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PONTICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
CENTRO DE TEOLOGIA E CNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: MESTRADO EM FILOSOFIA
KARYN CRISTINE CAVALHEIRO
A PASSAGEM DA SINTAXE COMO PARALELO LINGUAGEM/MUNDO
PARA PRAGMÁTICA
CURITIBA
2008
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KARYN CRISTINE CAVALHEIRO
A PASSAGEM DA SINTAXE COMO PARALELO LINGUAGEM/MUNDO
PARA PRAGMÁTICA
CURITIBA
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
-
graduação: Mestrado em Filosofia da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Filosofia.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Bortolo Valle
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RESUMO
A filosofia de Wittgenstein é dividida em dois momentos aparentemente
distintos, porém eles são complementares. O primeiro momento é referido
como a do Tractatus Logico-Philosophicus. Já na Introdução desta obra, o autor
apresenta a idéia de que a maioria dos problemas filosóficos resultam da
compreensão da gica da linguagem e que, se a linguagem serve para
descrever o mundo, é ela que tem que impor limites, se algo es fora do mundo
então carece de significado, nada se pode dizer. Desta forma Wittgenstein
investiga a função e a estrutura da linguagem que para ele, acaba sendo a
própria estrutura do mundo. o segundo momento, o das Investigações
Filosóficas, Wittgenstein deixa de lado a tentativa de obter uma linguagem
pura” e procura corrigir alguns tros da sua filosofia que ele mesmo admitiu
terem sido errôneas. Assim, nas Investigações Filoficas ela é um jogo e
reforma o valor da verdade, referência e sentido fundando-os sobre o conceito
de uso. Assim como num jogo de xadrez, exemplo que o autor mesmo usa, a
linguagem tem regras, a gramática. Essas regras o determinam se a jogada
terá resultado, mas se ela faz sentido ou o, ou seja, esse jogo o é
simplesmente conhecer as peças, mas é tamm saber quais o os seus
movimentos possíveis e em qual situão pode-se usá-las. Essa analogia do
jogo mostra o abandono da idéia da linguagem como cálculo da primeira fase,
pela idéia de jogos de linguagem na segunda. Desta forma, objetivo desta
pesquisa é entender de que maneira foi possível para Wittgenstein ampliar o
restrito espaço por ele considerado suficiente no Tractatus, para um mundo cujo
espaço se amplia a partir da noção de uso. Nesse sentido, entenderemos também
que o que Wittgenstein mudou na passagem do Tractatus para as Investigações
não foi sua metodologia de análise, mas também a sua forma de olhar para o
mundo.
Palavras-chave: jogos de linguagem; formas de vida; período intermediário;
Wittgenstein.
4
ABSTRACT
The Wittgenstein’s philosophy is divided in two apparently distinct moments, but
they are complementary. The first moment is refered as the Tractatus Logico-
philosophicus. Since the introduction of this book, the autor presents the idea that
most of the philosophical problems result from the bad understanding of the logic
of language and that, if language serves to describe the world, it is it that must set
the limits. If something is out of the world, then it doesn’t have meaning, nothing
can be said about it. This way, Wittgenstein investigates the function and the
structure of language, which for him ends up being the structure of the world too.
The second moment, in the Philosophical Investigations, Wittgenstein abandons
the attempt to get a “pure” language and aims to correct some traces of his
philosophy that he admitted were wrong. In the Philosophical Investigation, the
language is a game and changes the value of truth, reference and sense, founding
them on the concept of the use. Now, the language is like a chess game. It has
rules, the grammar. These rules don’t determine if a move will have results, but if
it makes sense or not. The game is not simply to know the pieces, but it is to know
that are the possible movements and in which situations we can use them. This
analogy of the game shows the abandon of the idea of the language as calculation
in the first moment, for the idea of games of language in the second moment. The
objective this research in to understand how was it possible to Wittgenstein to
extend the restricted space considered enough by him in the Tractatus, for the
world where the space extends from the notion of use. We will understand also
that the change from the Tractatus to Philosophical Investigation was in the
analysis methodology and also in the form Wittgenstein perceived at the world.
Key-words: language games; forms of life; intermediate period; Wittgenstein.
5
Minha grande e maior arrogância é que consigo ver beleza naquilo
que faço quando já se passou o momento certo para a finalização do trabalho.
E, trabalho após trabalho, artigo após artigo, apresentação após apresentação,
este hábito tem se tornado uma péssima inimiga. Luto diariamente contra
esse estilo de vida, na busca por me tornar grande entre os grandes. De
constituir família.
Na corrida em ser grande, esse é o meu segundo filho. O primeiro, a
monografia, e agora a dissertação. Como todo filho, não há somente a mãe,
mas um pai também. Assim como na monografia, gostaria de agradecer a
presença constante, confiança, amizade e orientação, do pai: professor Bortolo
Valle.
Agradeço também aos professores Inês Lacerda de Araújo, Edmilson
Paschoal, Cleverson Bastos e César Candiotto, cuja competência é o norte que
vislumbro em minha carreira docente.
Não posso deixar de agradecer também as pessoas que fizeram
diferença nesse momento especial, são elas: Clarissa Wandscheer, Ana Paula,
Patrícia De Carvalho e Ana Luiza, André Lopacinski e Jorge Luiz Gomes.
Agradecimentos especiais à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior, pelo apoio e incentivo à pesquisa.
6
À Maria Cristina Leite Gomes, por mais 74.
7
Tudo quanto estamos fazendo é mudar o estilo de pensar;
Tudo quanto estou fazendo é mudar o estilo de pensar;
Tudo quanto estou fazendo é persuadir as pessoas a mudarem seu estilo de pensar.
(Grande parte do que estamos fazendo é uma questão de mudar o estilo de pensar)
Wittgenstein
WittgensteinWittgenstein
Wittgenstein
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................
8
1 O PRIMEIRO MODELO: WITTGENSTEIN NO TRACTATUS....
16
1.1 Teoria da Isomorfia............................................................................
19
1.2 Teoria dos Tipos de Bertrand Russell..............................................
23
1.3 A posição de Wittgenstein sobre o atomismo: objetos....................
27
1.4 Estados de coisa e fatos......................................................................
31
2 O PERÍODO INTERMEDIÁRIO......................................................
44
3 O MODELO REVISTO: WITTGENSTEIN NAS
INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS.........................................................
57
3.1 Gramática superficial e gramática profunda................................
66
3.2 A construção do novo modelo de linguagem....................................
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................
86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................
88
9
INTRODUÇÃO
Nenhum filósofo suscitou tanto interesse nos anos recentes da história do
pensamento como Ludwig Wittgenstein. O autor do Tractatus Logico-
philosophicus e das Investigações Filosóficas, em especial tratados nesta
dissertação, é uma das figuras centrais da filosofia contemporânea, principalmente
pelo caráter abrangente do conjunto da sua obra. Wittgenstein apresenta tanto seus
modelos de análise da linguagem a partir da lógica (Tractatus), como também a
partir da linguagem “ordinária”, do cotidiano (Investigações). Além disso, seus
escritos espraiam-se por sobre a filosofia da matemática e filosofia da psicologia
entre outros temas.
Assim, o objetivo desta pesquisa é entender de que maneira foi possível
para Wittgenstein ampliar o restrito espaço por ele considerado suficiente no
Tractatus, qual seja, a análise do mundo por meio de símbolos lingüísticos, pela
sintaxe, para um mundo cujo espaço se amplia a partir da noção de uso. Nesse
sentido, é possível entender também que o que Wittgenstein mudou na passagem
do Tractatus para as Investigações não foi sua metodologia de análise, mas
também a sua forma de olhar para o mundo, caracterizando nosso problema de
investigação.
A teoria tractariana, sabemos, parte de uma possibilidade de sentido em
qualquer proposição quando a articulação da mesma é dada em enunciados
simples, ou seja, em proposições atômicas. Assim, as proposições com sentido são
dadas dentro de uma concatenação lógica entre nome de objetos e símbolos
proposicionais. Por sua vez, a concatenação dessas proposições atômicas nos
levaria a proposições complexas.
Na base das estruturas proposicionais estão os objetos que, para
Wittgenstein são a substância do mundo, aquilo que de fixo e que sem eles
seria impossível apresentar qualquer proposição com sentido. Esses objetos, diz
Wittgenstein, são estáveis, ou seja, enquanto forma, eles não mudam, o que muda
são os “acidentes”, como cores, tamanhos, etc.
10
Assim, o que nós fazemos é afigurar um estado de coisa e a partir daí trazê-
lo ao mundo para saber se tal afiguração é verdadeira ou falsa. Ou seja, quando
vamos falar sobre o mundo, fazemos combinações possíveis entre estados de
coisa. Na base do estado de coisa estão os objetos, em outras palavras, as formas
de representação do mundo se darão na comparação entre a articulação lógica da
proposição e do fato representado por ela por meio do remetimento da linguagem
ao mundo. Nesse sentido, entendemos que esse mundo é um espaço lógico no qual
a afiguração de um estado de coisa nos leva à possibilidade daquela situação
afigurada acontecer em qualquer mundo possível. Aquilo que podemos pensar,
pode de fato acontecer em qualquer mundo possível. Não é possível para nós
sabermos como é um mundo ilógico, o espaço lógico não nos permite pensar um
mundo ilógico.
Assim, o filósofo parece nos oferecer uma forma geral das proposições que
nos permite falar de qualquer proposição com sentido. Essa forma geral é
bivalente, carrega com ela a possibilidade de ser verdadeira ou falsa dependendo
da situação onde é exposta. Ela, porém, é sempre possível. É importante ressaltar
que a partir do momento em que Wittgenstein descarta qualquer possibilidade de
entendermos o objeto de forma isolada, o autor mudará o foco compreendendo o
objeto de forma relacional, ou seja, por meio das proposições atômicas que,
articuladas, tornam-se complexas e possíveis de serem encontradas em algum
mundo possível. O filósofo nos coloca não um critério formal, claro e objetivo,
mas o entende como sendo único critério geral. Encerra-se aqui a possibilidade de
se falar confusamente ou sobre aquilo que não encontramos empiricamente no
mundo, ou seja, de falar sobre o inefável ou o místico.
Como resultado deste critério formal, surge a impossibilidade de se falar
sobre o ‘místico’. Encerra-se para Wittgenstein aquilo que ele chama de falsos
problemas filosóficos. Para o autor, parte dos problemas filosofia trazidos pela
filosofia são falsos, visto que não o que se falar sobre eles. Não é possível
discorrer sobre o belo, bom, etc., visto que esses conceitos não se encontram no
mundo. O que os filósofos fazem é tentar explicar algo que pode ser mostrado
11
pelo modo como conduzimos a vida. Falar acerca do místico ética, estética e
religião é o mesmo que fazer afirmações que não nos remetem ao mundo e,
sendo assim, não têm a constância da proposição bivalente exigida pelo Tractatus.
O que cabe aos filósofos é o silêncio diante de tais ‘situações’ e entender que a
única função da filosofia é terapêutica, ou seja, clarificadora de conceitos. Trata-se
aqui então, da tentativa de uma suposta linguagem cristalina e pura e, em última
instância, artificial.
Entendemos que podemos ter acesso ao mundo por meio dos fatos e não
por seus elementos constituintes, que são os objetos. E quando Wittgenstein está
se referindo ao mundo, ele está se referindo a qualquer mundo possível onde
ocorrem fatos que são possíveis de serem pensados, ou seja, logicamente
possíveis. Entende-se então que no Tractatus, Wittgenstein não possibilita
somente a análise do nosso mundo, mas ele cria um esquema que é adaptável a
qualquer mundo, ou seja, vazio de conteúdo.
O esquema tractariano então busca descrever de que forma é possível falar
sobre o mundo; como se a articulação interna desse mundo e de que forma isso
se relaciona com a linguagem, ou seja, o que têm em comum as duas realidades.
Esse ‘algo’ entendemos como sendo a forma lógica. E, nesse sentido, o Tractatus
se apresenta na tentativa de colocar em evidência tal forma lógica, estabelecendo
os limites para a expressão de nosso pensamento, para os limites do dizível.
Porém, a partir da década de 20, mesmo antes da publicação do Tractatus,
que só se deu em 1921, Wittgenstein faz incursões sobre um espaço aberto a partir
de uma autocrítica de sua vida, bem como de seus escritos que culminaram no
Tractatus. Nesta fase em que os elementos que mais tarde encontraremos nas
Investigações Filosóficas estão sendo construídos, Wittgenstein afirma que aquele
formalismo evidenciado em sua obra anterior é apenas gramatical. Um modelo de
análise, útil em determinadas situações. E aqui a palavra situação tem um peso
maior, visto que situação, contexto, etc. serão termos caros a Wittgenstein a partir
da década de 30, momento em que ele se prende a suas novas idéias, até
amadurecê-las nos anos 40.
12
Nesse segundo momento — o das Investigações — Wittgenstein permanece
com a mesma pergunta que se fazia no Tractatus, ou seja, como é possível falar
sobre o mundo? E, da mesma forma que naquele momento existia um ponto firme
em que se apoiavam suas idéias: a forma geral da proposição. Neste novo
momento Wittgenstein mantém um ponto fixo, que é o do “contexto” a oferecer o
possível valor de verdade para as proposições, sustentado firmemente nas formas
de vida.
Então, no Tractatus Wittgenstein radicaliza a busca de critérios formais e
objetivos com os quais os filósofos que o inspiraram (Frege e Russell) se
preocuparam, primeiramente nos estudos da matemática. Porém, tal cuidado se
aplica somente ao que confere à idéia da unilateralidade referencialista da
figuração, cuja ontologia é simplesmente esquemática e formal. Muita coisa ficava
de fora do esquema isomórfico proposto no Tractatus, era necessário ampliar esse
aspecto formal para um novo modo de olhar o mundo sem que se perdesse a
objetividade dos significados.
Wittgenstein contesta seus escritos anteriores e parte então para uma análise
pragmática da linguagem. Essa mudança metodológica, como afirma o próprio
Wittgenstein, é dada a partir de conversas com Ramsey e Sraffa, e de suas viagens
pelo interior da Áustria.
Na fase em que Wittgenstein elabora as Investigações, as proposições
deixam de ser um elemento fixo e passam então a ser concebidas como uma
“forma instável” de representação, na medida em que podem mudar dependendo
do contexto em que aparecem, não deixando dessa forma, ainda que instável, de
manter sua função expressiva.
Portanto, não mais a forma geral da proposição, o simples, o significado
ideal para cada conceito. O que existe agora é a localização de um novo critério,
que, para Wittgenstein, resume-se no uso que fazemos nos diversos jogos de
linguagem no interior de determinada forma de vida. Se usamos uma determinada
palavra, num determinado contexto, em uma determinada forma de vida, essa
13
palavra adquire um significado, se dizemos em outro contexto, adquire novo
significado.
E é essa multiplicidade, esse caráter social de uso da linguagem que
Wittgenstein percebe que é como um instrumento, uma ferramenta e, por ser
ferramenta, tem diversos modos de aplicação. Para cada função é disponibilizada
uma ferramenta diferente. Se queremos pregar, parafusar, martelar, tenho
ferramentas específicas. Se quero comunicar, resolver uma expressão matemática,
rezar, dispomos de formas específicas, ou melhor, “jogos específicos” para cada
função. Temos diversas facetas de uma mesma linguagem, ou seja, a possibilidade
de usar a ferramenta certa na função certa. Se antes era a busca da afiguração no
mundo que me dava a resposta quanto à verdade da minha expressão, agora é o
contexto que me dará este valor de verdade.
Elaborando nas Investigações a noção de jogos de linguagem e
apresentando a própria função pragmática da linguagem, Wittgenstein demonstra
sua insatisfação com a forma em havia construído sua primeira obra. Porém, não
podemos afirmar que essa insatisfação seja dirigida a todas as conclusões a que se
chega no Tractatus, tampouco a seu ponto de partida, muito pelo contrário, foi
apenas uma constatação das limitações que o Tractatus trazia. A concepção de
linguagem encontrada em sua primeira obra é válida, no entanto é apenas mais um
aspecto da multiplicidade de jogos possíveis.
Em relação aos problemas filosóficos, continua Wittgenstein com a mesma
posição que antes, ou seja, os problemas filosóficos são resultado do “mau uso da
linguagem”. Os filósofos tentam falar sobre aquilo que está dado, que não tem
por que discutir. Perguntar-se sobre o tempo (exemplo usado por Wittgenstein) é
não entender que o tempo é aquilo que se apresenta, portanto, é tentar explicar o
inexplicável. Ou seja, a filosofia continua como atividade de clarificação para
eliminar a névoa que encobre o conceito. Nas Investigações a atividade filosófica
é vista como terapia, uma terapia que dissolve todos os problemas conceituais. As
confusões que surgem no âmbito da filosofia (e no cotidiano também), aparecem
especialmente pelo modo de ver o problema. Os problemas filosóficos decorrem
14
do mau entendimento em relação às gramáticas (profunda e superficial), não se
constituem na verdade como realmente problemas filosóficos.
Nesta pesquisa buscamos explicitar de que forma foi possível para
Wittgenstein quebrar o radicalismo na análise da linguagem encontrada no
Tractatus, a fim de elaborar uma perspectiva mais flexível como a que está
descrita nas Investigações Filosóficas.
Para cumprir tal objetivo, no primeiro capítulo apresentaremos a concepção
de linguagem e a maneira como Wittgenstein explicita o problema da denotação
no Tractatus logico-philosophicus.
Buscamos destacar de que forma foi possível para o filósofo apoiar-se
numa análise estritamente sintática da linguagem e, a partir desta apresentação,
demonstrar a própria concepção de mundo oportunizada na obra. Ainda que a
lógica seja preponderante no Tractatus, na obra Wittgenstein não se apresenta
somente como um logicista a analisar a linguagem. Nem o Tractatus é somente
uma apresentação sobre lógica e linguagem. Procura-se também, mesmo que
indiretamente, uma reflexão sobre o mundo e que, no âmbito daquilo que pode ser
dito, Wittgenstein reflete sobre os limites do mundo. Para isso, no que tange às
obras do filósofo, teremos como apoio principal: Tractatus logico-philosophicus e
Diários Filosóficos 1914-1916.
No segundo capítulo apresentaremos certos traços do que se convencionou
chamar de período intermediário na obra de Wittgenstein, momento em que ele
parece começar a deixar o radicalismo do Tractatus de lado e amplia sua
abordagem em relação à linguagem, percebendo não os limites em que havia
chegado em sua primeira obra e, como também o valor da linguagem ordinária
que havia sido banida das considerações tractarianas.
No terceiro capítulo apresentaremos as características da concepção de
linguagem e a visão de mundo encontrada em especial nas Investigações
Filosóficas, levando em consideração que entre uma obra e outra não encontramos
uma ruptura no objeto de trabalho de Wittgenstein. Pelo contrário, segue o filósofo
15
no mesmo intento, o que pretendemos deixar claro neste capítulo é a mudança
metodológica trazida em seus novos escritos.
Essa mudança metodológica que aparece para nós a partir do Livro Azul e
Livro Marrom ditado pelo filósofo a para um grupo de alunos escolhidos por ele.
Nesses textos foi pela primeira vez apresentada, ainda que de forma bruta, a sua
nova metodologia, que seria lapidada no decorrer de seus escritos. Seu novo
método descarta o estritamente lógico e possibilita a pragmática como análise da
linguagem. Para este capítulo utilizaremos em especial a obra Investigações
Filosóficas, pois é onde encontramos a reelaboração de sua nova metodologia de
forma mais madura e completa.
Da leitura de um ponto específico da teoria wittgensteiniana da análise
da linguagem, cuja revolução, tanto sintática como a sentica, traz para o
foco da discuso a pragmática, tirando do campo de estudo da linguagem as
proposões lógicas e trazendo o uso como proposta de alise, dispensando do
estudo da linguagem o encargo de se recorrer à metafísica. Essa nova
metodologia, ao levar em consideração o cotidiano, mostra-nos a necessidade
de perceber as relações sociais, compreender que o conhecimento se pelas
interações sociais e que essas interações trazem o só a relação conhecimento
e ação, bem como, linguagem e ação, tornando-se claro o papel da comunidade
na constituição do conhecimento e da linguagem.
Se esse é o mérito de Wittgenstein, que o faz ser reconhecidamente um
divisor de águas em estudos sobre linguagem, um rito muito maior que as
suas análises acerca da filosofia da linguagem é o de pôr no centro da ptica
filosófica, o ordinário, o cotidiano. Não como uma simples refleo sobre o
que de fato acontece nesse cotidiano, mas como uma exigência de uma postura
ética que nos obriga a, a partir de suas inovações, caminhar.
16
1 O PRIMEIRO MODELO: WITTGENSTEIN NO TRACTATUS
Dentro da paisagem árida que Wittgenstein nos apresenta no seu Tractatus
Logico-philosophicus
1
, visto a dificuldade de leitura dada pela própria estrutura da
obra, podemos percorrer caminhos que se dirigem entre lógica e ontologia; entre
linguagem e mundo, ainda que a necessidade da lógica seja preponderante em
relação à própria ontologia. É uma obra que se volta para o esclarecimento da
possibilidade de significação dentro do que é possível esclarecer. Nenhum
empenho de Wittgenstein terá valido a pena se afirmarmos que o filósofo teve
outro propósito senão o de apresentar aquilo que se pode dizer sobre o mundo. Isto
implica dizer o que o mundo é, mas como ele é e, para aquilo que não se pode
esclarecer, cabe então mostrar. Da mesma maneira que Kant se debruçou em
apresentar os limites do pensamento, da razão; Wittgenstein se debruça em
responder quais são os limites do dizível.
Já em sua Introdão, o autor apresenta a idéia de que a maioria dos
problemas filosóficos nascem da compreensão da lógica da linguagem e
que, se a linguagem serve para descrever o mundo, é ela que tem que impor
limites: se algo está fora do mundo então carece de significado, nada se pode
dizer. Desta forma, Wittgenstein investiga a fuão e a estrutura da linguagem
que, para ele, acaba sendo a própria estrutura do mundo.
O livro trata de problemas filosóficos e mostra creio eu que a
formulação desses problemas repousa sobre o mau entendimento da
lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia talvez apanhar todo o sentido
do livro com estas palavras: o que se pode em geral dizer, pode-se
dizer claramente; e sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se
calar.
O livro pretende, pois, traçar um limite para o pensar, ou melhor
o para o pensar, mas para a expreso dos pensamentos: a fim de
traçar um limite para o pensar, deveamos poder pensar os dois lados
1
Para esta dissertação usaremos a edição: WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-
philosophicus. Tradução de Luiz Henrique Lopez dos Santos. o Paulo: UNESP, 2001. Para
efeitos de referência, as citações feitas a partir desta obra serão destacadas da seguinte maneira:
TLP= Tractatus lógico-philosophicus, seguido do número do aforismo.
17
desse limite (deveamos, portanto, poder pensar o que não pode ser
pensado).
O limite pode, pois, ser traçado na linguagem, e o que estiver
além do limite será simplesmente um contra-senso
(WITTGENSTEIN, 2001, p.131)
Sobre o significado dessas palavras, Schmitz (2004), nos alerta para dois
pontos fundamentais que acabam por resumir o projeto que Wittgenstein propõe
para o Tractatus. O primeiro deles é que, ao afirmar logo no início que os
problemas filosóficos, quais sejam, a dificuldade em se delimitar alguns conceitos
que não podemos encontrar no mundo, que não podemos ter a experiência
sensível, como: o tempo, o belo, o bem, etc, estamos incorrendo em um erro, e é
nesse sentido que Wittgenstein afirma que os problemas filosóficos decorrem do
mau uso de nossa linguagem. Wittgenstein afirma não que não existem tais
problemas e que, por não existirem, não podem ser resolvidos. Afirma também
que, a partir do momento em que se evidencia a lógica que permeia nossa
linguagem, esses falsos problemas poderão ser definitivamente elucidados.
O segundo ponto diz respeito ainda a esses problemas filosóficos, pois o
mau uso da linguagem por parte da maioria dos filósofos acaba por trazer soluções
verossimilhantes. Aquilo que os filósofos deveriam fazer era guardar silêncio
sobre tais questões, visto que os problemas que eles tentam resolver excedem
qualquer limite possível do dizível. Ou existe a necessidade do silêncio ou
simplesmente uma elucidação acerca dos conceitos ali colocados, desde que estes
não extrapolem o limite do dizível. Assim, Wittgenstein esclarece que a ‘lógica de
nossa linguagem’ encerraria todos os problemas da filosofia e a colocaria sob um
novo aspecto, a saber: à filosofia resta apenas o papel de clarificadora de
conceitos. Wittgenstein termina o prefácio do Tractatus reafirmando que:
Por outro lado, a verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-
me intocável e definitiva. Portanto, é minha opinião que, no essencial,
resolvi de vez os problemas. E se não me engano quanto a isso, o valor
deste trabalho consiste, em segundo lugar, em mostrar como importa
pouco resolver estes problemas (WITTGENSTEIN, 2001, p.133)
18
As questões acerca de problemas filosóficos como o que Wittgenstein traz
em TLP 4.003
2
, nada tem de problemático e, ainda que os filósofos se ocupem
deles, esses são os mais simples de serem resolvidos, ou melhor, nem chegam a
ser realmente problemas pela própria impossibilidade de se falar sobre eles.
Pensando nesse sentido, se nos perguntarmos: ‘O que é o belo?’ ou ‘O que é
o bem?’, ainda que gramaticalmente tais perguntas estejam correspondendo às
normas da língua culta, mesmo assim é perguntar sobre o que nossa linguagem
não pode exprimir para sua resposta. No mesmo compasso seguem todas as
proposições acerca da religião, da ética e da estética.
Nesse sentido, ao fixar contornos definidos em relação ao que se pode falar
sobre o mundo, esta possibilidade deverá ter um ponto de vista interno, ou seja, a
análise deve partir da própria estrutura da linguagem, sendo esta a lógica e a
‘forma geral da proposição’, que é onde mundo e linguagem se encontram no
sentido que ambos participam de uma estrutura e não pode ser diferente, pois,
como veremos adiante, não é possível pensar um mundo ilógico. Assim, a
filosofia sendo a crítica da própria linguagem, no que tange à possibilidade de se
traçar limites de significação, acaba também tendo a responsabilidade pela
clarificação dos conceitos. Essas fronteiras ficam limitadas pela própria
linguagem, ou seja, a filosofia aponta para onde essa linguagem consegue alcançar
semanticamente, sendo esta limitada pela sintaxe lógica. Para se poder falar sobre
o que é possível falar, Wittgenstein desenvolve a idéia de afiguração de fatos, a
sua noção de figuração ou Isomorfia que veremos na seqüência.
2
A maioria das proposições e questões que se formularam sobre temas filosóficos não são falsas,
mas contra-sensos. Por isso, não podemos de modo algum responder a questões dessa espécie,
mas apenas estabelecer seu caráter de contra-senso. A maioria das questões e proposições dos
filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa linguagem.
(São da mesma espécie que a questão de saber se o bem é mais ou menos idêntico ao belo).
E não é de admirar que os problemas mais profundos não sejam propriamente problemas.
(WITTGENSTEIN, 2001, 4.003)
19
1.1 Isomorfismo
Em seu livro Wittgenstein: o dever do gênio, Monk observa que o filósofo
austríaco chegou a sua noção de isomorfismo por acaso. Na época em que
Wittgenstein chega à solução para o problema de como falar sobre o mundo, ele
participava como voluntário na Primeira Guerra Mundial. Na guerra, foi obrigado
a conviver com pessoas que a então ele o dividira um mesmo espaço, como
revela em seu diário: um bando de delinqüentes […] sem nenhum entusiasmo
por coisa alguma, inacreditavelmente grossos, estúpidos e mal-intencionados
3
.
Desde que se alistou, sua vontade era ir para frente de batalha, porém, quando
os comandantes perceberam que aquele voluntário não era um desempregado
ou desqualificado para qualquer outra função necesria naquela situação,
resolveram eno colocá-lo em trabalhos administrativos. “Na realidade, a
função assumida por Wittgenstein na oficina era puro serviço de escritório que
o exigia maior experiência matetica, consistindo em compilar uma lista de
todos os veículos do quartel” (MONK, 1995, p.119). Diante da insatisfação
com o trabalho que estava exercendo e da falta de esmulo para pensar em
filosofia, Wittgenstein rapidamente entrou em depreso, chegando a pensar em
suicídio. Diz MONK:
O que o salvou do suicídio […] foi uma espécie de transformação
pessoal a conversão religiosa em busca da qual ele partira para a
guerra. […] Sendo a gica e as reflexões sobre si mesmo apenas dois
aspectos de um monolítico “dever para consigo mesmo”, essa
fervorosa estava fadada a ter algum impacto sobre seu trabalho o que
de fato aconteceu. E, de uma análise do simbolismo lógico à maneira de
Frege e Russell, sua obra adquiriu o caráter curiosamente brido que
conhecemos hoje, combinando teoria lógica e misticismo religioso.
(1995, p.115)
Outro impulso importante para a transformão pessoal de Wittgenstein
foi a leitura do livro de Tolstoi: O evangelho explicado.
3
Passagem encontrada em MONK, 1995, p. 113.
20
O livro tornou-se uma espécie de talis: carregava-o onde quer que
fosse e leu-o tantas vezes que decorou trechos inteiros [] tornou-se
o só um crente, mas um evangelizador, recomendando o Evangelho
de Tolstoi a qualquer pessoa aflita. (MONK, 1995, p.115)
Essaconvero religiosa trouxe serenidade para o momento vivido
pelo filósofo. Outro fator que o ajudou em seus trabalhos filoficos foi sua
mudaa de posto. Sua nova tarefa era então manejar o holofote do navio à
noite. Essa incumbência o deixava sozinho e em local silencioso, estímulo para
se pensar em lógica. Do período em que ficou nesta fuão, Wittgenstein fez
sua grande descoberta que seria o que hoje conhecemos como figuração ou
isomorfia.
Quanto a isso, esclarece o fisofo na carta mandada para seu amigo
George Henrik von Wright
4
e também em anotações no dia 29 de setembro de
1914 em seu Diário, em que escreve que a solução para tais problemas a que se
pros (falar acerca do mundo) teria um caráter figurativo, com tros similares
a um modelo “Na proposão, uma situação é como que montada para teste.
Pode-se dizer sem rodeios: esta proposição representa tal e tal situão ao
invés de: esta proposição tem tal e tal sentido (TLP 4.031). Wittgenstein em
seu Diárino dia 29 set 1914 afirma:
O conceito geral da proposição contém também um conceito muito
geral de coordenação de proposição e estado de coisas: a solução de
todas as minhas questões de ser extremamente simples!
Na proposição é composto um mundo ao modo da prova (Como em
uma das salas dos julgados de Paris é representado um acidente
automobistico com bonecos, etc.) (Cfr. 4.031)
Disso deve dar-se imediatamente (se o estiver cego) a esncia da
verdade.
4
MONK, Ray. Wittgenstein: o dever do gênio, p.117.
21
Pensemos nos escritos hieróglifos, em que cada palavra representa
uma refencia! [] (WITTGENSTEIN, 1982, p.19, tradão
nossa)
5
A iia da analogia com o mundo’ surgiu enquanto lia numa revista o
relato sobre um processo de acidente de carro em Paris onde, no tribunal, uma
das partes havia apresentado um modelo do acidente. Ocorreu eno a
Wittgenstein que o modelo podia muito bem representar, ou figurar, o acidente
dada a correspondência entre as suas partes (casas, carros e pessoas em
miniatura) e as coisas reais (casas, carros e pessoas). Entendeu Wittgenstein
que nessa analogia, poder-se-ia dizer que uma proposição serve de modelo ou
figuração de um estado de coisas, em uma correspondência similar entre as
suas partes e o mundo, ou seja, da mesma forma que objetos em miniatura
puderam representar um fato, a linguagem poderia figurar o fato, o que
acontece no mundo.
Assim, confirma MONK (1995, p.126):
Wittgenstein se viu novamente capaz de trabalhar com renovado
vigor. Durante os meses de maio e junho, sua prodão foi prolífica.
Uma grande parte (cerca de um terço) das observões publicadas
como Notebooks 1914-1916 [Cadernos de notas: 1914-1916] foi
escrita nesse período.
Era uma fase em que Wittgenstein escrevia muito, pois suas teses
estavam se encaixando, de forma que ele acreditava estar prestes a terminar o
trabalho a que se propôs e ao qual havia destinado vários anos de sua vida. Sua
grande pergunta era: o grande problema em torno do qual tudo o que escrevo
5
El concepto general de la proposicón conlleva tambiém un concepto muy general de la
coordinación de proposición y estado de cosas: la solución de todas mis cuestiones ha de ser
extremadamente simple!
En la proposicn es compuesto un mundo a modo de prueba. (Como en una de las salas de
los juzgados de Paris es representado un accidente automovilístico con muñeco; etc) (Cfr.
4.031)
De ello debe darse inmediatamente ( no estuviera ciego) la esencia de la verdade.
Pensemos en los escritos jeroglíficos, en los que cada palabra representa su referencia! []
22
gira é: existe uma ordem no mundo a priori; e, se houver, no que consiste?
(MONK, 1995, p.126).
Contrariando sua vontade, foi obrigado aceitar que o mundo tem uma
ordem que o os fatos. Esses fatos são as relões que existem entre objetos e
podem ser espelhados, figurados, nas relações com os mbolos gicos (v, ~,
, etc). Porém, se a linguagem pode ser decomposta em proposições atômicas,
logo, seria necessário haver fatos atômicos correspondentes. E assim, se as
proposões atômicas não são pasveis de decomposição, logo, os fatos
atômicos são relações entre objetos simples e não complexos. Agora cabia ao
filósofo demonstrar o que seria um objeto simples pois, ao contrio de nós, o
mundo é certo e definido, o mundo possui uma estrutura fixa, o que garante a
possibilidade de falarmos com exatio sobre o que ocorre no mundo.
A partir da situação que Wittgenstein faz do tribunal parisiense e sua teoria
da figuração, podemos extrair dois componentes chave: o primeiro de que a
linguagem é uma isomorfia em relação ao mundo, ou seja, a linguagem espelha o
que ocorre no mundo como uma imagem pictórica da realidade; e o segundo é a
sua conclusão sobre o atomismo, sem a qual seria impossível traçar ou propor os
contornos da tese tractariana.
Para cumprir esta empreitada, Wittgenstein parte de afirmações que serão o
eixo fundamental a base, sem a qual sua teoria não poderia ter se levantado tão
firmemente, quais sejam: “O mundo é tudo que é o caso” (TLP, §1), que “O
mundo é a totalidade dos fatos e não das coisas” (TLP, §1.1), e ainda, “O mundo é
determinado pelos fatos, e por serem todos os fatos” (TLP, §1.11). Mas o que
pretende Wittgenstein com seus três primeiros aforismos? Segundo DELGADO
(1986, p.21) a concepção de mundo no Tractatus está calcada em três noções
interligadas, a noção de objeto, de estado de coisas e de fato, portanto, já no início
do Tractatus, Wittgenstein apresenta o papel fundamental das categorias por ele
explicitadas, pois são elas que se resumirão mais tarde naquilo que pode ser tido
como sentido ou mundo.
23
Cabe-nos então explicitar os conceitos de objeto, estados de coisa e fato.
Porém, antes de nos aprofundarmos, cabe aqui uma discussão acerca da Teoria
dos Tipos de Bertrand Russell encontrada em especial na obra The principles of
matematics, que foi a porta de entrada de Wittgenstein nos estudos filosóficos,
cujas teses ali expostas sobre o atomismo foi o principal estímulo de Wittgenstein
para a construção do Tractatus.
1.2 Teoria dos Tipos de Bertrand Russell
Como diz NÉF (1995), não podemos separar na obra de Russell o que é teoria
do conhecimento, filosofia da linguagem e ontologia, e a estratégia usada por ele
para falar acerca do atomismo lógico, ou seja, um ponto de partida lógico que é
aplicado depois ao conhecimento, à linguagem a ao mundo.
Quando digo que minha lógica é atomista, quero dizer que participo da
crença do senso comum de que existem muitas coisas separadas; não
considero a aparente multiplicidade do mundo como consistindo
simplesmente em etapas e divisões irreais de uma única Realidade
indivisível. Resulta disso que uma parte considerável do que se deveria
fazer para justificar a espécie da filosofia que desejo defender consistiria
em justificar o processo de análise. (RUSSELL, 1973, p.60)
Esse processo de análise exposto por Russell é a própria lógica, visto que é
ela que tirará as confusões conceituais no mundo. Tal análise lógica está em
perfeita consonância com o seu atomismo lógico e, portanto, constitui uma
alternativa ou a melhor alternativa para se falar sobre o mundo.
O atomismo lógico desenvolvido por Russell indica que as proposições são
descrições diretas de estados de coisa, porém, os termos singulares se referem
diretamente aos indivíduos, ou seja, a proposição é um complexo de constituintes
individuais que podem ser verdadeiros ou falsos. A função semântica de uma
24
expressão é dizer objetivamente o que se pensa e que pode ser entendido e,
portanto, passível de crença.
Assim, se eu tenho a proposição p.q, essa expressão pode ser explicada a
partir do entendimento de suas partes constituintes. O significado desta sentença
será dado pelo significado dos componentes conhecidos. Como explica Russell em
seu exemplo:
Com relação ao que significamos por “significado”, darei algumas
poucas ilustrações. Por exemplo, a palavra “Sócrates”, dir-se-á, significa
um certo homem; a palavra “mortal” significa uma certa qualidade; e a
sentença “Sócrates é mortal” significa um certo fato. Mas estas três
espécies de significação são inteiramente distintas, e chegar-se-ia nas
mais irremediáveis contradições se se pensasse que a palavra
“significado” tem o mesmo significado em cada uma desses três casos.
(RUSSELL, 1973, p.66)
Nesse sentido, a filosofia atômica de Russell, entende que os objetos são
atômicos e não os fatos, esses são a união dos objetos individuais que, unidos aos
símbolos proposicionais, formam uma proposição. Esta proposição, por sua vez,
não é o nome dado ao fato. Como diz Russell “não devemos escapar com a idéia
de que podemos nomear os fatos de algum outro modo [além de simplesmente
fato]; não podemos.” (RUSSELL, 1973, p.67). Russell assume, em seu texto
Lógica e conhecimento, que o responsável pela idéia inicial de que as proposições
não podem ter um nome, ou melhor, um outro nome além do geral fato, foi seu
aluno Wittgenstein. As proposições não são nomes para os fatos. Isto é bastante
óbvio quando nos é mostrado, mas de fato nunca o havia percebido até que me
fosse mostrado por um aluno meu, Wittgenstein” (RUSSELL, 1973, p.67)
O argumento usado por Wittgenstein para convencer seu professor,
resolveria também o problema de como se falar sobre o que não é fato, ou como se
falar negando sobre um fato. A solução que Russell desenvolveu a partir do
apontamento de Wittgenstein é a de que, ao se falar sobre um fato, a proposição
que diz, são na verdade duas. Existe uma proposição com valor de verdade e
existe a proposição com ‘valor’ de falsidade. Se existe o fato ao qual a proposição
está apontando, então é verdadeiro, se não existe, então é falso. Russell mostra a
25
bivalenteidade existente em uma proposição e chama de duas proposições
distintas. “[…] É perfeitamente evidente assim que pensarmos que uma
proposição não é um nome para um fato devido à simples particularidade de que
existem duas proposições que correspondem a cada fato.” (RUSSELL, 1973, p.67)
Se usarmos o exemplo do próprio Russell, “Sócrates está morto”, e,
“Sócrates não está morto”, ao fazer essas duas afirmações aparentemente distintas,
estamos na verdade nos referindo a um único fato que pode ou não ser verdadeiro,
tudo dependerá por qual proposição optarmos. Para entendermos o que a
proposição significa, devemos perceber seus componentes primeiros, que são
‘Sócrates’ e ‘morto’, entender seus conectivos, o ‘não’ e ‘está’ e, partir daí, buscar
seu valor de verdade. Se não existisse Sócrates, ou seja, se não existisse um
referente para cada objeto atômico, então a proposição careceria de sentido.
Assim, cada nome corresponderia a um objeto e este poderia ser
identificado através de suas propriedades, ou seja, é possível fazer-se uma
paráfrase, podemos descrever um objeto em vez de usarmos um nome e, desta
forma, por meio da possibilidade de descrição, tirar as ambigüidades possíveis e
existentes em nossa língua. Podemos substituir o nome Bentinho por personagem
do livro Dom Casmurro de Machado de Assis, ou então, substituir Wittgenstein
por o filósofo vienense.
A partir desta possível substituição de nomes por predicados, Russell
procurou fazer um apuramento da sintaxe lógica, propondo uma classificação mais
específica, dividindo classes em outras classes e indivíduos, uma hierarquia de
‘tipos lógicos’, daí o nome Teoria dos Tipos, que deveria ser respeitada a fim de
que não se incorra em novos erros. Resume Moura:
- cada indivíduo último, em particular, constituirá o grau mais básico
desta hierarquia, o tipo 0 (por exemplo: Janeiro);
- o segundo patamar da hierarquia, onde deveremos incluir os
indivíduos últimos, constitui o tipo 1 (por exemplo: meses do ano);
- uma classe do tipo 1 pode ser incluída numa classe mais vasta que
será então do tipo 2: segundo o exemplo, a classe dos apóstolos, a dos
meses do ano, a dos marechais de Napoleão, pertencem à classe das
dúzias; esta inclusão pode ser estabelecida de dois modos: ou a classe
26
incluída é tomada como <classe de indivíduos> ou é, ela própria,
tomada como indivíduo (relativamente aos outros indivíduos que
formam a classe do tipo superior);
- as classes do tipo 2 podem ser incluídas em classes de tipo 3 e assim
sucessivamente. (MOURA, 1998, p.20)
Existe somente uma restrição em relação à classificação deste ou daquele
objeto, e se limita a que o objeto ou indivíduo pode ser incluído numa classe
superior à dele, ou seja, janeiro pode ser incluído na classe de mês de um ano,
mas, mês do ano não pode ser incluído na classe de meses do ano, visto que a
negação dessa proposição (janeiro não é um mês do ano) é uma impossibilidade
conceitual. É como dizer: O mês do ano não pertence aos meses do ano. Uma
impossibilidade conceitual e lógica e que acaba por excluir inclusive janeiro da
classe de mês do ano. Para Russell, enunciados desse tipo são mal construídos,
não tem valor de verdade.
Com a Teoria dos Tipos, o que Russell fez foi tentar propor um critério
sintático (forma e não conteúdo), para distinguir famílias de enunciados sem que
seja levado em consideração o sentido, mas simplesmente sua possibilidade de
verdade ou falsidade. Segundo Moura (1998), essa teoria de Russell representa
uma contribuição importante para a evolução posterior da lógica, e viria a se
transformar no eixo central no contexto do Tractatus Logico-philosophicus. A
busca por um modelo sintático mais apurado e auto-suficiente seria um dos
motivos orientadores do Tractatus, sem que se perdesse o objeto o qual os dois
filósofos, tanto Russell como Wittgenstein, trabalhavam, qual seja: marcar com
maior nitidez e com rigor os limites do que pode ser dito com sentido.
A partir desta apresentação da Teoria dos Tipos, principal influência de
Wittgenstein no Tractatus, podemos então entender como o filósofo vienense
sistematiza a linguagem no seu primeiro modelo: o Tractatus, visto que as
conclusões a que chegou Wittgenstein nesta obra, partem dos diálogos do filósofo
com seu professor Russell e, nesse sentido, a Teoria dos Tipos foi o começo das
investigações de Wittgenstein sobre linguagem.
27
1.3 A posição de Wittgenstein sobre o atomismo: objetos
As anotações sobre o conceito de objeto aparecem em especial a partir de
1912. Em 1914 Wittgenstein já abandonara a Teoria dos Tipos e a idéia de que
os objetos o atômicos, como Russell considerava em seu livro e analisamos
acima. Wittgenstein tinha por certo que o mundo não são objetos atômicos e
sim relacionais, Cada coisa está como que num espaço de possíveis estados de
coisas. Posso pensar neste espaço como vazio, mas o posso pensar a coisa
sem espaço(TLP, §2.013). O mundo o os fatos em um espaço lógico e que
se relacionam entre si. o há nenhum objeto atômico, tudo es relacionado.
Nunca se pensa em um objeto sem a sua relação. Mesmo que se pense em uma
caneta em um fundo branco, esta caneta está em relação com o fundo, ou seja,
o se pode pensar em objeto sem que esse se relacione com algo, sem que
esteja em alguma situação.
Por isso, acreditar na Teoria dos Tipos era assumir que não existem
apenas objetos e indivíduos, mas também entidades, além de a Teoria dos Tipos
exigir uma regreso ao infinito, visto que uma classe sempre pode pertencer a
outra classe imediatamente acima e assim fazer uma regressão de subida de
classesao infinito. Esta idéia foi rejeitada por Wittgenstein. Diz MONK:
Suponhamos por exemplo que “Sócrates é mortal” seja uma tal
proposição; poderíamos dizer que o fato que corresponde a ela é um
“complexo” constituído de duas “coisas”, Sócrates e mortalidade? Tal
interpretação exigiria o pressuposto platônico da existência objetiva das
formas – o pressuposto de que existem não apenas indivíduos, mas
também entidades abstratas como a mortalidade. (1995, p.76)
Acreditar em entidades é o mesmo que acreditar em complexos, mas
como já havia concldo, Wittgenstein esclarece queo objeto é simples” (TLP,
2.02), e por isso a Teoria dos Tipos o poderia fazer parte de suas conclues,
ainda que logo no prefácio da obra assuma as influências de Russell, apontando
sua gratio para com ele e também para Frege. No entanto, fica evidente que
a Teoria dos Tipos não se encaixa na proposta do Tractatus. Am do que, um
28
dos temas que percorre todo o Tractatus é a probletica da identidade da
Filosofia. Para ele, a maioria dos problemas filosóficos se deriva do mau uso da
linguagem e multiplicar entidades seria o reconhecer a idéia de que a
filosofia é uma clarificadora de pensamentos e dos problemas da vida.
Multiplicar entidades era o mesmo que complicar algo que para ele estava tão
claro e simples. Para Wittgenstein pensar em classes ou pensar em tipos era
acreditar que alguns objetos têm certas propriedades e por isso devem ser
agrupados, a esse impasse de classe ou tipos, Wittgenstein responde a Russell e
Frege com a seguinte afirmação encontrada no Tractatus Logico-Philosophicus,
2.02331:
Ou uma coisa possui propriedades que nenhuma outra possui, podendo-
se então, sem mais, destacá-la das outras por meio de uma descrição e
indicá-la; ou, pelo contrário, várias coisas que possuem todas as suas
propriedades em comum, sendo então impossível apontar para uma
delas.
Assim, o que Wittgenstein entende por objeto, por este objeto simples, é
que ele constitui a condição transcendental de possibilidade, ele é a denotação do
nome, ele é a substância do mundo e o que de mais simples podemos encontrar.
Como afirma Condé (1998, p.70), “o objeto tractariano possui uma formulação
essencialmente metafísica (objeto é o átomo lógico-transcendental)”. Desta forma,
ele não pode ser entendido como algo unicamente empírico, ele constitui a
possibilidade para se estruturar a realidade, ou seja, os objetos podem ser
entendidos dentro da estrutura do Tractatus como sendo o fundamento ontológico
do mundo, são os elementos mínimos que constituirão a estrutura do mundo, são a
substância do mundo conforme TLP §2.02, tendo que ser desta forma então,
simples. Tais objetos são a forma fixa no mundo.
Enquanto substância do mundo, os objetos não podem ter qualquer outra
característica acidental, como cores variadas, tamanhos variados, etc. Como
assegura Wittgenstein “A substância do mundo pode determinar uma forma, e
29
não propriedades materiais. Pois estas são representadas apenas pelas proposições
– são constituídas apenas pela configuração dos objetos.” (TLP, §2.0231)
Assim, os objetos possuem características internas essenciais, não existe
nenhuma causa a priori. Existem concatenações entre os objetos dos quais se
exige a existência efetiva no mundo. Os objetos constituem os fatos e podem
aparecer em todas as situações possíveis sem a necessidade de aparecer em
qualquer situação determinada. A concatenação que fazemos dos objetos é sempre
contingente. Um objeto tem a possibilidade de concatenação de vários objetos
entre si.
Em relação às propriedades dos objetos, destaca-se ainda que elas só podem
ser pensadas quando os objetos são considerados em relação a outros objetos,
numa figuração. Isso quer dizer que as propriedades internas de um objeto nunca
se darão em seu ‘acidente’, pois sua essência é fixa e permanente, como diz
Wittgenstein “Em termos aproximados: os objetos são incolores” (TLP, § 2.032).
Se eu conheço um objeto, eu conheço sua forma e sei de suas possibilidades de
figuração. Caso eu encontre este objeto em um tamanho diferente ou em uma cor
que jamais tivesse visto, ainda assim o reconheceria, pois entendo que a forma não
mudou, a forma de qualquer objeto é fixa, o que muda são os acidentes, estes,
contudo, não interferem na apreensão do mundo.
Se eu conheço um objeto, eu conheço todas as suas possibilidades de
figuração. Em contrapartida, se os objetos são a denotação dos nomes, ao saber
um nome ou uma palavra, sabemos também qual é o seu uso, ou seja, cada objeto
tem um respectivo nome. Se damos um mesmo nome a mais de um objeto,
estamos permitindo certo enfeitiçamento por parte da linguagem, pois cada objeto
tem seu nome, se assim não for, nunca poderemos nos entender de forma perfeita,
ideal.
É por isso que não é estranho afirmar que a proposta de Wittgenstein no
Tractatus é buscar uma linguagem ideal. O filósofo concluirá em seus escritos
tardios, que a busca por essa linguagem ideal teria infalivelmente que incorrer em
uma linguagem artificial. Wittgenstein perceberá que a linguagem cotidiana é
30
repleta de imprecisões e que nem por isso as pessoas deixam de se comunicar e se
entender.
Assim, “Se eu conheço um objeto, eu também conheço todas as suas
possíveis ocorrências nos estados de coisas. (Cada uma destas possibilidades deve
ser parte da natureza do objeto)” (TLP, §2.0123). Nesse sentido, surge o que
Condé (1998) chama de erro de interpretação por arte dos neopositivistas. Eles
entendem que, quando Wittgenstein fala em objetos, está se referindo apenas ao
objeto empírico, ou seja, somente às suas propriedades externas. Ao longo do
Tractatus, não exemplos de objetos, apenas diz que eles existem e são
substância do mundo, e talvez esse seja o caso da confusão, conforme diz Condé,
causada pelos neopositivistas. O que devemos entender é que, se podemos ter a
experiência dos objetos, é porque existe algo neles que se diferencia de outros
objetos como dissemos anteriormente, e esse ‘algo’ não pode ser seu acidente.
Como diz Faustino:
Para representar uma configuração que pode ou não existir, a ligação
entre os objetos não pode, contudo, ser concebida como relações
internas mas somente como relações externas, que estas podem ou
não se efetivar. No entanto, para serem logicamente possíveis, as
relações externas entre os constituintes da configuração dependem, por
seu turno, de que cada constituinte esteja em relação interna com essa
configuração. É assim que, entre coisas e o estado de coisas de que pode
fazer parte, uma relação interna, que é a condição de possibilidade
das relações externas entre as coisas no estado de coisas. Assim, é uma
possibilidade lógica que as coisas estejam ou não combinadas de
determinada maneira; mas é uma necessidade lógica que as
possibilidades de combinação das coisas constituam relações internas
entre elas e os estados de coisas de que podem fazer parte.
(FAUSTINO, 2006, p.56)
Consideramos ainda que, para Wittgenstein, os objetos são a substância do
mundo. O mundo não é a totalidade objetos, mas a totalidade de fatos. Assim,
cabe percorrer os traços de tal distinção.
31
1.4 Estados de coisa e fatos
Para que haja uma melhor compreensão, entendemos que é necessário
estabelecer as distinções entre os conceitos de estados de coisa e fatos, em um
único momento, pois, a partir do momento que fizermos uma afirmação acerca de
estados de coisa, estaremos imediatamente nos referindo aos fatos. Não que
ambos tenham o mesmo objetivo e significado, mas por entendermos a dificuldade
de se fazer uma afirmação acerca de um, sem que de alguma forma não tomemos
o outro em contraposição ou apoio.
Wittgenstein entende que fatos e estados de coisas, enquanto categorias são
uma mesma relação. A princípio podemos confundir esses dois conceitos, porém,
enquanto necessidade de estrutura de mundo, eles são diferentes. Eles são iguais
apenas se pensarmos nas condições necessárias que preenchem aquilo que pode
ser realizado em mundos possíveis, em espaços lógicos possíveis. Para
Wittgenstein, qualquer espaço lógico pensável é possível. Jamais pensaríamos um
mundo fora da lógica que subjaz ao próprio mundo “real” em que vivemos. “Já foi
dito que Deus poderia criar tudo, salvo o que contrariasse as leis lógicas.” É que
não seríamos capazes de dizer como pareceria um mundo ‘ilógico’. (TLP, §3.031)
e continua:
Representar na linguagem algo que “contradiga as leis lógicas” é tão
pouco possível quanto representar na geometria, por meio de suas
coordenadas, uma figura que contradiga as leis do espaço; ou dar as
coordenadas de um ponto que não exista. (TLP, §3.032)
Wittgenstein entende que, se algo pode ser dito, deve ser dito claramente,
ou seja, “Tudo que pode ser em geral pensando pode ser pensado claramente.
Tudo que pode enunciar, pode-se enunciar claramente.” (TLP §4.116). Dessa
forma, somos colocados dentro de um plano de possibilidades, inseridos em um
plano de mundos possíveis, dentro da impossibilidade de se colocar algo que fuja
a nossa lógica, em última instância, de não se poder falar daquilo que está fora do
mundo. Faz
32
Pareceria como que um acaso se à coisa, que pudesse existir só, por si
própria, se ajustasse depois uma situação.
Se as coisas podem aparecer em estados de coisas, isso deve estar
nelas.
(O que é lógico não pode ser meramente-possível. A lógica trata de cada
possibilidade e todas as possibilidades são fatos seus.)
Assim como o podemos de modo algum pensar em objetos espaciais
fora do espaço, em objetos temporais fora do tempo, também não
podemos pensar em nenhum objeto fora da possibilidade de sua ligação
com outros.
Se posso pensar no objeto na liga do estado de coisas, não posso pensar
nele fora da possibilidade dessa liga. (TLP, §2.0121)
Wittgenstein entende por fato aquilo que efetivamente ocorre no mundo.
Depois que afiguramos um estado de coisa, ou melhor, pensamos a possibilidade
de existência de um objeto numa determinada ação, seja pensar em um relógio
sobre a escrivaninha, seja pensar em algo aparentemente impossível
materializando-se como ação, como, por exemplo, um boi de muletas, não importa
enquanto estado de coisa, pois O pensamento contem a possibilidade da situação
que ele pensa. O que é pensável é também possível” (TLP, §3.02). No entanto,
devemos destacar em pensável/possível enquanto estivermos discorrendo sobre
possibilidades para objetos, assim estaremos nos limitando ao que Wittgenstein
entende por estados de coisa. A partir do momento em que essas afigurações se
tornem ações efetivas, então estamos passando para o mundo dos fatos, para o
mundo daquilo que ocorre, para aquilo que é o caso, conforme TLP §1 citado
acima.
Podemos entender que o mundo não é a totalidade das coisas, mas a
totalidade dos fatos. As coisas são aquilo que constituem o fato e o mundo é a
totalidade dos fatos. Os objetos em si são inalteráveis, eles permanecem os
mesmos, independente da configuração que damos a eles. Wittgenstein esclarece
“O objeto é fixo, subsistente; a configuração é o variável, instável.” (TLP,
§2.0271)
É importante ressaltar que esses são conceitos chaves para a sustentação do
Tractatus de Wittgenstein, porém o autor ainda faz mais uma distinção, no que se
33
refere a estados de coisa. Wittgenstein elabora uma subdivisão entre o estado de
coisa atômico e o estado de coisa complexo.
Os estados de coisa atômico são os mais simples, em contraposição ao
complexo de uma situação afigurada. Nota Wittgenstein “Os estados de coisa são
independentes uns dos outros” (TLP, §2.061), essa independência, este fato único
isolado é o que chamamos de estado de coisa atômico. Nas palavras de
Stegmüller,
Com isso entende-se que, se A e B são estados de coisa atômicos, quatro
são as possibilidades de subsistência e o-subsistência, a saber, ambos
subsistem; ou ambos o subsistem; ou A subsiste e B não subsiste; ou
A não subsiste e B subsiste. De vez que esta espécie de independência
vale o importante se A ou respectivamente B é um fato. Wittgenstein
não faz, deste modo, asseveração alguma sobre o mundo real; mas faz
uma constatação que vale para qualquer mundo possível. O mundo real
deve ser imaginado como inserido numa totalidade de mundos
possíveis. (STEGMÜLLER, 1977, p.406)
Podemos entender então que o que Wittgenstein apresenta como estado de
coisa atômico é aquilo que de mais simples pode ser encontrado afigurado, a
associação destes estados de coisa atômico por meio de sinais proposicionais é o
que chamamos de estados de coisa complexo.
Assim, “A proposição que trata do complexo esem relação interna com a
proposição que trata da parte constituinte desse complexo” (TLP, §3.24). Toda
proposição complexa pode ser ‘desmontada’ até chegar a seu estado de coisa
atômico, da mesma forma, pode ser ‘montado’ estados de coisa atômicos em um
estado de coisa complexo usando sinais proposicionais.
Dessa forma, toda proposição significativa, toda proposição pensável,
afigurável, tem significado, significa algo. Todo estado de coisa atômico, por ser
simples e por sua independência em relação a outros estados de coisa atômico,
coloca-se em um fato bivalente, ou seja, ela tem a possibilidade de verdade ou
falsidade. Do ponto de vista formal, para que seja verdadeira p e q devem ser
verdadeiras.
34
Assim, toda figuração significa ‘figurar algo’, as proposições são fatos do
mundo conforme TLP §2.141 A afiguração é um fato” ou ainda “É assim que a
figuração se enlaça com a realidade; ela vai até a realidade” (TLP, §2.1511). As
proposições sempre afiguram algo e esta figuração tem a possibilidade de ser
verdadeira, ou seja, ela pode ou não acontecer de fato. E o que dará essa verdade,
é a possibilidade de ela retratar um ponto específico dentro do espaço lógico. “Ela
é como uma régua aposta à realidade” (TLP, §2.1512). Ainda que as afigurações
sejam independentes umas das outras e independente da existência na realidade,
ainda assim elas têm o espaço lógico como ponto de encontro, de ligação.
Como afirmado, o que faz de uma proposição uma afiguração, são regras
pelas quais elas são subordinadas. Essas regras são os sinais proposicionais pelos
quais é possível fazer arranjos de forma a fixar os fatos do mundo aos quais se
quer expressar. Esses sinais interligam signos e ligam proposições e por fim
expressam algo de complexo sobre o mundo.
À proposição pertence tudo que pertence à projeção; mas não projetado.
Portanto, a possibilidade do projetado, mas não ele próprio.
Na proposição, portanto, ainda não está contido seu sentido, mas sim a
possibilidade de exprimi-lo.
(“O conteúdo da proposição” significa o conteúdo da proposição dotada
de sentido.”)
Na proposição está contida a forma de seu sentido, mas não o conteúdo.
(TLP, 3.13).
A proposição não é uma mistura de palavras. (Como o tema musical
não é uma mistura de sons)
A proposição é articulada. (TLP, 3.141)
O que faz esta articulação são os sinais proposicionais que não são
conteúdo, ou seja, o podemos afigurar os sinais proposicionais, não podemos
encontrar no mundo o ‘e’, ‘se então’, etc. o que nós podemos afigurar, e fazemos,
é usar estes sinais para articular estados de coisa atômico, para concatenar
afigurações, os sinais proposicionais efetivamente não existem no mundo, mas são
a possibilidade de significação de uma afiguração.
35
Seguindo esta idéia, os núcleos independentes ou estados de coisa atômico
são proposições elementares. A independência de cada um destes estados de coisa
se deve ao fato de que, por meio dos nomes, podemos falar diretamente como o
mundo é, visto que os nomes se ligam diretamente aos objetos e cada objeto tem
um nome fixo, ou seja, “o nome substitui, na proposição, o objeto” (TLP, §3.22).
Como faz notar Wittgenstein, nomes são como pontos, proposições são como
flechas, elas m sentido (TLP, §3.144), ou seja, os nomes por eles mesmos o
são nada, eles se tornam possibilidade de significação a partir do momento em
que se apresentam em uma proposição, pois somente assim a proposição pode ser
flecha, pode ter uma significação. Se não existissem os objetos, não teríamos
proposições com sentido.
Surge então um problema fundamental para a possibilidade de se falar sobre
o mundo, no que se refere àquilo que negamos em uma proposição. Como
podemos afirmar algo negando sua existência? Como podemos nomear aquilo que
não existe? Se o que dá sentido para o mundo é justamente os objetos simples, por
meio de sinais proposicionais que formam estados de coisas atômicos? Essa
singularidade é uma parte da preocupação de Wittgenstein e o que lhe permite
repensar rios pontos de suas afirmações no Tractatus e mudar não a sua
teoria (que ele acreditava estar tão correta a ponto de afirmar que havia resolvido
todos os problemas, visto que suas palavras na obra eram definitivas e intocáveis)
mas também a sua visão de mundo.
Como afirma Zilhão, tal problema constitui o ponto nodal” na teoria do
Tractatus assim como em qualquer Teoria dos nomes. Diz Zilhão (1993, p.27)
A questão subjacente a este paradoxo reside no facto de, pressupondo
que a denotação de um nome é o objecto que ele representa, uma
proposição que afirme a não existência de um determinado objeto se
revelar sem sentido. Na realidade, se a proposição em questão é
verdadeira, isso significará que o nome que constitui o seu sujeito
gramatical não terá qualquer denotação. Mas, se o nome que constitui o
sujeito da proposição não tem qualquer denotação, então a proposição
afirma alguma coisa a respeito de nada, o que significa que está mal
construída. Pensar o que não existe teria assim que pressupor a
possibilidade de denominarmos que não existe. Como relação de
36
denominação é, à partida, concebida como a atribuição, através de um
acto de ostensão, de um sinal a algo existente como seu representante, a
conseqüência da admissão desta hipótese seria a obtenção de
proposições auto-contraditórias.
Partindo das pressuposições expostas por Zilhão, qual seja, que se damos
um nome para um objeto, o objeto é a denotação deste nome. Porém, se
afirmamos a inexistência de algo que tem um nome, a proposição se torna sem
sentido. Percebemos então que a possibilidade de nomear o que não existe, é de
fundamental importância, visto que o próprio Wittgenstein coloca essas
preocupações no começo do Tractatus, determinar a negação de algo, de fatos que
a rigor não acontecem. Se o mundo é a totalidade dos fatos, como fica então o que
não é fato? Como é possível fazer a seguinte afirmação: ‘Não uma poltrona na
sala!’
Wittgenstein em TLP, §1.12 determina que “...a totalidade dos fatos
determina o que é o caso e também tudo que não é o caso” e em TLP, §2.06, “A
existência e inexistência de estados de coisas é a realidade. (À existência de
estados de coisas, chamamos também de fato positivo; à inexistência, um fato
negativo)”. Assim, se entendermos que fato é aquilo que efetivamente ocorre no
mundo, algo que existe, estaríamos negligenciando uma outra faceta dos fatos que
é a possibilidade de inexistência, ou a sua condição de falsidade. “Algo pode ser o
caso ou não ser o caso e tudo o mais permanecer na mesma” (TLP, §1.21), ou seja,
Wittgenstein infere acerca da existência (positivo), bem como da inexistência
(negativo).
Somente os fatos positivos fazem parte do mundo, não existe a
possibilidade de se encontrar a negação no mundo. O fato negativo é, por assim
dizer, algo que não é parte no mundo.
O mundo é a totalidade de fatos, ou seja, somente faz parte do mundo
aquilo que realmente acontece. Não é possível pensar em um mundo onde a
simples possibilidade de uma afiguração ser fato possa existir, visto que, um fato
não pode ser reduzido a sua possibilidade, pois somente estado de coisa tem
37
condição bivalente, ou seja, função de verdade. Um fato negativo existe porque
é entendido em contraposição ao fato positivo. Sendo assim, afirmar que fatos
negativos são possibilidade seria o mesmo que afirmar que os fatos são
tautologias, seriam verdadeiros para qualquer mundo possível e, portanto, não
determinável como verdade. No esclarecimento de Wittgenstein temos:
A forma lógica da proposição deve ser dada pelas formas de suas partes
constitutivas. (E estas têm relação com o sentido das proposições,
não com sua verdade ou falsidade).
Na forma do sujeito e do predicado vem contida a possibilidade da
proposição sujeito-predicado, etc.; porém como tem que ser nada
sobre sua verdade ou falsidade.
A figura tem com a realidade uma relação também. E aquilo que se trata
é: como representar. Uma mesma figura coincidirá ou não coincidirá
com a realidade e como será representada.
Que duas pessoas o lutam pode representar-se representando-as não
lutando, e também representando-as lutando e dizendo que a figura
mostra como a coisa não é na realidade. Com fatos negativos poderia
representar-se tão bem quanto com o positivo. Por nossa parte o único
que queremos, de todos os modos, é investigar os princípios da
representação em absoluto. (Wittgenstein, 1982, p. 44, tradução nossa)
6
Assim, o que temos que determinar é de que ponto de partida estamos
entendo tal proposição. Posso representar um fato tanto de modo negativo quanto
positivo, isso será determinado pelo modo como apresento minha indagação.
Afirma Griffin, a esse respeito:
6
La forma lógica de la proposición debe venis dada ya por las formas de sus partes constitutivas.
(Y éstas sólo tienen que ver con el sentido de las proposiciones, no con su verdad y falsedad.)
En la forma del sujeto y del predicado viene ya contenida la posibilidad de la proposición sujeto-
predicado, etc,; pero – como tiene que ser – nada sobre su verdad ou falsidad.
La figura tiene com realidad relación que tieben. Y aquello de lo que se trata es: cómo ha de
representar. Una misma figura coincidirá o no coincidirá con la realidad según y como haya de
representar.
Que dos personas no luchan puede representarse representándolas no luchando, y también
representandólas luchando e diciendo que la figura muestra cómo la cosa no es en realidad. Con
hechos negativos podría representarse tan bien como con positivos-. Por nuestra parte lo único
que queremos, de todos os modos, es investigar los princípios de la representacion en absoluto.
(Wittgenstein, 1982, p.44)
38
Assim, a verdade e falsidade entram em consideração quando o método
de representação tiver sido determinado. Antes disso, a mesma figura
(seja <ab>) pode descrever um certo número de estados de coisa
ainda que <a> e <b> sejam entendidos como signos que possuem
uma significação. Aquilo que temos que fazer é determinar qual o
estado de coisas que esta configuração de signos, <ab>, irá representar.
Quando tal tiver sido efectuado, quando o método de representação tiver
sido determinado, então podemos considerar se a figura é verdadeira ou
falsa. (GRIFFIN, 1998, p. 138)
Uma proposição que não apresenta na realidade um fato por ela afigurado,
ou seja, uma afiguração cujos elementos não aparecem na realidade tal e qual é
colocada na afiguração não nos mostra critérios suficientes para que verifiquemos
e constatemos se a afiguração é verdadeira ou falsa, nem mesmo podemos dizer
que ela faz sentido. Se numa afiguração algum elemento descrito não se encontra
na realidade, a possibilidade de verdade/falsidade fica impossível de ser
determinada e, por conseguinte, torna-se sem sentido.
A partir da possibilidade de uma proposição ter ou não sentido é que se
entende a importância da tese do atomismo lógico, de se trazer essa noção de que
objetos não são atômicos e sim relacionais e que a proposição sim é atômica, ou
seja, é p.q como mais elementar dentro do que pode ser afigurável. Nesse sentido,
o atomismo lógico tanto lingüística como ontologicamente sustenta qualquer
afirmação sobre o sentido das proposições, determinando se esta estaria ou não em
correspondência com a realidade.
Se tivéssemos a possibilidade de ter acesso a todas as proposições que
constituem o mundo, poderíamos assim ter a plena noção do mundo, entendendo
que “A totalidade das proposições é a linguagem” (TLP, §4.001). Porém, só
podemos conhecer essa totalidade enquanto espaço lógico, apenas do ponto de
vista formal, dados os limites da nossa linguagem e dado a contingência dos fatos
que essa linguagem afigura.
Efetivamente, o que podemos afirmar é aquilo que é pensável e exprimível,
ou melhor, que faça sentido ao se falar. É impossível se falar de algo que não está
no mundo, da mesma forma que é impossível a qualquer pessoa ter acesso a todas
as proposições verdadeiras. Levando-se em consideração que o limite do meu
39
mundo é a minha linguagem, não poderíamos supor a possibilidade de um ser que
pudesse ter acesso a todas as proposições verdadeiras, a menos que esse ser seja
Deus capaz de conhecer o destino factual de todas as coisas existentes. Tudo que é
significativo permanece do campo do contingente e, à medida que procuramos sua
correspondência no mundo, é que teremos efetivamente fatos, o que ocorre no
mundo. Se de fato um Deus, esse ser que pode saber inclusive da contingência
dos estados de coisa, ele não se revelaria no mundo. Como seja o mundo, é
completamente indiferente para o Altíssimo. Deus não se revela no mundo(TLP,
§6.431), ou seja, se há alguém que pode saber ou controlar todos os fatos, esse ser
não está revelado no mundo, está fora dele, para fora dos limites da minha
linguagem.
É por isso que para Wittgenstein, ainda que possamos afigurar e ver se essa
afiguração se revela ou não no mundo, se é verdadeiro ou falso, tudo o mais que
não possamos constatar sua existência por meio da experiência sensível não faz
sentido falar. Por isso, podemos resolver problemas cuja resposta possa ser
verificada empiricamente, os problemas de ordem ética, estética ou religiosa – que
constituem o místico, não se revelam no mundo e é esse o problema fundamental
da vida. Diz Wittgenstein:
Sentimos que, mesmo que todas as questões cientificas possíveis tenham
obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer
tocados. É certo que não restará, nesse caso, mais nenhuma questão; e a
resposta é precisamente essa. (TLP, §6.52).
Percebe-se a solução do problema da vida no desaparecimento desse
problema. (Não é por essa razão que as pessoas para as quais, após
longas dúvidas, o sentido da vida se fez claro não se tornaram capazes
de dizer em que consiste esse sentido?) (TLP, §6.521)
A linguagem então, conforme entende Wittgenstein, poderia ser resumida
como uma grande concatenação, por meio de sinais proposicionais, de nomes,
relacionada figurativamente com o mundo. As proposições complexas podem ser
analisadas a partir do momento em que as transformamos em proposições
40
elementares ou atômicas, ou seja, teriam função de verdade aquelas
proposições que são elementares.
O problema da vida, do qual Wittgenstein fala, parece...
...ser o dos fins que estabelecemos para nós mesmos, ou, e se quiser, o
de objetivos da vida. Que sentido tem minha vida? Uma tal questão não
diz respeito, evidentemente, aos fatos; ela pressupõe uma espécie de
visão global do mundo em sua totalidade por meio da qual o conjunto de
tudo o que é o caso se ordenaria e adquiriria um sentido. Ora, tudo o que
podemos dizer com sentido deve se referir ao que pode eventualmente
ser o caso no mundo; certamente não o mundo enquanto totalidade, pois
isso significaria admitir que o mundo é ele mesmo um estado de coisas
que poderia não ser o caso. (SCHMITZ, 2004, p.131.)
Que um mundo sabemos por que podemos expressar proposições
significativas acerca dele e é somente sobre o limite dele que podemos falar, ou
seja, só sobre aquilo que intuímos a partir da experiência. Qualquer proposição
significativa tem sua verdade ou falsidade destacadas no mundo. Parte disso
então, devemos nos calar acerca de qualquer coisa que se refira ao sentido do
mundo e da vida, pois este é o campo em que é permitido mostrar. O sentido da
minha vida eu posso mostrar mediante a forma como eu vivo, e não sobre aquilo
que falo cotidianamente. Este ponto é fundamental para o entendimento do
Tractatus, uma vez que a doutrina do dizer e do mostrar se mostra de modo
original na concepção de linguagem do próprio Tractatus.
Visto que podemos falar sobre aquilo que está no mundo, e são essas
proposições que fazem sentido, o que Wittgenstein está fazendo não é mostrar
uma hierarquia de preferência, ou talvez, de importância dentro de sua obra entre
o dizer e o mostrar. O filósofo evita que tentemos colocar em palavras aquilo que
deveria ser resguardado, sendo reservado apenas para o ato de mostrar.
Proposições que versam sobre o místico: ética, estética e religião, não são uma
tentativa de se falar sobre aquilo que não se pode dizer, bem como são ‘sem
sentido’.
41
E essa particularidade interessou aos filósofos do Círculo de Viena
7
, nos
anos 20, assim que foi realizada a publicação do Tractatus Lógico philosophicus,
em 1921.
Na Universidade de Viena, o matetico Hans Hahn apresentou um
semirio sobre o livro em 1922 e mais tarde a obra atraiu a atenção
de um grupo de fisofos liderados por Moritz Schlick o grupo que
acabou se transformando no famoso rculo de Viena de positivistas
lógicos. Também em Cambridge o Tractatus tornou-se o pólo das
discussões de um grupo pequeno mas influente de professores e
alunos. (MONK, 1995, p.201)
Os pensadores do rculo de Viena procuravam desenvolver uma
concepção ‘científica de mundo ao qual a idéia de Wittgenstein sobre o que se
pode dizer é somente aquilo que é apreendido por meio da experiência, se
encaixa perfeitamente à proposta os seguidores do neopositivismo. Ou seja,
mesmo sem participar ativamente do Círculo de Viena, o Tractatus logico-
philosophicus acabou por se tornar uma espécie de blia para os
neopositivistas, visto que as teses tractarianas e o cunho científico encontrado
na obra serviam se inspirão para a visão estritamente científica da proposta
dorculo. Assim, somente as ciências que partem da experiência podem
conter verdades e a metasica, como conseqüência, acaba por ser
expressamente ignorada e desqualificada nesse meio.
O método correto em filosofia seria propriamente o seguinte: não
dizer nada seo o que se deixa dizer; portanto, proposições da
ciência natural ou seja, alguma coisas que o tem nada a ver com
7
As correntes empiristas ocupam um lugar especial na filosofia contemporânea. O que as
relaciona entre si não é um determinado conteúdo doutrinário, mas sim a recusa de todos e
qualquer tipo de metafísica. Neste contexto, a expressão ‘metafísica’ deve ser entendida num
sentido muito amplo, significando não apenas uma doutrina dos objetos supra sensíveis, mas
toda a filosofia que pretenda, aprioristicamente, fazer afirmações sobre a realidade ou estabelecer
normas. Se quiséssemos resumir em uma sentença a convicção fundamental dos empiristas,
poderíamos dizer o seguinte: é impossível conhecer a constituição e as leis do mundo real
através de pura reflexão e sem qualquer controle empírico (pela observação). Todo
conhecimento científico pertence às ciências forais (lógica e matemática) ou às ciências
empíricas do real, de modo que não lugar para uma filosofia que venha a concorrer com as
ciências particulares ou que pretenda ir além delas. […] Dentre as mais influentes orientações
empiristas do presente século, destaca-se o Círculo de Viena. (STEGMÜLLER, 2002, p.276)
42
filosofia -, e então, sempre que alguém quiser dizer algo metafísico,
mostrar-lhe que não deu significado a certos signos que figuram em
suas proposições. (TLP, §6.53)
Assim, as proposões exigem uma exisncia dos objetos no mundo e o
que es fora dele é tão importante quanto. Diz Schmitz (2004) que o leitor
pode ficar surpreso com o fato do Tractatus não discorrer acerca do que o (é)
seus conceitos chaves. Wittgenstein não nos dá uma resposta rápida no sentido,
fato é...; estados de coisas são...., mesmos sendo essas proposições passíveis de
serem faladas com sentido ou num discurso significativo. No entanto, o intento
de Wittgenstein era deixar o Tractatus como a solução definitiva para o
enfeitiçamento da linguagem, como foi dito no precio da obra e, a partir do
Tractatus, poderíamos assumir pontos mais altos em sua pesquisa. Diz
Wittgenstein:
Minhas proposões são elucidadoras pelo fato de que quem as
compreende as reconhece, ao fim e ao cabo, como contra-sensos,
as ter se elevado acima delas por meio delas e com o aulio delas.
preciso, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por
ela). (TLP, §6.54)
Compreender o Tractatus seria eno aprender a calar-se diante dos reais
problemas da vida, pois é só por meio dessa atitude que podemos efetivamente
mostrar aquilo que é realmente importante, visto que a simples constatação do
mundo não é um problema fundamental, pom nossos problemas da vida ainda
ficam intocados.
Nesse primeiro capítulo apresentamos a conceão de mundo e, por
conseqüência, a própria sistematização da linguagem no Tractatus. No
Tractatus, Wittgenstein respondeu à pergunta ‘O que é a linguagem?`, e
apresentou a sua resposta para aquele momento. Pom, após uma auto-ctica
feita a respeito de seus escritos, o filósofo muda seu olhar sobre a linguagem
e então parte para a construção de um novo modelo. No próximo catulo
43
apresentaremos a fase de transão na obra de Wittgenstein, o percurso entre o
Tractatus e as Investigações.
44
2 O PEODO INTERMEDRIO
Durante quase os 10 anos que se seguiram da publicão do Tractatus
Wittgenstein praticamente se calou em relação a sua publicação ou a qualquer
assunto acamico. Seu retorno pode ser registrado em 1928, quando o
filósofo, respondendo a pedidos dos membros do Círculo de Viena, retorna à
discuso sobre o Tractatus. Am do Círculo de Viena, Wittgenstein também
mantinha conversas com Frank Ramsey e Piero Sraffa, ambos, segundo prólogo
das Investigações Filoficas, foram de grande apoio e inspiração para as
mudaas ocorridas naquele texto de 1921. Essas mudaas culminaram nas
Investigações Filoficas.
A partir dessas conversas e discussões afirma Wittgenstein “tive que
reconhecer erros graves no que escrevi no meu primeiro livro”
(WITTGENSTEIN, 1987, p.167). Esses erros reconhecidos pelo filósofo, segundo
Shmitz (p.137), foram dois. Em primeiro lugar, refere-se à tese central do
Tractatus, qual seja: “Há uma e apenas uma análise completa da proposição”
(TLP, 3.2.5, grifo nosso). Essa análise, conforme vimos no primeiro capítulo, é
feita a partir de proposições elementares, ou seja, estado de coisa atômico. No
Tractatus, uma determinada proposição só pode ter seu valor de verdade postulado
se entendermos que esta proposição é simples e independente de outra proposição
atômica. Porém, acaba por rejeitar essa tese levando-se em conta que proposições
acerca das cores, por exemplo, que não são independentes uma das outras. Diz
Wittgenstein:
A proposição “este lugar agora é vermelho” (ou “este círculo agora é
vermelho”) pode ser chamada de proposição elementar se isso significa
que não é uma função de verdade de outras proposições nem é definida
como tal. .
Mas de “a agora é vermelho” decorre “a agora não é verde” e, portanto,
as proposições elementares, nesse sentido, não são independentes entre
si como as proposições elementares no cálculo que certa vez descrevi
um cálculo ao qual, enganado como fui por uma falsa noção de redução,
45
pensei que o uso completo das proposições devia ser redutível.
(WITTGENSTEIN, 2003, p.163)
Decorre então que, ao fazermos uma afirmação acerca da cor de um objeto,
automaticamente estamos descartando a possibilidade de que, naquele momento,
aquele objeto seja de outra cor, ou seja, mesmo quando afirmamos que “este lugar
agora é vermelho’ e acreditamos que esta é uma proposição elementar, na
realidade ela é dependente de outra proposição elementar que pode ser, por
exemplo este lugar agora não é azul”. Assim, Wittgenstein percebeu que a falsa
‘noção de redução’ que ele havia dado crédito no Tractatus, de fato o conta
de afirmações acerca das cores, da matemática e outras realidades. Como diz
Schmitz (2004, p.138):
Deve-se portanto admitir que relações lógicas também entre
proposições elementares, o que equivale a admitir que as proposições
elementares não são independentes. A conseqüência imediata, então, é
que o que se compara com a realidade não é uma proposição “isolada”,
mas um sistema de proposições e, mais particularmente, que as relações
lógicas não se mostram todas elas na notação tabular utilizada no
Tractatus. Em suma, a “lógica” ultrapassa em muito o mero domínio
das proposições moleculares consideradas como funções de verdade das
proposições elementares que as compõem.
O segundo erro que aponta Schmitz (2004) refere-se às proposições gerais
como ‘todos os homens são mortais’, visto que elas deixam algo de ‘vago’,
indeterminado. Por exemplo, se dizemos que ‘há pessoas nessa sala’, para que esta
proposição tenha seu sentido perfeitamente determinado, tal é a exigência do
Tractatus, precisaríamos então não dizer quantas pessoas realmente na sala,
bem como sua posição, etc. ‘há pessoas nessa sala’ é uma proposição vaga, porém,
a questão que surge acerca das proposições ‘vagas’ não é só saber sobre a precisão
do sentido da frase mas também se, ao se colocar as coordenadas de cada pessoa e
o total, se estas informações ampliariam ou não modificariam o entendimento da
proposição. É também o que nos leva a entender que o que importa ao se colocar a
46
proposição ‘há pessoas na sala’ não é somente saber o seu valor de verdade, mas é
também saber o contexto em que esta proposição foi dita, em especial se levarmos
em consideração o fato da sala estar ou não vazia, não apresenta um valor de
verdade ou falsidade, mas também indica a possibilidade ou não de uma ação ser
completada. Diz Wittgenstein (2003, p.210)
Se eu estiver certo, não nenhum conceito ‘cor pura’; a proposição “a
cor de A é uma cor pura” significa simplesmente “A é vermelho, ou
amarelo, ou azul, ou verde”. “Este chapéu pertence a A ou a B ou a C”
não é a mesma proposição que “Este chapéu pertence a uma pessoa
nesta sala”, mesmo quando, na verdade, apenas A, B e C estão na sala,
pois isso é algo que tem de ser acrescentado. – “Nesta superfície há duas
cores puras” significa: nesta superfície vermelho e amarelo, ou
vermelho e verde, ou...etc. [...] A notação de generalidade é tão ambígua
quanto a forma sujeito-predicado.
Cabe aqui então dizermos que esta mudança apresentada por Wittgenstein a
partir de 1930 não mais permite admitir afirmações como a TLP 3.2.5, em
especial, se levarmos em consideração que o Tractatus apresenta algo de
simplificador na análise da linguagem. Wittgenstein, ao tentar colocar a forma
lógica da proposição como comum a todas as linguagens, estava tentando traçar
uma ‘gramática lógica’, para que pudéssemos saber sobre o valor de verdade de
uma proposição.
Essa necessidade de se tentar tornar clara a ‘forma lógica’ se aplica também
à sua preocupação em estabelecer os limites do dizível, traçando um limite entre,
aquilo que podemos falar com sentido, e aquilo que devemos nos calar, pois não
faria sentido falar. A necessidade de se explicitar a forma lógica era a saída pela
qual poderíamos falar com sentido e não incorrer nos erros criados pela
compreensão da lógica de nossa linguagem.
Vemos então, que a partir da década de 20, começa Wittgenstein a criticar o
formalismo, que prepara a filosofia wittgensteiniana a se converter em
“gramática”. A ‘possibilidade gramatical’ do significado deve, daqui por diante,
tomar a função das relações internas que antes era monopólio da lógica, sem exigir
47
uma teoria da correlação com os fatos, ou seja, a gramática é convidada a fazer a
economia do isomorfismo.
Poderíamos dizer que, no Tractatus, a noção de gramática lógica
funcionava essencialmente como um instrumento de garantia do
discurso, impedindo que a “denotação” extrapolasse o seu limite
previamente estabelecido, que era o de significar tão somente aquilo que
ocorre efetivamente na realidade, isto é, o que é o caso. [...] Nas
Investigações, a gramática não é simplesmente um sistema de regras
sintático-semânticas, mas um conjunto de atividades governadas por
regras isto é, a gramática envolve, além da dimensão sintático-
semântica, uma dimensão pragmática. E é nesse sentido que, para o
segundo Wittgenstein a significação de uma expressão não é a
subsistência de um objeto na realidade, mas constitui-se no uso de uma
expressão. A significação é o produto de regras gramaticais surgidas da
práxis da linguagem. (CONDÉ, 1998, p 113)
Vemos em Wittgenstein uma transferência gradativa do poder da lógica à
gramática. O verificacionismo deverá se acomodar numa filosofia que ficou nas
doutrinas dos fatos elementares. Contudo, ‘ter sentido’ significaria, a partir de
então, um olhar do ponto de vista interno da comparação da linguagem com o
dado, e não mais a experiência.
Para que um enunciado seja empiricamente verificado, é necessário que este
enunciado possa apresentar-se a esta prova, ou seja, de antemão ela deve conter a
possibilidade de ser verificado. A tese verificacionista inclina-se, portanto, agora
sobre diferentes sentidos de ‘possibilidade’, tanto no sentido físico como no
sentido lógico.
A descrição de um uso gramatical deixa de lado a pergunta sobre a essência
do significado e, por conta disso, dissolve dois problemas. O primeiro seria a
noção de ‘possibilidade lógica` que resolveria eventualmente a idéia de
“possibilidade gramatical”. O segundo problema seria o fato de a descrição
gramatical, que de certa forma suspende a verificação, visto que agora não
existe então o engessamento ou a ‘essência’ da significação. Existe sim uma
possibilidade gramatical que deixa a linguagem ‘apenas ser’, ou seja, ela não é
mais o resultado exato de uma fórmula matemática, mas ‘algo’ variável.
48
Percebemos o desdobramento da questão. a abordagem que permite a
transferência de poder da lógica à gramática, que leva a reavaliar uma perspectiva
convencionalista. E também um abalo na garantia ‘lógica’ que não pode
esperar de uma ‘gramática filosófica’ que afrouxa suas relações com o sistema da
lógica do Tractatus. O ponto crucial aqui desses dois problemas interdependentes
é a possibilidade de colocar a ‘explicação’ de um significado acima da verificação
pela experiência.
Wittgenstein, a partir da década de 30, utiliza o termo gramática para
“designar” o conjunto de regras que condicionam um discurso significativo,
impedindo que a denotação extrapole o seu limite estabelecido que é significar
somente aquilo que é o caso. Porém, com o advento da gramática profunda
8
,
aprender o significado de uma expressão não é somente saber a que objeto designa
determinada palavra, mas é saber operar por meio de regras as expressões que
constituem a significação.
Enquanto, no Tractatus, a forma lógica era a possibilidade de ligação do
nome com a essência do objeto, nas Investigações Wittgenstein situa esta essência
(não metafísica) na gramática. Para o filósofo, a essência está expressa na
gramática.
Portanto, observamos, nesse ponto, uma crítica direta às concepções
tractarianas, isto é, a gramática das Investigações não se constitui, à
maneira da gramática lógica do Tractatus, em um instrumento de
garantia da ‘denotação’. Nas Investigações, é dada uma nova dimensão
à gramática. Não se trata mais de concebê-la tão somente como um
conjunto de regras da sintaxe lógica que governa mas possibilidades de
combinação dos nomes, tendo estes que necessariamente representar
objetos. Nas Investigações a gramática é autônoma, isto é, na linguagem
existem regras gramaticais que funcionam sem a necessidade de
fundamentar-se na adequação “nome-objeto”. Tais regras gramaticais
surgem a partir do uso de expressões e não da denominação de objetos.
(CONDÉ, 1998, p.113)
A gramática não é apenas um conjunto de regras sintático-semânticas que
deve respeitar uma forma lógica, ou a capacidade de nomear objetos, colocá-los
8
Gramática profunda e gramática superficial serão estudadas detalhadamente no terceiro capítulo.
49
ou imaginá-los em situações, em estados de coisa, mas é, antes de qualquer coisa,
além dessa primeira característica, um conjunto de atividades guiadas por certas
regras e que envolvem além da posição sintático-semântica, uma dimensão
pragmática. E é nesse sentido que podemos afirmar que não se trata de acreditar
que é a existência do objeto na realidade que confere a verdade ou falsidade de
uma expressão, mas é o seu uso. A significação é o produto de regras gramaticais
surgidas da práxis da linguagem.
A variação das circunstâncias de aplicação das palavras permitirá,
segundo Wittgenstein, mudar o pensamento com respeito aos usos
habituais dos conceitos, fazendo-nos reconhecer a natureza meramente
convencional dos sentidos que, dogmaticamente, atribuímos a
fundamentos extralingüísticos, inalteráveis e definitivo. Compreende-se,
assim, a metáfora do olhar como esclarecedora para o pensamento.
(MORENO, 2005, p.254)
Da mesma forma que no Tractatus a sintaxe lógica dava o significado das
expressões, o limite do sentido, agora é a gramática profunda que fornecerá o
sentido para nossas expressões. E, nesse sentido, podemos entender também que o
que Wittgenstein está chamando de expressões, não é só aquilo que escrevemos ou
falamos, nas é também toda forma de comunicação, seja ela escrita, verbal,
gestual, ou seja, todo o complexo de atividades que mais tarde Wittgenstein
apresentará de complexidade dos jogos de linguagem.
Podemos entender que nessa transição Wittgenstein está muito mais
preocupado em como se pode falar sobre a realidade sem necessariamente tentar
esta realidade a uma teoria. A necessidade agora é de saber como podemos nos
entender mesmo sem nos apoiarmos no significado ideal de cada palavra e, nesse
sentido, as regras gramaticais não precisariam prestar contas à realidade, elas
determinam o significado. “A gramática não é responsável por nenhuma realidade.
São as regras gramaticais que determinam o significado (que constituem) e,
portanto, elas próprias não são responsáveis por qualquer significado e, nessa
medida, são arbitrárias.” (WITTGENSTEIN, 2003, p.139)
50
Como diz Schmitz (2004), Wittgenstein, para esclarecer a idéia de
arbitrariedade das regras da gramática, comparando-a com a escolha de uma
determinada unidade de medida, ou seja, a escolha preferencial de uma certa
unidade de medida em relação a outra para estabelecer a mensuração de um
objeto, porém a escolha de uma unidade de medida não representa a possibilidade
do resultado da medição ser mais ou menos correta. Ou seja, podemos medir
qualquer objeto partindo de várias unidades de medida diferentes, no entanto certa
unidade de medida não serve para medir o que nos serve para medir.
Isso conduz Wittgenstein à afirmação, de resto pouco provocativa, de
que o metro padrão conservado no Pavilhão de Sèvres não mede, ele
próprio, um metro, pelo fato de que o consideramos como aquilo a que
temos de nos referir se quisermos saber o que é um metro, ou seja,
precisamente, como metro padrão. (SCHMITZ, 2004, p.157)
Esse é um ponto a que chegamos automaticamente a partir do momento em
que ampliamos a perspectiva sobre o funcionamento da linguagem. A descrição
dos usos lingüísticos que Wittgenstein fornece mostra que não podemos buscar
justificativas para aquilo que estamos tentando explicitar, pois a gramática não é
fechada em um conceito fixo, a gramática se apresenta para nós. É como no caso
da unidade de medida, não podemos justificar que uma régua de 30 centímetros
mede 30 centímetros, ou melhor, não precisamos justificar. O centímetro é uma
unidade de medida criada arbitrariamente e, para tanto, não podemos medir
centímetros em centímetros. No mesmo compasso segue a gramática, ela se
apresenta para nós e dá significação para nossas expressões.
No momento em que procuramos dar significações para aquilo que não é
necessário é que incorremos nos erros filosóficos. A doença filosófica está
justamente na tentativa de buscar razões ou justificativas para aquilo que se
apresenta, a busca pelo fundamento último que, na realidade, apenas volta para a
superfície das discussões.
Por que não chamamos as regras de culinárias de arbitrárias e por que
somos tentados a chamar as regras de gramática de arbitrárias? Porque
51
penso no conceito ‘culinária’ tal como definido pelo fim da culinária, e
não penso no conceito ‘linguagem’ como definido pelo fim da
linguagem. Você cozinha mal se é guiado na culinária por outras regras
que não as certas; mas se você segue outras regras que não as do xadrez
você está jogando outro jogo; e se você segue outras regras gramaticais
que não tais e tais isso não significa que você diz algo errado; não, você
está falando de alguma outra coisa. (WITTGENSTEIN, 2003, p.139)
Não temos mais a garantia de que o que falamos é uma certeza absoluta de
uma significação. Pelo contrário, tal garantia se perde nas possibilidades plurais de
uma palavra ou nas diversas significações quando estamos cientes dos diversos
contextos na qual ela pode ser empregada. Qual o significado de uma palavra? Tal
questão não faz sentido, da mesma forma que não faz sentido medir uma régua de
30 centímetros em centímetros.
A pergunta sobre o significado de uma palavra é mal formulada,, uma
vez que sugere uma única e definitiva resposta; na verdade várias
respostas a ela, sendo que cada uma tornará como apoio uma situação
determinada de emprego das palavras, isto é, aquilo que Wittgenstein
denomina um “jogo de linguagem”. Essa expressão procura salientar,
com a palavra jogo”, a importância da práxis da linguagem,, isto é,
procura colocar em evidência, a tulo de elemento constitutivo, a
multiplicidade de atividades nas quais se insere a linguagem;
concomitantemente, essa expressão salienta o elemento essencialmente
dinâmico da linguagem – por oposição, como vemos, à fixidez da forma
lógica. (MORENO, 2000, p.55)
Podemos entender, então, que Wittgenstein passa da rigidez das
proposições lógicas para uma perspectiva mais tolerante em relação aos usos da
linguagem. A gramática profunda é normativa, no sentido que traz aquilo que
admitimos como sendo padrões pelo quais nos devemos guiar quando temos a
intenção de dizer alguma coisa. Dizer que a gramática é arbitrária porque ela está
fora de discussão é algo que temos que admitir antes mesmo de discutir sua
arbitrariedade.
Na realidade, devemos nos deter no saber como uma vida comum é
possível. Aprender uma linguagem não é apenas saber formar sentenças
52
gramaticais, mas também apresentar o uso dessas sentenças num contexto
necessário exigido por determinada expressão. Falar é uma maneira de agir no
contexto de uma específica forma de vida comum a uma coletividade. Isso supõe
que seguimos as mesmas regras, cuja justificação é o seguimento de regras
comuns por nós reconhecidas como tais.
Porém, o conceito de ‘seguir uma regra’ como o encontramos nas
Investigações, ainda era um procedimento estranho para o filósofo, ainda em
1930, quando ele recorreu abundantemente à idéia de regra a fim de tentar
esclarecer o estatuto dessas curiosas proposições que parecem exprimir fatos
necessários. Para elucidar o que esem jogo, Wittgenstein procurou mostrar
que essas proposições não são verdadeiras proposições no sentido ordinário em
que dizemos ‘chove em Curitiba’ é uma proposição; são regras de nossa gramática
que determinam o significado dos termos que as compõem.
A comparação das regras gramaticais com as regras de um jogo ou
regras de um cálculo, freqüentemente realizadas por Wittgenstein no
início dos anos 30, destina-se a fazer compreender duas coisas: de um
lado, que as regras são arbitrárias, de outro, que isso de modo algum
impede que nos ponhamos todos de acordo para aplicá-las da mesma
maneira. Ou seja, não é porque as regas de um jogo são postuladas sem
uma razão determinante que o jogo que elas definem o pode ser
jogado de forma satisfatória, isto é, que a cada lance do jogo se saiba o
que é permitido e o que é “proibido” (SCHMITZ, 2004, p.164)
Essa ação de colocar nossas expressões em diversas perspectivas de
entendimento demonstra que, quando aplicamos uma regra, estamos conscientes
de que aquela é a única maneira possível para que cheguemos a um acordo acerca
daquilo que se pretende significar na fala. A partir do momento em que eu
expresso uma idéia, automaticamente escolho uma regra e é a gramática de nossas
formas de vida que dará o entendimento daquilo que foi dito, quer se trate de uma
piada, quer de uma expressão ambígua, etc. É a correta adequação da regra que
trará êxito para a situação. Mais do que se perguntar sobre a essência daquilo que
foi dito, devemos dirigir nosso olhar para o modo como foi usado. Antes de saber
53
sobre a “essência” da torre num jogo de xadrez nos perguntamos quais seus
movimentos possíveis para que a jogada seja bem sucedida.
As regras que dizem que tal e tal combinação de palavras não fornecem
nenhum sentido são comparáveis à estipulação do xadrez, que não
permite que duas peças fiquem no mesmo quadrado, por exemplo, ou
que uma peça fique na linha entre dois quadrados? Essas proposições,
por sua vez, são como certas ações; como, por exemplo, cortar um
tabuleiro de xadrez de uma folha maior de papel quadriculado. Elas
traçam uma fronteira.
Então o que significa dizer “esta combinação de palavras não tem
nenhum sentido?” Podemos dizer de um nome (de uma sucessão de
sons): “Não dei a ninguém esse nome”; e o dar nomes é uma ação
definida (anexar um rótulo). Pense na representação da rota de um
explorador por uma linha traçada em cada um dos dois hemisférios
projetados na página: podemos dizer que um pedaço de linha saindo dos
círculos na página não faz nenhum sentido nessa projeção. Poderíamos
também expressar assim: nenhuma estipulação foi feita a respeito disso.
(WITTGENSTEIN, 2003, p.92)
A dificuldade que surge imediatamente é a necessidade de Wittgenstein
ater-se àquilo que é exposto diante de nossos olhos e que não vemos e não incorrer
na pretensão dos filósofos que buscam aquilo tem por trás do que conseguimos
ver, ou uma essência. Wittgenstein, ao comparar as regras da gramática às regras
de um jogo, tem certamente uma atitude pedagógica nos conduzindo a entender
que podemos, na ausência de explicação sobre o porquê da existência de
determinada regra, continuar jogando. No entanto, segundo Schmitz (2003), o
preço a se pagar parece alto, visto que “alguma coisa” não explicada nas regras
que nos guiam, ou então talvez uma regra esteja colocada de antemão, de uma
maneira obscura. Haveria então alguma coisa oculta?
Wittgenstein rapidamente tomou consciência de que havia algo
inadmissível: assim como não podemos nos apoiar em uma “essência”
qualquer das coisas para justificar tal ou tal regra “gramatical”, não
podemos tampouco supor que haja qualquer coisa na regra que seja
capaz de justificar a necessidade que pensamos sentir de segui-la de tal
maneira de preferência a tal outra. (SCHMITZ, 2003, p.165)
54
Na segunda metade da década de 30, Wittgenstein se interessou em
responder que não podemos justificar porque em determinadas circunstâncias
seguimos uma regra ou então que determinado contexto está de acordo com a
regra que escolhemos seguir. A justificação é bastante difícil, e o fato de
entrarmos em acordo acerca de boa parte delas não está diretamente ligado ao fato
de que esse nosso acordo passa por certa ‘concepção’ do que devemos fazer.
Ninguém negará que estudar a natureza das regras dos jogos deve ser
útil para o estudo das regras gramaticais, que está fora de dúvida que
existe alguma similaridade entre elas. O certo é deixar essa sensação
de que um parentesco levar-nos a olhar para as regras do jogo sem
nenhum julgamento preconcebido ou preconceito a respeito da analogia
entre os jogos e a gramática. E, no caso, novamente, devíamos
simplesmente relatar o que vemos e não ter medo de solapar uma
intuição significativa e correta, ou, por outro lado, de desperdiçar nosso
tempo com supérfluo. (WITTGENSTEIN, 2003, p.141)
Entendemos então que aquilo que Wittgenstein chama de “regra” se refere a
uma prática em meio a outras tantas de nosso cotidiano. Por ser uma atividade, um
fazer, foge ao campo do pensável. Sabemos aplicar regras, colocamo-nos em
acordo acerca delas, entendemos qual é a correta aplicação de certas palavras ou
gestos e tudo isso não precisa de uma justificativa, é necessário dominar seu uso.
E este é o ponto em que Wittgenstein aponta para uma terapia conceitual, ou seja,
fazer com que o interlocutor entenda que para um determinado contexto podemos
usar uma palavra que até então ele não conhecia naquele sentido. Cabe a nós a boa
vontade de reconhecer os sentidos de determinadas expressões como legítimas
para determinada forma de vida, sem que necessariamente tenhamos de voltar para
busca da justificação da legitimidade de uma determinada expressão. Diz
MORENO (2005, p.253)
Entretanto, diferentemente da tradição retórica, os resultados [da
terapia] visados são curativos e não são dogmáticos, ou melhor, não
pretendem mudar o pensamento do interlocutor pela substituição de
teses, mas pela mera dissolução de confusões, sem qualquer
contrapartida positiva por apresentação de novas soluções. O
interlocutor é convidado a mudar seu ponto de vista habitual e
reconhecer que é possível e, sobretudo, legítimo assumir outros pontos
55
de vista sobre a significação; essa é a persuasão que espera obter
Wittgenstein com sua terapia: a disponibilidade da vontade do
interlocutor para pensar e reconhecer a legitimidade de sentidos
desconhecidos e mesmo julgados ilógicos ou absurdos relativamente a
determinado ponto de vista.
A análise acerca da gramática e da regra foi a preocupação principal de
Wittgenstein durante todo o período intermediário de sua obra, ou seja, entre a sua
volta à filosofia ao final da década de 20 depois da publicação do Tractatus até a
década de 40.
A insistência de Wittgenstein nessa questão [ás relações entre gramática
e seguir uma regra] marca a passagem de sua “fase de transição” para
sua filosofia madura. As elaborações ulteriores de seu método - por
exemplo, o uso de ‘jogos de linguagem’ são de importância menos
decisiva, pois a natureza heurística: refletem as diferentes maneiras
pelas quais Wittgenstein tentou fazer as pessoas enxergarem
determinadas correlações e distinções, isto é, a própria saída para os
dilemas filosóficos. O momento verdadeiramente decisivo, porém, foi
aquele em que ele começou a assumir a idéia do Tractatus segundo a
qual o filósofo não tem nada a dizer¸ mas apenas mostrar, aplicando-a
com o mais absoluto rigor e abandonando por completo a tentativa de
dizer algo com “pseudoproposições”. (MONK, 1995, p.275)
É nesse tempo que Wittgenstein começa a construir as bases para a sua
filosofia posterior, marcando um tímido, porém vigoroso, começo nesta etapa que
resultará nos escritos das Investigações Filosóficas. A linguagem está perto de
perder o seu estatuto de proposições, verdadeiras ou falsas, para se tornar o centro
de um ‘jogo gramatical’, de uma suposição relativa à verificabilidade de um
enunciado mesmo antes de qualquer confrontação com a realidade.
Esta relativa autonomia do critério em relação à verificação mas não em
relação à própria experiência vai junto com o procedimento de construção da
nova sistematização. Compreende-se que, com a relativização do critério em
relação a verificação do ponto de vista da sua possibilidade lógica, a relação entre
gramática e verificação afrouxa-se, e aquela que era tida como a única experiência
56
possível não exerce mais sobre a descrição atual, um constrangimento de
adequação futura ao real.
57
3 O MODELO REVISTO: WITTGENSTEIN NAS INVESTIGAÇÕES
FILOSÓFICAS
No primeiro catulo vimos como a linguagem teria uma correspondência
direta com o mundo: ao falar, faríamos uma afiguração dos fatos. Conhecer
uma palavra seria o mesmo que conhecer todos os seus possíveis usos e
significados, o deixando espaços para dúvidas. Teríamos assim uma
linguagem ‘ideale cristalina, onde o valor de verdade se daria pela simples
coneo da proposição com a realidade. Esta foi a proposta do Tractatus. Num
segundo momento procuramos entender quais foram os limites encontrados por
Wittgenstein em seu primeiro escrito forçando-o a uma reformulação do seu
modelo de alise da linguagem. Neste terceiro catulo temos como objetivo
apresentar o modelo de análise da linguagem que Wittgenstein desenvolve nas
Investigações Filoficas.
A partir das Investigões Filosóficas
9
, o fisofo reestrutura as
condões para estabelecer o valor de verdade. no prefácio, afirma
Wittgenstein, ter-lhe parecido necesrio incluir no mesmo volume, o Tractatus
e as Investigões, diz ele:
De bito, pareceu-me então que devia publicar conjuntamente a
minha velha com a minha nova maneira de pensar: que esta só podia
ser verdadeiramente iluminada pelo contraste e contra o campo de
fundo daquela. (PI, p.166)
Como faz notar Pears (1973, p.95), o é que Wittgenstein desejasse
enfatizar o fato de que suas novas concepções eram de caráter
surpreendentemente diversa das anteriores. Se assim fosse, poderia ele ter
9
A notação PI refere-se ao livro Investigações Filosóficas, de Ludwig Wittgenstein. A seqüência
de parágrafos se refere à seguinte edição: WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987. Desta forma, a anotação PI se refere à primeira parte do
livro e PI II se refere à segunda. Em PI II, o número que se segue em romano é o da seção e, em
seguida, o número do parágrafo (ex.: PI II, xi, §2).
58
ignorado o passado e começado sua obra a partir das Investigações. Seu intuito
era, no entanto, ressaltar que, independentemente das diferenças entre o
Tractatus e as Investigações, ele continuava tentando uma mesma espécie de
empreendimento. A alteração do todo não constitui um brusco rompimento
com o passado, mas o resultado gradual de uma transformação pessoal e de
suas idéias, preservando o que havia de bom e alterando o necesrio de acordo
com sua nova visão.
Assim, com o advento das Investigões Filosóficas, ao ins do valor de
verdade estar contido em uma simples verificação da proposão em relação à
realidade agora, desloca-se para o uso, para o contexto. Percebemos, nas
Investigações, que a linguagem deixa de conter uma busca pelo significado
‘ideal de cada palavra em correspondência com o mundo e passa a tarefa de
estabelecer o valor de verdade na vinculação com o seu uso. Já o são mais os
lculos que nos proporcionarão o valor de verdade, mas antes o êxito na
prática dos jogos de linguagem. Nesse sentido, o que Wittgenstein deixa
transparecer no decurso das Investigações é uma implacável crítica de si
mesmo e de suas conclusões no Tractatus. Submete o filósofo todo seu
pensamento a um exame rigoroso, uma vez que o conjunto tractariano es
preso na tradão filosófica, como diz OLIVEIRA, 1996, p.119:
Desde Crátilo de Platão, a linguagem é considerada como
instrumento secunrio do conhecimento humano. O mundo
conhecido reflete-se valendo-se das frases da linguagem. , pois,
uma relão entre linguagem e mundo, realizada por meio do cater
designativo da linguagem: as palavras são significativas na medida
mesma em que designam objetos. Para saber qual é a significação de
uma palavra qualquer, temos de saber o que é por ela designado.
A tradão filosófica carrega a marca de ter tratado a linguagem como
uma simples relação de nomear objetos, de designar coisas. Wittgenstein não
ignora completamente essa função da linguagem, pelo contrário, ele a assinala
como linguagem primitiva. Vejamos:
59
O conceito filosófico da denotão es alojado numa concepção
primitiva do modo e da maneira como a linguagem funciona. Mas
também se pode dizer que esta é a conceão de uma linguagem mais
primitiva que a nossa. (PI, §2)
E continua, mostrando que essa ‘linguagem primitiva descreve uma
forma de comunicação, mas ela não conta de todas as nuances e de toda a
complexidade de nossa linguagem.
Santo Agostinho
10
descreve, poderíamos dizer, um sistema de
comunicão; só que nem tudo aquilo que chamamos de linguagem é
este sistema. E isto é o que se tem que dizer em todos aqueles casos
em que se põe a queso Pode-se usar esta descrição ou não? A
resposta então é: Sim, pode usar-se, mas apenas para este donio
estritamente circunscrito [linguagem primitiva], não para a totalidade
que tinhas a preteno de descrever. (PI, §3)
Em suma, a tradão do pensamento sempre propôs uma isomorfia entre
a realidade e a linguagem, pois, para a tradição, cada objeto tinha uma essência
independente da linguagem, já havia um mundo dado, pronto, a única função da
linguagem seria então, nomear/designar o mundo. Foi sobre os aspectos dessa
concepção tradicional de entendimento da linguagem que Wittgenstein ousou
reformulão. Sob o signo de tal mudança, encontramos no Tractatus, a
convicção de que a linguagem não representa objetos, mas fatos. Nesta obra, a
linguagem não teria a fuão de exprimir somente objetos singulares, mas
relacionais. Como diz Wittgenstein, “o mundo é a totalidade dos fatos, não das
coisas (TLP, 1.1). Enquanto a tradição acreditava que a linguagem exprimia
10
Livro Confissão, de Santo Agostinho que abre as Investigações.
“Quando eles (os meus pais) diziam o nome de um objeto e, em seguida, se moviam na sua
direção, eu observava-os e compreendia que o objeto era designado pelo som que eles faziam,
quando o queriam mostrar ostensivamente. A sua intenção era revelada pelos movimentos do
corpo, como se estes fossem a linguagem natural de todos os povos: a expressão facial, o olhar,
os movimentos das outras partes do corpo e o tom de voz, que exprime o estado de espírito ao
desejar, ter, rejeita ou evitar uma coisa qualquer. Assim, ao ouvir a palavra repetidamente
empregues nos sues devidos lugares em diversas frases, acabei por compreender que objetos é
que estas palavras designavam. E depois de ter a minha boca a articular estes sons, usava-os para
exprimir os meus próprios desejos.”
60
objetos singulares, na reformulação wittgensteiniana do Tractatus, a linguagem
exprime fatos relacionais:
A Teoria do Tractatus significa assim, uma reformulação da teoria
tradicional da semelhaa entre linguagem e mundo. que a
linguagem o passa de um reflexo, de uma cópia do mundo, o
decisivo é a estrutura ontogica do mundo que a linguagem deve
anunciar. A essência da linguagem depende, assim, em última
alise, da estrutura ontogica do real. Existe um mundo em si que
nos é dado independentemente da linguagem, mas que a linguagem
tem a fuão de exprimir. (OLIVEIRA, 1996, p.121)
Na radicalização nascida da conceão tradicional de linguagem
Tractatus a teoria tradicional da linguagem, buscando o ideal da linguagem
‘perfeita’, capaz de reproduzir a estrutura do mundo, Wittgenstein percebe que
a linguagem do nosso cotidiano o é tão perfeita assim, muito pelo contrário,
ela se manifesta repleta de imprecies. Para a existência de uma linguagem
ideal, ela teria que ser construída a partir de um modelo de cálculo lógico,
atingindo a precisão absoluta da denotação das palavras, teria que ser uma
linguagem artificial uma vez que em nossas relações sociais tal precisão
absoluta é impossível.
O que Wittgenstein recupera nas Investigões é o comportamento
linístico humano advindo de um processo de interão social, que leva não só
a relação conhecimento e ação, mas também a linguagem e ação, incluindo aqui
a considerão explícita ao papel da comunidade na constituição do
conhecimento e da linguagem, que havia sido banida duramente na elaborão
do Tractatus.
O importante agora é ver nossa linguagem para descobrir como
ela, de fato, é usada, e o especular a priori. O ponto de partida, o
ponto de refencia, o cerne da refleo lingüística de Wittgenstein
deixe de ser a linguagem ideal para se tornar a situão na qual o
homem usa sua linguagem; então, o único meio de saber o que é
linguagem é olhar seus diferentes usos. (OLIVEIRA, 1996, p.132)
61
Desta forma, o que realmente importa, não é mais perguntar pelo o que o
falante tem-em-mente
11
, até porque, se cada falante colocasse um significado
exclusivo para cada frase, cada falante poderia significar o que quisesse, no
entanto não é isso que acontece. Como diz Wittgenstein:
Então o que é que significa descobrir que uma asserção não tem
sentido? E o que é que significa: ‘Se eu com a asseão intenciono
qualquer coisa, então tem necessariamente sentido?’ Se eu com a
asseão intenciono qualquer coisa? Se eu intenciono o quê? Gostar-
se-ia de dizer que a frase com sentido é o só aquela que se pode
dizer, mas também aquela que se pode pensar. (PI, §511)
Logo, o é posvel uma pessoa usar a expressão ‘Abracadabra para
designar dor de dentes’. Até poderia ser, se esse fosse o uso comum da
expressão ‘Abracadabra em uma dada forma de vida, mas o o é e, mesmo
que eu quisesse que fosse, ela teria que ser um jogo de linguagem aceito na
formas de vida da qual eu participo. O fato de entendermos uma frase não tem
relação com o que eu de fato queria significar com ela e sim com os possíveis
usos dela em determinadas formas de vida. O sujeito não é uma nada
isolada, à qual ninguém tem acesso. Muito pelo contrio, pensar dessa forma
seria ignorar qualquer possibilidade de comunicação humana, pois o princípio
sico da comunicação é que alguém fale e o outro entenda. Como seria
possível tal comunicão se cada indivíduo tivesse significações pessoais?
Enquanto no Tractatus já existia um mundo pronto e dado do qual o
sujeito simplesmente intuía, para o filósofo, nas Investigões, essa idéia não
faz sentido. O que de fato importa é o que eu quis significar com a frase e o
significado que ela tem em meio a uma determinada comunidade cultural. Se eu
sei um determinado significado é porque ele me foi ensinado em uma
11
Nas Investigações Filosóficas, a discussão acerca da compreensão lingüística leva a um exame
dos conceitos mentais em geral. Perpassa a corrente dominante da filosofia moderna a idéia de
que, enquanto podemos estar certos quanto ao nosso mundo interior de experiências subjetivas
podemos no máximo inferir como estão as coisas fora desse mundo interno. A experiência
subjetiva era concebida não apenas como o fundamento do conhecimento empírico, mas também
como o fundamento da linguagem: o significado das palavras parece ser fixado pela nomeação
de impressões subjetivas (exemplo: dor significa isto). (GLOCK, 1997, p.35)
62
determinada época e em um determinado jogo de linguagem. O que decide
realmente sobre o sentido de uma palavra é o seu uso real. “Não há atos
autônomos, isto é, totalmente desvinculados dos contextos de sentido”
(Oliveira, 1996, p.135). “Compreender é adestrar-se a determinada pxis, é
inserir-se em determinada forma de vida” (OLIVEIRA, 1996, p.136).
Desta forma, entender a foa da argumentação de Wittgenstein só é
possível a partir do novo contexto de entendimento da linguagem. É só com o
advento da noção jogos de linguagem e o que constitui o cerne dessa nova
perspectiva, é possível entender a mudança de um entendimento da linguagem
como cálculo para aquele da linguagem como jogo.
Na ctica à concepção tradicional da linguagem, surge a alternativa que
o filósofo nos oferece para o papel da linguagem. Não mais procurar uma
resposta essencialista, o devemos mais nos perguntar sobre a essência, pelo
ser das coisas, nem tampouco recorrer à metafísica, o que Wittgenstein nos
sugere é simplesmente olhar como a linguagem funciona no nosso cotidiano,
como s a usamos efetivamente. Perceber que a linguagem é como qualquer
outra atividade humana como andar, passear, comer, etc. Não há outra coisa
senão o entrelamento de linguagem e ação e esta ocorre nos mais diferentes
lugares e nas mais diversas situações. Então, perguntar pela precisão do
significado que o cálculo traz já não faz mais sentido, o que nos interessa agora
é perguntar sobre o contexto e sobre o jogo que es sendo usado. O que
importa é perguntar como os homens interagem em uma determinada forma de
vida e de que maneira esses jogos pragticos acontecem.
Atingimos o cerne da queso cuja resposta resulta na nova forma de
Wittgenstein encarar a linguagem. Com as Investigões, o problema da
significação o pode se resolvido sem se levar em considerão os diversos
contextos em que determinada palavra é usada. Assim, o conceito jogos de
linguagem nos mostra que nos diferentes contextos diferentes regras a
seguir, seguindo d a possibilidade de se poder determinar o sentido da frase.
Seguindo essa iia, a Semântica só atinge sua finalidade chegando à
63
pragmática, pois sua significação pode ser entendida após a explicitação dos
contextos pragmáticos.
O que Wittgenstein nos impele a fazer é perguntar pelo contexto, pois, se
algm joga, necessariamente conhece as regras. É uma capacidade adquirida
por meios do uso, diz OLIVEIRA:
Ora, tal capacitão é algo historicamente adquirido. Apesar de a
linguagem pertencer, naturalmente, à vida do homem, o poder de
usá-la é uma capacidade adquirida por meio de um adestramento, ou
seja, de um verdadeiro aprendizado das normas e dos pais
implicados nesse ato. Isso tudo manifesta, de um lado, como de fato
o Wittgenstein da segunda fase não separa a linguagem da práxis
social. (OLIVEIRA, 1996, p.143)
Porém, mesmo que as regras sejam adquiridas por meio do uso,o
significa dizer que elas funcionem de modo mecânico. Elas exigem um
procedimento de uso. Não se pode usar a palavra ‘Abracadabra’ para designar
‘dor de dentes, ou seja, antes de usar uma regra necessidade de se pensar
nela para que o jogo tenha êxito. Diz Wittgenstein:
‘Então o que quer que eu faça é conciliável com uma regra?’
Deixe-me fazer a pergunta desta maneira: o que é que a expressão de
uma regra digamos uma seta indicar um caminho tem que ver
com as minhas ações? Que escie de conexão existe entre elas?
Bem, de certo modo a seguinte: fui adestrado a reagir a este sinal de
uma determinada maneira, e é assim que reajo agora.
Mas com isso apenas especificaste uma conexão causal, apenas
explicaste como sucedeu ques agora nos orientemos por meio
deste sinal; não explicaste em que é que consiste este realmente
seguir o sinal. o, eu sugeri ainda que uma pessoa só se orienta por
um sinal na medida em que existir um uso contínuo, um costume de
se orientar por ele. (PI, §198)
Portanto, o seguimento de uma regra é um ato social que ocorre numa
determinada forma de vida por meio de hábitos e costumes. Seguir uma regra,
fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar uma partida de xadrez, são
costumes (usos, instituões) (PI, §199). A inovação de Wittgenstein foi
justamente colocar como centro de nossa linguagem a foa do uso, conduzindo
64
os nossos discursos para o patamar do cotidiano, abandonando a busca pela
linguagem ‘ideal’.
No Tractatus, os problemas filosóficos eram tidos como resultado do
mau uso da linguagem, o que corresponde a se ter mais de um significado para
uma palavra ou de o se saber delimitar exatamente os termos da proposão
ou ainda de tentar se falar sobre aquilo que na realidade deveria ser calado. Nas
Investigações, continua sendo o mau uso da linguagem o problema a ser
resolvido, pois o que não deve ser dito, continua sendo seu eixo principal, ou
seja, os filósofos continuam perguntando sobre aquilo que se deveria calar, mas
o só porque nossa linguagem é incapaz de exprimir, mas também porque
achamos que não entendemos aquilo que se apresenta diante de s. Sigamos
este exemplo:
St. Agostinho (Confissões, XI/14) diz: <equid est ergo tempus? Si
nemo ex me quaerat scio; si quaerenti explicare velim, néscios>
12
.
Isto não se poderia dizer de um problema cienfico (como o de
determinar o peso espefico de um hidronio). Aquilo que sabemos
se ningm nos perguntar, e que já o sabemos se tivermos que
explicá-lo, é algo que temos que trazer à consciência. (E obviamente
é algo que, por um motivo qualquer, dificilmente trazemos à
conscncia.) (PI, I, §89)
Não há nada a se falar acerca do tempo, sabemos o que é pelo simples
fato de que ele se manifesta à nossa frente e que o podemos ignorar. Não
porque criar novos problemas nos perguntando por que?’. Eno, qual a rao
para a permancia dos problemas filosóficos uma vez que nas Investigações, o
significado é dado no uso, e o mais em uma correspondência direta com o
mundo?
Con nos alerta (1998, p.114) que os problemas filosóficos são mal-
entendidos gramaticais. Eles surgem quando confundimos a gratica
superficial e a gratica profunda de uma expressão. Usamos expressões que
12
O que é por conseguinte, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quiser explicar a quem
me fizer a pergunta, já não sei.
65
aparentemente possuem um significado claro e distinto, pom, elas eso sendo
usadas de forma incorreta, ou seja, deixamo-nos iludir pela semelhaa
superficial na gratica de expressões que, na realidade, são distintas.
Os problemas, que surgem de uma interpretação das nossas
formas lingüísticas, m o caráter da profundidade. São perturbações
profundas, cujas rzes são tão profundas em s como as formas da
nossa linguagem, e o seu significado é tão grande como a
imporncia da nossa linguagem. Façamos a pergunta: por que é
que temos a sensação de que uma piada é uma gratica profunda?
(E é esta, de facto, a profundidade filosófica). (PI, I §111)
Para entendermos exatamente o que Wittgenstein quer expressar quando
diz que os problemas filosóficos o decorrentes do mau entendimento da
gratica profunda e superficial, abriremos espaço para discuso desses dois
conceitos.
3.1 Gramática superficial e gramática profunda
Nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein usa o termo gramática para
referir-se às regras do emprego de qualquer palavra, àquilo que s entendemos
usualmente como gramática:
Inventar uma linguagem podia significar inventar, a partir das leis da
natureza (ou de acordo com elas), um instrumento para um
determinado fim; mas pode também ter um outro sentido, análogo
àquele em que falamos da invenção de um jogo.
Digo alguma coisa acerca da gratica da palavra <linguagem> ao
-la em conexão com a gratica da palavra <inventar>. (PI I,
§492)
Porém, o termo gramática, também é usado como sinimo de gica
(HALLET, G. A companion do Wittgenstein’s “Philosophical
Investigations, p.169 APUD SPANIOL, 1989, p.88), o que decorre eno de
que os problemas filosóficos, ainda que sejam mal entendidos quanto ao
66
significado e às possibilidades de uso de determinada palavra,o também
resultado da compreeno da lógica da linguagem.
Devemos ressaltar, pom, que a ‘lógica’ apresentada por Wittgenstein
nas Investigões o é mais o mesmo entendimento extraído do Tractatus.
Neste, o autor, entendia que a lógica como sendo a própria à estrutura da
linguagem, ‘algoque estava para am da experncia sensível, uma estrutura
subjacente à linguagem e que nos permitia falar com exatidão, desde que
respeitado o significado de cada palavra. Agora, para o fisofo, gicaes à
vista,
A Filosofia, de facto, apenas apresenta as coisas e nada esclarece
nem nada deduz. E uma vez que tudo está à vista, também nada
a esclarecer. Porque aquilo que está talvez oculto, ao nos interessa.
Poder-se-ia também chamar Filosofia a tudo o que é possível antes
de todas as novas descobertas e invenções. (PI I, §126)
Essa gratica que es ‘à vista pode ser percebida na ppria
linguagem cotidiana e no emprego das palavras. Desta forma, os problemas
filosóficos o resultado do mau entendimento quanto ao uso de determinada
palavra e, por conseência, resultado da compreeno da lógica da nossa
linguagem, pois se essa gica se apresenta na linguagem cotidiana e no
emprego de nossas palavras, ao não se saber jogar com uma palavra, o se
sabe também a estrutura gica necessária para aquele jogo.
Aqui a maior dificuldade é o representar a coisa como se houvesse
algo que se o fosse capaz de realizar. Como se houvesse de facto
um objecto, do qual extraio a descrição, mas que eu não tivesse em
condões de o mostrar a uma outra pessoa. E o melhor que posso
propor é, de facto, deixarmo-nos cair na tentão de usar esta
imagem; mas a seguir investigar que aspecto toma sua aplicação. (PI
I, §374)
Não , agora, possibilidade de eu conhecer uma palavra sem saber de
que forma devo usá-la, pom, se desconheço uma palavra é possível entendê-la
67
a partir de uma descrição e imediatamente entender de que forma posso aplicá-
la nos demais contextos do cotidiano. Não é aqui a busca pela essência da
palavra, mas de saber como usá-la. A essência se manifesta na Gramática (PI
I, §371).
Assim, Wittgenstein nos apresenta duas concepções de gramática, a
saber: a gramática superficial e a gramática profunda. Vejamos:
No uso de uma palavra podia distinguir-se uma <gratica de
supercie> de uma <gratica profunda>. Aquilo que no uso de uma
palavra é imediatamente registrado por s é o seu modo de
aplicação na construção da frase, por assim dizer a parte do seu uso
que se pode captar com o ouvido. E agora compara a gratica
profunda da palavra <intencionar> com aquilo que sua a sua
gratica de supercie nos deixaria conjecturar. o é de admirar
que se ache dicil saber-se onde se está. (PI I, §664)
A gratica superficial é aquela que captamos num primeiro momento, é
a própria estrutura da frase. É a primeira apreensão da estrutura da frase, a
gratica que aprendemos na escola. Pom, a gratica profunda não é o
perceptível assim, e ela permite que dissipemos o elevado número de mal-
entendidos conceituais. Por exemplo, se temos a palavra ter-em-mente,
procuramos interpretá-la como qualquer outro verbo, como: comer, beber, etc,
estamos inclinados a entender as palavras analogamente, no entanto, ações
como ter-em-mente, intenção, etc. não o alogas a comer, beber, etc.
Imagina que uma pessoa, com a expreso facial da dor, aponta para
a sua cara e diz: <Abracadabra!>. Nós fazemos-lhe a pergunta: <O
que é que queres dizer?> E a sua resposta é : <Quero dizer que tenho
dores de dentes>. O teu pensamento imediato é: como é que, com
aquela palavra, se pode <querer dizer dores de dentes>? Ou o que
significa, então, com aquela palavra, quer dizer dores de dentes? E,
no entanto, num outro contexto, teorias afirmado que a actividade
mental de querer dizer isto e aquilo é, justamente, o que é mais
importante no uso da linguagem.
Mas como é então? o posso dizer <Com a expreso
<abracadabra> quero eu dizer dores de dentes? Com certeza; mas isto
é uma definição, não é uma descrição do que se passa em mim ao
pronunc-la. (PI I, §665)
68
Podemos definir que Abracadabra significa a partir de então dores de
dente, porém, será apenas uma palavra (definão) substituindo uma descrão e
o a descrão em si. Ter dor de dente descreve o que se está sentindo,
enquanto abracadabra não satisfaz tal sensação. Assim, o que causa confusão é
acreditar que determinadas palavras o uma descrição de algo, quando não o
o. E é nesse sentido que a gratica profunda pode desvelar as confusões
causadas pela compreensão da gica da nossa linguagem. Se eu percebo
que determinada palavra não é uma descrição. Se digo Tenho dores isso não
significa que eu estou me referindo à existência de um objeto interior, ou que
eu estou descrevendo essa sensação como se fosse algo que eu ‘realmente’
tenho. Por exemplo: por análoga entendemos que ‘Tenho dores!’ é o mesmo
que Tenho este livro ao qual vo se refere!’, quando na verdade a analogia é
imposvel de ser feita, visto que ‘Ter dores não tem uma refencia sensível
no mundo, enquanto o livro é uma referência.
Semvida que eu não identifico a minha sensão por meio de
critérios, mas antes faço uso da mesma expreso. Mas com isso o
acaba o jogo de linguagem: com isso começa o jogo de linguagem.
Mas o começa com a sensação que eu descrevo? A palavra
<descrever> pode iludir-nos. Eu digo <eu descrevo o meu estado de
conscncia> e <Eu descrevo o meu quarto>. o podemos esquecer
a diversidade de jogos de linguagem. (PI I, §290)
‘Ter dores’ não se assemelha em nada em relação a ‘Ter um livro’. ‘Ter
dores” é o mesmo que um grito, ou melhor, é substituto. “Estás eno a dizer
que a palavra<dor> realmente significa gritas? Pelo contrio; a expressão
verbal da dor substitui o grito. (PI I, §245)
Outro ponto de falsa analogia acontece com os substantivos. Se
perguntamos: o que é uma sensação? O que é um significado?, ficamos
tentados a apontar para algo como se tivesse dito: O que é uma cadeira? O que
é isto? Como diz, SPANIOL,
69
Grande parte dos nossos substantivos designam objetos, como por
exemplo ‘mesa’, ‘cadeira’, ‘carro’, etc e também grande número de
verbos como ‘comer’, ‘caminhar’,falar’, etc. designam ações. E
porque estes casos o mais simples, e mais comuns do que os
primeiros, somos inclinados a interpretar todos os verbos da mesma
forma, isto é, como referência a atos, ou processos, e todos os
substantivos como designação de objetos. E esta tendência ainda é
reforçada por certas formas de expressão paralelas, como por
exemplo, ‘cada palavra tem um significado e ‘cada aluno tem um
livro’; ou ‘eno dizemos tenho em mente algo da mesma forma
como dizemosdigo algo’ (SPANIOL, 1989, p.99)
É a partir das analogias que usualmente fazemos que surgem os
problemas filosóficos. É pela semelhaa de palavras que percebemos na
gramática superficial que somos levados a confusões que só o entendimento da
gramática profunda poderá solucionar. Se digo “<Apetece-me uma maçã> não
significa que eu creio que uma maçã acalma a minha sensação de
insatisfação. Esta proposição não exterioriza o desejo, mas sim a insatisfação”
(PI I, §440). Esses conflitos de entendimento das palavras ocorrem devido à
diversidade de aparência de palavras e dos inúmeros jogos e funções que a
linguagem assume no cotidiano.
Assim, o filósofo deve tratar a busca para se desfazer essas confusões
como se fosse uma doença. E assim, da mesma forma que existem diferentes
terapias para diferentes doeas, da mesma maneira existem diferentes recursos
para cada resposta procurada.
o queremos refinar ou completar de maneira nunca vista o sistema
de regras para o uso das nossas palavras.
Mas a clareza a que aspiramos é, no entanto, uma clareza perfeita.
Mas isto apenas significa que os problemas filosóficos devem
perfeitamente desaparecer.
A descoberta auntica é a que me torna capaz de terminar o trabalho
filosófico quando eu quero, de pôr a Filosofia em paz consigo
própria, de modo a o ser fustigada por questões que a em a ela
própria em questão. Atras de exemplos, que constituem uma rie
que pode ser terminada mostrar-se a exisncia de um método. Os
problemas serão resolvidos (as dificuldades ultrapassadas), não um
problema.
70
o há um todo mais da Filosofia de facto, todos, tal como
diversas terapias. (PI, I §133)
A tradução lógica de certas expressões pode até se tornar útil em alguns
aspectos, no entanto, ela não é o único, como preconizou Wittgenstein no
Tractatus, e nem o melhor método. Ele é apenas mais um método que pode ser útil
em diversas situações e só.
Assim, “esses problemas serão resolvidos não pela adição de novas
experiências, mas pela compilação do que é muito conhecido. A filosofia é um
combate contra o embruxamento do intelecto pelos meios da nossa linguagem”
(PI, I §109) e, nesse sentido, seguir a proposta wittgensteiniana nas Investigações,
que busca libertar a mosca da sua garrafa é um processo que nos remete a 1929,
momento em que Wittgenstein retorna à filosofia.
3.2 A construção do novo modelo de linguagem
Em 1929, “Wittgenstein recebeu o tulo de doutor por sua ‘tese’”
(MONK, 1995, p.249) o Tractatus foi aceito como sua tese de doutorado, tendo
como examinadores Moore e Russell. Apesar de já publicado e famoso, foi por
interesse dos professores de Cambridge que Wittgenstein se tornasse doutor,
pois depois de ter abandonado a herança de sua família, se Wittgenstein tivesse
que parar de escrever para se ocupar de outro trabalho que lhe rendesse mais
dinheiro, quem sairia perdendo seria a própria filosofia. Por isso, o título de
doutor lhe daria dinheiro suficiente para levar uma vida estável e se dedicar
inteiramente ao seu trabalho.
Ainda em 1929, o conhecido Círculo de Viena estava no auge de suas
produções. Acabavam de lançar um manifesto intitulado A conceão
científica do mundo: o Círculo de Viena’ e, junto com a publicão do
manifesto anunciaram também o futuro lançamento de um livro de Waismann
71
(escritor do manifesto), chamado Lógica, linguagem e filosofia
13
que, escrito
com a colaboração de Wittgenstein, seria uma espécie de introdução ao
Tractatus. Como diz MONK (1995, p.260):
Com relutância Wittgenstein aceitou em colaborar no livro que
Waismann anunciara, mesmo percebendo que suas iias estavam se
distanciando daquelas do livro anterior. Ele percebia os errosque
cometera no passado e estava procurando um novo método, uma
nova rmula para trabalhar suas idéias, tanto que pouco tempo
depois cancelou sua ajuda em Lógica, linguagem e filosofia..
Ainda em 1929, am de proferir um curso sobre ética intitulado
“Filosofia”, Wittgenstein trabalhava em suas novas iias e, ao final do
primeiro trimestre, sua bolsa havia vencido sem perspectiva de renovação.
Moore imediatamente pediu para que Russell mandasse uma carta para o
conselho do Trinity College para que Wittgenstein o perdesse a bolsa. No
final da semana seguinte, Wittgenstein visitou Russell e levou algumas
ginas
14
datilografadas acerca do trabalho que estava realizando. Mesmo sem
tempo para -los com ateão, Russell fez a carta e Wittgenstein conseguiu a
renovação da bolsa.
As notas de transição encontradas nas ginas entregues a Russell foram
denominadas Observações Filoficas Mostram de como a filosofia de
Wittgenstein estava amadurecendo. Segundo MONK, 1995, p. 268:
[Observações Filosóficas] costuma ser referido como uma obra de
“transição” isto é, de transição entre o Tractatus e as Investigações
Filosóficas. É talvez a única que pode ser assim chamada sem erro, pois
de fato representa uma fase bastante transitória de desenvolvimento
filosófico de Wittgenstein.
Wittgenstein já o insistia mais na procura por uma explicão
fundamental como a procura pelo “simplesdo Tractatus que lhe causara tanta
13
O livro citado foi publicado em 1965, em inglês com nome de The principles of linguistic
philosophy. Ambos os autores já haviam falecido nesta data.
14
Essas páginas foram publicadas postumamente com o nome de Observações Filosóficas.
72
dor de caba, ou um ponto fixo como o cogito cartesiano. O que ele pretendia
mostrar era que devemos ver as regras nas relações entre execução e partitura,
ou seja, tanto execução quanto partituras o essenciais enquanto conjunto, mas
o o normas. Se eu entender que uma é intrinsecamente ligada à outra, então
eu entendi a regra e nenhuma explicação é necessária, se não entendi, o há
explicão possível que me faça compreender.
As contradões de Russell e Frege que o fizeram se dedicar à Filosofia
já não faziam mais sentido. Wittgenstein já havia criado a noção de jogos de
linguagem, quer dizer, a linguagem não tinha mais àquela inflexibilidade do
Tractatus. Depois da criação dos jogos de linguagem, foi possível no exercio
de entendimento da linguagem, que duas regras se contradigam desde que o
jogo permita, desde que quem jogue possa jogar. Quem é capaz de jogar é
capaz de compreender (MONK, 1995, p. 280). Neste mesmo período, 1931,
Wittgenstein trabalhava em outras anotações que mais tarde tornaram-se parte
do livro Gramática Filosófica, obra que, assim como as outras, exceto
Tractatus, nunca foram consideradas acabadas por Wittgenstein.
“Foi precisamente no curso intitulado ‘Filosofia’, que ele introduziu uma
cnica que se tornaria cada vez mais central em seu método filosófico: a
invenção do que chamou de jogos de linguagem” (MONK, 1995, p.298).
Naquele curso Wittgenstein trouxe ao público pela primeira vez a sua nova
cnica dos jogos de linguagem. Wittgenstein:
[…] pediu aos presentes na sala que considerassem o jogo de
linguagem de ensinar uma linguagem a uma criança apontando para
coisas e pronunciando as palavras correspondentes. Perguntou então
em que momento deste jogo teria icio e uso de proposições. Se
dissermos a uma criaa: Livro, e ela nos trouxer um livro, terá
aprendido uma proposição? (MONK, 1995, p. 299)
Com esse exemplo Wittgenstein trouxe a público a não de jogos. o
importa como se responde a uma pergunta, o que importa é se a mesma fez
sentido para os jogadores. Nossos conceitos não o o gidos quanto pensou
73
Wittgenstein no Tractatus, na verdade, eles o fldos”, e apenas linguagem
ordinária com seus jogadores e regras. Na ocasião seus cursos faziam sucesso
que era comum trinta ou quarenta alunos em sala, um mero excessivo para o
nero de palestra informal que ele pretendia dar (MONK, 1995, p.304). Não
podendo dar aula para um número o grande de pessoas, Wittgenstein:
... surpreendeu os presentes dizendo que não poderia mais continuar
dando aulas daquela maneira e propondo, em vez disso, ditar aulas
para um pequeno grupo de alunos que as copiariam e distribuiriam
para os demais. (MONK, 1995, p.304)
Escolheu seis alunos que anotariam suas aulas e passariam para os demais.
Um desses cadernos de apontamentos foi encadernado em capa azul e ficou
conhecido como O livro azul. Esses apontamentos fizeram um enorme sucesso e
foi a primeira publicação que funcionaria como protótipo de suas idéias
subseqüentes, sendo seguido do Livro Marrom (produzido como uma espécie de
reformulação do Livro azul)) e as Investigações Filosóficas.
Assim, ao serem publicadas postumamente em 1953, as Investigações, são
apresentadas em duas partes e tendo sido redigidas entre 1941 1945 a primeira
parte e entre 1947-1949 a segunda parte. Esta nova perspectiva abandona uma
posição predominantemente sintática e semântica para introduzir uma dimensão
pragmática. Para entendermos o que é esta instância pragmática da linguagem ao
qual Wittgenstein se debruçará para explicar, precisamos entender qual é a sua
base, onde Wittgenstein fincou suas estacas para levantar esse novo projeto. Essa
base parece comportar três conceitos distintos que não podem ser entendidos de
forma separada, quais sejam: Jogos de linguagem, formas de vida e seguimento
uma regra.
Como diz Wittgenstein O que é que designam as palavras desta
linguagem? Como é que se há-de mostrar o que designam, a não ser pelo modo
como o usadas? (PI, §10). Desfaz-se aqui a tentativa de o filósofo do
74
Tractatus encontrar o simples, ou seja, o objeto exato ao qual determinada
palavra designa:
Mas quais são as partes constituintes simples de que a realidade se
compõe? quais são as partes constituintes simples de uma cadeira?
os pedaços de madeira de cuja reunião ela resulta? Ou as moléculas, ou
os átomos? […] (PI, §47)
Ou, em outras palavras,o que queres dizer com complexos? Nessa
palavra pode caber tudo entre o u e a terra!” (PI, §47). Nessa afirmação
desfaz-se também o paralelo entre linguagem e mundo em que os objetos são
representados por signos, cada signo nomeia algo e os nomeados são
conectados como uma pintura viva que apresenta o fato atômico (ARJO,
2004, p.76). No tempo das Investigações Filosóficas, o contexto como
medida para o entendimento.
A iia de exatidão encontrada no Tractatus, passa a ser um mito, só
aceivel no Tractatus. Aquilo que consideramos exato, imediatamente depende
da situão. Se eu digo a uma pessoa: Deves ser mais pontual ao almoço;
sabes que ele começa exatamente à uma hora’, o se fala aqui realmente em
exatidão? (PI, §88). Esta exatidão pedida no exemplo se refere às condições
práticas do cotidiano, ninguém vai se preocupar se essa exatidão está de acordo
com o padrão do observatório ou se os segundos o interferir na realização do
pedido. Wittgenstein nos mostra que o que corresponde ao nome é o seu
portador eo o significado. Um automóvel não deixa de sê-lo porque
faltam-lhe as rodas. Ou ainda,
Considera este exemplo: quando se diz ‘Moiséso existiu’, isto
pode significar diversas coisas. Pode significar: os israelitas não
tiveram um comandante, quando se retiraram do Egito ou: o seu
comandante não se chamava Mois ou: o existiu um homem que
tivesse feito tudo que o que a blia atribui a Moisés ou: etc, etc,
[…] Direi talvez: Por Mois entendo eu o homem que fez tudo o que
a Bíblia atribui a Mois ou pelo menos grande parte. Mas quanto?
Tomei uma decisão acerca de quanto é que se tem que revelar ser
75
falso para que eu renuncie à minha afirmação como sendo falsa? Tem
assim para mim o nome Moisés um uso fixo e unívoco em todos os
casos posveis? – Não é que eu tenho, por assim dizer, ao meu
dispor toda uma série de apoios, e que eu estou em condições de me
apoiar num deles se os outros forem retirados e vice-versa? (PI, §79)]
Podemos entender que, pode o portador do nome desaparecer que o seu
significado não muda. Se eu digo que Moisés não existiu, tudo o que eu sei
acerca de Moisés não é eliminado, não desaparece inexplicavelmente. E se eu
estiver referindo-me a outro Mois não ao da Bíblia isso não quer dizer
que este outro seja o comandante dos israelitas. Basta-me o contexto em que se
fala Moisés para que o significado mude e, conseqüentemente, seu valor de
verdade.
Podemos ainda perceber, por meio de outro exemplo, como esta relação
de signo-contexto-siginificado toma uma grande importância na filosofia das
Investigações Filoficas:
Uma pessoa que não estivesse em condões de dizer que a palavra
‘como pode ser um verbo e uma conjunção, ou que não fosse capaz
de construir frases em que ela ocorre uma vezes [sic] de uma maneira
e outras vezes de outra, o seria capaz de resolver exercícios
simples de gratica. Mas não é exigido de um aluno na escola que
conceba a palavra, fora de um contexto, desta e daquela maneira, ou
então que nos relate como a concebeu. (PI II, ii, §2)
Portanto, essa ponderão é sugerida na identificão entre significado e
uso, ou seja, se eu uso a palavra como sendo um verbo (exemplo: Eu como
muito no almoço), pelo contexto não vou entendê-la como sendo conjunção
(exemplo: Ele escreve como Machado de Assis!). Assim sendo, o que
Wittgenstein nos impele a fazer é não mais perguntar sobre o significado, mas
sim, com respeito ao seu uso. Diz Wittgenstein já no §1 das Investigações:
Agora pensa na seguinte aplicação da linguagem: eu mando uma
pessoa às compras. Dou-lhe uma folha de papel na qual se encontra
76
escrito o seguinte: cinco maçãs vermelhas. [] Mas como sabe ele
onde e como deve procurar a palavra ‘vermelha e o que tem a fazer
com a palavra cinco’? [] Todas as palavras chegam algures a um
fim. - Mas qual é a denotação
da palavra ‘cinco? Aqui o se
falou disso, mas apenas de como a palavra cinco é usada
. [grifo
nosso]
Convém então não mais indagar sobre o significado das palavras e sim se
ela faz sentido ou não no contexto em que foi empregada. A polaridade entre fato
e valor se sustentava no Tractatus, tomando a linguagem como representação
figurativa. Nas Investigações, por sua vez, a mesma polaridade é tratada com o
abandono de tal representação e a adoção da concepção de jogos de linguagem. A
gênese dos jogos de linguagem coincide com a tomada de consciência da
inadequação da teoria da linguagem como representação figurativa, bem como a
consciência do absurdo de se adotar uma linguagem única. (VALLE, 2003, p.95)
A partir das Investigações Filosóficas, é necesrio somente saber se o
jogo de linguagem fez sentido ou não. Como num jogo de xadrez, exemplo que
Wittgenstein mesmo usa, a linguagem tem regras, ou seja, a gratica. Essas
regras o determinam se a jogada te resultado, mas se ela faz sentido. Esse
jogo o se trata simplesmente conhecer as pas, mas tamm saber quais são
os seus movimentos possíveis e em qual situão é possível usá-las.
Aprendemos o significado das palavras, usando-as, da mesma forma que
aprendemos xadrez não pela associação de peças, mas pelo aprendizado dos
movimentos possíveis para as peças. O sentido das palavras, por sua vez, é o
papel que as elas desempenham na atividade lingüística em curso.
É aquilo que chamamos seguir uma regra algo que apenas um
homem, uma vez na vida, pudesse fazer? E isto é naturalmente uma
nota acerca da gramática e da expressãoseguir uma regra.
o pode ser que uma regra tenha sido seguida uma única vez por
um único homem. Não pode ser que uma comunicação tenha sido
feita, que uma ordem tenha sido dada ou compreendida apenas uma
vez. Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar
uma partida de xadrez, são costumes (usos, instituições).
Compreender uma proposição significa compreender uma linguagem.
Compreender uma linguagem significa dominar uma cnica. (PI,
§199)
77
Se a linguagem o tem mais o seu significado como que colado, como
uma essência do objeto determinada pela palavra, então é possível que eu use
uma palavra qualquer para designar algo, que seu significado será entendido
no uso? Naturalmente, a resposta é não. O uso correto das palavras pressupõe
uma regra que é aprendida com o uso, o que nos confunde nas palavras é a sua
aparente identidade quanto à forma, quando as ouvimos ditas ou as
encontramos escritas ou impressas(PI, §11). São as suas semelhanças que nos
confundem, mas é o uso que dissipa essas névoas. Diz Wittgenstein:
É como olhar em volta numa locomotiva, sentado no lugar do
maquinista: em-se manípulos que parecem todos mais ou menos
iguais. (isto é compreenvel, uma vez que m que ser todos
controlados com a o) Mas um é mapulo de uma manivela que
pode ser ajustado continuamente (ela regula abertura da lvula); ou
outro é manípulo de um comutador que tem duas posições de
funcionamento: ou está ligado ou desligado...” (PI, §12)
Só aprenderemos as regras jogando. Os jogos de linguagem
compreendem tanto as atividades lingüísticas como as o lingüísticas.
Wittgenstein não dá uma definição clara do que o esses jogos de linguagem,
mas nos deixa caminhos para tentar defini-las. Diz Wittgenstein:
Visualiza a multiplicidade dos jogos de linguagem nestes exemplos e
em outros:
Dar ordens e agir de acordo com elas. Descrever um objeto a partir
do seu aspecto ou das suas medidas. Construir um objeto a partir de
uma descrição (desenho). Fazer conjecturas sobre o acontecimento.
Formar e examinar uma hipótese. Representação dos resultados de
uma experiência atras de tabelas e diagramas. Inventar uma
história; lê-la. Representação teatral. Cantar numa roda. Resolver
advinhas. Fazer uma piada; con-la. Resolver um problema de
arittica aplicada. Traduzir de uma língua para outra. Pedir,
agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar. (PI, §23)
O recurso dos jogos de linguagem expressa claramente a mudaa de
postura de Wittgenstein no tempo das Investigações. Ao contrio do que
Wittgenstein acreditava do Tractatus Logico-philosophicus, as atividades
78
linísticas nada têm em comum. Não existe nada que possamos dizer que é a
essência da linguagem, nem tampouco que o seu entendimento deva ser único.
Considera, por exemplo, os processos aos quais chamamos jogos’.
Quero com isto dizer os jogos de tabuleiro, os jogos de cartas, os
jogos de bola, os jogos de combate, etc. O que é que é comum a
todos eles? Não respondas: tem de haver alguma coisa em comum,
senão não se chamariam jogos’ mas olha, para ver se m alguma
coisa em comum. Porque, quando olhares para eles não verás de
facto o que todos têm em comum, mas verás pareceas, parentescos,
e em grande quantidade. Como foi dito: não penses, olha! Olha, por
exemplo, para os jogos de tabuleiro com seus ltiplos parentescos.
A seguir considera os jogos de cartas: encontrar aqui muitas
correspondências com a primeira classe, mas desaparecem muitos
aspectos comuns, outros aparecem […] Olha para o papel que
desempenham a habilidade e a sorte. E qo diferente é a habilidade
no xadrez e a habilidade no jogo de nis. [] E o resultado dessa
investigação é o seguinte: vemos uma rede complicada de pareceas
que se cruzam e sobrepõem umas às outras. Pareceas de conjunto e
de pormenor. (PI, §66)
Wittgenstein pretende nos mostrar que o uma essência na
linguagem, existem somente semelhanças de falia. Não um ponto comum
entre os jogos, am de sua instância pragmática. o há nenhuma estrutura a
priori, tampouco um núcleo comum a todos os jogos. O que existe são falantes
falando, modificando seu meio cultural. A linguagem o é algo pronto, dado e
finalizado. Diz Wittgenstein:
A nossa linguagem pode ser vista como uma cidade antiga: um
labirinto de travessas e largos, casas antigas e modernas, e casas com
reconstrões de diversas épocas; tudo isto rodeado de uma
multiplicidade de novos bairros periricos com ruas regulares e as
casas todas uniformizadas. (PI, §18)
Contudo, tratar a linguagem como jogos e não definir o que seriam esses
jogos seria simplificar demais a complexidade de nossas relações? Wittgenstein
mesmo já se adianta às cticas e responde:
É aqui que encontramos a grande questão que se oculta por trás de
todas estas considerações. Poder-se-ia objectar-me: ‘simplificas
demais’! Falas de todos os jogos de linguagem posveis e
79
imagiveis, mas nunca chegaste a dizer qual é a essência do jogo de
linguagem e assim da linguagem. O que é comum a todos esses
processos e que os torna em linguagem ou em partes da linguagem.
Assim ofereces-te simplesmente a parte da investigação que em
tempos te deu as maiores dores de cabeça nomeadamente a que diz
respeito à forma geral da proposão
15
e da linguagem.
E é verdade. Em vez de especificar o que é comum a tudo aquilo a
que chamamos linguagem, eu afirmo que todos estes femenos nada
m em comum, em virtude do qual s utilizemos a mesma palavra
para todos mas antes que todos eles o aparentados entre si de
muitas maneiras diferentes, e por causa destes parentescos chamamos
a todos ‘linguagens’. (PI, §65)
Assim sendo, podemos perceber que, para existir um jogo de linguagem
é necessário somente falantes, utilizadores de uma ngua e que, desta forma,
constituirão os jogos de linguagem em segmentos práticos do cotidiano onde
esses jogos ganharão sentido. Não é necessária a adeo consciente dos falantes
nesses jogos, ao contrário do jogo de xadrez, é necessário que os falantes se
predisponham a aprender as regras, no caso dos jogos de linguagem, não é
necessário.
O falante é introduzido nesses jogos e participa de forma ativa sem que
sejam ensinadas as regras explicitamente. Porém, as regras de alguma forma
o infringidas, o falante percebe automaticamente que algo está errado, a
jogada não teve o êxito esperado. Uma pessoa se coloca à disposição para
aprender xadrez, quando é de sua vontade. Já na linguagem, não existe essa
disposão. Somos como que mergulhados em situações, em jogos e em formas
de vida. Sem vida existe um aprendizado para se jogar, mas não existe
adesão consciente à regra como tal.
Quere-se dizer que aprender uma linguagem consiste em dar nomes a
objectos, como seres humanos, formas, cores, dores, estados de
15
Em sua fase inicial, a filosofia de Wittgenstein busca determinar a natureza da representação e
daquilo que é representado, o mundo. E o faz estabelecendo a essência da proposição. Vários
tipos de proposição se diferenciam quanto as suas formas lógicas, que devem ser descobertas
pela aplicação da lógica. Entretanto, tais formas possíveis possuem algo em comum que é
determinado a priori. O fato de que uma combinação de palavras possa constituir uma
proposição não é uma questão de experiência; é, antes algo implícito nas regras da SINTAXE
LÓGICA. A forma proposicional geral é a essência da proposição, as condições necessárias e
suficientes para que algo seja uma proposição em qualquer “notação”. (GLOCK, 1997, p.182)
80
espírito, meros, etc. como foi dito dar um nome é algo de
semelhante a pregar uma etiqueta numa coisa. Pode chamar-se-lhe
uma preparação para o uso de uma palavra. Mas é uma preparação
para quê? (PI, §26).
Mas nos jogos de linguagem não nos restringimos a apenas aprender as
regras. Essas regras fazem parte de um ato muito maior que o as formas de
vida. Por exemplo, falar uma língua é parte de uma atividade, de uma forma
de vida” (PI, §23).
Uma pessoa que chegue a uma terra desconhecida aprende algumas
vezes a ngua dos seus habitantes atras de explicações
ostensivas
16
, que estes lhe darão; e muitas vezes terá de adivinhar a
interpretação destas explicações; e algumas vezes adivinhará
corretamente, outras vezes incorretamente. (PI, I § 32)
Podemos entender que mesmo conhecendo as regras, para se entender as
nuances de uma língua é necesrio estar imerso em sua cultura. A expressão
jogos de linguagem deve aqui reaar o fato de que falar uma ngua é parte de
uma atividade ou de uma forma de vida (VALLE, 2003, p.98).
Mas em que consistem, eno, as formas de vida? Dominar uma
linguagem constitui uma ampla aptidão, formada por tantas outras aptidões e
habilidades e convivendo em um entrelaçamento de ações linísticas e o-
linísticas.
Qual é a diferença entre o relato ou a asseão ‘cinco lajes’ e a ordem
‘cinco lajes!’? Bem, é o papel desempenhado pelo acto de pronunciar
estas palavras no jogo de linguagem. Mas também se o tom em que
estas palavras são pronunciadas que se diferente, a expressão facial
e muitas outras coisas. (PI, §21)
16
Pode-se dizer que este ensino ostensivo das palavras estabelece uma ligação associativa entre a
palavra e a coisa. Mas isto o que quer dizer? Pode querer dizer diversas coisas; mas a primeira
coisa que ocorre dizer é que, ao ouvir a palavra, uma imagem do objeto aparece na mente da
criança. Mas mesmo que isso o aconteça é essa finalidade da palavra? Sim, pode ser a sua
finalidade. Posso conceber uma tal aplicação das palavras (sucessão de sons). (Pronunciar uma
palavra é como tocar uma tecla de piano da imaginação) (PI, §6)
81
Os enunciados, as asseões, etc. exemplificados por Wittgenstein, têm
de ser entendidos dentro de um contexto, isto é, na base de uma gratica, com
uma regra determinada, incluso (e o pode ser diferente) nos jogos de
linguagem, de onde tomarão seu sentido. Por outro lado, nos jogos de
linguagem, ao contrário dos jogos de xadrez onde as regras são aprendidas
conscientemente como já vimos acima, nos jogos de linguagem essas regras são
constituídas em função das formas de vida, na qual os falantes eso inseridos.
Formas de vida são práxis adquiridas mediante hábitos e costumes, no interior de
uma determinada comunidade cultural, onde se desenvolvem os jogos de
linguagem. Essas formas de vida estão na base da possibilidade de se entender
ou o os jogos, e aqui o nos referimos à gratica, mas:
...saber do significado envolve saber a que objeto alguém se refere
numa dada ocaso de uso, se éria ouo, se é um segmento
incompleto de uma fala, se a prodia importa ou não, etc. Saber
disso é simplesmente saber como usar e, geralmente que sabe usar,
sabe o significado. (ARAUJO, 2004, p.111)
Esse significado não é pessoal e intransferível, ele faz parte de uma
cultura, meios, desejos, educação. Quando uma pessoa joga, o es
simplesmente falando, mas também mostrando qual o jogo es sendo jogado.
Nós temos as nossas formas de vida e é ela que vai nos dizer quais o as regras
a serem usadas e quando usá-las.
Para mostrar esses jogos de linguagem desenvolvendo-se dentro das
formas de vida, Wittgenstein usa de exemplos (como o exemplo do pedreiro,
dos les, etc) destacando que esses jogos estão dentro de uma atividade social,
na qual o donio da linguagem está entrelado com determinada comunidade
cultural. Um desses exemplos é em relação à certeza, ou seja, se creio que
algm sente dores, essa certeza vem das nossas formas de vida. Aquilo que
chamamos de crea, ou saber acerca de um fenômenoo é um processo
interno e exclusivo, mas é parte integrante de um comportamento comum a um
grande grupo de pessoas, ou seja, faz parte de nossas formas de vida.
82
‘Creio que ele sofre. Creio eu também que ele o é um autômato?
com alguma resistência é que eu poderia pronunciar a palavra em
ambos os contextos.
(ou é antes assim: creio que ele sofre; estou certo que ele é um
autômato? Absurdo!) (PI, iv, §1)
Seguimos com outro exemplo no qual Wittgenstein nos mostra como
esses jogos o aceitos inconscientemente e nem mesmo paramos para
perguntar se fazem sentido ou não fazer alguns gestos ou dizer algumas
expressões:
E o que dizer de uma expreso como: ‘quando o disseste,
compreendi-o com meu coração’, que se diz apontando para o
coração? o se tem intenção de fazer este gesto? Claro que se tem a
inteão de o fazer. Ou está-se consciente de utilizar apenas uma
imagem? Certamente que não. o é uma imagem da nossa
escolha, não é uma comparão, e por isso o é uma expreso em
sentido figurado. (PI, iv, §7)
Os gestos e expressões referidos fazem parte de nossas formas de vida, e
são entendidas por aqueles que as aprenderam. É como se um esqui
usasse uma expreso só da sua comunidade em meio aos hippies, o fará
sentido para o hippie e, mesmo que o esquimó tente explicar, ainda assim
dificilmente o hippie toma consciência da foa que essa expreso tem em
meio aos esquis. Entender essa foa significa fazer parte de uma forma de
vida, fazer parte de uma comunidade cultural. Para se jogar, ou melhor, pode-se
até falar uma ngua que não é a sua natal, mas o que essa pessoa consegui é
traduzir a palavra e não o significado que essa palavra tem em meio aos nativos
daquela ngua. Isso pode ser melhor ilustrado a partir do pato-lebre, mostrado
abaixo.
83
Fig. 1 Cabeça pato-lebre
17
Nesse exemplo podemos ver a cabeça de um coelho e de um pato. Diz
Wittgenstein a figura podia ter-me sido mostrada e eu nunca ver nela outra
coisa a o ser um coelho (PI, xi, §10). Nesse caso, se eu vejo um coelho e um
pato, é porque este jogo já me foi ensinado, no entanto, se eu nunca tivesse
visto um coelho, certamente seria imposvel eu enxer-lo, a menos que
algm me diga que tais linhas formam um coelho, mas de qualquer forma o
jogo não teria obtido êxito.
Se não faz parte de minha forma de vida o conhecimento de um coelho,
nunca poderei enxer-lo, a figura acima será somente um pato. Nesse caso a
brincadeira da figura ambígua não faria sentido para mim, mesmo que sejam
explicadas as regras da brincadeira e suas as possíveis interpretações. O mesmo
acontece com o jogo de linguagem em nosso cotidiano. Eu posso dominar uma
ngua, dominar suas regras, enten-las dentro daquele contexto, mas, se o
faço parte daquela comunidade cultural, dificilmente abarcarei a complexidade
de nuances (gestos, tom da voz, ambigüidade no sentido da palavra, etc.) que os
jogos de linguagem, daquela forma de vida específica m. “No contexto das
formas de vida, o aprendizado de uma linguagem está intimamente associado
ao aprender a viver de determinada forma(VALLE, 2003, p. 101).
17
Cabeça pato-lebre, originalmente publicada no livro: Jastrow, J. J. Fact and fable in
psychology. New York: Houghton Mifflin, 1901, e citada por Wittgenstein nas Investigações
Filosóficas, II parte, seção xi, §8.
84
‘É isso mesmo que é notável na intenção, nos processos da
conscncia, que para eles [um povo que o conhece o jogo de
xadrez] a existência do costume, da técnica, o é necesria; que é,
por exemplo, pensável que num mundo, no qual o existem jogos,
duas pessoas joguem uma partida de xadrez, ou também só o
princípio de uma partida de xadrez e depois sejam interrompidas’.
Mas o jogo de xadrez o é definido pelas suas regras? E como é que
estão estas regras presentes no espírito daquele que tem a intenção de
jogar xadrez?
Seguir uma regra é análoga a obedecer a uma ordem. É-se para isso
adestrado e reage-se de uma determinada maneira. Mas se, que à
ordem quer ao adestramento, uma pessoa reage de uma maneira,
outra pessoa de outra maneira, etc.? Quem é que tem razão? (PI,
§205 e 206)
Nesse ponto Wittgenstein nos mostra a multiplicidade das formas de
vida. Como é possível uma pessoa em uma dada comunidade cultural chorar
para demonstrar tristeza e outra daar? Estas difereas fazem parte das
diferentes formas de vida, cada uma em sua singularidade dentro da
multiplicidade dos jogos de linguagem e das formas de vida. Como diz
Wittgenstein A linguagem é um labirinto de caminhos. Vindo de um lado,
conheces o caminho; vindo de outro lado, mas para o mesmo ponto, já não
conheces o caminho. (PI, I, §203)
É bastante dicil determinar o conceito de formas de vida, no entanto,
qualquer afirmação que se faça acerca de jogos de linguagem ou ao conceito de
seguir uma regra, se esta remetendo ao conceito de formas de vida, pois os
fatos da vida constituem os jogos de linguagem, enquanto os padrões
espeficos uniformes do comportamento humano em uma comunidade cultural
constituem as formas de vida.
Assim, o legado que Wittgenstein nos deixou foi justamente abrir
caminhos para novas visões no que tange à linguagem. Ainda que os conceitos
de seguir uma regra, jogos de linguagem, ter-em-mente, formas de vida, não
nos pareçam suficientemente claros e objetivos, (objetivá-los talvez exigisse
um ponto fixo, ou melhor, um outro ponto fixo que não fosse o uso), ainda
assim, o grande rito de Wittgenstein foi justamente dar novos rumos para
outras interpretações da linguagem humana. Incluir a linguagem cotidiana
85
mesmo sem sistematizá-la, fez com que Wittgenstein abrisse novas portas para
diferentes concepções da linguagem, reformulando o valor de verdade e
mudando o estatuto epistemológico que circunda a filosofia da linguagem.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final da década de 20, Wittgenstein começa a dar voz a sua crítica em
relação aos seus primeiros escritos. Parece claro que Wittgenstein reavaliou seu
método de isomorfia desde então, e partiu exatamente das dificuldades internas
que o próprio Tractatus apresentava. Para superar estas dificuldades pondo o peso
sobre a impossibilidade de se sair da linguagem, mas buscando trazer um método
mais eficaz do que aquele que ele trouxe na época do Tractatus.
No Tractatus, Wittgenstein se debruçou em cumprir a tarefa de comparar”
dois universos: linguagem e mundo. Dois universos e não mais do que dois é o
que faz toda a dificuldade da problemática proposta por Wittgenstein, visto que a
relação dos dois é frontal, ou seja, a linguagem que serve para falar do mundo é
também o meio lingüístico no qual a lógica mira-se. Ela é ao mesmo tempo o meio
simbólico para se falar do mundo e imagem descritiva deste.
Começa então Wittgenstein a criticar o formalismo, que prepara a filosofia
wittgensteiniana a se converter em “gramática”. Com essa nova concepção de
linguagem, Wittgenstein deixa de lado o extremismo das proposões lógicas e
insere a noção de uso. A partir de então, o valor de verdade passa a ser a do
uso, dependendo de onde uma frase ou palavra é colocada, ela adquire um
sentido diferente e um valor diferente. Se o uso da linguagem é para avisar algo
a alguém, contar uma piada ou explicar uma teoria, tudo dependerá dos jogos
de linguagem usados, onde ela está inserida e em que contexto e, a partir dessa
referência, recebe um valor de verdade.
Através do progresso do seu pensamento e das mudanças sofridas em seu
método, a tese do atomismo vai perdendo força na tentativa de se fundar um
melhor método de espelhamento linguagem/mundo. Este aspecto mostra por um
lado que o período de transição é ocupado por um regresso de Wittgenstein aos
problemas do Tractatus, e não um abandono puro e simples dele. Pelo contrário, o
que acontece é uma reformulação de seu método, porém, a pergunta principal
87
ainda continua: como falar sobre o mundo? O avanço que sofre o método ao preço
da tese do atomismo lógico é coerente com a idéia da época das Investigações
Filosóficas que entende a filosofia como uma atividade, como práxis.
Assim, o caminho percorrido pelo pensamento filosófico até hoje, nos
levou a perceber o quanto a verdade es condicionada aos nossos discursos. À
Filosofia, cabe o papel de tirar as névoas que o nos permitem ver de forma
clara o que são e como se o esses discursos. Ajudar a mosca a sair da garrafa
é o fardo que cabe à filosofia carregar.
88
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