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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
CENTRO DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MÔNICA DE OLIVEIRA PINHEIRO DA SILVA
AS RELAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOMETRIA COM
O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
CURITIBA
2008
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MÔNICA DE OLIVEIRA PINHEIRO DA SILVA
AS RELAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOMETRIA COM
O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre no Programa de Mestrado
em Educação da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, na linha de pesquisa Teoria e Prática
Pedagógica na Educação Superior Núcleo Saberes
Docentes, Setor de Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Neuza Bertoni Pinto.
CURITIBA
2008
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MÔNICA DE OLIVEIRA PINHEIRO DA SILVA
AS RELAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOMETRIA COM
O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
Esta dissertação foi julgada e aprovada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre no Programa de Mestrado em
Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, na
linha de pesquisa Teoria e Prática Pedagógica na Educação
Superior – Núcleo Saberes Docentes, Setor de Educação.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________
Profª Drª Neuza Bertoni Pinto
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
______________________________________
Profª. Drª. Zélia Milléo Pavão
Universidade Federal do Paraná
_______________________________________
Prof. Dr. Dilmeire Vosgerau
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Curitiba, 19 de junho de 2008.
Ao meu amor e companheiro Alexandre, pelo seu amor e apoio incondicionais, combustíveis
imprescindíveis para a realização deste trabalho.
Às minhas duas princesas e filhas Julia e Luiza, pelos sorrisos fartos, beijos demorados, sinais
vitais para meu bem viver, também pela maturidade desenvolvida ao longo dessa trajetória
para entender as ausências.
Meu amor por vocês três é infinito.
AGRADECIMENTOS
A Deus que me concedeu a vida.
Ao meu pai Nilo (in memorian) por me mostrar através de exemplos que nada é impossível
quando se faz com garra e afinco.
À minha mãe Stella por me ensinar que na vida as coisas não são fáceis e nem por isso
devemos desistir.
Aos meus irmãos pela admiração e confiança em mim depositadas e palavras valiosas em
momentos de dúvida.
Aos meus segundos pais Gustavo e Maria pelo amor e apoio em todas as horas.
Aos meus demais familiares por me transmitirem a certeza que eu iria conseguir realizar esta
conquista.
À profª Drª Neuza Bertoni Pinto pelos seus ensinamentos, sua paciência e sua forma
comprometida de me apontar os caminhos por onde trilhar.
Às Profª. Drª. Zélia Milléo Pavão e Profª. Drª. Dilmeire Sant’Anna Ramos Vosgerau que
fizeram parte da banca de exame de qualificação pelas críticas e pelas valiosas sugestões. Em
especial à professora Zélia que foi a minha primeira orientadora e me mostrou, através da sua
postura , que o rigor e a visão crítica são quesitos básicos para a formação de um pesquisador.
À professora Marilei de Cássia Vicentini Amaro da Luz pela sua alegria de viver e pelo amor
à docência que me serviram de inspiração e exemplo.
Aos professores Marco Aurélio Kalinke, Rosana Romanó e Silvana Zilli por contribuírem
direta ou indiretamente com seus ensinamentos em minha pesquisa.
Aos diretores Guido Armando Straube e Soraya Yuri Sunaga pela confiança depositada e por
permitirem a realização desta pesquisa.
Aos alunos por participarem alegremente deste trabalho.
RESUMO
O presente estudo tem como objeto as relações didático-pedagógicas ocorridas em aulas de
Matemática no ensino e aprendizagem de geometria na sexta série do ensino fundamental,
mediadas pelo software Cabri-Géomètre. A pesquisa objetivou compreender como são
estabelecidas as relações didático-pedagógicas entre professor, aluno e conhecimento
matemático, no contexto do processo ensino e aprendizagem da geometria, com o recurso do
software Cabri-Géomètre. A análise buscou respaldo teórico em Guy Brousseau (1986), que
fundamenta a teoria das situações didáticas, principalmente a do contrato didático. Além
desse autor, o presente estudo fundamentou-se teoricamente em Fainguelernt (1999), Zuin
(2001), Pavanello (1989). Também foram consultados Valente (1999), Papert(1994),
Sancho(2006) , Kenski(2007) e Gravina (1989). O estudo foi orientado na perspectiva da
pesquisa qualitativa, priorizando o contexto das relações e interações ocorridas em um
ambiente de aprendizagem de geometria, tendo como suporte um software de geometria
dinâmica, com o envolvimento de 37 alunos de sexta série de uma escola da rede particular de
Curitiba. Foram realizadas seis sessões de observação de aulas de Matemática que tratavam
do ensino de quadriláteros. A análise dos dados apontou que os alunos que possuíam
conhecimentos sobre o uso do computador e o faziam com habilidades, porém apresentaram
dificuldades ao lidar com o Cabri-Géomètre. Isso sugere um paradoxo “aluno-máquina”,ou
seja, mesmo tendo habilidades para lidar com a máquina, o aluno é desafiado com as
habilidades trazidas pelo software Cabri-Géomètre. Diante dessa situação, emergem novos
contratos didáticos, em substituição aos contratos anteriores. Em linhas gerais, o estudo
mostra que os contratos didáticos estabelecidos entre aluno, professor e conhecimento,
quando rompidos, se abrem como uma oportunidade de retomada e de novas interações entre
professor e aluno em busca de uma aprendizagem significativa o que requer uma postura
aberta e flexível por parte do professor.
Palavras-chave: Geometria. Ensino fundamental. Cabri-Géomètre. Contrato didático.
ABSTRACT
The main focus of this work is the didactic-pedagogical relations that are developed in Math
classrooms during geometry teaching and learning process of 6th series fundamental level,
supported by Cabri-Géomètre software. The research had the objective of understanding how
didactic-pedagogical relations between teacher, student and math knowledge are established,
in the context of the teaching and learning process, added by Cabri-Géomètre software. The
analysis was theoretically based on Guy Brousseau (1986), who has developed the theory of
didactic situations, mainly the didactic is contract. Besides this author, the present study was
based on theoretical concepts proposed by Fainguelernt (1999), Zuin (2001) and Pavanello
(1989). Also, other important authors like Valente (1999), Papert(1994), Sancho(2006) ,
Kenski(2007) and Gravina (1989) were approached. This study was oriented over the
perspective of qualitative research, with priority on the context of relation and interactions
that happens in an environment of geometry learning, with the support of dynamics geometry
software, with the involvement of 37 6
th
grade students of a private school of Curitiba. Six
observation sections were developed during math classrooms that approached subjects like
geometrical figures developing. Data result analysis pointed out that students that have
previously had some experience with computers, and so could develop the activities with
more skills, had more difficulties to deal with Cabri-Géomètre. This suggests a paradox
“student-machine”. In other words, even having skills to deal with the “machine”, the student
is challenged by the new required skills brought by the software. Facing this kind of situation,
new didactic contracts come out, replacing former contracts. In general view, the study shows
that the contracts already established between student, teacher and knowledge, when broken,
create new opportunities of realignment and new interactions between student and teacher,
looking for a significant learning, requiring an open mind and flexible attitude of the teacher.
Keywords
:
geometry, fundamental level, Cabri-Géomètre, didactic contract.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Representação de um cubo......................................................................34
Figura 2 - Barra de Ferramentas do Software Cabri-Géomètre......................72
Figura 3 - Tela do Cabri ..................................................................................................73
Figura 4 - A – Triângulo qualquer ...............................................................................74
Figura 5 - Polígono regular construído no Cabri com medidas de lados e
ângulos...................................................................................................................................77
Figura 6 - Reta em um eixo de coordenadas cartesianas.................................79
Figura 7 - Interações do aluno e os elementos: Cabri,computador e
conhecimento geométrico..............................................................................................80
Quadro 1 - Cronologia do Cabri-Géomètre..............................................................71
Quadro 2 - Principais características do Cabri .......................................................75
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação
CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico
CIED - Centro de Informática na Educação
COREM - Centro de Observação e Investigação do Ensino da Matemática
EDUCOM - Educação com computadores
FUNFAFI - Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de Paranaguá
GD - Geometria Dinâmica
GT19 - Grupo de Trabalho de Educação Matemática
IREM - Instituto de Investigação do Ensino da Matemática
IUFM - Instituto Universitário de Formação de Professores
MMM - Movimento da Matemática Moderna
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PROEM - Programa de Estudo e Pesquisa no Ensino de Matemática
SEI - Secretaria Especial de Informática
SIPEM - Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................12
1.1 PROBLEMA ......................................................................................................................15
1.2 OBJETIVOS.......................................................................................................................19
1.2.1 Objetivo geral.................................................................................................................19
1.2.2 Objetivos específicos......................................................................................................19
1.3 METODOLOGIA...............................................................................................................20
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO.......................................................................................21
2 A TEORIA DAS SITUAÇÕES DIDÁTICAS...................................................................23
2.1 O EDUCADOR MATEMÁTICO GUY BROSSEAU ......................................................23
2.2 A TEORIA DAS SITUAÇÕES DIDÁTICAS...................................................................24
2.2.1 Situação a - didática ......................................................................................................27
2.2.2 Devolução de uma situação...........................................................................................31
2.2.3 Obstáculos didáticos......................................................................................................32
2.2.4 Contrato didático: suas implicações e sujeitos envolvidos.........................................35
3 A GEOMETRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL..........................................................44
3.1 A GEOMETRIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) DAS
SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL.................................................................44
3.2 NOVOS CENÁRIOS PARA O TRATAMENTO DA GEOMETRIA..............................50
3.3 PORQUE DEVEMOS ENSINAR GEOMETRIA.............................................................53
4 O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE .............................................................................57
4.1 UMA FERRAMENTA DE APOIO: O COMPUTADOR / A EDUCAÇÃO FRENTE
AOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS......................................................................................57
4.1.1 O paradigma Instrucionista..........................................................................................59
4.1.2 O paradigma Construcionista ......................................................................................59
4.2 A INFORMATIZAÇÃO NAS ESCOLAS: UMA TRAJETÓRIA LENTA E
DEFINITIVA ...........................................................................................................................61
4.3 O CENÁRIO ATUAL DO COMPUTADOR: ALIADO OU INCÔMODO? ...................66
4.4 CONTRIBUIÇÕES DA INFORMÁTICA AO ENSINO DA GEOMETRIA...................67
4.5 O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE ..............................................................................69
4.6 O CABRI-GÉOMÉTRE NO BRASIL...............................................................................70
4.7 O AMBIENTE DO CABRI-GÉOMÈTRE.........................................................................72
4.8 A IMPORTÂNCIA DO CABRI-GÉOMÈTRE PARA O ENSINO E A
APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA ...................................................................................77
5 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ........................................................81
5.1 A PESQUISA NUMA ABORDAGEM QUALITATIVA.................................................82
5.2 UNIVERSO DA PESQUISA.............................................................................................83
5.3 OS SUJEITOS ENVOLVIDOS E O PRIMEIRO CONTATO..........................................86
5.4 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA................................................................................86
5.5 DESCRIÇÃO DA PESQUISA: O PRIMEIRO CONTATO .............................................88
5.5.1 As sessões de observação...............................................................................................89
6 COMPREENDENDO OS CONTRATOS DIDÁTICOS.................................................91
6.1 O USO DO COMPUTADOR E DO SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE .......................92
6.2 A PROFESSORA.............................................................................................................100
6.3 SITUAÇÃO DIDÁTICA..................................................................................................108
6.4 O TRATAMENTO DOS ERROS....................................................................................112
6.4.1 Situação a-didática .....................................................................................................115
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................118
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................121
12
1 INTRODUÇÃO
Minha história pessoal certamente se mistura à minha vida profissional. Lembro-me de
quando menina, aos seis anos de idade, perseguia minha mãe pela casa, com a cartilha de minha
irmã mais velha nas mãos, perguntando pelas letras, seus sons e significados. Recordo-me
também de que aos nove anos roubava as cadeiras da cozinha de minha casa, enfileirava no
quintal, colocava uma boneca em cada cadeira e dava aulas” para as bonecas. E as aulas eram
de matemática, com continhas de dividir. Como era divertido! Desde então, nunca me separei
da matemática.
Freqüentando os bancos escolares de Ensino Fundamental e Médio, participava de
grupos de estudos, sendo que minha função era ensinar matemática aos meus colegas. Nessa
época me intrigava o fato de tantos colegas meus não entenderem um tema para mim tão
lógico e de fácil entendimento. Eu tinha certeza absoluta de que seria professora de matemática,
pois sabia que se era capaz de ensinar aos meus colegas, então poderia estudar para poder
ensinar matemática para mais alunos.
No final da década de 1980, ainda como estudante universitária, participei de projetos
promovidos pela Universidade Federal de Santa Catarina, e um deles consistia em ensinar
matemática para os servidores que lá trabalhavam. Surpreendi-me com o desconhecimento
deles em relação à matemática básica, desde as quatro operações até a diferenciação entre metro
e metro quadrado.
Minha história profissional compõe-se na trajetória de uma professora de Matemática
que atuou em ensino fundamental e médio, na rede pública e particular. Como profissional,
vivenciei mudanças no sistema educacional brasileiro que traziam implicações didático-
pedagógicas em minhas práticas de ensino. Uma delas era a necessidade de tomar como ponto
de partida a realidade dos alunos. Independentemente de a abordagem ser conservadora ou
inovadora, pairava nas salas de aula, mais especificamente nas manifestações da maioria dos
alunos, uma incompreensão do que se falava e uma clara percepção da desconexão da
matemática tratada em sala de aula com a sua realidade.
No desenvolvimento das atividades junto aos alunos, percebia dois cenários distintos: a
situação real de sala de aula e a teoria proposta nos livros didáticos de Matemática. Sentia uma
distância significativa entre a teoria e a prática (tema muito discutido durante o meu curso de
Licenciatura em Matemática). O referencial que vinha como orientação ao docente, nos livros
didáticos, supunha um aluno preparado para a série, naturalmente motivado para aprender os
13
conteúdos. Porém, no contexto de sala de aula, minha vivência mostrava outro tipo de aluno:
despreparado, sem o embasamento necessário para enfrentar a série. Os alunos (na sua maioria)
precisavam de um estímulo, de uma motivação para aprender, e queriam saber o porquê de
aprender este ou aquele conteúdo. Tinham curiosidade sobre sua aplicabilidade no cotidiano.
A inquietação que me acompanhava se manifestava ainda mais nesse conflito, nessa
dualidade: teoria e prática. Não podia deixar de me perguntar o que fazer para diminuir esta
lacuna. De um modo mais específico, nos temas trabalhados, o encaminhamento dado à
geometria me deixava inquieta. Os alunos não possuíam habilidades desenvolvidas para
trabalhar com ela, seja pelos conceitos e nomenclaturas que desconheciam, seja pela pouca (ou
nenhuma) habilidade de construir elementos básicos de geometria e muitos menos sua
propriedade.
Estas inquietações em relação ao ensino e aprendizagem de Matemática não são de
hoje, pois venho compartilhando-as com outros professores da mesma disciplina, sejam eles de
ensino Fundamental, Médio ou Superior, que vivenciam também esta angústia.
Além de buscar meios de atribuir significado àquela Matemática que ensinava,
quando eu trabalhava com a geometria, sentia que os problemas eram maiores. Por quê?
Porque eu convivia com a geometria no plano de ensino e no planejamento anual, mas na hora
de ensiná-la, de conseguir “envolver” meus alunos nessa área, o ano já acabara.
Ao longo de minha trajetória como professora, vinha convivendo com uma realidade
bastante desfavorável em relação à Geometria. O ensino da Matemática nos cursos
Fundamental e Médio tem mostrado deficiências nesta área. Várias razões podem ser
apontadas para esse problema,como o enfoque apenas euclidiano adotado pelos livros-texto,
que são muito teóricos, e o número reduzido de aulas dedicadas ao ensino da Geometria,
normalmente ensinada no final do ano letivo, como tantas vezes vivenciei.
Essa preocupação com a “desvinculação” da geometria nas grades curriculares
norteou meu trabalho como professora. Cheguei a acreditar que a geometria perderia espaço
entre os conteúdos de forma definitiva.
Com a chegada dos computadores a todos os setores, inclusive ao universo escolar,
novas possibilidades surgiram. Acompanhando a mudança que os computadores poderiam
oferecer em termos de aprendizagem, de reestruturação de aulas sob esta nova abordagem,
passei a acreditar em novas perspectivas para o tratamento da geometria.
Minha expectativa em diminuir as dificuldades do ensino e aprendizagem de
geometria passou a tomar corpo quando tive contato com os softwares, principalmente um
software de geometria dinâmica chamado Cabri-Géomètre.
14
O Cabri-Géomètre foi criado no Instituto Joseph Fourier, em Grenoble, na França. A
sigla Cabri vem do francês, Cahier de Brouillon Informatique, que significa “Caderno de
Rascunho Informático”. Um grupo de especialistas trabalhou durante quatro anos na
elaboração desse software, sob a coordenação de Jean Marie Laborde e de Frank Belleimain
(BONGIOVANNI, 1997).
O software Cabri-Géomètre consiste em um caderno de desenho interativo, que
oferece alternativas de trabalho para o ensino de Geometria, propiciando experimentação,
observação e análise de figuras geométricas construídas. Com ele podemos traçar figuras
geométricas, medir segmentos e ângulos, determinar lugares geométricos, entre muitas outras
funções.
Ao introduzir os computadores na sala de aula, muitos horizontes se abrem para uma
melhoria nos processos de ensino e aprendizagem. Porém, todo processo de mudança vai
depender da postura do professor frente a esse desafio. Um educador que reflete sobre a sua
prática percebe as mudanças que ocorrem com os alunos em função das relações sociais,
políticas e culturais, com o passar dos anos. E, este professor, percebendo as mudanças, de
adaptar a sua prática, sua didática e as formas de abordar os temas em sala de aula, visando a
despertar no aluno uma postura investigativa, crítica e autônoma, condizente com as
necessidades atuais de um indivíduo apto a enfrentar os desafios que a sociedade nos impõe.
Foi com este intuito que passei a incorporar o uso do software Cabri-Géomètre em
minhas aulas de geometria. Percebia que os alunos sentiam-se motivados com a facilidade de
desenhar, apagar, refazer os objetos geométricos, mas também apareceram lacunas trazidas
pelos alunos em termos de conhecimentos básicos de geometria. Precisei reestruturar minhas
aulas de forma a contemplar os temas atuais (da série) com o software, proporcionando,
anteriormente, aos alunos uma fundamentação dos conceitos básicos de geometria.
Com essa motivação em relação à experiência didática realizada com o software que
ingressei no curso de Mestrado em Educação. Nas disciplinas que cursei, o enfoque era dado,
na medida do possível, ao meu objeto de pesquisa que eu imaginava ser o software Cabri-
Géomètre. Ao focar minhas leituras nas pesquisas realizadas sobre o uso daquele
dispositivo, constatei que vários trabalhos como o de Fonseca (2001), Bertoluci (2003),
Zulatto (2002), entre outros, haviam concluído que o software se configurava em uma
ferramenta eficaz no ensino de geometria em termos de motivação, agilidade e de
aprendizagem.
Contudo, vi-me diante de um impasse: minha pesquisa teria que buscar algo mais ou
buscar um enfoque diferente aos apresentados pelas pesquisas consultadas. Partindo-se desse
15
princípio, ao estudar um pouco mais as tendências em Educação Matemática, tive contato
com a Teoria das Situações Didáticas, elaborada pelo educador matemático francês Guy
Brousseau. Nessa teoria, Brousseau identifica e detalha as relações e interações que ocorrem
entre professor, aluno e conhecimento em uma situação de ensino e de aprendizagem, o que
completou a base que faltava para meu estudo.
1.1 PROBLEMA
A teoria das situações didáticas de Guy Brousseau nos auxilia no entendimento das
relações entre aluno, professor e conhecimento em uma situação de ensino e aprendizagem. A
presente pesquisa engloba as questões acima e incorpora o computador neste contexto.
Fainguelernt (1999) alerta sobre o descaso com o qual a geometria vem sendo tratada e
aponta o uso do computador como uma alternativa viável para amenizar esta lacuna. A autora
enfatiza o caráter formativo que a geometria desempenha na construção do conhecimento,
focalizando a necessidade de atribuir-se mais seriedade ao ensino da geometria. Fainguelernt
afirma que,
através de diferentes estratégias utilizadas no processo ensino-aprendizagem da
Geometria, o aprendiz tem a possibilidade de desenvolver a capacidade de ativar
suas estruturas mentais, facilitando a passagem do estágio das operações concretas
para o estágio das operações formais (FAINGUELERNT,1999, p. 22).
A realidade do “descaso” em relação ao ensino da geometria se alastra e suas
conseqüências são bastante danosas, vindo a repercutir na formação de professores e,
conseqüentemente, na sua atuação no ensino das séries iniciais. Essa questão é tema da
pesquisa de mestrado desenvolvida por Nunes da Silva (2006), que ao entrevistar professoras
de primeira a quarta séries, investigou sobre o que é ensinado e como são ministrados os
conteúdos de geometria nas séries iniciais. A dificuldade que as professoras apontaram
perpassa pelas suas formações, que não abordam a matemática com a profundidade mínima
necessária para poderem trabalhar e desenvolver atividades que propiciem ao aluno o contato
com a geometria. Dentre outras dificuldades, em seu depoimento, uma professora, cuja sigla
que representa seu nome é SU, relata:
16
a geometria do cotidiano dos alunos. Essa a gente ensina quando relacionada a
outros conteúdos ou fatos estudados. Mas fica para o final do ano por causa da
necessidade maior dos alunos que é aprender a fazer operações. (Depoimento oral,
in SILVA, 2006, p. 94)
Este depoimento retrata um pouco da realidade do tratamento dado à geometria nas
séries iniciais. Podemos perceber que este aluno, que não pode conhecer a geometria nesse
nível de ensino, perderá muito da oportunidade de compreensão, descrição e inter-relação
com o espaço em vive. Esta lacuna que se inicia nas séries iniciais dificilmente será
preenchida, ainda mais se considerarmos que nas séries seguintes, na maioria das vezes, a
geometria continua sendo trabalhada de uma forma aquém da necessária.
Se o professor desconhece os pressupostos teóricos que envolvem a geometria, não
poderá dar o devido valor, nem poderá considerá-la necessária a ponto de tratá-la com a
mesma importância destinada à aritmética, ou à álgebra. Silva (2006, p.124) salienta a
importância de, primeiramente o docente conhecer um pouco mais sobre a temática que
envolve a geometria, e a partir daí amadurecer para a importância trazê-la para a sala de aula,
afirma: “A geometria é o eixo de conteúdo que tem o papel de preparar o aluno para o modo
de pensar, de exercitar a racionalidade e não apenas de transmitir saberes geométricos”.
O trabalho de Silva (2006) vem a confirmar o que é vivenciado, ou seja, perceber que
a lacuna que envolve a geometria trazida para os bancos escolares é aberta muito cedo e
aumenta ao longo das séries seguintes.
A necessidade de ressignificar o ensino de geometria já vem sendo apontada em
pesquisas algumas cadas. Pavanello (1989) apontou alguns fatores que contribuíram
para o abandono da geometria. A autora defende o ensino da geometria e o entende como um
processo progressivo. Para a autora,
a geometria apresenta-se como um campo profícuo para o desenvolvimento da
“capacidade de abstrair, generalizar, transcender o que é imediatamente sensível”
[...] oferecendo condições para que níveis sucessivos de abstração possam ser
alcançados (PAVANELLO, 1989, p. 182).
Pensando que se pode trazer de volta a geometria para a sala de aula, parece viável
querer trazê-la com uma abordagem dinâmica e interativa. Um recurso que possibilita esse
processo é o computador. Acreditamos que a máquina pela máquina nada trará de
significativo em termos de melhoria no processo de ensino e aprendizagem, nem tampouco
nos conteúdos de geometria. Porém, se a relação do professor com esse recurso for calcada
em uma visão de agregar possibilidades, aí se justifica sua utilização.
17
Valente (1999) elucida a diferença entre utilizar o computador mantendo-se os
mesmos procedimentos tradicionais, seguindo, dessa forma, o paradigma instrucionista, que
utiliza o computador como um recurso que privilegie o método tradicional, sem interação.
Segundo Valente, “Quando o computador transmite informação para o aluno, o computador
assume o papel de máquina de ensinar e a abordagem pedagógica é a instrução auxiliada por
ele” (VALENTE, 1999, p. 2). Em contrapartida, se o computador for utilizado como um
auxiliar para a construção do conhecimento, sua utilização se justifica. Para o autor,
quando o aluno usa o computador para construir o seu conhecimento, o computador
passa a ser uma máquina para ser ensinada, propiciando condições para o aluno
descrever a resolução de problemas, [...] refletir sobre os resultados obtidos e
depurar suas idéias por intermédio da busca de novos conteúdos e novas estratégias
.
(VALENTE, 1999, p. 3).
Essa afirmação reforça a visão de que está nas mãos do professor a maneira com a
qual o computador será incorporado à sua prática. É impossível negar a chegada dos
computadores e sua crescente utilização em todos os setores. Diante dessa tendência,
acreditamos ser necessário que os professores reconheçam esta evidência e considerem a
possibilidade de incorporá-lo à sua prática. Disponibilizar o computador para os alunos não
significa que será suficiente para garantir uma aprendizagem significativa, ou que esse cenário
se configure em uma prática construtivista.
Valente (2005) afirma que as facilidades técnicas apontadas pelos computadores
possibilitam a exploração de inúmeras ações pedagógicas, por outro lado, questiona se
realmente estas ações contribuem para o processo de construção do conhecimento. O autor
chama a atenção para a sutil diferença entre a realização de atividades com o computador e a
realização de atividades que possam de fato exigir alguma reflexão e contribuam para a
apreensão dos conceitos de forma significativa. Em relação a essa sutileza o autor aponta:
O aluno pode estar buscando informações na rede Internet, na forma de texto, vídeo
ou gráficos, colando-as na elaboração de uma multimídia, porém sem ter criticado
ou refletido sobre os diferentes conteúdos utilizados (VALENTE, 2005, p. 23).
O autor enfatiza que o professor tem o potencial de combinar os recursos técnicos com
o conhecimento pedagógico para uma aprendizagem realmente significativa e uma educação
de qualidade. Para tanto, sugere uma ênfase e cuidados na formação do professor para poder
encarar o grande desafio de incorporar o computador em sua prática de forma significativa.
Para o autor em relação à formação do professor: “Ela deve ser pensada na forma de uma
18
espiral crescente de aprendizagem, permitindo ao educador adquirir simultaneamente
habilidades e competências técnicas e pedagógicas” (VALENTE, 2005, p. 30).
Kenski (2007) nos situa em relação aos avanços tecnológicos e suas implicações
chegando ao universo escolar. A mesma esclarece também que tecnologias não são só
máquinas ligadas à equipamentos, e considera a linguagem um tipo específico de tecnologia.
A definição de tecnologia segundo a autora é:
O conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao
planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado
tipo de atividade, chamamos de tecnologia (KENSKI, 2007, p. 24).
Essa visão vem nos auxiliar ao tratamento dos recursos tecnológicos, evitando pensar
que se a escola não dispuser de internet, ou softwares educativos não será possível
desenvolver uma atividade de cunho pedagógico e inovador. Segundo a autora, “jornais,
revistas, rádio, cinema, vídeo etc. são suportes midiáticos populares, com enorme penetração
social’ (KENSKI, 2007, p. 27).
Para Gravina e Santarosa (1998), os alunos chegam à universidade sem ter atingido os
níveis mentais da dedução e do rigor. Raciocínio dedutivo, métodos e generalizações,
processos característicos e fundamentais da Geometria, são pouco dominados pelos alunos, os
quais até mesmo apresentam pouca compreensão dos objetos. A autora propõe que, uma vez
que o professor aceite o computador como uma ferramenta e o incorpore à sua prática, deve
haver um cuidado para que o uso desta tecnologia se dê em consonância com uma abordagem
construtivista. Para tanto, a autora propõe duas questões principais relacionadas a uma prática
que utiliza o enfoque construtivista:
1ª: Quanto ao aspecto matemático: como projetar atividades que façam com que os
alunos se apropriem de idéias matemáticas profundas e significativas [...]
2ª: Quanto ao aspecto cognitivo: como fazer para que estas atividades coloquem os
alunos em atitudes sintonizadas com os processos que são naturais ao
desenvolvimento cognitivo do sujeito? (GRAVINA; SANTAROSA, 1998, p. 5).
Diante das questões propostas por Gravina e Santarosa (1998), o professor que se
propuser a trabalhar de maneira significativa, utilizando o computador como ferramenta, deve
estar preparado para refletir sobre sua “nova” prática, enfocando tais questionamentos. A
autora vai mais além da questão da utilização do computador e propõe a aprendizagem da
matemática em ambientes informatizados, apontando características que compõem um
ambiente informatizado construtivista. São elas: meio dinâmico, meio interativo e meio para
modelagem ou simulação. Nesse contexto de aprendizagem em um ambiente informatizado,
19
alguns softwares são propostos, entre eles um software de geometria chamado Cabri-
Géomètre.
O software Cabri-Géomètre permite que o aluno esteja em contato com a linguagem
geométrica, pois “a interface de menu de construção em linguagem clássica da Geometria. Os
desenhos de objetos geométricos são feitos a partir das propriedades que o definem”
(GRAVINA;SANTAROSA, 1998, p. 14).
Pelo exposto até aqui, surge uma realidade onde um espaço vazio no tratamento
dado à geometria, visto que uma tendência forte e irreversível do uso do computador nas
salas de aula, e o enfoque deste estudo será no uso daquela ferramenta, de forma a contemplar
a abordagem construtivista, enxergando-se a oportunidade de envolver esses componentes
para o desenvolvimento da pesquisa.
É, portanto, dentro desse espaço de necessidade de análise sobre o ensino de
geometria, tendo como suporte um software de geometria, que formulamos a seguinte
questão:
No contexto do processo de ensino e aprendizagem da geometria, com o recurso
Cabri-Géomètre, como são estabelecidas as relações didático-pedagógicas entre
professor, aluno e conhecimento matemático?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Analisar as relações didático-pedagógicas que ocorrem entre professor, aluno e
conhecimento no ensino de geometria mediado pelo Cabri-Géomètre.
1.2.2 Objetivos específicos
a) descrever as formas de mediação ocorridas durante a realização das atividades com
o Cabri-Géomètre;
20
b) identificar os papéis do professor e dos alunos durante a utilização do software;
c) caracterizar e analisar o contrato didático vigente nas aulas entre professor, aluno e
conhecimento, nos momentos da utilização do software;
d) descrever o processo de ensino e aprendizagem de geometria, decorrente do uso do
software Cabri-Géomètre, à luz da Teoria das Situações Didáticas.
1.3 METODOLOGIA
Conforme a proposta de estudar as interações que ocorrem em um ambiente de
aprendizagem mediado pelo uso de um software, foram necessários alguns encaminhamentos
para atingir os objetivos apresentados. Como éramos professora da escola e utilizávamos o
software, perguntamos à professora da outra turma se ela concordava em contribuir com esta
pesquisa. Ela aceitou e em seguida falamos com o diretor da escola, explicando como seria a
pesquisa, os sujeitos envolvidos e o ambiente onde seria realizada a mesma. O diretor
permitiu que a pesquisa fosse realizada na escola e a professora, de acordo com o seu
planejamento, nos comunicou em quais dias da semana ministraria as aulas de geometria para
a turma selecionada.
A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi desenvolvida com alunos de série do
Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de ensino de Curitiba que trabalha com
material didático próprio, apostilado, produzido pelo Centro de Excelência da Instituição. Esta
instituição possui aproximadamente. 2.150 alunos matriculados em todos os níveis de ensino,
desde a Educação Infantil até a Faculdade.
A coleta de dados consistiu em registros das aulas desenvolvidas no Laboratório de
Informática da instituição pesquisada. A cada aula, a professora da turma colocava um
gravador no bolso do seu jaleco para gravar as falas ocorridas. Além desse registro, eram
feitas anotações do que ocorria em cada aula, em um “diário de bordo”, relatando nossas
percepções e, posteriormente, realizando um registro mais reflexivo acerca das observações
anotadas.
Nesse trabalho empírico, os registros centraram-se sobre elementos-chave das
observações: aluno, professor, o ambiente da aprendizagem (laboratório de informática),
conteúdo de geometria da 6ª série e o uso do software Cabri-Géomètre.
21
1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO
Em primeiro lugar, é abordada a Teoria das Situações Didáticas, bem como a análise
de seus conceitos estruturantes; além disso, uma abordagem dos diferentes tipos de situações
didáticas propostas por Brousseau e atribuindo destaque ao contrato didático como elemento
fundamental para a compreensão das interações que ocorrem entre professor, aluno e
conhecimento, numa relação didática.
Em seguida, tratamos da geometria no Ensino Fundamental. Descrevemos
brevemente a trajetória da geometria nas escolas brasileiras , como ela é concebida e tratada
atualmente no contexto escolar, em especial nas séries finais do Ensino Fundamental.
Apoiando-nos em pesquisas já concluídas sobre o ensino da geometria no Brasil, como
também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental, buscamos,
nessa parte, conhecer os questionamentos e as conclusões acerca do ensino de geometria no
Brasil, consultando teses e dissertações além de pesquisas sobre geometria debatidas no GT19
da Anped
1
.
Logo após, são abordadas questões relativas ao avanço tecnológico e às implicações
do uso do computador nas práticas escolares. Em seguida é apresentado o Cabri-Géomètre,
um dos componentes desse objeto de estudo. Por fim, é destacado o papel do professor em
relação à utilização de uma ferramenta tecnológica.
Na seqüência, são detalhados os elementos metodológicos que orientaram o presente
estudo, caracterizando a abordagem escolhida, o universo no qual foram recolhidos os dados,
os sujeitos envolvidos e os procedimentos utilizados na coleta e na análise dos dados.
Logo a seguir, são analisados e discutidos os dados coletados nas sessões de
observações das aulas de geometria. Os episódios selecionados entre os diálogos e interações
ocorridas durante as sessões de observações são discutidos nessa parte, à luz da Teoria das
Situações Didáticas.
Nas Considerações Finais são tecidas as conclusões a partir das análises feitas.
Também são acrescentadas às análises o que foi possível observar em termos de
possibilidades futuras, como encaminhamentos e novas propostas de pesquisa.
___________________
1
A ANPED tem como objetivo a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de pós-graduação e da
pesquisa na área da Educação no Brasil. Ao longo dos anos, tem se projetado no país e fora dele como um
importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se tornado referência para
acompanhamento da produção brasileira no campo educacional. Quanto ao GT 19, trata-se do seguinte:
Educação Matemática é um espaço importante de debates de pesquisas selecionadas nessa área de
conhecimento.
22
Em geral, a presente pesquisa configura-se em um estudo que aborda temas
relevantes ao universo escolar. Nas escolas onde o uso do computador está sistematizado,
professores de matemática poderão compartilhar e compreender ainda mais a importância de
utilizar o computador de forma eficiente, focada na aprendizagem. Para que avanços
realmente ocorram no conhecimento matemático, é importante que o professor projete suas
atividades a serem desenvolvidas com o cuidado de permitir a exploração, conjecturas e
resgate dos conceitos geométricos básicos.
Mesmo para as escolas onde não seja tão eficiente o uso do computador, este trabalho
aponta a tendência do uso daquela ferramenta. Ainda que o professor não tenha como utilizá-
la, as relações implícitas ao contrato didático estão presentes, com ou sem o uso do
computador. Nos momentos de interação entre professor, aluno e conhecimento, as relações
implícitas e/ou explícitas, os direitos e deveres implícitos dos alunos e do professor, com
relação ao objeto do saber matemático estão apresentados nesta pesquisa. Dessa forma, este
estudo mostra tópicos da Teoria das Situações Didáticas, que poderão levar o professor a
refletir sobre a sua prática, sob o ponto de vista do contrato didático.
Por fim, acreditamos que esta pesquisa justifica-se também pela relevância social, no
sentido de poder contribuir para um entendimento maior a respeito dos problemas
circundantes à geometria, e com isso despertar nos educadores a necessidade de repensar o
ensino de matemática e buscar alternativas para dirimir esta deficiência. Além de
proporcionar uma reflexão sobre o ensino de geometria, este trabalho propõe alternativas de
utilização do computador como ferramenta, e não como ator principal” em ambientes
informatizados.
Esperamos que o presente estudo possa contribuir para a melhoria da qualidade do
ensino de geometria, servindo de parâmetro e de alternativa para professores que trabalham
com este nível escolar, e que sentem a necessidade de redirecionar sua prática.
23
2 A TEORIA DAS SITUAÇÕES DIDÁTICAS
Nesse capítulo será abordada a teoria das situações didáticas, elaborada por Guy
Brousseau. Inicialmente é apresentada uma breve biografia do referido autor e, em seguida,
fazemos uma síntese da Teoria das Situações Didáticas, analisando seus principais conceitos
estruturantes. Dentre os conceitos nucleares da referida teoria, destacamos o conceito de
contrato didático e suas implicações nas relações que ocorrem entre professor, aluno e
conhecimento, levando em consideração a importância da compreensão dessas interações
presentes nos processos de ensino e aprendizagem da Geometria, mediados pelo uso do
software Cabri-Géomètre II ,objeto desse estudo.
2.1 O EDUCADOR MATEMÁTICO GUY BROSSEAU
O educador francês Guy Brousseau iniciou sua carreira em 1953, como professor da
educação primária. Ao final dos anos sessenta, depois de graduar-se em Matemática,
ingressou como professor na Universidade de Burdeos. Em 1986, completou seu doutorado e,
em 1991, tornou-se catedrático no novo Instituto Universitário de Formação de Professores
(IUFM) de Burdeos, onde trabalhou até 1998.
No começo dos anos 1970, Guy Brousseau emerge como um dos deres e
investigadores mais originais no novo campo da Didática da Matemática Francesa. Sua
contribuição teórica mais notável foi a elaboração da Teoria das Situações Didáticas, centrada
nas interações sociais que se desenvolvem na sala de aula entre aluno, professor e saber.
Difundida mundialmente, sua teoria tem servido de referência para estudos atuais e mais
aprofundados sobre as relações entre aluno, professor e conhecimento matemático. Mais que
um exímio pesquisador, Guy Brousseau é também um acadêmico que dedicou sua vida à
Educação Matemática, não na França, mas também em outros países. Orientou mais de 50
teses de doutorado, contribuindo para o desenvolvimento da Didática da Matemática.
Atualmente, Guy Brousseau é investigador do IREM (Instituto de Investigação do Ensino de
Matemática) de Bourdeos, além de Diretor do COREM (Centro de Observação e Investigação
do Ensino da Matemática); também Professor Emérito no IUFM de Aquitania (Bordeaux) e
Doutor Honoris Causa da Universidade de Montreal.
24
2.2 A TEORIA DAS SITUAÇÕES DIDÁTICAS
Na década de 1970, um grupo de pesquisadores (a maioria matemáticos e psicólogos
franceses) reuniu esforços para compreender e interpretar os fenômenos e processos ligados à
Educação Matemática, campo de estudos conhecido na França como Didática da Matemática.
Convictos da necessidade de um corpo teórico específico do saber matemático iniciaram
profundas investigações e elaboraram substanciais teorias para o campo do ensino e da
aprendizagem matemática, dentre elas
2
, a “Teoria das Situações Didáticas”, elaborada por
Guy Brousseau, que busca a gênese e a compreensão dos fenômenos que ocorrem no ensino e
na aprendizagem da matemática escolar. Apoiado numa concepção construtivista (no sentido
piagetiano), na qual o aluno aprende ao ser desafiado por uma situação, produzindo respostas
novas a um meio repleto de contradições e dificuldades, Brousseau(1996) chama de “situação
didática”, uma situação construída com a intenção de propiciar, ao aluno, a aprendizagem de
um determinado conteúdo matemático.
Para Brousseau (1996), a situação didática é um conjunto de relações explicitamente
e/ou implicitamente estabelecidas entre um aluno ou um grupo de alunos, instrumentos ou
materiais e o professor, tendo em vista a aprendizagem de algum conhecimento. Para o autor,
o aluno somente constrói conhecimento quando se envolve com a situação, ou seja, quando se
envolve pessoalmente com o problema proposto pela situação, havendo, portanto, uma
devolução por parte do aluno. Isto significa que o aluno entra no “jogo”, ou seja, entra no
“funcionamento matemático”.
Trata-se, portanto, de uma situação planejada com a intenção de possibilitar ao aluno a
construção de um determinado saber. Algumas dessas situações, segundo Brousseau (1996),
requerem conhecimentos prévios e esquemas necessários. Outras oferecem uma possibilidade
para o aluno construir, por si mesmo, um conhecimento novo. Segundo D’Amore (2007):
Esse tipo de teoria, não esqueçamos, tem a Matemática como referência e, portanto,
quando se fala de conhecimento, sempre está subentendendo que se trata de
conhecimento matemático; agora, o conhecimento matemático, como característica
própria, inclui conceitos, mas também sistemas de representação simbólica,
processos de desenvolvimento e validação de novas idéias (D’AMORE, 2007, p.
237).
___________________
2
Algumas das teorias que também se destacam, entre as elaboradas pelo Grupo da Didática da Matemática
Francesa, são: Teoria da Transposição Didática, elaborada por Yves Chevallard; Teoria dos Campos
Conceituais, elaborada por G. Vergnaud.
25
A Teoria das Situações Didáticas envolve diferentes tipos:
a) situações de ação;
b) situações de formulação;
c) situações de validação;
d) situações de institucionalização.
Uma situação de ação é o tipo de situação em que o aluno utiliza seus conhecimentos e
procedimentos mais imediatos para a resolução de um problema. Em tais situações,
prevalecem os aspectos experimental e argumentativo, permanecendo ainda recuado o aspecto
teórico dos conceitos envolvidos. É o caso em que o aluno é capaz de fornecer a solução para
um problema proposto, mas não consegue explicar e/ou explicitar os mecanismos e elementos
utilizados na sua elaboração.
Uma situação de formulação é quando o aluno passa a utilizar alguma elaboração de
natureza teórica para a resolução do problema, apresentando um raciocínio mais elaborado do
que um mecanismo experimental e, para isso, se faz necessário utilizar informações
anteriores. Na situação de formulação, o saber que está sendo elaborado não possui a
obrigatoriedade de justificação e de controle das ações. O objetivo desta etapa é a troca de
informações, composta de momentos em que o aluno explicita as ferramentas utilizadas e a
solução encontrada. “Trata-se do caso em que o aluno faz afirmações sem ter a intenção de
julgar a validade do conhecimento, embora contenham implicitamente intenções de
validação” (PAIS, 2002, p. 72). Para que o aluno possa avançar na resolução de um problema,
é necessário que ele aprofunde sua postura reflexiva, procurando buscar justificativas sobre a
validade das afirmações formuladas, mesmo que de forma interiorizada.
A situação de validação é a que está mais voltada para o plano da argumentação
racional, na qual agora é importante a questão da veracidade do conhecimento. Em uma
situação de validação, o aluno é capaz de utilizar, na solução do problema proposto, alguns
modelos e esquemas teóricos explícitos, sendo possível apresentar argumentações de cunho
teórico de forma bem mais elaborada, como os mecanismos de prova, e o saber é utilizado
com essa finalidade. Nessa situação, a característica principal é o debate sobre a veracidade
das asserções. Como conseqüência, as interações com o meio são organizadas. Nesse esforço
e motivações intelectuais, juntamente com os procedimentos de argumentações a respeito do
saber, o aluno pode contestar ou mesmo rejeitar proposições que ele ainda não compreende,
podendo experimentar a condição da dúvida, indo buscar aportes teóricos que o façam
concordar e aceitar uma proposição, ou desmascará-la com argumentos específicos e
verdadeiros. Aqui são solicitadas verificações e, portanto, explicações sobre a teoria utilizada
26
e também que sejam explicitados os meios utilizados nos processos demonstrativos. O
trabalho intelectual do aluno não se refere somente a informações sobre o saber, mas
envolvem também afirmações, elaborações, declarações a propósito da validade do saber
(PAIS, 2002). Desta forma, a teoria funciona e se mostra em debates científicos ou discussões
entre alunos como meio de estabelecer provas ou rejeitá-las.
Na situação de institucionalização, está em evidência o papel do professor, com o
propósito de aglutinar os debates, argumentos e idéias surgidas, oficializando e conferindo um
status ao saber. É nessa situação que ocorre a passagem do conhecimento, do plano individual
e particular, à dimensão histórica e cultural do saber científico. Estas situações visam
estabelecer e dar um caráter oficial a conhecimentos surgidos durante a atividade em classe.
Quando se trata da passagem do saber individual ao saber social, construído e
validado, é conveniente ressaltar a diferenciação que existe na dimensão social dos saberes do
plano subjetivo, que esse conhecimento agora (na institucionalização) passa a ser aceito
pelo meio com o estatuto de um saber não localizado. Uma vez construído e validado, o novo
conhecimento fará parte do patrimônio da classe somente após o professor fixar e
convencionar de forma explícita o status cognitivo do saber. Enfatizamos aqui a necessidade
do rigor da parte do professor na hora de institucionalizar, para não fazê-lo no momento
indevido. Se feita muito cedo, a institucionalização interrompe a construção do sentido,
podendo vir a impedir a aprendizagem adequada, gerando dificuldades para os alunos e
também para o professor. Se for feita muita tarde, abre espaço para interpretações distorcidas
e errôneas, dificultando a aprendizagem.
Para Pais (2002, p.74), “A institucionalização faz sentido quando o aluno
compreende o significado do conteúdo e percebe a necessidade de integrar seu conhecimento
a uma teoria mais ampla”. Nesse caso, a institucionalização dos conhecimentos entra em jogo,
por exemplo, na verificação da resolução dos problemas, num balanço das atividades
desenvolvidas em aula, individual ou em grupo, cabendo ao professor a seleção dos aspectos
formais do conteúdo, que passam a ser considerados como um saber culturalmente acessível
ao aluno. É na situação da institucionalização que o professor tira conclusões a partir do que
foi produzido pelo aluno, recapitulando, sistematizando e ordenando o que se produziu, com o
propósito de estabelecer relações entre o produzido pelo aluno e sua cultura. Segundo
Brousseau:
27
O papel do professor consiste em institucionalizar!A institucionalização se realiza
tanto sobre uma situação de ação reconhece-se o valor de um procedimento que se
converterá em um recurso de referência - como também sobre uma situação de
formulação. formulações que serão conservadas (“isto se diz assim”, “aquilo
deve ser lembrado”). O mesmo acontece com as provas: é necessário identificar ou
será retido das propriedades e dos objetivos que encontramos (BROUSSEAU, 1996,
p.57).
Panizza (2006, p. 39) sintetiza as diferentes situações didáticas, afirmando: “nas
situações de ação, são validadas ações; nas situações de formulação, são validadas
mensagens; nas situações de validação, são validadas afirmações”. Acrescenta-se que, nas
situações de institucionalização, são validados os sentidos e as convenções oficiais dos
conhecimentos.
Sobre o fenômeno da institucionalização, Brousseau afirma:
As situações de ensino tradicionais são situações de institucionalização, mas sem
que o professor se ocupe da criação do sentido: diz-se o que se deseja que a criança
saiba, explica-se para ela e verifica-se que tenha aprendido. No começo, os
pesquisadores estavam um pouco surpreendidos pelas situações a-didáticas, porque
era o que mais faltava ao ensino tradicional (BROUSSEAU, 1999, apud PANIZZA,
2006, p. 40).
2.2.1 Situação a-didática
É importante destacar que no planejamento de uma situação didática há, segundo o
idealizador da teoria, momentos nos quais o aluno se encontra sozinho diante do problema a
resolver, sem a intervenção do professor. Brousseau denomina esse momento de situação ou
fase a-didática, uma etapa em que o aluno deve relacionar-se com um problema a partir de
seus próprios conhecimentos, desafiado pelo problema “e não para satisfazer um desejo do
professor, e sem que o professor intervenha diretamente para ajudá-lo a encontrar uma
solução” (PANIZZA, 2006, p. 37).
Um dos objetivos da educação matemática é contribuir para que o aluno consiga
desenvolver certa autonomia intelectual e que o saber escolar aprendido lhe proporcione
condições de compreender e se situar criticamente no mundo em que vive. Para tanto, além
das situações propostas, elaboradas e planejadas pelo professor para o alcance destes
objetivos, chamadas situações didáticas, existem muitas situações no cotidiano escolar que
não estão sob o controle pedagógico do professor, ou seja, são momentos do processo de
28
aprendizagem nos quais o aluno trabalha de forma independente, não sofrendo nenhum tipo
de controle direto por parte do professor. Estas situações se denominam a-didáticas, que
também estão implícitas no contrato didático. As situações a-didáticas ocorrem quando os
momentos do processo de aprendizagem se dão sem a interferência direta do professor (em
que este aparentemente se ausenta), quando, em certa etapa do contrato didático, o aluno
busca individual ou coletivamente a construção de um novo conceito. Nas palavras de
Brousseau:
Quando o aluno torna-se capaz de colocar em funcionamento e utilizar por ele
mesmo o conhecimento que ele está construindo, em uma situação não prevista de
qualquer contexto de ensino e também na ausência de qualquer professor, está
ocorrendo então o que pode ser chamado de situação a-didática. (BROUSSEAU,
1986, apud PAIS, 2002, p. 68).
Segundo Pais (2002, p.69.), “a intenção pedagógica caracteriza todas as etapas do
processo didático, uma vez que todo o trabalho do professor é previamente determinado por
objetivos, métodos e noções conceituais” Assim, as situações a-didáticas constituem-se em
momentos de grandes potencialidades, pois estão voltadas para a tentativa de romper com as
velhas práticas da repetição e do modelo, que ainda existem nas práticas de ensino tradicional.
Isto não significa que as situações didáticas e a-didáticas sejam contraditórias, e sim que elas
coexistem em um fenômeno didático de forma harmônica, sem que uma altere a outra, e sim
que uma situação pode vir a complementar a outra. Enfatizamos que toda a atividade
pedagógica, ao ser planejada, deve contemplar momentos de direcionar o aluno para as
situações a-didáticas. Sendo assim, o aluno pode fazer investigações matemáticas, pesquisar
e/ou aprofundar-se sobre um determinado tema, independentemente do sistema educativo, ou
da intenção pedagógica do professor e, ainda assim, este aluno estará vivenciando situações a
- didáticas.
Não podemos confundir uma situação a-didática com uma situação o-didática.
Situações não-didáticas são aquelas que não foram planejadas com o objetivo de promover a
aprendizagem. Neste tipo de situação, o problema surge de forma eventual, sem a
intencionalidade de um saber, e professor e aluno não têm uma relação específica e típica
como saber em jogo.
Tendo ciência dos elementos constantes em alguns contratos didáticos e também da
necessidade de avaliar, renegociar e entender os fenômenos de sala de aula, o professor deve
estar apto a perceber, administrar e fazer valer sua função e a do aluno em cada contrato. E,
dentro deste panorama, no qual surge uma indignação com a possibilidade de a matemática
29
estar sendo subaprendida e mal interpretada, é que formulamos a seguinte questão: “Como
elaborar situações que propiciem a reflexão, investigação e autonomia?Para promover uma
situação didática Brousseau (1996) esclarece:
A concepção moderna do ensino solicita, pois, ao professor que provoque no aluno
as adaptações desejadas, através de uma escolha judiciosa dos “problemas” que lhe
propõe. Estes problemas, escolhidos de forma que o aluno possa aceitá-los, devem
levá-lo a agir, a falar, a refletir, e evoluir por si próprio (BROUSSEAU, 1996, p.
49).
O rigor necessário para a elaboração das questões e dos problemas a serem propostos
evita interferências, distorções e ambigüidades em uma situação didática. Uma conseqüência
da escolha não judiciosa, ao promover situações de aprendizagem adequadas denomina-se
aprendizagem por adaptação. Brousseau (1996), fazendo uma aproximação com os chamados
esquemas de assimilação e acomodação que foram descritos por Piaget, definiu esta situação
(aprendizagem por adaptação) em um contexto onde “o aluno é desafiado a adaptar seus
conhecimentos anteriores às condições de solução de um novo problema. Nesse caso, a
aprendizagem se expressa pelo componente da criatividade” (Pais, 2002, p.69). O aluno
defronta-se com a necessidade de adequar o seu conhecimento a um determinado problema
que lhe foi proposto, dentro de uma situação didática. Em uma aprendizagem por adaptação, o
aluno é impelido a adaptar seus conhecimentos adquiridos anteriormente às condições de um
novo problema. Nesse tipo de aprendizagem vem à tona outra cláusula do contrato didático,
na qual cabe ao aluno aprender, já que o professor está cumprindo o contrato ao ensinar. Cabe
ao aluno também cumprir a sua parte no contrato, que é aprender, nem que para isso sejam
necessárias adaptações e distorções. Ao aluno, no momento da aprendizagem, não cabem
alterações no foco de estudo, e sim a construção do conceito de forma gradativa e processual.
Quanto ao papel do professor, a ele é permitido o uso de estratégias didáticas
adaptativas, e, como foi dito, o uso de critérios na escolha da abordagem do objeto do
conhecimento. Também cabe ao professor a busca (não menos criteriosa) de problemas que
permitam mais de uma solução, que valorizem a criatividade e admitam estratégias pessoais.
Nesse cenário, se manifestam ações e reações dos alunos, dando a entender ao professor a
necessidade (ou não) de uma retomada, uma renegociação, e a conseqüente quebra do
contrato didático vigente.
Esta renegociação ocorre no momento em que o professor observa que algo não havia
sido planejado. Se for necessária uma mudança de rumo, a improvisação consiste em
readaptar o programado, no exato momento em que ocorre a situação didática, em que os
30
objetivos propostos não estão sendo alcançados, ou quando algo está fazendo com que o foco
da aula esteja sendo desviado. A preocupação aqui é outra, já que novas variáveis (não
previstas) apareceram. Nesse caso, cabe ao professor mostrar sua habilidade para administrar
este momento, orientando seus alunos em relação aos novos questionamentos.
Há situações em que o aluno tenta não “admitir” que algo saiu do controle. Ao
procurar entender o porquê de sua perda de controle, encontra-se diante da “devolução”, ou
seja, o aluno se sente responsável pela atividade e responsável também pelo resultado a ser
obtido. O estágio da devolução é o que se espera de uma situação didática, embora nem
sempre aconteça. É necessário que o aluno aceite a idéia de que é o responsável pela
atividade, e que deve ir à busca de soluções para a situação problema proposta. Brousseau
(1996) faz um alerta para este momento:
Para que uma criança entenda uma situação como uma necessidade independe da
vontade do professor, é necessária uma construção epistemológica cognitiva
intencional. A resolução do problema se torna, então, responsabilidade do aluno, que
deve procurar obter um determinado resultado. (BROUSSEAU, 1996, p. 50).
Nada mais oportuno ao professor, diante desta inconformidade do aluno, permitir que,
numa situação a-didática, o aluno possa amadurecer, ir construindo seu conhecimento. Ao
referir-se a uma situação a-didática, Pinto (2003, p.102), afirma que “é o momento
considerado o mais importante da aprendizagem, no qual o aluno, trabalhando sem a
interferência do professor, busca sintetizar seus conhecimentos, desenvolver métodos
próprios, acionar sua meta-cognição”.
Ao referir-se à expressão a-didática, cunhada pelo matemático francês Brousseau,
Panizza, (2006, p. 37) ressalta sua importância, que muitas vezes, “se confunde o que é
necessário com o que é possível utilizar como procedimentos para resolver um problema e,
conseqüentemente, confundem-se os conhecimentos que devem ser ou não colocados em
prática para dominar a situação”.
Um exemplo disso é quando o aluno precisa resolver a situação: Juntar dois
conjuntos de carrinhos e encontrar o total dos carrinhos”. O aluno nem sempre utilizará o
cálculo dos dois conjuntos. Poderá reunir os dois conjuntos de carrinhos e fazer a contagem
do novo conjunto formado. Também poderá recorrer a representações, como usar palitinhos
ou os dedos das mãos para contar o total, sem efetuar o cálculo. Ao usar sua inventividade o
aluno vivencia uma situação a-didática.
A não intervenção do professor nesse processo possibilita o avanço da aprendizagem
do aluno. A entrada na fase a-didática faz surgir o conceito de devolução, também
31
desenvolvido por Brousseau, ou seja, “o ato pelo qual o professor faz o aluno aceitar a
responsabilidade de uma situação de aprendizagem (a-didática) ou de um problema, e ele
mesmo aceita as conseqüências dessa transferência” (BROUSSEAU, 1996, p.50).
2.2.2 Devolução de uma situação
Brousseau alerta para os critérios que deve ter o professor ao preparar as situações
didáticas, para não se perder ao longo do jogo (a aula), ou para que as situações não sejam tão
óbvias a ponto de não serem instigantes. Além disso, o professor, estando implicitamente
responsável pela situação de aprendizagem, deve ter a habilidade de fazer com que o aluno
encare como sendo sua a tarefa, que se sinta motivado a ponto de se responsabilizar pelo
problema, e vá em busca da resposta, como um desafio próprio.
O trabalho do professor consiste, então, em propor ao aluno uma situação de
aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma
pergunta, e os faça funcionar ou modifique como resposta às exigências do meio e
não a um desejo do professor (BROUSSEAU, 1996, p. 49).
Quando o aluno aceita a situação proposta, e se ocupa pessoalmente da resolução do
problema que lhe foi apresentado na situação didática, diz-se que o aluno atingiu a devolução
da situação. Não basta ao professor apenas “comunicar” um problema a um aluno, para que
imediatamente este problema passe a ser seu, ainda que o aluno sinta-se o único responsável
de resolvê-lo. Também não é suficiente que o aluno aceite a responsabilidade de resolver o
problema. Deve haver uma responsabilidade da parte do aluno, se submetendo às
conseqüências da solução de determinada questão. Para Brousseau (1996), denomina-se
devolução a atividade por intermédio da qual o professor consegue alcançar ambos os
resultados, ou seja, que o problema proposto pelo professor seja aceito pelo aluno, e uma vez
aceito, que o aluno sinta-se responsável pela questão, assumindo as conseqüências desta
transferência.
Podemos também buscar em D’Amore (2007, p. 81.) outra contribuição para o
entendimento de devolução de uma situação: “A devolução é, portanto, uma situação na qual
o estudante ‘funciona’ de maneira científica, e não apenas em resposta a estímulos externos à
situação, de tipo didático, por exemplo”. A devolução tem a sua importância por impulsionar
o processo do aprender, fazer o estudante entrar em um contexto onde ele deseja pensar,
32
funcionar de forma matemática diante de um problema que se quer resolver. Por um lado, o
aluno sabe que, estando em sala de aula, com o professor a formular um problema, há uma
intenção de aprendizagem, mas para isso, ele deverá enfrentar o problema por sua iniciativa,
sua curiosidade, sem a necessidade da intervenção do professor, ou sem alguma razão
didática. Para que a aprendizagem ocorra, um caminho que se julga ser assertivo é colocar ao
aluno boas questões, dando oportunidades para boas respostas.
Como afirma Brousseau (1986, p. 53) “o professor tem que se preocupar, não com a
comunicação de um conhecimento, mas a devolução do problema adequado. Se esta
devolução ocorre, o aluno entra no jogo e, se ele acaba por ganhar, a aprendizagem teve
lugar”.
O processo que complementa a devolução é, pois, a institucionalização dos
conhecimentos. Depois das devidas conjecturas, debates, dúvidas e teorizações, é chegado o
momento de se articular os conhecimentos que os alunos colocam em jogo na resolução de
problemas, para estabelecer e dar um status oficial a esses conhecimentos.
2.2.3 Obstáculos didáticos
A idéia de obstáculo didático foi introduzida por Brousseau para encorpar ainda mais
os temas pesquisados e debatidos no campo da Didática da Matemática, inspirado na idéia de
obstáculo epistemológico que foi descrita inicialmente pelo filósofo francês Gastão
Bachelard, apresentada em 1938, na obra “A Formação do Espírito Científico”.
O termo obstáculo sugere a condição de dificultar algo. Segundo o dicionário
Aurélio (OBSTÁCULO, 1993, p.1211), o verbete obstáculo significa: “embaraço,
dificuldade, impedimento, estorvo, empecilho, barreira.”.
Obstáculos epistemológicos são conhecimentos antigos, cristalizados pelo tempo, que
resistem à instalação de novas concepções, e que ameaçam a estabilidade intelectual de quem
detém esse conhecimento, não sendo, portanto, a falta de conhecimento.
Para D’Amore (2007), os obstáculos epistemológicos se manifestam de verdade no ato
mesmo de conhecer, intimamente, e que aparecem, por uma espécie de necessidade funcional,
lentidões e desordens. São exatamente nesses momentos que surgem causas de estagnação e
regressão, e é que se identificam causas de inércia, chamadas de obstáculos
epistemológicos.
33
Conforme Pais (2002), para abordar o conceito epistemológico, com referência à
formação dos conceitos matemáticos, os obstáculos aparecem com mais intensidade na fase
da aprendizagem e síntese do conhecimento do que em seu registro histórico. Também o autor
afirma que os obstáculos didáticos são conhecimentos que se encontram relativamente
estabilizados no plano intelectual e que podem dificultar a evolução da aprendizagem do saber
escolar” (PAIS, 2002, p.44). Em outros termos, o conhecimento antigo atua como força
contrária à realização de uma nova aprendizagem. Além disso, o autor recomenda certo
critério na utilização deste termo (obstáculo didático) para que não se façam generalizações,
uma vez que a sua utilização é mais pertinente no plano pedagógico, em detrimento do caráter
específico do contexto histórico das ciências.
As fontes de dificuldades da aprendizagem escolar são diversas, e merecem um olhar
atento, no sentido de identificá-las segundo suas especificidades e buscar meios de minimizá-
las. Se for considerado, na disciplina de Matemática, por exemplo, tendo em suas aulas o
objetivo de promover a aprendizagem de conceitos nas aulas, se faz necessário, portanto,
entender como se processa a reorganização intelectual e cognitiva, para que o novo
conhecimento possa entrar em harmonia com os conhecimentos anteriores, sendo nesse
momento que os obstáculos se manifestam.
Um primeiro exemplo de obstáculo didático seria no estudo da aritmética, quando se
trata da aprendizagem do produto de dois números positivos, que é sempre maior que cada
parcela. Assim, ao ampliar-se este conceito aos números racionais, a concepção não é válida.
Outro exemplo, ainda relacionado às operações com números racionais, é quando se
divide um número inteiro positivo por um número racional menor que um, resultando em um
número maior que o dividendo. O obstáculo didático se manifesta, pois o mesmo está
calcado na concepção que se tem de que dividir sempre diminui.
Em relação à aprendizagem da geometria espacial, o obstáculo didático se manifesta
quando se trabalha com a representação por meio de uma perspectiva. Podemos tomar como
referência a figura1.
34
Figura 1 – Representação de um cubo
Fonte: A autora
Um cubo representado em perspectiva paralela normalmente aparece com a face
superior representada por um paralelogramo e não um quadrado, onde os ângulos não são
retos quando medidos sobre a superfície do papel, mas representam ângulos retos, por se
tratarem da face de um cubo, formados apenas por ângulos retos.
Se o tema central desse estudo refere-se à geometria, este tipo de barreira nos chama
atenção de maneira especial, já que o uso do software Cabri-Géomètre pode ser um agente
minimizador deste tipo de obstáculo didático, uma vez que, trabalhando-se com sólidos em
terceira dimensão, é permitida ao aluno a visualização de todos os ângulos do sólido
geométrico.
Estudos realizados por Baldy (1987) apud Pais (2002) comprovaram que o desenho
pode apresentar dificuldades à aprendizagem da geometria, chamando-nos a atenção para
obstáculos de natureza didática. Também os trabalhos realizados pelo grupo de Geometria do
Instituto de Investigação do Ensino da Matemática(IREM) de Montpellier mostram que
dificuldades que o aluno pode encontrar no estudo da geometria espacial, quando são
necessárias a visualização e a interpretação de um desenho em perspectiva, podendo haver
confusão entre as propriedades dos traços do desenho em si e os elementos geométricos por
eles representados, como o exemplo do cubo visto em perspectiva, citado acima.
Segundo Pais (2002), existem diferentes tipos de obstáculos didáticos, entre eles a
forma simplificada com que os conteúdos são apresentados nos livros didáticos, nos quais a
etapa em que se pretende formalizar não corresponde aos desafios do fenômeno cognitivo,
sem o rigor e abstrações necessárias a esta etapa da aprendizagem. Outro tipo de obstáculo
didático é aquele que se manifesta na generalização.
A generalidade pode se tornar um obstáculo quando ocorre uma tentativa apressada
de generalizarmos uma idéia, um conceito que ainda está em fase de elaboração, preso ao
entendimento pré-reflexivo. Esse obstáculo ocorre quando uma concepção é levada para o
35
campo da ciência, sem os critérios e cuidados metodológicos da pesquisa. A generalidade que
pode desencadear-se em um obstáculo didático é aquela interpretada como um tipo de
conhecimento que, na tentativa de possuir a visão geral do todo, acaba se perdendo em sua
superficialidade. Não seria o caso daquela generalidade que se faz necessária no momento
oportuno, como por exemplo, a generalidade de um teorema, que se justifica como síntese
da regularidade existente entre uma infinidade de casos particulares, não se tratando de
conhecimento vago ou superficial.
Para complementar a visão dessa análise sobre obstáculos didáticos, utiliza-se as
palavras de Igliori (1999):
a) as concepções que ocasionam obstáculos no ensino da matemática são raramente
espontâneas, mas advindas do ensino e das aprendizagens anteriores;
b) os mecanismos produtores de obstáculos são também produtores de conhecimentos
novos e fatores de progresso;
c) o obstáculo está relacionado a um nó de resistência mais ou menos forte segundo os
alunos, o ensino recebido, pois o obstáculo epistemológico se desmembra
freqüentemente em obstáculos de outras origens, notadamente o didático. (GLORIAN
(s/d), apud IGLIORI ,1999, p. 110).
Entendemos que os obstáculos didáticos ocorrem numa situação de aprendizagem, na
sua maioria intermediada pelo professor, pois ainda um atrelamento à idéia de que o
conhecimento, a construção dos conceitos e a aprendizagem ocorrem em sala de aula, na
presença do professor. Felizmente as pesquisas em educação matemática, cujo objeto de
estudo é a compreensão dos fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem da matemática,
mostram caminhos em que pode ocorrer a aprendizagem em situações a-didáticas, ou seja,é
possível desconectar a aprendizagem da presença e da interferência do professor de forma
única e exclusiva. Porém, sabemos que é o educador quem conduz o processo na maioria das
situações de sala de aula. Foi então, analisando cuidadosamente os fenômenos de sala de aula,
que Brousseau criou a denominação de efeitos didáticos, o que será visto a seguir.
2.2.4 Contrato didático: suas implicações e sujeitos envolvidos
Um conceito fundamental que permeia a teoria de Brousseau é o de contrato didático.
Conceito este que não deve ser confundido com contrato pedagógico, nem com o conceito de
contrato social, que definiremos a seguir. O conceito de contrato didático foi introduzido por
36
Guy Brousseau(1986), para explicitar relações que ocorrem na sala de aula envolvendo o
professor, o aluno e o saber. Para Brousseau o contrato didático refere-se:
Ao estudo das regras e das condições que condicionam o funcionamento da educação
escolar, quer seja no contexto de uma sala de aula, no espaço intermediário da
instituição escolar quer seja na dimensão mais ampla do sistema educativo
(BROUSSEAU, 1986 apud PAIS, 2002, p. 77).
Este conceito foi lançado nos anos 1970, no âmbito das pesquisas em Didática da
Matemática voltadas ao estudo do fracasso escolar que naquela década foi intensivamente
discutido e analisado pelos pesquisadores, especialmente pelos educadores matemáticos
franceses desafiados pelo baixo rendimento dos alunos na disciplina Matemática, situação que
ainda é objeto de estudos atuais. Para Brousseau:
Em uma situação de ensino, preparada e realizada por um professor, o aluno
normalmente tem como tarefa resolver o problema (matemático) que lhe é
apresentado, mas o acesso a essa tarefa é feito por meio da interpretação das questões
colocadas, das informações fornecidas, das obrigações impostas que são constantes
do modo de ensinar do professor. Esses hábitos (específicos) do professor esperados
pelos alunos e os comportamentos do aluno esperados pelo docente constituem o
contrato didático (BROUSSEAU, 1980, p. 127 apud D’AMORE, 2007, p. 101).
Com esta definição, percebemos a abrangência do conceito e suas implicações no rol
das expectativas que se manifestam de forma bilateral, entre professor e aluno, cabendo
logicamente ao professor ter o domínio e o entendimento desse conceito, para intervir, de
forma eficaz nas situações de aprendizagem. Além de sua abrangência, ressaltamos o caráter
de movimento, em uma realidade, como a que existente numa sala de aula, que não é estável,
nem estática e nem estabelecida para sempre, mas sim, uma realidade em evolução, que se
aprimora e se modifica. A noção de contrato didático é utilizada por Brousseau de forma
análoga a um jogo, no qual o professor se encontra envolvido com o sistema das interações do
aluno com o problema que ele lhe coloca, sendo este jogo a situação didática.
De forma mais genérica, uma definição de contrato, segundo o dicionário Aurélio
(CONTRATO, 1993, p. 468) é: “Ato ou efeito de contratar; acordo dentre duas ou mais
pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação”. Desta
definição, podemos perceber que no universo social e pedagógico que é a escola, sua forma de
organização estrutura-se através de uma rede de relações que envolvem professores, alunos,
pais, equipe administrativa e demais funcionários. Estes se enquadram a inúmeros contratos
que são estabelecidos entre os diferentes “atores” das escolas. Muitas destas relações e
37
contratos não são tão facilmente perceptíveis ao aluno. Ele vai para a escola e se sujeita às
normas impostas e acordadas por ela e pelos pais, que os deixam de “fora” desse acordo,
cabendo a ele “apenas” cumprir com o seu papel de aluno. A relação professor / aluno é um
tipo especial de relação, sempre mediada pelo saber. É formalmente elaborada e
sistematizada, visando ao alcance desse saber, que entendemos por aprender. É desta estreita
relação que irá emergir o contrato didático, envolvendo aluno, professor e saber.
Pinto (2003) busca esclarecer os diferentes tipos de contratos. Segundo a autora, o
contrato social proposto por Rousseau, “rejeita todo pacto de submissão de uma das partes
contratantes, e da mesma forma, toda a autoridade que emerge dos privilégios da natureza ou
dos direitos dos mais fortes” (PINTO, 2003, p. 96). Nesse contrato, segundo a autora,
prevalecem as vontades da coletividade. Já o termo contrato pedagógico, segundo Pinto
(2003), surge no vocabulário pedagógico a partir das experiências, denominadas de “Plano
Dalton”, em que as professoras utilizavam uma “racionalização” do programa de ensino,
organizado em unidades mínimas de estudo. Nessa experiência, o aluno desenvolvia
livremente suas tarefas e o docente intervinha apenas para orientar o trabalho discente. As
tarefas eram desenvolvidas mensalmente, com o objetivo de romper com o excesso de
intelectualismo das aulas e buscar a individualização do ensino. Esta experiência recebeu
críticas, por manter-se muito próxima dos programas tradicionais.
Ainda segundo Pinto (2003), outra concepção de contrato pedagógico é encontrada em
Filoux (1974), apud Pinto (2003), na qual existe a necessidade de um “consentimento mútuo”
entre professor e aluno, acerca das regras que se estabelecem em uma relação didática.
neste contrato a (aparente) impossibilidade dos sujeitos envolvidos participarem das
alterações das normas que pretendem regular os papéis do professor e do aluno em relação à
instituição. Nesse sentido, como observa a autora (p. 99) “o contrato pedagógico traz
implícitas relações de poder cujas negociações, nem sempre explicitadas, já estão previamente
estabelecidas no contrato institucional”.
Buscando esclarecer as diferenças existentes entre contrato didático e contrato
pedagógico, Pinto (2003) afirma que no contrato pedagógico, calcado mais no ensino
tradicional, as normas são explicitamente dadas pelo saber do professor (notas, punições,
regras) e ao aluno cabe obedecer e cumprir, para não ser punido. Já no contrato didático, seu
foco principal está na natureza do saber envolvido em uma situação de ensino, na qual
professor e aluno interagem, cada um no seu papel. A autora afirma também que, de acordo
com a definição de contrato didático, se uma de suas funções consiste em dinamizar as
interações estabelecidas pelo professor e pelo aluno com o saber, suas regras não podem ser
38
unilaterais, que dependem de dois “pólos” importantes da relação didática estabelecida
entre aluno e professor, em busca da construção de saberes por parte do aluno, e na
elaboração de métodos, estratégias para a construção dos saberes por parte do professor. “O
sentido democrático do contrato é garantido pelas situações em que o aluno é desafiado a
produzir novos conhecimentos” (PINTO, 2003, p.104).
No âmbito da sala de aula, o contrato didático se refere às obrigações, atitudes,
posturas e ações dos alunos, que são esperadas pelo professor e também àquelas do professor,
que são esperadas pelos alunos.
As posturas de ambos os lados, e esperadas por cada um deles do professor esperadas
pelos alunos e dos alunos esperadas pelo professor, são o que constitui o contrato didático.
Nas aulas de Matemática, a prática pedagógica mais comum ainda parece ser aquela
em que o professor cumpre as regras de um contrato próprio de aulas expositivas, que, na
verdade, caracterizam um contrato pedagógico e não um contrato didático, segundo o que
propõe Brousseau.
Esta postura do contrato pedagógico inicia-se com o professor, que, ao introduzir um
conceito novo, o faz sem mostrar sua aplicabilidade, sem tampouco referir-se ao novo tema de
forma contextualizada. Depois da exposição do novo assunto, ele segue para exemplos e
finaliza com exercícios. Os exercícios são elaborados ou preparados para “darem contade
um determinado conteúdo matemático, em cujo enunciado estão inseridos os dados
necessários para a solução, sem a preocupação de relacionar o tema (dentro do possível) com
situações do cotidiano do aluno. O educando, ao tentar assimilar o novo conteúdo e resolver a
atividade, caso não acerte as questões, recorre ao professor para ajudá-lo, mostrando um
trabalho dirigido através de indicações que esclareçam suas dúvidas.
Assim, em todas as situações didáticas, o professor tenta transmitir ao aluno aquilo
que pretende que ele faça. Então, as obrigações recíprocas se configuram em “acordos”, os
quais Brousseau explicita:
- Espera-se que o professor crie condições suficientes para a apropriação dos
conhecimentos e que “reconheça” esta apropriação quando ela se produz;
- Espera-se que o aluno seja capaz de satisfazer estas condições;
- A relação didática deve prosseguir, custe o que custar;
- O professor garante, pois, que as aquisições anteriores e as novas condições dão ao
aluno a possibilidade da aquisição (BROUSSEAU, 1996 p. 52).
Um exemplo bastante conhecido, e que pode permitir uma compreensão maior a
respeito dessa adesão silenciosa na relação didática, é ilustrado no livro da psicóloga Stella
39
Baruk: A idade do capitão”, publicado em 1980, em Grenoble (BARUK, 1985 apud
D’AMORE, 2006, p.103). O estudo de Baruck analisa respostas dadas por alunos da então
escola secundária francesa para o seguinte problema: “Em um barco, 12 carneiros e 6
marinheiros. Qual é a idade do capitão?” Dentre as respostas dadas pelos alunos, constam as
seguintes: 18 anos, 72 anos, 36 anos e também 144 anos. As estratégias matemáticas
empregadas pelos alunos (seus modelos implícitos) foram, respectivamente, 12+6, 12 x 6, 6² e
12² (SILVA et al., 1996, p.12). Esta situação, amplamente discutida, elucida a forma pela qual
o contrato pode estabelecer-se nas relações de ensino/aprendizagem e revela que padrões
específicos de comportamento da relação pedagógica e aceitos como tal pela tradição de
ensino. O aluno, vendo-se participante do contrato didático, sabe que seu papel diante de um
problema matemático é resolvê-lo, sem muito questionar, sem duvidar da verossimilhança da
situação, e tendo que apresentar um número como resultado, por mais absurdo que este possa
aparecer, tal como considerar 144 anos uma resposta plausível para o problema. Uma situação
como esta esclarece o quão profundo está estabelecido este contrato didático, no qual onde
cada um assume seu papel, sem pensar, questionar, ou tentar romper com esta situação.
Assim como em outros tipos de contrato, quando uma conduta não esperada pelas
partes, ou quando algo “saiu do controle”, é o momento de tornar claro o papel de cada um, e,
percebendo que o que estava sendo feito não havia sido previsto, o que Brousseau
denomina ruptura contratual. Nessa situação, o aluno deve assumir pessoalmente a ruptura de
contrato didático, a fim de poder responder que o problema não pode ser resolvido. Uma vez
que o aluno assume essa postura, ele se “liberta” dessa situação, percebe que a partir de agora
se faz necessário um novo contrato. Cabe ao professor este olhar atento, percebendo que há
esta ruptura, e negociar outro tipo de contrato, que o anterior rompeu-se. Assim, é possível
considerar que a explicitação das normas de um contrato, mesmo que não tenham sido
negociadas, constitui-se em um momento de conscientização, quando surge alguma dúvida,
desconfiança e/ou desconforto em relação a alguma situação de aprendizagem. É nesse
momento, em que se promove a ruptura de um contrato, que deve ser estabelecido um novo
contrato.
A ruptura contratual seria um momento criativo da relação pedagógica, tanto pela
oportunidade de uma retomada de consciência - por parte do professor e dos alunos -
das normas que estão em jogo na construção do saber escolar, quanto pela
possibilidade de reformulações nas formas de apropriação do conhecimento (SILVA
et al., 1996, p. 14).
40
Além de considerarmos a ruptura contratual um momento de retomada, enxergamos
também neste momento certa vulnerabilidade. Caso o professor não interfira, mobilizando-se
para o estabelecimento de um novo contrato e proporcionando uma nova dinâmica, pode
haver uma ruptura em termos definitivos, gerando um desligamento por parte do aluno, na
situação didática, o que impede a aprendizagem.
Pais (2002) apresenta alguns exemplos de rupturas de contrato didático: o primeiro
exemplo de ruptura dá-se quando o aluno não se envolve com as atividades propostas pelo
professor, demonstrando desinteresse e apatia; o segundo exemplo ocorre quando o professor
propõe a resolução de um problema para o qual a estratégia de solução não está compatível
com o nível intelectual e cognitivo do aluno; o terceiro e último exemplo de ruptura de
contrato é o caso em que o professor apresenta uma postura pedagógica não compatível com a
sua função de orientador das situações de aprendizagem, deixando as coisas saírem do deu
controle. Um dos exemplos de ruptura de contrato é quando o professor aplica testes com o
objetivo de punir os alunos. Tais exemplos de rupturas de contrato nos alertam para o
cuidado, o olhar atento do professor para perceber algum tipo de ruptura e agir de forma
rápida e assertiva.
Se a aprendizagem não ocorreu de forma satisfatória, o trabalho deve ser
redirecionado para promover uma devolução adequada ao nível cognitivo do aluno.
A negativa dessa condição se constitui em uma ruptura do contrato e implica na
desistência de engajamento no processo de ensino, e, portanto, em um abandono do
aspecto profissional da atividade docente (PAIS, 2002, p.82).
O professor necessita ter claro o conceito do contrato didático e reconhecê-lo como
um “termômetro”, que mede a intensidade e oferece a clareza que o educador deve ter da
situação para agir num determinado momento e da maneira certa.
Uma das questões julgadas primordiais e que poderão garantir um vínculo do objeto
da aprendizagem com a realidade do aluno é, pois, a forma de apresentação do conhecimento
num contexto que proporcione ao aluno um verdadeiro sentido. O grau de envolvimento do
aluno poderá ser maior ou menor dependendo da estruturação das diferentes atividades de
aprendizagem. Segundo Brousseau, em relação a uma situação didática:
[...] tudo aquilo que ele [o professor] empreende para levar o aluno a produzir os
comportamentos que espera dele, tende a privar este último [o aluno] das condições
necessárias à compreensão e à aprendizagem da noção visada; se o professor disser
aquilo que pretende, deixa de conseguir obtê-lo. (BROSSEAU 1996, p.66, grifos da
autora).
41
Por esta definição, percebemos a importância das interações nesta teia. Interação do
aluno com outros alunos, interação do aluno com o objeto do conhecimento, interação do
aluno com o professor e interação do aluno consigo mesmo, implicitamente, na tentativa de
dar significado ao novo, ao que está sendo aprendido. Também não podemos deixar de
constatar que, mediante a afirmação de Brousseau, toda situação didática é regida por um
determinado tipo de contrato didático, ou seja, uma situação didática é formada pelas
múltiplas relações pedagógicas estabelecidas entre os alunos, o professor, e o saber. Esses três
elementos componentes de uma situação didática formam a parte essencial da caracterização
do espaço vivo de uma sala de aula. Se em uma situação, dentro do espaço escolar, faltar um
destes componentes, não se uma situação didática. Por outro lado, apenas aqueles três
elementos não são suficientes para “abarcar toda a complexidade do fenômeno cognitivo. Daí
a vinculação que fazemos entre tais situações e outros elementos do sistema didático:
objetivos, métodos, posições teóricas, recursos didáticos, entre outros” (PAIS, 2002, p. 66).
Destacamos que no desenvolvimento de práticas educativas, é importante e
necessário ter ciência de estabelecer prioridades no planejamento das situações didáticas,
sendo uma delas a seleção dos conteúdos que compõem os programas escolares. O conjunto
destes conteúdos, que também podemos chamar de “saber escolar”, tem como fonte original o
saber científico. Sabemos que existe um processo pelo qual passam esses saberes, que são
selecionados e vão se transformando em objetos a serem ensinados, sendo este processo
realizado pelo professor. A idéia de transposição estuda a seleção que ocorre através de uma
extensa rede de influências, envolvendo diversos segmentos do sistema educacional.
Buscamos a definição de “transposição didática” em Chevallard:
Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar sofre
então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar
entre os objetos de ensino. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um
objeto de ensino, é chamado de transposição didática (CHEVALLARD, 1991 apud
PAIS, 2002, p. 19).
Quando fazemos referência à trajetória dos saberes, consideramos o início deste saber
sendo determinado por uma fonte de influências, que é diversificada, denominada por
Chevallard de noosfera. Compõem a noosfera: cientistas, professores, especialistas, políticos,
autores de livros e outros agentes da educação. O resultado desta rede de influências
ocasionada pela noosfera repercute em todo o sistema didático. O trabalho seletivo resulta não
42
na escolha dos conteúdos, mas na definição de valores, objetivos e métodos que conduzem
o sistema de ensino.
Entendemos que essa trajetória pela qual percorre o saber científico, até se
transformar em saber escolar, vem desde a noosfera, se modificando, adaptando-se e, quando
se coloca inteiramente nas mãos do professor, ainda corre o risco de se transformar
novamente, pois, sob o ponto de vista do professor,segundo D’Amore,
a transposição didática implica em preparar, projetar suas próprias aulas, retirando da
fonte os saberes, levando em conta as orientações fornecidas pelas instruções e pelos
programas (saber a ensinar) para adaptá-los à própria classe, nível dos alunos,
objetivos buscados”. (D’AMORE, 2007, p.226).
Nessa etapa de seu trabalho, o professor não é um indivíduo isolado, pois é o
coletivo, que se constitui na instituição de ensino, que por sua vez possui seus objetivos e
define em sua especificidade o saber escolar, seus métodos. Porém, é através do professor que
será transmitido aquele conteúdo que sofreu processo de seleção, várias transformações, até se
configurar num saber escolar. A escolha dos conteúdos escolares se faz principalmente pelas
indicações contidas nos parâmetros curriculares, livros didáticos, programas, softwares
educativos, material produzido pela própria instituição, entre outras fontes. Porém, alguns
conteúdos são verdadeiras criações didáticas incorporadas aos programas motivados por
supostas necessidades de ensino, servindo como um recurso para facilitar a aprendizagem.
Podemos, em uma análise objetiva, considerar estas criações didáticas com uma finalidade
educacional justificável. O problema pode surgir quando seu uso acontece de forma
automatizada, desvinculada de sua meta principal.
Pais (2002) alerta para o cuidado permanente que deve imperar ao longo de toda a
análise da transposição didática, pois é o conjunto das criações didáticas que evidencia a
diferença entre o saber científico e o saber ensinado. O professor, agindo de forma crítica,
sabe que ele não opina em todas as etapas da transposição didática, pois a escolha do currículo
da instituição escolar na qual trabalha muitas vezes não passa por suas mãos. Mas quando lhe
é dada a oportunidade de opinar, escolher e decidir, seja na escolha do livro didático,
elaboração de material, etc., é importante sua efetiva participação e o merecido rigor, para não
se calcar demasiadamente nas criações didáticas, resultando em distorções, reduções e uma
banalização do saber. Faz-se, portanto, necessário que o professor possua o domínio do que
vem a ser a transposição didática, bem como de seu papel e de sua importância nesse
contexto.
43
O professor, ciente deste processo, poderá atuar de forma mais ativa e vigilante, pois é
através de sua interpretação que poderá detectar as diferenças e adaptações que ocorrem entre
a origem de um conceito da matemática, como se encontram nos livros didáticos, a intenção
de ensino do professor e, finalmente, os resultados obtidos em sala de aula.
Na busca de compreender a teoria das situações didáticas proposta por Guy Brousseau,
passamos a desdobrar a atenção para compreender o contrato didático e suas implicações nos
fenômenos didáticos. Esse olhar atento se faz necessário para que seja possível compreender e
melhor caracterizar as relações e situações didáticas ocorridas nas sessões de geometria,
mediadas pelo software Cabri-Géomètre. Embasando-nos na teoria de Brousseau,
consideramos que as diferentes formas de uma situação didática se respaldam na intenção e
no comprometimento do professor em conduzir este processo. No entanto, as situações
didáticas (ação, formulação, validação e institucionalização) voltadas para um processo de
ensino e aprendizagem nem sempre são permeadas por contratos didáticos eficazes e
pertinentes para uma boa aprendizagem dos conteúdos matemáticos pelos alunos.
44
3 A GEOMETRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL
Neste capítulo é situada a geometria no Brasil, sua trajetória e atual situação no
contexto escolar brasileiro, em especial nas ries finais do ensino fundamental. Para isso,
inicialmente será apresentada a visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) das
séries finais do Ensino Fundamental, focalizando as diferentes formas de trabalho sugeridas
para o ensino da geometria.
No segundo momento, serão destacadas algumas pesquisas recentes que abordam a
temática da geometria no Brasil, sinalizando um cenário de retomada, de redescoberta no
cenário escolar.
Para finalizar, serão ressaltadas a importância da geometria e também a necessidade de
atribuir a esse campo da matemática o seu devido valor.
3.1 A GEOMETRIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) DAS
SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sinalizam ao educador as diretrizes
sugeridas em todas as disciplinas dos diferentes níveis de ensino da educação básica. Nos
PCNs da Matemática do Ensino Fundamental, no ciclo (BRASIL, 1998) percebemos o
cuidado em insistir para que o professor aproveite a que aproveite a bagagem razoável de
conceitos que o aluno traz consigo,diagnosticando até onde vai o domínio destes conteúdos,
tendo em vista sua progressão na aprendizagem. Além de abordar conteúdos obrigatórios da
série, o documento sugere que o professor aproveite os momentos oportunos para desenvolver
o senso crítico dos alunos, dando-lhes a oportunidade de conhecer a abrangência da
geometria, e também “discutindo questões relativas à utilidade da Matemática, como ela foi
construída, como pode contribuir para a solução tanto de problemas do cotidiano como o de
problemas ligados à investigação científica” (BRASIL, 1998, p. 62).
Ao analisarmos os PCNs, percebemos a preocupação com a geometria,
principalmente a ênfase dada à relação entre os entes geométricos, sua visualização e
utilização para a resolução de situações-problema. Dentre os objetivos dos PCNs, em relação
ao pensamento geométrico, os parâmetros propõem:
45
Resolver situações-problema de localização e deslocamento de pontos no espaço,
reconhecendo nas noções de direção e sentido, de ângulo, de paralelismo e de
perpendicularismo elementos fundamentais para a constituição de sistemas de
coordenadas cartesianas; estabelecer relações entre figuras espaciais e suas
representações planas, envolvendo a observação das figuras sob diferentes pontos de
vista, construindo e interpretando suas representações; resolver situações-problema
que envolvam figuras geométricas planas, utilizando procedimentos de decomposição
e composição, transformação, ampliação e redução (BRASIL, 1998, p. 64 - 65).
Com estes objetivos para o 3º ciclo, os conteúdos são propostos de maneira a abrangê-
los na sua plenitude. Para o ciclo, a preocupação com a visualização e a interpretação se
mantém, sendo a ênfase dada de forma análoga ao ciclo, porém de acordo com este nível,
respeitando a forma seqüencial e gradativa dos temas, inclusive vislumbrando a maturidade
a ser alcançada.
Há apontamentos em que a aprendizagem da Matemática esteja ancorada em contextos
sociais que mostrem claramente as relações existentes entre conhecimento matemático e
trabalho (BRASIL, 1998). Os objetivos (vinculados ao pensamento geométrico) propostos
para o 4º ciclo são:
Interpretar e representar a localização e o deslocamento de uma figura no plano
cartesiano; produzir e analisar transformações e ampliações / reduções de figuras
geométricas planas, identificando seus elementos variantes e invariantes,
desenvolvendo o conceito de congruência e semelhança; ampliar e aprofundar noções
geométricas como incidência, paralelismo, perpendicularismo e ângulo para
estabelecer relações, inclusive as métricas, em figuras bidimensionais e
tridimensionais (BRASIL, 1999, p. 81- 82).
Com base nestes objetivos, percebemos que tópicos e temas destinados ao
tratamento da geometria, bem como a preocupação de relacioná-la com outras áreas da
Matemática.
Além das relações que devem ser estabelecidas da Matemática com os temas
transversais, um destaque para o desenvolvimento da autonomia, do espírito de
investigação, bem como o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas. Os PCNs
destacam que um dos objetivos para o Ensino Fundamental consiste em desenvolver no aluno
a habilidade de usar diferentes fontes de informações e recursos tecnológicos para a
construção dos conceitos. Estas considerações indicam que os parâmetros sugerem metas
consistentes para serem alcançadas neste nível de ensino. Além disso, outras indicações
sugeridas pelos parâmetros consistem em optar-se pela resolução de problemas como ponto
46
de partida da atividade matemática, incluindo o devido destaque à história da Matemática e às
tecnologias de comunicação.
Para o professor, ter o entendimento destas diretrizes, e a posterior reflexão, poderá
provocar uma rie de questionamentos, como por exemplo: “Como fazer para atingir tais
metas?”. A leitura e o entendimento deste documento despertam o educador para a
necessidade de “fazer valer” sua prática, agregando aos conteúdos o desenvolvimento de
habilidades condizentes com as necessidades da sociedade.
Os PCNs oferecem um contexto histórico, situando que, nos anos 1960 e 1970, no
Brasil e em outros países, houve um movimento que influenciou o Ensino de Matemática, o
chamado Movimento da Matemática Moderna
3
. Sublinha que “nasceu como um movimento
educacional inscrito numa política de modernização econômica [...] que, juntamente com a
área de Ciências, constituía uma via de acesso privilegiada para o pensamento científico e
tecnológico” (BRASIL, 1998, p. 19). Esta proposta inovadora tinha como eixo a Teoria dos
Conjuntos, elementos integrados das estruturas algébricas, topológicas e lógicas. O MMM
provocou discussões e reformas no currículo da Matemática em nível mundial.
Quando os PCNs citam o Movimento da Matemática Moderna como um dos fatores
que contribuíram para o abandono da geometria nas escolas, a justificativa para este fato é que
o MMM foi aos poucos enfraquecendo, pois sua proposta estava além do alcance dos alunos e
também do pouco entendimento da proposta por parte dos professores da época.
Consideramos que este movimento tenha influenciado a trajetória da geometria neste
contexto, o que pode ser observado nas conclusões do estudo de Pavanello (1989), ao afirmar
que o ensino da geometria foi desaparecendo do currículo das escolas, de maneira gradual e
negligenciado ao longo dos anos, ficando, na maioria das vezes, a geometria programada para
o final do ano. Segundo a autora, este fato inquieta muitos professores. Em sua dissertação de
mestrado, Pavanello (1989) aponta alguns fatores de cunho histórico e social.
O fator de cunho social citado pela autora é que o problema da geometria surge e se
avoluma à medida que as escolas de nível médio passam a atender um número crescente de
alunos das classes menos favorecidas” (PAVANELLO, 1989, p.180). A geometria passa
então por um processo de exclusão dos currículos, e em alguns casos mais restritos, é
trabalhada de uma maneira muito mais formal, a partir da introdução da Matemática Moderna
Segundo a autora, este momento acontece “justamente quando se acirra a luta pela
democratização das oportunidades educacionais” (PAVANELLO, 1989, p. 180).
___________________
3
Para referências ao Movimento da Matemática Moderna, será utilizada a sigla: MMM.
47
O fator de cunho histórico para o abandono da geometria é apresentado em forma de
uma revisão histórica, no qual a autora escolhe períodos e obras significativas que pudessem
indicar os caminhos percorridos pela geometria. Pavanello(1989) aborda aspectos políticos,
sociais e econômicos pelos quais a sociedade brasileira percorreu, apontando realidades de
desigualdades entre as classes. Segundo Pavanello (1989), antes de 1931 a maioria da
população ainda não tinha acesso à educação, nem mesmo à elementar. Os conteúdos de
matemática eram ensinados separadamente (aritmética, álgebra e geometria) por professores
diferentes. um caráter discriminatório entre as classes, cabendo às classes menos
favorecidas oportunidades diferentes das classes mais favorecidas, conforme o trecho a
seguir:
De qualquer modo, fica patente a dualidade do ensino proposto às elites e à massa.
[...]. Ela se expressa também no objetivo com que o ministradas as várias
disciplinas em cada tipo de escola - o que revela bastante significativo do ponto de
vista do ensino da Geometria (PAVANELLO, 1989, p. 87).
Das fontes utilizadas pela autora, uma delas foi a lei 5692/71, Lei de diretrizes e bases
do ensino de e graus. Em disso, a Secretaria do Estado de São Paulo elabora e divulga,
em 1975, o “Guia Curricular de Matemática”, que fazia as seguintes recomendações, entre
outras:
- um curso de geometria intuitiva para as quatro séries iniciais;
- um estudo de medidas, feito com muito mais propriedade e maior possibilidade de
assimilação num curso de ciências;
- o estudo, na 5ª série do grau, de geometria, servindo de veículo para a introdução
da linguagem da teoria dos Conjuntos;
- a introdução de Geometria pelas transformações a partir da série do grau.
(PAVANELLO, 1989, p. 164, Grifos da autora).
Estas resoluções compõem o rol de motivos pelos quais a geometria vem sendo
preterida em função da álgebra, pois a autora afirma que muitos professores, por não
possuírem o necessário domínio para trabalhar com geometria enfocando as transformações,
deixaram de ensiná-la. Além disso, ao analisar a lei 5692/71, a autora afirma que esta lei
permitia que cada professor elaborasse seu próprio programa, “de acordo com as necessidades
da clientela” (PAVANELLO, 1989, p. 165). Considerando que as resoluções acima datam de
1975, torna-se possível entender as “deformações” às quais o ensino da geometria tenha se
submetido, criando assim um ciclo vicioso, no qual o professor, sem o domínio não trabalha,
com a geometria, e a geometria, por não ser trabalhada, não necessita exigir dos professores
48
um preparo e/ou uma capacitação e perde a sua importância. Ao perder sua importância, não
se torna mais obrigatória, e vai, portanto, perdendo lugar entre os currículos escolares.
A autora conclui que o ensino da geometria foi enfraquecendo, não pela introdução
do MMM, mas que esse problema também foi aumentando à medida que as escolas de nível
médio atendiam os alunos das classes menos favorecidas.
A geometria vai desaparecendo do currículo escolar, a partir da introdução da
Matemática Moderna, a qual se justamente quando se acirra a luta pela
democratização das oportunidades educacionais, concomitante à necessidade de
expansão da escolarização a uma parcela mais significativa da população
(PAVANELLO, 1989, p.180).
O trabalho, de Pereira (2001) intitulado “A geometria escolar: uma análise dos
estudos sobre o abandono de seu ensino indica também que a Geometria vem sendo
abandonada. O referido trabalho analisou teses e dissertações que estudaram as causas
abandono da Geometria escolar, fornecendo um panorama das pesquisas desenvolvidas em
torno deste tema. Em sua conclusão, a autora aponta como indicador da “decadência” do
ensino de Geometria, o Movimento da Matemática Moderna. Sobre este movimento, a autora
afirma:
Em meio à necessidade de renovação, o abalo do Movimento da Matemática
Moderna decorre, basicamente, da tentativa de mais uma vez unificar os três ramos
fundamentais da matemática: conjuntos, as relações e as estruturas. (PEREIRA,
2001, p.64).
A autora sugere como tentativa de reverter esse quadro, a proposta de re-qualificação
dos professores. Nessa proposta registros, nas coleções do Programa de Estudo e Pesquisa
no Ensino de Matemática (PROEM), de resultados na forma de entrevistas com 903
professores, que na sua maioria afirmam: “Em Geometria, tem-se conteúdos importantes, mas
não essenciais” (PROEM, p. 45, v. 2.1 apud PEREIRA, 2001, p. 65).
Além do Movimento da Matemática Moderna, a autora salienta dois aspectos
principais: problemas com a formação do professor e a omissão da geometria em livros
didáticos.
Para Zuin (2006), os currículos escolares do Ensino Fundamental no Brasil sofreram
mudanças com a promulgação da lei 5692/71. Havia um rol de disciplinas obrigatórias e outro
49
de disciplinas optativas. As escolas poderiam escolher por qual disciplina optativa integrar ao
currículo. Uma das determinações da legislação escolar era a integração da disciplina
Educação Artística em todas as séries dos cursos de e graus da educação básica. O
Desenho Geométrico tornara-se uma disciplina optativa e isto fez com que muitas escolas
abolissem o ensino das construções geométricas que outrora era conteúdo programático dessa
disciplina. Outro fator citado por Zuin (2006, p.1), é que “as construções geométricas com
régua e compasso não mais seriam obrigatórias nos cursos de vestibulares de Arquitetura e
Engenharia, na década de 70”. Tais fatos comprovam o “abandono” da disciplina Desenho
Geométrico nas séries finais do ensino fundamental.
Pesquisas recentes realizadas no Brasil sobre a Matemática trabalhada no âmbito
escolar, e mais especificamente sobre o ensino de Geometria, apontam algumas causas para
seu declínio e cada vez menos espaço nos currículos, colocando-a em desvantagem em
relação a outras áreas da Matemática.
Das pesquisas mencionadas a seguir, observamos que a maioria delas aborda a
situação da geometria no Brasil, que está aquém do esperado, e apontam o computador, se
utilizado com uma visão construtivista, interativa e dinâmica, como alternativa para diminuir
esta lacuna As pesquisas foram desenvolvidas em diferentes contextos, algumas tendo como
sujeitos da pesquisa alunos do ensino fundamental, outras analisando os professores. As
pesquisas apresentadas têm como “fio condutor” a problemática que envolve o ensino e a
aprendizagem da geometria e a utilização de recursos tecnológicos.
Bertoluci (2003), cujo trabalho tem como objetivo avaliar a influência do uso do
software na aprendizagem dos conceitos geométricos, analisou 24 alunos de série de uma
escola pública em Jaú. O autor aponta as sérias dificuldades para o ensino a geometria no
Brasil nas últimas décadas e considera o Cabri-Géomètre como uma alternativa para a
superação destas dificuldades. .O autor conclui que o software ajuda na compreensão dos
conceitos geométricos , mas enfatiza a urgente necessidade de investir na capacitação dos
professores para poderem desenvolver atividades com o computador.
Z
ullato (2002), cuja pesquisa teve por objetivo analisar o perfil do professor que
utiliza software de Geometria Dinâmica (GD), teve 15 professores de diferentes estados (SP,
RJ, DF) como sujeitos de sua pesquisa. O trabalho concluiu, entre outros fatores, que quando
o professor tem o perfil de pesquisar, investigar e refletir sobre a sua prática, ele vai em busca
de alternativas, como por exemplo as ferramentas tecnológicas.Os professores relataram duas
principais dificuldades para a utilização dos computadores:poucos equipamentos para muitos
alunos e a falta de manutenção nos computadores, ocasionando problemas técnicos. O tema
50
desta pesquisa está ligado à formação continuada do professor, que é um caminho sem fim, de
pesquisa e investigação, a fim de amadurecer e inovar constantemente a prática docente.
Zulatto (2002) observa ainda que os professores utilizam poucas demonstrações. Os próprios
professores participantes da pesquisa alegaram que nos últimos anos os alunos estão
apresentando muita defasagem nos conteúdos que os torna imaturos para acompanharem o
desenvolvimento de uma demonstração.
Fonseca (2001) propôs um estudo da geometria no ensino fundamental com a
utilização de recursos interativos de aprendizagem. Os sujeitos da pesquisa foram alunos da 8ª
série do ensino fundamental de Belo Horizonte. A pesquisa também sinalizou para o
abandono do ensino da geometria, apontando a formação dos professores e a exagerada
importância ao livro didático como fatores que contribuíram para esta realidade. O autor
realizou uma análise comparativa entre o método tradicional de ensino e a utilização do
software Cabri. A pesquisa concluiu que o software Cabri-Géomètre II apresentava condições
plenas para que o professor exercesse uma didática moderna e atual, tendo ficado
demonstrado que, para o ensino proposto da Geometria na série do ensino fundamental,
nada deixava a desejar em relação aos métodos tradicionais.
Os estudos analisados revelam um cenário de preocupação e incertezas em relação
aos rumos da Geometria nas escolas. As justificativas e conclusões dos autores para a falta de
conhecimentos em geometria, que se configuram em uma situação de abandono na maioria
das escolas, vêm gerando um contingente de alunos que não conseguem fazer as mais simples
distinções entre figuras planas e espaciais. Para muitos alunos, um quadrado, figura plana,
pode significar um cubo, figura espacial, e o oposto, também é verdadeiro. Estas lacunas
apresentadas por muitos alunos podem acarretar problemas no desenvolvimento da visão
espacial e dimensional, pois entendo a geometria como sendo uma ferramenta para
compreender, descrever e interagir com o espaço e mundo em que vivemos.
3.2 NOVOS CENÁRIOS PARA O TRATAMENTO DA GEOMETRIA
Mesmo que tenhamos dados que nos permitam concluir que a geometria tem recebido
um tratamento aquém do “merecido”, há, por outro lado, pesquisas apontando um cenário de
redescoberta e de inclusão da Geometria nas escolas.
51
Um indicador deste fato se calca em uma pesquisa, realizada pelo Grupo de
pesquisadores, o GT 19, que fazem parte da Anped (Associação Nacional de Pesquisas em
Educação)
4
. Os professores pesquisadores estão divididos em grupos de pesquisa por áreas e
subáreas.
A pesquisa apresentada no GT da Anped
5
de abordagem histórico-bibliográfica teve
como objeto de estudo os Anais dos Encontros Nacionais de Educação Matemática (ENEM).
Seu objetivo foi identificar e analisar as atuais tendências didático-pedagógicas para o ensino
de Geometria no Brasil, no período de 1987 a 2001, em que se realizaram os sete primeiros
encontros. Este trabalho também procurou identificar pesquisadores e/ou grupos de pesquisas
atuando nessa área, bem como os pressupostos teóricos e epistemológicos que vêm
subsidiando essas discussões.
A questão orientadora desta investigação foi: “Que tendências didático-pedagógicas
se fazem presentes no ensino de Geometria tomando como referência os Anais dos Encontros
Nacionais de Educação Matemática (ENEM)?” O estudo relata as variadas pesquisas em
torno do tema geometria, que totalizam 363 trabalhos e a credibilidade destes trabalhos deve-
se ao fato de que, para o grupo, os ENEM, constituíam a “instância máxima de discussão e
circulação das produções acadêmicas da área, pelo menos até 2000, quando da criação do
Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática” (SIPEM)(ANDRADE
,NACARATO,2004, p.1). A análise feita pelo grupo inicialmente identificou sete categorias
para o ensino da Geometria. Dentre elas, duas tornaram-se objeto de análise, por terem sido
consideradas como “tendências didático-pedagógicas emergentes”, que são: Geometria
experimental e Geometria em ambientes computacionais. De acordo com o estudo (2004,
p.3), os trabalhos inseridos na categoria denominada Geometria em Ambientes
Computacionais (23% de trabalhos) foram organizados em três subcategorias:
a)Geometria em Ambientes de Geometria Dinâmica (Cabri-Géométre,
Geometricks, Geometer’s Sketchpad, Tabulae e Mangaba);
b)Geometria no Ambiente LOGO;
c)Outros.
___________________
4
A ANPED tem como objetivo a busca do desenvolvimento e da consolidação do ensino de pós-graduação e da
pesquisa na área da Educação no Brasil. Ao longo dos anos, tem se projetado no país e fora dele, como um
importante fórum de debates das questões científicas e políticas da área, tendo se tornado referência para
acompanhamento da produção brasileira no campo educacional.
5
A referida pesquisa intitula-se Tendências didático-pedagógicas para o ensino de Geometria, cujos autores são:
ANDRADE, José Antonio Araújo USF/SPNACARATO, Adair Mendes– USF/SP. O trabalho foi
apresentado na 27ª reunião da ANPED, de 21 a 24/11/2004, em Caxambu.
52
O trabalho aponta que os temas desenvolvidos sobre ambientes de Geometria
Dinâmica têm demonstrado a influência da Didática da Matemática Francesa e identificaram
que “alguns dos conceitos dessa linha de investigação também subsidiam as discussões
teóricas relativas ao ensino de Geometria pelo Cabri- Géomètre”. As teorias mais citadas
desta linha são: teoria de Vergnaud, teoria de Douady e a de Duval.
Um aspecto que foi mostrado nos trabalhos que utilizam a Didática da Matemática
Francesa, é que os autores não se utilizam apenas de um conceito desta linha de investigação,
como é o caso da Engenharia Didática
6
que se fez presente em vários trabalhos.
Se a intenção é situar a Geometria no cenário de pesquisas, este trabalho do GT19 da
Anped detalha e coloca a geometria como objeto de estudo atual e retrata também uma nova
abordagem em torno da mesma. As subcategorias do estudo nos permitem perceber que
inúmeros trabalhos sobre o software Cabri-Géomètre
7
, também sob a ótica da Matemática
Francesa:
Os conceitos da Didática da Matemática Francesa também se fazem presentes nas
pesquisas que utilizam o ambiente computacional do Cabri- Géomètre. Essas
pesquisas apareceram, inicialmente, no V ENEM (3 trabalhos), mas a grande
“explosão” ocorreu no VI ENEM (16 trabalhos) e VII ENEM (22 trabalhos)
(ANDRADE; NACARATO, 2004, p.13).
Os dados desta pesquisa sinalizam esta nova abordagem que as pesquisas, produções
e investigações em torno da Geometria têm focalizado. Podemos, com estas tendências
apontadas nas pesquisas, entender que a necessidade de repensar o ensino da geometria, sob
uma nova abordagem é uma preocupação atual dos educadores e matemáticos. Como
conclusão da pesquisa do GT19, o grupo afirma:
Acreditamos que o movimento ocorrido com a produção de trabalhos sobre o ensino
de Geometria está relacionado ao próprio movimento de constituição da comunidade
de pesquisadores em Educação Matemática. A retomada do ensino da Geometria na
educação Básica vai exigir novos estudos e discussões teóricas; estes, por sua vez,
vão possibilitar a ampliação das linhas de pesquisas nessa área (ANDRADE;
NACARATO, 2004, p.16).
___________________
6
A engenharia didática caracteriza uma forma particular de organização dos procedimentos metodológicos da
pesquisa em didática da Matemática (PAIS, 2002, p.99).
7
Para a denominação do software Cabri-Géomètre, será utilizado apenas o 1º nome, ou seja, apenas Cabri.
53
Outros trabalhos também revelam a necessidade de preencher as lacunas e acordar
para a problemática que envolve o ensino da geometria nas escolas.
3.3 PORQUE DEVEMOS ENSINAR GEOMETRIA
A Geometria é considerada uma ferramenta auxiliar na compreensão, descrição e
inter-relação com o espaço em que se vive. Sem o entendimento das noções de espaço e
formas, estaremos restritos, “bitolados”, com dificuldades em desenvolver o pensamento
geométrico e a formulação do raciocínio visual, gerando com isso dificuldades para resolver
situações reais, seja a noção de espaço, área, até o cálculo com estimativas. Sem conhecer a
Geometria, a visão de mundo de forma interpretativa torna-se incompleta, reduzida.
A Geometria está em toda a parte, basta ter atenção, a visão geométrica um pouco
atenta e estimulada para perceber isso. O que seria da arte sem a geometria? Ainda que
relutemos em enxergar, no cotidiano,lidamos com noções de espaço, forma,
perpendicularismo, paralelismo, semelhança, congruência, simetria, proporcionalidade,
medição (área, volume, comprimento). A Geometria se manifesta nas mais variadas formas, e
nos diversos setores de nossa vida, seja no lazer, profissão ou na comunicação oral.
Pesquisas desenvolvidas em torno da Matemática, e com especificidades na geometria,
salientam para a necessidade de ensinar geometria. Em sua dissertação de mestrado, Silva
(2006) aponta que, além dos motivos acima citados, que nos mostram a importância e
necessidade de trabalhar com a geometria, existem tantos outros que ficam implícitos, como
afirma:
A finalidade do ensino da geometria não se esgota pela resolução de problemas de
ordem prática. Aproximar-se de um modo de raciocinar sem se apoiar
exclusivamente no perceptível é a motivação maior em tomar a decisão de se
trabalhar a geometria escolar (SILVA, 2006a, p.136).
Em seu trabalho, esta autora concluiu que a abordagem da geometria nas séries
iniciais é hoje dependente de professores que não possuem a formação matemática,
54
juntamente com o fato dos professores sujeitos da pesquisa “explicitarem incertezas em
relação ao ensino de conteúdos do eixo Espaço e Forma” (SILVA, 2006a, p.136). Conclusões
como esta, resultantes de um trabalho junto às professoras das séries iniciais, nos fornecem
noções de como a problemática que envolve a geometria é real e igualmente séria, pois as
entrevistas feitas com essas professoras indicaram que elas não consideram fundamentais os
conteúdos geométricos (do eixo espaço e forma), ou por não conhecerem, e/ou por sentirem
dificuldades de ensiná-los.
Afirma Fainguelernt (1999) que a geometria precisa ser trabalhada nas escolas, mas
questiona a forma de abordagem, uma vez que não concorda que o ensino deste campo da
Matemática deva ser reduzido a aplicações de fórmulas e de resultados estabelecidos por
teoremas. Ela afirma que ensinar geometria se justifica pela preocupação com a descoberta de
caminhos para a sua demonstração e também para a dedução de suas fórmulas, sem a
necessidade de ficar apenas no processo exaustivo de formalização. Além disso, outra
dificuldade é o papel das demonstrações, juntamente com as relações entre intuição, indução,
dedução e do rigor. Um aspecto desse problema reside em saber em que momento esses níveis
de abstração devem ser explorados, considerando a idade e conseqüente maturidade dos
alunos. A autora julga haver uma falta de integração entre alguns dos elementos constituintes
do ensino e aprendizagem da geometria:
Os conteúdos de Aritmética, Álgebra, análise e Geometria, considerados como se
fossem totalmente estanques; as ões dos professores em sala de aula e os seus
próprios objetivos; os resultados do rendimento dos alunos na realização das
atividades e a reflexão dos professores sobre sua práxis (FAINGUELERNT, 1999, p.
23).
Os tópicos levantados acima induzem ao raciocínio inverso: se conseguíssemos
combatê-los teríamos a garantia da eficácia do ensino e aprendizagem de geometria. A autora,
acreditando que a Educação Matemática vem ascendendo no cenário educacional, seja por
suas pesquisas, ou pela relevância e pela estreita relação com os temas de sala de aula,
defende um novo cenário que se configura, concomitante aos avanços e facilidades que a
tecnologia oferece. Uma nova abordagem de ensino através do uso dos computadores, no
sentido de “reduzir algumas dificuldades de aprendizagem, possibilitar a criação de um
espaço para a exploração e a construção do conhecimento [...] dando uma dimensão dinâmica
a esse ensino” (
FAINGUELERNT
, 1999, p.15).
55
Não dúvida que é necessário repensar o ensino da geometria nas escolas. Porém,
pouco adiantará se a tentativa for de ensinar uma geometria desconexa da realidade, estática, e
sem significado. É com o intuito de evitar trabalhar com uma geometria fora de contexto, que
procuramos um caminho que permitisse atrelá-la ao novo, ao dinâmico, ao movimento,
possibilitando ao aluno a visualização e manipulação dos componentes desta Geometria.
O foco do estudo aqui realizado em relação à geometria, certamente é o que ocorre
aqui no Brasil, mas autores de outros países escrevem e relatam os mesmos problemas
enfrentados naquele país. Usiskin (1998), da Universidade de Chicago, em seu artigo
intitulado “Resolvendo os dilemas permanentes da geometria escolar”, aponta dois problemas
principais levantados pelos trabalhos sobre a geometria: (a) o fraco desempenho dos alunos e
(b) um currículo ultrapassado. Tais conclusões em nada diferem da situação aqui no Brasil.
Segundo o autor, o aluno não aprende geometria porque seu professor não sabe ensinar
(certamente esse professor não irá salientar a presença da geometria ao redor do seu aluno).
Por outro lado, se o professor não sabe ensinar é porque na sua graduação também não
aprendeu. Muito provavelmente quando esse aluno se tornar professor, também não irá
ensiná-la. A questão que surge é: como superar e resolver esta situação?
O autor traz sugestões para a resolução dos problemas, enfatizando não se tratar de
uma tarefa fácil, nem imediata, mas que deve ser iniciada. Dentre outras, sugere:
- A necessidade de especificar um currículo de geometria para a escola elementar por
série, exigindo de todos os alunos um grau significativo de competência em geometria;
- Tornar obrigatória a disciplina de geometria nas universidades, e não apenas optativa;
- Discutir com mais clareza os propósitos para a geometria;
- Analisar as várias maneiras de formar conceitos em geometria, em uma perspectiva
curricular (USISKIN, 1998, p.24).
Estas conclusões e caminhos para a resolução dos tais dilemas da geometria escolar
servem também para nossos problemas com a geometria escolar, nos fazendo perceber que
tais problemas não ocorrem aqui no Brasil, e as questões relativas aos problemas são bem
parecidas, nos mostrando, portanto, que suas sugestões devem ser consideradas e refletidas.
Usiskin (1998) também considera outras questões relativas à geometria, como, por
exemplo, sua abordagem no currículo, e atribui quatro dimensões ao estudo da geometria:
a)A geometria como estudo da visualização, do desenho e da construção de figuras (a
dimensão medida-visualização);
b)A geometria como estudo do mundo real, físico (a dimensão mundo real-físico);
56
c)A geometria como veículo para representar outros conceitos matemáticos (a
dimensão representação);
d)A geometria como um exemplo de um sistema matemático (a dimensão suporte
matemático) (USISKIN, 1998, p.34).
Ainda emergem outras duas dimensões, que são representadas na matemática escolar:
dimensão sócio-cultural e uma dimensão cognitiva de compreensão. A observância e o
tratamento da geometria em função destas dimensões, para o autor, seriam o início de uma
nova geometria, conforme afirma abaixo:
A geometria exige o traçado de figuras simples e a interpretação de modelos visuais.
Esses modelos interagem continuamente com o mundo físico, com outras partes da
matemática e podem estar logicamente inter-relacionados de várias maneiras
(USISKIN, 1998, p. 35).
Esta reflexão em torno da geometria que o autor proporciona, está diretamente ligada
aos problemas vivenciados em sala de aula, e as dimensões acima elencadas nos levam a
repensar o ensino da geometria, suas dificuldades e o inevitável caminho para alternativas que
dêem conta disso. As sugestões feitas pelo autor estão no cerne do ensino da geometria,
sugerindo que as soluções para seus problemas estão na própria geometria Porém, essa
pesquisa utiliza uma abordagem um pouco diferente das propostas por Usiskin (1998), indo
buscar ajuda e suporte em tecnologias.
Através do uso do computador, entendemos ser possível encontrar alternativas de re-
significar o ensino da geometria. Através do uso de softwares adequados, que permitem
atribuir movimento e dinamismo na exploração dos conceitos geométricos, podemos
configurar um caminho, que está diretamente ligado às relações entre professor-aluno,
implícitas em uma situação de ensino e aprendizagem.
Finalizamos este capítulo após terem sido abordadas algumas questões que permeiam
a geometria. Apresentamos trabalhos que apontaram a geometria largada ao abandono, e os
devidos fatores que ocasionaram esta situação. Mostramos trabalhos que indicam uma
retomada de pesquisas que colocam a geometria em foco de estudo e de ressignificação.
Discutimos também a importância da compreensão da geometria, com a necessidade de levá-
la a sério, e de se trabalhar com ela em sala de aula.
A seguir, será enfocado um elemento que se acredita que seja um auxiliar na
retomada desta geometria que tem sido deixada de lado: o computador, mais especificamente
o software de geometria chamado Cabri-Géomètre.
57
4 O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
A partir de agora serão abordadas as questões relativas ao avanço tecnológico e as
implicações do uso do computador nas práticas escolares. Em seguida será apresentado o Cabri-
Géomètre, recurso tecnológico focalizado no objeto de estudo. Será descrita primeiramente a
chegada dos computadores no Brasil no cenário escolar, citando os países que influenciaram a
introdução deste recurso. No que se refere ao Cabri,será apresentada a sua origem, sua
utilização e também algumas possibilidades que o software oferece. Além disso,serão
apontados estudos atuais que enquadram este software como uma ferramenta adequada ao
tratamento da geometria. Depois de discorrermos a respeito do Cabri, finalizamos ressaltando a
importância do professor neste cenário de utilização de uma ferramenta de apoio desta natureza.
4.1 UMA FERRAMENTA DE APOIO: O COMPUTADOR / A EDUCAÇÃO FRENTE
AOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS
Um dos caminhos para a superação dos problemas detectados como agentes do
fracasso da geometria, aponta para o uso do computador neste contexto. Segundo Valente
(1998), a chegada dos computadores nas escolas provocou questionamentos, sendo a questão
predominante se o computador teria o “poder” de substituir o professor em sala de aula.
Outras formas de reações a esse respeito surgiram, as quais o autor chamou de visões, sendo
divididas em céticas, indiferentes e otimistas.
O grupo (os céticos) pensava ser o computador mais um modismo, e que não
haveria condições de implantá-los nas escolas, devido aos custos financeiros, além do fato do
computador ser uma máquina racional e fria, podendo provocar uma desumanização nas
escolas. O 2º grupo (os indiferentes) não se definiu, demonstrando apatia, aguardando a
evolução dos fatos. O 3º grupo (dos otimistas) acreditava que o computador vinha para
reparar lacunas existentes na educação.
Facilmente percebemos que a revolução da informação tem influenciado todos os
setores da sociedade. Até mesmo aqueles setores onde menos se espera que possa haver seus
reflexos, ele está presente. Esta revolução tem provocado, no indivíduo, a necessidade de
adquirir novas competências, pois não existe mais espaço para as qualificações rotineiras e
58
repetitivas. No ambiente escolar não é diferente, ao percebermos a forma de comunicação dos
alunos, com termos advindos da internet, influenciando as linguagens oral e escrita
(internetês). Nas pesquisas e trabalhos escolares realizadas pelos alunos, a fonte principal de
pesquisa é a internet. Assim sendo, no contexto escolar, as mudanças tornam-se ainda mais
decisivas e importantes, pois é a partir da escola que toda sociedade será transformada.
Em relação ao uso da Internet como ferramenta educacional, Kalinke (2003) destaca
que há vários recursos e possibilidades encarados como aspectos positivos desta rede mundial
de computadores em processos educacionais, mas enfatiza que o maior destaque do uso da
Internet deve-se “à interação que ela permite, quer seja entre alunos, do aluno com o professor
ou do aluno com a máquina, a facilidade de comunicação, a possibilidade de publicação de
materiais e a facilidade de acesso à informação”. (KALINKE, 2003, p. 42) Apontamos aqui a
Internet como uma ferramenta educacional, querendo com isso, enfatizar que há várias formas
de utilização do computador, além do uso de softwares educacionais. É claro que, para o
professor utilizar a Internet em sala de aula é imprescindível uma triagem, que Kalinke (2003)
chamou de “critérios de análise”. Para o autor dois aspectos principais para nortear os
critérios: os aspectos construtivistas e os aspectos ergonômicos
8
. O professor pode optar pela
forma de incorporar o computador em sua prática de sala de aula, seja pela internet, softwares
educativos, simulações, uso do Excel, etc. O que fica claro é que não se pode mais evitar esta
tendência.
Convencida de que não como se esquivar desta realidade, a escola necessita estar
atenta para essa tendência que avança rapidamente, e se instalou de forma definitiva. O
computador, sendo utilizado como uma ferramenta de ensino aparece aqui como uma grande
possibilidade para modificar uma situação real de desarticulação entre temas, partindo-se do
fato de que sendo os conteúdos aprendidos em sala de aula permanecem de maneira estanque,
ficando a realidade do aluno muito fora do contexto escolar. Os acessos aos meios de
comunicação estão de certa forma mais distribuídos, sendo possível encontrar em algumas
escolas públicas laboratórios de informática, propiciando ao aluno contato com esta
tecnologia e permitindo uma maior abrangência no processo de socialização do
conhecimento. O professor, dentro desta proposta, exerce um papel importante, sendo o
mediador entre o conhecimento disponibilizado pela ferramenta informática e o aluno. Para
poder exercer seu verdadeiro papel, cabe ao educador aceitar e creditar ao computador a
___________________
8
Segundo Kalinke (2003), a ergonomia, em um site educacional, pode ser entendida como essencial para que a
aprendizagem ocorra. Para abranger aos critérios, o autor propõe observar se: o site apresenta boa legibilidade,
disponibiliza documentação disponibiliza documentação e possui boa navegabilidade (KALINKE, 2003, p.
117).
59
função de um catalisador de uma mudança profunda, sendo considerada uma mudança
paradigmática, verdadeira, a começar pela postura do professor frente a esse novo cenário.
Valente (1998) utiliza nomenclaturas aos paradigmas que perpassam o ensino com o
computador: o autor os coloca como antagônicos, e que um deles deve superar o outro. São os
paradigmas: instrucionista e construcionista.
4.1.1 O paradigma Instrucionista
O paradigma instrucionista, ao colocar o computador como máquina de ensinar, insiste
na informatização dos métodos de ensino tradicionais. Ao invés de utilizar o computador de
forma a favorecer a aprendizagem significativa, investigativa e dinâmica, nesse paradigma, o
professor, por desconhecimento, falta de preparo ou por comodismo, utiliza-o como um
tutorial, em que o aluno aprende seguindo apenas as instruções. Nessa abordagem, o professor
continua sendo o transmissor dos conhecimentos e o aluno se mantendo passivamente, sem
aprender com algum significado, mas seguindo as instruções da máquina, com a repetição de
exercícios, sem questionamentos. E, o que se configura em um verdadeiro entrave ao
desenvolvimento profissional, é que muitos professores, por utilizarem o computador em
alguma aula, da forma citada acima, sentem-se inovadores, adotando uma postura equivocada
de moderno. Para Papert (1994), o termo instrucionismo está longe de ser discutido em termos
pedagógicos, pois o instrucionismo “deve ser lido num termo mais ideológico ou
programático como expressando a crença de que a via para uma melhor aprendizagem deve
ser o aperfeiçoamento da instrução” (PAPERT, 1994, p.124).
4.1.2 O paradigma Construcionista
O paradigma construcionista vem contrapor-se ao paradigma anterior em relação ao
uso do computador. Papert (1994)
9
foi quem denominou de construcionismo o uso do
___________________
9
Seymour Papert é professor e criador da linguagem LOGO. Ele trabalhou com Jean Piaget, de onde surgiu o
embasamento para a denominação do paradigma construcionista, que incorpora a idéia de “construção”
elaborada por Piaget.
60
computador para fins realmente pedagógicos, como um auxiliar na construção dos
conhecimentos. Papert usou o termo construcionismo para mostrar um outro nível de
construção do conhecimento, em que a construção do conhecimento seja baseada na
realização de uma ação concreta que resulte em um produto palpável, desenvolvido com a
ajuda do computador.Para o autor,:a construção do conhecimento acontece quando o aluno
constrói um objeto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de experiência ou um
programa de computador.
Na noção de construcionismo de Papert existem duas idéias que contribuem para que
esse tipo de construção do conhecimento seja diferente do construtivismo de Piaget.
Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa, ou seja,é o aprendizado através do fazer,
do “colocar a mão na massa”. Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo
do seu interesse e para o qual está bastante motivado. O envolvimento afetivo torna a
aprendizagem mais significativa (VALENTE, 1998, p. 40).
Diante destas nominações para o uso do computador,ressaltamos que realmente não se
justifica o seu uso para fins de instrução, sob uma abordagem meramente tradicional. Porém,
não é sempre, ou melhor, nem todas as vezes é oferecida ao aluno a total liberdade de criar”
um objeto do seu interesse. Em primeiro lugar um regimento para as escolas, e cada
instituição de ensino possui um Projeto Político Pedagógico que deve ser respeitado; em
segundo lugar há um currículo que contempla determinados conteúdos para cada série; em
terceiro lugar, respeitando as especificidades de cada disciplina, em matemática, não é sempre
que o aluno pode criar algo do seu interesse. Lembramos ainda que as práticas escolares de
um modo geral não seguem essa característica puramente construtivista.
Acreditamos que se trata de um desafio ao professor, além do uso do computador
incorporado em sua prática, criar /desenvolver situações onde o aluno possa sentir-se
motivado, desafiado a descobrir, desvendar esse novo objeto do conhecimento, de forma
criativa.
Valente (1998) considera que o que mais diferencia o construcionismo do
construtivismo, é a presença do computador: “O fato de o aprendiz estar construindo algo
através do computador (computador como ferramenta)”. Para o autor, a utilização criativa, de
forma a usar a ferramenta para obter o máximo de aprendizagem, requer certas ações que são
bastante efetivas, no processo do aprender:
61
Quando o aprendiz está interagindo com o computador ele está manipulando
conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental. Ele está adquirindo
conceitos da mesma maneira que ele adquire conceitos quando interage com objetos
do mundo, como observou Piaget. Papert denominou esse tipo de aprendizado de
“aprendizado piagetiano” (PAPERT, 1980 apud VALENTE1998, p.55.).
Achoamos por bem esclarecer tais nomenclaturas e suas definições, enfatizando que o
professor pode buscar meios de usar o computador sob uma abordagem construtivista,
respeitando as especificidades da disciplina e aproveitando as oportunidades para fazê-lo de
forma à proporcionar ao aluno a construção do conhecimento.
4.2 A INFORMATIZAÇÃO NAS ESCOLAS: UMA TRAJETÓRIA LENTA E
DEFINITIVA
Se hoje, não nos causa mais espanto uma sala de aula utilizando quadro branco com
um projetor multimídia suspenso no teto, um computador conectado na internet, com entrada
para pendrive, som, etc, talvez seja oportuno olharmos 5 ou 10 anos atrás. Se descrito anos
atrás, o cenário de hoje poderia intimidar muitos professores - o que não significa que ainda
pode intimidar a tantos outros -, que continuam tendo o quadro negro, giz branco e seu livro
de apoio como sendo as únicas fontes de interação com o seus alunos, além dele mesmo.
Ao considerarmos que já é possível que o professor prepare suas aulas com animação,
sons, imagens filmes, slides, esquemas gráficos, fazendo simulações e, na sala de aula, abra
uma página da internet, partilhando-a com seus alunos, seu horizonte se amplia de forma
infinita. Essas opções que o professor pode dispor frente aos recursos tecnológicos podem lhe
oferecer algum respaldo, motivando-o a incorporá-los em sua prática de forma definitiva. O
termo “definitivo” não condiz muito quando o assunto é tecnologia, pois as descobertas,
inventos e novas versões fazem com que um aparelho, um recurso, se torne obsoleto muito
rapidamente, assim como as informações, os dados divulgados em torno de um evento vão se
atualizando.
Esta evolução tem ocorrido em todos os setores, seja na indústria, na ciência e também
na educação. A chegada dos computadores nas escolas não pode ser tratada de forma
desconectada das mudanças tecnológicas que ocorreram no mundo nestes últimos 30 anos.
Tais mudanças, mais especificamente efetivadas nos setores financeiro e industrial,
começaram a repercutir dentro das escolas, tendo em vista a necessidade de formar novos
62
profissionais que pudessem atender a estas novas exigências, ou seja, um novo tipo de
profissional, com um novo perfil, voltado aos avanços tecnológicos e sua aplicabilidade nos
diversos setores.
No Brasil, o uso do computador na educação teve início com algumas experiências em
universidades no princípio da década de 1970. Segundo Valente (1999), várias universidades
iniciaram o uso dos computadores para determinados (e diferentes fins). Um dos fatores
motivadores da idéia de implantar o uso do computador nas escolas foi proveniente de
movimentos tecnológicos em países como os Estados Unidos e a França.
No entanto, tanto na França como nos Estados Unidos, pairavam dúvidas sobre a real
função do computador na escola. As universidades e escolas deveriam ensinar os alunos a
manusear o computador, aprender as linguagens de programação, ou ele deveria ser usado
como um apoio ao aluno? Esta dúvida uma idéia da dimensão das incertezas que
acompanharam a novidade do computador nas escolas. Para melhor delinear esta situação,
sobre a chegada dos computadores nas escolas nos Estados Unidos, Valente esclarece:
O uso dos computadores nas escolas é pressionado pelo desenvolvimento tecnológico
e pela competição estabelecida pelo livre mercado das empresas que produzem
software,
das
universidades e das escolas. As mudanças de ordem tecnológicas são
fantásticas e palpáveis, mas não têm correspondência com as mudanças pedagógicas
(VALENTE,1999,p.3).
Também ocorreu, nos EUA, o desenvolvimento de métodos de instrução programada
utilizando o computador, baseados no uso do mesmo como “máquina de ensinar”, idealizado
por Skinner no início dos anos 1970. Este sistema de instrução programada era chamado de
CAI: Computer-Assisted Instruction, produzido por empresas como IBM, RCA e Digital, e
era utilizado principalmente nas universidades. Com os microcomputadores sendo
implantados nas escolas, na década de 1980, houve uma grande disseminação dos CAIs,
alguns sendo modificados e outros sendo criados como tutoriais programas de demonstração;
exercício-e-prática, avaliação do aprendizado, jogos educacionais e simulação. Porém,
segundo Valente (1999), essa quantidade de opções para o uso do computador permitiu a
divulgação de novas possibilidades educativas, como, por exemplo, auxiliando na resolução
de problemas, na produção de textos, entre outros. Sob esta ótica, o computador era visto
como uma importante ferramenta auxiliar, de complementação, e de “possível mudança na
qualidade da educação”, possibilitando a criação de ambientes de aprendizagem, como a
63
linguagem LOGO
10
, por exemplo. Mas a proposta do uso do LOGO não foi totalmente aceita,
pois não houve a formação adequada para os professores, e este recurso ficou subutilizado.
Hoje, com o auxílio de softwares educativos e/ou atividades que façam uso da
internet, os computadores estão sendo usados com algum cunho pedagógico e podem se
transformar em momentos de extrema riqueza e avanços significativos em termos de
aprendizagem, mas a ênfase ainda se encontra na instrução através do computador.
Sancho(2006, p.19) se posiciona em relação à evolução dos computadores nas escolas
afirmando que “muitas pessoas interessadas em educação viram nas tecnologias digitais de
informação e comunicação o novo determinante , a nova oportunidade para repensar e
melhorar a educação.” A autora vai mais além, afirmando :
A história recente da educação está cheia de promessas rompidas de expectativas não
cumpridas, geradas ante cada onda de produção tecnológica (do livro de bolso ao vídeo ou ao
próprio computador)(SANCHO2006 ,p.19 apud SANCHO,1998).
Um dos problemas para que a chegada dos computadores nas escolas tenha sido de forma
lenta e aquém do que os idealizadores acreditavam ser, é apontado por Sancho (2006,p.19)
quando refere-se ao modelo de ensino dominante nas escolas , centrado no professor.
As Universidades americanas ainda são segundo Valente (1999), as grandes
formadoras de professores para a área de informática, porém a formação /preparação para os
profissionais da educação ainda os capacita para trabalhar com a informática no sentido da
transmissão de informação.
Para Area(2006), a década de 90 representou um período no contexto internacional de
revisão crítica do realizado em relação ao uso dos computadores nas escolas, ou seja, “nem se
demonstrou que os alunos aprendiam mais e melhor,[...]nem os professores em geral
inovaram sua práticas adotando os computadores como recurso habitual de ensino;não se
produziu, portanto,a esperada revolução pedagógica.(AREA, 2006,p.155).Pelo exposto, a
evolução dos computadores nas escolas gerou expectativas nem sempre correspondidas.
Ao discorrer sobre evolução do uso dos computadores nas escolas na França, Valente
(1999) afirma que naquele país houve um cuidado maior na questão da formação dos
professores. A implantação da informática nas escolas francesas foi planejada em termos de
público alvo, materiais, formas de distribuição, instalação e manutenção dos equipamentos
___________________
10
O LOGO é uma linguagem de programação, desenvolvida por Papert em 1967, e tem como base a teoria de
Piaget e algumas idéias da Inteligência Artificial.
64
nas escolas; também o governo francês se preocupou com a fase que antecede o uso dos
computadores junto aos alunos, ou seja, a “inteligência-docente”, dedicando pelo menos um
ano de preparação para o professor frente ao computador, antes de utilizá-lo em sala de aula.
Essa preocupação no preparo dos professores demonstra a visão que este país possui em
relação à educação, ou seja, certa cautela em adotar uma nova postura, mesmo ciente desta
necessidade. “Embora o objetivo da introdução da informática na educação na França não
tenha sido o de provocar mudanças de ordem pedagógica, é possível notar avanços nesse
sentido, porém, esses avanços estão longe das transformações desejadas” (VALENTE ,1999,
p.36).
A formação em informática propriamente pedagógica iniciou-se na França, em quatro
etapas que foram desde 1970 até o “Plano Informática para Todos” em 1985, quando houve
maior proliferação da informática no âmbito das instituições escolares. Foram desenvolvidos
programas de formação de professores, em milhares, para poder atender a milhões de alunos;
outra preocupação do programa francês tem sido o de garantir a todos os indivíduos o acesso
à informação e ao uso da informática. Atualmente isso tem sido reforçado pelos projetos de
implantação de redes de computadores e de comunicação à distância para a educação e a
formação.
A forma de proporcionar a chegada dos computadores nas escolas e de impulsionar
sua inserção não seguiu um modelo universal, não ocorrendo, portanto, da mesma forma em
cada país. É natural que assim acontecesse, pois cada país possuía seus próprios objetivos,
interesses e políticas governamentais envolvidas. Há também visões distintas de autores
acerca dos objetivos dos países ao introduzir esta ferramenta.
Valente (1999) acredita que, desde a introdução dos computadores até hoje, as
mudanças não foram muito significativas, em nenhum dos dois países. Ao se referir à França,
o autor afirma: “Os conteúdos versavam sobre o estudo do objeto informática e
computadores, bem como sobre introdução a linguagens de programação, sem estabelecer
articulações entre teorias educacionais e práticas pedagógicas com o computador”.
Já Oliveira (1997) aponta que tanto nos Estados Unidos como na França o objetivo era
o mesmo: “melhorar a qualidade das escolas e garantir aos alunos o acesso ao conhecimento
de uma tecnologia extremamente utilizada nas sociedades modernas”. Mesmo com visões
diferentes de autores sobre o tema, o fato é que os computadores chegaram às escolas e esta
postura “ramificou-se” para outros países e continentes, chegando aqui no Brasil.
65
Se as formas de introduzir o computador em cada país tiveram o seu propósito e sua
evolução, o Brasil também teve sua maneira própria, considerando-se as influências externas,
principalmente dos Estados Unidos e da França.
Segundo Oliveira (1998), a chegada dos computadores nas escolas não partiu da
decisão de educadores e militantes da educação, mas da vontade do governo brasileiro, que
julgava ser necessário envolver a escola pública em um movimento que já se destacava nos
países desenvolvidos: a evolução tecnológica.
No Brasil, as primeiras ações governamentais estabelecidas com o objetivo de
interligar a informática com a Educação ocorreram em 1979, quando o governo criou a
Capre
11
, mais tarde substituída pela SEI
12
, que tinha por finalidade regulamentar,
supervisionar e fomentar o desenvolvimento e a transição tecnológica do setor de informática.
Em 1980, a SEI criou a Comissão Especial de Educação, com a responsabilidade de
colher subsídios, visando a gerar normas e diretrizes para a área de informática na educação.
A idéia era partir de um processo que pretendia interligar a educação com a informática.
Porém, na prática parecia não ocorrer, pois conforme Oliveira (1998) até 1980 “o binômio
informática-educação ocupava espaço no âmbito da burocracia estatal, uma vez que não
havia interferência de setores na sociedade ligados diretamente à educação”. (OLIVEIRA,
1998, p. 29)
Na intenção de inserir a comunidade educacional nessa discussão, a implantação do
programa de informática na educação no Brasil inicia-se com o primeiro e o segundo
Seminário Nacional de Informática em Educação, realizados respectivamente na Universidade
de Brasília, em 1981, e na Universidade Federal da Bahia em 1982. Desses seminários,
concluiu-se que era necessário que o computador fosse encarado como um recurso auxiliar
para o desenvolvimento de habilidades, ou seja, um facilitador. Esses seminários
estabeleceram um programa de atuação que originou o EDUCOM - Educação com
Computadores. Este projeto representou a primeira ação oficial e concreta de levar os
computadores às escolas públicas brasileiras. O objetivo principal do Educom foi estimular o
desenvolvimento da pesquisa multidisciplinar, tendo como foco a aplicação/utilização das
tecnologias de informática no processo de ensino-aprendizagem, realizado através de
projetos-piloto.
___________________
11
Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico. Organização governamental que
coordenava as iniciativas na área da Informática.
12
Secretaria Especial de Informática, ligada diretamente ao Conselho de Segurança Nacional (CSN).
66
O que foi exposto pretendeu situar a chegada dos processos de informatização nas
escolas, em uma escala “de fora para dentro”. Foi possível perceber que houve uma influência
do governo, que teve algum interesse para que a implantação e o efetivo uso desta “máquina”
se iniciassem. Analisando os países desenvolvidos, governantes brasileiros entenderam que o
caminho era investir nessa tecnologia. Observamos que a evolução se deu de forma gradual,
como tentativa e erro, com projetos-piloto desenvolvidos por algumas universidades. Hoje
muitas escolas possuem computadores em seu interior, mas o uso desta ferramenta certamente
se encontra aquém das propostas e intenções para este fim.
4.3 O CENÁRIO ATUAL DO COMPUTADOR: ALIADO OU INCÔMODO?
A trajetória que permitiu a chegada dos computadores nas escolas, através do projeto
Educom, teve suas necessidades e, com isso suas implicações, bem como suas ramificações.
Entre elas o projeto Formar, destinado à capacitação de professores da rede pública, e do
projeto Centro de Informática na Educação (CIED), voltado para o atendimento às escolas de
primeiro e segundo graus da rede pública de ensino.
É natural que essas necessidades no interior das escolas fossem surgindo, pois a
chegada dos computadores nas escolas não significava tê-lo exclusivamente para uso
burocrático na secretaria ou tesouraria. Esta premissa de ter o computador na sala de aula
acarretou primeiramente uma mudança na formação de professores, e, em seguida, também
implicaria em uma preparação do espaço físico para os equipamentos, bem como soluções
relativas à manutenção dos mesmos. Em frente a tantas mudanças, como foi que esta máquina
chegou para o aluno?
Para iniciar a resposta a esta pergunta, basta olhar para trás e nos perguntarmos se na
década de 1980 éramos estudantes. Se a resposta for afirmativa, teremos algum relato ou
lembrança referentes a este momento. Não dúvida de que os alunos receberam o
computador com uma receptividade maior do que a do professor, pois as expectativas eram
enormes! Ao falarmos em escolas públicas, ainda mais, pois a escola era vista como a única
forma de acesso a esse universo. Quanta ansiedade perceber aqueles equipamentos sendo
instalados nas escolas, aguardando ansiosamente o dia de poder mexer, explorar a máquina e
poder descobrir tantas outras coisas com ela!
67
Porém, analisando a realidade atual, percebemos que a proposta inicial, que apostava
na “revolução” que a chegada dos computadores nas escolas iria promover, não aconteceu e
frustrou muitos educadores. Buscando responder a este questionamento, Sancho(2006),
afirma: “a história recente da educação está cheia de promessas rompidas;de expectativas não
cumpridas, geradas a cada nova onda de produção tecnológica(do livro de bolso ao vídeo ou
ao próprio computador)”(SANCHO,1998 apud SANCHO, 2006, p. 19).
São muitos os motivos que levam a concluir a ineficiência ou a subutilização dos
computadores nas escolas, mas Sancho (2006) atribui esta realidade ao fato do ensino ainda
hoje estar centrado no professor. Entendemos ser a formação dos professores o alicerce
fundamental para a melhoria da qualidade de ensino, e sabemos que tal formação é definida
por elementos políticos, econômicos, culturais, ideológicos e pedagógicos. Então, talvez a
lacuna existente entre a maneira como o computador é utilizado nas escolas e nas variadas
formas de abordagem que poderiam ser utilizadas, é que Sancho 2006 ressalta: “Em uma
sociedade cada dia mais complexa, as tentativas de situar a aprendizagem dos alunos e suas
necessidades educativas na escola da ação pedagógica ainda são minoritárias” (CUBAN, 1993
apud SANCHO 2006, p.19). Em conseqüência desta defasagem, não há mais como retroceder,
e sim avançar em direção à superação desse obstáculo. O professor, ciente dessa realidade,
deve procurar meios para uma mudança pedagógica e tecnológica nas escolas.
4.4 CONTRIBUIÇÕES DA INFORMÁTICA AO ENSINO DA GEOMETRIA
Foi descrito no presente estudo o cenário sobre o ensino da Geometria, e verificamos
que uma defasagem em sua abordagem. Também relatamos acima a utilização dos
computadores para fins pedagógicos aquém da esperada. Diante deste cenário, visualisamos a
necessidade da implementação de ações de diversas naturezas para o ensino da matemática e,
mais especificamente na geometria.
Uma das alternativas que apresentamos como possibilidade para a revitalização e
melhoria do ensino da geometria é incluir o uso de novas tecnologias nas práticas
pedagógicas. Essa inserção pode acontecer por meio de softwares, linguagens de programação
(LOGO), dentre outras possibilidades.
Alguns autores nos apontam caminhos, como Papert (1994) através da linguagem
LOGO e da teoria construcionista, também Fainguelernt (1999) com a aprendizagem da
68
geometria através do LOGO. autores inclusive que defendem o uso da Geometria
Dinâmica, como Gravina (1998); Rodrigues e Braviano (2002), Zulatto (2002), entre outros.
Mais especificamente na utilização de softwares como auxiliar na a aprendizagem de
geometria, existe a categoria de softwares de Geometria Dinâmica (GD). Segundo Zulatto
(2002) o termo Geometria Dinâmica foi originalmente utilizado por Nick Jacw e Steve
Rasmossen, de forma genérica, procurando diferenciar os softwares de Geometria Dinâmica
dos outros softwares de Geometria. O que caracteriza esta diferença? Os softwares de
Geometria Dinâmica
13
(GD) possuem um recurso que oferece a opção do arrastar, permitindo
a transformação contínua do desenho ou da construção, em tempo real.
Os softwares de GD apresentam recursos com os quais os alunos podem realizar
construções geométricas, que até então vinham sendo feitas com régua e compasso,
despendendo um tempo maior. Neste contexto são desenvolvidas atividades de exploração,
nas quais o aluno pode, interagindo com o computador, verificar, validar e refazer suas
construções.
Gravina e Santarosa (1998) descrevem algumas características dos programas
construídos dentro dos princípios da Geometria Dinâmica:
São ferramentas de construção: desenho de objetos e configurações geométricas
feitos a partir das propriedades que os definem. Através de deslocamentos aplicados
aos elementos que compõem o desenho, este se transforma, mantendo as relações
geométricas que caracterizam a situação (GRAVINA; SANTAROSA, 1998, p. 14).
As autoras (1998), apresentam três características que devem figurar entre os
requisitos necessários à aprendizagem, ao se referirem a ambientes informatizados dentro de
uma proposta construtivista. São elas:
1- Os ambientes devem ser meios dinâmicos;
2- Os ambientes devem ser meios interativos;
3- Os ambientes devem propiciar a modelagem e a simulação.
Quando se referem ao meio dinâmico, as autoras querem enfatizar a contraposição ao
caráter estático que se tem dado aos sistemas de representação do conhecimento matemático.
Dessa forma, passa a ser atribuído um caráter mutável a um objeto matemático, propiciando
___________________
13
Para referências ao termo Geometria Dinâmica, será utilizada a sigla GD.
69
um dinamismo, obtido através de manipulação direta sobre as representações que aparecem na
tela do computador.
Os meios interativos, citados pelas autoras, vão muito além dos tipos nos quais a
máquina interage com o usuário apenas para informar sobre acertos ou erros. A interatividade
que se espera de um ambiente de aprendizagem construtivista é quando o sistema oferece
suporte às concretizações e ações mentais dos alunos, permitindo a ação do aluno, ou seja,
possibilitando a manipulação do que está representado na tela do computador. também
outro recurso oferecido nesta proposta, que é a capturação de procedimentos, na qual são
gravados todos os procedimentos do aluno e, sempre que necessário, é possível repassar toda
a trajetória de sua construção. Esse quesito é uma particularidade dos programas para a
geometria.
Nos meios para modelagem ou simulação, os alunos constroem modelos e/ou
realizam experimentos de natureza mais complexa, como por exemplo, as simulações de
crescimento populacional, nas quais os alunos exploram qualitativamente as relações
matemáticas, possibilitando a visão da matemática como uma ferramenta para a resolução de
problemas de outras áreas do conhecimento.
As autoras apresentam um software como exemplo de ambiente que apresenta as
características acima descritas: o Cabri-Géomètre. Entendemos que esse dispositivo seja
capaz de tornar-se uma alternativa de aliar a geometria ao uso do computador, sendo um
software de Geometria dinâmica.
4.5 O SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
O Cabri-Géomètre foi desenvolvido na Universidade Joseph Fourier, em Grenoble, na
França. A sigla Cabri vem do francês, Cahier de Brouillon Informatique, que significa Caderno
de Rascunho Informático. Um grupo de especialistas trabalhou durante quatro anos na
elaboração desse software, sob a coordenação de Jean Marie Laborde e de Frank Bellemain.
(BONGIOVANNI, 1997). Colaboraram na elaboração do “software” e na documentação:
Nicolas Balacheff, Jérome Borde, Gerard Cossavella, Mireille Dupraz, Michel Guillerault,
Bachir Kskessa, Colette Laborde, Gerard Lejeune, Michel Mollard, Charles Payan, Salima
Tabri, Gerard Vivier. (Manual do Cabri 1991).
70
No Brasil, o Cabri-Géomètre foi comercializado com exclusividade pelo Centro das
Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP no início dos anos noventa.
O software Cabri-Géomètre
14
consiste em um caderno de desenho interativo, que
oferece alternativas de trabalho para o ensino de Geometria, propiciando experimentação,
observação e análise de figuras geométricas construídas. Com ele podemmos traçar figuras
geométricas, medir segmentos e ângulos, determinar lugares geométricos, entre muitas outras
funções.
O software permite construir todas as figuras de geometria que podemos traçar numa
folha de papel com régua e compasso, com a enorme vantagem de que o conjunto
dessas primitivas pode ser ampliado graças ao recurso de “macro construção” que
permite definir uma nova construção designando seus resultados ou elementos finais, a
partir de um protótipo presente na tela (MANUAL DO CABRI, 1991, p.10).
4.6 O CABRI-GÉOMÉTRE NO BRASIL
De acordo com o Manual do Cabri
15
(1991), o software é uma ferramenta apropriada
para o aprendizado da Geometria, propondo um ambiente de aprendizagem em um
micromundo. A idéia de micromundo supõe a existência de um ambiente colocado à disposição
do usuário, neste caso o aluno, para realizar experiências, explorando um universo particular e
descobrindo de forma investigativa as suas propriedades.
Apresentamos, no quadro abaixo, um pequeno histórico do Cabri, acompanhando sua
trajetória e chegada no Brasil.
Ano Ocorrência
1981 a 1985 Trabalho sobre Cabri-Géomètre em teorias dos grafos.
1985 Especificações informais para a criação de um caderno de rascunho informático.
1986 Protótipo de Cabri-Géomètre em três teses de doutoramento.
___________________
14
Para referências ao Cabri-Géomètre será utilizada, na maioria das vezes, a denominação Cabri.
15
O software Cabri é disponível através de mídias de disquete e CD-ROM.Para a sua instalação é necessário que o
computador possua a configuração: 486/Windows 3.1/8MB RAM/ SVGA/Mouse.
71
1987 Pré-produto e experimentações em classes.
1988 Troféu Apple pela melhor realização do ensino; 1ª demonstração
pública (ICME_Budapeste).
1989 Primeira edição de Cabri-Géomètre na França.
1990 Habilitação do projeto IMAG Cabri-Géomètre.
1992 Criação do grupo de pesquisa internacional Cabri-Géomètre
1993 O Cabri-Géomètre é traduzido em 25 línguas e comercializado em 40 países. No
Brasil, o software é comercializado pela PUC-SP
Quadro 1 - Cronologia do Cabri-Géomètre
Fonte: Bongiovanni (1997, p. 6)
De acordo com o quadro apresentado, observamos o avanço e aceitação do Cabri em
escala mundial, havendo boa aceitação e também a comercialização do Cabri no Brasil.
A primeira versão do Cabri foi apresentada em 1988, no Congresso Internacional de
Educação Matemática em Budapeste. De para houve mudanças e novas versões para o
software. A1ª versão utilizada foi o Cabri I, depois o Cabri II (que é a que foi utilizada nesse
trabalho). outras versões do software, com denominações, respectivamente, Cabri Plus e
Cabri 3D. Na gina do Cabri
16
e nos sites de comercialização de softwares, há a versão Demo,
à disposição para download
17
, mas essa versão, após ser “baixada”, dura cerca de quinze
minutos de uso, ou seja, apenas para uma experimentação rápida. Atualmente o Cabri está em
sua terceira versão (Cabri II Plus) e, embora o desenvolvimento continue sob os cuidados do
IMAG (Instituto de Informática e Matemática Aplicada de Grenoble), é comercializado pela
Texas Instruments, tanto para computadores (PCs) quanto para alguns modelos de calculadoras.
Mais recentemente um conceito antigo foi adaptado para a Geometria Dinâmica. A modelação
3D em computador foi amplamente utilizada nas mais diversas áreas. A equipe do Cabri
desenvolveu o Cabri 3D, no qual aplica a modelação 3D ao estudo da geometria do espaço.
Pelos trabalhos, artigos e dissertações que se referem a este software, percebemos que
há uma aceitação por parte dos alunos em sua utilização, e os professores que o utilizam o vêem
como um suporte adequado nos conteúdos de Matemática.
___________________
16
A página do Cabri disponibilizada na internet pode ser encontrada acessando-se o endereço eletrônico:
<
www.cabri.com.br
>.
17
Fazer download de um programa significa disponibilizá-lo para seu uso, através da transferência de arquivos
de um computador remoto para o seu próprio computador.
72
Ressalta-se que por motivos de disponibilidade escolheu-se o software Cabri, foco
dessa investigação, com a ciência de que ele não é o único software utilizado para o ensino da
geometria, mas que é um software apontado entre os mais pedagógicos e interativos. Mesmo
conhecendo outros softwares, consideramos que o Cabri oferece ao usuário uma interface clara,
atrativa e de fácil manuseio.
4.7 O AMBIENTE DO CABRI-GÉOMÈTRE
O Cabri-Géomètre foi desenvolvido para permitir a exploração do universo da
geometria elementar. Quando os estudantes desenhavam figuras geométricas numa folha de
papel, tinham uma representação mais ou menos precisa, mas sempre imóvel. Com o Cabri, as
figuras podem ser descritas por ações e por uma linguagem muito próxima daquela do universo
familiar do “lápis papel”, oferecendo ao usuário "régua e compasso eletrônicos", sendo a
interface de menus de construção em linguagem geométrica.
A Barra de Ferramentas do Cabri contém opções que permitem a geração de
construções. Existem 11 quadros de ferramentas, conforme apresentado na Figura 2:
Figura 2 - Barra de Ferramentas do Software Cabri-Géomètre
Fonte: Manual do Cabri, 1991
73
A barra de ferramentas na Figura 2 é o que aparece quando o usuário abre a tela, ou seja,
é a interface que o software apresenta. Para que se tenha uma idéia melhor, apresentamos na
Figura 3 a mesma barra de ferramentas, e sua proporção em relação à tela do Cabri.
Figura 3: Tela do Cabri
Fonte: A autora
As figuras, quando desenhadas, podem ser deformadas diretamente na tela a partir do
deslocamento de seus elementos de base, e ainda assim conservando as propriedades que lhe
haviam sido atribuídas. Mais precisamente, os pontos geométricos iniciais de uma construção
podem ser arrastados com o mouse sem destruir as relações matemáticas que vigoram entre eles
e os demais objetos. Desta maneira, podemos estudar uma mesma construção para diferentes
configurações de pontos sem que seja necessário repetir a construção. Ilustra-se esta situação de
acordo com as figuras abaixo. O triângulo qualquer (Figura 4-A) apresenta suas medidas de
ângulos internos, com a soma ao lado. Ao mexermos nos vértices dos triângulos, a figura
“deforma-se” (Figura 4-B), mas as propriedades da soma dos ângulos internos mantêm-se.
74
Figura 4 - A – Triângulo qualquer Figura 4-B – Triângulo qualquer após movimentação
Fonte: A autora Fonte: A autora
Esta opção do software, que permite o “arrastar” dos elementos na tela, seja a figura
toda ou alguns objetos da mesma, se enquadra na denominação de softwares de Geometria
Dinâmica.
Além da disponibilidade de poder arrastar, os desenhos são construídos embasando-se
a partir das propriedades que os definem. Assim como, para eliminar um objeto desenhado na
tela (ponto, segmento de reta, circunferência), o aluno simplesmente clica sobre o respectivo
objeto, ou pode utilizar a opção borracha. Porém, deve haver um cuidado nesse processo,
sendo que todos os objetos construídos a partir do objeto que se pretende eliminar também
serão eliminados.
No contexto de aprendizagem com um ambiente de geometria dinâmica, o professor,
ao utilizar o software para construir objetos geométricos, propicia ao aluno a liberdade de
poder deslocar os elementos que compõem o desenho, permitindo que este se transforme e
ainda assim mantenha as mesmas relações geométricas que caracterizam a figura desenhada
.
Desse modo, ao observarmos um objeto na tela, temos associado a ele uma coleção de
“desenhos se movimentando” e as características invariantes que aparecem correspondem
às propriedades geométricas próprias do objeto em questão.
Geramos uma insistência nessa explanação sobre os recursos que o software oferece
para que o usuário construa toda e qualquer figura geométrica, para além do uso da régua e
compasso. Com isso, ele poderá ir mais além, ou seja, o conjunto das construções pode ser
ampliado por um recurso chamado “macro-construção” que permite armazenar uma nova
construção a partir de um protótipo que, sob o comando “macro”, irá aparecer na tela.
75
Ao se referir sobre o que é possível com a utilização dessa ferramenta, Silva (1997,
p.48) afirma que “elaborar uma atividade no Cabri significa utilizar relações e propriedades
geométricas, mesmo que o conteúdo desenvolvido não seja geométrico. Em outras palavras, é
preciso enxergar o conceito no campo geométrico.” Desta forma, pode-se explorar um mesmo
conceito de diferentes maneiras, propiciando com isso uma compreensão mais ampla em
torno de um determinado tema.
Aprender geometria nessa perspectiva é diferente da maneira de usar régua e
compasso, com visíveis diferenças. E não será dada atenção às comparações do tipo “o que se
ganha (ou perde)” ao utilizar essa ferramenta. Cabe, portanto, ao professor ter a percepção da
escolha pelo momento em que haja a maturidade necessária para que a utilização do Cabri não
seja, na realidade, uma subutilização.
De acordo com o tutorial que o software oferece, podem ser destacados alguns
comandos e menus importantes. Abaixo foram listadas as características que este tutorial do
software apresenta:
Características:
Inclui geometria analítica, transformacional e euclidiana;
Permite a construção intuitiva de pontos, retas, triângulos, polígonos,
circunferências e outros objetos básicos;
Move, amplia (ou reduz) e gira os objetos geométricos relativos a seus centros
geométricos ou a pontos específicos;
Constrói facilmente cônicas, entre as quais se incluem as elipses e hipérboles;
Explora conceitos avançados de geometria descritiva e hiperbólica;
Anota e mede as figuras (com atualização automática);
Utiliza coordenadas cartesianas e polares;
Proporciona a apresentação de equações de objetos geométricos, incluindo retas, circunferência
e coordenadas de pontos;
Permite aos usuários a construção de macros para construções que se repetem
com freqüência;
Permite ao professor configurar os menus de ferramentas para concentrar-
se nas atividades dos
estudantes.
Quadro 2 - Principais características do Cabri
Fonte: Manual do Cabri
Pelo quadro acima, foi possível verificar a gama de opções que são oferecidas, além de
outras, que dependerão da maior (ou menor) exploração e proposição de atividades adequadas
por parte do professor. A ferramenta oferece muitas opções, mas para o efetivo uso, procurando
explorar muito do que é oferecido, exige do professor, primeiramente interesse em aprender a
76
usar o software, seus menus e comandos. Em seguida, quando o professor possuir o domínio
da ferramenta, acontece o seu momento de maior autonomia: estudar e decidir quais conceitos
podem ser trabalhados e como estes conceitos serão trabalhados. Dessa forma, o professor se
induzido, na maioria das vezes, a resgatar conceitos básicos de geometria para analisar e
priorizar a melhor forma de explorar esta ferramenta, com o objetivo de proporcionar ao
aprendiz uma abordagem instigante, dinâmica e interativa.
A interação com o usuário se dá através de menus e comandos, sendo a base da
interface do mesmo. Os menus são divididos em:
Edição: cancelar, apagar tudo, nomear, etc.
Criação: ponto, reta, circunferência, etc.
Construção: lugar geométrico, ponto sobre objeto, mediatriz, etc.
Diversos: eliminar um objeto, macro construção, medir, marcar ângulos, etc.
Além da geometria plana, o software permite desenvolver atividades com outros
tópicos da Matemática tais como:
Álgebra: trabalhar com polinômios de 1º e 2º graus e construir gráficos;
Trigonometria: explorar o ciclo trigonométrico;
Geometria Espacial: representar no plano alguns sólidos geométricos com a
utilização de perspectiva cavaleira;
Geometria analítica: permitir obter o cálculo de distâncias, obtenção das
equações dos objetos geométricos (retas, circunferências, elipses e as coordenadas
dos pontos); construção de parábolas, elipses, hipérboles, etc.
Para proporcionar uma visão mais clara de como é a interface que o software oferece, a
Figura 5 representa a construção de um polígono regular inscrito em uma circunferência, e
algumas medidas.
77
Figura 5 - Polígono regular construído no Cabri com medidas de lados e ângulos
Fonte: A autora
Faz-se oportuno enfatizar que o software, por si só, nada poderá garantir nem trará
soluções definitivas para a formação de conceitos geométricos. Qualquer mudança ocorrerá
se o professor se dispuser a explorar e incorporar o novo conceito em sua prática.
O software se apresenta no contexto de ensino e aprendizagem como uma ferramenta e
ferramentas executam tarefas sob supervisão/orientação humana. Nesse caso, com o uso do
software, a ação docente é fundamental para que o trabalho desenvolvido com o aluno seja
produtivo, de forma a permitir a construção e validação dos conceitos.
4.8 A IMPORTÂNCIA DO CABRI-GÉOMÈTRE PARA O ENSINO E A
APRENDIZAGEM DA GEOMETRIA
O uso do software Cabri-Géomètre, objeto do presente estudo, vem ao encontro dos
vários questionamentos que sempre permearam a prática docente. Refletindo sobre as
78
experiências vivenciadas na prática profissional, percebemos inúmeras dificuldades presentes
no ensino da geometria, tais como:
a) a geometria ocupa pouco espaço nas grades curriculares;
b) os alunos têm muita dificuldade em compreender conceitos geométricos;
c) as aulas de geometria oferecem poucas oportunidades para o aluno manusear
instrumentos, tais como: régua, compasso, transferidor.
Tal percepção relativa ao descrédito da geometria nos programas escolares incomoda,
pois reconhecemos a importância desse tema para a formação matemática do aluno, em
especial, para a construção de noções espaciais e geométricas, que estas noções estão
presentes em problemas relacionados às formas do mundo físico e no desenvolvimento do
pensamento matemático dedutivo.
Ao referir-se à geometria, Fainguelernt (1999, p. 21) afirma que “nos últimos anos, a
pesquisa em geometria tem sido amplamente estimulada por novas idéias da própria
Matemática e de outras disciplinas, incluindo a Ciência da Computação”. Nessa afirmação fica
evidente a intenção de aliar, ao estudo da geometria, os aspectos de exploração, visualização e
manipulação dos entes geométricos que o software Cabri pode oferecer.
Como foi explicitado acima, o Cabri é um software cujas ferramentas básicas são
geométricas; no entanto, ele permite a realização de atividades que não são obrigatoriamente
do campo geométrico. Elaborar uma atividade no Cabri significa utilizar relações e
propriedades geométricas, mesmo que o conteúdo desenvolvido o seja geométrico.
Podemos construir gráficos de funções, obter a equação da reta no eixo de coordenadas, e
outras opções, porém, é preciso enxergar a relação geométrica envolvida. Assim sendo, um
determinado tema (reta, por exemplo) pode ser explorado de diversas maneiras, com
abordagens distintas, permitindo desta forma uma compreensão maior sobre o assunto
escolhido.
Na figura 6 está representado um eixo de coordenadas cartesianas e uma reta sobre ele.
Se o conteúdo em questão não for a equação da reta, ainda assim o professor pode explorar a
reta nos quadrantes, movimentá-la e observar o sinal dos coeficientes.Também poderá
solicitar ao aluno que construa outras retas paralelas e/ou perpendiculares a esta já existente.
79
Figura 6 - Reta em um eixo de coordenadas cartesianas.
Fonte: A autora
O exemplo acima ilustra a construção e a possível exploração de uma reta em um eixo
de coordenadas, mas é possível utilizar o Cabri para explorar conceitos variados, além dos
conceitos geométricos básicos, como por exemplo: a trigonometria (ciclo trigonométrico), a
geometria espacial (perspectiva de figuras espaciais), a geometria descritiva (épura) e a
educação artística.
A interface que o software oferece, sem nenhuma intervenção do usuário, é uma tela
branca, exigindo que o aluno explore os botões e menus, mexa no mouse para que alguma
coisa aconteça. Assim, “para analisar uma determinada situação, é preciso, em primeiro lugar,
construí-la” (BONGIOVANNI, 1997, p. 3).
Outros autores que lidam com esta ferramenta salientam as diferentes características
do Cabri, apresentando suas potencialidades e /ou limitações. Gravina e Santarosa (1998), ao
se referirem ao software afirmam: é uma ferramenta, especialmente, para construções em
Geometria. Dispõe de “régua e compasso eletrônicos”, sendo a interface de menus de
construção em linguagem clássica da Geometria (GRAVINA; SANTAROSA 1998, p.14).”
Resumindo, é importante esclarecer que, para posterior análise em torno dos contratos
didáticos que se estabelecem em uma aula mediada pelo computador (na figura do Cabri), se
faz necessário o entendimento das possibilidades oferecidas pelo software. Mais que isso, se
faz necessário o entendimento do processo pelo qual o aluno passa para construir as figuras,
80
misturando, nesse momento os conteúdos prévios necessários, agregando aos novos temas,
além do manuseio dos menus do software. Estamos cientes das sutilezas e especificidades que
compõem os vértices do triângulo formado pelos elementos: Cabri, computador e
conhecimentos geométricos, ligados a aluno.
Ilustramos na Figura 7 esta situação. Estamos cientes da necessidade de apurarmos
nosso olhar dentre as múltiplas interações que irão ocorrer.
Torna-se essencial apurarmos o
olhar dentre as múltiplas interações que irão ocorrer. Faz-se necessário estar atento para o fato
do conhecimento geométrico, inclusive com o Cabri e o computador estarem imbricados,
apesar de possuírem distintas funções e apesar do aluno interagir com estes elementos de
formas distintas.
Figura 7 - Interações do aluno e os elementos: Cabri,computador e conhecimento geométrico.
Fonte: A autora
81
5 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Neste capítulo procuramos detalhar os elementos metodológicos que orientaram a
presente investigação acerca do uso do Cabri-Géomètre, caracterizando a abordagem
escolhida, o universo no qual foram recolhidos os dados, os sujeitos envolvidos, os
procedimentos utilizados, enfim, um detalhamento do caminho percorrido e das cnicas
utilizadas para a compreensão do objeto de estudo.
Como foi explicitado na introdução do presente trabalho, nossa inquietação como
professora de Matemática e nosso interesse pelo uso do Cabri-Géomètre deveram-se à
percepção do pouco preparo dos alunos com relação à Geometria, em especial, a preocupação
com o fato de os alunos não dominarem os conceitos básicos de geometria, nem conseguirem
diferenciar as características principais de um quadrado e de um retângulo, ou da confusão e
do desconhecimento entre os quadriláteros.
Ao conhecer o software, surgiu ainda mais a curiosidade e por que não dizer a
necessidade de entendermos o que ele poderia representar em termos de ganho, na
aprendizagem de Geometria. No entanto, percebemos também que somente a empolgação não
seria suficiente para trazer avanços significativos à prática pedagógica e também para alguma
melhora no aprendizado da geometria. Precisávamos entender o contexto macro dessa
situação e de uma forma embasada teoricamente para que se pudesse dar conta dos anseios e
expectativas.
Nesse sentido, consideramos que buscar compreender as relações didáticas que
ocorrem no aprendizado de Geometria, a partir do uso de uma ferramenta tecnológica, seria
uma oportunidade de se refletir sobre a nossa própria experiência acerca do ensino e da
aprendizagem de geometria. A questão que norteou esse estudo foi no contexto do processo
ensino e aprendizagem da geometria: com o recurso Cabri Géomètre, como são estabelecidas
as relações didáticas entre professor, aluno e conhecimento matemático?
Para a concretização da pesquisa optamos por uma abordagem qualitativa, buscando
em autores como Bogdan; Bikle (1994), Lüdke; André (1986), dentre outros, a compreensão
das características dessa abordagem, tendo em vista a boa utilização dos procedimentos de
coleta e análise dos dados.
82
5.1 A PESQUISA NUMA ABORDAGEM QUALITATIVA
Ao utilizar-se a denominação de abordagem qualitativa para essa pesquisa,
considerou-se o que dizem Bogdan e Biklen (1994, p.47), ao se referirem às características da
investigação qualitativa:
1. Na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural,
constituindo o investigador o instrumento principal. Os investigadores qualitativos
freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto; por mais que se
utilizem equipamentos para a coleta de dados (filmagens, áudio, etc), a necessidade de
complementar pela informação que se obtém através do contato direto, ou seja, o vídeo
e/ou áudio não constituem elementos suficientes para a coleta de dados, mas principalmente a
percepção do investigador, com sua postura inquiridora e atenta.
2. A investigação qualitativa é descritiva. Para que seja possível uma visão mais
ampla acerca do universo da pesquisa, da riqueza da descrição do ambiente, dos sujeitos
envolvidos e do fenômeno a ser observado é vital. Os dados são recolhidos em forma de
palavras, imagens ou até por sons, mas não por números. Os dados coletados incluem:
transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, documentos pessoais,
memorandos e outros registros oficiais.
3. Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que
simplesmente pelos resultados ou produtos. Se, pelos itens anteriores (1 e 2) cada detalhe é
importante, os resultados terão significado se emergirem de um contexto, com uma gica e
alguma coerência em relação aos dados apresentados.
4. Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva.
Para que o investigador possa chegar à alguma conclusão, terá que, antes de tudo construir um
cenário que vai ganhando forma e consistência à medida que recolhem e analisam as partes.
5. O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. Mais do que a
análise dos dados, é importante que o investigador procure entender o elo entre os elementos
que compõem o fenômeno, pois segundo os autores, “a investigação qualitativa faz luz sobre
a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que freqüentemente invisível apara o
observador exterior”.
Estando explicitadas as características da investigação qualitativa, ressaltamos o
universo dessa pesquisa, deixando claro o caráter mutável e dinâmico das relações que se
estabelecem em uma sala de aula. Uma vez que é preciso explicitar as relações entre professor
83
e aluno, no contexto da aprendizagem mediada pelo computador, essa pesquisa foi
desenvolvida em um ambiente de sala de aula, utilizando-se computadores, mais
explicitamente em um laboratório de informática.
Os elementos-chave das nossas observações foram: alunos, professores, o ambiente
onde ocorreu a aprendizagem e o conteúdo de geometria da 6ª série, juntamente com o
software Cabri-Géomètre. Ainda que tenhamos delimitado o objeto de estudo, a
necessidade de desenvolvermos um olhar inquiridor, investigativo e atento aos elementos
componentes do fenômeno a ser estudado. Como enfatizam (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.22):
“A importância de determinar os focos da investigação e estabelecer os contornos do estudo
decorre do fato de que nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo
razoavelmente limitado”. Nessa investigação, os contornos foram caracterizados nos contratos
que se estabeleceram entre professor, aluno, geometria e a utilização do Cabri-Géomètre.
Como afirmam as autoras Lüdke e André (1986, p.12), “na pesquisa qualitativa todos
os dados da realidade o considerados importantes”. Nesse sentido, as relações decorrentes
daquele contorno tornaram-se elementos fundamentais para a construção do objeto de estudo.
A pesquisa desenvolvida foi do tipo estudo de caso, pois se desenvolveu em uma situação
natural, possuiu a descrição dos fatos e as unidades compuseram-se e dos alunos de sexta-
série do ensino fundamental e da professora de matemática da turma.
As autoras Lüdke; André (1986) caracterizam os estudos de caso sob a abordagem
qualitativa:
Podemos
dizer que o estudo de caso “qualitativo” encerra um grande potencial para
conhecer e compreender melhor os problemas da escola. Ao retratar o cotidiano escolar
em toda a sua riqueza, esse tipo de pesquisa oferece elementos preciosos para uma
melhor compreensão do papel da escola e suas relações com outras instituições da
sociedade
. (
LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.23)
Assim, optamos pela pesquisa do tipo estudo de caso, sob a abordagem qualitativa, para o
desenvolvimento da presente pesquisa.
5.2 UNIVERSO DA PESQUISA
A escola na qual foi realizada a pesquisa faz parte da rede particular de ensino de
Curitiba. Trabalha com material didático próprio, apostilado, produzido pelo Centro de
Excelência da Instituição, com a participação de alguns professores e profissionais da área na
84
produção do material. Ela atende a todos os níveis de ensino, desde a Educação Infantil até o
Ensino Superior. A instituição possui três unidades em Curitiba, além de trabalhar com
escolas conveniadas por todo o Brasil, sendo escolas que utilizam o material didático desta
Instituição.
A pesquisa foi realizada em apenas uma das unidades, naquela em que atuamos como
professora de Matemática, no ensino fundamental. Esta unidade dispõe de dois laboratórios de
Informática, um com 26 e o outro com 21 computadores; quatro salas multimídia; laboratório
de Ciências; sala de Artes; cozinha pedagógica. De todas as salas de aula, três possuem o
recurso multimídia instalado nas próprias salas, não sendo necessário o deslocamento dos
alunos; as demais turmas utilizam, quando necessário, a sala de aula específica para uso de
multimídia, havendo a necessidade de um agendamento prévio por parte do professor que
necessita utilizá-la. A escola possui recursos áudio-visuais de TV, vídeo e som, que são
levados para as salas de aula quando solicitados. As turmas do ensino fundamental não
ultrapassam 45 alunos. Todas as salas possuem quadro branco e carteiras individuais.
A maioria dos alunos da instituição investigada demonstra facilidades no uso do
computador. Os que freqüentam a escola mais de um ano estão familiarizados com este
recurso, pois desde as séries iniciais eles realizam atividades no laboratório. Os alunos, na sua
maioria, possuem computador em seus domicílios, em conexão com a Internet. Esta afirmação
advém do fato da instituição utilizar, dentre outras ferramentas, o Portal da Escola, além do
ambiente virtual Eureka. Tanto o Portal da Escola quanto o Eureka são conectados através da
Internet, e algumas atividades, sejam de pesquisa ou tarefa, são trabalhadas como uma
extensão da sala de aula, portanto, os alunos utilizam esses ambientes virtuais em suas
próprias residências. A ferramenta Eureka é utilizada, na instituição, de forma sistemática,
não apenas como um “repositório” de atividades, mas como um canal efetivo de comunicação
professor-aluno. Neste ambiente virtual, cada série é subdividida em disciplinas que a
compõem, no qual o aluno entra em cada sala (uma sala por disciplina) separadamente,
participando de fóruns, chats (elaborados e conduzidos pelo professor), visitando novos links,
enviando e-mails diretamente ao professor da disciplina. O Portal Escola Interativa
18
é uma
página da Internet criada e mantida por uma equipe pedagógica responsável da escola. As
informações contidas nesse portal referem-se ao universo escolar, desde os conteúdos
divididos por série e disciplina, até um local para aos pais acessarem. No caso do acesso ser
___________________
18
O portal escola interativa pode ser acessado pelo endereço eletrônico: www.escolainterativa.com.br
85
feito pelos pais, no início do ano letivo é fornecida uma senha para que os familiares
acompanhem as médias bimestrais, os eventos ocorridos na escola, dentre outras opções.
Entre as opções que o Portal oferece, a navegação entre os temas é fácil e contém hiperlinks
que possibilitam a navegação entre os diversos tópicos. Como foi citado acima, desde as
séries iniciais do Ensino Fundamental, os alunos utilizam o computador como um auxiliar nas
atividades pedagógicas, demonstrando que esta instituição de ensino enfatiza o uso de
tecnologias em sua proposta pedagógica. A escola apresenta esta ênfase nos recursos
tecnológicos como um diferencial em relação a outras instituições de mesmo porte.
Os professores desta escola utilizam o computador como uma ferramenta de apoio,
levando os alunos, continuamente, ao laboratório de Informática para o desenvolvimento de
atividades. O software Cabri-Géomètre foi adquirido pela escola 10 anos e os professores
de Matemática desta unidade utilizam-no para o ensino da geometria.
Em relação ao uso do Cabri-Géomètre, a maioria dos alunos conhece, pois é a
partir da série que a instituição o utiliza. A escola também utiliza outros softwares
educacionais, como o Imagine
19
, adequados a cada nível de ensino. Além de softwares
educacionais, os alunos também desenvolvem atividades com Robótica e o Lego Zoom
20
,
trabalhando com a programação dos robôs e com atividades articuladas com os temas
desenvolvidos em sala de aula, nas disciplinas de Matemática e Ciências.
A proposta de utilização do Cabri não se resumiu apenas às idas ao laboratório de
informática para a utilização do recurso de forma isolada. No ano de 2007 esta turma
desenvolveu um projeto interdisciplinar envolvendo as disciplinas de artes e matemática que
estudava os Poliedros de Platão. Os estudos teóricos e as atividades desenvolvidas em sala da
aula eram complementados pelas atividades com o Cabri, e vice-versa, sendo a utilização do
Cabri, portanto, uma complementação, auxiliando ao entendimento das relações teórico-
práticas. Já está incorporado na cultura escolar desta instituição que as atividades a serem
desenvolvidas no laboratório devem estar vinculadas a um contexto macro, contextualizado e
de acordo com a sua proposta.
___________________
19
O Imagine é um software de autoria que oferece muitas opções ao usuário. O software imagine permite
trabalhar com sons e imagens, animação e possui o recurso da linguagem LOGO.
20
O Lego Zoom é composto de kits educacionais compostos por blocos de montar, fichas de construções,
engrenagens e o tijolo RCX. O objetivo da atividade é a construção de robôs, programados para cumprir
determinado desafio, onde o aluno deve encontrar a solução para a situação proposta, usando a linguagem de
programação.
86
5.3 OS SUJEITOS ENVOLVIDOS E O PRIMEIRO CONTATO
A pesquisa foi desenvolvida com alunos de série do Ensino Fundamental. A turma
investigada era composta de 37 alunos, na faixa de 11 a 12 anos, no ano de 2007. Os alunos
dessa turma, como citado anteriormente, utilizavam o computador em casa e na escola com
facilidade, portanto, encontravam-se familiarizados com o uso do equipamento.
Estas características adicionais reveladas a respeito dos sujeitos da pesquisa, permitem
perceber o perfil diferenciado dos alunos, sua familiaridade com o computador e com contato
com a linguagem de programação, um fator relevante a ser considerado nas análises dos dados
obtidos na presente investigação, pois, entender que essa familiaridade com o computador,
(não necessariamente com o software em questão) e as habilidades que possuem para lidar
com a máquina constituíram-se em elementos decisivos para o uso do Cabri.
A professora da turma investigada atua quinze anos no Ensino Fundamental da
instituição. É graduada em Matemática, pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia
Ciências e Letras de Paranaguá (FUNFAFI), e atua como professora há 17 anos. É bastante
extrovertida e muito querida pelos seus alunos, promovendo um ambiente de sala de aula
permeado de confiança, permitindo um clima de proximidade dos alunos com ela. Podemos
afirmar que a professora da turma investigada consegue dosar seu jeito expansivo com a
energia necessária para intervir em momentos de conversas e posturas consideradas
desapropriadas para o ambiente de sala de aula. Percebemos na professora a habilidade de
promover um ambiente de sala de aula dinâmico, sem perder de vista a aprendizagem dos
alunos. Não haverá aprofundamento na questão afetiva, que pode vir a influenciar no
aprendizado, mas esta característica é marcante nesta professora e acreditamos que esta
particularidade constitui um aspecto significativo nas relações entre professor x aluno x
conhecimento.
5.4 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
A pesquisa foi composta por seis sessões de observação das aulas. As aulas foram
gravadas para posterior transcrição e análise. As observações foram realizadas no laboratório
de Informática. A professora conduzia a aula normalmente e o gravador ficava no bolso do
87
seu guarda-pó, de maneira que os alunos, mesmo sabendo que a aula estava sendo gravada,
não lidavam com a presença intimidante do gravador, procurando, dessa maneira, deixá-los o
mais à vontade possível. Além do gravador, os momentos foram registrados pela pesquisadora
em um “jornal de bordo”, sendo feito a cada sessão de observação. O “jornal de bordo” ou
“diário de bordo” consiste em um caderno de anotações, sendo nele registrados todos os
eventos considerados pertinentes ao fenômeno da investigação na pesquisa. Estas anotações
possuem, segundo Lüdke e André (1986), a sua parte reflexiva, que incluem as observações
pessoais do pesquisador, feitas durante a fase da coleta, ou seja, especulações, sentimentos,
problemas, idéias, impressões, pré-concepções, dúvidas e incertezas. Essa parte reflexiva se
constitui em um norte, uma diretriz para orientar a seleção do que observar e também auxiliar
na organização dos dados.
A observação das aulas constituiu-se no principal elemento da pesquisa, pois
entendemos ser este o meio mais abrangente de captar e identificar as relações e interações em
um ambiente de sala de aula mediadas pelo Cabri, que compõem o objeto dessa pesquisa.
Como citado acima, apenas as observações não constituem elementos suficientes para a coleta
de dados, mas principalmente a percepção do investigador, com sua postura inquiridora e
atenta.
Foram planejadas então as observações de forma a delimitar “o quê” e “como”
observar, iniciando pelo recorte do objeto de estudo. O foco esteve voltado para os alunos e a
professora, em torno do software Cabri-Géomètre. No “jornal de bordo” procurou-se fazer
registros descritivos, atentando para o cuidado em separar o que parecia ser relevante do que
era trivial.
Em relação à observação vantagens e desvantagens na sua utilização; as principais
vantagens segundo Lüdke e André (1986, p.26) são que, primeiramente “o observador pode
recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de
compreensão e interpretação do fenômeno estudado”, o que confirma o entendimento de que
o grau de envolvimento do pesquisador com o tema e a sua maturidade acadêmica poderão
influir significativamente no aproveitamento e na abstração dos fatos que envolvem o
fenômeno. Em segundo lugar, a observação direta permite que o observador fique perto da
“perspectiva dos sujeitos”, mesclando o que ele observa com a sua visão de mundo. Quanto às
desvantagens, alguns aspectos que podem ser considerados problemas, ou que podem
distorcer o ambiente onde se processa a situação pesquisada; um deles é o fato do método de
observação poder provocar alterações no ambiente ou no comportamento das pessoas
observadas, o que é perfeitamente compreensível ao se considerar o pesquisador um ser
88
estranho ao ambiente e à rotina estabelecida; outra crítica é a de que esse método baseia-se
muito na interpretação pessoal, ou que muito tempo do pesquisador junto aos sujeitos pode
levar a uma visão distorcida do fenômeno ou a uma representação parcial da realidade. Pelo
exposto até aqui, entende-se que a escolha pela observação poderá abranger as variáveis que
envolvem o problema em questão.
Foram seis observações ao todo, com, no máximo, cinqüenta minutos de duração cada
uma. Esse é o tempo de uma aula, e ainda descontamos o tempo despendido para a mudança
de sala, que durou cerca de cinco minutos.
5.5 DESCRIÇÃO DA PESQUISA: O PRIMEIRO CONTATO
O 1º contato com os alunos deu-se no mês de junho de 2007, em uma aula de
Matemática, na qual a professora da turma levou os alunos primeiramente à sala de
multimídia, e se iniciou a explicação dessa movimentação” e do motivo da presença da
investigadora na sala. Detalhamos inicialmente a condição de professora pesquisadora e que
ela iria realizar uma pesquisa na qual eles seriam os “atores principais’. Explicamos
queríamos acompanhá-los nas próximas aulas e a pesquisa consistia em observar as sessões
(aulas) e que o foco de estudo seriam as relações que iriam ocorrer em aulas de matemática,
com temas relacionados à geometria, usando o software Cabri. Também foi falado sobre as
possíveis contribuições desta pesquisa. Explicitamos a importância dos sujeitos da pesquisa,
pois sem eles a pesquisa não poderia acontecer. Muitos se olhavam, orgulhosos de terem sidos
escolhidos e relataram que nunca tinham participado de algo assim. Optamos para que a
pesquisadora conduzisse a explicação, juntamente com um esclarecimento sobre os motivos
que a levavam a ensiná-los a usar o software, e não a professora da turma. Explicamos à
turma que essa aula era o início de alguns encontros que teríamos, e que eles seriam
observados ao utilizarem o Cabri. Também foi esclarecido aos alunos que apenas naquela
ocasião a professora pesquisadora daria a aula, e que nas próximas seria com a professora de
Matemática da turma, e a condição da investigadora seria única e exclusivamente de
observadora.
Feitos os esclarecimentos, demos início a uma explanação sobre o software. Alguns
alunos afirmaram terem usado na quinta rie, outros também tinham usado o software,
porém não se lembravam mais de como utilizá-lo, e ainda havia os alunos (novos na escola)
89
que nunca tinham visto o software. Iniciamos a explicação desde como abrir o programa,
mostrando a interface oferecida pelo software, como utilizar os botões, fazendo desenhos na
tela. As construções foram se diversificando até a obtenção de figuras mais complexas, ou
mais cheias de detalhes, como o caso dos polígonos estrelados, e usamos o recurso animação,
enfatizando que o software permitia o “arrastar” as figuras, com a movimentação das mesmas
e também a animação, tal qual estava acontecendo na tela.
A partir dos esclarecimentos, nos dirigimos para o laboratório de Informática para que
os alunos pudessem explorar o software da maneira que quisessem. A maioria alegou querer
também fazer desenhos e animações parecidos com aqueles que acabaram de ver. Os alunos
abriram o programa, alguns com o nosso auxílio e a turma experimentou o Cabri de forma
livre, fazendo construções das mais variadas. Esse momento no Laboratório durou vinte e
cinco minutos, até que a aula terminasse.
5.5.1 As sessões de observação
Como descrito acima, as observações ocorreram no laboratório de informática, com
duração de uma aula (cinqüenta minutos). As aulas foram elaboradas contemplando temas
relativos à geometria plana, com triângulos e quadriláteros. Para tanto, foi elaborada uma
seqüência didática
21
, para o desenvolvimento das atividades com a ferramenta Cabri-
Géomètre. A observação desses momentos foi realizada pela pesquisadora, que acompanhava
os processos, as dinâmicas que ocorriam entre professor, aluno e conhecimento geométrico,
sem interferir, nem auxiliar os alunos em suas dúvidas. A maioria dos estudantes desta série já
a conhecia, pois no ano anterior trabalharam juntos com oficina de Matemática com alguns
alunos da turma e pelos encontros nas atividades da escola, não sendo totalmente “estranha”
aos alunos.
A cada sessão de observação, os alunos iam chegando da sala de aula e já se
encontravam no laboratório de informática, onde estava sendo preparado o gravador para ser
colocado junto à professora. Em seguida, aguardávamos que a turma se acomodasse e que a
professora desse início às atividades. A partir daí, ficávamos observando, procurando manter
certa distância da professora e do(s) aluno(s) que no momento a solicitassem, procurando
___________________
21
Uma seqüência didática constitui-se num conjunto de atividades em torno de um tema e que não se limita ao
tempo de uma única aula. Nesse sentido, a seqüência didática compreendeu 6 aulas.
90
ouvir os diálogos, observar a postura do aluno frente ao computador e também as interações
entre os alunos. O gravador utilizado para recolher as falas dos sujeitos da pesquisa ficava no
bolso do jaleco da professora, tentando dessa forma garantir o registro dos diálogos ocorridos.
As observações foram registradas pela pesquisadora no “caderno de campo”.
Também foram tiradas fotografias durante as sessões no laboratório. Algumas atividades
desenvolvidas pelos alunos foram coletadas, embora o centro da atenção para a posterior
análise tenham sido as relações e interações, pois se julga importante ter acesso aos registros e
trabalhos realizados durante as interações, que poderão dar suporte e auxiliar no entendimento
das mesmas.
Analisando os diálogos (que foram transcritos), poderão ser detectadas e identificadas
as relações que configuram o contrato estabelecido entre professora e alunos durante as
sessões de utilização do Cabri-Géomètre.
A observação das sessões, a transcrição das falas e o “caderno de campo”, no qual
foram sendo anotados os eventos considerados pertinentes ao contexto, se constituem nos
principais elementos para a presente análise. Além do material coletado, buscamos como elo a
teoria de Guy Brousseau para embasar as análises e percepções, para poder abstrair dos
fenômenos ocorridos elementos importantes para a pesquisa.
91
6 COMPREENDENDO OS CONTRATOS DIDÁTICOS
Neste capítulo serão apresentadas as considerações em relação aos episódios
escolhidos entre os diálogos e interações ocorridos durante as sessões de observações no
laboratório de informática. Os momentos de observação e transcrição das falas deram
visibilidade às reações dos alunos, sejam de alegria, desânimo, ou indignação com o trabalho
do seu colega de equipe. Por se tratar basicamente de um estudo desenvolvido no cotidiano
escolar, a análise dos dados realizou-se em base qualitativa, por meio de descrição das
informações coletadas. Dessa forma, os resultados apresentados tendem para uma análise do
comportamento dos alunos durante o uso do laboratório de informática e não buscam
representar uma pesquisa de cunho estatístico. Também não buscamos avaliar
especificamente nenhum software, e nem classificá-lo quanto ao seu desempenho. A mola
propulsora da pesquisa consistiu na investigação das interações que ocorreram em um
ambiente de aprendizagem mediado pelo computador, tendo como suporte o software Cabri-
Géomètre. Das interações ocorridas, serão focadas as características, particularidades e
aspectos próprios, à luz da teoria das situações didáticas.
Nessa análise o olhar será dirigido prioritariamente para as interações ocorridas nas
relações estabelecidas entre professor e aluno e conhecimento geométrico, que, segundo
Brousseau (1986), constituem-se em um agente motivador do ensino e da aprendizagem. As
interações ocorreram tendo como pano de fundo o uso do software Cabri, que oferecia
possibilidades de trabalhar com conteúdos de geometria de forma dinâmica. Nesse contexto,
serão analisados os fenômenos sob o ponto de vista do contrato didático instaurado durante as
aulas observadas. Para tanto, reforçamos que serão tecidas considerações, sendo descritas as
fases de uma situação didática, sem perdermos de vista a especificidade e a totalidade das
manifestações de compreensão dos conteúdos geométricos mediados pelo computador.
Para organizar os dados, foram definidas as categorias de análise, a partir da “espinha
dorsal” das interações ocorridas. Consideramos que essas categorias contenham elementos
que foram eleitos como alvo do olhar da presente investigação. São elas: utilização do
software e o uso do computador; aluno; professor; conhecimento geométrico. As duas
primeiras categorias (utilização do software e o uso do computador) parecem ser uma
redundância, mas esclarecemos que alguns impasses ocorreram em função do uso da máquina
(“o micro travou”, a tela fechou de repente, etc.) enquanto outros momentos se caracterizaram
92
pelo uso da interface oferecida pelo software. Assim, foram levadas em conta categorias que,
por serem diferentes, proporcionaram implicações diferentes.
Vale lembrar que tais categorias estão imbricadas, daí a necessidade de serem
enfatizadas determinadas falas, reveladoras de uma complexidade, tendo em vista a
compreensão do contrato didático ali presente.
6.1 O USO DO COMPUTADOR E DO SOFTWARE CABRI-GÉOMÈTRE
Como citado anteriormente ao serem descritos os sujeitos e o universo da pesquisa, os
alunos utilizam o computador em suas residências para diversas finalidades, inclusive para
trabalhos escolares e têm como rotina a utilização do ambiente virtual Eureka.
. Salientamos
este fato para que haja um entendimento maior quando houver referências às habilidades e
familiaridade que os alunos possuem em frente ao computador.
Antes das sessões de observação, houve um momento (uma aula) em que a professora
pesquisadora explicou aos alunos o motivo de nossa presença nas próximas aulas. A
professora da turma preferiu que nós mostrássemos o uso do Cabri, como forma de
apresentação. Utilizamos uma sala multimídia para a apresentação do Cabri. A maioria dos
alunos já havia utilizado esta ferramenta na série anterior, mas achamos oportuno realizar uma
atividade de nivelamento em relação ao uso do software. Os alunos mostraram-se interessados
e alguns comentaram estarem se sentindo importantes por participarem de uma pesquisa de
cunho científico. Todos os alunos mostraram-se interessados e logo perguntaram quando é
que eles iriam usar o Cabri. A resposta foi que, em seguida, mais precisamente nos próximos
minutos seria a vez deles manusearem o software.
Minutos após a explicação, nos encaminhamos para o laboratório de informática. Lá,
alguns alunos ficaram sozinhos em um computador e outros ficaram em duplas. Assim que
todos se acomodaram, foi solicitado que abrissem o ambiente Eureka, na disciplina
Matemática, em uma pasta específica, contendo um roteiro de atividades de exploração do
software. Os alunos abriram a pasta e iniciaram suas atividades sem maiores dificuldades. A
professora da turma acompanhou todo este processo de familiarização e auxiliava os alunos
em suas dúvidas. Todos manusearam a ferramenta com bastante empolgação, com construção
de ponto, reta, reta paralela, reta perpendicular, triângulos, ou seja, elementos de base.
Também trabalharam na construção e movimentação de algumas figuras geométricas,
93
propiciando assim, em um primeiro contato, a manipulação do software. Ao final da atividade
foi proposto um desafio para o aluno: fazer um desenho qualquer, no qual figurassem círculos
e quadrados. Não foi pedido que a composição contivesse animação, mas muitos alunos
fizeram questão de usar este recurso, pois a grande novidade era a movimentação.
Com esse primeiro contato, foi possível perceber que os alunos construíram vários
desenhos com rapidez, podendo facilmente desfazer, apagar e refazer. Não demonstraram
medo ou receio de errar, pois diferentemente do desenho feito com lápis no papel, os alunos
podiam refazer o traçado rapidamente. Observou-se ainda que os alunos sentiam muita
curiosidade em acompanhar o trabalho do colega, chamando-o para ver o seu, e comparando
as tarefas, a fim de verificar se não eram muito diferentes.
Essa comparação servia de base para uma discussão do tipo: o meu quadrado é ABCD
e o seu quadrado é ADCB. A partir disso os alunos comparavam as figuras, tentavam
encontrar diferenças e/ou pontos em comum. Caso não chegassem a um acordo, a professora
era solicitada para esclarecer as dúvidas. Quando um aluno não sabia utilizar algum botão, ou
a barra de ferramentas, outro prontamente se dispunha a ajudá-lo, promovendo-se a interação
e colaboração entre eles.
No primeiro encontro, os alunos saíram bastante satisfeitos e empolgados. Muitos
afirmaram preferir ficar mexendo no Cabri a ter que retornar à sala de aula. Nessa sessão
exploratória foi possível observar alguns aspectos manifestados pelos alunos:
1. Aceitabilidade do aluno mediante a interface oferecida pelo software;
2. Motivação diante das atividades propostas;
3. Compreensão e construção dos conceitos iniciais de Geometria (ponto,
reta e plano);
4. Evolução no entendimento dos conceitos, como pré-requisitos para as
atividades seguintes.
Ao início de cada aula a professora orientava os alunos no procedimento de abrir o
programa, até chegar à tela do Cabri e estas orientações se repetiam até que todos iniciassem o
uso do computador e abrissem o programa. Os diálogos a seguir revelam a postura dos alunos
frente à máquina, fazendo emergir um contrato didático no qual o que se esperava,
implicitamente, eram diretrizes de trabalho para os alunos realizarem. É sob a ótica do uso da
máquina que serão analisados, em um primeiro momento, os fenômenos relativos ao uso do
computador e do software no início da atividade.
94
Com a certeza de que o contrato didático que delimita e condiciona os papéis
representados pelo professor e pelos alunos na relação didática, sabemos que é papel do
professor criar condições para os alunos se apropriarem dos novos conhecimentos.
Concordamos com Brousseau (1996, p.49), quando ele afirma ser da competência do
professor possuir e/ou desenvolver habilidades em: “propor ao aluno uma situação de
aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma pergunta e
os faça funcionar ou os modifique como resposta às exigências do meio e não a um desejo do
professor”. Embora, como categoricamente afirma Brousseau (1996), que toda situação
didática contém algo de intenção e desejo do professor, o ideal e necessário é que o professor
consiga que o aluno esqueça os pressupostos didáticos da situação.
A professora, no início de cada aula, explicava o objetivo das atividades e deixava
que os alunos iniciassem seus trabalhos. As tarefas foram elaboradas de maneira a propiciar a
construção dos quadriláteros intencionando, a cada momento específico, explorar
determinados elementos dos polígonos, sejam eles ângulos, lados, vértices, bem como a
nomenclatura dos mesmos. O tempo despendido para abrir o programa e iniciar o trabalho ia
além do previsto, pois houve computador que não ligou na hora e, com isso, havia a
necessidade do aluno mudar de lugar, como se verificou nas falas abaixo, realizadas na
sessão de observação. Salienta-se que para o registro dos diálogos os sujeitos foram
codificados da seguinte forma:
Professora - Profª
Alunos - Aluno 1, 2, 3,..., num total de 37 alunos. Como cada aluno participa de mais
de um diálogo, os números para cada aluno ultrapassam os 37 que é total da turma.
Profª: - Então, vamos em Iniciar, programas,programas,
Aluno1: - Ô Profª, por favor!
Profª :- Iniciar, programas Cabri II.
Aluno1: Profª , Profª ,eu não abri!
Profª: - Venha, venha aqui.
Aluno2:- Salvo agora Profª?
Profª: - Salve!
Profª: - Venha aqui, venha e vá falando bem direitinho o que você fez .Vai falando, vai
falando o que você fez.
Aluno1: - Iniciar, acessório, Cabri II.
Profª: - Iniciar, acessório, e o Cabri II??
95
Aluno1: - Eu abri , aqui, mas a máquina está com problemas.(A máquina não
está funcionando)
Profª: Então vamos trocar [de lugar]
Aluno4 p/ aluno3:- Você tem que salvar a cada passo!
Neste ambiente, não havia carteiras e sim fileiras de computadores, como se pode
observar na figura abaixo:
Figura 8 - Alunos trabalhando no laboratório de Informática com o Cabri. .
Fonte: A autora
De acordo com o citado anteriormente, os alunos estavam familiarizados com o
computador. Esta familiaridade é percebida no momento em que eles entram no laboratório de
informática: chegam, sentam, e teclam muito rapidamente, abrindo as telas necessárias.
Porém, pelas falas acima, percebemos uma dependência do aluno da orientação da professora.
Estamos diante de um paradoxo, pois de um minuto a outro, o aluno deixa de dominar o
computador e passa a ser dominado por ele, ou melhor, admite a sua situação de aprendiz, e
assume seu papel no contrato didático, onde é aceitável que o aluno não saiba. Essa troca de
papéis ocorre no exato momento em que o aluno abre a tela do Cabri, e se diante do novo,
do elemento desafiador. Nesse momento os educandos começam a chamar pela professora.
96
Essa se dirige até eles, tentando ajudá-los. As primeiras dúvidas não se referiam às atividades
propostas, mas em relação à forma de abrir o programa.
De acordo com as falas transcritas acima, a professora estava mostrando aos alunos o
caminho para encontrar e abrir o programa. O aluno 5 (diálogo abaixo) não conseguiu ligar o
micro; a professora propôs que ele trocasse de lugar, considerando que eram 37 alunos e 26
máquinas. Esse aluno teve que se deslocar para outro lugar e se juntar com uma dupla
formada. Observa-se que neste momento um contrato didático em ação, no qual o aluno,
sem poder utilizar aquele computador, já sabia que teria que sentar-se com outros colegas e
que iria dividir as tarefas de manuseio do mouse e leitura do roteiro de atividades, o que
exigiria sua adaptação em vista das tarefas a serem cumpridas.
Ressaltamos que os contratos didáticos sofrem influências dos contextos nos quais se
estabelecem, pois conforme Schubauer-Leoni (1986) apud Silva (1996, p.11) “cada contexto
pedagógico determina um contrato específico, em correspondência com as características da
classe escolar e as variáveis institucionais que condicionam seu funcionamento.”. Tal
afirmação traz indícios de que nos ambientes de aprendizagem mediados pelo computador, os
contratos didáticos são regidos por diferentes regras.
A professora não pode resolver os problemas “operacionais” em relação ao
funcionamento do computador quando este não abre, ou quando não pode ser ligado, ou até
mesmo quando a tela fica preta de forma repentina; mas sua postura é a de administrar essa
situação, ou seja, exercer seu papel dentro do contrato didático, que é o de garantir aos alunos
condições de realizar as atividades utilizando um computador, visando a favorecer momentos
propícios para a aprendizagem com um software de geometria dinâmica. No diálogo a seguir,
é possível perceber como a professora administra essa situação de forma tranqüila.
Aluno5: Profª, eu estou abrindo aqui e está só dando erro na página!!
Profª: Então saia e comece tudo de novo!Feche e comece tudo de novo.
Aluno5: Mas eu já fiz isso umas três vezes!!
Profª: Fecha, fecha, fecha cada janela, não minimize, feche tudo e comece tudo de
novo!Então... conteúdo...4º bimestre, clicou em cima?
Aluno 5: Cliquei
Profª: Agora vai dar!
Aluno5: Sim!!Agora deu!
97
Salienta-se que nem todos os momentos de impasse diante do funcionamento do
computador são prontamente resolvidos, tal qual a situação que acompanhada no diálogo
acima. Quando acontece um impasse com o computador no qual não há o que fazer de
imediato, a professora pode utilizar duas estratégias: colocar o aluno para trabalhar com outro
colega ou chamar a analista de sistemas para ver o que está ocorrendo. Em todos os impasses
ocorridos, a professora, ou resolveu o problema junto com o aluno, ou solicitou que os alunos
trocassem de lugar. Os alunos, apesar de tentarem, junto com a professora, resolver algum
problema operacional, em função do computador não funcionar, aceitavam o fato de a
professora não poder resolver. Um contrato didático se revela nesse contexto, quando
professor e alunos, diante de um obstáculo frente a uma ferramenta tecnológica, incorporam
seus papéis e se sujeitam às suas obrigações: alunos manuseiam a máquina demonstrando
certa habilidade, que pode até ser maior do que a da professora nesse particular. Quando
aparece alguma dificuldade, tentam resolver juntos, mas o aluno entende que não cabe à
professora responder a todo e qualquer impasse dessa natureza, aceitando que se recorra à
ajuda de um profissional melhor habilitado para esse fim, sem, contudo, deixar de considerar
a legitimidade do papel da professora. Porém, ao surgir um impasse relacionado à utilização
do software Cabri, uma expectativa muito maior, para não dizermos total na figura da
professora, já que no contexto da utilização do software há outras regras em vigor no contrato
didático estabelecido, cujas normas, de forma implícita ou não, indicam que o professor deve
saber mais sobre a utilização do software e garantir as informações sobre os conceitos
geométricos envolvidos nas atividades.
Neste momento a professora entra “no jogo” para auxiliar o aluno e disponibiliza
apoio para a realização das atividades. Essa regra do contrato didático parece estar bem clara
para os alunos.
Na utilização de recursos em sala de aula, como é o caso de uma ferramenta
informática com vistas à complementação e suporte ao processo de ensino e aprendizagem,
subentendem-se mudanças que podem alterar e/ou afetar as regras do contrato didático que se
estabelece. Porém, de acordo com as observações feitas, a utilização do Cabri deu-se de forma
a servir de apoio, na qual a ênfase esteve voltada para a exploração de entes geométricos.
O fio condutor de todas as atividades era o tema “quadriláteros” e a professora
elaborou atividades de forma a explorar conceitos embutidos neste tema, visando a favorecer
a aprendizagem através das construções e sem atribuir uma exagerada importância ao uso do
software.
98
Ponderamos ainda que, por mais moderno que seja e de todas as vantagens que o
software possa oferecer em termos de ganho, no que diz respeito ao dinamismo, movimento e
interatividade do Cabri, impasses que podem atrasar e até comprometer o andamento da
atividade, como o ocorrido no primeiro diálogo acima, no qual não se solucionou o problema
técnico, e a solução foi remanejar o aluno de lugar. Essa análise mostra que não apenas
vantagens em relação ao uso de um recurso tecnológico, nem poderíamos nos posicionar de
uma forma ingênua, querendo apresentar apenas os benefícios desta ferramenta. Os entraves
relatados também provocaram frustração no aluno, pois ele teria que continuar o trabalho de
diferente do que havia começado, fato que se configurou como agente desmotivador para este
aluno. Não há como a professora prever este tipo de situação, pois não há maneira de
acompanhar cada aluno ao abrir o programa, visto que a dinâmica no laboratório de
informática é intensa, exigindo da professora uma movimentação constante, entre as fileiras,
atendendo aos chamados dos alunos. Porém, nesse caso, o professor deve estar atento para
que este aluno que ficou apenas observando, na aula seguinte tenha prioridade em relação ao
manuseio do mouse. O olhar atento do professor é a garantia de dar continuidade à realização
das atividades de maneira equilibrada, ou seja, garantir que na próxima oportunidade este
aluno possa participar ativamente na utilização do mouse.
Os diálogos a seguir mostram uma situação não prevista que os alunos estavam
tentando contornar. Como não conseguiram, solicitaram ajuda da professora.
Aluno 34: Profª , o meu programa fechou!!
Profª: Não fechou não, vamos lá ver!!
Aluno 34: Profª, quando eu estava tentando deletar o negócio, apertamos a tecla
errada e fechou tudo!!
Profª: Tente voltar!!
Aluno 34: Profª , Profª,.não deu certo!!
Profª: Você já tinha salvado??
Aluno 34: Sim!!!
Profª: Onde vocês salvaram??
Alunos: Estamos vendo!!!
Aluno36 p/aluno35: Não é ai, eu salvei com o meu nome.
Profª: Veja o anterior, e veja aonde pararam!!
99
Os alunos afirmaram ter salvado o trabalho, mas não sabiam o local, sendo que a
instrução era para os alunos salvarem através do Cabri, em uma pasta dos alunos da série,
com o nome do aluno, ou com a junção dos nomes de alguma dupla. Pelas falas, os alunos
tinham dificuldades em encontrar o trabalho. Na última fala, a professora sugeriu que
continuassem da etapa anterior, ou seja, pelo tempo que ainda levariam para localizar a
atividade, poderiam refazê-la. Estas situações, inclusive de tentar localizar o trabalho,
demonstram que os alunos não pretendiam refazer a atividade, e caso não a encontrassem,
teriam que voltar atrás e refazer.
Se for analisada uma situação como essa em uma atividade desenvolvida usando
papel e instrumentos de construção geométrica, este fato não ocorreria e o haveria esta
frustração. Em contrapartida, utilizando-se o software, um dinamismo e uma facilidade ao
apagar uma construção errada, nesse caso, muito mais rápida do que se fosse feita com lápis e
papel. Novamente estamos diante de uma situação inesperada.
Nas observações, percebemos a necessidade dos alunos perguntarem à professora, a
cada passo da atividade, quando e como deveriam salvar. Encontra-se aqui um paradoxo, pois
momentos em que os alunos transgridem o contrato ao estarem em uma situação de
domínio de utilização do micro, tanto quanto, ou até mais do que o professor. Se uma
condição instituída cultural, social e historicamente de que é o professor quem sabe muito
mais do que os alunos, na situação que está sendo analisada, há uma independência completa
do aluno em relação ao papel do professor. Diga-se que este “saber maior” por parte do aluno
evidencia-se mais quando ele busca atalhos, - no momento de abrir as telas, acessar o portal
da escola onde há o link para o ambiente virtual Eureka, na hora de ligar o micro para navegar
na internet -, sem assumir o papel de estar todo o tempo na condição de aprendiz. Todos os
alunos apresentavam total autonomia para lidar com a máquina, até o momento de abrir o
software. Nessa hora, a impressão foi que os alunos “lembravam” de que seu papel, embora
de forma implícita, era de que nada, ou pouco sabiam e que a professora deveria ajudar. Essa
mudança de postura do aluno, de ativo a passivo, aconteceu com mais de 30 alunos, ou seja, a
grande maioria. Bastou abrir a tela do Cabri, que os alunos, de forma implícita, voltavam a
assumir seu papel no contrato didático, solicitando orientações da professora.
100
6.2 A PROFESSORA
Para que as atividades fossem realizadas com o uso do computador, a professora
procurou utilizar o software Cabri em uma etapa no processo do aprender na qual os alunos
tinham algum conhecimento sobre o tema. A tarefa prescrita aos alunos era: irem ao
laboratório de informática fazerem inferências a respeito do tema visto em sala de aula,
tendo em vista rever conceitos para poder avançar no encaminhamento da atividade.
Inicialmente, a professora utilizou um modelo para o roteiro de atividade .Esse roteiro
era dividido em etapas, com instruções dos procedimentos a serem executados pelos alunos
para finalizar cada etapa. Os alunos trabalharam com duas telas ao mesmo tempo: a tela do
Cabri e a tela contendo o roteiro de atividades que consistia em um documento do Word,
contendo perguntas e algumas definições. Depois de realizarem o procedimento de abrir o
programa e a tela do Cabri, os alunos iniciavam a atividade.
Na primeira aula, surgiu uma dúvida geral entre os alunos. Quinze deles, ao se
depararem com a imagem da tela do Cabri no Word (a professora copiou e colou para ilustrar
como ficaria a figura) confundiram aquela imagem com a própria tela do Cabri, achando que
poderiam utilizar o software através daquela imagem. A partir desta dúvida solicitaram uma
explicação mais detalhada sobre isso. Esta dúvida deixou a professora surpresa, pois ela não
havia pensado nessa hipótese. Nesse momento solicitou-se ajuda da pesquisadora e,
prontamente, ela se dispôs a esclarecer. Assim, os alunos continuaram as atividades. Pode-se
inclusive aproveitar esse momento da pesquisa para nele vislumbrar uma cláusula do contrato
didático. Este momento aconteceu quando houve o posicionamento frente aos alunos a fim de
dar um esclarecimento sobre esse impasse da tela do Word ser ou não a tela do Cabri. Todos
se calaram na mesma hora a fim de ouvir a pesquisadora, destoando da dinâmica própria deste
ambiente, onde há falas dos alunos e do professor, trocando idéias o tempo todo.
Também, um contrato estabelecido nessa hora foi que a professora pesquisadora
poderia opinar e que sua opinião deveria ser ouvida, sem, no entanto desabilitar o papel da
professora da turma. Era social e pedagogicamente aceitável que a pesquisadora opinasse em
relação ao software, sem causar nenhum constrangimento. Os papéis desempenhados estavam
de acordo com o contrato que se estabeleceu no momento em que se iniciaram as
observações. O ocorrido deixou transparecer a seriedade com que os alunos encararam a
intervenção, atribuindo autoridade à pesquisa e também à pesquisadora. Os alunos sabiam que
101
eram sujeitos da pesquisa e nesse momento pareciam estar satisfeitos em participarem desse
processo.
Esta foi a única intervenção durante as observações, pois sabe-se da imparcialidade
que deve permear naquele momento, procurando respeitar ao máximo a natureza do
fenômeno, o seu desenrolar, passando-se despercebida a presença do observador, dada a
condição de não participante. Outros impasses foram administrados pela professora, como por
exemplo: havia um aluno sentado sozinho ao passo que outros três se agrupavam para utilizar
um micro. Ela interveio e separou o trio, sugerindo que um dos alunos fosse a outro micro
com o colega que estava sozinho. Nas duas primeiras aulas, a atividade foi balizada pelo
mesmo roteiro, porém, na terceira aula, a professora mudou a estratégia. Detectou-se aqui
uma ruptura das regras do contrato, na qual uma nova estratégia foi adotada por ela, como é
possível conferir no diálogo a seguir:
Profª: Bom dia sexta série, schh .... bom dia, sexta série, ..por favor!!Cada
computador deve abrir o Cabri II. Isso!!Hoje nós vamos trabalhar com o plano
cartesiano. O que é que nós vamos trabalhar?Vejam bem!
Aluno 5: Amanda, você vai sentar aqui ou ao lado?
Aluno. 6: Profª, eu estou abrindo.
Profª: -Sch... venham aqui os dois:Afonso e André,venham os dois aqui...Só um
pouquinho!..Venham os dois aqui. [A professora tirou os dois alunos da sala]
[A professora retorna à sala] Então vejam bem, no Cabri, nós devemos confeccionar...
Daniel, Ana, depois não sabe fazer!!Nós vamos confeccionar o plano cartesiano, que
seriam o que?
Aluno 9. : duas retas assim. Ó!
Profª: ( no quadro): Seriam então duas retas perpendiculares, tá, e dentro destas retas
perpendiculares, com medidas, que vocês, que na realidade não medida
padrão,exata lembrem-se que costumamos utilizar o centímetro, não é??Como
costumamos utilizar no papel milimetrado;o que vamos fazer???
Depois das retas perpendiculares,nós vamos assinalar o eixo do x, eixo do y, ou seja,
eixo das abscissas e eixo das ordenadas, e em seguida vamos graduar este plano
cartesiano, graduar, e dentro destes planos que eu vou montando!Gabriel , está
prestando atenção??
Aluno. 10: Sim
Profª: Então bom! E dentro destes planos, eu vou ter que fazer o que?Eu vou fazer
formas geométricas, então o que é que eu vou fazer: um quadrado, um retângulo,
102
exatamente em cima da aula anterior que s tivemos que agora, todas as figuras
deverão ter no fundo o plano cartesiano. No nosso Cabri anterior, a professora ia
dando as dicas e vocês iam seguindo os procedimentos, agora não precisa mais. O
que é que vocês fazer?A dupla vai utilizar a medida de 1 cm, 2cm, 3cm, 4cm, o que
achar melhor, vai traçar aqui:o quadrado, o retângulo, o paralelogramo, o que
mais aqui ??[Grifo da pesquisadora]
Aluno. 12: losango
Profª:-Isso mesmo, e o que mais??
Aluno13. -Trapézio
Profª:-Trapézio, então vejam: desenhou, e o que vão fazer? Vão colorir!
Aluno14:- Nooossa, que legal!
Profª: Ou vão colorir em volta, pois vocês têm como trabalhar os segmentos
coloridos, ou podem colorir dentro. Não se esqueçam que para cada forma
geométrica, vai acontecer o quê?Vai ter que marcar o ponto A, B, C, e D, ou seja, os
vértices do polígono. Alguma dúvida?
Aluno.14: Não!
Profª: Não?Então boa aula!São exatamente sete e meia, e vocês têm meia hora para
realizar a atividade!Não se esqueçam de salvar!!
Esse diálogo estabelecido entre a professora e seus alunos descreve uma mudança de
metodologia na condução da atividade anteriormente proposta, transparecendo uma ruptura do
contrato didático, pois notamos que a professora percebeu que nas aulas anteriores o
procedimento estava muito “dirigido”, e agora, passadas duas aulas, ela observa que os alunos
teriam plena condição de caminhar sozinhos, situação que requeria mudança da ação docente.
Buscamos em Pinto (2003) uma melhor elucidação da nova postura adotada pela
professora e as implicações deste fato, que a autora chama a atenção para a riqueza dessas
situações que se constituem no rompimento de algumas regras do contrato, tendo em vista o
avanço da aprendizagem dos alunos, após algumas alterações decorrentes do olhar atento
deste professor para as características cognitivas dos alunos. “A função de um contrato é gerir
essas relações, não as engessando, mas fazendo-as progredir, colocando-as em tensão, por
meio de uma série de rupturas” (PINTO, 2003, p.101). Consideramos que a professora
exerceu um papel fundamental em relação ao contrato didático vigente naquele momento na
sala de aula, alterando sua ação docente e demonstrando com isso estar aberta a mudanças.
103
Kenski(2007) aponta para a necessidade de mudança de prática para a realização de
atividades que envolvam tecnologias. A dinâmica que envolve o uso dos recursos
tecnológicos pode ser diferente, mas também pode ser perder em não possuir um objetivo
claro e adequado sob o ponto de vista pedagógico. A autora firma:
Para que as tecnologias de informação e comunição(TICs) possam fazer alterações no
processo educativo,elas precisam ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente.
Isso significa que é preciso respeitar as especificidades do ensino e da própria
tecnologia para poder garantir que seu uso, realmente, faça diferença (KENSKI, 2007,
p.46).
Ainda referindo-nos aos diálogos acima, observamos que a professora, ao desejar boa
aula, parecia emitir em sua mensagem algo como: trabalhem sozinhos, demonstrem que são
capazes! Notamos ainda nesse diálogo, o paradoxo de uma situação de ação, pois o aluno está
agora diante de uma proposta de trabalho interessante quando diz “Nooossa, que legal!”(aluno
14), e também desafiadora, que deve ser feita no momento, desencadeando uma situação de
ação; porém, para que esta ação se realize, muito provavelmente (e os diálogos confirmam)
será necessário que a professora auxilie, intervenha. Como citado anteriormente, na fase de
ação, o aluno é colocado frente a uma situação em que, para que seja solucionado o seu
problema, necessidade do conhecimento do que se pretende ensinar. Em tais situações
prevalece o aspecto experimental, argumentativo, permanecendo ainda recuado o aspecto
teórico dos conceitos envolvidos. Inicialmente, a professora pondera junto aos alunos que este
tema (eixo cartesiano) foi trabalhado em sala de aula, porém de outra forma, com outra
abordagem, e que agora os alunos devem realizar o trabalho unindo dois temas: quadriláteros
e plano cartesiano.
O paradoxo acontece quando, ao colocar os alunos em uma situação de ação e
conduzi-los a trabalhar, a professora implicitamente está ciente que estes irão questioná-la
diversas vezes e ela irá ajudá-los. Esse paradoxo é vivenciado apenas por ela, que proporciona
a seus alunos a realização de uma atividade de forma independente, mas se prepara para as
solicitações que virão. Como pudemos observar, a atividade foi preparada de forma a exigir
dos alunos uma reflexão sobre a construção, recorrendo aos conceitos e criar estratégias de
resolução. A percepção deste fato se embasa nas palavras de Brousseau:
O trabalho do professor consiste, então, em propor ao aluno uma situação de
aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma
pergunta, e os faça funcionar ou os modifique como resposta às exigências do meio e
não a um desejo do professor (BROUSSEAU, 1996, p. 65.)
104
É necessário que o professor consiga que o aluno esqueça os pressupostos didáticos
da situação e encare o trabalho agora como sendo seu. Essa atividade propiciou aos alunos
vivenciarem a etapa da devolução desta situação, quando se empenham e capricham nas
construções, inclusive saindo de seus lugares para olhar as formas geométricas obtidas pelos
colegas e compará-las com as suas, fato este que pode ser constatado a seguir:
Aluno12: Profª ,a gente está fazendo esse desafio aqui, venha ver!!
Aluno.13 para aluno.12:Esse aí está piscando, como é que vocês fizeram?
Profª: Olhe lá, como está legal, está piscando!Esse é um polígono estrelado!
Ressaltamos que a devolução é uma situação onde o aluno toma para si o desafio e o
problema, o qual agora passa a ser seu e não mais se configura no desejo ou na
intencionalidade do professor. Ainda que soasse como uma atividade lúdica, o desafio
consistia em desenhar quadriláteros no plano cartesiano e os alunos investiram na parte
artística, dando cor e movimento ao seu traçado, sem, contudo descuidar-se das características
de um quadrilátero, o que, por exemplo, não poderia ser nem triângulo, nem pentágono.
Outro aspecto observado no diálogo acima se situa no momento em que a professora
retira dois alunos da sala de aula. Esses falavam insistentemente, mesmo após a solicitação da
professora para que parassem.
Profª: -Sch.....venham aqui os dois..Afonso e André,venham os dois aqui...Só um
pouquinho!.Venham os dois aqui.(a professora tirou os dois alunos da sala).
Ao retirar os dois alunos do laboratório de informática, a professora se impõe e deixa
claro que, mesmo estando em um ambiente diferente da sala de aula, o objetivo principal é a
aprendizagem, e que não irá permitir que os alunos mudem esta condição ao conversarem de
forma demasiada. Embora o foco da pesquisa esteja voltado para as interações inerentes ao
contrato didático, não se pode deixar de esmiuçar o fato que se reporta ao contrato
pedagógico. É do conhecimento dos alunos que regras de conduta e normas vigentes no
espaço escolar. Novamente, aqui se pode buscar embasamento em Pinto (2003), que explicita
as dimensões do contrato pedagógico, a partir dos estudos de Filoux:
105
O contrato de Filoux, ao mostrar a existência da regulação das regras entre professor
e aluno acerca do projeto de ensino, observa que o contrato pedagógico traz
implícitas relações de poder cujas negociações nem sempre explicitadas, estão
previamente estabelecidas no contrato institucional, que tem definido o estatuto do
professor e do aluno em relação aos seus papéis na instituição.Trata-se de um
consentimento mútuo das regras necessárias para o funcionamento da escola.(PINTO,
2003, p. 99).
O aluno, na maioria das vezes, está ciente do seu papel dentro da instituição escolar e
sabe suas obrigações e posturas dentro deste local; isto não significa que ele não queira
transgredir algumas normas de conduta, melhor dizendo, o aluno não está o tempo todo
motivado para o cumprimento de algumas regras, e entendemos que o ambiente onde a
aprendizagem se dá, mediada pelo computador, seja ainda mais propício para o
“esquecimento” de acordos, normas e posturas a serem adotadas. Houve, neste caso, uma
tentativa de se valer deste momento para “romper” as regras do contrato pedagógico, mas a
professora, atenta, não permitiu que isto acontecesse. Retirou os alunos da sala de aula,
terminou a explicação para a turma e em seguida foi ao encontro deles para uma retomada,
conforme mostra o diálogo a seguir:
Profª:E não se esqueçam de salvar!!E uma coisa, eu vou fazer exatamente o que eu fiz
com os dois ali, ó, eles vão ficar fora, se eu tiver mais um incômodo aqui nesta
sala, tá certo??
Aluno.7: Quem ficou lá fora?
Profª :Tá certo??Mais um, mais um incômodo que eu tenha... Vocês estão aqui para
trabalhar, e não para ficar brincando!!Respeitem o trabalho de todos!!Boa aula para
todo mundo!!
(A professora se dirige aos alunos que a aguardavam lá fora)
Profª:Agora, a próxima vez que vocês tiverem que falar alguma coisa para alguém,
atrapalhando a aula, vou levá-los para a coordenação.
Aluno.3: Mas eu estava só indo lá para falar com ele.
Profª: o quero saber, vocês estão demais na conversa. E...cada um cuide da sua
vida,se não vão ficar para fora.E agora voltem para a sala e vamos trabalhar!!!
Alunos: sim...
(Os alunos encaminham-se em silêncio para os computadores, para trabalhar)
106
Neste episódio, constatamos a intervenção necessária da professora para manter a
ordem na classe e garantir um ambiente propício para o encaminhamento das atividades. O
fato mostrou que o contrato didático é permeado de regras de relacionamento que devem ser
cumpridas e que já estão explícitas no contrato pedagógico. Essa situação revela que não é
possível analisar o contrato didático sem considerar as particularidades do contrato
pedagógico anteriormente definido pela instituição.
Analisando a conversa posterior da professora com os dois alunos, notamos que ela
deixou claro que seria mais uma chance, e se os alunos não se comportassem da maneira
adequada, seriam encaminhados à coordenação. Percebemos também que depois dessa
intervenção, os alunos entraram na sala envergonhados e iniciaram suas atividades, e a turma
se mostrou mais silenciosa, olhando para os colegas com um olhar querendo dizer: “agora,
por causa de vocês dois teremos que ficar quietos e a professora está brava.” O tom de voz da
professora manteve-se sério por mais algum tempo e, aos poucos, a turma retomou a
movimentação rotineira, com perguntas dirigidas à professora e aos colegas.
Apresentamos aqui mais um momento que revela mais uma ruptura do contrato
didático, vivenciado pela professora e aceito também pelos alunos. Os diálogos a seguir
compreendem uma situação na qual os alunos estavam no início da atividade que a professora
havia proposto, que consistia na construção de um eixo de coordenadas cartesianas, para nele
construírem quadriláteros. A atividade estava sendo iniciada, os alunos faziam a atividade
quando um aluno chamou a professora e revelou-lhe uma “descoberta”:
Aluno 5: Profª:, veja aqui neste botão!!!
Profª: O que é que é isso?
Prof: E daí?
Aluno5: Aqui, ó, se eu clico aqui em mostrar eixos aí ele dá o eixo graduado!
Profª: (Sorrindo) Bacana!!
Profª: Pessoaaaal veja aqui, mostrar eixos, no último ícone, ele mostra todo o eixo
graduado!!
Alunos: Nooossa!!! Ooooohhhhhh! Que dez!!!!
(alguns diálogos depois)
Profª:Sabe o que você pode também fazer??
Aluno7: Não
Profª: Vá no último botão, e em mostrar eixos!E ele já faz graduado, está vendo?
Aluno7: Agora??
107
Profª: Sim, vá em rótulo!.Clique no último para você ver!
Aluno7: Clico então no último??
Profª: Isso, vai lá!
Profª: Clique no último, mostrar eixos e desça apertado.
Aluno7:Aqui??
Aluno9 p/ aluno8: Quando vai no último, já dá o eixo pronto!!
Profª:Vá lá no teu, em mostrar eixos e ele já faz graduado, e você não precisa dividir!
Um aluno percebeu que havia a opção “mostrar eixos”, que gerava o eixo completo e
também graduado; percebendo a facilidade com que obteve o eixo, este chamou a professora
que não conteve a surpresa. Na mesma hora, ela socializou esta descoberta, e pelo tom
surpreso na sua voz, deixou claro que foi o aluno quem obteve uma maneira mais fácil de
conduzir a atividade, que o foco da tarefa consistiu na construção dos quadriláteros, e não
do eixo cartesiano. A ruptura das regras do contrato que se mantinha até ali se deu no
momento que, mesmo sem declarar, todos sabiam da nova estratégia que ela adotou, e que a
mudança de rumos partiu de uma situação inesperada. Ela poderia ter mantido a proposta
inicial, mais trabalhosa, inclusive, mas não, admitiu que seria melhor para o andamento da
atividade e, a partir daquele momento, adotou a nova estratégia e compartilhou com a turma.
O aluno esboçou um sorriso, como se dissesse: eu consegui contribuir muito nessa aula, a
ponto da professora fazer uma substituição na proposição da atividade”.
O contrato que permeou este episódio teve sua ruptura, uma vez que suas regras foram
quebradas para dar lugar a outras que, pelo julgamento da professora, contribuíram para um
melhor encaminhamento das atividades. O fato pode ser explicitado teoricamente em
Brousseau quando explicita as cláusulas de ruptura de um contrato didático:
Em particular, as cláusulas de ruptura e o enquadramento do contrato não podem ser
descritos antecipadamente. O conhecimento será precisamente aquilo que resolverá
as crises resultantes dessas rupturas que não podem ser pré-definidas(Brousseau,
1996, p.52).
Reiterando-se que ainda segundo Brousseau, a cada conhecimento deve corresponder
situações (problemas) específicas e provavelmente contratos didáticos que “evoluem , se
rompem e se modificam às custas de abranger as situações de aprendizagem mantendo a
108
coerência das ações com os pressupostos didáticos envolvidos na intenção de promover a
aprendizagem”.(p.65)
6.3 SITUAÇÃO DIDÁTICA
Como já mencionado Brousseau (1996) faz uma analogia entre uma situação de
ensino e um jogo, no qual jogam alunos e o professor, podendo também haver um jogo entre
os alunos. Em relação mais estreita com o conhecimento, “o jogo deve ser tal, que o
conhecimento apareça sob a forma escolhida, como a solução, ou como o meio de estabelecer
a estratégia óptima”, que remetam a algumas questões, mas, sobretudo, ainda segundo o autor
, “o jogo específico de um saber deve justificar a sua utilização ou o seu aparecimento, de
acordo com a didática teórica.” Esta afirmação é um alerta para a seriedade com que deve ser
tratada toda e qualquer situação de aprendizagem e também a vigilância com que o professor
deve desenvolver; primeiramente em relação à sua epistemologia, o seu saber que irá incidir
diretamente sobre a atividade/aula a ser proposta. É sob essa ótica, encarando uma situação
de aprendizagem, que serão analisados os diálogos julgados pertinentes para a compreensão
das regras que permearam o contrato didático.
O que segue agora, de acordo com as falas, trata-se de uma situação de
formulação/validação, conduzida pela professora. Na primeira fala, uma mescla de duas
situações: ao se referir aos triângulos, a professora procura validar uma aprendizagem ainda
não institucionalizada. Como? Ela está se referindo à soma dos ângulos internos do triângulo,
que os alunos já construíram e validaram, mas ela ainda não generalizou o que foi
percebido pelos alunos em relação aos triângulos, utilizando este saber adquirido para servir
de parâmetro para a formulação sobre um novo tema, que é a soma dos ângulos internos de
um quadrilátero. É o que indica o diálogo abaixo:
Aluno17: Vamos ver se conseguimos agora!!
Profª [tempos depois]: Sexta série,atenção... agora que vocês já construíram os quatro
tipos de triângulos e verificaram qual é o valor da soma de seus ângulos
internos,terminando isso, nós vamos agora verificar como será a soma dos ângulos
internos de um quadrilátero.Vai ser a mesma
?Vai ser maior?Vai ser menor que
180°? Isso eu quero que vocês terminem os triângulos, e comecem a trabalhar com
109
quadrilátero.Desenhem o quadrilátero e definam para mim como será a soma dos
ângulos internos de um quadrilátero. Primeira coisa, o que é um
quadrilátero??[Grifos da autora]
Alunos: um quadrado
Profª: é um..
Alunos: quadrados
Profª: somente quadrados?É só quadrado?
Aluno.18: Todos os que têm quatro lados!!
Profª: Muito bem,seu Felipe.Mas a gente,quando fala em quadrilátero, é quadrado
é quadrado, quadrado!!Coitado do retângulo!Coitado do
paralelogramo!Coitados dos outros!
Ao referir-se à frase “Vai ser a mesma?”, a professora toma como referência os 180º,
obtidos em relação ao triângulo, deixando no ar uma dúvida, ou melhor dizendo, uma
proposição que necessita, a partir de agora, passar pelas situações de ação, formulação para
poder ser validada e finalmente institucionalizada.Ainda no diálogo acima, observamos que a
professora tenta mostrar aos alunos a variedade de quadriláteros, não apenas o quadrado, e ela
o faz de uma forma lúdica.
No diálogo a seguir, temos uma situação de institucionalização, promovida pela
professora.
Profª: Mas aí é um quadrilátero,..
Aluno 22: O paralelogramo não é esse?
Profª: E o paralelogramo possui dois a dois paralelos; o paralelogramo é como se
você pegasse um retângulo e apertasse, heim!!!!!Sch!!Pessoaaaal, atenção aqui, para
quem está em dúvida, vamos esclarecer!Atenção João Vítor, chega!Felipe, jogue esse
chicletes no lixo,por favor agora!Vamos lá!Do quadrado, a gente vai transformá-lo
em...que polígono é esse??
Aluno23: Um quadrado.
Profª: Vamos gente!
Profª:(no quadro):Nós temos um quadrado e vamos transformá-lo em um
losango!Vejam o que acontece!O que é que eu fiz?Os três centímetros daqui vou
passar para cá.Vejam o que acontece!
Aluno24: Esticou um lado e encolheu outro!
110
Profª[no quadro]:O que eu fiz; de 90°o ângulo foi para agudos e obtusos.É como se eu
tivesse um quadrado e tivesse apertado ele, ! Agora vejam..vocês têm que construir
um retângulo, está aqui.sch...eu ainda estou ouvindo alguém falar... e..Bruno..olha
aqui....desse retângulo ele pede depois para fazer um paralelogramo, daí o que ele
pede: valide esta construção;de que jeito??Como é que eu vou mostrar que os dois
polígonos possuem a mesma área?.Eu vou trazer, eu vou movimentar o
paralelogramo em cima do retângulo .Quem já fez isso?
Aluna25: Eu consegui!
Profª: A Heloísa já fez.
Profª ( No quadro): A mesma área do retângulo será a do paralelogramo, por quê?
Porque esse retângulo aqui vai ficar exatamente assim ó gente...em cima desse.Por
isso que ele pede: sobreponha,O que é sobrepor? É puxar uma figura e colocar sobre
a outra!O exercício pede isso para que, quando colocamos uma figura em cima da
outra, possamos perceber que a área é a mesma!
A atividade tinha como objetivo principal explorar áreas de quadriláteros, mas
primeiramente o aluno deveria construir a figura. Os alunos confundiam trapézios e
paralelogramos, não associando o nome às suas propriedades. A professora chamou a turma e
retomou o conceito de paralelogramo, mas com uma linguagem bastante simples, frisando as
características principais, que são lados paralelos e ângulos agudos e obtusos. Além disso, ela
partiu de um conhecimento constituído pela maioria, que era ter o quadrado como
referência e depois “deformá-lo”, transformando-o no quadrilátero em questão. Sua
intervenção constitui-se em uma situação de institucionalização, em que a professora ao
formalizar um saber, oficializa-o, tornando-o pronto para ser utilizado convencionalmente.
Brousseau (1986) reforça a importância de o professor institucionalizar, inclusive podendo
fazê-lo em diferentes etapas da situação didática:
A institucionalização se realiza tanto sobre uma situação de ação reconhece-se o
valor de um procedimento que se converterá em um recurso de referência- como
também, sobre uma situação de formulação. formulações que serão conservadas
(“isto se diz assim”, “aquilo deve ser lembrado”) (BROUSSEAU, 1996, p.56).
111
Acrescentamos ainda que, nas situações com vistas a promover a aprendizagem, as
fases de uma situação didática (ação, formulação, validação e institucionalização), na
maioria das vezes estão imbricadas, ao ponto de não ser possível estabelecer seus limites, ou
seja, onde termina uma e começa outra.
Novamente no diálogo acima, observamos que no tocante às áreas, a professora está
em uma situação de formulação, e por meio da sobreposição de figuras (situação de ação)
propicia condições para os alunos deduzirem que a área de um retângulo é a mesma que a do
paralelogramo.
112
6.4 O TRATAMENTO DOS ERROS
Um aspecto observado e considerado importante abordar no presente trabalho diz
respeito aos erros cometidos pelos alunos, sejam em função da utilização do software, sejam
pela lacuna em termos geométricos. Reportando-nos à teoria das situações didáticas, o erro
perpassa tanto as situações didáticas como as situações a-didáticas, pois desde a situação de
ação, formulação, e validação podem ser acompanhadas de erros e de conjecturas
equivocadas. Porém, na situação de institucionalização não há espaço para o erro, pois é nesse
momento que o professor confere um status ao conhecimento, legitimando e atribuindo-lhe
um caráter universal. É o momento oportuno para a correção de possíveis distorções
(conceitos errados, construção incorreta) ocorridas nas fases anteriores.
Serão apresentados, a seguir, diálogos nos quais um passo errado foi realizado pelo
aluno, que não pode ser atribuído ao manuseio dos botões do mouse, mas sim à estratégia
adotada por ele para resolver a situação- problema proposta.
Aluno15: Volto de novo, na figura?
Profª: Não, volte para ler.Eles se sobrepõem, na figura, um sobre o outro??
Aluno15: Hum...
Profª: Esse mesmo, certinho.Ok, continue
Profª: Ei, aqui errado, sabia? É ,que para ele ter a mesma área, este aqui tinha que
estar aqui e esse aqui estar bem em cima.Tá vendo?
Aluno16 para aluno15: Viu? Não te disse que não tava certo!!
Profª: Então meu amor, este pontinho em cima deste pontinho e esse vermelhinho em
cima do vermelhinho aqui.
Aluno 16: Ahaan...
Profª: Isso, agora sim ;é... agora levante ele e agora ponha um pouquinho para
baixo.Agora está certo, que na realidade se você pegar esse pedacinho do
paralelogramo, e passar para cá, ele vai transformar um retângulo, percebe?Isso tá
certo, agora está certo. Não se esqueça de salvar!
Aluno 16: Sim.
Profª: Isso!!Olha tá vendo?A área não é a mesma?
Aluno16: Sim!
Profª: Certinho!!E não se esqueça de salvar.Na verdade um quadrado é um retângulo.
113
A atividade envolvia a sobreposição de figuras para explorar suas áreas, e o aluno não
percebe que ainda não estão sobrepostas, e o seu colega de grupo(dupla) o retruca, como se
tivesse avisado que não estava correto, mas mesmo assim o colega precisou da professora
para validar sua ação, ou afirmar que não estava certo. Este fato revela um tipo de contrato
didático, cujas regras se posicionam de forma paradoxal às situações a-didáticas. Em primeiro
lugar, os alunos estavam em uma situação de ação e fazendo suas formulações em torno da
mesma, sem a presença do professor, caracterizando uma situação a-didática, quando surge
um impasse: os alunos discordaram em relação a um determinado passo da atividade, então, a
professora foi chamada para esclarecer o problema instaurado.
A dependência do aluno do aval do professor faz parte desse processo, mas o
paradoxo é que os alunos, por mais que saibam lidar com o software e estejam trabalhando de
forma a demonstrar uma relativa independência, bastou um impasse para “quebrar” essa
rotina, e uma saída: chamar a professora, pois está implícito nesse contrato didático que
o problema que desafia os alunos contém elementos conhecidos e outros desconhecidos que
requerem auxílio da professora. Deva-se a isso a forma com que os problemas, de uma
maneira geral e nos diversos níveis, são elaborados; problemas que pedem respostas simples,
sem um pensar mais aprofundado, ou sem que seja necessária a busca de estratégias para a sua
resolução.
Nessas falas foi possível perceber o caráter móvel que o Cabri, um software de
geometria dinâmica, oferece. A maioria dos alunos, sem perceber que ao movimentar a figura,
ou arrastá-la a fim de sobrepô-la em outra, poderia deduzir elementos necessários ao
entendimento de figuras equivalentes. A atividade explorava a área dos polígonos sem utilizar
a fórmula, mas através das medidas dos lados e a opção área de figura. Os alunos, também,
sem perceber esta particularidade do software, construíram os quadriláteros através da junção
de segmentos de reta, e ao teclarem na opção área de figuras, perceberam que o software não
fornecia a área, e sim a medida do lado. Os alunos, em fase de ação e formulação, não
compreenderam o porquê dessa disparidade. Foi necessária a intervenção da professora, para
explicar-lhes que, para a obtenção da área, a figura teria que ser desenhada de forma a ser um
polígono regular, e não por segmentos consecutivos de reta. Laborde (1994) trata essa questão
de forma clara, nos mostrando a diferença entre o desenho e uma construção geométrica. Ele
afirma que um desenho, mesmo geométrico, pode ser interpretado de várias maneiras e “a
percepção, em especial, interfere na elaboração de uma interpretação quando o leitor não
possui conhecimentos teóricos profundos de geometria, que lhe permitam ultrapassar a
primeira leitura perspectiva”. (LABORDE,1994,p.53) Esta diferenciação aconteceu quando o
114
aluno queria calcular a área da figura e o software não a obtinha; nem poderia, pois a
construção do aluno estava tendo duas interpretações: para o aluno, um quadrilátero, pois
tratava-se de uma linha poligonal fechada, mas para o software eram segmentos de reta
ligados consecutivamente e não o polígono, uma vez que o software possui em seu menu a
opção “polígono regular”, para evitar essa dubiedade de interpretação.
A professora provocou essa situação, pois ela sabia disso, e deixou que os alunos
chegassem a esse impasse, até que um aluno percebeu e validou sua descoberta junto à
professora:
Aluno 34 p/ aluno33: vamos chamar a Profª, Profª, veja aqui!
Profª: Hassan, você fez de outro jeito?
Aluno 34: eu fiz aqui com o retângulo
Profª: Como você obteve centímetros quadrados?
Aluno 34: Eu fui em área , e cliquei no polígono!
Profª: Bruno, clique na área, e clique em um dos lados.
Aluno 34: Profª,antes de clicar em área, tem que ir em polígono, pois se tiver em
segmento, ele não dá a área de um segmento!!
Profª: Bruno,vamos lá na área;antes de clicar em área, você tem que reforçar;tem que
ir a polígono,A ,B, C, D passar novamente por cima da figura, para daí ele dar a
área;você está fazendo os ângulos, e assim ele não vai te dar a área.
Aluno 35: eu vou ter que fazer de novo?
Profª: não!Cadê os que você fez?
Aluno 35: aqui.
Profª: então,abra lá.Isso..tire os valores dos ângulos ;Isso, agora reforce os
segmentos,passando em cada vértice, e volte no início AB, BC,CD e DA,reforce, isso...
mas antes clique em polígono, para ele entender que a área será desse
polígono.Clicou em área?
Aluno 35: estou indo
Profª: Agora clique em área de novo.
A professora, nesta última fala, esclarece ao Aluno 33, que não percebeu essa sutileza.
Dessa forma, ela permitiu ao aluno uma situação de formulação, que ele está se
convencendo que se utilizasse tal procedimento, obteria a área da figura; mas com o aluno 34,
ele está em uma situação de validação, pois depois de formular com o aluno 33 (que não se
115
convenceu do que foi falado), ele, chamou a professora para que ela aprovasse o que foi
elaborado em situação de ação e formulação, que este Aluno (34) estava tentando
convencer alguém da validade de seus argumentos, e o colega (33) não entendeu, e ele então
acredita que certamente a professora irá se convencer.
Acrescentamos ao parágrafo acima uma particularidade do software que afeta
diretamente as interações entre os alunos e também na dinâmica da sala de aula, pois os
alunos encontram determinados impasses, que muitas vezes foram gerados pela “deformação
da figura” ao movimentá-la, que no desenho com lápis e papel não ocorreriam. A priori,
parece ser mais “cômodo” trabalhar em frente ao computador do que propriamente construir a
figura com os instrumentos apropriados. Porém, a cada construção com o Cabri, que não
tenha sido embasada nas propriedades que o definem, o desenho não se torna um objeto
geométrico e, portanto, se desqualifica, se deforma, gerando então questionamentos, e a
necessidade de refazer a atividade.
No presente estudo foi mais explicitada essa relação entre o desenho e o objeto
geométrico, mas como o tema veio à tona nos diálogos retratados acima, achou-se, portanto
necessária esta diferenciação e também reforçamos a falsa impressão que se pode ter de que o
Cabri trata a geometria na superficialidade, e que não exige conhecimentos de geometria para
o desenvolvimento de atividades. O software permite explorar a geometria por meio da
manipulação de objetos geométricos de base e preserva as propriedades geométricas dos
objetos que foram construídos. Essas características, segundo Laborde (1994), ajudam o aluno
a diferenciar a relação desenho (reprodução da imagem) e figura (construção da imagem) de
acordo com as propriedades geométricas que o definem.
6.4.1 Situação a - didática
Esclarecemos aqui que nas nossas sessões de observação, o gravador ficava no bolso
do jaleco da professora, para gravar os seus diálogos que estabelecia com os alunos. Enquanto
a professora atendia esse ou aquele aluno, os demais trabalhavam e as duplas conversavam em
torno do tema, concordando ou não, mas procurando realizar a atividade
.
Nas falas transcritas,
ouvíamos basicamente a professora e, eventualmente, as falas de alunos ao seu redor.
Conseguimos, no entanto, algumas falas que sugerem que os alunos encontravam-se diante de
uma situação a-didática. Salientamos, porém, que, pelas observações, constatou-se ser esse
116
ambiente propício para o desenvolvimento de situações nas quais os alunos discutiam entre si,
ou entre outros grupos, buscando resolver problemas. A interação era intensa, fazendo com
que os alunos saíssem dos computadores onde se encontravam para ir ver o trabalho de outra
dupla, para se orientar, ou para discordar. Infelizmente não conseguimos captar em qualquer
diálogo a riqueza desses momentos, mas foi possível constatar aquela prática nas sessões de
observação. Não poderíamos deixar de relacionar esta particularidade do fenômeno, que
foram as interações ocorridas entre os alunos, sem que a professora interferisse. Já foi
mencionada a postura dos alunos neste ambiente, mas entendemos ser oportuno reforçar que
não havia nas aulas o traço de uma aula tradicional, pois desde a maneira com que os alunos
ocupavam o espaço físico da sala, até a freqüência com que se levantavam, buscando ajuda
com os colegas ou chamando a professora. Observamos a destreza com que alguns
desenvolviam as atividades, até a paciência e o coleguismo com que esses mesmos alunos se
dispunham para ajudar os colegas que não conseguiam avançar. A professora deixava que
essas interações ocorressem, evitando interromper, a menos que fosse solicitada.
Acompanhemos os diálogos abaixo:
Aluno 42 p/ aluna 43: O que você está fazendo?
Aluna 44 p/ aluna 42: eu estou fazendo um quadrado!
Aluna 42 p/aluna 43: Não é isso, Nailia, não é assim!
Aluna 43 p/ aluna 42: É sim é um quadrado!!Veja... os lados estão certos!!
Aluno 42: Profª, eu preciso de ajuda!!
Profª: Então vamos lá, o que é que você tem que fazer??
Aluno 43: Um quadrado!!
Profª: Então pode começar!!
Aluno 43:E aonde eu tenho que ir?
Profª: Aí mesmo!!Em segmento..Isso!
Aluno 43: Então porque antes não deu certo?
Prof: Eu não vi o que você fez antes, mas vamos rever então!!Vamos em segmento!!E
agora nós vamos passar esse para aqui, ó!E se por acaso errar, vá em editar,
desfazer.Aqui, nesse, até aqui.Depois, ó, você vai em rótulo, e o que é que você faz??
As alunas discutiam a respeito da construção de um quadrado; esta situação a-
didática estava centrada em um desenho, que sob a análise geométrica não estava
correspondendo à representação de um quadrado; isto para a Aluna 42, pois para a outra, a
117
Aluna 43, o desenho era considerado como o representante de um objeto geométrico, no caso,
o quadrado. E sua argumentação foi Veja, os lados estão certos! A outra aluna não contra-
argumentou, pois o que ela estava querendo dizer com os lados estarem certos: retos? Com
mesma medida? Paralelos? Eis que as alunas estavam diante de um impasse, que só foi
resolvido com a ajuda da professora. Embora citada anteriormente retoma-se aqui a
definição de uma situação a-didática, por Brousseau;
Quando o aluno torna-se capaz de colocar em funcionamento e utilizar por ele
mesmo o conhecimento que ele está construindo, em uma situação não prevista de
qualquer contexto de ensino e também na ausência de qualquer professor, está
ocorrendo então o que pode ser chamado de situação a-didática (BROUSSEAU,
1986, apud PAIS, 2002, p.68).
Como as situações a-didáticas são caracterizadas por momentos de aprendizagem,
permeados por situações de ação, formulação e validação
,
afirma-se que foram visualizadas
situações deste tipo nas observações, e de uma forma muito natural, com vistas à realização da
atividade, acompanhadas de situações de aprendizagem.
As análises pontuadas até aqui mostram que o ambiente onde se observaram as
interações, ou seja, aulas de geometria com o apoio de um software contemplam momentos de
estabelecimentos, e rupturas de contratos didáticos. O fato dos alunos estarem dispostos
diferentemente da estrutura de sala de aula não inibe a interação dos alunos.Também este
ambiente requer da professora uma postura dinâmica, de movimento, pois como se atestou
pelos diálogos, ela ia e vinha o tempo todo entre os micros, auxiliando e orientando nas
atividades.
Os contratos salientados acima apontam que pode o ambiente ser propício, mas está
nas mãos do professor esta disposição e o olhar atento para perceber e agir imediatamente, de
forma a romper com o que não está bom e permitir que surja outro tipo de contrato, com ações
do professor e reações dos alunos, nem sempre esperadas de ambos os lados.
Afirmamos, portanto, que é a postura do professor e sua visão epistemológica de
ensino e aprendizagem que poderão permitir a ruptura de contratos didáticos. Se o professor
mantiver sua docência voltada para a aprendizagem significativa, ele estará disposto a se
“despir” de suas convicções arraigadas e cristalizadas, para romper com algumas posturas e
buscar alternativas, ferramentas, suporte para melhorar sua práxis.
118
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa objetivou estudar no contexto do processo ensino e aprendizagem da
geometria, com o recurso Cabri-Géomètre, como são estabelecidas as relações didático-
pedagógicas entre aluno, professor e conhecimento matemático.
Para o estudo das relações ocorridas, sob a ótica do contrato didático, a fundamentação
teórica foi baseada na teoria das situações didáticas de Guy Brousseau, suporte teórico e ponto
de partida para a análise das interações observadas.
Para a compreensão teórica dos temas que perpassaram o objeto da pesquisa, geometria,
informática e relações didático-pedagógicas, utilizamos aportes teóricos: acerca do ensino de
geometria no Brasil, buscamos , dentre outros, artigos e dissertações ,como o trabalho de
Pavanello(1989), na dissertação de Nunes da Silva(2006), Leme da Silva(1997) e
Pereira(2001)
22
(. Encontramos em Fainguelernt (1999), Laborde( 1994 ) e Gravina( 1998),
contribuições que abordavam a geometria sob a ótica do uso de softwares. Fainguelernt(1999 )
desenvolveu um trabalho utilizando a geometria com a linguagem Logo, enquanto os dois
últimos autores utilizam o Cabri e o enquadram como um software de Geometria dinâmica
capaz de oferecer dinamismo e exploração dos entes geométricos de forma bastante eficaz.
Para o entendimento da utilização dos computadores no universo escolar, Papert( 1994)
serviu de apoio com a teoria que envolve o construcionismo, que pode elevar o uso do
computador a uma ferramenta capaz de auxiliar o aluno na construção do conhecimento, através
da realização de uma atividade que permita ao aluno construir algo. Valente (1999) serviu de
auxílio no entendimento da chegada dos computadores nas escolas e alertou para o cuidado que
o professor deve ter para não manter sua prática tradicionalista, e para isso se valer do
computador, acreditando estar sendo “moderno”. Buscamos em Kenski(2007) o delinear de um
cenário de urgência de mudança de prática do professor para a utilização das tecnologias.
O trabalho de campo realizou-se em abordagem qualitativa, considerando-se
prioritariamente análises de observações e falas dos sujeitos envolvidos, no caso, 37 alunos da
série e a professora de Matemática,responsável pela turma, em uma instituição particular de
ensino. A coleta de dados deu-se através das observações de seis sessões de 50 minutos, onde as
falas dos sujeitos eram gravadas. As observações tinham como foco principal, descrever as
___________________
22
As demais dissertações que consultamos elencamos aqui em ordem alfabética dos respectivos autores:Alceu
Cotta Júnior, Mª Célia Leme da Silva, Evandro A. Bertolucci,Marcos Lúcio de Castro Fonseca,Rúbia B. Amaral
Zulatto,Marcelo Carlos Gimenes,Leonor Farcic F.Menk, Maria José A. Souza.
119
formas de mediação ocorridas durante a realização das atividades com o computador;
identificar os papéis dos professores e alunos durante a utilização do software; caracterizar e
analisar o contrato didático estabelecido entre professor, aluno e conhecimento, nos momentos
da utilização do software.
A análise dos dados mostrou a existência de vários contratos didáticos estabelecidos e
rompidos ao longo das aulas. .As quebras das regras dos contratos didáticos partiram da
professora, apontando a importância da postura do professor em relação aos novos desafios
trazidos pelos recursos tecnológicos: não apenas mudanças na forma de pensar e agir, mas ter
atitudes abertas à mudanças, diante das novas situações decorrentes do uso do computador.
Nesses momentos de ruptura contratual, a professora assumiu a mudança, e para
nossa surpresa, os alunos continuaram conferindo o status à professora, ou seja, em nenhum
momento de ruptura de contrato os alunos deixaram de considerar a professora como a
condutora do processo, e considerá-la como autoridade no processo. Ao contrário, para eles,
esta mudança significou a possibilidade de uma aprendizagem mais produtiva.
O estudo mostrou que a postura do professor é fator determinante para o bom (ou
melhor) desenvolvimento das atividades com os novos recursos didáticos advindos da
tecnologia. Durante as observações foram constatadas situações em que a professora sugeria
interações entre alunos tendo em vista a comparação de procedimentos. Tal postura docente
parecia estar de acordo com a visão construtivista, pelo fato de suscitar ao aluno a construir
seu conhecimento a partir de interações com os colegas, propiciando-lhe momentos de
cooperação, troca de raciocínios. Ao que indicam as observações realizadas, a postura da
professora foi em direção a garantir o envolvimento do aluno com sua aprendizagem: ao não
conhecer a resposta imediata, privilegiou seu projeto educativo abrindo espaço para o aluno
fazer conjecturas no momento de construção do conhecimento.
No que diz respeito aos conceitos geométricos, percebemos uma evolução ao longo
de nossas observações , seja pela forma dos alunos se referirem aos quadriláteros, seja pela
segurança demonstrada nos momentos de construir ou movimentar as figuras. Embora
tenhamos observado um amadurecimento por parte dos alunos, as atividades desenvolvidas
com o Cabri trouxeram à tona lacunas em relação aos conceitos básicos dos entes
geométricos. A idéia de que podemos movimentar a figura, construí-la com alguma
facilidade, não pode ser estendida aos conceitos básicos de Geometria. Possuir alguma
destreza em relação ao manuseio do mouse e conhecimentos dos menus de construção
oferecidos pelo Cabri o garantem que as construções e validações ocorram corretamente. O
aluno, ao utilizar o software precisa ter o domínio dos entes fundamentais da geometria, muito
120
além de ponto, reta e plano. As sutilezas e especificidades em relação ao Cabri são muito
diferentes do desenho com lápis e papel. Para construir um quadrado, por exemplo, o aluno
pode obtê-lo usando a opção “polígono regular”, ou através das circunferências. Caso
contrário,no momento de movimentar a figura, o quadrado de desmancha.
Tais lacunas indicam que o software nada mascara, ao contrário, revela as defasagens
existentes em relação à geometria, servindo portanto, de ponto de reflexão e retomada desses
conceitos ainda não apropriados pelos alunos.
Em relação aos alunos, no quesito motivação, a pesquisa confirmou o que outros
trabalhos relativos ao uso do software já apontaram. Os alunos se motivam, entram no “jogo”,
e sentem-se desafiados a resolver o problema proposto. O software por si não garante toda
a motivação, mas a proposição de uma atividade instigante, que leve o aluno a buscar
estratégias de resolução, são pontos cruciais para o ótimo aproveitamento do software
contribua para o envolvimento dos alunos nas atividades.
A pesquisa reafirma que o sucesso da implementação de recursos tecnológicos na
área educacional depende de três aspectos importantes: a instituição, o professor e o aluno.
As escolas necessitam contemplar em seu projeto político pedagógico a definição de
estratégias para a introdução de novas tecnologias e considerá-las como uma relação custo-
benefício apropriadas, encarando as tecnologias como uma oportunidade de impulsionar a
educação, contribuindo para a formação do aluno autônomo e crítico.
O professor necessita estar ciente da importância de seu papel no contexto da
tecnologia educacional e buscar formas de encarar o uso pedagógico da tecnologia,
aprimorando-se nesse universo, para que possa incorporar à sua prática o uso criativo de
ferramentas, ou seja, tecnologias educacionais, estando atento às novas formas de integração
didático-pedagógicas,em que professores e alunos tornem-se parceiros de um mesmo processo
de construção dos conhecimentos.
A presente pesquisa não teve a pretensão de esgotar o tema. Ao contrário, abre
possibilidades para novas investigações que possam descrever as interações que ocorrem
numa sala de aula com o auxílio de um computador. Uma sugestão seria investigar as
relações didático-pedagógicas do ensino de Geometria , sob o ponto de vista daTeoria das
Situações didáticas em um curso de formação de professores, tendo como alunos os
acadêmicos de licenciatura em Matemática.
121
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