistentes sociais um contato
maior com as famílias dos internos, comprar material para realização de artesanato e material esportivo, e assim
por diante. Foi citada também a necessidade de uma reforma infra-estrutural no hospital.
4
Em tese, até mesmo os problemas relativos à segurança da unidade são menores.
5
Ressaltem-se as chamadas residências terapêuticas.
investimentos, não para o bem da população em geral, mas para garantir a eficácia da
desinternação progressiva propriamente dita. Desta feita, é mister reconhecer que a aptidão da
medida para atingir seus objetivos depende do cumprimento pelo Estado de outras obrigações
que lhe são próprias.
Com relação aos resultados obtidos pela desinternação progressiva em São Paulo,
ainda que seu aparelhamento esteja bem longe do ideal, é forçoso concluir-se que ela atinge
os objetivos das medidas de segurança de uma maneira satisfatória, ainda mais quando
comparada à execução tradicional. No que toca a prevenção especial positiva, certo é que a
desinternação progressiva tem uma metodologia extremamente adequada para lograr a
ressocialização dos internos e, com efeito, um percentual considerável foi efetivamente
reintegrado à sociedade (50,25%). Para que a eficácia nesse quesito seja maior falta, na
experiência concreta realizada em São Paulo, sanar as carências estruturais do HCTP II,
consistentes sobretudo no reduzido corpo funcional e na insuficiência de recursos. Ademais, o
aumento da eficácia da desinternação progressiva com relação à prevenção especial positiva
redundará certamente em uma elevação da eficácia da prevenção especial negativa, pois o
acréscimo dos níveis de reinserção social quantitativa e qualitativamente levará à
diminuição dos índices de lesão a bens jurídicos fundamentais. Índices esses que, aliás,
alcançaram adequados patamares: 1,35% de todos os sujeitos custodiados praticaram fatos
descritos como crime durante a execução da desinternação progressiva e 2,02% dos ex-
internos foram sentenciados em razão da prática de ilícitos-típicos posteriormente à sua
desinternação definitiva. Finalmente, com relação à proteção à dignidade dos internos, a
desinternação progressiva também se demonstra eficaz, na medida em que não se tem notícia
de violações da dignidade dos internos a ela submetidos, além do que a execução gradual da
medida de segurança tende a fomentar mais satisfatoriamente tal dignidade.
Como foi demonstrado, apesar de suas significativas limitações estruturais, a
desinternação progressiva paulista consegue atingir em um nível satisfatório as finalidades da
medida de segurança. Reputamos esse fato, em grande medida, além da seleção dos internos
considerados aptos a serem transferidos para o HCTP II e de outros fatores desenvolvidos ao
longo do trabalho, à própria abordagem não asilar realizada pelo instituto. Em outras palavras:
a metodologia da desinternação progressiva em si é responsável por parte de sua eficácia, na
medida em que possibilita adequada e efetivamente a integração do custodiado à sociedade,
consistindo por isso em um instrumento importantíssimo para a consecução das finalidades da
medida de segurança. Sendo assim, conclui-se que a desinternação progressiva realiza
satisfatoriamente as obrigações político-criminais do Estado referentes à mencionada
conseqüência jurídica do delito, razão pela qual deve ser objeto de lei que a regulamente, de
modo a ser uma realidade no sistema penitenciário brasileiro como um todo. Finalmente,
assinale-se que seu nível de eficácia em cada Hospital de Custódia que a instituir estará
diretamente relacionado à quantidade de recursos a ela destinados.
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APÊNDICES
APÊNDICE A – PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO CÓDIGO
PENAL E DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL
Como ficou evidente ao longo do trabalho, a desinternação progressiva ainda não se
encontra regulamentada pela legislação penal pátria, devendo ser tomada esta providência,
principalmente para melhor obedecer ao princípio da legalidade e para que se constitua em
dever do Estado e não mais uma mera faculdade, a depender da iniciativa dos sistemas
penitenciários locais –. A comprovação da eficácia político-criminal da desinternação
progressiva, desde que seja suficientemente estruturada, reforça a necessidade de se
instituir a medida no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, a projeção dogmática da
desinternação progressiva foi operada após a análise de sua eficácia polito-criminal, sem a
qual não haveria porquê pretender regulamentá-la. Ademais, é de se considerar que a proposta
legislativa elaborada e ora analisada não pretende ser a forma pronta e acabada de eventual
projeto de lei que apresente a desinternação progressiva, mas objetiva lançar as bases de uma
discussão diferenciada, que leve em conta a metodologia apontada pela Ciência Global do
Direito Penal, com o protagonismo da Política-Criminal.
Feitas essas considerações, registre-se que não se elaborou uma proposta legislativa
que tratasse tão-somente da desinternação progressiva, eis que ela se encontra inscrita no
interior da medida de segurança que, por sua vez, deve ter sua regulamentação revista. Assim,
as propostas legislativas foram orientadas em duas frentes: modificações no Código Penal,
tratando da medida de segurança como um todo e da desinternação progressiva propriamente
dita; alterações na Lei de Execução Penal, essas sim somente dizendo respeito à desinternação
progressiva.
Consigne-se que as modificações alvitradas foram motivadas principalmente pelos
entendimentos exarados ao longo desse trabalho, assim como por outras questões que não
puderam ser aqui suficientemente exploradas por fugirem do objeto próprio da pesquisa, mas
que não puderam ser desconsideradas quando da elaboração da proposta legislativa. De
qualquer forma, procurar-se-á explicitar, ainda que sucintamente, as razões motoras de cada
asserção.
No que diz respeito ao Código Penal brasileiro, as seguintes modificações são
sugeridas, pelas razões que as seguem:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado;
II – sujeição a tratamento ambulatorial
§ A submissão do indivíduo a uma ou a outra espécie de medida de segurança
obedecerá ao que for mais adequado para atingir as finalidades da medida de segurança. Pelo
mesmo motivo, pode o juiz converter, a qualquer tempo, uma espécie de medida de segurança
em outra.
§ Aos indivíduos internados que reunirem condições para tanto, a critério do juiz,
aplicar-se-á a desinternação progressiva.
§ 3º Finda a internação, o tratamento ambulatorial será aplicado somente se for
necessário para atingir as finalidades da medida de segurança.
Art. 97. O prazo máximo de duração da medida de segurança coincide com o da pena
abstratamente cominada ao fato descrito como crime, devendo sua execução terminar quando
for constatado que o indivíduo reúne condições de ser inserido socialmente.
§ Para os fins de constatação da possibilidade de inserção social, assim como de
possibilidade de transferência para a desinternação progressiva, devem ser realizadas
avaliações e perícias pelos seguintes profissionais, ao menos: médico psiquiatra, psicólogo e
assistente social.
§ As perícias e avaliações do parágrafo anterior devem ser realizadas
semestralmente, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§ 3º Quando a medida de segurança findar antes de seu prazo máximo, a desinternação
será condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso
de um ano, pratica fato descrito como crime, em situação de inimputabilidade ou de semi-
imputabilidade.
Com relação ao artigo 96 do Código Penal, a proposta não acresceu a desinternação
progressiva como outra espécie de medida de segurança porque ela consiste pura e
simplesmente em uma fase da internação. A nosso ver, portanto, as espécies de medidas de
segurança devem continuar as mesmas, devendo apenas estar prevista a aplicação da
desinternação progressiva. Com efeito, o § do artigo 96 trataria justamente desse tema,
estabelecendo que, aos internados que reunirem condições, a critério do juiz, a desinternação
progressiva será aplicada. Entendemos que essa disposição, no seio do Código Penal, é
suficiente, devendo ser estabelecidos pela Lei de Execução Penal maiores detalhamentos.
Também se deve consignar a importância de ficar assentada a competência do juiz da
execução para transferir o interno à desinternação progressiva. Muito embora ela seja
corolário das funções do juiz, é pertinente uma tal previsão por estar-se tratando de Hospitais
de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que podem pretender seja essa transferência questão
de cunho apenas terapêutico. Finalmente, a avaliação das condições do interno, para formular-
se o juízo a respeito da adequação da aplicação da desinternação progressiva, deve ser
criteriosamente levada a cabo pelo juiz, não sendo possível estabelecer a priori eventuais
pressupostos para aplicação do instituto
1
. Isso porque uma regulamentação taxativa, além de
ser de difícil implementação, certamente perturbaria a adequada aplicação da medida de
segurança. Seria impraticável prever-se, por exemplo, que, após um determinado período na
internação tradicional, o custodiado deva ser transferido à desinternação progressiva
2
, já que a
evolução da situação de cada interno é absolutamente única e diferenciada: um interno que
está um bom tempo internado pode ainda não reunir condições terapêuticas e
comportamentais de receber a desinternação progressiva, enquanto que outro recém-chegado
à internação pode desenvolver essas condições rapidamente. Muito embora seja importante
detalhar, quanto mais, a execução das medidas de segurança, não é possível estabelecer
critérios objetivos aptos a autorizarem a aplicação da desinternação progressiva,
principalmente porque, em nome da intervenção mínima, sempre que for adequada a
intervenção menos gravosa deve ser a elegida. Até porque, a rigor, todo sujeito internado terá,
quando aprovada a modificação, a pretensão de ser para ela transferido, ficando a critério do
juiz a decisão quanto ao momento mais apropriado.
A proposta também se encaminha, com relação aos demais parágrafos do artigo 96, no
sentido de mudar o critério de aplicação da internação e do tratamento ambulatorial. Não faz
sentido, como tivemos oportunidade de demonstrar, obrigar a aplicação da internação no caso
de fatos descritos como crimes apenados com reclusão e vincular o tratamento ambulatorial
aos fatos apenas com detenção. Não constituindo objetivo da medida de segurança qualquer
reprovação ao agente portador de anomalia psíquica, a regulamentação do artigo 97, caput, do
1
Pelo menos não no atual estágio de desenvolvimento doutrinário. Reconheça-se, no entanto, a necessidade de
se realizar, futuramente, um esforço multidisciplinar que congregue os aspectos terapêuticos e jurídicos
para que os pressupostos e as condições de aplicação da desinternação progressiva sejam explicitados, e
passem a constar de lei específica, em obediência aos critérios de clareza, certeza e precisão ditados pelo
princípio da legalidade.
2
O mesmo se diga quanto à tentativa de aplicação da desinternação progressiva a internos que portem
determinadas anomalias psíquicas, deixando fora de seu âmbito indivíduos que possuam doenças mentais não
constantes desse rol. Como tivemos oportunidade de demonstrar, uma seleção desse tipo impediria
concretamente a reinserção social de inúmeros internos, que a medida de segurança está obrigada a buscar,
além de se fundamentar mais em problemas práticos do que em critérios racionais.
Código Penal merece ser urgentemente revista. Em razão da intervenção mínima, se o
tratamento ambulatorial bastar para atingir as finalidades da medida de segurança, não que
se cogitar da aplicação de internação, como esperamos ter demonstrado no momento
apropriado. Ademais, uma outra mudança se faz essencial na regulamentação da medida de
segurança: justamente essa vinculação às finalidades das medidas de segurança, e não apenas
a referência a fins terapêuticos, como se esse fosse o único objetivo perseguido pela medida.
Como vimos, o tratamento do interno é importante na medida em que favorece a sua
reinserção social, essa sim o aspecto mais importante da prevenção especial positiva.
Ademais, a medida de segurança, subsidiariamente, também deve tender a consecução da
prevenção especial negativa, de modo a proteger os bens jurídicos mais importantes da
sociedade. Se é verdade que essa última finalidade não se justifica sozinha, devendo sempre
ser secundária com relação à prevenção especial positiva, isso não faz com que não deva ser
adequadamente buscada.
Assim sendo, falar em necessidades terapêuticas, como faz o atual Código Penal, para
se referir às finalidades da medida de segurança, é postura insuficiente. Nesse sentido é que,
ao tratar dos critérios de aplicação da medida de segurança, a proposta legislativa institui que
“a submissão do indivíduo a uma ou a outra espécie de medida de segurança obedecerá ao que
for mais adequado para atingir as finalidades da medida de segurança”. Tendo em vista o
mesmo critério é que “pode o juiz converter, a qualquer tempo, uma espécie de medida de
segurança em outra”. Enquanto o § do artigo 97 do atual Código Penal estabelece que o
tratamento ambulatorial, em qualquer fase, pode ser substituído pela internação, se essa
providência for necessária para fins curativos, a proposta em tela vincula essa alteração a
necessidade de atingir as finalidades próprias das medidas de segurança, entre elas incluída o
tratamento do interno.
Outra adição foi proposta ao artigo 96, contemplando-se que “finda a internação, o
tratamento ambulatorial será aplicado somente se for necessário para atingir as finalidades da
medida de segurança”, numa clara exteriorização da intervenção mínima e em mais uma
tentativa de vincular o tratamento ambulatorial ao atingimento das finalidades da medidas de
segurança, e não apenas às necessidades de tratamento do indivíduo. Isso porque, como foi
demonstrado pela pesquisa de campo, a maioria dos ex-internos do sistema penitenciário
continua a necessitar de acompanhamento terapêutico ao longo de suas vidas, tratamento que
deve ser então realizado pelo Sistema Único de Saúde. O tratamento ambulatorial, espécie de
medida de segurança, deve ser aplicado após a desinternação do indivíduo se for essencial
para garantir a inserção social do indivíduo e para proteger a sociedade de novas lesões a bens
jurídicos, podendo, é verdade, ser o tratamento terapêutico instrumento para atingir esses
objetivos. O que ocorre é que a estabilidade do indivíduo no convívio social depende, muitas
vezes, de que se continue oferecendo a ele adequado tratamento psiquiátrico – com a oferta de
medicamentos, inclusive –, função que o Sistema Único de Saúde deve desempenhar, não
sendo necessária a continuidade da intervenção penal. Até porque, se se vincular a extinção
do tratamento ambulatorial ao fim das necessidades terapêuticas dos indivíduos, a medida de
segurança dificilmente se findará.
Com relação aos prazos de duração da medida de segurança, as propostas de alteração
basearam-se em duas necessidades: a supressão da existência de limites mínimos e o
estabelecimento de limites máximos. Com relação a esses últimos, embora haja discordâncias
com relação ao melhor critério para sua determinação, propôs-se que a medida de segurança
tenha como limite a pena máxima cominada ao fato descrito como crime, posição que aliás
parece ser a predominante na doutrina brasileira e que certamente consistiria em significativo
avanço. Como tivemos ocasião de demonstrar, a finalidade de estabelecer o prazo máximo
reside na necessidade de se criar um limite infranqueável de duração da medida de segurança;
qualquer que seja o critério estabelecido (pena máxima do delito, 2/3 dessa pena, 5 anos etc),
ele tem por único fundamento criar esse limite, daí a dificuldade em se decidir por um ou
outro. Seja como for, a proposta contempla a vinculação à pena máxima cominada ao fato
descrito como crime: “O prazo máximo de duração da medida de segurança coincide com o
da pena abstratamente cominada ao fato descrito como crime, devendo sua execução terminar
quando for constatado que o indivíduo reúne condições de ser inserido socialmente”.
A parte final da alteração proposta é uma tentativa de se romper com o conceito de
periculosidade, presente nas medidas de segurança. Embora não consista em objeto da
pesquisa, ficou patenteado que se trata de tema que merece uma reestruturação, porque não,
uma reconstrução. Propôs-se, em forma de esboço, a substituição do termo cessação da
periculosidade pela expressão “quando for constatado que o indivíduo reúne condições de ser
inserido socialmente”, porque afinal é isso que importa quando da desinternação do interno.
Reconhecemos, no entanto, que essa proposta tem feição embrionária, merecendo uma análise
muito mais detida. De qualquer forma, e na defesa dessa proposta, registre-se que se a medida
de segurança só se justifica e legitima na medida em que busca reinserir o sujeito socialmente,
utilizando-se para isso de diversas estratégias terapêuticas e sociais, faz sentido vincular o fim
da execução da medida justamente ao advento de condições satisfatórias de inserção social do
interno. Essas poderiam ser as bases para se repensar e substituir o conceito de periculosidade
por outro melhor, tarefa que certamente excede os limites deste trabalho. Registre-se apenas
que a vinculação da extinção da medida de segurança à cessação da periculosidade do sujeito
importa em um desvio político-criminal que merece ser repensado, pois faz com que a
finalidade secundária da medida se converta em primeira. Explico. Sendo a periculosidade a
probabilidade de o indivíduo tornar a praticar ilícitos-típicos, e com isso, lesionar bens
jurídicos essenciais da sociedade, a extinção da medida de segurança no ordenamento jurídico
brasileiro está voltada tão-somente ao atingimento da prevenção especial negativa. Rever essa
questão, de modo a dar a devida importância à finalidade primeira da medida de segurança, é
essencial.
Seja como for, a proposta legislativa encaminha-se no sentido de estabelecer que “para
os fins de constatação da possibilidade de inserção social, assim como de possibilidade de
transferência para a desinternação progressiva, devem ser realizadas avaliações e perícias dos
seguintes profissionais, pelo menos: médico psiquiatra, psicólogo e assistente social”. Como
pode se ver, há uma tentativa de rompimento com o modelo puramente médico da medida de
segurança, por duas razões. Em primeiro lugar, a desinternação progressiva prova que a
abordagem puramente médica nas medidas de segurança é insuficiente, sendo essencial o
trabalho multidisciplinar. Se assim for, torna-se fundamental ouvir, nos momentos de
transferência do indivíduo para a desinternação progressiva ou de desinternação definitiva,
outros profissionais importantes para a execução da medida, e que acompanham a evolução
da situação do interno. Ademais, se a sistemática da desinternação progressiva estiver correta
ao considerar que a periculosidade do interno não diz respeito apenas a fatores endógenos,
mas também a fatores sociais, a oitiva do assistente social é importante, até mesmo como
forma de o juiz acompanhar o empenho deste na preparação da desinternação do indivíduo.
Em segundo lugar, pareceres de diversos profissionais dariam ao juiz da execução mais
elementos para formar o seu convencimento, de forma a evitar o seguimento automático da
opinião do médico perito e a obrigar o juiz a retomar sua função de efetivamente decidir as
questões ligadas à execução da medida de segurança.
Pretende também a proposta apresentada estabelecer que as perícias e avaliações do
parágrafo anterior devem ser realizadas semestralmente, ou a qualquer tempo, se o determinar
o juiz da execução”. A novidade com relação a atual legislação reside na diminuição do
tempo de realização das perícias e das avaliações dos demais profissionais, que atualmente
as perícias médicas são realizadas anualmente. A última modificação proposta, com relação
ao Código Penal, reside na disposição de que a desinternação será condicional, desde que a
medida de segurança findar antes de seu prazo máximo. Isso porque, se o interno tiver
permanecido submetido à medida de segurança pelo máximo de tempo permitido pela
legislação nos termos da presente proposta –, não que se falar em restabelecimento da
internação, na hipótese de prática de fato descrito como crime. Nesse caso, o indivíduo
aguardará a condução do processo em liberdade. Ademais, nos casos em que a desinternação
ocorreu antes do fim do prazo máximo da medida, o restabelecimento da medida de segurança
será admitida se o ex-interno tiver praticado o ilícito-típico em situação de
inimputabilidade ou de semi-imputabilidade, ou seja, desde que não fosse inteiramente capaz
de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se segundo essa compreensão. Essa
disposição é importante porque não faz sentido reconduzir o indivíduo à medida de segurança
se ele tiver praticado a conduta de maneira consciente e deliberada, é dizer, em situação de
imputabilidade. Caso isso ocorra, não há que se falar em medida de segurança, e sim em pena
propriamente dita, que ao sujeito poderá ser atribuída a conduta e a responsabilização dela
decorrente. Também merece destaque outra modificação pretendida com relação à legislação
vigente: enquanto o § do artigo 97 do Código Penal fala em “fato indicativo de persistência
de sua periculosidade”, apto a fazer ressurgir a medida de segurança antes imposta, a proposta
legislativa em tela condiciona o restabelecimento da medida à prática de fato descrito como
crime. Trata-se de outra mudança essencial no contexto das medidas de segurança, apta a
limitar o afã interventivo do Estado. Afinal, não pode o Estado pretender voltar a intervir a
não ser que haja prática de fato descrito como crime, previamente delimitado pela legislação
penal. A previsão do fato indicador da persistência da periculosidade fere as garantias
inerentes à pessoa humana, além de não descrever previamente quais fatos seriam indicativos
da continuidade da periculosidade. Trata-se de regra não condizente com as orientações do
Estado Social e Democrático de Direito Material, merecendo também urgente modificação.
Como dito anteriormente, propõe-se que a previsão legal da desinternação
progressiva seja feita no Código Penal, enquanto considera-se a proposta de regulamentação
detalhada mais afeita à Lei de Execução Penal. Para tanto seria necessário o acréscimo de um
artigo, destinado ao assunto, na Lei de Execução Penal, sugerindo que sua numeração seja a
de 179-A
3
:
Art. 179-A. Aos indivíduos internados que reunirem condições para tanto, a critério do
juiz, aplicar-se-á a desinternação progressiva, consistente no aumento gradual do contato do
interno com o meio sócio-familiar e na diminuição da dependência do hospital, de maneira
planejada e assistida.
3
Na verdade, como outras modificações serão necessárias na Lei de Execução Penal, quando da aprovação da
proposta de alteração do Código Penal, é provável que a numeração do artigo não seja essa.
§ Ao interno que estiver submetido à desinternação progressiva poderão ser
autorizadas, a critério do juiz e após a oitiva do médico psiquiatra, do psicólogo e do
assistente social que cuidam do caso:
a) as imediações, consistentes na permissão para que o interno se ausente do Hospital
para realizar atividade devidamente justificada e posteriormente comprovada;
b) as visitas domiciliares, consistentes na autorização para que o interno permaneça
com sua família e sob sua tutela.
§ As imediações terão prazo máximo de oito horas. As visitas domiciliares terão
prazo máximo de 21 dias.
§ Tanto as imediações quanto as visitas domiciliares poderão ser realizadas com ou
sem o acompanhamento presencial dos profissionais do Hospital, a critério do juiz.
§ Nas dependências da unidade que aplicar a desinternação progressiva é
indispensável a realização de atividades que concorram para a inserção social dos internos,
assim como para seu tratamento e desenvolvimento pessoal.
Reiterando e aprofundando o pretendido § do artigo 96 do Código Penal, o caput
do artigo 179-A conceitua a desinternação progressiva
4
como a fase da internação que
fomenta a autonomia do interno em relação ao Hospital e a ampliação de seu contato e de suas
relações com o meio familiar e social. Importante registrar que a alteração estabelece que a
desinternação progressiva deve buscar a realização de seus objetivos de maneira planejada e
assistida, isto é, as equipes profissionais dos HCTP’s devem acompanhar e fiscalizar essas
estratégias continuamente, projetando a própria desinternação definitiva do interno. Mais uma
vez, reitere-se que a apreciação concreta da conveniência de se aplicar a desinternação
progressiva cabe ao juiz, não devendo ser estabelecidos pressupostos taxativos prévios nesse
sentido.
Como conteúdo do § do artigo 179-A da Lei de Execução Penal, propõe-se a
possibilidade de autorização de imediações e visitas domiciliares ao interno submetido à
desinternação progressiva, a critério do juiz e após ouvir o psiquiatra, o psicólogo e o
assistente social que cuidam do caso. Trata-se de mais uma disposição que reafirma o papel
do juiz da execução nas autorizações para saídas, em consonância com o que preceitua o
artigo 66, inciso IV da Lei de Execução Penal. Também com relação a essa proposta reforçou-
se o papel de outros profissionais, para além do médico psiquiatra, em uma expressão do
4
Esperamos ter explicitado esse conceito anteriormente.
reconhecimento de que a medida de segurança e a desinternação progressiva não abarcam
uma realidade tão-somente médica, mesmo com relação às estratégias terapêuticas
propriamente ditas.
A lei disporia que as imediações consistem na permissão para que o interno se ausente
do Hospital para realizar atividade devidamente justificada e posteriormente comprovada.
Ressalte-se a importância da justificação e da comprovação da atividade realizada, tais como
fazer compras, ir ao dentista, ir ao banco etc, para que o interno não fique ocioso fora das
dependências do Hospital. A proposta também pretende instituir que as visitas domiciliares
residem na autorização para que o interno permaneça com sua família e sob sua tutela. Se com
relação às imediações seguiu-se a nomenclatura utilizada pela desinternação progressiva
paulista, o mesmo não ocorreu com relação às visitas domiciliares, nomeadas pelo HCTP II
de Visitas Domiciliares Assistidas. Isso porque todas as saídas dos internos são assistidas
pelos profissionais da unidade, muitas vezes inclusive presencialmente. Toda estratégia e toda
ação realizada na desinternação progressiva é feita de forma assistida, razão pela qual
consideramos suficiente a denominação “visita domiciliar”. Frise-se, ademais, a importância
da permanência do interno sob a tutela de sua família, sem a qual não pode ser aplicada a
visita domiciliar.
A alteração legislativa aspira aprovar dispositivo que regulamente o prazo máximo de
duração das imediações e das visitas domiciliares, a saber: oito horas e vinte e um dias,
respectivamente. Dentro desse limite, o juiz, ouvidos os profissionais que atuam na
desinternação progressiva, poderá estabelecer o prazo de duração mais adequado para cada
autorização em concreto. Ademais, a proposta legislativa tenciona estabelecer que tanto as
imediações quanto as visitas domiciliares poderão ser realizadas com ou sem o
acompanhamento presencial dos profissionais do Hospital, a critério do juiz. Aqui também
pretende-se apenas esclarecer que as imediações e as visitas domiciliares são realizadas por
vezes com acompanhamento profissional presencial, por vezes sem necessidade dele. O juiz é
que passaria a decidir sobre isso, ouvidos os profissionais referidos. Não se quis seguir a
dinâmica exata da desinternação progressiva paulista (realização de imediações
acompanhado, depois de imediações desacompanhado, posteriormente de VDA’s), para não
se dar uma sistemática fechada ao instituto, pois ele com certeza será levado a efeito de
formas diversificadas nos diversos Estados brasileiros. Por isso apenas o essencial foi
proposto, deixando os detalhes para o âmbito de apreciação de cada juiz da execução. Além
do que, mesmo com relação ao próprio instituto paulista sua sistemática não é seguida à risca,
por depender das necessidades concretas de cada interno, a reiterar a desnecessidade de um
maior detalhamento das imediações e das visitas domiciliares.
Finalmente, a proposta de alteração legislativa delineada intenta assentar que “Nas
dependências da unidade que aplicar a desinternação progressiva são indispensáveis a
realização de atividades que concorram para a inserção social dos internos, assim como para
seu tratamento e desenvolvimento pessoal”. Com efeito, além da realização de saídas pelos
internos, é essencial para a eficácia da desinternação progressiva a existência de atividades
direcionadas ao tratamento e à reinserção do interno, consistentes basicamente, como se
demonstrou em lugar oportuno, em atividades relacionadas à educação, trabalho e lazer. Não
se quis detalhar essas atividades, tendo por modelo a experiência do HCTP II
5
, servindo-se
do instituto paulista mais para comprovar que essas atividades são fundamentais para que a
medida atinja seus objetivos. Que atividades serão essas, cada HCTP definirá, com a
supervisão do Juízo da Execução, a depender certamente de cada realidade regional. O
importante é aplicarem-se estratégias voltadas para o atingimento das finalidades das medidas
de segurança, quando da aplicação da desinternação progressiva.
Como pode se perceber, não se buscou formular uma proposta legislativa
demasiadamente minuciosa sobre a desinternação progressiva, em razão de entendermos que
isso traria mais prejuízos que benefícios. Com efeito, uma sistemática excessivamente fechada
e tendo por referência apenas o instituto paulista teria a provável conseqüência de não ser
operacionalizável em outros Estados, ou mesmo de não se dar a eles a oportunidade de
aperfeiçoar a medida. O que é preciso ser estabelecido previamente são as balizas essenciais,
características da desinternação progressiva, deixando o mais a critério do juiz da execução, e
contando certamente com a dedicação e a criatividade dos profissionais dos Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
5
Até porque no HCTP II carência de diversos profissionais e por conseqüência de diversas atividades
adequadas para a desinternação progressiva.
APÊNDICE B – TERMO DE COMPROMISSO FIRMADO JUNTO À
SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA
APÊNDICE C – MODELO DO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO EXARADO PELOS ENTREVISTADOS
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
A pesquisa que será realizada por Michele Cia, para conclusão de sua Pós-Graduão em
Direito, tem como objetivo entender a história da desinternação progressiva, o porquê de sua
criação, suas principais características, suas conquistas no tratamento do doente mental e suas
imperfeões. Esse conhecimento é importante para a Ciência do Direito para a elaboração de
poticas blicas eficazes no controle dos fatos delituosos praticados pelos doentes mentais.
Como se trata de tema pouco conhecido no âmbito acadêmico, é extremamente importante ouvir
os profissionais que lidam com a desinternação progressiva, razão pela qual convidamos Vossa
Senhoria a participar da realização de uma entrevista, tendo por objeto o tema apresentado. O
desconforto que se pode prever nesse tipo de pesquisa é a disponibilidade de tempo para sua
realização, ficando a critério do entrevistado, caso consinta em realizar a entrevista, marcar dia e
hora para sua realização. A entrevista será realizada pela pesquisadora, em sala reservada,
podendo a qualquer tempo o entrevistado interrompê-la. A pesquisadora responsável se
compromete a não revelar a identidade ou o nome do entrevistado, em nenhuma hitese ou
situação, seja na elaborão do relatório de pesquisa (dissertação), seja em qualquer outra
circunstância, deixando claro que o termo de consentimento se destina o-somente a autorizar a
entrevista e a utilização do seu conteúdo na pesquisa. Sendo assim, uma cópia fica com o
entrevistado, e a outra pia ficará com a pesquisadora, para ser arquivada, o tendo nenhuma
publicidade. Além disso, é direito do entrevistado exigir esclarecimentos sobre a pesquisa a
qualquer momento, mesmo durante a realizão da entrevista, para que preserve amplo
entendimento sobre os procedimentos e objetivos da mesma. O indivíduo convidado à entrevista
tem ampla liberdade em recusar sua participação, não tendo por isso nenhum tipo de penalização,
bastando simplesmente o assinar o presente termo de consentimento. Caso consinta e assine o
termo, o entrevistado pode retirar posteriormente seu consentimento, em qualquer fase do
andamento da pesquisa, bastando para isso comunicar a pesquisadora responvel,
independentemente de qualquer justificativa. Para seguraa de ambos, nesse caso elaborar-se-á
um documento registrando a retirada do consentimento, com a conseência de não poder ser
usado o contdo da entrevista, caso já realizada.
A pesquisadora responsável poderá gravar a entrevista, através de aparelho gravador,
somente se o entrevistado consentir com tal procedimento, bastando para isso assinalar o
campo respectivo. A gravação da entrevista destina-se tão-somente a facilitar o registro de seu
conteúdo, parra que nenhuma informação dada pelo entrevistado se perca. A pesquisadora se
compromete a não reproduzir em nenhuma hipótese a gravação para outras pessoas ou
instituições. O entrevistado pode, sem qualquer justificativa, recusar a gravação da entrevista,
bastando para isso comunicar a pesquisadora, ainda que tenha anteriormente autorizado a
gravação no presente termo de consentimento. Finalmente, o entrevistado responderá apenas
as perguntas que julgar convenientes, ou que se sinta à vontade para responder. Na hipótese
de não querer responder a alguma pergunta, basta fazer um sinal indicativo da recusa ou pedir
a próxima pergunta, sem qualquer tipo de penalização. Também poderá dar qualquer outra
declaração, ainda que não tenha sido perguntado diretamente pela pesquisadora.
Identificação da pesquisa
Título do Projeto: “A Desinternação Progressiva como Alternativa para a Obrigação Político-
Criminal do Estado frente aos Atos Praticados por Inimputáveis”
Pesquisador Responsável: Michele Cia
Cargo/Função: aluna do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado)
Endereço:
Telefone para contato:
Instituição: Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”
Orientador da pesquisa: Prof. Dr. Fernando Andrade Fernandes
Identificação do sujeito da pesquisa (profissional a ser entrevistado)
Nome:_____________________________________________________________________
Documento de Identidade:_____________________________________________________
Sexo:___________________ Data de Nascimento:__________________________________
Endereço:___________________________________________________________________
Telefone para contato:_________________________________________________________
( ) NÃO autorizo a gravação da entrevista através de aparelho gravador.
( ) AUTORIZO a gravação da entrevista através de aparelho gravador.
Nos termos do presente documento, dou meu consentimento para que a pesquisadora
me entreviste e utilize o conteúdo da entrevista em sua pesquisa,
Franco da Rocha, ___ de ______________________ de 2008.
_____________________________________________________
(profissional)
Assinatura da pesquisadora: ________________________________________
APÊNDICE D – CONTROLE DE VISITAS AO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E
TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO II DE FRANCO DA ROCHA
ANEXOS
ANEXO A – PORTARIA 09/2003
ANEXO B – DECRETO ESTADUAL N
O
46046
DECRETO N.º 46.046, DE 23 DE AGOSTO DE 2001
Cria e organiza, na Secretaria da Administração Penitenciária, o Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha e dá providências correlatas.
GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado deo Paulo, no uso de suas atribuições legais,
Decreta:
CAPÍTULO I
Disposições Preliminares
Artigo - Fica criado, na Secretaria da Administração Penitenciária, diretamente
subordinado ao Diretor do Departamento de Assistência à Saúde do Sistema Penitenciário, da
Coordenadoria de Saúde do Sistema Penitenciário, o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico II de Franco da Rocha.
Parágrafo único - A unidade de que trata este artigo tem nível de Divisão Técnica.
Artigo - O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha é um
estabelecimento penal destinado ao cumprimento do tratamento de internos/pacientes
inimputáveis dos sexos masculino e feminino portadores de patologias clínicas associadas à
doença mental.
CAPÍTULO II
Da Estrutura
Artigo - O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha tem a
seguinte estrutura:
I - Comissão de Ética Médica;
II - Comissão de Controle de Infecção Hospitalar;
III - Comissão de Revisão de Prontuários;
IV - Assistência Técnica;
V - Núcleo de Atendimento à Saúde, com:
a) Equipe de Nutrição e Dietética;
b) Equipe de Enfermagem;
VI - Núcleo de Atendimento Multidisciplinar;
VII - Núcleo de Segurança e Disciplina, com:
a) Equipe de Controle;
b) Equipe de Vigilância;
c) Equipe de Portaria;
d) Equipe Auxiliar de Segurança;
VIII - Núcleo de Perícias, com:
a) Equipe de Informações Médicas e Judiciais;
b) Equipe de Prontuários;
IX - Núcleo Administrativo, com:
a) Equipe de Conservação e Manutenção;
b) Equipe de Contas Bancárias dos Presos;
c) Equipe de Lavanderia;
X - Núcleo de Pessoal.
§ 1º - As Equipes de Vigilância e de Portaria funcionarão, cada uma, em 4 (quatro) turnos.
§ - Os Núcleos de Atendimento à Saúde, Atendimento Multidisciplinar e de Segurança e
Disciplina contam, cada um, com uma Célula de Apoio Administrativo.
§ 3º- As Células de Apoio Administrativo não se caracterizam como unidades administrativas.
CAPÍTULO III
Dos Níveis Hierárquicos
Artigo - As unidades do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da
Rocha têm os seguintes níveis hierárquicos:
I - de Serviço Técnico de Saúde:
a) o Núcleo de Atendimento à Saúde;
b) o Núcleo de Atendimento Multidisciplinar;
c) o Núcleo de Perícias;
II - de Serviço:
a) o Núcleo de Segurança e Disciplina;
b) o Núcleo Administrativo;
c) o Núcleo de Pessoal;
III - de Equipe Técnica de Saúde:
a) a Equipe de Nutrição e Dietética;
b) a Equipe de Enfermagem;
IV - de Seção Técnica, a Equipe de Informações Médicas e Judiciais;
V - de Seção:
a) a Equipe de Controle;
b) a Equipe de Vigilância;
c) a Equipe de Portaria;
d) a Equipe Auxiliar de Segurança;
e) a Equipe de Prontuários;
f) a Equipe de Conservação e Manutenção;
g) a Equipe de Contas Bancárias dos Presos;
h) a Equipe de Lavanderia.
CAPÍTULO IV
Das Atribuições
SEÇÃO I
Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha
Artigo - O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha tem as
seguintes atribuições:
I - elaborar regras e normas que viabilizem a execução das condutas terapêuticas;
II - elaborar projetos de condutas terapêuticas para cada paciente/preso e seus respectivos
familiares;
III - elaborar estudos de casos que aprofundem o conhecimento técnico das patologias
atendidas;
IV - deliberar sobre as saídas de pacientes/presos referentes a trabalho, visita domiciliar e
passeios;
V - orientar os servidores, que tratam diretamente com os pacientes/presos, sobre sua
participação nas condutas terapêuticas;
VI - esclarecer os pacientes/presos sobre as regras e normas que norteiam o tratamento;
VII - elaborar relatórios gerais ou individuais para fins judiciais;
VIII - acompanhar as patologias clínicas que acometem os internos/pacientes inimputáveis,
em estreito relacionamento com a estrutura do Sistema Único de Saúde - SUS, local.
SEÇÃO II
Da Assistência Técnica
Artigo 6º - A Assistência Técnica tem as seguintes atribuições:
I - assistir o Diretor no desempenho de suas funções;
II - analisar processos, realizar estudos e desenvolver atividades que se caracterizem como
apoio técnico e administrativo à execução, controle e avaliação das atividades do
estabelecimento penitenciário;
III - acompanhar e avaliar as atividades da unidade prisional;
IV - verificar a regularidade das atividades técnicas e administrativas da unidade prisional;
V - manter contatos com dirigentes da Fundação "Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel" -
FUNAP, objetivando integrar a atuação da entidade no estabelecimento penitenciário;
VI - efetuar contatos com gerentes de estabelecimentos bancários oficiais com objetivo de
manter abertas contas correntes de presos;
VII - efetuar estudos e propor atualizações tecnológicas para a melhoria das atividades de
informática;
VIII - identificar as falhas e quebras dos equipamentos de informática e providenciar sua
manutenção;
IX - elaborar planos e programação de manutenção preventiva e corretiva nos
microcomputadores;
X - avaliar o desempenho dos equipamentos e o teleprocessamento;
XI - apurar as irregularidades funcionais, através de sindicância administrativa e
procedimentos disciplinares dos custodiados.
SEÇÃO III
Do Núcleo de Atendimento à Saúde
Artigo 7º - O Núcleo de Atendimento à Saúde tem as seguintes atribuições:
I - prestar assistência médica integral, bem como executar plano terapêutico dos
pacientes/presos;
II - consolidar e aplicar programas de medicina preventiva e educação sanitária;
III - realizar o diagnóstico e o tratamento de afecções buco-maxilo-faciais;
IV - promover a higiene buco-dentária;
V - realizar tratamento protético;
VI - propor o encaminhamento e a remoção de pacientes/presos portadores de intercorrências
clínicas a serem tratadas em outros hospitais;
VII - fornecer relatórios médicos;
VIII - classificar doenças, causas de mortes e outros dados;
IX - zelar pela higiene e salubridade do estabelecimento, fiscalizando, permanentemente, suas
dependências e elaborando relatórios periódicos a respeito;
X - desenvolver trabalhos de vigilância epidemiológica;
XI - promover a adoção de medidas de prevenção de infecções;
XII - prescrever a vacinação dos servidores e dos pacientes/presos;
XIII - estabelecer contatos para a vacinação dos servidores e dos pacientes/presos;
XIV - atender intercorrências clínico-psiquiátricas que se manifestarem nos pacientes/presos;
XV - acompanhar a evolução clínica de pacientes/presos que tenham sido transferidos a outras
unidades, temporariamente, para consulta ou internação especializada;
XVI - manter relacionamento com equipes médicas especializadas das unidades do Sistema
Único de Saúde - SUS local;
XVII - assistir outros Hospitais de Custódia no acompanhamento e/ou transferência dos
internos/pacientes inimputáveis a unidades de saúde especializadas;
XVIII - orientar ou realizar a coleta de material para exames;
XIX - realizar tratamento médico de pacientes/presos que necessitem de tratamento intensivo
e cuidados especiais;
XX - prestar atendimento de urgência a pacientes/presos;
XXI - proceder à avaliação dos casos clínicos e cirúrgicos;
XXII - contribuir para a assistência global à saúde dos pacientes/presos;
XXIII - proceder à avaliação dos pacientes/presos e organizar e controlar a documentação
clínica;
XXIV - observar e controlar a execução das instruções técnicas estabelecidas para os
equipamentos, aparelhos e instrumental utilizados pela unidade, bem como mantê-los em
perfeitas condições de uso;
XXV - providenciar, quando for o caso, radiografias e interpretar seus resultados;
XXVI - elaborar e distribuir relatórios diários de ocorrências;
XXVII - em relação aos medicamentos:
a) aviar receitas prescritas pelos médicos;
b) manter e controlar os estoques de medicamentos, de acordo com as normas vigentes;
c) observar e controlar os prazos de validade constantes nas embalagens dos medicamentos;
XXVIII - por meio da Equipe de Nutrição e Dietética:
a) programar a elaboração das dietas normais e especiais aos pacientes/presos e aos
servidores;
b) participar de programas de educação sobre nutrição;
c) prestar assistência nutricional aos pacientes/presos;
d) prever, requisitar, receber, armazenar e controlar os estoques, em qualidade e quantidade,
dos gêneros alimentícios e dos materiais;
e) controlar a qualidade e a quantidade dos gêneros alimentícios recebidos;
f) providenciar as medidas necessárias quanto ao fornecimento de mercadorias em desacordo;
g) preparar e distribuir as dietas alimentares;
h) controlar a qualidade e o número de refeições servidas;
i) zelar pela qualidade e higiene da alimentação distribuída, bem como pela correta utilização
dos mantimentos, aparelhos e utensílios;
j) manter a limpeza dos aparelhos, utensílios e dos locais de trabalho;
l) registrar dados de suas atividades;
XXIX - por meio da Equipe de Enfermagem:
a) prestar assistência integral e ininterrupta de enfermagem aos pacientes/presos, aplicando o
tratamento médico prescrito;
b) prestar cuidados especiais aos pacientes/presos que necessitem de atendimento intensivo e
semi-intensivo;
c) colaborar no tratamento dos pacientes/presos e providenciar a execução das prescrições
médicas;
d) proporcionar aos pacientes/presos ambientes favoráveis ao seu tratamento e recuperação;
e) acompanhar os pacientes/presos portadores de intercorrências clínicas, em trânsito para
outros hospitais;
f) orientar pacientes/presos e familiares quanto ao tratamento e às medidas preventivas que
visem conservar a saúde;
g) orientar os pacientes/presos e familiares sobre a reabilitação;
h) participar de procedimentos relativos à vigilância epidemiológica, no que couber à
enfermagem;
i) colher material para exames de laboratório;
j) participar de atividades que visem o diagnóstico das doenças e orientação terapêutica;
l) assegurar condições adequadas de conservação e manuseio do material esterilizado;
m) colaborar com o controle da movimentação dos pacientes/presos, fornecendo dados para
os levantamentos estatísticos;
n) registrar, nos prontuários dos pacientes/presos, fatos e informações que auxiliem no
diagnóstico e tratamento;
o) manter estoque mínimo necessário de roupas, materiais e medicamentos, exercendo
controle diário sobre os mesmos;
p) zelar pela limpeza e higienização dos instrumentos das unidades de atendimento;
q) orientar a limpeza e a higienização das unidades de atendimento;
r) manter a limpeza e a higiene dos pacientes/presos;
s) efetuar levantamento de dados estatísticos e relatórios referentes às atividades de
enfermagem;
t) elaborar, diariamente, relatórios de ocorrências;
u) zelar pela guarda e manutenção das roupas dos pacientes/presos;
v) colaborar com o corpo clínico no atendimento de pacientes/presos;
x) registrar dados de suas atividades.
SEÇÃO IV
Do Núcleo de Atendimento Multidisciplinar
Artigo 8° - O Núcleo de Atendimento Multidisciplinar tem as seguintes atribuições:
I - avaliar a evolução de cada paciente/preso, desenvolvendo ações para a melhoria de seu
processo de evolução, visando a sua desinternação;
II - observar e registrar a reação dos pacientes/presos aos programas em execução;
III - atuar em parceria com as outras áreas do estabelecimento, visando o tratamento integrado
aos pacientes/presos;
IV - anotar nos prontuários de evolução dos pacientes/presos, observações que contribuam
para uma melhor compreensão de cada caso;
V - participar na aplicação de programas de medicina preventiva e educação sanitária;
VI - registrar dados e manter arquivo sobre suas atividades;
VII - prestar orientação e acompanhamento aos pacientes/presos, seus familiares e servidores
envolvidos com o tratamento;
VIII - recepcionar o paciente/preso e situá-lo na instituição através de entrevista de inclusão;
IX - participar das reuniões técnicas multidisciplinares para discussão de casos, avaliação da
dinâmica institucional e elaboração das normas de funcionamento internas;
X - acompanhar, semanalmente, o grupo de pacientes/presos que lhe for designado,
avaliando-os para as saídas da instituição e para a desinternação progressiva domiciliar;
XI - supervisionar as atividades desenvolvidas por aprimorados e estagiários em Psicologia,
Assistência Social, Terapia Ocupacional e Educação Física;
XII - efetuar avaliação psicológica dos pacientes/presos para compor os pareceres de
verificação da cessação de periculosidade;
XIII - planejar e executar programas de intervenção psicológica aos pacientes/presos e seus
familiares, visando a desinternação;
XIV - elaborar relatório social dos pacientes/presos para compor os pareceres de verificação
da cessação de periculosidade;
XV - planejar e executar programas de intervenção social aos pacientes/presos e seus
familiares, efetuando as visitas domiciliares necessárias, visando a desinternação;
XVI - orientar os pacientes/presos e seus familiares sobre os procedimentos de desinternação
definitiva, alvará de soltura, continuação do tratamento de saúde e seguridade social, segundo
a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993);
XVII - pesquisar elementos para subsidiar o diagnóstico;
XVIII - orientar e subsidiar os pacientes/presos para providenciar seus documentos pessoais;
XIX - manter contatos com instituições congêneres e de saúde;
XX - incentivar a realização de parcerias com a sociedade civil organizada com o intuito de
colocar os pacientes trabalhando;
XXI - elaborar relatório ocupacional dos pacientes para compor o parecer de verificação da
cessação da periculosidade;
XXII - prestar orientação e acompanhamento ocupacional aos pacientes/presos, seus
familiares e servidores envolvidos no tratamento;
XXIII - planejar e executar programa de terapia ocupacional aos pacientes/presos, visando a
sua desinternação;
XXIV - elaborar relatório de atividades dos pacientes/presos para compor o parecer de
verificação da cessação da periculosidade;
XXV - elaborar e executar programas esportivos e de recreação para a recuperação e o
desenvolvimento das condições físicas dos pacientes, visando a sua desinternação;
XXVI - planejar e executar programas de festividades comemorativas de caráter cívico e
cultural, de competições esportivas, visitas, passeios, excursões e apresentações artísticas,
esportivas, culturais e educacionais;
XXVII - articular, junto às instituições de ensino público e particular da região, a inclusão dos
pacientes/presos em seus programas de ensino fundamental, médio, supletivo e
profissionalizante.
SEÇÃO V
Do Núcleo de Segurança e Disciplina
Artigo 9º - O Núcleo de Segurança e Disciplina tem as seguintes atribuições:
I - por meio da Equipe de Controle:
a) receber e conferir documentos referentes à internação de pacientes/presos;
b) registrar e encaminhar à enfermagem os objetos destinados aos pacientes/presos;
c) encaminhar os novos pacientes/presos para as unidades envolvidas no processo de
internação;
d) comunicar, aos órgãos interessados, as internações dos pacientes/presos;
e) administrar a rouparia dos pacientes/presos;
f) organizar e manter atualizado o cadastro dos pacientes/presos;
g) registrar e fornecer informações relativas à população de pacientes/presos e sua
movimentação;
h) elaborar e manter atualizados os quadros demonstrativos do movimento carcerário;
i) receber, guardar e devolver, nos casos de liberdade, os pertences dos pacientes/presos;
II - por meio da Equipe de Vigilância:
a) em relação às atividades gerais da unidade:
1. manter a ordem, segurança e disciplina;
2. preparar o boletim de ocorrências diárias;
3. elaborar quadros demonstrativos relacionados com as atividades da unidade;
b) em relação aos pacientes/presos:
1. zelar pelo regime disciplinar;
2. fiscalizar as visitas;
3. executar sua movimentação, comunicando à unidade de controle as alterações ocorridas;
4. escoltar os presos em trânsito interno;
5. conferir, diariamente, e manter atualizado o quadro da população carcerária;
c) em relação à segurança do estabelecimento:
1. inspecionar, diariamente, suas condições;
2. operar e controlar os serviços de telefonia e som;
III - por meio da Equipe de Portaria:
a) atender ao público em geral;
b) realizar revistas na portaria, à entrada e saída de pacientes/presos, veículos e volumes, bem
como aos servidores e visitas;
c) recepcionar os que se dirigem ao estabelecimento, inclusive pacientes/presos,
acompanhando--os às unidades a que se destinam;
d) anotar as ocorrências de entradas e saídas do estabelecimento;
e) receber e encaminhar, à Equipe de Controle, os objetos destinados aos pacientes/presos;
f) receber a correspondência dos servidores e dos pacientes/presos;
g) distribuir a correspondência dos servidores;
h) manter registro de identificação de servidores do estabelecimento e das pessoas autorizadas
a visitar os pacientes/presos;
i) administrar a rouparia dos agentes de segurança penitenciária e demais servidores;
IV - por meio da Equipe Auxiliar de Segurança:
a) efetuar a conservação de instalações, aparelhos, máquinas e equipamentos elétricos e
eletrônicos em geral;
b) conservar os sistemas de fornecimento de energia elétrica em regime de emergência;
c) zelar pelo uso adequado e conservação dos elevadores;
d) efetuar a conservação do sistema de comunicações;
e) conservar as instalações elétricas;
f) em relação à hidráulica, conservar as instalações;
g) em relação à oficina de chaves, providenciar a confecção de chaves e a instalação ou
substituição de fechaduras.
SEÇÃO VI
Do Núcleo de Perícias
Artigo 10 - O Núcleo de Perícias tem as seguintes atribuições:
I - promover a realização de perícias psiquiátricas com o Núcleo de Atendimento
Multidisciplinar, nos termos da legislação pertinente, incluindo pareceres de verificação de
cessação de periculosidade e informações sobre condições atuais;
II - por meio da Equipe de Informações Médicas e Judiciais:
a) manter registros da admissão e dos fatos referentes aos pacientes/presos;
b) zelar pela clareza e exatidão dos prontuários médicos;
c) fornecer dados necessários ao preenchimento de documentação de caráter legal;
d) coletar e classificar dados estatísticos para a elaboração de relatórios e de gráficos
elucidativos;
e) produzir informações, de acordo com o sistema estabelecido;
f) zelar pelo sigilo das informações contidas nos prontuários;
g) zelar pela ordenação, guarda e conservação dos prontuários dos pacientes/presos;
h) receber as peças processuais dos réus e inimputáveis que devem ser submetidos à
observação para efeito de laudos periciais, bem como informar sobre a ausência das mesmas;
i) requisitar, do Poder Judiciário, as peças processuais;
j) fornecer, ao médico psiquiatra designado perito-relator, as peças processuais e outros
documentos necessários à realização da perícia;
l) requisitar e distribuir os prontuários de pacientes/presos, para realização de perícias médicas
ou para observância de dispositivos legais determinados pelas autoridades judiciárias;
m) organizar e manter registros atualizados sobre as perícias;
n) providenciar o atendimento das solicitações feitas pelo Poder Judiciário;
o) acompanhar a situação processual dos pacientes/presos, objetivando seu adequado
atendimento;
III - por meio da Equipe de Prontuários:
a) organizar e manter atualizados os prontuários penitenciários dos pacientes/presos;
b) executar serviços de comunicação;
c) providenciar para que constem dos prontuários todos os elementos que contribuam para o
estudo da situação processual do paciente/preso;
d) verificar a compatibilidade dos alvarás de soltura com os elementos constantes do
prontuário penitenciário;
e) verificar a autenticidade de documentos a serem inseridos no prontuário penitenciário;
f) fornecer, mediante autorização do Diretor do estabelecimento, informações e certidões
relativas à situação processual dos pacientes/ presos;
g) prestar ou solicitar informações, quando for o caso, à unidade incumbida de manter os
prontuários criminológicos;
h) manter a guarda e conservar os prontuários penitenciários e os Cartões de Identificação;
i) providenciar o encaminhamento dos prontuários dos pacientes/presos, quando de sua
movimentação para outro estabelecimento penal.
SEÇÃO VII
Do Núcleo Administrativo
Artigo 11 - O Núcleo Administrativo tem as seguintes atribuições:
I - em relação ao patrimônio:
a) cadastrar e chapear o material permanente e os equipamentos recebidos;
b) manter intercâmbio dos bens móveis, controlando sua movimentação;
c) verificar, periodicamente, o estado dos bens móveis, imóveis e equipamentos, adotando as
providências para sua manutenção, substituição ou baixa patrimonial;
d) providenciar o seguro dos bens móveis e imóveis e promover outras medidas
administrativas necessárias à defesa dos bens patrimoniais;
e) proceder, periodicamente, ao inventário de todos os bens móveis constantes do cadastro;
f) providenciar o arrolamento de bens inservíveis, observando a legislação específica;
II - em relação ao protocolo:
a) receber, registrar, classificar, autuar, controlar a distribuição e expedir papéis e processos;
b) receber e expedir malotes, correspondência externa e volumes em geral;
c) informar sobre a localização de papéis e processos;
III - em relação ao arquivo:
a) arquivar papéis e processos;
b) preparar certidões de papéis e processos;
IV - em relação ao Sistema de Administração dos Transportes Internos Motorizados, as
previstas no artigo 9º do Decreto nº 9.543, de 1º de março de 1977;
V - por meio da Equipe de Conservação e Manutenção:
a) em relação à conservação, verificar o estado dos prédios, das instalações, dos móveis, dos
objetos, bem como dos equipamentos e dos aparelhos, tomando as providências necessárias
para sua conservação ou preservação;
b) em relação à pintura, executar serviços de pintura externa e interna dos edifícios e suas
instalações;
c) em relação à alvenaria:
1. executar os serviços de alvenaria, revestimentos e coberturas;
2. conservar passeios, guias, cercas, muros e similares;
d) em relação à limpeza interna:
1. executar, diariamente, os serviços de limpeza e arrumação das dependências;
2. zelar pela correta utilização de equipamentos e materiais de limpeza;
3. promover a guarda do material de limpeza e controlar seu consumo;
VI - por meio da Equipe de Contas Bancárias dos Presos:
a) manter o controle do numerário pertencente aos pacientes/presos, bem como de seu
pecúlio;
b) providenciar o depósito, em caderneta de poupança de estabelecimento bancário oficial, de
dinheiro trazido pelo paciente/preso quando de sua entrada e do saldo de sua remuneração;
VII - por meio da Equipe de Lavanderia:
a) receber, registrar roupas, lavar e passar;
b) revisar, periodicamente, o estado das roupas sob sua guarda, procedendo aos consertos;
c) armazenar, distribuir e controlar o estoque de roupas;
d) confeccionar as roupas de uso dos pacientes/presos.
Parágrafo único - O Núcleo Administrativo é órgão detentor do Sistema de Administração dos
Transportes Internos Motorizados.
SEÇÃO VIII
Do Núcleo de Pessoal
Artigo 12 - O Núcleo de Pessoal tem as atribuições previstas nos artigos 11 a l6 do Decreto
42.815, de l9 de janeiro de l998.
Parágrafo único - O Núcleo de Pessoal é órgão subsetorial do Sistema de Administração de
Pessoal.
SEÇÃO IX
Das Células de Apoio Administrativo
Artigo 13 - As Células de Apoio Administrativo têm as seguintes atribuições:
I - preparar o expediente das respectivas unidades;
II - receber, registrar, distribuir e expedir papéis e processos;
III - manter registros sobre a freqüência e as férias dos servidores;
IV - preparar escalas de serviço;
V - estimar a necessidade de material permanente;
VI - manter registro do material permanente e comunicar à unidade competente a sua
movimentação;
VII - fiscalizar os serviços prestados por terceiros e atestar sua qualidade e execução;
VIII - desenvolver outras atividades características de apoio administrativo.
CAPÍTULO V
Das Comissões
Artigo 14 - As Comissões de Ética Médica, de Controle de Infecção Hospitalar e de Revisão
de Prontuários têm a composição e as atribuições definidas pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo.
Parágrafo único - As funções de membros das Comissões não são remuneradas, sendo, porém,
consideradas como serviço público relevante.
CAPÍTULO VI
Das Competências
SEÇÃO I
Do Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha
Artigo l5 - Ao Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da
Rocha, além de suas competências específicas e de outras que lhe forem conferidas por lei ou
decreto, compete:
I - gerir técnica e administrativamente o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de
Franco da Rocha, promovendo a adoção de medidas para garantir a totalidade e a
integralidade da prestação de serviços hospitalares aos seus pacientes/presos;
II - orientar e acompanhar as atividades subordinadas;
III - garantir o cumprimento das competências específicas definidas por legislação própria;
IV - expedir normas de funcionamento das unidades subordinadas;
V - criar comissões não permanentes e grupos de trabalho;
VI - promover parcerias com a Sociedade Civil Organizada, com o intuito de melhorar as
condições de tratamento bio-psicossocial e cultural dos pacientes/presos;
VII - encaminhar papéis e processos aos órgãos competentes para manifestação sobre
assuntos neles tratados;
VIII - subscrever certidões, declarações ou atestados administrativos;
IX - decidir sobre os pedidos de "vista" de processos;
X - estabelecer instrumentos formais de avaliação contínua e permanente;
XI - em relação ao Sistema de Administração de Pessoal, exercer as competências previstas
no artigo 27 do Decreto 42.815, de 19 de janeiro de 1998, alterado pelo Decreto nº 43.881,
de 9 de março de 1999;
XII - autorizar a baixa de medicamentos que se deteriorarem, forem danificados ou tornarem-
se obsoletos ou inadequados para uso ou consumação;
XIII - aplicar penalidades disciplinares aos pacientes/presos, dentro de sua competência
regimental;
XIV - instaurar sindicâncias;
XV - zelar pela qualidade da alimentação dos pacientes/presos;
XVI - elaborar escala de serviço do pessoal civil de vigilância.
SEÇÃO II
Do Diretor do Núcleo Administrativo
Artigo 16 - Ao Diretor do Núcleo Administrativo compete:
I - autorizar a baixa no patrimônio dos bens móveis;
II - visar extratos para publicação no Diário Oficial do Estado;
III - assinar certidões relativas a papéis e processos arquivados;
IV - em relação ao Sistema de Administração dos Transportes Internos Motorizados, exercer
as competências previstas no artigo 20 do Decreto nº 9.543, de 1º de março de l977.
SEÇÃO III
Do Diretor do Núcleo de Pessoal
Artigo 17 - O Diretor do Núcleo de Pessoal tem as competências previstas no artigo 33 do
Decreto nº 42.815, de 19 de janeiro de 1998.
SEÇÃO IV
Dos Supervisores de Equipe Técnica de Saúde e dos Chefes de Seção
Artigo 18 - Aos Supervisores de Equipe Técnica de Saúde, ao Chefe de Seção Técnica e aos
Chefes de Seção, em suas respectivas áreas de atuação, compete:
I - orientar e acompanhar as atividades dos servidores subordinados;
II - em relação ao Sistema de Administração de Pessoal, exercer as competências previstas no
artigo 31 do Decreto nº 42.815, de 19 de janeiro de 1998.
SEÇÃO V
Das Competências Comuns
Artigo 19 - São competências comuns ao Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico II de Franco da Rocha e aos demais dirigentes de unidades até o nível de Diretor
de Serviço, em suas respectivas áreas de atuação:
I - manter seus superiores imediatos permanentemente informados sobre o andamento das
atividades das unidades subordinadas;
II - avaliar o desempenho das unidades subordinadas e responder pelos resultados alcançados,
bem como pela adequação dos custos dos trabalhos executados;
III - decidir sobre recursos interpostos contra despacho de autoridade imediatamente
subordinada, desde que não esteja esgotada a instância administrativa;
IV - apresentar relatórios sobre os serviços executados pelas unidades administrativas
subordinadas;
V - praticar todo e qualquer ato ou exercer quaisquer das atribuições ou competências das
unidades ou servidores subordinados;
VI - avocar, de modo geral ou em casos especiais, as atribuições ou competências das
unidades ou servidores subordinados;
VII - fazer executar a programação dos trabalhos nos prazos previstos;
VIII - em relação ao Sistema de Administração de Pessoal, as previstas nos artigos 30 e 34 do
Decreto nº 42.815, de 19 de janeiro de l998;
IX - em relação à administração de material e patrimônio, autorizar a transferência de bens
móveis entre as unidades administrativas subordinadas.
Artigo 20 - São competências comuns ao Diretor do Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico II de Franco da Rocha e aos demais responsáveis por unidades até o nível de
Chefe de Seção, em suas respectivas áreas de atuação:
I - cumprir e fazer cumprir as leis, os decretos, os regulamentos, as decisões, os prazos para
desenvolvimento dos trabalhos e as ordens das autoridades superiores;
II - transmitir a seus subordinados as diretrizes a serem adotadas no desenvolvimento dos
trabalhos;
III - opinar e propor medidas que visem ao aprimoramento de suas áreas;
IV - manter a regularidade dos serviços, expedindo as necessárias determinações ou
representando às autoridades superiores, conforme o caso;
V - manter ambiente propício ao desenvolvimento dos trabalhos;
VI - providenciar a instrução de processos e expedientes que devam ser submetidos à
consideração superior, manifestando-se, conclusivamente, a respeito da matéria;
VII - indicar seu substituto, obedecidos os requisitos de qualificação inerentes ao cargo,
função-atividade ou função de serviço público;
VIII - propor à autoridade superior o programa de trabalho e as alterações que se fizerem
necessárias;
IX - em relação ao Sistema de Administração de Pessoal, as previstas no artigo 35 do Decreto
nº 42.8l5, de 19 de janeiro de1998;
X - em relação à administração de material, requisitar material permanente ou de consumo.
Artigo 21 - As competências previstas neste Capítulo, sempre que coincidentes, serão
exercidas, de preferência, pelas autoridades de menor nível hierárquico.
CAPÍTULO VII
Do "Pro labore"
SEÇÃO I
Da Classe de Médico
Artigo 22 - Para efeito de atribuição da gratificação "pro labore" de que trata o artigo 11 da
Lei Complementar 674, de 8 de abril de l992, com as alterações da Lei Complementar
840, de 3l de dezembro de l997, ficam identificadas como específicas da classe de Médico 2
(duas) funções de Diretor Técnico de Serviço de Saúde, destinadas:
I - 1 (uma) ao Núcleo de Atendimento à Saúde;
II - 1 (uma) ao Núcleo de Perícias.
Parágrafo único - Será exigida dos servidores designados para as funções retribuídas mediante
gratificação "pro labore", nos termos deste artigo, experiência profissional de, no mínimo, 3
(três) anos de atuação na área da saúde.
SEÇÃO II
Do "Pro labore" do artigo 28 da Lei nº 10.168, de 10 de julho de 1968
Artigo 23 - Para fins de atribuição do "pro labore" de que trata o artigo 28 da Lei 10.168,
de 10 de julho de 1968, ficam classificadas as funções de serviço público, a seguir
discriminadas, na seguinte conformidade:
I - 1 (uma) de Diretor Técnico de Divisão, destinada à diretoria do Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha;
II - 1 (uma) de Diretor Técnico de Serviço de Saúde, destinada ao cleo de Atendimento
Multidisciplinar;
III - 2 (duas) de Diretor de Serviço, destinadas:
a) 1 (uma) ao Núcleo Administrativo;
b) 1 (uma) ao Núcleo de Pessoal;
IV - 2 (duas) de Supervisor de Equipe Técnica de Saúde, destinadas:
a) 1 (uma) à Equipe de Nutrição e Dietética;
b) 1 (uma) à Equipe de Enfermagem;
V - 1(uma) de Chefe de Seção Técnica, destinada à Equipe de Informações Médicas e
Judiciais;
VI - 4 (quatro) de Chefe de Seção, destinadas:
a) 1 (uma) à Equipe de Prontuários;
b) 1 (uma) à Equipe de Conservação e Manutenção;
c) 1 (uma) à Equipe de Contas Bancárias dos Presos;
d) 1 (uma) à Equipe de Lavanderia.
Parágrafo único - Serão exigidos do servidor designado para função retribuída mediante "pro
labore", nos termos deste artigo, os seguintes requisitos de escolaridade ou habilitação legal e
de experiência profissional:
l. para Diretor Técnico de Divisão, diploma de nível superior ou habilitação legal
correspondente nas áreas de Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia ou Serviço
Social e experiência de, no mínimo, 4 (quatro) anos de atuação profissional ou na área
penitenciária;
2. para Diretor cnico de Serviço de Saúde, diploma de nível superior ou habilitação legal
correspondente e experiência de, no mínimo, 3 (três) anos de atuação profissional;
3. para Diretor de Serviço, certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente e
experiência de, no mínimo, 2 (dois) anos na área de atuação;
4. para Supervisor de Equipe Técnica de Saúde e Chefe de Seção Técnica, certificado de
conclusão de nível superior ou habilitação legal correspondente e experiência de, no mínimo,
2 (dois) anos de atuação profissional;
5. para Chefe de Seção, certificado de conclusão do ensino médio ou equivalente, ou
experiência na área de atuação quando incompleto, e ser ocupante de cargo efetivo ou função-
atividade de natureza permanente.
SEÇÃO III
Da Carreira de Agente de Segurança Penitenciária
Artigo 24 - Para fins de atribuição da gratificação "pro labore" a que se refere o artigo da
Lei Complementar 722, de de julho de l993, com as alterações introduzidas pela Lei
Complementar nº 843, de 3l de março de l998, ficam identificadas como específicas da
carreira de Agente de Segurança Penitenciária as funções a seguir discriminadas, na seguinte
conformidade:
I - l (uma) de Diretor de Serviço, destinada ao Núcleo de Segurança e Disciplina;
II - 10 (dez) de Chefe de Seção, destinadas:
a) l (uma)à Equipe de Controle;
b) 4 (quatro) à Equipe de Vigilância, sendo 1 (uma) para cada turno;
c) 4 (quatro) à Equipe de Portaria, sendo 1 (uma) para cada turno;
d) 1 (uma) à Equipe Auxiliar de Segurança.
CAPÍTULO VIII
Da Gratificação por Comando de Unidade Prisional - COMP
Artigo 25 - Para fins de concessão da Gratificação por Comando de Unidade Prisional -
COMP, instituída pela Lei Complementar 842, de 24 de março de l998, o Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha fica classificado como COMP II.
CAPÍTULO IX
Disposições Finais
Artigo 26 - Fica autorizado, sem prejuízo da alimentação dos pacientes/presos e respeitadas as
disponibilidades orçamentárias, o fornecimento de refeições gratuitas ao pessoal do Hospital
de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha quando em serviço, dentro da
seguinte ordem de prioridade:
I - aos servidores que permaneçam em serviço por período não inferior a 12 (doze) horas;
II - aos servidores que estiverem sujeitos à jornada completa de trabalho.
Parágrafo único - Será fixado em regimento o fornecimento das refeições de que trata este
artigo, podendo compreender almoço, jantar, lanche noturno e desjejum.
Artigo 27 - O regimento interno do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de
Franco da Rocha deverá dispor sobre:
I - direitos, deveres e regalias conferidas aos pacientes/presos;
II - espécies e critérios de aplicação de penas disciplinares;
III - forma de atuação das unidades do estabelecimento;
IV - obrigações do pessoal penitenciário, inclusive administrativo, no tocante ao tratamento a
ser dispensado aos pacientes/presos;
V - outras matérias pertinentes.
Artigo 28 - A implantação da estrutura constante deste decreto será feita gradativamente,
mediante resoluções do Secretário da Administração Penitenciária, de acordo com as
disponibilidades orçamentárias e financeiras.
Artigo 29 - As atribuições das unidades administrativas de que trata este decreto poderão ser
complementadas por resolução do Secretário da Administração Penitenciária.
Artigo 30 - Este decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio dos Bandeirantes, 23 de agosto de 2001
GERALDO ALCKMIN
Nagashi Furukawa
Secretário da Administração Penitenciária
João Caramez
Secretário-Chefe da Casa Civil
Antonio Angarita
Secretário do Governo e Gestão Estratégica
Publicado na Secretaria de Estado do Governo e Gestão Estratégica, aos 23 de agosto de 2001.
ANEXO C - AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO
PENITENCIÁRIA
\
ANEXO D - AUTORIZAÇÃO DO JUÍZO DE DIREITO DA 5ª VARA DAS
EXECUÇÕES CRIMINAIS
ANEXO E APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DO CENTRO
UNIVERSITÁRIO DE FRANCA