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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JANETE TEIXEIRA DE LYRA
ESPAÇO E TEMPO DE FORMAÇÃO COLETIVA DE
PROFESSORAS ALFABETIZADORAS- A SOPPA
RIO DE JANEIRO
2008
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JANETE TEIXEIRA DE LYRA
ESPAÇO E TEMPO DE FORMAÇÃO COLETIVA DE
PROFESSORAS ALFABETIZADORAS- A SOPPA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora :Prof
a
Carmen Sanches Sampaio
RIO DE JANEIRO
2008
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Lyra, Janete Teixeira de .
L992 Espaço e tempo de formação coletiva de professoras alfabetizadoras:
a SOPPA. / Janete Teixeira de Lyra, 2008.
138f.
Orientador: Carmen Sanches Sampaio.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
1. Sociedade de Professores Pesquisadores em Alfabetização. 2. Profes-
soras alfabetizadoras – Formação. 3. Alfabetização. I. Sampaio, Carmen
Sanches. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-).
Centro de Ciências Humanas. Mestrado em Educação. III. Título.
CDD – 370.71
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SOPPA- ESPAÇO E TEMPO DE FORMAÇÃO COLETIVA
DA PROFESSORA ALFABETIZADORA- A SOPPA
JANETE TEIXEIRA DE LYRA
Aprovado pela Banca Examinadora
Rio de Janeiro, 12/05/2008
____________________________________________________
Prof. Dra. Carmen Sanches Sampaio- UNIRIO
(orientadora)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado- UNICAMP
(membro externo)
______________________________________________________
Profa Dra. Jacqueline de Fátima dos Santos Morais- UERJ
(membro externo)
______________________________________________________
Profa. Dra. Cláudia Fernandes de Oliveira- UNIRIO
(membro interno)
Dedico este trabalho às professoras da SOPPA que, apesar de todas dificuldades enfrentadas
no dia-a-dia, continuam acreditando e lutando por uma escola pública mais solidária e
democrática.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais que me ensinaram muito sobre respeito e solidariedade nas relações com o
outro e, entre tantas coisas, me fizeram acreditar que é possível sonhar com um mundo
melhor.
Aos meus filhos, Régis e Jéssica, meus amores, que mesmo reclamando da ausência: “Mãe,
você não pode responder nada enquanto escreve?”, souberam reconhecer e valorizar a
produção deste trabalho.
Ao meu marido, Geraldo, pela colaboração, incentivo, carinho e orgulho. Sem ele, tudo seria
mais difícil: “Não incomode sua mãe, ela está estudando”.
À minha irmã, Josélia, que mesmo sem entender e gostar, me acompanhou em vários
congressos de educação, pelo simples prazer de estarmos juntas. Que ótima companhia!
À Liziane, nora quase filha, pelo interesse no trabalho e pela leitura atenta e emocionada.
Às professoras da SOPPA pela parceria e solidariedade que vivemos todos os meses desde
2005. Sem elas, não seria este o trabalho.
À Tereza Barreiros pela interlocução, entusiasmo e pelo muito que tem me ensinado sobre o
real significado de compartilhar.
Às queridas amigas: Maria Tereza, Alcioni, Cirlei e Geni pelo incentivo, torcida e palavras
confortáveis em horas difíceis.
Aos professores da banca de qualificação: Guilherme do Val Toledo Prado, Jacqueline de
Fátima dos Santos Morais e Cláudia de Oliveira Fernandes por terem aceitado contribuir para
que essa pesquisa se fizesse melhor.
À professora Carmen Sanches, pelo incentivo para que eu socializasse a experiência da
SOPPA, pela orientação e confiança.
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar e compartilhar a experiência de um grupo de
professoras no município de Duque de Caxias que, desde abril de 2005, se reúne
mensalmente, aos sábados, para compartilhar leituras e refletir criticamente sobre a sua
prática alfabetizadora. A SOPPA- Sociedade de Professores Pesquisadores em Alfabetização
é um grupo não oficial, aberto a diferentes professores que desejam investir em sua formação
profissional. Como integrante do grupo, busco compreender o que ali acontece, elegendo para
isso os registros pessoais, as atas e gravações dos encontros, além de entrevistas realizadas
com algumas integrantes do grupo. Os principais referenciais teóricos utilizados na pesquisa
(BAKHTIN, 1999, 2003; PÉREZ GOMES, 2001; NÓVOA, 1992, 1995; BENJAMIN, 1991,
1993) confirmam o que as narrativas das professoras nos dizem: o processo de formação
coletiva, baseado na confiança e respeito mútuo, experienciado na SOPPA, influencia
sobremaneira o modo como encaramos os complexos desafios do cotidiano escolar. O
trabalho também evidencia a necessidade de o professor ser considerado como protagonista
em seu processo de formação, visto que não podemos conceber uma formação que, em nome
de uma racionalidade técnica, histórias, experiências e saberes sejam desconsiderados. Se
compreendemos que é o aluno o sujeito de seu próprio conhecimento, essa premissa vale
também para os professores. Este seria um investimento que poderia transformar a escola em
um espaço de formação para todos.
PALAVRAS-CHAVE: formação coletiva de professores, alfabetização, SOPPA,
complexidade
ABSTRACT
This research aims to investigate and share the experience of a group of teachers in the city of
Duque de Caxias which, since April 2005, meets monthly on Saturdays, to share readings and
to reflect critically on their literacy practice. The SOPPA - Society of Teachers Researchers in
Literacy is an unofficial group, open to different teachers who want to invest in their training.
As a member of the group, my aim is to understand what happens there, selecting the relevant
personal records, the minutes and recordings of the meetings, besides interviews with some
members of the group. The main theoretical references used in the search (BAKHTIN, 1999,
2003; PÉREZ GOMES, 2001; NÓVOA, 1992, 1995; BENJAMIN, 1991, 1993) confirm what
the narratives of the teachers tell us: the process of collective training, based on trust and
mutual respect, experienced in SOPPA, influence how we face the complex challenges of
everyday school practice. The work also shows the need to consider the teacher a protagonist
in the process of his own formation, given that we can design a training in which, in the name
of a technical rationality, stories, experiences and knowledge are disregarded. If we
understand that the student is the subject of his own knowledge, this premise applies also to
the teachers. This would be an investment that could transform school into an area of training
for all.
KEYWORDS: teachers collective training, literacy, SOPPA, complexity
SUMÁRIO
A TÍTULO DE APRESENTAÇÃO 01
1ª PARTE- EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO: MEMÓRIAS E NARRATIVAS DE QUEM
PESQUISA 04
2ª PARTE- OS CAMINHOS DA PESQUISA 14
2.1- Quem me acompanha no caminho 16
2.2- Algumas opções durante o caminhar 20
2.3- Sobre o que recolho no caminho: os dados da pesquisa 22
3ª PARTE- MEMÓRIAS COLETIVAS: O EU E O OUTRO EM FORMAÇÃO 29
3.1- O Programa de Formação de Professores- PROFA 30
3.2- O projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo 38
4ª PARTE- SOPPA: REGISTROS DE UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO 51
4.1- Sobre a gestão das escolas: o que isso tem a ver com a nossa itinerância 57
4.2- O que falam as integrantes da SOPPA sobre o pertencimento ao grupo 64
5ª PARTE- O QUE ACONTECE QUANDO A SOPPA ACONTECE: UM POUCO DOS NOSSOS
ENCONTROS 71
5.1- Das leituras que compartilhamos: as lições que aprendemos/ensinamos 74
5.2- O que escrever? Como escrever? É preciso escrever? Registro
sobre os nossos registros 79
5.3- Sobre a organização do tempo: desabafos, conflitos e produção 86
6ª PARTE- OS ESTUDOS SOBRE O ENSINAR E APRENDER A LER E ESCREVER. 92
6.1- Decisões a partir do planejamento de Marinalva: estudos e reflexões sobre
Alfabetização e letramento 94
6.2- Do planejamento à sala de aula: visitando a prática de Luciane 102
6.3- Os conhecimentos prévios dos alunos:o que já sabem e o que precisam aprender 104
6.4-A organização das atividades, os agrupamentos e as intervenções ajustadas 110
6.5- Atividades de leitura e escrita: é lendo e escrevendo que se aprende a ler e escrever 113
7ª PARTE- O CAMINHO QUE CHEGA AO FIM: OU SERÁ O RECOMEÇO? 120
REFERÊNCIAS 124
ANEXOS 129
1
A TÍTULO DE APRESENTAÇÃO
muito, as memórias, as experiências, as histórias contadas e o que é subjetivo vêm
sendo renegados ao plano do não- científico, não-confiável, falso. A ciência moderna,
produziu, hegemonicamente, um discurso que desvinculava experiência e conhecimento,
emoção e razão, sujeito e objeto. Entretanto, ajudados por alguns autores (BENJAMIN, 1996;
LARROSA, 1995, 2000, 2001, 2002; SANTOS, 2005), podemos hoje questionar esse
discurso e colocar as narrativas, as experiências, os saberes produzidos pelo homem comum
como sendo uma outra forma de se fazer ciência. Uma ciência mais apaixonante, mais
discursiva e solidária
1
.
É a isso que me apego e o que persigo nesta pesquisa. Ao trazer as narrativas,
histórias, experiências de um grupo de professoras alfabetizadoras que se reúne no município
de Duque de Caxias busco dar um lugar de destaque ao que nós, professoras, produzimos
cotidianamente, mas que, na maioria das vezes, consideramos como menor, de pouca
importância. Nos (com) formamos nesta perspectiva. E por isso temos pago um preço alto: a
pouca ou nenhuma participação nas decisões e implementações de propostas educacionais, a
aceitação de péssimas condições de trabalho, a baixa remuneração, a jornada de trabalho
desumanizante e alienadora, a perda da confiança na nossa capacidade criativa e
transformadora.
Estando envolvida com essas professoras desde abril de 2005, quando criamos a
Sociedade de Professores Pesquisadores em Alfabetização- SOPPA, me proponho, com essa
pesquisa, socializar e analisar a nossa história. História que se faz na força do coletivo, na
solidariedade e na parceria. História de professoras que investem em sua própria formação,
acreditando que é possível construir uma outra realidade, uma outra escola.
Esse trabalho apresenta o movimento deste grupo em buscar novas e diferentes
possibilidades para a nossa formação como professoras alfabetizadoras. Ao longo desses três
anos, em que nos encontramos mensalmente, temos buscado construir uma docência ética
(PRADO E BARRICHELO, 2007), um trabalho comprometido com o humano e com a
justiça. Esse compromisso não nos permite considerar natural o número de alunos que
fracassam em nossas escolas na aprendizagem da língua escrita, mas tampouco permite
responsabilizar somente os professores por tal resultado.
1
Apaixonante por não eliminar o prazer; discursiva por romper com a dicotomia entre sujeito/objeto,
razão/emoção e solidária por compartilhar ações e resultados.
2
Temos experienciado, no grupo, a diferença que faz ter pessoas com quem
compartilhar dúvidas, anseios, conquistas em relação à nossa prática. Ao socializarmos os
nossos saberes e ainda não-saberes abrimos espaço para outros olhares, múltiplas
interpretações, posicionamentos, enunciados. Acredito que isso é possível porque temos
como pilares a confiança e o respeito. Assim , aprendemos a aprender com o outro, a
compartilhar as nossas ações, a duvidar das nossas certezas, constituindo-nos, desse modo,
em uma comunidade de aprendizes mútuos
2
Diferentes autores (FREIRE,1998;GARCIA 1998, 2001, 2003, VOA, 1995)
afirmam que o professor é, pela própria natureza de seu trabalho, um pesquisador. “Não
ensino sem pesquisa”, nos ensina Paulo Freire (1998). Quem ensina, ao investigar a sua
própria prática, aprende a melhor ensinar. Na SOPPA, temos tentado seguir a lição do mestre
e ao buscarmos compreender as diferentes gicas das crianças ao tentarem se apropriar da
língua escrita, pensamos a melhor maneira de mediar, intervir neste processo, que
consideramos extremamente complexo.
Tentando nos apartar de uma formação que prescreve ao professor o que fazer, como
alfabetizar, na SOPPA compreendemos o professor como sujeito de sua formação, o que
significa ter histórias, experiências que não podem ser deixadas para trás. Nesse sentido,
compartilhamos do que afirmam Prado e Damasceno( 2007):
Os saberes docentes se constroem pelo significado que cada professor/professora,
enquanto autor/autora confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus
valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas
representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em
sua vida o ser professor e professora (PRADO E DAMASCENO, 2007, p. 25).
Essa pesquisa apresenta a nossa história. História que vem sendo tecida por diferentes
professoras. Algumas se mantêm juntas desde a criação da SOPPA, em 2005, é o que
chamamos de núcleo fixo; outras chegam, permanecem por um tempo, se afastam, retornam.
São professoras que compartilham ações e sonhos. São essas pessoas que, em seu fazer
cotidiano, têm se esforçado para construir uma vida mais digna e solidária. São elas que têm
me acompanhado nessa difícil tarefa de escrever sobre o vivido, porque mergulhada nele.
2
Utilizamos aqui a definição de Bruner. Para este autor, uma comunidade de aprendizes mútuos seria um lugar
onde, entre outras coisas, os indivíduos que estão aprendendo se ajudam aprender,cada qual de acordo com suas
habilidades (BRUNER, 2001, p. 29).
3
Não temos a ilusão de que a educação pode tudo, mas cremos nela como instrumento
estratégico de mudanças sociais. Para que isso aconteça, a escola precisa se configurar como
lócus de aprendizagem para alunos e professores. Podemos ajudar a construir uma outra
história, uma outra escola. Que estas sejam menos discriminatórias e mais solidárias, e que
tenham como base o diálogo, a confiança e o respeito. Como diz um poema, de Elisa Lucinda,
lido com muita emoção, em um dos nossos encontros, pela professora Márcia Santos:
Sabemos que não dá pra mudar o começo, mas se a gente quiser vai mudar o final”.
4
1ª PARTE:
EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO: MEMÓRIAS E NARRATIVAS DE QUEM
PESQUISA
Talvez os homens não sejamos outra
coisa que um modo particular de
contarmos o que somos. E, para isso,
para contar o que somos, talvez não
tenhamos outra possibilidade senão
percorrermos de novo as ruínas de nossa
biblioteca para tentar aí recolher as
palavras que falem por nós(...) E cada
um tenta dar sentido a si mesmo,
construindo-se como um ser de palavras
e dos vínculos narrativos que recebeu.
(Larrosa, 2001)
Procuro palavras que falem um pouco de mim. Não são fáceis de serem encontradas.
Mas penso que para iniciar um trabalho devo informar, ao possível leitor, um pouco sobre a
pessoa desta pesquisadora. Afinal, seria lógico se perguntar antes de querer lê-lo, ou não:
Quem é a pessoa que pesquisa? De que lugar fala? Por que essa pesquisa e não aquela?
Boaventura me ajuda nas respostas. Segundo o autor, a minha trajetória de vida
influencia sobremaneira na escolha do que pretendo investigar. Para o autor: O “caráter
autobiográfico do conhecimento emancipação é plenamente assumido: um conhecimento
compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente ao que estudamos” (
BOAVENTURA, 2005, p. 84).
Busco, então, nesta parte do trabalho, deixar explicitado o que me une aos estudos da
alfabetização dos alunos das classes populares. O motivo pelo qual resolvo investir em minha
formação, fazendo parte de diferentes grupos que refletem sobre esta temática. Creio que, ao
escrever um pouco sobre a minha trajetória de aluna, professora, as experiências vividas, terei
respondido algumas perguntas do pretenso leitor.
Onde, então, começa a minha formação? O meu desejo de ser professora? Será que
tenho como definir isso? Penso que não. Assim sendo, tento criar uma interpretação possível
da minha história de formação, compreendendo que ela se num continuum, ao infinito,
tendo muito mais relações com as experiências vividas do que com cursos realizados, técnicas
aprendidas. Dominicé contribui para esta minha reflexão:
5
Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos
necessários á existência (pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que
o sujeito constrói o seu saber activamante ao longo do sue percurso de vida. (...) A
noção de experiência mobiliza uma pedagogia interactiva e dialógica (DOMINICÉ,
In NÓVOA, 1995, p. 25).
Assim, me pus a vasculhar as lembranças, histórias que falassem um pouco de
mim.Histórias que pareciam apagadas na memória, esquecidas. Me ponho a desvelá-las.
Algumas não são tão fáceis de serem rememoradas. Parecem trazer à tona os sentimentos, as
tristezas e emoções outrora vivenciados. Mas, me entrego ao desafio. Mergulho no passado:
uma casa pequena, a quarta de sete filhos, muitas dificuldades.
Pai dono de uma “barraca” na frente de casa. Mãe, dona de casa. Casa de 2 quartos, na
comunidade da Vila Operária, região extremamente carente no município de Duque de
Caxias, Baixada Fluminense. Nos meados dos anos 70, época da minha infância, esta
comunidade apresentava os primeiros indícios de que iria se transformar em um local
violento e dominado pelo tráfico. Nesta época, presenciávamos, embora sem tanta
freqüência, os tiroteios, a presença truculenta dos policiais e alguns jovens perdendo a vida
pelo envolvimento com o crime.
Fui alfabetizada antes mesmo de ingressar na escola oficial. Lembro-me do orgulho
com que meu pai me sentava sobre os seus joelhos e “pedia mandando” que eu lesse para os
seus fregueses da barraca alguma parte do jornal que usava para embrulhar os produtos.
Apesar de saber ler pouco, meu pai creditava à escola o papel de passaporte para a mudança
de vida. É estudar para ser alguém na vida”- dizia ele. Por isso, sempre arrumava algumas
pessoas para me ensinar a ler, pois os meus 3 irmãos mais velhos estudavam em escolas
públicas e os outros ainda não tinham idade.
Não foi fácil para minha mãe conseguir uma vaga na escola pública próxima à minha
residência. No ano que iria completar sete anos, não tinha mais vagas para a primeira série.
Entrei para a escola somente em setembro, com a desistência de uma vizinha. A sua família,
vinda do nordeste para tentar a vida no Rio de Janeiro, estava retornando, por considerar aqui
a vida difícil demais. Fiz um teste de leitura e escrita na Escola Municipal José de Jesus
3
,
nome dado em homenagem ao morador responsável pela construção da escola, além da
distribuição dos lotes aos moradores da comunidade. Passei a fazer parte de uma turma de
série. Era o ano de 1972.
3
Hoje esta escola se chama “Escola Municipal Vila Operária.
6
Era uma escola pequena, com três salas, funcionando em dois turnos. Escola feia, suja,
conhecida como a escola do “Seu Barbosa”, apelido do Sr. José de Jesus .Lembro-me com
mais detalhes de uma professora: A Dona Esmeralda. Senhora forte, rigorosa, mas também
carinhosa e preocupada com a nossa aprendizagem. Alguns de nós íamos pegar Dona
Esmeralda em casa, apesar da distância e do não consentimento de nossas mães. Era este o
momento de ouvirmos conselhos sobre a importância dos estudos. Dona Esmeralda nos deu
aula nas 2ª e 3ª séries. Era muito querida por pais e alunos.
Não dava trabalho na escola. Sempre tirava as melhores notas. Fazia parte do grupo
dos esforçados. O outro grupo, afirmavam algumas professoras: “não queria nada” ou, então,
tinham problemas. E eram muitos: de fome, neurológicos, motores etc. Coitados dos meus
colegas...
De acordo com Moreira (2005), são estes os pressupostos que a escola moderna
apregoa: a disciplina, conteúdos e métodos unificados, a pureza, a ordem e a homogeneização
(p. 39). Quem não consegue se adequar a estes critérios são, segundo o mesmo autor, “os
estranhos”. Incapaz de assimilar as diferenças, a estratégia utilizada pela escola é a de
discriminar, punir, conjurar o estranho”. Neste caso, o estranho era uma boa parte dos meus
amigos.
Segundo Sacristán (1997, p.43), a escola foi criada sob a premissa da não-diversidade,
se configurando, na sua ideologia e nos usos normativos e pedagógicos, como um instrumento
de homogeneização e de assimilação dentro da cultura dominante. Uma outra contribuição a
esse respeito vem de Dubet. Em um artigo intitulado “O que é uma escola justa?”, o autor se
debruça sobre estudos de alunos que não têm boas chances na escola os pouco dotados de
capital social e cultural e revela o lado cruel de uma escola que tem como função precípua a
competição e a meritocracia. São palavras do autor:
Na verdade, quando adotamos o ideal de competição justa e formalmente pura, os
“vencidos”, os alunos que fracassam, não são mais vistos como vítimas de uma
injustiça social, pois a escola lhes deu, a priori, todas as chances para ter sucesso
como os outros. A partir daí, esses alunos tendem a perder sua auto-estima, sendo
afetados por seu fracasso e, como reação, podem recusar a escola, perder a
motivação (...) A seu ver, a escola meritocrática atraiu-os para uma competição da
qual foram excluídos (DUBET, 2004, p. 5).
É esse sentimento de culpabilização pelo próprio fracasso que, freqüentemente, faz
parte das conversas, tanto dos alunos, como das suas famílias. Muitos de meus
colegas
7
desistiram da escola por considerá-la impossível, distante demais para eles. Muitas mães, ao
se encontrarem com a minha, nas reuniões escolares, falavam: “Este aqui tem a cabeça dura,
igual a mim. Não aprende mesmo”. Impossível questionar ou criticar o ensino que a escola
oferece. Se uns aprendem, quem não consegue aprender é porque “não dá para os estudos”.
Na rie uma outra professora assume a turma. Neste ano, levo o meu primeiro e
único puxão de orelhas da trajetória como estudante. Apesar de ter visto inúmeros colegas
serem punidos com castigos físicos, inclusive pela Dona esmeralda, pelo meu comportamento
dócil e disciplinado e por ter sido considerada até aqui uma boa aluna, jamais imaginava que
pudesse acontecer comigo. Hoje penso que considerávamos natural estes castigos, validados
inclusive pelos responsáveis. Se alguns alunos não aprendiam porque eram preguiçosos, não
queriam nada, como afirmavam algumas professoras, precisavam ser chamados atenção para
os estudos.A maneira não importava muito. Podia ser com puxão de orelhas, como o que
recebi, reguadas, idas para a secretaria e incontáveis cópias.
Como doeu este castigo. Não falo da dor física, esta eu não lembro, mas a vergonha, o
constrangimento. Lembro do meu rosto como se estivesse pegando fogo. Não leventei mais a
cabeça durante a aula. Nenhum colega fez algum comentário. Também, será que não ouvi a
professora dizer que uma arroba pesava 15 quilos? Jamais esqueci essa informação. Apesar
disso, nunca me foi útil.
A escola, historicamente, sempre evitou o erro, puniu com notas baixas, castigos ou
substituiu-os imediatamente por respostas certas, com a pretensão de que elas se fixassem no
aluno. O erro esteve sempre ligado ao proibido, ao desconhecimento, ao não-saber, daí a
vergonha ao se expor, o medo de ousar, de experimentar o novo. E se eu errar?
Ao terminar a série, sou selecionada, após rigoroso exame, para estudar em uma
escola distante da minha casa: a Escola Municipal Marechal Castelo Branco, hoje Escola
Municipal Olga Teixeira de Oliveira. Era uma escola grande, considerada de excelente
qualidade e de normas bastante gidas. Minha mãe, com medo de não ter, em alguns dias,
dinheiro para pagar a passagem de ônibus, reluta em fazer a matrícula, e afirma que prefere
que eu estude em uma outra escola próxima a minha residência. Sou salva por meu pai que,
orgulhosíssimo pelo meu desempenho nas provas, que os meus três irmão haviam tentado
ingressar nesta escola e foram eliminados, afirma; “vamos dar um jeito”.
8
E vou eu. Escola grande, exigência de uniforme, sapatos, de compra de material,
livros e muito mais. Tudo o que a minha família não podia. Pedia na Caixa Escolar
4
alguns
livros, copiava a matéria dos livros de alguém e comprava um ou outro no último caso,
principalmente em época de provas. Algumas vezes, com vergonha de minhas amigas que
sempre me ofereciam de sua merenda, gastava o dinheiro destinado à minha passagem de
ônibus e tinha que fazer um longo percurso a pé, da escola para a minha casa. Isso sem minha
mãe tomar ciência. Me sentia um peixe fora d’água nesta escola. Tudo era diferente. Os
alunos eram, na sua maioria, filhos de professores, funcionários públicos. Os lugares que
freqüentavam, as roupas que usavam, os costumes, tudo muito diferente. Esta foi a época em
que mais senti vergonha da minha origem. Tinha poucas amizades e falava muito pouco sobre
mim, mas tentava me destacar sendo uma aluna aplicada, esforçada. Fazia aqui o que Certeau
(1994) chama de “a arte dos fracos”.
O Ginásio acaba. O que vou ser? Recebo uma bolsa de estudos para o segundo grau e
me matriculo em uma escola particular para estudar durante o dia. Pretendo fazer o curso de
formação de professores. Ao contar para a minha mãe sobre a minha decisão, ela me fala das
condições da família, de que preciso trabalhar para ajudar em casa. Sigo, então, o destino de
tantas meninas: com quatorze anos passo a fazer parte do quadro de funcionários de uma
fábrica de costura, localizada estrategicamente próxima à comunidade onde moro. É de lá que
esta fábrica recruta grande parte dos seus operários. São meninas que, a troco de meio salário
mínimo, deixam os seus sonhos se perderem em meio a fiapos de linhas e pedaços de tecido.
Parecem aceitar, conformadas, o que o destino lhes reserva. Eu, incentivada por minha
família, tentava fugir a esta lógica e fiz todo o meu curso “normal” à noite, cultivando o
desejo de um dia tornar-me professora, mas fui ser mãe.
Aos dezoito anos, tive o meu primeiro filho. Depois outro. Na função de jovem mãe,
deixo para trás o desejo de ser professora. Permaneço mãe e dona de casa por dez anos. Mas
esta situação não mais me conforta. O desejo volta à tona. Faço, então, o concurso para
professor municipal de Duque de Caxias. Sou aprovada e retorno à “minha escola”. A escola
onde cursei da à série. Passaram quase vinte anos e agora era “Escola Municipal Vila
Operária” e eu não era mais a aluna comportada, era a professora Janete Lyra. Tantas
lembranças!
4
Apesar de ser uma escola municipal, esta escola cobrava contribuição trimestral dos alunos que tinham boas
condições financeiras. Este dinheiro, além de outras coisas, servia para ajudar na compra de livros e uniformes
dos alunos carentes.
9
Por estranho que possa parecer, este meu retorno, depois de quase vinte anos, me
mostra uma face da escola que conhecia, embora com algumas arrumações diferentes.
Apesar de um discurso mais progressista, como uma maior facilidade ao acesso, muitos
alunos ainda são marcados pelo não-saber. Isso se revela principalmente quando a mim é
oferecida a turma de primeira série totalmente formada por alunos em defasagem série-idade.
Alunos que estavam na escola vários anos, mas que não conseguiam aprender a ler. Isso
era dito assim mesmo: eram os alunos que não conseguiam, afinal eram agressivos, tinham
irmãos envolvidos com o tráfico, a família era desestruturada... Alunos que nenhum professor
queria. Continuavam, sendo os estranhos.
Como professora nova, este era o meu presente. Logo na chegada fui informada, por
algumas professoras, sobre as “etiquetas” dos alunos: “este aqui estuda desde não sei quando,
mas acho que tem problemas, não consegue aprender nem as vogais. Este outro aqui viu o
irmão ser morto. È terrível! Coitada de você”. “Fulano tem...”
O que fazer, então, com essas crianças tão marcadas pelo fracasso? Como manter a
disciplina da turma, com tantos alunos considerados “problema”, para a escola? Como
trabalhar de uma maneira que os alunos se sintam capazes de aprender? Como dar conta de
tanta coisa se eu também não sabia o que fazer, nem por onde começar? Será que a formação
recebida no meu curso normal há tantos anos me ajudaria?
Inicialmente acreditava que sim. Como boa aluna que fui, “tiraria de letra” os
problemas da sala de aula. Que decepção! As “instruções” recebidas durante o curso não
davam conta da complexidade do dia-a-dia. Concordo com Kramer (2001, p.85) quando
afirma que o curso de formação de professores não qualifica o professor, pois este “ao chegar
à escola nem dispõe de uma visão teórica abrangente sobre a prática pedagógica nem
conhece a realidade da escola e sua prática concreta”.
O início foi muito difícil. O não saber fazer me incomodava e buscava auxílio das
outras professoras e da equipe pedagógica da escola. Como podiam entregar uma turma com
tantos problemas a quem não tinha qualquer experiência com o magistério? - me questionava.
Além disso, o sentimento de solidão era constante. Queria compartilhar com pessoas mais
experientes os meus medos, me sentir acolhida. Mas isso não acontecia na escola. O máximo
que diziam nos corredores ou na hora da saída era: “Viu, eu te avisei. Estes alunos não têm
jeito mesmo” ou “Já fizemos de tudo, nem adianta tentar!”.
10
Buscando caminhos, procurando atalhos, me encontrando nos olhos daquelas crianças,
compreendi o papel importante que precisava desempenhar na vida delas. Eu havia sido como
elas e não podia reforçar o sentimento mútuo de estranheza entre elas e a escola. Algo me
juntava àquelas quase adultas crianças. Era como se eu estivesse me vendo através delas.
Se este ano não foi fácil, foi gratificante. Hoje reflito sobre o que fiz para que a
maioria dos alunos aprendesse a ler. Sabia que os meus alunos precisavam disso, mas também
sabia que precisavam ser ouvidos. Não seria somente ouvi-los nos momentos em que saíam
gritando na hora do recreio ou na saída, mas sim uma escuta sensível” (BARBIER, 2004),
capaz de distinguir a sutileza das suas falas, conversas, risos, silêncios, gritos.
Esteban (1999, p.141) nos fala que as condições de aprendizagem e desenvolvimento
são oferecidas aos alunos de acordo com as possibilidades que a professora percebe neles.
Como a autora, também confio na capacidade que cada um tem de aprender. Essa minha
crença fazia com que os alunos se sentissem mais confiantes, seguros. Acredito que isto tenha
feito a diferença para eles.
O certo é que o que eu sabia de alfabetização era o que lembrava do meu próprio
período de aprendizagem da leitura e escrita e, também, o modo como via os meus filhos
sendo alfabetizados. De uma maneira inconsciente acabava reproduzindo o modelo de
racionalidade que a ciência moderna tão fortemente instalou entre nós, ocidentais. Era preciso
controlar a quantidade de letras que havia ensinado, ver quantas faltavam ser lançadas até o
final do ano e descomplexificar ao máximo a ngua, pois a mente dos meus alunos o
poderia compreender tanta coisa junta. Pura tolice!
Intuitivamente compreendi que não fazia sentido para aqueles alunos estudar as
vogais, os encontros vocálicos e o ba, be, bi, bo, bu. Um dos motivos pelos quais não
aprenderam a ler fora exatamente esse: uma alfabetização que produz uma atividade sem
consciência, desvinculada da realidade e desprovida de sentido.
Sem ter lido Regina Leite Garcia, a minha intuição me encaminhava para uma prática
diferente da que via na escola, pois, como a autora, considero que: “Difícil, difícil mesmo é
aprender o que não faz sentido, o que não atende à necessidade e, não tendo utilidade, não
vai ao encontro do interesse (...) o quanto é árida a convivência das crianças com vogais,
encontros vocálicos, etc” (GARCIA, 2001, p.23).
Durante este período de dúvidas sobre se o que vinha desenvolvendo para que meus
alunos aprendessem a ler era o mais adequado, chega à escola uma nova orientadora
11
pedagógica, que a que ocupava esta função assume a direção da escola. Maria Teresa se
transformou na grande interlocutora. Era com ela que dividia os meus anseios, as minhas
dúvidas e as conquistas. Ela era a parceira mais experiente. Ensinar, como aprender, não pode
ser um ato solitário.
Maria Teresa logo saiu da escola. Não compactuar das orientações da direção e das
relações presentes no ambiente escolar significava um espaço reduzido para o trabalho de
orientação junto às professoras. Permanecer nesta escola após a saída de dela e também de
Alcioni, a orientadora educacional, significou, num primeiro momento, o abandono dos ideais
que me moviam. Hoje, compreendo que a minha permanência foi importante para a
continuidade das discussões acerca da alfabetização, com a chegada das novas orientadoras.
Era mais uma para, juntamente com estas, defender uma alfabetização significativa para os
alunos da Escola Municipal Vila Operária, em Duque de Caxias. A mesma escola onde
estudei.
Permaneci por 12 anos nesta escola. Durante este período, trabalhei quase que
exclusivamente com turmas de alfabetização. Era considerada a “professora construtivista”.
Sentia na pele os equívocos e estigmas que esta palavra carregava. Era querida pelos pais e
alunos, mas vista por uma boa parte das professoras como a que não cobrava conteúdos e letra
cursiva, a que não investia em cópias e, considerada, principalmente pela diretora, como a que
não tinha domínio de turma, pois os meus alunos levantavam, recorriam a textos expostos
pela sala e trabalhavam em grupos, ajudando uns aos outros. O movimento presente na sala
era considerado caos e desordem, necessitando de controle, disciplina.
Boaventura de Souza Santos (2005, p. 78) me ajuda a compreender o que na época não
conseguia. Ao apresentar as duas formas principais de conhecimento da modernidade, o
conhecimento-regulação e o conhecimento- emancipação, o autor explicita a forma como o
primeiro, que tem primazia sobre o segundo, aparece na escola. A diferença, para o
conhecimento-regulação, representa o caos e a desordem como forma hegemônica da
ignorância. Desse modo, precisa ser evitada e silenciada.
A vontade de aprender a melhor ensinar aos meus alunos fez com ingressasse, em
1998, na Universidade Estadual do Rio de janeiro- UERJ, no curso de Pedagogia das Séries
Iniciais. Este curso era destinado exclusivamente a professores regentes de turma. Acreditava
que cursar uma universidade me daria algumas respostas a tantas questões que formulava
como professora alfabetizadora: por que consigo alfabetizar a uns e outros não? O que fazer
com estes? Como motivar os meus alunos a aprender?Como planejar aulas interessantes?
12
Certamente não foi na universidade que encontrei respostas para tantos
questionamentos. Aliás, muitos deles ainda me faço. Nessa busca, procurei o PROFA
5
. Este
curso foi essencial para que compreendesse melhor como as crianças aprendem a ler e
escrever e, desse modo, pensar possibilidades para favorecer este processo. Era 2002, estava
trabalhando em um projeto da própria escola, que tinha como objetivo auxiliar as crianças do
ano do Ciclo de Alfabetização
6
que não tinham ainda se alfabetizado e, também, em uma
turma de 1º ano do Ciclo.
Terminamos o PROFA em dezembro de 2003. Em 2004 fui convidada a participar do
projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”, desenvolvido pela
Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias. Éramos 17 professoras sob a
coordenação das professoras Tereza Cristina Barreiros e Marliza Bodê de Moraes. Este
projeto tinha como objetivo assessorar os professores do 1º ano do Ciclo de Alfabetização que
desejassem partilhar a sua prática e refletir criticamente sobre ela. No texto enviado à
Secretaria Municipal de Educação, quando da apresentação do projeto, definíamos o que, para
nós, significava a palavra “assessoramento”:
Assessorar, no âmbito deste projeto, significa tomar a cooperação como valor
profissional e contribuir para o fortalecimento da relação de autonomia do professor
com o próprio trabalho.
Atuar como professora adjunta
7
significou não para os professores assessorados,
mas também para mim, um espaçotempo
8
de muitas aprendizagens. Entretanto, a mudança de
prefeito e dos seus secretários significou o fim também deste trabalho. Apesar de os
professores participantes, por diversas vezes, terem feito o pedido de sua continuidade junto à
SME, para estes governantes este trabalho não interessava, ou melhor, não do modo como
havíamos pensado no ano anterior.
5
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, desenvolvido pelo MEC em parceria com
Universidades, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação em todo o país em 2001/2002.
6
Em Duque de Caxias, os três primeiros anos escolares formam o Ciclo de Alfabetização, em seguida a
organização se dá em séries.
7
As professoras adjuntas compunham uma equipe de assessoramento responsável por disponibilizar aos
professores que aderiram ao Projeto uma parceria no planejamento da intervenção pedagógica e na análise desta.
Este termo “adjunto” foi escolhido “para caracterizar a função dos professores que estariam unidos, muito
próximos dos titulares das turmas de ano” (Fragmento do texto de apresentação do Projeto “De Professor para
professor: um convite ao trabalho cooperativo” à SME de Duque de Caxias).
8
Optei, a exemplo de Carmen Sanches, Nilda Alves, Regina Leite Garcia, entre outros pesquisadores do/no
cotidiano, por escrever os dois termos como se fossem um só, numa maneira de superar a dicotomia existente
nos discursos da modernidade. Outros termos aparecerão escritos do mesmo modo.
13
Depois que se conhece a experiência da parceria e solidariedade jamais se deseja
voltar à solidão. E isto, com certeza, nós não queríamos, pois consideramos, como Kramer
(2001, p.92), que um projeto de formação em serviço, se construído coletivamente, é capaz de
entre outros fatores –, gerar a melhoria da qualidade do ensino. Por isso, em abril de 2005,
fundamos a Sociedade de Professores Pesquisadores em Alfabetização - SOPPA.
A minha dissertação fala sobre este grupo. Investigo, de modo (com)partilhado, a
experiência de mulheres, professoras que acreditam que é possível construir uma outra lógica
de formação. Uma lógica pautada na parceria, solidariedade, na construção de vínculos. Para
falar da SOPPA trago, neste trabalho, diferentes vozes. Às vezes a minha, outras vezes das
demais integrantes. Às vezes vozes convergentes, outras dissonantes. São professoras a falar
sobre histórias vividas juntas, mas contadas de diferentes maneiras. São professoras a falar de
frustrações, alegrias, conquistas e do quanto é bom sonharmos juntas por uma outra realidade.
Sonho que se sonha só
é só um sonho que se sonha só
mas sonho que se sonha junto
é realidade.
(Raul Seixas)
14
2ª PARTE:
OS CAMINHOS DA PESQUISA
Cada um lê com os olhos que tem.
E interpreta a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto.
Para entender como alguém lê,
É necessário saber como são seus olhos
e sua visão de mundo.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.
Para compreender,
É essencial conhecer o lugar social de quem olha.
(Leonardo Boff, 1998)
Desde que ingressei no mestrado, tinha como desejo o trabalho com a formação de
professores alfabetizadores. Esta tem sido a minha grande paixão e, como concordo com
Boaventura, acredito que fazer ciência não significa dissociar prazer, subjetividade, vida.
Assim, o meu projeto previa analisar o trabalho que venho realizando como orientadora
pedagógica na formação de professores alfabetizadores em uma das escolas onde atuava.
Ainda na entrevista de seleção falei sobre um grupo ao qual participava
voluntariamente desde a sua fundação. Falei com muito orgulho sobre a SOPPA. Era ali que
encontrava espaços de troca, de escuta e da busca de possibilidades de ação para tentar
diminuir o fracasso que ronda as classes de alfabetização.Era ali que a solidariedade e o
pensar junto me fortalecia, ajudando a diminuir a sensação de isolamento e competitividade
que fazem parte do nosso dia-a-dia de professores.
Mas não, o meu objetivo era a minha prática como orientadora. Os meus primeiros
trabalhos, após ter sido aprovada, versavam sobre isso, apesar de constantemente narrar as
experiências do grupo, o que de certa maneira levava as pessoas a quererem saber um pouco
mais, principalmente a professora Carmen Sanches, minha orientadora. Acho que ela já previa
que eu não teria como escapar de contar um pouco sobre a nossa experiência, a nossa história.
Os entraves do dia-a-dia na escola me desanimavam: como falar do meu papel de
orientadora na formação de professoras que alfabetizam se não conseguíamos constituir um
grupo, que nas duas escolas onde atuava, havia assumido a função de orientadora
pedagógica no mesmo ano em que ingressara no mestrado. Além disso, na escola onde
15
desejava fazer a pesquisa, a maioria das professoras trabalhava em regime de aula-extra
9
, ou
seja, no ano seguinte não estariam mais na escola. De um total de dezenove professores,
somente quatro eram efetivas, com matrícula na escola. A alta rotatividade de professores se
apresentava como uma das grandes dificuldades para um projeto de formação
continuada.Além disso, mesmo com a garantia de um grupo de estudos mensal, o tempo
destinado aos estudos era muito restrito. São tantas as cobranças burocráticas tanto para
professores como para orientadores que, apesar de tentar arrumar brechas, não conseguíamos
muita coisa. Com uma carga horária de 16 horas semanais, tendo que cumprir todas as
exigências que a SME impunha à escola no que diz respeito à preenchimento de papéis,
verificação de diários, plano disso, daquilo outro, sobrava-me muito pouco tempo para estar
com os professores.
Se pensamos na formação como um processo que não ocorre a curto prazo, pois é
necessário que se estabeleça no mínimo um clima de confiança entre equipe pedagógica e
professores, para que estes se sintam à vontade para expor a sua prática, sem medo de serem
repreendidos, essa alta rotatividade dos professores significava um recomeçar do zero com
outro grupo no ano seguinte, o que inviabilizaria o trabalho de mestrado, no que diz respeito
ao tempo para a execução da pesquisa.
surgia a SOPPA como opção de pesquisa. Não era discutir a formação e
professores alfabetizadores o que eu queria desde antes de me inscrever no mestrado? Por que
não vislumbrava a possibilidade de analisar este grupo, ao qual faço parte? Seria o
desconsiderar de práticas que fogem ao normal, ao estabelecido, instituído? Será que
considerava a nossa experiência como de pouco valor, impossível de ser escrita em uma
dissertação de mestrado?
Penso que algumas dessas idéias me habitavam. Outras até hoje. Entretanto, ajudada
pelas leituras recomendadas no mestrado e pelas discussões sobre complexidade (MORIN,
1999); cotidiano (PAIS, 2003); conhecimento- emancipação (SANTOS, 2005), entre tantas
outras, reconheço agora que as experiências que temos tido não podem ficar restritas ao
grupo, precisam ser visualizadas e valorizadas. É preciso que mais pessoas saibam que
algumas professoras se reúnem, no município de Duque de Caxias, para pensarem uma outra
possibilidade de escola e sociedade. Sobre isso nos fala Costa:
9
O regime de aula-extra, também chamado de dobra, significa o contrato por um tempo, não mais que um ano,
quer seja para cobrir vagas de professores licenciados ou em decorrência do déficit de professores na rede.
16
Para ter o direito a existir, sem ser idêntico (ao colonizador), é preciso encontrar as
brechas, praticando a política cultural da representação. É preciso encher o mundo
de histórias que falem sobre as diferenças, que descrevam infinitas posições espaço-
temporais de seres no mundo. (COSTA,1998, p.40)
Por isso, a decisão. Não me arrependo dela. Aliás, tenho muito orgulho de pertencer e
investigar um grupo que tem caminhado à margem das políticas oficiais de formação. Um
grupo que, de forma compartilhada, tem procurado criar horizontes de possibilidades para
professores e alunos aprenderem. Essa é a minha pretensão neste trabalho: compartilhar e
investigar a nossa história, os nossos acontecimentos. Espero que a contribuição, apesar de
pequena, seja válida.
2.1- Quem me acompanha no caminho?
Assumo neste trabalho o que a ciência moderna tem negado ao longo dos anos em
relação à pesquisa científica: a influência da minha trajetória de vida na escolha do que
pretendo investigar. Boaventura (2005), Nóvoa (1995) e Larrosa (2001) contribuem para que
eu compreenda que nesta opção estão imbricados os meus valores, crenças e experiências.
Minhas experiências como filha da classe popular, aluna e professora alfabetizadora de
escola pública, orientadora pedagógica, integrante da SOPPA, mãe, mulher e pesquisadora
influenciam o meu olhar e as leituras feitas durante a investigação. Sou um “sujeito
encarnado(NAJMANOVICH, 2001) e, como tal, ao contrário do sujeito abstrato e neutro,
preconizado pela pesquisa tradicional, as minhas interpretações se dão a partir do lugar que
ocupo, a partir das minhas experiências e subjetividade.
Reconhecer essa corporalidade do sujeito implica aceitar que não podemos conhecer o
objeto sem relacioná-lo ao que também conhecemos, como se fosse independente de nós. “Só
podemos conhecer o que somos capazes de perceber e processar com o nosso corpo” (idem).
Desse modo, sempre haverá situações que não conseguiremos ver, os “buracos cognitivos”, as
“zonas cegas”. É o sujeito encarnado pagando com a sua incompletude a impossibilidade de
tudo conhecer (ibidem).
Tenho clareza de que, como participante e investigadora deste grupo, não tenho como
me isentar do que escrevo. Nos encontros que temos realizado, ao longo destes três anos,
17
muito de mim está lá. Algumas falas, alguns silêncios, algumas incompreensões. Investigar
estes momentos é, no dizer de Oliveira e Alves (2001, p. 8), “mergulhar” nos acontecimentos,
pois muitos deles não se reduzem ao observável e organizável formalmente. Ainda segundo as
autoras: “A realidade não é o que existe, mas o que emerge, o que se imagina, o que foi
suprimido, silenciado e marginalizado”. Desse modo, o meu desafio, como pesquisadora, é o
de colocar novos focos de luz, buscando descobrir o que está obscuro, ausente (PAIS, 2003).
Precisei estar atenta para que minha familiaridade com o grupo não impedisse que eu
enxergasse o que muitas vezes não se mostrava explicitamente. Fazendo uma analogia entre o
ato de pesquisar e o de receber um hóspede em casa, Amorim (2001)citando Derrida (1997),
nos fala do papel do anfitrião. Para a autora, o pesquisador seria aquele que recebe e acolhe o
estranho, construindo com ele uma escuta de alteridade. Entretanto, alerta para que, como
pesquisadores/anfitriões, estejamos atentos em relação ao cuidado demasiado com esta
hospitalidade, o que pode nos impedir de fazer perguntas, indagar sobre a identidade do outro.
Ainda segundo a autora, A linguagem é a própria hospitalidade, pois é que as
trocas e os acolhimentos se dão” (idem, p. 27). Porém, adotar uma perspectiva dialógica de
pesquisa não significa afirmar que as omissões de falas e as incompreensões não surjam. Ao
contrário, considero que tanto pela voz como pelo silêncio estamos às voltas com a produção
de sentidos, cabendo a mim, como pesquisadora, buscar compreender o que muitas vezes se
apresenta como indecifrável.
Me debruçar sobre a experiência de um grupo não significa desconsiderar as variantes
sociais que interferem no cotidiano. Tenho clareza disso. Entretanto, como afirma Pais (2003,
p. 74), uma visão exclusivamente macroscópica do social não pode dar conta de todos os
pequenos jogos sociais que constituem a trama social”. Tenho aprendido com este autor que
o cotidiano pode e deve ser tomado como fio condutor do conhecimento da sociedade. É no
micro que as pessoas criam astúcias, reinventam o cotidiano e fazem história. Recorro ainda
às palavras de Pérez para justificar este trabalho no/do cotidiano:
Cotidiano é movimento, é construção social e história da ação humana. Ao produzir
a cultura e a história, homens e mulheres produzem vida, a sua vida- como indivíduo
e espécie-, fluxo vital que os coloca diante de estados inéditos, num movimento
permanente de tornar-se: criando, aumentando e intensificando suas potencialidades
e energias.
(PÉREZ, 2003, p. 117)
Aprendi com Pais (2001, p.59) que o bom pesquisador é aquele capaz de estar
desperto para a polifonia das vozes que o rodeiam. Essa “escuta sensível requer do
18
investigador uma atitude de abertura holística, buscando compreender, não julgar, o excedente
do sentido que existe na situação. “Trata-se de realmente entrar numa relação de totalidade
com o outro tomado em sua existência” (BARBIER, 1992, p.98). Portanto, elaborar uma
leitura dos acontecimentos vividos na SOPPA me obrigou a mergulhar com todos os sentidos
neste cotidiano, procurando captar e dialogar com a multiplicidade de vida e de vozes. Para
Alves: “É preciso ter claro que não há outra maneira de se compreender as tantas lógicas do
cotidiano senão sabendo que estou inteiramente mergulhada nele, correndo todos os perigos
que isso significa” (ALVES, 2001, p.16).
Por isso, numa tentativa de compreender o processo de formação e consolidação da
SOPPA, trabalho com as narrativas das professoras integrantes do grupo. Encontro ainda em
Connely e Clandinin (1995) justificativa para o trabalho com as narrativas. São eles que
afirmam que nós, os seres humanos, somos organismos contadores de histórias, organismos
que individual e socialmente vivemos vidas relatáveis. Desse modo, o estudo das narrativas é
o estudo da forma em que nós, os seres humanos, experimentamos e representamos o mundo.
Na mesma linha de argumentação, Larrosa traz uma contribuição complementar:
Talvez os homens não sejamos outra coisa que não um modo particular de
contarmos o que somos. E, para isso, para contarmos o que somos, talvez não
tenhamos outra possibilidade senão percorrermos de novo as ruínas de nossa
biblioteca, para tentar recolher as palavras que falem por nós. [...] Que podemos
cada um de nós fazer sem transformar nossa inquietude numa história?
(LARROSA,2000, p. 22)
Ainda segundo Connely e Clandinin, tanto as histórias contadas como os documentos,
as anotações pessoais, os diários de campo são importantes ferramentas da investigação.
Citando Hogan (1988), os autores sinalizam alguns elementos importantes na relação de
investigação: a igualdade entre os participantes, a situação de atenção mútua e propósitos
compartilhados. Daí a opção por trabalhar com este tipo de pesquisa, pois é o que vivemos na
SOPPA.
Desse modo, a narrativas sobre esta história revelam os modos como cada uma de nós
compreendemos o que vivemos. Sendo estes, modos pessoais, singulares, mesmo que
fundados em uma experiência coletiva. a leitura do que vivemos é importante, pois ao mudar
o tempo e o espaço de onde o sujeito observa os acontecimentos, olha para a experiência
vivida com novos conhecimentos, o que permite novas leituras. Como afirma Larrosa:
19
A reconstrução do sentido da história de nossas vidas e de nós mesmos nessa
história é fundamentalmente um processo interminável de ouvir e ler histórias, de
mesclar, matizar ou dar cor a histórias, de contrapor uma às outras, de viver como
seres que interpretam e se interpretam, posto que já se acham constituídos nesse
gigantesco caldeirão de histórias que é a cultura (LARROSA, 1995, p. 47).
Respeitar as diferentes vozes, mesmo que dissonantes das minhas, compreendendo que
ela são produtos de um sujeito implicado com a história relatada, significa reconhecer o outro
como legítimo outro (MATURANA, 1998, p. 66), condição essa fundamental para um
diálogo profícuo entre o pesquisador e os co-participantes da pesquisa. Reconhecer essa
legitimidade do outro me faz assumir uma escuta respeitosa ao que o outro me diz, sabendo
que o seu discurso é a sua representação do que lhe acontece. Desse modo, cada enunciado é
permeado de verdades, mentiras, ilusões, interpretações que cada um ao momento vivido.
O que cabe ao pesquisador é desenvolver uma postura ética, reconhecendo que cada um fala a
partir seu ponto de vista, que nem sempre condiz com o meu.
A tentativa de compreender o que acontece neste grupo é alimentada de confiança,
respeito e partilha, construídos ao longo da nossa convivência desde 2002, quando
participávamos de encontros oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Duque de
Caxias. Se considerarmos que algo nos unia desde esta época, são seis anos de chão
partilhado”, de experiência com o outro (BENJAMIN, 1991). Sendo assim, começo a relatar
a nossa história a partir desta época, pois sentíamos a necessidade de querer saber sempre
mais sobre tudo aquilo que se refere ao direito, à necessidade e ao prazer de aprender, para
darmos conta do compromisso primeiro de todo professor, que é ensinar.
É o sentimento de pertencimento ao grupo dos que almejam uma escola de qualidade
para os alunos das classes populares que não me deixa esquecer do compromisso que tenho
com essa causa. Por isso, a minha opção de investigar um grupo de professoras que se reúne
em Duque de Caxias, fora do seu horário de trabalho, um sábado em cada mês, para estudar,
refletir e discutir assuntos referentes à alfabetização. Um grupo de professoras que assume seu
processo de auto-formação, considerando, como Paulo Freire, que somos seres inacabados,
nosso destino não é dado, mas é algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não
podemos nos eximir” (1996 p.58).
20
2.2- Algumas opções durante o caminhar
Você escreve na 1ª pessoa?
Engraçado, sempre ouvi dizer que não podia.
(Marinalva)
Tento, nesse trabalho, fugir da perspectiva que tem guiado a maioria das pesquisas e
publicações científicas: a impessoalidade, a abstração e o distanciamento do pesquisador.
Entretanto, assumindo uma perspectiva backtiniana, tenho clareza, que a minha voz é
acompanhada de muitas outras, algumas presenciais, como a família, os espaços de formação,
os amigos, a SOPPA, outras através de leituras feitas e incorporadas. São essas as
experiências que me constituíram e que me fazem dizer o que digo, pensar como penso, hoje.
Amanhã não sei, pois outras vozes podem dialogar comigo, me fazendo pensar outras
possibilidades.
O sujeito não é o dado biologicamente, mas o construído no intercâmbio em um
meio social humano, que por sua vez está em interação constante com outros
contextos. É através dos vínculos sociais de afeto, de linguagem, de comportamentos
que o sujeito vai se auto-organizando (NAJMANOVICK, 2001, p. 94).
Assim, nessa rede de interações com outros sujeitos, com outras realidades, me faço,
refaço, construo, desconstruo. Não poderia ser diferente no movimento de fazer pesquisa.
Vou construindo os meus caminhos à medida que leio, escuto, discuto, discordo, digo,
silencio, erro, retorno, aprendo. Aprendo fazendo. Ninguém me prescreveu os caminhos aos
quais deveria caminhar. Não encontrei nenhum manual que me indicasse o método mais
eficiente, mais seguro de se fazer pesquisa. Também não o procurei. Talvez até tivesse
encontrado se partisse de uma outra perspectiva que não fosse a do diálogo, que não fosse
uma investigação compartilhada, como a que me propus trabalhar.
Por ser assim, algumas opções durante a pesquisa têm a ver com as discussões feitas
com as integrantes da SOPPA, com sugestões da minha orientadora, professora Carmen
Sanches, com as contribuições generosas dos professores que fizeram parte do meu exame de
qualificação. Outras, por conta própria assumi. Dentre essas, o tratamento: “professor ou
professora”?
21
O nosso grupo, a SOPPA, é constituído exclusivamente por mulheres. Por isso,
quando falo dele, escrevo sempre no gênero feminino: “as professoras”. Entretanto, ao me
referir ao profissional da educação, de maneira generalizada, trato como “os professores”, por
entender que, apesar de termos ainda um número reduzido de homens nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, se escrevo no gênero feminino, desconsidero a pequena parcela
masculina. Poderia escrever ainda: o(a) professor(a), mas penso que este recurso utilizado
repetidas vezes dificulta a leitura, tornando-a enfadonha.
Uma outra questão em se tratando de pesquisa diz respeito à nomeação dos sujeitos.
Assim, desde o anúncio da pesquisa, perguntei-lhes em uma reunião se concordavam em ter o
nome exposto no trabalho. Todas as professoras aceitaram. Optei apenas por omitir os nomes
de professoras que não fazem parte da SOPPA, mas que contribuíram com as suas narrativas
no sentido de elucidar fatos, dar maior relevância ao que discuto. Estas professoras, às quais
não tive como lhes pedir autorização para ter seu nome incluído no trabalho, são tratadas por
codinome. Este fato é sinalizado no corpo do trabalho, através de notas de fim de página.
Jamais cogitei a idéia de omissão dos nomes das pessoas que fizeram parte dessa
pesquisa, os co-participantes deste trabalho. Entretanto, compreendo que essa não é uma
questão simples, como antes pensava. Estão imbricadas, nesta omissão ou declaração dos
nomes reais, questões de ordem ética e epistemológica. Inventar nomes para os sujeitos
investigados poderia supor uma certa preservação. Desse modo, poderiam falar mais
livremente, estariam protegidos sob o anonimato. O que valeria também para quem pesquisa.
Se não identifico os sujeitos investigados, posso fazer crítica mais abertas às suas falas,
posturas.
Outros pesquisadores (SAMPAIO 2003, MORAES, 2007) defendem que,
principalmente nas pesquisas em educação, ter o seu nome revelado seria um modo de
garantir que os sujeitos investigados se reconheçam como co-autores do trabalho, com
histórias a contar, experiências a compartilhar. O que propicia um estatuto de visibilidade aos
que, muitas vezes, são considerados apenas objetos de investigação.
Uma outra linha considera que a decisão de nomear ou não os sujeitos da pesquisa
cabe ao pesquisador e a seu orientador. Essa seria uma discussão a qual, os investigados, não
precisariam participar. Uma decisão unilateral que confere poder ao pesquisador, negando aos
sujeitos pesquisados o direito de querer ou não ter o seu nome revelado na pesquisa.
22
Como revelei acima, acreditava que seria natural, ao investigar a SOPPA, grupo ao
qual participo desde a sua criação, a identificação das pessoas com os seus nomes
verdadeiros. Para mim, seria a maneira de visualizar a experiência do grupo tal qual era. As
pessoas que optavam por participar, o que as movia estar no grupo, quais histórias tinham
para contar, as resistências, a indignação. Não tinha como tratá-las por letras, nomes fictícios.
São sujeitos encarnados que fazem parte dessa história.
Lendo a tese de doutorado da professora Carmen Sanches e vendo o encaminhamento
que ela deu a essa questão de nomear ou não os sujeitos da pesquisa, compreendi que essa não
é uma questão com uma única resposta, uma decisão fácil de quem faz a pesquisa. Será que as
professoras da SOPPA gostariam de ter o seu nome revelado, como era ao meu desejo?
Decisão compartilhada. Por isso, os nomes que estão presentes neste trabalho são os
nomes das professoras integrantes da SOPPA. Nomes verdadeiros, por nos acreditar fazedoras
de histórias. Daqui a algum tempo algumas de s pode não mais fazer parte do grupo ou até
mesmo ele não mais existir. Mas teremos nossos nomes lembrados, pois registrados neste
trabalho. Quem são essas professoras que durante esses três anos compartilham o sonho de
construir uma escola mais solidária e humana? Os seus nomes estão aqui:
Márcia dos Santos Oliveira; Vanessa Ransatto; Adriana Camargo de Melo; Marinalva Dias C.
Francisco; Janete Teixeira de Lyra; Arlete Martins; Tereza Cristina Barreiros; Luciane
Ceccopieri Belo; Judith de L. Cortez;Vera Lúcia S. da Silva; Geórgia Bezerra; Tonia Gilca
Silva Barbosa; Luciana Alves Pereira; Isabela Vargas; Tânia campos; Fabiana Esteves,
Fátima Janaina Santos Neves, Ivania Barbosa Gomes, Marliza Bodê de Morais, Myrian
Medeiros da Silva, Dinalva Serrate, Andréia Nogueira Teixeira, Andréa Lopes de
Sousa;Thereza Cristina Millan de Almeida; Suzana; Neusimar Morais; Virginia ...
È importante ressaltar que este não é um grupo fechado. Há, portanto, uma circulação
razoável de professoras. Temos um núcleo fixo, composto basicamente pelas professoras
citadas na pesquisa, um outro grupo que freqüenta aleatoriamente, e um outro que permanece
por um tempo, se afasta, retorna. Para este trabalho, estou considerando participante quem
tem, nem que seja uma única vez, o seu nome na lista de freqüência dos encontros. As
reticências acima indicam que, provavelmente, muitas outras professoras participaram dos
nossos encontros, lembro-me inclusive de algumas, mas, por um motivo ou outro, não tiveram
os seus nomes registrados.
23
2.3- Sobre o que recolho no caminho: os dados da pesquisa
Desde o primeiro encontro da SOPPA havíamos acertado que uma pessoa se disporia
fazer o registro dos acontecimentos, lendo-o no encontro seguinte. Não havíamos falado nada
sobre as alterações que porventura surgissem. O que, para mim, seria inevitável acontecer,
pois com uma média de quinze professoras discutindo algum assunto, nada mais natural, por
mais anotações que se faça, que fiquem algumas informações truncadas ou sem a referência
de quem as fez.
Desse modo, organizamos uma pasta, muita bem cuidada por Márcia Santos. Nela
estão, além dos registros, materiais organizados por nós, fotografias e leituras realizadas ou
sugeridas. Agora são duas pastas. Os materiais contidos nelas são as minhas principais fontes
de pesquisa. Por mais que cada uma de nós façamos as anotações pessoais, é nos registros o
local onde encontramos mais informações sobre os nossos encontros. Ou pelo menos deveria
ser.
Digo isso porque, após o anúncio da pesquisa, me vi também responsável pela
organização da pasta. então percebi que faltavam muitos registros. Isso havia sido
apontado por Márcia: “Pessoal, quem ficou responsável por algum registro, traz logo.
faltando registro de vários encontros”. Isso foi uma dificuldade para mim durante a pesquisa.
Sabia que havíamos discutido algum assunto, alguns estavam sinalizados no meu caderno
pessoal, mas quando ia procurar na pasta, o registro não estava. Sabia, entretanto, que ele
havia sido feito, pois fora lido durante o encontro. Por que então não estava na pasta?
Eu e Tereza conversamos sobre isso. Ela, que acabara de ler o meu texto, tecia alguns
comentários a respeito dos recortes que eu havia feito dos registros do grupo para inseri-los na
dissertação. Disse que gostou muito e me sugeriu colocar mais alguns. Eu lhe disse que
havia utilizado o que me interessava de todos os registros disponíveis. E o que ela achava da
idéia de pedir que as professoras que ainda não os entregaram que me enviassem, via correio
eletrônico. Assim, eu os imprimiria e os colocaria na pasta. Com a opinião favorável de
Tereza me senti mais à vontade para fazer o pedido. Até agora recebi somente um.
Por que as professoras não entregavam o registro? Não era porque não faziam, pois
quase todas faziam a leitura dele. Nestes três anos de encontros, poucas que ficaram de fazer o
registro, o deixaram de fazer quando isso acontecia sempre havia uma justificativa. Tereza
argumentou que a não entrega tinha a ver com o cuidado com a escrita que temos no grupo.
24
Para ela é muito mais a vontade de apresentar um texto bonito, caprichado, do que a
negligência, a não responsabilidade. Quanto a isso, concordo com ela.
depois, fiquei pensando em outra possibilidade. Realmente, não acho que seja má
vontade, que o texto era lido. Isso quer dizer que a pessoa responsável pelo registro,
ocupava uma parte do seu tempo em casa para fazê-lo. A não entrega poderia, então, estar
relacionada às nossas intervenções durante a leitura. “Não, não foi isso que foi dito”; “acho
que nesta parte você poderia acrescentar isso; Não foi fulana quem falou isso....”. Isso
aconteceu principalmente quando discutíamos assuntos complexos, como os relacionados à
didática de alfabetização proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN- de Língua
Portuguesa. Penso que ficava muito difícil para as pessoas articularem a leitura do registro
com as sugestões de complementos e retificações. De repente, o receio de, mesmo após as
intervenções feitas, o texto não esteja de acordo com o que nós esperamos. Considerando que
Se quem escreve o faz para um outro, o outro está sempre presente quando
escrevemos. Trata-se, pois, de um exercício solitário na aparência, mas que nos e
em contato virtual com todos os possíveis leitores. Quando apagamos, quando
corrigimos, nós o fazemos para o severo leitor, eu ou você (MAUTNER, apud
ZIBETTI, 2005, p. 159).
Daí que agora proponho uma mudança em relação ao ato de registrar os encontros.
Penso que as intervenções podem acontecer, mas o registro do encontro poderia ser entregue
do jeito que foi produzido. As alterações ficariam a cargo de quem vai produzir o registro do
dia, que vai ser lido e entregue no encontro seguinte.
Uma saída que encontrei para a falta dos registros foi a gravação dos encontros. De
início a minha intenção não era essa. Era muito mais a necessidade de captar tudo o que
acontecia no grupo, como se isso fosse possível. Pensava: ‘quem registra acaba não
registrando tudo o que acontece, tem sempre coisas que ficam de fora’. Fiz alguns registros
utilizando a gravação. Será que também não deixei coisas para trás? Será que ao produzir um
texto, mesmo tendo como recurso uma gravação, não seleciono o que mais me diz, o que dou
mais valor?
Estou convencida que sim. Ao produzir o registro do encontro, mesmo sem ter
consciência, coloco nele as minhas percepções de mundo, o meu juízo de valor sobre algumas
falas, dou mais ênfase a alguns assuntos, outros nem cito. Em contrapartida existe um outro,
25
aquele a quem quero atingir, o meu leitor. Por isso, o medo das críticas, o desejo de mostrar
um texto bem escrito. Já que:
Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de
que procede de alguém, como pelo fato de se dirige para alguém. Ela constitui
justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de
expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao
outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie
de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra apóia sobre o meu interlocutor (BAKHTIN, 1999, p. 113).
Os registros, tanto os do grupo como as minhas anotações pessoais, as transcrições
das gravações se constituíram em importantes fontes de análise dos acontecimentos do grupo.
As discussões sobre o PROFA e sobre o projeto “De professor para professor: um convite ao
trabalho cooperativo” se deram, principalmente, a partir dos documentos fornecidos por
Tereza. Tereza era a guardiã do que para mim se constituiu em tesouros: carta das cursistas do
PROFA reivindicando a continuidade dos estudos referentes à alfabetização, avaliação de
professoras e formadoras que participaram do projeto “De professor para professor”, registro
de algumas reuniões às quais ela e Marliza participaram na SME para discutirem sobre a
permanência do projeto.
Em relação à investigação propriamente sobre a SOPPA e a sua dinâmica, pelo que
considerava um reduzido material de análise (já que eram poucos os registros e ainda não
havia começado a gravar os encontros), resolvi enviar um questionário com perguntas abertas
para as integrantes do grupo. As perguntas versavam basicamente sobre: como e por que
surgiu a SOPPA; o significado dela para cada uma; se a participação no grupo faz diferença
na prática; o que consideram um bom encontro.
A proximidade e intimidade com todas fizeram com que eu optasse por enviar as
perguntas via correio eletrônico e esperava as respostas pelo mesmo recurso. Entretanto,
algumas integrantes não me responderam ou, quando sim, percebia que as respostas eram
curtas e pontuais,o que fez com que eu optasse pela realização de algumas entrevistas. Assim,
realizei cinco entrevistas, o que considerei um número razoável, principalmente considerando
o pouco tempo que me restava para a conclusão do trabalho.
Cada entrevista teve em média duas horas de duração e foram realizadas em minha
casa. Isso se deu principalmente pela facilidade de acesso, pois as professoras entrevistadas,
com exceção de Luciana Alves, trabalhavam em lugares distantes. Assim, marcávamos algum
ponto de encontro, íamos para a minha casa e depois as levava até o local que consideravam
26
mais apropriado. Todas as entrevistas foram gravadas e a transcrição não se deu na íntegra.
Fiz, o que a professora Carmen Sanches chama de “transcrição interessada”. Assim, ouvia a
todas as gravações e, como não discuto todos os temas abordados na entrevista, transcrevi
somente o que me interessou, neste momento.
Para a realização das entrevistas, estabeleci algumas perguntas iniciais, entretanto,
tinha como intenção que o próprio diálogo fosse determinando os rumos das questões, o que
de fato aconteceu. Assim, ainda que tivessem um compromisso com os temas em questão:
formação, constituição de um grupo, trabalho em parceria, todas as entrevistas aconteceram
ao sabor do diálogo, construindo-se a partir de narrativas e da relação estabelecida entre as
interlocutoras. As professoras entrevistadas foram: Vanessa, Isabela, Luciana Alves, Márcia
Santos e Luciane.Com esta última, além do que foi conversado com as outras professoras,
direcionei o diálogo para que relatasse um pouco sobre o trabalho realizado por ela em uma
turma de ano do Ciclo de Alfabetização, no ano de 2006. Aqui havia decidido discutir
como o planejamento organizado pelo grupo se articulava na sala de aula.
Na parte do texto em que isso ocorre, justifico a minha escolha por essa professora.
Luciane disponibilizou para essa discussão uma pasta contendo as principais produções
escritas dos alunos, desde junho, quando iniciou o trabalho com a turma, até dezembro. Além
disso, enviou os relatórios dos alunos e uma avaliação que fez ao final do ano sobre a turma e
que foi entregue à equipe pedagógica da escola.
Considerar os materiais enviados por Luciane como de fundamental importância para
a pesquisa, significa compreender o que produzimos nas nossas salas de aula, como
privilegiadas formas de construir conhecimentos e compreender o cotidiano escolar. Para
Alves, as fontes comumente utilizadas para “ver” a totalidade do social não são suficientes e
nem apropriadas para compreender o cotidiano, com toda a sua complexidade. Segundo a
autora, para isso é preciso recorrer a diferentes fontes, todas as fontes, algumas até
consideradas insignificantes, pois:
Para além daquilo que pode ser grupado e contado (no sentido de numerado), como
antes aprendemos, vai interessar aquilo que é “contado” (pela voz que diz) pela
memória: o caso acontecido que parece único (e que por isto o é) a quem o “conta”;
o documento (caderno de planejamento, caderno de aluno, prova ou exercício dado
ou feito etc.) raro porque guardado quantos tantos iguais foram jogados fora porque
“não eram importantes” e sobre o qual se conta uma história diferente, dependendo
do trecho que se considera; a fotografia que emociona, a cada vez que é olhada, e
sobre a qual se “contam” tantas histórias, dos que nela aparecem ou estão ausentes
ou da situação que mostra ou daquela que “faz lembrar” (ALVES, 2001, p. 27).
27
Percebo que, em alguns momentos, o que Luciane relata, pode parecer ao leitor como
algo fácil de ser construído tanto por ela como pelos alunos. Sei, entretanto, que a realidade
não é o que parece ser. Assim, o dia-a-dia da sala de aula é repleto de imprevistos,
contradições, recuos e avanços. Esta complexidade é pouco destacada nos relatos, o que
caberia a mim, como pesquisadora, uma análise mais questionadora.
Em nenhum momento observei a prática de Luciane nesta turma, o que exigiria um
tempo maior do que o disponível agora. Por isso, as discussões e análises se dão a partir do
que a professora me relata e também do que tenho de conhecimento de sua prática por termos
trabalhado juntas em diversos momentos de nossa trajetória profissional. A devolutiva à
professora sobre o que escrevia se dava via correio eletrônico. À medida que escrevia, lhe
enviava e aguardava a sua apreciação sobre o escrito.
Desse modo também transcorreu a devolutiva que fiz, durante todo o percurso da
pesquisa, dos textos produzidos. A idéia era que lendo, as professoras do grupo, pudessem
tecer comentários, sugerir outras possibilidades ou questionar o que apresento ao analisar as
suas narrativas. Reconheço que isso não aconteceu com todas. Algumas, ao ler, teciam
somente comentários positivos, outras não falavam nada. Mas os comentários que algumas
fizeram foram de extrema importância, tanto pela delicadeza e sensibilidade com que eram
feitos como pela sinceridade na exposição das suas idéias, me apontando coisas que eu não
conseguia perceber de tão mergulhada na produção. O que eu via como assunto esgotado,
algumas vezes, pela intervenção da leitura que algumas integrantes do grupo faziam,
precisava ser revisitado, questionado. Aprendi assim que
Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem fronteiras para um
contexto dialógico (ascende a um passado infinito e tende para um futuro igualmente
infinito). Inclusive os sentidos passados nunca podem ser estáveis (concluídos de
uma vez para sempre, terminados); sempre vão mudar renovando-se no processo
posterior de diálogo (BAKHTIN, 2003, p. 410).
Esses dizeres de Bakthin tem relação com o que afirma Larrosa a respeito da leitura:
“A liberdade da leitura está em ver o que não foi visto nem previsto. E em dizê-lo”
(LARROSA, 1998, p. 182). Essa era a minha intenção ao compartilhar com as professoras do
grupo o que vinha escrevendo sobre o próprio grupo: ao ler a nossa história traduzida em uma
pretensa dissertação, que elas, com um olhar exotópico sobre o texto, me apontassem o que,
da posição de investigadora que agora ocupo, eu não conseguia ver.
28
Assim, escolhendo caminhos, abandonando outros, pensando novas e diferentes
possibilidades, fomos construindo o que se apresenta agora como uma dissertação. Ao optar
por privilegiar a palavra das professoras do grupo, neste trabalho, me remeto ao que Freire
chama de novo pronunciar”, ao afirmar que a existência humana não pode ser silenciosa,
pois:
Existir, humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado,
por sua vez se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo
pronunciar. (...) Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão (FREIRE, 2005, p. 90 ).
Como Freire, acredito na força das palavras. E é através delas que, como pesquisadora,
pretendo analisar os acontecimentos de um grupo de professoras comprometido com a
alfabetização dos alunos das classes populares. Professoras que ao investir em sua formação,
buscam novas formas de ensinar e de compreender a sua prática. Professoras que se colocam
na posição de aprendizes, reconhecendo que ensina quem aprende (FREIRE, 1998) e que a
base para a aprendizagem é a certeza da inconclusão do ser humano, o que pressupõe
humildade para reconhecer o seu inacabamento e esperança de ser melhor a cada dia.
Gostaria de ressaltar mais uma vez que deste grupo sou participante e agora
investigadora. Não tenho, portanto, como me manter distanciada a analisar o meu objeto de
pesquisa, mesmo que acreditasse ser isso possível. Sou uma professora, integrante da
SOPPA, a falar sobre os acontecimentos da SOPPA. Estou dentro desta pesquisa. Espero que
quem leia essa dissertação compreenda isso.
29
3ª PARTE
MEMÓRIAS COLETIVAS: O EU E O OUTRO EM FORMAÇÃO
E aprendi que se depende sempre
De tanta muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é a marca
Das lições diárias de outras tantas pessoas.
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá.
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que pense estar
( Gonzaguinha)
O movimento de aprendizagem coletiva e compartilhada que vivemos na SOPPA de
abril de 2005 até hoje começou a ser tecido em outros tempos e diferentes espaços,
principalmente a partir das experiências que tivemos com as professoras-formadoras Marliza
Bodê de Moraes e Tereza Cristina Barreiros no Programa de Formação de Professores
alfabetizadores- PROFA e no projeto De professor para professor: um convite ao trabalho
cooperativo”.
O trabalho destas duas profissionais nestes dois movimentos de formação foi essencial
para manter o nosso desejo e necessidade de continuar a refletir e estudar sobre a
alfabetização dos nossos alunos. O respeito aos nossos diferentes saberes e a compreensão de
que a mudança da prática não ocorre de uma hora para outra, além da paixão que
demonstravam pela alfabetização nos contagiavam. Desse modo, a história da SOPPA se
entrelaça com a história destes dois movimentos de formação e com a trajetória destas
profissionais na rede municipal de Duque de Caxias.
Ao relembrar os fatos sobre a nossa origem, procurar narrativas que contassem um
pouco a história do grupo, me debruço inicialmente sobre estes dois espaçostempos: o
PROFA e o projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”. Trago
aqui somente as falas das professoras que participaram destas formações, compreendendo
que é com elas que a SOPPA se inicia, se gesta. É a partir daí que as histórias se unem em
busca do sonho de construir uma outra realidade, uma outra escola, onde ensinar e aprender
possam ser inerentes ao exercício da profissão de professor.
30
3.1-O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores- PROFA
O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores- PROFA começou a ser
desenvolvido em vel nacional no início de 2001, por meio de parcerias entre o MEC com
secretarias estaduais, municipais e universidades. Foi concebido para subsidiar o trabalho do
professor em termos teóricos, metodológicos e organizacionais, dando-lhe uma dimensão
coletiva e institucional, pautado na certeza de que, para assegurar ao aluno o direito à
aprendizagem, é preciso garantir ao professor o direito de desenvolvimento profissional
contínuo, aliado a melhorias relacionadas às condições de trabalho e à carreira. Em 2003, o
curso deixa de ser desenvolvido com o apoio do Governo Federal. A partir daí, a sua
continuidade se deu por esforços de secretarias e instituições de ensino.
O Programa propunha discussões sobre uma didática da alfabetização que tem como
referência a psicogênese da língua escrita e como compromisso a formação inicial do aluno
como leitor e produtor de textos. Privilegiava, portanto, conteúdos relacionados não aos
processos de aprendizagem da leitura e da escrita como à organização do ensino de Língua
Portuguesa no início da escolarização.
Em 2002, foi criado em Duque de Caxias o primeiro grupo de formação do PROFA,
coordenado pelas professoras Olga Guimarães e Stella Maris de Macedo, docentes da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Neste mesmo ano, as professoras Marliza
Bodê de Moraes e Tereza Cristina Barreiro são admitidas por concurso para o cargo de
orientadoras pedagógicas de escolas públicas do Município de Duque de Caxias. A Secretaria
Muncipal de educação de Duque de Caxias- SME, ao tomar conhecimento de que as duas
haviam participado do curso de formadores em nível nacional, as convida para coordenarem
novas turmas do PROFA, juntamente com as professoras pertencentes à primeira turma e
selecionadas para atuarem como formadoras. Sem saber começávamos, neste momento, a
escrever coletivamente esta história.
História de luta de professoras que não aceitam a idéia determinista do insucesso dos
alunos das classes populares do acesso ao conhecimento. História de quem acha possível
alfabetizar todos os alunos que recorrem às escolas públicas e não apenas alguns, como vem
acontecendo nas escolas brasileiras. História de quem não se conforma com a incapacidade
dos sistemas de ensino em garantir a permanência dos alunos das classes populares nos
bancos escolares.
31
Contrariando os discursos oficiais que apontam o professor como o principal
responsável pelo fracasso na educação, o PROFA apresenta como justificativa a necessidade
de investimentos na formação do professor que alfabetiza, embora deixe claro que somente
este investimento não vai conseguir mudar o cenário educacional brasileiro. Aliada à
formação docente, o programa aponta para a urgência da melhoria das condições de trabalho e
valorização da carreira. No Documento de Apresentação do Programa, explicita-se a
importância do investimento na formação continuada dos professores:
Não é justo que os sistemas de ensino e seus gestores assumam uma
posição de responsabilizar pessoalmente os educadores pelo fracasso do
ensino. Se a sociedade demanda profissionais bem-formados para prestar
um serviço de qualidade à população, é preciso que as instituições
formadoras cumpram a tarefa de habilitá-los adequadamente para o
exercício da profissão.
( BRASIL, Documento de Apresentação do PROFA / MEC, 2001, p.19)
Com uma carga horária de 180 horas, distribuídas em 3 módulos, este curso destinava-
se ao professor que alfabetiza, fosse na educação infantil, no ensino fundamental ou na
educação de jovens e adultos e tinha como proposta central discussões sobre uma didática de
alfabetização que compreende o aluno como leitor e produtor de textos desde o início de seu
processo de escolarização.
O segundo semestre de 2002 começa com a divulgação nas escolas de que estariam
sendo formadas novas turmas do PROFA. Entretanto, um professor de cada escola poderia
se inscrever e o curso seria ministrado fora do horário de trabalho, inclusive aos sábados.
Nesse período, eu trabalhava com um grupo de alunos que, segundo as professoras das
turmas, apresentava muitas dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Eram dezesseis
alunos que freqüentavam a sala regular e, no contra-turno, participavam, em grupos de quatro,
do projeto de apoio, o GALE - Grupo de apoio à leitura e escrita. Informei a escola sobre o
meu desejo de fazer o curso. Queria aprender mais sobre esta tarefa tão complexa de ensinar a
ler e escrever.
Mas não era tão fácil assim: como uma pessoa por escola poderia participar do
curso e outras professoras também demonstraram o desejo de participar, resolvemos fazer um
sorteio. Grata surpresa: eu fui a sorteada. Luciane, que trabalhava comigo na Escola
Municipal Vila Operária, era uma das que pretendiam fazer o curso. Insatisfeita por não ter
conseguido se inscrever foi até a SME. Hoje, integrante da SOPPA, afirma: “Precisei
32
implorar uma vaga, mas fiquei muito feliz ao receber um telefonema da coordenadora, me
chamando para iniciar”.
Durante o semestre de 2002 e todo o ano de 2003, a minha turma se reunia às
segundas-feiras, de dezoito às vinte e uma horas. No início, as turmas possuíam em torno de
35 alunos. Mas, no decorrer do curso, este número chegou a uma média de 20. Uma das
constantes reclamações dos professores era o fato de que a SME não liberava o curso dentro
do horário de trabalho, o que era considerado como arbitrariedade por alguns.
Se me perguntassem, nesta época, o que eu achava destes professores que
abandonavam o curso sem finalizá-lo, como se fosse a dona da verdade, diria que eram
profissionais descomprometidos, que não se preocupavam com a aprendizagem dos seus
alunos, que não queriam ter trabalho, entre outras afirmações que revelassem a falta de
vontade do professor. Hoje, tenho me desafiado a complexificar o que a mim se apresenta e,
desse modo, pensar em outras possibilidades, como as que agora formulo: seria excessiva,
para muitos, a carga de leituras e trabalhos exigidos pelo curso? Haveria problemas de
entrosamento entre os professores e as formadoras? Os professores estariam com receio de
serem obrigados a implementar uma nova proposta de alfabetização?
Fugindo da perspectiva clássica de pesquisa, em que a busca de verdades absolutas é o
que norteia o processo investigativo, tenho me desafiado a olhar com estranhamento o que a
mim se apresenta, a procurar indícios, pistas que me conduzam a uma possibilidade de
compreensão do real (SAMPAIO, 2003). Deste modo, não tenho como afirmar os motivos
pelos quais aquelas pessoas desistiram do curso. Posso apenas intuir, conjecturar, o que para a
ciência positivista seria um modo irresponsável de se fazer pesquisa.
Nas entrevistas realizadas com as professoras alfabetizadoras que fazem parte da
SOPPA e que continuam alfabetizando fica clara a preocupação com o que fazer para garantir
a todos os alunos as oportunidades de que precisam para se alfabetizar. Nesta busca, procuram
o PROFA:
A vontade de saber mais sobre alfabetização e desenvolver um trabalho melhor dentro da
sala de aula. Eu percebia que minha atuação não era suficiente, mas não podia fazer
melhor naquele momento (Luciane, resposta ao questionário).
O trabalho com turmas de 3º ano do Ciclo de Alfabetização ainda não alfabetizadas gerou
em mim conflitos e angústia, por não saber o que fazer para alfabetizá-los. Isso me levou a
33
procurar novos caminhos, novas metodologias. Por isso fiz o PROFA (Márcia, resposta ao
questionário).
Em suas “andanças” Brasil afora, Regina Leite Garcia confirma o engajamento dos
professores por uma escola pública de qualidade. Segundo a autora, podemos observar, no
cotidiano das escolas, o inconformismo das professoras com o fracasso escolar de seus alunos
e a busca permanente de soluções para os desafios que a realidade lhes impõe.
Nesta mesma sociedade e nesta mesma escola uma luta pela sua transformação.
Os que estão engajados neste movimento lutam no interior da escola para reverter o
fracasso escolar (...) no sentido de que todas as crianças se alfabetizem, rompendo
com o estigma da incapacidade de aprender.
(GARCIA, 1992, p.9)
Terminamos o curso em dezembro de 2003, o que significou o fim de um período de
estudos e reflexões. As professoras Ivânia e Luciane, em suas narrativas
10
, revelam os
sentimentos e emoções que todas nós sentíamos naquele momento:
O ano de 2003 chegava ao final e com ele o PROFA também. Não eu, bem como todas
do curso com quem conversava, estávamos angustiadas por não sabermos como seriam
nossas vidas sem aqueles ricos momentos de estudo, de troca, de descoberta. (Ivânia)
Ainda este ano (2003), terminamos o curso e ficou um grande vazio em minha vida (...) as
aulas passaram a ser um local onde podíamos nos abrir, tirar dúvidas, trocar. (...) Nós,
profissionais da educação, somos muito solitários em nossa prática e o PROFA me fez
esquecer um pouco essa realidade (...) A sensação é de que aprendemos sempre e
compartilhamos isso com um pequeno grupo que deseja muito aprender. (Luciane)
Apesar da saudade destes momentos tão ricos, ficava, além da grande vontade em
acertar com os nossos alunos, a certeza de que precisávamos construir, nos espaços onde
atuávamos, o que chamamos de “cultura de colaboração”. Entretanto, como construir este
movimento nas escolas? Como minimizar os efeitos da solidão constante entre os
professores? Como driblar o tempo gido das escolas? Não nhamos ainda idéia do que
10
Estes trechos foram retirados do memorial que as professoras produziram quando faziam parte do projeto “De
professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo” e estão incluídos no texto “o que revelam
profissionais da educação quando refletem por escrito sobre sua trajetória profissional”, escrito por Marliza Bo
de Moraes e incluído no livro Porque escrever é fazer história: revelações, subversões, superações, organizado
por PRADO E SOLIGO.
34
iríamos fazer, apesar da sugestão de continuarmos nos encontrando. Transcrevo a seguir a
proposta enviada à SME, pelos concluintes do PROFA em 2003:
(...) o curso nos proporcionou uma oportunidade ímpar de reflexão sobre nossa
prática pedagógica, que nos levou à compreensão de que a alfabetização não visa somente à
aprendizagem da decodificação, mas à formação de leitores e escritores competentes. Mais
que a substituição de um discurso, o PROFA representou para nós a transformação da
compreensão e da ação, o que trouxe no ano de 2003 mudanças na prática de
alfabetização em nossas salas de aula.
Diante disto, vimos solicitar à Secretaria de Educação que estude a possibilidade de
acompanhamento deste grupo de profissionais no ano de 2004 por meio de encontros
mensais com as implementadoras, para que juntos possamos aprofundar o estudo da
proposta de alfabetização, discutir nossa prática e assim aprimorar o trabalho de formação
de cidadãos da cultura escrita. Cremos que tais encontros serão de suma importância no
processo de formação continuada dos professores desta rede de ensino e darão subsídios
para um trabalho pautado numa visão de letramento de nossos alunos, que certamente trará
resultados positivos no ciclo de alfabetização, com reflexos em todo o ensino fundamental.
Historicamente o processo de trabalho na sala de aula é realizado de forma
individual, repetitiva e homogênea. O professor, destituído dos seus saberes, vai sendo
reduzido a mero executor do que os “técnicos” julgam como o melhor método, as melhores
estratégias para ensinar os alunos a ler e escrever. Para Larrosa
O maior perigo para a pedagogia de hoje está na arrogância dos que sabem, na
soberba dos proprietários de certezas, na boa consciência dos moralistas de toda
espécie, na tranqüilidade dos que sabem o que dizer e o que se deve fazer e na
segurança dos especialistas em respostas e soluções (LARROSA, 1998, P. 8).
Nóvoa (1995) colabora para esta reflexão quando afirma que a separação entre quem
elabora o currículo de quem o executa legitima a intervenção dos especialistas científicos,
criando uma certa necessidade de controle externo, e sublinhando as características cnicas
do trabalho dos professores. Para o autor, isso retira margens importantes de autonomia
profissional, provocando uma degradação do seu estatuto. Ficam as seguintes indagações: O
que são os professores: “funcionários ou profissionais reflexivos? Técnicos ou
investigadores? Aplicadores ou co-construtores do currículo?” (p. 24).
Quando os concluintes do PROFA apontam a necessidade de reflexão em torno da
alfabetização estão, de alguma maneira, recusando o papel a que Nóvoa se refere: não
desejam ser meros executores, técnicos. Reconhecendo a importância do coletivo, do estudar
junto desejam refletir sobre a sua prática, encontrar soluções para os problemas que enfrentam
35
quando se deparam com as dificuldades inerentes ao exercício docente, sobretudo na
alfabetização. Querem, através do coletivo, construir a sua autonomia.
Segundo Alarcão (2001), neste processo de passagem da esfera de reflexão
individual para a coletiva, novas e diferentes práticas vão se tecendo. O professor reflexivo
surge como aquele capaz de teorizar sobre o que faz e refletir sobre o que ainda não sabe
fazer, mas com a ajuda de parceiros mais experientes pode vir a fazer. Por que será que não
consideramos a zona de desenvolvimento proximal também para a construção de
conhecimentos do professor?
Vygotsky nos ensina sobre o papel do outro na construção/ apropriação de
conhecimentos. Para ele, a mediação de alguém mais experiente é de fundamental
importância no processo de aprendizagem. É fazendo hoje com ajuda que amanhã serei capaz
de fazer sozinho. Para o autor a “zona de desenvolvimento proximal seria
(...) a distância entre o vel de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1989,
p.97)
Lembro-me de Maria Teresa, a orientadora da escola em que eu alfabetizei por tantos
anos, ao desafiar-me a trabalhar com textos em uma turma de alunos ainda não alfabetizados.
Após várias tentativas de convencimento, ainda não me sentindo segura, o quanto foi
importante vê-la atuando comigo, intervindo junto aos alunos, desafiando-os a escreverem
quando ainda não sabiam, tentando compreender como eles pensavam a escrita. Para mim,
isso seria impossível sozinha, naquele momento.
Marinalva, aluna do PROFA, hoje integrante da SOPPA, fala sobre a dificuldade que
enfrentou por não contar na escola com ajuda de parceiros que pudessem discutir, avaliar o
que tentava implementar como prática alfabetizadora:
A principal dificuldade foi a falta de parcerias nas escolas onde trabalho para avaliarem
comigo uma proposta didática que comecei a desenvolver. Outra dificuldade foi como
começar a trabalhar com textos, que os meus parâmetros em relação às outras
metodologias traziam um passo -a -passo a ser seguido. Eu descobri depois que precisava
começar colocando definitivamente os alunos em situações reais de leitura e escrita
(Marinalva, resposta ao questionário).
36
Este passo-a-passo a ser seguido que Marinalva afirma ter sentido falta diz respeito ao
que comumente encontramos nos manuais das cartilhas e também nas orientações recebidas
por algumas formações oferecidas : primeiro faça isso, depois aquilo...”. Como não seguir
“o método”, se é isso que fizemos por tanto tempo? Como arriscar uma prática de
alfabetização diferente em que não teremos mais palavras-chave, silabário, exercícios de
fixação e gradação de sílabas? Como “controlar” o que ensino e o que os alunos aprendem?
Não seria este medo uma sensação normal de quem experimenta uma nova maneira de
ensinar aos seus alunos? De quem, acostumado a trabalhar por vários anos do mesmo modo é
desafiado a pensar uma alfabetização mais dialógica, mais discursiva? Não estaria presente
o medo de arriscar-se, de não saber fazer?
Correr riscos, enfrentar o desconhecido se aproxima do que Larrosa considera como
experiência. Experiência considerada viagem, na qual o sujeito se prova e se ensaia. Para este
autor
A experiência é um passo, uma passagem. Contém o “ex” do exterior, do exílio, do
estranho, do êxtase. Contém também o “per” de percurso, “de passar através”, de
uma viagem na qual o sujeito da experiência se prova e se ensaia a si mesmo. E não
sem risco: no experiri está o periri, o periculum, o perigo ( LARROSA, 2002, p. 67).
Saber/ não-saber; insistir/desistir; avançar/ recuar. Sentimentos contraditórios, como
contraditório e complexo é o próprio cotidiano escolar. Não mudanças sem riscos, sem
medo. Então, porque para alguns a mudança é mais fácil do que para outros? Por que manter
uma prática alfabetizadora que vem sendo colocada à prova todos os dias, com a grande
quantidade de alunos que decodificam várias palavras de tanto vê-las nas diferentes salas de
aula em que freqüentam por vários anos, mas não conseguem utilizar a escrita para comunicar
o que pensam, o que sentem?
Seria falta de vontade de mudar das professoras? Seria medo de se arriscar por não
terem um passo-a-passo a seguir, como afirmou Marinalva? Segundo ALVES
É necessário olhar/ver/sentir/ tocar (e muito mais) as diferentes expressões surgidas
nas inumeráveis ações que somente na aparência, muitas vezes utilizada para
impressionar alguém postado em lugar superior, são iguais ou repetitivas. Preciso
mesmo buscar outro sentido para o que é repetição, buscando entendê-la nas suas
múltiplas justificativas e necessidades (ALVES, 2001, P. 28).
37
O repetido e o diferente possuem uma história. Precisamos aprender a questioná-los de
modos diferentes do que fomos ensinados, sabendo captar as diferenças e superando a
indiferença pelo outro (Idem, p. 28). Será que não levamos para a nossa sala de aula o que
vivemos como alunas? O nosso fazer não estaria impregnado dessas experiências? O que
embora pareça repetido, sempre assim o é? Como são consideradas as pequenas ações
cotidianas, muitas vezes não percebidas? Quais os impeditivos para a mudança?
Tratar o cotidiano escolar como complexo significa aceitar as suas contradições,
diversidades, compreendendo que jamais poderemos escapar da incerteza de ter um saber
total: “A totalidade é a não-verdade” (MORIN, 2006, p. 68). Considero que compreender
essas múltiplas e diversas realidades significa muito mais do que classificá-las, categorizá-las,
como sempre aprendemos: professores construtivistas/ professores tradicionais; alunos que
sabem/ alunos que não sabem. É preciso compreendê-las em suas complexidades e
articulações, buscando intervir tendo em vista e respeitando a história dos seus sujeitos.
Contrariando a lógica presente em muitas formações, em que o professor é visto como
aquele que não sabe ensinar, que não pensa, ou seja, tem uma cabeça esvaziada de
conhecimento e, portanto, precisa ser preenchida pelos conhecimentos do formador, vivíamos
no PROFA, com Tereza e Marliza a experiência de sermos reconhecidos como sujeitos de
conhecimento. Ao mesmo tempo em que os nossos saberes eram considerados, éramos
levados a refletir sobre eles, buscando compreender o que estava por trás, quais as concepções
teóricas presentes em nossas práticas e que muitas vezes nem nos dávamos conta delas. As
duas provocavam no grupo o desejo de superar as nossas limitações, alimentando em cada
uma de nós o desejo de avançar. Luciane fala sobre isso
Tereza e Marliza tiveram uma postura exemplar durante o PROFA. Elas são pessoas
incríveis e têm um alto conhecimento sobre o que estudávamos no curso. Buscavam
sempre mais para nos apoiar e me fizeram dar sempre mais de mim mesma. Eu precisei
me superar em vários momentos. Proporcionaram também muitos momentos onde
precisávamos falar sobre uma atividade realizada na sala de aula e nos faziam perguntas
muito importantes para refletirmos (Luciane, resposta ao questionário).
Esse clima de confiança estabelecido entre nós, cursistas do PROFA e Tereza e
Marliza foi essencial para que algumas de nós, ao sermos convidadas por elas a participarem
como formadoras do projeto “De professor para professor:um convite ao trabalho
38
cooperativo”, não tivéssemos dúvidas em aceitar. Sabíamos que eram pessoas sérias, com as
quais poderíamos contar. É sobre este projeto que trato agora.
3.2- O projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”
De acordo com dados apresentados pela Secretaria de Educação de Duque de Caxias,
no ano de 2003, foi alcançado um índice de mais de 40% de alunos retidos no ano do Ciclo
de Alfabetização. Este fato vem se repetindo desde a implementação deste ciclo no município,
no ano de 1993, apesar da significativa quantidade de projetos desenvolvidos que tiveram
como objetivo regularizar o fluxo, diminuindo a quantidade de alunos com distorção série-
idade nas turmas de alfabetização, como as “Classes de Aceleração de Aprendizagem”, o
projeto “Reforçando o Ciclo” e “Repensando a Retenção”.
Freitas (1994), um dos autores que vem discutindo a questão dos ciclos, afirma que a
proposta de ciclos é herdeira de uma postura progressista, que a escola como um espaço
transformador e que, para tal, deve ser igualmente transformado em suas finalidades e suas
práticas, em seus espaços de gestão e em seus tempos de formação. Entretanto, na realidade
do Município de Duque de Caxias, percebemos que poucas coisas mudaram. Continuamos
tendo uma escola organizada parcialmente
11
em ciclo, mas funcionando como uma escola
seriada. E, o que é pior, apenas “jogando para frente” o fracasso escolar.
Considerando os resultados obtidos ao término de 2003, a SME aceitou a proposta
apresentada pelas professoras Tereza Cristina Barreiros e Marliza Bodê de Moraes, ambas
coordenadoras de grupos do PROFA na época, de um investimento contínuo na formação dos
professores desde o ano do ciclo. Inicia-se, então, o projeto “De Professor para Professor:
um convite ao trabalho cooperativo”.
Este projeto previa o assessoramento aos professores regentes de turmas do ano do
Ciclo de Alfabetização interessados
12
em aprofundar estudos acerca da alfabetização com
11
Digo parcialmente porque o ciclo em Duque de Caxias compreende somente os três primeiros anos de
escolaridade. Em seguida, a organização se dá por série.
12
Os professores inicialmente participaram de um seminário de dois dias sobre alfabetização e depois optaram
por participar ou não do projeto.
39
textos e tinha como estratégia central a reflexão em torno da organização do trabalho
pedagógico, de modo a ajudar efetivamente os alunos a se apropriarem da leitura e escrita
Envolvendo diretamente duzentos e cinco professores regentes, oitenta e duas escolas,
cinco mil duzentos e trinta alunos, dezessete professoras adjuntas e duas coordenadoras, este
projeto serviu para mostrar que não podemos aceitar o discurso, hoje tão em moda, de
responsabilização do professor pelos maus resultados na alfabetização dos seus alunos. O que
vimos, em praticamente todas as escolas, foi um professor buscando alternativas de melhor
ensinar aos seus alunos, apesar de muitas vezes não saber como, quer por questões de
formação ou estruturais, entre tantas outras.
Sabemos que alfabetizar não é tarefa fácil. Principalmente se consideramos que não
há, nos espaços escolares, um movimento de reflexão coletiva sobre este processo. Espera-se
que o professor saiba alfabetizar, entretanto, como fazer se a ele não são oferecidas condições
técnicas para tal, nem em sua formação inicial, nem em sua formação em serviço?
A construção de uma cultura de colaboração mostra-se imprescindível neste processo
de reflexão sobre a própria prática, de estudar teorias, de repensar e replanejar as suas ações à
luz destas teorias. Segundo Barreiros
13
:
Poucos são os professores que preferem correr os riscos do isolamento quando lhes
são oferecidas condições reais de desfrutar das vantagens da cooperação.
Especialmente a da complementaridade da ação dos envolvidos num projeto
compartilhado, que favorece enormemente o seu sucesso.
Cada professora adjunta acompanhava em média dez professores em encontros
semanais nas escolas. Nestes encontros, tínhamos como objetivos estudar os processos de
aprendizagem da língua escrita e proporcionar reflexões acerca da organização do ensino,
considerando a heterogeneidade de conhecimentos dos alunos em relação à leitura e escrita.
Além dos encontros nas escolas, os professores participavam de grupos de estudos
mensais, com duração de três horas, sob a coordenação das professoras Marliza Bodê de
Moraes e Tereza Cristina Barreiros, que reuniam profissionais de diferentes escolas, e
também de dois seminários semestrais com duração de seis horas. Tínhamos como eixo de
nossas pautas de trabalho os conteúdos a seguir:
13
Barreiros, Tereza Cristina. Texto integrante do documento de inscrição do Projeto “De professor para
professor: um convite ao trabalho cooperativo” no prêmio Além das Letras- Formação Continuada de
Professores”, promovido, em 2004, pelo Instituto Avisa Lá, com o apoio do Unicef e da Unesco.
40
- Letramento como processo de sustentação da aprendizagem do sistema de escrita.
- Procedimentos que os não-alfabetizados utilizam para ler/aprender a ler e para
escrever/aprender a escrever.
- Avaliação a serviço da aprendizagem.
- Uso da metodologia de resolução de problemas na alfabetização.
- Análise da adequação de situações didáticas de alfabetização, a partir do conhecimento
sobre os processos de aprendizagem.
- Papel das interações produtivas na aprendizagem inicial da leitura e da escrita.
- Possibilidades de trabalho pedagógico centrado na leitura de textos desde o início da
alfabetização.
- Práticas de leitura e produção textual na escola, considerando as funções comunicativas
dos diferentes gêneros.
- Formas de organização dos conteúdos escolares: atividades permanentes / seqüenciadas /
independentes e projetos.
- Planejamento da rotina de trabalho em função dos objetivos definidos para o ano letivo.
Ao final do ano, pedimos que cada professor participante relatasse, por escrito, como
havia sido o projeto, quais as dificuldades enfrentadas durante o ano, os desafios e
os avanços percebidos. A professora Joana
14
fala sobre a sua dificuldade para compreender a
maneira como pensávamos a alfabetização, pois, para ela, as crianças poderiam ter acesso
a textos de verdade depois que estivessem alfabetizados, prática comum nas classes de
alfabetização.
No início fiquei até bastante insegura em relação à proposta, tive até uma certa
resistência em aceitá-la, pois achava que as crianças não iriam aprender nada. De que
forma as crianças iriam aprender através de diversos textos se não sabiam ler? Fiquei
muito preocupada porque a maioria das minhas crianças nem sabia pegar no lápis. Como
iriam escrever e ler sem saberem? Com o passar do tempo e com a ajuda dos grupos de
estudos e da professora Janete que ia à escola uma vez por semana fiquei mais segura e
acreditei mais na proposta (Joana- professora alfabetizadora da rede municipal de Duque
de Caxias)
15
14
Optei por trocar o nome desta professora, pois não faz parte da SOPPA e não consegui lhe pedir autorização
para que o seu nome fizesse parte deste trabalho.
15
Fragmento do registro de avaliação do projeto, feito pela professora e entregue ao final do ano de 2004.
41
É inevitável o medo do novo, como o que demonstrou a professora Joana no início
dos estudos sobre uma outra proposta de alfabetização. Considerar o aluno como leitor e
escritor em potencial desde os primeiros dias de escolaridade, refletir sobre como o aluno
aprende, como pensa, quais erros comete e o porquê desses erros não e um processo fácil e
rápido. A mudança não se de um dia para o outro, principalmente porque ninguém, diante
de um conhecimento novo, abandona a sua história, a sua experiência. O processo de
compreensão de uma concepção de aprendizagem não permite a imediata construção de uma
ação pedagógica coerente com ela. Como acontece com os alunos, na formação do professor,
os equívocos, as incoerências fazem parte do processo de aprendizagem.
Estou me criando , ainda não existo” . Citando este verso de Ivánov, Bakhtin, nos
fala sobre o processo de formação como um momento necessário de nascimento e morte. A
formação não está pronta e por isso faz sofrer: ela passa, abandona-se, dissipa-se
(BAKHTIN, 2003, p. 416). Entre o nascimento e a morte dores, sofrimentos. Por isso, o
medo. Por isso, algumas vezes nos acomodamos, como se essa acomodação pudesse nos
livrar da dor. Entretanto, nos lembra Freire: “não posso ser educador se não percebo cada vez
melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de
posição” (FREIRE, 1998, p. 115). Em se tratando do ensino da língua, que posição tomar,
que tipo de aluno pretendo ajudar a formar: aquele que reproduz discursos alheios ou o dono
da sua palavra, porque desde cedo imerso em ambientes favoráveis à produção e leituras do
mundo e sobre o mundo?
Na concepção instrumental da língua, ensinar e aprender a ler e escrever ainda é,
muitas vezes, reduzido à aquisição de uma técnica. É preciso primeiro que o aluno adquira a
compreensão da gica do sistema, para mais tarde interagir com os textos e produzir os
seus próprios, ou seja, é preciso adquirir primeiro a técnica de ler e escrever e depois ter
direito a ler e escrever.
Para Bakthin (2003), a linguagem não pode ser reduzida a uma relação de ordem
lógica, lingüística, mecânica. Ela se dá a partir de enunciados concretos por trás dos quais está
um sujeito real, o autor do enunciado. Desse modo, ler um texto é muito mais que decifrar
letras e palavras, é dialogar com ele, atribuindo-lhe sentido. Escrever um texto é produzir
discurso, narrar a sua própria palavra e não a palavra do outro. Como, então, trabalhar de
modo a não minar a capacidade da criança de produzir textos, discursos, desde o início da
42
alfabetização? Basta mostrar às crianças como se unem as letras formando labas, palavras e
textos? Busco em Smolka algumas reflexões para tais questionamentos:
O problema, então, é que a alfabetização não implica, obviamente, apenas a
aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve
apenas uma relação da criança com a escrita. A alfabetização implica, desde a sua
gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais profundamente, uma
forma de interação com o outro pelo trabalho de escritura- para quem eu escrevo o
que escrevo e por quê? A criança pode escrever para si mesma, palavras soltas, tipo
lista, para não esquecer, tipo repertório, para organizar o que sabe. Pode escrever
um texto, ou tentar escrever um texto, mesmo fragmentado, para registrar, narrar,
dizer... Mas essa escrita precisa ser sempre permeada por um sentido, por um desejo,
e implica ou pressupõe, sempre, um interlocutor ( SMOLKA, 2001, p. 69).
Um dos nossos desafios, portanto, como alfabetizadoras, seria orientar as nossas ações
para a formação de pessoas que saibam ler e se comunicar por escrito, em diferentes situações
em que isso se faça necessário. Ou seja, aproximar ao máximo a prática escolar da prática
social da leitura e da escrita. Certamente, não conseguiremos isso com atividades mecânicas e
desprovidas de sentido. É lendo e escrevendo que a criança aprende a ler e escrever.
Certamente, também, não basta que se diga aos professores que a partir de um certo momento
ele terá que abandonar o que tem feito, pois uma nova metodologia deverá ser implementada.
Para que possamos assegurar aos alunos seu direito de aprender, precisamos garantir que os
professores também tenham garantido o seu direito de aprender a ensinar.
Para a formação do professor alfabetizador é extremamente necessário que se pense
nisso, pois sabemos que a mudança radical de perspectiva que ocorreu nas duas últimas
décadas, em relação ao ensino e aprendizagem da língua escrita, não teve suficiente eco nas
instituições formadoras e que, nas escolas onde atuam, os professores encontram muito
poucos espaços para a discussão de suas ações. Entretanto, é perigoso afirmar que somente as
formações às quais os professores participam serão suficientes para a mudança na proposta
didática. Primeiro porque esta mudança não depende unicamente de esforços individuais,
depois porque assumir uma nova postura alfabetizadora significa reformular tudo o que cada
um construiu na sua história de vida, inserido nesta os valores e crenças construídos
socialmente sobre como se ensina e como se aprende.
Para que a formação de professores possa constituir-se em um processo de
desenvolvimento pessoal e profissional, é imprescindível considerar os processos através dos
quais nos apropriamos do conhecimento, as nossas características pessoais e o conhecimento
experiencial adquirido na prática. Para isso, é preciso estar aberto à palavra do outro,
43
compreendendo-a como singular, única. No memorial escrito por mim, durante o projeto “De
professor para professor...”, falo sobre o papel que deve assumir o formador no processo de
formação de professores:
Estar atuando juntamente aos professores me faz refletir sobre a minha própria formação.
Quantas pessoas me ajudaram e têm me ajudado neste processo! Não consigo imaginar o
tanto de paciência que tiveram comigo. Saber que se errasse teria ao meu lado pessoas
que confiavam em mim e me ajudariam para que da próxima vez me sentisse mais segura
foi e tem sido essencial para o meu crescimento.
Acredito que este deva ser o papel de responsáveis pela formação de professores: saber o
que sabem, ouvir, acolher, questionar, compartilhar, respeitar cada um e fazê-lo
acreditar que é capaz de se melhorar a cada dia. Afinal, se acreditamos que com as
crianças temos que agir desse jeito, por que com os professores deveria ser diferente?
(Janete)
No projeto “De professor para professor...” , nhamos como principal pressuposto a
idéia de que não poderia haver nenhuma imposição a respeito da proposta metodológica a
qual estávamos estudando. Acreditamos que mudanças conceituais não acontecem por esta
via. È no processo de reflexão, que acontece internamente, mesmo que despertado
coletivamente, que os sujeitos redefinem as suas práticas. “O processo pelo qual o indivíduo
internaliza a matéria- prima fornecida pela cultura não é um processo de absorção passiva,
mas de transformação, de síntese” ( VIGOTSKY, 1989, P. 38).
Por isso, é evidente a necessidade de se criar espaços de discussão, onde os
professores possam explicitar as suas crenças, as suas concepções de ensino e de
aprendizagem, refletir sobre elas, confrontar experiências. Isso não se consegue de uma hora
para outra, com encontros que acontecem esporadicamente e de curta duração. É preciso que
o professor se sinta confortável e que veja no formador um parceiro que o acolhe e o respeite.
Concordamos com Lerner, quando afirma que uma variável importante nos projetos de
formação é o tempo. Segundo a autora:
As “jornadas” de duração muito curta- às vezes uma manhã- podem ser úteis para
dar a conhecer que uma questão existe, mas são sempre insuficientes para analisá-la
e, portanto, é muito difícil que gerem algum efeito na prática, embora em alguns
casos possam despertar inquietações; por outro lado, uma quantidade de horas
quarenta, por exemplo- distribuída numa semana apenas não equivale a essa mesma
quantidade de horas distribuída em vários meses, que essa última distribuição
permite que os professores leiam bibliografia, ponham em prática novas atividades e
discutam com seus colegas entre uma reunião e outra (LERNER, 2002, p. 45).
44
Este era um aspecto abordado pelas professoras que fizeram parte do projeto. A
continuidade dos estudos, as discussões sobre as atividades e o acompanhamento nas salas de
aula ao longo do ano foi essencial para que as professoras adjuntas e as professoras que
estavam nas escolas alfabetizando pudessem estabelecer laços de confiança, respeito e
parceria. Em alguns meus registros de acompanhamento às professoras Carla e Marta
16
, feitos
a cada encontro com elas nas escolas, escrevo sobre isso:
A professora disse que se desvencilhar de algumas coisas que fez durante muito tempo é
difícil, mas que tem tentado. Falou que quando iniciou o ano, não trabalhava com a
silabação, mas sentia necessidade de chamar os alunos um por um à sua mesa para lerem.
Agora reconhece que o que esperava era que decifrassem tudo o que acreditava ter
ensinado. Segundo Carla, isso foi o que teve mais dificuldade de abandonar, pois
acreditava que precisava treiná-los na leitura. (Relatório do encontro do dia 03 de agosto
de 2004 com a professora Carla).
A professora falou sobre esta possibilidade de estudos. Para Marta, o que tem sido
maravilhoso é a troca que acontece, pois como afirma: “Muito da teoria eu conheço,
mas ainda não me senti segura para colocar em prática. Hoje, podendo tirar dúvidas e
voltar a alguns textos teóricos, me sinto mais disposta a ousar”. ( Relatório do encontro do
dia 14 de setembro de 2004 com a professora Marta ).
Além de significar para os professores atendidos a possibilidade de troca e estudos, o
que, na maioria das vezes, não acontece nas escolas, este projeto significou muito também
para as professoras adjuntas. É sobre isso que nos fala Gerusa
17
(...) o trabalho no projeto tem sido a experiência profissional mais interessante que
realizei (...) as discussões com as professoras que acompanho me dão o apoio de que
sentia falta para realizar as atividades em sala, vejo pessoas realizando coisas
semelhantes às minhas, passando pelos mesmos conflitos, fazendo com que eu avance
junto com elas (Gerusa- professora adjunta).
Toda experiência coletiva traz a compreensão de que no processo ensinoaprendizagem
estamos constantemente alternando papéis. Somos aprendizes e formadores, um aprendendo
com o outro e construindo coletivamente novos conhecimentos. De acordo com Pérez (2003,
p. 117):
16
Por ter perdido o contato com estas professoras, não sendo possível pedir autorização para que os seus nomes
constassem da pesquisa, as trato por codinome.
17
A professora Gerusa participou do PROFA e do projeto “De professor para professor...”.. Este trecho foi
retirado do memorial escrito por ela, em 2004, quando participava deste projeto” e integra o texto escrito por
Marliza Moraes para o livro “Porque escrever é fazer história”, organizado por PRADO e SOLIGO.
45
Não existe formação no singular, a formação é sempre um processo intersubjetivo.
Escutar, ler, articular saberes, unir fazeres e incorporar vozes, palavras, memórias,
histórias e narrativas ao processo de formação das professoras é ampliar a própria
perspectiva de formação.
Marliza Bodê de Moraes, uma das coordenadoras do projeto, escreve, a partir dos
nossos memoriais de formação, atividade realizada no PROFA e posteriormente no projeto
“De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo, um artigo
18
em que conclui
que o que mais marcou as professora adjuntas neste trabalho foi a experiência de
compartilhar. Neste artigo afirma que:
Seguramente, a disponibilidade para, em conjunto, enfrentar os desafios inerentes à
continuidade da própria formação e atuar de modo que um mero cada vez maior
de professores se torne capaz de alfabetizar seus alunos foi o que não produziu
como manteve a solidariedade desse grupo de profissionais e o transformou numa
comunidade de aprendizes mútuos (BODÊ, in PRADO E SOLIGO, p. 306, 2005).
Para Pérez Gomes (2001) a cultura da colaboração é requisito fundamental de uma
organização institucional que pretende a relevância e a eficácia. Entretanto, afirma que,
considerando a cultura docente escassamente familiarizada com a colaboração como tem sido
ao longo dos anos, esta se torna tão difícil e complexa tal qual o próprio processo educativo.
Para o autor, o isolamento do professor é terreno fértil para a passividade, a reprodução
acrítica e conservadora de uma cultura que foi adquirida ao longo de sua prolongada vida no
ambiente escolar.
Salas de aula com as porta fechadas, professores que dificilmente pedem ajuda, como
se pedir ajuda demonstrasse falta de competência. Aquele que pede ajuda é o que não sabe
fazer, não tem domínio de turma, é inseguro. Resolver os problemas sozinho significa ter
autonomia.Não estaríamos aqui confundindo autonomia com isolamento? Por que ensinar
tem que ser um ato solitário?
De novo Pérez Gomes (2001) nos ajuda a pensar sobre esta relação
autonomia/isolamento. Este autor define três tipos de isolamento: o isolamento como estado
psicológico, marcado pela insegurança e o medo à crítica; o isolamento ecológico, definido
pelas condições físicas espaciais e temporais do contexto escolar e o isolamento adaptativo,
18
“O que revelam profissionais da educação quando refletem por escrito sobre sua trajetória profissional”, artigo
incluído no livro “Porque escrever é fazer história: revelações, subversões, superações. Organizado por PRADO
E SOLIGO.
46
concebido como estratégia pessoal de refúgio para assumir, com mais liberdade, uma postura
divergente das presentes no ambiente em que trabalha. Estes três tipos de isolamento, segundo
afirma o autor, traz conseqüências tanto para o desenvolvimento profissional do próprio
docente, como para uma prática educativa de qualidade, comprometida com a mudança.
O isolamento profissional dos docentes limita seu acesso a novas idéias e melhores
soluções, provoca que o estresse se interiorize, acumule e infecte, impede o
reconhecimento e o elogio do êxito, e permite que os incompetentes permaneçam em
prejuízo dos alunos, e dos próprios colegas docentes ( 2001, p. 168)
A busca por uma ação mais consciente, exige aprofundamento teórico e um constante
refletir sobre esta ação. Assim se constrói a autonomia do professor. Dificilmente este
professor consegue isso sozinho. Ele precisa de um coletivo que se constitua na partilha e
reflexão das experiências individuais, pois não formação que não passe por si próprio.
(...) A experiência é algo pessoal, mas se transforma em conhecimento se for submetida à
opinião dos outros” (NÓVOA, 1995, p. 29).
Tereza, ao escrever sobre o trabalho da nossa equipe, tal qual Pérez Gomes, ressalta a
importância da parceria e troca na formação do professor.
Confiamos nas nossas possibilidades de aprimorar continuamente a prática que
escolhemos para nós, mas não de modo solitário. Estamos certas de que é preciso
compartilhar leituras, socializar reflexões pessoais, planejar em conjunto, organizar
registros do cotidiano, revisar coletivamente ações desenvolvidas, sempre em busca da maior
adequação possível de nossas ações futuras. É assim que fortalecemos nossos vínculos de
equipe, é assim que nos fortalecemos profissionalmente.
Conforta-nos empregar o pronome nós. Esse tem sido um dos aspectos mais
ressaltados nos elogios feitos ao nosso trabalho. Estamos trazendo muitos colegas para perto
porque deixamos claro que temos o direito, a necessidade e o prazer de co-operar.
Ampliando nossa roda de discussão, multiplicamos as oportunidades de crescimento
profissional para todo mundo. Assim, cada participante dessa rede de idéias vai-se tornando
mais seguro, mais autônomo, mais bem-sucedido em seus esforços de profissional
responsável pelo ensino. E aumentam muito suas chances de se sentir feliz dentro da escola,
na companhia de seus pares e dos alunos
19
.
Passar de uma formação individual para uma concepção de formação coletiva é um
processo complexo e, na maioria das vezes, de difícil concretização. Ao ler hoje os meus
registros dos encontros com as professoras nas escolas, e lembrar dos registros de outras
professoras adjuntas, recupero as dificuldades que enfrentamos. Algumas diretoras e
19
“Sobre nós”, texto redigido e lido pela professora Tereza Cristina Barreiros e lido na última reunião de equipe
do projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”.
47
orientadoras pedagógicas, por diferentes motivos, praticamente impediam os momentos de
estudos, dificultando ao máximo a nossa presença nas escolas.
Acreditando que só é conhecimento o que pode ser medido, mensurado, estas diretoras
e orientadoras nos procuravam querendo saber: quantos alunos nas turmas de ano do ciclo
ainda estavam pré-silábicos, quantos não acompanhavam” a turma; se a professora iria
dar conta de ensinar todas as “sílabas simples” até o final do ano...
Se á época do projeto tivesse lido Boaventura de Souza Santos, iria compreender
estes questionamentos como parte de um movimento hegemônico de busca de leis,
regularidades que venham a explicar algum fenômeno. Sob esta lógica, “Conhecer significa
dividir e classificar para depois determinar relações sistemáticas entre o que se separou”
(SANTOS, 2005, p.63).
De posse destas informações, caberia às diretoras e orientadoras: apontar as melhores
e piores professoras, a quantidade de alunos fracos” e “fortes”, a qualidade do ensino
ministrado pelas professoras, a ser medido pela quantidade de letras ensinadas. Busco
novamente em Santos subsídios para compreender o que antes não me era possível. Para este
autor, o lugar que a matemática assume na ciência moderna define a necessidade de
quantificação em detrimento da qualificação.
A matemática fornece a lógica da investigação. (...) Conhecer significa quantificar.
O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do
objecto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as
quantidades em que eventualmente se podem traduzir (Idem , p.63).
Outra idéia presente nestas conversas entre nós, as professoras adjuntas, e as diretoras
e orientadoras, nas visitas às escolas, é a de que basta que professor entre em contato com
uma nova proposta de alfabetização para que ele passe a incorporá-la ao seu cotidiano escolar.
Acreditando que o conhecimento é algo dado, bastando aos professores recebê-los e aplicá-los
em suas salas, são feitas cobranças, considerando o que foi “ensinado” pelos formadores.
Como se fosse possível apagar tudo o que estes professores sabem, desconsiderando a sua
história de vida e a sua trajetória profissional.
Considerar a experiência do professor como importante no processo de formação,
significa admitir uma outra forma de se relacionar com o conhecimento, percebendo que,
além do cognitivo, é preciso levar em conta aspectos afetivos, culturais, políticos, históricos.
48
um trecho de Madalena Freire, em um diálogo
20
estabelecido com Telma Weisz, que,
acredito, capta bem esta dimensão:
É necessário pensar outra visão da teoria, na qual ela assuma, sem medos, a
subjetividade do educador, a expressão individual, única, própria desse sujeito nesse
tempo e nessa realidade.
Apreender o objeto é ser capaz de falar sobre ele. Na medida em que me aproprio de
minha fala sobre um determinado objeto, estou no caminho para apropriar-me do
sentido de minha prática sobre esse objeto. se constrói conhecimento quando as
pessoas expressam suas afetividades, suas singularidades unidas no esforço de
alcançar um saber universal (FREIRE. In FERREIRO, 1990, p. 25).
Iniciamos 2005 com a certeza de que o projeto De professor para professor: um
convite ao trabalho cooperativo” não teria continuidade, apesar de inúmeros pedidos dos
professores participantes. Sobre essa descontinuidade de projetos educativos, Collares,
Moysés e Geraldi (1999) afirmam que, como a educação continuada atende aos planos de
governo e não aos interesses dos professores, cada mudança de governo representa um
recomeçar do zero, como se nada até aquela data tivesse sido construído. È um negar da
história, um eterno recomeçar. Entretanto, afirmam os autores, a história está lá, na escola, na
sala de aula, nos saberes e experiências do professor.
Para estes autores, as políticas públicas podem, em alguns casos, ser considerada
privada, que representam o interesse apenas de um grupo. As pessoas que fazem parte dos
projetos são desconsideradas e os saberes por elas produzidos desqualificados. O poder
político, como poder dominante, a cada quatro anos, ou quem sabe oito, cria novas formas de
reapropriação do espaço escolar através de novos projetos, novas mudanças curriculares
(idem, 1999).
Em uma carta, escrita por Marliza, para nos informar sobre os rumos que estavam
tomando as negociações do projeto com a nova gestão da secretaria, fica evidente o quanto o
poder que, por ora se institui, não leva em conta o passado, como se este pudesse ser anulado.
Caras professoras adjuntas
Acreditamos que, como nós, vocês estejam desejosas por saber da continuidade ou não do
projeto “De professor para professor”, por várias razões, entre as quais destacamos pelo
menos quatro: o desejo de que muitas crianças tenham assegurado o direito de aprender a
ler e escrever para tornarem-se, de fato, cidadãs da cultura escrita, a certeza de que os
professores também precisam ter assegurado o seu direito de aprender a ensinar, a
20
Diálogo presente no livro: “Os filhos do analfabetismo: propostas para a alfabetização escolar na América
Latina, organizado por Emília Ferreiro.
49
clareza sobre a importância do projeto para que isso aconteça e, é claro, a vontade de
darem continuidade ao belíssimo trabalho que iniciaram como professoras adjuntas.
Justamente porque compartilhamos sonhos e preocupações comuns, resolvemos informá-
las sobre a quantas anda o contato com a nova equipe da Secretaria de Educação.
Eu e Tereza participamos de duas reuniões na SME. A primeira aconteceu no dia 03/01
e teve como propósito a apresentação de toda a equipe da Coordenadoria de Educação e
suas atribuições à nova coordenadora. (...)Tereza expressou seu desejo de atuar na
formação de professores alfabetizadores na segunda etapa do projeto. Eu comuniquei
minha saída e o sonho de que o projeto continuasse e se tornasse uma referência de
formação de professores para outras redes de ensino e também para a universidade. Ao
final da reunião, marcamos outro encontro, desta vez para falar, especificamente, do
PROFA e do Projeto. A nova coordenadora comentou que muitos professores já lhe
perguntaram sobre a continuidade do PROFA.
Da segunda reunião, no dia 10/01, participamos eu, Tereza, Márcia, as quatro
coordenadoras de grupo do PROFA e a atual equipe da Coordenadoria.(...) Ao final dessa
reunião, fomos informadas de que neste momento não haverá nenhuma possibilidade de
liberação de hora extra, o que inviabiliza a continuidade do projeto. Por essa razão, as
professoras com matrícula no projeto foram convocadas a retornar às suas escolas.
(...)Não foi demonstrada preocupação quanto a frustrar as expectativas dos professores
que participaram do projeto, apesar de termos insistido no número expressivo de
alfabetizadores interessados na continuidade da parceria estabelecida conosco.
De toda forma, ficou agendada uma reunião para a primeira semana de fevereiro em que
teremos a apresentação das decisões da nova equipe da Coordenadoria quanto à
formação de professores. Até lá, permanecerá nossa inquietação.
(...)Por favor, confirmem o recebimento desta cartinha e dos anexos, está bem?
Beijos saudosos!
Marliza
Marliza e Tereza participaram de várias reuniões. Em algumas delas, precisaram
esperar por várias horas até serem atendidas. Em outras, apesar de terem sido agendadas, nem
sequer foram recebidas. As pessoas responsáveis por projetos relacionados ao Ensino
Fundamental diziam se interessar pelo projeto, mas afirmavam não entender o porquê da
necessidade de manter a mesma equipe de professoras adjuntas, que na própria secretaria
havia pessoas “qualificadas” para o assessoramento que o projeto previa aos professores nas
escolas. Este fato foi decisivo para Tereza retornar para uma escola, na função de orientadora
pedagógica e Marliza, como já era a sua intenção, pedir exoneração do município.
O que fazer, então, frente o desânimo e a frustração que nos assolavam? Como
continuar com os movimentos de estudos a que estávamos acostumados e sentíamos tanta
necessidade, se sabíamos que nas escolas dificilmente isso acontece? Como fazer para que os
professores com os quais lidamos neste período compreendessem que lutar por uma escola de
qualidade traz consigo a luta pelo direito do professor de estudar, refletir sobre sua prática, de
se assumir como professor pesquisador?
50
Assumindo o lugar da enunciação de nossa própria formação (ibidem, 1999) e criando
artes do fazer” (CERTEAU, 1994), não aceitamos ser apenas consumidores do que nos é
apresentado como projeto de escola, de educação e de formação de professores. Este autor,
em sua obra “A invenção do cotidiano” desenvolveu alguns conceitos, dentre eles os de
estratégias e táticas, que nos ajudam a compreender este momento vivido. Para ele, as
estratégias são exercidas pelo grupo que têm o poder, enquanto as táticas são elaboradas pelos
mais fracos, como mecanismo de defesa que nos permitem resistir, continuar. Criamos, então
a SOPPA. Esta seria a nossa tática. Uma possibilidade de continuar lutando por uma outra
escola, uma outra sociedade, mais solidária e justa. É a história desse grupo que,
acompanhada das demais integrantes, pretendo agora narrar.
51
4ª PARTE
SOPPA: REGISTROS DE UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO
Nesta reconstituição de fatos velhos,
neste esmiuçamento,
exponho o que notei, o que julgo ter notado.
Outros devem possuir lembranças diversas.
Não as contesto,
mas espero que não recusem as minhas:
conjugam-se, completam-se
e me dão hoje a impressão da realidade.
( Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, 1994).
Como escrever sobre a SOPPA, se até agora ninguém o fez? Tão acostumados que
somos a apenas reproduzir palavras alheias, a transcrever o escrito, sobram-me idéias,
faltam-me palavras. Será tão difícil escrever sobre um grupo ao qual faço parte, onde, um
sábado a cada mês, experimentamos o prazer de compartilhar idéias, saberes e sonhos de
construir uma escola de qualidade para as crianças que freqüentam as nossas salas de aula?
Transformar a nossa experiência, considerando esta como aquilo que nos toca, ou que
nos acontece (LARROSA, 2001), em uma escritura não é tarefa das mais fáceis. Me entrego
ao desafio. Busco na memória, nas narrativas minhas e das demais integrantes do grupo a
nossa história, o porquê da nossa existência, o que nos aproxima.
Remexer no passado... lembrar...sorrir...chorar.
Memórias, pedaços de acontecimentos, resíduos de experiência, retalhos de vida que
escolhemos para lembrar. (...) O processo de tessitura das lembranças é tramado pela
utilização da sensibilidade da memória, através da linguagem e dos sentidos, que
cada sujeito atribui aos fatos e acontecimentos vividos em sua trajetória pessoal-
social, o que torna a experiência comunicável (Pérez, 2003, p. 103).
Ao buscar na memória elementos que resgatam a história que ficou para trás, trazemos
à tona sentimentos, muitas vezes, não conhecidos. São momentos selecionados, muitas vezes
de maneira inconsciente, mas que ao serem lembrados nos possibilitam construir novos
significados, novas interpretações. A memória não é um depositário passivo de fatos, mas
também um processo ativo de criação de significações” (PORTELLI, 1997, P. 33).
52
Minha memória traz, então, a lembrança do final de 2004. Toda a equipe, após a
reunião, saíra para jantar. O que era para ser um momento de confraternização e
comemoração pelo grande sucesso que havia sido o projeto “De professor para professor: um
convite ao trabalho cooperativo”, de acordo com a nossa avaliação e também das professoras
alfabetizadoras que haviam participado, se transforma em incertezas e uma certa ponta de
mágoa pelo descaso com que a nova equipe da SME, ainda em período de organização, estava
tratando o projeto. Eu mesma falo sobre este dia:
Foi uma tristeza só. A dúvida nos angustiava. Sabíamos dos pedidos dos professores para
a continuidade do projeto, mas não tínhamos nenhuma resposta da Secretaria de
Educação. Lembro da Tereza ao ler o texto que escreveu sobre nós. Ela quase não
conseguiu finalizar a leitura. Além disso, sabíamos da decisão da Marliza de pedir
exoneração do município. Apesar de tudo, ainda tínhamos esperanças. Era torcer e
esperar o ano de 2005 começar.
Retorno às palavras de Pérez para justificar esta minha lembrança. (...) fica o que
significa, sons, cheiros, gostos, sentimentos” (2003, p.103). Ao lembrar-me deste
acontecimento, momento vivido, sinto (ou imagino?) a indignação no rosto de algumas
professoras, a tristeza por termos a certeza de que iríamos nos afastar da Marliza, pessoa
admirada por todo o grupo. A vontade, contida pela timidez, de dar-lhe um abraço e dizer o
quanto ela havia colaborado com a minha formação (por que não o fiz?). Neste movimento de
escrever sobre o vivido, me dou conta da intensidade dos sentimentos experienciados e, quem
sabe, negados, negligenciados.
Considero que para melhor compreender este grupo é preciso conhecer a história que
cada professora conta sobre ele, sabendo que estas histórias são carregadas de ilusões,
verdades, fantasias, criação, reprodução...Não são, portanto, uma produção neutra. O que
falam, então, as professoras que vivenciaram este momento? Quais as diferentes versões para
a nossa origem? Uma é mais verdadeira que a outra? Existe mesmo uma origem? Ou seria
nossa a necessidade de estabelecer um início, um marcador temporal para a nossa história?
Para Benjamin a origem designaria um salto para fora da sucessão cronológica
niveladora à qual uma certa forma de explicação histórica nos acostumou” (BENJAMIN
apud GAGNEBIN, 1999, p. 10). Desse modo, me aproximando da concepção de história de
Benjamin, busco trazer para esta parte do trabalho, as diferentes versões do passado, da nossa
origem, entendida muito mais em termos de intensidade do que cronologia. Apesar de não
53
desconsiderar a origem como uma retomada do passado, Benjamin afirma que ela é abertura
para o futuro, um projeto inacabado e indefinido. Passemos então à origem da SOPPA,
segundo a fala de suas integrantes.
no PROFA discutíamos a necessidade de continuarmos estudando após a sua
conclusão. Para nossa alegria veio o projeto “De professor para professor” que nos
permitiu, além de partilharmos os conhecimentos recém construídos, prosseguirmos
aprendendo. Mas com o encerramento do projeto ficamos sem chão. Desde 2002
estávamos estudando sobre a psicogênese da língua escrita e a alfabetização com textos,
bem como descobrindo que esta prática de ensino exige estudo, planejamento e avaliação.
Como dar continuidade a este aprendizado sozinhas em nossas escolas, onde primam
práticas tradicionais de ensino? Nos nossos encontros e telefonemas naquele final de 2004
e inicio de 2005 o assunto mais freqüente era o como continuar a estudar. Resolvemos
então criar a SOPPA e nos encontrar mensalmente para estudar (Marinalva, resposta ao
questionário).
A SOPPA começou porque o projeto “De professor para professor não teve continuidade.
Queríamos continuar estudando, por isso criamos o grupo (Adriana, resposta ao
questionário).
Bem, a SOPPA começou pela impossibilidade de o projeto De professor pra professor”,
cuja maioria das professoras fazia parte, ter continuidade.
Esse projeto aconteceu durante um ano e com a mudança de governo, ele foi interrompido.
Sendo para a maioria das participantes necessário manter nossos encontros, criamos a
SOPPA por nossa conta.
Nos reuníamos, inicialmente, em uma escola do estado cedida pela diretora. Nossos
primeiros encontros tinham como objetivo organizar um material para apresentar à nova
secretaria no intuito de manter o trabalho que já fazíamos anteriormente.
Depois, repensamos nossa primeira proposta e fizemos uma segunda tentativa numa ótica
um pouco diferente. Como não fomos atendidas, continuamos teimosamente nos reunindo.
(Luciane, resposta ao questionário)
No início de 2005, foram rejeitados pela Coordenadoria de Educação da SME/Duque de
Caxias dois projetos que manteriam unida a equipe responsável pelo projeto “De
professor para professor - um convite ao trabalho cooperativo”, desenvolvido na gestão
anterior. Esse período de angústia fortaleceu na maior parte de nós, integrantes daquela
equipe, a convicção de que, de uma forma ou de outra, precisaríamos manter nosso
“grupo de formação contínua”, cuja origem fora o PROFA, de que tínhamos participado
em 2002-2003. O processo solidário de aprendizagem que estávamos vivendo desde então
não poderia ser interrompido pelo fato de não constituirmos mais, oficialmente, uma
equipe de trabalho; considerávamos indispensável manter ao menos um encontro mensal
“de estudo”, com foco na organização do ensino segundo a metodologia da alfabetização
com textos. E acabamos encontrando uma saída iluminada para situação tão aflitiva:
54
concretizar a SOPPA, projetada algum tempo antes pela queridíssima Márcia Santos.
(Tereza Barreiros, resposta ao questionário)
As falas destas professoras revelam os modos como cada uma pensa e compreende o
que vivemos entre final de 2004 e início de 2005, sendo estes, modos pessoais, singulares, ao
mesmo tempo que fundados em uma experiência coletiva. Cada uma, ao narrar a sua versão
para a origem da SOPPA, revela a sua verdade, produto de um sujeito implicado com a
história que está sendo rememorada e relatada.
E quanto a mim, o que tenho a dizer sobre a nossa origem? Qual é a minha “verdade”?
Que verdade é esta que antes mesmo de ser escrita, já é questionada por Márcia?
Para mim, a SOPPA surgiu como um movimento de resistência. Surgiu para mostrar à
SME que se a idéia era nos separar, iríamos mostrar a nossa força., nos mantendo unidas,
lutando juntas por uma escola que alfabetize melhor os nossos alunos. Queríamos mostrar
a necessidade de o professor estudar, refletir sobre a sua prática. Se isso não era possível
institucionalmente, formaríamos, então, um grupo à margem. Aí surge a SOPPA.
Márcia me questiona:
Janete, a idéia de criação da SOPPA surgiu bem antes. No último ano do governo Zito eu
tinha duas turmas do PROFA. A idéia de continuar estudando após o término do curso
havia surgido, era uma constante discussão. As professoras diziam “Isto não pode
acabar!”.Lembro exatamente de uma professora. Ela dizia: vamos montar um grupo,
mas precisa ter um nome bem legal. Que tal uma sociedade?” Foi que, inspiradas na
Sociedade dos poetas mortos, criamos a sigla SOPPA. eu conversei com a Tereza e a
Marliza se elas topavam participar. Elas falaram : eu topo”. Em janeiro, ouvi a música
da Adriana Calcanhoto Canção da falsa sopa de tartaruga” fiquei doida. Ouvi a
música não sei quantas vezes até conseguir escrevê-la toda e liguei para Tereza. Tereza,
esta é a nossa música!” (Márcia, entrevista em 13/11/07).
Considerei importante ouvir também uma professora que não fez parte do projeto “De
professor para professor...”, mas que faz parte da SOPPA desde o primeiro dia em que nos
reunimos. O que ela teria a dizer sobre a origem da SOPPA? Teria a mesma versão de Márcia
para a origem do grupo?
55
na UERJ
21
você falou, eu fiquei pensando: “engraçado, a minha história da SOPPA
é bem diferente”. Eu lembro que eu fiz o PROFA com a Márcia
22
e no final o grupo tinha
muito essa vontade de continuar, continuar, continuar. Na fita que a gente fez para ela,
várias pessoas falam e eu também: “a gente tem que continuar”. Aí, no dia do
encerramento de uma outra turma dela, tinha um grupo que falava também muito disso.
A Márcia falou: “A gente tem até um nome para o grupo: é SOPPA- Sociedade de
professores pesquisadores em alfabetização.” Foi que eu ouvi o nome SOPPA pela
primeira vez. Aí a gente ficou esperando.
Quando ela me chamou, eu nem sabia que tinha um grande número de pessoas do Projeto.
Agora olhando vejo que tem: tem você, a Tereza, a Márcia, a Luciane, Adriana, Geórgia,
a Gilca não, né? Acho que foram coisas que foram acontecendo ao mesmo tempo. Para
mim, isso foi uma articulação da Márcia com a Tereza, entendeu? Era uma busca muito
grande da gente e da Márcia como formadora. que eu acho que ficou mais fácil para
vocês do Projeto porque vocês já eram um grupo com hábito de reunir, já tinha as
afinidades, o vínculo. Depois daquele encontro na UERJ eu fiquei pensando: talvez tenha
essa marca assim,, muita gente do Projeto, acho que é por isso.
Para mim a SOPPA, eram pessoas da rede que haviam feito o PROFA e que queriam
continuar estudando. Porque a gente falava no final do curso era o seguinte: só o curso
não conta, dentro da escola a gente sabia que não ia conseguir colocar em prática
aquilo tudo que a gente aprendeu. Porque quando a gente se encontrava e comentava:
“puxa, eu fiz isso, fiz tal atividade”, tinha sempre alguém que dizia: “mas você lembrou
disso, daquele detalhe, você fez assim?” Então a gente via assim: mesmo que eu leia tudo
de novo, mesmo que eu tivesse as fitas para ficar vendo, ainda falta alguém com uma outra
visão diferente da minha para trocar. E na escola, a gente não consegue trocar (Vanessa,
entrevista em 10/12/07).
Por que eu, integrante da SOPPA desde o seu surgimento, não sabia que ela vinha
sendo gestada ainda no PROFA? Porque acreditava na idéia de resistência, quando na
verdade, era um desejo dos professores, ainda antes do projeto “De professor para
professor?” Será que se este projeto tivesse continuidade, teríamos ainda necessidade da
SOPPA?
Ao analisar o registro do primeiro encontro feito por Márcia, percebo que estava
claro, desde esse momento, os motivos pelos quais a SOPPA surgiu: como uma necessidade
dos professores de continuidade de estudos acerca da alfabetização. Necessidade explicitada
ainda no PROFA. Por que será que esta informação, escrita neste registro não fez sentido para
mim, até então? Por que esta minha certeza da resistência?
21
Algumas professoras da SOPPA apresentaram trabalho no Ciclo de Estudos sobre alfabetização, promovido
pelo PROALFA- UERJ e coordenado pela professora Ana Helena...... Foram 3 encontros, de setembro a
novembro.
22
A professora Márcia Santos atuou como formadora do PROFA nos anos de 2002 e 2003.
56
Nos encontros de orientação coletiva, no mestrado, tenho ouvido inúmeras vezes a
professora Carmen Sanches, citando Bachelard, afirmar: “A realidade não é simples, nós é
que lançamos um olhar mutilador sobre ela”. Será que se não estivesse neste espaço, onde
aprendo a considerar a complexidade do cotidiano, buscando compreendê-lo a partir de uma
nova epistemologia, consideraria o que Márcia me fala?
Categorizar as falas, a partir do que aparece nelas como recorrente, homogêneo,
unanimidade, seria o que faria se estivesse trabalhando com um paradigma de pesquisa
simplificador. Esta concepção de ciência, ainda hegemônica, afirma a necessidade de eliminar
todas as incertezas, contradições, ambigüidades. Assim...
O paradigma simplificador é um paradigma que põe ordem no universo, expulsa
dele a desordem. A ordem se reduz a uma lei, um princípio. A simplicidade o
uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ao mesmo tempo ser
múltiplo. Ou o princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção), ou
unifica o que é diverso (redução) ( MORIN, 2005, P. 59).
Ao contrário disso, busco trazer para esta dissertação as diferentes vozes que me
acompanham algum tempo, reconhecendo nestas a subjetividade de cada sujeito, a marca
que cada professora impõe à sua narrativa. “As verdades que produzimos são fragmentos de
nossas verdades/identidades” ( FERRAÇO, 2001, p. 92). Desse modo, o que cada professora
fala sobre esta história precisa ser reconhecido não como “a verdade”, mas o que cada uma
compreende como tal, já que, repetindo Boff: “Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta
a partir de onde os pés pisam” (BOFF, 1998, p.9).
Cansadas de tanto sermos narradas, nós, professoras do ensino fundamental de escolas
públicas, tomamos a voz para contarmos a nossa história. História de um período vivido,
contada a muitas maneiras, pela voz de seus protagonistas. História que não se esgota aqui
nesta dissertação, visto que reinventada a cada sábado de todo mês, a cada dia nas salas de
aula, a cada aluno que ensinamos a ler e escrever e que, com brilho nos olhos, nos diz:
Professora, eu “nem” sabia que ler era fácil assim, então eu já sei ler, né?!”
23
23
Fala de um aluno da Luciane, ao ler uma lista de brinquedos para mim. Eu e Luciane trabalhamos na mesma
escola, no ano de 2007, onde assumo até hoje o papel de orientadora pedagógica, e Luciane atuou como
professora alfabetizadora.
57
4.1- Sobre a gestão das escolas: o que isso tem a ver com a nossa itinerância?
muitas formas de se organizar coletivamente. Se antes, nos organizávamos a partir
de um projeto que se configurava como pertencente a uma instância governamental, com o
fim dele, tínhamos que procurar outra dinâmica, outro espaço para continuarmos, agora
voluntariamente, fazendo o que estávamos acostumados: refletir sobre o nosso trabalho
cotidiano como alfabetizadoras, aprimorando cada vez a nossa formação.
Me refiro aqui às professoras que fizeram parte da equipe do projeto “De professor
para professor...”. , que foi e continua sendo maioria na SOPPA. Entretanto, compreendo este
desejo de aprimoramento da prática como inerente a todas as professoras que têm participado
do grupo, pois se não é uma exigência ou imposição, não se recebe nenhuma vantagem
salarial, se a participação nos encontros não oferece nenhuma titulação, qual outro seria o
motivo de dispor de um sábado ao mês para estudar a não ser o desejo de ser melhor
profissional?
São estas professoras que, investindo em sua própria formação, pretendem, no
coletivo, encontrar o apoio necessário para assumir uma postura alfabetizadora diferenciada
da que comumente temos visto nas escolas onde atuamos. Seria o que Pérez Gomes ( 2001)
define como colaboração espontânea” que, embora seja afetada, porque condicionada pelas
restrições administrativas e pela própria história escolar, surge e se desenvolve convencida de
que as necessidades, os interesses e a complexidade da tarefa docente requerem a cooperação
independente. Este coletivo seria o contrário de uma colegiabilidade artificial”, considerada
pelo autor como :
uma tentativa de controlar artificialmente o risco, a aventura e a incerteza que
implicam os processos naturais de colaboração espontânea, nos quais os docentes,
como qualquer outro grupo social, começam a debater e questionar os aspectos, as
normas, os rituais, os valores e os procedimentos que não satisfazem suas próprias
expectativas, iniciando a experimentação de novos padrões e formas de atuação
cooperativa (PÉREZ GOMES, 2001, p. 171).
Marcamos um encontro em um restaurante para acertarmos os detalhes principais das
nossas reuniões: onde seria, em que horário, quem convidaríamos a participar, entre outros.
Diferentes locais foram sugeridos. Entretanto, aceitamos o convite que fez a professora
Mirian Medeiros, que exercia, até 2004, o cargo de coordenadora de educação da SME. Como
58
já foi dito, Mirian foi uma das defensoras do projeto “De professor para professor...” e sempre
demonstrou uma grande confiança no trabalho desenvolvido por nossa equipe. A sua sugestão
era que passássemos a nos encontrar na escola onde atuava como orientadora pedagógica., o
CIEP Paulo Mendes Campos. Essa era uma escola da rede estadual, o que significava para nós
um certo afastamento da rede municipal, considerado providencial para o momento que
estávamos vivendo. Ainda nos sentíamos magoadas, frustradas com a decisão de não
continuidade do projeto, principalmente pelo descaso com que ele fora tratado pela nova
gestão.
O primeiro encontro da SOPPA, no dia 09 de abril de 2005, foi todo de muita emoção.
Quase todas as professoras presentes pertenciam à equipe do projeto ”De professor para
professor”, as exceções eram a diretora da escola que nos abrigava, Vanessa e Arlete, que
foram cursistas do PROFA, tendo Márcia Santos como formadora, e continuam no grupo e
Fátima que participou dos encontros algumas vezes, mas deixou de freqüentar por algum
tempo.
Durante todo o ano de 2005, os encontros aconteciam sem problemas. Chegávamos à
escola por volta de 10 horas e sempre havia alguém para nos receber, além de todo o cuidado
com o nosso bem-estar. Mirian estava por trás dessa nossa tão bem acolhida, fato que sempre
ressaltávamos e agradecíamos.
Em dezembro de 2005 recebemos a notícia, por uma Mirian extremamente
emocionada, de que o CIEP iria, no ano seguinte, ser municipalizado. Isso causou uma grande
indignação no grupo, não porque imaginássemos que poderíamos sofrer conseqüências,
mas pelo fato de como as coisas estavam encaminhadas. Pelas informações recebidas, os
professores, que pertenciam à rede estadual, deveriam procurar uma outra escola e que, caso
desejassem continuar nesta por mais um ano, estariam sujeitos às determinações da rede
municipal. Em relação à direção, era incerteza. Ninguém sabia nada a respeito, o que
causava uma insegurança ainda maior: será que vão manter a mesma diretora? Quem deverá
assumir? Quem vir, como conciliará as relações entre professores estaduais e municipais em
uma mesma escola?
Iniciamos 2006. No primeiro encontro da SOPPA, dia 11 de fevereiro, lembro-me que
fui a primeira a chegar. Estranhei, pois o portão que dava acesso às salas de aula estava
fechado. Esperei mais algum tempo, até que as outras integrantes do grupo chegassem.
Tomamos a iniciativa de ligar para a diretora, que nos informou que havia deixado uma
59
pessoa responsável pela abertura do portão e que ela estava com problemas pessoais e não
poderia nos encontrar.
Neste dia, conseguimos fazer a nossa reunião, apesar do grande atraso. Esta foi a
última acontecida nesta escola. Não imaginávamos isso. Por isso, voltamos a ela por mais dois
meses, março e abril. Nestes dois meses, o portão permanecia fechado para nós. Estes dois
inconvenientes e as táticas que criamos para resolvê-los fazem parte dos nossos registros:
Hoje não foi possível abrir o CIEP, por isso fizemos um encontro “piquenique” do lado de
fora da escola (Marinalva, registro do dia 17/03/06).
O registro do encontro deste de abril merece ser feito de trás para frente! Assim, ficará
em destaque a nossa capacidade de enfrentar a adversidade e seguir em frente, sem perder
a ternura jamais (...) Depois de uma longa espera na rampa do CIEP, até acreditarmos
que pela segunda vez consecutiva não entraríamos, nos resolvemos pelos telefonemas:
primeiro para prevenir o marido da Janete e, depois, para informar nosso destino a quem
ainda estava a caminho.
Apesar de termos chegado à casa da Janete entristecidas pela repetição do desgaste de
encontrar o CIEP fechado, logo sacudimos a poeira e demos a volta por cima.(...) E
começamos uma nova etapa da nossa história. (...) No dia 27, voltaremos à casa da
Janete, sem o sobressalto de hoje. Até lá, levantaremos possibilidades de local fixo para
nos reunirmos. (Tereza, registro do dia 01/04/06).
Portão fechado. Nenhum comunicado, nenhuma satisfação. O que isso significa? Para
nós estava claro que não éramos mais bem- vindas naquela escola. Mas por que, se a diretora
até então nos recebia com o maior prazer, cogitava até a idéia de que, caso a escola realmente
fosse municipalizada, fôssemos todas trabalhar ali? Estaria ela, agora como diretora de uma
escola municipal, com receio de acolher um grupo considerado clandestino, constituído de
personas non gratas para as pessoas da SME?
Puxando os fios desta história, percebo que ela é atravessada o tempo inteiro por
outras tantas e por outros grupos aos quais estamos vinculados. Durante a minha trajetória no
magistério tenho acompanhado os movimentos sindicais do município, tenho assistido e
participado, ano após ano, da defesa da eleição direta para diretores das escolas municipais de
Duque de Caxias. Me pergunto, então, por que esta é ainda uma discussão em que não
avanços significativos, apesar de o Sindicato dos Profissionais da Educação –SEPE-de Duque
de Caxias ser considerado um núcleo bastante forte no Estado do Rio de Janeiro? O que
60
significa, para as escolas, ter um diretor(a) indicado por políticos influentes no município?
Que relações podemos estabelecer entre este fato e o trabalho desenvolvido nas escolas?
Hoje, quando escrevo, compreendo que aquele portão fechado era uma representação
de como o poder político vem exercendo historicamente uma função reguladora e autoritária
no meio educacional em Duque de Caxias. Aquela diretora representava tantas outras (os)
que, obedecem cegamente às determinações da SME, mesmo que isso signifique estar contra
um projeto de educação a favor das classes populares. São diretores sem voz e autonomia.
Ou ao contrário. Quando a direção tem por trás a indicação de algum político “forte”,
quando tem as “costas quentes”, como costumamos falar, se acha no direito de cometer
desmandos e arbitrariedades, pois tem a certeza de que nada o tirará o poder. Se sentem os
“donos da escola”. Os professores, muitas vezes, se sentem encurralados, pois estar contra
esses diretores significa perseguição, devolução para a SME, ou mesmo a sua saída por conta
própria, já que avaliam não valer a pena o desgaste.
Como sinaliza Foucault, o que vivemos, o que falamos, o que escolhemos e sentimos,
está, inevitavelmente, vinculado às relações de poder. Para este autor, toda verdade se
sustenta no conjunto de estratégias que se constroem para que se mantenha uma política de
interesses de quem impuser as regras que sustentem o poder desejado. Na escola não é
diferente. As interações entre direção e professores são permeadas pela relação poder e
verdade. Desse modo, qualquer avaliação, afirmação, conclusão estará submetido a uma
verdade. A verdade de quem detém o poder. Esta verdade para Foucault
É produzida nele (no mundo) graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos
regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política
geral” de verdade: isto é: os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros, os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles
que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro ( FOUCAULT, 1996, p.
12).
A busca de uma gestão democrática implica necessariamente o repensar da estrutura
de poder na escola. Isso significa ampliar a participação dos representantes de diferentes
segmentos nas decisões e ações desenvolvidas, o que não combina, quase sempre, com um
diretor instalado na escola por indicação política. Digo quase sempre, porque reconheço que a
instalação de processos eletivos para a direção das escolas pode não garantir uma gestão
61
participativa e a autonomia das escolas. Mas penso que precisamos caminhar nesta direção,
pois
A socialização do poder propicia a prática da participação coletiva, que atenua o
individualismo; da reciprocidade, que elimina a exploração; da solidariedade, que
supera a opressão; da autonomia, que anula a dependência de órgãos intermediários
que elaboram políticas educacionais das quais a escola é mera executora (VEIGA,
1995, p.18).
O que esperamos é um diretor com postura de educador. Que conheça a escola, a
comunidade e que as sua ações se dêem no sentido de parceria. A eleição, nessas condições,
traz como possibilidade a abertura ao debate, a negociação entre posições diferentes, mas que
podem contribuir para um projeto coletivo de escola e de sociedade. Nessa perspectiva:
Cada um no coletivo da reflexão-ação-reflexão assume responsabilidades e toma
decisões. Trata-se de uma conquista da autonomia e da emancipação pela
participação que facilita o exercício individual no coletivo de uma “autoridade
coerentemente democrática”. Nesse processo, o professor vai complementando sua
profissionalização e a escola ressignifica suas relações de poder pautada na partilha
do saber, na gestão colegiada, na ética e na solidariedade (BRZEZINSKI, in
ALARCÃO, 2001, p. 79).
Depois do encontro do mês de abril, realizamos dois encontros em maio, um na casa
da Márcia, outro na minha casa. Depois disso, Judith nos convidou para que passássemos a
realizar os encontros na escola onde trabalhava. Convite aceito, fomos recebidas, no dia 24 de
junho, com todo o carinho, com direito a um delicioso café da manhã e uma linda música:
Roupa Nova
Todos os dias, toda manhã
Sorriso aberto e roupa nova
Passarim preto de terno branco
Pinduca vai esperar o trem.
Todos os dias, toda manhã
Ouve o apito, sente a fumaça
E vê chegar o trem
Que acontece que nunca chegou
(...) Homem que é homem
Não perde a esperança, não.
(...)Quem é teimoso
Não sonha outro sonho, não
(...) e assim Pinduca toda manhã
62
sorriso aberto e roupa nova
Passarim preto de terno branco
Vem renovar
A sua fé
Homem que é homem,
Não perde a esperança, não!
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
Além disso, um bilhete que demonstra o carinho que temos uma pela outra.
Apesar de a diretora da escola não estar presente, pediu a Judith que transmitisse votos
de boas-vindas e o prazer de nos receber. Infelizmente, logo depois foi exonerada. . Um
político do bairro desejou colocar alguém de “sua confiança” em seu lugar. De novo, nos
vimos obrigados a procurar outro espaço para as nossas reuniões e mais uma vez esta
mudança esteve relacionada diretamente ao cargo de direção das escolas do município de
Duque de Caxias. Ficamos de novo sem lar. Haja pensar: casa de Janete, de Tereza, de
Márcia, ou alguns encontros lá, outros cá...
E assim seguimos por algum tempo, até que, como havia antecipado o registro feito
por Tereza, recuperamos uma idéia que vimos discutindo algum tempo: a possibilidade de
nos encontrarmos no Campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro- UERJ, localizado
no município de Duque de Caxias.
Intermediadas por uma professora desta universidade, tivemos uma reunião com o
diretor que nos autorizou a ocupar uma sala para as nossas reuniões.Assim, desde junho de
2007, no terceiro sábado de cada mês, estamos na UERJ tentando mudar os rumos dessa
história a qual os interesses políticos falam mais alto do que o direito à participação tanto da
população atendida pelas escolas públicas locais quanto os dos professores.
Queridas amigas da SOPPA
Amei recebê-las em minha escola. A cada encontro nosso,
minhas esperanças renovam-se. Tal qual Pinduca, somos
teimosas e não vamos sonhar outro sonho, não.
Beijos
Judith
63
Sabemos que ultrapassar certas barreiras que o poder nos impõe não é tarefa fácil e
que mudança acontecerá como resultado do esforço contínuo e coletivo. Por isso, nos
engajamos na luta que teve início no nosso de data-base, em maio, para discussão de eleições
para o cargo de diretor de escola. As nossas ações se deram no sentido de através de reuniões
e conversas, tentar conscientizar os responsáveis, alunos e profissionais da escola sobre a
necessidade e o direito de elegermos o gestor de cada escola. Houve, ainda, em praticamente
todas as escolas da rede, um plebiscito que teve como objetivo consultar a população com a
seguinte pergunta: “Quem deve escolher o diretor da escola: os políticos ou a comunidade
escolar?”.
Como afirma Pais, “Estar na margem é fazer parte de um todo, mas fora do coro
principal” (PAIS, 2005, p. 353).Isso significa que somos afetados, mesmo fora do coro
principal, por medidas e determinações tomadas pela rede de Duque de Caxias. Também
significa que, se assumimos o nosso compromisso com a educação pública, não podemos
fechar os olhos para fatores institucionais, sociais e políticos que, de uma maneira ou de outra
acabam influenciando o nosso trabalho. Para essa luta, precisamos buscar outros espaços,
além da nossa sala de aula, principalmente quando se trata de garantir o direito dos alunos das
classes menos favorecidas a uma educação de qualidade. Para Zeichner
Para além de suas atividades dentro da escola, os professores destes alunos têm de
participar as lutas políticas mais amplas para a realização de uma sociedade mais
justa e humana. Devem participar na criação de condições sociais prévias para a
realização de amplas reformas sociais e escolares (ZEICHNER, apud
ANDREOLLA, BRAGANOLO e DICKEL, 2007, p. 93).
Entendemos que essa não é uma batalha fácil de ser vencida. Entretanto, acreditamos
na possibilidade de uma outra escola. Uma escola onde as relações se pautem na
solidariedade, na justiça e na ética. Podemos ajudar a construí-la, pois como afirma Paulo
Freire “por mais que se apregoe hoje que a educação nada tem a ver com o sonho, continua
de pé a necessidade de insistirmos no sonho e na utopia” (FREIRE, 2000,p.128).
64
4.2-O que falam as integrantes da SOPPA sobre o pertencimento ao grupo
Participar da SOPPA é muito importante para mim. No grupo tiro dúvidas com as
colegas, repenso a minha prática e tenho novas idéias. Nosso encontro mensal recarrega
minhas energias. Mesmo que venha desanimada com as agruras do dia-a-dia, volto a
acreditar que é possível ensinar de uma forma diferente e melhor. (Marinalva, resposta ao
questionário)
Estar na SOPPA fortalece minhas convicções a respeito da potência que têm os vínculos
pautados na confiança e no respeito mútuo sempre que existem propósitos comuns. Sem a
existência de laços de coletividade como os que nos unem, não é possível o acolhimento de
pontos de vista diferentes, a explicitação de contradições, a derrubada de concepções
maniqueístas, um enfrentamento proveitoso da inquietação de todos que perseguem o
contínuo desenvolvimento pessoal e profissional.
Além disso, fazer parte desse grupo me faz aprender sempre mais sobre possibilidades de
produção de conhecimento pelo professor, a partir da própria experiência profissional.
Aqui, ao contrário do que em geral acontece quando se trata da pesquisa acadêmica,
somos nós que formulamos as perguntas provocadas por nosso cotidiano de trabalho,
buscamos embasamento para nossas reflexões, organizamos nossos registros, promovemos
a socialização de achados que julgamos mais relevantes para nós mesmas e outros
professores. Somos autoras e protagonistas do nosso projeto de formação permanente.
(Tereza, resposta ao questionário).
O ambiente escolar é muito solitário. Na SOPPA recarrego as minhas energias para
enfrentar os diferentes desafios do dia-a-dia da escola (Luciane, resposta ao questionário).
Sozinhas perdemos as forças, não conseguimos caminhar. Os encontros ajudam a
aprender mais, para ensinar melhor (Andréia Nogueira, transcrição da fala do encontro do
dia 21/05/07).
Para mim, estes encontros são como recarga de bateria e aprendizagem, tornando
possível a utopia. (Judith, resposta ao questionário).
A SOPPA é a nossa figura de apego
24
coletiva (Luciane, transcrição fala no encontro do
dia 01/05/07).
24
Expressão utilizada por Luciane após conversarmos sobre a palestra que Boris Cyrulnik iria fazer na
Universidade Federal Fluminense (UFF), em maio de 2007.Este autor fala da figura de apego como aquela que
oferece nutrientes afetivos” a alguém que passa momentos de dificuldade, ajudando-o a construir uma auto-
imagem positiva.
65
Na escola, tem sempre uma resistência à minha fala. Tem a questão do SEPE também,
embora eu nunca tenha feito parte da diretoria, nunca tenha sido eleita. Às vezes, as
pessoas pensam que eu vou fazer uma fala teórica, por causa dos estudos, do mestrado.
Às vezes, eu quero falar uma coisa simples, algo sobre a minha prática. Mas aí, falam:
“Lá vem você!”. Aí, eu me calo.Você quer fazer o seu trabalho, mas sozinho, sozinho
mesmo é muito difícil. Eu acabo me isolando.
O que eu gostaria é que tivesse um coletivo que resolvesse os problemas da escola, ou
pelo menos se debruçasse sobre eles, que pensasse nas crianças.Eu vejo as crianças muito
sozinhas em alguns momentos. A escola não saber o que fazer e elas,como ensiná-las,
como elas aprendem e elas, que são as vítimas, acabam virando as culpadas por não
terem aprendido. tem o grupo de estudos, o conselho de classe e você não toca em
ponto nevrálgico nenhum.Parece que há uma falta de vontade. A gente fala pouco sobre os
problemas na escola. Reclama muito. Os professores reclamam das famílias, da direção,
da equipe pedagógica. A direção e equipe pedagógica reclamam dos professores e a
gente vai empurrando. (Luciana Alves, entrevista em 10/11/07).
Optei por apresentar em bloco as narrativas de algumas professoras que participam
da SOPPA por dois motivos: primeiro para destacar o que aparece recorrentemente tanto nos
encontros do grupo como nas respostas aos questionários e entrevistas: a solidão e o
isolamento sentidos na escola e o quanto nos ressentimos da falta de espaços coletivos de
discussão, de troca de experiência e de tomada de decisões compartilhadas.
Pertencer a SOPPA significa, então, para nós, a possibilidade de um encontro com o
outro, de interação e de diálogo. Fazer parte desse grupo nos permite sermos confrontadas
com outras experiências, outros saberes, outros modos de ser. No grupo exercitamos o
princípio de exotopia de Bakhtin, que se fundamenta na visão que temos do outro, mas que o
outro nunca terá dele mesmo, a menos que lhe digamos aquilo que, pelo lugar que ocupa, não
conseguirá vê-lo, pois excede a sua visão.
Quando contemplo um homem situado fora de mim e á minha frente, nossos
horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois não
coincidem. Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre serei e saberei
algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e á minha
frente, não pode ver (BAKHTIN, 2003, p. 21).
Essa interação com o outro determina a inconclusão e polissemia de cada sujeito. Se
dependo do outro para ver o que sozinho não consigo, o outro me habita, me completa. Sou
um sujeito inacabado, singular e coletivo. A certeza do meu inacabamento, visto que necessito
da visão do outro para me conhecer, me coloca em uma situação de falta, de
66
incompletude.Daí que sou eu e sou o outro. “É tão bonito quando a gente entende que a
gente é tanta gente onde quer que a gente vá” (GONZAGUINHA).
A constituição de um coletivo, o apostar no grupo pressupõe acreditar na interação, no
diálogo e ainda que a heterogeneidade de saberes e a diferença, antes de ser empecilhos, são
possibilidades infinitas de aprendizagem. Alarcão (2001), ao apontar as condições para um
bom contexto de trabalho, afirma que neste ambiente deve prevalecer o espírito de
colaboração, evitando, assim, as guerras de poder e competitividade. Um lugar onde a crítica
possa ser feita de maneira construtiva, evitando, desse modo, o silêncio e a apatia (p. 17).
Luciana, ao compartilhar comigo uma situação vivida na escola, revela o seu
descontentamento com a falta de um coletivo que pense junto soluções para os problemas dos
alunos, dos professores, da comunidade. Fala de uma de suas alunas, das condições de vida de
sua família e o quanto a escola, ignorou, após a sua saída, as necessidades que a aluna
apresentava: “a aluna não era minha, era da escola. A escola tinha que tentar resolver o
problema dela”.
Bruner (2001) destaca que a reciprocidade aos outros membros da espécie é
provavelmente a base da sociedade humana. É na necessidade da ação conjunta para atingir
objetivos comuns que se desenvolve um processo que parece arrastar o indivíduo a novas
aprendizagens e o empurrar para a competência necessária ao grupo. Assim, o respeito às
diferenças potencializa e solidifica a instituição de um coletivo.
Uma cultura é, pela sua própria natureza, um conjunto de valores, aptidões e modos
de vida que nenhum membro da sociedade domina na totalidade. O conhecimento,
neste sentido, é como uma corda cujos fios m apenas uns centímetros de
comprimento e, todos entrelaçados, dão solidez ao conjunto. Temos professores e
alunos, peritos e leigos. (...) se quisermos que a aprendizagem seja apoiada por
grupos reciprocamente operativos que estimulem cada pessoa a juntar os seus
esforços aos de um grupo, vamos precisar de tolerância para com os papéis que se
desenvolvem- do crítico, do inovador, do segundo coadjuvante, do admoestador. É
no cultivo destes papéis entrelaçados que os participantes extraem a sensação de
operarem reciprocamente num grupo (BRUNER, 2001,p. 157).
Ao dizer-me pertencente a SOPPA carrego comigo os princípios e uma visão de
mundo, de ensino e de educação que circulam pelo grupo. Em contrapartida, a história do
grupo é construída de muitas histórias individuais. Por isso, o grupo se apresenta como
produto de muitas e diferentes vozes que dialogam e se complementam. É o lugar do
consenso e do dissenso, da abertura e do inacabamento e também da busca de objetivos
comuns e partilhados.
67
À medida que nos encontramos em comunhão com um projeto de escola, de vida e de
sociedade, nos sentimos responsáveis por ele, pois se o projeto é de todos, é também de cada
um. Daí nasce a consciência coletiva, a identidade profissional e o orgulho de pertencer a um
grupo. O orgulho de pertencer a SOPPA.
O coletivo, na SOPPA, se constitui no que chamamos de comunidade de aprendizes
mútuos”, que se sustenta na vontade de aprender, nas relações de confiança estabelecidas no
grupo, nos vínculos afetivos que nos une e no desejo de sermos boas profissionais. A meta
primordial de nossa parceria é ampliarmos continuamente competências profissionais como as
abaixo relacionadas:
-Trabalharmos coletivamente de forma produtiva: valorizarmos a colaboração na
busca de respostas adequadas para os cotidianos desafios profissionais.
-Orientarmos nossas escolhas didáticas por pressupostos epistemológicos coerentes.
-Aprofundarmos nosso conhecimento sobre as principais variáveis que interferem na
formação de leitores autores competentes e dele fazer uso para organizar o trabalho
pedagógico.
-Estruturarmos a rotina pedagógica de modo que responda às necessidades de
aprendizagem dos alunos em relação ao processo de alfabetização e de letramento.
-Planejarmos situações que aproximem, o mais possível, a “versão escolar” e a “versão
social” das práticas e dos conhecimentos que se convertem em conteúdos na escola.
-Analisarmos e produzirmos diferentes materiais e recursos para utilização didática,
potencializando seu uso em diferentes situações.
-Elaborarmos instrumentos funcionais de planejamento, de registro da aprendizagem
dos alunos e de documentação do trabalho desenvolvido.
-Avaliarmos os resultados obtidos e redirecionarmos as propostas se eles não forem
satisfatórios.
-Fazermos uso da leitura e da escrita em favor de nosso desenvolvimento pessoal e
profissional.
-Estabelecermos intercâmbio com outros profissionais em eventos de natureza
sindical, científica e cultural.
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No processo de formação das professoras da SOPPA, uma opção consciente por
uma concepção de alfabetização, de ensino e aprendizagem sobre a língua. Consideramos isso
fundamental. Entretanto, sabemos que essa opção não garante de imediato que transformações
ocorram na prática pedagógica. Isso se mostra evidente em vários momentos. De repente,
alguém surge compartilhando uma prática que para algumas de nós se mostra distante do
discurso ou com o que já estudamos.
Acho que eu falo muito, mas fico agoniada. As pessoas não falam sobre o que não sabem,
têm medo. Eu não. Falo das minhas dúvidas. Acho que algumas pessoas pensam que eu já
deveria saber sobre o que pergunto. Eu sei falar sobre o assunto, mas aplicar na sala é
muito diferente. Daí que eu quero discutir no grupo (Márcia Santos, entrevista em
13/11/07).
“Eu sei falar sobre o assunto, mas aplicar na sala é muito diferente”. Saber falar
sobre um assunto não significa, muitas vezes, saber como fazer de acordo com a teoria que
está sendo explicitada. Ainda vimos a prática como desvencilhada da reflexão teórica. Uma
prática ingênua, como diria Paulo Freire, pois sem reflexão.
Weisz (2000) afirma que as ações de todo professor são sustentadas por idéias,
concepções e teorias, mesmo quando ele não tem consciência delas. Essas concepções e idéias
se expressam nos atos do professor por meio do conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
dos seus encaminhamentos para que a aprendizagem aconteça e de como acredita que deve
ensinar. Assim, prática e teoria não são dissociáveis, sempre haverá uma articulação entre
elas. O que precisamos é desvelar qual teoria fundamenta a nossa prática, para transformá-la,
se necessário. Trata aqui de colocar teoria e prática uma ao lado da outra, em constante
diálogo.
Geraldi (1997) afirma que não pontes entre a teoria e a prática. Na práxis, prática
reflexiva, não existe cristalizações de caminhos, já que os sujeitos são alterados no caminhar,
alterando assim, a percepção deles com o objeto de conhecimento. Então é preciso eleger o
movimento como ponto de partida e como e chegada, que é partida” (GERALDI, 1997, p.
XXVIII). È nesse movimento que nos tornamos professoras pesquisadoras, aprendendo
A ver com outros olhos, escutar o que antes não ouvia, a observar com atenção o
que antes não percebia, a relacionar o que não lhe parecia ter qualquer relação, a
testar suas intuições através de experimentos, a registrar o que observa e
experimenta, a ler teoricamente a sua própria prática, a acreditar em sua capacidade
69
profissional na medida em que elabora estratégias metacognitivas e metalingüísticas
(GARCIA, 1996, P. 21)
Certamente, ficamos mais à vontade para apresentar dúvidas e demonstrar o que
ainda não compreendemos porque no grupo o processo de formação não é concebido como
repasse, transmissão de alguém que sabe mais. Compreendemos este processo como muito
mais complexo e construído através de interações que envolvem pensar sobre as ações,
articulando-as às leituras realizadas e discussões anteriores.
Essa concepção presente na SOPPA de que é questionando, formulando hipóteses,
analisando, errando e acertando que o professor avança em seu conhecimento tem como
princípio o que defende Vygotsky ao afirmar que o sujeito é ativo ao interagir no mundo
cultural. “O processo pelo qual o indivíduo internaliza a matéria prima fornecida pela
cultura não é um processo de absorção passiva, mas de transformação, de síntese”
(Vygotsky, apud OLIVEIRA, 1995, p. 38).
Mudanças conceituais não acontecem pela imposição. Não aprendemos porque
ouvimos outros repassando o que sabem, mas sim porque mudamos nossos esquemas
internos. Entretanto, o coletivo tem um papel fundamental nesta mudança. Primeiro porque no
grupo são discutidas questões que muitas vezes não se tem respostas imediatas. È preciso
refletir, analisar, estudar. Depois porque o grupo ajuda a ver coisas em nossa prática que
poderiam passar despercebidas, quando sozinho. Isso significa uma responsabilidade com as
opções metodológicas e epistemológicas assumidas coletivamente, em oposição a uma prática
espontaneísta, desprovida de reflexão.
Acho que desde a primeira reunião da SOPPA, a gente se sentia assim... Estava todo
mundo muito comovido por isso: porque a gente sabia que ia ter com quem falar, alguém
que sabia do que a gente estava falando. Mesmo que fosse pra ficar no desespero: “eu não
consigo, eu não consigo!Mas a gente ia pensar junto porque não estava conseguindo
(Vanessa, entrevista em 10/12/2007).
Estarmos juntas nesse espaçotempo da SOPPA possibilita o fortalecimento mútuo, a
criação de vínculos, de confiança e respeito. Somos acompanhadas e acompanhamos cada
uma em seu exercício de vida e de profissão. Uma ajudando a outra a enxergar o que sozinha
não consegue, o que excede à nossa visão, mas é perceptível pelo outro (BAKHTIN, 2003).
70
Todos nós precisamos de um outro para sermos instigados a pensar, que nos
desestabilize na construção dos conhecimentos, mas que nos guarida e apoio no novo a
construir. Isso é um grupo. Isso é a SOPPA. Um grupo que tem caminhado na contramão de
projetos oficiais de formação de professores que desconsideram histórias, saberes e
experiências construídos no dia-a-dia docente.
A SOPPA é a nossa certeza de que precisamos investir em um projeto coletivo de
escola. É a certeza de que “sozinha não dá”, como afirma insistentemente Luciane. Este
sentimento de pertencer a um grupo como este, possibilita não nos sentirmos sozinhas, mesmo
trabalhando em diferentes escolas. No grupo nos fortalecemos para encararmos os constantes
desafios da profissão.
O coletivo se constitui de professoras que, perseguindo objetivos compartilhados,
operam reciprocamente, sustentando-se na vontade de aprender e no desejo de serem
melhores profissionais. Penso que é isso que muito tem seduzido professores quando falamos
sobre o grupo em diferentes espaços. Nós, professores, nos sentimos muito sozinhos. A
solidão nos deixa frágeis, vulneráveis à imobilidade e ao mal estar que tem caracterizado os
docentes nos últimos anos. Precisamos ocupar de novo o lugar que merecemos socialmente.
Este investimento na própria formação pode ser o início desta caminhada.
71
5ª PARTE
O QUE ACONTECE QUANDO A SOPPA ACONTECE:
UM POUCO DOS NOSSOS ENCONTROS
BALCÃO DE TROCAS
Troca-se um beijo
(ou um pão de queijo)
por um utópico desejo.
Troca-se um aperto de mão
por uma bela definição.
Troca-se um olhar
por um artigo espetacular.
Troca-se um sorriso
por um relato conciso.
Troca-se um homem-objeto
por um novo projeto.
Troca-se uma lágrima
por um poema do Drummond.
E assim,
trocando e
destrocando
costurando
e descosturando
aparamos as arestas
de nós.
Depois,
balcão fechado,
seremos outras.
Ou não.
Mas
encontrando,
sempre.
(Fabiana Esteves- orientadora pedagógica da rede municipal de Duque de Caxias)
72
Fabiana participou poucas vezes do grupo. Mas as suas belas palavras me deram
inspiração para escrever sobre o muito que temos vivido ao longo desses quase três
anos.Durante este período convivemos e temos convivido com frustrações, alegrias, utopias e
muitos outros sentimentos contraditórios ao mesmo tempo que complementares. Participando
pela primeira vez do grupo, no dia 24 de fevereiro de 2007, estas foram as impressões de
quem sabe encantar, oferecer presentes-palavras ou seria, como em um balcão de trocas,
troca- palavras, troca-reflexões, troca-sonhos?
Não busco, ao escrever sobre os nossos encontros, uma escrita linear dos
acontecimentos. Para Benjamin, este procedimento, que foge à enumeração de seqüência de
acontecimentos, faz emergir momentos privilegiados para fora do continuum cronológico. São
as histórias sendo reunidas não pela sucessão homogênea e vazia do tempo histórico, mas sim
pelo traçado comum que as fazem adquirir um novo sentido, mais verdadeiro e consistente
que uma linearidade poderia supor (GAGNEBIN,1999, p. 15).
Em um momento em que algumas de nós podemos nos sentir desesperançosas, não
acreditando mais na força do coletivo, surgem estas palavras. Será a SOPPA tudo isto? O que
será que faz com que pessoas como Fabiana, Tânia, Cláudia, entre outras, se empolguem tanto
com este grupo? Por que algumas ficam, outras vêm e vão?
Será que acreditávamos ou acreditamos que este processo de discussão e reflexão
coletiva resolveria os problemas que passamos em nossas escolas, daí a insatisfação,
desespero e a saída do grupo de algumas professoras? Será que temos sido ingênuas o
suficiente para não considerar todas as variáveis que influenciam o cotidiano escolar? Se
assim fomos ou temos sido, as palavras de Nóvoa nos auxiliam nesta reflexão:
Os professores têm de se assumir como produtores da “sua” profissão. Mas sabemos
hoje que não basta mudar o profissional; é preciso mudar também os contextos em
que ele intervém.(...) as escolas não podem mudar sem o empenhamento dos
professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em
que trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar
articulado com as escolas e seus projetos ( NÓVOA, 1992, p. 28).
Retorno ao primeiro encontro da SOPPA. Era nove de abril de 2005 e nos reunimos no
CIEP Paulo Mendes Campos, em Saracuruna- Duque de Caxias. Este foi o espaço
considerado por nós, neste momento, como ideal, principalmente por pertencer até esta data, à
rede estadual de ensino, o que para nós significava um “espaço neutro”, pois não queríamos
73
ter o nosso grupo vinculado a nenhum projeto de formação da SME, o que acreditávamos que
acabaria acontecendo se nos encontrássemos em uma escola municipal.
A professora Mirian Medeiros, que havia sido Coordenadora de Educação à época em
que participávamos do projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho
cooperativo”, foi a responsável por nossa ida para este CIEP. Atuando como orientadora
pedagógica nesta escola, fez o convite para que realizássemos as nossas reuniões ali. Esta
professora teve um papel importantíssimo na formação da equipe do projeto “De professor
para professor...”. Travou uma verdadeira luta interna na SME para que a equipe fosse
constituída pelas profissionais selecionadas pelas professoras Tereza Barreiros e Marliza
Bodê, ambas formadoras do PROFA e responsáveis pela coordenação do projeto citado.
O argumento utilizado por algumas pessoas da SME era de que a equipe poderia ser
formada por profissionais lotados ali, não precisando retirar professoras das escolas para o
projeto. A professora Mirian, conhecedora do profissionalismo e competência de Marliza e
Tereza, não abriu mão do grupo selecionado por elas. Assim, o grupo se manteve e, ao final
do projeto, já contávamos também com a confiança dela. Por isso, o convite para nos
reunirmos onde trabalhava.
Além das apresentações, neste primeiro dia, conversamos sobre a criação do grupo,
como possibilidade da continuidade de estudos que já vínhamos realizando e discutimos como
seriam as nossas reuniões. Decidimos que este seria um grupo aberto a qualquer profissional
que desejasse refletir sobre a alfabetização e organizamos os nossos encontros. Combinamos
que a cada um deles, uma voluntária se disporia a preparar antecipadamente a leitura
compartilhada de um texto literário;outra faria o registro do encontro; teríamos a rede de
idéias, com o objetivo de socializarmos reflexões individuais desencadeadas pelo trabalho
pessoal, fazendo uma articulação entre práticateoriaprática, e ainda que a seqüência de
trabalho seria definida paulatinamente pelo grupo. Esta seria a nossa dinâmica de trabalho. O
“nosso jeito”, como afirma Tereza.
O “nosso jeito” de fazer de cada encontro uma animada roda de conversa, em que se
explicitam saberes e dúvidas, decepções e conquistas, alegrias e sustos, críticas e
autocríticas, amarras e utopias.
Tudo isso pela força que a idéia de sermos um coletivo tem entre nós. Mas um coletivo
sempre de braços abertos para receber quem deseja se integrar a essa “sociedade”, que
permanece unida antes de tudo pelo sentimento de entusiasmo provocado pela cooperação
entre pares (Resposta ao questionário).
74
E assim tem sido. A cada encontro nos deliciamos e emocionamos com as belas
leituras, feitas de diferentes maneiras, por diferentes pessoas. A cada registro, inúmeras
experiências: a dificuldade em nos expor por escrito, os diferentes estilos, a escuta atenta do
texto do outro, mas que pode ser acrescido de palavras minhas, visto que durante a leitura,
fazemos intervenções, complementamos informações, dialogamos com quem escreve. A cada
encontro nos damos conta do nosso inacabamento, concordando com Bakhtin quando afirma
que:
Se eu mesmo sou um ser acabado e se o acontecimento é algo acabado, não posso
viver nem agir: para viver devo estar inacabado, aberto para mim mesmo- pelo
menos no que constitui o essencial da minha vida; devo ser para mim mesmo um
valor ainda por vir, devo não coincidir com a minha própria atualidade (BAKHTIN,
2003, p. 33).
A crença e esperança na condição humana de estar sempre aprendendo é o que move o
grupo. Nos encontros, crescemos porque descobrimos o quanto aprendemos (e como isso é
bom!), diminuimos porque percebemos o quanto ainda temos de aprender (isso também é
bom e instigante!” (Judith, questinário).
Na SOPPA temos buscado criar espaços de discussões, aprofundamento de teorias e
tematização da prática. Pensamos e vivemos uma lógica de formação onde o professor é visto
como alguém que tem coisas a dizer, a ensinar e a aprender. Que saberes são, então,
compartilhados nas leituras que temos feito ao longo deste tempo? O que temos aprendido ou
ensinado quando escrevemos ou ouvimos a escrita da outra? Como têm sido as experiências
destas professoras envolvendo a leitura e escrita? Veremos o que as professoras do grupo têm
a contar.
5.1-Das leituras que compartilhamos: as lições que aprendemos/ ensinamos
Mesmo sendo indiscutível o papel da escola enquanto espaçotempo de formação, o
que temos visto é que, com suas atividades reguladoras, mecanizadas e fragmentadas, na
maioria das vezes, ela tem afastado alunos e professores das práticas sociais de leitura e
75
escrita. Ler para ser avaliado, responder questões, fazer provas de livro, escrever para fazer
redações e atividades escritas que existem para o professor saber se o aluno está
escrevendo corretamente fazem parte das recordações da trajetória de algumas de nós como
estudantes.
No período de estudante, eu era obrigada a ler um livro por bimestre para fazer prova
dele. Odiava era a prova porque tinha que escrever o que o professor queria e tinham
muitas perguntas que contavam com a memória. A minha nem sempre era boa. Quanto ao
fato de ler, eu nunca me incomodei, mas achava que nem sempre o livro era tão legal.
Não sei se posso dizer que a escola colaborou, mas acho que sim. Eu li os meus livros e os
do meu irmão que odiava fazer isso. Aí, eu contava pra ele a história e ele tirava dez na
prova. Acho que quem colaborou mais foi o meu irmão (Luciane, entrevista em
18/10/2007).
Luciane destaca um aspecto importante em sua formação de leitora: a leitura de livros
literários recomendados pela escola, com o objetivo de fazer provas. Certamente, essa não foi
uma experiência vivenciada somente por Luciane. Muitas de nós líamos e temos feito com
que os nossos alunos também leiam textos para responder perguntas, localizar informações,
demonstrar se compreenderam o que o “autor quis dizer”.
Isabela, ao narrar sobre sua experiência escolar, lembra da leitura como um
momento de solidão, em que lia (ou não) os livros que pegava na biblioteca, mas que não
eram incentivados, por parte dos professores, momentos de socialização e de compartilhar o
que os alunos haviam lido. Segundo afirma, isso poderia fazer com que se sentissem
instigados a realizar outras leituras, a partir de diferentes recomendações. Fala também da
prova do livro, que se inicia no Ginásio, e também das suas preferências: Não conseguia ler
o que não gostava” e por causa disso teve problemas nas provas: Lembro que eu tirei uma
nota baixa”.
(...) Eu tinha oportunidade de pegar livros, mas era em um espaço de tempo meio grande,
de 15 em 15 dias. A gente ia a uma biblioteca. Eu lembro que eu gostava de Ganymédes
José, tinha alguns autores... A história de Dona baratinha, eu gostava muito.
que é assim: eu gostava de escrever, que eu não lembro de mim como leitora, muito
leitora. Eu não lembro da escola me incentivando a ler por prazer. Isso eu não lembro. E
nem das professoras como leitoras.
No ginásio, começo a fazer provas de livros. Eu até gostava. O problema não era a prova
do livro, era o livro. Se eu gostasse, tudo bem, mas se eu não gostasse não lia o livro. Aí,
na prova... ( Isabela, entrevista em 27/11/07).
76
A partir das narrativas dessas professoras procuro destacar como a leitura ainda vem
sendo tratada, na maior parte das escolas. Ler o é considerado bom em si, é preciso tirar
lições, dramatizar, resumir, desenhar. Tradicionalmente, ler é pretexto para realizar algo.
Reclama-se, então, que os alunos têm dificuldade com a leitura e que não gostam de ler, mas
para alguns, que contam apenas com a escola em sua formação como leitores, não poderia ser
muito diferente. Mas e os professores, como serão capazes de ajudar os seus alunos a se
tornarem leitores se não forem eles próprios leitores também? Como gostarão de ler se não
passaram por essa experiência? Sônia Kramer vem há algum tempo apontando essa
contradição e colocando tal questão como parte essencial dos programas de formação de
professores, pois considera que:
Professores e professoras, alunos e alunas m o direito de ler e de escrever, têm o
direito de gostar e de não gostar de ler. Precisam, pois, de acesso a textos dos mais
diferentes tipos e diferentes e práticas reais de leitura e de escrita, práticas revestidas
de significado e que se consolidem como experiências efetivas, e não como meros
exercícios para prestar contas à contabilidade escolar e suas exigências burocráticas
(KRAMER, 2001, p. 192
).
Na SOPPA, a cada encontro, recebemos um presente-texto. E de diferentes naturezas.
Alguns mais emocionantes, outros mais reflexivos, questionadores, alguns divertidos,
cantados, outros muito esperados, pois antecipados. É lógico que gostamos, aprendemos, nos
encantamos mais com uns que outros. Na seleção, leitura, escuta, comentários que fazemos
dos textos fica evidenciada a diversidade do grupo e o quanto essas leituras provocam em
cada uma de nós diferentes significados, emoções.
Frente à homogeneidade do saber que restringe a diferença, a heterogeneidade do
aprender que produz a diferença. Por isso, a amizade de ler com implica-se na
amizade de aprender com, no se en-con-trar do aprender. E, nesse caso, o aprender
não é apenas um meio para o saber. Ler não é o instrumento ou o acesso à
homogeneidade do saber, mas o movimento da pluralidade do aprender
(LARROSA, 1998, p. 179, grifos do autor).
No trabalho que desenvolvemos com as crianças em relação à literatura, procuramos
desenvolver o gosto, o prazer pela leitura, inclusive, como condição para que aprendam sobre
a linguagem escrita. Ao funcionar como modelo, o professor comunica aos seus alunos traços
fundamentais do comportamento leitor, sendo este comportamento essencial para que o aluno
usufrua de todos os benefícios que a leitura pode proporcionar.
77
Na SOPPA, temos como objetivo primordial o compartilhar de textos que
consideramos interessantes, oferecer textos que achamos que o outro gostaria de ouvir. Logo
após os informes que algumas de nós tenhamos a dar, no início de nossos encontros,
estabelecemos como atividade permanente o compartilhar de textos de reconhecida qualidade
literária. Dessa leitura não decorre nenhuma atividade posterior, é o que poderíamos chamar
de leitura para fruição. Uma professora, a cada encontro, se oferece para ler em voz alta, no
mês seguinte, um texto de que gosta. Sobre isso Larrossa (1998) afirma:
O professor- aquele que o texto a ler, aquele que o texto como um dom, nesse
gesto de abrir o livro e de convocar à leitura - é o que remete o texto. O professor
seleciona um texto para a lição e, ao abri-lo, o remete. Como um presente, como
uma carta (LARROSA, 1998, p. 174).
Essas ocasiões de leitura em público são chamadas pelo autor de lição. Lição, lectio,
leitura, congregação de leitores, abertura do texto a uma leitura daqueles que se encontram,
ler com os outros, pluralizando os sentidos dos textos lidos (idem, p.173 e 179).
Por isso, a lição é um ato de ler público, que exige um certo ver-se cara a cara, uma
presença pública do corpo, às vezes falando e às vezes em silêncio, mas sempre em
relação a algo comum, a algo para o qual todos os olhos e todos os ouvidos tendem,
atendem. O corpo situado do leitor é atento, concentrado, falante ou em silêncio,
mas sempre tenso e em suspenso, suspendido ( ibidem, p. 178).
Optei por recolher, em nossos registros, algumas passagens que contassem um pouco
sobre a experiência que temos tido com a leitura compartilhada. Faço também uma lista dos
títulos de textos lidos que foi possível recuperar. Essa lista faz parte dos anexos do trabalho.
Então, o que contam os registros dos encontros sobre a experiência de compartilhar
leituras?
Como eu tinha antecipado, o formato inovador do livro “Tô com fome”, de Lia Zatz,
encantou todo mundo. E, rapidamente, nos sentimos em torno da fogueira, acolhidas e
aquecidas para retomar discussões, aprofundá-las, ampliá-las (Registro do dia
01/04/2006, feito por Tereza).
Seguimos com a reunião,agora, deliciando-nos com a leitura feita pela Vera Lúcia,
contactada na última assembléia do SEPE. Ela leu o livro: “O que os olhos não vêem”, de
Ruth Rocha. Vera disse que escolheu esse texto em função do momento que a rede de
educação de Duque de Caxias está vivendo, referindo-se à greve.Disse também que muitos
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livros infantis como esse, são, na verdade,bastante próprios para adultos, apresentando
temas reflexivos e críticos (Registro do dia 21/05/2005, feito por Marinalva).
A leitura compartilhada foi iniciada pela Mirian. A ética do Rei Menino”, de Gabriel
Chalita, mas ela não conseguiu terminar, devido à forte emoção sentida durante a leitura.
Quem terminou de ler foi a Janete (Registro do dia 10/12/2005, feito por Márcia Santos).
Tereza leu “História de amor”, de Márcia Maria, publicado no blog
fragmentosdeumdiscursoamoroso.zip.net. Nessa oportunidade, compartilhou conosco que
Rosaura Soligo utilizou esse conto como subsídio para um curso que ministrou na
Universidade Federal de Rondônia. Ela o citou como exemplo de narrativa pedagógica. A
leitura desse texto, segundo Rosaura, em e-mail enviado a Tereza, provocou uma reflexão
muito interessante, do quanto, por meio de uma escrita em que se lança mão da função
estética da linguagem, se pode produzir melhores efeitos na formação de professores do
que com outra escrita que se pretende pedagógica (Registro do dia 16/12/2005, feito por
Vera Lúcia).
Arlete fala sobre a experiência de estar alfabetizando, em sua casa, um aluno taxista, de
55 anos. “No início, ele rejeitava a leitura compartilhada, dizia ‘você já sabe ler, quem
precisa aprender sou eu!’ Não queria aprender através de textos. Eu lia o jornal para ele
todos os dias, que do dia anterior, porque catava o jornal do vizinho. A minha maior
alegria foi quando ele comprou o jornal e levou para eu ler”. (registro pessoal do dia
20/08/05).
O meu aluno percebeu o quanto eu gosto de ler. Ele levou um texto que retirou da revista
da tia, dizendo: “Quando eu vi isso na revista da minha tia eu perguntei se podia trazer
pra você ler pra gente, porque você adora”. (Registro pessoal de Janete, sobre a fala da
Arlete, dia 16/12/06).
Sabemos que este encontro significa a possibilidade de novas descobertas, novos
caminhos, a constante reinauguração. Penso que foi com essa idéia que Tereza trouxe a
proposta da leitura do poema de Carlos Drummond de Andrade, “Reinauguração”.Foi
emocionante! (Registro do dia 24/02/2007, feito por Janete).
Larrosa (1998) propõe a leitura em comum como uma experiência de ensinar e
aprender na liberdade e amizade. Liberdade porque tem a ver com a relação que cada um tem
consigo mesmo, liberdade de tomar a palavra, abertura ao por-vir do dizer. Amizade porque
supõe uma relação com o outro, uma co-implicação de aprender no comum. Temos,em nossos
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encontros, ao longo desses quase três anos vivido essa experiência com a leitura. Somos
livres para escolhermos os textos que mais nos dizem, mais nos tocam. Ao lê-los, os
oferecemos como um agrado, um presente. Não cobramos retribuições, como dizer o que se
compreendeu, tirar mensagens. O que queremos é que, ao ouvir as leituras, cada uma se sinta
como a que foi tocada por uma experiência, saindo dela transformada.
5.2- O que escrever? Como escrever? É preciso escrever?- registro sobre os nossos
registros
A escrita inaugura um tempo:
um tempo com história
( Kramer, 1997).
Se em relação à leitura compartilhada não temos problema no grupo geralmente,
alguém se oferece para fazer a leitura , com o registro tem sido diferente. Expor o que
pensamos, sentimos, escrever sobre a nossa experiência ainda amedronta muitas de nós.
Transcrevo um diálogo de um encontro do grupo em que fica evidenciado o quanto fugimos
da escrita. Talvez escrevendo sobre a nossa dificuldade em escrever possa contribuir para que
o grupo encare a escrita como uma atividade criativa, como possibilidade de descobertas e
passe a valorizá-la como de fundamental importância em nossa formação. É a isso que me
proponho.
Já sabe quem vai registrar hoje? (Janete)
Não, vamos combinar. Quem vai?(Tereza)
Silêncio!!!
Quem perguntou?( Luciane)
Quem perguntou fui eu, mas eu já registrei. (Janete)
Quem é que não registra há muito tempo? (Tereza)
Não faço a menor idéia ( Luciane)
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Quem não faz a menor idéia.... (Tereza)
Gente, tem que decidir! (Tereza)
Tânia, você não gostaria? ( Luciane)
Enquanto “elas” decidem, eu vou falando isso aqui. (Judith)
Vamos, Judith! Par ou ímpar? (Luciane)
Não, no próximo eu registro. (Judith)
(Transcrição da gravação do encontro do dia 24 de março de 2007)
Apesar de descontraído, esse diálogo evidencia um fato comum de acontecer em
nossos encontros. Raramente alguém se dispõe a fazer o registro, justificando isso de
diferentes maneiras:
Eu não sei escrever!
Eu não estou preparada!
Eu não consigo prestar atenção na discussão e registrar ao mesmo tempo!
Não posso dizer que esse temor pela escrita seja inerente somente às integrantes do
grupo ou que eu esteja fora disso. Também fico calada, esperando alguém se oferecer para
fazer o registro e, quando isso acontece, que alívio! Tenho mais um mês para não me expor
por escrito. Mas, por que esse medo? O que está por trás dele? Como formar escritores
competentes, se fugimos assim da escrita? Como convencer os nossos alunos a se arriscarem
na aventura da escrita, se nós mesmas não assumimos esse risco?
Adriana começa tentando seduzir as colegas para fazerem o registro da reunião. Eu,
Luciane, acabo cedendo. (Registro feito por Luciane, dia 02/07/2006)
Ceder para a escrita.... sacrifício? Acredito que para muitas de nós tem sido. Penso
também que não poderia ser diferente. Quase sempre relacionamos a escrita ao modo como
ela é tratada na escola: repetitiva, mecânica, uma escrita sem autoria e sem emoção. Uma
escrita sem destinatário, que existe para ser corrigida. E são tantas as correções que a cada
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vez diminuímos mais a quantidade de linhas escritas. É escrever pouco para errar menos
ainda.
Em vez de promover a formação de leitores e escritores, a escola, ao longo do tempo,
vem se constituindo como uma instância reguladora de práticas de leitura e escrita. Em nome
de corrigir a palavra, aprisiona a idéia, paralisa a escrita, tornando-a repetitiva e estéril. Não
seria normal, então, o medo da folha em branco, a necessidade de evitar os riscos a que, ao
escrever, estamos sujeitos?
Geraldi nos fala sobre o ensino da língua na escola e seu resultado desastroso em
nossa vida. Aprendemos muito sobre regras gramaticais e ortográficas, mas não sabemos
utilizar a língua em situações concretas de interação. Sabemos a respeito da língua, mas não
sabemos fazer uso dela.
Em todo esse longo e penoso curso de trabalhos que nos consomem o melhor do
tempo nos primeiros anos de estudo regular, não se sente, não há, não passa o mais
leve movimento de vida. línguas mortas são retratáveis num sistema de corpus
fechado de regras. Desta falsíssima preocupação de ensinar a língua viva do nosso
berço como os idiomas extintos, dos quais só pelos livros se pode adquirir o cabedal,
procede esse monstruoso sistema, que, torturando a puerícia, não lhe deixa no
entendimento uma partícula sequer de saber útil (GERALDI, 1997, p. 117).
Como ser autor, ser leitor sem penetrar no fluxo contínuo da comunicação, sem dizer a
sua palavra e sem a possibilidade de mergulhar na linguagem? O aluno, submetido às regras
impostas pela escola, assume uma atitude de compreensão passiva, quando muito. para
fazer deveres, escreve para realizar trabalhos e não para comunicar algo. O professor,
desapropriado de seus saberes, com uma jornada de trabalho cada vez maior, lê pouco,
escreve menos ainda. Em uma escola assim, ler e escrever são tarefas difíceis para todos.
Kramer (2003) ressalta a importância de o professor se assumir como autor de sua
palavra, estabelecendo com ela uma relação de produção, criação. sendo autor, o
professor poderá favorecer que as crianças o sejam” (p. 84).
A escrita pressupõe interlocução, diálogo com aquele que ou ouve a leitura. Em
nosso caso, quem registra cada encontro da SOPPA faz a leitura de seu texto para o grupo no
mês seguinte. È quase sempre assim que organizamos os nossos encontros: logo após os
informes e a leitura compartilhada, faz-se a leitura do registro do encontro anterior. Esse é o
momento privilegiado para explicitação de dúvidas, incertezas, demonstração de
(des)conhecimentos, permitindo que fatos possam ser esclarecidos, equívocos
retificados.
82
Momento em que a singularidade e a diversidade de entendimento se complementam, se
confrontam, se entrelaçam. O tempo da leitura do registro é o tempo em que os laços de
coletividade ficam registrados.
Traduzir as nossas idéias em algo escrito não é um processo fácil. Ao contrário, exige
um trabalho árduo de organização e (re)significação de pensamentos, de seleção dos
conteúdos que serão abordados, de elaboração da melhor forma de escrita, visando à produção
de sentidos, pois como afirma Bakhtin“A palavra dirige-se a um interlocutor” (BAKHTIN,
2003, p.112). É o nosso interlocutor a quem pretendemos atingir, provocar. Não tem como
passar incólume ao ato de escrita. Nem quem escreve, nem quem ou, em nosso caso, ouve
a leitura.
Estudos que tratam da escrita como estratégia privilegiada de formação de professores,
como os de Prado e Soligo (2005), Tamboril (2005), Kramer (2001), entre outros, evidenciam
as dificuldades que os professores encontram ao escrever. Isso pode ser compreensível, tendo
em vista a complexidade presente nessa realização. Escrever é duro como quebrar rochas”,
dizia Clarice Lispector (1984, p.23), pois requer intensos esforços pessoais do sujeito. É
dar-se a ver primeiro a si mesmo, para depois revelar-se ao outro, demonstrando os saberes e
não-saberes, as suas crenças, sentimentos, concepções, as suas “verdades”.O que o outro vai
dizer sobre o meu texto”?
Oferecer um texto para ser lido ou ouvido por alguém é dar-se a conhecer, é expor-se,
o que significa assumir riscos. Mas é também um ato de generosidade e de compromisso.
Com o outro e conosco, pois, ao mesmo tempo em que nos damos a conhecer, nos
conhecemos melhor, nos formamos. (PRADO E SOLIGO, 2005). Sobre isso refletimos no
grupo:
Conversamos sobre o papel da escrita em nossa experiência, como ela nos ajuda a
organizar as idéias, pensamentos e, desse modo, ao escrevermos sobre o que vivemos,
aprendemos mais. Isso foi confirmado pelas pessoas que já fizeram os registros dos nossos
encontros (Registro feito por Janete, no dia 20/08/05).
Anteriormente, havíamos também discutido a respeito tanto no PROFA como no
projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”. Ao escrevermos o
nosso memorial de formação compreendemos o papel que a escrita assume em nossa
formação. O quanto que ao escrever, refletimos sobre a nossa prática, revisitamos os fatos
83
passados e vislumbramos novas possibilidades. É na hora de escrever que muitas vezes fico
consciente das coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia”
(CLARICE LISPECTOR).
Escrita... auto-conhecimento... Escrita... formação.
A reflexão por escrito é um dos mais valiosos instrumentos para aprendermos sobre
quem somos nós- pessoal e profissionalmente- e sobre a prática como educadores,
porque favorece a tematização do trabalho realizado e do processo de aprendizagem,
o desenvolvimento da competência de escrita., a sistematização dos saberes
adquiridos e o uso da escrita como ferramenta para o crescimento profissional (Guia
de Orientações Metodológicas Gerais, Mec/ 2001, p. 58).
Reconhecer a escrita como recurso para a formação do professor não quer dizer, no
entanto, que desconsideramos as dificuldades enfrentadas por cada uma de nós quando nos
deparamos com a “sugestão” de alguma colega para fazermos o registro. Primeiro a
resistência: “Eu já fiz o registro de outros encontros”, depois o enfrentamento do desafio:
Janete perguntou se eu queria fazer o registro do encontro. Para fugir dele, eu fiz uma
contraproposta: “Eu gostaria de fazer a leitura compartilhada”. (Fala de Isabela, no dia
24/11/2007).
Eu ainda não estou calma para fazer o registro. Fujo, fujo, fujo. (Fala de Vanessa, no dia
24/11/2007).
Depois de tanto fugir do registro e ser laçada por vocês no último encontro do ano,
sobrevivi a esta aventura. Obrigada pela oportunidade, mas não precisam ter pressa em
me escalar de novo, está bem? Este friozinho na barriga que envolve este momento, eu
quero compartilhar com todas vocês. ( Registro de Vera Lúcia, no dia 16/12/2006).
(...) recebi de minhas “caríssimas” colegas a “indicação” para organizar o relato do dia.
Lembro-me de uma súbita preocupação tomando conta de minha pessoa. Sobre isto quero
refletir com vocês: o quanto é difícil para nós o ato de escrever. Tenho sempre a
impressão de que precisaria saber mais, me aprofundar mais para enriquecer melhor o
texto. (Registro feito por Geórgia, no dia 02/09/06)
Geórgia , segundo afirma, segue os conselhos que Tamboril as suas alunas, que
também relatam, segundo a autora, muita dificuldade em produzir textos escritos. No texto
“Memórias de escrita e desenvolvimento da competência escritora na formação inicial de
84
professores- uma experiência no Portal da Amazônia”, Tamboril expõe como tenta convencê-
las de que:
(...) se aprende a escrever, escrevendo, que somente enfrentando essa dificuldade
seremos capazes de superá-la! Que a competência escritora é uma construção
processual, lenta, árdua, individual e coletiva. que na escola trabalhamos com a
leitura e escrita e, portanto, precisamos diminuir a distância entre o que dizemos e o
que fazemos (TAMBORIL. In PRADO E SOLIGO, 2005, p. 117).
Ao encarar o desafio de escrever, Geórgia se diz feliz. Ao escrever sobre a sua
experiência de produção do registro, mobilizou em nós uma reflexão sobre as nossas
possibilidades, apesar das limitações que sentimos. A socialização da escrita no grupo permite
um exercício contínuo e potencializador da reflexão, tomada de consciência e constituição de
saberes.
Nesse sentido, ter os registros dos nossos encontros possibilita avaliar o processo de
evolução do grupo, de maneira geral, mas também processos individuais, tanto em relação ao
domínio do ato de escrever quanto da própria prática. Muitas coisas podem ser esquecidas,
mas podemos recuperá-las através dos registros.
Os relatos escritos, portanto, ao nos auxiliarem na recuperação dos acontecimentos,
nos permitem uma nova leitura e melhor compreensão da nossa trajetória. Além disso, a
escrita nos proporciona a possibilidade de compartilhar. Como contar a história da SOPPA,
narrar a nossa experiência, sem recorrer aos textos que temos produzido? O relato oral seria
suficiente para isso? Penso que, apesar de necessário, não daria conta de tantos “detalhes”. Se
não tivéssemos os registros talvez não guardássemos lembrança...
... das dúvidas iniciais de Arlete em relação ao que seria um ambiente alfabetizador...
Todo o material escrito tem que estar pendurado na sala? Preciso deixar quanto tempo um
material exposto? (Fala da Arlete no dia 20/08/05).
... dos equívocos apontados por Márcia Santos em relação ao planejamento de sua rotina...
Márcia coloca sua angústia em relação à sua turma. Primeiro, investiu muito na escrita e
esqueceu da leitura. Agora acha que investiu mais na leitura e a escrita ficou para trás.
Tereza lembra que a rotina vai se modificando de acordo com a necessidade da turma. (...)
Fica claro que uma rotina bem organizada é o primeiro passo para a qualidade do
trabalho ( Registro do dia 02/07/ 05, feito por Janete).
85
... dos avanços e recuos do grupo...
Houve uma discussão bastante interessante sobre a questão da memorização do alfabeto,
já que algumas crianças têm muitas dificuldades em aprendê-lo.O aprendizado do alfabeto
não se através da memorização?Então por que não trabalhar mais com atividades
(jogos) de memorização do alfabeto?
Ficou decidido que precisamos aprofundar mais as discussões sobre o ensino e
aprendizagem do alfabeto e o trabalho com nomes próprios.( Registro do dia 10/12/2005,
feito por Márcia Santos).
... da emoção da Arlete ao falar sobre o desenvolvimento de sua turma...
Eu trabalhei até o último dia do ano na esperança deles se alfabetizarem. Sei que alguns
não chegaram alfabéticos, mas aprenderam muito. Por isso estou feliz. (Fala de Arlete no
encontro do dia 16/12/2006- Registro pessoal de Janete)
Ler hoje os registros que fizemos de encontros acontecidos há algum tempo nos
permite compreender que somos transformadas a cada experiência, a cada conhecimento que
construímos. Isso contribui também para o nosso crescimento individual, porque passamos a
dar mais importância ao ato de registrar a nossa prática docente, que nos permite pensar
cuidadosamente, sermos críticos da situação, relacionar o antes e o depois, tornando-nos
capazes de refletir para além do momento em que tais práticas acontecem.
Desse modo, podemos considerar que a escrita como experiência para o professor se
converte em um elemento-chave de aprimoramento da sua prática e da compreensão sobre
ela. Escrever dá visibilidade às nossas experiências, objetiva-as. As palavras, plenas de
significados e representações, podem materializar o processo de construção de sentidos sobre
o vivido.
Escrever é, ou deveria ser, um instrumento valioso de reflexão para os professores.
Um direito, como afirma Kramer (2003). Entretanto, ao longo da escolaridade, incluindo os
cursos de formação de professores, temos tido poucas experiências com a escrita. Escrevemos
muito pouco, mas logo depois somos cobradas a ensinar o aluno a escrever. ensinamos o
que temos aprendido: uma relação de distanciamento com a ngua, a reprodução acrítica da
palavra do outro, como se os alunos não tivessem o que dizer, não pudessem ser autores das
suas palavras.
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Na SOPPA a escrita assume uma outra dimensão. Escrevemos para comunicar o que
temos feito em nossos encontros, documentar as nossas experiências, a nossa história.
Escrevemos porque, como professores, nos reconhecemos também aprendentes. Se falamos
para os nossos alunos que é escrevendo que se aprende a escrever, essa também é uma lógica
para nós. Por isso, o convite à escrita para quem ainda não ousou se arriscar neste difícil, mas
também extremamente gratificante exercício, como constatou Geórgia ao ser indicada por nós
para fazer o registro do encontro de setembro : Resolvi seguir seus conselhos e aqui está a
produção do meu enfrentamento com a dificuldade de produzir. Estou feliz!”
5.3- Sobre a organização do tempo: desabafos, conflitos e produção
Hoje, quando a gente se reúne para estudar, como somos nós que fazemos o cronograma,
a gente pode mergulhar no que o outro traz.Os conflitos que temos na escola...Não
para separar. A SOPPA vai ajudando nesse movimento. Se não for lá, não vai ser em
lugar nenhum (Luciana Alves, entrevista em 10/11/07).
No grupo dividimos as ansiedades, conquistas, frustrações e dúvidas que ocorrem no
nosso cotidiano da sala de aula (Judith, resposta ao questionário).
Dividir ansiedades, conquistas, frustrações. Estamos aqui, muitas vezes sem perceber,
exercitando um dos princípios que nós mesmas elencamos como sendo uma das expectativas
do grupo:
trabalhar coletivamente de forma produtiva, valorizando a colaboração na busca de
respostas adequadas para os cotidianos desafios profissionais.
Lembro-me de um dia em Luciane chega ao encontro tão angustiada com os
problemas vivenciados na escola, com as decisões arbitrárias da diretora em relação à sua
turma que ao falar, cai no choro. Ela havia se comprometido a permanecer com a mesma
turma, para continuar o trabalho que vinha sendo desenvolvido e também para consolidar a
alfabetização de alguns alunos que provavelmente seriam retidos. Entretanto, ao retornar à
escola, no ano seguinte, a diretora havia desmembrado a sua turma.
Conversamos muito sobre esta situação. Por que a diretora tomara esta decisão? Não
sabíamos. Nem a própria Luciane. Também não sabíamos o que fazer para consolá-la.
Ouvimos e, ao ouvi-la, demonstrávamos estar atentas ao seu problema, exercitando uma
escuta sensível (BARBIER, 2004). Ao escutar o desabafo de Luciane nos tornávamos
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cúmplices daquela situação. Luciane queria um conselho, para isso precisou dizer o que a
angustiava. Precisou narrar a sua história.
O que Luciane conta, de uma certa maneira, é também uma experiência vivida por
nós. Quantas vezes não sabemos o que fazer para resolver um problema na escola, seja com
alunos, com diretores ou mesmo com outro professor? Quantas vezes nos sentimos
angustiadas a ponto de nos sentirmos desanimadas, sem ânimo para continuar?
Será que a solidão que vivemos na escola contribui para isso? Quantas vezes não
temos tempo para contar ao outro sobre o que nos passa, o que nos aflige, o que não
compreendemos? Ou para ouvir do outro o que lhe passa, dar-lhe um conselho, uma
orientação?
Para Benjamin essa falta de diálogo se pela pressa que predomina nos tempos
modernos. Precisamos cada vez mais de informações. Por isso, não temos tempo para narrar,
ouvir, receber ou dar conselhos. Manifestando-se sobre a (in)comunicação dos tempos
modernos, o autor nos fala:
A experiência transmitida pelo relato deve ser comum ao narrador e ao ouvinte.
Pressupõe, portanto, uma comunidade de vida e de discurso que o rápido
desenvolvimento do capitalismo, da técnica, sobretudo destruiu. A distância entre os
grupos humanos, particularmente entre as gerações, transformou-se hoje em um
abismo porque as condições de vida mudam em um ritmo demasiado rápido para a
capacidade humana de assimilação
.
(BENJAMIN, 1993, p. 10)
Vivemos tão imersos na complexidade da sala de aula ou cumprindo as exigências
burocráticas da escola que, tal como Benjamin alerta, estamos esquecendo a arte de narrar, de
ouvir. Nos encontramos lado a lado com outros professores, mas muitas vezes nos sentimos
sem ter com quem conversar, desabafar. Por isso, considero que os espaços coletivos de
discussão, onde essas práticas ainda acontecem precisam ser valorizados. Para Benjamin, a
prática de narrar histórias está vinculada à experiência coletiva de comunidades em que os
indivíduos não se escravizaram à divisão capitalista do trabalho (Idem, p. 10).
O que percebemos é que, assim como na escola, nos processos de formação em
serviço, em geral, cabe ao formador o direito à fala, pois ele tem muitas informações” para
nos dar. Ao professor, quem sabe, se sobrar um tempo, é dada uma possibilidade de
participação. Talvez em algum momento reservado para trocar alguma atividade que
88
realizou, de preferência as que deram certo. Refletir sobre o que não foi satisfatório levaria
muito tempo e se tem uma agenda a cumprir.
Não estou a dizer que estes não são momentos importantes. Mas como Benjamin,
considero que narrar a sua experiência é mais do que relatar as etapas de realização de
atividades. Narrar sua experiência vai além das palavras. Compreendo, a partir deste autor,
que experiência deve ser aquela que não é simplesmente ouvida, deixa rastros, marca tanto o
ouvinte quanto o narrador.
Retomo as palavras de Luciana para refletir sobre os nossos encontros na SOPPA. O
que temos privilegiado: a linguagem- informação, aquela que exige mensuração, verificação,
ou estamos a serviço das narrativas? O que as professoras esperam desses encontros:
produção, no sentido de trabalho realizado, a ser contabilizado, ou estar com o outro, narrar as
suas histórias, ouvir o que o outro tem a contar, sofrer junto, acolher?
Os conflitos que a gente tem na escola. Não para separar. Você é um todo. Quando
você está em um grupo que pensa junto, você aprende a acompanhar. Aprende a olhar.
Presta atenção no outro, ouve o que cada um diz (Luciana Alves, entrevista em
10/11/2007).
Minha maior expectativa em relação aos encontros da SOPPA é de que, deles, eu nunca
saia me sentindo solitária, desanimada por não ter sido ouvida de verdade ou não ter
escutado nada que me instigasse o que em outros grupos, não tenha dúvida, me
ocorreu. Até hoje, ao final de cada encontro, estou mais encorajada a pesquisar, refletir,
produzir do que antes (Tereza, resposta ao questionário).
Em algumas vezes, o ouvir o outro, reclamar sobre as condições de trabalho, as
relações presentes nas escolas levam um tempo... “Hoje íamos discutir isso, íamos ler tal
texto, pensar naquele projeto...”
Mas...não deu tempo!
Os debates entre nós são muito produtivos por conta dos estudos realizados por nós até
agora e também da nossa prática dentro da proposta. Um exemplo clássico foi a discussão
sobre reconto e reescrita. Naquele encontro, eu pude encontrar novas dúvidas que nunca
tinha tido porque nunca tinha discutido com ninguém sobre aquele assunto, naquele nível
de conhecimento. Depois de alguns argumentos, finalmente, pude concluir as diferenças
entre os dois itens em questão. Foi muito produtivo. Outro exemplo seria a discussão
sobre projetos (Luciane, entrevista em 18/10/07).
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Luciane afirma ter sido muito produtivo o encontro no qual discutimos o reconto e a
reescrita de textos. O que isso nos revela? Será que reconhecemos como conhecimento o
que se traduz em mensuração, quantificação, o que pode ser avaliado? Não seria isso uma
forma de controle: hoje estudamos isso, no encontro seguinte estudaremos aquilo... Não
estaríamos fazendo o que criticamos em relação às nossas aulas e às propostas oficiais de
formação de professores?
No último encontro de 2007, quando eu havia ficado responsável pela coordenação,
tínhamos como proposta a finalização da discussão que estávamos fazendo sobre projetos de
leitura ou de escrita. Tudo caminhava na mais perfeita ordem, até que Márcia Santos levantou
um questionamento sobre uma atividade de leitura que propunha aos seus alunos. A discussão
virou um caos, a meu ver, naquele momento. Procurava em vão colocar ordem, recuperar o
fio condutor daquilo que até então considerava uma reunião para discutir projetos. Não deu
certo.
Ao ouvir a gravação do encontro, percebi, entretanto, que o que considerava como
desordem nas falas, era muito mais uma tentativa nossa de compreender como Márcia estava
compreendendo o que chamava de hipóteses de leitura. compreendendo o que ela
explicitava, podíamos fazer intervenções, ajudá-la a desconstruir algumas certezas. Por isso,
fazíamos muitas perguntas.
Preocupada para que tudo ocorresse conforme havia planejado, tentava controlar o
tempo e a imprevisibilidade inerente a um grupo criado sob a lógica da interação e que se
propõe a discutir questões da prática.Apesar de já ter discutido inúmeras vezes o paradigma
da complexidade (MORIN, 2006), o meu olhar simplificador ainda via a necessidade de voltar
ao planejamento feito como forma de evitar o caos, a desordem.
Lendo novamente Morin, encontro ajuda para compreender que o não cumprir
linearmente o que eu havia planejado como discussão, significou uma busca pela reflexão em
torno da questão que Márcia trouxera. Desse modo, lutar contra o imprevisível, a
aleatoriedade e a incerteza do encontro foi uma tentativa minha de enrijecer uma proposta que
deveria ser o mais flexível possível, que não faz parte de nenhum programa oficial de
formação, que, via de regra, tenta controlar os desvios, o que escapa à ordem . Essa
flexibilidade, entretanto, não pode significar, entretanto, um total improviso e acaso, um “tudo
vale”, pois de acordo com Morin
90
A estratégia se define por oposição ao programa. Um programa é uma seqüência de
ações predeterminadas que pode se realizar num ambiente com poucas
eventualidades ou desordens. (...) A ação é possível se houver ordem, desordem e
organização. Ordem demais asfixia a possibilidade de ação. Desordens demais
transformam a ação em tempestade e ela passa a ser uma aposta ao acaso (MORIN,
1999, p. 221).
As nossas falas que se desviam do planejado, os desabafos nos momentos de
desespero, o pedido de orientação, a retomada a algum assunto que poderia ser considerado
encerrado por algumas de nós não é para ser levado em conta quando avaliamos a
produtividade do grupo? Não seria isso que Luciana Alves chama de “mergulhar no que o
outro traz”? Ou o que Boaventura chama de conhecimento solidário? Será que não o
percebemos como tal por este fazer parte de um paradigma de conhecimento ainda
desconhecido por nós, um conhecimento emergente?
A solidariedade é o conhecimento obtido no processo, sempre inacabado, de nos
tornarmos capazes de reciprocidade através da construção e do reconhecimento da
intersubjectividade. A ênfase na solidariedade converte a comunidade no campo
privilegiado do conhecimento emancipatório ( SANTOS, 2005, p. 81).
Creio que precisamos desnaturalizar o olhar para o que se apresenta como ordeiro,
disciplinado, produtivo, tentando descobrir o que se passa quando acreditamos que nada
passa, nada acontece, como sugere Pais
Por que não cultivar o anarquismo do olhar? São nas brechas do saber consolidado
que se dão as possibilidades criativas, de desvio. Desvio que não é apenas tomado
no sentido de interrupção e afastamento de um caminho mais tranqüilo, mas será
também no da renovação e reelaboração, tornadas possíveis pelo brusco desvio
(PAIS, 2001, p. 46).
Pais afirma ser possível encontrar nos desvios uma nova forma de organização, mais
livre, mais espontânea e emancipatória. Encontro aqui uma concordância de idéias entre ele e
Boaventura quando este apresenta a necessidade do que chama de dupla ruptura
epistemológica”. Segundo o autor, a primeira ruptura, que a princípio considera o senso
comum como superficial e não científico, necessita ser novamente rompida, para que desta
vez o conhecimento científico possa se transformar em um novo senso comum (SANTOS,
2005, p. 248). Quando falamos em não produtividade do grupo, não estaríamos nos referindo
ao conhecimento do senso comum (conversas sobre a escola, sobre alunos), conhecimentos
ditos não científicos, porque construídos por pessoas comuns, por isso menos valorizados?
91
Não seria, como sugere Boaventura, o momento de rompermos com esta prevalência de um
conhecimento sobre o outro? Pelas narrativas de Tereza e Márcia não teremos dificuldade em
ajudar a construir esse paradigma de conhecimento, que de certa maneira, emerge no grupo,
mesmo que algumas de não o reconheçamos como tal.
Um agrupamento produtivo” não é, acima de tudo, aquele em que se uma busca
conjunta de resolução para um problema, por meio de um explícito cotejo de hipóteses? O
processo de pensar com o outro a melhor alternativa para cada situação desafiadora não
ensina mais do que qualquer resposta obtida (inclusive, porque esta é necessariamente
provisória ou parcial, quando as questões são complexas)?
Enquanto estivermos desenvolvendo em nossos encontros esse tipo de estudo, cada um
deles terá certamente a máxima “produtividade” que, naquele momento, nos for possível
alcançar juntas, você concorda? (Tereza, resposta ao questionário)
Sabe essas coisas que a gente fica aflita, com esse movimento. A gente tá sempre assim, aí
volta, se desespera.. Não tem um ponto final, não tem um porto de chegada. Às vezes
um nervoso! O que a gente fazendo aqui? A gente vai chegar aonde? De que modo? A
gente não sabe. Isso é normal! A gente é normal! O negócio é que a gente aqui nesse
movimento. E cada vez tem outras dúvidas, coisas que não via antes. Isso é incrível,
sabe!
(
Márcia, entrevista no dia 13/11/07)
.
O conhecimento- emancipação, ainda sendo gestado, se contrapõe a práticas
conformistas, repetitivas e rotineiras. È, por conseguinte, uma demanda de experiências de
limiar, marginais, até clandestinas, fundadas em práticas sociais pautadas pela solidariedade e
pelas subjetividades individuais e coletivas. Ao divulgar a experiência da SOPPA, não tenho a
pretensão de considerar este modelo de grupo como o mais válido, o exemplar, mas
contribuir no sentido de que outras pessoas vejam que é possível, sim, construir um outro tipo
de relação que não tenha como princípios a competitividade e a indiferença ao outro. Acredito
que dando visibilidade ao que fazemos, como nos relacionamos, estamos contribuindo para
que o conhecimento-emancipação tenha possibilidade de verdadeiramente se instalar entre
nós.
92
6ª PARTE
OS ESTUDOS SOBRE O ENSINAR E O APRENDER
A LER E ESCREVER
Ensinar a pensar é ensinar a bailar.
E ensinar a pensar não é definitivamente
ensinar a ler e escrever,
a escutar e a falar?
Não é ensinar a bailar com a voz e com a caneta,
com os ouvidos e com os olhos?
(Larrosa, 1998)
A compreensão da necessidade de continuarmos estudando sobre alfabetização foi o
que motivou a criação do grupo, em abril de 2005. Apesar de uma boa parte de nós ter feito o
PROFA e algumas terem participado do projeto “De professor para professor: um convite ao
trabalho cooperativo”, tínhamos clareza de que alfabetizar não é uma tarefa fácil,
principalmente se considerarmos que ainda estamos construindo o conhecimento didático
acerca da metodologia de alfabetização com textos, que, ao contrário de uma prática mais
tradicional, não tem caminhos rígidos e graduais a serem seguidos. É a língua escrita, seus
usos e funções, a principal ferramenta para o trabalho alfabetizador.
Desse modo, durante todo o primeiro ano de encontros da SOPPA, nos debruçamos
quase que exclusivamente a estudos suscitados por um planejamento que Marinalva organizou
para o Ciclo de Alfabetização, tendo como base os Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa. Marinalva organizou uma primeira versão, ainda quando participávamos do
projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”, entregou a Tereza
para que fizesse uma apreciação e quando nos encontramos na SOPPA esse material foi
socializado e analisado por todo o grupo.
Com base no planejamento da “Marinalva
25
”, discutíamos quais os melhores textos a
serem lidos pelo professor para os alunos, considerando interesse e necessidade da turma, a
importância da participação dos alunos nos projetos a serem escolhidos para o trabalho
pedagógico, as intervenções específicas para a aprendizagem do sistema alfabético e quais as
atividades privilegiadas para isso, a aprendizagem da ortografia, o papel da revisão textual, as
25
A versão final do planejamento consta dos anexos do trabalho.
93
pistas que os erros das crianças nos dão, as diferentes lógicas de quem aprende, entre muitos
outros assuntos.
Considerar tudo isso significa uma mudança radical na forma como temos vivido o
planejamento em nossas escolas. Na maioria das vezes, ele é uma cópia dos conteúdos do
livro didático, destinado à série na qual o professor irá trabalhar, configurando-se muito mais
como uma exigência burocrática, a ser entregue a orientadores e supervisores do que como
um instrumento de reflexão do professor.
Acreditamos que um bom planejamento é aquele que funciona para o professor
organizar o seu trabalho e contribuir para a aprendizagem dos alunos, levando em conta o tipo
de aluno que a escola pretende formar, as exigências colocadas pela realidade social e as
contribuições das pesquisas em educação. Este, se construído coletivamente, além de permitir
aos professores explicitarem os seus saberes e fazeres, contribui para a busca de uma unidade
do projeto educativo que, embora elaborado a partir da diversidade do grupo e da
singularidade de cada sujeito envolvido, parte de objetivos comuns.
Para nós, a experiência de reorganizar, co-produzir o planejamento que Marinalva
iniciou, adquiriu o conceito de obra que Bruner (2001) resgata de Ignace Meyerson. Este
autor afirma que a principal função de qualquer atividade cultural coletiva é produzir obras,
que podem incluir, num sentido mais amplo, as leis, as estruturas institucionais, as artes, as
ciências. Entretanto afirma que obras de agrupamentos menores que conferem orgulho,
identidade e sensação de continuidade aos participantes de sua produção, mesmo que
indiretamente.
As obras coletivas refletem e exteriorizam as formas de pensamento de um grupo.
Nesse sentido, o planejamento de Marinalva pode ser compreendido como uma “obra”
produzida com intenção de compartilhar os conhecimentos que temos adquirido sobre como
os alunos aprendem a ler e escrever e quais devem ser as intervenções do professor no sentido
de favorecer esse processo.
Para Bruner (2001), as obras coletivas produzem e mantêm a solidariedade do grupo,
ajudando a consolidar uma comunidade de aprendizes mútuos, além de promoverem uma
sensação de divisão de trabalho necessária à obtenção de um produto, e ainda criam formas
compartilhadas e negociáveis de pensar em grupo.
Durante todo o ano de 2005 vivemos essa experiência do trabalho compartilhado em
torno do planejamento organizado inicialmente por Marinalva. Penso que essa foi a
94
experiência em que mais colocamos em prática o compartilhar de leituras, a tematização da
nossa prática e aprofundamento teórico acerca da alfabetização, objetivos propostos para o
grupo desde a sua criação.
6.1- Decisões a partir do planejamento de Marinalva: estudos e reflexões sobre
alfabetização e letramento
Em se tratando de alfabetização, acreditamos que a proposta que os Parâmetros
Curriculares Nacionais apresentam para o ensino da Língua Portuguesa é a que mais se
coaduna aos pressupostos que têm nos orientado, como: o reconhecimento de que os alunos
aprendem coisas diferentes em tempos diferentes, o que faz com tenhamos um novo olhar
sobre o ensinoaprendizagem, utilizando a heterogeneidade de conhecimentos a favor da
aprendizagem; a crença de que as crianças aprendem sobre a língua escrita mesmo antes de
ingressarem na escola, o que significa descobrir o que elas sabem, para ajudá-las no que
ainda não sabem; o fato de considerarmos os alunos como leitores e escritores em potencial,
desde os primeiros dias de escolaridade, a proposta de uso da escrita como atividade
discursiva, de autênticos textos, não de sílabas, palavras soltas e de textos que só são vistos na
escola.
Temos clareza de que é de nossa responsabilidade a formação de leitores e escritores
competentes, autônomos e críticos. Entretanto, para que essa formação se efetive, faz-se
necessária a inserção dos alunos no mundo letrado e isso se torna muito difícil quando a
escola reduz sua tarefa de ensino da leitura e escrita a atividades mecânicas e sem sentido.
Os PCN de Língua Portuguesa apresentam, em um trecho intitulado “Alfabetização e
ensino da língua”, uma idéia presente até hoje em grande parte das classes de alfabetização: a
metáfora do foguete. O ensino da correspondência letra-som seria o primeiro estágio, soltar o
foguete da terra. Depois, já solto, poderia navegar pelo espaço- seria o momento do ensino da
língua e seus usos, escolares, diga-se de passagem.
Desse modo, durante o primeiro estágio o aluno poderia ler e escrever. Mas, não
seria qualquer leitura e nem qualquer escrita. Só as se restringissem às letras/sílabas já
ensinadas. Para que o aluno erre o menos possível. Quando o aluno tivesse adquirido a
95
capacidade de decodificar todos os sinais gráficos, sim, poderia ser lançado para o segundo
estágio-os exercícios de redação, os treinos ortográficos e gramaticais.
Lerner (2002) atribui essa pratica à tentativa de controle exaustivo da escola em
relação à aprendizagem. Lê-se em voz alta para que o professor possa avaliar a entonação, a
compreensão e a fluência. Escreve-se para que se verifique a ortografia das palavras,a
acentuação, a pontuação, desconsiderando outros aspectos mais complexos envolvidos nesse
ato, como a intenção da comunicação, a adequação do discurso, o conhecimento sobre a
diversidade textual.
Na SOPPA temos nos debruçado constantemente sobre essa temática. Ensinar a ler e
escrever a partir de uma língua viva, a partir de enunciados concretos, seria uma tarefa fácil?
Pensamos que não, acostumadas que somos a um passo-a-passo a ser seguido, a controlar a
leitura e escrita dos alunos a partir da quantidade de letras que ensinamos, a ver a escrita não
convencional como erro e não como uma expressão da gica própria de cada criança.
Acreditamos que a mudança exige o refletir constante sobre as nossas práticas, buscando
compreendê-las e tentando desvendar as concepções teóricas que têm nos guiado até aqui.
Acreditamos, ainda, que no coletivo temos as melhores condições de refletir sobre tudo isso.
Desde a circulação, em meados dos anos 80, de estudos que nos informavam sobre as
hipóteses que as crianças constroem sobre a língua escrita, tentando compreendê-la, estamos
aprendendo sobre como as crianças aprendem a ler e escrever, qual a gica presente em suas
produções, muitas vezes consideradas por nós, adultos, ilógicas. Essas discussões, quase que
constantemente, têm feito parte dos grupos de estudos das escolas e das formações oferecidas
pelas secretarias de educação de muitos municípios. Entretanto, vários equívocos surgiram a
partir da divulgação de tal teoria: em várias salas de aula, esse conhecimento servia (e ainda
serve) apenas para classificar os alunos em pré-silábicos, silábicos, silábico-alfabéticos ou
alfabéticos
26
e discriminar os que ainda não apresentam uma escrita convencional.
Por outro lado, a idéia de que o aluno é um ser ativo, que constrói o seu próprio
conhecimento trouxe consigo algumas outras incompreensões. Bastaria que ele estivesse
exposto a diferentes materiais escritos, pudesse manuseá-los, para que aprendesse a ler e
escrever. Na prática vimos que não é bem assim, principalmente porque a aprendizagem da
escrita é uma aprendizagem de natureza conceitual. Portanto, para aprender a ler e escrever se
26
Me apóio nos estudos de Ferreiro e Teberosky (1989) para definir de maneira bastante simplificada o que essas
escritas sinalizam: pré-silábica: o não estabelecimento de relação entre o falado e o escrito; silábica: cada sílaba é
representada por um símbolo gráfico; silábica-alfabética: a transição entre a escrita silábica e a alfabética;
alfabética: a descoberta de que a menor unidade da língua é o fonema e não a sílaba.
96
faz necessário que o aluno reflita sobre o que a escrita representa e como se essa
representação. Ao professor cabe fazer intervenções que o ajudem nessa descoberta.
O mesmo pode-se dizer para a aprendizagem dos aspectos discursivos da língua. É
refletindo sobre como textos se organizam, quais as suas características e funções que os
alunos aprenderão a utilizá-los socialmente. Para isso, é imprescindível que o professor
assuma um papel de leitor e escritor experiente e os alunos, de leitores e escritores em
potencial, desde os primeiros dias de escolaridade.
Na SOPPA, nos afastamos de uma proposta de alfabetização à qual ensinar a ler é
ensinar a correspondência letra-som. Em nosso dia-a-dia de alfabetizadores comprovamos
que é possível aprender a ler lendo textos, a partir da utilização de procedimentos que
permitem “ler” quando ainda não se sabe ler convencionalmente. Trabalhamos para que a
aprendizagem da correspondência fonográfica ocorra dentro de uma prática ampla de leitura.
Afinal, aprender sobre a linguagem escrita exige interação sistemática com a grande variedade
de textos que circulam socialmente.
Considerar que a aquisição da escrita alfabética ocorre por meio da leitura e escrita de
textos não significa dar menos importância ao processo de aprendizagem da correspondência
letra-som. O que defendemos é que a diversidade textual que existe fora da escola pode e deve
estar a serviço desse processo. Assumimos, como Magda Soares, a inter-relação presente
entre os conceitos de alfabetização e letramento. Como ela, acreditamos que
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais
concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a
entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional
de escrita a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse
sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem angua
escrita o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e
indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por
sua vez, pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003,
p. 11).
Conhecer o funcionamento do sistema de escrita ganha importância na perspectiva
de poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos múltiplos apelos de uma
cultura grafocêntrica. Assim, o desafio para os professores alfabetizadores, nesta
ambivalência conceitual, se mostra mais complexo e desafiador: como alfabetizar letrando?
97
Para isso, acreditamos que é necessário um trabalho pedagógico sistemático, em que a
aprendizagem da escrita alfabética (de natureza notacional) e a aprendizagem da linguagem
que se usa para escrever (de natureza discursiva) ocorram simultaneamente. Definimos, então,
que não podem faltar em nossas salas de aula situações em que:
o foco seja a aprendizagem do sistema alfabético de escrita, ou seja, a
capacidade de estabelecer a correspondência entre letras e sons
(correspondência fonográfica);
o foco seja a aprendizagem da língua escrita, ou seja, a capacidade de utilizar
procedimentos letrados em diferentes situações, o que exige um amplo
conjunto de conhecimentos sobre usos e formas da língua escrita.
Recolhi em registros pessoais e nos registros dos encontros alguns aspectos abordados
em nossas discussões referentes à aprendizagem sobre a aprendizagem da língua escrita.
Todos esses assuntos surgiram a partir do planejamento de Marinalva. Algumas narrativas
aqui presentes datam de 2005, ano em que os nossos encontros foram quase que
exclusivamente destinados à elaboração do planejamento. Outras foram recolhidas em outros
momentos e suscitadas a partir de questionamentos que algumas de nós fazíamos sobre a
nossa prática. Isso evidencia que o processo de formação não se de maneira linear. Exige
tempo e reflexão. Assuntos que não foram compreendidos à época do planejamento estão
sempre vindo à tona. Por isso, considerei importante deixá-los no mesmo espaço.
Iniciou-se uma discussão sobre tipo de letra: cursiva ou de imprensa maiúscula? Tereza
lembra que antigamente quem se dedicava a arte de cuidar da letra não era quem
produzia a escrita. Foi relembrado que o que ganhamos com a letra cursiva é o tempo,
porque escrevemos mais rápido. Continuaremos nossa busca de por que a escola insiste
em usar esse tipo de letra no início da alfabetização. Acertamos que quem tiver material
sobre isso, traga na próxima reunião (Registro do dia 02/07/2005, feito por Luciane).
Houve uma discussão bastante interessante sobre a questão da memorização do alfabeto,
que muitas crianças têm dificuldade em aprendê-lo passando, às vezes, o ano letivo
inteiro sem consegui-lo. A pergunta era: o aprendizado do alfabeto não se através da
memorização? Então por que não trabalhar mais com atividades (jogos) de memorização
do alfabeto? Refletimos sobre como fica muito mais difícil aprender as letras do alfabeto
apenas por memorização. É preciso atribuir significados às letras e que as melhores
atividades iniciais para esse aprendizado são as que envolvem os nomes próprios dos
alunos.Nomes próprios funcionam como referenciais estáveis. (Registro do dia
10/12/2005, feito por Márcia Santos).
98
Em geral, a preocupação com a separabilidade das palavras aparece quando os alunos
dominam o sistema alfabético. Precisamos não chamar atenção dentro da produção do
aluno, mas criar situações em que essa análise seja foco: “é difícil ler, separar ajuda
muito”.(Registro do dia 11/06/2005, feito por Adriana).
Iniciamos então os estudos, sendo proposto uma discussão de 10 a 15 minutos sobre os
objetivos e conteúdos dos PCN para o ciclo. (...) Sobre o objetivo “Escrever textos dos
gêneros previstos para o ciclo, utilizando a escrita alfabética e preocupando-se com a
forma ortografia” é só a questão ortográfica que deve ser vista?
Vimos que o próximo objetivo: “Considerar a necessidade de várias versões que a
produção escrita requer, empenhando-se em produzi-las com a ajuda do professor”
prevê as questões gramaticais e a intenção comunicativa (relação com o leitor: para quê e
para quem o texto está sendo escrito). Em uma proposta mais tradicional, geralmente,
procura-se ensinar a estrutura textual, sem se preocupar com a intenção de comunicação
( Registro do dia 21/05/2005, feito por Márcia Santos)
A revisão tem a ver com o uso que será feito do texto. No mural da sala de aula temos uma
grande liberdade de expor, porém é pouco adequado publicizar uma coisa que as outras
pessoas não vão entender. Se o professor não quiser revisar, ele pode ser o escriba.
Luciane disse que deixar a escrita da criança como está vem do fato de antes nada poder
estar escrito errado, depois passamos a deixar do jeito que a criança fazia e hoje
buscamos um meio termo. Marinalva relatou uma situação em que ela foi a escriba da
turma nos cartazes, mas que ficou preocupada com o fato de os outros acharem que as
crianças não fizeram nada. Luciane sugeriu colocar uma nota informando quem produziu
o texto e quem foi o escriba. Desse modo, as pessoas ficam sabendo sobre o processo de
produção (Registro do dia 11/06/2005, feito por Adriana).
Na sala de aula a gente fica o tempo todo explicando sobre a língua. Tem uma linguagem
própria para explicar. Isso é metalinguagem. A gente não ensina a ler e a escrever, mas
ensina: ‘olha, isso é masculino’;‘isso é substantivo’. Na série tem que terminar com
verbo. todos os livros de série terminam com verbo.O menino não sabe nem ler, mas
tem que ensinar. Que absurdo!
Eu lembro que a gente ficou na semana do planejamento, na escola, discutindo sobre
isso. foi a maior briga.Vinha aquilo tudo: substantivo, singular, plural. Eu questionava
e as outras professoras diziam: ‘Então o que a gente vai ensinar’? Eu falava, eu não sei
muito direito, mas... (Transcrição da fala da Márcia, no dia 16/06/2007).
Uma apreciação de texto bem escrito é uma atividade epilingüística. Mas se você diz
pronome é a palavra que substitui o nome, isso aqui é um verbo, aí é uma atividade
metalingüística. Quando você discute uma revisão de texto, você está discutindo se a
concordância está certa, não está? Se a palavra está bem empregada, se tem muita
repetição... Você está discutindo isso no uso. (Transcrição da fala da Tereza, no dia
16/06/2007).
99
Temos consciência, no grupo, da grande e imprescindível tarefa que nos é colocada
como professores alfabetizadores. Desconstruir uma prática tão consolidada entre nós, de que
primeiro o aluno aprende a ler e escrever para depois fazer uso efetivo desses
conhecimentos, exige refletir sobre as demandas da sociedade atual e sobre o nosso papel
frente ao fracasso em relação à aprendizagem da leitura e escrita pelos alunos das classes
populares, principalmente.
São esses alunos que, convivendo pouco ou quase nada com adultos que fazem uso da
escrita em seu cotidiano, vêem, ao entrar para a escola, as suas expectativas de aprender a ler
escrever se esvaindo. Convivemos, nas escolas em que trabalhamos, com crianças que passam
três, quatro anos em classes de alfabetização e não conseguem- não por culpa delas, como
muitas vezes afirmamos- se comunicar por escrito, por menor que seja a exigência. O nosso
grupo está entre aqueles defendem, como compromisso político, a alfabetização de todos os
alunos que freqüentam as nossas salas de aula e não a minoria, como vem acontecendo. O
que fazer, então? Lerner afirma que necessário é
fazer da escola uma comunidade de leitores que recorrem aos textos buscando
respostas para os problemas que necessitam resolver, tratando de encontrar
informação para compreender melhor alguma aspecto do mundo que é objeto de
suas preocupações,buscando argumentos para defender uma posição com a qual
estão comprometidos, ou rebater outra que consideram perigosa ou injusta (...) O
necessário é fazer da escola uma comunidade de escritores que produzem seus
próprios textos para mostrar suas idéias (...) para protestar ou reclamar, para
compartilhar com os demais uma bela frase ou um belo escrito, para intrigar ou fazer
rir... (LERNER, 2002, p. 18).
Nessa perspectiva aqui exposta, cabe cuidar para que as práticas escolares se
aproximem ao máximo das práticas sociais de leitura e escrita. Desse modo, concordamos
com a crítica feita por Geraldi ao ensino da língua como se esta fosse um objeto a ser
analisado, dissecado. Como se fosse uma língua morta. É, portanto, o texto o objeto
privilegiado do ensino da língua, pois é nele que a língua se configura em sua concretude e
que autor e leitor se tornam interlocutores. É o texto o lugar da enunciação e produto da
interação (GERALDI, 2006).
Isso significa que, quando produzo um texto, seja ele oral ou escrito, produzo
discursos e esses não são aleatórios. Preciso saber o que dizer, a quem, de que forma e
quando. Assim, o texto é produto da atividade discursiva que forma um todo significativo e
acabado, qualquer que seja a sua extensão. Um texto é um texto quando pode ser
compreendido como unidade significativa global(PCN, Língua Portuguesa, p. 26).
100
O que dizer, então, dos materiais que costumam circular nas classes de alfabetização?
“Textos” curtos, frases isoladas e simplificadas que descaracterizam a função discursiva da
língua. Textos” que não existem fora da escola e que foram criados para ensinar a ler.
Podemos chamar um amontoado de frases de “texto”? Para Lerner
Fragmentar assim os objetos a ensinar permite alimentar duas ilusões muito
arraigadas na tradição escolar: contornar a complexidade dos objetos de
conhecimento reduzindo-os a seus elementos mais simples e exercer um controle
estrito sobre a aprendizagem. Lamentavelmente, a simplificação faz desaparecer o
objeto que se pretende ensinar, e o controle da reprodução das partes nada diz sobre
a compreensão que as crianças m da ngua nem sobre suas possibilidades como
intérpretes e produtores de texto (LERNER, 2002, p. 34).
Confundindo a capacidade de produzir textos com a capacidade de grafar de próprio
punho, não criamos em nossas salas situações em que o aluno é colocado no papel de autor.
Do mesmo jeito, em relação à leitura, acreditando que a capacidade de compreender um texto
resulta da capacidade de decodificá-lo, oferecemos textos curtos, substituímos palavras,
explicamos algumas que supomos não fazerem parte do vocabulário infantil.
Por trás dessas idéias, ficam evidentes algumas concepções a respeito da leitura e
escrita. Sobretudo, que o aluno só conseguirá produzir textos depois que conseguir estabelecer
todas as relações fonográficas e, em se tratando da leitura, que a compreensão estará apoiada
exclusivamente no domínio de tais relações.
Vimos, entretanto, diariamente que não é assim que as coisas funcionam. Quem de nós
não conhece alguma pessoa que é capaz de decifrar qualquer texto, mas não consegue
compreendê-lo? Ou pessoas que escrevem palavras e frases, mas não conseguem produzir um
texto para comunicar algo, para resolver algum problema em que a escrita se faz necessária?
Consideramos imprescindível, portanto, que não falte em nossa prática propostas de
leitura e escrita que, de fato, favoreçam o desenvolvimento das múltiplas capacidades nos atos
de ler e escrever. Como principais atividades de leitura, destacamos, então:
Atividade permanente de leitura pela professora de diferentes gêneros textuais.
Circulação, na sala de aula, de diferentes portadores de textos.
Atividade permanente de apreciação de textos bem escritos.
101
Atividades permanentes de leitura que oferecem oportunidades aos alunos de entreter-
se ou buscar informações.
Em relação à escrita elencamos como atividades principais:
Atividades permanentes de uso da escrita para planejar e realizar tarefas.
Atividade permanente de escrita de textos conhecidos de cor (cantigas, piadas,
poemas, ditados populares etc.), listas, nomes próprios, títulos de histórias - em
parceria ou individualmente.
Atividades seqüenciadas ou projetos de escrita: produção de textos com determinada
finalidade e para destinatário real ou virtual, a partir de conhecimento sobre o assunto
e sobre o gênero proposto.
Atividade permanente de reescrita de textos narrativos e informativos.
Atividades seqüenciadas (apreciação, produção e revisão de textos) que requeiram a
observação de aspectos como: separação de palavras, divisão dos textos em frases,
separação entre discurso direto e indireto, uso da vírgula, questões ortográficas.
Atividades de sistematização das regularidades ortográficas.
A
tividades de revisão de texto produzido por um aluno, em dupla ou
coletivamente, com diferentes focos: adequação ao gênero;coerência e coesão textual;
pontuação e ortografia.
Para que tenhamos garantido o trabalho com a diversidade textual, em cada ano de
escolaridade, organizamos um quadro, que acompanha o planejamento, onde estão listadas as
principais categorias de texto. Tivemos como referência, nessa seleção, os trabalhos de
Kaufman e Rodríguez .Para tais autoras:
Os textos, enquanto unidades comunicativas, manifestam diferentes intenções do
emissor: procurar, informar, convencer, seduzir, entreter, sugerir estados de ânimo,
etc. Em correspondência a estas intenções, é possível categorizar os textos, levando
em conta a função da linguagem que neles predomina (KAUFMAN e
RODRÍGUEZ, 1995, p. 13)
102
Ressaltamos que a distribuição dos tipos de textos a serem trabalhados em cada ano
deve se dar a partir de discussões nas escolas, tendo em vista a proposta pedagógica de cada
uma. Isso também vale para o tratamento didático a ser selecionado. Em um determinado ano,
dependendo da proposta da escola ou das necessidades da turma, o aluno poderá ter acesso ao
texto apenas a partir da leitura feita pelo professor. Se, em outra realidade, os alunos
conseguem ler com autonomia, poderão ser eles os leitores. Em relação à produção escrita, é
imprescindível que estes tenham familiaridade com o gênero textual proposto. Em suma,
essa não é uma proposta fixa. O que realmente importa é que os alunos tenham acesso,
reflitam, analisem e produzam a maior variedade de textos que for possível.
6.2- Do planejamento à sala de aula: uma visita ao trabalho de Luciane
Devo primeiramente dizer o porquê da escolha de Luciane para nos contar um pouco
sobre a sua prática alfabetizadora. Essa não foi uma escolha aleatória. Deu-se principalmente
pelo fato de ter vivido diferentes experiências profissionais com ela, desde 2001: atuamos
como professoras em uma mesma escola (a Escola Municipal Vila Operária); fomos cursistas
do PROFA, ambas tendo como formadoras Tereza e Marliza; atuamos como formadoras no
projeto “De professor para professor” e, mais recentemente, trabalhamos novamente em uma
mesma escola, sendo eu agora orientadora pedagógica e ela professora alfabetizadora. Além
de fazermos parte da SOPPA desde a sua fundação.
Desse modo, são sete anos de convivência e de uma busca comum: querer aprender
cada vez mais sobre a difícil tarefa de alfabetizar. Lembro de quando nos conhecemos na
Escola Vila Operária, em 2001. Eu vinha tentando desenvolver uma prática alfabetizadora
mais dinâmica e criativa. Embora cometesse vários equívocos, muitos nem percebidos na
época, fugia da alfabetização com enfoque em sílabas, palavras soltas e exercícios mecânicos
e repetitivos, práticas muito vistas na escola. Era, para as professoras da escola, a professora
construtivista. Luciane chegou à escola trazendo experiências próximas das minhas. Além de
muita disposição para defender os seus direitos e os das crianças. Isso ficou evidente na
maneira como, logo na semana de planejamento, se dirigiu a todos indignada por ter assumido
uma turma de alunos com vários anos de freqüência escolar e com tão poucos conhecimentos
sobre a língua escrita.
103
Acredito que a minha admiração por ela tenha surgido daí. Outra professora,
provavelmente, se restringiria a reclamar da turma. Ainda mais com tantas outras a lhe falar
dos alunos, a explicar-lhe por que não conseguiam aprender: eram indisciplinados, violentos,
doentes. Luciane parece não ter levado muito em consideração esses comentários. Disse que
não faria milagres, mas que tentaria. Tomou para si o desafio de alfabetizá-los, o que não a
deixou em uma situação muito agradável na escola. E se ela conseguisse mesmo?
Logo começamos a compartilhar as nossas práticas, apesar de trabalharmos em turnos
diferentes. Eu, em crise com a direção e até com algumas professoras por ter apoiado a
equipe pedagógica e ter permanecido na escola após a sua saída, lhe ensinava algumas táticas
de sobrevivência. Era preciso aprender rápido para conseguir trabalhar em uma escola
marcada pelo autoritarismo e a troca de favores. Ela, que dividia a mesma sala e o mesmo
armário, me deixava materiais e, por algumas vezes, eu permanecia um pouco mais de tempo
na escola, para vê-la realizando algumas atividades. Tentava, no outro dia, fazer intervenções
parecidas com as que Luciane fazia com os seus alunos. Por algum tempo ela era o meu
modelo. Acho que nem ela sabe disso.
Para Vigotsky (1989), a imitação é um importante instrumento no processo de
aprendizagem.O autor difere o ato de imitar do de copiar. A imitação seria uma busca de
soluções para um determinado problema, a partir do que foi observado anteriormente.
Segundo afirma, é nessa tentativa que a aprendizagem avança.
Bruner (2001) reafirma o papel da imitação na aprendizagem; imitamos aqueles que
identificamos como modelos de competência, estabelecendo com eles uma relação de
confiança e interação. Ao imitarmos ações reveladoras de competências que o outro tem, e
que desejamos também possuir, podemos nos descobrir capazes de alcançá-las.
Luciane era então o meu modelo. Só depois, quando fazíamos o PROFA, ela me falou
dos muitos equívocos em sua prática. Ali, éramos iguais. Chegamos cheias de certezas em
relação à nossa prática, talvez referendadas pelos rótulos que recebíamos das colegas na
escola. Nós éramos as professoras construtivistas. Entretanto, a cada dia, percebíamos o
quanto tínhamos a aprender, o quanto de perguntas ainda precisavam de respostas.
Terminei o curso com muito mais dúvidas do que quando entrei e com muito mais vontade
de acertar e estudar (Luciane, entrevista).
E assim tem sido até hoje, por isso a nossa participação na SOPPA. Ditos os motivos
da escolha de Luciane, penso que posso iniciar uma tentativa de articulação dos estudos que
104
aconteceram durante a organização do planejamento de Marinalva com o vivido na sala de
aula de Luciane. Devo ressaltar que não fiz observação da prática relatada. Tudo o que está
exposto nesta parte do texto refere-se ao que a professora conta sobre sua turma de ano do
Ciclo de Alfabetização, em uma escola da rede municipal de Duque de Caxias, no ano de
2006.
Também considero importante destacar que Luciane iniciou esse trabalho no mês de
junho, convidada por Tereza, orientadora pedagógica da escola, para assumir em regime de
aula-extra, a turma, pois a professora entrara em licença médica. Essa informação é bastante
relevante, que a prática de Luciane seria legitimada por Tereza, que, inclusive, havia
iniciado na escola um processo de estudos vinculados ao que entendemos como alfabetização
Além disso, deve ficar claro que os avanços foram obtidos pelos alunos em menos de um ano
de trabalho efetivo nessa linha didática.
Relacionei para discussão alguns tópicos que consideramos fundamentais para o
trabalho com alfabetização. Trato deles agora, tendo em vista o que Luciane revela sobre a
sua prática.
6.3-Os conhecimentos prévios dos alunos: o que já sabem e o que precisam aprender
Uma das premissas da concepção construtivista de ensino e aprendizagem é a de que o
aluno é um sujeito ativo, que pensa o tempo todo, constrói hipóteses, se coloca questões,
elabora as informações que o meio lhe oferece, criando esquemas interpretativos próprios. De
acordo com essa concepção, a aprendizagem de qualquer conteúdo escolar pressupõe atribuir
um sentido e construir significados implicados em tal conteúdo. Entretanto, tal construção não
é efetuada a partir do zero, nem mesmo pelos alunos do primeiro ano de escolaridade.
Dificilmente uma criança chega à escola sem informação alguma sobre a escrita.
Muitas vezes, no entanto, não conseguimos ver o que ela sabe, tão acostumadas que somos
a procurar o convencional, o correto. O que não se apresenta como tal é desconsiderado.
Assim, não conseguimos compreender o compreender de muitas crianças no que diz respeito
à escrita.
105
Ferreiro(1992) afirma que são os conhecimentos que as crianças trazem para a escola
que devem determinar o ponto de partida do ensino.É preciso saber o que os nossos alunos
sabem sobre a escrita e, a partir daí, planejar boas situações para que aprendam o que ainda
não sabem. Entretanto, isso não significa que ao professor cabe criar situações de
aprendizagem particulares, específicas para cada aluno. Para Lerner e Palacios isso
significaria:
retroceder a um sistema de ensino individualizado, que fecha o aluno numa relação
unilateral com o professor e o impede de fazer precisamente aquilo que é
fundamental para o progresso da aprendizagem: interagir com seus companheiros,
confrontar com eles suas idéias sobre problemas que tentam resolver, oferecer e
receber informações pertinentes.
(...) ainda que seja incontestável que as atividades individuais devam ter lugar entre
as situações de aprendizagem que são oferecidas aos alunos (...) pensamos que as
atividades que devem ser colocadas em primeiro plano são aquelas que tornam
possível a elaboração coletiva de conhecimento (LERNER E PALACIOS, 1995, p.
53).
E você, Luciane, o que nos conta sobre a sua turma?
A turma da Praia, como os próprios alunos a denominaram, era uma turma do segundo
ano do ciclo. Tinha 20 alunos freqüentando de maneira exemplar. Somente dois alunos
estavam repetindo o ano por excesso de faltas. Esses dois alunos tinham uma pequena
diferença de idade em relação aos outros, mas isso não atrapalhou o trabalho. Os demais
tinham sete anos ou fizeram oito ao longo de 2006.
Três alunos tiveram problemas com faltas e um ficou retido por esse motivo, apesar de
termos tentado chamar a atenção de sua família para o fato desde que cheguei, em junho,
até dezembro.
É importante ressaltar que a turma começou o primeiro ano, em 2005, com uma
professora e mudou no mesmo ano para uma segunda. No ano seguinte, iniciou com uma
terceira professora, que estava grávida e foi ter seu bebê em junho.
Quando cheguei à turma, a maioria dos alunos não apresentava uma escrita alfabética e
os poucos alfabetizados eram muito inseguros. Tinham medo de dar respostas, de dizer
como achavam que escreveríamos algo, de dar opiniões.
Em relação aos textos, eles conheciam contos de fadas, mas não tinham hábito de ouvir a
leitura e nem de fazer comentário sobre os textos lidos. Eu fui construindo isso com eles.
Também não estavam habituados à produção textual, ou seja, não usavam a escrita em
sala de aula de forma real (por exemplo, escrever um bilhete para um colega de outra
turma e entregar).
Depois de uma certa resistência inicial, eles se acostumaram com atitudes indispensáveis
como: pedir ajuda, olhar como o colega fez, pedir novamente a mesma explicação, discutir
o seu ponto de vista, pensar numa outra forma de fazer uma tarefa, escrever do seu jeito,
corrigir trabalhos, ter coragem de tentar.
No início precisei explicar aos alunos e aos pais a minha forma de trabalhar porque eles
realmente não estavam acostumados a esse tipo de proposta. Alguns alunos pediam para
106
eu riscar a palavra errada e pronto. Com o tempo, eles logo entenderam que pensar sobre
aquilo que eu sinalizava sempre resolvia a questão (entrevista).
Luciane destaca alguns aspectos primordiais de sua observação da turma. Além de
relatar que vários alunos precisavam ainda compreender como o sistema de escrita se
organiza, que a maioria não apresentava uma escrita alfabética, afirma a necessidade de
investimentos no ensino de atitudes e procedimentos: ouvir a leitura feita pela professora,
comentá-la, tentar escrever do jeito que sabiam, pedir ajuda quando sentissem necessidade,
produzir um texto.
Muitas vezes, partimos do pressuposto de que esses não são conteúdos a serem
ensinados. Achamos que são conhecimentos que os alunos aprendem naturalmente ou que têm
somente a ver com as habilidades individuais. Mas como saber ouvir uma leitura se não
formos expostos a essa experiência e sem ninguém que nos informe sobre o comportamento
que devemos ter durante essa atividade? Como saber pedir ajuda se na sala de aula isso não é
estimulado, assim como ajudar a um colega? Como escrever do jeito que se sabe, se a todo
momento alguém diz que o que foi escrito está errado e é preciso apagar?
Por serem conteúdos de diferentes naturezas, conceitos (como compreender o sistema
alfabético de escrita), atitudes (ser solidário, ouvir atentamente a leitura feita pelo professor,
valorizar o trabalho em grupo) e procedimentos (copiar do quadro, utilizar o caderno,
interpretar e produzir textos) necessitam de tratamentos didáticos diferenciados. Em uma
concepção construtivista, além dos conceitos, procedimentos e atitudes precisam também ser
considerados objetos de ensino. De acordo com o que está definido nos PCN, compreender
essa postura reafirma a responsabilidade da escola com a formação ampla do aluno e a
necessidade de intervenções conscientes e planejadas nessa direção. Do mesmo modo,
apontam Solé e Coll (2003)
A concepção construtivista da aprendizagem e do ensino parte do fato óbvio de que
a escola torna acessíveis aos seus alunos aspectos da cultura que são fundamentais
para seu desenvolvimento pessoal, e não só no âmbito cognitivo; a educação é motor
para o desenvolvimento considerado globalmente, e isso também supõe incluir as
capacidades de equilíbrio pessoal, de inserção social, de relação interpessoal e
motoras (SOLÉ E COLL, 2003, p. 19).
107
Valorizar o que o aluno sabe, para potenciá-lo a novas aprendizagens, colocando
desafios ao seu alcance, incentiva a sua participação e favorece sua auto-estima, permitindo-
lhe confiar em suas capacidades e, assim, tornar-se mais autônomo para continuar
aprendendo. Entretanto, isso se efetiva a partir de interações caracterizadas pelo respeito
mútuo, pela confiança e solidariedade. Interações em que o afeto esteja presente, em que o
erro seja considerado inerente à aprendizagem, mas também ocorra o reconhecimento de que
aprender requer esforço e responsabilidade.
Relatório 1
Aluno: Guilherme, 8 anos
Guilherme iniciou o semestre sem muita coragem de tirar suas dúvidas com a professora,
mas sempre muito participante nas atividades coletivas. Não conseguia trabalhar em
dupla porque não acreditava ter idéias para contribuir. Mantinha o hábito de esperar os
colegas fazerem para copiar as respostas, sem pensar em como resolver as questões.
Hoje, o aluno consegue trabalhar no grupo e, quando não sugiro essa formação, ele a
pede porque compreendeu que, entre os amigos que pensam como ele, fica muito mais
fácil produzir. Seus trabalhos tornam-se sempre melhores porque ele não se incomoda
mais em corrigir comigo. Fica muito feliz ao voltar para seu lugar com o caderno
corrigido e adora dizer que terminou para os colegas.
Relatório 2
Aluno: Thales, 7 anos
Thales chegou bastante tímido, falando pouco e com poucos amigos, que veio de outra
escola no meio do ano. Quase não dava sua opinião e não conseguia corrigir o que errava
sem se ofender. Agora, já adaptado e familiarizado com a nova situação, conversa até
demais e corrige suas produções sempre que necessário. Está trabalhando em dupla cada
vez melhor e, com isso, diminuiu muito a quantidade de erros no papel. Ele realmente
discute com o colega e não registra a resposta que o outro fala sem concordar.
consegue organizar o seu material sozinho e não pede mais para eu colar suas folhas.
Não gosta muito de pintar desenhos que estejam nos seus trabalhos, o que é respeitado.
Quando Luciane aponta os avanços dos alunos Thales e Guilherme, destacando nesses
fragmentos principalmente os relacionados a procedimentos e atitudes, não podemos entendê-
los como fruto do acaso, como se essas aprendizagens acontecessem de modo “espontâneo”.
Ao contrário, isso requer da professora um planejamento em que os diferentes conhecimentos
108
se interliguem, se complementem. Por outro lado, requer do aluno disponibilidade para novas
aprendizagens, o que acontece se ele estiver em um local onde o respeito e o diálogo façam
parte continuamente das relações estabelecidas.
Selecionei uma produção escrita da aluna Alessandra, referente ao mês de junho,
início de Luciane com a turma, para justificar a importância de o professor investigar os
conhecimentos de seus alunos, a fim de que proponha atividades, desafios possíveis a cada
um. Ter essa produção para ser socializada neste trabalho foi possível porque estamos
certas da necessidade de acompanhamento da aprendizagem do aluno durante todo o ano. Por
isso, Luciane organizou uma pasta, com espaço para guardar escritas que mais indicassem a
evolução das idéias dos alunos sobre o sistema alfabético.
Aluna: Alessandra, 7 anos
Assunto: Copa do Mundo
O objetivo de conhecer como os seus alunos estavam compreendendo a escrita
norteou o planejamento de Luciane logo que pegou a turma. E se não fosse assim?
Provavelmente, ela iria iniciar as suas atividades esperando que todos tivessem os mesmos
conhecimentos, que passaram pela mesma professora, receberam o mesmo ensino. Poderia
até utilizar o planejamento que a professora havia deixado na escola e seguir em diante...
Entretanto, sabemos que os alunos não são depositários de conhecimentos. Não aprendem as
mesmas coisas, ao mesmo tempo.
Partir dos conhecimentos que o aluno possui para ensinar-lhe o que ainda não sabe
significa compreender que uma boa atividade é aquela em que o aluno se sinta desafiado a
109
buscar uma solução para o problema que se apresenta; o que não acontece se a tarefa for fácil
demais (portanto, sem desafio) ou, ao contrário, difícil a ponto de se tornar impossível de ser
realizada.
No caso da aluna Alessandra, saber que ela descobrira o que a escrita representa,
compreendera que diferentes emissões sonoras devem ser representadas por diferentes sinais
gráficos e atribuía valor sonoro convencional a tantas letras determinou quais perguntas/
propostas a professora faria para que a menina refletisse sobre a própria hipótese de escrita a
ponto de pensar em novas possibilidades e avançar cada vez mais. Não caberiam, em tal
momento, perguntas relacionadas às questões ortográficas, por exemplo, que Alessandra
estava começando a compreender o sistema alfabético de escrita. Isso ficava claro quando, em
alguns momentos, representava cada sílaba com uma letra apenas (QPNT- campeonato; UTB-
futebol) e, em outros, fazia uma análise mais apurada, representando-as convencionalmente
(IME- time; JOHADO- jogador). Por isso, um dos grandes desafios para o professor é:
(...) saber o que seus alunos pensam e sabem para poder ajustar as propostas, as
atividades, ou seja, lançar problemas adequados às suas necessidades de
aprendizagem em cada momento de escolaridade. Como bem sabemos, a
diversidade é inevitável na sala de aula: teremos sempre alunos com níveis de
compreensão e conhecimentos diferentes e, por isso, o professor precisa conhecer,
analisar e acompanhar o que eles produzem, para planejar as atividades e os
agrupamentos, considerando os ritmos e possibilidades, cuidando para que “a
música não vibre alto demais”, ou sequer seja ouvida por eles (PROFA, 2001. M1
U5 T4).
Surge daí uma outra questão. Se consideramos o professor como o único informante
da sala, certamente a sua dificuldade vai ser muito maior, para não dizer absoluta, de fazer
intervenções diretas com todos os alunos, em todas as atividades. Essa é uma idéia ainda
muito presente em nossas salas de aula. Os alunos enfileirados, realizando as atividades
individualmente e o professor como único representante do saber, sendo, portanto, o que faz
perguntas, responde a todos, corrige a todos.
Se, ao contrário, ao organizarmos as atividades, pensamos em agrupamentos de alunos
com conhecimentos próximos ou no trabalho coletivo, criando possibilidades de que um
compartilhe com o outro os seus saberes, estamos trabalhando com um princípio que Weisz
(2000) afirma ser o que mais explicita a diferença entre ensino e mediação. Para ela, numa
situação de ensino, o professor é o único informante da classe. Numa situação de mediação, o
intercâmbio entre alunos com diferentes conhecimentos é aceito, ou melhor, estimulado. Por
110
isso, afirma que a organização da tarefa pelo professor deve garantir a máxima circulação
possível de informação. É sobre a organização das atividades que dialogo com Luciane neste
próximo item do trabalho.
6.4- A organização das atividades, os agrupamentos e as intervenções ajustadas
Considerar os conhecimentos que cada um traz é interpretar o cotidiano da sala de aula
a partir da diversidade. Aceitando a diferença, não buscamos mais uma turma homogênea,
pois sabemos ser isso impossível. Entretanto, esse reconhecimento da heterogeneidade, muitas
vezes, leva a vários questionamentos: “Como dar conta dos alunos que sabem menos sobre
algo? E os que estão mais avançados, como fazer para que continuem aprendendo? Esses não
vão atrapalhar, por terminarem a atividade com muita rapidez?”
Não fomos formadas para trabalhar com a diversidade, essa é a verdade. D a
dificuldade. Atuando como orientadora pedagógica, acompanho diariamente o desespero de
muitas professoras:
“Não seria melhor separar os fracos?”,
“A minha sala está assim: ali fica o grupo dos fracos, aqui dos mais ou menos e desse
lado, os fortes”,
“Eu divido o quadro no meio. Passo atividades para os fracos de um lado e do outro,
para os fortes”.
Por que será que procuramos em nossos alunos sempre o que falta, o não
conhecimento? Por que não buscamos enxergar os conhecimentos que não se mostram, muito
pela certeza de não serem valorizados? Por que é mais fácil dizer o que a criança não sabe em
vez de tentar compreender qual a sua lógica?
O medo de errar faz, muitas vezes, alunos e professores se calarem. O ditado popular
“É errando que se aprende” parece não ter vez na escola. Mostrar que não sabe, ficando
calado, é um mecanismo utilizado para não ser questionado, não ser visto. Se não falo, o outro
sabe que não sei, então me preservo. Entretanto, Boaventura sugere, para acabar com essa
nossa “cegueira”, já que não vemos o que não se mostra, uma nova epistemologia: “a
111
epistemologia da visão”, aquela que consegue identificar nas realidades silenciadas,
marginalizadas, alguma forma de conhecimento. Tal epistemologia
É a que pergunta pela validade de uma forma de conhecimento cujo momento e
forma de ignorância é o colonialismo e cujo momento e forma de saber é a
solidariedade. (...) a epistemologia da visão levanta a questão se é possível conhecer
criando solidariedade. A solidariedade como forma de conhecimento é o
reconhecimento do outro como igual, sempre que a diferença lhe acarrete
inferioridade, e como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a
identidade. (...) o nenhuma razão apriorística para privilegiar uma forma de
conhecimento sobre qualquer outra. (...) O objectivo será antes a formação de
constelações de conhecimentos orientados para a criação de uma mais valia de
solidariedade (BOAVENTURA, 2005, p. 246, 247).
Como professores, precisamos estar atentos aos mecanismos utilizados pelos alunos
para serem considerados invisíveis. Essa invisibilidade pode ser cômoda, principalmente
quando se tem a certeza de que os seus conhecimentos não vão ser respeitados, valorizados.
Luciane conta sobre Natália, uma aluna que se utilizava dessa estratégia. Era necessário que
Natália ficasse visível, parasse de se esconder atrás de um suposto não saber.
Aos poucos fui percebendo que Natália preferia me mostrar que não sabia, mas que isso
não correspondia à verdade. Assim que ficou um pouco mais segura em relação aos meus
objetivos, ela foi se soltando e mostrando o que sabia, embora precise ser estimulada a
isso.
Hoje, ela consegue corrigir suas produções comigo sem muitos problemas, mas ainda
demora para fazer do seu jeito. Preciso incentivá-la e cobrar ao mesmo tempo. Ela
costuma pedir para ir ao banheiro, procura coisas na mochila, mas, com minha
solicitação, se concentra e termina.
A cegueira denunciada por Boaventura nos impede de enxergar nos alunos que ficam
do “outro lado”, o lado dos “fracos”, alguma capacidade de também contribuir para a
aprendizagem de todos. Assim, segregamos, discriminamos. É preciso, portanto, construir
uma nova forma de olhar, criando condições para que cada um revele o que sabe e o que não
sabe. Sem o medo do erro, sem o medo de ousar. Tornando-se mais seguros, nossos alunos
podem buscar o conhecimento prospectivo, o por-vir. Nesse movimento, todos se sentem
aptos a contribuir na escrita e na solução dos problemas surgidos. Desde que o professor
também tenha coragem para isso, abrindo mão de caminhos tanto tempo percorridos, de
crianças sentadas em fila, de salas sem diálogo.
112
Compreendo, entretanto, que o medo de errar também faz parte do cotidiano do
professor. Por isso, a dificuldade de buscar o novo, de ousar: “E se não der certo?” Mas, ao
nos darmos conta de que as produções dos alunos revelam o conhecimento em construção,
torna-se mais fácil considerar que os nossos próprios conhecimentos se constroem da mesma
maneira. É fundamental, para alunos e professores, lançar-se no envolvente mar de
conhecimentos a construir” (ESTEBAN, 1998). Penso ser isso que Luciane sugere aos seus
alunos.
Algumas vezes, principalmente em textos escritos por eles, eu registrava no quadro como o
aluno havia feito no papel e os outros alunos iam “descobrindo” os erros que o colega
tinha cometido. Eles o tinham nenhum problema para encontrar erros na escrita dos
outros.
Havia momentos em que eles escreviam e corrigiam em dupla. Um corrigia a folha do
outro. Eu estava sempre acompanhando algumas duplas, mas os outros podiam tirar suas
dúvidas quando ocorressem. Eles amavam essa atividade, se sentiam como professores.
Luciane, ao propor que os próprios alunos façam a correção da escrita dos outros ou
que descubram os “erros” que cometeram, está revelando que o erro é inerente ao processo de
aprendizagem e que todos podem contribuir na construção de novos conhecimentos. É lógico
que, em qualquer situação, cada um aprende o que lhe é possível. Alunos que conhecem
poucas letras podem ampliar seu repertório quando um outro informa o nome de uma letra
que precisa ser escrita e a professora ou algum colega a escreve. Outros alunos podem
aprender sobre correspondência fonográfica, sobre separação das palavras no texto ou sobre
aspectos ortográficos. Em suma, atividades como essa favorecem a aprendizagem de quem
sabe menos sobre o nosso sistema de escrita e de quem sabe mais, pois este, ao ser colocado
em uma situação de confronto com questões novas, ou mesmo tendo que explicitar como
pensou, enfrenta diferentes desafios, que possibilitam a construção de conhecimentos.
As atividades em dupla são também ótimas possibilidades de cooperação e
aprendizagem. Nas situações mencionadas a seguir, a professora organiza os alunos em níveis
próximos de conhecimento. A idéia é que, ao se depararem com algum problema, tenham
condições de refletir e tomar decisões juntos. Luciane, nos relatórios sobre os alunos Altair e
Diogo, revela o quanto ampliaram seus conhecimentos a partir do trabalho em duplas:
Altair escreve com bem menos erros ortográficos porque tem se beneficiado do estudo
da ortografia e da colaboração do colega com quem senta para tirar dúvidas. Tem
trabalhado bem melhor na dupla porque compreendeu qual o papel do colega. Seus textos
113
escritos ainda são regulares porque está tão preocupado com o “como escrever”, que as
idéias não se organizam com tanta facilidade. Isso será resolvido com a continuidade do
trabalho em dupla.
Diogo tem estado muito mais descontraído nas atividades escolares. Agora, parece não ter
mais receio em dar suas contribuições para o grupo. Tem trabalhado melhor em dupla
porque está compreendendo o papel de cada um na parceria. Não fica mais esperando as
respostas e, sim, discute com o amigo qual a melhor alternativa. Esse foi um grande
avanço em sua caminhada.
Tais situações foram possíveis porque Luciane compreende o ainda não saber, o
quase certo, os erros que os alunos cometem, ao tentarem escrever, como pistas do processo
de aprendizagem de cada um. “Precisamos compreender o que vemos, ou do contrário, não o
vemos” (VON FOESTER, 1996, p. 71). Ou seja, cada um consegue ver aquilo que
compreende ou em que acredita. Nesse compreender as pistas, Luciane vai enxergando
alternativas de intervenções, de ajuda. Tendo como base a convicção de que cada um é capaz
de aprender, sua prática vislumbra o futuro, o conhecimento em processo de construção.
6.5- Atividades de leitura e escrita: é lendo e escrevendo que se aprende a ler e escrever
A leitura e a escrita têm sido consideradas na escola fundamentalmente como objetos
de um ensino “passo a passo”. Alguns professores acreditam que, se as descaracterizarem ao
máximo, de modo que pareçam menos complexas, estarão facilitando a aprendizagem do
aluno. Entretanto, se o nosso objetivo é formar leitores e escritores de fato, temos como
necessidade imediata a superação da idéia de que, para aprender a ler e escrever, é preciso
primeiro dominar uma técnica para depois alfabetizar-se em sentido amplo.
Essa separação, Segundo Lerner (2002), tem levado professores a centrarem suas
práticas de alfabetização na sonorização desvinculada de significados e a supor que o
conhecimento da base alfabética é pré-requisito para a utilização da linguagem escrita, ou
seja, enquanto os alunos não tiverem aprendido sobre como se organiza o sistema alfabético
de escrita, não serão capazes de interpretar e tampouco produzir textos escritos.
114
Sob pena de estarmos formando inúmeros analfabetos funcionais, devemos organizar
o nosso trabalho visando à construção de significados pelos alunos desde o começo da
escolarização. Compreendendo que é lendo que se aprende a ler e que é escrevendo que se
aprende a escrever, o professor proporá situações em que a leitura e escrita sejam utilizadas
como na vida fora da escola.
Luciane nos conta um pouco das experiências de leitura vividas na sala de aula e das
suas ações, como professora que deseja atrair os alunos para os encantos da leitura:
Eu como modelo de leitora. Bem, eu lia para eles diariamente e sempre comentava sobre o
livro antes de ler, para que eles tivessem certeza de que eu conhecia o que estava lendo e
que fazia uma escolha todo dia. Nunca quis que pensassem que pegava qualquer livro só
pra dizer que estava lendo. Eles até me perguntaram se eu tinha um livro para cada dia,
quantos livros eu tinha, como eu podia gostar de tantos autores, como eu conseguia os
livros. Conversávamos sobre isso, até que sugeri que eles pedissem livros de aniversário
ou de natal e, em todas as oportunidades, eu lhes dava livros, é claro.
Na época da Copa, lia para eles notícias sobre jogadores, sobre o que estava acontecendo
lá. Também, quando íamos realizar algum jogo, nós líamos juntos as regras, antes de
jogá-lo.
A circulação de livros era assim. Eu lia o livro e ele passava por todos os alunos naquele
dia, para que pudessem apreciá-lo; outra forma era com os livros que eu tinha para
emprestar. Eles iam para casa todas as sextas e voltavam na segunda sem nenhuma
cobrança: quem leu, quem gostou ou o que fizeram com o livro. Havia um registro na
sala, para que o livro não se perdesse e que o levassem o mesmo livro sem querer. A
professora de sala de leitura também disponibilizava um horário durante a semana em que
os alunos iam até a biblioteca escolher um livro para levar para casa. Eu achava fofo esse
momento porque a maioria deles escolhia e vinha correndo me mostrar o que estava
levando; perguntavam se eu conhecia o livro, se tinha lido. Era fabuloso. Não havia
qualquer tipo de cobrança em relação a essa leitura, mas as famílias me ajudaram muito
e, normalmente, um ou outro aluno me falava o que tinha achado do livro por vontade
própria ou recomendava o livro a um colega na hora da escolha (Luciane, entrevista).
Ao ler para os seus alunos diferentes textos, Luciane lhes ensina um certo
comportamento leitor: que não se decifrando palavra por palavra, que lemos de forma
diferente um poema e uma notícia sobre a Copa, que a seleção do texto está relacionada aos
objetivos que se tem no momento. Para Lerner (2002), ao adotar essa posição, o professor vira
um ator, pois interpreta o papel de leitor e, assim, emociona, diverte, informa, ensina.
A circulação de diferentes materiais de leitura, o conversar sobre o que foi lido, o levar
livros para serem compartilhados com as famílias em casa, tudo isso parece se aproximar da
proposta de Larrosa (1998, 2002) para a experiência da leitura. Uma experiência que não se
esgota em retirar informações do texto, na busca de uma interpretação, um sentido. O
115
que Larrosa propõe é que a atividade de ler possa colocar em jogo o leitor em sua totalidade e
que essa experiência seja determinada pela liberdade não havia qualquer tipo de cobrança
em relação a essa leitura” e pela amizade “normalmente, um ou outro aluno me falava o
que tinha achado do livro por vontade própria ou recomendava o livro a um colega na hora
da escolha”.
O trabalho realizado por Luciane se fundamenta na idéia de que as crianças podem
aprender muito sobre diferentes modalidades textuais mesmo antes de se tornarem leitores
convencionais. A familiaridade com diversos modelos textuais, utilizados dentro de variadas
situações de modo adequado, permite que os alunos se apropriem deles. Lendo ou ouvindo
outros leitores, os alunos reconhecerão na leitura possibilidades de se divertir, se encantar,
conhecer, aprender.
E em relação à produção textual, o que Luciane tem a nos contar?
Nós costumávamos fazer algumas reescritas coletivas. Eles colocavam suas idéias e eu ia
arrumando-as para escrever. Era uma reflexão coletiva. Foi incrível como, no começo,
eles admiravam isso, perguntavam como eu conseguia pensar naquelas palavras ou
naquela forma, mas, no fim do ano, eles estavam fazendo sozinhos ou compreendendo
perfeitamente as minhas intervenções. Cheguei a fazer também alguns registros de fatos
que aconteceram na turma e lia para eles darem sua opinião ou melhorarem alguma
parte. Eles adoravam mudar de posição comigo.
Nesse momento, os alunos se utilizam dos conhecimentos obtidos em relação aos
diferentes gêneros textuais trabalhados. É preciso que saibam como o tipo de texto que estão
produzindo se organiza, cabendo à professora fazer intervenções a respeito de aspectos
discursivos, questionar os alunos sobre a coerência, repetição de termos, marcas da oralidade,
por exemplo.
A escrita coletiva garante que todos tenham condições de participar. Pressupõe ainda o
debate, obrigando à tomada de decisões consensuais. Sustentar discussões em torno de uma
produção coletiva torna possível que os alunos sejam cada vez mais capazes de fazer escolhas
conscientes em suas produções individuais.
Sabemos, entretanto, que essas situações de leitura pela professora e de escrita coletiva
não garantem ao aluno a reflexão sobre as regras de geração do sistema alfabético. Aliás, esse
foi um grande equívoco cometido por muitos professores. Bastaria repertoriar os alunos
com diferentes gêneros textuais para que eles se alfabetizassem. Nesse sentido, compartilho
116
da crítica que Araújo faz à compreensão de alguns professores a respeito do que seria um
ambiente alfabetizador.
Incorporar apenas a idéia de um ambiente alfabetizador sem uma compreensão mais
profunda do que isso significa tem feito com que algumas professoras tragam para a
sala de aula toda sorte de textos- tulos, revistas, embalagens, jornais, bulas,
receitas-, sem saber bem o que poderiam fazer com estes materiais. O desafio para
as professoras continua a ser o que fazer pedagogicamente com os resultados das
pesquisas de Emilia Ferreiro que afirma a importância de colocar à disposição de
todas as crianças o que algumas m em seus lares por viverem em contato
permanente com situações de uso da palavra escrita. É pouco colocar materiais num
canto da sala de aula (ARAÚJO, 2001, p. 144).
Hoje sabemos que aprender a ler e escrever requer um conjunto de procedimentos de
análise e reflexão sobre a escrita. Quando afirmamos que o texto é a base para a alfabetização,
estamos nos referindo não à necessidade de ensinar sobre os usos, funções e características
de cada um, mas, também, de ensinar sobre o sistema alfabético, a correspondência letra-som,
servindo-nos sobretudo de determinados tipos de textos. Trata-se aqui, de alfabetizar letrando
ou, como afirma Soares: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura
e escrita” (1998, p. 47).
Luciane nos exemplos de situações de reflexão sobre o sistema alfabético que
ocorriam em sua turma:
As intervenções para aprendizagem do sistema ocorriam diariamente. A turma adorava as
atividades de escrita de listas e de títulos de histórias. Aconteciam em duplas ou
coletivamente, com uso de letras móveis ou não. Nas tarefas individuais a cada folha que
eles vinham me entregar ou ao olhar o caderno, eu sempre sinalizava um erro e eles
tentavam resolver aquele problema de alguma forma. Por exemplo, o aluno escrevia
TAPET, sem o E. Eu fazia um tracinho ao final da palavra, para mostrar que faltava uma
letra ali. Ele ia de volta ao seu lugar e recorria às folhas anteriores do caderno, aos
referenciais estáveis expostos na sala ou mesmo a um colega, para resolver. Caso isso não
acontecesse, eu colocava a letra que faltava a caneta, somente para registrar a
informação que eu havia dado naquele momento. A intervenção na leitura acontecia de
diferentes formas. Na realização de atividades coletivas em que a turma estava toda com
um mesmo texto já conhecido de cor na mão, íamos lendo e parando para localizar
determinada palavra e comentar algo. Também vibravam com o “Pega fogo”, um jogo em
que eles deviam gritar quando eu colocasse a mão sobre uma palavra do texto, combinada
anteriormente. (Luciane, entrevista em 18/10/07).
117
Luciane pretende que a criança não tenha medo de errar em suas produções escritas,
considerando o erro como pertinente ao processo de aprendizagem. Ao fazer um “tracinho”
em sua escrita, é como se dissesse: “Aqui tem um problema, como você vai resolver?” O que
espera é que o seu aluno busque uma solução. Caso não consiga, oferece-lhe a informação.
Cabe ressaltar, no entanto, sua clareza de que não pode esperar que a informação seja
convertida em conhecimento assim que for dada. Se consideramos o aluno como protagonista
de seu próprio processo de aprendizagem, o conteúdo, de qualquer natureza, para se
transformar em conhecimento próprio, precisa ser ressignificado, transformado.
Isso não significa, por outro lado, que professor não deva fazer questionamentos,
informar ou corrigir as produções dos alunos. Como afirma Weisz (1999), não se pode deixar
o aluno jogado à sua própria sorte. Nos relatórios que faz sobre a aprendizagem dos alunos,
Luciane reafirma o seu papel como informante privilegiada da turma:
Graziele trabalha com hipótese alfabética de escrita, mas comete erros ortográficos nos
encontros consonantais e nos dígrafos, por exemplo. Quando preciso fazer alguma
intervenção em sua produção, ela ainda não encontra alternativas para o que peço. Se eu
falo para ela que “cachorro” não se escreve com X, ela naquele momento não consegue
pensar em outra possibilidade e chora. Tenho conversado muito com a turma sobre esse
fato porque não ocorre somente com essa aluna. Com a constância das intervenções, eles
acabarão entendendo que são importantes para o processo de aprendizagem deles.
Ao escrever, agora, Vinicius está tão seguro, que nem se incomoda de corrigir o que erra.
Ele é capaz de pensar em outras possibilidades para o que indico estar precisando de
ajustes. Com isso, suas produções ficam sempre melhores.
João Guilherme continua escrevendo de acordo com hipótese silábica (levando em conta o
valor sonoro das letras), ou seja, acredita que, para cada sílaba oral, há uma letra
correspondente e costuma selecionar uma das letras que realmente existem na sílaba.
Exemplo: APONTADOR ele escreve “A O T O” e coloca “O L A” para BORRACHA.
Tenho realizado atividades como leitura de listas e textos conhecidos de cor, para que
faça o ajuste do falado ao escrito. Se peço para que procure um nome na lista, como quase
sempre sabe com que letra começa, acha rápido. Ele, então, marcando com o dedo. O
mesmo acontece com os textos conhecidos de cor.Quando marca uma letra para cada
sílaba oral e percebe que ficaram sobrando algumas letras, faz a leitura novamente.
Acredito que, com essas atividades, João Guilherme logo irá compreender a base da nossa
escrita.
Esses exemplos trazidos por Luciane nos fazem refletir sobre o quanto a relação
pedagógica pautada no diálogo e na interação favorece a aprendizagem dos alunos. A
118
professora, ao conhecer o que os alunos sabem, as suas diferentes lógicas para a escrita,
planeja situações que lhes permitam conquistar avanços em suas aprendizagens, oferecendo as
informações que julga necessárias para isso. Entretanto, é preciso compreender que a
diversidade existente na sala de aula exige dela diferentes olhares e intervenções, como
também são diferentes as respostas e interpretações de cada um de seus alunos. É essa
diversidade que torna o cotidiano escolar tão rico e dinâmico.
A busca por uma escola pública de qualidade para alunos e professores significa
reconhecer a escola como um espaço onde saberes diversos devem dialogar, se confrontar,
multiplicar. O conhecimento se produz na medida em que os sujeitos se sentem capazes de
expressar as suas singularidades, conhecimentos e não-saberes. Assim, a escola se transforma
em um espaçotempo propício às descobertas, ao novo. Nesse processo de interação,
professores e alunos constroem coletivamente conhecimentos sobre si, sobre o outro e sobre o
mundo.
Tentei, nesta parte do trabalho, evidenciar, a partir do que Luciane nos conta, que uma
prática alfabetizadora preocupada com a aprendizagem dos alunos é aquela que, tal como
aponta Benjamin, vai além do mensurável, do que é possível controlar. Por isso, muitas vezes
parece tão difícil para o professor: “Como controlar o que ensino, as informações que dei?”
Ensinar letras, labas, palavras, para logo depois verificar se foram “assimiladas” é
desconsiderar a narrativa, a linguagem, a vida (re)criada em cada sala de aula.O ensino
reduzido à transmissão de informações fragmentadas torna-se um instrumento a serviço de
uma sociedade que submete os indivíduos, sem que estes o percebam.
Em contraposição, penso aqui na alfabetização como experiência, aquela que atravessa
o sujeito, deixa marcas, ganha vida (BENJAMIN, 1993). E penso t no professor como aquele
capaz de intermediar essa experiência. Tais idéias ganham reforço em Kramer (2001), quando
compara o papel do professor ao de Sherazade, personagem das Mil e uma Noites, que escapa
da morte contando histórias para o seu rei. Como essa personagem, precisamos encontrar uma
saída, para que a escola não mate o espírito das narrativas, transforme a linguagem em coisa
morta. Quantas histórias alunos e professores podem contar?
A experiência da SOPPA, exposta aqui por escrito, nos pistas de que os professores
têm muitas histórias a contar e já existe um movimento, mesmo que ainda não articulado
amplamente, de construção de uma outra identidade profissional. Somos sabedores do quanto
é grande o número de professores que não aceitam aparecer no processo educativo como
executores de programas alheios às suas aspirações e necessidades de seus alunos. Exigem o
119
papel que lhes cabe como protagonistas de seu processo de formação e autores da própria
prática profissional. Foi a isto que me propus com este trabalho: contar um pouco das mil e
uma histórias de professoras alfabetizadoras que se reúnem em Duque de Caxias. Espero que
essas narrativas nos ajudem a manter viva a esperança de um futuro de melhor êxito para
alunos e professores.
120
7ª PARTE
O CAMINHO QUE CHEGA AO FIM: OU SERÁ O RECOMEÇO?
Sempre achei que quando o trabalho estivesse por terminar iria sentir um grande
alívio. Pensava: como vai ser bom quando tudo isso terminar”. Noites mal dormidas, a
solidão no computador, leituras infindáveis, a reclamação de filhos e marido pelos livros
espalhados, pela falta de conversa, pela “tolerância zero”, as férias que não aconteceram, as
cobranças dos amigos. Enfim, esperava o “grand finale” com muita expectativa.
Escrevi agora a última palavra, coloquei o ponto final. Agora, posso respirar aliviada.
Mas, não. Não é isso que acontece. Por que será?
Penso que por não ser fácil (seria possível?) considerar uma escritura em algo
acabado. Certamente, se tivesse mais tempo, iria lê-la novamente, descartar palavras que não
mais me agradassem, talvez até alguns assuntos discutidos, buscaria mais alguns autores para
conversar comigo. Enfim, não seria este o texto que agora finalizo.
Do mesmo jeito, não sou eu a mesma que iniciei este trabalho. Ao recuperar esta
trajetória, compreendo, como Morin, que viver é, sem cessar, morrer e se rejuvenescer”
(2005, p.63). Quantas vezes precisei me refazer para me fazer de novo, de uma outra forma,
no decorrer dessa investigação? Quantas vezes tive que abandonar crenças, conhecimentos
que um dia aprendi como sendo os mais válidos, os mais verdadeiros?
Refazer, reconstruir, reviver... Seria possível se não tivesse o outro a me mostrar vida
onde eu não via ou, ao contrário, me sinalizar que não valia a insistência em tentar manter
vivo o que já não mais fazia sentido?
Penso que não. Fui acompanhada de muitos outros durante o fazer deste trabalho.
Foram esses outros que me ajudaram nessa tessitura. Com isso, esse texto se apresenta como
produto de um trabalho compartilhado, solidário, feito a partir de muitas e diferentes vozes.
Vozes de professoras que assumiram o papel de mediadoras nesse processo tão difícil de
escrita, ora concordando com o registro que eu fazia sobre a nossa experiência, ora me
ajudando a enxergar o que, de tão imersa no texto, não conseguia.
Procurei investigar e compartilhar, nessa pesquisa, a história de um grupo de
professoras que vem criando espaços de formação continuada nos quais a possibilidade de
produção de conhecimentos relativos à alfabetização tem sido real. Na SOPPA, pela certeza
121
de que podemos contar com pessoas que compartilham das mesmas concepções de
ensinoaprendizagem, nos sentimos confiantes para expor as nossas angústias e dificuldades
cotidianas.Assim, ao analisar o trabalho coletivo desse grupo de professores, acredito ser este
um espaço privilegiado para a nossa constituição enquanto professoras pesquisadoras, pois
lidar com os múltiplos fatores que interferem no espaço escolar requer, muito mais do que
estudos sobre a realidade. É preciso aprender a questioná-la, procurando compreender o que
está por trás das aparências. É preciso investigar essa realidade. No grupo, temos melhores
condições para isso.
Esse processo de investigação difere da pesquisa acadêmica ao colocar o professor
como responsável por conduzir a sua prática, a partir dos questionamentos que faz sobre ela.
Não esperamos que alguém dite as regras para o nosso trabalho ou então nos informem que
tudo o que fazemos está errado. Na SOPPA temos aprendido que a reflexão em parceria nos
fortalece e nos faz mais autônomas na condução do nosso trabalho. Assim, ao investigar,
refletir, formular hipóteses, planejar e avaliar o que fazemos, nos assumimos como
responsáveis por nosso desenvolvimento profissional. Recriamos e criamos conhecimentos
que nos auxiliam nas intervenções com os nossos alunos.
Agora, vislumbrando o fim deste trabalho, penso o quanto os professores,
especialmente os da esfera pública, têm sido desvalorizados nos últimos anos. Somos
constantemente acusados de não saber ensinar, apontados em pesquisas como culpados pelo
histórico fracasso que ronda a alfabetização dos alunos das classes populares, mas será que
também não temos sido vítimas de todo o descaso com a educação pública? Será que os
cursos formação de professores nos preparam realmente para lidar com diferentes e
complexas questões do cotidiano? Será que percebemos os outros fatores que interferem no
ensino e na aprendizagem dos alunos, ou continuamos acreditando que se os alunos não
aprendem é porque são pobres, não se expressam direito, atrapalham o bom andamento das
aulas?
Formados a partir de um paradigma mecanicista, temos aprendido a compreender o
nosso trabalho fora de um contexto maior. Não conseguimos, muitas vezes, vê-lo como um
todo, afetando e sendo afetado por múltiplas relações. Daí que não conseguimos compreender
o que está por trás de “boas intenções”, como um planejamento entregue pela equipe
pedagógica da escola para que não tenhamos trabalho de pensar, ou programas de formação
que ditam o que temos que fazer em sala de aula, para depois se fazer uma avaliação. Não
percebemos isso como um processo que nos tira a autonomia e possibilidade de crescimento.
122
Para que compreendamos isso se faz necessário começar a questionar esse modelo de
formação ao qual fomos/estamos vinculados. Enquanto acreditarmos que os modelos
existentes dão conta da complexidade da nossa ão junto aos nossos alunos, familiares,
outros professores, estaremos apenas sendo utilizadas como executores dos programas
elaborados por mentes iluminadas e necessitando que alguém avalie o que julgamos ter
ensinado.
Essa mesma formação maniqueísta e reprodutivista nos tem negado a reflexão sobre as
implicações políticas da nossa prática, das relações entre a escola e a sociedade, entre
linguagem e poder. Se não compreendemos a alfabetização dos alunos das classes populares
como um ato político, não conseguimos questionar as práticas totalmente desvinculadas de
funções sociais, às quais milhares de alunos são submetidos diariamente. Se não discutimos
isso continuaremos a formar pessoas incapazes de utilizar a escrita e a leitura como
instrumentos que lhes permitam satisfazer as suas necessidades pessoais profissionais, de
formação contínua, de plena participação social.
Para Zeichner (Apud GERALDI, 1998) levar os professores a pensar sobre questões
políticas e sociais que afetam o seu cotidiano deveria ser preocupação central dos programas
de formação de professores. Para o autor é imprescindível que os professores reflitam que as
suas decisões, aparentemente corriqueiras, estarão servindo para que as coisas permaneçam
como estão ou mudá-las. A possibilidade de investigar a própria prática faz com que
tenhamos cada vez mais condições de enxergar o que muitas vezes não está explícito,
principalmente se essa reflexão for feita no coletivo, em parceria. As narrativas das
professoras da SOPPA me fazem acreditar ainda mais nisso. Parece que estou a ouvir Luciana
Alves: “Se não for na SOPPA, Janete, essas discussões, não vão acontecer em lugar nenhum.
Na escola não temos espaço para isso”.
O que temos vivido na SOPPA demonstra o quanto inúmeros professores procuram
possibilidades de melhorar a sua prática. Penso que isso não é exclusividade desse grupo. Nos
espaços onde relatamos a nossa experiência, temos visto o encantamento que despertamos ao
contar um pouco sobre o movimento de formação que vivemos no grupo. Muitos professores
se chegam a nós dizendo querer participar de um grupo assim, outros fazem algumas visitas,
afirmam que irão tentar, dentro das possibilidades, organizar encontros em suas escolas ou em
outros espaços para reflexões coletivas. Será que não queremos mesmo aprender? Será que
somos mesmo acomodados, desinteressados?
123
O que trago nessa dissertação demonstra que não. Ao compartilhar os acontecimentos
da SOPPA tinha como objetivo dar visibilidade a experiência de um grupo que, em espaços
não oficiais, vem tentando criar táticas para sobreviver à dura realidade da educação pública
no Brasil. Professoras que, por conta própria, se reúnem para refletir sobre a sua prática, não
aceitando a culpa que lhes é imputada, mas assumindo as rédeas de sua formação e buscando
coletivamente meios para alfabetizar os seus alunos.
Finalizo essa pesquisa como cheguei até a ela. Certamente a minha trajetória como
filha da classe popular e como alfabetizadora me fez compreender a importância de investigar
esse grupo. Escrever a nossa experiência reafirmou uma certeza que tinha bastante
tempo: é preciso encarar a alfabetização das classes populares como um compromisso
político. Penso que essa é a dívida da escola pública com crianças e adultos que freqüentam
anos após anos as classes de alfabetização e desistem de aprender por se sentirem incapazes.
Assumir esse compromisso significa acreditar que é possível construir uma outra
história de sociedade e de educação.Uma história em que o ser humano, em sua diversidade e
pluralidade, venha a ser prioridade. Seria isso uma ilusão? Prefiro acreditar que não. Prefiro
acreditar na esperança e na capacidade humana de recriar, reconstruir, aprender e sonhar.
Sei que é preciso sonhar.
Campo sem orvalho, seca
a fronte de quem não sonha.
Quem não sonha o azul do vôo
perde o seu poder de pássaro.
(...) Sonhar, mas sem deixar nunca
que o sol do sonho te arraste
pelas campinas do vento.
É sonhar, mas cavalgando
o sonho e inventando o chão
para o sonho florescer.
(Thiago de Mello, 1984)
124
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129
ANEXOS
130
ALGUMAS LEITURAS COMPARTILHADAS NOS ENCONTROS DO GRUPO
1- Uma amizade sincera, de Clarice Lispector
2- O que os olhos não vêem, de Ruth Rocha
3- Um sapato perdido (ou quando os olhares sabem olhar), de Pablo Gentili. Texto
retirado do livro “Educar na esperança em tempo de desencanto”, de Chico Alencar e
Pablo Gentili.
4- Leitores tortos, de Afonso Romano de Sant’anna. Jornal O globo.
5- A faca afiada, Bartolomeu Campos de Queiroz
6- Fragmentos do livro “Ana Terra”, Érico Veríssimo
7- A ética do Rei menino, Gabriel Chalita
8- Só de sacanagem, poema de Elisa Lucinda- CD de Ana Carolina
9- Tô com fome, Lia Zatz
10- As orelhas do padre abade, conto popular
11- No restaurante, Carlos Drummond de Andrade
12- Confusão com São Pedro, Fernando Sabino
13- História de amor, Márcia Maria Silva
14- Reinauguração, Carlos Drummond de Andrade
15- Definitivo, Carlos Drummond de Andrade
16- Educação ou exército na rua, Jeán Hérbrard, O Globo, 22/04/07
17- O baú secreto da vovó, Heloísa Prieto
18- Cem anos de perdão, Clarice Lispector
19- Sopas, o aquecimento prévio, Isabel Allende
20- Você aprende- autor desconhecido
21- A felicidade das borboletas, Patrícia Engel Secco
22- Fragmentos do texto “Sobre as lições”, Jorge Larrosa
23- Fragmentos do livro “Memórias do homem de vidro, reminiscências de um obstetra
humanista, de Ricardo Herbert Jones.
131
24- Pescador de ilusões, grupo RAPPA
132
PLANO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA O CICLO DE ALFABETIZAÇÃO – DE ACORDO COM OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
OBJETIVOS
Capacidades que se pretende que
os alunos desenvolvam.
CONTEÚDOS
O que precisamos ensinar para que os alunos desenvolvam as
capacidades expressas nos objetivos.
TRATAMENTO DIDÁTICO
O que vamos propor aos alunos para que
aprendam os conteúdos.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
“Ações” dos alunos que devem expressar
o quanto desenvolveram as capacidades
expressas nos objetivos.
PRÁTICA DE LÍNGUA ORAL
Respeito diante de colocações de outras pessoas, tanto no que
se refere às idéias quanto ao modo de falar.
Interesse por ouvir e manifestar sentimentos, experiências, idéias
e opiniões.
Escuta ativa de diferentes textos produzidos na comunicação
direta ou mediada pelos meios de comunicação, atribuindo
significado e identificando (com ajuda) a intencionalidade
explícita do produtor.
Atitude crítica diante de textos persuasivos dos quais é
destinatário direto ou indireto (ainda que em atividades coletivas
ou com a ajuda do professor).
Manifestação de experiências, sentimentos, idéias, e opiniões de
forma clara e ordenada.
Narração de fatos, considerando a temporalidade e a
causalidade.
1. Compreender o sentido nas
mensagens orais de que é
destinatário direto ou indireto:
saber atribuir sentido,
começando a identificar
elementos possivelmente
relevantes segundo os
propósitos e intenções do
produtor.
2. Utilizar a linguagem oral com
eficácia, sabendo adequá-la a
intenções e situações
comunicativas que requeiram
conversar num grupo, expressar
sentimentos e opiniões, defender
pontos de vista, relatar
acontecimentos, expor sobre
temas estudados.
Socialização de experiências de leitura.
Roda de conversa.
Debates sobre textos orais do cotidiano em que
seja acentuada a função apelativa (recados,
instruções, relatos, notícias, propagandas...),
inclusive, os veiculados pelos meios de
comunicação.
Demonstrar compreensão de:
- instruções orais,
- relatos orais,
- entrevistas, notícias, anúncios (via
rádio e televisão),
- seminários, palestras.
Relatar acontecimentos, mantendo o
encadeamento dos fatos e sua seqüência
cronológica, ainda que com ajuda, e
esforçar-se para adequar a linguagem à
situação de comunicação.
Organizado por Marinalva Francisco, com a colaboração das demais integrantes da SOPPA.
133
Descrição (dentro de uma exposição) de pessoas, personagens,
cenários e objetos.
Exposição oral com ajuda do professor, usando suporte escrito,
quando for o caso.
Adequação do discurso ao nível de conhecimento prévio de
quem ouve (com ajuda)
Adequação da linguagem às situações comunicativas mais
formais que acontecem na escola (com ajuda).
Preocupação com a comunicação nos intercâmbios: fazer-se
entender e procurar entender os outros.
Valorização da cooperação como forma de dar qualidade aos
intercâmbios comunicativos.
Participação em situações de intercâmbio oral que requeiram:
ouvir com atenção, intervir sem sair do assunto tratado, formular
e responder perguntas, explicar e ouvir explicações, manifestar e
acolher opiniões, adequar as colocações às intervenções
precedentes, propor temas.
Identificação (com ajuda) de razões de mal-entendidos na
comunicação oral e suas possíveis soluções.
3. Participar de diferentes
situações de comunicação oral,
acolhendo e considerando as
opiniões alheias e respeitando os
diferentes modos de falar.
Análise da qualidade da produção oral, alheia e própria (com
ajuda), considerando:
- presença/ausência de elementos necessários à compreensão
de quem ouve;
- adequação da linguagem utilizada à situação comunicativa.
Comparação (com ajuda) entre diferentes registros utilizados em
diferentes situações comunicativas.
Atividade permanente de roda de leitores/ de
biblioteca: comentar leituras feitas, deixar em
suspense o final, recomendar a leitura.
Apresentação de trabalhos, exposição de
cartazes com legendas, painéis em
seminários que requeiram explicação oral
(Projetos).
Situações que requerem ensaiar e a classe
emitir opiniões sobre a qualidade das
apresentações, além de sugestões e/ou
soluções para aprimorá-la (Projetos).
134
PRÁTICA DE LÍNGUA ESCRITA - LEITURA
Interesse por ler ou ouvir a leitura especialmente de textos
literários e informativos.
Valorização da leitura como fonte de fruição estética e
entretenimento.
Interesse por compartilhar opiniões, idéias e preferências (ainda
que com ajuda).
Interesse em tomar emprestados livros do acervo da classe e/ou
da biblioteca escolar.
Cuidado com os livros e demais materiais escritos.
Escuta de textos lidos pelo professor.
Comparação (com ajuda) entre diferentes registros utilizados em
diferentes situações comunicativas.
Atitude crítica diante de textos persuasivos dos quais é
destinatário direto ou indireto (ainda que em atividades coletivas
ou com a ajuda do professor).
Análise dos sentidos atribuídos a um texto nas diferentes leituras
individuais e identificação dos elementos do texto que validem ou
não essas diferentes atribuições de sentido (com ajuda).
4. Compreender o sentido nas
mensagens escritas de que é
destinatário direto ou indireto:
saber atribuir sentido,
começando a identificar
elementos possivelmente
relevantes segundo os
propósitos e intenções do autor.
5. Ler textos dos gêneros
previstos para o ciclo,
combinando estratégias de
decifração com estratégias de
seleção, antecipação, inferência
e verificação.
Exploração das possibilidades e recursos da linguagem que se
usa para escrever a partir da observação e análise de textos
impressos, utilizados como referência ou modelo.
Atividade permanente de leitura pela
professora de livros em capítulos, contos,
poemas, lendas, piadas, notícias,
curiosidades etc.
Organização de um caderno ou pasta de
textos (conhecidos de cor e outros).
Debates sobre textos escritos em que seja
acentuada a função apelativa.
Atividade permanente de apreciação de
textos bem escritos.
Demonstrar compreensão do sentido
global de um texto que leia sozinho ou lido
por outra pessoa em voz alta.
Ler de modo independente textos cujo
conteúdo e forma lhe são familiares
(QUADRO ANEXO).
135
Atribuição de sentido, coordenando texto e contexto (com ajuda).
Utilização de indicadores para fazer antecipações e inferências
em relação ao conteúdo (sucessão de acontecimentos,
paginação do texto, organização tipográfica etc.)
Emprego dos dados obtidos por meio da leitura para confirmação
ou retificação das suposições de sentido feitas anteriormente.
Utilização de recursos para resolver dúvidas na compreensão:
consulta ao professor ou aos colegas, formulação de uma
suposição a ser verificada adiante etc.
Manuseio e leitura de livros na classe, na biblioteca e, quando
possível, empréstimo de materiais para leitura em casa.
Estabelecimento de correspondência entre partes do oral e
partes do escrito em situação de leitura de texto conhecido de
cor, considerando indicadores como segmentação do texto,
índices gráficos etc.
Análise quantitativa e qualitativa da correspondência entre
segmentos falados e escritos, por meio do uso do conhecimento
disponível sobre o sistema de escrita.
Busca de informações e consulta a fontes de diferentes tipos
(jornais, revistas, enciclopédias etc.), com ajuda.
Atividades permanentes de leitura que
oferecem oportunidades aos alunos de
entreter-se ou buscar informações: encontrar
um título, consultar um índice, descobrir em
que gina pode estar determinada história,
qual o livro que contém determinado conto,
que palavra está faltando no texto etc.
Situações cotidianas em que se incentivam
os alunos a recorrerem a outras pessoas ou
tentarem antecipar o significado utilizando o
contexto (e outros recursos), quando tiverem
dúvidas sobre o que lêem ou escutam.
Atividade permanente de empréstimo de
diferentes portadores de textos e roda de
biblioteca semanal.
Leitura de texto conhecido de memória por
alunos ainda não alfabetizados; ditado
cantado.
Atividades permanente de leitura para alunos
não alfabetizados que permitem refletir sobre
a escrita convencional: completar palavras
cruzadas, consultando uma lista de palavras;
ordenar texto de memória; identificar palavras
numa lista; localizar a resposta de adivinhas;
jogos como forca e bingo.
Roda sobre notícias ou curiosidades
encontradas nos materiais de leitura, para
que os alunos leiam ou comentem o que
trouxeram.
Projetos que contextualizem a necessidade
de buscar informações em diferentes
portadores.
136
PRÁTICA DE LÍNGUA ESCRITA – PRODUÇÃO TEXTUAL
Narração de histórias conhecidas, buscando aproximação às
características discursivas do texto-fonte.
Descrição (dentro de uma narração) de personagens, cenários e
objetos.
Reconhecimento da necessidade da língua escrita (a partir de
organização coletiva e com ajuda) para planejar e realizar tarefas
concretas.
6. Produzir textos escritos coesos
e coerentes, considerando o
leitor e o objeto da mensagem,
começando a identificar o
gênero e o suporte que melhor
atendem à intenção
comunicativa.
Introdução progressiva dos seguintes aspectos discursivos nos
textos produzidos:
- a organização das idéias de acordo com as características
textuais de cada gênero;
- a substituição do uso excessivo de “e”, “aí”, “daí”, “então” etc.
pelos recursos coesivos oferecidos pelo sistema de pontuação e
pela introdução de conectivos mais adequados à linguagem
escrita e expressões que marcam temporalidade, causalidade
etc.
Atividade permanente de reconto: contar as
histórias ou trechos delas para a sala toda ou
para pequenos grupos.
Atividades permanentes de uso da escrita
para planejar e realizar tarefas. Exemplo:
registro da agenda do dia, organização de
listas.
Atividade permanente de reescrita de textos
narrativos e informativos.
Atividades seqüenciadas ou projetos de
escrita: produção de textos com determinada
finalidade e para destinatário real ou virtual, a
partir de conhecimento sobre o assunto e
sobre o gênero proposto.
Coletivamente, em função de uma
necessidade real (os alunos ditam para a
professora ou para um colega, que
escreve num caderno, no quadro etc).
Individualmente e/ou em duplas, com ou
sem apoio da professora durante a
escrita (nas produções em dupla,
definem-se previamente os papéis de
cada criança: quem vai ditar, quem vai
escrever, quem vai revisar etc.).
Recontar e reescrever textos, mantendo
suas características lingüisticas.
137
Introdução progressiva dos seguintes aspetos notacionais:
- a correspondência fonográfica;
- a separação entre palavras;
- a divisão do texto em frases, utilizando recursos do sistema de
pontuação: maiúscula inicial, ponto final, exclamação,
interrogação e reticências;
- a separação entre discurso direto e indireto e entre os turnos do
diálogo, mediante a utilização de dois pontos e travessão ou
aspas;
- a indicação, por meio de vírgulas, das enumerações.
Utilização, com ajuda, de dicionário e outras fontes escritas
impressas para resolver dúvidas ortográficas.
Explicitação das regularidades ortográficas (inferência de regras).
Preocupação com a qualidade das produções escritas próprias,
tanto no que se refere aos aspectos textuais como à
apresentação gráfica.
Utilização de estratégias de escrita: planejar o texto, redigir
rascunhos, revisar e cuidar da apresentação com orientação.
7. Escrever textos dos gêneros
previstos para o ciclo, utilizando a
escrita alfabética e preocupando-se
com a forma ortográfica.
8. Considerar a necessidade de
várias versões que a produção do
texto escrito requer, empenhando-
se em produzi-las com a ajuda do
professor.
Revisão de texto com ajuda:
- durante o próprio processo de redação, relendo cada parte
escrita, verificando a articulação com o escrito e planejando o
que falta escrever;
- depois de produzida uma primeira versão do texto (próprio ou
de outra pessoa), trabalhando sobre o rascunho para aprimorá-
lo, considerando as seguintes questões: adequação ao gênero,
coerência e coesão textual, pontuação, paginação e ortografia.
Atividade permanente de escrita de textos
conhecidos de cor (cantigas, piadas, poemas,
ditados populares etc.), listas, nomes
próprios, títulos de histórias - em parceria ou
individualmente com letras móveis ou a lápis.
Situações de escrita em que o aluno precisa
decidir quantas e quais letras usar.
Atividades seqüenciadas (apreciação,
produção e revisão de textos) que requeiram
a observação de aspectos como: separação
de palavras, divisão dos textos em frases,
separação entre discurso direto e indireto,
uso da vírgula, questões ortográficas.
Atividade de sistematização das
regularidades ortográficas.
Atividades seqüenciadas ou projetos de
escrita:
- atividades de planejamento do que se vai
escrever e em que ordem, elaboração de
rascunhos, revisão e apresentação do
produto final;
-
atividades de revisão de texto produzido por
um aluno, uma dupla ou coletivamente, com
diferentes focos:
· adequação ao gênero;
· coerência e coesão textual;
· pontuação;
· ortografia.
Escrever de modo independente textos
cujas características lhe são familiares,
demonstrando preocupação com a
segmentação do texto e com a convenção
ortográfica (QUADRO ANEXO).
138
QUADRO PARA PROGRAMAÇÃO DO TRABALHO COM DIFERENTES TEXTOS
ED. INF. 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ano 5º ano
CONTO DE FADA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
CONTO DE
ASSOMBRAÇÃO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
CONTO DE
AVENTURA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
FÁBULA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
LENDA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
MITO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
CRÔNICA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
TEXTO DE TEATRO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
POEMA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
LETRA DE MÚSICA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
PARLENDA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
ADIVINHA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
TRAVA-LÍNGUA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
QUADRINHA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
PIADA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
REGRAS DE
INSTRUÇÃO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
RECEITA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
LISTA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
TEXTO EM
EMBALAGEM
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO E
Legenda: OL = Ouvir a leitura / L = Ler / PO = Produzir oralmente (1-Reconto 2-Criação)
E = Escrever (1-Ditado 2-Reescrita 3- Criação)
139
QUADRO PARA PROGRAMAÇÃO DO TRABALHO COM DIFERENTES TEXTOS
ED. INF. 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ano 5º ano
MENSAGEM EM
CARTÃO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
CALENDÁRIO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
CONVITE
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
AVISO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
BILHETE
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
CARTA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
DIÁRIO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
TEXTO EXPOSITIVO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
HISTÓRIA EM
QUADRINHOS
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
NOTÍCIA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
REPORTAGEM
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
ENTREVISTA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
PROPAGANDA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
SLOGAN
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
CLASSIFICADOS
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
BIOGRAFIA
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
RELATO HISTÓRICO
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
CORDEL
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
VERBETE
OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E OL
L PO
E
Legenda: OL = Ouvir a
leitura
/ L = Ler / PO = Produzir oralmente (1-Reconto 2-Criação)
E = Escrever (1-Ditado 2-Reescrita 3-Criação)
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