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O peso de ambos — natureza e cultura — aparece claramente nas falas de Júlio, por
exemplo. Ele defende que
o terroir
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é muito importante. E os franceses são os campeões de provar isso, né.
Agora, o enólogo, para mim, são duas coisas independentes. Se tu não tiver um
enólogo é muito difícil que tu realmente faça um grande vinho, na minha opinião.
Pode fazer um vinho, que algumas vezes pode dar uma sorte... Porque o vinho tinto
é um vinho que se faz... pode ser feito absolutamente natural, né. Pode não ter a mão
de enólogo nenhum. É simplesmente, tu amassa as uvas que elas fermentam e sai o
vinho, tira o bagaço e sai o vinho. Agora, os caras elaboram isso...
... as coisa ligadas ao vinho não são muito científicas, são mais artísticas. Eu sempre
digo que o grande trabalho do enólogo é mais arte do que ciência, porque tem tantas
variáveis... Eu venho da engenharia, é um problema que tu não tem como resolver.
Não há super computador do mundo que resolva. Tem um monte de variáveis, sabe.
Isso é impossível...E aí vai para a arte. Então, vai pro senso do cara, ele, sei lá, né...
usa as assemblages
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, que eles chamam... parece muito isso, parece a arte do
enólogo.
É preciso esclarecer que, em todos os grupos da Sociedade, as sessões costumam
obedecer a uma “temática” previamente escolhida, que define as características principais a
partir das quais os vinhos serão selecionados e que permitirão a comparação entre eles. Pode-
se, por exemplo, selecionar exemplares de diferentes procedências, mas produzidos com um
mesmo tipo de uva, vinhos de uma mesma procedência, mas de produtores variados, vinhos
de um mesmo produtor, mas fabricados em diferentes localidades etc.
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. De acordo com cada
grupo de degustação, pode-se optar por privilegiar sempre um certo tipo de seleção, o que
ajuda (no entender dos próprios membros da Sociedade) a estabelecer um determinado
“perfil” ou “vocação” para o grupo.
O grupo de que participei mais sistematicamente gostava de definir-se como aquele
que “viaja pelo mundo”, estabelecendo as temáticas de suas degustações (e, logo, das
apresentações iniciais) sempre a partir da procedência dos vinhos selecionados. Durante o
período em que estive em campo, degustamos, por exemplo, vinhos fabricados na região de
Friuli-Venezia Giulia (em uma das últimas sessões de um ciclo de reuniões dedicado
inteiramente aos vinhos italianos); depois vinhos norte-americanos da região da costa central
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O conceito de terroir, bastante caro aos apreciadores de vinho de modo geral, mas aos europeus e aos
franceses em particular, condensa de modo preciso a idéia da filiação direta de um vinho às condições
naturais em que a vitivinicultura se dá. Sem tradução exata fora da língua francesa, ele freqüentemente é
definido como a combinação singular de fatores naturais imutáveis – como solo, subsolo, quantidade de
chuva e vento, inclinação da colina etc. – que caracteriza o terreno onde crescem as videiras, e que é
responsável por influir diretamente nas propriedades das uvas ali cultivadas e, logo, do vinho.
(McCARTHY; EWING-MULLIGAN, 1999, p.60).
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Assemblages: mistura entre vinhos produzidos com diferentes tipos de uva.
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As provas tanto podem ser realizadas com o conhecimento prévio, por parte de todos os degustadores, dos
vinhos que serão apreciados na sessão, como podem ser realizadas “às cegas”, sem que ninguém, a não ser o
responsável pela seleção e compra do exemplares, saiba o que será provado. Nesse caso, ao invés de o
apresentador realizar a palestra no início da sessão, ele apenas fornece algumas “pistas” quanto ao que será
degustado – todos os vinhos foram produzidas com a uva “x”, são provenientes de um determinado país ou
região vinícola ou são de um mesmo produtor, embora de uvas diferentes, por exemplo –, restando aos
degustadores “descobrirem” os aspectos restantes ou simplesmente comentarem suas opiniões a respeito de
suas propriedades.