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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
Salvador
2005
LUDMILA MEIRA
A gestão de empreendimentos
econômicos solidários: Olhares
das ITCPs USP, UFRJ e UNEB
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2
LUDMILA MEIRA
A gestão de empreendimentos
econômicos solidários: Olhares das
ITCPs USP, UFRJ e UNEB
Dissertação apresentada ao Núcleo de Pós
Graduação em Administração, Escola de
Administração, Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Administração.
Orientadora: Prof
a
. Dra. Maria Suzana de Souza
Moura.
Salvador
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
4
TERMO DE APROVAÇÃO
Ludmila Meira
A gestão de empreendimentos econômicos solidários: Olhares das
ITCPs USP, UFRJ e UNEB.
Ludmila Meira
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Administração, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:
Maria Suzana de Souza Moura_________________________________________
Doutora em Administração, Universidade Federal da Bahia.
Universidade Federal da Bahia.
Nilton Vasconcelos Junior _________________________________________
Doutor em Administração, Universidade Federal da Bahia.
Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia.
Paula Chies Schommer_________________________________________
Doutora em Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas São Paulo
Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social
Salvador, 14 de dezembro de 2005.
5
Dedico este trabalho a Maria Suzana de Souza Moura
por sua orientação além dos limites acadêmicos.
6
Agradecimentos
Ao Universo que conspirou para que eu chegasse até esse momento;
Às instituições: CNPq, EAUFBA e a rede de ITCPs, pois sem o apoio destas este trabalho
seria inviabilizado;
Aos professores: Maria Suzana de Souza Moura e em especial a Nilton Vasconcelos pela
orientação;
Ao grupo de estudo 1,39, pela motivação;
Aos colegas: Airton, Tatiana, Luis, André, Edmilson, Iracema, Estela, Lys, Tacilla, Érica,
Waldélio, Leonardo, Jorge, Camile, Mônica, Carina, José Vieira, Jeová Torres e Vanessa
Paternostro pela convivência sempre enriquecedora;
Aos familiares: Daniel Senna, Mércia Meira, Alice Lima, Tânia Senna, Flávia Senna e
Manuela Senna, pelo carinho e apoio;
Aos amigos: Rogério, Rebeca, Priscila, Rachel, Ana Luisa e Mayla por acreditarem neste
trabalho mesmo sem muita paciência para os monólogos das madrugadas ébrias e pelo
respeito aos meus momentos de reclusão;
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para este trabalho.
7
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Paulo Freire Pedagogia da Autonomia
8
RESUMO
Esta dissertação trata da temática da gestão dos empreendimentos solidários. O objetivo é
identificar as especificidades da gestão de empreendimentos econômicos solidários,
particularmente das cooperativas populares na visão das incubadoras universitárias. Partiu-se
do pressuposto de que as Instituições de Ensino Superior estão gestando novos métodos e
instrumentos para atender as necessidades dos empreendimentos econômicos solidários -
EES. Outro pressuposto foi de que na gestão dos empreendimentos econômicos solidários tem
uma especificidade que a distingue das referências da administração tradicional, e ainda que a
racionalidade substantiva tende a subordinar a racionalidade instrumental. Entende-se
Economia Solidária como um movimento que expressa um novo paradigma nas relações
econômicas, sendo os EES uma expressão destes. As Cooperativas Populares foram
identificadas como organização de destaque dentre os EES brasileiros. Foram utilizados os
critérios de definição de EES elaborados por pesquisadores que buscaram mapear estas
organizações no Brasil, para construir um modelo de análise sobre as especificidades da
gestão de empreendimentos solidários. O público alvo da pesquisa de campo foram as
Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares ITCPs pioneiras, a amostra abarcou
três das seis primeiras, a ITCP da Universidade Estadual da Bahia UNEB, a ITCP da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e a ITCP da Universidade de São Paulo
USP. Constatou-se que o grau de amadurecimento da reflexão sobre as ferramentas de gestão
dos EES ainda é precário nas ITCPs, porém existem métodos e instrumentos administrativos
sendo gestados, que abarcam as especificidades dos EES.
Palavras-chave: Economia Solidária, Empreendimentos Econômicos Solidários,
Cooperativismo Popular, Gestão de Empreendimentos Econômicos Solidários.
9
ABSTRACT
The objective of thid dtudy is identify the particularities from the administration of the
Solidary Economicals Business, especialy popular cooperatives society. Started from the
population that the Universities are administrating new methods and tools to serve the
necessities of EES Empreendimentos Econômicos Solidários (Solidary Economicals
Business). Another postulation was that in the administration os EES the substantive
racionality subordinates the instrumental racionality. Understand the Soliday Economy, as a
moviment wich express a new paradigm in economical relationships, being the EES an
expression of these. The popular cooperatives society were identified as pre-eminence
organization among brazilian Ees. Were used rules to denify what is EEs, defended by
researches who look for to list these organizations in brazil, to build a model of analisys about
particularities of Ees. The main public of this field research were the Thecnology Incubators
popular cooperatives iTCPs (Incubadoras Tecnologicas de Coopertativas Populares)
pioneers, the sample encloses three of six first of them. The ITCPs of UNEB (Universidade
Estadual da Bahia), of UFRJ (Universidade Federal do rio de Janeiro) and USP (Universidade
de São Paulo). Notice that the degree of maturation on the analisies of the tools of
administration in the EES still to be precarius in the ITCPs, however exist methods and
administration in the EES still to be precarius in the ITCPs, however exist methods and
administrtive tools being managed due the articulation of university incubators with the
cooperativers who inclose the particularities of the Ees.
Key Words: Solidary Ecomomies Solidary Economicals Business -
10
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS............................................................................................................11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..............................................................................12
INTRODUÇÃO........................................................................................................................13
CAPÍTULO I CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITOS...................................................22
ECONOMIA SOLIDÁRIA..................................................................................................22
Alternativa de vida............................................................................................................23
Economia do Trabalho .....................................................................................................26
Alternativa ao modo de produção capitalista..................................................................28
Abordagem de alternativa aos setores populares ............................................................32
Abordagem da antropologia econômica ..........................................................................34
EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS - EES ...........................................................37
COOPERATIVAS POPULARES...................................................................................................46
INCUBADORAS TECNOLÓGICAS DE COOPERATIVAS POPULARES -ITCPS.................................50
CAPÍTULO II - ESPECIFICIDADES DA GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS
ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS..............................................................................................55
Resgatando conceitos .......................................................................................................58
Sistematização de análises da gestão dos EES.................................................................62
PROPOSTA DE UM MODELO DE ANÁLISE.................................................................................69
CAPÍTULO III ANÁLISE DOS RESULTADOS.................................................................73
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA EMPÍRICA ..........................73
RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA .....................................................................75
Reflexões sobre as ITCPs pesquisadas.............................................................................76
Dimensão Social...............................................................................................................78
Dimensão Econômica .......................................................................................................81
Dimensão Pública.............................................................................................................82
Dimensão Técnico Produtiva...........................................................................................85
CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:..................................................................................96
APÊNDICE A- QUESTIONÁRIO........................................................................................105
APÊNCIDE B ROTEIRO DE ENTREVISTA..................................................................107
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Evolução dos Princípios Cooperativistas segundo a Aliança Cooperativa
Internacional
Quadro 2 - Resumo das características de Empreendimentos Solidários utilizados em
Pesquisas
Quadro 3 - Quadro de Análise da Gestão de Empreendimentos Solidários
Quadro 4 - Modelo de Análise da Gestão de Empreendimentos Econômicos Solidários
Quadro 5 Síntese dos resultados
12
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ASMOCONP Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras
BANSOL Associação de Fomento à Economia Solidária
CAPINA Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia
COOFE Cooperativa Múltipla Fontes de Engomadeira
COOPAFRO - Cooperativa de Afrodescendentes
COOPERCORTE Cooperativa de Costura e Artesanato
CNPq Conselho Nacional de Pesquisa
EES Empreendimento Econômico Solidário
EPADE - Escritório Público de Pesquisas e Apoio ao Desenvolvimento Local e Regional
ITCP Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
NEPOL - Núcleo de Estudos sobre Poder Local
NPGA/EAUFBA - Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração
da Universidade Federal da Bahia
PDGS - Programa de Desenvolvimento da Gestão Social
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UCSAL - Universidade Católica do Salvador
UNIFACS - Universidade Salvador
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho integra o projeto de pesquisa “A Gestão de Empreendimentos Solidários:
em busca de referenciais teóricos”, desenvolvida junto ao Programa de Desenvolvimento da
Gestão Social do Núcleo de Estudos sobre Poder Local PDGS/NEPOL, inseridos no Núcleo
de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da
Bahia NPGA/EAUFBA, com apoio do CNPq.
Vale salientar que o envolvimento com este tema remete à graduação da autora
quando, em pesquisa de iniciação científica, iniciou seus estudos em Economia Solidária.
Neste tempo, 2000, participou também da implementação do projeto Ostreicultura
Comunitária em Ponta dos Mangues, projeto vencedor do Concurso Nacional de projetos
Sociais promovido pela Federação Nacional dos Estudantes de Administração FENEAD. O
acúmulo destas experiências resultou na elaboração do projeto BANSOL Associação de
fomento à economia solidária, ganhador também do Prêmio FENEAD. Tal trajetória
influenciou a realização deste trabalho.
Neste estudo, investigamos as peculiaridades da gestão dos empreendimentos
solidários, particularmente das Cooperativas Populares incubadas por Universidades. A
importância do desenvolvimento deste tema se dá devido a reemergência do fenômeno da
Economia Solidária, havendo poucos estudos sobre a forma de administrar seus
empreendimentos.
O conceito de Economia Solidária ainda está em construção, porém baseado na leitura
de vários autores
1
, podemos dizer que o termo sintetiza uma diversidade de experiências
organizacionais de caráter econômico, baseadas em novas e antigas formas de solidariedade,
seja numa perspectiva de busca de alternativa de emprego, seja numa perspectiva de
construção de um modelo alternativo ou diferenciado do capitalismo ou, simplesmente,
enquanto utopia experimental de novas formas de sociabilidade e de vivências de valores
relacionados com o modo de ser cuidado.
1
(FRANÇA 1999, SINGER 2000, VAINER 2000, ARRUDA e BOFF 2000, ARRUDA 1996,
CORAGGIO 2000, RAZETTO 1997)
14
Adota-se aqui o entendimento de empreendimento solidário como uma forma de
expressão da Economia Solidária, que pode assumir formato de cooperativa, empresa
autogestionária, rede e outras formas de associação para produção e/ ou aquisição de produtos
e serviços.
A emergência deste tema no Brasil nos remete ao contexto da última década de 90, de
aprofundamento do desemprego. Em resposta a esta situação gerada pelas práticas neoliberais,
surgem projetos pontuais de trabalhadores organizados a partir de outra lógica, a da
cooperação (KRAYCHETE, 2000; CORAGGIO, 2000; GAIGER, 2000; SINGER, 2002).
Pode-se verificar este fato através do aumento do número fóruns estaduais e
municipais de Economia Solidária e das redes criadas com objetivo de fomentar este
fenômeno, a exemplo da rede de Sócio Economia Solidária
2
. No Rio Grande do Sul, destaca-
se a Cáritas como responsável pela formação do Fórum de Economia Popular e Solidária; no
Rio de Janeiro a articulação de vários atores originou o Fórum de Cooperativismo Popular,
em São Paulo encontra-se o Fórum Municipal de Economia Solidária (SOUZA, 2003) e na
Bahia existe um Fórum Baiano de Economia Solidária.
Vale salientar que, o atual cenário político brasileiro tem favorecido a discussão de
alternativas de reinserção do trabalhador, sendo que a Economia Solidária ganhou destaque
com a criação, em 2003, de uma Secretaria Nacional própria, vinculada ao Ministério do
Trabalho
3
, a SENAES- Secretaria Nacional de Economia Solidária. O Programa Primeiro
Emprego deste Ministério buscou a inserção dos jovens no mercado através de uma formação
cooperativista, assim como o Programa Nacional de Qualificação que trabalhou com esta
temática.
As Universidades também estão apoiando o desenvolvimento da Economia Solidária
seja através de extensão ou pesquisa. Num mapeamento dos empreendimentos solidários na
Região Metropolitana de Salvador e no Litoral Norte (SEI: 2004), por exemplo, dentre as
instituições que contribuíram com a pesquisa encontramos cinco universidades, três púbicas e
duas particulares. São elas: A Universidade Salvador -UNIFACS, através da Pesquisa
Desenvolvimento Urbano
4
, Participação Popular e Economia Solidária; a Universidade
2
Mais informações no sitio: http://www.fbes.org.br/entidades.htm
3
Mais informações no sitio: www.mte.gov.br/economiasolidaria
4
Atualmente a UNIFACS possui também o EPADE - Escritório Público de Pesquisas e Apoio ao
Desenvolvimento Local e Regional, que dentre outras atividades apóia cooperativas populares.
15
Católica do Salvador - UCSAL pelo Programa Economia dos Setores Populares do Núcleo de
Estudos do Trabalho que coordenou o referido mapeamento e esforça-se em aprofundar a
análise deste fenômeno
5
; A Universidade Federal da Bahia - UFBA, com o Bansol
Associação de Fomento à Economia Solidária; a Universidade Estadual da Bahia -UNEB
através da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares ITCP, que atua incubando e
assessorando cooperativas populares de Salvador; e o Centro Federal de Educação
Tecnológica da Bahia CEFET
6
através do Núcleo de Estudos em Trabalho e Tecnologia da
Gestão.
Dentre estes atores, destacamos o trabalho das ITCPs que objetivam a inclusão de
pessoas no mercado de trabalho utilizando o conhecimento universitário para qualificação dos
trabalhadores. Segundo Guimarães (2003), projetos desta natureza situados no âmbito das
Universidades são importantes para garantir a continuidade do trabalho de incubação. O
governo teria um tempo limitado para desenvolver tais atividades, podendo mesmo ser
abandonado pela gestão seguinte, enquanto as Universidades podem incluí-las como projeto
de extensão continuado. Justino (2002b) ao registrar a experiência da ITCP da UFPR destaca
que este projeto foi reconhecido pelo Plano Nacional de Extensão das Universidades Públicas.
É importante enfatizar que já existe uma rede de Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares que objetiva “o intercâmbio de experiências entre técnicos e
cooperativados; a produção de conhecimento e metodologia; independência; e fomento de
uma Rede Nacional de Cooperativas Populares” (GUIMARÃES, 2003: pg 115).
Além desta rede de ITCPs, podemos citar também um trabalho de fomento à
Economia Solidária desenvolvido pelas Universidades através da rede UNITRABALHO. A
proposta desta fundação sem fins lucrativos de direito privado é: contribuir para o resgate da
dívida social que as universidades brasileiras têm com os trabalhadores. Sua missão se
concretiza por meio da parceria em projetos de estudos, pesquisas e capacitação
7
. Esta rede,
criada em 1996, conta atualmente com a participação de 92 universidade e instituições de
ensino superior.
5
Através do seu coordenador Gabriel Kraychete foi realizado o primeiro seminário para se tratar deste tema na
Bahia em 1999: Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia.
6
Atualmente o CEFET possui uma ITCP que atua na área de Economia Solidária e cooperativismo.
7
Maiores informações sobre a rede unitrabalho ver site: www.unitrabalho.org.br
16
Como já foi dito, apesar do desenvolvimento do fenômeno da Economia Solidária,
existem poucos trabalhos focados na gestão das organizações que atuam nesta área. Algumas
pesquisas sobre o tema da gestão indicam a necessidade de rever conceitos e ferramentas
administrativas face às particularidades dos empreendimentos solidários. Dentre os estudos
que tivemos acesso, destaca-se: a pesquisa realizada em uma cooperativa de Sergipe
(MOURA e MEIRA, 2002); o estudo realizado em duas organizações comunitárias em
Montreal no Canadá (ANDION, 2001); o trabalho de COSTA (2003a e b) sobre as oficinas de
gestão promovidas pela CUT para empreendimentos solidários e sua dissertação sobre
empreendimentos solidários de Cachoeirinha/RS apoiados pelo governo municipal; e a
dissertação de Silva Junior (2005) que trata da gestão da ASMOCONP/Banco Palmas.
O primeiro trabalho relatou as dificuldades da gestão destes empreendimentos e
indicou a necessidade de se adaptar os instrumentos de avaliação de impactos à realidade da
Economia Solidária
8
. O segundo trabalho desenvolveu um quadro analítico da gestão destas
organizações. O trabalho de Costa (2003a e b) sinaliza a necessidade de se aprofundar a
reflexão no campo do conhecimento em administração sobre uma “nova lógica de trabalho
que pode estar se desenhando” referindo-se à coexistência de uma lógica de mercado e a
lógica da solidariedade num mesmo empreendimento. Por fim, a dissertação de Silva Júnior
(2005) analisa como a gestão pode regular a tensão entre estas duas lógicas.
Apesar de discutirem a gestão dos empreendimentos solidários, estes trabalhos
possuem uma lacuna referente à dimensão técnica. Alguns autores apontam na direção de uma
metodologia de gestão diferenciada pelo caráter democrático, como afirma Paul Singer “A
autogestão duma empresa solidária é ou deveria ser totalmente diferente da gestão
capitalista, em primeiro lugar porque os conflitos entre interesses seccionais devem ser muito
menores e em segundo porque podem ser travados abertamente...” (SINGER 2003: pg. 20).
Azevedo (2003) destaca como características da dinâmica autogestionária das experiências de
Economia Solidária: caráter coletivo, controle coletivo e inserção cidadã, ou seja, novamente
a democracia em destaque.
8
Por exemplo, foi proposto como População Economicamente Ativa todas as pessoas da comunidade que
contribuíam com o sustento da casa, ainda que não fosse através das finanças domésticas, seguindo a proposta de
Coraggio (2000, 2003) de reprodução ampliada da vida (que será exposto no capítulo seguinte).
17
Gaiger (1996) refere-se a uma nova racionalidade intrínseca a estes empreendimentos
que seria uma síntese entre o espírito empresarial e o espírito solidário, que pode ser vista
também na tese de Silva Júnior (2004) e no trabalho de Andion (2001).
França Filho e Laville (2004b) traçaram quatro características básicas para os
empreendimentos de Economia Solidária: pluralidade de princípios, autonomia institucional,
democratização dos processos decisórios, sociabilidade comunitário-pública e finalidade
multidimensional, tais características apontam para especificidades da gestão referentes aos
processos decisórios democráticos, financiamentos mistos e objetivos além do econômico.
Moura e outros (2004b), a partir de alguns autores, sistematizaram um modelo de
análise da gestão de empreendimentos solidários com quatro dimensões: social, econômica,
pública e técnico produtiva. Ao aplicar tal modelo em uma cooperativa popular e uma
associação de moradores concluem com a indicação da necessidade de novos referenciais para
as áreas funcionais da administração.
Estes estudos apontam a existência de uma racionalidade própria à gestão dos
empreendimentos referidos e uma valorização do processo democrático como diferencial ao
modelo de gestão empresarial. As cooperativas populares aparecem como um dos
empreendimentos propícios à utilização de um modelo de gestão baseado nesses conceitos,
sendo as Universidades, através principalmente das suas ITCPs, capazes de observar melhor
este fenômeno, pois acompanham diversas cooperativas populares pelo Brasil.
As ITCPs têm desenvolvido seu trabalho tendo em conta as análises do campo da
Economia Solidária, que por sua vez tem raízes em uma crítica ao mercado capitalista.
Portanto, não é de se estranhar que elas devam também criticar as ferramentas da
administração tradicional que nascem nesta lógica do mercado capitalista. Destarte, para
melhor compreender este fenômeno da singularidade da gestão de empreendimentos
solidários, é importante captar a visão das ITCPs sobre este tema.
Diante do exposto definimos como objeto deste estudo as particularidades da gestão de
empreendimentos solidários. O que se pretende responder com esta pesquisa é: Como as
peculiaridades dos empreendimentos econômicos solidários refletem-se na prática da gestão
das cooperativas populares na visão das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares?
18
A pergunta de partida da pesquisa aqui proposta foi formulada a partir do pressuposto
de que a gestão no âmbito da Economia Solidária tem uma especificidade que a distingue das
referências da administração tradicional, cujos princípios estão voltados para grandes
empresas capitalistas, impactando nas técnicas utilizadas.
Há uma tendência na Economia Solidária de subordinar a racionalidade instrumental à
racionalidade substantiva. A lógica da gestão dos empreendimentos solidários tende a se
basear em valores como a cooperação, solidariedade e democracia. Os objetivos das
organizações vão além do estritamente econômico.
Deste modo, as ITCPs por atuarem sobre o tripé ensino, pesquisa e extensão estão
gestando novos métodos e instrumentos para atender as necessidades das cooperativas
populares incubadas.
Considerando que as cooperativas populares no Brasil ganham destaque no cenário da
Economia Solidária, e são uma forma de manifestação desta, a análise das especificidades da
gestão de cooperativas populares torna-se relevante no momento atual. Tal investigação torna-
se imprescindível para não haver uma simples transposição de técnicas administrativas
pautadas na lógica capitalista no seio destes empreendimentos.
Esta pesquisa auxilia a formatação de técnicas mais apropriadas para a gestão de
empreendimentos coletivos solidários. Seus resultados contribuem para a otimização da
implementação de políticas públicas de fomento à Economia Solidária no tocante à
estruturação e capacitação de cooperativas populares.
Do ponto de vista teórico, a pesquisa contribui com o aprofundamento dos estudos em
torno do tema da gestão de empreendimentos. Por outro lado, contribui com as teorias
administrativas, enriquecendo o campo com a inclusão de empreendimentos pautados pelo
fenômeno da Economia Solidária.
O objetivo geral da pesquisa foi identificar as especificidades da gestão de
empreendimentos solidários, particularmente cooperativas populares.
Para tanto, traçamos os seguintes objetivos específicos:
Sistematizar estudos sobre a gestão de empreendimentos solidários
Compreender a forma como as Incubadoras abordam a gestão de cooperativas
populares.
19
Verificar a coerência entre os conceitos utilizados pelas Incubadoras para tratar a
gestão de cooperativas populares e as especificidades da gestão de
empreendimentos solidários apontadas na literatura.
Referências Teóricas:
Na construção do objeto de pesquisa foram discutidos os conceitos de Economia
Solidária, Empreendimentos Solidários, Cooperativismo Popular e Especificidades da Gestão
de Empreendimentos Solidários.
A Economia Solidária é tratada nos capítulos seguinte, considerando as abordagens de
alternativa de modo de vida, alternativa ao modo de produção, alternativa dos setores
populares e abordagem da antropologia econômica (ARRUDA, 2000; CORAGGIO, 2000,
2003; GAIGER, 2000; SINGER 2000, 2002, 2003; KRAYCHETE, 2000; LISBOA, 1999;
FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004).
Os empreendimentos solidários são tratados aqui como forma de expressão da
Economia Solidária e a definição perpassa as tentativas de mapeamento destas organizações
realizadas em diversos locais do Brasil (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004; SEI, 2004;
GAIGER, 2004; JESUS et alii, 2004; OLIVEIRA, 2004; SOUZA, 2003).
Para a análise do Cooperativismo Popular consideramos a definição dos princípios do
cooperativismo tradicional, resgatando suas origens, porém delimitando o conceito a partir da
visão das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares do país. (CANÇADO, 2004;
SINGER, 2002; SCHNEIDER, 1999; ITCP UFRJ, 1998; ITCP USP, 2002; JUSTINO, 2002;
OLIVEIRA, 2003).
As especificidades da gestão foram tratadas a partir de estudos atuais que analisam a
dimensão organizacional e técnica do processo. (MOURA e MEIRA, 2002; AZEVEDO,
2003; ANDION, 2001; COSTA, 2003a e b; MOURA et alii, 2004a e b; SILVA JÚNIOR,
2005).
Procedimentos metodológicos
20
A estratégia adotada nesta pesquisa foi de uma abordagem qualitativa de análise de
natureza descritivo-analítica. Pode-se considerar este estudo como uma pesquisa exploratória
que buscou de forma indutiva, identificar as técnicas de gestão adotadas nos empreendimentos
solidários. Para alcançar os objetivos traçados fez-se necessário realizar a leitura e análise da
literatura contemporânea, que se teve acesso, relacionada aos temas que conformam este
trabalho.
A pesquisa teórica envolveu uma revisão de literatura sobre o tema das especificidades
da gestão de empreendimentos solidários A investigação teórica tratou de um tema bastante
atual, portanto debruçou-se sobre artigos divulgados em Congressos que trazem o
conhecimento mais recente da área, livros que sistematizaram seminários pioneiros sobre o
tema no Brasil e na Bahia, publicações de periódicos governamentais que divulgaram
pesquisas recentes e livros de autores considerados referência na área como Paul Singer,
Marcos Arruda, Gaiger e França Filho.
O estudo desta literatura possibilitou fazer a contextualização e compor um modelo
para analisar as percepções de atores envolvidos com a prática. A partir dessa discussão
teórico-conceitual construímos um roteiro de entrevista semi-estruturado e um questionário.
No terceiro capítulo retomaremos esta discussão de forma aprofundada apontando as
justificativas destes instrumentos.
A escolha das ITCPs como objeto de estudo foi baseada no grau de inserção tanto na
Universidade como nas Cooperativas Populares. Como referido, as ITCPs têm como objetivo
a inserção de grupos populares no mercado de trabalho, isto é feito através da incubação de
cooperativas populares tanto em um processo de formação como assessoramento às mesmas.
Entendemos que o papel das Universidades é de formulação de propostas para a sociedade e
que o alcance deste objetivo está relacionado a uma prática de ensino, pesquisa e extensão.
Destarte, percebemos que a visão das Incubadoras Universitárias seria privilegiada,
pois além da oportunidade de praticar a gestão de cooperativas populares no processo de
extensão, há a possibilidade de refletir sobre esta prática no âmbito da pesquisa e divulgar os
resultados no processo do ensino. Além disto, existe a rede das incubadoras que objetiva
também a reflexão e disseminação dos conhecimentos produzidos nas incubadoras.
A fim de alcançar o objetivo proposto, esta dissertação foi estruturada em quatro
capítulos, além desta introdução. No capítulo 1, discute-se o contexto no qual este trabalho
21
está inserido. O tema da Economia Solidária foi discutido identificando-se suas abordagens.
Tratamos a temática não apenas do ponto de vista conceitual, mas na prática, identificando
suas formas de expressão e definindo melhor a principal delas que seriam as cooperativas
populares. É neste ponto que serão apresentados com mais detalhes as ITCPs, sua história,
objetivos e metodologias de incubação.
O capítulo 2 dedica-se à exploração teórica do objeto do trabalho: as especificidades
da gestão dos empreendimentos solidários. Além de refletir acerca dos estudos realizados
sobre este tema, buscamos analisar as características dos empreendimentos econômicos
solidários relacionando estas às particularidades da gestão destas organizações. Desta forma
construímos um referencial de análise.
A análise das entrevistas e documentos será apresentada no capítulo 3, sendo feita de
modo simultâneo a descrição dos dados obtidos e a reflexão feita sobre estes. Neste capítulo,
apresentaremos também o detalhamento sobre os procedimentos metodológicos do trabalho
de campo, bem como a explicação sobre a construção dos instrumentos de coleta de dados.
Por fim, o capítulo 4 é reservado às considerações finais onde pontuamos as principais
conclusões e indicamos caminhos para futuros trabalhos sobre este tema.
Assim, com esta introdução delimitamos a problemática deste trabalho bem como seu
objeto, objetivos e procedimentos metodológicos adotados neste estudo. Passaremos então
para sua verificação.
22
CAPÍTULO ICONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITOS
ECONOMIA SOLIDÁRIA
O contexto de ressurgimento da Economia Solidária está intimamente ligado às
transformações ocorridas na estrutura do mercado de trabalho nas últimas duas décadas,
(SINGER, 2003; GAIGER, 2000; KRAYCHETE, 2000; CORAGGIO, 2000, FRANÇA
FILHO, 2001). Ressaltamos que nem todos autores concordam com esta relação e remetem a
o fenômeno a uma transformação de valores (ARRUDA 2000,2003).
Porém ao analisar as diversas abordagens percebemos uma aproximação destas com
um novo paradigma que começa a emergir na nossa sociedade e difere-se do paradigma
econômico dominante (CANÇADO et alii, 2004).
Khun (2003) constrói o conceito de paradigma para explicar a evolução da ciência.
Um paradigma seria dominante enquanto respondesse às questões de determinada
comunidade cientifica. A partir do momento em que este paradigma não responde às questões
levantadas por uma comunidade científica vive-se um período de crise, seguido de uma
revolução na ciência. Neste momento, não há um consenso sobre como agir e pensar na
ciência, e assim é aberto um espaço para que um novo paradigma emirja.
Capra (1990) identifica esta crise no paradigma econômico dominante. Em uma
conversa com Hazel Henderson, ela afirma que “A economia provavelmente vai perdurar
como uma disciplina adequada para fins contábeis e para análises diversas em micro setores
(...) Entretanto, seus métodos já não são apropriados ao estudo dos processos
macroeconômicos” (HENDERSON apud CAPRA:1990, p.198). A conclusão de Capra (1990)
é de que a economia também necessita de um estudo multidisciplinar enquadrado no
paradigma ecológico.
Capra (1990) explica que esta abordagem ecológica vai além de uma perspectiva
holística que apenas considera um todo integrado. A abordagem ecológica enfatiza “a vida, o
mundo de que somos parte e de que nossa vida depende” (Capra, 1990: p.200). Portanto, uma
abordagem ecológica da economia deve interpretá-la dentro dos sistemas de valores de uma
determinada cultura e inserida nos processos cíclicos da natureza.
23
Esta ampliação do entendimento de economia está presente na abordagem de Marcos
Arruda (2000) que resgata Aristóteles para re-conceituar a economia diferenciando-a da
crematística. Economia seria a arte de gerir a casa, diferente de crematística que é a
preocupação de acumular riqueza. Percebemos a aproximação da proposta de Arruda (2000)
com a de Capra (1990) quando ele redefine a economia a partir da etmologia da palavra
Oikos, que é a grande casa. Não só a minha casa familiar, que é muito importante como
referencial, mas também a comunidade a qual pertencemos, o nosso país e aTerra: a grande
mãe Terra que nos abriga, que nos deu origem e que vai receber os nosso restos mortais”
(ARRUDA, 2000: p. 205).
Esta proposta de Arruda para a Economia Solidária insere-se no que chamaremos de
alternativa de modo de vida. Identificamos ainda na literatura uma proposta de Economia do
Trabalho defendida por Coraggio (2000, 2003); uma abordagem de alternativa ao modo de
produção capitalista (GAIGER, 2000; SINGER 2000, 2002, 2003); uma abordagem que
reflete sobre a Economia Solidária como alternativa aos setores populares (KRAYCHETE,
2000; LISBOA, 1999); e uma abordagem que define a Economia Solidária através de um
olhar da antropologia econômica (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004).
Apresentado o contexto e as abordagens identificadas vamos discutir cada uma:
Alternativa de vida
Marcos Arruda (2000, 2003) utiliza o conceito de “Socioeconomia Solidária” como
forma de pensar o fenômeno da Economia Solidária. Esta economia social, que se baseia no
humanitário e no cooperativo, tem como valor fundamental a solidariedade (ARRUDA,
2003). Para ele é um projeto com o objetivo de constituir uma nova forma de pensar o ser
humano como o todo, uma nova economia e um novo mundo (ARRUDA, 2000). Ou seja,
significa não apenas uma proposta alternativa ao modelo econômico que está instituído em
nossa sociedade, mas também uma nova visão do humano e suas interações com seus
semelhantes, com a natureza e com si mesmo. A Socioeconomia Solidária, para o autor,
constitui-se em uma opção que deverá criar condições para o desenvolvimento efetivo de cada
indivíduo e da sociedade, passando por uma “melhoria estrutural da qualidade de vida”, com
o objetivo amplo do “desenvolvimento integral” da pessoa, da comunidade e da sociedade
24
como um todo, e do mundo e da humanidade (ARRUDA, 2003). Enfim, uma alternativa de
vida.
Nesta abordagem, a discussão sobre o tema da Socioeconomia Solidária extrapola a
fronteira da racionalidade instrumental. Seria preciso libertar-se do paradigma dominante que
conduz o nosso modo de ver o mundo, o que envolve mudanças no âmago de cada indivíduo,
ou dito de outro modo, esta reflexão envolveria mudanças em nossas culturas
9
. O paradigma
proposto pela Socioeconomia Solidária é o da partilha e da reciprocidade, que são valores
diferentes da ideologia baseada no paradigma da dominação e da acumulação material, que se
centra na concepção egoística do homem como um ser sem relações. (ARRUDA, 2003).
Segundo Arruda (2003) a visão individualista, base do paradigma dominante, remete
não apenas ao individualismo individual, mas à formação de grupos que atuam de forma
individualista: os clãs, raças, nações, etc, o que vai gerando competições, conflitos, guerras,
enfim, o mundo caótico, flagelante e desumano em que vivemos. Para o autor é fundamental
que se saia da lógica capitalista do “eu sem nós”, mas sem cair na lógica do “nós sem eu”, que
o autor associa no modelo socialista.
Ou seja, seria preciso pensar de forma integrada, aproximando-se da proposição de
Capra (1990). Na economia da solidariedade a competição seria substituída pela “cooperação
solidária”, a partilha e a reciprocidade, embasando-se em uma cultura do “eu e nós”.
(ARRUDA, 2000, 2003: p. 29).
O projeto de Socioeconomia Solidária proposto por Arruda (2000) assume três
dimensões micro, meso e macro. No nível micros estariam as organizações locais, a
exemplo de uma cooperativa de advogados da região da Catalunha na Espanha que conseguiu
ser um agente para a mobilização de trabalhadores demitidos para sua inserção em
cooperativas, ou como as ITCPs brasileiras que apóiam a inserção dos grupos populares
através de cooperativas.
No nível meso encontraríamos as redes de trocas solidárias, que por vezes utilizam
uma moeda comunitária como meio de intercâmbio de mercadorias. Esta articulação
representa uma alternativa para o desenvolvimento das economias locais e cooperativas, na
medida em que possibilitam o atendimento de demandas entre pessoas da comunidade por
9
De acordo com o autor cultura é “conjunto de valores, atitudes, comportamentos, aspirações, modos de relação
que nós levamos à prática ao longo do nosso cotidiano de vida”. (Arruda, 2000, p.200).
25
meio de trocas pautadas no serviço dos envolvidos. Este trabalho pode ser quantificado por
meio de moeda local ou horas de trabalho, por exemplo, servindo como incentivo para as
pessoas cooperarem entre si e interagirem. O Banco Palmas, projeto da Associação de
Moradores do Conjunto Palmeiras- ASMOCONP, retrata muito bem a proposta da moeda
local
10
.
No nível macro estariam a rede chamada “Aliança por um mundo Responsável e
Solidário”, dentro da qual está um pólo que é de Socioeconomia Solidária. Esta aliança em
articulação possibilitaria, segundo Arruda, os debates, discussões, trocas de experiências e
uma forma de interação para pensar e disseminar esta nova forma de a economia no nível
global. (Arruda, 2000).
Ainda que a perspectiva idealista da Socioeconomia Solidária como alternativa de vida
represente uma forma mais filosófica de pensar este fenômeno, visto que concebe uma
transformação ampla nos indivíduos, na sociedade como um todo e no planeta em geral, capaz
de substituir o paradigma atual, algumas práticas já podem ser percebidas em nossa sociedade,
mostrando a manifestação deste fenômeno:
“O consumo ético, como resposta sustentável às necessidades humanas;
produção autogestionária, os trabalhadores com direito à propriedade; gestão
coletiva (grifo nosso), onde a empresa é concebida como uma comunidade;
e esse conceito rompe com a empresa do capital; o comércio justo, o crédito
cooperativo, a educação cooperativa e a comunicação dialógica”. (Arruda,
2003, p. 30-31).
Arruda (2000)aponta algumas dificuldades dentro deste projeto de Socioeconomia
Solidária. Apesar de estar pautada em uma nova economia, centrada no humanismo e na
cooperação, na prática os mercados sempre incentivam a batalha entre as pessoas, mesmo
quando a compra e venda são entre cooperativas . Assim, uma questão que se levanta é como
seria possível uma competição “com outro espírito”, uma competição que não acabasse nela
própria. E ainda, como seria possível satisfazer às necessidades enquanto pessoa e pequena
coletividade, e ao mesmo tempo se preocupar com os outros empreendimentos e com o
sistema como um todo.
A competição “com outro espírito” levantada por Arruda (2000), parece ser possível,
na visão da Economia do Trabalho de Coraggio (2003, p. 43), através da inversão da
10
Maiores informações sobre o Banco Palmas ver: Melo Neto e Magalhães (2004) e Silva Júnior (2005). Melo
(2004) realizou um estudo sobre a valoração de troca no clube de trocas do Banco Palmas.
26
subordinação, na qual a racionalidade instrumental é subordinada à racionalidade substantiva,
e não o contrário. Ao pensar o humano antes do aspecto estritamente lucrativo ou de poder, as
organizações solidárias, dentro do contexto atual de capitalismo, poderiam funcionar sem
perder sua perspectiva solidária. São propostas próxima à de Gaiger (1996) de que existiria
uma hibridação de lógicas no âmbito dos empreendimentos econômicos solidários que levaria
à sustentabilidade do empreendimento. Trataremos as propostas de Coraggio e Gaiger mais
adiante, mas essa é uma reflexão que será retomada para tratar as especificidades dos
empreendimentos econômicos solidários.
Ainda na perspectiva da Socioeconomia Solidária como uma filosofia de vida, Arruda
(2000) acredita que o modelo desta Socioeconomia inicialmente conviverá com o capitalismo,
mas com o tempo este vai sucumbir. O sistema tem muitas formas de se ajustar diante das
dificuldades, mas podem acontecer fatos que abalem sua estrutura e a comprometam de forma
definitiva. Em sua prospecção o autor acredita que neste ponto o povo vai buscar alternativas
ao que lhe é imposto e será a grande chance, através de uma reorganização da economia, de
surgir uma nova sociedade e a vida humana.
Para o autor, o Estado, neste contexto, não seria negado pela Socioeconomia Solidária.
Haveria um Estado Democratizado, com a Sociedade no topo. O Estado e a Economia
democratizados seriam assumidos pela Sociedade como um todo, e não apenas um pequeno e
privado grupo da sociedade. Este Estado seria como um maestro de uma orquestra de jazz que
precisa ao mesmo tempo ser músico, ou seja, atuar e simultaneamente coordenar a diversidade
em busca da harmonia geral. Os níveis micro, meso e macro precisam ser articulados, mas
não destruídos. O grande desafio, para Arruda (2002) seria incorporar todas as dimensões da
sociedade em um grande projeto de relações.
Economia do Trabalho
A abordagem de Coraggio também comunga do pensamento de uma coexistência
entre Estado, Mercado e Sociedade. Para o autor, uma economia do trabalho viria
complementar a economia de mercado e a economia pública existentes atualmente. Coraggio
(2000, 2003) defende esta abordagem, porém argumenta que sua forma ainda está em
construção. Para ele o contexto deste fenômeno surge da crise do capitalismo e se baseia na
27
solidariedade, um contexto pouco mais restrito do que na proposta de alternativa de modo de
vida. Mas ainda assim com traços que denotam um novo paradigma.
Para Coraggio (2003) a Economia Popular representaria as diversas formas de
sobreviver ao neoliberalismo”, porém tais experiências seriamfragmentadas, heterogêneas,
cabendo tanto a competição como a solidariedade (...) suas células básicas seriam as
unidades domésticas na lógica de reprodução da vida biológica e social(CORAGGIO,
2003: p. 35).
A Economia Solidária, para Coraggio (2000, 2003), está relacionada com uma
proposta de economia alternativa baseada no trabalho. Esta Economia do Trabalho viria
complementar a economia pública e a mercantil que hoje dominam nossa sociedade. A base
seria a Economia Popular, mas a proposta é ir além da simples reprodução da vida biológica,
seria estrutural ou conscientemente responsável pela reprodução ampliada da vida
11
de
todos os membros” (Coraggio, 2003: pg 36). Portanto, traz também pistas de um novo
paradigma ecológico como foi proposto por Capra (1990).
A Economia Popular pode se transformar em Economia do Trabalho, é o que Coraggio
defende, “isso dependerá da qualidade das relações dentro e entre as unidades domésticas e do
grau de interdependência, complexidade e autonomia relativa, que for alcançado pelo
conjunto de seus componentes” (Coraggio, 2003: p. 48). Para ele a unidade de análise trata-se
da unidade doméstica e não mais a empresa como normalmente é feito.
Para consolidar sua proposta, Coraggio (2003) trabalha na linha de necessidade de
inversão de valores, salientando que a mudança cultural é um processo lento. Para reforçar
esta reflexão sobre o tempo da mudança (proposta transgeracional), ele salienta que a nova
proposta deve ser democrática, portanto deve convencer e não se impor. Dois pontos para ele
são fundamentais: aceitar que o capitalismo não é capaz de responder às desigualdades que
gera; e teorizar sobre as possíveis alternativas recuperando a história e participando de
processos reais.
“Em outras palavras, nós precisamos combinar a visão utópica de futuro e a
visão científica, argumentando que é possível desenvolver outra
economia”(CORAGGIO, 2003:p.41)
11
A idéia de reprodução ampliada da vida inclui a realização de atividades que de per si são necessárias à vida
ainda que não produzam valores de uso nem mercadorias destacáveis (ex diversão e esporte). O conceito de
reprodução ampliada remete ao processo de melhoria da qualidade de vida.
28
Percebe-se na proposta do autor a importância de dois conceitos que têm grande
relevância no entendimento da gestão dos empreendimentos de Economia Solidária: a
racionalidade e a democracia.
Outro aspecto importante da proposta de Economia do Trabalho de Coraggio diz
respeito à relação desta com as Economias capitalista e pública. Ele não prega a extinção do
Mercado ou do Estado, apenas defende outros valores nestes âmbitos, seria uma
redemocratização do Estado, por exemplo
12
. Porém, lembra-nos que durante este processo de
transmutação, muitas empresas solidárias podem transformar-se em empresas com valores
capitalistas, e cita o exemplo da economia social européia
13
. Para evitar desvio, o autor propõe
uma inversão de subordinação:
A racionalidade instrumental deve estar subordinada a uma racionalidade
substantiva, definida como uma forma de garantir que as propostas
levantadas contribuam para a garantia inter-relacionada de melhor qualidade
de vida para todos os habitantes do planeta e que isto esteja acima do lucro
ou do acúmulo de poder (CORAGGIO, 2003: p.43).
Coraggio delineia outras dimensões da Economia do Trabalho, como a questão da
escala, sinergia e plano de atuação. Em virtude da competitividade, escala e sinergia são
essenciais para superar as dificuldades do mercado. No caso da América Latina, ele reflete
que devido à falta de competitividade das organizações solidárias frente a empresas
capitalistas, muitas delas dependem do subsídio de doações e do voluntariado para se
manterem. Além disto, seria necessário unir forças com a luta sindical, com a luta por
qualidade de serviços, a luta pelo meio ambiente, enfim, todos que estão de alguma forma
tentando impor limites ao capitalismo (CORAGGIO, 2003).
Alternativa ao modo de produção capitalista
A Economia Solidária também pode ser considerada como modo de produção
alternativo ao modelo capitalista. Desta maneira, além de ser considerada por alguns autores
como alternativa de vida e por outros como proposta de Economia do Trabalho, há ainda
uma terceira abordagem, muito presente na obra de Paul Singer.
12
Ele cita o orçamento participativo do Brasil, como exemplo (2003: pg.45)
13
Iniciativas oriundas dos setores populares que sob um fundo de luta política desenvolveram um movimento
associativista com dimensão social e econômica, porém foram absorvidas pela lógica funcionalista de
especialização gestionária imposta pelos poderes públicos, perdendo assim sua dimensão política, no final do séc
XIX (França Filho, 2002).
29
Para Singer (2002) a Economia Solidária estaria relacionada ao movimento
cooperativo. Segundo o autor, esta nasceu pouco depois do capitalismo industrial, quando a
utilização de máquinas na produção foi difundida. Esta situação gerou um espantoso e inédito
empobrecimento dos artesãos, que passaram a competir com a organização fabril.
Na medida em que o movimento operário amplia suas conquistas, a Economia
Solidária vai perdendo importância e “em vez de lutar contra o assalariamento e procurar uma
alternativa emancipatória ao mesmo, o movimento operário passou a defender os direitos
conquistados e sua ampliação” (SINGER, 2002, p.109).
Com o passar do tempo o movimento operário conseguiu grandes conquistas como: a
ampliação dos direitos trabalhistas e consolidação do Wellfare-state. Este contexto de
fortalecimento dos direitos dos trabalhadores assalariados levou a Economia Solidária a
perder importância. Porém, o movimento cooperativo, nunca deixou de existir (SINGER,
2002).
A partir da segunda metade dos anos 70, segundo Singer (2002) e França Filho (2002),
o desemprego em massa ameaça seu retorno, o poder dos sindicatos começa a ser abalado e
tem início a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. “Como resultado, ressurgiu com
força cada vez maior a Economia Solidária na maioria dos países” (SINGER, 2002, p.110).
É nesse contexto que se verifica a reinvenção da economia solidária. O
programa da economia solidária se fundamenta na tese de que as
contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de
organizações econômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção
dominante (SINGER, 2002, p.112).
No caso do Brasil, a reinvenção da Economia Solidária não coube só às iniciativas
populares ou aos desempregados. Houve e ainda há uma grande participação da Igreja
Católica, outras Igrejas, Sindicatos e Universidades (SINGER, 2002).
Para o autor, a Economia Solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos
são a propriedade coletiva ou associada e o direito à liberdade individual. A aplicação desses
princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores
de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a
solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de
redistribuição solidária de renda (SINGER, 2002, p.10-1).
30
Singer (2002) relaciona a Economia Solidária aos princípios cooperativos propostos
inicialmente pela cooperativa pioneira de Rochdale e revisados pela Aliança Cooperativa
Internacional. Cançado (2004) nos mostra a evolução destes princípios, de forma que
podemos perceber a relação dos mesmos com a Economia Solidária conceituada por Singer
(2002):
Quadro 1 – Evolução dos Princípios Cooperativistas segundo a Aliança Cooperativa
Internacional
PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS
Congressos da Aliança Cooperativa Internacional Estatuto de 1844
(Rochdale)
1937 (Paris)
14
1966 (Viena) 1995 (Manchester)
1. Adesão Livre
2. Gestão Democrática
3. Retorno Pro Rata das
Operações
4. Juro Limitado ao
Capital Investido
5. Vendas a Dinheiro
6. Educação dos
Membros
7. Cooperativização
Global
a) Princípios Essenciais
de Fidelidade aos
Pioneiros
1. Adesão Aberta
2. Controle ou Gestão
Democrática
3. Retorno Pro-rata das
Operações
4. Juros Limitados ao
Capital
b) Métodos Essenciais de
Ação e Organização
5. Compras e Vendas à
Vista
6. Promoção da Educação
7. Neutralidade Política e
Religiosa.
1. Adesão Livre
(inclusive neutralidade
política, religiosa, racial e
social)
2. Gestão Democrática
3. Distribuição das
Sobras:
a) ao desenvolvimento da
cooperativa;
b) aos serviços comuns;
c) aos associados pro-rata
das operações
4. Taxa Limitada de Juros
ao Capital Social
5. Constituição de um
fundo para a educação
dos associados e do
público em geral
6. Ativa cooperação entre
as cooperativas em
1. Adesão Voluntária e
Livre
2. Gestão Democrática
3. Participação
Econômica dos Sócios
4. Autonomia e
Independência
5. Educação, Formação e
Informação
6. Intercooperação
7. Preocupação com a
Comunidade
14
Os Princípios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros eram obrigatórios para a adesão à ACI, enquanto os
Métodos Essenciais de Ação e Organização tinham apenas caráter de orientação (SCHNEIDER, 1999).
31
âmbito local, nacional e
internacional
Fonte: CANÇADO (2004) -Adaptado de Pereira et al. (2002) e Cançado e Gontijo (2004).
Algumas considerações importantes devem ser feitas sobre a evolução destes
princípios. No Congresso da ACI,em Manchester, em 1995, foi inserido o princípio de
Preocupação Com a Comunidade. Tal demonstração de interesse em integrar-se na localidade
tem relação com o paradigma ecológico proposto por Capra (1990). Além disso, percebe-se
uma intenção de projeção no espaço público, tal caráter político tem relação com a Economia
Solidária estudada do ponto de vista da antropologia econômica, que aprofundaremos mais
adiante, quando esta propõe-se a integrar as dimensões social, política e econômica.
Singer preocupa-se ainda em sinalizar que se a Economia Solidária for apenas uma
resposta às contradições do capitalismo, quando este se recuperasse, ela tenderia a diminuir de
importância novamente. Porém, se ela se estruturasse como mais que uma mera resposta aos
desmandos do capitalismo, ela poderia se tornar uma alternativa superior ao capitalismo, este
seria seu grande desafio hoje (SINGER, 2002). Desta maneira, “a economia solidária teria de
gerar sua própria dinâmica em vez de depender das contradições do modo dominante de
produção para lhe abrir caminho” (SINGER, 2002, p.116.).
Gaiger (2000) concorda que a Economia Solidária seja considerada como novo modo
de produção, alternativo ao modo de produção capitalista. Ele esclarece que sua visão sobre a
Economia Solidária parte da prática, do estudo das suas formas de manifestação, que no seu
ponto de vista vai além do movimento cooperativo.
Gaiger utiliza os conceitos de projetos assistenciais e promocionais. Estes seriam
meios de sobrevivência ou formas de subsistência (Gaiger, 1996: pg 113), os quais diferencia
do termo Economia Solidária. Os empreendimentos econômicos solidários propostos por
Gaiger (1996):
“expressam uma síntese original entre o espírito empresarial -no sentido da
busca de resultados por meio de uma ação planejada e pela otimização dos
fatores produtivos, humanos e materiais - e o espírito solidário, de tal
maneira que a própria cooperação funciona como vetor de racionalização
econômica produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais comparativamente
à ação individual.” (Gaiger, 1996: pg114)
32
Para Gaiger (2000: p.183) “quando existe uma prática de solidariedade prévia, que
transcende os objetivos econômicos, ela favorece o empreendimento e, por seu turno,
amplifica-se e consolida-se com o desenvolvimento desse empreendimento”.
Gaiger (1996: p. 114) também defende a necessidade de uma outra racionalidade
“Esse espírito empreendedor se diferencia da racionalidade capitalista (que não é solidária
nem inclusiva) e da solidariedade comunitária a qual faltam instrumentos adequados ao
desempenho econômico na sociedade contemporânea”.
Gaiger (2000: p.187) propõe a mudança no modo de produção, ou melhor, da forma
social de produção. Seu argumento é de que “o capitalismo reduz a uma parcela mínima
aqueles que podem usufruir das benesses do desenvolvimento. Enquanto que exatamente por
se contraporem a isso, as cooperativas teriam a possibilidade e a tendência a generalizar esses
benefícios” .
Abordagem de alternativa aos setores populares
Os termos utilizados por Lisboa (1999), economia popular, e por Kraychete (2000),
economia dos setores populares, poderiam sinalizar uma perspectiva da Economia Solidária
enquanto uma alternativa aos pobres, porém ambos argumentam sobre a necessidade de
ampliar este movimento de forma sustentada para transpor um limite de mera subsistência dos
excluídos do mercado formal capitalista. É por isso que utilizamos o termo “alternativa aos
setores populares” para designar esta abordagem.
Tanto Lisboa (1999) quanto Kraychete (2000), reconhecem a crise da sociedade
salarial no mercado de trabalho, ocorrida nas últimas duas décadas, decorrentes da
reestruturação industrial, como contexto de surgimento do fenômeno. Este contexto obriga
parte marginalizada nesse processo a buscar formas associativas, seja por incentivo de
movimentos da sociedade civil (LISBOA, 1999) ou pela necessidade de reprodução da vida
Kraychete (2000).
Apesar de emergir como uma alternativa aos pobres, os autores concordam que existe
algo além da mera reprodução da vida. Lisboa (1999) diz que este fenômeno possui o
elemento da solidariedade em seu âmago; que apesar de diferir da economia informal, ele
33
representa uma “outra economia” que existe junto aos pobres e que não é motivado pela
acumulação de riquezas.
Já Kraychete (2000) ressalta o aspecto de uma outra lógica inversa à do capital: Ao
contrário das empresas que - na busca do lucro, da competitividade e da produtividade -
dispensam mão-de-obra, os empreendimentos populares não podem dispensar os filhos e
cônjuges que gravitam em seu entorno” (KRAYCHETE, 2000: p 36), a tendência é assumir o
desemprego de um parente como custo adicional do negócio, revertendo capital de giro para
despesas domésticas.
Lisboa (1999) diz ser necessário reconhecer o pobre como sujeito ativo (segundo ele,
algo difícil para cientistas, economistas e intelectuais de nossa época) e também que se não
mudarmos nosso entendimento do fenômeno econômico, não poderemos compreender as
economias não mercantis. Segundo o autor, a racionalidade econômica de acumulação de
riqueza nos “cega” para os aspectos destrutivos da força produtiva, e mais, que a ênfase nos
aspectos quantitativos característicos da ciência contemporânea tem levado ao desprezo dos
qualitativos. Ele “sonha para os nossos netos uma ciência em que as condições morais não
serão nem reprimidas nem postas de lado, mas sistematicamente mescladas ao raciocício
analítico” (LISBOA, 1999). Esta visão de Lisboa (1999) converge com o paradigma
ecológico de Capra (1990) e com a discussão feita por Gaiger (1996) sobre uma possível
racionalidade que mescle a instrumentalidade e a substantividade.
Kraychete convencionou “designar por economia dos setores populares as atividades
que, diferentemente da empresa capitalista, possuem uma racionalidade econômica ancorada
na geração de recursos (monetários ou não) destinados a prover e repor os meios de vida, e na
utilização de recursos próprios, agregando, portanto, unidade de trabalho e não de inversão de
capital” (KRAYCHETE, 2000: pg. 15)
De algum modo, esta abordagem de alternativa aos setores populares também
concorda que a tendência é alcançar um novo modo de viver e produzir, como nas abordagens
de alternativa de modo de vida e alternativa ao modo de produção capitalista. Concorda até
mesmo na importância de focar o trabalho como proposto na abordagem da Economia do
Trabalho, mas categorizamos estes autores em uma abordagem específica para salientar a
importância que ambos concedem à raiz popular do fenômeno.
34
Abordagem da antropologia econômica
França Filho e Laville (2004) propõem a análise da Economia Solidária a partir de um
ponto de vista antropológico, comparando o contexto europeu e latino americano, mais
especificamente França e Brasil. Esta análise transversal é instigante, pois demonstra as
convergências da emergência do tema em sociedades distintas, no que se refere a valores
sócio-políticos, culturais e econômicos. Torna-se, então, uma possibilidade de ampliação do
entendimento sobre Economia Solidária.
Os autores partem de uma redefinição do próprio conceito de economia. Se ela deve
dedicar-se ao conjunto de atividades que contribuem para a produção e distribuição de
riquezas, o termo economia na atualidade restringe-se ao conjunto de tais atividades exercidas
apenas no âmbito do mercado (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004). Para os autores, os
economistas deixam esquecidos outros princípios do comportamento econômico que foram
identificados por Karl Polany. Esses princípios seriam o da domesticidade, da reciprocidade,
da redistribuição e do mercado.
O princípio da domesticidade estaria relacionado com a produção para o próprio
usufruto, ou seja, prover as necessidades do seu grupo”. A reciprocidade corresponde “à
relação estabelecida entre várias pessoas, por meio da seqüência durável de dádivas
15
(...) o
aspecto essencial da reciprocidade é que as transferências são indissociáveis das relações
humanas”. O princípio da redistribuição estaria relacionada a produção que “fica a cargo de
uma autoridade que tem a responsabilidade de distribuí-la, o que supõe um momento de
armazenamento entre aqueles da recepção e repartição”. Já o princípio do mercado seria
baseado no encontro entre oferta e demanda, funcionando com base na troca equivalente
(FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004: p. 32 e 33).
Singer (2004) faz uma analogia destes princípios com os modos de produção
marxistas: O princípio do mercado seria relacionado com o modo capitalista de produção e a
produção simples de mercadorias; o princípio da redistribuição corresponderia ao modo
público de produção; e a economia não monetária referir-se-ia ao modo doméstico de
produção. O princípio da reciprocidade, para Singer, seria então “o relacionamento básico
entre os que trabalham na Economia Solidária” (SINGER, 2004: p.6)
15
A dádiva mencionada refere-se à formulação do antropólogo Marcel Mauss.
35
Porém, França Filho e Laville (2004) não seguem esta categorização marxista e
constatam a existência de quatro formas de economia, baseados no pensamento de Polany:
Uma economia mercantil fundada no princípio do mercado auto-regulado. A
esta os economistas atuais dedicam seus estudos. A lógica utilitária é
predominante nesta economia pois a relação é orientada pelo valor do bem
trocado, portanto são relações marcadas pela impessoalidade e equivalência
monetária;
Uma economia não mercantil fundada no princípio da redistribuição. Nesta o
Estado é considerado ator central que se apropria dos recursos para posterior
redistribuição, as relações de trocas são caracterizadas pela verticalização e
obrigatoriedade (pagamento de impostos e tributos);
Uma economia não monetária fundada no princípio da reciprocidade e da
domesticidade. Para analisar a lógica desta economia França Filho e Laville
(2004) resgatam a lógica da dádiva, tal como descrita e formulada por Marcel
Mauss. As relações seriam marcadas pela horizontalidade e orientadas pela
consolidação dos laços sociais.
A Economia Solidária, para estes autores, não seria uma nova forma de economia, mas
uma articulação entre estas economias mercantil, não mercantil e não monetária. Outro ponto
essencial para entender o conceito proposto por eles é o entendimento da existência da
dimensão social, política e econômica na Economia Solidária:
os grupos organizados desenvolvem uma dinâmica comunitária na
elaboração das atividades econômicas, porém com vistas ao enfrentamento
de problemas públicos mais gerais, que podem estar situados no âmbito da
educação, cultura, meio ambiente, etc. Com isto estamos sugerindo a idéia
de que a economia solidária tem por vocação combinar uma dimensão
comunitária (mais tradicional) com uma dimensão pública (mais moderna)
na sua ação.” (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004: p18).
França Filho (2001) diferencia a economia social européia da economia solidária
justamente pelo fato desta possuir essa dimensão política que a primeira perdeu ao ser
enquadrada na estrutura jurídica imposta pelo Estado em termos de estatuto de organização
cooperativa, mutualista e associativista. A reinserção das atividades na dimensão política
justificam a consideração de França Filho (2001: p. 13) de que “a economia solidária pode ser
36
vista assim como um movimento de renovação e de reatualização (histórica) da economia
social”.
A origem da Economia Solidária, para França Filho e Laville (2004), estaria
relacionada com a crise do paradigma fordista e crise do bem-estar social. Eles relacionam os
movimentos associativistas da primeira metade do séc. XIX com uma reação à crise do
trabalho e insatisfação com o sistema público, assim como estaria acontecendo nos dias de
hoje, onde a Economia Solidária ressurge.
Esse fator de origem foi percebido por França Filo e Laville (2004) tanto no contexto
europeu quanto no latino americano, porém suas formas de manifestação se diferenciam. Na
Europa, as iniciativas articulam a esfera não mercantil (prestação de serviços públicos) com a
esfera não monetária (atividades voluntárias), os autores denominam tais iniciativas de
serviços de proximidade. Na América Latina as iniciativas relacionam-se com geração de
emprego e renda,mas não se reduzem a isto. Mais adiante trataremos com detalhes das
iniciativas de Economia Solidária detectadas pelos autores no caso brasileiro.
Vale ressaltar que os autores não entendem a crise econômica como único fator de
explicação para a reemergência da Economia Solidária, tal crise estaria relacionada a uma
“crise de valores da vida humana associada, interrogando o trabalho e suas formas de
organização e produção” (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004: p21). Portanto, existem
pontos em comum entre a proposta de Marcos Arruda (2003) e estes autores, além de
contribuírem com a argumentação de Capra (1990) de que estaríamos vivendo uma crise de
paradigmas, abrindo espaço para emergência de uma nova forma de pensar nossa sociedade.
Apesar desta divisão em abordagens, percebemos características comuns a todos estes
conceitos. Primeiro no que se refere à emergência ou reemergência deste movimento, todos os
autores concordam que a crise do trabalho é uma de suas causas. Segundo um consenso
sobre a democratização das relações de trabalho trazidas por esta Economia Solidária. A
maioria dos autores aponta, ainda, a existência de uma outra lógica ou racionalidade, na
verdade a possibilidade de coexistência entre uma lógica mercantil e solidária, ou ainda entre
uma racionalidade instrumental e substantiva.
Tendo discorrido sobre o conceito de Economia Solidária sob diversos olhares,
partiremos para um esforço de sintetizar os entendimentos sobre as formas como este
37
movimento se manifesta na prática.Ou seja, trataremos agora mais especificamente sobre os
empreendimentos econômicos solidários.
Empreendimentos econômicos solidários - EES
Apesar de Singer (2002) desenvolver seu conceito de Economia Solidária apenas
sobre o movimento cooperativo e empresas autogeridas, percebe-se uma diversidade de
empreendimentos designados sobre o conceito de Economia Solidária. Uma forma de tentar
apreender o conceito de empreendimentos econômicos solidários que nós consideramos
válida é observar quais os critérios que pesquisadores brasileiros estão utilizando para
identificar estas organizações.
Primeiramente, resgatamos a caracterização dos empreendimentos solidários proposta
por França Filho e Laville (2004). Em seguida, analisamos um mapeamento realizado na
Região Metropolitana de Salvador e Litoral Norte da Bahia (SEI, 2004). Tivemos acesso,
ainda, a uma pesquisa nacional coordenada por Gaiger (2004) que abrange os Estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco (JESUS et alii, 2004)
e Ceará (OLIVEIRA, 2004).Tivemos acesso também a uma pesquisa do NAPES Núcleo de
Ação e Pesquisa em Economia Solidária relatada aqui por Souza (2003).
Em pesquisas anteriores definimos empreendimentos solidários enquanto uma forma
de expressão da Economia Solidária que pode assumir o formato de cooperativa, empresa
autogestionária, rede e outras formas de associação para a produção e/ou aquisição de
produtos ou serviços (MOURA e MEIRA, 2002).
França Filho e Laville (2004) definem alguns critérios para demarcar
empreendimentos de Economia Solidária, que seriam:
Cinco grandes traços característicos das iniciativas de economia solidária,
tal como nos parece revelar um olhar sociológico e antropológico da
realidade do fenômeno. Estes cinco traços observados informam,
respectivamente, sobre a natureza e origem dos recursos mobilizados nas
iniciativas, refletindo sua forma de sustentabilidade; sua autonomia
gestionária e a natureza das relações interinstitucionais que são
estabelecidas; o processo de tomada de decisão e os valores requeridos; o
padrão das relações sociais estabelecidas no grupo de trabalho e a
natureza do vínculo social que se tenta construir; e sua finalidade”.
(FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004: p.167)
38
Então os critérios seriam: a) Pluralidade de princípios econômicos articulação de
distintas fontes de recursos (mercantis, através da venda ou prestação de serviços; do poder
público, através das várias formas de subsídios e subvenções; e, os oriundos das práticas
reciprocitárias, como o trabalho voluntário, as doações e as mais diversas formas de troca-
dádiva); b) Autonomia institucional independência em relação outras instituições, evitando
formas de controle externo; c) Democratização dos processos decisórios existência de
mecanismos de decisão coletivos ou baseados no ideal da participação democrática dos seus
associados; d) Sociabilidade comunitário-pública um modo de sociabilidade singular que
mistura padrões comunitários com práticas profissionais; e) Finalidade multidimensional
ao lado da dimensão econômica, tende a integrar as dimensões social, cultural, ecológica e/ou
política, no sentido de projetar-se num espaço público (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004).
Estes critérios estão intimamente ligados à própria definição de Economia Solidária
proposta pelos autores, que seria uma hibridação de economias mercantil, não mercantil e não
monetária e dimensões política, social e econômica.
Numa tentativa de mapear a diversidade do “universo da Economia Solidária
brasileira”, que é tido como um processo ainda em construção, França Filho e Laville (2004)
descrevem alguns atores deste cenário, agrupando-os em algumas categorias:
Ao nível macro temos a criação da Secretaria Nacional da Economia Solidária
SENAES, ligada ao Ministério do Trabalho; acrescenta-se neste nível os
Fóruns Estaduais de Economia Solidária e redes como a Rede Brasileira de
Sócio-Economia Solidária.
Finanças Solidárias: como os bancos populares de microcrédito e as
cooperativas de crédito (apoiadas tanto pelo poder público quanto pelas
ONGs).
16
Clubes de troca: a maioria utilizando moedas sociais, porém existem também
as que não utilizam, aproximando-se do escambo. Vale ressaltar que nesta
modalidade encontram-se grupos populares, mas também da classe média.
16
França Filho e Laville (2004) apontam a experiência do Bansol como inovadora neste campo. Esta associação
de fomento à economia solidária, criada por professores da EAUFBA, trabalhou com linha de microcrédito e
auxílio técnico aos EES. Registramos que este foi um dos projetos ganhadores do Concurso Nacional de Projetos
Sociais - Prêmio FENEAD 2001. Os autores conceituam a experiência como: “concebido como um processo
educativo e baseado no princípio da reciprocidade, a intervenção visa a construção democrática de uma
metodologia de gestão social e solidária” (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004: p. 151)
39
Cooperativas populares: estas ganharam maior destaque no contexto da
Economia Solidária. Como nos diz França Filho e Laville (2004: p. 152)
“pretendem distinguir-se do cooperativismo tradicional através da afirmação de
uma dupla característica: a preocupação em inscrever sua dinâmica numa
perspectiva de desenvolvimento local e solidário, e sua organização em rede”.
Associativismo: que apesar de quantitativamente inexpressivos têm
demonstrado uma qualidade de atuação de destaque, como a APAEB
Associação de Pequenos Agricultores do Município de Valente e ASMOCONP
Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras (conhecida através de seu
projeto Banco Palmas).
Organizações de apoio e fomento às iniciativas de Economia Solidária que
entre outras destaca-se o papel desempenhado pela Cáritas, MST, ITCPs,
Fundação Unitrabalho e ADS/CUT.
17
Para traçar o perfil dos empreendimentos da economia popular solidária
18
, a
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEI (2004) optou “pelo uso
indistinto dos termos Economia Solidária ou empreendimentos da economia popular solidária,
para denominar as diferentes modalidades de empreendimentos associativos (associações,
cooperativas e grupos informais) em operação ou em fase de implantação voltados para a
criação e reprodução das fontes de vida através de uma atividade permanente de produção
e/ ou comercialização, seja de bens ou serviços, materiais ou simbólicos, desde que o
trabalho seja realizado de modo compartilhado, nos quais os sócios são os próprios
trabalhadores e cujos resultados, por suposto, não sejam apropriados de forma
assimétrica.” (SEI, 2004: p13).
Os pesquisadores esforçaram-se para excluir do universo da pesquisa as cooperativas
em que os associados são empresários e, evidentemente, as pseudo-cooperativas que servem
de fachada legal para contornar os direitos dos trabalhadores.” (SEI, 2004: p13).
17
Para maiores informações ver FRANÇA FILHO e LAVILLE (2004)
18
Para identificar os EES, os pesquisadores construíram uma listagem através de informações obtidas junto aos
participantes do Fórum Baiano de Economia Solidária que apóiam ou possuem informações de EES. Após
análise da listagem, chegou-se a 38 empreendimentos no total. -------(Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CESE; Centro Ecumênico de Apoio ao Desenvolvimento CEADe. Cáritas Brasileira; PANGEA; ITCP-UNEB;
BANSOL (UFBA); UCSAL; UNIFACS; SEBRAE; Companhia de Ação Regional (CAR); Secretaria de Cultura
e Turismo (BA); Fundação Luis Eduardo Magalhães; EMBRAPA; Prefeitura de Catu e Alagoinhas.
40
Neste estudo, a conceituação de EES perpassa por uma característica de gestão no
tocante à remuneração, a pesquisa delimita que nos empreendimentos de Economia Solidária
deve ser simétrica. Ou seja, o conceito já aponta uma particularidade da gestão dos EES.
Além disso, ao afirmarem que “o grande esforço, portanto, foi tentar captar e sistematizar
informações sobre uma economia que, em sua quase totalidade, situa-se mais “rente ao chão”,
e sobre a qual inexistem cadastros ou escapam às estatísticas até agora disponíveis” (SEI,
2004: p13) percebe-se uma preocupação com o caráter popular destas organizações, ponto
abordado na definição de Economia Solidária proposta por Kraychete (2000)
19
.
Dos 38 empreendimentos entrevistados nesta pesquisa, 18 assumem o formato de
associação e 17 são cooperativas. Verifica-se a importância do cooperativismo como
expressão da Economia Solidária. Outro destaque deve ser dado às Universidades no tocante
ao ensinamento de conhecimento técnico para os associados. Dos 22 empreendimentos que já
possuíam este conhecimento, a maioria, 27,27%
20
, tiveram acesso através de Universidades.
Em estudos anteriores, Gaiger (1996) definiu empreendimentos econômicos solidários
como organizações que:
“expressam uma síntese original entre o espírito empresarial -no sentido da
busca de resultados por meio de uma ação planejada e pela otimização dos
fatores produtivos, humanos e materiais - e o espírito solidário, de tal
maneira que a própria cooperação funciona como vetor de racionalização
econômica produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais comparativamente
à ação individual” (GAIGER, 1996: pg114).
Nesta definição, o autor buscou, caracterizar o espírito destes tipos de organizações,
neste esforço ele salienta um traço característico da gestão dos EES no tocante à presença de
um espírito ao mesmo tempo, empresarial e solidário (GAIGER, 1996).
Em um momento posterior, Gaiger (2004) coordenou uma pesquisa nacional sobre
empreendimentos econômicos solidários-EES, na qual utilizou um conceito-modelo com
características ideais deste tipo de organizações. Tal conceito serviu de norteador para os
pesquisadores espalhados por todo o Brasil e continha oito princípios: autogestão,
democracia, participação, igualitarismo, cooperação, auto-sustentação, desenvolvimento
humano e responsabilidade social.
19
Como explicamos na introdução, Kraychete foi um dos coordenadores desta pesquisa da Superintendência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI, 2004)
20
Tabela 27 (SEI, 2004: pg64)
41
Gaiger (2004) faz a ressalva de que tais princípios não esgotam as características de
um EES, porém parecem ser centrais num estudo como o realizado. O conceito foi
desenvolvido em conjunto sendo que cada pesquisador tinha um contexto sóciopolítico
diferente, refletindo então em diferentes visões sobre os EES. Mas deve-se notar uma
tendência à análise do modo de produção do empreendimento, convergindo com a abordagem
da Economia Solidária como alternativa ao modo de produção capitalista sustentado pelo
autor (GAIGER, 1996), como mostrado no tópico anterior.
Jesus e outros (2004) participaram da pesquisa supracitada e analisaram nove
empreendimentos solidários pernambucanos. Tal estudo definiu os casos para estudos a partir
das organizações de referências
21
no Estado de Pernambuco, metodologia semelhante à
utilizada no mapeamento da SEI (2004). Eles identificaram: seis cooperativas, uma
associação, uma empresa autogerida e uma comunidade. Novamente, as cooperativas
aparecem como expressão significativa de EES.
Os autores fazem uma consideração sobre a população delimitada no universo de
pesquisa: “Essa amostra, embora pouco numerosa, pode ser considerada representativa das
diversas tendências filosófico- ideológicas refletidas no elenco das Organizações de
Referência” (JESUS et alii, 2004: 269)
A partir dos resultados da pesquisa eles traçam algumas tendências dos
empreendimentos solidários: um estudo sobre a origem indica que, quando endógena tenderia
a uma maior autonomia do empreendimento, quando induzida levaria a um quadro de menor
autonomia; a segunda tendência é de haver uma relação forte entre a presença de espírito
empreendedor e o sucesso do empreendimento, por outro lado a maioria dos casos ressentem-
se de um conhecimento sistematizado. Os pesquisadores identificaram tendências à inovação
da divisão do trabalho e de conservação de práticas conservadoras baseadas na lógica
mercantil. Em relação à responsabilidade social, os autores identificam duas vertentes: a de
manter a renda financeira dos associados e a preocupação em colocar-se a serviço da
comunidade.
Já no Ceará, esta pesquisa coordenada por Gaiger (2004) é relatada por Oliveira
(2004) que constrói o conceito de EES situando-o primeiramente diante do que não é, assim
21
As organizações de referência do Estado de Pernambuco citadas foram: ADS, ANTEAG, POLOSINDICAL e
FETAPE (ligadas ao movimento sindical); OCEPE e FETRABALHO (movimento cooperativo); ASSOCENE
(ONG); INCUBACOOP (Ligada á universidade).(Jesus et alii, 2004)
42
“um empreendimento econômico no qual a finalidade da atividade seja a produção de mais-
valia (lucro) e sua apropriação pelo proprietário capitalista (ou pelo Estado), não pode ser dito
solidário” (OLIVEIRA, 2004: pg ???) . Em seguida ele define a autogestão e cooperação no
trabalho como umaidealidade a ser materializada através de atributos e qualificações que
deverão ser acrescidos ao ponto de partida” (OLIVEIRA, 2004: p335). Ele acrescenta ainda a
incorporação de partilha do excedente coletivamente definida.
Oliveira (2004) propõe uma outra categoria de análise: os empreendimentos
econômicos associativistas EEA. Estes seriam as organizações concretas a serem pesquisadas
e os empreendimentos econômicos solidários EES corresponderiam a um ideal. Os
indicadores e variáveis utilizados para compor e aferir a densidade do solidarismo praticado
pelos empreendimentos associativistas, assemelham-se com os oito princípios delimitados
para a pesquisa nacional, suspeitamos que as alterações se devam ao contexto local
22
.
Em sua pesquisa, Oliveira (2004) identificou oito cooperativas e cinco assentamentos,
porém ele ressalva que “Os empreendimentos urbanos, principalmente aqueles situados no
segmento das chamadas cooperativas de trabalho, têm apresentado um crescimento bem
significativo. Porém por serem de implantação mais recente, não têm a mesma importância
relativa que aqueles localizados na zona rural. Tal ressalva do autor não desmerece a nossa
escolha pelas cooperativas populares como foco de análise dos empreendimentos solidários,
pois os dados mostram que o cooperativismo vem ganhando força, desta forma expressa um
tipo de organização significativa para a Economia Solidária.
Ainda sobre as organizações pesquisadas no Ceará, vale ressaltar que a metodologia
utilizada não abarcou um empreendimento solidário importante no contexto cearense, e com
visibilidade nacional, que é a Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras- ASMOCONP
através do seu projeto Banco Palmas. Este EES já foi citado por França Filho e Laville (2004)
e por Silva Júnior (2004).
Ao estudar a gênese dos empreendimentos pesquisados, Oliveira (2004) conclui que
nos EEA rurais, “os conflitos de terra estão na origem, quando da mobilização para constituir
22
Autogestão; democracia direta ;participação efetiva; ações de cunho educativo; cooperação no trabalho;
distribuição igualitária dos resultados e benefícios, ações para preservação do ambiente natural; ética solidária,
socialmente construída e comprometida com transformações de longo prazo; práticas cotidianas de envolvimento
com melhorias na comunidade externa aos empreendimentos; relações solidárias de comércio, troca e
intercâmbio com empreendimentos congêneres; divulgação e demonstração de práticas de solidarismo para
estimular a criação de outros empreendimentos (efeito irradiador e multiplicador). (Oliveira 2004).
43
aqueles EEAs que atingiram um grau mais elevado de solidarismo. Na atualidade de seu
funcionamento também foram percebidas práticas de autogestão e de cooperação no
trabalho”(OLIVEIRA, 2004: p358). Ou seja, conclusão semelhante ao estudo em Pernambuco
demonstra que a o fator de origem do empreendimento quando endógeno tenderia a uma
maior autonomia do empreendimento, quando induzida levaria a um quadro de menor
autonomia. No outro extremo, situam-se aqueles empreendimentos em que tais práticas estão
ausentes, muito embora tenham surgido como respostas induzidas por fatores estruturais”
(OLIVEIRA, 2004: p358).
Esta tendência nos remete a uma reflexão sobre a gestão, podemos dizer que, de
alguma forma, grupos que já experimentaram práticas associativas de reivindicação têm mais
facilidade em atuar de forma autogerida e cooperada, facilitando a prática da gestão.
Souza (2003) identificou, através de pesquisa desenvolvida no NAPES- Núcleo de
Ação e Pesquisa em Economia Solidária, 41 empreendimentos comunitários em São Paulo
onde atuavam 546 trabalhadores, na maioria mulheres, concentrados na faixa de 21 a 40 anos
e antes de ingressar no empreendimento atuavam como donas de casa, estudantes e
empregados sem carteira assinada na maioria dos casos. Ele percebeu que esta é uma
economia “submersa” pois 78% destas organizações não são registradas.
Nesta pesquisa foram adotados os critérios de posse de um estatuto elaborado pelos
próprios trabalhadores e não ter pessoas assalariadas, para diferenciar de empreendimentos
de terceiro setor. Souza (2003) identifica como perspectiva de viabilidade econômica para os
empreendimentos comunitários a articulação em redes.
Souza (2003) afirma que a Economia Solidária é composta por grupos de
trabalhadores organizados coletivamente, sobretudo em cooperativas. Para definir
empreendimentos econômicos solidários, o autor parte da economia informal, mas define
diferenças desta como: não ter apenas um dono do negócio”, não tem caráter familiar.
Acrescenta ainda que os EES são empreendimentos que mesmo pequenos possuem diversos
proprietários, se não dos meios ou instrumentos de produção, ao menos da renda/ fruto do
trabalho, que é coletiva e democraticamente distribuída (...) As experiências de Economia
Solidária variam na forma e no tamanho. Há associações de pequenos produtores, sistemas de
crédito solidário, cooperativas de consumo e de produção” (SOUZA, 2003: p.252).
44
Souza (2003) designa como pré-cooperativas as inúmeras unidades de produção
organizadas igualitariamente de forma cooperativa, porém sem registro devido a imposição da
lei que determina um mínimo de vinte trabalhadores para legalização de uma cooperativa de
trabalho.
Ele destaca como principal característica o fato de não haver patrões, mesmo que não
sejam possuidores dos meios de produção
23
, ou remunerem de forma diferenciada os atores
que exercem funções de coordenação.
Quadro 2 - Resumo das características de Empreendimentos Solidários utilizados em
Pesquisas
23
Souza (2003) destaca que muitas vezes os meios de produção são cedidos por aluguma ONG, igreja, órgão
público ou sindicato.
45
AUTORES
CARACTERÍSTICAS
EES ENCONTRADOS
França Filho e
Laville (2004)
Pluralidade de princípios econômicos
Autonomia institucional
Democratização dos processos
decisórios
Sociabilidade comunitário-pública
Finalidade multidimensional.
SENAES,Fóruns e Redes de
fomenta à eco.Sol; Finanças
Solidárias; Clubes de troca;
Cooperativas populares;
Associativismo; Organizações de
apoio e fomento às iniciativas de
economia solidária
SEI (2004) Os atores são proprietários dos meios
de produção
Trabalho compartilhado
Resultados distribuídos
igualitariamente
Total de empreendimentos
entrevistados: 38
Total de empreendimentos com
formato cooperativo: 17
Total de empreendimentos com
formato associativo: 18
Gaiger (2004);
Jesus et alii
(2004);
Oliveira (2004)
Autogestão,
Democracia,
Participação,
Igualitarismo,
Cooperação,
Auto-sustentação,
Desenvolvimento humano e
responsabilidade social.
Em Pernambuco: Total de
empreendimentos pesquisados: 9
Total de empreendimentos com
formato cooperativo: 6
No Ceará: Total de
empreendimentos pesquisados:
13
Total de empreendimentos com
formato cooperativo: 8
Souza (2003)
Diversos proprietários
Os atores são proprietários dos meios
de produção
Resultados distribuídos
igualitariamente
Não possuem patrões
Posse de um estatuto elaborado pelos
trabalhadores
Não ter assalariados
Pequenos produtores
Sistemas de crédito solidário
Cooperativas de consumo e de
produção
Total de empreendimentos
pesquisados: 41
46
Tendo apresentado a diversidade de empreendimentos econômicos solidários a partir
do ponto de vista de pesquisadores de todo o país, partiremos para a compreensão do conceito
de cooperativas populares. Percebemos que esta é a expressão da Economia Solidária mais
comum no Brasil, além de abarcar as características dos empreendimentos solidários já
definidas.
Cooperativas populares
Apesar do nosso foco de estudo ser cooperativa popular, faz-se necessário desenvolver
um breve histórico do movimento cooperativo, principalmente na sua origem. A Cooperativa
dos Probos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale24, destacou-se no início do cooperativismo por
trazer em seu estatuto os princípios e valores do movimento(CANÇADO, 2004). O contexto
de surgimento deste tipo organizacional se deu em meio à Revolução Industrial (SINGER,
2002), ou seja, uma época em que havia muito desemprego.
Sobre o contexto no qual surge o cooperativismo, Schneider (1999) explica que um
novo sistema econômico e social fundado na cooperação inicia realmente em meados do séc.
XVIII. Segundo o autor, até a fundação da cooperativa de Rochdale, em 1844, precursores do
cooperativismo construíram e aperfeiçoaram esse novo sistema como resposta aos problemas
gerados pela Revolução Industrial à classe operária e campesinato.
Schneider (1999) afirma que com a introdução da energia a vapor, indústrias se
concentram nas cidades e provocam um crescimento urbano onde na periferia desses centros,
amontoam-se operários e seus familiares. Nesse momento, o autor analisa a situação caótica
desses trabalhadores vivendo as mais cruéis e desumanas condições de vida e denuncia “a
polarização da sociedade em duas classes antagônicas: a dos capitalistas-proprietários dos
meios de produção e a dos proletários-vendedores de sua força de trabalho, gerando uma
relação de aguda oposição e de exploração do capital sobre o trabalho” (SCHNEIDER, 1999:
p. 35).
24
Esta era uma cooperativa de consumo, as pessoas se associavam para conseguir produtos em melhores
condições de preço, prazo e qualidade.
47
Schneider (1999) identifica ainda, dois tipos de reações a essa exploração do capital:
uma frontal partindo dos movimentos socialistas do séc. XIX e outra estratégica partindo do
movimento cooperativo. A estratégia seria de transformar a classe operária em proprietária
dos meios de produção e dos excedentes gerados no processo produtivo através da aglutinação
deles em torno de cooperativas de consumo e produção.
Sobre a conjuntura econômica e social no qual surge o cooperativismo, Schneider
(1999) conclui que: “o cooperativismo surge num contexto de afirmação extremada do
predomínio do interesse privado sobre o coletivo e o comunitário, com todas as conseqüências
em termos de concentração de poder e de renda, como é próprio do capitalismo industrial
nascente” (SCHNEIDER, 1999: p. 35).
Cançado (2004) nos lembra que as idéias cooperativas foram amadurecidas em
experiências anteriores pelos pioneiros da Rochdale quando estes participaram de
movimentos em prol da melhoria das condições de trabalho. A finalidade desta organização
ultrapassou a dimensão econômica, abarcando uma dimensão política de luta pela qualidade
do trabalho e uma dimensão social de educação dos membros:
Apesar de ser uma cooperativa de consumo
25
, seus fundadores não
desejavam apenas alimentos puros a preços justos. Entre seus objetivos
estavam: a educação dos membros e familiares, o acesso à moradia e ao
trabalho (através da compra de terra e fábricas) para os desempregados e os
mal remunerados. Desejavam também o estabelecimento de uma colônia
cooperativa auto-suficiente (CANÇADO, 2004: pg 30).
Singer (2002) delega à experiência owenista, uma das maiores contribuições à
formulação dos princípios cooperativistas pelos Pioneiros de Rochdale. Segundo o autor, o
socialista utópico, Owen, já havia tentado a experimentação de objetivos além do
econômico
26
.
Cançado (2004) analisa o crescimento do movimento cooperativo e percebe que a
complexidade das organizações levou à contratação de funcionários para atividades menos
qualificadas, recusando, desta forma, a autogestão plena que seria característica marcante das
primeiras cooperativas. Desta forma, o movimento cooperativo começa a afastar-se da
Economia Solidária, que tem a autogestão como uma de suas características principais.
25
Referindo-se à Cooperativa dos Probos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale.
26
Maiores informações sobre os socialistas utópicos ver: SINGER, P. Economia socialista. In: SINGER, P.;
MACHADO, J. Economia socialista: socialismo em discussão. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
p.11-50.
48
França Filho (2002) analisa esse rompimento e acrescenta um fator importante: o
reconhecimento destas organizações pelo Estado, que passam a reger-se de acordo com
estatutos específicos (cooperativas, mutualistas e associativas), desagregando o movimento
associativista original. O autor afirma que, tal separação desagrega o movimento que antes
tinha o mesmo objetivo e passaria a ser conhecido como economia social, tornando-se
praticamente um apêndice do aparelho do Estado.
Um debate fora particularmente incitado por estas iniciativas associativistas,
que, ao recusarem a autonomia do aspecto econômico nas suas práticas, em
face dos demais aspectos social, político, cultural, etc. ficaram mais
conhecidas sob a rubrica de economia social (FRANÇA FILHO, 2002:
p.12).
Segundo França Filho e Laville (2004, p.51), “Este afastamento do campo político,
que assinala a passagem de um projeto de Economia Solidária para aquele de economia
social, é também sensível na história das idéias com a inflexão da noção de solidariedade”.
Ao analisar esse processo, concluímos que o cooperativismo popular, enquanto
expressão do fenômeno da Economia Solidária, nos dias atuais, pode ser comparado com o
movimento cooperativo pioneiro, não necessariamente às grandes cooperativas existentes
hoje.
Nas cooperativas agropecuárias brasileiras, segundo Cançado (2004) a partir de dados
da Organização das Cooperativas Brasileiras- OCB, há um elevado índice de funcionários
contratados, portanto distancia-se das características de EES proposta por Souza (2003): “não
ter assalariados” e mesmo da autogestão proposta por Gaiger (2004).
Não existe consenso sobre o que seja cooperativismo popular, porém alguns autores
têm se esforçado na construção deste conceito. Cançado (2004) define como: organizações
autogestionárias de grupos populares, onde a propriedade dos meios de produção é coletiva,
integrando três dimensões econômica, social e política”.(CANÇADO, 2004: p. 44)
A ITCP UFRJ (1998) coloca o cooperativismo popular como um novo modelo nas
relações de trabalho. O fundamental nestas organizações seria uma gestão democrática que
favorecesse uma remuneração igualitária e mantivesse benefícios já conquistados pelos
trabalhadores como abono natalício e descanso remunerado.
Um fato interessante em relação à construção do conceito de cooperativismo popular
foi registrado pela A ITCP UFRJ (1998):
49
A primeira vez que utilizamos a expressãocooperativismo popular” - que
não é invenção nossa, muito pelo contrário, é senso comum houve muito
conflito dentro do próprio sistema cooperativista que a entendia como uma
vontade nossa de criar um novo patamar ou um elemento estranho ao
sistema. (ITCP UFRJ, 1998: p. 22).
A ITCP UFRJ (1998) salienta que o conceito deve ser formulado para apoiar a
elaboração de políticas públicas adequadas. Como acontece, por exemplo, com o conceito de
habitação popular que não significa uma desqualificação da habitação, mas juridicamente
torna-se diferenciada, possui financiamento específico, com juros mais baixos para que possa
integrar parcela considerável da população.
Para a ITCP USP (2002), o conceito de cooperativismo está relacionado a um
empreendimento comunitário. A ITCP USP (2002) vê no cooperativismo uma perspectiva
de geração de renda onde a Universidade pode atuar para modificar o quadro atual de
exclusão. Mas, eles analisam que o cooperativismo exige, (...), que aceitemos o desafio de
uma mudança cultural que coloque em destaque a propriedade coletiva, a democracia, a
solidariedade, o conhecimento produzido sem hierarquia de saber (ITCP USP, 2002: p.6).
Justino (2002) acrescenta a este debate que o cooperativismo popular recupera a
auto-estima e a dignidade que só são possíveis dentro de uma prática solidária. Oliveira
27
(2003) defende que tal tipo de organização pressupõe:
aproximar-se do exercício dos princípios fundamentais da cooperação,
da prática da autogestão e da busca da composição de alianças estratégicas
contra a pobreza e a exclusão social. Bem como, trata-se de um tipo de
cooperativismo que se pressupõe aproximar de uma certa articulação com
os movimentos de luta pelo exercício fundamental da cidadania
(OLIVEIRA, 2003: p 63)
Destarte, percebemos que o conceito de Cançado (2004) abarca todas as características
propostas pelos outros autores. Quando se fala em manter benefícios já conquistados pelos
trabalhadores e luta pelo exercício da cidadania remete-se à dimensão política. Ao se afirmar
que são organizações que recuperam a auto-estima e a dignidade refere-se à dimensão social e
a perspectiva de cooperativas populares como oportunidade de geração de renda faz
referência à dimensão econômica. Portanto, será o conceito utilizado neste trabalho.
Como se pode perceber, a maioria das referências para cooperativismo popular
utilizadas neste capítulo partem das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares.
27
Professor e membro da ITCP da Universidade Federal de São João Del Rei
50
Isto demonstra a importância destas entidades para o fomento destes empreendimentos. Faz-
se necessário, então, contextualizar e conceituar as ITCPs.
Incubadoras tecnológicas de cooperativas populares -ITCPs
O movimento de incubação de cooperativas populares nasceu no seio da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, em 1995, com apoio da Fundação Oswaldo Cruz-FIOCRUZ e
dirigido pela Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro COPPE/UFRJ. O intuito no primeiro momento foi de estreitar a
relação da FIOCRUZ com as favelas, pois o grau de violência tinha aumentado
28
. Então, em
parceria com a Universidade de Santa Maria (que já possuía experiência com o
cooperativismo) foi formada a cooperativa popular de Manguinhos, onde a comunidade se
torna prestadora de serviços da Fundação.
De acordo com a ITCP UFRJ (1998), de alguma forma, esta rica experiência foi o
embrião da Incubadora. Outro ator de relevante importância foi o Comitê de Entidades
Públicas no Combate à Fome e pela Vida -COEP, “que reuniu naquele momento, em torno da
proposta, a Gerência de Cooperativismo do Banco do Brasil, a FBB-Fundação Banco do
Brasil e a FINEP Financiadora de Estudos e Projetos”.(ITCP UFRJ, 1998: 43).
Em 1997, a FINEP lança o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas
PRONINC, no âmbito do Coep, em parceria com a FBB, BB e Coppe/UFRJ e aprova cinco
projetos para criação de mais ITCPs universitárias (Universidade Federal do Ceará,
Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade Estadual da
Bahia e Universidade Federal Rural de Pernambuco), sendo a ITCP/UFRJ o projeto piloto.
OLIVEIRA (2003) define as ITCPs como:
Um empreendimento que dispõe de uma equipe técnica para fornecer apoio,
durante um determinado período de tempo, visando contribuir para o
processo de aprendizagem de pessoas e grupos dispostos a montar e gerir
uma cooperativa de forma sustentada, sem relação de dependência”.
(OLIVEIRA, 2003b p. 71).
28
Uma pesquisa da FIOCRUZ apontou que 80% dos pais de família da região estavam desempregados (ITCP
UFRJ, 1998)
51
Para Oliveira e Dagnino (2004), há uma relação entre as ITCPs e as incubadoras de
empresas, o que pode levar à uma transferência de tecnologia de empresas para as
cooperativas.
Segundo Guimarães (2003), projetos desta natureza situados no âmbito das
Universidades são importantes para garantir a continuidade do trabalho de incubação. O
governo teria um tempo limitado para desenvolver tais atividades, podendo mesmo ser
abandonado pelo governo seguinte, enquanto as Universidades podem incluí-las como projeto
de extensão continuado.
Justino (2002b) reafirma este argumento sobre a proposta de extensão continuada e
nos lembra que o projeto de incubadoras integrou o Plano Nacional de Extensão das
Universidades Públicas.
A ITCP UFRJ (1998) argumenta que estes projetos de incubação devem ser
universitários para manter a temporalidade e neutralidade na execução dos trabalhos, além de
ter um quadro dinâmico e corajoso formado por estudantes
29
. A ITCP UFRJ salienta que é
importante também para a academia desenvolver este tipo de atividade para fazer “a ponte
com uma grande parcela da população que desconhece e não tem qualquer acesso às escolas
de terceiro grau” (ITCP UFRJ: p. 33).
Em defesa das incubadoras enquanto projeto universitário, a ITCP USP (2002)
acrescenta que a Universidade Pública deve cumprir seu papel público e que a geração de
conhecimentos sem a geração de possibilidades de ação sobre a realidade é inócua(ITCP
USP, 2002: p.3), portanto a ITCP cumpre este papel. “Na Incubadora, alunos e professores da
universidade, associam-se nas tarefas de compreensão (pesquisa e ensino) e de intervenção
(ITCP USP, 2002:p. 3).
A ITCP USP (2002) aponta que o cooperativismo popular é um fenômeno complexo e
que necessita de uma intervenção multidisciplinar, uma atuação conjunta das várias áreas do
conhecimento. Este seria mais um argumento a favor de desenvolver o projeto de incubação
dentro das Universidades.
29
“A ITCP, por exemplo, tem 70% de suas equipes formadas por estudantes, únicos com garra e inconformidade
suficientes para se jogar numa “aventura” dessas”. (INCUBADORA TECNOLÓGICA DE COOPERATIVAS
POPULARES, 1998: 29)
52
Porém nem todos os incubadores delegam à Universidade toda a responsabilidade de
intervenção, segundo Justino, o papel da ITCP na redemocratização país é fundamental, mas
tem limites (JUSTINO, 2002). A universidade pode ser um meio de solucionar problemas de
emprego, saúde e cultura, mas esta não pode ser sua finalidade (JUSTINO, 2002). Na ITCP
PR, o objetivo seria formar profissionais cidadãos, segunda a autora:
“Urge que a universidade repense a sua função e redimensione o seu papel,
estabelecendo suas responsabilidades e seus limites. A atuação extensionista
da universidade deve desenvolver-se primeiramente no sentido de capacitar
o estudante e futuro profissional a exercer, com competência e ética, a
especialidade para a qual está se formando. Esse é o papel primordial (e
essência) do programa ITCP, que possibilita essa vivência e qualifica a
cidadania. Exercitando essa práxis, cumpre seu papel social” (JUSTINO,
2002b: p.20)
Não é unânime que a Universidade seja o local mais propício para o desenvolvimento
de um projeto como a ITCP. Oliveira e Dagnino (2004), ao analisarem as fragilidades das
ITCPs, apontam que uma das causas para a dificuldade destas em transferir saber técnico
para as cooperativas deriva da inadequação sócio-técnica do conhecimento científico e
tecnológico produzido pela universidade. Ou seja, as Universidades, segundo estes autores,
não estão orientadas para as necessidades das ITCPs. (OLIVEIRA e DAGNINO: 2004).
Em nosso trabalho, tendemos a concordar com a linha de pensamento apontada
anteriormente, que coloca a Universidade como campo fértil para as ITCPs, todavia, a
argumentação apresentada sobre a fragilidade das ITCPs pode ser útil na análise posterior dos
resultados obtidos.
Quanto aos objetivos das ITCPs, identificamos duas linhas de argumentação, uma que
focaliza os estudantes (JUSTINO, 2002) e outra que focaliza os trabalhadores excluídos do
mercado (ITCP UFRJ, 1998). Percebemos que esta divergência de foco é minimizada na
prática, pois, em ambas ITCPs, o trabalho de extensão é realizado por estudantes que atuam
junto aos cooperados, ou seja, ambos objetivos tendem a serem alcançados.
A rede de ITCPs aparece como movimento importante para o desenvolvimento das
incubadoras. Popp (2002) nos relata que o início da rede de ITCPs coincidiu com o
lançamento da ITCP UFPR em março de 1999. A rede surge “para vincular de forma
interativa e dinâmica as incubadoras, favorecendo a transferência de tecnologias e
conhecimentos(FOLDER DISTRIBUÍDO NO FÓRUM SOCIAL 2005). O projeto da rede
53
conta hoje com 17 Universidades distribuídas em diferentes regiões do país e norteia-se pelos
seguintes princípios:
Reafirmar os princípios da Aliança Cooperativista Internacional;
Conceber a Universidade como instituição a ser respeitada como
lócus de produção e socialização de conhecimento, com autonomia
crítica e produtiva;
Desenvolver e disseminar conhecimentos, sobre Cooperativismo e
Autogestão, contribuindo para o desenvolvimento da Economia
Solidária; link eco sol
Estimular a intercooperação promovendo a produção e socialização
dos conhecimentos entre as Incubadoras, e destas com o meio
universitário, outras redes afins e a sociedade;
Estimular a criação de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares, promovendo, disseminando e orientando a aplicação de
seus princípios e sua inserção na rede;
Organizar-se autonomamente e se relacionar com outras Redes, que
conjuguem objetivos convergentes e princípios;
Trabalhar na constituição, consolidação e integração das
Cooperativas Populares, fortalecendo, subsidiando e respeitando a
autonomia dos Fóruns e Redes que estão integradas. (FOLDER
DISTRIBUÍDO NO FÓRUM SOCIAL 2005)
Apesar da rede de ITCPs objetivar o desenvolvimento e disseminação de
conhecimentos, sobre Cooperativismo e Autogestão, a ITCP UFRJ (1998) apontou que houve
um ressentimento pela falta de tempo para sistematização da experiência. Popp afirma
também que “No decorrer do processo, prática e teoria nem sempre são conjugados no mesmo
tempo, o que acaba originando um descompasso que basicamente traduz-se em prática
desprovida de algumas reflexões importantes” (POPP, 2002: p.30)
Considerando que, após 6 anos de criação, a rede possa ter favorecido a sistematização
do conhecimento adquirido na prática das ITCPs, optamos por investigar a visão destas sobre
a gestão de empreendimentos solidários, mais especificamente de cooperativas populares.
54
Até o momento, apresentamos a contextualização do fenômeno investigado.
Delimitamos as abordagens da Economia Solidária, identificamos as cooperativas populares
como organizações expressivas entre os empreendimentos econômicos solidários e
demonstramos a importância das ITCPs na construção da gestão destes empreendimentos.
Cabe, então, explicitar o que já foi pesquisado no tocante às especificidades da gestão
dos EES.
55
CAPÍTULO II - ESPECIFICIDADES DA GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS
ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS
Os autores que buscaram analisar o modo com são administrados os empreendimentos
econômicos solidários fizeram isto utilizando o conceito de gestão. Mas o que seria a gestão?
Qual a diferença desta para a administração? Começaremos este capítulo, então, em busca do
esclarecimento deste debate.
Primeiramente, vale registrar qual a definição que encontramos no NOVO
DICIONÁRIO AURÉLIO:
Administração. [Do latim administratione] 1. Ação de administrar. 2. Gestão de
negócios públicos ou particulares. 3. Governo regência. 4. Conjunto de princípios, normas e
funções que têm por fim ordenar os fatores de produção e controlar sua produtividade e
eficiência, para se obter determinado resultado. 5. Prática desses princípios, normas e funções.
6. Função de administrador; gestão, gerência. 7. Pessoal que administra; direção.
Gestão. [Do latim gestione] Ato de gerir; gerência, administração.
Ao primeiro olhar não haveria motivo para um debate, desde quando o conceito de um
serve de explicação para o outro, como podemos conferir no verbete do DICIONÁRIO DE
SINÔNIMOS E ANTÔNIMOS MICHAELIS:
Gestão sf 1. gerência, administração, direção, superintendência.
Porém, encontramos administradores acadêmicos que diferenciam os termos e
relacionam a gestão ao nível estratégico e de tomada de decisões, enquanto a administração
estaria relacionada às ações operacionais (BARRETO E BARRETO: 2004).
“O uso do termo administração está mais apropriado para ações mais
operacionais, escolha de métodos e técnicas mais adequadas para a condução
da entidade rumo aos objetivos estabelecidos, seguindo as políticas e
estratégias firmadas” (BARRETO E BARRETO: 2004, p.154).
“... a gestão está voltada para o direcionamento estratégico das organizações,
mediante o estabelecimento de objetivos e das decisões tomadas que vão
comprometer sua existência em longo prazo, determinando os rumos da
instituição” (BARRETO E BARRETO, 2004: p.154).
Tal esforço de Barreto e Barreto (2004) não é compartilhado por outros autores como
Idalberto Chiavenato, autor do livro mais utilizado no Brasil pelas faculdades de
56
Administração, recomendado pelo Ministério de Educação e Cultura MEC. Para ele a
administração engloba tanto o nível estratégico quanto o operacional:
“A administração nada mais é do que a condução racional e estratégica das
atividades de uma organização seja lucrativa ou não lucrativa. A
administração trata do planejamento, da organização (estruturação), da
direção e do controle de todas as atividades diferenciadas pela divisão do
trabalho que ocorrem dentro de uma organização” (CHIAVENATO, 2004:
p.2) [...] “a tarefa básica da administração é a de conseguir fazer as coisas
por meio das pessoas e dos recursos disponíveis de maneira eficiente e
eficaz” (CHIAVENATO, 2004, p.5)
Uma outra abordagem dos termos pode ser percebida na leitura de trabalhos que
objetivaram analisar o objeto de estudo da administração (SANTOS, 2004; MA, 2004;
FRANÇA FILHO, 2004), todos colocaram a gestão enquanto aspecto prático da
administração.
Porém, vale esclarecer a tese de cada um. Num esforço epistemológico Ma (2004)
revisa os principais autores de cada teoria da administração e conclui que a gestão das
organizações é o objeto de estudo da administração. Santos (2004) já havia concluído da
mesma forma revisando autores clássicos do pensamento administrativo, como Dimock. Já
França Filho (2004) discorda desta tese, defendendo as organizações enquanto objeto de
estudo da administração e a gestão, enquanto prática, seria uma dimensão essencial desta. De
qualquer forma, haveria aqui uma inversão dos conceitos propostos por Barreto e Barreto
(2004) e a gestão seria o nível operacional.
Vale esclarecer que na leitura destes textos o termo gestão parece ser um sinônimo
para administração, pois seria estranho neste debate epistemológico algum dos autores dizer
que a administração teria como objeto de estudo a própria administração.
Portanto, nesse empenho em definir melhor os termos gestão e administração,
encontramos quatro pontos de vista:
Gestão e administração como sinônimos.
Gestão enquanto nível estratégico e Administração enquanto nível operacional.
Administração enquanto nível estratégico e operacional.
Gestão enquanto nível operacional.
Fica evidente que esta discussão sobre a definição dos termos não se encerra aqui,
porém também não é objetivo deste trabalho aprofundar este debate. Destarte, decidimos
57
adotar o ponto de vista mais abrangente que não os distingue e aceitar o termo gestão, já
consolidado nos estudos sobre empreendimentos solidários.
Uma pista para o uso do termo gestão é dada por França Filho (2004) que neste olhar
epistemológico sobre a administração esclarece que “diferentes formas organizacionais se
relacionam com diferentes espaços ou enclaves societários, aos quais correspondem grandes
lógicas específicas orientando a ação desses agentes institucionais”.(FRANÇA FILHO, 2004:
p.141). Logo, ele indica que existiram três enclaves sociais fundamentais (O Mercado, o
Estado e a Sociedade Civil) com modos específicos de gestão: privada, pública e social. A
cada uma corresponderia uma lógica distinta.
Concordando com este autor passaremos a detalhar um recorte da gestão social, que
ele relaciona à sociedade civil, mas com projeção no espaço público. Este recorte é a gestão
de empreendimentos econômicos solidários.
Atualmente, poucos são os estudos voltados para a dimensão técnica da gestão em
empreendimentos econômicos solidários, e os que existem apontam a necessidade de se
realizar pesquisas mais profundas nesta área. (MOURA e MEIRA, 2002; ANDION, 2001;
COSTA, 2003a e b; MOURA et alii, 2004a e b; AZEVEDO, 2003).
Uma explicação para tal carência nos é apresentada por França Filho (2004). Em seu
estudo epistemológico sobre a administração, ele ressaltou que os autores que se debruçaram
sobre as técnicas gerenciais sempre estiveram voltados para a realidade empresarial. Isto
explicaria esta lacuna existente sobre técnicas de gestão para organizações cujo objetivo não
seja meramente econômico (FRANÇA FILHO, 2004).
Para compreender as especificidades da gestão de empreendimentos econômicos
solidários, foi necessário, resgatar características da gestão de EES apontadas pelos autores
que definiram Economia Solidária (ARRUDA, 2003; SINGER, 2002 e 2003; GAIGER, 1996;
KRAYCHETE, 2000; LISBOA, 1999; FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004), que
caracterizaram os empreendimentos econômicos solidários (FRANÇA FILHO e LAVILLE,
2004; SEI, 2004; GAIGER, 2004; JESUS et alii, 2004; e SOUZA, 2003).
Buscamos ainda, pesquisas que analisaram a gestão EES como Andion (2001),
Azevedo (2003), Silva Júnior (2005) e Moura e outros (2004b). A partir desta revisão
propusemos um modelo de análise da gestão dos EES.
58
Resgatando conceitos
Os autores que conceituam Economia Solidária apontam a democracia como
característica importante (ARRUDA, 2003; SINGER, 2002 e 2003; GAIGER, 1996 e 2004;
KRAYCHETE, 2000; LISBOA, 1999; FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004) e trazem,
portanto uma particularidade da gestão dos EES que é a gestão democrática, princípio do
cooperativismo.
Outra característica pode ser distinguida na proposta de Coraggio (2000, 2003) que
aponta como objetivo da Economia do Trabalho a reprodução ampliada da vida,
direcionando, desta forma, a gestão para além da reprodução da vida biológica. Esta visão é
compartilhada por França Filho e Laville (2004) quando caracterizam os EES como
possuidores de uma finalidade multidimensional, ou seja, objetivos da gestão que vão além
do econômico, com uma projeção no espaço público.
Ao assumir os princípios cooperativistas, entre eles a preocupação com a comunidade
e educação, formação e informação, como base da Economia Solidária, Singer (2002)
comunga também deste pensamento. Gaiger (2004) ao propor os princípios de
desenvolvimento humano e responsabilidade social para identificar um EES também está
convergindo com a idéia de finalidade multidimensional.
Outro ponto comum que aparece nas diversas abordagens da Economia Solidária é a
existência de uma nova racionalidade, que sintetiza a instrumental e substantiva, ou ao
menos, subordina a primeira à segunda (GAIGER, 1996; KRAYCHETE, 2000; LISBOA,
1999; FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004).
França Filho e Laville (2004) trazem ainda a pluralidade de princípios econômicos e
sociabilidade comunitária pública como características dos EES. Tais propriedades
remeteriam à especificidades da gestão no sentido de uma articulação de diversas fontes de
recursos e uma tendência a associar padrões comunitários e práticas profissionais.
Eles acrescentam também a autonomia institucional como particularidade dos EES
que converge com o princípio defendido por Gaiger (2004) de auto-sustentação. Lembramos
que Coraggio (2000,2003) diferencia a Economia Popular da Economia do Trabalho
destacando a autonomia desta última, portanto, o autor comunga do mesmo pensamento.
Assim como Singer (2002) que, ao assumir os princípios cooperativistas como característica
dos EES, acata o princípio da autonomia.
59
Vale relembrar que o intuito deste trabalho é compreender o fenômeno da gestão de
empreendimentos econômicos solidários especificamente a dimensão técnica. Com esta
revisão dos autores que definiram Economia Solidária chegamos aos seguintes componentes:
Democracia, Finalidade multidimensional, Pluralidade de princípios econômicos,
Sociabilidade comunitário-pública e Autonomia institucional.
Entendemos ainda que cada um destes componentes parte de uma lógica diferente da
administração tradicional por agregar à gestão outras dimensões que não apenas a mercantil.
Enfim, a discussão sobre uma racionalidade mais substantiva perpassa cada um dos
componentes até aqui destacados.
Faz-se necessário resgatar também algumas reflexões sobre gestão feitas a partir dos
mapeamentos que consultamos para definir empreendimentos econômicos solidários.
Ao analisar os dados sobre gestão dos empreendimentos pesquisados no Litoral Norte
da Bahia e Região Metropolitana de Salvador pela SEI, percebe-se uma discrepância entre o
número de empreendimentos que possui um encarregado para a administração
30
(94,74%) e a
utilização de registros tradicionais de apoio à gestão
31
como: controle de estoques (26,32%),
controle de custos (36,34%), controle de vendas (31,58%), controle de contas a pagar
(39,47%), livro caixa (36,34%).
Esta diferença pode ser um indício de que os controles da administração tradicional
não suprem as necessidades dos EES, forçando seus gestores a utilizar outros instrumentos.
Ou ainda, é possível que os atores não tenham se apropriado dos instrumentos tradicionais por
limitações de aprendizado.
Apesar de não utilizarem muito os controles tradicionais, a maioria (86,84%) dos EES
pesquisados realizam prestação de contas aos seus associados
32
. A maior parte destas
prestações é feita em reuniões (55,26%) ou assembléias (34,21%). A transparência aparece,
então, como característica do modelo de gestão adotado pelos EES, confluindo com o a idéia
de uma gestão mais democrática. Neste caso, os instrumentos apontados são reuniões,
assembléias, boletins e mural.
30
Tabela 33 (SEI, 2004: p.65)
31
Tabela 34 (SEI, 2004: p.65)
32
Tabela 35 e 36 (SEI, 2004: p.66)
60
Em outro mapeamento realizado no Ceará, Jesus e outros (2004) definiram gestão nos
EES como:
“a condição de fazer funcionar as atividades meio- e as atividades-fim, com
eficiência e eficácia, isto é, atentando para os aspectos de tempo, de
tecnologia, de qualidade do produto ou do serviço, de relação com os
fornecedores e clientes, de custo, de benefício para o indivíduo e para o
coletivo, entre outros” (JESUS, 2004: 274).
Percebemos, nessa elucidação, princípios comuns à gestão empresarial, como a noção
de eficiência e eficácia. Porém, sinalizamos que isto não necessariamente significa uma
transposição da administração tradicional para os EES.
Quem nos esclarece melhor esta idéia é Gaiger (1996). Ele afirma que o
empreendimento solidário tende a incorporar, inicialmente, a base técnica capitalista para num
segundo momento, construir métodos de administração, gerenciamento e remuneração do
trabalho mais coerentes com a natureza solidária dessas organizações.
Jesus e outros (2004) perceberam também, que o caráter participativo da
administração e o distanciamento da racionalidade formal e hierárquica não elimina a questão
da divisão técnica
33
do trabalho, porém este é resultado de ampla discussão de forma que
seja entendida não como superioridade de papéis e atores, mas como necessidade de
ordenamento do processo produtivo, podendo, inclusive, admitir-se a prática de rodízio (grifo
nosso), caso ela se mostre adequada ao processo produtivo e à sua eficiência (JESUS et alii,
2004: 275).
Os autores acrescentam a necessidade de controle social, que limite o poder de
qualquer cargo ou função em vista de manter o caráter democrático e cooperativo (JESUS et
alii, 2004). Singer (2000) contribui com tal reflexão enfatizando que a degenererescência da
democracia nestas organizações se dá mais pela apatia da base do que pela - das elites.
Ele cita uma pesquisa realizada por Sharryn Kasmir (KASMIR apud SINGER, 2000) em uma
das empresas de Mondrgón que aponta que é entre os dirigentes que existe a valorização do
cooperativismo e não nos trabalhadores que atuam apenas na produção.
33
Jesus e outros (2004) salientam a diferença entre a divisão técnica do trabalho (que se dá devido necessidades
de organização e melhor adaptação de trabalhadores para determinadas atividades) e a divisão social do trabalho
(entre capitalsitas e proletários, esta é combatida pela proposta autogestionária).
61
Singer (2002) também comunga do pensamento de que a gestão destes
empreendimentos deve se dar de forma diferenciada, com maior democratização dos
processos decisórios (inversão dos níveis hierárquicos):
"Em empresas solidárias de grandes dimensões, estabelecem-se hierarquias
de coordenadores, encarregados ou gestores, cujo funcionamento é o oposto
de suas congêneres capitalistas. As ordens e instruções devem fluir de baixo
para cima e as demandas e informações de cima para baixo. Os níveis mais
altos da autogestão são delegados pelos mais baixos e são responsáveis
perante os mesmos (grifo nosso). A autoridade maior é a assembléia de todos
os sócios que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis
intermediários e altos da administração" (SINGER, 2002)
Como já explicitamos no capítulo anterior, Jesus e outros (2004) participaram de uma
pesquisa nacional coordenada por Gaiger (2004), onde foram estabelecidos coletivamente oito
princípios dos EES. Neste estudo, a conceituação de EES passa por uma característica de
gestão no tocante à remuneração
34
. A pesquisa delimita que nos empreendimentos de
Economia Solidária esta deve ser simétrica, igualitária. Tal pensamento conflui com o critério
de Souza (2003) e da SEI (2004) de apropriação igualitária dos resultados.
Vale resgatar ainda, o princípio de autogestão assinalado por Gaiger (2004). Cançado
(2004: p.51) num esforço de conceituar autogestão conclui que esta seria:
“um modo de organização do trabalho, onde não há separação entre
concepção e execução do trabalho e os meios de produção são coletivos
(grifo nosso), sendo caracterizado como um processo de educação em
constante construção na organização.”
A autogestão apontada está relacionada com o princípio cooperativista de Participação
Econômica dos Sócios, defendida por Singer (2002) para diferenciar a Economia Solidária. O
estudo da SEI (2004) quando conceitua que em um EES os proprietários são os próprios
trabalhadores também vai ao encontro destas idéias.
Esta pesquisa da SEI nos traz uma outra contribuição. Os pesquisadores responsáveis
pelo estudo defendem que o trabalho nestas organizações seja realizado de modo
compartilhado. Desta forma, concordam com o princípio de cooperação no trabalho apontado
por Gaiger (2004).
Feita esta revisão, vamos analisar as pesquisas sobre gestão de empreendimentos
econômicos solidários que tivemos acesso.
34
Remuneração é uma das preocupações da área de gestão de pessoas nas empresas tradicionais. Maiores
informações ver “quadro 2.1- Políticas e Ferramentas de gestão de pessoas” em Magalhães (2004).
62
Sistematização de análises da gestão dos EES
Andion (2001) estudou duas organizações da Economia Solidária no Canadá -
Carrefour da Família e Casa da Ajuda Mútua - com o objetivo de observar as características
particulares da gestão de tais empreendimentos. Ela destaca a articulação das dimensões
social, política e econômica como pano de fundo para compreender os princípios e práticas de
gestão dos EES:
“Em síntese, os estudos realizados sobre organizações da Economia
Solidária mostram que sua principal diferenciação reside no fato delas
atuarem ao mesmo tempo como intermediárias e articuladoras de três
esferas: a social, a política e a econômica” (ANDION, 2001: p. 5)
Lembramos que esta afirmação vai ao encontro da característica da finalidade
multidimensional identificada aqui por França Filho e Laville (2004) que também partem do
referencial elaborado por Polany. A autora propõe um modelo multidisciplinar de análise da
gestão de empreendimentos econômicos solidários “que visa assegurar uma maior coerência
com a ontogênese dessas organizações”(ANDION, 2001: p. 6).
Além do conceito de economia substantiva defendido por Polanyi, o modelo da autora
utiliza os conceitos de ação comunicativa desenvolvido por Habermans, de autonomia social
proposto por Edgard Morin e a teoria das organizações substantivas produzido por Guerreiro
Ramos.
A partir destes, ela propõe a análise de quatro dimensões interdependentes da gestão
dos empreendimentos econômicos solidários: A dimensão social - que remete aos atores, aos
meios e finalidades da comunicação, às formas de interação entre os indivíduos e os grupos; e
aos processos e instâncias de tomada de decisão; A dimensão econômica que se refere aos
recursos utilizados e suas aplicações (receita e despesa) e aos processos de construção da
oferta e da demanda; A dimensão ecológica que diz respeito à interface com o mundo da
vida (relação com a comunidade e entre os atores) e a interface com o mundo do sistema
(relação com o mercado e com o Estado); A dimensão organizacional e técnica que remete
ao processo produtivo, ao conhecimento e aprendizagem, aos processos de avaliação
individual e coletivo e aos níveis de satisfação dos atores.
Em sua conclusão, Andion (2001) aproxima-se da idéia de uma nova racionalidade
apontando a coexistência de lógicas distintas, ela afirma que: “estas organizações são espaços
onde várias lógicas se confrontam permanentemente, através de uma dinâmica geradora de
63
identidade, é principalmente na esfera da gestão que a confrontação destas lógicas é
administrada, visando gerar uma visão e uma ação comuns” (ANDION, 2001: p.14).
Por fim, a autora afirma que a gestão dos empreendimentos econômicos solidários
caracteriza-se por uma complexidade própria de sua natureza, pois “ela é composta por uma
série de desafios e questões singulares que não pode mais ser negligenciada, nem pelas
pessoas que atuam nestes organismos, nem pelas teorias que tratam desta temática”
(ANDION, 2001: p. 14).
Outro trabalho sobre gestão de organizações da Economia Solidária é de Azevedo
(2003) que buscou compreender a gestão de empreendimentos autogestionários,
especialmente no que se refere ao uso de inovação tecnológica por parte destes.
Ao definir Economia Solidária, a autora resgata um conceito de Cruz onde ES seria:
“toda iniciativa econômica que incorpora trabalhadores(as) associados(as)
em torno dos seguintes objetivos/características: (1) caráter coletivo das
experiências (não são portanto, formas de produção e consumo individuais,
típicas da “economia informal” em seu sentido estrito), (2) generalização de
relações de trabalho não assalariadas, (3) exercício do controle coletivo do
empreendimento (de suas informações, fluxos, rendimentos etc.), e (4)
“inserção cidadã” das iniciativas: respeito ao consumidor e ao meio
ambiente, participação ativa na comunidade em que está inserida, articulação
política com as outras iniciativas de economia solidária, denúncia de
mecanismos antiéticos de mercado etc.” (CRUZ apud AZEVEDO, 2003: p.
4)
O caráter coletivo nos remete à autogestão, o exercício do controle coletivo corrobora
a idéia de gestão democrática e a inserção cidadã vai ao encontro do conceito de finalidade
multidimensional. Portanto, estas características da Economia Solidária apontadas
complementam as que já foram apontadas até aqui.
A autora analisa os relatos de Holzmann e Oda (HOLZMANN e ODA apud
AZEVEDO, 2003) sobre empresas autogestionárias e percebe mudanças na gestão em
relação: ao organograma (horizontalizado), ao espaço decisório (democratizado), aos direitos
trabalhistas, à remuneração (mais igualitária) e à transparência.
Azevedo (2003: p.7) percebe que há uma relação entre a incorporação do processo
autogestionário e o ganho de produtividade : “Ficou claro no trabalho dos autores que quanto
mais a autogestão é implantada e os trabalhadores participam de todo o processo, maiores as
chances do empreendimento obter sucesso”.
64
Especificamente em relação à administração da produção, Azevedo (2003) identificou
o que classifica como um método inovador no sentido de estar à frente do toyotismo
35
, no que
tange a uma maior autonomia do trabalhador e uma tentativa de unir o pensar e o agir nestes
empreendimentos.
Por fim, em relação à inovação tecnológica, a autora aponta a necessidade de
aprofundamento em pesquisas que viabilizem tecnologias viáveis e competitivas para os
empreendimentos autogestionários, desta forma seria possível alcançar os objetivos de
recolocação dos trabalhadores no mercado e uma qualidade de vida digna proposto por estas
organizações.
O trabalho de Jeová Torres da Silva Júnior (2005) parece-nos o mais rico na
identificação de instrumentos e métodos inovadores de gestão criados por um
empreendimento econômico solidário. Uma hipótese para explicar tal fato seria a própria
natureza do caso estudado: O projeto Banco Palmas da Associação de Moradores do Conjunto
Palmeiras/ ASMOCONP, uma organização bastante expressiva da Economia Solidária, ou
seja, com um grau relativamente avançado no desenvolvimento deste fenômeno.
Silva Júnior (2005) analisa como a gestão lida com a tensão entre as lógicas mercantil
e solidária em um empreendimento da Economia Solidária, concluindo que:
a gestão da instituição ASMOCONP/ Banco Palmas teria assumido uma
perspectiva mais democrática, autônoma e reguladora para promover a
sobrevivência de tal empreendimento da economia solidária, diante de um
sistema consolidado externamente que baseia suas relações em práticas
mercantis” (SILVA JÚNIOR, 2005: p.85).
Enfim, existiria um diálogo entre tais lógicas e não a eliminação de uma ou outra. Tal
conclusão aproxima-se da afirmação de Gaiger (1996) de que a racionalidade dos EES
representaria uma síntese entre o espírito empresarial e o espírito solidário. O interessante no
caso da ASMOCONP/Banco Palmas é que percebemos a manifestação deste conceito em
instrumentos e métodos utilizados na gestão da organização.
35
O Toyotismo prevê os círculos de controle de qualidade, onde os trabalhadores reunidos buscam soluções para
problemas no processo produtivo, mas não têm autonomia para implementar. Já no processo produtivo
autogestionário mais avançado, Azevedo (2003) percebeu que esta autonomia existe e se torna um diferencial.
Mais informações sobre o Toyotismo ver WOMACK (1992)
65
Vale à pena resgatar de forma sucinta
36
o histórico e objetivo da ASMOCONP/Banco
Palmas. Segundo Silva Júnior (2005), em 1973, no Ceará, “nasceu” o Conjunto Palmeiras
formado por moradores que foram despejados da área litorânea devido à especulação
imobiliária. O autor salienta que o Conjunto não usufruía de serviços públicos como
saneamento básico, energia elétrica, escolas ou postos de saúde, aliás, sequer haviam
habitações.
Tudo no bairro foi construído mediante mobilização dos moradores, uma frase escrita
em um banner na sede da Associação resume bem este histórico “Deus criou o mundo! E nós
construímos o Conjunto Palmeiras”. Porém, após a conquista veio a conta: taxas de água, luz,
IPTU, etc. Com isto, muitos moradores que participaram das lutas pela melhoria do local
começaram a abandonar o Conjunto. O índice de desemprego neste período chegou a 80% da
População Economicamente Ativa.
Em 1998, a ASMOCONP cria o Banco Palmas “e implanta uma rede de solidariedade
entre produtores e consumidores locais” (SILVA JÚNIOR, 2005: p.34). Um dos instrumentos
utilizados foi o PALMACARD, um cartão de crédito com circulação restrita ao bairro que
incentivaria o consumo local, além de linhas de crédito para a produção
37
.
Percebe-se que a ASMOCONP ultrapassa as dimensões social e política do seu
surgimento e adentra a dimensão econômica com este projeto. Silva Júnior (2005) aponta a
tensão deste momento, onde o morador-cidadão acostumado à mobilizações para atendimento
de demandas coletivas passa a ser um morador-cliente em busca da satisfação de uma
demanda individual.
Os instrumentos cartão de crédito e linhas de crédito não são inovadores, mas a forma
de gerenciá-los difere muito do modelo usual de bancos tradicionais (tanto públicos quanto
privados). A particularidade da gestão do EES Banco Palmas se dá, por exemplo, no momento
36
Maiores informações sobre a ASMOCONP/ Banco Palmas ver SILVA JÚNIOR (2005), MELO NETO (2002)
e MELO NETO e MAGALHÃES (2004).
37
As linhas de crédito para produção são incentivadas dentro de Grupos Produtivos Setoriais que inicialmente
foram: artesanato, confecções, artigos de couro e material de limpeza que deram origem às unidades produtivas:
PALMART, PALMAFASHION, PALMACOUROS e PALMALIMPE respectivamente. (SILVA JÚNIOR,
2005).
66
da seleção da clientela que parte de uma valorização das relações comunitárias: um dos
critérios é ser sócio da ASMOCONP e participar das assembléias
38
.
Além disso, Silva Júnior (2005) relata que é necessário preencher um formulário com
dados pessoais e o valor e finalidade do crédito solicitado. O passo seguinte é uma visita do
analista de crédito (sempre um morador associado) à vizinhança do cliente para colher
informações e em reunião da diretoria da ASMOCONP é tomada a decisão sobre a concessão
do empréstimo. Neste caso, percebemos uma sociabilidade comunitário-blica que implica a
valorização dos laços comunitários nas práticas profissionais.
Ainda sobre o instrumento PALMACARD, vale salientar que, segundo Silva Júnior
(2005), não é cobrado do titular do cartão uma anuidade ou juro sobre o produto adquirido,
prática rotineira dos bancos tradicionais. O comerciante cede 3% do valor das compras como
taxa de administração. Esta prática denota uma menor preocupação com o lucro do que com
os beneficiários.
Outro ponto que nos remete a uma particularidade da gestão do Banco Palmas é o
registro, novamente baseado em uma sociabilidade comunitário-pública. Silva Júnior destaca
que a organização não possui nenhum documento de identificação como o Registro Geral-RG
ou Cadastro de Pessoa Física-CPF
39
. Silva Júnior aponta que “a melhoria da qualidade de vida
das pessoas que contraem os empréstimos não exige que se exceda na formalização das
relações do Banco Palmas com o morador” (SILVA JÚNIOR, 2005: p.53).
No que tange a área funcional de recursos humanos, ou gestão de pessoas, da
ASMOCONP, Silva Júnior (2005) demonstra que esta utiliza como critérios de seleção
competências menos técnicas, como o espírito comunitário”. Para suprir a dimensão prática,
os funcionários passam por capacitações. Por exemplo, a moradora que cuida da parte
administrativo-financeira da organização não tem conhecimentos aprofundados na área.
Consideramos que esta é outra especificidade da gestão dos EES que nos remete às categorias
sociabilidade comunitário-pública e finalidade multidimensional abordadas por França Filho e
Laville (2004).
38
Ao menos das três últimas assembléias mensais anteriores à data da solicitação do crédito (SILVA JÚNIOR,
2005).
39
Vale destacar que esta lógica substantiva de gerenciar os recursos sem um alto grau de formalização gera
conflitos com organizações parceiras, que utilizam os registros formais para atestar os resultados dos recursos
aplicados. (SILVA JÚNIOR, 2005)
67
A autogestão na ASMOCONP deu origem a um novo conceito na área de
administração mercadológica: o Marketing da Sensibilidade Coletiva. Joaquim Melo, um dos
principais líderes comunitários, explicou a Silva Júnior que: “coletivamente dizemos o que
queremos. Veja bem, porque esse é o marketing coletivo, esse é o marketing que sai da
sensibilidade das pessoas. Os nomes Palmalimpe, Palmacar são nomes bonitos, nomes que
saiu (sic) de todos, da coletividade, da sensibilidade do cotidiano” (Joaquim Melo apud Silva
Júnior, 2005: p. 48).
Seguindo na tentativa de compreender as especificidades da gestão de
empreendimentos econômicos solidários, Moura e outros (2004b) desenvolveram um quadro
de análise elaborado a partir da leitura e reflexão de diversos autores (Andion, 2001; França
Filho, 2001; Azevedo, 2003; Singer, 2002) que tratam do tema.
Quadro 3 – Quadro de Análise da Gestão de Empreendimentos Solidários
Autores/
Dimensões
Andion (2001) França Filho (2001) Singer (2002) Azevedo (2003)
Social - Dimensão social:
atores, meios e
finalidades da
comunicação;
formas de interação
entre os indivíduos
e os grupos;
processo de tomada
de decisão;
- Democratização
dos processos
decisórios;
- Sociabilidade
comunitário-pública
(modo de
sociabilidade
singular que mistura
padrões
comunitários e
práticas
profissionais);
- Exercício da
democracia nos
processos
decisórios
(inversão dos
níveis
hierárquicos);
- Caráter coletivo
das experiências;
- Exercício do
controle coletivo
do
empreendimento
(informações);
- Trabalho não-
assalariado;
Econômica
- Dimensão
econômica:
recursos utilizados
e aplicações
(receita/despesa);
- Pluralidade de
princípios
econômicos:
articulação de
diversas fontes de
---- ----
68
construção de
oferta e demanda;
recursos;
Pública - Dimensão
ecológica: interface
com o mundo da
vida (relação com a
comunidade e entre
os atores); interface
com o mundo do
sistema (relação
com o mercado e o
Estado);
- Autonomia
institucional;
- Finalidade
multidimensional;
integra dimensões
social, cultural,
econômica e/ou
política, no sentido
de projetar-se no
espaço público;
---- - Inserção cidadã
das iniciativas:
respeito ao
consumidor e ao
meio-ambiente;
Técnica-
Produtiva
- Dimensão
organizacional e
técnica: processo
produtivo;
conhecimento e
aprendizagem;
processo de
avaliação
individual e
coletiva; nível de
satisfação dos
atores;
- Sociabilidade
comunitário-pública;
- Caráter coletivo
da apropriação e
distribuição do
excedente de
produção;
- Exercício do
controle coletivo
do
empreendimento
(fluxos e
rendimentos);
Fonte: Moura e outros (2004b)
Neste estudo, Moura e outros (2004b) aplicaram ainda o quadro de análise (quadro3)
na COOPERCONFEC
40
, cooperativa de costuras da periferia de Salvador/Bahia. Diferente do
histórico de mobilizações da ASMOCONP, a COOPERCONFEC “nasce” a partir de
estímulos exógenos. Consideramos este dado importante para entender o modelo gerencial de
cada um dos EES, como a falta de autonomia institucional por parte da cooperativa, ou a
40
Esta cooperativa é incubada pela OSCIP PANGEA- Centro de Estudos Sócio Ambientais desde 1998
69
tendência mais pública da associação. Salientamos que o contexto sócio-econômico das
regiões são semelhantes.
Moura e outros (2004b) ao aplicarem o quadro de análise observaram que
instrumentos e técnicas que atendam às especificidades dos EES já estão sendo gestadas, em
parte, no interior destas organizações:
“a criação de processos participativos e engajados de decisão; a instituição
do ambiente externo a organização compor em maior medida, o cenário das
decisões, e mais que isto, o fato real destes empreendimentos solidários
estarem voltados muito mais para uma ação exógena de ampliação de
espaços públicos na comunidade local do que uma ação endógena de
valorizar o lucro individual e a propriedade privada” (MOURA et alii,
2004b: p. 24)
O quadro 3 sintetizado por Moura e outros (2004b) mostrou-se eficiente para a
apreciação dos casos, por isso tomaremos ele como ponto de partida para um modelo de
análise.
Proposta de um modelo de análise
O intuito desta revisão foi de buscar elementos que elucidem as especificidades da
gestão dos empreendimentos econômicos solidários. Pretendemos criar um modelo de análise
mais amplo possível para identificar, na visão das ITCPs, quais os métodos e instrumentos de
gestão respeitam estas especificidades.
Para tanto, partimos do quadro de análise proposto por Moura e outros (2004b) e
acrescentamos as características apontadas por outros autores. Desta forma buscamos
entender como estas dimensões implicam na prática administrativa.
Na dimensão social, buscamos analisar a finalidade da comunicação (Andion, 2001)
que deveria ser transparente como apontada na pesquisa da SEI (2004).
Outro componente delimitado foi a forma de interação entre os indivíduos e os
grupos (Andion, 2001) que, segundo França Filho e Laville (2004), é marcada pela
pessoalidade, partindo do princípio da sociabilidade comunitário pública. Tal interação
tende ao princípio da participação como defende Gaiger (2004). Acrescentamos nesta análise
o componente do controle social definido por Jesus e outros (2003).
O processo de tomada de decisão (Andion, 2001), outro componente da dimensão
social, tende a ser mais democrático segundo França Filho e Laville (2004), Singer (2002) e
70
Gaiger (2004). Consideramos que Azevedo (2003) corrobora deste ideal quando defende o
exercício do controle coletivo no que diz respeito as informações, do mesmo modo que
Gaiger quando aborda o principio da participação e Jesus e outros quando destacam a questão
do controle social.
Na dimensão econômica, Andion (2001) propôs a análise dos recursos utilizados e
aplicações. Neste caso, utilizamos como indicador a pluralidade de princípios econômicos
defendida por França Filho e Laville (2004). Andion acrescenta ainda a construção de oferta
e demanda que definimos que seja local, a partir da análise feita sobre a ASMOCONP/Banco
Palmas por Silva Júnior (2005).
Na dimensão pública, delimitada por Moura e outros (2004b), foi incluída a interface
com o mundo da vida e com o mundo do sistema, proposta por Andion (2001) na dimensão
ecológica. Os autores incluíram também a autonomia institucional e a finalidade
multidimensional proposta por França Filho e Laville (2004); e a inserção cidadã proposta por
Azevedo (2003). Buscamos refinar mais estes componentes.
Quando Singer propõe os princípios cooperativistas como características dos EES,
subtende-se que a preocupação com a comunidade é também uma destas características que
nos remete à finalidade multidimensional proposta por França Filho e Laville (2004).
Consideramos que Azevedo corrobora desta idéia ao definir a inserção cidadão, assim como
Gaiger (2004) quando propõe os princípios de Responsabilidade Social e Desenvolvimento
Humano. Adotaremos, portanto, apenas o indicador da Finalidade multidimensional.
O mesmo raciocínio vale para a questão da autonomia institucional proposta por
França Filho e Laville que abarca o princípio cooperativista de autonomia e independência
(Singer, 2002), e o princípio da autosustentação sugerido por Gaiger (2004).
Acrescentamos nesta dimensão o princípio cooperativista da intercooperação (Singer,
2002), que alguns autores defendem como formação de redes para viabilidade dos EES
(Souza, 2003; Coraggio, 2003). Este princípio seria um indicador da interface com o mundo
da vida.
Na dimensão técnico produtiva, Moura e outros (2004b) partiram de Andion (2001),
França Filho (2001), Singer (2002) e Azevedo. Adicionamos os princípios propostos por
Gaiger (2004) de igualitarismo, cooperação no trabalho, e autogestão. Mais precisamente,
mantivemos os componentes processo produtivo e conhecimento e aprendizagem da
71
proposta de Andion (2001) e consideramos os princípios propostos por Gaiger (2004), de
cooperação no trabalho, igualitarismo e autogestão como indicadores do processo produtivo.
Ressaltamos que na pesquisa da SEI (2004) foi apontada a característica de resultados
apropriados igualitariamente, confluindo com o princípio do igualitarismo de Gaiger (2004) e
do caráter coletivo da apropriação e distribuição do excedente determinado por Singer (2002)
e Souza (2003). Mantivemos, então, apenas o indicador igualitarismo abarcando todos estes
aspectos.
O princípio da cooperação no trabalho indicado por Gaiger (2004) abrange a
característica apresentada na pesquisa da SEI (2004) de que o trabalho deve ser realizado de
modo compartilhado, portanto o adotaremos como indicador para avaliar o processo
produtivo.
Em relação à autogestão proposta por Gaiger (2004) percebemos a confluência com
Souza (2003) e a SEI (2004) quando afirmam que os proprietários são os próprios
trabalhadores. Interessa-nos avaliar quais técnicas e instrumentos utilizados para garantir o
exercício desta autogestão.
Nesta dimensão técnico produtiva, no que se refere ao processo produtivo,
pretendemos analisar também a existência de um exercício do controle coletivo do
empreendimento em relação aos fluxos e rendimentos como apontada por Azevedo (2003).
Por fim, no componente conhecimento e aprendizagem da dimensão técnico-
produtiva, buscamos perceber o grau de preocupação com o quinto princípio cooperativista:
educação, formação e informação. Ou seja, analisamos em que medida este príncípio
contribui para a aprendizagem da dimensão técnico-produtiva da gestão dos EES.
Destarte, propomos um modelo de análise esquematizado no seguinte quadro:
Quadro 4 - Modelo de Análise da Gestão de Empreendimentos Econômicos Solidários
Autores/
Dimensões
Componentes
Indicadores
atores, meios e finalidades da
comunicação
Grau de importância atribuída a
transparência
Social
formas de interação entre os
indivíduos e os grupos
Grau de importância atribuída a
sociabilidade comunitário-pública
72
Grau de importância atribuída a
participação
Grau de importância atribuída ao controle
social
processo de tomada de decisão Grau de importância atribuída a
democratização dos processos decisórios;
recursos utilizados e aplicações
(receita/despesa)
Grau de importância atribuída a existência
de pluralidade de princípios econômicos
Econômica
construção de oferta e demanda Grau de importância atribuída a construção
conjunta de oferta e demanda local
Grau de importância atribuída a autonomia
institucional
Grau de importância atribuída a existência
de finalidade multidimensional
Pública
interface com o mundo da vida
e com o mundo do sistema
(Estado e Mercado)
Grau de importância atribuída a
intercooperação
Grau de importância atribuída a
cooperação no trabalho
Grau de importância atribuída ao
igualitarismo
Grau de importância atribuída a autogestão
processo produtivo
Grau de importância atribuída ao exercício
do controle coletivo do empreendimento
(fluxos e rendimentos);
Técnico -Produtiva
conhecimento e aprendizagem Grau de importância atribuída a educação,
formação e informação
Vale ressaltar que este quadro possui imbricações entre as dimensões. Sabemos que a
realidade não se apresenta de forma estática, por exemplo, quanto maior o grau de
transparência das informações mais fácil seria o processo de tomada de decisão democrática.
A construção da demanda e oferta local contribui para a existência de uma finalidade
multidimensional. Porém, este modelo servirá de norteador para a análise dos resultados.
A partir deste quadro, pretendemos analisar quais os métodos e instrumentos, na visão
das ITCPs, são condizentes com as especificidades da gestão dos empreendimentos
econômicos solidários. Apresentamos, então, no capítulo seguinte, os resultados encontrados.
73
CAPÍTULO IIIANÁLISE DOS RESULTADOS
Apresentamos nossa sistematização dos estudos sobre a gestão de empreendimentos
econômicos solidários no capítulo anterior, finalizando com uma proposta de modelo de
análise da gestão dos EES. Nossos próximos passos são: compreender a forma como as
Incubadoras abordam a gestão de cooperativas populares e verificar a coerência entre os
conceitos utilizados pelas Incubadoras para tratar a gestão e as especificidades desta
apontadas na literatura.
Contudo, faz-se necessário resgatar nossos procedimentos metodológicos do trabalho
de campo. Os instrumentos de coleta de dados merecem algumas considerações, assim como a
escolha da nossa amostra.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA EMPÍRICA
A pesquisa empírica foi desdobrada em análise de documentos das entidades
envolvidas e entrevistas com os representantes das ITCPs. Este trabalho de campo foi
realizado no âmbito da pesquisa “A Gestão de Empreendimentos Solidários: em busca de
referenciais teóricos” e associado a esta dissertação.
O primeiro passo foi entrevistar coordenadores das ITCPs pioneiras. Tal escolha é
justificada com base no entendimento de que o processo de reflexão e sistematização leva
algum tempo. Dessa forma, alcançamos três das seis organizações pioneiras
41
, a ITCP
UFRJ
42
, ITCP USP e ITCP UNEB. As entrevistas semi-estruturadas nortearam-se por um
roteiro bastante simples e abrangente (apêndice B), buscando apreender os métodos e
referenciais de gestão utilizados pelos incubadores. A partir do roteiro
43
, entrevistamos os
coordenadores da ITCP UFRJ e UNEB e uma representante da ITCP USP
44
.
41
A pioneira foi a ITCP UFRJ, em seguida foram implantadas cinco ITCP: na Universidade Federal do
Ceará, na Universidade de São Paulo, na Universidade Federal de Juiz de Fora, na Universidade
Estadual da Bahia e na Universidade Federal Rural de Pernambuco.
42
Destacamos ainda que a ITCP UFRJ representa um papel importante dentro do movimento de incubadoras e
comemora em 2006 uma década de atividades, portanto nossa amostra pode ser considerada representativa do
universo de ITCPs.
43
Apêndice B.
44
A entrevista foi realizada junto a uma ex-integrante do núcleo de gestão, indicada pela coordenação da ITCP
USP, que atuou junto a diversas cooperativas incubadas e afastada do grupo há cerca de quatro meses antes da
realização desta entrevista.
74
Em seguida, construímos um questionário para aprofundar a coleta de dados sobre os
métodos e instrumentos aplicados pelas Incubadoras. Enviamos o questionário
45
pela Internet
para obter uma visão geral do posicionamento das entidades sobre a temática tratada. Esta
Survey justificava-se pela necessidade de avaliar os diferentes contextos e visões da rede de
incubadoras, além de considerarmos, a princípio, que cada ITCP responde à necessidade de
adaptação dos instrumentos da gestão tradicional de uma forma diferente. Apesar dos contatos
realizados, só obtivemos resposta da ITCP UNEB. Porém, apesar de não se ter alcançado
êxito em obter as respostas, considera-se esta etapa relevante indicando-a para trabalhos
futuros.
A análise de documentos tornou-se um desafio no decorrer do trabalho, pois as
Incubadoras não possuíam material sistematizado sobre o processo de formação e assessoria
dos empreendimentos. Os materiais existentes nas ITCPs não foram disponibilizados devido a
uma necessidade de reformulação dos mesmos, segundo seus representantes
46
. Este fato
revela que o grau de amadurecimento sobre a análise das ferramentas de gestão dos EES ainda
é precário.
O questionário elaborado merece algumas considerações. A primeira parte deste
instrumento refere-se à estrutura e organização das ITCPs para desenvolverem suas
atividades. Consideramos que esta seria conseqüência de uma reflexão sobre a melhor forma
de organizar-se, adquirida durante anos de experiência e que remeteria a uma proposta de
organização das próprias cooperativas populares.
A segunda parte refere-se ao perfil da equipe das ITCPs, nós supúnhamos que, quanto
mais diversificada fosse a equipe, maior probabilidade de estarem construindo novos
conceitos e ferramentas de gestão. A interdisciplinaridade refletiria novas tecnologias por
abarcar diversas visões na formulação de uma proposta de modelo administrativo.
Na terceira parte, além das perguntas diretas como: “Existem especificidades na gestão
das cooperativas populares em relação às empresas privadas? Se existem quais seriam?
buscamos apreender os conceitos de gestão utilizados pelas ITCPs perguntando
especificamente sobre como eram tratadas as técnicas gerenciais de cada uma das principais
45
Apêndice A
46
No caso da ITCP USP, tivemos acesso ao módulo de formação em Cooperativismo e Economia Solidária,
direcionado aos estudantes que viriam a integrar o projeto.
75
áreas funcionais da administração empresarial (Administração Financeira, Gestão de pessoas,
Marketing e Administração da produção).
Acrescentamos ainda perguntas sobre as especificidades da gestão de
empreendimentos econômicos solidários identificadas na literatura como: democratização do
processo decisório, gerenciamento conjunto da oferta e demanda de produtos e serviços,
gerenciamento dos recursos, distribuição do excedente de produção, exercício do controle
coletivo e autogestão. Mas vale ressaltar que as perguntas, de algum modo, eram repetitivas
propositalmente, pois uma pergunta utilizava a linguagem tradicional e outra a linguagem
utilizada nos estudos de gestão de empreendimentos econômicos solidários.
47
Vale esclarecer ainda que nosso estudo se encontra em “um cenário de investigação
não linear”. Quivy (1998: p. 236) esclarece este cenário afirmando que nestes casos:
(...)o trabalho empírico será regularmente reorientado em função do
aprofundamento sucessivos do quadro teórico. Encontramo-nos aqui perante
um processo de diálogo e de vaivéns permanentes entre teoria e empirismo,
mas também entre construção e intuição, que estão mais imbricadas.”
No nosso caso, o roteiro de entrevistas inicial não abarcava o aprofundamento
necessário. Ainda, o modelo de análise foi incrementado depois da aplicação do questionário,
porém ressaltamos que as entrevistas exploratórias tiveram um aprofundamento suficiente
para abarcar os componentes acrescentados.
Feitas estas considerações sobre a amostra e o instrumento de coleta, apresentaremos a
seguir os resultados encontrados.
RESULTADOS DA PESQUISA EMPÍRICA
A apresentação dos resultados foi estruturada a partir dos dados colhidos na ITCP
UNEB e dividida pelas dimensões do nosso modelo. Utilizaremos os dados colhidos nas
entrevistas com as ITCPs USP e UFRJ para comparar se o comportamento da ITCP UNEB
pode ser considerado uma tendência entre as incubadoras. Desta forma, ressaltamos que este
não é um estudo de caso, mas uma análise da visão das ITCPs, mesmo que a ITCP UNEB
tenha sido o caso mais detalhado.
47
Por exemplo, o marketing e a construção da oferta e demanda de produtos e serviços; a gestão de pessoas
(remuneração) e a distribuição do excedente da produção.
76
Antes de iniciar a apresentação dos resultados de acordo com o nosso modelo de
análise, vale registrar algumas reflexões sobre as ITCPs estudadas e as considerações que os
entrevistados fizeram sobre a gestão dos EES.
Reflexões sobre as ITCPs pesquisadas
Percebemos que a COOFE
48
, primeira cooperativa popular incubada pela ITCP UNEB
tornou-se uma referência muito forte para os incubadores, a maioria dos casos apontados
como inovação na gestão foi construída nesta cooperativa. Destarte, utilizamos também como
material de análise a monografia de Magalhães (2004)
49
que observou a gestão de pessoas, ou
melhor, a autogestão do humano, na COOFE. O objetivo do trabalho foi avaliar como a
lógica dos EES interfere na gestão humano e quais as particularidades frente à administração
tradicional
50
.
Quando questionados diretamente sobre as especificidades da gestão, a entrevistada da
ITCP UNEB respondeu que a tentativa de reproduzir o mesmo modelo gerencial gera
conflitos que levam à reflexão. Esta afirmativa corrobora com o pensamento de Gaiger (1996)
quando ele diz que primeiramente o EES tende a incorporar, a base técnica capitalista para
num segundo momento construir métodos de administração, gerenciamento e remuneração do
trabalho mais coerentes com a natureza solidária dessas organizações.
Segundo a entrevistada da ITCP UNEB, a estrutura desta organização não define
rigidamente cargos e tarefas, todos os incubadores fazem um pouco de tudo. Através do
questionário, percebemos que as cooperativas populares incubadas também seguem esta
tendência. Consideramos que esta é uma forma de incentivar o aprendizado de todas as
funções por todos os cooperados, mas pode também afetar a padronização de produtos e
serviços prestados. O tempo de adaptação de um cooperado a uma determinada função pode
ser crucial na entrega de um pedido ou prestação de serviço.
48
A COOFE- Cooperativa Múltipla Fontes de Engomadeira- é uma cooperativa de produção de alimentos
incubada pela ITCP-UNEB desde 1999.
49
Este ensaio monográfico fez parte da mesma linha de pesquisa que estamos inseridos: “Gestão de
Empreendimentos Solidários: Em Busca de Novos Referenciais Teóricos”. A monografia contou com apoio do
PIBIC- Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica e esteve articulado com o projeto ACC-
Atividade Curricular em Comunidade e com o Bansol- Associação de Fomento à Economia Solidária.
50
Administração tradicional neste trabalho remete aos conceitos ensinados na EAUFBA na área de gestão de
pessoas (MAGALHÃES, 2004)
77
Ao analisar o perfil da equipe da ITCP UNEB, aferimos que não existem
administradores no grupo. É possível que este dado explique a lacuna existente no que se
refere à gestão. Ao menos, percebemos na entrevista que não há uma sistematização de
referenciais sobre administração tradicional nesta organização. Os entrevistados apontaram
alguns autores que norteiam as metodologias de incubação (Paulo Freire em Pedagogia do
Oprimido, Ernest Block em relação à utopia, Frené, Boaventura e Maturama), mas nenhum
referencial de administração especificamente.
Ainda sobre a equipe, os estagiários que trabalham na incubação foram selecionados
para trabalhar na pesquisa sobre o sisal. Tal fato denota uma preocupação em utilizar
inovações tecnológicas, unindo pesquisa e extensão na Incubadora, aproximando-se da
reflexão apontada por Azevedo (2003) sobre necessidade de aprofundar estudos que
viabilizem tecnologias inovadoras para os EES.
A equipe da ITCP USP também é multidisciplinar e no momento da entrevista não
havia nenhum administrador ou estudante de administração. Durante a entrevista, obtivemos a
informação de que já houve um estagiário de administração na equipe e a entrevistada (que
participou durante longo tempo do grupo) tem formação em administração da produção.
Um fato que nos chamou atenção na ITCP USP foi a existência de um grupo de gestão
que objetivava refletir sobre as questões administrativas de forma interdisciplinar. Segundo a
entrevistada, a proposta era produzir textos de cada profissão para a discutir em conjunto a
possível adequação dos mesmo para as cooperativas populares. Ressaltamos que mesmo com
a existência de um órgão dedicado a esta reflexão na ITCP USP, a entrevistada apontou a
dificuldade de sistematização das práticas por parte dos incubadores.
Em relação ao nosso pressuposto de que existem novos processos e ferramentas sendo
gestados nas incubadoras, a entrevistada da ITCP USP afirmou que os conceitos são os
mesmos, as ferramentas é que são adaptadas.
para o entrevistado da ITCP UFRJ, existe uma diferença entre gestão e
gerenciamento. Ele explicou que o referencial para gestão seria os princípios cooperativistas,
no sentido de criar a consciência do exercício do poder nos cooperados; e o referencial para
gerenciamento seria o mesmo da administração tradicional. Porém, todos os cooperados
tomam conhecimento de todo o processo produtivo. Ou seja, o instrumental seria o mesmo, a
mudança se dá no método, na forma de utilizar as ferramentas.
78
Tendo registrado estas reflexões iniciais, passemos à exposição dos resultados de
acordo com o nosso modelo de análise.
Dimensão Social
Ao analisar o componente atores, meios e finalidades da comunicação na ITCP
UNEB, não percebemos claramente uma preocupação com a transparência das informações,
mas sim com possíveis barreiras de comunicação. A entrevistada afirmou que, por exemplo,
na COOFE, quando se percebeu os ruídos na comunicação, os incubadores buscaram
trabalhar esta questão em oficinas, mas a entrevistada reflete que os cooperados não absorvem
100% dos conteúdos, há um tempo para se apropriarem.
Na ITCP USP, a entrevistada afirmou que “o modo de organizar as informações difere
um pouco do tradicional” há uma busca constante pela transparência. Ela afirma que a
utilização de gráficos mostrou-se eficiente neste sentido, pois são mais fáceis de visualizar os
resultados.
No caso da ITCP UFRJ essa prática de utilização de gráficos para alcançar maior
transparência das informações nas organizações se repete. Porém, segundo o entrevistado, as
prestações são feitas na incubadora e ficam guardadas em pastas dentro do escritório das
cooperativas, não há uma divulgação mais ampla, a não ser na assembléia de final de ano. De
tal forma, é possível que este método seja inibidor de uma maior participação dos cooperados
que não integram a diretoria.
Concluímos que a utilização de gráficos para garantir a transparência dos resultados
econômicos das cooperativas incubadas é uma tendência nas ITCPs, além de trabalharem a
temática da comunicação em oficinas na busca de diminuir possíveis ruídos.
Em relação ao componente formas de interação entre os indivíduos e os grupos,
percebemos nas práticas da COOFE, segundo relatos dos incubadores, a existência de
sociabilidade comunitário pública,ou seja de uma tendência a misturar padrões comunitários
com práticas profissionais onde a impessoalidade não seria aceita. Por exemplo, inicialmente,
segundo a ITCP UNEB, o controle de freqüência era bastante rigoroso profissionalizado, hoje
eles tendem a incorporar a solidariedade e não utilizam mais este tipo de controle de ponto,
não é mais necessário justificar uma falta com um atestado médico. De acordo com os
79
entrevistados, os cooperados entendem que todos são responsáveis e, portanto se um deles
atrasa ou falta é por motivo justo e os outros cooperados tendem a relevar tais ausências.
Na ITCP UFRJ, o entrevistado afirmou que eles buscam profissionalizar o controle de
freqüência entendendo que este é um ponto importante na qualificação do produto ou serviço
prestado. Percebemos, então, que apesar de existir na COOFE relatos que refletem uma
sociabilidade comunitário pública, esta não seria uma tendência entre as ITCPs, pelo
contrário, o intuito é de profissionalizar os EES.
Ainda sobre o componente formas de interação entre grupos e indivíduos, interessa-
nos analisar de que forma as ITCPs incentivam a participação e o controle social.
Lembramos que a lei de cooperativismo prevê a existência de um Estatuto que regule os
direitos e deveres dos cooperados, seria, portanto, um instrumento de controle social.
Neste caso a interação entre incubadores da ITCP UNEB e cooperados da COOFE
produziu uma reflexão interessante sobre uma estrutura mais participativa. O Estatuto da
COOFE, construído em conjunto e tendo como base o estatuto de outra entidade, previa a
figura do Diretor Financeiro e do Presidente, estrutura comum a pequenas organizações
privadas. Porém, os cooperados perceberam que a responsabilidade estava muito concentrada
nestes cargos e decidiram solicitar à ITCP UNEB uma estrutura mais participativa. A
estrutura de Conselho proposta pela ITCP UNEB não é inovadora em relação à gestão
empresarial, mas mostrou-se mais adequada à especificidade dos EES.
A entrevistada da ITCP USP apresentou a metodologia de elaboração de estatutos das
cooperativas incubadas como sendo inovadora, pois partem dos conceitos mínimos da
legislação para construí-lo. Diferente da ITCP UNEB, eles não partem de um Estatuto
existente. Desta forma, consideramos que este método tende a elevar a possibilidade de
controle social por parte dos cooperados, pois são eles que definem as responsabilidades de
cada cargo. Já na ITCP UFRJ, o entrevistado pontuou a preocupação dos incubadores em
construir o estatuto a partir das experiências acumuladas pelos cooperados no processo de
formação.
Sobre o indicador de participação, os entrevistados da ITCP UNEB identificaram o
rodízio de tarefas como um método que corrobora com este princípio. A entrevistada da ITCP
USP também reconheceu que os incubadores incentivam tal prática para estimular a
participação, portanto consideramos que esta é uma tendência entre as ITCPs.
80
O último componente da dimensão social no nosso modelo de análise é o processo de
tomada de decisão. Os entrevistados da ITCP UNEB refletiram sobre a democratização do
processo decisório e o instrumental de administração tradicional, frisando que os instrumentos
podem ser os mesmos desde que não se tornem “impeditivos de uma participação efetiva do
grupo na construção do empreendimento autogestionário”. Declararam ainda que eles vivem
este dilema “de quais são efetivamente os instrumentos” para realçar este princípio.
A entrevistada da ITCP USP ponderou que é importante que os cooperados se
apropriem da gestão para que a tomada de decisão seja realmente democrática:
a questão da gestão, ela pra nós, é fundamental porque ela permeia até
mesmo o processo democrático. Você precisa ter uma transparência, você
precisa compreender o que acontece a esta gestão para tomar uma decisão. O
conhecimento e a informação, são fundamentais, se você tem a informação e
conhecimento acaba virando uma outra forma de poder, ela centraliza.”
Para contribuir com a democratização da gestão, mais especificamente para diminuir a
resistência dos cooperados em relação a assumir funções administrativas, a ITCP USP
incentiva o rodízio dos cargos de direção. O entrevistado da ITCP UFRJ ponderou que o
rodízio dos cargos administrativos é dificultado pela falta de capacitação dos cooperados e da
confiança adquirida pelos diretores.
Para o entrevistado da ITCP UFRJ (2004) existe uma diferença entre os conceitos de
gestão e gerenciamento, o primeiro corresponde ao nível político e o segundo ao nível
técnico, operacional. Eles concordam que a gestão dos EES deve ser democrática, e esse é o
diferencial em relação à administração tradicional
51
.
O entrevistado da ITCP UFRJ propõe alguns indicadores para analisar o grau de
democracia dos EES: quantidade reuniões X decisões compartilhadas, o rodízio na
administração, a quantidade de assembléias X frequência nas assembléias:
“Nós temos alguns indicadores que orientam, que dão uma noção do nível de
democracia praticada na cooperativa, e são muito diferenciados tanto que
não há um crescimento homogêneo sistemático dessas práticas no decorrer
do processo de incubagem. É muito diferenciada. Nós vamos encontrar
cooperativas que reúnem freqüentemente, então esse é um aspecto de
democracia, mas que tem algumas ações tomadas pela diretoria que na nossa
avaliação deveria ter passado por uma apreciação mais geral e não passou.
Em contrapartida, em outras cooperativas nós vamos encontrar uma
51
O entrevistado prefere chamar de “modo hegemônico de produção ou de administração da produção no Brasil
que é o modo capitalista verticalizado do lucro da empresa privada” (ITCP UFRJ, 2004)
81
freqüência menor de assembléia, mas que no dia-a-dia as pessoas estão
sempre trocando informações”.
Acrescentamos ainda que assembléia é uma ferramenta prevista em lei para garantir o
mínimo de democratização dos processos decisórios de uma cooperativa, mesmo que esta não
esteja no âmbito da economia solidária.
Consideramos que há uma preocupação elevada por parte dos incubadores em
incentivar a democratização do processo decisório, mas este é um desafio ainda.
Dimensão Econômica
Nesta dimensão, um fato merece destaque no tocante às fontes de recursos utilizados.
Uma articulação entre a ITCP UNEB e o BANSOL
52
proporcionou o empréstimo de um
microcrédito para as cooperativas populares incubadas pela ITCP UNEB em 2001. O Bansol
solicitou aos cooperados sugestões sobre a forma de pagamento do valor. Desta interação
entre “universidade e comunidade” formatou-se a proposta de uma taxa de retribuição
solidária. O dinheiro seria devolvido à medida que a cooperativa obtivesse sobras, neste
momento a divisão seria feita pelo número de cooperados mais um, essa parcela extra seria
restituída à associação de fomento à economia solidária
53
.
Percebemos na entrevista com incubadores da ITCP UNEB, que a pluralidade de
princípios econômicos da COOFE, não se dá apenas nas fontes de recurso, mas também na
aplicação destes. O pagamento em momentos de crise utiliza como moeda o próprio produto,
o pão, tanto para a retirada
54
dos sócios em função do trabalho como para remunerar os
prestadores de serviço (um eletricista, por exemplo).
A definição do produto da COFFE partiu de uma lógica de construção conjunta de
oferta e demanda local como propôs Andion (2001). A cooperativa optou por fazer o pão para
a comunidade, inclusive abaixo do preço de mercado. Os incubadores da ITCP UNEB,
segundo relatos, haviam proposto a produção de pães diferenciados com maior valor agregado
como massas integrais, mas ainda assim os cooperados por um longo tempo (cerca de cinco
anos) trabalharam com a idéia de mercado local. Ressalta-se que com tal decisão a viabilidade
52
Associação de fomento à economia solidária. Mais informações ver Vasconcelos (2002)
53
Mais informações sobre a taxa de retribuição solidária ver Vasconcelos (2002)
54
Retirada é o termo técnico mais apropriado para as Cooperativas, equivale à remuneração nas Empresas
Privadas.
82
econômica da organização ficou comprometida e, pouco antes da entrevista ser realizada, eles
decidiram mudar o foco de trabalho.
Contudo, no momento da entrevista, das seis cooperativas incubadas pela UNEB,
apenas a COOFE e a COOPAFRO trabalhavam dentro desta perspectiva. A primeira já
analisamos e a segunda, uma cooperativa de costura e artesanato, estava negociando a
possibilidade de vender seus produtos aos blocos de carnaval sediados no bairro, mas isto
ainda não tinha se concretizado.
Não identificamos nos resultados das entrevistas com a ITCP USP e UFRJ nenhum
elemento relacionado à dimensão econômica. Mas, ressaltamos que mesmo não sendo uma
tendência entre as ITCPs, a taxa de retribuição solidária identificada nas práticas da ITCP
UNEB com a COOFE é inovadora e condizente com as especificidades dos EES. Concluímos
também que a construção conjunta da oferta e demanda local não é uma estratégia incentivada
pelas ITCPs para as Cooperativas Populares.
Dimensão Pública
Em relação a dimensão pública buscamos compreender como as ITCPs trabalham o
componente interface com o mundo da vida e do sistema de modo a estimular as
cooperativas populares a alcançar uma autonomia institucional e inserção cidadã.
Uma metodologia utilizada para incubação na ITCP UNEB, segundo entrevistados, é a
imersão. Trata-se de levar os futuros cooperados à empreendimentos que atuem na área
escolhida. Consideramos que esta metodologia reforça a autonomia das cooperativas
populares na medida em que os cooperados vêem a prática e se apropriam mais facilmente
desta.
É do nosso conhecimento que a ITCP UNEB incentivou a participação das
cooperativas nos fóruns de economia solidária, organizados pela Delegacia Regional do
Trabalho com apoio da SENAES, obtendo um resultado intenso. A articulação dos
cooperados de diversos contextos, com problemas similares fazem com que eles se organizem
em torno de algumas bandeiras como: apoio técnico, financiamento e manutenção da
solidariedade. Desta forma, diminui a dependência dos EES em relação aos seus assessores.
Podemos fazer um paralelo ainda com a Pedagogia da Paisagem utilizada pela Caravana
83
Solidária
55
que visitou a ASMOCONP e que contou com a participação de duas cooperativas
formadas pela ITCP UNEB. O impacto na autonomia institucional e na inserção cidadã é
visível nestes casos.
O entrevistado da ITCP UFRJ apontou que o planejamento estratégico é tratado como
instrumental que favorece a autonomia e é utilizado no final do processo de incubação,
quando a ITCP busca acelerar o processo de desincubagem, de independência dos EES.
Podemos entender, através da interpretação da entrevista, que na ITCP USP a
preocupação em relação à autonomia institucional dos EES se dá ao longo de todo o processo.
A entrevistada relatou que o intuito do incubador é repassar as ferramentas de gestão e cabe
aos cooperados qualquer tipo de decisão, mesmo que pareça equivocada ao olhar dos
universitários.
Portanto, percebemos um comportamento nas ITCPs que tende ao estímulo da
autonomia, e a apropriação do instrumental administrativo e articulação em rede por parte dos
cooperados é apontada como caminho para se alcançar esta independência.
Ainda com relação ao componente interface com o mundo da vida e do sistema,
interessa analisar se existe um incentivo à finalidade multidimensional dos EES por parte das
ITCPs.
A ITCP UNEB afirmou que incentiva nas cooperativas populares incubadas uma
projeção no espaço público. No caso da COOFE, os cooperados começaram a articular-se
com a comunidade envolvendo-se em reuniões com as escolas e associações. Os cooperados
propuseram um projeto de subsídio de pães no bairro, as negociações estão em andamento
com a Pastoral da criança e o Posto de Saúde. O importante é que os trabalhadores não estão
voltados apenas para a dimensão econômica do empreendimento, mas para o
desenvolvimento da própria localidade.
A lógica de inserção no espaço público viabilizou, no caso da COOFE, a utilização de
ferramentas de publicidade adequadas à realidade da cooperativa. Os cooperados passaram a
anunciar seus produtos na rádio comunitária.
55
Caravana na solidária: Grupo de estudantes, professores e cooperados de Salvador/BA que visitou o Banco
Palmas, no Ceará, em outubro de 2004 com o intuito de analisar a experiência e sistematizar conhecimentos que
servissem para as cooperativas populares soteropolitanas.
84
Percebe-se no discurso do entrevistado da ITCP UFRJ uma tendência em incentivar a
cooperativa a ocupar espaços públicos:
nós trabalhamos muito a manutenção, e no caso, a organização e a
sistematização destas relações de solidariedade na comunidade tentando
transferir um pouco daquela solidariedade construída na necessidade para
um processo de relação social entre a cooperativa, agora esse novo ente que
surge naquela comunidade, com os demais setores da comunidade
associação de moradores, centro cultural
Destarte, percebemos que o estímulo a uma finalidade multidimensional é uma
provável tendência entre as ITCPs. Os relatos nos mostram também que essa busca em
projetar-se no espaço público articulado com a construção da oferta e demanda local
possivelmente potencializam a propaganda dos produtos e serviços dos EES em suas
comunidades.
Por último, em relação ao componente interface com o mundo da vida e do sistema,
buscamos analisar como as ITCPs estimulam a intercooperação nas cooperativas populares
através da gestão.
O incentivo por parte dos incubadores da ITCP UNEB para participação dos
cooperados nos Fóruns de Economia Solidária corrobora com o princípio da intercooperação.
Percebemos aqui as sobreposições existentes no nosso modelo de análise, como consideramos
anteriormente na apresentação do mesmo.
Existe também um incentivo por parte da ITCP UNEB, segundo entrevistas, de
articular as cooperativas incubadas. Por exemplo, a primeira encomenda da
COOPERCORTE
56
foi a produção de embalagens para a COOFE.
O entrevistado da ITCP UFRJ mostrou que há o interesse de reforçar este principio
com a criação de uma Central de Negócios, que organizasse a concorrência entre as
cooperativas e também contribuísse para a articulação das mesmas em rede. O exemplo citado
para explicitar melhor o projeto foi o caso de uma cooperativa ainda não legalizada unir-se a
outra legalizada para concorrer em uma licitação. Tal tecnologia facilitaria a implementação
do princípio da intercooperação, mas ressaltamos que era apenas um projeto no momento da
entrevista, não sabemos se realmente foi implantado.
56
COOPERCORTE Cooperativa de Costura e Artesanato que recebe apoio tecnológico da ITCP UNEB.
85
Em relação a este indicador, aferimos que ainda não há um grau elevado de
preocupação com a intercooperação, mas existem indícios que apontam neste caminho e
devem ser fortalecidos.
Dimensão Técnico Produtiva
Na dimensão técnico produtiva interessa-nos analisar dois componentes o processo
produtivo e o conhecimento e aprendizagem. Primeiramente, em relação ao processo
produtivo vamos analisar a cooperação no trabalho.
Sobre a organização do processo produtivo, a ITCP UNEB destacou que na COOFE a
necessidade de rodízio partiu dos próprios cooperados, definiu-se inicialmente uma rotina de
trabalho que depois foi adaptada à realidade da cooperativa, ou seja, a pessoa que fica no
caixa também trabalha na produção e desta forma todos assumem todas as funções. O
rodízio,então, aparece como um instrumento que propicia a cooperação no trabalho.
A ITCP UFRJ, segundo o entrevistado, também incentiva o rodízio de tarefas.
Consideramos, então este um instrumento que estimula a cooperação no trabalho.
Outro indicador do processo produtivo da gestão de EES, classificado dentro da
dimensão técnico-produtiva é a questão do igualitarismo na distribuição do excedente de
produção.
A orientação dos incubadores da ITCP UNEB em relação à retirada é de que seja o
mesmo valor/hora para todos, concordando com o princípio da igualdade. Em uma das
cooperativas incubadas a COOPERCORTE cooperativa de costura, a primeira retirada foi
feita por igual, independente das horas trabalhadas, mas as cooperadas pretendem implantar o
pagamento por hora, segundo a entrevistada da ITCP UNEB.
Foi registrado que na COOFE os cooperados, no início, seguiam a orientação de
retirada por valor/hora, mas que atualmente fazem retiradas iguais para todos os cooperados,
independente de hora de trabalho. Ainda em relação à COOFE, quando os cooperados
realizavam retirada em pães, seguiam a proporcionalidade dos familiares, depois passou para
uma cota única e um preço mais baixo para quem necessitasse de mais pães.
86
Segundo o entrevistado da ITCP UFRJ, o processo coletivo de produção pode ser
idêntico, a diferença apareceria na apropriação do resultado, mais eqüitativa que nas
organizações privadas. O entrevistado pondera que há diferenciação na distribuição dos
resultados em função da diferença da importância da colaboração de determinado trabalho no
resultado final, da qualificação profissional, por exemplo. O entrevistado afirmou que:
“nós procuramos promover uma distribuição de resultados que seja justa e
eqüitativa não necessariamente igualitária. Em alguns processos menos
complexos, ou de menos necessidade de qualificação tipo triagem de resíduo
sólido, separação de lixo é possível propor uma divisão do resultado
aritmeticamente relacionada com o tempo do trabalho. Não tem nenhum
problema. Nós não vemos nenhuma injustiça nessa forma de repartição. Mas
em processos que já tem uma certa complexidade, nós procuramos fazer uma
combianação dessas coisas...”
O entrevistado analisou ainda que esta diferenciação parte do grupo. O que a ITCP
UFRJ estabeleceu foi uma amplitude máxima de seis vezes entre a menor e a maior
remuneração. Eles refletem que a redistribuição ocorre no momento da utilização dos fundos:
“Então onde é que nós acabamos promovendo uma redistribuição, vamos
dizer assim? É através dos fundos que são retidos anteriormente a essa
remuneração final da pessoa. Para o caso da doença, o caso do fundo de
educação, não necessariamente a pessoa que trabalhou mais tempo ou que
fez um trabalho mais qualificado ou que pegou o peixe de maior qualidade
terá o retorno integral daquele recurso. Esse recurso pode ser redistribuído
para uma outra pessoa, uma outra pessoa da cooperativa através de fundos
educacionais ou através desse outros fundos. É uma forma de redistribuição”
Percebemos que não há entre as ITCPs um consenso em orientar a distribuição
igualitária do excedente produtivo. Mas, identificamos a tendência no sentido de propor uma
retirada mais eqüitativa. Esta reflexão nos remete a um aprimoramento do modelo de análise
substituindo o critério igualitarismo por retiradas eqüitativas, isto em trabalhos futuros.
Concluímos também que nos casos onde o empreendimento está mais amadurecido,
como no caso da COOFE, há uma aceitação maior do igualitarismo devido a uma
racionalidade substantiva preponderante na tomanda de decisão sobre este aspecto.
Ainda em relação ao processo produtivo, interessa-nos analisar o exercício da
autogestão, ou melhor a não separação entre planejamento e execução.
A entrevistada da ITCP UNEB refletiu sobre o conceito de cooperativismo popular
apontando a autogestão como diferencial em relação à cooperativas tradicionais. Mas ela
pontua que nas cooperativas populares duas questões merecem atenção: as condições sócio-
87
culturais do grupo e a subjetividade. Ela analisou ainda que um desafio à autogestão é o
tempo de produção que ocupa muito os cooperados.
Na entrevista com o coordenador da ITCP UFRJ percebemos esta mesma
preocupação, ele ressaltara que nas cooperativas populares, os diretores também trabalham na
produção, ou seja, não há separação entre o trabalho manual e intelectual. Porém pondera que
não há uma alta rotatividade entre as pessoas que assumem cargos na direção, por conta do
tamanho dos empreendimentos e da falta de instrução dos cooperados. Ele acrescentou ainda
um processo natural de confiança adquirida que diminuiria a rotatividade administrativa:
“(...)para quê o rodízio? Se a diretoria está trabalhando legal, se prestação
de contas, todo mundo, para quê mudar o tesoureiro? A competência nesses
aspectos acabam dificultando o rodízio, também é confiança adquirida, o
reconhecimento da competência, esses fatores acabam diminuindo essa coisa
do rodízio, acabam consolidando alguns processos de que nós tentamos
reverter mas o resultado é muito relativo
O entrevistado apontou também a dificuldade de encontrar lideranças entre os
cooperados. A necessidade de rodízio administrativo é amenizada com a proposta de tarefas
administrativas transversais, quer dizer, a ITCP UFRJ incentiva que todos os cooperados
assumam a função de procurar cliente, de contribuir com os controles etc, ou seja assumir o
trabalho intelectual paralelamente ao trabalho manual.
No caso das decisões sobre grandes investimentos, os incubadores da ITCP UFRJ
incentivam que estas sejam tomadas nas assembléias. Porém, pondera o entrevistado, no caso
de pequenas compras a orientação é que seja realizada de acordo com a necessidade e depois
justificada na prestação de contas. A ITCP UFRJ analisa que mesmo neste caso, existindo a
aprovação da diretoria, esta compra já estaria avalisada por no mínimo 8 ou 9 pessoas que é a
média de integrantes de uma diretoria.
A entrevistada da ITCP USP compartilhou das mesmas reflexões em relação à
dificuldade de não separar o trabalho intelectual do manual, apontando também o rodízio da
diretoria como um instrumento que possibilite amenizar este quadro. Ela pontuou que os
cooperados quando assumem cargos diretivos percebem que suas funções não têm um grau de
dificuldade tão elevado quanto imaginavam. Ela acrescenta ainda que este rodízio de diretoria
contribui para amenizar conflitos entre os cooperados e a administração.
A entrevistada da ITCP USP, também apontou que instrumentos de gestão são
aplicados de forma horizontalizada como o instrumental de Planejamento Estratégico.
88
Diferente da proposta comum às empresas privadas onde este aparece hierarquizado. Ela
apontou que o diagnóstico até a formulação das metas há um processo participativo.
Percebemos este método como facilitador da autogestão, pois garante aos cooperados a
participação na formulação de estratégias que posteriormente eles mesmos vão implantar.
Concluímos que a autogestão para as ITCPs é um desafio e que elas buscam amenizar
as dificuldades através de rodízios na diretoria e implantação de métodos de gestão
participativos.
O último indicador do processo produtivo é o exercício do controle coletivo do
empreendimento, buscamos compreender como as ITCPs trabalham a temática da gestão no
sentido de incentivar este.
Segundo os incubadores da ITCP UNEB, na COOFE, o exercício do controle coletivo
do empreendimento acontece de tal forma que modifica os instrumentos tradicionais. Como
exemplo, os entrevistados citaram as planilhas de controle de estoque construídas inicialmente
com base na administração tradicional e que os cooperados modificaram a partir de suas
necessidades. Ressalta-se que tais mudanças foram decididas coletivamente.
É possível que a planilha final se assemelhe a uma planilha de uma pequena empresa
privada, mas vale ressaltar que a construção dela foi coletiva, diferente da administração
tradicional onde a direção define os instrumentos de controle. A autogestão (não separação
entre quem planeja e quem executa) neste caso contribui para a construção de ferramentas
condizentes com a realidade. Em grandes empresas, muitos indicadores são construídos em
dissonância com a realidade produtiva.
Na entrevista de aprofundamento, utilizando o questionário, percebemos que esta
adaptação dos instrumentos no sentido de buscar sua simplificação e aumentar o controle
coletivo pode, às vezes, não ser a mais adequada dentro de uma racionalidade instrumental.
No caso da COOFE, por exemplo, a entrevistada lembrou que a planilha de controle de
estoque dos pães não categoriza os produtos (pão de milho, leite e sal são classificados como
pão, simplesmente). Isto dificultaria uma tomada de decisão mais precisa, em relação à oferta
de cada produto, por exemplo, mas intuitivamente os cooperados adequam a produção à
demanda.
No caso da ITCP USP, a entrevistada apontou a preocupação dos incubadores em
prover os cooperados dos instrumentais necessários ao exercício do controle. No tocante aos
89
fluxos e rendimentos, a entrevistada alerta que, por lei, é necessário contratar um contador
para fazer a prestação de contas, mas os incubadores se preocupam em ensinar todos os
cooperados a fazer um fluxo de caixa, a guardar os comprovantes necessários à prestação e a
entender uma prestação de contas (principalmente com a utilização de gráficos).
Na ITCP UFRJ, percebemos pela entrevista um fato que vai de encontro a estes
percursos. Apesar de concordarem com a necessidade de participação dos cooperados na
construção dos instrumentos de controle de fluxos e rendimentos, os entrevistados alegaram
que o contato maior dos incubadores é com a direção das cooperativas e que a prestação de
contas fica guardada em pastas na ITCP. É possível que este seja um inibidor da autogestão,
no sentido de criar uma classe na cooperativa incubada mais apta ao trabalho intelectual.
Podemos aferir que o exercício do controle coletivo do empreendimento é incentivado
pelos incubadores, através, principalmente da construção participativa de instrumentos de
controle. Porém, ponderamos que este ainda representa um desafio para as ITCPs que
precisariam buscar métodos de incubação mais adequados à complexidade das cooperativas
populares.
Por fim, analisamos ainda o componente conhecimento e aprendizagem dentro do
processo produtivo. Interessa-nos analisar como a ITCP potencializa a importância atribuída a
educação, formação e informação por parte dos cooperados.
Sobre a questão do conhecimento e aprendizagem, os entrevistados da ITCP UNEB
frisaram que existe um tempo de aprender. Para ilustrar, os entrevistados citaram uma aula
sobre como utilizar um cheque, que foi dada ainda no processo de formação, e que os
cooperados relembraram quando houve a necessidade real de utilizar esse conhecimento.
Porém, os incubadores analisaram que é na prática que o conhecimento realmente é adquirido,
remetendo ao método aprender-fazendo.
A ITCP UNEB trabalha em cursos a questão da construção de custos, a formação de
preços, os controles de contas a pagar e contas a receber, o planejamento. Eles fazem
referência aos instrumentos necessários a qualquer pequena empresa. Portanto, partem do
referencial da administração privada tradicional.
A entrevistada da ITCP USP refletiu da mesma forma, indicando que os
conhecimentos administrativos só são realmente apropriados pelos cooperados no momento
90
de sua utilização. E nesse sentido os incubadores buscam adequar o tempo de aprendizagem
com o tempo do projeto de incubação.
Segundo o entrevistado da ITCP UFRJ, busca-se amenizar esta discrepância entre o
tempo de aprendizagem e o tempo do projeto partindo dos saberes adquiridos. Ele afirma que
o ponto de partida para a formação são os saberes adquiridos ao longo da vida de cada
cooperado, pois a formação técnica laboral de uma tarefa específica é muito demorada e
muito custosa. O entrevistado fez uma comparação simples para explicitar esta idéia: na
classe média a formação em uma profissão leva cerca de 12 a 13 anos e os cooperados não
teriam como esperar todo este tempo para começar a suprir suas necessidades que são diárias.
Ele explica que é por esta razão que os setores mais intensos de atuação das
cooperativas populares são limpeza e conservação, alimentação, costura, vigilância e
construção civil. Avaliamos que é possível que esta orientação crie limites de crescimento
para as cooperativas incubadas já que elas não atuam em mercados com alta rentabilidade.
Sobre o grau de importância atribuida a educação, formação e informação, podemos
aferir que as ITCPs tendem a atuar com respeito às especificidades de cada cooperativa,
aproximando-se do saber-fazendo, com um grau elevado de importância neste aspecto.
Finalizando a análise dos resultados, salientamos que nosso modelo de análise da
gestão de EES não abarcou toda riqueza e complexidade das ITCPs. Após avaliar cada uma
das dimensões do modelo de análise, podemos perceber que há uma concordância parcial
entre a literatura sobre especificidades da gestão de EES e o grau de importância atribuída
pelas ITCPs a cada um dos componentes analisados sobre as práticas das cooperativas
populares. Este resultado será melhor visualizado no quadro 5- Síntese dos Resultados
incluído no capítulo dedicado às considerações finais.
91
CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir este trabalho, gostáramos de relembrar nosso caminho até aqui. Neste
sentido retomamos a nossa pergunta de partida: Como as peculiaridades dos
empreendimentos econômicos solidários refletem-se na prática da gestão das cooperativas
populares na visão das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares?
E com ela trazemos nossos pressupostos iniciais. O primeiro de que a gestão no
âmbito da Economia Solidária tem uma especificidade que a distingue das referências da
administração tradicional, cujos princípios estão voltados para grandes empresas capitalistas,
impactando nas técnicas utilizadas. O segundo seria de que as ITCPs por atuarem sobre o
tripé ensino, pesquisa e extensão estão gestando novos métodos e instrumentos para atender
as necessidades das cooperativas populares incubadas.
Para verificar estes pressupostos fizemos uma sistematização das características dos
Empreendimentos Econômicos Solidários, a partir de mapeamentos destas organizações.
Também sistematizamos estudos sobre gestão dos EES e suas peculiaridades. A partir destas
sínteses elaboramos um modelo de análise da gestão de EES.
Em seguida, coletamos dados junto a três ITCPs pioneiras buscando compreender
como estas tratam a temática da gestão nas cooperativas populares incubadas. A intenção
deste procedimento foi averiguar se há uma proximidade entre o referencial administrativo
utilizado pelos incubadores e as especificidades da gestão dos EES apontadas na literatura.
Sobre o nosso primeiro pressuposto, podemos afirmar que existem peculiaridades na
gestão dos EES, muitas delas oriundas das características específicas destes
empreendimentos. Em síntese, encontramos na literatura as seguintes especificidades na
gestão dos EES: transparência das informações; existência de sociabilidade comunitário-
pública; modelo participativo; possibilidade de controle social; democratização dos processo
decisórios); pluralidade de princípios econômicos; construção conjunta de oferta e demanda
local; autonomia institucional; finalidade multidimensional; intercooperação; cooperação no
trabalho; igualitarismo; autogestão; exercício do controle coletivo do empreendimento em
relação a fluxos e rendimentos; e preocupação com a educação, formação e informação
92
Sobre o nosso segundo pressuposto de que as ITCPs, especialmente as pioneiras,
teriam formatado novos métodos de gestão para dar conta da complexa realidade em que
atuam as cooperativas populares, constatamos que os incubadores ainda não amadureceram
este debate o suficiente para sistematizar suas práticas, ainda que tenhamos encontrado
exemplos de instrumentos e métodos adequados às especificidades apontadas na literatura.
Nos esforçamos, no terceiro capítulo desta dissertação, em identificar dentre os
métodos adotados nas ITCP os que seriam mais próximos das características dos EES,
podemos sintetizar os resultados no quadro a seguir:
Quadro 5 Síntese dos resultados
Dime
nsões
Componentes
Indicadores
Compo
rtamen
to das
ITCPs
Instrumentos e métodos
utilizados
atores, meios
e finalidades
da
comunicação
Grau de importância
atribuída a transparência
Alto
Utilização de gráficos para
facilitar o entendimento de todos
os cooperados
Grau de importância
atribuída a sociabilidade
comunitário-pública
Pouca
Profissionalização das práticas
de gestão
Grau de importância
atribuída a participação
Alto Estrutura de Conselhos
formas de
interação
entre os
indivíduos e
os grupos
Grau de importância
atribuída ao controle social
Alto
Estatutos construídos
coletivamente e aproveitando o
acúmulo de experiência dos
cooperados
Social
processo de
tomada de
decisão
Grau de importância
atribuída a democratização
dos processos decisórios;
Alto
Ainda considerado um desafio.
Assembléias e reuniões. Rodízio
dos cargos diretivos.
recursos
utilizados e
aplicações
(receita/
despesa)
Grau de importância
atribuída a existência de
pluralidade de princípios
econômicos
Pouca
Pagamentos e retiradas em
produto (COOFE/ ITCP UNEB)
Econômica
construção de
oferta e
demanda
Grau de importância
atribuída a construção
conjunta de oferta e demanda
local
Pouca
Apenas na ITCP UNEB
id
entificamos esta preocupação
com duas cooperativas
93
interface com
o mundo da
vida
Grau de importância
atribuída a autonomia
institucional
Elevad
a
Imersão (ITCP UNEB). Incentivo
à articulação em Fóruns de
Economia Solidária (ITCP
UNEB). Planejamento
Estratégico (ITCP UFRJ).
Ferramentas de gestão
devidamente apropriada pelos
cooperados (ITCP USP)
Grau de importância
atribuída a existência de
finalidade multidimensional
Alto
Incentivo à articulação da
Cooperativa Popu
lar com
organizações da comunidade
Pública
interface com
o mundo do
sistema
Grau de importância
atribuída a intercooperação
Alta
Central de Negócios (ITCP
UFRJ). Articulação entre oferta e
demanda das cooperativas
incubadas (ITCP UNEB)
Grau de importância
atribuída a cooperação no
trabalho
Alto Rodízio de tarefas
Grau de importância
atribuída ao igualitarismo
Pouca
Estímulo a retiradas equitativa e
à redistribuição no momento de
investir os fundos.
Grau de importância
atribuída a autogestão
Alta
Aind
a um desafio. Incentivam
métodos participativos de gestão
e rodízio dos cargos diretivos.
processo
produtivo
Grau de importância
atribuída ao exercício do
controle coletivo do
empreendimento (fluxos e
rendimentos);
Médio
Construção coletiva dos
instrumentos de controle.
P
restação de contas guardadas
na ITCP (ITCP UFRJ)
Formação a partir de saberes
adquiridos (ITCP UFRJ)
Técnico -Produtiva
conhecimento
e
aprendizagem
Grau de importância
atribuída a educação,
formação e informação
Alto
Respeito ao tempo de
aprendizagem dos cooperados
Este quadro síntese vem contribuir com o processo de reflexão e sistematização das
metodologias de incubação das ITCPs. Além de apoiar uma discussão de novos métodos e
instrumentos para gestão de EES. Destacamos a seguir alguns destes.
A estrutura difusa, onde não existem funções bem delimitadas para cada cargo,
juntamente com uma indefinição de papéis dentro das Cooperativas Populares é uma forma de
incentivar o aprendizado de todas as funções por todos os cooperados, mas pode também
afetar a padronização de produtos e serviços prestados.
94
O estímulo por parte dos incubadores à autonomia, como a apropriação do
instrumental administrativo e articulação em rede por parte dos cooperados, é um caminho
para se alcançar a independência institucional dos EES.
A principal característica dos EES é a tendência à autogestão, conforme apontado pelo
estudo realizado. Consideramos que esta característica tem contribuído para a formatação de
técnicas condizentes com a realidade, que pode ser justificado pelo fato da pessoa que executa
a tarefa ser também responsável por planejá-la, ficando mais próximo dos problemas e
soluções da mesma.
Vale ressaltar que, a metodologia de incubação das ITCPs aproxima-se do saber-
fazendo. Desta forma, condiz com umas das características apontadas na literatura: a
importância atribuída a educação, formação e informação. E isto tudo leva ao aprendizado da
autogestão.
Além destas aproximações, destacamos alguns desafios para as ITCPs no que se refere
à construção de metodologias de incubação que se adequem às especificidades deste campo
organizacional.
Por exemplo: pudemos aferir que o exercício do controle coletivo do empreendimento
é incentivado pelos incubadores, através, principalmente da construção participativa de
instrumentos de controle. Porém, ponderamos que este ainda representa um desafio para as
ITCPs que precisariam buscar métodos de incubação mais adequados à complexidade das
cooperativas populares.
Além disto, os setores que estão sendo incentivados na formação de empreendimentos
contempla os saberes adquiridos anteriormente pelos cooperados, a exemplo de limpeza e
conservação, alimentação, costura, vigilância e construção civil. Avaliamos que é possível
que esta orientação crie limites de crescimento para as cooperativas incubadas já que elas não
atuam em mercados com alta rentabilidade.
Outro desafio à sistematização é que o trabalho de campo toma muito tempo dos
incubadores e dificulta o processo de discussão e registro destas práticas. A estrutura adotada
pela ITCP USP de manter um grupo de gestão para refletir sobre esta temática nos pareceu a
mais apropriada. Porém, mesmo os incubadores que participaram deste grupo ressentiram-se
da falta de tempo para uma sistematização dos métodos adotados.
95
Poucas ITCPs possuem administradores nos seus quadros. Se por um lado esta seria
uma pista para compreender a pouca reflexão especificamente sobre gestão. Por outro, pode
sinalizar uma referencia multidisciplinar para a gestão, pois sendo ou não administrador o
incubador precisa repassar um modelo administrativo para os cooperados.
Por fim, apontamos algumas limitações deste estudo que podem ser sanadas por
estudos futuros. Em relação a coleta dos dados, muitos dos indicadores não possuem dados de
todas as ITCPs para análise. A oportunidade de entrevistar coordenadores de ITCPs pioneiras
como a da USP e UFRJ surgiu antes da construção definitiva do questionário. Destarte
indicamos a necessidade de ampliar a aplicação do questionário a outras ITCPs para validar as
reflexões feitas neste estudo.
Para trabalhos futuros indicamos também questões novas que foram levantadas pela
pesquisa. Ao comparar os métodos utilizados pelas ITCPs e as especificidades dos EES surgiu
uma questão importante: Até que ponto os tempos impostos pelos financiadores das ITCPs
limitam o crescimento das cooperativas populares? Esta questão surge da reflexão sobre a
necessidade da ITCP UFRJ em adequar o tempo do projeto e o tempo realmente necessário à
formação integral das cooperativas. Ainda nos questionamos Existe um modelo de gestão
ideal para os empreendimentos econômicos solidários? Em que medida este modelo
diferencia-se dos conceitos da administração empresarial?
96
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105
APÊNDICE A- QUESTIONÁRIO
Perfil da instituição
1. Nome da Instituição:______________
2. Ano de fundação:______________
3. Como vocês se organizam para realizar o trabalho junto às cooperativas populares?
(estrutura organizacional e metodologia)
Perfil da equipe
Cargo / Ocupação na ITCP Profissão (ou curso)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
Cooperativas incubadas atualmente
(denominar)
Área de atuação
o produto/ serviço é
comercializado no
bairro?
1.
106
2.
3.
Questionário
1. Existem especificidades na gestão das cooperativas populares em relação às empresas
privadas (ver conceito na carta)? Se existem, quais seriam?
2. Há semelhanças entre a gestão nas cooperativas populares e a gestão de empresas
privadas? Se existem, quais seriam?
3. Quais os conceitos e ferramentas estão sendo praticados nos processos de formação e
incubação das Cooperativas Populares com relação a:
Planejamento Estratégico; Administração financeira (demonstração e análise
financeira, empréstimos); Gestão de pessoas (remuneração, treinamento e
desenvolvimento, motivação, pesquisa de satisfação interna); Marketing (pesquisa de
mercado, estudo de viabilidade econômica) e Administração da produção
(planejamento da produção, controle e inspeção dos produtos)
Concepção do estatuto
Democratização do processo decisório (decisão dos cooperados e da comunidade na
qual estão inseridos)
Gerenciamento da construção da oferta e demanda de produtos e serviços
Obtenção de recursos para formar e sustentar a cooperativa
Gerenciamento dos recursos
Inserção da cooperativa no bairro/região
Distribuição do excedente da produção (por hora, por produto, igualitariamente...)
Exercício do controle coletivo
Autogestão
4. Na prática da ITCP, vocês têm observado inovações na formulação e utilização das
ferramentas de gestão?
5. Como vocês definem cooperativas populares?
107
APÊNCIDE B ROTEIRO DE ENTREVISTA
Roteiro para entrevista com empreendimentos de apoio (ITCPs)
1. Quais as características da gestão das organizações que vocês apóiam?
2. Qual o conteúdo básico de gestão praticada por vocês com essas
organizações?
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