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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Márcia Chicareli Costa
ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE
CRIANÇAS ABRIGAS
São Bernardo do Campo
2008
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MÁRCIA CHICARELI COSTA
ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE
MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Saúde da
Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
- como requisito parcial para obtenção do Título
de Mestre em Psicologia da Saúde
Orientadora: Profª Drª Marília Martins Vizzotto
São Bernardo do Campo
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
C823a
Costa, Márcia Chicareli
Aspectos psicodinâmicos e capacidade materna de mães de crianças
abrigadas / Márcia Chicareli Costa. 2008.
99 f.
Dissertação (mestrado em Psicologia da Saúde) –Faculdade de
Psicologia e Fonoaudiologia da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2008.
Orientação de: Marília Martins Vizzotto
1. Crianças institucionalizadas 2. Mães 3. Introjeção I. Título
CDD 157.9
MÁRCIA CHICARELI COSTA
ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE
MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS
Banca Examinadora
_________________________________
Presidente – Profa. Dra. Marília Martins Vizzotto
Universidade Metodista de São Paulo
_________________________________
Titular – Profa. Dra. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo
Universidade de São Paulo - USP
________________________________
Titular – Profa. Dra. Maria Geralda Viana Heleno
Universidade Metodista de São Paulo
Dissertação defendida e aprovada em ____/____/____
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
São Bernardo do Campo
2008
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Deus por ter me dado tanta força e ajudado a equilibrar-me em
momentos de dificuldades, dando-me forças para prosseguir com determinação e chegar à
realização de mais um grande projeto de vida.
Aos meus queridos filhos, Priscila e Paulo, pela presença sempre firme e pela
compreensão do tempo subtraído em nosso convívio para esta realização.
À minha querida e competente orientadora, Profª Drª Marília Martins Vizzotto, que
muito mais que orientar, fez trocas maravilhosas de vida e de aprendizagem para esta
conquista. Este desafio só se concretizou por sua presença firme e suave, doce e atuante em
todo o processo por nós vivido.
À Profª Drª Maria Geralda Viana Heleno, que em suas aulas me fez aprender e crescer
enquanto pessoa, profissional e futura mestre e ainda agradeço sua disponibilidade em
participar tão prontamente da Banca de Qualificação e Defesa deste trabalho.
À Profª Drª Leila Tardivo, que, prontamente, aceitou o convite para participar da
Banca de Qualificação desta pesquisa e com sua sabedoria abriu muitos caminhos até então
obscuros para o bom andamento do trabalho e agradeço também sua honrosa presença na
Banca de Defesa.
À Profª Drª Laura Marisa Carnielo Calejon, pelo companheirismo e compreensão das
horas difíceis e sua colaboração sábia e pertinente no texto deste trabalho.
Ao Profº Drº Joaquim Gonçalves Coelho Filho, pela participação honrosa na
construção do saber e do entendimento desta pesquisa mostrando novas possibilidades e
novos caminhos. Pela paciência e companheirismo na construção do pensamento deste texto.
Agradeço á Sra. Miriam Monteiro, Presidente Emérita do “Nosso Lar” Associação das
Senhoras Evangélicas de São Paulo, o abrigo que me deu a oportunidade de colher os dados e
entrevistar as participantes desta pesquisa.
Á minha mãe, Martyre Chicareli Costa, sempre presente em minha vida, me abrigando
com seu amor incondicional.
Ao meu pai, Paulo Alencar Costa, que mesmo não estando em presença física, teve
direto envolvimento em meus planos futuros e de vida, quando dizia: “Você é dos livros”.
Aos meus irmãos, Wuxiley, Silvana e Patrícia Chicareli Costa, pela compreensão dos
dias que não pudemos estar juntos para que eu pudesse concluir este projeto.
Aos meus sobrinhos, Marcela, Fábio Murillo e João Vitor simplesmente por serem as
pessoas que são e darem a possibilidade de expansão ao amor que sinto por eles.
Ao meu companheiro de vida, Luiz Arthur de Camargo Medeiros, pela ajuda e pela
paciência, pelas correções e tentativas de me acalmar sempre que perdia o rumo das coisas,
pela participação especial, inicialmente turbulenta e em seguida calma e tranqüila, assim são
os companheiros, para todas as horas.
Aos meus alunos, que muito mais que aprender comigo me fazem aprender com eles
numa constante troca de sabedoria e respeito mútuo.
E finalmente agradeço a todas as “minhas pessoas” maravilhosas que de uma forma ou
de outra estão envolvidas em minhas conquistas e realizações pessoais e profissionais.
Obrigada!
MÃE
O teu crescer me faz, mãe...
O teu sonhar me faz caminhar...
Olhar para você me faz seguir em frente...
Tua presença me é um presente...
Ter você é poder ser, é continuar, confirmar minha existência.
Estar com você é me sentir, mãe.
Mãe de sangue, mãe de coração...
Mãe de alma, mãe de emoção...
Aprendi a amar você...
Foi assim que, aos poucos, fui me tornando...mãe!
Ainda tenho muito para aprender, ensinar também.
Troca justa, amor incondicional.
Amor de lágrimas que escorregam dos olhos a cada olhar teu.
Cada dor tua me machuca...
Teu sofrimento me consome...
Teu sorriso me ilumina...
Teu jeito criança me dá tanta esperança...
Priscila e Paulo...filhos...
Me tornaram MÃE...
E você, Mãe, fez de mim a filha que pôde constituir-se em mãe!
Obrigada!
Márcia Chicareli Costa
"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não
conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender,
viver ultrapassa qualquer entendimento."
(Clarice Lispector)
RESUMO
CHICARELI COSTA, M. ASPECTOS PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE
MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS ABRIGADAS – UNIVERSIDADE
METODISTA DE SÃO PAULO, 2008, 87P.
Este estudo teve como objetivos investigar aspectos da dinâmica intrapsíquica de mães de
crianças institucionalizadas em abrigo por ordem judicial, e identificar recursos defensivos
utilizados por essas mães. Para atingir estes objetivos, realizou-se uma investigação clínica
com estudo de três casos de mães de crianças abrigadas. Foram utilizados dois instrumentos:
a) Roteiro de Entrevista – roteiro de temas a serem abordados em uma ou mais entrevistas não
diretivas de cunho clínico, a fim de auxiliar na investigação da psicodinâmica destas mães. b)
Procedimento de Desenho Estória com Tema técnica projetiva que associa o uso de desenhos
com estórias, como forma de explorar livre e dinamicamente os conteúdos da personalidade.
A técnica permite o estudo das características formais e estruturais da personalidade, pois tem
a particularidade de facilitar a expressão de aspectos inconscientes relacionados a pontos de
angústias presentes, focos conflituosos e perturbações emergentes. Estes procedimentos foram
realizados nas dependências da instituição (abrigo) onde as crianças estavam hospedadas. Os
principais resultados comuns aos três casos foram: Ambigüidade e os Impeditivos de
Crescimento – a primeira mãe entrevistada ao mesmo tempo ataca a mãe que a abandona
(mãe biológica e a mãe adotiva), em busca de uma mãe idealizada. Essa ambigüidade a
impede de crescer. Nota-se a mesma tentativa de idealização na segunda mãe estudada que
demonstra dificuldade em aceitar a atual situação em que vive e não consegue perceber que a
aproximação de sua mãe é por causa da doença que ela adquiriu e não por continência. A
terceira e última mãe entrevistada demonstra conteúdos persecutórios diante do abrigamento
dos filhos e dificuldade de sentir gratidão. Os mecanismos predominantes que aparecem nos
três casos são os de: idealização e regressão a estágios primitivos. Nota-se ainda, depressão,
dificuldade de elaboração da posição depressiva. Estas mães não conseguem vivenciar
continuamente a realidade psíquica, que implicaria na elaboração da posição depressiva, pois
não conseguem fazer, ainda que tentem, uma comparação entre os mundos interno e externo,
o que as levariam à uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças. De modo que, a
figura dos pais (principalmente da mãe) fica cindida entre aterrorizante e idealizada, porém os
mecanismos predominantes são suas fantasias que propiciam idealização; identificação
projetiva maciça. A persecutoriedade e a culpa, ao mesmo tempo parecem indicar a depressão
que pode ser tão forte que levam à intensificação destes sentimentos. Há a presença da inveja
que também intensifica as angústias persecutórias, requerendo mecanismos de defesa que
violentam as funções psíquicas.
Palavras-Chaves: Criança Abrigada, Maternagem, Introjeção da Figura Materna.
ABSTRACT
CHICARELI COSTA, M. - PSYCHODYNAMIC ASPECTS AND ABILITY OF
SHELTERED CHILDREN’S MOTHERS MASTER’S DEGREE PAPER
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO, 2008, 87p.
This paper aimed at investigating aspects of the intrapsychic dynamics of mothers whose
children live in shelters due to court order and identifying the protective resources used by
these mothers. To meet these purposes, a clinical investigation studying three cases of
sheltered children’s mothers was done. Two instruments were used: a) Interview Script –
Theme scripts to be covered during one or more non-directive interviews of clinical scope, in
order to help investigate the psychodynamics of these mothers. b) Drawings and Storytelling
Procedure – Projective technique which associates the use of drawings to stories as a mean of
exploring the contents of personality freely and dynamically. This technique allows the study
of formal and structural characteristics of the personality, as it has the singularity of
facilitating the expression of unconscious aspects related to present anguishes points, differing
focus, and emerging disorders. These procedures were used inside the institution (shelter) in
which the children lived. The main results common to the three cases were: Ambiguity and
Development Impendings - the first interviewed mother attacks at the same time the mother
that left her (the biological mother and the adoptive mother), in search of na idealized mother.
This ambiguity impedes her development. The same attempt of idealisation was observed on
the second interviewed mother. She shows embarassement in accepting her life and can´t
realize that the approaching of her mother is because of an acquired disease and not for
continence. The third and last interviewed mother shows persecutive contents when facing the
sheltering of her children and embarassement to feel greatful. The prevailing mechanisms that
appear on the three cases are: Idealization and regression to primitive stages. Depression,
difficulty to elaborate the depressive position are also observed. These mothers can´t
continuously experience the psychic reality that would imply on the elaboration of depressive
position, since they can´t do it, though they attempt to compare between the internal and
external worlds, this would lead them to a better understanding of the similarities and
differences, so the parents figure (mainly the mother's) becomes divided between terrifying
and idealised, but the prevailing mechanisms are their fantasies that provide idealisation;
massive projective identification. The persecution and guilty seem to indicate at the same time
the depression that can be so strong that leads to the enhancement of these feelings. There´s
the presence of envy that also enhances the persecution anguishes, requiring defense
mechanisms that violates the psychic functions.
Key words: Sheltered child, Mothering, Mother’s Figure Introjection
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................12
I.1. Algumas considerações sobre o desenvolvimento da criança à luz das relações de
objeto ............................................................................................................................14
I. 1.1. Sobre a importância das relações no desenvolvimento afetivo .........................18
I.1.2. A capacidade de se vincular como condição humana .........................................20
I.1.2.1. A capacidade de maternar como fator de proteção à saúde .............................22
I.2. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência ...........................29
I.3. Instituições de abrigo e eca: uma revisão histórica ................................................32
I.4. Estudos recentes sobre abrigos no Brasil ...............................................................36
I.5. A instituição como rede de apoio social e afetivo .................................................39
OBJETIVOS .....................................................................................................................40
II. MÉTODO ............................................................................................................................41
II.1. Participantes ..........................................................................................................42
II.2. Local .....................................................................................................................42
II.3. Instrumentos .........................................................................................................42
II.4. Procedimento ........................................................................................................46
III. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................47
III.1. Caso 1 – Sra G. “A mãe abençoada” ...................................................................47
III.1.1. Dados do Histórico de vida ..................................................................48
III.1.2. A Mãe e a filha .....................................................................................49
III.1.3. A Senhora G. e nosso contato durante as entrevistas ...........................50
III.1.4. Observações ..........................................................................................51
III.1.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............52
III.1.6. Síntese das Produções ...........................................................................55
III.1.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................56
III.2. Caso 2 – Sra A. “A mãe tristeza” ........................................................................59
III.2.1. Histórico de vida ...................................................................................60
III.2.2. A mãe e os filhos ..................................................................................61
III.2.3. A Senhora A. e nosso contato durante as entrevistas ...........................61
III.2.4. Observações ..........................................................................................62
III.2.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............62
III.2.6. Síntese das produções ...........................................................................65
III.2.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................67
III.3. Caso 3 – Sra L. “Mãe dos sete” ...........................................................................69
III.3.1. Histórico de vida ...................................................................................69
III.3.2. A mãe e os filhos ..................................................................................70
III.3.3. A Senhora L. e nosso contato durante as entrevistas ............................71
III.3.4. Observações ..........................................................................................71
III.3.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo .............72
III.3.6. Síntese das produções ...........................................................................75
III.3.7. Síntese Geral do Caso ...........................................................................76
III.4. Aspectos gerais dos casos estudados...................................................................79
IV. CONCLUSÃO ...................................................................................................................88
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................91
ANEXOS .................................................................................................................................97
ANEXO 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...........................................98
ANEXO 2 - Declaração de Responsabilidade do(a) Pesquisador(a) ...................................99
Lista de Figuras
Figura 1. Caso 1 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............53
Figura 2. Caso 1 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................54
Figura 3. Caso 2 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............63
Figura 4. Caso 2 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................64
Figura 5. Caso 3 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.............73
Figura 6. Caso 3 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”..................................74
12
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda aspectos intrapsíquicos de mães de crianças abrigadas por
determinação judicial. Cabe salientar que muitas vezes a família não consegue cumprir suas
funções educativas, materiais e afetivo-relacionais, obrigando que sejam impostas medidas
judiciais que afastam a criança de seu convívio direto e cotidiano com a família, a fim de que
se preserve a criança ou que se reduzam danos em seu desenvolvimento psicológico, social e
físico. Essa determinação é imposta a partir de constatações de violência doméstica, abusos e
outros comprometimentos no convívio da criança com a mãe e com a família e que as
impossibilitam continuar mantendo a guarda da criança, que passa às mãos de instituições
chamadas “abrigos”.
No Brasil, e mais especificamente na cidade de São Paulo, local onde realizamos esse
estudo, existem casas-abrigo que são instituições subsidiadas pelo governo municipal e/ou
estadual ou ainda recebem donativos. Estas instituições acolhem as crianças até que possam
retornar à família de origem ou famílias substitutas ou, ainda, em último caso, até que
completem a maioridade legal.
É nesse cenário, onde podemos localizar essas crianças abrigadas e que recebem
visitas quinzenais de suas mães (quando permitido pelo juiz), que se dá o presente estudo.
Justificamos, portanto a importância desse estudo, ao considerarmos que as condições
de saúde psicológica destas mães devem ser tomadas em consideração. A saúde psicológica
da mãe – em que estão implícitas suas capacidades de “maternar”, de estabelecer bons
contatos afetivos e, que dependem também do tipo de vínculo que conseguem estabelecer,
constituem a base para a formação da personalidade da criança aos seus cuidados.
Assim, numa perspectiva psicodinâmica, ao tratar do lugar que os pais ocupam na vida
dos filhos, lembramos que psicanálise destaca aquilo que marcou os pais na infância. Ainda
que com muitas especificidades, as condições paterno-maternas são dadas ou asseguradas a
partir das relações psico-afetivas que esses pais tiveram em sua infância. De modo que a
vinda de um bebê ou uma criança mobilizará a história da mãe e colocará à prova a
capacidade de elaboração de seus conflitos e, portanto, o grau de sanidade que esta mãe
consegue dar à própria história.
Salientamos ainda que a compreensão deste objeto de estudo torna-se duplamente
relevante. De um lado, trata da saúde psicológica de mulheres que já têm seus filhos em
condição de abrigamento, caracterizando uma dimensão curativa das ações, de outro lado,
13
trata de futuras gerações atendidas em uma dimensão preventiva, através da orientação de
futuras mães. Todavia, é importante acentuar que esta investigação não pretende verificar toda
esta amplitude de possibilidades, apenas apresentar indicativos.
Assim, assentados na psicanálise – mais especificamente na psicanálise kleiniana e
neo-kleiniana das relações objetais - é que buscamos sustentar o presente estudo.
Na riqueza das explicações construídas pela Psicanálise sobre as relações mãe-filho,
encontramos a questão proposta por Melanie Klein (KLEIN, 1932; 1946) quanto à
possibilidade de analisar crianças e o jogo como recurso para esse processo, estabelecendo um
paralelismo entre a linguagem como forma de expressão do adulto, e o jogo como forma de
expressão da criança. E foi a partir dessas idéias que Melanie Klein veio a inovar com a
concepção de “posição” para compreender melhor o dinamismo psíquico.
Assim, nos apoiamos na idéia central do pensamento kleiniano das duas posições:
posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Sobre o conceito de posição é interessante
lembrar que servirão de subsídios para a análise dos casos estudados. Klein rejeitou a palavra
"fase" ou “estágio” em favor de "posição", pois essas primeiras pressupõem um começo, um
fim, uma superação definitiva e uma duração exata. Ao contrário, a palavra “posição” mostra
que os estados (depressivo e esquizo-paranóide), são dados em momentos da existência do
sujeito, num período precoce do desenvolvimento, mas que se repete posteriormente, por toda
a vida.
Procuramos nos apoiar, além de Klein, nos conceitos de neo-kleinianos como D.
Winnicott sobre holding, bem como em Pichon-Rivière sobre vínculo, e em outros trabalhos
mais recentes e que nos auxiliam na interpretação e reflexão dos dados colhidos em nossos
contatos com mães de crianças abrigadas.
Consideramos relevantes as contribuições psicanalíticas de D. Winnicott, pois esse
usou os importantes insights de Melanie Klein sobre os primeiros meses de vida da criança
para elaborar suas próprias teorias centradas na mãe e na relação entre mãe-bebê: holding; ou
ainda como entendeu ao se referir à mãe suficientemente boa, preocupação materna primária,
mãe ambiente e mãe objeto. Entendeu esse autor que Klein centrou-se quase totalmente na
figura do bebê e no seu potencial instintivo e menos com a mãe real.
Também Pichon-Rivière (1980) em sua “teoria do vínculo”, é outra contribuição que
aqui trazemos para compreender a relação que é complementada com a dinâmica e a
seqüência de estar com o “outro”. Esse autor, além de assinalar entre tantos vínculos
possíveis, ocorrem os vínculos patológicos, preocupantes nas relações humanas, porque estão
muitas vezes carregados de persecutoriedade. Este autor formaliza o conceito de vínculo,
14
incluindo além do objeto interno (bom ou mau) o contexto ambiental em que as relações
vinulares ocorrem. Também nos apoiamos nas contribuições de Bleger (1980) com suas
inovações no campo da saúde mental pública, tratando dos conceitos de “psicohigiene e
psicologia institucional” e em suas concepções sobre o contato e a entrevista. Entre os
contemporâneos, destacamos as contribuições que nos serão de grande valia como Knobel
(1981) e suas considerações sobre desenvolvimento e orientação familiar, e Simon (1986)
sobre saúde mental e equilíbrio adaptativo.
Acrescentamos que, embora distante da teoria das relações de objeto, julgamos
importante trazer ao texto as contribuições de J. Bowlby (1984) e sua concepção sobre a
“Teoria do Apego” e a conseqüente angústia da separação em crianças, já que o autor dedicou
grande parte de sua carreira ao estudo das relações mãe-criança nas situações de desamparo,
separações e perdas.
I.1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
À LUZ DAS RELAÇÕES DE OBJETO
As considerações sobre o desenvolvimento são feitas com apoio nos fundamentos da
psicanálise, por entender que a base de todas as relações humanas se dá a partir do
desenvolvimento primeiro da criança. E nesse sentido cabe lembrar Bowlby (1969) quando
aponta que os psicanalistas são unânimes em reconhecer a primeira relação humana de uma
criança como a pedra fundamental sobre a qual se constrói a personalidade; porém não existe
concordância sobre a natureza e a origem dessa relação.
Aqui seguiremos nas relações de objeto e, como adiantamos anteriormente, são sobre
essas relações de objeto e sobre as concepções de posição é que se desenvolve o aparato
psíquico.
Segundo Melanie Klein (KLEIN, 1946; 1955) qualquer indivíduo passa normalmente
por “fases” em que predominam ansiedades e mecanismos psicóticos: posição esquizo-
paranóide e posição depressiva. O desenvolvimento infantil passa da posição esquizo-
paranóide (de 0 ao 4º mês) para a posição depressiva (inicia no 4º mês). A ultrapassagem da
posição esquizo-paranóide depende principalmente da força das pulsões libidinais em relação
às pulsões agressivas.
O termo "Paranóide" remete ao caráter persecutório, e o termo "Esquizo" lembra o
aspeto de cisão e divisão, do psiquismo. Desde o começo da vida, as primeiras experiências
do bebê com a alimentação e com a presença da mãe iniciam uma relação de objeto com ela,
15
porém essa relação é parcial. Ou seja, a relação com o objeto (a mãe, se seio) pode ser boa ou
má – e não ambas ao mesmo tempo. Quando o bebê não encontra gratificação ou tem de
tolerar um desconforto, suas projeções e identificações são sentidas como ruins e vindas do
objeto (seio, mãe).
M. Klein pressupõe, como Freud, num conteúdo pulsional inato. Essas pulsões (no
caso a agressividade) é então a responsável pela qualidade da identificação e projeção
(identificação projetiva) de um seio mau, devorador. No seu contrário, o seio bom que
amamenta e inicia a relação amorosa é o representante da pulsão de vida e também é sentido
como a primeira manifestação da criatividade. Este seio bom - externo e interno - converte-se
no protótipo de todos os objetos bondosos e gratificantes; o seio mau converte-se no protótipo
de todos os objetos persecutórios internos e externos. Assim, a posição esquizo-paranóide
caracteriza-se pela clivagem (cisão) do objeto (seio) em "bom" e "mau". O objeto é parcial e
dividido (esquizo = divisão). O seio que gratifica é o mesmo seio que frustra; o seio é um
objeto clivado em “bom” e “mau”. O objeto bom e o mau adquirem uma autonomia um em
relação ao outro, separam-se, dividem-se, clivam-se. O objeto bom é "idealizado", pode
conferir "uma consolação ilimitada, imediata, sem fim". A sua introjeção defende a criança da
angústia persecutória. O objeto mau é um perseguidor aterrorizante; a sua introjeção causa
angústias extremas. A angústia é de natureza persecutória (paranóide) por medo de destruição
pelo objeto "mau". Neste estado, o ego é pouco integrado, está clivado. Os objetos (seio) bom
e mau darão origem ao super-ego e as primeiras noções de bem e mal. "Estes primeiros
objetos introjetados constituem o núcleo do super-ego".
M. Klein (KLEIN, 1946; 1955), explica ainda que a posição depressiva se seguiria à
posição paranóide, sendo por sua vez superada por volta do final do primeiro ano. O objeto já
não é parcial, podendo ser apreendido pela criança como total, a clivagem “bom”-“mau” já
não é tão categórica como outrora, a angústia é de natureza depressiva e está ligada ao temor
de perder e de destruir a mãe. Em razão de suas angústias, a criança desenvolve vários tipos
de defesa e de atividades reparatórias, que constituem a primeira alternativa da criatividade e
da sublimação. A posição esquizoparanóide e a posição depressiva voltam a se mostrar
presentes posteriormente na vida, em especial no adulto que desenvolva a paranóia, uma
esquizofrenia ou estados depressivos. Nesta última consideração, a posição depressiva é o
precursor da consciência em geral e da preocupação por outras pessoas em particular. Daí, o
nome dado por Winnicott à posição depressiva foi "o estágio de preocupação".
Simon (1986) ao abordar a posição esquizo-paranóide explica que é necessário
destacar alguns aspectos para evitar dificuldades de entendimento: a posição esquizo-
16
paranóide como etapa normal do desenvolvimento de qualquer ser humano; a posição
esquizo-paranóide como ponto de fixação da psicose esquizofrênica e de personalidades
esquizóides (patologia); e a posição esquizo-paranóide como momento de regressão
temporária no funcionamento de personalidades não-psicóticas (inclui os ditos “normais”).
Simon (1986) explica a posição esquizo-paranóide como ponto de fixação de psicose e estrutura de
personalidade esquizóide significa que o sujeito, ao atravessar essa etapa inicial da vida, sofre o
feito de uma combinação de fatores internos (constitucionais) e externos (ambiente traumático) que
perturba a transposição normal dessa etapa. Começa já a apresentar defeitos de adaptação que
interferirão na ultrapassagem da posição depressiva (iniciada normalmente entre o terceiro ou
quarto mês após o nascimento). Essas perturbações estruturais da personalidade ficam fixadas e
funcionam como fator predisponente. No futuro, fatores desencadeantes (novos traumas,
frustrações excessivas e prolongadas, as vezes efeito da própria falha adaptativa prévia; incremento
de pulsões sexuais na puberdade) provocam regressão ou exacerbação de mecanismos esquizóides,
surgindo manifestações típicas das psicoses esquizofrênicas (p.86).
Simon (1986) diz que a posição esquizo-paranóide como momento de regressão
temporária implica uma concepção de fluidez dinâmica na integração da personalidade, pois
M. Klein entende que os estados mentais não são estáticos; as pessoas oscilam entre
momentos de maior ou menor lucidez, maior aproximação e maior distanciamento da
realidade. Se for concebido que aos momentos de maior integração correspondem a um estado
mental definido como “posição depressiva” e, os de menor integração, como “posição
esquizo-paranóide”, então o indivíduo oscilará entre essas duas posições, dependendo das
angústias, defesas e fantasias que estejam predominando em sua relação com os objetos
internos e externos. Esse conceito de oscilação entre duas posições é muito útil durante a
sessão de análise, porque permite ao analista verificar se o analisando está conseguindo
enfrentar as angústias depressivas ou fugir delas. (p.86)
Assim, enquanto Melanie Klein dá importância impar ao inatismo e, como Freudiana,
valoriza as pulsões de vida e morte como eixo fundamental no desenvolvimento, Winnicott
(1957) dá um peso especial ao ambiente.
Para esse psicanalista cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para
se integrar; porém, o fato dessa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer,
pois, depende de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons, sendo
que, no início, esse ambiente é representado pela mãe. Esse início da vida mental ainda é um
estado temporário, pois o bebê naturalmente passará da “dependência absoluta” para a
“dependência relativa”, o que é essencial para o seu amadurecimento. A dependência absoluta
refere-se ao fato de o bebê depender inteiramente da mãe para ser e para realizar sua
17
tendência inata à integração em uma unidade. Na medida em que a integração torna-se mais
consistente, o amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à
área de onipotência do bebê. Ser capaz de adotar um objeto transicional já anuncia que esse
processo está em curso e, a partir daí, algumas mudanças se insinuam. O bebê está passando
para a dependência relativa e pode se tornar consciente da necessidade dos detalhes do
cuidado maternal, e relacioná-los numa dimensão crescente, a impulsos pessoais.
No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos
transicionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se
desadapta e desilude o bebê. A transicionalidade marca o início da desmistura, da quebra da
unidade mãe-bebê. (Winnicott, 1987)
Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott (1987) definiu três
realizações principais: integração, personalização e o início das relações objetivas. É nesse
período de dependência relativa que o bebê vive estados de integração e não-integração,
forma conceitos de eu e não – eu, mundo externo e interno, e início do estágio de
concernimento, podendo então seguir em seu amadurecimento, no que o autor denomina
independência relativa ou rumo à independência. Aqui, o bebê desenvolve meios para poder
prescindir do cuidado maternal.
Isto é conseguido mediante a acumulação de memórias de maternagem, da projeção de
necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o
desenvolvimento da confiança no ambiente.
É importante ressaltar que, segundo Winnicott (1987), a independência nunca é
absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal
modo que pode se dizer que ambos se tornam interdependentes. Essas condições incluem a
saúde física do bebê e da mãe, após um parto não traumático, uma amamentação tranqüila e
pouca interferência de elementos estressantes. Após algumas semanas de intensa adaptação às
necessidades do recém–nascido, este sinaliza que seu amadurecimento já o torna apto a
suportar as falhas maternas. A mãe suficientemente boa deve compreender esse movimento
do bebê rumo à dependência relativa e a ele corresponder, permitindo-se falhas que abrirão
espaço ao desenvolvimento.
Portanto, na visão winnicottiana, já nos primórdios da existência, é fundamental para a
constituição do self o modo como a mãe coloca o bebê no colo e o carrega; dá-se, assim, a
continuidade entre o inato, a realidade psíquica e um esquema corporal pessoal. O holding é
necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê, ou seja, quando os espaços
18
psíquicos entre este e sua mãe já estão perfeitamente distintos (a especificidade das relações
mãe-bebê será discutida mais adiante).
I. 1.1. SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO
AFETIVO
A compreensão da importância das questões relacionais e vinculares no
desenvolvimento da personalidade, sem dúvida iniciou com S. Freud a partir de sua
concepção de objeto. Porém a ampliação dessa noção é só trazida à luz a partir das
contribuições de Melanie Klein, em sua “teoria das relações objetais”.
A compreensão dessa importância dos tipos de relação ou relação vincular que as
pessoas estabelecem é básica para entender a capacidade amorosa do sujeito em questão e,
deste modo, também entender em grande parte sua saúde mental. Os aspectos salutares dessas
relações é um ponto comum entre os autores. Mas a conceituação dessas relações ou vínculos
oferece distinções. Por isso, seguiremos com os principais autores que tratam dessa questão,
tanto em seus aspectos consoantes quanto em suas nuances de distinção.
É comum a todos que a percepção pelo bebê de “bons objetos” lhe possibilitarão
gratificações e condições amorosas.
A respeito dessas nuances de distinção Bowlby (1973) afirma que a discussão
psicanalítica sobre o tema das relações objetais tem sido bastante considerada, porém o autor
prefere em termos de relações objetais os termos “apego” e, “figura de apego” - ao se referir
à mãe ou substituta.
Também Pichon-Rivière (1980) embora kleiniano, uso o termo vínculo e o entende
como a dinâmica contínua das relações interpessoais, pois o concebe como sendo sempre um
vínculo social. Ou seja, é um tipo particular de relação com objeto, sendo “a relação de objeto
constituída por uma estrutura que funciona de uma determinada maneira, pois é estrutura
dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada ou movida por fatores instintivos e
por motivações psicológicas”. (Pichon-Rivière, 1980, p.4)
Compreender o vínculo é importante para definir que tipo de relação a pessoa
estabelece com ela mesma (mundo interno) e ainda com outras pessoas e objetos (mundo
externo).
Um vínculo normal ou saudável é reconhecido como aquele em que a relação sujeito-
objeto é estabelecida sem que haja dependência entre eles; há comunicação e aprendizagem.
Em nenhum paciente se apresenta um tipo único de vínculo: todas as relações de objeto e todas as
relações estabelecidas com o mundo são mistas. Existe uma divisão que é mais ou menos
19
universal, no sentido de que por um lado se estabelecem relações de um tipo, e por outro, de tipo
diverso. O grupo social em que esse sujeito está atuando adquire uma dupla significação. Pode
estabelecer, por um lado, um vínculo paranóico e, por outro, um vínculo normal, ou ainda um
vínculo tendente à depressão, a hipocondria, etc (
PICHON-RIVIÈRE, 1980, p.5)
Também Bowlby (1969) reconhece a questão vincular e entende que a compreensão
da resposta de uma criança à separação ou perda de sua figura materna gravita em torno de
uma compreensão do vínculo que a liga a essa figura. Esse mesmo autor afirma que um
pressuposto, largamente aceito diz respeito à ligação do bebê com sua mãe, por ser esta a
fonte de satisfação de suas necessidades biológicas que devem ser satisfeitas; sendo a
frustração dessa satisfação geradora de patologias observáveis, quando do processo de análise
do indivíduo adulto.
Pichon-Rivière (1980) define em sua teoria os tipos de vínculos possíveis de serem
estabelecidos entre os seres humanos e seus mundos interno e externo.
Historicamente, diz Pichon-Rivière (1980).
...o último passo da psicanálise foi o estudo das relações com objeto. Isso nos leva a
tomar como material de trabalho e observação permanente a maneira particular pela
qual cada indivíduo se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura
particular a cada caso e a cada momento, que chamamos vínculo (p.3).
Para Pichon-Rivière (1980) existem tipos de vínculos que são patológicos. O autor
caracteriza: vínculo depressivo, como o vínculo que está carregado pela culpa; vínculo
hipocondríaco, cuja principal característica é a manifestação de sintomas físicos; vínculo
histérico, que tem como principal característica a dramaticidade; vínculo obsessivo, que se
caracteriza pelo controle e pela ordem; e vínculo paranóico, que se caracteriza pela
desconfiança. Nesses vínculos patológicos há sempre uma dependência que o sujeito constrói
com o outro.
A partir da primeira relação, segundo Bowlby (1969), estabelece-se no indivíduo um
modo de funcionamento, Modelo Funcional Interno. A criança que tem em sua experiência
um modelo seguro de apego vai desenvolver expectativas positivas em relação ao mundo,
acreditando na possibilidade de satisfação de suas necessidades. Já uma outra, com um
modelo menos seguro, poderá desenvolver em relação ao mundo expectativas menos
positivas. O estabelecimento de um modelo de apego seguro ou inseguro fornece a base para a
formação de um Modelo Funcional Interno, uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o
mundo e a si própria.
Compreende-se a partir dessas explicações que, as mães de crianças abrigadas, podem
ser observada e seus recursos intrapsíquicos, uma vez que perderam a estrutura ou a
20
configuração anteriormente posta para que se adaptem a uma nova estrutura forçada pelo
distanciamento de seu filho e interação com a instituição abrigo.
I.1.2. CAPACIDADE DE SE VINCULAR COMO CONDIÇÃO HUMANA
Uma pessoa que pôde crescer em um bom lar, ao lado de pais afetivos e de quem
recebeuapoio incondicional, conforto e proteção, consegue desenvolver estruturas psíquicas
fortes e seguras para enfrentar as dificuldades da vida cotidiana. Nestas condições, crianças
seguramente apegadas, aos seis anos são aquelas que relacionam-se com seus pais de uma
forma descontraída e amigável, estabelecendo com eles uma intimidade, além de manter com
eles um fluxo de comunicação (BOWLBY, 1969).
Além do motivo primordial de sobrevivência, Bowlby (1969) ressalta a influência no
desenvolvimento da criança, em termos de saúde mental, da maneira como a criança é tratada
por seus pais – sobretudo pelo cuidador principal que, em sociedades ocidentais, geralmente é
a mãe.
O mesmo autor aponta as conseqüências da situação inversa, ou seja, se esta mesma
pessoa vem a crescer em circunstâncias diferentes, seu núcleo de confiança estará esvaziado,
ficando prejudicadas as relações com outros semelhantes, havendo, pois, prejuízo nas demais
funções de seu desenvolvimento.
A origem da enfermidade mental estaria, portanto, nas dificuldades encontradas pela
criança para realizar a tarefa determinada por cada uma dessas fases, isto é, no autismo
normal, na simbiose normal ou na separação-individuação. Essas falhas podem ter sido
provocadas por: defeitos inatos, incapacidade do ego para neutralizar as pulsões agressivas no
estabelecimento do vínculo com a mãe; defeitos na relação mãe-filho: seja por patologia
materna ou pela ausência real do par simbiótico e/ou traumas: doenças, acidentes,
hospitalizações ou outros eventos que alterem a estabilidade com a mãe ou a auto-imagem do
indivíduo.
Observa-se que esse autor, de influência freudiana, considera os fatores inatos
(neuropsicofisiológicos) na constituição do sujeito como uma forma de se “apegar”, se
vincular ou de estabelecer contato, mas também considera as relações com o mundo que cerca
o indivíduo.
Numa outra linha de raciocínio, Winnicott (1958) nos chama a atenção para a
capacidade das mães em dedicar a seus filhos, no momento em que este precisa, toda a
atenção, suprindo suas necessidades de alimentação, higiene, acalanto ou no simples contato
21
sem atividades. Isso cria condições necessárias para que se manifeste o sentimento de unidade
entre duas pessoas. A reciprocidade da interação mãe-bebê dá a ambos a qualidade de agentes
no processo, em que a mãe introduz na situação aspectos de sua história e momento de vida.
Assim, da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebê, emergem os fundamentos
da constituição da pessoa e do desenvolvimento emocional da criança. A capacidade da mãe
em se identificar com seu filho permite-lhe satisfazer a função que Winnicott (1958) chamou
holding. A função do holding é fornecer apoio egóico, em particular na fase de dependência
absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o
segurar fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de
incluir a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com, isto é, da emergência do
bebê como uma pessoa separada que se relaciona com outras pessoas separadas dele.
A mãe, continua Winnicott (1958), ao tocar seu bebê, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar
com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela
se oferece como espelho, no qual o bebê pode se ver.
Esse mesmo autor, visando mostrar a pais leigos a importância do que eles faziam
naturalmente, traz uma descrição mais concreta do que está envolvido no holding: “Protege da
agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tato, temperatura,
sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação da gravidade) e a falta
de conhecimento do lactente da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo.
Isso implica numa rotina completa do cuidado dia e noite. Esse “estado de
preocupação materna primária”, como chama Winnicott, implica em uma regressão parcial
por parte da mãe, a fim de identificar-se com o bebê e, saber do que ele precisa, e ao mesmo
tempo, manter-se como adulta.
Do mesmo modo, continua o autor, os bebês que são mais agitados, choram muito ou
são difíceis de serem consolados, bem como aqueles que vivem ou viveram situações
estressantes de hospitalizações prolongadas, abandono por parte dos pais ou qualquer outra
situação de privação social ou afetiva, podem não apresentar comportamentos eliciadores de
contato, como o olhar mútuo, o sorriso para o outro ou ainda serem menos responsivos
quando chamados a interagir.
Assim, entendemos com essas contribuições, que esses cuidados dependem da
necessidade de cada criança, pois cada pessoa responderá ao ambiente de forma própria e
apresentará, em cada momento, potencialidades e dificuldades diferentes. De modo que,
podemos pensar no fato de que, se amadurecer significa alcançar o desenvolvimento do que é
22
potencialmente intrínseco, as dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela,
podem tornar o ambiente não suficientemente bom para aquela criança amadurecer.
I.1.2.1 A CAPACIDADE DE MATERNAR COMO FATOR DE PROTEÇÃO À SAÚDE
Diferentes autores psicanalíticos, tal como já citamos anteriormente, por conceberem
de forma diferente a constituição da personalidade (ou do psiquismo) também vão dar
diferentes explicações para a compreensão dessa capacidade materna ou “maternagem”.
Entre esses, W. Bion (1962), a partir das concepções kleinianas das relações objetais,
chamará de “Reverie” essa capacidade de mãe em perceber e compreender a angústia de seu
bebê e contê-lo, assim como o próprio bebê a perceberá. Outro kleiniano, Pichon-Rivière
(1980) já entende essas relações de objeto a partir do que denomina “vinculo” e a capacidade
de ambos mãe-bebê em estabelecer essa capacidade e qualidade vincular. Já Winnicott (1957)
e Bowlby (1969) enfatizam também essas relações, mas valorizam muito a questão ambiental
(objeto externo).
Zimerman (1995) diz que a conceituação de Bion quanto à origem, natureza e
funcionamento do continente materno – ou do psicanalista – constitui-se como um dos
postulados fundamentais tanto da teoria como da prática psicanalítica. “Partindo da noção de
identificação projetiva, de M. Klein, ele conclui que para todo conteúdo projetado deve haver
um continente receptor” (p.162). E, para substanciar suas reflexões teóricas, Bion recorreu ao
uso de modelos. Assim, ele partiu de dois modelos: o da relação sexual e o da relação boca-
seio. “O primeiro destes modelos serviu para Bion representar graficamente a relação
continente e conteúdo, pelos signos como uma clara alusão de que a vagina se comporta
como um continente para conter a introdução do pênis, como as respectivas possibilidades
prazerosas ou desprazerosas, sadias ou patológicas, que podem ocorrer nessa relação”
(ZIMERMAN, 1995, p.162).
Como o modelo boca-seio ou bebê-mãe encontra uma forte equivalência na relação
analisando-analista, torna-se óbvia a conclusão do quão importante é a conceituação de
continente-conteúdo para a prática psicanalítica. O próprio setting psicanalítico, diz
Zimerman (1995), “é instituído de tal forma que os encontros entre analista e analisando se
alternam com os desencontros decorrentes das inevitáveis separações, frustrações e
privações, sendo que tudo isso reproduz as mesmas vicissitudes do vínculo de uma criança
com a mãe” (p. 162)
23
Convém fazer uma possível distinção entre as concepções de “continente” com as de
rêverie e de holding, porquanto os três termos são largamente empregados na literatura
psicanalítica, com significados semelhantes.
Zimerman (1995) diz que todos os autores que concebem o papel decisivo da mãe (ou
representante dela), no início da vida do seu filho, valorizam sobremaneira, embora com
diferentes denominações, essa função acolhedora e sustentadora da mãe. No entanto, deve ser
creditado a Winnicott – com a ênfase no papel de holding materno – e a Bion – na função de
rêverie e de “continente” – o inegável mérito de terem dado uma sólida consistência, teórico-
clínica, a essas funções.
Com as contribuições de Winnicott que sempre afirmou convictamente que não existe
um bebê individualizado e que não é possível conceber-se o desenvolvimento de uma criança
sem que a mãe esteja incluída, que é a concepção original de Winnicott, relativa às funções de
Holding e que data de 1960, quando ele introduziu a idéia de “posição materna”. Winnicott
desdobra-a em outros termos, como o de “missão materna”; “devoção materna”; “provisão
materna”; “mãe suficientemente boa”, e os reúne sob a denominação de Holding, como indica
a raiz inglesa dessa palavra (to hold = sustentar). Essa foi inicialmente utilizada por Winnicott
para caracterizar a mãe executando a tarefa de sustentar o filho, porém com um suporte de
natureza mais física, como a de dar colo, afagos, a troca de fraldas, e outros cuidados. À
medida que a sua obra avança, Winnicott foi estendendo a noção de holding para uma
abrangência também de um suporte psíquico (ZIMERMAN, 1995).
Quanto à Rêverie, essa é uma denominação que foi cunhada por Bion também nos
anos sessenta e tal como a sua raiz francesa mostra (revê = sonho), ele designa uma condição
pela qual a mãe (ou o analista), estão em um estado de “sonho”, isto é, ela está captando o que
se passa com o seu filho, não tanto através da atenção provinda dos órgãos dos sentidos, mas
pelas suas intuições; de modo que uma menor concentração no sensório possibilita um maior
afloramento da sensibilidade.
‘A função de rêverie é estudada por Bion como sendo uma capacidade da mãe
(analista) em fazer a identificação projetiva das identificações projetivas do seu filho
(analisando); ou seja, é uma capacidade de fazer ressonância com o que é projetado dentro
dela’ (ZIMERMAN, 1995, p. 164).
Temos ainda o termo Continente, que por sua vez, de acordo com sua etimologia
(contenere = conter), designa uma condição pela qual a mãe consegue não só acolher e
permitir que as cargas projetivas do filho penetrem nela, como ainda alude a outra função que
processa o destino dessa projeção. Assim, afirma Zimerman (op. cit) “uma abordagem
24
esquemática permite que se enumere os seguintes fatores que compõem a função de
“continência” da mãe (analista) em relação às identificações projetivas do filho (paciente):
acolher, comer, decodificar, elaborar e devolvê-las em doses apropriadas, devidamente
nomeadas e significadas” (p. 165).
Zimerman (1995) diz que embora haja diferenças, como já foi assinalado, entre os
conceitos de holding, rêverie e de continente, muitos autores os empregam de forma
sinônima. O que é necessário distinguir, é uma função “continente”, com a de um mero
recipiente das angústias do paciente, pois enquanto o primeiro é um processo psíquico ativo, o
segundo se refere a uma atitude passiva do psicanalista, como um mero hospedeiro, ou
depositário de projeções.
Esse autor complementa que a concepção de “continente” está hoje tão difundida e
empregada no meio psicanalítico, e mesmo fora dele, que muitos de nós esquecemos que ela
teve origem nos estudos de Bion.
O trabalho de Bion partiu das idéias de Klein sobre a primitiva relação entre a mãe e o
bebê e sobre a vida de fantasia do bebê, no contexto dessa relação. Ele repetidamente
reconheceu sua dívida para com Klein, em particular a compreensão a partir das idéias de
Klein sobre o Complexo de Édipo precoce, a importância da inveja como um fator na
personalidade e a centralidade da mudança da posição esquizo-paranóide para a posição
depressiva.
Melanie Klein descreve aspectos da identificação projetiva ligados à modificação dos
temores infantis, em que o bebê projeta parte da psique, isto é, sentimentos maus dentro do
seio bom. Daí, a seu tempo, são removidos e reintrojetados. Pela permanência no seio,
afiguram-se modificados, de modo tal que a psique do bebê tolera o objeto reintrojetado.
Desta teoria então, Bion (1965) abstraiu, a idéia de continente em que se projeta o
objeto, e de objeto projetado dentro do continente.
Lembramos aqui Simon (1986) quando dia que a importância que o conceito de
identificação projetiva foi adquirindo na obra de Melanie Klein e seus seguidores, convém
lembrar que esse se trata de um mecanismo de defesa que se forja na posição esquizo-
paranóide.
Acrescenta ainda, que, esse é um tipo particular de relação de objeto. É uma relação
em que o objeto desaparece para dar lugar a um objeto que é o prolongamento do ego, isto é,
uma identificação. Neste sentido, trata-se de uma relação narcisista de objeto, ou seja, o ego
se relaciona com uma parte que parece estar fora, no “objeto”, mas na verdade,
inconscientemente, é uma parte de si mesmo.
25
Simon (1986) diz que a primeira descrição que faz M. Klein da identificação projetiva
comunica a idéia de que se trata de uma relação agressiva, esclarece que se trata também de
uma relação amistosa. Na verdade, a identificação projetiva é o protótipo da relação de
objetos. Sem ela não haveria relações posteriores mais diferenciadas.
O mesmo autor diz que, não só as partes más, mas também as partes boas do sujeito
são partidas e projetadas no objeto. Isso dá origem às relações de amor, confiança, o que
forma a base de relações positivas e construtivas, primeiro com o peito, depois com outros
objetos e finalmente com pessoas. Porém, se há excesso de projeções de partes agressivas, o
sujeito se enfraquece em virtude do significado de vigor, potência etc., que se associa à
agressividade. Se forem excessivamente projetadas partes boas do sujeito e bons sentimentos,
há empobrecimento do ego.
Sobre a noção de identificação projetiva, Melanie Klein (KLEIN, 1946) introduz o
conceito como uma fantasia onipotente do bebê pela qual uma parte de sua personalidade
poderia ser dissociada e colocada em outros objetos, em primeiro lugar, na mãe ou em partes
da mãe. Por exemplo, um bebê que esteja em um estado de desespero ou faminto pode vir a
sentir o seio como exigente e raivoso.
Bion (1962) foi um dos autores que estendeu a noção de identificação projetiva para
incluir um processo interpessoal pelo qual a personalidade do bebê e, subseqüentemente, do
adulto realmente transmite aspectos da experiência e da vida mental a outros através de meios
inconscientes e freqüentemente não-verbais. É induzido, no objeto, um determinado estado ou
resposta. O autor descreveu algumas dessas noções em seu famoso modelo: “a idéia de um
continente dentro do qual o objeto é projetado, e o objeto que pode ser projetado dentro do
continente, o último sendo designado como contido” (BION,1962, p.134)
Bion (1962) completa seu raciocínio afirmando que “além da teoria analítica clássica,
teve em mente as teorias kleinianas de cisão e de identificação projetiva” (p.31).
Distúrbios na relação do bebê com estes aspectos da função do “seio” ou da “mãe”
refletem-se também em dificuldades subseqüentes com a manipulação de entidades
significativas, na distinção entre o simbólico e o literal, e de forma mais genérica, na
construção de vínculos entre os diferentes aspectos da experiência. Por exemplo, na vida
cotidiana, estabelecer ligações do presente com o passado, ou em tratamento, ligar sonhos
com a transferência, ligações estas que existem como uma rede despercebida, tomada como
certa, que resulta em comunicações que têm profundidade, ressonância e uma capacidade
poderosa de manter a atenção. Dificuldades e ansiedades com o seio, enquanto um provedor
26
de significado resultam na ausência desta rede ou em sua distorção, de forma que o
significado, em seu sentido usual, não pode ser estabelecido ou inteiramente vivenciado.
O significado, então, é algo que sempre tem suas raízes mais iniciais em uma interação
e troca emocional com os objetos primários. Bion (1962) sugere que o significado evolui
como um aspecto do lidar com as experiências surgidas naquele contexto. Neste sentido, o
que importa não é somente a verdade objetiva deste ou daquele significado. Esse autor diria,
por exemplo, que não é necessário para o significado ter uma “realização”. O que importa, é a
capacidade daquele significado específico para processar e lidar com as tensões emocionais,
ausências e ansiedades que o originaram. Lidar com essas tensões e ausências envolve
enfrentar as questões, no lugar de evadir-se delas. Assim, a realidade se faz presente
fortemente neste nível. Isso quer dizer que significados interpessoais, enquanto em algum
sentido “invariante” (isto é, representando algo da situação subjacente), no entanto, não
necessitam estar sempre corretos do ponto de vista legal ou estrito. Além disso, a maneira pela
qual, os significados são ligados um com outro, não é necessariamente causal; eles são ligados
pela rede de contatos derivada dos relacionamentos a partir dos quais eles emergiram.
A existência de uma realização no mundo exterior não é necessária para o significado,
o que não implica que o sentido, a compreensão e o conhecimento sejam inteiramente
arbitrários em seus conteúdos. O indivíduo também precisa ser capaz de apreender os fatos da
realidade de forma razoavelmente realística.
E, para Bion (1965), a habilidade da personalidade para tolerar um dos fatos da vida, a
ausência de um objeto, era de grande importância no desenvolvimento e na estabilidade da
personalidade.
Quando Bion (1965) analisa a relação da mãe e do bebê, tenta estabelecer um paralelo
entre o modelo biológico e o psíquico, falando de um seio psicossomático e um conduto
alimentar psicossomático infantil, que estariam, envolvidos no aspecto psicológico deste
relacionamento, ou seja, na digestão e metabolização da frustração, da segurança e do amor.
Como no início da vida o bebê não estaria aparelhado com este tubo digestivo
psicossomático, teria que primeiro constituí-lo através do relacionamento com sua mãe,
auxiliado pela capacidade de rêverie desta, a qual forneceria o continente adequado às
vivências do bebê. No entanto, é preciso pensar esta relação entre continente/contido de modo
dinâmico e dialético, porque o resultado do desenvolvimento seria a constituição da própria
continência e do aparelho psíquico do bebê, mediante a introjeção da continência da mãe. A
proximidade destas concepções – continente/contido e Annahme/Aufnahme – são os
27
movimentos de passividade/atividade e a metáfora gestacional que podemos ver em um e em
outro modelo.
Inspirada como vimos em Freud e Melanie Klein, na obra de Bion encontramos dois
modelos mais ou menos esquemáticos de como o psiquismo lida com os estímulos internos e
externos que chegam a ele. O primeiro seria o da descarga, do arco reflexo, da identificação
projetiva que poderíamos chamar de modelo evacuativo, pois tenta dar conta do acréscimo de
excitação vendo-se livre dela. Isto seria o processo característico da posição esquizo-
paranóide. O outro modelo seria mais gestacional, implicando na conservação do acréscimo
de excitação para transformá-lo, trabalhá-lo, forjá-lo, o que acaba resultando em ser
transformado, ser trabalhado, ser forjado para fazer caber e dar espaço. Este movimento
caracteriza a posição depressiva. (BION, 1965).
A contribuição de Bion é particularmente importante devido à sua abrangência e ao
método altamente original que ele adotou. Suas idéias sobre a função emocional da mãe e sua
descrição do objeto ausente sendo experienciado como algo persecutório que são aspectos
originais de sua contribuição.
Continuando ainda nessa linha de raciocínio da capacidade de maternar como fator de
proteção a saúde, encontramos as contribuições de D. Winnicott. Num artigo intitulado “A
mãe dedicada comum”, escrito em 1966 e publicado numa coletânea de conferências e
palestras radiofonicas, D. Winnicott descreveu um estado psicológico especial, um modo
típico que acomete as mulheres gestantes no final da gestação e nas semanas que sucedem o
parto. O autor conta como, em 1949, surgiu quase que por acaso a expressão “mãe dedicada
comum”, que serviu para designar a mãe capaz de vivenciar esse estado, voltando-se
naturalmente para as tarefas da maternidade, temporariamente alienada de outras funções
sociais e profissionais (WINNICOTT, 1954-1967).
Assim, educar um filho não se constitui em tarefa fácil, pois os cuidados com a criança
se mostram constantes e permanentes, tornando-se a chave principal para a saúde de qualquer
criança, mesmo tendo ela alcançado certo grau de desenvolvimento e independência. Para
isto, é necessário conhecer as inúmeras condições sociais e psicológicas que influenciam
positiva ou negativamente, o seu desenvolvimento.
Isso acontece porque a criança não é um organismo capaz de vida independente,
necessitando, portanto, de uma instituição social especial que a ajude durante o período de
imaturidade. A família tem dupla função no seu papel de dar estrutura. Primeiro, na satisfação
de necessidades básicas como alimentação, calor, abrigo e proteção; em segundo lugar,
28
proporcionando-lhe um ambiente no qual possa desenvolver ao máximo suas capacidades
físicas, mentais e sociais.
O conceito de maternagem pode ser compreendido como o conjunto de cuidados
dispensados ao bebê que visa suprir suas necessidades. Essas, por sua vez, são entendidas por
Winnicott (1967) como: necessidade de holding, que significa não apenas o ato de segurar o
bebê, mas contê-lo física e emocionalmente (como dito); de handling, que diz respeito aos
cuidados de manuseio do bebê; e, ainda de “apresentação do objeto”, sendo o próprio
cuidador tido como “objeto libidinal” que satisfaz as necessidades do bebê. O cuidador,
segundo o autor, deve ter a capacidade de perceber como o bebê está se sentindo,
reconhecendo, assim, a sua subjetividade. A maternagem atua como fator de proteção para o
desenvolvimento do bebê abandonado, promovendo saúde mental.
Não basta apenas que a mãe olhe para o seu filho com o intuito de realizar atividades
mecânicas que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para
satisfazê-lo e possa reconhecê-lo em suas particularidades.
Bowlby (1969) aceita que, para poder lidar eficazmente, quando adulto, com o seu
meio físico e social, é necessário uma atmosfera de afeição e segurança. A esta atmosfera de
segurança, Bowlby denominou de comportamento de apego, definindo-o como: “... qualquer
forma de comportamento que resulte em uma pessoa (criança) alcançar e manter a
proximidade com algum outro indivíduo claramente identificado (mãe), considerado mais
apto pata lidar com o mundo” (p.39).
O sentimento e o comportamento da mãe em relação a seu bebê são também
profundamente influenciados por suas experiências pessoais, especialmente aquela que teve e
talvez ainda continue tendo, com seus próprios pais experiências positivas. É este padrão de
relacionamento parental que dará origem à forma como ambos os pais irão vincular-se ao
filho, provendo ou não suas necessidades físicas e emocionais.
É neste sentido que Bowlby (1969) reforça a importância dos pais fornecerem uma
base segura a partir da qual, uma criança ou um adolescente podem explorar, o mundo
exterior e a ela retornar certos de que serão bem-vindos, nutridos física e emocionalmente,
confortados se houver um sofrimento e encorajados se estiverem ameaçados. A conseqüência
dessa relação de apego é a construção, por volta da metade do terceiro ano de idade, de um
sentimento de confiança e segurança da criança em relação a si mesma e, principalmente, em
relação àqueles que a rodeiam, sejam estes suas figuras parentais ou outros integrantes de seu
círculo de relações sociais.
29
Em uma revisão sobre as evidências relativas às influências adversas do cuidado
materno inadequado durante a primeira infância no desenvolvimento da personalidade,
Bowlby (1969) aponta estudos que apresentam correlações consistentes entre a carência de
um vínculo afetuoso saudável na infância e a delinqüência juvenil.
Bowlby (1969) descreve três estados da reação a separação manifestados pela criança:
protesto intenso, seguido de desespero e desligamento. A ausência de cuidados maternos da
própria mãe ou de uma substituta capaz, aliada a pessoas e eventos estranhos, conduz “... à
tristeza, à raiva e à angústia nas crianças com mais de dois anos de idade, bem como a
reações comparáveis, embora não tão diferenciadas, nas crianças com menos de dois anos”
(p.23).
I.2 EFEITOS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
O dito “mais vale uma família ruim do que uma boa instituição” é uma velha
discussão no campo psicológico. Ou seja, o fato de que as instituições não são um lugar viável
para o desenvolvimento infantil, mas que por outro lado também existem famílias danosas, é
uma discussão já mais antiga.
Entendemos que isso tudo leva-nos ao fato de que depende da condição interna da mãe
ou de seu substituto nesse contato contínuo com a criança. Porém, a situação de abrigamento,
como já citamos anteriormente, tem se avolumado em nosso país, tornando-se não só um
problema de natureza jurídica ou legal, mas de saúde pública.
Para Böing e Crepaldi (2004) longas rupturas com pessoas significativas e
institucionalização prolongada agem como importantes fatores de risco para o
desenvolvimento normativo da criança, neste caso, as mães estudadas que contam em nas
entrevistas desta pesquisa, demonstraram que sofreram abandono na infância e afastamento de
seus pais e foram institucionalizadas. Observou-se aqui, uma repetição, do que acontece
atualmente com seus filhos.
Siqueira e Dell'Aglio (2006) apontam que a problemática da institucionalização na
infância e na adolescência, por estar presente na realidade de muitas famílias brasileiras em
condições sócio-econômicas desfavorecidas, representa uma dimensão relevante de estudo na
atualidade.
O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes (SILVA, 2004)
encontrou cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo em 589 abrigos pesquisados no
30
Brasil, sendo na sua maioria meninos entre as idades de 7 e 15 anos, negros e pobres. Os
dados mostraram ainda que 87% das crianças e adolescentes abrigados têm família, sendo que
58% mantêm vínculo com seus familiares. No entanto, foi também constatado que o tempo de
duração da institucionalização pode variar até um período de mais de 10 anos. Os efeitos de
um período de institucionalização prolongado têm sido apontados na literatura, por
interferirem na sociabilidade e na manutenção de vínculos afetivos na vida adulta.
Para Carvalho (2002), o ambiente institucional não se constitui no melhor ambiente de
desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto índice de criança por cuidador, a
falta de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo são alguns dos
aspectos relacionados aos prejuízos que a vivência institucional pode operar no indivíduo.
Entretanto, outros estudos apontam as oportunidades oferecidas pelo atendimento em uma
instituição, salientando que, em casos de situações ainda mais adversas na família, a
instituição pode ser a melhor ou ainda a única saída (DELL'AGLIO, 2000).
Assim, discutir a influência das instituições de abrigo sobre o desenvolvimento de
crianças e adolescentes, compreendendo-as como um elemento constituinte da rede de apoio,
tem se tornado um tema de destaque entre pesquisadores. A rede de apoio social e afetivo da
criança é constituída por tios, avós, primos, além do grupo familiar.
Além disso, seus vizinhos, seus amigos e colegas, e também um posto de saúde, um
abrigo ou algum programa social da comunidade podem constituir a rede de apoio. A
influência será positiva se estes vínculos reforçarem o sentido de eficácia pessoal, caso
contrário, seu efeito será evidente no comportamento desadaptado destas crianças (HOPPE,
1998). A família é o primeiro microssistema com o qual a pessoa em desenvolvimento
interage e pesquisam apontam para o despreparo das famílias em acolher e criar as crianças
em seus lares, ganhando assim, uma nova realidade que são os abrigamentos.
Segundo Yunes, Miranda e Cuello (2004) tendo em vista a história pregressa das
crianças e dos adolescentes abrigados, a institucionalização pode ou não constituir um risco
para o desenvolvimento. Esta condição dependerá dos mecanismos através dos quais os
processos de risco operarão seus efeitos negativos sobre eles, sendo o risco entendido como as
condições ou variáveis que estão associadas a uma alta possibilidade de ocorrência de
resultados negativos ou não desejáveis (JESSOR; VAN DEN BOSS; VANDERRYN;
COSTA; TURBIN, 1995).
Em contrapartida, inúmeros fatores de proteção podem operar neste momento. Os
fatores de proteção correspondem às influências que modificam, melhoram ou alteram a
resposta dos indivíduos a ambientes hostis que predispõem a más conseqüências adaptativas
31
(HUTZ; KOLLER; BANDEIRA, 1996). Entretanto, deve-se compreender o conceito de
fatores de proteção enfatizando-se uma abordagem de processos, através dos quais diferentes
fatores interagem entre si e alteram a trajetória da pessoa, podendo produzir uma experiência
estressora ou protetora em seus efeitos (MORAIS; KOLLER, 2004).
Estes processos são considerados ativadores do desenvolvimento psicológico, sendo
que a simples ausência de interações com um ou mais adultos, que queiram o bem
incondicional destas crianças e adolescentes, que estão sob seus cuidados, pode configurar em
uma ameaça ao desenvolvimento psicológico sadio (YUNES; MIRANDA; CUELLO, 2004).
32
I.3. INSTITUIÇÕES DE ABRIGO E ECA: UMA REVISÃO HISTÓRICA
Estudos mais antigos (BOWLBY, 1973-1998; GOLDFARB, 1943, 1945) apontaram
os prejuízos cognitivos que a vivência institucional proporcionava para as crianças abrigadas,
tal como déficit intelectual, especialmente no desenvolvimento da linguagem. Estas crianças
eram mais distraídas e agressivas, apresentando dificuldades emocionais, de comportamento,
e incapacidade de formar laços afetivos duráveis com outros. Embora estes estudos
convergissem ao apontar os prejuízos ocasionados pela vivência institucional, Grusec e
Lytton (1988) problematizaram estes resultados, considerando que estes efeitos poderiam
surgir de outros fatores. Os mesmos autores demonstram estudos posteriores e confirmaram
que, de fato, muitas crianças, que viveram os primeiros anos de vida em abrigo, apresentaram
problemas de aprendizagem e também má adaptação social. Entretanto, é provável que a
ausência de estimulação e de oportunidades de brincadeiras, encontradas em instituições
pobres da década de 40, e a ausência de estrutura emocional familiar tenham contribuído para
agravar este panorama. Estudos apontam mudanças nas práticas de cuidados direcionados às
crianças e aos adolescentes abrigados, ao longo do tempo. Por exemplo, no final da década de
1970, já existiam abrigos residenciais de alta qualidade, na Inglaterra, nas quais cada unidade
era composta por seis crianças, que tinham acesso a brinquedos, livros e também a uma
proporção cuidador/criança generosa. O sistema dessas unidades se assemelhava ao sistema
familiar (GRUSEC; LYTTON, 1988).
Os estudos de Grusec e Lytton (1988) apontam ainda, os fatores que modificam os
efeitos dos cuidados em instituição de abrigo são de origem multifatorial, sendo estes efeitos
não uniformes ou fixos. Os fatores são: (1) motivo da separação da criança e sua família; (2)
qualidade da relação prévia com a mãe; (3) oportunidade para desenvolver relações de apego
depois da separação; (4) qualidade do cuidado na instituição; (5) idade da criança e duração
da separação; e (6) também o sexo e o temperamento da criança.
Já o estudo de Tizard, Cooperman, Joseph e Tizard (1972) investigou o efeito da
qualidade do trabalho dos monitores e o desenvolvimento do nível da linguagem das crianças
institucionalizadas, nesses abrigos residenciais. Este estudo apontou que o atraso intelectual
não estava necessariamente relacionado à vivência institucional. O nível ótimo de
desenvolvimento da linguagem foi relacionado à qualidade da conversa do cuidador, e não à
freqüência de conversações iniciadas por ele. Além disso, os cuidadores com maior
autonomia tendiam a brincar e a conversar mais com as crianças, levando-as a um melhor
33
escore na avaliação do desenvolvimento da linguagem. Assim, foi possível observar que os
efeitos prejudiciais da entrada em instituição, nos primeiros anos de vida, existiam, contudo
estavam sendo demasiadamente enfatizados.
É importante acrescentar que Bowlby (1973), por sua vez, já destacou duas condições
de maior importância no que tange à diminuição das reações negativas frente à separação de
crianças e suas mães: a primeira está relacionada à presença de uma pessoa conhecida e/ou de
objetos familiares no novo ambiente de desenvolvimento da criança; e a segunda, à presença
de cuidados maternais de uma mãe substituta. Desta forma, os efeitos danosos da separação
são mínimos quando estas duas condições estão associadas.
Assim, Grusec e Lytton (1988) propõem duas questões-chave no que tange à
institucionalização: (1) os efeitos danosos advêm da privação de estimulação necessária para
o desenvolvimento ou da privação do cuidado materno? E (2) estes efeitos surgem do
rompimento dos vínculos de apego ou de distúrbios das relações familiares? Quanto à
primeira questão, muitos déficits intelectuais, observados em instituições de abrigo, podem ser
devido a privações de algum tipo de estimulação sensorial, independente do cuidado materno.
De qualquer forma, mesmo em instituições de alta qualidade, a inteligência e autonomia de
crianças deste contexto são marcadamente menores do que aquelas que foram cuidadas em
suas casas. Isto sugere que a segurança emocional, derivada da existência de relações estáveis
na vida da criança, pode contribuir para o funcionamento intelectual adequado. Quanto à
segunda questão, muitos dos problemas de conduta de crianças abrigadas já estavam presentes
antes da institucionalização. Isto aponta para os fatores de risco no ambiente familiar, onde as
relações eram marcadamente instáveis, estressantes e conflituosas. Assim, estas experiências
precoces demonstraram operar um papel importante no desenvolvimento posterior, e, desta
forma, a separação em si não constituiu o fator decisivo.
No Brasil, historicamente, a política de atendimento à infância e à juventude em
situação de abandono vem sofrendo transformações. O gerenciamento e a implantação destas
políticas de atendimento saiu, gradativamente, do domínio da Igreja, passando por
profissionais filantropos, até ser de responsabilidade do estado, como é nos tempos atuais. No
Brasil Colonial, o abandono de crianças foi uma prática encontrada entre índios, brancos e
negros (LEITE, 1997). Da mesma forma, Priore (1996) afirmou que o abandono de bebês, a
vida em abrigos e as violências cotidianas (abusos sexuais e físicos, por exemplo) foram
características da infância no Brasil por mais de três séculos. Uma das mais duradouras
instituições de assistência à infância, vinculada à Igreja, foi a roda dos expostos, prática que
tinha como objetivo recolher crianças abandonadas anonimamente (MARCÍLIO, 1997).
34
Criada no período do Brasil Colônia, a roda dos expostos atravessou e multiplicou-se
no período imperial, conseguindo manter-se durante a República e só foi extinta
definitivamente em 1950. Durante mais de um século, a roda de expostos foi praticamente a
única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. Algumas vezes,
famílias substitutas acolhiam estes bebês, seja pelo espírito de caridade, ou mesmo com a
intenção de transformá-los em mão-de-obra familiar fiel, reconhecida e gratuita, na juventude
e na adultez. Marcílio (1997) afirma que a prática de criar filhos alheios sempre, e em todos
os tempos, foi difundida e aceita no Brasil. Ainda hoje, esta prática está fortemente integrada
à sociedade (FONSECA, 1987, 1993, 1995).
A partir de 1860, inúmeras instituições de proteção à infância desamparada surgiram
no Brasil, como estabelecimentos de abrigo e de educação para menores "desvalidos", de
caráter público ou privado. A menina foi essencialmente protegida, devido à preservação da
honra e da castidade. Inaugurou-se uma nova fase do assistencialismo no Brasil: a filantropia,
surgindo como um modelo capacitado para substituir o modelo representado pela caridade,
vinculada à Igreja (MARCÍLIO, 1997; RIZZINI, 1990). A filantropia organizou a assistência
dentro das novas exigências sociais, políticas, econômicas e morais, que nasceram com o
início do século XX no Brasil, juntamente com a República.
Segundo Freitas (1997), o advento da República ensejou uma revalorização da
infância, uma vez que o imaginário republicano reiterava de várias formas a imagem da
criança como herdeira do novo regime que se estabelecia. Entretanto, a problemática do
menor republicano no Brasil, vítima de violência e de abandono, somente passou a ser
enfrentada em meados dos anos de 1970, principalmente através de denúncias regulares
contra esta situação (PASSETTI, 1996).
Desta forma, foi com a indicação de 1978 como o "Ano Internacional da Criança" que
a história da criança no Brasil começou a ser focalizada e pesquisada. Este fato levou à
formação de diversas associações, que se articularam a outras, na defesa dos direitos da
criança e que acabaram influenciando na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente
de 1990. Desta forma, foi durante a vigência do século XX que um modo mais humano de
lidar com a infância e com a juventude abandonada passou a existir, juntamente com uma real
preocupação quanto à situação psicossocial dos menores.
A partir de 1990, com o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2003),
as crianças e os adolescentes passam de objetos de tutela a sujeitos de direitos e deveres.
Contudo, Santana (2003) destacou que o movimento social que deu origem ao ECA, ainda
que tenha contado com a participação da sociedade civil, em termos de representatividade
35
social, deixou a desejar. Desta forma, foi possível perceber que a noção de criança e
adolescente como sujeitos ainda não estava compartilhada por grande parte da sociedade. Este
fato ainda hoje pode ser observado, especialmente em relação às crianças e aos adolescentes
em situação de rua, sendo muitas vezes exigidas, do poder público, soluções enérgicas contra
eles, geralmente no sentido de puni-los, sem a intenção de garantir seus direitos (SANTANA,
2003).
Para que os dispositivos do ECA sejam cumpridos, de acordo com Silva (2004), é
necessário que tanto os responsáveis por sua aplicação quanto os executores, tenham não
apenas amplo conhecimento do estatuto mas também partilhem seus objetivos, contribuindo
para que efetivamente as crianças e adolescentes possam exercer plenamente seus direitos.
Entre os diretos previstos pelo ECA, destaca-se o direito à convivência familiar e comunitária,
que prevê o fim do isolamento, presente na institucionalização em décadas anteriores
(RIZZINI; RIZZINI, 2004; SILVA, 2004).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2003) também preconiza a
desinstitucionalização no atendimento de crianças e adolescentes em situação de abandono e
valoriza o papel da família, as ações locais e as parcerias no desenvolvimento de atividades de
atenção, trazendo mudanças no panorama do funcionamento das instituições de abrigo.
Assim, as instituições de abrigo devem estar configuradas em unidades pequenas, com poucos
integrantes, manter um atendimento personalizado, estimular a participação em atividades
comunitárias e preservar o grupo de irmãos, entre outros pontos. A implantação do ECA
contribuiu para mudanças efetivas no que tange às instituições de assistência e à sua
configuração como um todo, partindo não de uma visão puramente assistencialista, mas
concebendo-as como espaço de socialização e de desenvolvimento.
Quanto às condições dos atuais abrigos, Silva (2004) sinaliza que, dentre os abrigos
pesquisados da Rede de Serviços de Ação Continuada do Ministério do Desenvolvimento
Social (Rede SAC), (1) cerca de 56,7% foram considerados de pequeno porte, atendendo até
25 abrigados; (2) em geral, possuem as condições físicas, de abastecimento de luz,
saneamento e esgoto adequados; (3) 56% mantêm salas para atendimento técnico
especializado; (4) possuem dirigentes mulheres (60,4%) com ensino superior completo
(60,8%), entre outros aspectos. Entretanto, há diferenças evidentes entre as regiões brasileiras.
Por exemplo, a região norte destacou-se por possuir 92% de seus abrigos com no máximo 25
crianças e adolescentes, e a região Centro-Oeste ficou no último lugar, com 58,5% dos seus
abrigos atendendo pequenos grupos. Na região Sul, 27% dos dirigentes dos abrigos são pós-
graduados e na região Norte, 12%. Para Guirado, (1986). É possível observar diferenças
36
significativas entre o perfil apresentado neste levantamento e o modelo das instituições mais
antigas, visto que esta nova configuração difere qualitativamente daquelas, nas quais havia
um grande número de crianças e adolescentes vivendo sob um sistema essencialmente
coletivizado.
Ainda que o programa de abrigo esteja previsto pelo ECA (BRASIL, 2003) como
medida provisória e transitória, a permanência breve ou continuada no abrigo está
inteiramente relacionada à história singular de cada criança e/ou adolescente. Desta forma, a
promoção de ações efetivas de inserção social se constitui em um objetivo permanente, para
que o abrigo seja realmente uma medida protetora de caráter excepcional e transitório (ECA,
BRASIL, 2003). Para Juliano (2005) os fatores que dificultam a efetivação do caráter
provisório da medida de abrigo são: (1) a falta de integração das políticas sociais existentes;
(2) a dificuldade de interação e comunicação entre as entidades que trabalham com crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social; (3) a ausência de objetivos comuns entre
estas entidades; (4) a existência de ações pontuais e fragmentadas; (5) a fragilidade dos
recursos humanos nos abrigos, tanto na quantidade como na sua qualificação; (6) como,
também, a fragilidade das famílias, que se posicionam passivamente frente às ações que
poderiam resultar no desabrigamento de seus filhos. Arpini, (2003); Bazon; Biasoli-Alves,
(2000); Camino; Camino; Pereira; Paz, (2004), apontam que esse fato, para muitos casos, a
passagem por uma instituição de abrigo não é temporária, sendo que muitas crianças e
adolescentes ficam durante anos nestas instituições sem a possibilidade de estarem em
famílias substitutas, ou ainda, sem poderem voltar para suas famílias de origem. Além disso,
na prática, os abrigos demonstram fragilidade em seu funcionamento.
Atualmente, a comunidade científica voltou-se ainda mais a este ambiente social,
investigando inúmeros elementos que compõem este contexto, desde as questões sobre o seu
funcionamento, até aquelas referentes ao desenvolvimento sadio de seus integrantes, suas
percepções de família, da vivência institucional, entre outros.
I.4. ESTUDOS RECENTES SOBRE ABRIGOS NO BRASIL
O estudo de Yunes, Miranda, Cuello e Adorno (2000) sobre abrigos apontou a
predominância da função assistencialista, fundada na perspectiva tão somente de ajudar as
crianças abandonadas, havendo um frágil compromisso com as questões desenvolvimentais da
infância e da adolescência. Além disso, são observados problemas funcionais, como, por
exemplo, o número inadequado de funcionários, ocasionando, dificuldade no cumprimento
das funções, sobrecarga das tarefas e um atendimento pouco eficaz; e a precariedade na
37
comunicação dentro do microssistema institucional (funcionário/diretoria do abrigo,
adolescentes/funcionário, entre outros) e, sobretudo, entre os microssistemas (abrigo/escola,
abrigo/Conselho Tutelar, abrigo/outra instituição que a criança ou adolescente freqüenta, entre
outros), refletindo dificuldades de articulação na rede de apoio social. Pasian e Jacquemin
(1999) desenvolveram um estudo que investigou a auto-imagem, através do auto-retrato
gráfico, em crianças institucionalizadas e não-institucionalizadas, de 7 a 13 anos.
Os resultados indicaram que as crianças que viviam em abrigos apresentavam maior número
de indicadores emocionais em seus desenhos, na comparação com as crianças que viviam com
suas famílias. Em contrapartida, o tempo de institucionalização configurou-se um fator
importante, visto que aquelas crianças com mais tempo no abrigo apresentaram elementos de
uma auto-imagem mais integrada. Assim, segundo Pasian e Jacquemin (1999), foi possível
afirmar que o tempo de contato da criança com uma estrutura institucional, propiciadora de
experiências de vida positivas, pode favorecer a diminuição do número de sinais de
dificuldades emocionais. Já o estudo desenvolvido por Martins e Szymanski (2004) buscou
investigar a percepção de família de crianças em instituição de abrigo, a partir da análise da
brincadeira de faz-de-conta, empreendida por elas. Dentre os resultados, destaca-se que a
cooperação, ou ajuda mútua, permeou a grande maioria das interações. As crianças se
organizaram dentro dos papéis familiares, cooperando com a organização da casa e auxiliando
umas as outras em diversos momentos.
Outro resultado interessante foi a referência predominante ao modelo de família
nuclear, apesar de suas famílias de origem não possuírem esta forma de configuração,
apontando para a forte influência dos valores culturais macrossistêmicos. Dell'Aglio (2000)
investigou diversos aspectos no desenvolvimento de crianças e adolescentes que viviam em
instituições de abrigo e outras que viviam com a família, não tendo encontrado diferenças
consistentes entre os grupos. As análises apontaram resultados semelhantes no nível
intelectual, desempenho escolar, estratégias de coping e estilo atribucional, tendo sido
encontrada diferença somente nos índices de depressão, que foram mais altos entre as
meninas institucionalizadas. No entanto, conforme Dell'Aglio (2000), este resultado não pode
ser interpretado como indicação de que haja alguma relação causal entre institucionalização e
depressão.
Na maioria dos casos, a institucionalização se deu em conseqüência de eventos
traumáticos na família (abandono, violência doméstica, negligência), podendo ter sido este o
principal fator de risco para a depressão. Além disso, a autora também aponta que, para
muitos dos participantes de seu estudo, a institucionalização foi percebida como um evento de
38
vida positivo. O estudo de Arpini (2003) desenvolvido com adolescentes de classes populares,
também observou que aqueles que tiveram vivência institucional a caracterizavam como o
melhor período de suas vidas, relacionando-a com o estabelecimento de novos vínculos,
alguns dos quais se mantiveram mesmo após deixarem a instituição. Em contrapartida, estes
adolescentes demonstraram sofrer um forte estigma social, pois são vistos pela sociedade
como responsáveis e donos de algum tipo de "defeito" ou problema (ALTOÉ, 1993; ARPINI,
2003).
Assim, se por um lado existe uma representação mais positiva em relação à vivência
institucional, por outro, permanece a representação social que estigmatiza as pessoas que
compõem este contexto (ARPINI, 2003). Ao estudar a representação que o ex-interno, na
maioridade, faz do período que passou abrigado, em instituição de grande porte e com
funcionamento coletivizado, Altoé (1993) constatou que o relato foi marcado por
ambivalências: uma idealização associada as duras críticas relacionadas às vivências
negativas, tais como a falta de carinho e a falta de liberdade para conversar com outros
internos e/ou com os funcionários.
Um outro estudo investigou o perfil dos presidiários egressos de estabelecimentos de
assistência à criança e ao adolescente. No que tange ao abrigamento, cabe ressaltar que apenas
24,5% dos participantes estiveram em instituição de abrigo por mais de um ano, sendo
considerados, no estudo, como "jovens institucionalizados". Estes jovens ingressaram no
abrigo com idade entre 0 e 8 anos, e o principal motivo de abrigamento foi a falta de
condições financeiras da família. Os "jovens não-institucionalizados", 75,5% da amostra de
presidiários, eram jovens com trajetórias instáveis de vida, com diversas passagens por
inúmeros abrigos, com duração menor de um ano. Estes jovens ingressaram no abrigo com
idade entre 9 e 18 anos, tendo com principal motivo de entrada a realização de atos
infracionais (ALTOÉ, 1993). Se por um lado estes resultados apontam para a ineficiência da
rede de assistência à infância e à juventude em situação de risco pessoal e social, por outro
lado, aqueles jovens que conseguiram permanecer mais tempo no abrigo, aproveitando melhor
os recursos oferecidos, cometeram menos delitos e/ou crimes após os 18 anos. No entanto,
Silva (1997) enfatiza o aspecto negativo da institucionalização, apontando que o processo de
socialização que se dá nos abrigos, pela interação com grupos de risco e pela utilização de
mecanismos de resistência, contribui para a construção de uma "identidade institucional", a
qual evoluirá para uma "identidade delinqüente", consolidada pela reincidência e pela
multirreincidência.
39
Neste sentido, para Bronfenbrenner (1996), ser criado em abrigos, do ponto de vista de
valores e expectativas culturais, está associado a um estigma que pode se tornar uma predição
de fracasso. Desta forma, as instituições de abrigo podem ou não produzir efeitos benéficos
para a vida de crianças e adolescentes, dependendo de sua capacidade de fornecer apoio e
proteção.
I.5.
A INSTITUIÇÃO COMO REDE DE APOIO SOCIAL E AFETIVO
Para Samuelsson, Thernlund e Ringström (1996) a rede de apoio social tem uma
profunda influência na saúde e no bem-estar do indivíduo. A rede de apoio social e afetivo
define como o indivíduo percebe seu mundo social, como se orienta nele, suas estratégias e
competências para estabelecer relações, como também os recursos que este lhe oportuniza
frente às situações adversas que se apresentam. A ausência de uma rede de apoio social pode
produzir um senso de solidão e falta de significado de vida. O efeito de proteção que o apoio
social oferece está relacionado ao desenvolvimento da capacidade de enfrentamento de
adversidades, promovendo características de resiliência e desenvolvimento adaptativo
(BRITO; KOLLER, 1999; GARMEZY; MASTEN, 1994; RUTTER, 1987). Estes mesmos
autores também admitem que cada esfera da vida, tais como família, amigos, profissão,
vizinhos, escola, instituição de abrigo, entre outros, assume o papel de identidade social capaz
de fornecer apoio nas relações que o indivíduo estabelece com os outros. Assim, quanto mais
percebe com satisfação sua rede de apoio, mais sentimentos de satisfação com sua vida terá.
Dessa forma, pode-se compreender que, para as crianças e os adolescentes abrigados, a
instituição de abrigo se constitui na fonte de apoio social mais próxima e organizada,
desempenhando um papel fundamental para o seu desenvolvimento.
Para Newcomb (1990) a primeira relação de apoio social evolui das relações de apego
iniciais da criança e da capacidade e disposição dos pais em suprir suas necessidades,
constituindo a primeira base de esperança e segurança em outras pessoas. Para as crianças e
os adolescentes que não vivem com suas famílias, o mundo social expande-se ainda mais no
momento em que estes deixam o núcleo familiar, incluindo membros não pertencentes à
família, tais como monitores e demais crianças e adolescentes com os quais convivem na
instituição.
A relação estabelecida com os monitores desempenha papel central na vida das
crianças e dos adolescentes abrigados, à medida que serão estes adultos que assumirão o papel
de orientá-los e protegê-los, constituindo, neste momento, os seus modelos identificatórios.
Estudos apontam para a importância de cursos de formação, oficinas de reciclagem, ou
40
mesmo um espaço de trocas destinado a estes profissionais, visto que a satisfação profissional
está diretamente relacionada à qualidade de seu trabalho na instituição (BAZON; BIASOLI-
ALVES, 2000).
Essas autoras consideraram os monitores como educadores, e, desta forma, apontaram
a necessidade de que sejam guiados em suas ações cotidianas de modo a compreender o
impacto que seus gestos podem ter, a fim de darem um sentido às suas ações rotineiras. Da
mesma forma, o contato com pares, em igual situação de vida, pode configurar um apoio
social e afetivo, operando como fator de proteção. Ao conviver com crianças e adolescentes
de diversas idades, as crianças e adolescentes abrigados podem se envolver em parcerias uns
com os outros, compartilhar sentimentos positivos e negativos, apoiando-se mutuamente.
Martins e Szymanski (2004) apontaram que comportamentos pró-sociais, como de cuidado
recíproco, consolo e auxílio, em várias situações de vida, foram observados nas interações
entre as crianças cuidadas em instituição de abrigo.
Assim, diante do exposto, o presente estudo apresenta como OBJETIVOS:
Investigar aspectos da dinâmica intrapsíquica de mães de crianças institucionalizadas,
em condição de abrigamento.
Compreender recursos defensivos utilizados por essas mães.
41
II. MÉTODO
Nesta seção, procuramos descrever o caminho escolhido para a presente investigação.
Antes, porém, cabe descrever e justificar a utilização do delineamento qualitativo e, mais
especificamente, o recurso clínico de estudos de casos. E assim lembramos Triviños (1995)
quando assinala que a pesquisa de caráter qualitativo tem como base a flexibilidade na ação
investigativa, pois ela se caracteriza pela ausência de hipóteses rígidas definidas a priori,
permitindo formular e reformular hipóteses na medida em que se realiza a pesquisa. Também
Saes (2003) afirma que há a escolha de um assunto ou problema, coleta e análise de
informações, porém essas etapas não possuem divisões estanques no processo de
desenvolvimento da pesquisa, e seu teor dependerá do referencial do pesquisador que tem
como função principal descrever os fenômenos.
Aqui lembramos que no presente estudo o referencial adotado é psicanalítico para
explicação e interpretação do conteúdo dos casos estudados.
Com relação aos estudos de caso, Becker (1999) lembra que esses nascem da tradição
médica e dedicam-se, à análise detalhada de um ou mais casos individuais, supondo-se que, a
partir daí, pode-se obter conhecimento de um determinado fenômeno. Destacando-se que
esses estudos não priorizam as generalizações e sim as inter-relações que podem ser feitas dos
fenômenos específicos que se observa.
Cabe ainda destacar que ao seguirmos os passos do método clínico, valorizamos aqui,
no presente estudo, tanto a técnica de entrevista quanto os instrumentos projetivos. E
lembramos que, para Bleger (1980), a entrevista é um instrumento fundamental do método
clínico e é, portanto, uma técnica de investigação científica em psicologia. Como técnica, tem
seus próprios procedimentos ou regras empíricas com os quais não só se amplia e verifica
como também, ao mesmo tempo, se aplica o conhecimento científico.
Ao valorizar as relações que se estabelecem, Bleger (1980) assinala que é assim que a
entrevista alcança a aplicação de conhecimentos científicos e ao mesmo tempo obtêm ou
possibilita levar a vida diária do ser humano ao nível do conhecimento e da elaboração
científica. E tudo isto em um processo ininterrupto de interação.
Contudo, a entrevista aberta, diz Bleger (1980), não se caracteriza essencialmente pela
liberdade de colocar perguntas, porque, o fundamento da entrevista psicológica não consiste
em perguntar e nem no propósito de recolher dados da história do entrevistado.
42
Considerada desta maneira, a entrevista aberta possibilita uma investigação mais
ampla e profunda da personalidade do entrevistado, embora a entrevista fechada permita uma
melhor comparação sistemática de dados, além de outras vantagens próprias de todo método
padronizado.
Desta teoria da entrevista originam-se algumas orientações para sua realização. A
regra básica já não consiste em obter dados completos da vida total de uma pessoa, mas em
obter dados completos de seu comportamento total no decorrer da entrevista. Este
comportamento total inclui aquilo que recolheremos aplicando nossa função de escutar,
porém também nossa função de vivenciar e observar (BLEGER, 1980, p.13).
Entendemos que é nessa perspectiva clínica que nosso trabalho de investigação se
assenta.
II.1. PARTICIPANTES
Foram sujeitos desta investigação, três mães de crianças abrigadas, com idades de 40 a
45 anos, cujos filhos encontram-se nessa situação de abrigamento por determinação judicial,
devido à negligência e outros tipos de violência doméstica (como a violência física). Estas são
mães que ainda esperam que a guarda dos filhos seja por elas retomadas. Porém essa
retomada será feita apenas por ordem judicial. Destaca-se que foram estudadas apenas aquelas
mães que aceitaram participar do estudo e que todas assinaram o “Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido” (ANEXO 1).
II.2. LOCAL
O local do estudo foi uma instituição que abriga crianças, situada na cidade de São
Paulo. Utilizou-se do próprio ambiente institucional para a coleta dos dados. As entrevistas e
o instrumento projetivo foram aplicados em uma sala cedida pela instituição, livre de
interferências externas, ou seja, um ambiente que garantia a neutralidade e o sigilo dos dados.
A autorização para coleta de dados na Instituição encontra-se anexo (A
NEXO 4).
II.3. INSTRUMENTOS
Foram utilizados dois instrumentos: a) Procedimento de Desenho-Temático; b)
Roteiro de Entrevista Clínica Aberta.
A) Procedimento de Desenho-Estória com Tema: trata-se de uma técnica proposta por
Aiello-Tsu (1997) e Aiello-Vaisberg (1997) oriunda da proposta de Desenhos com estórias
desenvolvida por Trinca (1987, 1997). A proposta original de Walter Trinca é uma técnica
43
que associa o uso de desenhos livres e estórias, como forma de explorar livre e
dinamicamente os conteúdos da personalidade. A técnica permite o estudo das características
formais e estruturais da personalidade, pois tem a particularidade de facilitar a expressão de
aspectos inconscientes relacionados a pontos de angústias presentes, focos conflituosos e
perturbações emergentes. O seu autor afirma que essa técnica não pode ser considerada um
teste psicológico e sim um instrumento auxiliar na captação de emoções e conflitos básicos do
paciente, por acessar conteúdos profundos da personalidade, possibilitando um
psicodiagnóstico breve e completo, principalmente se associado a entrevistas e anamneses.
A decorrente proposta de Aiello-Tsu (1997) consiste numa solicitação de um desenho
seguindo de uma estória contada sobre o mesmo. Trata-se de uma forma de investigação
clínica formada pela associação dos processos expressivos motores temáticos baseados na
teoria e prática da psicanálise, nas técnicas projetivas e de entrevista. A partir da técnica de
Trinca (1997), o instrumento envolve arte e técnica firmemente fundamentadas no método
psicanalítico e concretiza-se de modo extremamente produtivo e fecundo na pesquisa de
representações sociais. Pode ser aplicada em sujeitos de qualquer faixa etária, em diferentes
condições psicopatológicas, inclusive quadros graves, com variados graus de instrução formal
e com variados níveis intelectuais, o que lhe confere grande versatilidade. A mesma autora diz
que a pesquisa acerca da psicodinâmica das representações sociais, que visa à captação do
inconsciente relativo, ou seja, das determinações lógico-emocionais estruturantes, pode ser
produtivamente realizada a partir do uso de procedimentos projetivos, tanto no que se refere à
“coleta” propriamente dita, ou seja, à constituição de condições propiciadoras da emergência
material inconsciente, como no que se refere à análise interpretativa dos dados, entendida
como uma forma sofisticada de um brincar que se faz em dois tempos, o tempo da expressão
do sujeito e o tempo da interpretação. Ressalta ainda Aiello-Tsu (1997) que cada pesquisador
pode e deve criar meios que lhe facilitem cultivar esta leitura transferencial a partir da adoção
da atenção eqüiflutuante. Em termos gerais, tendo-se em mente o objetivo de apreensão dos
determinantes lógico-emocionais das representações, pode-se afirmar que, na medida em que
o trabalho psicológico é essencialmente intersubjetivo, incide sobre o campo comunicacional
todo e qualquer procedimento, podendo ser utilizado e proposto na medida em que possa
facilitar a captação da dimensão inconsciente.
Para este estudo foram dadas as seguintes instruções: a) "Desenhe uma mãe de uma
criança em situação de abrigamento”; b) "Desenhe uma criança em situação de abrigamento";
após é pedido ao sujeito que "Conte uma Estória sobre o primeiro desenho e depois dê um
título"; e também que "Conte uma Estória sobre o segundo desenho e depois dê um título".
44
Cabe salientar que a análise do conteúdo coletado pelo instrumento não se valeu da
mesma leitura de representações sociais propostas por Aiello-Tsu (1997), mas sim Tardivo
(1997, p.118-121) que, através de estudos comparativos, faz reagrupamentos das categorias
propostas por Trinca (1997). A estrutura desse é a seguinte: Grupo I – atitudes básicas: inclui
tanto as atitudes básicas em relação a si próprio, como em relação ao mundo, as quais foram
agrupadas nos traços 1 a 5: 1. Aceitação: são incluídas nesse traço as necessidades e
preocupações com: aceitação, êxito, crescimento, atitudes de segurança, domínio, autonomia,
auto-suficiência e liberdade; 2. Oposição: atitudes de oposição, desprezo, hostilidade,
competição, negativismo, não-colaboração, desconsideração e rejeição aos outros; 3.
Insegurança: necessidade de proteção, abrigo e ajuda; atitudes de submissão, inibição,
isolamento e bloqueio; percepção do mundo como desprotetor; medo de não conter os
impulsos; dificuldades em relação ao crescimento; 4. Identificação positiva: sentimento de
valorização, auto-imagem e autoconceito reais e positivos, busca de identidade e identificação
com o próprio sexo; 5. Identificação negativa: opondo-se ao traço 4, referem-se a sentimentos
de menos valia, incapacidade, desimportância, identificação com o outro sexo, auto-imagem
idealizada ou negativa e problemas ligados à imagem corporal. Grupo II – Figuras
Significativas - foram reunidos aspectos referentes às relações com as figuras significativas.
Para isso, os autores demonstram conceitos da teoria psicanalítica, especialmente de Melanie
Klein, a respeito das relações de objeto. Aqui são incluídos os traços 6 a 11: 6. Figura
materna positiva: mãe sentida como presente, gratificante, boa, afetiva, protetora, facilitadora;
objeto bom e sentimentos positivos em relação à mãe; 7. Figura materna negativa: mãe
vivida como ausente, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controladora, exploradora; objeto mau,
atitudes e sentimentos negativos em relação à mãe; 8. Figura paterna positiva: pai sentido
como próximo, presente, gratificante, afetivo, protetor, além de outros sentimentos amorosos
e atitudes favoráveis em relação ao pai; 9. Figura paterna negativa: à semelhança do traço 7,
pai ausente, omisso, ameaçador, autoritário, além de outros sentimentos negativos em relação
ao pai; 10. Figura fraterna (ou outras) positivas: aspectos de relacionamento com os irmãos e
com outros iguais (companheiros, amigos, etc.); ou seja, cooperação, colaboração, igualdade
etc.; 11. Figura fraterna (ou outras) negativa: da mesma forma que o traço 10, aqui se refere
aos aspectos negativos nas relações, isto é, competição, rivalidade, conflito, inveja, falsidade,
etc. Grupo III – Sentimentos Expressos - partindo da descrição de Trinca (1987), a autora
procura agrupar os itens em três traços. Para isto, parte da teoria kleiniana, que configura a
existência dos instintos de vida e de morte, os quais são constitucionais, como o são, também,
os conflitos daí decorrentes. Assim, agrupa os sentimentos expressos, de acordo com os
45
critérios, nos itens 12 a 14: (p.119); 12. Sentimentos derivados do instinto de vida: são os
mais construtivos, como alegria, amor, energia, instinto sexual, conquista, sentimento de
mudança construtiva etc; 13. Sentimentos derivados do instinto de morte: são os mais
destrutivos, como ódio, inveja, ciúme persecutório, voracidade, desprezo etc; 14. Sentimentos
derivados do conflito: incluem-se os sentimentos ambivalentes, que surgem da luta entre os
instintos de vida e de morte; ou seja, são os próprios da fase da elaboração da posição
esquizo-paranóide e da vivência da posição depressiva. Aparecem, nesses momentos,
sentimentos de culpa, medos de perda e de abandono, solidão, tristeza, desproteção, ciúme
depressivo e outros. Grupo IV – Tendências e Desejos – Tardivo (1997) tomou por base a
definição dada por Trinca (1987, p.59), agrupou as principais tendências e desejos, que julgou
ser aproximadamente semelhantes, nos itens 15 a 17: (p.120); 15. Necessidades de suprir
faltas básicas: incluímos as mais regredidas, como desejos de proteção e abrigo, necessidades
de manter as coisas da infância, de compreensão, de ser contido, de ser cuidado
regressivamente, de afeição primitiva, necessidades orais etc; 16. Tendências destrutivas:
inserem-se aqui as mais hostis, como desejos de vingança, de atacar, de destruir, de separar os
pais, de ocupar (destruindo) o lugar do pai ou da mãe, necessidades de poder, de hostilizar etc;
17. Tendências construtivas: são aquelas mais evoluídas, como necessidades de cura, de
aquisição, de realização e autonomia, mas também de liberdade, de crescimento, de
construtividade; desejos de canalizar energia sexual e agressiva, de recuperar partes sadias, de
desligar-se de coisas infantis, de evitar danos físicos e/ou psicológicos. Grupo V – Impulsos
- divide os impulsos em amorosos (decorrentes do instinto de vida) e destrutivos (decorrentes
do instinto de morte), a autora manteve aqui os mesmos itens de Trinca (1987), incluindo os
traços 18 e 19: Amorosos; Destrutivos. Grupo VI – Ansiedades - a ansiedade encarada como
uma ameaça, um perigo pode ser sentida como sendo dirigida ou ao ego (ansiedade
paranóide) ou ao objeto (ansiedade depressiva). Assim, os traços 20 e 21 são: 20. Ansiedades
paranóides; 21. Ansiedades depressivas. Grupo VII – Mecanismos de Defesa - traços 22 a
33: Cisão; Projeção; Repressão; Negação/Anulação; Regressão a estágios primitivos;
Racionalização; Isolamento; Deslocamento; Idealização; Sublimação; Formação reativa;
Negação maníaca ou onipotente.
B) Roteiro de Entrevista – construído especialmente para o presente estudo, foram utilizados
temas norteadores que serviram como parâmetro para todas as entrevistas com as mães, tais
como: - História do abrigamento atual; - Relação da entrevistada com a família de origem;
Contexto atual de relações interpessoais. Destaca-se que as entrevistas tiveram caráter aberto,
clínico, tal como tratamos anteriormente em que explicamos a posição de Bleger (1980) e
46
Triviños (1995) em que essa nos serviu como meio de coleta de dados ao mesmo tempo em
que suas características enriqueceram a investigação, oferecendo um campo para o
surgimento de interrogações e hipóteses.
II.4. PROCEDIMENTO
Após aceitação, pela instituição, para realização desse estudo, bem como após a
aprovação do Comitê de Ética da Universidade (ANEXO 3), as mães foram convidadas a
participar do estudo quando abordadas na instituição. Após, houve a explicação e
esclarecimento por parte da pesquisadora sobre todo o processo da pesquisa e coleta dos
dados, deixando claro para as mães que a intenção do estudo era a de compreender melhor “a
mãe que vive com os filhos em situação de abrigo, afastados dela”, Após, aquelas que
aceitaram participar assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. Após este
contato, o abrigo, através da assistente social, disponibilizou uma sala em que pudéssemos
realizar as entrevistas e o procedimento de desenho-estória com tema, uma sala neutra que
continha uma mesa e cadeiras e nos foi garantido e assegurado um ambiente tranqüilo. Livre
de ruídos e estímulos, bem como de interrupções durante os encontros. As entrevistas clínicas
foram feitas individualmente, usando o roteiro norteador, em mais de uma sessão. Após, deu-
se à aplicação do instrumento projetivo – “desenho-estória com tema” em uma só sessão.
Quanto aos aspectos éticos, ressaltamos que o presente trabalho assenta suas bases
nos mais rigorosos princípios éticos e em dois instrumentos fundamentais: As resoluções da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e o Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Assim, esclarecemos alguns pontos desta através da redação com esses dois instrumentos: -
No sentido de atender a toda as exigências acima descritas, buscamos nos certificar de que os
procedimentos e instrumentos utilizados eram cientificamente válidos, anteriormente
experimentados e validados, como foi citado em capítulo específico; os sujeitos envolvidos,
bem como a instituição, foram plenamente esclarecidos verbalmente e concordaram através
do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”; antes da aplicação de qualquer
procedimento; foi-lhes garantido o sigilo das informações que pudessem identificá-los, além
da possibilidade de desistência e de esclarecimentos em qualquer etapa do processo; foi ainda
assegurado o bem-estar e o benefício dos sujeitos e da instituição envolvida através da
devolução das informações obtidas.
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3. RESULTADOS e DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo estão aqui apresentados como “Estudos de Casos”,
sendo estes três casos de mães de crianças em situação de abrigamento. Apresentamos em
cada caso, dados do histórico de caso (da mãe e do abrigamento) e, após, apresentamos as
produções gráficas e suas respectivas estórias. Destaca-se que buscamos, em cada caso, na
análise do conteúdo, abrir novas categorias de análise além daquelas constadas no roteiro de
entrevista norteador. As categorias foram extraídas a partir do conteúdo das “estórias” bem
como das produções gráficas e das entrevistas clínicas realizadas com os sujeitos.
Preferimos, nessa seção, já discutir esses resultados, primeiramente com os autores
que nos nortearam na análise do conteúdo do instrumental e depois seguimos com a discussão
de autores clássicos das teorias de desenvolvimento de base psicanalítica e por fim com
pesquisas que versam sobre a temática do abrigamento.
III.1. CASO 1 – SRA G. “A MÃE ABENÇOADA
Trata-se do caso de uma mãe de criança abrigada, a qual chamamos de Sra G., que
conta 42 anos de idade, solteira, mas que já teve dois parceiros em união estável. Com o
primeiro parceiro conviveu 2 anos e teve uma filha que conta atualmente 21 anos e com o
segundo conviveu por 3 anos e com quem teve outra filha, atualmente com 5 anos de idade
(filha que se encontra abrigada). Esta senhora atualmente vive sem parceiro. A criança está
abrigada desde 8 meses de idade por encaminhamento de uma assistente social.
A Sra G. nos afirmou durante nossos contatos que havia trabalhado como assistente na
prefeitura no setor de arquivo, (como auxiliar de limpeza). Atualmente desempregada, diz que
possui renda familiar de R$ 94,00 e mais R$ 40,00 do programa renda mínima. Seu grau de
escolaridade é ensino fundamental completo.
A Sra G. mora atualmente num prédio invadido, em companhia de sua filha mais velha
(21 anos de idade, que vive em união estável com companheiro), essa filha fora abrigada
anteriormente em regime de semi-internato.
Essa mãe afirma que a sua saúde é estável, não toma medicação, embora já tenha feito
uso de “Gardenal” (medicação anticonvulsiva). Narra que teve desmaios seguidos e que isso
era “coisa do demônio” (sic), mas que depois de começar a freqüentar a igreja os desmaios
não aconteceram mais, “... em nome de Jesus” (sic).
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III.1.1. Dados do Histórico de vida
A Sra G. narra que sua mãe faleceu quando ela tinha apenas 4 anos de idade. Depois
da morte de sua mãe, a Sra G. e suas três irmãs viveram um período com o pai num barraco
(não sabe precisar o tempo em que ficaram assim) e depois foram levadas pelo próprio pai
para um colégio de freiras (provavelmente um orfanato) na cidade de Santos e lá viveram até
encontrarem famílias substitutas. Nessa ocasião em que o pai as deixa, esse foi morar no norte
do país.
Sobre esse pai, a Sra G. diz que ele bebia muito, era agressivo e brigava muito com as
filhas, e quando estava embriagado, após brigar em casa, saía para a rua a brigar com os
amigos e vizinhos. Relata ainda que quando o pai bebia muito, esse trancava as filhas em casa
(moravam em um barraco) e demorava muito para voltar. Conta ainda que sempre apanhava
do pai, principalmente quando esse bebia e tornava-se violento com ela e suas irmãs,
surrando-as.
Durante as entrevistas, sempre ao relatar sobre a relação com sua família de origem, a
Sra G. afirmara não se lembrar da mãe, apenas do pai alcoólatra e agressivo. Mas, com
relação às irmãs, numa entrevista ela disse querer reencontrá-las (neste momento Sra G. me
pede para que a ajude a encontrar as irmãs). Sra G. não se lembra sobre a relação de seus pais,
se eles se davam bem ou não, mas diz que imagina que eles brigavam, e repete o fato do pai
beber muito e diz: “Ninguém agüenta gente bêbeda, né?” (sic).
Sra G. não consegue dizer com precisão com que idade foi levada do orfanato para
viver com um casal que já tinha um filho (refere-se a este casal como seus padrinhos).
Morou com essa família até os 14 anos de idade, mas não foi legalmente adotada.
Quando tinha essa idade, a família decidiu ir morar no “estrangeiro” (sic) e, como ainda relata
Sra G.: “Eles venderam a loja que tinham aqui e foram morar nos Estados Unidos, em Los
Angeles, Califórnia. Eu voltei para o juizado de menores” (sic).
Relembra ainda que quando morava com os “padrinhos” tinha uma vida boa, morava
em casa própria (dos padrinhos) e a situação financeira era boa. “Mas, eles deram preferência
em levar o filho deles. Tá certo não é?” (sic). A fala da Sra G. é baixa e amedrontada.
Sra G. conta que teve muita vontade de ir junto com o casal, (com essa família) mas
em nenhum momento perguntaram-lhe se desejava ir junto. Decidiram sem informá-la, e ela
só soube da decisão quando a deixaram no Juizado de Menores.
Sra G. demonstra muita tristeza por não ter ido embora com essa família, reafirmando
que na casa deles sentia-se bem e segura, que era tratada como integrante da família; porém,
em nenhum momento sentiu-se como filha do casal. É notório no discurso da Sra G. o desejo
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em ter ido junto com o casal para o exterior e o quanto sentia mágoa por não ter tido direito à
escolha, e por ter tido um destino traçado pelo casal. Ressalta mais de uma vez que só soube
depois e enfatiza muito, em seu discurso, o fato de ela ter ficado e do filho biológico ter ido
com os pais para os Estados Unidos.
Diz ter ficado sob cuidados do juizado de menores até completar 18 anos (não é
precisa quanto ao local que ficara). Após completar a maioridade, arrumou um emprego e foi
morar com um companheiro. Esta união durou 3 anos e dela teve uma filha (a mais velha que
hoje tem 21 anos).
Sra G. diz que teve muita dificuldade financeira e que em ambas gravidezes não teve
apoio dos parceiros e que o seu segundo companheiro, pai da criança que atualmente está
abrigada, nem chegou a conhecer a própria filha.
Afirma, contraditoriamente, que essa gravidez foi boa, do ponto de vista orgânico, mas
que sofria de desmaios constantemente. “Aí, ninguém tem paciência, né querida?” (sic).
Iniciou um tratamento com medicação anticonvulsivante, mas afirma que a cura mesmo veio
com sua freqüência à Igreja, “em nome de Jesus” (sic).
Relata ainda que tanto a separação do segundo parceiro, como o abrigamento da filha
se deram por causa dos desmaios que sofria. Com os desmaios e sem emprego, Sra G. conta
que a Assistente Social do Hospital Ipiranga onde ela era socorrida em algumas crises, decidiu
encaminhar a criança para o abrigo. E diz: “Minha filha foi educada pelo abrigo” (sic).
III.1.2. A Mãe e a filha
Quando abordamos sobre o como ela sente e percebe a situação do abrigo, a Sra G.
diz: “Não tem problema nenhum, aqui é maravilhoso” (sic).
Em relação à filha, essa diz que sente muito medo de perdê-la e sente muita falta da
filha, mas quando em suas visitas ao abrigo, que acontecem quinzenalmente, a Sra G. fica
com a filha o máximo de tempo que pode.
Durante as observações que realizamos no abrigo, pude perceber que a Sra G. pede
que a filha lhe afague os cabelos e a filha pareceu demonstrar afeto por sua mãe; mas como a
criança é bastante ativa, logo que chamada por outras crianças a brincar, ela aceita
prontamente, não ficando o tempo todo próxima à mãe. Numa dessas observações que pude
realizar, estando em companhia da Sra G., logo que a criança se afastara a Sra G. verbaliza:
Venho sempre visitar minha filha, é obrigação da mãe, toda mãe tem a obrigação de visitar
seus filhos; o abrigo ajuda a gente a cuidar, e a gente tem que fazer a parte da gente” (sic).
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Quando abordado sobre expectativas futuras, Sra G. diz que quer felicidade para ela e
as filhas, que a mais velha já tem dois filhos e ela, portanto, dois netos. Conta que quando
essa filha mais velha conheceu seu atual parceiro, essa mudou muito com ela. Sra G. conta
que a filha não dá dinheiro a ela, mesmo sabendo que ela não consegue emprego e depois que
se uniu ao companheiro, Sra G. diz que sente que a filha dá mais atenção ao marido do que a
ela, que vive de favor com a filha e não se sente bem com isso, mas diz: “Não tem outro jeito,
né? Eu dependo deles mesmo...” (sic). Diz ainda que não quer depender desta filha, que quer
um bom emprego e um canto para ela e para a filha menor viverem e espera o retorno da filha
para casa. Verbaliza que o abrigo a ajuda, mas que Deus vai ajudá-la mais, a reconstruir sua
vida, a reencontrar suas irmãs para que elas possam conhecer suas filhas.
III.1.3. A Senhora G. e nosso contato durante as entrevistas
Sra G. se dispõe a responder a entrevista. Mostra-se uma pessoa com boa verbalização,
mas com discurso confuso – na organização e seqüência de suas idéias.
Durante toda a entrevista a Sra G. faz pedidos, tais como: ajudá-la a arrumar um
emprego, arrumar-lhe atendimento dentário gratuito, pede absorvente higiênico, uma vez que
suas regras chegaram e ela não tinha nenhum absorvente.
Ao pedir-me que encontre um trabalho para ela, diz que pode ser auxiliar de limpeza e
que precisa ganhar algum dinheiro, uma vez que mora com a filha mais velha, mas que a
mesma a trata com indiferença e o companheiro da filha briga muito com ela.
Sra G. demonstrou boa desenvoltura em suas verbalizações, faz bom uso do português,
usa palavras ditas difíceis para sua formação escolar, porém seu discurso mostrou-se
desestruturado, tendo dificuldade de organização e desencadeamento das idéias, pois iniciava
um assunto e sem se dar conta falava de outro. Teve muita dificuldade de manter uma
coerência no discurso e pode se perceber dificuldades de atenção e concentração; não
conseguia parar de esfregar as mãos, sua fala era baixa, e mostrava-se amedrontada.
Aparentava medo de errar o tempo todo e perguntava se a resposta que dera estava certa.
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III.1.4. Observações
O discurso da Sra G. evidenciou como ela se sentia, ainda que muitos desses
sentimentos não fossem conscientes. Pareceu-nos que ela sentia-se como um objeto qualquer
que fora, desde sua infância, devolvido ou recolhido conforme interesses alheios. Não
conseguiu ser autora de sua própria história e segue sua vida dependendo da iniciativa dos
demais (do abrigo, da Assistente social; e até de mim quando me pede para ajudá-la a
encontrar sua família).
A denominação de “padrinhos” sinaliza a vivência da relação com o casal com quem
conviveu no final da infância e adolescência e com quem pode ser “afilhada”, mas nunca
“filha”, pois nunca fora por adotada como era seu desejo. Desejo esse também expressado na
inveja que sentira do filho biológico do casal.
Com a ida dos “padrinhos” para os EUA, mais uma vez, Sra G. foi abandonada.
Primeiro pela morte de sua mãe biológica, depois pelo pai alcoólatra que a entrega para o
Juizado de menores e, quando consegue a família substituta e vive com eles durante alguns
anos (10 anos) – Sra G. não consegue falar com precisão do tempo que morou com o casal – e
mais uma vez foi “devolvida” para o Juizado de Menores e lá permaneceu até completar
maioridade e buscar emprego em casa de família.
Sra G. não se constitui como um “adulto” do ponto de vista psicológico e acaba por
não poder responder as exigências que o contexto faz a um adulto. Repete com as filhas, as
mesmas dificuldades que seus pais tiveram para educá-la.
Quando ela está com a filha no abrigo demonstra afetividade para com a criança e
também muita carência da companhia da filha, deitando-se no colo da menina para que a
mesma lhe faça carinho. Nota-se uma regressão e infantilidade no encontro dessa mãe com a
filha e nota-se também que a filha permanece ao lado da mãe o menor tempo possível,
aceitando convites para ir brincar com as outras crianças no abrigo e fora dele, numa praça em
que os educadores ficam com as crianças as quais as mães não podem visitar.
Conta que sente muita falta de suas irmãs, mas que nunca mais as encontrou, que se
dava muito bem com elas e sente saudade, deseja muito o reencontro.
Não sabe falar sobre a relação dos pais, se eles se davam bem ou brigavam, pelo fato
da mãe ter morrido tão cedo, ela não tem estas lembranças dos pais.
Os episódios de embriaguez do pai parecem ter grande significado em sua história,
assim como a morte (abandono) da mãe e o novo abandono dos pais adotivos.
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III.1.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo
Os desenhos-estórias com temas da Sra G. são apresentados a seguir. Salienta-se que
essa mãe demonstrou muita resistência em desenhar, afirmando não saber desenhar nada e
que não queria desenhar. Após algumas tentativas, dizendo-lhe que não existia nem certo nem
errado e que o que ela fizesse estava bom, a mãe aceitou. Pegou então a folha e o lápis e
iniciou o primeiro desenho que é de uma mãe de uma criança em situação de abrigo e após a
realização do desenho veio à solicitação para que ela contasse uma estória, o que não houve
resistência.
O mesmo aconteceu com a solicitação para desenhar uma criança em situação de
abrigamento, o segundo desenho proposto pelo estudo, novamente a Sra G. demonstrou
resistência para desenhar, mas depois, para contar a estória se mostrou mais à vontade.
Segue abaixo as produções da Sra G.
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Unidade Produção 1
Figura 1. Caso 1 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título: “A mãe abençoada”
“Era uma vez uma menina; ela tinha acabado de chegar do norte. Foi ao encontro de seus
familiares, só que para ela aquele encontro foi uma grande decepção, pois seus familiares
todos eles a trataram com grande desprezo.
Foi quando ela foi procurar um abrigo e tentar uma nova vida. Aquela menina colocou em sua
cabeça que dali para frente ia começar o melhor, ia tentar um novo começo de vida.
Procurou emprego, fez alguns cursos, fez novas amizades porque tinha certeza que dali para
frente ia alcançar grandes vitórias.
Depois de algum tempo, quando sua família tentou novo encontro com a menina, eles viram e
ficaram admirados porque aquela menina tinha se transformado numa nova e maravilhosa
mulher.”
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Unidade Produção 2
Figura 2. Caso 1 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título: “A menina do abrigo”...
“Era uma vez uma menina que se chamava Daniela; essa menina tinha em sua cabeça um
grande propósito - ela queria muito ser médica, mas médica só para crianças.
Daniela achava que esta profissão seria muito fácil para ela se formar nessa profissão. Ela
passou por cima de muitos obstáculos, muita coisa que queriam impedir; Teve muitas
decepções.
Mesmo assim colocou em sua cabecinha que nenhum daqueles obstáculos a impediriam de ir a
luta e alcançar grandes e maravilhosas vitórias. Pois ela queria muito ser médica somente
para crianças.
Estudou, se formou e hoje quando qualquer pessoa encontra Daniela, fica muito admirada
pois Daniela se tornou numa grande médica, que seus pais tem orgulho da filha que tem.”
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III.1.6. Síntese das Produções
Segue-se análise e interpretação das produções gráficas e suas estórias, conforme
Trinca (1987, 1997) e Tardivo (1997) principalmente no que se refere aos aspectos dinâmicos
desses resultados. Também utilizou se alguns parâmetros de análise como complemento de
AL’Osta (1984). Observou-se com relação aos aspectos formais dos desenhos, um
primitivismo na própria construção dos desenhos, mostrando-se incompatível com a idade
cronológica do sujeito (tendo aspecto infantil). E, quanto à localização e posição da figura na
parte superior do papel e desenho em um dos cantos da folha pode indicar fuga ao meio, ou
seja, um afastamento ou desajuste do indivíduo ao ambiente. Essas características são mais
freqüentes em crianças pequenas ou mesmo entre sujeitos psicóticos, conforme explica
Al’Osta (1984). O desenho em si (Gestalt) dá indicativos de dificuldades de crescimento e
adaptação à realidade.
Com relação aos aspectos dinâmicos pôde-se observar, no que diz respeito aos grupos
de análise (TRINCA, 1987, 1997; TARDIVO, 1997) o seguinte:
“Atitudes Básicas” – observa-se aspectos regressivos nos traços e da construção do
desenho, bem como na narrativa aparece atitude de oposição (no início da estória da produção
1 e final da narrativa da produção 2). Em ambos aparece desprezo, hostilidade em relação aos
familiares “... foi ao encontro dos familiares (...) eles a trataram com desprezo”. Também se
observa, ao mesmo tempo, a insegurança, necessidade de proteção e abrigo, de ajuda, e
percepção do mundo como não protetor. Sentia-se desprezada pelos familiares.
Após, ainda na mesma narrativa (produção 1) e na segunda narrativa (produção 2)
surge a idealização de um sujeito que venceu, que é vitorioso; ou seja, auto-imagem
idealizada.
Com relação às “figuras significativas” também se pôde observar, tanto na produção1
quanto na 2, que as figuras materna e paterna são percebidas como objetos idealizados. Os
“sentimentos expressos” denotam muito mais o desprezo, ambivalência (amor/ódio), tristeza e
desproteção. Logo, nos indicadores apontados por Tardivo (1997) são aqueles derivados do
conflito; ou seja, surgem na luta entre pulsões de vida e pulsões de morte. São próprios da
fase de elaboração da posição esquizo-paranóide, conforme os postulados kleinianos.
Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como as mais
regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeição primitiva, necessidade de ser
cuidado; porém aparecem também tendências mais destrutivas, inseridos no desejo de
56
vingança (principalmente na estória idealizada da produção 2 e no final da estória da
produção 1), nota-se que ao mostrar a estória da menina há desejo de triunfar sobre os pais
que a abandonaram).
Assim, os impulsos aparecem mesclados, amorosos e destrutivos. Porém há
predomínio de ansiedade depressiva, dado os sentimentos de desproteção e ciúme depressivo
(TARDIVO, 1997).
Os “mecanismos” predominantes são de idealização e regressão a estágios primitivos.
De um ponto de vista desenvolvimental, entendemos que a Sra G. demonstra uma luta
constante entre pulsões de vida e morte, tentando conter a destrutividade dirigida aos pais
(que a abandonaram) com idealização e regressão, porém também busca fazer tentativas
reparatórias, dada a culpa que sente por triunfar sobre eles. Faz tentativas reparatórias, porém
sem sucesso. Tenta reparar, mas, por seu pouco alcance e elaboração da posição depressiva,
volta-se ao ciúme (já que em fantasia os pais, principalmente a mãe, a abandonaram para
viverem juntos) e à vingança.
III.1.7. Síntese Geral do Caso
A Sra G. a qual denominamos “mãe abençoada” por idealização, pois almeja uma mãe
abençoada, mas é, na verdade uma “criança abandonada”, pois é assim que se sente.
Entendemos que a Sra G. não foi efetivamente adotada e, por várias vezes, abandonada. Não
pode “maternar” na concepção winnicottiana (WINNICOTT, 1957) e nem a condição de
“rêverie” na concepção de W. Bion (BION, 1965) ou de estabelecer vínculo saudável e
positivo na concepção de Pichon-Rivière (PICHON-RIVIERE, 1980). Vive o abandono da
mãe e a inveja do irmão (filho biológico do casal com quem conviveu), uma vez que, ele tinha
“mais direitos”; direito de ser amado como filho e ela não. Na condição de mãe, a Sra G.
acaba por repetir com as filhas a mesma história de abandono de sua própria vida pregressa e
também abandona suas filhas.
Busca alcançar uma mãe protetora, cuidadora, a “mãe abençoada” (idealizada)
enquanto que ao mesmo tempo ataca a mãe que a abandona, ou as “mães abandonadoras”
(mãe biológica a abandonou com a morte e a mãe adotiva que fora embora para os EUA e
também a abandonou). Essa ambigüidade a impede de crescer e assim a Sra G. é tão infantil e
desprotegida quanto suas filhas, de modo que não se sente mãe, pois ainda é a filha frágil que
necessita ser amparada.
Desta forma, entendemos aqui que, o abrigo e o abrigamento são representados como
“alguém” que acolhe. Todavia, a Sra G. não é grata ao abrigo, pois, por sua ambigüidade
57
entende que o abrigo e o abrigamento são uma “obrigação” e não uma “benção” a qual
procura na fantasia. A Sra G. representa o abrigo a partir da função que o abrigo cumpre no
contexto social em que ela vive e das dificuldades materiais que ela enfrenta.
De modo que, tal como nas contribuições de Bion (1965) o significado, então, é algo
que sempre tem suas raízes mais iniciais em uma interação e troca emocional com os objetos
primários. E essa ambigüidade da Sra G. pode ser entendida dentro da visão bioniana como
relacionada aos distúrbios na relação do bebê com a função do “seio” ou da “mãe” e que
representam suas dificuldades atuais na distinção entre o simbólico e o literal, e de forma mais
genérica, na construção de vínculos entre os diferentes aspectos da experiência. E, como ainda
salienta o autor, as dificuldades e ansiedades com o seio enquanto um provedor de significado
resultam na distorção ou ausência desse seio e não pode ser inteiramente vivenciado. Como
então oferecer a rêverie, se a Sra G. também pouco a conheceu.
Também numa visão winnicottiana, observa-se que Sra G. encontra disficuldades em
maternar, pois sua criança interna ocupa sua totalidade, como nos explica Winnicott (1957) a
mãe precisa “adoecer” da maternidade, regredir e infantilizar, para tomar contato com a
criança e a Sra G. não consegue cumprir essa função; permaneceu no lugar de criança.
Infantilizada procura o colo da filha (que também representa sua mãe) para receber carinho.
Sra G. não consegue a rêverie, BION (1965), pois ainda espera que sua mãe lhe dê a
maternagem (WINNICOTT, 1957) que ela não pode perceber ou ter de sua própria mãe.
Na concepção de Pichon-Rivière (1980) entende-se que os vínculos essa mãe consegue
estabelecer são aqueles considerados patológicos, e são caracterizando-se pela relação de
dependência que o sujeito constrói com o outro; pois ao observarmos o comportamento, na
história de vida e nos recursos defensivos da Sra G. observamos as suas dificuldades no
estabelecimento de vínculo saudável, já que para tal haveria independência e comunicação e
aprendizagem.
Pichon-Rivière (1980) explica que vínculo é, então, um tipo particular de relação de
objeto; a relação de objeto é constituída por uma estrutura que funciona de uma determinada
maneira; é uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada ou
motivada por fatores instintivos, por motivações psicológicas. Temos dois campos
psicológicos no vínculo: um interno e um externo, em relação aos objetos. Pode-se dizer que
aquilo que interessa do vista psicossocial é o vínculo externo, enquanto, do ponto de vista da
psiquiatria e da psicanálise, nos interessa o vínculo interno, isto é, a forma particular que o eu
tem de relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito. Esse vínculo
interno, então, está condicionando aspectos externos e visíveis do sujeito.
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Assim, desde essa perspectiva, observamos que a Sra G. se vincula esperando do
ambiente (do outro) que esse lhe traga conforto afetivo. Ela, sozinha, torna-se incapaz de dar,
de relacionar com a imagem de um objeto colocado dentro do sujeito Esse aspecto também é
observado em suas projeções (desenhos-estória) em “tendências e desejos” se mostram
regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeição primitiva, necessidade de ser
cuidado.
Também aparecem tendências destrutivas, pois se inserem no desejo de vingança e
triunfo (principalmente na estória da produção 2 e no final da estória da produção 1, pois ao
mostrar a estória da menina, há desejo de triunfar sobre os pais que a abandonaram). Assim,
lembramos que a inveja está compreendida na teoria kleiniana (KLEIN, 1946-1991) como um
sentimento básico, das pulsões de morte. Simon (1986) afirma o primeiro objeto invejável é o
peito nutridor que para o bebê possui todo o desejado, guardando leite e amor ilimitados para
si mesmo; mas se a inveja é excessiva, os “aspectos esquizóides e paranóides são também
exacerbados. Todavia, deve-se diferenciar que a “inveja primária do peito materno” não é a
mesma forma de inveja posterior, que é muito menos destrutiva; pois nesta última, por
exemplo, aparece o desejo da menina de substituir a mãe, ou a posição feminina do menino.
Nestas, a inveja visa não o peito, mas a recepção do pênis paterno, os bebês, o parto, a
amamentação dos bebês, etc. Porém, no caso em questão, a Sra G. há o desejo e a inveja do
peito nutridor da mãe, assim como uma posterior inveja, mas também de posse da mãe, já que
o irmão pode ficar com a mãe e ela não (filho biológico do casal que partira para os EUA com
os pais).
Ainda com relação aos pólos inveja e gratidão, pode-se perceber na Sra G. que há um
movimento para sentir-se grata, mas essa não consegue. Isso pode ser percebido na relação
que estabelece com o abrigo e o abrigamento da filha – é bom, mas é uma obrigação das
pessoas de ter de fazer para ela. Assim, podemos encontrar respaldo em Simon (1986) quando
esse autor explica que a satisfação e a gratidão atenuam a inveja, a voracidade e os impulsos
destrutivos; mas, como a inveja interfere com a satisfação, a relativa frustração faz com que a
inveja não se reduza. No caso da inveja, continua o autor, se houver confusão na integração
do objeto total, certamente é porque há excessiva inveja e voracidade na relação objetal
parcial (as partes boas e más não estavam nítidas). Assim, a inveja de um seio nutridor (desejo
de se apossar dele) no caso em questão, impedem a resolução do conflito.
Sobre este aspecto, podemos retomar a própria análise do instrumental, quando em
“sentimentos expressos” aparecem o desprezo, ambivalência (amor/ódio), tristeza e
desproteção; logo, segundo os indicadores apontados por Tardivo (1997) esses representam
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aqueles derivados do conflito - na luta entre pulsões e próprios da fase de elaboração da
posição esquizo-paranóide e passagem para depressiva, conforme os postulados kleinianos.
Por isso entendemos as dificuldades no alcance ou ganhos da posição depressiva e suas
possibilidades reparatórias. Na concepção de Grinberg (s/d) a noção de culpa apresentada é
muito mais representativa de culpa persecutória, denotando não uma depressão no sentido
evolutivo normal, mas sim melancólico.
III.2. CASO 2 – SRA A. “A MÃE TRISTEZA
Trata-se do caso da Sra A, mãe de duas crianças abrigadas, tem 32 anos de idade,
solteira, morou com um companheiro, o pai dos filhos durante aproximadamente 8 anos, mas
ao longo da entrevista corrige a fala e diz que viveu com o companheiro 15 anos, e ficou
viúva há aproximadamente 5 anos. Atualmente mora com sua mãe e uma tia, irmã de sua mãe.
Uma prima levou os filhos dela para abrigamento em Carapicuíba quando ela estava internada
em um hospital (Com complicações no quadro, uma vez que a Sra A. é portadora do Vírus
HIV) sendo que o pai das crianças já havia falecido.
Atualmente vive em uma casa (alvenaria e laje, inacabada) de um cômodo, cedida pela
prefeitura. É auxiliar de limpeza, atualmente afastada do trabalho por estar fazendo o
tratamento de sua doença (portadora de HIV). Vive com salário de R$ 400,00 mais os salários
da tia e da mãe que somados chegam a mais ou menos R$ 1.160,00.
Sra A. é portadora do Vírus HIV, adquirido através de relações sexuais com o
parceiro, sofre de depressão e faz uso de medicação para conseguir levantar-se da cama.
Sente-se muito triste e desanimada. Sra A. tem 5 irmãos, sendo 3 irmãos biológicos e com os
quais ainda tem contato, e 2 outros irmãos adotivos, que perdeu contato.
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III.2.1. Histórico de vida
Sra A. foi criada por uma tia (irmã do Pai) e relata que sua mãe tem problemas de
saúde, dizendo: “A mãe tem problema de cabeça e faz tratamento há dez anos” (sic).
Viveu até os 14 anos de idade com a família da tia que era composta por essa senhora
irmã de seu pai, o tio e dois primos. Quando ainda vivia com eles o tio veio a falecer. Diz que
saiu desta casa fugida, porque desejava morar com a sua mãe e, não tendo conseguido, foi
morar com uma colega. Sra A. afirmou: “Eu sempre tive vontade de morar com a minha
mãe” (sic).
Sra A. relata que seu pai bebia muito e que sua mãe tinha “problemas de cabeça”. Não
se lembra de como era a relação de seus pais e nem tampouco com seus pais, pois era muito
pequena, tinha aproximadamente 6 anos de idade quando fora morar com a tia. Relata que
gostava do pai, mas que ama a mãe. “Eu gostava do meu pai, mas amo mesmo a minha mãe”
(sic).
A pedido de um tio (irmão do pai) foi viver num colégio interno. Diz não se lembrar
de muita coisa porque era muito pequena. Observa-se que sua narrativa também é confusa sob
uma perspectiva temporal e de construção de uma linha de raciocínio de sua história. Antes de
ir morar com os tios, viveu em um colégio interno, mas não consegue precisar o tempo que
esteve em cada lugar, diz: “Ah, isso eu num lembro não, eu era muito pequena...” (sic).
Seu parceiro - pai dos meninos abrigados - faleceu há 5 anos com HIV foi o único
parceiro de Sra A. e com quem teve os dois filhos que hoje estão abrigados; esses são dois
meninos, com as idades de 10 e 13 anos. Viveram juntos durante aproximadamente 15 anos,
perdeu a primeira gravidez e disse que era menina.
Relata que a gravidez do filho mais velho, hoje abrigado, foi muito boa, mas que a
segunda – do segundo filho também abrigado, o marido não ficava em casa, bebia muito e por
isso ela passou, “muito nervoso” (sic); conta ainda que passou por muitas necessidades e teve
problemas financeiros sérios.
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III.2.2. A mãe e os filhos
Quando Sra A. relata o histórico do abrigamento, ela diz que os filhos foram para o
abrigo porque ela ficou doente e internada e então sua prima levou os filhos para o abrigo.
Relata que quando foi internada, estava debilitada e o marido já havia falecido, então a prima
levou-os primeiro para um abrigo em Carapicuíba e depois eles foram transferidos para o
abrigo, local deste estudo.
Relata que sempre trabalhou muito e pagava outras pessoas para olhar os filhos,
trabalhava das 14 às 22 horas e ficava com os filhos somente nas folgas; mas, afirma
contraditoriamente que nunca teve problemas para cuidar dos filhos. Em seguida diz: “Eu
trabalhava muito e era muito difícil, tinha muito medo, os meninos ficavam na mão de um e
na mão de outro e isso dava muito medo, ninguém cuida direito” (sic).
Afirma ter tido muitas dificuldades financeiras, mas que hoje em dia não ter mais
porque tem a ajuda da mãe e da tia.
Quando fala da situação de abrigamento dos filhos diz que é muito difícil para ela,
porque não tem mais saúde, que quando pensa na adoção dos filhos dói muito. “Quero criar
meus filhos” (sic). Conta que sempre se pergunta por que os filhos não podem morar com a
sua mãe, avó das crianças.
Para ela a Instituição Abrigo é muito boa, não tem nenhuma queixa, o tratamento de lá
é bom, eles estudam; e diz: “Meus filhos falam bem daqui. Nunca vi nada. Eles falam que
gostam e quando eles falam que gostam, gostam mesmo” (sic).
III.2.3. A Senhora A. e nosso contato durante as entrevistas
Sra A. resiste muito a conversar com a pesquisadora. Após uma conversa com a
Assistente Social do abrigo ela concordou. Foi feito um rapport para que ela se sentisse mais
tranqüila, à vontade e se sentisse segura na companhia da pesquisadora. Foi explicado que se
tratava de um estudo, para entender melhor o que se passava com as mães e com ela; que suas
informações seriam úteis para muitas pessoas, e foi explicado o compromisso com o sigilo.
Após, ela se sentiu mais à vontade e passou a falar bem mais livremente comigo. Porém,
quando do pedido de elaboração dos desenhos, Sra A. se negou a desenhar, dizendo que não
tem jeito para estas coisas, que não se lembrava mais de quando foi a última vez que pegou
em um lápis. Ficou muito tensa e, após novo acolhimento e explicação de que não existia nem
certo, nem errado, e que ela fizesse apenas o que sabia, a Sra A. consegue então produzir e
demos seqüência com a estória.
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III.2.4. Observações
Nota-se que a Sra A. apresenta um quadro de depressão. Sua fala é de desânimo, não
tem nenhuma energia vital, sua postura é curvada e sua fala amedrontada. Durante a entrevista
Sra A. começa a chorar e pergunta para a pesquisadora: “Meus filhos vão voltar a morar
comigo, não vão?” (sic). Após ter sido acolhida em sua fala e em sua dor, Sra A. contém o
choro e demonstra a preocupação em deixar os filhos “abandonados”. Demonstra não poder
contar com sua mãe e também o medo que os filhos sejam adotados por famílias substitutas.
Sra A. vai sempre as visitas, diz que é porque é mãe e ama os filhos, leva-os para casa
nos feriados e nas férias com a autorização do abrigo.
Quando falamos um pouco sobre as expectativas futuras, Sra A. diz que quer melhorar
mais, voltar a trabalhar, quer que os filhos estudem, deseja arrumar uma casa maior, quer que
os filhos trabalhem quando estiverem maiores e façam cursos. “Quero meus filhos comigo.
Me sinto uma pessoa melhor, estou bem de saúde” (sic).
Assim como no caso anterior, a Sra A. não encontrou condições adequadas de
maternagem dados aos “problemas de cabeça” da mãe e o alcoolismo do pai. Os tios
acabaram por não se constituir efetivamente como uma família substituta e adotiva. Ela não os
sentiu como sua família, fugindo aos 14 anos para procurar a mãe. Sua busca incessante pela
mãe é presente sempre, mas repete a mesma saga com os filhos, os quais quer de volta como
quer a mãe.
III.2.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo
Os desenhos-estórias com tema da Sra A. são apresentados a seguir. É importante
salientar que a Sra A. também demonstrou resistência em aceitar desenhar, bem como em
conversar comigo. Mostrou-se amedrontada, disse que não sabia o que dizer, que não queria
desenhar, pois há alguns anos não pegava em lápis. Após um rapport e um acolhimento de
suas inseguranças é que fora devagar aceitando manter contato com a pesquisadora.
No momento de contar a estória, a Sra A. curva o corpo, fala pouco, não quer contar
além do que foi registrado, fazendo questão de encerrar as estórias rapidamente. Mostrou
pouco conteúdo verbal e seu discurso era carregado de medo e constrangimento.
Segue a produção da Sra A.
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Unidade Produção 1
Figura 3. Caso 2 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título:“Tristeza”
A mãe não está do lado dos filhos. Não sente razão de viver por parte de todos os motivos.
Criança é alegria e parece que falta alguma coisa;
Quando a gente tá do lado de uma criança a gente se acha alegre, contente, parece que a gente
não tem problema;
Sente paz, felicidade, sente tudo, né?
Sente muito amor. Só isso. Né?”
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Unidade Produção 2
Figura 4. Caso 2 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título: “Os três Felizes”
A criança se sente muito triste de não estar do lado de uma mãe, de uma família. Os meus
filhos estão no abrigo e você não vê um semblante alegre;
Uma criança assim, sem alegria.
Parece que meus filhos tem duas personalidades. Comigo eles são de um jeito e no abrigo
de outro.
Fica perguntando quando vão embora”.
O meu filho, o grande, ta entendendo muito. Achei ele estranho.
Parece que ele sabe que vai embora comigo”.
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III.2.6. Síntese das produções
Segue-se análise e interpretação das produções gráficas e suas estórias, conforme
Trinca (1987, 1997) e Tardivo (1997). Com relação aos aspectos formais do desenho,
observa-se o primitivismo na própria construção dos desenhos, que também se mostram
incompatíveis com a idade cronológica do participante (tendo aspecto infantil), tendo a
localização e posição da figura na parte lateral esquerda do papel. O desenho em um dos
cantos da folha indica que a pessoa foge ao meio, pode indicar também fuga ou desajuste do
indivíduo ao ambiente. Tal como no primeiro caso analisado, essas características, conforme
Al’Osta (1984), são mais freqüentes em crianças pequenas ou sujeitos psicóticos. A Gestalt,
em ambas produções, dá indicativos de dificuldades de crescimento e adaptação à realidade, o
que igualmente aparece no caso 1 desse estudo.
Com relação aos aspectos dinâmicos pôde-se observar, no que diz respeito aos grupos
de análise (TRINCA 1987, 1997; TARDIVO, 1997) o seguinte:
Atitudes Básicas - observam-se atitudes de oposição, negativismo e também
insegurança pela necessidade de proteção, abrigo e ajuda, em ambos procedimentos de
desenhos–estória.. Há percepção do mundo como desprotetor – principalmente na primeira
produção, pois na estória apareceA mãe não está do lado dos filhos. Não sente razão de
viver...” (sic), pois sente que sua própria mãe lhe falta e não lhe protege. Demonstra também
muitas dificuldades em relação ao crescimento, vistos em seus próprios desenhos – com
primitivismo nos traços e na construção do desenho. Nota-se também oposição em relação à
desconsideração e rejeição do outro.
Portanto, demonstra insegurança, necessidade de proteção, isolamento e bloqueio,
percepção do mundo como desprotetor.
Os desenhos apresentam traços falhados e leves, superficiais e sem força, sem energia,
o que pode indicar depressão – que tamm aparece nas narrativas das estórias - (a mãe que
demonstra a tristeza de ter os filhos longe dela) e enfrenta uma doença que não cura e sim um
controle o que a torna insegura e incerta em relação a acontecimentos futuros. Identificação
negativa demonstra sentimento de menos valia, incapacidade e desimportância.
Com relação as “figuras significativas” tanto na narrativa 1 como na narrativa 2,
aparece uma preocupação com os filhos, não narra as figuras materna e paterna, portanto
ausentes. As figuras paterna-materna – são percebidos como frágeis; aqueles que não
conseguem contê-la.
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Os sentimentos expressos” – nota-se tristeza, solidão e abandono na narrativa das
estórias da participante... “A criança se sente muito triste de não estar com a mãe...”
(narrativa produção 2). Demonstra preocupação pelos filhos (e a si mesma), sente que não
estão felizes e que desejam voltar a viver com ela (ela deseja viver com eles e com a proteção
de sua própria mãe). A narrativa 2 traz certa contradição : “Fica perguntando quando vão
embora...” O meu filho, o grande, ta entendendo muito. Achei ele estranho. Parece que ele
sabe que vai embora comigo” (sic). Aparece portanto uma ambivalência, um conflito entre
querer e não querer, e aparece também a culpa, medo de abandono, tristeza, desproteção
próprios da fase de elaboração da posição esquizo-paranóide e passagem para depressiva,
conforme os postulados kleinianos.
Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como
regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeições primitivas, necessidade de
ser cuidado; os ‘impulsos’ aparecem mesclados, amorosos e destrutivos, porém há
predomínio de ansiedade depressiva (TARDIVO, 1997).
Os mecanismos” predominantes são de “regressão e estágio primitivo”, entendemos
que a Sra A. demonstra uma luta constante entre pulsões de vida e de morte, manifestando o
desejo de ter os filhos morando novamente com ela, embora não tenha condições físicas e
psíquicas para tanto; deseja arrumar um bom emprego e viver numa casa melhor (fantasia,
idealização). A identificação projetiva aparece já em ambas narrativas na medida em que a
Sra A. identifica-se e projeta-se totalmente na figura e na estória; embora isso seja muito
comum em testes projetivos e também facilita a elaboração/construção do mesmo, nota-se
uma adesão da Sra A. em suas produções. Assim, é importante apontar a primeira descrição
que faz M. Klein (KLEIN, 1932, 1946) da identificação projetiva, pois comunica a idéia de
que se trata de uma relação agressiva e de uma relação amistosa, na verdade, a identificação
projetiva é o protótipo da relação de objetos, e sem ela não haveria relações posteriores mais
diferenciadas.
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III.2.7. Síntese Geral do Caso
Sra A. ao apresentar-se com uma fala que expressa desânimo, e não expressa energia
vital, com postura curvada, com tristeza e choro desesperado durante nosso encontro, parece
dar indicativos de um quadro de depressão, o qual vai sendo delineado ao longo de nosso
contato com ela e o que é expresso também em seu procedimento de desenhos-estórias com
tema.
Sua história é de abandono e de busca incessante por uma mãe que nunca encontrou.
Sente o abandono de um pai que bebia e uma mãe com “problemas de cabeça”, bem como por
tios não protetores e que também abandonam (tio morre quando com ele morava) e busca
incessantemente proteção e abrigo numa mãe idealizada que jamais encontrará. “Eu sempre
tive vontade de morar com a minha mãe” verbaliza ao explicar que saíra da casa dos tios
fugida, porque desejava morar com a sua mãe. E, quando diz à entrevistadora: - “Eu gostava
do meu pai, mas amo mesmo a minha mãe”.
Após, também narra outro abandono, dado pelo fato de que a pedido de um outro tio
foi viver num colégio interno (provável orfanato).
É atualmente perseguida por uma doença crônica e que o controle a torna insegura e
incerta em relação ao futuro, havendo identificação negativa e sentimento de menos valia, de
incapacidade, mas carregado de uma culpa que não consegue nunca expiar...pois, não
consegue renunciar ao desejo de ter para si a mãe que procura. Por isso não pode dar,
maternar e, formando um ciclo, vem novamente a culpa, pois não consegue reparar (embora
tente) o abandono que causara aos filhos abrigados - “Eu trabalhava muito e era muito difícil,
tinha muito medo, os meninos ficavam na mão de um e na mão de outro e isso dava muito
medo, ninguém cuida direito” (sic). Ante o tanto sofrimento, busca, novamente na fantasia,
um mundo bom, pois idealiza um emprego, um controle da doença e os filhos com ela.
Em sua fala amedrontada e ante o desespero que lhe leva ao choro e à pergunta:
“Meus filhos vão voltar a morar comigo, não vão?” (sic), demonstra sua dor, sua culpa em
deixar os filhos “abandonados”, mas também consciência de que não pode contar com sua
mãe – que não acolhe, que a Sra A. busca, mas que não tem.
Encontramos aqui, no caso da Sra A., um correlato com a teoria kleiniana quando
Simon (1986) explica a angústia depressiva e a ambivalência. O autor expõe que a
identificação da criança com o objeto atacado (mãe como pessoa) reforça os impulsos de
reparação e inibe a agressão. Quando a angústia depressiva e a ambivalência são
insuportáveis, o bebê, recorre a defesas maníacas (negação, idealização – como Sra A. faz da
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mãe) e clivagem, semelhantes à posição esquizo-paranóide, porém mitigados, porque o ego
está mais integrado e tem mais consideração pelo objeto.
Assim, a clivagem na posição depressiva processa-se de forma diferente que na
esquizo-paranóide. Em vez de objetos parciais, a divisão se faz entre objetos completos. Os
objetos ficam separados entre objeto vivo, intacto, e objeto estragado. Desse modo a clivagem
serve como defesa contra a angústia depressiva de perda do objeto, tal como o que acontece
com a Sra A.
Utilizando ainda das contribuições desse mesmo autor, podemos dizer que a Sra A.
não consegue vivenciar continuamente a realidade psíquica, que implicaria na elaboração da
posição depressiva, pois não consegue fazer, ainda que tente uma comparação entre os pais
internos e externos – e que a levaria à uma melhor compreensão das semelhanças e
diferenças. De modo que, a figura dos pais (principalmente da mãe) que fica cindida entre
aterrorizante e idealizada, poderia ficar cada vez mais próxima da realidade, porém a Sra A.
não consegue essa vivência, esbarrando-se na depressão (culpa que não consegue elaborar).
Também na compreensão de Grinberg (s/d) parece um estado melancólico, já que não efetivo
ganho da posição depressiva, tal como no caso anterior.
E, ainda com as contribuições de Simon (1986), poderíamos dizer que, se houvesse
por parte da Sra A. uma capacidade de aproximação progressiva, à medida que os maus
aspectos dos objetos vão sendo atenuados pelos aspectos bons, também a assimilação do
superego pelo ego poderia ser incrementada. Todavia, parece haver aí o conflito que a impede
de vivenciar essa maior integração. Sua angústia é muito intensa.
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III.3. CASO 3 – SRA L. “MÃE DOS SETE
Trata-se do caso da Sra L. mãe de seis crianças abrigadas, 44 anos, casada, sendo os
sete filhos do primeiro casamento e agora uma filha do segundo casamento. A Sra L. é da
Religião Evangélica. Seis dos sete filhos do primeiro casamento encontram-se atualmente em
situação de abrigamento, um deles, o mais velho já teve que sair, por ter completado maior
idade. A filha mais nova, ainda de colo e quando iniciamos o este trabalho, ainda estava
grávida da mesma, hoje vem com a mãe visitar os irmãos no colo.
Sra L. tem uma fala muito tranqüila. Não demonstra nenhum tipo de preocupação com
o momento que vive seus filhos e quando é perguntado a ela porque teve oito filhos, ela
explica:“ Sou evangélica e não temos o costume de evitar filhos, se veio foi porque Deus quis
que fosse assim, nós aceitamos o que Deus nos determina”. (sic)
Atualmente Sra L. relata trabalhar com vendas de Produtos Naturais, o atual
companheiro é eletricista e encanador autônomo...”Não é sempre que tem serviço pra ele, a
vida é muito difícil” (sic). Diz que vivem com uma renda familiar de R$ 600,00. O casal mora
em casa própria, de alvenaria. Sra L. conta que estudou até a quinta série.
III.3.1. Histórico de vida
Sra L. morava no Rio de Janeiro com os pais, conta que sua família é composta de
mais de 10 pessoas, entre pai, mãe e irmãos. Conta que entre os irmãos vivos, ela tem 3 que
são homens e 4 mulheres. Relata ainda, que viveu com os pais até os 25 anos de idade.
Sra L. relata que saiu de casa apenas para se casar e foi então que veio para a Cidade
de São Paulo com o pai dos sete filhos, morava em casa própria e a relação com o marido era
muito boa. Conta ainda que seus pais se separaram, mas que após 13 anos voltaram a morar
junto. “Deus ajeita a vida da gente, o tempo pode passar, mas tudo volta a ser como Deus
pretende que seja...” (sic). Relata ainda que a volta do pai ao lar foi difícil. Conta que o pai
era uma pessoa difícil de conviver, mas que não era violento, nem bebia, era apenas de difícil
convívio.
Sra L. não viveu nenhum tipo de agressão ou violência na família, relata que a relação
familiar sempre foi muito boa. “Para que brigar, não é mesmo, Deus não gosta que as
pessoas briguem” (sic).
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Os sete filhos tem diferença de 1 ano entre um e outro, revela nunca ter evitado
gravidez e conta que todos os partos foram normais e que as gestações foram muito boas, pois
passou sempre muito bem.
III.3.2. A mãe e os filhos
Sra L. conta que o abrigamento aconteceu a aproximadamente 6 anos atrás, que a casa
em que moravam estava depredada, sem água, sem luz e tinha uma enorme dificuldade
financeira. Através de denúncia anônima a Juíza decidiu pelo abrigamento. “Deve ter sido os
vizinhos, a vida estava muito complicada, muita criança e pouco dinheiro, as pessoas viam o
sofrimento delas” (sic).
De 15 em 15 dias a Sra L. vai visitar os filhos. Chora quando conta o momento do
abrigamento. “Quando moravam comigo, não tinham roupa, nem material de escola,
ganhavam tudo. A única coisa que tinha e não era muito, era comida” (sic).
Conta ainda que o desenvolvimento dos filhos foi normal. Encontrou dificuldades na
educação dos filhos quando eles ficavam muito rebeldes, na fase de estudos, para ir a escola.
Ressalta que não todos, mas que os mais velhos fugiam da escola. Na época que moravam
com ela, enfrentaram dificuldades financeiras graves.
Sra L. diz que a situação de abrigo é péssima e que não dá para saber se o abrigo trata
os filhos dela bem. Diz que para as crianças é ruim. “Os meus maiores falam que é ruim”
(sic).
Deseja reunir todos os filhos de novo e diz: “Vou unir todos novamente mesmo porque
não fui eu que fiz isso”. (sic) - se referindo à situação de abrigamento. Diz que acha melhor os
filhos voltarem para casa, que em casa é melhor para eles e quem eles tem duas casas, se
referindo a casa dela e a casa do pai dos sete.
Sra L. completa dizendo que: “Para a Justiça ter novo companheiro prejudica a volta
das crianças para casa” (sic).
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III.3.3. A Senhora L. e nosso contato durante as entrevistas
Sra L. deixa a filha de colo com um dos filhos maiores para colaborar com a pesquisa.
Escuta as instruções atentamente e a explicação dos objetivos do trabalho. Demonstra muito
interesse em ajudar.
Nota-se que a Sra L. não desfaz a postura tensa. Preocupada em acertar, em dar as
respostas que não a prejudique para tirar os filhos da Instituição. Neste momento retomo o
rapport, explico novamente os objetivos do trabalho-lhe que o trabalho respeitará o sigilo, o
segredo científico, para que ela não se preocupe.
Durante toda a entrevista, Sr L. pensava muito para responder as questões e sempre
dizia que estava tudo bem, não querendo demonstrar nenhum tipo de dificuldade, mas quando
se pergunta sobre o momento do abrigamento ela não agüenta e começa a chorar.
Durante toda a entrevista Sra L. fez uma barreira, manteve um distanciamento e suas
respostas eram muito pontuais e quando era feito o inquérito ela abreviava novamente.
III.3.4. Observações
Nota-se a postura defensiva da Sra L. desde o início da entrevista, pois tentava
demonstrar em seu discurso que tudo estava muito bem. Entendi que essa postura estava
bastante relacionada ao fato de que essa mãe desejava transparecer que tudo estava bem para
impressionar a entrevistadora e com isso influenciar uma possível volta dos filhos para casa.
Quando se referia ao abrigo, também pôde deixar transparecer sua raiva em relação à situação
dos filhos, por estarem abrigados, e em sua complementação, afirma que não fora ela a
causadora desta situação.
A Sra L. apresentou um discurso num bom “português”, atenta a todas as perguntas e
as respondeu dentro do que para ela seria “seguro”, mas faltou-lhe espontaneidade. Não
reagiu com naturalidade. Observamos, inclusive, que a Sra L. aceitou ser entrevistada com a
esperança de que isso pudesse ajudá-la no processo judicial para tirar os filhos do
abrigamento.
Questões sobre religiosidade e valores e dogmas religiosos apareceram durante todo o
discurso da Sra L.
Não foi detectado na Sra L. nenhum tipo de patologia física, não faz uso de medicação
e de nenhum tipo de droga. Mostrou-se bem de saúde e reafirmou isso na entrevista.
Demonstra angústia em saber que pouco pode fazer em relação a volta dos filhos para
casa. Diz ainda que não tira os filhos da cabeça quando está em casa. “Fico pensando se está
72
tudo bem com eles aqui” (sic) e nota-se que é para conseguir dar conta da culpa que ela vive
pelas condições vividas pelos filhos atualmente.
III.3.5. As Projeções: os desenhos-estórias com tema e seu conteúdo
Os desenhos-estórias com tema da Sra L. são apresentados a seguir. A Sra L. não
demonstrou tanta resistência em responder a entrevista e tampouco a fazer as produções
gráficas. Notava-se que ela estava se percebendo importante em ter sido convidada para
participar de um estudo. Respondeu as perguntas de forma tranqüila, porém cuidadosa. Quis
saber se o que ela responde-se ajudaria no retorno dos filhos para casa e foi esclarecida que
não, mesmo assim continuou sendo solicita e desempenhando as produções de maneira
tranqüila.
Disse que não sabia desenhar muito bem, mas que gosta de desenhar, durante toda a
produção gráfica fala sobre os filhos e que diz que ter um novo companheiro complica para
que os filhos voltem para casa. Mas que ela tem “... fé em Deus...” (sic) de que os filhos
voltem a morar com ela, mesmo sabendo que será muito difícil financeiramente, fala sobre o
abrigamento e diz que é um lugar bom para ajudar a quem não pode criar os filhos, que ela
sente que os filhos mais velhos ficam mais tristes que os menores e assim concluí o que lhe
fora solicitado.
Segue abaixo, produções da Sra L.
73
Unidade Produção 1
Figura 5. Caso 3 - “Desenhe uma mãe de uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título: “A mãe que tem criança no Abrigo”
Uma mãe em situação de abrigo
É muito triste. Porém , se sente abandonada, carente.
Sem força, sem ânimo para tudo.
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Unidade Produção 2
Figura 6. Caso 3 - "Desenhe uma criança em situação de abrigamento”.
Estória
Título: “O menino triste porque vive no Abrigo”
Uma criança chorando por falta da mãe, quando é submetido a ficar no abrigo;
ele se sente obrigado a ficar no abrigo;
não aceita a ficar no abrigo e fica chorando muito..... sentindo a falta de seus pais.
75
III.3.6. Síntese das produções
Descreve-se a análise e interpretação das produções da Sra L., seguindo-se os
parâmetros de análise de Trinca (1987, 1997); Tardivo (1997), além de também os padrões
apontados por Al’Osta (1984) em relação aos aspectos formais dos desenhos. Em relação aos
aspectos formais, observa-se o primitivismo na construção das figuras. Estas também se
mostram incompatíveis aquelas esperadas para a idade cronológica do sujeitos, já que
apresentam aparência e aspectos infantis. A localização da figura na página, tende a ocupar a
parte inferior (figs. 5 e 6) e mais para esquerda do papel (fig. 5), o que dá indicativos de
tendências de fuga ao meio, ou desajuste.
Essas características, conforme Al’Osta (1984), são mais freqüentes em crianças
pequenas, ou sujeitos psicóticos. Em relação ao desenho como um todo (Gestalt), este mostra
dificuldades de crescimento e adaptação à realidade, o que se pôde notar também nas outras
participantes deste estudo.
De modo que, sobre esses aspectos formais, parecem indicar muito mais uma
infantilização e aspectos regressivos do que um desajuste propriamente dito.
Com relação aos aspectos dinâmicos (TRINCA 1987, 1997; TARDIVO, 1997) pôde-
se observar, no que diz respeito aos grupos de análise, o seguinte:
“Atitudes básicas” – o primitivismo dos traços e da construção do desenho, bem
como na narrativa aparece atitude de desprezo e hostilidade.
Demonstra insegurança, necessidade de proteção. Mas também aparece isolamento e
bloqueio, percepção do mundo como desprotetor. Nos desenhos, os traços são falhados e
desordenados. Identificação negativa - demonstra sentimento de menos valia, incapacidade.
Com relação as “figuras significativas” tanto na (narrativa 1 como na narrativa 2),
aparece uma preocupação com os filhos, e o abandono da mãe. Narra a figura materna,
portanto presente.
Os “sentimentos expressos” – surgem sentimentos de tristeza, solidão e abandono na
narrativa das estórias da participante... ”Uma mãe em situação de abrigo, é muito triste...
(narrativa produção 1). Demonstra preocupação pelos filhos, sente que são crianças tristes...
”Uma criança chorando por falta da mãe, quando é submetido a ficar no abrigo”. (narrativa
produção 2). Porém, a Sra L. parece entender que toda essa situação está “fora dela”, ou seja,
alguém causou essa tristeza.
Com relação às “tendências e desejos” entendemos que essas aparecem como
regredidas: “necessidades de suprir faltas básicas” como afeições primitivas, necessidade de
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ser cuidado; os ‘impulsos’ aparecem mesclados, amorosos e destrutivos, porém há predomínio
de ansiedade depressiva (TARDIVO, 1997).
Os “mecanismos” predominantes são de “regressão e estágio primitivo”, entendemos
que a Sra L. Nota-se racionalização e cisão.
III.3.7. Síntese Geral do Caso
Há de se destacar que a Sra L. sentira medo em falar com a pesquisadora-psicóloga,
pois temia que isso pudesse prejudicá-la no processo de retorno dos filhos ao lar. Além de que
afirmara saber que o fato de ter um novo companheiro atrapalharia esse mesmo processo.
De modo que, além das projeções vistas nos desenhos-estória com tema, durante nosso
contato também aprece de forma intensa essa persecutoriedade e culpa, ou uma “culpa
persecutória” muito evidente. Isso nos remete a uma colocação de Melanie Klein (KLEIN,
1955-1980) quando se referia à análise de crianças e o que essa poderia suscitar, e constata
algo que nos pareceu muito similar aos sentimentos da Sra L, pois a autora coloca que a “a
culpa e a depressão podem ser tão fortes que levam à intensificação dos sentimentos
persecutórios” (p. 33).
Ainda sobre o despertar dessas projeções da Sra L., lembramos Pichon-Rivière (1980-
1998) demonstra que os vínculos entre o eu e os objetos internos marcam fortemente o
vínculo externo. Em uma projeção paranóide, por exemplo, aquilo que o sujeito coloca fora,
no mundo exterior ou na sociedade, é a pauta de conduta dos vínculos internos com seus
objetos internos. Os objetos atuais funcionam para o sujeito como telas referenciais sobre as
quais coloca toda uma estrutura, um modo de ser, um vínculo com o outro, que coloca sobre o
terapeuta e vive como uma realidade. A loucura pode ser descrita como o resultado da
colocação de um vínculo interno sobre um externo, em relação ao qual adquire prioridade. À
medida que o vínculo interno se fortalece, vai passando da neurose à psicose. (p.37)
Assim, do ponto de vista desenvolvimental, pode-se dizer que essas características
parecem indicar conflitos da Sras L. na passagem da posição esquizo-paranóide para a
posição depressiva. E nesse sentido, retomamos Simon (1986) ao explicar que as angústias
persecutórias intensas e as defesas contra elas prejudicam a elaboração da posição depressiva.
Há a presença da inveja que magnifica as angústias persecutórias, requerendo mecanismos de
defesa que violentam as funções psíquicas. Em alguns casos de natureza psicótica, encontram-
se defesas que parecem impenetráveis e impossíveis de analisar. Seriam aqueles casos de
clivagem de aspectos que o ego não tolera integrar sem risco de desmoronar.
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Com relação à questão vincular, o caso da Sra L. parece ser correlato com dois
diferentes tipos de vínculo patológicos descritos por Pichon-Rivière (1980-1998), ou seja,
vínculo depressivo, aquele carregado pela culpa, bem como o vínculo paranóico que se
caracteriza pela desconfiança. Por isso é que as explicações de Melanie Klein (KLEIN, 1955-
1980) parecem aqui contribuíram pelo fato de que a grande intensidade da culpa e a depressão
levarem à intensificação dos sentimentos persecutórios.
A Sra L. usa defesa contra a inveja. A idealização, que serve como defesa contra a
perseguição serve também contra a inveja. O bebê como afirma Simon (1986), por inveja, não
consegue separar nitidamente o peito bom do mau. Então recorre a cisão em um peito
onipotentemente idealizado e outro excessivamente mau. Mas, por outro lado, a exaltação do
objeto idealizado visa diminuir a inveja, visto que esse se torna inatingível, fora das
cogitações do sujeito querer igualá-lo. Mas a inveja excessiva acaba querendo também o
inatingível e termina por incluir o objeto idealizado no rol dos estragados. Isso leva a nova
busca de objetos idealizados, que com o tempo vão tendo o mesmo fim.
Sra L. não demonstra gratidão pelo abrigo que cuida de seus filhos, vê o abrigo como
castigo e ruim para a vida de seus filhos.
Simon (1986) explica que quando o paciente é capaz de experimentar a gratidão – o
que significa que é menos invejoso – pode beneficiar-se da análise e consolidar os ganhos
obtidos. Diz ainda que, quanto mais os aspectos depressivos do paciente predominam sobre os
equizóides, melhor a perspectiva de cura. O impulso para reparar e ajudar o objeto invejado
detém a inveja. Isso é possível pela mobilização de sentimentos de amor, o que não é
demonstrado pela Sra L.
Segundo Simon (1986) nos primeiros meses de vida existe forte sadismo contra o
peito e o interior do corpo materno. A relação se estabelece com objetos parciais. O
desenvolvimento do bebê é regulado por mecanismos de introjeção e projeção. “Desde o
começo o peito materno é o protótipo – como bons objetos quando a criança recebe deles,
como maus quando falham” (p.282).
O peito “mau” não o é apenas por ser frustrador, mas porque também a criança
projeta nele sua própria agressividade. Essas figuras distorcidas dos objetos reais estão no
exterior, e, por incorporação, também dentro do ego (SIMON, 1986, p.71).
O mesmo autor aponta que o bebê vive angústias relacionadas aos maus objetos
sentidos como uma multidão de inimigos, desse relacionamento persecutório emerge, como
angústia básica da posição paranóide, o medo de ser destruído.
78
As defesas paranóides terão por fim preservar o ego do aniquilamento. É claro que,
entre todas as condições, é a capacidade do ego de tolerar que vai determinar sua
possibilidade de estabelecer relações com o objeto total. Isso porque na posição paranóide
pode haver a introjeção de um objeto total e real. Mas o ego não consegue uma identificação
completa com ele. Ou, se consegue, não mantém porque há angústia persecutória muito
grande, perturbando introjeções estáveis; dúvidas e suspeitas quanto à qualidade do objeto
transformam o amado em perseguidor; as angústias persecutórias são uma tarefa enorme para
o ego pouco integrado, não podendo sobrecarregar-se com angústias pela preservação do
objeto amado, além dos sentimentos de culpa e remorso concomitante. (Os sofrimentos da
posição depressiva levam-no de volta à posição paranóide).
79
III.4. ASPECTOS GERAIS DOS CASOS ESTUDADOS
Puderam ser verificados, nos três casos estudados, que a “condição ou capacidade
materna” tão apregoada pelos autores clássicos (KLEIN, 1946; 1955; WINNICOTT,1964;
1967; BION, 1965; BOWLBY, 1984) ainda que sob diferentes óticas, não é uma condição
observada nessas mães de crianças abrigadas.
O material colhido - tanto nos desenhos-estórias, quanto nas entrevistas possibilitaram
a apreciação de conteúdos internos dessas mães e seus funcionamentos - de relações objetais
interno/externo, caracterizando o que Winnicott (1964/1967) denominou de falha de ambiente
que estas mães experimentaram na infância.
Em síntese, foi observado em cada uma dessas mães:
A Sra G. ou a “Mãe Abençoada houve um predomínio do que consideramos -
Ambigüidade e Impeditivos de Crescimento - pois ao mesmo tempo em que ataca a mãe
que a abandona (tanto a biológica quanto a mãe adotiva) busca uma mãe boa idealizada. Essa
ambigüidade a impede de crescer e assim a Sra G. é tão infantil e desprotegida quanto suas
filhas, de modo que não se sente mãe, pois ainda é a filha frágil que necessita ser amparada;
- Dificuldade de sentir gratidão - não é grata ao abrigo, pois, por sua ambigüidade entende
que o abrigo e o abrigamento são uma “obrigação” e não uma “benção” - a qual procura na
fantasia (mãe). A Sra G. representa o abrigo a partir da função que o abrigo cumpre no
contexto social em que ela vive e das dificuldades materiais que ela enfrenta. Ou seja, “o
abrigo (mãe) não faz mais do que obrigação em acolher seus filhos”. Sobre esse aspecto,
Simon (1986) explica que a gratidão origina-se nos estágios primitivos em que a mãe (seu
peito) é o único objeto, constituindo-se no modelo das relações amorosas seguintes. O mesmo
autor assinala que a capacidade de amar é inata; impulsos invejosos (que derivam das forças
inatas do instinto de morte) podem perturbar o amor pela mãe: interferem com a gratificação
proporcionada pela amamentação. A satisfação completa só é possível se a capacidade de
amar é suficiente.
- Mecanismos predominantes - idealização e regressão a estágios primitivos.
Nessa relação de ambigüidade com a mãe internalizada, podemos observar que estão
presentes recursos defensivos predominantemente equivalentes com aqueles que Melanie
Klein (KLEIN, 1946) explica em “notas sobre os mecanismos esquizóides” e, portanto
iniciais do desenvolvimento humano, tais como a identificação projetiva. Entende-se que a
identificação projetiva é protótipo da relação de objetos e sem ela não haveria relações
posteriores mais diferenciadas. Não só as partes más, mas também as partes boas do sujeito
80
são partidas e defletidas – para fora. Todavia, seu excesso na vida adulta denota conflitos em
período primeiro do desenvolvimento, pois revela um enfraquecimento egóico. Como na
cisão/projeção há partes boas defletidas, jogadas para fora, julga-se que partes boas e
amorosas de si também são postas fora juntamente com sua agressividade e inveja.
Sobre a especificidade da idealização que demonstra a Sra G., encontramos em Klein
(1946) que são seis os mecanismos complementares especiais da posição esquizo-paranóide,
esses sempre se ligam a clivagem, a introjeção e projeção; são eles: negação, idealização,
onipotência, abafamento das emoções, identificação projetiva e identificação introjetiva.
O que vivenciou a Sra G. vem de encontro com uma explicação de Melanie Klein
(1946) quando diz que o ego foi deixado com uma multidão de objetos persecutórios, não
contando mais com o objeto bom para protegê-lo, porque este foi fragmentado por excessiva
angústia e frustração, recorre em desespero ao mecanismo de idealização, criando uma
espécie de ‘super-objeto’ – o “peito-idealizado” - a mãe abençoada.
Na Sra A. ou Mãe Tristeza” predominou o que consideramos uma angústia
depressiva e a ambivalência. Na busca incessante por uma mãe que nunca encontrou e por
abandono de um pai ambíguo que é frágil com “problemas de cabeça”, mas que é arrebatador
e abandona, somados ao fato de que na atualidade é perseguida pela doença que não cura
(castigo) e cujo controle lhe dá incerteza em relação ao futuro, a “mãe tristeza” se assenta na
menos valia e na incapacidade, e carrega uma culpa que não consegue nunca expiar – pois há
a ambivalência, pois tem raiva daqueles que não a ancoraram e protegeram. É assim que
encontramos um correlato na teoria kleiniana quando Simon (1986) explica que quando a
angústia depressiva e a ambivalência são insuportáveis, o bebê, recorre a defesas maníacas
(negação, idealização – como Sra A. faz da mãe) e clivagem, semelhantes à posição esquizo-
paranóide, porém mitigados, porque o ego está mais integrado e tem mais consideração pelo
objeto. A clivagem na posição depressiva processa-se de forma diferente que na esquizo-
paranóide. Em vez de objetos parciais, a divisão se faz entre objetos completos. Os objetos
ficam separados entre objeto vivo, intacto, e objeto estragado. Desse modo a clivagem serve
como defesa contra a angústia depressiva de perda do objeto, tal como o que acontece com a
Sra A.
- Dificuldade de elaboração da posição depressiva - não consegue vivenciar continuamente
a realidade psíquica, que implicaria, na elaboração da posição depressiva, pois não consegue
fazer, ainda que tente, uma comparação entre os pais internos e externos – e que a levaria à
uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças. De modo que, a figura dos pais
81
(principalmente da mãe) fica cindida entre aterrorizante e idealizada. Poderia ficar cada vez
mais próxima da realidade, porém a Sra A. não consegue essa vivência, esbarrando-se na
depressão (culpa que não consegue elaborar).
Mecanismos predominantes - suas fantasias propiciam idealização; identificação projetiva.
Assim podemos entender que na Sra A., a qual parece então demonstrar dúvidas e
suspeitas (aspectos paranóides) quanto à qualidade do objeto introjetado, que a angústia é
intensa e há uma tarefa enorme para um ego frágil e que não pode sobrecarregar-se; além dos
sentimentos de culpa e remorso concomitantes. Isso leva-lhe ao intenso sofrimento e a Sra A.
volta a buscar recursos mais regredidos e primeiros do desenvolvimento – da posição esquizo-
paranóide, conforme preconizou Melanie Klein (KLEIN, 1932; 1946).
Sra A. está doente e acredita que a mãe que ela idealizou venha lhe cuidar e ainda
cuidará dos filhos, caso ela venha a falecer da doença que a acomete (HIV). O controle de
objetos externos e internos é outra forma de defesa contra a angústia depressiva, pois visa
evitar a frustração e deste modo deter a agressividade e conseqüente perigo aos objetos
amados.
Outra manifestação da angústia refere-se aos perigos que ameaçam o objeto bom
dentro do ego, porque este se sente incapaz de proteger o objeto amado contra os
perseguidores internos e contra o id. Essa angústia se justifica psicologicamente porque o ego
não abandona totalmente os mecanismos de expulsão e aniquilamento do objeto da posição
paranóide. Caso o ego estivesse mais desenvolvido, como preconizou Melanie Klein, haveria
uma percepção de que o uso de mecanismos de expulsão para se proteger do perseguidor
interno pode expelir também o bom e danificar o bom externo com a projeção do mau interno.
São estes riscos que levam ao abandono das defesas paranóides de expulsão e projeção
(KLEIN, 1932; 1946). Fato não observado nessa e nem nessas mães.
Buscando melhor compreensão do caso da Sra A. nos escritos de Melanie Klein
(KLEIN, 1932; 1946; 1955) pudemos compreender que as defesas mais usadas na posição
depressiva passam a ser a introjeção do bom objeto, associada com a reparação do objeto –
aspecto pouco visto nesse caso. O aumento do mecanismo de introjeção do bom objeto
estimula a voracidade, e esta dá origem a outra espécie de angústia depressiva, que é o medo
de esvaziar o objeto externo e interno. A identificação com o objeto atacado (mãe) reforça os
impulsos de reparação e leva à redução da agressividade.
Quanto à Sra L. ou “Mãe dos sete” pudemos entender que nela predominou:
82
A persecutoriedade e culpa - a intensa persecutoriedade e a culpa ao mesmo tempo parecem
indicar a culpa e a depressão podem ser tão fortes que levam à intensificação dos sentimentos
persecutórios. Há a presença da inveja que também intensifica as angústias persecutórias,
requerendo mecanismos de defesa que violentam as funções psíquicas.
Dificuldade de sentir gratidão – percebe o abrigo como uma ameaça, as pessoas tiraram os
filhos dela e agora ela sente medo em não conseguir ter os filhos de volta, por que, quem
decide isso é o Juiz. Ela não demonstra gratidão em seu discurso, apresenta sim uma idéia de
que é “obrigação” do abrigo cuidar dos filhos dela, uma vez que foram eles (abrigo, o juiz)
que tiraram os filhos dela. Entende-se a gratidão, conforme Simon (1986), a gratidão é um dos
maiores derivados da capacidade de amar. É essencial para o estabelecimento de uma relação
segura com o bom objeto e a base do reconhecimento da bondade em si mesmo e nas outras
pessoas. O mesmo autor afirma, com base na teoria kleiniana que a satisfação é a base da
gratidão; de modo que, o que se pode reconhecer num círculo vicioso maligno invejoso é:
quanto mais inveja, menos consegue usufruir o peito; quanto mais frustrado maior o
ressentimento contra o peito avarento, o que aumenta a inveja de possuir seus bens sonegados.
De modo que a capacidade amorosa fica prejudicada.
Mecanismos predominantes - regressão, racionalização, negação, cisão.
A presença de persecutoriedade e culpa, dificuldade de sentir gratidão e com
predomino defensivo de regressão, racionalização e cisão, revelam a mulher-mãe de seis
filhos abrigados e que na verdade eram sete (pois um deles ao atingir maioridade deixou o
abrigo) e que durante nosso trabalho teve seu oitavo filho. Conhecida no abrigo como a “mãe
dos sete”, demonstra-se persecutória e em nome de “Deus” não evita filhos, e sente medo em
dar a entrevista, pois teme represálias da justiça.
Assim, conseguimos compreender a Sra L. com Klein (1932; 1946) quando explica
que o peito “mau” não é apenas por ser frustrador, mas porque tamm a criança projeta nele
sua própria agressividade e essas figuras distorcidas dos objetos reais estão no exterior, e, por
incorporação, também dentro do ego. Desse relacionamento persecutório emerge, como
angústia básica da posição-paranóide, o medo de ser destruído. No caso da Sra L. a defesa que
o ego lança mão para escapar da angústia de aniquilamento é a negação da realidade psíquica.
Essa defesa consiste (KLEIN, 1932) em eliminar a percepção dos perseguidores
internalizados ou pertencentes à realidade exterior, esse mecanismo, se excessivamente
utilizado, forma a base das mais severas psicoses, porque leva à grande restrição dos
mecanismos de projeção e introjeção.
83
Já a expulsão e projeção, são outros mecanismos de defesa de que o ego se utiliza para
se defender do temor da destruição. São defesas dirigidas aos perseguidores internos:
expulsando o mau de seu interior, fica a salvo do ataque iminente e percebem-se também as
forças destrutivas dirigidas contra os perseguidores internos, esse mecanismo defensivo é
acionado porque os dois mecanismos anteriores não são totalmente eficazes. Todavia,
conforme Klein (1946) mesmo não querendo ver, ou expelindo os inimigos internos, sempre
sobram perseguidores; isso porque o perigo do aniquilamento é devido a operações do instinto
de morte dentro do sujeito, e nem todo ele pode ser defletivo ou neutralizado pela libido. A
destrutividade é dirigida contra o próprio id, ou partes do ego identificadas com o mau objeto
interno - superego primitivo.
Mas, e a culpa sentida pela Sra A. Nesse caso, a culpa sentida é compreendida com
Klein (1957) quando explica que a inveja excessiva provoca culpa prematura. “Se a culpa
prematura é vivenciada por um ego ainda não capaz de suportá-la, a culpa é sentida como
perseguição, e o objeto que provoca culpa se transforma em perseguidor” (p.194). E, tal
como explicou Griberg (s/d), essa é uma culpa persecutória e não aquela que a levaria a uma
possível reparação. Também aqui podemos lembrar Winnicott (1957) ao explicar o que
entendeu como depressão patológica e que estaria ligada a uma sensação de falta de
perspectivas e uma despersonalização de vivências de acordo com o desenvolvimento de um
falso self, que poderia ocorrer em uma etapa anterior a posição depressiva.
Assim, como se pôde observar nesses casos de mães estudadas, ante as dificuldades
internas de manutenção de objetos internos bons e de compreensão das partes ruins do objeto
– representando assim um “objeto total”, integrado, há, por conseqüência dificuldade ou
incapacidade de rêverie ou de “maternar”. As mesmas têm percepções de suas histórias de
vida, bem como aspectos inconscientes que aqui são revelados como raiva, e ódio, dos seus
pais internos. Houve abandono real (nos dois primeiros casos), mas igualmente nos três casos
observou-se inveja e destrutividade sentidas por um seio ou objeto/peito “mau”. E isso é
entendido como impeditivo de um bom exercício materno ou capacidade de maternar, pois
para tal é necessário fazer trocas amadurecidas.
Ainda com as características específicas em cada uma dessas mães, há evidencias de
um relacionamento persecutório emergido como angústia básica da posição-paranóide - o
medo de ser destruído.
Assim também se expressa a dificuldade dessas mães em estabelecer bons vínculos
com o mundo externo, uma vez que, os objetos internalizados são idealizados e não conferem
84
com dados da realidade. Seus vínculos, na visão de Pichon-Rivière (1980) se configuraram
como patológicos, notados pela dependência que constroem com o “outro”, não conseguindo
estabelecer trocas que se fundam na aprendizagem. E na visão etológica de Bowlby (1976)
podemos entender que tais mulheres não puderam ter uma experiência de modelo seguro de
apego, não desenvolveram expectativas positivas em relação ao mundo, e não acreditam na
possibilidade de satisfação de suas necessidades. Apresentam sim um modelo de apego menos
seguro e desenvolveram, com o mundo, expectativas menos positivas. O Modelo Funcional
Interno proposto pelo autor é como uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o mundo e a
si próprio. A privação desse tipo de relação leva a criança a sofrer uma série de efeitos
prejudiciais de acordo com o grau de privação, a privação parcial pode gerar angústia,
exagerada necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e culpa e depressão
(BOWLBY, 1976).
Ainda dentro da proposta de relações objetais, pode-se entender com Winnicott (1958)
que ainda que essas mães pudessem dispor de um potencial inato de amadurecer para se
integrar, essa tendência não garantiu-lhes, sozinha, um desenvolvimento saudável, pois um
ambiente facilitador com cuidados suficientemente bons não lhes fora apresentado. Assim,
pode-se pensar que a visível imaturidade dessas senhoras encontra-se na falha do ambiente
representada pelas dificuldades de maternagem suficientemente boa que a elas próprias não
fora disponibilizada e que, portanto, não sabem também reproduzir. Para Winnicott (1958) a
mãe permite que a criança se sinta integrada em si mesma e vá adquirindo uma sensação de
diferenciação do mundo em que vive, adquirindo uma noção de um ser unitário e que é capaz
de se separar dela.
Por outra ótica, este estudo nos proporcionou compreender, conforme as contribuições
de Bion (1965) que é possível pensar a relação entre continente/contido de modo dinâmico e
dialético, porque o resultado do desenvolvimento seria a constituição da própria continência e
do aparelho psíquico do bebê, mediante a introjeção da condição de rêverie da mãe. Tendo em
vista esta explicação, percebeu-se que todas as três mães estudadas não tiveram a
possibilidade de introjetar um continente (a mãe). Mesmo tendo histórias diferentes, mas
comuns entre si, essas perceberam as mães (figuras maternas) ausentes ou ruins. Nos casos
Sra G. e Sra A. o histórico de vida mostrou abandono real. A Sra G. perdeu a mãe quando
ainda era criança, e que depois de adotada também foi abandonada, esta reproduz atualmente
na experiência com suas filhas. A Sra G. busca na filha mais velha o “porto seguro” que
nunca encontrou na relação com as mães que teve e o colo que não recebeu em sua infância
de sua filha menor. Nesse aspecto, podemos entender com Bion (1965) considera o hábito do
85
indivíduo dar sempre as mesmas respostas a novas situações - o que pudemos observar no
funcionamento psíquico das mães estudas - seria conseqüência de uma espécie de lei da
inércia do psiquismo, comparável à lei da gravidade para os corpos físicos. De certa maneira
as três mães estudadas dão as mesmas respostas às novas situações, repetindo e reproduzindo
o que aconteceu em suas histórias de vida. O abandono, a rejeição, a falta de afeto e de amor
com que as mesmas foram criadas e tiveram que sobreviver ao mundo externo com pouco
recurso interno.
Pelo observado no presente estudo, ou seja, ante as mães com dificuldades de
maternar, encontramos uma difícil tarefa como profissionais – as crianças. Ou seja, autores
recentes como Böing e Crepaldi (2004) afirmaram que longas rupturas com pessoas
significativas e institucionalização prolongada agem como importantes fatores de risco para o
desenvolvimento normativo da criança; porém, se a ruptura não é uma boa solução, será que o
convívio das crianças com essas mães seriam? Essa não é uma questão a ser respondida pelo
presente estudo, apenas há de se deixar como reflexão e sugestão de objeto de investigação
em estudos posteriores.
Ainda nesta direção, nota-se outros autores que se ocupam da questão que se abre em
relação às crianças, filhos dessas mães impossibilitadas de criá-los de maneira adequada.
Estudiosos como Bowlby (1973) apontaram os prejuízos que a vivência institucional
proporcionava para as crianças abrigadas, tal como a depressão, além de déficit intelectual e
numa linha cognitiva cultural Bronfenbrenner (1996) também apontara as instituições de
abrigo podem ou não produzir efeitos benéficos para a vida de crianças e adolescentes,
dependendo de sua capacidade de fornecer apoio e proteção.
Por outro lado, há aqueles que entendem que mães ou cuidadoras substitutas “boas”
poderiam ser uma alternativa. Arpini (2003) apontou que adolescentes que tiveram vivência
institucional a caracterizavam como o melhor período de suas vidas, relacionando-a com o
estabelecimento de novos vínculos, Tizard, Cooperman e Joseph e Tizard (1972) investigaram
o efeito da qualidade do trabalho dos monitores sobre o desenvolvimento de linguagem de
crianças institucionalizadas e apontaram que cuidadores com maior autonomia tendiam a
brincar e a conversar mais com as crianças, enquanto que o atraso intelectual não estava
necessariamente relacionado à vivência institucional, mas sim à qualidade da conversa do
cuidador.
Assim, uma questão aqui observada e que é objeto de preocupação, diz respeito ao
abrigamento no âmbito das Políticas Públicas, passando pela Saúde Pública. Há de se
entender o grande vulto que tem tomado o fato de crianças “abandonadas” em abrigos ou
86
ainda levadas por determinação judicial uma vez que suas famílias não puderam dar a elas o
suficiente para a permanecia em seus lares. Fato apontado por Silva (2004) que encontrou
cerca de 20 mil crianças e adolescentes de 7 e 15 anos, negros e pobres vivendo em 589
abrigos investigados no Brasil. Soma-se ao Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças
e Adolescentes, que aponta que 87% das crianças e adolescentes abrigados têm família, sendo
que 58% mantêm vínculo com seus familiares, como é o caso do presente estudo. Embora isso
seja um problema histórico, como explicou Leite (1997), pois no Brasil, a política de
atendimento à infância e à juventude em situação de abandono veio sofrendo transformações
desde o abandono de crianças Brasil Colonial especialmente índios e negros e cujo amparo,
também como mostrou Priore (1996; Rizzini 1990), ficava aos cuidados da Igreja, passando
por profissionais filantropos, até a implantação de políticas de responsabilidade do Estado,
como é nos tempos atuais, a problemática é grave. Além disso, como afirmou Marcílio (1997)
a prática de criar filhos alheios sempre, e em todos os tempos, foi difundida e aceita no Brasil.
Pensamos, junto com esses autores, que a problemática passa pelo âmbito da saúde
pública, pois, nos como nesses três casos de mães estudadas e suas capacidades/incapacidades
de maternar, nos fazem refletir sobre a questão da prevenção primária ou promoção de saúde
mental como preconizou Bleger (1984). Isso, pois entendemos que num nível primário de
saúde, esses aspectos poderiam ser contidos e as ações preventivas poderiam ser
extremamente eficientes.
Além disso, ainda no âmbito de políticas públicas, entendemos como Marcílio (1997)
que com os abrigos, os projetos feitos pelas Prefeituras, Estados e com o aval do Governo,
inaugurou-se uma nova fase do assistencialismo no Brasil: a filantropia - modelo capacitado
para substituir aquele representado pela caridade da Igreja; modelo também criticado por
Yunes, Miranda, Cuello e Adorno (2002).
Também por essa reflexão sobre o atual distanciamento de políticas de saúde que
abarquem um nível preventivo, entendemos como Fonseca (1987, 1993, 1995) que esta
prática de assistencialismo se dá sem olhares mais atentos às causas psíquicas e emocionais
dessas crianças hospedadas em abrigos.
Diante desses estudiosos e dos resultados obtidos em nosso estudo, estamos
entendendo a existência de um grande conflito de âmbito social, político e de saúde publica a
que nos deparamos. Se por um lado o abrigamento oferece seus prejuízos, principalmente por
esse distanciamento de figuras representativas de objeto amoroso (CARVALHO, 2002), com
sérias conseqüências para a criança (GRUSEC; LYTTON, 1988), além de que na prática os
abrigos são frágeis seu funcionamento (ARPINI, 2003; BAZON; BIASOLI-ALVES, 2000;
87
CAMINO; CAMINO; PEREIRA; PAZ, 2004), por outro lado à permanência junto às mães
também não parece ser uma boa solução, já que, como também demonstramos, há uma grande
dificuldade de “maternar”.
Esse conflito parece ainda se fundar e cristalizar num circulo vicioso, já que, essas
crianças também virão a ser as mães futuras e repetirem a mesma fragilidade psíquica. E essa
é uma verdade apontada por Siqueira e Dell'Aglio (2006).
Diante da posição desses autores e dos resultados do presente estudo, deixamos então
aqui marcada a questão da necessidade do incremento de ações preventivas e de promoção de
saúde mental no âmbito de políticas públicas. E que essas ações possam levar em conta a
importância do desenvolvimento psico-afetivo da criança e o quão importante às relações de
objeto assumem nessa díade mãe-bebê, na medida em são base para o desenvolvimento
ulterior.
88
IV. CONCLUSÃO
Concluímos, com os objetivos propostos no presente estudo, que em relação à
dinâmica psíquica destas mães de crianças abrigadas, o que em comum obteve-se foram, por
razões distintas, conflitos em seu crescimento e desenvolvimento.
Como pudemos perceber, nesses casos de mães aqui estudadas evidenciou-se a
dificuldade ou incapacidade de “maternar”. Seus discursos traduziram a dramaticidade de
histórias de vida coroadas pelo abandono ou pela percepção de afetos inexpressivos; a tarefa
projetiva revelou retratos de raiva, ódio, sentidos pela mãe e/ou pelos pais internos. Se por um
lado o abandono revelou-se como um dado real (nos dois primeiros casos), já que houve
abandono de fato, por outro lado, igualmente nos três casos a inveja e a destrutividade
sentidas pela percepção de um seio ou objeto “mau” lhes valeu um exercício materno incapaz
de fazer trocas amadurecidas. Posto que não só pelo abandono real veio essa incapacidade
afetiva, pois não é apenas por ser frustrador que o seio é sentido como ruim, mas também
porque a criança pode projetar nele sua própria agressividade e então essas figuras distorcidas
dos objetos reais do exterior podem ser incorporadas também dentro do ego. De modo que,
ainda com as características específicas de cada uma dessas mães, há evidências de um
relacionamento persecutório emergido como angústia básica da posição-paranóide - o medo
de ser destruído.
Com isso, as falhas no desenvolvimento, marcadas principalmente pelas dificuldades
de ganhar e elaborar a posição depressiva, e nesse também o ganho da capacidade reparatória
e de sentir gratidão – condições essenciais para o exercício materno amadurecido, ou
capacidade de maternar - deixam mais evidente a incapacidade dessas mães em exercerem
suas funções. Isto, pois, é condição desenvolvimental amadurecida o sentimento de gratidão,
já que é um dos maiores derivados da capacidade de amar, e essencial para o estabelecimento
de uma relação segura com o bom objeto e a base do reconhecimento da bondade em si
mesmo e nas outras pessoas.
Gostariamos também de registrar, que a tarefa de se investigar os aspectos da dinâmica
psíquica de mães de crianças institucionalizadas em condição de abrigamento, bem como de
compreender os recursos defensivos por elas utilizados tornou-se desafiadora, diante da
situação da excepcionalidade da função materna. São mães que perderam a guarda dos filhos
por motivos diversos, e receosas diante da possibilidade (também persecutória) de que uma
declaração possa complicar ainda mais a situação de retomada da guarda dos filhos. O lugar
do pesquisador psicólogo nessas circunstâncias é de difícil circunscrição, uma vez que se
89
defronta com a expectativa (ou fantasia) das entrevistadas de que é um ser dúbio: pode depor
a seu favor ou contra.
Os primeiros contatos ficam revestidos desconfiança por parte das entrevistadas,
sentidos como que a psicóloga não lhes pudesse acolher. Assim apresentam farta resistência
em entrar em contato consigo mesmas no nosso trabalho de investigação. O recurso
metodológico adotado; desenho-estória com tema favoreceu a coleta de material, afastando a
ansiedade naqueles momentos, favorecendo o contato – tanto delas consigo mesmas quanto
conosco, bem como da pesquisadora para com elas; ou seja, a tarefa projetiva favoreceu as
relações transferenciais. De modo que, tanto a técnica projetiva, quanto à entrevista,
ancoradas no método clínico, revelaram-se excelentes caminhos na conquista dos objetivos.
Somado a isso, o referencial teórico psicanalítico veio favorecer e acurar o olhar posto nessas
mães participantes e compreender melhor seu sofrimento.
Os conteúdos extraídos demonstram as dificuldades das três mães participantes em
suas relações de objeto - o seu mundo interno e externo assustador, pareciam “tirar” na
verdade negar-lhes o desejo de ter o objeto bom. Em todas elas a dificuldade de compreender
o abrigo (mãe) e o abrigamento de seus filhos como facilitador e cuidador (roubo) foi
evidente. Na regressão e infantilização reveladas pela tarefa projetiva, em seus discursos
confusos e nas tentativas de sedução da pesquisadora para ganharem de volta os filhos, foram
declarações de sua fragilidade e um pedido de proteção e abrigo – não para os filhos, mas para
elas mesmas.
Podemos inferir que uma das contribuições deste tema para a ciência, é que as mães de
crianças abrigadas apresentam dificuldades ou reproduzem as dificuldades de seu mundo
interno e das falhas ambientais.
Por fim, destacamos que este tema se faz plenamente relevante na atualidade, diante
do desenvolvimento e do amadurecimento social que tem se ocupado cada vez mais na
proteção de crianças em situação de risco, exigindo contínuos avanços e estudos nessa
direção, a fim de que se tenha melhor compreensão da situação e se possa oferecer, na
condição de estudiosos da psicologia, elementos para tomadas de decisão que venham a
favorecer os envolvidos - crianças e mães. Ao termos conosco o entendimento de que, se
olharmos de forma diferenciada para as mães de crianças abrigadas estamos colaborando para
também uma melhor compreensão da situação da criança, esperamos ter contribuído para o
despertar de novos interessados pelo tema que merece ser mais estudado e ampliado. Além
disso, deixamos a chamada de atenção para a necessidade de políticas de saúde que possam
privilegiar ações preventivas e promotoras de saúde e que essas também possam olhar mais
90
atentamente para as questões desenvolvimentais; pois acreditamos que é possível, com essas
ações, auxiliar mães em proporcionarem melhores condições de maternagem que venham
favorecer a criança a introjeção do bom objeto e predomínio de impulsos de reparação,
reduzindo a agressividade.
91
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97
ANEXOS
98
ANEXO 1 - “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E FONOAUDIOLOGIA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Fui informada da pesquisa que tem por objetivos:
Investigar aspectos intra-psíquicos de mães de
crianças institucionalizadas, em condição de abrigamento; Identificar recursos defensivos
utilizados por essas mães.
Para coleta de dados serão realizadas Entrevistas e aplicação de Desenho Temático; este estudo tem
caráter acadêmico e será coordenado pela Professora Dra Marília Martins Vizzotto da Universidade
Metodista de São Paulo. Os dados será coletados por Márcia Chicareli Costa. Declaro ainda, ter
compreendido que não sofrerei nenhum prejuízo de ordem psicológica, física e financeira e que minha
privacidade será preservada. Concordo que os dados sejam publicados para fins acadêmicos ou
científicos, desde que seja mantido o sigilo sobre a minha participação. Estou também ciente de que
poderei, a qualquer momento, comunicar a minha desistência em participar do estudo.
Universidade Metodista/Mestrado Psicologia. Fone: (11) 4366.5351
Portanto, eu, ___________________________________________________________, consinto em
participar da pesquisa acadêmica que tem por objetivo o que já foi citado acima.
São Paulo, ___de__________________ de 2007
Assinatura do Participante: __________________________________________________
Documento de Identificação (RG): ____________________________________________
Assinatura do Pesquisador:___________________________________________________
99
ANEXO 2 - Declaração de Responsabilidade do(a) Pesquisador(a)
Eu, Márcia Chicareli Costa pesquisador(a) responsável pela pesquisa denominada“ASPECTOS
PSICODINÂMICOS E CAPACIDADE MATERNA DE MÃES DE CRIANÇAS
ABRIGADAS”, declaro que:
- assumo o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações que serão obtidas e
utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa;
os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão utilizados para se
atingir o(s) objetivo(s) previsto(s) na pesquisa;
- os materiais e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a responsabilidade do(a)
Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Psicologia e Fonoaudiologia;
- os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos e/ou em encontros, quer
sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a privacidade e os direitos individuais dos sujeitos da
pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à divulgação;
- o CEP-UMESP será comunicado da suspensão ou do encerramento da pesquisa, por meio de
relatório apresentado anualmente ou na ocasião da interrupção da pesquisa; assumo o compromisso de
suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano, conseqüente à mesma, a
qualquer um dos sujeitos participantes, que não tenha sido previsto no termo de consentimento.
São Bernardo do Campo, __ de _______ de 2007.
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Márcia Chicareli Costa
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