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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura militar (1964-1977)
Cristina Monteiro de Andrada Luna
2007
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A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura militar (1964-1977)
Cristina Monteiro de Andrada Luna
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História Social.
Orientador: Professor Doutor Renato Luís do Couto Neto
e Lemos
Rio de Janeiro
Maio de 2007
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A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura militar (1964-1977)
Cristina Monteiro de Andrada Luna
Orientador: Professor Doutor Renato Luís do Couto Neto e Lemos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História Social.
Aprovada por:
_____________________________________________
Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos
_____________________________________________
Prof. Dra. Anita Leocádia Prestes
_____________________________________________
Prof. Dra. Jessie Jane Vieira de Souza
Rio de Janeiro
Maio de 2007
4
LUNA, Cristina Monteiro de Andrada.
7
A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura militar (1964-
1977) / Cristina Monteiro de Andrada Luna Rio de Janeiro: UFRJ/
PPGHIS, 2007.
147p.
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ PPGHIS/ Programa de Pós-
Graduação em História Social, 2007.
Orientador: Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos
1. Associação Brasileira de Imprensa. 2. Ditadura militar. 3.
Imprensa. I. Lemos, Renato Luís do Couto Neto e (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Pós-Graduação em História Social. III. Título.
5
RESUMO
LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura
militar (1964-1977). Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em História Social)
Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
Embora apareça na bibliografia sobre a ditadura militar (1964-1985) como uma das
principais organizações da sociedade civil que lutaram pelo respeito aos direitos humanos e
pelo retorno da democracia, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) até agora ainda não
havia se constituído em objeto de estudo acadêmico, pois os livros sobre a entidade foram
escritos por jornalistas pertencentes ao seu quadro social. Assim, este trabalho discute a
construção da memória oficial da ABI e analisa parte da trajetória da entidade durante o
período da ditadura militar. Para tanto, trabalhamos com os conceitos de “sociedade civil” e
“intelectual”, tal como formulados por Antonio Gramsci, e analisamos a ABI a partir do
estudo de alguns momentos selecionados, como o golpe de 1964; o aniversário dos sessenta
anos da entidade, em abril de 1968, quando o seu presidente recebeu o presidente da
República, general Artur da Costa e Silva, para um almoço; a homenagem que a ABI prestou
ao Exército em agosto de 1969 e alguns momentos da presidência de Prudente de Moraes
Neto, como os episódios da morte do jornalista Vladimir Herzog, da explosão da bomba na
entidade e da participação da ABI na “Missão Portela”.
6
ABSTRACT
LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura
militar (1964-1977). Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em História Social)
Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
Although it appears in the bibliography of the military dictatorship (1964-1985) as one
of the main organizations of the civil society that fought for the respect to the human rights
and for the return of the democracy, the Brazilian Association of Press (ABI) hasn’t been,
until now, object of an academic study, since the books about this institution have been
written by journalists that belonged to its social group. Therefore, this essay discusses the
construction of the official memory of ABI and analyses part of this entity trajectory during
the military dictatorship. For that, we worked with the concepts of “civil society” and
“intellectual”, according to Antonio Gramsci, and analyzed ABI by the study of some
selected moments, as the 1964 strike; the sixty year anniversary of this institution, in April of
1968, when its president received the visit of the republican president, general Artur da Costa
e Silva, for lunch; the homage that ABI offered to the Army, in August of 1969, and some
moments of the presidency of Prudente de Moraes Neto, episodes as the death of the
journalist Vladimir Herzog, the explosion of a bomb in the entity’s building and the
participation of ABI in “Missão Portela”.
7
Sumário
Introdução ...................................................................................................................10
1. A memória da ABI em perspectiva .......................................................................14
2. Um organismo da sociedade civil ..........................................................................42
3. O Golpe de 1964 e os primeiros anos da ditadura ...............................................60
4. Um banquete para o ditador .................................................................................81
5. A semana do Exército ..........................................................................................101
6. A presidência de Prudente de Moraes Neto .......................................................119
Conclusão ..................................................................................................................131
Referências ................................................................................................................134
Anexos .......................................................................................................................140
8
A meus pais,
Fernando e Regina,
companheiros de todas as horas.
9
Agradecimentos
Ao término deste trabalho, agradeço ao professor Renato Lemos pelo incentivo, pela
orientação e pela amizade. Agradeço também às professoras Anita Leocádia Prestes e Jessie
Jane Vieira de Souza pelas críticas e sugestões levantadas na banca de qualificação e pela
leitura criteriosa desta versão final.
Agradeço às funcionárias da ABI, especialmente à Vilma Oliveira, que em meio à
reforma da biblioteca da entidade fez o possível para me ajudar na pesquisa. Às amigas
Ângela Moreira Domingues da Silva e Luciana Peçanha Fagundes agradeço a leitura do texto
ou de partes do texto.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
agradeço a concessão de bolsa de estudo que auxiliou a conclusão deste trabalho.
Finalmente, à minha família que sempre esteve do meu lado.
10
Introdução
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) foi fundada em 7 de abril de 1908, por
iniciativa do jornalista Gustavo de Lacerda, como uma espécie de sindicato ou confraria, que,
no contexto da República Velha (1889-1930), procurou suprir a ausência de direitos
trabalhistas e defender os profissionais da imprensa do tratamento de “questão de polícia” que
lhes era atribuído. Tencionava, assim, manter uma caixa de pensões e auxílios para os seus
associados e familiares, um serviço de assistência médica e farmacêutica, um retiro com
enfermaria e residência para velhos e enfermos, uma biblioteca e salões de conferência e
diversões. A entidade estabeleceu como seu objetivo precípuo a defesa da liberdade de
imprensa e procurou também se empenhar no desenvolvimento da capacitação dos candidatos
à atividade jornalística, propondo a fundação de cursos de comunicação social, ainda
inexistentes no Brasil.
1
Dessa forma, a ABI, ao longo do tempo, acabou por se estabelecer como a mais
importante agremiação profissional dos trabalhadores da imprensa e foi identificada por
muitos como a “Casa do Jornalista”. Inicialmente, ocupou diferentes sedes, todas alugadas. A
partir da cada de 1930, contudo, se estabeleceu na rua Araújo Porto Alegre, no Centro do
Rio de Janeiro, onde foi construído o edifício Herbert Moses, nome de seu principal
consolidador e de seu mais duradouro presidente (1931-1964). Sob a condução de Moses, a
ABI obteve destaque. Primeiro, porque seu quadro social foi enriquecido em mero e em
qualidade, pois contou com a filiação de proeminentes jornalistas que se destacaram na vida
política nacional, como profissionais da imprensa e também como deputados, senadores,
governadores, juristas e, inclusive, candidatos à vice-presidência da República, ou melhor,
“anticandidato”, no caso de Barbosa Lima Sobrinho, em 1973. Segundo, porque foi
1
ABREU, 2002. Vale notar que o primeiro curso foi criado em 1947 e o diploma de jornalista passou a ser
obrigatório para o exercício da profissão somente a partir de 1969.
11
constantemente assediada pelo poder, que via na ABI um meio de controle ideológico, pois,
por ser formada por fundadores e donos de jornais, diretores de redação, chefes de sucursais,
repórteres, e, enfim, por intelectuais, tinha grande influência sobre a formação da opinião
pública. Por isso, Getúlio Vargas visitou a entidade várias vezes e concedeu empréstimo para
a construção de sua sede.
Durante a ditadura militar, a ABI obteve destaque como uma das mais importantes
organizações da sociedade civil que se opuseram ao regime instalado a partir de 1964. A
entidade costuma aparecer dessa forma nos livros que versam sobre o período. Contudo,
apesar dos seus quase cem anos de existência, ainda não havia se constituído em objeto de
estudo acadêmico, pois os livros existentes sobre a Casa do Jornalista foram escritos por três
de seus membros, Victor de Sá, Edmar Morel e Fernando Segismundo.
Desse modo, com o intuito de minimizar essa ausência, este trabalho analisa parte da
trajetória da Associação Brasileira de Imprensa durante o período de 1964 a 1977. Para tanto,
optamos por uma abordagem pontual, à medida que elegemos alguns momentos, como o
golpe de 1964; o aniversário dos sessenta anos da entidade, comemorado em 7 de abril de
1968, quando o presidente da ABI, Danton Jobim, recebeu o presidente da República, general
Artur da Costa e Silva, para um almoço; o mês de agosto de 1969, quando a entidade
homenageou o Exército devido à grande expectativa acalentada pelos setores liberais da
sociedade civil a respeito da promessa de reforma constitucional; e, por fim, alguns episódios
da presidência de Prudente de Moraes Neto (1975-1977), como o momento imediatamente
posterior à morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, a explosão da bomba na
sede da entidade, em agosto de 1976, e a participação da mesma na Missão Portela”, assim
denominada porque foi organizada pelo senador Petrônio Portela com o consentimento do
presidente Ernesto Geisel e do chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, general
Golbery do Couto e Silva.
12
Assim, a dissertação se divide basicamente em duas partes. Na primeira, discutimos a
bibliografia existente sobre a ABI, o que significa discutir a própria memória oficial da
entidade, pois os autores analisados não empreenderam uma análise crítica, mas um relato
impregnado por emoções, sentimentos e pela influência de nexos sociais e políticos. O livro
de Victor de Sá, por exemplo, aborda a história da entidade de 1908 até 1954, período que não
coincide com o nosso. Contudo, seu livro é interessante porque consiste em uma tentativa de
difamação contra o mais importante ícone da ABI, ou seja, Herbert Moses, e porque é omitido
por Edmar Morel e Fernando Segismundo, que não o citam nem como fonte secundária,
apesar da primeira parte do livro de ser bastante parecida com a abordagem que Morel
aplica à narrativa da história da entidade durante as suas primeiras décadas de existência.
Segismundo e Morel, portanto, escreveram sobre a ABI com o intuito de valorizar a sua
trajetória e a de seus membros e acabaram por reproduzir o mito de que a ABI consiste numa
“trincheira da liberdade”.
Em contrapartida, acabamos por desmistificar a imagem da instituição, à medida que
procuramos resgatar suas divergências internas e as ligações de seus membros com classes
sociais e ideologias políticas diversas. Recorremos, então, aos conceitos de “sociedade civil” e
de intelectual orgânico”, tal como foram formulados por Antonio Gramsci, a fim de melhor
compreendermos a complexidade das relações da Associação Brasileira de Imprensa com a
ditadura militar. Acabamos voltando um pouco no tempo, pois tecemos breves considerações
sobre o processo de consolidação da entidade, que foi possível graças à intervenção do
Estado, e sobre a inserção de tendências políticas em momentos anteriores ao período em
questão. No entanto, achamos tal abordagem necessária, pois nos permitiu defender a idéia de
que a ABI se constitui em uma arena de disputa política e ideológica.
Na segunda parte, procuramos trabalhar com episódios pouco conhecidos que foram
ofuscados pelo tempo, pela censura política da ditadura e pela ocultação empreendida por
13
membros da entidade ainda vivos e que deles participaram. Tais episódios foram também
suplantados por acontecimentos que se coadunaram com a imagem da trincheira da
liberdade” e que se tornaram mais conhecidos porque foram amplamente noticiados pela
imprensa e porque contaram com a participação de inúmeras pessoas que não pertenciam ao
quadro social da entidade. Dentre eles, destacamos a fundação do Comitê Brasileiro pela
Anistia, em 14 de fevereiro de 1978; as diversas reuniões de familiares de presos políticos; as
sessões de filmes proibidos - exibidos pelo Cine Clube Macunaíma, fundado pelos próprios
membros da Casa; as reuniões do Movimento Convergência Socialista, etc.
Utilizamos como fontes notícias de jornais da grande imprensa, obtidas a partir da
leitura dos periódicos A Tribuna da Imprensa, O Estado de São Paulo e O Globo,
principalmente, e notícias publicadas pelo Boletim da ABI, órgão oficial da entidade.
Trabalhamos também com as atas de reunião do Conselho Administrativo da ABI, formado
por 45 membros eleitos pela totalidade dos sócios. As reuniões eram mensais e contavam com
a presença dos conselheiros, dos membros das comissões e com membros da Diretoria, dentre
os quais o presidente, cuja presença era obrigatória.
Recorremos, ainda, à História Oral, pois realizamos entrevistas com Maurício Azêdo,
atual presidente da ABI; com Fichel Davit Chargel, ex-membro do Conselho Administrativo;
com Marco Morel, jornalista, historiador e neto de Edmar Morel; e com Antônio Modesto da
Silveira, que, durante a ditadura, se destacou como um dos mais atuantes advogados de presos
políticos. A conversa com essas personalidades nos ajudou a preencher lacunas e nos permitiu
observar a permanência de antigas controvérsias nas memórias dos membros entrevistados, o
que fortaleceu ainda mais o nosso entendimento de que a ABI é um organismo da sociedade
civil formado por diferentes intelectuais orgânicos.
14
1. A memória da ABI em perspectiva
Na bibliografia existente sobre a ditadura militar implementada no país a partir de
1964, a Associação Brasileira de Imprensa obtém destaque como uma das instituões da
sociedade civil que mais se empenhou na luta pela democracia, ao lado da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e da Igreja Católica. De fato, a sociedade civil foi um elemento
importante no processo de transição brasileiro, pois agiu como um pólo irradiador de pressão,
capaz de transformar o projeto de liberalização do governo em um processo, formado por
diferentes setores.
Desde fins do governo Médici
2
e após a posse do general Ernesto Geisel, em março de
1974, na presidência da República, o governo militar pôs em vigor seu projeto de distensão
política, que tinha como objetivo recuperar gradualmente alguns elementos da tradição liberal
suprimidos pela ditadura, como a liberdade de imprensa, o habeas corpus, a independência do
Judiciário, a convivência com antigos opositores, o pluripartidarismo, etc
3
.
O projeto, assim, se iniciou pelo alto
4
, ou seja, a partir do aparelho de Estado, e o
governo arrogou-se o poder de decidir o timing da liberalização e de escolher os atores que
dela iriam participar. Contudo, suscitou a emergência da sociedade civil que, em dados
momentos, conseguiu imprimir maior rapidez ao projeto governamental. Em meados da
década de 1970, o Brasil testemunhou, portanto, o aparecimento histórico de numerosos
novos movimentos sociais como também o desenvolvimento de intricadas relações
horizontais no âmbito da própria sociedade civil. Deste vasto panorama, destacamos os
movimentos organizados por grupos de mulheres, operários, estudantes, advogados,
empresários, profissionais da imprensa, associações de bairro, sindicatos, dentre outros.
2
CARVALHO, 1989.
3
SANTOS, 1978.
4
D’ARAÚJO, 1995, Introdução, p.7-41.
15
Segundo Araújo, o surgimento de novos movimentos no Brasil também constituiu
parte de um fenômeno mundial, que teve início nos anos de 1960 e prolongou-se por toda a
década seguinte em diferentes países, como Estados Unidos, França, Itália, etc. Assim, na
década de 1970, movimentos de novo tipo, ou seja, detentores de causas específicas e ligados
a minorias políticas, os ditos “movimentos da diferença”, estiveram presentes na cena política
do Brasil e do mundo. Dentre eles, o que o mais se destacou foi o movimento de mulheres,
seguido pelo de negros, homossexuais e outros
5
. Vale notar que, no Brasil, inúmeros
movimentos de mulheres foram criados e muitos se concentraram ao redor do Movimento
Feminino pela Anistia (MFPA), que, fundado em 1975, desempenhou importante papel na
luta pela anistia ampla, geral e irrestrita.
Dessa forma, apesar da busca por uma identidade própria e das causas específicas,
muitos dos diversos movimentos da diferença” possuíam demandas políticas que em geral
centravam-se em questões como o respeito aos direitos humanos, o fim das prisões arbitrárias
e dos seqüestros dos opositores do regime, o fim das torturas, assassinatos e
“desaparecimentos” de cidadãos. Nesta empreitada, coube à Igreja, através da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), à OAB e à ABI desempenharem a liderança no
processo de oposição ao governo, que estas entidades encontravam-se entre as principais
organizações da sociedade civil brasileira. A importância da tríade relaciona-se com o fato de
possuírem âmbito nacional, o que facilitou a comunicação e o intercâmbio entre diferentes
regiões do país no esforço de coibir o autoritarismo da ditadura. Possuíam, ainda, tradição e
legitimidade e foram identificadas por muitos cidadãos como baluartes do processo de
abertura, pois, sob suas égides, podiam expressar discordância em relação ao regime sem
temerem uma acusação generalizada de subversão. Ademais, muitos de seus membros
5
ARAÚJO, 2000.
16
possuíam influência política, pois ocupavam cargos públicos, eram religiosos, jornalistas ou
advogados reconhecidos, ou possuíam histórico de contatos anteriores com o governo militar.
Dom Paulo Evaristo Arns, por exemplo, que se destacou como um dos maiores líderes
da Igreja, durante a abertura, se encontrou com Golbery do Couto e Silva, futuro chefe do
Gabinete Civil da Presidência da República, e com o próprio Ernesto Geisel, em fevereiro de
1974, antes de sua posse como presidente da República, a fim de discutir a questão do
respeito aos direitos humanos
6
. Muitos bispos da CNBB, também, participaram de inúmeras
reuniões com militares, representantes do presidente Médici, ao longo dos anos de 1970 a
1974
7
.
No entanto, desta destacada participação dos movimentos sociais, no processo de
abertura, não tencionamos concluir que a sociedade civil agiu em uníssono e durante todo o
período como um complexo de organizações e indivíduos que se opuseram e lutaram com
veemência e incisividade contra o regime militar em prol do retorno imediato da democracia.
Não pretendemos, assim, sobreestimar a atuação de determinadas entidades da sociedade civil
como ocorre, por exemplo, no livro Estado e Oposição no Brasil, de Maria Helena Moreira
Alves, que ao abordar o papel da Associação Brasileira de Imprensa afirma:
Com a força e autoridade de sua tradição, a ABI legitimava a atuação de uma série de grupos
que sem sua proteção não sobreviveriam. Desse modo, a partir de 1969, tornou-se cada vez
mais ativa como fórum para a manifestação da recusa aos controles impostos à opinião e ao
pensamento. Nessa qualidade, coordenava as atividades de grupos de oposição preocupados
com a liberdade de expressão, canalizando-as para o terreno da política formal, de modo a
exercer pressão direta sobre o Estado. A pressão exercida pelas atividades da Associação e a
campanha simbólica dos principais jornais obrigou o presidente Geisel a eliminar a censura
direta à chamada grande imprensa, em 1975, e posteriormente, em 1978, a própria censura
prévia à imprensa alternativa e mais agressiva.
8
6
SKIDMORE, 1988, p.326.
7
SERBIN, 2001.
8
ALVES, 1987, p. 217. Grifos nossos. Ao analisar as formas de censura, Alves baseia-se no estudo do jornalista
Perseu Abramo, apresentado no Congresso Nacional dos Jornalistas Brasileiros, em 1976, que divide a censura
em a priori ou prévia e a posteriori. Segundo Alves, a censura a priori, também denominada censura direta,
consiste na instalação de censores nas redações dos jornais ou no envio das publicações à Polícia Federal; e a
censura a posteriori consiste na apreensão de publicações veiculadas ou na denúncia, detenção ou punição do
editor, do jornalista e do dono do veículo de comunicação responsáveis pelo material divulgado. Entretanto, por
considerarmos que a divisão de Alves o abarca a miríade de formas de censura existentes durante o regime
militar, preferimos nos basear no estudo de Anne-Marie Smith que divide a censura em censura prévia e
autocensura. Cf. SMITH, 2000.
17
A autora sobreestima, também, a força da OAB, ao afirmar que a entidade, a partir de
1974, “caminhava assim na mesma direção que outros setores da oposição, para impor o
respeito aos direitos políticos, civis, sociais e econômicos”.
9
Consideramos, portanto, essa
visão equivocada, pois se concordamos com a autora que as pressões exercidas pela sociedade
civil influenciaram o governo a encetar diálogos com figuras de destaque da oposição,
acreditamos que tais debates permaneceram sob o controle do regime, que definiu e decidiu o
desenvolvimento do processo de distensão. Assim, a dialética das oposições com a ditadura,
ou seja, o conflito dinâmico entre ambas as partes, era desigual, visto que favorecia o governo
em detrimento de entidades, como a ABI e a OAB, que não possuíam força suficiente para
obrigar o governo a eliminar a censura, nem para impor respeito aos direitos humanos,
políticos, sociais e econômicos.
Ademais, a redução progressiva da censura constituía um dos itens do projeto de
distensão política do governo
10
, que, a partir de 1975, começou a liberar determinados
veículos de comunicação da prática da censura prévia. O primeiro deles foi O Estado de São
Paulo, em janeiro de 1975, seguido do semanário Veja, em junho de 1976. Já sobre outros
periódicos, a censura prévia continuou a incidir até meados de 1978, quando a Tribuna da
Imprensa, Movimento e O São Paulo foram liberados
11
.
Vale notar que a censura exercida sobre a imprensa, durante a ditadura militar, possuía
muitas formas, como pressões financeiras contra as empresas jornalísticas; o controle das
notícias; as apreensões de jornais; o estabelecimento de censores nas redações de
determinados periódicos e, também, o envio destes à Polícia Federal; a pressão sobre
jornalistas, donos e diretores de jornais; os processos judiciais; a recusa em conceder
credenciais, etc. Segundo Smith, todos esses métodos dividiam-se em dois tipos de censura: a
censura prévia e a autocensura. A primeira, exercida apenas contra um punhado de
9
ALVES, op.cit, p.210.
10
SILVA, 1981. p 25.
11
SMITH, op.cit, p.97.
18
publicações, determinava que tudo que fosse preparado por um jornal seria examinado pela
polícia antes da divulgação; a autocensura consistia nas proibições de noticiar certos fatos
que eram indicados pela Polícia Federal às publicações antes de sua investigação e divulgação
e até mesmo de seu conhecimento, no caso de muitos eventos noticiosos
12
.
Por outro lado, Celina Duarte Rabello afirma que a liberalização da imprensa, a partir
de 1975, foi fundamental para o fortalecimento do grupo Geisel no poder, pois, ao permitir
que os jornais veiculassem as discussões suscitadas pela morte do jornalista Vladimir Herzog,
ocorrida em outubro do mesmo ano no DOI-CODI de São Paulo, o presidente enfraqueceu os
setores da linha dura que se opunham ao projeto de distensão e constituíam um dos los de
oposição ao governo
13
.
Dessa forma, consideramos que a superestimação da força da ABI e da OAB possa
advir da escassez de estudos mais abrangentes, capazes de abarcar setores da sociedade civil
que não necessariamente se opunham à ditadura, e organizações que procuravam resistir
através das poucas vias legais ainda existentes e de contatos freqüentes com as autoridades
militares a fim de interceder pela integridade física de indivíduos presos e pelo respeito aos
direitos humanos.
Em contrapartida, uma significativa literatura referente à luta armada no Brasil,
composta por depoimentos autobiográficos, como, por exemplo, O que é isso companheiro?,
de Fernando Gabeira
14
; Os Carbonários, de Alfredo Sirkis
15
; Batismo de Sangue, de Frei
Betto
16
; e por obras analíticas, como Combate nas Trevas, de Jacob Gorender
17
.
Evidentemente, não tencionamos contestar o valor desta literatura, nem muito menos relevar a
ditadura militar pelos assassinatos, torturas, perseguições e constrangimentos impostos a
12
SMITH,op.cit, p.95.
13
DUARTE, 1983, p.181-195.
14
GABEIRA, 1981.
15
SIRKIS, 1994.
16
BETTO, 1982.
17
GORENDER, 1987.
19
inúmeros cidadãos. Contudo, consideramos que sua presença em meio à escassez de estudos
específicos sobre a ABI e a OAB, por exemplo, suscitou uma espécie de maniqueísmo e
isolamento aplicado à análise da dialética dessas organizações da sociedade civil com o
Estado.
Além disso, podemos afirmar que ao lado da escassez encontra-se a apologia, pois os
poucos livros escritos sobre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de
Imprensa são de autoria de alguns de seus membros, que fazem da escrita um ato de defesa
destas instituições. Sobre a primeira, destacamos, a título de exemplo, o livro intitulado OAB
x Ditadura Militar, de Cid Vieira de Souza Filho, e, sobre a ABI, os livros escritos pelos
jornalistas Edmar Morel e Fernando Segismundo.
O livro escrito pelo advogado Cid Vieira de Souza Filho
18
consiste em uma
homenagem ao seu pai, Cid Vieira de Souza, presidente da seccional paulista da Ordem dos
Advogados, durante os anos de 1971 a 1979, e à própria OAB, identificada pelo autor como
um dos sustentáculos da luta contra a ditadura. O autor destaca a “defesa intransigente do
restabelecimento das franquias democráticas, do respeito à dignidade humana e da volta ao
Estado de Direito” engendrada pela OAB e, em especial pela seccional de São Paulo, sob a
presidência de seu pai. Para tanto, recorre à publicação de depoimentos elogiosos concedidos
por advogados conhecidos pela opinião pública, ou pelo meio advocatício, como Ives Gandra
da Silva Martins e a deputada federal Zulaiê Cobra, e à veiculação de documentos, como
cartas, fotografias, documentos da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) e notícias de
jornal veiculadas pela imprensa e pelo Jornal do Advogado, órgão oficial da OAB.
O mesmo teor elogioso pode ser encontrado na página eletrônica oficial da Ordem dos
Advogados do Brasil, que ressalta a importância da entidade no processo de abertura e
minimiza o apoio dado ao golpe de 1964, que depôs um presidente legalmente instituído. A
18
FILHO, 2006. Vale notar que o livro conta com a chancela da OAB São Paulo.
20
anuência da OAB ao golpe é, portanto, abordada de forma sucinta e justificada pelo fato do
mesmo ter consistido, segundo a Ordem, em uma “medida emergencial” capaz de evitar o
“desmantelamento do estado democrático”.
19
Assim, a complexidade das relações existentes
entre as entidades da sociedade civil e o governo militar, durante todo o regime de exceção, é
preterida pela ênfase parcial dada à atuação destas entidades, principalmente a partir de 1974.
Discurso semelhante foi desenvolvido também por membros da Associação Brasileira
de Imprensa, cuja história foi contada e escrita por seus sócios. A bibliografia referente à ABI
foi desenvolvida por Edmar Morel e Fernando Segismundo, o que representa uma tentativa da
Associação de influenciar o processo de construção de sua própria memória.
O livro mais conhecido, que abarca o período de 1908 a 1985, foi escrito pelo jornalista
Edmar Morel e intitula-se A Trincheira da Liberdade: História da Associação Brasileira de
Imprensa. Publicado em 1985, pela editora Record e com o apoio da ABI, o livro recebeu o
prêmio Gustavo de Lacerda instituído pela Associação, em 1968, para comemorar o
sexagésimo aniversário da fundação da Casa, com o júri composto por Austregésilo de
Athayde, Fernando Segismundo, Danton Jobim, Manuel Paulo Filho e Reginaldo Fernandes,
todos membros proeminentes da entidade. O autor contou, ainda, com o incentivo e a ajuda de
Barbosa Lima Sobrinho, Gomes Maranhão, Inácio de Alencar, Marco Morel (seu neto), Jesus
Chediak, Gerardo Mello Mourão, Herbert Moses, Celso Kelly, Elmano Cruz, Adonias Filho,
Hélio Silva, Assis Chateaubriand, Samuel Wainer, Joel Silveira, Jota Efegê, etc. O livro,
portanto, representa parte da memória da ABI, mas não como uma faculdade individual de
Morel e sim como um dado coletivo ou social, visto que resultou de um esforço corporativo, à
medida que a ABI e muitos de seus membros colaboraram ativamente e incentivaram tal
publicação.
19
Disponível em: http://www.oab.org.br/hist_oab/estado_excecao.htm. Acesso em: 5 nov. 2006.
21
A Trincheira da Liberdade se constitui em um histórico da Associação a partir dos
mandatos de alguns de seus presidentes, dentre eles: Gustavo de Lacerda, Dunshee de
Abranches, Belisário de Souza, Raul Pederneiras, João Guedes de Mello, Dario de Mendonça,
Barbosa Lima Sobrinho, Gabriel Bernardes, Manuel Paulo Filho, Alfredo da Silva Neves,
Herbert Moses, Celso Kelly, Elmano Cruz, Danton Jobim, Adonias Filho, Líbero de Miranda,
Prudente de Moraes Neto e Fernando Segismundo
20
. Divide-se em cinco capítulos que, em
linhas gerais, procuram destacar: os primeiros anos de existência da entidade, quando com
poucos adeptos, perseguida pelos sucessivos governos da República Velha e condenada pelos
donos de jornais, consistia em uma instituição de classe deveras débil; o período de
consolidação da ABI, sob a presidência de Herbert Moses (1931-1964); e os principais
acontecimentos que pontuaram os mandatos dos presidentes pós-1964.
Além dos fatos históricos ocorridos ao longo das diversas presidências da ABI, o autor
enfatiza aspectos pessoais dos homens que a presidiram e valoriza a noção de dignidade como
algo intrínseco a esses indivíduos reconhecidos ora pela bravura, ora por suas virtudes
intelectuais, ora pela grande capacidade de trabalho, ora pela relevância de suas trajetórias.
Outra característica importante consiste na valorização do permanente papel da ABI na defesa
“incessante e veemente da liberdade de imprensa e da integridade da classe jornalística”.
Sabemos, sem dúvida, que estas consistem nas diretrizes máximas da Associação, mas são
enfatizadas por Morel mesmo quando aborda administrações de determinados presidentes que
chegaram a negociar a existência da censura, procurando torná-la mais amena e não
necessariamente extingui-la.
21
Isto ocorreu durante a ditadura militar, quando presidentes da
Casa do Jornalista entraram em contato com ministros da Justiça com o intuito de abrandar o
cerceamento imposto aos veículos de comunicação e aos profissionais da imprensa.
20
Para uma cronologia dos presidentes da ABI ao longo dos seus quase cem anos de existência, vide Anexo 1.
21
MOREL, 1985, p.148.
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Automática
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Automática
22
Morel, quando procura explicar a ausência de combatividade de algum presidente a
atribui a características particulares, como a timidez, a falta de tino para a política, o estado de
saúde, o avanço da idade, o engajamento intelectual, etc. Ao se referir a Celso Kelly (1964-
1966), por exemplo, afirma que este foi “um presidente diferente dos outros. Não era um
jornalista de combate e sim um crítico de arte, professor, poeta e teatrólogo”.
22
Ao se referir à
presidência de Adonias Filho (1972-1974), utiliza argumento semelhante: “Na verdade,
homem de gabinete, mergulhado dia e noite na leitura dos livros da sua rica biblioteca, não
era indicado para presidir a ABI, que exigia um cidadão acostumado às lutas políticas”.
23
Assim, as idiossincracias dos presidentes sobrepõem-se às ligações e interesses
políticos, corporativos e financeiros que porventura possam explicar a omissão, a conciliação
ou a anuência de determinados presidentes em relação aos governos em vigência. O caráter
apolítico da ABI é também utilizado por Morel e por seus presidentes e diretores para explicar
os contatos freqüentes da entidade com ditadores civis e militares. Herbert Moses lançou mão
de tal recurso para justificar as ligações da ABI com o presidente Getúlio Vargas, durante as
décadas de 1930 e 1940, quando o empastelamento de jornais e as agressões a jornalistas
eram freqüentes; e assim o fez Celso Kelly (1964-1966), ao explicar os contatos travados com
os militares, enquanto presidia a ABI.
Sobre Kelly, Morel destaca que, ao ser criticado por alguns membros da entidade, o
mesmo afirmou que era presidente de uma associação cultural, sem cor política e que não
podia deixar de dialogar com quem quer que fosse, sobretudo com as altas autoridades do
país, responsáveis por um governo reconhecido por quase todos os países do mundo.
24
Vale notar que, ao alegar que o governo instaurado em 1964 é reconhecido por quase
todos os países, Kelly acaba por legitimar um regime instituído por um golpe militar e não por
vias democráticas. Esse aspecto, no entanto, não é problematizado por Morel, que justifica a
22
MOREL, 1985, p.161.
23
Ibid, p.186.
24
Ibid, p.163.
23
ação do mesmo ao afirmar que os contatos de presidentes da ABI com autoridades políticas
constituíam uma espécie de norma na Casa do Jornalista:
Moses fez o mesmo. Jamais deixou de visitar Costa Neto e Filinto ller e outros
declarados inimigos da liberdade blica. Quase todos os presidentes da Casa seguiram esta
norma. Elmano Cruz, por sua vez, telefonava para o General Costa e Silva, de quem era
amigo. Ia ao chefe de polícia, o neurótico Coronel Gustavo Borges, e falava de igual para
igual.
25
Morel comenta, ainda, os contatos estabelecidos por Danton Jobim
26
(1966-1972),
Adonias Filho (1972-1974) e Prudente de Moraes Neto (1975-1977) com os militares. Sobre o
primeiro, afirma que o mesmo não perdeu contato com as autoridades e que, por várias vezes,
visitou o Ministério da Justiça no cumprimento de missões ligadas à proteção das
prerrogativas da imprensa livre. Sobre Adonias Filho, diz que este “pela sua cultura e
respeitabilidade tinha livre trânsito nos altos escalões do governo”,
27
assim como Prudente de
Moraes Neto, “respeitado em todos os setores civis e militares”
28
.
O autor, também, não conjectura sobre as razões que garantiam a Adonias Filho e
Prudente de Moraes Neto livre trânsito nos altos escalões do regime militar. De fato, a cultura
e a intelectualidade não impediram que inúmeros indivíduos fossem presos e perseguidos
durante as décadas de 1960 e 1970. Ademais, ao afirmar que os contatos dos presidentes da
entidade com ditadores e personalidades autoritárias constituem uma espécie de norma
muito aplicada, Morel não considera a possibilidade de que tais contatos possam representar
uma congruência de valores entre alguns membros da ABI e a ditadura. A causa dos mesmos,
dessa forma, consiste, exclusivamente, em um mecanismo de defesa, considerado eficiente
por Morel:
25
MOREL, 1985, p.163.
26
Ibid, p.179. Ao abordar os contatos de Jobim com as autoridades militares, Morel diz na primeira pessoa do
plural: “Interpelamos os Poderes Públicos com sobranceria, mas sem jactância”.
27
Ibid, p.186.
28
Ibid, p.196.
24
O fato é que esses contatos serviram para melhorar as condições dos jornalistas
encarcerados, que passaram a receber a visita da família e até escreveram livros nas
execráveis enxovias da rua Frei Caneca, como Joel Silveira, Sebastião Nery, e outros.
29
A possibilidade da congruência de valores, portanto, é inexistente. Mesmo quando
aborda o episódio da comemoração dos sessenta anos da ABI, em 7 de abril de 1968, Morel
não levanta tal suposição. Neste dia, a exemplo do que fizera Moses com os presidentes
Vargas e Dutra, Danton Jobim (1966-1972) ofereceu almoço ao general Artur da Costa e
Silva, então presidente da República (1967-1969), que compareceu à ABI acompanhado de
ministros de Estado e dos presidentes da mara dos Deputados, do Senado e do Supremo
Tribunal Federal, além de outras autoridades. A visita suscitou verdadeira celeuma entre os
membros da Casa e os jornalistas em geral, e o próprio Morel reconheceu que o almoço foi
uma idéia infeliz, pois, enquanto Costa e Silva banqueteava-se na ABI, dezenas de jornalistas
eram presos, exilados e torturados
30
.
Contudo, Morel refuta sua própria crítica ao afirmar que a atuação de Danton Jobim à
frente da Associação foi “um prolongamento de sua longa vida de jornalista de combate,
consciente de que nenhum povo pode viver sem liberdade de imprensa”.
31
Sua asserção,
porém, representa um paradoxo, pois, em abril de 1968, a imprensa encontrava-se sob censura
imposta pela Constituição de 1967 e pela Lei de Imprensa promulgada também em 1967, o
que não impediu os convidados presentes ao almoço e Danton Jobim, inclusive, de aplaudir o
presidente da República quando este encerrou seu falaz discurso sobre a importância da
liberdade, em especial a dos veículos de comunicação.
Em sua narrativa, Morel também não economiza elogios. Alega, por exemplo, que “foi
o destino que apontou Prudente de Moraes Neto para presidente e Barbosa Lima Sobrinho
29
MOREL, 1985, p.134. O presídio político da rua Frei Caneca fica no bairro do Estácio, na cidade do Rio de
Janeiro. Desde o Estado Novo (1937-1945) “abrigou” presos políticos, como Graciliano Ramos, por exemplo.
Destacou-se, na ditadura militar, por ter abrigado inúmeros prisioneiros que realizaram greves de fome, em 1977
e 1979, em prol da promulgação de uma anistia ampla, geral e irrestrita.
30
Ibid, p.179.
31
Ibid, p.178.
Formatado: Recuo:
Deslocamento: 0 cm
25
para presidente do Conselho Administrativo, duas personalidades que se irmanavam em todos
os princípios da dignidade humana”.
32
Os panegíricos a presidentes e à própria instituição,
dessa forma, estão presentes ao longo de todo trabalho. Ademais, o livro, em suma, é mais
factual que analítico e fornece mais informações sobre as biografias dos presidentes do que
sobre suas ações como líderes da ABI.
Na mesma linha de Morel, encontram-se os livros ABI 80 anos, ABI sempre e ABI:
tempos e faces, todos de autoria de Fernando Segismundo. Publicados respectivamente em
1988, 1998 e 2003
33
, também com o apoio da ABI, e por uma gráfica sem expressão editorial,
os livros não apresentam, como o de Morel, uma narrativa cronológica, mas artigos que,
reunidos, destacam momentos de relevância para a história da entidade. Abordam a sua
fundação, seus primeiros anos de existência, a presidência de Moses, a permanente luta pela
liberdade de imprensa”, os anos de ditadura militar, o almoço oferecido ao presidente Costa e
Silva, os Congressos de Jornalistas (que começaram a ser realizados no Brasil em 1918), a Lei
de Imprensa de 1967, a orientação nacionalista da Associação, as reivindicações da ABI em
prol da anistia política a partir de 1965, a personalidade dos membros que elaboraram o
estatuto de 1949, vigente nos tempos da ditadura, etc. Os artigos, contudo, são breves,
consistindo por vezes de um único parágrafo, e não apresentam nenhuma discussão mais
aprofundada, apesar de conterem diversos indícios capazes de municiar qualquer historiador.
Apesar de destacar contendas internas, a presença de delatores
34
e momentos
controversos na história da ABI, como a comemoração do seu sexagésimo aniversário,
Segismundo se abstém de críticas, à medida que avalia a trajetória da Associação com
parcialidade e reproduz imagens e símbolos freqüentes nos discursos de construção de sua
memória oficial. Assim, dentre as imagens mais comuns destacamos a reprodução da idéia de
32
MOREL, 1985, p.197.
33
SEGISMUNDO, 1988, 1998, 2003.
34
Em seus livros e em seu depoimento concedido à autora, em 29 de agosto de 2005, Segismundo destacou a
presença de jornalistas que infiltrados na ABI agiam como “alcagüetes”, segundo definição do entrevistado, que
por discrição preferiu não revelar suas identidades.
26
que a Associação Brasileira de Imprensa consiste num monumento à liberdade” que se
destaca pela “honra”, “independência” e “soberania”.
35
A ação da ABI frente à ditadura e às
autoridades políticas em geral é, dessa forma, descrita como altiva, sobranceira, jactante,
veemente, incoadunável, etc. Todos esses adjetivos são freqüentes, assim como a presença de
determinados substantivos que traduzem a noção de combatividade, como, por exemplo, os
vocábulos fortaleza, liça, trincheira, cruzada e outros, que podem ser em parte observados no
seguinte trecho extraído de um balanço de oito décadas da história da ABI, feito por Fernando
Segismundo:
Conheceu a instituição longos períodos difíceis, sem teto próprio, os consócios divididos por
infindáveis querelas, muitos sem atentarem para a grandeza da causa comum, antes
entregues às suas limitadas pessoas e ambições. Mas houve também grandes líderes, os que
de si tudo deram para aglutinar a categoria e sobrepondo-se a mesquinharias, injustiças e
incompreensões, souberam impor seus altos desígnios, tornar a Associação acatada, repelir
os assaltos a jornais, protestar contra prisões e espancamentos, legar-nos a fortaleza, a liça
onde prossegue, firme e inconciliável, a luta contra o abuso, a prepotência, a censura, o
obscurantismo.
Este é o significado que desejamos dar ao ato que nos congrega, nesta ABI, que os de
ontem e os de agora transformamos numa casa de cultura, num monumento à liberdade, no
resgate das vicissitudes de nossa gente. Alegramo-nos em razão do dever cumprido e punge-
nos a saudosa memória dos que tombaram nesta cruzada tão vibrante - razão de tantos
destinos superiores: Gustavo de Lacerda, Dunshee de Abranches, Raul Pederneiras, João
Melo, Herbert Moses, Prudente de Moraes Neto, Danton Jobim.
Como confissão de irresgatável dívida, proclamamos nesta hora nosso mais profundo
reconhecimento por todos quantos, vindos de tão longe, ainda no presente pelejam pelos
ideais comuns. Velhos ou antigos companheiros continuam a engrandecer a Casa com sua
seiva, a sua experiência, o seu fermento. Por anos a fio, em meio a tantas tormentas, eles
mantiveram a Casa honrada, independente e soberana. Moveu-os o sentimento da mais
ardente coesão. Jamais contemporizaram, jamais capitularam. Graças aos seus feitos a
audiência da instituição é nacional. Nós nos orgulhamos de ser os frutos de suas raízes.
36
Vale notar que, em ABI 80 anos, Segismundo aborda a participação da Associação
Brasileira de Imprensa na “Missão Portela”, ao publicar documento inédito entregue pela
entidade ao senador piauiense da Aliança Renovadora Nacional (Arena), Petrônio Portela,
presidente do Senado de 1977 a 1979 e principal intermediário do presidente Geisel na
interlocução com algumas instituições da sociedade civil, na primeira fase do processo de
transição política iniciado em 1974.
35
SEGISMUNDO, 1988, p.28.
36
Ibid. Grifos nossos.
27
Através do documento, podemos observar determinadas posições políticas da ABI,
como a defesa da ordem e da democracia, que implicava no distanciamento em relação a
qualquer tipo de subversão, fosse de direita ou de esquerda, e as reivindicações em prol da
revogação das leis de exceção, da defesa da anistia ampla, geral e irrestrita, da liberdade de
expressão e de organização e do respeito às garantias elementares devidas à pessoa humana,
violadas pelos aparelhos de repressão. Antecedendo a entrega do documento a Portela, em
fins de novembro de 1977, foram realizados encontros entre os membros da ABI e o senador,
que envolveram Prudente de Moraes Neto, Barbosa Lima Sobrinho, Danton Jobim, Odilo
Costa Filho (suplente de Portela), Pompeu de Souza (representante da ABI em Brasília) e
Fernando Segismundo, que foi o signatário do documento, pois, na época, presidia a entidade
em substituição a Prudente de Moraes Neto, afastado devido a problemas de saúde, que,
contudo, não o impediram de travar contatos com o senador, que chegou a visitá-lo no
hospital.
Dessa forma, é importante que observemos as posições de Morel e Segismundo. O
primeiro, segundo suas próprias palavras, entrou para o Conselho Administrativo da ABI, em
1950, pela generosidade de Herbert Moses
37
, a quem considerava seu melhor amigo e
conselheiro e por sugestão de quem escreveu A Trincheira da Liberdade
38
. Já Fernando
Segismundo foi eleito para o Conselho Administrativo da ABI, em 1949, e permaneceu
durante muitos anos como conselheiro e/ou membro da diretoria . Trabalhou por anos junto a
Moses e foi também presidente da Associação em duas ocasiões, quando substituiu Prudente
de Moraes Neto e quando foi eleito presidente da entidade para o biênio de 2002 a 2004.
A história da ABI até o momento, portanto, foi contada por jornalistas intrinsecamente
ligados à entidade e a seu mais importante e duradouro presidente. Tamanha proximidade
parece ter conferido a esses livros um conteúdo apologético, criticado por nossa pesquisa.
37
MOREL, 1985, p.143.
38
MOREL, 1999. p.252.
28
Segismundo, ao apresentar o livro ABI: tempos e faces, afirma que o mesmo consiste na
compilação de trabalhos elaborados com o intuito de difundir e fortalecer a Casa do Jornalista.
Edmar Morel é menos explícito ao abordar as razões que o levaram a escrever sobre a ABI,
mas afirma que seu objetivo “é mostrar às novas gerações de jornalistas o trabalho da ABI em
prol das liberdades públicas”
39
.
Ainda sobre a ABI, existe um livro publicado em 1955, pelo jornalista e também sócio
da entidade, Victor de
40
. Em suma, o livro apresenta uma síntese da história da ABI desde
o seu surgimento até a segunda gestão de Barbosa Lima Sobrinho (1930-1931) e críticas
contundentes à pessoa e à administração de Herbert Moses, analisadas durante os anos de
1931 a 1954. Sá, opositor ferrenho de Moses, fornece ao leitor o que ele chama de “psicologia
do ditador da chamada Casa do Jornalista” e denuncia abusos financeiros praticados por uma
administração que identifica como espúria.
Apesar de não condizer com o corte temporal adotado por essa pesquisa, o livro de
é interessante porque se trata de uma publicação omitida tanto por Morel quanto por
Segismundo. Em A Trincheira da Liberdade, Morel nos fornece, assim como o faz com os
demais presidentes da ABI citados, uma pequena biografia de Gustavo de Lacerda, onde
ressalta sua infância pobre, sua passagem pelo Exército, sua difícil carreira nos periódicos A
Imprensa, Jornal do Brasil e O Paiz, sua ideologia comunista, a criação da Associação de
Imprensa
41
e sua morte inglória na Santa Casa de Misericórdia, como indigente. apresenta
narrativa semelhante, construída cerca de vinte anos antes do estudo de Morel, mas sequer é
citado como fonte secundária. Assim, a omissão do livro de Victor de Sá nos ajuda a refletir
sobre as implicações dos objetivos daqueles autores sobre a construção de seus discursos e
39
MOREL, 1985, p.15.
40
SÁ, 1955.
41
A ABI foi fundada com o nome de Associação de Imprensa e passou a se chamar Associação Brasileira de
Imprensa durante o mandato do presidente Belisário de Souza (1913-1916).
29
expressa a oposição dos mesmos em relação a outros tipos de análise, que possam
desmistificar o papel da ABI e de seus líderes no processo político nacional.
Assim, Morel e Segismundo elevam a Associação Brasileira de Imprensa à posição de
trincheira, cujo significado etimológico é escavação no terreno, para que a terra escavada
proteja os combatentes durante a guerra”.
42
No entanto, a consolidação da ABI foi possível
graças à intervenção do Estado. O terreno da rua Araújo Porto Alegre, localizado no Centro
do Rio de Janeiro, foi doado em 1932 e a construção do edifício foi financiada pelos
presidentes Getúlio Vargas, a partir de 1935, e Eurico Gaspar Dutra, que em setembro de
1946, através do Ministério da Justiça, concedeu crédito à ABI para que as obras de sua sede
fossem concluídas.
Portanto, a consolidação da ABI e a construção do edifício, posteriormente
denominado “Palácio da Imprensa”
43
, ocorreram, principalmente, sob o governo autoritário de
Getúlio Vargas e com o auxílio desse mesmo governo, o que denota proximidade e não
exclusivamente a idéia de combate. O historiador da imprensa Nelson Werneck Sodré observa
a ironia de que a ABI “teve seu patrimônio enriquecido e se tornou uma entidade poderosa
justamente numa época ditatorial”
44
. Ademais, Morel e Segismundo, em momento algum,
reconhecem o ônus gerado pelas relações da ABI com o poder. Ao abordar os contatos
freqüentes de Vargas e Moses, Morel diz que este “a despeito de ser um comensal do Catete e
do Itamaraty, não subordinava a ABI à sua intensa vida social”.
45
Não podemos acreditar,
porém, que o desvelo de Getúlio Vargas pela ABI fosse destituído de quaisquer interesses.
Vargas visitou a ABI pela primeira vez em 1931, para participar de um almoço com
jornalistas, que o proclamaram presidente de honra da instituição. Em 1934, assinou decreto
42
Novo Aurélio. Século XXI. Versão eletrônica 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Lexikon Informática, s. d.
43
MOREL, 1985, p. 137. A construção do prédio da ABI foi precedida por um concurso, cujo prêmio consistia
em 50 contos de is, elevada quantia para a época. O projeto vencedor foi o dos irmãos M.M.M.Roberto e o
edifício da ABI representou um marco na arquitetura do Rio de Janeiro devido às suas formas ousadas e
modernas. Dada a sua imponência, foi denominado “Palácio da Imprensa”. Disponível em www.abi.org.br.
Acesso em: 8 nov. 2006.
44
SODRÉ, 1977, p.354.
45
MOREL, 1985, p.130.
30
fornecendo meios para a construção da sede própria da ABI. Em 1936, visitou novamente a
entidade e foi declarado sócio benemérito pela Assembléia Geral. No ano de 1938, voltou
novamente à ABI, percorrendo as instalações ainda em obras. Retornou à entidade em 1942,
às vésperas de sua inauguração. Em 1944, esteve novamente na ABI para participar da
inauguração do busto de Pedro Ernesto, que como prefeito do Rio de Janeiro, durante o seu
primeiro governo como presidente da República (1930-1934), doou à ABI o terreno do
Castelo. Em 1951, esteve na ABI pela sexta e última vez.
Não podemos desconsiderar que Vargas, especialmente no período do Estado Novo,
que vai de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 1945, privilegiou a utilização da
ideologia como forma de manutenção e fortalecimento do poder do Estado. Implementou uma
política de propaganda ao criar em 1931, o Departamento Oficial de Propaganda, em 1934, o
Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural; e, por fim, em 1939, o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). “Cabia ao DIP coordenar, orientar e
centralizar a propaganda interna e externa; fazer a censura a teatro, cinema, funções esportivas
e recreativas, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos e
conferências; e dirigir e organizar o programa de radiodifusão oficial do governo”.
46
O DIP era ainda responsável pela revista Cultura Política, editada por Almir Andrade,
um dos principais ideólogos do regime instituído em 1937. A publicação contava com a
presença de inúmeras figuras significativas, como Cassiano Ricardo, Azevedo Amaral, Mário
Casasanta, Nelson Werneck Sodré, Francisco Venâncio Filho, Jaime de Barros, José Maria
Belo, Pedro Dantas (Prudente de Moraes Neto), Ademar Vidal, Gilberto Freyre, Álvaro Vieira
Pinto, entre outros
47
.
46
BOMENY, 2001.
47
OLIVEIRA, 1982. Vale ressaltar que os intelectuais citados não necessariamente comungavam das mesmas
ideologias ou apoiavam o autoritarismo do Estado Novo, mas estavam inseridos no processo de desenvolvimento
nacional.
31
Além disso, o governo Vargas implementou uma reforma do ensino através do
Ministério da Educação, dirigido por Gustavo Capanema (1934-1945), que reuniu em sua
pasta um grupo de intelectuais formado por personalidades, como, por exemplo, Carlos
Drummond de Andrade e Mário de Andrade
48
. Dessa forma, podemos concluir que a
participação dos intelectuais durante o Estado Novo foi intensa e de suma importância.
Nesse contexto, os meios de comunicação de massa, rádio e imprensa, abriam
possibilidades de contato com o povo até então inimagináveis, sendo por isso mesmo
considerados arenas de necessário controle e constante fiscalização. O governo Vargas teve
que enfrentar a resistência ou mesmo a oposição de muitos jornais, principalmente após a
Revolução Constitucionalista de 1932. As necessidades do governo levaram à criação de um
novo periódico, porta-voz do regime. Ligado às Empresas Incorporadas da União, o novo
jornal, A Manhã, tinha como diretor o escritor Cassiano Ricardo. Com grande circulação no
Rio, seria ajudado pelo jornal A Noite, de São Paulo, dirigido pelo também escritor Menotti
del Picchia, ambos complementando a ação da revista Cultura Política, mais voltada às
elites.
49
Sendo assim, a intervenção de Vargas a favor da Associação Brasileira de Imprensa se
insere no quadro de controle ideológico do Estado Novo, que via na ABI uma instituição
formadora de opinião blica. A presença de Vargas na Casa do Jornalista e a sua nomeação
como sócio benemérito pela Assembléia Geral, em 1936, e como presidente de honra,
segundo consta no estatuto da ABI de 1949, provavelmente suscitaram uma aliança tácita
entre jornalistas e o governo, mesmo em meio à censura.
Morel, entretanto, ressalta que as relações da ABI com o governo Vargas não a
impediram de reivindicar a favor dos profissionais da imprensa e contra a censura. Vale notar
48
BOMENY, op.cit.
49
Ibid, p.50.
32
que alguns jornalistas e sócios da Associação, na época, criticaram Moses por aceitar o
auxílio financeiro fornecido por Vargas para a construção do prédio da ABI:
Criticaram-no por receber favores do governo, quando este mesmo governo esmagava a
liberdade de imprensa. O seu argumento, até certo ponto, é válido: recebendo ou não
auxílios oficiais para a construção da sede da ABI, o governo o recuaria no seu propósito
de enquadrar a imprensa na Lei Infame.
50
As implicações dos contatos da ABI com os militares no poder, após o golpe de 1964,
são igualmente ignoradas, pois Morel e Segismundo os consideram apenas como estratégias
ou modalidades de resistência que tinham como objetivo maior garantir a integridade física
dos jornalistas e a continuidade da luta pela liberdade de imprensa.
Dessa forma, não podemos deixar de apontar que a ABI vivenciou um processo de
construção de sua memória oficial ou institucional articulado por determinados atores capazes
de intervir no trabalho de constituição e formalização das várias memórias existentes. A
memória oficial resulta de uma “negociação” que procura concordar aspectos das memórias
dos indivíduos
51
com aspectos daquilo que alguns desejam como memória coletiva, capaz de
identificar e unir determinado grupo social. A construção da memória, principalmente da
memória oficial é, portanto, seletiva, à medida que elege alguns símbolos, datas,
comemorações e personalidades como coisas importantes em detrimento de outras.
Normalmente, existem rivalidades entre a memória coletiva construída por grupos
dominantes e a memória de grupos que são condenados ao ostracismo. O que está em questão,
todavia, não é a verdade de cada memória, mas o processo de seleção e a disputa sobre o que
deve sobreviver e ficar para o futuro a fim de poder explicar o passado. Assim, a presença ou
a ausência de determinada fonte ou informação em um livro, arquivo ou biblioteca depende de
50
MOREL, 1985, p.131.
51
Consideramos que a memória de cada indivíduo consiste também em uma memória coletiva, pois, como
destaca Halbwachs, a memória redunda sempre de uma negociação que consiste no fruto da interação das
lembranças do indivíduo com as de outras pessoas, especialmente da sua família e do seu grupo de amigos. Cf.
HALBWACHS, 2006.
Formatado: Recuo:
Deslocamento: 0 cm
33
causas humanas geradas pela tentativa de determinados indivíduos de influir na passagem da
recordação através das gerações
52
.
Na análise da bibliografia da ABI, observamos omissões sobre o passado golpista de
alguns de seus membros, sobre os conflitos internos, e as amizades e posições políticas
comprometedoras de determinados sócios. As vinculações golpistas de Prudente de Moraes
Neto, por exemplo, comprovadas até mesmo a partir da leitura de jornais da grande
imprensa
53
, não são de forma alguma abordadas por Morel e Segismundo em seus livros.
Porém, este último, ao ser entrevistado, reconheceu que Moraes Neto era um conspirador,
assim como também afirmou que Adonias Filho, presidente da ABI durante os anos de 1972 a
1974, desfrutava de intensos contatos com os militares no poder. Segundo Segismundo, ele
“era influenciado e também influenciava os militares e tinha muita força”. Segismundo
aventou, ainda, que Adonias Filho devia pertencer “a algum grupo, a algo maior” e alegou
que ajudou a fazê-lo presidente da ABI, pois acreditava, assim como outros companheiros
seus, cujos nomes não foram revelados, exceto o de João Antônio Mesplé, que sob a égide de
Filho estariam protegidos.
Segismundo foi preso algumas vezes e em uma dessas ocasiões foi solto devido a
contatos estabelecidos por Adonias Filho,
54
também responsável pela libertação de Mesplé,
Moraes Coutinho (médico da ABI) e João Cabral Vasconcelos. Questionado quanto à
participação de Adonias Filho nas articulações que resultaram no golpe de 1964, Segismundo
respondeu afirmativamente, alegando que sabia que o mesmo se relacionava com militares e
que por diversas vezes o aconselhou que deixasse “de andar com a curriola”.
55
52
POLLAK, 1989, p.3-15.
53
Refiro-me aos jornais da grande imprensa, principalmente publicados após a morte de Prudente de Moraes
Neto, ocorrida em 21 de dezembro de 1977. Vale notar que o caráter golpista o é criticado, mas destacado
como uma das características da personalidade do então falecido presidente da ABI.
54
MOREL, 1985, p. 186.
55
Depoimento concedido à autora, em 29 de agosto de 2005.
Formatado: Justificado
34
Observamos, assim, a construção de mbolos e mitos, através da idealização da figura de
seus presidentes e da mistificação do passado da ABI a partir da construção da mitológica
“trincheira da liberdade”, através da qual a entidade é vista como um bastião de luta pela
igualdade e democracia. A mencionada omissão do livro escrito por Victor de Sá,
empreendida por Morel e Segismundo, se enquadra, portanto, na tentativa de manter ilibada a
figura de Moses, já que o livro agride o mais conhecido presidente da Casa do Jornalista.
Na análise da documentação da entidade, não encontrei nenhuma indicação sobre quem
foi Victor de Sá. Questionado sobre a sua identidade, Fernando Segismundo afirmou se tratar
de um “pobre diabo” que ganhava a vida contando mentiras e chantageando as pessoas,
inclusive o próprio Herbert Moses, do qual teria conseguido extorquir algum dinheiro. Victor
de Sá, acometido por problemas de saúde, posteriormente teria se arrependido de algumas de
suas “canalhices” e procurara se desculpar com Moses. Sendo assim, independentemente da
existência de verdade no depoimento de Segismundo ou no livro de Sá, podemos destacar a
presença de “memórias subterrâneas”
56
na ABI, em conflito com a memória oficial da
instituição.
Além disso, destacamos o esforço da entidade em valorizar determinadas datas e
comemorações que têm como objetivo fortalecer a coesão social pela adesão afetiva ao grupo.
Dentre elas, destacam-se a do aniversário da ABI, em 7 de abril, a do surgimento da imprensa
régia no Brasil, em 13 de maio, e a do aparecimento da Gazeta do Rio, primeiro jornal editado
no Brasil, em 10 de setembro
57
, além das datas relativas à morte e ao nascimento de
presidentes, como Moses, Barbosa Lima Sobrinho, etc. Em 1951, por exemplo, festejou-se o
vigésimo aniversário de Moses na presidência da ABI. Recentemente, em 5 de julho de 2005,
foram comemorados os noventa anos de Fernando Segismundo, único dos antigos presidentes
56
POLLAK, op.cit.
57
A comemoração dessas três datas constitui um dos objetivos da ABI, estabelecido no Artigo do Estatuto de
1949, em vigor durante todo o período da ditadura militar (1964-1985). Vale notar que o dia 13 de maio
coincide com a posse das Diretorias da ABI.
35
ainda vivo. A comemoração tem como objetivo valorizar a figura e a trajetória do
homenageado e reconhecer a continuidade da sua influência na Associação Brasileira de
Imprensa.
Na veiculação de uma história institucional tiveram, ainda, particular importância as
inúmeras edições do Boletim da ABI. Criado em 1952, durante a presidência de Moses, a
publicação teve três fases. Na primeira, de maio de 1952 a dezembro de 1961, circulou de
forma regular. Já na segunda fase, de 1962 a 1974, teve edições descontínuas e, finalmente,
no terceiro período, de 1974 até a presente data, circulou regularmente entre os sócios da ABI
e instituições afins, sendo denominado, atualmente, Jornal da ABI.
O órgão oficial da ABI, dessa forma, desde o seu surgimento até hoje, reproduziu e
reproduz os mbolos já mencionados, dentre os quais a idealização da figura dos presidentes.
Moses, sem dúvida, foi o presidente mais favorecido pelo artifício. Primeiro, porque foi o que
esteve mais tempo à frente da ABI 34 anos; depois, porque, devido à sua longa permanência
no cargo, pôde transformar-se em objeto de inúmeras comemorações, que festejaram os dez,
quinze, vinte, vinte e cinco e trinta anos de sua presidência. Além disso, é identificado como
o consolidador da ABI, papel que de fato desempenhou. Assim, Moses e a ABI eram vistos
como uma coisa única: falar da entidade era o mesmo que falar desse presidente.
58
Durante a ditadura militar, o Boletim da ABI ajudou também a fortalecer a idéia de
combatividade da ABI, à medida que noticiou a prisão de jornalistas e o cerceamento da
liberdade de imprensa, e deu ênfase aos apelos de seus presidentes e diretores em prol da
integridade física e da libertação dos periodistas encarcerados. Por isso, a publicação
representa uma boa fonte de informações, mas devemos analisá-la como um órgão oficial e,
portanto, veiculador de uma história institucional, que visa justificar e legitimar a existência
da Associação Brasileira de Imprensa.
58
Boletim da ABI, junho de 1958.
36
A memória oficial da ABI, portanto, resultou de uma operação coletiva que tinha como
intuito salvaguardar determinados acontecimentos e interpretações do passado, capazes de
reforçar sentimentos de pertencimento, assim como a identidade do grupo. Pollak reconhece
que essa operação coletiva é mais ou menos consciente e que toda organização política, como
sindicatos, partidos e, no nosso caso, a ABI, veicula o seu próprio passado e a imagem que ela
formou de si mesma, a partir do que ele denomina “enquadramento da memória”,
59
cujo
trabalho é desempenhado por atores profissionalizados”, ou seja, por “profissionais”
especializados na história das diferentes organizações das quais são membros. Morel e
Segismundo, portanto, desempenharam tal papel. A missão, contudo, não parece ter sido
designada pelos dirigentes da ABI, mas aceita pelos mesmos devido, principalmente, a uma
ligação afetiva com a entidade
60
.
Dessa forma, quando afirmamos que os livros de Morel e Segismundo representam a
memória oficial ou institucional da ABI, não consideramos que a memória para ser oficial
tenha que resultar de um projeto encomendado ou então de uma declaração oficial da
Associação Brasileira de Imprensa dizendo que A Trincheira da Liberdade constitui a
verdadeira história da Associação. Todavia, essa noção, aqui refutada, encontra-se presente
nos depoimentos de Marco Morel e Maurício Azêdo, atual presidente da ABI, entrevistado em
maio de 2006:
Não acho que a Trincheira da Liberdade represente a memória oficial da ABI, pois para isso
dependeria de uma definição da entidade de dizer que essa é a nossa história, mas como uma
entidade plural, ela comporta visões sobre a sua existência, em diferentes momentos, que
correspondem a ângulos distintos de quem presta depoimentos e de quem faz avaliações,
então, não creio que seja a memória oficial ou a história oficial da ABI, mas sim um trabalho
importantíssimo que o Morel fez e que se soma a trabalhos de outros companheiros,
principalmente o Fernando Segismundo, e aos documentos que por acaso a instituição tenha
mantido, como os referentes às lutas dos anos de 1910, ao primeiro Congresso Brasileiro de
Jornalistas, à proposta de que o jornalismo fosse uma atividade que exigisse formação de
nível superior, que foi uma das bandeiras deste primeiro Congresso, dentre outros. Fatos que
o Morel e o Fernando também registraram em seus livros.
61
59
POLLAK, op.cit, p.8.
60
Cf. HALBWACHS, op.cit.
61
Maurício Azêdo, presidente da ABI desde 2004, em depoimento à autora, em 17 de maio de 2006.
37
Morel diz, em sua autobiografia, que Moses o incentivou a escrever sobre a história da
Associação Brasileira de Imprensa. Além deste apoio, foi também encorajado por vários
membros proeminentes da ABI, tal como ocorreu com Segismundo. Seu neto, Marco Morel,
contudo, negou a possibilidade de que seu avô tenha ajudado a construir a memória oficial da
ABI, pois alegou que o mesmo tinha uma personalidade bastante forte para escrever sobre
algo a mando de alguém e que, possivelmente, o fez devido ao fato de estar desempregado e
com muito tempo livre
62
.
Após o golpe de 1964, Edmar Morel teve seus direitos políticos cassados pelo Ato
Institucional de 9 de abril de 1964, que após a promulgação de tantos outros ficou conhecido
como Ato Institucional mero 1 (AI-1). Assim, foi proibido de votar e ser votado, estava
proibido de obter empréstimos em bancos oficiais, e de exercer função pública, o que o levou
a ser demitido do cargo de redator da Rede Ferroviária Federal
63
. O motivo de sua cassação
reside no fato de ter escrito, alguns anos antes, o livro A Revolta da Chibata
64
, sobre a
rebelião dos marinheiros contra os castigos corporais na Marinha, liderada por João Cândido.
Segundo o jornalista Joel Silveira, a elite naval do Brasil jamais perdoou Edmar Morel por
ter reconstituído, sem paixão e distorções, o perfil do marinheiro”.
65
De fato, a Revolta da Chibata representou durante muito tempo um tema tabu para a
Marinha, que não tinha interesse em ver divulgada, na forma de livro, uma rebelião que
veiculava a quebra da hierarquia militar e que passou a ser identificada por movimentos
negros e populares como um ato de protesto das classes pobres e oprimidas contra as elites
dominantes. A título de exemplo, o próprio Morel, em sua autobiografia, cita a tentativa de
Aparício Torelly, o Barão de Itararé, que ensaiou escrever três reportagens sobre o
movimento. “Foi seqüestrado no seu Jornal do Povo por um grupo de oficiais da Marinha,
62
Marco Morel em depoimento concedido à autora, em 11 de maio de 2006.
63
MOREL, 1965.
64
Id, 1979.
65
SILVEIRA, Joel em prefácio do livro O Golpe começou em Washington de Edmar Morel.
38
sendo espancado na Barra da Tijuca, onde foi deixado nu e ferido na cabeça. Foi por isso que
ele colocou uma placa na porta da redação: Entre sem Bater”.
66
O autor cita, ainda, a censura
imposta ao samba Mestre-sala dos Mares
67
, que por homenagear João Cândido e a rebelião de
1910, foi censurado pela ditadura militar. Ademais, no carnaval carioca de 1985, a escola de
samba União da Ilha tomou a Revolta da Chibata como enredo, mas o tema foi tão mutilado
pela pressão da Marinha sobre os diretores da escola, muitos ligados ao jogo do bicho, que
poucos o reconheceram
68
.
Após ser cassado, mas não castrado, como brincava Morel
69
, o jornalista não se deixou
acuar e lançou o livro O Golpe começou em Washington
70
, em 1965, a fim de denunciar e
analisar a participação dos Estados Unidos na tomada do poder por parte dos militares. Como
destaca seu neto, após os acontecimentos de março e abril de 1964 e após o lançamento deste
livro, o nome de Edmar Morel praticamente desapareceu dos grandes meios de comunicação
de massa, resultado de uma perseguição constante movida por chefes militares e delatores
civis.
71
Vale notar, ainda, que além de inúmeras reportagens que lhe conferiram o apodo de
“repórter das multidões”, como a da “égua Farpa”, por exemplo, através da qual Morel
denunciou as regalias de uma égua do Jóquei Clube do Rio de Janeiro, que bebia baldes de
leite em meio a um racionamento que impedia a população de ter acesso ao artigo, durante a
Segunda Guerra Mundial
72
; Morel escreveu alguns livros que m em comum a temática dos
movimentos sociais e populares, como Dragão do mar, o jangadeiro da abolição; A Marcha
da Liberdade a vida do repórter da Coluna Prestes e o citado A Revolta da Chibata. A
66
MOREL, 1999, p.232.
67
Composição de João Bosco e Aldir Blanc.
68
MOREL, 1999, p.234.
69
MOREL, Marco, 2005.
70
MOREL, 1965.
71
MOREL, Marco, 2005.
72
A reportagem da “égua Farpa” teve grande repercussão, pois suscitou a invasão de leiterias por populares. Foi
publicada no livro Reportagens que abalaram o Brasil, antologia em colaboração com Joel da Silveira, David
Nasser, Carlos Lacerda e outros, lançado pela editora Bloch, em 1973. Ao entrevistar Marco Morel e Maurício
Azêdo, os dois falaram com reverência sobre a reportagem, fruto do grande “faro” jornalístico de Morel.
39
Trincheira da Liberdade, portanto, se enquadra na vocação do jornalista, à medida que se
coaduna com a sua disposição espontânea em se dedicar a escrever sobre tais temas.
O tempo livre, assim, possibilitou a Morel participar cada vez mais do cotidiano da
ABI e das lides da Associação frente à ditadura, bem como a aprofundar os laços que o uniam
à entidade e a alguns de seus membros, como Elmano Cruz e Herbert Moses, principalmente,
por quem o jornalista nutria grande gratidão, suscitada por episódios como o de 1952, quando
ao retornar da União Soviética
73
, onde estivera em missão jornalística, temeu por sua
liberdade, pois, no Rio de Janeiro, estava em curso nova onda de repressão ao comunismo.
Assim, Morel telefonou a Moses e pediu que estivesse presente no aeroporto do Galeão, certo
de que seria incomodado pela Ordem Política e Social.
O avião chegou alta madrugada. A primeira pessoa que o repórter viu na escada de
desembarque foi Moses. Veio ao meu encontro e perguntou simplesmente:
- Você trouxe algum material de propaganda da Rússia?
- Não.
Moses abominava a mentira e por isto confiava cegamente nos seus companheiros.
Entrelaçou seu braço ao meu e desfilamos por entre duas fileiras de façanhudos tiras. Moses
era o habeas corpus. Ele assumiu a responsabilidade pelo conteúdo da bagagem. Nem
abriram as mala.
74
Logo após a cassação de Morel pelo AI-1, Hugo Laércio de Barros, um dos sócios da
ABI, enviou carta ao Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Imprensa pedindo
que os mandatos dos conselheiros cassados pela ditadura fossem anulados. A proposta,
contudo, foi indeferida por Elmano Cruz, presidente do Conselho, sob a justificativa de que a
mesma não possuía amparo legal, além de contrariar o estatuto da Casa. O pedido de Laércio
de Barros foi repudiado pela maior parte dos conselheiros; Fernando Segismundo e Reis
Vidal, inclusive, lavraram seu protesto contra a carta enviada e pediram que o mesmo fosse
enviado a Laércio de Barros como réplica
75
. Morel agradeceu e o fato, sem dúvida, fortaleceu
seu apreço pela instituição, pois, alijado pelo Estado e pela grande imprensa, tinha a ABI,
73
Sobre a viagem de Morel à União Soviética, ver MOREL, 1999, p. 192-205.
74
MOREL, 1985, p.147.
75
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI, realizada em 27 de maio de 1964.
40
assim como outros companheiros, como um espaço “de sociabilidade, de encontros, de bate-
papo e discussões que fazem parte desta teia cotidiana que é fazer política e estar no
mundo”.
76
Fernando Segismundo, também, acalenta grande gratidão pela ABI, pois através da
ação de seus sucessivos presidentes eximiu-se da tortura. Em entrevista, o mesmo declarou ter
sido preso várias vezes devido à sua proximidade com os comunistas. Suas prisões eram
esporádicas e rápidas, e Segismundo afirmou ter sido “bem tratado” em todas elas. Disse que,
ao contrário do que normalmente costumava ocorrer, se alimentava bem, não era submetido a
interrogatórios, nem a sevícias. Assim, Segismundo atribuiu o respeito à sua integridade física
aos dirigentes da ABI, que costumavam ligar diariamente a fim de saber sobre o seu estado.
Vale notar, portanto, que o engajamento reforça a presença da idealização no processo
de construção da memória, pois quanto mais intensa é a ligação do indivíduo com o outro, no
caso a ABI, mais elaborada é a imagem que ele tem de certa pessoa, episódio ou instituição
77
.
Ademais, os membros ativos da ABI, ou seja, os conselheiros e diretores sucessivamente
eleitos durante a ditadura militar, compartilharam de uma mesma experiência caracterizada
pela coerção, pelo autoritarismo, pela resistência e, principalmente, pela persistência. Esta
experiência, assim, parece ter funcionado como um amálgama para muitos, que passaram a
acalentar a idéia de que a ABI constitui uma espécie de ajuntamento de elementos
heterogêneos capazes de formar um todo harmônico, isento de conflitos internos que possam
tumultuar a sua coesão.
Todavia, a perspectiva histórica nos informa o contrário à medida que nos leva a
desestruturar a memória oficial da entidade em questão. Como destaca Pierre Nora
78
, a
história é muito diferente da memória, “porque, operação intelectual e laicizante, demanda
análise e discurso crítico capaz de desconstruir a memória que instala a lembrança no sagrado
76
MOREL, Marco, 2005.
77
HALBWACHS, op.cit, p.31.
78
NORA, 1993, p 7-28.
41
e emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, que há tantas memórias quantos grupos
existem”
79
.
Assim, a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,
suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações.
80
a história é a reconstrução
sempre problemática e incompleta do que não existe mais, a tentativa crítica e verossímil de
representar o passado.
79
HALBWACHS apud NORA, op.cit.
80
NORA, op.cit, p.9.
42
2. Um organismo da sociedade civil
Acreditamos, dessa forma, que a ABI, ao contrário do que afirmam os livros que
tratam do tema e a própria cultura corporativa, durante toda a ditadura, exerceu uma oposição
caracteristicamente moderada e manteve relações ambíguas com o governo militar - com
momentos de aproximação e outros de oposição, pois, limitada pelas hierarquias internas à
Associação e pelos condicionantes comuns aos que incidiram sobre a mídia nacional e a
sociedade, pouco pôde fazer em prol dos jornalistas. Seus apelos não encontravam eco na
imprensa nacional, proibida de citar a existência da prática da censura após a promulgação do
AI-5, em 13 de dezembro de 1968, e suas reivindicações eram recebidas apenas quando
pronunciadas pessoalmente, em encontros promovidos pelos presidentes da Casa com
ministros, presidentes da República e políticos de influência. Não podemos esquecer, ainda,
que os presidentes, conselheiros e sócios da ABI eram cidadãos e profissionais da imprensa,
sujeitos a ameaças, à censura prévia, à autocensura, à Lei de Segurança Nacional, à Lei de
Imprensa e aos ditames dos atos institucionais e, por outro lado, eram também indivíduos
inseridos em redes de amizades e detentores de ideologias e posições políticas, além de
suscetíveis à persuasão, pois os governos militares também recorriam a métodos de
propaganda e convencimento
81
.
A ABI, então, desenvolveu modalidades de resistência que se coadunavam com suas
diferentes administrações, sujeitas a mudanças a cada dois anos, e aos diversos momentos da
conjuntura nacional gerados pela agenda política dos governos militares. Encontrava-se,
portanto, condicionada pela dinâmica interna à entidade e pela dinâmica externa, gerada pelos
processos políticos, econômicos e sociais e, principalmente, pelo conjunto e pelo caráter
complexo das relações da mídia com o governo.
81
FICO, 1997.
43
Sendo assim, consideramos a Associação Brasileira de Imprensa como um organismo
da sociedade civil formado por intelectuais orgânicos ligados a diferentes classes sociais. Vale
notar que o conceito de sociedade civil, em nosso país, desde a década de 1970, encontra-se
em voga, pois, com o desgaste da ditadura militar, vários novos movimentos sociais, como o
sindicalismo do ABC, irromperam no cenário político nacional. Não é coincidência, portanto,
que nessa época, Gramsci tenha obtido maior difusão. Entretanto, o uso do conceito de
sociedade civil de Gramsci foi por várias vezes destoado, porque, no contexto de luta contra a
ditadura, “sociedade civil” se tornou sinônimo de tudo aquilo que se opunha ao Estado
ditatorial, o que era facilitado pelo fato de “civil” significar o contrário de “militar”.
82
O termo sociedade civil” é também usado de forma costumeira por diversos atores
sociais e com significados contrapostos. Para alguns, a sociedade civil é entendida como
esfera autônoma ao lado do Estado e do mercado; para outros é vista como um conjunto de
entidades privadas sem fins lucrativos para onde podem ser transferidas as responsabilidades
do governo. Contudo, a noção de sociedade civil aqui adotada é a de Antonio Gramsci, que a
considera não como uma instância oposta ao Estado ou pertencente a ele, mas sim como um
espaço por meio do qual o Estado fortalece e reproduz o seu poder através da busca e da
obtenção do consenso
83
.
Para Gramsci o poder do Estado não se fundamenta apenas na coerção, mas,
principalmente, nos métodos de persuasão e conquista das massas. O poder da hegemonia das
classes dominantes ficou evidente para Gramsci, quando, após a Primeira Guerra Mundial, a
sociedade européia assistiu à fermentação de movimentos, reivindicações e organizações de
massa que vinham se expandindo na sociedade civil. No entanto, tais movimentos não foram
capazes, como esperavam os comunistas, de derrubar o capitalismo, que, mesmo sacudido
pelo primeiro conflito mundial, conseguiu se reafirmar a partir da influência das teorias
82
COUTINHO, prefácio. In: SEMERARO, 1999.
83
Ibid
44
fordistas e tayloristas, desenvolvidas nos Estados Unidos, e difundidas na Europa, que
assistiu, na cada de 1920, ao surgimento do fascismo e ao arrefecimento do movimento
operário. Foi neste clima que Gramsci, afastando-se das previsões da Terceira Internacional
de que a crise geral do capitalismo acarretaria o fim inexorável deste sistema econômico, se
voltou para a análise dos problemas que a revolução proletária encontrava nos países
ocidentais, onde “a classe dominante possui reservas políticas e organizacionais que não
possuía na Rússia, onde as crises econômicas, mesmo gravíssimas, não têm repercussão
imediata no campo político, onde as estruturas do Estado são mais resistentes do que se possa
imaginar”.
84
Gramsci, assim, passou a analisar o Estado de forma ampla, à medida que estendeu a
noção marxista de Estado, que, contudo, não perdeu o seu caráter de classe e o aspecto
repressivo, mas adquiriu novas determinações. O “Estado ampliado” para Gramsci, então, não
consiste apenas em um conjunto de instituições, e não se define somente pelo monopólio dos
meios administrativos e do uso da força, mas também pela sua inserção na sociedade civil
onde procura imiscuir de forma permanente os seus interesses e valores a fim de legitimar a
sua ação. O Estado ampliado”, portanto, é formado pela conjunção da sociedade política -
formada por instituições públicas, como o governo, a burocracia, as forças armadas, o sistema
judiciário, o tesouro público, etc. - com a sociedade civil - constituída por organismos de
caráter privado, como os partidos, as diversas organizações sociais, os meios de comunicação,
os sindicatos, as escolas, as igrejas, as empresas, etc.
85
Dessa forma, o poder do Estado emana da sociedade política, através da força, da
direção, e da coerção; e, da sociedade civil, através do consenso, do domínio, enfim, da
hegemonia
86
. Assim, essas duas esferas conferem equilíbrio ao Estado, à medida que estão
intimamente unidas e que a articulação de coerção e consenso garante a supremacia dum
84
GRAMSCI apud SEMERARO, op.cit, p.23.
85
SEMERARO, op.cit, p.74.
86
LIGUORI, 2003, p.173-188.
45
grupo sobre toda a sociedade e a verdadeira estruturação do poder. Como destaca Semeraro,
na teoria política de Gramsci, o Estado não pode ser entendido unicamente como aparelho
burocrático-coercitivo:
Suas dimensões, de fato, não se limitam aos instrumentos exteriores de governo, mas
compreendem, também, a multiplicidade dos organismos da sociedade civil, onde se
manifestam a livre iniciativa dos cidadãos, seus interesses, suas organizações, sua cultura e
valores, e onde praticamente se enraízam as bases da hegemonia. Nesta ótica é possível dizer
que a sociedade civil representa o Estado visto ‘de baixo’ enquanto a sociedade política é o
Estado visto ‘do alto’.
87
Deste modo, o Estado, principalmente o do século XX, não existe sem a sociedade,
pois é nela que ele, de forma prolongada, conquista o domínio, ou seja, penetra nos corações e
mentes dos cidadãos que lhe reconhecem a autoridade. Muito mais que exercer a direção, ou
seja, que administrar, governar, gerir, traçar planos e coordenar a execução, interessa ao
Estado obter o consenso e a lealdade dos indivíduos a fim de que estes reconheçam, no Estado
capitalista, a melhor forma de organização dos recursos humanos e materiais. Contudo, apesar
da conexão que as aproxima e interliga, sociedade civil e sociedade política constituem
categorias distintas. Seguindo o pensamento fortemente dialético de Gramsci, sociedade
política e sociedade civil são conceitos diversos, mas não organicamente separados e
separáveis. Representam, então, uma unidade na diversidade, pois constituem duas esferas
relativamente autônomas, mas inseparáveis na prática.
A sociedade civil, portanto, consiste no lugar onde se decide a hegemonia e, por isso,
se constitui num grande espaço de disputa ideológica travada por diferentes grupos sociais. É
importante notar que Gramsci particular valor à cultura e ao processo educativo, vistos
como vetores da transformação social. Por essa razão, se empenhou tanto no estudo dos
intelectuais, dos jornais, das escolas. Para Gramsci, o caminho para a construção de uma nova
sociedade controlada pelas classes trabalhadoras passava pela sociedade civil, pois, nesta
instância, deveria ser elaborada e difundida uma nova hegemonia oriunda das classes
87
SEMERARO, op.cit, p.75.
46
subalternas. Dessa forma, Gramsci propôs para os países ocidentais um outro caminho,
contrário ao seguido na Rússia, ou seja, o da “guerra de posição”, através da qual se
conquistariam progressivamente espaços e posições. A revolução gramsciana, portanto,
fundamenta-se na conquista da hegemonia e não no ataque frontal e abrupto, na “revolução
permanente”, isto é, na “guerra de movimento”.
88
Assim, o desenvolvimento de uma nova
cultura, baseada em valores e costumes ligados às classes subalternas, consistia em um
elemento mais importante do que a própria tomada física do Estado. Ademais, somente a
difusão dessa nova cultura poderia evitar a guerra civil após o golpe e derrubar o capitalismo
de forma permanente.
A cultura era vista, ainda, como fator fundamental para a construção de uma sociedade
nova, que, na visão ideal de Gramsci, se auto-regularia e se basearia principalmente, se não
exclusivamente, na sociedade civil. Para tanto, os homens deveriam possuir a
responsabilidade e o conhecimento necessários, capazes de impedir uma nova burocratização,
fato que Gramsci criticava na Rússia pós-revolucionária.
Deste modo, ao privilegiar a hegemonia como meio de transformação e de reprodução
do poder, Gramsci desenvolveu um conceito ampliado de Estado e, conjuntamente, um
conceito ampliado de intelectual, que foge à noção restrita. Esta relação é destacada por
Semeraro, que cita uma carta de Gramsci contemporânea à época em que o marxista italiano
elaborou tais conceitos, nos Cadernos do Cárcere:
Eu amplio muito a noção de intelectual, não limitando-a à noção corrente que se refere aos
grandes intelectuais. Este estudo leva, também, a algumas determinações do conceito de
Estado, que normalmente é entendido como sociedade política (ou ditadura ou aparelho
coercitivo para conformar a massa popular ao tipo de produção e à economia dum momento
particular), e não como equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia
dum grupo social sobre toda a sociedade nacional conduzida pelas organizações assim
chamadas privadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc.); e exatamente na sociedade
civil atuam os intelectuais (B. Croce, por exemplo, é uma espécie de papa leigo e um
“instrumento” muito eficaz de hegemonia, ainda que algumas vezes possa estar em
desacordo com este ou aquele governo).
89
88
COUTINHO, 1981, p 103-115.
89
GRAMSCI apud SEMERARO, op.cit, p.76. Benedetto Croce, escritor italiano, era um dos principais
interlocutores de Gramsci e, também, objeto de sua atividade teórica crítica.
47
É importante notar que o conceito de intelectual orgânico é também caro a esta
pesquisa, pois consideramos que os membros da ABI, ao representarem diferentes classes
sociais e ao fazerem da entidade um espaço de disputa política, acabavam desempenhando tal
papel, de forma mais ou menos consciente. Na teoria gramsciana, todo grupo social produz
uma ou mais camadas de intelectuais que lhe fornecem homogeneidade e consciência da
própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político.
90
Assim, a acepção de intelectual para Gramsci é muito mais ampla, pois o que define o
intelectual não é o critério das atividades intrinsecamente ligadas ao intelecto, mas os nexos
sociais e ideológicos deste indivíduo. Definir um intelectual como um ser que vive
predominantemente do intelecto é, portanto, na visão gramsciana, um erro metodológico; daí
Gramsci afirmar que, na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo, não se caracterizam
especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho em determinadas
condições e em determinadas relações sociais, sem falar no fato de que não existe trabalho
puramente físico, pois em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado,
existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora.
Dessa forma, historicamente, diversas categorias de intelectuais foram formadas a partir de
conexões com todos os grupos sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos sociais mais
importantes, cujos intelectuais sofreram elaborações mais amplas e complexas em ligação
com o grupo social dominante
91
.
Para Gramsci, a ação dos intelectuais ocorre primordialmente no âmbito da sociedade
civil, onde os intelectuais ligados às classes dominantes procuram fortalecer a hegemonia, e
os intelectuais das classes dominadas procuram subvertê-la, a favor da construção de um novo
tipo de consenso. Sendo assim, consideramos que o conceito de sociedade civil gramsciano
abarca a diversidade e a complexidade da Associação Brasileira de Imprensa, que de forma
90
GRAMSCI, 2004, vol.2.
91
Ibid.
48
alguma se constitui em uma instituição monolítica e ligada aos interesses de uma única classe
social. Ademais, o conceito nos auxilia a compreender a dialética das relações entre a
entidade e a ditadura militar, pois o regime considerava a Associação como um dos vários
instrumentos de legitimação do seu poder. Por outro lado, o Partido Comunista Brasileiro,
sempre presente nas hostes da ABI, também considerava a instituição como um meio de luta
contra o Estado ditatorial.
A Casa do Jornalista, desse modo, representava uma verdadeira arena de disputa
ideológica, cujos embates eram travados, principalmente, por seus membros mais ativos,
considerados por nós como verdadeiros intelectuais orgânicos. Vale notar que, apesar da
existência de um espírito de corpo suscitado pela presença de um “ethos jornalístico” e pela
normatização imposta pelo estatuto social da entidade, a ABI abrigava, e abriga até os dias de
hoje, uma miríade de correntes políticas que se enfrentavam, e enfrentam, em combates
ideológicos constantes. Além disso, até a década de 1980, a ABI abrigava tanto empregadores
como empregados, ou seja, era formada por proprietários de jornais e jornalistas, pois, a
Associação Nacional dos Jornais (ANJ), formada exclusivamente por donos de periódicos, foi
criada somente em 17 de agosto de 1979
92
. A ABI, portanto, não constituía um sindicato,
pois, embora se preocupasse com as condições de vida e trabalho dos jornalistas, não se
restringia às reivindicações trabalhistas de seus associados. Tal posicionamento é evidenciado
pela Associação através de seu jornal, o Boletim da ABI:
Evidentemente, há quem, apesar de tudo, não esteja satisfeito com a ABI. Há os que
desejariam vê-la transformada antes numa entidade militante no campo das reivindicações
profissionais, ainda que com o risco de quebrar a harmonia entre os jornalistas, sejam
empregados ou empregadores, que es na essência da força moral da ABI. Mas os que
assim imaginam desconhecem a realidade dos tempos de hoje, tão diferentes dos idos da
fundação. De muito esse tipo de luta encontra nos sindicatos o seu campo próprio de
atuação, onde os aspectos tipicamente reivindicatórios são apresentados e transformados em
normas de ação bem sucedida. Isto não quer dizer que a ABI se desinteresse da sorte dos
jornalistas profissionais. Jamais o fez; pelo contrário, a sua intervenção oportuna e
92
Na década de 1960 havia o Sindicato dos Proprietários dos Jornais e Revistas do Estado da Guanabara, órgão
predecessor da ANJ. Contudo, não tinha a notoriedade da ABI e contava com pouca expressão política.
Formatado: Recuo: Primeira
linha: 0 cm
Formatado: Justificado
49
esclarecida tem servido para ajudá-los na conquista dos direitos que hoje desfrutam e para a
melhoria incessante das condições de vida dos homens da imprensa.
93
Não podemos esquecer que a ABI, quando surgiu em 1908, tinha como objetivo
precípuo a luta pela liberdade de imprensa e a defesa dos jornalistas contra a exploração
excessiva de seus empregadores que, por isso, impediam seus funcionários de freqüentá-la. As
condições dos trabalhadores da imprensa, no início do século XX, eram de fato muito ruins,
os salários eram insuficientes e o jornalismo era tido como um hobby para muitos, pois viver
do seu mister era tarefa quase impossível. Por essa razão, muitos possuíam empregos públicos
e outras atividades remuneradoras. Os que se dedicavam exclusivamente ao jornalismo
viviam na penúria, como Gustavo de Lacerda, fundador da ABI, que vivia de favor na casa do
irmão, comia mal, fazia traduções do francês para aumentar a renda, etc. Além da inexistência
de direitos trabalhistas, os trabalhadores da época não possuíam auxílio previdência, nem
auxílio saúde, pois estes serviços seriam criados algum tempo depois. Dessa forma, a ABI,
em seus primórdios, funcionou como uma espécie de sindicato, mas deixou de desempenhar
essa função nas primeiras décadas de sua existência, quando foram criadas as primeiras
organizações sindicais, como o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio
de Janeiro, em 13 de fevereiro de 1935, e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado
de São Paulo, em 15 de abril de 1937.
A ABI era formada, portanto, por repórteres, diretores, redatores-chefe, editorialistas,
jornalistas iniciantes, chefes de sucursais, donos de periódicos, etc. Todos indivíduos
detentores de credos políticos e todos inseridos em diferentes teias de relações políticas,
econômicas e sociais. Morel, por exemplo, trabalhou durante toda a vida como repórter de
grandes jornais, mas nunca ocupou cargo de direção nesses periódicos. Era simpático ao
comunismo, fato que ficou evidente quando, ao retornar da União Soviética, em 1952,
93
Boletim da ABI, janeiro de 1958.
50
escreveu reportagens elogiosas ao regime soviético
94
, mas não era filiado ao Partido
Comunista Brasileiro, apesar de contribuir financeiramente com ele. Segundo Maurício
Azêdo, ele era um simpatizante, não era membro, contribuía para o Partido, seguia a sua
orientação, reunia-se com seus membros, mas não pertencia aos quadros da organização
95
.
Segundo Marco Morel, seu avô pisava “na fronteira (ou corda-bamba)” entre os
modernos meios de comunicação de massas e aquelas aspirações políticas e sociais mais
agudas, identificadas no campo da esquerda nacionalista e democrática:
Fazendo esta ponte, ele foi talvez o criador de um determinado estilo de fazer reportagem, ao
qual ele denominava “reportagem popular”. Que teve seu apogeu justamente nos anos 1940-
1960 (o chamado período nacional-popular) e foi por água abaixo com o golpe civil-militar
de 1964, rompendo a ponte e a corda bamba (...) Defensor intransigente da liberdade de
expressão, Edmar nunca apegou-se a nenhum partido político, situando sua trincheira na
militância pluralista e democrática da Associação Brasileira de Imprensa, da qual foi o
primeiro historiador e onde conviveu de perto com presidentes da entidade, como Barbosa
Lima Sobrinho, Herbert Moses, Danton Jobim e Fernando Segismundo.
96
Fernando Segismundo era também simpatizante do PCB, mas sua filiação é
igualmente incerta. Segundo o próprio, ele foi membro do Partido, mas em vários outros
depoimentos tal informação não foi confirmada, o que não elimina sua confinidade com o
grupo da esquerda, cuja presença era forte na ABI, desde a década de 1940, e contava com
nomes como os de João Antônio Mesplé, Pedro Motta Lima, Paulo Motta Lima, Gumercindo
Cabral de Vasconcellos, Carlos Alberto da Costa Pinto, Álvaro Pinto da Silva, Fausto
Guimarães Cupertino, Henrique Miranda e outros mais novos, como Fichel Davit Chargel,
Augusto Villas Boas, Ronaldo Buarque e Maurício Azêdo
97
.
No entanto, a corrente liberal era predominante e contava, por exemplo, com os nomes
de Júlio de Mesquita Filho e de Rubens Rodrigues dos Santos, proprietário e redator do jornal
94
Na época, os horrores do stalinismo ainda não haviam sido divulgados pelo relatório Kruschev, de 1956.
95
Depoimento concedido à autora, em 17 de maio de 2006. Vale notar que o Partido Comunista Brasileiro se
encontrava na clandestinidade durante a ditadura militar.
96
MOREL, Marco, 2005.
97
Informações obtidas nos depoimentos de Maurício Azêdo e Marco Morel e, ainda, em MOREL, Marco, 2005.
As diretrizes que levaram o PCB a se engajar na ABI, durante a ditadura militar, são abordadas mais adiante.
51
O Estado de São Paulo, respectivamente. Este último, inclusive, diplomou-se na Escola
Superior de Guerra, como representante da Associação Brasileira de Imprensa, em 1958.
98
Alinhados à mesma corrente destacamos, ainda, os presidentes Herbert Moses, Celso Kelly,
Danton Jobim, Adonias Filho e Prudente de Moraes Neto
99
.
Herbert Moses, além de presidente da ABI por mais de três décadas, era diretor-
tesoureiro do jornal O Globo desde 1925, quando participou de sua fundação juntamente com
Justo de Morais e Irineu Marinho. Obviamente, não tencionamos usar de metonímia e tomar a
posição de O Globo como sendo a do próprio Moses, até porque este não participava da
redação do jornal, mas vale notar que o periódico era tradicionalmente liberal, e que o mais
duradouro presidente da ABI foi seu fundador e diretor-tesoureiro por cinco décadas, fato que
deve ter influenciado um pouco as suas concepções políticas. Achamos, então, interessante
destacar de forma bastante sucinta a trajetória do jornal sem, contudo, confundir suas posições
com as de Herbert Moses, cujo posicionamento frente a determinadas questões políticas foi
divergente do adotado pela publicação
100
.
Assim, na década de 1920, por exemplo, O Globo iniciou uma campanha a favor do
milionário norte-americano Henry Ford, que viera ao Brasil investir capital com vistas ao
restabelecimento da antiga escala de produção de borracha da Amazônia. Desde o início,
portanto, o jornal mostrou-se favorável ao ingresso do capital estrangeiro, sobretudo oriundo
dos Estados Unidos, no país. Além disso, defendeu a utilização de financiamento norte-
americano na construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda e a importação de
automóveis na década de 1950, repugnou a lei de repressão ao abuso do poder econômico, a
Lei Malaia, promulgada por Vargas em junho de 1945, etc.
98
Boletim da ABI, setembro de 1958. Fernando Chateaubriand, filho de Assis Chateaubriand, fundador dos
Diários Associados, também foi aluno da Escola Superior de Guerra, graças à indicação de Herbert Moses. Ata
da Reunião do Conselho Administrativo da ABI de 23 de dezembro de 1969.
99
Para uma cronologia das presidências da ABI, vide Anexo 1.
100
Vale notar que o jornalista Roberto Marinho, filho mais velho de Irineu Marinho, era proprietário do jornal O
Globo e também sócio da Associação Brasileira de Imprensa.
52
No campo político, o jornal se opôs à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e à Ação
Integralista Brasileira (AIB). A ANL consistiu em um movimento antifascista e
antiimperialista que reunia socialistas, comunistas, católicos e democratas. Foi formada em
março de 1935 e fechada em julho, quando continuou a atuar na clandestinidade até a eclosão
da Revolta Comunista, em novembro do mesmo ano. Em resposta à revolta, foi promulgada
nova Lei de Segurança Nacional,
101
que contou com o apoio do periódico. A Ação Integralista
Brasileira consistiu em um movimento semelhante ao fascismo. Presidida por Plínio Salgado,
foi desmantelada, em 1938, após o putsch que tentou tomar o Palácio da Guanabara,
residência oficial do presidente Getúlio Vargas. O Globo, então, comprometeu-se a não
poupar esforços no combate aos “extremismos verde (integralistas) e vermelho (comunista)”,
o que levou o jornal a festejar as perseguições desencadeadas pelo governo contra os
comunistas e integralistas.
Após o estabelecimento do Estado Novo, em novembro de 1937, O Globo, assim
como toda a imprensa nacional, foi submetido a rigorosa censura coordenada pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A censura fez com que o jornal preferisse
“muitas vezes omitir a notícia a divulgá-la sob a forma recomendada, com flagrante
desvirtuamento do fato, pelo interesse dos governantes e pela determinação dos censores”.
102
Durante os últimos anos do Estado Novo, O Globo se uniu às correntes políticas que
buscavam redemocratizar o país e apoiou a deposição do presidente. Logo depois, o jornal
apoiou a União Democrática Nacional (UDN) e seu candidato à presidência da República,
brigadeiro Eduardo Gomes, e passou a pugnar pela organização de partidos, por uma nova
101
Lei número 136, de 14 de dezembro de 1935. Cf. FRAGOSO, Heleno. Lei de Segurança Nacional. In:
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:CPDOC, versão eletrônica.
102
LEAL, Carlos Eduardo. O Globo. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:CPDOC,
versão eletrônica.
53
Constituição - que deveria substituir a de 1937, e pela anistia aos inimigos da ditadura estado-
novista, que, contudo, segundo os desejos do jornal, não deveria ser ampla e irrestrita
103
.
Durante o governo do general Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), solidarizou-se com o
lançamento do PCB na ilegalidade, apoiou a cassação dos mandatos de parlamentares
comunistas e o rompimento das relações diplomáticas com a União Soviética. Nos debates em
relação à estratégia do desenvolvimento econômico a ser seguida, O Globo era o principal
porta-voz da linha neoliberal, que tinha como principal expoente o economista Eugênio
Gudin. Assim, de acordo com as diretrizes do periódico, o governo não deveria intervir na
economia, nem limitar o movimento internacional do capital. O capital estrangeiro deveria ser
bem recebido e estimulado como ajuda indispensável para um país carente de capitais.
Após o retorno de Vargas à presidência, em 1951, O Globo fez intensa oposição ao
seu governo e continuou a defender a linha neoliberal contrária ao desenvolvimentismo
proposto pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e ao nacionalismo
radical adotado pelo PCB. Em 1953, o jornal desencadeou intensa campanha contra a criação
da Petrobrás e repugnou o aumento de 100% do salário mínimo decidido pelo então ministro
do Trabalho, João Goulart. Com o agravamento da crise do governo Vargas, O Globo
encampou a proposta de impeachment defendida pela UDN e a campanha contra o jornal
situacionista de Samuel Wainer, Última Hora. Em 1954, acompanhou intensamente as
investigações sobre o atentado da rua Toneleros, em Copacabana, que visava a morte de
Carlos Lacerda, proprietário do jornal A Tribuna da Imprensa, mas que vitimou o major-
aviador Rubem Vaz. O inquérito empreendido pela Aeronáutica foi veiculado por O Globo,
em um tablóide intitulado O livro negro da corrupção. Após o suicídio de Vargas, em 24 de
agosto do mesmo ano, a sede de O Globo foi apedrejada e os caminhões de distribuição do
103
LEAL, op.cit.
54
jornal, queimados. Depois disso, o jornal se absteve de comentários e se limitou a apenas
noticiar o episódio
104
.
Vargas foi substituído pelo vice-presidente Café Filho, que, contudo, obteve o apoio
de O Globo por ter nomeado Eugênio Gudin para o Ministério da Fazenda. Nas eleições
presidenciais de 1955, O Globo se opôs às candidaturas de Juscelino Kubitschek e João
Goulart para presidente e vice-presidente, respectivamente, pela chapa formada pelo Partido
Social Democrático (PSD) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e apoiou Juarez
Távora, candidato da UDN. Ao longo do governo de Kubitschek (1956-1961), O Globo
manteve-se na oposição, alinhado com as propostas udenistas. Apoiou a política monetária do
Fundo Monetário Internacional (FMI), que preconizou o controle inflacionário e a restrição ao
crédito, e com o qual o presidente acabou rompendo.
Em ocasião dos debates sobre a sucessão de Juscelino Kubitschek, O Globo apoiou
Jânio Quadros, da UDN. Contudo, João Goulart foi eleito vice-presidente pelo PTB. Após a
renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, o periódico se opôs à posse de Goulart e
acabou apoiando a solução parlamentarista, adotada em setembro de 1961 pelo Congresso,
com o apoio de setores das elites e de grande parte dos militares. Durante o governo de
Goulart, o jornal permaneceu na oposição, apoiando os interesses do capital externo e
repugnando as “reformas de base”. Manifestou-se contra a reforma agrária e contra o
plebiscito de janeiro de 1963, que resultou no retorno do presidencialismo. Declarou-se contra
as encampações de companhias norte-americanas e contra a Lei de Remessa de Lucros. Por
fim, apoiou entusiasticamente o golpe de 1964, que depôs o presidente João Goulart
105
.
Herbert Moses era, também, advogado. Lançou-se na carreira na década de 1920,
quando montou escritório com Justo de Morais, “constituindo uma das maiores bancas do
104
Herbert Moses agiu de forma diametralmente oposta ao jornal O Globo, pois apoiou o último governo de
Vargas, e, abalado pelo suicídio do presidente, acompanhou a transladação do seu corpo do Catete ao aeroporto
Santos Dumont, rumo ao Rio Grande do Sul. Em seguida dedicou a edição 29 do Boletim da ABI à memória do
presidente morto.
105
LEAL, op.cit..
55
Rio”.
106
Foi diretor da fábrica de cigarros Souza Cruz, que costumava fornecer subsídios e
publicar anúncios no Boletim da ABI, criado por ele em 1952. A publicação contava com a
colaboração de Peregrino Júnior, Gilberto Amado, Austregésilo de Athayde, Barbosa Lima
Sobrinho, Fernando Segismundo, Orígenes Lessa, Raymundo Magalhães Júnior, Murilo de
Araújo, Múcio Leão, Manuel Paulo Filho, Josué Montello, Manuel Bandeira, Hélio Viana,
Carlos Drummond de Andrade, dentre muitos outros
107
.
Homem rico, judeu, filho de pai austríaco e mãe norte-americana, Moses circulava por
diferentes ambientes e pertencia a diversas associações: foi presidente do Automóvel Clube
do Brasil, da Sociedade Brasileira das Nações Unidas e da Cruz Vermelha, diretor do Jóquei
Clube Brasileiro e do Instituto dos Advogados do Brasil e dirigente de inúmeras entidades
culturais, inclusive do Instituto Brasil- Israel, no qual chegou à presidência
108
.
A abrangência de seus contatos e sua complacência com diferentes orientações
políticas garantiram notoriedade e pluralidade à ABI, que, sob a sua presidência, recebeu
personalidades políticas relevantes e extremamente distintas, tanto nacionais como
internacionais. Dentre elas destacamos o líder comunista Luís Carlos Prestes, o senador norte-
americano Robert Kennedy, Ernesto Guevara, e os presidentes dos Estados Unidos, Harry
Truman (1945-1953), de Cuba, Fidel Castro, da Indonésia, Ahmed Sukarno (1945-1967) e da
Itália, Giovanni Gronchi (1955-1962)
109
. Muitos deles, inclusive, concederam entrevistas
coletivas à imprensa brasileira na sede da ABI.
Além dos contatos com Getúlio Vargas, Herbert Moses também manteve diálogos
com os presidentes Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), Juscelino Kubitschek (1956-1961) e
João Goulart (1961-1964). Dutra concedeu crédito à ABI e financiou o término da construção
106
MOREL, 1985, p.120.
107
Ibid.
108
Devido à intensa vida social e a sua popularidade, Vitor de Sá, seu virulento opositor, o apelidou de “formiga
de doce”. Contudo, a despeito da malícia, Moses tinha realmente a virtude da diplomacia, à medida que possuía
grande habilidade para negociar e tratar as pessoas. Segundo Fernando Segismundo, Moses era realmente um
homem de muitos contatos, gozava de boa saúde, mas às vezes passava mal de tanto comer, pois costumava
almoçar duas, três, quatro vezes, para que pudesse honrar todos os seus compromissos sociais.
109
MOREL, 1985, p.150.
56
de seu edifício. Kubitschek esteve na ABI durante a comemoração dos vinte e cinco anos da
presidência de Moses, em 1956, e chegou a visitar o jornalista, no hospital, quando este esteve
internado, em 1958. João Goulart convidou-o a integrar sua comitiva em viagem aos Estados
Unidos, em 1962. A comitiva presidencial foi composta pelos ministros das Relações
Exteriores e da Fazenda, Santiago Dantas e lter Moreira Sales; pelo general Amauri Kruel,
chefe da Casa Militar; pelo senador Antônio de Barros Carvalho (PTB-PE); pelo deputado
Rachid Saldanha Derzi (UDN-MG); pelos embaixadores Hugo Gouthier e Mario Gibson
Barbosa; por Frank Mesquita, chefe de seu cerimonial; por Eugenio Caillar, secretário
particular do presidente; e pelo Capitão Paulo Rego, seu ajudante-de-ordens. Foram
convidados, ainda, os jornalistas Antônio de Pádua Chagas Freitas, Herbert Moses, João
Dantas, Adolfo Bloch, Edmundo Monteiro, João Calmon, Manuel Francisco do Nascimento
Britto e Samuel Wainer
110
.
O convite endereçado aos jornalistas indica a preocupação do governo em angariar o
apoio da imprensa. Obviamente, essa preocupação não se restringe a João Goulart, pois
permeia todos os governos. Assim, os nomes citados foram habilmente escolhidos: Chagas
Freitas era proprietário do jornal O Dia, de grande penetração popular; Adolfo Bloch era
proprietário da revista Manchete; Edmundo Monteiro era presidente da Associação das
Emissoras de São Paulo; João Calmon era o herdeiro” dos Diários Associados, fundado por
Assis Chateaubriand que, em 1962, transferiu a um condonio acionário controlado por
Calmon 51% das ações que ainda lhe garantiam a propriedade da empresa; Nascimento Brito
era diretor do Jornal do Brasil; e Samuel Wainer era proprietário do periódico Última Hora,
que, fundado com o apoio do então presidente Getúlio Vargas, manteve-se sempre ao lado do
110
O Globo, 2 de abril de 1962, p. 3.
57
presidente João Goulart, apoiando suas propostas de reforma de base e de restrições ao capital
estrangeiro
111
.
Assim, Herbert Moses, apesar de não ser dono de jornal, mas diretor-tesoureiro de O
Globo, foi convidado por sua influência e pela tradição da ABI, que tinha grande importância
junto à imprensa e ao processo de formação da opinião blica. O Globo, inclusive, noticiou
que Moses foi um dos mais aplaudidos pelas pessoas que assistiam ao embarque da comitiva
presidencial no aeroporto Galeão, sendo superado apenas pelos aplausos provocados pelo
presidente da República. Não sabemos se a informação é verdadeira, dada a ligação de Moses
com o periódico, mas é possível que tenha de fato ocorrido.
A Associação Brasileira de Imprensa sempre contemplou uma miríade de tendências
políticas, pois segundo seu estatuto deveria se pautar como uma entidade pluralista e
suprapartidária. Dessa forma, foi assediada por políticos, partidos e movimentos sociais de
diferentes orientações, antes e durante o período da ditadura militar. A participação de Moses
na comitiva presidencial do presidente João Goulart em visita aos Estados Unidos, em abril de
1962, constitui um desses exemplos, assim como a realização do V Congresso do PCB na
ABI, em agosto de 1960
112
, e o lançamento da União Democrática Nacional (UDN), na sede
da entidade, em 7 de abril de 1945, quando a Associação Brasileira de Imprensa comemorava
trinta e sete anos da sua fundação. Contudo, o evento foi marcado para este dia, não por causa
do aniversário da ABI, mas para lembrar o 7 de abril de 1831, festejada data do liberalismo
brasileiro
113
. Todos os eventos, porém, foram festejados.
A fundação da UDN contou com a participação de um grupo heterogêneo formado por
personalidades relevantes, como as de Maurício e Carlos Lacerda, Ademar de Barros, Pedro
Aleixo, João Mangabeira, Heitor Beltrão, Miguel Costa Filho, Prado Kelly, dentre outros.
111
Sobre os proprietários dos veículos de comunicação mencionados ver Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro pós 1930. FGV:CPDOC, versão eletrônica.
112
ABREU, Alzira. Partido Comunista Brasileiro. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930.
FGV:CPDOC, versão eletrônica.
113
BENEVIDES, 1981.
58
Miguel Costa Filho pertenceu à diretoria da ABI, durante as décadas de 1960 a 1980; e Prado
Kelly, irmão de Celso Kelly (presidente da ABI de 1964 a 1966), fez parte do grupo de
“notáveis” que marcariam, por muitos anos, a orientação jurídica da UDN. O grupo era
também composto por Raul Fernandes e Waldemar Ferreira. Prado Kelly foi, ainda,
presidente da UDN, deputado federal, ministro da Justiça e ministro do Superior Tribunal
Federal de 1965 a 1968. Vale notar que, frente à oposição radical movida pela UDN contra
Getúlio Vargas, Prado Kelly participou, junto com Carlos Lacerda e outros udenistas, do
lançamento do Clube da Lanterna, organização civil criada com o objetivo precípuo de
combater o governo. O Clube da Lanterna foi criado no final de agosto de 1953 e sua primeira
reunião oficial ocorreu em maio de 1954, na Associação Brasileira de Imprensa. Em 19 de
agosto do mesmo ano, após o atentado da Toneleros, o Clube da Lanterna realizou uma
reunião na qual dirigiu apelo ao ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa, para que as
Forças Armadas promovessem a renúncia de Vargas.
114
A UDN surgiu a partir de uma grande frente articulada pela reunião de antigos
partidos estaduais e pela aliança política de novos parceiros, com a proposta de combater a
ditadura do Estado Novo e o continuísmo de Getúlio Vargas. Com o passar do tempo revelou-
se um partido extremamente contraditório, pois coexistiram na UDN teses liberais e
autoritárias, progressistas e conservadoras: O partido votou contra a cassação dos mandatos
dos parlamentares comunistas (1947) e a favor do monopólio estatal do petróleo (1953), mas
se opôs à intervenção do Estado na economia, denunciou “a infiltração comunista” na vida
pública e contestou sempre os resultados das eleições presidenciais, quando seus candidatos,
Eduardo Gomes e Juarez Távora, foram derrotados, em 1945, 1951 e 1955. A UDN ficou
marcada pela vinculação com os militares e as aspirações de parte das camadas médias
urbanas e foi identificada, muitas vezes, como o “partido dos cartolas”, “partido do
114
DIAS, Sônia. Prado Kelly. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, pós-1930. FGV: CPDOC, versão
eletrônica.
59
antigetulismo”, “partido dos bacharéis”, “partido do golpe”, “partido dos moralistas”, “partido
das vivandeiras dos quartéis”, etc
115
.
A ABI, assim, se constituía em um espaço privilegiado de ação política. Integrada por
portadores das mais diversas perspectivas ideológicas, a entidade era freqüentemente
procurada por grupos externos à ABI, que tencionavam obter legitimidade e divulgação, à
medida que a Associação constituía um importante meio de ligação com a imprensa e a
sociedade. Esse assédio foi sempre comum e continuou a ocorrer durante o período da
ditadura militar, pois a ABI abrigou reuniões de parentes de presos políticos; a fundação do
Comitê Brasileiro pela Anistia, em 14 de fevereiro de 1978; reuniões do Movimento de
Convergência Socialista, organização política de orientação socialista formada em 28 de
janeiro de 1978, além de reuniões clandestinas do Partido Comunista Brasileiro, realizadas
pelos membros da ABI que também atuavam como militantes deste partido.
O diálogo da ABI com o governo e com os militares também foi intenso. A ditadura
instituída após o golpe civil-militar de 1964 procurou construir uma nova legitimidade capaz
de substituir a antiga, desmantelada em conseqüência da transformação das instituições
políticas anteriores. Assim, as novas leis promulgadas pela ditadura funcionavam como
instrumento do poder e não como elemento que rege o seu exercício. Contudo, a ditadura não
se limitou a criar uma nova ordem legal, procurou também obter o consenso e, para tanto,
expurgou, mas não fechou o Congresso; baixou atos institucionais que violavam a
Constituição, mas não a aboliu como documento; manipulou as eleições, mas continuou a
realizá-las. Recorreu, ainda, a estratégias de propaganda e convencimento veiculadas,
principalmente, pela dia, e manteve contatos com setores de oposição moderada, como a
Associação Brasileira de Imprensa.
115
BENEVIDES, op.cit.
60
3. O Golpe de 1964 e os primeiros anos da ditadura
Avaliar o posicionamento da Associação Brasileira de Imprensa frente ao golpe de
abril de 1964 consiste em uma tarefa problemática, pois ao contrário da Ordem dos
Advogados do Brasil e da Igreja Católica, a ABI não declarou oficialmente o seu apoio ou
desapoio ao movimento civil-militar, nem deixou para a posteridade nenhum documento que
nos possibilite afirmar de forma taxativa a sua posição. É intrigante notar que a ABI, ao longo
de todos os anos da ditadura, produziu de forma sucessiva atas das reuniões mensais do seu
Conselho Administrativo, órgão de decisão máximo da entidade, juntamente com a Diretoria,
cujas reuniões também costumavam ser registradas, mas não sistematicamente. Contudo, não
existe registro de reunião realizada no mês de abril de 1964, nem no livro de atas da Diretoria,
nem no livro de atas do Conselho Administrativo. Este último livro, inclusive, no ano de
1964, tem como primeira reunião registrada a do mês de maio. Por outro lado, o Boletim da
ABI também não foi publicado nessa época, mas este fato não era incomum, pois a elaboração
do órgão oficial da entidade dependia do esforço voluntário de seus membros e de verbas nem
sempre existentes.
Dessa forma, podemos apenas conjecturar sobre o posicionamento da ABI diante da
deposição do presidente João Goulart. No entanto, não podemos deixar de admitir que o
silêncio é bastante conveniente, pois, através dele a ABI evitou macular a sua imagem de
instituição democrática e suprapartidária, conforme rege o seu estatuto. Existe, ainda, o
argumento de que não cabe à ABI se posicionar frente a questões políticas nacionais, visto
que seus objetivos primeiros consistem na defesa da liberdade de imprensa e dos jornalistas.
Assim, segundo este pensamento, a ABI não poderia tratar de política, nem poderia fazê-lo,
dada a diversificação de tendências em toda a imprensa”. Estas palavras são de Prudente de
Moraes Neto, em seu discurso de posse como presidente da Associação, em setembro de
61
1975
116
. Contudo, a ABI por inúmeras vezes declarou a sua posição. Por exemplo, quando as
discussões sobre a anistia política vieram à tona, a partir de 1975, a ABI se posicionou a favor
da medida com caráter amplo, geral e irrestrito, mesmo que, depois, viesse a aceitar negociar
outro tipo de anistia com o governo como forma de acelerar o processo de abertura. A ABI
participou, ainda, da campanha pelas “Diretas Já”, a partir de 1984, quando era presidida por
Barbosa Lima Sobrinho; e se manifestou favoravelmente ao impeachment do presidente da
República, Fernando Collor de Mello, em 1992, quando a entidade integrou o Movimento
Cívico contra a Impunidade e pela Ética na Política, formado também pela OAB e pela
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Barbosa Lima Sobrinho foi, inclusive, escolhido
pelos grupos oposicionistas como signatário do pedido de impeachment de Collor, juntamente
com Marcelo Lavanére, então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
117
Consideramos, deste modo, inválido o argumento de que a ABI “não pode tratar de
política”. Obviamente, não desejamos descontextualizar a declaração de Prudente de Moraes
Neto, que, proferida em 1975, visava evitar problemas com o governo Geisel e não tinha
como intenção explicar a neutralidade da ABI em abril de 1964. No entanto, esse mesmo
argumento é constantemente reproduzido como justificativa do silêncio da ABI. Todavia,
refutamos a possibilidade de uma ABI apolítica, pois acreditamos que por trás da
imparcialidade a Associação representava a síntese da imprensa nacional, que, em sua
esmagadora maioria, apoiou a deposição de João Goulart e o estabelecimento de um governo
militar.
Segundo Anne-Marie Smith a imprensa agiu como um catalisador do golpe, pois,
assim como a Igreja e a OAB, se opunha às mobilizações de massa de Goulart e suas
pretendidas reformas de base, como a reforma agrária e a sindicalização dos militares.
118
116
O Estado de São Paulo, 1 de outubro de 1975.
117
LEMOS, Renato. Fernando Collor. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:CPDOC,
versão eletrônica.
118
SMITH, op.cit, p.29.
62
Periódicos importantes, como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil,
O Globo e o Correio da Manhã pugnaram pelo fim do governo de João Goulart. Este último
jornal, inclusive, foi responsável pela veiculação de dois editoriais emblemáticos, intitulados
“Basta” e “Fora”,
119
que vieram a simbolizar o isolamento político do presidente da
República.
A imprensa, dessa forma, foi muito atuante no processo de desmoralização do
presidente Jango. Assim, muitos jornalistas de forma mais ou menos consciente acabaram
atuando como intelectuais orgânicos à medida que difundiram a recusa dos setores burgueses
frente a qualquer modalidade de democracia que trouxesse em seu bojo reformas sociais e
econômicas concretas. Vale notar que a atuação dos intelectuais orgânicos ligados aos setores
dominantes foi deveras significativa na conjuntura anterior ao golpe de 1964 e ao longo do
regime militar brasileiro. Várias instituições influenciaram a formação de valores, como a
Escola Superior de Guerra (ESG); o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD); a
Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE); o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
(IPES); a Aliança para o Progresso, dentre outras.
A Escola Superior de Guerra (ESG) foi criada, em 1949, com o intuito de socializar as
elites civis e militares. Inspirada no modelo do National War College dos Estados Unidos, a
Escola sustentava idéias marcadamente anticomunistas e defendia a teoria da guerra interna,
segundo a qual a principal ameaça ao país vinha não da invasão externa, mas dos inimigos
internos que procuravam influenciar o povo atraindo-o para a subversão. Os inimigos
internos, portanto, eram os sindicatos trabalhistas de esquerda, os intelectuais, as organizações
de trabalhadores rurais, os estudantes, os professores universitários, etc. Conforme destaca
Francisco Ferraz, a Escola Superior de Guerra possibilitou a sistematização de um arsenal
ideológico capaz de ao mesmo tempo amalgamar setores das elites militares com camadas
119
Correio da Manhã, 31 de março e 10 de abril de 1964, respectivamente.
63
dominantes civis em prol de uma proposta específica de desenvolvimento, baseada em
aspectos antipopulistas e favoráveis ao capital internacional.
120
O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foi fundado por Ivan Hasslocher,
em maio de 1959. Consistiu em uma organização que tinha como objetivo combater a
propagação do comunismo no Brasil. Financiado por contribuições de empresários brasileiros
e estrangeiros, que desejavam compartilhar do governo e moldar a opinião pública, interveio
ativamente nas eleições presidenciais de 1960 que resultaram na vitória do candidato da
UDN, Jânio Quadros, e na campanha eleitoral de 1962, quando, através da Ação Democrática
Popular (ADEP), patrocinou candidatos que faziam oposição direta a Goulart. Foi fechado em
dezembro de 1963, por não declarar a origem da vultuosa quantia investida na campanha.do
ano anterior.
O IBAD atuava próximo a várias organizações antigovernamentais, como a Campanha
da Mulher pela Democracia (CAMDE), o Centro Dom Vital (organização católica liderada
pelo intelectual de extrema-direita, Gustavo Corção), a Frente da Juventude Democrática e a
Ação Democrática Parlamentar (ADP), fornecendo-lhes doações em dinheiro. Membros do
Conselho Superior das Classes Produtoras (CONCLAP), das Câmaras de Comércio
Americanas e de outras associações de classe importantes foram participantes proeminentes
das atividades do IBAD, assim como o foram membros da ESG e figuras importantes das
tradicionais associações de classe do Rio e São Paulo. A sede da Confederação Nacional do
Comércio, inclusive, foi utilizada para a fundação do IBAD e abrigou várias de suas
reuniões.
121
O instituto procurou, também, abrir canais próprios na área sindical, apoiando o
Movimento Sindical Democrático, em São Paulo, e a Resistência Democrática dos
Trabalhadores Livres, no Rio de Janeiro, organizações anticomunistas que se opunham ao
120
FERRAZ, 1997.
121
DREIFUSS, 1981, p. 102.
64
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Ainda no setor trabalhista, o instituto foi acusado
de ter tentado criar em Pernambuco um núcleo de trabalhadores rurais com o intuito de
neutralizar a ação das Ligas Camponesas, dirigidas por Francisco Julião. O IBAD também
atuou entre os estudantes, através do Movimento Estudantil Democrático, distribuindo
dinheiro aos candidatos anticomunistas que concorriam às eleições dos centros acadêmicos ou
aos promotores de atividades políticas de seu interesse.
Outra iniciativa do instituto foi a tradução e divulgação do livro Assalto ao
Parlamento, do escritor tcheco Jan Kosak. A obra, publicada pelo jornal O Globo, descrevia a
tomada do poder pelos comunistas na Tchecoslováquia e o papel central que o controle do
Congresso desempenhara nesse processo. Era visível a intenção do IBAD de, por meio da
publicação do livro, traçar um paralelo entre a conjuntura tcheca do final da década de 1940 e
a que o Brasil vivia naquele momento”.
122
A CAMDE consistia em um movimento feminino católico organizado a partir de
1962, no Rio de Janeiro, com o objetivo de se opor ao governo João Goulart. Contava com o
apoio do jornal O Globo e mantinha estreitas ligações com o Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais (IPES), formado a partir de 1961 por um grupo de empresários brasileiros e
estrangeiros. O IPES representava as demandas do capital monopolístico transnacional no
Brasil em associação com os interesses financeiro-industriais locais. Tinha uma relação
simbiótica com o IBAD, conforme destacou Jorge Oscar de Mello Flores, líder do IPES, ao
afirmar que “o IPES havia meramente se aglutinado ao IBAD”.
123
Assim, o par IPES/IBAD
consistiu em um complexo político-militar
124
, formado por intelectuais orgânicos ligados aos
interesses econômicos multinacionais e associados, que tinha como objetivo agir contra o
122
LAMARÃO, Sérgio. IBAD. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:CPDOC, versão
eletrônica.
123
DREIFUSS, 1981, p.104.
124
Ibid. Figuras importantes da ESG, como Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel, Jurandir Bizarria Mamede
e Heitor Herrara atuavam junto ao IPES.
65
governo nacional reformista de João Goulart e contra o alinhamento de forças que apoiavam a
sua administração.
Nas hostes da ABI, tais influências eram sentidas à medida que muitos de seus
membros trabalhavam em periódicos conservadores e pertenciam a organizações como o
IPES e a Aliança para o Progresso. Prudente de Moraes Neto
125
, já identificado como
golpista, foi ativo membro do IPES. Assinava, sob o pseudônimo de Pedro Dantas, a
prestigiada coluna política intitulada “Seção Livre”, na qual desenvolvia uma análise da
conjuntura política e procurava moldar a opinião pública segundo os parâmetros do IPES
126
.
A coluna era publicada na seção de anúncios do jornal O Estado de São Paulo, cujo
proprietário, Júlio de Mesquita Filho, também era ligado ao IPES.
Sobre Júlio de Mesquita Filho vale ressaltar que representava um dos mais agressivos
membros do IPES- São Paulo
127
e que participou ativamente da articulação do movimento
civil-militar para depor João Goulart. Instado por altas patentes das Forças Armadas a dar sua
opinião sobre o que se deveria fazer caso fosse vitoriosa a conspiração que já se iniciara
contra o governo de Goulart, Mesquita Filho desenvolveu, em janeiro de 1962, um “roteiro
para a revolução” onde defendia a permanência dos militares por tempo indeterminado no
poder - até que fosse desmantelada a herança do período Vargas e implantado um governo
neoliberal que desse total liberdade à iniciativa privada no campo econômico; o
estabelecimento de um governo discricionário; o expurgo dos quadros do Judiciário; assim
como alterações na Constituição e a decretação do estado de sítio, que deveria ser sucedido
pelo fim da imunidade parlamentar e pela dissolução do Congresso Nacional
128
.
125
Prudente de Moraes Neto presidiu a ABI de 30 de setembro de 1975 a 21 de dezembro de 1977.
126
DREIFUSS, op.cit, p. 233.
127
Ibid, p.370.
128
“O Roteiro da Revolução”, carta enviada por Júlio de Mesquita Filho a um interlocutor militar ligado ao
Estado-Maior do Exército, em 20 de janeiro de 1962. A carta foi depois publicada em O Estado de São Paulo de
12 de abril de 1964 e em MESQUITA FILHO, 1969, p 120-127.
66
Mesquita Filho chegou, até mesmo, a propor alguns nomes para compor as pastas
ministeriais, dentre eles os de Lucas Lopes para a Fazenda; Mem de Sá, Milton Campos ou
Dario de Magalhães para a Justiça; Marcondes Ferraz para o Ministério de Minas e Energia,
Roberto Campos ou Prado Kelly para o Itamaraty, etc.
129
Assim, Prudente de Moraes Neto, que era diretor da sucursal carioca de O Estado de
São Paulo, comungava com algumas das diretrizes de seu patrão. Foi um dos articuladores do
golpe de 1964, assim como havia sido um dos arautos da queda de Vargas, do movimento
contra a posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, e contra a posse de Goulart, em 1961. Era,
portanto, um conspirador nato e como tal integrou um processo de doutrinação, movido pelo
complexo político-militar, que visava angariar o apoio da opinião pública, através da
divulgação de publicações, palestras, simpósios, conferências de personalidades famosas por
meio da imprensa, debates públicos, filmes, peças teatrais, entrevistas e propaganda no rádio e
na televisão.
Danton Jobim, presidente da ABI de 1968 a 1972, era membro do Comitê da Aliança
para o Progresso
130
, organização composta por 21 países, que sob o comando dos EUA,
procurava promover o desenvolvimento dos países latino-americanos a partir de uma política
econômica ortodoxa, que contava com o auxílio do Banco Internacional de Desenvolvimento
(BID) e com a aplicação de políticas de governo baseadas em uma racionalidade empresarial
avessa a considerações sócio-econômicas populistas e a aspirações populares.
O Comitê da Aliança para o Progresso, estabelecido no Rio de Janeiro, no dia 13 de
novembro de 1962, compunha-se de Luiz Simões Lopes, João Calmon (Diários Associados);
Themístocles Cavalcanti; Danton Jobim e Ary Campista
131
. Segundo Dreifuss:
129
MESQUITA FILHO, op.cit.
130
DREIFUSS, op.cit, 264.
131
Ibid.
67
O estreito contato entre o IPES e as elites político-empresariais dos Estados Unidos por
intermédio da Aliança para o Progresso, bem como através de canais privados, favorecia
grandes oportunidades de desenvoltura e apoio em sua campanha de encurralar e isolar o
Executivo brasileiro. Nesse aspecto o IPES era ajudado pela American Chamber of
Commerce for Brazil, através de Pedro Freyre Cury e pelo Comitte for American-Brazilian
Relations. Foi por meio desses órgãos, por exemplo, que o IPES organizaria as grandes
empresas multinacionais e associadas para apoiar a edição especial de O Globo, de 28 de
fevereiro, sobre o Programa da Aliança para o Progresso.
132
Sobre a posição de Herbert Moses frente ao golpe de 1964 podemos, também, apenas
conjecturar. Moses presidiu a ABI até agosto daquele ano, quando renunciou devido a seu
estado de saúde; e sua atuação em meio a esse importante episódio da vida política brasileira é
nebulosa. Na memória dos entrevistados, o período final da presidência de Moses caiu no
esquecimento. Marco Morel, por exemplo, que era muito jovem e que não era membro da
ABI, na época, não se recordava que, no momento do golpe, Moses ainda estava à frente da
Associação. Maurício Azêdo e Fichel Davit Chargel também não elucidaram a questão, pois,
apesar de atuarem como jornalistas profissionais desde fins dos anos cinqüenta, entraram para
a ABI somente na década de 1970.
Assim, Fernando Segismundo foi o único a tecer considerações sobre o
posicionamento do presidente da Casa do Jornalista. Alegou que a ABI, como entidade, não
apoiou o golpe, mas que Moses era um democrata liberal e que, por isso, não era simpático a
João Goulart. Dessa forma, nos parece que Herbert Moses se manteve indiferente à sorte do
presidente da República, assim como a própria ABI.
Vale notar que mesmo a viagem de Moses aos Estados Unidos, em abril de 1962,
quando integrou a comitiva presidencial de João Goulart, não necessariamente traduz uma
proximidade entre ambos, pois vários dos convidados, como João Dantas, Adolfo Bloch
133
,
Edmundo Monteiro e João Calmon não eram partidários do presidente, mas sim
conspiradores, conforme destaca Dreifuss:
132
DREIFUSS, op.cit, p. 264.
133
Ibid. Proprietário da Editora Bloch responsável pela publicação das revistas Manchete e Fatos e Fotos,
também ligado ao IPES.
68
O IPES conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública através de seu
relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais,
como: Os Diários Associados (poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis
Chateaubriand, por intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do IPES); a
Folha de São Paulo (do grupo de Octavio Frias, associado do IPES); o Estado de São Paulo
e o Jornal da Tarde (do grupo Mesquita, ligado ao IPES, que também possuía a prestigiosa
Rádio Eldorado, de São Paulo). Diversos jornalistas influentes e editores do Estado de São
Paulo estavam diretamente envolvidos no Grupo de Opinião Pública do IPES. Entre os
demais participantes da campanha incluíam-se: João Dantas, do Diário de Notícias; a TV
Record e a TV paulista, ligadas ao IPES através de seu líder Paulo Barbosa Lessa; o ativista
ipesiano Wilson Figueiredo do Jornal do Brasil; o Correio do Povo, do Rio Grande do Sul; e
O Globo, das Organizações Globo do grupo Roberto Marinho, que também detinha o
controle da influente Rádio Globo, de alcance nacional.
134
Ademais, a visita de João Goulart aos Estados Unidos foi em parte orientada pelos
interesses do capital norte-americano, porque privilegiou as discussões sobre a indenização
que deveria ser paga à International Telephone & Telegraph, em virtude da encampação da
sua subsidiária, a Companhia Telefônica Brasileira
135
, pelo governador do Rio Grande do Sul,
Leonel Brizola; e deu particular ênfase aos diálogos sobre o anticomunismo e o programa de
desenvolvimento da Aliança para o Progresso para o Brasil. Além dos encontros com o
presidente John Kennedy, Goulart esteve com os presidentes do Eximbank, do Banco
Interamericano e com Teodoro Moscoso, coordenador da Aliança para o Progresso
136
. O
presidente discursou no Congresso americano, onde destacou a amizade entre os dois países,
ressaltou a importância da Aliança para o Progresso, reconheceu a importância do capital
estrangeiro no processo de desenvolvimento do Brasil e, no espírito da Guerra Fria,
identificou-se com os ideais democráticos, como forma de amainar os temores dos Estados
Unidos quanto à influência de Cuba sobre a América Latina. Discursou também na
Organização dos Estados Americanos, em Washington, e na Organização das Nações Unidas,
em Nova York.
137
134
DREIFUSS, op.cit, p.233. Grifos nossos.
135
O caso foi encerrado após o golpe de 1964, quando foi paga uma polpuda indenização à International
Telephone &Telegraph (ITT). VILLA, 2004, p.68.
136
O Globo, 2 de abril de 1962.
137
VILLA, op.cit, p.63-73. Vale notar que, em janeiro de 1962, o Brasil votou contra a expulsão de Cuba da
OEA, na VIII Reunião de Consultas dos Ministros das Relações Exteriores dos Estados Americanos, realizada
no Uruguai.
69
Em maio de 1964, o Conselho Administrativo da ABI realizou eleições para a
Diretoria, a Mesa do Conselho Administrativo, a Comissão de Sindicância, o Departamento
de Assistência Social e a Caixa de Auxílios. Vale notar que o sistema eleitoral da ABI é
diferente das eleições sindicais. Os sócios elegem o Conselho Administrativo, composto por
45 membros e, anualmente, renovado em um terço, juntamente com a Comissão Fiscal. O
Conselho Administrativo elege a Diretoria, constituída por onze membros, dentre eles o
presidente, com mandato de dois anos, e também em votação secreta, escolhe a mesa do
Conselho, formada por um presidente e dois secretários; a Comissão de Sindicância; o
Departamento de Assistência Social e a Caixa de Auxílios. Além disso, os cargos podem ser
acumulados, ou seja, um conselheiro pode também pertencer a uma das comissões citadas.
Assim, Herbert Moses foi escolhido para presidir a entidade com a totalidade dos
votos, visto que foi preferido pelos trinta e três conselheiros presentes na reunião. Foram
ainda eleitos para a Diretoria: Luís Ferreira Guimarães, como vice-presidente; Celso Kelly,
como segundo vice-presidente; Fernando Segismundo, como secretário; Deodoro da Costa
Lopes, como primeiro subsecretário; Canôr Simões Coelho, como segundo subsecretário;
Enéas Martins Filho, como tesoureiro; Hélio Silva, como sub-tesoureiro; Helena Ferraz, como
bibliotecária; Pascoal Carlos Magno, como diretor de Atividades Culturais, e Reis Vidal,
como diretor de sede. Foram eleitos para a Mesa do Conselho Administrativo: Elmano Cruz,
como presidente, Miguel Costa Filho e Líbero Oswaldo de Miranda, como primeiro e segundo
secretário, respectivamente
138
.
Na ata da reunião de 7 de maio não menção ao golpe de 1964, exceto quando se
aborda a carta enviada pelo sócio Hugo Laércio de Barros pedindo o afastamento de Edmar
Morel do Conselho Administrativo, em virtude deste ter sido cassado pelo Ato Institucional
de 9 de abril.
138
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 7 de maio de 1964.
70
Logo após o golpe, a lua de mel da imprensa com o governo recém-instalado foi
rompida. Jornais passaram a denunciar as ações arbitrárias, os expurgos e as torturas
empreendidas pelo governo da junta militar, formada pelo general Artur da Costa e Silva, pelo
brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e pelo vice-almirante Augusto Rademacker.
139
O Correio da Manhã, que publicara os editoriais “Basta” e “Fora”, pedindo a saída de
Goulart, publicou, no dia 3 de abril de 1964, editorial intitulado Terrorismo Não!” e
passou a denunciar sucessivamente as torturas praticadas no Rio de Janeiro, Pernambuco,
Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
140
A despeito da veracidade das denúncias, o presidente Humberto Castelo Branco,
empossado em 15 de abril, negou a existência da tortura após ter enviado o chefe da Casa
Militar da Presidência da República, general Ernesto Geisel, para inspecionar as prisões do
Nordeste controladas pelo IV Exército. A tortura e a perseguição tornaram-se, portanto,
freqüentes e o governo passou a controlar a transmissão de informações e opiniões, assim
como a atividade intelectual.
Conseqüentemente, Herbert Moses reativou a Comissão de Defesa da Liberdade de
Imprensa, criada durante a ditadura estado-novista (1937-1945). A Comissão passou a ser
presidida por Elmano Cruz, presidente do Conselho Administrativo e desembargador, e ainda
em abril, intercedeu a favor da liberdade do conselheiro João Etcheverry, que ficou preso por
trinta dias no Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Etcheverry compareceu à
reunião do Conselho Administrativo da entidade, em 27 de maio, e perante seus companheiros
agradeceu a ação da Comissão e pediu que a entidade agradecesse em seu nome ao coronel
139
A junta militar foi responsável pela elaboração do primeiro ato institucional que concedeu a mesma o poder de
cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a
disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem “atentado contra a segurança do país”. O ato determinava
ainda que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para presidente e vice-presidente da República.
No dia 10 de abril, a Junta militar divulgou os nomes dos 102 punidos pelo AI-1. No dia 11 de abril foi realizado
no Congresso o pleito que resultou na escolha de Castelo Branco para a presidência da República.
140
ALVES, 1966, p 29. ALVIM, 1979.
71
Luís França, comandante do Batalhão, pelo tratamento que lhe fora dispensado no cárcere
141
.
Após o agradecimento, Elmano Cruz relatou as providências que tomou ao saber da prisão do
escritor Astrogildo Pereira, um dos fundadores do PCB, em 1922, e disse que o mesmo estava
sendo bem tratado, pois sua dieta médica, inclusive, estava sendo respeitada
142
.
Assim, já no período imediatamente posterior ao golpe, a ABI assumia o papel que iria
marcar sua atuação durante os anos da ditadura: o de procurar proteger a integridade física dos
jornalistas encarcerados e tentar libertá-los através de contatos estabelecidos pelos seus
dirigentes com autoridades do governo então instituído. Aagosto, porém, as preocupações
estiveram voltadas para Moses, pois a ABI esteve sob a titubeação de seu presidente, cuja
saúde não estava bem. Um mês após ser reeleito, Moses anunciou sua renúncia na reunião do
Conselho Administrativo. Foi contestado pelo conselheiro Belfort de Oliveira e pelo sub-
tesoureiro Hélio Silva. No entender deste jornalista, ao ter apoiado, na eleição de maio, a lista
de nomes que teve vitória significativa, Moses assumira um compromisso com todos os
companheiros, ao qual não podia abrir mão tão simplesmente.
Hélio Silva esclareceu, ainda, que, em se tratando de renúncia, isto implicaria em nova
eleição, pela qual o Conselho deveria escolher novo presidente para a entidade, uma vez que
pelo estatuto só cabe ao vice-presidente assumir em caso de afastamento temporário do
presidente, ou no caso de renúncia apenas aa realização de uma nova eleição. Em razão da
insistência de Moses que considerava como irrevogável o seu pedido de renúncia, Hélio Silva
sugeriu, finalmente, que se deixasse para a reunião do mês seguinte a resolução do problema.
141
Os motivos da prisão não foram esclarecidos até mesmo para o próprio Etcheverry, conforme declarou aos
demais conselheiros na reunião.
142
Astrogildo Pereira permaneceu preso até dezembro e sua situação foi abordada durante as reuniões do
Conselho Administrativo da ABI, ao longo de 1964, assim como a do jornalista Henrique Cordeiro, cassado pelo
primeiro Ato Institucional. Cordeiro foi inicialmente perseguido e devido ao fato de ser funcionário do governo
do Estado sofreu ameaças de demissão. Na época, o conselheiro e antigo membro do PCB, Gumercindo Cabral
de Vasconcellos pediu que a Comissão de Liberdade de Imprensa interviesse a favor de Cordeiro, que ainda
enfrentava problemas de saúde. Logo depois Cordeiro foi preso e graças à intervenção de Elmano Cruz teve sua
incomunicabilidade suspensa.
72
Todavia, Moses alegou que a recusa em aceitar seu pedido representava uma
desatenção à sua pessoa. Celso Kelly foi conciliador e disse a Moses que o protesto não
significava uma desatenção, mas uma manifestação de carinho dos conselheiros que
desejavam sua permanência. Venceu, então, a proposta de Hélio Silva, de que a renúncia de
Moses fosse discutida em um próximo encontro
143
.
Na reunião de julho, entretanto, Moses desistiu da renúncia. Em discurso digno do Dia
do Fico, afirmou:
Meus companheiros, volto da licença que me concedestes, volto melhor de saúde e de
ânimo, disposto a continuar trabalhando pela ABI. Vós assim o quisestes e eu me curvo ao
imperativo de vossa decisão. muito o que fazer e eu quero estar do vosso lado no
desempenho das tarefas que a todos nós devem caber. Agradeço a vossa homenagem -
desejando minha permanência na diretoria – e agradeço mui especialmente aos diretores que
se conservaram nos seus postos, no bom desempenho de seus encargos – os olhos e o
coração postos nesta Casa e nos jornalistas.
144
Em agosto, porém, com oitenta anos e com problemas de saúde, Moses renunciou
definitivamente à presidência da ABI. Conseqüentemente, foi convocada em caráter
extraordinário uma reunião do Conselho Administrativo, na qual toda a Diretoria recém-eleita
também renunciou, por considerar que havia sido vitoriosa como um todo, ou seja, numa
chapa liderada por Herbert Moses. Assim, sucedeu-se uma nova eleição - escrutinada pelos
conselheiros Edmar Morel e Jamil Sampaio, que resultou na escolha de Celso Kelly para a
presidência e dos seguintes diretores: Manuel Paulo Filho (primeiro vice-presidente); Reis
Vidal (segundo vice-presidente); Fernando Segismundo (secretário); Deodoro da Costa Lopes
(primeiro subsecretário); Canôr Simões Coelho (segundo subsecretário); Armando D’Almeida
(tesoureiro); Lucílio de Castro (subtesoureiro), Helena Ferraz (bibliotecária); Pascoal Carlos
Magno (diretor de Atividades Culturais) e Álvaro Pinto da Silva (diretor de Sede).
143
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 25 de junho de 1964.
144
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 23 de julho de 1964.
73
Os eleitos foram imediatamente empossados e Moses foi declarado presidente de
honra pelos presentes, “devido a toda uma vida de luta pela imprensa e pela ABI.”
145
O título
garantiu a Moses cargo permanente na Diretoria e a posse de um gabinete no sétimo andar do
“Palácio da Imprensa”, onde ficava a presidência da Associação. Moses continuou a
freqüentar a entidade até a sua morte, em 11 de maio de 1972. Contudo, suas visitas foram se
tornando cada vez mais esporádicas devido às doenças e à idade avançada.
As modificações na Diretoria foram pequenas, pois, com exceção de Luís Ferreira
Guimarães e Hélio Silva, todos os membros anteriores foram reeleitos. É digno de
consideração que, ao longo da história da ABI, a profissionalização e a estabilização da
liderança foram um fato corriqueiro. O exemplo máximo consiste na figura do próprio Moses,
que presidiu a entidade por trinta e três anos. Durante a ditadura militar podemos observar a
continuidade do fenômeno, pois as alterações na composição do Conselho Administrativo e
na Diretoria foram pequenas. Os conselheiros e diretores revezavam-se ocupando os cargos de
ambas as instâncias, assim como os disponibilizados pelas comissões existentes, como a
Comissão Fiscal, de Sindicância e de Liberdade de Imprensa
146
, conforme possibilitava o
sistema eleitoral em vigor na época
147
.
Além disso, é importante notar que praticamente todos os presidentes eleitos, durante a
ditadura, pertenciam à corrente liberal, com exceção de Barbosa Lima Sobrinho, alinhado à
corrente nacionalista. O sucessor de Moses, portanto, alinhava-se àquela tendência e possuía
contatos com autoridades do governo militar que resultaram, inclusive, na sua nomeação para
145
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 11 de agosto de 1964.
146
As composições das diretorias da ABI, durante o período de 1964 a 1978, encontram-se relacionadas no
anexo 2.
147
Hoje o sistema eleitoral da ABI é diferente, pois, de acordo com o estatuto de 2004, a totalidade dos sócios
elege os membros do Conselho Deliberativo (antigo Conselho Administrativo) e da Diretoria, da qual faz parte o
presidente. Contudo, as eleições diretas o necessariamente acabaram com a estabilização da liderança, pois
devido a pouca participação dos sócios e dos jornalistas em geral – que o se filiam à entidade, o engajamento
no cotidiano da Casa se restringe a alguns grupos que se repetem na direção da ABI.
74
o cargo de diretor-geral do Departamento Nacional de Ensino, do Ministério da Educação,
148
em 1966, o que o levou a renunciar à presidência da ABI, em fevereiro do mesmo ano.
Acreditamos que Celso Kelly deva ter sido nomeado mediante indicação de Pedro Aleixo, que
assumiu o Ministério da Educação, em janeiro de 1966, a fim de substituir o ministro Flávio
Suplicy de Lacerda, cuja imagem fora desgastada pelas medidas coercitivas impostas ao
movimento estudantil. Pedro Aleixo possuía contatos com o irmão do presidente da ABI, o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Eduardo do Prado Kelly. Ambos
participaram da fundação da UDN e foram membros atuantes deste partido. Possuíam,
também, trajetórias políticas semelhantes
149
.
Vale notar que Prado Kelly assumiu o cargo de ministro do STF após a promulgação
do Ato Institucional 2 (AI-2), em 27 de outubro de 1965. O ato ampliou a competência da
Justiça Militar, que passou a julgar os civis acusados de crimes contra a segurança nacional e
aumentou de onze para dezesseis o número de juízes do STF. As cadeiras recém-criadas
foram aceitas por Prado Kelly, Aliomar Baleeiro, Osvaldo Trigueiro, Adalício Nogueira e
Carlos Medeiros Silva
150
.
Durante o período de sua presidência, ou seja, de agosto de 1964 a fevereiro de 1966,
Celso Kelly delegou a Elmano Cruz as diligências realizadas em prol da liberdade de
imprensa e dos jornalistas, e o desembargador sugeriu que a Comissão de Defesa da
Liberdade de Imprensa estendesse a sua proteção aos que viviam do livro, sendo convidados
para fazer parte da Comissão a União dos Escritores do Brasil, os sindicatos dos Editores e
dos Livreiros, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e, até mesmo, a Academia Brasileira
148
MOREL, 1985, p.164. Celso Kelly foi também diretor da Rádio Nacional e professor do curso de jornalismo
da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
149
KORNIS, Mônica. Pedro Aleixo. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV: CPDOC,
versão eletrônica.
150
DIAS, Sônia. Prado Kelly. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV: CPDOC, versão
eletrônica.
75
de Letras. Assim, a comissão passou a ser denominada Comissão de Defesa da Liberdade de
Imprensa e do Livro.
151
Elmano Cruz teve um papel ativo no acompanhamento de processos movidos contra
jornalistas, dentre eles José Gomes Talarico e Carlos Heitor Cony. Em setembro de 1964, na
reunião do Conselho, comentou a situação de Talarico, dizendo que havia um pedido de
habeas corpus a ser julgado em seu favor. Solidarizou-se, ainda, com o advogado Nélson
Hungria
152
que conseguiu obter, junto ao STF, o habeas corpus de Carlos Heitor Cony.
Contudo, vale notar que a participação da ABI, neste caso, se restringiu a uma mera moção de
apoio enviada ao advogado do jornalista, pois Cony telefonara a Celso Kelly pedindo
autorização para indicá-lo como testemunha em seu processo, na qualidade de presidente da
ABI, e este se recusou após consultar o Conselho Administrativo e a Diretoria da entidade. A
recusa baseou-se no fato de não haver precedente de interferência de presidente da ABI, em
processos movidos contra jornalistas. Ademais, Kelly alegou que as relações oficiais da
entidade com o governo deveriam ser mantidas em “alto estilo para efeito de as reivindicações
da ABI lograrem êxito”
153
. Contudo, a decisão de Kelly não foi unânime, pois foi contestada
pelos conselheiros João Antônio Mesplé e Ivo Arruda, que alegou não ver problema em o
presidente da Associação testemunhar a favor de um jornalista perseguido pela ditadura.
A tônica das ações promovidas pela ABI a favor dos jornalistas, portanto, foi avessa
ao enfrentamento e favorável à negociação. Elmano Cruz enviava constantemente telegramas
ao presidente Castelo Branco (1964-1967) e a seu ministro da Justiça, Milton Campos (1964-
1965), pedindo revisão dos processos dos jornalistas presos
154
. O desembargador também
costumava interceder em prol dos jornalistas junto ao general Artur da Costa e Silva, quando
151
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 29 de outubro de 1964.
152
LEMOS, Renato. Nélson Hungria. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930. FGV: CPDOC,
versão eletrônica. lson Hungria foi ministro do STF de 1951 a 1961, quando se aposentou e passou a se
dedicar ao seu escritório de advocacia.
153
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 24 de setembro de 1964.
154
Em dezembro de 1964, Milton Campos enviou um telegrama a Elmano Cruz, no qual prestava
esclarecimentos sobre a situação do jornalista Inácio Mendes, que se encontrava isento da incomunicabilidade e
detido em prisão especial. Ata da reunião do Conselho Administrativo de 30 de dezembro de 1964.
76
este era ministro do Exército (1964-1966), e mesmo depois quando se tornou presidente da
República (1967-1969). Era também comum o estabelecimento de contatos com comandantes
de unidades militares. Em setembro de 1964, por exemplo, Elmano Cruz se comunicou com o
coronel Montanha, comandante do grupo de Artilharia de Costa, que era o indicado como
responsável pelas invasões de domicílio dos profissionais de imprensa verificadas naquele
mês no Rio de Janeiro
155
.
A ABI também interveio em prol de jornais, como o Correio da Manhã, que estava
sendo ameaçado tanto pelo governo federal como pelo estadual. Tendo em vista que o
Correio da Manhã destacou-se como um dos principais opositores da ditadura, após um
“brevíssimo período de lua de mel com o governo”
156
, este passou a pressionar agências de
publicidade a fim de que parassem de anunciar no jornal, o que desencadeou uma crise
financeira. Por outro lado, o jornal estava sujeito a manobras do governador da Guanabara,
Carlos Lacerda, que, inclusive, ameaçou nomear um interventor para a sua redação. A
intimidação de Lacerda, cuja administração costumava ser criticada pelo periódico, causou o
repúdio da Assembléia Legislativa carioca e da ABI, que enviou uma moção de apoio à
proprietária do Correio da Manhã, Niomar Muniz Sodré Bittencourt, e a seu diretor Manuel
Paulo Filho, vice-presidente da ABI. A moção foi entregue pessoalmente por uma comitiva
formada por Hélio Silva, Joracy Camargo, Gumercindo Cabral de Vasconcellos, Ivo Arruda e
Manuel Cardoso de Carvalho Neto, todos conselheiros da entidade
157
.
No campo da defesa dos jornais e da liberdade de imprensa, vale notar que Celso
Kelly, a convite da mara dos Deputados, emitiu opinião a respeito de projeto que estava
sendo elaborado pela Câmara sobre a questão do papel de imprensa
158
, de caráter
fundamental, visto que era o governo que controlava a distribuição das cotas de papel,
155
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 24 de setembro de 1964.
156
Antônio Callado apud LEAL, Carlos Eduardo. Correio da Manhã. In: Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro, pós 1930. FGV:CPDOC, versão eletrônica.
157
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 30 de março de 1965.
158
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 27 de novembro de 1964.
77
matéria-prima em grande parte importada sem a qual o veículo simplesmente não existiria.
Contudo, não na documentação da ABI maiores informações sobre a participação de Kelly
nestes estudos, pois o presidente da ABI não relatou ao Conselho detalhes da reunião com os
deputados.
A ABI também se preocupou em recusar os estudos voltados para a elaboração de uma
nova lei de imprensa por parte da ditadura militar, pois no entendimento da entidade era
melhor continuar sob a lei mero 2.183, de 12 de novembro de 1953, do que se submeter a
uma outra, ainda mais coercitiva. A questão da lei de imprensa foi, eno, discutida durante os
anos de 1965 e 1966, quando o Conselho Administrativo da entidade deliberou sobre a
necessidade de se desenvolver estudo detalhado com o intuito de elaborar um projeto
favorável à liberdade de expressão e pensamento, que pudesse ser apresentado ao Congresso
na forma de um projeto alternativo ao do governo
159
.
No entanto, a pretensa luta da ABI pela liberdade de imprensa foi cada vez mais
obliterada pelo recrudescimento do autoritarismo, pois, em 27 de outubro de 1965, o
presidente Castelo Branco promulgou o segundo Ato Institucional, que, além de manter os
ditames do primeiro, extinguiu os partidos políticos, estabeleceu eleições indiretas para
presidente da República, aumentou as medidas punitivas e determinou que os civis “acusados
de crime contra a segurança nacional” fossem julgados pela Justiça Militar. Em seu artigo 24,
retirou do Júri a competência para o julgamento dos abusos da imprensa e aumentou para dois
anos o prazo prescricional das correspondentes ações penais. Já no artigo 12, instituiu a
intolerância a qualquer propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de
raça ou de classe. Assim, caso o governo pretendesse, poderia reprimir até mesmo a simples
veiculação de idéias, desde que estas fossem contrárias à ordem vigente”.
160
159
Atas das reuniões do Conselho Administrativo realizadas durante os anos de 1965 e 1966.
160
GAZZOTTI, 1998, p.40.
78
Em meio a essa segunda onda de repressão, surgiu de forma difusa a idéia de anistia.
No parlamento e na imprensa eram comuns reivindicações a favor da medida. O jornalista
Carlos Heitor Cony, famoso por suas críticas ao regime, e o escritor Alceu de Amoroso Lima,
importante expoente do pensamento democrata cristão, a defendiam, assim como membros do
próprio governo, como o general Peri Bevilaqua, ministro do Superior Tribunal Militar
(STM)
161
. A ABI, que já havia se envolvido na campanha da anistia de 1945, passou a pleitear
o benefício para todos os brasileiros atingidos por medidas de exceção, como forma de
apaziguar os ânimos e pacificar a nação.
Por outro lado, vale notar que a ação da ABI era em grande parte influenciada pela sua
situação financeira, que consistia em grande fonte de discordâncias entre os seus membros.
Esse fator esteve sempre presente na história da ABI, cuja construção foi possibilitada por
auxílios financeiros do Estado durante a presidência de Herbert Moses. Durante o mandato de
Celso Kelly, a situação não foi diferente. Ao assumir a presidência da Casa do Jornalista,
encontrou-a em condição financeira, que piorou ainda mais com o aumento do salário
mínimo concedido no início do governo de Castelo Branco, antes que os mesmos fossem
congelados. Assim, os gastos da ABI que eram da ordem de dezenove milhões de cruzeiros
aumentaram para cerca de quarenta milhões
162
, o que demandou um grande engenho da
administração.
Nas reuniões do Conselho Administrativo, propostas de geração de renda foram
discutidas e geraram contendas. Por exemplo, em outubro de 1964, Moses - que comparecera
a essa reunião de cadeira de rodas e debilitado, propôs que fosse aumentada a anuidade dos
sócios de quinhentos cruzeiros para cinco mil cruzeiros. Outra sugestão de Moses foi que se
apelasse para empresas jornalísticas e autoridades governamentais com o intuito de angariar
recursos. Todavia, suas propostas não foram aceitas pela Diretoria, pois à mesma “não
161
MARTINS, 1978. Cf. LEMOS, 2004.
162
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 29 de outubro de 1964.
79
pareceu conveniente nenhuma das sugestões, não pela demora que acarretam, como pelas
controvérsias que tais soluções admitem”.
163
Entendeu a Diretoria “ser melhor procurar outros
caminhos que porventura existam e passou a agir no sentido de fazer imediata revisão dos
aluguéis das dependências locadas, além de incentivar o pagamento de aluguéis atrasados”.
164
Deste modo, sob a coordenação de Celso Kelly, a ABI renegociou os contratos de
locação dos vários andares alugados, cujos valores se encontravam corroídos pela inflação.
Renovou o contrato de locação do restaurante da ABI, muito freqüentado nas décadas de 1940
e 1950, e restaurou o auditório do nono andar a fim de que o valor do seu aluguel fosse
aumentado. Assim, com a ampliação das rendas, Kelly remodelou a clínica Pedro Ernesto,
que, localizada no sexto andar, presta até hoje serviço médico aos sócios da entidade, e
transferiu a biblioteca do oitavo para o nono andar, com o intuito de melhorar suas
instalações. Ao fim de sua presidência, conseguiu equilibrar o orçamento da entidade, outrora
deficitário.
Celso Kelly renunciou em 9 de fevereiro de 1966, dois meses antes do término de seu
mandato, e sua administração foi marcada pela eficiência na administração financeira e pela
ação do presidente do Conselho Administrativo e da Comissão de Liberdade de Imprensa e do
Livro, Elmano Cruz, na defesa dos jornalistas, através da negociação, dos contatos e do
acompanhamento de processos. Foi imediatamente substituído pelo segundo vice-presidente,
Lauro Reis Vidal, visto que o primeiro vice-presidente, Manuel Paulo Filho, encontrava-se
enfermo.
Em 16 de fevereiro foram, então, realizadas novas eleições e o próprio Elmano Cruz
foi escolhido presidente da ABI devido à sua empenhada atuação. Contudo, assoberbado por
inúmeros afazeres teve um esgotamento físico que o levou ao hospital
165
. Foi substituído pelo
163
Ata da reunião do Conselho de Administrativo de 29 de outubro de 1964.
164
Idem.
165
MOREL, 1985, 175.
80
jornalista Danton Jobim, eleito em 10 de maio de 1966. Durante este ano, o novo presidente
procurou dar prosseguimento à recusa da ABI frente ao projeto de Lei de Imprensa proposto
pelo governo. A campanha contra a nova lei mobilizou, ainda, sindicatos, federações de
jornalistas e veículos de comunicação do Rio de Janeiro e de São Paulo, como o Correio da
Manhã e o Estado de São Paulo. O aspecto central das críticas foi a denúncia de que o projeto
incorporava a Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra, tornando
vulneráveis jornalistas e donos de jornal que poderiam ser enquadrados por quaisquer dos
crimes definidos em lei contra a segurança nacional. Contudo, a ABI e a imprensa não
conseguiram a retirada do projeto de Lei de Imprensa do governo.
81
4. Um banquete para o ditador
Sob a presidência de Danton Jobim (1966-1972), a Associação Brasileira de Imprensa
comemorou os 60 anos de sua fundação, em 7 de abril de 1968. O evento representa um dos
episódios mais controversos da história da entidade, porque gerou celeuma entre os seus
membros e entre os jornalistas em geral e porque contradiz categoricamente a idéia
desenvolvida pela memória oficial da instituição de que a ABI foi, sempre, combativa e
intransigente na luta pela liberdade de imprensa e pela democracia. Ademais, o evento possui
caráter emblemático, pois evidencia o fato de que a ABI representa uma síntese da imprensa
nacional, cujas relações com a ditadura se destacaram pela ambigüidade, à medida que foram
marcadas pela coerção e pela influência do poder econômico privado e do Estado.
Estiveram presentes na ocasião, o presidente da República, Artur da Costa e Silva,
ministros de Estado; os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo
Tribunal Federal; o embaixador de Portugal; o governador do estado da Guanabara, Francisco
Negrão de Lima; o Núncio Apostólico; diretores de jornais e revistas, radiodifusoras e
televisões de todo o país; adidos de Imprensa das Embaixadas; donos de jornais, como
Roberto Marinho, Niomar Muniz Sodré Bittencourt e a Condessa Pereira Carneiro,
166
proprietários dos periódicos O Globo, Correio da Manhã e Jornal do Brasil, respectivamente;
e, por fim, conselheiros e diretores da ABI e velhos jornalistas que integravam a instituição
desde os seus primórdios.
O evento foi organizado pelo presidente da entidade
167
e por alguns membros do
Conselho Administrativo e da Diretoria, e suscitou protestos antes e depois de transcorrido.
No âmbito interno, a visita de Costa e Silva à ABI gerou discussões, desde janeiro de 1968,
166
Os três pertenciam ao quadro social da ABI.
167
Danton Jobim, inclusive, foi pessoalmente ao Palácio das Laranjeiras, em janeiro de 1968, convidar o
presidente Costa e Silva, que se encontrava no Rio de Janeiro, para participar do aniversário da ABI. Ata da
reunião do Conselho Administrativo da ABI de 23 de janeiro de 1968.
82
pois alguns conselheiros se opuseram à organização do evento e a atitudes panegíricas
propostas por membros do Conselho Administrativo ou pelo próprio Danton Jobim, como,
por exemplo, a concessão de uma menção de honra ao presidente da República, antes mesmo
do seu comparecimento no aniversário da entidade. Foi também proposta pelos conselheiros
Ivo Arruda e Armando Pacheco uma moção de aplausos ao presidente Costa e Silva “pelo
respeito com que tem tratado a imprensa e por haver declarado não utilizar a atual Lei de
Imprensa para punir jornalistas”.
168
O conselheiro Mario Saladini, entretanto, se opôs às
propostas por considerar não haver o presidente demonstrado nenhum apreço à imprensa,
tanto assim que procura defender a atual Lei de Imprensa, mantendo, além disso, o arrocho
salarial”.
169
Para Saladini, o presidente somente seria merecedor da homenagem da ABI se
acabasse com a censura e tomasse outras medidas liberais.
Externamente, a controvérsia a respeito do almoço de 7 de abril foi impulsionada por
uma conjuntura revolta: o movimento estudantil, que passara por um período de arrefecimento
após o golpe de 1964, voltou a ganhar força no início de 1968, quando vários protestos
irromperam no Rio de Janeiro
170
. A ação política dos estudantes dirigia-se contra o projeto de
transformação progressiva do ensino público em pago - prenunciado pela introdução das taxas
de matrícula nas universidades, contra as salas de aula inadequadas e os cortes no orçamento
do governo para a educação. Os estudantes reclamavam ainda o aumento das vagas e
melhorias no restaurante “Calabouço”, localizado no Centro do Rio de Janeiro. Exigiam
melhor comida e o término da construção do prédio. Em 28 de março, houve manifestação
contra o aumento das refeições do dito restaurante e a intervenção da Polícia Militar resultou
na morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, que rapidamente foi transformado em
mártir da causa estudantil.
168
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 19 de março de 1968. Ivo Arruda e Armando Pacheco fazem
referência à Lei número 5250, de 9 de fevereiro de 1967.
169
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 19 de março de 1968.
170
SKIDMORE, op.cit.
83
Seu corpo foi conduzido à Assembléia Legislativa da Guanabara onde foi velado e de
onde partiu, no dia seguinte, o cortejo fúnebre rumo ao cemitério São João Batista, que se
transformou em verdadeira marcha pela cidade, composta de aproximadamente 50 mil
pessoas.
171
Edson Luís foi enterrado sob grande comoção e nos dias seguintes à sua morte
várias manifestações ocorreram resultando em conflitos com a Polícia Militar.
Os periódicos O Globo e Jornal do Brasil
172
, contudo, responsabilizaram os estudantes
pelos conflitos e minimizaram os atos de violência da polícia. Para O Globo, inclusive, os
choques com a polícia decorriam da presença de agitadores em meio aos estudantes:
É notório que, em muitas ocasiões, agitadores profissionais, treinados na escola da
crueldade, têm ateado fogo a uma cidade ou a um país através da fria criação de mártires. Há
sérios indícios de que cerca de 200 agitadores, entre os quais numerosos estrangeiros,
participaram da tentativa de desvirtuamento da manifestação popular ao estudante Edson
Luís. Presume-se igualmente que a morte no Calabouço apenas precipitou o
desencadeamento de um plano de agitação programado para 1º de abril, dia do 4º aniversário
da Revolução.
173
Ademais, o jornal ressaltou “a exploração política do dia 28 de março”, que não se
absteve de atacar o governador Francisco Negrão de Lima, apesar da administração da
Guanabara ter se destacado desde o primeiro momento pela “tolerância, ponderação e não
violência”. O Globo responsabilizou, ainda, a Frente Ampla
174
e a figura de Carlos Lacerda
pela agitação e pela “propagação da idéia criminosa de jogar civis contra militares”, idéia esta
“que quase resultou no linchamento de um oficial da aeronáutica nos arredores do cemitério
São João Batista, em 29 de março, dia do enterro de Edson Luís.”
175
Entretanto, o jornal Tribuna da Imprensa, pertencente a Hélio Fernandes, atacou de
forma veemente os governos federal e estadual pela violência dirigida ao movimento
171
LEMOS, Renato. Costa e Silva. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:CPDOC,
versão eletrônica.
172
Jornal do Brasil, 1º de abril de 1968.
173
O Globo, 1º de abril de 1968, p.3.
174
A Frente Ampla consistia na aglutinação das principais lideranças dos antigos partidos políticos extintos pelo
AI-2, em 27/10/1965, ou seja, era formada por Carlos Lacerda da União Democrática Nacional (UDN), Juscelino
Kubitschek e João Goulart do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
respectivamente.
175
O Globo, 1ºde abril de 1968, p.3.
84
estudantil. Podemos propor que tal cobertura foi influenciada pela linha editorial do periódico,
mas também pelas ligações de Fernandes com Carlos Lacerda, fundador e proprietário do
jornal até fins de 1961, e pelo fato de o governo ter declarado ilegal a Frente Ampla. Assim, a
Tribuna da Imprensa foi o veículo que mais criticou o invitamento da ABI a Costa Silva e que
mais veiculou os protestos contra o evento.
Em de abril de 1968, o prédio da ABI foi ocupado por forças da Marinha que
tencionavam impedir que a denominada Casa do Jornalista pudesse abrigar agitadores,
estudantes e profissionais da imprensa em fuga durante manifestações de rua. Segundo
declarações do comandante do I Distrito Naval, almirante Maurício Dantas Tôrres, as razões
da ocupação eram estritamente militares ou estratégicas, nada havendo de hostil contra a ABI.
“Visava-se apenas impedir que o edifício, assim como outros da região, viesse a ser utilizado
numa ação contra a polícia em caso de novos distúrbios, que eram esperados.”
176
Danton Jobim exigiu a imediata desocupação e, às 7 horas do dia seguinte, o almirante
Dantas Tôrres o informou de que o interior do prédio seria desocupado, mas que seria
mantido o cerco, por medida de precaução e por algumas horas, o que não impediria que nele
entrassem os cios da entidade, mediante identificação. Segundo relata o Boletim da ABI,
Danton Jobim enviou mensagem ao presidente Costa e Silva, que determinou a desocupação
imediata da entidade e confirmou sua presença no almoço do dia sete
177
.
A ocupação do prédio da ABI fortaleceu a revolta de alguns jornalistas contra o
convite feito por Jobim ao presidente da República, mas a indignação tornou-se ainda maior
com a realização da missa de sétimo dia pela alma do estudante Edson Luís, realizada em 4 de
abril, uma quinta-feira. Conforme denunciou a Tribuna da Imprensa, os militares tentaram
tumultuar a realização do ato em homenagem ao estudante ao impedir, primeiramente, a sua
176
Boletim da ABI, de 17 de abril de 1968. Edição comemorativa dos 60 anos da ABI. Vale notar que o órgão
oficial da entidade voltou a ser publicado na presidência de Danton Jobim, em setembro de 1966, depois de
permanecer alguns anos fora de circulação.
177
Idem.
85
realização em praça pública. O ato foi, então, transferido para o interior da igreja da
Candelária, mas divulgaram-se boatos de que a Cúria havia proibido a missa. Por fim, foi
montado um aparato militar capaz de constranger as pessoas que saíam da Candelária.
Ocorreram agressões físicas, bombas de lacrimogêneo foram lançadas, e pessoas foram
presas. Entre as vítimas, encontravam-se jornalistas que cobriam o evento e foram
espancados, presos ou tiveram suas máquinas fotográficas destruídas.
178
Frente ao acontecido, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da
Guanabara, que à época encontrava-se sediado no décimo andar do prédio da ABI, divulgou
nota condenando a ação do governo e da Polícia Militar:
A Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Guanabara denuncia ao povo
brasileiro as arbitrariedades praticadas mais uma vez pela Polícia Militar do Estado, contra
jornalistas que se encontravam em serviço, na cobertura da missa de sétimo dia do estudante
Edson Luís de Lima Souto. Fatos como esses se vêm tornando comuns no Estado da
Guanabara, sem que as autoridades constituídas tomem providências destinadas a impedir
sua repercussão. O secretário de Segurança Pública, general Dario Coelho, segundo foi
noticiado, assistia da sacada da Polícia Central ao espancamento de presos e de jornalistas. A
Polícia Militar, em nota oficial, justifica puerilmente o massacre dos jornalistas
profissionais. Os assassinos de Edson Luís de Lima Souto continuam impunes. Os
agressores dos jornalistas que cumpriam com os seus deveres estão soltos. O governador do
Estado permanece omisso. Eleva-se a vinte e dois o número de repórteres e fotógrafos que
foram agredidos e feridos pela polícia, estando alguns daqueles profissionais de imprensa
gravemente contundidos. Diante das ameaças que pairam no futuro para os jornalistas, a
Diretoria deste Sindicato conclama o povo brasileiro a permanecer unido em torno dos ideais
da Democracia e da Liberdade.
179
Dessa forma, muitos jornalistas do estado da Guanabara exortaram Danton Jobim a
cancelar a visita de Costa e Silva à ABI. Contudo, não obtiveram sucesso. Durante o almoço,
Danton Jobim e o presidente da República pronunciaram discursos. Jobim destacou a tradição
da Associação Brasileira de Imprensa na luta pela liberdade de expressão e na independência
em relação ao Estado. Afirmou que durante os dois anos de sua gestão (1966-1968)
180
nenhuma agressão a jornalista havia sido registrada sem que a ABI tivesse tomado alguma
178
Tribuna da Imprensa, 6 de abril de 1968.
179
Idem.
180
Em 7 de abril de 1968, Jobim completava dois anos como presidente da ABI. Seria reeleito logo em seguida,
em maio. Foi novamente reeleito em 1970 e presidiu a Casa até 1972.
86
providência e que a visita do presidente da República e de destacadas personalidades do
mundo político à entidade reafirmava um antigo costume da instituição de manter aberto o
contato com o poder público sem, contudo, abdicar de sua autonomia. Danton Jobim
manifestou, ainda, esperança no retorno da democracia:
Nossos votos são para que o país continue a buscar o caminho da normalidade e da
concórdia entre os brasileiros, a fim de que todos sejam chamados a colaborar, sem
discriminações, na grande tarefa de desenvolvimento deste país, que tem um grande destino
a cumprir.
A ABI crê no Brasil, crê no seu futuro, cna capacidade de nosso povo para governar-se a
si próprio e construir, com suas próprias mãos, o seu próprio destino. E crê, também, senhor
general Artur da Costa e Silva, que Vossa Excelência poderá conduzir o grande processo de
pacificação dos espíritos, do esquecimento de ódios e dissensões, do restabelecimento dos
direitos negados a quaisquer brasileiros, e, por fim, da união de todos nós, povo e governo,
com o pensamento posto num grande programa de reforma das obsoletas estruturas
nacionais, condição de uma nova arrancada para o progresso econômico e social do Brasil.
Senhor Presidente da República, foi uma honra a presença de Vossa Excelência nesta Casa.
Iremos ouvi-lo, agora, com a atenção e o respeito que nos merece, numa hora em que os
jornalistas de todo o país se mostram desejosos de recolher os conselhos de Vossa
Excelência sobre o papel que atribui à imprensa na vida da nação. Para isso o presidente da
República não poderia dispor de tribuna mais digna e mais adequada que a da velha e
gloriosa ABI.
181
O presidente da República ao discursar prometeu punir os responsáveis pelas
violências contra os estudantes, de acordo com o que ficasse apurado no Inquérito Policial
Militar (IPM) já instaurado e afirmou que "não pensou, não pensa e nem pensará em editar
novos atos institucionais". Defendeu a liberdade de imprensa e a democracia. Para tanto, citou
trecho da Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela ONU, em 1948: “todo
indivíduo tem direito à liberdade de opinião e expressão o que implica o direito de não ser
perseguido pela suas opiniões e de buscar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras,
as informações e as idéias por qualquer meio de expressão que seja”.
Ao encerrar o discurso declarou:
Creio na imprensa livre, porque creio na liberdade em si mesma, como o maior de todos os
bens concedidos ao homem na terra.
Creio na imprensa livre, porque não creio haver entre os homens força maior que o
pensamento em sua ânsia de manifestação, quando procede das fontes do bem e da
necessidade de progresso do espírito.
181
O discurso de Danton Jobim encontra-se transcrito no Boletim da ABI, de 17 de abril de 1968.
87
Creio na imprensa livre porque confio na opinião pública - por ela refletida, como vetor de
orientação dos homens que governam sinceramente empenhados na promoção do bem
comum.
Creio na imprensa livre porque também creio que a liberdade seja capaz de gerar, naqueles
que a desfrutam, o sentimento da responsabilidade, sem o qual seria, ela própria, aviltada na
prática dos abusos e comprometida no cometimento dos desatinos contrários à paz, à
estabilidade e ao progresso moral da sociedade.
Creio na imprensa livre porque acredito no império da lei, da justiça e da ordem, dentro de
cujas fronteiras cada cidadão de regular a sua liberdade pelos limites da liberdade dos
demais cidadãos.
Creio na imprensa livre, na mesma medida em que o creio se deixe ela dominar pelos
interesses de pessoas e de grupos, colocados acima dos interesses da pátria. Creio na
imprensa livre, em suma, porque não vacilo em minha fé na democracia, da qual nos dá ela o
sinal mais característico de presença, funcionamento, superioridade e afirmação.
182
Paradoxalmente, desde o segundo ato institucional, o governo militar cerceava a
imprensa. O AI-2 retirou do júri a competência para julgamento dos crimes de imprensa e
alongou para dois anos o prazo prescricional das ações penais. Alterou também a redação do §
5º. do Art. 141 da Constituição, que passou a ser a seguinte: “Não será, porém, tolerada a
propaganda de guerra, de subversão da ordem ou preconceitos de raça e classe”. Assim, a
intolerância se estendeu a qualquer propaganda de subversão e não apenas como antes a
“processos violentos de subversão”. O AI-2 disciplinou, ainda, a situação jurídica dos
cassados, vedando-lhes manifestação sobre assunto de natureza política”. Em decorrência, o
Ato Complementar nº. 1, da mesma data, submeteu à pena de três meses a um ano de
detenção não o cassado infrator, mas também o responsável pelo veículo de comunicação
utilizado para a prática da infração.
Os atos de exceção editados ao longo dos anos foram tantos, que retalharam a
Constituição e conduziram à necessidade de uma reestruturação constitucional, cujo projeto
foi encaminhado pelo presidente Castelo Branco ao Congresso Nacional, a partir de 12 de
dezembro de 1966. Em janeiro de 1967, uma nova Constituição foi promulgada e o novo texto
definiu a livre expressão em moldes semelhantes àqueles até então vigentes. Nessa mesma
época, o Congresso aprovou o projeto de uma nova Lei de Imprensa, que se converteu na Lei
182
O discurso encontra-se transcrito no Boletim da ABI de 17 de abril de 1968 e na Tribuna da Imprensa de 8 de
abril de 1968. Também é citado por GASPARI, 2002, p. 315.
88
nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. A nova lei consistia de um conjunto de dispositivos legais
reunidos sobre o tema e entrou em vigor em março. Além disso, integrou ao seu corpo a
Doutrina de Segurança Nacional, tornando vulneráveis quaisquer jornalistas ou donos de
jornal que praticassem “alguns dos crimes definidos em lei contra a segurança nacional ou
instituições militares”. Abarcou não os periódicos, mas também a radiodifusão, e revelou-
se mais rigorosa, à medida que impôs penas mais severas que variavam de um a quatro anos
de detenção.
183
Porém, ao término de seu discurso repleto de incongruências o presidente Costa e
Silva foi aplaudido por cerca de trezentos convivas. Do lado de fora da ABI, contudo, vários
jornalistas, liderados por Antônio Callado, Otto Maria Carpeaux e José Machado, presidente
do Sindicato dos Jornalistas, protestaram contra o evento. Callado, que era membro do
Conselho Administrativo da entidade, renunciou ao cargo e desligou-se da ABI, através de
uma carta enviada a Jobim:
Senhor Presidente,
Venho, por meio desta, pedir a V. Sa. que desligue meu nome do Conselho Administrativo
da ABI. O motivo da minha decisão é o fato de haver a ABI recebido ontem o presidente da
República para almoçar. Sem qualquer aviso ou cerimônia a ABI foi sitiada outro dia por
tropas dos Fuzileiros Navais. Em seguida a este insulto feito à classe jornalística, o
presidente Costa e Silva, por portaria do Ministério da Justiça, começou a caracterizar
melhor a Ditadura Militar sob a qual vivemos. Ainda que anteriormente marcado, o almoço
devia ter sido cancelado. Não se almoça com quem se prepara para almoçar-nos.
Respeitosamente,
Antônio Callado.
184
Vale destacar que, apesar das críticas, o contato de Danton Jobim com o presidente
Costa e Silva possibilitou a revisão da pena imposta a Callado, que o impedia de exercer o
jornalismo
185
. Contudo, Callado não mudou de opinião e, assim, não mais retornou à sua vaga
no Conselho Administrativo da ABI.
183
COSTELLA, Antonio. Lei de imprensa. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós-1930. FGV:
CPDOC, versão eletrônica.
184
Tribuna da Imprensa, 9 de abril de 1968.
185
CALICCHIO, Vera. Danton Jobim. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, pós 1930, versão
eletrônica.
89
Na Tribuna da Imprensa, Hélio Fernandes afirmou que Danton Jobim sepultara a ABI
ao confraternizar com o governador Negrão de Lima, “cuja polícia espanca jornalistas, faz
fogueiras com filmes arrancados aos fotógrafos, assassina estudantes e intranqüiliza toda a
população”; com o presidente Costa e Silva, “cujo governo restringe os direitos individuais e
os direitos da imprensa”; e com o embaixador de Portugal, “representante da mais antiga
ditadura existente no mundo, que, obviamente, não devia ter sido convidado para a festa de
jornalistas”.
186
Dessa forma, o almoço foi identificado pelos jornalistas de oposição como “um
banquete para o ditador”, o que levou a direção da entidade a reagir. Assim, a edição do
Boletim da ABI, de 17 de abril, consiste em uma resposta oficial da entidade às críticas.
Artigos, como os de Manuel Paulo Filho e Miguel Costa Filho, procuraram reforçar a imagem
de que a ABI representava “uma trincheira da liberdade como se viu no passado e no
presente”, “uma fortaleza do pensamento livre, da liberdade, e da democracia”. Danton Jobim,
inclusive, publicou a carta que enviou como resposta a Hélio Fernandes:
Nada tenho a opor às críticas que a Tribuna da Imprensa vem fazendo à minha conduta na
presidência da ABI. Desejo que minha gestão seja amplamente discutida e fiscalizada pelos
colegas. Quem tanto defende a liberdade de imprensa não poderia agir de outro modo.
Entretanto, espero lealdade da parte dos que me criticam e não quero que cometam
grosseiros erros de fato, naturalmente de boa fé.
Eis os fatos:
1. Não houve na ABI, nenhum banquete ‘oferecido ao presidente da República, ministros e
ao governador Negrão de Lima’, como se disse no seu jornal. O presidente, seus ministros e
o governador é que compareceram a um almoço da classe jornalística para o qual haviam
sido convidados com um mês de antecedência. Com isto a ABI não os homenageou; eles é
que homenagearam a ABI.
2. O discurso do presidente da Casa não contém uma palavra de louvaminha às autoridades
presentes; pelo contrário, enfrentou a incômoda questão dos espancamentos de profissionais
da imprensa, embora procurasse ser cortês com o chefe do Estado, que tinha direito a
tratamento condigno.
3. Diz o jornal que os jornalistas indagam ‘quem vai pagar os treze milhões de cruzeiros
gastos com o coquetel e o banquete’. Nem estes custaram essa quantia astronômica nem a
ABI será sangrada em suas finanças, pois tudo foi custeado mediante contribuições de
origem particular, obtidas entre amigos da Casa e de seu presidente.
187
186
Tribuna da Imprensa, 8 de abril de 1968. O regime instaurado por Oliveira Salazar, em Portugal, perdurou de
1926 a 1974.
187
Boletim da ABI, 17de abril de 1968.
90
A reação da ABI se estendeu ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Guanabara,
pois a Diretoria, seguindo orientação de Danton Jobim, proibiu o Sindicato de realizar
reuniões em sua sede social até o dia 30 de abril, quando seriam realizadas as eleições para a
escolha da nova Diretoria e do novo presidente da Associação. Para Jobim, tais reuniões
tinham objetivos eleitoreiros e representavam uma ingratidão, pois a ABI acolhera o Sindicato
em sua sede, quando o mesmo encontrava-se em s condições financeiras. Ao requisitar o
referendo do Conselho Administrativo da entidade, Danton Jobim foi criticado por treze
conselheiros, que defenderam o direito de liberdade do Sindicato e se recusaram a homologar
sua iniciativa. As propostas de Jobim e do conselheiro Raul Floriano suscitaram discussões e,
sob orientação do presidente do Conselho Administrativo, desembargador Elmano Cruz,
foram submetidas à votação e a maioria do Conselho optou por proibir as reuniões do
Sindicato.
188
Vale notar que a controvérsia provocada pela comemoração do sexagésimo
aniversário da ABI permanece nas memórias dos membros da entidade. Maurício Azêdo, por
exemplo, alegou possuir poucas informações sobre o episódio de 7 de abril de 1968, e afirmou
ignorar qualquer ligação de Danton Jobim com o presidente Costa e Silva e com a Aliança
para o Progresso. Contudo, o identificou como um liberal, com uma posição notadamente
democrática e, por isso, como um defensor da liberdade de imprensa.
Com o intuito de valorizar a sua figura, Azêdo ressaltou também a importância de
Jobim na história do jornalismo, pois foi responsável, juntamente com os jornalistas Luís
Paulistano e Pompeu de Souza, pela introdução do lead
189
, oriundo da imprensa norte-
americana, no Brasil
190
. De fato, Jobim foi um dos modernizadores da imprensa brasileira,
pois foi responsável pela elaboração de métodos novos de paginação e apresentação gráfica
188
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 23 de abril de 1968.
189
O lead consiste no primeiro parágrafo das notícias, no qual deve constar o que aconteceu, quando, onde, por
quê e com quem. O lead, portanto, deve ser capaz de expressar todo o conteúdo da notícia de forma resumida.
190
Depoimento concedido à autora em 4 de maio de 2006.
91
empregados no Diário Carioca. Foi também um dos fundadores do curso de jornalismo da
Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil que daria origem mais tarde à
Escola de Comunicação da UFRJ, da qual seria diretor até 1970 e professor titular até março
de 1976, ao deixar o magistério. Jobim recebeu, ainda, o prêmio Maria Moors Cabot
191
, em
1952, e ministrou seminários sobre jornalismo contemporâneo na Sorbonne, no Instituto de
Altos Estudos sobre a América Latina e no Instituto de Estudos Políticos, todos sediados em
Paris.
192
Para Fernando Segismundo, a presença de Costa e Silva na festa de aniversário da ABI
representou uma estratégia de resistência da entidade, que, através do diálogo com o governo,
tentava proteger os jornalistas e a imprensa da coerção. Por isso, Segismundo apoiou a
realização do evento
193
. Vale notar que teve também uma destacada participação, pois
descerrou, juntamente com Danton Jobim, a faixa que encobria um medalhão elaborado com
o intuito de homenagear Gustavo de Lacerda, cuja figura fora destacada nos discursos dos
presidentes da República e da ABI.
194
Ainda segundo Segismundo, os elementos de esquerda presentes nas hostes da ABI
costumavam eleger, como presidentes, personalidades de caráter conservador capazes de
garantir à entidade e a seus membros o salvo-conduto necessário à sua “sobrevivência”
política. Dessa forma, a ABI representava um grande guarda-chuva capaz de resguardar das
intempéries os seus mais variados membros. A estratégia teria resultado também na escolha
de Adonias Filho para a presidência da Casa do Jornalista, durante os anos de 1972 a 1974.
Conforme relato de Segismundo, os membros da esquerda apoiaram a sua candidatura, pois,
devido ao fato de Adonias Filho possuir influência junto a autoridades militares, a mesma
poderia ser utilizada como meio de obtenção da liberdade de jornalistas presos. Contudo, a
191
O prêmio consiste na mais antiga condecoração internacional concedida a jornalistas. Foi instituído em 1938.
Disponível em http://www.jrn.columbia.edu/events/cabot/. Acesso em 19 abr. 2007.
192
CALICCHIO, op.cit.
193
Depoimento concedido à autora em 29 de agosto de 2005.
194
Boletim da ABI, 17 de abril de 1968.
92
mencionada estratégia não deu certo, pelo menos no entendimento de Fernando Segismundo,
que, em 2003, afirmou:
Não demonstrou gosto pela função, jamais promoveu a Casa, mal lhe concedia uns poucos
minutos diários. Sua falta de empenho constrangia os antigos servidores da agremiação. Ele
errara de praia, como se diz hoje, ele e os sócios que o elegeram. Sua indicação para a
presidência resultou do prestígio que desfrutava junto aos militares, cuja causa (1964)
promovera e mantinha com discrição no meio civil, sobretudo por intermédio do Diário de
Notícias do Rio de Janeiro. Sem integrar o corpo redacional nem ocupar nenhum cargo na
empresa, tinha publicado editoriais de incentivo e apoio ao regime resultante do golpe que
depôs o presidente João Goulart. Ingênuos, seus camaradas da imprensa imaginaram que a
presença dele na Casa poderia coibir excessos ou abonar faltas contra associados porventura
colhidos no arrastão do moralismo e da violência. Tal não ocorreu.
195
Por outro lado, ao relembrar o almoço oferecido a Costa e Silva, Fichel Davit Chargel
não valorizou a figura de Danton Jobim nem descreveu estratégias ou modalidades de
resistência; simplesmente disse que o evento foi um dos mais “deprimentes” da história da
ABI. Além disso, para Chargel a atuação da entidade até 1975, quando Prudente de Moraes
Neto assumiu a presidência, foi “deprimente”.
196
É claro que as experiências de Azêdo,
Segismundo e Chargel são diversas, pois o primeiro não participou do almoço nem dos
protestos contra a presença de Costa e Silva, na ABI. Já Segismundo apoiou e participou do
evento, enquanto Chargel estava do lado de fora do prédio integrando a manifestação de
repúdio liderada por Callado e Carpeaux.
Não podemos desconsiderar, ainda, os lugares ocupados pelos três e a influência deste
fator sobre a construção dos seus discursos. Maurício Azêdo falou como atual presidente da
Associação Brasileira de Imprensa; Segismundo, como ex-presidente
197
e diretor durante
décadas; e Chargel, como ex-membro do Conselho Administrativo, o que implica em menor
comprometimento. Assim, é importante notar que a memória depende da autoridade de quem
195
Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/ipub090420031.htm. Acesso em 5. abr.
2007.
196
Depoimento concedido à autora em 12 de junho de 2006.
197
Segismundo presidiu a ABI nos seguintes períodos: 1977-1978 (após a morte de Prudente de Moraes Neto) e
2000-2004, quando foi eleito por duas vezes. Foi diretor por inúmeras vezes e hoje ocupa o cargo de presidente
da Mesa do Conselho Deliberativo, antigo Conselho Administrativo (2006-2007). Disponível em
www.abi.org.br. Acesso em 5. abr. 2007.
93
fala. Além disso, quando a pessoa fala, tem consciência sobre o seu discurso, pois reconhece a
sua dimensão retórica e, conseqüentemente, sabe o que deve e o que não deve ser lembrado.
No entanto, consideramos que o episódio de abril de 1968 representa um indicativo da
posição política de determinados setores da burguesia e da ambigüidade das relações da
imprensa com a ditadura. Ou seja, alguns setores dominantes que apoiaram o golpe de 1964,
dentre eles a grande imprensa, tinham uma aliança tácita com o governo militar, pois,
conforme destaca Cardoso
198
, o modelo político implantado a partir da década de 1960 contou
com a adesão da “burguesia internacionalizada” e de setores das classes médias.
Segundo o autor, o modelo implementado baseava-se em um desenvolvimento
industrial dependente e associado capaz de se inserir mais profundamente no sistema
capitalista internacional de produção, que, na década de 1950, sofreu modificações e passou a
pressupor uma nova divisão internacional do trabalho e formas mais modernas de dominação
econômica. Assim, as corporações internacionais passaram a diversificar não os ramos de
atividade econômica sob seu controle, mas a localização das fábricas, que começaram a ser
deslocadas para áreas periféricas, o que resultou em maior interdependência na esfera
produtiva internacional.
Para possibilitar esse novo processo de acumulação de capital, novas forças sociais
foram articuladas com o intuito de desmontar os instrumentos de pressão e defesa das classes
populares, tarefa que o golpe de 1964 cumpriu com rapidez. A implementação de um governo
militar garantiu, portanto, dinamismo econômico e estabilidade social, aqui entendida como a
manutenção de uma sociedade de classes isenta de processos políticos de mobilização capazes
de pôr em risco o sistema vigente.
198
CARDOSO, 1973.
94
É isto que explica, possivelmente, a relação entre os atores políticos principais (os militares
e em grau de subordinação a burocracia tecnocrática), investidos de tanto poder para
implementar, no fundo, uma política econômica que atende aos interesses da burguesia
internacionalizada deixando-a simultaneamente à margem do sistema político formal.
Explica, ao mesmo tempo, a apatia complacente das classes médias urbanas, para não
mencionar a euforia adesista dos setores desta que vêem uma chance de incorporar-se, pela
empresa privada, pela empresa pública ou por intermédio do próprio Estado, no carro
desenvolvimentista. Houve uma base de acordo possível entre o Estado e a burguesia. Esta
abriu mão momentaneamente de parte dos controles políticos tradicionais (o sistema de
partidos, as eleições, etc.) e dos instrumentos de definição de símbolos e de difusão
ideológica (a liberdade de imprensa, o habeas corpus, o pluralismo doutrinário, a educação
liberal) que passaram a responder mais diretamente às pressões do Estado e ao controle
militar. Além disso, a sociedade civil cedeu terreno ao Estado na regulamentação da vida
econômica. Por outro lado, os militares assumiram implicitamente os interesses econômicos
do empresariado como se eles fossem os da nação e definiram áreas, de maior ou menor
influência, que passaram a ser preferenciais para a ação da empresa privada. O dinamismo
econômico do sistema assim estruturado abriu perspectivas favoráveis para a absorção dos
grupos e camadas mais modernos das classes médias, que, por seus interesses ou propósitos,
estivessem ligados à burguesia.
199
Dessa forma, associados ao governo militar em virtude do modelo econômico, mas
alijados do processo político tradicional, os setores da sociedade civil representados por parte
da burguesia e das classes médias passaram a depender de contatos e alianças com os grupos
militares e tecnocráticos que detinham o poder de decisão. A ABI, cuja direção identificava-se
majoritariamente com a burguesia liberal e internacionalizada se inseriu neste quadro,
conforme podemos inferir do próprio discurso de Danton Jobim, que defendeu o “caminho da
normalidade” e “a concórdia entre os brasileiros” como meio capaz de garantir a grande
tarefa de desenvolvimento deste país”.
200
Comungavam da mesma posição os donos dos jornais presentes no almoço realizado
pela ABI. Vale notar que todos, em maior ou menor escala, possuíam divergências com o
governo militar geradas, principalmente, pela prática da censura, ainda não definitivamente
imposta, o que aconteceria com a decretação do Ato Institucional nº. 5 (AI-5), em fins de
1968. Contudo, as divergências não eliminavam a adesão, as alianças e o fato de o Estado ser
o maior anunciante do país, além de responsável pela importação do papel de imprensa e pela
concessão de canais para emissoras de rádio e televisão.
199
CARDOSO, op.cit, p.67. Cf. O’DONNELL, 1987.
200
Boletim da ABI, 17 de abril de 1968. Vide página 73.
95
O Globo, por exemplo, que apoiou a ditadura militar desde o princípio, após o almoço
que contou com a presença de Roberto Marinho, conseguiu publicar um suplemento de doze
páginas com anúncios sobre a Petrobrás e a inauguração de uma nova refinaria, o que lhe
rendeu milhões de cruzeiros.
201
o Correio da Manhã encontrava-se em pior situação, pois, devido ao destaque dado
aos excessos do governo instalado a partir de 1964, assistiu à fuga de seus anunciantes. Em
contrapartida, Niomar Muniz Sodré Bittencourt aceitou a presença de um interventor ligado a
agências estrangeiras de propaganda e iniciou um processo de remanejamento no quadro de
redatores. Carlos Heitor Cony foi dispensado por ter publicado artigo onde dizia ter o país
passado a se chamar “Brasil dos Estados Unidos
202
e Otto Maria Carpeaux teve sua seção
suprimida e foi impedido de assinar qualquer matéria. Assim, a tentativa de reverter o declínio
econômico de seu jornal explica a presença de Niomar Muniz Sodré Bittencourt no almoço,
bem como os aplausos dirigidos a Costa e Silva, após o seu discurso.
No entanto, o esforço conciliador da proprietária do Correio da Manhã o obteve
resultado, pois, em janeiro de 1969, após o AI-5, Niomar Muniz Sodré Bittencourt teve seus
direitos políticos suspensos e foi presa, juntamente com os jornalistas Osvaldo Peralva, ex-
membro do PCB, e Nélson Batista, integrantes da direção do jornal. A crise financeira
também se aprofundou, motivada pelo aumento da perda de publicidade e pela retração do
número de leitores. Em fins de 1969, o Correio da Man foi arrendado por um grupo
liderado por Maurício Nunes de Alencar
203
, o que representou uma decisiva alteração na linha
201
Tribuna da Imprensa , 10 de abril de 1968.
202
O artigo que provocou a demissão de Cony foi o intitulado “Ato Institutcional II”, publicado em 1965. Havia
especulações, na época, sobre a promulgação de um segundo ato institucional. Cony, então, se antecipou e o
divulgou antes mesmo do governo. No seu ato inventado, o artigo dizia o seguinte: “A partir da publicação
deste Ato, os Estados Unidos do Brasil passam a denominar-se Brasil dos Estados Unidos”. Cf. CONY, 2004.
203
Maurício Nunes Alencar também arrendou o periódico Última Hora de Samuel Wainer. Cf. WAINER, 1989.
96
política do jornal que assumiu uma posição governista incondicional e passou a pugnar a
união de todos os brasileiros na batalha pelo desenvolvimento
204
.
Vale notar que a despeito das promessas proferidas no discurso realizado na ABI, de
que não iria decretar estado de sítio e um novo ato institucional em virtude dos confrontos dos
estudantes com a polícia, o governo de Costa e Silva promulgou o AI-5, em 13 de dezembro
de 1968. O ato deixou de vigorar em dezembro de 1978, no apagar das luzes do governo
Geisel (1974-1979) e durante dez anos permitiu que os presidentes da República tivessem o
poder de determinar a censura da correspondência, da imprensa e das telecomunicações.
205
O ato garantiu ao Executivo,
o poder de fechar o Congresso Nacional e as assembléias estaduais e municipais, o direito de
cassar os mandatos eleitorais de membros do Legislativo ou Executivo nos níveis federal,
estadual e municipal; o direito de suspender os direitos políticos dos cidadãos por dez anos
(...), o direito de demitir, destituir de cargos públicos, transferir ou aposentar funcionários
federais, estaduais e municipais; o direito de despedir, destituir ou transferir juízes e de
eliminar todas as garantias do Judiciário com respeito à estabilidade, à intransferibilidade e à
irredutibilidade do salário; o poder de declarar estado de sítio sem quaisquer dos
impedimentos dispostos na Constituição de 1967; o direito de confiscar propriedade privada
para uso do Estado a título de subversão ou corrupção; a suspensão do habeas corpus em
todos os casos de crime político contra a segurança nacional; o processo de crimes políticos
por tribunais militares sem direito a qualquer outro recurso judicial; o direito de legislar por
decreto e baixar quaisquer outros atos institucionais ou complementares; e, finalmente, a
proibição de qualquer consideração pelo Judiciário de recursos dos acusados nos termos de
quaisquer dispositivos do AI-5. Todas as determinações do ato permaneceriam em vigor até
que o presidente assinasse um decreto revogando-o expressamente.
206
Assim, a conjunção dos Atos números 1, 2 e 5 garantiu a transformação do sistema
jurídico e institucional brasileiro. Contudo, o AI-5 não foi o derradeiro ato institucional, pois
vários outros foram editados em reposta a novas mudanças na situação política do país.
207
É
importante notar que o AI-5 não instituiu de forma clara a censura prévia e a autocensura, pois
204
LEAL, Carlos. Correio da Manhã. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. FGV:CPDOC,
versão eletrônica. O Correio da Manhã deixou de circular em 8 de julho de 1974.
205
GAZZOTTI, op.cit, p.43.
206
SMITH, op.cit, p.38.
207
SMITH, op.cit. Destacamos o AI-13, que determinava exílio e banimento por crimes políticos, o AI-14 que
restabeleceu a pena de morte para crimes contra a segurança nacional, e o AI-17, que permitia a destituição de
militares que agissem contra “a unidade das Forças Armadas”. Havia, ainda, o Decreto-lei 477, de 1969, que
punia sumariamente professores, estudantes e administradores escolares que participassem de atos considerados
contrários à ordem pública. Todos esses atos e decretos funcionavam em consonância com a Lei de Segurança
Nacional, baixada em 1967.
97
nos seus termos a liberdade de imprensa podia ser suspensa somente em caso de estado de
sítio, mas nunca foi declarado estado de sítio durante a sua vigência. No entanto, ambas as
práticas foram estabelecidas independentemente de qualquer ação oficial pública, o que
denota a preocupação da ditadura militar com a questão da legitimidade. Ou seja, a censura
prévia consistiu em um “segredo relativamente público”, à medida que era público na esfera
da imprensa e não da sociedade. “Não havia nada parecido com o imprimátur que todos os
jornais traziam junto ao seu logotipo na Espanha com Franco ou em Portugal com Salazar,
declarando que as matérias tinham sido examinadas e aprovadas pelas autoridades”.
208
Nem
havia, nas próprias leis elaboradas pelo regime, termo que contrariasse o direito constitucional
da liberdade de imprensa.
Os jornais, dessa forma, eram avisados, através de telefonemas e bilhetes informais,
que seriam submetidos à censura e não podiam avisar aos leitores que estavam sendo
censurados. A censura se dividiu em duas formas: a censura prévia e a autocensura. A
primeira foi infligida a órgãos da grande imprensa e da imprensa alternativa e as sete
publicações citadas com mais freqüência como tendo sido sujeitas à sua prática foram as
seguintes: Pasquim, novembro de 1970 a 1975; O Estado de São Paulo, setembro de 1972 a
janeiro de 1975; O São Paulo, junho de 1973 a junho de 1978; Opinião, janeiro de 1973 a
abril de 1977; Veja, 1974 a junho de 1976; Movimento, abril de 1975 a junho de 1978 e
Tribuna da Imprensa, entre 1968 e 1978.
A censura prévia consistia no estabelecimento de censores da Polícia Federal nas
redações dos jornais ou no envio destes ao escritório da instituição, em Brasília, o que
provocava danos financeiros ainda maiores, pois além da perda do material censurado havia
ainda os gastos com o envio das edições diárias à capital e com o atraso na publicação do
jornal e na distribuição do mesmo. O atraso implicava também na perda da oportunidade da
208
SMITH, op.cit, p.96.
98
notícia. Não raro, os periódicos desenvolviam estratégias que procuravam alertar seus leitores
para a existência da censura. O Estado de São Paulo, por exemplo, chegou a publicar, de
forma sistemática, trechos retirados de Os Lusíadas, de Camões, e O São Paulo, jornal
publicado pela Arquidiocese paulista, substituiu os artigos censurados por salmos, trechos da
Bíblia e pelo “Pai-nosso”.
Vale notar que, ao contrário do que é normalmente veiculado, inclusive, pelos próprios
jornalistas, os censores não eram, na totalidade, indivíduos ignorantes que poderiam ser
facilmente ludibriados. Muitos eram também profissionais da imprensa selecionados através
de concursos que visavam compor os quadros da Polícia Federal. Atuavam, portanto, como
censores e conseqüentemente como “intelectuais do Estado” ou conforme denomina Kushnir,
como verdadeiros “cães de guarda”.
209
a autocensura era mais freqüente, visto que incidia sobre a maioria dos veículos de
comunicação. Segundo Smith, “foi imposta pelo regime, e não pelos censurados a si
próprios”,
210
como o conceito parece indicar. De 1968, quando foi decretado o AI-5, a 1978,
a Polícia Federal expediu proibições contra a divulgação de determinados assuntos e vigiou a
imprensa para ver se as proibições estavam sendo cumpridas.
Ainda de acordo com a autora, a autocensura é uma subcategoria da censura. Existe
algo a dizer, você sabe disso, mas não diz. Não é o silêncio da ignorância ou da falta de
discernimento, e sim o da abstenção consciente”.
211
Dessa forma, ao contrário da censura
prévia, que redundou em formas de resistência à ditadura, a autocensura foi consentida pela
maior parte da imprensa, que, dependente economicamente do Estado, se submeteu às ordens
dos governos militares, dando origem a um “acordo forçado”.
212
209
KUSHNIR, 2004. O trabalho da autora desconstrói o mito de que o censor era um despreparado
intelectualmente e torna ainda mais complexa a relação entre imprensa e Estado, durante a ditadura militar. O
termo “cães de guarda” foi anteriormente utilizado por HALIMI, 1998.
210
SMITH, op.cit, p.136.
211
Ibid.
212
Ibid.
99
Assim, veículos de comunicação da grande imprensa se sujeitaram à autocensura por
pragmatismo. Considerando que o Estado no Brasil apresenta um histórico de envolvimento
profundo com o desenvolvimento de quase todas as áreas no âmbito econômico, político e
social, não podemos desconsiderar o fato de que os militares agiram como catalisadores da
modernização da imprensa nacional,
213
pois ao lado da imposição da censura, a modernização
da mídia fez parte de uma estratégia ligada à ideologia da segurança nacional que visava a
implantação de um sistema de informação capaz de integrar o país dentro de um projeto em
que o Estado era entendido como o centro irradiador de todas as atividades fundamentais em
termos políticos.
Um dos símbolos desse projeto foi a criação da Empresa Brasileira de
Telecomunicações (EMBRATEL), que deu início à instalação da rede básica de
telecomunicações. Em 1965, foi também criado o Ministério das Comunicações e, em 1972, a
Telecomunicações Brasileiras S/A, empresa pública federal responsável pela coordenação dos
serviços de telecomunicações em todo o território brasileiro.
214
Os empresários da mídia, portanto, em meio a essa intervenção modernizadora, foram
beneficiados pelos governos militares. Buscaram empréstimos junto aos bancos estatais,
obtiveram permissão para importar equipamento e papel, angariaram concessões para atuar
em outros meios, ou seja, no rádio ou na televisão, e lucraram muito com a publicidade
oficial, que em alguns jornais importantes chegou a representar de 15 a 30% do
faturamento.
215
Além da censura, eram também comuns os confiscos de tiragens e a ameaça à
integridade física dos profissionais da mídia. Donos, diretores e jornalistas freqüentemente
eram vítimas de processos judiciais nos termos da Lei de Imprensa ou da Lei de Segurança
213
ABREU, op.cit.
214
Ibid.
215
SMITH,op.cit, p. 58.
100
Nacional. Jornalistas eram detidos por curtos períodos de tempo e bombas foram colocadas
nas sedes de periódicos. Dessa forma, as relações do governo militar com a imprensa eram
bastante complexas, pois, se de um lado, o Estado incentivava a modernização do setor e
consistia no seu melhor anunciante, de outro, inibia a possibilidade de uma obtenção ainda
maior de lucro, já que cerceava a elaboração de notícias que poderiam aumentar a vendagem
dos jornais e gerava custos suscitados por todo o processo de execução da censura.
101
5. A Semana do Exército
Como todos os presidentes da ditadura militar, o general Artur da Costa e Silva
assumiu a presidência, em 15 de março de 1967, prometendo uma abertura política capaz de
“humanizar a revolução”. Tentou dialogar com diferentes grupos, do clero aos homens de
negócios e aos políticos garantindo-lhes que seu governo daria atenção aos pedidos de
mudanças. Em abril de 1967, adotou uma medida para demonstrar seu comedimento:
anunciou a proscrição de inquéritos policial militares (IPMs) conduzidos por tribunais
militares durante a presidência de Castelo Branco
216
. Criou também a Assessoria Especial de
Relações Públicas (AERP), em janeiro de 1968, com o intuito de melhorar a sua imagem e a
do governo.
217
Contudo, as promessas de humanizar o regime se dissiparam, em dezembro de 1968,
com a decretação do AI-5, que redundou de pressões oriundas, em maior parte, da extrema-
direita militar que considerava absurdas as críticas e manifestações contra os militares. Uma
delas consistiu na fundação da Frente Ampla, organizada por Carlos Lacerda, que anunciou a
sua candidatura à presidência da República, no pleito que deveria acontecer em 1971. Outra,
no necrológio publicado por Hélio Fernandes, na Tribuna da Imprensa, após a morte de
Castelo Branco em acidente aéreo, em 18 de julho de 1967. O jornalista afirmou que “a
humanidade pouco perdeu, ou melhor, nada perdeu com a morte de Castelo Branco (...) um
homem frio, insensível, vingativo, implacável, desumano, calculista, cruel, frustrado (...) de
coração semelhante ao deserto do Saara”. Os militares ficaram revoltados e Costa e Silva
reagiu mandando prender o autor e dono do jornal.
218
O governo militar e o presidente eram algumas vezes criticados em jornais da grande
imprensa e, principalmente, da imprensa alternativa, cujas relações econômicas com o Estado
216
SKIDMORE, op.cit, p. 148.
217
FICO, 1997, p.90-120.
218
SKIDMORE, op.cit.
102
eram reduzidas, e o ano de 1968 foi também marcado por protestos. Em fevereiro, abril e
julho, os operários entraram em greve em Osasco (SP) e Contagem (MG) e, durante o
primeiro semestre, ocorreram manifestações estudantis que culminaram na passeata dos cem
mil”, em 26 de junho. Em agosto, a polícia invadiu a Universidade de Brasília, o que fez com
que o deputado Márcio Moreira Alves proferisse da tribuna da Câmara uma série de discursos
condenando a operação e pedindo boicote do povo às festividades do dia 7 de Setembro. O
deputado propôs, ainda, que as mulheres brasileiras, assim como as gregas da comédia de
Aristófanes, boicotassem seus maridos até que o governo suspendesse a repressão. O discurso
foi, posteriormente, identificado por Moreira Alves como algo bobo” e foi recebido por
aqueles que o leram em alguns jornais, como interessante ou divertido, mas incapaz de
provocar indignação.
219
Contudo, o mesmo não ocorreu entre os militares que o reproduziram
e distribuíram nos quartéis.
220
O discurso, assim, se constituiu em um pretexto. Os três ministros militares pediram à
Comissão de Justiça da Câmara, onde a ARENA tinha maioria, a suspensão das imunidades
parlamentares do deputado, a fim de processá-lo por insulto às Forças Armadas de acordo
com a Lei de Segurança Nacional, mas a Comissão surpreendentemente negou o pedido.
Alguns membros foram, então, substituídos e o pedido do governo foi, finalmente, acatado e
seguiu para o plenário da Câmara para que fosse votado. A Câmara realizou a votação, em 12
de dezembro, e para a surpresa de muitos e revolta da linha-dura negou o pedido do governo e
a recomendação da Comissão de Justiça. Em seguida à derrota do governo, a Câmara
vivenciou verdadeiro pandemônio. Alguém começou a cantar o hino nacional e todos fizeram
o mesmo.
221
No dia seguinte, o governo deu a sua resposta, inclusive, ao partido da situação
219
Disponível em http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1303. Acesso em 7 abr.
2007. Vale notar que o discurso além de o provocar indignação na sociedade foi noticiado quando veio à
luz a representação do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, pedindo a licença para processar o
deputado Márcio Moreira Alves.
220
COUTO, 1999.
221
SKIDMORE, op.cit, p.165.
103
(ARENA), e decretou o AI-5, que eliminou os resquícios liberais presentes na Constituição de
1967.
Em virtude desta modificação do cenário político e da tendência da ditadura militar
brasileira para a legitimidade formal, o presidente Costa e Silva procurou elaborar uma nova
Constituição capaz de substituir a de 1967. Para tanto, em 14 de maio de 1969, solicitou a
ajuda do vice-presidente, o liberal Pedro Aleixo, cujo projeto, inicialmente, previa eleições
diretas nos estados; a reabertura do Congresso que havia sido fechado com o AI-5; a
transferência para o Parlamento da missão de eleger o próximo presidente da República; e o
restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos.
222
Dessa forma, os principais veículos da grande imprensa, que eram a favor do
capitalismo de mercado, do liberalismo e da burguesia, viram com bons olhos a possibilidade
de retorno das instituições democráticas representada pela proposta de reforma constitucional.
A revista Veja, por exemplo, criada em setembro de 1968,
223
apoiou o projeto de reforma do
governo desde o início, pois tinha grande interesse no restabelecimento de elementos da
tradição liberal, principalmente, o da liberdade de imprensa, pois, a partir da promulgação do
AI-5, a revista começou a ser censurada.
Vale notar que a Editora Abril, a princípio, não obteve lucros com o semanário, o que
a fez sentir ainda mais o impacto gerado pela apreensão da décima quinta edição de Veja,
recolhida das bancas sob o pretexto de que veiculara uma foto do presidente Costa e Silva
sentado sozinho no plenário da Câmara. Assim, a revista, a partir de maio de 1969, passou a
apoiar a reabertura do Congresso e a depositar esperanças, inclusive, numa abertura política
conduzida por Costa e Silva. Com o intuito de não ser cerceada pela censura, a revista
transmitia seu posicionamento através da veiculação de entrevistas e depoimentos de
autoridades políticas do governo, favoráveis à reforma constitucional. Por outro lado, a revista
222
GAZZOTTI, op.cit.
223
Veja foi lançada pela Editora Abril, pertencente a Victor Civita.
104
condenava qualquer tipo de extremismo da oposição, como as ações de guerrilha urbana que
emergiram em 1968. Para Veja, tais ações poderiam acarretar um recrudescimento do regime
e um refluxo da possibilidade de retorno da normalidade democrática. Ademais,
ideologicamente a revista também era contra a luta armada, pois a considerava como uma
afronta ao sistema capitalista.
224
Acreditamos que tal posicionamento permeou a grande imprensa e ecoou na ABI, que
promoveu uma homenagem ao Exército, em 18 de agosto, que contou com a participação do
ministro do Exército, general Aurélio de Lira Tavares (1967-1969), do comandante do I
Exército, general Sizeno Sarmento (1968-1971), e de sessenta oficiais generais então em
serviço no estado da Guanabara ou em trânsito.
A iniciativa partiu mais uma vez do presidente Danton Jobim, que entrou em contato
com Lira Tavares através de um emissário. Havia, na época, um filme, de iniciativa
particular,
225
cujo conteúdo versava sobre as atividades do Exército, sobretudo sobre os seus
empreendimentos no interior do país. O filme seria exibido na “Semana de Caxias”, realizada
em homenagem ao dia do soldado e ao aniversário de Duque de Caxias, patrono do Exército,
ambos em 25 de agosto. O emissário de Jobim, então, pediu ao ministro que sua primeira
exibição ocorresse no auditório da ABI para uma audiência de jornalistas, no dia 18 do
mesmo mês, exatamente o início da “Semana do Exército”.
226
O emissário também convidou
o ministro e os generais da guarnição do estado da Guanabara para assistirem ao filme, na
ABI, ao lado dos jornalistas. Dessa forma, o convite se enquadrou na expectativa da grande
imprensa em relação, sobretudo, ao projeto de Constituição que estava sendo elaborado por
Pedro Aleixo e que seria em breve apresentado ao presidente da República.
No entanto, a expectativa não era unânime, pois, no interior das Forças Armadas,
grupos de oficiais se opunham à reforma constitucional, pois acreditavam que o Congresso
224
GAZZOTTI, op.cit.
225
Infelizmente não foi possível identificar o produtor do filme.
226
TAVARES, 1977, 195-205.
105
deveria permanecer em recesso e que o AI-5 deveria continuar em vigor por tempo
indeterminado. Vale notar que esses grupos de oficiais apoiaram, em 1968, o aprofundamento
da “Revolução de 64”, o que para João Roberto Martins Filho, consistiu no recrudescimento
da militarização do regime. Segundo o autor, isto foi possível devido à “unidade de crise”
gerada pela onda de agitação política do ano em questão. Assim, essa unidade foi capaz de
unir diferentes setores da caserna em prol da manutenção do poder militar. Contudo, após a
promulgação do AI-5 e com o anúncio da proposta de reforma constitucional de Costa e Silva,
a unidade cedeu lugar à “cizânia”, pois diferentes correntes militares passaram a lutar pela
sucessão e pela continuidade do processo de militarização do regime.
227
Conforme destaca o autor, a oficialidade da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
(ESAO) consistia em um desses grupos, pois desejava, ao invés da volta aos quartéis”, que
os quartéis passassem a participar efetivamente da política do governo. Para esses oficiais a
reforma do papel do Exército na política possuía um sentido preciso, pois visava levantar uma
série de reivindicações históricas relativas à carreira militar, às condições gerais da
corporação e aos salários, a fim de apontar a ausência de mecanismos de compensação
capazes de fazer frente ao ônus da impopularidade que recaía sobre a oficialidade desde
1964.
228
Além da problemática da militarização, havia, também, no interior das Forças
Armadas, projetos políticos diferentes que concorriam ao poder. Segundo Martins Filho
existiam, nessa época, pelo menos quatro grupos diferenciados dentro das Forças Armadas: os
“castelistas” (ligados à Escola Superior de Guerra, representados no governo Costa e Silva,
pelo ministro do Exército, Lira Tavares e pelo chefe do Estado-Maior, general Orlando
Geisel); os “duros” (grupos de oficiais ligados aos coronéis Boaventura Cavalcanti e Ruy
Castro, representados pelo ministro das Minas e Energia, o coronel Costa Cavalcanti, e pelo
227
MARTINS FILHO, 1995.
228
Ibid. O pensamento da oficialidade reunida pela ESAO foi divulgado através de um manifesto que ficou
conhecido como “manifesto dos capitães”.
106
importante comandante do I Exército, general Sizeno Sarmento); os “albuquerquistas”
(ligados ao ministro do Interior, general Afonso Albuquerque Lima, defensor de um
nacionalismo militar mais articulado que os “duros” e voltado para a crítica dos aspectos
centrais da política de desenvolvimento castelista); e o “grupo palaciano” (colaboradores de
Costa e Silva, como o general Jayme Portella, chefe do Gabinete Militar, o coronel Mário
Andreazza, ministro dos Transportes, o coronel Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, e o
general Garrastazu Médici, chefe do Serviço Nacional de Informações).
229
Assim, o convite de Danton Jobim simbolizou uma tentativa de aproximação da
sociedade civil com as Forças Armadas, pois tencionou amainar a desconfiança e a desunião
dos líderes militares, representados pelos sessenta generais, assim como demonstrar os
anseios e a confiança da oposição civil na possibilidade de uma abertura política promovida
pelo próprio regime militar. Vale notar que, apesar da transferência para Brasília, em 1961, a
capital do país continuava a ser no sentido cultural e político a cidade do Rio de Janeiro, que
possuía vários ministérios, a imprensa de maior ressonância nacional e o mais numeroso
contingente militar do país, reunido no I Exército, comandado pelo general Sizeno
Sarmento.
230
Dessa forma, o evento realizado na ABI teve grande abrangência, porque
conseguiu reunir dois importantes atores políticos: a grande imprensa e a elite militar.
No entanto, o evento não teve a mesma repercussão que o episódio do “banquete para
o ditador”, pois a imprensa, calada pela censura, apenas noticiou o comparecimento do
ministro e dos generais à ABI. A Tribuna da Imprensa, por exemplo, que se constituíra no
principal arauto das críticas dirigidas a Danton Jobim pelo almoço do sexagésimo aniversário
da Associação; em agosto de 1969, se limitou a comunicar o evento no dia seguinte à sua
229
MARTINS FILHO, op.cit, 173-188.
230
Como comandante do I Exército, Sizeno Sarmento criou o Centro de Operação para a Defesa Interna (CODI),
órgão destinado a combater a subversão, sediado no Rio de Janeiro. Mais tarde o centro foi transformado no
Departamento de Operações Internas (DOI). Foi principalmente durante o seu comando, marcado pelo
enfrentamento entre grupos de esquerda armados e as forças da repressão, que o CODI funcionou mais
ativamente, notabilizando-se pela severidade com que desempenhou suas funções, o que lhe valeu acusações de
maus-tratos a prisioneiros políticos. Cf. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. FGV:CPDOC,
versão eletrônica.
107
realização e a publicar trechos dos discursos do presidente da entidade e do ministro do
Exército.
231
Internamente, o episódio também provocou pouca controvérsia ou, até mesmo,
nenhuma se levarmos em conta as fontes analisadas. Contudo, acreditamos que a presença dos
generais na entidade, principalmente após os expurgos proporcionados pelo AI-5, tenha
gerado desconforto e oposição por parte de alguns membros. Todavia, a leitura das fontes não
nos permite apreender essa recusa, pois “A Semana do Exército” é mencionada pouquíssimas
vezes nas atas de reunião do Conselho Administrativo e de forma elogiosa no Boletim da ABI
de agosto de 1969. A “Semana do Exército” aparece pela primeira vez na ata da reunião do
Conselho Administrativo realizada no dia 19 de agosto, quando o jornalista e também
deputado João Calmon, a convite de Danton Jobim, compareceu à dita reunião para falar
sobre o programa “Década da Educação”, lançado com o apoio dos Diários Associados, do
qual era um dos principais acionistas. Antes de qualquer explicação, Calmon agradeceu ao
anfitrião e o elogiou pelo discurso proferido na véspera, no qual defendera a liberdade de
imprensa como um princípio democrático. Em seguida, o conselheiro Paulo Magalhães
também elogiou o discurso de Danton Jobim, “que teve a maior repercussão, não apenas entre
os jornalistas, mas em todos os setores de atividade, inclusive, nas Forças Armadas”. O
conselheiro elogiou, ainda, a qualidade do filme exibido na mesma ocasião, no qual eram
destacados os trabalhos executados pelo Exército em todo o território nacional.
232
A ata de 23 de setembro também apresenta breve referência à Semana do Exército,
pois cabia ao presidente da entidade relatar a cada reunião as atividades do mês anterior.
233
As
menções ao episódio, portanto, se restringem a esses registros. Contudo, há nas atas de todo o
ano de 1969 uma preocupação constante com a reabertura do Congresso, de natureza muito
mais prática que política, gerada pela má situação financeira da ABI, cuja renda encontrava-se
novamente deficitária, pois o valor das mensalidades pagas pelos sócios era pequeno e os
231
Tribuna da Imprensa, 19 de agosto de 1969, p.3.
232
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 19 de agosto de 1969.
233
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 23 de setembro de 1969.
108
atrasos e a inadimplência eram comuns. A verba da ABI também se baseava em auxílios
oficiais e orçamentários concedidos por políticos. Dessa forma, com o fechamento do
Congresso, as subvenções obtidas junto aos parlamentares desapareceram.
234
A questão
financeira levou a entidade a renovar o contrato de exploração de seu restaurante e a discutir
com o governador Francisco Negrão de Lima a renovação do aluguel da loja que a
Recebedoria do estado da Guanabara ocupava no prédio da ABI. Alguns conselheiros e o
próprio Danton Jobim chegaram a cogitar, até mesmo, a realização de uma festa junina como
forma de angariar fundos.
Já no Boletim da ABI, a Semana do Exército obteve destaque como o meio encontrado
pelos jornalistas para pedir ao governo que acelerasse a normalização da vida política do país.
O pedido foi transmitido por Danton Jobim através do seu discurso:
A presença de V. Exª nesta Casa e dos generais em serviço na Guanabara é uma honra
insigne que sabemos devidamente apreciar. A ABI abre hoje suas portas ao soldado brasileiro
para a celebração de um ato cívico sem precedentes. Senhor ministro, senhores generais,
devemos ser sinceros nesta hora, temos o dever da franqueza em ocasião como esta. O Brasil
estava necessitando deste encontro. As incompreensões cresciam, os equívocos se
acumulavam; a velha e querida imagem do Exército, tão simpática ao nosso povo, corria o
risco de ser obscurecida pela falsa idéia de que o Exército de hoje perdeu seus vínculos com
o passado.
Na realidade, o Exército não mudou. É o que ele vem dizer, talvez, aos grandes responsáveis
pela formação da opinião blica. Mudaram alguns objetivos imediatos. Mudaram os
métodos e as técnicas. Ampliou-se a preparação profissional que ganhou novos horizontes.
Mas o Exército é o mesmo, medularmente popular e democrático, fiel às suas raízes.
Quanto a nós, jornalistas, aqui viemos dizer que colocamos as Forças Armadas no lugar que
elas merecem, seguros como estamos de que hão de ser sempre, no Brasil, instituições
voltadas para os interesses e aspirações do nosso povo. Em momentos confusos, poderá
supor-se que o soldado brasileiro contradiz seu íntimo sentimento democrático e sua
convicção legalista, do mesmo modo que, em certas ocasiões, poderá parecer que o jornalista
amplia ou exagera a imagem das crises que se sucedem, ajudando com isso a subversão ou a
desordem.
Na verdade, a Imprensa, esforçando-se para captar o efêmero, reflete, como um espelho, a
realidade de cada dia, nem sempre aquela que nos agradaria ver. Por outro lado, o Exército
faz o que julga do seu dever, concentrando-se no desempenho de sua missão, também
difícil: produzir segurança para que a Nação possa trabalhar e progredir. O que é preciso é
que nos compreendamos mutuamente e procuremos realizar nossas tarefas sem paixões ou
preconceitos, com os olhos postos neste pensamento cardeal: democracia mais segurança é
igual a desenvolvimento.
Na conversa franca que me propus manter convosco, na oportunidade deste encontro, não
posso deixar de ferir um tema político, embora a ABI paire, como as instituições militares,
acima da política, no sentido mais estrito e vulgar do termo.
234
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 19 de junho de 1969.
109
As Forças Armadas assumiram nas presentes circunstâncias responsabilidades enormes, que
não podemos ignorar. Estamos encerrando agora mais um período de exceção em nossa vida
institucional. Ninguém mais o deve desejar - estou certo - do que o Exército Brasileiro. Sua
vocação democrática jamais permitiu, no passado, que ele se arvorasse em supremo árbitro
dos desígnios da Nação. Seu apego à legalidade o afastou sempre da tentação de usurpar o
poder. Não seria hoje, pois, quando esse se mostra com um grau de evolução e maturidade à
altura das exigências da Era Tecnológica, que veríamos surgir no Brasil o que entre nós
nunca houve: o caudilhismo militar. A restauração do poder civil deve ser aspiração de
paisanos quanto de militares, neste país.
Disse uma vez V.Exa, general Lira Tavares, que soldados do Brasil são, particularmente, os
homens de cultura e os homens de Imprensa, porque a eles cabe a tarefa mais relevante, a
responsabilidade mais alta, de formar e fortalecer a consciência cívica da nacionalidade. No
que eles escrevem e no que eles dizem e difundem, para o bem ou para o mal, está sem
dúvida a boa ou má semente destinada a fecundar o espírito do povo. Neste momento,
senhor ministro e senhores generais, o pensamento dos jornalistas brasileiros volta-se para
as Forças Armadas do país, particularmente para o seu Exército. A boa semente de união
entre civis e militares, para ajudar a restauração da normalidade democrática, está sendo
lançada, mais uma vez, sob a gloriosa bandeira da ABI. Esperamos que ela germine ao calor
dos nossos corações que anseiam pela paz entre os brasileiros. Uma paz autêntica que
assenta na democracia, na segurança e no desenvolvimento.
235
O pronunciamento do presidente da ABI ressaltou, portanto, o desejo dos setores
liberais civis pelo retorno da normalidade democrática e por uma abertura política pacífica e
negociada pelos elementos moderados da oposição e do governo militar. Para tanto, o
discurso procurou apelar para a suposta vocação legalista do Exército e para a sua função
precípua, que consiste em defender o sistema democrático e o país sob a direção do poder
civil. Procurou também deixar evidente a ausência de qualquer tipo de revanchismo capaz de
atrapalhar a conciliação entre civis e militares. Ressaltou o valor e a popularidade do
Exército e de seus soldados e reafirmou a crença dos setores liberais na ideologia de
segurança nacional, como forma de garantir o desenvolvimento econômico do país. Dessa
forma, o discurso de Danton Jobim foi emblemático, porque destacou o posicionamento das
elites civis que visavam resgatar os elementos da tradição liberal democrática sem, contudo,
abrir mão do respaldo dos militares nas crises políticas, que poderiam ser suscitadas por
manifestações populares ou pelas organizações de luta armada.
Danton Jobim foi sucedido pelo ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, que
procurou corresponder à expectativa da grande imprensa e respondeu com exatidão às
235
Boletim da ABI, agosto de 1969. Cf. TAVARES, op.cit, p.199-200.
110
questões levantadas pelo presidente da ABI, o que nos permite afirmar que ambos
combinaram com antecedência o teor dos discursos proferidos.
O Exército Brasileiro é que muito se honra pelo privilégio da grande fidalguia com que a
ABI acolhe e homenageia o seu ministro e os ilustres generais da guarnição da Guanabara,
neste congraçamento de civismo que empresta excepcional ressonância ao programa de
comemorações com que evocamos, nesta semana, a figura legendária do maior de todos os
soldados do Brasil.
É, além de tudo, uma oportunidade que raramente podemos ter, por força mesmo da nossa
condição de militares, normalmente absorvidos na austeridade e no trabalho, por natureza
silencioso, da vida do quartel, para um diálogo, que nos é sempre muito grato, entre
cidadãos igualmente responsáveis pelos destinos e pela segurança da nação.
Vós, como homens de imprensa, nós como soldados, defendemos a democracia brasileira
em dois setores, sem dúvida muito relevantes. E nesta hora em que ela se ameaçada,
principalmente no front do espírito; por adversários ideológicos, que procuram confundir e
amortecer a consciência cívica da nação, estou certo de caberem à imprensa, ainda mais do
que ao Exército, a missão predominante, a responsabilidade mais direta e o papel mais
eficaz na defesa e na preservação das liberdades essenciais do cidadão.
Estas liberdades subentendem, antes de tudo, a consciência dos perigos que as ameaçam,
além do estado de equilíbrio de estabilidade e de segurança, que nos permita usufruí-la sem
o sacrifício do bem maior e mais caro que é a liberdade da tria. Por ela sempre lutou o
Soldado Brasileiro, desde os Guararapes até Monte Castelo.
Em seu holocausto, muitas vidas o Exército imolou, inclusive em dias mais recentes, na
defesa da democracia contra o totalitarismo nazi-fascista, na Europa, e contra a sanha
sanguinária do totalitarismo vermelho, dentro do próprio país.
(...)
Nenhuma arma tem o poder do jornal, nem é mais responsável do que ele no dever de
ajudar a nação, quando se trata de alertá-la sobre os perigos que a cercam e retemperar-lhe
os sentimentos cívicos, pois o grande anseio, como o grande objetivo de todos nós, é a
restauração integral e o fortalecimento da democracia brasileira, em bases que possam
corrigir as suas comprovadas vulnerabilidades, de modo a assegurar-lhe as condições
essenciais e definitivas de sobrevivência no futuro ainda incerto com que nos defrontamos.
Esse é o mais legítimo, o maior de todos os objetivos em que estamos determinadamente
empenhados, tanto vós, que tendes a força de formar e orientar a opinião pública, quanto
nós, que temos a missão de defender a pátria e de garantir a ordem, as instituições e a lei;
tanto o Governo, que está fazendo tudo para honrar esse compromisso da Revolução,
quanto o povo, que saiu às ruas para fazê-la como recurso extremo da salvação da
democracia.
(...)
Realmente, o Exército não mudou. Variaram as circunstâncias da vida nacional, os quadros
conjunturais e o panorama do Brasil, cada vez mais sujeito ao encurtamento das distâncias,
que estreita os países num mundo só, em termos de intercâmbio das civilizações, das
mentalidades, das culturas, dos problemas e dos objetivos nacionais diferentes e, às vezes,
conflitantes. Mudaram os campos e os métodos de agressão à liberdade dos povos.
(...)
Ilustre Senhor Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Professor Danton Jobim.
Nenhum dever me seria mais grato nem mais imperativo do que o de expressar-lhe e a todos
os ilustres jornalistas que nos distinguem com a sua presença os agradecimentos do
Exército pela homenagem que lhe tributa, agora, a imprensa do Brasil, com o alto sentido
cívico deste diálogo.
Vejo, com grande prazer, que estamos falando a mesma linguagem, sobretudo quanto ao
exato e indiscutível conceito de que 'democracia mais segurança é igual a desenvolvimento'.
É este, para nós, um fim de tarde memorável, pela sua própria expressão. Além de tocar
111
muito profundamente a alma do soldado brasileiro, a sua ressonância de servir de grande
estímulo para o seu trabalho silencioso e benemérito, em todos os quadrantes da pátria, pela
ordem e pelo progresso do Brasil.
Muito obrigado, senhor Presidente. Muito obrigado, senhores jornalistas.
236
No entanto, o esforço conciliador da grande imprensa e da ABI foi frustrado, pois, em
26 de agosto, o esboço inicial da Constituição feito por Pedro Aleixo foi submetido à
avaliação de constitucionalistas, ministros de Estado e do próprio Costa e Silva que, inclusive,
sugeriu várias modificações que tornaram o texto menos liberal. Em seguida, o vice-
presidente recebeu a incumbência de incorporar as modificações e de elaborar a minuta final
da Constituição, a fim de que fosse novamente analisada e, de acordo com o desejo do
presidente, aprovada pelo Congresso, que deveria ser reaberto no mês seguinte.
237
Porém, setores do governo não estavam de acordo com este cronograma, conforme
advertiram os três ministros militares, que alertaram Costa e Silva para a recusa dos
comandantes militares do primeiro
238
, segundo e terceiro exércitos frente à reabertura do
Congresso. Costa e Silva, todavia, não se ateve às críticas e deu prosseguimento à condução
da nova carta constitucional, mas foi impedido pela doença que o vitimou em fins de agosto.
A doença do general presidente suscitou entre os militares uma nova “unidade de crise” face à
necessidade de afastar a sucessão constitucional e civil.
239
Assim, as Forças Armadas
apoiaram a posse temporária de uma Junta Militar formada pelos três ministros militares, o
236
Boletim da ABI, agosto de 1969. Cf. TAVARES, op.cit, 201-205. Vale notar que a definição dos militares
como castelistas ou como pertencentes ao grupo da linha-dura é sempre problemática. Lira Tavares, por
exemplo, embora identificado como castelista foi um dos signatários do AI-5. O presidente Geisel, artífice da
abertura e também identificado com ligado ao grupo castelista, recorreu inúmeras vezes ao AI-5 e não abriu mão
de todo o aparato legal autoritário criado pela ditadura. Documentos divulgados recentemente revelam que
aceitava o uso da violência contra presos políticos, posição tradicionalmente associada por parte da historiografia
aos “duros”.
237
GAZZOTTI, op.cit.
238
Ibid. Sizeno Sarmento dias antes participou da homenagem prestada ao Exército pela ABI, o que nos leva a
pensar que o ato não passou de mise-em-scène, pelo menos por parte do general, ou que sua presença fez parte
da contraditória política do regime que sempre tentou combinar força e busca de legitimidade.
239
MARTINS FILHO, op.cit, 175-188.
112
general Lira Tavares, o almirante Augusto Rademacker e o brigadeiro Márcio de Souza
Melo.
240
A Junta Militar tomou posse em 31 de agosto e anunciou o impedimento temporário
do presidente. Conseqüentemente, os setores liberais da sociedade civil passaram a acalentar a
sua recuperação e o seu retorno. A revista Veja, por exemplo, noticiou a doença de Costa e
Silva, em 3 de setembro, como um adiamento da nova Constituição do país e da reabertura do
Congresso.
241
Com o passar dos dias a esperança de retorno do presidente esmaeceu e o
assunto mais comentado pela revista passou a ser a sucessão:
Se o presidente não se recuperar logo - esta possibilidade se apresenta como a mais provável
a solução provisória do governo dos militares aparentemente não tem condições de ser
mantida. De acordo com o AI-12, a Junta Militar se comprometeu a aplicar os planos do
governo Costa e Silva, que previam a reabertura do Congresso e uma nova Constituição.
Mas desde o seqüestro do embaixador norte-americano, o combate à subversão ficou sendo
o primeiro objetivo da Revolução.
242
A partir daí a revista passou a esperar a indicação de um novo nome para a presidência
da República e a convocação do Congresso para referendá-lo. Após a escolha do Alto
Comando das Forças Armadas e do referendo do Congresso para que o general Garrastazu
Médici assumisse a presidência, Veja demonstrou a sua posição através da publicação do
discurso do presidente do MDB, Oscar Passos:
A eleição do presidente da República, no momento atual, traduz a expectativa do retorno à
normalidade democrática. Aqui presentes, queremos significar que damos um crédito à
prometida normalização da vida nacional.
243
Após a sua escolha e antes mesmo da posse do novo presidente, em 30 de outubro, a
ABI, através de Danton Jobim, enviou uma carta ao general Médici, na qual transmitia o
240
Para a posse da Junta Militar o Alto Comando das Forças Armadas decretou o Ato Institucional nº. 12.
241
GAZZOTTI, op.cit, p.68.
242
Ibid. A autora se refere à Veja de 17 de setembro de 1969. O embaixador norte-americano, Charles Elbrick foi
seqüestrado por militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário Oito de
Outubro (MR-8), em 4 de setembro. Exigiram do governo a divulgação de um comunicado com críticas ao
regime e a libertação de quinze presos políticos. O governo atendeu à exigência e os presos foram enviados para
o México. Em resposta à ação dos guerrilheiros, o governo decretou o AI-13, que instituiu a pena de banimento
do território nacional, imediatamente aplicada aos prisioneiros trocados por Elbrick, e o AI-14, que alterou a
Constituição e estabeleceu as penas de morte e prisão perpétua.
243
Ibid, p.71.
113
anseio da entidade e da imprensa pelo retorno das instituições liberais e pela restituição da paz
e da ordem, numa referência indireta ao seqüestro do embaixador Charles Elbrick.
Senhor general Emílio Garrastazu Médici,
A Associação Brasileira de Imprensa, pela sua Diretoria extraordinariamente reunida, vem
apresentar a V. Exa suas congratulações pelo pronunciamento de ontem, no qual V. Exa
expôs seus propósitos de governo. Nele há posições que coincidem com ardentes aspirações
dos homens de imprensa, constantemente renovadas pelo voto de nossas assembléias em
favor da paz e da concórdia entre os brasileiros, sob a égide de um autêntico sistema
democrático representativo. Repercutiu entre nós favoravelmente o reconhecimento, por V.
Exa de que, para a formulação de uma política eficaz de desenvolvimento será preciso
realizar o diálogo “com os homens de empresa, os operários, os jovens, os professores, os
intelectuais, as donas de casa, enfim, todo o povo brasileiro”. Bem assim a declaração que se
segue, de que “esse entendimento requer universidades livres, partidos livres, sindicatos
livres, Igreja livre”, o que pressupõe a eliminação da pressão ilegítima de certos grupos
radicais minoritários. Regozija-se a ABI com saber que o futuro presidente do Brasil “estará
atento a esse esforço de libertação, em cada dia, do seu governo”. Não hesitamos, também,
em aplaudir, sem reservas, esta afirmação de seu discurso: “Em vez de jogar pedras no
passado vamos aproveitar todas as pedras disponíveis para construir o futuro”. Estamos
certos, senhor general Garrastazu Médici, de que chegou a hora da união dos brasileiros em
torno da bandeira “democracia e desenvolvimento”, que V.Exa se mostra disposto a
empunhar com os firmes. A nação poderá unir-se em torno de um programa como esse
que resume os ideais da Revolução. Esta não pode significar para o povo repressão e
intolerância, nem hipertrofia do Executivo e insegurança para os demais poderes. Deve se
constituir numa esperança de paz social e de respeito aos direitos fundamentais do homem,
jamais num regime em que a preocupação, sem dúvida legítima, com a segurança nacional
se torne tão obsessiva que acabe por negar o seu próprio objeto, anulando a segurança de
cada um. Ante o primeiro pronunciamento de V. Exa, de nítida e sóbria eloqüência, a
Associação Brasileira de Imprensa, invocando uma tradição de mais de sessenta anos a
serviço da liberdade de expressão e considerando a necessidade de retirar-se a nação do
impasse institucional, vem manifestar a sua plena confiança em que os propósitos de V.Exa
conduzam ao respeito à liberdade de imprensa, a “primeira das liberdades” numa democracia
sem a qual será impossível o amplo e fecundo diálogo que V.Exa deseja. Por outro lado, a
ABI lança um apelo àqueles que vem discordando da orientação do governo, inclusive a
oposição organizada, para que manifestem o seu propósito de união nacional, de modo que o
novo presidente possa liderar com sucesso um esforço realmente nacional pelo
desenvolvimento e pela democracia, superando a lembrança do passado e encarando com
plena confiança o futuro.
244
O esforço conciliador e até mesmo cortês não parou por aí, pois, ainda em outubro,
Danton Jobim propôs ao Conselho Administrativo que fosse enviado ao então ex-presidente
uma moção de simpatia, na qual se desejaria a Costa e Silva a melhora de sua saúde e se
destacaria “o lado positivo de seu governo, que, atendendo ao pedido da ABI, restabeleceu o
direito para o exercício da profissão de jornalista aos senhores Antônio Callado e Léo
Guanabara.” A proposta foi objeto de ressalvas, pois o conselheiro Hélio Silva disse que
244
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 21 de outubro de 1969.
114
achava prematuro qualquer julgamento favorável ao governo Costa e Silva. Todavia, disse
também que não negaria seu voto a favor de uma mensagem ao cidadão Artur da Costa e
Silva, por motivo de sua doença”. O conselheiro da Mesa, Elmano Cruz, submeteu, então, a
plenário dois textos para que fosse aprovada a mensagem a ser enviada ao general; o primeiro
de sua própria autoria e o outro, do presidente Danton Jobim. Após a apreciação de ambos, o
Conselho aprovou o texto de Elmano Cruz, que se limitava a desejar a Costa e Silva “a
restauração de suas forças e a recuperação de sua saúde no momento abaladas”. O texto foi
assinado pelo seu autor e não por Danton Jobim como seria de praxe, talvez porque este tenha
se oposto ao teor da mensagem ou porque Elmano Cruz tinha laços de amizade com Costa e
Silva.
Dessa forma, é interessante notar a semelhança do discurso da presidência da ABI com
a revista Veja, um veículo de caráter notadamente liberal e conservador. A democracia a que
ambos se referem consiste na democracia burguesa baseada em instituições liberais como o
habeas corpus, a liberdade de imprensa, a independência do Judiciário e o direito de escolha
dos representantes políticos pelo voto. Contudo, este ideal de democracia não abarca a
possibilidade de manifestação de massas populares e de oposições radicais que visem
contestar o sistema. Os índices de cidadania buscados são também reduzidos, pois o modelo
econômico defendido não tem como objetivo a redução das diferenças entre as classes sociais.
Assim, a grande maioria das classes populares urbanas e rurais não se beneficiou
substancialmente com o aumento da renda per capita, nem conseguiu se livrar de graves
problemas sociais, como o analfabetismo, a dificuldade de acesso à educação e, até mesmo, a
dificuldade de obtenção de documentos básicos que constituem um dos requisitos da
cidadania, como certidão de nascimento e identidade.
245
245
Nos referimos aqui ao modelo econômico em vigor responsável pelo que se apelidaria de “Milagre
econômico”. Cf. SINGER, 1977.
115
A visão liberal democrata e os episódios controversos do sexagésimo aniversário da
ABI e da Semana do Exército, contudo, não impediram que os comunistas ligados ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB) integrassem a ABI, durante o período da ditadura militar e
durante a presidência de Danton Jobim (1966-1972). Os “comunistas da ABI” viam a
entidade como um esteio, pois sob a sua égide podiam continuar a discutir e fazer política.
Ademais, sua participação na entidade coadunava-se com as diretrizes políticas do partido,
que, após o golpe de 1964, decidiu se empenhar na formação de uma frente antiditadura. A
decisão foi inicialmente tomada na reunião de 5 de maio de 1965, mas não foi unânime, pois
logo se manifestaram duas posições quanto à orientação a ser seguida pelo PCB, levando
conseqüentemente à formação de dois grupos: de um lado, a facção majoritária, que deu seu
apoio a Luís Carlos Prestes e defendeu a participação dos comunistas em uma frente
antiditadura e, de outro, o grupo liderado por Mário Alves, Manuel Jover Teles, Jacob
Gorender e Néri Reis de Almeida, que defendeu a luta armada como estratégia política. Essa
reunião resultou numa resolução política que orientava os comunistas a participarem das
eleições municipais que se realizariam em São Paulo e das eleições para governador de alguns
estados, como uma forma de luta contra a ditadura. O objetivo do PCB passou a ser isolar e
derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças
antiditadura. Dessa forma, o partido apoiou o governador Negrão de Lima, que, lançado pela
coligação PSD-PTB, foi eleito em outubro de 1965.
246
O PCB recomendou também o voto nas eleições previstas para a Câmara Federal e
para o governo de doze estados a serem realizadas em 1966. As eleições acabaram se
realizando de forma indireta, mas provocaram a primeira cisão significativa do partido pós-
1964, pois a grande maioria dos universitários do PCB da Guanabara se recusou a seguir a
orientação oficial e optou pelo voto nulo. Esses militantes foram expulsos, mas se mantiveram
246
CHILCOTE, 1982. Os partidos ainda não haviam sido extintos pelo AI-2, que foi decretado em 27 de outubro
e resultou na formação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB).
116
organizados na chamada Dissidência da Guanabara. O PCB se manteve coerente com a linha
da estratégia pacífica e estabeleceu diálogos com políticos que desejavam discutir a
organização da Frente Ampla, que contou com a participação de Carlos Lacerda, João Goulart
e Juscelino Kubitschek. O grupo liderado por Prestes via favoravelmente a idéia de formação
da frente, mas o grupo de Carlos Marighella se opunha, pois acreditava que aquele era o
momento de organizar os operários e camponeses para a luta armada. Marighella se desligou
da Comissão Executiva, em dezembro de 1966, denunciando a passividade e o caráter
burocrático da direção do partido. Marighella, então, aproximou-se do “foquismo” defendido
por Ernesto Guevara e Régis Debray, que, com base na experiência da Revolução Cubana,
pregava a constituição de focos guerrilheiros na zona rural. Em julho de 1967, participou da
Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em Cuba, que não contou com
representação oficial do PCB. A OLAS e o governo de Cuba consideravam que a América
Latina só atingiria o socialismo por via revolucionária, posição que se chocava com as
diretrizes da União Soviética e, conseqüentemente, do PCB. A reação da ala majoritária do
PCB ligada a Prestes foi a de expulsar Marighella do partido, em setembro de 1967,
juntamente com Jover Teles, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho, Joaquim Câmara
Ferreira, Mário Alves e Miguel Batista.
O PCB se manteve firme na sua estratégia de oposição, o que fez com que as cisões
prosseguissem, dando origem, direta ou indiretamente, a uma série de organizações de luta
armada, como Aliança Nacional Libertadora (ALN), Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), Comando de Libertação Nacional (COLINA), Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), dentre outros. Em dezembro de 1967, o PCB realizou o
seu VI Congresso, no qual ratificou as expulsões dos dissidentes, assim como a sua posição de
que aquele não era o momento para adotar o caminho da luta armada.
247
247
ARAÚJO, op.cit.
117
Frente ao seqüestro do embaixador Charles Elbrick, o PCB se pronunciou contra esse
tipo de ação. Gregório Bezerra, antigo membro do partido e um dos presos trocados pelo
embaixador norte-americano, ao ser libertado declarou: “Por uma questão de princípios, devo
esclarecer que, embora aceitando a libertação nessas circunstâncias, discordo das ações
isoladas, que nada adiantarão para o desenvolvimento do processo revolucionário e que
servirão somente como pretexto para agravar ainda mais a vida do povo brasileiro e de
motivação para maiores crimes contra os patriotas.”
248
Prestes também fez declarações
criticando a ação desses grupos.
O PCB, dessa forma, se ligou a todos os setores que de forma pacífica se opunham à
ditadura e procurou utilizar todos os meios legais a fim de isolar a ditadura frente ao
recrudescimento da sociedade civil. Nas eleições de 1970, para a Câmara dos Deputados e
para o Senado, o PCB apoiou os candidatos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
partido que reunia as oposições consentidas pelo governo militar. Vale notar que, no estado da
Guanabara, o comitê estadual do PCB decidiu apoiar para o Senado as candidaturas de Nélson
Carneiro e Danton Jobim.
249
Em novembro de 1973, o Comitê Central do PCB, após
caracterizar o regime como uma ditadura militar fascista, elaborou um documento no qual
defendia a união de todas as forças democráticas numa ampla frente patriótica antifascista,
capaz de abarcar a classe operária, o campesinato, a pequena burguesia urbana, os setores da
burguesia em choque com a ditadura, as forças parlamentares oposicionistas e, inclusive, os
setores arenistas divergentes.
248
ABREU, Alzira. PCB. In: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. FGV: CPDOC, versão
eletrônica. Cf. CORRÊA, 1980.
249
Danton Jobim foi eleito pelo MDB para completar o mandato do senador Mário Martins, cassado em 1968,
depois da edição do AI-5. Durante as eleições, contou com a ajuda do então governador da Guanabara, Antônio
de Chagas Freitas, proprietário do jornal O Dia. Desprovida de perfil ideológico definido, a corrente chaguista
mantinha uma linha de composição com o governo federal, numa postura pragmática voltada para o seu próprio
fortalecimento. Era, portanto, considerada adesista pelos demais membros do partido.
118
O entendimento da linha política adotada pelo PCB após o golpe de 1964 nos permite,
portanto, compreender a permanência dos comunistas na ABI, mesmo depois de episódios
controversos como os engendrados durante a presidência de Danton Jobim. Vale notar que o
atual presidente da ABI, Maurício Azêdo, entrou para a Associação, em 1972, “como parte
de um projeto de um grupo numeroso de jornalistas do partido que desejava dar à entidade
uma participação mais intensa nas lutas democráticas que, então, se travavam para a
restauração do Estado de direito no país”.
Minha filiação à ABI redundou de um projeto dos companheiros militantes do Partidão na
área de imprensa, que, até então dedicavam muita atenção ao Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do município do Rio de Janeiro, os quais verificaram, que, para uma atuação
no campo político em defesa das questões essenciais que na época era a restauração das
liberdades públicas e dos direitos civis, o instrumento ou o órgão adequado era a ABI, que
era um órgão da sociedade civil com uma tradição de militância nas questões democráticas e
não o Sindicato, que estava, inclusive, atado à política de arrocho salarial que tinha sido
implantada pela ditadura militar.
250
250
Depoimento concedido à autora em 4 de maio de 2006. O jornalista Fichel Davit Chargel, também membro
da geração mais jovem do PCB se filiou à ABI na década de 1970.
119
6. A presidência de Prudente de Moraes Neto
A posse de Prudente de Moraes Neto na presidência da ABI, em 30 de setembro de
1975, inaugurou uma nova fase na história da entidade, pois a partir desse momento a
Associação Brasileira de Imprensa passou a empreender modalidades de resistência menos
conciliadoras e mais contundentes, que lhe permitiriam se afirmar no imaginário social como
uma das organizações da sociedade civil que mais se empenhou na luta pelos direitos
humanos e pelo retorno da democracia. Esta asserção, contudo, não deixa de ser, pelo menos
na aparência, paradoxal,
251
se considerarmos que Prudente de Moraes Neto participou do
IPES e se empenhou ativamente na campanha de deposição do presidente João Goulart.
Conservador na economia e liberal na política, o novo presidente da ABI obteve destaque,
após a morte do jornalista Vladimir Herzog
252
, nas dependências do DOI-CODI de São Paulo,
em 25 de outubro de 1975, quando passou a pugnar pelo esclarecimento das circunstâncias de
seu falecimento, inicialmente, identificado como suicídio pelas autoridades militares.
A morte de Herzog causou indignação no país e a farsa do suicídio ficou evidente
quando se divulgou uma foto na qual Herzog aparecia enforcado por um cinto amarrado à
janela da cela, com os pés a tocar o chão. Imediatamente, a Ordem dos Advogados do Brasil,
o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, presidido por José Machado, o Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo, presidido por Audálio Dantas
253
, e a ABI enviaram ofícios ao
comandante do segundo exército, general Ednardo D’Ávila, requisitando a elucidação do
caso. Pediam que o inquérito da morte do jornalista fosse acompanhado pelo Ministério
Público da Justiça Militar e pela imprensa, através de seu acesso às diligências e aos
251
Na verdade, a mudança de sentido em suas relações com o regime ditatorial acompanhou a tendência dos
setores oposicionistas liberais, que passaram a se aproximar do general Geisel à medida que era posto em prática
o projeto de distensão política.
252
O jornalista Vladimir Herzog, na época diretor de jornalismo da TV Cultura, emissora de televisão estatal,
tinha sido acusado de ligações com o PCB.
253
Audálio Dantas hoje é vice-presidente da ABI.
120
depoimentos decorrentes das investigações
254
. Nos ofícios enviados pelas entidades citadas
havia também menções a diversos jornalistas presos, como Sérgio Gomes da Silva, Marinilda
Carvalho Marchi, Paulo Sérgio Markun, Ricardo de Morais Monteiro, Luís Paulo da Costa,
Frederico Pessoa da Silva, Luís Vidal Paula Gole e Rodolfo Konder. Segundo a ABI, a prisão
desses jornalistas não fora objeto de comunicação à autoridade judiciária militar competente e
todos eles eram mantidos em regime de incomunicabilidade, apesar de alguns já terem
cumprido o prazo estabelecido pela Lei de Segurança Nacional. A entidade também alegou
que os jornalistas encontravam-se privados de assistência jurídica e de advogados para
defendê-los e assisti-los nos interrogatórios a que eram submetidos. Destacaram, ainda, a
similitude das circunstâncias da prisão desses jornalistas com as que resultaram na morte de
Herzog.
O Conselho Administrativo da ABI, reunido em 28 de outubro, anunciou luto oficial
de oito dias e se declarou em vigilância permanente até que cessassem as prisões e fosse
apurada a morte de Herzog. Barbosa Lima Sobrinho, então presidente do Conselho, deu a
palavra ao presidente da entidade, que fez um histórico da situação política do país, desde a
posse do general Ernesto Geisel na presidência da República, em março de 1974. Prudente de
Moraes Neto destacou a importância do processo de resgate da liberdade de imprensa iniciado
com a suspensão da censura prévia ao jornal O Estado de São Paulo, em janeiro de 1975.
Contudo, afirmou que o processo sofrera um refluxo desde o pronunciamento do presidente
Geisel sobre os contratos de risco, que retiraram da Petrobrás o monopólio da prospecção do
petróleo, contrariando setores nacionalistas militares e civis. Assim, o presidente da ABI
enfatizou que a liberalização da censura sofria com as vicissitudes do governo, o que nos
permite afirmar que a direção dos jornais e da ABI sabiam que se encontravam numa zona
tênue entre o que poderia ser noticiado ou omitido
255
.
254
Folha de São Paulo, 28 e 29 de outubro de 1975.
255
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 28 de outubro de 1975.
121
No entanto, à medida que as notícias sobre a morte de Vladimir Herzog e sobre a
prisão de jornalistas não eram censuradas, as reivindicações se aprofundavam
256
. A Ordem
dos Advogados do Brasil, por exemplo, enviou um ofício ao presidente Geisel pedindo sua
interferência pessoal na apuração das circunstâncias da morte de Herzog
257
. O Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo e a ABI começaram a organizar uma missa de sétimo dia, no Rio de
Janeiro, que deveria ocorrer de forma simultânea à missa realizada em São Paulo. O ato
ecumênico organizado pelo arcebispo dom Paulo Evaristo Arns, na Catedral da Sé, contou
com a participação da família de Herzog, do rabino Henry Sobel, líder da comunidade judaica
paulista, e de centenas de pessoas. No Rio de Janeiro, entretanto, o arcebispo dom Eugênio
Salles proibiu que a missa de sétimo dia fosse realizada na igreja de Santa Luzia, no Centro.
Os jornalistas, em seguida, tentaram realizá-la no convento dos dominicanos, mas foram
informados de que a proibição do arcebispo se estendia a toda a cidade. O ato, então, foi
realizado na Associação Brasileira de Imprensa sob a condução de Prudente de Moraes Neto.
Contou com a participação de Barbosa Lima Sobrinho, presidente do Conselho
Administrativo da entidade, do deputado protestante Lisâneas Maciel (MDB) e dos
presidentes do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e do Sindicato de Jornalistas
Liberais, José Machado e Rui Nepomuceno, respectivamente. Compareceram ao ato cerca de
trezentos jornalistas, que, a pedido do presidente da ABI, permaneceram dez minutos em
silêncio a fim de homenagear o jornalista Vladimir Herzog e de compartilhar mentalmente da
cerimônia ecumênica que estava sendo realizada em seu nome, em São Paulo
258
.
Em 5 de novembro, Prudente de Moraes Neto foi a São Paulo, onde visitou o
Sindicato dos Jornalistas e prestou solidariedade a seu presidente, Audálio Dantas. Na
ocasião, o presidente da ABI chamou atenção para a necessidade de união da categoria
256
Os primeiros momentos de grande esforço do governo para não suprimir os noticiários sobre a tortura
ocorreram durante a crise do segundo exército, em São Paulo, depois das mortes de Herzog e do operário
Manuel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976. Cf. DUARTE, op.cit.
257
O Estado de São Paulo, 30 de outubro de 1975.
258
O Estado de São Paulo, 1º de novembro de 1975. Jornal do Brasil, 1º de novembro de 1975.
122
profissional, “onde devem caber todas as posições, todas as ideologias, mas sempre dentro
daqueles pontos fundamentais em defesa da liberdade de imprensa, de defesa do profissional
de imprensa e de sua dignidade, que é a dignidade devida a todo ser humano”.
259
No mesmo
dia, o presidente da ABI visitou as redações de O Estado de São Paulo, onde foi recebido pelo
diretor Júlio de Mesquita Neto, e da Editora Abril, onde foi recebido por Roberto Civita e
Mino Carta.
Assim, podemos afirmar que a ABI teve uma participação expressiva no episódio da
morte de Vladimir Herzog, que representou um divisor de águas para a trajetória da entidade,
que passou a empreender modalidades de resistência de caráter mais contundente e menos
conciliador. Contudo, não desejamos pressupor que houve enfrentamento nessa nova fase,
pois o recrudescimento da sua resistência resultou de uma concessão do governo Geisel, que,
a partir de janeiro de 1975, começou gradualmente a liberar a imprensa da censura e, assim,
permitir que fossem noticiadas as prisões de jornalistas, as torturas e as démarches da ABI e
dos sindicatos de jornalistas, principalmente o de São Paulo, pela liberdade de imprensa e pela
defesa dos direitos humanos.
Conforme demonstram vários analistas, a liberalização da imprensa consistia em uma
das primeiras etapas do processo de distensão política do governo, que se baseou em uma
estratégia incrementalista” que visava introduzir uma inovação de cada vez enquanto se
mantinha o controle do sistema
260
. Assim, através de avanços moderados, o governo evitou a
simultaneidade das pressões emanadas da oposição bipolar, ou seja, da extrema direita militar,
259
O Estado de São Paulo, 6 de novembro de 1975.
260
Dentre esses analistas destacamos um dos artífices da distensão política, o próprio Golbery do Couto e Silva,
chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, 1974-1981. Destacamos também os cientistas políticos
Samuel Huntington e Wanderley Guilherme dos Santos. O primeiro participou de diálogos com João Leitão de
Abreu, chefe do Gabinete Civil do presidente Médici, e Antônio Delfim Neto, então ministro da Fazenda, em
outubro de 1972, a fim de indicar maneiras seguras capazes de garantir a distensão política. A pedido de Leitão
de Abreu, Huntington elaborou o estudo intitulado “Métodos de Descompressão Política”. Wanderley Guilherme
dos Santos participou, em setembro de 1973, de seminário organizado pelo Instituto de Pesquisas, Estudos e
Assessoria do Congresso, no qual apresentou respostas para um processo gradual e altamente controlado de
liberalização política. Seu estudo foi publicado pelo instituto de pesquisa ligado ao Congresso e encontra-se
reproduzido no livro Poder e Política: crônica do autoritarismo brasileiro. Cf. SILVA, 1981; HUNTINGTON
apud SKIDMORE, op.cit, p 322-325; SANTOS, 1978.
123
que se recusava a aceitar a abertura, e dos grupos de oposição mais radical da sociedade civil.
Desse modo, questões como liberdade de imprensa, habeas corpus, regime eleitoral, regime
partidário, mecanismos sucessórios, etc., foram tratadas e implementadas separadamente, de
forma “gradual e segura”, segundo discurso do próprio presidente Geisel.
A liberalização da imprensa, portanto, consistiu no primeiro mecanismo de ação
política do governo. Segundo Celina Rabello Duarte, a imprensa foi um eficiente mecanismo
a ser acionado porque sendo a democracia a nova bandeira através da qual o governo Geisel
pretendia legitimar o seu poder e o seu projeto de descompressão política, a liberalização
gradual da imprensa serviu para despertar credibilidade na iniciativa governamental. Ao
mesmo tempo possibilitou a recuperação imediata do apoio dos empresários dos jornais, que
mesmo não tendo divergências de fundo com o regime, constituíam o grupo empresarial mais
prejudicado pelo autoritarismo, devido à aplicação da censura que reduzia a possibilidade do
aumento da vendagem de suas publicações.
261
Por outro lado, a imprensa constituiu um importante canal de comunicação (feedback),
à medida que possibilitou ao governo avaliar a opinião pública e também intervir na sua
construção. Assim, o governo utilizou a liberalização da imprensa de forma hábil, pois,
quando não recebeu o seu apoio por persuasão, recorreu a todos os mecanismos autoritários
que continuaram em vigor
262
e às pressões econômicas que incidiam sobre os veículos de
comunicação. Com a liberalização da censura, a autocensura se aprofundou, porque temerosos
com o retorno da censura prévia, os jornais evitaram abordagens agressivas. Ademais, a
liberalização da imprensa consistiu em uma importante arma do grupo Geisel contra a
oposição militar. Segundo Duarte, Geisel utilizava a filtragem de notícias nos jornais para
confrontar os grupos no poder. Com a liberalização da imprensa, limitou-se o campo do
261
DUARTE, op.cit.
262
Ibid. O aparato autoritário em vigor consistia na Lei de Imprensa de 1967, no AI-5, na Constituição de 1969,
no Decreto Lei 1077 de 1970 (contra publicações obscenas e atentatórias contra a moral), na Portaria 11-B que
instituiu a censura prévia em 1970 e na Lei de Segurança Nacional, de 1969.
124
admissível para esses grupos, que era muito mais largo no governo anterior”. Por esse motivo,
a morte de Herzog foi amplamente noticiada por grande parte dos jornais, o que contribuiu
para a realização de atos de repúdio e para a emergência de movimentos da sociedade civil.
O clima estabelecido permitiu ao presidente Geisel iniciar uma espécie de operação limpeza
nas áreas estratégicas de comando militar, colocando nelas chefes militares de sua confiança.
Após a morte de Manuel Fiel Filho, o general Ednardo D’Ávila foi afastado do comando do
segundo exército, em o Paulo, e substituído pelo general Dilermando Gomes Monteiro
(...) A partir daí, além do noticiário sobre a tortura, abriu-se para a imprensa mais um
importante espaço no tratamento das questões políticas: o conflito nas Forças Armadas.
Desde então, o conflito foi se agravando, até a batalha decisiva (que envolvia o problema da
sucessão presidencial) entre o presidente Geisel e o ministro do Exército, general lvio
Frota.
263
A imprensa se tornou, portanto, um dos principais instrumentos de Geisel em meio aos
conflitos internos ao poder e à caserna. Em contrapartida, se constituiu no alvo predileto das
críticas dos setores ligados à extrema direita e ao ministro Sílvio Frota, que desencadearam
uma série de acusações de infiltração comunista na imprensa e de atos diretos de repressão,
como atentados à bomba a sedes de periódicos, bancas de jornal e a entidades, como a Ordem
dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa.
Assim, conforme observara Prudente de Moraes Neto,
264
a imprensa e a ABI passaram
a sofrer com as vicissitudes do governo e o maior exemplo disto consistiu no ataque à bomba
que vitimou a entidade, em 19 de agosto de 1976. A explosão ocorreu às 10 horas da manhã e
destruiu o banheiro, onde a bomba fora colocada, as salas do presidente e do vice-presidente,
as vidraças do sétimo andar, o sistema de abastecimento de água e toda a tubulação sanitária
do prédio, pois provocou o derretimento de mais de dois metros de cano de chumbo e metal
pertencentes à coluna hidráulica, o que provocou alagamento. Panfletos foram encontrados no
local, atribuindo a ação a um grupo identificado como Associação Anticomunista Brasileira,
263
DUARTE, op.cit, p.192. O operário Manuel Fiel Filho foi morto no DOI-CODI paulista, em 17 de janeiro de
1975, sob as mesmas circunstâncias que Herzog. Sua morte também foi identificada como suicídio. Já o ministro
do Exército, Sílvio Frota, era uma espécie de pré-candidato da linha dura à presidência da República. Foi
exonerado pelo presidente Geisel, em 12 de outubro de 1977, sem qualquer consulta ao Alto Comando das
Forças Armadas, o que fortaleceu o seu poder, assim como sua política de liberalização, à medida que lhe
permitiu, principalmente, consolidar a candidatura do general João Figueiredo à Presidência.
264
Ata da reunião do Conselho Administrativo da ABI de 28 de outubro de 1975.
125
que acusava a ABI de estar totalmente dominada pelos comunistas, e informando que o ato
era “a primeira advertência”.
265
O ato não resultou em vítimas, pois, de todos os funcionários
da entidade, apenas oito se encontravam no andar, e os faxineiros já haviam limpado o
banheiro e encontravam-se no departamento pessoal, no lado oposto de onde ocorreu o
ataque. Os primeiros policiais chegaram à ABI uma hora depois e tentaram, inclusive,
revistar o então diretor de sede da entidade, Fichel Davit Chargel, que só conseguiu impedir a
revista porque protestou aos gritos contra a insistência policial.
266
Prudente de Moraes Neto, que estava temporariamente afastado da ABI por problemas
de saúde, disse que a provocação não era contra a Associação Brasileira de Imprensa, mas
contra o governo
267
, pois visava intranqüilizar o momento político e suscitar declarações e
atitudes inconvenientes por parte da entidade
268
. Fernando Segismundo, que substituía o
presidente licenciado, estabeleceu uma conexão entre o atentado à ABI e as declarações do
deputado José Bonifácio, líder do partido do governo, na Câmara, que dias antes vociferara
contra a imprensa e contra a entidade, acusando-as de estar infiltrada pelo comunismo.
269
Essas acusações de infiltração comunista na OAB, na Igreja e na ABI, aliás, eram
comuns, e não deixavam de conter certa dose de verdade, visto que tais organizações
contavam com a presença de comunistas ligados ao PCB. Contudo, nada que representasse
maior ameaça ao governo e que pudesse justificar os atentados, que, além de absurdos,
visavam muito mais atingir o projeto de distensão política do governo do que as entidades
citadas. Em julho de 1977, o senador da ARENA, Dinarte Mariz proferiu da tribuna do
Senado discurso, no qual denunciava as atividades do Partido Comunista Brasileiro, através
265
Boletim da ABI, novembro/dezembro de 1976. No mesmo dia uma bomba foi também colocada na OAB, mas
não explodiu. A OAB foi vítima de um outro atentado no dia 27 de agosto de 1980, que resultou na morte da
funcionária Lyda Monteiro da Silva. Disponível em http://www.oab.org.br/hist_oab/estado_excecao.htm. Acesso
em: 16 abr. 2007
266
Boletim da ABI, novembro/dezembro de 1976.
267
MOREL, 1985, p.198.
268
Boletim da ABI, novembro/dezembro de 1976.
269
Idem. Vale notar que a ABI entrou com ação contra a União pedindo indenização pelo atentado. Ata de 19 de
julho de 1977.
126
da leitura de documentos que relacionavam declarações do dirigente Luís Carlos Prestes sobre
a realização da revolução nacional democrática por meio da constituição da “Frente Patriótica
Antifascista”, que “vem rendendo juros principalmente na OAB e na ABI”. Segundo o
senador,
o trabalho desenvolvido pelo Partido Comunista Brasileiro processa-se através de meticulosa
conscientização e infiltração, que atingiu principalmente a Ordem dos Advogados do
Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, com pontos de apoio também na “esquerda
subversiva clerical subversiva, no Movimento Democrático Brasileiro e em alguns
elementos da ARENA, no movimento estudantil, no meio sindical e entre os intelectuais.
270
As acusações da extrema direita, contudo, não impediram o governo Geisel de
procurar a ABI, em fins de 1977, para ouvir a sua opinião a respeito do encaminhamento do
processo de distensão política. O diálogo fez parte da “Missão Portela”, assim denominada
porque foi coordenada pelo senador da ARENA e então presidente do Senado, Petrônio
Portela. O senador era um interlocutor constante do presidente Geisel e do chefe do Gabinete
Civil, Golbery do Couto e Silva, e se tornou um dos políticos mais importantes na elaboração
e articulação do projeto de distensão do governo.
Petrônio Portela estabeleceu contatos com os arcebispos do Rio de Janeiro, dom
Eugênio Sales, e de Porto Alegre, dom Vicente Sherer; com o presidente da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Aluísio Lorscheider; com o presidente da
Confederação Nacional da Indústria, Domício Veloso; com o der operário Luís Inácio da
Silva; com os juristas José Eduardo do Prado Kelly, Afonso Arinos de Melo Franco e Miguel
Reale; com o presidente da OAB, Raimundo Faoro; com a Associação Brasileira de Imprensa
e com muitas outros representantes dos setores moderados da sociedade civil.
271
Os contatos da ABI com Petrônio Portela tiveram início quando a Associação
Brasileira de Imprensa estabeleceu sua representação em Brasília, em junho de 1977. Na
ocasião, a ABI foi homenageada por membros do Congresso e pelo próprio presidente do
270
A Notícia, Diário do Comércio e Indústria e Jornal da Tarde, todos de 1º de julho de 1977.
271
CALICCHIO, Vera. Petrônio Portela. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930. FGV: CPDOV,
versão eletrônica.
127
Senado, “que aludiu à identidade de interesses que nunca deixou de unir parlamentares e
jornalistas, na defesa da liberdade de imprensa e demais postulados democráticos”.
272
O presidente Prudente de Moraes Neto e o representante da ABI em Brasília, jornalista
Pompeu de Souza, em termos de alta cordialidade e profundo sentimento democrático,
responderam à homenagem que a ABI estava recebendo de deputados e senadores, no Clube
do Congresso. Essas demonstrações de apreço de membros do Congresso à ABI,
constituíram evidente mostra da reprovação de membros do Poder Legislativo aos atos que
direta e indiretamente atingiram a ABI. Por isso, o presidente do Conselho Administrativo,
Barbosa Lima Sobrinho pediu aprovação do Conselho para que se prestasse agradecimento
ao senador Petrônio Portela, que tão cordialmente acolheu os membros da ABI em
Brasília.
273
Em novembro, a ABI recebeu de Petrônio Portela convite para transmitir ao governo o
que a imprensa pensava a respeito do encaminhamento da abertura política. Na época, o
presidente Prudente de Moraes Neto encontrava-se licenciado do cargo por problemas de
saúde e foi visitado pelo senador Portela, que, em seguida, se encontrou com Fernando
Segismundo, presidente em exercício da ABI, e com os conselheiros Barbosa Lima Sobrinho,
Odylo Costa Filho, Pompeu de Souza e Danton Jobim. O encontro ocorreu no dia 21 de
novembro no apartamento do senador, em Copacabana, e durou cerca de três horas, nas quais
foram abordados assuntos referentes à defesa da liberdade de imprensa e ao exercício sem
constrangimentos da profissão de jornalista.
274
Segundo Fernando Segismundo, o encontro representou uma “reconciliação do Estado
com a nação”, conforme noticiou o Boletim da ABI:
Segismundo recordou que o relacionamento da ABI com os últimos governos “ingressou
num crepúsculo” com o término da gestão do presidente Costa e Silva, quando o então
presidente da entidade e hoje senador pelo MDB, Danton Jobim, acompanhado de uma
comissão de conselheiros, obteve junto ao governo a revisão de sanções impostas ao
jornalista e escritor Antônio Callado e ao jornalista Léo Guanabara. Além de cassado pelo
AI-5, Callado fora impedido de continuar exercendo a profissão no país, punição estendida a
Léo Guanabara: ‘Fomos ao presidente e ele reviu o ato, mantendo apenas a cassação dos
direitos políticos de Callado’.
275
272
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 28 de junho de 1977.
273
Idem.
274
Ata da reunião do Conselho Administrativo de 29 de novembro de 1977.
275
Boletim da ABI, dezembro de 1977.
128
No encontro, os representantes da ABI entregaram a Portela um documento que teve o
apoio do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Distrito Federal e cujo o teor foi o seguinte:
1.Liberdade de imprensa:
1.1 Restabelecimento pleno da liberdade de imprensa para que esta possa ser exercida dentro
de quatro princípios básicos: direito de informação, direito e acesso à informação, direito de
opinião e, inerente a este, direito de crítica.
1.2 Suspensão imediata da censura prévia, de caráter discriminatório, imposta a vários
veículos de expressão da palavra escrita, como o diário Tribuna da Imprensa, os semanários
Movimento e O São Paulo e as revistas mensais Ele e Ela, Status, Revista do Homem e Lui,
entre outras publicações.
1.3 Eliminação do sistema de triagem política para a concessão de credenciais em coberturas
de atos oficiais, particularmente naqueles a que está presente o Excelentíssimo Senhor
Presidente da República, bem como a cessação dos constrangimentos e violências a que os
profissionais de imprensa, mesmo após a aprovação de seus nomes, o com freqüência
submetidos no decorrer desses trabalhos jornalísticos.
1.4 Suspensão imediata da censura prévia aos programas jornalísticos de emissoras de rádio
e televisão e subseqüente revogação dos dispositivos reguladores das concessões de
exploração desses veículos que conflitam com a liberdade de informação e de opinião, como
o Código Nacional de Telecomunicações.
1.5 Restabelecimento pleno da liberdade de opinião pelos meios de expressão da palavra
oral, com a revogação da legislação que impede ou cerceia tal liberdade, em particular a lei
que regula a propaganda eleitoral dos partidos políticos (Lei Falcão).
1.6 Revisão das leis que regulam os delitos de imprensa, notadamente a Lei de Imprensa e a
Lei de Segurança Nacional, para abrandamento das sanções nelas cominadas, sem
prejuízo do princípio da liberdade com responsabilidade.
1.7 Estabelecimento de um sistema impessoal e isento de atribuição de verbas de
publicidade de órgãos oficiais e de instituições estatais, para-estatais ou mistas, para impedir
que a manipulação desses recursos – que, por sua magnitude, transformaram o poder público
no maior anunciante do país seja feita de forma que condicione ou coíba a liberdade de
informação e de opinião.
1.8 Instalação do Conselho Superior de Censura criado pela Lei nº 5.536, de 21 de novembro
de 1968, do qual participam instituições culturais públicas e privadas, entre as quais a ABI, a
fim de se criar uma instância de recurso e revisão das restrições e interdições impostas a
criações intelectuais e artísticas sujeitas a exame prévio de organismos oficiais de censura.
2. Direitos Humanos
2.1Restauração imediata do instituto do habeas-corpus para todos os casos de
constrangimento da liberdade individual, sem exceções que objetivem discriminar o preso
por motivo político ou por qualquer delito de confissão.
2.2 Respeito à integridade e à incolumidade física e moral de todos os presos, qualquer que
seja a natureza do delito que lhes seja imputado, e promoção da responsabilidade penal, após
inquérito regular efetuado com assistência de representantes do ministério público, dos
autores de ofensas a preso sob custódia de qualquer dependência oficial ou autoridade
pública.
2.3 Cessação imediata das prisões irregulares com características de seqüestro, como as
efetuadas contra cidadãos sob suspeita de atividades opostas ao regime, e promoção da
responsabilidade administrativa e pena dos agentes do poder público que se envolverem
nessa prática ou a permitirem.
2.4 Respeito à disposição legal, contida no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, de
que a incomunicabilidade do preso não se estende à pessoa de seu advogado, em nenhum
momento em que se encontrar privado da liberdade.
2.5 Incorporação à legislação de dispositivo que estabeleça que não produzirá qualquer
efeito jurídico, seja para início de ação legal, seja como meio de prova, a confissão obtida de
preso sem assistência de advogado por ele livremente constituído.
129
2.6 Regularização do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Lei Bilac Pinto),
com a normalização de suas reuniões e garantia do livre exercício da ação fiscalizadora de
seus integrantes. Revisão da composição do Conselho, a fim de evitar que o poder público,
que por seus prepostos é o principal agente de violação ou inibição dos direitos humanos,
tenha maioria que impeça ou obste a apuração das denúncias encaminhadas ao CDDPH.
3. Liberdades públicas
3.1Restabelecimento pleno das garantias e franquias que sempre figuraram nas Constituições
republicanas, em particular no regime primitivo da Constituição de 1946, e incorporação de
novas franquias à Carta Constitucional, para aperfeiçoamento e ampliação dos direitos
individuais e liberdades públicas.
3.2 Anistia ampla e irrestrita para todos os presos, condenados, processados, exilados e
banidos por crimes de natureza política, para a pacificação da família brasileira.
Concessão de passaportes a todos os brasileiros que se encontram afastados do solo trio
por motivo político e garantia de seu retorno ao País sem qualquer ameaça, constrangimento
e violação de sua liberdade individual.
3.3 Reintegração na plenitude de seus direitos civis de todos os brasileiros atingidos, por
motivos políticos, por atos de privação de direitos inerentes à cidadania, seja por decreto do
Poder Executivo, seja por sentença judicial.
276
Dessa forma, é importante notar que o documento, apesar de incisivo no que tange à
liberdade de imprensa, foi deveras moderado em outros pontos, pois em momento algum
cogitou o fim do regime, a extinção da Lei de Segurança Nacional e a responsabilização dos
órgãos de segurança do Estado pelas mortes, desaparecimentos e torturas a presos políticos, o
que não nos surpreende, que a ABI não teria sido convidada a participar da Missão Portela
se não fosse uma instituição de caráter moderado. É importante notar que o processo de
distensão política resultou de uma negociação empreendida pelo governo com os setores
moderados da sociedade civil, a fim de isolar os setores radicais de direita e de esquerda que
poderiam suscitar um maior fechamento do regime ou exigir o seu fim imediato.
Segundo Donald Share e Scott Mainwaring, a transição do autoritarismo para o regime
democrático, no Brasil, se deu através de um mecanismo por eles denominado de “transição
pela transação”, no qual o regime autoritário toma a iniciativa da transição e a promove
através da negociação, empreendida pelas elites do regime com os setores moderados da
oposição democrática. Vale notar que essa negociação é desigual, pois durante a maior parte
do processo o regime permanece em posição de influenciar significativamente os rumos da
276
SEGISMUNDO, 1988. Boletim da ABI, dezembro de 1977. Grifos nossos.
130
mudança política. Contudo, o grau de controle do governo é também relativo, pois no
processo de negociação, a oposição pode obter vitórias, como ocorreu, por exemplo, na
reformulação partidária, que, ao contrário do que previra o regime, resultou na formação do
Partido dos Trabalhadores (PT). Mas, em geral, no processo de “transição pela transação”, as
elites controlam aspectos importantes da mudança política, à medida que excluem alguns
atores, instituem a impunidade para os líderes do regime e bloqueiam mudanças mais
profundas, como a reforma agrária e o desenvolvimento de tentativas que realmente visassem
uma maior distribuição de renda, por exemplo.
A questão da impunidade, aliás, é fundamental, pois constitui fator sine qua non, sem
o qual os militares não dariam início à transição. Por isso, os setores moderados, dentre eles a
ABI, até tentaram forçar o governo a promulgar uma anistia ampla, geral e irrestrita, capaz de
abarcar todos os presos e perseguidos pela ditadura, mas evitaram abordaram o seu caráter
recíproco, que acabou por beneficiar vários algozes do regime. Ademais, ao bloquearem
mudanças radicais, as elites em negociação garantiram a continuidade do modelo econômico e
de antigas estruturas políticas. Desse modo, a transição brasileira ocorreu com um grau
relativo de estabilidade, à medida que facilitou a democratização gradual sob o controle das
elites, que inibiram a participação popular e possibilitaram a retirada pacífica dos militares no
poder.
277
Assim, ao participar da Missão Portela, a Associação Brasileira de Imprensa se inseriu
no processo de negociação liderado pelo regime, o que consolidou a posição majoritária
existente no interior da entidade, que era a de integrar a oposição democrática moderada, que
mesmo forçando o timing da liberalização, não se opôs a acompanhá-lo se conveniente fosse.
277
SHARE e MAINWARING, 1986.
131
Conclusão
A escolha pelo estudo sobre a Associação Brasileira de Imprensa decorreu de uma
conversa com o professor Renato Lemos, que propôs um trabalho sobre a OAB ou a ABI,
instituições pouco pesquisadas. Imediatamente, senti-me atraída pela Associação Brasileira de
Imprensa. Primeiro, porque não quis inserir-me no cotidiano dos advogados, depois, porque a
posição da OAB frente a momentos políticos, como o golpe de 1964, era conhecida. Fora
descrita, inclusive, mesmo que de maneira sucinta, em vários livros que versam sobre a
ditadura militar. a posição da ABI nos era nebulosa. Sabíamos que a imprensa apoiara
majoritariamente a deposição do presidente João Goulart, mas, quanto à Associação Brasileira
de Imprensa, não tínhamos respostas concretas, pois a entidade costuma aparecer a partir dos
anos setenta, quando estava em curso o processo de distensão política, no qual obteve
destaque.
Assim, a sensação do desconhecido conduziu inicialmente a pesquisa que logo se
deparou com a fabricação de um mito: o da combatividade da ABI, reproduzido de forma
contumaz nos livros de Edmar Morel e Fernando Segismundo, nas edições do órgão oficial da
entidade e nos discursos de antigos membros da Casa ainda vivos e de representantes das
gerações mais jovens. A edição do Jornal da ABI
278
comemorativa dos noventa anos da
entidade, por exemplo, apresenta em sua capa uma figura do cartunista Ziraldo que é
emblemática do mito; nela, uma mão empunha uma espada, cuja lâmina se assemelha à ponta
de uma caneta-tinteiro. A figura é complementada pelas frases “ABI 90 anos” e “Na trincheira
da liberdade” e traduz, portanto, a idéia de que a Associação, através das palavras e da pena
da caneta, foi sempre combativa. É interessante notar que a mesma noção também perpassa a
mídia, que tenta construir um discurso de independência e autonomia, como se estivesse
278
Cf. Jornal da ABI, edição especial, ano 4, nº 4, 1998. O Jornal da ABI no período da ditadura era denominado
Boletim da ABI.
132
isenta de quaisquer influências econômicas e políticas que condicionam a construção de suas
notícias.
No entanto, observamos que a realidade dessacraliza o mito, pois a ABI também foi
condicionada por influências oriundas da esquerda e da direita e sempre foi assediada por
diferentes correntes políticas e integrada por vários de seus representantes. Contudo, os
embates ideológicos favoreceram a direita, que, predominante, determinou os rumos da Casa
do Jornalista e a levaram a dialogar de forma conciliadora e cortês com as autoridades do
regime militar. Por isso, a ABI recebeu o presidente da República, general Artur da Costa e
Silva, para um almoço comemorativo do sexagésimo aniversário da entidade. Prestou
homenagem ao Exército em ocasião da “Semana de Caxias” e do "Dia do Soldado" e integrou
as negociações com o regime militar em prol da “abertura lenta, segura e gradual”.
Dessa forma, consideramos que conseguimos contribuir para a construção de um novo
olhar sobre a ABI, mais real, verossímil e compatível com o arbítrio da ditadura. A ABI não
teria sobrevivido como instituição e obtido tanto destaque nos anos setenta e oitenta se tivesse
exercido uma oposição radical ou aderido ao combate, pois teria sido marginalizada ou
tombado como os jovens idealistas, que na luta pela revolução socialista, aderiram à luta
armada. Assim, a ABI não se constituiu em uma “trincheira inexpugnável da liberdade”, nem
lutou com “veencia” e incisividade” contra a ditadura, mas, ao não fazê-lo, constituiu-se
em um espaço social onde as pessoas se encontravam e discutiam política, mesmo que nos
corredores, no restaurante ou no décimo primeiro andar, entre partidas de sinuca e leituras de
jornais censurados.
Obviamente, não logramos esgotar todas as possibilidades de análise das questões
levantadas. Muitas são as perguntas que ainda permanecem e que não conseguiram ser
respondidas. A participação dos representantes do Partido Comunista Brasileiro, por exemplo,
é uma delas, pois, pertencentes à corrente política minoritária no interior da entidade, esses
133
membros não tinham grande influência nas decisões do Conselho Administrativo e da
Diretoria, conforme pudemos observar a partir da leitura das atas de reunião. Ademais, a
própria multiplicidade da ABI, dificultou bastante a identificação dos indivíduos e de seus
nexos sociais e políticos com outros organismos da sociedade civil e com o Estado. As fontes,
muitas vezes, também o contribuíram: não tivemos acesso às fichas de filiação dos sócios,
presentes na secretaria da Associação, porque concernem a informações de caráter pessoal e
de uso exclusivo da entidade. Também fomos atrapalhados pela reforma da biblioteca da ABI,
durante os anos de 2005 e 2006, o que apenas nos permitiu analisar o Boletim da ABI e as atas
de reunião do Conselho Administrativo e algumas atas de reunião da Diretoria. Assim,
esperamos que tais lacunas sejam minimizadas por outros trabalhos que possam vir a se somar
a este, e que visem resgatar a importância de uma das principais organizações da sociedade
civil brasileira.
134
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140
ANEXO 1
Cronologia dos presidentes da ABI
Gustavo de Lacerda - 7 de abril de 1908 a 4 de setembro de 1909.
Francisco Souto - 4 de setembro a 13 de maio de 1910.
Dunshee de Abranches - 13 de maio de 1910 a 1913.
Belisário de Souza - 1913 a 11 de janeiro de 1916.
Raul Pederneiras - 11 de janeiro de 1916 a 13 de maio de 1917.
João Guedes de Mello - 13 de maio de 1917 a 13 de maio de 1918.
Dario de Mendonça - 13 de maio de 1918 a 13 de maio de 1919
João Guedes de Mello - 13 de maio de 1919 a 13 de maio de 1920.
Raul Pederneiras - 13 de maio de 1920 a junho de 1926
Barbosa Lima Sobrinho - junho de 1926 a 13 de maio 1927.
Gabriel Bernardes - 13 de maio de 1927 a 13 de maio de 1928.
Manuel Paulo Filho - 13 de maio de 1928 a 13 de maio de 1929.
Alfredo da Silva Neves - 13 de maio de 1929 a 13 de maio de 1930.
Barbosa Lima Sobrinho - 13 de maio de 1930 a abril de 1931.
Herbert Moses - abril de 1931 a agosto de 1964.
* Nessa época, os presidentes eram eleitos anualmente.
Ditadura Militar
1964 -1966: Celso Kelly
Renúncia de Herbert Moses, a 21 de agosto. Assumiu imediatamente o vice-presidente
Luís Ferreira Guimarães.
Celso Kelly foi eleito, em agosto de 1964.
1966-1968: Danton Jobim
Celso Kelly renunciou a 9 de fevereiro de 1966. Com a presidência vaga, deveria assumir
o vice-presidente, Manuel Paulo Filho, que por problemas de saúde foi substituído pelo 2 º
vice-presidente, Lauro Reis Vidal, que presidiu a ABI por apenas cinco dias, quando foi eleito
Elmano Cruz, em 16 de fevereiro de 1966.
141
O vice Elmano Cruz renunciou poucos meses depois por problemas de saúde.
Danton Jobim é eleito em 10 de maio de 1966.
1968-1970: Danton Jobim é reeleito em 1968.
1970-1972: Danton Jobim é reeleito em 1970.
1972-1974: Adonias Filho é eleito em maio de 1972.
1974-1976:
Elmano Cruz eleito em maio de 1974 voltou à presidência. Renunciou em 27 de agosto de
1975.
Após a renúncia de Elmano Cruz, em agosto, Líbero de Miranda foi eleito para completar
o seu mandato. Contudo, faleceu 10 dias depois, em 6 de setembro, e não chegou a presidir
uma reunião sequer. Assumiu a presidência, o 1 º vice-presidente, Fernando Segismundo, a
nova eleição, em 30 de setembro de 1975.
1975-1977 Prudente de Moraes Neto foi eleito em setembro de 1975. Faleceu em 21 de
dezembro de 1977 e o vice-presidente Fernando Segismundo assumiu o seu lugar e presidiu a
ABI de dezembro de 1977 a fevereiro de 1978.
1978 Danton Jobim foi eleito em 5 de fevereiro e faleceu 21 dias depois.
Fernando Segismundo, como vice-presidente, assumiu a presidência em fevereiro,
exercendo-a até maio.
Em maio, Barbosa Lima Sobrinho foi eleito presidente.
1980 Barbosa Lima Sobrinho foi sucessivamente reeleito e presidiu a ABI até a data de sua
morte, em 16 de julho de 2000.
142
ANEXO 2
Diretorias e Mesas do Conselho Administrativo da ABI
Diretoria eleita em maio de 1964
Esta diretoria renunciou em agosto de 1964,
em solidariedade a Herbert Moses que
renunciara ao cargo de presidente da ABI.
Presidente Herbert Moses
Primeiro vice-presidente Luís Ferreira Guimarães
Segundo vice-presidente Celso Kelly
Secretário Fernando Segismundo
Primeiro subsecretário Deodoro da Costa Lopes
Segundo subsecretário Canôr Simões Coelho
Tesoureiro Enéas Martins Filho
Sub-tesoureiro Hélio Silva
Bibliotecário Helena Ferraz
Diretor de atividades culturais Pascoal Carlos Magno
Diretor de sede Reis Vidal
Mesa do Conselho Administrativo
A mesa do Conselho é escolhida a cada ano,
mas optamos por acompanhá-la a cada dois
anos.
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Miguel Costa Filho
Segundo secretário Líbero Oswaldo de Miranda
Diretoria eleita em agosto de 1964
Esta diretoria foi eleita em virtude da
renúncia da anterior.
Presidente Celso Kelly
Primeiro vice-presidente Manuel Paulo Filho
Segundo vice-presidente Reis Vidal
Secretário Fernando Segismundo
Primeiro subsecretário Deodoro da Costa Lopes
Segundo subsecretário Canôr Simões Coelho
Tesoureiro Armando D’Almeida
Sub-tesoureiro Lucílio de Castro
Bibliotecário Helena Ferraz
Diretor de atividades culturais Pascoal Carlos Magno
Diretor de sede Álvaro Pinto da Silva
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Miguel Costa Filho
Segundo secretário Líbero Oswaldo de Miranda
143
Diretoria eleita em maio de 1966
Presidente Danton Jobim
Primeiro vice-presidente Adonias Filho
Segundo vice-presidente Reis Vidal
Secretário Othon Costa
Primeiro subsecretário Diocezano Ferreira Gomes
Segundo subsecretário Canôr Simões Coelho
Tesoureiro Martim Carlos
Sub-tesoureiro Mário Saladini
Bibliotecário Helena Ferraz
Diretor de atividades culturais Joracy Camargo
Diretor de sede João de Araújo Barros
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Líbero Oswaldo de Miranda
Segundo secretário Fernando Hupsel de Oliveira
Diretoria eleita em maio de 1968
Presidente Danton Jobim
Primeiro vice-presidente Manuel Paulo Filho
Segundo vice-presidente Marcial Dias Pequeno
Secretário Fernando Segismundo
Primeiro subsecretário Mário Lisboa Barbosa
Segundo subsecretário Helena Ferraz
Tesoureiro Martim Carlos
Sub-tesoureiro Álvaro Pinto da Silva
Bibliotecário Elísio Conde
Diretor de atividades culturais Reginaldo Fernandes
Diretor de sede Oberoni Bastos
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Líbero Oswaldo de Miranda
Segundo secretário Miguel Costa Filho
144
Diretoria eleita em maio de 1970
Presidente Danton Jobim
Primeiro vice-presidente Adonias Filho
Segundo vice-presidente Benjamin Moraes
Secretário Fernando Segismundo
Primeiro subsecretário Mário Lisboa Barbosa
Segundo subsecretário Helena Ferraz
Tesoureiro Eurico Serzedello Machado
Sub-tesoureiro José Almeida
Bibliotecário Elísio Conde
Diretor de atividades culturais Reginaldo Fernandes
Diretor de sede Pedro Coutinho Filho
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Líbero Oswaldo de Miranda
Segundo secretário Miguel Costa Filho
Diretoria eleita em maio de 1972
Presidente Adonias Filho
Primeiro vice-presidente Fernando Segismundo
Segundo vice-presidente Reginaldo Fernandes
Secretário Valdemar Cavalcanti
Primeiro subsecretário Renato Jobim
Segundo subsecretário Maria Lúcia Amaral
Tesoureiro Manoel Pereira Malheiro
Sub-tesoureiro Sílvio Terra
Bibliotecário Elísio Conde
Diretor de atividades culturais Santos Morais
Diretor de sede Gumercindo Cabral de Vasconcellos
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Elmano Cruz
Primeiro secretário Líbero Oswaldo de Miranda
Segundo secretário Miguel Costa Filho
145
Diretoria eleita em maio de 1974
Presidente Elmano Cruz
Primeiro vice-presidente Fernando Segismundo
Segundo vice-presidente Oswaldo de Souza e Silva
Secretário Geysa Boscoli
Primeiro subsecretário Fausto Guimarães Cupertino
Segundo subsecretário Henrique Cordeiro
Tesoureiro Armando Peixoto
Sub-tesoureiro Álvaro Pinto da Silva
Bibliotecário Helena Ferraz
Diretor de atividades culturais Ary Pavão
Diretor de sede Afrânio Vieira
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro secretário Miguel Costa Filho
Segundo secretário Antônio Luiz Carbone
Diretoria eleita em maio de 1976
Presidente Prudente de Moraes Neto
Primeiro vice-presidente Fernando Segismundo
Segundo vice-presidente Odilo Costa Filho
Secretário Mário da Cunha
Primeiro subsecretário Nelson Lemos
Segundo subsecretário Henrique Cordeiro
Tesoureiro Armando Peixoto
Sub-tesoureiro Artur Cantalice
Bibliotecário Fausto Guimarães Cupertino
Diretor de atividades culturais Alberto Dines
Diretor de sede Fichel Davit Chargel
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro secretário Miguel Costa Filho
Segundo secretário Gentil Noronha
146
Diretoria eleita em maio de 1978
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro vice-presidente Miguel Costa Filho
Segundo vice-presidente Roberto Pompeu de Souza
Secretário Nelson Lemos
Primeiro subsecretário Alberto Rajão
Segundo subsecretário Flávio Pamplona
Tesoureiro Armando Ferreira Peixoto
Sub-tesoureiro Herval da Silva Faria
Bibliotecário Maurício Azedo
Diretor de atividades culturais Fernando Segismundo
Diretor de sede Fichel Davit Chargel
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Hélio Silva
Primeiro secretário Renato Jobim
Segundo secretário Paulo Motta Lima
Diretoria eleita em maio de 1980
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro vice-presidente Paulo Alberto Monteiro de Barros
Segundo vice-presidente Roberto Pompeu de Souza
Secretário Nelson Lemos
Primeiro subsecretário Henrique Baptista Aranha Miranda
Segundo subsecretário Alcino Soeiro
Tesoureiro José Teixeira Peroba
Sub-tesoureiro José Leventhal
Bibliotecário Maurício Azedo
Diretor de atividades culturais Fernando Segismundo
Diretor de sede Armando Ferreira Peixoto
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro secretário Miguel Costa Filho
Segundo secretário Gentil Noronha
147
Diretoria eleita em maio de 1982
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro vice-presidente Manoel Gomes Maranhão
Segundo vice-presidente Fernando Segismundo
Secretário Josué de Souza Almeida
Primeiro subsecretário Henrique Miranda
Segundo subsecretário Hélcio Pereira da Silva
Tesoureiro Afonso Cascon
Sub-tesoureiro José Leventhal
Bibliotecário Maurício Azêdo
Diretor de atividades culturais Ary Vasconcelos
Diretor de sede Nilo Marques Braga
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Mário Martins
Primeiro secretário Renato Jobim
Segundo secretário Paulo Motta Lima
Diretoria eleita em maio de 1984
Presidente Barbosa Lima Sobrinho
Primeiro vice-presidente Manoel Gomes Maranhão
Segundo vice-presidente Fernando Segismundo
Secretário Josué de Souza Almeida
Primeiro subsecretário Paulo Motta Lima
Segundo subsecretário Henrique Miranda
Tesoureiro José Motta Maia
Sub-tesoureiro Maurício Cândido Ferreira
Bibliotecário Augusto Villas-Boas
Diretor de atividades culturais Ary Vasconcelos
Diretor de sede Marcial Dias Pequeno
Mesa do Conselho Administrativo
Presidente Mário Martins
Primeiro secretário Renato Jobim
Segundo secretário Afonso Cascon
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