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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL -
UNIJUÍ
DePe - DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS - MESTRADO
MÔNICA FELIPIN VINCENSI
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: A TEORIA E A PRÁTICA NO FAZER DOCENTE
Ijuí (RS)
2007
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MÔNICA FELIPIN VINCENSI
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: A TEORIA E A PRÁTICA NO FAZER DOCENTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação (stricto sensu) - Mestrado em Educação
nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como
pré-requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Celso José Martinazzo
Ijuí (RS)
2007
2
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A Comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: A TEORIA E A PRÁTICA NO FAZER DOCENTE
Elaborada pela mestranda
MÔNICA FELIPIN VINCENSI
Como requisito para obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCAS
COMISSÃO EXAMINADORA:
___________________________________________________________________________
Doutor Celso José Martinazzo (orientador)
___________________________________________________________________________
Doutora Solange Maria Longui (UPF)
___________________________________________________________________________
Doutora Antônia Carvalho Bussmann (UNIJUÍ)
3
AGRADECIMENTOS
Ao esposo Audi e aos filhos Carolain e Lorenzzo que estiveram sempre ao meu lado. A
paciência, cumplicidade, amor e a compreensão na privacidade do convívio foram
imprescindíveis nessa caminhada.
Ao professor Celso José Martinazzo, pelo zelo e orientação no trabalho de pesquisa.
À Juliane Colpo, que incentivou o início dessa caminhada.
À Gilvane Savariz Zilli, que partilhou leituras e experiências que contribuíram nas
discussões sobre o tema.
E, por fim, agradeço aos meus pais, Esterina e Sadi, pelo valor que deram ao “estudo” ,
alimentado nosso desejo pelo conhecimento, e demonstrando
muito orgulho a cada conquista.
Obrigado pai, obrigado mãe.
4
RESUMO
Procuramos realizar, nesta pesquisa, algumas reflexões sobre a dicotomia entre teoria e
prática reveladas nas experiências de Estágio Supervisionado na proposta de cursos de
formação de professores de Anos Iniciais e Educação Infantil. Essas experiências tornaram
visíveis estágios técnicos realizados com objetivo único de cumprir uma exigência legal, com
a realização de ações que reproduzem modelos observados, ou da utilização de técnicas
reduzindo-os a uma ação prática sem suporte teórico, pondo a mostra uma fragmentação entre
prática e teoria. As orientações e critérios norteadores desses estágios estabelecidos pela
equipe de supervisão reduzem-se, por vezes, à elaboração de um planejamento que segue um
roteiro instituído e à aplicação de instrumentos de avaliação que comprove com dados
quantitativos o êxito da prática. Com o propósito de repensar esta prática, a presente
dissertação envolveu o estudo e a reflexão sobre o contexto histórico e atual dos Cursos de
Formação, em especial a Pedagogia, analisando as diferentes concepções de estágio e
vislumbrando a possibilidade de organização de uma proposta de estágio. Essa investigação
teve como objetivo identificar os paradigmas que orientam o Estágio Supervisionado nos
Cursos de Formação de professores de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, analisar a compreensão da função do estágio e das ações propostas, bem como,
a possibilidade do Estágio como pesquisa e prática reflexiva. Os procedimentos
metodológicos voltaram-se para uma investigação teórica, para um levantamento crítico da
problemática e a pesquisa-ação para a análise de dados empíricos. Conclui-se que a prática de
estágio com o objetivo de qualificar a formação de professores requer uma proposta que
contemple a aproximação com a realidade promovendo interações entre os sujeitos e as
aprendizagens num processo reflexivo de profunda relação teórico-prática. Essa redefinição
implica em rever as concepções e princípios pedagógicos. Por isso, é necessário analisar as
perspectivas que sustentam uma ressignificação de concepções, uma reconstrução do campo
epistemológico, estudos sobre teoria e prática nos cursos de formação e as relações no
contexto escolar.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado. Formação Docente. Práxis Educativa.
5
ABSTRACT
In this search, some reflections on the dichotomy between theory and practice revealed in the
tests of Supervised Stage in the proposed training courses for teachers of Child Started Years
of elementary school. These experiences became visible stage technicians performed with
single goal to meet a legal requirement, with the completion of actions that models reproduce
observed, or the use of techniques reducing them to a practical action without support
theoretical, putting the shows a fragmentation between practice and theory. The guidelines
and criteria Guiding these stages set by the team of supervision is reduced, sometimes to the
drafting of a plan that follows a roadmap established in the application of assessment tools
with quantitative data certifying the success of the practice. With regard to rethink this
practice, this dissertation involved the study and reflection on the historical and current
context of training courses, particularly in education, examining the different conceptions of
stage and seeing the possibility of organizing a draft stage. This research aimed to identify the
paradigms that guide the Stage Supervised courses in the training of teachers of Education
and Child Started Years of elementary school, examine the understanding of the function of
the stage and the proposed actions, as well as the possibility of Stage as search and reflective
practice. The methodological procedures turned to an investigation theoretical, for a critical
survey of the problem and action research to the analysis of empirical data. It is concluded
that the practice of probation with the goal of qualifying the training of teachers requires a
proposal that addresses the rapprochement with reality promoting interactions between
subjects in the learning process reflective of a deep relationship theoretical and practical. This
redefinition involves review the concepts and principles teaching. Therefore it is necessary to
examine the prospects that support of a remean of conceptions, a reconstruction of the field
epistemological, studies on theory and practice in training courses and relationships in the
school context.
Keywords: Supervised Stage. Teacher Training. Praxis Education.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................
1. A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO .
1.1 Um breve histórico sobre os cursos de formação e a prática do estágio .....................
2. O ESTÁGIO: UMA PRÁTICA DA REPRODUÇÃO DO APRENDIDO OU UM
DESAFIO A SER RESSIGNIFICADO? ..........................................................................
2.1. O elo recursivo entre teoria e prática ........................................................................
2.2. As diferentes tendências e concepções de estágio .....................................................
2.3. A prática do estágio: o desafio da inovação ..............................................................
2.3.1. Estágio como didática: autonomia/dependência .....................................................
2.3.2. Estágio como pesquisa e re-elaboração ..................................................................
2.3.3. Estágio como prática educativa: aprendizagem e construção de conhecimento .....
2.3.4. Supervisor(a) de estágio e aluno(a) estagiário(a): subjetividades em interação ....
3. UM PERCURSO DE ESTÁGIO EM FORMAÇÃO DOCENTE: A PRÁXIS
EDUCATIVA .......................................................................................................................
3.1. Análise teórico-prática do campo de estágio: a observação como investigação ........
3.2. Planejamento e intervenção pedagógica ....................................................................
3.3. Documentação pedagógica e a avaliação....................................................................
CONCLUSÃO......................................................................................................................
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................
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7
INTRODUÇÃO
As constantes indagações que percorrem a prática profissional na formação docente
dirigiram a escolha do tema da presente pesquisa. Tratamos de buscar respostas aos inúmeros
questionamentos sobre o fazer docente e a formação de professores proposta pelos cursos de
habilitação docente em nível superior.
Nosso interesse pelo tema surgiu das indagações latentes nas experiências vividas na
docência de Didática, coordenação e supervisão de estágio nos Cursos de Formação de
professores em nível Médio por longo tempo e, mais recentemente nos Cursos de Formação
de nível Superior. Essas experiências revelam a dicotomia entre teoria e prática no fazer
docente resultante, em parte, da inexistência nos Cursos de Formação de um projeto
pedagógico consistente, possibilitando sustentar uma práxis reflexiva que permita aprender
enquanto se ensina e ensinar enquanto se aprende.
Assumir a coordenação do Curso de Magistério de uma Escola Estadual em Cruz Alta
possibilitou-nos, juntamente com o desejo de mudança manifestado pela equipe que nele
trabalhava, a busca por novos caminhos, bem como reorganização da proposta para o Curso,
principalmente para o Estágio.
A organização do estágio dessa instituição seguia um modelo estabelecido, em práticas
anteriores e marcado por uma tradição que permaneceu imutável, ao longo dos seus trinta
anos de história. No entanto, o planejamento sustentado no paradigma da transmissão
mostrava-se vazio de significado; a avaliação apontava para uma análise quantitativa do
aproveitamento do aluno registrada no final do planejamento diário, mas ignorada no
processo diário; a inexistência de uma linha teórica não permitia uma reflexão epistemológica,
apenas uma análise comportamental e técnica da postura do professor. Ao assumirmos a
coordenação do Curso, as primeiras ações realizadas, a avaliação dos últimos períodos de
estágios (ocorridos nos dois semestres anteriores) e a escuta dos professores, permitiram o
planejamento de novos movimentos. O estudo teórico deu início a um processo que, além de
propor um planejamento mais próximo da realidade, ressignificou o papel da supervisão
8
encaminhando a um tímido, mas promissor processo de reflexão da ação docente da aluna
estagiária bem como do papel da supervisão.
As experiências iniciadas em Cruz Alta possibilitaram a colaboração para a organização
do Estágio do Curso de Magistério de uma escola pública de Santo Ângelo. Nesta instituição,
assumimos a coordenação no segundo ano de lotação, ao iniciar a primeira experiência de
estágio. Além disso, coube-nos a reorganização do Curso de mesma habilitação em uma
escola particular, na qual assumimos a coordenação três anos mais tarde.
Essas experiências tornaram visíveis, muitas vezes, estágios técnicos realizados com
objetivo único de cumprir uma exigência legal, com a realização de ações que reproduziam
modelos observados, ou a utilização de técnicas. Nessa ótica, os estágios reduziam-se a ações
práticas sem suporte teórico, pondo à mostra a fragmentação entre prática e teoria. As
orientações e critérios norteadores desses estágios estabelecidos pela equipe de supervisão
reduziam-se, por vezes, à elaboração de um planejamento que respeitasse um roteiro
instituído, bem como à aplicação de instrumentos de avaliação que comprovassem com dados
quantitativos o êxito da prática.
Em dezessete anos de magistério, atuamos em diferentes campos relacionados à
formação docente. Inicialmente, em cursos de formação de professores em nível médio e, nos
últimos anos, com a docência no ensino superior e supervisão de estágio, com diferentes
equipes de trabalho. Nessa trajetória, alguns avanços ocorreram, algumas parcerias com os
campos de estágios foram estabelecidas e determinadas transformações aconteceram.
As experiências vividas em sala de aula e no contato com as professoras, supervisoras e
diretoras das escolas de estágio permitiram-nos a coleta de dados, de opiniões que expressam
a compreensão desses profissionais acerca da prática de estágio. Dessa forma, foi-nos possível
definir o papel desta prática na formação dos novos professores e na escola que se coloca
como campo de estágio, desencadeando o interesse por esta pesquisa.
A formação de professores e o estágio em especial, pela diversidade de entendimentos
sobre a sua função e pela implicação teórica e prática que compreende, sempre foram objeto
de reflexão e discussão. Estas discussões encaminham-nos a questões como: Qual a função e
significado do estágio? O que significa e qual a importância do estudo da realidade? Qual o
entendimento sobre a aplicação da teoria defendida no Curso? Qual a relação entre a teoria e a
9
prática? Que concepções políticas, epistemológicas e pedagógicas sustentam o Curso? Como
o estágio é pensado e organizado pelo Curso?
Acreditamos que uma prática de estágio com o objetivo de qualificar a formação de
professores requer uma proposta que contemple uma aproximação à realidade, as interações
entre os sujeitos, bem como as aprendizagens num processo reflexivo de profunda relação
entre teoria e prática.
Nesse sentido, na presente dissertação intitulada Estágio Supervisionado: a teoria e a
prática no fazer docente envolvemos o estudo e a reflexão do contexto histórico e atual dos
Cursos de Formação, em especial do Curso de Pedagogia, vislumbrando a possibilidade de
organização de uma proposta de estágio. Essa investigação teve como objetivo identificar os
paradigmas que orientam o Estágio Supervisionado nos Cursos de Formação de professores
de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, analisar a compreensão da
função do estágio e das ações propostas, bem como, a possibilidade do Estágio como pesquisa
e prática reflexiva.
Essa redefinição implica em revermos as concepções e analisar princípios pedagógicos
que representam essas concepções. Por isso, é necessário analisarmos as perspectivas que
sustentam uma ressignificação de concepções, uma reconstrução do campo epistemológico,
bem como realizarmos estudos sobre teoria e prática nos cursos de formação e as relações no
contexto escolar.
Com a compreensão de que a pesquisa abre-nos possibilidades de reinventar, recompor
e criar, a partir dos materiais, observações e leituras, definimos algumas estratégias de
investigação. Essas estratégias possibilitam-nos traçar uma linha orientadora na definição e
construção do objeto de investigação permitindo que o tema faça seu caminho. Para
apresentarmos a construção do caminho traçado no processo da pesquisa, cabe situar o
percurso metodológico seguido.
Os procedimentos metodológicos voltaram-se à pesquisa qualitativa com uma
investigação teórica para o levantamento crítico da problemática, exigindo a leitura de
publicações sobre o estágio nos Cursos de Formação docente (livros, artigos), bem como
documentos oficiais que permitam traçar o percurso das orientações legais sobre os estágios.
Nesse aspecto, buscamos dar ênfase nas referências aos cursos de formação de professores
10
dos Anos Iniciais. Além disso, fizemos o levantamento de dados empíricos com base na
pesquisa-ação, considerando nossa atuação na docência no curso superior e na supervisão de
Estágio do Curso de Pedagogia de uma instituição de Ensino Superior de Santo Ângelo. O
processo investigado envolve os sujeitos como participantes ativos.
Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver uma ação por parte
das pessoas ou grupos implicados no problema investigado, segundo Thiollent (2000). O
autor destaca ainda, que a pesquisa-ação tem o objetivo de resolver ou esclarecer os
problemas da situação observada, não se limitando à ação, mas também ampliando os
conhecimentos do pesquisador e dos sujeitos envolvidos.
O objeto de investigação, o estágio supervisionado, envolve, além de nós, no papel de
supervisão, estagiários(as), professores(as), supervisores(as), diretores(as) das escolas campos
de estágio.
Para o levantamento dos dados empíricos, foram coletadas “falas” de professoras,
supervisoras e diretoras, durante as supervisões de estágio in loco em dez escolas da rede
pública que oferecem espaços para estágio, e de vinte alunas dos semestres iniciais e
concluintes do Curso de Pedagogia. Os discursos foram organizados em dois grupos.
O primeiro refere-se aos sujeitos que ocupam o lugar de professoras (vinte),
supervisoras (dez) e diretoras (6) do sexo feminino, com mais de vinte anos de atuação
docente nos anos iniciais de escolas públicas estaduais e municipais, com formação superior
em Pedagogia e Letras e afastadas da academia por igual tempo. Todas, sem exceção, têm
jornada de trabalho de 40 horas/aula semanais. O segundo grupo é constituído por sujeitos
em formação, em curso de Pedagogia nos semestres iniciais (5) e de concluintes (15), em
prática de estágio, do sexo feminino.
A análise conteúdo dos discursos do primeiro grupo foi organizada em três categorias: a
importância do estágio nos cursos de formação de professores; a relação teoria e prática no
estágio as expectativas dos campos de estágio ao receber uma estagiária. No segundo grupo,
foram organizadas da mesma forma, substituindo a última categoria pela expectativa da
estagiária em relação à escola.
Os discursos analisados foram selecionados considerando a implicação dos sujeitos na
prática de estágio e a originalidade das respostas às questões que propostas. Foram
11
selecionados, do primeiro grupo, quatro discursos tendo como critério contemplar os
diferentes segmentos da escola que são responsáveis pela estagiária na prática e a
singularidade do conteúdo dos discursos. E do segundo grupo, além da singularidade das
respostas, contemplamos uma dos semestres iniciais e uma concluinte.
Dessa forma, organizamos a pesquisa em três momentos com objetivo de auxiliar a
nossa compreensão das aprendizagens a viabilidade de reflexão e análise do tema como
possibilidade de uma prática educativa.
No primeiro momento, fazemos uma análise sobre a história e os aspectos legais dos
cursos de formação de professores no contexto educacional brasileiro, em especial no curso
de Pedagogia. Destacamos sua trajetória, necessária para a compreensão do contexto que
envolve e determina as diferentes concepções que definem a organização e a condução das
práticas educativa.
No segundo momento, buscamos apresentar as diferentes concepções de estágio,
discutindo a relação entre teoria e prática nos discursos sobre educação e a possibilidade de
superação da dicotomia que sempre caracterizou essa relação colocando-as em pólos opostos.
E, também, o desafio da análise e reflexão dos processos educativos explicitados na pesquisa
e re-elaboração da prática, construída a partir de uma didática emancipadora e
instrumentalizadora. A complexidade do processo educativo também envolve a subjetividade
dos sujeitos e as interações. Buscamos para a discussão deste capítulo elementos teóricos na
pedagogia freireana e na teoria da complexidade, dialogando com outros autores.
No terceiro momento, com base nesses pressupostos, organizamos a proposta de um
percurso de estágio em formação docente buscando entrelaçar os estudos teóricos com a
reflexão sobre a ação pedagógica investigada. A proposta situada numa perspectiva de
pesquisa e reflexão sobre o fazer pedagógico tem seu planejamento estruturado num sólido
estudo da realidade do campo de estágio e documentação pedagógica como fonte de análise e
de reflexão da ação, bem como de legitimação da práxis educativa.
A apresentação de uma proposta de organização de estágio não tem a pretensão de ser
tomada como única ou concluída, mas como uma provocação inicial, que no decorrer da
discussão apontamos que o processo educativo deve ser permanentemente refletido à luz das
teorias e das experiências vividas.
12
Nas considerações finais apresentamos algumas sugestões e possíveis conclusões que
possam instigar novas investigações e propostas que visam a contemplar, em parte, os
desafios da complexidade do processo educativo.
13
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: A TEORIA E A PRÁTICA NO FAZER DOCENTE
1. A FORMAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO
Os cursos de formação de professores, no Brasil, desde sua origem foram instituídos
legalmente atendendo a uma concepção determinada pela conjuntura econômica, política e
social de cada época. Essa trajetória foi marcada por reformas educacionais que visavam a
atualizar as definições, as formas de organização e as condições de funcionamento do sistema
educacional, através do ordenamento jurídico. Essas reformas constituíram-se pela adoção de
paradigmas de organização, centralização ou descentralização da economia, industrialização,
transformações das relações de trabalho, relações políticas entre Estado e sociedade, os
conceitos de democracia, de público e privado que caracterizam o contexto mundial.
As discussões sobre a formação docente tornam-se imprescindíveis na esfera das
políticas sociais quando a educação deixa de ser monopólio familiar e torna-se função do
Estado. Além disso, adquiriram maior visibilidade quando a educação fundamental foi se
universalizando como um direito da cidadania.
A formação de professores para atuar na educação básica torna-se estratégica para as
diferentes concepções que embasam diferentes propostas. Além do governo, entidades
empresariais, sindicais, associações profissionais, movimentos da sociedade civil e,
sobretudo, entidades ligadas às instituições formadoras convergem na importância da
educação escolar para uma presença atuante do cidadão em sua vida profissional e política.
Se a importância dessa formação era evidente, hoje ela é imprescindível e
estratégica, porém, passa a depender, de forma cada vez mais decisiva, da qualidade da
formação dos educadores. No eixo dessa preparação, é evidente o papel fundamental do
14
governo, mas não se pode deixar de considerar também, como participante das políticas
sociais a presença do movimento dos educadores, bem como de outros interessados na
efetivação e no êxito da educação escolar.
Não resta dúvida, hoje, que a legislação imputa ao Estado o dever de oportunizar uma
formação inicial e continuada aos docentes e que este direito articula-se a uma educação cuja
qualidade social não pode ficar confinada aos limites de poucas escolas. Essa formação não
pode fugir de seu compromisso básico com a docência, em que o processo formativo não
dispensa nem o ato investigativo da práxis, nem o contato com a produção intelectual
qualificada da área.
A formação de professores é uma questão muito ampla e bastante complexa. Uma das
variáveis a ser considerada na busca pela qualidade na formação inicial e continuada dos
profissionais de educação envolve não o estágio supervisionado, mas também a relação
entre teoria e prática, ponto principal da proposta de estágio, o que lhe confere o caráter de
pesquisa.
O estágio supervisionado tem gerado muitas discussões, tanto pela sua importância no
currículo dos cursos de formação, quanto pelas suas concepções e pela sua forma de
realização. Neste capítulo, apresentaremos uma breve análise histórica quanto ao aspecto legal
dos cursos de formação de professores, bem como o contexto social, político e econômico que
o determina, destacando a relação entre teoria e prática nos cursos de formação e nos modelos
de estágio. Uma análise histórica e legal dos cursos de formação de professores, em especial
no curso de Pedagogia, campo de atuação da pesquisadora, faz-se necessária para a
compreensão do contexto que envolve e determina as diferentes concepções que atravessam
uma práxis educativa.
A análise será fundamentada nos pressupostos teóricos de Silva (2003) que faz um
resgate histórico e da identidade do Curso de Pedagogia no Brasil, Libâneo e Pimenta (1999)
e Goulart (2002). Esses autores, além do aspecto histórico discutem as dimensões da teoria e
da prática pedagógica, tema também discutido por Marques (2003, 1996), Martinazzo (2001,
2005), Freire (1999) entre outros.
15
1.1 Um breve histórico sobre os cursos de formação e a prática do estágio
A formação de docentes sempre fez parte dos interesses dos governos do Brasil desde o
Império, mesmo que tais interesses não fossem prioritários. O ensino superior ganhou espaço
privilegiado tanto no Império quanto na República, denunciando uma possível homologia
atribuída pelos dirigentes como distintivo das classes dominantes e a pouca prioridade
atribuída à educação fundamental como destino final das classes populares, posicionamento
coerente com o regime político e organização social de cada período.
No período republicano que alcança as primeiras décadas do século XX, a formação de
professores dava-se no âmbito das escolas normais, sob responsabilidade de cada província e,
posteriormente, dos estados, não havendo uma normatização nacional sobre o assunto.
Portanto, não havia um órgão central nacional que articulasse ou integrasse as escolas normais
do país.
Os debates sobre o papel da União nas questões do ensino primário e,
conseqüentemente, da formação de professores foram muitos, durante a Velha República,
ganhando destaque a importância do magistério primário no Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova.
Em 1937, em resposta a essas discussões, é organizada a Universidade do Brasil na qual
constaria uma Faculdade de Educação com um curso de educação. O Decreto-Lei que cria,
em 1939, a Faculdade Nacional de Filosofia, define que esta tem como finalidade preparar
trabalhadores intelectuais, realizar pesquisas e preparar candidatos ao magistério, tendo como
objeto de estudo os processos educativos que acontecem nas escolas e em outros ambientes.
A primeira regulamentação do Curso de Pedagogia deu-se, então, através do Decreto-lei
1.190 de 4 e abril de 1939 que organizou a Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil. Com a função de formar bacharéis e licenciados para várias áreas e,
também, para o setor pedagógico, esta regulamentação foi instituída como “padrão federal” ao
qual foram adaptados os currículos básicos dos cursos oferecidos pelas demais instituições do
país, conforme Silva (2003) e Marco (2003).
Este documento define o Curso de Pedagogia como lugar de formação de “técnicos em
educação” que seriam os professores que assumiriam, mediante concurso público, funções
administrativas, planejamento de currículos, orientação a professores, inspeção escolar,
16
avaliação de desempenho de alunos e docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da
educação em órgãos públicos.
Foram fixados por este Decreto-lei os currículos plenos e a duração para os cursos de
bacharéis e de licenciatura, definindo para os cursos de bacharéis a duração mínima de três
anos que, acrescidos de um ano do Curso de Didática, formariam os licenciados. Essa
organização era denominada “esquema 3 + 1”, ou seja, a quem cursasse os estudos de três
anos em conteúdos específicos da área - fundamentos e teorias educacionais - era oferecido o
título de bacharel. E aos que, após o bacharelado, concluíssem o curso de Didática (mais um
ano de estudos) que incluía as disciplinas de Didática Geral, Didática Especial, Psicologia
Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos
Sociológicos da Educação, era concedido o título de licenciado que lhe permitiria atuar como
professor.
O Decreto-lei 1.190/39 determinou também, a partir do Curso de Didática, que o
ensino fosse ministrado em aulas teóricas, em aulas práticas e em seminários,
institucionalizando, assim, a licenciatura, mas não tornando obrigatório o estágio. Este
período é marcado pela influência da concepção humanista e pelo movimento escolanovista
1
.
O distanciamento entre a teoria e prática continuou marcando a história dos cursos de
formação que se apresentavam como meros transmissores de conhecimentos escolásticos,
dispensando a pesquisa, a reflexão sobre o ensino e a produção de novos saberes.
A importância do estágio na formação de professores é debatida em congressos,
seminários e painéis sobre a educação, por professores e por alunos destes cursos. Em 1946,
respondendo a essa demanda, o Decreto-lei 9.053 torna obrigatória a instituição de um
campo de estágio destinado ao Curso de Didática e fixa normas para a supervisão do estágio
(artigo 1º).
Segundo Goulart (2002), mesmo com a determinação legal, o estágio não acontecia
como dispunha a lei. As faculdades não possuíam os cursos de aplicação obrigatórios para
1
Escolanovismo: movimento pedagógico que propõe uma nova concepção de homem e defende os princípios
democráticos em que todos têm o direito a se desenvolver de acordo com seus interesses e necessidades. Veiga
(1991, p. 31) preconizava “a solução de problemas educacionais em uma perspectiva interna da escola sem
considerar a realidade brasileira nos seus aspectos político, econômico e social. O problema educacional passa a
ser uma questão escolar técnica”.
17
essa prática e, quando acontecia “o estágio de prática de ensino não era acompanhado, ficando
o aluno-mestre entregue à própria sorte” (p.79).
Considerando esses aspectos, Silva (2003) aponta que o Curso de Pedagogia apresenta,
na sua gênese, problemas que o acompanharão ao longo do tempo. O curso apresenta um
currículo de formação generalista, a expectativa do exercício de funções técnicas com um
campo de atuação limitado, além de apresentar problemas na formação do docente. Outro
ponto crítico partilhado pelos demais cursos é a separação entre bacharelado e a licenciatura,
mantendo a dicotomia entre teoria e prática tão polêmica, hoje, nos cursos de formação de
professores.
A esse respeito, comenta Marques (2003, p. 18): “para um ensino meramente
expositivo, a formação do professor requer apenas a assimilação dos conteúdos propostos nos
programas do ensino e a capacitação para lidar com os métodos mais eficazes”. O que se
espera do professor, nessa perspectiva, é que domine o conteúdo e técnicas para sua
transmissão, que garantam a eficácia da proposta.
Segundo Marco (2003), Libâneo e Pimenta (1999), a exigência para a docência no
Curso Normal, campo de atuação do pedagogo, era o nível superior, mas não determinava a
formação em Pedagogia. O quadro de exigência para o exercício da docência assim se
apresentava: a formação de professores primários e pré-primários era oferecida no Curso
Normal nos Institutos de Educação; os professores para os cursos ginasial e colegial eram
formados nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, enquanto que o Curso de Pedagogia
destinava-se a formar bacharéis (técnicos de educação) e licenciados em Pedagogia.
Em 1961, a promulgação do Parecer CFE 251/1962 que regulamenta a Lei 4024
estabeleceu para o Curso de Pedagogia o encargo de formar professores para os cursos
normais e “profissionais destinados às funções não-docentes do setor educacional”, os
“técnicos de educação ou especialistas de educação”, mantendo ainda, o esquema 3 + 1. Este
parecer também fixou o currículo mínimo para o curso de bacharelado em Pedagogia,
definindo as disciplinas obrigatórias e permitindo as instituições a determinação de outras
duas a sua escolha. Com isso, de acordo com Libâneo e Pimenta (1999), intencionava-se
manter uma unidade nacional para as possíveis transferências de alunos bem como definir a
especificidade do bacharel em Pedagogia.
18
No mesmo ano, uma nova regulamentação, o Parecer n
o
292/62, fixa as matérias
pedagógicas para os cursos de licenciatura: Psicologia da Educação, Elementos de
Administração Escolar, Didática e Prática de Ensino, esta última, em forma de estágio
supervisionado. Com isso, a prática de ensino se constitui como uma disciplina independente
da disciplina de Didática, o que até então, não ocorria. Esse parecer, ainda facultava a oferta
das habilitações de Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional. Na
prática, mantém-se a separação entre bacharelado e licenciatura ou, ao menos entre as
disciplinas de conteúdo e as disciplinas pedagógicas.
No início da segunda metade do século XX, o desenvolvimento social e político do
Brasil sofre drásticas modificações, marcado pela contradição entre um processo
socioeconômico que conduzia à internacionalização da economia brasileira e uma ideologia
nacionalista, que resultou no golpe militar de 1964. A nova política determinou uma
reestruturação econômica e social, impondo novas exigências à educação. Essas exigências
intensificaram a proposta do Curso de Pedagogia de preparar o aluno para o trabalho nas
diferentes alternativas profissionais previstas para o pedagogo (oferta das habilitações em
Administração Escolar, Supervisão Escolar, Orientação Educacional, entre outras) e,
conseqüentemente, a exigência de uma nova regulamentação.
No campo educacional, como resultado dessa política, o governo procurou aumentar a
produtividade da escola apresentando um currículo de modelo empresarial. Para tanto, propõe
a qualificação profissional, no ensino médio, visando a preparar mão-de-obra para o
sistema de ciência e tecnologia que se formava. O governo busca, então, no ensino superior a
contribuição para consolidação da segunda revolução industrial no país.
Dessa forma, acontece a Reforma Universitária, através da Lei 5.540 de 28 de
novembro de 1968 que institui o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão. Isso se dá, dentre outras razões, para fortalecer a universidade e subsidiar o capital
industrial nacional bem como promover a reforma do ensino de 1º e graus.
Conseqüentemente, há uma redefinição dos currículos para os cursos de formação.
A nova estrutura curricular definida por essa reforma para o curso de formação de
docentes separa-o em duas unidades: uma básica composta de “disciplinas de conteúdo” e
outra da faculdade de educação, na qual está incluída a Pedagogia, constituída das “disciplinas
19
didático-pedagógicas”. Assim, o currículo mínimo compreendia uma parte comum a todas as
habilitações e outra diversificada, em função da habilitação específica escolhida pelo aluno.
O Parecer CFE n
o
252/69 e a Resolução que o segue tornam mais clara a função do
Curso de Pedagogia: formar professores para o Ensino Normal e especialistas no âmbito das
escolas e dos sistemas escolares, permitindo também, ao licenciado exercer o magistério nas
séries iniciais (Brasil, Documenta nº 100, p. 101-136).
O direito à docência em grau, ponto obscuro até então, foi definido. Do ponto de
vista legal, esse direito seria permitido ao pedagogo sob a alegação de que “‘quem pode o
mais pode o menos’: quem prepara o professor primário tem condições de ser também
professor primário” (Brasil, CFE, Resolução nº 2/69, Documenta nº 100, p. 110).
Como a formação em Pedagogia não preparava todos os egressos do curso para a
docência, foram fixados os estudos de metodologia do 1º grau e prática de ensino na escola de
grau com estágio supervisionado. Este último foi instituído pela necessidade de alguma
vivência para a obtenção do título na habilitação escolhida. Essa exigência torna-se
obrigatória através da Resolução 2/69, que fixa, no artigo 6º, o período de estágio em 5%
da duração determinada para o curso, além da experiência de magistério para as habilitações
em orientação, supervisão e administração escolar. O parágrafo único deste mesmo artigo
estende essas exigências para as demais habilitações (orientação, administração e supervisão
escolar), por serem entendidas como atividades que convergem para o ato de ensinar
(Documenta nº 100, p. 111, 115).
Esse ato normativo mantém a prática de ensino em forma de estágio como
componente curricular, instituída pelo Parecer 292/62. Porém, possibilita a realização do
estágio em escolas da comunidade, não delimitando esta prática ao curso de aplicação da
instituição formadora, como até então, era exigido.
Em setembro de 1969, o Parecer 672/69 fixa os conteúdos mínimos bem como a
duração destinada à formação pedagógica para os cursos de licenciatura, estabelecendo o
mínimo de um oitavo (1/8) das horas de trabalho fixadas para a formação pedagógica. No art.
2º, determina a obrigatoriedade da Prática de Ensino “nas matérias que sejam objeto de
habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado [...]”, reafirmando a
20
possibilidade de realização do estágio nas escolas da comunidade, estabelecida na
Resolução nº 2/69.
Ao longo da história, o Curso de Pedagogia apresenta-se frágil em sua identidade,
pois, ao mesmo tempo em que dava conta dos aspectos relacionados aos saberes da
licenciatura, destinada à formação de “professores das disciplinas pedagógicas” do Curso
Normal e do bacharelado destinado à formação de “técnico em educação”, desconsiderava a
complexidade dos processos implícitos em cada um deles (Silva, 2003).
As novas determinações não impedem as velhas críticas ao Curso de Pedagogia
referentes, não apenas à problemática do equilíbrio entre “o que se ensina” e o “como se
ensina”, como mencionado por Valmir Chagas (Parecer CFE 292/62) e pela diversidade na
formação, mas também pela forma como se desenvolvia a prática de ensino, problema este
não restrito à Pedagogia.
O aluno-mestre, descreve Goulart (2002, p. 80), não vivenciava o ato de lecionar. O
período destinado a essa prática era de no mínimo
2
quatro aulas, o restante dava-se através da
observação de uma aula por semana, durante o período letivo da universidade (três meses
letivos). E, acentuando o comprometimento do processo, não era permitido ao aluno-mestre
intervir no processo de ensino e aprendizagem da turma em que realizava o estágio.
Neste período, segundo Veiga (1991), a Didática volta-se ao pragmatismo e ao
liberalismo com a predominância dos processos metodológicos do ensino desconsiderando o
contexto político-social. Com essa concepção, a Didática mantém-se uma didática que separa
teoria e prática.
O estágio supervisionado, sem espaço para intervir analisar, refletir sobre o processo
de ensino e aprendizagem, torna-se uma atividade de caráter complementar, reprodutor de
modelos ou mera execução de técnica. Em conseqüência desta e das demais fragilidades,
pontuadas, o Curso de Pedagogia vai adquirindo uma conotação de operacionalização técnica
do ensino, privilegiando as dimensões metodológica e organizacional em detrimento das
dimensões filosófica, epistemológica e científica. Essas concepções que sustentam a didática
2
Este período mínimo não excedia por questões de economia, o que, ainda hoje, é fator determinante na
organização dos planos de estágio (Goulart, 2002), (Silva, 2003), (Piconez, 2004).
21
ao longo da história educacional influenciam a ação dos professores na sua prática nos dias
atuais e ainda exercem influência nas propostas de estágio supervisionado.
Os movimentos para a reformulação dos cursos de formação de professores presentes
neste contexto histórico fomentaram as transformações ocorridas, propondo reflexões que
consideravam o contexto histórico-social através de seminários, conferências, encontros.
Criaram-se associações em âmbito nacional que, em décadas mais recentes se acentuam, com
a participação organizada de professores que lutam pela afirmação do caráter profissional e
científico do trabalhador em educação.
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Lei
9394, novas Diretrizes Curriculares foram instituídas para os cursos de formação de
professores da educação básica em nível superior. Essas Diretrizes são regulamentadas pelas
Resoluções CNE/CP 1 e nº 2 de 18 de fevereiro e 19 de fevereiro de 2002, respectivamente
e instituem Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica; e a
Resolução CNE/CP 1 de 15 de maio de 2006 que institui Diretrizes Curriculares para o
Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
Essas Diretrizes, atendendo a uma demanda instaurada pelas transformações
econômicas, políticas e sociais das últimas décadas, visam a uma nova proposta à formação
de professores, que atenda aos interesses do modelo de desenvolvimento proposto pelo
neoliberalismo. Esse quadro configura-se na ampliação dos recursos em pesquisas visando a
resultados imediatos e à eficácia na aplicação dos recursos. Sinaliza também um retorno a um
neopragmatismo, concretizado por uma formação de competências para a empregabilidade,
com respostas mais eficazes e rápidas às exigências da competitividade no mercado mundial,
bem como o fortalecimento da iniciativa privada em detrimento ao público (Estado).
A organização curricular passa a ser orientada pelas Diretrizes Curriculares,
extinguindo os currículos mínimos que até então determinavam as disciplinas a serem
ministradas nos cursos. Essas Diretrizes definem princípios gerais para a organização dos
cursos, garantido sua flexibilidade e adequação às demandas específicas do mercado de
trabalho, das instituições e dos alunos.
A autonomia dada às instituições permite não a flexibilização necessária na
organização de cursos de professores para que possam ser atendidas as peculiaridades de cada
22
região, grupo social ou entidades. Mas também, como vem acontecendo, currículos de
“formação aligeirada de baixo custo, em espaços não universitários, sem a obrigatoriedade
das práticas de pesquisa e de extensão”, como manifesta Aguiar (2006) no IV Encuentro
Internacional de Kipus, retornando assim, a formação ao campo pragmático, voltado
novamente à formação técnico-profissionalizante do qual, historicamente, buscou afastar-se.
O autor preconiza, ainda, que o currículo destes cursos deve estar em consonância com
a realidade, atento às dimensões sociais, políticas e econômicas. Nesse sentido, todos os
componentes curriculares devem trabalhar a unidade teoria e prática, visando à totalidade do
processo educativo sem priorizar um dos dois pólos.
Dessa forma, os cursos de formação de professores passam a ter sua carga horária de
2800 horas determinada no artigo da Resolução CNE/CP 2/02, nas quais deve haver a
articulação entre teoria e prática e, assim estarem distribuídas:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao
longo do curso;
II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início
da segunda metade do curso;
III 1.800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de
natureza científico-cultural;
IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-
culturais.
Para o Curso de Pedagogia, a Resolução CNE/CP 1/06 fixa, no artigo 7º, a carga
horária mínima de 3200 horas assim organizadas:
I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas,
realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a
bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais,
atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de
estudos;
23
II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras
áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;
III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas
de interesse dos alunos, por meio da iniciação científica, da extensão e da monitoria.
A intenção manifestada nos documentos legais, que discutem as mudanças propostas
nestas resoluções, perde sua força na redação oficial o que ocasiona uma visão fragmentada
da organização dos cursos de formação. Voltamos, aqui, ao antigo ponto, considerado
como objeto de investigação, a separação entre teoria e prática.
A distribuição da carga horária para os cursos de formação apresenta um currículo
fragmentado levando ao entendimento de um fazer pedagógico dividido entre teoria e prática.
Apresenta-se separado em horas de aulas para conhecimentos de conteúdos científico-
culturais, em horas de atividades teórico-práticas em áreas de interesse do aluno e em horas de
estágio.
Essa fragmentação, segundo Pimenta e Lima (2004, p. 87), mantém “o tradicional
desprestígio da área de formação de professores como uma área de conhecimento” e,
conseqüentemente, “a desvalorização do professor como intelectual em formação”. Em
acréscimo a isso, apontamos, também, o fato que muitos cursos tomam o estágio como uma
atividade de observação a exemplo do que já aconteceu no passado, ou ainda, como em alguns
cursos realizados a distância, a inexistência de práticas supervisionadas.
Do mesmo modo, os princípios norteadores para o exercício profissional, definidos no
artigo 3º, da Resolução CNE/CP 1/02, que determinam, no inciso I, “a competência como
concepção nuclear na orientação do curso” conduzem ao mesmo ponto crítico já comentado, o
caráter tecnicista e não intelectualizado do fazer pedagógico.
A esse respeito, escreve Pimenta e Lima (2004, p. 85): “ao colocar as competências
como núcleo da formação, reduz a atividade docente a um desempenho técnico” e, quanto à
inovação do discurso das competências, acrescenta: “sugere um escamoteamento da
concepção tecnicista, característico dos anos 70 do século passado, que trata o professor como
reprodutor de conhecimentos”. Entendemos, dessa forma, que não concepção investigativa
24
na ação docente quando o seu compromisso se resume à reprodução do conhecimento, o que
nos remete, neste contexto, ao termo “competência”.
Esse reducionismo à função técnica, considerando apenas uma dimensão do processo
ensino-aprendizagem, compromete a formação acadêmico-científica multi e interdisciplinar,
isolando a formação de professores pesquisadores e cientistas. Acreditamos que a função do
professor
3
além da execução de tarefas definidas por um modelo, ela passa também pela
elaboração e organização de currículos nascidos de experiências e do conhecimento
elaborados pelo próprio professor e seus pares.
A pertinente discussão da autora, sobre o emprego do termo “competência”, não se
reduz apenas a uma questão conceitual, mas, às conseqüências que seu entendimento traz para
uma educação de qualidade.
Conclui Pimenta e Lima (2004, p.87):
as referidas resoluções, ao colocar as competências como núcleo central dos
currículos de formação de professores, podem provocar a redução dos
professores a consumidores de cursos, em busca de permanente atualização de
competências, como forma de competirem no mercado de trabalho da
educação.
Outro aspecto também a ser analisado refere-se à pesquisa que continua a ser
considerada apenas no processo de ensino aprendizagem, mas ausente na formação do
professor, como destaca Pimenta e Lima (2004). Assim como também não é proposta no
estágio, restando-lhe, mais uma vez, como ao longo da história, a função “de treinamento de
competências”.
No Parecer CNE/CP 27/2001, o estágio é entendido como um tempo de
aprendizagem, lugar em que alguém se coloca para aprender um ofício assistido por um
profissional reconhecido, ou seja, supervisionado. Relata o parecer:
O estágio curricular supervisionado é, pois, um modo especial de atividade de
capacitação em serviço e que pode ocorrer em unidades escolares onde o
estagiário assuma efetivamente o papel de professor, de outras exigências do
projeto pedagógico e das necessidades próprias do ambiente institucional
escolar testando suas competências por um determinado período (p.10)
Grifo meu.
3
Professor, neste estudo, concebido como pesquisador, provocador e orientador/articulador das aprendizagens,
capaz de fazer relações entre a teoria e a prática, que procura reconstruir a própria teoria a partir da prática e
vice-versa.
25
O estágio deve ser integrado ao projeto curricular no seu todo. É campo de
conhecimento que possibilita definir o sentido da profissão, o que é ser professor,
considerando a realidade concreta da escola, dos alunos. Deve ser uma atividade próxima à
realidade da escola, reflexiva e intencional, dotada de caráter formativo. Uma concepção com
esse caráter precisa ter definido o conceito de professor que quer formar.
Com essa preocupação, soma-se aos atos legais existentes, o Parecer CEED/RS
550 de 04 de julho de 2007 que fixa normas para o Sistema Estadual de Ensino sobre a
organização e realização de estágio de alunos. Esse documento define o estágio curricular
supervisionado como processo de contextualização da teoria e da prática que se constitui na
preparação do aluno por meio de atividades pedagógicas integradoras em situações reais de
trabalho acompanhado de um professor orientador/supervisor.
Enquanto destaca o caráter pedagógico do estágio, negando a perspectiva
assistencialista e a sua utilização como mão-de-obra de obra secundária e de substituição de
profissionais, como vem ocorrendo em muitos casos, o Parecer reafirma a sua importância e
função na proposta curricular do curso, bem como na relação da educação escolar com o
mundo do trabalho.
Nessa mesma ótica, o Projeto de lei 993/07 que dispõe sobre o estágio de estudantes
de instituições de educação que tramita, atualmente, no Senado Federal propõe mudanças nas
relações entre as instituições de ensino e os campos de estágios no âmbito das relações de
trabalho. Destaca a concepção de estágio como ato educativo supervisionado clareando o
papel da instituição de ensino e da instituição ou empresa que recebe o estagiário.
As instituições têm definido, em seu projeto pedagógico, o profissional que querem
formar, que contribuições as áreas podem dar à construção da sociedade, à produção
científica, determinando a concepção da formação de seu egresso. Também o estágio
supervisionado acontece a partir da concepção estabelecida pelo curso.
A partir dessa discussão, podemos questionar: Como é definida a proposta dos cursos
superiores de formação de professores da educação infantil e dos anos iniciais na Pedagogia e
no Normal Superior? Qual a concepção de professor que orienta a organização do currículo?
E o estágio supervisionado, como é visto? Que dimensões são consideradas nesta proposta?
26
Que concepção de teoria e de prática permeia a proposta curricular desses cursos? A respeito
dessas questões, discutiremos no capítulo seguinte.
27
2. O ESTÁGIO: UMA PRÁTICA DA REPRODUÇÃO DO APRENDIDO OU UM
DESAFIO A SER RESSIGNIFICADO?
A forma como acontece a ação educativa, aquilo que planejamos, o que dizemos, o que
fazemos na escola traduz a concepção teórica implícita na prática pedagógica e suas
conseqüências. Os currículos de formação, como escreve Pimenta e Lima (2004, p.33), “têm-
se constituído num aglomerado de disciplinas isoladas entre si, sem qualquer explicitação de
seus nexos com a realidade que lhes deu origem, [...] são apenas saberes disciplinares em
cursos de formação”.
Esse modelo de formação disciplinar que concebe o conhecimento de forma
fragmentada, reducionista, sem vínculo entre as diferentes áreas do saber, separa o sujeito da
ação e ambos do contexto. Produz um modelo pedagógico em que o professor é o transmissor
do saber, o aluno receptor que escuta, memoriza e repete o conhecimento recebido e a
aprendizagem é, simplesmente, a capacidade de reproduzir, memorizar, repetir informações
de diferentes áreas. Para contrapor esse modelo é necessário o surgimento de um novo
paradigma que conceba o conhecimento de forma dinâmica e complexa.
Mas, o que é um paradigma? Morin (1990) conceitua paradigma como um tipo de
relação lógica forte entre princípios e noções mestres. Um paradigma é um tipo de relação de
inclusão-exclusão, disjunção-conjunção entre certas noções mestras que visam controlar
simultaneamente o lógico e o semântico. Nessa visão relacional de paradigma, não a
exclusão de teorias rivais a partir de um consenso entre os membros da comunidade científica,
mas se modificam e se transformam mediante as rupturas.
Bordignon e Gracindo (2004, p. 150) definem paradigma como “um conjunto de idéias
que permite formular ou aceitar determinados padrões ou modelos de ação social”. Dessa
forma, entendem que paradigma diz “respeito a idéias e valores assumidos coletivamente,
28
consciente ou inconscientemente, e representam o cenário da sociedade que temos ou que
queremos”. Portanto, a concepção que determina as ações de cada um está sustentada
consciente ou inconscientemente, num paradigma.
A análise da prática de estágio como reprodução ou como processo de ressignificação
envolve a concepção de teoria e prática, de estágio e da prática de estágio como desafio de
inovar. Sendo assim, neste capítulo propomo-nos a analisar a teoria e prática partindo do
enfoque paradigmático que sustenta a práxis pedagógica vigente. Além disso, discutimos as
possibilidades de transformação bem como as concepções de estágio que sustentam as
práticas atuais e anteriores. A prática de estágio compreendida como desafio para a inovação
envolve a investigação da didática como elemento de auto-organização dependente do
contexto social e cultural no que se refere ao processo de ensinar como objeto de pesquisa, à
construção do conhecimento e à interação entre supervisor(a) e estagiário(a).
2.1. O elo recursivo entre teoria e prática
A formação profissional requer a articulação das múltiplas dimensões, a interação entre
as partes e o todo vinculado ao contexto a que se destina. Devemos pensar um modelo
educacional que responda a essas necessidades emergentes dos novos tempos. Um modelo
“capaz de gerar novos ambientes de aprendizagem, deixando de ver o conhecimento de uma
perspectiva fragmentada, estática, e o reconhecesse como um processo de construção a ser
desenvolvido num contexto dinâmico do vir-a-ser” (Moraes, 2004, p.18). Um modelo que
reconheça a complexidade do processo de construção do conhecimento e das interações do
sujeito com o meio e com o contexto em que está inserido.
O conhecimento pode ser construído por sujeitos que agem sobre a realidade e não
que apenas percebem que os objetos ou coisas existem. Reforçando essa assertiva, Freire
(1992, p.27) afirma que conhecer
exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em
invenção e em reinvenção. Reclama reflexão crítica de cada um sobre o ato
mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se
assim, percebe o ‘como’ de seu conhecer e os condicionamentos a que está
submetido seu ato. Conhecer é tarefa de sujeitos não de objetos.
29
Essa concepção de conhecimento inscreve-se nas teorias que concebem o conhecimento
interdisciplinarmente, como interação, como diálogo, como construção. Dessa forma, no
processo ensino e aprendizagem, a relação teoria e prática exige uma nova compreensão.
O conhecimento concebido como construção postula uma prática interligada com a
teoria que deve ser tomada como sustentáculo da reflexão sobre o fazer e não ser confundida
com uma técnica aplicável.
Nessa perspectiva, Martinazzo (2001, p. 90) afirma que “as teorias são formulações
provisórias e que nos ajudam a explicar a realidade ou solucionar situações concretas. Não são
elaborações a priori que podem ser utilizadas e aplicadas indefinidamente [...]”, são
resultados de um conhecimento histórico e social acumulado. Logo, é permitido pensar que a
prática é base para a construção da teoria, confirmando que a prática pedagógica acontece a
partir da ação-reflexão-ação, ou seja, a partir da prática instaura-se um processo de teorização
e retorna-se à prática.
A reflexão sobre o fazer reconstrói a teoria. De acordo com Freire (1999b, p. 43):
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o
movimento dinâmico, dialógico, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber
que a prática espontânea ‘desarmada’ indiscutivelmente produz é um saber
ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica
que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito.
A teoria se constrói na problematização de situações construídas no cotidiano, na ação
refletida verificando a eficácia
4
do que fazemos, e registrando o que fazemos. Freire (1982)
refere-se aos homens como “seres do quefazer”, da práxis, ação-reflexão-ação. O seu
“quefazer” exige uma teoria que oriente esse pensar a prática ou ela se esvai no reducionismo,
no ativismo, no fazer por fazer.
Para que o educador desenvolva uma práxis que vincule o pensar e o agir,
possibilitando uma prática pedagógica significativa, os componentes curriculares escolares
devem trabalhar a unidade teoria-prática não perdendo a visão de totalidade da ação
pedagógica. Não podemos separar teoria e prática nem tratá-las como se não fossem
diferentes, assim como não primazia de uma sobre a outra, mas uma relação simultânea e
recíproca, de dependência e autonomia. “Se a prática é ação historicamente determinada,
4
Eficácia aqui entendida como uma ação que produz os efeitos desejáveis dentro de um paradigma e modelo
pedagógico tomado como orientador da ação pedagógica.
30
produto e produtora, ao mesmo tempo, da existência social concreta, a teoria não é senão
revelação das determinações históricas da prática [...]” (Marques, 2003, p.93).
Pimenta (2006, p. 92) com a contribuição de Marx, Adolfo S. Vásquez e Álvaro Vieira
Pinto define a práxis como unidade entre a atividade teórica e a atividade prática. “A
atividade teórica é que possibilita de modo indissociável o conhecimento da realidade e o
estabelecimento de finalidades para sua transformação. Mas para produzir tal transformação
não é suficiente a atividade teórica; é preciso atuar praticamente”. A definição de práxis
pedagógica envolve, portanto a prática, reflexão teórica e prática refletida, analisada e
contextualizada.
O modelo pedagógico vigente nas escolas, analisado e criticado por vários autores,
apóia-se em idéias que têm origem no pensamento de Descartes. Essas idéias, segundo Araújo
(2003, p. 7) “estabeleceram, no século XVII as bases de um novo paradigma para a ciência e
para as diversas áreas do conhecimento e da vida humana”, diferentes daquelas da Idade
Média. Determinaram as especializações que contribuíram para a compreensão dos mistérios
do universo e os grandes avanços científicos da modernidade. Tais idéias foram corroboradas
por filósofos e cientistas e levadas ao meio acadêmico.
Segundo Araújo (2003) e Moraes (2004), a estruturação do conhecimento em um
“método” que possibilita entender o universo como um sistema organizado, definido, fechado
regido por leis imutáveis, naturais e necessárias, defendida por Descartes, determinou a
maneira de analisar o homem e a natureza, divididos em pequenas partes, mais fáceis de
estudar. “O pressuposto adotado foi o de que, se entendendo as partes, entender-se-ia o todo”
(Araújo, 2003, p. 8).
A divisão em partes, para estudar cientificamente, de “forma organizada, as diferentes
classes de fenômenos do universo, da matéria, da vida humana e dos seres vivos” como
afirma Araújo (2003, p. 8), determinou a divisão disciplinar e, como apresentamos
anteriormente, trouxe muitos avanços à humanidade.
Mas, se a divisão disciplinar trouxe vantagens em diferentes áreas, trouxe também, a
desvantagem da hiperespecialização que ignora a complexidade que caracteriza os fenômenos
da natureza. Para Morin (1990, p. 16), ao “separar a filosofia e a ciência, e ao colocar como
princípio de verdade as idéias ‘claras e distintas’, ou seja, o próprio pensamento disjuntivo”,
31
Descartes formula o paradigma da simplificação que tem como princípios
5
a disjunção, a
redução e a abstração.
No campo da educação começam aqui as aproximações com a prática pedagógica
disciplinar. A separação inicia na organização curricular com tempos e espaços determinados
e distintos em dois momentos, como afirma Araújo (2003). Um dedicado à mente, à
aprendizagem de conhecimentos em assuntos especializados, fragmentando o todo em partes,
que exige um controle do corpo em sala de aula; outro, ao corpo que acontece fora da sala,
nos momentos em que são permitidos os movimentos e a ação corporal. Esse controle torna-
se visível na organização da sala de aula em que as classes são colocadas em filas, separadas
entendendo o movimento como inadequado à aprendizagem.
Além dessa forma de organização da sala de aula, os horários e o currículo, comenta
Moraes, são rígidos, pré-determinados. Os conteúdos são propostos “voltados para a aquisição
de noções que enfatizam a assimilação, o conhecimento acumulado, o caráter abstrato e
teórico do saber e a verbalização dele decorrente” (2004, p. 51). A cada área do conhecimento
são destinados períodos para transmissão dos conteúdos especializados.
Conseqüentemente, esse modelo produz uma escola submetida a um sistema
controlador, hierárquico, autoritário, dogmático, fechado às transformações do mundo,
distante da realidade. uma separação visível entre a teoria e a prática, em que a primeira
não é tomada para analisar, refletir ou sustentar a segunda.
Araújo analisa esse modelo de escola a partir dos pressupostos da complexidade:
Esse é um modelo de escola coerente com a disjunção do objeto de
conhecimento propiciado pelo pensamento cartesiano. Ele segue paralelo à
necessidade de “redução” do complexo ao simples. Dessa maneira, a
separação da realidade a ser conhecida em partes fragmentadas também atende
o objetivo reducionista de dividir a realidade em partes mais simples, para
então, posteriormente, ter-se a visão do todo (2003, p. 12).
5
Princípio da disjunção é definido por Morin como a separação do conhecimento da reflexão filosófica,
privando a própria ciência de se conhecer e se conceber como ciência, separando três grandes campos do
conhecimento científico: a física, a biologia e a ciência do homem. O princípio da redução busca remediar a
disjunção reduzindo o complexo ao simples, ou seja, busca-se uma ordem perfeita para uma complexidade
aparente dos fenômenos. O mundo passa a ser visto como uma máquina na qual a operacionalidade depende da
abstração matemática.
32
Podemos afirmar, ainda, que essas partes (disciplinas) são articuladas em unidades
anuais, seriadas, dispostas em uma “grade curricular”. A partir desta, é possível visualizar os
conteúdos disciplinarmente, ou seja, a fragmentação que constitui a formação escolar, ao final
da qual, entende-se que os alunos estarão aptos para enfrentar a vida.
Essa forma reducionista de pensar o cotidiano da escola leva a análises de qualquer
problema, apenas por um dos fatores que o determinam, ignorando a complexidade que o
envolve. A tendência é analisar um ou dois aspectos relacionados ao fato concreto e
generalizar tal análise parcial, pensando com isso entender a realidade na sua complexidade.
As soluções, nessa perspectiva, também são parciais, retornando aos mesmos problemas em
pouco tempo.
Os conteúdos são trabalhados traduzindo a visão empirista, a partir do mundo do
objeto, e este é o determinante do sujeito e não o contrário (Moraes, 2004). Os conteúdos de
cada área passam à formalização de datas, fatos, fórmulas, representações gráficas que devem
ser memorizados pelos alunos. Esses conhecimentos formais distanciam os sujeitos da
realidade, determinando a desconexão da educação formal e das reais necessidades e
interesses dos alunos.
Pimenta e Lima (2004, p. 43) observam que o processo educativo é mais amplo e
complexo e exige a superação da separação entre teoria e prática. Consideram que
nesse processo o papel da teoria é iluminar e oferecer instrumentos e
esquemas para análise e investigação que permitam questionar práticas
institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas
próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações
provisórias da realidade.
A formação de profissionais pesquisadores reflexivos que considerem a complexidade
do ser e do mundo supõe “a valorização da prática profissional como momento de construção
de conhecimento por meio de reflexão, análise e problematização dessa prática e a
consideração do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram
em ato” (Pimenta e Lima, 2004, p. 48).
33
Essa unidade numa visão de totalidade encontra apoio na teoria da complexidade
6
que
opera a partir dos princípios da dialogicidade, recursividade e hologramático, contrapondo o
paradigma da simplicidade que concebe o conhecimento a partir do princípio da disjunção,
que separa o que está ligado. Essa teoria aponta para a interdependência das diferentes áreas
das ciências e o surgimento de novas áreas (Morin, 1990).
De acordo com Araújo (2003, p. 19) a circulação de conceitos, a interdependência das
disciplinas e a busca por novas explicações para questões da vida humana e da natureza
quebram a ordem disciplinar e dão origem a uma nova perspectiva, a interdisciplinar
7
. “Como
a própria palavra diz, interdisciplinaridade refere-se àquilo que é comum a duas ou mais
disciplinas ou campos do conhecimento”.
Na escola, o que caracteriza o trabalho interdisciplinar, implica muito além da simples
“escolha de um tema” para ser trabalhado, por professores de diferentes áreas, mas a unidade,
a cooperação e as trocas realizadas por esses profissionais e as áreas envolvidas. Isso não quer
dizer que a especialização não é importante, mas tanto o reconhecimento das limitações do
seu campo de estudos quanto a necessidade da articulação dos diferentes saberes são
fundamentais para a construção de novos conhecimentos.
A complexidade da educação exige uma ação pedagógica que considere a
dialogicidade, a totalidade e reflexão. E, nessa perspectiva, Pimenta e Lima (2004, p.52 e 53)
alertam, valendo-se de Giroux e Stenhouse, que não basta a reflexão sobre o fazer da sala de
aula para termos a compreensão teórica dos elementos que interferem na prática pedagógica.
O conhecimento da produção teórica é que permite ao professor circular pelas diferentes áreas
do conhecimento, redimensionar e ressignificar a prática.
6
O paradigma da complexidade concebido por Morin é sustentado por três princípios: dialogicidade que
permite manter a dualidade no seio da unidade. Associa dois termos ao mesmo tempo complementares e
antagônicos. O que diz da ordem e da desordem pode ser concebido em termos dialógicos. A ordem e a
desordem são dois inimigos: uma suprime a outra, mas, ao mesmo tempo, em certos casos, colaboram e
produzem organização e complexidade. O segundo princípio é o da recursividade, processo em que os produtos
e os efeitos são, ao mesmo tempo, causas e produtores daquilo que os produziu. A idéia recursiva é, portanto,
uma idéia em ruptura com a idéia linear de causa e efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, uma
vez que tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo autoconstitutivo, auto-organizador e
autoprodutor; O terceiro é o hologramático, em que não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte.
(Morin, 1990, p.106-108)
7
Morin (2003) e Zabala (2002) apresentam a multidisciplinaridade como uma associação de disciplinas, por um
projeto, ou para solucionar um problema; a interdisciplinaridade é associação de disciplinas em que a cooperação
entre elas resulta em modificações ou enriquecimento mútuo; a transdisciplinaridade refere-se a esquemas
cognitivos que podem atravessar as disciplinas, ou seja, trata-se da construção de um sistema total, sem
fronteiras, com o objetivo de construir uma ciência que explique a realidade sem fragmentação.
34
A análise contextualizada da prática escolar à luz da teoria permite a construção da
autonomia docente, a busca de soluções às situações de ensinar e aprender. A postura
investigativa do professor possibilita a reorganização curricular, análise das práticas
institucionais e novos encaminhamentos aos próprios professores.
A divisão entre teoria e prática no cotidiano escolar estabelece uma distinção entre o
saber prático, de caráter empírico, o professor “faz” e nem sempre sabe “dizer o que faz e por
que o faz”; e o saber teórico contemplativo, racional, que nem sempre o “que se diz” é
destinado a ser feito (Meirieu, 2002).
Para que o educador desenvolva uma práxis que vincule o pensar e o agir,
possibilitando uma prática pedagógica significativa, os componentes curriculares escolares
devem trabalhar a unidade teoria-prática não perdendo a visão de totalidade da ação
pedagógica.
As orientações para a organização dos cursos de formação demonstram uma
preocupação com a formação de um profissional que atenda ao contexto social e cultural
considerando a complexidade da docência. Assim, nos cursos de formação, faz-se necessário
superar a fragmentação da dinâmica curricular em que uma função teórica e uma função
prática atribuída ao estágio como complemento da formação profissional. Cabe destacar ainda
que a concepção de estágio está vinculada ao paradigma teórico que sustenta os cursos de
formação.
2.2. As diferentes tendências e concepções de estágio
O estágio é componente curricular dos cursos de formação docente e intrínseco à
dimensão formativa. É disciplina que se constitui ao longo do curso e não pode ser reputada
como uma disciplina isolada responsável pela execução de um trabalho de conclusão de
curso.
Nos currículos organizados por disciplinas, o estágio é identificado como a parte prática
dos cursos de formação. Desvinculado da relação entre teoria e prática, tem sido reduzido a
pequenas intervenções (com micro-aulas) nas escolas ou reduzidos a “estágios à distância”
35
transformados em relatórios de observação e em planos com propostas de aulas não
vivenciadas.
A contraposição entre teoria e prática é traduzida nos espaços curriculares em que é
atribuída menor importância à prática, à qual é imputada menor carga horária. Além disso, a
orientação, normalmente, dá-se sob a responsabilidade de um ou dois professores da “área”,
provavelmente ao professor de Didática que, geralmente, assume a disciplina de Estágio
Supervisionado.
O dualismo existente na compreensão da função do estágio nos cursos de formação está
aparente no entendimento que os próprios professores expressam. A análise desta situação,
ainda visível, está presente no breve histórico do curso de Pedagogia Parecer CNE/CP
5/2005:
Alguns críticos do curso de Pedagogia e das licenciaturas em geral, entre eles
docentes sem ou com pouca experiência em trabalho nos anos iniciais de
escolarização, entretanto responsáveis por disciplinas “fundamentais” destes
cursos, entendiam que a prática teria menor valor. Ponderavam que estudar
processos educativos, entender e manejar métodos de ensino, avaliar, elaborar
e executar planos e projetos, selecionar conteúdos, avaliar e elaborar materiais
didáticos eram ações menores. outros críticos, estudiosos de práticas e de
processos educativos, desenvolveram análises, reflexões e propostas
consistentes, em diferentes perspectivas, elaborando corpos teóricos e
encaminhamentos práticos. Fundamentavam-se na concepção de Pedagogia
como práxis, em face do entendimento que tem a sua razão de ser na
articulação dialética da teoria e da prática. Sob esta perspectiva, firmaram a
compreensão de que a Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da
educação, do ensino e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social
(p. 4).
A formação docente resulta na especialização dos profissionais para atender a este
modelo de organização, cada professor tem sua função específica e conhecimentos
específicos. Nessa perspectiva, segundo Pimenta e Lima (2004), a forma de aprender a
profissão pode se dar numa perspectiva de imitação de modelos
8
ou de instrumentalização
técnica.
8
Os modelos, nessa perspectiva, não se referem à abstração da realidade que permitem identificar, a partir de
uma observação da prática, os elementos para a compreensão do mundo real, adaptando-os, transformando-os,
criando novos modelos. Mas como repetição aleatória de ações que produzam resultados semelhantes aos eleitos
como aceitáveis (Tracy, 2002).
36
A primeira refere-se à prática sustentada na observação e imitação
9
de modelos
considerados bons. O docente escolhe, separa o que considera adequado de sua formação e
utiliza-se de suas experiências e saberes adquiridos adequando-os às situações,
desconsiderando a dialética teoria e prática. Essa concepção atende a uma visão de que a
realidade é imutável, assim como os alunos.
A ação docente dos professores em formação está vinculada à observação da ação de
seus professores, colegas e de seu próprio modo de ser. Idealmente cabe ao professor ensinar
segundo a tradição, o que não é suficiente para atender a demanda gerada pelas
transformações histórico-sociais. Portanto, nesse modelo, a formação do professor “se dará
pela observação e tentativa de reprodução dessa prática modelar” (Pimenta e Lima, 2004, p.
36). Essa perspectiva caracteriza o professor conformado, conservador que acredita que
quanto maior a proximidade da sua prática ao modelo eleito, maior seu sucesso.
Precisamos ter claro é que o que cabe à profissão não se resume a atividades
ocupacionais, mas um compromisso social inserido na esfera política da sociedade e
exigente de qualidade, como pontua Marques (2003, p. 48). À docência não basta o domínio
técnico-científico, a formação didático-pedagógica adequada às práticas educativas a que se
dedica. Além disso, é indispensável uma postura de rompimento com a linearidade e o
desgaste da rotina que se instala nessas práticas. A docência envolve o fazer, o como fazer, o
pensar o que foi feito e como foi feito, o que leva ao conceito de práxis docente,
anteriormente definida em Pimenta (2006), Pimenta e Lima (2004), Marques (2003).
A redução da formação intelectual do professor na busca de modelos que legitimem a
sua prática se caracteriza, não na sua ação como estagiário, mas também ao longo da vida
profissional. Essa questão pode ser reconhecida nas manifestações de algumas professoras
regentes de turmas, por ocasião do estabelecimento dos convênios para a realização do estágio
supervisionado entre a instituição formadora e os campos de estágio
10
. É possível reconhecer
nesses discursos a preocupação das professoras em receberem estagiárias nas quais possam se
espelhar.
9
Imitação vista como reprodução sem construção, sem reconstrução.
10
Campo de estágio será usado ao longo do texto para identificar as escolas que acolhem as estagiárias para as
práticas de ensino e estágios supervisionados.
37
Nessa perspectiva, a estagiária
11
resume sua prática à observação da atuação do
professor em sala de aula. Esta sala é isolada do contexto escolar em que está inserida,
limitando a sua análise a informações, apenas de superfície, sobre um universo de práticas
indiferenciadas. Os registros não passam de mera constatação de fatos e argumentos de crítica
estéreis, sem propostas. Não ensino de relevância social, em práticas descontextualizadas
das experiências de vida dos alunos e do domínio dos saberes dos diferentes campos do
conhecimento.
A reprodução de atividades pedagógicas sem significado torna-se perda de tempo
quando o ativismo acrítico e, portanto, destituído de cientificidade, coloca-se como produtor
da ação pedagógica. Freire (1992, p. 50) afirma que “tempo perdido, ainda que ilusoriamente
ganho, é tempo que se usa em blá-blá-blá, ou em verbalismo, ou em palavreado, como
também é perdido o tempo de puro ativismo, pois que ambos não são tempos da verdadeira
práxis”.
Maldaner (2006, p. 54) também encontra em suas pesquisas essa prática e, citando
Pérez, pontua que essa postura adotada pelos professores fundamenta-se nas bases
epistemológicas sobre as quais edificaram a sua representação de conhecimento. O autor
alerta, ainda, para a responsabilidade dos cursos de formação de professores de levarem em
consideração que os docentes aplicam os métodos que lhes foram aplicados e não os que lhes
foram predicados. Portanto, “devemos agir com qualidade educativa em relação aos
professores em formação e não, apenas, falar sobre ela”.
A segunda forma de aprender a profissão, a prática como instrumentalização técnica,
parte do pressuposto de que são necessárias técnicas para operar com instrumentos próprios
do fazer pedagógico.
Sob essa ótica, não necessidade do conhecimento científico, mas o domínio de
rotinas de intervenção técnica que permitam desenvolver habilidades específicas. Temos a
prática pela prática, reforçando a idéia de que uma prática sem teoria, um fazer sem
reflexão, reduzindo o profissional ao prático.
11
A referência à estagiária no gênero feminino é resultado de se encontrar na docência e, ainda na formação
inicial docente, um universo quase que exclusivo de mulheres. Esta constataçãoé estudo de pesquisa, por isso
não se aprofundará a discussão.
38
Esse reducionismo ao prático e ao emprego de técnicas pode levar, equivocadamente, à
compreensão de que uma prática sem teoria e uma teoria sem a prática. Ou ainda, que a
teoria reduz-se a um conjunto de regras, normas e conhecimentos sistematizados e aplicáveis
a qualquer contexto e a prática à execução de técnicas desenvolvidas a partir de instrumentos
sofisticados que garantem a eficiente transmissão de conhecimentos
Nessa perspectiva, podemos afirmar que as atividades de observação, mini-aulas,
dinâmicas de grupo ou oficinas pedagógicas, não promovem a reflexão e compreensão do
processo de ensino no seu todo, pois são propostas que estão reduzidas ao desenvolvimento
de habilidades instrumentais, portanto procedimentais.
É importante destacarmos que a instrumentalização do professor para atuação
profissional é de extrema importância, mas não é suficiente para atender a complexidade do
processo educativo. Esses instrumentos resultam em ações padronizadas que atendem a uma
concepção tecnológica da educação, centrada no “como fazer” com vistas à produtividade,
característica dos anos 60, do século passado.
A prática educativa, por ser especificamente humana, envolve a capacidade de somar
conhecimento, afetividade, criticidade que possibilite transformações e avanços. Essa ação
implica ainda processos, técnicas, fins, expectativas, desejos, frustrações, a
tensão permanente entre prática e teoria, entre liberdade e autoridade, cuja
exacerbação, não importa de qual delas, não pode ser aceita numa perspectiva
democrática, avessa tanto ao autoritarismo quanto à licenciosidade (Freire,
2000, p.109).
Uma proposta de estágio nessa perspectiva que não considera esses diferentes aspectos,
que se reduz à coleta de informações e dados vazios de sentido, em que a ação se resume à
aplicação de técnicas, manejo de classe e preenchimento de planilhas, sem sentido social,
toma caráter de treinamento.
Os dois modelos de estágio apresentados são coerentes com propostas educativas em
que a tônica do ensinar está na transmissão do conhecimento, em que o processo se
desconsiderando o contexto social, fragmentado. A formação realizada nesses moldes produz
39
profissionais acríticos
12
, conformados e reprodutores de uma sociedade que não mais atende
às necessidades dos sujeitos (Pimenta e Lima, 2004).
A mudança desse modelo de formação exige, muito antes do atendimento de velhas
reclamatórias dos educadores, como redução de carga horária, reorganização das instituições,
mais estudos, entre outras, a “reforma do pensamento”. Ao refletir sobre os problemas da
educação, Morin confirma as necessidades de todas essas reivindicações propostas para a
melhoria da educação. Mas, para que transformação ocorra, entende ser indispensável a
reforma do pensamento, o que leva ao impasse “não se pode reformar a instituição sem uma
prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma
das instituições” (2003, p. 99).
Sob essa ótica, entendemos que o estágio tem um caráter mais amplo do que até hoje
lhe foi atribuído: de reprodução de modelos ou de eficiente treinamento profissional. Tem
caráter de relevância social ligado à pesquisa que abrange, caracteriza e permeia o curso desde
o início do processo formativo, impondo exigências de reflexão teórica e de contribuição
científica.
2.3 A prática do estágio: o desafio da inovação
Nas concepções de estágio anteriormente apresentadas, a análise teórica evidencia uma
separação entre a teoria e a prática implícita no reducionismo dessa prática à
instrumentalização ou ao criticismo
13
. Essas concepções resultam de um contexto histórico e
social no qual se constituíram e que ainda sustentam a ação docente.
O estágio como pesquisa exige uma “reforma do pensamento”. Essa mudança pode ser
traduzida em novas concepções de professor, de aluno, de conhecimento, de realidade, de
ensino, de aprendizagem, de teoria e de prática.
12
Profissionais que, segundo Freire (1999a), são incapazes de olhar o mundo com criticidade analítica e de ver o
homem na sua totalidade e na reflexão da sua ação.
13
Neste contexto, o termo criticismo é tomado como a crítica pela crítica, sem possibilidades para mudanças,
muito comum no meio educacional. A crítica é feita sem a análise do contexto em que a situação se apresenta ou
a reflexão teórica que exige, além de não haver proposições às críticas realizadas.
40
Pretendemos iniciar essa discussão com apresentação e análise do conteúdo de alguns
discursos que evidenciam como o estágio é entendido pelas professoras que atuam em escolas
que são campos de estágio, portanto, que recebem estagiárias para essa prática. São feitas
análises, também, do conteúdo do discurso de acadêmicas de cursos de formação de
professores.
Essas colocações configuram discursos cujos enunciados se produzem conforme o meio
social no qual estão inseridos. Torna-se necessário, então, levarmos em conta alguns
elementos ao analisar o conteúdo dos discursos dessas docentes, tais como, o tipo de escola à
qual pertencem, a formação a que se submeteram e suas funções.
O discurso, como salienta Fischer (2001, p. 200),
ultrapassa a simples referência a “coisas”, existe para além da mera utilização
de letras, palavras e frases, não pode ser entendido como um fenômeno de
mera “expressão” de algo: apresenta regularidades intrínsecas a si mesmo,
através das quais é possível definir uma rede conceitual que lhe é própria.
A análise do conteúdo do discurso é capaz de mostrar a diversidade das condições em
que esse discurso é produzido, justificando teoricamente o seu uso neste trabalho. Fischer
(1995) salienta que o contexto histórico-social, o lugar de onde falam os interlocutores, a
imagem que cada um faz do outro são, entre outras, as condições que existem para que
possam produzir seus depoimentos. Sendo assim, o que dizem é a marca de uma
multiplicidade de sentido sobre o que analisam. Isso permite analisarmos o discurso do sujeito
a partir do lugar que ele ocupa no momento em que é inquirido.
Esta análise será feita com base nos discursos que registramos em diferentes momentos
de nossa prática na supervisão de estágio. Como expomos, organizamos os discursos em
dois grupos. O primeiro refere-se a sujeitos que ocupam o lugar de docentes, supervisoras e
diretoras do sexo feminino, com mais de vinte anos de atuação docente, nos anos iniciais, de
escolas públicas estaduais e municipais, com formação superior em Pedagogia e Letras. O
segundo grupo é constituído por sujeitos em formação, no curso de Pedagogia dos semestres
iniciais e de concluintes em prática de estágio, do sexo feminino.
O primeiro grupo, com algumas exceções, denuncia em seus discursos uma formação
racionalista e tecnicista, pois revela um forte apelo metodológico à prática docente e também,
transita pelos modelos de estágio por imitação e de instrumentalização técnica, para definir
41
seu entendimento de estágio curricular como poderá ser visto. E o segundo grupo, expressa
um discurso a esse respeito denunciando a compreensão do estágio de forma mais complexa.
2.3.1 Estágio como didática: autonomia/dependência
Retomando o que foi mencionado, o homem é ser relacional, de raízes espaço-
temporais, que se constitui pela história e pela cultura. E, para fazer parte do mundo,
necessita reatravessar a história do gênero humano e da cultura, para delas
fazer-se parte viva e operante. Necessita ele assumir o sentido da própria vida,
como capacidade de articular na intersubjetividade da palavra e da ação sua
própria experiência biográfica.
Portanto, o homem, enquanto sujeito constituído pela aprendizagem,
“não pode desvincular o que faz no mundo daquilo que faz de si mesmo, por
sua capacidade de reflexão” (Marques, 2003, p. 40).
A concepção de estágio que se revela no discurso dos professores que exercem a
docência nos campos de estágios, bem como no discurso das acadêmicas que iniciam a
formação é resultado de duas situações. Primeiramente, da formação acadêmica e depois, da
cultura que permearam a relação entre as instituições formadoras de professor e estes campos
de estágio, não só de ensino superior como de nível médio
14
.
Podemos exemplificar essa assertiva com discursos como este, de uma professora de
série: o estágio é um tempo para pôr em prática o que se aprendeu durante o curso, para
testar esses conhecimentos, ... e, para nós, uma boa maneira de atualização, pois esperamos
que a estagiária traga novas maneiras de ensinar. Este fragmento denuncia a visão
dicotômica entre teoria e prática. Ao longo do curso, estudou-se a teoria; no estágio, busca-se
a prática.
A professora afirma ainda, ao concluir o seu discurso, que como os alunos não são
mais os mesmos, precisamos de novas técnicas para poder manter a disciplina. Essa
afirmação permite-nos a compreensão de que a ação docente, desta professora, está sustentada
por uma metodologia baseada em técnicas e instrumentos, as quais lhe permitem o controle da
disciplina e do saber. Dessa forma, uma aula “bem planejada” com atividades diversificadas e
boas técnicas é a garantia de qualidade e de domínio de classe.
14
O curso normal de nível médio, tradicionalmente, utiliza-se dos espaços oferecidos pelas escolas públicas
como campos de estágio e, naturalmente, marcou com seus procedimentos as concepções teóricas defendidas. As
práticas de ensino desse nível de formação não serão aprofundadas nesta pesquisa.
42
Por essa lógica, a acadêmica ao final de um curso de formação docente, munida de um
planejamento prévio, vai para sala de aula aplicar os conhecimentos adquiridos. E, nessa
mesma lógica, tem a “obrigação” de atualizar a professora que cedeu espaço para a prática,
oferecendo-lhe “novas maneiras de ensinar”.
Com base nessa interpretação, podemos afirmar que a formação inicial
15
é o único
referencial de conhecimento teórico dessas docentes, o que nos leva a crer que a formação
continuada não é compreendida na sua função e nem tomada como responsabilidade da
instituição e de cada professor.
O estágio, assim como a prática profissional da docência, desse ponto de vista, toma o
sentido reducionista de aplicação de teorias e transferência de conteúdos. A ação docente
desvinculada da reflexão teórica do processo, centrada na palavra esvaziada de conceito e de
realidade, torna-se uma ação reprodutora de conhecimento.
O que está em cena, nessa idéia, não são as aprendizagens, mas o ensinar. Como ensinar
os conteúdos prescritos no currículo e que devem ser vencidos e quantificados para
mensuração da aquisição de conhecimentos? Assim, as técnicas tornam-se indispensáveis para
que aconteça a “aprendizagem”.
A análise do papel do professor, do aluno, das concepções de conhecimento, ensino,
aprendizagem, aula, situações de aprendizagem são elementos que não têm lugar para
reflexão e reconstrução neste processo. É mera reprodução técnica das crenças adquiridas na
formação acadêmica. Não há diálogo, não há reflexão e não há reconstrução.
O pensamento expresso em manifestações como a transcrita está mais voltado aos
resultados obtidos do que ao processo que envolve ensinar e aprender. Esse pensamento está
sustentado no modelo que organizou a modernidade: “Na racionalidade que reduz tudo à
técnica e à instrumentalização os elementos de maior valorização são a eficácia, o rendimento
e o resultado. Essa racionalidade é essencialmente monológica, produzindo um homem
unidimensional” (Martinazzo, 2005, p. 154).
O ensino é muito mais que transmitir informações. Deve estabelecer vínculos entre os
15
Percebe-se no discurso de muitos professores, ainda hoje, a compreensão de que ao terminar um curso de
graduação, a formação profissional está concluída. Essa idéia é aceitável se o processo de ensinar e aprender
for visto como imutável e se a cada sujeito desse processo é atribuída uma única função: ao professor ensinar e
ao aluno aprender.
43
novos conteúdos e os conhecimentos existentes. O ensino determina um papel ativo ao
professor, dialógico, provocador, criador de possibilidades de construção por parte do aluno.
Aprender envolve o estabelecimento de relações entre o que faz parte da estrutura
cognoscente do sujeito e o que se ensina, relações que se tornam mais complexas ampliando a
articulação entre dados, fatos, percepções e conceitos. Aprender envolve mudança,
transformação.
Segundo Vygotsky (1998, p. 108, 109):
O aprendizado é mais do que a aquisição de capacidades para pensar; é a
aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias
coisas. O aprendizado não altera nossa capacidade global de focalizar a
atenção; ao invés disso, no entanto, desenvolve várias capacidades de focalizar
a atenção sobre várias coisas.
Uma vez que uma criança tenha aprendido a realizar uma operação, ela
passa a assimilar algum princípio estrutural cuja esfera de aplicação é outra
que não unicamente a das operações do tipo daquela usada como base para a
assimilação do principio.
Dessa forma, o processo ensino-aprendizagem é visto como “um processo direcionado
a superar desafios, os quais possam ser abordados e permitam avançar um pouco além do
ponto de partida [...] intervêm, além das capacidades cognitivas, fatores vinculados às
capacidades de equilíbrio pessoal e de inserção social” (Zabala, 2002, p.103).
Entende outra professora da série, referindo-se à importância da prática para o
professor construir a sua teoria: No estágio, é importante a estagiária ter conhecimento do
que vai fazer, ter teoria, mas pode construir também a partir do que faz na sala de aula. Por
exemplo, ao propor um filme e questionar os alunos sobre o mesmo, podemos ver que o aluno
observou coisas que não vimos. Assim podemos aprender com o aluno. A professora procura
deixar claro, ainda, que entende a importância da teoria para sua prática, mas a teoria
oferecida nos cursos de formação é uma e a prática, na verdade, é outra. Apresenta aqui um
discurso bastante recorrente nas discussões entre professores, da impossibilidade de se trazer a
teoria para a ação docente. O que, muitas vezes, justifica os fazeres repetidos,
descontextualizados, as situações propostas sem significação, afinal, “na prática tudo é
diferente”. Por trás deste chavão escondem-se profissionais incapazes de promover mudanças,
de contextualizar e significar as aprendizagens.
Fica evidenciado na complementação do discurso que os estudos teóricos são questões
a serem tratadas no espaço acadêmico, mas utópicos na ação cotidiana das escolas. A
44
referência de forma simplificada sobre a importância da teoria no processo educativo e da
construção teórica do professor na prática, a partir das experiências vivenciadas e, tão
somente, das experiências de sala de aula denuncia a ausência de reflexão sobre a ação
docente, favorecendo a reprodução.
Sabemos que não é nas simples constatações feitas por observações mais apuradas do
aluno que o professor construirá “sua teoria”, mas sim, na reflexão dessas constatações,
envoltas na realidade que as permeia, e dos fundamentos teóricos. Essas reflexões, segundo
Freire (1982), não podem reduzir-se a verbalismos ou ativismos; precisam, sim, efetivar-se
em ação e em significação da prática pedagógica.
A crítica sobre a prática pedagógica pode existir quando uma relação dialógica
entre ela e a teoria. A teoria esvaziada da realidade e das práticas cotidianas de sala de aula
não explica a prática. Da mesma forma, acontece com a ausência de fundamentos teóricos na
análise da realidade (Piconez, 2004).
Sobre essas compreensões de estágio, podemos concluir que ainda está presente, na
escola, o entendimento de estágio como uma atividade prática realizada ao final do curso de
formação docente, desvinculada do processo teórico e como complementação curricular. Essa
dicotomia que se presentifica no início da formação permeará a sua prática docente.
Esses discursos que atravessam as escolas enunciam o pensamento dogmático e
positivista
16
, numa simplificação unidimensional do sujeito e docência, sem conhecimento
epistemológico. A simplificação se pelo desconhecimento do sujeito, da fragmentação do
conhecimento e pelo isolamento do sujeito de seu meio. Fica evidente que não uma
compreensão epistemológica dos conceitos que envolvem a ação docente.
Todavia, outro entendimento de estágio começa a surgir no discurso acadêmico. Esse
entendimento é resultado de um movimento iniciado na década de 1990, final do século
passado que, conforme Pimenta e Lima (2004), surge dos questionamentos da didática e da
formação de professores em torno da dissociação entre teoria e prática evidenciada nos
discursos docentes, e que alcançam os dias atuais.
16
Referente a um pensamento fechado, concatenado a enunciados observáveis e assertivas universais, realizado a
partir de procedimentos metódicos, estes são tidos como únicos e verdadeiramente válidos e aplicáveis pela
técnica (Marques, 1996, p.25-26).
45
Evidencia-se nos cursos de formação uma nova postura do professor, reflexivo e
pesquisador. A relação teoria e prática, a formação docente e a postura reflexiva do professor
presente nas discussões de vários autores críticos, desde a segunda metade do século XX,
começam a produzir resultados a partir das novas propostas dos cursos de formação.
Esse novo entendimento pode ser observado no discurso da acadêmica concluinte do
curso de Pedagogia ao definir estágio. O estágio é fundamental na formação acadêmica, pois
a prática se faz necessária para que a estagiária possa refletir sobre as ações relacionando-
as com a teoria. Visto que a reflexão teórica é possível mediante a prática pedagógica a
partir dos conflitos e experiências vividas na escola, as práticas
17
realizadas durante o curso
são de igual importância. Acrescenta, ainda, a mesma acadêmica: precisamos retornar à sala
de aula na academia
18
para que, junto com os orientadores do estágio, possamos analisar
esse processo a partir dos autores que orientam nossa prática. Este depoimento evidencia
uma proposta de estágio como aproximação da realidade e de reflexão teórica a partir desta
realidade, situando o estagiário como sujeito de reflexão.
Acrescenta sobre as expectativas em relação ao campo de estágio que esperava maior
acompanhamento da professora regente, podendo contar com a sua parceria no trabalho.
Não pensei ser necessário justificar teoricamente e comprovar na prática, por exemplo, a
importância e a viabilidade do trabalho em grupo nas aprendizagens. Mas, isso também
contribuiu para minhas aprendizagens.
Aproxima-se a este, o discurso da acadêmica que se encontra nos semestres iniciais do
Curso: “entendo o estágio como um momento de aprendizagem que com a orientação da
supervisão organizaremos planejamento e aplicaremos em sala de aula. O que estamos
estudando vai nos ajudar a pensar como planejar, a ver como a criança aprende.
Em seu discurso, a acadêmica aponta o estágio como possibilidade de reflexão da
prática docente à luz da teoria conhecida e discutida no curso de formação. As experiências, os
conflitos vividos na escola são vistos como parte do processo de construção, de investigação,
reflexão da ação, no qual acontecerá a construção e reconstrução da sua identidade de
professor.
17
As práticas a que se refere a acadêmica foram desenvolvidas em semestre anterior com propostas definidas
para o conhecimento da instituição e do contexto social e cultural dos sujeitos por ela atendidos.
18
O retorno ao espaço de formação para que, juntamente, com o (a) supervisor (a) possa refletir e encontrar
respostas aos questionamentos impostos pela reação às propostas da ação docente.
46
Sob esse ponto de vista, “o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de
análise para compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si
mesmos como profissionais, nos quais se a sua atividade docente, para neles intervir,
transformando-os” (Pimenta e Lima, 2004, p. 49). Daí a importância desse espaço de
interlocução na academia, em que podem ser trazidos conflitos, dúvidas, situações vivenciadas
com os alunos a fim de serem vistos e analisados com base nas discussões e nas teorias
apresentadas ao longo do curso de formação.
Assim, a formação profissional, vista como construção, dá-se a partir da
problematização da prática. O docente é capaz de construir o saber, que diz da epistemologia
da sua prática, de como este professor se constitui como tal.
As pesquisas na área das práticas refletidas na formação de professores têm caminhado,
segundo Pimenta e Lima (2004, p.48, 49),
dos estudos sobre a sala de aula, preocupadas em conhecer e explicar o ensino
e a aprendizagem em situações escolares, para o estudo das ações dos
docentes, coletivamente considerados, nos contextos escolares; desenvolvem-
se teorias a respeito dos saberes e conhecimentos docentes em situações de
aula e, posteriormente, sobre a produção de conhecimentos pelos próprios
professores e pela escola. Essa linha de ação que vem se firmando
concomitantemente ao reconhecimento do professor como produtor de saberes
é uma epistemologia da prática docente, capaz de conferir estatuto próprio de
conhecimento ao desenvolvimento dos saberes docentes.
Pimenta e Lima (2004, p. 49) destacam ainda, citando Sacristán, que a proposta da
epistemologia da prática “considera inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do
professor, pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a ação".
O processo dialógico que se estabelece nesta concepção de aprender a docência
permite a compreensão do processo educativo em toda a sua complexidade, considerando as
situações concretas do dia-a-dia e as relações com seu entorno social e cultural, as discussões
teóricas e, por fim, a reflexão do professor sobre suas ações.
A manifestação da diretora de uma escola campo de estágio traduz a expectativa da
formação de professores com um “novo perfil”: O estágio é o momento em que a aluna toma
contato com a realidade da escola. Espera-se a professora ‘ideal’, que nos coloque em
contato com as novas teorias ou reflexões que não tivemos contato nos cursos de formação. A
diretora acredita que a presença da estagiária é importantíssima para mexer com a escola e,
47
principalmente, com a professora. Leva o professor a pensar a sua prática. Mas, creio que
deveriam ter mais prática antes de realizarem o estágio para conhecer melhor a realidade
com a qual irão trabalhar.
Podemos analisar o discurso da diretora sob duas hipóteses: a possibilidade de a
estagiária conhecer a realidade da escola e ajustar-se a ela contribuindo com “novidades” para
o fazer pedagógico ou a possibilidade de conhecer a realidade e agir sobre ela.
A primeira hipótese, “conhecer a realidade”, pode ser compreendida como uma
referência à distância entre o que os cursos de formação oferecem como proposta de ação
educativa e a realidade social em que a escola está inserida, reforçando a ênfase na prática.
Questionamos ainda, a concepção de “formação continuada”, quando a diretora menciona o
desejo de contato com “novas teorias” apresentadas pelos cursos. Será a estagiária o único
vínculo possível com as teorias? A formação profissional acontece somente nos cursos de
formação? São possíveis outras formas de atualização? O que é formação continuada? A
formação continuada deve ser proposta pela escola? Como deve acontecer? Que temas devem
ser discutidos? Qual a responsabilidade do professor em relação à formação continuada?
Podemos, pois, inferir que a formação continuada nas escolas não ocupa, ainda, a
função que lhe cabe, a de refletir criticamente as ações pedagógicas numa posição de
aprendentes e produtores de novas práticas. As ações realizadas com objetivo de formação
continuada estão reduzidas a palestras realizadas bimestralmente, com temas variados e, nem
sempre, sobre questões da educação. Essas posturas dificultam a associação da teoria às
práticas escolares.
Para Zainko (2006, p. 204), “quando falamos em educação continuada ou permanente, o
que estamos querendo ressaltar é a idéia de um processo contínuo, que se desenvolve durante
a vida e que supera dicotomias, unindo o saber e o não saber, como indicadores da
necessidade de aperfeiçoamento constante”. A permanente associação entre teoria e prática
produz a inovação, portanto, “a prática inovadora” da estagiária só terá sentido para quem tem
compreensão teórica de seu significado, bem como sobre as implicações desta teoria sobre a
prática.
48
Numa segunda hipótese, segundo a diretora, o estágio apresenta-se como uma
possibilidade de a estagiária conhecer a realidade e agir sobre ela, o que pode ser considerar o
contexto histórico-social e as possibilidades de intervenção pedagógica no processo de
aprendizagem das crianças recolocando a função educativa da escola. A estagiária apresenta-
se como desencadeadora desse processo.
No ponto de vista de uma supervisora de escola, ao possibilitar o estágio na escola,
objetiva-se de provocar a reflexão das ações a partir do olhar de quem chega de fora e traz
consigo conhecimento que permite intervenção. Argumenta, ainda: É no estágio que a aluna
poderá assumir uma postura diferente em relação à teoria e à prática. Na experiência,
perceberá o que pode ser realizado e o que é utópico, não para ter uma única linha
teórica. Para a escola, a presença de uma estagiária é de grande importância. Ela traz uma
nova visão, desacomoda e pontua as incoerências nas práticas da escola, porque vem com
base teórica que conflita e confronta o que a escola propõe e o que realiza. Isso leva a escola
à reflexão e, conseqüentemente, ao estudo teórico da sua proposta, bem como à revisão das
concepções que sustentam a prática. Para a supervisão, pensando no beneficio que a escola
vai ter, é essencial a presença de estagiárias na escola..
O discurso dessa supervisora foi registrado em uma ocasião em que realizamos uma
supervisão à estagiária em prática na escola. Segundo a supervisora, as discussões dos
encontros de formação da escola passaram a ter como tema os pressupostos teóricos descritos
na Proposta Político Pedagógico em decorrência dos resultados do estudo de documento e da
observação da prática pedagógicas terem se mostrado conflitantes.
A compreensão do estágio como a possibilidade de uma prática de intervenção no
contexto escolar manifesta o posicionamento da supervisora quanto à necessidade da
associação entre teoria e prática, porém entende que a compreensão teórica das estagiárias é
um tanto utópica, pois não como ter uma única linha teórica. Essa contradição leva,
novamente, à discussão entre teoria e prática, agora não como a negação de uma ou de outra,
mas como confusão paradigmática.
Esses discursos proclamam uma nova proposta curricular para os cursos de formação,
com uma nova concepção de formação docente com a redefinição de conhecimento, de
conhecimento da realidade, de postura de professor, ou seja, novas concepções que viabilizem
49
uma prática crítica, reflexiva, investigadora. O estágio, como parte da formação docente, deve
compartilhar desse caráter.
2.3.2. Estágio como pesquisa e re-elaboração
O estágio como atividade teórica instrumentalizadora da práxis terá lugar na
formação se o estágio curricular for tomado como uma “atividade teórica de conhecimento,
fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto de práxis. Ou seja, é no
contexto de sala de aula, da escola, do sistema de ensino que a práxis se dá” (Pimenta e Lima,
2004, p. 45).
A pesquisa no estágio, segundo Pimenta e Lima (2004), aponta para a possibilidade de
ampliar a análise dos contextos de estágio e desenvolver no estagiário a postura de
pesquisador permitindo-lhe a compreensão e problematização das situações observadas. Essa
proposta pressupõe outra abordagem do conhecimento, não mais como verdade única,
absoluta, mas considerando os novos dados impostos pela realidade.
A aproximação da realidade nesta concepção denota envolvimento intencional com a
realidade num trabalho em pares: professores orientadores/estagiários e
estagiários/professores das turmas de estágio. Essa parceria e interlocução permitem conhecer
a realidade, analisá-la, questioná-la a partir do aprofundamento conceitual que é propiciado
pela teoria. Nessa afirmação podemos situar parte do discurso da acadêmica, quando se refere
à importância de conhecer a realidade, não no estágio, mas concomitantemente com o
estudo teórico durante o curso de formação.
A associação da teoria e da prática é vinculada ao diálogo que permite aprender e
revisitar as próprias produções e delas extrair novos indicadores e pressupostos que ainda não
haviam sido revelados. Segundo Freire, “o que se pretende com o diálogo, em qualquer
hipótese, [...] é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a
realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-
la, transformá-la” (1992, p. 52).
Conhecer a realidade, na proposta de estágio como pesquisa, não se resume à simples
coleta de dados e preenchimento de fichas com informações que justifiquem as atividades
50
desenvolvidas e que endossarão a impossibilidade de mudanças durante o processo. Conhecer
a realidade, mais que a organização de registro, deve pressupor a observação e a reflexão
apurada do contexto escolar, estruturada pela análise teoricamente consistente.
Paulo Freire entende que este conhecimento
não pode reduzir-se ao nível de pura opinião (doxa) sobre a realidade. Faz-se
necessário que a área da simples doxa alcance o logos (saber) e assim canalize
para a percepção do ontos (essência da realidade).
Este movimento da pura doxa ao logos não se faz, contudo, com um
esforço estritamente intelectualizado, mas na indivisibilidade da reflexão e da
ação da práxis humana (Freire, 1999a, p. 48).
O conhecimento da realidade não se pela constatação da realidade, mas a partir da
análise que dela é feita, na ação que provoca a reflexão. Esse movimento não é individual, ele
acontece na interação entre os sujeitos.
Portanto, a visão complexa de estágio, propositada por essa concepção, vai além da
instrumentalização técnica da docência, que supõe um processo com características únicas e
um profissional com um olhar unidimensional que se opõe ao desenvolvimento de uma práxis
reflexiva. Ao contrário, propõe um profissional pensante, consciente não do lugar que
ocupa e de sua implicação social, bem como do compromisso com a realidade histórica e
cultural da qual faz parte.
Desse ponto de vista, com a contribuição dos autores que discutem o professor
reflexivo, como Pimenta (2003), Pimenta e Lima (2004), Freire (1999a; 1999b), Schön (1997)
Libâneo (1999), entre outros, podemos afirmar que este professor é um profissional que
reflete, que pensa e elabora sua prática. Mas para que não se torne apenas retórica, essa
definição deve ter uma lógica de trabalho coletivo, que através da troca de experiências, da
partilha e da reflexão, resulte em uma postura reflexiva no professor. Pois a experiência não é,
por si só, transformada em conhecimento, tem que haver a análise individual e do outro,
dando sentido cultural e científico ao resultado.
O professor reflexivo, por essa lógica, é um professor investigativo, pesquisador,
indagador, que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de pesquisa, como
objeto de reflexão, com objeto de análise e que intervém nela progressivamente e
educativamente.
51
Nessa perspectiva, Freire define que “o educador não é o que apenas educa, mas o
que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também
educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos” (1982, p. 78).
Evidenciamos, então, a necessidade de interação entre os sujeitos envolvidos no processo que,
nessa interação, partilham não só os conhecimentos e aprendizagens, mas também os conflitos
e as dúvidas.
A pesquisa e a reflexão sobre a experiência, então, é formadora, pois possibilita ao
professor responder as situações e incertezas da escola. Essa postura permite ao professor o
reconhecimento de produtor de conhecimento e de cultura, e não apenas transmissor. Esta
competência lhe é dada pela capacidade de captar os mecanismos de raciocínio presentes nas
falas, conclusões, teorias e representações dos sujeitos implicados no processo. Conforme
Martinazzo (2005, p. 128), “o sujeito reflexivo e autoconsciente é autor e criador das
representações dos objetos” sendo esta uma das características conquistadas ainda no fulgor
da modernidade.
Schön (1997) identifica nos bons profissionais uma combinação de ciência, técnica e
arte. Esta combinação sustenta uma dinâmica que possibilita o professor agir em contextos
como o da sala de aula, multidimensionais. O processo é dialógico, o professor dialoga com a
realidade em reflexão permanente. Deve colocar-se como aprendente no processo, disponível
e flexível para a organização e reorganização dos espaços e tempos, bem como das ações e
estratégias que envolvem o processo de construção do conhecimento.
No entendimento de Freire, ser professor pesquisador “não é uma qualidade ou uma
forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática
docente a indignação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação
permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador” (Freire,
1999b, p. 32). Uma postura de pesquisa e investigação é, pois, de acordo com o autor,
constitutiva do professor, condição para que exista um docente que se apresente na sua
prática, de maneira a, efetivamente, promover as aprendizagens.
Dessa forma, o professor pode colocar o próprio processo de ensinar como objeto de
pesquisa, a partir de situações de aprendizagens, projetos em que seu aluno também assuma a
postura de investigador. Considerando que a pesquisa produzida pelos discentes não exige
52
procedimentos rigorosos e sistemáticos, o que devemos levar em conta, são os "sujeitos
envolvidos, o tempo, os resultados, o método e o conhecimento produzido" (Pimenta e Lima,
2004, p. 231). O que importa, então, é a postura investigativa assumida pelo aluno que lhe
possibilitará, não aprendizagens significativas, mas também um maior envolvimento seu
no processo.
2.3.3. Estágio como prática educativa: aprendizagem e construção de conhecimento
Inicialmente, precisamos pontuar que o conhecimento assume um novo estatuto, que
deixa de ser algo “dado”, acabado, fragmentado. Não é mera percepção dos objetos, que se
constrói e se reconstrói nas relações do homem com a realidade. Conhecer é transformar,
gerar o novo do que já existiu. “Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente
certa, mas dialogar com a incerteza” (Morin, 2003, p.59).
O conhecimento, segundo Freire (1982), tem como pressuposto fundamental e como
"ponto de partida" a cultura do educando para que ele possa avançar na leitura do mundo,
compreendendo-se como sujeito da história. É através da relação dialógica que se consolida a
educação e que o conhecimento é validado, pois é partilhado pelo outro, como prática da
liberdade.
O conhecimento lança os sujeitos para dentro do movimento da história, da humanidade
e do universo, lançando-o nas interações sociais e nas relações com suas aprendizagens. Nesse
sentido, o conhecimento não nasce com o indivíduo nem é dado pelo meio social. O sujeito
constrói seu conhecimento na interação com o meio, tanto físico como social.
Nessa concepção, o conhecimento não é um ato de "doação" que o educador faz ao
educando, mas um processo que se realiza no contato do homem com o mundo vivenciado,
que não é estático, mas dinâmico e em transformação contínua. Baseado em outra concepção
de homem e de mundo a relação vertical é superada para se estabelecer uma relação
horizontal e dialógica. O diálogo supõe troca, os homens se educam pelas relações entre si e
com o mundo tornando verdadeira a assertiva “Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si
mesmo. As pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo” (Freire, 1993, p. 9).
53
Aprender trata-se da apropriação do conhecimento. Esse processo implica num ato
consciente e reflexivo de desvelar a realidade promovendo um conhecimento crítico e criativo
no e com o mundo. Um saber assim construído caracteriza a dimensão do homem como um
ser histórico e transformador de sua realidade.
Para aprender, o sujeito precisa agir e interagir com o meio, sofrendo a influência das
experiências impostas pelo processo de construção do conhecimento. Assim, aprender implica
nas relações com diferentes sujeitos, com o desejo em saber, com conflitos, com a elaboração
de hipóteses e com a busca de estratégias para resolução de problemas.
A aprendizagem, como resultado das interações sociais e como processo social
contínuo, acontece pela construção do conhecimento através do trabalho cooperativo e pela
mediação do professor. O professor, mediador do processo de aprendizagem, coloca-se como
parte do processo, responsável por possibilitar as interações e levar os alunos à construção do
conhecimento.
O professor mediador
19
apresenta-se como pesquisador, provocador e diretor das
aprendizagens, capaz de captar os mecanismos de raciocínio presentes nas falas, conclusões,
teorias e representações dos sujeitos implicados no processo. O professor deve se colocar
como aprendente no processo, disponível e flexível para a organização e reorganização dos
espaços e tempos, bem como das ações e estratégias que envolvem o processo de construção
do conhecimento.
2.3.4. Supervisor(a) de estágio e aluno(a) estagiário(a): subjetividades e interação.
É determinante repensarmos a proposta de supervisão, na medida em que entendemos
que a construção do conhecimento acontece pela interação, pelo diálogo, objetivando a
formação de um homem histórico, crítico, criativo e transformador da realidade.
19
Vigotski entende as interações sociais entre professor e aluno e entre os alunos como condição necessária
para a produção do conhecimento, dessa forma, redimensiona a compreensão do papel do professor. Este assume
o papel “de mediador das interações entre os alunos e das crianças com os objetos de conhecimento. No
cotidiano escolar a intervenção ‘nas zonas de desenvolvimento proximal dos alunos é de responsabilidade do
professor [...] entre outras funções, de tornar acessível ao aluno o patrimônio cultural já formulado pelos homens
e, portanto, desafiar através do ensino os processos de aprendizagem e desenvolvimento infantil” (Rego, 1995
p.115).
54
Oliveira-Formosinho (2002, p.12) pontua que devem ser repensados o conceito, papel
e funções da supervisão de estágio, o que requer estudo e pesquisa. Para o autor,
A supervisão reconceptualizada desenvolve-se e reconstrói-se, coloca-se em
papel de apoio e não de inspeção, de escuta e não de definição prévia, de
colobaração activa em metas acordadas através de contratualização, de
movimento na acção educativa quotidiana (através de pesquisa cooperada), de
experimentação reflectida através da ação que procura responder ao problema
identificado.
Essa supervisão tem proximidade com a realidade, pois considera o contexto e está
centrada na interação entre o curso de formação e os campos de estágio. Possibilita a
resolução dos problemas identificados neste contexto, permitindo a ampliação do processo
desenvolvido, ancorada no desenvolvimento organizacional.
As interações são entendidas como condição necessária para as aprendizagens, também
no estágio. A epistemologia da prática é aprendida nas interações com as crianças, com as
supervisoras e também com o meio, com os diferentes contextos.
O desenvolvimento profissional da estagiária está vinculado às interações entre uma
estagiária ativa investigadora, um ambiente em permanente transformação em inter-relação
com outros diversos contextos. Sustentado na concepção do princípio sistêmico de Morin
(2003, p. 93) “que liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo” pode-se
considerar esses diferentes contextos como microssistemas que, inter-relacionados, constituem
o macrossistema.
Para realizar uma supervisão que considere o macrossistema e os microssistemas
implicados nas relações de aprendizagem do fazer docente, torna-se necessária a organização
de uma equipe de supervisão com referencial teórico comum com a proposta do curso. Essa
equipe deve atuar com conhecimento do macrossistema (aqui tomado como a universidade e
todas as relações que envolvem a prática de estágio), com o do microssistema (a escola, sala
de aula, a família), com organização de um planejamento, bem como com a proposta de
inclusão de um terceiro colaborador, a professora
20
da turma para a realização de um trabalho
cooperativo.
Nessa perspectiva, a função da supervisora, além de acompanhar o planejamento da
ação docente da estagiária, alcança intervenções no planejamento, nas aprendizagens e nas
20
A professora regente da turma em que está sendo realizado o estágio referiremos como supervisora local.
55
relações dos alunos, possíveis através da documentação pedagógica
21
realizada diariamente
pela estagiária, dando suporte teórico e provocando a reflexão sobre as ações propostas e
executadas.
Esse acompanhamento direto implica na responsabilidade de registrar as orientações e
observações feitas à estagiária, organizar um cronograma de acompanhamento; avaliar o
processo de realização do estágio bem como orientar e avaliar o processo de elaboração do
relatório.
Na relação supervisor e estagiário, o papel do supervisor é o de orientador, de
mediador da experiência do estagiário. O seu conhecimento sobre a prática educativa, bem
como seu conhecimento teórico outorgam-lhe um papel diferenciado. É seu dever orientar,
sugerir, exigir, intervir na prática da estagiária possibilitando a construção da docência em
toda a sua complexidade.
O papel do orientador que realmente orienta, que acompanha as dúvidas do
orientando, a que sempre junta mais dúvidas, é, de maneira aberta, amiga, ora
quietar, ora inquietar o orientando. Aquietar com respostas seguras, com
sugestão oportuna, com bibliografia necessária, que o levarão, contudo, a nova
inquietação. A quietude não pode ser um estado permanente. na relação
com a inquietude é que a quietude tem sentido (Freire, 2003, p. 215-216).
O processo de mediação é permeado pela subjetividade dos sujeitos envolvidos que
determina como estes participam das práticas sociais, como são reconhecidos pelos outros e se
reconhecem. A subjetividade se manifesta, se revela, se objetiva no sujeito. “É
permanentemente constituinte e constituída. Está na interface do psicológico e das relações”
(Molon, 2003, p. 119). Dessa forma, a relação entre supervisor e estagiário implica relações
de reconhecimento um do outro.
O estagiário, ao realizar o estudo da realidade
22
do campo de estágio, ao desenvolver,
planejar e avaliar situações de ensino-aprendizagem, ao elaborar e conduzir projetos
desenvolvendo estratégias pedagógicas tendo em vista o processo ensino-aprendizagem,
coloca em jogo o campo teórico e as relações construídas durante sua formação como objeto
21
Documentação pedagógica são os registros realizados sobre as ações das crianças e do trabalho pedagógico,
possibilitando a reflexão diária do trabalho docente. A discussão sobre esse instrumento de reflexão será
apresentada no capítulo 3 desta pesquisa.
22
O estudo da realidade é entendido como um diagnostico da realidade, mas que não fica na mera constatação do
revelado na realidade do campo de aplicação. Implica num estudo epistemológico, refletido que possibilita uma
intervenção fundamentada teoricamente e com mudanças significativas dessa realidade.
56
de reflexão. O reconhecimento desse conhecimento construído passa pela intervenção do
supervisor, que também é reconhecido pelo estagiário.
A supervisão de estágio se realiza pelas relações dialógicas, pelas interações exigindo
muito mais que um ou dois encontros para a revisão de planejamentos prévios e prescritivos. É
um trabalho de construção permanente, de reflexão e intervenção na realidade.
Essa concepção de supervisão requer um terceiro sujeito, o supervisor local. Este tem a
função de supervisionar e avaliar as atividades referentes ao estágio, intervindo, quando
necessário e registrando o acompanhamento.
A participação da supervisora local não éde observação das ações e do planejamento
da estagiária, o conhecimento que tem da turma e a experiência são aspectos que podem
contribuir com a organização do planejamento das aulas, bem como com a realização de um
trabalho cooperativo com a estagiária. A supervisora local é, também, o elo de comunicação
entre o campo de estágio e a instituição formadora.
Entendemos, dessa forma, que uma escola somente poderá candidatar-se a ser campo de
estágio se concordar com a proposta de estágio apresentada pela instituição do acadêmico que,
por sua vez, deverá colocar-se como professor investigador, reflexivo e crítico da ação
docente. Ao mesmo tempo em que possibilitar a ação do aluno-estagiário como professor
investigador, reflexivo e crítico, deverá garantir-lhe autonomia para que realize a práxis
educativa.
57
3. UM PERCURSO DE ESTÁGIO EM FORMAÇÃO DOCENTE: A PRÁXIS
EDUCATIVA
Pensar a práxis a partir de uma nova concepção de ensinar, aprender, de criança, de
professor, de currículo, de avaliação, de espaço, de tempo, não é algo novo. Os pedagogos, a
partir do final do século XIX aos dias atuais, propõem reflexões sobre essas concepções e
alternativas para uma práxis que, ao que parece, o pragmatismo da pedagogia tradicional não
permite extrapolar.
Neste capítulo, apresentamos uma proposta de organização da prática de estágio
pedagógica que possibilite uma ação pedagógica que responda às necessidades do momento
atual. Não temos a pretensão de acreditar que seja algo totalmente inovador ou a ambição de
que seja um modelo a ser seguido. O que queremos é apresentar uma prática alternativa que
revele a proposta do curso de formação com a implicação de todos os professores e disciplinas
do currículo no momento do estágio, possibilitando a reflexão sobre os conhecimentos
teóricos aprendidos, a relação destes com o fazer prático, bem como a reflexão da ação de
todos os sujeitos envolvidos nesse processo.
A persistência da práxis pedagógica inspirada num modelo de pedagogia tradicional, de
transmissão, seja diretiva ou não-diretiva (modelos pedagógicos
23
apresentados por Fernando
Becker), permanece, não por falta de estudos ou alternativas. Para Oliveira-Formosinho, a
persistência nos modelos tradicionais “deve-se à regulamentação burocrática da escola que o
autor anônimo do século XX”, para usar a expressão de João Formosinho e Joaquim Machado,
lentamente construiu (2007, p. 13).
23
Becker representa a relação ensino-aprendizagem a partir de três modelos pedagógicos e seus pressupostos
teóricos, são eles: a pedagogia diretiva sustentada pelo empirismo; a pedagogia não-diretiva fundamentada
epistemologicamente pelo apriorismo e a pedagogia relacional sustentada por uma epistemologia relacional e da
construção (Becker, 2001).
58
Uma nova postura pedagógica sustentada por estudos teóricos, que pensam de maneira
diferente o papel de cada participante envolvido no processo educativo, do modo instituído
pelo determinismo da pedagogia tradicional, implica, além de incorporar novos termos ao
vocabulário pedagógico, uma nova forma de agir no cotidiano escolar.
Pensando a construção de uma práxis de participação para a pedagogia da infância,
Oliveira-Formosinho divide em dois o modo de fazer pedagogia, o de transmissão e o de
participação.
A pedagogia da transmissão centrada nos conhecimentos (conteúdos) a serem
transmitidos e no “como fazer” delimita o tempo e o modo de transmissão e de aprender.
Considera o processo unidimensionalmente, negando sua complexidade. Um sistema
organizado na simplificação de fronteiras predeterminadas e no julgamento de valores obtidos
responde às necessidades dessa pedagogia.
Os objetivos e os conteúdos, nesse modo de fazer pedagogia, pressupõem a aquisição de
capacidades pré-acadêmicas, aceleração de aprendizagens, compensação de déficits e a
persistência. Para alcançar o proposto, aposta em métodos centrados no professor e na
transmissão do conhecimento, com vistas à avaliação do produto. A aprendizagem acontece
pela mudança de um comportamento observável, com relevo ao ensino que segue etapas que
obedecem à complexidade crescente, do simples para o complexo e do concreto para o
abstrato.
Essa perspectiva entende ainda que o aluno aprende pelo reforço externo, ao responder
aos estímulos do professor que se apresenta como motivador da aprendizagem. Evitar e
corrigir os erros são ações do aluno; enquanto ao professor cabe diagnosticar, estabelecer
objetivos e prescrever tarefas, bem como reforçar e avaliar o produto. As interações entre os
sujeitos, professor-aluno, aluno-aluno, aluno-meio, são quase nulas, os trabalhos são
individuais e, quando em grupo, não têm claros os objetivos que buscam.
A autora traz, na análise dos modos de pedagogia, a referência de autores que
propuseram alternativas de uma pedagogia de participação. Dentre eles, estão autores que
estudamos, como Malaguzzi
24
(Itália) e Paulo Freire, anteriormente citado, e para quem a
24
Loris Mallaguzzi professor italiano fundador do sistema municipal das escolas para a primeira infância da
Itália, considerado um dos melhores do mundo. A experiência e a trajetória dessas escolas estão descritas em
várias obras, mas poucas foram traduzidas para o português. Entre elas, encontramos As cem linguagens da
criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância (1999).
59
ruptura de práticas determinadas não implica apenas na constatação, mas determina “um
compromisso com a reconstrução e a esperança” (Oliveira-Formosinho, 2007, p. 13).
A pedagogia da participação considera o processo educativo na sua complexidade, na
multidimensionalidade que o constitui. Sendo assim, os sujeitos envolvidos no processo, sua
cultura, historicidade, suas relações com o mundo estão em interação dialógica entre a
intencionalidade e o projeto desses sujeitos.
A pedagogia da participação subentende interação entre saberes e prática, centrada nos
sujeitos vistos como co-construtores do processo de aprendizagem. A participação, nessa
visão, requer escuta, diálogo, negociação, tornando-se elemento complexo e determinante do
processo.
A participação envolve a subjetividade e a intersubjetividade características das
interações, pois não se trata de sujeitos isolados em um mundo privado ou de um diálogo
solitário. Dessa forma, tem na ambigüidade, nas diferenças e no imprevisto os
impulsionadores da reflexão sobre o fazer, como fazer e para que fazer.
Em uma pedagogia da participação, os objetivos buscam promover o desenvolvimento a
partir da estruturação de experiências com significado, construir as aprendizagens
desenvolvendo as diferentes áreas do conhecimento, a metacognição e a cultura. A
aprendizagem acontece pela construção ativa da realidade física e social, por meio da
investigação, da resolução de problemas, provocadoras do interesse do aluno. A manipulação
e observação de diferentes materiais permitem as aprendizagens pela descoberta que respeita
os períodos de desenvolvimento do aluno.
As atividades desenvolvidas pelo aluno incluem a investigação, a experimentação e a
confirmação de hipóteses anteriormente levantadas, questionamentos, planejamentos,
cooperação, organização de trabalhos. O professor, além planejar e avaliar o aluno, o processo
e a si mesmo, observa e escuta o aluno, organizando e mediando as aprendizagens. A
organização dos tempos e dos espaços é uma atividade cooperativa entre os sujeitos.
As relações em uma pedagogia participativa são determinantes e parte intrínseca do
processo seja ela entre professor-aluno, aluno-aluno, aluno-meio. Os trabalhos acontecem
individualmente, em pequenos ou grandes grupos de acordo com a necessidade imposta pelo
processo.
60
A proposta de uma nova práxis educativa implica, segundo Oliveira-Formosinho (2007),
em três tarefas centrais para um modo participativo de fazer pedagogia: construção de
contextos educativos que permitam a emergência das múltiplas possibilidades de construir o
conhecimento; definição do espaço de interação e escuta que permita a diferenciação
pedagógica e a escolha reflexiva de uma proposta pedagógica que contribua para a construção
do conhecimento desse modo de fazer.
A proposta do Plano de ensino do Estágio Supervisionado
25
compreende uma referência
teórica contemplada na concepção expressa na proposta pedagógica do curso. As metas a que
se propõe potencializam a concepção de processo investigativo e reflexivo que pode ser
traduzido em objetivos como: conhecer o projeto político-pedagógico nacional, estadual e
local da Educação Infantil/Anos Iniciais; ter clara a função social e profissional da área da
educação; exercer a docência em um grupo da Educação Infantil/Anos Iniciais; desenvolver a
atividade pedagógica numa perspectiva transdisciplinar, assinalando as várias possibilidades
do conhecimento e os seus significados conforme os diferentes contextos; aprofundar e
ampliar os conhecimentos pedagógicos, inserindo novas linguagens e tecnologias; desenvolver
a prática da pesquisa enquanto processo de investigação e construção, garantindo o contínuo
aperfeiçoamento da atividade pedagógica; mediar conflitos nas situações de aprendizagem;
desenvolver, planejar e avaliar situações de aprendizagens, ocupando a posição de diretor
dessas situações; elaborar e orientar o desenvolvimento de projetos didático-pedagógicos de
aprendizagens individuais e coletivos, entre outros.
A organização da proposta sugere a prática de estágio numa concepção de pesquisa. A
pesquisa aqui entendida como parte do processo de ensinar e aprender, ou seja, o professor
coloca o ato educativo como objeto de pesquisa e como princípio de aprendizagem. Num
processo de reflexão que implica o envolvimento de todos os sujeitos comprometidos nessa
ação: os professores formadores e o estagiário, os professores, alunos e demais educadores da
escola campo de estágio.
A prática de estágio numa dimensão pedagógica, envolvendo aluno, currículo, sala de
aula e todas as implicações; e na perspectiva de pesquisa, exige para sua concretização, um
25
Estágio Supervisionado é aqui referido como disciplina do currículo de curso de formação de professores.
61
tempo mínimo que permita ao estagiário acompanhar a construção de conhecimento do aluno
e, também ao supervisor/orientador de estágio acompanhar as construções de seus estagiários.
A construção de contextos educativos que permitam a organização de espaços que
abrem para múltiplas possibilidades de construção de conhecimento exige, num primeiro
momento, o estudo do campo de estágio e do meio que o cerca.
3.1 Análise teórico-prática do campo de estágio: a observação como investigação
A observação é procedimento básico na atividade de conhecer. Existem vários tipos de
observação e estes diferentes formatos proporcionam diferentes maneiras de conceber os
fenômenos observados.
Segundo Parente (2002), no paradigma positivista e do modelo científico, a observação
contempla uma definição clara e objetiva das categorias observáveis, permitindo a verificação,
o controle e a generalização dos resultados. As propostas de observação adotadas pelos cursos
de formação docente como atividade inicial do estágio e popularmente chamado de
“diagnóstico da turma”, seguiram essa lógica
26
.
Os fenômenos sociais e educacionais, por possuírem uma lógica diferente da lógica das
ciências exatas, “devem ser analisados de uma forma holística, a partir de diversas
perspectivas e tendo por base e por referência as crenças, os valores e as significações
atribuídos pelos próprios observados, a fim de tornar possível a compreensão desses mesmos
fenômenos” (Parente, 2002, p. 167).
Para atender aos objetivos da análise do campo de estágio, a observação não estruturada,
ou seja, a observação minuciosa de situações do contexto natural, não atrelada a instrumentos
de precisão, permite uma análise holística. Observação não estruturada, mas não aleatória,
com especificação das dimensões a serem observadas.
26
Vivenciamos essa prática, comum nos cursos de formação docente, primeiramente como aluna e, mais tarde,
como docente. nessa posição, apresentávamo-nos em condições de questionar esta e outras práticas que pouco
contribuíam com o trabalho docente, pois traziam dados quantitativos para constatações e não para análise,
reflexão e proposição de ações que contribuíssem para a transformação das ações do professor ou do meio em
que acontecia a intervenção pedagógica (1982 a 1989).
62
A observação do campo de estágio torna possível o estudo do contexto a partir dos
registros realizados, permitindo um conhecimento mais complexo dos problemas e das
possibilidades de trabalho ali existentes. A partir da valorização de determinados aspectos,
auxilia na construção de novas significações, mais elaboradas da realidade observada (Parente,
2002).
A observação do campo de estágio, na perspectiva mencionada, envolve não a
observação do cotidiano da escola, mas também a análise do Projeto Político-Pedagógico da
escola. O conhecimento desse documento e de como ele se efetiva através das observações do
cotidiano da escola possibilita que a estagiária estabeleça a relação entre os aspectos teóricos e
a realidade.
Para definir a ação da escola na perspectiva pedagógica e epistemológica, a observação
envolve vários aspectos: a situacionalidade histórica e geográfica; a estrutura organizacional
da escola, os cursos que oferece e horários; a organização curricular (situacionalidade
pedagógica na perspectiva disciplinar, interdisciplinar); os tempos e espaços (currículos,
planejamento: rotina, situações de aprendizagem, metodologia, recursos - naturais,
tecnológicos e humanos); os aspectos relacionais e educativos do contexto institucional
(aluno-aluno, professor-aluno, professor-direção, escola-comunidade) e, finalmente, a
apresentação da turma de alunos (número de alunos, meninos e meninas, idades, grupo ou
séries, profissionais com quem trabalham).
A situacionalidade histórica e geográfica do campo de estágio envolve conhecer o
histórico da escola, a origem do nome, o contexto político e social em que foi criada, bem
como o propósito da sua instalação naquele lugar. Esse conhecimento permite que a estagiária
compreenda a função da escola para aquela comunidade.
A comparação entre o passado e o presente da instituição oferece elementos para análise
da sua função na comunidade, da sua importância, não para o contexto no qual está
inserida, como também do seu papel no contexto educacional. Segundo Vigotski, a criança
incorpora as formas de comportamento humano a partir da sua inserção num contexto cultural,
da interação com os membros do grupo em que está inserida e da participação nas práticas
sociais historicamente constituídas (REGO, 1995).
63
Assim, a reflexão teórica acerca da função e do significado da escola, possibilita-nos
conhecer o contexto social no qual seus alunos estão inseridos e as interações desses com seu
grupo. A partir do conhecimento dessa história e do contexto social, será possível definir como
a escola pode investir para que as crianças enquanto sujeitos, redimensionem a forma de agir e
estar no mundo.
Importa também termos conhecimento sobre a oferta de cursos para a comunidade. A
partir disso, temos conhecimento da função da escola na comunidade, como está organizada
para atender a demanda desta comunidade e das políticas educacionais. Os cursos, as
modalidades de ensino e os horários em que são oferecidos, atendem as necessidades dos
alunos, que ali estão matriculados? A escola está organizada para esse fim? Que aspirações
têm esta escola?
Além disso, é preciso analisar se a organização curricular expressa no Projeto Político-
Pedagógico define a concepção da escola e sua função na comunidade; como organiza os
tempos, os espaços, a proposta metodológica, a avaliação; enfim como entende o processo
ensino aprendizagem.
A intencionalidade de um currículo integrado, interdisciplinar, que considere as
experiências do aluno esbarra, muitas vezes, na burocracia escolar criada por “autores
anônimos”. A organização disciplinar dos currículos estabelece uma compartimentação, não
das áreas do conhecimento, mas também das ações, das rotinas e no planejamento
pedagógico.
O desafio de relacionar o que está proposto no Projeto Político-Pedagógico e a realidade
perpassa romper a fragmentação do trabalho centrado nas pequenas partes, religando,
reconstituindo o todo em sua complexidade. O enfoque interdisciplinar depende dos princípios
organizadores do conhecimento numa proposta metodológica que considere a complexidade
da ação pedagógica (Martinazzo, 2005; Morin, 2003).
Na organização curricular estão implicados outros elementos como a organização dos
tempos e espaços, que precisam ser observados para compreender o papel que exercem no
processo de ensinar e aprender, nessa escola. Eles têm elementos organizadores desse
processo? Há uma relação de identidade, de pertencimento a esse espaço?
64
Construir um espaço de participação, provocador, que permita experiências múltiplas, o
desenvolvimento de distintas linguagens é um desafio que é imposto por vários modelos
pedagógicos. Pensar esse espaço e esses tempos na prática de estágio permite a intervenção no
cotidiano escolar não abrindo a possibilidade de discussão a respeito, mas também
oportunizando a sua reorganização.
Os espaços, como estão instituídos em várias escolas, são espaços com uma
organização que respondem a demanda de uma pedagogia de transmissão. Essa organização
abre possibilidades para o questionamento: como estão organizados esses espaços? Essa
organização coloca a criança para ouvir e/ou para participar? Os espaços de aprendizagens
limitam-se às salas de aula com classes individuais e alinhadas? As janelas são altas e
gradeadas ou abertas para o mundo?
Oliveira-Formosinho (2007) faz referência à indignação de Paulo Freire, frente ao
descaso na organização dos espaços nas salas de aula das escolas públicas de São Paulo,
realidade não daquele estado e tampouco das escolas públicas. Esse elemento
constituinte de aprendizagens ainda não tem recebido a devida atenção no planejamento
pedagógico.
A organização assim posta não permite a apropriação desse espaço pelo aluno bem
como a construção de uma identidade. Segundo Santos (2002), quando o homem se defronta
com um espaço desconhecido, no qual não teve participação na construção, não como
estabelecer relações, interagir, não há como construir aprendizagens, pois é um espaço estéril.
O espaço “não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de
experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a
indagação sobre o presente e o futuro” (Santos, 2000, p. 114). Permite, pois, a criação de uma
identidade e a apropriação pelos sujeitos envolvidos.
Entendendo as aprendizagens como processo de interação entre os sujeitos e o meio, a
partir de suas diferenças e da mediação do professor, os espaços devem ser organizados com
essa lógica. Essa concepção de espaço deve ser tomada num primeiro momento a partir de
uma imagem institucional compreendida como um espaço organizado, aberto às interações
com o mundo.
65
A escola deve abranger ambientes, espaços e cenários provocadores de aprendizagens,
de relações e do surgimento das diferenças. Para tanto, o espaço físico deve permitir
experiências de aprendizagens e desafios, tendo claro que este elemento isolado não se
constitui por si só, em uma escola.
Para que um edifício escolar seja uma escola, são necessárias diversas
condições. Uma escola é um contexto social constituído por atores que
partilham metas e memórias, por indivíduos e interdependência com o
contexto que constroem intencionalidade educativa (Oliveira-Formosinho,
2007, p. 23).
Está claro, pois, que a escola desenvolve atividades intencionais, faz histórias e se
constitui das relações de diferentes contextos. Esses contextos se constituem a partir de uma
totalidade, incluem aspectos de toda ordem, individual, do grupo, compreendidos nas
dimensões social, temporal, cultural. São fatores interdependentes que interferem nas
aprendizagens.
Assim, a primeira tarefa do educador é a de pensar o contexto educativo e
organizá-lo para que se torne um “segundo educador”. Ao educar, pedimos que
crie espaço de participação para as crianças, o que começa por criar um
contexto que participe. Em um contexto que participa, a estrutura, a
organização, os recursos e as interações são pensados para criar possibilidades
múltiplas a fim de que a escuta ativa da criança tenha reais conseqüências nos
resultados de aprendizagem. É por isso que, por exemplo, a manipulação do
número de alunos por turma não é, por si só, garantia da melhoria dos
resultados escolares (Oliveira-Formosinho, 2007, p. 26).
Isso significa que ao educador em formação é proposto o desafio de repensar os espaços
escolares bem como de criar espaços para as crianças, a partir de contextos planejados. Esses
contextos envolvem as crianças na organização, na seleção de recursos e através das interações
sociais criam-se possibilidades múltiplas tendo na escuta um princípio forte para a efetivação
das suas aprendizagens.
Junto com os espaços, a organização dos tempos é constitutiva nas aprendizagens.
Como mencionamos, os tempos, na pedagogia tradicional delimitam a realização de
atividades, das áreas do conhecimento, sem mencionar a qualificação docente. Nessa lógica, o
emprego do tempo regula ritmo, determina atividades e prioriza áreas do conhecimento, a
exemplo das “grades ou bases curriculares
27
”, que não permitem reorganizações,
estabelecendo detalhamento temporal minucioso (Palamidessi, 2005).
27
Nomenclatura empregada até 1996 quando foi alterada pela LDB 9394/96 não a nomenclatura, mas,
também proposta a ressignificação da organização dos tempos escolares.
66
Os tempos da escola devem se constituir em elementos organizadores, flexíveis para que
as atividades e suas implicações tenham sentido para as crianças. A organização dos tempos
deve contar com a participação dos alunos para que possam construir a própria organização e,
conseqüentemente, tornarem-se autônomos dentro e fora da escola.
Formas diferentes de organizar espaços e tempos na escola requerem o proposto
anteriormente, a reforma do pensamento, ou seja, rever as concepções, a forma de pensar cada
elemento constitutivo do processo de aprendizagem. Sendo assim, essa reorganização gera
novos movimentos que, se não forem significados, tornam-se apenas uma “nova roupagem”
para velhas práticas.
O planejamento, outro elemento deste complexo tecido, contempla a operacionalização
das aprendizagens. Visto como um processo complexo e dinâmico, deve considerar aspectos
sócio-históricos, metodológicos, políticos e interpessoais, calcados num currículo oficial
proposto pela escola e no currículo que emerge das diversas situações de aprendizagens.
Dessa forma, o planejamento, diferentemente de uma proposta tradicional que tem o
papel de organizador das atividades a serem realizadas no período de aula e de efetivação de
um currículo predeterminado, deve considerar dois sistemas: um ordinário e outro
extraordinário. A parte ordinária compreende as atividades cíclicas, planejadas pelos
professores; a parte extraordinária contempla as situações não rotineiras também presentes
no contexto das aprendizagens, sempre interligando os campos do conhecimento.
O planejamento, assim organizado, está conectado às relações entre professores, alunos
e a rede social, com o objetivo de permitir-lhes que façam escolhas, comuniquem-nas e
reflitam sobre elas. Envolve trabalho em equipe, participação, ambiente e atividades.
As estratégias metodológicas e os recursos utilizados também são objetos de análise,
pois a opção por eles remete a questões anteriormente discutidas. Refletem como é
compreendido e organizado o processo ensino-aprendizagem. Como trabalha a professora?
Com seqüência de atividades? Com projetos? Com situações de atividades? Com livro
didático? Qual a compreensão da função de cada uma dessas propostas? Trabalham a
memorização ou a construção de conceitos? Essas questões são analisadas a partir da reflexão
teórica mediada pelo professor.
67
Os aspectos relacionais e educativos do contexto institucional são fatores determinantes
das aprendizagens, portanto objetos de observação e reflexão. A autonomia, o respeito e a
humanidade
28
são construídos nas relações e, portanto, possíveis do ato educativo. As relações
que acontecem entre os sujeitos na escola (aluno-aluno, professor-aluno, professor-direção,
escola-comunidade) requerem diálogo, intervenções numa perspectiva ética.
A autonomia é construída “enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a
ser. [...] É nesse sentido que a pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da
liberdade” (Freire, 1999b, p. 121). É construída nas relações, promove a humanização,
fundada no respeito ao outro, às diferenças, ao que é do outro, ao que é seu. As relações
constroem, educam quando diálogo, quando um não anula a capacidade de pensar
criticamente do outro.
À estagiária cabe observar como acontecem essas relações: quem fala, quem ouve?
Quem decide? Quem escolhe? intervenção? De que ordem? Qual o lugar que cada sujeito
ocupa nessas relações?
A prática pedagógica de estágio é proposta em uma turma que está inserida no contexto
escolar analisado e precisa ser destacado neste cenário. Torna-se importante, então, conhecer
a rotina do grupo, quantas crianças fazem parte desse grupo, idade, os profissionais com que
trabalham diretamente, envolvem-se diretamente, bem como as especificidades de cada
criança.
O estudo da realidade do campo de estágio, partindo do Projeto Político-Pedagógico da
escola e envolvendo a observação do cotidiano escolar, possibilita à estagiária coletar
informações e estabelecer importantes relações. Dentre elas, relacionar o campo teórico
estudado com a realidade escolar; compreender como a escola dialoga com essas relações no
cotidiano escolar; como acontece o processo ensino-aprendizagem, além de lhe permitir
ressignificar seu campo teórico a partir da realidade.
28
Humanidade, na perspectiva freireana, pode ser entendida como a possibilidade constituir-se homem,
histórico, como sujeito pensante através do seu desenvolvimento integral e das transformações (Freire, 1992).
68
A organização de um roteiro
29
orientador para a realização dessas observações contribui
para que a estagiária organize seus registros e estabeleça eixos para a teorização e reflexão
sobre a realidade estudada e, posteriormente organize o planejamento das ações didático-
pedagógicas.
A proposta de um roteiro para a observação da realidade deve proporcionar elementos
que possibilitem o estudo de cada um dos itens anteriormente mencionados. A proposta
apresentada a seguir foi organizada considerando os elementos anteriormente apontados e
com base na estrutura de um instrumento de investigação comentado por Oliveira-
Formosinho (2002).
I - Ambiente físico
1. A sala de aula – é adequada para o número de alunos, bem iluminada e arejada?
2. O mobiliário da sala é adequado às crianças que fazem uso dele, permite a organização
para trabalho individual ou em grupo.?
3. A sala é organizada em áreas (“cantinho” da leitura, pesquisa, ...)?
4. Como estão dispostos os mobiliários na sala de aula?
5. Existem outros espaços de trabalho pedagógico (ateliê, biblioteca, área livre,
brinquedoteca, sala de vídeo, cozinha pedagógica...)?
6. A sala é segura e bem conservada?
7. Os espaços externos são planejados e seguros?
8. Os materiais são sistematicamente ordenados, etiquetados, de fácil acesso às crianças?
9. Há materiais suficientes para o trabalho individual ou coletivo?
10. Há objetos, materiais para exploração das múltiplas linguagens/sentidos?
11. Existem materiais/equipamentos nos quais as crianças podem exercitar e explorar os
movimentos, a motricidade, as habilidades físicas?
12. A variedade de materiais desenvolve a consciência das diferenças entre as pessoas e as
suas experiências?
13. A variedade de materiais às crianças oportunidades de trabalho em nível da
linguagem, da representação, da classificação e seriação, da numeração da
29
O roteiro tem a função de levantar dados a serem considerados no estudo do campo de estágio, nas relações
com a teoria e no planejamento, não tem caráter fechado ou acabado, ao contrário pode e deve ser alterado como
e quando o contexto exigir.
69
movimentação, da noção de espaço, da noção de tempo, do desenvolvimento sócio-
emocional?
14. Como estão organizados os outros espaços da escola?
15. A que outros espaços as crianças têm acesso?
II. Rotina diária
16. As professoras implementam uma rotina
30
diária planejada?
17. A rotina diária inclui tempo adequado para planejar, trabalhar e rever junto com as
crianças?
18. As professoras utilizam diferentes estratégias de planejamento atendendo as
necessidades individuais das crianças e que as ajudam a concretizar os seus planos?
19. As professoras utilizam estratégias de revisão individualmente e com pequenos grupos
de crianças?
20. A rotina diária proporciona um equilíbrio entre atividades em grandes e pequenos
grupos e individualmente?
21. Durante os períodos de trabalho, as crianças têm oportunidade de sugerir, iniciar e
concretizar s suas próprias idéias?
22. As situações de aprendizagens possibilitam a investigação, a pesquisa e a
experimentação?
23. Que profissionais trabalham com a turma (professora regente, professora de Educação
Física, professora de informática, bibliotecária e outros profissionais), com
freqüência?
24. A organização do trabalho é interdisciplinar ou os tempos são pré-determinados para
cada área do conhecimento?
III - Relação professor-aluno
30
O termo “rotina” é usado para designar a organização estrutural das experiências cotidianas. Ela esclarece a
organização da aula e permite o domínio do processo desenvolvendo a autonomia e a auto-organização das
crianças. Além disso, permite analisar o conteúdo dessa rotina, avaliando e revisando a qualquer momento
(Zabalza, 1998). O termo “rotina” é amplamente empregado na Educação Infantil e compreendido, muitas vezes,
como a repetição de atividades esvaziadas de sentido. Resgatamos o termo para inseri-lo como parte do
planejamento com o objetivo de comunicar aos sujeitos envolvidos no processo (alunos, professores e outras
pessoas que possam eventualmente inserir-se nele), a organização do trabalho pedagógico a ser desenvolvido,
educando para a autonomia e auto-organização, não as crianças da Educação Infantil, mas também as do
Ensino Fundamental.
70
25. As professoras utilizam estratégias de observação, de questionamento, de repetição e
de exploração na sua comunicação com as crianças?
26. As professoras participam ativamente nas situações de aprendizagem das crianças?
27. As professoras mantêm um equilíbrio entre a fala do adulto e a fala da criança, falam
num tom de voz natural e ouvem atentamente as crianças?
28. As professoras possibilitam jogos com a linguagem oral e escrita, matemáticos, além
de jogos que contemplem outras áreas?
29. As crianças são encorajadas a resolver os problemas e a agir com autonomia?
30. As professoras proporcionam atividades de interação e cooperação entre as crianças?
31. As professoras realizam intervenções nas situações de conflito e encaminham para que
a resolução seja dada, com autonomia, pelos envolvidos?
32. As professoras mantêm a atenção no grupo todo?
33. Que outras situações são organizadas para que as crianças se relacionem com outros
professores ou adultos da escola?
34. Como é realizado o acompanhamento pedagógico do trabalho do aluno e do
professor?
IV – Relação professor-professor, professor-direção-família
35. Como é organizado o trabalho na escola?
36. Qual a participação dos professores na organização e planejamento dos espaços e na
elaboração dos planos da escola (Projeto Político-Pedagógico, planos de curso, etc.)?
37. Quando existe mais de um professor na sala, é realizado um trabalho em equipe?
Como os diferentes adultos dividem as responsabilidades na implementação do
currículo?
38. Que conhecimentos os professores têm sobre a comunidade escolar?
39. Como se dá a relação do professor com a família?
40. Como acontece a participação dos pais?
41. Como são as relações entre os professores?
42. Como são as relações dos professores com a direção?
43. O pessoal docente está envolvido na formação contínua em serviço?
71
Esse roteiro tem o objetivo de auxiliar a estagiária na análise do campo de estágio,
instrumentalizando-a a fim de que conheça as peculiaridades da escola e da turma em que vai
atuar. A partir desses questionamentos, temos a possibilidade de tornar visíveis aspectos
importantes para a organização do planejamento, para a documentação e a reflexão da sua
prática.
Todavia, esse estudo envolve não só o registro dessas informações e dados, mas também
a reflexão a partir do diálogo com os pressupostos teóricos propostos na organização do
estágio, ou seja, os dados levantados serão refletidos teoricamente para que cumpram com sua
finalidade de suporte para a organização e efetivação de um planejamento gerador de
mudanças. Diante desse propósito, deve ser revisto e reorganizado ao final de cada prática,
para que seja significativo.
3.2 Planejamento e intervenção pedagógica
O segundo momento da prática de estágio, o planejamento e as intervenções
pedagógicas, está sustentado no estudo da realidade.
O planejamento, na medida em que é tomado como meio para viabilizar a construção do
conhecimento, considerando o contexto social e o processo pedagógico como construtor de
sujeitos com autonomia de redimensionar a forma de agir e estar no mundo, necessita ser
revisto, reconsiderado e redirecionado.
Na grande maioria das práticas docentes atuais, o planejamento a médio e longo prazo
tem-se reduzido à produção de documentos entregues à supervisão da escola. Esses
documentos carregados de objetivos, conteúdos e estratégias, registram os conhecimentos que
oficialmente são trabalhados e representam o conhecimento científico aos quais os alunos
devem ter acesso, função atribuída à escola.
O que ocorre com o planejamento diário segue a mesma lógica. Apresentam-se
seqüências de atividades relacionadas a diferentes áreas do conhecimento que possibilitam a
memorização de conceitos e fatos elencados nos currículos.
72
O planejamento, numa proposta de construção, deve ser elaborado e reelaborado
permanentemente. Além disso, precisa ser vivenciado no cotidiano como prática social
docente, como um processo de reflexão, de organização e de articulação entre a ação docente
e o contexto social.
Nessa perspectiva, a intervenção pedagógica, “concebida como uma ajuda ao processo
de construção do estudante; uma intervenção que cria zonas de desenvolvimento proximal
(Vygotsky, 1979) e que ajuda os alunos e as alunas a percorrê-las” (Zabala, 2002, p. 103), é
parte constitutiva do processo de ensino e aprendizagem da disciplina de estágio, assim como
o é da relação professor-aluno em sala de aula. Pois, como discutimos anteriormente,
intervém não nas capacidades cognitivas, mas também, no equilíbrio pessoal, de relação
interpessoal e inserção social.
As propostas metodológicas devem ser exploradas no contexto das aprendizagens,
partindo do interesse e curiosidade de educadores e crianças. Devem ser desenvolvidas
interdisciplinarmente, na pesquisa, nas interações e na comunicação em diferentes linguagens,
contemplando tanto as situações ordinárias quanto as extraordinárias do processo de ensino-
aprendizagem.
Os projetos (em várias abordagens como as desenvolvidas no Brasil, em Portugal, na
Itália, na Espanha), assim como as situações de aprendizagens, constituem-se na metodologia
que contempla ações autônomas, criadoras, investigativas, voltadas à construção de conceitos,
numa perspectiva interdisciplinar.
Situações de aprendizagens são apresentadas por Junqueira Filho (2005), em sua
proposta de trabalho para Educação infantil, com o objetivo de questionar o ativismo realizado
nas salas de aula pelas inúmeras atividades
31
oferecidas às crianças. Essas atividades são
desenvolvidas com o objetivo de “ocupar o tempo da criança” na escola, pois carecem do
acompanhamento e da intervenção intencional do professor. Essa prática observada nas salas
de aula de Educação Infantil repete-se também nos espaços do Ensino Fundamental.
Segundo Junqueira Filho (2005), a situação de aprendizagem é o instrumento, a
circunstância, a oportunidade prática que a professora elabora para colocar seus alunos em
31
Atividade, nesse contexto, é entendida como uma ação proposta sem objetivos claros e sem acompanhamento
do professor, ou seja, uma tarefa executada por todos da mesma maneira, mantendo uma lógica de todas as
crianças pensam igual, sentem, e reagem igualmente diante de uma provocação.
73
interação com objetos de conhecimento. Essas situações são propostas pela professora porque,
por um lado, considera-as importantes às crianças e por outro, possibilita-lhe conhecer as
crianças, por meio de suas interações com o objeto e por suas produções em diferentes
linguagens.
Quando, intencionalmente, a professora coloca o aluno frente a um objeto de
conhecimento, estabelece-se uma situação de aprendizagem: dois sujeitos (as crianças e a
professora) numa relação em que a criança aprende o objeto de conhecimento com o qual está
interagindo e a professora aprende a criança pela interação da criança com o objeto. Nessa
relação, os dois sujeitos são aprendentes: na mediação, nas ações e interações das crianças, a
professora aprende essa criança, ou seja, no acompanhamento e nas intervenções que realiza
junto a ela; a criança, por sua vez, aprende o objeto do conhecimento e também a professora.
(Junqueira Filho, 2005).
As situações de aprendizagens envolvem diferentes áreas do conhecimento porque
implicam estabelecer relações, promovem a investigação, curiosidade. Nessa perspectiva, as
mais simples situações do cotidiano tornam-se aprendizagens, como, por exemplo, um jogo de
amarelinha, a observação de um caracol no gramado, a leitura de uma história, entre outras.
Quando a situação não instiga o questionamento, a curiosidade, a investigação, não
aprendizagem, o aluno pode estar em ação, mas é um fazer por fazer.
Os projetos são vistos como abordagens metodológicas que possibilitam a aproximação
da ação pedagógica com o contexto social, tornando a realidade objeto de aprendizagem. São
práticas situadas no sujeito, na construção do conhecimento, de conceitos que permitem
questionamentos, dúvidas e certezas, a investigação, a autonomia. Por assim apresentarem-se,
numa prática que tem como concepção de aprendizagem a construção do conhecimento,
resultado de interações sociais e de um trabalho cooperativo, os projetos tornam-se opções
profícuas como proposta metodológica.
Nessa perspectiva, o planejamento assume fundamental importância, organizando e
propondo ações a longo, médio e curto prazo, com a responsabilidade de definir e redefinir as
ações que contemplem o que oficialmente está estabelecido assim como o currículo que
emerge do interesse e das necessidades dos sujeitos envolvidos.
74
Podemos, então, compreender o planejamento não como algo dinâmico, mas,
principalmente como uma possibilidade para pensarmos indagações, questionamentos a serem
feitos com os alunos. Para tanto, não podemos pensar num roteiro
32
construído, acabado,
aprovado pela supervisora; mas como algo a ser elaborado e reelaborado cotidianamente, nas
interações e nas conquistas ou nas problematizações surgidas na sala de aula e no entorno
social.
Assim como o estudo da realidade, o planejamento e seu desenvolvimento exigem
reflexão, o movimento dialético entre teoria e prática que possibilita o diálogo entre as
produções e os pressupostos teóricos orientadores da prática. Isso se torna concreto através do
dos registros das experiências vividas, que encaminham para a proposta da documentação
pedagógica.
3.3 Documentação pedagógica e avaliação
A construção do conhecimento é vista como um processo que acontece a partir das
relações e do contexto social e cultural e, como tal, implica em constantes mudanças. Sendo
assim, a avaliação também acontece em outro grau de complexidade.
A avaliação é vista como processo e, por isso, envolve todos os sujeitos e ações do ato
educativo, que é constituído pelo ato de ensinar e aprender, o qual visa à aquisição e à
ampliação do conhecimento.
A construção de uma prática alternativa requer a transgressão dos limites impostos pela
forma tradicional de ver a avaliação da instituição, do aluno, do professor. Essa perspectiva
abrange toda a ação educativa: do planejamento à execução, do professor ao aluno, da escola
à comunidade. Não admite a avaliação pela quantificação ou mensuração ou, ainda a análise
isolada de um dos elementos do processo e o registro desses resultados.
Nessa perspectiva, os registros devem comunicar muito mais do que números ou
conceitos a partir de critérios pré-estabelecidos. Deve ser um instrumento de reflexão da
32
A referência a um roteiro construído e acabado condena o que por muito tempo vem sendo praticado nos
estágios, ou seja, os estagiários recebem a orientação para o planejamento diário com uma estrutura a ser seguida
que prioriza a quantidade e não a qualidade das ações propostas. Essa, desconsidera os movimentos realizados
pelos alunos e professores em sala de aula e que são determinantes para o planejamento da aula do dia seguinte.
75
prática pedagógica e com isso possibilitar a construção de uma prática reflexiva e
democrática.
Essa ação sobre a prática exige um professor reflexivo, investigador, que abra espaços
de discussão sobre ela e as condições em que acontece. Para isso, torna-se necessária a
observação dessa ação, a comunicação das situações vivenciadas e a interação, o que resulta
na elaboração de uma documentação pedagógica.
A documentação pedagógica é uma proposta que envolve a pesquisa e o confronto,
exige que cada um se coloque como sujeito no processo, responsabilizando-se por ele.
Documentar implica compartilhar experiências, aprendizagens, criar, recriar, dar voz às
crianças e aos adultos. “Ela tem papel fundamental no discurso da construção de significado.
[...] a documentação pedagógica nos permite assumir a responsabilidade pela construção de
nossos significados e chegar às nossas próprias decisões sobre o que está acontecendo”
(Dahlberg, 2003, p. 191).
Entendemos a documentação como uma ferramenta indispensável para os educadores,
numa perspectiva de construção do conhecimento, para que possam construir experiências
com as crianças e promover o crescimento profissional bem como a comunicação entre os
adultos. Ela é uma construção social.
Conseqüentemente, quando documentamos, somos co-construtores das vidas
das crianças e incorporamos nossos pensamentos implícitos do que
consideramos serem ações valiosas em uma prática pedagógica. A
documentação nos diz algo sobre como construímos a criança, assim como
nós mesmos como pedagogos. Por isso, nos permite enxergar como nós
mesmos entendemos e “interpretamos” o que está acontecendo na prática;
partindo daí, é mais fácil perceber que as nossas próprias descrições como
pedagogos são descrições construídas. Por isso, elas se tornam passíveis de
pesquisa e abertas à discussão e à mudança o que significa que, através da
documentação, podemos perceber como nos relacionamos com a criança de
outra maneira. Sob esta perspectiva, a documentação pode ser vista como uma
narrativa de auto-reflexividade uma auto-reflexividade a partir da qual a
autodefinição é construída. A consciência de que não estamos representando a
realidade, de que fazemos escolhas em relação a discursos dominantes
inscritos, facilita analisar criticamente o caráter construído da nossa
documentação e encontrar métodos que se contraponham e resistam aos
regimes dominantes (Dahlberg, 2003, p. 193).
A Documentação Pedagógica, como parte do planejamento, permite a reflexão, a
comunicação e a avaliação da ação docente e dos processos de construção do conhecimento
implicados no contexto. Documentar é registrar o que e como se dão as diferentes construções
76
e interações dos sujeitos no processo de ensino-aprendizagem. Permite refletir e reinterpretar
o processo, perguntando como a criança aprende, como o próprio professor organiza o seu
fazer pedagógico, que tipo de instrumentos foram utilizados, o que o ambiente ofereceu e
como tudo isso pode ser repensado e replanejado.
A documentação não é considerada aqui como mera coleta de dados realizada
de maneira distante, objetiva e descompromissada. Pelo contrário, ela é vista
como uma observação aguçada e uma escuta atenta, registrada através de uma
variedade de formas pelos educadores que estão contribuindo conscientemente
com sua perspectiva pessoal (Gandini & Edwards, 2002, p.151).
Também é necessário pontuarmos que, ao fazermos uso da expressão “documentação
pedagógica” partilhamos as idéias de Dahlberg (2003) quando afirma que a documentação se
refere a dois temas: a um processo e a um conteúdo desse processo.
A documentação pedagógica como conteúdo refere-se ao material com os quais se
realizam os registros sobre a ação das crianças e das professoras, ou seja, o que as crianças
fazem, como interagem e se relacionam com os colegas, com o ambiente e com os
professores. Estes podem ser produzidos por meio de anotações manuscritas, gravações em
áudio, a partir de fotografias, filmagens, e relatos de falas e situações do dia-a-dia.
Esse material pode ser apresentado à comunidade como forma de tornar o trabalho
pedagógico concreto ao aluno e à comunidade. Isso pode ser efetivado a partir de painéis,
livros, cadernos, cartas, panfletos, portfólios e outros tipos de materiais.
A documentação pedagógica como processo, envolve o uso desse material “como um
meio para refletir sobre o trabalho pedagógico e fazê-lo de uma maneira muito rigorosa,
metódica e democrática” (Dahlberg, 2003, p. 194). Essa reflexão permitirá ao professor
reorganizar o seu trabalho, pensando a individualidade de cada aluno (como aprendem, como
se relacionam com os outros, com o meio e com o mundo), repensando os espaços de
aprendizagem (sala de aula, pátio e outros espaços disponíveis e possíveis de aprendizagens),
reorganizando os tempos das ações e das crianças, entre outros aspectos.
Retomamos, dessa forma, que o enfoque da documentação é a aprendizagem das
crianças, a tentativa de entender o que está acontecendo no trabalho pedagógico, o que a
criança é capaz de fazer sem a preocupação de classificá-la em relação a um esquema ou em
níveis e estágios de desenvolvimento.
77
Dessa forma, a documentação pedagógica possibilita ao
pedagogo perceber suas subjetividades e práticas como sendo socialmente
construídas, abrindo, dessa forma, uma oportunidade para romper os discursos
dominantes, pois pode ampliar o nosso entendimento de quem somos hoje e
como nos construímos para ser dessa maneira, assim como as condições e os
riscos das nossas ações (Gore, 1993). Isso significa assumir o controle sobre o
próprio pensamento e sobre a própria prática, seja como criança, seja como
pedagogo em outras palavras, ser menos governado pelo poder disciplinar
(Dahlberg, 2003, p. 200).
Com ênfase na aprendizagem e considerando a complexidade que envolve o ato de
documentar, é imprescindível considerarmos a escuta como um dos princípios mais
importantes desse processo. Ela permite ao professor a análise das aprendizagens da criança
individualmente e em suas relações, no contexto que a cerca - escolar, familiar e social o
que requer do professor um conhecimento teórico e prático do contexto que se criou.
Oliveira-Formosinho descreve a escuta como
um processo de ouvir a criança sobre a sua colaboração no processo de co-
construção do conhecimento, isto é, sobre a sua colaboração na co-definição
da sua jornada de aprendizagem. Para além da discussão sobre os formatos de
documentação da escuta, é importante aceder à compreensão holística e
integrada da escuta. A escuta, tal como a observação, deve ser um processo
contínuo no cotidiano educativo, um processo de procura de conhecimento
sobre as crianças (aprendentes), seus interesses, suas motivações, suas
relações, seus saberes, suas intenções, seus desejos, seus modos de vida,
realizado no contexto da comunidade educacional, que procura uma ética de
reciprocidade. Assim, a escuta e a observação devem ser um porto seguro para
contextualizar a ação educativa (2007, p. 28).
A escuta torna-se, perspectiva, elemento constituinte da documentação pedagógica
por possibilitar, a partir da linguagem, compreender as relações, os interesses e as
significações que a criança atribui a suas ações.
A documentação pedagógica como avaliação do estágio é proposta sob dois aspectos.
O primeiro, como elemento de reflexão da ação pedagógica que permite ao professor/
estagiário compreender o processo de aprendizagem das crianças e reorganizá-lo conforme a
necessidade que os movimentos dessa prática exigirem. Portanto, um elemento imprescindível
à prática diária de planejamento e ação do professor.
78
No segundo aspecto, a documentação pedagógica proposta como registro da prática
pedagógica realizada no período de estágio, rompe com o tradicional modelo de relatório que,
na maioria dos casos acaba por se constituir em um relato dos fatos ocorridos no estágio. A
documentação pedagógica proporciona a esse documento um caráter reflexivo da práxis
docente.
Propomos a estruturação do relatório em duas partes. A primeira parte constitui-se da
análise teórico-prática do campo de estágio que consiste no estudo da realidade da escola de
estágio. A segunda parte, da documentação pedagógica que abrange o registro das
experiências vividas na ação pedagógica refletida teoricamente a partir dos autores que
fundamentaram os pressupostos teóricos do curso de formação.
Como a documentação pode ser reexaminada, funciona como uma possibilidade de
rever, reinterpretar e reconstruir a partir do que foi realizado anteriormente. Isso permite a
formação de um professor com perfil ativo, “capaz de construir e utilizar experiências bem
estabelecidas e, simultaneamente, tomar parte na construção de novas teorias relacionadas à
aprendizagem e à construção de conhecimento das crianças” (Dahlberg, 2003, p. 201).
A organização do relatório nessa forma permite ao leitor uma visão ampla do processo
ocorrido, pois ao mesmo tempo em que informa sobre a realidade do campo de estágio e das
ações pedagógicas propostas, evidencia os pressupostos teóricos que encaminharam essas
ações bem como a trajetória percorrida pela estagiária na construção de epistemologia da sua
prática. Ao supervisor de estágio que simplesmente media as aprendizagens da estagiária é
permitido avaliar com clareza o processo de construção da prática docente, as relações
teóricas e reflexões e os reencaminhamentos propostos.
Para ilustrar essa proposta, transcrevemos fragmentos de uma documentação
pedagógica realizada pela professora Ângela Rafaela Tonetto Heide, da série do Ensino
Fundamental, do Colégio Cencista Sepé Tiaraju e aluna do Curso de Pedagogia da instituição
de ensino superior, onde essa pesquisadora atualmente exerce a função de supervisora de
estágio. A documentação não sofreu, ainda, intervenção da supervisora ou dos colegas
(professores do grupo dos Anos Iniciais).
79
Os fragmentos da documentação transcritos referem-se a uma situação de
aprendizagem proposta com o objetivo de contemplar um conteúdo previsto no plano de
estudos da série.
Dentre os conhecimentos de Ciências que teriam que ser trabalhados no volume 2 do
sistema de Ensino CNEC, estava o estudo dos vegetais e animais. Para introduzir este
assunto, a professora programa com a turma a construção de um terrário, com o objetivo de
ter um contexto prático e concreto em sala de aula, que pudesse ser objeto de pesquisa.
Programou-se com o grupo que os alunos trariam pequenos animais e plantas e a professora
traria a terra para o terrário.
Essa proposta foi feita com o objetivo de instaurar nos alunos uma necessidade que,
segundo Garnier (2003, p.13), “realiza-se somente através de um objeto que lhe é adequado,
numa relação ou motivo que permite a entrada em cena da estrutura da atividade”. Para que
essa necessidade seja alcançada e sanada, é necessária a execução de diferentes ações pelo
sujeito. Ou seja, o sujeito precisa ter um objetivo a ser alcançado, sendo que este objetivo
“precisa concordar com o motivo geral da atividade da qual ele depende, mas é a situação
concreta, isto é, as condições nas quais se desenvolve essa atividade, que determinará, por
fim, através de quais estruturas de operações será realizada essa ação” (Garnier, 2003, p.
13).
Deve-se ter claro que o professor, ao instaurar no grupo essa necessidade, está
levando as crianças a dar forma ao modo teórico com o qual um problema ou situação deve
ser resolvido em uma situação de aprendizagem. Sendo assim, o aluno irá aprender a
aprender. A criança tem um problema, que surge de uma necessidade e, a partir de situações
que serão propostas, passará a construir o conhecimento, por meio de relações, interações e
mediações.
O fragmento desvela os caminhos seguidos pela professora para introduzir um
conhecimento previsto no currículo e a discussão teórica que sustenta as escolhas didáticas
feitas, conduzindo a reflexão sobre como surge o interesse e, portanto, como encaminha a
proposta de estudo. A partir do registro o supervisor o professor toma conhecimento de como
o planejamento está sendo executado e pode intervir no ato.
80
Para o processo de construção do terrário, estendeu-se um lençol no chão da sala e
todos se organizaram ao seu redor. Seguindo as orientações do livro de Ciências que era lido
pela Eduarda, a Geisa, a Marina e a Bárbara colocaram no fundo do grande aquário, pedras
britas que haviam sido recolhidas pelo Lucas, Luis e Mateus Ribeiro no pátio da escola.
Matheus Eduardo: Poderiam ser abertos uns valos no chão para as minhocas se
enterrarem, pois é lá que elas vivem.
Geisa: De onde você tirou essa terra, profe?
Professora: Retirei do mato, na casa de minha mãe.
Alexandre: A terra do mato é bem mais forte e fofinha.
Bárbara: Como é que vamos plantar as plantas?
Erik: É só abrir um buraquinho no chão e colocar a plantinha.
Marjori: Tem que tapar em cima do terrário senão os bichos vão fugir.
Mateus Ribeiro: E como eles vão respirar?
Marina: É só fazer furinhos no plástico daí as plantas e os animais vão respirar.
A Veronnike dispõe suas plantas no terrário, o Matheus Eduardo e a Rafaela colocam
os animais trazidos. A professora coloca sobre o terrário um filme plástico e a Marina faz
furos com a ponta do lápis.
Segundo Rosito (apud Moraes, 2003), as atividades práticas desempenham papel
fundamental, pois possibilitam aos alunos uma aproximação do trabalho científico e uma
melhor compressão dos processos de ação das ciências. Além disso, possibilitam uma maior
interação entre professor, aluno e o conhecimento. As atividades práticas situam-se como
situações de uso da investigação científica.
(...) um verdadeiro experimento é aquele que permite ao aluno decidir como
proceder nas investigações, que variáveis manipular, que medidas realizar,
como analisar e explorar os dados obtidos e como organizar seus relatórios.
Portanto, um experimento constitui-se numa atividade prática em que o aluno
é orientado a investigar um problema. As atividades experimentais pelo
81
professor devem possibilitar aos alunos melhor compreensão do processo de
ação das ciências (p.204).
A seqüência do registro descreve as ações realizadas bem como registra as falas das
crianças durante a montagem do terrário teorizando sobre a importância das atividades
práticas nas construções de conceitos e nas relações entre o aluno, o professor e os
conhecimentos. Buscar em referenciais teóricos a sustentação das ações didáticas propostas,
possibilita ao professor novas relações e encaminhamentos à prática.
Outro aspecto que poderia ter sido registrado com maiores detalhes e refletido
teoricamente, diz respeito ao planejamento do terrário e a distribuição das tarefas entre as
crianças. A professora poderia ter documentado como foi planejada a montagem do terrário,
como foi organizada a listagem do material, onde e como conseguir esse material, qual a
participação das crianças nesse planejamento. É ao supervisor que cabe essa intervenção,
questionando, sugerindo e indicando bibliografia para que aconteça a reflexão da prática
realizada.
Ao realizar diariamente o registro, o professor tem a possibilidade de analisar como se
desenvolveram as atividades, que relações permearam as decisões e questões dos alunos que
apontam seus conhecimentos anteriores e as novas construções. Oportuniza ao professor, a
partir do diálogo teórico avaliar suas escolhas metodológicas, suas intervenções junto aos
alunos e, por que não dizer dos seus conhecimentos sobre os conteúdos que está ensinando,
como podemos ver a seguir.
Seguindo a atividade prática, veio o registro, feito pelas crianças através da
descrição de todo o processo e da ilustração do processo final. Passou-se para a leitura de
um texto informativo do livro de ciências que discutia sobre os vegetais terrestres e
aquáticos. Logo as crianças identificam as plantas do terrário como terrestres.
Marjori: na minha casa tem plantas aquáticas. São “patinhos” e eles vivem na
água.
Professora: Será que plantas terrestres desenvolvem-se na água?
Erik: Não, por que ela é terrestre e terrestre é por que é da terra.
82
Professora: E as plantas aquáticas desenvolvem-se na terra?
Veronnike: Não, por que as raízes delas ficam dentro da água. Lá na minha cada tem.
Professora: Que parte da plantas terrestre fica pára baixo da terra?
Lucas: É a raiz.
Luis: Para cima da terra fica o caule e as folhas. A gente fez um projeto na série
sobre plantas e flores, daí a gente sabe tudo sobre as partes das plantas.
Professora: Plantas terrestres e aquáticas vivem da mesma maneira?
Os momentos de discussão em sala de aula abrem possibilidades para que as
crianças apresentem hipóteses e expressem seu pensamento por meio da linguagem. Nesse
contexto, cabe discutir o papel da mediação no processo de aprendizagem e a função da
linguagem como verbalização de processos de pensamento.
A mediação é o processo pelo qual há a intervenção de um elemento intermediário em
uma relação, fazendo com que a relação deixe de ser direta e passe a ser mediada. Vygotsky
trabalha então, com o pressuposto de que as ações do homem de exploração do meio não são
diretas e sim mediadas por instrumentos e símbolos que se tornam intermediários entre o
sujeito e o conhecimento. Vygotsky explica que os instrumentos são elementos externos ao
indivíduo, voltados para fora dele com a função de provocar mudanças nos objetos. os
signos são “instrumentos psicológicos” orientados para dentro do indivíduo, dirigindo-se ao
controle das ações psicológicas (Oliveira,1997).
A documentação pedagógica permite também, ao supervisor, avaliar as relações que a
estagiária consegue estabelecer entre as áreas do conhecimento, e de que forma o aluno é
envolvido nessa nessas ações.
Com o objetivo explorar o estudo sobre os vegetais, a professora (Ângela) e a
atelierista planejaram a realização de uma releitura de natureza morta da obra de Van
Gogh, intitulada “Girassóis”. A técnica escolhida para trabalhar foi a modelagem,
aprimorando a motricidade fina na formação de alto-relevos com argila.
83
Enquanto a turma organizou-se em grupos de trabalhos, a atelierista apresentou os
materiais que iriam utilizar na situação de aprendizagem: lápis, borracha, papel canson A4,
argila e pratinhos com água para umedecer as mãos durante o processo de modelagem. Além
disso, a atelierista apresentou alguns instrumentos extras para complementos e acabamentos
dos trabalhos como: garfos, faquinha e colherinhas para auxiliar na riqueza de detalhes.
A atelierista expõe a obra de Van Gogh, discorre brevemente sobre a biografia do
artista e o quê mais gostava de pintar. Logo, pede aos alunos que observem as linhas, formas
e cores que Van Gogh usou na pintura “Girassóis”, bem como a distribuição das flores no
espaço bidimensional. A partir de então, puderam fazer sua leitura gráfica através do
desenho para retrabalhá-lo com argila.
Começando a leitura da imagem, a observação é a ação de maior importância, Fusari
e Ferraz ressaltam que:
[...] ver é também um exercício de construção perceptiva onde os elementos
selecionados e o percurso visual podem ser educados através de ações
planejadas, porque o olhar seleciona, associa, organiza, constrói, desconstrói
e saboreia as imagens tanto as da arte quanto as do cotidiano, edificando o
conhecimento visual, podendo ser reproduzido através do desenho, da
pintura, da construção (1993, p.74).
Dessa forma, transpondo essas idéias para o ensino da arte, pode-se afirmar que a
leitura de imagens tem objetivos semelhantes e abrange a descrição, interpretação,
compreensão, decomposição e recomposição. Essas ações possibilitam que a criança possa
aprender a arte e reconhecê-la através das diferentes linguagens artísticas.
A transcrição dos fragmentos da documentação, guardando a escrita original do texto,
tem o objetivo de desvelar a contribuição que esta traz ao professor na reflexão sobre o seu
planejamento e sobre a reação, compreensão e a aprendizagens dos alunos diante das
provocações, informações que lhe são apresentadas.
Ao professor, esse registro permite documentar as hipóteses, conclusões e
conceituações de que são capazes as crianças que têm autonomia, que interagem em um
trabalho coletivo. Permite ainda, ampliar e aprofundar conhecimentos prévios e
conhecimentos que emergem a partir do que é proposto pelo currículo organizado da escola.
À supervisão de estágio, a documentação pedagógica favorece a intervenção imediata
no planejamento e nas ações da estagiária, uma vez que os registros são diários e a supervisão
84
acontece no mínimo semanalmente. Também permite apontar situações e acontecimentos não
contemplados, inicialmente no registro além de servir de contribuição para o encaminhamento
e/ou reorganização da proposta de ação da estagiária. Favorece a emergência de
conhecimentos que precisam permear a caminhada do grupo, bem como possibilita a
resolução de conflitos individuais ou do grupo e a orientação de leituras ou propostas
didáticas.
A intervenção permite, também, o acompanhamento das aprendizagens dos alunos,
suas descobertas e suas construções, tanto pela professora que poderá propor novas situações
de aprendizagens ou organizar situações de aprendizagens individuais atendendo as
especificidades de cada aluno, quanto pela supervisão que poderá orientar esse processo.
Ao supervisor de estágio esse registro permite, ainda, acompanhar a compreensão
teórica e as relações que a estagiária construiu ou está construindo com a prática. Oportuniza-
lhe orientar a reorganização do planejamento sustentado em situações concretas e de maior
aproximação com a realidade.
Para legitimar a prática docente existem inúmeras questões que devem ser
constantemente colocadas em confronto com as orientações teóricas construídas nos cursos de
formação ou na formação continuada, com vistas à reflexão do processo educativo. A
documentação pedagógica coloca-se, portanto, como parte de um processo de aprendizagem e
também como processo de comunicação, de diálogo, envolvimento e reflexão.
Sabemos que ao propormos o estágio como uma prática de reflexão entre teoria e
prática, a partir da ressignificação da sua proposta nos cursos de formação são necessárias
inúmeras discussões acerca do tema. A documentação pedagógica torna-se necessária nesse
contexto, como instrumento de reflexão para a desconstrução de conceitos legitimados pelo
tempo e para a reconstrução de uma prática que se legitimará pelas novas exigências do
mundo.
85
CONCLUSÃO
As considerações que apresentamos ao final desta pesquisa, destacam a trajetória
percorrida, a confirmação de hipóteses levantadas e a abertura de outras possíveis indagações
e reflexões que permitem o desvelar de novos caminhos e a construção do compromisso dos
educadores.
Nessa perspectiva a pesquisa orientou-se por um exercício prático-reflexivo sobre o
Estágio Supervisionado com o objetivo de ressignificar seu papel na formação docente,
apresentando uma proposta não conclusiva, mas provocativa para construção de novos rumos
para essa prática.
O estudo histórico e legal do estágio supervisionado nos cursos de formação de docente
nos revelou uma trajetória marcada por influências políticas, econômicas e sociais dos
diferentes momentos da história de sua instituição nesses cursos.
A diversidade de concepções acerca da sua função e importância, no currículo dos
cursos de formação docente delineou, por vezes, práticas técnicas caracterizadas por uma
instrumentalização redutora e disjuntiva, que sustentou a dicotomia entre a teoria e a prática,
ou ainda, práticas reprodutoras de modelos existentes que remeteram a práticas
descontextualizadas e vazias de reflexão do fazer docente.
Mas, se o estudo e a trajetória profissional como docente de cursos de formação revelou
o estágio como uma prática técnica ou como repetição de modelos descontextualizados,
confirmando a hipótese de que o Estágio Supervisionado, muitas vezes, é tomado como
atividade complementar do curso de formação, apontou também, possibilidades para a
construção de propostas consistentes desencadeadoras de um processo de transformação que
se estende às instituições parceiras dos cursos de formação. Esse processo permitiu-nos
ressignificar a relação teoria e prática, a concepção de educação escolar, professor, aluno,
conhecimento, ensino, aprendizagem e avaliação da realidade do contexto escolar.
86
Essa transformação acontece a partir da reflexão teórica sobre a prática, que
reencaminha a organização da ação pedagógica reformulando o pensamento e definindo novas
concepções.
Essa forma de pensar a formação docente reposiciona o estágio supervisionado nos
cursos de formação, efetivando o seu status de disciplina integrada ao currículo. Uma
disciplina que define o sentido da profissão de professor, uma atividade intencional e
reflexiva que se aproxima da realidade, conhecendo-a e nela intervindo.
Nessa concepção encontra-se o estágio como pesquisa que está sustentado na
dialogicidade entre teoria e prática. Ou seja, uma prática que supera a mera constatação
realizada pela observação, e que apoiada teoricamente, reflete sobre a mesma permitindo a
construção de indicadores para a inovação ou aperfeiçoamento dessa prática.
O estágio como pesquisa, pela permanente associação entre a teoria e prática, produz
inovações teoricamente significadas e com implicações sobre a prática. Dessa forma, o
professor/estagiário(a) coloca, não o processo de aprender como objeto de pesquisa, mas
também o processo de ensinar.
A proposição de um estágio como pesquisa requer a compreensão da avaliação como
processo implicando, dessa forma, um acompanhamento ao estagiário(a) que envolve a
interação, a orientação e a intervenção. Portanto, na relação supervisor e estagiário, o papel do
supervisor é o de orientador, de mediador da experiência do estagiário. É seu dever orientar,
sugerir, exigir, intervir possibilitando a construção da docência em toda a sua complexidade.
A intervenção pedagógica, assume no processo de construção da epistemologia da
prática o papel de desencadear novas possibilidades de ação, ou seja, contribui para a criação
de zonas de desenvolvimento proximal, parte constitutiva de qualquer processo de
aprendizagem, segundo os estudos realizados por Vygotsky.
Temos claro, ainda que ensinar é muito mais que transmitir informações, é estabelecer
vínculos entre os novos conteúdos e os conhecimentos existentes. Aprender envolve o
estabelecimento de relações entre o que faz parte da estrutura cognoscente do sujeito e o
que se ensina, relações que se tornam mais complexas ampliando, exigindo do professor um
papel ativo.
87
Assim, a aprendizagem envolve a apropriação do conhecimento através de um ato
consciente e reflexivo de promover o conhecimento crítico e criativo do mundo,
caracterizando o homem como um ser histórico e transformador de sua realidade.
Dessa forma, a aprendizagem acontece a partir da ação e da interação entre sujeitos em
um determinado contexto. Implicando, portanto, em relações com diferentes sujeitos, com o
desejo em saber, com conflitos, com a elaboração de hipóteses e com a busca de estratégias
para resolução de problemas, num processo contínuo pela construção do conhecimento.
Entendemos que o ensino e a aprendizagem, assim considerados, definem
conhecimento como um processo que se realiza no contato do homem com o mundo
vivenciado, que é dinâmico e em permanente transformação. Conhecer é transformar, gerar o
novo do que existiu, é dialogar com as incertezas, tendo como ponto de partida o contexto
do sujeito aprendente. É construído nas suas relações com o mundo.
Nessa perspectiva propomos um estágio situado numa concepção de pesquisa,
estruturado em um consistente estudo da realidade do campo de estágio, no planejamento e na
documentação pedagógica, e sustentado pela reflexão teórica.
O estudo da realidade oportuniza ao estagiário(a) situar-se no contexto em que o campo
de estágio está inserido, apropriar-se de um conhecimento mais complexo dos problemas e
das possibilidades de trabalho ali existentes, auxiliando na construção de significações mais
elaboradas da realidade observada.
O estudo da realidade que é fruto não da observação do cotidiano, dos espaços, das
relações ali estabelecidas, mas também, da análise do Projeto Político-Pedagógico da escola,
encaminha à um planejamento flexível, numa proposta de construção que pode ser reelaborado
permanentemente, como um processo de reflexão, de organização e de articulação entre a ação
docente e o contexto social.
Essa articulação refletida entre a ação docente e o contexto é possível através da
documentação pedagógica, que permite a comunicação e a avaliação docente do processo de
construção, do conhecimento e de como se dão as diferentes construções e interações dos
sujeitos no processo de ensino-aprendizagem. Permite refletir e reinterpretar o processo,
perguntando como a criança aprende, como o próprio professor organiza o seu fazer
pedagógico, que tipo de instrumentos foram utilizados, o que o ambiente ofereceu e como
88
tudo isso pode ser repensado e replanejado. Dessa forma, entendemos que a documentação
pedagógica, no estágio é instrumento de avaliação e reflexão tanto do estagiário(a) como do
supervisor(a).
Compreendemos a complexidade que envolve as concepções, as construções,
desconstruções e os paradigmas que permeiam a proposta pedagógica de um curso de
formação de professores e, acreditamos que a formação do professor reflexivo, construtor de
uma práxis que efetivamente vincule o pensar e o agir proposta pela disciplina de Estágio
Supervisionado recebe uma influência decisiva dessas concepções.
Portanto, almejamos que as reflexões e provocações propostas neste trabalho
contribuam para novos estudos, gerando conflitos, avanços e ações que contribuam para
legitimar a práxis educativa.
89
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