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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÂO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
Tese de Doutorado
A Educação Profissional e a Aprendizagem do Trabalho na Nova Ordem
Econômica
Monica Ferreira de Farias
Orientadora: Rosilene Alvim
Rio de Janeiro
Novembro, 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
A Educação Profissional e a Aprendizagem do Trabalho na Nova
Ordem Econômica
Monica Ferreira de Farias
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Sociologia e Antropologia –
PPGSA, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários a obtenção do
título de Doutor em Ciências Humanas
(Antropologia Cultural).
Orientadora: Profª. Drª. Maria Rosilene Barbosa
Alvim.
Rio de Janeiro
Novembro, 2006
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FARIAS, Monica Ferreira de
A Educação Profissional e a Aprendizagem do Trabalho na Nova
Ordem Econômica / Monica Ferreira de Farias. Rio de Janeiro: UFRJ –
IFCS, 2006.
ix 138f; 29,7cm
Maria Rosilene Barbosa Alvim, Tese de Doutorado em Ciências
Humanas (Antropologia Cultural) UFRJ – IFCS. Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia. 2006. 10p
1. Antropologia Educacional 2. Práticas Pedagógicas 3. Formação
Profissional
I. ALVIM, Maria Rosilene Barbosa II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia III. Título
AGRADECIMENTOS
A realização desta tese é fruto de um trabalho coletivo, para o qual venho
desenvolvendo uma experiência de pesquisa desde 1991, a partir da minha
inserção no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a infância e Juventude NEPI –
experiência que se tornou fundamental para a minha formação como
pesquisadora, e que me permitiu o aprofundamento.
Quero fazer um agradecimento especial a Profª. Rosilene Alvim,
orientadora e grande amiga, que esteve presente em todos os momentos deste
trabalho, compartilhando comigo a sua reconhecida experiência profissional,
através do incentivo e da geração de oportunidades, que muito me ajudaram a
vencer inseguranças e problemas enfrentados ao longo desta Tese.
Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, pela maneira como conduzem este programa, despertando o interesse e
a vocação dos alunos para a pesquisa.
Ao Profº. José Sérgio Leite Lopes por ter me indicado algumas fontes muito
importantes para este trabalho, através da sua experiência profissional e
dedicação à pesquisa.
À Professora Maria de Lourdes Rangel Tura pelos dados fornecidos para a
pesquisa, através do seu conhecimento e reflexão nesta área e por seu carinho e
paciência durante minha trajetória na confecção deste trabalho.
Aos meus colegas e amigos do NEPI, especialmente ao meu grupo de
trabalho pelas experiências das quais pudemos compartilhar desde a minha
entrada para o Núcleo,e pela classificação das primeiras fontes de pesquisa.
Agradeço especialmente as amigas Ana Isabel e Eline Deccache Maia pela
amizade e presenças constantes durante todo o período de realização deste
trabalho, colocando a minha disposição a sua ajuda e “força” sempre que precisei.
À minha amiga Eugênia Vasconcellos Paim pelo carinho e incentivo que
sempre me dedicou, colocando a minha disposição a sua biblioteca, a sua casa e
o seu ombro amigo.
À minha turma do Doutorado, que me proporcionou um excelente período
de convivência profissional e afetiva, contribuindo com discussões e informações
muito importantes para a minha pesquisa.
À amiga Mônica Mançur pela amizade e carinho em todos os momentos.
À Patrícia Hirschman pela sua paciência e análise das dúvidas existenciais.
À Teresa Carvalho pela sua atenção e incentivo durante todo o processo
de finalização do trabalho acadêmico, atendendo sempre prontamente em todos
os momentos difíceis desta etapa de minha vida.
À presença do meu filho Pedro Henrique pelo seu olhar atento e
estimulante, lembrando sempre com a sua presença, a importância de estarmos
juntos.
À Marcos Alencar pelo seu amor, dedicação e carinho em todos os
momentos de minha vida.
Às secretárias do PPGSA, Cláudia e Denise, pela paciência e a sempre
precisa orientação quanto aos prazos e aos trâmites burocráticos dos quais não
podemos prescindir.
Agradeço especialmente a todos os profissionais da Escola estudada pela
disponibilidade, paciência e dedicação ao trabalho que realizam com tantas
dificuldades em seu cotidiano.
À toda a minha família que sempre me incentivou a lutar e a valorizar a
minha profissão. Especialmente, ao meu primo Gustavo, companheiro de todo o
trabalho e de minha trajetória pessoal.
RESUMO
A Educação Profissional e a Aprendizagem do Trabalho na Nova
Ordem Econômica
Monica Ferreira de Farias
Profª. Drª. Maria Rosilene Barbosa Alvim
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS -
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Antropologia
Cultural).
Esta pesquisa objetiva o estudo e a análise do processo de articulação
entre as áreas de formação geral e formação técnica na educação profissional
através das práticas pedagógicas. Para tanto, realizamos uma pesquisa de
campo em uma escola técnica de nível médio na cidade de Niterói, Estado do Rio
de Janeiro, em que foram entrevistados professores, coordenadores, diretores e
orientadores educacionais desta instituição.
A opção por estes profissionais deve-se à iniciativa desta pesquisa de
mapear o campo em que se insere a Educação Profissional no processo de
formação do trabalhador técnico, a partir da visão daqueles que operacionalizam
estas práticas sociais no ambiente escolar.
A análise deste material aponta para uma histórica “dualidade estrutural”
(KUENZER, 1997) entre as áreas de formação geral e formação técnica nesta
modalidade de ensino, acarretando inúmeras contradições entre as exigências
colocadas pela nova ordem econômica e o perfil do trabalhador inserido no
mundo do trabalho.
Palavras-chave: 1. Educação 2. Trabalho
3. Aprendizagem 4. Produção
ABSTRACT
The Professional Education and the Apprenticeship of Work in the New
Economic Order
Monica Ferreira de Farias
Profª. Drª. Maria Rosilene Barbosa Alvim
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Sociologia e Antropologia (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Ciências Humanas (Antropologia Cultural).
This research purposes the study and the analysis of the process of
articulation between the general formation and technician formation in the
Professional education through practical pedagogical. For in such a way, we
perceived a field research in a technique school of level average in the city of
Niterói, State of Rio De Janeiro, where professors, coordinators, directors and
educational people who orientates in this institution had been interviewed.
The option for these professionals justifies itself by the initiative of this
research on identify the field where the Professional Education inserts itself in the
process of formation of the technician worker, from the vision of that ones which
execute these social practical in the school environment.
The analysis of this material points to a historical "structural duality"
(KUENZER, 1997) between the general formation and the technique formation in
this modality of education, causing innumerable contradictions between the
requirements placed for the new economic order and the worker profile inserted in
the labor market.
Key words: 1. Education 2. Work
3. Apprenticeship 4. Prodution
SUMÁRIO
Introdução_________________________________________________________10
Cap. I – Aspectos Históricos da Educação Profissional _____________________ 20
I.1 – O Contexto Histórico-social Brasileiro _______________________________23
I.2 – Origens e Desenvolvimento do Ensino Industrial no Brasil _______________27
I.3 – D. João VI e o Ensino Profissional no Brasil __________________________ 36
I.4 – As Escolas Profissionais no Âmbito das Classes Populares: O Ensino Manual e
o Ensino Humanístico _______________________________________________ 39
I.5 – O Processo de Solidificação do Ensino Industrial ______________________42
I.6 – A Educação Profissional e suas Relações com o Mundo do Trabalho _______45
I.7 - A Educação Profissional e os primeiros anos da República ______________ 48
I.8 - A Atuação do Governo Vargas _____________________________________58
I.9 – A Reconfiguração do Modelo Institucional ____________________________ 68
Cap. II – A Construção do Conceito de Educação Profissional na Nova Ordem
Econômica _______________________________________________________ 80
II.1 – A Década de 1990 e os Novos Rumos da Educação Profissional no Brasil._ 84
II.2 – As propostas Organizadas pelos Representantes da Sociedade __________ 88
II.3 – A Posição do Estado sobre o Ensino Médio e Ensino Técnico ___________ 89
II.4 – As Mudanças em Curso na Educação Profissional ____________________ 94
Cap. III – O Trabalho de Campo: considerações iniciais_____________________100
III.1 A Entrada no Espaço Escolar: Apresentação do Campo ________________ 103
III.2 – A Entrada no Campo __________________________________________ 110
III.3 – A Análise dos Dados __________________________________________ 115
III.4 – A Articulação entre a Formação Geral e o Ensino Técnico _____________ 125
III.5 – O Perfil do Aluno ______________________________________________132
III.6 – A Formação Técnica e o Mercado de Trabalho ______________________ 137
Conclusão ________________________________________________________144
Referências _______________________________________________________148
10
Introdução
O objetivo desta pesquisa é analisar o processo de articulação entre as
áreas de formação geral e formação técnica na Educação Profissional de nível
médio, através das práticas pedagógicas executadas no ambiente escolar. O
pressuposto inicial deste trabalho é o de que há uma clara desarticulação entre
estas duas esferas da formação secundária, em função de uma separação
histórica, construída a partir da divisão social entre o ensino de cunho humanista e
o ensino de ofícios.
Esta análise está estruturada em duas vertentes de trabalho: em primeiro
lugar, partimos para a reconstituição do campo em que se organizou o ensino
profissionalizante no Brasil, através da compreensão do contexto histórico-social
em que se desenvolveu esta modalidade de ensino. Em um segundo momento,
optamos pela realização de uma pesquisa de campo, visando o levantamento de
dados em profundidade, sobre as estratégias de articulação definidas, a partir da
relação entre os professores e suas respectivas práticas pedagógicas.
A pesquisa de campo foi realizada em uma escola técnica de nível médio
na Cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro nos anos de 2005 e 2006, em que
foram entrevistados professores, coordenadores, orientadores educacionais e
diretores adjuntos desta escola.
A escolha destes atores sociais deveu-se ao fato de que a pesquisa visa o
mapeamento do campo (BOURDIEU, 1994) em que se insere a Educação
Profissional no processo de formação do trabalhador técnico, a partir da visão
daqueles que executam as práticas sociais no ambiente escolar.
11
(...) O campo se define como o lócus onde se trava uma luta concorrencial
entre os atores em torno de interesses específicos que caracterizam a área em
questão. (...)
O campo se particulariza, pois, como um espaço onde se manifestam
relações de poder, o que implica afirmar que ele se estrutura a partir da
distribuição desigual de um quantum social que determina a posição que um
agente específico ocupa em seu seio. (...) A estrutura do campo pode ser
apreendida tomando-se como referência dois pólos opostos: o dos dominantes
e o dos dominados. ( BOURDIEU, Apud ORTIZ , p. 19, 1994)
A pesquisa revelou a configuração do campo marcada por uma dualidade
estrutural (KUENZER, 1997) entre as áreas de formação geral e formação técnica
nesta modalidade de ensino, em que os pólos dominante e dominado agem de
acordo com as determinações das bases estruturais impostas às suas ações,
assim como, constroem estratégias de ação vinculadas às suas formas de
atuação no interior do campo.
A literatura referente ao tema Kuenzer (1997), Frigotto (1995), Gentili
(1995), Manfredi (2002), Romanelli (2001), Ghiraldelli Jr. (1990), Freitag (1986),
Cunha (2000) etc, confirma a tese da histórica separação entre o ensino de cunho
humanístico e a preparação para o exercício das atividades profissionais no
processo de formação concernente ao ensino médio no Brasil. A permanência
desta divisão de saberes encontra lugar na deliberada divisão de classes sociais,
em que o destino daquele que ingressa no ensino secundário está intrinsecamente
ligado à sua origem social e ao tipo de capital cultural
1
(BOURDIEU, 1989)
acumulado ao longo da sua trajetória social.
1
[...] Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas, um certo capital cultural e um
certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre
12
É imperativo que se mencione uma segunda divisão ocorrida no interior das
escolas secundárias que se organizam no campo do ensino de acordo com o tipo
de formação que oferecem, e ainda, de acordo com a clientela recebida em seu
interior. Ou seja, na área do ensino técnico, a estrutura do sistema de ensino
define, através de fatores como tradição, investimentos econômicos, regime de
trabalho dos professores, conexão com os meios produtivos etc., modelos
diferenciados de ensino que perpetuam a divisão de classes sociais, através do
tipo de formação oferecida, gerando grupos altamente qualificados para a
ocupação dos postos centrais das relações de produção e grupos com uma
qualificação mediana ou com baixa qualificação, que tendem a ocupar postos
periféricos no mercado de trabalho, ou mesmo engrossar as fileiras de
desempregados com pequenas chances de entrada para este mesmo mercado.
Alvim (1985), através do estudo de famílias de um grupo de trabalhadores
têxteis de uma fábrica com vila operária em Pernambuco, reconstitui
historicamente a intensa utilização do trabalho de menores durante as décadas de
1930 e 1940, mostrando o caráter formador e reprodutor dos valores de um grupo
de trabalhadores nas relações de produção e o papel exercido pela educação
através do trabalho na constituição deste grupo.
À concepção do trabalho como elemento formador da identidade social dos
membros do grupo, soma-se a reprodução dos valores integrantes do processo de
coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois
aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência
escolar e, conseqüentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 1998, p. 41-42)
13
construção das relações familiares. Ou seja, aprender a ser trabalhador é inserir-
se no mundo social, tomando como referência, o lugar social de origem.
Leite Lopes (1986) analisa a formação da identidade de um grupo operário
da Cidade de Paulista, em Pernambuco, através das relações de dominação
estabelecidas a partir da articulação entre a produção fabril, o domínio da moradia
e o espaço da cidade, características de uma forma de dominação específica
encontrada em fábricas com vila operária.
Felícia Madeira (1993) aponta o caráter positivo do trabalho para as classes
trabalhadoras, constatando a necessidade de relativização da noção corrente que
atribui ao trabalho do menor, a responsabilidade sobre o fenômeno da evasão
escolar, construindo uma visão crítica sobre o papel da escola como instituição de
socialização.
Neste sentido, torna-se possível, pensar o espaço escolar como campo de
atuação e construção das trajetórias sociais, em que jovens de classe
trabalhadora, inseridos na perspectiva do fracasso e mesmo do abandono da
escola, permanecem em cena, atuando, a partir da adoção de estratégias
diversificadas, em que a escola e o trabalho, interagem na formação de um perfil
definido de trabalhadores que concluem o ensino médio no Brasil.
Frigotto (1995) e Gentili (1995) desenvolvem a articulação entre o contexto
histórico-social em que se produzem as práticas pedagógicas, especialmente no
que se refere à Educação Profissional, e a conjuntura social, relacionada às
diferentes configurações assumidas no âmbito do ensino médio no Brasil.
Diante de um quadro de transformações em que se configura o processo
de mundialização das relações sociais e o surgimento de uma nova ordem
14
econômica, em que as relações de produção exigem um tipo de qualificação
baseada nos critérios da flexibilização e da funcionalidade, observa-se um
profundo desajuste, entre a estruturação de práticas pedagógicas que deveriam
estar alicerçadas sobre a interação entre ciência e trabalho e as demandas
colocadas por esta nova ordem econômica.
O campo educacional encontra-se em processo de retração, não só pela
ausência de condições materiais adequadas ao funcionamento deste tipo de
ensino, mas também pela progressiva desqualificação impressa na formação do
aluno egresso da chamada educação básica.
Kuenzer (1997) discute o caráter dual presente na história da Educação
Profissional no Brasil, a partir da análise da conjuntura social em que se
organizam os diferentes espaços institucionais, representantes das ações
desenvolvidas no campo educacional.
Este caráter dual promove historicamente, uma separação entre o saber de
cunho humanístico, em que o destino de seus seguidores, coincide normalmente,
com a continuidade dos estudos, e o ensino de ofícios, baseado na formação
técnica, voltada para o trabalho.
Esta pesquisa visa a compreensão do processo de articulação entre o
saber teórico e o saber prático, como condição necessária para a entrada em um
universo de práticas sociais, constituído sob uma nova ordem econômica, em que
o perfil do trabalhador de nível técnico, está em franca transformação nos meios
produtivos.
A escola de formação profissional constitutiva do campo da educação
formal, possui importantes dados para a compreensão deste processo. Pois, como
15
parte integrante do sistema regular de ensino, esta instituição, incorpora
mecanismos de formação para o trabalho, definidos pelas políticas públicas
responsáveis por atender as demandas de qualificação, exigidas por segmentos
específicos dos meios produtivos.
Manfredi (2002) analisa a história da Educação Profissional no Brasil,
destacando a separação permanente entre o saber de base teórica e as
experiências ligadas à formação profissional como um mecanismo
constantemente utilizado na construção das políticas públicas voltadas para esta
área do ensino.
Marcada por diversas correntes de reflexão, a Educação Profissional
define-se como um tema recorrente na literatura, assim como uma questão social
para a qual são exigidas políticas públicas conectadas com o contexto histórico,
produtor de demandas relacionadas às relações de produção, mas também à
necessidade de um tipo de formação integral em que a ciência, a cultura e a
tecnologia estejam interrelacionadas a favor daquele que ingressa no ambiente
escolar.
O Trabalho de Campo
Objetivando estabelecer uma conexão entre o conjunto de fontes
bibliográficas e as experiências vivenciadas pelos atores sociais que compõem
este campo, optamos pela pesquisa numa escola técnica de nível médio na
Cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro.
16
A etapa inicial nos levava ao levantamento de dados documentais
(Regimento, grades curriculares, histórico da escola, dados sobre o setor de
estágio etc.) que favoreceram de modo singular a compreensão deste espaço
institucional. Estas fontes nos forneceram os elementos necessários para o
mapeamento do modus operandi desta instituição, assim como, nos ofereceu a
possibilidade de compreensão do processo de organização dos grupos de
profissionais que fazem parte da mesma.
O passo seguinte foi o contato com estes profissionais, através das
entrevistas e assistência às reuniões de coordenação (foram assistidas dez
reuniões de coordenação e um conselho de classe), em que pudemos estabelecer
os dados “brutos” nos quais nos baseamos para a definição de critérios na
escolha dos entrevistados.
A opção pelos professores, coordenadores, diretores e orientadores
educacionais (foram realizadas 16 entrevistas) está relacionada à necessidade de
compreensão do processo de funcionamento das práticas pedagógicas, como
resultado direto da implementação das políticas públicas norteadoras deste
campo. Ou seja, os profissionais entrevistados configuram-se como elementos de
ligação entre o Estado, os meios produtivos e os grupos de jovens que ingressam
no ensino de nível médio, buscando, de um modo geral, a entrada para o mercado
de trabalho, a partir da aquisição de um tipo de qualificação, considerada
satisfatória em seu processo de formação.
A realização das entrevistas obedeceu alguns critérios:
17
- O número de entrevistas relaciona-se ao critério qualitativo, em que a
análise destes dados proporcionou a observação em caráter particular do
conjunto de questões levantadas pela assistência às reuniões;
- O mapeamento das questões relativas ao processo de funcionamento da
escola, através da execução das práticas pedagógicas e de suas relações
com a estrutura social na qual subsiste a instituição escolar;
- As relações travadas entre os diferentes grupos sociais que compõem o
campo em que interagem e se organizam as ações de ordenamento,
reprodução e criação de um espaço de reflexão sobre o cotidiano escolar.
A realização das entrevistas ocorria quase sempre na sala dos professores
nos intervalos das aulas, com exceção de algumas entrevistas feitas nas salas
de aula com uma disponibilidade maior por parte dos entrevistados.
Os professores e coordenadores mostraram-se sempre muito solícitos, com
algumas reservas ao tempo disponível e ao tipo de contribuição que poderiam
oferecer à pesquisa.
Os diretores e supervisoras educacionais atenderam prontamente à nossa
solicitação para as entrevistas, inclusive indicando outras fontes e outros
entrevistados.
A assistência às reuniões causava um certo impacto inicial, imediatamente
desfeito por uma das orientadoras educacionais, que logo se tornou nossa
“aliada” na busca por informações e/ou solicitações por outras fontes.
Entretanto cabe ressaltar o período de greve enfrentado pela escola no final
do primeiro semestre de 2005. Esta greve durou pelos menos três meses,
18
dificultando o acesso aos entrevistados, e portanto, obrigando-nos a limitar o
número de entrevistas realizadas.
A consulta às fontes documentais somada à realização das entrevistas, a
assistência às reuniões e os dados levantados pelo diário de campo foram
fundamentais para o processo de construção do objeto de estudo desta
pesquisa, qual seja, a relação entre os objetivos propostos pelas políticas
públicas educacionais que visam a articulação entre as áreas de formação
geral e formação técnica no ensino de nível médio, voltadas para a Educação
Profissional e as práticas pedagógicas operacionalizadas no ambiente escolar.
O trabalho está dividido em três partes. O primeiro capítulo aborda a
história da Educação Profissional no Brasil, a partir da análise do viés que
interrelaciona o saber teórico e a prática da aprendizagem no processo de
formação do jovem que ingressa no Ensino Médio, tomando como referência os
diferentes atores sociais que agem neste campo.
O segundo capítulo objetiva mapear o conjunto de políticas públicas e
instrumentos jurídicos, constituídos a partir da atuação de diferentes grupos de
interesse empreendidos pelo Estado na construção do conceito de Educação
Profissional no Brasil, a partir da década de 1990, marco do surgimento de uma
nova institucionalidade (MANFREDI, 2002) na área da Educação Profissional.
O terceiro capítulo analisa a questão da articulação entre as áreas de
formação geral e formação técnica no âmbito do ensino técnico de nível médio, a
partir das práticas pedagógicas exercidas pelos profissionais da escola, definida
como o campo da pesquisa, relacionando questões complementares para a
compreensão do conjunto de dados levantados pelo trabalho de campo e pela
19
reconstituição histórica do processo de organização da Educação Profissional no
Brasil.
20
Cap. I – Aspectos Históricos da Educação Profissional
A forma como a criança existe dentro da família, pelo menos até o final do
século XVII, na Europa, indica o pequeno espaço social e afetivo que ela ocupa
dentro da sociedade. Misturando-se ao mundo dos adultos, diluindo-se em relações
sociais que se sobrepõem às relações familiares, o papel da criança ainda é bastante
indefinido, em todas as classes sociais, neste período. (ARIÈS, 1978).
A aprendizagem como forma de preparação para a vida adulta aparece como
uma etapa que antecede a ida para a escola. As crianças de diferentes classes
sociais faziam parte de um sistema de trabalho doméstico que variava desde as
funções ligadas à manutenção da casa até a participação em atividades têxteis de
produção caseira. Este tipo de atividade caracteriza o processo educacional neste
período, em que se torna clara uma indefinição entre os limites da vida profissional e
da vida particular. (ARIÉS, 1978).
Entretanto, a partir do século XV, a escola, antes destinada aos clérigos,
passa a ocupar um lugar cada vez mais importante no que se refere à educação das
crianças. A preocupação moral dos educadores em separar a juventude do mundo
dos adultos, aliada a um fortalecimento do “sentimento de família”, definem o papel
central que a escola passa a exercer no processo de formação pedagógica.
1
A consolidação do capitalismo na Europa e o conseqüente processo de
implementação da indústria marcam uma reorganização do espaço social ocupado
1
Thompson aponta para o fato de que o trabalho sempre fez parte da vida da criança: A criança era parte
intrínseca da economia agrícola antes de 1780, e assim permaneceu até ser resgatada pela escola. (THOMPSON,
E.P. A formação da Classe Operária Inglesa. Vol.2. . R.J. Ed . Paz e Terra. 1987. p.203).
21
pela família das classes populares. As indústrias em expansão absorvem cada vez
mais o trabalho feminino e infantil.
Como bem observa Alvim (1985), o trabalho infantil é alvo de constantes
debates travados na literatura que analisa este tema, a partir do século XVIII.
2
O trabalho pioneiro de Gaskell, de 1833 (em que se baseou largamente
Engels, na Situação da Classe Operária na Inglaterra), sobre a ´população
manufatureira´, inclui o ´exame do trabalho infantil´no próprio subtítulo. O livro 1
do Capital de Marx trata do trabalho infantil nos capítulos sobre a ´jornada de
trabalho´e sobre a ´maquinária e a grande indústria´. Historiadores ingleses como
os Hammond, que tratam do assunto em 1917, consideram que ´o emprego de
crianças numa vasta escala durante a primeira fase da Revolução Industrial é a
característica mais importante da vida inglesa´, enquanto Thompson completa,
em 1963, ´que a exploração das crianças pequenas em tal escala e em tal
intensidade foi um dos acontecimentos mais vergonhosos da nossa história´.
3
(THOMPSON, Apud ALVIM, 1985)
Thompson aponta o trabalho infantil como importante elemento na economia
agrícola e industrial antes de 1780. A criança que fazia parte da economia familiar
deve se adequar, a partir do advento da Revolução Industrial, ao esforço de um
trabalho contínuo de oito horas diárias, à repetição de movimentos da atividade
laboral em que se define a seqüência interminável da produção industrial.
2
Thompson aponta para a importância do trabalho doméstico dentro da família como forma predominante de
trabalho infantil, no final do século XVIII na Inglaterra, sendo posteriormente transportado para o sistema fabril,
onde as condições de trabalho marcavam fortemente o caráter disciplinar da fábrica. (THOMPSON, APUD,
ALVIM, 1985).
Marx, em sua análise sobre a origem e a constituição do capitalismo, relata a exploração do trabalho infantil,
através dos relatórios dos “Comissários de emprego infantil”, na Inglaterra do século XIX. (MARX, Apud,
ALVIM, 1985)
3
Gaskell,1972, Marx, 1969, Thompson, 1968, Hammond, 1967.
22
O problema da criação de uma força de trabalho que
internalize as regras do trabalho industrial, a disciplina, a continuidade e a
subordinação ao movimento do maquinismo, faz parte das queixas dos
empresários manufatureiros. Ora, o trabalho infantil através de seu exemplo mais
radical nas ´working houses´ (espécie de internato para as crianças órfãs ou
enviadas pelos pais para trabalharem nas indústrias) representa para grande
parte do patronato da época como que uma saída para minimizar os efeitos da
chamada instabilidade operária. Mais do que criar as condições objetivas da
inculcação da disciplina fabril, educando as crianças a partir do trabalho,
ensinando-se um ofício a crianças com idade de oito anos, as crianças das
working houses encontram-se subordinadas de forma radical aos seus
proprietários. (...) (ALVIM, 1985, p. 397)
Aprender um ofício define-se como um elemento de solidificação de uma
noção de moralidade implícita no ambiente familiar da classe trabalhadora neste
período. As casas de trabalho desempenham um papel de agente socializador e
inculcador de mecanismos disciplinares que preparam para o trabalho e para o
mundo dos adultos.
O emprego de crianças na indústria no início da Revolução Industrial
se dá de forma intensa através da fórmula das working houses e suas variações.
Ao mesmo tempo, crianças são utilizadas na indústria segundo a forma do
assalariamento sem que tenham de submeter-se ao confinamento dessas´casas
de trabalho´, sendo nesses casos resguardada a vida familiar. Como é afirmado
por Thompson e pelo casal de historiadores ingleses, os Hammond, o trabalho
infantil presente na indústria doméstica ou na indústria a domicílio faz parte da
vida de grande parte da população infantil inglesa, constituindo-se em uma forma
específica de formação profissional, em que as relações entre pais e filhos são
fortalecidas e reproduzidas. A passagem das relações familiares para as relações
de trabalho no caso da indústria doméstica é diferente das que vão ser vividas
pelas crianças quando da sua ida para a fábrica. (ALVIM, 1985. p. 399 400)
23
A partir da análise realizada pela literatura clássica sobre a questão do
trabalho infantil no processo de implementação da sociedade capitalista, observa-se
o importante papel que este tipo de trabalho exerce na produção e reprodução do
modelo de família da classe trabalhadora, tanto no que se refere à perda de
autonomia das condições de produção, como na construção de relações sociais em
que estes novos papéis sociais passam a definir a estrutura de organização social
destes grupos. (ALVIM, 1985)
Considerando esta ação pedagógica como parte e parcela de um processo de
formação profissional, estaremos diante de um campo de forças, em que os grupos
dominantes reproduzem seus interesses, através da inculcação de valores e
disciplinarização dos grupos dominados, ao mesmo tempo em que legitimam suas
ações, através da atualização dos papéis sociais desempenhados por estes
segmentos das classes trabalhadoras no exercício permanente de suas funções. O
modelo econômico estruturado a partir do século XVIII com a Revolução Industrial
capitaliza a força coletiva de trabalho, objetivando o aumento da produtividade,
através da cooperação capitalista e da construção de um tipo de trabalhador que
necessita ser formulado no bojo do processo produtivo. A manutenção deste modelo
de produção requer uma ação constante nas esferas de socialização dos indivíduos
pertencentes às classes trabalhadoras. (MARX, 1969)
I.1 - O Contexto Histórico-social Brasileiro
No Brasil, tardiamente inserido no processo de desenvolvimento capitalista,
observa-se, especialmente a partir do final do século XIX, a formação de um
24
desordenado quadro urbano, em que o aumento da população das cidades contrasta
com as péssimas condições de higiene e habitação, causas de grandes surtos
epidêmicos e altas taxas de mortalidade. (FREIRE COSTA, 1979)
Dentro do espírito positivista moralizador e burguês, reproduzido como
modelar, a medicina higiênica e a política de normatização do Estado objetivaram o
progresso das elites, tornando clara a política de exclusão das classes menos
favorecidas que participam de forma indireta deste processo de enquadramento
social. (FREIRE COSTA, 1979).
O final do século XIX e o início do século XX caracterizam-se no Brasil pela
intensa utilização do trabalho da mulher e da criança. Recebendo salários mais
baixos que os trabalhadores adultos, este tipo de mão-de-obra oferecia largas
vantagens ao empresariado.
4
O emprego do trabalho infantil sujeitava os menores
às péssimas condições de trabalho e higiene, expostos a longas jornadas de
trabalho, à insalubridade das fábricas e ao total abandono por parte do Estado.
(...) E a despeito de algumas medidas legislativas de proteção ao menor, como a
regulamentação do trabalho infantil incluída no Código Sanitário de 1894, que
proibia o emprego de menores de doze anos nas fábricas ou o regulamento do
Serviço Sanitário de 1911, que proibia o trabalho noturno de menores de dez
anos nas idades produtivas, poucas indústrias respeitavam, conforme os
inquéritos estatais denunciavam. (RAGO,1985. p.141).
Fundamentado sobre princípios morais e higiênicos, em oposição aquilo que
era considerado desordem e marginalidade da rua, o trabalho se caracteriza, para o
imaginário social, como elemento de formação do caráter do futuro cidadão, que
4
Muitas vezes a mão-de-obra infantil estava isenta de custos, pois era recrutada em asilos de indigentes e órfãos
abandonados, justificando-se como alternativa à rua e à marginalidade. (VENÂNCIO,1988).
25
deve inserir-se no processo de normatização concebido por agentes sociais, como
os médicos, políticos, empresários, juristas etc., que pressionam o Estado a exercer
o seu papel de gerenciador deste processo. (ALVIM, 1985: RAGO, 1987;
BRAGA,1993).
5
O setor jurídico passa a atuar sobre o menor de dezoito anos que se encontra
em estado de “abandono ou delinqüência”, que perambula pelas ruas e é
considerado uma ameaça à sociedade.
Na década de 20, a questão da infância pobre se torna objeto de alçada jurídica.
Dando seqüência a um conjunto de leis voltadas para a regulamentação do
trabalho do menor, os juristas vão se voltar para os meninos não absorvidos pelo
ramo industrial, os quais constituíam um desafio à sociedade urbana emergente
quando ‘vadiando’ pelas ruas. Assim, em 1921, a Lei 4242 modifica o Código Civil
determinado que se considere ‘abandonado’ o menor sem habitação certa ou
meios de subsistência, órfão ou com responsável julgado incapaz de sua guarda.
Tentando por esta via pressionar as famílias pobres a exercer controle sobre seus
filhos, os juristas conseguiram também pressionar o Estado a criar em 1923, o
Juízo de Menores do Distrito Federal, 17 anos após a proposta frustrada de
Alcindo Guanabara. À criação do juízo segue-se em 1927, o primeiro Código de
Menores (Decreto no. 17943-A), cujo objetivo é consolidar as leis de assistência e
proteção a ‘menores’. O espírito do Código se expressa logo no seu primeiro
capítulo, quando diz que o objetivo e fim da lei é o menor de um ou outro sexo,
abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade.
(ALVIM E VALLADARES, Infância e Sociedade no Brasil: Uma Análise da
Literatura. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. No. 26. 1985
s/p)
5
Muito mais revestido de sentido moral, do que propriamente profissional, o processo de formação da mão-de-
obra para a indústria, demonstra-se ineficiente neste período. Além disso, o setor profissional e os setores de
aprendizagem das fábricas e oficinas evidenciam-se pelo descaso em relação às condições de trabalho. Doenças
como a tuberculose grassam entre os “menores”, submetidos a estas condições, apresentando altos percentuais de
contaminação, freqüentemente mencionados pelos relatórios médicos. (ALVIM, 1985; RAGO, 1987; BRAGA,
1993).
26
A medicina faz-se representar pelo articulador de políticas assistenciais, o
médico Arthur Moncorvo Filho, criador do Instituto de Assistência e Proteção à
Infância Desamparada, que objetiva, através desta instituição, estender seus
serviços às camadas pobres da população, dentro dos princípios médicos higienistas
de controle e “purificação” da raça (eugenia) e da formação de uma mão-de-obra
capaz, atendendo aos anseios da indústria nascente.
6
Observa-se através deste quadro que marca o limiar do século XX no Brasil,
uma configuração da infância como objeto de análise dos setores mais
representativos da sociedade, tendo o Estado como seu interlocutor. Some-se a isso
as alterações provocadas pela expansão da indústria e a necessidade de
qualificação crescente da mão-de-obra.
É dentro deste contexto que se configura a noção de campo (BOURDIEU,
1989), em que a questão da infância, especialmente a infância das classes populares
passa a fazer parte de uma área de disputas internas, ora manipuladas pelo Estado,
ora pelos setores empresariais. O campo se organiza através de ações normativas,
assumindo as características dos vários setores envolvidos em um conjunto de
ações convergentes que se voltam para este segmento da população.
Portanto, a delimitação deste campo é parte fundamental do processo de
construção social do objeto desta análise: a educação profissional. Através da
contextualização histórico-social em que esta categoria social vai sendo moldada,
podemos visualizar os diferentes significados adquiridos por esta prática pedagógica
6
ROCHA (1992) desenvolve importante análise sobre a intervenção médica na construção de uma representação
da infância pobre no Brasil, através da documentação relativa ao trabalho de Moncorvo Filho.
27
e seu papel na formação do jovem trabalhador, membro de um determinado
segmento da classe trabalhadora.
Esta prática pedagógica perpassada por diferentes contextos históricos, é
permanentemente marcada pelas noções de moralidade, disciplinarização e
reprodução de lugares sociais identificados com o tipo de grupo social ao qual estes
jovens pertencem.
7
I.2 - Origens e Desenvolvimento do Ensino Industrial no Brasil
O aparecimento e o desenvolvimento do ensino industrial no Brasil trazem
impresso o caráter de desqualificação que acompanha as atividades manuais entre
nós desde o período da colonização. Destinada inicialmente aos índios e escravos, a
aprendizagem de ofícios gera uma oferta elevada de mão-de-obra escrava, com
reduzidos custos aos contratadores, em detrimento do trabalho oferecido pelos
emigrantes europeus, que se acharam impossibilitados de exercer a concorrência
(FONSECA, 1986).
Observa-se uma clara divisão entre o ensino intelectual, destinado aos filhos
dos colonos e a aprendizagem de ofícios oferecida às camadas mais pobres da
7
ALVIM (1994) chama a atenção para o fato histórico da construção de uma argumentação presente em setores
interessados na utilização da força de trabalho menor que se traduz da seguinte forma: “crianças e adolescentes
da pobreza devem trabalhar, porque o trabalho protege do crime e da marginalidade e o espaço fabril é visto em
oposição ao espaço desorganizado e desregulado que é a rua. Além disso, o trabalho dos menores de 18 anos
permite o aumento da renda familiar ao mesmo tempo em que pode ser visto como uma escola, a escola do
trabalho”.
DECCACHE MAIA (1994) analisa através de material de imprensa como se constrói a concepção que aponta o
trabalho como caminho para os jovens das classes populares em oposição à marginalidade.
28
população, configurando desta forma o espaço social ocupado pelas profissões de
caráter manual no imaginário social neste período.
Essa idéia enraizara-se tanto nas mentes, que chega a ser condição para
desempenhar funções públicas o fato de não haver nunca o candidato trabalhado
manualmente. Rodrigues de Brito nos conta, nas cartas Econômico-Políticas: ‘Um
escrivão da mais insignificante Câmara não pode encontrar-se na propriedade do
seu ofício sem provar, verdadeira ou falsamente, a perpétua inação de seus
braços, e dos seus pais e avós.’. (FONSECA. 1986. p. 22).
A Metrópole portuguesa implantou uma série de estruturas modelares que
formaram as origens da nossa sociedade. A maneira pela qual classificamos e
distribuímos a “aprendizagem das profissões” se origina do modelo europeu,
especialmente o de Portugal, de funcionamento das Corporações de Ofício.
Oriundas dos Colégios de Roma e das guildas Germânicas e Escandinavas
8
,
as Corporações de Ofício, constituídas na Europa da Idade Média, denotam o caráter
organizativo e econômico que estas várias associações representam. A partir de sua
evolução, as Corporações tornam-se ativos membros da sociedade, reproduzindo o
seu elevado espírito moral e hierárquico garantindo, assim, sua continuidade e
prestígio entre os artesãos.
(...) Os critérios morais e sociais – a subsistência, a auto-estima, o orgulho (em
certos níveis de qualificação), os prêmios costumeiros para diferentes graus de
8
Os Colégios de Roma formavam-se por grupos de profissionais livres ou escravos, todos da mesma profissão,
que se reuniam freqüentemente, marcando um caráter muito mais social do que profissional, onde não havia a
preocupação com a aprendizagem de jovens trabalhadores nem com a sua regulamentação como instituição.
As guildas marcam um período de escassez de recurso por parte dos negociantes do norte europeu que se
juntaram para financiar sua própria estrutura de produção e comercialização. Das guildas, evolui-se para as
Corporações de Ofício. (FONSECA, 1986).
29
habilidade – destacaram-se tanto quanto os argumentos estritamente
“econômicos” nas primeiras disputas sindicais. (THOMPSON,1987.p.74).
Este caráter hierárquico é fundamental para a regulamentação do processo de
aprendizagem entre os jovens de 12 a 14 anos que iniciassem sua trajetória
profissional nestas entidades. Como parte de um seleto grupo de artesãos,
proprietários de seus instrumentos de trabalho, estes aprendizes, ao se tornarem
profissionais, passavam a submeter-se a um novo tipo de controle por parte das
Corporações, agora sobre a qualidade do trabalho e dos produtos e, ainda, sobre os
preços dos mesmos. (FONSECA, 1986). A admissão de aprendizes num ofício podia
estar limitada aos filhos dos que já trabalharam nele ou condicionada ao pagamento
de um alto prêmio pelo aprendizado. (THOMPSON, Op.cit.p.79).
Divididas em três categorias (mestres, oficiais e aprendizes), as Corporações
previam um aprendizado de, no mínimo, 9 anos, findos os quais, o oficial, categoria
posterior ao aprendiz, se submetia a um exame teórico que além de demonstrar os
conhecimentos práticos, deveria também primar pelo conhecimento de preceitos
morais, religiosos e políticos. Sua conduta (ser natural ou residir no local há muito
tempo, pagar contribuição à Corporação, ter perfeita conduta moral e ser católico)
era objeto de profunda avaliação e requisito para se tornar membro desta entidade.
(IBDEM, 1986).
A partir deste quadro, as Corporações de ofício se definem objetivamente pela
reprodução dos valores morais representativos dos grupos de trabalhadores artesãos
deste período, em conjunção com a aprendizagem de um determinado ofício, o que
reflete todo um conjunto de crenças e tradições fortemente marcadas no imaginário
30
social desses trabalhadores, que detêm um saber qualificado como um patrimônio,
uma herança que se preserva através das gerações.
Essa forma de interagir com o mundo a partir da posição ocupada no grupo
profissional, a utilização dos “instrumentos e ferramentas” de que estes grupos
dispõem, a criação de estratégias de manutenção e reprodução do grupo de acordo
com estas disposições, nos remete à noção escolástica de habitus, que trabalha
inicialmente com a dimensão de um aprendizado para o passado e que é recuperada
por Bourdieu (ORTIZ, 1983), que a reinterpreta como produto das relações sociais e,
ao mesmo tempo, elemento definidor da ação e reprodução destas relações sociais.
(BOURDIEU, 1989).
Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionarem como estruturas, isto é, como princípio que gera e estrutura as
práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamentadas” e
“reguladas” sem que, por isso, sejam o produto da obediência de regras
objetivamente adaptadas a um fim, sem que tenha necessidade da projeção
consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao
mesmo tempo, coletivamente orquestrados sem serem o produto da ação
organizadora de um maestro. (Bourdieu, 1972, Apud ORTIZ, 1983)
O final do século XV trouxe o período da Renascença e com ele uma
redefinição de valores e preceitos contrários à sociedade medieval. As Corporações
de Ofício não escaparam a esta transformação. A França, através do governo de
Luis XI, deturpa o caráter moral destas entidades, quando, por dificuldades
financeiras, começa a vender cartas de mestre sem os exames e regras exigidas
pelas Corporações. Estas, por sua vez, impedidas de se rebelarem, submetem,
estrategicamente esses indivíduos tornados mestres a uma série de desqualificações
31
públicas, cobrando-lhes ainda uma sobretaxa devida à Corporação. (FONSECA,
1986).
9
A partir daí, observa-se uma degenerescência nos princípios que nortearam o
estabelecimento das Corporações, que passam a limitar o número de mestres e
tornam este título “patrimônio de família”, delimitando o acesso ao ensino às relações
de parentesco e afinidades.
O século XVIII marca o fim das Corporações, reclamado pela separação entre
mestres e oficiais que clamam pela liberdade profissional, já existente nos burgos,
vilas e pequenas cidades. (THOMPSON, 1987).
No Brasil, as Corporações de Ofício seguem o modelo de funcionamento
europeu, adequado às condições em que se encontra a colônia neste período, ou
seja, completamente desestimulada pela falta de apoio do governo ao
desenvolvimento da produção interna, além da forte presença do capital estrangeiro,
condições que praticamente anulam as possibilidades de crescimento do ensino dos
ofícios e mais tarde do ensino industrial. (FOOT e LEONARDI, 1991).
Seguindo as prescrições previstas pelo Código Filipino, posto em vigor em
1603, em Portugal, foram criados no Brasil, as administrações das Câmaras, órgãos
do poder público, que passam a regulamentar os ofícios de acordo com os costumes
portugueses.
10
9
Com a ampliação do mercado nacional e a expansão das navegações, o sistema das corporações torna-se
ineficiente para atender à demanda da produção. Além disso, surge a figura do intermediário entre o produtor e o
consumidor, tomando para si as atividades comerciais e reorganizando a produção, através da especialização das
atividades. (V. V. A. A. História das Sociedades, 1981).
10
Cada ofício recebia uma representação (bandeira) e a designação de proteção de um determinado santo da
igreja Católica. O processo de aprendizagem, profissionalização e comercialização das profissões era
inteiramente regulamentado pelas autoridades municipais que compunham as Câmaras. (FONSECA, 1986).
32
Evidenciando o caráter discriminatório que se aplicara ao exercício de
atividades manuais no Brasil, observa-se, num documento registrado por Fonseca,
que só poderiam candidatar-se aos cargos de representação das Câmaras os
homens bons, os mais respeitáveis da vila, não sendo incluídos naquela categoria os
operários, os mecânicos, os degredados, os judeus e os estrangeiros”. (FONSECA,
1986).
Apesar de seguir o modelo português de funcionamento das Corporações de
Ofício,
11
estas não gozaram, no Brasil, do mesmo prestígio. Sua regulamentação e
representação nunca foi composta por “oficiais” (artesãos), portanto, o grau de
reconhecimento e legitimação desta administração é bastante fraco
12
. São inúmeros
e famosos os casos de indisciplina e desobediência às regras referentes ao
funcionamento das oficinas.
Em relação aos aprendizes, o processo de formação e as exigências inerentes
ao mesmo assemelham-se às Corporações portuguesas, guardadas as devidas
proporções. Num documento que abriga as posturas gerais para os oficiais
mecânicos, observa-se:
Cap. VIII – Que nenhum oficial mecânico recolha em sua casa obreiro ou
aprendiz cõ outro até acabar o tempo.
Foy acordado que nenhum official mecanico de qualquer officio que for seria tão
ousado, que tome nem recolha em sua casa aprendiz nem obreiro que estiver cõ
outro official antes de acabar o tempo que estiver obrigado nem lhe fallaraa persi
nem mandaraa fallar per outrem para se sair de seu amo e que o contrº fezer ou
lhe for provado da cadea pagara dous mil rs a metade para as obras da cidade e
a outra para quem accusar. E o obreiro ou aprendiz que deixar seu amo antes de
11
A hierarquia que marca o modelo europeu e que dividia as Corporações em mestres, oficiais e aprendizes e as
exigências tornadas públicas para a ascensão a cada etapa eram aqui reproduzidas.
12
Em 1824, D. Pedro I aboliu as Corporações no Brasil.
33
seu tempo acabado pagaraa de tronco mil rs e tornara para casa de seu amo. E
se alguns officios particularmente teverem per seus regimentos que os officiaes
que tal fezerem ajão moor pena comprirseão aos ditos regimentos. (FONSECA,
1986,p. 69.)
Nota-se através de documentação e relatos referentes à organização social
nos primórdios do ensino e aprendizagem de ofícios no Brasil (FONSECA, 1986),
que as leis que o regulamentam e ao seu processo de desenvolvimento obedecem
às necessidades econômicas e políticas da metrópole no período que antecede à
vinda da família real para o Brasil. As colônias desprovidas de representação
legítima e sem apoio financeiro da metrópole, que facilitava cada vez mais a entrada
de produtos estrangeiros no comércio nacional, fazia com que a regularidade deste
tipo de atividade e sua colocação no mercado variasse segundo os interesses das
classes dirigentes e das potências européias que “invadiam” o Brasil através da
exportação de produtos manufaturados e da aplicação do capital financeiro. (FOOT e
LEONARDI, 1981).
Durante um longo tempo os engenhos funcionaram como os primeiros centros
de aprendizagem no Brasil, onde se tornava marcante a divisão entre as atividades
manuais, destinadas aos escravos, índios, etc. e as atividades intelectuais,
destinadas aos filhos dos fazendeiros, que, em grande parte, se formavam nas
melhores universidades européias.
Entretanto, o final do século XVII, vem de certa forma modificar este quadro. A
descoberta do ouro nas Minas Gerais desloca o interesse dos grandes fazendeiros,
monocultores, gente do povo dos núcleos urbanos etc., que, atraídos pela
34
possibilidade de rápido enriquecimento, provocam uma mudança social bastante
importante.
O processo de transformação e beneficiamento do ouro exigia a formação de
profissionais competentes nesta tarefa. Para recrutá-los, foi necessário o uso da
experiência daqueles que soubessem lidar com o metal e dominassem o processo
de produção. A criação das casas de fundição e de moeda dão lugar a importantes
centros de aprendizagem e ensino de ofícios para as profissões diretamente
necessárias ao processo de beneficiamento do ouro.
Diferentemente dos ofícios ensinados nos engenhos, este tipo de ofício dirigia-
se aos indivíduos brancos, filhos de colonos ou de pequenos funcionários das
próprias casas de fundição. Não obstante ainda guardarem o caráter assistemático e
sem método de ensino das fazendas, as Casas da Moeda preparavam a mão-de-
obra para os serviços necessários a este tipo de atividade sem o caráter
assistencialista direcionado aos “menores” das classes populares, o que marcaria o
modelo de ensino de ofícios posteriormente. (FONSECA, 1986).
O processo de aprendizagem nas Casas da Moeda previa um período de 5 ou
6 anos, sendo às vezes menor, findos os quais, o aprendiz submetia-se a uma banca
examinadora que lhe conferia uma “certidão de aprovação” que o habilitava a exercer
a profissão, recebendo salário e tornando-se membro do quadro de pessoal da Casa.
Outro ponto de difusão do ensino de ofícios concentrava-se nos Arsenais de
Marinha. Estabelecidos no Brasil, a partir da 2ª metade do século XVIII, estes
importaram mão-de-obra qualificada da Metrópole e formaram aqui profissionais
capazes para o suprimento desta demanda de serviços. Pelo Alvará de 11/09/1779,
o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro torna-se um Centro de Aprendizagem
35
referencial para a construção Naval, em que os menores até os 14 anos eram
aceitos sem direito a qualquer tipo de remuneração, a não ser a manutenção da sua
própria subsistência. (VENÂNCIO, 1988)
13
.
O pessoal recrutado para o trabalho era formado por brancos (portugueses e
brasileiros), que traziam seus escravos, acompanhados de presos ou detidos,
tornados auxiliares de serviços. A divisão interna entre os operários compunha-se de
mestres, contra-mestres, mandadores, oficiais, mancebos e aprendizes. Estes, por
sua vez, só recebiam conhecimentos práticos, prescindindo do ensino teórico.
O período que antecede a vinda da família real portuguesa para o Brasil
denota o estágio fragmentário e esporádico em que se encontra a aprendizagem de
ofícios no Brasil. Já impresso o caráter discriminatório sobre as atividades manuais,
estas só ocupavam uma posição social de destaque à medida que atendessem aos
interesses econômicos de iniciativas lucrativas, como a descoberta do ouro, que
exigiu a qualificação necessária para a realização de serviços ligados ao processo de
beneficiamento e utilização do mesmo. Ou como foi o caso dos Arsenais de Marinha,
que a partir da demanda do setor, importou mão-de-obra qualificada da Europa e
acabou se tornando um centro de referência para o ensino de ofícios, na área da
construção naval durante séculos.
Neste momento o caráter assistencialista que vai marcar o ensino industrial,
ainda não assume formas visíveis, através da legislação, porém a precariedade de
sua constituição como atividade profissional, já deixa bem claro todo o processo de
13
VENÂNCIO (1988) aponta para a situação das crianças que ingressavam no arsenal de marinha na categoria de
aprendizes, etapa na qual elas deveriam realizar pequenas tarefas e tomarem contato com os ofícios do arsenal,
podendo ascender às profissões de carpinteiro, calafate, ferreiro, tanoeiro, etc. Aqueles que não conseguissem se
manter na função de aprendiz, poderiam ingressar na tripulação dos navios.
36
secundarização sofrido por este tipo de ensino em relação àquele considerado como
humanístico.
I.3 – D.João VI e o Ensino Profissional no Brasil
Através da documentação consultada, podemos perceber que D. João VI foi
um dos pioneiros, no que se refere à consolidação do ensino profissional no Brasil. A
situação que se estabelece aqui com a chegada da Corte Portuguesa vai exigir que
se formem estruturas mínimas para o desenvolvimento da produção e do comércio
da Colônia. Assim sendo, D. João VI estabelece as bases para uma regulamentação
(elaboração de uma legislação específica), que integra o ensino das atividades
manuais (antes mantido em oficinas, centros de aprendizagem, etc.) ao corpo do
ensino formal, ou seja, as escolas passam a anexar em seus currículos a
aprendizagem das atividades manuais.
Não obstante a ausência de regularidade nestas ações, e a falta de estrutura
material e administrativa, é incontestável que tais iniciativas foram fundamentais para
o desenvolvimento do ensino industrial no Brasil, além de terem implantado as bases
de uma legislação que regulamentará a ação dos principais atores sociais deste
processo.
A vinda da família real portuguesa para o Brasil muda os rumos do
desenvolvimento nacional. A abertura dos portos e a permissão para a instalação de
fábricas, em 1808, são ações de D. João VI que atraem imigrantes portugueses para
o Brasil e impulsionam o processo de aprendizagem dos ofícios.
37
Entretanto, essa nova disposição para o desenvolvimento de uma indústria
nacional exige a formação de estruturas capazes de fomentar tal processo. Em 1809,
D. João VI cria o Colégio das Fábricas. Instituição reconhecida como a primeira
criada pelo governo, com o objetivo de formar artistas e aprendizes vindos de
Portugal, os quais deveriam manter a instituição junto com o governo, com o produto
do seu trabalho até que fossem aproveitados pelas indústrias. Após dois anos de
funcionamento, a fábrica passa a ser administrada pela Real Junta do Comércio do
Estado do Brasil. (FONSECA, 1986)
A par do Colégio das Fábricas, D. João VI dá impulso à Criação da
Companhia de Artífices, no Arsenal do Exército, composta de soldados, (ferreiros,
serralheiros, torneiro de madeira, funileiro e tanoeiro) possuindo uma organização
inteiramente militar. Os mestres equivaliam a sargentos e os contra-mestres, a cabos
de esquerda. (FONSECA, 1986). Além disso, com a fundação da real Impressão em
1808, origem da atual Imprensa Nacional, há uma difusão da cultura nacional, o que
exige a formação de pessoal capacitado para atender á demanda. Sendo assim, pela
Decisão nº 10 de 1811, são introduzidos aprendizes no trabalho da impressão
gráfica. (FONSECA,1986)
Elevado à condição de reino, em 1815, o Brasil assume ares de transformação
que mais tarde acabariam em algumas iniciativas frustradas por parte de D. João VI.
Auxiliado financeiramente pelos negociantes do Rio de Janeiro, ansiosos pela
expansão do mercado consumidor, o Príncipe Regente idealiza a criação de um
Instituto Acadêmico que uniria o ensino das Ciências ao de Belas-Artes e da sua
aplicação à indústria. (FONSECA, 1986).
38
A idéia de unir o ensino técnico aos cursos de Belas-Artes fez com que o
Brasil importasse da França, em 1816, um grupo de artistas, conhecido como a
Missão Artística Francesa, composto de nomes famosos ligados às artes: Lebreton,
Jean Baptiste Debret, Nicolas Antoine Taunay, Auguste Marie Taunay, Grandjean de
Montigny. Para o ensino de ofícios, vinham Nicolas Magliori Enout, serralheiro e Jean
B. Level, mestre ferreiro entre outros.
Entretanto, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, na qual estes artistas
deveriam lecionar, nunca chegou a funcionar, o que obrigou o governo ao
pagamento de uma pensão que os mantivesse enquanto esperavam. Estes, por sua
vez, acabam trabalhando nas indústrias nascentes. Em 1826, a Real Escola perde
seu caráter profissional e se transforma em Academia das Artes
14
.
Não obstante a reformulação econômica e política por que passa o Brasil no
início do século XIX, as medidas adotadas por D. João VI pouca influência tiveram no
processo de integração do Brasil ao chamado capitalismo internacional
15
. Como
conseqüência desse processo, observa-se o caráter esporádico e assistemático das
várias iniciativas que visam a dar prosseguimento ao ensino das profissões no Brasil,
processo que se torna circunstancial e variável, limitando-se a atender à demanda
dos serviços, os mais variados possíveis.
Até 1818, a aprendizagem de ofícios não determinava, em sua
regulamentação nas respectivas profissões, nenhuma instrução que a designasse
14
A partir daí, D. João VI limita suas iniciativas no campo da aprendizagem à criação de oficinas onde se
fabricava e consertava o armamento do Exército (Os “trens”), que contando com aprendizes de ofício, existiam
na Corte e nas províncias. (FONSECA, 1986).
15
A falta de proteção alfandegária, o longo regime escravocrata que só terminaria em 1888, em nosso país, a
divisão do mercado mundial entre as potências capitalistas destacaram-se como as principais causas do
descompasso do Brasil em relação à nova ordem econômica regida pelo avanço do capitalismo (Foot e Leonardi,
1991)
39
aos pobres, órfãos ou abandonados, visão que se transformaria alguns anos mais
tarde, justamente pela aplicação deste tipo de ensino àqueles considerados à
“margem da sociedade”
16
.
I.4 - As Escolas Profissionais no Âmbito das Classes Populares: O Ensino
Manual e o Ensino Humanístico.
A Constituição de 1824 não faz menção ao ensino profissional diretamente,
porém, ao abolir as Corporações de Ofício, gera condições de liberdade entre os
aprendizes, que não se submeteriam mais aos desmandos dos mestres. É só em
1826 que surge o primeiro projeto de lei que introduz o desenho como disciplina
necessária às artes e ofícios.
A partir daí, desenvolve-se o debate em torno da aliança entre o ensino
profissional e o ensino básico formal. A Comissão de Instrução Pública do
Congresso, ainda em 1826, apresenta um “Projeto de Lei sobre a instrução pública
no Império do Brasil”. (FONSECA, Op. Cit. 1986, p. 137). A proposta dividia a
instrução pública em quatro graus distintos: Pedagogias, os que se referissem ao 1º
grau; Liceus, os que se destinassem ao 2º grau; Ginásios, transmissores do ensino
de 3º grau e as Academias, destinadas ao ensino superior. (FONSECA, 1986).
16
FONSECA (1986) destaca que as primeiras escolas voltadas para o ensino e a aprendizagem não especificaram
a origem social dos seus alunos, antes desejando “os rapazes de boa educação”. Em 1819, a partir de uma
experiência realizada num Convento da Bahia, onde os órfãos de um Seminário criado dentro do Convento iam
aprender as artes e ofícios mecânicos num “trem” próximo, é que começam todos os asilos de órfãos ou
abandonados a fornecer instrução de base manual para seus abrigados, fato que vai marcar profundamente a
filosofia deste ramo de ensino, que passa a ter como alvo principal os “abandonados”, “os infelizes”, “os
desfavorecidos pela fortuna”, etc...
40
Em 1827, a Câmara aprova o projeto desta comissão, que organiza o ensino
público pela primeira vez em todo país, incluindo a obrigatoriedade da aprendizagem
de costura e bordados para as meninas. (FONSECA, 1986)
17
.
Em 1834, pelo Ato Adicional, os ensinos primário e secundário passam à
competência das Províncias, ficando sob responsabilidade do governo central
apenas o ensino superior e o ensino do Município Neutro.
Refletindo o caráter fragmentário em que se encontra o governo e suas
instituições neste momento, observa-se que tanto o ensino básico formal como o
ensino de ofícios obedecem a uma legislação que privilegia a descentralização e a
descontinuidade na aplicação de regras dificultando a efetivação de uma política
nacional de educação. Tal política forma as origens do caráter regional e desigual
que marcaram o ensino primário no Brasil até muito recentemente. (FONSECA,
1986)
18
.
As lutas travadas pelo estabelecimento de uma educação voltada para o
ensino humanístico e literário (tradição da cultura disseminada pelos padres da
Companhia de Jesus), em detrimento de uma educação que objetivasse o ensino em
bases manuais são, na primeira metade do século XIX, no Brasil, uma constante.
Instituições que nasciam visando à aprendizagem de ofícios transformaram-se em
colégios voltados para a educação formal e vice-versa. O Colégio D. Pedro II,
17
“As artes femininas apareceram, assim na legislação brasileira do ensino, antes das profissões próprias do sexo
masculino. E logo surgiram com caráter compulsório e sob forma prática de trabalhos de agulha, enquanto a parte
destinada aos meninos referia-se a estudos teóricos de geometria, mecânica, agrimensura e desenho técnico, sem
nenhuma indicação de aprendizagem prática nas oficinas” nas 3as. séries primárias e nos liceus. (FONSECA,
1986. Op. Cit. p. 138).
18
AGUIAR (1994) aponta para a exclusão da escola e da cidadania da maior parte da população, durante a 1ª
República, repetindo o modelo educacional do período do Império, tendo como base uma legislação que não
mencionava a obrigatoriedade de freqüência à escola e uma estrutura de ensino descentralizada, refletindo o
clima de desordem em que se achava o poder público.
41
fundado em 1837, onde antes existia o Seminário S. Joaquim é um exemplo
considerável. Conhecido como uma escola modelar até nossos dias, o Colégio Pedro
II, fundado inicialmente em bases voltadas para os trabalhos manuais, transforma-se
posteriormente em instituição destinada ao ensino secundário, de caráter
humanístico e literário, secundarizando a educação voltada para o trabalho.
19
É perceptível na análise da documentação que registra esse momento
histórico a construção de uma visão do trabalho manual baseada nas representações
de classe (nos engenhos – o ensino dos ofícios destinava-se aos escravos e índios;
nas cidades, o alvo deste ensino eram os jovens das classes populares) e a criação
de estratégias (BOURDIEU, 1989) que definem um determinado tipo de conduta
desses trabalhadores em relação à forma como eram inseridos neste processo.
20
Por outro lado, filhos de fazendeiros do interior e de negociantes das cidades
(a parcela abastada da população) recebiam um tipo de instrução inteiramente
desvinculada das atividades empreendidas por seus grupos de origem. Portanto, de
produtores de riqueza passavam a meros consumidores concentrados nos grandes
centros sem mercado de trabalho que absorvesse aquele tipo de instrução. Levados
à ocupação de cargos no serviço público dão origem à visão desprestigiada que o
mesmo acabou conservando perante a população.
O ingresso deste segmento da população no serviço público faz-se notar não
só no Brasil, mas em países como a França e a Alemanha, que recrutaram um
19
“A influência das culturas humanística e literária haveria de se fazer sentir com muito maior intensidade na
procura dos que buscavam os cursos jurídicos. Esse fator, aliado à circunstância de se recrutarem nas Academias
de Direito homens para os altos postos da política e da administração, fez com se inundasse o país de bacharéis”.
(FONSECA, 1986. Op.cit.142).
20
Os aprendizes, como integrantes da etapa de preparação para o trabalho, adquirem além do domínio sobre uma
atividade profissional, o “status social” como membros do grupo ao qual se integram. Essa aprendizagem
profissional é também a forma de entrada para o grupo social do qual o jovem faria parte e com o qual seria capaz
de interagir dentro do estado de desordem institucional que caracteriza o Império neste momento.
42
enorme contingente de bacharéis para o serviço público, provocando um aumento
desordenado deste setor e de suas funções burocráticas.
21
Este é um período marcado pela atuação circunstancial e irregular do poder
público e mesmo da iniciativa particular em relação ao ensino industrial. Apesar de
definir de forma mais clara a atuação da administração pública diante da
fragmentação do ensino de ofícios e até mesmo do ensino regular, as duas primeiras
décadas do século XIX ainda refletem a inoperância do Estado no que se refere ao
fortalecimento das instituições públicas e conseqüentemente no desenvolvimento
dos interesses econômicos do país.
I.5 - O Processo de Solidificação do Ensino Industrial
Apesar de persistir a idéia de vincular o ensino das profissões manuais aos
pobres e desvalidos, alguns legisladores tentaram modificar este quadro. Em 1852, o
vereador do Rio de janeiro, Manuel Araújo Porto Alegre apresenta um projeto que
visa organizar uma escola profissional sem qualquer restrição quanto às classes
social de seus alunos. Entretanto, tal projeto não foi aprovado.
Não obstante, algumas iniciativas voltadas para a expansão do ensino de
ofícios a todas as classes sociais, o sentido discriminatório que sempre acompanhou
o ensino profissionalizante acabou prevalecendo neste período. Tanto que, em 1854,
D.Pedro II funda o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin
Constant, e em 1856, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Ambas as instituições
21
As bases da educação alemã formam-se no ensino clássico, das quais resultam alunos que não encontram
emprego adequado ao tipo de formação que tiveram. Conseqüentemente, vê-se o Estado obrigado a absorver em
suas repartições um enorme contingente de jovens da nobreza em declínio e da burguesia em ascensão.
43
comportavam oficinas para a aprendizagem de ofícios que se mantiveram até nossos
dias. Os cegos aprenderiam tipografia e encadernação e os surdos-mudos,
sapataria, encadernação, pautação e douração.
Este período vai marcar uma intensa preocupação de enquadramento e
normatização de alguns setores da população que estão à margem da sociedade. A
escola formal passa a ter a função de abrigo e agente transformador de crianças e
jovens que não possuem um lugar na sociedade.
No ano de 1854, o Conselheiro Luis Pedreira do Couto Ferraz, Visconde do
Bom Retiro, assinava o decreto no. 1331-A que reformava a instrução primária e
secundária do Município Neutro, criando asilos para menores abandonados, onde
estes receberiam o ensino de 1
o
. Grau e depois seriam enviados para as oficinas
públicas ou particulares, sob a fiscalização do Juiz de Órfãos. Só depois de vinte
anos é que este decreto entraria em vigor.
Art.62. – Se em qualquer dos distritos vagarem menores de 12 anos em
tal estado de pobreza que, além da falta de roupa decente para freqüentar as
escolas, vivam em mendicidade, o governo os fará recolher a uma das casas de
asilos que devam ser criados para esse fim com um regulamento especial.
Enquanto não forem estabelecidas essas casas os meninos poderão ser
entregues aos párocos ou coadjutores, ou mesmos aos professores dos distritos,
com os quais o inspetor geral contratará, precedendo aprovação do governo, o
pagamento mensal da soma precisa para o suprimento dos mesmos meninos.
(Regulamento da Instrução Pública. FONSECA, 1986. p. 151).
44
A partir de 1873, o governo funda dez escolas primárias no Município do Rio
de Janeiro. A última delas, a Casa de Asilo, que passaria a se chamar Asilo de
Meninos Desvalidos, foi inaugurada em 1875, em Vila Isabel, através do decreto no.
5532 assinado pelo Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira. A Casa destinava-
se a recolher e educar meninos de 6 a 12 anos de idade, com um currículo composto
de instrução primária de 1
o
e 2
o
graus: álgebra elementar; geometria plana e
mecânica aplicada às artes; escultura e desenho; música vocal e instrumental; artes
tipográficas e litográficas; e ofícios de encadernador, alfaiate, carpinteiro, torneiro,
entalhador, funileiro, ferreiro, serralheiro, surrador e sapateiro.(FONSECA,1986)
A criação e o incentivo do ensino profissional através de escolas
especialmente voltadas para esta finalidade aliam-se nesta primeira fase ao ensino
primário de 1
o
. e 2
o
graus, onde os currículos passariam a conter a aprendizagem
manual.
O final do século XIX assiste a inúmeras tentativas de vincular o ensino
regular ao ensino profissional, tentativas que se traduziriam em decretos e projetos
de lei que movimentaram os debates em torno da difusão do ensino voltado para a
profissionalização.
Em 1879, o Conselheiro Carlos Leôncio de Carvalho assina o decreto no.
7247, que reforma o ensino primário e secundário do Município do Rio de Janeiro e o
ensino superior em todo o país. Pelo decreto, as escolas primárias de 2
o
grau
deveriam incluir a prática manual de ofícios para os meninos e trabalhos de agulhas
para as meninas, incentivando ainda a criação, nos Municípios mais importantes, de
escolas profissionais e da prática do aprendizado. (FONSECA, 1986).
45
Entretanto, apesar do esforço de alguns setores do poder legislativo em
difundir o ensino técnico de 1
o
e 2
o
graus, observa-se uma forte barreira
representada pela cultura aristocrática, predominante no Brasil Império, onde a
valorização da formação intelectual e acadêmica coloca-se em franca oposição ao
ensino técnico.
Neste período, a descentralização do ensino primário e secundário, que passa
a ser regulada pelas Províncias, reflete o caráter de ineficiência e descontinuidade
causado pela ausência de uma política nacional formuladora de diretrizes gerais
nestas etapas do ensino, causando ainda um distanciamento destas em relação ao
ensino superior, que se expende e recruta uma nata de bacharéis e doutores que
ocupam os principais postos da administração, da política e do magistério.
(FONSECA,1986.Op.cit.p.160)
I.6 - A Educação Profissional e suas Relações com o Mundo do Trabalho
Alvim (1986), Rago (1987), Freire Costa (1979), Aguiar (1994), Deccache Maia
(1994) e Braga (1993), entre outros, apontam para a configuração que a categoria
social infância readquire a partir da segunda metade do século XIX. Ocupando um
pequeno espaço dentro da família e misturada ao mundo dos adultos, a criança
passa a desempenhar um novo papel na sociedade brasileira.
A constituição de um mercado de trabalho livre e a demanda de crescimento
da industrialização no Brasil, neste período, são fatores concorrentes para a
estruturação de um conjunto de ações voltado para a solidificação de uma
concepção de moralidade, que encontra abrigo na ação pedagógica desenvolvida
46
pelas escolas profissionais, secundarizando desta forma a preparação técnica de
uma mão-de-obra qualificada para o exercício das profissões. (RAGO, 1987)
O final do século XIX é marcado no Brasil por dois importantes
acontecimentos que redefinem de certa forma todo o quadro político, social e
econômico deste período: a abolição da escravidão e a proclamação da República.
A indústria é implantada no Rio de Janeiro, através do deslocamento de capital e de
incentivo a alguns setores da economia.
Podemos concluir, com base no que foi dito, que as condições de crédito
de câmbio, de política alfandegária, de transportes, de crescimento da população,
e de abastecimento da cidade favoreceram a expansão do setor secundário da
economia urbana e a transição da manufatura para a indústria. Aproximadamente
metade das empresas que figura no primeiro Censo Industrial Moderno do Brasil,
o de 1907, se estabeleceram entre 1899 e 1907, e sobreviveram, em 1891, à
crise do Encilhamento. (LOBO, 1987. p. 471)
Fatores como a intensificação da imigração, a migração de escravos libertos
da zona rural para a zona urbana e o saneamento da Cidade do Rio de Janeiro
favoreceram a expansão da indústria com o aumento da oferta de mão-de-obra e do
mercado consumidor. (LOBO, 1978)
Observa-se neste período o crescimento interno da população que se mostra
profundamente alterada em relação a sua formação étnica e à variedade de
ocupações. A entrada de imigrantes é maciça, fazendo com que em 1890 parte da
população fosse nascida no exterior. (CARVALHO, 1991)
O processo desordenado de crescimento por que passa a Cidade a
transforma em palco de inúmeros conflitos sociais, epidemias provocadas pelas
47
precárias condições de higiene dos setores mais pobres da população e pelo
crescimento das mais variadas formas de habitação (cortiço, casas de cômodos
etc.), onde a aglomeração de pessoas favorecia enormemente a proliferação de
doenças.
Entretanto, esta população possuía a sua forma peculiar de organização frente
à imposição do enquadramento social e político ao qual se submetiam. A intervenção
do poder republicano no cotidiano destas famílias provocou verdadeiras revoltas
populares que representam uma determinada postura das classes populares frente
ao elevado nível de exclusão social ao qual se encontravam expostas. Levado aos
termos da representação política no novo regime, o limite de participação social
através do voto contribuiu para a formação de um quadro social que mostra sua
verdadeira face frente aos mais variados grupos que apoiaram a implementação da
República e nela esperaram atuar, sem, no entanto, obter êxito.
Sendo função social antes que direito, o voto era concedido àqueles a
que a sociedade julgara poder confiar sua preservação. No Império como na
República, foram excluídos os pobres (seja pela renda, seja pela exigência da
alfabetização, os mendigos, as mulheres, os menores de idade, as praças de pré,
os membros de ordens religiosas. Ficava fora da sociedade política a grande
maioria da população. A exclusão dos analfabetos pela Constituição republicana
era particularmente discriminatória, pois ao mesmo tempo se retirava a obrigação
do governo de fornecer instrução primária. Exigia-se para a cidadania política uma
qualidade que só o direito social da educação poderia fornecer e,
simultaneamente, desconhecia-se este direito. (CARVALHO, 1991. pp. 44-45)
48
I.7 - A Educação Profissional e os primeiros anos da República
Os primeiros anos da República vão marcar no Brasil a redefinição do campo
em que se situa o ensino industrial. Várias iniciativas por parte dos poderes públicos
são efetivadas em nível nacional. E, apesar, de priorizar como público-alvo os
desfavorecidos pela fortuna, esse ramo do ensino vê-se agora como parte integrante
da receita pública e alvo dos debates parlamentares.
A expansão da indústria e o crescimento das cidades e serviços a ela
vinculados passam a delinear a posição assumida pelo ensino técnico no quadro de
formação e profissionalização dos jovens das classes menos favorecidas neste
período. A trajetória da preparação para o exercício de uma atividade técnica e/ou
industrial vincula-se neste momento à necessidade crescente de qualificação exigida
pelas indústrias, elevando esta etapa do ensino à categoria de ensino formal.
Durante o período da chamada Primeira República, que vai da
proclamação da República até os anos 30, o sistema educacional escolar e a
Educação Profissional ganharam nova configuração. As poucas e acanhadas
instituições dedicadas ao ensino compulsório de ofícios artesanais e
manufatureiros cedem lugar a verdadeiras redes de escolas, por iniciativa de
governos estaduais e de outros protagonistas: a Igreja Católica, trabalhadores
organizados em associações de mútuo socorro ou de natureza sindical, os quais
contribuíram com algumas iniciativas pontuais, e membros da elite cafeeira.
Os destinatários não eram apenas os pobres e os “desafortunados”,
mas, sim, aqueles que, por pertencerem aos setores populares urbanos, iriam se
transformar em trabalhadores assalariados. Sendo assim, a montagem e a
organização do sistema de ensino profissional iriam constituir, como ressalta
Moraes (2001, p.178), um processo institucionalizado de qualificação e
disciplinamento dos trabalhadores livres dos setores urbanos.(MANFREI, 2002,
pp. 79 e 80)
49
Apesar das lutas que se travam em meio ao campo em que se constitui o
ensino profissional, observa-se a definição de alguns parâmetros, sempre
delimitados pelo setor jurídico que, se não contribuem para a valorização do ensino
de ofícios, pelo menos deixam claras as posições dos principais atores sociais
envolvidos neste processo.
Mais uma vez impulsionado pelos interesses econômicos, o ensino industrial
passa a ocupar, no contexto social dos primeiros anos da República, uma posição
estratégica, de acordo com os interesses daqueles que o regulamentam (os poderes
executivo e legislativo) e daqueles a quem se destina, ou seja, as classes populares.
Ao assumir a Presidência da República em 1906, Afonso Pena comanda uma
mobilização por parte dos setores governistas que aumenta consideravelmente a
verba para a criação de escolas profissionais, determinando, ainda, pelo Decreto No.
1606 de 29 de Dezembro deste ano, a resolução do Congresso Nacional, mandando
criar o Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, tendo como uma
de suas metas a expansão do ensino industrial. (FONSECA, 1986)
O crescimento da indústria no Brasil será cada vez mais exigente no
recrutamento da mão-de-obra empregada. Entretanto, a formação desse setor da
classe trabalhadora se configura de forma bastante peculiar.
Com as primeiras fábricas surgiram, na Europa, os primeiros proletários
modernos. Isso, no Brasil, verificou-se apenas em parte. Nas primeiras fábricas
brasileiras trabalhara, muitas vezes, ao lado dos operários, um bom número de
escravos. O fato de o proletariado surgir no interior de uma sociedade escravista
dificultou e entravou, durante muitos anos, o processo de sua formação como
classe. (FOOT e LEONARDI .1991. p. 90).
50
Desse modo, observa-se que tanto a expansão da indústria como o
desenvolvimento profissional do operariado estão diretamente ligados a todo um
processo de subordinação aos interesses mais imediatos da burguesia incipiente e
ávida por uma mão-de-obra barata e numerosa. (FOOT e LEONARDI, 1991).
Com a morte de Afonso Pena em 1909, Nilo Peçanha assume o governo
dando continuidade ao seu projeto de criação de escolas profissionais, iniciado em
seu mandato no governo do Estado do Rio de Janeiro, quando criou quatro escolas
profissionais neste Estado: Campos, Petrópolis, Niterói e Paraíba do Sul. Sendo as
três primeiras para o ensino de ofícios e a última para a aprendizagem agrícola. Três
meses depois de sua posse, assina o Decreto 7566 de 23/09/1909, que cria, nas
capitais dos Estados, Escolas de Aprendizes.
A finalidade educacional das escolas de aprendizes era a formação de
operários e de contra-mestres, por meio do ensino prático e de conhecimentos
técnicos transmitidos aos menores em oficinas de trabalhos manuais ou
mecânicos mais convenientes e necessários ao Estado da Federação em que a
escola funcionasse, consultando, quando possível, as especialidades das
indústrias locais. Como parte integrante de cada escola de aprendizes artífices,
foram criados cursos noturnos obrigatórios, um curso primário (para analfabetos)
e outro de desenho.
Cada escola de aprendizes artífices deveria contar com até cinco oficinas
de trabalho manual ou de mecânica, conforme a capacidade do prédio escolar e
as especialidades das indústrias locais.
Em seus 33 anos de existência, passaram por elas 141 mil alunos, uma
média de 4.300 por ano. No último ano de funcionamento, em 1942 (quando da
criação da lei orgânica do ensino industrial, Lei 4.073, de 30 de janeiro), havia
estabelecimentos com número diminuto. Os ofícios oferecidos eram os de
marcenaria, de alfaiataria e de sapataria, mais artesanais do que manufatureiros,
o que revela a distância entre os propósitos industrialistas de seus criadores e a
51
realidade diversa de sua vinculação com o trabalho fabril. Poucas escolas de
artífices tinham instalações para o ensino de ofícios propriamente industriais, à
exceção de São Paulo onde o crescimento da população industrial, aliado à
emulação do Liceu de Artes e Ofícios, ocasionou maior esforço de adaptação das
oficinas às exigências da produção fabril. (CUNHA, Apud, Manfredi, 2002, p. 83 e
84)
Entretanto, o quadro de pessoal destas escolas, responsável pela formação
dos aprendizes, compunha-se, por um lado, de professores especializados que
saíam do ensino primário, sem experiência na área do ensino profissional e, por
outro lado, de mestres que viviam do trabalho nas fábricas e não possuíam a base
teórica necessária para este tipo de ensino. Além disso, o baixo nível cultural dos
alunos, impossibilitava a formação de operários qualificados para a função de contra-
mestres, etapa fundamental para o processo de profissionalização nas fábricas.
(FONSECA, 1986)
Não obstante, todas as dificuldades, o Governo de Nilo Peçanha ao seu
término, deixa em funcionamento um modelo de ensino profissional relativamente
próximo ao atendimento das exigências desta nova etapa da produção capitalista.
Decreto no.7566. de 23 de Setembro de 1909:
(...) “ O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, em execução da
lei no. 1606, de 29 de Dezembro de 1906:
Considerando que:
- o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às
classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta
pela existência;
- para isso se torna necessário, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho
profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos
primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à nação. (...)”.
52
(...)” Art. 6
o
– Serão admitidos os indivíduos que o requererem dentro do prazo
marcado para a matrícula e que possuírem os seguintes requisitos, preferidos os
desfavorecidos da fortuna:
a) idade de dez anos no mínimo e de treze anos no máximo;
b) não sofrer o candidato moléstia infecto-contagiosa, nem ter defeitos que o
impossibilitem para o aprendizado do ofício. (...). (FONSECA, 1986 Op. Cit.
pp.177-178).
O Governo seguinte do marechal Hermes da Fonseca, mantém o
funcionamento das escolas com algumas modificações na lei:
- obrigatoriedade de curso de desenho para todos os alunos do curso primário;
- regime de externato com o período de quatro anos de aprendizagem;
- limites de idade alterando-se para doze anos para o mínimo e 16 anos para o
máximo no processo de entrada para a escola;
- contribuição de 600 para 800 réis para alunos do 3
o
e 4
o
anos, respectivamente,
destinando-se uma parte desta renda para um fundo conhecido como Caixa de
Mutualidade ou Associações Cooperativas.
O novo regulamento prevê em seus artigos uma maior preocupação com a
questão da higiene e salubridade das escolas, que, ao exigir as condições mínimas
para o funcionamento das mesmas, como água potável, ventilação franca,
iluminação solar, locais espaçosos, etc., demonstra o estado precário destas
instalações. (FONSECA, 1986, p.186)
Esta orientação geral dada à aprendizagem de ofícios encontra continuidade
durante o mandato de Venceslau Brás, a partir de 1914, que mantém como
53
justificativa para o emprego de recursos, nesta área, a necessidade de retirar os
jovens da criminalidade, da vagabundagem e do alcoolismo. Além disso, com o início
da 1
a
Guerra Mundial, viu-se o país obrigado a suprir suas necessidades internas,
agravadas pela diminuição das exportações e importações. Este período é marcado
por uma expansão da indústria que revela ao mercado mais de 5.936
estabelecimentos, empregando um total de 12.124 trabalhadores entre os anos de
1915 e 1919. (FONSECA, 1986)
Mais uma vez, a legislação atua como instrumento de regulamentação e
adequação deste quadro sócio-econômico. O Congresso Nacional impõe alguns
requisitos para o funcionamento das escolas profissionais: o curso primário passa a
ser obrigatório para todos os alunos; a idade mínima para a matrícula cai de doze
para dez anos e os alunos receberiam, anualmente, 10% da renda das escolas como
prêmio.
Não obstante, as exigências trazidas por este novo momento por que passa o
país, a estrutura de formação e preparação destes novos trabalhadores ainda é
bastante precária. As dificuldades têm início na baixa qualificação dos professores e
mestres, o que obrigou o Estado a criar em 1917 a Escola Normal de Artes e Ofícios,
atendendo a todo o país. Além disso, o nível de pobreza das famílias dos jovens
aprendizes provocaria um alto índice de evasão escolar, com boa parte dos alunos
preferindo o emprego imediato, após a 3
a
ou 4
a
séries do curso profissional, nas
fábricas ou oficinas, entrando em competição direta com os operários mais antigos
que prescindiram dos cursos profissionais.
Diante da situação precária em que se encontrava o desenvolvimento do
ensino industrial no Brasil, o Governo Federal cria em 1920 uma comissão de
54
técnicos especializados, conhecida como Serviço de Remodelação do Ensino
Profissional Técnico. Esta comissão, encarregada de levantar as principais
dificuldades deste ramo de ensino, teve como tarefa a aplicação de várias medidas,
objetivando a reorganização das escolas técnicas e do serviço por elas prestado, tais
como: a contratação de profissionais brasileiros ou estrangeiros, capazes de
participar deste processo, melhorias dos prédios e instalações das escolas, edição
de livros ligados à ciência dos ofícios etc. (FONSECA, 1986)
A partir de 1920, o Serviço de Remodelação adota o currículo de seis anos
para a aprendizagem de ofícios, com as três primeiras séries destinadas à
alfabetização e aos trabalhos manuais, e as três últimas destinando-se aos cursos de
marceneiros, entalhadores ou carpinteiros, funileiros, serralheiros, forjadores,
mecânicos ou fundidores, impressores ou compositores e modeladores ou
estucadores. (FONSECA, 1986)
Esta nova etapa do desenvolvimento do ensino industrial no Brasil vê
consolidar-se o anseio de industrializar as escolas federais, através de um ato
assinado a 13/11/1926 pelo então Ministro da Agricultura, Miguel Calmon de Pin e
Almeida, que autorizara os diretores das escolas a aceitar encomendas das
indústrias, que se comprometeriam a pagar a mão-de-obra e fornecer a matéria-
prima, além de remunerar os mestres e contra-mestres pelas horas extras de
trabalho.
A efetivação desta lei denota o caráter unificador proposto pela Comissão de
Remodelação do Ensino Industrial que, não obstante ter boa parte de suas
sugestões negadas pelo poder público, consegue se impor, principalmente no que se
55
refere ao caráter de continuidade e nacionalização do currículo para a aprendizagem
de ofícios.
Neste cenário político, a Câmara e o Senado aparecem como lugares centrais
para a ação pela regulamentação e expansão do ensino industrial. Depois de
sucessivos fracassos, manifestados por projetos de lei que não entraram em vigor ao
final de década de 1920, dois projetos têm a maior parte de suas sugestões acatada:
o projeto de Alcindo Guanabara e o de José Cãndido de Albuquerque Mello Mattos.
Este último, apesar de organizar seu projeto substitutivo sob o Governo de Epitácio
Pessoa, só pode vê-lo executado na Presidência de Artur Bernardes, com a criação
do Conselho de Assistência e Proteção aos Menores, o Abrigo de Menores e os seus
respectivos regulamentos. (FONSECA, 1986)
Além da criação destas instituições, Mello Mattos foi também o responsável
pela redação e aplicação do Código de Menores, que consolidaria a legislação
anterior, através do Decreto 17943-A de 12/10/1927, sob a Presidência de
Washington Luis. Em seu artigo 211, o Código prevê:
Art. 211 – Aos menores será ministrada educação física, moral, profissional e
literária.
(...) 3
o
– A educação profissional consistirá na aprendizagem de uma arte, de um
ofício, adequado à idade, força e capacidade dos menores e às condições do
estabelecimento. Na escolha da profissão a adotar o diretor atenderá à
informação do médico, procedência, idade, força e capacidade dos menores e às
condições do estabelecimento. Na escolha da profissão a adotar o diretor
atenderá à informação do médico, procedência urbana ou rural do menor, sua
inclinação, à aprendizagem adquirida anteriormente ao internamento, e ao
provável destino.
(Código de Menores, Apud. FONSECA, 1986,p. 222)
56
Este contexto nos revela que através do Estado manifestam-se diferentes
segmentos da sociedade (medicina, política, direito, imprensa etc.) interessados no
processo de regulamentação das crianças e jovens das classes populares, seja pela
via do enquadramento punitivo, ou por meio da inculcação da noção de moralidade,
devidamente associada ao mundo do trabalho
A própria efetivação daquilo que prevê o Código de Menores permitiu a
criação de uma série de estabelecimentos para a internação de abandonados e
delinqüentes. Além do abrigo de menores, participam desta relação: a Escola Quinze
de Novembro, criada desde 1899, a Casa de Preservação para o sexo masculino, a
Casa de Prevenção e Reforma, depois Escola Alfredo Pinto e a Escola João Luiz
Alves, inaugurada em novembro de 1926, que oferecia, também, aos seus alunos, a
aprendizagem de ofícios. (FONSECA, 1986)
Os limites de idade giravam entre sete e dezoito anos para a entrada em
qualquer destes estabelecimentos. No sentido de tornar mais abrangente a política
de internalização desses menores, o Juiz Mello Mattos cria dois asilos para menores
abandonados ou mendicantes (Casa Maternal Mello Mattos – 1942 e Recolhimento
Infantil Artur Bernardes – 1926) que estivessem entre um e meio e sete anos.
Como parte integrante do campo onde se insere a infância e a juventude
pobres neste período, deve-se destacar a tensão estabelecida entre os meios
empresariais do Rio de Janeiro e São Paulo, a partir da efetivação do Código de
Menores na regulamentação do trabalho do menor, e o Estado.
O Código regula o horário de trabalho dos menores na indústria, o limite
mínimo de 14 anos para entrada no trabalho, além de se ocupar com os problemas
57
ligados à higiene do trabalho e à educação dos menores, já parte integrante das leis
anteriores de 1891 e 1917. (ALVIM, 1985, p. 407)
As questões centrais, objeto de discussão e até mesmo de desobediência por
parte dos empresários, representados através de suas associações de classe,
encontram-se nas partes do Código que definem: o limite de 14 anos para o ingresso
no trabalho, a jornada de seis horas e a proibição do trabalho noturno.
As duas primeiras décadas do século XX colocam questões importantes para
a configuração do campo em que se formula o ensino industrial no Brasil:
- a entrada do Brasil no processo de implementação do capitalismo e a expansão
do setor industrial criam uma série de exigências em relação à questão da
profissionalização da mão-de-obra operária, obrigando o Estado a se posicionar
ainda que de forma incipiente, na regulamentação do ensino técnico, inserindo-o
nos currículos da escola formal e tornando-o parte do ensino obrigatório. Além
disso, industrializa as escolas federais, reconhecendo sua capacidade de
qualificação profissional e qualificando, de certa forma, os profissionais que
ministram os cursos técnicos;
- a variação dos limites de idade que se intercalam entre os limites mínimos de 10
a 12 anos e no limite máximo de 16 anos para o ingresso no curso primário
indicam uma reformulação das etapas referentes à infância e à adolescência para
os jovens das classes populares, principalmente através da regulamentação
jurídica, que os vincula às instituições de moralização da conduta e preparação
para o trabalho;
58
- uma das questões mais importantes para a análise da constituição da
aprendizagem de ofícios como categoria social, diz respeito ao fato histórico e
marcante que a direciona às crianças e aos jovens das classes populares. Com o
processo de industrialização crescente e a necessidade de sistematização e
regulamentação que passam a ser exigidos a este tipo de ensino, tem início um
processo de segmentação de alguns setores da classe operária que passam,
mais tarde, a se distinguirem pelo tipo de formação profissional obtida.
I.8 - A Atuação do Governo Vargas
A criação da Lei Orgânica do Ensino Industrial, do SENAI e do CBAI, além da
atuação dos órgãos públicos ligados ao Exército, à Marinha e às Estradas de Ferro,
caracterizam-se como as principais iniciativas de um programa de governo que, na
busca de sua definição perante os setores mais importantes da sociedade, constrói
um caminho que pode ser analisado em contraponto às primeiras tentativas de
organização do ensino de ofícios no Brasil, através da administração de D. João VI,
no início do século XIX. Ou seja, podemos perceber todo um quadro favorável á
organização e ao desenvolvimento deste tipo de ensino, considerando o período de
expansão da indústria.
A partir de 1930, o Governo Provisório assume o poder e estabelece várias
alterações. O Ministério da Instrução Pública passa a Ministério da Educação e
Saúde Pública ao qual ficam subordinadas as escolas federais e as escolas de
aprendizes e artífices. Além disso, o Serviço de Remodelação Profissional passa a
59
ser Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, subordinado ao Ministério supra
citado. Esta Inspetoria tem como função dirigir, orientar e fiscalizar todos os serviços
relativos ao ensino profissional técnico e às escolas de aprendizes. Em 1934, a
Superintendência do Ensino Profissional substitui esta Inspetoria.
A instalação do Ministério da Educação e Saúde Pública como uma das
iniciativas nesta área traz em seu conteúdo a palavra educação em substituição a
palavra instrução, característica da fase anterior. Esta mudança formal sinaliza uma
nova visão do Estado sobre a questão do ensino de ofícios, delimitando o campo de
sua abrangência e o tipo de ação dispensada por parte dos poderes públicos, no que
se refere à regulamentação da conduta dos agentes que atuam nesta área.
A centralização e o controle das ações do Governo sobre as escolas federais
e sobre as escolas de aprendizes e artífices ou sindicais, mantidas por
estabelecimentos industriais ou pelo sindicato dos empregadores, caracterizam-se
como outra estratégia de grande importância, que viabilizará a distribuição de
recursos na área da educação, além de fornecer ao Estado a direção, orientação e
fiscalização de todos os serviços relativos ao ensino profissional e técnico, tanto os
referentes às escolas de aprendizes artífices, como àqueles que dissessem respeito
a outros quaisquer estabelecimentos ou instituições que recebessem subvenção,
prêmio ou auxílio do Governo Federal por ministrarem ensino profissional.
(FONSECA, 1986, p. 225)
Sobre as lutas que se estabelecem entre os atores sociais deste campo,
destacamos a atuação dos empresários no processo de regulamentação das
condições de trabalho impostas pelo Código de Menores, que define: o limite de 14
anos para o ingresso no trabalho, a jornada de 6 horas e a proibição do trabalho
60
noturno. Diante do descumprimento contínuo destas leis por parte das indústrias, o
Juíz de Menores do Rio de Janeiro, Mello Mattos assume destaque na aplicação
efetiva das sanções previstas pela lei. (ALVIM, 1985)
O Governo Constitucional (1934 a 1937), apesar de ainda se estabelecer sob
as bases do autoritarismo, incorpora à sua política voltada para o ensino industrial,
importantes modificações, principalmente no que se refere a normatização destas
ações:
ART. 129 – À infância e a juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos
Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de
ensino em todos os seus graus a possibilidade de receber uma educação
adequada às suas facilidades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos
favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe
dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e
subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou
associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da
sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus
operários ou de seus associados.
A Lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao
Estados sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a
lhes serem concedidos pelo poder público. (Constituição de Novembro de 1937.
Apud. FONSECA, 1986, pp.230-231)
A profissionalização e qualificação dos menores aprendizes e dos
trabalhadores empregados nas fábricas tornam-se cada vez mais uma questão
emergente no Governo Getúlio Vargas. Através de alguns decretos, referendados
especialmente pelos Ministros Waldemar Falcão e Gustavo Capanema, responsáveis
61
pelas pastas do Trabalho e da Educação, respectivamente, este governo cria
algumas iniciativas, como os cursos de aperfeiçoamento profissional para
trabalhadores (adultos e menores) nas empresas com mais de 500 empregados,
com a participação do Estado, as quais precedem o Decreto-Lei No. 4048 de
22/01/1942, criando o serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Esta
instituição fará parte de uma série de iniciativas do Governo, no sentido de estruturar
o ensino técnico-industrial no Brasil.(FONSECA, 1986)
A política educacional do Estado Novo legitimou a separação entre o
trabalho manual e o intelectual, erigindo uma arquitetura educacional que
ressaltava a sintonia entre a divisão social do trabalho e a estrutura escolar, isto é
um ensino secundário destinado às elites condutoras e os ramos profissionais do
ensino médio destinados às classes menos favorecidas. Outra característica
desse período é o papel central do Estado como agente de desenvolvimento
econômico. A substituição de um modelo agroexportador pelo modelo de
industrialização (incentivado pelo processo de substituições de importações na
produção de bens duráveis e bens de capital) foi realizada mediante pesados
investimentos públicos na criação da infra-estrutura necessária ao
desenvolvimento do parque industrial brasileiro. (MANFREDI, 2002, p. 95)
Por outro lado, refletindo a ação do Estado sobre a indústria de base, o
Decreto-Lei 4984 de 21 de Novembro de 1942, passa a obrigar as empresas oficiais
com mais de cem empregados, a manter por conta própria, uma escola ou sistema
de escolas de aprendizagem destinadas à formação profissional de seus aprendizes
e ao ensino de continuação e de aperfeiçoamento e especialização de seus
trabalhadores, podendo essas escolas, para efeito de administração de seu ensino,
articular-se com o sistema de escolas do SENAI. Foi a contar de então que
62
começaram a organizar-se as Escolas Técnicas Federais. (ROMANELLI, 1998,
p.167)
Observa-se que a partir deste período definem-se as políticas educacionais
voltadas para o ensino profissional no Brasil. Este quadro revela uma forte
segmentação entre o chamado ensino básico oferecido pelas escolas formais e o
ensino profissionalizante, cada vez mais concentrado nas Escolas Técnicas Federais
e nas Escolas do SENAI. Dentro deste campo do ensino profissional forma-se um
segmento diferenciado de jovens trabalhadores que ocupará um determinado espaço
no mercado de trabalho. Espaço este que se definirá como um elemento de
separação em relação aos outros grupos de jovens trabalhadores que não possuem
o mesmo tipo de formação, e que, portanto, reproduzem posições de desqualificação
em relação às exigências colocadas pelas mudanças no modo de produção
capitalista. Ou seja, além de legitimar a separação entre o trabalho manual e o
trabalho intelectual como bem observa (MANFREDI, 2002) o Estado Novo solidifica
um tipo de formação profissional que tende a distinguir diferentes grupos de jovens
trabalhadores.
Seguindo a orientação concernente ao ensino básico das escolas primárias,
também o ensino profissional existe sem uma orientação uniforme em todos os
Estados, neste período. Apenas as escolas federais eram regulamentadas pela
união. As escolas estaduais e municipais ou particulares eram regulamentadas
segundo as normas estaduais ou regionais. Sendo assim, tornava-se muito mais
difícil o controle e a distribuição de ações federais sobre o ensino industrial, dado o
seu caráter fragmentário e descontínuo.
63
O conjunto de medidas adotado pelo Ministro da Educação e Saúde Pública
do Presidente Getúlio Vargas caracterizou-se como um marco para a definição do
quadro em que se situa atualmente o ensino técnico-industrial no Brasil.
Através da implementação da Lei Orgânica do Ensino Industrial em 1942,
Capanema viabiliza uma série de medidas relativas à regulamentação dos cursos, à
organização da rede de escolas federais, à elevação dos cursos industriais ao nível
secundário, além de criar a possibilidade de acesso a alguns cursos superiores aos
portadores de diploma de um curso técnico.
Estas e outras medidas, relativas à formalização do ensino industrial,
permitem ao Ministro Capanema organizar as bases para uma nova política
educacional no país, na medida em que registra e atualiza a entrada do Brasil numa
nova etapa do desenvolvimento econômico.
Neste sentido, alguns setores do Governo Vargas, especialmente
representados na figura do Ministro da Educação, Gustavo Capanema, já vinham se
mobilizando de forma a organizar o processo em que se insere a prática da
aprendizagem de ofícios no Brasil. Extremamente vinculado às políticas trabalhistas
de ordenação e controle do movimento operário, este Governo empreendeu uma
série de normas que visaram a solidificar o papel do Estado como definidor destas
ações.
A necessidade de definir novos parâmetros para a aplicação das ações do
Governo na área do ensino de ofícios estabelece a criação da Lei Orgânica do
Ensino Industrial, através do Decreto Lei No. 4073 de 30/01/1942. Esta lei unifica
este ramo de ensino em todo o país, estabelecendo como objetivo atender à
64
preparação profissional dos trabalhadores da indústria, dos transportes, das
comunicações e da pesca. (FONSECA, 1986)
Além disso, a partir desta lei, o ensino industrial eleva-se à categoria de
ensino secundário, definindo, através de um dos artigos da Lei Orgânica, que os
alunos das escolas industriais portadores de diploma de um curso técnico poderiam
ingressar em escolas superiores diretamente relacionadas aos cursos concluídos.
Os cursos industriais, com duração de quatro anos, seriam destinados a
formar artífices altamente qualificados. O candidato deveria ter entre doze e
dezessete anos, curso primário completo, estar sujeito a exames médicos e
vestibulares. Além disso, o aluno se submeteria a uma seleção psicotécnica,
introduzida pela primeira vez nas escolas federais. (FONSECA, 1986).
Os cursos de mestria e artesanais não lograram êxito. A aprendizagem se
destinava aos menores que já trabalhavam nas fábricas e oficinas. Passou este tipo
de ensino a ser atribuição do SENAI. Os cursos técnicos estabeleceram a ligação
entre os ensinos industrial e secundário, permitindo a entrada de alunos de maior
renda a este tipo de ensino, pois poderiam se inscrever nestes cursos, sujeitos ao
vestibular, tanto aqueles que houvessem terminado um curso industrial, quanto
àqueles que, seguindo o ensino secundário, tivessem completado o ginasial.
Os cursos pedagógicos que se destinavam à formação de professores e
funcionários para o ensino industrial funcionavam de forma precária, tendo sido
instalados somente a partir de 1952. Além desses cursos, a Lei Orgânica previa a
instalação de cursos extraordinários que visavam à requalificação de trabalhadores
empregados nas fábricas.
65
No âmbito da Lei Orgânica, Capanema estabelece as bases de funcionamento
da rede federal de escolas de ensino industrial, instituindo as escolas técnicas e
industriais, através do Decreto No. 4127 de 25/02/1942. (FONSECA, 1986)
Como vimos até 1941, a organização do ensino profissional era bastante
diferenciada, cabendo tanto a iniciativas públicas como privadas. As leis
orgânicas instituídas com a reforma de Gustavo Capanema, a partir de 1942,
redefiniram os currículos e as articulações entre cursos, ramos, ciclos e graus.
Por razões econômicas (a formação de força de trabalho que possibilitasse a
realização do projeto de desenvolvimento assumido pelo Estado Novo) e
ideológicas (montar um quadro geral e simétrico que abrangesse todos os tipos
de ensino), o sistema escolar passou a ter a seguinte configuração:
O ensino primário, com quatro ou cinco anos de duração, destinava-se a
todas as crianças de 7 a 12 anos (Decreto-Lei 8.529, de 2 de janeiro de 1946).
O ensino médio, para jovens de 12 anos ou mais, compreendia cinco
ramos. O ensino secundário (Decreto-Lei 4.244, de 9 de abril de 1942) tinha por
objetivo formar os dirigentes, pelo próprio ensino ministrado e pela preparação
para o superior. Os demais ramos do ensino médio tinham a finalidade de formar
uma força de trabalho específica para os setores da produção e da burocracia: o
ensino agrícola para o setor primário; o ensino industrial para o setor secundário;
o ensino comercial para o setor terciário; o ensino normal para a formação de
professores para o ensino primário. Cada ramo de ensino estava dividido em dois
ciclos, o primeiro propedêutico ao segundo. O 1
o
Ciclo do ensino secundário, o
ginásio, era propedêutico ao 2
o
Ciclo respectivo, o colégio, e também aos
segundos ciclos dos demais ramos. O mesmo não se dava, entretanto, com os
primeiros ciclos dos ramos profissionais, preparatórios apenas para seus
respectivos segundos ciclos. (MANFREDI, 2002, p. 99)
Depois de algumas iniciativas no sentido de dar continuidade a sua política de
estruturação do ensino industrial no Brasil, que representou a construção de uma
nova concepção nesta área, o Ministro Capanema vê-se obrigado a interromper sua
ação com a deposição do Presidente Getúlio Vargas, em 29 de Outubro de 1945.
66
Além da ação de parlamentares, empresários e do próprio Estado como atores
sociais diretamente responsáveis pela definição de uma política social voltada para a
valorização do trabalho operário, há ainda por parte dos sindicatos dos trabalhadores
uma efetiva exigência de expansão dos estabelecimentos de ensino industrial e de
maior participação das empresas no processo de requalificação de seus
empregados.
O ensino superior permaneceu com a mesma estrutura de 1931. Cada ´lei
orgânica` referia-se à articulação dos ramos de ensino em questão com o
superior. Até então, não havia a possibilidade de os concluintes de cursos não
secundários se candidatarem aos exames vestibulares. Depois dessas leis, os
egressos de cursos médios profissionais passaram a ter acesso muito restrito ao
ensino superior, podendo candidatar-se apenas aos cursos relacionados aos que
haviam feito. Os concluintes do 2
o
Ciclo do ensino secundário não tinham
restrições de candidatura. (CUNHA, Apud MANFREDI. 2000. p. 100)
A Lei Orgânica, além de trazer modificações no que se refere à
regulamentação do ensino industrial, traz também uma concepção que marca a
passagem do caráter instrucional para a implementação de uma visão moralizadora
e disciplinar, em que a formação profissional permanece cumprindo as funções de
enquadramento e reprodução dos lugares sociais ocupados pelos jovens das classes
populares.
A análise do trabalho de Celso S. da Fonseca, em relação às conseqüências
trazidas pela Lei Orgânica nos remete a uma questão importante: a criação de uma
via de acesso a determinados grupos ao ensino superior, nos remete à mudança da
indicação do ensino industrial aos desfavorecidos pela fortuna, para uma concepção
de ensino industrial que tende a estimular o aparecimento de setores mais
67
qualificados da classe trabalhadora, iniciando um processo de elitização dos
mesmos, à medida em que os trabalhadores egressos das escolas industriais, do
SENAI, etc, formam um grupo social com uma identidade construída a partir da
experiência adquirida nestes cursos.
Esta marcada separação em duas vertentes distintas para atender à
demanda bem definida da divisão social e técnica do trabalho organizado e gerido
pelo paradigma taylorista/fordista como resposta ao crescente desenvolvimento
industrial, se complementa com a criação dos sistemas SENAI, em 1942, e
SENAC, em 1946, pela iniciativa privada, como forma de atender às demandas de
mão-de-obra qualificada. É neste período, também, que as escolas de aprendizes
artífices transformam-se em Escolas Técnicas Federais, com a Lei Orgânica do
Ensino Industrial (1942).
O campo (BOURDIEU, 1989) redefine-se através das novas posições
ocupadas pelos agentes sociais representados na figura dos aprendizes dos cursos
profissionalizantes, que passam a ter acesso a um capital social (BOURDIEU, Op.
Cit., 1989) que os distingue dos outros setores da classe trabalhadora e confirma o
processo de construção de uma identidade social baseada no domínio de uma
função técnica.
A política educacional, especificamente ligada ao ensino industrial,
desenvolvida pelo Ministro Capanema, assume um certo caráter de continuidade sob
a gestão do novo Ministro da Educação, Raul Leitão da Cunha, porém com algumas
modificações ligadas ao caráter descentralizador do governo Gaspar Dutra
22
.
22
Contando com o apoio dos setores agrários e conservadores, o Governo Dutra alia-se ainda aos partidários do
trabalhismo, organizando uma espécie de frente partidária contra o chamado perigo comunista, forma de Governo
reafirmada pela Constituição promulgada em setembro de 1946. No que se refere ao setor econômico, observa-se
um claro afastamento do Estado da posição centralizadora manifestada no Governo anterior. O Estado se
posiciona de forma a controlar indiretamente o desenvolvimento da economia brasileira. Esta ausência deliberada
68
I.9- A Reconfiguração do Modelo Institucional
A Constituição de 1946 marca a expansão na esfera de atuação dos estados,
no que se refere ao cumprimento das diretrizes e bases da educação nacional, além
de criar uma Comissão de Estudos com o objetivo de analisar os diversos ramos e
graus de ensino. (FONSECA, 1986). Esta iniciativa fez parte do conjunto de ações
que, de forma geral, restringiu-se ao nível dos estudos e debates, poucas vezes
traduzindo-se em prática social.
A retomada do controle da economia por parte do Governo se inicia com o
Plano Salte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia), que objetiva a
reorganização e planejamento dos gastos públicos. Junto a essa iniciativa, abre-se
espaço para a intervenção de técnicos e empresários americanos que, em acordo
com o governo brasileiro buscam o conhecimento das bases da nossa economia e
do processo de retração sofrido por ela, a fim de criar recomendações em relação
aos nossos investimentos, o recurso ao capital estrangeiro e o desenvolvimento
do setor industrial interno, que forneceriam as bases para uma política de controle e
dependência do Brasil em relação aos países desenvolvidos.
Ainda neste mesmo período, Brasil e Estados Unidos assinam um acordo de
intercâmbio e treinamento de brasileiros e americanos, especializados no ensino
industrial e elaboram a aplicação conjunta de métodos racionais de aprendizagem e
de orientação educacional. (FONSECA, 1986). Este acordo criou um órgão
do controle da economia, se por um lado retira do Estado o papel de agente centralizador do processo de
expansão de alguns setores da economia, liberando ações e maior independência por parte da sociedade, por outro
lado abre o país a uma desmedida especulação financeira e a um crescente esgotamento das reservas financeiras,
acumuladas nos anos de guerra. (DANTAS e TEIXEIRA, 1977)
69
integrante do Ministério da Educação conhecido como CBAI (Comissão Brasileiro-
Americana de Educação Industrial) que, através desta iniciativa, realiza um programa
de cooperação, permitindo aos administradores, educadores e técnicos brasileiros
um intercâmbio com os Estados Unidos com o objetivo de estudar, participar de
palestras e conferências que complementassem sua formação para a prática de
ensino de ofícios no Brasil. A maior parte da verba era destinada pelo Governo
brasileiro prevendo um contrato de dois anos, de 1946 a 1948.
A CBAI imprimiu uma série de características ao ensino industrial,
especialmente no que se refere à metodologia de trabalho. O método de treinamento
dentro da indústria tem a função de preparar não só o aluno, mas o próprio mestre,
na realização das tarefas da fábrica. Este método direciona a aprendizagem para o
caminho da racionalização da conduta no sistema produtivo compondo-se de três
fases:
(...) na primeira, denominada “Ensino Correto de um trabalho”, se procura
fazer com que o mestre ou o supervisor aprenda como instruir os trabalhadores
sob suas ordens a respeito do que fazer e quando devem agir. A segunda fase, a
de “Relações no Trabalho”, é destinada a mostrar a melhor maneira de obter
relações harmoniosas entre o pessoal ou entre este e a administração das
empresas, e promover uma técnica de prevenção de dissenções. E na terceira,
conhecida como “Método no Trabalho”, se esclarece como deve ser eliminado
todo o desperdício de material e de esforço humano, diminuindo, assim, o
cansaço da pessoa que trabalha. (FONSECA, 1986, Op. Cit. Vol. 3, pp. 108-109).
Este método de ensino e de aprendizagem foi introduzido no Brasil em janeiro
de 1952, depois de ser divulgado para quase todos os países do ocidente, através da
70
Conferência Internacional sobre o assunto realizada pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT) em março de 1949.
Depois de doze anos de atividades, a CBAI resolve implementar ao seu
trabalho uma função mais ligada às escolas da rede federal, assumindo um caráter
técnico-pedagógico e distribuindo seus serviços por todo o país, conservando seu
escritório central no Rio de Janeiro e o Centro de Pesquisas e Treinamento de
professores, em Curitiba.
A constituição de 1946 coloca-se de forma polêmica em relação à Constituição
de 1937, no que se refere à política educacional em todo o país. De espírito
centralizador e uniforme, a Constituição de 1937 representa a direção impressa pelo
Governo Vargas, na pessoa do Ministro da Educação Gustavo Capanema,
caracterizando-se por ser uma legislação de cunho nacionalista, que visa o controle
das ações estaduais e fortalece o poder central, enquanto a Lei de 1946 dá poderes
aos estados a partir de concepções gerais, para administrarem os métodos de
ensino e a organização dos sistemas educacionais, a partir das diversidades
regionais.
A pasta da Educação, agora nas mãos do ministro Clemente Mariani, através
de relatórios feitos por uma comissão de estudos, composta por técnicos e
especialistas em educação, formula o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, que se baseia na expansão do ensino formal, desde o ensino primário até
o superior, e na descentralização dos métodos de ensino que deveriam basear-se
nas variedades regionais e estaduais.
Este Projeto tramitou durante muito tempo no Congresso Nacional, até que em
1961, foi aprovado, com muitas reformulações e com predominância dos interesses
71
privados da educação escolar – um substitutivo do Projeto inicial, apresentado pelo
Deputado Carlos Lacerda. É a LDBEN, No. 40245/1961. (TURA, 2006)
Getúlio Vargas volta ao poder em 1950 através de eleições diretas, a partir da
aliança PTB-PSD. Retomando suas antigas diretrizes de governo, Vargas institui
linhas de política econômica centralizadoras e intervencionistas, agora voltadas em
especial para os setores da indústria de base, siderúrgica e petroquímica, energia,
transporte, frigoríficos e implementos agrícolas. (...) (DANTAS e TEIXEIRA, pp. 162-
163, 1977).
Observa-se, neste segundo período do Governo de Getúlio Vargas, a
aprovação da Lei 1076 de março de 1950, que equipara o ensino industrial aos
cursos clássico e científico, permitindo a mobilidade entre os alunos das duas áreas.
Como complemento desta política, surge a Lei 1821 de março de 1953, conhecida
como Lei da Equivalência, que determina a efetivação de matrícula na primeira série
do curso clássico, ou do científico, a alunos que houvessem terminado o ginasial, ou
um curso básico ou de uma das seguintes áreas do ensino: industrial, comercial ou
agrícola, ou, então, um curso regional, ou, ainda, um curso de formação de oficiais
para as polícias militares das unidades federais, desde que fossem constituídos de
um currículo em cinco anos letivos e tivessem um mínimo de seis disciplinas do ciclo
ginasial. (FONSECA, 1986, Op. Cit. Vol. 2, pp. 41-42). Por esta Lei, cria-se o acesso
a qualquer curso superior para aqueles que completassem o segundo ciclo dos
ensinos secundário, industrial, comercial ou agrícola, desde que prestassem exame
de adaptação em pelo menos três disciplinas de formação geral do ensino formal.
O final deste período do Governo Vargas é marcado por intensos debates
quanto à reformulação do ensino industrial. A Lei Orgânica de 1942 já não
72
configurava a política de atuação do Governo em todo o território nacional. Por outro
lado, a Constituição de 1946 e seu caráter de descentralização deste ensino,
permitiu ao Estado a adequação da Lei Federal às suas respectivas Constituições
Estaduais, confirmando o caráter particularizador, em termos de regulamentação e
atuação do poder executivo que passa a comandar cada vez menos diretamente o
desenvolvimento do ensino industrial no país.
O ano de 1959 é marcado por importantes decisões por parte do Governo
Federal, no que se refere à reformulação do ensino industrial em todo o país. Pelo
decreto 47.038 deste ensino fica estabelecido:
Agora a reforma, que introduza profundas alterações no que estivera
estabelecido até então, estará completa. Dando liberdade às escolas de ensino
industrial, estaduais ou municipais, de regerem seus próprios destinos por meio
de legislação especial, desde que obedecidas as diretrizes gerais da legislação
federal, assim como às particulares de terem liberdade de organização dentro,
porém, das normas estaduais ou municipais, o Governo obedecia à Constituição
federal e no tocante às suas próprias Escolas ia ao encontro do anseio de
descentralizar a sua administração. (FONSECA, 1986, Op. Cit. Vol.2, pp. 52).
Com relação à estrutura do ensino industrial, esta nova lei mantinha sua
divisão em dois ciclos, no mesmo nível do ensino secundário. Entretanto, pela Lei
Orgânica, o primeiro ciclo abrigara vários cursos industriais básicos, com o objetivo
de formar artífices, especialistas em uma determinada atividade. Pela Lei 3.522,
todos os cursos são agrupados em um único, visando a uma formação baseada
numa cultura geral, acompanhada de uma noção de vários ofícios. (FONSECA,
1986).
73
Os cursos técnicos passam a industriais técnicos, com duração mínima de 4
anos, um ano a mais do que previa a legislação anterior.
Os cursos de aprendizagem foram mantidos com a permissão de serem
ministrados também nas escolas industriais ou técnicas, ao invés de constituírem
tarefa apenas do SENAI. (FONSECA, Op. Cit. Vol. 2, p. 57, 1986).
A década de 60 é marcada pela exigência cada vez maior de mão-de-obra
qualificada para atender ao crescimento de indústrias no Brasil. As necessidades
apresentadas pelas empresas, entretanto, não conseguem ser atendidas, pois há
uma forte defasagem entre o número de técnicos qualificados e semi-qualificados
esperados pelas indústrias e a quantidade de alunos que terminam os cursos
profissionalizantes oferecidos pelas escolas técnicas e pelo SENAI. Em 1960,
apenas 20% dos alunos matriculados nos cursos industriais básicos, em todo o país,
chegaram ao final dos mesmos. Com relação aos cursos técnicos, o número se eleva
para 70%
23
.
Obrigado a incentivar o desenvolvimento do ensino industrial no país, o
Presidente Jânio Quadros, através do seu Ministro da Educação Brígido Tinoco,
nomeia, em março de 1961, uma Comissão de Estudos da qual fazia parte o SENAI,
para o planejamento do preparo da mão-de-obra para a indústria e para o
artesanato. (FONSECA, Op. Cit. Vol. 2, p. 58, 1986).
Uma das sugestões mais importantes deste trabalho que se efetivou, diz
respeito à criação dos cursos industriais básicos, denominados ginásios
23
Estes espaços são marcados por altos índices de evasão escolar que se explicam pela falta de recursos
materiais das famílias, que não conseguem manter seus filhos durante o período dos cursos. Então, a partir dos
primeiros conhecimentos profissionais, os jovens são inseridos no mercado de trabalho, contribuindo para a
complementação do orçamento familiar. (FONSECA, 1986).
74
industriais, nas escolas secundárias em nível nacional
24
.
Ação que já havia sido adotada pelo Estado de São Paulo desde 1960, sob a
designação de cursos básicos vocacionais, os ginásios industriais revelavam uma
ação do Governo objetivando uma maior eficiência dos alunos dos cursos clássicos
ou científicos para a esfera de atuação das escolas técnicas, pois, pelo decreto
50.945, de 1961, o Estado permitia aos portadores de certificados de conclusão do 2º
ciclo secundário a matrícula na 3º série dos cursos industriais técnicos, com dispensa
das matérias de cultura geral
25
.
O último decreto assinado por Jânio Quadros na área do ensino industrial dizia
respeito ao incremento dos setores de produção das escolas federais do ensino
industrial, incentivando os serviços de oficina que lhes trouxessem renda,
revitalizando a antiga tese defendida em governos anteriores de industrialização de
escolas.
A constituição de 1946 denota a formação de um quadro em que se insere o
ensino industrial, a partir da idéia principal de descentralização da ação do Estado,
em relação à reformulação de políticas que visam o desenvolvimento deste tipo de
ensino.
24
“Os ginásios industriais (...) seguiriam o currículo do 1º ciclo do ensino secundário, com a inclusão de oficinas-
ambientes, pequenos laboratórios e bibliotecas apropriadas. Nas oficinas-ambientes os alunos executariam peças
e conjuntos, assim como experiências, para as quais seria necessário o emprego de ferramentas, materiais e
métodos racionais de trabalho (...)”. (FONSECA, 1986, Op. Cit. V. 2, p. 61).
25
“O decreto previa ainda a organização do currículo especial, de maneira que os estudos pudessem ser
realizados em regime intensivo de sete períodos de doze semanas cada um, consecutivos ou não, sendo dois deles
destinados, obrigatoriamente, a estágio na indústria. E para facilitar os que não fossem economicamente capazes
de enfrentar os ônus que a freqüência obrigatória às escolas fatalmente lhes imporia, era prevista a concessão de
bolsas por intermédio do Ministério da Educação e Cultura”. (FONSECA, Op. Cit. Vol. 2, p. 631, 1986).
75
Há uma certa continuidade, relativa à política educacional, elaborada no
período do Governo Vargas, e à ação do Ministro Capanema, em relação à
reestruturação das bases materiais e administrativas, sobre as quais se constrói
o ensino industrial, porém, no que diz respeito à presença do Estado, na
regulamentação e configuração deste campo, nota-se um progressivo afastamento
do mesmo.
Nesta nova postura assumida pelo Estado, o ensino industrial entra numa
etapa de amadurecimento, em relação a sua constituição como um ramo do ensino,
passando a estabelecer pontes de ligação entre os vários graus e ramos do ensino
no Brasil.
Entretanto, há que se relativizar essas mudanças, como foi, por exemplo, a
criação dos ginásios industriais. Numa análise mais recente da literatura, são
pensados através de um olhar crítico, principalmente quanto ao seu objetivo de
oferecer uma ocupação manual em desacordo com o grau de escolaridade, além de
toda ótica da discriminação sobre as ocupações manuais que datam da sua origem.
(MOURA CASTRO, 1994).
Na década de 70, o ensino profissional termina em nível ginasial, e se aloca
no ensino de 2º grau, com a tentativa do Estado de transformar as escolas
secundárias em escolas profissionais. (MOURA CASTRO, 1994)
A Lei 5692/71 possui como objetivos:
1
o
. mudar o curso de uma das tendências da educação brasileira, fazendo
com que a qualificação para o trabalho se tornasse a meta não apenas de um ramo
de escolaridade, como acontecia anteriormente, e sim de todo um grau de ensino
que deveria adquirir nítido sentido de terminalidade.
76
2
o
. beneficiar a economia nacional, dotando-a de um fluxo contínuo de
profissionais qualificados, a fim de corrigir as distorções crônicas que há muito
afetam o mercado de trabalho, preparando em número suficiente e em espécie
necessária o quadro de recursos humanos de nível intermediário de que o País
precisa”. (MEC-DEM: Do Ensino de 2
o
. Grau-Leis-Pareceres, 1975, Parecer 76/75,
Apud. FREITAG, 1986, p. 95)
A intenção que permeia esta lei está estreitamente vinculada ao objetivo de
designar às classes trabalhadoras um lugar intermediário entre o ensino médio e o
ensino superior. Pois, ao indicar o sentido de terminalidade em seu primeiro
parágrafo, aponta para a solução da formação técnica como uma opção em relação
ao ensino superior. Ou seja, a universidade permanece sendo o lugar para aquela
parcela da população que pode permanecer por mais tempo no sistema educacional,
e por outro lado, pode ter seus estudos custeados, sem necessariamente fazer parte
do mercado de trabalho. (FREITAG, 1986)
Quanto ao segundo parágrafo, observa-se sua intenção em atender a uma
demanda do mercado de trabalho, na medida em que se propõe investir na
qualificação de uma mão-de-obra que atenda às novas exigências colocadas por
esta etapa por que passa a economia nacional. Porém, os resultados desta política
demonstram uma forma inadequada de aplicação, pois, as escolas continuam
despreparadas, material e pedagogicamente para cumprir tais objetivos. (FREITAG,
1986)
A lei 5692/71, no que diz respeito à profissionalização compulsória, não vingou.
Sem condições objetivas de transformar todo o ensino público de 2
o
. grau, de
77
acordo com a perspectiva de articulação entre educação geral e formação
profissional (Cunha, 1997, p. 5), a lei foi sofrendo em curto período de tempo,
várias modificações, até se chegar em 1982, com a Lei 7.044, a uma solução de
compromisso, mediante a qual se repunha a antiga distinção, já presente no
Parecer MEC 76/75, entre o ensino de formação geral (denominado de básico) e
o ensino de caráter profissionalizante (pela via das habilitações específicas e
plenas, fundamentadas, respectivamente, nos Pareceres MEC 45/72 e 76/75). A
velha dualidade, que, na prática, não havia sido questionada, voltava, assim, a se
manifestar, mas agora sem os constrangimentos legais. No entanto, deixou como
legado sua contribuição para tornar ainda mais ambíguo e precário o ensino
médio e para a desestruturação do ensino técnico oferecido pelas redes
estaduais, desestruturação da qual só escaparam as escolas técnicas federais,
provavelmente em razão da relativa autonomia com que contavam, desde 1959.
(MORAES, Apud, MANFREDI, 2002, pp. 106 e 107)
A Profissionalização obrigatória termina na década de 80 com a intenção do
Governo em aumentar o número de escolas técnicas, o que acabou não se
realizando na prática.
A década de 90 traz a Lei 8069, denominada Estatuto da Criança e do
Adolescente, que, tomando por base o texto previsto na CLT, que amplia de forma
significativa o campo de oferta na área de aprendizagem, à medida em que prevê a
aprendizagem através de programas sociais oferecidos por entidades
governamentais ou não-governamentais sem fins lucrativos.
Pelo Estatuto, a formação técnico-profissional, garante bolsa de aprendizagem
ao adolescente até 14 anos e os direitos trabalhistas e previdenciários ao maior de
14 anos.
78
O conceito de aprendizagem aparece no Estatuto com a designação de
formação técnico-profissional, ministrada segundo diretrizes e bases da legislação
em vigor
26
.
Há duas formas de profissionalização: a escolar e a empresária. A
aprendizagem escolar prevê um estágio profissionalizante, bolsa de aprendizagem,
sendo realizada em escolas de artes e ofícios, escolas técnicas e profissionais, em
instituições governamentais e não-governamentais. Esta forma de aprendizagem
está prevista para o aluno que se matricula no ensino fundamental e médio, ou que
dele seja egresso, com a possibilidade de acesso a uma formação técnico
profissional específica, que não deve substituir a educação regular. Ainda dentro
desta forma de aprendizagem, destaca-se o estágio profissionalizante, como uma
fase desta aprendizagem que se realiza na empresa, porém sem que o aluno perca o
vínculo com a escola, parte fundamental deste ciclo da formação do aluno. Este tipo
de estágio pode acontecer nos três níveis de ensino.
Com relação ao ensino profissional, a Nova LDB de 1996 prevê a articulação
deste tipo de ensino com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação
continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho(...),
abrindo assim a possibilidade para que (...) o conhecimento adquirido na
educação profissional, inclusive no trabalho, possa ser objeto de avaliação,
reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. (LDB –
Capítulo III. Arts. 40 e 41. 1996)
26
A Aprendizagem é, pois, a fase primeira de um processo educacional (formação técnico-profissional) alternada
(conjugam-se ensino teórico e prático), metódica (operações ordenadas em conformidade com um programa em
que se passa do menos para o mais complexo), sob orientação de um responsável (pessoa física ou jurídica) em
ambiente adequado (condições objetivas: pessoal docente, aparelhagem, equipamento). (OLIVEIRA, 1994).
79
A década de 90 coloca questões fundamentais para a redefinição do campo
em que institui o ensino profissional no Brasil. Com as transformações provocadas
no processo produtivo, advindas da introdução de uma nova ordem econômica
internacional, faz-se necessário a reformulação do conjunto de políticas públicas
voltadas para este setor.
A necessidade de qualificação do trabalhador minimamente adequado às
exigências colocadas por um modo de produção baseado nas concepções de
flexibilidade e automatização crescentes, impõe a utilização de estratégias por parte
do Estado e da iniciativa privada frente a um contexto histórico em que estas
demandas tornam visíveis a insuficiência de um sistema escolar em que a divisão
entre o trabalho manual e o trabalho intelectual tornou-se um imperativo.
80
Capítulo II – A Construção do Conceito de Educação Profissional na Nova
Ordem Econômica
As transformações provocadas pelo processo de internacionalização das
relações sociais e os conseqüentes efeitos deste processo sobre a construção de
uma nova ordem econômica, provocam modificações diretas nas relações de
produção e propriedade, exigindo a elaboração de novos papéis sociais adequados
a este modelo econômico. A partir deste período tornam-se inexoráveis os efeitos da
mundialização econômica, através dos processos de transformação e reestruturação
da produção no mundo do trabalho.
(...) a ´globalization´ designa então uma política econômica que visa unificar o
campo econômico por todo um conjunto de medidas jurídico-políticas destinadas
a suprimir todos os limites a essa unificação, todos os obstáculos, em sua maioria
ligados ao Estado-Nação, a essa extensão. Isso define com precisão, a política
neoliberal, inseparável da verdadeira propaganda econômica que lhe confere uma
parte de sua força simbólica através da ambigüidade da noção. (BOURDIEU,
2001,p.100 e 101)
Observa-se um conjunto de mudanças diretamente relacionadas ao modelo
capitalista de cunho monopolista, enfatizadas pela chamada reestruturação produtiva
das relações de produção e pela ênfase nas noções de competitividade e qualidade
das atividades laborais. (SANTANA e RAMALHO, 2004)
As práticas sociais resultantes deste quadro demonstram-se articuladas a um
modelo de produção automatizado, em que os componentes da chamada cultura da
81
informatização e do conhecimento imperam sobre as formas de organização e
controle das operações responsáveis pelo funcionamento dos meios produtivos.
Com a crise anunciada do modelo fordista, baseado na especialização das
atividades produtivas e na constituição de um perfil de trabalhador desvinculado do
processo produtivo, desenha-se um novo modelo econômico, muitas vezes
identificado com o toyotismo ou modelo japonês, calcado nas concepções de
flexibilização e automação da esfera produtiva, em que o trabalho passa a
desempenhar novo papel, em alguns casos identificado com um modelo de produção
baseado nos critérios de flexibilização e racionalidade, em que novos padrões de
consumo impõem diferentes formas de organização produtiva. (SANTANA e
RAMALHO, 2004)
Braverman (1977) levanta a questão da desqualificação progressiva como
conseqüência do processo de aprofundamento da divisão do trabalho no sistema
capitalista, em que a simplificação das atividades exigiria um grau de especialização
maior, a partir das demandas colocadas pelo setor produtivo.
Dessa forma os avanços tecnológicos tenderiam a produzir um tipo de mão-
de-obra altamente qualificado e adequado ao conjunto de transformações inerentes
ao sistema e um outro tipo de mão-de-obra, resultante da desqualificação
progressiva, cada vez mais distante dos setores de ponta da produção. (SANTANA e
RAMALHO, 2004)
Castells (1995) aponta para uma reformulação das relações de trabalho
imposta pelas novas condições da produção, no que se refere aos efeitos da
automação tecnológica e na qualificação do trabalhador, baseada na polivalência
dentro do sistema de produção, atingindo várias formas de ocupação, em que o
82
trabalhador ainda não se adequou de forma satisfatória a esta nova demanda da
indústria.
Neste sentido, o autor demonstra que o conhecimento e a informação
exercem papéis centrais em todo o sistema econômico de organização da
sociedade, promovendo uma profunda integração entre os aspectos político,
ideológico, cultural etc., como formas de interação social.
Estamos diante de um quadro marcado por inúmeras contradições. Ou seja,
ao mesmo tempo em que se constitui um modelo econômico estruturado sobre os
critérios da flexibilização e automação das relações de produção, exigindo um perfil
de trabalhador capaz de lidar com os diferentes setores da produção, de forma
polivalente e multifuncional, temos, por outro lado, a manutenção de atividades
complementares, executadas na periferia do sistema e que, ainda utilizam mão-de-
obra pouco qualificada e despreparada para lidar com os efeitos do processo de
mudanças tecnológicas em curso especialmente a partir dos anos de 1970.
Entretanto, a lógica deste modelo econômico parece indicar que estas áreas
periféricas da produção tendem a integrar uma nova estrutura produtiva à medida
que os efeitos dos avanços tecnológicos ampliem seu grau de extensão e comecem
a formar novos segmentos dentro dos setores produtivos.
Ferreti(1993) chama a atenção para a dificuldade de incorporação dos novos
sistemas de automação por parte do setor industrial, o que acaba privilegiando a
formação técnica de um número reduzido de trabalhadores, em detrimento dos
83
grupos que permanecem excluídos dos sistemas de treinamento e qualificação
executados pelas empresas.
1
Considerando o quadro em que se instalam as bases para a formulação de
uma nova ordem econômica e suas conseqüências sobre os meios produtivos e as
relações de produção, temos como imperativo a noção de que o investimento na
educação formal, através da ênfase na formação geral e numa educação profissional
qualitativa são condições essenciais para a construção de um cidadão autônomo,
capaz de administrar suas possibilidades de ingresso no mercado de trabalho e/ou a
continuidade do seu processo de formação.
1
A população com baixa escolarização torna-se vítima da exclusão social, configurando assim, um círculo
vicioso, no qual a pobreza e a baixa capacitação profissional atuam diretamente neste processo. Ou seja, apesar
da ineficiente formação oferecida pela educação básica, observa-se que esta acaba se tornando a única forma de
capacitação do trabalhador que tende a assumir os riscos deste novo sistema de produção que exige um novo tipo
de qualificação. (FERRETI, 1993)
84
II.1 – A Década de 1990 e os Novos Rumos da Educação Profissional no Brasil.
A década de 1990 é um marco na história do ensino profissional no Brasil. A
partir deste período como observa Manfredi (2002) constitui-se uma nova
institucionalidade no campo em que interagem os diversos atores sociais,
responsáveis pela construção e aplicação das políticas públicas voltadas para o
processo de profissionalização da mão-de-obra egressa do ensino técnico.
Há uma nova concepção pedagógica em curso. As demandas impostas pelo
campo econômico criam exigências que se confrontam com as disputas políticas em
torno das ações empreendidas nesta área.
No âmbito legal definem-se duas diretrizes fundamentais para a
regulamentação das instituições públicas e privadas de Educação Profissional: A
Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Decreto Federal 2.208/97.
A incorporação da categoria social Educação substitui o conceito de Ensino,
ampliando, pelo menos em tese, a esfera de atuação desta modalidade de ensino,
com a proposta da criação de um modelo de escola diferenciado.
No âmbito do governo federal, há que destacar a existência de dois projetos
distintos: o do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Ensino Técnico
– Sentec (hoje Secretaria da Educação Média e Tecnológica – Semtec), e outro
do Ministério do Trabalho. Por meio do Sefor – Secretaria de Formação e
Desenvolvimento Profissional. No âmbito da sociedade civil, várias entidades de
profissionais da educação, de pesquisa, ONGs e entidades do movimento popular
e sindical organizaram-se no Fórum em defesa da Escola Pública. (MANFREDI,
2002,p. 114)
85
O projeto de Educação Profissional instalado neste período foi fruto de um
processo de discussão, liderado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento
Profissional, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, com a participação de
instituições empresariais, trabalhadores e organizações educativas.
Neste sentido, constituiu-se um Plano Nacional de Educação Profissional, em
que o público alvo definiu-se entre os alunos ingressantes no ensino médio, mas
também entre os trabalhadores empregados formalmente e os desempregados,
egressos de uma escolarização precária, desqualificados portanto, para o mercado
de trabalho, formado a partir de transformações tecnológicas e por mudanças nas
relações de produção. (MANFREDI, 2002)
Segundo Manfredi (2002) este projeto articula o saber de formação geral ao
saber técnico, formulando uma concepção pedagógica estruturada sobre um perfil de
trabalhador plural e capaz de aliar os conhecimentos básicos e sua inserção na
cultura ao conhecimento prático, adquirido pela experiência profissional.
Por outro lado, o Ministério da Educação e Cultura, através da sua Secretaria
Nacional de Ensino Técnico (Senete) elabora também na década de 1990, a
proposta do Sistema Nacional de Educação Tecnológica.
Esta proposta abarcaria todas as instituições de ensino técnico, públicas e
privadas, oferecendo os seguintes cursos:
- qualificação ocupacional dirigida a adolescentes e adultos que não tiveram
oportunidade de freqüentar a escola regular e aos que, completando o primeiro grau,
queiram ter formação específica para o exercício de uma ocupação,
independentemente da formação escolar;
86
- educação prática em nível de primeiro grau, integrada ao currículo de primeiro grau;
poderá ocorrer de diversas formas, incluindo sondagem de aptidões e iniciação para
o trabalho, propiciando experiências práticas na área tecnológica;
- formação técnica de nível médio, oferecida nas escolas de segundo grau, que
ofertam profissionalização em áreas definidas (Escolas Técnicas); essa formação
supõe que os conhecimentos técnico-científicos se respaldam na educação geral;
- formação técnica de nível superior, destinada à preparação de tecnólogos pelo
domínio de métodos e processos de trabalho adquiridos mediante disciplinas
específicas, práticas em laboratórios, em oficinas e estágios;
- formação profissional superior oferecida pelas universidades nos cursos plenos,
que propiciam formação geral mais abrangente, preparando ´não só para o exercício
profissional, como também para a investigação científica.
A espinha dorsal do Sistema é formada pela rede de Centros Federais de
Educação Tecnológica – Cefets; a essas unidades articular-se-ão, a partir das
mesmas políticas, objetivos e normas, entidades associadas, universidades e
escolas isoladas com ensino de engenharia, escolas agrotécnicas e técnicas
estaduais e municipais, Senai, Senac e demais instituições particulares voltadas para
o ensino técnico.
Os Cefets, unidades centrais do sistema, oferecerão cursos de nível médio,
superior e pós-graduação e fornecerão assistência técnica às unidades
descentralizadas de segundo grau. (KUENZER, Apud MANFREDI, 2002, p.118 e
119)
87
Este projeto configurou-se mais tarde como base para a reforma do ensino
médio e técnico, transformada no Projeto de Lei 1.603/96 e, em seguida, no Decreto
2.208/97.
O uso feito destas propostas demonstrou mais uma vez a chamada dualidade
estrutural (KUENZER, 1997) instituída historicamente no processo de construção da
Educação Profissional no Brasil. Portanto, mais uma vez estamos diante do
atendimento emergencial dos interesses políticos dos setores empresarias, em
detrimento de um modelo de Educação Profissional de caráter democrático,
almejado pelas entidades representantes da sociedade civil.
Da perspectiva da noção de campo (BOURDIEU, 1989), observa-se o
reposicionamento da concepção pedagógica relativa à Educação Profissional de
acordo com os interesses dominantes, que impõem exigências no processo de
formação do trabalhador técnico de acordo com os seus interesses imediatos,
secundarizando desta forma, um processo efetivo de qualificação destes
trabalhadores à medida que se tornam claros os avanços tecnológicos.
Por outro lado, os atores sociais sujeitos da dominação, adentram o espaço
escolar na busca por uma formação condizente com aquilo que lhes exige o mercado
de trabalho. Incluídos por absorção do sistema escolar, permanecem excluídos de
um modelo de ensino compatível com a qualidade exigida pelos postos centrais do
mercado de trabalho, assim como, da possibilidade de acesso ao ensino superior
como uma das opções possíveis na construção da sua trajetória social.
(...) Com efeito, depois de um período de ilusão e mesmo de euforia, os novos
beneficiários compreenderam, pouco a pouco, que não bastava ter acesso ao
ensino secundário para ter êxito nele, ou ter êxito no ensino secundário para ter
88
acesso às posições sociais que podiam ser alcançadas com os certificados
escolares (...), em outros tempos, ou seja, nos tempos em que seus pares sociais
não freqüentavam o ensino secundário. (...)
(...) Em suma, a crise crônica – a que dá lugar a instituição escolar e que
conhece, de tempos em tempos, manifestações críticas – é a contrapartida dos
ajustamentos insensíveis e, muitas vezes, inconscientes das estruturas e
disposições, através das quais as contradições causadas pelo acesso de novas
camadas da população ao ensino secundário, e até mesmo ao ensino superior,
encontram uma forma de solução. Ou, em termos mais claros, embora menos
exatos, e, portanto mais perigosos essas disfunções são o preço a pagar para
que sejam obtidos os benefícios (especialmente políticos) da democratização.
(BOURDIEU, Apud, NOGUEIRA e CATANI, 1998)
II.2 – As propostas Organizadas pelos Representantes da Sociedade Brasileira
Através do Fórum de Defesa da Escola Pública, as entidades profissionais de
educação e alguns setores da sociedade organizada propunham um modelo de
escola baseado na integração entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura,
valorizando desta forma a concepção de escola básica unitária. (MANFREDI, 2002)
A escola básica unitária será constituída de um nível elementar, com o objetivo de
propiciar a aquisição dos instrumentos básicos necessários à compreensão e à
participação na vida social e produtiva, e um secundário, básico e fundamental,
em que o jovem deverá ter condições para a formação da autodisciplina
intelectual e da autonomia moral, comportamentos indispensáveis ao homem
omnilateral, e a formação técnico-científica e tecnológica necessária à
especialização posterior. Assim, a escola unitária básica propiciará a aquisição:
. dos princípios científicos gerais sobre os quais se fundamenta o processo
produtivo;
. das habilidades instrumentais básicas, das formas diferenciadas de linguagens
próprias das diferentes atividades sociais e produtivas;
89
. das categorias de análise que propiciam a compreensão histórico-crítica da
sociedade e das formas de atuação do homem, como cidadão, sujeito e objeto da
história;
Esta forma de organizar a escola e o sistema de ensino tem por finalidade,
pela unificação entre cultura e trabalho, a formação de homens desenvolvidos
multilateralmente, que somem à sua capacidade instrumental as capacidades de
pensar, de estudar, de criar, de dirigir ou de estabelecer controles sociais sobre
os dirigentes.
(KUENZER, Apud, MANFREDI, 2002, p. 120-121)
Esta proposta, organizada pela sociedade civil, através de seus órgãos de
representação, objetiva a clara junção entre a formação intelectual e a formação
técnica, construindo um modelo de ensino capaz de autonomizar o aluno, que
incorporando saberes e habilidades básicas, tornaria-se apto a somar ao seu
processo de formação as competências técnicas necessárias ao domínio das
atividades profissionais.
Da perspectiva do empresariado nacional temos um conjunto de propostas
que pode ser resumido da seguinte forma: a ampliação da escola de nível básico,
aumento da qualidade da escola pública fundamental e reconfiguração e extensão do
sistema de ensino profissional, considerando a manutenção da autonomia do
chamado sistema S (SESI, SENAI, SENAC etc). (MANFREDI, 2002)
II.3 – A Posição do Estado sobre o Ensino Médio e Técnico
Atendendo aos interesses colocados pelos setores produtivos, o período que
marca o Governo de Fernando Henrique Cardoso, objetiva a melhoria da oferta
educacional contemplando as demandas por competitividade e produtividade deste
90
novo modelo econômico, instalado com o processo de mundialização econômica.
(MANFREDI, 2002)
Segundo Manfredi (2002), o ordenamento legal assim define as finalidades
do Ensino Médio:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e para a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo que seja capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou a aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética
e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.
O Decreto Federal 2.208/97, ao regulamentar a LDB em seus artigos 39 a 42
(Capítulo III do Título V), afirma como objetivos da Educação Profissional:
a) formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior para os
diferentes setores da economia;
b) especializar e aperfeiçoar (o trabalhador em seus) conhecimentos
tecnológicos;
91
c) Qualificar, requalificar e treinar jovens e adultos com qualquer nível de
escolaridade, para a sua inserção e melhor desempenho no exercício do
trabalho.
Assim, a Educação Profissional será desenvolvida em articulação com o
ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias da educação
continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições
especializadas ou nos ambientes de trabalho e abrangerá três níveis: básico,
técnico e tecnológico, (artigo 2
o
, Decreto 2.208/97). (MANFREDI, 2002, p. 129-
130)
Ainda segundo o Decreto 2.208/97, a Educação Profissional fica definida da
seguinte forma:
O currículo do ensino técnico será organizado por disciplinas,
agrupadas por áreas e setores da economia e sob a forma de módulos.
Os diferentes módulos poderão fazer parte de mais de uma habilitação
específica, ensejando a possibilidade de construção de itinerários
formativos.
Os módulos podem ser cursados em instituições diferentes e ter caráter
conclusivo para efeito de qualificação profissional, dando direito a
certificados de competência.
92
As disciplinas de caráter profissionalizante, cursadas na parte
diversificada do ensino médio, até o limite de 25% da carga horária
mínima desse nível de ensino, passam a ser aproveitadas no currículo
de habilitação profissional que venha a ser cursado,
independentemente de exames específicos.
A freqüência e a aprovação em todos os módulos referentes a uma
habilitação técnica ou à aprovação em exames organizados pelos
sistemas federal e estadual de ensino conferem ao aluno o diploma de
técnico de nível médio na referida habilitação.
As disciplinas do currículo de ensino técnico serão ministradas por
professores, instrutores e monitores detentores de experiência
profissional em determinada área/ou atividade profissional, os quais
deverão receber formação para o magistério (prévia ou concomitante),
mediante cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais
de formação pedagógica.
Somente os níveis técnico e tecnológico terão suas organizações
curriculares normatizadas pelos órgãos educacionais competentes de
nível federal e estadual.
93
Compete ao MEC o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais
(carga horária, conteúdos mínimos, habilidades e competências básicas
por habilitação profissional do ensino técnico), com base em insumos
recebidos do setor produtivo, em conseqüência de estudos de
demanda, cabendo aos sistemas o estabelecimento de currículos
básicos e da parte diversificada.
Os sistemas federal e estadual de ensino implementarão, mediante
exames, a certificação de competências, para fins de dispensa de
disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico
(incluindo aquelas adquiridas em espaços de aprendizagem fora da
escola).
O estabelecimento da obrigatoriedade de que a rede de escolas
técnicas públicas e privadas estenda o atendimento para além do nível
médio, podendo atuar nos níveis básico e pós-médio (isto é, de
especialização).
Considerando o conjunto de medidas legais adotadas, observa-se uma clara
separação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, em que as redes de
ensino separam-se constituindo espaços desconectados, e, portanto, distantes das
propostas implementadas pelas entidades representantes da sociedade civil, e até
94
mesmo contrariando uma demanda dos meios produtivos pela urgente qualificação
integral do técnico que ingressa no mercado de trabalho.
II.4 – As Mudanças em Curso na Educação Profissional
O século XXI traz consigo algumas modificações relacionadas ao contexto em
que se insere a Educação Profissional no Brasil.
Observa-se um considerável crescimento no número de matrículas entre
estudantes do Ensino Médio, o que reflete uma ampliação do sistema escolar para
esta modalidade de ensino, o que não significa uma inclusão qualitativa destas
populações que almejam uma entrada para o mercado de trabalho, através da
aquisição de uma qualificação compatível com o mercado de trabalho.
2
Em 26/07/2004, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o Decreto 5.154
que prevê alternativas de articulação entre o ensino médio e o ensino técnico de
nível médio, sendo a principal delas a integração entre ambos.
Art. 4
o
A Educação profissional técnica de nível médio, nos termos dispostos
no parágrafo 2
o
do art. 36, art. 40 e parágrafo único do art. 41 da Lei 9.394, de 1996,
será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, observados:
I – os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo
Conselho Nacional de Educação;
II – as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; e
2
O Censo escolar promovido pelo Instituto Nacional de pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, ligado ao
Ministério da Educação, constatou que em 2004, existiam 676 mil alunos matriculados em 3.047 instituições
públicas e privadas em todo o país.
95
III – as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto
pedagógico.
Parágrafo 1
o
. A Articulação entre a educação profissional técnica de nível
médio e o ensino médio dar-se-á de forma:
I – Integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental,
sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional
técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula
única para cada aluno;
II – Concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino
fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre
a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a
existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer:
a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades
educacionais disponíveis;
b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades
educacionais disponíveis; ou
c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de
intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de
projetos pedagógicos unificados;
III- subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio.
A revogação do Decreto No. 2.208/97 tornou explícito o debate em torno da
concepção pedagógica que fundamenta a articulação do Ensino Médio com a
Educação Profissional. O Decreto assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
96
em 2004 articulando a educação profissional técnica com o ensino médio configura-
se como a expressão das lutas políticas dos setores organizados da sociedade civil
na tentativa de um conjunto de mudanças que possa sinalizar um avanço em torno
do aperfeiçoamento desta modalidade de ensino. (FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS, 2005)
A concepção pedagógica que orienta o esforço de articulação entre o Ensino
Médio e a Educação Profissional está pautada em:
- reconhecer o ensino médio como uma etapa formativa em que o trabalho como
princípio educativo permita evidenciar a relação entre o uso da ciência como força
produtiva e a divisão social e técnica do trabalho;
- que essa característica do ensino médio, associada à realidade econômica e social
brasileira, especialmente em relação aos jovens das classes trabalhadoras, remete a
um compromisso ético da política educacional em possibilitar a preparação desses
jovens para o exercício de profissões técnicas que, mesmo não garantindo o
ingresso no mercado de trabalho, aproxima-o do mundo do trabalho com maior
autonomia;
- que a formação geral do educando não poderia ser substituída pela formação
específica em nome da habilitação técnica, como ocorria anteriormente.
(FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, p. 12, 2005)
O Decreto No. 5.154/2004 define-se como uma ação direta na busca pela
integração entre os processos de formação geral e de formação técnica, articulando
o uso da ciência ao exercício profissional. Tenta-se desta forma desmontar a
estrutura desta modalidade de ensino calcada na chamada dualidade estrutural que
97
permeia historicamente a concepção pedagógica que separa o ensino humanístico
do ensino profissionalizante na etapa de formação do ensino médio.
Entretanto, não é possível supor que a instituição de um Decreto venha
garantir a aplicabilidade desta lei, assim como a sua eficácia jurídica nas práticas
sociais em que a mesma venha a se instalar.
Colocar em vigor uma lei desta natureza, implica o reconhecimento da
necessidade de um diálogo amplo e irrestrito entre os diferentes setores da
sociedade civil organizada, com o objetivo de sistematizar as diferentes posições em
torno desta questão, para que a operacionalização desta legislação possa
corresponder aos objetivos de sua concepção original.
A década de 1980 foi palco de um conjunto de debates em torno da inclusão
da formação básica no processo de construção da Educação Profissional no Brasil.
Com o objetivo de superar a conhecida dualidade estrutural mantida historicamente
no modelo de educação de nível médio, estes debates inserem o conceito de
politecnia
3
no interior da discussão. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005)
A essência desta discussão esteve presente nos projetos que permearam a
construção da proposta da Nova LDB de 1996, refletindo a perspectiva de estender a
obrigatoriedade do ensino ao nível médio, com o objetivo de integrar formal e
concretamente as dimensões calcadas numa formação que englobasse a formação
geral e a formação técnica. Entretanto, segundo (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS,
3
(...) Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o
processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de
trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela
formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está
em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do seu caráter, sua
essência. (SAVIANI, Apud, FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, p. 15,2005)
98
2005) o Decreto No. 2.208/97 interrompe esta trajetória, criando uma separação
entre o ensino médio e o ensino técnico.
O Decreto No. 5.154/2004 surge como uma tentativa de restabelecimento da
integração entre a formação geral e a formação técnica, consolidando um modelo de
ensino baseado na formação básica untaria e politécnica, centrada no trabalho, na
ciência e na cultura, numa relação mediata com a formação profissional específica
que se consolida em outros níveis e modalidades de ensino. (Idem, p. 16)
Contudo, faz-se necessária a desconstrução dos mecanismos jurídicos
reguladores do campo em que se inserem as lutas político-ideológicas em torno da
definição da concepção pedagógica norteadora do ensino médio no Brasil. Pois, há
inúmeros aspectos a serem considerados no processo de implementação das
políticas públicas de organização do conceito de Educação Profissional.
Os grandes mentores desta veiculação rejuvenescida [a teoria do capital humano]
são o Banco Mundial, BID, UNESCO, OIT e os organismos regionais e nacionais
a eles vinculados. Por esta trilha podemos perceber que tanto a integração
econômica quanto a valorização da educação básica geral para formar
trabalhadores com capacidade de abstração, polivalentes, flexíveis e criativos
ficam subordinadas à lógica do mercado, do capital e, portanto, da diferenciação,
segmentação e exclusão. Neste sentido, os dilemas da burguesia em face da
educação e qualificação permanecem, mesmo que efetivamente mude o seu
conteúdo histórico e que as contradições assumam formas mais cruciais.
(FRIGOTTO, p. 145, 1995)
De imediato, temos um quadro em que se estruturam os interesses dos
setores produtivos, dos organismos internacionais financiadores de projetos nesta
área, com expectativas cada vez mais ampliadas sobre o processo de formação
técnica, as demandas colocadas pelos jovens que ingressam neste segmento do
99
ensino fundamental em busca de um lugar no mercado de trabalho e a posição do
Estado, como entidade gestora deste campo e ao mesmo tempo, mantenedor das
escolas públicas voltadas para este nível de ensino.
A literatura a respeito do tema Frigotto (2005), Gentili(2002), Kuenzer (1997),
Manfredi (2002) nos informa que o binômio formação geral e formação técnica
continua em sua essência por entre os espaços institucionais em que se formulam as
políticas públicas definidoras deste processo. Portanto, a investigação científica
sobre o modus operandi dos espaços institucionais agentes desta estrutura, é
condição fundamental para uma reflexão permanente em torno da implementação
efetiva das mudanças impostas pela lei.
As práticas pedagógicas representativas desta proposição política e ideológica
precisam ser estudadas e analisadas em seu interior, no sentido de propiciar a
compreensão das particularidades e especificidades do sistema como um todo,
naquele que é a expressão microssociológica da sua forma de funcionamento, ou
seja, o ambiente escolar.
Esta pesquisa apresenta-se como a possibilidade de construção de uma
interpretação sobre este ambiente, através do trabalho de campo realizado numa
escola técnica de nível médio, considerando o papel exercido por aqueles que
executam as práticas pedagógicas no espaço da escola, e, portanto, estão
vivenciando as contradições inerentes ao processo de implementação das políticas
públicas voltadas para esta modalidade do ensino.
100
Cap. III – O Trabalho de Campo: considerações iniciais
Considerando a gama de estudos sobre instituições escolares, constata-se
que a partir da segunda metade do século XX há uma tendência para análises
sobre a relação entre a origem social dos alunos e as oportunidades de entrada
para a escola. Calcados sobre uma perspectiva macrossociológica do campo de
pesquisa, estes estudos apontam, em linhas gerais, para explicações forjadas por
elementos ligados à cultura, às práticas pedagógicas exercidas na família e na
ação docente. (TURA, 2003)
A explicação para a contradição vivida pela escola entre os objetivos de
igualar os indivíduos, através do acesso ao ensino formal e o fracasso escolar, foi
num primeiro momento respaldada pela diferenças atribuídas aos dons e aptidões
dos alunos. Esta explicação apóia-se sobre a capacidade individual, em
detrimento da desigualdade social. Desta forma, a estrutura e o funcionamento
da escola permanecem intocáveis em seu processo de funcionamento, permitindo
a naturalização da aquisição do conhecimento através da competência individual.
(BOURDIEU e PASSERON, Apud, GILLY, 2004).
Em seguida, o avanço da ciência e a reformulação das relações de
produção definem condições sociais em que a psicologia e a sociologia vêm
questionar a noção de dom, a partir da análise das condições materiais de
produção e da respectiva origem social dos alunos, como condições fundamentais
para a incorporação dos saberes e utilização do conhecimento na construção de
práticas sociais. (GILLY, 2004)
A instituição pedagógica caracteriza-se como um campo para onde
convergem forças dos pólos dominante e dominado, produzindo uma interação
101
entre os diferentes atores sociais que dele fazem parte. Observa-se que ao
mesmo tempo em que estes atores interiorizam as estruturas objetivadas,
produzem um tipo de ação configurada pelo sentido dado às mesmas.
Do ponto de vista do positivismo Durkheiminiano, a escola aparece como o
lugar social de reificação da sociedade à medida que através da ação
pedagógica, configura o indivíduo como um ser social, adequado às normas
impostas pela ordem. A educação solidifica valores, crenças, formas de
representação do mundo, ao mesmo tempo em que contribui para a manutenção
dos lugares sociais em torno dos quais se define a sociedade. (ORTIZ, 1994)
Para Marx, o campo em que se instala a luta política em torno da educação
está marcado pela inculcação de hábitos e posições conservadoras, mas também
pela possibilidade de criação de um espaço da formação de uma consciência
crítica e questionadora da realidade social. Este é um processo, posto em
funcionamento por aqueles que também são socializados pelas instituições de
ensino: os educadores. Ou seja, estes atores sociais são parte do conjunto de
forças que atuam na construção do campo, e portanto, devem ser
problematizados tanto em sua preparação didático-pedagógica, como em suas
práticas sociais. (KONDER, Apud, TURA, 2004)
A sociologia de Weber segue na direção crítico-reflexiva sobre as
instituições pedagógicas, à medida que amplia o entendimento sobre as relações
entre o sistema escolar e a estrutura social, sobre a reprodução social através da
reprodução das práticas de ensino e aprendizagem, sobre o processo de
dominação simbólica e a manutenção dos diferentes lugares sociais preservados
pela escola. (VILELA, Apud, TURA, 2004)
102
O estudo qualitativo do ambiente escolar demonstra a necessidade de
uma avaliação crítica da postura positivista e estruturalista que nega uma teoria
da ação social. (ORTIZ, 1994). Os sujeitos responsáveis pelo funcionamento da
escola não são meros executores de papéis socialmente definidos, mas antes,
agentes sociais que reproduzem uma estrutura estruturante (BOURDIEU, 1989)
em que as posições ocupadas por cada um definem as relações de poder
exercidas neste campo.
A sociologia de Bordieu introduz, junto às relações de interação, a questão do
poder, freqüentemente negligenciada por escolas como o interacionismo
simbólico. Partem daí suas considerações a respeito do ´direito à palavra`, ou
seja, a respeito daqueles que possuem a disponibilidade de exercer um poder
sobre outros para quem a palavra foi cassada. A assertiva ´escutar é crer`
pode ser interpretada da seguinte forma: aqueles que escutam compõem os
elementos complementares da comunicação, mas, na medida em que a
interação implica uma relação de poder, eles representam o pólo dominado,
pois não possuem direito à palavra. Afirmar, portanto, que a interação se dá
de forma socialmente estruturada implica negar a apreensão do mundo como
intersubjetividade, como o fazem os interacionistas simbólicos.(...) (ORTIZ,
1994, pp. 13 e 14)
A proposta de utilização de metodologias de base qualitativa aponta para
um conjunto de possibilidades extremamente diversificado no que se refere ao
modo de observação, levantamento, classificação e análise dos dados da
pesquisa, possibilitando a particularização, e, portanto, o aprofundamento de
questões que se localizam nas estruturas objetivas em que se organizam as
práticas sociais.
A imersão no espaço da escola, através da participação nas atividades
cotidianas e suas respectivas práticas sociais, concedeu a esta pesquisa um olhar
apurado sobre as diferentes formas de comunicação e utilização do discurso
103
como instrumento de formalização das posições sociais ocupadas pelos
diferentes grupos desta instituição.
A base em que se apóiam estes grupos está em permanente movimento de
rotação sobre um eixo estruturado em que a presença e a ação do Estado e das
relações de produção são decisivas. Ao mesmo tempo, este eixo se configura
como um fator estruturante das ações sociais em torno da definição das políticas
públicas sobre as quais o espaço escolar se organiza.
III.1 A Entrada no Espaço Escolar: apresentação do campo
O trabalho de campo constituiu-se como um instrumento de extrema
relevância para o desenvolvimento desta pesquisa. A idéia inicial era estabelecer
uma comparação entre o modelo de ensino profissionalizante oferecido pelo
SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e a escola técnica
profissional selecionada para a pesquisa. A comparação entre estes dois modelos
de ensino objetivava uma análise relacional entre os campos de formação
profissional, articulados com o ensino médio, e ao mesmo tempo com o processo
formação da identidade social (FARIAS, 1997) de jovens de classe trabalhadora
em preparação para a entrada no mercado de trabalho.
Entretanto, a exigüidade dos prazos para a finalização da Tese e os
períodos de greve enfrentados pela escola técnica, nos obrigaram a optar
somente pela pesquisa na escola.
Inicialmente, esta opção nos pareceu um grave prejuízo para o trabalho de
campo. Mas, com a continuidade das investigações no interior da escola,
pudemos perceber a riqueza de dados que se colocava a nossa frente. O espaço
104
escolar é multifacetado e extremamente diversificado em seu conteúdo. São
muitas as relações que se estabelecem no campo de forças em que atuam os
atores sociais responsáveis pela execução das ações que se tornaram objeto de
estudo deste trabalho.
A escolha desta escola se justifica pelo fato da mesma ser considerada um
modelo pelo sistema público de ensino no âmbito da educação profissional no
Estado do Rio de Janeiro, além de ser uma instituição integrante da rede FAETEC
(Fundação de Apoio à Escola Técnica)
1
, órgão do Estado responsável pela
gerência e formulação das políticas públicas voltadas para este nível de ensino.
A escola na qual realizamos o trabalho de campo está localizada em Niterói
no Estado do Rio de Janeiro. Fundada em 1923, esta instituição faz parte de um
complexo onde estão instaladas também unidades de ensino da Rede FAETEC
(Fundação de Apoio à Escola Técnica), vinculada a SECTI-RJ (Secretaria de
Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação) do Governo do Estado.
2
Em seus 82 anos de existência, a escola recebeu várias denominações:
Escola Profissional, sendo posteriormente na década de 1930, denominada como
Escola do Trabalho até 1941, quando por deliberação do Governo do Estado,
incorporou a denominação de Escola Profissional novamente.
1
A FAETEC foi criada em 10 de junho de 1997 em substituição a FEAP (Fundação de Apoio à Escola
Pública do Rio de Janeiro), a partir da Lei 2.735. A nova Fundação passou a gerenciar a rede de ensino
tecnológico do Estado, que hoje abrange 101 unidades entre CETEPS (Centro de Educação Tecnológica e
Profissionalizante), ETEs, (Escola Técnica Estadual), Institutos Superiores, Unidades Avançadas e Centros
Sociais. (FAETEC, 2005)
A partir de 1999 esta entidade estrutura a criação de cursos de capacitação profissional e parcerias com
empresas para estágios. Atualmente, as unidades em todo o estado ministram aproximadamente 220 cursos
em diversas áreas – entre elas informática, idiomas, atividades culturais e esportivas – para 205 mil alunos
por ano. A FAETEC administra, além do ensino técnico, a educação profissional nos três níveis: básico,
técnico e tecnológico. (FAETEC,2005)
2
Criada em 10 de junho de 1997 em substituição a Faep – Fundação de Apoio à Escola Pública do Rio de
Janeiro – a partir da Lei 2.735. Esta nova forma de organização torna-se responsável pela rede de ensino
tecnológico do estado, num total de 101 unidades entre os quais estão os Ceteps (Centro de Educação
Tecnológica e Profissionalizante), ETEs (Escola Técnica Estadual), Institutos Superiores, Unidades
Avançadas e Centros Sociais. (FAETEC, 2005)
105
Com a lei No. 5341, de 11 de junho de 1964, a escola passa a oferecer ao
nível de 2º grau, cursos técnicos na etapa secundária. Os cursos oriundos da Lei
No. 5341 facilitaram a implantação da Lei No. 5692/71. A partir deste período, são
oferecidos os cursos técnicos de: Edificações, Máquinas Navais, Estruturas
Navais, Eletrotécnica, Telecomunicações e Estradas e, ainda, os cursos de
Auxiliar Técnico em Mecânica e em Eletrônica, ambos em sistema de
intercomplementaridade com o Ministério da Marinha. Neste período, a educação
geral era ministrada nesta escola e a formação especial no Centro de Instrução
Almirante Graça Aranha (CIAGA). (AMARAL, 2005)
A partir de 1984 a escola, através do Parecer No. 606/84 do Conselho
Estadual de Educação passa a ter autonomia técnico-pedagógica e
administrativa, ficando como Escola Experimental, para atender ao Programa de
Melhoria do Ensino Técnico Agrícola e Industrial, de acordo com o MEC/BIRD.
Com o Decreto No. 22.011 de 09/11/96, a escola deixa de pertencer à Secretaria
de Estado de Educação e é transferida para a Secretaria de Estado de Ciência e
Tecnologia, recebendo a denominação atual de Escola Técnica Estadual.
(AMARAL, 2005)
A Escola Técnica Estadual oferece os seguintes cursos técnicos de nível
médio:
-Edificações
- Eletrotécnica
- Eletrônica
- Estruturas Navais
- Máquinas Navais
106
A escola conta, atualmente, com o seguinte quadro de funcionários:
- 1 Diretor Geral
- 3 Diretores Adjuntos
- 1 Secretária de Patrimônio
- 09 Orientadores Educacionais
- 09 Instrutores Educacionais
- 13 Funcionários de Serviços Gerais
- 04 Coordenadores Técnicos
- 11 Coordenadores de Formação Geral
- 256 Professores ( Graduados, Especialistas, Mestres e Doutores)
- 2800 Alunos
Os cursos da área naval (Máquinas e Estruturas Navais) oferecidos pela
Escola Técnica são os únicos em toda a América Latina.
Todos os cursos são oferecidos no diurno em horário integral de 2ª a
sábado com a possível terminalidade em três anos (dependendo do estágio
curricular) e no noturno por não dispor de horário inverso e aulas aos sábados, os
alunos podem concluí-los ao final de quatro anos.
A partir do mês de agosto de 2005, a Escola iniciou o curso no formato
Subseqüente (esta modalidade atende aos alunos que já fizeram a Formação
Geral do Ensino Médio e pretendem ter o certificado de Técnicos em alguma área
técnica oferecida pela Escola, com terminalidade em dois anos). (AMARAL, 2005)
107
Atualmente, a instituição escolar em análise oferece um único curso, com
projeto pedagógico único, com proposta curricular única e com matrícula única. A
duração do curso deverá ter a sua carga horária total ampliada, de forma a
assegurar, nos termos do § 2º do Artigo 4º do Decreto No. 5.154/2004, o
cumprimento simultâneo das finalidades estabelecidas, tanto para a Educação
Profissional Técnica de nível médio quanto para o Ensino Médio, como etapa de
conclusão da Educação Básica.
Para a obtenção do diploma de Técnico de nível Médio, nos termos do
parágrafo único do Artigo 7º do Decreto No. 5.154/2004, o aluno deverá concluir
os seus estudos de Educação Profissional Técnica de nível médio e do Ensino
Médio (AMARAL, 2005). Trata-se de um único curso, cumprindo duas finalidades
complementares, de forma simultânea e integrada, nos termos do projeto
pedagógico da escola que decidir oferecer essa forma de profissionalização a
seus alunos, garantindo que todos os componentes curriculares referentes às
duas finalidades complementares sejam oferecidas, simultaneamente, desde o
início até a conclusão do curso. Sendo assim, não pode haver a concessão de
certificado de conclusão do Ensino Médio, para fins de continuidade de estudos, a
quem completar um mínimo de 2.400 horas em três anos, em curso desenvolvido
na forma integrada com duração prevista superior a três anos, como praxe
adotada na vigência da antiga Lei No. 5692/71. Aliás, esta praxe, os diretores da
escola, contribuiu para a evasão de alunos dos cursos técnicos. (AMARAL, 2005)
A duração dos cursos de Educação Profissional Técnica de nível médio
realizados de forma integrada com o Ensino Médio deverá contemplar as cargas
horárias mínimas definidas para ambos, isto é, para o Ensino Médio e para a
Educação Profissional Técnica de nível médio. A esses mínimos exigidos, devem
108
ser acrescidas as cargas horárias destinadas a eventuais estágios
supervisionados, trabalhos de conclusão de curso ou provas finais e exames,
quando previstos pelos estabelecimentos de ensino em seus projetos
pedagógicos. Os cursos oferecidos pela escola perfazem atualmente a Carga
Horária de 2.320 horas incluindo o estágio curricular de 400 horas. (AMARAL,
2005)
Em entrevista realizada como uma das diretoras adjuntas da escola,
colhemos o seguinte depoimento sobre os resultados desta legislação sobre a
comunidade escolar:
Quando essas legislações chegaram à escola houve um movimento por parte
das equipes pedagógicas e professores devido ao entendimento que as
escolas teriam liberdade para escolher. Sendo assim, poderiam optar pela
forma ou modalidade que melhor atendesse aos anseios da escola e da
comunidade escolar. Algumas reuniões foram realizadas e contamos com a
participação de alunos e alguns familiares. Nesta ocasião entendemos como
importante essa participação maior da comunidade escolar para repensarmos
o Projeto Político Pedagógico da Escola. Os grupos foram divididos nos três
turnos e algumas discussões avançaram e formaram a origem do nosso
Projeto. Porém, devido aos entendimentos com as outras unidades da rede
FAETEC, a fundação optou por continuar realizando os cursos na forma
concomitante, talvez para facilitar aos alunos uma certificação na Formação
Geral independente da Formação Técnica, já que para a conclusão nesta
formação depende do estágio curricular na área.
De acordo com o Artigo 6º do Decreto No. 5.154/2004, os cursos e
programas de Educação Profissional Técnica de nível médio poderão ser
estruturados e organizados em etapas de terminalidade, as quais incluirão saídas
intermediárias, que possibilitarão a obtenção de certificados de qualificação para
o trabalho após a sua conclusão com aproveitamento. Essas etapas com
terminalidade deverão estar articuladas entre si, compondo os itinerários
109
formativos e os respectivos perfis profissionais de conclusão (Artigo 6º, § 2º).
(AMARAL, 2005)
Observa-se neste quadro de ordenamento jurídico para regulamentação
desta etapa da vida escolar, uma forte tendência à instituição do sentido de
terminalidade, incorporado às diferentes soluções propostas para a conclusão do
ensino médio voltado para a formação para o trabalho.
A fala que repercute entre os docentes aponta para a criação de um
mecanismo de divisão entre os discentes, no que se refere à separação entre o
processo de qualificação, obtido através das vias regulares (ensino
profissionalizante formal seqüencial), e o processo de qualificação resultante de
situações de ajuste à necessidade de conclusão do ensino médio e à urgência da
entrada para o mercado de trabalho.
As práticas pedagógicas incorporam as contradições inerentes à
formulação do campo em que se definem as políticas públicas voltadas para a
preparação para o mercado de trabalho em diferentes níveis, obrigando o
professor a operar em certos casos como instrutor de ofícios, em uma dimensão
que se ressente profundamente de uma abordagem acadêmica, em que ciência,
trabalho e cultura, formam a base para a formação profissional autônoma e
consciente.
O campo de observação desta pesquisa oferece inúmeras possibilidades
de reflexão, a partir da experiência docente (constituída por professores com
formação docente e profissionais que atuam em outras áreas de trabalho),
necessárias a formulação de um desenho pedagógico que permita a geração de
110
quadros capazes de optar pela entrada para o mercado trabalho, ou mesmo,
conjugar a atividade laboral à continuidade da formação acadêmica.
III.2 – A Entrada no Campo
A primeira visita a escola causou-me enorme impressão. Certamente, este
era um ambiente no qual havia sido socializada em determinado período de
minha trajetória social, além de ter freqüentado suas instalações em ocasiões
esporádicas. Entretanto, esta forte impressão está relacionada ao olhar
investigativo, e, portanto, questionador daquilo que antes me parecia naturalizado.
DA MATTA (1978) aponta para a necessidade do sentimento de
estranhamento por parte do pesquisador em relação ao seu objeto como uma
forma de manter a distância social exigida para a realização de uma pesquisa
científica. E foi este o mecanismo utilizado para percorrer o campo em que se
organizavam as disputas políticas dos atores sociais integrantes deste espaço. A
partir dos seus relatos, dimensionei aquilo que julgara saber, através da
experiência de classe (o familiar transformado em exótico) e aquilo que
desconhecia, pelo fato de ter encaminhado minha trajetória social pelos caminhos
do ensino acadêmico e pelo adiamento da entrada no mercado de trabalho (o
exótico transformado em familiar).
Este processo de reconhecimento e estranhamento diante do objeto de
estudo nos coloca em permanente estado de tensão, na busca pelo melhor
ângulo de observação e pela resposta mais substantiva. A idéia de reflexividade
deve permear esta relação tão complexa e ao mesmo tempo tão instigante entre o
pesquisador e seu objeto, permitindo-nos mais do que a vigilância diante de
111
nossa postura no campo, mas a possibilidade de compreensão e explicação de
um determinado tipo de comportamento relativo ao universo de questões sobre o
qual nos debruçamos. (TURA, 2005)
O primeiro contato com a escola em fevereiro de 2005, definiu-se como um
preâmbulo de toda a riqueza de dados que se colocaria para a pesquisa. Ao
adentrar a sala da direção tive a certeza de que estava numa escola. O mobiliário
antigo misturava-se a algumas aquisições típicas da modernidade, como alguns
armários, o computador (ultrapassado), o telefone, o ar condicionado etc. Havia
uma desordem acolhedora, naquele ambiente tão diverso e tão democrático,
aberto aos pais, professores, alunos e funcionários.
Diante daquele cenário tão dinâmico e reprodutor de uma determinada
ordem, encontrei dois diretores adjuntos que aguardavam o diretor geral. Ao
mesmo tempo uma orientadora educacional organizava uma reunião entre as
intérpretes
3
para os alunos com deficiência auditiva, em que estariam presentes,
os diretores e os alunos mencionados. Numa outra mesa, outra orientadora
educacional recebia alunos e pais de alunos que requisitavam declaração para
outra escola. E em uma terceira entrada alguns professores procuravam pelo
diretor geral que não se encontrava naquela sala.
Senti-me um pouco constrangida, sem saber se de alguma forma invadia a
privacidade daquele ambiente, mas logo em seguida, percebi ser aquela uma
ótima oportunidade para iniciar meu diário de campo, que começou a ser escrito a
partir daquele painel de questões que ali se colocavam.
Todos os diretores se mostraram solícitos à minha presença, às
entrevistas e a minha participação nas reuniões de coordenação que aconteciam
3
Os intérpretes são profissionais que dominam a Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS) e que traduzem
para os deficientes auditivos o conteúdo das aulas, palestras, seminários etc.
112
sempre às segundas-feiras, além da participação em um dos conselhos de classe
realizados no final do primeiro semestre de 2005.
Durante o período em que se realizou o trabalho de campo, assisti a um
total de dez reuniões de coordenação, dirigidas em sua maioria por um dos
diretores, e algumas vezes por uma das orientadoras educacionais. A pauta das
reuniões possuía alguns temas freqüentes e alguns temas relativos às demandas
da semana. Havia a redação de uma ata por um dos professores, ou pela própria
orientadora educacional. Nestas reuniões era comum, a participação dos
coordenadores de disciplinas da formação geral e dos coordenadores das áreas
técnicas. A freqüência, de um modo geral, era sempre de mais de oitenta por
cento do quadro de orientadores.
Considerei a assistência às reuniões um mecanismo eficaz para o
levantamento de dados brutos para a pesquisa, ou seja, através das reuniões
poderia obter um painel das principais questões pertinentes ao desenvolvimento
do trabalho executado pelos coordenadores, professores, diretores e orientadores
educacionais, além da percepção do cotidiano escolar pontuado pelos grupos de
profissionais presentes às reuniões.
A minha presença era sempre anunciada por uma orientadora educacional
com a qual estabeleci um contato regular durante a pesquisa de campo. Esta
orientadora, presente a todas as reuniões, fazia questão de mencionar o objetivo
da minha pesquisa e a universidade à qual estava vinculada. A maior parte dos
professores era receptiva à minha presença. Alguns me olhavam com certa
estranheza e comedimento. Entretanto, a orientadora educacional, extremamente
solícita a todos, se encarregava de dissipar qualquer tipo de constrangimento
entre as partes.
113
A participação nas reuniões, como observadora da dinâmica de relações
sociais que ali se entrelaçavam, estava pautada pelo uso do diário de campo.
Acompanhando o desenrolar da pauta estabelecida pelo dirigente da reunião,
registrava em seqüência, a fala de todos os coordenadores, na medida do
possível. Estas anotações foram relacionadas de acordo com os temas tratados,
sendo classificadas e analisadas de forma que pudesse estabelecer uma
articulação entre estes dados e os dados apontados pelas entrevistas.
Optar pelo corpo docente, diretores e orientadores educacionais como
grupo de estudo das principais questões com as quais esta pesquisa ocupou-se,
deve-se ao fato de buscar mapear o campo em que se insere a questão do papel
exercido pela educação profissional no processo de formação do trabalhador
técnico, a partir da visão daqueles que operacionalizam este processo. Ou seja,
optei pela compreensão e explicação das práticas sociais que convergem para a
junção entre as orientações contidas nas políticas públicas e o modus operandi
destas orientações no espaço social configurado pela escola.
A definição do grupo de professores entrevistado obedeceu ao critério
qualitativo em que deveriam estar presentes professores da área de formação
geral e da área de formação técnica. Defini este número de entrevistados, a partir
da disponibilidade dos mesmos, assim como, por considerar as observações
realizadas nas reuniões de coordenação como dados complementares para a
compreensão dos temas abordados nas entrevistas. Entre os professores, realizei
um total de 10 entrevistas, entre as quais, 4 com os professores (todos também
coordenadores) da área de formação técnica e 6 com os professores da área de
formação geral (entre os quais, 4 coordenadores). O fato de haver um menor
número de professores entrevistados na área técnica está relacionado à
114
disponibilidade destes professores e ao fato destes coordenadores representarem
o total de cursos técnicos oferecidos pela escola.
Entre as orientadores educacionais, foram realizadas 3 entrevistas. O
critério de seleção dos entrevistados está relacionado ao fato de pertencerem a
turnos diferentes na escola. A opção por estes profissionais explica-se por
exercerem um papel articulador entre os diferentes grupos de profissionais que
fazem parte da escola, os alunos e suas respectivas famílias.
Entre os funcionários da direção, foram realizadas entrevistas com os três
diretores adjuntos, também de turnos diferentes.
A elaboração do roteiro de entrevistas obedeceu a alguns critérios
pertinentes ao processo de construção do objeto de estudo:
- A reconstituição da trajetória social (Formação Acadêmica, experiências
profissionais, ano de entrada para a escola, atividades realizadas);
- Experiência com a área em que atua;
- Perfil do aluno;
- Posicionamento sobre a articulação entre a área de formação geral e a
área de formação técnica;
- Práticas sociais relativas a este processo de articulação;
- Tipo de formação oferecido pela escola;
- A relação entre o processo de formação escolar e o mercado de trabalho.
115
III.3 – A Análise dos Dados
Todos os professores entrevistados possuem formação didático-
pedagógica, Pós-Graduação (2 Especialistas e 8 Mestres) e atuação em escolas
do Estado e/ou da prefeitura.
As orientadoras educacionais são graduadas e professoras da rede pública
(Estado e Município) e particular.
As entrevistas realizadas com as orientadoras educacionais levantam
alguns temas importantes para a compreensão do nosso objeto de estudo, tais
como: a violência na escola, a questão comportamental por parte dos alunos, o
trabalho de articulação entre os pais, os professores e os alunos etc., que serão
aqui tratados de forma pontual. Estas são questões que exigem um maior
aprofundamento na busca pelo seu entendimento, mas que, entretanto, surgem
como indicativos da diversidade do ambiente escolar e do papel exercido por este
profissional.
O trabalho realizado pelas orientadoras educacionais que formam um total
de sete profissionais em toda a escola está diretamente relacionado ao processo
de articulação entre os professores, alunos, pais e funcionários da escola de um
modo geral. Há uma multiplicidade de questões para as quais estas profissionais
(todas as orientadoras são do sexo feminino) devem estar voltadas, produzindo
ações de prevenção, contenção e conscientização dos problemas que cercam a
escola.
No momento de realização da pesquisa, foram detectados alguns
problemas ligados a ingestão de bebidas alcoólicas pelos alunos nos bares em
116
torno da escola, violência e indisciplina entre os alunos e questões ligadas à
sexualidade e gravidez precoce entre as meninas.
No entanto, a iminência de uma greve me obrigou a secundarizar estas
questões, em função do pouco tempo disponível para a realização das
entrevistas. Foquei minha atenção no papel exercido por este profissional no
âmbito da escola e na relação entre estes profissionais e os docentes.
(...) O orientador não é aquela pessoa que fica trancada dentro do gabinete, e
eu concordo. Nas escolas tradicionais, o orientador é limitado nisso, e eu acho
que é por isso que as crianças das escolas particulares fazem essa crítica,
mas é pela própria estrutura que é tradicional e exige que seja assim. (...)
(...) Eu acho que esse é o momento de lidar com o aluno, de estar discutindo
algumas coisas em particular, aprendendo. É importante que eles sintam que
tem alguém aqui na escola que vai ser ouvidor. Eu acho que a gente tem essa
função, não só de ouvir, mas até de dar um encaminhamento, dar uma
solução.
Mas, eu acho que tem também todo aquele trabalho de campo que é você
estar lá fora com eles, observando o aluno na sala de aula, ouvir o professor.
A gente não trabalha sozinho. A gente trabalha com todos os setores. No
estágio então, a gente sabe o perfil desse aluno que começou no primeiro ano
e já está no terceiro, indo para o mercado de trabalho. A gente está em
contato com os pais, o professor, com o diretor, com o inspetor. Enfim, a
gente tem que ter essa visão múltipla do aluno, a gente não pode ter um
contato limitado. É assim que eu vejo o nosso trabalho, por isso até que nunca
se descaracteriza. A gente é pau para toda obra.
As pessoas não conseguem marcar a identidade do orientador como a do
professor. O orientador está em todos os lugares (...)
(...) Para alguns professores, o orientador só atrapalha, são frases feitas, são
coisas que vão passando. Mas, outros não. Outros professores já vêm, trazem
alunos, trazem problemas que eles às vezes não sabem resolver porque têm
aquela da sala de aula, da didática, do ensino e aquele lado hermético,
necessário, mas que às vezes não dá conta do nosso adolescente hoje, que
não quer aceitar determinadas imposições sem saber porque.(...) (Orientadora
Educacional)
117
As orientadoras atuam de forma integrada com a direção da escola,
participando das reuniões de coordenação, dos conselhos de classe e da
execução de projetos de conscientização da população escolar sobre questões
expressivas do cotidiano escolar. O trabalho destas profissionais é extremamente
importante para o funcionamento da rotina escolar. Com livre acesso a todos os
setores da escola, possuem uma visão global das lutas internas travadas pelos
diferentes grupos sociais, assim como, exercitam o papel de articuladoras destes
grupos, através dos procedimentos de gestão e gerenciamento da rotina da
escola.
A primeira questão com a qual me defrontei foi a inclusão social. Presente
em todas as reuniões. Este é um problema que se coloca para a escola de um
modo geral e que merece uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema. Senti-
me tentada a inseri-lo em meu trabalho. Porém, sua profundidade, assim como, a
variedade de visões que permeiam esta discussão, me fez perceber a
necessidade de uma pesquisa mais ampla sobre a inclusão social no Brasil.
No capítulo V – Da Educação Especial da LDB No. 9394/96 em seu Art. 58
temos a seguinte referência:
Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
para educandos portadores de necessidades especiais. No § 1º - Haverá,
quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para
atender às peculiaridades da clientela de educação especial. No Art.59 – Os
sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
(...) IV – educação especial para o trabalho, visando a efetiva integração na
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não
revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante
articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que
apresentem uma habilidade superior nas áreas artísticas, intelectual ou
psicomotora.
118
Segundo nos informa uma das diretoras adjuntas da escola:
No documento Acesso de alunos com deficiência às escolas e classes
comuns da rede regular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no
item 12. requisitos a serem observados para o atendimento escolar a pessoas
com deficiência esclarece que:
Quanto à surdez e deficiência auditiva:
Caso exista um aluno com deficiência auditiva ou surdo matriculado numa
escola de ensino regular, ainda que particular, esta deve promover as
adequações necessárias e contar com os serviços de um intérprete de língua
de sinais, de professor de Português como segunda língua desses alunos e
de outros profissionais da área de saúde (fonoaudiólogos, por exemplo),
assim como pessoal voluntário ou pertencente a entidades especializadas
conveniadas com as redes de Ensino Regular. Se for uma escola pública, é
preciso solicitar material e pessoal às Secretarias de Educação municipais e
estaduais, as quais terão de providenciá-los com urgência, ainda que através
de convênios, parcerias, etc. (...)
Ainda para a surdez e a deficiência auditiva, a escola deve providenciar um
instrutor de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) de preferência surdo para os
alunos que ainda não aprenderam esta língua, mas cujos pais tenham optado
pelo seu uso. Obedecendo aos princípios inclusivos, a aprendizagem da
LIBRAS deve acontecer preferencialmente na sala de aula desse aluno e ser
oferecida a todos os demais colegas e ao professor, para que possa haver
comunicação entre todos.
Poderia enumerar aqui outras legislações pertinentes às necessidades
educacionais especiais, porém falarei especificamente sobre os alunos surdos
e como está sendo feito o processo de inclusão deles em nossa escola.
Esses alunos chegaram no ano passado através da Coordenadoria do
Estado, nós não tínhamos conhecimento da chegada deles, talvez somente
pela mídia, mas não estávamos preparados para uma comunicação pessoal
com eles. Todos podem avaliar as dificuldades que foram esses primeiros
encontros e a inserção desses alunos nos cursos técnicos da escola.
Inicialmente chegaram por volta de 15 alunos surdos, sendo que a maioria já
tinha Formação Geral e pretendiam fazer somente a formação técnica no
curso noturno. Houve um certo estranhamento inicial, pois eles não tinham
conhecimento que precisariam, na época, fazer o curso em 4 anos também
para receberem o certificado de técnico. Depois dos esclarecimentos iniciais,
eles optaram por esperar a aprovação do chamado Pós-Médio e retiraram-se
119
da escola. Em resumo, neste ano estamos com quatro alunos surdos no
diurno e dois alunos no noturno que entraram no meados deste mês de
agosto. Contamos com quatro intérpretes que se revezam entre os turnos,
com a facilidade que todos os alunos optaram pela mesma área, edificações.
Tivemos sim, muitas dificuldades iniciais em relação ao corpo docente da
escola porque sabemos que a inclusão de alunos com necessidades
especiais não pode ser feita somente por decretos e sim por uma
sensibilização da comunidade escolar. Desta forma a FAETEC contribuiu com
o envio de intérpretes para LIBRAS, destacando alguns profissionais
especializados em inclusão para reuniões com os professores, equipe técnica
e familiares dos alunos surdos. Porém, somente neste mês iniciamos um
Curso de LIBRAS com somente vinte vagas para alunos, prioritariamente para
os profissionais da escola que trabalham diretamente com os surdos, ficando
de fora, a comunidade escolar como um todo e a comunidade local que vem
demonstrando uma crescente procura por este curso.
Segundo uma das orientadoras educacionais:
(...) Pelo que eu estou vendo há muita resistência dos professores.
(...) Então, eu acho que fica uma coisa realmente complicada. Eles
[professores] não se sentem preparados para isso, criou uma resistência. Aí
chegaram os intérpretes. Tem professor com intérprete na sala. Eles não
sabem o que esse intérprete está passando. Existe um conflito.
Eu não sei até que ponto essa inclusão está sendo benéfica para os alunos. A
gente sabe que eles estão aprendendo muita coisa. Só que eu não sei se a
forma do professor lidar com esse aluno está sendo a melhor possível, se o
intérprete está passando realmente o que o professor está falando. Eu acho
que é importante, mas tem que ser mais organizado. É necessário.
Considerando o material levantado nas reuniões, detectei algumas
vertentes que merecem ser apontadas:
- a inclusão social tornou-se um direito que não se consolidou na prática, pelo
menos no que se refere ao ambiente escolar regular;
- os funcionários da escola não estão devidamente preparados para lidar com
o aluno portador de necessidades especiais. Nesta escola, a maioria
120
absoluta de alunos portadores de necessidades especiais concentrava-se
entre os deficientes auditivos. Entretanto, a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS), elemento fundamental para o processo de comunicação entre os
portadores de deficiência auditiva ainda não fazia parte da formação dos
professores regulares destes alunos;
- a escola não possui equipamentos adequados para a facilitação do processo
de aprendizagem, principalmente em algumas áreas técnicas.
- Os intérpretes (utilizados como elo de ligação entre os professores e os
alunos) vivem uma situação de conflito com os professores em função de
uma dinâmica tradicional que a escola utiliza para a realização do processo
de ensino-aprendizagem, ou seja, o discurso deveria estar adequado ao
ritmo dos alunos com deficiência auditiva, assim como as atividades de
pesquisa, apresentação de seminários, debates etc. deveriam contemplar
uma dinâmica propulsora da capacidade de compreensão dos alunos
portadores de necessidades especiais e dos alunos considerados ouvintes.
Entretanto, a prática demonstra-se incompatível com estas exigências.
Não obstante, algumas tentativas concretas de facilitar o processo de
inclusão, a escola demonstrou-se até o momento do término da pesquisa, incapaz
de solucionar os conflitos gerados pelos embates entre aqueles que defendem o
processo de inclusão e aqueles que se colocavam frontalmente contra o mesmo.
No entanto, este é um problema estrutural que não compete só a escola.
Aliás, esta questão se coloca como a ponta de um processo, em que o Estado
deve desenvolver políticas públicas efetivas no sentido de oferecer condições
concretas de realização da inclusão como um todo no ambiente escolar. O que se
121
observa na prática é um confronto direto entre os diferentes segmentos
responsáveis pela definição deste processo, ocasionando a perda de qualidade
da formação do aluno portador de necessidades especiais e um descompasso
entre o processo de aprendizagem e os profissionais encarregados de fazê-lo
funcionar.
A permanência do tema da inclusão social de alunos portadores de
necessidades especiais em todas as reuniões assistidas e a resistência de boa
parte dos professores, fundamentada na ausência de uma estrutura de apoio
eficaz para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade, promoveu a
articulação com o papel da escola como espaço de inclusão social de alunos
considerados ouvintes, através do acesso à educação como instrumento de
mobilidade social.
Ao rejeitarem os alunos portadores de necessidades especiais, os
docentes, ainda que de forma implícita, rejeitavam uma estrutura escolar
deficiente habitada por alunos em grande parte, portadores de um baixo capital
cultural (BOURDIEU, 1966) provenientes de famílias sistematicamente
empobrecidas em sua participação nos meios produtivos.
Em referência ao sistema escolar, Bourdieu aponta:
Seria necessário mostrar aqui, evitando encorajar a ilusão finalista (ou em
termos mais precisos, o ‘funcionalismo’ do pior) como, no estado
completamente diferente do sistema escolar que foi instaurado com a
chegada de novas clientelas, a estrutura da distribuição diferencial dos
benefícios escolares e dos benefícios sociais correlativos foi mantida, no
essencial, mediante uma translação global das distâncias. Todavia, com uma
diferença fundamental: o processo de eliminação foi diferido e estendido no
tempo e, por conseguinte, como que diluído na duração, a instituição é
habitada, permanentemente por excluídos potenciais que produzem nela as
contradições e os conflitos associados a uma escolaridade cujo único objetivo
122
é ela mesma. Em suma, a crise crônica – a que dá lugar a instituição escolar e
que conhece, de tempos em tempos, manifestações críticas – é a
contrapartida dos ajustamentos insensíveis e, muitas vezes, inconscientes das
estruturas e disposições, através das quais as contradições causadas pelo
acesso de novas camadas da população ao ensino secundário, e até mesmo
ao ensino superior, encontram uma forma de solução. Ou, em termos mais
claros, embora menos exatos, e portanto mais perigosos, essas ‘disfunções’
são o ‘preço a pagar’ para que sejam obtidos os benefícios (especialmente
políticos) da ‘democratização’. (BOURDIEU, Apud CATANI e NOGUEIRA,
2005, p. 221)
A inquietação e o mal estar gerados pela imposição da inclusão dos alunos
portadores de necessidades especiais denotam o progressivo processo de
exclusão social sofrido por alguns segmentos das classes trabalhadoras que
mesmo incluídos em uma modalidade do sistema escolar (o ensino técnico),
considerada como etapa de preparação para o mercado de trabalho,
permanecem desqualificados, considerando-se o baixo aproveitamento dos
conteúdos disciplinares e a falta de estrutura material e tecnológica de escolas
técnicas da rede estadual voltadas para este tipo de formação.
Uma das áreas do ensino médio em que a pesquisa de campo constatou o
processo de desqualificação e segmentação dos grupos de jovens inseridos nesta
escola está localizado na chamada subsqüência, ou seja, o aluno que já tenha
concluído a parte de formação geral em qualquer escola, pode optar por
complementar a sua formação técnica em até dois anos, garantindo com isto o
seu diploma de técnico com o mesmo valor oficial daquele conquistado pelo aluno
que tenha cursado todo o ensino médio nesta escola.
Esta modalidade de ensino é chamada de Pós-Médio, sendo executada no
horário noturno, tendo como perfil principal da sua clientela, o trabalhador que se
encontra inserido no mercado de trabalho.
123
Há uma resistência visível de boa parte dos professores a esta modalidade
de ensino, principalmente dos professores da área de formação geral. O
argumento mais freqüente é o baixo capital cultural deste aluno, oriundo de outras
escolas e que passa por um concurso com exigências mínimas para a sua
entrada na escola. A avaliação destes professores constata a formação de um
grupo de trabalhadores, que apesar de portarem um título de técnicos de uma
escola modelar, estariam efetivamente desqualificados e, portanto, inaptos para a
ocupação de postos mais importantes no mercado de trabalho.
Segundo o depoimento de uma professora:
(...) O problema não está no colégio, na instituição, do Rio, você tem
recuperação em supletivo. É lei nos professores. Está na rede estadual.
Agora, aqui no Estado, estadual. Vo tem que dar recuperação no supletivo,
um ensino médio de um ano. E se o cara não passar ainda tem direito de
recuperação. Agora, esse aluno vai terminar o supletivo assim, desse jeito,
vem para cá fazer o Pós-Médio. Ele vai sair o mesmo técnico em edificações
que o nosso aluno que tem uma grade com quatro tempos de Língua
Portuguesa, seis tempos de Matemática, quatro de Física.
Mesmo o Pós-Médio sendo concurso também. Até a carga horária é a
mesma. O diploma dele vai valer tanto quanto o diploma de um aluno daqui.
Isso é o que eu discuto, essa é a minha grande discordância. O Pós-Médio vai
acontecer em todos os campos. A própria escola quer o Pós-Médio. O saber
deixa de ser diversificado e fica cada vez mais específico.
Em 2001 eu tive uma turma de Pós-Médio de eletrotécnica e teve um aluno
que me pediu para entrar em tapa buraco, e eu não fiquei muito tempo com
esse aluno. É só para você ter uma idéia. O cara era armador de barraca de
feira. Não estudava há quinze anos. Como é que ele vai fazer um Pós-Médio?
O que esse cara lembra de Física para fazer eletrotécnica?
A lei já permite você ter um Pós-Médio. Você abre um negócio de Pós-Médio
para aluno ter uma classificação de um aluno que fez o curso técnico. Você
pode dizer que tem mais gente na escola. Depois tem o mercado de trabalho
que vai fazer a seleção. E esse aluno que vai ficar aqui um ano e meio, vai ter
um certificado técnico igual ao do aluno que ficou aqui quatro anos.
124
Apesar do número de aulas ser o mesmo, existe uma diferença muito grande
entre ver 1920 horas em quatro anos do que você ver 1920 horas em um ano
e meio. Quando você vê 1920 em quatro anos, você está digerindo uma
semana técnica, você está digerindo uma palestra, você está digerindo uma
exposição. Durante quatro anos você está vivendo o ensino técnico. O nosso
aluno desta escola sai dos Pós-Médio sem você avaliar se ele sabe redigir
uma carta. Ele não precisa escrever uma linha para ter um certificado de
Ensino Médio do supletivo do Estado, e qualquer aluno que tenha Ensino
Médio pode fazer o Pós-Médio. O diploma vale igual ao de quem fez o Ensino
Médio em qualquer outro lugar. E esse aluno do supletivo faz uma prova toda
de múltipla escolha e se não passar ainda pode fazer recuperação. E ele vem
para cá, faz prova de Português múltipla escolha e conhecimentos gerais.
Qual quer nota diferente de zero, ele entra para fazer o Pós-Médio. Quando
ele termina o curso, o diploma dele é igual ao do nosso aluno do curso diurno,
e ele não precisou escrever uma linha sequer.
Ano passado o estaleiro devolveu cinco alunos de máquinas e três alunos de
eletrônica. Isso é vergonhoso. Mas ele tem uma recuperação no primeiro
bimestre, uma no terceiro, uma no quarto, e ainda tem recuperação final. Se
ele não passa tem uma dependência. Ele nunca vai ser reprovado.
(Professora da área de formação geral)
O que se observa, a partir desta realidade é a progressiva segmentação
entre os grupos de alunos oriundos de um modelo de ensino médio regular e os
grupos de alunos, provenientes de modalidades de ensino como o supletivo, por
exemplo, em que o grau de exigência e aproveitamento dos conteúdos
disciplinares passa por uma diferente orientação pedagógica, mais preocupada
em aprovar do que formar.
As conseqüências são múltiplas em diferentes níveis. Neste caso, a que
toca diretamente o campo de análise desta pesquisa é aquela que nos aproxima
do mercado de trabalho. Ou seja, como nos revela o depoimento da Professora
da área de formação geral, o mercado de trabalho ao receber este aluno
desqualificado, responde com sua devolução ao sistema escolar, ou com a sua
colocação em postos periféricos do sistema produtivo, gerando desta forma a
125
reprodução da desigualdade social e da exclusão representada como
conseqüência da instabilidade por que passa o mercado de trabalho.
III.4 – A Articulação entre a Formação Geral e o Ensino Técnico
A estruturação do campo em que se configuram as forças produtivas em
seus diferentes níveis coloca a necessidade da formação de um tipo de
trabalhador forjado sobre as concepções de flexibilidade e automatização, em que
a incorporação de competências diversas modifica a noção de especialização das
tarefas executadas pelo trabalhador, características do modelo de produção
fordista, ampliando assim o espectro de ações nos meios produtivos e exigindo a
qualificação permanente de um determinado setor da produção.
Ciência e trabalho, estabelecendo novas formas de relação, passam a
exigir um intelectual de novo tipo, não mais o homem culto, político, mais o
dirigente, síntese entre o político e o especialista. Homem capaz de atuar na
prática, trabalhar tecnicamente e ao mesmo tempo intelectualmente.
Este novo tipo de intelectual não se restringe aos que vão desempenhar as
funções de dirigentes na hierarquia do trabalhador coletivo, mas abrangem
todos os trabalhadores, que irão desempenhar funções de todos os tipos. O
trabalhador tradicional, que usava s mãos e a força para o trabalho, não serve
mais para desempenhar suas atividades como cidadão-homem da pólis,
sujeito e objeto de direitos e como trabalhador, a exercer suas funções em um
processo produtivo em constante transformação; ele precisará apropriar-se do
conhecimento produzido e adquirir novas competências que lhe permitam agir
prática e intelectualmente.(KUENZER, 1997, p.36)
O capital vem demandando a necessidade de um tipo de trabalhador com
maior capacidade de abstração e conhecimento teórico mais elevado, o que
depende de um maior tempo de escolaridade e o acesso a um ensino de
126
qualidade. Ou seja, a junção entre ciência e trabalho tornou-se uma condição
imperativa no processo de formação do trabalhador. (FRIGOTTO, 1995)
As entrevistas com os professores e técnicos da escola da rede estadual,
onde se realiza o trabalho de campo atualmente, revelam a inoperância, no que se
refere a junção entre o ensino de formação geral e o ensino profissional. Pois,
esta função requer a criação de um espaço coletivo entre os professores e
técnicos destas duas áreas, objetivando a formação do trabalhador autônomo e
devidamente preparado para operacionalizar os conteúdos ministrados pela
escola.
Um dos diretores adjuntos da escola pesquisada, indagado sobre o papel
da educação básica no processo de formação profissional, responde:
Olha, eu acho que ela tem também, poderia ser nessa linha de discussão na
formação que construísse o sujeito, quer dizer, que desse uma formação e
não fosse como essa. É muito difícil a gente falar isso numa sociedade como
a nossa, em que temos um número de excluídos tão grande, inclusive com
formação de mercado de trabalho. Então, isso quer dizer, a formação nem
sempre garante. Mas eu acho que a escola, se a gente pudesse usar um
conceito, digamos, tem que ser desinteressada, porque a gente não tem essa
concepção. Agora, a educação básica não é formar técnico, não é formar para
a mão-de-obra, mas ter o trabalho como princípio educativo, como um
elemento fundamental, na constituição do sujeito como cidadão, como
pessoa, como sujeito, como homem. Aliás, é pelo trabalho que o homem se
constitui, foi assim que ele conseguiu, se é inteligente, se superar. Tantas as
adversidades que outras espécies não conseguiam, que aprendeu a trabalhar
para transformar a natureza.
As escolas técnicas estaduais e federais estão voltadas para as reformas
curriculares e para a diversificação das atividades profissionais, como forma de
atender às expectativas geradas pelo novo modelo econômico, cada vez mais
127
seletivo e excludente, no que se refere ao modelo de formação e preparação para
as relações de trabalho.
Entretanto, no espaço da escola, observa-se uma desarticulação entre os
diferentes atores sociais, responsáveis pela prática social onde se realizam as
ações de qualificação para o mundo do trabalho. O espaço de discussão coletiva
entre as áreas técnica e de formação geral encontra-se indefinido, e o que se
observa é um esgarçamento das relações entre os diferentes níveis da
comunidade escolar, que pode ser compreendido de diversas formas. Aquela que
mais nos chamou a atenção está relacionada a ausência de espaços coletivos e
de uma articulação concreta entre estes diferentes grupos.
A perspectiva da escola unitária, na prática da identificação e
organização dos conhecimentos (necessários e não arbitrários), tem inúmeras
outras implicações. Dentre estas, destaca-se a superação das polaridades:
conhecimento geral e específico, técnico e político, humanista e técnico,
teórico e prático. Trata-se de dimensões, que no plano real, se desenvolvem
dentro de uma mesma totalidade concreta. Tanto a identificação do núcleo
necessário de conteúdos, quanto os processos, os métodos, as técnicas não
podem ser determinados nem pela unilateralidade da teoria (teorismo), nem
pela unilateralidade da técnica e da prática (tecnicismo, ativismo), mas na
unidade dialética de ambas, ou seja, na e pela práxis. (FRIGOTTO, 2003, p.
180)
Tanto os professores da área de formação geral, quanto os professores da
área de formação técnica são unânimes em reconhecer a ausência de articulação
entre estas duas áreas. Este fato contrapõe-se ao projeto inicial da FAETEC que
prevê o pleno entrosamento entre os dois segmentos como condição fundamental
para a preparação deste trabalhador exigido por uma nova ordem econômica, em
vigor especialmente, a partir dos anos de 1990 no Brasil com o processo de
expansão dos efeitos da globalização sobre os meios produtivos.
128
Sobre esta questão, vejamos alguns depoimentos dos professores:
Eu particularmente acho que os professores da área técnica, embora sejam
mais despreparados das questões pedagógicas, eles são mais flexíveis para
uma discussão do que um professor da formação geral. Eu não sei se deu
para você observar isso nas reuniões pedagógicas, os coordenadores
técnicos são sempre mais flexíveis, reclamam se queixando disso ou daquilo,
mas a gente consegue conversar, convencer. Agora, os da formação geral é
difícil, são vários embates. A gente aqui tem um certo problema, essa é uma
escola de formação técnica, na minha opinião. Só que os professores da
formação geral entendem que a formação geral é também muito importante,
ou talvez até mais importante. E, isso às vezes, cria um pouco de problema na
escola, porque um quer priorizar a sua área, e eu não vejo muita articulação
na prática dos conteúdos.Com a exceção de determinadas disciplinas em que
os professores entram em acordo, como por exemplo, matemática e física.
Agora, nas outras áreas não. Nas outras disciplinas é cada um para com o
seu conteúdo. (...) Na verdade essa interdisciplinaridade não existe. Embora,
a gente já tenha tentado essa discussão. Mas também não é uma coisa muito
simples de fazer, porque isso mexe com valores, para você fazer uma
determinada coisa, você tem que acreditar.
( Professora da área de formação geral).
(...) eu não diria que há uma separação dos são só técnicos e os que são só
licenciados, ou especificamente das disciplinas da formação geral. Mas,
uma separação de concepção. Há professores da área técnica que são muito
receptivos às propostas de discussão, compreendem quando a gente
apresenta, às vezes solicita inclusive, a ajuda da equipe técnica, a formação
geral é mais resistente a isso.
Na formação geral, os professores se acham mais capazes do que às vezes
são. E ali é assim: a aula é essa, e é a melhor que tem. Aqui nós temos caso
de professor técnico falar assim: ‘mas eu não estou conseguindo. Como é que
eu faço?’ Agora na formação geral não tem isso.
Também tem os professores da área técnica que são intransigentes,
principalmente com relação a avaliação, com relação ao conteúdo. Não saber
dosar os conteúdos. Por exemplo, nós temos uma disciplina no Curso de
Edificações, chamada de resistência de materiais. Essa é uma disciplina que
o Curso de Engenharia, em que os meninos da Engenharia sofrem com essa
129
matéria, que é muito difícil. Tem matemática, Física, no todo, então são
cálculos, cálculos etc. E o professor que normalmente é o Engenheiro, ele
quer dar essa matéria, como foi dada para ele no Curso de Engenharia. E ele
quer avaliar tal qual o professor que ele tinha, porque estava em final de
carreira na UFRJ, na UFF. Então ele quer dar aula do mesmo jeito para o
menino que tem 14, 15 anos (...) (Diretor Adjunto)
Até dá para fazer alguma coisa, mas a gente não vê isso acontecer, porque
existe na realidade, no nosso dia a dia, a formação geral não se junta muito
com a formação técnica. Eu acho que é uma certa rixa que existe entre a
formação geral e a formação técnica. Eles acham que...não sei, não bate. A
gente até tenta, mas não consegue se nivelar. A coisa até acontece direitinho,
mas um trabalho assim em conjunto, a gente até consegue fazer alguma
coisa, com a ajuda dos professores da formação geral e tudo, mas assim,
fazer um trabalho maior, que a gente possa se juntar e colocar isso em um
projeto, isso ainda não foi feito. A gente até conseguiu fazer um projetinho
junto com o pessoal, mas da técnica mesmo, foi de edificações. Mas com a
formação geral até agora, pelo menos que eu já tenha visto, ainda não deu
certo. (Professor da área técnica)
Não há uma ação coordenada. Não é da cultura. Não sei se a palavra seria
cultura. Não existe, nunca existiu. Eu nunca percebi esse movimento de
coordenar uma atividade para todos os cursos, que envolva sempre a
formação geral. Eu acho que são coisas isoladas, eu vejo que são coisas
isoladas. (...)
(...) O que me parece é que na cabeça do aluno, ele sabe que a formação
geral tem um conteúdo da disciplina voltado a atender toda formação técnica,
mas isso não fica muito claro para eles. O que fica claro para eles é que eles
precisam ter todas essas disciplinas, mas essa associação não fica clara. Eu
não vejo um movimento dos alunos em solicitar essa atitude da área técnica
junto com a área de formação geral, isso fica isolado. (Professor da área
técnica)
130
Como bem observa (KUENZER, 2001) a questão da dualidade estrutural
está presente na história da Educação Profissional no Brasil. Ou seja, a autora
aponta o caráter ambíguo da ação pedagógica desenvolvida no ensino médio,
como uma oscilação constante entre a formação para a continuidade dos estudos,
com ênfase nas atividades intelectuais e, ao mesmo tempo, a necessidade de
preparação para o mundo do trabalho de acordo com as transformações sofridas
pelos meios produtivos.
O trabalho de campo revelou-nos de forma objetiva esta dualidade
estrutural, muitas vezes, representada por uma disputa no interior do campo em
que interagem os professores das áreas técnica e de formação geral, provocando
uma naturalização desta desarticulação, pela ausência de uma reflexão sobre o
modus operandi da estrutura do sistema escolar no qual os agentes sociais se
encontram imersos.
Além disso, os diferentes grupos constroem suas próprias estratégias de
ação, de acordo com o lugar social de onde estão falando. Ou seja, está implícito
nos discursos destes atores sociais uma defesa da sua posição no campo, a partir
do estabelecimento dos limites identificados na estrutura sobre a qual se
organizam. À medida que estes limites são externalizados, o agente social, de
certa forma se desobriga da tarefa de refletir sobre a sua atuação como parte
integrante desta estrutura. Ao mesmo tempo, a escola permanece numa posição
de imobilidade pela falta de recursos materiais e pedagógicos capazes de fazê-la
funcionar.
O resultado desta conjunção de fatores é a ausência de uma visão crítico-
reflexiva capaz de mover o espaço escolar, através do reconhecimento deste
131
espaço como um campo de forças, em que a sua composição deve ser objeto de
reflexão permanente por aqueles que o fazem funcionar.
Há um claro reflexo desta desarticulação entre as duas áreas no processo
de formação dos alunos, gerando perfis diferenciados. Por um lado, temos um
número considerável (a escola não possui este dado numérico) de alunos que
optam pelo ensino superior, abandonando a formação técnica, e por outro lado, o
aluno que evade em função do tempo de permanência na escola e da
necessidade de engajamento no mercado de trabalho.
Entretanto, mesmo desarticuladas as áreas técnica e de formação geral
conseguem produzir também um modelo de aluno que ocupa um lugar
diferenciado no mercado de trabalho, reconhecido por ser egresso de uma escola
considerada modelar no âmbito do ensino técnico no Estado.
Apesar do embate entre os dois grupos de professores, todos os
entrevistados reconhecem a importância da interdisciplinaridade como forma de
aprimoramento da formação integral necessária ao processo de qualificação do
aluno que terminará esta etapa da sua vida escolar com boas chances de entrar
para o mercado de trabalho ou dar prosseguimento aos seus estudos, através do
ensino superior.
Segundo o depoimento de um professor da área técnica:
A importância da formação geral para o ensino técnico é fundamental, porque
o conteúdo de todas as disciplinas técnicas provém da formação geral. Por
exemplo, se a gente pega um material de construção, como todos os
materiais de construção provém da natureza, você tem a composição daquele
material, como no cimento tem o mineral.
(...) O professor de química falando sobre os minerais já vai estar dando uma
base, um subsídio para ele perceber que com a associação de diversos
132
materiais da natureza, torna-se um material a ser utilizado dentro da
construção civil.
Então é importante a formação geral na formação do aluno técnico. A gente
não está desassociando isso. Como é que ele vai entender o manual técnico
sem um professor de Português? Como é que ele vai entender aqueles
percentuais sem o professor de Matemática, de Física?
Então, realmente essa coisa precisa estar casada. Mas, eu acho que a
formação geral da nossa escola é uma formação diferenciada, de vanguarda,
porque a escola não tem como objetivo formar o aluno para estar aprovado no
vestibular. Mas, temos aqui muitos alunos que são aprovados no vestibular.
Então, a contribuição da formação geral da nossa escola proporciona
capacitar o aluno para ele ser um técnico e para ele abrir esse leque de
opções e ser aprovado nos vestibulares (...). (Professor da área de formação
técnica)
III.5 – O Perfil do Aluno
O primeiro filtro com o qual me deparei na tentativa de reconstituir o perfil
do aluno do ensino médio desta escola foram as reuniões de coordenação. A
multiplicidade de questões que emergia destes encontros conectava-se direta ou
indiretamente com o tipo de aluno com o qual a escola estava lidando.
Creio ser esta uma questão recorrente em qualquer reunião escolar, visto
ser o aluno a sua principal clientela. Entretanto, a regularidade desta questão não
deve opacizar a particularidade que se impõe sobre este tipo de aluno. Estamos
falando de um aluno que ao adentrar uma escola técnica tem diante de si a
responsabilidade de articular a formação geral, oferecida pelas disciplinas ditas
teóricas, com a formação técnica, oferecida pelas disciplinas em que se
estabelece a prática do ofício para o qual o aluno estará voltado.
133
Há nesta escola uma peculiaridade que diz respeito a forma de acesso aos
seus cursos. No mesmo espaço físico em que funciona o ensino médio, a escola
abriga (ainda que de forma independente) o ensino fundamental.
Os alunos provenientes do ensino fundamental desta escola têm acesso
direto ao ensino médio. O restante das vagas é oferecido ao público externo que
deve ser aprovado por um concurso público com um grau de dificuldade
considerável em relação a forma de entrada dos alunos da escola fundamental.
Sobre os alunos egressos do ensino fundamental desta escola, revelaram
alguns professores:
(...) Você pode observar que as turmas que vieram direto do ensino
fundamental....Não estou dizendo que o ensino fundamental não presta, mas é
porque os alunos que vêm de lá....Também não sou favorável que tenha só
concurso público impedindo os outros de entrarem. Esses alunos na vêm via
concurso público, eles vêm via sorteio.
Então, em relação a aprendizagem, não tem nenhum tipo de seleção. Você
pode observar que são alunos até de situação financeira um pouco mais baixa
em relação aos outros alunos.
Os que vêm por concurso público costumam ter uma situação financeira
melhor e a questão da aprendizagem, melhor. Até porque vêm de escolas
melhores.
Os alunos do curso de edificações, de eletrônica e de eletrotécnica costumam
ser as turmas melhores em aprendizagem porque são alunos que escolhem.
(Diretor Adjunto)
Tem o pessoal que vem direto do ensino fundamental. É regra, eles pertencem
à FAETEC. Mas, o pessoal reclama muito do fundamental. Eu não vejo
absolutamente diferença alguma entre os alunos desse fundamental daqui e
os alunos do fundamental da Prefeitura, do Estado. Inclusive, eu acho que os
daqui são um pouquinho melhores.
Existe um certo preconceito meio bobo aqui. São duas escolas, na verdade. É
um mesmo campo, mas não tem integração nenhuma. Culpa tanto daqui,
quanto de lá. Vamos tentar superar isso ano que vem. A gente está com uma
134
proposta para levar para os colegas e buscar uma integração maior com o
ensino fundamental. Porque não faz sentido uma escola que está no mesmo
campo e tem essa distância toda.
Tudo bem que há particularidades e direções diferentes, e isso faz até sentido.
Mas que não haja uma integração entre o corpo docente, não faz sentido. Isso
é agressivo para o aluno e compromete o ensino.(Professor da área de
formação geral)
Com relação ao perfil do aluno que ingressa na escola através de concurso
público, as entrevistas nos revelaram que a média destes alunos é proveniente de
segmentos de classe média baixa, em que boa parte dos casos revela a
reprodução das relações de parentesco na continuidade da formação técnica, ou
seja, boa parte dos alunos provém de famílias em que os pais cursaram o ensino
técnico e almejam a entrada dos filhos para o mercado de trabalho.
Esta escola tem essa característica de ser uma escola muito grande, então a
nossa clientela também é muito mista. A gente identifica desde adolescentes
que pertencem a uma classe média empobrecida pelos últimos anos de
decadência econômica do país, e a gente percebe pessoas que são oriundas
das classes populares mais baixas. A gente já percebe esse tipo de aluno aqui
também.
Temos filhos de professores que são de uma classe média média, ou seja é
bastante variado. Temos alunos egressos de escolas particulares de nome (...)
que migraram para cá. Fazem parte dessa classe média que foi
empobrecendo ao longo dos últimos anos. É muito mista nossa clientela.
(...) Nesta escola a gente recebe aluno de Santa Cruz, Bangu, Magé, São
Gonçalo, Niterói, bairros e cidades diferentes.
Mas eu tenho a tendência a avaliar os alunos daqui tendo um capital cultural
um pouco melhor que os alunos da rede estadual e um pouco melhor que os
alunos da rede municipal de Niterói. Talvez por essa variedade muito grande
que existe aqui dentro, a gente consegue tirar um meio termo com essa
característica. Capital cultural melhor, a gente avalia esse capital cultural
através do vocabulário que eles usam, através da forma escrita, algumas
relações pessoais que a gente tem. A gente fica muito mais amigos de uns
alunos que de outros. Então a gente sabe que em casa, por exemplo, ele tem
135
um pai que é peão, mas gosta muito de ler.A gente percebe assim, dessa
forma.
Não tem uma estatística muito apropriada para isso, mas indiretamente, a
gente percebe que esse aluno chega aqui com uma bagagem cultural um
pouquinho melhor do que os alunos da rede estadual regular, porque aqui
também é Estado, e do que o aluno da rede municipal de Niterói.
Apesar da rede municipal de Niterói ter uma condição física muito melhor do
que a FAETEC, tem vídeo, DVD, são equipadas com tudo, isso não falta na
rede municipal de Niterói. Mas, o aluno que chega para nós, realmente tem
muito mais carência do que o aluno daqui, e essa carência tem alguns furos
na formação intelectual das condições materiais em que ele está inserido. Eu
acho que o aluno daqui é um pouquinho melhor sim. (Professor da área de
formação geral)
(...) Essa é a nossa clientela, parte dos alunos provenientes aqui do Ensino
Fundamental e a outra parte é aberta à comunidade para um concurso.
Escolas públicas e particulares. Muitos são netos ou filhos de pessoas que já
estudaram aqui na escola.
Então existe essa boa conceituação da escola, tanto para o município de
Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, quanto para os municípios vizinhos. Muitas
pessoas que já passaram pela escola durante esses anos todos. Então, o
conceito é de uma escola excelente.
Os alunos vêm para cá, muitas vezes sabendo exatamente o que vão
encontrar aqui como informação técnica do curso. São netos ou filhos de
pessoas que já passaram aqui pela escola. Eles fazem questão da
continuidade dos filhos aqui dentro.
São alunos que não têm poder aquisitivo elevado, são de classe média, classe
baixa, sendo mais da classe baixa e que precisam ter uma formação
profissional rápida, mas com qualidade, para que o retorno financeiro possa
auxiliar na divisão das contas dentro de casa.
Então, esse é o nosso aluno do dia. Essa clientela da noite são os alunos que
já estão trabalhando, no mercado de trabalho. Eu dou aula para o curso de
edificações à noite e tenho alunos que já trabalham na área da construção
civil. Uma grande parte quer o um diploma concluído para efeito de
crescimento dentro da sua empresa. (Professor da área de formação técnica)
136
Por outro lado como bem observam ALVIM (1994) e FARIAS (1997) este
tipo de ação pedagógica é percebido pelo aluno e por suas famílias como um
valor agregado à formação da sua identidade social, distinguindo-o num
determinado segmento da classe trabalhadora, em que há uma reprodução dos
valores e formas de representação social do grupo do qual fazem parte.
A necessidade de ingressar no mercado de trabalho como forma de
participar da divisão dos gastos domésticos coloca-se como um imperativo para a
opção de entrada de boa parte destes jovens numa escola técnica. Entretanto,
esse modelo de formação profissional reproduz, de certa forma, a delimitação de
oportunidades existentes nos meios produtivos, na medida em que forma
diferentes grupos de trabalhadores, de acordo com a sua origem social, com o tipo
de formação adquirida no ensino fundamental ou médio (supletivo), e ainda de
acordo com a estrutura operacional oferecida pela escola, que no momento da
pesquisa encontrava-se em franca defasagem em relação às exigências feitas
pelo mercado de trabalho.
Além disso, a divisão social do trabalho, construída a partir do tipo de
formação oferecida ao aluno, ou seja, a educação profissional para os
trabalhadores operadores e a educação humanista para os gestores e intelectuais,
mantém em funcionamento o modelo de ensino que reproduz a divisão de classes
sociais.
A incorporação ao mercado de trabalho, permitida pela educação
profissional, cria uma aparente idéia de democratização do ensino, em que a
educação aparece como instrumento de mobilidade social. Entretanto, a análise
das práticas sociais revela a permanência de um sistema escolar excludente em
seu interior, pelas ações anteriormente mencionadas, assim como, a reprodução
137
da desigualdade social através da manutenção de uma estrutura que separa o
operador do dirigente. (KUENZER, 2001)
III.6 – A Formação Técnica e o Mercado de Trabalho
As relações de produção e propriedade advindas processo de expansão
dos efeitos da globalização e da formação de uma nova ordem econômica
apontam para a necessidade de constituição de um novo perfil para o trabalhador
nas diferentes esferas da produção.
As transformações provocadas pelo avanço científico e tecnológico expõe
de forma inexorável as contradições entre o processo educativo do trabalhador e
os meios produtivos onde o mesmo atua. Ou seja, a simplificação das operações
práticas exercidas pelos trabalhadores denotam a complexificação no processo de
gerenciamento e gestão do trabalho como atividade produtiva. Com efeito, o
investimento na preparação deste trabalhador é condição básica para sua
inserção no modelo produtivo imposto por esta nova ordem. (KUENZER, 2001)
O trabalho incorpora diferentes níveis de vínculo com a realidade social. O
conhecimento científico, tecnológico, político e cultural interagem na fabricação de
um modus operandi que simplifica o fazer como decorrência da incorporação da
ciência como elemento constitutivo de uma concepção de trabalho que não
comporta mais a separação entre as atividades intelectuais e as atividades
práticas. (KUENZER, 2001)
Ora, a história da Educação Profissional no Brasil tem nos revelado uma
concepção contraditória sobre as relações entre trabalho e educação, à medida
que solidifica a dualidade estrutural (KUENZER, 2001) entre estas duas vertentes.
138
Entretanto, a lógica imperativa do mercado de trabalho aponta para a emergência
de um modelo educacional calcado na interconexão entre ciência e trabalho, em
que o princípio educativo esteja assentado sobre o domínio de um capital cultural
crítico e reflexivo, promovendo a capacidade de interferência nos diferentes níveis
da produção.
Não obstante, o reconhecimento e o esforço concretos por parte do corpo
docente, é visível a separação entre os campos teórico e prático no processo de
formação do aluno e também na execução da ação pedagógica desempenhada
pelos professores. O modelo de ensino concebido pelas políticas públicas
voltadas para o mercado de trabalho apresenta sinais claros de sua inoperância,
na medida em nos aproximamos das práticas pedagógicas exercidas no ambiente
escolar.
O estudo de caso desenvolvido nesta escola permite uma análise em
prospecção do campo em que se organizam as instituições escolares
responsáveis pela educação de nível médio no contexto da profissionalização
para a entrada no mercado de trabalho. As questões colocadas pelas entrevistas
e pela assistência às reuniões de coordenação refletem as especificidades
inerentes a este espaço social, ao mesmo tempo em que dimensionam a estrutura
sobre a qual o sistema escolar está apoiado.
Estamos diante de um sistema de ensino fundamental e médio em
desacordo progressivo com os interesses do atual modelo econômico, ou seja, a
estrutura material da escola (laboratórios, equipamentos de mídia, aparelhagem
técnica, ferramentas e maquinário para o desenvolvimento de atividades práticas)
não atende minimamente às necessidades da comunidade escolar, assim como,
139
encontra-se em defasagem com os meios produtivos e sua velocidade de
transformação.
Além disso, a concepção pedagógica que integra o projeto político desta
modalidade de ensino sofreu inúmeras modificações em seu processo, criando
diferentes perfis de trabalhadores, associados ao tipo de formação adquirida de
acordo com a sua escola de origem.
Na verdade o processo de mudança vai acontecer sempre. Isso é inevitável.
Atualizações terão que ser feitas. Todo o processo de avanço da tecnologia ,
de mudança da vida, mudança da sociedade de um modo geral. Eu entendo
que essas mudanças necessitam acontecer ao longo do tempo. De uma certa
forma, existe um encadeamento que é a formação propriamente dita e a força
da política na formação desses alunos, na condução desse processo de
mudança. Quando a gente analisa essa mudança de toda uma estrutura, ela
não pode ser desvinculada, analisando apenas a questão de atualização de
conteúdos.
(...) Então nesse momento nós estamos sendo solicitados pela nossa
Fundação [FAETEC] para uma mudança de conteúdo, mudança de matriz
curricular, nesse momento é o momento que a gente precisa estar
acompanhando e tendo a possibilidade de estar propondo. Porque melhor do
que aquele professor que está dentro da sala de aula, e aqui os professores
técnicos não estão só dentro da sala de aula, eles precisam também estar
trabalhando para levar a coisa prática, técnica, para dentro da escola como
ensinamento.
De uma certa forma, todos os professores estão na escola lecionando e
trabalhando o que eles lecionam. Esse somatório faz o enriquecimento, faz
naturalmente as mudanças.
(...) Existe necessidade dentro da matriz técnica que precisa ser reformulada,
e que nessa reformulação proposta pela FAETEC, esse conteúdo não veio
como reformulação. Então nossa matriz proposta pelos professores com
relação a utilização de computador nesse processo de desenho arquitetônico,
e isso é uma realidade. E Essa realidade, a gente tem diagnosticado, é
sempre solicitada pelas empresas, quando ao solicitar no setor de estágio um
aluno da escola para uma entrevista, ele solicita que esse aluno tenha essa
ferramenta de desenho do computador. A cada dez solicitações, dez são em
140
cima dessa ferramenta de desenho, como o autocad, que é uma ferramenta
de desenho para desenho arquitetônico.
Então nós precisamos formar esse aluno com esse conteúdo que vá fazer ele
ser inserido no mercado de trabalho. Quer dizer o mercado de trabalho é que
nos dita as diretrizes, que conteúdo o aluno tem que ter para ser inserido mais
facilmente no mercado de trabalho.
Essa nova matriz da FAETEC não contempla isso. A redução do tempo assim
simplesmente não contempla a necessidade que esse aluno precisa ter dentro
da escola de formação técnica para que ele possa mais facilmente inserido e
utilizado no mercado de trabalho.
E associando a formação técnica com a formação geral, a capacidade
cognitiva, a capacidade de análise, a capacidade de interpretação, a
capacidade de crescimento do aluno passa pela formação geral que vem
dando esse suporte para a parte técnica.
Então se ele tem esse momento da formação geral também com o conteúdo
reduzido, esse aluno vai estar no mercado de trabalho, conseguindo atuar no
mercado de trabalho momentaneamente, porque quando as novas tecnologias
surgirem, ele não terá capacidade de análise e entendimento, ele vai ficar
arcaico, ele não vai conseguir acompanhar esse momento, porque ele não
teve a formação geral que foi reduzida.
Então a formação geral com a formação técnica precisa se coadunar não
apenas com redução de carga horária, mas sim com análise de conteúdos,
para que o aluno possa amanhã entrar no mercado de trabalho, atuando com
o conteúdo técnico que ele aprendeu dentro da escola. Mas se houver uma
mudança desse processo, ele precisa ser capaz de se auto-mudar, de se auto-
promover, porque senão ele vai ficar arcaico e ele vai ser retirado da tarefa
dele. Aquela tarefa que ele aprendeu, ele precisa se atualizar. (...) O que é
preciso ter para ele depois por conta própria, saber quando é o momento dele
fazer um novo curso, se inserir numa nova linguagem tecnológica para sua
evolução, dentro do serviço profissional. (Professor da área de formação
técnica)
(...) No papel tudo cabe, tudo é bonito. O problema é que a FAETEC não
operacionaliza nenhum tipo de recurso para que isso aconteça. Não temos
nenhuma condição de trabalho aqui. O quadro da escola está de abandono
completo. A gente não tem nenhum tipo de recurso adicional aqui. Temos uma
sala de audiovisual no segundo andar que não tem nada, temos um
retroprojetor que não pertence a escola, pertence a um professor. A nossa
biblioteca é falha, pobre. A FAETEC enquanto autarquia, enquanto instituição´,
141
ela é um desenvolvimento daquilo que ela pretensamente coloca no papel
como sendo a sua proposta pedagógica.
Do lado dos professores, essa integração também não existe. Existe a divisão
entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio e no Ensino Médio existe uma
divisão entre formação técnica e formação geral.
Absoluta falta de boa vontade do corpo docente, tanto da formação geral como
da equipe técnica. Preconceito de ambas as partes. Preconceito da formação
geral que enxerga o membro da equipe técnica como um engenheiro, um
arquiteto, ou seja lá o que for e não como um professor. Preconceito deles
conosco, nos vêem como um complemento aqui dentro. Não há
complementos aqui dentro. Estamos em um ensino concomitante. Então, o
preconceito de ambos os lados tem inviabilizado pelo menos nos anos que
estou aqui, uma integração mais inteligente. Não existe integração nem na
formação geral.
(...) Mas, por exemplo, área de Sociologia. Se eu ministro aula para o 2
o
ano,
porque a minha equipe não pode se reunir com a equipe de Sociologia? Isso
até o presente momento, não tem sido feito.
Por exemplo, discutir o que vai ser discutido em sala de aula, para que eu
possa dar enfoque na minha disciplina, para que dê um suporte, um gancho
maior. Esperamos que isso aconteça agora. Vamos ter várias reuniões, para
que a gente possa, pelo menos começar a andar, pelo menos a formação
geral. A questão curricular é uma delas.
Através da integração interdisciplinar que é fundamental nos dias de hoje,
principalmente em uma unidade como essa em que o aluno tem 21 matérias.
Se você puder fazer com que ele respire mais, não repetindo coisas. Seria
legal fazer um trabalho integrado, até de repente, uma única avaliação. Isso
não é impossível. Não aconteceu entre a equipe técnica e a formação geral
por preconceito de ambos os lados, e dentro da formação geral, talvez pela
sobrecarga de trabalho do profissional, pela falta de comprometimento com o
ensino público. Isso, infelizmente existe. A gente ganha mal, fica cansado, fica
triste, temos poucas oportunidades, mas a gente está no ensino público e ele
não passa pelo lado da obrigação, como é na rede privada. Lá, eu tenho a
obrigação de trabalhar bem, senão eu sou mandado embora. Aqui você tem
que ter compromisso, e compromisso não tem como se cobrar, obrigação tem.
Aqui dentro ainda temos muitos profissionais com esse perfil de
comprometimento com o ensino público, mas temos uma outra quantidade de
profissionais também que não têm mais. O fato é que a gente chega a um
ponto de estagnação, a gente está parado no vácuo. Para qualquer lugar que
a gente se mexa, a gente vai por inércia para o nada. A gente tem que ficar
142
paradinho e nesse paradinho começar a criar alguma coisa ao nosso redor.
Não adianta a gente querer ir para algum lugar porque esse lugar não existe.
Eu não sei se esse ano a gente vai conseguir mudar alguma coisa. Houve
uma mudança na equipe de coordenação, mas a equipe de coordenação
sozinha não resolve nada, tem a equipe de direção, tem a FAETEC, tem o
Estado, enfim, a gente está vivendo dentro de círculos e somos menor círculo
dentro de uma série de outros e a gente está ligado a eles. Mas, algum tipo de
mudança, por menor que seja tem que começar a acontecer.” (Professor da
área de formação geral)
A escola apresenta-se como um instrumento de formação ineficiente diante
das exigências impostas por um modelo econômico extremamente flexível e
dinâmico, em que as ferramentas para o exercício das atividades da produção
supõem o domínio técnico e científico das relações de trabalho. O trabalhador
deve ser capaz de desempenhar estas atividades, ao mesmo tempo em que deve
estar apto a incorporar e digerir as transformações tecnológicas presentes no
sistema produtivo. (KUENZER, 2001)
Nesse sentido, a educação básica é parte e parcela do processo de
formação do trabalhador que ingressa no ensino médio profissional. Os elementos
necessários para a compreensão da realidade social em seus diferentes níveis,
devem ser oferecidos pelo ensino fundamental, momento em que a aquisição de
uma sólida base de conhecimento formal e de uma ampla visão da cultura
potencializarão a capacidade de compreensão e reflexão exigida na etapa
concernente ao ensino médio. (KUENZER, 2001)
O campo revelou de forma recorrente a necessidade de uma reformulação
em diversos níveis tanto das políticas educacionais comprometidas com a
construção de uma concepção pedagógica voltada para a educação profissional
143
articulada à educação fundamental, como também uma ação crítico-reflexiva por
parte dos agentes que executam estas políticas através das práticas sociais.
Não obstante, a gama de problemas que permeia a escola estudada, cabe
ressaltar aqui o compromisso por parte do corpo docente, diretores e orientadores
educacionais, focos privilegiados na pesquisa, com as atividades do cotidiano
escolar. Houve situações de visível comoção por parte de alguns entrevistados,
que ao identificar as deficiências dessa estrutura, confrontavam-se com a sua
impotência diante da transformação deste quadro. Mesmo atuando no sentido de
amenizar os efeitos do empobrecimento e abandono em que se encontrava a
escola (usando dinheiro do próprio bolso para consertar aparelhos e repor material
de consumo interno, trabalhando nas férias etc.) estes profissionais encontram-se
diante da ineficiência do sistema escolar em relação ao contexto histórico-social
em que os efeitos da internacionalização das relações sócio-econômicas são
definidores do papel desempenhado pelas instituições sociais.
A escola deve ser pensada como um espaço interconectado com a
sociedade como um todo, portanto, lócus de transformações e contradições que
expressam a diversidade de questões inerentes a estrutura social. Isentar a escola
desta discussão é negligenciar o seu papel de agente socializador e formador do
indivíduo como membro da sociedade.
144
CONCLUSÃO
A reconstituição histórica do conceito de Educação Profissional no Brasil
permitiu-nos observar o processo de construção social desta categoria, a partir
das diferentes demandas colocadas pelos interesses constitutivos das lutas
concorrenciais em que se organiza o campo (BOURDIEU, 1989) desta
modalidade de ensino no Brasil.
No processo de colonização brasileira, observamos a introdução do modelo
europeu de organização dos trabalhadores, através das Corporações de Ofício,
nas quais o trabalhador profissional como o aprendiz carecem de um ethos moral
inerente às Corporações de Ofício européias, e em que o caráter de
aprendizagem de um determinado ofício estava marcado pela inadequação desta
forma de organização do trabalho à realidade brasileira.
As iniciativas propostas no período da colonização colocam em cena a
ação pioneira de D.João VI na área do ensino de ofícios, que geraram ações que
se estenderam durante todo o século XIX e que fortaleceram as bases para a
expansão e regulamentação do ensino industrial no Brasil.
O período republicano inicia a constituição das bases para a política do
Governo Vargas, que através da ação do Ministério da Educação e Trabalho
institui a formulação de políticas públicas voltadas para a construção de um
conceito de ensino técnico adequado às demandas impostas pelos setores
econômicos deste período.
A criação da Lei Orgânica e do Senai na década de 1940 vem definir o tipo
de ação empregada na formação e qualificação da mão-de-obra necessária à
implementação da indústria no contexto em que a figura do técnico torna-se cada
145
vez mais urgente para o momento de transição por que passam as relações de
produção.
Observa-se o caráter discriminatório e particularizador do ensino de ofícios
como um atributo da pobreza que marca a história do ensino profissionalizante no
Brasil. A separação entre o ensino humanístico e a prática profissional denotam o
processo de exclusão e a reprodução da desigualdade social presentes na
manutenção dos espaços escolares como lócus da divisão dos sabres, e,
portanto, da divisão do trabalho social.
A segunda metade do século XX se caracteriza primeiro pela manutenção
da divisão entre o conhecimento humanístico e o saber técnico, através da
criação de mecanismos políticos que oferecem às classes trabalhadoras um
lugar intermediário entre o ensino médio e o ensino superior. Ou seja, a legislação
que entra em vigor na década de 1970 impõe um caráter de terminalidade em seu
primeiro parágrafo, aponta a formação técnica como uma opção em relação ao
ensino superior. Neste sentido, a universidade permanece sendo o lugar para
aquela parcela da população que pode permanecer por mais tempo no sistema
educacional, e por outro lado, pode ter seus estudos custeados, sem
necessariamente fazer parte do mercado de trabalho. (FREITAG, 1986)
A década de 1980 vem interromper o a obrigatoriedade do ensino
profissionalizante, com a intenção do Governo em aumentar o número de escolas
técnicas, o que acabou não se realizando na prática.
A década de 1990 traz consigo um conjunto de transformações nos meios
produtivos, acarretando a criação de uma nova institucionalidade (MANFREDI,
2002) para o conceito de Educação Profissional no Brasil. A partir deste período,
surge a necessidade de composição entre os diferentes espaços institucionais
146
responsáveis pela formulação e aplicação das políticas públicas voltadas para
esta modalidade de ensino.
A chamada dualidade estrutural (KUENZER, 1997) presente na história da
Educação Profissional no Brasil é colocada no centro dos debates em torno da
organização do campo em que se travam as lutas políticas e ideológicas sobre a
definição do perfil do trabalhador de nível técnico a ser exigido pelo mercado de
trabalho. Torna-se evidente, a inadequação desta separação entre a ciência e o
trabalho num contexto histórico em que a articulação entre estes dois campos é
absolutamente fundamental, tanto para a figura do executor, quanto para a figura
do dirigente.
O trabalho de campo vem confirmar o pressuposto inicial desta pesquisa, à
medida que expõe através dos depoimentos dos profissionais da escola
estudada, a desarticulação entre as áreas de formação geral e de formação
técnica no processo de formação do aluno inserido nesta modalidade de ensino.
Entretanto, esta desarticulação aponta para um dilema estrutural no âmbito
da Educação Profissional no Brasil, qual seja, uma contradição permanente entre
a ação do Estado como formulador e gerenciador das políticas públicas voltadas
para a organização deste campo e o conjunto de práticas sociais que fazem
funcionar de modo contraditório o sistema escolar em seu cotidiano.
A escola permanece desvinculada do processo de transformação social e
econômica, característico da instalação de uma nova ordem mundial, em que a
estrutura precária em que se constitui o espaço escolar não acompanha a
velocidade dos avanços tecnológicos que se sobrepõe às práticas pedagógicas
comprometidas com uma estrutura social em franco processo de defasagem.
147
A ação pedagógica, apesar dos esforços pessoais e coletivos dos
profissionais que atuam no ambiente escolar, encontra-se limitada pela ausência
de mecanismos institucionais que impulsionem uma vivência integral da formação
técnica aliada a incorporação de um conjunto de saberes científicos, necessários
à construção de um profissional autônomo e reflexivo sobre a realidade social na
qual deva atuar. Além disso, esta modalidade de ensino deve também oferecer a
possibilidade real de encaminhamento para o ensino superior, caso seja esta uma
opção daquele que completa sua formação no âmbito do ensino médio.
As propostas encaminhadas pelo Fórum em Defesa da Educação Pública
indicam um caminho de discussão, que ao solicitar o diálogo com os diferentes
atores sociais que fazem o campo funcionar, revelam a otimização de ações que
acreditamos possam refletir a luta da sociedade civil por um modelo de escola
pública de qualidade, em que a educação fundamental incorpore o ensino de nível
médio, oferecendo uma educação básica capaz de formar cidadãos aptos a
participar do processo de construção da sociedade.
148
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