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São Carlos
ASILOS COLONIAIS PAULISTAS
análise de um modelo espacial de confinamento
análise de um modelo espacial de confinamento
Ana Paula Silva da Costa
ASILOS COLÔNIAS PAULISTAS
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AS
ILOS COLÔNIAS PAULISTAS
Análise de um modelo
espacial de confinamento
Ana Paula Silva da Costa
Orientadora: Profa. Dra. Telma de Barros Correia
Di
ssertação apresentada à Escola de Engenharia de
São Carlos da Universidade de São Paulo como
parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Arquitetura e Urbanismo Área: Teoria e História
da Arquitetura e do Urbanismo
São Carlos, 2008.
Apoio: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
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A
UTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP
Costa, Ana Paula Silva da
C837a Asilos colônias paulistas : analise de um modelo
espacial de confinamento / Ana Paulo Silva da Costa ;
orientadora Telma de Barros Correia. –- São Carlos, 2008.
Dissertação (Mestrado-Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo e Área de Concentração Teoria e
História da Arquitetura e do Urbanismo) –- Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
2008.
1. Asilos colônias. 2. Hanseníase. 3. Higienismo. 4.
São Paulo. 5. Arquitetura. 6. Urbanismo. I. Título.
A
gradecimentos
À Profa. Dra. Telma de Barros Correia, minha orientadora, pela
amizade, informações, ensinamentos, estímulo e paciência, constantes ao longo de todo o
mestrado.
Ao Prof. Dr. Nilson Ghirardello, pela conversa que trouxe o tema ao
meu conhecimento, pelo entusiasmo e préstimos.
Às Profas. Dra. Yara Nogueira Monteiro e Dra. Eulália Portela
Negrelos, pelas contribuições dadas na banca do exame de qualificação e ao longo da
pesquisa.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –
FAPESP, pelo apoio financeiro.
Aos funcionários, professores e ex-professores da Escola de
Engenharia de São Carlos, pela contribuição, direta ou indireta, neste trabalho. Em especial,
ao Departamento de Arquitetura e ao Prof. Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade, pelo
apoio e acompanhamento na evolução da pesquisa.
Aos funcionários das instituições pesquisadas e demais pessoas com
elas envolvidas, pelos materiais e estruturas oferecidas, pela solidariedade e disponibilidade
sempre que requisitados.
Aos antigos internos e funcionários dos Asilos Colônias paulistas que
dividiram suas memórias e registros históricos.
Às amizades construídas e fortalecidas ao longo desta trajetória. Em
especial, a Rosana, Doriane, Cristina, Mayara, Ingrid, Sales, Carolina, Albenise, Thaís,
Mônica, Rebeca, Adriana, Juliana e Maria Aparecida, pelas idéias, conversas e carinho.
Aos meus colegas de trabalho pelo apoio e compreensão diante dos
imprevistos.
À minha família e ao meu marido pelo carinho, incentivo, paciência e
colaboração durante toda minha trajetória acadêmica.
E a todos que minha mente possa ter omitido.
R
esumo
O trabalho investiga os Asilos Colônias, que, durante décadas do século XX, serviram ao
isolamento compulsório das pessoas com hanseníase no Estado de São Paulo, seguindo
preceitos do higienismo. Busca reconhecer diretrizes e referências que nortearam os
projetos de Urbanismo e Arquitetura desses estabelecimentos asilares. Trata-se de um tema
que remonta às influências do poder, da exclusão, da disciplina e dos estigmas, na criação e
utilização de um modelo espacial, resultando em diferentes realidades que definiram a
existência e imagem de seus ocupantes.
Palavras-chave: Asilos Colônias, hanseníase, higienismo, São Paulo, Arquitetura,
Urbanismo.
Abstract
Leper Colonies of São Paulo: examining a model of spatial confinement
The work investigates the Leper Colonies that, during decades on the 20
th
century, served to
th
e compulsory isolation of the people with Hansen in the state of Sao Paulo, following
hygienic’ precepts. It looks to recognize directives and references that orientated the projects
of Urbanism and Architecture of these asylums’ institutions. The subject remounts to the
influences of the power, of the exclusion, of the discipline and of the stigmas, on the creation
and use of a space model, resulting in different facts that defined the existence and image of
its occupants.
Key-words: Leper Colonies, Hansen’s disease, hygienism, São Paulo, Architecture,
Urbanism.
S
UMÁRIO
Introdução ........................................................................................................................... 09
Capítulo 1. A hanseníase e a exclusão do doente .......................................................... 13
1.1 A hanseníase ................................................................................................................. 13
1.2 Origens e disseminação ................................................................................................ 14
1.3 A hanseníase, a lepra e os estigmas ............................................................................. 19
1.4 As ações contra a hanseníase ...................................................................................... 33
Capítulo 2. A higiene e o controle do espaço ................................................................. 59
2.1 O movimento sanitário e a eugenia ............................................................................... 59
2.2 A reforma sanitária e o controle das edificações urbanas ............................................. 68
2.3 Especificações sanitárias para os Asilos Colônias paulistas ......................................... 73
2.4 Formulações teóricas sobre o controle do espaço urbano ............................................ 81
2.5 Matrizes espaciais de confinamento .............................................................................. 99
Capítulo 3. O sistema Asilo Colônia .............................................................................. 127
3.1 Os Asilos Colônias: algumas experiências internacionais ............................................ 127
3.2 Os Asilos Colônias no Brasil ......................................................................................... 145
Capítulo 4. Adelardo Soares Caiuby e o modelo asilar paulista ................................. 173
Capítulo 5. Os Asilos Colônias paulistas ...................................................................... 273
5.1 Diretrizes construtivas e organizacionais dos Asilos Colônias paulistas ...................... 273
5.2 Características urbanísticas dos Asilos Colônias paulistas .......................................... 309
5.3 Arquitetura dos Asilos Colônias paulistas .................................................................... 327
Considerações Finais ...................................................................................................... 393
Bibliografia ....................................................................................................................... 399
9
Introdução
O Brasil se enquadra atualmente entre os países de maior índice de
incidência de hanseníase no mundo. Embora hoje esta doença tenha cura, a não
continuidade do tratamento desfavorece seu controle. Muitos são os estigmas que a
envolvem e a informação tem sido o melhor instrumento contra a resistência às terapias de
modo que o tratamento tenha início a tempo de prevenir e reverter deformidades. Entre
outros fatores, as ações históricas de isolamento dos hansenianos contribuíram para o
fortalecimento desses estigmas, estimulando o ocultamento dos sintomas e dificultando a
extinção da doença. Acreditamos que a criação dos Asilos Colônias para a reclusão
permanente e compulsória dos hansenianos tenha colaborado para tal condição.
Os novos usos estabelecidos para as estruturas físicas
remanescentes dos Asilos Colônias estão resultando em descaracterização, abandono ou
demolição de muitas edificações. Estas precisam ter suas memórias preservadas, pois
representam valiosos testemunhos de ações espaciais, resultantes de programas de
políticas públicas sanitaristas. Acreditamos que investigá-las contribui também para a
compreensão de meios de dominação humana materializados em cidades e equipamentos
complementares.
Inicialmente se publicavam trabalhos históricos da hanseníase
meramente narrativos, que muitas vezes avalizavam os sistemas de reclusão baseados em
paradigmas isolacionistas. Os estigmas da hanseníase e os impactos sociais do isolamento
têm sido recentemente estudados e apresentados sob um enfoque crítico. O trabalho da
historiadora Yara Nogueira Monteiro (1995), “Da maldição divina à exclusão social: um
estudo da hanseníase em São Paulo”, é um importante exemplo desta nova postura. Temos
ainda o trabalho do também historiador Ítalo Tronca (2000), “Máscaras do Medo: Lepra e
AIDS”, que apresenta a atualidade do tema da exclusão na nossa sociedade. Analisando,
entre outras obras, o espaço do Leprosário São Roque como resultado do período
sanitarista republicano, encontramos o trabalho da professora Elizabeth Amorim de Castro
(2004), “A arquitetura do isolamento em Curitiba na República Velha”.
Esta pesquisa se baseia na análise da implantação do sistema Asilo
Colônia de isolamento compulsório, no estado de São Paulo, durante as primeiras décadas
do século XX, quando os doentes paulistas foram enclausurados, apreenderam novos
hábitos e seguiram regulamentos que davam pouca atenção às suas individualidades e
particularidades.
Cinco Asilos Colônias foram construídos em São Paulo: Santo
Ângelo, em Mogi das Cruzes, no ano de 1928 transformado no Hospital Regional Santo
Ângelo; Pirapitingui (1931), em Itu, atualmente Hospital Francisco Ribeiro Arantes; Cocaes
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(1932), em Casa Branca, abrigando hoje o Centro de Reabilitação (psiquiátrica) Casa
B
ranca; Aimorés (1933), em Bauru, funcionando como Instituto (dermatológico) Lauro de
Souza Lima; Padre Bento (1931), em Guarulhos, atual Complexo Hospitalar Padre Bento e
Bairro da Tranqüilidade.
Não cabe em nossa linha de pesquisa discutir os procedimentos
terapêuticos do sistema diante das características da doença, nem julgar os méritos do
sistema enquanto resultado de paradigmas de uma época.
Objetivamos identificar e avaliar as ideologias absorvidas pelos
projetos urbanísticos e arquitetônicos e a repercussão, na vida dos doentes, do ambiente
criado. Estudaremos as particularidades que colaboraram para que tais instituições
cumprissem com seu objetivo de segregar e controlar os doentes de hanseníase, seguindo
os preceitos higienistas do início do século XX. Neste sentido foram analisadas as
características formais e projetuais das edificações e de suas disposições espaciais, assim
como o modo de vida instituído para os internos.
Com base nesse objetivo, seguimos duas hipóteses de entendimento
do problema. A primeira consiste na compreensão de que ideais higienistas, sanitaristas e
eugenistas influenciaram na construção do modelo Asilo Colônia e favoreceram a
estigmatização dos doentes, numa época em que o aumento da incidência da hanseníase
se tornou um problema para a manutenção do modo de produção industrial. A segunda se
baseia na idéia de que a ordenação da comunidade hanseniana estabelecida se
fundamentou na ordenação de seu espaço.
Buscando evidências que sustentassem tais hipóteses, levantamos
materiais que nos remetessem ao entendimento da evolução histórica de aspectos
socioculturais e científicos que envolvessem a hanseníase. Levantamos, também,
informações sobre vertentes urbanas do período de transição do século XIX para o XX,
quando as questões urbanas se tornam latentes, e tentamos identificar, em sistemas
análogos de confinamento, elementos que caracterizassem no espaço os seus objetivos.
Buscamos, ainda, em fontes primárias e secundárias, informações referentes ao objeto de
estudo com o intuito de identificar aspectos construtivos e organizacionais que favoreceram
o sucesso do sistema de confinamento.
As informações foram obtidas em periódicos, documentos,
regulamentos, estatutos internos, leis, decretos e portarias, relatórios do Serviço Sanitário
de São Paulo e do Departamento de Profilaxia da Lepra, encontrados em diferentes
instituições e arquivos públicos. Foram levantadas imagens, material gráfico e documental
das instalações por meio de visitas aos Asilos Colônias paulistas, com o intuito de registrar
características espaciais dos locais.
1
1
M
uitos desafios surgiram com esta pesquisa, entre eles: a
multidisciplinaridade do tema; a escassez de informações a respeito de Adelardo Soares
Caiuby, figura importante para a formulação espacial do modelo; a ausência quase total de
plantas originais, o que prejudicou a definição de autores e de datas das edificações. No
entanto, tais desafios não diminuíram o valor dos materiais encontrados em todas as
instituições consultadas.
Buscando guiar o entendimento do tema estruturamos o trabalho em
cinco capítulos. O primeiro capítulo, “A hanseníase e a exclusão do doente”, visa explicar
brevemente a moléstia hanseníase e sua difusão, discorrer sobre seus estigmas e
apresentar as ações históricas tomadas diante da doença.
O segundo capítulo, “A higiene e o controle do espaço”, discorre
sobre a relação entre higienismo e eugenia, identifica os instrumentos legais criados para
que o higienismo regulasse os espaços, apresenta teorias espaciais fundamentadas nas
condições urbanas industriais, bem como exemplos análogos de instituições de
confinamento.
No terceiro capítulo, “O sistema Asilo Colônia”, identificamos
algumas das questões relacionadas ao controle da hanseníase, no século XX, e que
resultaram na criação de um sistema de isolamento asilar. Apresentamos também
experiências internacionais e nacionais de Asilos Colônias.
O quarto capítulo, “Adelardo Soares Caiuby e o modelo asilar
paulista”, apresenta uma breve apresentação profissional de Adelardo Soares Caiuby, e a
criação do modelo que se concretizou nos cinco Asilos Colônias paulistas.
O quinto e último capítulo, “Os Asilos Colônias paulistas”, trata das
diretrizes construtivas e organizacionais das cinco instituições. Nesse capítulo são
identificadas também algumas características urbanísticas e arquitetônicas de suas
instalações.
Diferentemente de outros estabelecimentos de segregação de
doentes, os Asilos Colônias foram os únicos a se configurar como “pequenas cidades”. Esta
particularidade, do ponto de vista da história da arquitetura e do urbanismo, os aproxima aos
outros núcleos residenciais isolados, criados para abrigar grupos exclusivos de pessoas,
como foi o caso dos núcleos criados por fábricas, usinas de açúcar, abrigo de menores
infratores, etc. Sobre os núcleos fabris algumas pesquisas recentes m avaliado sua forma
espacial e seu estatuto na urbanização brasileira. Em relação aos Asilos Colônias, as
pesquisas são mais escassas, deixando lacunas importantes na historiografia. Este trabalho
busca suprimi-las.
1
3
CAPÍTULO 1. A HANSENÍASE E A EXCLUSÃO DO DOENTE
1
.1 A hanseníase
A hanseníase é uma doença infecto contagiosa, exclusivamente
humana, causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, descoberto pelo médico norueguês
Gerhard Henrick Armauer Hansen (1841/1912) em 1872. Comumente ataca os nervos
periféricos e a pele, promovendo manchas, perda de sensibilidade, podendo até resultar em
incapacidade física e atrofias. A doença tem uma evolução lenta e o infectado pode levar de
dois a sete anos para apresentar os sintomas.
Trata-se de uma doença curável que depende da imunidade do
indivíduo para se instalar e se manifestar. Em razão do condicionante imunológico, ela se
apresenta em quatro formas diferentes: Indeterminada ou Precoce (definida como a fase
inicial da doença), no qual aparecem alterações de cor e de sensibilidade na pele;
Tuberculóide (forma não contagiosa e estável), cuja baciloscopia normalmente é negativa
apesar das lesões delimitadas e alterações nervosas; Virchowiana ou Lepromatosa
(contagiosa), com lesões difusas e “acometimento sistêmico”; e Dimorfa (forma instável),
que pode oscilar entre a Tuberculóide e a Virchowiana (Monteiro, 1995).
Sua transmissão ocorre por meio do contato de pele e mucosas, no
convívio entre indivíduo imunodeficiente e o doente que apresente grande quantidade de
bacilos na forma contagiosa. Nesse caso, hábitos e ambientes higiênicos, boa alimentação e
atendimento médico são decisivos. O doente, dependendo da resposta do seu organismo,
deixa de ser infectante nos primeiros meses de medicação. A identificação e tratamento
precoces favorecem a quebra do ciclo de transmissão da doença e o não aparecimento de
seqüelas, que podem ser irreversíveis.
Atualmente a hanseníase apresenta-se como um dos principais
problemas mundiais de saúde pública, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O
Brasil esentre os primeiros do mundo, em número de casos, provavelmente pelo baixo
padrão de vida de grande parte da população e pela descontinuidade dos tratamentos.
Desde 1982, ações têm sido levadas a efeito, pela OMS, buscando sua eliminação através
da poliquimioterapia, tratamento que demora de seis meses a dois anos. Dependendo da
1
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forma da doença na sua identificação e terapêutica, também são tomadas medidas para o
c
ontrole e prevenção de incapacidades e deformidades.
A cura e o controle da doença dependem muito da melhora na
condição de vida do doente, o que interfere no aumento da sua imunidade e na
ininterrupção da medicação. Além disso, os estigmas da hanseníase causam transtornos
nas relações sociais dos doentes o que favorece o encobrimento de sintomas e o abandono
do tratamento.
1.2 Origens e disseminação
As doenças, no passado, não eram tão claramente distinguíveis
quanto são hoje. Além disso, a mesma doença recebia diferentes nomes em cada idioma,
normalmente representando uma de suas características, o que resultava em
generalizações e ambigüidades semânticas nas traduções de textos que abordavam
doenças semelhantes e mesmo diferentes. A análise da trajetória da hanseníase esbarra
nesses problemas diante de documentos antigos. Diversos autores relatam que sua
identificação em tais instrumentos de pesquisa depende mais de semelhanças com os
sintomas descritos do que das terminologias utilizadas.
Monteiro (1995) apresenta, em seu trabalho, a existência da
possibilidade de a hanseníase ter sua origem multifocal, em virtude da multiplicidade de
documentos e narrativas que geram conflitos históricos. O Egito pode ter sido o mais antigo
lugar de inserção da hanseníase (III milênio a.C.), segundo informações contidas no Papiro
de Ebers, datado do ano 1350 a.C.. Entretanto, este documento abrange a doença,
terminologicamente, entre diversas dermatoses, tornando-se assim uma fonte ainda
duvidosa.
Segundo Opromolla (2000), textos sagrados indianos (denominados
Vedas), escritos por volta do século XV a.C., descreviam uma doença semelhante à
hanseníase. Seguindo a análise de outros documentos antigos, o autor relata que tal doença
possivelmente se disseminou pela China e Japão em meados do século VI a.C. e chegou à
Grécia, por meio dos contatos ocorridos nas guerras pérsicas, por volta do ano 480 a.C.. O
autor ainda informa que a ausência de referência às doenças semelhantes à hanseníase
nos escritos médicos de Hipócrates, leva a crer que, até por volta do século V a.C., a
Europa não era acometida pelo mal.
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Admite-se que os soldados de Alexandre, o Grande, voltaram das
c
onquistas territoriais do Oriente (III a.C.) contaminados pela hanseníase e que as invasões
romanas, posteriores, se encarregaram de sua disseminação pelo continente europeu
(Monteiro, 1995; Opromolla, 2000). Data desse período a instituição do termo “lepra” como
denominação (juntamente com outras enfermidades) da doença que seria a hanseníase, na
tradução dos livros antigos da Bíblia. A palavra grega lepra (que significa descamação,
esfoliação, casca – de árvores) foi utilizada para definir as dermatoses descamativas,
inclusive a hanseníase (a tsaraath identificada pelos hebreus), na tradução do Livro
Sagrado.
Sua relação histórica com a denominação lepra trouxe
conseqüências graves tanto para a imagem do doente como para o próprio diagnóstico e
tratamento. Muitas vezes, na Antigüidade, a impressão de miséria e sujeira, bem como a
feiúra resultante da degradação do corpo doente, prevalecia na caracterização das doenças
e, conseqüentemente, nas suas denominações. Os hebreus definiam as doenças de pele
como impurezas, o que, na tradução da Bíblia do hebraico para o grego e latim, repercutiu
na inserção da doença hanseníase dentro da condição de lepra, levando tal enfermidade a
assumir a denominação que perdurou por séculos.
O período das Cruzadas marcou a maior disseminação da
hanseníase pela Europa, provavelmente pela migração de doentes provenientes das áreas
endêmicas envolvidas nas disputas ou pela volta dos próprios europeus contaminados.
Nessa época se propagaram as instalações destinadas aos doentes de lepra, definidas
como leprosários. O estudo arqueológico de ossadas, encontradas em alguns desses
estabelecimentos medievais, demonstrou que, em algumas regiões, se sabia distinguir a
hanseníase das demais doenças definidas como lepra, pois muitos esqueletos foram
encontrados com suas deformidades características, demonstrando, desde então, a
exclusão seletiva de doentes de hanseníases.
O número de doentes de hanseníases diminuiu na Europa a partir
do século XVI, possivelmente por uma melhoria nas condições de vida das pessoas, ou
talvez pelo avanço na identificação das doenças dermatológicas e uma conseqüente
diminuição no enquadramento dos doentes da hanseníase como leprosos (Opromolla,
2000). Gould (2005) acredita que tal declínio se deveu, provavelmente, o fato de a
tuberculose ter dizimado grande parte da população pobre, em que se situava a maioria dos
doentes de hanseníases.
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6
Os colonizadores trouxeram a hanseníase para o território
a
mericano. Segundo Maurano (1939), os indígenas brasileiros não tinham a hanseníase no
seu vocabulário, talvez por não conhecê-la. Uma comprovação apresentada pelo autor é o
fato de não haver nenhum relato nas descrições antigas, tanto dos religiosos catequizadores
quanto dos navegadores, sobre qualquer moléstia semelhante à hanseníase. Quando havia
referência à lepra, era somente para comparação com outras doenças.
“Esta terra é muito san para habitar-se, e assim averiguamos que me
parece a melhor que se possa achar, pois desde que aqui estamos nunca
ouvi dizer que morresse alguem de febre, mas somente de velhice” (Pe
Manuel da Nobrega, apud Maurano, 1939, p.2).
“[...] os corpos seos sam tam limpos, e tam gordos, e tam fremosos, que
nom podem mais seer”. (Pero Vaz Caminha, apud Maurano, 1939, p.2).
Alguns autores tratam de relatos antigos da hanseníase nas regiões
próximas à África islâmica. Maurano, no entanto, relata que, apesar de indicarem o mercado
de escravos de raça negra como um dos prováveis disseminadores da hanseníase no
Brasil, a priorização da saúde na sua comercialização seria uma forte justificativa contrária.
Não se descarta toda a possibilidade de influência da escravidão na propagação da
hanseníase no Brasil, pois atualmente se sabe que esta tem um longo período de
incubação, mas, considerando-se levantamentos sobre os doentes brasileiros, a maioria era
de raça branca e não negra.
“Tal como hoje existem manuais para tratamento das moléstias do gado ou
aves, havia-os para as enfermidades dos negros. Por êles podiam se
conhecer os defeitos dos negros de todos os países a fim de os recusar.
Entre outras coisas, a pele devia ser lisa, não oleosa, de uma bela cor
preta, isenta de manchas, de cicatrizes, e de odor demasiado forte.
Também médicos militares examinavam, a bordo, os escravos para
permitir-lhes o desembarque, como atestam alguns documentos dos
princípios do século XIX em Santos” (Maurano, 1939, p.20).
Como se sabe, os escravos sempre foram submetidos aos maus
tratos, às duras jornadas de trabalho e às péssimas condições de moradia, resultando na
aquisição de diversas doenças inclusive a hanseníase –, que poderiam estar
instauradas no Brasil. Um aspecto que pode ter servido para reforçar a crença na relação da
hanseníase com a raça negra vem do fato de que, quando acometidos pelo mal, os
escravos eram abandonados, restando-lhes esmolar e se expor publicamente, o que
contribuía para a relação entre a raça, a doença e a miséria.
“Realmente, sendo a lepra moléstia mais encontradiça nas classes
humanas, onde a higiene e a alimentação são falhas e deficientes, era
natural que ela se alastrasse intensamente ente eles e desse ao
observador a impressão de que tivessem trazido da África” (Maurano,
1939, p. 8).
1
7
Entretanto, sobre a influência portuguesa na disseminação da
d
oença, existe uma concordância, principalmente quanto aos relatos sobre a condição de
saúde das populações dominadas por eles que passaram a apresentar a hanseníase a partir
de então: “[...] os portuguêses introduziram esta moléstia no Brasil [...] como a haviam
introduzido na Madeira, onde era desconhecida antes da chegada dos portuguêses” (Aleixo
Guerra, apud Maurano, 1939, p.21). Acredita-se também que a disseminação da doença foi
favorecida pela migração e contato com as populações contaminadas dos países limítrofes
ao Brasil, também ocupados por europeus.
Maurano supõe que a hanseníase tenha se disseminado trilhando a
rota dos colonos nas terras brasileiras. Vários já eram os focos endêmicos no século XVII. A
evolução das regiões da colônia brasileira trouxe consigo o avanço territorial da doença, das
costas para o interior, segundo as rotas de colonização.
“Não resta dúvida, que o desenvolvimento agrícola, industrial e a
mineração, determinaram circunstâncias favoráveis [...] ao progresso da
endemia. Estas circunstâncias provocariam a maior condensação humana,
sua maior fixidez, e portanto, menor mobilidade, assim, maior
promiscuidade entre doentes e sãos, cujo contágio seria favorecido pela
precariedade da higiene da época” (Maurano, 1939, p. 23).
Tal situação se fortalecia principalmente em virtude de os doentes
precisarem dos aglomerados para sobreviver esmolando, que não representavam força
de trabalho produtiva. Mesmo quando se agrupavam em vilarejos, estes estavam nas rotas
comerciais.
Os primeiros relatos da hanseníase no Brasil aparecem nos
documentos do século XVII, sendo em 1696 as primeiras manifestações governamentais
visando à necessidade de seu controle. Apesar de se saber estar a hanseníase instalada
no estado de São Paulo desde a propagação da colonização no seu território, os
historiadores relatam que não se descobriram documentos anteriores ao século XVIII.
Opromolla (2000) narra que o primeiro documento paulista data de 1765 e se trata de uma
carta do Conde de Cunha, referindo-se ao perigo que a capitania corria diante da
hanseníase. Maurano (1939) cita partes de tal documento:
“Faz-se preciso que V. Ex. ponha na real presença da Sua Magestade o
grande perigo, em que esta cidade se acha causada pelo mal contagioso
da morphéa, porque não rua, nem praça onde se não encontrem os
miseraveis leprosos, nem tambem ribeiro ou fonte em que elles não se
banhem; e por esta causa todas as aguas estão infeccionadas, e toda esta
grande terra no risco de a devorar esse tremendo fogo em que todo o
Brasil se tem ateado” (Conde da Cunha, apud Maurano, 1939).
1
8
Os censos da capitania paulista apresentavam um crescimento
c
onstante no mero de casos envolvidos nos aglomerados urbanos e nos serviços rurais
que movimentavam a economia (Opromolla, 2000). Maurano (1939), entretanto, ressalta
que tais instrumentos de contagem apresentavam falhas tanto na qualificação de quem os
aplicava como na identificação de doença e muitas vezes, acreditando na sua
hereditariedade, definiam-se familiares sadios como doentes somente pelo fato de um de
seus membros se apresentar como doente de hanseníase.
Segundo Maurano (1903), o mais antigo censo data de 1820,
elaborado mesmo antes de tal processo ter sido feito em Portugal, e se apresenta como
instrumento para posteriores ações contra a doença nas vilas que compunham a capitania
de São Paulo. Ocorre uma grande incidência da doença no Vale do Paraíba, a região mais
densamente povoada e “enriquecida pela agricultura”. A expansão territorial da hanseníase
seguia o desenvolvimento econômico e as aglomerações populacionais.
Acredita-se que a inserção da doença em São Paulo se deu pela
baía de São Vicente e Santo Amaro, subindo a serra e se instalando no interior do estado,
de onde se expandiu pelas margens do Rio Tietê. As rotas bandeirantes levaram a doença
do Vale do Paraíba para Minas Gerais, Sertão de São Francisco, Norte e Nordeste do Brasil.
Analisando-se os censos, percebe-se a grande incidência da doença entre membros de
mesmas famílias, a não distinção entre as classes sociais e o maior acometimento de
homens e de muitos imigrantes. Maurano (1939) narra que a disseminação da doença foi
facilitada pela inserção da estrada férrea no estado:
“De 1865 a 1885, a Provincia foi riscada de estradas de ferro, reclamada
pelo continuo desenvolvimento da cultura cafeeira. É natural que, havendo
maiores facilidades de comunicação, os focos de leprosos, que ate então
se tinham mantido relativamente fechados, se desagregassem e seus
componentes se difundissem dirigindo-se principalmente para zonas de
creação nova, onde a uberdade da terra em que se iriam se desenvolver e
crear novas riquesas lhes permitisse maior facilidade de vida. E, mesmo
que eles o fossem implantar a endemia em zonas novas, a méra
deslocação desses elementos, de um co para outro, tenderia
naturalmente a estabelecer o reajustamento de sua distribuição” (Maurano,
1939, p. 66).
Com o passar dos anos e com o avanço das sistemáticas de
identificação da doença, os laudos passaram a ser mais precisos, chegando a quantificar,
em 1913, pelo Dr. Emílio Ribas, 1711 doentes da hanseníase no estado de São Paulo,
alguns com moradia fixa e outros nômades. com a existência de hospitais e abrigos
destinados a tais tipos de doentes, podia-se definir melhor a quantidade de doentes, que
durante a década de 1920 e 1930, chegaram a mais de oito mil. Somente a partir da
reclusão compulsória e da instituição de departamentos especiais, como o de
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Profilaxia da Lepra (1935), o controle e a contagem de doentes tornaram-se mais precisos
(
Maurano, 1939).
1.3 A hanseníase, a lepra e os estigmas
O termo estigma, segundo Erving Goffman, foi criado pelos gregos
buscando identificar escravos, criminosos e traidores. Tratava-se de sinais corporais feitos
por cortes ou fogo definindo uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser
evitada, especialmente em lugares públicos” (Goffman, 1982, p.11).
O Cristianismo aproximou o significado do estigma aos sinais
divinos semelhantes às chagas de Jesus crucificado. Uma relação religiosa que
permaneceu até a Idade Média. Posteriormente a medicina se utilizou da ligação do termo
ao corpo, definindo as máculas sicas como estigmas. Na transição do século XIX para o
XX o conceito de estigma combina a definição grega com a médica, representando uma
rejeição social aos fisicamente diferentes.
Atualmente os estigmas se referem às características físicas ou aos
atributos julgados negativos e depreciativos no indivíduo, criados quando “deixamos de
considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída”
(Goffman, 1982, p.12). São características “que alertam ou indicam a todos que não as
possuem para estabelecerem uma relação social diferenciada com seus portadores (...) às
vezes hostis para com os estigmatizados” (Curi, 2002, p.58).
Claro (1995) define o estigmatizado como um desviante cujas
características se opõem ao que a sociedade assume como normal. O que Gandra Jr.
reforça ao defender que o estigma surge em relação às características do indivíduo, quando
esta[s] “representa[m] a negação de um ou mais valores básicos ou preponderantes do
grupo social” (Gandra Jr., 1970, p.132). Sua intensidade ou perenidade depende de quão
básico para o grupo é o valor negado. Segundo este autor:
“[...] o valor ou valores [...] modificam sua posição na escala de valores, a
intensidade do estigma também vai variar no mesmo sentido. O estigma
será sempre intensificado, quando o valor ou valores forem reafirmados. O
estigma desaparecerá, quando o valor desaparecer ou quando, deixando o
núcleo central, o valor se transformar numa alternativa cultural” (Gandra Jr.,
1970, p.138).
2
0
Os valores, como as culturas, são aspectos abstratos, apreendidos
p
or meio de relações sociais, e sua aceitação ocorre incondicionalmente, isto é, sem análise
ou discussão. Podem ser criados diante do que se estima ou em oposição daquilo que se
repugna, ou seja, “valorizar algo pela desvalorização do seu oposto” (Gandra Jr., 1970,
p.137). Pode-se dizer, então, que o estigma se associa a ausência ou oposição a certos
atributos e qualidades “fundamentais para a sociedade” e que “(...) a sociedade se utiliz[a]
das categorias que têm o estigma associado, para, através delas, estabelecer os
condicionamentos dos valôres dos quais ela representa a negação” (Gandra Jr., 1970,
p.137). A negação do valor pode ser “real ou suposta”, bastando somente a crença na sua
ausência para que se defina uma atitude em resposta.
Cabe aqui relatar que Gandra Jr. se utiliza da definição de categoria
como as “representações mentalmente elaboradas” das quais depende o ajustamento do
homem à realidade. Identifica-se e reage àquilo que, através de outras experiências, havia-
se categorizado. O sujo, o doente, o perigoso são categorias construídas pelas próprias
vivências ou por conceitos apreendidos. A definição de uma categoria demanda explicar a
natureza dos aspectos que a constituem, ou seja, das imagens “partilhadas pelos membros
de uma sociedade”. Estas imagens apreendidas são partes da tradição de uma cultura, ou
importadas de outras, tendo conteúdo e força variáveis segundo a sociedade, o tempo e as
“personalidades”.
“É assim que as categorias mantêm uma vinculação estreita e imediata
com o que vemos, com o modo como julgamos o que vemos e o que
fazemos. Na realidade, toda sua utilidade parece consistir em facilitar a
percepção e a conduta; em outras palavras, tornar mais rápidos, fáceis e
adequados nossos ajustes à vida” (Gordon W. Allport, apud Gandra Jr.
,1970, p.22).
As categorias produzidas pela ciência, às quais a maioria da
população não tem acesso nem conhecimento, são submetidas às “observações e
experiências controladas”. Tais categorias determinam as características epidemiológicas
1
pa
ra a hanseníase, assim como definem clinicamente o indivíduo doente. Segundo elas, se
estabeleciam as ações públicas de saúde diante da doença.
As categorias científicas da hanseníase podem ou não concordar
com as culturais. As culturais são definidas pelas imagens – elaboradas, ao longo da
história, sobre a doença e o doente e aceitas como verdade por grande parte da
1
Epidemiologia é a “ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas,
analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos
associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou erradicação
de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e
avaliação das ações de saúde” (Rouqayrol e Almeida Filho, 1999, p.15).
2
1
sociedade. Normalmente estão repletas de subjetividades, regidas pelas emoções
p
rovocadas ante os atributos reais e pelo comportamento diante do estigmatizado, e se
encontram arraigadas na memória da doença.
“As necessidades de ajustamento diante de fenômenos como a
[hanseníase] são muito anteriores à ciência como instituição cultural. A
cultura já oferecia respostas a tais necessidades, muito antes que a ciência
surgisse na própria cultura como uma outra alternativa” (Gandra Jr., 1970,
p. 34).
Dentro desse contexto, Gandra Jr. (1970) identificou que a
sociedade tem imagens caracterizadas para a doença hanseníase e para seu portador, o
doente de hanseníase, as quais envolvem perfis físicos e psicológicos, conceitos morais e
comportamentais degradados. Ou seja, as categorias hanseníase e doente de hanseníase
encerram fatores tidos como nocivos, difundidos na cultura.
Os estigmas da doença hanseníase se distinguem dos das demais
moléstias por estarem sempre presentes em diferentes épocas e sociedades (Claro, 1995).
Para entendermos essa perenidade basta lembrarmos que a hanseníase esteve inserida no
que se entendia como lepra e, conseqüentemente, associada aos seus aspectos negativos.
As regras bíblicas, para que o povo hebreu se mantivesse como o
“escolhido por Deus”, definiam que deveriam ser isoladas e purificadas as impurezas
2
morais
e
espirituais, ou tsara’ath (ou saraath), evitando suas propagações. Quando da tradução da
Bíblia, do hebraico para o grego, o termo tsara’ath se transformou em lipro
3
, ou lepra,
abrangendo também, dentro do que se acreditava impuro, doenças dermatológicas
descamativas. Como na Antigüidade não se entendiam as distinções entre as doenças,
acreditava-se que alguns sintomas de diferentes doenças se tratavam de tipos ou fases da
mesma moléstia, agrupando-se, assim, diversas dermatoses na definição grega de lepra,
inclusive a hanseníase (Claro, 1995; Monteiro, 1995; Opromolla, 2000; Curi, 2002).
A hipótese de que tal tradução tenha originado a estigmatização da
hanseníase e do doente de hanseníase é bastante difundida. Entretanto, Claro (1995)
apresenta que “tais relações não eram privilégio dos povos que recebiam influência das
escritas bíblicas” (Claro, 1995, p.31). A China (que remetia o mal ao pecado, ao ar, ao solo e
ao contato com o doente), o Japão (que o associava às impurezas, ao pecado, à
2
Segundo Claro (1995) tais impurezas envolviam desonra física e violação de tabus alimentares,
como a ingestão de carne de porco”, assim como “afecções físicas (...) que tendiam a disseminar-
se” e “certos tipos de manchas e formações nas paredes das casas e no vestuário” (p. 31).
3
Lipro também origina o termo que hoje define o objeto livro, isto é, relação ao que tem camadas,
ou folhas soltas (Curi, 2002).
2
2
descendência) e a Índia (que o vinculava aos pecados e erros de vidas passadas) também
s
e comportavam, muitos séculos, de forma excludente e estigmatizante diante da
doença, restando, à Bíblia, a reprodução de atitudes sociais já consagradas.
As sociedades influenciadas pela Bíblia tiveram, no Levítico
4
,
orientações sobre, dentre outros aspectos, saúde, moral e comportamento. Monteiro (1995)
apresenta tal livro como o primeiro regimento de Saúde Pública, uma “legislação sanitária,
compreendida como uma limitação do direito do indivíduo, sacrificado a uma idéia superior e
aos interesses da comunidade” (Monteiro, 1995, p.9). Sendo assim, tal instrumento religioso,
mesmo refletindo conceitos de diversas comunidades, propagou, principalmente nas regiões
de sua influência, conceitos e ações diante da lepra.
As orientações bíblicas de exclusão do leproso do convívio em
sociedade envolviam rituais que marcavam severamente o indivíduo e, conseqüentemente,
repercutiram sobre a hanseníase. Em algumas ocasiões narra-se que chegavam a fazer o
leproso se deitar em covas simbolizando sua morte em vida, davam-lhe vestimenta
característica, uma matraca, para avisar aos sadios de sua proximidade, e uma vara, com
uma cesta na extremidade, por onde receberia as doações. Percebe-se que tais
comportamentos caracterizam estigmas de grandes propagações, principalmente com a
expansão do cristianismo e de demais culturas religiosas seguidoras da Bíblia.
“Estes sinais da doença funcionavam como advertência do que estava
ocorrendo com seu portador e para aqueles que o circundavam indicavam
que, a partir daquele momento, o indivíduo sinalizado deveria ser alvo de
outras formas de relacionamento, ou seja, aquelas destinadas à lepra”
(Curi, 2002, p.53).
Apesar da evolução dos termos e das definições das doenças, a
hanseníase se manteve vinculada à lepra, sendo, até hoje, especificada, em certos idiomas
(leprosy em inglês, lèpre em francês, lepra em espanhol), como tal. Orientações, visando à
quebra desta relação e à diminuição dos estigmas relacionados, buscam definir a doença
referindo-se ao descobridor de seu bacilo, Hansen, assim como já foi feito no Brasil
5
.
Ro
sen (1994) relata que a Igreja deteve grande parte dos
conhecimentos na Idade Média e vinculou o que se entendia como doença aos preceitos da
crença cristã. Acreditava-se que as moléstias surgiam em virtude dos pecados de
4
O
Levítico é o terceiro livro bíblico, dos cinco que compõem o Pentateuco no Antigo Testamento,
que trata de orientações de conduta para a sociedade (Monteiro, 1995, p. 7).
5
Como forma de diminuir o elo entre o passado da doença e seus aspectos negativos, instituiu-se, no
Brasil – lei nº 9.010, sancionada em 29 de março de 1995 – a denominação da doença como
hanseníase, proibindo-se, em publicações oficiais, o termo lepra (Oliveira, 2003).
2
3
indivíduos. Monteiro (1995) narra que “grupos estigmatizados figuravam como “bodes
e
xpiatórios” para justificar catástrofes e epidemias. Entre os responsabilizados pela “ira
divina” estavam os leprosos, e, conseqüentemente, os doentes de hanseníases. Moore
(2006) conta que os inquisidores de Felipe V, na França do século XIV, torturaram e
queimaram centenas de doentes, considerados envenenadores das águas das cidades, dos
quais também tomavam os bens.
“Acreditava-se que estes, dentre outras coisas, seriam capazes de realizar
pacto com o demônio, sortilégios diversos, malefícios e propagação
proposital de doenças e epidemias. Acreditava-se ainda que a simples
presença destes numa comunidade poderia atrair a ira divina” (Monteiro,
1995, p. 51).
“A queima e perseguição de pessoas identificadas como sendo portadoras
de ‘lepra’ pode ser atribuída a uma rie de fatores, porém cabe assinalar
que não se tem registro de queima de tuberculosos, evidenciando, portanto
que a ‘lepranão era vista apenas como uma doença grave, temida e fatal.
Mais do que isso, ela prende-se a toda uma herança milenarmente
arraigada no inconsciente coletivo da ocidentalidade cristã” (Monteiro,
1995, p.54).
Dessa forma, percebe-se que as definições de pecado, por muitos
anos, foram norteadoras do comportamento humano, garantindo, pelo medo de desagradar
a Deus, o controle da sociedade. No entanto, a idéia de punição para as faltas humanas
existia desde a Antigüidade, entre gregos e romanos, como forma de remissão diante das
divindades. Dentre os elementos pagãos absorvidos pelo cristianismo, a relação entre a
doença e a punição divina se perpetuou.
O entendimento do sofrimento como um instrumento divino de
castigo do doente pelas suas faltas insere o doente de hanseníase na condição de objeto e
instrumento de materialização de crenças religiosas, consolidando a idéia de ele ser um
pecador em punição. Dessa forma, a crença religiosa se fortalecia na existência e punição
do mal, e o estigma dos doentes, por sua vez, se fortalecia na crença religiosa (Claro, 1995).
Ainda na Idade Média, julgava-se que os pecados do corpo eram
influenciados pelos desejos sexuais e que as máculas físicas surgiriam em punição a tais
desejos. Por causa das deformações e sofrimento físico, acreditava-se na hanseníase como
resultado de “punição por pecado moral, usualmente sexual e “na [sua] transmissão
venérea e também hereditária” (Claro, 1995, p. 32). Acreditava-se, ainda, que o doente tinha
o objetivo de transmitir a hanseníase como forma de obter a cura e que, por isso, se tornava
agressivo e de grande apetite sexual.
2
4
Curi (2002) entende que o estigma da hanseníase tem origem na
e
stética da doença e se fortalece pelas crenças bíblicas do cristianismo. Ele considera que,
pelo fato de a condição física e o sofrimento dos doentes serem atribuídos à punição pelos
pecados, o contato com eles deveria ser evitado para não haver propagação da
influência. Sobre a propagação pelo contágio, Tronca relata:
“O contágio é o símbolo primário da alegoria cristã, dado que esta se
preocupa principalmente com o pecado e a redenção. [...] Uma análise
histórica do conceito de infecção, por exemplo, demonstra que a palavra
latina inficio significa tingir, manchar ou descolorir, ou manchar algo, no
sentido de tornar impróprio, estragado ou corrompido. De fato, uma
infecção é basicamente uma poluição. Igualmente, o termo contágio indica
uma poluição, especialmente por meio do contato direto” (Tronca, 2000,
p.54).
Como se pode observar, desde sua origem, a estigmatização se
estabelece pelo julgamento da imagem e, conseqüentemente, na velocidade da percepção
daquilo que a define, excluindo, muitas vezes, as possibilidades de o estigmatizado
apresentar outras características suas. Como a hanseníase é uma doença que acomete, em
seu estágio mais grave e representativo, a aparência sica do doente e este aspecto ser,
geralmente, de grande importância para a sociedade, seus estigmas são proporcionais à
degradação deste valor.
Douglas (apud Claro, 1995, p.37) identifica o corpo do indivíduo
como uma reprodução da “estrutura social”, sendo a externalidade seu limite. Assim sendo,
podemos pensar sobre a aparência denegrida do corpo, resultante da doença, como uma
imagem de degradação do valor do indivíduo diante da sociedade. A imagem denegrida do
doente de hanseníase assume importância estética na doença.
Claro (1995) relata que a varíola, “doença milenar” mais contagiosa
e letal que a hanseníase, não acometia seus doentes com estigmas como os dela,
provavelmente por seu quadro não passar pela deformação e pelo longo sofrimento do
doente de hanseníase. “A origem do estigma da hanseníase estaria, então, apoiada em sua
natureza crônica, progressiva e deformante, até recentemente incurável” (Claro, 1995, p.33).
Gandra Jr. (1970) ressalta que, pelo fato de, o estigma estar amplamente vinculado às
deformidades, que podem resultar da doença, será vencido quando existirem formas
eficazes de evitá-las.
2
5
As crenças populares sobre a doença – suas causas, evolução,
t
ransmissão, imunização, cura e tratamento – foram influenciadas por conceitos passados e
fortalecidos pelas narrativas
6
orais e escritas de origens religiosas, literárias, lendárias,
jornalísticas, cinematográficas, entre outras. De onde, somente as descrições físicas,
psicológicas e morais permaneceram memorizadas, sendo as deformidades e
incapacidades as mais persistentes e marcantes.
Apesar de a ciência e a clínica identificarem características reais
menos impactantes para a doença e para seu portador, além do tratamento e da cura, essas
não fizeram parte do conhecimento comum, deixando assim, persistirem as impressões
fantasiosas que compunham o imaginário da sociedade.
”As representações, a produção de imagens pelo discurso estético [...] em
contraponto com o discurso científico [...], conduzem a um intrigante e, ao
mesmo tempo, fascinante universo caleidoscópico, em cujos domínios a
inventiva ficcional e a dimensão daquilo que se convencionou chamar de
realidade se amalgama de uma tal forma que suas respectivas fronteiras se
tornam praticamente indistinguíveis. É verdade que essa realidade
construída e gerida pelo imaginário mesclado com os discursos científicos
também é real, mas apenas na medida em que produz efeitos” (Tronca,
2000, p.15).
Cria-se, mediante a perpetuação dessas imagens e das emoções
resultantes, um mito sobre a doença, o qual Curi (2002) nomeia como “memória mítica da
doença”:
“Aqui o aspecto principal é que, embora o mito possa não ser a verdade,
isto não quer dizer que seja sem valor. A eficácia do mito e não a verdade
é que deve ser critério para pensá-lo. O mito pode ser efetivo e, portanto
verdadeiro como estímulo forte para conduzir tanto o pensamento quanto o
comportamento do ser humano ao lidar com realidades existenciais
importantes” (Rocha apud Curi, 2002, p.48).
Dentro dessa perspectiva, um indivíduo diagnosticado como doente
de hanseníase, mas que não apresentasse as características que o remetessem à imagem
cultural da hanseníase, poderia não se portar nem ser visto como tal, enquanto os
acometidos por outras moléstias que apresentassem características próximas sofreriam
diante dos estigmas destinados aos doentes de hanseníases (Gandra Jr., 1970).
6
Estas narrativas se utilizam do conceito de imaginário como “criação essencialmente psíquica e
indeterminada de figuras, formas e imagens somente a partir das quais se pode falar de alguma
coisa. Nessa concepção, aquilo que chamamos de ‘realidade’ e ‘racionalidade’ é produto do
imaginário. Dito de outra maneira, o imaginário social é aquela dimensão que à funcionalidade de
cada sistema institucional sua orientação específica, que sobredetermina a escolha e as conexões
das redes simbólicas, criação de cada época histórica” (Tronca, 2000, p.15).
2
6
Um aspecto importante da estigmatização é que esta faz com que o
i
ndivíduo perca sua individualidade e seja reduzido a um elemento de um grupo inferior.
Além disso, a condição estigmatizante muitas vezes é tão difundida que até mesmo o
estigmatizado se aceita e se comporta como pertencente a um grupo inferiorizado,
buscando, muitas vezes, o isolamento, por se entender como não aceito pelos não
estigmatizados. Isso porque:
“Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua
inferioridade e dar conta do perigo que ele representa, racionalizando
algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como
as de classe social” (Goffman, 1982, p.15).
Goffman (1982), ao entender o estigma como uma distância entre a
imagem que o indivíduo tem de si e a que os outros têm dele, identifica uma divergência de
identidades. Ao assumir para si a imagem externa, o estigmatizado se submete às
condições impostas, chegando a negar-se como pessoa ou envergonhar-se diante da sua
diferença, justificando, assim, a esquiva social em que se coloca. Amesmo aqueles com
quem os estigmatizados convivem, muitas vezes, não conseguem respeitar nem considerar
os aspectos “não contaminados” que se poderiam prever ou perceber.
“O indivíduo estigmatizado tende a ter as mesmas crenças sobre
identidade que nós temos; isto é um fato central. Seus sentimentos mais
profundos sobre o que ele é podem confundir a sua sensação de ser uma
‘pessoa normal’, um ser humano como qualquer outro, uma criatura,
portanto, que merece um destino agradável e uma oportunidade legítima”
(Goffman, 1982, p.16).
Segundo resultados e conclusões divulgados no trabalho de Claro
(1995), o estigma da doença se apresenta mais intensamente na auto-imagem do doente do
que na visão que seus parentes próximos têm dela. O autor observou três formas de auto-
estigmatização: a “ligada às representações que o indivíduo trazia” a respeito da doença; a
“ligada aos prejuízos na aparência física”; e a “resultante de lesões incapacitantes e
deformantes” que ultrapassava a “questão estética” e trazia “uma rotulação do indivíduo
afetado como ‘aleijado’” (Claro, 1995, p.102).
“O doloroso de uma estigmatização repentina, então, pode ser resultado
não da confusão do indivíduo sobre a sua identidade, mas do fato de ele
conhecer suficientemente a sua nova situação” (Goffman, 1982, p.143).
Uma questão importante, levantada por Goffman (1982), trata de a
definição da imagem do indivíduo ser feita por seus observadores e passada a ele como
verdade constituída, fortalecendo sua distinção social e muitas vezes mitificando e
controlando sua existência. O estigmatizado perde, assim, “o direito à discrição”, pois esta
somente se destina àqueles que não têm “nada a esconder”. Dessa forma,
2
7
”[...] os relatos que advertem sobre as contingências do encobrimento são
p
arte da moralidade que empregamos para manter as pessoas em seus
lugares” (Goffman, 1982, p.95).
Entende-se que a necessidade humana de se relacionar repercute
na busca pela aceitação em seu entorno. A correção do aspecto defeituoso”, muitas vezes
cirurgicamente, mostra aonde o estigmatizado pode chegar para diminuir sua angústia
diante da não aceitação, inclusive dedicando imenso esforço para superar seus limites, até o
ponto de dominar atividades que lhe seriam negadas.
Diante da resposta dos “normais” surge uma insegurança e um
conseqüente isolamento, o que aumenta sua desconfiança, hostilidade, depressão,
ansiedade e confusão interna. Tal isolamento configura uma realidade preocupada com a
avaliação que será feita sobre seus erros, sua capacidade ou sua ameaça. O estigmatizado,
então,
”[...] terá motivos especiais para sentir que as situações sociais mistas
provam uma interação angustiada. Assim, deve-se suspeitar que nós,
normais, também acharemos essa situação angustiante [...] tentaremos,
então, agir como se ele fosse uma ‘não-pessoa’ e não existisse, para nós,
como um indivíduo digno de atenção ritual” (Goffman, 1982, p.27).
O agrupamento de indivíduos segundo seus estigmas representa a
efetivação da não aceitação pelos “normais” e da própria angústia dos estigmatizados diante
da convivência com as diferenças. Por se tratare de indivíduos descaracterizados de sua
completa humanidade, a diminuição do seu universo e de suas oportunidades se confunde
com uma condição normal e aceitável, com uma concessão de benefícios destinados ao
novo caráter que se define.
”Entre seus iguais, o indivíduo estigmatizado pode utilizar sua
desvantagem como base para organizar sua vida, mas para consegui-lo,
deve-se resignar a viver num mundo incompleto. Neste poderá desenvolver
até o último ponto a triste história que relata a possessão do estigma [...].
Por outro lado, ele pode descobrir que os relatos de seus companheiros de
sofrimento o aborrecem e tudo o que implique centrar-se [...] no problema,
é um dos maiores castigos por ter um estigma.” (Goffman, 1982, p.30).
Com a identificação e criação de grupos de estigmatizados surge,
como conseqüência do seu distanciamento, a necessidade de representação destes diante
dos “normais”. Institui-se um porta-voz, igual ou diferente de sua condição, podendo, quando
diferente, definir um subgrupo dos “normais” dentro do meio dos estigmatizados, ou, quando
igual, ele pode reivindicar direitos ou até mesmo fortalecer as diferenças e as condutas
esperadas para tal grupo.
2
8
Claro (1995) afirma que a formação dos grupos definidos por
G
offman (1982) como resultado de isolamento dos estigmatizados se deve a um modo de
defesa destes, buscando espaço para contrariar a ideologia limitante dominante. Defesa
esta que pode ser expressa pela ocorrência de agrupamentos como se apresenta a seguir:
“Em todos os países, em todos os tempos, os leprosos têm uma tendência
natural e espontânea para agruparem-se, movidos pela atração singular
que impele os infelizes uns para os outros. (...) As aldeias de leprosos para
isolamento dos doentes são muito espalhadas na Ásia e na África. Na
China e na Indochina os leprosos são excluídos da sociedade como se
morressem e, nem a eles e a seus descendentes, até a quarta geração, é
permitido casamento, a não ser entre si e no mesmo grau de
descendência” (Rocha, Raul, apud Gandra Jr., 1970, p. 112).
A segregação foi, durante séculos, uma “prática entendida como
correta”, normalmente aceita e “normatizada, primeiro pela religião durante vários séculos e
segundo pela medicina”. Ninguém seria repreendido ou criticado por isolar um doente de
hanseníase, “ou por se recusar a tocá-lo, por suprimir-lhe as ligações afetivas e familiares”.
Tais comportamentos eram tidos como “normais” e “se inseriam socialmente de forma
normatizada e ali encontravam amplo apoio e sedimentação” (Curi, 2002, p.43-4).
Goffman define “três tipos de estigmas nitidamente diferentes”: os
das “abominações do corpo”, os de “culpas de caráter individual”, e os de distinção de grupo
(raça, nação, religião). O doente de hanseníase, neste contexto, pode ser considerado como
acometido pelos três tipos de estigma: quanto ao corpo, onde suas escaras o repugnavam;
quanto a sua culpa, que era reforçada pelo entendimento da doença como um distúrbio
comportamental ou pecado; e, quanto ao confinamento no asilo, compondo um grupo
caracterizado pela condição denegrida da doença. Retirou-se sua condição de ser humano
e a possibilidade de sobrevivência como tal, certamente pela representatividade social da
doença e não somente pelo seu poder de contágio.
Alguns autores entendem a estigmatização também como um
processo de controle do diferente, no qual existe uma concessão de limites sensíveis e
invisíveis para a convivência social, devendo o estigmatizado permanecer “aonde lhe cabe”
sem incomodar a rotina “normal”. Entretanto, a relação com o estigmatizado depende do
quanto este é “responsável” pelo seu estigma, conforme padrões e conceitos morais,
segundo os quais aos “inocentes” cabe acolhimento e, aos “culpados”, a punição. Sob esse
ponto de vista se definiria o doente como um inocente sofredor; no entanto, as diversas
associações históricas entre a doença e o pecado e entre a hanseníase e a lepra resultavam
no enquadramento do doente de hanseníase no segundo tipo, como culpado.
2
9
“Essa necessidade de estruturação origina-se do medo e incapacidade que
o
homem tem de lidar com o caos, procurando assim evitá-lo através da
ordem e da separação de domínios. (...) qualquer elemento que não se
adapte às definições culturalmente postuladas, por sua ambigüidade, por
pertencer a domínios diferentes e incompatíveis, torna-se uma fonte de
perigo e poder incontrolado, desafiando a estrutura estabelecida” (Claro,
1995, p.36).
Desse modo, o imaginário construído diante da hanseníase pode ser
visto como uma “estrutura artificial” que objetivava controlar os eventos apavorantes sobre
os quais não se tinha controle, como a deformação física. Até mesmo, como um instrumento
médico de dominação sobre o doente (Tronca, 2000).
“Medicina e literatura unem-se na apresentação da nova ameaça,
evidenciando uma vez mais a incapacidade da ciência de dar conta de
nossos medos e ansiedades. Arte e técnica unidas [...] não para devolver a
integridade ao homem cindido, mas para, ao menos, apaziguar nossos
medos ancestrais. Arte e técnica alimentando-se mutuamente na
construção de linguagens incapazes de demonstrar a auto-suficiência
pretendida, com certeza pela ciência” (Bresciani, 2000, p.13).
Não somente a doença, o doente e seus familiares, mas também os
espaços a eles destinados passaram a ser estigmatizados. Configuravam-se como
contaminados, independentes da realidade e do perigo envolvido. Quanto maior a
necessidade de “encobrimento” da condição ou situação dos usuários, maior o efeito
moralizante da sociedade sobre o conceito do lugar e de seus ocupantes.
A institucionalização da doença resulta na certeza das diferenças,
principalmente quando a medicina designa um espaço para que os doentes sejam
segregados. As pessoas ali instaladas passam a ser diretamente associadas à moléstia e,
consequentemente, aos seus estigmas. Visando não condenar também seus familiares,
muitos doentes de hanseníases internados mudaram seus nomes e sobrenomes, criando
uma nova identidade para seu novo universo estigmatizado. Do mesmo modo, algumas
famílias desligaram-se de “seus doentes”, buscando evitar a associação aos estigmas,
principalmente referentes à crença na hereditariedade.
Tronca (2000) percebe que a hanseníase foi julgada e entendida
segundo elementos subjetivos relacionados aos medos da humanidade, um exemplo
paradigmático da simbiose entre o biológico e o cultural, uma disputa entre o bem e o mal.
Pois,
3
0
“[...] coabitando com esses sintomas físicos percebidos por nós como
d
oença, fazendo parte da própria natureza, existe uma contraface cultural,
simbólica, que assume frequentemente a forma de alegoria que constrói
e reconstrói as imagens de doença, cujos desdobramentos mal podemos
avaliar [...] [onde] os significados das narrativas ou das representações
coletivas o são necessariamente idênticos à representação que o
enfermo à sua doença [...] [constituindo] essencialmente uma luta
permanente entre o bem e o mal, o vício e a virtude, o pecado e a pureza”
(Tronca, 2000, p.16/18).
Os estigmas da hanseníase se dirigiam para onde o medo e a
repulsa caminhavam e, certamente, estes eram aspectos mais contagiantes que a própria
doença. O histórico dos conceitos e das ações contra a doença e os doentes resultou num
“mosaico aterrorizante que ascende numa escala que vai do simples receio, passando por
um medo fugaz, ao terror social” (Curi, 2002, p.37). Entretanto, Orestes Diniz (apud Curi,
2002, p.38) entende que essa psicose sobre a hanseníase tem sua origem mais voltada à
“concepção deformada acerca do mal” do que ao medo que seria razoável ter da doença.
O declínio da epidemia de hanseníase no final da Idade Média
provavelmente pelo fato de a tuberculose ter dizimado grande parte da população pobre,
onde se situava a maioria dos doentes de hanseníases (Gould, 2005) desacelerou o
processo de estigmatização. Entretanto, no século XIX, a atração populacional promovida
pela industrialização, baixos salários, más condições de vida e de habitação, a que se
submetia grande parte da população produtiva, trouxe a hanseníase, que não havia se
extinguido totalmente, de volta como uma epidemia.
Tronca (2000) narra que a ameaça de uma nova epidemia de
hanseníase, no século XIX, esteve envolvida com questões de interesses territoriais e
comerciais, em que o Oriente
7
e sua população foram os principais alvos de teorias
e ações
sociais e, inclusive, médicas. Surgiram novos estigmas relacionados com as diferenciações
raciais que definiram as teorias e práticas eugênicas assunto que será tratado
posteriormente neste trabalho.
7
O
Oriente, principalmente a China, antes da evolução dos processos produtivos de larga escala,
atraía o interesse europeu principalmente por suas porcelanas. A partir de quando começou a
reprodução industrial de tais produtos e com a necessidade de expansão comercial, os orientais
deixaram de ser vistos como produtores e passaram a compor um atraente mercado consumidor.
Definia-se, assim, uma relação hostil entre tão diferentes nações cuja desigualdade passou a ser
vista como um argumento para a desvalorização racial. Diversos conflitos marcaram, a partir da
segunda metade do século XIX, as relações entre o ocidente industrializado e o tradicional oriente
asiático. “Agora que a tecnologia ocidental dominara a manufatura dos artefatos estéticos chineses e
as potências do Ocidente começavam a enxergar a China como um objetivo da expansão
colonialista, a imagem positiva de uma antiga civilização, com suas refinadas formas de ciência e de
arte foi revertida. A ciência chinesa transformou-se em pura curiosidade antiquária, ou era alvo das
zombarias ocidentais, como sinal da decadência de sua civilização” (Tronca, 2000, p. 46).
3
1
Também os negros, os chineses e os havaianos foram
r
esponsabilizados pelo retorno e propagação da hanseníase, principalmente, com base na
crença científica médica de que tais etnias seriam propensas à doença.
“Certos povos e etnias, principalmente, chineses, outros asiáticos e negros,
estavam sendo identificados como populações prevalecentemente
leprosas. Casos e mais casos, reais ou imaginários, eram relatados no
exterior. Acreditava-se que a lepra estava aumentando em níveis
alarmantes, a tal ponto que os europeus ‘haviam cessado de demonstrar
imunidade à doença, que se supunha ser seu privilégio’” (Tronca, 2000, p.
39).
A diferença religiosa entre nações também favoreceu a distinção e a
caracterização negativa de raças não cristãs, cujas idéias de pecado e perversão se
fortaleceram, principalmente vinculadas aos processos de cura e tratamento de doenças.
Tal diferenciação tinha o objetivo de estigmatizar o diferente e valorizar aquilo que se queria
disseminar, o cristianismo.
“E os religiosos não deixaram por menos: disseminaram uma genérica
‘indignação moral’ com qualquer coisa encontrada ou vista [...]. [De] certo
ponto de vista, tal atitude era compreensível: os missionários [...]
perseguiam um absoluto: a perfeita conversão dos bárbaros e pagãos ao
cristianismo, uma conversão que continha em si o próprio conceito de
‘civilização’” (Tronca, 2000, p.46-47).
A suposta superioridade das sociedades cristãs refere-se também
ao vínculo destas às novas tecnologias, até mesmo aplicadas sobre a ciência, fazendo com
que os conceitos cientificamente estabelecidos representassem a verdade indiscutível que
deveria também ser difundida. Nesse contexto, a descoberta do bacilo de Hansen
transformaria a relação diante da doença e do doente, propagando o isolamento e as
crenças eugenistas sobre a hanseníase.
Tendo como base o conceito da raça, os estigmas da hanseníase
passaram a não somente negativar a humanidade dos grupos identificados na Idade
Média como leprosos, como também a definir novos grupos diante dos quais deveria existir
o temor da propagação da doença.
“[...] o ‘perigo’ é construído como se viesse sempre do ‘exterior’ [...]
respaldado por teorias epidemiológicas que mal conseguem disfarçar seus
pressupostos fundados seja no preconceito racial, seja na ideologia
política” (Tronca, 2000, p.42).
A estigmatização de raças, por questões de interesses comerciais e
religiosos, se associou à propagação das epidemias. Ocorre um retorno histórico na busca
de bodes expiatórios para assumirem a culpa dos males, novos ou remanescentes, que
ameaçavam a produtividade. Inclusive no Havaí, colônia americana, a coincidente
3
2
epidemia, associada à migração chinesa, fortaleceu a idéia de que os chineses tinham
tr
azido tal epidemia para o continente.
“Com a epidemia no Havaí, a lepra conhecida pelos europeus como uma
doença pertencente exclusivamente ao passado passou a ser observada
na carne (...) entre povos estrangeiros, de terras distantes, recentemente
anexadas pelo movimento expansionista ocidental (...) foi a única das
grandes moléstias que povos ‘inferiores’ podiam transmitir para o
‘civilizado’ Ocidente. (...) O receio, evidentemente, era de que a lepra
alcançasse o centro da civilização ocidental” (Tronca, 2000, p. 40).
Leis e decretos foram sancionados nos EUA visando ao controle de
raças tidas como inferiores e prejudiciais ao desenvolvimento da sociedade americana.
Entre elas se destacavam os negros e os chineses. Fortalece-se, assim, um consenso social
diante da relação entre as raças e o risco de contaminação pela hanseníase que Tronca
(2000) apresenta por meio da identificação de alegorias literárias criadas sobre os doentes e
que reforçaram, entre os séculos XIX e XX, as características degradadas definidas para
representar o doente desde a Antigüidade.
“A literatura e, infelizmente, a história apresentam o tipo oposto ao lugar
sagrado, que chamamos comumente de ‘inferno’. As prisões o tais
lugares, sejam elas ‘reais’ ou ‘prisões literárias’. Acrescentaria, estendendo
o olhar para além das prisões, os lugares da doença e dos doentes
hospícios e leprosários como a ilha de Malokai ou mesmo instituições
tecnicamente mais sofisticadas, como os asilos-colônias para leprosos que
se espalharam por vários países do Ocidente durante toda a primeira
metade do século XX” (Tronca, 2000, p.55).
Surgem os conceitos sobre o contágio da doença, os quais
defendiam o isolamento como forma de proteção das populações sadias. O perigo agora
estava “cientificamente” embasado e, conforme veremos no próximo capítulo deste trabalho,
as ações que partiam dos médicos eram indiscutivelmente aceitas e defendidas por toda a
população. Nesse contexto surgem os Asilos Colônias e demais instalações criadas para
exclusão, controle e extinção dos focos de transmissão da hanseníase, tendo como base
teorias eugenistas estigmatizantes. Percebe-se que nesse período de avanço tecnológico e
científico, as explicações sobre a doença servem para renovar estigmas persistentes desde
eras antigas.
Podemos, então, entender os estigmas da hanseníase como tão
fortemente embasados nos argumentos físico, estético e científico que firmaram a decisão
de isolar aquilo que não se queria por perto. Talvez não tenham sido os estigmas os
promotores do isolamento e, sim, a defesa deste, principalmente porque os estigmas
variavam conforme os preceitos de cada época, mas a postura isolacionista sempre
persistia, fosse por critérios culturais, religiosos ou raciais. Conforme Gandra Jr. (1970), os
3
3
estigmas se estabeleciam sobre os valores mais importantes para a sociedade”, fossem
e
stes estéticos, produtivos ou eugênicos, comprováveis ou não.
1.4 As ações contra a hanseníase
As enfermidades são intrínsecas à vida. Sempre foram temidas e
combatidas, talvez por reforçarem a fragilidade do homem ou simplesmente por provocarem
sofrimento. Ao longo da história, as crenças sobre o surgimento de doenças e as ões
contra elas permearam o universo da realidade e da imaginação. Os mesopotâmios, alguns
milênios antes de Cristo, acreditavam que a cura das doenças era atribuída à invocação dos
deuses para o extermínio dos demônios. Os gregos, no século V a.C., atribuíam a condição
de saúde e de doença à harmonia entre o homem e a natureza
8
. Os cristãos, na Idade
dia, relacionavam freqüentemente as moléstias aos pecados, diabo e feitiçaria (Rosen,
1994).
A presença constante de uma doença em uma população, por um
largo período de tempo, configura-se como uma epidemia (Rouquariol, 1999). Diversas
epidemias assolaram comunidades em diferentes épocas, reforçando-lhes o medo diante
das doenças. Buscando a proteção dos sadios e eliminação dos males, em prol da
manutenção da ordem social, tomavam-se medidas de controle, conforme as crenças, sobre
as doenças. A urgência e necessidade de cura resultaram em importantes descobertas
técnicas e científicas que transformaram a medicina, seus espaços e procedimentos.
Uma das doenças que continuamente esteve presente entre a
humanidade foi a hanseníase, cujo processo de disseminação apresentamos anteriormente.
Apesar de não ser tão mortal quanto outras doenças, a deterioração da aparência e de
capacidades do indivíduo fazia com que a hanseníase sempre fosse temida e que tivesse
seus doentes repudiados.
Os aspectos sociais das manifestações epidêmicas da hanseníase
repercutiram fortemente na evolução da sua terapêutica. Diversos relatos históricos da
Antigüidade narram o costume de excluir o doente de hanseníase do convívio em sociedade
como forma de afastar o mal. Nesse período, as doenças não eram entendidas nem
8
Relações entre a doença e o meio físico foram pela primeira vez tratadas no livro “Ares, Águas e
Lugares”, “Aeron, Hidron, Topon” em grego, por Hipócrates (Rosen, 1994, p. 37).
3
4
distinguidas como são hoje, sendo agrupadas e tratadas segundo as semelhanças dos
s
intomas.
Conforme apresentamos, a repulsa, o estigma e o medo diante da
hanseníase foram reforçados, principalmente no Ocidente, pela situação da doença entre as
disfunções definidas como lepra pelo livro bíblico Levítico
9
, dando-lhe um caráter religioso e
de
finindo seu portador como um impuro pecador. Os capítulos desse livro bíblico contêm
versículos que tratam especificamente da lepra, seus sintomas, formas de diagnosticá-la, a
anamnese e os procedimentos para a exclusão do doente (Monteiro, 1995). Entretanto,
entendia-se, provavelmente pela coexistência de doenças menos graves que a hanseníase,
junto à definição de lepra, que o leproso era passível de cura e aceitava-se seu retorno à
comunidade como alguém perdoado e receptor de milagres.
As civilizações judaico-cristãs, na Europa da Idade Média, seguindo
os preceitos religiosos, expulsavam seus doentes de hanseníases e os demais doentes de
pele que se enquadrassem como leprosos, dos limites de seus povoados e cidades. O ritual
de expulsão do doente pecador acontecia na missa dominical e se definia como uma
passagem do indivíduo para a morte. Esse era apresentado ao altar sob um capuz preto e
condenado como pecador e impuro. Recebia vestimentas especiais que o distinguiriam e
passaria a se anunciar como “impuro, impuro” para que pudesse ser evitado. Portaria
também uma vara com um vasilhame na ponta que serviria para receber qualquer donativo
e evitar o contato com os sadios.
Os doentes expulsos das comunidades se juntavam em habitações
coletivas construídas próximas às estradas, onde mendigavam e viviam em péssimas
condições de higiene, abrigo e alimentação. Muitas vezes tais instalações eram edificadas
pela sociedade sadia, garantindo a segregação do indivíduo doente. Contraditoriamente aos
perigos que representavam, em algumas datas festivas lhes era permitido ir às cidades
esmolar, como forma de caridade dos sãos e de valorização do caráter religioso e redentor
dos eventos, que a lepra, que caracterizava a doença hanseníase, era vista como curável
pela remissão dos pecados (Monteiro, 1995).
Ornellas (1997) relata que os sentimentos de aversão contra os
doentes da hanseníase, enquadrados como leprosos, fortaleceu-se na Idade Média pelo fato
9
No Levítico, o relato da lepra inclui também “manchas em panos de vestimentas e paredes de
casas” (Antunes, 1991, p.83). Yara Nogueira Monteiro assinala, em seu trabalho sobre a história da
hanseníase, que os sintomas descritos no texto da Bíblia nos remetem a uma gama de doenças de
pele e de fungos que acometem materiais como pedras e tecidos. Talvez por isso a “lepra blica”
apareça como passível de cura (Monteiro, 1995).
3
5
de a doença ter acometido mais pessoas, em conseqüência do agravamento das más
c
ondições de vida e dos contatos entre povos distintos através das Cruzadas, o que,
associado ao misticismo e superstições, tornava a população mais vulnerável ao medo. A
autora narra, ainda, que o caráter religioso das Cruzadas definiu a Igreja como importante
aliada no controle da doença, talvez por um sentimento de responsabilidade diante da
disseminação resultante das disputas e invasões territoriais promovidas.
Os conceitos religiosos influenciaram profundamente a sociedade
medieval, definindo, principalmente, os pecados como parâmetros de julgamento. Dessa
forma, o entendimento da doença como castigo pelas faltas colocava o doente numa
posição de ameaça aos bons preceitos e às relações sociais. A presença do doente pecador
no meio da população sadia era vista como uma influência maligna. O medo diante das
punições aos pecados conseguia convencer até mesmo os mais próximos sobre o perigo
que o doente representava, fazendo com que o ato de escondê-lo também fosse visto como
um desagrado a Deus. A doença era entendida como castigo e o sofrimento dela resultante,
como remissão.
Tony Gould (2005), no entanto, expõe que a idéia de a doença ser
um castigo aos pecados colocava o doente numa posição “importante” diante da Igreja, pois,
conforme a crença da época, a morte após o sofrimento da penitência seria o caminho certo
para a remissão e, conseqüentemente, o paraíso. Supervalorizava-se o sofrimento como
forma de aproximação de Jesus crucificado. Alguns religiosos chegavam a desejar ficar
doentes para serem dignos de tal desígnio. Nesse contexto, os locais destinados aos
cuidados com os leprosos chegaram a se configurar como casas religiosas às quais era um
privilégio pertencer e onde a desobediência era punida com a expulsão e o retorno à vida
miserável do seu exterior. O autor mostra, também, que o objetivo prático da segregação
nesses estabelecimentos, denominados leprosários, baseava-se, principalmente, no
controle do uso pelos doentes miseráveis, da água que abastecia os sãos.
Moore (2006) mostra que a submissão aos preceitos aplicados em
tais leprosários ocorria por serem elas opções de sobrevivência para os doentes, diante da
miséria que o isolamento social promovia, reforçada por ações governamentais de controle
à mendicância nas cidades.
Os leprosários surgem, no século XI, como iniciativas da “piedade
religiosa” e se disseminam por toda a Europa. Construídas fora das cidades, abrigavam
cerca de vinte doentes em pequenos edifícios, onde viviam “relativamente livres”, em
família, sobrevivendo do cultivo da terra. Na maioria dos estabelecimentos, vigoravam as
3
6
péssimas condições de vida e o rigoroso controle das fugas. A Grã-Bretanha chegou a ter
d
uzentos leprosários, e a França, mais de dois mil. A assistência prestada se resumia aos
cuidados de enfermaria, sem referências médicas (Ornellas, 1997).
“O recrudescimento da lepra resgata os conteúdos segregadores do texto
bíblico, mas leva em conta, ao mesmo tempo, a realidade das condições
em que as pessoas vivem; assim, o modelo asilar do período medieval,
embora pleno daqueles conteúdos, constitui uma invenção de uma nova
forma de lidar com a doença.” (Ornellas, 1997, p. 64)
L
eprosário de St. Georges, século XVI (Thompson & Goldin, 1975, p.49).
Tais leprosários representaram, dentro da evolução da humanidade
diante das enfermidades, a primeira iniciativa de se isolar uma doença em um espaço
específico, buscando controlar uma epidemia. Normalmente constavam de uma igreja e de
habitações coletivas, eram edificadas dentro de muros, situadas fora dos domínios das
cidades, mas ainda próximas a estas. Assim, a hospitalidade cristã formulou, na Idade
Média, os primeiros hospitais como espaços de assistência, conforto espiritual e serviços de
enfermagem, principalmente destinados aos doentes de hanseníases (Ornellas, 1997).
Nessa época a medicina não se inseria no sistema hospitalar e as ordens religiosas,
baseadas nos preceitos de Santo Lázaro, possivelmente um doente de hanseníase,
assumiam os cuidados dos doentes e daqueles definidos como leprosos.
37
A
maioria dos hospitais era de pequeno tamanho e acomodava
poucas pessoas, separadas por sexo. Muitos deles eram patrocinados por comerciantes que
buscavam indulgências religiosas. Tais estabelecimentos medievais preocupavam-se em
restaurar o espírito e depois o corpo. Acreditava-se que os doentes e desfavorecidos tinham
a obrigação cristã de passar o tempo rezando pela salvação das almas dos contribuintes. A
admissão do doente dependia de ele se comprometer a orar por outras pessoas. A maioria
das enfermarias situava-se dentro das naves das igrejas para favorecer os rituais religiosos.
Os receptores das orações normalmente eram os patrocinadores da instituição, os
dirigentes e seus familiares (Rawcliffe, 1984).
St.
John’s Hospital (Thompson & Goldin, 1975, p.28-9).
Grandes donativos deveriam se converter em melhores condições
de abrigo e cuidado para os doentes, entretanto ocorriam fraudes e apropriações de
recursos. Economizava-se assim na qualidade da assistência. Padres e capelães passaram
a cuidar desses estabelecimentos sob a supervisão do prefeito ou de um membro da
sociedade. Rawcliffe (1984) tal associação como resposta à má imagem adquirida pelos
administradores religiosos nos hospitais, ou simplesmente como um “aumento do senso
corporativo de responsabilidade” que crescia, na época, quanto à saúde pública.
Com a diminuição do poder da Igreja, no final do período feudal, o
Estado Absolutista assumiu gradualmente o controle dos estabelecimentos de cuidados aos
doentes e instituiu a doença como um problema público que deveria ser tratado com a
contribuição de todos, por meio da cobrança de impostos. Nessa época, a idéia de
3
8
isolamento deles, como forma de conter as epidemias, popularizava-se e o controle dos
d
oentes se tornava mais rigoroso. Os hospitais que abrigavam os doentes de hanseníases
empregavam severos regulamentos de funcionamento e conduta sobre os internos,
semelhantes aos das ordens religiosas. As atividades físicas e o trabalho eram aplicados
aos doentes fisicamente capazes, visando ocupá-los tanto para a manutenção das
instalações como para evitar a ociosidade e possíveis rebeliões (Risse, 1999).
Entendemos que as práticas médicas se estruturavam na sociedade
segundo os objetivos econômicos e políticos. Quando a doença passou a ser um problema
para a produtividade e com o surgimento da anatomia moderna, no século XVI, a medicina
assumiu um novo caráter e se aproximou dos hospitais. Estes se transformaram em
instituições de pesquisa das doenças. Entretanto, o destino do doente permaneceu como
um problema social. Instaurou-se a divisão entre estabelecimentos para a cura de doenças
e para o isolamento de doentes incuráveis, loucos e improdutivos.
O conhecimento sobre os processos da doença, promovido pela
ciência, fortaleceu o desejo do isolamento das ameaças, como os doentes de hanseníases.
Buscou-se, a partir de então, o hospital como forma de cura para os males do corpo,
definindo os asilos para a exclusão (Ornellas, 1997). A descrição das doenças pelos
médicos deu-lhes o poder de criar perfis de pessoas, como saudáveis e doentes, produtivas
ou improdutivas, logo, incluídas ou excluídas da sociedade (Donnangelo, 1976). Dessa
forma,
“[...] a medicina se consolida enquanto instituição de cuidados e
tratamentos dos doentes e, ao mesmo tempo, enquanto instituição de
poder em relação às questões de saúde e doença e às relações sociais
delas derivadas” (Ornella, 1997, p. 30)
Segundo Ornellas (1997), a constante presença de doenças na
sociedade gerou uma preocupação que se converteu em responsabilidades diante dos
doentes, cabendo ao poder público conter a insegurança da população sadia mediante
ações sobre os indesejáveis, transformando as instituições hospitalares em mediadores
“[...] do Estado, desempenhando ao mesmo tempo uma função repressiva
e a tarefa permanente de evitar os conflitos e dissimulá-los. Têm, nesse
caso, uma função claramente de encobrimento ideológico. E, como não
dependem para existir, do consenso dos cidadãos, o fundadas no poder
do Estado, que as mantém pelo medo, e cujo poder, ao mesmo tempo,
consolidam” (Lapasse, apud Ornellas, 1997, p. 51).
A internação dos doentes de hanseníases nos asilos ficou vinculada
às questões de saúde pública, sendo eles administrados por prefeitos e membros da
comunidade. Criou-se neles uma política administrativa na qual os gerentes alternavam-se
3
9
entre diferentes grupos. Acreditava-se, que para manter a hanseníase distante, dever-se-ia
t
er responsabilidade na administração dos asilos, atendendo exclusivamente tais doentes,
sem distinção religiosa.
“Este estabelecimento singular, lugar de confinamento e asilo e, às vezes,
de tratamento e cuidado, expressa a necessidade de uma nova
organização da cidade, que deve excluir os loucos, os leprosos, os
contagiantes. E com ele instaura-se uma medicina do controle do espaço
social o hospício, a instituição de exclusão local seguro e terapêutico.
Uma medicina que constrói espaços próprios para as doenças e, não
podendo curá-las, controla os seus portadores: delimita seu espaço,
ordena sua conduta” (Ornellas, 1997, p. 46).
H
ospital de Harbledown, século XVIII (Rawcliffe, 2006, p.306).
Segundo Gould (2005), o declínio da hanseníase no final da Idade
Média se deveu ao fato de a tuberculose ter se sobreposto a ela e se instaurado entre os
próprios doentes, matando-os e eliminando possíveis focos de sua disseminação.
Entretanto, Carole Rawcliffe (1984) afirma que a diminuição do atendimento ao doente de
hanseníase não foi resultado de queda na prevalência da doença, e sim, da má
administração e do rigor disciplinar instituídos nos asilos que, repeliram os doentes. Tais
estabelecimentos continuaram existindo em menor escala, principalmente sob a égide de
ordens religiosas.
A pouca verba e a diminuição do número de internamentos
transformaram muitos asilos em casas de caridade miseráveis e desorganizadas.
Constantemente reivindicava-se a expulsão dos doentes de hanseníases das cidades. Por
passarem a acolher diferentes tipos de necessitados, tais instituições, temendo o contato
entre os doentes, não abrigavam mais os doentes de hanseníases.
4
0
“Dada esta infeliz circunstância, padecedores da hanseníase geralmente
n
ão seriam molestados se eles se mantivessem na reclusão, mas
procedimentos continuavam a ser tomados contra a exposição de sintomas
que a sociedade ainda tinha como extremamente contagiosos” (Rawcliffe,
1984,p. 7).
Os serviços médicos, com o declínio das instituições de atenção à
saúde na Idade Média, tornaram-se privilégio de pagantes. Essas ainda atendiam os pobres,
mas a má qualidade dos serviços prejudicava a saúde do indivíduo promovendo a busca por
outras soluções mais acessíveis e confiáveis. Neste contexto os estudos científicos sobre as
doenças favoreceram a valorização de ações preventivas diante das ameaças de
epidemias, mediante a instituição de cuidados com a higiene, com a dieta alimentar e
também a implementação da qualidade do ar e da água.
Somente a partir do século XVIII, com o desenvolvimento de
pesquisas médicas sobre as condições de higiene das instalações, as instituições
hospitalares se tornaram referência na solução de problemas de saúde. Até então os
preceitos de higiene que visavam à prevenção por meio do fortalecimento da saúde
difundiram-se em detrimento da deficiência do atendimento hospitalar.
Aquilo que se acreditava ser melhor para a saúde do indivíduo
passou a ser valorizado e instituído nas cidades, como princípios de saúde pública,
principalmente vinculados à manutenção da força produtiva trabalhadora e ao
desenvolvimento comercial. Como o crescimento das relações comerciais internacionais e
dos processos migratórios, no século XIX, favoreciam o intercâmbio de doenças entre os
territórios, as preocupações quanto à interferência das epidemias nas questões econômicas
determinaram o controle da comunicação e da troca de mercadorias entre as cidades e as
nações. Monteiro (1995) narra que:
“As moléstias infecto-contagiosas ameaçavam o comércio internacional,
tendo os navios se tornado meios de contaminação, forçando a adoção de
sérias medidas de controle dos portos e embarcações; os movimentos
demográficos, em especial a imigração, tornaram-se objeto de
preocupação nos meios governamentais e passaram até mesmo a sofrer
restrições na área jurídica” (Monteiro, 1995, p. 125).
A “eficiência das medidas sanitárias” se definia por meio de “ações
globais”, diante das epidemias, em que órgãos internacionais propunham “programas de
cooperação científica e orientação às regiões afetadas”. Entre as doenças que apareciam
como obstáculo para o crescimento comercial e econômico, estava a hanseníase. Enquanto
esta diminuía sua prevalência na Europa, instalava-se nas demais partes do mundo
(Monteiro,1995).
4
1
D
entro desse contexto, a Noruega se destacou como um importante
centro de pesquisas sobre a hanseníase, em decorrência do impacto econômico que o
número de doentes causou em seus domínios. Já nas primeiras décadas do século XIX, os
pesquisadores noruegueses Daniel Cornelius Danielssen e Carl Wilhelm Boeck
apresentaram, em um atlas colorido, as distinções da hanseníase diante de outras
dermatoses buscando facilitar seu diagnóstico (Joseph, 2003). Tamanha dedicação
científica à doença resultou na descoberta de seu bacilo pelo médico norueguês Amauer
Hansen.
“[Ele] desvelou o micobacterium leprae [em 1873], agente causador da
moléstia, pondo por terra a idéia de hereditariedade por muitos defendida e
comprovando a sua natureza infecto-contagiosa. A comprovação de seu
caráter infecto-contagioso fez surgir a teoria de que o isolamento do
enfermo propiciaria a extinção do mal, incentivando a adoção de um
modelo de tratamento baseado no cerceamento da liberdade em grandes
instituições de isolamento” (Mattos e Fornazari, 2005,p.48).
Tal descoberta fez com que, na segunda metade do século XIX, o
governo norueguês organizasse Comitês de Saúde que realizariam trabalhos educativos
sobre os cuidados a serem tomados para a prevenção à transmissão da doença em seu
território. O isolamento dos doentes, como forma de controlar a propagação do bacilo,
caracterizou a segregação como importante elemento no tratamento da doença.
A Noruega, no entanto, distinguia suas ações de isolamento de
acordo com a potencialidade infecciosa do doente, mesclando o isolamento institucional,
para os mais infectantes, com mudanças de atitudes domiciliares diante dos doentes menos
infecciosos. O doente somente era isolado quando não seguia as orientações de higiene
doméstica definidas pelos inspetores de saúde noruegueses, tais como separação de
quarto, cama, roupas e utensílios para seu uso exclusivo.
O grau de exigência dos procedimentos domiciliares e a dificuldade
em cumpri-los levaram a um grande mero de internamentos, principalmente pelas
dificuldades das famílias em reservar cômodo e utensílios individuais. Vale ressaltar que
grande parte das famílias acometida pela doença, na época, vivia em extrema pobreza e
em espaços exíguos. Acreditava-se que o mais importante era não contaminar o sadio.
Dessa forma, ou se retirariam os sadios das cidades, ou os doentes, dependendo a escolha
somente do poder exercido por cada grupo. Tendo a opinião pública contra eles, aos
doentes restava o isolamento.
Em razão das condições de vida das classes trabalhadores, as
doenças acometiam principalmente os pobres. Assim, os procedimentos higiênicos
fundamentavam a segregação espacial de classes sociais. Interesses higienistas e
eugenistas se fortaleciam, diante da hanseníase, à medida que o modelo segregacionista
4
2
norueguês se difundia entre os demais países e suas colônias. A grande incidência de
h
anseníase na China, África e Índia fortalecia conceitos de valorização da raça branca. O
medo diante do retorno da epidemia de hanseníase que assolou a Europa, durante a Idade
Média, fez com que o controle dos focos epidêmicos visasse principalmente à preservação
da integridade do continente europeu.
Joseph (2003) mostra que os estudos científicos do século XIX e a
descoberta de Hansen caracterizaram biologicamente a hanseníase, eliminando grande
parte do poder religioso sobre os doentes, transformando ações filantrópicas em
governamentais. Até mesmo o fato de o Padre Damião ter sido acometido pela hanseníase
quebrou a crença, presente até então, de que somente os impuros e pecadores estariam
suscetíveis à doença, enfraquecendo as relações desta com a religiosidade.
As nações vistas como inferiores e que apresentavam grande
número de casos de doentes assumiram nova posição no cenário médico mundial,
despertando, para as questões da hanseníase, a mesma atenção que o cólera já havia
assumido como ameaça à saúde. Nessa época existiam ações conjuntas para o controle
da disseminação de outras moléstias, como a Liga Internacional de Combate à
Tuberculose.
A emigração de pessoas provenientes de regiões endêmicas
despertou a atenção dos países de grande poder econômico, que formaram Comitês
Internacionais para o controle da hanseníase. Pandya (2003) relata que as moléstias que
ameaçavam os interesses comerciais desses países obtinham atenção especial e se
transformavam em temas para as Conferências Sanitárias Internacionais ocorridas
anualmente.
Diante da ameaça do contágio da hanseníase, ocorreu em 1897 a
Primeira Conferência Internacional de Leprologia, onde estratégias profiláticas deveriam ser
discutidas entre os países. Acusava-se o governo e a população – das regiões endêmicas –
de negligência e inatividade, favorecendo a disseminação da hanseníase e o retorno desta
como uma pandemia
10
. Sugeria-se, também, a formação de um comitê permane
nte para o
controle da doença, composto por membros dos “países civilizados” que supervisionariam
ações por todo o mundo, pois se acreditava que:
“A supressão e prevenção da lepra...somente poderá ser alcançada pela
sua repressão através do isolamento do leproso. Nós precisamos obter o
efetivo e completo isolamento com o consentimento dos governantes; nós
queremos que as medidas necessárias sejam tomadas, em todo lugar,
rigorosamente, e que o principio do isolamento se transforme em uma
10
- Pandemias são endemias de grandes proporções, que podem atingir escalas mundiais.
4
3
prática, com todas suas conseqüências, todas obrigações e esforços que
i
sto possa implicar” (Ashmead, 22/1/1897, apud Pandya, 2003, p.168).
Acusava-se o governo indiano de inatividade diante dos problemas
da hanseníase e dizia-se que tal comportamento refletia o temperamento despreocupado e
insubordinado de seu povo perante as leis da Grã-Bretanha. Em resposta a esta
perspectiva, medidas rigorosas de controle para a emigração indiana foram sendo tomadas
por todos os países que se sentiam ameaçados (Pandya, 2003).
As questões de isolamento e controle foram apresentadas na
Primeira Conferência como primordiais, em detrimento de qualquer discussão sobre a
patologia e tratamento da doença. Quase duas centenas de cientistas se reuniram
subdivididos em delegações de diferentes países. Tal evento se baseou na descoberta de
Hansen e na discussão da doença como contagiosa e transmissível por um bacilo. A prática
do isolamento obrigatório, baseado na experiência da Noruega diante da dificuldade de se
instituírem medidas higiênicas domiciliares entre os doentes e seus familiares, foi tida como
responsável pelo controle da doença nesse país e referenciada como modelo de ação pelo
próprio descobridor do bacilo.
“Eu acredito, que os resultados das regras praticadas na Noruega são o
resultado do isolamento... Onde existem muitos leprosos, isolamento
domiciliar é insuficiente, e o cuidado institucional deve ser prestado ao
isolado” (Amauer Hansen, 1897, p. 165, apud. Pandya, 2003, p. 171).
Pandya (2003) acredita que a idéia de que a Noruega assumiu uma
postura “harmoniosa e humanitária” é questionável, pois seus procedimentos foram
resultados da imposição de força e da “manipulação da opinião pública”, reforçada pela
credibilidade científica de Amauer Hansen, que se revelava a favor da segregação:
“Eu viajo por todo o país, onde vivem os leprosos... Nossas palestras sobre
as regras de limpeza e isolamento dos leprosos não são aceitas. Leprosos
nunca aceitam que podem ser perigosos para seu semelhante, e
naturalmente o querem que sua liberdade seja restringida; daí eu
providencio que pessoas saudáveis assistam a nossas palestras. As
pessoas saudáveis entendem que... é importante o ter contato com os
leprosos. Se eu consigo isto deles meu objetivo é alcançado. Na Noruega
nós conseguimos que o leproso que precise de empregado não encontre
um” (Abraham, 1897; Hansen, 1897, apud Pandya, 2003 p. 172).
Acreditava-se que agindo dessa forma a hanseníase seria eliminada
da Noruega até o século XX e que se tais procedimentos se expandissem por todo o mundo
a doença seria erradicada. Para tanto se propunham as seguintes resoluções:
“[...] a lepra poderia ser prevenida através do isolamento; o sistema de
registro compulsório, controle e isolamento como praticado na Noruega era
recomendado; em cada país às autoridades sanitárias seriam permitidas
regulagens conforme suas ‘condições sociais particulares’, com a
permissão de seus governos” (Hansen, 1897, p.165, apud Pandya, 2003, p.
172).
4
4
P
andya (2003) ainda mostra que a Índia e seus representantes da
colônia britânica não participaram de tal evento, pois não compartilhavam das idéias
segregacionistas, acreditando que tal procedimento favorecia o acobertamento de casos
por familiares, evitando o aprisionamento forçado do doente. A experiência indiana também
comprovava que, apesar da grande quantidade de leis aplicadas para o controle da doença,
na prática este não se concretizava. Já os hansenólogos britânicos se defendiam diante das
acusações de descaso quanto à epidemia indiana, afirmando que todos os procedimentos
sugeridos no congresso não haviam obtido o êxito esperado e que a experiência indiana
comprovava a inviabilidade econômica de controlar uma população tão grande de doentes
em um imenso território:
“[...] onde os leprosos são numerosos, e seus amigos também [...] e não
desejosos de serem separados deles, qualquer medida rígida de
isolamento e segregação se torna impossível” (Abraham, 1897, p.180,
apud Pandya, 2003, p. 173).
Apesar do isolamento do doente ter se transformado no cerne das
questões sobre a doença, somente na Terceira Conferência Internacional de Lepra,
ocorrida em 1923, a “comunidade científica” aceitou, efetivamente, que a doença era
propagada por um bacilo. Muitos cientistas, até então, acreditavam na hereditariedade em
virtude da grande incidência da hanseníase entre membros de mesma família (Monteiro,
1995). No entanto, em razão da dificuldade de cultivo e pesquisa das características do
bacilo, as ações de isolamento se tornavam paliativas diante da propagação da doença.
Monteiro (1995) define como “Isolacionista” a posição partidária da
segregação compulsória, institucionalizada e irrestrita, baseada em uma vertente da
atuação norueguesa; e como “Humanista”, é desfavorável ao isolamento compulsório para
todos os tipos de doentes de hanseníases. O estudo de “dados epidemiológicos colhidos
em locais onde havia sido implantado o modelo isolacionista” (Monteiro, 1995, p.126) levou
“renomados hansenólogos” a questionarem a efetividade do isolamento.
Os britânicos, que haviam observado o fracasso do isolamento
institucional na efetivação do controle da hanseníase em suas colônias, acreditavam que a
separação das pessoas de seus ambientes favorecia o acobertamento e que a ausência de
tratamento e cura da doença desvelava o interesse segregacionista das instituições criadas.
Ernest Muir, hansenólogo atuante no império inglês, foi uma
importante figura na construção de uma nova vertente de ação contra a hanseníase.
Juntamente com o também hansenólogo, o inglês Leonard Rogers, experiente quanto à
manifestação da doença na Índia, escreveu o que seria “a mais importante obra sobre a
doença em sua época”, o livro “Leprosy” (Monteiro, 1995, p. 126).
4
5
A
lguns aspectos dessa obra são importantes para o entendimento da
postura humanitária. Rogers e Muir (1940) acreditavam na existência de condições
favoráveis à propagação da doença, as quais variavam de acordo com as condições de
higiene, tipo de clima, nível de ocupação das habitações, promiscuidade nos
relacionamentos, sociabilidade de certas raças, ausência de medo da doença, migração,
crença na imunidade racial diante da doença, deficiências alimentares e hábito de andar
descalço. Tais condições, segundo eles, poderiam ser modificadas pelo saneamento dos
hábitos e dos espaços. As crenças na vulnerabilidade hereditária ao contágio e na
possibilidade de insetos promoverem a propagação da doença também influenciavam a
postura dos autores.
Os autores entendiam que segregar todos os doentes somente
funcionava na teoria e para doenças de fácil diagnóstico e sintomática limitante das
atividades. No caso da hanseníase que se sabia ter um longo período de incubação, e
que ainda não tinha garantia de cura, visto que o doente somente apresentava limitações
físicas em quadros avançados da doença –, o isolamento se tornava impraticável, por
questões econômicas e operacionais. Eles também defendiam o controle do contato entre
sãos e doentes, mas de forma que o isolamento não amedrontasse o doente e favorecesse
o acobertamento da doença.
Os “Humanistas” pregavam a educação e o saneamento como
favoráveis ao controle da hanseníase e acreditavam que a melhoria na condição de vida de
casos iniciais da doença poderia recuperá-los, deixando de ser infectantes. Defendiam a
criação de estabelecimentos de saúde, chamados dispensários, onde tais tipos de casos
fossem tratados sem retirar os doentes de seu ambiente, deixando o isolamento para quem
não tivesse domicílio, o que apresentasse seqüelas ou mesmo “reativação” da doença. Esta
“Nova Postura” fora aplicada nas colônias francesas e britânicas, obtendo bons resultados
(Monteiro, 1995). Apesar da transformação cultural que a inserção de religiosos trazia para
as colônias, as missões vinculadas ao cuidado com os doentes tiveram grande importância
na época, segundo a autora, quanto à aplicação e difusão da postura humanitária.
Monteiro (1995) narra que, no Congresso Internacional de
Leprologia, realizado em Manila, em 1931, Leonard Rogers se apresentou liderando a
defesa da “Nova Postura”, fazendo que, a partir de então, se debatesse a “segregação
voluntária e a compulsória” nas Conferências que ocorreriam posteriormente. Em 1943, a
descoberta da sulfona para o tratamento da hanseníase fez com que o doente tratado
“deixasse de representar ameaça a coletividade”.
“Pela primeira vez na história conseguia-se uma terapêutica
comprovadamente eficaz. A ‘leprapoderia ser reconhecida, diagnosticada,
4
6
analisada em laboratório e até mesmo curada. Ou seja, a partir daí ela
p
oderia ser tratada como uma doença como as outras” (Monteiro, 1995, p.
X).
A partir da Quinta Conferência Internacional de Lepra, em 1948, o
isolamento passou a ser permitido e não mais obrigatório, sendo indicado somente para os
casos infectantes. Diversas autoridades mundiais passaram a se posicionar a favor do
tratamento da hanseníase como uma doença comum e a criticar quem instituía o
isolamento compulsório. Até que, em 1958, na Sétima Conferência, realizada em Tóquio, a
segregação fora tida como “obsoleta e anacrônica” (Monteiro,1995).
Yara Nogueira Monteiro mostra que os Isolacionistas distorceram os
dados positivos obtidos pelo modelo norueguês, propagando que tais resultados haviam
sido obtidos pelo isolamento compulsório, influenciando os hansenólogos da época.
Contudo, a aplicação do sistema compulsório, principalmente pelos americanos, prevaleceu
sem obter a diminuição do contágio, pois os doentes preferiam não se tratar e continuar a
desenvolver a doença a serem segregados” (Monteiro, 2003, p. 124) e a se submeterem à
rigidez dos asilos, que muitas vezes chegavam a ser estabelecidos em ilhas com baixa
qualidade de atendimento e higiene, como em Malokai, no Hawai.
Mattos e Fornazari (2005) demonstram que os antigos conceitos
sobre a doença se mantiveram latentes, mesmo entre a classe científica, e apesar das
descobertas sobre o bacilo de Hansen. Tais autores apresentam que a caça aos doentes e
a repercussão de seu aprisionamento na sociedade com que conviviam, promovia,
contrariamente à crença de efetividade no controle, um descontrole sobre os indivíduos, um
maior acobertamento da doença e, conseqüentemente, sua maior propagação, pois o
doente não se isolava de nenhuma forma e continuava contagiando outras pessoas.
Um modelo asilar Isolacionista de grande repercussão mundial foi o
Leprosário Nacional dos Estados Unidos da América, que será apresentado posteriormente,
neste trabalho. Foi construído em 1921 para isolar todas os doentes de hanseníases do
país, tendo capacidade para abrigar quinhentos pacientes (Monteiro, 2003, Mourano, 1939).
Compreendia uma centena de edificações às margens do rio Mississipi, próximas à estrada
de ferro do município de Carville, a uma distância de 50Km da capital do estado, Baton
Rouge. existia uma estrutura comparável à de uma cidade, onde todas as alas eram
divididas para o uso de sãos ou doentes, evitando-se as formas de contato direto (Araújo,
1928). Dentro de Carville (denominação mais difundida), os internos assumiram novas
identidades e viveram longos anos sendo tratados como portadores de doença hereditária,
tendo o contato, entre diferentes sexos, controlado e a procriação proibida ou interrompida
(White, 2003).
4
7
As elites médicas da época acreditavam que a introdução de novos
h
ábitos de higiene seriam um modo de aprimorar as raças e de controlar e diminuir os
índices de delinqüência e criminalidade. Esperava-se novamente que, excluindo os
indesejáveis, dentre eles os doentes de hanseníases, do convívio dos sãos, e controlando
sua procriação, haveria benefícios para o futuro da espécie humana (Monteiro, 1995).
Em 1940, a utilização das sulfonas por G. H. Faget, para o
tratamento da hanseníase, proporcionou um grande avanço para a condição do doente de
hanseníase, pois o controle do bacilo significou a eliminação do risco de contágio e,
conseqüentemente, da periculosidade do doente.
As ações brasileiras
No Brasil se desenvolviam ações para o isolamento dos doentes,
desde o período colonial, segundo as tendências européias instauradas pela coroa
portuguesa. A primeira edificação oficialmente destinada ao internamento de leprosos, onde
se incluíam os doentes de hanseníases, data de 1741. Situava-se no Rio de Janeiro, em
uma área afastada e constava de casas e choupanas para abrigar os doentes, buscando
retirá-los da cidade. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, transferiram-se tais doentes
para a Casa dos Jesuítas de São Cristóvão, fundando-se o Hospital de Lázaros do Rio de
Janeiro, atual Hospital Frei Antônio. As novas instalações apresentavam espaços de
enfermaria, de cuidados médicos e se preocupavam em funcionar independentemente da
cidade (Castro, 2005).
Hospital de Lázaros do Rio de Janeiro (Porto, Oliveira, 1996, p.175).
4
8
A
ntes disso, têm-se notícias de instalações construídas e mantidas
como ações de caridade em Salvador (1640) e no Recife (1714), que se transformaram,
respectivamente, no Hospital São Cristóvão dos Lázaros da Bahia e no Hospital de Lázaros
do Recife (Souza-Araújo, 1946). Não havia ainda a obrigatoriedade da reclusão do doente,
muito provavelmente por causa do funcionamento precário e das restrições físicas das
instalações, o que favorecia o nomadismo dos doentes de hanseníases e aumentava a
pressão da sociedade sadia por soluções governamentais (Monteiro, 2003).
Nas mesmas condições, surgiram diversos outros abrigos para os
doentes de hanseníases, como na Serra da Caraça (1771) e em São João Del Rei (1816),
cidades de Minas Gerais; em São Paulo (1802); no município paulista de Itu (1807) em
Tocunduba e em Belém, no Pará (1816) e em Cuiabá (1816). Sete leprosários surgiram
também no período imperial: em São Luiz do Maranhão (1833), na cidade mineira de
Sabará (1873), outro no Recife (1878) e mais dois em Campinas (1863 e 1872) (Souza-
Araújo, 1946; Castro, 2005).
H
ospital de Lázaros de Itu (Maurano, 1939).
Após a proclamação da República, o Brasil, seguindo o progresso
científico e os interesses comerciais mundiais, teve o saneamento como uma de suas
prioridades, visto que as epidemias assolavam principalmente os grandes centros urbanos,
prejudicando a economia e o desenvolvimento do país. O entendimento de que a
hanseníase era uma doença transmissível, provocada por um bacilo, fez com que as ações
brasileiras sobre ela se focassem também no isolamento dos doentes. O desenvolvimento
de pesquisas sobre essa doença e as recomendações de notificação, isolamento e
4
9
vigilância diante dela, apresentadas em 1897, na Primeira Conferência Internacional de
L
epra, influenciaram as ações brasileiras.
O modelo norueguês de tratamento se tornava referência no país,
instituindo o controle da doença por meio de medidas higiênicas. Segundo Castro (2005), as
leis sanitárias brasileiras se enquadravam nos mais avançados preceitos da ciência mundial.
Em 1902, os Decretos Federais nº. 4463 e 4464 definiram a hanseníase (denominada lepra)
como “doença de notificação compulsória”. Em 1904, pelo Decreto 5156 (denominado
Regulamento Sanitário Federal), determinaram-se ações de notificação, de isolamento
compulsório, de desinfecção e de vigilância médica para as doenças contagiosas.
Castro (2005) ainda apresenta que os estudos efetuados, na época,
sobre a hanseníase demonstraram a lenta evolução da doença, levantando a questão da
necessidade de isolar doentes fisicamente produtivos, o que definiu o tipo de
estabelecimento que promoveria o internamento dos doentes de hanseníases aqui no Brasil.
Tal estabelecimento não deveria seguir os moldes do que se aplicava para o atendimento a
outras moléstias, visto que sua função se limitava ao isolamento e não ao tratamento
hospitalar.
Oswaldo Cruz se destaca, nesse processo, como influente
pesquisador sobre a hanseníase, chegando a publicar uma rie de artigos em jornais, os
quais transformariam as ações diante da doença, pois, segundo Castro (2005), o Senado
Federal aprova, logo em seguida, verbas para a organização de uma colônia também a
Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro inicia, nessa época, pesquisas sobre a
doença. Essa sociedade, juntamente com a Academia Nacional de Medicina, formaria uma
Comissão (científica) de Profilaxia da Lepra.
Entretanto, antes, no início do período republicano, diversas ações
haviam sido efetuadas pelo Brasil, resultando na construção de instituições do tipo asilar.
Em Curitiba surge o Lazareto São Roque (na década de 1890), o Asilo de Umirisal em
Manaus (1908) e nove outros em São Paulo, estado que se destacava pelo número de
doentes, de pesquisas e intervenções.
5
0
L
azareto de São Roque, em Curitiba (Fernandes, apud Castro, 2005, p. 52).
As
ilo de Leprosos de Umirisal, em Manaus (Souza-Araújo, 1948).
As ações paulistas
O estado de São Paulo teve como característica a implantação de
grande mero de asilos privados para o acolhimento de doentes de hanseníases, apesar
da insignificância profilática que isto representava. São Paulo figurava, entre os séculos XIX
e XX, dentre os primeiros estados em número de casos, talvez pelo tamanho de sua
população, incrementado pelo alto percentual de imigrantes, pelo próprio desenvolvimento
comercial, ou pela baixa qualidade de vida das classes trabalhadoras. Maurano (1939b)
relata que, apesar de tais ações não serem regulamentadas nem seguirem os preceitos
higiênicos necessários à profilaxia da doença, elas puderam contribuir para afastar os
5
1
doentes dos centros habitados” e assim diminuir os riscos de contágio, além de minorar as
d
ores e os sofrimentos dos doentes de hanseníases.
Monteiro (1995, p. 83) narra que “a mobilidade dos doentes, o
espetáculo dos acampamentos pelas estradas e da mendicância nas cidades” resultaram na
busca de soluções pela sociedade, mesmo não sendo apoiadas pelas autoridades do
governo. A tipologia mais utilizada remontava aos hospitais do século XVIII. Tais asilos
serviam ao “recolhimento e assistência”, mas, principalmente, à proteção dos sadios.
A
campamento de doentes de hanseníases às margens da estrada (Acervo do Instituto Lauro de
Souza Lima).
A Santa Casa de Misericórdia figurou entre as institu
ições de maior
importância nas ações de combate à hanseníase em São Paulo. No período colonial, os
cuidados dos doentes de hanseníases eram exclusivamente destinados a ela. Muitas destas
ações eram subsidiadas por verbas obtidas mediante a cobrança de impostos
especialmente criados para o “amparo aos lázaros”. Pela ausência de cura e tratamento
efetivo para a doença, os atendimentos se resumiam ao exercício da caridade religiosa.
Monteiro (1995, p. 84) relata ainda que o crescimento do número de
infectados somado aos estigmas da doença e à “longa sobrevida dos doentes” contribuiu
para a construção de estabelecimentos exclusivos aos doentes de hanseníases. A autora
apresenta a necessidade de distanciamento dos doentes dos centros urbanos paulistas
como responsável pela quantidade de construções, no estado, destinadas ao isolamento
dos doentes de hanseníases, entre os séculos XIX e XX, pois, quando a população se
expandia para áreas próximas deles, os doentes estes eram transferidos para locais mais
distantes.
5
2
O
primeiro hospital construído pela Santa Casa, na cidade de São
Paulo, no início do século XIX, ficava no atual bairro da Luz, em uma
“[...] construção [...] simples e imprópria para o recolhimento de pessoas
doentes. O prédio era de um pavimento, sem forro e sem assoalho;
possuía dois grandes corredores divididos por uma parede central que
servia de separação entre as partes masculina e feminina” (Monteiro, 1995,
p.84).
Logo depois foi construído o Guapira (em 1904), no atual Jaçanã, e
que ainda contava com instalações precárias e insuficientes para atender à demanda,
sofrendo com superlotações. O senhor Alfredo Moreira Pinto, cronista da época, assim
descreve o Guapira, no ano de 1900:
“Está situada no meio de um vasto terreno, pertencente à Santa Casa. É
uma casa baixa, de construção antiqüíssima, muito arruinada, tendo o
aspecto de uma senzala das antigas fazendas. Possue uma modesta
capelinha com uma imagem de S. Lazaro, padroeiro, além de outras
imagens” (Pinto, apud Maurano, 1939 b, p.22).
D
esenho do Hospital de Lázaros Guapira (Monteiro, 1995, p. 89).
Hospital de Lázaros Guapira, em São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
5
3
N
o interior do estado de São Paulo, por falta de atuação efetiva dos
governos federal e estadual, os asilos eram construídos por iniciativa privada, filantrópica ou
municipal. Ofereciam somente abrigo, buscando retirar os doentes das estradas e da
condição de mendicância. Os serviços e as acomodações eram insuficientes e não havia
obrigatoriedade no internamento, o que fazia que pouco realmente mudasse nas suas
condições de vida.
Foram, então, construídos asilos por todo o interior do estado na
tentativa de conter a propagação do mal: em Sorocaba (1902); em Rio Claro (1905); em
Jundiaí (1906); em Casa Branca (1908); em Tatuí, Botucatu e Jaú (1911); em Angatuba,
Guareí e Amparo (1915); em Bebedouro e Descalvado (1916) e em Jaboticabal (1917).
Monteiro (1995) relata que, nas primeiras duas décadas do século XX, construía-se cerca de
um asilo por ano e que, na década seguinte, outros doze surgiram até a construção do
Santo Ângelo, modelo de “Asilo Colônia” que seria implantado em todo o estado e difundido
pelo país. Estes últimos estavam situados em: Avaré, Capão Bonito, Bauru, Guaratinguetá,
Espírito Santo do Pinhal, Limeira, Pirassununga, Mogi-Mirim, São João da Boa Vista, São
Miguel Arcanjo, São Manoel da Boa Vista e Santa Rita do Passa Quatro.
Os asilos eram construídos distantes das cidades, constavam de
instalações simples e precárias, mantidas por contribuintes. Os cuidados se resumiam às
ações dos próprios doentes e de grupos de religiosos.
As
ylo de Morphéticos, em Casa Branca, São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
5
4
Vi
lla São Lázaro, em Jundiaí, São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
Vi
lla São Lázaro, em Sorocaba, São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
As
ylo de Lázaros, em Tatuhy, São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
Asylo de Morphéticos, em Botucatu, São Paulo (Souza-Araújo, 1948).
5
5
Segundo Maurano (1939 b), o médico José Lourenço Magalhães foi
u
m dos precursores da “campanha contra a lepra” no estado de São Paulo e difusor de
idéias estrangeiras. Ele chegou até mesmo a ser diretor do Hospital de Lázaros do Guapira.
Em 1882, escreveu “A morféa no Brasil, especialmente na província de São Paulo”, onde
defendia a hereditariedade da doença e que seu desenvolvimento se daria de forma
“espontânea, oriunda de viciosos regimes alimentares, contra cuja prática convinha levantar
bem combinadas medidas higiênicas” (Maurano, 1939b, p. 131).
Magalhães, ainda nessa publicação, demonstrava que a criação de
colônias para a reclusão dos doentes poderia proporcionar-lhes uma vida semelhante à dos
sadios, onde “deverse-ia dar, em troca da sua limitação de liberdade, a impressão de bem-
estar e satisfação no seu isolamento. Tratárse-ia os doentes com persuasão, em vez de
obrigatoriedade” (Maurano, 1939b, p. 132). Para ele as colônias seriam compostas de casas
agradáveis, ajardinadas, separadas umas das outras, arejadas e pintadas de branco, “em
vilas especiais com campo de criação e cultura, oficinas onde os doentes pudessem
entregar-se ao trabalho, poderoso auxiliar no tratamento, e onde se ministrasse o ensino da
religião” (Maurano, 1939b, p. 134). Nessas colônias, os internos até poderiam se casar entre
si, mas suas proles deveriam ser separadas dos pais para terem alimentação e
desenvolvimento físico aprimorados, a fim de não desenvolverem a doença.
Em 1885, ainda segundo Maurano (1939b), José Lourenço
Magalhães publica ainda “A morféa e sua curabilidade”, onde defende que a hanseníase
teria cura não somente pela terapia, mas pela implementação das condições de higiene,
definindo o campo como local ideal. Ele acreditava que, em um ambiente melhor, o
isolamento do doente não somente serviria à sociedade, como também ao desenvolvimento
da ciência na busca do tratamento da hanseníase. Freqüentemente Magalhães apresentava
suas idéias em jornais paulistas, com o intuito de envolver as elites e a opinião pública na
defesa do isolamento dos doentes de hanseníases, o que resultou na publicação de outro
livro, em 1900, “A colonização dos Morféticos”, onde sugere a fundação de uma colônia:
“[...] onde os doentes tivessem vida livre [...], tratamento medico,
distrações, exercicio higiênico e ocupação (muito trabalho) [...], com um
serviço especial de assistência para os filhos dos leprosos. [...] O asylo é
para o morphetico a passividade, a monotonia, a ociosidade [...], o silencio
de quatro paredes, a contemplação interminável de um estado que a ele
proprio aterra, pondo-o em frente de si mesmo, concentrando-o no seu
desespero e a cada momento avivando a sua desventura” (Magalhães,
apud Castro, 2005, p.48).
5
6
Magalhães falece em 1905 e o médico Emílio Ribas, diretor do
S
erviço Sanitário Paulista, dá prosseguimento aos ideais de reclusão dos doentes de
hanseníases. Em 1912, juntamente com o médico Enjolras Vampré, Emílio Ribas elabora
um levantamento das condições dos doentes de hanseníases do estado, a fim de instituir
legalmente a obrigatoriedade do isolamento dos doentes em asilos ou domicílios e a sua
separação dos filhos sadios. O “expoente máximo” seria a construção de asilos colônias
onde seriam controladas as condições de higiene e alimentação, oferecidos trabalhos e uma
melhor condição de vida e controle do doente. Ribas defendia, a exemplo de Magalhães, o
tipo de isolamento que ofereceria recursos para que os isolados pudessem ter assistência,
conforto e bem-estar e mais o que lhes pudesse atenuar os “padecimentos físicos”
(Maurano, 1939b, p. 137-9).
Muitas personalidades paulistas foram atraídas pelos conceitos de
combate à hanseníase difundidos por Emílio Ribas, resultando na criação da “Associação
Protetora dos Morféticos”, que conseguiu a doação de terras para a construção do que seria
o Asilo Colônia Santo Ângelo. Seria uma associação de caráter religioso, coordenada pelo
então administrador do Hospital Guapira, Dr. José Carlos de Macedo Soares, e pelo
arcebispo de São Paulo, D. Leopoldo Duarte e Silva, que tinha como missão:
“[...] abrigar e amparar as famílias dos internados, proteger-lhes os filhos,
dar-lhes assistência judicial, metodizar os esforços da caridade, fazer
propaganda higiênica a respeito da lepra, prestar socorro espiritual, auxiliar
a administração da Santa Casa nas mesmas finalidades” (Maurano, 1939b,
p.141).
O estado de São Paulo não se enquadrava nos moldes profiláticos
federais estabelecidos na época para o controle da hanseníase. Hochman (1998) relata que
São Paulo se destacava no cenário nacional pelo seu desenvolvimento cientifico-sanitário,
enquanto os demais estados necessitavam da intervenção do governo federal para controlar
o avanço das epidemias. Em decorrência da autonomia administrativa dos Estados, a
implantação de ações nacionais dependia de acordos que influenciavam, inclusive, a
comercialização e exportação de produtos. Os interesses comerciais somados ao
pioneirismo tecnológico favoreceram a independência da saúde pública paulista diante de
grande parte das regulamentações nacionais. Muitas ações paulistas se difundiram como
referência terapêutica.
Em 1924 o governo de São Paulo criou o Serviço de Profilaxia da
Lepra, com o intuito de atender os pacientes da hanseníase no seu território. Em 1925, esse
serviço foi transformado na Inspetoria de Profilaxia da Lepra (IPL), que regeu a implantação
do sistema isolacionista no estado. Seguindo o aumento de seus limites de atuação, em
1935, o IPL deu lugar ao Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL), um acontecimento
5
7
atípico no sistema burocrático brasileiro, pois, enquanto outras entidades de combate a
m
oléstias infecciosas eram subordináveis, esta se igualava à independência do próprio
Departamento Nacional de Saúde. Conforme aumentavam seus poderes e sua autonomia, a
nomeação de sua diretoria se sobrepunha às escolhas governamentais (Mourano, 1939b;
Monteiro, 1995)
11
.
“O D.P.L. gozava de grande prestígio junto ao governo estadual, que
endossava as medidas isolacionistas propostas através de grandes
dotações orçamentárias.[...] o fato de São Paulo destinar verbas especiais
para o serviço de ‘lepra’ e deter uma elite técnica de renome possibilitava
certa, senão total independência no norteamento e orientação do serviço
profilático federal. Com isso São Paulo acabou por adquirir um perfil
próprio, cuja linha de atuação nem sempre coincidia com a adotada no
restante do país” (Monteiro, 1995, p. 168, 169).
O modelo profilático paulista se consolidou através da promulgação
de leis específicas, da criação de Inspetorias Regionais e do “tripé” estabelecido pelos
Asilos Colônias, Dispensários e Preventórios, concebidos para atender e controlar os
doentes de hanseníases e seus comunicantes.
“O ASILO constitui a peça chave, onde se procederia o isolamento dos
doentes; o DISPENSÁRIO tinha como objetivo identificar quem era
portador de hanseníase, para que este pudesse ser isolado, e atendimento
e exames dos comunicantes. A terceira parte do tripé era constituída pelo
PREVENTÓRIO, cuja função era a de recolher e manter sob observação
os filhos sadios dos doentes e todas as crianças nascidas nos asilos”
(Monteiro, 1995, p. 164).
Monteiro (1995) relata que a legislação paulista relacionada à
hanseníase garantia ao Departamento de Profilaxia da Lepra o total controle sobre o doente,
pois este, quando diagnosticado, passava a pertencer” ao DPL, onde somente os
profissionais oficiais do órgão poderiam tratá-lo. A formação do quadro técnico junto aos
serviços do próprio Departamento garantia a manutenção e homogeneização da cultura
isolacionista.
“[...] os hansenólogos em São Paulo foram formados dentro dos moldes
isolacionistas e portanto acreditavam ser esse o único meio possível para
realizar a tarefa profilática, ainda que alguns não concordassem
inteiramente com o sistema ou com os todos por ele empregados.[...]
alguns poucos se rebelaram e deixaram marcas de seus atos, tendo sido
alijados do D.P.L.. Estes, em geral, dirigiam-se para a vida universitária,
transformando o espaço acadêmico num reduto oposicionista ao Serviço
11
Utilizaremos como referências principais, para discorrer sobre a história da hanseníase e dos Asilos
Colônias no estado de São Paulo as publicaçôes: MAURANO, Flávio. História da Lepra em São
Paulo. Volume 2. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1939; e MONTEIRO, Yara Nogueira. Da
maldição divina à exclusão social: um estudo da hanseníase em São Paulo. São Paulo, 1995. Tese
de doutorado em História Social. FFLCH/USP.
5
8
Oficial, a exemplo do que aconteceu com a Faculdade de Saúde Pública da
U
niversidade de São Paulo”. (Monteiro, 1995, p. 172, 174).
Outro elemento controlado pelo Departamento de Profilaxia da
Lepra era a imprensa do estado de São Paulo. As polêmicas e o sensacionalismo em torno
do tema eram instigantes e garantiam a projeção de políticos, médicos e de membros da
sociedade. Os doentes, quando confinados nos asilos, eram vistos como dignos de
compaixão, enquanto em liberdade representavam uma ameaça maligna.
“A imprensa paulista acabou, de certa forma, por desempenhar o papel de
porta voz do grupo que constituía o D.P.L. perante a opinião pública,
contribuindo para a manutenção do arbítrio e para o fortalecimento das
concepções herdadas sobre a periculosidade do doente” (Monteiro, 1995,
p. 175).
Apesar de existir a permissão para o isolamento domiciliar, as
exigências e o rigoroso controle do Departamento de Profilaxia da Lepra favoreciam o
internamento. O projeto de erradicação da doença no estado de São Paulo se baseava
principalmente no isolamento dos doentes em uma rede asilar. Para sua concretização, foi
elaborado um censo que identificaria a distribuição da hanseníase no território paulista.
Nesse levantamento, seria definida a capacidade dos novos estabelecimentos. São Paulo
foi então dividido em seis zonas, delimitadas pela atuação das Delegacias de Saúde, que
disseminariam as medidas de combate à doença. Congressos municipais foram realizados
com o intuito de coordenar a construção do que seriam os Asilos Colônias, que serviriam ao
isolamento de suas populações hansenianas.
As medidas isolacionistas paulistas e seus modelos asilares
influenciaram amplamente as ações brasileiras diante da hanseníase, talvez por estar em
São Paulo a grande maioria dos pesquisadores e também pela participação efetiva e intensa
do Estado nas ações de saúde pública, o que favoreceu a aplicação das ideologias médicas
dominantes.
5
9
CAPÍTULO 2. A HIGIENE E O CONTROLE DO ESPAÇO
2.1 O movimento sanitário e a eugenia
Munford (1998) relata que, nas cidades, até o século XIX, existia um
“certo equilíbrio de atividades” e que, com a mudança no modo de produção, a população
cresceu espantosamente rápido, modificando as condições espaciais e o comportamento
urbano. Segundo Paul Singer, “As condições em que a proletarização e urbanização se
deram foram extremamente adversas à saúde” (Singer, 1988, p. 20).
A pouca oferta habitacional e os baixos salários forçavam
numerosos grupos de pessoas a ocupar residências coletivas próximas às indústrias, cujas
instalações, inadequadas e insuficientes às necessidades, favoreciam a proliferação de
sujeira e doenças. Tais locais, considerados como deturpadores do caráter pela mistura
entre sexos, idades e “índoles”, eram repudiados, assim como seus moradores. A falta de
higiene reinante era vista como prejudicial à economia e produtividade, pois repercutia no
rendimento da mão-de-obra, nas mortes prematuras e nos gastos médicos (Correia, 2004).
“No que se refere à residência, não existia, para grande número de
trabalhadores, nenhuma escolha. Durante o século XIX, repetidas vezes
eles se viram compelidos a viver em distritos urbanos superpovoados
porque seus empregos eram, tantas vezes, de natureza casual, que eles
tinham de estar no lugar certo, ou perderiam a oportunidade de ganhar a
ninharia necessária à subsistência” (Rosen, 1994, p. 158).
Apesar de as indústrias precisarem da mão-de-obra, a permanência
dos trabalhadores nas cidades representava ameaça à salubridade e à ordem burguesa.
Melhorar os salários e as instalações industriais existentes podia significar queda na
lucratividade. Algumas ações, buscando preservar a força produtiva, surgiram
individualmente, mas contrariavam o sistema predominante.
“O empresário que pagasse mais que seus competidores pela força de
trabalho teria custos mais elevados de produção e, portanto, menos lucros,
o que acabaria determinando mais cedo ou mais tarde sua expulsão do
mercado” (Singer, 1988, p. 21).
Existia uma grande distância entre a condição de vida das diferentes
classes sociais. Os mais afortunados aproveitavam os avanços dos meios de transporte e
se mudavam para regiões melhores, restando aos pobres as apinhadas regiões próximas às
indústrias e aos centros comerciais (Rosen, 1994).
6
0
Hochman (1998) relata que a interdependência promovida na
sociedade urbana e industrial aumentou as dimensões dos problemas coletivos, até que o
“encontro entre a consciência e o interesse” das elites vislumbrou a necessidade de
legitimar a organização do Estado como:
“(...) o resultado da necessidade de regulação das externalidades negativas
e da produção de bens públicos e das oportunidades advindas da
coletivização dos cuidados com a saúde, da educação e da manutenção de
renda” (Hochman, 1998, p. 29).
O fortalecimento do Estado, como instituição, ampliou sua esfera de
ação. O seu poder era baseado no sistema econômico e, conseqüentemente, no produtivo,
no qual os problemas de saúde interferiam diretamente
12
. Sua ação sobre a saúde da
po
pulação passou a significar manutenção do consumo e da produção de bens
(Donnangelo, 1976). A visão da saúde como bem público se relaciona, a partir de então,
com a formação de uma “comunidade nacional”, onde:
“As políticas de proteção social emergem de uma articulação entre
consciência social das elites e seus interesses materiais a partir de
oportunidades por elas vislumbradas com a coletivização do bem estar”
(Hochman, 1998, p.15).
Visando à manutenção da ordem urbana, as soluções aos
problemas de saúde se configuraram como ações policiais
13
, resultando em vigília e punição
às
infrações (Donnangelo, 1976; Telarolli Júnior, 1996). Com as epidemias, diferentes tipos
de controle surgiram sobre a vida dos doentes e, conseqüentemente, sobre as cidades.
“A experiência das epidemias de cólera do século XIX, na Europa e nos
Estados Unidos, que atingiram a ricos e pobres, e disseminaram-se
independente de fronteiras cidades, regiões, países explicitou para as
elites os problemas da interdependência social e a necessidade de criação
de organizações e políticas permanentes, amplas, coletivas, compulsórias
e supralocais, com funções preventivas, para combater os riscos da
infecção e do contágio em massa” (Hochman, 1998, p.28).
A teoria miasmática – que defendia as condições atmosféricas como
causadoras de doenças – e a contagionista – que considerava as epidemias como resultado
do contato com os doentes somadas aos avanços técnicos e à descoberta dos
1
2
Foucault (2003) relata que a relação entre o Estado e a medicina se estabeleceu na Alemanha, no
século XVIII, através da normalização e controle da profissão médica e da utilização de registros de
natalidade e mortalidade para quantificar os indivíduos tidos como produtivos; na França, no final do
mesmo período, seguindo as direções da urbanização buscando combater os locais mais propícios à
propagação e surgimento de doenças, controlar a circulação dos fatores prejudiciais à saúde e
ordenar os “elementos necessários à vida comum da cidade”, uma medicina de coisas e o de
indivíduos; e na Inglaterra, a partir do século XIX, com o aumento no número de pobres e a
implantação de leis de atendimento à saúde dessa classe como forma de controlá-la.
13
Mais informações sobre policia médica consultar Foucault (2003) p. 83-4.
6
1
microorganismos patogênicos, definiram, no século XIX, os pensamentos que passariam a
moldar as cidades.
Por não se conhecerem profundamente as causas das doenças, as
ações se dividiam somente entre o isolamento de doentes em hospitais (evitando-se o
contágio) ou a fiscalização de produtos, construções e espaços públicos e a estruturação
urbana (evitando-se a transmissão pelo meio) (Rosen, 1994). Descobrindo-se o poder da
limpeza sobre as doenças, médicos e engenheiros atuaram conjuntamente na execução de
obras de higienização urbana (Campos, 2002). Dessa relação surgiu a engenharia sanitária,
resultando nas grandes ações sanitárias urbanas, que tinham a sujeira como inimiga da
saúde, logo também os espaços dos pobres e miseráveis.
A crença no contágio e nos miasmas, como propagadores das
doenças, fortaleceu a representatividade do meio na manutenção da vida humana mediante
a higiene pública
14
. As habitações dos pobres eram consideradas ameaçado
ras para a
saúde de seus ocupantes e das cidades. Tais instalações eram temidas por serem espaços
de aglomeração de pessoas tidas como potencialmente contaminadas, e estarem
localizadas em regiões importantes, o que favorecia a difusão de moléstias. Tal situação
resultava em maior estigmatização da pobreza e das doenças, pois representava uma
ameaçava à segurança dos abastados e de suas fontes de lucro. Pobreza e doença, por
serem os avessos da ordem produtiva burguesa, eram rejeitadas (Rago, 1997).
O entendimento das epidemias como resultado da espacialização da
pobreza e como ameaça ao sistema produtivo, à integridade burguesa e ao progresso,
direcionou as atenções do Estado, e de toda classe “letrada”, sobre a condição de vida e
moradia operária. Entendia-se que o ambiente conturbado e sujo dos cortiços, casas de
aluguel e demais abrigos multifamiliares deturpava os indivíduos. Logo, a solução se
encontrava na modificação do espaço e da vida das classes pobres, que interesses
econômicos e sociais se opunham a uma igualdade maior de classes pela melhora na
remuneração e nas condições de trabalho.
A idealização burguesa de uma conduta operária, embasada no
aprendizado, na importância do trabalho e da moralidade, foi imposta pela disciplina e pela
1
4
O meio passa a ser transformado e controlado, pois assumiu uma posição importante diante das
doenças e do interesse público, principalmente quando o entendimento da salubridade como o
“estado das coisas, dos meios e de seus elementos constitutivos,[...] a base material e social capaz
de assegurar a melhor saúde possível dos indivíduos”, definiu o controle “político-científico” do
espaço pela “higiene pública”, uma “técnica de controle e de modificação dos elementos materiais do
meio que são suscetíveis de favorecer ou, ao contrário, prejudicar a saúde” (Foucault, 2003, p. 93).
6
2
medicalização (Foucault, 2003). A importância da transformação do meio, para a solução de
problemas de saúde pública, fez com que a medicina e a engenharia se configurassem
como saberes higiênicos e tivessem seus domínios de ação expandidos. A crescente
aversão à imagem deturpadora da cidade fortalece os valores campestres como ideais na
composição de um homem “naturalmente bom e saudável” (Tomas, 1988). Novas soluções
construtivas eliminam os “perigos” da natureza, desmistificando ar, água e solo como
contribuintes às doenças.
Margareth Rago (1997) relata que os hospitais, prisões e demais
instalações comunitárias se tornaram “laboratórios” para a higiene dos corpos e de
comportamentos. O que se descobria era aplicado na ordenação do ambiente urbano,
buscando-se um implemento para a produtividade e a saúde.
Segundo Munford (1998, p. 483-7), o século XX inicia-se num
ambiente regido por ciências ordenadoras do homem e de seu espaço. Concretiza, em larga
escala, os preceitos higiênicos nas edificações e nas estruturas urbanas, pois o século
anterior mitificara as cidades industriais como a imagem do que “se deveria evitar”, do “mais
degradado ambiente urbano”, onde a ocupação desregrada resultara em “vasta
improvisação urbana”, em virtude da rapidez e da competitividade que regiam a nova
condição industrial em destruidora expansão.
Apesar de as habitações (pelo seu impacto direto sobre o homem)
terem sido os elementos focalizados pelos engenheiros e médicos sanitaristas (habilitações
construídas pela busca de soluções espaciais para problemas de saúde pública), as
transformações da paisagem natural ocorreram na “correção” de águas, ar, luz e da própria
condição geográfica. O poder tecnológico adquirido, com a ciência industrial, buscando
controlar a natureza em prol da produtividade, criou instrumentos como pontes, ductos,
janelas, vidros, lâmpadas, aterros, entre outros elementos, que definiriam a paisagem
moderna.
No Brasil, as primeiras décadas republicanas foram marcadas pela
inquietação diante das condições de higiene do país, entendidas como comprometedoras
para a integridade da nação brasileira e de seu progresso. Mota (2003) relata que, para
muitos, o Brasil era um país onde “o solo era pobre, o clima inóspito, a natureza traiçoeira
[uma terra onde] o homem padecia, mergulhado na indolência e na tristeza. Nada produzira
e nada produziria” (Mota, 2003, p.19). Tal visão contrastava com a daqueles que
vislumbravam no país uma “nova Canaã”. O autor ainda relata que tal “ambivalência”
resultava da busca de uma compreensão e definição, por parte das elites, das mazelas
6
3
brasileiras que deveriam ser sanadas para que o país se enquadrasse nos moldes
capitalistas vigentes.
“a figura monstruosa do pobre doente, sujo, semimoralizado e
racionalmente incompleto foi amplamente divulgada para justificar uma
estratégia que desejava levá-los do conforto selvagem ao conforto
civilizado” (Bresciani, apud Virgílio da Silva, 2005, p. 71).
Naquele momento, a medicina assumia uma posição distinta em
conseqüência da existência de normas de condutas entre os médicos. Acreditava-se que o
médico possuía um dom
15
sobrenatural que o distinguia dos outros homens. Des
sa forma,
as políticas públicas de saúde se instauram dentro das comunidades, dominando-as em prol
do combate às doenças, incorporando também a estatística, a geografia, a demografia e a
história à lógica médica (Mota, 2003).
A elite republicana no Brasil tinha os cientistas e médicos como
verdadeiros heróis nacionais, apoiava e, quase nunca, contestava seus atos. Dava-se o
crédito para que eles pudessem praticar suas convicções. As ações eram vistas como
provenientes de seres iluminados pela sabedoria divina, de salvadores da humanidade.
“Reconheço e não canso de proclamar a alta e imensurável função social
do médico. Platão disse que a humanidade será feliz quando os filósofos
forem reis ou quando os reis forem filósofos. Na minha opinião dever-se-ia
dizer que a humanidade será feliz no dia em que os médicos forem
governantes ou que os governantes forem médicos” (Kehl, apud Santos
2005, p.01).
Acreditava-se que o resgate da saúde do povo brasileiro, o aumento
do seu vigor físico e da sua capacidade produtiva resultaria na consciência e no respeito aos
deveres e direitos e no reconhecimento das grandes ações médicas. As publicações
médicas da época vislumbravam um futuro saneado e promissor, apostando na inteligência
e pertinência das campanhas saneadoras.
“Assim, avaliavam que o reconhecimento do cidadão comum era esperado
quando todo o povo, finalmente educado, pudesse compreender que tantos
esforços dicos visavam, como única recompensa, ao dever de
redescobrir o Brasil” (Matos, 2003, p.21).
O saneamento se estabeleceu buscando resolver algumas das
ambigüidades que entravavam o desenvolvimento, inclusive a formação de um povo.
1
5
Segundo Lilia Blima Scharaider (apud Mota, 2003, p. 21), o dom da medicina seria uma “[...] marca
que distinguia os médicos dos outros homens [...] uma noção que excedia as conquistas escolares de
qualificação compunha com estas, em certa dominância, elementos o-identificáveis
materialmente, de caráter transcendental. Nesse sentido, o dom, ou a aptidão, não se adquiria
estaria inscrito na própria natureza; não como um atributo comum a toda a espécie humana, mas sim
como rara propriedade de alguns”.
6
4
Entendia-se que sanear seria também conhecer e rever a educação, saúde, moradia,
costumes e cultura da população. “Eis por que os médicos da época aceitariam a missão de
restaurar a sociedade avariada: eles poderiam desvendar e combater as causas que
tornavam o progresso nacional incerto” (Matos, 2003, p.20).
Os médicos assumem a “missão regeneradora nacional”, passando
a ocupar cargos e a desempenhar tarefas distintas à medicina, que somente eram confiadas
aos homens superiores. As ações de saneamento inicialmente resultaram da associação do
espaço à medicina e se deveram à crença nos miasmas como coadjuvantes no
adoecimento. Entretanto, a partir da medicina microbiana do século XIX, o foco das causas
das doenças recaiu sobre o indivíduo.
As crenças sobre a transmissão das doenças, embasavam-se tanto
no contágio, no qual os agentes da doença passavam de uma pessoa doente para outra sã;
como na infecção, em que existia uma etapa intermediária da transmissão que envolvia o
meio. Nesse contexto o indivíduo doente passa a ser controlado, pois assume maior
importância no processo de transmissão.
Buscando diretrizes de ão sobre as epidemias e entendendo o
homem como veículo de sua transmissão, utiliza-se o levantamento estatístico e geográfico
para identificação dos focos das doenças. Todos os dados levantados remetiam às regiões
pobres e populosas. Entretanto, as ões não buscavam reverter as condições de pobreza,
pois isto repercutiria nos aspectos econômicos e de trabalho que favoreciam a burguesia.
Condenavam-se, assim, suas moradias e hábitos, buscando-se neles justificativas para as
más condições higiênicas e o atraso nacional.
A condenação da moral associada aos preceitos sanitários resultava
em ações autoritárias e disciplinadoras, assim como na segregação dos pobres em prol da
salubridade urbana. A instituição de hábitos e valores deslegitimou costumes, tradições e
conhecimentos, desintegrando “identidades culturais” de povos que formavam a classe
pobre. Justificavam-se, pela sujeira e má índole, as ações de exclusão desses grupos, das
áreas urbanas valorizadas.
Segundo Antunes (1999, p. 275), “[...] a medicina passava a
submeter-se às demandas conjunturais da coletividade, repercutindo, em especial, na
dimensão moral da vida social”. Ao se humanizar como ciência, conseqüentemente, a
medicina assume uma dimensão de controle de conduta e moralidade. Silva (2005) aponta,
ainda, sobre a época republicana, uma inclinação médica para as questões envolvendo a
6
5
psiquiatria, a criminologia, a hereditariedade de distúrbios e malformações físicas, o que
evidenciava ideologias eugenistas.
A eugenia foi um conceito formulado pelo biômetra e
antropometrista Francis Galton, em 1883, que, definindo a “ciência do melhoramento
biológico do tipo humano” (Castañeda, 2003, p.2), pregava a dependência do progresso
humano diante da herança de características físicas, mentais e morais dos indivíduos.
Galton acreditava no “determinismo biológico”, isto é, o indivíduo tinha seu caráter definido
no nascimento, não havendo margens para a melhora de degenerados: somente a
suspensão de sua procriação quebraria o ciclo hereditário de características negativas. A
eugenia priorizava a raça branca e defendia sua manutenção mediante ações de controle de
miscigenação (Castañeda, 2003; Silva, 2003; Mota, 2003; Santos, 2005).
A crença, proveniente dos conceitos miasmáticos, de que o meio
influenciava as condições de saúde e comportamento construiu, juntamente com a eugenia,
a idéia de que uma raça poderia ter suas características positivas otimizadas pelo controle
das condições ambientais e dos costumes dos indivíduos, assim como pela miscigenação
com tipos superiores e por restrições à procriação dos inferiores. Os Estados e sociedades
interessados numa transformação racial passaram a instituir leis e normas para o controle
das imigrações, dos casamentos e para a “assexualização e esterilização” de indesejáveis
(Castañeda, 2003; Mota, 2003).
Segundo Silva (2005), Galton acreditava que as melhores espécies
da raça deveriam ser tratadas de forma que procriassem, sendo-lhes fornecidas melhores
condições de vida e moradia para que tivessem condições de manter e expandir suas
qualidades. “Isso significa claramente que se abandone a idéia de investimento em
habitações populares, por exemplo, que se constituiriam um esforço pouco lucrativo para a
melhoria da raça” (Silva, 2005, p.97).
A população brasileira, miscigenada desde a colonização, era vista
como destinada ao fracasso e atraso, visto que cientistas e demais eruditos entendiam que
as condições geográficas e climáticas do país desfavoreciam o desenvolvimento físico,
psíquico e social. Uma sociedade mista, sem qualidades e com grande número de
miseráveis deveria ser transformada, caso quisesse galgar posições comerciais e
econômicas entre as nações desenvolvidas. Mota (2005) acredita que as ações sanitárias
brasileiras foram amplamente desenvolvidas segundo critérios eugenistas e que as
segregações resultantes buscavam eliminar os indesejáveis ao progresso e ao futuro da
nação brasileira.
6
6
Os grupos intelectuais identificados com as idéias eugênicas
planejavam uma ordem social perfeita, isto é, projetavam seus símbolos e representações
burguesas em busca de uma nação sem conflitos sociais (Santos, 2005, p. 08).
As teorias eugenistas de Galton foram introduzidas e difundidas no
Brasil pelo médico paulista Renato Ferraz Kehl, por meio de conferências e publicações.
Segundo Santos (2005) ele exerceu o cargo de “inspetor sanitário rural do Departamento
Nacional de Saúde Pública (DNSP), no qual organizou o Serviço de Educação Sanitária
ligado à Inspetoria da Lepra e das Doenças Venéreas” (Santos, 2005, p. 05).
A idéia de que a nação não se desenvolveria por si e de que
dependeria de intervenções públicas para se organizar, fortaleceu a presença do Estado e
de suas ideologias. Definiam-se a educação e a saúde como meios de transformação,
centralizando, para melhor eficiência das propostas, esses serviços (Santos, 2005).
“O projeto de construção nacional poderia assim ser resumido: a
politicalha republicana deveria ser substituída por homens capazes,
tornando-se uma política científica, e não fruto de paixão ou interesse.
Teríamos então uma administração competente, pois de acordo com os
princípios científicos. As políticas públicas deveriam tornar-se um
procedimento de laboratório” (Santos, 2005, p. 08).
A abolição, sem planejamento social, da escravatura no Brasil
enviou um contingente populacional de negros libertos, sem trabalho e sem dinheiro, para
as cidades, o que aumentou, consideravelmente, o número de miseráveis, ampliando a
associação entre a raça não branca e os problemas sociais. A elite, cada vez mais,
acreditava que somente o branqueamento poderia salvar o país.
Aqueles que negavam a incapacidade nativa tropical acreditavam
que a educação e o saneamento beneficiariam as futuras gerações, implementando a raça
brasileira. Teses científicas surgiam garantindo que o desenvolvimento econômico e social
promoveria a evolução racial e que, para tanto, seriam cada vez mais valorizados os tipos
mais produtivos. Diversos autores acreditam que se formava assim uma eugenia
tipicamente brasileira, que buscava, pela miscigenação, soluções para os conceitos
estrangeiros sobre a incapacidade tropical.
O Brasil adentra o século XX buscando uma identidade nacional que
garantisse ao país uma imagem de progresso. A busca do desenvolvimento econômico e
social abria portas para a ciência e, conseqüentemente, para ideologias de higiene racial.
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7
“O discurso eugenista (...) foi se consolidando nos primeiros anos de
República, através de seu caráter progressista, que estava de acordo com
a influência positivista da própria Proclamação da República. A Eugenia se
tornou um amálgama ideológico num espaço de conflito, contextualizado
pelo fracionamento dos interesses econômicos entre setores agrários
alijados do poder pela burguesia cafeeira e de recém- surgidos industriais,
além de uma classe média multifacetada e de reivindicações operárias
constantes” (Couto, 1999, apud Silva, 2005, p. 99).
Silva (2005) afirma que o Brasil foi o primeiro país sul-americano a
desenvolver e organizar um movimento eugenista e que o Paulo saiu à frente criando a
Sociedade Eugênica de São Paulo.
“Alguns intelectuais sanitaristas destacaram-se neste cenário, pois
consideravam que o ‘problema vital’, como destacou Monteiro Lobato, que
dominava a sociedade brasileira, nada tinha a ver com o chamado
determinismo biológico. Para estes, a explicação era médica e a solução
era eugênica e educativa. Tratava-se de aprimorar a raça nacional por
meio da ‘higienização’ das células reprodutoras” (Santos, 2005, p.09).
As ações eugenistas se dividiam em: preventivas, controlando pelo
saneamento os aspectos desfavoráveis à manutenção das boas raças; positivistas,
incentivando e regulamentando a procriação dos melhores; e negativista, evitando a
procriação dos inferiores. As ações preventivas e positivistas favoreceram investimentos
para o melhoramento de regiões cujos grupos populacionais eram vistos como
hereditariamente favorecidos, acreditando-se que boas estruturas físicas desenvolveriam as
melhores características latentes. Incentivava-se, para a perpetuação dos melhores
gêneros, o casamento entre semelhantes. as ações negativistas eram restritivas à
procriação e existência de grupos tidos como medíocres e deficientes. Para tanto, instituía-
se a segregação e esterilização de tais indivíduos.
“A esterilização resultados na redução dos degenerados; estes
resultados, porém, não são imediatos e só se farão sentir após muitos anos
de uma execução perfeita e permanente (...) a esterilização é um auxiliar
poderoso da redução dos degenerados, mas isoladamente não resolve o
problema da eugenização da espécie (...). Em suma, para a melhora física,
moral e intelectual dos nossos semelhantes, é necessário lançar mão da
esterilização, sem prescindir, porém, da pratica dos demais preceitos
ditados pela eugenia positiva, preventiva e negativa” (Kehl, apud Santos,
2005, p. 08).
A seleção racial defendida pelos eugenistas pregava uma
padronização do comportamento e dos indivíduos segundo idealizações, “estabelecendo o
certo e o errado, o que se devia e o que não se devia fazer no âmbito da sociedade para se
chegar ao patamar mínimo de civilização” (Mattos e Fornazari, 2005, p. 51-2). Como
resultado da definição dos tipos ideais, surgiram os elementos considerados nocivos à
sociedade e que deveriam ser contidos por “medidas de caráter restritivo”.
6
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Buscando assegurar a ordem e a qualidade populacional, diversas
instituições de reclusão são construídas no início do século XX, seguindo diretrizes de
isolamento dos degenerados e dos propagadores de más características, além de pesquisas
para identificação e modificação de tipos ruins. Hospícios, cadeias, instituições para
internamento de menores e de doentes são disseminados e desenvolvidos buscando
soluções para o entendimento, controle e eliminação das ameaças ao futuro da nação
brasileira. “A segregação em asilos, por sua vez, representaria um método de isolamento
dos que eram declarados incapazes de ter ‘descendência normal’” (Mota, 2003, p. 44).
2.2 A reforma sanitária e o controle das edificações urbanas
Segundo Rosen (1994), a Saúde Pública resultou das relações entre
as necessidades da vida em comunidade e o combate aos problemas de saúde. Noções
sanitárias vêm de milhares de anos antes da era cristã e muitas vezes se vinculam a
questões religiosas e sociais. Muitas ações de saneamento se iniciaram pela intolerância à
sujeira e ao mau cheiro e pela necessidade de abastecimento de água. Entretanto, o
crescimento acelerado das cidades suplantou as adequações iniciais, favorecendo o
surgimento das epidemias.
O avanço do pensamento e a disseminação de conhecimentos
médicos, somados ao desenvolvimento da aritmética, resultaram em registros sobre as
condições da população, os quais se tornaram de grande importância para o entendimento e
as intervenções sobre as epidemias (Donnangelo, 1976; Telarolli Júnior, 1996).
Em virtude da necessidade política de se conhecerem as condições
que compunham os limites de atuação do Estado, foram feitos, em diversos países,
relatórios que definiram espacialmente, entre outros aspectos, o vel de saúde de suas
populações. Desses documentos resultaram cartilhas de aconselhamento e orientação
sanitária (Rosen, 1994).
Publicações e ações sobre regras sanitárias urbanas, ou de higiene
pública, surgiram na Inglaterra e Alemanha, a partir da segunda metade do século XVIII. A
França, nessa época, tinha regulamentações que regiam as questões de saúde
pública.Tais preceitos se espalharam pelos países industrializados, motivados pelas
epidemias (Rosen, 1994).
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A França do século XIX, influenciada pelas descobertas de Pasteur
sobre a participação de microorganismos no processo de adoecimento, teve os médicos
atuando ativamente na política e criação de leis, difundindo a importância dos preceitos
higiênicos no controle da propagação de doenças. Após a lei de 1894, que definia condições
habitacionais para os trabalhadores da época, surge, em 1902, a Lei Federal Francesa de
Proteção à Saúde Pública, estabelecendo regras de higiene e o controle, pela inspeção,
para as habitações de todo o país (Costa e Sanglard, 2006).
“A França seria, assim, como se sabe, o primeiro país a criar um órgão
diretamente encarregado das questões do urbanismo enquanto ciência,
gestado a partir da Seção de Higiene” (Costa e Sanglard, 2006).
Durante o período colonial, no Brasil, as ações públicas de saúde
ocorriam, sobretudo diante das epidemias. Buscava-se restaurar as condições anteriores
aos problemas por meio de ações de segregação de doentes. As quarentenas eram comuns
para quase todas as doenças.
No entanto, a vinda da corte para o Brasil modificou os padrões de
ação em saúde, pois a presença da família real, junto com o aumento populacional e
comercial, exigia mudanças. Entendia-se que a dinâmica urbana promovia a propagação de
doenças, o que demandava ações perenes em relação aos problemas de saúde, não
somente em períodos epidêmicos.
Procurava-se, por mudanças no meio, combater as supostas causas
das doenças, incorporando o espaço urbano ao pensamento e às ações médicas. A
medicina do século XIX esquadrinhou o espaço urbano, por meio da geografia, topografia,
estatística, etc.
A Lei Federal 598, de 14 de setembro de 1850, cria efetivamente
a Junta de Higiene Pública, que, em 1857, pelo Decreto Federal 2052, de 12 de dezembro,
se transforma em Inspetoria de Higiene e define comissões de saúde para as províncias. As
ações da inspetoria se focavam no combate às grandes epidemias e se restringiam a
desinfecção e isolamento de doentes.
Em São Paulo, depois da Constituição Estadual de 1891, criaram-se
condições de estabelecer os serviços sanitários estaduais. Entretanto, somente em épocas
de grandes epidemias podia-se contar com verbas do governo central (Telarolli Júnior,
1996a).
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Em 1892, pela Lei 43, de 18 de julho de 1892, no período
Republicano, foi extinta a Inspetoria de Higiene de São Paulo e organizado o Serviço
Sanitário do Estado, subordinado ao Secretário do Interior. Suas finalidades eram
preventivas e envolviam a formação de um amplo quadro de funcionários para o
saneamento de habitações e demais espaços. Buscava-se prevenir e combater as moléstias
pela “assistência pública a necessitados”, por vacinação, inspeção e fiscalização de
produtos e instalações. Instituía-se o policiamento sanitário e a organização “estatística
demógrafo-sanitária” por meio de atividades punitivas e consultivas. Ao Serviço Sanitário era
destinado o controle higiênico das cidades (Marcarenhas, 1949).
Ainda no ano de 1892, foi promulgado o Regulamento da Higiene,
destinado ao controle de edificações da classe pobre, uma prévia do que seria o Código
Sanitário (Telarolli Júnior, 1996).
O Decreto 219, de 30 de novembro de 1893, regulamentou as
desinfecções de objetos e instalações utilizadas por doentes, reforçando o poder policial
dado aos funcionários da instituição sanitária. As obras de saneamento passaram a ser
assessoradas pelo Serviço Sanitário e executadas pela Secretaria de Estado da Agricultura
do Interior, visto que as especificações que viriam no Código Sanitário estavam prontas,
mas, por questões políticas, não se instauraram (Telarolli Júnior, 1996).
No ano de 1894, surge, com a centralização das ações sanitárias
junto ao Serviço Sanitário, o primeiro Código Sanitário do Estado, baixado como instrumento
de normatização da cidade e da vida urbana, pelo Decreto nº 233, em 2 de março. Segundo
Rolnik (2007), a legislação sanitária francesa influenciou gerações de higienistas brasileiros
e inspirou a criação do Código Sanitário Paulista. Este regulamentava oficialmente ruas,
praças, habitações, hospedarias, hotéis, escolas, teatros, fábricas e oficinas,
estabelecimentos de venda e produção de alimentos, cocheiras e estábulos, cemitérios,
hospitais, mictórios e latrinas, esgoto e abastecimento de água.
Anteriormente ao Código Sanitário Estadual de 1894, as normas
higiênicas somente regulavam a desinfecção das edificações existentes onde fossem
encontradas irregularidades ou pessoas doentes. Tal código marca a inserção dos serviços
da engenharia na legislação sanitária.
As regras de Higiene, expandidas e estabelecidas pelo Código
Sanitário, eram destinadas aos diferentes tipos de edificações e atividades e,
posteriormente, influenciaram as demais legislações espaciais. A separação entre atividades
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residenciais e profissionais (por exigências funcionais, econômicas e higiênicas) alterara a
distribuição das edificações nas cidades.
Nesse documento além de definidas as dimensões mínimas dos
cômodos das edificações e suas implantações nos lotes, assim como as proximidades às
aglomerações urbana, foi extinguida a possibilidade de existência de cortiços. Foram
tratadas também questões referentes ao abastecimento e uso de águas e ao escoamento
de esgoto (Mascarenhas, 1949). Vale aqui ressaltar que, nessa época, questões referentes
ao ajuntamento de pessoas eram muito importantes dentro do meio científico,
principalmente nas habitações pobres.
“[...] Logo em seguida, agentes do estado começaram a visitar as moradias
dos pobres, especialmente os cortiços, procurando por doentes e
mantendo estatísticas e registros. Essas visitas geravam reações
negativas: era clara para as classes trabalhadoras a associação de
serviços sanitários com controle social. Além de controlar os pobres, a elite
começou a separar-se deles” (Caldeira, 2000, p.214).
Em 31 de outubro de 1894, o Decreto 266 regulamentou o
funcionamento dos hospitais de isolamento de doentes acometidos por diferentes moléstias.
Ressalta-se que hospitalização, nessa época, não significava especificamente tratamento e,
sim, acomodação, alimentação e isolamento de doentes.
“No caso dos hospitais, a preocupação maior da legislação era com a
proteção do meio urbano contra o foco de insalubridade representado por
esses estabelecimentos, ficando em segundo plano a regulamentação dos
aspectos relacionados ao conforto e ao tratamento dos doentes. Um
exemplo são as especificações do Código Sanitário de 1894, que
permaneceram inalteradas em suas linhas gerais durante toda a Primeira
República. Os hospitais deviam se localizar sempre afastados dos centros
urbanos, construídos sobre terrenos secos, saneados e cercados por
vegetação exuberante. Para reduzir o potencial contaminador do hospital,
as enfermarias não podiam ser muito numerosas, com no máximo trinta
leitos, e os hospitais não podiam ter mais de quinhentos leitos” (Telarolli
Junior, 1996, p. 274).
Em 1896, a 3 de agosto, o Serviço Sanitário foi reorganizado em
moldes que se configuraram até o ano de 1918. Regularam-se no estado de São Paulo, pela
primeira vez, leis rurais e o desempenho de atividades industriais. Ampliaram-se as
atribuições estatais sobre as questões de saúde eliminando, quase completamente, a
autonomia dos municípios, o que representou disputas políticas por verbas para execução
de obras importantes, além da possibilidade de sua priorização.
No inicio do século XX, para muitas doenças existia imunização
por vacinas. Eliminar o risco das epidemias remanescentes se baseava na higienização dos
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povos e na mudança de costumes. Surge então a Educação Sanitária desenvolvida nos
Estados Unidos e disseminada pela Fundação Rockefeller (Campos, 2002).
O Decreto 1343, de 27 de janeiro de 1906, marca a divisão do
Serviço Sanitário em distritos distribuídos regionalmente, buscando, desta forma, solucionar
os problemas políticos, permanentes desde a instauração do Código, favorecendo o maior
controle estadual das ações higiênicas municipais. Nesse decreto instaurou-se o serviço de
aconselhamento higiênico sobre os hábitos domésticos, prevendo o que seria a educação
sanitária proposta por Paula e Souza em 1925.
Segundo Telarolli Júnior, o Decreto 2141, de 14 de novembro de
1911, mantendo as diretrizes da Lei de 1896, foi o último a seguir o “modelo tecno-
assistencial campanhista-policial” onde predominava a “gerência estadual”, resultado das
relações “entre o poder estatal e o local (Telarolli Júnior, 1996, p.233). Foram feitas
especificações construtivas para diferentes tipos de edificações que seriam reformuladas no
Decreto n° 2918 de 9 de abril de 1918.
Surgem novas diretrizes para as leis urbanas, tendendo ao
desenvolvimento econômico e ao controle das expansões territoriais. Ocorre, também, uma
especialização dos serviços sanitários segundo a compreensão das moléstias, como o caso
da Inspetoria de Profilaxia da Lepra (1923), que se transformou em Departamento de
Profilaxia da Lepra (1935), definindo leis distintas de ação espacial para a doença (Monteiro,
1995).
Os estabelecimentos das fábricas passam a ser vistos como nocivos
à saúde dos operários e da cidade, como fonte de poluição do ar e água. As leis sanitárias
passam a apresentar diversos regulamentos para as atividades fabris, evitando riscos de
doenças. Controlam-se suas localizações, visando proteger a vizinhança e, analisa-se o
destino dos lixos produzidos pelas fábricas, bem como os riscos de contaminação do ar e da
água. As infrações às regras resultavam em altas multas e, dependendo da situação,
exigiam-se transformações físicas e remoção das instalações para outro local.
Segundo Hirsch (2003), leis, como normas editadas pelo Estado
para “disciplinar a vida do povo em sociedade”, são instrumentos estratégicos para as
Políticas Públicas que estipulam quais devem ser as ações e como executá-las, garantindo
os direitos sociais e o cumprimento de determinações constitucionais, sendo, portanto, um
regulador. As leis sanitárias foram instrumentos criados para “promover, proteger e
recuperar a saúde pública”, além de dar garantia de ordenamento “jurídico-sanitário” às
ações que tendiam a “eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e intervir nos problemas
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sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e de prestação
de serviços de interesse da saúde” (Hirsch, 2003, p. 15).
Segundo a publicação da Revista Brasileira de Leprologia (1957),
submetida ao DPL, desde 1697 são dadas diretrizes federais sanitárias para ações contra a
permanência dos doentes da hanseníase em meio aos sadios. Percebe-se que, por não
existirem medidas profiláticas, as leis somente se encarregaram de prover meios para o
funcionamento de instituições e para definir os casos de internação.
Até fins do século XIX, no Brasil, os doentes da hanseníase eram
internados em asilos, hospitais e enfermarias, buscando-se sua sobrevivência e a não
disseminação da doença entre seus parentes. Tais estabelecimentos somente prestavam
assistência; não tinham valor terapêutico (Curi, 2002). No século XX, com as novas
descobertas científicas e a instituição de sistemáticas profiláticas nos estabelecimentos
hospitalares, as doenças passaram a ser tratadas diferentemente. Teorias higienistas
reforçavam a segregação dos doentes em prol da população sã, quando se instaurava,
então, o controle sanitário.
2.3 Especificações sanitárias para os Asilos Colônias paulistas
Os Asilos Colônias surgiram como solução subsidiada pelos
governos e pelas iniciativas de instituições filantrópicas, visando atender às políticas
públicas nacionais de combate à hanseníase. Em cada estado brasileiro foram edificadas
instalações que controlariam a vida dos doentes das diferentes regiões do país. No estado
de São Paulo, o funcionamento e configuração espacial de tais instituições, segundo Yara
Nogueira Monteiro (1995), diferenciaram-se dos demais pelo estabelecimento do sistema de
isolamento compulsório para todos os quadros de hanseníase, contagiantes ou não.
Em 1928, o processo de confinamento paulista foi iniciado com a
inauguração do Asilo Colônia Santo Ângelo, modelo difundido seguindo orientações
estabelecidas pela Legislação Sanitária do Estado de São Paulo. Seguiram-lhe o Asilo
Colônia Pirapitingui (1931), em Itu; o Asilo Colônia Padre Bento (1931), em Guarulhos; o
Asilo Colônia Cocais (1932), em Casa Branca; e o Asilo Colônia Aimorés (1933), em Bauru.
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Os Asilos Colônia apresentavam diferentes tipologias de edificações
formando um núcleo urbano. O levantamento relata, a seguir, as exigências e modificações
presentes nas leis que definiram suas configurações.
O Decreto 2918, de 9 de abril de 1918, foi o primeiro a abordar
questões sobre as obras e ações necessárias para a prevenção e tratamento de doenças
transmissíveis, como a hanseníase. Apresenta especificações sobre as atribuições do
Serviço Sanitário do Estado, definindo que todo assunto referente à higiene dentro do
domínio do estado, sendo áreas rurais ou urbanas, passaria à sua responsabilidade. Aos
municípios competia a execução dos melhoramentos essenciais, a fiscalização de
construções, serviços e produtos, o cuidado com os serviços assistenciais, como hospitais
de isolamento, além da remessa de informações ao governo do estado.
Consta nesse decreto de 1918 que os Lazaretos, como eram
denominados os leprosários e demais estabelecimentos para assistência aos doentes que
oferecessem risco de contágio, deveriam ser dirigidos pela Diretoria Geral do Serviço
Sanitário, assim como as demais entidades de importância estadual, cujo responsável pelas
providências tomadas seria o Diretor Geral. Submetidos à tal Diretoria apareciam os
Delegados de Saúde incumbidos das Delegacias Regionais e de suas ações. O poder de
polícia cabia aos Inspetores Sanitários, que podiam fiscalizar, vigiar e remover aquilo ou
aquele que ameaçasse a saúde da população, sendo, portanto, os responsáveis pelo
recolhimento dos doentes de hanseníases aos lazaretos e pela vistoria das condições de
higiene nas edificações.
A farmácia é um dos componentes essenciais do programa de um
asilo. A partir do artigo 147, foram definidas as exigências quanto às dimensões e aos
detalhamentos construtivos de farmácias. Tais exigências definiam um espaço para o
acesso do público e mostra de medicamentos, outro para a manipulação de fórmulas, bem
como o asseio de equipamentos, sendo todos revestidos por materiais lisos e impermeáveis,
com ampla iluminação e de “dimensões convenientes”. Nenhuma farmácia poderia funcionar
como residência ou dormitório. Em instituições de serviço de saúde pública, como hospitais,
as farmácias não poderiam vender qualquer espécie de medicamento ao público. Nessa
época distingue-se farmácia de drogarias, cujos serviços não poderiam ser misturados,
sendo a segunda forma destinada à venda de “drogas de uso ordinário e inofensivo”.
Os asilos também contavam com escolas, cujas normas instituídas
para suas construções definiam que elas deveriam ter preferencialmente um pavimento,
com escadas seguindo geometria reta. As salas de aula deveriam dispor de um metro
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quadrado para cada um dos alunos, ter no mínimo 3 metros de direito e todos os cantos
arredondados. As aberturas para ventilação e iluminação se situariam a um metro do chão e
teriam área total igual à sexta parte do piso. Seria aceito implemento lumínico elétrico. Os
porões teriam, no mínimo, um metro de altura e seriam ventilados. O número de latrinas e
lavabos deveria ser na proporção de um para trinta alunos ou para vinte alunas. Os
revestimentos exigidos eram os laváveis e em cores de tom pastel.
Como forma de diminuir os custos de manutenção dos internos e de
garantir trabalho aos moradores capazes, os asilos incluíam fábricas e oficinas em seus
programas. Em geral, eles deveriam obedecer às orientações das auditorias sanitárias
segundo o tipo de maquinário utilizado, mas a todas valia a proibição de poluir o ar, sendo
obrigatória a posição de chaminés dois metros acima da maior cumeeira. Para a segurança
dos funcionários e moradores próximos, exigia-se proteção dos equipamentos por meio de
telas. Definiu-se um padrão de ventilação e iluminação natural que proporcionava renovação
de ar de trinta a sessenta metros cúbicos por hora, sendo reservado um espaço livre mínimo
de oito metros cúbicos por funcionário. Os pisos deveriam ser revestidos por material liso e
impermeável, bem como as paredes, até uma altura de dois metros. As latrinas seriam na
proporção de uma para cada trinta funcionários, divididas por sexo. Os resíduos sólidos
produzidos deveriam ser incinerados e as águas sofreriam tratamento antes de serem
lançadas. Nos casos especiais, seu destino seria revisto pelas autoridades sanitárias.
Para garantir o confinamento, era necessária a inclusão, no
programa dos asilos, de instalações para o comércio de alimentos, como bares e
restaurantes. Aos espaços destinados aos mercados alimentícios era proibida a existência
de dormitórios se comunicando com os locais de venda. As prateleiras e balcões deveriam
ter suas bases distantes vinte centímetros do piso e os tampos deveriam ser impermeáveis.
Os pisos, para facilitar o escoamento, deveriam ser inclinados e revestidos por material liso,
impermeável e resistente; as paredes, claras, revestidas até uma altura de um metro e
cinqüenta centímetros. Exigiam-se ventilação e iluminação amplas, protegidas por grades ou
venezianas para evitar a entrada de roedores. As latrinas e mictórios deveriam ser isolados
dos locais de venda e, aos funcionários, seriam destinados vestiários com lavabos. Os
restaurantes ou bares e confeitarias deveriam ter sua construção seguindo as mesmas
orientações dos comércios de alimentos, sendo tamm vetado o uso do estabelecimento
para outros fins, como dormitório. Os tampos de mesas deveriam ser de materiais
congêneres ao mármore ou vidro, assim como os dos balcões, que deveriam ter as bases
distantes vinte centímetros do piso. As pias deveriam ser esmaltadas e de tampo de
mármore.
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Eventualmente os asilos podiam incluir matadouros, que deveriam
ter suas plantas aprovadas pela Diretoria Geral do Serviço Sanitário, serem bem ventilados,
iluminados e ter piso inclinado, impermeável e antiderrapante. As paredes internas deveriam
ser revestidas, até dois metros de altura, por material impermeável, liso, claro e resistente,
tendo os cantos todos arredondados. Deveriam contar com incineradores para as vísceras,
não sendo permitido o funcionamento do matadouro conjunto à existência de dormitórios.
A habitação deveria ter sua planta aprovada pelo Serviço Sanitário.
Seu terreno deveria ser saneado e ter aterramento controlado, considerando o escoamento
de águas. A orientação solar dos aposentos deveria assegurar uma insolação mínima de
uma hora, na pior época do ano. Deveria estar implantada sobre camada impermeável de
concreto que ampliaria em um metro seu perímetro e respeitaria o escoamento de águas.
Os materiais aplicados na construção deveriam ser sólidos, resistentes, secos e refratários à
umidade e ao calor. As paredes externas teriam trinta centímetros de espessura e, assim
como as demais, seriam isoladas dos alicerces por meio de materiais isolantes ou
vitrificados. Os assoalhos do primeiro piso deveriam estar a cinqüenta centímetros do chão,
formando porões ventilados e iluminados por meio de aberturas gradeadas ou de ductos
comunicantes com aberturas nos telhados.
Todos os compartimentos das habitações deveriam ter aberturas
para receber luz e ar diretos. Os aposentos seriam providos de venezianas, teriam área
mínima de trinta metros quadrados e pé direito de três metros. As latrinas internas deveriam
ter área mínima de dois metros quadrados; as externas, área mínima de um metro e vinte
centímetros, sendo todos os pisos e paredes revestidos até um metro e cinqüenta
centímetros. Os aparelhos sanitários deveriam ser fixos. Os pátios e áreas internos não
poderiam ter menos de dois metros de largura. As escadas, exceto de serviços, deveriam ter
largura mínima de oitenta centímetros e, no máximo, quinze degraus por lances de
dezoito centímetros de altura e trinta de largura. As cozinhas, proibidas de se comunicar
com aposentos e latrinas, teriam dimensão mínima de trinta metros quadrados, seriam
iluminadas, ventiladas e revestidas com cerâmica até um metro e cinqüenta centímetros do
piso, também cerâmico. As chaminés teriam suas saídas a um metro e cinqüenta
centímetros, considerando-se a altura dos telhados vizinhos. Haveria também o controle das
instalações de captação de chuvas e suas ligações aos coletores públicos. Para as caixas
de descarga das latrinas, seria proibida comunicação direta com a rede de abastecimento.
Nas habitações coletivas, as latrinas e lavabos deveriam ser para, no máximo, vinte
pessoas. As divisórias de madeira seriam toleráveis, e as cozinhas e áreas de lavagens, em
número suficiente para o uso máximo, instaladas em áreas seguras.
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As regras para construção de hospitais instituíam que estes
deveriam se situar distantes de áreas urbanas densamente povoadas e em locais secos e
elevados, devendo os pavilhões ser isolados e também distantes entre si, uma vez e meia
suas alturas, tendo no máximo dois pavimentos. Os pavilhões de isolamento deveriam ficar
cinqüenta metros longe de outras instalações. As formas retangulares de cantos
arredondados seriam instituídas como modelo, devendo conter aberturas oponentes e de
área total igual à quinta parte do piso, promovendo ventilação e iluminação contínua. A
lavagem das roupas seria obrigatoriamente feita nos hospitais, assim como a incineração de
resíduos sólidos e desinfecção de utensílios e equipamentos. Cada dormitório teria
capacidade máxima para oito leitos.
Existiam ainda, nos asilos, casas de barbeiro e cabeleireiros que
deveriam ter seus pisos revestidos de materiais impermeáveis e as paredes pintadas em
cores claras sendo proibida a utilização do espaço como dormitório. Os equipamentos
deveriam ser desinfetados em estufas.
Equipamentos de lazer eram também incorporados, sendo freqüente
a existência de cines-teatro. Neles se tolerava o uso de ventilação artificial, sendo
obrigatórios, para os outros espaços de reunião e diversão, sistemas de ventilação natural
que não causassem incômodos e prejuízos aos espectadores e usuários. Para cada pessoa,
seriam necessários cinqüenta metros cúbicos de ar renovado por hora. As cadeiras,
higiênicas e cômodas, deveriam ser de braços. Todos os lugares deveriam ter fácil
comunicação com as portas de saída, que deveriam abrir para fora.
Os necrotérios deveriam se situar distante de habitações e ter suas
construções simples, sem ângulos e reentrâncias, claras e ventiladas. Os pisos deveriam
ser inclinados para o escoamento, impermeáveis, assim como as paredes, estas em até
dois metros de altura. As mesas deveriam ser de mármore, vidro ou de materiais
congêneres, e inclinadas.
Os cemitérios deveriam ser construídos em pontos elevados, na
contravertente das águas que alimentassem as cisternas, longe de aglomerados urbanos,
tendo uma zona de proteção de cem metros. A arborização deveria ser feita,
preferencialmente, de espécies retas, delgadas, não dificultando a ventilação e evaporação
da umidade.
Durante a década de 1920, algumas modificações foram feitas na
legislação sanitária, assim como no Código Sanitário do Estado de São Paulo. Pelo Decreto
3.876, de 11 de julho de 1925, criou-se a Inspetoria de Moléstias Epidêmicas e do mesmo
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modo, a de Profilaxia da Lepra, relacionada diretamente à Diretoria Geral do Serviço
Sanitário, incumbida do estudo, profilaxia e fiscalização dessa infecção e de organizar a
construção de colônias e outros estabelecimentos para os doentes de hanseníases. Cria-se
também a Seção de Engenharia Sanitária com participação dos politécnicos. Conforme
relata Cristina de Campos, a relação entre engenharia e saneamento foi consolidada:
“Paralelamente à criação de um novo campo profissional para médicos
sanitaristas, durante a cada de 1920, foram consolidadas as novas
práticas profissionais dos engenheiros. Em primeiro lugar, a carreira de
engenheiro foi desmembrada: ao engenheiro sanitarista competia a criação
das redes de infra-estruturação, para saneamento do meio; a criação de
vias circulatórias e outros melhoramentos urbanos ficaria a cargo de outra
classe de engenheiros, responsáveis justamente pela criação dos novos
traçados urbanos e locais por onde deveria se expandir a cidade. Tanto os
engenheiros sanitários como os médicos ainda participam dos Congressos
da Sociedade Brasileira de Higiene, que tratam de temas relacionados à
higiene e ao sanitarismo” (Campos, 2002, p.87).
O Decreto de 1925 marca as mudanças inseridas por Geraldo
Horácio de Paula Souza, diretor do Serviço Sanitário na época, nos rumos da saúde pública
paulista, pois transforma as ações policiais em ações educacionais, mediante a atuação da
Faculdade de Medicina, propondo novo comportamento à população urbana e rural do
estado.
Algumas das alterações constantes do decreto afetam elementos do
programa dos asilos colônias. Nos restaurantes, a especificação de revestimentos passaria
a ser de ladrilhos brancos vidrados até dois metros de altura. Seriam exigidos “exaustores”
sobre os fogões, ligados às chaminés. As escolas passariam a ter o direito das salas
ampliado para quatro metros; as janelas teriam dimensões diminuídas para a quinta parte da
superfície do piso. Nos estábulos e estrebarias, a área de serviço teria dimensão mínima de
vinte e cinco metros quadrados com largura de cinco metros. As baias teriam três metros e
cinqüenta centímetros por um metro e cinqüenta centímetros. Os hospitais passariam a ter
seu afastamento de terrenos vizinhos estipulado em dez metros e seriam previstos
elevadores para edificações com mais de dois pavimentos, assim como dispositivos contra
incêndios. A cada doente das enfermarias destinar-se-ia uma área cúbica de trinta metros.
As aberturas para ventilação e iluminação, naturais, seriam ampliadas para a sexta parte da
superfície do piso. Os hospitais de isolamento passariam a ter zona de proteção de dez
metros ao seu redor. Para as habitações, foram toleradas paredes de quinze centímetros de
espessura em áreas de cozinha e sanitários. Diminuiu-se a área mínima da cozinha para
sete metros quadrados e, dos dormitórios, para dez. Os espaços mínimos destinados aos
banheiros e latrinas seriam aumentados para quatro metros quadrados.
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Em 27 de dezembro de 1926 é decretada a Lei 2169, a primeira
destinada exclusivamente à profilaxia da hanseníase, considerando a identificação deste
problema de saúde como importante para a situação sanitária da época. São definidos os
sistemas de notificação dos doentes assim como as ações para a punição daqueles que
confrontassem as ordens sanitárias de isolamento. Passam a ser definidos os locais ”de
acordo com os modernos preceitos de hygiene”, mas nenhuma especificação foi dada sobre
as condições e normas construtivas. Na ausência de tais estabelecimentos, seria permitido,
ainda, aos que tivessem condições de se sustentar em isolamento, a internação domiciliar.
Aos demais, caberia a reclusão em hospitais, colônias, asilos ou creches. São definidas as
instalações dos Asilos Colônias em áreas suficientes para a configuração de vilas,
garantindo as condições profiláticas.
Seriam propostos pavilhões de internamento para diferentes idades
e condições de saúde. Ainda não se havia definido o isolamento compulsório, pois o artigo
quinto determinava que aos asilos seriam recolhidos aqueles que assim o desejassem.
Definem-se as acomodações diferenciadas a quem pudesse arcar com as próprias
despesas. Ainda se permitia, nessa Lei, o acompanhamento do cônjuge são no
internamento, sendo, então, os filhos sadios, isolados dos doentes. Definiram-se normas de
higiene e comportamentais para os internos. Estes poderiam escolher os funcionários que
intermediariam as atividades entre os sãos e doentes na instituição e, caso quisessem, seria
permitida a intervenção de outros médicos externos à instituição, custeados pelo doente.
Percebe-se que, neste período as ações consideravam a possibilidade de cura da doença,
propondo parágrafos a respeito da liberação dos que se curassem e da convivência,
controlada, com visitantes sãos.
Os dormitórios teriam telas, as roupas e utensílios dos internos
seriam individuais e higienizados diariamente. Definem-se as construções de Asilos,
segundo o modelo regional do Santo Ângelo, para o atendimento de, no máximo,
quatrocentos doentes. A residência desocupada por um doente de hanseníase deveria ser
expurgada e renovada e os seus objetos de uso pessoal que não pudessem ser incinerados,
seriam desinfetados.
Em 31 de dezembro de 1927, a Lei 2259 modifica as exigências
para hospitais. Diminuía-se o afastamento de áreas vizinhas para cinco metros e, aos
hospitais de isolamento, estipulava-se o distanciamento de dez metros em todas as faces.
Os corredores teriam suas larguras estipuladas em dois metros e, os s direitos, em três.
Os lavabos, banheiros e latrinas seriam calculados na proporção de um para doze doentes.
Os elevadores teriam suas dimensões estipuladas para o transporte de macas e seria
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disponibilizado um para cada mil metros quadrados. As escadas teriam suas larguras
definidas em um metro e vinte centímetros e, no mínimo, em mero de três. O número de
doentes nas enfermarias seria reduzido para vinte e quatro, destinando-se sete metros
quadrados por indivíduo.
Em 31 de dezembro de 1929, é decretada a Lei 2416 alterando
as disposições do Decreto 3876, de 1925 e da Lei 2169, de 1926. Percebe-se maior
rigidez no combate à hanseníase, exigindo-se total isolamento dos doentes e dificultando
qualquer possibilidade de tratamento em residências particulares. As convivências e
contatos passam a ser amplamente controlados, exigindo-se dos comunicantes a freqüência
aos exames sanitários. Proibiu-se o convívio ou contato de recém-nascidos e crianças com
os doentes. Ocorre uma diminuição considerável das expectativas de cura da doença. Os
doentes passam a ser destinados aos Asilos Colônias regionais e têm suas vidas, a partir de
então, controladas pela Inspetoria de Profilaxia da Lepra.
Definem-se os estabelecimentos asilares como colônias agrícolas
com capacidade máxima para mil internos e com divisão de setores de serviços para sãos e
doentes. Neles são construídas residências fixas para funcionários e médicos.
Surgem presídios internos para os doentes infratores ou para
transferência de presos que ficaram doentes. Seguem, na exposição da lei, considerações
administrativas e normativas quanto ao funcionamento. Entretanto, para as edificações, são
consideradas as especificações gerais das leis anteriores, não havendo critérios específicos.
Na década de 1930, comparada aos períodos anteriores, as
exigências construtivas feitas pelas leis sanitárias passam a ser mais específicas quanto ao
material gráfico de projeto a ser apresentado. Estipula-se o memorial descritivo, tipos de
plantas e suas escalas, assim como as cores de tintas utilizadas para representação de
materiais empregados, construções, reformas e demolições.
Em 16 de maio de 1931, pelo Decreto 5027, foram extintos os
demais estabelecimentos, que não fossem os Asilos Colônias, para o confinamento e
“tratamento” de doentes da hanseníase.
O Decreto nº 5965, de 30 de junho de 1933, anexa os Asilos
Colônias (Aimorés, Cocais, Padre Bento, Pirapitingui e Santo Ângelo) às propriedades da
Inspetoria de Profilaxia da Lepra e define medidas técnicas de ação para o controle da
doença e reclusão dos 6050 doentes existentes na época no estado.
8
1
Em 1935, pelo Decreto nº 7215, de 18 de junho, criou-se o cargo de
Engenheiro-Chefe do Departamento de Profilaxia da Lepra, antiga Inspetoria (denominação
modificada, também, nesse ano), desincorporando-o da Seção de Engenharia Sanitária.
2.4 Formulações teóricas sobre o controle do espaço urbano
A industrialização e a maquinização dos modos de produção
transformaram a realidade urbana. O aumento populacional superou as condições físicas
das cidades e os interesses econômicos definiram as más qualidades de moradia e de
trabalho dos operários. Entre outros aspectos, os aglomerados residenciais que
propagavam doenças se configuravam como grandes problemas sociais e de saúde. O ritmo
das transformações extrapolava a capacidade de entendimento dos acontecimentos.
Segundo Françoise Choay,
“[...] o momento em que a cidade do século XIX começa a tomar forma
própria, ela provoca um movimento novo, de observação e reflexão.
Aparece de repente como um fenômeno exterior aos indivíduos a que diz
respeito. Estes encontram-se diante dela como diante de um fato natural,
não familiar, extraordinário, estranho” (Choay, 1997, p. 4).
A partir da Revolução Francesa, imprimiram-se mudanças na visão
da sociedade urbana. As ideologias contrárias à imposição imperial definiram o homem
individual com base na visão total do grupo, da realidade coletiva. O conceito de Nação
surgiu como resultado de uma idealização da história humana. A Revolução representou o
marco de ruptura, iniciando a identificação do Povo.
“Eis aí, portanto, um dos pólos de projeção das utopias românticas, que, no
fundo, constituía mais uma idolatria do tempo e da história: a nação. Nada
a estranhar que, numa época de profunda desagregação coletiva, ela
pareça constituir-se no único caminho de regeneração e redenção social.
Contra o individualismo desagregador, a nação seria a realização completa
e última do ideal de associação popular; ela que seria a única capaz de
reconciliar a auto-expressão dos homens com uma sociedade mais coesa
e mais justa”(Saliba, 1991, p.63).
Dentro desse contexto histórico, diferentes pensadores, envolvidos
com a sociedade burguesa e trabalhadora, propuseram formulações urbanas diferentes,
idealizadas, utópicas. Karl Manheim (1987) define utopia como a verdade proveniente de
interpretações e percepções de quem a promulga, submetida às influências do meio e de
opiniões, num período de caos e instabilidade.
8
2
Foucault (1967), relacionando as utopias ao espaço, define-as como
sítios sem lugares reais, que seguem uma relação analógica direta ou inversa com o espaço
real de uma sociedade. Nesses sítios as sociedades são apresentadas de forma
aperfeiçoada ou contrárias às realmente existentes. Para ele, as utopias realizadas se
situam em locais distintos do espaço real e são denominadas heterotopias; estas, existem
em todas as sociedades e assumem formas distintas. As heterotopias estão vinculadas ao
abrigo de tipos desviantes do comportamento comum, à variação de funções segundo o
desenvolvimento social, às pequenas representações de uma totalidade universalizante, às
pequenas parcelas de tempo que rompem uma tradição ou que as acumulam, ao controle
da acessibilidade e à compensação e repartição social e espacial.
“Os bordéis e as colônias são dois tipos extremos de heterotopias. Mas,
atenção. Um navio é um pedaço flutuante de espaço, um lugar sem lugar,
que existe por si só, que é fechado sobre si mesmo e que ao mesmo tempo
é dado à infinitude do mar. E, de porto em porto, de bordo a bordo, de
bordel a bordel, um navio vai tão longe como uma colónia em busca dos
mais preciosos tesouros que se escondem nos jardins. Perceberemos
também que o navio tem sido, na nossa civilização, desde o século
dezesseis até aos nossos dias, o maior instrumento de desenvolvimento
econômico (ao qual não me referi aqui), e simultaneamente o grande
escape da imaginação. O navio é a heterotopia por excelência. Em
civilizações sem barcos, esgotam-se os sonhos, e a aventura é substituída
pela espionagem, os piratas pelas polícias” (Foucault, 1967, p.4).
Jeremy Bentham
Uma das utopias urbanas foi o Panóptico, criado pelo economista
inglês Jeremy Bentham, em 1786, na Rússia. Tratava-se de uma proposta para um presídio,
baseada em princípios do controle industrial, e que serviria também a escolas, hospitais,
hospícios e/ou demais estabelecimentos de internato. Consistia, essencialmente, em um
edifício fechado, circular, cujo centro era composto por uma torre de observação que tinha
acesso visual à circunscrição, onde ficavam as celas. Foram consideradas, em sua
composição arquitetônica, a visibilidade, a economia, a higiene, ventilação e iluminação,
mantendo sempre o ideal de isolamento dos indivíduos vigiados.
8
3
Pa
nóptico (Markus, 1993, p.123)
“Para dizer tudo em uma palavra, ver-se-á que ele é aplicável, penso eu,
sem exceção, a todos e quaisquer estabelecimentos, nos quais, num
espaço não demasiadamente grande para que possa ser controlado ou
dirigido a partir de edifícios, queira-se manter sob inspeção um certo
número de pessoas. Não importa quão diferentes, ou até mesmo quão
opostos, sejam os propósitos: seja o de punir o incorrigível, encerrar o
insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado,
manter o desassistido, curar o doente, instruir os que estejam dispostos em
qualquer ramo da indústria, ou treinar a raça em ascensão no caminho da
educação, em uma palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões
perpétuas na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do
julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas da correção, ou casas de
trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou hospitais, ou escolas”
(Bentham, 1787 apud Silva, 2000, p.17).
Bentham considerava a arquitetura como técnica capaz de
transformar a conduta dos usuários de edifícios e contratou arquitetos (Charles Butler e
Reveley) para aperfeiçoar seus esboços (Ticli, 2000). Sua proposta chegava às minúcias de
definir, além dos espaços, o funcionamento, a dieta e vestimentas internas. Tudo
previamente testado e calculado, evitando o desnecessário. Miller (apud Silva, 2000) afirma
que Bentham herdou de Helvétius a idéia de transformar o homem pelas circunstâncias,
instituindo o totalitarismo do controle com toda minúcia.
No Panóptico, tudo tinha utilidade (“se não para uma coisa, para
uma outra”), levando à maximização e economia dos instrumentos e das ações. A idéia de
eficiência da máquina esteve bastante presente, inclusive no ato de transformar os
indivíduos em produtos.
8
4
A observação pode ser considerada o elemento principal do edifício.
Somente quem se situasse na torre central conseguiria enxergar o que acontecia dentro das
instalações, o que geraria a dúvida da vigilância constante. Além do que, visitações públicas
serviriam para mostrar o exemplo interno, como um espetáculo, buscando a moralização da
sociedade.
Outro aspecto importante era o sofrimento psicológico que Bentham
instituía mediante a distinção do internamento diante da vida externa e a exacerbação da
dor. Isto se estabelecia nos castigos e na qualidade da alimentação e do conforto
oferecidos, buscando-se valorizar a liberdade e a oportunidade da transformação ali
proposta ao indivíduo.
“(...) a realidade só vale pela aparência que ela produz. Com efeito, é
apenas a aparência a face visível do castigo que influencia a conduta
dos indivíduos e completa a dissuasão, ao passo que o delinqüente passa
sozinho pela experiência de uma dor real. A realidade é aqui o investi-
mento, e a aparência o lucro. Donde a injunção humanitária do utilitarista:
maximizar a aparência e minimizar a realidade” (Miller, apud Silva, 2000,
p.86).
Apesar de o Panóptico não ter sido instituído em sua totalidade, a
proposta de Bentham se expandiu como conceito e influenciou diversos tipos de edificações
pelo mundo, perpetuando-se historicamente.
Saint-Simon
O conde Saint-Simon foi um dos precursores do Socialismo na
França do século XVIII. Considerava as transformações urbanísticas como fator importante
na reforma social. Pode ser considerado com um dos primeiros teóricos que tentaram
associar a revolução com a transformação da realidade vivida pelos pobres. Escreveu
diversos livros que difundiram seus ideais.
Segundo Benévolo (1987) sua teoria social partia do princípio de
que as classes operária e técnica das indústrias deveriam obter postos de comando
destituindo os antigos dirigentes. Tal teoria foi desenvolvida, após sua morte, por um grupo
de discípulos e disseminada por meio do jornal “Le Producteur”.
Após a Revolução de 1830 na França, esse grupo criou uma
comunidade monástica. Um de seus seguidores chegou a participar da Comissão Científica
francesa e assumiu cargos públicos relacionados ao desenvolvimento urbano e expansão
8
5
territorial. Apesar da falta de diretrizes técnicas dos ideais saint-simoniano, estes
transmitiram à cultura francesa o valor moral das obras públicas que foram de grande
importância para as ações urbanas posteriores.
Charles Fourier
Outro formulador do espaço urbano foi Charles Fourier, que
considerava imoral e absurda a disputa de classes e de interesses individuais. Acreditava
que se deviam eliminar os contrastes e buscar a satisfação de todos. Trabalhou sobre a
diferenciação histórica da humanidade, dividindo-a segundo os avanços do estabelecimento
da ordem sobre a anarquia.
A cidade proposta por Fourier se estabeleceria no sexto período
evolutivo da sociedade e seria composta por três anéis concêntricos, de tamanhos
proporcionais às atividades: o primeiro destinar-se-ia à “cidade central”; o segundo, às
grandes fábricas e aos seus arrabaldes; e o terceiro, às avenidas e ao subúrbio. As
edificações deveriam seguir rigorosos controles para cada setor e as divisas dos raios
seriam ocupadas por vegetação que não encobrisse a visibilidade. (Choay, 1997).
Fourier propõe gabaritos de construção bastante inovadores para a
época e suas definições chegam à minúcia das quedas de água buscando um convívio
tranqüilo entre as edificações.
“Todas as casas devem ser isoladas, possuindo fachadas regulares de
todos os lados, com ornamentos escalonados segundo as três zonas, e
desprovidas de empenas nuas. A distância mínima entre dois edifícios
deve ser de três braças [...]. As cercas terão de ser formadas por muros
baixos, encimados por grada ou paliçadas que deixem livres à vista pelo
menos dois terços da altura dos edifícios.(...) A distancia será sempre
calculada em projecção horizontal, mesmo nos terrenos inclinados, e
deverá ser pelo menos igual a metade da altura da fachada mais próxima,
quer seja dos lados ou da parte detrás.(...) Os telhados deverão formar
pavilhão, salvo na presença de frontões ornados nos lados, e ser providos
de caleiras que conduzam a água para debaixo dos passeios. (...) Do lado
da rua, a altura das construções até à goteira do telhado não poderá
exceder a largura da rua. A distância entre os lados será pelo menos igual
a 1/8 da largura da fachada que para a rua [...], precaução necessária
para evitar as aglomerações num ponto” (Fourier, 1841, apud Benevolo,
1987).
A Falange seria a comunidade composta no sétimo período da
sociedade de Fourier, o de harmonia universal”. Foi concebida em 1832, tratava-se de um
“palácio” radial, para cuja efetivação e viabilidade ele considerou os cálculos de custo e as
8
6
formas de ganhos da comunidade. Os pobres pagariam por seus benefícios com o trabalho
oferecido nas instalações industriais locadas no complexo (Choay, 1997; Benevolo, 1987).
As habitações deveriam ser de tamanhos razoavelmente grandes e,
quando multifamiliares, representariam economia na infra-estrutura. Fourier incentivava tais
edifícios comuns como facilitadores das instalações industriais. Os vazios tomados pela
vegetação serviriam para o arejamento dos agrupamentos residenciais garantindo, suas
condições de expansão, mas sem invasão de áreas verdes, somente permitindo o
adensamento.
De modo experimental foi proposta a construção de um primeiro
exemplar com materiais de baixo custo, buscando as verdadeiras adequações que deveriam
vigorar posteriormente e demonstrando, assim, a ausência de dimensionamento preciso e a
participação de construtores na proposta. Tal procedimento remetia à criação de uma
maquete em escala real onde seriam feitos testes de quantidades e metragens, mas já com
a função e o uso estabelecido para cada setor, conforme o modelo teórico.
A área central seria destinada a abrigar as funções “tranqüilas” que
serviriam a todos, como bibliotecas, refeitórios e observatórios. as atividades ”ruidosas”
estariam situadas em outra ala. As atividades de lazer e de grande movimentação de
pessoas não deveriam prejudicar o acesso ao centro. Também deveriam ser destinadas
passagens térreas para veículos, assim como travessias de pedestres cobertas e
comunicantes, no primeiro piso, encostadas nas edificações. Serviços de aquecimento e
ventilação seriam situados no subterrâneo. Prezaram-se muito as condições climáticas e o
oferecimento de iguais qualidades às distintas classes sociais que ali se abrigariam (Choay,
1997; Benevolo, 1987).
1. sótão, com quartos para os
h
óspedes;
2. reservatórios hídricos;
3. aposentos privados;
4. rua interior;
5. salas de reunião;
6. sobreloja com alojamento para
jovens;
7. andar térreo com passagens
para veículos;
8. travessias cobertas.
Secção transversal da Falange (Benevolo, 1987, p. 69).
8
7
Fourier demonstra, em sua proposta, uma iniciativa de soluções
para os problemas que observava diante da realidade que vivia em seu quotidiano, pois
muitas das propostas são simplesmente práticas e se configuraram visando à estética.
Após diversas tentativas frustradas de tornar a estrutura real, entre
1840 e 1850, quarenta e uma comunidades foram fundadas nos Estados Unidos, sendo
algumas mantidas pelo sistema de quotas de ações, que definia as remunerações por tipo
de trabalho. Entretanto, um incêndio em uma das comunidades mais representativas,
situada em Massachussets, no ano de 1846, desencorajou os empreendedores. Victor
Consideránt e Jean Baptista Godin foram uns dos seguidores dos princípios de Fourier
(Benevolo, 1987; Markus, 1993).
Jean Baptiste Godin
Segundo Benévolo (1987), Godin foi um jovem industrial francês
adepto dos preceitos de Fourier, que começou a realizar, em pequena escala, os ideais do
Falanstério, modificando-o seguindo suas próprias experiências. Construiu um edifício
decomposto em três blocos fechados com pátios internos modestos e cobertos por vidro,
construídos em diferentes épocas. Contava com alojamentos privados, serviços gerais,
creche e escola, teatro, salas de banho e lavanderia.
Em 1880 compôs, com seus operários, uma cooperativa que geriria
a fábrica e o seu modelo de Familistério. Expôs sua teoria no livro “Solutions Sociales”,
publicado em 1870, em Paris, que foi difundida, em inglês, por meio de fascículos editados
no periódico “Social Solutions”, em 1886. Tal teoria preconizava que os lucros obtidos
fossem divididos considerando a retribuição aos trabalhos efetuados, os juros dos capitais
investidos, os direitos dos inventores e o fundo de segurança social criado.
Benévolo (1987) ressaltou que o sucesso do empreendimento
dependeria do caráter industrial e não agrícola da produção, bem como do respeito às
regras estabelecidas pala vida em comum. Também preconizou o que seria a unidade
habitacional de Le Courbusier (elaborada no final da década de 1940). E. Owen Greening
relatou, em 1886, da seguinte forma, uma visita ao empreendimento Guisa:
“A economia do solo deixa livre em torno ao Familistério um grande espaço
arranjado para parque, de quase 20 acres. Cada alojamento possui janelas
que se abrem sobre o parque, tanto à frente como atrás e dos lados [...].
Na medida em que não existe qualquer edifício fronteiro ao Familistério,
não vizinhos curiosos a olhar pelas janelas, abertas ou fechadas. Numa
8
8
bela noite de Verão, cada habitante apenas tem de fechar a porta que abre
para o grande hall, e pode desfrutar do seu cachimbo ou de um livro
defronte da janela aberta sem ser observado, como se fosse proprietário de
uma vivenda isolada no seu terreno” (Greening, 1886, apud Benévolo,
1987, p. 73).
I
mplantação do Familistério de Guisa (Benevolo, 1987, p. 81).
Godin elaborou ainda um completo sistema educacional monitorado
que prepararia, desde a tenra idade, os futuros trabalhadores da indústria, dando-lhes
conhecimentos técnicos e preceitos morais e sociais. Até 1886, a comunidade compreendeu
cerca de 400 famílias, tornando-se um dos exemplos mais concretos de aplicação das
teorias utópicas socialistas do século XIX.
Se
cção transversal do Familisrio de Guisa (Benevolo, 1987, p. 76).
O Familistério de Godin era composto, no subsolo, por caves,
corredores, encanamentos e reservatórios d’água, galerias de ventilação; no pátio interior,
por entradas para galerias de passagem, escadas e “bocas de água”; no andar térreo e nos
8
9
pisos superiores, por galerias de circulação geral, sanitários e apartamentos que contavam
com: vestíbulo de acesso, despensa, armário, tubo de ventilação e dormitório. As galerias
eram cobertas por vidros com dispositivos de ventilação. Existia ainda um sótão para
serviços de manutenção.
Victor Considérant
O maior seguidor dos conceitos de Fourier foi Victor Considérant,
um politécnico, engenheiro militar, que abriu mão de suas atividades para disseminar o
Falanstério (1831) e chegou a instalar algumas comunidades nos Estados Unidos (Choay,
1997).
Considérant clareou as idéias de Fourier e as transcreveu para
propostas formais. Partiu do caos de estilos e formas presentes nos espaços construídos
franceses, observando os problemas gerados pela superpopulação, a imagem do
aglomerado urbano e a ausência de “poesia”. Buscou organizar tal realidade e dar aos
pobres as mesmas condições salutares e “elegantes” de moradias burguesas. Vislumbrou
no Falanstério a solução, “uma harmonia de naturezas, inspirada na sinergia das
populações e das raças, à voz das leis divinas” (Considérant, 1835 apud Roncayolo, 1992,
p. 73).
O Falanstério de Considérant seria, na sua concepção, a “residência
real” para a população “regenerada”, com praças suntuosas e ornamentos, abrigando
ambientes modestos, seguindo as condições de cada ocupante. Sua edificação proposta
vislumbrava na própria realidade a composição que abrigaria, de forma ordenada, aquela
mistura de classes, estilos e qualidades que o cercavam pelas ruas da cidade, na época.
Falanstério de Considérant (Considérant, 1848, apud Markus, 1993).
Ele vislumbrava a existência de avenidas margeando a edificação,
assim como edificações rurais com suas culturas, que fariam uma moldura para a paisagem
9
0
natural. A indústria se juntaria ao corpo edificado e abasteceria seus ocupantes com
produtos e trabalho. Percebe-se um aprimoramento formal da proposta de Fourier, bem
como o fortalecimento da questão estética e da presença de valores burgueses.
“Os parques, os abrigos, as cocheiras, as oficinas de ferragem e
carpintaria, os pátios de serviço são, por sua vez, encaixilhados nos
estábulos reais onde estão alojadas, por esquadrões, classificadas e
divididas segundo suas espécies, títulos de valor e de sangue, as raças
eqüinas e bovinas que a falange mantém, O ar e a água, sabiamente
dispostos e conduzidos para o interior e exterior, circulam por essas
grandes construções, separadas por árvores, comunicações combinadas e
pátios de serviço. A luz banha-as e penetra nelas, e com a água, o ar, a luz
e as atenções zelosas e cheias de orgulho das legiões ardentes
encarregadas de sua manutenção, a limpeza, a salubridade, a vida em
todo seu florescer e luxo. Em volta das construções rurais, e entrando pelo
campo, como fortes avançados, os apriscos e os parques com medas de
gramíneas e forragens”(Choay, 1997, p.81).
Entretanto, sua proposta demonstra algumas contradições, pois, ao
mesmo tempo em que defendia a harmonia do convívio e da diversidade de indivíduos,
propunha a separação espacial por classe social para não confundir o aspecto visual pela
mistura de ornamentos das habitações e de “temperamentos”, “variedades de gosto” e
“caráter” (Choay, 1997).
Em seu jardim central, muitas estátuas de mármore, lagos, estufas
serviriam para o deleite visual de idosos e convalescentes que aproveitariam as qualidades
do sol e do ar. Um elemento interessante, inserido por Considérant no Falanstério de
Fourier, foi um observatório central, que serviria, entre outras atividades, para a vigilância e
o controle da ordem, lembrando o elemento central do Panóptico de Bentham. Nota-se que
muitas das inovações, sobre a proposta original de Fourier, tiveram ralação com o
conhecimento técnico construtivo de Considérant e pouco interferiram na condição de vida
do grupo operário.
Considérant fez uma comparação interessante, que posteriormente
se repetiria nas filosofias modernas de habitação, entre uma comunidade residente em terra
e uma abrigada num navio, demonstrando a exeqüibilidade de empreendimentos para
grandes números de habitantes em uma só estrutura.
9
1
Etiene Cabet
Etiene Cabet idealizou Icaria, a capital da nova sociedade, que
representava as idéias progressistas de sua época, “conseqüência da revolução industrial”.
Foi desenvolvida nos Estados Unidos, em 1840 e aplicada às comunidades comunistas de
emigrados europeus. Sua proposta, assim como o Falanstério de Fourier e o Panóptico de
Bentham, trabalhou a forma radial, mas, distintamente, envolvendo a canalização de rio para
o tráfego de embarcações marítimas e a formação de um porto comercial que definiria a
espacialização interna. Sugeriu um jardim, sobre o terraço da edificação central, e ruas retas
arborizadas. Abrangeu todos os tipos de transporte da época no seu sistema de divisão de
vias.
Haveria, em sua proposta, sessenta bairros, “quase iguais”,
formando cem “pequenas províncias”, distribuídos em toda a cidade, cujos nomes e estilos
arquitetônicos representariam as principais cidades mundiais, formando “um resumo do
universo terrestre”. As edificações públicas serviriam para as pessoas exercerem seus
direitos e estariam espalhadas entre as residências. Cabet tratou amplamente as condições
políticas que seriam criadas, buscando a democracia e a formação de uma república
(Choay, 1997).
Abriu, também, a participação dos moradores para a escolha dos
melhores modelos de mobiliário, edificação residencial, hospitalar, etc. Tal princípio visava à
padronização de elementos e à produção em ampla escala.
Visando à saúde da população, Cabet propôs que os cemitérios,
hospitais e fábricas insalubres fossem construídos nas extremidades da cidade, em áreas
arejadas, com água corrente, e próximas ao campo. Para tanto, também deveria haver
pavimentação de ruas e coleta subterrânea de águas, controle do transporte de materiais e
da deposição de lixos. Para a comodidade dos pedestres diante das intempéries, foram
propostas coberturas para as caçadas e para as paradas de ônibus.
A moralidade seria imposta pela ausência de estabelecimentos de
“diversão”, como cabarés e bares, e a beleza e ordem urbana mantidas pelo controle das
publicidades e da locação do comércio. Nas residências foram propostos equipamentos
mecânicos, visando ao transporte de materiais pelos andares, bem como terraços para o
convívio familiar, a contemplação e aeração. Encanamentos para água, revestimentos
impermeáveis, quantidades de janelas, são algumas das iniciativas para a melhoria da
higiene habitacional, apresentadas no modelo de edificação para Icaria.
9
2
A economia, praticidade e uniformidade nortearam as propostas de
Cabet para Icaria:
“Todos esses apartamentos têm prateleiras, armários, guarda-louças,
estantes, etc., e todas as paredes estão dispostas de modo que esses
móveis sejam imóveis, incrustados, apoiados ou aplicados e consistam
apenas em estantes interiores ou em gavetas com portas na frente e
algumas vezes com prateleiras em cima, o que faz com que haja uma
enorme economia de trabalho e materiais” (Choay, 1997, p. 94).
Benjamin Ward Richardson
A Higeya foi a grande utopia criada, em 1876, pelo médico inglês, de
notável produção científica sobre os efeitos nocivos do álcool e fumo, Benjamin Ward
Richardson. Coube a ele a criação de importantes periódicos em saúde coletiva, como o
Journal of Public Health and Sanitary Review.
Sua proposta tinha a população estipulada em até cem mil
habitantes, disposta em vinte mil casas. Richardson se baseou em conceitos de higiene que
se aplicariam à tipologia e à distribuição das edificações, considerando a densidade, o
gabarito, os revestimentos e os elementos de ventilação.
“A superfície de nossa cidade permite o estabelecimento de duas vastas
ruas principais ou bulevares que vão de leste a oeste e constituem as
principais vias de comunicação. Em cada uma delas acha-se uma via
férrea destinada a todo o tráfego pesado. As ruas norte-sul, que cortam as
principais vias de circulação em ângulo reto, e as ruas secundárias,
paralelas a estas, são todas bem largas e, devido à baixa altura das casas,
são perfeitamente ventiladas e bem ensolaradas. Têm árvores dos dois
lados. Todos os espaços intermediários dos fundos das casas o jardins.
As igrejas, hospitais, teatros, bancos, salas de conferência e outros
edifícios públicos, assim como certos edifícios privados, como os
entrepostos e os estábulos, são independentes, formando pedaços de ruas
e ocupando a posição de várias casas. São cercados por um jardim e
contribuem não só para a beleza da cidade, mas também para a sua
salubridade”(Choay, 1997, p. 100).
Ornamentos, considerados como anti-higiênicos, deveriam ser
excluídos das edificações. As fumaças produzidas nas chaminés de lareiras sofreriam um
tratamento no seu percurso para a deposição do carbono. Os tetos foram propostos como
terraços jardim, assim como Cabet o fez em Icaria. A cozinha, destinada ao piso superior,
forneceria calor para aquecer as caldeiras de água e deveria ser arejada e bem iluminada,
visando ao conforto e higiene no preparo dos alimentos. Nesta época já se percebe a
inserção de instrumentais para a comodidade e eficiência nos serviços domésticos.
9
3
Em Higeya notam-se os cuidados médicos inseridos pelo seu autor,
principalmente no modo como abordou as soluções para o quotidiano que se queria
instaurar. Uma prova disto foi a inovadora visão dos dormitórios como ambientes para a
preservação da qualidade do sono, entendido como imprescindível para a saúde, e a
importância dada à construção de hospitais com qualidade e modernidade.
Propunha-se que as atividades de trabalho fossem exercidas fora do
ambiente residencial e para tanto, se estipulava o zoneamento de edificações segundo o
uso. Tudo em Higeya preservaria o “cultivo do corpo”, desde suas edificações, seus
regulamentos até a inserção de educação física como princípio moral.
Cabet, segundo Choay (1997), foi a quem “Marx atribuiu a invenção
do ‘comunismo utópico’(...) que ele afirmava (...) ser ‘na verdade uma descrição da
organização social e política da comunidade, um tratado científico e filosófico’” (Choay,
1997, p. 87).
Ebenezer Howard
Numa época de depressão e atrito social, por volta de 1880, as
classes pobres inglesas eram atingidas pela pouca qualidade e remuneração dos empregos,
pelo desemprego e pela deficiente condição das moradias disponíveis. Ebenezer Howard,
um estenógrafo londrino atento ao impacto do crescimento da cidade na qualidade de vida
da população trabalhadora, conheceu exemplos de cidades planejadas e vislumbrou a
possibilidade de estabelecer suas idéias de transformação social por meio do livro
“Tomorrow: a Peaceful Path to Real Reform”, em 1898. Este mudaria a concepção urbana
do século XX (Budder, 1990).
Howard propunha uma cidade ideal para as classes trabalhadoras,
visando frear a tendência das pessoas de abandonar os distritos rurais em busca de opções
de vida e trabalho melhores nas grandes cidades, sem considerar as condições às quais
teriam que se submeter. A cidade era vista por ele como lugar de agitação, competição,
consumo indevido, miséria, além de geradora de ansiedades e outros males para a saúde e,
ao mesmo tempo, como um ímã que atraía as pessoas. Em contrapartida, o campo
representava um lugar onde existia qualidade natural para promover a saúde e o bem-estar.
Em seu livro, ele levanta as deficiências das cidades afastamento
da natureza, isolamento das multidões, distância do trabalho, altos preços de aluguéis,
longas jornadas de trabalho, condições ambientais prejudiciais à saúde, baixa drenagem de
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4
águas e suas qualidades vida social, entretenimento, bons salários, maiores
oportunidades de emprego, iluminação pública e belas edificações. Descreve as carências
que atribui ao campo falta de vida social, desemprego, baixos salários, matas, longas
jornadas de trabalho, baixos salários, falta de entretenimento, ausência de espírito público,
superlotação de casas e seus atributos gratuidade de belezas, ociosidade espacial,
ótima drenagem de águas, ótimas condições ambientais, aluguéis baratos. A partir dessas
considerações, faz um perfil ideal para a junção dos dois beleza natural, acessibilidade
aos campos e parques, baixo custo e melhores condições de moradia, oportunidade de criar
novos empreendimentos, melhora na qualidade de vida e de saúde, liberdade, oportunidade
de sociabilização, diversidade de atividades, inexistência de exploração, afluência de capital,
ausência de problemas com a drenagem de águas, cooperação buscando formar um
conjunto saudável e econômico entre “a sociedade humana” e as “belezas naturais”.
Diagrama de Ebenezer Howard (Ward, 1992, p.29).
9
5
Propunha um empreendimento baseado na cooperatividade
territorial e financeira, que, segundo ele, igualaria as condições dos moradores e se tornaria
um atrativo para o investimento de indústrias que movimentariam a economia local e trariam
diversidade de tipos de empregos. Defendia que a radiocentricidade viária do sistema de
transporte atenderia a todos os setores e faria uma ligação com as demais cidades. Definia
seis grandes avenidas, cujas ruas seriam separadas por canteiros arborizados, que
funcionariam como um grande estruturador espacial do complexo urbano, escoando
pessoas e produtos, garantindo a existência do complexo próxima aos grandes centros
econômicos.
Pl
ano radiocêntrico de Ebenezer Howard (Ward 1992, p.4).
O sistema considerava que os veículos deveriam conviver
harmoniosamente com seus usuários, sendo as áreas residenciais preservadas do grande
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6
fluxo. A setorização das ocupações seguiria os usos: ao centro da radial estaria um grande
parque público, ocupado por edificações administrativas e de serviços públicos, seguido por
uma grande área residencial, dividida por uma ampla avenida e pontuada por escolas e
igrejas. Externamente à área residencial surgiria a área industrial, conectada à ferrovia,
evitando congestionar o tráfego urbano. Circundando a cidade estariam as propriedades
rurais, salpicadas pelas instituições filantrópicas e de caridade (Howard, 1996).
Howard concretizou suas idéias inicialmente em Letchworth, a 56
Km de Londres, por intermédio da fundação da Companhia Pioneira Cidade-Jardim, em
1902. A implantação foi executada pelos arquitetos Reymond Unwin e Barry Parker, em um
traçado “simples, claro e informal”, considerando a importância de qualificar as habitações
operárias. As diretrizes iniciais da proposta de Cidade-Jardim foram adequadas à situação
física do empreendimento, mantendo as características principais (Howard, 1996). As
propostas arquitetônicas de Reymond Unwin e Barry Parker exibiam casas unifamiliares e
conjuntos com jardins e cozinhas cooperativas, adotando medidas sanitárias severas, porém
com certa liberdade para o gosto individual. A qualidade ambiental seria garantida em todo o
conjunto espacial pela valorização da vegetação e das áreas de produção agrícola,
refletindo a importância dada à natureza e ao contato rural como provedores de boa vida.
Parte da planta de Letchworth (Purdon, 1921 apud Ottoni, 1996, p.49).
9
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A continuidade do verde através da cidade foi um imenso atrativo
para diversos tipos de pessoas que buscaram Letchworth como opção de vida, vinculando
também o pensamento Arts and Crafts ao conjunto de idéias de Howard. Nos períodos pós-
guerras, o Cidade-Jardim teve grande repercussão mundial, principalmente porque
Letchworth tornou-se exemplo da possibilidade real de melhoria na qualidade de vida e de
moradia dos operários, assim como canteiro de obras para os experimentos de casas de
baixo custo executadas com planejamento do espaço urbano (Ottoni, 1996).
Segundo Ottoni (1996), Welwin, a segunda concretização do
Cidade-Jardim, situada a 15 km de Letchworth, também adequou os preceitos howardianos
às suas condições físicas. Seu plano fora elaborado pelo arquiteto Louis de Soissons que
trabalhou a topografia do terreno e a arquitetura georgiana das edificações, gerando grande
homogeneidade, sem monotonia.
Planta de Welwin (Purdon, 1921 apud Ottoni, 1996, p.57).
9
8
Surgiram então novos modelos urbanos que buscavam responder
melhor às necessidades econômicas e racionalistas industriais, como a Cidade Industrial de
Tony Garnier, que pressupunha o governo socialista, eliminando instrumentos de controle
estatais, favorecendo o administrativismo social (Ottoni, 1996), contrapondo-se em diversos
aspectos à Cidade-Jardim e tomando lugar importante nas ações urbanas.
Robert Owen
Robert Owen, um trabalhador industrial que se casou com uma
mulher rica e foi sócio de uma fábrica em New Lanark, pôde pôr em prática seus conceitos
reformadores da sociedade proletária. Ele vislumbrou as condições físicas como
preponderantes na transformação econômica e social do indivíduo e da coletividade (Choay,
1997). Suas ações se iniciaram com redução de jornadas, melhores remunerações e
qualificação das habitações operárias. Criou a “Instituição para a Formação do Caráter”, em
1816, onde as crianças e jovens seriam educados e preparados para o trabalho, segundo
preceitos religiosos e de educação física, e os adultos encontrariam lazeres saudáveis
(Benevolo, 1987).
“Para além das horas de ensino destinadas aos jovens ainda muito
pequenos para trabalharem, as salas serão limpas, ventiladas, e de Inverno
iluminadas, aquecidas e tornadas confortáveis em todos os sentidos para
acolherem os outros grupos da população. As salas deste andar serão
freqüentadas por jovens de ambos os sexos que trabalhem durante o dia e
que desejem aperfeiçoar-se na leitura, na escrita, nos cálculos, a coser ou
a fazer malha, ou aprender qualquer arte útil; para ensiná-los terão à sua
espera todas as noites, durante duas horas, professores e professoras
adequados. (...) Este conjunto de benefícios poderia, em teoria, ser
alargado universalmente; mas é preciso começar por agir num sítio, e uma
conjugação de acontecimentos singulares fixou esse local na nossa
instituição. Todavia, seguindo o princípio agora enunciado, sempre pensei
que a Instituição, quando estiver completada, possa acolher não somente
os filhos de quem habita neste agregado; qualquer pessoa que viva em
Lanark ou nas suas imediações, e não possa educar os seus filhos em
casa, terá a possibilidade de os enviar para aqui, bastando apenas
manifestar esse desejo, e eles receberão o mesmo tratamento dos que
fazem parte da Instituição”(Owen, 1927, apud Benevollo, 1987, p.52-3).
Pode-se perceber, por esta citação, que as pretensões de Owen
eram de ampliar suas idéias. Para tanto, proporia aos parlamentares ingleses a adesão de
comunidades maiores. Ele entendia que a manutenção da força de trabalho atuante
diminuiria os problemas sociais e que, para isto, uma reforma no processo de produção
seria inevitável. As máquinas deveriam ser destinadas somente aos trabalhos prejudiciais ao
homem e não tomariam seus lugares na produção industrial.
9
9
Owen definiu uma proposta para a construção de uma comunidade
urbana/agrícola seguindo os preceitos que defendia. Seria para até dois mil habitantes,
estabelecidos em uma malha urbana retangular, centralizando as edificações públicas. Teria
três lados, do quadrilátero, destinados a habitações de tamanhos suficientes para um casal
e dois filhos, ficando os excedentes alojados em edificações situadas no quarto lado,
próximos aos vigilantes. Professores, “ministros de culto”, médicos e demais servidores se
instalariam próximos às residências, centralizados. Haveria uma cozinha comunitária que
seria atendida pelas mulheres, que dividiriam tais tarefas com as demais atividades de casa,
com os cuidados com a família, com o cultivo da horta de abastecimento geral, com as
costuras das roupas dos operários e com os próprios serviços da fábrica.
As instituições de bons e salutares hábitos, assim como a
valorização do trabalho manual, seriam norteadores espaciais e ideológicos. A educação
dada aos pobres era entendida como um elemento preponderante para sua relação com o
trabalho e com a sociedade. O trabalhador era visto por Owen como um consumidor em
potencial e deveria ocupar um espaço respeitoso diante da sociedade.
Owen foi muito admirado e, ao mesmo tempo, criticado pela sua
ousadia em propor tamanha valorização da classe operária e inserção de ações que
poderiam ser reivindicadas por outros trabalhadores, principalmente por contrariar a ordem
maquinista que se instaurava nas fábricas. Embora algumas ações tenham ocorrido para a
concretização de suas idéias, somente na América do Norte foi possível realizá-las, mas não
com o êxito esperado. Entretanto, seu ideal reformista se disseminou.
2.5 Matrizes espaciais de confinamento
Segundo King (1980), os edifícios são essencialmente produtos
sociais e culturais, resultado da necessidade de acomodar diferentes atividades. Eles
representam os valores, os recursos e os poderes prevalecentes de cada época. De acordo
com as transformações temporais, as edificações se tornam obsoletas, necessitando de
modificações, assumindo novas funções ou até desaparecendo. As formas de
funcionamento das sociedades se refletem nas edificações por elas elaboradas.
O modo de produção industrial promoveu grandes transformações
nas cidades e nos modos de vida de seus habitantes. Com elas surgiram novas
necessidades, que transformaram antigos paradigmas construtivos. Diversos foram os
1
00
acontecimentos que regeram as mudanças espaciais, no entanto os interesses econômicos
estiveram por trás da maioria.
A saúde assumiu, na época industrial, uma posição destacada nas
questões urbanas, tanto por representar a garantia da força de trabalho necessária para a
manutenção das atividades econômicas das cidades quanto por preservar a integridade
física das classes detentoras do poder.
Algumas edificações destinadas à exclusão de indesejáveis e de
marginalizados existiam, no entanto, diante das necessidades e interesses da sociedade
industrial, novas tipologias foram definidas segundo as causas de inadequação social e o
grau de ameaça à estrutura social existente.
“Toda uma problemática se desenvolve então: a de uma arquitetura que
não é mais feita simplesmente para ser vista (fausto dos palácios), ou para
vigiar o espaço exterior (geometria das fortalezas), mas para permitir um
controle interior, articulado e detalhado - para tornar visíveis os que nela se
encontram; mais geralmente, a de uma arquitetura que seria um operador
para a transformação dos indivíduos: agir sobre aquele que abriga, dar
domínio sobre seu comportamento, reconduzir até eles os efeitos do poder,
oferecê-los a um conhecimento, modificá-los” (Foucault, 2003 c, p.144).
Presídios
Ainda no século XVIII, diversos estabelecimentos carcerários já
existiam com o intuito de controlar e transformar o comportamento dos indivíduos por meio
das edificações. Markus (1993) mostra como a propagação de doenças modificou a
estrutura dos cárceres, fazendo com que se considerassem as influências da ventilação e
higiene sobre o comportamento e saúde dos presos. A “contaminação moral” foi outro
aspecto que repercutiu na divisão dos blocos em idades e tipos de delinqüência.
Instituiu-se a prática de observação dos presos como molde para as
edificações. A função moral era representada pela presença de religiosos e de capelas em
locais privilegiados. As celas se distribuíam por corredores conectados ao centro, onde
ficavam os serviços de controle. O Papa Clemente XI (1649 -1721) criou o presídio
masculino de San Michele, em Roma, no ano de 1700, com o intuito de segregar jovens
infratores. Tal presídio constava de celas individuais com equipamento sanitário. Existia um
altar religioso central definindo o caráter da instituição. Exigia-se silêncio absoluto, o que
representava o espírito disciplinar, a segregação, a inspeção, a higiene, o trabalho e as
penalidades ali presentes (Markus, 1993).
1
01
Pr
isão masculina de San Michele, Roma 1701-1704
(Markus, 1993, p. 119).
Década depois, em 1772, J. Howard propôs, seguindo preceitos
semelhantes a San Michele, o presídio “Maison de Force”, que se estabeleceu como um
exemplo para os que surgiriam depois. A idéia do controle visual por um elemento central foi
desenvolvida, criando uma estrutura octogonal ao redor dos serviços. Sua configuração
apresentava uma capela que seria visível aos presos. As instalações sanitárias comunitárias
e latrinas individuais, a área de trabalho e de atividades físicas e as celas seriam separadas
para cada tipo de preso, nos diferentes blocos.
King (1980) relata que a idéia de separar os espaços nessa época
surge como forma de evitar a comunicação entre os presos, para que o silêncio e a
introspecção fossem alcançados. A qualidade de serviços sanitários e a melhoria nas
instalações serviriam para garantir a saúde física e mental dos detentos.
1
02
Pl
anta e fachadas parciais de Maison de Force, 1722
( Markus, 1993, p. 120).
Vista aérea de Maison de Force, 1722
( Markus, 1993, p. 120).
1
03
Markus (1993) afirma que o século XVIII criou três tipologias de
presídios: as pequenas e desorganizadas que se combinavam a outras instituições; as que
seguiam o sistema axial de desenho com algumas transformações sanitárias e de
diferenciação dos presos; e as baseadas no sistema de Howard, com inovações físicas e
funcionais que interferiam na moral e instituíam o isolamento solitário, o silêncio, o trabalho
organizado e a inspeção central.
King (1980) narra que o século XIX é marcado por uma crença no
determinismo arquitetônico, cujas tipologias construtivas assumiram o compromisso de
transformação social. Acreditava-se que o sistema aplicado aos presídios induziria à retidão
moral.
Com a evolução carcerária e a implantação da obrigatoriedade do
trabalho como pena, surgem as penitenciárias com o intuito de “corrigir os costumes dos
detentos, a fim de que seu retorno à liberdade não [fosse] uma desgraça nem para a
sociedade, nem para eles mesmos” (Benthan, apud Perrot, 2001, p. 236).
Seguindo os princípios do Panóptico, criado em 1786 por Jeremy
Bentham, as propostas seguintes foram definidas pela concentricidade, onde os presos
eram observados e controlados pela região central da edificação. As soluções e os cuidados
construtivos se desenvolveram dando atenção principalmente aos riscos de incêndio, às
melhores condições ambientais e de visibilidade para o controle. As classificações dos
presos e suas divisões passaram a considerar mais a capacidade de trabalho que os tipos
de crimes cometidos.
Pentonville, na Inglaterra, representou o mais completo modelo de
transformação do sistema prisional do século XIX. Aplicando os preceitos espaciais do
Panóptico, tal instituição desenvolveu diferentes sistemas para garantir a segurança da
reclusão e a separação dos detentos. A crença de que a ignorância levava à criminalidade
foi inicialmente tratada em Pentonville, de forma que os internos analfabetos adquirissem a
capacidade de ler a blia, que era um instrumento de correção utilizado pela religião.
Instituiu-se, a partir de então, novas atividades no quotidiano dos detentos.
1
04
Vi
sta de Pentonville, 1840 ( Markus, 1993, p. 127).
Segundo Perrot (2001), na França do século XIX, a reincidência no
crime dos antigos presos fez com que se instituísse o modelo de reclusão “ultramar” como
prova do fracasso do presídio e triunfo da exclusão. A maioria dos presos eram pobres e
trabalhadores. O sistema priorizava a pena do trabalho obrigatório. Aqueles que
trabalhavam de mau gosto eram punidos até melhorarem a qualidade de seus serviços, uma
forma de forçar o trabalho e eliminar a preguiça e o descuido.
Acreditava-se em duas teorias sobre a criminalidade: primeiramente,
que esta fosse resultado de uma inclinação natural do indivíduo e de suas condições
biológicas; segundo, que tivesse influência do meio, isto é, que a geografia determinasse a
criminalidade tornando possível que “os departamentos onde se encontra[vam] as fortunas
mais consideráveis [seriam] precisamente aqueles onde a miséria [fosse] ao mesmo tempo
mais profunda para uma certa parcela da população” (Guerry, apud Perrot, 2001, p. 254).
Perrot (2001) ainda afirma que o grande número de jovens entre os
delinqüentes franceses resultou numa especialização das instituições criminais visando à
correção moral. Surgiam as colônias agrícolas de correção. Uma das referências para o
sistema foi a colônia de Mettray, construída na França, em 1840. Foucault (2003) acreditava
que Mettray marcara o início do sistema carcerário, pois, para ele, esta colônia:
“[...] é a forma disciplinar no estado mais intenso, o modelo em que se
concentram todas as tecnologias coercitivas do comportamento. Tem
alguma coisa ‘do claustro, da prisão, do colégio, do regimento’” (Foucault,
2003, p. 243).
O funcionamento de tal instituição se baseava no rigor das normas e
na punição às contravenções. Acreditava-se que com o aprendizado, os jovens teriam novos
hábitos, valores e preceitos morais. As ações se fundamentavam na transformação da
1
05
juventude delinqüente, pela religiosidade e educação, para que os jovens se interessassem
pelo trabalho e se transformassem em força produtiva. Mettray se estabeleceu como um
reformatório francês. Seu modelo foi difundido para a reclusão e correção de menores no
século XIX.
C
olônia de Mettray (Gaillac, 1991, p.80).
Hospitais
Os Asilos Colônias encontram nos hospitais uma de suas matrizes
espaciais, além de um dos componentes essenciais de seu programa. Na época medieval,
os hospitais existiam como instituições de salvação espiritual, fundamentados no
atendimento de indivíduos tidos como pecadores. Neles, as ordens religiosas exerciam seus
votos de caridade por meio de serviços de enfermagem e os “benfeitores salvavam suas
almas com doações”. Suas construções estavam vinculadas às demais edificações
religiosas e a priorização do conforto espiritual se refletia na configuração espacial que
prezava a participação dos doentes nas cerimônias religiosas.
1
06
Pl
anta do Hospital de Caridade de Paris, 1788 (Forty, 1984, p.65).
A necessidade de contingente militar para as guerras favoreceu a
transformação do edifício hospitalar. Priorizava-se o restabelecimento da saúde dos
soldados em batalha. Segundo Forty (1984), a idéia de interferência do espaço hospitalar,
sobre os internos, surge das experiências dos médicos militares do século XVIII. Em 1752,
John Pringle, na obra “Observations of Diseases of the Army in Camp and Garrison”,
observando os resultados de internações em tendas e em hospitais, defendia a ventilação
como responsável pela recuperação da saúde de soldados. Ele acreditava que o hospital,
nos moldes existentes, desfavorecia a recuperação do doente. Dessa forma, os princípios
de ventilação passariam a influenciar as formas das edificações hospitalares. Na Inglaterra,
o Hospital Naval de Plymouth, em 1762, foi o primeiro proposto como naturalmente bem
ventilado, inovando o sistema utilizado.
Hospital Naval de Plymouth (Thompson , 1975, p.143).
1
07
Os primeiros médicos que buscaram a efetiva transformação física dos
hospitais foram o inglês John Aikin, em 1771, escrevendo Thoughts on Hospitals”,e o
francês J.R.Tenon, que escreveu, em 1788, as “Mémoires sur lês Hôpitaux de Paris”. As
inovações propostas apareciam na identificação da edificação hospitalar como instrumento
de cura independente das práticas terapêuticas utilizadas.
Silva (2001) relata que a necessidade de restabelecer o atendimento
hospitalar em Paris, após o incêndio no Hôtel-Dieu em 1742, marcou a transformação do
sistema utilizado. O arquiteto Bernard Poyet, “encarregado municipal das edificações da
cidade de Paris”, publicou, em 1785, um estudo, “Sur la necessité de transférer et de
reconstruire l’Hôtel-Dieu”, onde desaprovava a idéia de reconstruir o hospital e de
segmentá-lo em outros estabelecimentos, além de propor uma nova construção. A partir
dessa iniciativa, a Academia Real de Ciências criou uma comissão que rejeitou a proposta
de Poyet e desenvolveu um estudo para solucionar o problema hospitalar parisiense criado
pelo incêndio.
Proposta de Poyet para o Hôtel Dieu, 1785 (Thompson , 1975, p.131).
1
08
O médico J. R. Tenon se destacou por desenvolver relatórios
minuciosos sobre hospitais estrangeiros e franceses, no intuito de analisar criticamente o
funcionamento e as rotinas hospitalares, além de propor normas que auxiliariam na
construção de estabelecimentos funcionais. Sua obra “Mémoires sur lês Hôpitaux de Paris”
repercutiu em muitos países, tornando-se referência para a construção de hospitais. Silva
(2001) relata que, até a primeira metade do culo XIX, órgãos franceses de assistência à
saúde se utilizavam das especificações de Tenon como orientação para os novos hospitais.
Sua atuação representou a participação dos médicos na definição de técnicas hospitalares.
Além de criar regulamentos para impedir contágios internos, como a
separação dos doentes por moléstias e sexos, e a extinção de leitos coletivos, sua proposta
de intervenção hospitalar em Paris consistia na restauração de cinco hospitais. Contou com
a participação do arquiteto Poyet na elaboração dos planos, que apresentavam os serviços
estruturados a partir do eixo de circulação e elegiam a configuração pavilhonar, pela
capacidade de promover a ventilação cruzada e a iluminação natural, tidas como
promotoras da salubridade.
Proposta hospitalar de Tenon e Poyet, 1787 (Thompson , 1975, p.136).
1
09
“Ele efetuou também toda uma rie de estudos volumétricos para
estabelecer a relação entre as dimensões de cada pavilhão de enfermos e
o número de leitos das enfermarias como meio de assegurar o volume
mínimo ideal de ar renovado para cada paciente. Tenon estudou também o
número ideal de pavimentos para cada pavilhão, estabelecendo em três”
(Silva, 2001, p. 6).
Tenon inovou em estabelecer o espaço de acordo com as atividades
nele desenvolvidas. Silva (2001) relata que o trabalho desenvolvido por Tenon acompanhou
as idéias iluministas aplicadas às ciências médicas, segundo as quais o homem assumia a
posição de “sujeito-objeto”
16
, o estudo das doenças. Mediante o conhecimento sobre
os
órgãos, criava uma referência epistemológica. Tenon analisou comparativamente os
elementos, extraindo o conhecimento pela observação, organizou e avaliou os dados
obtidos, de onde partiu para a definição de regras a serem seguidas. O quotidiano que
cercava o homem e os fenômenos, antes divinizados, passou a ser avaliado e explicado
segundo as novas necessidades. Questões urbanas como as aglomerações humanas, a
produtividade do trabalho industrial, as epidemias e as distinções socioculturais –, que se
tornaram objetos de análise científica, repercutiram diretamente sobre a medicina, que se
socializava e, conseqüentemente, sobre o hospital, que agora a abrigava.
O hospital, em decorrência de alguns fatores - situação urbana;
dimensionamento e configuração dos espaços internos; organização e localização dos usos;
a instituição do poder médico; os registros e a identificação do paciente tornou-se objeto
de análise e de estudo na implementação dos serviços de saúde. Todos esses fatores
contribuíram para o estudo das doenças. Nesse sentido, Silva (2001), afirma que “Ele
estabeleceu uma relação estreita entre o corpo e o espaço e entre o paciente e o hospital,
fundando um verdadeiro raciocínio ergonômico, funcional”. Tenon também acreditava que
suas formulações deveriam ser parâmetros universais de auxílio na “elaboração do espaço”
(Silva, 2001, p. 21).
O hospital Lariboisière, construído em 1854, foi um dos primeiros a
seguir as orientações de Tenon. Seus blocos de três pavimentos eram ligados por um
corredor que contornava o jardim central e que, juntamente com outros eixos, definia e
hierarquizava os usos (Thompsosn e Goldin, 1975; Silva, 2001).
1
6
“Essa verdadeira revolução no pensamento começa com a transformação do olhar do homem
sobre ele mesmo e sobre o mundo, a partir de um deslocamento do centro de interesse: de Deus em
direção ao homem. O motordessa profunda modificação: a ascensão da burguesia e do comércio,
as inovações tecnológicas, o distanciamento dos dogmas religiosos, o olhar científico até o ponto no
qual a natureza, o homem incluído, foram inteiramente desmistificados” (Silva, 2001, p. 17).
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10
Pr
aça central do Hospital de Lariboisière em Paris, 1967 (Thompson , 1975, p.142).
Planta do Hospital de Lariboisière em Paris, 1846/54 (Thompson , 1975, p.141).
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11
O século XVIII representou também a instituição do rigor e da disciplina
nos hospitais como forma de selecionar os verdadeiros doentes entre os que se internavam
interessados na caridade e aqueles que precisavam dos serviços de saúde. Procurava-se
diminuir os custos hospitalares e desestimular a sobrevivência pela caridade. Para tanto, as
leis de assistência aos pobres e doentes sofreram transformações e se tornaram mais
efetivas quanto ao funcionamento dos hospitais. A assembléia legislativa francesa, em 1794,
propusera o tratamento domiciliar para todas as classes doentes em virtude da
ineficiência e do alto custo do atendimento hospitalar.
O hospital, desde então, visava principalmente ao restabelecimento da
saúde do trabalhador e seu retorno ao trabalho, garantindo a produtividade do crescente
sistema industrial. Podia-se, a partir de então, controlar e conter, em um estabelecimento
destinado à restituição da força de trabalho, uma classe doente, subordinada a um sistema
específico de tratamento. O desenvolvimento da administração hospitalar se tornara
imprescindível para o sucesso do empreendimento e de sua viabilidade econômica. Surgem
figuras responsáveis pelo internamento dos doentes, e os números de atendimentos aos
trabalhadores aumentam em relação aos indigentes, mudando, assim, a característica do
atendimento hospitalar na sociedade. Os hospitais se transformaram em instituições
terapêuticas.
“[Os] hospitais foram desenhados para educar seus internos nos moldes
econômicos e morais que promoveram a necessidade de construí-los; a
condição interna pouco atraente geralmente significava o ensinamento das
virtudes da subsistência e da autonomia. Melhorar tinha mais de um
significado no hospital do século XVIII” (Forty, 1984, p. 69).
A necessidade de regularizar os espaços hospitalares segundo o uso e
de evitar a contaminação favoreceu a segregação diferenciada de certos tipos de doentes. A
primeira intervenção do gênero se deu, em 1801, no Nexcastle-upon-Tyne Infirmary, onde
amplas alas foram divididas em outras menores, pois o crescimento no atendimento de
pacientes externos resultou na criação de salas para os médicos, favorecendo a
segmentação do espaço hospitalar. Tal procedimento logo se disseminou.
1
12
Pl
anta de uma extensão do Newcastle-upon –Tyne Infirmary, 1801 (Forty, 1984, p. 76).
Os hospitais ingleses, no século XIX, se serviam dos corredores
hospitalares para organizar hierarquicamente os grupos sociais integrantes da instituição,
cuja seqüência de cômodos seguia as necessidades de aproximação entre funções e
poderes. Primeiro servia ao controle do dirigente, depois à vistoria pelos visitantes, ao
serviço do corpo médico e do boticário, ao atendimento de enfermaria, ao trabalho dos
demais servidores e, por fim, ao atendimento dos pacientes. As comunicações ocorriam
também entre os cômodos, seguindo as semelhanças dos trabalhos. Os doentes eram
dispostos de forma que fossem vigiados para que obedecessem às regras internas. A
aparência do edifício refletia a classe social do gestor, que normalmente representava a
aristocracia da época, mas os ornamentos somente eram permitidos nas áreas por eles
ocupadas ou nas fachadas. Muitos pareciam austeros e se assemelhavam às edificações
penais, o que representava a característica da própria instituição (Forty, 1984).
“Por um lado, eles [os gestores] desejavam uma construção fina, uma
instituição nobre que embelezaria a cidade, anunciando sua filantropia e
atraindo mais fundos. Por outro, eles desejavam deter casos desmerecidos,
reduzir custos do atendimento, e moralizar o hábito do pobre de depender da
caridade dos outros” (Forty, 1984, p.72).
O hospital representou um elemento importante para o aumento da
respeitabilidade e para a profissionalização dos médicos. Os conhecimentos
disponibilizados pela institucionalização da doença e a descoberta de tratamentos e curas
trouxeram o reconhecimento da população para a medicina. As infecções e as mortes foram
grandes obstáculos para a atuação dos médicos nos hospitais. Consequentemente diversos
estudos foram desenvolvidos ainda no século XVIII a esse respeito, objetivando aplicar os
conhecimentos científicos nos espaços dos doentes. Somente no século XIX os médicos
obtiveram a autoridade suficiente para efetivarem suas transformações.
Os hospitais, além de reunirem os doentes, facilitando as pesquisas,
criaram uma nova relação entre o médico e o doente. Antes, nos domicílios, os médicos
estavam submetidos aos limites impostos pelos próprios doentes que definiam quando e
como seriam tratados. Nos hospitais, eles se transformavam em “receptores da caridade”,
1
13
dando ao médico o comando dos cuidados. Segundo Forty (1984), os pacientes dos
hospitais, no início do século XIX, eram submetidos à autoridade dos médicos e, quando
desobedeciam a suas recomendações, recebiam
“[...]punições mais ou menos severas, como a privação de comida ou vinho,
até mesmo a prisão, eram aplicadas àqueles pacientes que perturbavam de
alguma forma a ordem estabelecida ou aos que resistiam à vontade do médico,
mesmo quando tais exigências não fossem imediatamente relevantes ao
tratamento de suas doenças” (Forty, 1984, p. 77).
O autor relata que o estabelecimento da disciplina dentro dos hospitais
favorecia a rendição do doente ao poder dos médicos, o que era ressaltado pela
transformação física dos edifícios mediante a instituição da higiene. Somente o estritamente
necessário ao tratamento do doente compunha os ambientes. A inexistência de ornamentos,
a padronização das mobílias, a disposição regular das janelas e dos demais elementos
construtivos que favorecessem a iluminação e ventilação definiam a aparência da instituição
hospitalar. Desse modo, a hospitalidade religiosa cedia lugar aos conceitos científicos.
A implantação do sistema pavilhonar representou, segundo Forty
(1984), o triunfo profissional dos médicos, enfermeiros e arquitetos sobre os antigos
gestores, na definição do espaço de atendimento aos doentes. Apesar de a nova estrutura
não ter representado uma diminuição efetiva das mortes, sua configuração favorecia a
distribuição das novas atividades hospitalares. Seguindo a teoria miasmática de que a
doença se propagava pelo ar maculado, promoveu-se a ventilação cruzada nos ambientes
de acomodação dos doentes pela implantação de amplas janelas, em paredes opostas,
definindo a posição das camas entre elas. As salas pequenas e subdivididas não serviam
mais para abrigar a doença. O sistema pavilhonar e suas variantes, que valorizavam a
ventilação cruzada, foram difundidos pelo mundo como modelo para a edificação hospitalar.
“O consenso geral do final do século XVIII era que os processos naturais
(ventos e mudanças climáticas) e os arredores (plantas produzindo oxigênio)
purificavam o ar, davam-lhe saúde; os processos da vida (respiração e
excreções), morte (putrefação), e a habitação humana (estagnação
localizada do ar) corrompiam a atmosfera numa influência perigosa,
potencialmente causadora de doenças. Ar puro era aquele de áreas
desabitadas, abertas; ar impuro, de áreas habitadas, congestionadas. As
primeiras tecnologias de ventilação incluíam a escolha do lugar a colocação
de janelas promovendo ventilação e ventiladores, simplesmente visando
oferecer um amplo suplemento do ar fresco de fora diretamente para dentro
da construção” (Kisacky, 2005, p. 5).
Segundo Forty (1984), o sistema pavilhonar se configurou como uma
tipologia construtiva identificadora da instituição hospitalar. Tal forma persistiu até o final do
século XIX, nos paises católicos. O autor acredita que as transformações ocorridas na
estrutura física hospitalar dependeram não somente dos avanços médicos e científicos, mas
1
14
dos interesses por trás desses. “Na prática, hospitais serviram para muitos outros
propósitos, e por muitos anos a efetivação da cura não foi o mais importante entre eles”
(Forty, 1984, p. 62). De acordo com o autor, nos séculos XVIII e XIX, o hospital era
dominado pelos gestores, complementava a assistência aos pobres e instituía uma
“moralização social”. Somente quando a medicina se organizou profissionalmente, ela
alcançou prestígio e poder, por intermédio dos hospitais, os quais se desenvolvem
mesclando os ideais médicos e os “princípios morais” antigos.
As configurações pavilhonares sofreram, ainda, a influência dos
serviços de enfermagem. Florence Nigthtingale, incentivadora da profissionalização das
enfermeiras, acreditava, também, que a doença se espalhava pela influência do meio,
principalmente pelo ar contaminado do hospital. Pregava a melhoria das condições de
saúde dos hospitais pela higiene moral, do corpo e do ar. Em seu sistema socioambiental de
higiene das alas hospitalares, o doente era visto como o elemento sujo. Sua proposta
espacial definia o isolamento das alas de serviços e de atendimento pela existência de
espaços intermediários bem servidos de ar e iluminação naturais. A enfermagem, segundo
os preceitos higiênicos de Nightingale, baseava-se na higienização do espaço, dos
instrumentos e das atividades, em que não se misturavam elementos e serviços sujos com
limpos. Suas idéias pregavam o controle constante não somente dos doentes, cujas camas
seriam dispostas de forma a serem vigiadas pelas enfermeiras, mas também dos servidores,
mediante a hierarquia das funções. (Kisacky, 2005).
O aumento da importância das instituições hospitalares diante da
manutenção dos interesses produtivos, sociais e econômicos da sociedade capitalista
ocidental favorecia o desenvolvimento das profissões envolvidas em seu funcionamento,
principalmente quando os resultados diante dos problemas de saúde eram positivos. No
entanto, as instalações pavilhonares não se mostraram tão eficientes no controle das
doenças nem na diminuição das mortes. Suas estruturas favoreciam algumas profissões em
especial: os arquitetos, que se beneficiavam com o tamanho e custo das instalações, e o
corpo de enfermagem, que se fortalecera através das grandes alas dependentes da
enfermaria. Os interesses desses grupos estavam ameaçados diante dos avanços
científicos da medicina e da farmacologia (Forty, 1984).
Com o surgimento das teorias sobre os germes, na segunda metade do
século XIX, e a partir da descoberta dos anti-sépticos, as edificações hospitalares sofreram
transformações que priorizavam a qualidade e não mais a quantidade de ar nos projetos das
edificações. Definindo-se os microorganismos como agentes causadores e indicadores de
doenças, os doentes assumiam uma nova posição, a de vítimas passivas de agentes que
1
15
poderiam ser combatidos por medicamentos (Kisacky, 2005). Os médicos, que
compunham a administração dos hospitais, opunham-se à manutenção do sistema
pavilhonar pelos custos de construção e de manutenção, que poderiam ser revertidos em
pesquisas e equipamentos para o desenvolvimento de curas das doenças.
Difundiram-se os hospitais de atendimento clínico e emergencial,
destinados aos breves internamentos, pequenos e inseridos dentro das cidades, priorizando
a facilidade de acesso aos médicos, principalmente aos estudantes de medicina, que se
utilizavam deles como escola. Os pavilhões continuariam existindo, mas somente para a
internação prolongada e de grande número de pessoas, visto que sua necessidade de área
promovia sua locação em terras mais distantes e baratas. Os novos pavilhões surgiriam
para o internamento de doentes contagiosos, pois normalmente eram construídos fora dos
domínios urbanos, favorecendo o contato com a natureza (seguindo a crença de que esta
promovia o restabelecimento do doente) e garantindo a segurança do espaço intermediário,
visto como necessário para a dispersão de elementos que pudessem contaminar os sadios
(Kisacky, 2005).
Manicômios
Até meados do século XIX, os loucos eram encarcerados pelos seus
familiares nas residências. Segregavam-se somente os casos mais graves. Em alguns
hospitais, existiam espaços destinados a eles, apesar de não serem vistos como passíveis
de tratamento e de não se inserirem nos cuidados médicos, que somente ocorriam quando
os loucos ficavam “doentes”.
“Até então a humanidade convivia com a loucura, explicando-a, aceitando-a
ou punindo-a sem, no entanto, inseri-la, especificamente, em alguma de suas
práticas de cuidado e intervenção” (Ornellas, 1997, p. 85).
Por volta dos anos 1850, ocorreu uma especialização maior dos
diagnósticos e uma melhor definição dos “desvios morais”, distinguindo-se os loucos dos
demais segregados. Surgem os asilos para loucos em resposta às novas realidades da vida
na sociedade urbana industrial.
A organização social, segundo os princípios comerciais capitalistas,
repercutiu desastrosamente sobre a sanidade mental. A não adequação ao novo sistema
resultou em maiores problemas para a manutenção e subsistência das famílias. As
depressões econômicas reforçavam a incapacidade de sobreviver sem trabalho. As
1
16
péssimas condições a que os trabalhadores eram submetidos bem como as condições de
miséria, geravam problemas psíquicos e de descontrole mental, assim como outras
desordens sociais (King, 1980).
Para a população desequilibrada e, conseqüentemente, excluída do
sistema produtivo, surgiram as estruturas de controle. A capacidade para o trabalho era
referência no julgamento da normalidade e da saúde mental. Como não existiam
penalidades para quem não quisesse trabalhar, o medo da definição como louco e incapaz
era uma forma de persuadir os indivíduos a serem produtivos. Mediante a criação de
instituições de reclusão e punição aos desviantes do padrão produtivo, promovia-se um
perfil ideal de trabalhador. Os asilos para loucos explicitavam o destino daqueles que não se
inseriam na nova ordem baseada na produtividade. O rigor e a disciplina interna definiam as
funções sociais da instituição e impunham um padrão ideal a ser alcançado pelos internos.
“[...] o ambiente e as regras da casa recordam ao paciente que é, afinal de
contas, um caso de doença mental, que sofreu algum tipo de colapso social no
mundo externo, tendo fracassado de alguma forma global [...]” (Goffman, 2003,
p.130).
A própria existência da instituição e do internamento reforçava a
distinção do louco diante da sociedade exterior. Acreditava-se que a internação no asilo
protegia a população da ameaça dos descontrolados, pois “(...) a loucura, pela desordem
que cont[inha], não cab[ia] na ordem da cidade” (Ornellas, 1997, p. 91).
O surgimento da psiquiatria transformou a loucura numa patologia, pois
até então ela envolvia apenas questões jurídicas que definiam os distúrbios como
desrespeito à ordem. Desenvolve-se a crença na cura e no tratamento modificando a
estrutura e função das instalações existentes, onde o próprio edifício passaria a ser um
instrumento de tratamento. Strange e Bashford (2003) relatam que os jardins bem cuidados,
as áreas esportivas e de lazer se instituíram nos asilos como espaços de aplicação do
tratamento moral tanto pela sua configuração como pelas atividades neles desenvolvidas.
Foucault (2003) mostra que a psiquiatria dava aos médicos o poder de
definir, identificar e controlar a sanidade, assim como de decidir sobre a liberdade dos
insanos. A diferenciação entre doença orgânica e doença psicológica delimitava a psiquiatria
e capacitava o médico a definir parâmetros de normalidade para o comportamento humano.
Com a definição da loucura pela psiquiatria, passou-se a buscar suas
causas e soluções. Nesse processo foi dado grande poder aos médicos, pois lhes cabia
definir os padrões de normalidade e as normas a serem seguidas pela sociedade. A
medicina assumiu uma postura de ciência social que tirava e dava ao indivíduo a condição
1
17
de saúde, e a psiquiatria se institui como a “ciência do homem, instrumento de
aprimoramento da sociedade civilizada” (Ornellas, 1997, p. 88).
Esquirol, no século XIX, afirmou que os loucos tinham a medida de
suas sociedades, pois transgrediam as normas criadas por elas. Tal conceito se expandiu
por diversos países, inclusive no Brasil. Esse autor acreditava que:
“os costumes públicos ou privados, que exaltam a imaginação e as paixões, e
uma educação que não as disciplina pelo bom senso e pela moderação, o
causas que determinam um maior número de alienados nas sociedades
civilizadas. Em outras palavras, a corrupção dos costumes, perpetuada pelos
vícios da educação, o desprezo pelas crenças religiosas e pela moral pública,
influenciando todas as classes sociais e, mais ainda, as classes inferiores,
seriam responsáveis pelos males da sociedade.” (Ornellas, 1997, p. 87).
“Segundo esse critério, qualquer atividade humana divertimentos, vida,
profissões expõe o homem a situações que podem causar alienação; do
mesmo modo, o despotismo, a liberdade dos costumes, a educação viciosa
são circunstâncias favoráveis à alienação etc.” (Ornellas, 1997, p. 109).
A presença da medicina nos cuidados com a loucura fez com que esta
assumisse a posição de doença. Buscou-se, a partir de então, classificar e separar os tipos
de desequilibrados. A psiquiatria instaura uma nova realidade médica a de controle total
sobre a vida e o comportamento do indivíduo assim como sua reclusão em um espaço
específico para tanto.
Os asilos passam a ser vistos como uma solução para isolar os
indesejáveis doentes mentais. Eram tidos como essenciais à manutenção da ordem. Sua
arquitetura, que visava à economia, à custódia segura e à repressão física, dividiu-se em
três tipos básicos: irregulares ou aglomerados, sem unidade construtiva, compostos por
edificações de diferentes datas, que seguiam o aumento das necessidades físicas; o tipo
corredor, que constava de salas ou celas abertas para longos corredores, cuja parte central
formada pelo edifício era ocupada pelo setor administrativo; os tipos pavilhonares, que se
caracterizavam pela reprodução de blocos uniformes situados em colunas, entre as quais
situavam-se as edificações administrativas e das demais atividades (King, 1980).
Miquelin (1992) relata que a tipologia pavilhonar foi implantada, no
século XIX, em muitos hospitais na Europa e serviu de referência para os modelos norte-
americanos. Os espaços de isolamento eram ordenados para que os internos fossem
divididos por sexo, classe e tipologias de desequilíbrios. A vigilância acontecia em todo
momento e lugar. Todos os instantes dos internos eram ocupados em atividades vigiadas. A
importância do espaço para o tratamento da loucura é tratada por Ornellas (1997):
1
18
“Se todo o tratamento deve ser asilar, o hospício, em si mesmo, deve realizar a
transformação do alienado. É por isso que o isolamento não pode ser apenas
uma exclusão, uma segregação, um expurgo da vida social. Deve ser, também,
complementado por uma organização do espaço interno e pela distribuição dos
indivíduos, de modo que a vida do hospício se estabeleça de maneira
ordenada” (Ornellas, 1997, p. 111-2).
Pr
oposta pavilhonar para Leavesden Woodside, 1868 (King, 1980, p. 54).
As
ilo para Lunáticos Colney Hatch, 1851 (King, 1980, p. 52).
No Brasil, a teoria de Esquirol difundiu-se e a inserção dos moldes de
tratamento europeu passa a ser sinônimo de modernidade e respeitabilidade científica. Em
fins doculo XIX, instaura-se no país o sistema de enclausuramento dos loucos nos
chamados hospícios, que se situavam nos arredores das cidades, com a justificativa de que
eles necessitavam de tranqüilidade para restaurar seu equilíbrio. Como a recuperação do
doente dependia de um “tratamento moral”, por meio de uma medicina educativa e
pedagógica”, o hospício, concebido como o lugar de exercício da ação terapêutica, realiza
uma verdadeira pedagogia da disciplina, da ordem” (Ornellas, 1997, p. 111).
O isolamento no Brasil tem reforçada sua característica social: o pobre
é internado seguindo a lei, enquanto os ricos podiam se manter em seus domicílios.
1
19
“[...] o isolamento em relação à família é seletivo: aplica-se a um tipo
específico de louco: os pobres. As famílias ricas não devem ser obrigadas,
através da lei, a internar um membro seu que seja louco. Se quiserem podem
manter em domicílio o alienado, e o internamento não será imposto”
(Ornellas, 1997, p.111).
O trabalho se instaurou nos hospícios como a principal atividade dos
internos que estivessem aptos para ele, sendo interrompido somente para o banho,
alimentação, descansos e para alguns tipos de tratamento. Era visto como uma terapia, um
meio de “eliminar a desordem”. Sua aplicação resultou na criação de colônias agrícolas para
o tratamento dos distúrbios mentais. No entanto, aos pobres eram destinados os trabalhos
mais pesados, principalmente para a manutenção da instituição; aos ricos destinavam-se
atividades de leitura, música e arte, etc.
Com a instituição da farmacologia no tratamento dos distúrbios
mentais, após 1930, diminuíram as internações. A evolução da crença na cura da loucura
extinguiu as características moralizantes dos tratamentos. A arquitetura antes pensada para
a moralização, passou a ser desnecessária e onerosa, fazendo que as instalações se
tornassem menos aconchegantes ou familiares e se transformassem em “meros refúgios ou
casas de detenção para uma aglomeração de casos irremediáveis e incuráveis” (King, 1980,
p. 56).
Vilas Operárias
Os Asilos Colônias tamm tiveram, nos núcleos residenciais, criados
por minas e fábricas para abrigar seus empregados, uma de suas matrizes espaciais. O
surgimento de acomodações para os trabalhadores em algumas indústrias iniciava o
domínio do empregador sobre o estilo de vida do operário. As acomodações eram modestas
e individuais, sugerindo que as famílias não se vinculavam totalmente ao trabalho industrial,
somente alguns de seus membros. Quando surgiram acomodações familiares, conjuntas às
indústrias, a renda resultante da locação serviu aos proprietários para aumentar as
instalações e o número de maquinário. Em tais edifícios, os tipos de ocupações variavam de
acordo com os pavimentos.
Os problemas que surgiram pela ocupação desregrada das cidades,
entre eles as epidemias, resultaram na difusão de ações sobre a condição de vida da
população pobre e trabalhadora. A grande transformação ocorreu na relação entre o
operário e a indústria, com a implantação das vilas operárias, onde se criaram condições
para que todas as necessidades das famílias fossem supridas em espaços projetados e
1
20
controlados segundo os interesses dos proprietários. Alguns industriais criavam, a partir de
suas vilas, verdadeiras comunidades destinadas a viver segundo crenças de transformação
social. Surgiram diversas utopias de transformação do trabalhador por intermédio do espaço
por ele ocupado, algumas apresentadas aqui anteriormente.
As indústrias preferiam a localização rural pela “abundância de terrenos
baratos”, pela oferta de recursos energéticos naturais e também por estarem menos sujeitas
ao controle e às leis urbanas. As vilas operárias surgem nesse contexto, garantindo maior
controle sobre o trabalhador, pois o isolamento colaborava para a dominação e autonomia
administrativa (Correia, 1998).
“Esse isolamento ainda possibilitou ao industrial uma ampla autonomia de
ação na organização dos espaços e das atividades que circunscreviam a vida
dos trabalhadores de sua empresa. O núcleo fabril surge como um lugar
singular, que captura um grupo operário e o submete amplamente a uma
autoridade única o patrão – e a uma atividade específica – a produção [...]”
(Correia, 1998, p. 81).
Nas vilas operárias, as rotinas eram estabelecidas segundo os
intervalos de tempo exigidos pela produção da indústria, sendo constante a vigilância, que
abrangia a intimidade dos trabalhadores e de seus familiares. Havia resistência diante do
controle, das regras e do ritmo impostos. A criação de condições de higiene e conforto nas
vilas visava caracterizar um vínculo entre o operário e a indústria. Béguin (1991), a respeito
do controle e da disciplina instituídos pela condição de conforto, relata:
“Opressão doce e insidiosa, o conforto vai sujeitar os pobres a um duplo
controle: um controle econômico pelo viés dos instrumentos que o
propostos para produzi-lo; um controle político visto que, passando para o
campo dos que têm alguma coisa a perder, os pobres tornam-se acessíveis,
quando não solidários de políticas de defesa da propriedade ou da qualidade
de vida”. (Béguin, 1991, p.48-9).
A crença na transformação do caráter do individuo pelo espaço esteve
bastante presente na configuração das vilas. As habitações eram os principais instrumentos
para obter tal resultado. Correia (2004) relata que a qualidade delas estava amplamente
vinculada à intenção de moralizar o trabalhador fixando-o em sua residência e retirando-o de
espaços comuns imorais e corruptores. O combate à umidade e a promoção de iluminação
e arejamento foram os norteadores das propostas das construções, considerando tanto os
princípios higiênicos e morais do século XIX quanto a necessidade de economia e
conservação dos materiais de construção.
“De um relance se notam, em uma casa bem iluminada, todas as imundices
que em casas escuras escapariam à vista dos visitantes; obriga por com-
seguinte indiretamente os moradores à maior limpeza, à ordem e à decência.
1
21
É fora de dúvida que exerce a luz uma ação muito sensível sobre o espírito”
(Januzzi, 1909, apud Correia, 2003, p. 29).
Instituíram-se, no quotidiano dos moradores das vilas operárias,
atividades de lazer e educação, segundo o interesse de subordinação e conduta burguesa,
que refletiram na composição espacial dos complexos. A casa passa a ser pensada como
um lugar onde a vigilância fosse constante e as atividades, os sexos e idades fossem
separados por cômodos, evitando-se a promiscuidade e promovendo-se a higiene.
A Europa desenvolveu importantes exemplos de núcleos fabris que
incorporavam vilas para os operários ao complexo industrial. Saltaire foi um núcleo
construído na Inglaterra em meados do século XIX, pelo industrial Titus Salt. Possuía
habitações, escolas, igreja, clube e parque públicos. Foi influenciada pelas concepções de
Robert Owen e tinha a moral como norteadora das transformações dos moradores. Oferecia
qualidades de serviços e de moradias que não eram acessíveis aos operários nas cidades.
Saltaire foi o empreendimento mais “ambicioso e famoso” do “terceiro quarto do século XIX
(Viana, 2004). Correia (1998) mostra que tal empreendimento se comprometia radicalmente
com a ortogonalidade do traçado, dando menor importância à condição natural do terreno,
apesar de incorporar a vegetação, em parques e jardins, e de manter a regularidade dos
tipos arquitetônicos. Instituía, seguindo preceitos da época, a separação em zonas dos
serviços, comércio, trabalho e moradia, sendo esta ainda distinguida pelo padrão social dos
moradores.
Edificação de Saltaire (Correia, 1998, p. 114).
1
22
“De Saltaire, na Inglaterra, procurou-se excluir tudo o que se entendia ser
fonte de corrupção. [...] A idéia de Saltaire como lugar moralizado costumava
ser condensada na ausência de pubs, casa de penhoras e polícia” (Correia,
1998, p. 81).
“Em Saltaire, a brica procurava comprometer o tempo curto que sobrava
para a diversão com formas de lazer julgadas construtivas, como sociedade
horticultural, clube de pesca e clube de críquete. O Instituto com atividades
de educação e recreativas absorvia a maior parte do tempo de lazer dos
adultos. [...] eles se reuniam em várias associações, entre as quais banda de
música e o clube ginástico. [...] A Fábrica promovia, ainda, passeios anuais
para a praia ou para a moradia do patrão”( Correia, 1998, p. 132).
Port Sunlight, fundada pela indústria de sabão Lever no final do século
XVIII, também representava a materialização do ideal industrial na composição do espaço
destinado à moradia dos operários. Teve seu plano geral, algumas habitações e
equipamentos elaborados por arquitetos seguindo concepções espaciais de controle e
higiene. Apresentava um traçado irregular e uma diversidade maior de tipos de edificações.
Excepcionalmente, apresentava os equipamentos comunitários dispersos dentro do
complexo.
I
mplantação de Port Sunligth (Correia, 1998, p. 102).
1
23
Ed
ificação de Port Sunligth (Correia, 1998, p. 103).
“Em Port Sunligth, as moradias se dispunham em blocos que agrupavam
geralmente de três a dez casas. A variedade dos projetos habitacionais [...] é
um primeiro aspecto que singulariza Port Sunligth. [...] Em meio a [...]
diversidade, uma certa unidade é garantida pela escala das construções,
pelo uso predominante do tijolo aparente e pela filiação de todos os projetos
ao revival da arquitetura doméstica inglesa. O padrão construtivo das casas e
dos prédios comunitários [...] supera qualquer outra experiência do gênero”
(Correia, 1998, p. 116).
Em grande parte das propostas de vilas operárias surgidas entre os
séculos XVIII e XX, eram oferecidas atividades educativas para jovens e adultos a fim de
ocupar-lhes o tempo. O lazer era controlado e disciplinado buscando-se evitar que os
eventos fugissem do controle dos gestores e se tornassem problemas para a instituição.
Bebidas e jogos eram proibidos e as infrações, punidas com a expulsão. Existiam áreas
para cultivo agrícola, pois se considerava moralizante o trabalho com a terra. A religião era
uma atividade estimulada, desde que condizente com as crenças dos patrões.
Os industriais se empenhavam em demonstrar que os núcleos
industriais transformavam positivamente a vida do operário. Buscavam criar uma imagem do
sistema industrial como uma instituição de transformação social pacífica e cooperativa entre
patrões e empregados, onde interessava mostrar que o mal não estava no capitalismo em
si, mas nos maus patrões que fugiam aos seus deveres” (Correia, 1998, p. 183).
O modelo de instalação industrial que apresentava a vila para operários
se difundiu pela Europa e por diversos outros países industrializados, inclusive no Brasil.
São Paulo, pela presença de grande número de indústrias, desenvolveu diversos núcleos
habitacionais industriais que acompanhavam o crescimento das rodovias.
1
24
Segundo Balleiras (2003), em São Paulo surgiram diversas vilas
vinculadas aos engenhos entre os séculos XVIII e XX. O sistema Europeu se adapta à
realidade brasileira, buscando, também, transformar a classe operária, visando a uma
melhor produtividade. Um processo no qual o planejamento das habitações assume
posição de grande importância.
“Altera-se o espaço das moradias, modifica-se o governo do tempo,
transformam-se as formas de diversão, muda-se a rotina das crianças.
Introduz-se, enfim, uma nova ordem, estreitamente vigiada, na vida do
morador. Ante a questão de como abrigar os trabalhadores, o núcleo surge
como alojamento. Ante a questão de como transformar a habitação do pobre
em um local saneado e regrado, o núcleo surge como hábitat de massa, com
suas casas, geralmente unifamiliares, concebidas para favorecer o
desenrolar de relações assépticas e moralizadas no seu interior. Na
construção do hábitat, o controle externo sobre a vida doméstica é outro
elemento central, que se exerce, sobretudo, pela vigilância, pelo ensino, pela
assistência médica, pela promoção de atividades de lazer e pelo controle do
consumo. O conjunto atua favorecendo a vida doméstica, combatendo
hábitos vistos como imorais, nocivos, perdulários e anti-higiênicos” (Correia,
1998, p. 84).
U
ma das tipologias habitacionais da VilaGessy, São Paulo (Balleiras, 2003, p.279-80).
Em tais complexos, as edificações se posicionavam em função da
fábrica, que normalmente dependia de rios ou de outras fontes de água para se instalar. As
residências, os serviços, o lazer e a administração se distribuíam segundo zonas
organizadas. Conforme Campagnol (2004), podiam-se distinguir, nos núcleos residenciais
de usinas de açúcar paulistas, os seguintes zoneamentos: Industrial, Administrativo,
Moradia de patrões e diretores, Construções comunitárias, Habitação técnica e da gerência;
Administração, Habitação de operários, Habitação de colonos e camponeses, Alojamentos
coletivos. As culturas que serviam a indústria se situavam ao redor do núcleo e as vias
atendiam às necessidades de distribuição dos serviços e da produção.
1
25
U
ma das tipologias habitacionais da Usina São João, São Paulo (Campagnol, 2004, p.250).
Na maioria das vezes, a topografia da região onde se implantava o
complexo industrial, definia a posição das edificações. A indústria normalmente se situava
na menor cota, próximo ao curso de água e dos setores administrativos e de serviços de
apoio. A parte mais alta era ocupada pela chefia e proprietários, buscando preservar a
privacidade e controlar as demais instalações. Havia distinção nos padrões construtivos das
residências segundo o nível e a remuneração do trabalhador. Para os mais simples,
existiam habitações unifamiliares e isoladas ou geminadas, térreas ou de até dois
pavimentos. Em algumas existiam alojamentos coletivos para solteiros ou trabalhadores
temporários. Na maioria existiam igrejas católicas nas áreas comuns (Campagnol, 2004).
M
aria Zélia, da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, São Paulo (Viana, 2004, p.19).
Diferentes tipologias de núcleos industriais surgiram no estado de São
Paulo e nos demais estados do Brasil seguindo as necessidades de cada produção. No
entanto, pouco mudavam em relação às necessidades sicas das vilas operárias, onde os
preceitos higiênicos e morais tiveram condições de se desenvolver.
1
27
CAPÍTULO 3. O SISTEMA ASILO COLÔNIA
3.1 Os Asilos Colônias: algumas experiências internacionais
Os avanços nos estudos sobre a evolução da hanseníase
demonstravam que esta era uma doença de baixa letalidade e que seus portadores não
apresentariam, ou demorariam a apresentar, comprometimentos de suas capacidades
físicas. Enquanto não se comprovava a eficiência das diferentes vertentes profiláticas, os
doentes representavam um grupo de indivíduos produtivos que deveriam ser isolados.
Somente hospitalizar, nos moldes modernos, era inviável em virtude da ausência de
tratamento efetivo e do custo da manutenção e controle dos internos. Dessa forma, o
isolamento se basearia principalmente no asilo dos doentes, isto é, em dar-lhes abrigo
assistido. Contudo, a necessidade de atendimento em grande escala representava ameaça
por causa do agrupamento de indivíduos ativos que poderiam vir a se rebelar contra os
sadios (Cunha, 2005; Curi, 2002; Monteiro, 1995).
A solução para conter a hanseníase apresentava-se, então, mais
como uma questão social do que de saúde, visto que a terapêutica cedia espaço para o
controle do doente. Pelo estudo dos estabelecimentos de reclusão e controle, apresentado
no segundo capítulo, percebe-se uma forte crença no poder reformador do espaço e das
atividades, tidas como educativas para o corpo e a índole. A socialização da medicina
colaborou para inserir tais matrizes e formulações na relação com os doentes,
principalmente diante dos ativos e ameaçadores.
O isolamento do doente priorizava o isolamento do bacilo e estava
subordinado, primeiramente, ao entendimento biológico da doença. As ações deveriam
seguir rigorosos preceitos higiênicos, influenciando diretamente na acomodação dos
doentes. Para a composição dos estabelecimentos asilares, mesclar-se-iam instrumentos de
controle aos reguladores sanitários.
Algumas iniciativas foram executadas em regiões epidêmicas,
readequando antigas instalações. O sistema aplicado evoluíra do modelo desenvolvido na
Idade Média, quando os antigos leprosos, excluídos das comunidades, reuniam-se e
formavam vilarejos próximos às vias de comunicação com as cidades. No entanto, a baixa
qualidade desses vilarejos não atendia às necessidades dos internos, nem aos preceitos
higiênicos, oferecendo riscos (Curi, 2002).
1
28
“No início do século XX a visão de isolamento dos doentes não mudou
completamente em relação à “tradição de isolamento” dos séculos
anteriores. A percepção da doença como algo enviado por um ser divino
não tinha mais espaço em uma sociedade cada vez mais laica. Mas a
ordem de retirar o doente do convívio social não morreu com o passar dos
séculos. [...] Em meio a tantas incertezas biomédicas, a política de
isolamento surgia como a maior das certezas, em uma lógica inversamente
proporcional” (Cunha, 2005, p.5).
A participação de grupos da sociedade, muitas vezes vinculados à
caridade ou aos parentes dos doentes, nas discussões públicas (principalmente pelos
jornais) sobre a condição do asilamento dos doentes de hanseníases, favoreceu a
implementação de estabelecimentos que promovessem a satisfação dos doentes e,
consequentemente, a segurança dos sadios. Sugeria-se oferecer atividades semelhantes às
das cidades para compensar a retirada do doente da sociedade (Curi, 2002).
Existia também, nessa oferta, a intenção de, por meio da qualidade
das atividades oferecidas, criar o interesse entre os doentes, em sua maioria pobres ou
miseráveis, em permanecer ou procurar voluntariamente tais estabelecimentos para se
internar, independente da perspectiva de cura existente.
O fracasso das instalações pouco confortáveis ao internamento,
priorizando a exclusão, fortaleceu a discussão sobre a suplementação dos asilos.
Buscaram-se formas de transformá-los em colônias, semelhantes às cidades dominadas por
governos externos, criando-se um modelo que se difundiu pelo mundo por meio das
reuniões científicas internacionais.
Nessa época, entre outros aspectos, a busca pelo desenvolvimento
racial (seguindo os preceitos eugênicos) destacava a importância de atividades físicas,
educacionais e do trabalho para a composição do bom caráter e compensação das
características negativas dos indivíduos tidos como inferiores
17
. As ciências médicas
pa
ssaram a se utilizar desses estudos e dos procedimentos desenvolvidos, na criação de
novas profilaxias baseadas na capacidade do indivíduo em superar as doenças.
Entendemos que a transformação dos espaços de reclusão dos
doentes de hanseníases representou a possibilidade de institucionalização da pesquisa
sobre a doença, numa época em que o ensino médico se associava aos estabelecimentos
hospitalares. Os “asilos-colônias” surgiram, assim, como possibilidade de melhor
conhecimento e entendimento da doença e como laboratório para os procedimentos
científicos. Fundamentavam-se na promessa de aumentar as possibilidades de tratamento e
17
- Sobre este assunto ver: Black, E. “Guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha dos Estados
Unidos para criar uma raça dominante”. São Paulo. Girafa Editora, 2003.
1
29
cura, além de garantir, juntamente com outras ações públicas, o controle da propagação da
doença.
A existência da tendência médico-hospitalar em separar os espaços
segundo as atividades executadas
18
favorecia a implantação dos “asilos-colônias”, pois
oferecia melhor rendimento do trabalho e possibilitava a coexistência de doentes e
profissionais de saúde. Os serviços que envolvessem contato direto e prolongado com os
doentes seriam garantidos pelo treinamento dos próprios internos, como forma de aproveitar
suas capacidades, garantir a integridade dos sadios e a continuidade do atendimento, assim
como diminuir os custos. O aproveitamento da mão-de-obra hanseniana objetivava controlar
a ocupação do tempo dos doentes, manter e baratear os custos da existência de tais
complexos de isolamento.
Como as epidemias se manifestavam em sua maioria nos territórios
coloniais e o interesse maior estava em proteger as nações tidas como desenvolvidas, as
instituições de reclusão se estabeleciam em terras das colônias.
Um modelo de isolamento insular, bastante discutido na época, foi
implantado na ilha havaiana de Malokai. Desde 1866, o governo havaiano destinava os
doentes de hanseníase da região para o isolamento compulsório na ilha. Esta ação se
iníciou em decorrência da ameaça que a endemia local representava para o comércio, pois
as ilhas havaianas compunham território importante na rota mercantil. Em virtude da
importância que este trajeto tinha para o desenvolvimento econômico e comercial dos
Estados Unidos, as primeiras iniciativas científicas norte-americanas, desenvolvidas para
combate à hanseníase, foram lá aplicadas.
Muitos pesquisadores, de diferentes partes da Europa, participaram
do processo de controle da doença no Havaí, principalmente os isolacionistas mais radicais.
Tayman
19
(2006) descreve, em seu livro sobre a colônia, que a
s ações se iniciaram com a
construção do primeiro hospital havaiano: uma “pequena casa de madeira escondida atrás
do hospital” abrigava os doentes de hanseníases. Como o crescimento do mero de
doentes superava as capacidades das instalações, ações de maior amplitude deveriam ser
tomadas. As autoridades locais foram incumbidas de levantar em suas regiões a quantidade
de doentes existentes. A partir desse censo e do levantamento científico sobre a doença,
criou-se o Conselho de Saúde havaiano auxiliado por médicos americanos, instituindo o
18
- Sobre esta tendência de transformação hospitalar ver Kisaky, J. “Restructuring isolation: hospital
arquitecture, medicine, and disease prevention” Bull. Hist. Med., S.C., 2005, 79: 1–49.
19
- O trabalho de John Tayman, “The colony: the harrowing true story of the exiles of Malokay”, será
aqui utilizado como referência principal.
1
30
exílio insular. Um grande obstáculo ao internamento dos doentes era a falta de credibilidade
que a medicina tinha entre a população havaiana acostumada à prática do curandeirismo.
A partir da criação de leis que regulamentavam as ações contra a
doença, começou-se a busca pelo local ideal. A escolha da província de Kalaupapa, na ilha
de Malokai, deveu-se ao fato de ter uma pequena ocupação facilmente transferível e de ser
geograficamente isolada dos povoados próximos. Nela seriam internados todos os doentes
de hanseníases, com a promessa de receber atendimento médico. Como não se conheciam
o tratamento nem a cura da doença, o isolamento, nesses moldes, significava unicamente a
exclusão definitiva do doente. No entanto, a população acreditava que o internamento em
Kalaupapa representava a única oportunidade de tratamento. Por causa da desinformação,
o trabalho das autoridades foi facilitado, pois os doentes iniciais não ofereceram resistência
ao internamento. O primeiro grupo, pelas más condições de desembargue, em 1850
submeteu-se a duas viagens. O transporte dos doentes era feito por embarcação fretada
exclusivamente para os doentes de hanseníases (Tayman, 2006).
A estrutura inicial não apresentava nada mais que as instalações
desocupadas pelos antigos moradores, e os servidores se restringiam a um único indivíduo
que direcionaria o grupo ao local e distribuiria mantimentos, pois cada doente levara seus
próprios pertences. Nessas condições de abandono, os doentes de hanseníases mais aptos
adequaram o local às necessidades do grupo criando hierarquias entre os internos antigos e
novos. O Conselho de Saúde pouco interferia nas relações internas, criando-se uma
condição sociogovernamental própria. Algum tempo depois, permitiu-se o envio de um
acompanhante sadio para viver com o doente e servi-lo.
O aumento do número de doentes e o descontentamento da maioria
diante das condições de vida no isolamento, bem como do descumprimento da promessa de
atendimento médico-hospitalar, geravam rebeliões, ameaçando o plano de controle da
doença. Algumas correspondências trocadas entre sãos e internos e os poucos visitantes
autorizados relatavam que muitos doentes de hanseníases enfrentavam as condições
naturais e conseguiam manter contato com os sadios dos povoados próximos, favorecendo
o descontrole da epidemia. Além de narrativas sobre os abusos dos poderes internos, havia
preocupações quanto à bebida e à prostituição. Missões religiosas, cumprindo as diretrizes
de suas ordens, passaram a freqüentar Kalaupapa esporadicamente com o intuito de
recuperar as almas doentes.
O Padre Damião foi a figura de maior prestígio religioso na colônia.
Ele permaneceu toda sua vida entre os doentes. Suas obras e o fato de ter se tornado
1
31
doente de hanseníase despertaram a atenção pública para a condição da colônia. O
acometimento da doença em uma pessoa julgada benevolente e cristã contrariava a crença,
ainda latente, na relação entre a doença e o pecado. A presença e atuação do padre na
comunidade de doentes de hanseníases trouxeram novas perspectivas e diretrizes para os
internos, favorecendo a melhora das condições existentes. Ele se apresentava diante das
autoridades como um porta-voz dos doentes, reivindicando transformações nas instalações
e oferta de atendimento médico. Mesmo após sua morte, suas ões se perpetuaram até a
intervenção direta do governo (Tayman, 2006).
I
nterior da igreja católica de Kalaupapa (Greene, 1985, p.114).
A mudança na composição do Conselho de Saúde trouxe
transformações para o sistema implantado. Buscaram-se soluções visando à auto-
suficiência da colônia. Com a participação dos internos, foi construído um hospital para
atender os doentes mais graves e fornecer alimento aos mais necessitados. Também se
construiu uma escola que ensinava e abrigava meninos e meninas. Aproveitavam-se os
internos e os religiosos para os serviços hospitalares e educacionais, além da caridade de
algumas famílias da própria região (Greene, 1985).
Em 1870 foram construídos três pavilhões que abrigavam 75
doentes, instalações separadas para meninos e meninas órfãs, cozinha e refeitório,
buscando-se implementar o sistema de assistência asilar. Instituíram-se leis e regulamentos
para o controle e punição das infrações. Implementaram-se as condições para a agricultura
na tentativa de melhorar a nutrição dos internos. Surgiram instalações para abrigarem
1
32
médicos e pesquisadores, aproveitando o agrupamento de doentes no desenvolvimento e
aplicação de seus estudos. A colônia de Kalaupapa assumia outra posição diante da doença
estabelecendo-se como instituição de pesquisa (Greene, 1985).
I
nstalações médicas e hospitalares de Kalaupapa após 1873 (Greene, 1985, p.66).
As melhorias que ocorreram nas instalações da colônia de
Kalaupapa tiveram grande influência dos grupos que participaram no desenvolvimento das
estruturas e das ordens religiosas que se estabeleceram. Os protestantes norte-americanos
criaram uma comunidade dentro das instalações da colônia. A presença de um posto de
ação militar e naval norte-americano nos domínios havaianos promoveu a intervenção dos
médicos do serviço naval no processo de transformação. Pode-se dizer que o asilo colônia
de Kalaupapa se configurou seguindo características da medicina aplicada por religiosos e
militares.
C
omunidade de internos protestantes (Greene, 1985, p.120).
O novo sistema contava, além da separação de alojamentos para os
sadios, com a construção de uma cadeia, escolas, matadouro, lavanderia, áreas para cultivo
agrícola e criação de animais, cemitério, igrejas, sistema de distribuição de água e
instalações para médicos, enfermeiras e demais profissionais sadios que prestavam
serviços aos internos. Existiam cozinha e refeitório para o atendimento ao hospital. A
maioria das edificações era de madeira ou de pedra, aproveitando materiais existentes na
região. Muitas residências foram construídas para abrigar casais.
1
33
T
ipologia habitacional para casais doentes (Greene, 1985, p.328)
T
ipologia habitacional para casais doentes (Greene, 1985, p.328).
Jardins floridos dividiam espaço com árvores frutíferas que serviam
para alimentar os internos. Existia dentro da colônia uma pequena produção industrial,
serviços e comércio. A produção agrícola excedente era comprada pela diretoria para suprir
a alimentação dos hospitalizados e incentivar o trabalho no campo.
Instalações destinadas aos visitantes sadios (Greene, 1985, p.146).
1
34
Os avanços científicos transformaram a rotina dos doentes de
hanseníases, foram instituídas atividades esportivas e o atendimento evoluíra para o
tratamento também em dispensários. Valorizava-se o trabalho tanto como forma de
ocupação como também uma solução para os problemas de abastecimento de alimentos.
D
ispensário (Greene, 1985, p .210).
Planta de implantação da colônia de Kalaupapa, 1932 (Greene, 1985, p.421).
1
35
O asilo-colônia de Kalaupapa, segundo Tayman (2006), chegou a
internar, em seus anos de funcionamento, cerca de oito mil doentes, sendo considerado o
maior empreendimento mundial para o isolamento de doentes de hanseníases. Quando as
pesquisas desenvolvidas na colônia norte-americana de Carville encontraram tratamento
para a hanseníase, os internos de Kalaupapa puderam ter uma nova condição de vida, no
qual o isolamento compulsório cedeu espaço para o tratamento voluntário.
Na cidade de Nova Orleans, desde o século XVIII, existiam ações
diante da hanseníase. Os antigos colonizadores espanhóis haviam fundado um hospital,
em 1786, transformando a região em “Leper Land” ou La Terre dês Lepreux” (Gaudet,
2004, p. 6). Com a baixa no número dos doentes no século XIX (provavelmente aniquilados
pela tuberculose), os remanescentes se transformaram em pacientes do Hospital de
Caridade de Nova Orleans.
John Smith Kendall, em diversos artigos publicados no jornal Nova
Orleans Picayume, nos anos de 1894, trouxe à tona questões sobre as condições da
hanseníase na cidade de Nova Orleans (no estado de Louisiana), que voltava a ser um
problema público de saúde. Promoveu-se, assim, juntamente com o dermatologista Isadore
Dyer, a criação de uma lei estadual para o estabelecimento do “Louisiana Leper Home”.
Inicialmente, segundo Pinto (1947), apesar do impacto das reportagens sobre a opinião
pública diante da necessidade de controle da doença, houve resistência à decisão de
instalação dos doentes na região.
“A comissão teve de arrendar às escondidas uma plantação situada a
umas 100 milhas de Nova Orléans e para evitar a frustração dos seus
planos de ali instalar o hospital, ou melhor a Casa dos Leprosos (Louisiana
Leper Home), disse aos residentes das plantações vizinhas que se
destinava a um parque de avestruzes” (Pinto, 1947, p.51).
O local disponível era um antigo campo de plantação de cana-de-
açúcar, construído em 1857 por Robert Camp denominado Indian Camp Plantation, que fora
abandonado durante a guerra civil americana. Situava-se às margens do rio Mississipi,
próximo à estrada de ferro, a cerca de 148 km da cidade de Carville e de 50 km de Baton
Rouge (capital do estado). As pequenas casas, antes destinadas aos escravos, foram
ocupadas pelos doentes e a casa do proprietário servia aos médicos, funcionários e
religiosas. O hospital foi inaugurado em 1894, tendo menos de dez internos.
1
36
R
esidência de Robert Camp no Indian Camp Palntation, s.d. (acervo do National Hansen's Disease
Museum).
Em 1906, depois de diversas tentativas de mudança das instalações
do abrigo de doentes de hanseníases, o estado de Louisiana adquiriu as terras, antes
alugadas, e substituiu as velhas casas dos escravos por instalações com quartos individuais
para os doentes. Até então se abrigavam 322 doentes do estado de Louisiana e 16, dos
demais estados.
Em 1917 o governo dos Estados Unidos aprovou uma lei para o
combate da hanseníase nacional e, em 1921, adquiriu os 375 acres (cerca de 63 alqueires)
de terra e as instalações do abrigo, instituindo o Leprosário Nacional de Carville para o
internamento e tratamento de todos os doentes do país, fechando outras pequenas
instalações em outros estados.
Segundo Sousa-Araújo (1928), a parte antiga, adquirida pelo
governo nacional, constava do antigo edifício do Indian Camp; de sete pavilhões
residenciais, comunicantes, para abrigar separadamente mulheres, homens e negros, cujos
quartos serviam até dois internos; de postos médicos intercalados entre os pavilhões; de
igrejas católicas e protestantes.
Essas construções, que existiam cerca de 30 anos, usufruíam
luz elétrica, aquecimento, água encanada, esgoto, instalações sanitárias, proteção para
entrada de insetos, telefone e sistema de combate a incêndio. Confortos e modernidades
raros na época. Além disso, tais alas se comunicavam também com a cozinha e os
refeitórios (divididos por sexo) planejados e equipados segundo os padrões mais modernos
da época, inclusive com equipamentos para automatização da produção de refeições e do
processamento de alimentos. Os serviços de alimentação eram individualizados, segundo a
1
37
dieta prescrita para cada doente, e supervisionados pessoalmente, na ala feminina, pelas
freiras. Até mesmo os lugares nas mesas eram preestabelecidos (Sousa-Araújo, 1928).
I
nstalações do Carville em 1921 (Araújo, 1928, p. 192)
No ano de 1924, as instalações foram ampliadas visando comportar
quinhentos doentes. As novas acomodações para os enfermos situavam-se próximas às
antigas, formando com estas um grande retângulo. Estavam voltadas para um grande jardim
central onde havia existido um cemitério.
Coke Bottle Garden, s.d. (acervo do National Hansen's Disease Museum).
1
38
O hospital funcionava em quatro pavilhões, também divididos por
sexo. Destinava-se aos operados e aos portadores de moléstias graves. Existiam ainda
nove pavilhões residenciais masculinos interligados, que se dividiam para acomodar os
cegos, os brancos e os orientais; e outros quinze, para mulheres, com quartos individuais.
I
mplantação esquemática, s.d. (acervo National Hansen's Disease Museum).
Foram construídos, também, novos refeitórios, cozinha com
capacidade para atender mil doentes, bem como novas residências para os médicos e
demais prestadores de serviços. Além disso, instalaram-se estábulos com todo serviço de
matadouro e frigorífico, construíram-se incineradores de lixo, lavanderia, redes de
tratamento de água e esgoto, pavilhão de diversões, clube, cine-teatro, bibliotecas, casas
para médicos, casas de campo para doentes e até mesmo prisão. Os doentes contavam
com escolas primárias, oficinas e igrejas, onde poderiam exercer suas atividades
profissionais e religiosas. A comunicação entre as edificações era feita por corredores
cobertos e servidos de janelas para o controle da ventilação (Araújo, 1928).
1
39
F
oto aérea, s.d. (acervo do National Hansen's Disease Museum).
Todas as alas eram bem divididas para o uso de sãos e doentes,
sendo a maior parte dos serviços cotidianos feitos por equipamentos mecânicos (Araújo,
1928), evitando-se assim todas as formas de contato direto com a doença. Existia, até
mesmo, grande cuidado para que não houvesse insetos em contato com os doentes, pela
crença na possibilidade de um outro vetor, além do controle das emissões de gases pelos
incineradores de lixo.
Pavilhões residenciais, s.d. (acervo do National Hansen's Disease Museum).
1
40
Os doentes com melhores condições físicas prestavam serviços de
limpeza e manutenção das instalações de uso dos enfermos. Eram oferecidas aulas para
ensinar ofícios como pintura e música aos doentes adultos, enquanto aos de idade escolar
oferecia-se toda a grade normal de disciplinas. A religiosidade sempre esteve presente em
tais instalações, fortalecida pela presença de religiosas.
I
greja presbiteriana, construída pela “American Mission to Lepers” (Araújo, 1928, p. 198).
As instalações eram amplamente mobiliadas e construídas por conta
do governo, assim como todos os demais custos necessários para o tratamento e
manutenção dos internos. As atividades eram permitidas até às 21 horas, em datas normais,
e até às 22 horas e trinta minutos em épocas festivas.
C
arville, quarto individual para doente (Faget, 1946, p. 33).
Os serviços médicos eram prestados por profissionais especialistas
em suas áreas e contavam com instalações hospitalares e equipamentos de avançadas
tecnologias. Os doentes eram visitados duas vezes ao dia e tinham o direito de requisitar
1
41
atendimento a qualquer hora do dia ou da noite. Os laboratórios existentes nas instalações
hospitalares se focavam na identificação dos casos e na busca por possíveis terapias e
descobertas da cura da doença. Muitas cirurgias restauradoras eram efetuadas, pois a
grande parte dos internos apresentava quadros avançados da hanseníase. Existia, também,
o departamento de fisioterapia, que buscava reabilitar os doentes com deformidades ou
mutilações. Para isto, as instalações constavam com certas adaptações para cadeiras de
rodas, como a dimensão dos corredores e vãos. Outras especialidades como
oftalmologistas e dentistas faziam parte do corpo médico.
Tais ofertas de serviço e atendimento atraíam o interesse de
diversos pesquisadores de todas as partes do mundo, que buscavam soluções para os
problemas da hanseníase em seus países. Alguns médicos brasileiros, como o Dr.
Heráclides César de Souza-Araújo, autor do artigo que definiu Carville como modelo,
conheceram tal instituição e nela estagiaram. Sua composição física e seu funcionamento
foram amplamente difundidos entre os leprólogos brasileiros, engenheiros e arquitetos
envolvidos com as obras dos asilos colônias.
R
esidência dos médicos (Araújo, 1928, p. 195).
Além de assumirem novas identidades dentro de Carville, os
internos viveram longos anos sendo tratados como portadores de doença hereditária, tendo
o contato entre diferentes sexos controlado e a procriação proibida, interrompida, ou
resultando em adoções externas (White, 2003). Tal aspecto é bastante ressaltado no
comentário do Dr. Heráclides C. de Souza-Araújo:
“Apezar dessa certa liberdade durante 25 annos não foi registrada
nenhuma infração moral grave, nem também nenhum nascimento. No
leprosário da ilha Desirade, não obstante uma vigilância e policia rigorosa,
de vez em quando nasce um bebê...” (Souza-Araújo, 1928, p.201).
1
42
Até 1947, já haviam sido internados mais de 1500 doentes de
hanseníases, além daqueles que teriam sido reenviados para os países de origem. Os
serviços ali ocorriam sob a inteira responsabilidade do governo dos Estados Unidos. Os
pacientes reclusos até a descoberta de tratamento se transformavam em prisioneiros do
sistema de saúde, em prol da segurança dos sadios. No entanto, eram concedidas
concessões para a saída de doentes em algumas épocas e por motivos definidos.
Com a descoberta da cura para a hanseníase, o Carville, como era
conhecido o Leprosário Nacional, passou a ser referência mundial no combate da doença. A
partir de 1986, não mais se aceitavam internações permanentes e, desde a década de 1980,
se prestavam serviços para o tratamento da hanseníase aos que não tinham seguro
médico .
Outras instituições, que representaram as transformações ocorridas
diante da doença, foram implantadas nas Guianas, antigas colônias européias. Segundo
Souza-Araújo (1924), as primeiras instalações do asilo colônia L’Acarounay, na Guiana
Francesa, destinavam-se aos escravos doentes. Foi construído em 1828, pela missão de
Saint-Joseph de Cluny, em um local isolado pelo canal do rio Acarounay, onde o clima era
bom e ameno. Em 1835, em virtude de ações de saúde governamentais francesas, tal
estabelecimento se transformou no leprosário modelar para abrigar os doentes de
hanseníases.
1
43
Asilo colônia l’Acarounay, na Guiana Francesa (Souza-Araújo, 1924, p. 405).
O autor narra que as construções eram em madeira e destinavam-se
a asilar os doentes inválidos. Foram construídos pavilhões espaçosos, protegidos do sol,
com água canalizada e salas de banho, abrigando de oito a dez doentes separados por
categorias e servidos por uma cozinha comum. As casas serviam para abrigar um grupo de
dois casais que podiam cultivar a terra. Existia o serviço de enfermaria, mas somente um
médico responsável. A administração era separada para sãos e doentes, seguindo uma
escala de poder e um regimento bastante rigoroso.
No entanto, o sistema compulsório de asilamento na colônia não
obteve êxito profilático, por ser muito dispendioso e rigoroso, desfavorecendo os
internamentos. Em 1914, como ocorreu nas demais colônias francesas, o asilo colônia
L’Acarounay foi transformado em dispensário (Souza-Araújo, 1924).
Souza-Araújo (1924) também mostra que a Guiana Holandesa
abrigava, no Suriname, o “leprosário oficial” de Bethesda, destinada aos protestantes.
Fundada em 1899 pela “Sociedade Protestante de Proteção ao Leproso”, estava isolada
pelo rio Suriname, sendo acessível somente por embarcação. Foi configurada como uma
pequena vila agrícola, com pavilhões de madeira e residências situadas antes dos campos
de cultivo. A coabitação somente era permitida aos casados, sendo os demais internos
rigorosamente separados por sexo.
A
silo colônia de Bethesda, Suriname (Souza-Araújo, 1924 ,p. 415).
Oferecia-se conforto aos internos, por meio de cozinha comum,
serviços de lavagem e costura de roupa, além de áreas de recreação. Os doentes capazes
trabalhavam uniformizados e recebiam salário. Todos cumpriam um rigoroso cronograma
diário de atividades, executando exercícios físicos e atividades culturais. A visitação era
permitia e controlada pelo diretor, não podendo exceder a 48 horas. O visitante, ao sair, era
1
44
desinfetado. Nas instalações existiam pequenos comércios, mas era proibido possuir
animais domésticos e dinheiro. No entorno, algumas atividades turísticas para os doentes
eram organizadas (Souza-Araújo,1924).
Souza-Araújo (1924) considera o asilo colônia de Mahaica, na
Guiana Inglesa, um dos maiores do mundo. Foi construído em 1905 para abrigar os
doentes locais e alguns estrangeiros. Casos suspeitos e confirmados eram enviados para
lá. Sua área era dividida em 4 partes, por avenidas e grandes jardins. Suas construções de
madeira eram compostas por pavilhões, enfermarias, prisão, pavilhão de alienados,
lavanderia, cozinha e refeitórios. Possuía igrejas católica e protestante, cemitério, ateliês,
hospital e comércios diversos. Existia separação de atendimento e de serviços para os
pagantes.
Asilo colônia de Mahaica, na Guiana Inglesa (Souza-Araújo, 1924 ,p. 419).
As construções, edificadas suspensas do solo, ofereciam
conforto e proteção contra sol e insetos. Os pavilhões se comunicavam por corredores
cobertos e ventilados. Existia abastecimento de luz elétrica e separação dos moradores da
colônia daqueles doentes tidos como irrecuperáveis. Casamentos entre internos não eram
permitidos. Os filhos dos casais internados, que nascessem na instituição, seriam separados
dos pais. Os internos habilitados poderiam exercer suas profissões na colônia. As infrações
eram punidas com prisão e trabalho forçado. O doente somente não se internaria se
pudesse pagar pelo tratamento, indicando um médico como responsável, e se não
apresentasse úlceras (Souza-Araújo,1924).
1
45
Diversas colônias surgiram pelo mundo, visando ao controle da
hanseníase pelo isolamento do doente. Aqui somente algumas foram mostradas, pois
poucas publicações são encontradas descrevendo-as. A maioria dos trabalhos são relatos
antigos de pesquisadores que buscavam exemplos para o controle da doença em seus
países. Souza-Araújo foi um importante pesquisador dos métodos de tratamento aplicados
aos doentes de hanseníases e seus levantamentos tiveram grande influência na evolução
do sistema asilar no Brasil.
3.2 Os Asilos Colônias no Brasil
O Brasil, quando se tornou República, manteve a autonomia política
de suas unidades federativas, fazendo com que as determinações federais somente fossem
implantadas nos estados mediante acordos. Dessa forma, as medidas profiláticas de
isolamento dos doentes de hanseníase demoraram a se efetivar. A criação do
Departamento Nacional de Saúde Pública expandiu a atuação federal no país, dando-lhe
instrumentos para difundir, pelos Estados, medidas mais efetivas de controle de doenças. A
função de tal Departamento abrangia as questões de saúde da capital federal e da área
rural nacional, destinando à Diretoria do Saneamento Rural os acordos estaduais para o
controle das endemias. Desse modo, unificavam-se em um só órgão as diretrizes profiláticas
(Cunha, 2005).
Em 1904, Oswaldo Cruz, então Diretor Geral de Saúde Pública,
insere a hanseníase no regulamento sanitário federal brasileiro, como doença de notificação
compulsória, defendendo o conceito de propagação por contágio e as obrigatoriedade do
isolamento do doente e desinfecção de seus ambientes (Ornellas, 1997; Cunha, 2005).
Castro (2005) afirma que as leis sanitárias brasileiras estavam em sintonia com os avanços
científicos mundiais, pois pouco tempo se passara entre as determinações profiláticas para
a hanseníase e as orientações dadas na Primeira Conferência Internacional ocorrida em
Berlim, no ano de 1897.
As primeiras ações republicanas contra a hanseníase no Brasil
ocorreram em 1920, buscando “controlar o avanço da doença” pela criação da Inspetoria de
Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, definindo legislações próprias. Como não se
conseguia um “estudo biológico completo da doença”, a consideração de que esta era
promovida pelo bacilo de Hansen determinava o isolamento do doente como a “melhor
forma” de conter a propagação da doença (Lanna, 1997; Cunha, 2005).
1
46
“Assim, poucos estabelecimentos foram edificados durante a cada de
1920. As reduzidas verbas destinadas ao problema da lepra não permitiram
a construção completa do aparelho isolacionista. E a capacidade da
Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas em controlar o
mal pareciam ser mínimas frente ao avanço da doença” (Cunha, 2005, p.
5).
A Comissão de Profilaxia da Lepra, criada pela Inspetoria, promoveu
reuniões entre médicos e cientistas brasileiros para discussões sobre a hanseníase. As
dificuldades de cultivo do bacilo e de determinar sua propagação definiam o controle da
doença por meio do isolamento do doente (Cunha, 2005). Até então, as ações tomadas
diante da enfermidade partiam de associações filantrópicas ou de comunidades religiosas. A
disseminação da doença pelos estados mostrava a ineficiência desse tipo de atendimento.
Os estados federativos foram responsabilizados pela organização de
censos dos doentes, provendo ao governo federal informações sobre a situação da doença
que definiriam a amplitude das ações de controle. No censo de 1927, São Paulo aparecia
como o primeiro estado em número de casos, seguido pelo Pará, Amazonas, Distrito
Federal e Minas Gerais. Questionava-se, a partir de então, a viabilidade do isolamento
diante da grande quantidade de doentes encontrada e das condições econômicas que
possuíam, o que representaria grandes despesas para as federações.
As posturas profiláticas recomendadas pelos estudiosos brasileiros
variavam. Alguns propunham a distinção dos doentes isolando, em locais de fácil acesso
aos médicos e pesquisadores, aqueles que não tivessem condições de se cuidar, e
permitindo, aos demais, tratamentos domiciliares. Outros defendiam a obrigatoriedade do
isolamento de todos os doentes, sem distinção. Neste segundo grupo existia uma vertente
radical que indicava o isolamento insular como solução – a Ilha Grande
20
, no Rio de Janeiro,
ab
rigaria todos os doentes do país. Belisário Penna, influente médico de Minas Gerais,
defendia a criação de dois municípios independentes situados no norte e no sul do Brasil
para abrigar os doentes de todo o país.
2
0
”O Lazareto da Ilha Grande destinava-se às operações sanitárias realizadas nos navios que
chegavam ao porto do Rio de Janeiro. Para eram enviadas as embarcações consideradas, pelas
autoridades sanitárias, perigosas à saúde da população, e que exigiam tratamentos especiais. Na Ilha
Grande, os passageiros desses navios eram obrigados a desembarcar para que se realizassem as
desinfecções. Os doentes que possivelmente fossem encontrados eram recolhidos ao hospital de
isolamento e lá permaneceriam até não mais constituírem perigo à coletividade. Os custos com esses
doentes eram de responsabilidade das empresas marítimas de navegação, nas quais viajavam”
(Cunha, 2005, p.66).
1
47
I
lha Grande, Rio de Janeiro (Souza-Araújo, 1948, p. 69).
Cunha (2005) relata que, a partir das discussões desenvolvidas pela
Comissão, a hanseníase passou a figurar na pauta dos mais importantes encontros médicos
ocorridos no início do século XX no Brasil. Acompanhando essa atenção à doença, em
1923, a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas elaborou a primeira
legislação direcionada à hanseníase. Com inspiração nas tendências estrangeiras, definia-
se o isolamento compulsório como medida profilática. Vale ressaltar que, no início da
década de 1920, haviam sido criados decretos federais proibindo a entrada de doentes
incuráveis, inclusive doentes de hanseníases, no território brasileiro (Souza- Sraújo, 1956).
Em 1922, a leprologia começou a fazer parte do ensino da medicina
em algumas faculdades, buscando a capacitação dos médicos no diagnóstico e controle da
doença. A criação do Instituto Oswaldo Cruz, em 1927, favoreceu o desenvolvimento das
pesquisas sobre a hanseníase no Rio de Janeiro, por meio do desenvolvimento de cursos a
esse respeito (Cunha, 2005).
Existiam ainda questões sobre a definição do tipo de isolamento no
Brasil. Este dependia da quantidade de doentes e das possibilidades financeiras de cada
região, resultando em tipos diferentes de instituições: sanatórios, que conteriam pequenos
focos e serviriam àqueles doentes que pudessem pagar pelo tratamento; asilos, que
representariam o abrigo para os doentes inválidos; hospital, somente permitido na ausência
de outras instalações próximas e se criassem alas exclusivas para os doentes de
hanseníases; e hospitais colônia, que representariam a união de funções das duas últimas
tipologias.
Em virtude da característica evolutiva da doença, Oswaldo Cruz se
posicionava, seguindo vertentes internacionalmente difundidas na época, favorável em
relação ao atendimento nas colônias:
“O caracter, essencialmente chronico do mal, impede que se tome, em
relação a ella, as medidas de isolamento num hospital geral de isolamento.
O leproso de, durante muitos annos, dedicar-se ao trabalho; por isso,
sua sequestração da sociedade deve ser feita, o num hospital, mas em
estabelecimentos adequados, “colonias de leprosos”, onde, ao lado do
indispensavel tratamento, encontrem os lazaros elementos necessarios
1
48
para applicação de sua actividade, ainda muito aproveitavel. Estas
colonias, que constituirão verdadeiras aldeias, terão todos os elementos de
conforto necessários, de accôrdo com os habitos das differentes classes
sociaes” (Oswaldo Cruz apud Souza-Araújo, 1956, p. 116).
Esse cientista acreditava que a implementação de serviços
oferecidos na colônia, por causa da ausência de tratamento efetivamente comprovado, seria
um atrativo para os pobres e miseráveis doentes que não tivessem condição de se manter
sozinhos, pois teriam melhores condições de vida do que as tidas em “liberdade”. Em seu
conceito, por se tratar de um problema de saúde que ameaçava toda a sociedade brasileira,
a responsabilidade de controle deveria ser dividida pelos diferentes poderes, estaduais e
federais, além de o aproveitamento da capacidade produtiva dos internos resolver a questão
do custo, que dificultava a implantação do isolamento.
“Officinas, escolas, biblioteca, casas de commercio, fabricas, casas de
diversões, clubs, hospital, asylo, viriam completar as installações que,
dando conforto aos enfermos, segregal-os-iam da nossa cidade, evitando o
mal que está se alastrando insidiosa [...] A agricultura, a industria pastoril, o
commercio e a industria poderiam ser desenvolvidas pelos próprios
enfermos. O governo e os philantropos poderiam empregar capitaes
nesses estabelecimentos de commercio e industria, a assim resolveriam
um problema sanitário palpitante, sem despezas excepcionaes (Oswaldo
Cruz, apud Souza-Araújo, 1956, p. 116).
O Dr. Oscar da Silva Araújo, médico do Rio de Janeiro, posicionava-
se contrário ao isolamento compulsório em razão da existência de exemplos estrangeiros
negativos. Defendia a criação de dispensários e a utilização de medidas educativas e de
higiene, assim como a informação à população sobre as condições reais da doença.
Aconselhava o isolamento colonial, dentro dos moldes humanitários, para os tipos de
doentes graves ou com grande capacidade de contaminação. Sua proposta de atendimento
pela implantação do sistema dispensário, preventório e colônia representava a opinião
de grupos estrangeiros e da maioria dos pesquisadores brasileiros (Silva Araújo, 1924).
No entanto, pelo regulamento sanitário de 1923, instituíram-se as
normas de isolamento dos doentes de hanseníases. Criar-se-iam colônias agrícolas ou
estabelecimentos de menor porte, para a reclusão de doentes infectantes e incapazes.
Permitir-se-ia o isolamento em domicílios para os não contagiantes que cumprissem
devidamente as orientações higiênicas e que pudessem se custear. Seriam tamm
examinados, periodicamente, os comunicantes dos doentes para que se controlassem
possíveis infecções.
Após a revolução de 30, houve maior centralização das ações
federais, o que se refletiu na criação do Ministério de Educação e Saúde e na capacidade de
1
49
intervenção sobre os estados. O aumento das migrações estrangeiras, para suprir as
necessidades do mercado de trabalho brasileiro, tornou mais latente a necessidade de
controle da hanseníase, pois sua epidemia interferia diretamente na imagem do Brasil diante
das outras nações. A década de 1930 marcou um implemento nas construções dos asilos
colônias pelo país. A participação privada foi intensa nessa época, em decorrência dos
interesses envolvidos no controle da doença (Ornellas, 1997).
O novo modelo implantado no Brasil representava a idéia de
isolamento difundida pelas nações envolvidas no controle da doença no mundo. Respondia
às diretrizes definidas pelas Conferências contra a hanseníase. Nele propunham-se espaços
para o lazer e a prática de esportes como formas de moldar o caráter e o temperamento do
doente, assim como para promover uma melhora na sua condição física, favorecendo sua
recuperação. Como muitas crianças compunham o quadro de internação, a criação de
escolas se tornava necessária, assim como a de pavilhões separados para meninos e
meninas.
Os religiosos inseridos nas colônias pelas ordens missionárias
poderiam construir suas igrejas, colaborando para o controle de seus fiéis e para o
atendimento médico aos doentes. Muitos doentes de hanseníases capacitados foram
treinados pelas irmãs enfermeiras, para assumirem a responsabilidade dos cuidados com os
demais doentes, principalmente aqueles em estágio avançado e que representassem
ameaça de contaminação. As administrações das colônias estavam submetidas aos
poderes estaduais e às diretrizes federais, promovendo uma padronização nos serviços dos
estabelecimentos.
Segundo Cunha (2005), o estado do Pará foi o primeiro a “firmar
acordo” com a União aderindo ao “regulamento federal” e iniciando os levantamentos para a
instalação do que seria o primeiro asilo colônia do Brasil. Em 1924, o Lazarópolis do Prata
foi inaugurado visando atender os doentes daquela região. Seguia os moldes nacionais
propostos e se tornou centro de difusão das medidas profiláticas para a hanseníase, por
intermédio da atuação do Dr. Heráclides César de Souza-Araújo como diretor do Serviço de
Saneamento Rural do estado do Pará.
O Dr. Heráclides César de Souza-Araújo (1956), ao assumir o
Serviço de Profilaxia Rural do Pará, em 1921, gerenciou a transferência dos doentes de
hanseníases, internados no antigo leprocômio Tocunduba, para as instalações do antigo
Instituto do Prata, antes destinado à catequese dos moradores locais, adquiridos pelo
Governo Federal. Em 1924, após reformas e ampliações, o Instituto se transformava na
Colônia Santo Antônio do Prata, conhecida como Lazarópolis do Prata. Segundo os moldes
1
50
modernos, inicialmente, os pavilhões comportavam quinhentos doentes e, as antigas
habitações, reformadas, serviam para abrigar outros trezentos doentes de hanseníases.
Seriam construídos mais três pavilhões que, somados às novas casas, abrigariam dois mil
internos, número que se acreditava suficiente para as demandas do estado do Pará.
Separadamente estavam as edificações destinadas aos funcionários sãos. Criava-se uma
estrutura administrativa, exclusiva aos doentes, subordinada à regência da diretoria médica,
que seria responsável pela ordem e policiamento na colônia e também pela intermediação
entre sãos e doentes. Souza- Araújo proferiu o seguinte discurso de inauguração:
“Feliz daquele que póde dizer: realizei o maior ideal da minha vida...Logo
que me formei em medicina, em 1915, creei-me um ideal, o maior ideal da
minha vida profissional. Idealizei uma vasta colônia agrícola de leprosos,
uma leprosaria que fosse uma cidade livre, onde os doentes vivessem
trabalhando, unidos, alegres e felizes. Um estabelecimento de assistência
médica, de assistência moral e material aos infelizes morféticos. Sou um
homem feliz porque vejo realizado, hoje. Esse meu grande ideal médico. A
Lazaropolis do Prata é a materialização de um plano que eu vinha
arquitetando oito anos...Realizado hoje o meu primeiro grande ideal,
ambiciosos como todo homem que tem o desejo de ser útil à sociedade,
creci-me, já, outro grande ideal a cura da lepra. Vou dedicar o resto das
minhas energias e talvez o resto da minha vida, na realização desse
segundo ideal...Vós, queridos leprosos, não percais nunca a esperança na
vossa cura! São centenas os beneméritos da ciência que não pensam
senão em vosso bem. Aguardae confiantes no progresso da ciência, dias
de mais alegrias e de maior felicidade. Deixando-vos aqui segregados e
confiados a amigos e colegas meus, cheios de bôa vontade e de
sentimentos humanitários elevados, parto contente, certo de que nada
sofrereis. Em vosso beneficio já fiz um apêlo ao govêrno e ao povo.
Concito-vos agora a viverdes unidos pelo sincero afecto e solidariedade
humana, e a cumprirdes as ordens disciplinares do vosso director e do
administrador, que o homens de caracter e homens de coração. Sêde
felizes...” (Souza-Araújo, 1956, p. 546-7).
Para o funcionamento da Lazarópolis do Prata fora criado um
rigoroso regimento interno que definia, entre seus 58 artigos, a admissão do doente, a
corporação administrativa, a regulamentação da secretaria, a criação do laboratório
bacteriológico, o hospital e a farmácia, a enfermaria, os serviços agrícolas, a uniformização
dos funcionários e dos internos, as relações entre doentes e entre estes e os sãos e as
medidas disciplinares. Instituía uma moeda de circulação restrita à colônia, que serviria para
evitar contato dos sãos com os objetos dos doentes e teria como base de valor a moeda
corrente do Brasil. Em 1924, Souza-Araújo pedira exoneração do cargo de chefia no Pará
para se vincular à Fundação Rockefeller e desenvolver pesquisas importantes para a
hanseníase por todo o mundo. Posteriormente, em 1942, visando ampliar o atendimento aos
doentes de hanseníases do estado do Pará, o Governo Federal investiu na construção do
Hospital Colônia de Marituba, distante 22km de Belém (Serviço Nacional da Lepra, 1950;
Souza- Araújo, 1956).
1
51
I
mplantação e edificações do Lazarópolis do Prata, Pará, 1924 (Souza-Araújo, 1948, p. 32-3, 103).
1
52
E
dificações do Hospital Colônia de Marituba, Pará (Souza-Araújo, 1948, p. 114-5).
Seguiu-se a construção do Leprosário de São Roque, no Paraná, em
1926, que, segundo Castro (2004), ficava na região de Piraquara. Apesar das diversas
manifestações públicas, contrárias à sua instalação em virtude do medo do contágio, esse
foi construído seguindo os moldes de asilamento definidos pelo acordo com a União,
oferecendo aos internos:
“(...) um isolamento humanitário, proporcionando ao enfermo condições de
morar e, até, trabalhar numa cidade, com cinema, campo de futebol,
correio, telefone, água potável, energia elétrica, produção agrícola, criação
de animais” (Castro, 2004, p. 105).
Ainda segundo Castro (2004), o projeto, elaborado pelo engenheiro
civil Jorge Meissner, baseava-se no modelo criado para o Asilo Colônia paulista Santo
Ângelo, onde funcionários e médicos coabitavam, seguindo o distanciamento higiênico, no
mesmo complexo definido para abrigar os doentes. As relações espaciais se configuravam
baseadas nas crenças vigentes de contágio da hanseníase pelo contato com o doente, que
recebia todo o conforto, lazer e atendimento de saúde necessários como forma de
retribuição ao isolamento em prol dos sadios. Tal instituição teria, diante da “discriminação
da sociedade” externa, “dupla função, ao mesmo tempo em que [preservaria] a população
1
53
sadia, [traria] dignidade e respeito ao doente obrigado a essa segregação,
proporcionando[lhe,] dentro de seus muros, uma vida completa (Castro, 2004, p. 106).
P
avilhão hospitalar e vista aérea do Asilo Colônia de São Roque (Castro, 2005, p. 22).
P
avilhão de enfermaria do Hospital São Roque, no Paraná
(Souza-Araújo, 1948, p. 59).
A duas horas de Manaus, no Amazonas, foram construídas as
instalações do Leprosário Belisário Penna, em 1930, que serviriam para o asilamento dos
doentes de hanseníases da região. Esse leprosário seguia o modelo aplicado ao Santo
Ângelo, em São Paulo, e inicialmente, abrigaram quatrocentos internos. Situado em uma
área aberta, contava com habitações para os médicos, farmácia, abastecimento de água e
energia elétrica. Separavam-se as edificações segundo o zoneamento de seus usos. Os
doentes de hanseníases ocupavam pavilhões e residências situadas ao redor de um pátio
1
54
central onde existiam salas de música, de leitura, refeitório, biblioteca e igreja. Em razão de
críticas e dúvidas quanto à localização, o Leprosário Belisário Penna voltou a acomodar o
presídio regional, quando então se construiu, em 1929, o Leprosário Paredão do Rio Negro,
que logo foi desativado, segundo Souza-Araújo (1956), por “motivos insubsistentes”,
reativando efetivamente o Leprosário Belisário Penna.
E
dificações do Leprosário Paredão do Rio Negro, Amazonas, 1929 (Souza-Araújo, 1948, p. 27).
Leprosário Belisário Penna, Amazonas, 1930 (Souza-Araújo, 1948, p.91-4).
1
55
Cunha (2005) relata que, em 1929, na capital federal do Rio de
Janeiro inaugurou-se a colônia asilar de Curupaity com suas instalações incompletas.
Souza-Araújo (1956) considera que as instalações do Hospital Colônia de Curupaiti,
adquiridas em 1922 pelo governo federal, foram ampliadas pela construção de pavilhões
para os diferentes sexos e quadros dos doentes. Surgiram incineradores, residências para
os servidores sadios, cozinha, farmácia e reservatório de água. Os doentes, durante os
primeiros anos de funcionamento, criaram times de futebol e banda de música, que eram
incentivados pelos gestores locais.
E
dificações do Asilo Colônia de Curupaity, Rio de Janeiro (Souza-Araújo, 1948, p. 18, 71, 82-3).
E
dificações do Asilo Colônia de Curupaity, Rio de Janeiro (Souza-Araújo, 1948, p. 18, 71, 82-3).
1
56
Segundo o Serviço Nacional da Lepra (1950), entendendo a
hanseníase como um problema nacional, o Governo Federal exerceu uma ação direta em
colaboração com os estados, elaborando um plano nacional de profilaxia, sob a orientação
do Ministério da Educação e Saúde Pública, segundo o qual seriam construídos novos
estabelecimentos e ampliados os existentes. “Não podendo certos Estados, por si arcar
com as despesas de instalação dos leprosários que se vão construindo, o Governo Federal
desde 1937 vem destacando verbas para êsse fim” (Serviço Nacional da Lepra, 1950, p.
128).
E
dificações da Colônia Tavares de Macedo, Rio de Janeiro (Souza-Araújo, 1948, p. 210-2-3).
No Piauí, a Fundação São Lázaro arrecadou fundos para a
construção do Hospital Colônia de Carpina, distante 4 km de Parnaíba, para os doentes de
hanseníases do estado, segundo os projetos elaborados pelo Departamento Nacional de
Saúde Pública, inaugurado em 1931. Em diversos estados, grupos colaboravam na
construção, melhoramentos e manutenção dos estabelecimentos destinados à reclusão de
doentes de hanseníases. Alguns se organizavam para amparar os familiares e filhos dos
doentes, bem como cuidar deles, “construindo preventórios e escolas profissionais ou
granjas agrícolas, e por fim, concedendo-lhes pensões e auxílios” (Serviço Nacional da
Lepra, 1950, p.93).
1
57
E
dificações do Hospital Colônia do Carpina, Piauí (Souza-Araújo, 1948, p. 123).
No Ceará, em 1927, foi construído o Leprosário Antônio Diogo com
doações particulares, em um terreno do estado próximo à estrada de ferro Baturité, em
Canafístula, distante 80 km de Fortaleza. Contava com habitações para os doentes de
hanseníases, cozinha comum, prédio para a instalação da administração da Congregação
das Irmãs Franciscanas de Penitência e Caridade Cristã e dos demais servidores sadios,
igreja, serviço de abastecimento de água, farmácia, cassino, creche, sala de leitura,
biblioteca, entre outros edifícios auxiliares. Em 1941, com o apoio do Governo Federal, a
“Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de Fortaleza”, buscando
ampliar o número de doentes de hanseníases isolados no estado, levantou verbas para a
construção do Asilo Colônia Antônio Justa, distante 123 km de Fortaleza, com capacidade
para quinhentos internamentos (Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950).
Leprosário Antônio Diogo, Ceará (Souza-Araújo, 1948, p. 36).
1
58
E
dificações do Hospital Colônia Antônio Justa, Ceará (Souza-Araújo, 1948, p. 126-8).
O Rio Grande do Norte, em 1926, adaptou um antigo Lazareto para
abrigar os doentes de hanseníases. Somente após a organização da Comissão Pró-
Leprosário, que se transformou em Sociedade de Assistência aos Lázaros e defesa contra a
Lepra do Rio Grande do Norte, é que o Hospital Colônia São Francisco de Assis se tornou
realidade, em 1929, com o auxílio do estado. Era composto por pavilhões, casas
geminadas, cemitério, igreja, espaços para música e leitura, escola profissionalizante,
estação de rádio e cinema. Os quase cem internos contavam, diferentemente de grande
parte da população sadia do estado, com luz elétrica, água encanada, esgoto e telefone
(Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950).
Hospital Colônia São Francisco de Assis, Natal, Rio Grande do Norte (Souza-Araújo, 1948, p. 39).
1
59
Em Pernambuco, os doentes de hanseníases eram isolados no
Hospital de Lázaros do Recife, desativado em 1941, quando foi inaugurado o Asilo Colônia
da Mirueira. Construído com verbas do estado e federais previa, inicialmente, o
internamento de quinhentos doentes. Eram oitocentos hectares instalados a 14 km de
Recife. Seguindo o modelo do programa e de implantação do Asilo Colônia Santo Ângelo,
paulista, contava com igrejas, cemitério, edificações para o lazer, educação, trabalho e
moradia de doentes, além de instalações hospitalares e de abrigo e moradia para médicos e
funcionários (Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950). Alguns de seus
prédios foram projetados na década de 1930, pelo arquiteto Luiz Nunes, seguindo o estilo
internacional de arquitetura moderna. Adotando volumes cúbicos, pilotis, cobogós,
expressava um momento importante de renovação da arquitetura no país.
.
P
avilhão masculino do Hospital de Lázaros do Recife (Souza-Araújo, 1948, p. 41).
Segundo Segawa (2002), Luiz Nunes foi atuante no estado de
Pernambuco, diante da modernização da arquitetura. Ele buscou introduzir novas
tecnologias e materiais que racionalizassem o processo construtivo e valorizassem a
adequação, economia e funcionalidade das edificações. Inovava pela instituição do controle
da obra desde sua concepção até o desenvolvimento do processo construtivo, instaurando,
para tanto, cursos que preparassem os profissionais para a nova realidade. Dessa forma,
Luiz Nunes contribuiu para o desenvolvimento tecnológico e profissional da construção no
Brasil.
Algumas edificações do Asilo Colônia da Mirueira representam a
atuação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo DAU, criado para gerir as obras
efetuadas pelo estado de Pernambuco, visando à centralização e modernização dos
serviços de construção (Segawa, 2002). Tais obras se distinguem das dos demais Asilos
Colônias no Brasil pela adoção de modernos elementos de ventilação e iluminação na
composição das fachadas, da volumetria das edificações, utilização de pilotis e materiais
locais. As demais edificações, que não foram elaboradas por Luiz Nunes, mesclam as
características tradicionalmente encontradas nos demais leprosários com as propostas por
ele instituídas.
1
60
E
dificações do Hospital Colônia da Mirueira, Pernambuco (Souza-Araújo, 1948, p. 142).
E
dificações do Hospital Colônia da Mirueira elaboradas por Luiz Nunes, Pernambuco (acervo de Ana
Paula S. da Costa, 2005).
16
1
De
mais edificações do Hospital Colônia da Mirueira, Pernambuco (acervo de Ana Paula S. da Costa,
2005).
Na Bahia, o Código Sanitário de 1925 já definia o isolamento dos
doentes de hanseníases no Hospital de Lázaro, existente desde 1787, até que fossem
construídas as instalações da colônia agrícola destinadas a esse fim. Permitia-se o
isolamento domiciliar desde que se respeitassem os critérios definidos pelas autoridades
sanitárias. Em 1949, em virtude das más condições higiênicas e da proximidade urbana do
antigo hospital, os antigos internos foram transferidos para o Asilo Colônia de Águas Claras,
a 12 km de Salvador, construído pelos governos federal e estadual (Souza- Araújo, 1956;
Serviço Nacional da Lepra, 1950).
1
62
E
dificações do Hospital Colônia do Águas Claras, Bahia (Souza-Araújo, 1948, p. 153).
O estado do Espírito Santo, em 1937, inaugurou o Asilo Colônia de
Itanhenga, situado em Cariacica, a 14 km de Vitória. Em 8.000 m² abrigou diversos
pavilhões, edificações religiosas, de lazer, moradia e trabalho para os doentes, seguindo a
proposta que Adelardo Soares Caiuby fez para o Santo Ângelo. Dividia as zonas sãs,
intermediárias e doentes por meio de extensos muros e árvores. Tratava-se de um
complexo auto-sustentável, onde o abastecimento da colônia se fazia pelas criações de
animais e áreas cultivadas pelos internos. Água, energia elétrica e telefone eram providos
pelas companhias do estado (Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950).
E
dificações do Asilo Colônia Itanhenga, Espírito Santo (Souza-Araújo, 1948, p. 201-2-3).
No Maranhão, o Leprosário São Luiz, cujas obras se iniciaram em
1920, foi abandonado em 1927, em estágio avançado de obras, em conseqüência da
inviabilidade financeira de conclusão. Pela intervenção do governo federal, o Asilo Colônia
do Bonfim foi construído próximo ao Rio Bocanga, em 1932, sendo inaugurado cinco anos
depois (Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950).
1
63
L
eprosário São Luiz, no Maranhão (Souza-Araújo, 1948, p. 35).
E
dificações do Hospital Colônia do Bonfim, Maranhão (Souza-Araújo, 1948, p. 120).
Na Paraíba, em 1941, na região de Rio do Meio, foi i
naugurado o
Hospital Colônia Getúlio Vargas, edificado e mantido com verbas estaduais e federais,
seguindo o modelo do Asilo Colônia paulista Santo Ângelo (Serviço Nacional da Lepra,
1950).
P
avilhões da Colônia Getúlio Vargas, Paraíba (Souza-Araújo, 1948, p. 137).
1
64
O estado de Minas Gerais inaugurou seu primeiro Asilo Colônia em
1931, denominado Santa Isabel, situado no município de Santa Quitéria, a 50 km de Belo
Horizonte. Com a fundação da Sociedade Mineira de Proteção aos Lázaros e Defesa contra
a Lepra de Minas Gerais, criou-se um fundo em prol dos doentes de hanseníases para a
criação e manutenção de Asilos Colônias em outras regiões do estado que apresentavam
um número bastante representativo desses doentes. O governo de Minas Gerais, pelo
Decreto n. 11.087, de 25 de novembro de 1933, criou, também: o Asilo Colônia Santa Fé,
inaugurado em 1942 no município de Três Corações; o Padre Damião e o São Francisco de
Assis, inaugurados em 1945 em Ubá e Bambuí, respectivamente. As construções, que se
assemelhavam ao modelo paulista para o Santo Ângelo, contava com verbas federais e
seguiram as orientações do engenheiro Lincoln Continentino (Souza- Araújo, 1956; Serviço
Nacional da Lepra, 1950).
O engenheiro Lincoln Continentino sempre esteve vinculado às
questões sanitárias de Minas Gerais. Especializou-se na Universidade de Havard, pelo
apoio da Fundação Rockefeller. Na década de 1930, foi professor na Escola de Engenharia
da Universidade de Minas Gerais, ministrando disciplinas em engenharia e urbanismo e
produzindo publicações sobre saneamento. Posteriormente atuou no Rio de Janeiro. Esteve
envolvido, entre outras atividades, com o plano de urbanização e a implantação de bairros
do tipo cidade-jardim, na cidade de Belo Horizonte (Leme, 1999).
Entre os diversos cargos públicos que ocupou, na década de 1930,
Continentino foi engenheiro-chefe da Inspetoria de Engenharia Sanitária da Diretoria de
Saúde Pública do Estado de Minas Gerais. Nessa época ele publicou seu trabalho sobre a
organização dos leprosários, onde defendia a criação de Asilos Colônias fundamentados
nos modernos preceitos urbanísticos e higiênicos, nas quais seriam oferecidos aos doentes
de hanseníases asilados espaços de lazer, trabalho, habitação e serviços. As edificações
seriam estabelecidas segundo zoneamentos de usos, valorizando a paisagem natural e a
higiene (Continentino, 1933).
Em 1931, Lincoln Continentino materializou sua publicação teórica
projetando o Asilo Colônia Santa Isabel, que influenciou as demais instalações do gênero no
estado de Minas Gerais. Esse profissional valorizava, principalmente, o isolamento dos
doentes e a segurança dos sãos. Sua proposta, além de prezar o aproveitamento da
condição e beleza natural do terreno, o traçado ortogonal, a facilidade de acesso aos
equipamentos públicos, implantava a tipologia cul-de-sac nas vias residenciais da colônia.
Definia proporções de áreas e estipulava o parcelamento e a ocupação dos lotes, segundo o
zoneamento dos usos (Lima, 2003).
1
65
Implantação e edificações da Colônia Santa Isabel, município de Santa Quitéria, Minas Gerais
(Souza-Araújo, 1948, p. 163-8).
1
66
I
mplantação e edificações da Colônia Santa Fé, município de Três Corações, Minas Gerais
(Souza-Araújo, 1948, p. 172-3-4).
Implantação da Colônia São Francisco de Assis, município de Bambuí, Minas Gerais (Souza-
Araújo, 1948, p. 181).
1
67
E
dificações da Colônia São Francisco de Assis, município de Bambui, Minas Gerais (Souza-
Araújo, 1948, p. 182).
I
mplantação e edificações da Colônia Padre Damião, município de Ubá, Minas Gerais (Souza-
Araújo, 1948, p. 186).
O Asilo Colônia Santa Tereza, no estado de Santa Catarina, situava-
se a 24 km da capital do estado, às margens do rio Marium. Baseado no modelo paulista do
Santo Ângelo, foi inaugurado em 1936 com verbas federais e estaduais, com capacidade
para trezentos internamentos. Tinha, além das atividades de lazer, educacionais e de
trabalho convencionais, uma importante indústria de fumo que abastecia até outras colônias.
Utilizava uma moeda específica, que depois se transformou em modelo para as demais
instituições. Apresentava, também, um grande e elaborado sistema de incineração de lixo
(Souza- Araújo, 1956; Serviço Nacional da Lepra, 1950).
1
68
E
dificações da Colônia Santa Tereza, Santa Catarina (Souza-Araújo, 1948, p. 323-5-7, 334).
A Sociedade Beneficente Leprosário Riograndense, da qual faziam
parte várias autoridades do estado do Rio Grande do Sul, adquiriu terras para a construção
do Hospital Colônia Itapuã. Sua locação gerou várias polêmicas, pois a população temia a
possibilidade de contágio da doença. Com verbas do estado e do governo federal, em 1940,
em Viamão a 60 km de Porto Alegre, foram inauguradas as instalações que abrigariam
separadamente os doentes, funcionários e médicos, seguindo o modelo paulista, em 3.000
hectares. A Congregação das Irmãs Franciscanas de Penitência e Caridade Cristã esteve
sempre presente desde o início do funcionamento da instituição, prestando serviços
religiosos e de enfermagem (Serviço Nacional da Lepra, 1950; Proença, 2005).
1
69
I
mplantação do Asilo Colônia Itapoã, Rio Grande do Sul (Proença, 2005, p. 72).
Edificações do Asilo Colônia Itapoã, Rio Grande do Sul (Souza-Araújo, 1948, p. 349-56).
1
70
E
dificações do Asilo Colônia Itapoã, Rio Grande do Sul (Souza-Araújo, 1948, p. 349-56).
Em 1941, inaugura-se, no Mato Grosso, o Asilo Colônia São Julião,
que recebeu os doentes do antigo Hospital São João dos Lázaros de Cuiabá. Situando-se a
12 km da cidade de Campo Gande, em 800 hectares de terra, nele se acreditava ter sido
alcançada a solução moderna para o crescente problema da hanseníase do estado. A partir
de então, o Serviço Sanitário de Mato Grosso elaborou minuciosamente o Regulamento
Sanitário, dedicando vários artigos à profilaxia da lepra (Nascimento, 2001).
E
dificações do Asilo Colônia São Julião, Mato Grosso (Souza-Araújo, 1948, p. 368-70).
1
71
E
dificações do Asilo Colônia São Julião, Mato Grosso (Souza-Araújo, 1948, p. 368-70).
O Asilo Colônia Santa Marta foi fundado em 1943 pelo estado de
Goiás, com a colaboração de um influente proprietário de terra, doente de hanseníase, que
queria estar isolado próximo às suas terras. Em 73 alqueires foram instaladas as edificações
hospitalares e de serviços para atender os doentes daquela região do Centro-Oeste
brasileiro. Distante 12 km de Goiânia, teve a colaboração das Irmãs Vicentinas no seu
funcionamento. A dificuldade de deslocamento dos familiares de internos fez com que
surgissem casas no entorno da colônia, para que eles pudessem estar próximos dos
doentes, mesmo que isto contrariasse as regras do isolamento da doença. No entanto,
como os Serviços Sanitários também controlavam os familiares dos doentes, tidos como
comunicantes, tal situação não era condenada.
E
dificações da Colônia Santa Marta, Goiás (Souza-Araújo, 1948, p. 376-8).
1
72
E
dificações da Colônia Santa Marta, Goiás (acervo de Ana Paula S. da Costa, 2006).
O questionamento da eficiência do modelo implantado somado à
descoberta das sulfonas para o tratamento e controle da doença favoreceu não só a
transformação das práticas isolacionistas compulsórias em tratamentos ambulatoriais como
também a reintegração dos doentes nas comunidades. A partir da década de 1940, com a
possibilidade de cura, muitos asilos passam a ser desativados no Brasil. (Ornellas, 1997).
São Paulo se distinguia nesse cenário nacional, criando suas
próprias medidas diante da epidemia de hanseníase e mantendo o internamento
compulsório até a década de 1960, como será apresentado a seguir.
1
73
CAPÍTULO 4. ADELARDO SOARES CAIUBY E O MODELO ASILAR PAULISTA
A
convite das gerências governamentais do estado de São Paulo,
Adelardo Soares Caiuby elaborou o projeto que serviria de modelo para a instalação dos
Asilos Colônias, resultando na publicação, em 1919, do livro “Projecto da Leprosaria Modelo
nos Campos de Santo Ângelo”, e que será aqui posteriormente apresentado.
Graduado agrimensor, em 1897, pela Escola Politécnica de São
Paulo, Caiuby exerceu atividades de construtor e projetista. De acordo com o historiador
Pedro Paulo Filho (1986), ele também figurou entre os construtores registrados na Prefeitura
Sanitária de Campos do Jordão, onde participou da construção do Sanatório Divina
Providência, em 1928, e também de diversas residências na Vila Capivari, idealizada pelo
médico Emilio Ribas, tendo mesmo seu nome em uma das ruas. Percebe-se, pelo
levantamento efetuado, uma constante associação das propostas de Caiuby aos trabalhos
dos médicos Emilio Ribas e Arthur Neiva, principalmente quando estes estiveram à frente do
Serviço Sanitário do Estado de São Paulo.
Segundo relato do professor Dr. Nestor Goulart Reis Filho, Adelardo
Soares Caiuby participou da presidência do Instituto Paulista de Arquitetos, na década de
1930, o que não pudemos comprovar pela escassez da documentação localizada.
Freitas (2005) relata que, diante das transformações do início do
século XX, os engenheiros assumiam grande importância, pois faziam parte de um grupo
que detinha uma técnica capaz de interferir no desenvolvimento e na transformação,
principalmente dos meios de produção. As cidades e seus aspectos que interferiam na
produtividade industrial eram focos de pesquisa e intervenções tecnológicas principalmente
da engenharia. Ao engenheiro, segundo tais profissionais da época, cabiam
responsabilidades sociais de desenvolvimento urbano, entre elas a higiene.
“Em 1918, a fim de definir a função social do engenheiro, o recém-criado
Instituto de Engenharia organizou uma série de conferências que versavam
sobre ‘higiene da habitação’. Estas foram ministradas por engenheiros cuja
trajetória profissional era dedicada, entre outras coisas, à resolução do
problema das habitações insalubres [...] e por um médico, o diretor do
Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Arthur Neiva. Foram onze
conferências, divididas em dois temas: ’higiene das habitações privadas‘ e
‘higiene das habitações coletivas’” (Freitas, 2005, p. 22).
A higiene serviria para educar a população, e o saneamento para
transformar a estrutura física e os serviços das cidades. A associação entre as questões
construtivas, econômicas e sanitárias resultara na “hygiotechnica”, cncia aplicada por
1
74
engenheiros civis e arquitetos, segundo preceitos médicos e construtivos, nas primeiras
d
écadas do século XX. A medicina indicava como deveriam ser as cidades e a engenharia
sanitária incorporava as idéias médicas na criação de produtos para o mercado da
construção.
No ano de 1931, Caiuby escreve “O Problema da Lepra no Brazil:
analyses e tentativas de solução”, buscando mostrar, para o governo federal, as condições
da hanseníase no Brasil. Apesar de sua formação, ele se mostra muito bem informado sobre
as questões que envolviam o problema da hanseníase no mundo. Apresenta dados
estatísticos, experiências de controle, críticas sobre as ações tomadas no país e sugere,
baseado em publicações periódicas do médico Belisário Penna, que o isolamento
compulsório em municípios exclusivos para os doentes seria o ideal de implantação
nacional. Seu texto clama, de forma persuasiva, o poder de ão do Estado diante da
propagação da doença.
Caiuby critica o isolamento domiciliar, desaconselha o tratamento
hospitalar, por ser muito oneroso, e não confia no empenho dos estados na construção e
manutenção de pequenas colônias. Ele desenvolve sua argumentação baseado no caráter
contagioso da doença, acreditando que, isolando todos os doentes do Brasil e separando os
filhos dos pais doentes, para que não fossem contaminados (negando a hereditariedade da
doença), em pouco tempo a hanseníase seria controlada e até extinta do país. Estipula
ainda a criação de leis e sistemas políticos, controlados pelos sadios, que seriam impostos
aos doentes.
“Outro ponto importantíssimo, é a creação de uma lei orgânica, que regule
a vida desses municípios, em moldes inteiramente diversos de tudo quanto
até hoje se tem feito em matéria de legislação. (..) as extensões territoriaes,
fóra das zonas destinadas aos doentes, deverão permanecer
absolutamente varridas dos portadores dessa moléstia, para que toda a
população que nella transite chegue a se convencer de que não existe
lepra no Brasil. (..) Pois bem, em taes municípios de leprosos, uma
legislação especial seria adoptada, para que a vida de cada um pudesse
seguir, com a normalidade, que se observa no resto do Brasil. Um prefeito,
com atribuições de governador geral, seria nomeado para cada um.
Delegacias de polícia, força publica, cartorios de registros e tudo o mais
que seja mister á vida das collectividades, alli se instituirá com elementos
escolhidos entre os próprios doentes. Nenhum imposto pesaria sobre elles.
E o governo federal, atravez das commissões de inspecção que para esse
fim fossem nomeadas, prestaria aos municípios a assistencia de que cada
um necessitasse. Os productos animaes, agrícolas, ou indstriaes que nas
zonas fossem produzidos, quando excedessem as necessidades do seu
próprio consumo, o Governo adquiriria para supprimento de outras (zonas)
ou para eliminar, se assim o entendesse. (..) Além do acto humanitario, que
isso representa, haveria esse dique intransponível ao augmento de taes
populações. O decrescimento dellas seria fatal e rapido. Circumscrípta a
molestia aos unicos individuos que as possuissem, extinguir-se-ia dentro
em pouco com a desaparição natural dos seus portadores” (Caiuby, 1931,
p.29-30).
1
75
J
á em 1937, juntamente com o médico e professor Leonídio Ribeiro,
Caiuby desenvolve, para o Rio de Janeiro, o projeto de uma penitenciária associada a uma
colônia para abrigar menores infratores (Corrêa, 1997)
21
. Nesta proposta ele reafirma suas
idéias sobre o poder do isolamento na reforma de indivíduos, principalmente pela rotina que
se poderia instaurar.
“Para melhor apreciarmos o seu funcionamento, façamos entrar um menor
apanhado na rua, roto, sujo e com fome. Logo à esquerda, ele deixa seus
papéis, se é que os tem, e matricula-se no estabelecimento. Dali passa
para o gabinete de identificação e fotografia, logo adiante da sala do
diretor. Vai depois para a sala de antropometria e daí para o barbeiro, onde
corta o cabelo e, em seguida, entra no banho. Depois veste roupa limpa. A
sala de jantar, logo em frente, permite que se lhe dê um copo de leite ou a
primeira refeição. Limpo e reconfortado, segue ele para o segundo
pavimento, onde ficará em uma das enfermarias, aguardando os exames a
que se deve submeter. Ali continuará internado, durante o tempo em que
estiver sendo examinado. Para esses exames, existem, nesse pavimento,
salas para material de medicina, consulta de olhos, otorrino e outros
laboratórios. Enquanto passa o menor por todos esses exames, tem ali
mesmo a refeição que lhe vem da cozinha, através do elevador de pratos.
depois é que ele toma novo rumo, seguindo seu destino (Caiuby, 1938,
apud Corrêa, 1997, p. 89)”.
I
mplantação da Cidade de Menores (Corrêa, 1994, p.98)
As edificações propostas por Caiuby para o asilo de menores
serviriam para até mil internos, de 6 a 21 anos. Contariam com portaria, centro educacional,
oficinas, cinema, hospital, capela, cinema, cassino para o lazer dos funcionários, lavanderia
21
Projeto apresentado por Caiuby e Leonídio nos “Archivos de Medicina Legal e Identificação” de
1938, citado por CORRÊA, M. A cidade de menores: uma utopia dos anos 30. In: FREITAS, M.C.
(Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF, 1997, p. 88-
95.
1
76
e estádio. O sistema reformatório da Cidade de Menores se basearia no conceito de lar
c
omo instrumento para a disciplina e transformação, onde conforto, higiene e boa
alimentação despertariam nos internos a “idéia de um mundo melhor”. O lar seria
representado por um edifício de dois pavimentos, que abrigaria até 36 internos, dirigidos por
um casal, e que apresentaria, no térreo, uma sala de jantar com seis mesas, copa,
despensa, cozinha, sala de leitura, biblioteca, um quarto com banheiro para o vigilante e um
quarto de observação. Teria, no segundo pavimento, três dormitórios com doze camas em
cada, banheiros, rouparia e um apartamento para o casal encarregado, composto por
quarto, sala, banheiro e armários (Corrêa, 1997, p. 89). Seria também oferecido um lar para
os internos que trabalhassem fora da instituição.
C
inema da Cidade de Menores (Corrêa, 1994, p.97).
Lar da Cidade de Menores (Corrêa, 1994, p.99).
1
77
“Aí vão viver 20 menores colocados em vários empregos. Cada um no seu
q
uarto sob a direção de um presidente, eleito de três em três meses, que
desempenha o papel de ecônomo. É este quem dirige a cozinha, compra
os gêneros, mantém a disciplina e faz executar o regulamento. É ele quem
se entende com a Diretoria sobre todos os incidentes de sua republica. O
lar dos egressos é o ponto de transição racional entre a vida da Cidade de
menores e a vida real cá de fora (Caiuby 1938, apud Corrêa, 1997, p. 90)”.
Caiuby, segundo o relato de Corrêa (1997), chega à minúcia de
descrever a arborização e inserir lixeiras no complexo, além de se preocupar com a
preservação da privacidade do casal encarregado. No entanto, para a penitenciária
existente, sua proposta conta com agentes carcerários para o controle direto dos detentos,
que seriam avaliados pelo “Instituto de Antropologia”, onde:
“(...) se estudam os antecedentes do indivíduo, suas taras, suas falhas,
suas doenças e as causas do crime que cometeu. É dali que o sentenciado
sai com seu programa de vida penitenciária perfeitamente definido, para
ser internado no pavilhão adequado, para ser ocupado na oficina própria,
dedicando-se ao oficio para o qual a sua tendência destinou (Caiuby, 1938,
apud Corrêa, 1997, p. 91)”.
Em 1944, Adelardo Soares Caiuby desenvolveu também o projeto da
Vila Caiubi, situada no núcleo residencial Harmonia, junto às Indústrias Klabin, em Telêmaco
Borba, Paraná. Esta vila servia aos operários de nível intermediário e contava com duas
tipologias residenciais, uma para as famílias pequenas e outra para as famílias grandes
(Correia, 1997; 1998b).
Igreja, Vila Caiubi (Acervo particular de Telma de Barros Correia)
1
78
T
ipologia residencial para grandes famílias, Vila Caiubi (Acervo particular de Telma de Barros
Correia).
O modelo de Asilo Colônia elaborado por Adelardo Soares Caiuby,
que resultou, em 1919, na publicação “Projecto da Leprosaria Modelo nos Campos de Santo
Ângelo”, conciliava a idéia de isolamento com a criação de uma “cidade” ideal, integrada à
natureza, dotada de formas modernas de lazer, higiênica e confortável. Acreditamos que
Caiuby se solidariza com os modernos preceitos higiênicos e com os movimentos urbanos
de reaproximação da natureza, presentes no século XIX.
O prefácio da obra elaborado pelo Dr. Arthur Neiva, na época Diretor
Geral do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, define o projeto como:
“Um immenso parque recortado de alamedas arborizadas, salpicado de
casinhas alegres e pittorescas, formando tudo uma pequena cidade, com
luz electrica, lagos, praças ajardinadas, bancos artísticos, carramancheis
de verdura, pavilhões adequados para tratamento dos enfermos, zonas de
diversão com jogos de toda espécie, casas de espectaculo, gabinetes de
leitura, emfim um mundo de attrarctivos e de conforto, eis a leprosaria
modelo” (Arthur Neiva, apud Caiuby, 1919, p.12).
1
79
P
laca inaugural do Asilo Colônia Santa Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
1
80
Planta de implantação do Leprosário Modelo (Caiuby, 1919, p. 108).
1
81
N
essa publicação Caiuby relata que, num primeiro instante, pode-se
observar que os edifícios seguem a mesma orientação geográfica: “o ângulo de 28º SE”,
assegurando maior insolação, durante o ano, nas aberturas dos ambientes de maior
permanência das pessoas, principalmente nos dormitórios. Ele sugere uma preocupação
com o gabarito das edificações quando determinou que elas fossem implantadas distantes
umas das outras, de forma que a projeção de suas sombras não prejudicasse a insolação.
Afirma ter priorizado a ocupação dos pontos mais altos do Campo de Santo Ângelo,
visando, além do escoamento das águas, à melhor incidência solar e à melhor ventilação,
tomando o cuidado de preservar as habitações dos “ventos frios do Sul”, posicionando-as
mais ao Norte, nas encostas do terreno.
O desenho urbano proposto se apresenta com uma leitura simples.
Facilmente se percebe a separação de grupos de edificações e o traçado sinuoso
respeitando as curvas de nível do terreno, a baixa densidade edificada e a valorização de
espaços arborizados. Diante desses aspectos, podemos associar a proposta de Caiuby
tanto aos preceitos do paisagismo barroco quanto à estética do pitoresco, principalmente
pela constante presença, em sua narrativa, da valorização da paisagem e das condições
naturais do terreno.
“A collocação das casas no centro de parques grammados, uma praça
ajardinada como ponto de convergencia de diversas avenidas, a disposição
pitoresca dos tufos de verdura contornando as suas divisas [...]”( Caiuby,
1919, p. 16).
Segundo Andrade (1992), a definição de paisagem remonta à
tradição pinturesca, desenvolvida na Inglaterra, entre os séculos XVIII e XIX, que distinguiu
os modos de visibilidade. Os jardins ingleses, “naturalmente românticos”, foram os
“principais expoentes” na inserção da paisagem nas cidades. A arquitetura paisagística
surge como forma de favorecer a contemplação dessa paisagem. A observação analítica da
natureza e o estímulo de novas sensações influenciaram no surgimento de novos ideais e
valores que direcionaram a busca pela transformação do homem moderno. A visibilidade se
torna um elemento importante na composição do espaço e da sociedade. Andrade afirma
que:
“[...] contemplar a natureza, organizada como paisagem, é o objetivo
primeiro que a arquitetura pinturesca quer alcançar, mesmo que, para isso,
tenha de desenhar jardins artificiosamente informais, lembranças cínicas
de um mundo selvagem que a razão instrumental havia deixado para trás,
ou já prometia aniquilar” (Andrade, 1992, p. 43).
1
82
N
ão com o intuito de atrair o interesse dos doentes de
hanseníases no internamento, como de garantir a permanência dos internos e a submissão
aos regulamentos, Caiuby criou um complexo urbano cujo programa de edificações oferece,
além de trabalho, hospitalização e moradia, também o conforto e a distração dos espaços
de lazer, esportes, parques e praças.
As propostas construtivas de Caiuby para o complexo de isolamento
compulsório dos doentes de hanseníases correspondem à aplicação de conceitos de
higiene no espaço e no quotidiano dos usuários. Ele articula seus projetos baseado nas
pesquisas sobre a influência das condições do meio ambiente na saúde dos indivíduos. O
funcionalismo se destaca não somente na distribuição das atividades no espaço, mas
também na utilização dos elementos construtivos. Janelas, portas, telhados, estrutura e
vedação são utilizados segundo preceitos sanitários, resultando numa estética singular.
A separação entre os sexos assume grande importância na divisão
da colônia onde se entendia que o controle dos doentes e de sua reprodução favoreceria a
extinção da doença, o que resultava na duplicação de tipologias edificadas e na criação de
edifícios destinados ao abrigo dos filhos sadios, separados dos pais doentes.
Fazendo referência aos problemas de tráfego como uma questão do
urbanismo, Caiuby se mostra atento às diferenciações do fluxo viário pelo dimensionamento
das ruas. Define a estrada de Santo Ângelo como a comunicação principal ao longo da
implantação do leprosário, que se desdobra “em certo número de braços, que se dirigem
suavemente” para a colônia dos doentes de hanseníases. A facilidade de comunicação
entre as partes interdependentes do complexo é ressaltada no planejamento viário, como
fundamental para a distribuição dos usos.
As construções que compõem esse leprosário sejam elas
habitações, enfermarias, prédios destinados a serviços, à administração ou a equipamentos
de uso coletivo – adotam a forma de bangalôs.
O estilo Bangalô é uma referência constante para Caiuby na
composição das edificações propostas para todo o leprosário. Clark (1986) relata que o
bangalô representou, nos Estados Unidos do início do Século XX, uma antítese da casa
Vitoriana”. Baseava-se na experiência dos ingleses nas quentes terras da Índia, sua
proposta de oferecer simplicidade, informalidade e eficiência às habitações da classe média.
Sua difusão acompanhou o aumento das facilidades financeiras para construções
particulares e o desenvolvimento dos subúrbios americanos, que simbolizavam o
planejamento dos serviços comunitários e do crescimento territorial. Jovens casais na
1
83
Califórnia adotavam os bangalôs pela proposta construtiva e semelhanças com as
c
ondições climáticas indianas, identificando muitas vezes o estilo como Californiano.
As revistas destinadas ao público feminino da época foram os
instrumentos divulgadores dessa nova forma de morar, por apresentarem as vantagens da
construção de bangalôs e oferecerem modelos construtivos para serem copiados. O
arquiteto Charles V. Boyd, em uma dessas publicações, do ano de 1919, afirmava ser o
bangalô, dentre todas as tipologias habitacionais americanas, a que mais verdadeiramente
representava o nacionalismo daquele país.
O bangalô ideal seria formado por um bloco único e teria um telhado
de menor declividade, que representaria a solidez da edificação, conectado diretamente à
cobertura de um amplo terraço frontal. Associado às coberturas implantadas sobre janelas
do telhado, esse terraço caracterizaria o acolhimento e o conforto oferecido nos espaços
internos. A robustez e a articulação de elementos do telhado visavam, também, simbolizar
segurança e proteção para os moradores.
Plantas e vista de um típico bangalô americano (Clark, 1986, p.172).
1
84
A
inda segundo Clark (1986), o terraço avarandado, que abriga o
acesso principal, seria o segundo mais importante elemento que caracterizaria um bangalô.
Esse espaço vincularia a edificação ao entorno natural, aproveitando seus benefícios à
saúde e higiene, além de servir para estabelecer as relações sociais dos moradores com a
vizinhança. Podemos aqui caracterizá-lo, até mesmo, como um elemento destinado à
contemplação da paisagem e, eventualmente, como uma forma de favorecer os moradores
a controlarem o comportamento, os costumes e a moral dos moradores próximos.
O bangalô, refletindo os pensamentos políticos da época, foi
concebido como uma construção democrática que pudesse atender, a baixo custo, a
demanda do crescimento populacional norte-americano. Sua planta priorizava a
informalidade e uma manutenção prática e econômica. A unidade de sua volumetria refletia
a simplicidade e eficiência da distribuição dos ambientes internos. As salas de estar e jantar
se unificam buscando aproveitar o aquecimento da lareira. Um pequeno hall distribui os
quartos e o banheiro, e a cozinha oferece a modernidade necessária à mulher que cuidava
da casa e da família.
Ramalho (1989) relata que a arquitetura paulista sofreu uma maior
influência maior da arquitetura norte-americana durante o século XIX, sendo os bangalôs
difundidos por meio de versões modernizadas de “livros de modelo” que popularizaram o
estilo entre as construções residenciais paulistas. Neles constavam coletâneas de projetos,
com fachadas e cortes, elaborados nos Estados Unidos. Para os arquitetos paulistas, as
soluções técnicas de cada projeto importado eram preocupações primordiais em relação à
roupagem estética utilizada.
A influência construtiva norte-americana se fortalece em relação ao
isolamento de doentes de hanseníases, pois muito do que se produziu no Brasil remonta ao
National Leprosarium dos Estados Unidos, situado em Carville, estado de Louisiana. Para lá
iam médicos e demais profissionais envolvidos com a causa, buscar conhecimento. Não
sabemos ao certo se Caiuby visitou tal instituição, mas, lendo suas publicações, sabemos
que ele obteve informações sobre as formas de isolamento adotadas naquele país.
Seguindo o exemplo do Carville, Caiuby propusera três zonas – a “Zona Sã”, a “Zona
Doente” e a “Zona Intermediária” dividindo, espacialmente, as pessoas e os serviços
segundo as necessidades de funcionamento e de prevenção.
1
85
“Zona Sã”
Q
uem se aproxima do leprosário se depara primeiramente com uma
área densamente ocupada por vegetação de grande porte. Seguindo pela estrada de Santo
Ângelo abre-se uma “clareira ornamentada por um parque artístico” e podem-se observar as
primeiras edificações da “Zona Sã”, destinadas ao administrador, aos médicos, aos
estudantes de medicina, aos convidados, às freiras e ao isolamento dos filhos sadios de
doentes de hanseníases. Seu traçado irregular busca criar percursos que favoreçam a
contemplação da paisagem e a criação de bosques e jardins. Os blocos, que se aproximam
segundo a utilização e os serviços oferecidos, encontram-se na extremidade oposta à área
destinada aos doentes.
“Zona Sã”: 1-Residência do administrador; 2-Gabinete de leitura; 3-Lago; 4-Residência de
empregados; 5-Creche; 6-Retiro das freiras; 7-Isolamento de crianças; 8-Residência do médico; 9-
Residência de estudantes internos (Caiuby, 1919, p. 112).
1
86
A
primeira edificação dessa zona se destina à administração do
complexo, que Caiuby sugere poder ser exercida pelas freiras ou por um especialista
contratado. Portanto, elabora duas propostas construtivas.
A habitação destinada às freiras administradoras se apresenta como
um sobrado no estilo bangalô, cuja volumetria se movimenta pela projeção de lucarnas que
abrigam algumas aberturas. A edificação, que parece estar implantada sobre estrutura de
pedras, tem as janelas subdivididas verticalmente, contrapostas ao terraço coberto, que traz
horizontalidade. Ao fundo, as aberturas que iluminam a escada nos remetem aos vitrais de
igrejas, aludindo à filiação religiosa dos ocupantes.
Sua distribuição nos remete a uma cruz. No primeiro piso, o terraço
de acesso ocupa um canto da estrutura e abriga as aberturas da sala de administração
tendo, inclusive, na direção de uma de suas janelas, um espaçamento. O acesso se por
um vestíbulo que se comunica com a sala de visitas, com o hall central octogonal e com a
sala da administração. O hall central acessa a sala de jantar, a copa, a escada, a capela e
uma sala de trabalho. A copa, servida por uma pia, comunica-se com o sanitário, a escada e
um acesso ao quintal, como também com a cozinha e um amplo vestíbulo lateral. A cozinha,
por sua vez, também se comunica com o quintal.
O segundo pavimento se distribui ao redor do mezanino situado
sobre o hall central do primeiro piso. Este acessa um terraço pergolado e os seis
dormitórios, que apresentam nichos para armários e se distribuem em dois blocos servidos,
cada um, por um banheiro e uma rouparia. Cada dormitório abrigaria até três pessoas.
1
87
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício proposto para a residência das freiras (Caiuby, 1919, p. 105).
1
88
N
a “Zona Sã” do leprosário, a habitação destinada ao administrador,
que poderia ser contratado, é também um bangalô cuja volumetria se movimenta pelos
jogos de telhado. A horizontalidade de sua estrutura é quebrada pela verticalidade das
aberturas e dos pilares agrupados em duplas que suportam o terraço coberto, em cujo
guarda-corpo elementos vazados sugerem ritmo à fachada principal, compondo uma
ornamentação simplificada com os desenhos geométricos, sob a empena do telhado, e com
as janelas sob a lucarna.
Sua planta, diferentemente das demais destinadas à habitação
projetada para o local, desenvolve-se em torno de uma área descoberta central e apresenta
as áreas de serviço na parte da frente da edificação. O acesso principal se pelo terraço,
que ocupa toda a fachada e parte da lateral direita, protegendo todas as aberturas da sala,
do banheiro e parte das da despensa. Esse terraço acessa a sala de jantar e estar,
curiosamente conjugadas, fugindo da separação que existe entre esses serviços nas demais
habitações. Tal sala leva a um pequeno corredor que se comunica com o banheiro, o terraço
central e a cozinha. Percebe-se aqui uma aproximação do sanitário ao ambiente social, em
detrimento dos dormitórios. A cozinha acessa uma despensa, a copa e um terraço que
alcança a lateral da construção. O terraço central também se comunica com o gabinete,
como também com os quatro dormitórios, o quarto de criados e uma área aberta. Dois dos
dormitórios acessam um pequeno terraço no canto do bloco. A maioria dos cômodos
apresenta nichos para armários.
1
89
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício porposto para a residência do administrador (Caiuby, 1919, p. 49).
1
90
S
ituada logo em frente da residência destinada à administração,
encontra-se a residência dos estudantes internos. Caiuby define esta edificação como um
bangalô. Composto por dois planos principais de telhados, com quedas para a frente e
fundo da edificação, tem, além do acesso lateral de duas águas casadas, distintos de sua
volumetria, o terraço de acesso frontal coberto por telhados com águas furtadas e uma
pequena lucarna de uma água sobre a escada, suprindo a falta do beiral. Janelas estreitas e
compridas compõem com os terraços os jogos de cheio e vazio das fachadas.
Disposta sobre porões ventilados, não visitáveis, cujas aberturas
acompanham a disposição das janelas dos ambientes, essa residência possui tamm
pequenas janelas sob as empenas dos telhados, sugerindo uma composição de aberturas
estudadas para o arejamento dos ambientes. Apresenta somente um pavimento e pode ser
facilmente identificada a criação de uma ala social e outra de serviços. Os dois acessos
sociais levam aos terraços cobertos que acessam a sala de jantar e a de estar, voltadas
para a frente da construção. Da sala de estar se acessa diretamente um quarto e um
pequeno hall que para o segundo quarto e um banheiro. Vale ressaltar que os dois
quartos se comunicam e que quase todos os cômodos apresentam nichos para armários.
Da sala de jantar se acessa o terceiro quarto e a copa, que se comunica com o quarto de
criados, além da cozinha e de um acesso de serviços que possui um sanitário e se abre
para o quintal.
1
91
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício proposto para a residência dos internos (Caiuby, 1919, p. 82).
1
92
A
o lado da residência dos estudantes internos, localiza-se a
residência do médico, implantada num amplo jardim. Definida por Caiuby como um elegante
bangalô, apresenta telhado principal em duas águas direcionadas para a frente, e o fundo
da edificação com janelas de lucarna de uma água e águas furtadas protegendo elementos
de ventilação. Apresenta também uma chaminé destacada e um caramanchão sobre a
escada.
Tem um pavimento principal, sótão e porão habitáveis. Sugere uma
implantação sobre arcadas de pedras. Apresenta uma planta distinta com eixo vertical onde
se divide a ala social e de serviços de uma ala íntima que abriga os dormitórios e o
banheiro. O acesso social se por uma escada coberta por um caramanchão que alcança
o terraço e abriga as janelas do escritório, da sala e do primeiro dormitório, sugerindo
privacidade em relação à rua. A sala de estar se comunica com o escritório, o primeiro
dormitório e a sala de jantar, que, por sua vez, acessa a ala de serviços composta pela
cozinha, uma rouparia e um terraço o qual acessa o quintal. A sala de jantar se comunica
ainda com o corredor, que distribui dois quartos, o banheiro e as escadas que dão para o
sótão, onde existem dois dormitórios para os criados, e para um porão com dois metros de
altura.
1
93
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício porposto para a residência do médico e sua família (Caiuby, 1919, p. 51).
1
94
P
ara servir aos residentes da “Zona Sã”, Caiuby criou um espaço de
lazer denominado gabinete de leitura. Situado em meio a um amplo jardim, o edifício se
apresenta como um bangalô, com um telhado de quatro águas que acomoda pequenas
janelas em suas empenas, remetendo-nos aos tradicionais telhados japoneses. Esse
telhado possui ainda aberturas protegidas por lucarna de uma água, que se comunicam com
o acesso principal, certamente favorecendo a ventilação e iluminação. A volumetria é de
geometria regular, com as aberturas dos ambientes aparecendo protegidas e em harmonia
com a seqüência de colunas que suportam a cobertura dos amplos alpendres que cercam a
construção.
Por meio de uma escadaria de três faces de patamares, acessa-se o
terraço de entrada que se comunica com o hall, situado na parte central na planta. Os
ambientes estão implantados simetricamente, seguindo um eixo vertical. De um lado, o hall
acessa a sala de leitura, a biblioteca e um espaço não identificado, todos comunicantes por
meio do terraço externo. Do outro lado, o mesmo hall se comunica com um lavabo (por onde
se acessa o mictório, o sanitário e a sala de barbeiro, situados curiosamente na parte da
frente da edificação), com a sala de fumar e o café, que se comunicam com o outro terraço
coberto externo. Atravessando o hall, existe uma sala de bilhar que também se comunica
com os dois terraços laterais. Percebe-se que o gabinete de leitura atendia aos lazeres
destinados ao público masculino, demonstrando o isolamento social feminino, na época.
1
95
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício porposto para o gabinete de leitura (Caiuby, 1919, p. 106).
1
96
E
sta ala da “Zona Sã”, destinada ao corpo médico e administrativo
do leprosário apresenta-se dividida das demais edificações por meio da ampla avenida e por
uma praça que se forma ao redor de um lago. Logo após este lago, localiza-se,
comunicando-se com a “Zona Intermediária” que acomoda os empregados e suas famílias,
o edifício denominado Arrecadação e Empregados, destinado, segundo Caiuby, a abrigar
provisoriamente os empregados externos em serviços. Esse bangalô tem telhado de duas
águas implementado com uma janela de lucarna, também de duas águas e outra lucarna
sobre dois pilares do terraço, que contorna a construção, quebrando a homogeneidade da
fachada. Apresenta ainda uma abertura na cobertura, próximo ao beiral da entrada,
deixando a estrutura do telhado à mostra, possivelmente tentando criar um pergolado. As
aberturas dos cômodos seguem a disposição dos vãos entre as colunas do terraço e estão
protegidas pela cobertura dele, exceto as dos fundos.
Caiuby propõe a independência e a facilidade de fiscalização dos
ocupantes, distribuindo os sete quartos ao longo do terraço, que contorna três faces da
edificação, acessando, em suas extremidades, as duas salas de banho e dois sanitários. Na
parte posterior da edificação, situam-se os dois cômodos destinados à arrecadação de
verbas e produtos para a manutenção da instituição, cujos acessos são independentes da
hospedagem.
1
97
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício porposto para o abrigo temporário de empregados e arrecadação de produtos (Caiuby, 1919, p. 37).
1
98
S
eparada por um jardim, situada logo após a arrecadação e próximo
ao retiro das freiras, encontra-se a creche destinada à separação e abrigo das crianças que
nasceram na colônia e não apresentaram hanseníase. Sua volumetria foge do bloco único e
se apresenta de forma semelhante às edificações hospitalares separadas em alas. A
fachada simétrica somente distingue os volumes através de jogos de rincões nos telhados,
sendo um volume a projeção negativa do outro: onde em um existe abertura, no outro existe
cobertura. As janelas se apresentam em duplas, assim como as aberturas do porão de
ventilação. O terraço impõe a horizontalidade contraposta à verticalidade das janelas. Acima
da escada de acesso existe uma lucarna de uma água abrigando pequenas janelas que
provavelmente iluminam o terraço. O acesso se por uma escada de três lados adornada
por duas colunas que apóiam a cobertura.
A distribuição da planta com rebatimento nas fachadas e na
volumetria busca a simetria e a axialidade picas do método Beux-Arts
22
de Composição.
A
planta se estabelece em três volumes transversais e um corpo longitudinal que abriga o
acesso pelo terraço e o hall dos brinquedos. Este é a estrutura central do edifício para onde,
no volume à direita, se abrem um grande dormitório e um pequeno corredor que acessa o
quarto da governanta e os lavabos; e também, no volume à esquerda, acesso a uma
ampla enfermaria, ao quarto da enfermeira, à rouparia e a uma sala de banho. O volume do
centro abriga uma copa, um sanitário e a cozinha, onde se percebe a existência de um
pequeno hall de acesso que separa as instalações sanitárias da cozinha, seguindo
orientações identificadas nas leis sanitárias da época. Percebe-se também a localização dos
espaços molhados nos fundos da edificação, a dos secos na frente, tendendo a um melhor
aproveitamento das instalações de água e esgoto.
22
Método de Composição baseado nos preceitos da École des Beaux Arts de Paris difundidos no
Brasil pela contratação, por Dom João VI, da missão cultural francesa para o estabelecimento da
Imperial Academia de Belas-Artes no Rio de Janeiro em 1826. Segundo Reis Filho (1983, p.117) “A
arquitetura elaborada sob a influência da Academia era caracterizada pela clareza construtiva e
simplicidade de formas”.
1
99
Plantas, Cortes e Fachadas da creche destinada aos filhos dos doentes (Caiuby, 1919, p. 44).
2
00
M
esmo sendo a creche dotada de enfermaria, Caiuby propõe a
criação de um espaço para o isolamento de crianças portadoras de moléstias infecciosas.
Esse se apresenta como um bangalô cuja volumetria se define pelos diferentes planos de
telhados. O terraço coberto ao longo da fachada principal, para onde se destinam algumas
das aberturas, caracteriza o estilo da edificação. Na mureta dele surgem alguns elementos
vazados e suas colunas de sustentação se aproximam, formando unidades decorativas. A
lucarna de duas águas, também presente no terraço, possui aberturas abaixo da empena e
demarca a posição de um dos cômodos.
O telhado sugere movimento na disposição dos ambientes, que, no
entanto, distribuem-se simetricamente em um eixo vertical. O acesso principal se pelo
terraço, que se expande para o centro da edificação, formando um alpendre, o qual se
comunica com o hall central para se onde abrem as duas enfermarias e sanitários, situados
em lados opostos. Ao fundo, estão o quarto da enfermeira e uma sala denominada “tizana”.
2
01
Plantas, Cortes e Fachadas do Isolamento de crianças doentes (Caiuby, 1919, p. 56).
2
02
C
om o intuito de garantir o descanso das freiras envolvidas na
administração, atendimento dos internos e cuidados com as crianças isoladas, Caiuby
propõe uma “vasta casa de campo”, situada em um amplo jardim na margem da “Zona Sã”.
Apresenta ornamentação simples, volumetria movimentada e jogos de telhados com
sobreposições de águas furtadas. As janelas se apresentam em duplas, sendo algumas
desencontradas. O terraço impõe a horizontalidade contraposta à verticalidade das janelas.
O acesso se por duas escadas retas, sendo uma social no primeiro plano e outra, de
serviço, no segundo.
Seguindo a volumetria, a planta se desenvolve em dois blocos de
tamanhos distintos que abrigam o espaço íntimo e social no maior, e os serviços, no menor.
O cômodo central e estruturador do programa é a sala de jantar de onde parte o acesso aos
seis quartos destinados às freiras, a um vestíbulo, comunicante com a escada de acesso, e
à capela. Outro elemento estruturador é o terraço que acessa o vestíbulo, a capela, a sala
de jantar, a copa e a cozinha, definindo vínculos funcionais. A copa liga os dois blocos e se
comunica com o quarto dos criados e com a cozinha, que por sua vez comunica-se com a
despensa, um pequeno banheiro e o acesso ao quintal nos fundos. É importante ressaltar
que somente um banheiro serve os quartos das freiras, os quais são comunicantes.
2
03
Plantas, Cortes e Fachadas do Retiro das freiras (Caiuby, 1919, p. 100).
2
04
“Z
ona Intermediária”: 1-Residências dos empregados (Caiuby, 1919, p. 112).
Implantada em uma área definida por uma perimetral, acessada por
três radiais, a “Zona Intermediária” se situa na parte central do complexo, distante da “Zona
Doente”, dificultando o contágio, e mais próxima à “Zona Sã”. Caiuby justifica que “[...] o
aproveitamento de um ponto pittoresco, donde se podia tirar effeito esthetico, concorreu
para determinar a sua localização nesse lugar” (Caiuby, 1919, p.19). O sistema viário foi
pensado de forma que se facilitasse a comunicação dessa zona com as demais. Rodeadas
por um parque circular estão, inicialmente previstas, oito casas geminadas destinadas aos
funcionários sadios que trabalhavam no leprosário e às suas famílias. Percebe-se a previsão
de áreas para a construção de novas residências sem fugir da implantação sugerida.
Os residentes na “Zona Intermediária” ocupariam pequenas casas
geminadas dispostas de forma que os acessos fossem independentes e situados em faces
opostas. Tal situação fez com que o volume construído apresentasse somente duas
fachadas diferentes: uma lateral e outra principal. A fachada principal apresenta duas
lucarnas de duas águas, uma sobre o acesso social ao terraço e outra sobre pequenas
2
05
janelas na face frontal do telhado, tamm de duas águas, sob cujas empenas existem
o
rnamentações que lembram os tabiques dos chalés. As aberturas das janelas, do porão de
ventilação e das chaminés se apresentam em duplas ou trios verticais. As escadas têm
guarda-corpos arrematados com frisos que fazem composição com os ornamentos das
colunas de apoio do terraço.
O acesso principal se pelo terraço de canto que abriga as
aberturas da sala e as janelas de um dos dormitórios. A sala se comunica com um quarto e
com um pequeno corredor de distribuição, que dá acesso ao outro dormitório, ao banheiro e
à cozinha, que, por sua vez, apresenta um fogão à lenha e se comunica com a lateral do
edifício, onde provavelmente ficaria um pequeno quintal. Existem nichos para armários e os
dormitórios se comunicam. Percebe-se que a proposta residencial de Caiuby para os
trabalhadores se filia aos preceitos da reforma habitacional, cuja preocupação com a
privacidade e oferta de conforto e higiene transformaria a rotina da família ali implantada.
2
06
Plantas, Cortes e Fachadas das habitações para empregados (Caiuby, 1919, p. 74).
2
07
C
orreia (1998) explica que a habitação moderna se define pela
instituição de uma nova racionalidade no espaço destinado à família do trabalhador, por
intervenção das elites. Enfatizando a limpeza, a comodidade, a especialização dos
ambientes” e a transformação dos comportamentos, as residências seriam pensadas de
modo que se concentrasse nelas grande parte da vida do trabalhador, assumindo uma
posição importante na configuração de uma sociedade industrial, onde:
“A promoção do interior da casa do operário o lócus privilegiado da vida
extratrabalho é solidária com a reposição de energias para o trabalho e
com o controle de atividades e contatos suspeitos” (Correia, 1998, p. 110).
As ofertas de conforto e de comodidade favoreceriam a fixação do
individuo nas habitações oferecidas, bem como a subordinação às regras. A inserção de
equipamentos e oferta de infra-estrutura associadas à distinção dos ambientes, segundo as
atividades neles desenvolvidas, refletiam a intenção de implantar uma dinâmica funcionalista
dentro da rotina dos residentes, de modo que se garantisse a adesão aos novos valores
higiênicos e morais. A disseminação do uso de elementos construtivos, favoráveis à aeração
e iluminação, proporcionava maior controle sobre os ocupantes e as condições de higiene
dos espaços. Dessa forma se justifica a existências de tipologias habitacionais
modernizadas num complexo destinado ao isolamento de doentes e ao trabalho de sadios.
2
08
“Z
ona Doente”: 1-Setor Administrativo; 2-Setor Feminino; 3-Setor dos Casados; 4- Setor dos
Contribuintes; 5-Setor Masculino; 6-Setor de Diversões; 7-Setor de Pesquisas Científicas (Caiuby,
1919, p. 112).
A “Zona Doente” se configura como uma pequena cidade
segmentada segundo o gênero dos ocupantes e as atividades desenvolvidas. Implantada
seguindo as curvas de nível, apresenta um traçado viário predominantemente reticular
contraposto aos caminhos expressivamente orgânicos. Alguns elementos formam radiais e
definem vias diagonais. As vias mais largas funcionam como separadores dos Setores,
principalmente pensadas para resguardar do contágio aqueles que contassem com a
presença de sadios, como o Administrativo e o de Pesquisas. A disposição dos setores
acontece seguindo a proximidade entre as atividades neles desenvolvidas.
2
09
O
acesso a essa Zona se pelo Setor Administrativo, que separa o
Setor Feminino do Masculino e esligado ao Setor destinado aos casais. Ao fundo está
localizado o Setor ocupado pelos internos que teriam condições de custear suas despesas.
Nas margens próximas ao Setor Masculino, fica a área destinada às atividades de lazer,
esporte e trabalho, assim como a área onde as pesquisas sobre a doença aconteceriam. A
proximidade entre estes últimos Setores se justifica, pois as atividades de trabalho e os
exercícios também eram considerados no tratamento dos doentes. A intenção de separar
homens de mulheres resultou na duplicação de algumas tipologias de construção.
S
etor Administrativo: 1- Residência do porteiro; 2- Parlatórios; 3- Igreja; 4- Farmácia; 5- Arrecadação
e empregados; 6- Refeitório; 7- Casa de Força e Luz; 8- Administração; 9- Residência do capelão; 10-
Posto policial (Caiuby, 1919, p. 112).
O Setor Administrativo está separado dos demais por amplas vias. O
controle ao acesso é constante e se pela existência da residência do porteiro, próxima à
entrada. No eixo de implantação desse Setor está a suntuosa igreja, que marca a
característica de assistência religiosa proposta pela instituição. À sua frente, em uma praça
geometricamente estudada, estão situadas as edificações administrativas e de
abastecimento. Em suas laterais se encontram os parlatórios destinados à visitação pública
controlada. À direita do acesso principal, estão localizadas a residência do Capelão e o
2
10
posto policial, de forma que se garantia autonomia e segurança aos serviços ali
d
esenvolvidos.
A edificação destinada à moradia do porteiro e de sua família se
apresenta como uma versão menor dos demais bangalôs, com variações dos telhados,
lucarna e janelas verticais. No entanto, talvez pelo peso estético que teria nesta proporção,
o guarda-corpo do terraço se apresenta como um elemento vazado leve que faz composição
com a estrutura aparente da lateral do telhado desse espaço.
A planta simples apresenta um terraço de canto que abriga as
janelas da sala a qual acessa. A sala centraliza as comunicações dos cômodos e acessa os
dois dormitórios comunicantes, a cozinha e um hall com lavatório que alcança o banheiro.
Todos os ambientes apresentam janelas para ventilação e iluminação natural.
2
11
Plantas, Cortes e Fachadas da Habitação do Porteiro (Caiuby, 1919, p. 24).
2
12
A
única forma de contato permitida entre os doentes internos e os
familiares sadios era por intermédio das visitas controladas pelos funcionários do leprosário,
ocorridas no parlatório. Pelo que se estudou até aqui, este tipo de edificação é uma
exclusividade dos leprosários, portanto, uma solução única para o sistema implantado.
Caiuby a define como um facilitador na “prophylaxia da lepra”, pelo fato de garantir uma
possibilidade de contato seguro entre os entes, fazendo que os familiares e os doentes não
tivessem motivos para resistir à separação pelo isolamento.
Sua volumetria simétrica se movimenta pelos avanços dos terraços,
promovendo a presença de rincões nos telhados e pelas janelas implantadas nas duas
empenas do telhado principal de quatro águas, um recurso recorrente nas propostas
construtivas de Caiuby e que nos remete aos telhados tradicionais japoneses, como foi
dito anteriormente. Um elemento até então não observado nas outras edificações
apresentadas, é um amplo arco sobre o acesso ao terraço sem apoios intermediários
que não se alinha à porta de entrada. Ele se mostra encabeçado por aberturas verticais sob
a empena do telhado. Vemos aberturas também verticais, acompanhando as janelas
resguardadas, no guarda-corpo do terraço. A escadaria de três faces de patamares compõe
a fachada principal. Por abrigar uma planta simétrica, este tipo de edificação somente
apresenta duas fachadas distintas.
Orientada em um eixo longitudinal, a planta dos parlatórios é
composta por salas independentes, divididas ao meio, segundo a descrição de Caiuby, por
um vidro, de forma que o doente que estivesse de um lado pudesse ver e se comunicar
com – o sadio que estaria do outro. As aberturas para ventilação e iluminação natural seriam
independentes. Os terraços serviriam para que tanto os doentes quanto os visitantes
pudessem aguardar o acesso às salas.
2
13
Plantas, Cortes e Fachadas dos Parlatórios (Caiuby, 1919, p. 63).
2
14
O elemento principal do setor Administrativo e, talvez, pela sua
l
ocalização privilegiada, de toda a “Zona Doente”, é a igreja. Tanto que Caiuby dedica
desenhos maiores para a sua representação. Definida por ele como uma edificação severa,
conforme devem ser as igrejas, ao estilo bangalô de linhas simplificadas. Em forma de cruz
grega, apresenta três naves encimadas por torres que possuem telhados movimentados por
lucarnas de uma e duas águas. Apresenta janelas e aberturas verticais dispostas em duplas
e trios, ornamentadas por meio de pingadeiras no parapeito. Aparece implantada sobre base
de pedras. Os acessos às naves são marcados por escadas de três planos de patamares
que alcançam terraços cobertos apoiados em colunas toscanas.
Sua planta garante a divisão entre homens e mulheres, bem como
entre doentes e sadios, por meio de “engenhosos dispositivos” que impedem a visão de uma
nave à outra. No eixo transversal estão situados a nave dos sadios, um vazio central, a
capela mor elevada, que se comunica com a sacristia e com a ala das freiras composta pelo
coro (situado no mezanino, com acesso exclusivo) e por uma sala, além dos depósitos da
sacristia. O eixo transversal é ocupado de um lado pelos homens doentes e, do outro, pelas
mulheres também doentes.
2
15
Fachadas da igreja (Caiuby, 1919, p. 95).
2
16
Plantas da Igreja (Caiuby, 1919, p. 91).
2
17
Corte e Fachada da Igreja (Caiuby, 1919, p. 93).
2
18
Próximo à igreja se encontrava a farmácia destinada ao atendimento
h
ospitalar. Uma volumetria simples tendendo à simetria, com aberturas verticais, algumas
com peitoris altos e muitas sob as empenas dos telhados. Possuía variações interessantes
dos planos de telhado e um terraço coberto embutido no corpo da edificação, que abriga as
janelas e porta da sala de atendimento.
Sua planta se desenvolve em torno da sala de atendimento, que
ocupa a posição central da edificação. Com acesso à sala de pesquisas e ao laboratório,
situados na parte da frente do bloco. A sala de atendimento também alcançava o depósito, o
terraço, e uma saleta comunicante com o sanitário, disposto ao fundo. Todas as instalações
se apresentam no desenho de Caiuby com pisos cerâmicos semelhantes aos das áreas
molhadas de outras edificações, demonstrando adequação às exigências das legislações
sanitárias.
2
19
Plantas, Cortes e Fachadas da Farmácia (Caiuby, 1919, p. 103).
2
20
Próximo à farmácia, Caiuby repete a edificação destinada à
a
rrecadação de produtos a ao abrigo de empregados externos que certamente servirá
àqueles que estiverem atendendo os doentes e tiverem que ali se instalar.
Na extremidade oposta à igreja se encontram as instalações do
refeitório. Tentando apresentar soluções que atendessem às necessidades de
funcionamento do serviço e respeitassem as exigências da “engenharia sanitária”, Caiuby
propôs tipologias para o mesmo fim.
Embora o autor acreditasse que a construção de forma radial seria
mais adequada a atividade de alimentação na colônia do leprosário, questiona a aceitação
sanitária por ser uma edificação de “permanência prolongada”, que poderia ter problemas de
estagnação de ar. No entanto, ele mesmo afirma que solucionou o telhado e a distribuição
das alas de forma que “uma corrente pudesse sempre varrê-las por todos os lados”.
Um volume oitavado, encabeçado por um monitor sobre as
cumeeiras, comunica-se com sete blocos por meio de estreitos corredores cobertos. O
modelo remete ao Panóptico, esquema que foi amplamente empregado em instituições
hospitalares e penais ao longo do século XIX. A face direcionada à igreja apresenta a
entrada principal avançada do corpo central, formando um terraço coberto.
Os sete blocos idênticos são cobertos por telhados de quatro águas
tendo lucarnas de duas águas próximas aos beirais dos planos maiores e, nas empenas,
janelas voltadas aos planos menores. A seqüência de aberturas verticais dá ritmo horizontal
às fachadas. As extremidades das alas apresentam acessos cobertos pelo prolongamento
do beiral e escadas de duas faces com patamar central apoiado sobre uma arcada.
Caiuby defende que esta configuração facilita a separação entre
homens, mulheres, crianças, doentes e sadios, pois cada grupo ocuparia uma das sete alas.
A parte central se destina à cozinha, que se comunica com os salões por meio de copas
situadas em corredores. Os acessos são todos independentes.
2
21
Plantas, Cortes e Fachadas do Refeitório Radial (Caiuby, 1919, p. 71).
2
22
A segunda opção de projeto para o Refeitório distribui alas
l
ongitudinais por meio de corredores comunicantes com o bloco central transversal. Os
telhados das alas são de duas águas, ligados nas extremidades externas aos corredores
cobertos e apresentam amplas lucarnas com venezianas de ventilação. As janelas são
amplas, horizontais e estão situadas acima de aberturas em arco destinadas à ventilação do
porão.
O corpo central da planta é ocupado pela cozinha, acessada por um
longo alpendre frontal. Esta se comunica, por meio de corredores, com as pequenas copas
para empregados, com as seis alas que separam mulheres, homens, meninos e meninas, e
com os dois salões destinados aos casados. Existem dois jardins centrais para onde se
abrem as janelas da cozinha e dos corredores, e outro jardim no centro do salão dos
casados. Entre as alas se formam vazios de ventilação para onde se direcionam as
aberturas oponentes das janelas. Sua configuração nos remete aos hospitais pavilhonares
cujas estruturas centrais favoreceriam o atendimento às alas, com a oposição de janelas
promovendo a ventilação cruzada.
2
23
Plantas, Cortes e Fachadas do Refeitório Ortogonal (Caiuby, 1919, p. 69).
2
24
Buscando a auto-suficiência do complexo, Caiuby prevê que os
m
ananciais próximos serviriam ao abastecimento de água e cria uma central de distribuição
de energia elétrica situada próxima ao refeitório. Esta edificação, que se configura como um
bangalô simétrico de quatro águas, com lucarnas de uma água distribuídas sobre as janelas
da fachada principal, apresenta um terraço coberto por duas águas perpendiculares ao
telhado principal acessado por uma escada centralizada. Novamente vemos um terraço cuja
abertura se apresenta em arco, sendo este sobreposto por um vazado treliçado situado na
empena do telhado.
Sua planta é bastante simples e simétrica. Por uma escada se
acessa o terraço, que se comunica com o hall central para onde são direcionadas as portas
da central telefônica, da casa de força e luz, de dois lavabos e de um ambiente elevado
destinado ao gerador de vapor. O piso se apresenta no desenho como cerâmico.
2
25
Plantas, Cortes e Fachadas da Casa de Força e Luz (Caiuby, 1919, p. 61).
2
26
Outra edificação dessa zona se destina à residência das freiras que
a
dministram o complexo. Caiuby a define como um projeto em “estylo pittoresco”. Com
diferentes planos de telhado, inclusive águas furtadas, e volumetria movimentada tendendo,
no entanto, à simetria de proporções, suas linhas retas destacam o volume curvo central.
Conta com pouca ornamentação, somente perfis no parapeito do terraço superior e alguns
desenhos ressaltados nas empenas do telhado e que remetem aos tabiques dos chalés
suíços. Tem muitas janelas de diferentes tamanhos, sendo algumas encabeçadas por
quebra-sol e outras situadas abaixo das empenas.
Possui dois pavimentos e seus cômodos se distribuem em um eixo
horizontal que define os acessos à frente e ao fundo da edificação. No primeiro pavimento
encontra-se um hall que se comunica com as salas administrativas e com o terraço principal.
Separando o hall da escada, do lavabo e da copa, no centro da planta, está um corredor
cujas extremidades acessam também a capela e a sala de jantar, que se comunica com a
copa, com um terraço e jardim laterais e com uma das salas da administração. A copa
separa a parte social da casa, da cozinha e despensa, além do acesso ao quintal. Os
cômodos apresentam, em sua maioria, mais de uma abertura para portas e janelas,
demonstrando a preocupação com a comunicação entre os ambientes interdependentes e
com a iluminação e ventilação naturais.
Acompanhando o alinhamento das paredes do térreo, o segundo
pavimento apresenta um hall central em torno do qual se distribuem o banheiro, três
dormitórios, rouparia, lavabo e um terraço. Seguindo a arquitetura dos bangalôs, apresenta
nichos para armários. A escada ainda acessa um mirante que, segundo Caiuby, “facilita a
fiscalização da colônia”, representando mais uma referência ao Panóptico presente no
projeto.
2
27
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício proposto para a residência da administração (Caiuby, 1919, p. 31).
2
28
Com o intuito de “consolar e amenizar as agruras da vida” dos
i
nternos e dos presos, Caiuby destina uma residência ao capelão, situada às margens do
Setor Administrativo, próxima à igreja e ao posto policial. Acreditando ser a religião um
bálsamo “lenitivo para as dores e talvez um freio ao desespero dos que soffrem”, o autor
define a presença do capelão como um “corollario” do leprosário.
Configurada como uma casa ampla, ao estilo dos bangalôs, com
volumetria movimentada pelo deslocamento de volumes e variação dos planos de telhado,
diferentemente de outras edificações, apresenta agrupamentos de janelas pequenas e
estreitas tanto sob lucarnas nos telhados como nos planos da fachada principal. As colunas
do terraço, adornam as janelas por ele protegidas, e dão ritmo ao seu volume horizontal.
Apresentando um amplo programa, a planta desta residência se
distribui segundo um eixo longitudinal que divide os espaços íntimos dos sociais. Por um
terraço articulado se acessam a sala de jantar e estar que compõem o centro da
edificação –, cujas portas não estão direcionadas para a rua, preservando a privacidade. A
sala de estar acessa a biblioteca e um pequeno hall que se comunica com o banheiro, com
um quarto reservado e com o quarto do capelão. A sala de jantar se comunica com outro
quarto e com a copa, o qual, por sua vez, alcança o quarto dos criados e a cozinha. Esta se
abre para outro terraço que se comunica também com o quarto dos criados, com um
sanitário e com o quintal. Semelhantemente à residência do administrador, esta edificação
apresenta o espaço de serviço na parte da frente da edificação, onde as janelas têm peitoril
mais alto.
2
29
Plantas, Cortes e Fachadas da Residência do capelão (Caiuby, 1919, p. 85).
2
30
Caiuby propõe a existência de um posto policial, justificando ser este
indispensável ao mechanismo das sociedades constituídas”. Este se apresenta como um
pequeno bangalô de volumetria simplificada. Conta com aberturas estreitas agrupadas em
pares e trios, com variações de peitoril, e algumas sob empenas dos telhados. O terraço
está acoplado ao corpo da edificação e tem elementos vazados verticais no seu guarda-
corpo.
Tendendo a uma simetria de proporções, a planta se apresenta em
“H”. O terraço de acesso alcança a sala destinada ao corpo de guarda, que divide a ala
destinada aos presos da destinada aos policiais. Em um lado estão três pequenas celas e,
no outro, dois dormitórios, um banheiro e uma cozinha ao fundo.
2
31
Plantas, Cortes e Fachadas do Posto Policial (Caiuby, 1919, p. 47).
2
32
S
etor Feminino: 1- Isolamento; 2- Cinema; 3- Observação; 4-
Enfermaria; 5- Habitação (Caiuby, 1919, p. 112).
Objetivando a separação entre homens e mulheres a fim de evitar a
procriação dos doentes internos, Caiuby cria setores distintos com as mesmas tipologias de
edificações. Implantadas em um amplo e tortuoso parque estão edificações que oferecerão
abrigo e o maximo de conforto e distracções” às mulheres. O Setor Feminino es
estrategicamente separado do masculino pelo setor de Casados e Administrativo, o que
garante a vigilância constante dos contatos. As edificações cujos atendimentos dependem
dos serviços prestados pelas religiosas estão mais próximas do Setor Administrativo e são
servidas por amplas vias.
Com o intuito de controlar a propagação de outras doenças
contagiosas entre os internos, Caiuby propõe a existência de uma edificação destinada ao
isolamento. Priorizando a constante ventilação e insolação dos cômodos, essa edificação se
apresenta com um grande bloco movimentado pela variada sobreposição de planos de
telhados e pela grande quantidade de janelas. Apresenta telhado de quatro águas, com
janelas de lucarnas implantadas, segmentado por uma faixa de venezianas.
Sua planta se configura simetricamente, rebatida no eixo transversal
de um grande hall central amparado por dois terraços. Em um lado estão dispostos dois
quartos destinados ao isolamento dos doentes, um banheiro, uma copa e uma sala de
enfermaria. No outro estão mais dois quartos, outro banheiro e uma sala de operações
servida por um vestiário.
2
33
Plantas, Cortes e Fachadas do Isolamento (Caiuby, 1919, p. 97).
2
34
Como foi dito anteriormente, o grande desafio de um projeto de
i
solamento compulsório para doentes de hanseníases era atraí-los e mantê-los isolados.
Para isso a introdução de espaços de lazer no programa construtivo seria essencial. Caiuby,
acompanhando as tendências de lazer do início do século XX, cria uma edificação destinada
principalmente à exibição de filmes, mas que serviria também como teatro e salão para
bailes e festas.
Definido como grande volume retangular cujas ornamentações
simplesmente correspondem aos conceitos sanitários aplicados à edificação, o cinema
prioriza a higiene do ar em sua concepção. Seu amplo direito não atende somente às
necessidades do sistema de projeção de imagem e de propagação de som, mas
principalmente à capacidade volumétrica de ar exigida pelas leis sanitárias. Caiuby afirma
mesmo ser quase um exagero o cuidado com a ventilação. Sua proposta tenta conciliar a
restrição luminosa de um Cine Teatro com a dinâmica de renovação do ar exigida. Para
tanto as aberturas ocupam as partes mais baixas e as mais altas das paredes externas,
promovendo a aeração sem o ofuscamento. Buscando, ainda, compensar a ausência de
aberturas nas paredes, um amplo monitor se estabelece ao longo da cumeeira do telhado
de quatro águas. Como somente o palco é elevado e acessado por escadas, percebemos
que as aberturas que normalmente serviriam para ventilar porões aqui servem para
promover corrente de ventilação pela associação com as aberturas altas, demonstrando um
cuidado técnico incomum. Os três acessos se dão através de pórticos. As coberturas destes
e do volume principal são tratadas de modo que se aproxime a construção da forma dos
bangalôs.
Sua planta é bastante simplificada e muito diferente das demais
elaboradas na época para o mesmo fim, talvez pela necessidade higiênica de se evitar
ornamentos, ou econômica de contar somente com o essencial para o desenvolvimento das
atividades ali destinadas. O espaço destinado à platéia ocupa transversalmente quase toda
a área da edificação, acessada por duas portas laterais e uma frontal. O palco, que
apresenta um sanitário e um acesso independentes, é ladeado por sanitários que
curiosamente apresentam as bacias separadas dos lavatórios.
2
35
Plantas, Cortes e Fachadas do Cinema (Caiuby, 1919, p. 77).
2
36
Prevendo a possibilidade de haver incertezas quanto à necessidade
d
e internamento no leprosário e para que não se misturassem suspeitos com casos
confirmados, Caiuby estabelece uma edificação destinada aos indivíduos que ficariam em
observação. No caso deste setor, o uso seria exclusivamente feminino.
Sua volumetria não difere muito das demais apresentadas, conta
com telhado de quatro águas guarnecido por janelas de lucarnas e por janelas abaixo das
empenas. Têm aberturas verticais com janela tipo guilhotina, algumas amparadas por
janelas estreitas, e vãos para ventilação do porão. O terraço coberto é acessado por uma
escada e forma uma antecâmara que abriga a porta principal e as janelas do hall central.
Sua planta é uma versão menor do pavilhão de isolamento.
Simétrico, quanto ao eixo transversal do hall central (também amparado por terraços, sendo
ambos acessíveis por escadas), apresenta, de um lado, dois quartos para isolamento, um
banheiro e uma sala para “tizana”; do outro, mais dois quartos, um banheiro e uma sala de
enfermaria. Todos os ambientes parecem prezar a ventilação: quando não possuem duas
aberturas perpendiculares, contam com duas paralelas e amplas.
2
37
Plantas, Cortes e Fachadas da Observação (Caiuby, 1919, p. 55).
2
38
A enfermaria, segundo Caiuby, corresponde a um pequeno hospital,
p
ois, considerando-se os diferentes estágios da doença, os internados exigem cuidados
diferenciados. Essa edificação, amplamente difundida, com algumas alterações, nos Asilos
Colônias brasileiros, em muito se assemelha às existentes no Carville americano.
Caiuby propõe, para a demanda de internamentos prevista, uma
edificação formada por três grandes blocos transversais ligados longitudinalmente por um
corredor de serviços. As constantes preocupações com a ventilação e insolação definem os
distanciamentos entre os blocos e a quantidade de aberturas. Estas, seguindo os preceitos
dos pavilhões hospitalares, se apresentam em grande número e em faces opostas,
buscando promover um corrente de ar e definindo o ritmo das fachadas laterais. Além disso,
a presença de janelas de lucarnas favoreceria a troca de ar no amplo terraço. Sua fachada
principal é simétrica e composta por dois acessos principais amparados por colunas
toscanas, encabeçados por arcos. A inserção de duplas de colunas, também toscanas,
guarnecendo a projeção das aberturas dos pavilhões, impõe ritmo horizontal à fachada. O
mesmo ocorre com a alternância de aberturas no guarda-corpo do terraço e com a
seqüência de janelas e de vãos para ventilação dos porões situados nas laterais.
Sua planta pavilhonar possui três blocos idênticos compostos por
um amplo salão de enfermaria, um banheiro, uma sala para a enfermagem e uma sala – que
possui uma saída distinta –, para o doente agonizante. O terraço abrange os serviços de
atendimento aos doentes e o acesso ao hall dos três blocos. Em uma extremidade possui
uma sala de operações se comunicando com um espaço para esterilização. Apresenta três
salas independentes para curativos, duas salas de “tizanas” e, na outra extremidade, um
consultório para dentista.
2
39
Plantas, Cortes e Fachadas da Enfermaria (Caiuby, 1919, p. 79).
2
40
Caiuby projetou uma habitação coletiva que oferecesse abrigo,
tr
abalho e atividades terapêuticas às internas maiores de quinze anos que fossem solteiras,
sozinhas ou cujos maridos estivessem em tratamento isolado. Foi configurada como uma
ampla edificação que deveria obedecer às exigências administrativas, higiênicas e médicas.
Era formada por três blocos transversais ligados por um corpo diagonal, cobertos por
telhados de quatro águas, servidos de janelas de lucarnas e janelas sob as empenas. Sua
fachada principal caracterizava-se pela seqüência de janelas verticais, coincidentes com as
arcadas que acessavam o porão de dois metros de altura, e pelo imponente terraço de
acesso.
O programa desta habitação feminina se desenvolve pelos longos
corredores dos blocos. Os blocos transversais das extremidades são iguais, cada um abriga
treze dormitórios, dois amplos sanitários subdivididos e um apartamento para a freira
responsável, estrategicamente localizado para controlar o acesso ao resto da edificação. O
bloco transversal intermediário é ocupado pela oficina de costura, pela rouparia e
hidroterapia, que corresponde a uma ampla sala de banho e pequenos boxes individuais. No
eixo longitudinal está o terraço de acesso que se comunica com um grande vestíbulo que,
por sua vez, acessa, por um longo corredor, os outros blocos e quatro salões de recreio.
2
41
Plantas, Cortes e Fachadas da Habitação (Caiuby, 1919, p. 33).
2
42
Próximo ao Setor Feminino, no centro da colônia, está o Setor
d
estinado à moradia dos casais de doentes. Disposto em um grande parque em estylo
classico” estaria um conjunto de casas genimadas fornecidas pela administração, cujas
unidades seriam ocupadas por um casal. Contrastando com a organicidade dos caminhos e
do desenho dos setores, as habitações seguem uma implantação reticular, respeitando a
orientação solar que proporcionasse a melhor incidência nos cômodos. Esta configuração
promove a criação de corredores que favoreceriam também a vigilância e o controle da
administração sobre os residentes. Além das vinte e seis casas propostas, este setor conta
com área preestabelecida para ampliar sua ocupação.
Seguindo os preceitos de divisão entre sexos e faixas etárias, caso
um moradores dessas casas fosse acometido por “moléstias intercorrentes”, ele receberia
tratamento nas instalações dos setores masculinos ou femininos. Os meninos e meninas de
até quinze anos ficariam em edificações adjacentes. Vale, no entanto, lembrar que grande
parte dos serviços nos leprosários, principalmente na “Zona Doente”, seria executada pelos
internos capacitados, o que, no caso do atendimento às crianças, favoreceria a aproximação
entre familiares e diminuiria o sofrimento daquelas que estivessem sozinhas. As mulheres
residentes no setor de casados, assim como as solteiras, poderiam ainda trabalhar na
lavanderia e no refeitório, localizados próximos.
2
43
S
etor dos Casados: 1- Casas; 2- Lavanderia; 3- Espaço de recreio para meninas; 4- Habitação de
meninas; 5- Habitação para meninos; 6- Espaço de recreio para meninos; 7- Espaço para ampliação
(Caiuby, 1919, p. 112).
As habitações oferecidas aos casais nesse Setor muito se
assemelhavam às destinadas aos empregados sadios do leprosário. O bangalô apresenta
telhado de quatro águas articulado pela junção de águas furtadas com janelas abaixo das
empenas. Os acessos às habitações estão dispostos em faces opostas, compondo somente
duas fachadas distintas. Os terraços se situam nos cantos, equilibrando a proporção de
volumes.
Cada habitação contava com um terraço de acesso principal, uma
sala, um sanitário, uma cozinha (dotada de fogão a lenha) e um quarto. Diferentemente das
demais habitações unifamiliares, apresentadas até agora, essa edificação apresenta o
sanitário externo, acessível pelo terraço.
2
44
Plantas, Cortes e Fachadas do padrão de casa dos casais (Caiuby, 1919, p. 27).
2
45
O serviço de lavanderia era oferecido com o intuito de contribuir
p
ara a higiene dos internos. Os mais modernos e eficientes equipamentos seriam instalados
para lavar e desinfetar todas as roupas sujas da colônia.
Havia também um grande bloco em forma de “H”, servido por
amplas janelas eqüidistantes, tendo o corpo principal coberto por duas águas de telhado
associadas às águas perpendiculares dos anexos e às lucarnas conjugadas de uma e duas
águas. Apresentam, curiosamente destacados na fachada, tirantes para sustentação da
estrutura de saída de vapor da autoclave, sugerindo a modernidade do sistema ali
implantado.
Baseadas na separação entre sujo e limpo, a divisão e distribuição
dos cômodos respondiam aos mais modernos métodos de lavagem de roupa. As roupas
sujas primeiramente passariam pela desinfecção, depois, por meio de uma autoclave,
entrariam na lavanderia, que contaria com uma caldeira, um lixiviador, um batedor e uma
secadora. Depois seguiriam para a estufa, seriam posteriormente passadas e, finalmente,
armazenadas num depósito de distribuição.
2
46
Plantas, Cortes e Fachadas da Lavanderia (Caiuby, 1919, p. 40).
2
47
Como mencionamos anteriormente, os doentes menores de quinze
a
nos eram destinados a duas edificações específicas semelhantes, uma para meninos e
outra para meninas. Caiuby define essa edificação como “collegio interno” que privilegiava
os benefícios da insolação, ventilação, educação e “gymnastica”. Implantada sobre um
elevado porão, que serviria para o desenvolvimento de atividades em dias de muito sol ou
chuva, situava-se próxima ao refeitório e possuía um amplo pátio de recreio rodeado por
galpões para abrigo. Uma elegante escada ornamentada, de acesso duplo, contribuía para
conferir certa suntuosidade à edificação. Era composta por dois amplos blocos
perpendiculares, cujos telhados de duas águas eram ventilados por janelas de lucarnas e
aberturas sob as empenas. A seqüência de grandes janelas verticais impunha ritmo
horizontal à edificação. Os ornamentos debaixo das empenas na fachada principal nos
remetem, ainda uma vez, aos tabiques dos pitorescos chalés.
A longa escadaria acessa um amplo vestíbulo que faz a
comunicação com as principais partes da edificação. Dele, primeiramente, partem as duas
salas de aula; depois dois corredores, que alcançam a sala de estudos, a de ginástica e um
sanitário subdividido; e, finalmente, um grande dormitório, posteriormente seguido por um
hall que leva ao quarto do vigilante, a uma rouparia e a um vestiário, composto por
lavatórios, sanitário, mictórios (no caso dos meninos) e banheiro.
2
48
Plantas, Cortes e Fachadas da Habitação de meninas e de meninos (Caiuby, 1919, p. 34).
2
49
Em um ponto privilegiado do terreno, está implantado o Setor
d
estinado aos Contribuintes, ou, segundo Caiuby, aos “ricos”. Estudado de forma que
estivesse na encosta do terreno, esse setor ficava protegido dos ventos mais frios. Em
relação aos outros setores, apresenta-se às margens da colônia e sua distância garante
maior privacidade e liberdade aos moradores. No entanto, os internos pagantes também
seriam obrigados a se submeter aos mesmos tratamentos e regras impostas aos demais e a
se internar nas enfermarias masculinas ou femininas, quando necessário.
Sua localização e a disposição das residências, em torno de uma via
de traçado fechado, configuram esse setor como uma pequena vila particular. Composta por
12 habitações, que seriam edificadas pelos ocupantes seguindo o modelo proposto, prevê
uma pequena área destinada às novas ocupações.
S
etor dos Contribuintes: 1- Casas; 2- Espaço para ampliação (Caiuby, 1919, p. 112).
Como um charmoso bangalô que possui quase todos os recursos
estéticos e formais apresentados até aqui, esta ampla edificação possui a fachada principal
amparada por dois terraços cobertos, sendo um de acesso social e outro de estar íntimo,
estruturado por colunas toscanas. Seu telhado principal, de quatro águas, apresenta
empenas, que abrigam pequenas janelas, e águas furtadas que cobrem os volumes
ressaltados da edificação. As janelas verticais agrupadas e as demais aberturas se dispõem
de forma que se dê equilíbrio de proporções às fachadas.
2
50
A distribuição e as comunicações entre os ambientes demonstram
u
ma preocupação com a privacidade e conforto dos ocupantes. Caiuby destaca ainda que
este projeto obedece “a um criterio especial, isto é, de permittir que patrões e empregados,
embora sob o mesmo tecto, possam observar a mais rigorosa separação” (Caiuby, 1919, p.
88). Seguindo um generoso programa, esta edificação abriga um terraço de acesso, que
surpreende pelas aberturas destinadas à iluminação e ventilação do corredor íntimo central.
Possui uma sala de estar separada da sala de jantar, ambas acessam outro amplo terraço
lateral. Pelo extenso corredor central se distribuem três dormitórios, sugerindo a coabitação
de indivíduos ou a possibilidade de residir uma família, e um banheiro. A sala de jantar se
comunica com uma copa que acessa a cozinha, o quarto de criados e com corredor
comunicante com um sanitário e o terraço lateral da casa. A maioria dos cômodos apresenta
nichos para armários estrategicamente estudados para sua utilização.
2
51
Plantas, Cortes e Fachadas do padrão de casa dos contribuintes (Caiuby, 1919, p. 89).
2
52
Seguindo o critério de separação entre sexos, Caiuby propõe para o
l
eprosário o Setor Masculino destinado aos homens solteiros, sozinhos ou em tratamento
por doenças intercorrentes. Apresentando a maior capacidade de internamento, este setor
reflete a condição epidemiológica da hanseníase na época, quando os homens eram a
maioria infectada. A sua proximidade do Setor de Pesquisas Científicas se justifica pela
ampla amostragem de indivíduos disponíveis para o estudo da doença.
Sua implantação reticular obedece aos eixos que favorecem a
vigilância e o acesso aos edifícios destinados ao corpo médico e religioso e também à
administração. Amplas vias radiais ligam esta área aos setores de diversão e pesquisas
científicas. Além das 61 edificações destinadas às residências, prevê-se uma área para a
construção de novas unidades. Assim como o Setor Feminino, o Masculino conta com uma
enfermaria e uma edificação destinada à observação dos casos não definidos. Percebe-se
que, diferentemente do setor dos pagantes, neste o espaço destinado às habitações é
circundado por edificações que as distanciam das margens da colônia, conferindo maior
controle sobre seus ocupantes.
Setor Masculino: 1- Casas; 2- Enfermaria; 3- Observação; 4 - Espaço para ampliação (Caiuby, 1919,
p. 112).
2
53
Caiuby define a economia de custo como o objetivo dessa habitação
q
ue abrigaria até nove internos. Seu volume se define como um amplo bloco coberto por
dois telhados de três águas, com cumeeiras perpendiculares, que se secionam
movimentando a construção e criando empenas que abrigam janelas. Amplos terraços, que
possuem gradis reticulados compondo os vazios do guarda-corpo, ocupam a frente e o
fundo e dão amplitude horizontal às fachadas.
As habitações existentes nesse setor se apresentam de forma
distinta das demais unidades apresentadas aqui, pois possuem dois amplos terraços,
lateralmente opostos, para onde se abrem acessos independentes aos três dormitórios,
proporcionando autonomia aos moradores. A planta se desenvolve simetricamente no eixo
longitudinal. Possui dois quartos e uma rouparia se comunicando com um dos terraços e
uma sala e um quarto com o outro. A sala é o elemento de articulação da residência, por ela
se acessa um sanitário subdividido. A inexistência de cozinha e de área de serviços indica
que os residentes seriam atendidos pela lavanderia e pelo refeitório comunitário.
2
54
Plantas, Cortes e Fachadas do padrão de casa dos solteiros (Caiuby, 1919, p. 29).
2
55
S
etor de Diversões: 1- Quadra poliesportiva; 2- Oficinas; 3- Hydroterapia
e diversões; 4 – Cinema (Caiuby, 1919, p. 112).
O Setor de Diversões atende primeiramente os solteiros internos,
que grande parte das edificações nele existentes se repete no Setor Feminino, garantindo a
separação entre homens e mulheres. No entanto, os espaços destinados às práticas de
esportes e aos exercícios físicos somente se encontram no Setor de Diversões, que, por ser
próximo ao Setor de Pesquisas Científicas, favoreceria o estudo das atividades físicas sobre
o desenvolvimento da saúde dos doentes. Acreditamos que os conceitos de aprimoramento
racial por meio de intervenções no meio e no modo de vida dos internos, pela introdução de
2
56
bons hábitos e de amplas áreas verdes, norteiam a configuração do leprosário e
p
rincipalmente, deste Setor.
Próximos ao Setor Masculino encontram-se o Cinema, que segue a
planta apresentada, a edificação destinada à hidroterapia e, mais próxima aos internos
contribuintes, a oficina de trabalho, ambas se comunicam por caminhos radiais que se
tangenciam. A via que corta o setor dos solteiros termina na quadra poliesportiva, que fica
na extremidade da colônia, cercada por um parque.
Seguindo a crença de que o trabalho transforma o caráter e a
qualidade de vida do indivíduo, Caiuby propõe uma edificação econômica destinada a
abrigar as oficinas. Ele justifica a presença desta atividade no setor de Diversões como
sendo parte das atividades que promoveriam a distração dos internos.
Definida por três blocos transversais independentes e comunicantes
por meio de corredores cobertos, a oficina possui telhados de quatro águas acrescidos de
janelas sob lucarnas de duas águas e sob as empenas. Amplas portas acessam as
extremidades dos galpões das laterais e favorecem a ventilação cruzada pela associação
com as aberturas altas e opostas.
Duas amplas salas que abrigariam os trabalhadores, maquinários e
utensílios se situam separadas pelas instalações sanitárias centrais, acessíveis por dois
corredores cobertos. A valorização da ventilação e iluminação naturais define o
distanciamento dos ambientes e a altura e oposição entre as aberturas. Nesta edificação
percebem-se os princípios de economia e higiene aplicados também nas edificações
industriais do século XIX.
2
57
Plantas, Cortes e Fachadas da Oficina (Caiuby, 1919, p. 73).
2
58
Segundo Caiuby, a hidroterapia masculina é o edifício que
d
esempenha as mais variadas funções na colônia “[...] procurou-se reunir nelle, tudo quanto
representasse conforto e utilidade, afim de, sob differentes pretextos, attrahir os leprosos
para um mesmo ponto, facilitando com isso a administração” (Caiuby, 1919, p. 42).
Uma das maiores edificações da colônia, com volumetria
semelhante às destinadas aos meninos e às meninas, possui dois blocos perpendiculares,
cobertos por telhados de duas águas que se atravessam. Apresenta repetição de elementos
(telhados, janelas e arcadas) na fachada principal, os quais marcam a simetria da edificação
seguindo o eixo transversal. No entanto, Caiuby, novamente, utiliza-se do recurso de
distinguir os volumes das extremidades contrapondo os rincões dos telhados, onde em um
aparecem janelas e, no outro, estruturas semelhantes a tabiques.
A hidroterapia presenta-se implantada sobre um porão habitável que
abrange toda a extensão da edificação e que serviria para abrigar os internos do sol e da
chuva. Sua escadaria acessa um vestíbulo central comunicante com os sanitários, com a
sala de barbearia e com um terraço que circunda uma área aberta e acessa, de um lado,
três salas, interligadas, de diversões e, do outro, um gabinete de leitura, uma biblioteca e
uma sala de correios. Esse mesmo terraço se comunica com outros dois terraços laterais
(que margeiam duas amplas rouparias centrais, uma sala de entrega de roupas e um hall)
que alcançam o espaço destinado à hidroterapia. Esta se assemelha à hidroterapia presente
na habitação coletiva feminina, mas possui uma escala maior que acomoda dezoito boxes
de banho e dois sanitários dispostos nas laterais opostas de uma grande sala central.
2
59
Plantas, Cortes e Fachadas da Hydroterapia e diversões (Caiuby, 1919, p. 43).
2
60
Implantado na parte alta da encosta da colônia, o Setor de
P
esquisas Científicas teria acesso facilitado aos médicos e aos doentes, principalmente
homens, com o intuito de desenvolver pesquisas sobre a hanseniase. A proximidade deste
setor ao destinado às diversões se concretiza fundamentada nos paradigmas médicos da
época, segundo os quais os equipamentos e edificações destinados ao desenvolvimento
físico, à higiene e ao lazer dos indivíduos doentes seriam também locais de estudo e
experimentos. Podemos, dessa forma, identificar o interesse sanitário por trás de muitos
elementos hoje comumente inseridos na cidade. O lazer, o trabalho e a atividade física
assumem significados terapêuticos.
As edificações desse Setor servem de apoio ao atendimento dos
homens internados. Próximas ao Setor Masculino estão as edificações destinadas ao
isolamento de homens com moléstias intercorrentes, à pesquisa da hanseníase e à
segregação de alienados. Nas suas margens, próximos aos limites da colônia, estão
situados a incineração de lixo, o necrotério e o desinfetório.
Esse setor confirma a crença de que o leprosário proposto por
Caiuby se configurou como uma pequena cidade, regida pelos preceitos médicos sanitários,
destinada, além de ao isolamento e às pesquisas científicas, ao estudo e experimentação da
influência espacial sobre a condição de vida de indivíduos doentes.
2
61
S
etor de Pesquisas Científicas: 1- Necrotério; 2- Isolamento; 3- Alienados; 4- Pesquisas Científicas;
5- Desinfetório; 6- Incinerador (Caiuby, 1919, p. 112).
Caiuby narra que seria também previsto um cemitério para o
leprosário, situado fora dos limites habitados. No entanto, existiria uma edificação destinada
à preparação e aos estudos dos cadáveres, antes do sepultamento. Era composta por um
bloco coberto por telhados sobrepostos que criam espaços para a iluminação e ventilação
naturais nas suas empenas. A repetição de agrupamentos de colunas toscanas e de janelas
confere uniformidade às fachadas.
O necrotério foi especialmente elaborado considerando as
condições de visibilidade dos corpos pelos estudantes. Circundadas por um terraço,
possuindo grandes janelas, estariam uma ampla sala para o depósito de cadáveres e outra
para necropsia. Estas seriam separadas por uma ala destinada aos médicos e
pesquisadores, composta por um banheiro, um vestiário e uma saleta.
2
62
Plantas, Cortes e Fachadas do Necrotério (Caiuby, 1919, p. 59).
2
63
A presença de uma edificação destinada aos alienados dentro do
S
etor de Pesquisa Científica nos remete à contemporaneidade da psiquiatria e da
hansenologia, como também à proximidade nas formas de tratamento dos loucos e dos
doentes de hanseníases.
Essa edificação se apresenta como um bloco onde as diferenças de
altura dos três telhados, que abrigam o centro e as extremidades, dão a impressão de
desmembramento. Os jogos dos telhados, além de conferir uma geometria interessante,
sugerindo uma simetria, demarcam os diferentes planos de paredes da fachada anterior e
posterior. A seqüência de aberturas institui um ritmo horizontal. Situadas a dois metros e
cinqüenta do piso, as aberturas garantem o isolamento sem prejudicar a ventilação. O
acesso principal em arco se contrapõe às linhas retas prevalentes e é destacado pela
escadaria de três planos.
Caiuby define este projeto como “um dos mais interessantes
estudos contidos no projecto” (Caiuby, 1919, p.98). Seus serviços se dividem em duas alas,
uma destinada à rouparia, ao dormitório do enfermeiro e à sala de convalescentes; outra,
abrigando o refeitório, a copa e a cozinha. Os ambientes destinados aos alienados se
distribuem ao longo do corredor central e estão na maioria situados na parte dos fundos da
edificação, evitando a comunicação com a rua e o passeio público. Do outro lado desse
corredor estão instalações divididas para banho e sanitários, uma sala para o médico, um
quarto para isolamento e um amplo hall que se comunica com o terraço de acesso à
edificação que abriga as aberturas desses ambientes.
2
64
Plantas, Cortes e Fachadas do edifício para alienados (Caiuby, 1919, p. 99).
2
65
A edificação destinada às pesquisas científicas pode ser
c
onsiderada a mais importante do Setor de Pesquisa Científica. Sua função justifica até
mesmo a criação de uma instituição destinada ao controle da hanseníase nos moldes de um
Asilo Colônia, pois o desenvolvimento de uma terapêutica era o argumento mais utilizado no
convencimento dos doentes para o internamento.
Era formada por um amplo bloco cujo eixo de simetria é marcado
pelo recuo do terraço central. Essa simetria somente é alterada pelo artifício de oposição de
volumes do telhado, que Caiuby repete em outras edificações. Foi coberto por telhados
perpendiculares que se secionam e que apresentam composições de lucarnas de duas e
uma águas abrigando janelas. As aberturas, amplas e verticais, seguem um ritmo de
repetição no qual mesmo seus intervalos respeitam suas proporções.
A planta apresenta uma simetria que segue o eixo transversal. No
entanto, a distribuição das alas segue o eixo longitudinal. O hall central define os acessos às
alas. Seis salas de laboratório intercomunicantes estão situadas na parte posterior da
edificação. A parte anterior se destina ao terraço de acesso, ao sanitário, à biblioteca, à sala
dos médicos, ao vestiário e a uma copa. Nas extremidades anteriores estão dois terraços
que acessam dois laboratórios da parte posterior e se destinam ao descanso da biblioteca e
à convivência da copa.
2
66
Plantas, Cortes e Fachadas de Pesquisas Científicas (Caiuby, 1919, p. 87).
2
67
A proposta de Caiuby para o leprosário teve, desde o princípio, a
i
ntenção, fundamentada no caráter asilar e não hospitalar do isolamento, de descaracterizar
o espaço como um hospital. No entanto, os procedimentos necessários para o
desenvolvimento terapêutico e cuidados com os doentes exigiam a existência de espaços
especializados, que se apresentaram distribuídos como edificações independentes.
O desinfectório representa uma dessas edificações. Inicialmente
considerado como uma parte do programa hospitalar, no leprosário representa um espaço
distinto destinado às atividades de desinfecção necessárias aos procedimentos científicos.
Era uma edificação retangular cuja cobertura de quatro águas apresenta janelas de lucarnas
e sob empenas que proporcionam movimento ao volume. Suas aberturas retangulares
simplificadas se situam deslocadas do eixo mediano, o que se reflete na planta.
Seguindo o mesmo princípio de organização da lavanderia, o
programa do desinfectório se distribui em atividade limpa e suja. A simetria da edificação é
quebrada pela diferença de proporção dos ambientes que circundam as salas centrais. A ala
suja apresenta um amplo hall de acesso e distribuição. Este se comunica com um vestiário
ligado a uma sala de banho que alcança outro vestiário situado na ala limpa. Ainda na ala
suja, encontramos uma sala de drogas, desinfetante, e uma estufa que faz ligação, por
meio de portas especiaes”, com a outra ala. Na ala limpa ainda existe um sanitário e uma
sala destinada aos empregados e ao depósito de drogas.
2
68
Plantas, Cortes e Fachadas do desinfectório (Caiuby, 1919, p. 67).
2
69
Destinado ao recebimento de todo o lixo da colônia e,
p
rincipalmente, à eliminação dos resíduos produzidos nos experimentos científicos, o
incinerador foi concebido no Setor de Pesquisas Científicas como um edifício simples. Um
único bloco coberto por um telhado de duas águas, com caídas para frente e para o fundo,
apresenta uma lucarna protegendo a entrada principal da queda d’água. Sua implantação
aproveita a declividade do terreno, resultando numa distribuição das janelas segundo as
cotas dos pisos.
O alinhamento dos ambientes acompanha os desníveis do terreno,
favorecendo o descarregamento e a retirada dos resíduos. Na cota mais alta existe uma
sala de recebimento do material, servida por um sanitário; na cota inferior está situado
primeiramente o incinerador, seguido por um espaço para a retirada do produto final
processado.
Os cuidados com a eliminação dos resíduos produzidos no
leprosário, além de garantir a auto-suficiência do complexo, respondiam às preocupações
quanto à contaminação dos sadios. O esgoto produzido, segundo Caiuby, tamm teria um
destino especial, posteriormente estudado pela Engenharia Sanitária do Estado. O
abastecimento de água se estabeleceria pela captação exclusiva em mananciais dos
arredores, já o fornecimento de energia elétrica seria feito pela derivação da rede do
município mais próximo.
2
70
Plantas, Cortes e Fachadas do incinerador (Caiuby, 1919, p. 65).
2
71
Nas margens do leprosário, próximo ao acesso principal, estaria
s
ituado o estábulo destinado ao abrigo dos animais que serviriam à alimentação, transporte
e também como força animal para os trabalhos pesados.
Caiuby afirma que o estábulo seguiria as exigências presentes na
regulamentação sanitária, devendo ser pavimentado e ter sistema de escoamento de água.
Era composto por um amplo galpão coberto por um telhado de duas águas de
madeiramento aparente, cuja cumeeira possuiria um monitor de ventilação. Seria vedado
com cercas à meia altura e conjugado a dois pequenos currais e a uma estrutura externa
destinada à pocilga, que possuiria vinte e uma dependências para criação dos porcos. A
parte central seria destinada ao depósito de equipamentos e rações para onde convergiriam
os corredores das baias cobertas e da pocilga anexa.
2
72
P
lantas, Cortes e Fachadas do estábulo (Caiuby, 1919, p. 81).
2
73
CAPÍTULO 5. OS ASILOS COLÔNIAS PAULISTAS
5
.1 Diretrizes construtivas e organizacionais dos Asilos
Colônias paulistas
Na década de 1920, Comissões Técnicas, regidas pela ainda
Inspetoria da Lepra, investigaram e definiram as localizações dos Asilos Colônias no estado
de São Paulo. Em virtude da distribuição territorial da doença, a instalação do sistema se
vinculava à proximidade de estações ferroviárias, visto que este seria o principal meio de
transporte utilizado para deslocar os doentes, os servidores e os médicos. Para os doentes
existiriam vagões especialmente desenvolvidos e identificados, situados em partes
específicas da locomotiva. Seguidos protestos das populações sadias próximas aos locais
escolhidos também influenciaram nessas definições. Os terrenos foram adquiridos com as
verbas arrecadadas junto aos convênios, entre as municipalidades regidas pelas
Delegacias, bem como por doações particulares.
As construções dos leprosários seguiram as especificações
presentes nas legislações sanitárias. As Comissões contavam com um corpo técnico
específico para o desenvolvimento e concretização das edificações. Segundo Travasso
(1945), os engenheiros que faziam parte desse grupo participavam da escolha dos locais e
da construção dos complexos. Os engenheiros Mário Ayrosa, Hypólito Pujol Júnior, Oscar
Guimarães, Francisco de Palma Travasso e Adolpho Eisele de Carvalho são alguns dos
nomes mencionados nas reportagens propagadas pelo Rotary International.
Travasso (1945) relata que, a partir do momento em que sua equipe
venceu a concorrência para a construção das primeiras edificações do Asilo Colônia
Cocaes, em Casa Branca, por longos anos dedicou seu “esforço de engenheiro" à Diretoria
da Lepra.
“Em 1931 tivemos o prazer de tomar parte na Comissão organizada pelo
leprólogo Heráclides de Souza Araújo, então Diretor da Lepra em São
Paulo por poucos meses, e da qual faziam parte os engenheiros Mario
Ayrosa e Hypólito Pujol Junior. Esta Comissão estudava específicações
para asilos colônias de 700 doentes. [...] Adolpho Eisele de Carvalho o
incansável Engº. Chefe do D.P.L., no período de Salles Gomes e ainda
hoje, procedia aos necessários levantamentos topográficos para os asilos
colônias, projetava edifícios e abastecimento de água, luz, esgotos
calculava, orçava, superintendia as concorrências blicas, fiscalizava as
construções” (Travasso, 1945, p. 87).
2
74
Travasso (1945) ainda relata que as capacidades dos Asilos
C
olônias logo se saturavam, promovendo a superlotação e, conseqüentemente, a
diminuição da qualidade do internamento, gerando descontentamento. Os regulamentos
sanitários acabavam, muitas vezes, sendo desrespeitados. Construíam-se novas habitações
para desafogar a lotação. As obras se beneficiavam da mão-de-obra doente, garantindo-lhe
ocupação e remuneração. O programa de edificações era o mesmo para cada instituição.
O ritmo intenso de planejamentos e obras refletia a urgência na
implantação do sistema de isolamento, os servidores trabalhavam exaustivamente para
concluir as instalações destinadas ao abrigo dos doentes, em detrimento das demais. Cada
pavilhão iniciado já estava destinado ao grupo de doentes provenientes das localidades que
contribuíam com a verba.
“Não havia tempo para as cerimônias da pedra fundamental, festa de
abertura ou inauguração de edifício. [...] assim, nessa luta intensa e
perigosa foram construídos os asilos colônias Cocais, Pirapitingui, Aimorés,
Padre Bento, ampliado o Santo Ângelo e criado o Preventório de Jacareí”
(Travasso, 1945, p. 88).
O sistema implantado para o controle da epidemia de hanseníase no
estado de São Paulo resultou na construção de um grupo de edificações: uma central, na
capital, destinada à sede do Departamento de Profilaxia da Lepra, responsável pela direção,
inspeção, diagnóstico e registro da hanseníase e seus portadores; os Asilos Colônias Santo
Ângelo, Padre Bento, Pirapitingui, Cocaes e o Aymorés; os Preventórios de Jacarehy e
Santa Therezinha; o Dispensário Central, da Lapa, do Bom Retiro, do Braz, etc.; as sedes
das 12 Inspetorias Regionais, distribuídas pelo interior do estado; a Biblioteca do
Departamento de Lepra; e o Instituto Conde de Lara, representante da Fundação Paulista
Contra a Lepra.
O primeiro Asilo Colônia inaugurado foi o Santo Ângelo, formado por
cerca de mil hectares situados a 35 km da cidade de São Paulo e a 8 km de Mogi das
Cruzes, próximo à estação férrea de Santo Ângelo. Como vimos, sua idealização precedeu
à ação do Estado, partindo da união entre a Associação Protetora dos Morféticos e a Santa
Casa de Misericórdia, tendo resultado na proposta de Adelardo Soares Caiuby, apresentada
anteriormente. Sua concretização enfrentou divergências quanto à definição do sistema de
isolamento a ser estabelecido no estado. Em 1928, nove anos depois de sua concepção, o
governo paulista o inaugurou arcando com grande parte de suas despesas construtivas e de
funcionamento, responsabilizando a Santa Casa por sua administração. Os primeiros
servidores e internos provieram do Hospital Guapira.
“Sua inauguração representou um marco na história dos grandes
estabelecimentos asilares, para os partidários da construção de pequenos
2
75
asilos regionais o Santo Ângelo representou um erro sanitário de grandes
d
imensões, enquanto que para os isolacionistas ele significou a
possibilidade concreta de iniciar o isolamento em grande escala” (Monteiro,
1995, p. 108).
I
magem aérea do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
Fundado também em 1928, o segundo estabelecimento destinado à
rede de asilamento foi o Sanatório Padre Bento, que surgiu da aquisição, pelo governo
estadual, de um antigo hospital psiquiátrico situado no Município de Guarulhos, a 20 km do
centro de São Paulo. Foi concebido inicialmente como um hospital de trânsito, que avaliaria
as condições do doente de hanseníase antes de destiná-lo a um Asilo Colônia. Suas
instalações foram posteriormente ampliadas e ocuparam 60 hectares, abrangendo as zonas
necessárias à implantação de uma pequena versão do sistema Asilo Colônia, visando
internar as formas moderadas da doença que não deveriam se misturar às demais. Segundo
Monteiro (1995), o doente ali internado cujo quadro se agravasse seria enviado a uma das
outras colônias, enquanto os estabelecidos em outras colônias, que se restabelecessem
em um ano e tivessem 12 exames baciloscópicos negativos, poderiam ser transferidos para
o Padre Bento.
2
76
I
magem aérea do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
A proximidade do Padre Bento da capital facilitava o contato com os
familiares externos e o deslocamento de profissionais e pesquisadores, favorecendo a
qualidade de atendimento e a manutenção do internamento. Além disso, campanhas de
arrecadação de fundos que envolviam a elite paulistana, principalmente vinculada ao Rotary
Clube, promoviam consideráveis melhorias nas suas instalações. O direcionamento de suas
pesquisas, influenciado pelas preferências científicas da direção, levou-o a ser referência
para o internamento infantil (Monteiro, 1995).
“O Padre Bento funcionava como uma espécie de cartão de visitas dentro
da rede asilar, e para lá eram levados os visitantes ilustres. Com freqüência
políticos, cientistas e jornalistas eram convidados para eventos naquele
local e, a julgar pelas publicações da época, saíam bastante
impressionados com a estrutura e organização dos serviços prestados pelo
I.P.L./D.P.L.” (Monteiro, 1995, p. 211).
O terceiro Asilo Colônia, o Pirapitingui, concretizou-se em 1931,
mediante convênio entre as municipalidades da Zona Sorocabana, que contribuíram com
5% de suas rendas. Este montante, somado às doações particulares, serviram para a
aquisição inicial de 136,60 alqueires. Posteriores aquisições totalizaram 484 hectares. A
proximidade à fonte de água a jusante, à estrada de ferro, bem como a baixa densidade de
ocupação favoreceram a escolha da região situada a 14 km do município de Itu e a 22 km
de Sorocaba, nos campos de Piragibu. Provisoriamente sessenta casas de madeira
abrigavam 456 doentes, número insuficiente para os doentes contabilizados. Abriu-se,
assim, a título de emergência, a concorrência para a construção das suas instalações
(Maurano, 1939).
2
77
I
magem aérea do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
Essa concorrência definiu as bases do que seriam os Asilos
Colônias que se seguiriam. Especificava cada uma das edificações que comporiam as
Zonas Intermediária, e de Contágio, assim como suas necessidades de áreas, técnicas
construtivas e materiais empregados. Todas as edificações deveriam respeitar as exigências
da legislação sanitária estadual vigente, considerando, principalmente, as condições de
insolação, aeração, ventilação, isolamento e impermeabilidade, assim como conceitos de
economia e de praticidade, necessários à urgência da construção, sem desconsiderar a
durabilidade.
As fundações deveriam ser em concreto armado, simples ou em
alvenaria de tijolos com argamassa, tendo 45 cm de profundidade mínima. As vedações
seriam em tijolo e argamassa, tendo espessura de 15 a 30 cm conforme a situação das
paredes.
Os pisos secos, quando térreos, seriam revestidos com assoalhos
de peroba e rodapés, sobre laje de cimento ou material semelhante resistente, ou ainda
sobre vigamento de madeira quando em pavimentos superiores ou sobre porões habitáveis.
Os pisos laváveis seriam em ladrilhos cerâmicos ou hidráulicos de 20x20 cm. Os locais de
depósito, armazenagem ou atividades afins deveriam ser de cimento sobre concreto com
juntas a cada 50 cm. As alvenarias de elevação, as camadas de suporte de pisos de
madeira e parte das paredes de áreas molhadas deveriam ser impermeabilizadas.
2
78
As forrações dos tetos, que deveriam ser em estuque
2
1
nos espaços
de permanência prolongada, de estuque com quadros de ventilação nas copas e cozinhas,
em madeira nos refeitórios e salas amplas, inexistiriam em galpões e ambientes similares.
As paredes externas deveriam ter pequenas molduras e faixas em
diferentes planos e no nível do embasamento; as paredes internas teriam cantos
arredondados em locais destinados aos procedimentos médicos e científicos, assim como
os rodapés. As pinturas deveriam ser em tinta óleo ou caiação, feitas após a parede estar
desempenada e alisada.
As esquadrias seriam em madeira com ferragens nos caixilhos
envidraçados, sendo as portas almofadadas e as janelas das habitações com venezianas.
As instalações hidráulicas seriam em ferro galvanizado; as do
esgoto seriam de manilhas cerâmicas; as instalações elétricas seriam embutidas com
chaves automáticas e a maioria das edificações teria telefones, inclusive as habitações. As
instalações sanitárias, os aparelhos elétricos e de aquecimento seriam de modelos
modernos e materiais adequados. As coberturas deveriam ser em telhas “modeladas typo
Marselha, sobre armadura de peroba” (São Paulo, 1931, p.39).
Curiosamente, esta concorrência sugere o modelo cidade-jardim
para a distribuição das edificações no espaço, considerando distâncias convenientes e sem
espaçamento exagerados. Elaboradas em 1931, as diretrizes estipulavam a construção, por
empreitada única, dos edifícios essenciais ao funcionamento da instituição, visando ao
internamento dos doentes, postergando a execução de edificações definidas como adiáveis
(casas destinadas aos empregados sadios, templos religiosos, estabelecimentos escolares
e recreativos e as construções rurais). Deveriam ser entregues plantas, cortes, fachadas,
detalhamentos e os orçamentos especificados das obras (São Paulo, 1931).
O programa construtivo contava com a existência das casas de
madeira, construídas para os doentes instalados, e dividia as novas áreas do leprosário
em seis seções:
I. A Seção Geral contaria na “Zona Sã” com:
A. passagem coberta para automóveis;
B. portaria, com guichê;
21
Argamassa resistente ao tempo geralmente feita de cal ou gesso, areia e de mármore que,
aplicada sobre tela de arame ou de madeira compunha forro de telhados (Albernaz e Modesto, 2000,
p. 245).
2
79
C. habitação para o porteiro com sala de estar e jantar, um quarto para o casal,
b
anheiro completo e pequena cozinha;
D. subestação de energia com torre de entrada de cabos de alta tensão e saída de
fios de baixa tensão, sala de transformadores e de aparelho de segurança, sala de
quadros e de interruptores;
E. pavilhão de administração geral com a entrada em um pórtico coberto, um
vestíbulo central, sala da portaria (contendo espera, porteiro, fichário e PABX),
sala do diretor médico, duas cabines telefônicas, sala de visitas, sala do
administrador agrônomo, sala de contabilidade, toalete e lavabo, dois gabinetes
sanitários, um corredor de comunicação de dois metros de largura;
F. uma residência para acomodar até sete freiras, contendo um apartamento para
superiora (com gabinete de trabalho, dormitório com “closet-armário” e sala de
banho), sala de estar comum, seis quartos com “closets-armários”, lavabos, sala
de banho e gabinete sanitário comuns, capela, corredor de 1,6 m de largura;
G. habitação para até nove empregados contendo uma sala de estar comum com
biblioteca, um quarto para o encarregado com “closet-armário”, oito quartos para
empregados, duas salas de banho, dois gabinetes sanitários, um lavabo, um
pequeno salão de barbeiro e eventualmente corredor de 1,6 m de largura;
H. uma seção para alimentação local com uma copa e um refeitório administrativo
para 16 pessoas, uma copa e um refeitório para 8 freiras, uma cozinha comum,
uma despensa e um frigorífico, gabinete sanitário, depósito para lixo e despejo de
líquidos, e saída de serviço em terraço coberto;
I. residência isolada para o diretor tendo, no primeiro pavimento, o terraço coberto de
entrada, um hall de acesso à escada, living-room e sala de jantar, gabinete de
trabalho, copa, cozinha, despensa, quarto para criada, um gabinete sanitário; no
pavimento superior, haveria a galeria da escada, o quarto para o casal conjugado
ao quarto de vestir, um quarto de solteiro e uma sala de banho com sanitário;
J. residência isolada para o administrador contendo, no primeiro pavimento, o terraço
coberto de entrada, um hall-sala de jantar, copa conjugada à despensa e à
cozinha, um quarto para criada, um gabinete sanitário; no segundo pavimento, a
galeria da escada, um quarto de casal e outro de solteiro, uma sala de banho e um
sanitário;
K. duas casas isoladas para empregados superiores onde, no primeiro pavimento,
haveria um terraço coberto de entrada, uma saleta, uma sala de jantar, um
2
80
“armário-closet” cozinha, terraço de saída coberto com tanque e sanitário anexado;
e
no segundo, um quarto de casal comunicante com um quarto de solteiro para
dois leitos, uma sala de banho e sanitário e a galeria de acesso à escada;
L. duas residências geminadas para empregados subalternos, as quais
apresentariam, no pavimento térreo, um terraço coberto de acesso, uma saleta,
uma sala de jantar, um sanitário com banho, uma cozinha, terraço com saída e
tanque; e no segundo pavimento, um quarto de casal com alcova de vestir e um
quarto de solteiro para um leito;
M. um alojamento para hóspedes que teria um terraço de acesso coberto, um
pequeno vestíbulo, living-room, um quarto grande com toalete e banho privativo,
quatro quartos menores, uma sala de banho comum com sanitário;
N. a creche para quinze crianças, que contaria com um terraço de acesso coberto,
sala de estar e recreio, um dormitório comum, o quarto da encarregada, uma sala
de banho, lavatórios e gabinetes sanitários, copa-cozinha e um terraço de saída
com serviços;
O. uma garagem para três caminhões e dois carros, pequenas bancadas de
separação, depósito de combustível e de óleo, depósito de acessórios, dois
dormitórios e um vestiário para chauffeurs, gabinete sanitário, lavabos e chuveiro.
II. A Seção Geral contaria, na “Zona Intermediária”, com:
A. um pavilhão de economia geral composto, no térreo (com parte em subsolo), por
uma seção de almoxarifado (contendo sala do almoxarife e de contabilidade,
passagem interna de caminhões, espaço para conferência de mercadorias, dois
gabinetes sanitários), por uma seção de armazenagem (composta de um grande
armazém de víveres, outro para colchoaria e veis, um para tecidos e rouparia,
dois para ferragem e armarinho, um para louças, outro armazém para drogas e um
para diversos), por seções anexas (contendo caldeiras e matadouro); e no
pavimento mais alto, por uma seção de serviço em “Zona Sã” (com sala da
economista, cozinha geral, padaria, açougue, despensa e frigorífico, preparo
mecânico de alimentos, sala de lavagem da cozinha e copa, cafeteria, copa geral
limpa, despejo de lixo e de águas servidas, vestiário com dois lavatórios e dois
sanitários para os servidores), por uma seção de serviço em “Zona Intermediária”
(composta por três copas de distribuição contendo lavagem e despejo de lixo e de
águas servidas), e por uma seção de refeições em “Zona Doente” (com refeitório
para 200 homens, outro para casais com 100 lugares, um refeitório para 100
mulheres e crianças e dois terraços cobertos de acesso e distribuição);
2
81
B. galerias cobertas, com 3,00 m de largura, de comunicação entre o pavilhão geral e
o
s “Carvilles” (tipo de alojamento existente no leprosário norte-americano);
C. um parlatório, composto por um pavilhão coberto, contendo um terraço de acesso
para visitas comunicante com o recinto para seis visitantes, distante três metros do
recinto para seis doentes comunicante com um terraço de acesso para doentes;
D. um posto policial e prisão com entrada pela “Zona Sã” e saída pela “Zona Doente”,
contendo sala do guarda, sala de prisão comum para seis detentos, células
isoladas para prisão de até quatro indivíduos e dois gabinetes sanitários.
III. A Seção Geral contaria, na “Zona Doente”, com:
A. um pavilhão de assistência médica e hospitalar composto por um posto médico
(contendo terraço coberto de entrada, corredores de 2,00 m de largura, vestíbulo,
sala de espera, sala do médico com vestiário e lavatório, sala de exames e
fichário, vestiário e lavatório para pacientes, câmara escura do oculista, sala de
tratamento e injeções, laboratório clínico, farmácia, sala de dentista com sala de
espera anexa, dois gabinetes sanitários e um terraço coberto de saída) e um
hospital anexo dividido em setor central (contendo hall central, sala de enfermeiras
e plantonistas, sala de serviço composta por cozinha e rouparia), setor de homens
(composto por quatro quartos reservados, uma enfermaria comum, três salas de
banho, três gabinetes sanitários, uma sala de despejo, três lavatórios, terraço
coberto e corredores de 2,00 m de largura), setor de mulheres e crianças
(composto por dois quartos reservados, uma enfermaria comum, uma sala de
parto, dois quartos para parturientes, uma sala de recém-nascidos, duas salas de
banho, dois gabinetes sanitários, sala de despejos, dois lavatórios e corredores de
2,00 m de largura) e uma seção de cirurgia (contendo sala de esterilização, sala de
curativos e pequenas operações e uma sala de cirurgia);
B. um pavilhão com ala para culto (composta por igreja para 750 pessoas), ala de
instrução (com biblioteca, sala de leitura, sala de aula para 20 menores de ambos
os sexos, sala de aula para 20 adultos, sala de professor, gabinete sanitário e
lavabos) e ala de recreio (contendo salão de festas para 300 pessoas, palco
simples, cabine de cinema, gabinete sanitário);
C. um pavilhão de artes e ofícios com um terraço coberto de entrada, um vestíbulo
geral, uma sala para o diretor geral e um almoxarifado local, além de uma ala
masculina (contendo oficinas de carpintaria e marcenaria, de serralheria e ferraria,
oficina mecânica, de sapataria, de alfaiataria, vestiários e lavabos gerais, e
gabinetes sanitários) e uma ala feminina (composta por uma sala para a diretora
2
82
geral, oficina de costura, de malharia, de colchoaria e de trabalhos com agulhas,
v
estiários e lavabos gerais, e gabinetes sanitários);
D. uma lavanderia para atender quatrocentas pessoas, composta por terraço de
acesso coberto, saleta para o encarregado, câmara de desinfecção com estufa a
vapor, sala de lavagem a vapor e de centrifugação, sala de passagem de roupas
com calandragem, sala de classificação e saída, sala da caldeira e um gabinete
sanitário para os servidores;
E. um manicômio composto por uma entrada em terraço coberto, uma saleta do
vigilante, sala de detenção comum para seis doentes, células de isolamento para
quatro doentes, sendo duas com sanitários anexos, gabinetes sanitários e
lavatórios gerais.
IV. A Seção Asilar, na “Zona Doente”, seria composta por:
A. galerias cobertas, com 3,00 m de largura, de comunicação entre as entradas dos
“Carvilles” e a seção de refeições do pavilhão de economias gerais e o pavilhão de
assistência médica e hospitalar;
B. dez pavilhões tipo “Carville”, sendo cada um composto por uma sala de estar
envidraçada e amplamente ventilada, um corredor central ventilado e iluminado
com 1,60 m de largura, 10 quartos duplos, 4 lavabos, 3 gabinetes sanitários, 2
salas de banho, copa-cozinha, rouparia, quarto do encarregado, terraço aberto e
coberto para repouso, e uma saída pelos fundos;
C. dois pavilhões tipo “Carville”, idênticos ao tipo anterior, sendo cada um composto
por um dormitório comum para vinte leitos separados por baias;
D. dois pavilhões tipo Carville”, também idênticos ao primeiro tipo, apresentando dez
quartos individuais;
E. um pavilhão simples para repouso, cercado por balaustradas e muretas, situado
em um parque, com coreto central.
V. A Seção Colônia, na “Zona Doente”, contaria com:
A. pavilhões centrais onde funcionariam a subadministração (composta pela sala do
subadministrador, um pequeno depósito ou almoxarifado), um posto médico (com
terraço coberto na entrada, consultório com vestiário e sanitário para o médico,
sala de tratamento e gabinete sanitário com lavabo para os doentes), e uma sala
de banho (composta por uma saleta para o encarregado, doze banheiros com
água quente, vestiários, quatro gabinetes sanitários e dois mictórios;
2
83
B. comunicando-se com o pavilhão central, estaria a habitação do subadministrador,
c
omposta por sala de estar e jantar conjugadas, um quarto de casal, uma cozinha,
gabinete sanitário com chuveiro, terraço de saída com tanque;
C. dez habitações isoladas para um casal, compostas por terraço de entrada coberto,
sala de jantar e estar, quarto de casal, cozinha de canto, gabinete sanitário com
chuveiro, terraço de saída coberto com tanque;
D. dez habitações para dois casais, idênticas à anterior, contando com mais um
quarto para o outro casal;
E. dez casas geminadas para um casal, com programa construtivo de cada unidade
idêntico ao da primeira descrição habitacional para casais;
F. dez casas geminadas para dois casais, com programa construtivo de cada unidade
idêntico ao da segunda descrição;
G. construções rurais que teriam estábulo, cocheira, pocilga, aviário, apiário, galpão
para maquinário agrícola, paiol, silo de forragens e estrumeira.
VI. A seção de Instalações Gerais, abrangeria serviços de captação, tratamento,
armazenamento e distribuição de água; captação e tratamento do esgoto; incinerador do
lixo; rede de distribuição de água; cemitério e necrotério.
Percebe-se que as bases dessa concorrência consideraram grande
parte das soluções projetuais propostas por Adelardo Soares Caiuby para o leprosário
modelo, apresentada anteriormente, variando na adequação às reais condições construtivas
e de funcionamento da época de implantação do sistema asilar. Os Asilos Colônias que se
seguiram possuíam as mesmas descrições construtivas, variando quanto às capacidades de
internamento de cada estabelecimento e às condições territoriais e econômicas disponíveis
para sua implantação. Novas concorrências foram abertas para dar prosseguimento às
obras de implantação do sistema isolacionista paulista, no entanto, não temos
comprovações documentais, somente menções em reportagens.
A aquisição do terreno e o início da construção do Asilo Colônia
Cocaes resultaram da união entre 36 municípios da Zona Mogiana que contribuíam com
10% de suas rendas anuais. Por falta de recursos, sua conclusão foi paralisada e a
propriedade assumida pelo Instituto de Profilaxia da Lepra, que concluiu as obras com a
contribuição de verbas particulares. Foi inaugurado em 1932, eqüidistante 9 km do
município de Casa Branca e de Vargem Grande, apresentando capacidade para internar
mais de três mil doentes de hanseníases em aproximadamente mil hectares.
2
84
A distância da capital, em contrapartida às facilidades encontradas
n
o Sanatório Padre Bento, definia a intensidade do isolamento e o pequeno número de
servidores e de médicos, contribuindo para que Cocaes fosse considerado o pior local para
se internar, representando até mesmo uma punição para doentes e funcionários
desobedientes.
I
magem aérea do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Centro de Reabilitação Casa Branca).
A reunião de 64 municípios da Zona Noroeste do estado resultou na
criação da Comissão Pró-Leprosos de Bauru. Esses contribuíram, por dois anos, com 10%
de suas rendas anuais para a aquisição do terreno destinado ao Asilo Colônia Aymorés,
situado a 12 km da cidade de Bauru, próximo à estação ferroviária Aymorés. Sua construção
foi iniciada com verbas da Liga de São Lázaro de Bauru e concluída, a exemplo do Cocaes,
pelo Instituto de Profilaxia da Lepra, sendo inaugurado em 1933, possuindo 775 hectares. A
participação e as contribuições da sociedade local na sua implantação e funcionamento,
somadas ao empenho das diretorias, favoreceram a sua designação como Asilo Colônia
modelo, servindo como cenário para o filme, produzido em 1944, de divulgação do sistema
asilar paulista.
“O ‘Aimorés’ passou a ser uma espécie de Asilo-Colônia Modelo’, para
onde eram levadas as visitas importantes do Serviço Oficial; para tanto,
sua disposição e apresentação tinham que requerer maior esmero por
parte do Serviço Oficial” (Monteiro, 1995).
2
85
I
magem aérea do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Tendo por base os relatos de Schujman (1937) sobre a implantação
e funcionamento do sistema, quando do levantamento feito com o intuito de estabelecê-lo
também na Argentina, apresentaremos a configuração dos Asilos Colônias construídos no
estado de São Paulo. Segundo o autor, a estrutura estabelecida nos Asilos Colônias
paulistas funcionava baseada em três poderes: o da Diretoria, o da Prefeitura e o da Caixa
Beneficente, que assumiam a direção de diferentes serviços e setores das instituições.
A Diretoria se ocupava diretamente da gestão da Zona Sã” e
Intermediária e indiretamente de partes da “Zona Doente”. O Diretor do leprosário era
normalmente um médico dermatologista, nomeado pelo órgão de Profilaxia da Lepra, que
residia na “Zona Sã” com sua família, em uma casa ampla e confortável situada num local
afastado da área destinada aos doentes, sendo até necessário se deslocar de carro até sua
zona de trabalho.
Próximo a essa Zona existiam também habitações para médicos
cujas especialidades médicas exigiam a residência permanente deles e, conseqüentemente,
de suas famílias.
Os servidores mais graduados, que atendiam o pessoal sadio e
faziam os serviços externos, também residiam na “Zona Sã” em habitações unifamiliares,
enquanto os de menor graduação ocupavam habitações geminadas.
Sob a responsabilidade da diretoria estava a Portaria, situada
também na Zona Sã”, que servia para identificar todo veículo e pessoa que entrassem no
Asilo Colônia ou dele saíssem. Possuía uma central telefônica, que controlava as ligações
entre as dependências internas e fazia as comunicações externas, além de abrigar a
habitação destinada ao porteiro e à sua falia.
2
86
Na “Zona Sã” se encontrava um Alojamento, com cozinha e
r
efeitório, destinado a abrigar os visitantes importantes e os demais médicos que atendiam
os doentes somente em alguns dias da semana. Próximo a esse refeitório existia um outro,
que servia a todos os funcionários sadios, e também outro Alojamento onde habitavam, em
quartos separados, os servidores solteiros.
A Administração dos Asilos Colônias seguia as orientações e estava
subordinada à Diretoria. Esta funcionava dentro da “Zona Sã” com salas reservadas às
atividades da diretoria, contabilidade, arquivo e secretaria, além da sala do administrador e
de uma biblioteca para os médicos.
Ao Administrador do complexo, que não compunha o corpo médico,
e à sua família, era oferecida uma habitação confortável, próxima ao bloco da
administração.
Para abastecer de água todas as instalações asilares, existia, na
“Zona ”, um grande reservatório e uma central de tratamento e distribuição, vinculada à
fonte natural mais próxima. Nessa Zona trabalhava o pessoal sadio que também residia nas
habitações oferecidas aos servidores menos graduados. Existia também uma central de
distribuição de energia elétrica que servia a todas as instalações.
Imagem do reservatório de Água do Asilo Colônia
Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
2
87
Junto à “Zona Sã”, próximo à Doente, estava a “Zona Intermediária”,
q
ue servia aos sãos e aos doentes de hanseníases. No entanto, os servidores sadios não se
comunicavam constantemente com os doentes, somente quando necessário, seguindo
rigorosos procedimentos. Os serviços que envolvessem risco de contágio e contaminação
eram efetuados pelos próprios doentes treinados, ou que tivessem conhecimento prévio
da atividade, quando viviam fora do isolamento.
Para abrigar os materiais, alimentos, roupas, etc. destinados aos
sadios e aos doentes, existia um Almoxarifado, situado no setor de serviços da “Zona
Intermediária”, próximo à Oficina Mecânica e à Garagem. Dentro de suas instalações
também se encontrava a Padaria, operada por sadios, que produzia pães para o consumo
de todos os indivíduos do Asilo Colônia.
I
magem do interior da padaria do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do
Instituto Lauro de Souza Lima).
O
ficina mecânica e garagem do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana
Paula S. da Costa).
A Zona Intermediária” apresentava, ainda, uma Farmácia que
recebia, manipulava e distribuía os medicamentos, enviados pelo serviço de Profilaxia da
Lepra, na qual existia um pequeno espaço destinado a pequenos exames laboratoriais.
2
88
I
nterior do laboratório do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
O limite de separação entre a “Zona Intermediária” e a Doente se
demarcava pelo Parlatório, destinado à visitação e ao controle dos comunicantes, e que
apresentava um pequeno laboratório para atualização dos exames nos externos (condição
limitante para a liberação da visita).
P
arlatório do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Sob a gerência da Diretoria, na “Zona Doente”, existiam as
Instalações Hospitalares, que apresentavam Pavilhões de internamento e os demais
elementos necessários aos procedimentos médicos de tratamento, pesquisas e cirurgias.
Muitos doentes trabalhavam nessas instalações, principalmente em procedimentos que
envolvessem riscos de contaminação. Os enfermos ali internados eram separados por sexo,
idade e estágio da hanseníase. Algumas alas eram destinadas ao isolamento de portadores
de outras moléstias intercorrentes.
2
89
C
entro cirúrgico e hospitalar do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro
Arantes).
A Diretoria se responsabilizava diretamente pela lavagem e
desinfecção de instrumentos hospitalares e roupas, em uma lavanderia especial próxima ao
hospital, que empregava funcionários doentes. Servidas pelo mesmo tipo de funcionários,
estavam as instalações do refeitório e cozinha dos internos.
As tipologias habitacionais mais econômicas para o sistema eram as
pavilhonares, destinadas a abrigar grandes grupos de doentes solteiros, crianças, idosos e
incapacitados. Eram geridas diretamente pela Diretoria e acessavam as dependências
hospitalares e do refeitório, por meio de amplos corredores cobertos. Os pavilhões que se
comunicavam entre si eram denominados “Carvilles” (remetendo aos pavilhões do leprosário
americana em Carville, Louisiana). Muitos foram construídos com verbas arrecadadas pelas
sociedades paulistas, visando abrigar os doentes de seus municípios.
2
90
Pavilhões habitacionais, tipo Carville, do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza
L
ima).
D
ormitório do pavilhão feminino do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
Corredor coberto de Carvilles do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
2
91
R
efeitório para doentes do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
I
nterior do refeitório do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto
Lauro de Souza Lima).
A Diretoria também disponibilizava outras tipologias habitacionais
aos internos, as quais serviam casais ou grupos de pessoas do mesmo sexo e/ou da
mesma família. Com o aumento no mero de internações, sua oferta ficava escassa,
restando aos próprios internos disponibilizar recursos para a construção dessas habitações,
caso quisessem sair das instalações comuns pavilhonares. Aos moradores das casas que
preferissem cozinhar seus alimentos, eram fornecidos mantimentos mensalmente.
Interior de habitação do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do
Instituto Lauro de Souza Lima).
2
92
A Administração, situada na “Zona Doente” e subordinada à
D
iretoria, exercia seu poder junto aos doentes por meio da nomeação de um membro
doente ao cargo de Prefeito da Colônia dos doentes de hanseníases. O Prefeito seria
responsável pelo funcionamento e conservação das instalações, pela manutenção da ordem
entre os internos, pela distribuição de alimentos e vestimentas a eles e pelo repasse de
pagamentos dos servidores. Os servidores dessa Prefeitura seriam os próprios doentes
contratados, que receberiam um salário do estado, referente à quinta parte do que se
pagava aos sadios, o que representava grande economia para a manutenção do sistema. O
Prefeito deveria apresentar à diretoria planilhas mensais especificando os serviços
realizados e os materiais utilizados, assim como informar sobre as ocorrências registradas.
A sede da Prefeitura contava com o setor de Contabilidade e
Registro, onde se controlava o pessoal, as horas de trabalho, a produtividade, as finanças, a
entrada e saída de material. Os trabalhadores da “Zona Doente” eram exclusivamente
doentes de hanseníases, treinados para exercer os ofícios necessários ao funcionamento
dos serviços da Colônia e das alas que exigissem cuidados hospitalares e oferecessem
risco de contágio. Muitos deles continuavam atuando nas profissões que exerciam antes do
internamento. O trabalho, incentivado como forma de recuperação física e moral, era
obrigatório aos que tivessem condições.
À Prefeitura cabia a implantação, manutenção e organização de
serviços gratuitamente oferecidos aos internos, como: cabeleireiro, sapataria, confecção e
restauração de roupas, lavanderia de roupas comuns, copa e cozinha do refeitório, limpeza
geral, carpintaria para mobiliário público e para construções do Estado, manutenção de
hortas e jardins, serviços mecânicos, agricultura, serviços funerários e de manutenção do
cemitério, correio, policiamento e manutenção da cadeia. À Prefeitura também cabiam os
cuidados com os doentes que apresentavam quadros de insanidade mental e viviam
separadamente nas instalações Manicomiais, situadas distantes das habitações.
2
93
C
abeleireiro e barbearia do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital
Francisco Ribeiro Arantes).
I
nterior do cabeleireiro e barbearia do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
2
94
I
nterior da sala de costura do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
C
ozinha do refeitório de doentes do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
2
95
C
arpintaria do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
C
arpintaria do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
2
96
I
nterior da carpintaria do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
C
emitério do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
2
97
C
adeia do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
I
nterior da cadeia do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Também na “Zona Doente” atuava a Caixa Beneficente que
representava uma associação dos internos, criada pelo órgão de Profilaxia da Lepra, cujo
objetivo era defender os interesses dos doentes de hanseníases, dando-lhes auxílio moral e
material, oferecendo instrução e diversões, assim como conforto espiritual e a promoção do
bem-estar. Segundo o Diretor Salles Gomes:
2
98
“As Caixas Beneficentes são uma extensão do programa da Inspetoria,
e
las desempenham um papel importante na profilaxia amenizando a vida
hospitalar, tornando mais suave o asilamento a que estão sujeitos os
enfermos. São também auxiliares eficientíssimos na administração, na
manutenção da boa ordem e do conforto interno, e serão provavelmente no
futuro os verdadeiros administradores internos dos hospitais” (Salles
Gomes, apud Schujman, 1937, p. 48).
A Caixa Beneficente era composta por sete Departamentos:
Administrativo, Comercial, Agropecuário, Industrial, Recreativo, Religioso e Desportivo. Suas
autoridades eram constituídas pelos próprios internos e por eles nomeadas. Contavam com
um Presidente, um Secretário, quatro Conselheiros e um Orador Oficial, além dos diversos
Servidores que trabalhavam nos estabelecimentos e seções administradas pela Caixa.
Ao Departamento Administrativo cabia o levantamento, a
administração e o repasse de recursos necessários ao desenvolvimento das atividades e às
implementações das instalações da Colônia. Tais recursos provinham de repasses e vendas
da produção ao Estado, da renda obtida nas atividades comerciais e industriais internas ou
entre os Asilos Colônias, de doações privadas que eram estimuladas por uma comissão
responsável pela arrecadação, como também das mensalidades de pensionistas que
preferiam outras instalações habitacionais além das oferecidas pelo Estado.
Administração da Caixa Beneficente do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
2
99
O Departamento Comercial da Caixa Beneficente respondia pelo
c
ontrole comercial do pequeno Mercado, que oferecia variados artigos aos internos, por
preços 10% acima do valor de custo; pelo Restaurante existente como opção ao refeitório
comum; do Aluguel de Casas mobiliadas e construídas com verbas arrecadadas ou por
meio de bens imóveis repassados à administração da Caixa Beneficente, quando faleciam
os doentes que haviam construído; pelos Impostos mensais cobrados para a concessão de
comercialização de produtos pelos doentes ou por taxas cobradas dos estabelecimentos
externos que recebiam encomendas dos residentes da Colônia
22
; além dos Empréstimos
fi
nanceiros aos doentes, “de boa conduta”, interessados em adquirir bens ou iniciar um
negócio, o que era um atrativo àqueles que quisessem se casar, visto que isso somente era
permitido aos que tivessem uma casa para morar.
I
nterior do restaurante da Caixa Beneficente do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro
de Souza Lima).
22
Segundo Schujman (1937) a diretoria dos Asilos Colônias provia todo o necessário, buscando
evitar a contaminação de dinheiro pelo intercâmbio comercial. Quando ocorriam vendas externas, a
administração recebia o dinheiro do interno, esterilizava-o e depois o repassava ao comerciante.
3
01
A
cesso à granja do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Ao Departamento Industrial da Caixa Beneficente competiam as
produções que abasteciam os leprosários e que também eram adquiridas pelo Estado.
Muitas vezes os excedentes de uma Colônia eram enviados às outras, mas nunca
consumidos ou utilizados por sadios. Aproveitava-se principalmente a mão-de-obra dos
doentes que haviam sido operários naquele tipo de estabelecimento (muitos até mesmo
eram remanejados para outros leprosários, dependendo da demanda de trabalho). Existiam
fábricas de sabão, de bebidas gasosas não alcoólicas, torrefações de café e fábricas de
ladrilhos e vassouras.
3
02
T
orrefação de café destinada aos doentes do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo
do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
I
nterior da torrefação de café destinada aos doentes do Asilo Colônia
Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
03
F
abricação de vassouras no Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
F
ábrica de bebida gasosa do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro
Arantes).
Fábrica de sabão do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Museu Emílio Ribas).
3
04
I
nterior da fábrica de sabão do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto
Lauro de Souza Lima).
O Departamento Recreativo organizava os eventos festivos
(quermesses, bailes, audições musicais, etc.), os ensaios e apresentações das Bandas
musicais (cujos membros recebiam salário e tinham os instrumentos e vestimentas
subsidiados pela Caixa) que animavam as festas e se apresentavam duas vezes por
semana na praça principal. Tamm mantinha e administrava o Bar e Confeitaria que
oferecia, até às 22 horas, lanches e bebidas não alcoólicas, jogos de bocha, damas, xadrez
e bilhar (cujas fichas eram cobradas); administrava a Biblioteca que funcionava durante
todos os dias, até às 21 horas; organizava as apresentações de peças teatrais e exibições
semanais de filmes no cinema (existiam duas sessões: uma gratuita, durante o dia, e outra
paga, exibida no final da tarde).
Interior da sala de jogos do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de
Souza Lima).
3
05
Alguns eventos ocorriam ao ar livre, outros no refeitório dos doentes,
m
as a maioria utilizava a instalação dos Cines Teatros construída com verbas de doações
das sociedades paulistas. Os contatos entre homens e mulheres eram controlados e nas
apresentações de cinema e teatro, eles ficavam separados (as cadeiras eram previamente
marcadas). Normalmente os servidores sadios e a diretoria participavam dos eventos,
ficando sempre em locais especiais, distantes dos doentes.
R
efeitório do Asilo Colônia Aymorés preparado para a festa de Natal
(Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
B
anda musical do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Museu Emílio Ribas).
3
06
C
ine teatro do Asilo Colônia Aymorés em apresentação musical (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
O Departamento Religioso se encarregava da administração de
verbas destinadas à construção e manutenção dos serviços e dos servidores das igrejas.
Existia liberdade de culto, mas sempre a primeira igreja construída era católica, em
detrimento das Protestantes e dos Centros Espíritas. As datas religiosas eram celebradas e
contavam com a presença da diretoria, de seus familiares e de visitantes sadios, que
ocupavam espaços separados nas igrejas.
Igreja evangélica do Asilo Colônia Piapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
07
Cabia ao Departamento Desportivo da Caixa Beneficente cuidar da
i
nstrução e educação dos internos, manter os espaços e equipamentos esportivos e
educacionais, organizar eventos e competições, uniformizar jogadores e alunos. As
atividades educacionais para crianças funcionavam nas instalações dos Cines Teatros ou
nos pavilhões infantis; já as destinadas aos adultos focavam a preparação para o trabalho. A
educação física era obrigatória aos internos em boas condições de saúde e baseava-se na
“ginástica sueca”, orientada por médicos e instrutores, ministrada diariamente para ambos
os sexos e para todas as idades.
E
scola profissionalizante para adultos do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de
Souza Lima).
Existia também o futebol, basquete, tênis, lançamento de disco,
levantamento de pesos e corrida, como atividades sicas para os doentes. Vários times
competiam em eventos internos e participavam de campeonatos entre os Asilos Colônias
paulistas. A diretoria e os convidados ilustres assistiam a esses eventos, em tribunas
especiais. As instalações esportivas muitas vezes superavam as de grandes clubes
externos e contavam, até mesmo, com iluminação para partidas noturnas.
Sala de aula presente no pavilhão habitacional infantil do Asilo Colônia
Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
08
T
ribuna para autoridades existente no campo de futebol do Asilo Colônia
Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Q
uadra de basquete do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
A
ula de ginástica do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Os Asilos Colônias paulistas funcionaram seguindo o sistema
isolacionista compulsório de doentes da hanseníase, até ao ano de 1965, quando se
enquadraram nos moldes nacionais, o que permitiu que os internos pudessem conviver com
os externos normalmente. No entanto, o impacto social do isolamento repercute na vida dos
doentes até os dias atuais.
3
09
5.2 Características urbanísticas dos Asilos Colônias paulistas
A
construção dos Asilos Colônias completou o sistema profilático
criado no estado de São Paulo para o combate à hanseníase. As suas implantações
seguiram sistemas de zoneamentos baseados em diretrizes médicas e funcionais que
distribuíram o programa de edificações entre as Zonas Sãs, Intermediárias e Doentes,
segundo critérios de uso para sãos e doentes. Esses asilos seguiam as diretrizes
apresentadas por Adelardo Caiuby e encontradas no modelo norte-americano de Carville.
Observa-se que os planos urbanos estabelecidos definiam áreas
para moradia, trabalho, atendimento médico, esportes e lazer. Tais planos visavam criar
espaços com baixas densidades populacionais, dotados de amplas áreas verdes. A
preocupação com o índice de ocupação do território remonta às tendências urbanísticas
vinculadas às questões sanitárias, em que a aglomeração de edificações era associada à
estagnação do ar, à de baixa incidência solar e riscos à saúde dos ambientes.
Os desenhos viários dos Asilos Colônias paulistas nos remetem ao
que Munford (1998) apresenta como urbanismo barroco, cujo sistema de circulação visava
ao controle militar do território e priorizava a visualização e acesso ao palácio.
Fundamentava-se no traçado ortogonal, independente das condições topográficas do
terreno, implantado seguindo radiais.
“O esquema do sítio central, círculos ou praças abertas, dominados
por monumentos, flanqueados simetricamente por edifícios públicos, com
avenidas a partir de tais centros, alterou profundamente todas as dimensões
da construção. Ao contrário da cidade medieval, através da qual se deve
caminhar lentamente, para apreciar suas incessantes transformações de
massa e silhueta, seus detalhes complicados e surpreendentes, pode-se
perceber toda uma cidade barroca quase de um olhar” (Munford, 1998, p.
422/423).
Nos Asilos Colônias tais desenhos tendiam a assumir um traçado
ortogonal apesar de muitas vezes seguirem as condições geológicas e priorizarem a
orientação solar –, a ter amplas avenidas arborizadas elaboradas com a preocupação de
criar visuais que favorecessem as fachadas principais de algumas edificações,
principalmente igrejas.
As edificações normalmente se situavam soltas nos lotes, seguindo
os alinhamentos das ruas e respeitando as insolações. Os muros, quando existiam, não
eram altos nas divisas. Normalmente baixos, eram vazados e decorativos nas fachadas. Os
recuos eram amplos, respeitando critérios de ventilação e iluminação higiênicos e, quando
frontais, favoreciam as fachadas principais das edificações.
3
10
O
s equipamentos de uso coletivo se apresentavam reunidos,
geralmente, em torno de praças cujos desenhos eram conformados de modo que se
valorizassem as fachadas dos prédios principais. Estas se situavam em pontos focais
estabelecidos através de amplas ruas. Pátios em frente às edificações também eram criados
como forma de valorizar suas implantações.
As habitações eram agrupadas seguindo suas tipologias, formando
núcleos habitacionais distintos e que ocupavam, normalmente, grandes áreas. Existiam as
habitações coletivas, definidas como pavilhões, que ocupavam regiões próximas aos
equipamentos coletivos; as habitações geminadas, oferecidas pela instituição para grupos
de mesmo sexo ou casais, as quais compunham núcleos disseminados; as habitações
individuais construídas por particulares, seguindo parâmetros previamente estabelecidos,
normalmente em zonas privilegiadas; as habitações de aluguel e os pensionatos,
disseminados entre as demais.
Os atendimentos médicos e hospitalares se distribuíam em
edificações, comunicantes, compondo um bloco na “Zona Intermediária”. Os serviços de
abastecimento de água ocupavam áreas com topografias favoráveis aos seus
funcionamentos. Os cemitérios, criadouros, serviços de tratamento de esgoto e de
incineração de lixo ficavam distantes das demais ocupações.
Asilo Colônia Santo Ângelo
O Asilo Colônia Santo Ângelo, apesar de ter sido tema do trabalho
elaborado por Caiuby, não se configurou segundo seu planejamento. No entanto, podemos
observar que o zoneamento e a separação entre sãos e doentes marcou sua distribuição.
O acesso a esse asilo se estabeleceu às margens de uma rodovia.
Dele partiam diagonais que distribuíam as edificações da Zona Sã” destinadas às
habitações e ao lazer dos médicos e diretores, separadas dos limites asilares definidos pela
portaria principal. Um longo percurso a distanciava da “Zona Intermediária”.
Na “Zona Intermediária” se estabeleciam, em algumas poucas
amplas quadras, os serviços de manutenção e de abastecimento gerais, a diretoria, as
moradias dos servidores menos graduados e os alojamentos para médicos e convidados.
Seguindo as diretrizes de Caiuby, observamos a presença de uma cadeia, ainda nessa
Zona, situada próxima à portaria de acesso à “Zona Doente”.
3
11
A
partir dessa portaria se encontravam, na Zona Doente”, os
serviços hospitalares, a lavanderia, a igreja e o refeitório, definindo um núcleo de edificações
coletivas, em torno do qual se distribuíam as edificações destinadas aos comércios,
serviços, lazer e diretorias internas, bem como os núcleos habitacionais ocupados por
casais, homens, mulheres e crianças. As habitações se encontram agrupadas seguindo
diferenciações tipológicas definindo “bairros” distintos que certamente refletiam distinções
entre seus ocupantes. Além dos pavilhões de moradia e internamento situados
normalmente isolados em quadras –, existiam os destinados às residências unifamiliares e
às geminadas de acessos paralelos situados em quadras retangulares e os de
habitações geminadas de acessos opostos – situados em quadras estreitas e alongadas.
G
rupo de casas unifamiliares do Aslio Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
G
rupo de casas geminadas de acessos opostos do Aslio Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula
S. da Costa).
O sistema viário principal define a ortogonalidade do desenho
urbano, parcialmente rompida pela inserção das praças destinadas à implantação do
Cine Teatro e da Igreja católica, como também pela existência de vias diagonais que
buscavam favorecer as visuais de algumas edificações de uso coletivo, como pavilhões
habitacionais e hospitalares. Ruas amplas fazem a distribuição dos fluxos viários principais e
separam os núcleos habitacionais da colônia, ruas normalmente arborizadas, seguindo as
áreas verdes que permeiam as edificações. As demais ruas apresentam menor porte.
3
12
P
raça do complexo esportivo do Aslio Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
V
ista aérea da praça do complexo esportivo do Aslio Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro
de Souza Lima).
1 - Cine teatro; 2 – Igreja; 3 – Refeitório; 4 – Ambulatório; 5 - Pavilhão feminino; 6 - Pavilhão de meninas; 7 - Pavilhão de meninos;
8 - Pavilhão hospitalar; 9 - Quadra de esportes; 10 e 11 - Pavilhão Masculino; 12 – Carvilles; 13 - Cassino, Armazéns e Serviços gerais;
14 - Portaria da colônia; 15 e 16- Núcleos de habitações para doentes,; 17 - Zona Intermediária de serviços e alojamentos de sadios;
1
8
-
Z
ona Sã de habitações e Portaria principal
;
19
Cadeia
;
20
-
Lavanderia e Pavilhão Psiquiátrico
.
3
13
Implantação do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
14
Asilo Colônia Padre Bento
Situado às margens da Avenida Emílio Ribas, o Asilo Colônia Padre
Bento, pela sua característica inicial de abrigar provisoriamente os doentes que seriam
destinados aos demais estabelecimentos asilares ou que receberiam alta, além de priorizar
o internamento de crianças hansenianas, configurou-se em uma menor dimensão.
Apresentava, em relação aos demais, poucas edificações residenciais e menor rigidez no
convívio de sãos e doentes, mesmo o diretor residia em uma região próxima à dos internos.
Por se situar próximo à cidade de São Paulo o que garantia fácil
acesso aos servidores, médicos e visitantes –, somente o diretor e os médicos responsáveis
residiam nas instalações asilares, definindo a ausência de uma “Zona Sã”. Tal proximidade
favorecia, ainda, a participação e o investimento de grupos da elite paulistana, como o do
Rotary Club, na construção de suas instalações, dando-lhe tratamento estético mais
elaborado, contribuindo para que o Padre Bento fosse um cartão postal do sistema.
O acesso principal se dava por uma portaria, situada numa praça,
seguida por dois pavilhões, separados pela presença da drogaria e destinados ao
asilamento de menores. Essas edificações estavam situadas em uma única quadra e
compunham os limites laterais do complexo, juntamente com um agrupamento de
residências e de serviços de lavanderia. Ainda próximo ao acesso principal estavam
situados os serviços de atendimento médico-hospitalares guarnecidos por um belo
pergolado que servia ao lazer dos internados.
O núcleo do desenho urbanístico do Padre Bento se definia pelas
instalações do antigo hospital psiquiátrico adquirido pelo estado. Estavam isoladas das
outras edificações, à frente do campo de futebol, no centro de uma praça situada no final de
uma rua ampla que se comunicava com a avenida de acesso, elementos que lhes garantiam
a essas instalações um amplo potencial de visualização. À direita delas, delimitando a outra
lateral do complexo, existia uma avenida arborizada por onde se distribuíam habitações
destinadas aos doentes.
3
15
Q
uadra de futebol do Asilo Colônia Padre Bento, ao fundo o antigo prédio do hospital psiquiátrico
(Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
P
raça de esportes do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Essa avenida residencial margeava o campo de futebol e terminava
no chafariz de uma ampla praça de desenho geométrico e irregular que abrigava o Cine
Teatro, a Igreja Católica, a Sede da Caixa Beneficente, o Centro de Aprendizagem e um
amplo Pavilhão Hospitalar. Em áreas mais distantes do complexo situavam-se as oficinas e
o centro espírita e, deslocadas do sistema viário, haviam as habitações do diretor e do
médico.
R
ua habitacional do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Aos fundos do Asilo Colônia Padre Bento existiam, ainda, grupos de
habitações para doentes, a habitação do diretor e setores de serviços e comércio. Seus
limites posteriores eram ocupados por chácaras, cujos criadouros supriam as necessidades
locais, e pela central de tratamento de esgotos e de incineração.
1 - Portaria principal; 2 - Pérgula,; 3 - Pavilhão hospitalar; 4 - Setor Administrativo; 5 - Diretoria, alojamento e almoxarifado; 6 - Drogaria e Unidade de menores;
7, 8 , 9 e 18 - Habitações de doentes; 10 - Praça de esportes; 11 – Lavanderia; 12 - Praça do Cine teatro, Igreja católica, Caixa beneficente e Centros de
Aprendizagem; 13 - Pavilhão hospitalar; 14 - Lavanderia hospitalar; 15 – Chácaras, Criadouros, Central de tratamento de esgoto e Incinerador;
6
-
Centro espírita e Oficinas
;
17
-
Habitações de
servidores sadios.
3
16
Implantação do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Hospital Padre Bento).
3
17
Asilo Colônia Pirapitingui
O Asilo Colônia Pirapitingui se estabeleceu em uma grande área
definida por uma rodovia e por uma jusante fluvial, cuja declividade topográfica influenciou
sua implantação. A rodovia separava a “Zona Sã” – onde residiam médicos e demais
servidores, apoiados por uma área de lazer com piscina e quadra esportiva da Portaria
principal do complexo.
Seu sistema viário interno era bastante irregular e priorizava o
acesso facilitado, por amplas vias, a todas as partes do complexo. Apresentava grandes
quadras para o agrupamento de habitações, enquanto os prédios institucionais ficavam
isolados em quadras menores, recuados dos alinhamentos, valorizando suas fachadas.
P
raça com coreto do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Logo após a portaria principal estavam situadas, na “Zona
Intermediária”, as edificações da diretoria e dos serviços de manutenção e abastecimento
gerais, rodeados por vegetação. Seguia-se o sistema de armazenamento e de distribuição
de água e, após um longo caminho, surgia uma grande cadeia que abrigaria não somente
os infratores internos, mas presos condenados que adquirissem a hanseníase. Não
identificamos uma segunda portaria como a existente na maioria dos demais
estabelecimentos.
Ao lado da “Zona Intermediária” estava o campo de futebol e a
quadra esportiva para onde se voltava a fachada principal da igreja católica, que podia ser
vista da rodovia. Ao redor dessa igreja existiam uma praça e uma grande área verde.
Próximo a ela ficava o núcleo central do complexo que era ocupado pelas habitações
distribuídas, seguindo amplos recuos, nos grandes quarteirões, proporcionando espaçosos
quintais para cada unidade. Percebemos a presença valorizada, nesta região, de um centro
espírita que, nas demais instituições, ficava em lugares mais afastados.
3
18
N
uma lateral deste núcleo central havia um grupo de edificações
hospitalares abrangendo grandes pavilhões. Ao final de uma via residencial se encontravam
dois centros psiquiátricos cujas proporções físicas de internamento definiam o Pirapitingui
como principal destino dos doentes de hanseníases que apresentassem problemas mentais.
Observamos a situação do cemitério curiosamente próximo das moradias. Talvez o fato de
se enterrarem doentes em meio aos doentes refutasse os receios quanto ao risco de
contaminação pelo cemitério em uma área habitacional.
Vista aérea do Asilo Colônia Pirapitingui com pavilhão hospitalar ao centro e cemitério ao fundo
(A
cervo do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
Na outra lateral do núcleo podemos observar o Cine Teatro, o
refeitório, um grupo de pavilhões e algumas praças. Percebe-se que, apesar de numerosos,
os espaços de lazer não são muito expressivos na composição do desenho do Pirapitingui.
Aviário da praça do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
1
- Zona Sã com residências de médicos e servidores; 2 - Portaria principal;
3 - Diretoria e Serviços; 4 - Praça da Igreja católica; 5 - Quadra de esportes;
6 - Cadeia; 7- Pavilhões hospitalares; 8 e 9- Pavilhões de isolamento
psiquiátrico; 10 - Cemitério; 11 - Refeitório; 12 - Pavilhões habitacionais;
13 - Centro espírita; 14, 17,18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 - Núcleos habitacionais;
15 - Serviços; 25 - Olaria; 26 - Cine teatro.
3
19
I
mplantação do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro
Arantes).
3
20
Asilo Colônia Cocaes
O acesso ao Asilo Colônia Cocaes se dava por uma vicinal à rodovia,
definindo sua situação distante do núcleo urbano. Seu terreno acidentado influenciava na
configuração e distribuição das edificações. Primeiramente se acessava a “Zona Sã”,
estabelecida como um pequeno grupo residencial destinado ao diretor, aos médicos e
servidores, com amplo jardim, playground e piscina. Adiante se localizava a portaria
principal e, em seguida, a “Zona Intermediária”, cujas edificações que abrigavam os
serviços, abastecimentos gerais e também a diretoria, distribuíam-se em uma via
perpendicular à principal.
O Asilo Colônia Cocaes apresentava baixa densidade ocupacional e
possuía, distintamente dos demais, um desenho baseado em uma estrutura radial definida
pelo agrupamento de prédios de serviços e lazer destinados aos doentes, onde cada
construção ocupava uma quadra isolada valorizando todos os lados de suas fachadas. No
entorno desse grupo se distribuíam grandes quadras irregulares destinadas aos núcleos
habitacionais dos internos, divididos segundo as tipologias construídas: cada casa contava
com afastamentos laterais, quintal e se apresentava alinhada ao arruamento.
R
ua residencial do Asilo Colônia Cocaces (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Entre a “Zona Intermediária” e os cleos habitacionais encontrava-
se o refeitório e um grande número de pavilhões hospitalares e habitacionais, distribuídos, a
exemplo do Carville norte-americano, ao longo de um imenso corredor. Dentre estes
pavilhões existiam instalações destinadas exclusivamente aos doentes com perturbações
mentais. Separadamente, numa das extremidades dos pavilhões, estava estabelecida a
cadeia e, mais adiante, quase no limite do complexo, o campo de futebol com uma grande
arquibancada coberta.
3
21
A
grupamento de pavilhões conjugados (Acervo do Centro de Reabilitação Casa Branca).
P
avilhões conjugados do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
O edifício destinado ao Cassino estava separado do Cine Teatro e
isolado em um amplo espaço vazio, ambos recuados das vias de acesso. O fundo da praça
central permitia a visão da igreja católica, situada seguindo o eixo central. Ao seu lado se
estabeleciam a quadra de esportes e um grupo de pavilhões, isolados em um amplo espaço.
C
oreto da praça do cine teatro do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
A parte posterior da implantação do Cocaes abrigava, ainda, outro
grupo de pavilhões, residências rurais e os criadouros de animais. Não identificamos a
localização do cemitério nem dos sistemas de tratamento de esgoto e de incineração, que
acreditamos estarem afastados.
1
- Zona de habitações para dicos e servidores; 2 - Portaria principal; 3 - Diretoria e
administração; 4 - Cadeia; 5 e 6 - Pavilhões habitacionais e hospitalares; 7 - Refeitório; 8 - Praça de
Serviços; 9, 10, 14, 15 e 16 - Núcleos residenciais; 11 - Cassino; 12 - Igreja católica; 13 - Quadra de
esportes e pavilhões; 17 - Campo de futebol; 18 - Criadouros; 19 - Pavilões habitacionais; 20 - Praça
do Cine teratro .
3
22
I
mplantação do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Centro de Reabilitação Casa Branca).
3
23
Asilo Colônia Aymorés
O Asilo Colônia Aymorés foi estabelecido também distante do centro
urbano, próximo da rodovia que ligava Bauru a Jaú. Sua extensa implantação se configurou
de forma ortogonal, seguindo um eixo central de distribuição, amparado por uma longa
avenida.
Distintamente, o Aymorés possuía dois acessos, um passando pela
“Zona Sã” e outro direcionado à portaria principal. A “Zona Sã”, assim como nos demais
estabelecimentos, situava-se antes da portaria principal e abrigava, ao longo da via
principal, as edificações destinadas às residências de médicos e servidores graduados e,
perpendicularmente a essa via, as habitações geminadas dos servidores menos graduados.
Após a portaria encontrava-se a “Zona Intermediária”, onde estavam localizadas as
instalações para os serviços de manutenção e abastecimento gerais, os alojamentos para
médicos e convidados, a diretoria e o reservatório de água.
A
venida central do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Ainda na “Zona Intermediária” encontrava-se, sobre o eixo central,
parte dos pavilhões hospitalares, certamente destinada à pesquisa e ao uso exclusivo de
sadios. Após a portaria secundária, que aqui podemos identificar como parlatório, na “Zona
Doente” se estabeleciam a outra parte das instalações hospitalares, o refeitório e os
serviços de manutenção destinados aos doentes de hanseníases. Seguia-se, ainda, um
grupo de pavilhões habitacionais, ladeados por uma rua de unidades habitacionais. As
instalações hospitalares e os pavilhões formavam um núcleo central e estavam distribuídos
3
24
ao longo de um corredor, a exemplo do que observamos no Cocaes e no Carville norte-
a
mericano.
V
ista aérea do Asilo Colônia Aymorés com pavilhões centrais comunicantes ao fundo (Acervo do
Instituto Lauro de Souza Lima).
A
v. “Correio da Noroeste” do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Logo depois desse elemento central, encontrava-se uma ampla
praça onde estavam o Cine Teatro e a Igreja Católica. Um dos lados dessa praça
apresentava mais um grupo de pavilhões que acessavam o núcleo esportivo e, no outro,
existiam os estabelecimentos de comércios e serviços internos aos doentes. Nos fundos da
igreja estavam os demais núcleos habitacionais e ainda uma porção de pavilhões alinhados.
3
25
O cemitério se situava em uma região distante da ocupação asilar, seguindo o sentido das
e
dificações rurais existentes, curiosamente acessíveis pela “Zona Intermediária”.
P
raça do cine teatro do Asilo colônia Aymorés, nota-se que ainda não existia a Igreja Católica (Acervo
do Instituto Lauro de Souza Lima).
P
raça de esportes do Asilo colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
1- Pavilhão de atendimento hospitalar; 2 - Refeitório e Serviços; 3 - Pavilhões de internamento; 4, 9 e 12 - Pavilhões habitacionais;
5 - Praça da Igreja católica e do Cine teatro; 6 - Portaria da Zona doente; 7- Manutenção; 8 - Quadra de esportes,
10 - Comércio e serviços; 11 - Criadouros; 13 - Zona Sã de residência dos médicos e servidores; 14 - Portaria Principal; 15 - Diretoria e administração,
16 – Manutenção; 17 - Abastecimento de água e distribuição de energia; 18 - Habitações rurais; 19, 20, 21, 22 - Núcleos habitacionais.
3
27
5.3 Arquitetura dos Asilos Colônias paulistas
A
escassez de materiais gráficos originais das edificações
compromete a avaliação da distribuição em planta dos programas construtivos assim como
a identificação precisa do período das construções. No entanto, com base nas poucas
plantas antigas localizadas, nas fotografias históricas e no levantamento de edificações
remanescentes cujas características se mantiveram originais –, pudemos observar que a
maioria das construções erguidas nos Asilos Colônias sejam elas residenciais ou de uso
coletivo remete à forma conhecida como bangalô, seguindo as estruturas propostas por
Caiuby. Identificamos também que as tendências estéticas e compositivas prevalecentes se
vinculavam ao Ecletismo e ao Art-Déco.
Segundo Ramalho (1989), a arquitetura eclética dissemina-se no
Brasil numa época em que ocorriam intensas mudanças econômicas visando à inserção do
país na economia mundial objetivo também presente no desenvolvimento das políticas de
saúde nacionais e paulistas. A autora afirma que o processo de internacionalização
econômica se refletiu na internacionalização de “ideologias e padrões de consumo”,
inclusive na arquitetura.
São Paulo, ainda após a Independência, manteve características de
uma cidade colonial. No entanto, a prosperidade trazida pela economia cafeeira, na segunda
metade do século XIX, e a importação de cultura, produtos e mão-de-obra estrangeira
contribuíram para a implantação de novas linguagens construtivas. As antigas edificações
davam lugar à imagem de progresso, onde:
“A variedade passou a compor o cenário sem repetições, mas, ao mesmo
tempo, homogeneizado pelas mesmas regras de composição, pelos
mesmos ritmos de envazaduras que ganhavam predomínio sobre os cheios
das alvenarias, as mesmas platibandas, os mesmos gabaritos reguladores.
Era o Ecletismo” (Lemos, 1987, p. 74).
Lemos
23
(1987) vincula o Ecletismo a um movimento de renovaç
ão
artística, classicizante e historicista. Segundo sua subdivisão proposta para o Ecletismo
paulista, identificamos que as características construtivas de grande parte das edificações
dos Asilos Colônias se filiam ao Neocolonial. Segundo o autor, este estilo se popularizou por
buscar caracterizar a expressão arquitetônica seguindo preceitos tidos como tradicionalistas
brasileiros.
23
Carlos A. C. Lemos será aqui bastante utilizado pelo fato de suas obras serem referência no estudo
e na descrição de obras Ecléticas Neocoloniais paulistas.
3
28
Lemos (1989) acredita que a conferência proferida, em 1914, pelo
e
ngenheiro português Ricardo Severo chamando a atenção à necessidade de uma
expressão nacionalista confrontante ao Ecletismo de modelo europeu, buscando despertar o
patriotismo brasileiro através do reaproveitamento de antigas manifestações artísticas da
sua origem colonial –, o impulso inicial das encomendas projetuais do então prefeito de São
Paulo, Washington Luiz “alertado ou não por Severo”, buscou conhecer e estudar a
“primitiva arquitetura dos bandeirantes” e os projetos elaborados pelo arquiteto, franco-
argentino, Victor Dubugras acompanhante de Washington Luiz nas viagens de
levantamento arquitetônico foram acontecimentos precursores da implantação do
Neocolonial em São Paulo.
O êxito da difusão do Neocolonial se deu em decorrência da ampla
aceitação, principalmente pela classe média, da idéia nacionalista, e da paralisação na
importação de materiais de construção que subsidiavam as demais tipologias de edificações
Ecléticas. Arquitetos de renome, mestres-de-obras e a população em geral realizavam obras
Neocoloniais ao seu modo, com ampla improvisação e criatividade. Não se copiavam as
soluções construtivas coloniais, pois, segundo Lemos (1987), estas eram pobres e
despojadas” e “não emocionavam ninguém”. Buscava-se adaptar elementos de tipologias
específicas como os das igrejas às demais construções. Duas vertentes marcaram esta
propagação: a primeira, ortodoxa, baseada em fontes primárias de inspiração que exigiam
maiores recursos construtivos; e a segunda, simplificada, baseada em técnicas construtivas
mais econômicas que atendiam à nova estética.
Lemos (1987) afirma também que outro fator favorável ao
Neocolonial foi à propagação pelo cinema e pela imprensa de “surtos nacionalistas” que
valorizavam a estética do estilo Missões, em outros países americanos.
Podemos caracterizar o Neocolonial principalmente por apresentar
elementos como: telhas tradicionais em telhados movimentados, cumeeiras projetadas
perpendicularmente à fachada principal, decoração simulando madeiramento sob a
cumeeira, profundos beirais em estuque com falsos cachorros ou lisos, frontões, cunhais e
pilastras em pedra (muitas vezes falsas), faixas de argamassa nas fachadas principais,
faixas lisas ou ornamentadas em torno das quatro fachadas seguindo a altura das vergas
das janelas, colunas jônicas, balcões no pavimento superior, guarda-corpos ornamentados
com arcos desencontrados, jardineiras nos peitoris de janelas, pequenos ou grandes vitrais
(Lemos, 1987, 1989).
3
29
Nos Asilos Colônias paulistas as habitações destinadas aos
s
ervidores mais graduados normalmente ficavam situadas na “Zona Sã” e se apresentavam
como bangalôs. Muitas reproduziam as soluções espaciais e formais sugeridas por Caiuby,
algumas chegavam a ser exatamente como ele propusera.
A singularidade e a dimensão da habitação eram proporcionais à
importância do cargo. Os servidores intermediários ocupavam as mesmas construções
térreas informais, de pequeno porte. No Asilo Cocaes identificamos um exemplar
característico do modelo. Situado sobre um porão de ventilação, configurava-se como um
volume simples e regular, coberto com telhado de quatro águas, seccionado por uma
lucarna de duas águas sobre o pórtico de entrada, formando uma empena ornamentada
imitando tabiques de chalés. Por estar restrita aos recuos do lote, somente a fachada
principal apresentava elementos decorativos como relevos simulando colunas, tijolos
aparentes, faixa sobre a verga da janela e peitoril ressaltado. Venezianas externas, janelas
do tipo guilhotina reticuladas e portas com bandeiras em vidro também eram comumente
utilizadas.
H
abitação de servidor graduado do Asilo Colônia Cocaes (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
30
Seu programa construtivo se configurava respeitando um eixo
tr
ansversal. O acesso se dava pelo pequeno terraço que alcançava a sala comunicante com
a cozinha e com o quarto da frente. Pela cozinha se chegava ao terraço posterior e ao
corredor por onde se distribuíam os demais quartos e o banheiro. Essa edifcação possuía,
ainda, garagem e lavanderia externas.
P
lanta de habitação de servidor graduado
do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do
Centro de Reabilitação Casa Branca).
No Asilo Colônia Padre Bento encontramos um exemplar
semelhante, cuja implantação no lote garantia uma volumetria irregular que se refletia na
movimentação do telhado promovendo a inserção de lucarnas sobre as janelas dos quartos
e a ornamentação da fachada lateral. Essas janelas, venezianas com guilhotinas,
apresentavam molduras que, acompanhando o estuque que escondia o beiral, compunham
jogos de relevo com as faixas sobre a empena das janelas e sobre o soco. Contava com um
pequeno porão de ventilação e seu terraço era guarnecido por balaustradas. Apresentava
colunas retangulares com mísulas escalonadas.
3
31
H
abitação do administrador do Asilo Colônia Padre Bento (Schujman, 1937, p.64).
O acesso ao terraço se dava por uma pequena escada. Por ele se
alcançava a sala de estar, que se conjugava com a copa, segundo o alinhamento do eixo
transversal. Seguia-se a cozinha, que possuía um nicho para armário, e a escada posterior
que acessava a área de serviços. A copa se comunicava com o corredor que acessava os
dois quartos e um banheiro. Um dos quartos também apresentava nicho para armário,
elemento característico do bangalô.
Planta da habitação do administrador do
Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do
Hospital Padre Bento).
3
32
Distintamente, a residência destinada ao diretor do Padre Bento se
e
ncontrava isolada em uma quadra na colônia dos doentes de hanseníases. Acreditamos
que as distinções de isolamento empregadas no Padre Bento permitiam essa situação.
Tal construção se configurava como um típico bangalô anglo-
indiano, sendo formada por um único volume térreo cuja cobertura de quatro águas, em
telha cerâmica, formava um terraço ao longo de três fachadas e se sustentava em finas
colunas de madeira que compunham o guarda-corpo vazado. Possuía um prolongamento do
beiral frontal e lucarna de duas águas sobre uma vidraça reticulada.
O acesso se dava por uma escada reta, sem corrimão, que
alcançava o amplo terraço, para onde se abriam quase todas as janelas existentes. A Sala
de Estar possuía três portas de entrada, simetricamente dispostas. Conjugando-se com a
Copa, a sala de estar distribuía as aberturas da maioria dos cômodos ou de seus acessos. A
Copa se comunicava com a Cozinha, que acessava uma lateral do terraço que possuía duas
outras escadas, uma das quais alcançava a Área de Serviço anexa.
Essa residência possuía cinco dormitórios intercomunicantes, dois
acessíveis pela sala (um deles com acesso externo independente), e os demais distribuídos
ao longo do corredor central. Este corredor alcançava o lavatório e o banheiro (separados) e
isolava, da parte social da casa, o grupo posterior de dormitórios, cujas janelas se abriam
para os fundos da edificação. A distribuição de seus ambientes se estabelece de forma
assimétrica.
H
abitação do diretor do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
33
P
lanta da habitação do diretor do Asilo Colônia Padre Bento: as aberturas dos quartos foram editadas
seguindo recortes existentes no desenho original (Acervo do Hospital Padre Bento).
Outro segmento habitacional destinado aos sadios se localizava,
normalmente, na “Zona Intermediária” e servia de alojamento para médicos e visitantes
convidados. O exemplar existente no Asilo Colônia Santo Ângelo se configurava com uma
volumetria movimentada e simétrica, que se refletia na geometria do telhado. O bangalô
descrito foi construído sobre um porão ventilado com aberturas incrustadas no
embasamento. Possuía acesso central por meio de um terraço com escada guarnecida por
mureta e cobertura sustentada por colunas retangulares, cujos ornamentos superiores
definiam o alinhamento da faixa em relevo que acompanhava a empena das janelas e
arrematava o estuque, o qual forrava o beiral. A empena sobre o acesso remetia aos
tabiques dos chalés, um recurso estético recorrente na maioria dos edifícios do tipo bangalô.
Seu programa refletia a necessidade de abrigar diferentes tipos de
pessoas. Desenvolvia-se seguindo o eixo transversal que estabelecia um espaço social
composto pelos terraços, de acesso principal e posterior, e pelas salas centrais que se
comunicavam com os dois grupos opostos de dormitórios. Estes apresentavam diferentes
3
34
tamanhos que definiam suas ocupações. O grupo maior contava com três dormitórios e se
s
ituava no lado em que existia um banheiro. O menor era composto por dois dormitórios que
se alinhavam com a ampla copa/cozinha e com a despensa, dotadas de nichos para
armários.
A
lojamento de médicos do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro
de Souza Lima).
Planta do alojamento de médicos do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do
Hospital Regional Santo Ângelo).
3
35
As casas geminadas dos Asilos Colônias, existentes nas Zonas Sãs
e
Intermediárias, abrigavam mais de duas unidades habitacionais destinadas às pequenas
famílias de servidores sadios menos graduados. Esta tipologia foi bastante difundida pelas
vilas operárias. Sua configuração favorecia a economia construtiva e um maior
aproveitamento territorial.
O Asilo Colônia Cocaes possuía um exemplar geminado que
abrigava unidades com acessos contíguos, cujas janelas dos ambientes se distribuíam na
frente e nos fundos, exceto para as situadas nas extremidades do bloco, que podiam
apresentar janelas nas laterais.
T
ipologia habitacional geminada para funcionários menos graduados do Asilo Colônia Cocaes
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
O Asilo Colônia Santo Ângelo contava com um bloco de habitação
geminada de três unidades, configurada como um volume retangular simples, sem
ornamentos, com janelas venezianas e guilhotinas, coberto por um telhado de quatro águas.
Sua planta seguia a simetria dos eixos longitudinal e transversal,
apresentava uma sala que acessava um dormitório frontal e um corredor central que
distribuía os acessos ao quarto posterior, ao pequeno banheiro e à cozinha, que se
comunicava com os fundos da edificação.
3
36
T
ipologia habitacional geminada para funcionários menos graduados do Asilo Colônoia Santo Ângelo
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta de unidade habitacional de tipologia geminada para
funcionários menos graduados do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo
do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
37
A “Zona Intermediária” contava com edificações destinadas aos
s
erviços executados pelos servidores sadios, entre elas estava a Administração. Esta se
configurava de forma semelhante em quase todos os Asilos Colônias paulistas. O Aymorés
possuía um bangalô isolado, dotado de mansardas de ventilação no telhado que protegia
uma volumetria simétrica e movimentada. Implantado sobre porão ventilado, seu acesso se
dava pelo terraço frontal, amparado por guarda-corpo simples e colunas retangulares que
apoiavam o prolongamento do beiral, por meio de uma pequena escada reta sem peitoril. As
janelas frontais possuíam folhas de abrir com esquadrias reticuladas e apresentavam peitoril
ressaltado, enquanto as demais possuíam venezianas com guilhotinas. Não apresentava
ornamentação, somente uma faixa em relevo que arrematava o estuque que encobria o
beiral.
Sua planta, simétrica transversalmente, abrigava ambientes
denominados dormitórios e que serviam de salas para os procedimentos administrativos.
Essas apresentavam banheiros privativos e se comunicavam com a sala central, que
possuía câmaras de depósito e acessava o terraço de entrada.
A
dministração do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
38
P
lanta da administração do Asilo Colônia Aymorés (Acervo da Caixa Beneficente do Instituto Lauro
de Souza Lima).
Outra edificação destinada aos serviços, recorrente na composição
dos complexos asilares, era o almoxarifado, situado na “Zona Intermediária”, era formado
por três blocos de geometrias regulares, compostos em forma de “H. Os dois blocos
transversais eram cobertos por telhados de quatro águas, que acomodavam aberturas para
ventilação em suas empenas, e o telhado do bloco longitudinal, interceptava os demais e
possuía duas águas com beirais prolongados, suportados por mãos francesas. A disposição
das aberturas nas fachadas reforçava a noção de simetria da construção. Possuía janelas
basculantes envidraçadas, de caixilhos metálicos, e portas de enrolar metálicas com
bandeiras envidraçadas reticuladas.
Seu programa incluía, além de depósitos para produtos e
equipamentos, uma padaria que atendia ao consumo dos sãos e doentes. Sua planta seguia
a regularidade de seus volumes, abrigando os ambientes necessários para o processo e
distribuição da panificação, em um dos blocos transversais e, nos demais, amplos espaços
de armazenagem. Os acessos se davam por escadas retas, sem corrimão, que alcançavam
as portas de aceso e a plataforma elevada de descarga de veículos.
3
39
A
lmoxarifado do Asilo Colônia Pirapitingui, igual aos existentes no Aymorés e Santo Ângelo (Acervo
de Ana Paula S. da Costa).
Fachada e planta do almoxarifado presente nos Asilos Colônias Pirapitingui, Aymorés e Santo Ângelo
(Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
40
A
s habitações destinadas aos doentes se distribuíam, na “Zona
Doente”, em núcleos residenciais compostos por edificações padronizadas segundo a
tipologia adotada. Eram ocupadas por casais, membros da mesma família, ou por grupos de
pessoas do mesmo sexo. Estas configuravam-se como bangalôs simplificados e poderiam
ser unifamiliares ou geminadas. Apresentavam pequenas alterações, quando resultavam de
investimentos particulares.
No Asilo Colônia Padre Bento identificamos um modelo unifamiliar
seqüencial, solto no lote e sem muros de divisa, alinhado com o recuo frontal. Apresentava
volumetria simples, movimentada pela presença, sobre a janela do quarto, de uma lucarna
que seccionava o telhado regular de quatro águas. Apresentava esquadrias de madeira do
tipo veneziana com guilhotinas envidraçadas e reticuladas distribuídas na frente, nos fundos
e em uma lateral, criando uma fachada cega na outra. O terraço no canto definia dois
acessos e tinha sua cobertura sustentada por colunas retangulares, ornamentadas pelo
engrossamento da base e por capitéis simplificados e espaçadas por jardineiras baixas.
Apresentava relevos nas paredes emoldurando as janelas, acompanhando o estuque de
forração dos beirais e o embasamento.
Sua planta possuía uma pequena sala centralizada, organizando a
distribuição do programa. Por ela se acessavam a cozinha, que possuía nicho para armário,
os dois quartos e o terraço em “L”. Os quartos se comunicavam com um corredor que
alcançava o banheiro. Pela cozinha se chegava aos fundos e à área de serviços anexa.
Percebe-se que a importância dada à implantação do terraço comprometeu o alinhamento
da parede central longitudinal e o dimensionamento da sala.
Rua de habitações unifamiliares do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo
do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
41
P
lanta térrea de habitação isolada do Asilo Colônia Padre Bento
(Acervo do Hospital Padre Bento).
Outro modelo seqüencial unifamiliar foi identificado no Asilo Colônia
Santo Ângelo. Este também possuía uma fachada cega e se configurava como um volume
irregular, com telhado principal de duas águas secionadas por duas lucarnas, situadas sobre
um eixo transversal. A lucarna frontal demarcava o terraço de acesso cuja empena era
ornamentada simulando tabiques de chalés. A janela frontal, sobre a qual existia uma faixa
em relevo acompanhando o estuque que encobria o beiral, era de abrir e envidraçada com
caixilho reticulado em madeira,. Ao longo deste observamos cachorros simplificados.
Sua planta seguia um eixo transversal de distribuição que
demarcava a separação dos dois quartos dos setores social e de serviços. O acesso à sala,
que se comunicava com os quartos e com a cozinha, dava-se pelo terraço. O banheiro
ficava no fundo, acessível por um corredor comunicante com a cozinha e com a saída para
o quintal.
Rua de habitações isoladas do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
3
42
P
lanta de habitação isolada do Asilo Colônia Santo Ângelo
(Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
O Asilo Colônia Cocaes apresentava uma versão modesta deses
modelos. Um volume irregular coberto com um telhado de duas águas com quedas para a
frente e o fundo da edificação, cobrindo também o terraço. Este se apresentava ressaltado
na fachada e possuía colunas de sustentação da cobertura, retangulares e lisas, separadas
por mureta. A janela frontal era de abrir, também envidraçada com caixilho reticulado em
madeira, com faixa em relevo sobre sua verga, acompanhando a forração do beiral em
estuque.
Seu programa se desenvolvia seguindo o eixo transversal que
separava, como o modelo anterior, a área social dos dois quartos. O acesso se dava pela
sala que se comunicava com o terraço coberto, com um dos quartos e com um corredor que
distribuía o banheiro, o outro quarto e a cozinha. Esta acessava uma saída para o quintal.
3
43
R
ua de habitações isoladas do Asilo Colônia Cocaes (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
P
lanta de habitação isolada dos Asilos Colônias Cocaes e
Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
As residências construídas pelos próprios internos normalmente
ocupavam núcleos diferenciados e resultavam em variações dos padrões. No Santo Ângelo
localizamos uma habitação destinada a um casal, a qual apresentava uma bow window
embutida no que seria o terraço lateral, mas que seguia a mesma forma e planta do modelo
anteriormente apresentado.
3
44
H
abitação de casal do Asilo Colônia Santo Ângelo(Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
P
lanta de habitação de casal do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital
Regional Santo Ângelo).
3
45
Identificamos também a existência de tipologias habitacionais
a
daptadas às diferentes condições topográficas e de uso. No Asilo Colônia Aymorés existia
um grupo de residências unifamiliares, num desnível do terreno, as quais apresentavam
porão habitável ventilado e iluminado. Suas volumetrias regulares se alinhavam com o limite
frontal dos terrenos e com os recuos laterais, onde não havia muros de divisa. Eram dotadas
de quatro águas segmentadas pela lucarna existente sobre o terraço lateral, que criava uma
empena decorada com relevos simulando tabiques de chalés. Algumas dessas residências
apresentavam cunhais decorados e faixas ornamentadas sobre as vergas das janelas
emolduradas, acompanhando o revestimento de estuque aplicado nos beirais de madeira.
Sua planta seguia um alinhamento transversal que separava o setor
social e de serviço do setor íntimo, composto pelos quartos. A entrada à sala que se
comunicava com o dormitório frontal e com um corredor que distribuía os acessos ao outro
quarto, à cozinha a ao banheiro no fundo – dava-se pelo estreito terraço lateral. Pela
escada, que surgia do fundo da cozinha, alcançava-se o pavimento inferior onde existiam a
área de serviços e outros cômodos de uso diverso que poderiam, também, abrigar outros
internos.
Habitação para casal do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
46
P
lanta de habitação para casal presente nos Asilo Colônias Aymorés e Padre Bento (Acervo do
Hospital Padre Bento).
As habitações dos doentes localizadas nas regiões afastadas,
destinadas à criação de animais e às plantações, eram denominadas rurais. Identificamos
tais exemplares existentes no Asilo Colônia Aymorés. Possuíam volumetria semelhante à
das demais situadas nos núcleos residenciais. No entanto, apresentavam maior
distanciamento em relação ao vel do solo e habitações próximas. Possuíam telhados de
duas águas com lucarna sobrepostos à cobertura do terraço. Suas fachadas somente
possuíam ornamentações nas empenas, simulando tabiques de chalés, e suas esquadrias
originais eram venezianas de madeira sobre guilhotinas envidraçadas reticuladas.
Seu programa construtivo se desenvolvia seguindo um eixo
transversal que separava os ambientes íntimos dos sociais e de serviço, uma disposição
freqüentemente identificada nas habitações dos complexos asilares. O acesso à sala se
dava pelo terraço lateral, se comunicava com os dois pimeiros dormitórios e com o corredor
que concentrava as entradas ao último dormitório, ao banheiro e à cozinha. Curiosamente, a
cozinha não se comunica diretamente com a sala e apresenta um amplo terraço anexo que
abrigava a área de serviços e conduzia ao quintal.
3
47
T
ipologia habitacional rural para doentes do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da
Costa).
T
ipologia habitacional rural para doentes dos
Asilos Colônias Aymorés e Cocaes (Acervo do
Centro de Reabilitação Casa Branca).
Além das habitações geminadas destinadas aos servidores sadios,
encontramos esta tipologia, com apenas duas unidades, abrigando exclusivamente os
doentes. Seguindo projetos padronizados, seus agrupamentos compunham núcleos
homogêneos. Suas composições volumétricas davam a aparência de unidade.
3
49
No Asilo Colônia Pirapitingui localizamos um exemplar geminado
s
emelhante ao do Aymorés, porém menos ornamentado. Este apresentava, além da
empena esconsa sob os terraços centrais, mansardas de ventilação seccionando duas faces
das quatro águas da cobertura longitudinal.
Sua planta se configurava de forma que, diferentemente da anterior,
o setor de serviços e o social se concentrassem no centro da edificação, isolando os quartos
nas extremidades. O acesso pelo terraço alcançava a sala que distribuía os dois quartos e a
cozinha de cada unidade. O acesso ao sanitário (não identificamos um banheiro)
curiosamente se dava por fora da construção.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Pirapitingui
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Planta e fachada de tipologia habitacional geminada
para doentes do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do
Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
3
50
Um exemplar residencial geminado encontrado no Asilo Colônia
S
anto Ângelo apresentava ornamentação na fachada definida por arcos apontados
eqüiláteros nos acessos e por losangos vazando o guarda corpo dos terraços e em relevos
sobre o plano projetado da fachada e nas esquadrias.
Sua planta seguia a setorização do modelo anterior, definindo no
eixo central os serviços e os espaços sociais e, nas extremidades, as áreas privativas. O
acesso pelo terraço alcançava a sala, que se comunicava com os dois quartos e com um
corredor que dava acesso ao banheiro e à cozinha. Esta se localizava nos fundos e, por
meio de uma escada de duas faces, comunicava-se com o quintal. Identifica-se uma
aproximação do banheiro da área social.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia
Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Planta e fachada de tipologia habitacional
geminada para doentes do Asilo Colônia Santo
Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo
Ângelo).
3
51
No Santo Ângelo também existia uma tipologia residencial geminada
s
emelhante à proposta de Caiuby e cuja repetição formava um pequeno núcleo de quadras
estreitas e alongadas. Seus acessos se davam por lados opostos, definindo uma fachada
frontal independente para cada unidade. Configurava-se como um volume regular de
telhado articulado com lucarnas, sobre as empenas dos acessos, e mansardas de
ventilação nas laterais. A ausência de ornamentação destacava a presença de forração em
estuque sobre os beirais.
Seu programa construtivo se desenvolvia ao longo do eixo
longitudinal de divisa. O acesso se dava diretamente na sala. Esta se comunicava com o
quarto, situado no extremo da construção, e com um corredor que levava ao banheiro e à
cozinha. Pela cozinha se acessava uma copa que alcançava a área de serviço, onde existia
um pequeno sanitário.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônoia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula
S. da Costa).
Planta de tipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônoia Santo Ângelo
(Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
52
Ainda no Santo Ângelo localizamos outros dois exemplares que
s
eguiam essa mesma orientação longitudinal de distribuição. Tratava-se de habitações
bastante simples, sem ornamentações consideráveis, cobertas com telhados de duas
águas.
A primeira possuía um baixo relevo geométrico na empena da
fachada. Seu acesso principal apresentava uma disposição bastante incomum entre os
exemplares estudados e localizava-se lateralmente num corredor que se comunicava com a
pequena sala e também com o banheiro. Por um lado da sala se acessava o quarto e, por
outro, oposto, a cozinha, que se comunicava com uma área de serviço situada em um
pequeno terraço. Percebe-se que algumas tipologias residenciais apresentavam um
isolamento dos sanitários diante da posição da cozinha, seguindo a evolução das exigências
das leis sanitárias.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula
S. da Costa).
Planta da tipologia habitacional geminada para doentes do
Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional
Santo Ângelo).
3
53
A
segunda apresentava faixas em relevo emoldurando a geometria
da empena esconsa frontal e partes dos vãos das esquadrias. Sua volumetria era irregular e
o acesso se dava diretamente em uma sala que se comunicava com o quarto e a cozinha.
Esta, por sua vez, comunicava-se com um corredor que distribuía os acessos ao banheiro e
ao recuo lateral da construção.
T
pologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Santo Ângelo
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Planta e fachadas da tipologia habitacional
geminada para doentes do Asilo Colônia Santo
Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo
Ângelo).
3
54
Algumas habitações geminadas apresentavam os acessos às
u
nidades situados nos cantos das edificações, o que promovia um recorte na volumetria. No
Asilo Colônia Padre existia um exemplar geminado que apresentava esta situação.
Configurado como uma edificação simples, situada sobre um porão de ventilação,
apresentava volumetria irregular e movimentada pelos jogos de telhados. O acesso se dava
por uma escada reta, amparada por uma mureta baixa, que alcançava o terraço lateral
situado sob uma cobertura deslocada.
Sua planta se desenvolvia sobre o eixo transversal de divisa entre
as unidades. O acesso se dava pela sala centralizada, que se comunicava com o quarto
situado na frente da edificação e com um corredor de distribuição para o banheiro e a
cozinha, que acessava um terraço de serviços presente no fundo.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Padre Bento
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta térrea da tipologia habitacional geminada
para doentes do Asilo Colônia Padre Bento
(Acervo do Hospital Padre Bento).
3
56
O Asilo Colônia Cocaes possuía um núcleo de habitações
g
eminadas próximo aos criadouros de animais e às plantações. Tratava-se de exemplares
simplificados, com terraços de canto e telhado de duas águas com queda para a frente, e
para o fundo do volume regular com prolongamento de beirais sobre as entradas principais
e de serviços.
Seu programa se desenvolvia de forma inversa à dos anteriores
mantendo os quartos no centro da construção e os demais ambientes nas extremidades,
seguindo o eixo transversal de divisa. O acesso à sala, que se comunicava com os dois
quartos e a cozinha, se dava pelo terraço. Já a cozinha, por meio de um corredor, acessava
o banheiro e a área de serviço no fundo.
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Cocaes (Acervo de Ana Paula S. da
Costa).
T
ipologia habitacional geminada para doentes do Asilo Colônia Cocaes (Acervo de
Ana Paula S. da Costa).
3
57
O Asilo Colônia Pirapitingui possuía um exemplar geminado de dois
p
avimentos que se destacava por abrigar, em dois pavimentos, aproveitando o desnível do
terreno, quatro unidades habitacionais. Sua volumetria seguia o eixo de simetria que dividia
as unidades e se apoiava sobre o embasamento em relevo, no qual existiam pequenas
aberturas que curiosamente serviam para ventilar os quartos do pavimento inferior,
contrariando as exigências sanitárias para construção de quartos. Os acessos laterais
compunham amplos vazios que destacavam o corpo central avançado na fachada, o qual
apresentava exígua ornamentação em sua empena, sob o telhado transversal de duas
águas. As janelas frontais eram guilhotinas de madeira e vidraça reticulada sem venezianas.
O acesso ao terraço de cada unidade superior se dava por uma
escada reta, sem corrimão. Esse era guarnecido por muretas e pilares retangulares que
sustentavam a cobertura. Por uma porta lateral se chegava à sala de estar, que se
comunicava com o único quarto e a cozinha, situados no fundo. Um corredor fazia a
comunicação entre o banheiro, a cozinha e a escada que levava ao quintal e ao pavimento
inferior, acessado pela lateral da sala. Esta se comunicava com todos os demais ambientes,
compostos de dois quartos, uma despensa e um sanitário separado do banheiro por um
corredor. As unidades inferiores não apresentavam cozinhas talvez por abrigar grupos de
moradores na forma de república.
T
ipologia habitacional geminada, de dois pavimentos, para doentes do Asilo Colônia Pirapitingui
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
58
P
lanta e fachada de tipologia habitacional geminada, de dois pavimentos, para doentes do Asilo
Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
Além dessas unidades habitacionais que compunham núcleos
homogêneos, identificamos habitações coletivas configuradas como pensionatos ou
“repúblicas”. Normalmente estas se apresentavam como amplas residências do tipo bangalô
e possuíam os mesmos programas construtivos das demais tipologias, exceto pelo número
de dormitórios.
A proposta elaborada por Adelardo Caiuby para a habitação
destinada às freiras no Santo Ângelo foi executada seguindo seus desenhos, mas, em
virtude das transformações administrativas, passou a servir como moradia para internas
pensionistas. Os quartos antes destinados às religiosas abrigavam grupos de mulheres que
pagavam pela moradia, alimentação, serviços de limpeza e lavanderia.
3
59
H
abitação destinada às freiras que administravam o Asilo Colônia Santo Ângelo, posteriormente
transformada em pensão feminina, seguindo exatamente o desenho de Caiuby (Acervo de Ana Paula
S. da Costa).
Identificamos uma edificação destinada a uma “república” no Asilo
Colônia Pirapitingui. Configurava-se como uma construção simples, sem ornamentações, de
volumetria irregular, coberta por telhado de duas águas, cujo beiral encobria o terraço de
acesso central, apoiando-se em colunas retangulares. Existia uma escada escalonada
frontal, sem corrimão, que alcançava o terraço. Possuía basculantes em ferro e janelas em
madeira, com bandeiras em venezianas fixas e folhas de abrir em vidro reticulado, seguindo
o desenho da porta de entrada.
A distribuição de sua planta tendia ao posicionamento de setores
sociais e de serviços sobre o eixo transversal, deslocando os quartos para as laterais.
Situada na parte central, a sala se comunicava com a cozinha no fundo e com dois
pequenos halls, em suas extremidades posteriores, que abrigavam as portas dos quatro
quartos e do banheiro.
3
60
H
abitação, tipo “república,” do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana
Paula S. da Costa).
F
achada e planta de habitação, tipo “república”, do Asilo Colônia
Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
3
61
Conforme vimos anteriormente, o sistema pavilhonar desenvolvido
p
elo arquiteto Poyet e pelo médico J. R. Tenon para os hospitais de Paris, visava instituir a
salubridade por meio da promoção de ventilação cruzada e de iluminação natural. Esta
tendência de desenho hospitalar também se caracterizava pela economia construtiva e por
facilitar a separação de grupos definidos.
Os pavilhões foram amplamente difundidos entre os Asilos Colônias
paulistas, servindo não somente ao internamento, mas também às habitações coletivas.
Internos solteiros ou sozinhos, crianças e acamados eram abrigados em pavilhões, cujos
ambientes se estruturavam ao longo de um eixo central de circulação, acessível pelas
extremidades ou por uma lateral da edificação, garantindo maior controle sobre os
ocupantes. No caso paulista, seguiam o modelo existente no Carville norte-americano, cujos
acessos se davam por terraços cobertos que os aproximavam dos bangalôs residenciais
existentes.
Localizamos, nos Asilos Colônias Santo Ângelo e Aymorés,
pavilhões implantados sobre porões de ventilação, cujas coberturas principais eram
compostas por telhados de quatro águas secionados por pequenos telhados
perpendiculares, de empena esconsa, que cobriam os acessos laterais. Esses acessos
apresentavam colunas decorativas, de inspiração jônica, acopladas a colunas retangulares
que sustentavam a cobertura e possuíam faixas de encabeçamento ornamentadas.
Os acessos ainda eram amparados por guarda-corpos escalonados
nas aberturas das escadas, bem como em suas laterais. Apresentavam faixas lisas
ornamentando as paredes, abaixo dos estuques de forração dos beirais e nas empenas de
acesso simulando tabiques de chalés, como também molduras em torno das janelas
compostas por venezianas sobre guilhotinas reticuladas. Seus quartos, sanitários e, às
vezes, cozinhas, se distribuíam ao longo de um corredor central, interceptado por uma sala
de estar comunicante com o acesso lateral.
Pavilhão habitacional do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
62
P
avilhão habitacional do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
No Asilo Colônia Pirapitingui identificamos um exemplar pavilhonar
que, aproveitando o desnível do terreno, ocupava dois pavimentos. Configurava-se como
um volume retangular simples, coberto por telhado cerâmico de duas águas, que possuía
acesso principal situado na fachada de sua empena. Esta contava com faixas em relevo
simulando tabiques de chalés. O acesso era coberto por um telhado de três águas, sem
cumeeira, sustentado por colunas retangulares com sulas escalonadas, amparadas por
uma mureta. As laterais apresentavam uma seqüência regular de grandes janelas repetidas
nos dois pavimentos, que impunham ritmo horizontal à construção.
A planta do pavimento térreo se desenvolvia seguindo o eixo central
transversal formado pelo corredor que ligava o acesso frontal à cozinha e aos banheiros.
Doze quartos se distribuíam ao longo de sua extensão, alinhando as aberturas de janelas e
portas, favorecendo a ventilação cruzada. O acesso ao pavimento inferior de dava por meio
de uma escada em “L”. Esta alcançava uma sala que se comunicava com o exterior e com
um amplo salão que possuía mais um quarto, um banheiro e uma cozinha no fundo,
reproduzindo as instalações superiores.
Pavilhão habitacional, tipo Carville, de dois pavimentos para doentes do Asilo Colônia
Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
63
P
lanta térrea e subsolo do pavilhão habitacional para doentes do Asilo Colônia
Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
O Padre Bento apresentava pavilhões semelhantes a esse. No
entanto, estabeleciam-se sobre porões ventilados, cingidos pelos embasamentos
chapiscados e possuíam faixas lisas em relevo, emoldurando as janelas e alinhadas às suas
partes inferiores e superiores, seguindo também a forração do beiral em estuque. Seus
acessos se davam pela lateral de terraços circundados por balaustradas.
3
64
P
avilhões habitacionais, tipo Carville, do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de
Souza Lima).
No Santo Ângelo e no Padre Bento identificamos outra variação do
tipo pavilhonar com blocos intercomunicantes. Composto em forma de “U”, possuía dois
blocos transversais conectados ao fundo por um corpo longitudinal. Seus volumes principais
apresentavam telhados de quatro águas interceptados pelos de duas águas dos volumes
secundários, sendo os existentes sobre os acessos com empenas esconsas. Sua
ornamentação reproduzia uma associação das encontradas nos exemplares apresentados
anteriormente, entretanto identificamos neste a presença de ductos de captação de água
pluvial compondo a decoração.
Seu programa apresentava pouca distinção em relação aos demais,
possuindo uma horta situada entre os blocos, área de serviços e depósitos, em anexo
externo, e um amplo terraço posterior que se comunicava com os dois blocos, ligando as
duas cozinhas. Abrigava dezoito quartos e dois banheiros coletivos, estes localizados na
parte intermediária dos blocos.
P
avilhões habitacionais, tipo Carville, do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional
Santo Ângelo).
3
65
P
lanta e fachada de pavilhões habitacionais, tipo Carville, dos Asilos Colônias Santo Ângelo e Padre
Bento, variando somente a quantidade de quartos (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
66
As instalações hospitalares e manicomiais existentes nos Asilos
C
olônias representavam uma especialização do tipo pavilhonar, distribuindo os serviços ao
longo dos corredores, prevalecendo a ventilação e iluminação natural.
O Pirapitingui apresentava um de seus pavilhões hospitalares
situado numa esquina que definia sua implantação. Eram dois blocos perpendiculares entre
si, interceptados por um bloco em diagonal, de forma que compunham um jardim interno e
formavam uma cobertura irregular. A declividade do terreno garantia que um de seus blocos
acomodasse dois pavimentos. Esse bloco possuía uma escada, de dois lanços laterais,
deslocada de forma que não interferisse na disposição das aberturas.
Suas distribuições internas promoviam muitos acessos. O acesso
principal se dava na junção dos dois blocos e era abrigado por um amplo terraço que servia
de abrigo aos veículos. A seqüência de disposição de suas janelas garantia a
horizontalidade das fachadas,que apresentavam molduras em relevo liso, alcançando uma
faixa sob o limite da forração, em estuque, do beiral.
Sua planta organizava o programa construtivo segundo os serviços
executados. A área descoberta central era circundada por um corredor que agrupava as
salas destinadas aos procedimentos médicos e cirúrgicos. Um volume anexo irregular, bem
iluminado, abrigava a sala de cirurgia. As áreas laterais possuíam acessos independentes
situados no meio e na extremidade dos blocos. Essas áreas se comunicavam com a parte
central por meio de um corredor que distribuía os quartos de internamento. A maioria das
janelas era basculante em ferro, sendo venezianas em madeira sobre guilhotinas
envidraçadas somente as dos quartos. O pavimento inferior repetia a distribuição do
superior, mas abrigava serviços de laboratório.
P
avilhão hospitalar do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
67
Planta e fachada do pavilhão hospitalar do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco
Ribeiro Arantes).
3
68
As antigas instalações psiquiátricas incorporadas ao Padre Bento se
d
efiniam como um agrupamento de blocos que seguiam uma simetria classicizante. O bloco
principal, situado na convergência dos eixos dos blocos auxiliares, possuía três pavimentos,
um tão habitável e uma tribuna de observação instalada acima do telhado. O acesso ao
segundo pavimento se dava por uma suntuosa escadaria em meia volta, cujo vão definia o
acesso inferior. Esta alcançava um pórtico (encimado por um frontão) que ocupava toda a
fachada principal, cuja cobertura, em estrutura metálica delgada amparada por guarda-corpo
vazado, sustentava-se sobre as colunas retangulares, em alvenaria, que formavam uma
galeria no pavimento inferior. Os demais blocos eram idênticos, possuíam dois pavimentos e
um sótão habitável.
As coberturas eram compostas por duas águas longitudinais,
acrescidas de pequenas lucarnas, seccionadas por outras duas águas transversais, de
forma que as cumeeiras ficassem na mesma altura, formando quatro empenas em cada
unidade construída. A empena frontal do bloco principal apresentava três janelas alongadas,
paralelas, enquanto as demais possuíam uma janela. As demais janelas eram decoradas
por pedras que seguiam a mesma ornamentação dos cunhais. A distribuição das janelas
respeitava o mesmo espaçamento, garantindo um ritmo regular horizontal. Acreditamos
24
qu
e seus cômodos se distribuíam ao longo de um corredor central.
E
nfermaria do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
As edificações construídas para o isolamento de doentes de
hanseníases com perturbações mentais apresentavam poucas semelhanças com as antigas
instalações manicomiais ocupadas pelo Padre Bento. No Santo Ângelo encontramos um
exemplar de volumetria movimentada que apresentava simetria bilateral. Situado sobre um
porão habitável, apresentava quase nenhuma ornamentação e possuía telhado de quatro
águas interceptado por outros de três águas, cujos beirais eram forrados com estuque.
24
Esta edificação foi demolida e não localizamos suas plantas.
3
69
Os acessos ao prédio se davam por um pórtico duplo lateral. Sua
p
lanta se desenvolvia ao longo de um amplo corredor que garantia o controle e
distanciamento dos quartos. No pavimento superior existiam mais banheiros do que quartos.
Oito deles possuíam banheiro privativo. Acreditamos que os banheiros excedentes serviam
também as celas localizadas no porão.
Ma
nicômio do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta térrea do manicômio do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo
Ângelo).
3
70
C
orte e fachadas do manicômio do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital Regional Santo
Ângelo).
O Asilo Colônia Pirapitingui se distinguia por abrigar grande número
de doentes de hanseníases com problemas de saúde mental. Para tanto, possuía duas
amplas instalações de isolamento manicomial. Uma delas se caracterizava pela junção de
blocos de geometrias irregulares cobertos por jogos de telhados. Suas ornamentações se
restringiam ao coletores pluviais destacados e às molduras em torno das aberturas e
acompanhando o forro dos beirais em estuque. Todas as suas janelas eram basculantes em
ferro e suas dimensões variavam conforme as necessidades de uso dos ambientes, sendo
algumas protegidas por grades externas.
3
71
Seu programa se dividia em quatro blocos. O primeiro, de uso
c
oletivo, destinado ao atendimento, serviços e ao refeitório, ligava-se aos demais por meio
de um corredor coberto. Os blocos centrais eram idênticos e rebatidos longitudinalmente,
abrigavam os sanitários e os quartos ao longo de um corredor largo que, como o exemplar
anterior, garantia o controle e o distanciamento dos internos. Ainda, seguindo o declive do
terreno, no subsolo do bloco central posterior, existiam outros quartos, banheiros e celas de
isolamento.
Ma
nicômio do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta e fachada do manicômio do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Conforme apresentamos anteriormente, a Caixa Beneficente
oferecia o serviço de restaurante como uma alternativa ao refeitório coletivo. No Asilo
Colônia Aymorés existia um exemplar situado em local privilegiado. Configurava-se como
uma concatenação de volumes sob telhados movimentados que coordenavam
sobreposições desencontradas de mansardas de ventilação. Sua ornamentação simples
reduzia-se ao relevo delimitado pela empena das janelas e forração do beiral em estuque,
aos ductos pluviais, além dos beirais destacados e do embasamento chapiscado.
3
72
O acesso se destacava na fachada principal. Possuía escada
e
scalonada sem corrimão e apresentava cobertura independente de três águas, repetindo,
em menor escala, o desenho da cobertura superior. Era circundado por colunas
retangulares robustas, encabeçadas por faixas decorativas alternadas por muretas que
serviam de bancos. As janelas basculantes em ferro se distribuíam uniformemente nas
fachadas, compondo com as aberturas dos terraços anterior e posterior, os jogos de cheio e
vazio da construção.
R
estaurante da Caixa Beneficente do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
O Restaurante existente no Pirapitingui apresentava pouca
ornamentação e seguia uma composição volumétrica semelhante à do anterior. Configurado
como uma releitura do bangalô típico, apresentava cobertura em quatro águas sem
cumeeira, associada à outra posterior com cumeeira. Sob a primeira existia um amplo
terraço ao longo de toda a fachada principal, promovendo um amplo vazio frontal. Era
amparado por colunas retangulares de mísulas decoradas, associadas a muretas que
apoiavam jardineiras. Suas janelas possuíam peitoril destacado, eram compostas por
guilhotinas reticuladas envidraçadas e distribuídas em harmonia com os vão do terraço.
Seus recuos frontais compunham jardins que garantiam maior visibilidade da edificação.
Estes eram protegidos pelo muro baixo, de desenho geométrico, situado no alinhamento.
3
73
R
estaurante da Caixa Beneficente do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
Os refeitórios coletivos representavam grandes edificações, que
possuíam características semelhantes. Identificamos a mesma tipologia repetida no Santo
Ângelo e no Pirapitingui. Configurava-se como uma concatenação de pavilhões situados
sobre porões de ventilação, cingidos pelo relevo do embasamento. Possuía três blocos
transversais, conectados por um amplo corredor coberto frontal e seguidos por outro
longitudinal. Sua volumetria irregular seguia um eixo de rebatimento. Três empenas, com
relevos simulando tabiques, ornamentavam a fachada e demarcavam o acesso central. O
Pirapitingui possuía rampas de acesso amparadas por corrimãos tubulares, enquanto o
Santo Ângelo apresentava escadas escalonadas distribuídas pelo terraço frontal. Suas
esquadrias basculantes em ferro se distribuíam regularmente, compondo cheios e vazios e
reforçando a horizontalidade da edificação.
Seu programa se desenvolvia principalmente ao longo do eixo
central do bloco transversal intermediário, destinando os vestiários, depósitos e câmaras
refrigeradas para a parte posterior, seguida por um setor de preparação dos alimentos que
alcançava os salões por meio de uma bancada de distribuição. Os salões, divididos segundo
sexo e faixa etária, possuíam sanitários coletivos para cada grupo. Os servidores doentes
de toda a colônia utilizavam o salão posterior.
3
74
R
efeitório para doentes do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
Planta e fachada do refeitório para doentes dos Asilos Colônias Pirapitingui e Santo Ãngelo (Acervo
do Hospital Francisco Ribeiro Arantes).
3
75
R
efeitório do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
F
achada original do refeitório do Asilo Colônia Santo Ângelo, que segue a mesma planta do
Pirapitingui (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
Uma edificação coletiva bastante importante na composição dos
complexos asilares era o Cine Teatro. O mesmo modelo foi reproduzido nos Asilos Colônias
Cocaes, Santo Ângelo e Aymorés, com poucas distinções. Implantado sobre porão de
ventilação, cingido pelo embasamento chapiscado, sua volumetria em forma de T”
desenvolvia-se seguindo uma simetria bilateral classicizante. Era composta por um bloco
principal coberto por telhado cerâmico de quatro águas, com mansardas de ventilação,
interceptado por outro bloco estreito e de menor altura, também coberto por quatro águas.
Seu acesso principal demarcava a porta de entrada ornamentada e
possuía cobertura de três águas, amparada por colunas retangulares, robustas, com capitéis
ornamentados por faixas decorativas em relevo, acopladas a colunas de inspiração jônica
que se repetiam na sacada superior. Esta acompanhava o alinhamento da cumeeira da
cobertura do acesso. Apresentava, no pavimento térreo, uma faixa que circundava toda a
edificação, contornando a empena das janelas. Basculantes, elas variavam de tamanho; as
superiores possuíam bandeiras em leque ornamentadas por faixas decorativas.
3
76
Sua planta se desenvolvia sobre um eixo transversal de simetria. O
te
rraço frontal alcançava um vestíbulo que distribuía os acessos à sala de diversões (que
continha um bar e um espaço para jogo de bilhar), à biblioteca (que acessava a secretaria) e
a platéia do Cine Teatro (que se transformava em salão de baile), que contava com dois
sanitários públicos, um palco com camarins e se comunicava com amplos terraços laterais.
C
ine teatro do Asilo Colônia Cocaes, igual aos existentes no Santo Ângelo e Aymorés (Acervo
do Instituto Lauro de Souza Lima).
P
lanta térrea do cine teatro presente nos Asilos Colônias Cocaes,
Santo Ângelo e Aymorés (Acervo do Hospital Regional Santo
Ângelo).
3
77
F
achada do cine teatro presente no Asilos Colônias Cocaes, Santo Ângelo e Aymorés, 1936
(Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
As igrejas católicas encontradas nos Asilos Colônias Aymorés e
Padre Bento são variações da mesma planta e volumetria. Elas nos remetem a uma
vertente simplificada do Neocolonial identificada por elementos construtivos baseados numa
revisão nacionalista do estilo Barroco, o que Silva (1987, p. 205) define como “culto às
origens lusitanas da nossa cultura”. Possuía flecha piramidal ou torneada sobre a torre
centralizada (seccionando o que seria um frontão), circundada por cimalha, ornamentada
por pináculos, a qual se repetia no arremate do telhado principal e sobre as esquadrias.
Suas janelas, de empenas arqueadas, eram estreitas venezianas, em ferro, dispostas
regularmente em torno de toda a edificação e ao redor da torre, situadas abaixo dos
relógios, resguardando o sino. Apresentava óculo centralizado sobre a portada de acesso,
alcançada por escadaria escalonada.
Sua planta se configurava de forma simples. Compreendida entre o
pórtico e a capela mor (que abrangia o presbitério e o altar), estava a nave central,
retangular, amparada por escadarias laterais. Possuía uma pequena galeria, acessada pela
escada existente no pórtico, destinada ao coral ou às autoridades sadias. A parede curva do
altar isolava a sacristia, o vestíbulo, um banheiro e uma escada estreita que se comunicava
com o exterior da edificação.
3
78
I
greja católica do Asilo Colônia Aymorés
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
I
greja católica do Asilo Colônia Padre Bento
(Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lantas térreas e superiores das igrejas católicas dos Asilos Colônias Aymorés e Padre Bento
(Acervo da Caixa Beneficente do Instituto Lauro de Souza Lima).
Outras edificações importantes que caracterizavam os Asilos
Colônias paulistas eram suas portarias, que serviam como entrada principal ao complexo ou
como acesso à colônia dos doentes. Apresentavam normalmente um bloco que abrigava os
serviços associados e um pórtico de entrada.
As portarias situadas entre as Zonas Intermediária e Doentes
serviam para promover o encontro entre os doentes internos e seus familiares externos, nos
espaços definidos como parlatórios. As portarias principais abrigavam os serviços de
atendimento, identificação e telefonia.
3
79
Suas diferenciações se davam principalmente pela ornamentação
d
os pórticos, que variavam os estilos estéticos aplicados. A portaria do Santo Ângelo
apresentava ornamentações Ecléticas de evocação religiosa, associadas a uma construção
de traços simples que se comunicava com um terraço coberto, amparado por muretas
vazadas e colunas de inspiração toscana. Possuía janelas, venezianas e portões em
madeira.
P
ortaria dos doentes do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
A portaria do Asilo Colônia Pirapitingui se configurava como um
volume irregular coberto por um jogo de telhados de quatro águas. Possuía uma torre
definida por uma cabine de direito duplo, que apresentava janelas superiores e cobertura
também de quatro águas, mas sem cumeeira. Seu acesso era marcado por um rtico de
ornamentação em relevos, de geometrias e formas diversas, que acompanhavam a faixa de
arremate da forração do beiral. Suas janelas basculantes e seus portões eram em ferro.
Portaria principal do Asilo Colônia Pirapitingui (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
81
A portaria existente no Asilo Colônia Aymorés chamava a atenção
p
ela ornamentação de seu pórtico. Este apresentava arcada em arco pleno, beiral curto e
acabamentos em reboco grosso, característicos do estilo Missões, uma vertente do
Neocolonial.
Foi estabelecida como uma construção simples que se apoiava
sobre porão de ventilação, apresentando esquadrias e portões em ferro e uma cobertura de
planos irregulares. Sua planta abrigava, além das funções tradicionais das portarias asilares,
uma moradia para o porteiro e um espaço destinado a examinar clinicamente os visitantes
dos doentes. O acesso à habitação anexa se dava pela sala que se comunicava com um
dormitório e um corredor que alcançava a parte externa, o outro dormitório, uma pequena
cozinha, uma despensa e um banheiro.
P
ortaria principal do Asilo Colônia Aymorés (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta da portaria principal do Asilo Colônia Aymorés
(Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
82
F
achada da portaria principal do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Segundo Pinheiro (1997), o estilo Missões ou Californiano se
originou das idealizações nostálgicas norte-americanas sobre a arquitetura dos
estabelecimentos religiosos e militares que os espanhóis fundaram, no século XIX, no
território que seria o estado da Califórnia. Tal estilo se estabelecia como uma identidade
regional para a nação que ali se instaurava. Sua popularização se deu, na década de 1920,
pela difusão dos bangalôs nos subúrbios californianos, que se associavam ao estilo local.
Suas características foram esmiuçadas, decodificadas e
disseminadas por publicações que especificavam os elemento necessários para se obter o
resultado estético, associado ao Missões. Definidas como construções de proporções
robustas vinculadas à técnica construtiva do adobe, com paredes brancas e telhados
cerâmicos de duas águas (com empenas perpendiculares à rua) de beirais reduzidos. Sua
planta predominante era em forma de “L”, organizada por um pátio. Geralmente
apresentavam profusão de elementos estruturais em madeira e de ferragens forjadas,
arcadas e torres de canto ou circulares, colunas torsas e relevos decorativos mouriscos. O
cinema e as revistas ilustradas norte-americanas contribuíram para a difusão do estilo
Missões tamm no Brasil. No entanto, aqui este se estabeleceu como uma roupagem
estética (Pinheiro, 1997).
Identificamos, ainda, outros elementos estéticos presentes em
algumas edificações e que remetem ao estilo Missões. Entre eles o frontão e arco pleno
decorado do Armazém existente no Asilo Colônia Santo Ângelo, os ornamentos do acesso
ao refeitório do Aymorés e as colunas torsas que compunham a pérgula existente no Padre
Bento.
3
83
A
rmazem do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
E
ntrada do refeitório para doentes do Asilo Colônia Aymorés (Acervo do Instituto Lauro de Souza
Lima).
P
érgola da praça do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Algumas edificações dos Asilos Colônias paulistas seguiam a
tendência construtiva brasileira das décadas de 1930 e 1940, a qual seria posteriormente
reconhecida com o Art-Déco. O Art-Déco foi um fenômeno cultural desenvolvido no período
entre a Primeira e a Segunda Guerra (Campos, 1996).
A idéia de velocidade e movimento proporcionada pelos sistemas
de transportes mecânicos modernos influenciou as formas geométricas, como também o
design naval dos grandes transatlânticos de turismo franceses uma inovação tecnológica
dos anos 1930. Tais características se contrapunham às descobertas arqueológicas de
culturas primitivas egípcias, pré-colombianas e indígenas (como o Marajoara), que também
forneceram elementos figurativos ao estilo. O cinema contribuiu para difundir o Art-Déco,
principalmente pela promoção do modo de vida do povo americano e de suas edificações
(Campos, 1996, Pinheiro, 1997).
3
84
Expressões artísticas como o Cubismo, o fino artesanato europeu, o
e
xpressionismo alemão e sua valorização das manifestações da natureza, o mecanicismo e
racionalismo do Neoplasticismo holandês, o conservadorismo da Companhia de Artes
Francesas, a Bauhaus, na Alemanha, o simbolismo e o exotismo dos espetáculos do balé
russo dirigido por Serge Diaghilev também influenciaram a estética Déco (Campos, 1996).
Ironicamente, a busca da representação do modo de viver moderno
remetia aos desenhos das máquinas, mas a industrialização ainda não alcançava todas as
esferas de consumo, tendo-se que recorrer à produção artesanal. Nesse sentido a difusão
do Art-Déco favoreceu a adequação da produção em larga escala aos parâmetros
arquitetônicos e do design, desenvolvendo novas tecnologias e materiais. Os avanços
tecnológicos alcançados repercutiram na arquitetura pela difusão do uso de concreto
armado.
Por não romper totalmente com valores tradicionais, a arquitetura
Art-Déco se disseminou rapidamente pelo mundo, onde foram feitas releituras de elementos
tradicionalmente aceitos, modernizaram-se as formas do passado e se manteve a
importância do ornamento como elemento plástico.
A diversificação da economia paulista, na década de 1930,
estimulava a comercialização e a produção interna, que resultaram na difusão de
edificações destinadas aos negócios industriais e ao comércio, reformulando a aparência
das grandes cidades, seguindo a estética do Art-Déco e suas tecnologias construtivas, que
foram sendo assimiladas pela população. Como resultado, muitas construções dos Asilos
Colônias apresentam a identidade dessa época em sua arquitetura, como podemos ver nos
exemplos a seguir. São edificações de uso coletivo, destinadas exclusivamente aos doentes
e muitas vezes produzidas com dinheiro de doações de entidades sociais ou particulares,
representando a influência da arquitetura externa ao sistema asilar.
O Asilo Colônia Padre Bento possuía um exemplar em estilo Déco
que servia ao Cine Teatro. Sua forma irregular e movimentada, composta pela justaposição
de volumes de diferentes dimensões, seguia simetria bilateral e abrigava, por uma
platibanda, os telhados ainda cerâmicos. Apresentava escalonamento de planos na fachada
principal, os quais abrigavam janelas estreitas, recuadas e agrupadas, seguidas por outras
de maior dimensão. As volumetrias laterais semicilíndricas possuíam platibandas que
formavam varandas no pavimento superior. O corpo central da edificação apresentava
repetição de esquadrias circulares que remetiam às escotilhas navais. O acesso principal se
dava por meio de um pórtico que abrigava o terraço superior.
3
85
A profusão ornamentar geometrizante externa se repetia em seu
i
nterior por meio do tratamento dado ao piso, papéis de parede, guarda-corpos e forros de
cobertura. Sua planta se desenvolvia simetricamente, ao longo de um eixo transversal. O
saguão de entrada acessava, por um lado, o bar, uma sala de estar e um espaço destinado
ao jogo de bilhar; e, por outro, os sanitários, a gerência e a biblioteca. Passando por baixo
do patamar da escada alcançava-se a platéia do Cine Teatro, que se seguia por um fosso
de orquestra e pelo palco que apresentava diversos camarins e um acesso ao porão de
depósito. O pavimento superior abrigava a sala de projeção, sanitários e um amplo salão de
festas, que acessava os terraços lateral e frontal.
C
ine teatro do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
Interior do cine teatro do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
86
Plantas do
cine t
eatro
do Asilo Colônia Padre Bento (Acervo do Hospital Regional Santo Ângelo).
3
87
O Cine Teatro do Santo Ângelo também apresentava algumas
c
aracterísticas Déco. Configurava-se como uma suntuosa edificação cuja geometria remetia
à forma de um transatlântico. Composto pela associação de volumetrias distintas e
harmoniosas, seguia a simetria bilateral sobre o eixo transversal. Possuía um destacado
telhado cerâmico de duas águas, com cumeeira elevada, amparado por um grande plano
curvo que formava um frontão em arco sobre o volume do saguão. Este acompanhava a
curva do plano anterior, escondia seu telhado sob uma platibanda e possuía uma marquise
definindo o acesso principal, cujas portas compunham os vãos da fachada com as aberturas
circulares que simulavam escotilhas de navios. O volume central apresentava paredes
laterais forradas em madeira que se apoiavam em pilares aparentes em forma de
ampulheta. O volume posterior se resumia a um bloco retangular amparado, em cada lado,
por duas estruturas, cobertas por um plano de telhado, que também possuíam janelas
circulares.
Sua planta se desenvolvia ao longo do eixo de simetria transversal.
O saguão distribuía os acessos aos sanitários e à platéia. Em suas laterais ficavam situados
camarotes destinados às autoridades sadias que tinham acessos externos independentes. À
frente da platéia existia o fosso da orquestra, seguido pelo palco que acessava o exterior e
apresentava dois sanitários e alguns camarins.
C
ine teatro do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
88
D
etalhe lateral do cine teatro do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lanta do cine teatro do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hosital Regional Santo Ângelo).
3
89
Identificamos também, em outras edificações, características
o
rnamentais que remetem ao Art Déco, dentre elas o centro espírita do Asilo Colônia
Pirapitingui, dotado de platibandas escalonadas e marquises sobre portas e janelas frontais;
a arquibancada existente no campo de futebol do Cocaes, cujas aberturas superiores
simulavam as escotilhas navais; a tribuna e o bar do Santo Ângelo, cujas volumetrias e
ornamentações apresentavam geometrias decorativas e escalonadas, e as igrejas católicas
do Pirapitingui e do Cocaes, que possuíam faixas decorativas verticais em relevo,
sobrepostas e escalonadas, associadas a estreitas aberturas retangulares e em arcos
ogivais que garantiam o ritmo vertical das fachadas.
C
entro espírita do Asilo Colônia Piapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Arquibancada do campo de esportes do Asilo Colônia Cocaes (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
3
90
T
ribuna para autoridades do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
P
lantas e fachadas da tribuna para autoridades do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Hospital
Regional Santo Ângelo).
Bar do Asilo Colônia Santo Ângelo (Acervo do Instituto Lauro de Souza Lima).
3
91
I
greja católica do Asilo Colônia Piapitingui (Acervo de Ana Paula S. da Costa).
Igreja católica do Asilo Colônia Cocaes (Acervo de Ana
Paula S. da Costa).
3
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
s característica epidemiológicas da hanseníase favoreceram sua
propagação, quando não existia tratamento, principalmente diante de condições de
adensamento populacional, falta de cuidados de higiene e deficiências de imunidade. No
entanto, até a descoberta do bacilo de Hansen, diversas foram as explicações sobre a
propagação e resultavam sempre no isolamento do doente, desde a Antigüidade.
A aparência das transformações físicas que ocorriam nas piores
manifestações da hanseníase, degradava a imagem do doente, promovendo sua rejeição.
A associação da hanseníase com a lepra bíblica favoreceu a estigmatização dos doentes,
consolidando o isolamento dos doentes de hanseníases. A generalização de tal
procedimento muitas vezes fez com que o próprio doente aceitasse os preconceitos e se
sujeitasse à exclusão social. Tal exclusão resultou na edificação de estabelecimentos
específicos para abrigá-los, os quais contavam com doações para sua manutenção.
Os adensamentos populacionais promovidos pela atratividade das
cidades industrializadas somados às más condições de vida e de moradia dos trabalhadores
criaram condições favoráveis para a difusão da hanseníase, chegando ao risco de
epidemias, no início do século XX. As trocas comerciais entre países não somente
favoreciam a difusão de doenças como eram ameaçadas pelas restrições estabelecidas,
buscando-se a prevenção diante de tais enfermidades. A influência política das classes
abastadas, aterrorizadas pelos riscos de contágio e de prejuízos econômicos, refletiu-se no
direcionamento de ações públicas de saúde ao combate da moléstia, na figura de seus
portadores.
A hanseníase se tornava cada vez mais presente nos temas de
discussão de congressos médicos, chegando-se a promover reuniões específicas sobre
esse tema. Os impactos causados pela doença nos países europeus e em suas colônias
concorreram para os avanços nas pesquisas e no desenvolvimento de ações
fundamentadas cientificamente.
Apesar da descoberta do agente causador e de algumas das
características epidemiológicas da hanseníase, o tratamento e a cura demoraram algumas
décadas. Nesse espaço de tempo, os defensores de procedimentos “humanistas” indicavam
o isolamento somente para os grupos considerados infectantes, enquanto os “isolacionistas”
defendiam-no compulsoriamente para todos os grupos. Ambos consideravam a
possibilidade do isolamento domiciliar. No entanto, as más condições de vida e de habitação
3
94
das classes mais acometidas pela doença inviabilizavam-no, promovendo a criação de
e
stabelecimentos específicos.
Por se tratar de uma moléstia até então incurável e sem terapêutica
comprovada, de baixa letalidade, cujas limitações físicas poderiam ser lentas e parciais,
instituiu-se o sistema de asilamento dos doentes em colônias, que poderiam ser insulares.
Este sistema de Asilo Colônia fora criado visando à segurança dos sadios mediante o
controle dos doentes –, aos avanços científicos, à auto-suficiência funcional e ao
estabelecimento de novos costumes pelos doentes de hanseníases.
Buscando solucionar outras questões referentes aos problemas das
cidades industriais, surgiram formulações teóricas baseadas no estabelecimento de espaços
que promoveriam novos sistemas e costumes capazes de transformar a vida de grupos de
indivíduos. Algumas chegaram a ser concretizadas, outras se refletiram em diferentes
tipologias construtivas que envolviam a segregação de uma comunidade, inclusive nos
Asilos Colônias.
Entendemos que o aquecimento da economia cafeeira e os avanços
da industrialização paulista determinaram a concretização das ações higienistas no estado e
que estas estavam baseadas no saneamento de espaços e de costumes, principalmente de
classes operárias. Constatamos que, em concordância com preceitos internacionais, o
progresso idealizado se fundamentava também na noção de “aprimoramento da raça”, o que
representava não favorecer a procriação daqueles tidos como superiores, mas também,
controlar a reprodução dos considerados inferiores, entre os quais os doentes de
hanseníases, conforme a vertente que acreditava ser esta uma doença hereditária. Como
conseqüência, foram estabelecidas leis, seguindo critérios médicos e sanitários, que
definiram os parâmetros físicos e funcionais a serem seguidos em todo o estado de São
Paulo e, até mesmo, os procedimentos diante da hanseníase e dos doentes de
hanseníases.
São Paulo possuía poder econômico e influência política garantindo
uma postura sanitária distinta da dos demais estados brasileiros. Os órgãos criados para o
controle profilático da hanseníase mantinham na chefia a elite médica e cientifica filiada aos
mesmos paradigmas isolacionistas, compulsórios e irrestritos, preservando o sistema
mesmo após a descoberta do tratamento e da cura da doença. O controle sobre os meios
de comunicação e de informação garantia a credibilidade e a popularização do sistema,
muitas vezes fundamentado nos estigmas da doença.
Sem a intenção de desmerecer o desenvolvimento cientifico
alcançado pelos esforços empreendidos, nem o valor da compaixão de grupos envolvidos
3
95
com a melhoria na condição de vida dos doentes de hanseníases, entendemos que os
A
silos Colônias paulistas se concretizaram como resultado do interesse da elite médica e
representaram o reflexo de seus valores. As atividades de lazer propostas pelos espaços de
contemplação e de passeio de praças e parques, pelas edificações destinadas às
apresentações musicais e teatrais, à exibição de filmes, aos jogos e à realização de festas,
remontam aos costumes sociais distantes da realidade de grande maioria dos internos. As
atividades físicas e esportivas estabelecidas, além de oferecerem uma distração
monitorada, remetem aos preceitos eugenistas de aprimoramento racial por meio do
desenvolvimento físico, à necessidade de manutenção de uma força produtiva interna e
também aos procedimentos resultantes de experimentos médicos científicos. O
estabelecimento de locais e eventos religiosos garantia a criação de um sistema que
colaborava com o controle sobre a vida dos internos. As configurações das moradias
oferecidas seguiam preceitos higiênicos e transformavam os hábitos e costumes dos seus
moradores. As restrições impostas pelas habitações coletivas desconsideravam as
individualidades e particularidades dos moradores. As instalações hospitalares atendiam às
necessidades das pesquisas sobre a doença e ofereciam os cuidados, atendimentos e
procedimentos necessários aos doentes. Poucas foram as doenças no Brasil que contaram
com tamanhas condições de pesquisas e investimentos.
Adelardo Soares Caiuby, partidário dos preceitos higienistas e
eugenistas da época, ao desenvolver pesquisas sobre as ações mundiais diante da
hanseníase, posicionou-se a favor do isolamento compulsório, chegando a idealizar a
criação de municípios insulares. Pelos outros trabalhos encontrados de sua autoria,
percebemos suas pretensões de transformação de indivíduos, disciplinando seus espaços.
Suas associações às figuras de importância política culminaram na elaboração do que seria
o modelo de Asilo Colônia a ser instituído em São Paulo. Ao assumir como referência o
sistema norte-americano, desenvolvido nas colônias havaianas e aplicado no National
Leprosarium em Carville (que se tornou referência mundial em pesquisa e tratamento),
Caiuby abre mais uma porta de entrada para esta influência na cultura arquitetônica
brasileira. Ele materializou, em seus projetos, os paradigmas estabelecidos para o
internamento e controle dos doentes, ao mesmo tempo em que difundiu o modelo de
construções do tipo Bangalô em Asilos Colônias.
Os princípios adotados para ordenação do seu desenho urbano se
baseavam nos conceitos de ventilação e insolação higiênicos e no zoneamento definido
para a separação segura entre sãos e doentes. Percebe-se uma filiação aos preceitos
modernos de setorização do espaço urbano seguindo a distribuição de funções para as
3
96
edificações, de valorização dos amplos espaços verdes entre as edificações e de reforma
d
as moradias, dos espaços de trabalho e de lazer.
Em relação aos elementos arquitetônicos, a análise dos Asilos
Colônias, apesar da escassez de plantas originais, levou-nos a perceber a especialização
dos usos dos ambientes e uma separação entre o social, o íntimo e os serviços nas
residências. Identificamos traços simplificados da linguagem Eclética, em construções ou
elementos construtivos que remetem ao Neocolonial, aos chalés e aos bangalôs, assim
como emanações estéticas do movimento progressista Art-Déco. A variedade e qualidade
estética e de serviços oferecidos eram utilizadas e incentivadas como forma não só de atrair
o doente externo ao sistema asilar como de garantir sua submissão aos regimentos
internos.
Percebemos que alguns recursos espaciais utilizados nas
formulações teóricas e nos modelos construtivos análogos foram recorrentes nas
configurações tanto arquitetônicas quanto urbanísticas dos Asilos Colônias paulistas.
Identificamos a difusão da coletivização dos espaços públicos e privados (no caso dos
pavilhões e dos refeitórios, pois muitas habitações não apresentavam cozinha). Percebemos
que os programas habitacionais estabelecidos favoreciam a instituição de novos costumes
entre os internos. Entendemos o posicionamento de edificações de uso coletivo nos centros
de radiais como forma de garantir maior visibilidade e controle das aglomerações.
Observamos que a homogeneização e o alinhamento das habitações, na linha de
calçamento, garantiam a avaliação a distância de quaisquer movimentações, e que a
distribuição de espaços coletivos entre os de uso privado definia pontos de controle do
quotidiano e das comunicações. Além, é claro, do controle pelos próprios regulamentos,
punições e favorecimentos aos bons comportamentos, instituídos pela administração e pela
formação de sistemas paralelos de comando subordinados à diretoria.
Apesar dos desenvolvimentos científicos alcançados pelos
estabelecimentos paulistas, os Asilos Colônias tiveram impactos negativos permanentes na
imagem dos internos, mesmo após a extinção do isolamento compulsório. Isto se deveu ao
fato de as campanhas voltadas para promoção do sistema se sobressaírem, fortalecidas
pelos estigmas, às informações e notícias divulgadas sobre a liberação dos doentes e as
reais condições da hanseníase. Mesmo que no Brasil tenha se extinguido o termo lepra para
a designação da hanseníase, a reclusão, o isolamento e a vigilância constante estabelecida
sobre aquele grupo de doentes se sobrepõem às informações difundidas e ainda hoje
favorecem o mascaramento dos sintomas por novos diagnosticados. O sistema de
informação sobre a doença somente veio a ser implementado nas últimas décadas do
século passado mediante ações, como as do grupo Morhan (Movimento de Reintegração
3
97
das pessoas atingidas pela Hanseníase), criado em 1981, e também mudanças nas
c
ampanhas públicas de saúde.
As instalações dos antigos Asilos Colônias representam atualmente
grandes áreas situadas em regiões de crescente valorização imobiliária. Ainda não se
definiu um direcionamento sobre qual será o destino das antigas instalações e dos terrenos,
pois estes pertencem a grupos diferentes de proprietários e atendem a interesses muitas
vezes divergentes. Hoje tais estabelecimentos assumiram novos usos, alguns ainda abrigam
grupos de ex-internos que não tiveram para onde voltar quando o sistema compulsório foi
desativado. Muitos ainda residem nas instalações, preservando os vínculos criados com
aqueles espaços. Alguns permanecem internados pela idade avançada e necessidade
constante de cuidados; outros, por apresentarem problemas de saúde intercorrentes
resultantes dos acometimentos físicos da hanseníase. Grande parte das edificações foi
reformada ou restaurada, diversas outras foram demolidas por não apresentarem mais
funcionalidade, mas principalmente pelas más condições de preservação, levando consigo
uma época repleta de história e de memórias das vidas enclausuradas.
3
99
REFERÊNCIAS
A
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