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NIVALDO MACHADO
FILOSOFIA DA MENTE: os algoritmos de
compressão como critério de demarcação de
âmbito do mental
São Carlos
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA E
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS
FILOSOFIA DA MENTE: os algoritmos de compressão como
critério de demarcação de âmbito do mental
NIVALDO MACHADO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia e
Metodologia das Ciências da
Universidade Federal de São Carlos
para a obtenção de grau de
Doutorado.
Orientador: Prof. Dr. João de
Fernandes Teixeira (PhD)
São Carlos
2006
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar
M149fm
Machado, Nivaldo.
Filosofia da mente: os algoritmos de compressão como
critérios de demarcação de âmbito do mental / Nivaldo
Machado. -- São Carlos : UFSCar, 2006.
234 p.
Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,
2006.
1. Filosofia da mente. 2. Algoritmos de compressão. 3.
Demarcação. I. Título.
CDD: 128.2 (20
a
)
TERMO DE APROVAÇÃO
NIVALDO MACHADO
FILOSOFIA DA MENTE: os algoritmos de compressão como
critério de demarcação de âmbito do mental
Tese apresentada e aprovada como
critério de conclusão de curso de
Pós-Graduação em nível de
Doutorado em Filosofia e
Metodologia das Ciências da
Universidade Federal de São Carlos
– examinada pela banca:
_______________________________________________
Prof. PhD. João de Fernandes Teixeira – Orientador
_______________________________________________
Prof. Dr.Richardt Theisen Simanke
_______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Licht dos Snatos
_______________________________________________
Prof. Dr. Adalberto Tripicchio
_____________________________________________
Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes
São Carlos
2006
Ao Professor João de Fernandes Teixeira...
... Filósofo, Mestre e Amigo
Agradeço ao Amigo Sérgio Jacques Jablonski por partilhar discussões e
viagens infindáveis...
Agradeço ao Nardon e ao Elias por me fazerem ainda acreditar que
existe um lugar onde Aristóteles, Darwin, Newton e Jack Daniels
estejam sempre presente...
Agradeço ao meu Pai “Seu Machado” por sempre achar que tudo o que
eu faço está péssimo!
Agradeço aos meus eternos amigos do seminário e ao professor Nestor
Adolfo Eckert por não me crucificarem por minhas também eternas
dúvidas...
Em especial agradeço a Filósofa Nina Garcia Taboada...
“Sobre o que não se pode falar se deve calar...
mas sobre o que se pode...
muito ainda a ser dito”
(O Autor)
RESUMO: O presente estudo tem por objetivo principal apresentar os Algoritmos
de Compressão como critérios suficientes para a demarcação do âmbito do
mental a partir de uma reflexão da Filosofia da Mente. Os Algoritmos de
Compressão entendidos num viés proposto pelo materialismo brando dennettiano
- onde adquirem um caráter de açambarcar em seu significado um sentido formal
composto de sucessivas etapas de prescrições que buscam levar a um
determinado resultado sempre que forem iniciados, mas também possuem seu
caráter heurístico, ou seja, servem também como estratégia econômica para
prescrever instâncias não passíveis de redução à série randômica que são, por
sua vez, termos próprios do vocabulário mentalista (crenças, desejos,
saudade...).
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da Mente, Algoritmos de Compressão,
Demarcação.
ABSTRACT : The present study aims to show the Algorithms of Compression as
adequate criterion for the demarcation of the ambit of the mental starting from a
Philosophy of Mind reflection. The Algorithms of Compression, understood from a
Dennett´s soft materialism perspective - where they acquire an character in its
formal sense meaning composed of successive stages of prescriptions that look
for a certain result whenever they are initiate, but they also possess its heuristic
character, that is to say, they are also good as economic strategy to prescribe
instances not passible to reduction in random series that are, for its time,
characteristic expressions of mental vocabulary (faiths, desires, longing...).
Key Words: Philosophy of Mind, Algorithms of Compression, Demarcation
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................... 13
1 – UM POUCO DE HISTÓRIA............................................................... 23
2 – O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO DE ÂMBITO........................ 52
2.1 – O SENSO COMUM............................................................................. 53
2.2 – A RELIGIÃO E AS ELABORAÇÕES MÍTICAS.............................. 56
2.3 – A ARTE................................................................................................ 58
2.4 – A FILOSOFIA, A CIÊNCIA E A FILOSOFIA DA MENTE............. 60
3 – IMPLICAÇÕES DO MATERIALISMO E DO DUALISMO NA
TENTATIVA DE DEMARCAÇÃO DE ÂMBITO DO
MENTAL...................................................................................................... 74
3.1 – O PROBLEMA DA CAUSALIDADE................................................ 79
3.1.1 – O Problema da Indução a partir da reflexão popperiana como
contribuição para a apresentação dos Algoritmos de Compressão como
critérios de demarcação do Mental................................................................ 87
3.2 – DUALISMO versus MATERIALISMO........................................... 102
3.3 – O FUNCIONALISMO....................................................................... 121
3.3.1 -
A Contribuição de Fodor: Por uma Teoria Representacional
da Mente (RTM)...........................................................................124
3.3.1.1 – Propostas de ataques ao Funcionalismo........................ 128
3.3.1.2 - O contra-ataque Funcionalista....................................... 130
3.3.1.2.1 – O Problema dos Qualia.............................................. 131
3.3.1.3 – Mais argumentos em defesa do Funcionalismo............ 136
4 – OS ALGORITMOS DE COMPRESSÃO COMO CRITÉRIOS DE
DEMARCAÇÃO DE ÂMBITO DO MENTAL...................................... 141
4.1 A CONTRIBUIÇÃO DE DANIEL C. DENNETT NA TENTATIVA
DE SUSTENTAR OS ALGORITMOS DE COMPRESSÃO COMO
CRITÉRIOS SUFICIENTES PARA A DEMARCAÇÃO DO
MENTAL..................................................................................................... 145
4.1.2 – Algoritmos de Compressão.............................................. 182
4.1.3 – Os Real Patterns............................................................... 191
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 210
REFERÊNCIAS......................................................................................... 220
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR................................................... 227
12
INTRODUÇÃO
“As ciências se desenvolveram na ordem
inversa à que se poderia esperar. O que
para nós era mais remoto foi trazido
primeiramente para o domínio da lei, e
depois, gradualmente, o que estava mais
próximo: primeiro o céu, em seguida a
Terra, e então a vida animal e vegetal,
depois o corpo humano e por último (até
agora muito imperfeitamente) a mente
humana”
(Bertrand Russell)
A tarefa de mergulhar numa análise o mais sofisticada possível
em quaisquer que sejam os assuntos abordados dentro do âmbito da filosofia
é sempre um árduo fazer que, às vezes, pode levar o investigador ao
desânimo, ao cansaço. Porém, o assombro e o estupefazer presente na
reflexão filosófica desde os seus primórdios é fator também causador de
vontade de sempre ir, de sempre tornar o questionável, o problematizável, o
arguível em inspiração e motivação para trabalhar.
13
Desde o início deste trabalho é interessante deixar claro que o
autor é um filósofo que ousa se aventurar pelos mares das ciências da
computação/inteligência artificial, das neurociências, da psicologia; logo,
como é uma constante entre nós filósofos o problematizar e o conceituar peço
desculpas pelas possíveis imprecisões conceituais e argumentativas que
venha a tecer por total incautes.
O atual período de nossa história está tão exageradamente
influenciado por transformações em algumas áreas que estamos deixando de
nos preocupar com a precisão no que tange a reflexão acerca de algumas
teses que servem de base para a estruturação de teorias que fundam os mais
diversos campos do saber.
É conveniente lembrar que muitos dos problemas elencados
pelos pensadores da antiga Grécia perduram até hoje. Podemos recordar aqui
o Problema da Causalidade que tanto fez Aristóteles para solucioná-lo e que
ainda ocupa a mente de notáveis pensadores até os dias de hoje, ou mesmo a
tentativa de resolução do conceito de conhecimento quando Platão apresenta
sua célebre definição Tri-partite
1
(DT) e que contemporaneamente Edmund
1
A Definição Tri-Partite (DT) fora elaborada por Platão na obra Ménon. Uma breve explicação:
(DT) S sabe que p se e somente se
(i) S crê que p
(ii) p é verdadeiro
14
Gettier
2
demonstrou sua falibilidade, porém, sem ainda apresentar uma
solução. Por tais motivos entendemos ser conveniente lembrar do conselho
de Descartes de que é sábio andar devagar e fazer revisões tantas quantas
necessárias para se tentar evitar ao máximo que algo errôneo tenha
permanecido. Sabemos do quão isso é difícil, talvez, impossível, entretanto,
muito conveniente para que se possa fornecer uma argumentação o mais
confiável e forte possível.
Usando agora a contribuição de Hegenberg
3
em seu comentário
preparado para analisar sob diferentes perspectivas o problema mente-corpo
-
percebemos que, se abre neste período, uma oportunidade para voltar à
discussão sobre o questão mente/corpo com contribuições advindas de outros
campos de estudo que corroboram fortemente e, ao mesmo tempo criam
(iii) S está justificado em crer que p
Note:
a) S é um sujeito epistêmico qualquer;
b) p é uma proposição qualquer;
c) “se e somente se” garante que este é um conjunto de condições necessárias suficientes para que S saiba
que p;
d) “S crê que p” afirma que p é uma proposição que faz parte do conjunto que inclui todas as proposições
da mente de S;
e) “p é verdadeira” afirma que é o caso que p;
f) “S está justificado em crer que p” informa que S tem boas razões para crer em p, ou que S tem o direito
de crer em p.
g)
2
Edmund Gettier elaborou o famoso “Problema de Gettier” no qual demonstra a falibilidade da teoria Tri-
Partite apresentada por Platão. Por este ser um problema que requer um esforço demasiado e que não possui
uma implicação relevante para o discurso em pauta, não abordaremos sua apresentação, indicamos para tanto
uma análise do texto do próprio Gettier Is Justified True Belief Knowdlege? de 1963.
3
HEGENBERG, L. Crítica: revista brasileira de filosofia e ensino. Disponível em:
http://www.criticanarede.com
acesso em 01 de jul. 2005.
15
novos problemas, em relação a tentativa de se demarcar as questões
epistemológicas que envolvem o problema do mental.
Tem-se dito que real compressão do tema depende de
conhecimentos relativos ao "maquinário biológico" que permite à mente o
"desempenho de suas funções". É possível. Acredita, Hegenberg, que
conhecer o sistema nervoso central seja necessário (e de grande utilidade) —
sem ser suficiente para conhecer a mente.
Mal comparando, quem não sabe para que serve uma câmara
fotográfica não fica em situação melhor se lhe fornecermos informes a
respeito de distâncias focais, lentes, velocidades dos filmes. O que importa,
na verdade, é dizer algo acerca do que a câmara faz. Esse pensamento me
permite invadir a área em foco — mesmo permanecendo em terrenos
filosóficos e sem conhecer biologia.
Restringindo agora ao foco da tese aqui exposta, apresenta-se
como critério axial do desenvolvimento desta investigação, a valia de estudar
pelo viés da Filosofia da Mente uma reflexão profunda e sofisticada acerca da
tentativa de se assegurar um âmbito válido para os estudos sobre o Mental
através dos Algoritmos de Compressão.
16
Dennett define um algoritmo como sendo um processo formal,
composto de sucessivas etapas de prescrições, que sempre levam a um
determinado resultado sempre que é iniciado. O algoritmo é neutro em
relação ao seu substracto. Ou seja, o procedimento funciona
independentemente dos elementos que são utilizados para sua efetivação. Ele
funciona qualquer que seja o sistema simbólico utilizado para representá-lo.
Sua funcionalidade está diretamente vinculada a sua estrutura lógica; logo, os
poderes causais dos elementos usados em suas instanciações agiriam apenas
permitindo que as etapas prescritas sejam seguidas. Outro fator é a ausência
de esforço intelectual subjacente. Ou seja, segundo Dennett (1998) “apesar
do projeto global do procedimento poder ser brilhante, ou conduzir a
resultados brilhantes, cada etapa constituinte, bem com a transição entre as
etapas, é totalmente simples”. Não existe a necessidade de esforço
intelectual para realizar cada etapa. O algoritmo sempre possui seu resultado.
Ou seja, independente do que o algoritmo faz, ele sempre o realiza.
Um elemento que utilizaremos para apresentar nossa tese é o
princípio da heterofenomenologia – como não possuímos instrumentos para
saber o que ocorre na mente de outras pessoas (pois, mesmo com aparelhos
que detectam a área cerebral ativa no momento em que realizamos algum
processo cognitivo, teríamos mesmo assim que associar o relato de minha
17
experiência mental com a área ativa no cérebro. Caso contrário o que
teríamos seria algo semelhante a uma radiografia de qualquer outro órgão do
corpo humano) temos que fazer uso deste relato acerca do que está ocorrendo
na mente desta outra pessoa. A este método Dennett vai chamar de Método
Heterofenomenológico, ou seja, tal método se constitui na observação e
reflexão sobre nossa própria experiência, todavia, neste caso, feita sempre
numa perspectiva de terceira pessoa. A heterofenomenologia é um processo
de reconstrução do relato subjetivo das pessoas; uma reconstrução que
embora elimine a perspectiva de primeira pessoa como autoridade de
validação sobre seus próprios estados mentais, permite que interpretemos, a
partir de um viés intencional, o que está acontecendo em outras mentes e até
mesmo na sua própria (pois nós mesmos só temos acesso sobre nossos
próprios estados mentais através dos relatos que fizemos destes nossos
próprios estados mentais, logo, isto também se dá em nível de segunda ou
terceira pessoa). Elimina-se desse modo a falsa tese do acesso privilegiado
aos nossos estados mentais que é preconizado pela perspectiva de primeira
pessoa. O que temos é uma versão lingüística daquilo que experienciamos,
logo, tal versão se dá em nível de terceira pessoa. Adotando o viés
heterofenomenológico Dennett vai desqualificar totalmente a existência dos
qualia. Não existem os qualia puro como enfatizam Bergson e Searle – na
verdade não temos acesso direto às sensações em estado bruto/puro, temos
18
apenas uma versão cognitiva de tais sensações filtradas pelos nossos aparatos
de percepção e linguagem. Neste ponto Dennett também vai autorizar o uso
dos Algoritmos de Compressão para tratar de situações que aparentemente
não poderiam ser redutíveis a séries randômicas. Notemos que algoritmos
computacionais são claramente passíveis de traduzirmos em máquina de
Turing, entretanto, sentenças do tipo “estou com saudade do meu lêmori que
faleceu”, a princípio não seria passível de algoritmização, logo, nossos
Algoritmos de Compressão não serviriam para tratar deste tipo de situação
que envolvem crenças, desejos, sentimentos. Todavia, notemos que este
argumento parte da existência de qualia dentro da perspectiva de primeira
pessoa (logo, evidentemente não passível de enumeração pois não
poderíamos enumerar/medir/algoritmizar a saudade por exemplo, o que
implicaria na impossibilidade de utilizarmos os Algoritmos de Compressão
para demarcar o âmbito do mental). Aqui entra o princípio da
heterofenomenologia dennettiana – como desprezamos a existência dos
qualia pois temos apenas uma versão cognitiva de tais eventos em nível de
terceira pessoa, temos a possibilidade de enumeração destas versões pois elas
se dão em nível linguístico-epistemológico e não ontológico (pois, se fosse
ontológico estaríamos admitindo um dualismo de substância o que, por sua
vez, descartamos, ou senão, admitindo o materialismo eliminativo, que por
sua vez demonstraria a eliminação do mental, o que também aqui não
19
concordamos). Assim sendo, os Algoritmos de Compressão dennettianos
seriam estratégias por nós utilizadas em nível de terceira pessoa que nos
permitem demarcar quaisquer eventos mentais (pois nesta perspectiva,
crenças, desejos, intenções por serem versões cognitivas daquilo que ocorre
em nível cerebral se tornam passíveis de enumeração), e, por conseguinte,
demarcar o âmbito da própria Filosofia da Mente.
Devido a sua notória inter-relação com diversas outras áreas do
saber que aqui destacamos: filosofia da linguagem, neurociências, psicologia
evolucionária, ciências da computação/inteligência artificial, educação,
epistemologia, dentre outras, é que este campo geral de investigação torna-se
elemento imprescindível de análise.
Outro fator corroborante da necessidade de se estudar a temática
em pauta, se dá devido ao espaço de análise significativo que a discussão
travada entre diversos autores e, em especial o professor Daniel Dennett, vem
despertando entre filósofos e cientistas do mundo todo. A característica inter
e transdisciplinar do debate também propicia uma melhora no entendimento
das teses devido às críticas recebidas de estudiosos de diferentes formações,
possibilitando assim, um incremento importante de informações que
interferem diretamente sobre o objeto analisado.
20
Dá-se um espaço para apresentar uma breve crítica a muitas
abordagens/estudos que discorrem sobre os mais diversos temas sem
apresentar a rigorosidade conceitual necessária para possuir seguridade nas
informações e argumentos propostos. Por isso, defendemos o viés
metodológico analítico como trilhar investigativo que, mesmo sendo marcado
por inúmeros ataques às suas bases conceituais, nos parece, até o presente
momento, o mais seguro e desvencilhado dos “coloridos psicologicistas”
(aqui parafraseando Frege) caminho a ser trilhado.
Desse modo, entendemos ser conveniente e até necessário o
desenvolvimento de um estudo sobre esta área do saber, que, na presente tese
se restringe ao tema - Filosofia da Mente: os Algoritmos de Compressão
como critérios de demarcação de âmbito do mental - visto que, a
apresentação para a comunidade científica de um estudo desta natureza
propiciaria a abertura de diversas outras possibilidades de reflexão sobre a
mesma temática.
De modo geral o presente estudo vai apresentar no primeiro
capítulo um breve panorama histórico da Filosofia da Mente para
contextualizar nossa discussão. No segundo capítulo apresentaremos as
demarcações gerais dos âmbitos: senso comum, religião/mitos, arte, filosofia,
21
ciência e a filosofia da mente – esse segundo capítulo possui por escopo
fornecer dados que demonstrem a importância de se estabelecer os critérios
de demarcação de âmbito para poder melhor justificar os argumentos acerca
das coisas em geral. No terceiro capítulo o foco da investigação irá se
direcionar para a problemática existente entre o Dualismo e o Materialismo
no que tange às suas propostas de demarcarem o âmbito do mental. Neste
mesmo capítulo dar-se-á ênfase também ao (i) Problema da Causalidade, (ii)
às contribuições popperianas para a elaboração/justificação de nosso
entendimento dos Algoritmos de Compressão como critérios de demarcação
do mental, (iii) à proposta funcionalista. No quarto capítulo será tratado de
modo mais específico a apresentação dos Algoritmos de Compressão como
critérios suficientes para a demarcação de âmbito do mental e, por
conseguinte, da própria Filosofia da Mente. Neste contexto utilizaremos
como referencial teórico a contribuição da Teoria dos Sistemas Intencionais
e o estudo dos Padrões Reais de Daniel C. Dennett.
22
1 – UM POUCO DE HISTÓRIA
Retornar no tempo parece ser uma tarefa que sempre habitou o
pensamento da grande maioria dos seres humanos. Entretanto, nosso intuito
agora é o de apenas lançar um olhar sobre os grandes horizontes históricos
para apresentar alguns referencias temporais sobre as discussões que
embasaram e embasam as argumentações que sustentam as teses centrais
acerca da problemática geral da Filosofia da Mente.
Comecemos por nos reportar a Grécia antiga, onde filósofos como
Pitágoras em sua teoria sobre a metempsicose já abordava a transmigração
das almas, onde se percebe a clara possibilidade da tese dual
4
em que uma
alma freqüenta diversas entidades corpóreas; ou, como Platão, onde o corpo é
um cárcere que possui uma alma que se encontra aprisionada.
4
A discussão sobre o materialismo e o dualismo é um dos problemas centrais da Filosofia da Mente, por
esse motivo nosso marco histórico tem esse referencial como critério primordial, todavia não será agora
apresentada uma reflexão mais aprimorada sobre esses fatores pois nosso intuito é apenas, neste momento,
de apresentar um breve panorama histórico. Logo, a questão do materialismo e do dualismo será melhor
tratada no terceiro capítulo.
23
Podemos também lembrar do Egito antigo onde os faraós
ordenavam a construção de pirâmides para velar seus corpos e mantê-los para
a eternidade. Ou seja, vamos encontrar nas mais diversas culturas, nos mais
diversos momentos históricos um tendencionar humano para a preocupação,
mesmo que mítica em diversos casos, em relação às questões acerca do
material e do imaterial.
Porém, é na obra do artista Raphael que fica retratado para a
posteridade um dos momentos em que a preocupação sobre a verdade última
das coisas vai possuir um de seus principais marcos, que é quando este
artista pinta a divergência entre Platão e seu discípulo Aristóteles. Tal
divergência se dá quando Platão afirma que a verdade se encontra num
mundo a parte, num mundo ideal, e, que as coisas corpóreas não passam de
meras distorções, sombras da verdade real que é ideal e que só será
percebida em sua plenitude pela alma do filósofo. Em contrapartida,
Aristóteles argumenta que a verdade reside na substância que está na coisa.
Notemos novamente, mesmo sem um detalhar mais sofisticado de
tal divergência, que se fôssemos estudar a questão da mente neste contexto
apresentado por Platão e Aristóteles (onde a realidade da mente para Platão
estaria no Mundo das Idéias e seria imaterial, ao passo que, para Aristóteles a
24
realidade da mente teria que possuir uma base substancial para que fosse
passível de ser percebida pelos sentidos) – poderíamos, neste caso,
estabelecer uma relação de semelhança à situação encontrada atualmente
quando tratamos da tentativa de assegurar um âmbito válido e verdadeiro
para a Inteligência Artificial Forte
5
; ou seja, a realidade deste tipo de
inteligência estaria na base física que sustenta o software, ou, o software
possuiria uma existência independente do ambiente físico onde é executado.
Esta existência independente nos levaria a termos que admitir algum tipo de
status ontológico não-físico para o software (o que implicaria num claro
dualismo de substância).
Com o advento da Idade Média e com a cristianização do
pensamento platônico por Agostinho, vamos perceber neste período também
uma cisão muito forte entre um corpo que é habitado por uma alma que
busca, durante a sua vida terrena, condições para num mundo perfeito pós-
morte (paraíso), viver em plenitude.
Até mesmo com muitos dos contestadores do catolicismo (como é
o caso de Lutero) percebe-se novamente que o que diverge se dá muito mais
5
Entenda-se Inteligência Artificial Forte aqui no sentido daquela área capaz de criar a possibilidade real de
existência de estados de inteligência em ambiente artificial. Sobre esta discussão é conveniente a análise da
obra de John Searle: “A Redescoberta da Mente” e a obra de Paul M. Churchland: “Matter and
Consciousness”.
25
em nível quantitativo (ou seja, se a salvação se daria com mais fé e menos
obras, ou, mais obras e menos fé, ou, o quanto de fé é necessário para a
salvação da alma!!!). Destarte, o que para nós é de maior relevância é que
percebemos novamente a tese dual que se faz presente neste contexto.
Todavia, é com a modernidade, com o espírito cientificista e,
principalmente com Descartes que a questão da problemática sobre a
dualidade entre corpo e alma atinge seu momento referencial principal de
investigação. Com o cartesianismo vamos encontrar um dos elementos axiais
que influenciarão toda a discussão travada no âmbito da Filosofia da Mente,
das Ciências Cognitivas, das Neurociências, da Psicologia e da Inteligência
Artificial até os dias atuais.
A filosofia da mente é hoje uma das áreas que ocupa um elevado
status na discussão filosófica. Contemporaneamente temos com Gilbert
Ryle, a partir de sua obra “The Concept of Mind” de 1948, que a Filosofia da
Mente vai encontrar um de seus marcos principais. Todavia, como já fora
demonstrado nos parágrafos anteriores, a Filosofia da Mente já possui seus
pilares fundados nos primórdios da filosofia.
26
Entre os autores modernos
6
, René Descartes foi o iniciador de uma
das principais e mais duradouras abordagens na filosofia da mente, com sua
teoria dicotomizante e criadora de uma natureza corpórea e outra imaterial.
Para Descartes, o corpo humano está sujeito às mesmas causas físicas que
determinam os fenômenos da natureza em geral, porque possui a mesma
constituição material que o restante do mundo. Contudo, sua mente (res
cogitans) é de outra natureza, logo possuidora de outro modo de constituição
e, por conseguinte, de ser entendida/analisada. É nesta área onde se situam
nossas crenças, desejos, opiniões, emoções e pensamentos. Esse tipo de
abordagem ficou conhecida como dualismo tradicional, ou espiritualismo
dualista, ou ainda mentalismo dualista tradicional, e foi dominante até o
século XIX.
Excetuando um ou outro pensador, era praticamente unânime,
até o início do século XX, a opinião (claramente exposta por Descartes) de
que a mente difere da matéria e de que conhecemos melhor nossa mente do
que nosso corpo. Subjacente, ficava o problema teórico de saber de que
maneira o ser humano poderia conhecer os corpos físicos "exteriores" à
mente.
6
Ver em DUTRA, Luiz Henrique. Filosofia da mente. Disponível em:
http://www.ufsc.br/~portalfil/mente/pdf
Acesso em: 25 de dez. 2004.
27
Por volta de 1930, com o positivismo lógico, certas mudanças
ocorreram. O critério de probidade científica
7
passou a assentar-se na
verificabilidade intersubjetiva. Se o estudo da mente almejava merecer o
respeito de cientistas, precisava submeter-se a condições de verificabilidade,
publicamente e fisicamente testáveis. Essas condições, naturalmente,
deveriam ser comportamentais.
A não ser pelos gestos, grunhidos e manifestações "públicas", de
que outro modo seria possível saber da dor de dentes das pessoas? A não ser
ouvindo suas palavras, de que outro modo poderei eu saber de sua crença de
que melancia com leite faz mal? O Behaviorismo tomou conta do cenário.
Não foram poucos os estudiosos que tentaram apontar defeitos no
Behaviorismo, lembrando que há um "resíduo", isto é, há certos estados
mentais conscientes que não mantêm claras relações com os
comportamentos.
A par disso, tornou-se patente que duas pessoas podem diferir
psicologicamente, embora seus comportamentos se revelem similares. Em
suma, na metade do século XX, idéias a respeito da questão corpo-mente
eram discutidas por Dualistas, Behavioristas e Descrentes. J. J. C. Smart
7
Devido sua fundamental importância dedicaremos no capítulo que trata sobre os Critérios de Demarcação
de Âmbito uma reflexão melhor elaborada sobre o âmbito da Ciência.
28
("Sensations and brain processes", Philosophical Review, 1959) formulou
proposta inovadora, contrariando behavioristas e dualistas. Contra
behavioristas, afirmou que alguns estados e eventos mentais são
genuinamente "interiores" e genuinamente episódicos e não podem ser
equiparados a comportamentos observáveis. Contra dualistas, asseverou que
os itens mentais não são "fantasmas" (não-físicos) — são fenômenos
neurofisiológicos. Ao transformar eventos mentais em eventos físicos,
formulando, pois, uma teoria da Identidade, Smart evitou objeções de
Dualistas e, ainda, "acolheu" o interno e episódico de um modo que o
behaviorismo não conseguia acomodar.
H. Putnam ("Minds and machines", in Dimensions of mind, ed.
por S. Hook, 1960) e J. Fodor (Psychological explanation,1968) ressaltaram
que a teoria da Identidade podia ser acolhida para explicar cada "token"
(ocorrência específica) de evento mental, mas necessitava de corretivos a fim
de abranger os "tipos" (generalidade dos "tokens") desses eventos. Em outras
palavras, uma específica dor de dentes pode ser vista como especial estado do
cérebro, mas a dor de dentes (genericamente contemplada) deve ser
comparada a "papéis funcionais" descritos por algumas relações causais.
Nasceu, assim, o Funcionalismo. De acordo com Putnam, estados mentais se
comparam a estados funcionais de um computador. Assim como um
29
programa de computador se realiza em variadas configurações de
"hardware", também um "programa" psicológico se realiza em variados
organismos. Por conseguinte, diferentes estados fisiológicos de organismos
de diferentes espécies podem realizar um mesmo estado mental.
Hegenberg relembra que especulações filosóficas acerca da
mente nasceram com a filosofia. Aristóteles e Platão formularam teorias a
respeito da natureza e dos tipos de psique. Descartes, Hume e Kant também
formularam teorias a respeito da mente. A hodierna filosofia da mente não
tem data certa de nascimento. Surgiu no fim do século XIX e começo do
século XX. Seu desenvolvimento pode ser atribuído a três acontecimentos
notáveis. (1) A publicação (1874) de Psychologie vom empirischen
Standpunkt, de Franz Brentano; (2) a psicologia científica, inaugurada por
Wilhelm Wundt (1879); (3) a divulgação (1890) dos Principles of
psychology, de William James.
Vale a pena registrar que Brentano retoma, de Aristóteles e S.
Tomás de Aquino, a noção de intencionalidade
8
— do latim intendo,
significando algo como "aponta para, ou se orienta para". Brentano acentuou
que crenças, desejos, expectativas (estados mentais típicos) "apontam ou se
8
Que será um dos focos centrais para nossa tentativa de apresentar os Algoritmos de Compressão como
critério de demarcação do âmbito do mental.
30
orientam" para um objeto (intencional). Depois disso, ficou mais ou menos
estabelecido que esse “algo” seria o objeto da crença (do desejo, da
expectativa).
Novo momento da história do problema corpo-mente ocorre na
primeira metade do século XX. Várias teorias são formuladas, com uma
pluralidade de abordagens filosóficas. Talvez caiba dizer que Rudolph
Carnap e John Dewey se colocaram como dois importantes marcos no estudo
da mente. Carnap se preocupa com a metafísica da mente. Dewey, com os
relatos psicológicos em primeira ou terceira pessoa
9
. Os dois enfoques
(metafísica e asserções a respeito da mente) se reúnem nos trabalhos de
Gilbert Ryle (The concept of mind, 1949). Para Ryle, em perspectiva lógico-
behaviorista, nada há de misterioso nas afirmações relativas a desejos,
crenças, expectativas. Na medida em que tenham significado, essas
afirmações dizem respeito a "disposições do organismo, orientando as ações
de certos modos" — exatamente como o termo 'resiliência' diz respeito à
"capacidade de um metal voltar ao seu estado natural após ter tido suas
propriedades alteradas".
9
Sobre a perspectiva de terceira pessoa vamos encontrar nos estudos de Daniel Dennett uma notável
contribuição para o estudo da filosofia da mente.
31
Em seguida, visando refutar idéias de Descartes, os estudiosos
propuseram várias alternativas que dariam origem a três correntes principais:
i) Materialismo reducionista (ou teoria da identidade): Defensores da
"teoria da identidade" afirmaram que termos como 'crer', 'amar',
'desejar', etc., se mostrariam sinônimos de termos relativos a estados
neurais. Em outras palavras, asseveraram que as propriedades mentais
seriam "redutíveis" a propriedades físicas.
ii) Eliminismo: admitiram que a neurociência afastaria os termos mentais
de nosso discurso — tal qual a ciência havia afastado termos como
'flogisto' ou 'eflúvios magnéticos'.
iii) Funcionalismo: imaginaram que entidades mentais não seriam físicas,
mas "funcionais" — definidas em termos de papéis causais com
respeito a "estímulos" sensórios e "respostas" comportamentais.
Devido a diversos ataques que abalaram o behaviorismo (tais
como: a despreocupação com os processos neurais no entendimento das
modificações comportamentais; o desprezo com o fator ‘corpo’ para o
entendimento dos estímulos ambientais que geram novos comportamentos)
32
resultou num rejuvenescimento das noções filosóficas e psicológicas da
"consciência".
Alguns autores acreditam que a consciência poderá ser
cientificamente explicada. Outros, ao contrário, imaginam que a
subjetividade da consciência impede seu exame científico. O fato, porém, é
que não se sabe exatamente o que significaria um "entendimento científico da
consciência" — e os debates prosseguem. Assim, eliminacionismo,
identidade e funcionalismo entraram em choque e, em seguida, entre 1960 e
1990, tiveram de enfrentar a nova tendência manifestada pela ciência
cognitiva — uma nova abordagem inspirada na metáfora do computador que
congrega de modo interdisciplinar áreas como física, lógica, psicologia,
neurologia, computação, lingüística, inteligência artificial, filosofia...
No âmbito da psicologia, o Behaviorismo foi substituído pelo
Cognitivismo. Em termos gerais, o Cognitivismo sustenta que para explicar
o comportamento, psicólogos devem dar atenção a estados e episódios
"interiores", contanto que tais estados e episódios sejam concebidos como
fenômenos físicos; os seres humanos devem ser encarados como sistemas que
processam informações.
33
A psicologia cognitiva concentra-se em torno de uma questão
fundamental: De que modo este organismo recolhe informações, via órgãos
dos sentidos, processa e armazena essas informações e as utiliza para
produzir comportamento inteligente?
Durante algum tempo, permaneceu vaga a noção de
"processamento de informações" (trazida, por empréstimo, dos estudos de
comunicação, com instrumentos físicos — telefone, rádio). Nos anos 1960-
1970, a noção ganhou contornos mais definidos. Passou a indicar a idéia de
que os organismos utilizam representações internas e realizam operações (de
cunho computacional) sobre essas representações. Desse modo, a cognição
transformou-se em uma questão de manipulação (governada por algumas
regras) de representações. O Cognitivismo está "afinado" com o
Funcionalismo, pois, nos dois casos, os seres humanos são vistos como
sistemas de componentes funcionais interligados, capazes de interação
eficiente e produtiva.
Estudiosos de computação focalizaram a idéia de
comportamento inteligente visto como resultado de
elaboração/criação/aperfeiçoamento de processamento de informações. A
chamada IA (Inteligência Artificial) pode ser entendida como projeto de fazer
34
com que as máquinas realizem tarefas usualmente encaradas como tarefas
que exigem inteligência e julgamento (humanos).
Os computadores alcançaram êxitos notáveis — por exemplo,
demonstração de teoremas; orientação de mísseis; separação de
correspondência; diagnóstico médico; robótica; jogar xadrez. O computador
é, na verdade, máquina que recebe, interpreta, processa, armazena, manipula
e utiliza informações. Os avanços na IA podem ser atribuídos, pois, à adoção
desse paradigma do processamento de informações. Isso, por seu turno,
reforça a idéia de que a inteligência e a cognição se enquadram na moldura
do processamento de informações. A IA abrange, pois, dois temas básicos:
até que ponto os computadores se aproximam das mentes e até que ponto as
mentes se aproximam dos computadores?
Vamos notar que a abordagem instrumentalista admite como
verdadeiras certas sentenças a respeito dos itens X; não admite que tais
sentenças descrevam entidades de algum tipo especial; e, admite que tais
sentenças prestam para sistematizar fenômenos familiares. Usando exemplo
fictício, somos instrumentalistas acerca do professor universitário brasileiro
"médio" — branco, do sexo masculino, meia idade, pai de 1,9 filhos, autor de
0,3 livros e de 2,6 comunicações para congressos.
35
Para entender melhor é necessário lembrar o que são as
"atitudes proposicionais". Adotemos, como ponto de partida, certas idéias de
G. Frege - o pensamento é o sentido de uma sentença completa. As sentenças
admitem um de dois valores-verdade (verdade e falsidade). Alguns filósofos
acreditam indispensável (para explicar crença, expectativa, desejo, etc.) criar
uma "entidade intermediária" — a proposição, — colocada entre a sentença e
a realidade que a torna verdadeira ou falsa. Isso posto, considere-se a
sentença "Arquimedes acredita que as várias errôneas interpretações dos
escritos de Frege devem ser substituídas por nova interpretação." Esta
sentença é vista de modo que a cláusula "que as várias errôneas
interpretações dos escritos de Frege devem ser substituídas por nova
interpretação" seja uma proposição — diante da qual Arquimedes se mantém
em certa atitude mental (no caso, a atitude de crer).
Já Daniel Dennett vem advogando o instrumentalismo com
respeito às "atitudes proposicionais" [desejos, crenças, intenções,
recordações, dúvidas, pensamentos, cogitações (wonderings)]. Para ele,
atribuir (a uma pessoa) um "desejo", uma "crença", ou uma "dúvida", não
36
eqüivale a descrever alguma realidade física, mas se equipara a um
movimentar de peças, em um ábaco
10
.
Dennett nega que as atitudes proposicionais (crer, desejar, etc.)
sejam estados causais internos reais (das pessoas). Admite, no entanto, que
atribuições de crenças, desejos, etc. são objetivamente verdadeiras. Alguns
filósofos, porém, levando a extremos as críticas de Dennett, advogaram a
idéia de que atribuições mentais são simplesmente falsas. Esses filósofos
defendem, em suma, o que se poderia chamar de Eliminismo. Paul
Feyerabend ("Mental events and the brain", Journal of Philosophy, 1963) foi
o primeiro a declarar, abertamente, que a "psicologia folclórica" nada capta
da realidade física e que atribuições mentais são falsas.
O Eliminismo voltou a ser advogado, com muita ênfase, por Paul
Churchland ("Eliminative materialism and the propositional attitudes", in
Mind and cognition, org. por W. Lycan, 1999). Lembra ele que a "folk
psychology" deve ser abandonada, tal qual, no passado, se abandonou a
10
Acerca dessas idéias, ver as críticas formuladas por S. Stich (From folk psychology to cognitive science,
1983) a réplica de Dennett (The intentional stance, 1987) e novo posicionamento "moderado" de Dennett
("Real patterns", na antologia Mind and cognition, organizada por W. G. Lycan, 1999).
37
alquimia. Patricia Churchland também descarta a "folk psychology" e se
concentra em estudos neurofisiológicos.
Lembremos também Brentano que desenvolveu suas idéias a
respeito de fenômenos mentais (postos em uma "consciência interior")
usando a noção de intencionalidade. Recordemos que o termo
'intencionalidade' significaria, em resumo, "dirigir-se (referir-se) a um
objeto". Subjacente parece estar a idéia de que, ao pensar, pensa-se acerca de
algo (mesmo que esse algo seja imaginário). Em outras palavras, o
pensamento se volta para um dado objeto. Para certos estudiosos (p. ex. W.
Seager, Theories of consciousness, 1999), os "estados intencionais seriam
comparáveis a "estados de representação".
De fato, o sentido da que minha crença de que o “papagaio tem
penas verdes” se refere a papagaio está próximo do sentido em que minha
crença representa o papagaio. Cabe notar que traços representativos, ou
intencionais, são traços semânticos. É difícil, naturalmente, encarar
expectativas e desejos como verdadeiros ou falsos. As crenças, porém, podem
ser (subsidiariamente) vistas como verdadeiras ou falsas e, a par disso,
acarretam outras crenças. Aparentemente, as crenças se compõem de
conceitos e dependem, quanto à verdade, de um "acordo" entre suas
38
estruturas internas e a realidade. O "acerca de", no caso das crenças, pode ser
entendido, portanto, em termos de referência. Em suma, cabe notar que
pensamentos e crenças são verdadeiros ou falsos exatamente como as
sentenças são verdadeiras ou falsas. Tudo isso gerou a hipótese de que existe
uma "língua do pensamento" ("language of thought"), idéia defendida,
digamos, por J. Fodor (em várias obras), K. Sterelny (The representational
theory of mind, 1990) e W. Lycan ("A deductive argument for the
representational theory of thinking", in Mind and language, 1993).
Contra essa linguagem do pensamento se manifestaram, há
tempos, D. Dennett, Patrícia e Paul Churchland e, mais recentemente, R.
Stalnaker ("Mental content and linguistic form", in Philosophical studies,
1990).
De acordo com o Eliminismo, os termos e as entidades mentais
seriam itens descartáveis do discurso corpo-mente. Nos anos 60 do século
XX, autores como W. Sellars, P. Feyerabend e Quine começaram a defender
a idéia de que os termos mentais nada mais seriam do que termos teóricos
destinados a sistematizar conhecimentos oriundos de pesquisas na esfera da
psicologia. A. Morton (Frames of mind, 1980) colocou essa idéia no que
denominou The "theory" theory — a "teoria" da teoria. O enfoque proposto
39
por Sellars, Feyerabend e Quine, depois de um período de "espanto", passou
a ser amplamente aceito.
Para efeitos de discussão, imaginemos atribuir conteúdo
representacional aos estados internos dos computadores — como fazemos, na
vida real, dizendo que nosso computador "fez isso ou pensou aquilo" ou, no
mínimo, "computou isso ou computou aquilo" (por exemplo, a nota mínima
de aprovação em um exame vestibular, ou as chances de vitória de um dado
candidato a certo cargo eletivo).
De acordo com J. Fodor ("Methodological solipsism considered
as a researh strategy in cognitive psychology", Brain and behavioral
sciences, 1980), é perfeitamente viável que dois computadores, programados
por diferentes usuários, visando a propósitos diversos, caminhem em
paralelo. Isso quer dizer que a computação efetuada não se determina apenas
mediante operações físicas ou funcionais realizadas dentro da máquina.
Aquilo que a máquina calcula depende, pelo menos em parte, de algo exterior
à máquina — como intenções de usuários, interpretações de observadores ou
simplesmente conveniência de manipuladores.
40
Hoje, essas noções não parecem surpreendentes. Por analogia,
não surpreende supor que aquilo que acontece com os computadores, também
acontece com os seres humanos. Dois seres humanos poderiam ser iguais,
molécula-por-molécula, mas diferir quanto a crenças e desejos, em função de
seus ambientes espaciais e temporais. A respeito do que se tem escrito,
relativamente às relações e interações corpo-mente, talvez caiba dizer que
ainda giramos em torno do externalismo e internalismo.
Segundo Hegenberg (2005), os dois termos estiveram em voga
nos vinte anos finais do século XX, na área da epistemologia, ingressando,
em seguida, nos terrenos da filosofia da mente. Segundo L. Bonjour, da
Washington University (Companion to epistemology, Blackwell, 1982), os
estudiosos de epistemologia usavam os termos externalismo e internalismo
não lhes dando significação clara. Mesmo com as caracterizações meio
vagas, os termos ingressaram, em seguida, no contexto dos conteúdos de
crenças e pensamentos. Notemos:
a) No contexto da teoria do conhecimento: de acordo com o internalismo, as
crenças básicas de uma pessoa (usadas para justificar seus conhecimentos)
fazem parte de estados mentais imediatamente percebidos pela pessoa.
Externalistas não aceitam essa idéia, notando que são muito complicadas
41
as inferências que (talvez) conduzam das crenças básicas ao
conhecimento. Como os internalistas não conseguiram afastar as objeções
levantadas pelo ceticismo (em matéria de conhecimento) e como tais
objeções têm sido afastadas pelos externalistas, é natural que o
externalismo ganhasse preferência.
b) No contexto do pensamento: na área do pensamento, os termos
'internalismo' e 'externalismo' estão associados à maneira pela qual ficam
determinados os conteúdos de pensamentos e crenças. De acordo com a
perspectiva internalista, o conteúdo desses estados intencionais depende
apenas de propriedades internas da mente ou do cérebro do indivíduo —
não depende de propriedades do ambiente físico e do ambiente social em
que o indivíduo se encontre. De acordo com a perspectiva externalista,
porém, o conteúdo é indiscutivelmente afetado por esses ambientes.
[Note-se que ao defender uma simultânea influência de fatores internos e
externos, adota-se, ainda, a perspectiva externalista.]
c) Outros contextos:
11
(i) Atomismo e holismo: Atomistas dizem que uma
pessoa pode pensar, digamos, em peixes, sem pensar em outra coisa
qualquer. Cada pensamento é (ou pode ser) atômico. Holistas (=
11
Acompanhando J. Fodor (The elm and the expert, MIT, 1995), lembremos certas distinções que encantam
os puristas.
42
estruturalistas, na lingüística), ao contrário, dizem que o conteúdo de um
pensamento só poderia ser caracterizado por meio de sua posição em um
"sistema de crenças". (ii) Teorias estreitas e teorias amplas. Cabe observar
que a semântica (na esfera da informação) se associa, no seio da literatura
filosófica, não apenas à idéia de que as propriedades semânticas sejam
externalistas, mas, ainda, à idéia de que sejam — como se usa dizer —
amplas (broad). Adversários diriam que as propriedades semânticas são
estreitas (narrow). Resumidamente, os adeptos da corrente ampla afirmam
que as propriedades semânticas fundamentais são verdade e denotação.
Adeptos da corrente estreita não se puseram em acordo quanto às
propriedades semânticas fundamentais. É certo que as dicotomias
atomismo-holismo, externalismo-internalismo e broad-narrow são de
interesse para os especialistas. Aqui, no entanto, as diferenças serão
ignoradas e os termos poderão ser utilizados como se fossem "sinônimos".
Como era de se esperar, concepções tradicionais da mente, sob a
influência de Descartes e seus continuadores, tenderam a mostrar-se
fortemente internalistas. Os avanços da teoria da linguagem provocaram certo
desvio, no sentido das concepções externalistas. Nas discussões atuais, é
comum admitir propriedades "estreitas", determinadas pela composição física
43
intrínseca do ser em tela, assim como propriedades "amplas", independentes,
em parte, dessa composição. Fixar e caracterizar as condições ambientais é,
precisamente, um dos principais problemas para o qual se tem voltado a
psicosemântica
12
.
Percebe-se que o problema corpo-mente, de modo mais preciso a
perspectiva apontada na presente tese que é a tentativa de se demarcar um
âmbito seguro para a reflexão acerca do mental através dos algoritmos de
compressão, que continua em aberto - com alguns aspectos aprofundados e
numerosíssimas facetas inexploradas
13
- a necessidade de se construir uma
argumentação mais sólida e segura para que as demais áreas com as quais
esta temática se interrelaciona possam fazer uso de tais argumentos de modo
a auxiliar significativamente seus estudos.
12
Ver, p. ex., J. Fodor, Psychosemantics, 1987, bem como B. Loewer & G. Rey, editores, Meaning and
mind: Fodor and his critics, 1991.
13
O leitor que desejar investigar essa abordagem poderá valer-se, via Internet, dos sítios de alguns autores
muito atuantes. Apresentamos, a seguir, para orientação de interessados, os nomes dos autores mais
freqüentemente citados em livros e artigos que abordam esta temática. Comecemos com os pesquisadores:
D. M. Armstrong, N. J. Block, T. Burge, P. M. Churchland, P. S. Churchland, D. Davidson, D. C. Dennett,
F. I. Dretske, J. A. Fodor, J. Kim, W. G. Lycan, R. E. Nisbett, H. Putnam, Z. Pylyshyn, W. V. O. Quine, D.
E. Rumelhart, e S. P. Stich. Lembremos também de B. Baars, F. Crick, M. Farah, M. S. Gazzaniga, P. N.
Johnson-Laird, M. Kinsbourne, M. Koch, B. Libet, A. J. Marcel, T. Nagel, G. Rey, D. Schacter, J. Searle e
A. W. Young. Na Inglaterra, Susan Haack não deixa de mencionar os Churchland, Davidson, Fodor,
Putnam e Quine, mas focaliza outros estudiosos — L. Bonjour, A. I. Goldman, R. H. Maturana, R. Rorty e
J. W. N. Watkins. A Stanford Encyclopedia of Philosophy, em preparo (examinada via internet) tem vários
artigos que abordam a questão corpo-mente (e questões conexas). Os autores mais citados, em diversos
locais, são N. Block, P. M. Churchland e P. S. Churchland, A. Clark, D. Davidson, D. Dennett, J. Fodor, S.
M. Kosslyn, W. Lycan, Ruth G. Milikan, G. Rey, P. Smolenski. Aparecem, ainda, com certa freqüência, os
nomes de D. Chalmers, R. Cummins, M. Davies, B. P. McLaughlin, J. Perry, H. Pylyshyn, D. E. Rumelhart,
J. Searle, R. N. Shepard, K. Sterelny, S. Stich, N. J. T. Thomas, M. Tye, T. Van Gelden. Com menor
influência temos de orientação francesa algumas obras recentes de Filosofia da Ciência [(1) Philosophie et
psychologie, de Paul Engel; (2) Lês philosophes et la science, organizada por Pierre Wagner; e (3) os dois
44
Está clara a multiplicidade de interesses e fica explícita a
existência de muitas divergências entre estudiosos.
O dualismo cartesiano sofreu muitas objeções, sobretudo dos
materialistas, para os quais, quando falamos da mente humana estamos
falando de fenômenos relativos a nosso corpo ou organismo, e não de
fenômenos de outra natureza.
O materialismo sustenta que pensar e falar, por exemplo, são
operações que executamos fisicamente, assim como andar e comer. A
perspectiva materialista comporta diversas variações, e todas elas estão
ligadas sobretudo à idéia fundamental que aquilo que chamaríamos de mente
humana, de alguma maneira, poderia se identificar com o sistema nervoso
central, ou então com um conjunto de fenômenos neurofisiológicos que ali
ocorrem. Acreditar em alguma coisa, por exemplo, pode ser algo explicado
como ter seu sistema nervoso central em determinado estado, o que poderia
ser estudado por procedimentos científicos específicos.
O materialismo não é a única alternativa ao dualismo tradicional.
Uma outra se encontra naquela tradição presente tanto entre os filósofos
volumes de Philosophie des sciences, escrito por Daniel Andler (matemático), Anne Fagot-Largeault
(filosofia da biologia) e Bertrand Saint-Germain (teoria do conhecimento).
45
quanto entre os psicólogos, e que se denomina behaviorismo, ou
comportamentalismo.
Há também diversos tipos de behaviorismo, mas a idéia
fundamental neste caso é que falar dos fenômenos mentais seria nada mais
nada menos que falar do comportamento, da ação, da conduta das pessoas,
nos diversos contextos sociais em que elas vivem. Uma das formas mais
conhecidas de behaviorismo, defendida pelo psicólogo Skinner, propõe que
expliquemos o comportamento das pessoas com base apenas em fatores do
ambiente no qual elas vivem. Uma ação do indivíduo tende a se reforçar
quando traz conseqüências positivas para o agente; e tais conseqüências
dependem de modificações que a ação do indivíduo produz em seu ambiente.
O filósofo Gilbert Ryle, a quem nos referimos acima, defendia
também uma doutrina que pode ser classificada como um tipo de
behaviorismo. Para ele, quando falamos dos movimentos e do
comportamento de uma pessoa e quando falamos de suas crenças e outras
entidades mentais, estamos apenas utilizando duas formas alternativas de
falar das mesmas coisas. Ou seja, depois de conhecermos o comportamento
de uma pessoa, conhecemos sua mente. Querer afirmar que a mente é alguma
coisa além do comportamento seria um erro categorial, algo equivalente a
46
conhecer todos os cômodos de uma casa, e depois ainda querer conhecer a
casa, em si mesma, como se ela fosse alguma coisa diferente da reunião de
todas as suas partes.
Outros pensadores, contudo, insistem na diferença entre
comportamento e ação, e procuram utilizar essa distinção para caracterizar o
que seriam os eventos mentais humanos. Essa é uma perspectiva que tem
hoje em dia ganho grande aceitação e que praticamente tem dominado os
debates em filosofia da mente.
Embora haja variações também aqui, seus defensores em geral
defendem a idéia fundamental que os eventos mentais são eventos
intencionais. A diferença entre comportamento e ação é que o
comportamento pode ser regulado por causas naturais, mas a ação genuína é
motivada por razões.
Nosso comportamento pode muitas vezes ser irracional, mas
nossas ações são sempre racionais. Alguns dos filósofos mais famosos que
defendem essa perspectiva são Donald Davidson, Daniel Dennett e John
Searle.
47
A noção de intencionalidade defendida por esses autores não é a
mesma que a noção comum, que empregamos quando dizemos que temos a
intenção de fazer alguma coisa. Segundo a noção filosófica de
intencionalidade, um objeto é intencional se ele está necessariamente voltado
para outro, se não pode ser compreendido sem esse outro.
Os eventos mentais são exemplos típicos de eventos
intencionais, pois não podemos falar, por exemplo, de acreditar pura e
simplesmente, e sim de acreditar em alguma coisa, ou de acreditar que
alguma coisa é de um modo ou de outro. Ou seja, um evento mental
qualquer, tal como uma crença, tem sempre de ser entendido juntamente com
seu objeto, com aquilo a que se dirige.
De maneira geral, um evento mental sempre aponta para algum
objeto, ele está sempre associado a uma finalidade específica. Nossa noção
comum de ter a intenção de fazer determinada coisa é apenas um exemplo de
evento intencional, no sentido filosófico desse termo, mas não o único.
Dizemos que fazemos alguma coisa com a intenção de fazê-la,
ou de propósito, quando temos consciência da finalidade específica de nossa
ação. Mas a falta de consciência de nossa parte sobre os objetos específicos
48
de outros eventos mentais em nós não quer dizer que eles não sejam também
eventos intencionais. Eles são intencionais se não podem ser compreendidos
sem referência a seus objetos ou a suas finalidades específicas.
Além disso, para os defensores da intencionalidade como uma
característica necessariamente relacionada com os eventos mentais, nosso
comportamento pode ser descrito como função de causas naturais, sem exibir
intencionalidade, mas nossa ação deve ser sempre descrita em relação com
razões para agir, e tais razões direcionam a ação para fins específicos.
É assim que as ações humanas exibem um caráter intencional
que as torna racionais, enquanto que o comportamento causado por fatores
ambientais, por não ser nem intencional, nem racional, não pode ser
classificado como um evento mental. O comportamento seria então apenas
um evento natural, seria aquilo que compartilhamos com outros animais, mas
não alguma coisa tipicamente humana.
Tanta diversidade nas abordagens apresentadas não esgota toda
a riqueza da discussão presente nesse domínio de debate proposto pela
filosofia da mente, pelas ciências cognitivas, pelas neurociências e, cada vez
mais, tem atraído a atenção de estudiosos de diversas outras áreas do saber.
49
Elas propiciam um âmbito fértil para a reflexão sobre problemas que são e/ou
estão vinculados à mente humana.
Vamos buscar nas primeiras páginas do livro O que é Filosofia
da Mente do professor João de Fernandes Teixeira uma apresentação clara e
instigante (e, por que não dizer, um tanto quanto sarcástica) deste campo que
tanto vem despertando os olhares de pensadores das mais diversas áreas:
Durante séculos os filósofos tentaram responder às questões: O
que é mente? O que caracteriza os fenômenos mentais? O mesmo
ocorre com quase todas as religiões que conhecemos. Todas elas
referem-se à mente, às vezes como “espírito” ou como “alma” –
algo que teria propriedades especiais e que continuaria
subsistindo mesmo após nossa morte. Na verdade, falar de
“mente” ou de “fenômenos mentais” ainda é coisa que nos causa
tanta estranheza quanto falar de OVNIs ou da existência de
criaturas extraterrestres. A mente sempre foi um enigma, talvez
pelo fato de os fenômenos mentais serem invisíveis e inacessíveis
para nós. A ciência de que dispomos até hoje não parece ter
auxiliado muito na tentativa de encontrar uma resposta para essas
questões. A psicologia quer fazer uma ciência da mente,
50
desenvolveu teses e teorias acerca do funcionamento mental do
homem e de alguns animais. Mas os psicólogos nunca chegaram a
um consenso sobre o que é a mente e sobre o que eles estão
falando. Há não muito tempo havia psicólogos que nem sequer
reconheciam a existência da mente ou dos fenômenos mentais,
embora se declarassem estudiosos de psicologia. Estranhas
criaturas, que nem se quer sabiam o que sonhavam! (TEIXEIRA,
1994, p. 7-8)
51
2 – O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO DE ÂMBITO
Parece ser o Problema da Demarcação de Âmbito um esforço
que vem ocupando as mentes dos filósofos durante toda sua trajetória.
Mesmo as correntes filosóficas propondo norte bastante diversos, uma
constante se apresenta, que é a tentativa de se criar argumentos forte
suficiente de modo a demarcar, definir, estabelecer as fronteiras pertencentes
aos diversos tipos de discursos explicativos das coisas.
Nesta tentativa de estabelecer um campo onde as
especificidades de cada abordagem tivessem melhor ordenamento e, por
conseguinte, mais fácil inter-relacionar conceitual é que trazemos aqui um
breve explanar geral dos âmbitos principais que perpassam a reflexão
científica e filosófica para assim, a posteriori, entrarmos de modo mais
específico nas caracterizações do âmbito da Filosofia da Mente e sua
tentativa de demarcação e justificação por meio dos Algoritmos de
Compressão.
52
2.1 – O SENSO COMUM
Terreno fértil donde pode brotar tentativas múltiplas de
explicação das coisas. Caracterizado por sua fragilidade argumentativa e
despreocupação em relação à rigidez conceitual tal âmbito trás consigo um
elemento de interessante peculiaridade, ou seja, é aí o local onde a
investigação científica e filosófica vai nascer. Por mais aparente contradição
que esta afirmação possa trazer é da necessidade de entender melhor os
dizeres populares que, o ser humano, irá criar o proceder filosófico e,
posteriormente o científico, como modo mais seguro de explicação dos
princípios de tais eventos.
Vamos notar que contemporaneamente muitos autores chegam a
evidenciar que a tentativa das explicações populares, a folk psychology por
exemplo, chega a ser o critério de adaptação evolutivo da espécie humana.
Aqui uma questão interessante se abre: poderia então a filosofia, a ciência e,
no nosso caso mais preciso, a Filosofia da Mente, não passarem de
sofisticação dos argumentos propostos pelo Senso Comum? Tal argüição não
é de todo ruim, todavia, é sabido que questões que se abrem de investigações
dentro de sofisticados sistemas conceituais rarissimamente se darão também
53
dentro da simplicidade dos dizeres populares. Entretanto, muitas abordagens
feitas popularmente servem e instigam a tentativa filosófica e científica de
explicá-las.
Entretanto em Freire-Maia (1995) percebemos o detectar de
limite entre o senso comum e a ciência. Cita Bachelard (apud FREIRE-
MAIA, 1995, p. 20) “é o corte epistemológico”. Graças a este, trata-se de
esferas cognitivas diferentes, embora possam referir à mesma realidade.
A ciência é mais sofisticada no que tange ao rigor metodológico,
técnico, teórico, ainda que o senso comum, também possua um certo
proceder metodológico, técnico e até teórico, todavia, o que resulta como
critério de demarcação é justamente a sofisticação apresentada.
Mattalo Júnior (idem) diz que “o senso comum é um conjunto de
informações não-sistematizadas que podemos por processos formais,
informais e, às vezes, inconscientes, e que inclui um conjunto de valorações.
Essas informações são, no mais das vezes, fragmentárias e podem incluir
fatos verdadeiros, doutrinas religiosas, lendas ou parte delas, princípios
ideológicos às vezes conflitantes, informações científicas popularizadas pelos
meios de comunicação de massa, bem como a experiência pessoal
54
acumulada. Quando emitimos opiniões, lançamos mão desse estoque de
coisas da maneira que nos parece mais apropriada para justificar e tornar
os argumentos aceitáveis.”
Popper (1975) por exemplo chega a enfatizar que tanto a
filosofia quanto a ciência não passam do senso comum esclarecido. E se
retomarmos a Tales de Mileto notamos nos dizeres de Forbes e Dijiksterhuis
(apud FREIRE-MAIA, 1995) que “a nossa ciência moderna descende
segundo uma linha contínua e ininterrupta dos pensamentos de Tales e de
homens com o mesmo quilate de seus contemporâneos”, ou seja, foi também
a partir da tentativa de superar as explicações mitológicas (que poderíamos
dizer que possuem uma aproximação muito grande com o senso comum) que
Tales tentou sofisticar o entendimento do principio causal das coisas em
geral. Ou melhor, partiu do menos sofisticado dado pelo mítico indo para o
mais elaborado apresentado pelo filosófico, e no período moderno de nossa
história, pelo científico.
O que nos interessa nesta breve reflexão sobre a demarcação de
âmbito do senso comum é que ela servirá de base para o entendimento dos
Algoritmos de Compressão que, principalmente na leitura dennettiana, terão
estreita ligação com as teses que sustentam a Folk Psychology.
55
2.2 - A RELIGIÃO E AS ELABORAÇÕES MÍTICAS
Com uma proximidade bastante acentuada em relação ao senso
comum (principalmente no que tange a sua não necessidade e/ou
impossibilidade de demonstração pelo crivo da ciência) o âmbito religioso ou
mitológico têm como elementos demarcantes de seu campo de entendimento
a crença do não demonstrável, ou seja, a fé dá-se como fator primordial de
demarcação.
Ciente que se optarmos por um olhar antropológico sobre as
manifestações do ser humano desde seus primórdios, perceberemos que este
tender em relação ao culto e/ou temor que o humano apresenta, é um dos
marcos da própria condição de ser entendido como ser-humano. O próprio
termo ‘religião’ do latim significa religio, formado pelo prefixo “re”
(novamente, outra vez) e o verbo “ligare” (ligar, unir), ou seja, a religião é
uma tentativa de re-estabelecer um vínculo entre o ser-humano e aquilo que
ele entende como sendo sagrado
14
.
14
O termo sagrado aqui é usado no sentido de experiência ou força sobrenatural ou sentimento que em
potência transcende a própria capacidade humana. Esse sagrado se manifesta tanto em possíveis entidades
metafísicas como também em elementos da própria natureza.
56
Os seres humanos, por sua vez, notam desde muito cedo que
vários dos episódios que ocorrem na natureza possuem uma causa
independente de sua atuação. Notam que eventos são prejudiciais (às vezes
não é claro!) e que outros são benéficos, entretanto, tal valoração é por ele
feita mas o evento em si, não.
Essa sensação de fragilidade fez com que o homem viesse a
projetar para além de si instâncias que servissem de base
explicante/justificante/causante de tais eventos. Assim sendo, a percepção de
uma realidade externa como algo desvinculado e independente da ação
humana conduziu (e ainda conduz) uma parcela considerável dos seres
humanos a ter uma crença-não-justificada, mas aceita como verdadeira, em
poderes superiores aos poderes humanos e, por isso, tentar estabelecer um
vínculo comunicacional com tais entidades – desse processo extraímos o
critério fundamental de demarcação do âmbito mítico ou religioso.
57
2.3 – O ÂMBITO DA ARTE
De acordo com Lalande (1993) a arte comporta dois sentidos
simetricamente inversos, a partir de uma raiz comum. O artifex é o homem
que encarna uma idéia, que fabrica um ser que não provém por si só da
natureza, ou melhor, seria um ente artificial (artificiatum). Porém, desse
modo, ou a arte estaria subordinada a fins práticos, ou ela nos subordinaria a
fins e ideais e satisfizesse necessidades não-utilitárias (aqui englobaríamos
então o caráter místico, mágico, supersticioso e até religioso da manifestação
artística).
Um outro critério bastante utilizando para demarcar o âmbito da
arte é a liberdade. Enfatiza-se, aqui inspirado na obra kantiana “Crítica do
Juízo” que somente o artista é que possui a autêntica liberdade, pois este, está
desvinculado da rigidez deontológica da conduta moral, como também, da
inflexibilidade das categorias apriori da razão humana.
Não temos o intuito neste momento de elaborar uma reflexão
pormenorizada acerca da arte, todavia, vamos perceber nos dizeres de
Quintás (1993) que existe, de fato, uma grande afinidade entre a experiência
estética (ou artística) em relação à ética e à metafísica. – por exemplo: “a
58
estrutura da experiência de interpretação musical é, em todas as suas
vertentes, extraordinariamente afim à estrutura da experiência ética, da
metafísica e da religiosa. Quando o homem assume, por exemplo, um valor
ético e age impelido por ele, este valor deixa de ser distante e externo a ele
para se transformar em algo íntimo, numa espécie de voz interior. Ao agir
em virtude de suas exigências, o homem não se sente coagido (...),
alienado(...), mas levado ao melhor de si mesmo, a sua plenitude humana,
que é fonte de satisfação, de prazer e entusiasmo (idem, p. 17).
Fica bastante claro na citação acima o quão frágil e perigosa é a
tentativa de buscar no âmbito da arte (assim como no religioso e no senso
comum) um “porto seguro” para estabelecer de forma criteriosa e segura
uma argumentação que venha a servir de substractum embasante duma
teorização demarcante do âmbito do mental. Pois tais âmbitos são repletos de
argumentos paradoxais, metafísicos, ilógicos e, por vezes várias, sofísticos –
vindo desse modo a não contribuir eficazmente na nossa tentativa de
encontrar um viés metodológico seguro (ou, mais seguro possível) para a
Filosofia da Mente demarcar o âmbito do mental.
59
2.4 – A FILOSOFIA, A CIÊNCIA E A FILOSOFIA DA MENTE
Com grande grau de acertividade podemos dizer que a
ocidentalidade atual é resultado da influência do modelo da filosofia grega
que permeia quase todas as facetas das atividades humanas contemporâneas.
Quando Tales de Mileto opôs seu modelo especulativo ao
modelo explicativo mitológico nasce para o mundo um estilo de parametrizar,
ordenar, demarcar o que até então era caótico ou o que possuía uma base
explicativa deveras poetizada.
À busca pelo rigor, pelo método, pela causa por intermédio do
exercício racional, faz surgir o que em nível geral podemos chamar de
filosofia
15
. Encontramos já nos ditos Filósofos da Natureza como: Tales,
Anaximandro, Anaxímenes, Demócrito, Anaxágoras, Empédocles, Heráclito,
Parmênides
16
- uma busca por encontrar a causa primeira que servisse de
critério de demarcação donde as demais teorizações pudessem se embasar na
tentativa de conceituar/explicar os eventos.
15
É bastante conveniente ressaltar que um conceito unívoco para o termo filosofia está ainda bastante
distante de ser alcançado, talvez nunca venha a ser.
60
Com o passar do tempo e com as modificações que se deram nas
diversas sociedades o ser humano foi aprimorando seu aparato investigativo,
vindo assim, no período moderno de nossa história a ter uma verdadeira
explosão de recursos no auxílio da tentativa humana de entender a
causalidade das coisas. Nasce aí o que se convencionou chamar de ciência
moderna. Ou seja, o ser humano provoca uma ruptura bastante brusca com o
modelo teocêntrico da idade média levando para o domínio humano um valor
muito maior acerca de sua própria responsabilidade ante os desígnios de sua
existência.
Desse modo a ciência torna-se estreitamente vinculada à idéia de
progresso. Segundo Dutra (2000, p. 81) “o problema do progresso do
conhecimento científico é o tema central do livro de Kuhn, assim como de
outros autores, como Popper e alguns realistas (...). Essa questão remonta a
Kant e sua visão sobre as diferenças entre a metafísica, de um lado, e a física
e a matemática, de outro. Popper atribui o problema de demarcação entre
ciência e outros ramos do saber a Kant. Para este, a ciência é a forma do
saber que está sujeita a progresso. Essa noção passou para a filosofia em
geral e para a epistemologia posteriores a Kant, e chegou mesmo ao senso
16
Mesmo este com todo seu caráter metafísico.
61
comum, de forma a nos dar a idéia de que o conhecimento científico
progride.”
A ciência é, sem dúvida, um dos fatores que permeia de modo
muito significativo nossas vidas. A atividade científica, principalmente desde
o período moderno de nossa história, interfere diretamente no way of life das
pessoas.
Não temos como escapar, como nos proteger de suas
interferências, tanto é que se não fosse os avanços da ciência, a digitação
deste texto que você está lendo neste momento não seria possível nos moldes
em que está sendo realizado agora! A atividade científica ainda é um dos
grandes paradigmas que moldam o comportamento e o jeito de viver dos
seres humanos. Porém, a conceituação do âmbito da ciência, bem como, de
seu significado tornam-se fatores imprescindíveis para a filosofia.
Tratemos agora de apresentar uma conceituação geral do que
venha a ser ciência: CIÊNCIA é um conjunto de conhecimentos
sistematicamente organizados que procuram explicar perguntas de uma
determinada área do saber passível de verificação (normalmente empírica).
62
Destacamos aqui também três aspectos componentes da
atividade científica:
i) Critérios da Ciência:
- Demonstrabilidade: uma elaboração científica deve poder
ser apresentada de modo que os procedimentos que ela
utilizou em seus experimentos e os resultados decorrentes
possam ser constatados;
- Verificabilidade: uma elaboração científica deve ser
passível de repetidas verificações para perceber a
validade de suas inferências e metodologias aplicadas (tal
verificação refere-se ao âmbito empírico);
- Comunicabilidade: uma elaboração científica deve poder
ser comunicada, no mínimo, à comunidade científica (e
deve buscar sempre uma validade universal).
ii) Níveis da Ciências:
- Descritivo: uma elaboração científica deve descrever seu
objeto de investigação;
- Explicativo: uma elaboração científica deve dizer o que é
e como funciona seu experimento;
63
- Prescritivo: uma elaboração científica deve apresentar as
utilizações e interferências de suas teorizações na vida
das pessoas e das coisas.
iii) Avanço da Ciência:
- Acumulação: a ciência avança açambarcando em sua
estrutura os argumentos pertencentes à outra teoria;
resolvendo, por conseguinte, um número maior de
problemas, sem entretanto, refutar a teoria anterior.
- Eliminação: a nova teoria científica não condiz com os
argumentos da teoria anterior. Os argumentos da nova
teoria explicam melhor uma determinada situação, porém,
a teoria antiga apresenta argumentos contrários aos da
nova, logo, tais argumentos para o propósito a que se
propuseram não resolvem tão bem os problemas quanto a
nova teoria, por isso, são descartados.
Apesar de alguns autores apresentarem um grande
distanciamento entre o âmbito da Filosofia e o da Ciência opta-se no presente
estudo uma visão bastante contrária. Defendemos um estabelecimento brando
64
de demarcação entre ciência e filosofia. Entendemos um aproximar e um
vincular necessário entre estes dois âmbitos.
A filosofia um pouco mais preocupada com um rigor
argumentativo/explicativo e a ciência com um aprimoramento dos recursos
técnicos na busca ampliar a capacidade investigativa humana. Desse modo,
não percebemos a possibilidade do fazer científico desvinculado da
contribuição filosófica (principalmente no que tange às contribuições lógicas
e matemáticas
17
para a construção dos argumentos elaborados pela ciência a
partir dos dados por ela mesma coletados, como também, das investigações
onde o objeto analisado não está (ainda) disponível ao aparato tecnológico da
ciência).
Dentro deste viés tentaremos agora apresentar as linhas gerais
que demarcam o âmbito da Filosofia da Mente. De acordo com Teixeira
(1996) caracterizar rigorosamente tal âmbito não é uma tarefa fácil
principalmente por a Filosofia da Mente não se apresentar propriamente
como uma disciplina, mas sim, como um modo de filosofar acerca de
questões tradicionais que envolvem as relações mente-corpo, o problema da
17
Para efeito deste estudo entendemos a lógica e a matemática não como ciências, mais sim, com
ferramentais auxiliantes do trabalho do cientista e do filósofo.
65
causalidade do mental, as representações mentais, as discussões entre o
dualismo e a materialismo, a questão da consciência entre outras.
Todavia, a Filosofia da Mente conta contemporaneamente com
as contribuições das investigações da ciência como elementos também
demarcantes do seu âmbito de atuação (que de modo geral poderíamos
destacar as Neurociências, a Robótica, a Nanotecnologia, a Psicologia
Evolucionária, etc).
A Filosofia da Mente se preocupa em contribuir para uma
reflexão mais sofisticada neste campo de análise principalmente no que
refere à discussões onde a própria atividade científica carece de um
fundamento teórico que venha a tentar resolver problemas que seu aparato
tecnológico não se mostra suficiente. Questões de cunho metafísico por
exemplo causam grandes problemas para a Neurociência, por exemplo.
Ainda fundamentado em Teixeira (1996) talvez tenhamos na re-
elaboração de problemas metafísicos e da análise lingüística uma das grandes
contribuições da Filosofia da Mente: “O erro básico de todas estas posições
residiria no fato de que a própria formulação do problema nada mais seria
do que um equívoco lingüístico. Uma análise cuidadosa da linguagem de que
66
nos utilizamos para nos referir a estados mentais e outros fenômenos
internos seria suficiente para dissipar toda confusão e o próprio problema
da relação mente corpo desapareceria, ficando assim evidente que este seria
um pseudo-problema.”. Entretanto, temos assim no trabalho de Ryle citado
por Teixeira (1996) que a especulação da natureza dos fenômenos mentais
deveria ser substituída por uma análise conceitual.
Não se pode negar a significativa importância da análise
lingüística no âmbito da Filosofia da Mente, todavia, na década de 60 um
movimento toma força contra esta postura eminentemente lingüística – que é
o materialismo. Essa nova tendência entra em forte embate com a perspectiva
proposta por Ryle. O materialismo vai tentar reduzir ao campo da psicologia
empírica (e mais tarde da neurofisiologia) o lugar suficiente e necessário
para a resolução das questões mente-corpo.
Desse modo a Filosofia da Mente iria entrar em grande
proximidade com a Filosofia da Ciência para tentar permanecer como
instância participante nas teorizações sobre as questões fundamentais deste
âmbito.
67
... estas teorias não podiam ser pura e simplesmente
incorporadas pela Filosofia da Mente: elas eram e deveriam ser
suscetíveis de uma crítica filosófica. Foi esta tendência que
levou a uma aproximação entre Filosofia da Mente e Filosofia
da Ciência – uma aproximação que se mantém até hoje. Achar
uma compatibilidade ou uma comensurabilidade entre teorias
psicológicas e teorias neurofisiológicas como se buscava é
ainda hoje um problema fundamental para a Filosofia da Mente
e ao mesmo tempo para a Filosofia da Ciência.(...) O comércio
entre ciência e filosofia era assim restabelecido e isto levou a
Filosofia da Mente a assumir uma posição naturalista, ou seja, a
sustentar que a epistemologia e, conseqüentemente, a própria
Filosofia da Mente deveriam ser vistas como um capítulo da
Psicologia. (TEIXERA, 1996, p. 3)
Foi com a hoje bastante conhecida teoria da identidade
18
, onde
todo o conteúdo mental era entendido como sendo a mesma coisa que a
estrutura cerebral, que pressupostos fisicalistas ganham força e se tornam
um dos critérios de demarcação do âmbito da Filosofia da Mente. Essa
18
Não nos cabe neste momento uma reflexão maior sobre a Teoria da Identidade pois estamos agora apenas
preocupados em apresentar quais as teorias que serviram e servem para demarcar o âmbito geral da Filosofia
da Mente.
68
corrente enfatiza em síntese que nossos desejos, crenças e intenções, ou seja,
nossos estados mentais seriam idênticos a nossos estados cerebrais.
Mesmo a teoria da Identidade vindo a sofrer diversos ataques ela
ainda constitui ponto de real importância para a Filosofia da Mente. Todavia,
na década de 50 começa aparecer fortemente um novo critério que vai
demarcar o campo de investigação da Filosofia da Mente – a teoria
computacional da mente.
Essa nova vertente é permeada pela Psicologia Cognitiva e com
os primeiros passos da Inteligência Artificial. A partir desse momento
pesquisadores tentam explicar o mental a partir de simulações
computacionais. Uma tese central permeia todo esse processo: “se pudermos
desenvolver/simular/modelar/representar condições em que não seja possível
perceber quando uma máquina ou quando uma pessoa estiverem resolvendo
determinados problemas, porque não podemos dizer que uma máquina não
tem eventos e estados mentais!?”. A filosofia da Mente em conjunto com as
Ciências Cognitivas e a Inteligência Artificial começam a trabalhar com
necessários vínculos, sendo que a Filosofia da Mente adquire uma
importância fundamental principalmente no que se refere às reflexões
69
epistemológicas sobre as pretensões das demais ciências que abordavam a
mesma temática.
Esse caráter funcionalista, ou seja, essa tese de que nossos
estados psicológicos situam-se na inter-conexão com outros estados
formando uma complexa economia de estados internos que media os inputs
do meio ambiente e os outputs comportamentais, denotam que a natureza e a
razão de ser de nossos estados mentais (crenças, valores, etc) são
determinados funcionalmente tendo em vista os objetivos e tarefas que um
dado sistema vai realizar.
A característica básica desta concepção reside no fato de que os
estados mentais e sua natureza são definidos e constituídos através de um
conjunto de relações abstratas que eles mantêm entre si. Logo, este conjunto
pode ser instanciado em diferentes mecanismos ou sistemas, sejam eles
computadores antigos, sejam organismos biológicos. Se o sistema for capaz
de instanciar este conjunto de ralações abstratas ele será um sistema mental,
ou seja, poderá à ele ser inferido a seguinte tese: mantido o funcionamento de
um dado procedimento não importa a base física que o instancie.
70
O funcionalismo é um critério que teve e tem diversos ataques às
suas estruturas, entretanto, ele ainda se apresenta com um dos marcos
fundamentais na nossa tentativa de estabelecer através dos algoritmos de
compressão um âmbito suficiente para as discussões acerca do mental.
Do livro “Mentes e Máquinas” do professor João de Fernandes
Teixeira (1998) vamos encontrar mais um dos critérios de demarcação da
Filosofia da Mente que é o Conexionismo. Esta nova abordagem vai
apresentar uma leitura diferente acerca do funcionamento do mental.
Segundo o conexionismo a mente não é simplesmente um programa
computacional, uma mera representação que executa algoritmos
independentemente de sua base física e desvinculada de sua arquitetura.
Segundo o conexionismo um dos erros da Inteligência Artificial Simbólica
foi não ter conseguido romper com as influências do dualismo cartesiano
trazendo para si a mesma perspectiva quando reflete sobre o
mental/corporal ou software/hardware.
Vindo de encontro à tese da Inteligência Artificial Simbólica, o
Conexionismo se embasa na tese de que é a complexidade de certos sistemas
físicos que os qualificam para produzir os elementos pertencentes ao nível
mental. Ou seja, estados mentais emergem das redes (neste caso a ordem da
71
programação é substituída pela organização e re-organização da estrutura do
hardware), em suma, estados mentais são a realização de certas disposições
que exigem uma arquitetura específica da máquina.
A abordagem conexionista possui uma grande importância para
a Filosofia da Mente principalmente no que se refere à questão da
possibilidade/importância da arquitetura e do design mental.
Outra fundamental contribuição se dá no aspecto do caráter
eminentemente materialista desta abordagem, pois, de acordo com Teixeira
(1998, p. 105) “se quisermos estipular uma teoria materialista da mente de
acordo com bases científicas, é inevitável que estados mentais devam se
conformar às leis da Física. Se estas últimas estão corretas e, se, além disso,
estados mentais ocorrem no tempo (...) então devemos igualmente supor que
estados mentais ocorrem no espaço, ou seja, que eles devam ter algum tipo
de localização espacial.(...) os modelos conexionistas tornam possível
conceber estados mentais como estados materiais (...). Estados mentais
ocorrem no espaço, embora não possamos dizer exatamente onde eles
ocorrem: eles estão em algum lugar da rede de conexões entre as unidades e
na forma de um processo global do sistema.”
72
Podemos então perceber que tanto a Filosofia Geral quanto a
Ciência estão necessariamente vinculadas quando desejamos estabelecer os
critérios de demarcação para a Filosofia da Mente. Esta, por sua vez, encontra
nos dias atuais uma gama bastante variada de áreas do saber que contribuem
na tentativa de se entender um pouco mais sobre âmbito do mental.
É interessante ressaltar que mesmo com as contribuições
advindas da Neurologia, da Psicologia Evolucionária, das Ciências da
Computação, da Robótica, a Filosofia da Mente possui assegurado um campo
de atividade de fundamental importância para essas demais ciências no
tocante à sua especificidade analítica das teses apresentadas e na formulação
de argumentos sustentantes (ou atacantes) das teorias desta grande área do
saber.
73
3 – IMPLICAÇÕES DO MATERIALISMO E DO
DUALISMO NA TENTATIVA DE DEMARCAÇÃO
DE ÂMBITO DO MENTAL
É quando Moore (1980) nos chama a atenção para a discussão
que diz respeito ao significado de algumas palavras. Disse que propunha a
levantar a questão: Qual é o significado das palavras “real”, “existe”, “é”, “é
um fato”, “é verdadeiro”? Mas infere Moore que esta foi talvez uma forma
imprópria de descrever a questão que realmente desejava discutir.
Obviamente, segundo Moore (idem) não pode existir nenhuma
necessidade de que alguém explique o significado da palavra “real”, no
sentido em que poderia ser necessário que explicar seu significado se
estivesse tentando ensinar inglês a algum estrangeiro que não sabe nenhuma
palavra da língua. E, obviamente, se fosse isto o que se está tentando fazer, os
meios pelos quais se tenta fazê-lo seriam perfeitamente absurdos. Todas as
explicações que se apresentam foram simplesmente explicações em inglês: de
acordo com Moore (idem): “usei somente outras palavras inglesas para
expressar o que desejava dizer; e obviamente, se os senhores estrangeiros que
74
não soubessem nenhuma palavra de inglês, não saberiam nem um pouco mais
com relação ao seu significado de “real” após as explicações diante das quais
se encontram, simplesmente porque não entenderiam a própria palavra “real”.
Naturalmente, estou pressupondo que os senhores sabem a língua inglesa; e
desde que a sabem, já sabem o significado da palavra “real” tão bem quanto
sabem o significado de qualquer uma das palavras com a ajuda da qual eu
poderia tentar explicar-lhes esse significado”.
Entretanto, o problema que deseja levantar deve ser muito
diferente deste problema que se originaria se eles não entendessem o inglês.
Obviamente, se a palavra “real” fosse usada na Filosofia em algum sentido
técnico, diferente daquele em que é usado na vida comum, o caso seria
diferente. Poderíamos então tentar explicar este uso técnico da palavra
simplesmente como se ela fosse uma palavra que nunca foi ouvida antes. O
intuito não é o de se restringir aos usos técnicos destas palavras. Continua
Moore:
se os senhores fossem estrangeiros, que não soubessem nada de
inglês, ou se eu quisesse explicar algum uso técnico especial de
uma palavra, o que eu desejaria fazer seria simplesmente
colocar diante de suas mentes a noção ou idéia que a palavra
75
sugere àqueles que a compreendem. Mas, desde que os senhores
já entendem o inglês, o simples pronunciar de minha parte a
palavra “real” é suficiente para fazer isso: é suficiente colocar
diante de suas mentes a noção em questão. Isto, portanto, não é
certamente tudo o que quero fazer; e portanto foi talvez
lamentável de minha parte dizer: que eu desejava qual o
significado da palavra “real”. Não quero descobrir isso, no
sentido em que um polinésio que não sabe nada de inglês
poderia querer descobri-lo: ao contrário, já sei seu significado
neste sentido, e todos os senhores o sabem, também, tão bem
quanto eu. O que é, então, que eu quero descobrir? Qual é a
questão que quero responder? Bem, poder-se-ia dizer, pelas
razões acima, que as questões que desejo discutir não são
simplesmente questões acerca dos significados dessas palavras
“real”, “existe” [materialismo, dualismo, algoritmos
]
19
, etc.
não são mais questões acerca dos significados dessas palavras
do que uma questão acerca da anatomia de um cavalo, ou com
relação aos aspectos em que os cavalos são similares ou
diferentes dos outros animais, é uma questão com relação ao
significado da palavra “cavalo”.
19
Palavras e grifo nosso.
76
Assim como, se estivéssemos tentando dizer-lhes alguns fatos
acerca da estrutura anatômica dos cavalos, deveríamos supor que a palavra
“cavalo” produziu em suas mentes o objeto do qual estou falando, e assim
como, a menos que ele produzisse em suas mentes aquele objeto, não
entenderiam uma só palavra do que estava dizendo, estamos supondo agora
que a palavra “real” produziu em suas mentes o objeto ou objetos dos quais
desejo falar – a saber, a propriedade ou propriedades que pretendemos
afirmar que uma coisa possui quando dizemos que ela é real – e, a menos que
a palavra tenha produzido em suas mentes esta propriedade ou propriedades,
tudo o que dizemos será bastante inteligível.
Os dizeres do Moore acima enfatizam nosso intuito maior de não
só nos atermos às clarificações conceituais do materialismo, do dualismo, do
mental, dos algoritmos; mas sim as propriedades destes, para assim podermos
efetuar nossa análise em termos também epistemológicos como ontológicos –
encontrando por conseguinte nossos critérios de demarcação do âmbito do
mental.
Cabe-nos, então agora, um adentrar de modo mais preciso na
reflexão das bases conceituais do Materialismo bem como do Dualismo para
podermos, a posteriori, apresentar nossa tese dos Algoritmos de Compressão
77
como elementos suficientes para a demarcação de âmbito do mental. Pois,
entender as bases teóricas do Materialismo e do Dualismo que sustentam
diversas teorias acerca desta temática é fator primordial para podermos
prosseguir em nosso discurso.
78
3.1 – O PROBLEMA DA CAUSALIDADE
É com David Hume
20
que o Problema da Causalidade encontra seu
momento mais crítico e de difícil solução. Porém, o Problema da
Causalidade aqui possui um sentido de referência às nossas intenções de
tratar com melhor clareza o viés Materialista e Dualista na sua tentativa de
resolver, ontológica e epistemologicamente, a questão causal para a Filosofia
da Mente.
Como o Problema da Causalidade possui implicações diretas em
relação a nossa tentativa de apresentar os Algoritmos de Compressão como
20
David Hume (1711 – 1776) nascido em Edimburgo (Escócia). Em 1739 escreve sua mais notável obra
Tratado sobre a Natureza Humana, porém, outras obras também ganham destaque: Ensaios sobre o
intelecto humano (1748), entre 1751 e 1757 escreve Pesquisas sobre os princípios da moral, História da
Inglaterra, História natural da religião. Em nível geral é possível falar que David Hume vai apresentar para
o empirismo Inglês sua mais profunda fase cética e irracionalista devido a seus estudos demonstrarem a
falaciosidade das teorias que partem do princípio da possibilidade de se conhecer a causa dos eventos.
Hume apresenta que só podemos ter acesso às impressões que possuímos pelo hábito de experimentarmos
uma determinada seqüência regular e repetitiva de acontecimentos que, por sua vez, nos fazem crer que,
futuramente, tal acontecimento venha a ocorrer novamente, ou seja, nunca teremos o conhecimento da causa
que produz o efeito, temos apenas a crença que, de percebermos a ocorrência dos efeitos, tais efeitos
possuem a tendência de ocorrerem novamente se dadas as condições anteriormente responsáveis pela causa,
todavia, sem nunca podermos conhecer tal causa.
Da obra Investigações sobre o intelecto humano: “Qual é, então, a conclusão da questão toda? É uma
conclusão simples, embora deva-se admitir que bastante distante das teorias filosóficas comuns. Toda
crença em um dado de fato ou em uma existência real deriva simplesmente de algum objeto, presente na
memória ou nos sentidos, e de uma conexão habitual desse objeto com algum outro. Em outras palavras,
havendo constatado, em muitos caso, que duas espécies determinadas de objetos – chama e calor, neve e
frio – sempre estiverem ligadas entre si, quando a neve ou uma chama se apresenta de novo aos sentidos, a
mente é levada pelo costume a esperar frio ou calor e a crer que exista uma qualidade semelhante, que se
revelará a uma aproximação maior de nossa parte. Essa crença é a conseqüência necessário do fato de que
a mente se encontre em circunstâncias semelhante: é uma operação da alma, quando nos encontramos
nessa situação, torna-se tão inevitável quanto sentir a paixão do amor quando recebemos benefícios ou o
ódio quando sofremos injúrias. Todas essas operações são outras espécies de instintos naturais, que
nenhum raciocínio ou procedimento do pensamento e do intelecto está em condições de produzir ou
obstaculizar. (...) a razão é e só deve ser escrava das paixões, não podendo em caso algum reivindicar uma
função diversa da de servir e obedecer a elas.” (apud REALE, 1990).
79
elementos suficientes para demarcar o âmbito do mental. Vamos tentar
apresentar uma breve argumentação embasada em Searle
21
e Popper para
tentar fugir do ceticismo resultante das reflexões de David Hume.
Searle preocupa-se em explicar a interferência da causalidade em
sua teoria sobre os estados mentais (principalmente em relação à
consciência) devido a algumas imprecisões que, segundo ele, poderiam
possibilitar leituras errôneas de sua obra. Por isso, ele escreve:
Mas mesmo que tratemos a consciência como um fenômeno
biológico e, por conseguinte, como parte de um mundo físico
ordinário, idéia na qual insisto, ainda há muitos outros erros a
serem evitados. Acabei de mencionar um deles: se os processos
cerebrais causam a consciência, então para a maioria das pessoas
haveria duas coisas distintas, a saber – processos cerebrais como
causa e estados conscientes como efeito, fato que parece implicar
dualismo. Este segundo erro deriva, em parte, de uma concepção
incorreta de causalidade. (...)
Processos de nível inferior no cérebro causam meu atual estado
de consciência, mas este estado não é uma entidade separada do
21
É conveniente deixar claro neste momento que Searle não concordaria com nossa opção pelos algoritmos
de compressão que possui uma adequação à abordagem de Dennett, todavia, Searle contribui
80
meu cérebro; ele é apenas uma propriedade do meu cérebro no
momento atual. (1998, p. 35)
O que Searle está enfatizando é que a causa dos estados de
consciência dá-se nos processos físicos cerebrais; entretanto, ele não faz uma
leitura de causa-efeito, mas sim, opta por uma nova perspectiva na qual a
causa é interna e não externa à estrutura física do cérebro; o que difere, é que
o evento mental torna-se uma propriedade momentânea daquilo que o causa;
logo, não é um efeito, mas sim, um fator constituinte de status diferente.
No próprio raciocínio searleano apresenta-se uma solução do
problema mente-corpo e sua interferência direta no problema da causalidade:
A propósito, a análise de que os processos cerebrais causam a consciência,
mas que a consciência, propriamente dita, é uma ‘propriedade’ do cérebro,
fornece uma solução ao tradicional problema mente-corpo. Uma solução que
evita tanto o dualismo quanto o materialismo...” (idem).
O problema que Searle quer tratar é a noção não clara de
causalidade tomada pela maioria dos estudiosos nas mais diversas áreas.
Tem-se, em geral, o entendimento de que os efeitos percebidos possuem uma
significativamente para reelaborar o problema da causalidade apresentado por Hume.
81
relação natural entre o evento causante e o causado. Mas, ao adentrarmos na
questão a partir deste referencial, percebemos que ele implica em dualismo.
Tomemos o clássico exemplo do jogo de bilhar: a bola “A” segue
em direção à bola “B”; o choque da bola “A” faz com que a bola “B” entre
em movimento – a grosso modo diríamos que a causa do movimento da bola
“B” é a bola “A”. Se o compararmos à problemática dos estados de
consciência de um indivíduo, teríamos que admitir claramente o dualismo,
pois, a estrutura cerebral do indivíduo “A” causaria o evento “B”, que seria
um estado qualquer de consciência; logo, “A” implica “B” e, após a
ocorrência de “B”, “A” não teria mais nenhum vínculo com o evento
causando, resultando, por conseguinte, num dualismo de causa-efeito.
Entretanto, não temos condição de perceber o nexo causal exato
que levou à ocorrência do evento do movimento da bola “B”; podemos
apenas constatar o movimento da bola “A” em direção à bola “B” e o
posterior movimento da bola “B” devido ao choque com a bola “A”, mas,
jamais poderemos ter acesso ao evento causante – este seria justamente o
pressuposto apresentado por Hume.
82
É neste ponto que Searle relata que contemporaneamente muitos
filósofos têm aceito que, apesar de não podermos verificar as conexões
causais dos eventos, podemos observar a repetição dos eventos de modo a
estarmos autorizados a inferir que o evento “B” e o evento “A” estão
causalmente relacionados; ou seja, de seguidas repetições em que constato
que a bola “A” ao chocar-se com a bola “B” provoca o movimento de “B”,
infiro que “A” e “B” estão causalmente relacionadas.
A regularidade percebida entre os eventos particulares, ou seja,
que há uma relação causal, mesmo que inobservável, entre eventos
particulares, possibilita induzirmos que existe universalidade da regularidade
da causação entre os eventos particulares.
Após a apresentação da problemática que envolve a causalidade,
Searle apresenta um novo mapeamento conceitual do problema, criticando de
modo preciso o reducionismo explicativo do Problema da Causalidade que
toma como fundamento de justificação apenas o exemplo do “Jogo de
Bilhar”:
Mas suponhamos que rejeitemos essas posições. Suponhamos que
comecemos com o que sabemos de maneira independente.
83
Suponhamos que comecemos com o fato de que a mente afeta o
corpo e o corpo afeta a mente, e partamos daí. Ou seja, partimos
inicialmente do pressuposto daquilo que todos sabemos por
experiência própria – que existem relações causais entre a
consciência e outros eventos físicos. Por exemplo, quando tenciono
conscientemente levantar o braço, meu estado consciente faz com
que meu braço levante. (...)
Nosso primeiro passo foi de remover a suposição de que toda
causalidade é um caso de algo empurrando ou puxando outra
coisa. Nem toda causalidade é uma causalidade de bola de bilhar.
O segundo e último passo é nos lembrarmos de como, afinal, a
causalidade funciona nos sistemas físicos. (...) Ou seja, nossa
aceitação provisória da eficácia causal da consciência não é
ameaçada se assinalarmos que qualquer explicação no nível da
consciência tem como base fenômenos físicos mais fundamentais,
porque é verdade em relação a qualquer sistema físico que as
explicações causais de níveis superiores têm como base
explicações microfísicas mais fundamentais nos níveis inferiores.
Assinalar que a solidez é explicável em termos de comportamento
molecular das ligas metálicas não prova que a solidez do pistão é
um epifenômeno; da mesma maneira, assinalar que as intenções
84
são explicáveis em termos de neurônios, sinapses e
neurotransmissores não prova que as intenções são um
epifenômeno. (SEARLE, 2000, p. 63-64)
Em suma, o que Searle propõe é que existem outras perspectivas de
análise do Problema da Causalidade. Ou seja, é intuitivamente bastante
convincente e logicamente cabível inferirmos que a minha intenção de erguer
meu braço provoque o movimento de levantamento do meu braço; há, de
fato, nesta perspectiva, uma relação causal entre os eventos, e, ocorre
simultaneamente uma satisfação recíproca, ou seja, minha intenção de
levantar o braço só é satisfeita se meu braço se levantar.
Parece, de acordo com Searle, que no mundo físico buscamos as
instâncias mais elementares para explicar os eventos, entretanto, por
sabermos que o filamento de uma lâmpada elétrica fica incandescente sem
perder suas propriedades devido ao fato da composição molecular do
Tungstênio resistir à alta elevação da temperatura, não implica em erro
dizermos que a luminosidade que clareia esta sala neste momento vem da
lâmpada que está sobre minha cabeça. Instâncias básicas causais não
eliminam nem ontologicamente nem logicamente a possibilidade de causa de
instâncias superiores.
85
Nesta perspectiva é absolutamente validado o argumento que
relata que a consciência é causada na estrutura inferior do cérebro e, que esta,
por sua vez, não é apenas um epifenômeno cerebral, mas sim, uma instância a
este relacionada com possibilidades plenas de ser também causadora de
eventos (como, por exemplo: as relações moleculares, sinápticas do meu
cérebro causam meu atual estado de consciência, que, por sua vez, causa o
desejo que possuo de tomar uma dose de Jack Daniels!).
Em nossas teorias oficiais da causalidade, supomos que todas as
relações causais devem ocorrer entre eventos distintos ordenados
seqüencialmente no tempo. Por exemplo, o tiro causou a morte da
vítima. Certamente, muitas relações de causa e efeito são
semelhantes a esta, embora nem todas. (...) pense na explicação
causal para o fato dessa mesa exercer pressão sobre o tapete.
Isto é explicado pela força da gravidade, mas a gravidade não é
um evento. Pense, por exemplo, na solidez da mesa. Ela é
explicada de forma causal pelo comportamento das moléculas que
a compõem. Mas a solidez da mesa não é um evento extra; é
apenas uma propriedade da mesa. (...) processos de nível inferior
no cérebro causam meu atual estado de consciência, mas este
estado não é uma entidade separada do meu cérebro; ele é apenas
86
uma propriedade do meu cérebro no momento atual. (SEARLE,
1998, p. 35)
3.1.1 – O Problema da Indução a partir da reflexão popperiana como
contribuição para a apresentação dos Algoritmos de Compressão como
critérios de demarcação do Mental
O Problema da Indução aqui será tratado como um elemento que
interfere diretamente no Problema da Causalidade e trará com melhor clareza
as nossas bases metodológicas assumidas para tratar dos Algoritmos de
Compressão como critério de demarcação do mental.
Karl Raimund Popper propiciou uma notável contribuição ao
mundo científico-filosófico. Devido sua estreita ligação ao Círculo de Viena
demonstrou seu interesse pelo problema do método indutivo que surgiu com
a leitura da obra de David Hume (pensador este que será usado como uns dos
debatedores que, em relação ao qual, Popper irá construir sua argumentação
de refutação das bases do método indutivo).
87
Sem dúvida alguma encontramos em Hume o principal
referencial para a discussão acerca do problema da indução (entretanto, não
será discutido no presente texto a fundamentação de Hume sobre o problema
em pauta, apenas será utilizado como referencial para a fundamentação
popperiana).
Vamos notar que em Hume o problema da indução recebe uma
resolução psicológica, pois, não podemos ter conhecimento vindo da
experiência, pode-se apenas adquirir uma crença devido ao hábito. Note:
...as questões de fato (...) não são verificadas da mesma forma; e
tampouco a evidência de sua verdade, por maior que seja, tem a
mesma natureza que a antecede. O contrário de toda afirmação
de fato é sempre possível, pois que nunca pode implicar uma
contradição e é concebido pelo intelecto com a mesma
facilidade e clareza, como perfeitamente à realidade. Que o sol
não nascerá amanhã não é uma proposição menos inteligível e
não implica mais contradição do que a assertiva contrária de
que o sol nascerá. Seria vão, por isso, tentar demonstrar sua
falsidade. Se isso fosse demonstrativamente falso, implicaria
88
uma contradição e jamais poderia ser claramente concebido
pelo intelecto. (1973, p.135).
De modo geral, Hume nos apresenta que a experiência nos dá
impressões sensíveis e é o sujeito que estabelece as conexões entre elas.
Perceber que se as conexões provém somente do sujeito cognoscente (é neste
ponto que Hume abre o seu problema de difícil resolução quanto a
causalidade dos efeitos) este, por sua vez, possui apenas impressões devido a
suas repetitivas ocorrências. Hume nega que a indução possua uma base
lógica. Fazendo uma análise do âmbito puramente lógico, a inferência
indutiva não pode ser validada. Desse modo, Hume vai explicar
psicologicamente o fato de efetuarmos inferências indutivas recorrendo a
força que o hábito desempenha em nossa vida.
Popper parte da discussão apresentada por Hume porém, apesar
de aceitar sua argumentação quanto à impossibilidade lógica da indução,
difere quanto a solução apresentada. Popper faz uma distinção entre a lógica
do conhecimento, ou seja, o contexto da justificação e da psicologia do
conhecimento que se refere ao contexto da descoberta.
89
A preocupação fundamental na teoria popperiana está em
reconstruir modelos metodológicos para assegurar a possibilidade e valia das
inferências do mundo científico. Busca assegurar um âmbito confiável para
as elaborações teorizantes dos problemas tratados pela ciência, ou melhor,
quer encontrar um modo de justificar o poder/importância das teorias
científicas.
Os Algoritmos de Compressão viriam assim a adquirir também
uma importância dentro do contexto da descoberta por terem a possibilidade
de serem entendidos como critérios de demarcação do mental, porém, com a
possibilidade de ampliarem suas formulações explicantes/conceituantes do
mental na medida em que novos Algoritmos se apresentarem como sendo
melhores e mais adequados a resolver os problemas a que se propõem. Neste
ponto vamos perceber a vinculação ao propósito popperiano de, mesmo
ciente do problema causado por Hume quanto a questão do método indutivo,
os Algoritmos de Compressão se adequam ao ideal de progresso das
descobertas da ciência pois sempre que forem falseados admitem seres
melhorados e/ou substituídos por algoritmos melhores.
Deixamos claros desde já que os Algoritmos de Compressão
possuem uma estreita vinculação com as teses darwinianas de
90
adaptabilidade
22
, ou seja, que os Algoritmos mais aptos perpetuarão por um
espaço maior de tempo. Essa aptidão se dá na razão direta de que quando
usado determinado Algoritmo de Compressão este funcionará explicando
melhor as coisas; logo, quando um outro Algoritmo de Compressão
concorrente se mostrar mais eficaz, este substituirá o anterior em caso de
aparente contradição entre ambos (todavia, caso o novo Algoritmo de
Compressão açambarque o antigo devido a não possuírem contradições em
suas estruturas, não ocorre a eliminação do antigo, mas sim, uma
incorporação das funções do Algoritmo antigo agora menos funcional).
Quanto a Hume, a incompatibilidade teórica em relação à
argumentação de Popper é percebida nos seus próprios dizeres:
A idéia central de Hume é a da repetição baseada na
similaridade (ou semelhança). Essa idéia é usada de maneira
muito pouco crítica; somos levados a pensar nas gotas de água
a correr a pedra: seqüências de eventos inquestionavelmente
semelhantes impondo-se a nós vagarosamente, como o
funcionamento de um relógio. Mas devemos notar que, numa
teoria psicológica como a de Hume, só se pode admitir que
22
Está tese será melhor apresentada no capítulo que trata especificamente da conceituação dos Algoritmos
Mentais.
91
tenha efeito sobre o indivíduo aquilo que para ele se caracteriza
como uma repetição, baseada em similaridade que só ele poderá
identificar. O indivíduo deve reagir às situações como se fossem
equivalentes; deve considerá-las similares; deve interpretá-las
como repetições. (1975, p. 188).
Para Popper quem interpreta que eventos possam ser
semelhantes é o sujeito cognoscente. Tais interpretações só são possíveis se
se pré-supor que exista uma gama variada de pontos de vista interpretantes
que possibilitem a identificação dessa condição de identidade e/ou
semelhança entre os eventos. A expectativa é pré-condição para a
observação de que um determinado evento venha a ocorrer de modo
semelhante no futuro; e, não que devido às impressões causadas pelo hábito
da repetição dos eventos, que temos a expectativa de que um dado evento
torne a ocorrer.
Tem-se também a questão metafísica que, segundo Popper, é
vista como uma contribuição para a ciência. Pois a tese popperiana discute
um problema que em Hume fica pendente que é o problema da demarcação.
92
Segundo Popper não há a resolução deste problema pois
Hume coloca a ciência no mesmo nível da religião. É necessário ter clareza
do âmbito pertencente das elaborações científicas, por isso, Popper divide
entre o campo pertencente às ciências empíricas e as pseudo-ciências. Deus,
massa, força, matemática, lógica ... pertencem às pseudo-ciências, pois são
destituídas de sentido (na visão de Hume: cada idéia corresponde a uma
impressão. Tal argumento causa à ciência a necessidade de ter um discurso
metafísico, pois, a gravidade, o belo, etc não possuem uma impressão vinda
da experiência. Por esse critério os argumentos da ciência são destituídos de
sentido. Ao refutar a metafísica por não ter referência de suas idéias a uma
impressão, Hume, de modo não proposital, leva a ciência para o mesmo
caminho).
Para Popper, os cientistas possuem salvaguardado na
metafísica sua fonte de intuição, o que, por sua vez, supera a descrença
positivista na metafísica.
Hume, desse modo, resolve o problema da indução no âmbito
psicológico (por ver 1000 cisnes e estes, por sua vez, forem brancos, não
teremos certeza de que no futuro o próximo cisne será, necessariamente,
branco).
93
O grande mérito de Popper está na elaboração de uma teoria
negativa que soluciona, também no nível lógico, o problema da indução.
Quando Hume apresenta uma reflexão embasada na justificação e
confirmação ele não consegue resolver o problema em nível lógico. Popper,
percebendo tal fragilidade na teoria de Hume, busca elaborar uma
argumentação embasada na falseabilidade e refutabilidade.
Segundo Popper não existe possibilidade de refutação lógica
pela confirmação, porém, há pelo falseamento. Logo, nunca poderemos saber
se uma teoria é conclusivamente verdadeira, mas, pode-se saber se a
conclusão é falsa. Aqui notamos com clareza a diferença do critério de
demarcação proposto por Popper em relação à Hume.
O critério de demarcação de Hume é: cada idéia corresponde a
uma impressão; e o de Popper é: ciência empírica é aquela que possa ser
falseada, logo, científico é aquilo que possa ser falseado empiricamente
(notar que em Popper ocorre um retorno a uma diferencialidade entre ciência
e metafísica. A ciência é passível de falseamento empírico (por isso que áreas
do saber como a matemática são consideradas pseudo-ciências).
94
Para um melhor entendimento do problema da demarcação
lembremos dos “Três Mundos de Popper” : pois, segundo Popper, vivemos
em três mundos: o primeiro, é o mundo físico, incluindo o biológico. É tudo
o que conseguimos captar com nossos sentidos, acrescido do que, apesar de
‘físico’, a eles escapa; o segundo, é o mundo intrapsíquico pertencente a cada
sujeito, lugar onde estão nossas experiências subjetivas e nossa consciência; o
terceiro, é o mundo das teorias científicas, das elaborações filosóficas,
música, etc. (cfr. POPPER, 1975).
Segundo Popper teorias não são verdadeiras, são corroboradas.
Pois, se uma teoria for verdadeira caio no problema da indução, por isso,
uma teoria quando corroborada pela experiência não deixa de possibilitar
novos testes que permitam refutá-la: “somos buscadores da verdade mas não
somos seus possuidores” (idem).
E, é justamente este procedimento metodológico popperiano que
entendemos adequar aos Algoritmos de Compressão. Desse modo
fugiríamos ao ceticismo de Hume adotando para os Algoritmos de
Compressão um proceder metodológico condizente com o falseacionismo
popperiano e com o adaptacionismo darwiniano. Logo, os Algoritmos de
Compressão seriam corroborados a medida em que permanecessem
95
resistentes aos ataques de suas bases explicativas pelo motivo de serem ainda
melhor adequados à explicar o conteúdo mental, e, por resultante, seriam esse
próprio conteúdo.
A refutação do modelo indutivo em Popper é demonstrada
logicamente via o uso do modus tollens, note: O modo de inferência
falseadora ao qual aqui nos referimos – o modo em que o falseamento de uma
conclusão implica o falseamento do sistema do qual ela é derivada – é o
modus tollens da lógica clássica. Pode-se descrevê-lo da seguinte maneira:
Seja p uma conclusão de um sistema t de enunciados que pode consistir de
teorias e condições iniciais (...). Podemos então simbolizar a relação de
derivabilidade (a implicação analítica) de p a partir de t por “tp” que se
pode ler; “p se segue de t”. Assumamos que p é falsa, o que podemos
escrever assim: “p”, e ler “não-p”. Dada a relação de dedutibilidade, tp e a
assunção p, podemos inferir t (leia-se “não-t”); isto é, consideramos que t foi
falseada. Se denotamos a conjunção (asserção simultânea) de dois
enunciados, colocamos um ponto entre os símbolos que os representam,
podemos também escrever a inferência falseadora assim: ((tp).t), ou em
outras palavras: “Se p é derivável de t, e se p é falsa, então t também é falsa”.
Por meio deste modo de inferência falseamos todo o sistema.
96
Percebe-se com clareza a resolução do problema da indução via
teoria negativista apresentada por Popper, ou seja, com a ocorrência de um
caso em que seja demonstrado empiricamente que a teoria vigente não esteja
coerente com o experimento demonstrado, derruba-se (numa linguagem
popperiana utiliza-se o termo falseia-se) a teoria. Entretanto, Popper enfatiza
que uma teoria deve permitir um grande número de possibilidades de
falseamento, pois, uma teoria torna-se mais “forte”, mais corroborável na
medida em que for submetida a tentativas de falseamento.
Popper sugere que o modelo indutivista de ciência fosse
substituído por uma concepção hipotético-dedutivista. Ou seja, toda ciência
parte de um fato problema que reclama por uma hipótese explicativa e que tal
hipótese formulada deve ser passível de teste.
A assimetria lógica entre a comprovação empírica e o
falseamento empírico é percebida na impossibilidade de comprovar
empiricamente uma teoria universal utilizando-se de premissas particulares
quaisquer que sejam o número dessas premissas; no entanto, com um único
exemplo particular falseia-se uma teoria universal – dessa tese popperiana
adotamos uma postura um pouco mais branda. Defendemos que em nível
lógico a refutação fora apresentada, todavia, adotamos um entendimento que
97
mesmo tendo apresentado uma refutação para um Algoritmo de Compressão
não achamos que isto seja suficiente para eliminar por completo sua valia,
visto que, por exemplo, uma teoria como a de Newton continua possuindo
seu valor independente das refutações apresentadas a partir do surgimento
dos ataques propostos pela teoria da relatividade ou mesmo da mecânica
quântica.
A professora Sofia Miguens (2002) em seu livro Uma Teoria
Fisicalista do Conteúdo e da Consciência – D. Dennett e os debates da
Filosofia da mente também vai ressaltar a questão do Problema da Indução.
Para ela tal problema dentro da abordagem dennettiana tem uma significativa
importância pois ele configura a questão da legitimidade das inferências
sobre os eventos do mundo (levando aqui principalmente em consideração os
aspectos temporais e causais dos eventos observados).
Ainda de acordo com Miguens (2002) essas inferências quando
vistas numa abordagem humeana apresentam o critério de contiguidade, de
conjunção constante, de implicação temporal entre as relações causais que se
dão entre os eventos, todavia não se encontra a causalidade.
98
É neste campo que a contribuição do estudo de Miguens (2002)
nos interessa pois ela apresenta que Hume atribui a própria mente, com
apoio na experiência, a conexão entre os fenômenos. Que para estabelecer a
conexão a mente se apoia na experiência e não na razão. Assim sendo, a
conexão não é uma questão de princípios últimos residindo no mundo
exterior, mas sim, na mente. E, é nesse ponto que a teorização de Hume
sobre o hábito e a crença se apresentam. A crença humeana é um sentimento,
como cita a Professora Sofia Miguens – um feeling to the mind, descritível
apenas em termos metafóricos como força, firmeza, peso, etc. a crença não
interfere no conteúdo cognitivo daquilo que é acreditado, não depende da
vontade, nem pode ser manipulada arbitrariamente. Desse modo, a crença,
acompanha o instinto da indução e serve para dividir o concebível em
categorias: aquilo que é acreditado e aquilo que não é acreditado.
Em suma, Hume infere que a crença é suficientemente
confiável, entretanto, o conteúdo mental advindo da crença não apresenta um
caráter categórico e irrefutável.
Repare-se que o facto de não existir qualquer coisa como um
fundamento lógico da indução não significa que esta tenha um
fundamento meramente psicológico e como tal irrelevante. O
99
fundamento psicológico do hábito, também chamado “instinto”
e considerado como implantado em nós pela natureza,
aproxima-se antes de uma explicação naturalista e
adaptacionista. O naturalismo de Hume é notório aliás não
apenas na abordagem da adequação ao ambiente do
funcionamento do hábito como também no espírito com que
Hume aborda o funcionamento dos princípios que geram e
preparam a crença na mente, i.e. os princípios de associação. O
funcionamento destes é tão inacessível aos seres mentais como o
funcionamento de qualquer outra parte da natureza.
Desconhece-se tanto a essência da mente como se desconhece a
essência do mundo externo e apenas por experiência e
observação se pode ir constituindo a sciense of human nature,
i.e. a ciência da mente. Mas, basicamente e para o que nos
interessa, o hábito humeano, apesar de ser produzido pelo
funcionamento de uma mente cuja natureza é de acordo com
Hume imaginação, não é uma propensão irregular. Hume
declara-o aliás uma sabedoria da natureza essencial à
sobrevivência, uma condição necessária da acção humana, que
assegura uma harmonia pré-estabelecida entre o pensamento da
criatura e a natureza exterior (aquilo a que de um ponto de vista
100
evolucionista se chamaria precisamente adaptação).
(MIGUENS, 2002 p. 467-468)
Assim sendo o Algoritmo de Compressão quando falseado só
será eliminado quando for substituído completamente por outro, quando de
sua elaboração não for suficientemente explicativo ou quando apresentar
contradição clara.
A “evolução de uma coisa, um costume, um órgão, não é, pois,
de forma alguma o seu progressus em direção a uma meta,
menos ainda de um progressus lógico pelo caminho mais curto e
com menor gasto de força – e sim uma sucessão de processos
mais ou menos profundos, mais ou menos mutuamente
independentes de subjugação, mais as resistências que eles
encontram, as tentativas de transformação com propósito de
defesa e reação e os resultados de ações contrárias vitoriosas.”
(NIETZSCHE apud DENNETT, 1998, p. 488)
101
3.2 – DUALISMO versus MATERIALISMO
Se até mesmo o gênio contemporâneo Stephen Hawking deixa
escapar despreocupadamente dizeres, em seu intrigante e instigante livro “O
Universo numa Casca de Noz”, como: “De certo modo, a raça humana
precisa melhorar suas qualidades mentais e físicas para lidar com o mundo
cada vez mais complexo à sua volta e enfrentar novos desafios, como as
viagens espaciais.” (2002, p.165) – com certeza a dificuldade de justificar
modo cabal o vencedor entre o Dualismo e o Materialismo parece ser uma
tarefa bastante árdua, porém, alguns autores como Dennett vão propor um
viés mais brando diante desta problemática quando se refere aos estados
mentais. Entretanto, essa problemática é critério imprescindível de discussão
para podermos tratar qualquer tese no âmbito da Filosofia e principalmente
da Filosofia da Mente.
Já tendo discorrido na introdução e no primeiro capítulo sobre a
problemática que envolve o Dualismo quanto o Materialismo para a Filosofia
da Mente, vamos agora, apresentar uma visão de alguns pontos importantes
destas duas temáticas no que tange diretamente ao nosso intuito de poder
102
apresentar no próximo capítulo os Algoritmos de Compressão como critério
de demarcação de âmbito do mental para a Filosofia da Mente.
Vamos situar agora nossa preocupação mais diretamente nos
argumentos do que na explanação temporal dos autores que contribuíram
para a discussão das implicações do Dualismo e do Materialismo na Filosofia
da Mente.
Assim sendo, devemos ter presente que tais posturas teóricas
interferem diretamente na tentativa de estabelecer um critério de demarcação
de âmbito para o Mental, pois, por exemplo, se adotarmos uma postura que
preconiza a eliminação completa (até em nível de linguagem, por se entender
como desnecessária) do vocabulário mentalista, teremos que colocar viável
até mesmo a possibilidade de retirar toda e qualquer valia/preocupação dos
estudos da própria Filosofia da Mente.
Em Teixeira (1994) vamos encontrar que o problema mente-
cérebro tem com Descartes (1596-1650) sua primeira formulação explícita
(aqui é claro lembrando que tal problemática já possui reflexões nos
primórdios da Filosofia); mas o cartesianismo é que reascende diretamente o
103
debate polêmico entre o dual e o material, entre corpo e alma, no período
moderno.
Sendo Descarte um dualista este preconizava que mente e
matéria eram compostas por propriedades substancialmente diferentes. A res
extensa ou substância material por possuir corporeidade era sempre passível
de mensuração, logo, de divisão. E a res cogitans ou substância mental não
possuía o caráter de divisibilidade, ou seja, mesmo que pudéssemos
decompor uma idéia em diversos outros conceitos, estes, por sua vez, eram
uma única coisa, que, em si e por si, formavam uma entidade não passível de
dicotomização.
Todavia, está teorização proposta por Descartes começou a
apresentar alguns problemas diante de questões do tipo: “Se alma e corpo são
distintos e se a mente é imaterial, como poderia ela influir sobre nossos
pensamentos?(...) Se a mente é separada do meu corpo, como posso saber
qual é o meu corpo?” (idem).
Descartes tentou responder a estas indagações com uma tese não
muito convincente, colocando na glândula pineal “propriedades especiais”
que fariam esta conexão entre o corpo e a mente. Como é sabido, Descartes
104
nunca explicou que propriedades seriam estas. A utilização deste “passe de
mágica” não fora suficiente para resolver o problema do dualismo.
Sem embargo, é conveniente ressaltar que pensadores
contemporâneos chegam a tentar utilizar estratégias bastante semelhantes.
Como, por exemplo, o próprio Searle que tenta elaborar suas teses acerca dos
estados de consciência, propondo um pluralismo epistemológico, ou seja, que
a mente não se reduziria ao cérebro, porém seria possuinte de um status
ontológico distinto. Os estados mentais assim seriam causados no cérebro,
todavia, distintos deste.
A teoria que Searle elabora e que vai de encontro às teses
dualistas e materialistas (...). Nem toda a realidade é objetiva,
parte dela é subjetiva. Confunde-se a eliminação da influência
da subjetividade com a eliminação da própria subjetividade.
Aqui encontra-se um dos principais argumentos searleanos que
sustentam a possibilidade de uma perspectiva alternativa entre o
dualismo e o materialismo. A Realidade mental é compostas por
propriedades materiais, como também, por elementos subjetivos.
Assim sendo, o que Searle defende é a objetividade dos eventos
subjetivos.(...) O dualismo e o materialismo são falsos porque se
105
supõe que eles esgotam o campo de investigação sobre os
estados mentais, não deixando assim nenhuma possibilidade de
que outras teorias possam também argumentar sobre o
problema.(...) Em síntese, os estados mentais possuem sua casa
na realidade material do cérebro, porém, adquirem uma
identidade subjetiva em relação à sua fonte causante. Este
argumento demonstra a superação do dualismo cartesiano, pois
apresenta uma causa física para os eventos mentais; supera
também a concepção, materialista, pois, enfatiza a subjetividade
dos estados mentais distintos da sua causa que dá-se em nível
cerebral ou físico. (MACHADO, 2002, p. 73,75)
Podemos notar que a estratégia utilizada por Searle relativo a sua
teoria que tenta resolver o problema entre o Dualismo e o Materialismo em
relação aos eventos mentais também se demonstra frágil. Pois, o “pluralismo
epistemológico” que Searle defende também não explica como a consciência
é causada pelo cérebro; ele apenas diz que a consciência é causada no cérebro
(parte física) e a parte mental permanece ligada a este porém com um status
diferente.
106
Searle não admite uma postura dualista, todavia, parece bastante
evidente que seus argumentos não são suficientes para resolver esta questão.
É evidente que a contribuição de Descartes para a ciência e para
a matemática moderna, principalmente no seu “Discurso Sobre o Método”, é
algo incontestável, todavia, a partir dos problemas causados pelo seu
dualismo, várias teorias se apresentaram querendo resolver tais questões.
Diz Teixeira (1998): A partir desse episódio apareceram
várias teorias tentando relacionar mente e corpo. A mais interessante e
original talvez tenha sido a do filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz. Ele
acreditava na existência de uma harmonia preestabelecida no universo.
Mente e corpo não precisariam ter nenhum tipo de ligação, pois, de acordo
com a harmonia preestabelecida, tudo o que se passa na esfera do mental
encontra um correspondente na esfera do mundo físico. O físico e o mental
não precisam ter nenhuma ligação entre si, eles apenas ‘caminham juntos’
como se no início do universo um Deus tivesse programado o mundo ao
modo de duas séries que correm simultaneamente e harmoniosamente.(p.18).
É claro que esta teoria nos parece um tanto quanto mítica!
107
Em Dutra (2000) vamos perceber que Descartes e Leibniz
possuem um certo aproximar em suas teorias acerca do mental e do físico.
Pois, Descartes para tentar solucionar o abismo existente entre os eventos
mentais e o mundo físico, no momento em que percebemos um objeto ou
temos a idéia deste. Este fora o argumento utilizado: “A solução de
Descartes consistiu então em afirmar que a cada movimento do lado físico
Deus fazia corresponder um outro movimento do lado mental. A cada vez
que, por exemplo, um de nós pensa que está movendo seu braço, e tem a
representação disso em sua mente, Deus faz com que, de fato, no mundo
físico, seu braço se mova, e vice versa. Daí o nome ‘ocasionalismo’ dado a
essa doutrina. (...) Um desenvolvimento posterior, na mesma linha de
argumentação, foi feito pelo filósofo Leibniz, que defendia a doutrina da
harmonia pré-estabelecida entre o físico e o mental, segundo a qual Deus já
teria interferido de uma vez por todas ao criar o universo, sem necessidade
de agir em cada ocasião. (p. 61).
É interessante também lembrar que, segundo Descartes, no caso
das entidades geométricas por essas não serem possuidoras de
correspondentes exatas no mundo físico, elas seriam colocadas em nossas
mentes por Deus.
108
Neste trilhar de questionamentos que abalam sensivelmente os
argumentos de base cartesiana no que tange ao seu dualismo diversas outros
constructos teóricos tentam se apresentar como suficientes para demarcar um
âmbito que seja suficiente para tratar dos problemas da Filosofia da Mente.
Algumas propostas foram apresentadas de modo bastante geral,
como o Dualismo Cartesiano e o Paralelismo de Leibniz, que aqui
enquadraremos como Dualismos de Substâncias. Porém, outras maneiras
mais brandas de apresentar/defender o viés dualista se apresentaram no
âmbito da Filosofia da Mente e das Ciências Cognitivas, principalmente
devido ao Materialismo Eliminativo que preconizava a supressão total do
mental, o que, por sua vez, também apresenta diversos pontos obscuros em
suas teses.
Este viés mais brando podemos chamar de Dualismo de
Propriedades. Ou seja, como o Dualismo Substancial proposto por Descartes
encontra-se cada vez mais desgastado no meio científico e filosófico
principalmente por este viés ser incompatível com a possibilidade de uma
compreensão do mundo imaterial pelos métodos da ciência moderna e por
não conseguir apresentar uma explicação convincente de como o imaterial se
relaciona com mundo material e vice-versa. Assim, o Dualismo de
109
Propriedades vai se apresentar como uma saída defendida por um número
bastante significativo de pesquisadores.
Por sua vez, os defensores do Dualismo de Propriedades
sustentam suas bases explicativas no argumento de que os estados mentais
são um tipo especial, uma propriedade especial, uma característica de
algumas entidades materiais. Está tese evitaria os problemas que
freqüentemente são enfrentados pelo dualismo de substância, pois a cisão
entre o mental como elemento pertencente ao âmbito do imaterial
absolutamente distinto do âmbito material, não mais existiria.
O dualista de propriedades (property dualist) rejeita o
fisicalismo, mas sustenta que essa rejeição não implica
necessariamente em postular a existência de uma substância
adicional – que seria a substância mental. Essa propriedade
especial emerge da substância material, mas, à diferença do
emergentismo materialista, o dualista de propriedades sustenta
que tal propriedade especial não pode ser descrita em termos
físicos. É o próprio cérebro que produz a subjetividade e os
estados subjetivos mas esses nunca poderiam ser integralmente
mapeados em relação a estados cerebrais. O mental supervém
110
ao físico, mas determina algo para além das propriedades
físicas.(TEIXEIRA, 2000, p. 90-91)
Poderíamos inferir que o dualista de propriedades possui uma
esperança de que os estados subjetivos e de consciência nunca venham a ser
compreendidos em sua totalidade por teses materialista, ficando assim, um
espaço para encontrar um lugar ainda possível de defender um âmbito para
sua atuação.
Mesmo com os incontestáveis avanços dos experimentos
científicos alguns problemas ainda carecem de melhor justificação
principalmente em nível filosófico. Essa preocupação é vista por Horgan
(2002) em seu livro “A Mente Desconhecida” quando refere-se à tecnologias
como o PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) e a MRI (Imagem por
Ressonância Magnética) que são uma contribuição muito significativa para
auxiliar na compreensão das questões relativas ao mental/cerebral, mas,
lembra a preocupação de Karl Friston que diz que o esforço pela localização
e pelo mapeamento das atividades cerebrais ousou demasiadamente poder
inferir de ser suficiente para entender o processo funcional das atividades
mentais/cerebrais: “Demasiados estudos simplesmente associam uma dada
região a determinada função, ‘sem nenhuma referência a uma estrutura
111
conceitual ou a uma compreensão adequada ou profunda da arquitetura
funcional do cérebro’. Além disso, diferentes partes do cérebro são
claramente interligadas, e entender essas conexões neurais é crucial para
entender a mente.” (idem, p. 34).
Llinas (apud HORGAN, 2002) complementa lembrando que a
neurociência passou por uma fase (e alguns estudiosos da área ainda passam)
em que alguns estudos eram simplesmente publicados apresentando
resultados de relatórios de pesquisas utilizando técnicas com o PET
inferindo “é assim que funciona, pois vejam que beleza de imagem foi
produzida!” – inferências assim despreocupadas ganharam um número
interessante de adeptos. Todavia, serviram também de argumento a favor dos
dualistas de propriedades, quando estes afirmam que por se localizar uma
determinada área em atividade quando estou com um sentimento de saudade
de um ente querido, isto não é o suficiente para explicar o sentimento de
saudade, apenas apresenta qual área cerebral está ativa no momento em que
experencio tal propriedade.
Esta fragilidade argumentativa por parte de alguns estudiosos de
áreas eminentemente monista/materialista abre uma lacuna onde um
112
dualismo de propriedade se apresenta como resolvente de tal carência
explicativa.
Desse modo nos parece, a primeira vista, que o Dualismo de
Propriedades é mesmo o viés a ser seguido. Pois como apresentamos,
localizar nas bases cerebrais quais delas estão em atividades no momento em
que experencio/executo uma determinada atividade mental (por exemplo,
eventos de consciência, crenças, emoções, etc) não é suficiente para
explicar/demonstrar tais eventos. Essa aposta em que novas tecnologias
nunca conseguirão resolver/ mostrar a “vaca amarela” que tenho em minha
mente no momento em que penso nela, é, sem dúvida, o grande trunfo a favor
dos dualistas de propriedades
23
.
Entretanto, alguns problemas podem ser apresentados às teses do
dualista de propriedades. Um deles encontra-se na questão ontológica – ou
seja, se os estados mentais não são de substância diferente e autônoma (como
propõe a abordagem cartesiana – e esta é uma tese que os dualistas de
propriedades buscam evitar) eles são, logicamente, de uma única substância.
Neste ponto é que encontramos o problema – se for de uma única substância
23
Como nosso intuito na presente tese não é esgotar a discussão acerca do Dualismo de Propriedades, mas
sim, apresentá-lo como referencial de discussão de nosso desejo maior que é o de fornecer as bases
principais de discussões onde, a posteriori, surgirá os Algoritmos de Compressão como elementos que
visam superar tais dificuldades. Para tanto sugerimos a leitura da obra de dois grandes defensores do viés
113
(que é o que os dualistas de propriedades defendem) ou tal substância seria
material ou seria imaterial. Se optar por ser uma substância material o
dualismo de propriedades poderia ser facilmente acusado de materialismo
disfarçado. Se optar por uma substância imaterial cairíamos num
pampsiquismo, o que por sua vez, seria algo um tanto quanto bizarro (ou seja,
teríamos que aceitar como suficiente justificação teses do tipo: “Tudo o que
existe, na verdade, não existe!”, ou “O universo todo é uma grande e
misteriosa consciência divina – que é eterna, única, perfeita, sublime – e
nossas consciências são partícipes desta essência!”).
Por permitir ataques bastante sérios às suas bases conceituais e
argumentativas o Dualismo (tanto de substância quanto de propriedades) vem
cedendo cada vez maior espaço para teses que buscam evitar tal
problemática.
Assim, as diversas concepções monistas de caráter materialista
ganham um espaço muito significativo. Pois, um de seus argumentos
primeiros é justamente romper de modo definitivo com qualquer postulado
que preconize a possibilidade do dualismo.
Dualista de Propriedades que são Thomas Nagel (principalmente o texto “Physicalism” de 1965 e “What is
it like to be a bat?” de 1974); e David Chalmers (emThe Conscious Mind” de 1996).
114
Assim (re)surge no âmbito da Filosofia da Mente contemporânea
a tentativa de encontrar um fundamento único que sirva de base para
sustentar as teorias e demarcar com precisão o âmbito do mental e, por
conseguinte, da própria Filosofia da Mente.
Nesta perspectiva, de acordo com Teixeira (2000), o
materialismo ou fisicalismo a partir dos anos 50 se torna uma das abordagens
de maior importância para a Filosofia da Mente. Tal perspectiva se embasa
nas recentes e crescentes contribuições de áreas como as neurociências. Estas
contribuições possibilitam especulações filosóficas que inferem da
possibilidade dos estados e eventos mentais poderem ser reduzidos à própria
constituição física do cérebro ou algum tipo de manifestação de atividades do
cérebro. Em outras palavras nossa vida mental nada mais seria do que
manifestações de eventos físico-químicos do cérebro.
O materialismo também se apresenta com algumas variações
que propõem possíveis soluções para o problema mente-cérebro. Uma
destas variações é a de que estados mentais são estados cerebrais, conhecida
também por Teoria da Identidade; ou seja, atribui-se um estatuto de
identidade entre os estados cerebrais e os estados mentais (todavia, tal
identidade se dá no sentido de os eventos mentais serem físicos/materiais),
115
ou, os estados mentais são redutíveis a estados cerebrais (o que implica em
evidente reducionismo), ou ainda que eles emergem de estados cerebrais
(emergentismo ou teorias da superveniência).
De acordo com Churchland (2004) o materialismo reducionista
que normalmente se apresenta como Teoria da Identidade é a mais simples
das diversas teorias materialistas da mente. Sua tese central é a própria
simplicidade, ou seja, estados mentais são estados físicos do cérebro. Isto é,
cada tipo de estado ou processo mental é numericamente idêntico
24
(e
passível de localização) aos processos físicos do cérebro ou do sistema
nervoso central.
Em primeira vista tem-se a impressão que a Teoria da Identidade
resolve o problema do Dualismo. Todavia, ataques bastante simples abalaram
as bases desta forma de reducionismo materialista.
Um dos ataques mais comuns se dá a partir da Lei de Leibniz
(tal lei afirma que se “X” é idêntico a “Y” podemos atribuir qualquer
adjetivação a “X” de modo que “Y” necessariamente também tenha que vir a
possuí-la) que pode ser percebido através dos seguintes exemplos:
116
Exemplo 1- i) João crê que o filamento da lâmpada elétrica fica
incandescente e clareia seu quarto de estudos; ii) João não crê que o
filamento de Tungstênio de sua lâmpada elétrica ao ficar incandescente
clareie seu quarto; logo (pela Lei de Leibniz) iii) o filamento da lâmpada
elétrica não é feito de Tungstênio.
Exemplo 2- i) Ana Paula crê que Bacco é o deus do vinho;
ii) Ana Paula não crê que Dionisius é o deus do Vinho; logo (pela Lei de
Leibniz) iii) Dionisius não seria o deus do vinho.
Outro ataque à Teoria da Identidade seria que se eventos mentais
fossem idênticos a estados cerebrais poder-se-ia atribuir-lhes propriedades
que normalmente são apresentadas à eventos físicos. Por exemplo: i) Meu
neurônio tem a capacidade de conduzir eletricidade; ii) Meu neurônio é
elemento constituinte de meu cérebro; iii) meu atual estado cerebral crê que
“1+3=4”; iv) meu atual estado cerebral de crer que “1+3=4” pode conduzir
eletricidade, em outras palavras, segundo a Teoria da Identidade, “1+3=4”
pode conduzir eletricidade.
24
Lembrar que a possibilidade de mensuração/divisão só é possível em relação à entidades com extensão, ou
seja, a res extensa cartesiana; todavia, com o reducionismo materialista a res cogitans se torna uma pseudo-
117
Como é nítido no exemplo acima tal argumento nos parece um
tanto quanto bizarro. Desse modo, para fugir dos ataques emitidos contra o
Materialismo proposto pela Teoria da Identidade, outras abordagens que não
aceitavam o caráter Dualista proporam novas defesas do Materialismo.
Um dos modelos mais conhecidos do Materialismo é o
Fisicalismo. Todavia, ele não apresenta substanciais modificações em relação
à Teoria da Identidade. Ele apenas acrescenta mais um componente na
equação de identificação, ou seja, estados mentais seriam iguais aos estados
cerebrais e estes, por sua vez, seriam idênticos aos estados físicos. A mais
significativa diferença, de acordo com Teixeira (2000) estaria no critério que
este tipo de reducionismo não se satisfaria em reduzir fenômenos mentais aos
seus correlatos em nível cerebral. A proposta Fisicalista seria mais radical no
nível de que o que de fato importa seriam as propriedades físico-químicas dos
fenômenos que ocorrem no cérebro. Ou melhor, a natureza dos fenômenos
mentais seria explicada pela natureza de algumas substâncias químicas que
estão presentes no cérebro, em especial algumas proteínas e macromoléculas
que as compõem. Essas reações e propriedades químicas podem ser
específicas do cérebro, mas são, em última análise, pertencentes e explicáveis
pelas teorias da física. Desse modo, a partir de uma análise físico-química de
tese ou se identificaria à res extensa.
118
tais propriedades poder-se-ia progredir em nível explicativo para entender a
natureza de eventos cerebrais e mentais como a cognição, a linguagem e até
mesmo as emoções (tais como saudade, tristeza, etc).
Notemos que esta perspectiva não impossibilita os mesmo
ataques feitos em relação à Teoria da Identidade.
A grande questão que fica em relação ao Materialismo é o hiato
explicativo (explanatory gap), ou seja, poderá um dia através do
desenvolvimento de tecnologias se conseguir perceber os conteúdos mentais
por meio da análise dos componentes físico-químicos que fazem parte da
estrutura cerebral? “A idéia que está por trás do explanatory gap é a de que
não há nenhuma característica física específica que possamos atribuir a
estados subjetivos tais como a percepção de dores, cor, etc., e tampouco
nenhuma característica física de um estado mental qualquer que o torne um
estado consciente. Contudo, temos acesso subjetivo a esses estados como
sendo conscientes, por isso sabemos que eles existem. Como eles não tem
característica física, não seria possível montar uma história causal que nos
leve de estados cerebrais a estados conscientes – essa história sempre
suporia, em algum momento, algum tipo de salto ou passagem não
explicada.” (TEIXEIRA, 2000, p. 77)
119
Com a problemática causada pelo explanatory gap o
Materialismo tenta superar tal dificuldade lançando a proposta do
Emergentismo ou Superveniência. De modo bastante simplificado está tese
defende a idéia de que eventos mentais emergem a partir de seu substractum
físico, porém, estes não podem ser reduzidos à sua base física. Tomemos
como exemplo o seguinte caso: i) Eu estou apaixonado por uma mulher
petulante, genial, apaixonante e que quando toca violão para mim me
encanta. Se formos analisar o caso acima pelo viés emergentista diríamos que
existe uma substractum físico que é a mulher que possui um corpo composto
por componentes físico-químicos, estrutura protéica, base muscular e óssea,
etc., todavia, sua petulância, genialidade, capacidade de apaixonar e
encantamento são atributos que supervém a base física desta mulher, porém,
possuem um status de realidade não redutível à sua base física, todavia, só
existem devido ela. Segundo Teixeira (2000) a principal característica desta
abordagem é que ela evita os problemas do reducionismo materialista, pois, a
doutrina da superveniência sustenta que existe uma relação de dependência
entre todos os fenômenos do universo e sua base física.
120
3.3 – O FUNCIONALISMO
O capítulo VI do livro “Mente, Cérebro e Cognição” de João de
Fernandes Teixeira é marcado em sua maior parte por um estilo redacional
que enfatiza a apresentação de argumentos contextualizados através de
situações e exemplos que levam o leitor a possuir um referencial imaginário
acerca das teses propostas pelos diversos pensadores que são estudados e/ou
usados como fontes teóricas para a construção da discussão geral sobre a
Filosofia da Mente. A linguagem é clara, porém, exige um esforço
significativo para a compreensão devido à sempre presente preocupação em
se manter o foco do argumento durante o degladiar conceitual.
O texto se inicia já com a sugestão de entendermos os critérios
demarcantes do funcionalismo através de uma breve alegoria que aqui
denominamos “Alegoria do Tabuleiro”. Nela Teixeira propõe que
imaginemos um jogo de xadrez. Jogo este onde todos os componentes são
apresentados como fatores integrantes da constituição final do entendimento
de uma partida de xadrez. Cada peça possui uma dada significação e
constituição seja ela em nível físico (o material do qual é composto cada peça
do jogo e do próprio tabuleiro), seja ela no nível funcional (as regras e
121
estratégias necessárias para se poder jogar e tentar ganhar a partida do
adversário), seja em nível contextual (ou seja, meu êxito na partida dependerá
do contexto geral de minhas jogadas/estratégias a partir das peças que
disponho para executá-las).
Essa alegoria fora criada com o intuito de demonstrar que
independentemente do material do qual são feitas as peças do meu jogo de
xadrez isso não implica necessariamente que eu não possa jogar xadrez com
peças criadas a partir de outro material, ou seja, os elementos físico-químicos
que compõem o material das peças do jogo não são o fator determinante do
próprio jogo, pois, posso continuar a jogar se possuir o entendimento das
funções de cada peça e do tabuleiro independentemente até do material (seja,
plástico ou ouro) que compõe o jogo.
É conveniente ressaltar que o elemento causal da possibilidade da
ocorrência do jogo está diretamente ligado ao conhecimento das funções e do
contexto do jogo, pois, é ele que me permite dizer se ali está ou não havendo
um jogo de xadrez. Em suma, o jogo de xadrez possui uma realidade
independente do material do qual ele é feito.
122
Em nível geral podemos então inferir que, de acordo com Teixeira
(2000), o funcionalismo enfatiza:
1) não se descarta a realidade dos estados mentais (existe algo
como um jogo de xadrez, com peças, regras, estratégias);
2) propõe uma superação do materialismo reducionista, ou seja,
que os estados mentais não são redutíveis aos estados físicos
(independentemente do material do qual é feito o jogo de xadrez
a possibilidade da ocorrência deste mesmo jogo se dá em
relação à funcionalidade de suas peças e não do material que as
compõe);
3) os estados mentais são definidos e caracterizados pelo papel
funcional que ocupam no trajeto entre o input e o output de um
organismo ou sistema, ou seja, esse papel funcional se dá
através da interação de um estado mental dentro do sistema ou
pela produção de determinados comportamentos;
4) apresenta um status que propicia suspender a discussão acerca
da natureza última do mental e da exagerada importância dada
123
às bases físicas dos estados mentais. Pois é a partir de sua
funcionalidade que se entenderá suas características.
Poderíamos dizer que a mente é para o cérebro o que,
analogamente, um software é para um computador. Seus
componentes físicos podem variar, mas, mantidas suas funções
poder-se-ia inferir a existência/ocorrência ou não do
software/mente.
3.3.1 - A Contribuição De Fodor: Por Uma Teoria Representacional Da
Mente (RTM)
Sendo a tese da múltipla instanciação (multiple realizability) uma
das bases principais da fundamentação das teses propostas pelo
funcionalismo cabe, nesse momento, tomar sua conceituação de acordo com
Teixeira (2000, p. 129):
Na verdade, os funcionalistas propõem que nossa mente é o
software de nosso cérebro – um software que poderia ser rodado
em um outro tipo de substrato físico, como, por exemplo, um
124
computador digital. Essa possibilidade de rodar um mesmo
software em diferentes tipos de hardware ou de substrato físico é
chamada de tese da múltipla instanciação (multiple realizability)
(...) a tese da múltipla instanciação, ou seja a idéia de cérebros e
computadores se equivalem na medida em que possam
desempenhar um mesmo conjunto de funções – funções descritíveis
como softwares e que levariam a produção de vida mental.
Neste contexto, a ciência da mente tomada a partir da perspectiva
funcionalista, deve ser entendida como sendo o pensamento de um conjunto
de proposições que se tornam sentenças a partir de suas funções mentais que
se dão na nossa cabeça. Assim sendo, torna-se necessário o entendimento
das estruturas das leis que propiciam a organização e que relacionam tais
proposições formando assim nosso pensamento. Logo, o pensamento poderia
ser reproduzido na medida em que se pudesse manipular as regras e símbolos
que se dão na relação entre as sentenças. É nesse ponto que Teixeira (2000)
enfatiza que a mente pode ser vista como uma complexa máquina sintática
que, através dos meios computacionais, poderia causar pensamento.
125
Neste mesmo ponto de análise vamos encontrar em Fodor no seu
livro “The Language of Thougth” (A Linguagem do Pensamento) a indicação
de que os pensamentos ou símbolos são representações mentais, ou seja, que
a mente manipula representações mentais na forma de sentenças não-
interpretadas que se encontram na linguagem do pensamento. Fodor propõe
que é a partir das relações sintáticas que dará a compressão semântica das
proposições, assim sendo, compete à ciência da mente investigar as regras e
símbolos que formam a estrutura das sentenças na formação do pensamento
não importando os elementos físicos causais, pois, estes, não interferirão no
resultado desde que as regras sintáticas sejam mantidas.
De acordo com Teixeira (2000) vamos encontrar a principal
contribuição das teorizações propostas por Fodor no que tange aos seus
argumentos em favor de uma Teoria Representacional da Mente:
A proposta de Fodor engloba também uma maneira peculiar de
conceber as relações entre mente e cérebro que se tornou
ortodoxa entre os defensores do funcionalismo. Ao enfatizar a
prioridade das relações sintáticas entre os símbolos e entre as
sentenças da linguagem do pensamento, Fodor dá um passo
inovador. Símbolos não dependem de intérpretes e suas
126
propriedades sintáticas derivam-se do fato de eles constituírem
algo físico. Isto torna as sentenças da linguagem do pensamento
entidades concretas que desempenham um papel causal na
determinação da cognição e do comportamento. (...) a idéia de que
símbolos sejam algo físico e que as sentenças da linguagem do
pensamento sejam algo concreto dá ao funcionalismo de Fodor um
caráter peculiar ao torná-lo compatível com a hipótese
materialista. Fenômenos mentais não são redutíveis nem idênticos
a fenômenos cerebrais – apesar de serem algo físico – da mesma
maneira que programas de computador não são idênticos nem
redutíveis a nenhum tipo de hardware. É possível falar de mentes
como algo diferente do cérebro sem, no entanto, incorrer no
dualismo ou na tese da imaterialidade dos fenômenos mentais.
Esta concepção da imagem da mente como uma máquina sintática
desenvolvida por Fodor ficou conhecida como RTM (Representational
Theory of Mind) ou Teoria Representacional da Mente.
127
3.3.1.1 – Propostas de ataques ao Funcionalismo
Num outro livro, “Mentes e Máquinas”, Teixeira (1998) infere
que se abandone paulatinamente a idéia de modelar o cérebro (como
propunha a perspectiva cibernética) e passemos para uma tentativa de
modelar a mente, percebe-se que a proposta funcionalista está inserida neste
intuito. Sem embargo, no próprio capítulo VI do livro “Mente, Cérebro e
Cognição” do professor João Teixeira (2000), vamos encontrar algumas
indicações de ataques às bases conceituais do funcionalismo. Que, dentre
elas, destacamos:
Ö o funcionalismo enfatiza que para se produzir estados mentais
podemos abdicar da preocupação com as bases cerebrais e
biológicas, pois, reproduzindo os algoritmos sintáticos temos o
suficiente para manter a possibilidade de reprodução dos
estados mentais;
Ö o segundo ataque ao funcionalismo é apresentando no que se
refere à questão de que a descrição funcional da mente
entendida como um software para um computador não é capaz
de, por si só, atingir o nível semântico dos eventos mentais (que
128
é apresentado pelo clássico exemplo criado por John Searle
chamado de Argumento do Quarto Chinês
25
);
Ö o terceiro ataque apresentado sugere que o funcionalismo não
trata suficientemente de um dos elementos primordiais que
compõe os estados mentais que são os qualia, ou seja, como um
algoritmo poderia apenas através de regras computacionais criar
estados mentais como nossas crenças, desejos, sentimentos?
25
O Argumento do Quarto Chinês proposto por John Searle possui o intuito de demonstrar
a falibilidade da IA Forte, bem como apresentar uma alternativa de elaboração teórica que
supere a tradicional articulação da solução para o problema mente-corpo. O Quarto
Chinês funciona da seguinte forma: em um quarto equipado com uma variedade de caixas
contendo cartas em que estão escritos caracteres da língua chinesa, mais um manual com
instruções, há uma pessoa (chamada operador), que deve receber papéis com instruções
em chinês (que lhe são passados de fora do quarto), os quais devem ser colocados em
seqüência. As instruções do manual fornecem ao operador um modo de organizar em
seqüência os caracteres chineses que lhe são passados, indicando quais caixas usar e como
juntar as cartas com símbolos numa seqüência certa, que, são devolvidas para fora do
quarto. É importante ressaltar que o operador do Quarto Chinês não entende chinês,
portanto está produzindo output sem nenhuma idéia do seu significado, e não pode querer
dizer nenhuma frase através dele. No entanto, seguindo as instruções, o operador
efetivamente produz uma frase, o output do Quarto Chinês, perfeitamente inteligível para
alguém que entenda chinês, sem que ele próprio saiba a frase que produziu. E é isso que o
Quarto Chinês vem ressaltar: que o output retornado pelo operador, sendo uma frase em
chinês, não significa que este operador (que está no papel de computador) saiba alguma
coisa de chinês. O que podemos afirmar é que quem formulou os manuais seguidos pelo
operador, esse sim, tem conhecimento da língua chinesa. Assim, pode-se concluir,
analogamente, que no caso do computador, quem pensa é o programador que desenvolve
os programas e não a máquina que os executa. Se pensarmos o contrário, teríamos de
concluir, então, que uma folha de papel onde estão escritos textos, por exemplo, em
português, tem conhecimento do português, o que não é verdadeiro, pois quem tem o
conhecimento do português é o autor do texto.
129
E, no argumento de Block (apud Teixeira 2000), encontramos a
apresentação de uma das maiores dificuldades a serem superadas pelo
funcionalismo: “O ‘cérebro’ de um robô pode ser funcionalmente igual ao
meu, mas isto não implica que esse cérebro artificial possa ter sensações
subjetivas iguais às minhas ou experiências conscientes. Estar nos mesmos
estados funcionais seria condição necessária, mas não suficiente, para a
produção dessas sensações subjetivas. (...) Um robô funcionalmente
equivalente a mim seria, muito provavelmente, um zumbi sem experiências
conscientes.”
3.3.1.2 - O contra-ataque funcionalista
É em Chalmers que Teixeira (2000) busca os contra argumentos
para algumas das teses anti-funcionalistas. De modo genérico pode-se inferir
que um dos maiores ataques ao funcionalismo se refere à questão de que
bases e estruturas artificiais não poderiam gerar experiências subjetivas
(qualia).
130
3.3.1.2.1 – O Problema dos Qualia
Uma das principais preocupações de acordo com Machado (2002)
que perpassa toda reflexão searleana acerca do mental é a dificuldade de se
tratar da questão que envolve estados/eventos qualitativos subjetivos, que são
denominados de qualia..
O Problema dos Qualia surge em decorrência do sentido proposto
por Searle quanto à questão da causalidade dos estados mentais. Se os
estados mentais possuem sua base na estrutura neurocortical do cérebro,
vindo, desse modo, a serem causados pelo próprio cérebro e, tornando-se, a
posteriori, uma propriedade participante deste evento, como é que Searle vai
resolver a questão dos estados individuais pertencentes ao sujeito
cognoscente no que se refere aos sentimentos, à aprendizagem, à percepção,
às crenças?
O problema da causalidade quando é tomado em nível geral, em
nível em que diversas entidades participam, fica suficientemente claro na
perspectiva assinalada por Searle. Tomemos por exemplo o seguinte caso: os
131
caracteres que formam as palavras que estou escrevendo neste momento são a
causa das palavras e/ou expressões que componho, todavia, tais
palavras/expressões não se vinculam totalmente aos caracteres que as criaram
(pois enquanto palavras/expressões possuem uma significação própria), nem
tampouco, adquirem um substractum ontológico próprio (o que implicaria em
cairmos num dualismo).
Já quando nos referimos à causação dos estados de consciência, o
problema carece de melhor rigorosidade na argumentação. Cita Searle
(1998):
... em nossa atual situação intelectual [a dificuldade] é que não
temos qualquer idéia de como processos cerebrais, que são
fenômenos objetivos publicamente observáveis, poderiam causar
algo tão peculiar quanto estados internos qualitativos de ciência e
sensibilidade, estados que são em certo sentido “particulares”
àquele que os possui. Minha dor tem uma certa sensação
qualitativa e é acessível a mim de uma forma que não o é a você.
Agora, como esses fenômenos privados, subjetivos e qualitativos
poderiam ser causados por processos físicos[?]
132
Na observação acima é notória a preocupação em esclarecer como
será possível que as ligações sinápticas, por exemplo, que são fenômenos
observáveis empiricamente, causam a sensação que tenho de dor, ou como é
que na estrutura física do cérebro possa surgir o meu sentimento de saudade
de uma pessoa amada.
Neste contexto é que se situa o Problema dos Qualia. De modo
mais simples, o Problema dos Qualia refere-se às sensações qualitativas
diversas que temos para cada estado de consciência e de como tratar
objetivamente tais realidades subjetivas. Segundo Searle, todos os fenômenos
conscientes, que, por sua vez, são experiências subjetivas qualitativas que se
dão em nível individual (ou seja, que pertencem tão somente à pessoa tomada
de modo único e particularizado), devem ser denominados de Qualia. Assim
sendo, podemos dizer que todos os fenômenos conscientes, por serem
experiências subjetivas qualitativas, são também qualia.
Nesta perspectiva, um novo problema surge: como conseguir
entender os qualia se tais estados qualitativos subjetivos são incomunicáveis
entre os indivíduos? Por serem estados subjetivos e pertencentes tão somente
ao indivíduo que os experiencia, a comunicação e a justificação do
entendimento do conceito irão variar também de acordo com o experienciante
133
do evento, logo, haverá diferenças em todos os casos, pois todos os
indivíduos são também diferentes. Para tentar resolver tal problemática,
Searle argumenta que não é por termos particularidades diferentes a respeito
de um determinado evento que não podemos justificar sua existência e
validar seu conceito. Por exemplo a variação que temos na percepção da
beleza de um sorriso de uma pessoa (que poderá variar de acordo com o
observante e também de acordo com a estrutura anatômica da dentição) não
impede de conhecermos a estrutura dos componentes físicos da formação da
arcada dentária.
Tal fato, entretanto, não me parece um problema real. Todo mundo
tem um conjunto de digitais distinto, mas isso não impede que
obtenhamos uma descrição científica da pele. Não há dúvidas de
que minhas dores são um pouco diferentes das suas e talvez nunca
tenhamos uma explicação causal completa de como e porquê elas
diferem. Mas, independente disto, ainda precisamos de uma
explicação científica que dê conta da forma exata como as dores
são causadas por processos cerebrais. Tal explicação não precisa
se ater a diferenças ínfimas entre a dor de uma pessoa e de outra.
A peculiaridade da experiência individual não situa a questão da
experiência individual fora da esfera da investigação científica.
134
Qualquer explicação da consciência deve descrever estados
subjetivos de ciência, i.e., estados conscientes. (SEARLE, 1998, p.
74-75)
Porém, apesar de termos demonstrado que os estados qualitativos
de ciência e sensibilidades não podem ficar fora da discussão que busca
apresentar um âmbito pertencente o mental, ainda uma grande questão
carece de melhor formulação: como podem estados de ciência e
sensibilidade, que aqui são apresentados como estados subjetivos
pertencentes ao sujeito tomado individualmente, ser causados pelo cérebro,
que é, por sua vez, um ente corpóreo, logo, objetivo, todavia, sendo causador
de processos subjetivos?
Nossa tese aqui apresentada vai bastante de encontro com os
pressupostos Searleanos. O choque se dá no fato de que os qualia também
não resolverem o problema acerca do mental. Pois, a maioria dos qualia
nada mais é do que Algoritmos de Compressão momentaneamente úteis
enquanto explicativos; ou seja, tais entidades (qualia) não seriam causadas
na base do cérebro e viriam a adquirir um status ontológico diferente da base
que os causa. Essa passagem não é suficiente - ou ela implica em dualismo,
135
ou, implica em algum tipo de materialismo emergentista - logo, esses
eventos seriam apenas ficções úteis, nada mais.
3.3.1.3 – Mais argumentos em defesa do Funcionalismo
Neste ponto Chalmers sugere que imaginemos uma troca paulatina
dos nossos neurônios por chips de silício. Uma troca, em tese, perfeita, ou
seja, que mantenha todas as funções físicas das ligações neuronais naturais de
nosso cérebro. O problema que estaria sendo gerado está em que ponto dessa
troca de neurônios por propriedades artificiais estaria instaurado o momento
em que nosso cérebro pararia de possuir experiências subjetivas. Ou, que
seria deveras desinteressante a idéia de que os estados subjetivos do
indivíduo cognoscente, fossem diminuindo e/ou variando na medida em que
a substituição neuronal fosse ocorrendo. Outro contra-ataque se dá no fato de
que tal tese anti-funcionalista utiliza como base de sua própria argumentação
a questão do mesmo critério de funcionalidade dos estados subjetivos que
estariam variando (ou até mesmo não ocorrendo) em decorrência justamente
da percepção da variação de suas funções e, não apenas, da modificação de
sua estrutura física enquanto tal.
136
Enfatizamos aqui o interessante contra-ataque proposto por
Copeland analisado por Teixeira (2000) quando este busca demonstrar a
falaciosidade do Argumento do Quarto Chinês de autoria searleana.
O argumento de Searle é, sem dúvida, um dos mais notáveis
ataques às bases conceituais do funcionalismo. Principalmente no aspecto de
tentar demonstrar que estados mentais subjetivos não podem ser criados em
ambientes artificiais devido ao status semântico que nossa mente possui e
que nenhum tipo de propriedade artificial e nenhum modo de algoritmização
computacional poderiam alcançar.
Nada obstante, Copeland percebe uma imprecisão na estrutura
do argumento searleano. Seu ataque se dá em nível lógico, ou seja, Searle
estaria cometendo um tipo de falácia chamada “falácia das partes para o
todo”.
Tal falaciosidade se dá no que se refere à excessiva ênfase que
Searle dá, quando apresenta seu argumento, ao indivíduo que está dentro do
quarto, como, se e somente se, ele fosse o referencial único da argumentação.
Ou seja, o erro estaria no fato de Searle estar desconsiderando os demais
elementos participantes do sistema, que, no caso, seriam: as informações, o
137
manual para interpretá-las, aquele que passa as informações para o indivíduo
que está dentro do quarto, o estar trancado só em um quarto, a saída de tais
informações e o recepcionante das informações fora do quarto.
Segundo Copeland, se formos analisar o sistema todo
perceberíamos que o sistema enquanto tal compreende chinês, ao contrário do
que Searle estaria tentando demonstrar. Podemos aqui comparar o indivíduo
dentro do quarto a uma peça num jogo de xadrez. Esta comparação
demonstra ainda mais claramente o problema da falácia das partes para o
todo, ou seja, a peça de xadrez não compreende nada do jogo (principalmente
por ser ela algo totalmente despido de qualquer possibilidade cerebral, mental
ou computacional), porém é movida por alguém de fora que entende das
regras do jogo e que passa a movimentá-la (igualmente ao manual que é
enviado junto com os caracteres em chinês para o indivíduo que está dentro
do quarto), seria igualmente absurdo inferirmos que a peça do jogo de xadrez
não atinge estados semânticos por apenas executar movimentos sintáticos
(que são os movimentos realizados sobre o tabuleiro de xadrez na medida em
que fora movimentada pelo jogador ou, como no caso do argumento
searleano, pelo manual que acompanha os caracteres chineses). De fato, tanto
o indivíduo que está dentro do quarto quanto a peça no tabuleiro não são o
referencial correto para se discutir da possibilidade ou não da ocorrência dos
138
estados semânticos, mas sim, isso só se dará se analisarmos o sistema como
um todo. Desse modo, tanto o indivíduo do quarto quanto a peça no tabuleiro
passarão a ser entendidos como partes participantes de um sistema maior, e
este como tal, deverá ser analisado.
Todavia, se formos investigar o sistema, perceberemos que a
funcionalidade semântica estará garantida, pois, o sistema como um todo,
manifesta todos os critérios necessários, no que tange a sua funcionalidade,
para possuir estados sintáticos (que são as regras do jogo ou o manual para
manipular os caracteres em chinês), mas também, semânticos (que são a
compreensão das jogadas ou a felicidade da vitória na partida de xadrez, ou, a
compreensão do texto em chinês no final (output) do sistema).
Em outras palavras, a falácia das partes para o todo pode ser
percebida facilmente através do seguinte exemplo:
Cálcio, Ferro, Potássio são elementos químicos que compõem o
ser humano;
Logo, todos os elementos químicos compõem o ser humano.
(provavelmente se o Césio (Cs) fizesse parte de nosso
139
organismo éramos todos possuidores de uma magnífica áurea
azul!).
140
4 – OS ALGORITMOS DE COMPRESSÃO COMO
CRITÉRIOS DE DEMARCAÇÃO DE ÂMBITO DO
MENTAL
Uma das caraterísticas básicas da tese aqui proposta é que os
Algoritmos de Compressão são elementos suficientes para demarcar o
âmbito da Filosofia da Mente. O mental vai ter assegurado um campo de
reflexão que, por sua vez, demonstrará a necessidade imprescindível das
investigações a partir da Filosofia da Mente como fator contribuinte para as
pesquisas/estudos da ciência (de modo específico das Neurociências, das
Ciências Cognitivas e da Psicologia).
Sendo os Algoritmos de Compressão termos econômicos cuja
estruturação em forma proposicional (e esta por sua vez quando se mantém
coerente aos princípios lógicos na formação dos argumentos) dá ao ser
humano uma vantagem adaptativa muito significativa, pois, possibilita ao ser
humano comunicar-se e, por conseguinte, manter suas habilidades que ainda
o tornam apto a sobreviver neste mundo.
141
É conveniente lembrar que os Algoritmos de Compressão
encontram-se em estreita vinculação aos princípios darwinianos, ou seja, tais
algoritmos travam também uma batalha em busca da sobrevivência. Mantém-
se “vivos” aqueles que ainda são aptos e suficientes para
explicar/predizer/resolver/justificar de modo suficiente àquilo para o qual
eles se propõem. Uma vez não suficientes ou, numa linguagem darwiniana,
não adaptados, não sobreviverão naquele dado contexto. Todavia, uma vez
suficientes, sobrevivem e possuem a capacidade de servir de e de gerar
possibilidades de contribuição na elaboração de novos
26
algoritmos.
De acordo com o autor da célebre obra A Origem das Espécies,
a Seleção Natural é uma força sempre pronta a atuar, sendo
incomparavelmente superior aos frágeis esforços do homem nesse mesmo
sentido. Cita Darwin (2004, p. 125-126) “quero salientar que emprego a
expressão luta pela existência num sentido amplo e metafórico, incluindo
nesse conceito a idéia de interdependência dos seres vivos, e também, o que
é mais importante, não somente a vida de um indivíduo mas sua capacidade
e êxito de deixar descendência. Dois canídeos, em um período de escassez
alimentar, com certeza lutarão entre si a fim de assegurar sua sobrevivência;
no entanto, em vez de dizermos que uma planta que vive nas bordas do
26
Para o melhor entendimento do surgimento de novos algoritmos de compressão é necessário o
entendimento do princípio da falseabilidade de Popper (ver capítulo 3 – item 3.1.1)
142
deserto enfrenta à seca lutando pela sobrevivência, melhor seria se
disséssemos que ela depende da umidade para sobreviver. Um vegetal que
produz todos os anos um milhar de sementes, das quais apenas uma em
média alcança a maturidade, dele se pode dizer que disputa sua
sobrevivência com outros vegetais da mesma região. A erva-de-passarinho
depende da macieira e de outras árvores para sobreviver; no entanto, apenas
em sentido figurado se poderia dizer que ela luta pela sobrevivência com
essas árvores, uma vez que, se muitos parasitas crescerem no mesmo tronco,
a árvore que os abriga vai definhar até morrer. Porém, é correto dizer que
as ervas-de-passarinho lutam entre si pela sobrevivência quando várias
delas crescem juntas em um esmo local. Uma vez que essa planta é
disseminada pelas aves, sua existência depende delas, podendo-se por isso
dizer, em sentido figurado, que ela luta com as árvores frutíferas por sua
sobrevivência, já que tanto uma quanto as outras têm de atrair os pássaros
para que esses devorem suas sementes que, só assim, poderão ser espalhadas
pela região. Para todos esses diversos sentidos, que eventualmente podem
até mesmo confundir-se, creio ser conveniente empregar, pois, a expressão
geral de luta pela existência [ou sobrevivência
27
]. E, de modo semelhante à
tese darwiniana, os Algoritmos de Compressão também travam essa luta pela
sobrevivência. Por vezes disputando com um outro algoritmo que se propõe a
27
termo e grifo nosso.
143
melhor resolver determinado problema (onde, num determinado contexto, um
sairá vencedor); por vezes eliminando o algoritmo concorrente por se mostrar
contrário e superante em relação ao algoritmo concorrente; ou ainda, por
vezes, sendo mais um algoritmo que venha sobreviver neste mesmo contexto
juntamente com outros algoritmos, corroborando-os.
144
4.1 – A CONTRIBUIÇÃO DE DANIEL C. DENNETT
28
NA
TENTATIVA DE SUSTENTAR OS ALGORITMOS DE
COMPRESSÃO COMO CRITÉRIOS SUFICIENTES PARA
A DEMARCAÇÃO DO MENTAL
“Durante séculos os filósofos tentaram responder às questões: O
que é a mente? O que caracteriza os fenômenos mentais? O mesmo ocorre
com quase todas as religiões que conhecemos. Todas elas referem-se à
mente, às vezes como ‘espírito’ ou como ‘alma’ - algo que teria
propriedades especiais e que continuaria subsistindo mesmo após nossa
morte” (TEIXEIRA, 1994, p. 07). Neste mesmo contexto Dennett (1998)
diz: “Essa declaração sentimental e direta me dá um nó na garganta – uma
visão da vida tão doce, tão inocente, tão confiante! E aí vem Darwin e
estraga a festa.”
28
Daniel C. Dennett, filósofo americano nascido em Boston no ano de 1942. Formou-se como bacharel em
Filosofia na Universidade de Harward. Obteve o título de PhD no ano de 1965, tendo estudado sob a
orientação de Gilbert Ryle. Professor titular de Artes e Ciências, professor titular de Filosofia e Diretor do
Centro de Estudos Cognitivos na Universidade de Tufts (USA). Suas principais obras: Content and
Consciousness (1969), Brainstorms: philosophical essays on mind and psychology (1978), The Mind’s I:
fantasies and reflections on self and soul (1981), Elbow Room: the varieties of free will worth wanting
(1984), The Intentional Stance (1987), Consciousness Explained (1991), Darwin’s Dangerous Idea (1995),
Kinds of Minds: towards an understading of consciousness (1996), Brainchildren: essays on designing
minds (1998), Intentional Systems (1971), True Believers (1981), Time and the Observer: the Where and
When of Consciousness in the brain (em co-autoria com Marcel Kinsbourne) (1997), Real Patterns (1991),
Towards a Cognitive Theory of Consciousness (1978),
145
Em seu livro Mente e Consciência
29
Teixeira situa a filosofia da
mente de Daniel Dennett dentro da tradição naturalista do século XX, ou seja,
sua filosofia em relação ao mental possui por um de seus princípios fundantes
o critério de que o mental pode e deve ser estudado dentro do âmbito da
ciência, vindo por conseguinte, a rejeitar especulações metafísicas e
espiritualistas – “Não há mistérios que possam resistir à investigação
científica: um dia a psicologia tornar-se-á, graças à inteligência artificial,
um capítulo da chamada engenharia reversa. Esta consiste no trabalho
inverso ao de elaborar um projeto, ou seja, trata-se desmontar dispositivos
para ver como eles funcionam, para depois montá-los de novo para ver se
efetivamente podem funcionar.” (TEIXEIRA, 2006, p.7).
Teixeira (idem) vai situar Dennett também como discípulo de
Ryle, vindo assim, a herdar grande influência da filosofia da linguagem.
Lembra Teixeira que Ryle possui um viés deflacionário em relação às
questões da filosofia da mente, ou seja, para Ryle a maioria dos problemas da
filosofia da mente eram na verdade problemas da linguagem, logo, por sua
vez, muitos problemas da filosofia da mente não passariam de pseudo-
problemas (inclusive o problema mente-cérebro). Dennett vai ser marcado
29
Ainda não publicado.
146
pela preocupação lingüística, mas, vai se afastar de várias teses de Ryle
(vindo a divergir de muitas).
Segundo Dennett, para entendermos o funcionamento do mental
é preciso primeiro desmontar os elementos que participam de sua
constituição para depois, de modo reverso, tentar replicá-los em modelos.
Vamos perceber neste ponto uma aproximação significativa
entre as neurociências, as ciências cognitivas, a psicologia e as ciências
computacionais como instâncias contribuintes para os estudos da Filosofia da
Mente – “Dennett sempre acreditou que os problemas filosóficos poderão ser
tratados a partir da visão científica proporcionada por estas novas
disciplinas, o que alterará profundamente os horizonte da filosofia futura.(...)
Esta visão naturalista – segundo a qual o pensamento é apenas um dos
aspectos da natureza – foi também defendida por filósofos e psicólogos do
século XX como Quine e Skinner contrapondo-se àquela proposta por
Descartes há quatrocentos anos. Livrar-se das sombras implícitas do
pensamento cartesiano parece ter sido o maior esforço empreendido tanto
pela filosofia como pela psicologia do século passado” (idem).
147
Sendo uma das principais preocupações de Dennett superar essa
problemática advinda do contínuo oscilar entre o materialismo e o dualismo
na tentativa de explicação do âmbito da Filosofia da Mente é que se torna
imprescindível a apresentação de uma solução para o problema mente-corpo.
Nossa preocupação já percebida nos capítulos anteriores com a
importância da análise lógica da estrutura dos argumentos da ciência é
também um fator de relevância para o entendimento do discurso dennettiano.
Pois Dennett infere que a base da maioria dos elementos para a resolução do
problema mente-cérebro está na análise da própria linguagem. Ou seja, os
termos com os quais se constrói as teorias psicológicas derivam da
linguagem, no caso dennettiano, da linguagem cotidiana/comum. Dennett cria
assim a expressão folk psychology ou psicologia popular; ou seja, por ter a
filosofia da mente a necessidade de utilizar termos psicológicos, e, por estes
termos serem acerca de coisas cuja precisão/exatidão conceitual ser muito
difícil de ser conseguido (pois predições exatas sobre o comportamento
humano e, de modo mais preciso, sobre os eventos mentais, serem instâncias
muito difíceis e “caras” de serem atingidas pela psicologia), Dennett infere
que, diferentemente da precisão que a Física e a Matemática podem dispor, a
filosofia da mente terá que utilizar um certo grau de imprevisibilidade e
148
vagueza devido a necessidade do uso dos termos oriundos da folk
psychology.
A psicologia dificilmente consegue fazer predições exatas do
comportamento humano como o faz a mecânica celeste talvez
apenas algumas aproximações indutivas. Não sabemos se os
termos que ela emprega, como ansiedade, assertividade, inveja,
etc possuem referentes no mundo. Ou seja, ao utilizar essa
terminologia na construção de teorias, o psicólogo não sabe
muito bem do que ele está falando: de coisas que existem no
mundo ou de ilusões criadas pela própria linguagem. Num de
seus primeiros escritos, Dennett percorre este problema,
fazendo notar que não é possível a descrição da ação humana,
que contém termos mentais, seja reduzida a uma descrição
física, prescindindo de um vocabulário psicológico específico,
os chamados ‘termos intencionais’. Termos intencionais
caracterizam-se pela sua intensão (com s) e os não-intencionais
e toda a lógica que rege as ciências naturais são caracterizados
pela extensão. A extensão de um termo é a classe das coisas às
quais o termo se refere, ao passo que a intensão se refere ao
149
significado de cada elemento individualmente. (TEIXEIRA,
2006, p. 11)
Com o intuito maior de estabelecer um âmbito seguro para as
questões relativas ao mental, Dennett, sugere a Teoria dos Sistemas
Intencionais. Teoria esta que se situa no campo da Filosofia da Mente como
uma alternativa dentro do funcionalismo. Ou seja, um modo novo de
conceber o próprio funcionalismo.
Para explicar melhor este novo viés de concepção do
funcionalismo dennetiano, Teixeira (2000)
30
mais uma vez utiliza o recurso
de uma alegoria. De modo bastante resumido a alegoria sugere que
imaginemos uma máquina e seres de outro planeta que entram em contato
conosco. Tal contato é marcado pela dificuldade que temos de entender como
é tal máquina e como funciona a mente/cérebro destes alienígenas através da
investigação dos componentes físicos que os compõem. Por mais que
pesquisemos, só teremos uma noção melhor da máquina extraterrestre
quando a virmos executando a tarefa para a qual ela fora desenvolvida, e o
mesmo ocorre quanto ao entendimento do comportamento dos alienígenas.
Ou seja, por mais que pesquisemos as propriedades físico-químicas que
30
Aconselhamos aqui a leitura completa da alegoria que está presente em Teixeira (2000, p. 143-
148)................
150
fazem parte da estrutura cerebral e por mais que investiguemos o
comportamento de tais seres, devido às excessivas variações, teremos uma
grande (talvez intransponível) dificuldade de criar uma ciência do
comportamento destes Ets; logo, tendemos a optar por um arcabouço
conceitual e argumentativo mentalista (como os desejos, intenções, crenças,
sentimentos, etc.) para conseguirmos um vocabulário que torne possível criar
uma ciência do comportamento alienígena.
Dennett vai chamar este vocabulário de posits ou abstracta,
ou seja, estes termos teóricos ou ficções úteis utilizados pela folk psychology
tornam possível a criação de uma ciência acerca das coisas inobserváveis.
Podemos perceber isso claramente na física – o uso da teorização acerca da
gravidade é de suma importância para a elaboração dos mais diversos
experimentos neste campo, todavia, a gravidade também não possui um
elemento na natureza que seja seu objeto de existência real, mesmo assim,
sua importância para a funcionalidade de dado sistema físico é incontestável.
Salienta Teixeira (2000): “A idéia central do funcionalismo de Dennett
consiste em sustentar que nossos estados mentais, sobretudo as intenções
crenças, desejos, etc. (os elementos que compõem a chamada folk
psychology ou psicologia popular e a partir dos quais construímos nossas
explicações habituais dos comportamentos dos outros seres humanos), nada
151
mais são do que um sistema hipotético de conceitos articuladores que
utilizamos para tornar inteligíveis os comportamentos de outros seres
humanos. Esses conceitos articuladores desempenham na folk psychology o
mesmo papel que os chamados termos teóricos das diversas teorias
científicas”.
O relato de Dennett sobre sua teoria começa com uma história
sobre como nos atarefamos na previsão de vários “sistemas”. O termo
“sistema” se refere a qualquer entidade cuja atividade nós tentamos predizer.
Assim, um sistema pode ser algo simples como uma pedra ou algo complexo
como uma pessoa.
Elton (2002) infere que Dennett convida-nos a considerar três
pontos de vistas diferentes que devem dar conta de qualquer sistema dado.
Quando primeiramente introduz esses pontos de vista, Dennett escolhe um
sistema de complexidade intermediária: uma máquina enxadrista.
Quando deparados com uma máquina enxadrista, um
computador com um programa exclusivo de jogo de xadrez, e solicitados a
predizer seu comportamento, há alguns caminhos que possamos seguir.
152
Primeiramente, podemos adotar o que Dennett chama de ponto
de vista físico e lidar com o aparelho como sendo uma coleção de partes
físicas. A partir desse ponto de vista nossas predições são baseadas no estado
físico atual de um objeto particular, e são elaboradas através da aplicação de
qualquer conhecimento das leis da natureza que tivermos. A princípio, o
ponto de vista físico sempre renderá predições exatas.
Para elaborar o próximo passo da máquina usando o ponto de
vista físico, serão necessários milhões e milhões de cálculos, o que, por sua
vez, implica em um “preço” muito alto no que tange ao tempo gasto para
cumprir tal procedimento. Assim, em segundo lugar, temos a necessidade de
adotar um outro ponto de vista - o do Design.
Sabendo exatamente como um computador é projetado
(incluindo a parte inconstante de seu design: seu programa), é possível
predizer sua resposta ‘designada’ para cada movimento a ser feito seguindo
as instruções do programa do computador. As predições serão verdadeiras
desde que o computador esteja executando o que foi e como foi projetado, ou
seja, sem falhas.
153
Um programa de computador é apenas um meio de obtermos
conhecimento do design de um sistema. O ponto de vista do design pode ser
relatado em diferentes níveis de detalhes. Podemos olhar num nível inferior
do que o do programa, o nível do hardware, por exemplo. Esse é um nível
mais baixo, mas ainda muito mais elevado do que o do material físico.
Conhecer os detalhes do design de um dado circuito nos permite
dar predições mais rápidas do que se o fizéssemos a partir do ponto de vista
físico, seguindo a corrente de elétrons de cada parte individual. Mas ainda
será muito mais lenta do que as predições baseadas em seu programa.
Qualquer que seja o nível que escolhermos, o ponto de vista do
design nos permite fazer predições de forma mais econômica, isto é, com
menos esforço do que com o ponto de vista físico. O preço que pagamos por
essa economia é assumir que o aparelho está funcionando corretamente. Se
essa hipótese falhar, nossas predições tornar-se-ão então incertas. Se um
pulso de voltagem alterar o programa de xadrez armazenado, então o ponto
de vista do design descrito no nível do programa não efetuará mais predições
confiáveis. Entretanto, o ponto de vista do design descrito no nível do
hardware do computador não será afetado. Se, por outro lado, algum circuito
do computador falhar, aí tanto o nível do design do programa quanto do
154
design do hardware cessarão de dar boas predições. Diferentemente, em
ambos cenários, as predições do ponto de vista físico manter-se-ão
inalteradas.
Ainda que muito mais barato que o ponto de vista físico, aplicar
o ponto de vista do design ainda é muito caro. Se você estiver tentando jogar
xadrez com uma máquina e estiver muito interessado em saber quais os tipos
de movimento que provavelmente ela irá fazer, o ponto de vista do design
estará próximo do impossível.
Mesmo descrito no nível relativamente alto que é o programa do
computador, elaborar o próximo movimento da máquina enxadrista levará
horas, talvez dias e semanas, de muito esforço. Isso ocorre porque para cada
movimento dado, o computador executa milhares e milhares de instruções do
programa. Assim, para predições práticas, o ponto de vista do design não tem
serventia. Ao jogar xadrez, você precisa predizer o jogo do seu adversário em
tempo real. Assim sendo, de forma prática, o ponto de vista do design não
nos ajudará a jogar contra o computador enxadrista.
Mas Dennett, de acordo com Elton (2003), tem um terceiro
ponto de vista: o ponto de vista intencional. Ao adotar esse ponto de vista
155
você primeiro decide lidar com o objeto cujo comportamento deve ser
previsto como sendo um agente racional. Aí você imagina quais as crenças
que esse agente deve ter, dado seu lugar no mundo e seu propósito. Então
você calcula quais desejos ele deve ter, nas mesmas considerações, e
finalmente você prediz que esse agente racional agirá de forma a favorecer
seus próprios objetivos a luz de suas crenças.
O indivíduo refletindo a partir do conjunto de crenças e desejos
escolhidos oferecerá em muitos casos – não em todos - uma decisão sobre o
que o agente deverá fazer, ou seja, o que você prediz que ele fará.
Para adotar o ponto de vista intencional você terá que adotar
suposições mais intensas/fortes sobre o sistema. Você assume que a máquina
enxadrista tem objetivos (ganhar o jogo), que é capaz de juntar e
compreender informações sobre o estado do jogo e que ela é, num grau
apropriado, racional.
Ser racional, aqui, não significa simplesmente ser bom em
lógica, na dedução de conclusões válidas de um conjunto de premissas. Não é
o conceito que muitos chamam de racionalidade teórica. Mas, propriamente
seria o que os filósofos chamam de racionalidade prática, algo que envolve a
156
racionalidade teórica, mas que é primeiramente entendida como a habilidade
de agir de acordo com motivos, agir de modo que sirva para a promoção do
que é bom ou vantajoso para o agente
31
.
Em qualquer caso, dadas essas suposições, você pode
desenvolver os tipos de estados intencionais que o aparelho deverá ter. Deste
modo, em resposta a certos inputs, podemos reconhecer que o aparelho
deverá acreditar ou desejar aquilo. Por exemplo, numa dada situação, nós
podemos dizer que a máquina deve acreditar que sua rainha está em perigo e,
conseqüentemente ela deverá querer movê-la para um lugar seguro. Se
tivermos mais experiências vendo a máquina enxadrista trabalhando, o ponto
de vista intencional deverá sugerir mais estados intencionais sofisticados, tal
como a crença de que ela deve variar suas aberturas, o desejo de levar
vantagem sobre o bispo do seu oponente, ou então a esperança de que seu
oponente não note a astúcia que ela está tramando. Tais termos intencionais
são os Algoritmos de Compressão que, por serem econômicos, tornam-se
significativas vantagens para que possa ter melhor possibilidade de êxito em
um dado empreendimento.
31
Segundo Dennett Agente é qualquer coisa que persiga seus interesses, se comportando seguramente de
modo que tenha bons motivos para assim funcionar.
157
Dennett realça que podemos aplicar o ponto de vista
intencional às máquinas enxadristas tanto quanto à vários de outros sistemas.
E, se o sistema é construído de um determinado modo, o ponto de vista
intencional renderá confiáveis e numerosas predições. Isto é, em muitos
casos, numa extensa gama de diferentes circunstâncias, as predições desse
ponto de vista freqüentemente obterão sucesso. Dennett classifica qualquer
sistema que satisfaça esses critérios como um ‘sistema intencional’. A
expressão ‘se construído de um determinado modo’ indica que esperamos
que o ponto de vista intencional funcione satisfatoriamente com a máquina
enxadrista porque ela é designada e construída para executar sua tarefa de
jogar xadrez. Além disso, o design e a construção são suficientemente
efetivos para render um produto comercialmente viável.
Se a máquina fosse mal projetada ela não tenderia a adotar o
ponto de vista intencional. Isto é, se os movimentos que ela tende a fazer
fossem completamente irracionais, ou ainda marginalmente racionais, adotar
esse ponto de vista não nos ajudaria a entender a máquina. Mas se, como é o
caso, a máquina for bem projetada para jogar eficazmente um jogo de xadrez,
o ponto de vista intencional paga seus dividendos e acaba sendo a melhor
escolha ‘estratégia’.
158
É claro que o ponto de vista intencional é ainda mais vulnerável
a falhas que o ponto de vista do design. É possível falharmos ao
considerarmos que as crenças ou desejos que o aparelho adquiriu sejam
corretas e, de fato, não o forem, logo, por conseguinte iremos fazer predições
errôneas. Ou a nossa avaliação do que é mais racional é abaixo do ideal; isto
é, a máquina é mais esperta que nós. Ou o aparelho não está operando de
forma confiável. Ou então ela estará operando de acordo com as
especificações mas simplesmente não é, de maneira ideal, racional.
Até as máquinas enxadristas mais avançadas farão movimentos
abaixo do ideal de vez em quando. Se ela tivesse todo o tempo e recursos do
mundo para refletir sobre seus movimentos, aí não seria desse jeito. Mas,
como nós, máquinas enxadristas precisam operar em tempo real e com
recursos limitados. E, como nós, os problemas que elas têm que resolver são
complexos e difíceis. Mas, ao aplicar o ponto de vista intencional, não há a
necessidade, a exigência que o sistema, seja ele uma máquina enxadrista ou
qualquer outra coisa, seja absolutamente precisa; entretanto, sua vantagem
para ser compreendida é inegável, pois, seria caro demais ter que, a cada
novo elemento com o qual o indivíduo se depara, detalhar todas as
particularidades constantes no nível do design ou, pior ainda, do nível físico.
159
Em suma, a postura intencional permite através dos seus
algoritmos de compressão um avançar/progredir muito vantajoso devido sua
economia na tentativa de compreender e de explicar as coisas. Pois, por
exemplo, se formos falar do próprio cérebro humano e tivéssemos que
recorrer sempre a conceituação pormenorizada de cada particularidade
verificada como sendo elemento componente de sua estrutura física, para
chegarmos a refletir sobre instâncias lingüísticas, levaríamos séculos e mais
séculos perdidos nos emaranhados das sinapses.
Ao adotar esse ponto de vista, Dennett (apud Elton 2003) nos
diz, ‘inicie com o ideal da perfeita racionalidade e revise de forma
decrescente de acordo com as circunstâncias impostas’ . Mas mesmo ao
revisarmos de forma decrescente, Dennett insiste que tais revisões ‘cobrem’
uma fundamental e normativa estrutura, isto é, um framework baseado em
como as coisas deveriam funcionar (de forma ideal, de acordo com as normas
da racionalidade). O que a teoria de Dennett requer não é um sistema
idealmente racional, mas sim, que possamos entendê-lo melhor à luz desse
ideal.
Como Dennett (1981) menciona, o ponto de vista intencional
não será capaz de predizer exatamente qual movimento a máquina enxadrista
160
fará em cada turno. Mas ela é capaz de reduzir a variação de movimentos que
a máquina fará. Assumindo que ela está funcionando devidamente, ela fará,
em geral, apenas movimentos para o qual têm bons motivos apresentáveis. O
ponto de vista do Design e o do Físico renderão predições mais específicas.
Mas apenas farão isso por um preço. A predição menos específica do ponto
de vista intencional, menos específica, pois há uma variação de possíveis
movimentos racionais, todavia, por sua vez, bem mais ‘baratos’.
Um Algoritmo de Compressão sendo um genuíno agente de um
sistema intencional, um sistema cujo comportamento pode ser de forma
suficientemente confiável e predito através do ponto de vista intencional, se
torna um elemento imprescindível e necessário para justificar a sua
necessidade como critério de demarcação de âmbito para a própria Filosofia
da Mente; pois esta, por sua vez, teria assim assegurado nos Algoritmos de
Compressão os elementos como: crença, desejos, motivos ... que fazem parte
do vocabulário mentalista do qual ela estuda e também, necessariamente, faz
uso.
Neste caso não é simplesmente o fato de tratarmos uma máquina
enxadrista como se ela fosse um agente, Dennett esta verdadeiramente
afirmando que ela o é. Ou, mais exatamente, ele está afirmando que se o
161
ponto de vista intencional mostrar ser o ponto de vista mais apropriado a ser
tomado com respeito à máquina enxadrista, então, em virtude disso, a
máquina enxadrista tem o direito de também reivindicar ser um agente
genuíno tanto quanto qualquer coisa o teria.
De modo bastante simplificado e geral Dennett apresenta três
níveis explicativos (que, mesmo compatíveis, são irredutíveis entre si)
quando falamos na tentativa de se compreender um comportamento ou
sistema:
N1: Fisical Stance, que se refere aos componentes materiais que
participam do comportamento ou sistema (no caso do cérebro se referem às
células nervosas);
N2: Design Stance, indica a estrutura ou arquitetura do formato
onde estão e como estão conectados os componentes da fisical stance (no
caso citado acima, refere-se à estrutura das conexões sinapciais e do próprio
cérebro);
N3: Intentional Stance, é a descrição que fazemos do
comportamento percebido e resultante da interação entre “N1” e “N2”
162
(seriam nossas atitudes, desejos, sentimentos, pensamentos). É neste ponto,
de acordo com Teixeira (2000), que notamos a “... atribuição de intenções,
crenças e desejos torna-se, assim, um instrumento e uma estratégia a partir
da qual podemos contornar a extraordinária complexidade presente no
cérebro e no comportamento de outros organismos. Nesse sentido, os
elementos da folk psychology funcionam como verdadeiros ‘algoritmos de
compressão’, a partir dos quais podemos apreender rapidamente os padrões
ou regularidades do comportamento”.
Em Elton (2003)
32
de um modo geral, podemos dizer que
intencionalidade é a propriedade de ser “sobre” algo. Propriedade essa
exemplificada através dos nossos pensamentos, esperanças, medos, e assim
por diante. Assim, por exemplo, o pensamento que o sanduíche está
temperado com salsa, exibe intencionalidade porque é SOBRE o sanduíche, e
SOBRE o tempero, e SOBRE a relação entre os dois. A esperança de que eu
vá visitar o país Narnia e ver um unicórnio é uma esperança SOBRE um
32
Roughly, we can say that intentionality is the property of being “about” something. This is a property
most clearly exemplified by thoughts, hopes, fears and so forth. So, for example, the thought that the
sandwich is seasoned with parsley exhibits intentionality because it is ABOUT the sandwich, and ABOUT
the parsley,and ABOUT the relationship between the two. The hope that I will see a unicorn when I visit the
Land of Narnia is a hope that is ABOUT a unicorn and ABOUT the Land of Narnia. And it is ABOUT these
things notwithstanding the fact that, at least so far as I am aware, neither exists. Such thoughts and hopes
somehow reach from the person and point to things that either are in or could be in the world. Indeed, the
term intentionality is derived from the Latin Word for pointing. Intencionality is a necessary property of
our thoughts and perhaps also of our experiences. Controversially, Dennett thinks that intentionality is a
widespread phenomenon. Not only do people´s thoughts have intentionality, but so do the cognitive and
motivacional states of animals. (....) .” (ELTON, 2003 p.5-6)
163
unicórnio e SOBRE o país Narnia. E é SOBRE essas coisas apesar do fato de
que, até onde eu estou informado, elas nem existam. Tais pensamentos e
esperanças do indivíduo apontam para coisas existentes ou não no mundo.
De fato, intencionalidade é uma derivação da palavra latina usada como
‘apontar’. Intencionalidade é uma propriedade necessária para nossos
pensamentos e talvez até para nossas experiências. De modo controverso,
Dennett considera a intencionalidade um fenômeno amplamente difundido.
Não só os pensamentos das pessoas possuem intencionalidade, como também
os estados cognitivos e motivacionais dos animais.
Darwin virou essa doutrina pelo avesso: a intencionalidade
não vem de cima
33
; ela se infiltra de baixo para cima; desde os
processos algoritmos inicialmente irracionais e inúteis que, ao
se desenvolver, vão aos poucos adquirindo significado e
inteligência. E, seguindo o modelo de pensamento darwiniano,
vemos que o primeiro significado não é um sentido totalmente
desenvolvido; ele deixa de manifestar todas as propriedades
‘essenciais’ do sentido real (seja lá como você entender que
sejam essas propriedades). É um mero quase significado, ou
semi-semântica. É o que John Searle (1980, 1985, 1992)
33
no sentido de vir de Deus ou de algo sobrenatural.
164
depreciou como mera ‘como se fosse intencionalidade’ em
oposição ao que ele chama de ‘Intencionalidade Original’. Mas
é preciso começar de algum lugar, e o fato de mal se poder
discernir o primeiro passo na direção certa é exatamente o que
deveríamos esperar. Existem dois caminhos para a
intencionalidade. O darwiniano é diacrônico, ou histórico, e
trata de acréscimos graduais, durante bilhões de anos, dos tipos
de Projeto – de funcionalidade e propósito – capazes de
suportar uma interpretação intencional das atividades de
organismos (os ‘fazeres’ dos ‘agentes’). Antes que a
intencionalidade possa estar totalmente amadurecida, ela deve
passar por sua fase feia e desajeitada de pseudo-
intencionalidade imatura. O caminho sincrônico é o caminho da
inteligência artificial: em um organismo com genuína
intencionalidade – como você mesmo – existem, neste exato
instante, muitas partes, e algumas delas existem uma espécie de
semi-intencionalidade, ou mera “como se fosse”
intencionalidade, ou pseudo-intencionalidade – chame-a como
quiser – e a sua própria intencionalidade genuína, amadurecida,
é de fato o produto (sem nenhum outro ingrediente milagroso)
das atividades de todos os pedacinhos semi-racionais e
165
irracionais de que você é composto (...). Isso é o que uma mente
é – não uma máquina milagrosa, mas um amálgama enorme,
semiprojetado, auto-redesenhado de máquinas menores, cada
uma com seu próprio histórico de projeto, cada uma
representando seu próprio papel na “economia da alma”.
(DENNETT, 1998, p. 213)
Dennett está disposto a atribuir intencionalidade a artefatos, como,
por exemplo, um jogo de xadrez eletrônico. Quando dizemos que a máquina
‘pensa’ que sua rainha está em perigo, para Dennett há aqui uma
intencionalidade autêntica, mesmo se o pensamento da máquina é, de outras
maneiras, bem diferente dos pensamentos de uma pessoa.
O projeto de reconciliação dennettiana de acordo com Elton (2003)
é o de é criar uma teoria que possa reconciliar, de alguma forma, nossa
própria percepção/conceito sobre nós mesmos com a visão da ciência sobre
nós. Este processo passa por duas etapas:
a) A primeira etapa do projeto é mostrar como a intencionalidade pode ser
naturalizada. Dennett precisa mostrar como podemos acreditar que há
166
intencionalidade no mundo e , ao mesmo tempo, acreditar que o mundo é
constituído de nada mais do que complexos mecanismos.
b) A segunda etapa do projeto de Dennett é mostrar como os conceitos do
senso comum, em particular a liberdade de escolha e consciência, podem
ser naturalizados. Sua estratégia aqui é dar uma avaliação de consciência e
liberdade de escolha nos termos da intencionalidade. Para Dennett, todos
esses conceitos são, em sua raiz, conceitos intencionais.
Mas, como versões mais moderadas sobre nossos conceitos
intencionais se mostram compatíveis com o naturalismo, elas são muito mais
atrativos. Todavia para Dennett, a visão que esses conceitos refletem é a
melhor visão, e mais verdadeira do que somos.
Como já havíamos observado, Dennett
34
não quer reduzir esses
conceitos intencionais revisados em conceitos da ciência mecanicista. Seu
método de reconciliação não é o reducionismo. Mais propriamente, ele
objetiva mostrar que, olhando e pensando no caminho certo, podemos chegar
34
But, as I have already noted, Dennett does not want to reduce these revised intentional concepts to the
concepts of mechanistic science. His method of reconciliation is not reduction. Rather, he aims to show how,
by looking and thinking in the right way, we can come that something intentional is built only from
mechanical parts. (ELTON, 2003 p. 6-7)
167
a conclusão de que algo intencional é constituído apenas por partes
mecânicas.
Para fazer isso, por um lado, ele precisa fazer uso do
poder/autoridade da explicação científica. Um primeiro olhar pode fazer com
que ela pareça totalmente impessoal, completamente inadequada para nos
dizer algo útil sobre coisas pessoais. Meros mecanismos podem operar de
maneiras bem sutis. Seu trabalho objetiva mostrar que, refletindo sobre a
tecnologia da computação e robótica, como também pensando de forma clara
sobre o poder da evolução através da seleção natural, podemos chegar a uma
apreciação mais profunda sobre essas sutilezas.
Por outro lado, apesar de que Dennett está comprometido em
preservar a “especialidade” das pessoas, e comprometido em manter que há
um importante contraste qualitativo entre pessoas e meras máquinas. Dennett
quer apresentar de modo moderado a nosso autoconceito algumas análises
sobre conceitos intencionais, os conceitos de liberdade, pensamento e
consciência, fazem-nos tão especiais que, se essas análises estiverem
corretas, elas podem ser melhor aplicadas apenas a entidades sobrenaturais. O
discurso de Dennett é que um autoconceito mais modesto, preservando mas
168
ajustando/moderando a “especialidade”, produzirá conceitos que podem ser
aplicados a todas as entidades naturais.
De acordo com Elton (2003) a concepção dennettiana de ação, é
mais ou menos assim. Agentes agem por motivos (razões). Um motivo é uma
consideração que fala a favor de um curso de ação. Como tal, motivos são
necessariamente ligados a interesses. Se uma entidade não tem interesses, ou
seja, se não há nada de bom ou de valor que um agente possa
procurar/perseguir, então não há motivos para que esse agente siga um curso
de ação. De fato, se não há coisas que são boas ou vantajosas para alguma
entidade, não está claro que faz algum sentido que essa entidade seja um
agente. Ação, pelo menos como Dennett entende, é a busca/procura do que é,
ou do que é considerado como, valioso/vantajoso. Agência, motivo, interesse,
etc, são um conjunto de conceitos fortemente relacionados.
Se, diz Elton (idem), formos completamente leais ao
naturalismo, como podemos ajustar interesses na nossa compreensão do
mundo? Em um mundo mecânico, certamente não há lugar para interesses.
Por que? Pois, ninguém pensa que um átomo tenha um interesse em pular
desse jeito ou de outro. Não há nada que seja bom ou ruim para um átomo.
Ele nem tem, de fato, preferências que vise satisfazer. Mas, dado isso, como é
169
que um conjunto de átomos pode ter interesses? Como, ao juntar muitas
unidades pequenas, nenhuma delas possuidora de interesse, pode uma
unidade maior tê-lo?
Mas, se não há lugar para interesse, então não há lugar para
motivos, e se não há lugar para motivos, não há tampouco lugar para agentes.
Assim sendo, precisamos, de algum modo, entender interesses, motivos e
agência de forma compatível com o naturalismo.
A tentativa de aproximação mais comum é a de algum tipo de
reducionismo. Isso envolve definir ou identificar agentes e seus fenômenos
intencionais associados em termos de fenômenos não intencionais. Dennett
deseja oferecer uma teoria de agentes que não defina agentes em termos de
algo não intencional, nem que identifique ação com algo não intencional.
Para esse fim ele nos dá a Teoria dos Sistemas Intencionais.
A teoria dos sistemas intencionais é bem geral em seu alcance.
Ela não tem como foco o indivíduo, mas sim uma classe de agentes bem
ampla. Segundo Elton (2003) para Dennett, qualquer coisa que persiga seus
interesses, se comportando seguramente de maneira em que há bons motivos
para, é um agente.
170
Assim, a classe de agentes é muito ampla. Inclui, sem
problemas, pessoas, mas também inclui claramente animais complexos, e, de
acordo com Dennett, pode ainda incluir robôs e sistemas computacionais.
Com medo que essa proposta soe um completo absurdo,
precisamos prestar imediatamente atenção ao fato de que, para Dennett, não
há necessidade que um agente reconheça os motivos que possui, e os motivos
que, na virtude de ser um agente, age de acordo com.
Nós, pessoas, aspiramos por sermos “possuidores de
conhecimento completo, de sermos capazes de perceber todos os motivos
que nos dizem respeito”
35
. Nós não alcançamos tal extremo, mas somos
conscientes de muitos dos nossos interesses e dos motivos por eles
ocasionados. Diferentemente, para Dennett, muitos agentes não têm
consciência de qualquer dos seus motivos. Mas, contando que possamos
compreender que eles possam ter interesses, podemos compreender que eles
têm motivos.
Assim, devemos entender os conceitos “agente”, “motivo” e
“interesse” num sentido mais tênue, mais superficial do que é entendido em
35
grifo nosso.
171
alguns contextos. Muitos filósofos morais, por exemplo, acharão tal uso
desses conceitos de fato superficiais demais, como, por exemplo, para eles, a
ação dos agentes é sinônimo de ação moral, e motivos e interesses são
sinônimos com considerações que podem, pelo menos no princípio, serem
trazidos à mente.
Mas o paradigma dennettiano de agentes não é uma pessoa. Sua
teoria básica de agente não aspira ser uma consideração acerca das pessoas,
mas de uma classe de agentes mais generalizada. Dennett não ignora as sérias
e substanciais diferenças entre os diferentes tipos de agentes. Mas ele começa
com uma consideração de agentes que é, de forma paradigmática, muito mais
simples que pessoas. A tarefa de construir uma consideração sobre pessoas é
adiada para os estágios mais tardios de sua teoria.
De acordo com Teixeira (2006) podemos dizer que Dennett vai
alicerçar a base da filosofia da mente sobre os termos intencionais (instinto,
assertividade, saudade, ciúmes, etc). O vocabulário mental enquanto ficções
úteis (devido sua economia) sempre será necessário para explicar nossos
próprios comportamentos como o comportamento de outras pessoas ou coisas
(Dennett incluiria neste campo também a explicação do comportamento de
máquinas, pois não haveria incompatibilidade nenhuma em se usar tal
172
vocabulário) – “Esta visão é desenvolvida em um de seus livros mais
importantes, a coleção de ensaios intitulada Brainstorms, publicada em
1978. Em um dos ensaios, Dennett discute a inclusão de computadores e
robôs no universo dos seres pensantes o que é outra peculiaridade de seu
pensamento filosófico. O mental é uma construção teórica a partir de termos
psicológicos que, como ficções úteis, tornam estes comportamentos
inteligíveis sejam eles de humanos ou de dispositivos artificiais. Esta
construção teórica, que ele batiza com o nome de sistema intencional está,
ao mesmo tempo, na natureza e nos olhos do observador. (...) Pois, para
Dennett, não é tarefa da filosofia da mente suprimir o mental, nem tampouco
reduzi-lo ao comportamental ou ao cerebral. O que há de fascinante na sua
perspectiva naturalista e que a torna realmente inovadora é a defesa de um
materialismo não-reducionista. Ou seja, materialismo não significa
relacionar estados mentais com eventos e localizações cerebrais específicas
construindo, assim, uma relação biunívoca. (idem, p. 14)
Essa junção entre os argumentos advindos do senso comum, ou
seja, a folk psychology juntamente com a preocupação lógica e científica
torna possível a interação nos estudos entre áreas como as neurociências, a
inteligência artificial e a Filosofia da Mente; pois, esta, por sua vez, teria
assegurado seu vocabulário de termos como ‘intenção’, ‘crença’, ‘desejo’,
173
‘intuição’, etc que são de grande uso na elaboração das bases teóricas da
própria Filosofia da Mente, como também, das demais áreas científicas.
* Esclarecimentos e Objeções
Matthew Elton (2003) aponta alguns esclarecimentos e objeções
acerca de aspectos da teoria dennettiana:
i) Para usar o ponto de vista intencional (intencional stance),
precisamos assumir que o sistema com o qual estamos
lidando seja racional. Para aplicar o ponto de vista do
design, precisamos assumir que o sistema tem um design
particular e que ele esteja funcionando corretamente; ou
seja, precisamos assumir que de acordo com Dennett
(1971) o sistema esteja executando de acordo como foi
projetado a fazê-lo. Mas executar de acordo com seu
design é uma expressão ambígua. Design pode ser descrito
de dois modos diferentes, modos esses que Dennett (1981)
falhou em distinguir. Para evitar ambigüidade precisamos
distinguir duas interpretações do ponto de vista do design
174
(design stance). Em uma das interpretações, a qual
chamarei segundo Elton (2002) de interpretação do
projeto causal (causal blueprint interpretation), nós
entenderemos “executar como foi projetado” nos termos
das operações realizadas pelas partes que o compõem e as
conexões causais entre elas. A outra interpretação, a
interpretação teleológica, entende “executar como foi
projetado” nos termos do trabalho (da função) que um
sistema foi designado a executar, por exemplo, jogar
xadrez, operar um processador de palavras (Word),
controlar a temperatura da sala, e assim por diante. Vamos
considerar primeiramente a interpretação do projeto
causal. Podemos descrever o design de um sistema em
termos de conformidade a um programa de computador.
Dennett (1971) apresenta isso como um paradigma em
adotar o design stance. O programa é algo que impõe uma
estrutura causal particular ao sistema. O ponto crítico aqui
é que podemos checar se o sistema está ou não de acordo
com o programa sem saber para que esse programa serve.
Alguém totalmente ignorante em xadrez poderia ainda
assim averiguar se a máquina de xadrez está funcionando
175
como deveria, simplesmente comparando a operação atual
da máquina com a operação especificada pelo programa.
Além disso, alguém totalmente ignorante em xadrez
poderia predizer o que a máquina fará a seguir,
simplesmente seguindo as instruções do programa. Um
programa de computador é apenas um modo de descrever
um projeto causal. Mas, de acordo com Elton (idem), nós
podemos entender se um sistema está ou não executando
como projetado sem termos que saber para o quê o sistema
foi elaborado. Ou seja, nós não precisamos apelar para a
finalidade do sistema para aplicarmos o design stance.
Entretanto, isso não significa que discussões sobre o
propósito necessitam serem eliminadas completamente.
Projetos causais podem ser totalmente mecânicos, mas não
necessitam ser. Freqüentemente, quando especificamos
um projeto causal, apelamos para os propósitos de uma
parte que o compõe a fim de descobrir o que ele fará em
determinada situação. Dennett (1981) usa o exemplo de
um spark plug. Nós não precisamos conhecer em detalhes
como um spark plug funciona para entender o que ele irá
fazer quando for abastecido de energia. O mesmo pode ser
176
aplicado para um procedimento, sub-rotina, ou método em
um programa de computador. Um programa tem um
procedimento que recupera um item de uma base de
dados. Ao descrever um projeto causal, nós não
precisamos informar em detalhes como esse procedimento
funciona. É suficiente saber o que é esperado que ele faça.
Assim, nós simplesmente assumimos que ele está
funcionando como deveria, e predizer que ele fará seu
trabalho de modo satisfatório, com sucesso. Isso nos leva
para a interpretação teleológica do design stance. Para
Dennett, nós usamos o design stance para predizer as
operações de sistemas como spark plugs. Mas aqui nós
fazemos uso da interpretação teleológica. Isto é, nós
apelamos diretamente a tarefa que o spark plug deve fazer,
isto é, criar uma descarga elétrica (spark) quando a
energia for fornecida. Nós não precisamos conhecer nada
sobre o projeto causal dos spark plugs a fim de fazer essa
predição. Assim, aqui nós temos um sentido diferente
para a expressão ‘executar como foi projetado’. O spark
plug
36
‘executou como designado’ quando ele fez o que
36
Esse exemplo fora usado em por Matthew Elton (2003) em seu livro “Danniell Dennett: reconciling
science and our sefl-conception.
177
foi projetado a executar/fazer. Observe que um mesmo
sistema pode ser compreendido em relação a ambas
interpretações, a teleológica e a do projeto causal.
O
exemplo que Elton (ibidem) dá é que eu posso concluir
que um sistema é um processador de palavras ao perceber
que ele é um computador rodando um programa
particular. Dado isso, eu posso predizer o que o sistema
fará a seguir (me referindo ao programa). Nesse caso, eu
não preciso, de fato, saber o que um processador de
palavras deve fazer. Eu só preciso saber que esse sistema
deve funcionar de acordo com seu projeto causal.
Entretanto, eu também posso entender que esse sistema é
um processador de palavras notando que ele é um
aparelho que é condizente com o trabalho de processar
palavras. Eu posso observar que ele cumpre bem essa
função. Ele me permite criar documentos, editá-los, salvá-
los num disquete para um uso posterior, imprimi-lo,
checar sua ortografia, e assim por diante. E eu posso
predizer o que o sistema irá fazer em alusão a sua função.
Eu posso, por exemplo, predizer que quando eu apertar o
botão “imprimir” o sistema irá, de uma forma ou de outra,
178
gerar uma cópia impressa do documento com o qual estive
trabalhando. É claro que estou adotando, aqui, a
interpretação teleológica do design stance. E, nesse caso,
eu preciso saber o que devemos esperar de um
processador de palavras (sua função) a fim de confirmar
que ele é um (processador) e poder predizer o que ele
deverá fazer. Assim, nesse caso, o da interpretação
teleológica, nossas predições apelam para o que o sistema,
como um todo, é designado a fazer. E, no outro caso, o do
projeto causal, nossas predições apelam para as operações
e conexões entre as partes componentes do sistema. E,
como acontece, algumas dessas partes componentes do
sistema deverão, eles mesmos, serem entendidos de forma
teleológica, ou seja, entendidos em termos de sua função
(o que eles foram projetados para fazer).
ii) Às vezes Dennett (1978) sugere que algumas das partes
componentes que caracterizam um projeto causal de um
sistema muito complexo, sistemas como pessoas por
exemplo, devem, eles próprios, serem entendidos como
sistemas intencionais, isto é, sistemas que são melhor
179
preditos a partir do ponto de vista intencional. A idéia aqui
é que um projeto causal para uma pessoa admite, ele
mesmo, caracterizar mini-sistemas intencionais. Isso
promove a posição que foi descrita como ‘funcionalismo
homuncular
37
’. Um sistema intencional é feito de sistemas
intencionais menores, ou homunculi, onde cada
homúnculo é mais limitado que o sistema do qual ele faz
parte. Eventualmente, no nível mais baixo, os homúnculos
são tão simplificados que podem ser diretamente
substituídos por meros mecanismos. Ao discutir essa idéia
Dennett está, em grande parte, interessado na afirmação de
que projetos causais podem explicar como os sistemas
intencionais têm a capacidade que têm, como a capacidade
de pensar, ainda que feitos de dispositivos que carecem de
tais capacidades. A defesa dessa afirmação é a parte crítica
do seu projeto naturalista. Entretanto, Dennett (1978)
apenas diz que os componentes ‘poderiam’ ser descritos
como sistemas intencionais. É perfeitamente possível que
alguns componentes são mini sistemas intencionais, mas
não há exigência que todos ou mesmo a maioria deles
37
O termo homúnculo aqui é usado no sentido de designar mini-sistemas funcionais onde este mini-sistema
é sempre inferior ao sistema geral do qual ele mesmo participa.
180
sejam assim. De fato, não há a exigência que qualquer um
dos componentes sejam melhor entendidos por esse
caminho.
iii) Dennett não distingue entre esses modos de se entender o
design stance, e irá mudar de uma forma para a outra com
uma certa freqüência. De acordo com Elton (2003) de vez
em quando ele descreve o ponto de vista intencional como
sendo uma sub-espécie do ponto de vista do design (que é
percebido na obra de Dennett “King of minds: towards an
understanding of consciousness”). Isso só faz sentido na
interpretação teleológica, onde o projeto de uma entidade
é especificado como ‘sendo um agente racional’. Mas, em
outras ocasiões, o design stance é usado para descrever o
caminho pelo qual os mecanismos internos de um agente
operam, por exemplo, quando ele fala sobre predizer os
movimentos da máquina enxadrista por referência ao seu
programa. Isso só faz sentido através da interpretação do
projeto causal.
181
4.1.2 – OS ALGORITMOS DE COMPRESSÃO
Buscar estabelecer um âmbito para o discurso acerca do mental é
condição sine qua non a Filosofia da Mente poderá estabelecer seus critérios
que justifiquem sua valia como área de investigação filosófica. Poderíamos
até dizer que se não conseguirmos estabelecer/justificar critérios de
demarcação de âmbito para a Filosofia da Mente teremos, a posteriori, sérios
problemas em entender a própria Filosofia como uma instância ainda
necessária para se investigar quaisquer das áreas por onde ela se aventura.
Em suma, devido a importância que a Filosofia da Mente ocupa nos dias
atuais, a demonstração de sua não necessidade, seria um largo passo em rumo
a demonstração da não necessidade da própria Filosofia.
Entretanto, defendemos aqui que os Algoritmos de Compressão
que são oriundos da folk psychology se apresentam como elementos
necessários para a Filosofia da Mente (como também de uso corrente nas
demais áreas do saber) devido a impossibilidade humana de se comunicar
sem que deles, de alguma forma, venham a fazer uso. Os sistemas
intencionais que anteriormente apresentamos se efetivam por meio dos
182
Algoritmos de Compressão devido a economia que estes possibilitam –
economia esta imprescindível para a própria comunicação.
Quando no século IX o matemático árabe al-Khowarizmi cunhou
o termo ‘algoritmo’ talvez ele nunca pudesse imaginar o quão ele seria útil
para a filosofia do período atual. De acordo com Teixeira (2004) um
algoritmo é um procedimento mecânico para a solução de um problema
matemático, um procedimento que envolve uma representação bem definida
do problema em questão e um conjunto de regras que levem a sua solução.
Assim, os Algoritmos de Compressão possuem justamente esta função de
serem resolventes de determinadas necessidades de compreensão acerca das
coisas; e, por serem mais econômicos que explicações dadas em nível do
Físico ou em nível do Design se tornam elementos altamente úteis para se
tratar de problemas como, em nosso caso mais específico, das relações
mente-cérebro.
É interessante lembrar que os Algoritmos de Compressão não
são passíveis do mesmo ataque que uma Máquina de Turing
38
pode sofrer.
38
A Máquina de Turing: Talvez Charles Babbage não pudesse imaginar o grande e constante
desenvolvimento da informática nos tempos atuais. A possibilidade da construção de um computador digital
foi dada ao mundo por meio de um breve artigo no ano de 1936. Porém, apesar de que com o passar dos
tempos as inovações no âmbito computacional viessem a ter transformações consideráveis, foi, através deste
inusitado artigo (que fora lançado em um jornal de matemática) que, seu autor, Alan Mathison Turing,
estaria propiciando ao mundo o fator que provocaria um salto significativo no avanço tecnológico. E,
Turing, neste momento, já estava prevendo a possibilidade de uma máquina simular os processos de
183
Ou seja, o Halting problem
39
(Problema da Parada) – “existe um problema
que a máquina de Turing não pode resolver: saber se ela pára ou não,
reconhecer (mecanicamente) se estamos diante de um procedimento efetivo
(com números finitos de passos) ou não. Isto só pode ser realizado
intuitivamente, é algo que requer uma inteligência que não pode ser expressa
de forma algorítmica. (idem, p. 92).
Outro ataque que poderia ser efetivado contra a máquina de
Turing é o Problema da Incompletude de Gödel. O próprio Hawking (2002),
conhecimento humano. Para ele, o que faz o raciocínio humano quando executa um cálculo são operações
para transformar números em uma série de estados intermediários que progridem de um para outro de acordo
com um conjunto fixo de regras, até que uma resposta seja encontrada. Algumas vezes usamos papel e lápis
para não perdemos os estados dos nossos cálculos. As regras da matemática exigem definições mais rígidas
que aquelas descritas nas discussões metafísicas sobre os estados da mente humana, e Turing concentrou-se
na definição destes estados de tal maneira que fossem claros e sem ambigüidades, para que tais definições
pudessem ser usadas para comandar as operações da máquina. A partir deste ponto Turing começou uma
descrição precisa de um sistema formal, na forma de tabela de instruções que descreviam quais movimentos
a fazer para qualquer configuração possível dos estados no sistema. Ele então provou que a descrição destas
informações, que os passos de um sistema axiomático formal semelhante à lógica, e o estado da máquina
que fazem os movimentos em um sistema formal automático são equivalentes entre si. Estes conceitos estão
todos subjacentes na tecnologia atual dos computadores digitais, que foram possíveis somente uma década
depois da publicação de Alan Turing. A Máquina de Turing, como é conhecida, teve sua demonstração no
artigo de Turing quando ele pediu ao leitor que considerasse um dispositivo que pudesse ler e escrever
símbolos em uma fita que estava dividida em quadrados. Uma cabeça de leitura/gravação se moveria em
qualquer direção ao longo da fita, um quadrado por vez, e uma unidade de controle poderia interpretar uma
lista de instruções simples sobre leitura e gravação de símbolos nos quadrados, movendo-se ou não para a
direita ou esquerda. O quadrado que é “lido” em cada etapa é conhecido como quadrado ativo. A regra que
está sendo executada determina o que se convencionou chamar estado da máquina. A fita é potencialmente
infinita. Turing dizia que ao se comparar um output de uma máquina e o de uma pessoa poderíamos chegar a
conclusão de que uma máquina pensa, caso as respostas fossem indistingüíveis. Por exemplo, se fizéssemos
a questão: quanto é 2 X 100?, ao comparar a resposta de uma máquina com a de uma pessoa, sendo as duas
respostas idênticas, poderíamos chegar a conclusão de que a máquina pode pensar tanto quanto o homem.
Nesse sentido, seu teste visava determinar com que freqüência as pessoas seriam incapazes de distinguir
entre amostras de output de seres humanos em relação aos de uma máquina; se os resultados do teste
mostrassem que a freqüência com que os sujeitos do teste pudessem distinguir entre o output humano e o
output de um computador fosse estatisticamente insignificante, isso significaria que é correto dizer que não
há uma diferença essencial entre um humano-pensante e uma máquina-pensante.(cf.
www.cic.unb.br/tutores/turing/maqtur.html)
.
39
Não nos cabe aqui uma descrição pormenorizado deste problema. Para tanto sugerimos a análise do
capítulo 4 do livro Filosofia e Ciência Cognitiva do professor João de Fernandes Teixeira de 2004.
184
afirma que, quando em 1931 o matemático Kurt Gödel provou seu famoso
Teorema da Incompletude sobre a natureza da matemática, demonstrou que
tal teorema afirma que, dentro de qualquer sistema formal de axiomas, como
a matemática atual, sempre persistem questões que não podem ser provadas
nem refutadas com base nos axiomas que definem o sistema. Em outras
palavras Gödel mostrou que certos problemas não podem ser solucionados
por nenhum conjunto algorítmico. O teorema de Gödel fixou limites
fundamentais para a matemática. Foi um grande choque para a comunidade
científica, pois derrubou a crença generalizada de que a matemática era um
sistema coerente e completo baseado em um único fundamento lógico. O
teorema de Gödel, o princípio da incerteza de Heisenberg e a impossibilidade
prática de seguir a evolução até mesmo de um sistema determinista que se
torna caótico formam um conjunto fundamental de limitações ao
conhecimento científico que só veio a ser reconhecido durante o século XX.
Como diz Teixeira (2004), o Teorema da Incompletude demonstra que em
qualquer sistema formal existem proposições que não são passíveis de prova
ou refutação com base nos axiomas do sistema, e, a partir disso, as
contradições que existem no interior do sistema não são passíveis de serem
suprimidas pelo próprio sistema. Logo, a verdade ou a falsidade dos próprios
axiomas que servem de ponto de partida para um sistema formal não podem
ser decididas no interior do sistema, têm de ser decididas externamente a ele.
185
Cria-se assim uma lacuna muito grande entre verdade e demonstração, um
abismo que só poderá ser transposto pela inteligência humana. Entretanto, os
Algoritmos de Compressão não vêm de encontro a estas teses, mas sim, vai
ao encontro delas. Ou seja, devido às repercussões que principalmente Gödel
criara devido seu Teorema da Incompletude, nossas ficções úteis da folk
psychology que se expressam em forma de Algoritmos de Compressão se
tornam elementos necessários para suprir tal lacuna e possibilitar um
progredir nos discursos acerca das coisas. Caso não venhamos a utilizar tal
recurso – ou seja, os Algoritmos de Compressão – em muitos caminhos seria
necessário parar toda e qualquer investigação, o que, claramente, seria uma
total falta de bom senso. Como sita o próprio Churchland (2004) temos aqui
um procedimento eficiente, um algoritmo, para determinar quais são os
melhores lances a serem realizados - “Até muito recentemente quase todo
mundo acreditava que uma lei geral somente poderia ser justificada por uma
generalização indutiva a partir de um número adequado de instâncias
observáveis dos elementos abrangidos pela lei. Ao observar um certo número
de corvos, notamos que cada um deles é preto e generalizamos para ‘todos
os corvos são pretos’. E o mesmo para todas as leis. Era o que se pensava.
Essa idéia podia ser adequada para leis que conectam coisas observáveis,
mas a ciência moderna está repleta de leis que governam o comportamento
de coisas e propriedades não-observáveis. Basta lembrar os átomos, as
186
moléculas, os genes e as ondas eletromagnéticas. Assim, é evidente que as
leis relativas aos não-observáveis devem receber uma outra forma de
justificação empírica, para que seja possível justificá-las (p. 121). Podemos
relembrar aqui o caso da Força da Gravidade, mesmo sendo seu elemento
constituinte algo ainda não passível de observação (pois, temos acesso apenas
aos seus efeitos e causas, mas não ao seu objeto constituinte) temos boas
razões ainda para continuar acreditando nela. Esse tipo de algoritmo também
é um tipo de Algoritmo de Compressão; pois, ele evita que tenhamos que
sempre explicar física e matematicamente todos os procedimentos
necessários para compreendermos tal atração que um corpo maior exerce
sobre um corpo menor, bem como, evita ficarmos debaixo de um poste
quando este estiver caindo sobre nossa cabeça!
Sendo os Churchland adeptos do materialismo eliminativo, ou
seja, crêem que com o avanço das tecnologias a neurociência conseguirá
mapear e explicar completamente o cérebro humano, esta tese, por sua vez,
viria a refutar os argumentos advindos da folk psychology, ou, até mesmo
eliminá-los. Todavia, não partilhamos desta visão. Defendemos que os
avanços das neurociências são um contributo incontestável para o
aprimoramento do entendimento das questões relativas ao cérebro, todavia,
por mais que tais ciências avencem, elas sempre farão o uso de Algoritmos de
187
Compressão pois estes possibilitarão a expressão em forma de linguagem das
próprias descobertas/evoluções científicas, assim como, do próprio senso
comum. É claro que não estamos defendendo que as elaborações científicas
sejam tão simples e despreocupadas quanto às do Senso Comum, estamos
enfatizando que tais Algoritmos de Compressão serão sempre necessários em
todos os âmbitos, sendo eles mais ou menos sofisticados; pois o fator
economia’ é condição necessária para a expressão de qualquer enunciado
lingüístico.
Em “Content and Consciousness” Dennett (apud Elton 2003)
estava certo de que explicações intencionais não são formas de explicações
causais. Ele insistiu que falar em crenças e desejos era perfeitamente
legítimo nos contextos certos, mas que os termos não se referiam literalmente
a uma entidade ou a um estado que poderia ser percebido, selecionado de
alguma outra maneira. Termos intencionais, ele nos disse, não eram ‘termos
aplicáveis’ (referring terms). Eles eram semelhantes a termos como ‘motivo’
e ‘voz’ nas expressões: “ela fez isso por sua vontade’ e ‘ela perdeu a sua
voz’.
Em seu trabalho subseqüente, Dennett (1987) usou a idéia de
‘instrumentalismo’, uma doutrina desenvolvida na filosofia da ciência. Ele
188
permitiu que sua atitude perante crenças e desejos era uma atitude
instrumental. Isso significa dizer que o relato dos estados intencionais
simplesmente faz parte de um instrumento teórico para predizer
comportamento, mas que a questão de que as características desse
instrumento de predição são reais ou não, não é assunto para um debate
apropriado. Mas ele descobriu que defender o instrumentalismo faria com
que ele teria de aceitar críticas que abalariam sua defesa em rejeitar a postura
dualista. Ele repudiou o instrumentalismo, colocando sua defesa embaixo de
uma bem intencionada e inútil tática de sua estratégia de exposição dos
termos intencionais.
Segue-se uma fase na qual Dennett (apud Elton, 2003) descreveu
estados intencionais em várias maneiras que sugeriam que eles fossem mais
brandos no que tange a seu status de realidade. Eles eram ‘abstratos, mas não
concretos’, dizia ele, delineando uma idéia da filosofia da ciência. Eles eram
‘ficções úteis’ ou ‘reais apenas se nós os isentarmos de um certo padrão
familiar literal’. Ou, novamente, ele disse que designações intencionais
fazem reivindicações verdadeiras, mas que eles só são ‘verdadeiros com um
grão de sal’. Assim como as paredes de um prédio não são nada mais que
tijolos configurados de um dado modo, os elementos intencionais
representam padrões que configuram realidades do comportamento, do
189
ambiente, das características da espécie e da pessoa particular de uma certa
forma. Poder-se-ia dizer que os itens intencionais seriam a configuração das
características das coisas.
Todos esses movimentos mostram Dennett recusando em
empenhar-se em desfazer as críticas realistas ao negar que essa questão fosse
uma questão importante. Esse tipo de movimento persiste no trabalho de
Dennett. Mas, enquanto ele continua a impor que esse debate não é tão
importante quanto seus críticos dizem que é, ele também adotou uma
estratégia diferente. Essa é a estratégia de reivindicar o conceito de
‘realidade’ e mostrar como os estados intencionais, como ele os entende,
podem ser considerados reais como qualquer outra coisa. Esse movimento é
feito em seu importante artigo ‘Real Patterns’. Ali ele defende uma
concepção que ele chama de ‘Realismo Brando’.
190
4.1.3 - REAL PATTERNS
Podemos dizer que Dennett apresenta três fazes bastante
distintas em sua obra. A primeira fase seria entendida em nível bastante geral
como sendo aquela do Realismo da Folk Psychology. A segunda fase seria a
que Folk Psychology passa a ser vista de modo instrumental. Já na terceira
fase temos um Dennett que vai optar por uma postura mais branda, temos
aqui o Realismo Brando.
Esta terceira postura dennettiana não admite o Dualismo
Tradicional Cartesiano, mas também, não é redutível ao Materialismo
Eliminativo. Os Algoritmos de Compressão aqui são compatíveis com os de
orientação do Materialismo Brando dennettiano, pois o sentido dos
Algoritmos de Compressão não é redutível ao mundo material, entretanto,
isto não implicaria numa postura metafísica ou dualista de substância. Ou
seja, para que os agentes e seus estados intencionais sejam partes da natureza
eles precisam ser coisas que tem uma estrutura causal regular e governada
por leis. Reducionistas têm como objetivo mostrar como agentes e seus
estados intencionais têm tal estrutura.
191
Teóricos representacionais, como Fodor, argumentam que
estados intencionais são simplesmente estados representacionais e que ser um
agente é simplesmente um modo de corresponder a um design stance
específico (onde, como fora enfatizado, devemos entender o design stance
nos termos de um projeto causal).
O reducionismo pode ter várias formas. Por exemplo, existe um
esforço para tentar reduzir o estado intencional a estados abstratamente
específicos de uma rede neural, como é proposto por alguns teóricos
conexionistas, ou então a tentativa de reduzir estados intencionais a estados
cerebrais, como é proposto pela teoria da identidade.
O ponto é que algo intencional é reduzido a algo não
intencional, e conseqüentemente algo que pode ser entendido como parte da
natureza, ou como algo prontamente ajustado com a concepção mecanicista.
Todavia, mesmo mantendo tal postura naturalista Dennett (1991, p. 110)
infere que “predizer que alguém fugirá se você lhe atirar um tijolo é fácil a
partir da atitude da psicologia popular; isso é e sempre será intratável se
você traçar os fótons do tijolo até o globo ocular, os neurotransmissores do
nervo ótico ao nervo motor, e assim por diante”. O problema aqui é
bastante claro, ou seja, dada a limitação epistemológica humana devido ao
192
alto custo a ser pago para elaborar (mesmo em âmbito científico) uma
explicação sempre pormenorizada acerca de todos os eventos com os quais o
ser humano se depara é que os Algoritmos de Compressão se tornam
elementos imprescindíveis; pois o custo de uma apresentação de todos os
elementos que participam de dado evento é caro demais, e por vezes, não
possível (lembrar aqui o caso, por exemplo, do próprio Teorema da
Incompletude de Gödel) – “nesses casos, com freqüência, a única estratégia
prática é a estratégia intencional; nos brinda com um poder preditivo que
não podemos obter por nenhum outro método. Mas não se deve insistir em
que isto suponha alguma diferença na essência, mas sim, simplesmente, uma
diferença que se reflete em nossa limitada capacidade como
cientistas”.(DENNETT, 1987, p. 34)
Para o naturalismo, somente pela sustentação via algum tipo de
reducionismo para alguma ciência básica ou especial é que agentes e seus
estados intencionais podem ser considerados como reais. Como Dennett
(apud Elton, 2002) rejeita esse reducionismo, defensores do naturalismo
argumentam que ele não pode reivindicar que agentes e estados intencionais
são reais, que ele não pode reivindicar que eles deveriam ser incluídos
seriamente na contagem do que há no mundo.
193
Como pode esse ‘senso’ de realidade, o senso adotado pelo
naturalismo, dar conta de forma exaustiva de uma classe extensa de casos?
Segundo Dennett (idem), ele confirmou que as esferas cristalinas, nas quais
nossos ancestrais pensaram que as estrelas e os planetas estivessem
pendurados, não são reais. E eles não são reais por serem entidades
postuladas por uma teoria agora extinta. A melhor teoria corrente para
estrelas e planetas simplesmente não deixa espaço para esferas cristalinas. O
mesmo pode ser dito para o flogisto, a matéria que as pessoas costumavam
pensar que era emitida na combustão. A química moderna, uma teoria muito
melhor, sugere que a matéria, oxigênio, é elemento necessário na
combustão. E é por isso que pensamos que o oxigênio é real, mas o flogisto
não. Defensores do Materialismo Eliminativo como os Churchland,
compartilham o ceticismo dennettiano sobre o reducionismo.
Mas, penetrando no naturalismo, o Materialismo Eliminativo
faz da falta do reducionismo uma demonstração que agentes e estados
intencionais não são “reais” ou de qualidade natural. Um estudo sério sobre o
que há no mundo irá omiti-los, bem como um sério estudo sobre o que há no
domínio astronômico omite as esferas cristalinas. Mas, assim como Dennett
rejeita o reducionismo, ele também rejeita o materialismo eliminativo. Para
194
ele, seria um grande erro sugerir que agentes e seus estados intencionais tem
um status equivalente ao flogisto e as esferas cristalinas.
Segundo Elton (2003), Sherlock Holmes, unicórnios, fadas e
máquinas do tempo não são reais. São ficções. Enquanto conversamos sobre
eles não esperamos reunir evidências contra ou a favor de suas existências, ou
então empreender numa investigação empírica de suas naturezas.
Novamente, para Dennett, seria um sério erro sugerir que agentes e seus
estados intencionais tem o mesmo status que Sherlock Holmes e fadas. Dito
isso, ele freqüentemente e inutilmente usa a palavra ‘ficção’ ao descrever
agentes e estados intencionais.
Finalmente, Elton (2003) exemplifica que “terças-feiras” e
“cadeiras” não são, no sentido apropriado, reais. Mas “terças” e “cadeiras”
não são entidades que figuram numa teoria extinta, ou que foram
substituídos. E nem são, “terças” e “cadeiras”, ficções, como “Sherlock
Holmes” e os “Unicórnios”. Nós podemos dizer coisas verdadeiras e falsas
sobre “terças” e “cadeiras”. Mas aqui não encontramos estruturas causais
regulares e governadas por leis que são afetadas pelo fato do dia ser ou não
ser terça feira, ou de um objeto físico ser uma cadeira. Quando “cadeiras”
fazem algo, como quebrar janelas ao serem atiradas por elas, não é em
195
virtude de ser uma “cadeira” que eles fazem o que fazem, mas simplesmente
por ser um objeto físico com tal massa e tal forma. A ‘cadeireza’, se você
preferir, de um objeto físico não é parte da realidade tanto quanto um rótulo
(marca, indicação), numa categorização conveniente mais simplória. Ou,
colocando de outra forma, “terças” e “cadeiras” estão no olhar do observador.
Dennett quer mais para seus agentes e seus estados intencionais.
Ele quer insistir que eles fazem parte do mundo. De forma diferente de
“terças” e “cadeiras”, não conseguir vê-los é perder algo que está realmente
lá. Quando uma crença leva você a atirar uma cadeira por uma janela, é em
virtude de ser uma crença, e não qualquer outra coisa como um estado físico
no seu cérebro, que fez isso.
Assim Dennett deseja resistir à idéia que agentes e estados
intencionais falham para serem reais assim como as “esferas cristalinas”,
“Unicórnios” ou “Terças”. E ainda, ao rejeitar o reducionismo ele também
resiste à idéia que eles são reais da maneira que vírus, oxigênio ou planetas o
são.
Mas, de acordo com o naturalismo, não há espaço para tal
posicionamento. Como o próprio Dennett sente tal dificuldade em relação a
196
entender sua teoria como sendo absolutamente enquadrada com os princípios
materialistas (e ele não admite ser enquadrado enquanto dualista), Dennett
opta por um viés monista mais brando; ou seja, não admite os princípios
fundamentais do Materialismo Eliminativo e, ao mesmo tempo, se recusa a
ser enquadrado enquanto um Dualista de Substâncias. Logo, Dennett vai ficar
numa terceira margem. Vai optar por um viés mais brando do materialismo
que admita seus termos Algoritmos de Compressão.
De fato, ele deu uma guinada, partindo da insistência de que os
agentes e seus estados intencionais são vigorosamente reais para depois dizer
que eles são apenas ficções úteis. Tudo isso pode ser muito confuso, mas, de
acordo com Elton (2003) devo argumentar que sua visão atual é estável,
mesmo que o caminho que Dennett apresenta esteja exposto a uma extensa
variação.
Assim que virmos que Dennett precisa rejeitar o naturalismo
tradicional, nós poderemos ver um meio de expressar seu ponto de vista de
forma clara e não ambígua. Isto é, poderemos enxergar como Dennett tem
condições de defender a reivindicação de que agentes e estados intencionais
são reais, mas não são reais pelo mérito de fazer parte de uma estrutura causal
regular e governada por leis.
197
O real é aquilo que pushing and pulling no mundo. Esse slogan
aponta para um ponto chave de uma visão muito comum sobre o que pode ser
considerado propriamente como sendo ‘real’. Quando reflexões científicas e
filosóficas sobre a ciência encontram esse slogan seu conteúdo se torna mais
preciso e nos leva, mais ou menos, direto ao naturalismo.
A história é mais ou menos assim: Pushing and pulling é a
respeito de causação. E, causação, como é freqüentemente apresentada,
requer padrões de atividades regulares e governados por leis. Mas essa
compreensão específica de pushing and pulling, é, de fato, de uma noção
mais técnica de causação, e pode ser contestada; e, se Dennett (idem) estiver
certo, precisa ser contestada pelo próprio Dennett se ele quer defender sua
teoria dos sistemas intencionais.
É importante prefaciar qualquer discussão sobre causação ao
observar que o debate promove um grande número de controvérsias dentro da
literatura filosófica. Está longe de ser claro que existe algo como um ponto de
vista padrão, modelo. Segundo Elton (ibidem) aqui devo fazer um breve
esboço de uma teoria de causação, um esboço que aponta os traços
particulares que precisam ser enfatizados pelas críticas dennettianas no
tópico da realidade dos sistemas intencionais. Assim, enquanto alguns pontos
198
principais do meu esboço podem ser altamente contestáveis, os pontos
importantes para os argumentos a serem seguidos são defendidos pelas
críticas relevantes de Dennett.
Para um evento do tipo A causar um evento do tipo B, duas
condições chaves são exigidas. Primeiro, os dois eventos precisam ser
independentes um do outro. Segundo, o fato de que eventos do tipo A
conduzem eventos do tipo B, em certas condições, precisa ser uma
regularidade não acidental. Elton (2003) não quer defender essas duas
condições em nenhum detalhe – elas são muito discutidas na literatura
filosófica e de modo algum aceito por todos – mas será útil fazer um breve
comentário a favor de cada uma.
Como, então, todo esse papo de leis causais diz respeito a teoria
dos sistemas intencionais de Dennett? Se adotarmos o ponto de vista físico, aí
poderemos fazer um uso direto das leis causais, e, de fato, leis causais de
tipos bem gerais. Se estivermos fazendo predições sobre o que uma máquina
enxadrista irá fazer, e adotarmos o ponto de vista físico, então nós
estaremos nos referindo a leis que descrevem o comportamento dos átomos e
elétrons que constituem o circuito do aparelho. E os átomos e elétrons são,
para o naturalismo, sem maiores problemas, reais.
199
E sobre o ponto de vista do design? Se adotarmos a interpretação
do ponto de vista do design, aí, assim como no ponto de vista físico, nós
faremos uso direto das leis causais em formular nossas predições. As leis que
são aplicadas para a máquina enxadrista irão descrever os efeitos dos inputs
nos estados internos, e o efeito dos estados internos, um por um, nos outputs.
E, dado o critério de realidade da mesa, os inputs, outputs e estados internos
serão contados como reais. Eles são reais, porque eles têm leis causais que
descrevem corretamente como eles afetam uns aos outros.
Claro, o sucesso do ponto de vista do design depende do fato do
aparelho em questão estar funcionando perfeitamente conforme seu projeto
causal. Se nós interferirmos no suporte de energia da máquina, ela
desenvolverá uma falha intermitente. Numa circunstância dessa –
dependendo da seriedade desse rompimento – nós estaremos justificados para
dizer que as mesmas leis causais continuam aplicáveis, mas que exceções
poderão ocorrer.
Essas exceções podem ser explicadas por leis mais gerais, como
as leis avaliáveis no ponto de vista físico. Por outro lado, se colocarmos a
máquina enxadrista num forno aquecido, e todas as suas partes começarem a
derreter, aí não poderemos esperar que o mesmo conjunto de leis funcionará.
200
Assim que o aparelho cessa de funcionar de acordo com o projeto causal de
uma forma séria, aí essas leis não serão úteis para nós, o que é perfeitamente
cabível.
Finalmente, de acordo com Elton (2003) podemos nos referir
agora para o ponto de vista intencional. Novamente, podemos seguir os
mesmos exemplos da máquina enxadrista. Ao considerar os estados
intencionais nós nos referimos a quando vimos a máquina enxadrista através
do ponto de vista intencional. Esses estados são tidos como reais de acordo
com o naturalismo? Parece que não. Nós designamos estados intencionais
para a máquina enxadrista e nós os usamos para predizer seu comportamento
pelos caminhos das normas da racionalidade. Nós predizemos que tal
máquina irá fazer o que é apropriado segundo as normas da racionalidade.
Mas isso parece completamente em desacordo com o naturalismo. E nós
podemos ver isso mais claramente checando as duas condições exigidas para
a lei de causação descrita a pouco.
1) são os estados intencionais (as supostas causas)
independentes do comportamento (os supostos efeitos) que
eles predizem? A primeira vista, não. Suponhamos que a
máquina enxadrista ‘acredita’ que, a menos que ela mova sua
201
rainha três quadras para frente, ela perderá o jogo e,
suponhamos que ela tenha um ‘desejo’ permanente de ganhar
o jogo. Embasado nisso, podemos predizer de modo confiável
que a máquina moverá sua rainha três quadras para frente.
Mas aqui parece haver uma conexão lógica entre suposta
causa e suposto efeito. É como o caso da concepção,
entendida como causa do suposto efeito que foi sugerido
como causa da gravidez. Considerando o que é isso, de
acordo com a teoria de Dennett, ter uma crença que ao menos
que você mexa sua rainha três quadras a frente você perderá
seu jogo, é ter um desejo de ganhar o jogo. Parece ser apenas
isso: se você tem esses dois juntos, você irá mover sua rainha
três quadras a frente. Assim a sugestão de ‘crença’ e o
‘desejo’ poderiam ser expressos como ‘que a máquina
enxadrista deseje, (com outras coisas em equivalência) mover
sua rainha três quadras a frente, é a causa de que a máquina
enxadrista moveu sua rainha três quadras a frente. E isso
parece não dizer absolutamente nada.
2) são os estados intencionais leis, leis que relatam algumas
crenças e desejos com ações, ou crenças e desejos para um
202
novo conjunto de crenças e desejos? É uma lei causal que, se
você quer ‘X’ e acredita que pode conseguir ‘X’ ao fazer
‘A’, então, outras coisas estando em equivalência, você fará
‘A’? Na literatura da filosofia da mente, é freqüentemente
sugerido que isso é uma lei. Mas, num exame mais
aprofundado, essa generalização parece ser bem diferente das
generalizações reconhecidas como leis causais. Claramente,
sempre haverá descrições daquilo que ocorre corretamente.
Se eu quero uma xícara de chá, e se eu posso ter uma xícara
de chá indo até a cozinha e preparando-a, então, com outras
coisas em equivalência, eu irei para à cozinha e farei meu
chá. O problema aparece, entretanto, com essa parte: “outras
coisas em equivalência”. Essa cláusula funciona, aqui, de
maneira um pouco diferente do modo que ela funciona com
as leis causais discutidas anteriormente. Pegue o caso das leis
causais que descrevem as operações da máquina enxadrista
quando vistas pelo ponto de vista do design. Nesse caso,
podemos ter uma boa noção do que ‘outras coisas em
equivalência’ podem dizer. Coisas não são equivalentes
quando a estrutura causal especificada no projeto causal da
máquina enxadrista deixa de existir. Se, por exemplo, um fio
203
é cortado no circuito central, então a máquina enxadrista
deixará de responder ao seu projeto causal. Outras coisas não
são equivalentes, e para ter certeza da exatidão das predições
feitas, precisamos apelar para leis ainda mais gerais, seja no
ponto de vista do design ou no ponto de vista físico, mas
sempre relatados num nível mais baixo e mais geral. Nós
podemos, por exemplo, mudar de um ponto de vista do
design baseado no programa do computador para um ponto
de vista do design baseado nas especificações das suas partes
componentes. Mas, no caso do estado intencional, parece que
o modo onde ‘outras coisas” falham em “estar em
equivalência’, é totalmente ilimitado. O exemplo citado por
Elton (2003) denota que existem várias outras maneiras nas
quais eu posso ter o meu chá. Eu poderia pedir para Nina
fazê-lo para mim, ao invés de ir fazê-lo. Eu poderia
simplesmente sentar e esperar, sabendo que a Ana Paula fará
um chá daqui a pouco, como ela sempre fez. Ou então
alguma coisa poderia vencer o meu desejo de tomar chá. Uma
preguiça extrema, e o conhecimento que se eu fizer o chá
para mim, Nina e Ana Paula vão querer também, e podem
superar a minha vontade de tomar chá. Todas essas
204
circunstâncias fariam a operação da suposta lei falhar. Mas
nenhuma dessas circunstâncias podem ser explicadas pelo
sistema. Nada deu errado nesse caso. E não haveria mérito
algum em mudar para o ponto de vista do design ou até para
o ponto de vista físico para explicar o desvio da suposta lei
intencional.
Reducionistas precisam argumentar que esses problemas podem
ser superados. Estados intencionais, eles insistirão, podem ser identificados
como estados do ponto de vista do design, onde o design foi construído
através de um projeto causal. E, assim sendo, de acordo com o naturalismo, o
estados intencionais poderiam ser tidos como reais, por serem governados
por leis causais. Dennett mostra-se cético para tais empreendimentos. E, de
qualquer modo, ele tem razões suficientes para rejeitar tal redução. Como tal,
ele não vê nenhuma questão que impossibilite a tentativa de superar os
problemas que poderiam surgir aqui.
Dennett sustenta que sua idéia de optar por um realismo mais
brando com base na noção de padrão pode ser muito proveitosa, tendo em
vista que a aplicação dessa teorização para coisas mais simples que os termos
da folk psychology é bastante razoável: “meu objetivo no momento não é
205
tanto provar que minha doutrina intermediária sobre a realidade dos
estados psicológicos é correta, mas apenas que é possivelmente correta...”
(DENNETT, 1991, p. 97)
Por definição geral entendemos que a noção de padrão para a
leitura dennettiana implica reconhecimento ou discernimento de
regularidades. Logo, onde não existe regularidade, não existe padrão. Uma
boa demarcação conceitual para os nossos algoritmos seria que um algoritmo
só existe quando este permite em sua estrutura a existência de um padrão, ou
seja, uma regularidade de eventos encadeados de modo a resolver um
determinado problema. Assim sendo, onde não há padrão não pode haver
predição.
Em suma, uma certa configuração de coisas no mundo, para ser
padronizável, deve conter informação econômica (ou seja, deve conter
informação compacta, comprimida, compressível em relação a forma de sua
configuração original). Essa forma mais compacta de expressão da
informação é o Padrão Real. Seguindo este viés, podemos afirmar que a folk
psychology por ser caracterizada por seu poder preditivo é constituída por tais
padrões reais.
206
Desse modo, de acordo com Teixeira (2000) elementos como
crenças, desejos, intenções – que são os elementos que compõem a folk
psychology – são interpretações, mas essas não estão apenas na mente ou na
cabeça daqueles que observam comportamentos de organismos ou sistemas.
O que lhes confere realidade – uma realidade a meio caminho entre a pura e
simples construção mental ou subjetiva e a sua existência como estrutura
cerebral – é o fato de essas interpretações captarem e expressarem padrões ou
regularidades que estão na natureza.
A atribuição de intenções, crenças e desejos torna-se, assim, um
instrumento e uma estratégia a partir da qual podemos
contornar a extraordinária complexidade presente no cérebro e
no comportamento de outros organismos. Nesse sentido, os
elementos da folk psychology funcionam como verdadeiros
‘algoritmos de compressão’, a partir dos quais podemos
apreender rapidamente os padrões ou regularidades do
comportamento. Para termos uma idéia do que seja um
‘algoritmo de compressão’ basta que imaginemos uma situação
na qual queiramos “escanear” uma figura para, em seguida,
tentar salvá-la em um disquete de 1,44 MB. Se a figura for muito
grande ela não caberá no disquete e, a não ser que tenhamos um
207
“zip-drive”, não poderemos transportá-la para um outro
computador para, por exemplo, inseri-la num texto disponível
nesse último. Contudo, aqueles que têm experiência nesse tipo
de situação poderão lançar mão de um artifício: compactar a
figura para poder transportá-la em disquete, para, em seguida,
descompactá-la no computador de destino. Para compactar a
figura usa-se um ‘algoritmo de compressão’ – ele “diminui” a
figura temporariamente, identificando nessa padrões ou
regularidades que podem ser “comprimidos” ou
“compactados”. (...) compactar a figura é um primeiro passo
para contornar sua complexidade quantitativa. Note-se que
somente padrões ou repetições podem ser comprimidos; se esses
não ocorrerem na figura (embora isto seja difícil de imaginar)
sua versão compactada será idêntica à original. Da mesma
maneira que os algoritmos de compressão, os elementos da folk
psychology permitem contornar a complexidade e
impresivibilidade do comportamento de outros organismos ou
sistemas, compactando padrões e regularidades presentes no
seu cérebro e no seu comportamento, ou seja, possibilitando sua
apreensão e descrição em tempo real. (...) A construção de uma
história inteligível do comportamento de um organismo
208
complexo – usando os recursos da folk psychology – será,
igualmente, pontuada por uma oscilação entre regularidades e
pontos de inflexão que caracterizam os algoritmos de
compressão. (TEIXEIRA, 2000, p. 151).
O próprio Dennett (1998) nos diz que até mesmo a evolução não
é um processo planejado para nos produzir, mas não se conclui daí que a
evolução não seja um processo algorítmico que de fato nos tenha produzido.
209
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lembrando Newton quando este proferiu que só pode
vislumbrar ao longe pois se apoiou em ombros de gigantes - que, o partir de
uma investigação, deva focar como um de seu sustentáculos primordiais a
discussão rigorosa das bases teóricas que sustentam o discurso acerca das
coisas. Assim, hodiernamente, a Filosofia da Mente vem ganhando um
espaço de discussão cada vez maior e mais sofisticado no meio científico e
filosófico. Partindo desta perspectiva optamos por realizar um estudo sobre
as bases conceituais e argumentativas que tratam da problemática da
tentativa de demarcar o âmbito do mental através dos Algoritmos de
Compressão. Essa problemática possui uma significativa relevância devido a
sua implicação em diversas outras áreas de estudos que, dentre as quais,
podemos destacar: a Inteligência Artificial, a Lógica, a Psicologia
Evolucionária, a Educação, a Ciência Cognitiva, a Neurociência e muitas
outras. Podemos afirmar com um bom grau de assertividade que a análise das
teorias que fundamentam as mais diversas áreas do saber possuem uma
implicação direta ou indireta com a base epistemológica que se encontra
210
intrinsecamente relacionada ao problema da demarcação do âmbito do
mental, logo, uma análise da perspectiva da Filosofia da Mente a partir dos
Algoritmos de Compressão torna-se um fazer imprescindível. Entender como
se dá esse processo foi o objeto central da proposta de pesquisa realizada na
presente tese.
Em Machado (2003) concordo que “neste momento é
conveniente lembrar da preocupação cartesiana em procurar fazer tantas
revisões nos estudos quantas forem necessárias para evitar o erro. Talvez,
evitar cabalmente o erro seja algo um tanto quanto difícil (...), entretanto, o
que se deseja é a busca pelo melhoramento do discurso acerca das coisas
...”.
Quando Dennett define um algoritmo como sendo um processo
formal, composto de sucessivas etapas de prescrições, que sempre levam a
um determinado resultado sempre que é iniciado, ele vai chamar a atenção
para alguns critérios pertencentes à própria forma do algoritmo:
i) em primeiro lugar: o algoritmo é neutro em relação ao seu
substracto. Ou seja, o procedimento funciona
211
independentemente dos elementos que são utilizados para
sua efetivação;
ii) Em segundo lugar: o algoritmo funciona qualquer que seja
o sistema simbólico utilizado para representá-lo. Sua
funcionalidade está diretamente vinculada a sua estrutura
lógica; logo, os poderes causais dos elementos usados em
suas instanciações agiriam apenas permitindo que as
etapas prescritas sejam seguidas;
iii) Em terceiro lugar: ausência de esforço intelectual
subjacente. Ou seja, segundo Dennett (1998) “apesar do
projeto global do procedimento poder ser brilhante, ou
conduzir a resultados brilhantes, cada etapa constituinte,
bem com a transição entre as etapas, é totalmente
simples”. Não existe a necessidade de esforço intelectual
para realizar cada etapa (Hoje percebemos isso até mesmo
nos programas de computadores);
iv) Em quarto lugar: o algoritmo sempre possui seu resultado.
Ou seja, independente do que o algoritmo faz, ele sempre
212
o realiza – “Um algoritmo é uma receita completamente
testada” (idem);
v) Em quinto lugar: o princípio da heterofenomenologia –
como não possuímos instrumentos para saber o que
ocorre na mente de outras pessoas (pois, mesmo com
aparelhos que detectam a área cerebral ativa no momento
em que realizamos algum processo cognitivo, teríamos
mesmo assim que associar o relato de minha experiência
mental com a área ativa no cérebro. Caso contrário o que
teríamos seria algo semelhante a uma radiografia de
qualquer outro órgão do corpo humano) temos que fazer
uso deste relato acerca do que está ocorrendo na mente
desta outra pessoa. A este método Dennett vai chamar de
Método Heterofenomenológico, ou seja, tal método se
constitui na observação e reflexão sobre nossa própria
experiência, todavia, neste caso, feita sempre numa
perspectiva de terceira pessoa. A heterofenomenologia é
um processo de reconstrução do relato subjetivo das
pessoas; uma reconstrução que embora elimine a
perspectiva de primeira pessoa como autoridade de
213
validação sobre seus próprios estados mentais, permite
que interpretemos, a partir de um viés intencional, o que
está acontecendo em outras mentes e até mesmo na sua
própria (pois nós mesmos só temos acesso sobre nossos
próprios estados mentais através dos relatos que fizemos
destes nossos próprios estados mentais, logo, isto também
se dá em nível de segunda ou terceira pessoa). Elimina-se
desse modo a falsa tese do acesso privilegiado aos nossos
estados mentais que é preconizado pela perspectiva de
primeira pessoa. O que temos é uma versão lingüística
daquilo que experienciamos, logo, tal versão se dá em
nível de terceira pessoa. Adotando o viés
heterofenomenológico Dennett vai desqualificar
totalmente a existência dos qualia. Não existem os qualia
puro como enfatizam Bergson e Searle – na verdade não
temos acesso direto às sensações em estado bruto/puro,
temos apenas uma versão cognitiva de tais sensações
filtradas pelos nossos aparatos de percepção e linguagem.
Neste ponto Dennett também vai autorizar o uso dos
Algoritmos de Compressão para tratar de situações que
aparentemente não poderiam ser redutíveis a séries
214
randômicas. Notemos que algoritmos computacionais são
claramente passíveis de traduzirmos em máquina de
Turing, entretanto, sentenças do tipo “estou com saudade
do meu lêmori que faleceu”, a princípio não seriam
passível de algoritmização, logo, nossos Algoritmos de
Compressão não serviriam para tratar deste tipo de
situação que envolvem crenças, desejos, sentimentos.
Todavia, notemos que este argumento parte da existência
de qualia dentro da perspectiva de primeira pessoa (logo,
evidentemente não passível de enumeração pois não
poderíamos enumerar/medir/algoritmizar a saudade por
exemplo, o que implicaria na impossibilidade de
utilizarmos os Algoritmos de Compressão para demarcar o
âmbito do mental). Aqui entra o princípio da
heterofenomenologia dennettiana – como desprezamos a
existência dos qualia pois temos apenas uma versão
cognitiva de tais eventos em nível de terceira pessoa,
temos a possibilidade de enumeração destas versões pois
elas se dão em nível linguístico-epistemológico e não
ontológico (pois, se fosse ontológico estaríamos admitindo
um dualismo de substância o que, por sua vez,
215
descartamos, ou senão, admitindo o materialismo
eliminativo, que por sua vez demonstraria a eliminação do
mental, o que também aqui não concordamos). Assim
sendo, os Algoritmos de Compressão dennettianos seriam
estratégias por nós utilizadas em nível de terceira pessoa
que nos permitem demarcar quaisquer eventos mentais
(pois nesta perspectiva, crenças, desejos, intenções por
serem versões cognitivas daquilo que ocorre em nível
cerebral se tornam passíveis de enumeração), e, por
conseguinte, demarcar o âmbito da própria Filosofia da
Mente.
Durante todo o percurso aqui trilhado tentamos demonstrar que a
Filosofia da Mente ainda possui para si garantido um âmbito de significativa
valia no que tange às suas elaborações teóricas acerca de temáticas onde os
demais âmbitos do saber vão buscar contribuições.
As claras evoluções das ciências como as Neurociências, as
Ciências da Computação, a Robótica vem alcançando nos últimos anos,
fazem com que elas necessitem de fundamentos advindos das investigações
da Filosofia da Mente, principalmente para problemas de ordem
216
epistemológica e de análise das estruturas teóricas de seus discursos.
Podemos inferir com alto grau de precisão que a Filosofia da Mente contribui
para as discussões acerca da tentativa da resolução do Problema Mente-
Cérebro tanto quanto as demais ciências (mantendo aqui é claro suas
especificidades).
Os Algoritmos de Compressão apresentados como uma
vantagem evolutiva onde os significados são dados pela percepção dos
padrões de regularidades. Onde a inteligência abandona uma postura
solipsista e se apresenta como elemento criador de argumentos úteis neste
jogo pela sobrevivência dos mais aptos. Onde abandonamos uma postura de
primeira pessoa no processo de conhecimentos dos estados mentais e
passamos para um viés heterofenomenológico de terceira pessoa onde o
indivíduo não possui um acesso direto aos seus estados mentais, mais sim, o
indivíduo passa a ter uma versão cognitiva dos eventos que ocorrem dentro
dele (pois, mesmo quando elaboro um comentário sobre uma determinada
sensação que ocorre comigo, estarei sempre apontando/relatando uma versão
SOBRE aquilo que se está experienciando, mesmo que o experienciante seja
eu). Onde tais Algoritmos de Compressão se apresentam como elementos
altamente eficazes no que tange a vantagem que possibilitam para a própria
comunicação (lembramos aqui o quão caro seria explicarmos cada evento a
217
partir de sua estrutura física ou, até mesmo, de seu design). Onde, mesmo
com os avanços das tecnologias para a compreensão dos estados e eventos
mentais, entendemos que tais avanços sempre utilizarão Algoritmos de
Compressão para exporem suas contribuições. A partir deste entendimento
acreditamos ter assegurado nos Algoritmos de Compressão um critério de
justificação e demarcação do mental de modo a vir, por conseguinte, a servir
de base suficiente para a manutenção das teorizações advindas da Filosofia da
Mente.
Da obra “Contra o Método” de Paul Feyerabend temos que a
história em geral e a história das revoluções em particular são sempre mais
ricas em conteúdos, mais variadas, mais multilaterais, mais vivas e mais
‘astutas’ do que pode ser imaginado até pelo melhor historiador e pelo
melhor metodólogo. A idéia de um método que contenha princípios
estáticos, imutáveis e absolutamente obrigatórios como guia para a atividade
científica se defronta com consideráveis dificuldades quando é posta diante
dos resultados da pesquisa histórica. Com efeito, podemos ver que não existe
uma norma isolada, por mais plausível e por mais solidamente radicada na
epistemologia que seja, que não tenha sido violada em alguma circunstância.
Também se torna evidente que tais violações não são acontecimentos
acidentais e que não são resultado de um saber insuficiente ou de desatenções
218
que poderiam ter sido evitadas. Pelo contrário, vemos que tais violações são
necessárias para o progresso científico. Com efeito, uma das características
que mais chamam a atenção nas recentes discussões sobre a história e a
filosofia da ciência é a tomada de consciência do fato de que
acontecimentos e desdobramentos como a invenção do atomismo na
Antigüidade, a revolução copernicana, o advento da teoria atômica moderna
(...) e o surgimento gradual da teoria ondulatória da luz só se verificaram
porque alguns pensadores decidiram não se obrigar por certas normas
metodológicas ‘óbvias’ ou porque as violaram involuntariamente”. (apud
REALI, 1991, p. 1051).
Parafraseando Wittgensttein: “sobre o que não se pode falar se
deve calar, mas, sobre o que se pode... há muito ainda a ser dito ...”
219
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