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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCHS
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PRISCILA RIBEIRO GOMES
O CURRÍCULO NUMA ESCOLA PRISIONAL FEMININA: OS
IMPASSES DO COTIDIANO.
RIO DE JANEIRO
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2008
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PRISCILA RIBEIRO GOMES
O CURRÍCULO NUMA ESCOLA PRISIONAL FEMININA: OS
IMPASSES DO COTIDIANO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), como
requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre
em Educação.
Orientadora: Professora Drª. Dayse Martins Hora.
RIO DE JANEIRO
2008
PRISCILA RIBEIRO GOMES
O CURRÍCULO NUMA ESCOLA PRISIONAL FEMININA: OS
IMPASSES DO COTIDIANO
PRISCILA RIBEIRO GOMES
Aprovado pela Banca Examinadora
Rio de Janeiro, _______/____/________
___________________________________
Professora Doutora Dayse Martins Hora
Orientadora -UNIRIO
___________________________________
Professora Doutora Lucília Augusta Lino de Paula – UFRRJ
________________________________________
Professora Doutora Nailda Marinho da Costa Bonato – UNIRIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCHS
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO
DEDICATÓRIA
Aos meus amados pais
À minha querida irmã
Ao meu namorado Ednilson
Ao meu professor Augusto Maia
À minha orientadora Dayse Hora
E a todos que vêem na educação um instrumento pela busca da democracia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por ter me concedido à vida;
À minha avó, pelas suas sábias palavras nos momentos difíceis da seleção do
mestrado;
Aos meus pais que mesmo com todas as dificuldades me deram condições para
estudar e me tornar o que sou hoje;
À minha irmã, Paula, pelo companheirismo nesta caminhada;
Ao meu namorado, que durante todo este tempo esteve ao meu lado, sendo muito
compreensível;
Ao meu Prof. Augusto Maia, que com este jeito de “paizão”, sempre acreditou em
mim, me incentivando a cada dia;
À minha orientadora Dayse Hora por toda sabedoria, paciência, carinho e confiança;
Às Professoras Nailda Bonato e Lucília Lino que contribuíram com suas preciosas
orientações, enriquecendo este trabalho;
Aos meus professores do Mestrado pelo conhecimento oportunizado,
À Profª. Maria de Nazaré, Diretora da Escola Estadual Roberto Burle Marx pela
imensa colaboração;
Às internas da Penitenciária Talavera Bruce que aceitaram fazer parte desta
pesquisa.
“Cuidado com a emergência? Cuidado por quê?
A vida toda lutei pelo estrutural. Para quê? Para chegar aos 58 anos (1993) e ver
que temos 32 milhões de miseráveis? Tenho medo de soluções que não
enfrentamos desafios do emergencial. Reivindico o direito de repensar o Brasil,
mesmo sem ter a solução. A responsabilidade das mudanças é nossa. Façamos
com energia, com força, com entusiasmo, com alegria, superando as dificuldades,
inventando formas, MAS FAZENDO!!!”.
Betinho
RESUMO
O presente estudo é fruto das preocupações suscitadas em torno do espaço
prisional, na tentativa de propor um maior engajamento entre o Poder Público e a
sociedade civil organizada no que tange à luta do direito à educação para jovens e
adultos privados de liberdade, apontando a necessidade da elaboração de
políticas públicas de currículo adequadas para esta realidade, que puderam ser
verificadas através das investigações realizadas no cotidiano prisional,
demonstrando o quanto essas ações são importantes para a emancipação e
ressocialização da mulher presa.
PALAVRAS-CHAVE: educação de jovens e adultos, educação no sistema
penitenciário, políticas públicas, currículo, ressocialização.
ABSTRACT
This study is the result of the concerns raised around the area prison, in an attempt
to offer a greater engagement between the Public Power and organized civil society
as it pertains to fight for the right to education for young people and adults deprived
of freedom, pointing to the need of formulation in public politics on curriculum,
appropriate to this reality, which could be verified through investigations conducted in
the daily prison, demonstrating how these actions are important for the emancipation
and resocialization of imprisoned woman.
KEYWORDS: adult and youth education, education in the prison system, public
politics, curriculum, resocialization.
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO: TEMA E PROBLEMA 9
1.1 Objetivos
21 1.2 Justificativa e Relevância
22 1.3 Metodologia
23 2- CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO PRISIONAL
NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 29
2.1 O processo de criação das primeiras escolas em presídios
no Estado do Rio de Janeiro 33
2.2 A situação da educação prisional na atualidade
35
3- A PRISÃO COMO INSTITUIÇÃO TOTAL 40
3.1 O cotidiano na Penitenciária Talavera Bruce:
as complexidades do gênero 45
4- SITUANDO O CAMPO DO CURRÍCULO 51
5- EDUCAÇÃO DE PRESOS E CURRÍCULO: Algumas questões 56
5.1 Educação prisional, práticas educativas e currículo 59
5.2 Educação prisional e Educação Extra-muros:
mas o que têm de diferentes? 64
6 –EXPOSIÇÃO DA PESQUISA: Coleta e análise dos dados 68
6.1 O percurso traçado para a pesquisa
69
6.2 O perfil das entrevistadas 71
6.3 A reflexão sobre a trajetória de vida das entrevistadas 71
6.4 A importância da escola para as alunas 73
6.5 A relação escola e trabalho 76
6.6 Dificuldades entre escola e rotina da Unidade 78
6.7 O currículo praticado na escola 82
6.8 Currículo e material didático: Alguns apontamentos 84
6.9 Currículo, educação formal e educação profissional: Idéias
complementares 90
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
92
REFERÊNCIAS 99
ANEXOS 104
1- INTRODUÇÃO: TEMA E PROBLEMA
Se a ideologia cedesse lugar ao verdadeiro conhecimento, o
currículo e a sociedade seriam finalmente emancipados e libertados.
Se pudéssemos nos livrar das relações de poder inerentes ao
capitalismo, o conhecimento corporificado no currículo não seria
um conhecimento distorcido e espúrio (SILVA, 2004, p. 149).
Este estudo surgiu das preocupações suscitadas em torno do nosso espaço de
atuação profissional, o ambiente prisional, na tentativa de convidar professores,
pesquisadores da área de educação, os órgãos competentes do sistema
penitenciário e a sociedade civil organizada para uma reflexão sobre as práticas
educativas nas penitenciárias. A avaliação de políticas públicas para o atendimento
de um currículo mais adequado para esta realidade, exige que se enfrente sua
diferença em relação às demais escolas, pautando-se no cotidiano prisional,
direcionando-se às ações sócio-educativas, a fim de discutir quais as práticas
educativas mais adequadas que possam contribuir para a reintegração do preso ao
convívio social. Belloni (2003, p. 44) define que “política pública é a ação intencional
do Estado junto à sociedade”. A autora a partir da definição apresentada
complementa ainda que uma política pública “deve estar voltada para a sociedade e
envolver recursos sociais, toda política blica deve ser sistematicamente avaliada
do ponto de vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais”
Quando falamos em avaliação de políticas públicas, segundo Belloni (2003, p. 45)
estamos tratando de uma parte que integra o processo de desenvolvimento da
política pública, pois possibilita uma averiguação sistemática do cumprimento de sua
função social. O processo de avaliação tem como finalidade conhecer os fatores
positivos de uma política, sinalizando seus equívocos e carências, a fim de
promover seu aprimoramento ou sua reformulação de acordo com o grupo social a
que se destina. Analisar e compreender todo o contexto com vistas a revisão ou
substituição de uma determinada política busca, fundamentalmente, a participação
dos sujeitos internos que estão diretamente envolvidos como: agentes
penitenciários, diretores, professores e outros servidores que atuam na área da
educação e também sujeitos externos, que seriam a sociedade civil e as pessoas
que trabalham a serviço do poder blico, sendo a ação destes essenciais do ponto
da política que está sendo avaliada, acreditando ser o resultado desta
9
implementação relevante não só para seus formuladores, mas para todos os setores
sociais atingidos direta ou indiretamente.
Cumpre esclarecer que não é a intenção deste trabalho realizar, neste momento,
uma avaliação de políticas públicas de educação para jovens e adultos privados de
liberdade, mas sim apontar o quanto, no conjunto dessa política pública, são
deficientes as políticas blicas de currículo existentes e aplicadas no âmbito da
educação de jovens e adultos, e neste caso em especial, de jovens e adultos que se
encontram encarcerados. Notamos, nesse caso, após investigar o cotidiano da
educação prisional, uma maior ausência destas ações, principalmente por entrarem
em conflito com o dia-a-dia da prisão, necessitando serem revistas e reavaliadas
pelo poder público. Assim, esta discussão se encontra no campo da educação de
jovens e adultos, também com lacunas na definição de políticas curriculares.
No caso deste trabalho o podemos esquecer que estamos tratando da população
carcerária, onde o sucesso ou fracasso de uma política pública atinge diretamente
toda à sociedade.
Dentre os diversos tipos de avaliação existe a avaliação educacional que tem como
objetivo avaliar questões relativas ao ensino e a aprendizagem, ou seja, quando um
indivíduo ou grupos são submetidos a processos a fim de adquirir saberes, diz
respeito a verificar como aquele indivíduo ou grupo a ser analisado está
desempenhando sua atividade no campo educacional, seja aprendendo ou
ensinando.
Ainda fazendo uso das idéias de Belloni (2003), devemos considerar também como
avaliação educacional aquela que se destina à análise de currículos ou programas
de ensino, seja qual for a sua extensão, ratificando que estas ações estão inseridas
no âmbito das políticas públicas. A área da avaliação educacional tem crescido
bastante, o que é muito positivo, pois tem contribuído de forma significativa para o
aprimoramento dos processos de ensino e aprendizagem e organização curricular,
tanto nos sistemas formais de ensino quanto nos não-formais, podendo também ser
expandido ao campo da educação profissional.
É importante ressaltar que a avaliação educacional deve ser compreendida como
uma avaliação emancipatória, ou seja, tem como caráter a emancipação dos
sujeitos envolvidos. Dessa forma, apoiando-nos em Saul, citado por Belloni,
podemos definir avaliação emancipatória como:
um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade,
visando transformá-la. Destina-se à avaliação de programas
10
educacionais ou sociais. Ela está situada numa vertente político-
pedagógica cujo interesse primordial é emancipador, ou seja,
libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de
condicionamentos deterministas. O compromisso principal desta
avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente
envolvidas em uma ação educacional escrevam sua ‘própria
história’ e gerem as suas próprias alternativas de ação (
SAUL
apud BELLONI 2003, p. 18).
Preocupa-nos dessa forma, pensar que tipos de vínculos a educação prisional
realiza no sentido de uma avaliação emancipatória desses sujeitos apenados
envolvidos. Significa refletir acerca de quais ações são implementadas com o
objetivo de alcançar a emancipação desses sujeitos esquecidos.
Tendo em vista que o cotidiano escolar fora de uma penitenciária é complexo,
como ficaria, então, o espaço escolar que tenta se manter dentro de uma prisão
onde pouca importância é dada ao assunto?
Na tentativa de compreender melhor o cotidiano prisional, em especial, a escola
com características diferenciadas existente na maioria dos presídios no estado do
Rio de Janeiro, é que demos início a este trabalho. Na verdade, fomos aos poucos
nos aproximando dessa realidade e no seu cotidiano fomos levantando
determinadas questões, pois algumas situações que eram observadas não
condiziam com os discursos oficiais tanto do poder judiciário quanto dos órgãos
centrais de educação. Inicialmente, um dos fatores que atraiu bastante nossa
atenção foi no tocante à freqüência de alunos a estas escolas, que de certa forma
era relativamente baixa, tendo em vista o número de matriculados.
Ao iniciarmos esta discussão, analisamos a situação educacional do sistema
penitenciário no Rio de Janeiro onde verificamos que existiam 12 escolas
estaduais
1
, cobrindo níveis educativos que vão desde a primeira à oitava rie do
Ensino Fundamental. Cabe acrescentar que pouquíssimas escolas oferecem o
Ensino Médio, pois segundo a Lei de Execuções Penais (LEP) é obrigação do
Estado oferecer apenas o ensino fundamental, enquanto todos nós sabemos que é
dever do Estado oferecer educação a todos os cidadãos, independente da situação
em que se encontrem. Desta forma, dos 23.054
2
presos custodiados pelo sistema
penitenciário, apenas 3.306 (16,75%) estão matriculados, levando-se em
consideração que do total de matriculados há uma freqüência que varia de 50% a
70% de alunos (1.653 a 2.314 alunos). Além destas escolas de ensino regular que
1
Informação retirada do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro em 15.05.07.
2
Fonte: Ministério da Justiça, publicado em 2006. Estatística realizada no ano de 2005, referente à população do
Sistema Penitenciário no Estado do Rio de Janeiro.
11
estão ligadas à Secretaria Estadual de Educação, a Superintendência de Educação
e Cultura
3
do Sistema Penitenciário passou a incorporar, no final da década de
1960, em seu programa de ressocialização, todas as ações educativas, que
incluíam desde atividades educacionais até as profissionalizantes, contando com a
colaboração de fundações e organizações.
Imbuídos na pesquisa, procuramos compreender os fatores que levavam a este
baixo número de freqüência, com intuito de investigar o que estava sendo, a
então, proposto de diferente para este tipo de escola, que não pode ser considerada
igual às demais escolas da rede estadual, ou seja, que ações educativas estavam
sendo direcionadas para estas classes escolares, partindo do pressuposto que seja
uma educação mais adequada.
Na tentativa de compreender a estrutura de funcionamento dessas escolas,
optamos também por recorrer diretamente a pessoas que estavam envolvidas neste
processo. Assim, em conversas informais com a professora Marileia Santiago, que à
época ocupava o cargo de Coordenadora dessas escolas, na Secretaria Estadual de
Educação, realizadas em 2006, tomamos conhecimento de que o existe, no Rio
de Janeiro, propriamente, o que se poderia denominar de uma Coordenadoria de
Educação, compatível aos moldes da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad). Na verdade, a professora integra um grupo de
profissionais da área de educação que sempre se interessou pelo estudo do novo,
do diferente, passando a serem identificados pelos colegas da Secretaria e outros
profissionais do meio, como o grupo de pessoas que se deveria recorrer na busca
de discutir as práticas educativas direcionadas a grupos sociais específicos no
Estado do Rio de Janeiro. Esse mesmo grupo da Secretaria Estadual de Educação,
também, se ocupa da educação de índios, de presos e da diversidade etno-racial.
Mas, efetivamente, a equipe faz parte da Subsecretaria Adjunta de Planejamento
Pedagógico.
Na falta de recursos financeiros e humanos para a existência oficial no organograma
da Secretaria Estadual de Educação, este grupo funciona como referência de apoio
para tratar dos assuntos de educação prisional, ou seja, ainda não se reconhece as
especificidades destas escolas, sendo encaradas como escolas comuns da rede
estadual de educação, não recebendo nenhuma assistência especial, apenas sendo
incluídas na Coordenadoria Regional Metropolitana IV
4
, no conjunto das outras
3
Passando a denominar-se, no ano de 2007, Coordenação de Inserção social.
4
Coordenadoria Regional responsável pelas escolas estaduais da Zona Oeste do Estado do Rio de Janeiro.
Engloba os seguintes bairros: Campo Grande, Jabour, Realengo, Costa Barros, Santa Cruz, Inhoaíba, Bangu,
12
escolas da rede pública estadual. Integrar a Regional Metropolitana IV, em nosso
entendimento, não se caracteriza um problema, muito ao contrário, seria uma
proposta de integração ao sistema educacional. Porém, não existir um tratamento
específico, ou este ser feito por diletantismo de alguns, isso, sim, é um grande
problema.
Nesse momento tornou-se possível compreender melhor a questão que nos levou
inicialmente a realizar este trabalho, pois como podem ser desenvolvidos os
mesmos procedimentos e práticas de ensino a uma classe que se encontra numa
realidade tão específica?
Envolvidos neste contexto, buscamos pensar a necessidade da educação no
processo de ressocialização da pessoa encarcerada, que significa um cidadão em
melhores condições de retorno à sociedade, um cidadão pronto para exercer sua
cidadania. Porém, não podemos nos esquecer que este processo de perda de
valores e de reconhecimento de si próprios ocorre com os indivíduos encarcerados,
bem antes de serem sentenciados e condenados à perda de liberdade. Vale
ressaltar que os internos penitenciários o na grande maioria negros, pobres com
pouca ou quase nenhuma instrução, que vivem precariamente em favelas e bairros
pobres das periferias das cidades, ou seja, mesmo quando em liberdade haviam
sido excluídos do acesso aos bens sociais mínimos como educação, saúde e
habitação a que tem direito qualquer cidadão. A questão da negritude apontada,
também é marcada por um fato histórico, da afro-descendência de origem escrava,
ou seja, após a abolição dos escravos a mão-de-obra livre, ociosa aumentou, e com
ela o número de desemprego, da competitividade, gerando um descontentamento, a
ponto de terem que buscar por outros caminhos um modo de sobreviver. Esse fato
pode ser reafirmado ao tomarmos contato com a citação de Nagle (2001), quando
relata sobre a situação social na Primeira República, ao enfatizar:
Posteriormente, a abolição da escravatura, a introdução do trabalho
livre, as modestas tentativas de industrialização e a expansão dos
núcleos urbanos provocaram aumento no contingente de mão-de-
obra disponível e de baixo custo, que é empregada nas mobilidades
cada vez mais diferenciadas do trabalho artesanal e industrial
(NAGLE, 2001, p. 43).
É preciso compreender que “os cidadãos por viverem em sociedade cedem apenas
uma parcela de sua liberdade e direitos, por essa razão não se pode aplicar penas
Jardim Bangu, Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Magalhães Bastos, Pedra de Guaratiba, Senador Camará, Ilha
de Guaratiba, Barra de Guaratiba, Padre Miguel, Paciência, Vila Kennedy, Jardim Palmares, Santa Margarida,
Vila Militar, Vila Aliança, Deodoro, Sepetiba, Santíssimo, Pavuna, Guadalupe, Cosmos, Honório Gurgel.
13
que atinjam direitos o cedidos, como acontece no caso das sanções cruéis”
(Declaração dos Direitos do Homem).
É exatamente por viverem em sociedade e ser esta sociedade desigual,
completamente dualizada, que grande parcela da população não goza de seus
direitos, sendo estes direitos usufruídos na sua plenitude por aqueles que desfrutam
de maior capital financeiro e consequentemente cultural e material
5
. No caso da
educação, quantas que estão presas deixaram de ter acesso à ela antes de serem
capturadas?
As sociedades dualizadas sociedades de ganhadores e
perdedores, de insiders e outsiders, de integrados e excluídos ,
longe de apresentarem-se como um desvio patológico do
aparentemente necessário processo de integração social que
deveria caracterizar as sociedades modernas, constituem hoje uma
evidência indisfarçável da normalidade que regula o
desenvolvimento contemporâneo das sociedades competitivas.
Embora seja certo que no Terceiro Mundo este caráter dualizado (e
dualizante) expressa-se com inusitada selvageria, o apartheid social
atravessa implacável a economia-mundo, além das diferenças
particulares com que se manifesta em cada cenário regional
(GENTILI, 1995, p. 233- 234).
Em suma, sendo alvo dos poderes e das acusações, com maior freqüência, os
pobres passam a encher as prisões, de tal forma que se naturaliza a presença
massiva desses estratos sociais, como se as prisões fossem criadas para eles, pois
mesmo sendo a lei a igual para todos, vemos que aqueles que desfrutam do capital
permanecem por menos tempo nas prisões. Este é um dos fatores que explica o
fato concreto de cadeias cheias de excluídos financeiramente e culturalmente, pois
o código é criado pela classe dominante que estabelece as regras a partir de sua
necessidade de controle.
Para enfatizar alguns fenômenos histórico-sociais, que tiveram e continuam tendo
conseqüência sobre determinados modos de vida, Nagle diz:
A análise da estratificação social no Brasil republicano deve iniciar-
se com a indicação das transformações econômicas operadas no
sul do país, particularmente nas zonas cafeeiras. Nestas emerge
nova classe que desloca a velha aristocracia rural, de que falam os
estudiosos, o que influenciará a ordem econômica, política, social e
cultural de toda a República Velha (NAGLE, 2001, p.42).
Assim, falar em exclusão nos dias de hoje é abordar a forma que se constituiu o
neoliberalismo vigente, sem perder de vista as relações capitalistas, a existência de
classes sociais, a alienação e exploração, são características que estão intimamente
5
Pensando por esse prisma, podemos refletir se seria justo conceder o direito da cela especial para
aqueles que, diferentemente tantos outros, puderam desfrutar de todos os seus direitos.
14
vinculadas a este sistema. Vários processos evidenciam essas características, que
tentam se camuflar, se apropriando dissimuladamente de outras tantas
denominações, fazendo com que pensemos que a “máquina capitalista foi menos
atuante, porém, como acreditar que o sistema foi atenuado se as relações
capitalistas que engendram este panorama se mantém e se mostram cada vez mais
fortalecidas? Utilizando-se de seu poder ideológico, o sistema forja a realidade para
aqueles que têm pouco conhecimento dela, manipulando a verdade, buscando criar
uma crença de que a crise do capitalismo é passageira, no entanto, ele vem se
mantendo até a atualidade, valendo-se de seus artifícios para prevalecer no poder.
No trecho abaixo, podemos compreender melhor esta explicação ao mencionar que:
Não obstante a globalização do capitalismo atual significar, no plano
histórico, uma exacerbação dos processos de exploração e de todas
as formas de exclusão e violência, produção de desertos
econômicos e humanos, os conceitos de pós-industrial, pós-
classista, pós-moderno, sociedade do conhecimento, surgimento do
cognitariado, dão a entender que a estrutura de exploração
capitalista foi superada, sem que se tenha superado as relações
capitalistas (FRIGOTTO, 1995, p. 81).
Analisando o sistema capitalista, vemos o quanto ele é letal a partir do momento em
que rouba da maioria o direito a uma vida digna, que se por conta da ampliação
do desemprego estrutural, pela criação de desertos econômicos e humanos,
ocasionando consequentemente um aumento no número dos processos de
marginalização. Assim sendo, que estamos tratando de indivíduos que são
marginalizados, ou seja, que são colocados à margem de seus direitos e que na
maior parte das vezes o tiveram outra saída a não ser se tornarem marginais, é
que se faz importante levantar o assunto da exclusão em nosso trabalho, para
enfatizar que nem sempre isso ocorre por escolha ou vontade própria do indivíduo,
que é muitas vezes levado a agir desta forma, uma vez que nos encontramos
regulados por um Estado mínimo, onde os olhares voltam-se em primeiro lugar para
o capital. Com isso, a minoria privilegiada se beneficia com todo luxo, glamour,
ostentando todos os prazeres da vida, enquanto a maioria, pobre, miserável procura
encontrar uma saída de todos os lados e sem perspectivas de melhoras acaba
protegendo-se da violência estabelecida pela elite, agindo com violência, ou seja,
furtando, traficando etc.
A idéia-força balizadora do ideal neoliberal é a de que o setor
público (o Estado) é responsável pela crise, pela ineficiência, pelo
privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimo de eficiência,
qualidade e equidade. Desta idéia-chave advém a tese de Estado
15
mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais,
como o direito a estabilidade de emprego, o direito à saúde,
educação, transportes públicos, etc. Tudo isto passa a ser
comprado e regido pela férrea lógica das leis de mercado, Na
realidade, a idéia de Estado mínimo significa o Estado suficiente e
necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital
(FRIGOTTO, 1995, p.84, grifo do autor).
O que esperar de um Estado, que sua prioridade maior é atender os interesses do
mercado, no qual para alcançar o lucro o mede esforços? Em que a população
aparece (não podemos dizer nem que em segundo plano) quiçá em terceiro, ou
quarto plano? Que País é esse, onde a marginalização cresce a cada dia?
Ora, não poderíamos deixar de salientar que fruto desta exclusão social advém a
criminalidade, pois onde existirem diferenças sociais tão acentuadas, a
criminalidade se apresentará como uma característica própria do sistema. É como
nos explica Pellegrino, em reportagem à Folha de São Paulo (1984), mas que pode
ser transportada para o contexto abordado.
A criminalidade é a expressão e conseqüência de uma patologia
social suficientemente grave para gerá-la. Uma crise social se torna
apta a fomentar a criminalidade quando chega a lesar, por
apodrecimento grave, os valores sociais capazes de promover a
identificação agregadora entre os membros de uma comunidade. A
criminalidade é efeito das contradições da organização da
sociedade, ela é um fenômeno social, inerente a própria estrutura
da sociedade.
Contudo, vimos que o capitalismo se configura pela lógica desigual, é desigualdade
em todos os aspectos: materiais, sociais, culturais, etc. Porém até então, estamos
nos reportando à sociedade, ou melhor, dizendo, as pessoas que têm seu livre
arbítrio, que gozam da prerrogativa de ir e vir. Se para tais pessoas, os direitos
básicos à vida são, podemos dizer quase que negados, na medida em que existem
de forma muito precária, como se encontra o acesso a tais direitos, como por
exemplo: saúde, educação, trabalho, dentre outros, quando o foco da questão são
pessoas presas?
Observamos que, neste caso, seria excluir o que está mais que excluído, ou seja, é
a “exclusão da exclusão”. É neste sentido que queremos ressaltar, enfatizando que
a maioria que está dentro das prisões passou por este processo antes mesmo de
adentrarem nestas instituições, porém é como se fosse um fantasma, mas um
fantasma real, chamado exclusão que continua a assolá-los e persegui-los mesmo
atrás das grades.
16
Com intuito de provocar reflexões acerca deste assunto é que colocamos em pauta
a exclusão no contexto prisional, visando não apenas pensar em políticas públicas
que defendam os direitos destes, mas sim tratá-las de por em práticas, imbuídos na
compreensão crítica do sistema capitalista, com a preocupação de não nos
tornarmos regulados pelo sistema que a todos quer regular, partindo da idéia de não
sermos naturalizados pelo senso comum.
Tendo como enfoque a ser estudado a educação de jovens e adultos, em especial,
a educação de jovens e adultos presos, que ainda é mais marginalizada, pensamos,
então, nesta classe como exemplo de estigma e discriminação. Tentamos fazer uma
associação com o que Nobert Elias (2005) apresenta em seu livro os estabelecidos
e os outsiders, pois acreditamos ter bastante coerência com o tema que estamos
tratando, uma vez que vivemos numa realidade dualizada. Refletimos na
possibilidade da prisão como sendo um loteamento, aproveitando a idéia do autor,
pois diz que os indivíduos que ali se encontram são vistos pela sociedade,
caracterizada pelo nome de aldeia, como um grupo estigmatizado
6
, ou seja, um
grupo que é mal visto por desrespeitar as leis e as normas que regem a sociedade,
porém, cabe enfatizar, que na maioria das vezes estas pessoas não tiveram sequer
oportunidades de inserção nessas normas, por viverem em “mundos” com
realidades distintas. Preocupa-nos pensar até que ponto essa estigmatização se
configura em outro quadro de normas agressivas, e até onde este estigma pode
transformar o outsider
7
. Que tipos de privações sofrem os grupos outsiders, fazendo
com que eles burlem as normas?
Era impossível não notar que a tendência de um grupo a
estigmatizar outro, que desempenha um papel tão importante nas
relações entre grupos diferentes no mundo inteiro, podia ser
encontrada mesmo ali, naquela pequena comunidade - na relação
entre dois grupos que, em termos de nacionalidade e classe mal
chegavam a se diferenciar (ELIAS, 2000, p. 23).
Se isso ocorre no microcosmo social, como fica então, se pensarmos no
macrocosmo social, que incluiria um olhar mais crítico e abrangente das diferenças
6
Para Erving Goffman, estigma é um defeito reconhecido socialmente como tal que, uma vez descoberto,
outorga ao indivíduo portador de um status socialmente desvalorizado. Tais são os casos, por exemplo, dos que
praticam a prostituição e crimes, como também os que padecem de alguma desvantagem física ou psíquica ou
alguma enfermidade. O indivíduo é diminuído e/ou estigmatizado pela sua carência de determinadas
características consideradas como valiosas pela sociedade e/ou grupo (honradez, estética corporal, identidade e
gênero). O estigma pode afetar tanto a um indivíduo como todo um grupo e é um elemento importante para a
compreensão da discriminação. (GOFFMAN, 1988)
7
Os outsiders, diz respeito às pessoas que não são aceitas por um determinado grupo (aldeia). São desprovidas
das características que o grupo requer e, portanto, não podem fazer parte dele.
17
na sociedade? Que tipo de conduta o estabelecido
8
tem ao se deparar com o
outsider?
Ao mesmo tempo, a evitação de qualquer contato social mais estreito
com os membros do grupo outsider tem todas as características
emocionais do que, num outro contexto, aprendeu-se chamar de
“medo da poluição” (ELIAS, 2000, p. 56).
Cabe, então, perguntar: se que quando saírem do confinamento imposto pela
sociedade passarão a ter garantidos os direitos que lhes foram sistematicamente
negados? Desta forma, na ordem social na qual vivemos, processos de segregação
ocorrem a todo o momento em relação a grupos marginalizados, por diversos
critérios tais como raça, posições ideológicas, condições financeiras, opções
religiosas etc., ou como se refere Elias pelos seus habitus, que não condizem com o
da sociedade. Podemos assinalar que os internos penitenciários se encontram em
uma instituição totalitária criada com o objetivo de abrigar e excluir da sociedade os
que desrespeitam uma referida norma social.
Num ambiente relativamente estável, o código de conduta mais
sofisticado e o maior grau de autocontrole costumam associar-se a
um grau mais elevado de disciplina, circunspecção, previdência e
coesão grupal. Isso oferece recompensas sob a forma de status e
poder, para contrabalançar a frustração das limitações impostas e
da relativa perda da espontaneidade (ELIAS, 2000, p. 171).
Entretanto, assim como o hospital e a escola, os presídios não estão fora da
sociedade e nem deixam de seguir regras e normas sociais; ao contrário, são
tutelados pela sociedade e cumprem a legislação produzida pela mesma. É
interessante notarmos o quanto é paradoxal utilizarmos o termo sociedade, pois,
esquecemos que dela também fazem parte estes indivíduos que o colocados à
margem.
Não podemos esquecer de citar nesse contexto, a questão da exclusão material,
pois estes indivíduos se vêem a todo instante tentados pelo consumo, encontrando
no mundo do “ter” uma forma de mostrar à sociedade, que na verdade ele também
se inclui, de que pode consumir determinado produto, fazendo deste produto uma
forma de se aproximar da sociedade que o exclui, na medida em que se identifica
com as outras pessoas por meio do consumo dos mesmos produtos, sem ter
condições de analisar que isso não significa ser incluído nesta sociedade que o
8
Os estabelecidos, ao contrário dos outsiders, são aquelas pessoas aceitas por determinado grupo, onde sua
conduta é conveniente ao grupo. Possuem características semelhantes ao grupo no qual são aceitos. São
estabelecidos, pois já têm as suas vidas sociais estabelecidas. Como exemplo, numa esfera menor, temos a
Unidade Prisional, onde, entre as próprias presas encontramos um grupo de estabelecidas e outro de outsiders.
18
marginaliza. Ou seja, estes sujeitos não compartilham minimamente da produção e
acesso aos bens de consumo e aos bens culturais. Devemos lembrar que o grande
problema é como se a aquisição deste bem, pois, na maioria das vezes a forma
como este produto é obtido, acaba sendo o motivo que os leva para a vida do crime.
Já que estamos tratando deste assunto, é interessante citarmos Lipovetsky (2004, p.
61), que contribui para reflexão acerca da necessidade de consumo na sociedade
na qual vivemos, quando nos diz:
Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita a
satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos
prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o
paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem
esperar; viajar; divertir-se; não renunciar a nada: as políticas do
futuro radiante foram sucedidas pelo consumo como promessa de
um futuro eufórico.
Nesta perspectiva, parece certo imaginar que o sistema penal foi instituído
socialmente com o objetivo de aprisionar as suas mazelas sociais, escondendo as
conseqüências geradas pela exclusão social e pela ganância do poder.
Desde que compreendemos que o artífice das transformações
sociais inelutáveis é o próprio povo devidamente esclarecido, e
dessas transformações depende, em cada estágio, o aumento das
oportunidades do gozo dos bens materiais e culturais, criados pelo
próprio homem, nosso objetivo, ao escrever sobre educação e
ensino, passou a ser muito mais o de tentar esclarecer o público em
geral [...] que é o de procurar demonstrar que as reformas de
educação e ensino não transformam a sociedade, mas, ao
contrário,o as transformações sociais que, na medida em que se
processam, impulsionadas por fatores básicos internos à própria
sociedade, é que passam a exigir mudanças na orientação e na
organização do ensino e da educação (LEMME, 1988, p. 142)
9
.
Imbuídos da discussão desse excerto, verificamos que esta estrutura social da qual
fazemos parte, é responsável pelo processo de marginalização, entendendo este
processo como a divisão de grupos que são colocados à margem, por uma
determinada ordem econômica vigente, e que é necessário que ocorram
primeiramente modificações no campo social, para que se processem as mudanças
educacionais.
9
Paschoal Lemme nasceu em 1904, na cidade do Rio de Janeiro. Colaborou intensamente na reforma da
instrução pública do antigo Distrito Federal, nos períodos de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, sendo um
dos articuladores do Manifesto dos Pioneiros (1932). Paschoal sempre se preocupou com a causa da educação de
adultos, sendo inclusive preso, por ser acusado de ministrar cursos com orientação marxista. Vale lembrar que
mesmo não sendo um autor contemporâneo, suas idéias ainda perpetuam a contemporaneidade. Seu legado por
uma educação socializadora, gratuita e obrigatória ainda permanece vivo nos dias de hoje, podendo ser utilizado
em diversos contextos educacionais, como é o caso deste estudo.
19
O que observamos na atualidade são os reflexos de um sistema esmagador, onde a
grande parte dos segregados do processo econômico são de fato os excluídos do
contexto social, passando a ser mais um na estatística prisional.
Ao falarmos em exclusão, em especial da exclusão educacional, é interessante
citarmos um artigo publicado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) vol.23 de 2001, uma vez que buscamos através da educação formar
cidadãos mais críticos e conscientes.
Cuidar da alfabetização de jovens e adultos, excluídos do sistema
de educação básica, é oferecer a esses indivíduos condições de
igualdade para um exercício profissional e a cidadania plena.
Participam principalmente deste cenário, crianças e jovens vitimizados pelas
desigualdades sociais, cujas carências em todos os sentidos, demonstram um
quadro de crise social, cuja superação torna-se cada vez mais inalcançável, pois
vivem uma realidade onde os fatores desfavoráveis são impostos, achando no crime
a ferramenta para sobreviver.
A fim de complementar nossas idéias, os argumentos de Setti (2003, p. 05)
contribuem consideravelmente para nossa discussão ao dizer:
[...] os ideais de democracia burgueses, apesar de terem sido
construídos ao longo da história através de muitas lutas e
revoluções, são ideais que hoje, mais e mais servem bem no plano
da retórica. O ideal liberal-burguês-democrático incentivava valores
como igualdade e liberdade, mas esses se tornam cada vez mais
abstratos, devido a opressão sofrida pelas classes trabalhadoras de
boa parte do mundo, a falta de emprego, miséria, violência, etc.,
que estão conectadas ao funcionamento perverso próprio do
sistema capitalista de acumulação [...].
Freire (2005, p.30) relata que “a desumanização, mesmo que um fato concreto na
história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma ordem injusta que gera
violência dos opressores e esta, o ser menos”. Um ser que vê a possibilidade de ter
como algo inalcançável, onde as oportunidades se apresentam cada vez menores.
Inseridos nesse contexto, faremos um recorte para tratar da situação educacional no
tocante a jovens e adultos presos, focando a Escola Estadual Roberto Burle Marx,
que funciona dentro da Penitenciária Talavera Bruce, localizada em Bangu,
caracterizada por ser uma prisão feminina, de regime fechado, onde grande parte
das presas que ali estão cometeram crimes hediondos
10
.
10
Lei nº. 8.072 de 1990 dispõe sobre os crimes hediondos. Sendo que a Lei nº. 8.930 de 06 de
setembro de 1994, dá nova redação ao art. 1
o
da Lei n
o
8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe
sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5
o
, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina
outras providências.
20
1.1 Objetivos
Temos por objetivo questionar uma lacuna das políticas públicas de currículo no que
se refere a educação de jovens e adultos presos. Pretende-se com o presente
trabalho despertar para a importância de se adaptar processos de organização e
seleção de conteúdos, métodos e objetivos de acordo com a realidade dos sujeitos
que estão inseridos dentro do locus estudado, entendendo que se torna inviável
uma prática que não condiz com o cotidiano no qual ela é aplicada.
Com o panorama configurado, pretendemos abordar questões que nos remetam à
reflexões em torno do espaço escola/prisão, como a falta de políticas públicas
adequadas neste âmbito, bem como questionar acerca da seleção e organização de
conteúdos e objetivos relacionados ao currículo em contextos educacionais com
especificidades, na tentativa de compreendê-lo como documento de identidade
nesse espaço escolar, que é peculiar, observando o que deveria ser mais adequado
a esta proposta curricular, levando-se em consideração que a escolha do conteúdo
deve ser pensada de acordo com o cotidiano, constituindo, segundo Freire (2005), o
objeto do conhecimento intersubjetivo. Assim, considerando toda complexidade
apresentada no interior de uma unidade prisional, buscamos compreender dentro
desta escola, a aplicabilidade e funcionalidade do currículo que é tido como igual ao
das demais escolas da rede estadual, na tentativa de compreender como isto é
possível a partir das dificuldades encontradas pelas detentas no seu dia-a-dia, que
diz respeito à rotina da instituição.
Desta forma, partimos do princípio de que o currículo é uma ferramenta essencial no
processo de criação de significados e também pela construção de identidade, uma
vez que este é o mesmo dirigido as escolas extra-muros, ou seja, é um currículo que
não condiz com a realidade estudada, buscando refletir aque ponto este currículo
oficial é suficiente para uma educação realmente significativa que conta desses
sujeitos em situação privativa da liberdade.
Outro ponto que merece ser discutido é com relação à escolarização e
profissionalização destes sujeitos. O que vemos atualmente, ao entrar numa
Penitenciária é a preferência dada ao aprendizado profissional, porém a
escolarização é tão importante quanto à profissionalização, pois de que adianta só a
competência profissional, se o preso ao ganhar a liberdade não tem a escolarização
21
que a sociedade tanto cobra? Por isso, muitos ao voltarem para a casa se
decepcionam, pois de certa forma dentro da Penitenciária, mesmo sem a
escolarização, eles ainda obtinham algum recurso financeiro fruto do trabalho, o que
se torna bem mais difícil do lado de fora, fazendo com muitos reincidam no crime.
1.2 Justificativa e Relevância
Frente ao exposto sobre o problema que elegemos para a investigação, podemos
apresentar como consideração importante que não elaboração de propostas
curriculares específicas para a realidade do cotidiano prisional, levando-se em conta
as complexidades expostas no decorrer desta pesquisa, uma constatação que
merece estudo detalhado e maior comprometimento dos agentes sociais envolvidos
na questão.
Pretende-se com este estudo, analisar questões pontuais relativas à vida no cárcere
e, principalmente, denunciar que, embora existam escolas dentro do sistema, o
existe ainda uma política pública de educação direcionada para o sistema
penitenciário, que se preocupe com a situação do apenado, de maneira que possa
identificar as suas particularidades bem como seus problemas para vir a propor
medidas de intervenção.
Uma visão panorâmica dos problemas enfrentados pela educação prisional,
sublinha a importância deste projeto, por apontar as dificuldades que muitos
desconhecem, a mesmo por se tratar de uma realidade que pouquíssimas
pessoas têm acesso.
Assim, como pesquisa, este estudo volta-se para um território ainda bastante
carente de trabalhos investigativos, o que torna o seu objeto relevante, na medida
em que se torna um instrumento problematizador das questões relativas à educação
dentro deste espaço, uma vez que estamos falando de pessoas que, de certa forma,
foram excluídas pela sociedade, e que apesar dos erros cometidos m todo
direito à educação como qualquer outro cidadão, mas que devido as falhas do
sistemao tiveram acesso no período da infância e adolescência e continuam sem
este direito atendido como lhe é de direito.
Não se pode abandonar a idéia de que ao tratarmos da educação prisional, estamos
despontando para um problema ainda mais abrangente, que é a educação no seu
campo maior de atuação neste país. Ou seja, falta escolarização adequada, no
22
tempo e no espaço devido para um grande número de sujeitos que foram roubados
em sua cidadania. Uma parcela deles corresponde ao universo que está nos
presídios, outra talvez maior, está do lado de fora e continua também sem educação
adequada. Este é um fato que não pode ser ignorado.
1.3 Metodologia
Compreendemos que o percurso metodológico não constitui uma questão prévia à
produção teórica, nem ao menos uma mera decorrência desta, mas se refere ao
próprio movimento teórico do pensamento e do sujeito que busca apreender e
reconstituir o objeto sobre o qual se debruça a investigação. Assim, levando-se em
consideração o propósito desta pesquisa, este estudo se debruçará na análise de
material bibliográfico e das observações de campo.
Ao longo do tempo, percebemos que as pesquisas educacionais mais quantitativas
foram muito utilizadas, pois a realidade era observada de uma forma mais técnica,
empirista, no seu matiz positivista, onde o fator histórico e a busca pela causa do
problema eram pouco considerados. No entanto, no campo das investigações
educacionais as pesquisas qualitativas foram se legitimando e hoje sabemos que
não possibilidades de dicotomias entre quantitativo e qualitativo, ambos se
complementam e nos permitem uma aproximação maior na busca de entendimento
da realidade que pretendemos investigar.
Segundo Minayo, a relação entre quantitativo e qualitativo o pode ser entendida
como oposição contraditória, ao contrário, deve-se esperar que as relações sociais
possam ser avaliadas em seus aspectos reais e aprofundadas em seus significados
mais essenciais. Desta forma, uma análise quantitativa pode gerar questões para
serem aprofundadas qualitativamente e vice-versa.
Do ponto de vista epistemológico, nenhuma das duas abordagens é
mais científica do que a outra. De que adianta ao investigador
utilizar instrumentos altamente sofisticados de mensuração quando
estes não se adequam à compreensão de seus dados ou não
respondem a perguntas fundamentais? Ou seja, uma pesquisa, por
ser quantitativa, não se torna "objetiva" e "melhor", ainda que
prenda à manipulação sofisticada de instrumentos de análise, caso
deforme ou desconheça aspectos importantes dos fenômenos ou
processos sociais estudados. Da mesma forma, uma abordagem
qualitativa em si não garante a compreensão em profundidade
(MINAYO, 1993, p. 11).
23
Os embates entre os especialistas em metodologia da pesquisa nos permitem optar,
simplesmente, pela descrição dos caminhos e técnicas que vamos adotar para
alcançar nossos objetivos de investigação, sem a preocupação com denominações
das diversas abordagens hoje existentes na pesquisa educacional
11
. Mas,
afirmamos nosso interesse por uma perspectiva que vai além de uma visão
relativamente simples, superficial e estética da realidade. Nosso trabalho
investigativo se interessa pela busca das causas da existência da realidade na
forma em que se apresenta para nós, suas relações e análise dos sujeitos
envolvidos a partir de um olhar abrangente, como ser social e histórico, tratando de
explicar e compreender o desenvolvimento da vida humana e de seus diversos
significados no devir dos variados meios culturais.
Recorrendo ao significado da palavra método, segundo o dicionário Aurélio (1988)
encontramos como respostas: caminho pelo qual se atinge um objetivo; programa
que regula previamente uma série de operações que devem realizar, apontando
erros evitáveis, em vista de um resultado determinado, processo ou cnica de
ensino e ainda modo de proceder ou maneira de agir. Advinda da palavra método a
metodologia quer dizer a arte de dirigir o espírito na investigação da realidade. No
entanto, para que seja possível percorrer esse longo caminho com sucesso, se faz
necessária a utilização adequada de instrumentos e procedimentos cnicos de
pesquisa a fim de atingir os objetivos propostos.
Nenhuma metodologia pode dispensar procedimentos responsáveis
por selecionar as informações necessárias, visto que da escolha
correta dos processos é que resultará a verdadeira contribuição
científica da pesquisa, sua fidedignidade e validação. (ROSA, 2006,
pág.08)
Optamos pela entrevista como técnica, por oferecer a possibilidade das pessoas
que serão pesquisadas exporem suas idéias, suas necessidades, suas aflições e
angústias, que segundo Thiollent (1998, p.29) tem a finalidade de “oferecer ao
pesquisador melhor condição de compreensão, decifração, interpretação, análise e
síntese do ‘material qualitativo’ gerado na situação investigativa”.
Utilizou-se primeiramente como técnica o processo de observação livre, também
denominada assistemática.
Essa escolha deu-se, pois, segundo Minayo (2004, p. 53):
11
Em palestra pronunciada, no mês de julho de 2007, pela Professora Marli André para o Programa de s-
Graduação em Educação da UNIRIO, a pesquisadora apresentou as dificuldades hoje vividas no campo das
ciências sociais e humanas com a ampla gama de categorias para a pesquisa qualitativa e defendeu a perspectiva
do registro dos caminhos (methodos) e das técnicas para percorrer esses caminhos no sentido de alcançar os
objetivos pretendidos.
24
[...] precisamos nos aproximar mais da idéia de campo que
pretendemos explicitar. Num primeiro momento, realizar um trabalho
de campo pode nos reportar a uma fantasia um tanto quanto
exótica. Pode nos fazer relembrar estudiosos que partiam para
regiões distantes em busca de culturas diferentes, para um árduo
trabalho de compreensão dos distintos modos de vida desses
povos. Essa percepção representa uma das possíveis dimensões
da ida ao campo, uma vez que as possibilidades e os limites das
diversas realidades existentes no cotidiano social permitem ao
pesquisador um infinito leque de procedimentos e descobertas.
Os estudiosos do campo da Metodologia da Pesquisa afirmam que a observação
livre ou assistemática se inicia com a escolha do local a ser observado, que pode
surgir do interesse teórico num dado fenômeno ou pela facilidade de acesso num
determinado lugar. Foi o nosso caso. Interessou-nos a prática escolar na prisão e se
tornou factível a pesquisa na medida em que observamos um espaço no qual
temos um determinado acesso. Cabe ressaltar que estas observações ocorreram
por meio de registros que se deram na forma de anotações em diários de campo.
Baseando-se em Triviños (1995), podemos compreender melhor a importância das
anotações de campo para pesquisa, pois, segundo ele:
Podemos entender as anotações de campo, por um lado, como
todas as observações e reflexões que realizamos sobre expressões
verbais e ações dos sujeitos, descrevendo-as, primeiro, e fazendo
comentários críticos, em seguida, sobre as mesmas. Neste sentido,
as anotações de campo podem referir-se principalmente, às
entrevistas individuais e coletivas e à observação livre [...]
Consistem fundamentalmente na descrição por escrito de todas as
manifestações (verbais, ações, atitudes etc.) que o pesquisador
observa no sujeito; as circunstâncias físicas que se consideram
necessárias e que rodeiam a este etc. Também as anotações de
campo devem registrar as “reflexões” do investigador que surjam
em face da observação dos fenômenos. Elas representam ou
podem representar as primeiras buscas espontâneas de
significados, as primeiras expressões de explicações (1995, p.154-
155).
Desse modo, estas observações iniciais, nos permitiram posteriormente, aprofundar
novas questões, ainda mais seletivas, nos possibilitando um refinamento quanto aos
conceitos utilizados e a mesmo com relação aos fenômenos selecionados
previamente como objeto de estudo.
Após iniciadas as observações, fizemos uso também de entrevistas semi-
estruturadas utilizando um roteiro de tópicos (Anexo 1), previamente selecionados,
aos quais foram somados outros itens com o decorrer das entrevistas, possibilitando
ao entrevistador maior liberdade para acrescentar novas questões, que foram
surgindo de acordo com a necessidade da pesquisa. Nesta linha de pensamento,
25
segundo Trivinõs (1995, p.146) este tipo de entrevista “oferece amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem
as respostas do informante”.
Minayo (1994, p.57), ao definir a entrevista enquanto técnica, explica:
A Entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo.
Através dela, o pesquisador busca obter informes na fala dos atores
sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra,
uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados
pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam
uma determinada realidade que está sendo focalizada.
Nas entrevistas semi-estruturadas, as questões deverão ser pensadas de modo a
aceitar que o entrevistado explicite o seu pensar sobre o tema abordado. O ato de
questionar é mais intenso, agregado de maior subjetividade, levando tanto o
entrevistador quanto o entrevistado a se relacionarem mutuamente, gerando uma
relação de confiabilidade. Em nosso caso, as entrevistas se propunham a estudar
crenças, sentimentos, valores, hábitos e motivos das detentas em relação à escola.
Os questionamentos foram elaborados mantendo uma flexibilidade, ficando o
desenrolar do discurso por conta dos entrevistados e da dinâmica que se estabelece
espontaneamente durante a entrevista.
Para esclarecer o mencionado, Dias da Silva apud Rosa (2006, pág.31) acrescenta:
As questões nesse caso são abertas e devem evocar ou suscitar
uma verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das
pessoas face aos temas focalizados. Devem visar, também, facilitar
as lembranças dos informantes e que eles principiem a falar sobre o
tema, para que se instalem, aí, noções de credibilidade. Cada um
deverá compor uma seqüência particular e abordar com mais ou
menos detalhes um fato, da maneira que melhor lhe convier.
Tornam-se entrevistas longas, que irão permitir tanto a análise
quantitativa das repostas às questões que abordam pontos
objetivos, quanto, e em especial, uma análise qualitativa do discurso
dos informantes.
As entrevistas foram realizadas com as detentas que estudam na Escola Estadual
Roberto Burle Marx, localizada dentro da Penitenciária Talavera Bruce. Para tal,
procurou-se inicialmente recorrer a critérios de amostragem, porém as dificuldades
encontradas foram consideravelmente grandes,o sendo possível estabelecer tais
critérios. Foi entrevistado um mero que cobrisse um contigente de alunas com
representação de todas as séries do Ensino Fundamental e Médio, a fim de que
pudéssemos verificar as dificuldades que são encontradas, no que tange à
adaptação da escola com a rotina penitenciária. Cabe ressaltar que foi nossa
26
intenção ouvir também, por meio de entrevistas semi-estruturadas (Anexo 2), a
Diretora da escola, Profª Maria de Nazaré, que nos auxiliou bastante com as
informações prestadas, fazendo-nos enxergar muito mais do que pensávamos ter
visto, até o momento.
Seguindo o pensamento de Fernandes apud Rosa (2006, p.31), temos:
As entrevistas livres são feitas através de um relato oral que coleta
informações em que o interlocutor desenvolve suas idéias quase
sem interferência do entrevistador. Tem-se nesse caso, uma
narrativa que segue uma seqüência em função do que e como o
sujeito recorda, da seleção que ele faz de acontecimentos e
pessoas a ele relacionadas e do que ele pretende relatar.
Assim, seguindo os trâmites legais, todo pesquisador deve conduzir as entrevistas
considerando os princípios éticos, fazendo com que a pesquisa se limite aos fins
científicos e explique as possibilidades reais de responder a incertezas, que esteja
baseada numa análise antecipada e em fatos científicos, bem como seja efetivada
somente quando houver o esgotamento do conhecimento por outros meios, fazendo
prevalecer as expectativas dos benefícios esperados sobre os eventuais riscos,
estando sempre atento à metodologia correta, disposto a manter o bem-estar de
quem está sendo entrevistado. Foi necessário encaminhar o projeto de pesquisa
para apreciação junto ao Comitê de Ética da Universidade, obtendo sua aprovação.
Ratificamos as idéias de Rosa (2006, p.73) ao afirmar que toda pesquisa
envolvendo seres humanos tem como obrigatoriedade passar por análise e
aprovação antes que sejam aplicados os testes e os demais procedimentos. Ainda
no que se refere aos parâmetros éticos a pesquisa deve conter o Consentimento
Livre e Esclarecido dos Participantes que significa dizer que o participante contribuiu
para a pesquisa por livre e espontânea vontade. Porém, deve-se deixar claro que o
informante precisa estar consciente da finalidade da pesquisa, deve ser explicado
para ele quais são os motivos da pesquisa, os riscos, os benefícios, esclarecê-lo e
não apenas informá-lo, o que nos aponta para significados distintos.
Deste modo, esta pesquisa prioriza resguardar e garantir a integridade dos valores,
dos direitos e deveres e o cumprimento dos resultados desejados, assegurando a
qualidade dos objetivos e a respeitabilidade científica nas relações entre os
participantes da pesquisa, as instituições e a sociedade de modo em geral, tendo
consciência do comprometimento social da pesquisa, que trará benefícios não
para a classe estudada, mas para toda a população, na medida que estamos
trabalhando questões voltadas para ressocialização da presa, de modo a permitir o
27
seu convívio com a sociedade. Para a participação dos que foram entrevistados, a
pesquisa contou com termos de consentimento livre esclarecido dos entrevistados,
respeitando a privacidade e o anonimato dos mesmos. A realização da pesquisa
necessitou, ainda, da autorização (anexo 3) do Excelentíssimo Secretário de
Administração Penitenciária para a coleta das informações necessárias, bem como
autorização de todos os demais participantes (anexo 4) respeitando os hábitos e à
diversidade cultural e comportamental dos grupos pesquisados de acordo com os
costumes e regulamentos locais, mantendo, o que declaramos, a privacidade dos
sujeitos envolvidos.
No que diz respeito ao material documental e bibliográfico, analisamos os
documentos referentes aos convênios firmados entre a Secretaria Estadual de
Educação e a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária com a intenção
de resgatar a história das escolas prisionais no estado do Rio de Janeiro, bem como
as legislações vigentes no campo da execução penal, no tocante ao direito do
apenado à educação, sendo a maior parte destes materiais encontrados na
Biblioteca da Escola de Gestão Penitenciária
12
. Vale ressaltar que estes dados estão
dispostos na mencionada Biblioteca através de projetos, e dissertações que foram
consultados. Dentre as inúmeras buscas que realizamos, encontramos também
artigo escrito para o Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, bem como
informações disponibilizadas na Revista da Biblioteca Nacional.
Além disso, foi nossa intenção também analisar os relatórios que vêm sendo
elaborados pelas Secretarias de Educação e de Administração Penitenciária,
juntamente com o Departamento Penitenciário (DEPEN), a fim de verificar o que
está sendo proposto para este tipo de educação.
Num primeiro momento, a pesquisa consistiu de análise bibliográfica, com vistas a
identificar nesse contexto, o que existe de produção na área, bem como um
levantamento da legislação pertinente à educação prisional nos dias de hoje.
num último momento, nos utilizamos de depoimentos e relatos das internas, da
Diretora da escola e até mesmo de agentes penitenciários com os quais
conversamos durante o decorrer da pesquisa, pois acreditamos que estes trazem a
possibilidade de um conhecimento do ponto de vista do entrevistado, de uma versão
marcada pela subjetividade, que se explicará mais adiante, dentro de um quadro
conceitual. Todavia, que se destacar o cuidado devido para não reificar a
12
A Escola de Gestão Penitenciária, conhecida como EGP, localizada no Centro do Rio de Janeiro, é responsável
pela formação e capacitação dos profissionais ligados a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do
Estado do Rio de Janeiro.
28
narração, tratar o discurso em si mesmo, permitindo que os dados falem por si sós,
sem referências conceituais claramente explicitadas, o que ésico na utilização de
métodos qualitativos de pesquisa. É o apoio em um referencial teórico que permitirá
a definição de um eixo analítico capaz de articular discursos heterogêneos e
fragmentados.
2-CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO PRISIONAL NO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
Refletir acerca de algumas carências no campo da educação prisional requer um
debruçar especial, pois no contexto de todas as dificuldades a serem enfrentadas ao
analisar a situação da prisão e do preso no Brasil, nos deparamos com um
problema para o qual necessitamos voltar o nosso olhar, que se refere à educação
destes sujeitos.
Considerando a educação de jovens e adultos presos uma faceta desconsiderada
pela sociedade, pretendemos contextualizar a educação prisional no Estado do Rio
de Janeiro, de forma apenas a situar o leitor acerca das mudanças ocorridas desde
seus primeiros passos, que se dão no Período Imperial até os dias atuais, na
tentativa de resgatar informações que muitos desconhecem.
Baseados no projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em parceria com a Escola de
Gestão Penitenciária, denominado, “A memória do Sistema Penitenciário”,
encontrado na Biblioteca da Escola de Gestão Penitenciária, tornou-se possível
compreender sinteticamente a história do sistema prisional, no Estado do Rio de
Janeiro, além, é claro, da história oral, a partir de conversas que foram realizadas.
Influenciados pelas idéias reformistas, principalmente advindas da Europa, o Estado
Imperial introduziu no Brasil, a condenação à pena de prisão com o trabalho, com o
objetivo primeiro de reprimir.
Assim, na segunda metade do século XIX, mas precisamente no ano de 1850, o
Ministério da Justiça cria a Casa de Correção da Corte, onde o modo de punição
através do trabalho passava a assumir espaço. Entretanto, isso não quer dizer que
todos da sociedade aceitassem o trabalho como forma de ressocialização, muitos
ainda eram contrários a esta idéia.
29
É importante destacar, conforme informação publicada na Revista da Biblioteca
Nacional (2007), no artigo A escola do sol quadrado, de Valter Martins, que mesmo
no início do século XIX, também existiam pessoas que acreditavam no trabalho e na
educação como ferramentas aptas à ressocialização, sendo que se pensava na
“higiene moral” do indivíduo. Segundo Martins, em 1879, um chefe de polícia
atribuía ao poder constituído lutar para regenerar os encarcerados. Um caminho era
o trabalho, que chamou de “higiene moral do preso”. Desejava instalar na cadeia
uma oficina para evitar a ociosidade e inspirar o amor ao trabalho. Outro caminho
era a educação, para que os presos não vivessem na ignorância e tivessem
chances de se reintegrar à sociedade. O analfabetismo era visto como causa de
atraso moral e intelectual, sendo associado à criminalidade.
Ainda no que concerne à história, também podemos encontrar informações a
respeito, no artigo Origens da educação prisional: o processo de normalização do
comportamento social em Curitiba no início do culo XX, 1905, escrito para o
Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, por Silveira (2006), mestre,
formada pela Universidade Federal do Paraná. Vale esclarecer que mesmo sendo
uma publicação que trata da história prisional da cidade de Curitiba, em alguns
momentos a autora retoma a história da educação prisional a nível Brasil,
contribuindo, portanto, por acrescer a este estudo.
Segundo Silveira (2006) a implantação do Sistema Prisional no Brasil e a articulação
das atividades educativas e laborais, técnicas penitenciárias muito conhecidas na
Europa e América do Norte, deu-se a partir da 1ª República, sendo determinante a
centralidade do Estado na distribuição e irradiação das formas de repressão, seja
física ou indireta. Os discursos jurídicos que fundamentam a privação individual da
liberdade, assim como o novo caráter pedagógico das penas nas penitenciárias, que
surgem mais tardiamente, através do binômio trabalho/educação, ratificam essas
falas. De acordo com Silveira (2006) o modo pelos quais as políticas de controle
social foram formuladas e proclamadas pela elite política brasileira desde a
formação do Estado Nacional, no início do século XX, pressupõe a relação trabalho-
assalariado/capital como fundamento do regime republicano, portanto, pode-se
interpretar a chamada República Velha a partir do enunciado de políticos
republicanos que afirmavam que “a questão social é uma questão de polícia”.
Somente a partir do Código Penal de 1940, que teve como colaboradores o
Desembargador Evaristo de Moraes e Nelson Hungria, influenciados pelos ideais de
Cesare Beccaria, jurista italiano do século XVIII, é que vemos legalmente, pela
30
primeira vez, a função da prisão como reeducativa e ressocializadora, juntamente
com o trabalho, a educação, a assistência social, o acompanhamento psicológico,
dentre outros, visando a recuperação do apenado para que pudesse retornar ao
convívio social.
Assim no início da cada de 1940, com o novo Código Penal, os modelos
normativos de funcionamento das unidades prisionais ampliaram-se de acordo com
as medidas da reforma do sistema penal.
O programa de reformas visava à reorganização prática do Sistema Penal Brasileiro
e a criação de novos estabelecimentos prisionais que correspondessem à
concepção de prisão da época, ou seja, daquela instituída pela legislação vigente.
Nesse período, no Rio de Janeiro, foi inaugurado o Reformatório Feminino
administrado por freiras em Bangu, denominado Talavera Bruce, bem como a prisão
agro-industrial masculina, a Penitenciária Esmeraldino Bandeira, também localizada
em Bangu. Desta forma, o ambiente prisional deveria, a partir deste momento,
promover a ordem, a assepsia, a arrumação e, no que tange ao tratamento prisional
feminino, também a domesticidade. É importante destacar que a criação de uma
prisão para mulheres no estado e sua primeira gestão são conseqüências desses
programas de reformas, propostos pelo Código Penal da época, pois anteriormente,
mulheres e homens compartilhavam do mesmo espaço prisional, ocasionando
promiscuidade e o desequilíbrio da ordem estabelecida
13
.
Assim, conforme estudo financiado pelo FAPERJ, citado nesta dissertação, a
Penitenciária Talavera Bruce foi construída com a intenção de despertar a
domesticidade feminina. A forma de tratamento, bem como as instalações físicas do
local foram elaboradas objetivando o retorno da prisioneira as suas funções de
progenitora, ou seja, função de mãe e também de esposa, pois a sociedade neste
período, associava a mulher a estes papéis muito mais que hoje. Há, neste período,
uma idéia que percorre as orientações da saúde, calcada no higienismo e na
eugenia, de que a figura da mulher mãe, dona de casa traria para o lar o homem
pervertido, bêbado e boêmio. A mulher seria a responsável pela estrutura da família.
Esta idéia ainda permanece no imaginário popular.
13
É importante ressaltar que mesmo nos dias de hoje ainda encontramos presídios em que homens e mulheres
compartilham o mesmo espaço, como ocorreu em dezembro de 2007, na cidade de Belém, quando uma presa de
aproximadamente 15 anos foi violentada por presos que estavam na mesma cela de uma delegacia de Abaetetuba
(PA). Segundo relato de um preso que prestou depoimento a adolescente "teve relações sexuais" com homens na
cela. "Ela dizia o tempo todo que era 'de menor', mas não tinha documento para provar", conta o detento.
Conforme noticiário (AGÊNCIA BRASIL, 2007), este caso não é o único. Em M.G, uma cadeia masculina
abrigava 14 menores de idade e 16 mulheres. No Amazonas, por falta de funcionários, uma casa de detenção
entrega aos presos as chaves da cadeia, que é mista.
31
É interessante pontuar que a Penitenciária Talavera Bruce tem grande importância
histórica, não só por ter sido a primeira penitenciária feminina do estado, mas por ter
sido foco importante para disseminação dos ideais de direitos humanos
14
, pois neste
mesmo espaço, as presas comuns misturavam-se com as presas políticas,
mantendo uma interação bastante consolidada, ao ponto de discutirem sobre as
organizações internacionais de Direito Humanos que se opunham às torturas
políticas praticadas com os chamados subversivos, no período da ditadura militar,
pós golpe de 1964, onde os presídios aparecem como principal espaço dessa
prática. Esses ensinamentos mostram-se bastante profícuos e aumentam
continuadamente desde a década de 1980. Atualmente, essas organizações de
Direitos Humanos o responsáveis em acompanhar qualquer fato ou ocorrência,
principalmente no que tange a agressão, dentro das prisões.
Em 1984, é assinada a Lei de Execuções Penais (LEP), criada a partir de um
tratado com a Organização das Nações Unidas (ONU), de adesão mundial, que tem
como finalidade sica definir as condições em que o sentenciado irá cumprir sua
pena. A legislação penal brasileira está consubstanciada sobre a égide “de que as
penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a
reincorporação do autor à comunidade”. Assim, a aplicação da LEP em seu Art.1º
tem por objetivo:
A correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou
outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a
oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos a
medidas de segurança venham a ter participação construtiva na
comunhão social.
Com relação a este artigo da LEP, podemos dizer que surge uma corrente em
contraposição, na medida em que propõe um direito alternativo, que ultrapasse os
limites do legalismo, criticando os fundamentos do direito e os da sociedade. O
direito alternativo ataca a estrutura social, propondo outro tipo de relacionamento
com a sociedade. Preocupado com as questões sociais que envolvem a
delinqüência, prega uma “justiça social”, valorizando os meios e métodos
alternativos ao encarceramento. Para esta corrente é necessário que se faça uma
análise da situação histórico-social do indivíduo antes de julgá-lo.
14
Vale ressaltar, conforme documentação analisada, que foi discutida no Congresso Internacional Feminista,
organizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1931, no Estado do Rio de Janeiro, a
construção de estabelecimentos penais específicos para o gênero e dirigido também por mulheres, bem como
reivindicavam a criação de uma polícia feminina. Fonte: Fundo FDPF/AN (Anexos 5 e 6)
32
Ainda na LEP, em seu Capítulo II e Art.3º, o enumeradas as espécies de
assistência que terão direito o preso e o internado e a forma de sua prestação pelas
unidades prisionais, como a assistência material, à saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa.
Tendo como opção para estudo o direito à assistência educacional, nosso trabalho
de pesquisa busca também compreender a evolução deste tipo de educação, desde
sua implementação no sistema penitenciário aos dias de hoje, juntamente com as
práticas realizadas neste espaço, analisando o currículo proposto para estas
escolas.
2.1 O processo de criação das primeiras escolas em presídios no Estado do
Rio de Janeiro
Tratando-se de presos vamos ver a preocupação com educação formal
documentada, no estado do Rio de Janeiro, em 1967, quando a então Secretaria de
Estado de Justiça firma um convênio com a Secretaria de Estado de Educação para
instalar escolas primárias apenas em algumas unidades penais (JULIÃO, 2003).
Através deste convênio a Secretaria Estadual de Educação (SEE) comprometeu-se
a instalar nessas unidades, que eram apenas quatro inicialmente, uma escola
primária nos moldes condizentes de uma escola extra-muros (fora das prisões) com
a finalidade de ministrar aulas de ensino primário supletivo, fornecendo professores,
que podiam ser contratados ou concursados e material didático.
Desta forma, as primeiras escolas surgem entre os anos de 1960 e 1970 nas
Penitenciárias Milton Dias Moreira, Lemos de Brito
15
, Esmeraldino Bandeira e
Talavera Bruce, e tinham como alvo o ensino primário. Com o decorrer dos anos,
estas escolas passaram a oferecer também outras séries e níveis de ensino
subseqüentes de acordo com a estrutura educacional pertinente a cada mudança na
legislação educacional ao longo da história.
16
Cabe ressaltar que para estas escolas era atribuído o nome da unidade penal
correspondente, fato lastimável, uma vez que os presos ao ganharem liberdade,
tinham em suas mãos um diploma com o nome de um presídio, sendo alvo de
15
Apresentador das medidas propostas pela Federação Brasileira do Progresso Feminino. Conforme Anexo 5.
16
Nos anos de 1960 estava em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 4024, que
determinava a existência do curso primário e do Ginásio, este último, de quatro anos. Posteriormente, a Lei
5692/71 propõe o Ensino de Grau com 8 anos de escolarização, agregando o antigo primário e ginásio; e um
Ensino de Grau, obrigatoriamente profissionalizante. A atual LDB Lei 9394/96 propõe o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio.
33
exclusão, sofrendo discriminação, pois, traziam consigo um estigma, o que o
impossibilitava muitas vezes de conseguir um emprego.
É interessante lembrar que antes deste convênio de 1967, a Secretaria de Justiça
possuía um “setor” voltado para as questões educacionais chamado de Divisão de
Educação. A essa Divisão cabia organizar e gerenciar as atividades educacionais,
culturais e profissionais que eram desenvolvidas no ambiente prisional. Ocorreu que
com o crescimento das escolas, a Secretaria Estadual de Educação foi ganhando
espaço e ao mesmo tempo autonomia, neste contexto, causando um grande
desconforto para a Divisão de Educação, que passou a se sentir ameaçada por esta
Secretaria, gerando um conflito de poderes. Para fins de esclarecimentos, vale,
ainda, dizer que antes das tentativas de maior articulação entre a Secretaria
Estadual de Educação e a Secretaria Estadual de Justiça, as ações educacionais
ficavam a cargo da Divisão de Educação. Com a inclusão das ações educativas da
Secretaria Estadual de Educação, ambas passaram a disputar posições políticas
quanto às atividades educacionais. Com o decorrer do tempo observa-se prejuízo
aos internos e um desgaste no quadro técnico de forma geral, pois, inúmeros
esforços eram despendidos, a ponto de o se compreender mais a que órgão
competia às atribuições educativas.
Com todos estes embates, somente em 1999, é que este panorama sofre
mudanças que contemporizam os conflitos entre as duas instâncias administrativas,
pois se inicia uma reavaliação das ações educacionais no Sistema Penitenciário,
com o objetivo de redefinir o que competia a cada esfera pública.
Assim, em 29 de fevereiro de 2000, é renovado o convênio que havia sido assinado
entre a Secretaria de Estado de Justiça e Secretaria Estadual de Educação que se
propõe a aumentar o número de escolas de ensino fundamental nas Unidades
Penais, sugerindo um atendimento mínimo de 50% da população carcerária,
redefinindo o papel das escolas no sistema penal, além de estender o ensino a o
Médio, possibilitando ao interno uma maior valorização no mercado de trabalho
17
.
A Secretaria de Estado de Educação consciente da necessidade de criação de um
órgão que ficasse responsável por seus diversos projetos especiais, dentre eles os
das escolas prisionais, criou a Superintendência de Projetos Especiais, que passou
a incorporar a Coordenadoria de Escolas Diferenciadas, de forma extra-oficial, como
já mencionado.
17
SECRETARIA DE ESTADO DE DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO, Divisão de
Educação e Cultura. Relatório das atividades da Divisão de Educação e Cultura. Rio de Janeiro: 2001.
34
A grande dificuldade encontra-se no fato dessas escolas serem encaradas como
escolas comuns do Sistema Educacional do Estado, não se reconhecendo suas
particularidades, não recebendo nenhuma assistência especial, sendo
administradas pelos Coordenadores Regionais responsáveis pela área
Metropolitana IV, conforme mencionado anteriormente.
A partir deste panorama, a educação penitenciária no estado, passa a ser
reconhecida como um Programa Institucional, que privilegia todas as ações
educativas como “Programa de Ressocialização”.
2.2 A situação da educação prisional na atualidade
Antes de começarmos a discorrer sobre o assunto, torna-se imprescindível dizer que
de acordo com informações disponibilizadas pelo Ministério da Justiça, mais
especificamente, do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN -, o país hoje,
ainda tem precariedades no banco de dados com informações atualizadas sobre o
sistema penitenciário, o que dificulta a atuação estratégica do governo federal em
relação ao tema. Em função deste quadro e verificando a importância da divulgação
estatística, o objetivo do governo é implementar, ampliar e difundir um sistema
denominado Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen) como uma
ferramenta de gestão no controle e execução de ações, articuladas com os estados,
para o desenvolvimento de uma política penitenciária nacional integrada. Segundo a
Secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas “é importante que o sistema o
cuide apenas da custódia do preso, mas que se desenvolva uma gestão integrada,
preocupada com pontos como a reintegração, saúde e educação do preso. É
preciso aprimorar a gestão do sistema penitenciário e é para isso que o Ministério
da Justiça tem trabalhado”
18
. A secretária ressalta ainda que a política penitenciária
nacional se faz com a adesão e a plena integração dos estados, do Poder
Judiciário e do Ministério Público. Os dados que vão constar no sistema incluem
desde a quantidade de vagas em relação à população habitacional dos estados, o
custo mensal do preso, a estrutura funcional dos estabelecimentos, até o grau de
instrução e de experiência profissional do apenado.
Retomando às legislações existentes, verificamos que no campo da educação
prisional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Darcy Ribeiro (nº
9394/96), não traz nenhuma referência à educação de jovens e adultos presos.
18
Fonte: Agência de Notícias do Ministério de Justiça, 2007.
35
Somente na Lei de Execuções Penais (LEP), Lei 7210/84, é que encontramos a
assistência educacional do preso sendo expressamente prevista como um direito, e
não como privilégio como muitos a consideram. Assim, a LEP, em seu Art. 17 ao
Art. 21, determina que:
A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a
formação profissional do preso e do internado; o ensino de grau
será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade
Federativa; o ensino profissional
19
será ministrado em nível de
iniciação ou de aperfeiçoamento técnico; a mulher condenada terá
ensino profissional adequado à sua condição; as atividades
educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas
ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos
especializados; em atendimento às condições locais, dotar-se-á
cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as
categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e
didáticos.
Assim, ao tomarmos conhecimento da legislação, percebemos que a situação é
bem mais complexa, pois se observa certas restrições às oportunidades
educacionais nos presídios se comparada à educação fornecida aos jovens e
adultos que não se encontram no sistema prisional, como por exemplo, o de ensino
fundamental. Verificamos que apenas este é previsto como obrigatório, não sendo
considerado como obrigatório o ensino de médio, o que viola as normas da
constituição, uma vez que atribui ao estado o dever de universalização do ensino
médio gratuito.
O ensino de grau será obrigatório, integrando-se ao sistema
escolar da unidade federativa (Lei de Execuções Penais, art. 18).
Vale ressaltar que dentre os estados brasileiros, o Rio de Janeiro vem
demonstrando um avanço na perspectiva da educação prisional. Com o objetivo de
refletir sobre a educação prisional no país, foi pensado um grande evento que teve
como sede a capital, Brasília, cuja finalidade foi propor uma diretriz nacional para a
educação prisional. Para que isso se tornasse possível, foram realizados diversos
encontros regionais com intuito de que cada região elaborasse sua proposta
preparatória a ser levada para o referido evento. No Rio de Janeiro esse encontro
ocorreu no período de 07 a 09 de dezembro na Escola de Gestão Penitenciária. Ao
final deste encontro, gerou-se um documento chamado “Relatório-síntese do I
Seminário Nacional e Construção de Diretrizes para Educação no Sistema
Penitenciário - Regional Rio de Janeiro”. Lembrando, que neste momento, ocorriam
19
36
nos demais estados do Brasil encontros regionais visando ao mesmo fim. Ao final
dos encontros os demais estados também enviaram seus relatórios à Brasília.
Segundo informações repassadas pela Coordenação de Educação e Cultura da
Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, o Relatório
produzido no Rio de Janeiro foi enviado à Brasília, e as autoridades diretamente
envolvidas na produção desta política pública aguardam a aprovação para que cada
estado do Brasil possa adotar seus critérios educacionais, baseados nesta diretriz.
Cumpre salientar inicialmente, que o Relatório citado feito pelo Rio de Janeiro
estrutura-se da seguinte forma: uma breve discussão do contexto da educação
prisional no país, seus desafios e perspectivas, abordando, em seguida, as
questões relativas à realidade regional, segundo as instituições que oferecem ações
educativas em Unidades Prisionais no Estado do Rio de Janeiro; as questões
vinculadas ao tema do direito à educação para os internos do sistema penitenciário;
o papel do Estado, da sociedade e do sistema judiciário no cumprimento deste
direito; concluindo com proposições, deliberações e encaminhamentos para a ação
do Estado e da sociedade no campo da educação de jovens e adultos atendidos
pelo Sistema Penitenciário
.
É fundamental mencionarmos também a respeito dos projetos que começaram a
ocorrer desde o mês de abril do ano de 2006, em parceria com a Secretaria
Estadual de Educação (SEE), Secretaria Estadual de Administração Penitenciária
(SEAP) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com o objetivo de
capacitar professores, diretores de escolas e técnicos em educação do sistema
penitenciário. O projeto recebeu o nome de “Educação no sistema penitenciário:
novas possibilidades curso de formação continuada”. A proposta nasce do
entendimento de que, em cada turma, professores têm percursos e trajetórias
variadas como profissional de educação, tanto no que diz respeito às práticas,
quanto a espaços de formação, exigindo negociações a partir de indicações mais
amplas, que possam refinar e favorecer a construção de projetos próprios,
adequados aos interesses reais e cada vez mais próximos às necessidades dos
cursistas.
Uma das discussões presentes no curso de formação continuada de professores
que vêm atuando na educação prisional gira em torno da questão de que cada
proposta curricular é única, respondendo às premissas e concepções que um
determinado projeto prevê, mas formatada segundo as características dos
participantes, como princípio sico da educação de jovens e adultos. Fez parte do
37
embasamento teórico-metodológico do curso as propostas de Paulo Freire, pois um
ponto central é o processo coletivo de construção a partir das práticas. Essa idéia é
reforçada por Moreira (2005, p. 95) ao complementar:
[...] as escolas são formas sociais que ampliam as capacidades
humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na formação de
suas próprias subjetividades e a serem capazes de exercer poder
com vistas a transformar as condições ideológicas e materiais de
dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder
social e demonstrem as possibilidades da democracia. Queremos
argumentar a favor de uma pedagogia crítica que leve em conta
como as transações simbólicas e materiais do cotidiano fornecem a
base para se repensar a forma como as pessoas dão sentido e
substância ética às suas experiências e vozes [...]que sirva de base
para o desenvolvimento de uma pedagogia crítica através das vozes
e para as vozes daqueles que são quase sempre silenciados.
Dentre os tópicos estudados durante este curso estão: currículo formal x currículos
produzidos no cotidiano da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a emergência do
currículo (a questão dos conteúdos). Nas discussões estão presentes, ainda,
questões que dizem respeito a quem o os sujeitos da EJA, em especial, o que
sabem professores sobre ensinar a jovens e adultos encarcerados. As respostas,
com certeza convergem para a produção do Projeto Pedagógico para este tipo
específico de EJA, como a expressão do seu currículo e das tensões entre saberes
e poderes. Este último ponto também é muito interessante, pois vem discutir as
relações de poder que estão ocultas nos conhecimentos reproduzidos pelo sistema
vigente.
Além destes projetos, não podemos esquecer de mencionar mais uma grande
conquista para educação prisional que foi a parceria entre a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC) e o Departamento
Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, (Depen/MJ) que passou a
direcionar ações com o objetivo de aumentar a oferta e melhorar a qualidade dos
programas educativos para a população carcerária brasileira. Segundo registros que
localizamos, é a primeira vez na história que o MEC direciona ações para este
universo de brasileiros.
Além de outros eventos ocorridos nesta temática, vale pontuar que um dos mais
significativos foi o de Brasília, que ocorreu entre os dias 12 e 14 de julho de 2006,
sendo na verdade, um desdobramento dos seminários que ocorreram em âmbito
regional tendo como objetivo criar novas condições e possibilidades no que tange a
educação de presos, apontando três eixos como propostas: 1) Gestão, articulação e
38
mobilização - que visa fornecer estímulos e subsídios, contribuindo para a atuação
da União, dos estados e da sociedade civil; 2) Formação e valorização dos
profissionais envolvidos para oferta visa a qualidade na formação e boas
condições de trabalhos para os profissionais envolvidos no processo; 3) Aspectos
pedagógicos visa garantir a qualidade da educação, baseando-se nos
instrumentos legais, estruturada nos princípios da autonomia e na emancipação dos
sujeitos envolvidos no processo educativo. Esse evento denominado Seminário
Nacional de Educação nas Prisões: Significados e Proposições, deu-se com o apoio
dos Ministérios da Justiça e Educação, bem como a participação da Organização
das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO).
20
Vale lembrar que essas instituições vêm trabalhando em parceria desde 2005, em
prol do projeto “Educando para Liberdade”, do qual emergiu uma série de
conquistas no âmbito da educação prisional, como por exemplo: oficinas técnicas,
seminários regionais, proposições para alteração da Lei de Execuções Penais,
financiamento de projetos e outros mais. Não podemos deixar de citar que este
evento teve como resultado a publicação do livro Educando para a liberdade:
trajetória, debates e proposições de um projeto para a educação nas prisões
brasileiras, que aborda inicialmente como se deu a Cooperação de parcerias
internacionais e nacionais para concretização do evento, terminando com uma
síntese vinculando educação à justiça.
C
om o panorama histórico, social e cultural, aqui apresentado, no qual a temática
está inserida, se faz necessário à realização de estudos que venham contribuir para
uma fundamentação mais sólida da questão, com vistas à valorização da história da
educação prisional, considerando sua relevância no conjunto da história da
educação, compreendendo que o processo educacional ultrapassa a instrução
escolar e é direito de todos, mesmo daqueles que romperam com as leis, se em
contrapartida, pretendemos fazer cumpri-las.
3- A PRISÃO COMO INSTITUIÇÃO TOTAL
Uma vez que estamos tratando de educação dentro dos presídios, torna-se
indispensável compreendermos muito mais que a rotina do Estabelecimento que
nos propomos a estudar, para alcançarmos também um entendimento das
20
Cabe ressaltar que este projeto é financiado com recursos doados pelo governo japonês e administrados pela
representação da UNESCO no Brasil.
39
dinâmicas que constituem a instituição prisional como um todo. Neste subcapítulo
direcionamos nosso estudo baseados num clássico de Erving Goffman, em seu livro
“Manicômios, prisões e conventos”, no qual analisando as características das
Instituições Totais procurou-se mostrar os porquês de receberem esta
denominação, porém seu objetivo principal é estudar o mundo do internado, que
neste caso, remetendo-nos ao contexto prisional, seria o interno, o preso, a fim de
chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu, ou seja, buscar através de um
estudo sociológico o que ocorre com o Ser ao adentrar numa instituição como esta.
Ao iniciar, Goffman define a Instituição Total como:
Um local de residência e trabalho onde um grande número de
indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais
ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada
e formalmente administrada (GOFFMAN, 2007, p.11).
O autor acrescenta ainda que estes tipos de instituições apresentam tendências de
“fechamento” (p. 16), que se caracterizam pela existência de portas fechadas,
paredes altas, arames farpados, dentre outras, que agem de forma a isolar os
indivíduos que ali estão do contato com o mundo externo.
Superficialmente, o autor enumera em seu livro cinco agrupamentos que podem ser
chamados de instituições totais, que vem a ser: os asilos, os manicômios (hospitais
para doentes mentais), as prisões, os quartéis e por último os conventos. Porém,
para fins desta dissertação, nos limitaremos apenas ao terceiro tipo de instituição
total, que é o foco do nosso trabalho. Este terceiro agrupamento diz respeito ao tipo
de instituição que é organizada para proteger a comunidade contra perigos
intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas o constitui problema
imediato. São elas: as cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra e
campos de concentração.
O autor é bastante coerente ao citar em uma de suas frases que essas pessoas não
constituem problema de imediato. Quando ele utiliza a palavra imediato,
subentende-se que algo pode vir a acontecer se determinadas medidas forem
tomadas de maneira demasiada, ou caso contrário, se medidas importantes
deixarem de serem adotadas.
A essa mudança que ocorre não de maneira imediata, mas sim gradativamente, é
que Goffman se propõe a estudar, o que, na verdade, vem a ser o processo de
mortificação do eu. Para efeito de entendimento, utilizaremos uma passagem do
livro, em que o autor explica claramente esse processo ao dizer:
40
O novato chega ao Estabelecimento com uma concepção de si
mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais
estáveis no seu mundo doméstico. Ao adentrar, é imediatamente
despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de
algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma
série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações
do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não
intencionalmente, mortificado (GOFFMAN, 2007, p. 24).
Em outras palavras, ao pararmos para refletir, veremos que não é à toa que
conhecemos por Sistema Penitenciário, o órgão responsável pela custódia dos
presos. Ou seja, o funcionamento tanto administrativo quanto ligado à vigilância dá-
se de forma sistemática, assim não poderíamos esperar um resultado diferente
quanto ao tratamento dos internos, uma vez que estes estão submetidos a este tipo
de sistema. Por isso que Goffman diz que a mortificação do eu ocorre
sistematicamente, ou seja, utilizando uma linguagem foucaultiana, podemos dizer
que ocorre uma deterioração gradativa da identidade do ser, e que na maioria das
vezes não é percebida pelo indivíduo. O autor complementa ainda dizendo que todo
esse processo a que o interno é submetido dentro de uma instituição total, o leva a
um “desculturamento’’ (p.23), no qual ele deixa para trás a cultura adquirida no
ambiente civil. Seria algo parecido com “dessocialização”, porém o autor optou em
usar o termo “destreinamento”, por achá-lo mais suave para o contexto, que significa
tornar o indivíduo incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária, tendo em
vista a rotina que ele incorporou na instituição total.
Ao discorrer sobre o assunto, é interessante também sublinharmos outro aspecto
bastante discutido pelo autor no que tange a outro fator que leva a “mutilação do eu
(p. 27), que são os denominados processos de admissão. Na realidade, recebem o
nome de processo de admissão, todos os tramites necessários para o ingresso do
interno ao Sistema Penitenciário, como:
Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais,
atribuir números, procurar enumerar bens pessoais para que sejam
guardados, despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos,
distribuir roupas da instituição, dar instruções quanto a regras,
designar um local para o internado. Os processos de admissão
talvez pudessem ser denominados “arrumação” ou programação”,
pois a ser “enquadrado” o novato admite ser conformado e
codificado num objeto que pode ser colocado na máquina
administrativa do estabelecimento, modelado suavemente pelas
operações de rotina (GOFFMAN, 2007, p.26).
Goffman atribui a esse processo uma outra forma de mortificação do eu a partir do
momento em que o interno deixa para trás todos os atributos anteriores
41
conquistados no mundo externo, ou seja, o processo de admissão ignora todas as
bases antecedentes de auto-identificação, passando a prevalecer apenas aquelas
inclusas no processo de admissão, passando a prepará-lo para viver de acordo com
as regras da casa. Continuando a explicar esse processo, o autor diz que podemos
caracterizá-lo como sendo uma despedida e um começo, e o ponto médio do
mesmo se pela nudez, que o marca consideravelmente. Complementa ainda
dizendo que o preso ao sair do convívio externo sofre grandes perdas, porém talvez
a perda mais considerável, ou seja, a mais angustiante seja a perda do nome, e isso
fere profundamente o eu do indivíduo, acentuando ainda mais a degradação interna
do ser.
O autor se utiliza de várias formas diferentes para explanar o processo de admissão,
e numa dessas explanações o autor reafirma a necessidade de nossas
“propriedades particulares” (p.28), que diz respeito ao que precisamos e fazemos no
nosso dia-a-dia, fora de uma instituição total, como por exemplo: roupas,
cosméticos, ir a um barbeiro etc, e resumidamente, ele vai denominar esse conjunto
de propriedades que nós, seres humanos, tanto precisamos e que de certa forma
possui características próprias de “estojo de identidade” (p.28), no qual por meio
dessas propriedades deixamos assinaladas nossa identidade. Para elucidar a
dinâmica desse processo Goffman transcreveu para seu livro, apenas para fins de
conhecimento da realidade, um trecho do relatório de prostitutas presas, que
exemplifica como se o impacto dessa substituição de propriedades, ou neste
caso, total carência destas.
Em primeiro lugar existe o funcionário do chuveiro que as obriga a se
despirem, tira suas roupas, fazem com que tomem banho de chuveiro e
recebam suas roupas de prisão
um par de sapatos pretos de amarrar,
com saltos baixos, dois pares de meias muito remendadas, três vestidos de
algodão, duas anáguas de algodão, duas calças e um par de soutiens.
Quase todos os soutiens estão frouxos e são inúteis. Não recebem cintas
nem cintos. Nada mais triste do que ver algumas das prisioneiras obesas
que, pelo menos, conseguiam parecer decentes no mundo externo diante
da sua primeira imagem na situação de prisão (GOFFMAN, 2007, p. 29).
Assim este “estojo de identidade” é comprometido a partir do momento que é tirado
dele algumas de suas propriedades, melhor dizendo, a maioria de suas
propriedades, deixando-o quase vazio. É isso que ocorre com o indivíduo quando
passa a fazer parte de uma instituição total, ele é despido de sua aparência visual,
bem como dos equipamentos e serviços necessários para mantê-la, gerando uma
desfiguração pessoal.
42
Vale ressaltar também a influência da classe dirigente no tocante a perda de
significado do eu, que se manifesta em variados segmentos dentro da instituição.
Ele atribui isso não a rotina da instituição total, como também aos atos que
algumas vezes o praticados dentro dela. Segundo o autor, nas instituições totais
por menor que seja a atividade exercida pelo indivíduo ela vai estar sempre sujeita
aos regulamentos e julgamentos advindos da equipe diretora, que aos poucos vai
invadindo os territórios do eu. Goffman chama atenção para um fator importante ao
enfatizar que:
Cada especificação tira do indivíduo uma oportunidade para
equilibrar suas necessidades e seus objetivos de maneira
pessoalmente eficiente, e coloca suas ações a mercê de sanções.
Violenta-se autonomia do ato (GOFFMAN, 2007, p. 42).
Analisando o que foi dito, percebemos que muitas vezes determinadas iniciativas
deixam de ser realizadas por parte dos internos, justamente pelo receio da aplicação
de sansões, atrelado ao poder do ato, que muitas vezes acaba por ser violentado, a
partir do momento em que é visto como forma de violência. O poder do ato neste
caso, diz respeito ao poder exercido por uma autoridade que prevalecendo-se de
sua autonomia de punir, utiliza-se de seu autoritarismo, manifestado através de
atos, acabando por exercer uma ação violentadora, onde muitas vezes a integridade
física do indivíduo não é respeitada.
Além da deformação pessoal que ocorre do fato de a pessoa perder
seu conjunto de identidade, existe a desfiguração pessoal que
ocorre de mutilações diretas e permanentes do corpo por
exemplo, marcas ou perdas de membros. Embora essa mortificação
do eu seja encontrada em poucas instituições totais, a perda de um
sentido de segurança pessoal é comum, e constitui um fundamento
para angústias quanto ao desfiguramento. Pancadas, terapia de
choque, ou em hospitais para doentes mentais, cirurgia - qualquer
que seja o objetivo da equipe diretora ao dar tais serviços para os
internados - podem levar estes últimos a sentirem que estão num
ambiente que não garante sua integridade física (GOFFMAN, 2007,
p. 29).
Contudo, mesmo sabendo que processos de controle social façam parte de
qualquer sociedade organizada, não podemos nos esquecer até que ponto certos
tipos de processos de controle social se tornam minuciosos e limitadores dentro de
uma instituição total, e mais importante ainda é pensar até onde processos como
estes contribuem (ou não) para o progresso social.
Outro ponto que merece destaque para fins deste trabalho diz respeito aos
denominados “ajustamentos secundários”, que de acordo com Goffman (p. 54):
43
São práticas que não desafiam diretamente a equipe dirigente, mas
que permitem que os internados consigam satisfações proibidas ou
obtenham, por meios proibidos as satisfações permitidas
.
Goffman, assim como Certeau (1996), denomina esses ajustamentos secundários
de “tática”. Com isso, podemos entender que a tática ocorre devido a ausência de
poder próprio, por isso são utilizadas como forma de criarem novas alternativas,
recusando a subjetividade do conformismo, para nascer a vontade de lutar por um
ideal. As táticas trazem consigo, a inventividade, para driblar a estrutura de poder,
apropriando-se da criação na tentativa de vencer a trivialidade e o “mal-estar” no
contexto em que se insere.
Sabemos que o interno deve adaptar-se às condições que são impostas, entretanto,
as formas encontradas para adaptar-se, é que vêm a ser as táticas, as saídas,
utilizadas por ele. Segundo Goffman:
Tais condições permitem diferentes maneiras individuais de
adaptação, além de qualquer esforço de ação subversiva coletiva. O
mesmo internado empregará diferentes táticas de adaptação em
diferentes fases de sua carreira moral, e pode alternar entre
diferentes táticas ao mesmo tempo (GOFFMAN, 2007, p.59).
Porém, é necessário mencionarmos que essas táticas encontradas para vencer
muitas vezes o mal-estar do cotidiano, poderiam ser amenizadas se as instituições
se preocupassem um pouco mais com a situação dos internos, não pensando
somente no presente, mas sim no futuro destes, pois se assim o fizessem toda
sociedade sairia ganhando. Isso significa pensar saídas que possam contribuir
efetivamente para recuperação do internado, o soluções passageiras, efêmeras,
mas sim que além de vencer a trivialidade sejam capaz de servir, de pontuar sua
vida no mundo externo.
Goffman retoma esta questão ao explicar:
Por mais duras que sejam as condições de vida nas instituições
totais, apenas as suas dificuldades não podem explicar esse
sentimento de tempo perdido; precisamos considerar as perdas, os
contatos sociais provocados pela admissão numa instituição total e
(usualmente) pela impossibilidade de adquirir coisas que possam
ser transferidas para a vida externa por exemplo, dinheiro,
formação de ligações conjugais, certidão de estudos realizados
(GOFFMAN, 2007, p. 65).
Assim sendo, refletir acerca do que ocorre no universo das instituições totais é
exercitar a mente em prol de estudos que não vejam estas instituições como meros
depósitos de internados, como se o tivessem mais solução, mas sim como um
44
local onde existem pessoas capazes de recuperação, porém para que isso ocorra é
necessário que haja uma mudança tanto da sociedade quanto do poder público no
tocante a forma de enxergar esses indivíduos, a fim de que possam ser discutidas
propostas em diversas áreas dos saberes, com intuito de alcançar tal finalidade,
pois como pudemos ver, estas instituições clamam por mudanças urgentes.
3.1 O cotidiano na Penitenciária Talavera Bruce: as complexidades do gênero
Cabe aqui, neste momento, explicarmos de forma sucinta como se o cotidiano
numa penitenciária a fim de fornecer ao leitor uma compreensão melhor do que
estamos nos propondo a questionar. Elegemos para estudo, uma Penitenciária
Feminina, por acreditarmos ser ainda mais complexa que uma masculina, pois neste
caso, não podemos deixar de lado a função progenitora referente à mulher, e o
quanto é difícil encarar uma gravidez e, posteriormente, exercer a maternidade
dentro da prisão, aliada a falta de recursos no tocante à higiene íntima que o gênero
feminino requer relacionado principalmente as funções vitais do organismo, sem nos
esquecermos da importância atribuída à estética, que no universo feminino é muito
mais acentuada. Essas questões de gênero podem ser ratificadas a partir do
noticiário da Agência Brasil, publicado em 04 de dezembro de 2007, extraídas
durante a sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema
Carcerário, quando a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres,
Nilcéa Freire, pediu a colaboração do Congresso para sensibilizar o Judiciário e os
governos estaduais a aderirem ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres, que contou com a participação de vários segmentos. Foi
quando a Coordenadora Nacional da Questão Feminina da Pastoral Carcerária,
Heidi Ann Cerneka, apresentou várias denúncias que recebera de todo o Brasil. De
acordo com essas denúncias, em Pernambuco, 20 mulheres grávidas dividem duas
celas que comportariam apenas duas detentas. Em Capela do Alto (SP), uma
cadeia capaz de abrigar 20 mulheres tem 96, além de duas menores de idade.
Complementa a Coordenadora, dizendo: “faz parte da Lei de Execuções Penais, por
exemplo, a construção de berçários nos presídios de cadeias femininas, mas
poucos lugares do Brasil têm. Os poucos estão em condições precárias, o
inadequados para receber crianças”. Outro assunto trazido para a discussão foi o
pouco cuidado direcionado à saúde das detentas. Segundo a coordenadora, o
policiais para fazerem a escolta das presas ao médico, as consultas marcadas nos
45
hospitais públicos, muitas vezes, não são realizadas. Continua dizendo que “para
cada 10 presas que marcam consulta e eu pergunto se foram, sete me respondem
que não. E o foram porque não tinha quem as escoltasse”. A coordenadora do
núcleo fixo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Luciana Zfalon
Cardoso, também presente à audiência, reiterou as informações sobre a
precariedade da saúde das presas. “Elas não têm acesso a papel higiênico e nem a
absorvente íntimo. vi muitas delas juntando miolo de pão o mês inteiro para
usarem como absorvente”.
Vale ressaltar que essas informações são de todo o Brasil. No entanto, existem
estados em que este quadro apresenta-se um pouco mais amenizado, como é o
caso da Penitenciária que elegemos para estudo, que comporta inclusive uma
creche, onde a mãe permanece com seu filho até terminar o período de
amamentação. Entretanto, mesmo no caso da Talavera Bruce, questões ainda
não sanadas. Saúde, higiene íntima, e até mesmo vestuário adequado para
freqüência à escola (blusa branca e soutien), não são oferecidos às detentas da
forma como deveria ser, fazendo-nos entender que os problemas também existem
nesta Penitenciária, mas se comparado à outras realidades prisionais este quadro
se apresenta menor.
Localizada no Município do Rio de Janeiro, a Penitenciária Talavera Bruce, é uma
das unidades que compõe o Complexo de Bangu. É uma prisão feminina, criada na
década de 40, com alto índice de complexidade, e possui uma historicidade
marcante na trajetória do sistema penitenciário, carecendo de um estudo mais
apurado. Cumprem pena neste estabelecimento aproximadamente 310 presas em
regime fechado. Nesta unidade prisional, está inserida uma das doze escolas que
mencionamos anteriormente, a Escola Estadual Roberto Burle Marx, onde estão
matriculadas 150 detentas, com uma freqüência média em torno de 60 alunas. Esta
Escola conta com o apoio de aproximadamente 20 profissionais ligados a área de
educação.
A Escola Estadual Roberto Burle Marx funciona em dois turnos, o primeiro das 8 às
11 horas, e o segundo das 13 às 16 horas. Nesta escola é ministrado o Ensino
Fundamental completo e o Ensino Médio, além de encontrarmos outras atividades
curriculares obrigatórias e o-obrigatórias. Durante as aulas, uma pausa para o
46
recreio em torno de 20 minutos, e neste horário a escola oferece merenda às
alunas
21
.
Para que tenhamos uma compreensão melhor sobre a escola na prisão é
necessário sabermos como é a realidade numa cadeia, afim de que possamos
entender porque o cotidiano de uma escola prisional se torna tão complexo.
A escola está restrita à rotina da unidade prisional, dificultando seu funcionamento.
Um dos exemplos desse atrelamento da escola à rotina da Unidade dá-se na prática
do chamado “confere”, realizado diariamente na parte da manhã, às 08:00 horas.
Este procedimento como o próprio nome está dizendo, é a conferência, de todos
os presos um a um. Neste momento ocorre a troca de equipe, os agentes
penitenciários de plantão conferem se está tudo certo na cadeia, se todas as
internas estão presentes e se houve alguma fuga à noite. Logo em seguida é
servido o café da manhã. Encerrada a conferência, é aberta a cadeia, as internas
são liberadas para sair de suas celas e poderem participar das atividades
disponíveis, sendo que grande parte permanece ociosa nos pátios ou vagando pela
cadeia. Em torno das 11 horas é servido o almoço, das 11 h e 30 min até às 14
horas, as internas ficam trancadas, neste momento é realizado outro “confere”. Às
16 h e 30 min, é servido o jantar, e às 17 horas, todas se recolhem para suas celas,
para que os agentes possam realizar o "confere da noite". Recolhidas em suas
celas, as internas assistem televisão, participam de atividades lúdicas, escrevem
cartas, cantam, estudam dentre outras atividades.
Nos finais de semana e nas quartas-feiras, inicia-se a romaria das visitas, um
momento muito esperado pelas internas, que recebem os seus familiares e amigos.
Nesses dias, parece que estamos vendo um outro local, pois o clima se torna
harmônico, com mais vida. Crianças, mulheres e idosos se misturam fazendo
piqueniques pelos cantos da unidade, é hora em que as internas aproveitam para
vender seus artesanatos aos visitantes.
Neste panorama rapidamente configurado, podemos identificar questões que nos
remetem à reflexões acerca do espaço escola na prisão e a relação escola/prisão.
uma lacuna nas políticas públicas neste âmbito, que dêem conta de um currículo
adequado para atender a estas demandas tão específicas, observando o que
deveria ser diferente nesta proposta curricular.
21
Cabe esclarecer que a merenda é fornecida pela Secretaria Estadual de Educação. Para muitas a merenda acaba
sendo um atrativo, pois se torna especial, haja vista que são servidos alimentos que elas não costumam comer no
dia-a-dia da prisão, como: bolos, biscoitos, sucos, toddy, etc.
47
Pelo exposto, é muito difícil manter uma escola nestas condições. Se às 8 horas as
presas estão no “confere”, elas chegam atrasadas na maioria das vezes. Existe um
intervalo do recreio, e há um rigor no horário de saída para cumprir com o horário do
almoço às 11 horas, para o caso de funcionamento pela manhã. O mesmo acontece
à tarde com o horário do jantar ás 17h. Um dia da semana letiva (de segunda à
sexta-feira) é usado para o dia de visita, implicando em menos um dia na rotina
normal da escola
22
.
Outro fator restritivo para a educação dos presos se revela nos suportes financeiros.
O recurso orçamentário destinado a este tipo de escola é menor, impedindo sua
manutenção e a compra de material didático, causando desestímulo nas internas,
que não podem comprá-los, adicionando ao fato de que muitas vão à escola
somente para comer. A maioria destas escolas é obrigada a solicitar recursos junto
a Secretaria para a compra do material necessário, sendo a verba concedida de
acordo com o número de alunos, e por serem as aulas ministradas em presídios,
torna-se difícil o aumento desta verba, pois não se tem espaço físico para atender
um grande número de alunas. Assim, em algumas unidades, por exemplo, tanto o
espaço como as ações educacionais o realizadas de forma improvisada e
dirigidas para um pequeno grupo, não atendendo ao efetivo da cadeia. A
improvisação se justifica, em alguns casos, por falta de apoio dos técnicos
administrativos da unidade, bem como, em outros, por falta de recursos humanos e
financeiros que venham contribuir com tal prática.
Aliado aos problemas financeiros para a manutenção da escola, também o
dilema entre trabalho e escola que faz com que a interna opte pelo primeiro,
considerando que cada três dias trabalhados representam um dia a menos na pena,
aliado ao fato de ainda receber um salário, o que tem um peso para a obtenção de
recursos econômicos destinados à vida na cadeia e no auxílio à manutenção de
familiares. Educação e trabalho o duas importantes categorias que permeiam
toda a discussão sobre o programa de "ressocialização" no sistema penitenciário.
Hoje, um outro grupo que acredita que a educação e o trabalho devem estar
articulados, ou seja, acreditam que deve existir um meio da interna conciliar estudo
com trabalho. Entretanto, foi aprovado pela Vara de Execuções Penais (VEP) do
Rio de Janeiro, a remição de penas para quem estuda, sendo que a cada 18 horas
de estudo que equivalem a seis dias, diminui um dia na pena, mesmo assim, elas
22
que neste dia as atividades da escola ficam comprometidas devido a ausência maior de alunas, esse tempo
poderia ser aproveitado pela escola para realização de atividades em conjunto com a família, como forma de
integração e também aprendizado.
48
ainda têm preferência pelo trabalho, que oferece benefícios mais imediatos e
favoráveis à condição de apenado.
Os fatos levantados a o momento apontam a necessidade de estudos que
venham a contribuir para um planejamento curricular adequado à condição da
detenta, visando sua inserção social, considerando ser uma realidade totalmente
diferente dos padrões da educação fora dos muros, não podendo, contudo, receber
o mesmo sistema de ensino, pois todo esse processo é delicado para ser pensado
de maneira tão ampla, visto que, cada realidade tem suas características
particulares. Os fatos apresentados a o momento nos permitem retomar o
pensamento de Moreira (2005, p. 29-30) quando afirma que:
No caso do currículo, cabe perguntar: que forças fazem com que o
currículo oficial seja hegemônico e que forças fazem com que esse
currículo aja para produzir identidades sociais que ajudam a
prolongar as relações de poder existentes? Essas forças vão desde
o poder dos grupos e classes dominantes corporificado no Estado
uma fonte central de poder em uma educação estatalmente
controlada – quanto nos inúmeros cotidianos nas escolas e salas de
aula que são expressões sutis e complexas de importantes relações
de poder. Nesse sentido, é importante não identificar o poder
simplesmente com pessoas ou atos legais, o que poderia levar a
negligenciar as relações de poder inscritas nas rotinas e rituais
institucionais cotidianos.
Para ressaltar alguns problemas existentes, segundo a Pro Marileia Santiago é
necessário que sejam revistos o currículo e a carga horária, que trabalham com a
matriz curricular de jovens e adultos noturno, que o aplicadas no período diurno
por se tratarem de presos, como se fosse uma escola regular, e hoje é impossível
cumprir essa carga horária exigida pelo currículo nacional, pois os presos estão
submetidos à rotina de uma unidade prisional.
Um dos maiores obstáculos que encontramos para o cumprimento deste currículo
imposto pela Secretaria Estadual de Educação, é a restrição dos presos aos
horários da unidade, é obvio que eles precisam obedecer a uma rotina, e, como isso
pode ser feito de maneira que não comprometa o desempenho escolar?
Necessitamos de estudos que venham contribuir para a constituição de um
programa próprio com uma matriz curricular mais adequada que, compreendendo
melhor a realidade das presas, seja possível cumprir com os objetivos de oferecer
escolarização e possibilidades de ressocialização futura.
Desta forma, através de um olhar minucioso, percebemos que não se produz uma
educação de qualidade, tendo em vista, que muitas concluem o ensino fundamental
49
sem saber ler e escrever corretamente. Se observarmos a fundo esta questão,
verificaremos certo “desperdício” (talvez conveniente aos olhos do Poder Público),
pois um preso custa um gasto alto para o estado, e de que adianta mantê-lo numa
escola, se ele não consegue corresponder com um resultado positivo, tendo em
vista a falta de condições favoráveis a ele, como a adequação de um currículo que
propicie uma melhor flexibilidade nos horários e conteúdos, porque além de estudar
as presas também trabalham.
4- SITUANDO O CAMPO DO CURRÍCULO
Inicialmente, para que tenhamos uma compreensão mais abrangente acerca do que
nos propomos a estudar o currículo torna-se necessário que o entendamos não
mais como um procedimento técnico, pautado nos todos, mas sim como um
conjunto de significados sociais e principalmente culturais, no qual a sua própria
história, o seu contexto de produção e suas relações sociais estão interligados.
Moreira e Silva (2005, p. 7) definem currículo como:
Um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na
moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história,
de sua produção contextual. O currículo não é um elemento
inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento
social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo
transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo
produz identidades individuais e sociais particulares.
Entre os séculos XIX e XX surgem, nos Estados Unidos, duas tendências
relacionadas ao estudo do currículo. A primeira considerada progressista, buscava a
valorização de um currículo que levasse em consideração os interesses do aluno. A
segunda baseava-se na construção científica (técnica) de um currículo capaz de
desenvolver os aspectos da personalidade adulta, tidos como “desejáveis” para o
mercado.
Podemos inferir que os currículos atuais estão bastante condizentes com a corrente
tecnocrática, uma vez que estão voltados para uma educação tecnicista,
direcionado para os interesses mercantilistas, o que os torna um instrumento de
perpetuação e manutenção da ordem social vigente, ao invés de funcionarem como
veículo de transformação.
O período de constituição inicial do campo de estudos do currículo era na verdade
um momento de grandes agitações, onde assistíamos um cenário de rápidas
transformações sociais que criavam em contexto no qual a educação ocupava um
50
destaque especial como protagonista, pois era ela considerada meio de controle
social, disfarçada na sua função de servir ao social, engajada no polêmico tema da
eficiência social, onde o currículo era visto de forma totalmente vocacionalizada.
Seguel define claramente o papel da escola neste período, e, se comparado aos
nossos dias, observamos que poucas mudanças ocorreram.
A escola é uma fábrica, a criança uma matéria-prima, o adulto ideal
o produto acabado, o professor um operacional, o supervisor um
dirigente e o superintendente um gestor, então o currículo pode ser
pensado como algo que processa toda a matéria prima desejável (a
criança) para transformar num produto acabado (o adulto desejado)
(SEGUEL, apud PARASKEVA, 2005, p.11).
Ou seja, seguindo esta lógica, os estudantes devem ser processados como um
produto fabril, dessa forma, o modelo institucional dessa concepção de currículo é a
fábrica, onde os procedimentos, objetivos e cnicas para se alcançar um resultado
podem ser precisamente mensurados. Nesta perspectiva, considerava-se que as
finalidades da educação eram dadas pelas exigências profissionais da vida adulta,
resumindo o currículo a uma questão técnica, que seria “moldar” este aluno para
atender uma demanda de mercado, ou seja, educar para a economia. Neste
sentido, a escola passa a desempenhar mais uma função, passando a ser
responsável pela adaptação dos futuros alunos aos mecanismos de transformação
econômico, social e principalmente cultural que a sociedade atravessava no
momento. Neste espaço, o currículo passou a exercer um forte domínio, ao ponto
de controlar socialmente os indivíduos, estabelecendo condutas e hábitos que eram
adequados para manutenção deste mesmo controle, impregnado de conceitos de
ordem, racionalidade e eficiência. Nesta conjuntura surgem alguns
questionamentos, como: Quais são os interesses da escola – formar um trabalhador
com mão de obra especializada, ou tender para uma educação mais generalizada,
de modo a beneficiar à população em geral? O que se deve ensinar _ as disciplinas
básicas, acadêmicas, ou as especializadas, prontas para formar profissionais para o
mercado de trabalho?
A escola era vista como um setor seletivo, onde as forças que atuavam na
sociedade se mostravam apenas de forma implícita. Forças que se manifestavam e,
ainda se manifestam até hoje, como é o caso do currículo oculto, onde sem que o
aluno perceba, de forma subliminar, as ideologias vão ganhando espaço sem
precisar pedir licença.
51
Assim, surge na década de 60, uma série de explosões generalizadas, a fim de
criticar essa concepção tradicional de currículo. São as chamadas teorias críticas
que contradizem a todo o momento as teorias tradicionais, indagando que estas não
fazem sequer questionamentos mais radicais sobre a forma como a sociedade está
estruturada e é dominada. As teorias críticas não aceitam simplesmente o status
quo, pelo contrário, passam a desconfiar dele, julgando-o responsável pelas
desigualdades e injustiças sociais. Segundo o pensamento de Silva (2004, p.30)
“para as teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer,
mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.”
Em 1973, uma nova tendência com base na teoria crítica começa a surgir, a partir
de uma Conferência na Universidade de Rochester, em Nova York, quando vários
especialistas da área que eram contra o modelo tecnocrático dominante se
reuniram. A partir daí, surgia um movimento denominado “reconceptualização”, que
tinha como objetivo fazer críticas e questionamentos acerca do currículo que estava
sendo proposto, pois este não estava indo de encontro com as bases das teorias
sociais como, por exemplo: a fenomenologia, a hermenêutica, o marxismo, a teoria
crítica da Escola de Frankfurt (MOREIRA, 2005). Com intenções muito similares aos
reconcepcionalistas, surgia na Inglaterra, o que ficou conhecido como a “Nova
Sociologia da Educação” (NSE), pois tinham como foco sugerir novos caminhos
para a Sociologia da Educação, e acreditavam ser esta também a sociologia do
conhecimento escolar, sendo possível compreendê-la pela sua amplitude como
sociologia do currículo.
Podemos dizer que muitos estudos que existem, atualmente, no campo de currículo
se devem aos reconceptualistas com visão neomarxista, pois através destes muitos
trabalhos ganharam maior impulso, maiores contribuições. A partir daí passam a
ocupar com maior ênfase neste cenário, questões direcionadas as relações entre
“currículo e estrutura social, currículo e cultura, currículo e poder, currículo e
ideologia, currículo e controle social etc.” (MOREIRA e SILVA, 2005, p.16). É
importante salientar, que este grupo visava o estudo do currículo, de forma a ajustá-
lo em prol das classes menos favorecidas. Para ratificar o que foi exposto, Moreira e
Silva (2005, p.16) enfatizam:
Reitere-se a preocupação maior do novo enfoque: entender a favor
de quem o currículo trabalha e como fazê-lo trabalhar a favor dos
grupos e classes oprimidas [...] discute-se o que contribui, tanto no
currículo formal como no currículo em ação e no currículo oculto,
para reprodução de desigualdades sociais.
52
Contudo, realmente é de se lamentar, que em pleno limiar do novo milênio, mesmo
com inúmeros estudos no campo curricular, este se encontrar impregnado de
políticas neoliberais que parecem combinadas em o fornecer nenhuma outra
saída à escolarização que não seja o da ascensão dos modelos úteis ao mercado,
deixando de lado os valores subjetivos que tanto contribuem para emancipação dos
sujeitos.
Seguindo a linha de alguns autores, dentre eles Silva (2004), o currículo como uma
prática social é um elemento produtor de identidades. Assim, podemos considerar
que o currículo dentro da perspectiva da educação prisional teria como objetivo a
produção de novas “segundas vias de identidade”, pois neste caso, sua função é
fazer com que o indivíduo se reconheça como sujeito dentro da sociedade,
buscando através da transformação uma nova identificação, a qual lhe permita uma
inserção social.
O currículo é um local no qual docentes e aprendizes têm a
oportunidade de examinar, de forma renovada, aqueles significados
da vida cotidiana que se acostumaram a ver como dados naturais.
O currículo é visto como experiência e como local de interrogação e
questionamento da experiência (SILVA, 2004, p.40).
Por sua vez, é importante que compreendamos o currículo através dos conceitos de
emancipação e libertação. Assim, se estamos pensando em outras perspectivas
para esses indivíduos para um novo convívio com a sociedade e consigo mesmos,
estamos buscando mecanismos alternativos para emancipá-lo. Giroux (1992) e
Santos (2003), dentre outros, entendem o processo de emancipação como um dos
objetivos de uma ação social politizada.
Sabemos melhor o que não queremos do que o que queremos.
Nestas condições, a emancipação não é mais que um conjunto de
lutas processuais, sem fim definido. O que a distingue de outros
conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas.
Esse sentido é para o campo social da emancipação, a ampliação e
o aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços
estruturais da prática social (SANTOS, 2003, p. 277).
Ao tomarmos conhecimento do currículo
23
(Anexos 7, 7.1 e 7.2) proposto para
educação de presos, vemos o quanto é conflituosa a idéia de escola para essa
educação de jovens e adultos, pois verificamos que o planejamento é o mesmo das
demais escolas de EJA. Então, o que teria este currículo de diferenciado para
atender as necessidades desses sujeitos? Não podemos aceitar a resposta, como já
23
O currículo atual da EJA foi publicado no Diário Oficial nº. 219, em 27/11/07.
53
ouvimos de professores e agentes penitenciários, que de diferente só existe o aluno,
o preso. Ora, o seria mais natural levar em consideração o cotidiano desse
universo que estamos falando, não podendo ser encarado como se fosse um
espaço de uma escola fora da prisão (extra-muros).
Assim, no contexto curricular, a identidade do fazer pedagógico deve ser vista como
algo que está em diversos lugares, porém com características diferentes em cada
lugar e mesmo assim diferentes entre si. Atualmente, tem-se muito argumentado a
favor de uma teoria que leve em consideração a dimensão prática do currículo,
visando compreendê-lo em ação, ou seja, nos contextos de concretização do
currículo desde a sua prescrição até a efetivação nas salas de aulas, observando-se
as especificidades de cada espaço.
Considerando o presídio como lugar de interação social, torna-se imprescindível a
democratização do espaço escola/prisão, analisando o currículo como um
instrumento democrático que vise, neste caso, a emancipaçao pela via da educação
prisional.
Como Moreira (1995) e outros, acreditamos que o currículo seja uma ferramenta
utilizada por diferentes sociedades, podemos dizer neste caso, diferentes grupos,
para desenvolver os processos de transformação e renovação dos conhecimentos,
bem como socializar jovens e adultos segundo valores tidos como desejáveis.
Admitindo o currículo como uma prática social, Oliveira (2004), ressalta a
necessidade de:
Formular-se um outro lugar para pensar a ação pedagógica, com
professores e alunos como produtores, emaranhando conteúdos
constituintes das tramas, o que significa admitir o currículo
emergindo dessas práticas, das redes cotidianas, e não formulado
de fora, de lugar diferente daquele em que a produção de
conhecimentos se tece. Emergem situações de legitimação dos
variados saberes que as experiências cotidianas criam e recriam...,
constituindo, pelo fazer, na expressão do projeto político-
pedagógico da escola, a alternativa curricular possível para uma
dada realidade (OLIVEIRA, 2004, p. 41, grifo do autor).
Observando o currículo desta forma, torna-se essencial utilizarmos a concepção de
Giroux (1992) ao enfocar a importância da formação de professores intelectuais
transformadores, nos faz relembrar o trabalho desenvolvido pelas professoras nos
presídios, pois para ele, esta categoria possibilita ao professor assumir com mais
rigor e intensidade as suas responsabilidades pedagógicas e políticas sendo capaz
de ir além de análises das contradições sociais nas escolas, criando articulações e
54
desenvolvendo possibilidades emancipatórias em seu espaço específico de trabalho
e por extensão, a sociedade maior.
Ainda utilizando-se dessas idéias, podemos indagar como fica a situação do interno
penitenciário dentro da sala de aula, no tocante ao aspecto da voz. Será que ele
tem uma participação ativa na escola? Se que pode contestar as relações de
poder existentes neste espaço escolar? Pensando de maneira ampla, percebemos o
quanto é difícil esta participação nas escolas fora da prisão, e como fica esta
questão, que estamos falando do preso, que é visto tanto pela sociedade e até
mesmo por alguns professores como aquele que não tem direito a se expressar.
Será que esta voz é negada por receio de futuras reivindicações? Neste caso, é de
extrema importância que o professor saiba dividir, o preso como aluno, que está na
sala de aula para aprender, do preso como indivíduo custodiado pelo Estado que
está no estabelecimento para cumprir uma pena. E ainda, cabe-nos refletir: estará o
professor que atua nessa escola preparado para enfrentar esse novo dado que
potencializa as relações de poder já assimétricas entre professor e aluno?
Contudo, podemos perceber que ainda temos muitos obstáculos a serem desfeitos
nessa caminhada, cabendo àqueles que tanto se empenham e se preocupam com
os problemas educacionais, e não se fragilizam diante das dificuldades, pelo
contrário, vêem nelas motivo para serem mais fortes e lutar, sugerir e apontar novos
percursos para que se chegue ao final dessa caminhada inteiros e confiantes nos
objetivos alcançados.
5- EDUCAÇÃO DE PRESOS E CURRÍCULO: Algumas questões
O que dizer sobre educação de presos? O que falar sobre o assunto,
principalmente, com os últimos acontecimentos de violência urbana, divulgados
amplamente pela grande mídia. Crimes hediondos, que mobilizaram e continuam
mobilizando a sociedade brasileira; geram amplo debate, comoção pública, pleito
por mudanças na legislação, votos a favor e contra a redução da idade de
responsabilidade criminal para jovens e adolescentes, e uma profusão de discursos
que não encontram um consenso, até o momento. certo constrangimento ao
falar sobre o tema porque a última coisa que o conjunto da população quer ouvir é a
defesa dos direitos de quem feriu todos os direitos humanos. É difícil, na conjuntura
atual fazer um afastamento da crise para repensá-la, mas é necessário.
55
Na verdade o que ocorre é a falta de preocupação do Estado, que não percebe que
a escola poderia atuar na prevenção de delitos, ou seja, o que quem perde
com a reincidência dos presos é a própria sociedade, desta forma a sociedade civil
organizada deve ser a primeira interessada em promover um espaço onde o preso
possa demonstrar êxito. Não importa que nome tenha este espaço, seja a prisão, ou
qualquer outro, mas que dele possam emergir práticas sociais que propiciem àquele
que está cumprindo a pena ser reintegrado à sociedade ao sair deste espaço. A
grande questão é: será que essas práticas sociais básicas como, por exemplo, a
educação, são dirigidas de forma adequada, visando à recuperação do preso para o
futuro? Ou, ao contrário, acabam por causarem o processo de mortificação do eu,
que essas instituições ao fazerem uso de seus dispositivos disciplinares acabam
devolvendo à sociedade delinqüentes perigosos.
[...] O circuito da delinqüência não seria o subproduto da prisão que,
ao punir, não conseguisse corrigir; seria o efeito direto de uma
penalidade que, para gerir práticas ilegais, investiria algumas delas
num mecanismo de “punição-reprodução” de que o encarceramento
seria uma das peças principais. Mas por que e como teria sido a
prisão chamada a funcionar na fabricação de uma delinqüência que
seria de seu dever combater? (FOUCAULT, 2005, p. 231).
Vemos que realmente é um campo impregnado de objetividade, onde os sujeitos
que ali estão não se reconhecem mais como tal, sua identidade acaba sendo
deteriorada pelos mecanismos opressores, pelas chamadas “tecnologias corretivas
do indivíduo” que ali estão atuando, e que resultam num processo de reprodução
dos crimes (FOUCAULT, 2005, p.198). Assim, é difícil falarmos em ressocialização
em uma instituição que não tem sequer respeito à condição humana. O que
podemos, então, esperar desses indivíduos ao saírem das prisões?
A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o
local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o
rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de
objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz
como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do
saber (FOUCAULT, 2005, p. 214).
Foucault, ao tratar dos sete princípios definidos pela Reforma de 1945, na França,
adverte que, apesar de não chegaram a se efetivar, “constituem quase 150 anos
as sete ximas universais da boa ‘condição penitenciária’”. No conjunto dos sete
princípios está a educação penitenciária. Ainda seguindo os argumentos
56
foucaultianos “a educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo
tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação
para com o detento” (FOUCAULT, 2005, p. 224).
a educação pode servir de instrumento penitenciário. A
questão do encarceramento penitenciário é uma questão de
educação. (Ch. [Charles] Lucas, 1838). [1945]: O tratamento
infligido ao prisioneiro, fora de qualquer promiscuidade
corruptora... deve tender principalmente à sua instrução geral e
profissional e à sua melhora. (Princípio da educação
penitenciária apud FOUCAULT, 2005, p. 225, grifo do autor).
Perguntamo-nos, então, baseados na citação acima, qual o papel do Estado nestes
casos? E qual é o papel da Educação? Passamos a tirar nossas próprias
conclusões e percebemos que a intervenção do Estado que deveria ser máxima no
sentido de concretizar políticas públicas para estas classes a fim de enfrentar a
situação, é justamente contrária. Complementando nossas idéias, o jurista Luiz
Flávio Gomes, diz que:
Dentre as características mais importantes dessa política
econômica liberal destacam-se o individualismo, o consumismo, a
alta taxa de desemprego, forte exclusão social, marginalização de
grande parcela da população, ausência de políticas blicas na
área da educação, saúde, lazer etc. Parece não haver dúvida que
todos esses fatores influenciam decisivamente na criminalidade
urbana. [...] Durante muitos anos acreditou-se na relação (quase
direta) entre a miséria e a violência. Está se tornando, entretanto,
cada vez mais evidente que a relação é outra: urbanização
desordenada + miséria + desemprego etc, sim, são componentes
(fatores) que determinam a violência. [...] O jovem consegue
superar duas ou três dessas características negativas, mais que
isso, seu ingresso na via criminosa é quase inevitável (GOMES,
2005, p. 03).
O que falar neste momento perante o quadro de severa crise? Para além da
comoção social, da desordem e da barbárie, está a necessidade de políticas
públicas de educação e de saúde que não são suficientes e nem adequadas para
atender as demandas sociais vigentes. Não atendimento às necessidades
básicas de um grande contingente da sociedade e, não poderia ser diferente, da
mesma forma não respostas às mesmas necessidades da população carcerária;
isso é óbvio. No conjunto da exclusão social, ainda, se diferenciam outros excluídos,
ou seja, não como falar de exclusão social como se estivéssemos tratando nesta
categoria de problemas idênticos.
57
O discurso por uma educação prisional existe, as ações vem se fazendo, entretanto,
não são suficientes e nem eficientes. Por quê? Nossa pesquisa tem nos evidenciado
que é preciso estudar a questão da educação prisional pelo seu viés curricular. Que
currículo é este que vem se efetuando, ou seja, que práticas educativas são
desenvolvidas e como o são para efetivar a tão proclamada ressocialização do
apenado? Quando dizemos que queremos dar uma nova oportunidade ao preso,
que a pena tem um objetivo de ressocialização, onde, quando e como estes
discursos se materializam? Nossos argumentos se encaminham no sentido de
discutir que a resposta está no currículo praticado nestes espaços e tempos da
prisão.
No contexto dos Parâmetros Curriculares Nacionais se concebe a
educação escolar como uma prática que tem a possibilidade de criar
condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades
e aprendam os conteúdos necessários para construir instrumentos
de compreensão da realidade e de participação em relações sociais,
políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas,
condições estas fundamentais para o exercício da cidadania na
construção de uma sociedade democrática e não excludente. (PCN,
Introdução p.45)
Logo, evidentemente, é sobre a discussão de como são produzidas as propostas
curriculares e que políticas públicas de currículo são essas (ou sua inexistência) que
se deve direcionar nossas ações, no sentido de contribuir para a mudança de fatos
que possuem conseqüências drásticas no cotidiano, principalmente, das grandes
metrópoles.
5.1 Educação prisional, práticas educativas e currículo
Se pensarmos na ação educativa como uma estratégia no processo de
ressocialização, podemos responder as interrogações de onde, quando e como os
discursos sobre educação prisional se efetivam, dizendo que é no currículo que
essas demandas se efetivam; é aí, no currículo, que elas se materializam. Portanto,
quando o discurso profere a ressocialização e, por conseguinte, aponta a educação
como uma via, na prática é no currículo que se expressa a concretização destes
objetivos. Se expressa, primeiro no currículo oficial e se efetiva no currículo
praticado.
Há, entretanto, um enfrentamento a ser feito. Estamos falando de currículo como o
centro para a discussão da educação prisional. Mas, o que se pode pensar, que
idéias nos ocorrem, inicialmente, sobre currículo? Evidente que associamos
58
diretamente currículo a curriculum vitae, autobiografia, breve histórico daquilo que
somos e que podemos realizar; e nesta perspectiva estão nossas qualificações, a
“carreira de vida”, o conjunto de dados concernentes ao estado civil, ao preparo
profissional e às atividades anteriores de quem se candidata a um emprego, em
suma, um relato devidamente documentado com o qual nos apresentamos,
pleiteando uma função no mercado de trabalho. Esta é a primeira idéia que nos
ocorre e ela não designa um equívoco. Apenas, não expressa tudo o que o currículo
é.
Currículo é um termo que admite mais de uma significação. foi definido: 1) como
uma série estruturada de resultados; 2) como um conjunto de matérias o famoso
elenco de conteúdos a serem trabalhados em um determinado curso; 3) como
conjunto de experiências que os estudantes desenvolvem sob a tutela da escola e
4) como o intento de comunicar os princípios essenciais de uma proposta educativa.
De um ponto de vista mais amplo, poderíamos afirmar que toda a vida humana é em
si mesma uma “pista de corrida”, na qual traçamos algumas rotas a seguir,
abandonamos umas, produzimos algumas, às vezes desconstruímos as
realizadas para reinventarmos outras tantas. Mas na própria corrida da história
identificam-se determinadas “pistas de corrida”, que no conjunto se constituem e se
efetivam nas instituições escolares, loci privilegiado nas sociedades modernas para
a construção histórica e social do currículo.
Se quisermos recorrer à etimologia da palavra “currículo”, veremos que currículo
vem do latim currere, no sentido de pista de corrida, percurso realizado, curso,
trajetória. Recorrendo a Silva (1999), ele nos diz que no curso dessa “corrida” que é
o currículo, acabamos por nos tornar o que somos. Entretanto, no cotidiano, quando
pensamos em currículo remontamos apenas a conhecimento, no sentido stricto de
conteúdo, que são produtos do saber acumulados da sociedade, abandonando,
quase por completo, que o conhecimento que constitui o currículo está vitalmente
ligado aquilo que somos, em nossas formas de conceber o mundo, em nossa
subjetividade.
Segundo Costa (2003, p.39) as escolas e seus currículos são territórios de
produção, circulação e consolidação de significados, como espaços privilegiados de
concretização da política de identidade
24
.
24
Segundo Stuart Hall (2005, p. 17) “as sociedades da modernidade tardia são caracterizadas pela ‘diferença’;
elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes
‘posições de sujeito’
isto é, identidades para os indivíduos”.
59
Falar sobre questões de identidades em instituições sociais, em especial na escola
dentro da prisão, é abordar as representações que se efetivam nas práticas
educativas e que acabam por refletir na produção e reprodução de diferenças,
distinções e desigualdades. As representações surgem a partir das formas de se
produzir significados que são transmitidos pelos discursos, através da linguagem
25
.
Assim, as representações são conjuntos de idéias que se relacionam
discursivamente, impregnados de significados que vão surgindo de acordo com as
regras que o consideradas adequadas e verdadeiras por determinado grupo,
instituído por relações de poder. Por meio da língua que falam, da posição que
ocupam, dos bens materiais e culturais, ou por outro atributo a mais que possuam,
os grupos mais poderosos impõem seus significados aos mais fracos, enunciando
como verdadeiro o referencial que parte deles próprios, como se fosse o normal,
fazendo com que se reproduzam os significados que são ditados como válidos
sobre os outros grupos. Esses saberes tidos como corretos deixados pelos grupos
mais poderosos, e que fomos desde a infância tentando aceitar como verdadeiros,
como científicos como “universais”, e que estão presentes em todos os dispositivos
culturais que permeiam nossas vidas é que regulam e, consequentemente,
produzem nossa identidade.
Neste sentido, quando mencionamos práticas educativas, devemos ter em mente o
currículo como sendo uma destas práticas onde se manifesta o poder. Para tanto é
necessário ficar clara a noção de currículo que se pretende trabalhar nesta
pesquisa, concebendo currículo na mesma perspectiva de Costa (2003, p.41)
quando diz:
Ao me referir ao currículo não estou pensando simplesmente no
conjunto de conteúdos, disciplinas, métodos, experiências, objetivos
etc. que compõem a atividade escolar, mas estou concebendo esse
conjunto como algo articulado segundo certa ordenação e em
determinada direção, impulsionado por ímpetos que não são
casuais. O currículo e seus componentes constituem um conjunto
articulado e normatizado de saberes, regidos por uma determinada
ordem, estabelecida em uma arena em que estão em luta visões de
mundo e onde se produzem, elegem e transmitem representações,
narrativas, significados sobre as coisas e seres do mundo.
Partindo de uma analogia de inspiração foucaultiana, observamos que as relações
de poder se manifestam em todos os espaços se apresentando de forma repressiva,
25
Quando alguém ou algo é descrito, explicado, em uma narrativa ou discurso, temos a linguagem produzindo
uma “realidade”, instituindo algo como existente de tal ou qual forma. Neste caso, quem tem o poder de narrar o
outro, dizendo como está constituído, como funciona, que atributos possui, é quem dá as cartas da representação,
ou seja, é quem estabelece o que tem ou não tem estatuto de ‘realidade’ (Costa, 2003, p. 42).
60
disseminada e dissimulada à medida que forjam, que escondem, como se
puséssemos uma venda que nos impedisse de enxergar a realidade “nua e crua” de
fato. Da mesma forma que nos foi apresentado anteriormente as tecnologias de
correção do indivíduo, utilizadas como formas de punir dentro das prisões,
apresentamos também as tecnologias sociais que respondem a uma “vontade de
saber” inseparável da “vontade de poder” e que exercem forte influência na
construção das identidades (COSTA, 2003, p.51). Neste aspecto o currículo faz
parte dessas tecnologias sociais, pois controla e conduz o processo de discurso
pela ótica dominante. Sob esse enfoque a escola está condicionada a moldar tipos
específicos de sujeitos aptos para um tipo específico de sociedade.
Rosa (2003, p. 52) ao comentar as idéias de Silva (2005), diz que este autor tem
argumentado que as teorias do currículo o formas muito especiais de tecnologia
do governo, ou seja, o mecanismos de controle utilizados pelo Estado, que trata
do nexo entre dois pontos importantes como os indivíduos o (psicologia,
sociologia), como deveriam ser (projetos político-filosóficos) e quais saberes são
adequados para produzi-los (Teoria de Currículo). Continuando a nossa análise
ainda pelo prisma foucaultiano, vemos que o currículo pressupõe dois eixos
tecnológicos. O primeiro diz respeito às “tecnologias de dominação”, que tem por
intencionalidade conhecer o sujeito para que se torne mais fácil administrá-lo, onde
o governo exerceria um controle externo. a segunda aborda as “tecnologias do
eu”, na qual os indivíduos impregnados das “tecnologias de dominação”, onde o
Estado teria exercido seu papel de narrador do discurso, passariam a exercer um
autocontrole sobre eles mesmos. Nesta perspectiva, os indivíduos já reconhecem os
discursos ditados pelo governo passando apenas a incorporá-los e reproduzi-los, de
forma perigosa, pois o tem naturalizado. O que parece a primeira vista é que
estamos em uma grande fábrica, onde os objetos, nós_ sujeitos_ pudéssemos ter
nossas identidades fabricadas de acordo com as relações de poder que se
materializam em forma de dispositivos disciplinares. Assim como a prisão é uma
fábrica que forma delinqüentes (FOUCAULT, 2005), a escola por meio de suas
tecnologias sociais formaria os sujeitos com uma identidade forjada. O que seriam,
então, essas crises de identidades que tanto ouvimos falar? Arriscando um palpite
poderíamos dizer que é o momento em que o sujeito se depara com todo esse
ilusionismo, com toda essa farsa e se pergunta quem ele é, ao ver que o mundo é
muito mais complexo do que aquilo que foi transmitido a ele por meio de uma fala
dominante.
61
Segundo Costa (2003, p. 61) o currículo escolar é um texto que pode nos contar
muitas histórias: histórias sobre indivíduos, grupos, sociedades, culturas, tradições;
histórias que pretendem nos relatar como as coisas são ou deveriam ser. A autora
utilizando-se das palavras de Foucault (1996) diz que o que em comum entre
essas histórias é uma vontade de saber que, é inseparável da vontade de poder, e
tem se constituído em “prodigiosa maquinaria destinada a excluir”.
No sentido de que estamos tratando agora, o currículo ganha uma nova dimensão,
mais rica e complexa, mais instigante da nossa capacidade de pensar, estimulante
de novos questionamentos. Afirmamos, então, que o currículo é um artefato
histórico, social e cultural, cujas formas de domínio no cotidiano não são naturais,
muito ao contrário, são produzidas, e, neste sentido, é que usamos a expressão
“artefato”, como algo que é produto e, portanto, não é dado pronto, é resultado de
diversos processos que numa sociedade excludente m marcas da dominação.
Cabe-nos o exercício contínuo de desvelar essa produção, desnaturalizá-la, e, para
tal tarefa, árdua por sinal, se colocam as velhas questões da sociologia do currículo:
por que determinado conhecimento e o outro; por que uma forma de ensiná-lo e
não outra; questões que se resumem no “por que” das formas de seleção e
organização do conhecimento escolar.
Nessa perspectiva, propõe-se colocar o currículo num espaço maior de
investigações, no qual se elencam as suas determinações sociais, históricas e
culturais. Ao trilhar essa linha de argumentação se descortinam, se desnudam
outros aspectos: o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de
poder, transmite visões sociais particulares e interessadas, produz identidades
individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento atemporal, tem
uma história, diretamente relacionada a formas específicas de organização da
sociedade e da educação.
Sabemos, entendemos e analisamos sobre currículo intensamente, nos últimos
anos, mas abandonamos questões curriculares que se apresentam em ambientes
excluídos socialmente. E a prisão é apenas um deles.
Vencida a etapa de desconstruir as idéias previamente concebidas sobre currículo,
podemos nos perguntar por que tratar de currículo na educação de presos.
Poderíamos expor algumas justificativas, mas preferimos ficar com apenas uma que
qualificamos como a mais importante para o momento: é necessário utilizar o
conhecimento acumulado no campo de estudos do currículo para discutir políticas
62
públicas destinadas à educação prisional, contemplando também políticas de
currículo para estas práticas nos espaços prisionais, de forma diferenciada e não
como uma simples transposição do que já existe fora dos muros da prisão.
5.2 Educação prisional e Educação Extra-muros: mas o que têm de diferentes?
A pergunta leva aos questionamentos que desejamos discutir, sob o ponto de vista
da produção de políticas publicas de currículo. O que se tem presenciado a bem
recentemente foi a transposição de práticas muito próximas, quando não
semelhantes, àquelas realizadas na “educação regular” ou “educação extra-muros”,
como convencionam denominar os sujeitos envolvidos diretamente neste trabalho
os apenados, os professores de escolas dos presídios, os funcionários das
penitenciárias e demais agentes sociais do poder público. Português em seu
trabalho sobre a Educação de Adultos presos
26
discorre sobre as dificuldades
enfrentadas para colocar em prática a educação regular na prisão destacando as
impropriedades da extensão do ensino regular para a educação de adultos presos.
(PORTUGUÊS apud RAMOS NETTO, 2006).
É evidente que estes currículos praticados na educação prisional necessitam de
estudos e reflexões para definir objetivos próprios e afinados com o que se entende
por fazer educação nos espaços e tempos da prisão. Mas, não é assim que ocorre
no cotidiano dessas práticas, como veremos mais adiante.
Primeiro temos que diferenciar o que estamos entendemos com o termo educação
prisional e do que estamos abordando nesta pesquisa. A educação prisional pode
ser considerada em seu espectro mais amplo abrangendo todas as práticas
educativas formais e não-formais realizadas na prisão. Neste conjunto estão todas
as iniciativas desenvolvidas com o intuito de propiciar a escolarização formal (o
Ensino Fundamental e Médio, por exemplo), a capacidade de reflexão, de inserção
no mundo do trabalho, de resgate da auto-estima do sujeito apenado, etc. E aí,
neste campo, temos uma gama de trabalhos imensa, se realizando nos presídios
com a participação de diversos agentes do Estado e da sociedade civil organizada.
Entretanto, nossa preocupação quer se voltar exclusivamente à uma parcela desse
contexto educativo: a escolarização formal. O apenado dentre tantos problemas a
26
Dissertação de Mestrado que investigou as possibilidades e contradições da inserção da educação escolar nos
programas de reabilitação do sistema penal de São Paulo.
63
enfrentar possui a necessidade de resgate da escolarização que lhe foi negada em
tempo desejado, que seria a infância e a adolescência.
muito recentemente as ações blicas passaram a evidenciar preocupação com
questões referentes às desigualdades educacionais, notadamente, de jovens e
adultos. No âmbito federal, fruto de diversas lutas foi criada uma nova secretaria,
que em nosso entendimento apresenta uma nova forma de ver a educação, antes
desconsiderada. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), criada em julho de 2004, é a mais nova secretaria do Ministério da
Educação. Conforme dissemos anteriormente, nela estão reunidos, pela primeira
vez na história do Ministério da Educação (MEC), temas como alfabetização e
educação de jovens e adultos (EJA), educação do campo, educação ambiental,
educação escolar indígena, e diversidade étnico-racial,
27
temas antes distribuídos
em outras secretarias. A Secretaria vem discutindo também e discutindo avidamente
a orientação de propostas pedagógicas direcionadas à população vítima de
discriminação e violência.
A criação da Secad marcou uma nova fase no enfrentamento das injustiças
existentes nos sistemas de educação do País, valorizando a diversidade da
população brasileira, trabalhando para garantir a formulação de políticas blicas e
sociais como instrumento de cidadania. A Secad por meio do seu Departamento de
Educação de Jovens e Adultos amplia as discussões e traz avanços para a
discussão da educação prisional permitindo, hoje, o reconhecimento do segmento
como campo de ação da EJA. Por mais claro que pareça, este foi um ganho obtido
apenas muito recentemente.
Assim, não podemos deixar de considerar um grande salto o fato de sabermos que
matérias relacionadas à educação de jovens e adultos estarem sendo pensadas e
discutidas por uma secretaria própria
Secad
e que assuntos ligados a educação
prisional aparecem, mesmo que forma ainda lenta, no seu quadro de trabalhos,
demonstrando já ser considerada educação de jovens e adultos.
Os dados nos dão conta de que a realidade deveria ser outra. Essa modalidade de
educação merece uma atenção muito maior. O relatório-síntese do Fórum de
Educação de Jovens e Adultos (2006, p.33) destaca que:
27
Se formos buscar mais informações, verificaremos que o termo “Educação Diferenciada” foi amplamente
utilizado para se referir à Educação Indígena. Nesse contexto, foi alvo de grandes embates, que aqui não
tomaremos como objeto de investigação. Sobre as discussões e embates teórico-metodológicas consultar, entre
outros, D’Angelis (2007) “Educação diferenciada: o projeto colonialista da etno-escola. Ou: duas palavras sobre
Paulo Freire, educação libertadora e autonomia”.
64
O Brasil possui a quarta população prisional do mundo, perdendo
apenas para Rússia, China e Estados Unidos. Desta população,
somente 18% encontram-se em atividades educacionais, segundo
o DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da
Justiça. Ainda que seja um direito garantido pela Constituição e
pela Lei de Execuções Penais, a pouca oferta de educação nas
prisões reflete-se nos números que, ainda segundo o DEPEN,
demonstram que 70% da população prisional não possui o ensino
fundamental completo e 10% é analfabeta. 30% da população
prisional possui entre 18 e 24 anos, o que ressalta a necessidade
de oferta da EJA nas prisões.
Mas, retomando a questão do currículo deve-se perguntar: o que de diferente no
currículo que se propõe a atender uma situação tão específica? À primeira vista
parece algo meio confuso e redundante este tipo de pergunta, mas é proposital e
necessário para que possamos refletir acerca do currículo que é oferecido nas
escolas da prisão. A denominação utilizada pelos profissionais que vêm atuando na
área da educação prisional de “currículo diferenciado”, nestes casos é bastante
paradoxal, pois ao analisá-lo de fato, notamos que de diferenciado nada existe,
sendo o mesmo aplicado nas escolas da rede estadual extra-muros (fora da
prisão); o mesmo que é desenvolvido para a Educação de Jovens e Adultos.
Convém perguntar: como é possível o mesmo sistema de ensino, os mesmos
processos de seleção e organização de conteúdos e objetivos para atender uma
população que se encontra numa realidade totalmente peculiar? Ocorre neste caso
um estranhamento dos alunos para com estes métodos de ensino que estão sendo
oferecidos, e ainda um estranhamento destes métodos para com a realidade na
qual eles estão inseridos, pois se choca diretamente com a rotina da Unidade a qual
eles estão submetidos.
Ora, o preso, diferentemente dos alunos de uma escola extra-muros regular, está
condicionado a dispositivos disciplinares específicos, que são mais rigorosos do que
em outras escolas, que dizem respeito à manutenção da ordem na instituição
penitenciária na qual ele esteja custodiado. Esta realidade encontra-se impregnada
de problemas relacionados à ordem social, política, econômica e também cultural
que influenciam diretamente as propostas educativas, principalmente no que tange
as formas de organização de tempos e espaços educativos. Por conseqüência,
um reflexo nos mecanismos de produção de identidade dos indivíduos que ali estão
inseridos, implicando diretamente na formação para a cidadania. As práticas
educativas transportadas de escolas extra-muros, sem procedimentos específicos
65
de adequação à educação prisional, terminam por dificultar seu reconhecimento
pelos sujeitos envolvidos.
Cabe esclarecer que quando propomos um currículo diferente, não estamos falando
em minimizar conteúdos, pois desta forma estaríamos cometendo um grande
equívoco, mas, sim, em se repensar as propostas curriculares de modo a adequá-
las ao cotidiano prisional e à realidade destes sujeitos apenados. Não podemos
perder de vista que estamos tratando de processos de escolarização do preso.
Além das escolas de ensino regular que estão ligadas à Secretaria Estadual de
Educação, a Superintendência de Educação e Cultura do Sistema Penitenciário
passou a instituir em seu programa de ressocialização todas as ações educativas
não formais, profissionalizantes, esportivas, artísticas e culturais que contam com o
apoio de fundações, como, por exemplo, a Fundação Santa Cabrini
28
, assim como
diversas Organizações Não-Governamentais (ONG) dirigidas à educação informal,
que realizam projetos de alfabetização; o Movimento Viva Rio, também com
alfabetização e telecursos, assim como algumas universidades
29
, instituições
religiosas, e até atividades desenvolvidas em parcerias com outras Secretarias de
Estado.
Uma das primeiras evidências a se considerar na discussão sobre a distinção nas
práticas de escolarização nos espaços da prisão, se situa, no seu cotidiano
complexo e específico. Parece evidente, mas não é assim considerado pelas
autoridades competentes, pelo menos até o momento. Não existem, ainda,
propostas curriculares construídas para atender às especificidades destes sujeitos e
destes espaços da realidade prisional, uma constatação que merece estudo
detalhado e maior comprometimento dos agentes sociais envolvidos na questão.
Contudo, é extremamente importante um planejamento com propostas de ações
político-pedagógicas, voltadas para elaboração curricular, conscientes de sua
função primordial na busca pela formação de uma identidade, contribuindo para o
retorno social do indivíduo, demonstrando, portanto, a necessidade de se
intensificaram os estudos específicos nesta área.
28
Instituição governamental vinculada à Secretaria de Estado de Justiça do Rio de Janeiro. É o órgão estadual
responsável pela gestão do trabalho realizado pelos internos do sistema penitenciário do Estado do Rio de
Janeiro com o objetivo de promover a ressocialização e a profissionalização do detento, facilitando sua
reinserção na sociedade.
29
A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) vem desenvolvendo atividades na área dentre
elas o Projeto de Extensão “Teatro na Prisão”, sob a Coordenação da Professora Lourdes Naylor, da Escola de
Teatro.
66
6- EXPOSIÇÃO DA PESQUISA: Coleta e análise dos dados
Neste capítulo apresenta-se todo o percurso do trabalho de campo realizado na
escola da Penitenciária Talavera Bruce, com base nos pressupostos metodológicos
mencionados no primeiro capítulo. Em síntese, enfocamos que se trata de uma
pesquisa realizada com as alunas da Escola existente na Penitenciária Talavera
Bruce. Para tanto, fizemos uso da pesquisa investigativa, onde nos propusemos a
realizar uma observação de campo e a coletar informações através de entrevistas
semi-estruturadas, tornando-se possível uma compreensão dos dados obtidos,
através de uma análise apurada.
Cabe ressaltar que não foi possível estabelecer critérios de amostragem, haja vista
o baixo número de alunas que freqüentam à escola. Para se ter uma idéia o período
de entrevistas durou cerca de três meses, e ainda, assim, não foi possível ouvir um
número maior de alunas. Do universo de estudantes da escola algumas estavam
ausentes e outras o se colocaram disponíveis para a entrevista. Neste caso,
tivemos três alunas pertencentes ao Ensino Fundamental que se negaram a ser
entrevistadas.
Portanto, para a análise dos dados procurou-se organizá-los de forma a obter:
O perfil geral das entrevistadas;
A reflexão sobre a trajetória de vida das entrevistadas;
A importância da escola para essas alunas;
A relação escola e trabalho;
As dificuldades entre escola e rotina da Unidade;
O currículo praticado nesta escola.
6.1 O percurso traçado para a pesquisa
Para que tenhamos, inicialmente, uma compreensão mais abrangente de como se
deu o percurso da atual pesquisa, no tocante a toda burocracia para se concretizar
as entrevistas, é que optamos em historiar todo esse processo desde a autorização
pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária até efetivamente serem
concretizadas as visitas na Escola Estadual Roberto Burle Marx.
Assim, seguindo os trâmites legais, de acordo com o Comitê de Ética da
Universidade, elaboramos um ofício ao Secretário Estadual de Administração
67
Penitenciária, a fim de solicitar autorização para o início da pesquisa. Enquanto o
retornava o documento, foi feito contato com a Diretora da Escola para que ficasse
ciente da possibilidade do trabalho de investigação e nos orientasse quanto as
outras medidas administrativas que deveríamos tomar. Foi quando ela disse que
mesmo sendo a Diretora da escola, o Diretor da Penitenciária deveria ficar também
ciente. Após esperar um longo tempo, o documento retornou e foi autorizado o início
da pesquisa. Mediante a informação concedida pela Diretora da Escola, foi feito
contato telefônico junto ao gabinete do Diretor da Penitenciária, para agendar um
horário, a fim de que pudéssemos conversar sobre a pesquisa, aproveitando para
dar ciência do documento assinado pelo Secretário, no qual autorizava a entrada
para realização da pesquisa. Uma vez com este documento, seria muito difícil o
Diretor não autorizar, pois anteriormente já havia passado pelas mãos do Secretário,
que hierarquicamente é superior a ele, então, ele não poderia se opor.
Vale ressaltar que mesmo atuando dentro do Sistema Penitenciário, não é possível
conhecer todos os espaços, e que neste caso sobrevém uma questão muito maior
que está imersa em todos os espaços que é a relação de poder, ou seja, o
podemos adentrar num espaço no qual não temos poder, ou seja, não possuímos
consentimento para estar nele.
Cumpridas todas essas formalidades, iniciaram-se as observações de campo, mais
especificamente dentro da escola, porém é claro, que não pudemos deixar de
analisar alguns aspectos também da Penitenciária que estão muito relacionados
com as atividades escolares, e que no decorrer das entrevistas ainda se
demonstraram mais nítidas.
Assim, começamos nossa trajetória de pesquisa na Penitenciária, que a princípio
pensávamos não ser tão difícil, mas para nossa surpresa com o dia-a-dia pudemos
perceber que era muito mais complexo do que imaginávamos. De início precisamos
identificar os melhores horários para as entrevistas, pois o que estava ocorrendo era
que ao chegarmos à escola muitas vezes para desespero da Diretora, e nosso
também, o havia alunas. Quase tudo que ocorre na Penitenciária é motivo para
não ir à escola. Procuramos então entender o que estava ocorrendo, pois as alunas
não estavam aparecendo na escola. Descobrimos, então, que era a primeira etapa
do concurso “Miss Talavera Bruce”, e muitas estavam se programando para o
evento. Foi uma semana praticamente perdida, sem poder realizar as entrevistas
por conta de toda essa agitação que imperava na Penitenciária, pois se ouvia
falar nisso.
68
Porém, falar em perda de tempo neste contexto é algo bastante relativo, se partimos
do princípio que essa perda se deu apenas em função dos objetivos iniciais, pois por
outro lado nos permitiu uma possibilidade de observação por um víeis muito maior.
A partir deste evento passamos a refletir sobre o que significa um concurso de Miss
na Prisão? E no mesmo instante percebemos que está intimamente relacionada à
feminilidade, ou seja, é uma é uma questão feminina mergulhada no universo de
tanta violência, o que seria uma chance de escapar das relações de poder
previamente estabelecidas, e mais que isso, uma oportunidade de mostrar que são
mulheres, onde os valores estéticos como a vaidade estão mais aflorados. Foi,
então, que a Diretora disse-nos que os melhores dias seriam nas terças-feiras e
quintas-feiras, pois são os dias em que a freqüência é um pouco maior.
Logo, ao iniciar as entrevistas, percebemos que os conteúdos que tínhamos a nossa
frente estavam para além do que a pesquisa previa a priore. Acreditamos que dentre
todas as etapas da pesquisa, esta foi a mais difícil para nós, não pelo trabalho e
desgaste de ter que ir duas vezes na semana à escola, mas pelo que era narrado
pelas entrevistadas. Neste momento, não eram as perguntas que estavam sendo
respondidas, mas atreladas às perguntas vinha uma sucessão de desabafos.
Questões de cunho afetivo, psicológico, moral, dentre outras vinham à tona.
Entretanto, não é do escopo deste trabalho discuti-las neste momento, apesar de
não podermos deixar de registrar o quanto estarão presentes em nossa análise.
Depois de concluídas as entrevistas e feitas as devidas transcrições, o próximo
passo foi obter as categorias de análise, pois tínhamos algumas categorias em
vista, mas a realidade nos colocou na obrigação de repensá-las.
6.2 O perfil das entrevistadas
Para fins desta pesquisa foram entrevistadas quinze internas da Penitenciária
Talavera Bruce, que estudam na Escola Estadual Roberto Burle Marx, matriculadas
em séries desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio.
Assim sendo, a pesquisa foi realizada com mulheres (alunas) com idades entre 21 a
55 anos. Constatou-se que a maior parte das alunas entrevistadas cursa o Ensino
Fundamental, sendo entrevistada apenas uma que cursa o Ensino Médio, onde a
freqüência é consideravelmente menor, sendo de aproximadamente 04 alunas.
Dentre as profissões exercidas por esta mulheres antes de adentrarem à prisão,
pudemos identificar um leque bem variado, tais como: balconista, costureira,
69
cozinheira, manicure, artesã, frentista, lavoureira (refere-se ao trabalho agrícola)
auxiliar de produção e técnico em patologia. Porém, um número bem considerável
respondeu ainda como profissão, do lar. Cabe ressaltar, que dentre as alunas
ouvidas nem todas eram naturais do Estado do Rio de Janeiro, sendo entrevistadas
também alunas naturais de estados das regiões Nordeste e Sul
30
. No decorrer das
entrevistas, tendo em vista inúmeros desabafos por parte das alunas, tornou-se
possível compreender melhor porque muitas estão presas. Baseados nestas
informações procuramos refletir acerca dos caminhos percorridos até serem presas,
e pudemos verificar que muitas histórias se repetem.
6.3 A reflexão sobre a trajetória de vida das entrevistadas
Durante as entrevistas ficou claro que muitas buscaram caminhos ilícitos para obter
recursos financeiros devido as dificuldades encontradas pelo processo de exclusão
que presenciavam antes da entrada no Sistema Penitenciário. Sabemos que isso
não pode ser usado como uma justificativa para o ingresso na vida criminosa, mas
por outro lado, não podemos nos cegar diante da realidade em que vivemos. Foi
possível verificar com as entrevistas, muito embora não tivesse uma pergunta
específica sobre o motivo pelo qual elas estavam ali, mas que com o desenrolar da
conversa acabava fluindo, que um número alto de entrevistadas encontravam-se
presas, por terem tido participação no tráfico de drogas, na maioria das vezes, por
intermédio de seus companheiros ou maridos. Com isso, o podemos deixar de
pontuar, que vivemos, ainda, numa sociedade patriarcal, onde questões de gênero
que envolvem a relação homem-mulher estão sempre em evidência. Quando o
assunto são mulheres que foram presas essa relação se torna ainda mais visível,
pois além da dependência financeira por parte de seus companheiros, encontramos
ainda a dependência afetiva e emocional, tendo que demonstrar fidelidade para com
estes, até mesmo para se manterem vivas, como escutamos em alguns casos,
ocasionando como conseqüência disso a entrada dessas mulheres na prisão, uma
vez que acabam sendo coniventes com seus parceiros na vida do crime
Isso pode ser ratificado em entrevista recente realizada com Celso Athayde
31
e o
cantor e escritor, MV Bill, publicada em 02 de novembro do ano de 2007, pelo Jornal
O Globo, cujo tema foi “Elas não querem ser coadjuvantes”, onde retrata que muitas
30
O grande número de presas advindas da região Sul dá-se na maioria das vezes por tráfico internacional de
drogas.
31
Produtor brasileiro e fundador da Central Única das Favelas (CUFA)
70
têm um papel o importante ou até maior em algum momento, que os próprios
garotos ou falcões do tráfico. Segundo Celso Athayde, a participação das mulheres
se de várias formas e em vários setores, sobretudo no apoio. Porém, neste
momento cabe uma pausa, para diferenciarmos duas situações distintas. Não
podemos dizer que todas as mulheres não querem mais ser coadjuvantes de seus
maridos, como se todas quisessem fazer parte deste grande negócio, o mundo do
tráfico. A partir das entrevistas realizadas na Penitenciária, pode-se constatar
também que muitas entraram nesta situação induzidas pelos seus maridos.
Situações que foram articuladas por eles, acabando por recair a culpa sobre elas.
São as chamadas “mulas” do tráfico, ou seja, utilizando uma linguagem coloquial
das cadeias, são aquelas que entram de “bucha”, que significa dizer sem ter a
intenção do ato, onde em muitos casos, por ingenuidade, foram usadas pelos seus
maridos/companheiros ou pressionadas por eles. Vários exemplos desse tipo foram
registrados nas entrevistas, e o mesmo fato se confirma em outros presídios
femininos visitados.
Ainda sobre o artigo do jornal e retomando as idéais sobre exclusão, foi perguntado
a Celso Athayde se o Brasil ainda tinha jeito, ao que ele respondeu que o Brasil tem
jeito sim, mas é preciso grande esforço e vontade política. Isso passa, sobretudo,
pela distribuição da renda. Acrescenta ainda que é preciso que o país entenda que
temos de distribuir a riqueza que todos nós geramos, ou seremos obrigados a dividir
as conseqüências da miséria que a elite tem gerado ao longo desses anos.
Retomando esse pensamento, dividir as conseqüências significa, por exemplo,
estarmos à mercê e vulneráveis a qualquer hora do dia ou da noite, sermos
assaltados, seqüestrados, levarmos uma bala perdida, ou mortos. Será que
podemos ficar de pés e mão atados diante da gravidade de tal situação? Não
podemos esquecer que muitos que vão presos cometem esses tipos de crimes e o
que estamos fazendo para que quando estes indivíduos ganhem a liberdade, estes
crimes não voltem a ocorrer por meio deles, ou seja, para que não ocorra
reincidência? Realmente, vemos que, as políticas públicas estão dispostas nos mais
variados segmentos (social, cultural, econômico...), porém não se apresentam de
forma a consolidar políticas públicas eficientes, como reafirma Celso, pois se estas
fossem pensadas por este vs, boa parte desses problemas poderia ser
amenizada.
6.4 A importância da escola para as alunas
71
Antes de iniciarmos este assunto, ressaltamos que as falas das entrevistadas serão
incorporadas ao nosso texto e dispostas com formatação itálica, de modo a o
tornar o conteúdo maçante, e também para preservar a privacidade das
entrevistadas.
Abordar a importância da escola para as alunas é remeter-nos a um assunto
bastante amplo, pois neste caso a escola está relacionada a uma série de fatores de
cunho o somente escolar que é o de se esperar, mas principalmente
sentimental. O modo como as alunas se reportam à escola é feito de forma muito
especial, vemos a expressão de carinho em seus rostos, quando o assunto é a
importância da escola em suas vidas. Apenas lamenta-se que para a grande
maioria, com pequenas exceções, o despertar para essa importância tenha se
manifestado somente após a prisão, porém o fundamental é que mesmo um pouco
mais tarde esse despontar para novos horizontes tenha chegado, e isso fica claro
quando ouvimos frases como esta: a importância da escola para mim é que posso
aprender mais e mais para fazer futuro um melhor para minha vida.
Além do aprendizado como motivo relevante para freqüência às aulas, outros novos
aparecem como atrativos da escola. Foi o caso de uma aluna e outras tantas que
em seus discursos afirmaram outros valores da escola, como: ocupar a mente,
porque a gente dentro, no coletivo
32
, fica muito estressada, a gente fica muito
presa dentro, a gente é tratada de um jeito!! Aqui na escola nós somos tratadas
como gente, aqui a gente tem carinho, e o tempo que eu tenho para ficar na escola
eu fico até ter que ir embora. Tendo remissão ou não eu continuaria vindo para a
escola, porque eu gosto; ninguém consegue nada sem estudo. Quero mostrar para
meu filho que mesmo aqui eu estudei, tentei mudar.
Analisando esta fala, tornou-se possível constatar a importância que a educação
tem para a grande maioria, não pela questão profissional, e a questão do
aprendizado, mas também por encontrarem na escola um refúgio, local de
aconchego, de paz e tranqüilidade, a partir do momento em que deixam de conviver
por alguns instantes com o coletivo. Segundo uma aluna todos na escola o
compreensivos e chegam a ser um pouco psicólogos. Para muitas pudemos concluir
que a escola é local de carinho, atenção, o que não ocorre nas demais
dependências da prisão, pelo menos não da forma como acontece na escola. A
32
O termo “coletivo” utilizado pelas presas significa o local onde ficam aglomeradas todas as internas, diz
respeito ao interior da cadeia, onde ficam as galerias, as celas, etc.
72
pergunta que não quer calar é: Por que apenas na escola elas se sentem tratadas
como gente? Esse tratamento não deveria existir nas demais dependências da
instituição? Ou seja, a instituição como um todo tem que ser vista como um
constante exercício em prol da recuperação do indivíduo. Se a partir do momento
em que ela sai da escola, deixa de receber esse tratamento, ocorre um desperdiço
no tocante a todo trabalho realizado na escola. As presas queixam-se muito da
ociosidade quando o estão na escola. É necessário também que se pense em
ações voltadas para esses momentos, buscando aproveitá-los, tendo sempre em
mente que se elas estão envolvidas com alguma atividade, deixam de pensar e/ou
fazer coisas erradas, pelo menos naqueles momentos, pois aquelas que não
trabalham, quando não estão na escola, o que fazem? Essa pergunta pode ser
respondida quando a aluna diz que dentro da Unidade a escola tem uma
importância muito maior do que no “mundão”, porque aqui não temos outra opção,
se eu não vir para [escola] vou ficar trancada na cela. Essa fala sublinha o que
estamos tentando expor, ou seja, a necessidade de se buscar outras alternativas,
além da escola, para ocupar o tempo das internas além de serem úteis para elas.
Ratificando o exposto, a fim de elucidar, uma aluna ao explicar o motivo que a levou
a buscar a escola dentro da prisão, diz que foi para não ficar parada, com a cabeça
desocupada, porque se a gente não procurar nada só fica pensando besteira.
Assim sendo, não podemos pensar em saídas superficiais apenas para distraí-las
(GOFFMAN, 2007), ou passar o tempo, mas sim que possam de alguma forma
promover conhecimento e contribuir para o crescimento interior de cada uma.
Outra fala bastante interessante, ainda neste contexto, é quando uma aluna diz:
Para mim a importância da escola é que s estamos presas e não somos presas.
Quero aproveitar esse tempo de privação de liberdade e aprender sempre mais,
pois quero em breve me ressocializar com a sociedade. Mais uma vez aparece a
forma com a qual a escola trata suas alunas, ou seja, na escola elas não são vistas
como presas. E não é porque estão presas que não devem ser tratadas como
gente. Através de depoimentos ficou evidenciado também o quanto a escola está
relacionada à formação destes sujeitos, sua identidade e caráter, palavras que
estão intrínsecas, mas que são subentendidas a todo momento quando as alunas
falam da importância da escola para ressocialização. Se pensarmos em
ressocialização, isso deve ocorrer em conjunto com todos os compartimentos da
Unidade Prisional, não somente na escola, esta deve ser mais uma ferramenta a
contribuir para o processo de reintegração social.
73
Vemos também, em quase todas as falas, o significado da escola agregado a
esperança. Esperança de um futuro melhor, esperança de transformação. As
internas têm consciência do estigma que enfrentarão, e se não tiverem pelo menos
o ensino, novas oportunidades de emprego ficarão ainda mais difíceis de surgir. Em
um dos relatos uma aluna expõe que busca um objetivo de mais tarde sair daqui e
conseguir algo melhor fora, pois fora é difícil de conseguir e se aqui eu tenho a
escola, tenho que aproveitar, porque tenho interesse de mudar e para melhor. Outra
aluna diz que a escola é importante, pois, se fora está difícil com estudo, imagina
sem estudo e para quem foi presidiário. É interessante relembrar também, que
embora a grande maioria tenha desistido de estudar enquanto estavam em
liberdade, elas entendem a importância da escolarização para seus filhos e querem
que eles estudem. São enormemente agradecidas à escola, pois muitas não sabiam
ler nem escrever, e hoje o fazem, sendo possível inclusive se corresponder com
seus familiares através de cartas.
Outro aspecto ainda relacionado à importância da escola está acoplado à conquista
de “cubículos individuais”. Para efeito de melhor explicação, “cubículo individual”
como o próprio nome está dizendo é uma cela onde vive apenas uma pessoa,
diferente do alojamento (coletivo), onde vivem várias presas dividindo um mínimo de
espaço. Assim, a forma que o Sistema encontrou de beneficiar as presas que
estudam foi estabelecendo que aquelas que tivessem uma freqüência regular e
obtivessem boas notas, após um período de aproximadamente seis meses, teriam
direito ao cubículo individual, sendo uma maneira encontrada de atrair os estudos.
Isso pode ser confirmado por meio da fala de uma aluna, ao comentar que a escola
é importante para poder pagar o aluguel do individual, pois quem estuda tem direito
ao cubículo individual.
O “pagar aluguel do individual”, linguagem utilizada pelas presas, vem a ser a forma
encontrada para adquirir o cubículo individual. Para algumas, neste caso, a
condição de ter que ir à escola para conseguir um cubículo individual seria um modo
de pagamento, estão pagando um preço para ter um benefício concedido. O “pagar”
o cubículo individual, é uma forma de sair do ambiente agitado, barulhento, que é o
alojamento (coletivo), onde vivem várias presas aglomeradas. A aluna elucida muito
bem como isso ocorre ao dizer: o motivo para eu vir estudar foi que tenho que pagar
aluguel para continuar num individual, porque se nós não estudarmos, trabalharmos
74
e o tivermos um bom comportamento, não vencemos
33
individuais; temos que
descer para o alojamento (grifo nosso).
Assim, neste contexto, falar de Educação de Jovens e Adultos é problematizar uma
educação coerente com a realidade vivenciada neste local, oportunizando a estes
indivíduos melhores condições de aprendizado, fazendo valer a democracia, de
forma a brotar nestes cidadãos o constante exercício de busca pela cidadania,
naqueles que muitas vezes por desconhecimento não se consideram como tal.
6.5 A relação escola e trabalho
Uma de nossas preocupações no momento da construção do roteiro das
entrevistas, foi elaborar um tópico em que as entrevistadas pudessem expressar
suas opiniões acerca do que achavam mais importante, trabalho ou escola, e nos
relatassem o porquê desta preferência, a fim de que fosse possível tecer discussões
sobre esse dilema a partir do olhar daquelas que estão vivenciando este cotidiano
tão peculiar. É interessante ressaltar que a grande maioria tem consciência da
importância da escola, sabe o quanto é fundamental em suas vidas, porém, no
momento de escolher entre trabalho e escola, acabam optando pelo primeiro por ser
remunerado, sendo um meio da interna ajudar sua família, mostrando que mesmo
dentro da prisão ainda pode ser útil e produtiva, já que está fazendo algo pelos seus
familiares. Como é o caso desta aluna ao dizer que os dois têm mesmo peso. Na
escola tem o aprendizado, e no trabalho tem a remissão e o salário para me manter
e manter meus filhos lá fora, porque eles precisam de mim.
Atrelado à preferência pelo trabalho advém outro motivo que não poderíamos deixar
de mencionar, que tange a questão da remissão de penas. Mais uma vez, a título de
recordação, para cada três dias trabalhados diminui um dia na contagem da pena,
ao passo que relacionado ao estudo são dezoito horas, ou seja, seis dias de estudo
para diminuir um. Esta explicação pode ser ratificada através da fala: considero o
trabalho mais importante pela remissão e por ser remunerado. Outra aluna
complementa dizendo: acho os dois, sendo que muitas de nós procuramos o
trabalho devido à remissão ser maior e valer mais. A escola como prioridade, para
nossa surpresa, demonstrou um número bastante significativo, e é bastante
33
Vale lembrar que as internas utilizam uma linguagem, tanto oral quanto gestual, que muitas vezes não condiz
com a nossa realidade, mas que são compreendidas perfeitamente entre elas, como é o caso, por exemplo, do
verbo vencer, pois para nós seu sentido está atrelado à idéia de competição, de jogo, enquanto para elas no
contexto da prisão, pode significar também conquista, compra.
75
animador, saber que mesmo tendo o trabalho como um forte atrativo, ainda têm
aquelas que abririam mão deste para estudar. Essa foi a resposta de uma aluna que
nos disse que a escola é mais importante. Contanto que eu coloquei meu nome na
escola, mesmo sabendo que tem que estudar mais dias para ter a remissão de um
dia.
Interessante destacar também, o valor que elas dão à escola, no que diz respeito a
aquisição de saber, como sendo o bem mais precioso alcançado, fazendo
entender que tudo pode ser tirado delas, assim como foi tirada a liberdade, mas o
que se aprende na escola é algo que fica para sempre e que ninguém pode retirar,
isto pode ficar bem claro no momento em que a aluna responde: eu considero a
escola mais importante, pois aqui eu obtenho algo que nunca vão tirar de mim, que
é o conhecimento.
Vale acrescentar que as alunas mais uma vez retomam o sentido da escola como
possibilidade de novas chances de emprego, mas neste pico aparece um item
novo, que foi a fato delas associarem a importância da escola através do
reconhecimento do diploma escolar, sendo ratificado pelo depoimento de uma aluna
ao mencionar que a escola é importante para eu arrumar um emprego razoável, eu
tenho que ter estudo, um diploma para conseguir algo melhor. É sabido que o
trabalho é visto na maior parte apenas para passar o tempo. Muitas vezes são
atribuídas tarefas de limpeza, apoio em setores, dentre outros, e que não geram
nenhum certificado após seu término. Esse pensamento colocado pelas alunas é
fundamental, na medida em que é mais uma conquista a favor da escola, pois
sabem que sem um documento que valide sua escolarização, de nada adianta. Isso
retoma uma questão discutida nesta dissertação, ao enfatizarmos a importância da
certificação, que vivemos numa sociedade cartorial, onde para tudo dependemos
de documentos de validação.
Durante as entrevistas surgiu um dado novo, e que até o presente momento, ainda
não havíamos avaliado a dimensão que tomou no espaço da prisão. Estamos nos
referindo à importância da igreja. Passamos a refletir melhor sobre o assunto após
perguntar à aluna o que ela considerava mais importante, a escola ou o trabalho.
Ela nos respondeu surpreendentemente dizendo que: o mais importante para mim
na penitenciária são os dois e principalmente a igreja. Esta fala foi bastante
significativa, pois nos possibilitou despertar para a importância da religião dentro das
instituições penais que se faz cada vez mais presente na atualidade, mas que não
76
cabe no momento para discussão deste trabalho, podendo ser tomado como
sugestão para trabalhos futuros. Mas, podemos ratificar que a importância das
práticas religiosas de diversos credos vêm, nos últimos tempos, crescendo e se
fazendo cada dia mais importante junto aos detentos e seus familiares.
6.6 Dificuldades entre escola e rotina da Unidade
Outro ponto que nos chamou bastante atenção foi com relação aos entraves
encontrados pelas alunas ao ir e vir da escola. Alguns, eram até de nosso
conhecimento, mas outros nem suspeitávamos que existissem, e que pudessem ser
tão fortes a ponto de fazer uma aluna deixar de ir às aulas. Somente após as
entrevistas tornou-se possível conhecer um pouco mais deste interior que até então
ousávamos achar que conhecíamos. Isso se deu logo no primeiro dia de
entrevista, quando ao conversarmos com a aluna ela nos disse que temos que ir de
blusa branca para a escola e, às vezes, não temos, eu, por exemplo, tenho esta
e não posso lavar nos dias de aula.
Aqui merece uma pausa para refletirmos um pouco mais sobre as questões de
gênero que permeiam e tornam tão complexas o interior de uma Unidade feminina,
embora tenham sido levantadas algumas questões anteriormente, quando
apresentamos as denúncias relatadas pela Coordenação Nacional Feminina da
Pastoral carcerária. Daremos apenas alguns exemplos para elucidação, mas que
podem ser tomados como impeditivos para realizações de diversas atividades.
Durante o período das pesquisas de campo em que passamos na Penitenciária
Talavera Bruce, fomos também visitar outros presídios femininos e os casos se
repetiam. A mulher presa passa por problemas que ocorrem somente com ela, e
que estão intimamente relacionados com a sua natureza, próprias do organismo
feminino. Assistimos casos em que existia uma carência enorme no tocante ao
material higiênico, como por exemplo, absorventes, para atender a condição de
mulher. Não podemos esquecer que muitas não trabalham, não recebem nenhuma
ajuda da família, dependendo apenas do Estado para lhes fornecer os materiais
essenciais.
Apenas para exemplificação, embora tenha ocorrido na realidade, observou-se que
uma interna ao sair para a visitação estava sem soutien, então, a guarda pediu para
que retornasse à cela e o pusesse. A presa retornou com algo por debaixo da blusa
77
de forma que não estava transparente, então, a guarda permitiu sua ao pátio de
visitantes. Ao chegar ao pátio de visitas foi surpreendida por outra guarda que a
perguntou quem havia deixado sair da cela sem soutien, pois a mesma
provavelmente não o tinha e colocou algum material somente para o ficar
transparente, de maneira que parecesse estar com o mesmo
34
. Esses são apenas
pequenos exemplos ilustrativos, mas que nos dão uma idéia do tamanho da
complexidade numa cadeia feminina.
Durante as entrevistas, ficou evidente também a dificuldade encontrada no tocante
ao “confere”, e também, à falta de funcionários, foi uma infinidade de respostas,
uma “chuva” de reclamações, por exemplo: temos que respeitar às normas do
sistema, e muitas vezes não tem funcionários para trazer as alunas para a escola.
Não podemos esquecer que a demora no confere se dá, na maioria das vezes,
devido à precariedade de funcionários, acabando por culminar em outros “setores”
dentro da prisão, como é o caso da escola. Isso pode ser notado nitidamente,
principalmente, às quartas-feiras, dia da semana em que ocorrem as visitas como
nos explica a presa ao dizer: as quartas não têm funcionários para trazer a gente. O
ideal seria que tivesse uma pessoa fixa para escola. Hoje, por exemplo, não abriram
de manhã para mim, disseram que tinham chamado, isso não é a primeira vez.
Abriu para o trabalho e não abriu para mim. As guardas são ignorantes, falam que
não são obrigadas. A presa ao dizer que as guardas são ignorantes, nos faz lembrar
a fala de uma outra interna ao dizer que não são tratadas como gente. O que
percebemos que ocorre, não com todas as guardas, mas com um pequeno número,
é que continuam a achar que o cidadão por estar preso não tem direito a nada.
Como uma vez ouvimos dizer por parte de um funcionário de uma cadeia masculina,
ao perguntarmos em conversas informais o que ele achava da escola na prisão, e
como era de se esperar, o mesmo retrucou em alto tom: Se fora está difícil de
arrumar escola, porque que o preso que cometeu vários crimes, que matou, vai ter
direito à escola? A pessoa que pensa desta forma tem vistas curtas, e realmente
pode ser considerada uma pessoa ignorante, como disseram as detentas, pois se
pensamos em minimizar a violência temos que começar a pensar em mecanismos
que possam pelo menos diminuí-la.
Foi possível notar que algumas presas ficavam com receio no momento de
responder e procuravam falar de forma mais sutil, outras diziam que iriam falar
34
Esse é um nítido exemplo de tática, pois, segundo Goofman (2006), é uma saída encontrada para burlar as
normas institucionais.
78
mesmo, que não queriam nem saber, foi o que aconteceu com uma interna que
disse que a maior dificuldade é o confere, porque o horário da nossa escola é 8
horas e devido ao confere demorar muito a gente demora a chegar, eu chego quase
no final da primeira aula, tenho que ficar gritando para o funcionário abrir a cela.
Isso desanima. Às vezes não tem funcionário para trazer à escola, ou dizem que
não tem ninguém na escola, dizem que não vai ter aula, mesmo tendo aula os
funcionários nos mandam esperar. A gente fica gritando, “funcionário a escola”, a
gente não pode nem ficar reclamando muito, pois está arriscado a tomar uma
parte
35
.
Dentre as respostas ainda relacionadas às dificuldades, mais um novo ponto que
não era de nosso conhecimento surgiu. Como vimos, foi dito que as presas que
estudam após um determinado tempo m direito ao cubículo individual, onde têm
mais privacidade, por ser mais tranqüilo. O que não sabíamos é que, além disso, a
opção pelo individual se dá também por ser mais próximo da escola. As presas que
ainda não conseguiram um cubículo individual reclamam da dificuldade que é para
chegar à escola. Uma delas ao explicar como se essa dificuldade, ressalta: Eu
moro no Anexo, que o é individual, é um cubículo com 08 pessoas. Na hora da
escola é muito difícil para eu vir sempre que a funcionária abre a grade, pois abri
tarde, a escola está fechada, porque o portão da escola abre uma vez, e eu
acabo tendo que voltar. Eu venho à escola mais não tem funcionária para subir com
a gente, eu volto para o Anexo, e se a escola abre depois eu não tenho como
saber, pois as funcionárias não avisam. O Anexo, conforme denominado pela presa
é um prédio que fica mais distante da escola, onde as presas ficam em alojamentos,
vivendo com outras presas no mesmo local. Outra presa que conquistou o seu
cubículo individual relembra as dificuldades enfrentadas por ela ao retratar: Quando
eu morava no Anexo era mais difícil para ir à escola porque se a gente fosse tomar
a iniciativa de falar com o Diretor que as guardas às vezes não tiravam a gente, iria
ser a palavra delas contra a nossa, e como somos presas nunca temos razão.
Agora estou no individual, é um pouco melhor, porque no individual é mais perto da
escola e da segurança, e o tem como elas o tirarem a gente. Por outro lado
aquelas que vivem em seus cubículos relatam também que estes se localizam mais
35
A presa refere-se à parte disciplinar, que vem a ser uma das formas de materialização do ato feito por uma
autoridade, por meio da escrita, ou seja, é anotado em livro próprio da Unidade, a falta cometida pela presa,
sendo posteriormente, julgada por uma Comissão Técnica de Classificação (CTC), que dentro da legislação
pertinente irá decidir pela absolvição ou punição da interna. A isso Goffman (2007) denomina o poder de
violência do ato, que se manifesta através de diversas formas, sendo a escrita uma delas.
79
próximo do setor de segurança, ficando mais difícil de não abrirem para elas, pelo
fato de estarem mais perto da escola e também deste setor que tem por objetivo
manter a ordem na Unidade.
Por meio destas falas foi possível mais uma vez constatar o quanto a rotina da
Unidade se torna um obstáculo para o avançar de algumas questões, dentre elas, a
escola, que é o nosso objeto de estudo. Não estamos dizendo aqui, que temos que
acabar com essa rotina, longe disso, buscamos discutir as dificuldades encontradas,
propondo pensar caminhos de forma que esses obstáculos o sejam mais motivos
de renúncia, ou seja, é tentar fazer com que as alunas não tropecem nas pedras
durante a caminhada, para não correr o risco de desistência quando estiver quase
chegando ao final.
6.7 O currículo praticado na escola
Na elaboração do roteiro das entrevistas não fizemos nenhuma pergunta em que a
questão curricular aparecesse explicitamente. Porém deixamos o último item da
entrevista aberto para comentários em geral, o que de certa forma foi uma opção
bastante feliz, pois a partir da análise deste item foi possível detectar e,
principalmente, ratificar o que vínhamos identificando com relação ao currículo
destas escolas. Para tanto, pedimos que as alunas fizessem comentários acerca
das atividades proporcionadas pela escola, e as respostas em número grande
culminavam diretamente com o problema da adequação desses currículos. As
alunas fizeram uso de respostas como: Acho que as aulas de educação física o
são legais, não são práticas, são dadas na sala de aula, passadas no quadro. Por
meio desta fala fica evidente a distância entre o currículo oficial e o currículo
praticado. Temos consciência da realidade, e sabemos que na maior parte das
vezes o currículo dito oficial não tem uma correlação unívoca com o que é praticado.
Neste caso, poderíamos pensar que o motivo de não ser colocado em prática seria
a ausência de um espaço apropriado para tal atividade. Mas, na verdade não é isso
que ocorre. Ao observarmos ao redor da Unidade Prisional, veremos a existência de
uma quadra de basquete, onde as aulas de educação física poderiam ser
ministradas. Podemos pensar ainda sobre um outro prisma que seria o aspecto da
segurança. Será que estas aulas não ocorrem na prática por esta justificativa, pois
necessitariam de um número maior de funcionários para manter a vigilância, que
assim as alunas estariam mais dispersas? o seria o caso, então, de se pensar
80
em colocar uma tela (alambrado) em volta de toda a quadra, como é feito em outras
Unidades? Se assim o fizessem, a questão da segurança não seria o motivo
principal, pois não necessitaria de um maior número de funcionários. Ainda sobre as
aulas de educação física a aluna ressalta: Precisava de aula de educação física,
porque na educação física a gente não vai se sentir tão presa. Outra aluna associa
as aulas de educação física com a importância de se aprender um esporte, e ao
fazer seu comentário relata: Gostaria de ter aulas de educação física, pois gosto
muito de esportes. Gostaria de mais material. Tem colega que não tem visita e não
tem como comprar material
36
. Acho que tinha que ter mais incentivo, pois estas
coisas vão enfraquecendo, elas [as outras detentas] vão parando de vir. Na minha
sala a professora tem uma ficha com mais ou menos 20 alunas, mais vem três,
quatro, se tivesse esporte, material iria incentivar. Após estes comentários,
passaram a assinalar também a falta que sentem das aulas de arte, não por
estarem através da arte aprendendo e expondo toda sua emoção, mas também
como mais um meio de obter recurso financeiro, pois os artesanatos confeccionados
por elas são vendidos, ou muitas vezes, trocados entre elas por materiais que
necessitam. Isso pode ser constatado na fala de uma aluna ao dizer: Sinto falta das
aulas de arte. Aprendi muito e ganhei muito dinheiro com o que aprendi aqui na
escola. Com isso, fica até difícil de entendermos como uma disciplina desta
natureza deixa de existir num local onde ela é de extrema importância. E veja bem,
não estamos falando de uma disciplina que demande de um alto investimento para
ser concretizada. Tratamos de uma disciplina em que o custo é baixo, pois a maioria
dos artesanatos é feito com material reciclado, como jornais, plástico de garrafas
etc. Atrelado ainda a este assunto a aluna destaca: Os cursos de artesanatos que
poderiam ter mais, e as aulas de computação, porque tem vários computadores
parados, para fazermos nas aulas vagas, pois quanto mais aprender melhor. Aqui
surge um outro ponto retratado por elas que é a necessidade de aulas de
informática
37
. Como pode numa instituição como a prisão, onde as atividades
deveriam ser ao máximo estimuladas, acabam sendo deixadas para segundo plano,
e pior ainda já tendo o mais difícil que, neste caso, seriam os computadores?
36
A presa se refere à material didático: livros, cadernos, lápis, caneta, borracha etc., materiais que nem todas têm
condições de comprar.
37
Cabe esclarecer que essas aulas de informática, a princípio seriam apenas para a utilização dos programas
básicos, não comportando aulas de internet, pois isso geraria outro problema relacionado novamente à questão da
segurança, que vem a ser a comunicação com outras pessoas virtualmente.
81
Para finalizar uma aluna faz uma consideração bastante relevante e que também
nos faz refletir acerca das elaborações curriculares ao sugerir: Acharia legal o pré-
vestibular ser em conjunto com a escola, até porque na escola temos condições
melhores em relação à higiene, alimentação. Freqüento as aulas do Pré-vestibular,
fiz as provas da UERJ, faço desde o ano passado e passei com conceito “C”, e
pretendo cursar ciências biológicas
38
.
Contudo, as atividades de escolarização poderiam ser pensadas em conjunto, o
com o pré-vestibular, mas sim com todas as atividades ligadas também ao
trabalho que podiam ser ministradas em formas de oficina, sendo uma alternativa
até mesmo para o dilema da remissão de penas, pois escola e trabalho poderiam ter
o mesmo peso, propiciando a interna tanto a formação sica, indispensável para a
vida, quanto a profissional para o sustento, pois é clara a preocupação das internas
no tocante ao retorno financeiro, gerado pelo trabalho.
6.8 Currículo e Material Didático: alguns apontamentos
No que tange ao currículo, ao entrevistarmos a Diretora da Escola, Professora Maria
de Nazaré, uma profissional que tem muito a nos ensinar, pois atua no Sistema
mais de vinte e cinco anos, perguntamos quais eram os pontos que ela achava
que mereciam ser mudados nas práticas das escolas nos presídios, e ela
diretamente nos disse que o próprio currículo. Assim, tendo em vista sua resposta,
precisávamos saber na opinião da Diretora, qual é o currículo que ela gostaria de
ver desenvolvido nas escolas nos presídios, e ela complementa dizendo: na minha
opinião, o currículo deveria ter uma estrutura única, porque embora cada Unidade
tenha uma realidade diferente, temos muitos pontos em comum. A abordagem, a
forma como este conteúdo deverá chegar ao aluno, é que vai ser o diferencial.
Aproveitando que a Professora abordou a questão dos conteúdos, a forma como
eles devem ser transmitidos, cabe uma pausa para esclarecer que, o material
didático recebido por essas escolas não é para atender uma educação de jovens e
adultos, pois são na realidade livros comuns, que atendem também o ensino de
crianças e adolescentes em idade regular, tratando-se de livros completamente
38
Quando o preso(a) é aprovado no vestibular, este deve acabar de cumprir sua pena, para depois começar a
cursar à Universidade. Vale pontuar que questões desta natureza estão sendo pensadas no sentido de viabilizar
um ensino à distância.
82
infantis, cabendo a escola fazer uma releitura daqueles conteúdos, de forma a
adequar à realidade dessas alunas.
Seguindo o pensamento de Pinto (2003, p.72), em seu livro “As sete lições sobre
educação de adultos”, ao explicar sobre a diferença entre educação infantil e
educação de adultos, é fundamental destacar que:
É evidente que os problemas pedagógicos (a matéria a ensinar, os
currículos, os métodos) correspondentes a cada faixa etária são
distintos. Por isso a alfabetização do adulto é um processo
pedagógico qualitativamente distinto da infantil (a não ser assim,
cairíamos no erro da infantilização do adulto). Dessa forma, assim
como não se pode reduzir o adulto à criança, tampouco se pode
reduzir a criança ao adulto.
Segundo a Diretora, todo material acaba sendo confeccionado pela escola para
atender a linguagem e interesse delas, complementa ainda, dizendo que recebem
da Secretaria Estadual de Educação, apenas um Manual do Professor para Ensino
de EJA. Cabe-nos indagar: Ensino de EJA, sabemos que existe nos mais variados
espaços, mas não seria o caso de pelo menos ter um manual próprio para EJA nas
prisões, ou melhor ainda, a qualificação dos professores, por meio de cursos de
capacitação? Isso não seria o mínimo? Com relação ao material didático vimos o
quanto é impróprio ao ensino de EJA, ainda mais por tratar-se de EJA nas prisões,
que a realidade vivenciada é completamente diferente.
Neste contexto, ao fazer um estudo particular do problema da educação de adultos,
em especial como ensiná-los, Pinto nos adverte, dizendo:
Deve partir dos elementos que compõem a realidade autêntica do
educando, seu mundo de trabalho, suas relações sociais, suas
crenças, valores, gostos artísticos, gíria, etc. Assim, por exemplo, a
aprendizagem dos elementos originais da leitura tem que partir de
palavras motivadoras que são aquelas dotadas de conteúdo
semântico imediatamente percebido pelo aluno, que se destacam
como expressão de sua relação direta e contínua com a realidade
na qual vive. (PINTO, 2003, p. 86)
Apenas para ilustrar e a título de exemplificação, ao tomarmos conhecimento do
material, vimos realmente o quanto o mesmo é defasado quando o assunto é EJA,
pois como pode em um livro de 1ª série do Ensino Fundamental ainda encontrarmos
frases, tais como: “o gato faz miau”? Será que alunas de 18 a 55 anos, o sabem
isso ou seria alguma novidade para elas? O que nos faz constatar mais uma vez o
quanto ainda são deficientes as políticas públicas neste âmbito.
Vimos o quando é árduo o trabalho dessas professoras que atuam nos presídios,
que costumamos dizer que são verdadeiras “santas”, pois na maior parte das vezes
83
operam milagres, tendo que improvisar materiais, aproveitando jornais, revistas, que
estão mais próximos da realidade para trabalhar com essas alunas e produzir
conhecimento significativo para elas. A Diretora nos emocionou bastante ao dizer
que seu trabalho é jogar sementes todos os dias, acreditando na educação como
um caminho para a transformação das pessoas. Dentre o rol de perguntas que
fizemos, estava o que poderia ser feito na visão da professora para aumentar a
procura pela escola, e mais uma vez a questão curricular apareceu, quando ela
prontamente nos respondeu: oferecer atividades extra-curriculares: oficinas de
dinâmica de grupo para socializar, artesanato, terapia, teatro, informática. Todas
essas atividades realizadas no horário contrário ao da escola [realizadas em
parceria com a escola, mas não no horário de estudo] para dar o direito a seis horas
de remição de pena, como é no trabalho [que o duas horas a cada três dias,
totalizando seis horas].
Percebemos que as palavras da Professora Nazaré, ratificam o que as presas
haviam reivindicado anteriormente, a necessidade de outras atividades, e que essas
atividades poderiam ser feitas em parceria com a escola, de forma a contar na
remição penal, sendo mais um caminho para aumentar a procura pela escola. Outro
fator importante, citado pela Diretora, é a oficina de dinâmica em grupo. Essas
oficinas no meio prisional devem ser vistas com um olhar muito positivo, pois ensina
a convivência em grupo, ou seja, ensina a ser mais tolerante, a ter mais calma para
lhe dar com os outros, o que é muito viável não só na prisão, mas também fora dela.
Outro aspecto que seria interessante se pararmos para refletir, é aproveitar os dias
de visita, no caso, as quartas-feiras, que é um dia praticamente “morto” na escola,
pois muitas estão com seus familiares, para a realização de atividades em conjunto
com a família, que poderiam ser promovidas juntamente com a escola e a Unidade,
pois dessa forma elas não perderiam o dia na remissão de pena, nem deixariam de
aprender algo novo.
Ao discutirmos currículo, estamos a todo momento abordando um assunto muito
importante, e de certa forma polêmico, que vem a ser a distância existente entre o
currículo oficial e currículo praticado, sendo nítida essa visualização, quando nos
referimos aos conteúdos concernentes ao material didático dirigido a essas escolas.
Assim, baseados nas falas das entrevistadas, e em especial a fala da Diretora da
escola, tornou-se possível mais uma vez afirmamos que abordar o assunto sobre
material didático para educação de jovens e adultos, é mais uma vertente para
demonstrar o processo de exclusão que estamos tratando desde o despontar desta
84
dissertação. Na tentativa de compreender melhor o que está sendo feito (ou não)
para atender esta demanda e de que forma, foi o nosso objetivo neste sub-capítulo.
Assim, ficamos muito intrigados, no decorrer das investigações, ao tomarmos
conhecimento acerca do material didático disponibilizado para a Educação de
Jovens e Adultos, neste caso, mais específico ainda, pois estamos tratando de EJA
para pessoas encarceradas.
Assim, iniciamos nossa busca com intuito de analisar os Programas Nacionais de
Livros Didáticos existentes. Após pesquisa realizada na internet na página do
Ministério da Educação (MEC), tomamos ciência de três Programas Nacionais de
Livro Didático. Dois, na realidade, eram de nosso conhecimento, porém o terceiro
é bastante recente. Desta forma, apresentam-se respectivamente: o Programa
Nacional de Livro Didático para Ensino Fundamental (PNLD), Programa Nacional de
Livro Didático para Ensino Médio (PNLEM) e por último, o Programa Nacional de
Livro Didático para Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Vale ressaltar que o
primeiro Programa foi criado em 1929
39
, e somente depois, decorrido
aproximadamente 79 anos é criado um Programa do Livro Didático para Jovens e
Adultos, regulamentado pela Resolução 18 de 24/04/07. Esta última fica a cargo
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é o órgão
encarregado da execução do PNLA, em tua colaboração com a Secad/MEC e as
entidades parceiras do programa Brasil Alfabetizado.
Passamos a entender, então, o porquê das escolas de EJA nas prisões ainda não
estar trabalhando com esse material, pois ainda está muito recente a autorização
para sua confecção. E, não podemos nos esquecer ainda, que as tramitações
ocorrem vagarosamente, por isso um passo foi a autorização, ou seja, a publicação
em Diário Oficial, outro ainda, é a concretização do que esta sendo proposto,
levando-se mais uma vez em consideração que os jovens e adultos de que estamos
tratando aqui, estão intra-muros, ou seja, aprisionados, fazendo com que
determinadas ações cheguem mais tardiamente.
Realmente não poderíamos esperar outro resultado, tendo em vista que uma
Secretaria para assuntos relacionados à Diversidade, como é a Secad, que é
responsável pela formulação das políticas para a melhoria da qualidade da
39
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de
obras didáticas aos estudantes da rede pública de ensino brasileira e iniciou-se, com outra denominação, em
1929. Ao longo dos anos, o programa foi se aperfeiçoando e teve diferentes nomes e formas de execução. O
PNLD é voltado para o ensino fundamental público, incluindo as classes de alfabetização infantil.
85
educação de jovens e adultos, o estímulo e o acompanhamento da implantação da
educação de jovens e adultos nos sistemas estaduais e municipais de ensino e o
subsídio às decisões dos executores quanto à utilização dos recursos, tenha sido
criada em 2004, o que poderíamos esperar então, dos materiais didáticos para
atender ao público que pertence a esta Secretaria. Aproveitando a oportunidade,
vale lembrar, que não encontramos com freqüência, assuntos relacionados à
educação de jovens e adultos presos na Secad. Dizemos isso, pois ao acessarmos
o site da Secad, é clara a preocupação com a educação indígena, e também com a
educação quilombola. Agora nos perguntamos: Por que esta preocupação não
aparece com a mesma ênfase quando o assunto é educação de presos? Não
adianta apenas focar a educação de jovens e adultos, é necessário compreender
que dentro desta população de alunos, ainda existe outra, mais complexa e
bastante deficiente, que é a educação de presos.
Outro fato que merece nossa especial atenção, é que o Programa de material
didático faz menção apenas à alfabetização de jovens e adultos, cabendo-nos
questionar, então, como ficam os outros alunos que passaram pelo período de
alfabetização?
A partir daí começamos a exercitar nossa mente na tentativa de refletir sobre
algumas perguntas, como: Será que o currículo dessas escolas é suficiente para
esse público que ele aparentemente quer atender? Como pode ser suficiente se ele
não está em consonância com a realidade da escola e das alunas?
Bem, de certa forma quando partimos para o segundo questionamento, a primeira
pergunta acaba sendo respondida automaticamente, mesmo que de forma
subentendida, pois, depois de tudo que vimos, principalmente quando discutimos
acerca do currículo praticado feito com base na análise das entrevistas, neste
momento fica mais fácil de entender.
Foi possível diagnosticar que o currículo praticado nessas escolas está muito longe
do currículo oficial, permitindo-nos mais uma vez analisar a lacuna existente entre o
“currículo formal” e o “currículo em uso
40
(MOREIRA, 2003, p.21). Podemos
começar a discutir essa afirmativa, quando claramente a interna reclama das suas
aulas de educação física, dizendo que nãoo práticas. Pelo que consta as escolas
devem ter espaço próprio para realização de aulas de educação física, devendo ser
utilizado para ministrar aulas esportivas práticas aos alunos. Ora, isso não seria uma
40
Na literatura educacional encontramos o termo “currículo em uso” também com a denominação de “currículo
praticado”, assim como o “currículo formal” pode ser chamado de “currículo oficial”.
86
forma de afirmar que o currículo oficial é um e o praticado é outro, na medida em
que essas aulas ficam apenas na teoria?
Como lemos anteriormente, as internas também reivindicam as aulas de arte. Se
observarmos o currículo oficial, a disciplina artes aparece como sendo obrigatória,
mas será que ela realmente é ministrada? Se que o Estado tem professores
suficientes para essa disciplina, que no conjunto das demais aparece na maioria das
vezes com menor oferta de vagas? E ainda nos cabe outro questionamento: Por que
a carga horária dessa disciplina é inferior as outras, pois se tratando de uma escola
dentro de um presídio essa disciplina tem um valor imensurável, que é através da
arte que elas expressam seus sentimentos, projetam o que pensam, se acalmam e
principalmente rendem frutos que podem gerar futuramente um auxílio financeiro?
Isso pode ser confirmado quando a aluna ao ser entrevistada relata que sente falta
das aulas de arte e que já ganhou muito dinheiro com elas.
Porém, onde esse currículo mais sofre um distanciamento, e que de certa forma
está diretamente ligado a todas as disciplinas, refere-se ao material didático. Pois,
então, pensemos: Se o material didático escolhido para ser seguido por
determinado blico, não condiz com a realidade desse público, tendo que ser
revisto e reelaborado pela equipe escolar sempre que é recebido pela escola, sendo
até mesmo algumas vezes devolvido, devido sua o adequação, como ele pode
atender ao currículo proposto, tido como oficial, feito para ser seguido com base no
material enviado pelo MEC? De imediato podemos observar que outro currículo
será colocado em prática, à medida que o currículo oficial não irá surtir o mesmo
efeito que o praticado.
Neste sentido, seguindo as idéias de Freire, Silva (2004, p. 61) ao comentar sobre a
pedagogia dos conteúdos, destaca:
Numa operação visivelmente curricular, Freire fala em escolha do
“conteúdo programático”, que deve ser feita em conjunto pelo
educador e pelos educandos. Esse conteúdo programático deve ser
buscado, conjuntamente, naquela realidade, naquele mundo, que
Segundo Freire, constitui o objeto do conhecimento intersubjetivo.
Nossa intenção foi expor algumas idéias básicas sobre o currículo dessa escola, a
fim de tornar possível compreender melhor algumas questões que haviam sido
apresentadas neste trabalho.
É fato que estamos tratando de educação de jovens e adultos, e que é de nosso
conhecimento que a grade de horários para esses alunos é menor, por conta do
fator tempo. Após uma análise amiúde dos currículos, tanto para ensino regular
87
quanto para EJA, no que diz respeito aos e segmentos do Ensino
Fundamental, verificamos no tocante a EJA que as áreas de conhecimento
direcionadas a projetos definidos pela Unidade
41
, e que somatizam uma carga
horária bastante considerável, não aparecem na proposta curricular de EJA, a não
ser no Ensino Médio, e mesmo assim com uma carga que equivale a metade
dirigida ao Ensino Médio regular.
Contudo, cabe mais uma vez esclarecer, que não estamos, aqui, nesta pesquisa,
defendendo o aumento ou diminuição de conteúdos, mas sim, que façamos uma
reflexão acerca de tudo que foi apresentado, conscientes do grau de importância de
certas disciplinas, ainda mais, quando as alunas em pauta são pessoas privadas do
seu direito de ir e vir, que vivem cercadas por muros, que o desfrutam de bons
momentos, e que vêem na escola uma oportunidade de transformação, aliada ao
resgate do prazer na produção de conhecimento.
Com isso quando falamos no distanciamento entre o currículo oficial e currículo
praticado, temos a consciência que eles ocorrem nos mais variados espaços e
tempos possíveis, mas analisar e refletir sobre esse espaço e tempo tão específico
e de certa forma receoso, como é o da escola na prisão, é caminhar na busca de
medidas mais eficientes e, principalmente, mais justas, trazendo à tona para
sociedade questões obscuras, muitas vezes desconhecidas, com a intenção de que
juntos possamos somar conhecimento na luta pela realização desse desafio.
6.9 Currículo, educação formal e educação profissional: Idéias
complementares
Esse título nos faz retomar o nosso pensamento acerca de uma proposta
pedagógica progressista e libertadora, apontada inclusive durante a entrevista
realizada com a Diretora da Escola, onde fosse possível a contemplação de um
currículo que desse conta de integrar escola e trabalho por meio de oficinas que
visassem a capacitação das internas. Oficinas que além de englobar os conteúdos
das atividades profissionais, incluíssem também os conteúdos da formação sica.
Mas o aquela formação básica reducionista, discutimos aqui uma educação
transformadora que possibilite ao indivíduo reconhecer sua cidadania.
41
Vale lembrar que um dos aspectos pedagógicos citados no livro Educando para liberdade (2006, p.41) é que:
sejam os familiares dos presos e a comunidade em geral estimulados, sempre que possível, a acompanhar e a
participar de atividades educacionais que contribuam para o processo de reintegração social.
88
Primeiramente é preciso deixar claro o conceito de trabalho adotado para os fins
deste estudo. Estamos tratando aqui, segundo Gramsci (1981), do trabalho como
atividade ontológica, sendo parte da estrutura social do indivíduo, como algo
essencial à condição humana e a produção de conhecimento. Seguindo esta linha
de raciocínio, Gramsci enfatiza o trabalho como um princípio de cidadania, tendo
participação legítima na sociedade, diferenciando-se da concepção de trabalho
histórica e, portanto, alienante, advinda da produção capitalista, a qual tem por
finalidade a exploração do trabalhador.
De acordo com Ema de Leon (1993), o trabalho como um princípio de aquisição de
conhecimento sustenta-se na interrogação de como o ser humano transcende as
limitações próprias de seu gênero e do ambiente social e natural, para atuar no
curso de sua existência e de seu futuro, fazendo dessa aquisição “um processo
deliberado de apropriação da realidade, que leva à revelação dos desafios nos quais
a capacidade de atuação pode encontrar seu sentido” (p. 93).
Notamos na sociedade contemporânea que, na maioria das vezes, o significado real
da palavra educação ultrapassa a capacidade de conhecer, de transformar,
encontrando-se camuflado na ideologia da universalização, que se utiliza de
ferramentas para ludibriar o povo, alimentando um grande dualismo, como é o caso
do currículo que separa a formação geral da formação profissional. Deve-se lembrar
que no tocante à realidade vivenciada pelos internos de unidades prisionais a
melhor alternativa seria a integração das duas formações, de modo que o interno ao
sair tivesse tanto o diploma de formação geral quanto a profissional, caso contrário,
estaríamos cerceando a formação integrada do conhecimento.
O conceito de integrar na concepção gramsciana (1981) significa tornar íntegro,
tornar inteiro. No caso da formação integrada aspiramos que a educação geral se
torne parte inseparável e indivisível da educação profissional, a fim de se alcançar
sua totalidade, por meio de todos os campos onde se a preparação para o
trabalho, nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a
formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior. Portanto, entende-
se que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, com a intenção de ir
além da dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual, visando incorporar a
dimensão intelectual ao trabalho produtivo, vislumbrando profissionais conscientes
da busca incessante ao exercício da cidadania.
89
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em hipótese alguma este trabalho pretende apresentar soluções prontas para um
problema tão complexo. E, é justamente, por ser o complexo e ao mesmo tempo
tão pouco conhecido este universo, que achamos relevante escrever estas
considerações, na tentativa de sintetizar nossas idéias. O que se pretende fazer
são reflexões a partir de observações sobre a realidade da educação prisional, no
que tange a carência de políticas públicas concebendo o currículo como uma
ferramenta importante na concretização dessas ações que se dão neste espaço
educacional.
Pelo que podemos constatar diante da rigidez de horários no cotidiano da prisão,
identificamos as dificuldades que se apresentam para o desenvolvimento das
atividades educativas relacionadas à escolarização na prisão o que se diferencia
profundamente de outras atividades educativas de caráter o-formal. Logo, de
inicio o que se apresenta como grande obstáculo são incompatibilidades de horários
e rotinas no presídio. As alunas chegam freqüentemente atrasadas, pois a escola
abre às 8 horas, e o preso neste horário está sob a disciplinarização do “confere”.
Os internos são liberados às 11 horas para o almoço. Teríamos, então,
teoricamente, um horário de 8 às 11 horas (3 horas de atividades na escola).
Porém, um intervalo destinado ao recreio. No primeiro momento, pode-se pensar
que é um tempo perdido ou roubado das atividades regulares da escola, mas será
que é? Se pensássemos desta forma também utilizaríamos o mesmo argumento
para o recreio de nossas escolas regulares. Os espaços e tempos diversos são
altamente espaços e tempos de educação, de construção de redes de afetos e de
produção de conhecimentos para além do que está nos currículos oficiais. Não
podem ser tratados como uma questão menor e simplesmente abolida. Entretanto,
podem e devem ser redimensionados a realidade da prisão. É neste espaço que se
localizam as ações dos especialistas em educação no trabalho acadêmico de
repensar, junto aos diversos sujeitos envolvidos, novas formas de fazer desses
momentos também oportunidades de aprendizagem.
[...] por outro lado, qualquer projeto educativo se materializa em
atividades localizadas, vivenciadas por sujeitos específicos, espacial
e temporalmente situados (MOREIRA, 2003, p.28).
90
Ainda temos que considerar o dia de visitas na semana a quarta-feira. Isso
significa menos um dia no quantitativo de aulas da semana. Por outro lado,
novamente, não se pode pensar que se retiraria o dia de visita para substituí-lo pelo
horário escolar. Nestas condições a escola seria uma punição para a apenada. A
visita tem objetivos também muito claros no processo de ressocialização. São
dilemas que precisam ser enfrentados para a produção de currículos que realmente
atendam com clareza a realização de uma educação que ser quer seja diferenciada.
Percebemos com isso que o tempo real de estudo é muito pequeno, o que nos leva
a insistir na urgência de uma reformulação nas práticas educativas destas escolas,
pensando em como encontrar estratégias de maior aproveitamento do tempo real
das detentas na escola.
Além das dificuldades na adequação de propostas pedagógicas e espaços e tempos
da prisão, efetivamente o podemos deixar de considerar, também, os recursos
financeiros que são menores, o que torna difícil tanto a aquisição de materiais, como
a realização de melhorias dentro da escola.
É necessário apontarmos também as falhas na legislação vigente que privilegia o
trabalho em relação ao estudo. Desta forma, trabalho e escola é um dilema bastante
intrigante dentro do ambiente prisional, pois a cada três dias trabalhados, o preso
diminui um dia na sua pena, enquanto que para alcançar a remição de penas
através do estudo, é necessário que o preso tenha cumprido 18 horas de estudo, o
que corresponde aproximadamente a seis dias de freqüência escolar. Fica clara
aqui, a preferência ao trabalho visto que com ele, a interna tende a sair mais rápido
da prisão, além de não podermos desconsiderar o lado financeiro, pois o preso
passa a dispor de um recurso econômico advindo do trabalho.
A Agência de Notícias do Ministério da Justiça (2006) divulgou que:
O Brasil tem hoje 361 mil presos, dos quais 70% não
completaram o ensino fundamental e 10,5% são analfabetos,
segundo dados do Ministério da Justiça. Embora a Lei de
Execução Penal garanta ao preso o direito à educação, apenas
18% da população prisional brasileira desenvolve alguma
atividade educativa durante o cumprimento da pena. As
estatísticas relacionadas aos presos que trabalham também são
desanimadoras - 70% deles vive na mais absoluta ociosidade [...]
A educação não é reconhecida como direito fundamental e
ainda a incompatibilidade do horário da escola e do trabalho,
dificultando a participação dos detentos que trabalham. Falta
compromisso por parte de alguns professores com a escola do
presídio e utilização de metodologia atraente. Uma das principais
queixas diz respeito ao fato de o estudo não contribuir para a
91
remição da pena, como ocorre com o trabalho. (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA, 2006)
42
.
Tendo como referencial teórico Silva (2004), que concebe o currículo como uma
prática social, sendo um elemento produtor de identidades, percebemos que o autor
discorre sobre o currículo ser um documento de identidade, no sentido de ser nossa
impressão digital, a forma de nos reconhecermos e de sermos reconhecidos no
mundo. Desta forma, corroborando com a idéia que vimos anteriormente, podemos
dizer que o currículo dentro da perspectiva da educação para o preso tem como
objetivo a produção de uma nova identidade. Considerando que a grande maioria
dos presos ao ingressar nas penitenciárias não têm sequer a primeira via de
identidade
43
, e aliado a essa circunstância, outro fato ainda mais grave, que é a
ausência de registros de nascimento, fazendo com que estes indivíduos não sejam
reconhecidos perante a sociedade, é como se não existissem para ela. Onde
estaria, então, a sua cidadania? Um cidadão pronto para ser reintegrado ao meio
social significa um cidadão com uma nova visão de si mesmo e do mundo, alguém
que possa se reconhecer como ser no mundo.
Quando falamos em educação prisional o podemos perder de vista que se trata
de uma parte da EJA, o que a torna ainda mais difícil de ser concretizada. Primeiro,
porque a EJA é colocada à margem pela sociedade, e perante o Estado sua
visibilidade ainda é menor, não tendo um atendimento eficiente do sistema público,
principalmente relativo a questões que tangem tanto o acesso quanto a
permanência nas escolas. Segundo, porque quando tratamos de EJA na educação
prisional, estamos trabalhando com jovens e adultos encarcerados, fato que os
tornam ainda mais marginalizados, mais longe do alcance de seus direitos. Se o
acesso a uma educação eficienteé de certa forma negado a jovens e adultos que
estão fora da vida criminosa, como ficam então aqueles que pagam pelos seus
delitos na cadeia?
Cabe relembrar que independente do crime que cometeram eles estão submetidos
à prisão como forma de pagamento da pena e que a educação tem papel
fundamental no processo de inclusão, sendo a educação segundo a Lei Máxima, a
42
Realmente é algo paradoxal, pois, o Estado se exime de suas responsabilidades, culpabilizando o professor,
que na maioria das vezes, apesar do empenho demandado, vê-se forçado a agir mais lentamente, por falta de
comprometimento deste.
43
Realmente existem vários casos em que as internas ingressam sem possuir um número de identidade, sendo
atribuído no campo RG, a sigla N/C, que significa não consta, passando as internas, neste caso, a serem
identificadas pela filiação, enquanto aguardam o processo de identificação realizado por uma empresa,
prestadora de serviços, que atua junto ao Sistema Penitenciário.
92
Constituição, uma obrigação do Estado, um direito assistido a todos, e que neste
caso o pode ser confundido como benefício, como privilégio, mas sim como um
dever a ser cumprido seja qual for a condição humana.
Justamente por ser um direito, a educação, deve ser dirigida também a esse
público, mas vale lembrar, que não é uma educação apenas para cumprir a
legalidade, pois neste caso, verificamos um desperdiço do poder público, que
investe o nosso dinheiro de forma ineficiente, não atendendo, neste caso, o objetivo
final, que é a escolarização de um número maior de alunas e consequentemente a
esperança de um futuro melhor, para a presa e para nós, que vivemos em liberdade,
na medida em que acreditamos que a escola está devolvendo para a sociedade um
cidadão mais consciente, pronto para interagir nela.
Porém, no decorrer da pesquisa foi possível constatar sérios problemas
relacionados a essa falta de eficiência do Estado, a partir do momento em que se
omite de seus compromissos, e isso ficou muito claro para nós quando tivemos
contato com muitos livros do MEC que foram doados para esta escola. Naquele
momento, chegamos à conclusão do montante financeiro que é desperdiçado.
Realmente impressiona, chegarmos numa escola de presídio e vermos um número
tão grande de livros que não é utilizado, sendo devolvido à Secretaria Estadual de
Educação. Logo, uma pessoa pouco informada acharia que o Estado está
realizando um bom trabalho em fornecer livros para essas alunas. Porém, de que
adiantam esses materiais didáticos serem doados, se os responsáveis pelo
planejamento pedagógico para o público de EJA não alcançam o âmago da
questão, que é a produção de um material condizente com a realidade das internas.
São livros repleto de puerilidade, com desenhos, histórias em quadrinhos, prontos
para serem utilizados por crianças e adolescentes em idade até quinze anos. Ou
seja, tanto os conteúdos quanto a metodologia não atendem às especificidades
deste trabalho educativo, tendo que serem adequados pelas professoras para dar
conta da realidade em que se encontram as alunas. Então, vejamos como esta
situação é bastante delicada. Por exemplo, uma aluna da rie do Ensino
Fundamental, numa escola regular, extra-muros, têm idade de aproximadamente 7
anos, ao passo que uma aluna também da série do Ensino Fundamental, numa
escola de EJA, intra-muros, possui idade superior a 18 anos. Sem esquecer do fato
que são alunas na condição de detentas em que a vivência tanto antes de
adentrarem no Sistema Penitenciário quanto depois que passaram a fazer parte
93
dele, configuraram-se em situações muito distintas, se comparadas as de outras
pessoas.
Assim, dentre as dificuldades assinaladas ao longo deste trabalho, que diz respeito
ao cotidiano da Unidade Prisional, a organização e seleção de objetivos e
conteúdos, atrelado a inadequação do material didático, pudemos constatar que
estes mantém uma nítida relação com a ausência de políticas públicas de currículo
eficazes para atender esse espaço que é a escola dentro da prisão. As questões
levantadas, anteriormente, poderiam ser repensadas a partir de um víeis curricular,
onde todas as dificuldades encontradas, tanto por professores quanto por alunos no
tocante a efetivação curricular pudessem ser expostas, e a partir dessas exposições
fosse planejado um currículo que desse conta de toda essa dimensão, ou seja, um
currículo com conteúdos e objetivos adequados para a esta realidade que nos
propusemos a estudar. O que observamos, no entanto, é que na elaboração
dessas propostas curriculares não há participação dos professores, ou outros
sujeitos que atuam diretamente neste contexto, pois somente através de suas
experiências é possível detectar os problemas existentes neste espaço específico,
devendo ser proposto um currículo próprio para esta especificidade. Por muitas
vezes por não contar com pessoas que atuam neste meio, os elaboradores acabam
por não ter conhecimento do que ocorre neste cotidiano. É interessante, neste
momento, destacar um trecho em que Português (2001, p. 03), ao comentar sobre a
educação de adultos presos no Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo,
relata, justamente o que estamos nos propondo a explicar.
As práticas efetivas que regulam o cotidiano das prisões são
absolutamente desconhecidas pela sociedade, mantendo-se opacas
até mesmo com relação aos órgãos públicos que lhes são afins.
Pensando nestes impasses, e sendo urgente a criação de políticas públicas mais
eficazes, inclusive no campo do currículo, foram realizados alguns encontros no
Brasil, direcionado à educação de jovens e adultos, aparecendo também,
posteriormente, neste cenário a educação de jovens e adultos presos, que contou
com um Seminário especialmente voltado para as complexidades de uma escola na
prisão, que ocorreu em Brasília, no ano de 2006.
Finalizando, com intuito de demonstrar a relevância de nossa pesquisa e ratificar as
necessidades que tivemos oportunidade de expor, julgamos importante destacar
alguns pontos mencionados no livro publicado a partir do Seminário Educando para
94
a Liberdade, no que tange a algumas propostas pedagógicas, encaixando-se
perfeitamente com os nossos objetivos. Dentre eles destacamos os seguintes:
Seja elaborado em cada estado os seus projetos pedagógicos próprios para a
educação nas prisões, contemplando as diferentes dimensões da educação
(escolarização, cultura, esporte e formação profissional), considerando a realidade
do sistema prisional para a proposição das metodologias.
Seja estimulada a produção de material didático específico para a educação no
sistema penitenciário, para contemplar os recursos de EJA disponibilizados pela
gestão local.
Seja elaborado um currículo próprio para a educação nas prisões que considere o
tempo e o espaço dos sujeitos da EJA inseridos nesse contexto e que enfrente os
desafios que ele propõe em termos de sua reintegração social.
Seja elaborada essa proposta curricular a partir de um Grupo de Trabalho que
ouça os sujeitos do processo educativo nas prisões (educadores, educandos,
gestores do sistema prisional, agentes penitenciários e pesquisadores de EJA e do
sistema prisional).
Esses apontamentos nos deixaram muito satisfeitos, a partir do momento que
corrobora com a questão central deste trabalho, o currículo, de forma a sintetizar
nossas idéias, que se apresentaram no decorrer desta dissertação com
embasamento teórico, demonstrando ser o nosso estudo de grande valor tanto para
a comunidade acadêmica, como consequentemente para toda sociedade civil, pois
um preso(a) recuperado é uma vítima a menos na sociedade.
Contudo, realizar pesquisa é isso, conceber, somar e transmitir conhecimento. Por
isso, conscientes de que um desafio pela frente a ser encarado, cabe a todos
nós, que tanto nos preocupamos com a situação educacional do país, nos
empenharmos com estudos que ofereçam novos rumos à questão.
Esperamos que esta pesquisa seja um impulso para outras tantas que venham a
surgir, que incite o exercício da criticidade e promova o avanço de políticas públicas,
e em especial para aqueles que possam contribuir com a efetivação desta proposta,
articulando subsídios teóricos e técnicos, em busca de alternativas curriculares
emancipatórias, criando e recriando propostas nos mais variados espaços e tempos
em que estivermos envolvidos, com o objetivo de planejar ações pedagógicas
eficazes, que possam vir a somar para a concretização da tão sonhada sociedade
95
democrática, pois enquanto existir a esperança, existirá lugar para sonhar e lutar.
Paulo Freire (2005, p. 72), já nos orientava:
uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a
esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podem
aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente
resistir aos obstáculos a nossa alegria. Na verdade do ponto de
vista da natureza humana, a esperança não é algo que ela se
justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma
contradição se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro,
o ser humano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a
participar de um movimento constante de busca, e segundo, se
buscasse sem esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto
natural possível e necessário, a desesperança é o aborto deste
ímpeto. A esperança é um condimento indispensável à
experiência histórica (grifo nosso).
96
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ANEXO 1
101
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado
INSTRUMENTO DE PESQUISA
Pesquisa Educacional
Esta é uma pesquisa educacional de cunho científico com o objetivo de levantar
dados no que concerne a opinião que as detentas da Penitenciária Talavera Bruce
têm com relação à educação.
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Idade:
Escolarização:
Profissão:
1- Qual a importância da escola para você?
2- Quais foram os motivos que levaram você a buscar a escola na prisão?
3- Quais são as dificuldades que você enfrenta para ir à escola?
4- O que você acha das suas aulas na escola?
5- O que mudou quando você começou a freqüentar a escola?
6- Você trabalha na penitenciária? Em quê?
7- O que você considera mais importante na penitenciária, o trabalho ou a
escola? Por quê?
8- Você estudou antes de vir para o presídio? Até que série você cursou?
9- Você deseja fazer algum outro comentário sobre as atividades que a escola
lhe proporciona?
ANEXO 2
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
102
Centro de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado
INSTRUMENTO DE PESQUISA
Pesquisa Educacional
Esta é uma pesquisa educacional de cunho científico realizada com a Diretora da
Escola Estadual Roberto Burle Marx, localizada na Penitenciária Talavera Bruce
com o objetivo de levantar dados no que concerne a escolarização das alunas.
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Nome completo do entrevistado (a):
1) Em torno de quantas alunas estão matriculadas na escola? E quantas
freqüentam?
2) O que a senhora pensa sobre a escola nos presídios?
3) O que faz com que a senhora esteja tanto tempo à frente deste trabalho
na escola do Talavera Bruce?
4) Por quais motivos a senhora acha que as alunas procuram à escola?
5) Na sua opinião, quais são os maiores impedimentos que fazem com que a
freqüência na escola seja baixa?
6) O que poderia ser feito para aumentar a procura pela escola?
7) A senhora concorda com as políticas públicas que vem sendo adotadas para
as escolas dos presídios? O que a senhora acha das práticas que vem sendo
adotadas para a educação nas escolas dos presídios?
8) Que currículo a senhora gostaria de ver desenvolvido para as escolas dos
presídios?
9) Inicialmente, quais são os pontos que a senhora acha que mereciam ser
mudados nas práticas das escolas dos presídios?
10)Ao longo de tantos anos na Escola Roberto Burle Marx, a senhora deve ter
vivido várias experiências, umas positivas e gratificantes e outras não.
alguma experiência positiva que a senhora poderia nos relatar? E alguma
outra experiência negativa que a senhora pudesse contar?
11) A Escola consegue acompanhar a trajetória dos egressos quando da
obtenção de sua liberdade?
12) Haveria mais alguma coisa, que a senhora gostaria de acrescentar, além do
que foi perguntado?
ANEXO 3
103
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado
Carta de Apresentação
Exmº Secretário Estadual de Administração Penitenciária
Cel PM Rubens César
Sou aluna do Programa de pós-graduação em Educação na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, e Inspetora de Administração Penitenciária, por meio
desta, venho solicitar a V.Sª autorização para efetivar a pesquisa através de
entrevistas com as internas matriculadas nas primeiras ries do ensino
fundamental da Escola Roberto Burle Marx, localizada na Penitenciária Talavera
Bruce.
A presente pesquisa, que faz parte da Dissertação de Mestrado -
A BUSCA PELO
CURRÍCULO DIFERENCIADO: UMA ALTERNATIVA DE EMANCIPAÇÃO PARA O
COTIDIANO DA EDUCAÇÃO PRISIONAL
, tem por finalidade estudar a importância do
currículo no processo de construção de identidades.
Será observada a discrição inerente a um trabalho de pesquisa, sendo garantido o
sigilo das identidades em todo o processo. O tempo médio calculado para a
entrevista é de 15 minutos, considerando a premência de horários e das atividades
dos participantes envolvidos.
As entrevistas serão utilizadas no projeto de pesquisa da mestranda Priscila Ribeiro
Gomes, ficando autorizado o uso das respostas deste para elaboração do texto da
Dissertação de Mestrado, sob a orientação da Professora Drª Dayse Martins Hora,
docente da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Desejando
obter informações sobre o andamento do projeto ou esclarecer eventuais dúvidas,
encontro-me a disposição no telefone 3348-8805 ou através de e-mail
primes@terra.com.br.
Certa de poder contar com sua prestimosa autorização, meus agradecimentos.
Fico no aguardo de seu deferimento.
Atenciosamente,
_________________ ______________________
Priscila Ribeiro Gomes Dayse Martins Hora
Mestranda Orientadora
ANEXO 4
104
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Humanas e Sociais
Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo selecionado para participar da pesquisa
“A BUSCA PELO
CURRÍCULO DIFERENCIADO: UMA ALTERNATIVA DE EMANCIPAÇÃO PARA O
COTIDIANO DA EDUCAÇÃO PRISIONAL”
, a qual tem por finalidade estudar a
importância do currículo no processo de construção de identidades, visando seu
retorno à sociedade. Entretanto, essa participação o é obrigatória, ficando-lhe
facultada a desistência ou a retirada do consentimento, sem qualquer prejuízo
pessoal.
Sua participação consistirá em ser entrevistado pelo pesquisador, durante cerca de
15 minutos, fornecendo informações e reflexões sobre o seu entendimento acerca
da educação prisional.
Não nenhum risco relacionado com a sua participação e não se necessária a
realização de qualquer exame físico ou de laboratório para esse trabalho.
Os benefícios relacionados, referentes às reflexões que porventura possam advir,
poderão ser utilizados pelas escolas do Sistema Penitenciário, a critério dos órgãos
competentes. A presente entrevista será utilizada no projeto de pesquisada
mestranda em Educação, Priscila R. Gomes, da UNIRIO, ficando autorizada a fazer
uso delas para elaboração da Dissertação de Mestrado para o Programa de Pós-
Graduação em Educação da UNIRIO.
Declaro que entendi os objetivos, os riscos e os benefícios de minha participação na
pesquisa e concordo em participar.
__________________ ____________________
Entrevistada Priscila Ribeiro Gomes
Mestranda UNIRIO
ANEXO 5
105
ANEXO 6
106
ANEXO 7
107
ANEXO 7.1
108
ANEXO 7.2
109
110
111
112
113
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