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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rony Cachola de Carvalho
A Súmula Vinculante no Ordenamento Jurídico Brasileiro
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rony Cachola de Carvalho
A Súmula Vinculante no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Dissertação apresentada à banca
examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Direito
do Estado, sub-área Direito Constitucional, sob
a orientação do Professor Doutor André
Ramos Tavares.
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_______________________
_______________________
_______________________
DEDICATÓRIA
À Deus pelas portas que me abriu e
pela perseverança que me imputou.
À minha mãe, fonte de ternura e fé,
pelo apoio e amor imprescindíveis.
À minha esposa.
Agradecimentos
Ao Professor André Ramos Tavares pelas muitas lições e oportunidades
ofertadas.
A todos os professores que com dedicação ofereceram preciosos
conteúdos e de forma altruísta dividiram seus vastos conhecimentos.
A Professora Odete Neubauer por ter me concedido a oportunidade de
conhecer a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e me auxiliado com
diretrizes que me capacitaram concretizar esse objetivo.
A CAPES pela bolsa que me foi conferida, sem a qual não seria possível
ter atingido esta meta.
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo o estudo do instituto da súmula
vinculante no direito brasileiro. Para tanto, procurou-se verificar a existência ou
a falta de harmonia da súmula em face do sistema jurídico pátrio, bem como se
tais enunciados sumulares poderiam ser inseridos em teorias basilares do
Direito, tais como: fontes do direito, hermenêutica jurídica, concretização da
norma jurídica. Outras questões estritamente ligadas ao mecanismo da súmula
vinculante também foram abordadas analisando-se juntamente com elas os
posicionamentos contrários e os favoráveis à súmula vinculante. Verifica-se
que o enunciado sumular vinculante proporciona maior coesão ao sistema
jurídico, tendo em vista que exerce um papel de orientação para elaboração de
novas leis e alteração das existentes, bem como sinaliza para interpretações
válidas das normas constitucionais em determinado período de tempo,
promovendo, assim, igualdade de julgamentos e maior previsibilidade do
direito.
PALAVRAS-CHAVE: mula vinculante, Supremo Tribunal Federal, Sistema
jurídico brasileiro.
Abstract
The present paper has as objective the study of instituting of the binding
decision in the brazilian right. For that, was verified the existence or lack of
harmony of the decision in face of the legal native system, as well as if such
decision enunciateds could be inserted in basies theories of the right, such as:
sources of the right, juridical hermeneutics, concretion of juridical norm. Other
subjects strictly linked to the mechanism of the binding decision were also
approached being analyzed together with the contrary and favorable
positionings to the binding decision. It is verified that the bindign decision
enunciated provides larger cohesion to the juridical system, in view of exert an
orientation paper for elaboration of new laws and alteration of the existing, as
well to signal for valid interpretations of the constitutional norms in certain
period of time, promoting, like this, equality of judgements and larger
previsibility of the right.
KEYWORDS: Binding Decision, Federal Supreme Court, Juridical Brazilian
System.
Apêndice
Súmulas vinculantes aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal:
Súmula Vinculante n. 1 – Ofende a garantia constitucional do ato jurídico
perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto,
desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão
instituídos pela Lei Complementar 110/2001.
Súmula Vinculante n. 2
É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que
disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.
Súmula Vinculante n. 3
Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou
revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a
apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma
e pensão.
Súmula Vinculante n. 4
Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode
ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público
ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Súmula vinculante n. 5
A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição.
Súmula vinculante n. 6
Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao
salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar.
Sumário
1. Pressupostos de análise: A jurisprudência e seu lugar na hermenêutica.....11
1.2 A diferença entre texto e norma........................................................13
1.3 A súmula vinculante como fonte do direito........................................16
1.4 O direito sumular no Brasil: uniformização de jurisprudência, súmula
ordinária, súmula impeditiva de recurso e súmula vinculante...........................20
1.5 A inserção da súmula vinculante no ordenamento brasileiro............25
1.6 Súmula vinculante: uma relação harmônica com o modelo
normativista........................................................................................................27
1.7 A súmula vinculante como ponte do concreto para o abstrato-
geral...................................................................................................................28
1.8 A suposta natureza legislativa da súmula vinculante........................29
1.9 O postulado da legalidade, o livre convencimento do juiz e a súmula
vinculante...........................................................................................................30
2. O objetivo da súmula vinculante....................................................................33
3. Processo de edição, revisão e cancelamento da súmula vinculante.............38
3.1 Requisitos: controvérsia atual, grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica..........................................39
3.2 Início da Eficácia da súmula vinculante............................................43
3.3 Possibilidade de restrição dos efeitos da súmula vinculante............46
3.4 Legitimados.......................................................................................47
3.5 Revogação ou modificação da lei em que se funda..........................52
3.6 Impossibilidade de suspensão dos processos..................................54
4. Quem está vinculado à súmula?....................................................................56
5. Contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente o enunciado da súmula
vinculante...........................................................................................................59
5.1 Variáveis de descumprimento da súmula vinculante........................59
5.2 Reclamação constitucional como medida cabível em face de
desrespeito à súmula vinculante........................................................................61
5.3 Legitimidade ativa para a reclamação constitucional por
descumprimento de súmula vinculante..............................................................62
5.4 Contencioso administrativo mitigado................................................63
5.5 Cautelar em reclamação...................................................................67
5.6 Recursos e outros meios de impugnação.........................................68
5.7 Os efeitos da decisão na reclamação...............................................69
5.8 Crime de hermenêutica?...................................................................70
5.9 Vinculação dos órgãos administrativos em casos semelhantes
futuros................................................................................................................71
5.10 Violação de súmula vinculante: Grave violação de dever
funcional?...........................................................................................................72
6. Dever de dupla motivação.............................................................................75
6.1 Exigência para incidência do ônus da dupla fundamentação...........76
6.2 Hipótese de exclusão da dupla fundamentação...............................77
6.3 Dever de revisão das decisões contra as quais se invoque súmula
vinculante...........................................................................................................77
7. Conclusão......................................................................................................79
1. Pressupostos de análise: A jurisprudência e seu lugar
na hermenêutica
Primeiramente, cabe ressaltar, que o termo jurisprudência é aqui
empregado como sendo as reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal
brasileiro sobre matéria constitucional, oriundas da aplicação de uma norma
constitucional a casos semelhantes, dando origem a uma norma geral aplicável
a todas as hipóteses similares ou idênticas.
Tal análise restritiva se justifica levando em consideração que seu
objetivo é de, paralelamente, tornar mais claro o papel e localização da súmula
vinculante no direito, especificamente, no ordenamento jurídico brasileiro.
Corrobora-se aqui com as palavras de DINIZ (2006) que interpretando
obra de Miguel Reale diz que jurisprudência é “a forma de revelação do direito
que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma
sucessão harmônica de decisões dos tribunais” (op. cit. p. 296).
Conforme anteriormente explicitado, a jurisprudência se encontra dentro
das fontes formais estatais jurisprudenciais (sentenças, precedentes judiciais,
súmulas etc.). Assim, a jurisprudência tem uma importante função
interpretativa, pois acaba por direcionar o legislador a uma nova visão dos
institutos jurídicos, o que motiva alterações nas leis, às vezes integrais,
impondo a elaboração de leis que consagrem sua orientação.
Nesse sentido, a jurisprudência, além de ser uma relevante fonte de
normas jurídicas, se mostra como um importante instrumento interpretativo, vez
que, atendidos os requisitos constitucionais, poderá dar ensejo a edição de
norma geral vinculativa pelo Supremo Tribunal Federal, denominada no
ordenamento brasileiro como súmula vinculante.
DINIZ
1
, chamando a atenção para a importância da jurisprudência, cita a
criação da “Súmula da Jurisprudência Predominante” do Supremo Tribunal
Federal, que na sua visão, proporcionou maior estabilidade à jurisprudência,
facilitando o trabalho tanto dos advogados quanto dos tribunais.
Atualmente, com o advento da súmula vinculante (EC/ 45/2004), cuja
regulação se deu pela Lei 11.417/2006, ao Supremo Tribunal Federal é
permitida a edição de súmulas que vinculam os demais órgãos do Poder
Judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal.
Como anteriormente dito, a jurisprudência auxilia a interpretação da lei
por ser um importante instrumento interpretativo e por vezes, impõe novo
entendimento aos legisladores sobre determinados institutos jurídicos, gerando
alterações e auxiliando na elaboração de leis.
Levando essa afirmativa em consideração, muitas críticas surgem
quanto à súmula vinculante e seu papel na hermenêutica, visto que, seu texto
tem efeito vinculativo, isto é, vincula os demais órgãos do Poder Judiciário e da
administração pública direta e indireta à sua diretiva, o que, em tese, impediria
o exercício do livre convencimento dos juízes, usurpando, ainda, funções do
Poder Legislativo.
No entanto, nos parece que tais declarações são oriundas de reflexões
superficiais e precipitadas, pois como todo texto normativo, sempre haverá uma
interpretação da súmula vinculante quando reclamada sua aplicação a um caso
concreto, tendo em vista, que, como a norma jurídica, a súmula vinculante não
1
Citação em DINIZ, 2006, p. 300.
se confunde com o texto sumular, mas é o produto da atividade interpretativa e
não seu ponto de partida.
Assim, a súmula vinculante, tal qual a jurisprudência, exercerá um papel
de orientação para elaboração de novas leis e alteração das existentes, bem
como a correta interpretação das normas constitucionais em determinado
período de tempo, não se podendo falar em petreficamento de decisões,
violação de princípios do ordenamento jurídico nem de usurpação de funções
alheias ao Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão de cúpula do Poder
Judiciário, visto que, existem possibilidades de revisão e cancelamento dos
textos sumulares vinculantes através de mecanismos jurídicos constitucionais.
1.2 A diferença entre texto e norma
MÜLLER (2005) menciona que após a Segunda Guerra Mundial, muitos
positivistas, dentre eles, Gustav Radbruch, converteram-se ao direito natural,
devido a uma reconsideração dos valores pertinentes à ordem jurídica legítima.
No entanto, essa ascensão do direito natural foi muito breve e os
positivistas, que sempre identificaram a norma jurídica com o texto, ficaram sob
frágeis bases filosóficas para prosseguirem.
Com a publicação de “Tópica e Jurisprudência” de Theodor Viehweg
surgiram novos horizontes para a Ciência do Direito, pois é inaugurado um
novo caminho para conhecimento do Direito, a argumentação.
Sobre os alicerces da pica, MÜLLER objetivou a elaboração de uma
nova filosofia do Direito que passa a encarar a norma jurídica como produto da
interpretação do texto da norma, sepultando, assim, o velho pensamento
positivista de solução de um caso concreto através de um processo lógico
inferível por meio do silogismo.
Como bem acentua MÜLLER, a interpretação do teor literal da norma
tem importância fundamental no processo de concretização, mas deve ser
considerado apenas como um dos elementos destinados à concretização.
Com esses breves relatos sobre uma nova perspectiva de concretização
da norma constitucional torna possível verificar a ineficácia metódica do
positivismo legalista, pois as normas jurídicas, quando diante de casos
concretos ou mesmo fictícios, perdem sua clareza e univocidade
2
.
Assim, sempre haverá uma interpretação da norma, independente de
conter ela suposta clareza ou não, pois o mero ato de ler o texto da norma
demanda uma atividade interpretativa.
Nessa linha, podemos citar Savigny que, com sua proposta de
elementos para interpretação, também entendia que quando o intérprete se
depara com uma norma, ou seja, com o texto da norma, nos termos dos
ensinamentos de MÜLLER, deve ocorrer um refinado exercício de
interpretação, não aceitando a orientação de in claris cessat interpretatio.
KELSEN (2006), tecendo considerações sobre o fundamento de
validade da ordem jurídica, preceitua que a validade de uma norma inferior é
encontrada na norma superior reconhecendo a existência de uma “moldura
3
2
“Um enunciado jurídico não funciona mecanicamente. A própria doutrina do “sens clair” de direitos
estrangeiros, que afirma que conceitos aparentemente unívocos não podem ser submetido à interpretação,
só chega à essa afirmação mediante a antecipação interpretativa do possível sentido da norma” MÜLLER,
2005, p. 49).
3
“A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato
através do qual é aplicada. Tem sempre que ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação,
de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou
de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato” (KELSEN, 2006,
p. 388).
compreendida como sendo a margem de livre apreciação do aplicador do
direito.
Na verdade, a “moldura” citada por KELSEN nasce da indeterminação
das normas jurídicas, isto é, as normas jurídicas jamais serão tão claras a
ponto de dispensar uma atividade interpretativa.
HART, em sua teoria, entende a indeterminação das normas como
sendo algo semelhante a uma “textura aberta
4
”, que se resume na própria
incerteza da linguagem humana, ambigüidades e na não possibilidade de os
legisladores terem conhecimento de todas possíveis combinações de
circunstâncias que o futuro possa trazer.
Da diferenciação entre texto da norma e norma, bem como da
necessidade de sempre se realizar uma interpretação, obtemos, num primeiro
momento, que a análise da jurisprudência, bem como das súmulas vinculantes
não poderá desconsiderar o fato de que o texto sumular, por exemplo, antes de
interpretado, não emanará o efeito vinculativo, pois a súmula vinculante,
apoderando-se dos ensinamentos de MÜLLER, não é o ponto de partida, mas
o produto da atividade interpretativa.
No entanto, a necessidade de interpretação dos textos sumulares
vinculantes, antes de sua integral aplicação, pressupõe a necessidade de
concretização do enunciado sumular podendo levar, num primeiro momento, à
4
HART oferece o seguinte exemplo de textura aberta: “Quando nos atrevemos suficientemente a cunhar
certa regra geral de conduta (por ex., uma regra que nenhum veículo pode ser levado para um parque), a
linguagem usada neste contexto estabelece as condições necessárias que qualquer coisa deve satisfazer
para se achar dentro do seu âmbito de aplicação, e certamente podem apresentar-se ao nosso espirito
exemplos claros do que cai certamente dentro do seu âmbito. São os casos paradigmáticos ou claros (o
automóvel, o autocarro, o motociclo); e a nossa finalidade ao legislar é até determinada, porque fizemos
uma certa escolha. Resolvemos desde o início a questão de que a paz e a tranqüilidade no parque deviam
ser mantidas à custa, em qualquer caso, da exclusão destas coisas. Por outro lado, até que tenhamos posto
a finalidade geral da paz no parque em confronto com aqueles casos que na ecarámos inicialmente ou não
podíamos encarar (talvez um automóvel de brinquedo, movido electricamente), a nossa finalidade é,
nessa direção, indeterminada” (HART, ano, p. 141 e 142).
suposição de propositura inflacionária de reclamações constitucionais que,
como veremos em capítulo posterior, será o remédio cabível contra todo ato
administrativo ou decisão judicial que contrariar o texto sumular ou aplicá-lo
indevidamente.
Inobstante a tal risco, a aceitação de desvinculação entre texto sumular
e súmula vinculante demonstrará a necessidade de aperfeiçoamento da
atividade interpretativa tanto dos demais órgãos do Poder Judiciário quanto da
administração blica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, para que não haja apenas a troca dos numerosos recursos
extraodinários por infindas reclamações constitucionais.
1.3 A súmula vinculante como fonte do direito
A terminologia empregada para descrever a origem primária do direito é
usualmente “fonte do direito”.
Trata-se de uma metáfora com a finalidade de enfatizar a “nascentede
onde “brota” o direito
5
.
DIMOULIS (2007) apresenta a seguinte crítica no que se refere ao uso
da palavra “fonte” para se designar “nascente” do direito:
“A metáfora da fonte” se encontra em autores romanos (Justo, 2003,
p. 183). Mas não é muito feliz. Não existe uma nascente das normas
jurídicas; existem somente suas raízes na realidade social e seus
5
“O termo “fonte do direito” é empregado metaforicamente, pois em sentido próprio fonte é a nascente de
onde brota uma corrente de água”(DINIZ, 2006, p. 283).
“recipientes”, quer dizer, os veículos escritos, nos quais encontramos as
normas” (op. cit. p. 201).
Fonte do direito é termo que designa, também, a luz da teoria
kelseniana
6
, o fundamento de validade da própria ordem jurídica, tendo em
vista, que para Kelsen o fundamento de validade de uma norma está na
validade de outra norma superior à criada. Assim, a norma superior é a fonte
jurídica da norma inferior. Levando, por fim, os adeptos dessa teoria, a
aceitação da existência de uma “norma hipotética fundamental”.
No entanto, a teoria das fontes está longe de ser um tema que encontra
a unanimidade entre os doutrinadores.
Dentre as doutrinas aceitas, podemos citar o posicionamento de Carlos
Cossio que preconiza a necessidade de o jurista ater-se tanto às fontes
materiais quanto às formais, sugerindo a supressão da diferenciação entre
essas duas espécies, passando a utilizar o termo fonte formal-material , que
para ele toda fonte formal contém implicitamente certa valoração que deve ser
compreendida como fonte do direito no sentido de fonte material.
Para DINIZ (2006) as fontes formais podem ser compreendidas como
estatais e não estatais, subdividindo-se as estatais em legislativas (leis,
decretos, regulamentos etc.) e jurisprudenciais (sentenças, precedentes
judiciais, súmulas etc.) e as não estatais abrangendo o direito consuetudinário,
a doutrina e as convenções em geral ou negócios jurídicos.
6
“A relação entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica, como a relação entre
Constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de determinação ou vinculação: a norma do
escalão superior regula como se mostrou o ato através do qual é produzida a norma do escalão
inferior, ou o ato de execução, quando deste apenas se trata; ela determina não o processo em que a
norma inferior ou o ato de execução são postos, mas também, eventualmente, o conteúdo da norma a
estabelecer ou do ato de execução a realizar ( KELSEN, 2006, p. 388).
DINIZ explicita ser adepta da teoria de Carlos Cossio, tecendo a
seguinte assertiva:
“Essas normas jurídicas (leis, decretos, costumes, sentenças, contratos)
não são, como se vê, produtoras do direito, mas consistem no próprio
direito objetivo, que brota de circunstâncias políticas, históricas,
geográficas, econômicas, axiológica e sociais (fontes materiais) que se
completam com um ato volitivo do Poder Legislativo, Executivo,
Judiciário etc. (fontes formais)” (DINIZ, 2006, p. 285).
As fontes materiais podem ser compreendidas como os fatores sociais,
que abragem os fatores históricos, os fatores religiosos, os fatores naturais
(clima, solo, raça, natureza geográfica do território, constituição anatômica e
psicológica do homem
7
), os fatores demográficos, os higiênicos, os políticos, os
econômicos, os morais e, também, os valores de cada época, como a ordem,
segurança, justiça etc.
Assim, nessa ótica, o conjunto desses fatores sociais e axiológicos
determina a elaboração do direito através de atos dos legisladores,
magistrados etc.
Por outro lado, para DIMOULIS (2007) a fonte do direito é indicada pelas
teorias do conflito social
8
que, sinteticamente, são aquelas que analisam o
7
DINIZ (2006) cita exemplos interessantes desses fatores, como o tocante ao clima, a opção pelo
comércio dos persas que, devido as dificuldades do cultivo do solo e a facilidade de navegação marítima;
referente ao solo, a descoberta de petróleo no Golfo do México que motivou Truman a proclamar o
conceito de plataforma submarina, considerando sujeitos à jurisdição e controle dos EUA os recursos
naturais do leito e do subsolo do mar existentes nessa plataforma; relacionados aos higiênicos, as
legislações que vêm sendo criadas com a finalidade de proteção do meio ambiente. Ver p. 286.
8
“Consideramos que a verdadeira fonte do direito é indicada pelas teorias do conflito social. O direito
não se cria com base em valores, ideais ou necessidades da sociedade em geral. O direito é um fenômeno
histórico, que exprime a vontade política dominante em determinado momento” (DIMOULIS, 2007, p.
202).
direito como resultado da contínua luta entre interesses opostos. Os interesses
dos mais fortes acabam prevalecendo, sendo tutelados pelo direito.
Para FERRAZ JR. (2007) as antinomias e lacunas no ordenamento
jurídico, visto como sistema, indicam uma pluralidade de centro produtores de
normas
9
, o que leva a discussões sobre as fontes do direito.
Prosseguindo em seu discurso, complementa o autor:
“A teoria das fontes, em suas origens modernas, reporta-se à tomada de
consciência de que o direito não é essencialmente um dado, mas uma
construção elaborada no interior da cultura humana” (op. cit. p. 223).
Sob essa ótica, entende-se que o direito surge não apenas de fontes
formais como a lei e do nosso principal enfoque em tratar sobre esse tema, da
jurisprudência, mas, também, da influência de valores sociais, necessidades
humanas e elementos culturais que influenciam a criação de normas jurídicas.
A aceitação, aqui, da jurisprudência ou da súmula vinculante como
sendo uma fonte do direito, em síntese, é a aceitação de que não apenas o
legislador cria o Direito, mas também o magistrado
10
.
Como trataremos em capítulo posterior, toda aplicação da lei exige um
ato interpretativo e essa interpretação é um ato de criação do intérprete, pois a
norma jurídica surgirá como produto da interpretação e não da atividade
9
“A questão da consistência (antinomias) e da completude (lacunas) do ordenamento visto como sistema
aponta para o problema dos centros produtores de normas e sua unidade e pluralidade. Se, num sistema,
podem surgir conflitos normativos, temos que admitir que as normas entram no sistema a partir de
diferentes canais, que, com relativa independência, estabelecem, suas prescrições. Se são admitidas
lacunas, é porque se aceita que o sistema, a partir de um centro produtor unificado, não cobre o universo
dos comportamentos, exigindo-se outros centros produtores. São essas suposições que estão por detrás
das discussões em torno das chamadas fontes do direito” (FERRAZ JR., 2007, p. 223).
10
Nesse sentido TAVARES (2006): “Em outras palavras, também o magistrado cria o Direito, e não
apenas o legislador(nem tão-somente por ditar a “lei” ao caso concreto)” (TAVARES, 2006, p. 347).
legiferante, no sentido em que o texto normativo é apenas o ponto de partida
para se concretizar a norma jurídica.
Assim, coloca-se sob julgamento a validade da teoria que preceitua que
apenas o Legislativo cria o Direito.
A redução dos magistrados a meros autômatos foi uma intenção que
não prosperou, como podemos comprovar através do fracasso do modelo
proposto por Montesquieu onde “os magistrados de uma nação não são mais
que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados”.
Conforme afirma TAVARES (2006) a idéia de transformar o magistrado
num mero autômato está impregnada pela concepção iluminista de lei e a uma
idéia mecanicista de função judicial, influenciada pela teoria mecânica de
Newton
11
.
Obviamente, a teoria proposta por Montesquieu deve ser analisada
juntamente com o contexto histórico, quando a atuação livre da realeza
instaurou o reino sombrio do absolutismo monárquico aos seus súditos e
deixou traumáticas lembranças aos indivíduos da época.
Levando essas afirmativas em consideração, parece inegável a
aceitação da súmula vinculante brasileira como fonte do direito, vez que, a
criação de diretivas gerais vinculantes oriundas de uma interpretação
amadurecida do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional, cuja
observânca seja devida aos demais órgãos do Poder Judiciário e administração
pública direta e indireta, é uma atuação de ordem normativa
12
.
11
Sobre esse assunto: TAVARES, 2006, p. 347.
12
“A criação de “diretivas” gerais, de “súmulas” do pensamento (interpretação) do Tribunal, para serem
generalizadamente assumidas pelos demais centros de “poder”, constituem, inegavelmente, uma atuação
de ordem normativa” (TAVARES, 2006, p. 348).
1.4 O direito sumular no Brasil: uniformização de
jurisprudência, súmula ordinária, súmula impeditiva de recurso
e súmula vinculante
Anteriormente à Emenda Constitucional 45/2.004 havia mecanismo
destinado à uniformização da jurisprudência com a finalidade de alcançar uma
unidade jurídico-judicial, tal instrumento está prescrito no artigo 479 do Código
de Processo Civil, como se segue:
Art. 479. “O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos
membros que integram o tribunal, será objeto de mula e constituirá
precedente na uniformização da jurisprudência.
Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no
órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.”
A uniformização da jurisprudência serve como instrumento para
harmonizar julgados sobre uma mesma tese jurídica, presta-se, portanto, como
meio de alcançar o ideal de segurança jurídica.
Configurada uma divergência jurisprudencial entre acórdão que tenham
versado sobre o mesmo tema, poderá tanto o magistrado quanto a parte
interessada, instaurar um incidente de uniformização da jurisprudência, com a
finalidade de se obter a interpretação do direito em pauta.
No que se refere às súmulas sem efeito vinculante formal, podemos
direcionar nosso estudo para o Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal (R.I.S.T.F.) que em seu art. 99 preceitua ser repositório oficial da
jurisprudência do Tribunal a súmula da jurisprudência predominante:
Art. 99. “São repositórios oficiais da jurisprudência do Tribunal:
RISTF: art. 322 c/c art. 331 (Embargos: comprovar divergência).
I o Diário da Justiça, a Revista Trimestral de Jurisprudência, a Súmula
da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, e outras
publicações por ele editadas, bem como as de outras entidades, que
venham a ser autorizadas mediante convênio;
RISTF: art. 32 e incisos (Comissão de Jurisprudência)”.
Ainda, o R.I.S.T.F. em seu artigo 102 estabelece que a jurisprudência
assentada pelo Tribunal será assentada e compendiada na súmula do STF,
dispondo ainda que os casos de inclusão de enunciados na súmula, alteração
ou cancelamentos darão ensejo à deliberação em Plenário por maioria
absoluta:
Art. 102. “A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na
Súmula do Supremo Tribunal Federal.
§ A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou
cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta.
RISTF: art. 7°, VII (julgamento pelo Pleno) – art. 103 (revisão).
§ Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva
numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que
forem modificados.
§ Os adendos e emendas à Súmula, datados e numer ados em séries
separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no
Diário da Justiça.
§ 4° A citação da Súmula, pelo número correspondent e, dispensará,
perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido”.
Conclui-se, que essas súmulas decorrem das decisões amadurecidas
13
do Supremo Tribunal Federal sobre determinada matéria e que nos termos do
artigo 103 qualquer Ministro pode propor a revisão da jurisprudência assentada
em matéria constitucional e da compendiada na súmula:
Art. 103. “Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência
assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula,
procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.
RISTF: art. 21, XVII, e art. 22, parágrafo único, b – art. 101”.
Apesar de não vinculativa, essa súmula do S.T.F. sempre exerceu um
papel de direcionamento
14
das decisões dos demais órgãos do Poder
Judiciário, tendo em vista que nenhum magistrado ou tribunal desejava ver a
reforma de suas decisões pela instância superior.
É importante atentarmos para o fato de que esse instituto existe desde
1964 no ordenamento jurídico brasileiro, o que nos leva a conclusão de que
apontar o sistema judicialista como único capaz de manter harmoniosamente
enunciados vinculantes em sua estrutura, demonstra, no mínimo,
desconhecimento do sistema normativista e da citada aproximação entre
esses dois modelos de sistemas.
13
“As súmulas decorrem, portanto, da sedimentação da posição adotada topicamente pelos tribunais em
decisões diversas (jurisprudência compendiada)” (TAVARES, 2006, p.354).
14
“Isso porque, apesar da não-vinculação, servia como diretriz para julgar, na medida em que a maioria
dos magistrados e tribunais não pretendiam ter suas decisões reformadas pelas instâncias superiores e,
normalmente, consideravam cumprido o dever funcional com a indicação de matéria sumulada, porque
amplamente debatida. Em conclusão, a força (prática) dessas súmulas não era desprezível, apesar de lhes
falecer vinculatoriedade” (TAVARES, 2006, p. 354).
Já, a chamada súmula impeditiva prescrita inicialmente no art. 38 da Lei
8.038/90 e mais tarde no art. 557 do Código de Processo Civil através de
alteração trazida pela Lei 9.756/98, determinava a negativa de seguimento de
recurso manifestamente intempestivo, improcedente ou contrário à súmula do
respectivo tribunal ou tribunal superior.
Assim, é plenamente verificável que tanto o instituto da súmula quanto o
efeito vinculante não são estranhos
15
ao ordenamento pátrio mesmo antes da
EC 45/2004, tendo em vista a idéia de uniformização da jurisprudência, a
súmula ordinária e a súmula impeditiva de recurso que, além de prosseguir na
perpetuação da predileção do ordenamento brasileiro pelo instituto sumular,
introduziu força normativa à súmula.
Desta forma, as experiências acumuladas desde 1964 tornaram possível
serem apontadas as principais falhas do Poder Judiciário, o que motivou
aprovação da EC n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, que
introduziu no sistema jurídico brasileiro a súmula com efeitos vinculantes.
A reforma do judiciário, alterou a Constituição Federal de 1988
acrescentando o art. 103-A que preceitua:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação ao demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
15
Comentando sobre a mula impeditiva de recurso TAVARES tece as seguintes ponderações: “A
primeira ponderação, até aqui, reitere-se, é a de que a súmula está longe de ser um instituto desconhecido
no Direito brasileiro pré-EC 45/2004. Some-se a esse dado que a existência do efeito vinculante vem
desde 1993, criado que foi para as ações declaratórias de constitucionalidade.
Pode-se concluir que tem havido, no Brasil, uma predileção pelo Direito sumular, assim considerado
como conjunto normativo derivado de enunciados normativos” (TAVARES, 2007, p. 25).
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre
órgãos do judiciário ou entre esses e a administração pública que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica.
§ Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,
revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles
que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo
ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja
proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.
Com o objetivo de conferir eficácia plena a esse artigo constitucional, foi
elaborada a Lei 11.417 de 19.12.2006 que será abordada mais detalhadamente
adiante.
1.5 A inserção da súmula vinculante no ordenamento
brasileiro
O sistema constitucional brasileiro, como os de muitos países, apresenta
pontos que dão ensejo a reparos, daí as pontuais reformas que vem sofrendo.
Quando da conclusão do processo constituinte em 1988, o Brasil saía do
cenário de violações e graves restrições aos direitos e liberdades originadas do
regime autoritário.
A estrutura estatal apresentada pela CF/88 se justamente no período
de decadência e rmino do comunismo e da chamada “cortina de ferro”, que
propiciou uma maior internacionalização nas relações comerciais e
diplomáticas das nações e, por conseqüência, maior complexidade no diálogo
entre os Estados.
Em decorrência dessas transformações na esfera internacional e, tendo
em vista que as demandas sociais não encontram suas soluções
exclusivamente no campo jurídico, a Constituição de 1988 passa por um
processo de “envelhecimento precoce”
16
, dando ensejo às reformas, dentre
elas, a recente reforma do Judiciário, que procurou combater dois problemas:
os relacionados à gestão e a lentidão do Judiciário.
É justamente nesse contexto, quando a legitimidade do Poder Judiciário
é contestada
17
, devido à morosidade e custos elevados, que a Emenda
Constitucional n. 45 de 08.12.2004 introduz no ordenamento jurídico brasileiro
a denominada súmula vinculante, cuja regulamentação se pela Lei
11.417/2006.
Tendo em vista, que as súmulas vinculantes, como se verificará em
capítulo adiante, poderão ser editadas após reiteradas decisões sobre
16
Sobre esse assunto: (ALARCÓN; LENZA; TAVARES, 2005, p. 18).
17
“Não é novidade a afirmação de que o Poder Judiciário tem tido sua legitimidade arranhada pela crônica
demora e pelos custos elevados, dentre outros problemas que têm gerado uma gama enorme de polêmica
tanto no âmbito da dogmática jurídica como também no que diz respeito aos setores identificados com a
crítica do Direito. Em decorrência, parcela expressiva da comunidade política e jurídica vem propondo
alguns anos, como solução para essa “crise de funcionalidade”, a vinculação (constitucional) das
súmulas do supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores” (STRECK, Lenio Luiz. In Comentários
à Reforma do Poder Judiciário. 2005, p. 148).
matéria constitucional, muitas antinomias serão eliminadas do sistema jurídico,
bem como o risco de tratamento diverso a cidadãos que se encontram sob uma
mesma situação jurídica, o que seria uma violação do princípio da isonomia e
uma ameaça à coerência do sistema e unidade do Direito.
No entanto, muitas críticas são geradas sob alegações de que a súmula
vinculante engessaria o sistema, impedindo a evolução do direito.
Porém, o risco de engessamento do sistema em decorrência da
estrutura
18
sumular adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro é mínimo,
tendo em vista, a existência de mecanismos destinados a regrar tanto edição
quanto a revisão e o cancelamento dos enunciados vinculantes.
1.6 Súmula vinculante: uma relação harmônica com o
modelo normativista
Para uma compreensão mais ampla, o estudo da súmula vinculante não
deve apartar-se da discussão sobre dois modelos de sistemas jurídicos, o civil
law e o commom law, para que não se perca a noção de profundidade do tema
e a evidente harmonia entre esse mecanismo e o ordenamento jurídico
brasileiro.
18
“O sistema, com tal estrutura sumular, não se fechará às mudanças que, anteriormente, vinham sendo
operadas comumente pela jurisprudência. Pressupõe-se ao contrário, que as discussões tenham sido
travadas, chegando-se ao consenso, e, ademais, admite-se a provocação de mudança por mecanismo
específico, como se analisará adiante” (TAVARES, 2006, p. 349).
Muitos se opõem à criação da súmula vinculante no ordenamento
brasileiro alegando sua incompatibilidade com o modelo do sistema codificado,
em virtude desse mecanismo ter sua origem no modelo do commom law.
Enquanto no modelo judicialista o utilizadas como diretrizes para
solução de casos futuros os precedentes (stare decisis), que são os casos
decididos e que vinculam as decisões a serem proferidas no futuro, no modelo
normativista a diretriz e fundamento é a lei, textos normativos gerais e
abstratos que após passarem por um processo de concretização são aplicados
ao caso concreto. Basicamente, esse é o contraste entre o sistema
normativista e o judicialista
19
.
No entanto, atualmente, podemos verificar certa aproximação entre os
modelos normativistas e judicialistas, caracterizada por um posicionamento
mais ativo da jurisprudência no sistema normativista e um menor rigor dos
precedentes no sistema judicialista.
Nesse contexto de aproximação entre os dois modelos de sistema
jurídico é que se deve analisar a introdução da súmula vinculante no sistema
normativista brasileiro.
Na verdade, as críticas em torno da adoção da súmula vinculante
mascaram, ainda que inconscientemente, a angústia decorrente da incerteza
de quais são os limites atuais do Poder Judiciário e ignoram o saudável contato
que tem sido estabelecido, através de verdadeiras pontes, não apenas entre o
controle difuso-concreto e o concentrado-abstrato, mas, também, entre os
modelos normativista e judicialista.
19
“O modelo do commom law esfortemente centrado na primazia da decisão judicial (judge made
law). É , pois, um sistema nitidamente judicialista. o Direito codificado, como se sabe, está baseado,
essencialmente, na lei. É um sistema normativista, e não judicialista”(TAVARES, 2006, p. 345).
Ademais, como veremos a seguir, o ordenamento jurídico brasileiro tem
demonstrado predileção por uma estrutura sumular desde 1964 e comprovado,
através desses anos, a compatibilidade e utilidade da súmula no sistema
jurídico pátrio.
1.7 A súmula vinculante como ponte do concreto para o
abstrato-geral
Conforme sensivelmente observa (TAVARES 2007) a súmula vinculante
mostra-se como verdadeira “ponte” entre decisões, isto é, uma transposição do
concreto para o abstrato-geral, tendo em vista, que os enunciados vinculantes,
com alto grau de abstração e com efeitos erga omnes, são editados somente
após as especificidades do caso concreto, apreciadas em decisões anteriores,
terem sido desconsideradas.
Com o intuito de esclarecer esse mecanismo, deve-se atentar para os
casos de controle de constitucionalidade das leis.
Quando o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, é provocado pela
interposição de reiterados recursos extraordinários com a finalidade de que
seja declarada a inconstitucionalidade de dada norma jurídica, as decisões
harmônicas que desses julgamentos resultarem poderão servir como
supedâneo para a edição de uma súmula de caráter geral e vinculativo a todos
os demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta. Opera-se assim, “a ponte entre o controle difuso-concreto e o
concentrado-abstrato” (TAVARES, 2007, p. 14).
1.8 A suposta natureza legislativa da súmula vinculante
Algumas críticas foram direcionadas à súmula vinculante sugerindo
possuírem elas natureza legislativa, isto buscando fundamentar o entendimento
de que o Supremo Tribunal Federal estaria usurpando função típica do Poder
Legislativo e, consequentemente, violando a separação dos poderes
20
.
Esse entendimento se apresenta fragilizado frente à existência da
diferença mencionada no presente trabalho entre texto normativo e norma
jurídica, vez que, tanto a atividade interpretativa exercida pelos demais órgãos
do Poder Judiciário quanto à exercida pelo Supremo Tribunal Federal acabam
por produzir normas jurídicas.
Na concepção superada do modelo de Estado Legalitário é que não se
admitia aos juízes o poder de criação normativa, porém, com o advento do
Estado Constitucional esse entendimento restou superado.
Assim, não obstante as súmulas vinculantes determinarem limites à
atividade interpretativa dos demais órgãos do Poder Judiciário e vincularem a
administração pública, a edição de tais súmulas pelo Supremo Tribunal Federal
não devem ser compreendidas como sendo o exercício de função própria do
Poder Legislativo, pois nesses casos o STF estará, legitimamente, exercendo
jurisdição constitucional
21
.
20
Nesse sentido Luiz Flávio Gomes: "Em decisões reiteradas um dos Tribunais Superiores
interpretará determinada norma num certo sentido e essa 'sua' interpretação passaria a ter
efeito vinculante, isto é, todos os Juizes deveriam adstringir-se a essa interpretação
compulsoriamente (...). Interpretar a lei com caráter geral, vinculativo, significa usurpar
atribuição exclusiva do Poder Legislativo. O intérprete 'seria o verdadeiro legislador." (Súmulas
vinculantes e independência Judicial Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 86, v 739, p 23,
maio 1997) Em linha semelhante Bocamino Rodrigues afirma ''(...) a súmula nada mais é do
que a construção legislativa feita pelo Poder Judiciário. Temos a invasão de um poder pelo
outro, ao arrepio do estatuído no artigo da Cons tituição Federal" (RODRIGUES, Francisco
Sérgio Bocamino Súmula vinculante o que temos hoje? Revista Dialética de Direito Processual.
São Paulo. n. 15. p. 27, jun. 2004).
21
Mauro Capplletti aponta três limites processuais à criação judicial do direito: (i) a conexão da
atividade decisória do juiz com os casos e controvérsias e em decorrência com as partes
litigantes de tais casos; (ii) a imparcialidade que lhe proíbe julgar em causa própria e garantia
de que as partes serão ouvidas; e (iii) independência, em certo grau, de pressões políticas
externas. Sobre esse assunto: CAPPELLETTI, 2003, pág. 127-150).
1.9 O postulado da legalidade, o livre convencimento do
juiz e a súmula vinculante
Outro argumento contrário à súmula vinculante é aquele que entende
que este mecanismo viola o postulado da legalidade disposto no art. 5º, inciso
II da Constituição Federal de 1988.
Como fundamento dessa tese é suscitado o dever legal do juiz de
observar a lei
22
, o que o ocorreria com relação às diretrizes emanadas dos
enunciados de súmulas vinculantes, por não tratar tais enunciados de produtos
da atividade do Poder Legislativo e dessa forma estarem eles violando o
princípio constitucional da legalidade, vez que vinculam as decisões a serem
proferidas pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
Na verdade, a jurisdição constitucional atribuiu novo entendimento à
sujeição do juiz à lei, tendo em vista que se deve considerar a existência de um
órgão máximo da jurisdição constitucional. Assim, o juiz não está apenas
vinculado à lei, mas também às interpretações de seus textos realizadas pela
Corte Suprema
23
.
Portanto a vinculação dos juízes à lei se refere à lei interpretada pelo
Tribunal Constitucional. Nesse sentido o voto do Ministro Gilmar Mendes
24
:
22
Ignácio Otto, comentando o art. 117.1 da Constituição espanhola diz: “O argumento de que o
juiz não poder estar submetido à jurisprudência por está submetido exclusivamente à lei passa
por alto que a submissão à lei significa tão-somente à lei parlamentaria, com exclusão de
qualquer outra norma. Tal intelecção do preceito tem sua origem no fato de que na doutrina
revolucionária o direito era reduzido à lei do Corpo Legislativo (...). Submissão do juiz à lei é
submissão do juiz a todo o direito (...). A expressão “lei” do art. 117.1 da Constituição, portanto,
não é em si mesma argumento para excluir a sujeição do juiz à jurisprudência. (OTTO, 1995,
pág. 300). Com entendimento oposto ver: (ANZON, 1995, pág. 101 e ss.).
23
Sobre esse assunto: BALAGUER CALLEJÓN, 1997, pág. 53.
24
STF – RE n. 203.498/ DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJU, de 22.08.2003.
“Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a
guarda da Constituição Federal, é certo que a interpretação do texto
constitucional por ele fixada deve ser acompanhada pelos demais
tribunais, em decorrência do efeito definitivo outorgado à sua decisão.
Não se pode diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal
Federal com a manutenção de decisões divergentes. Contrariamente, a
manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o
mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo
da decisão da corte, última intérprete do texto constitucional, a
fragilização da força normativa da Constituição.”
Obviamente, se deve levar em consideração que a vinculação das
decisões dos demais órgãos do Judiciário aos enunciados sumulares se dá,
como se mencionado em capítulos posteriores, somente após seguido
procedimento próprio estabelecido na Constituição e na Lei que regulamenta a
súmula vinculante, sendo que a edição de tais enunciados sumulares dar-se-á
com bases em entendimentos sedimentados não do STF mas de todos os
demais órgãos do Judiciário não cabendo, portanto, alegações de violação ao
postulado da legalidade.
Com relação ao livre convencimento é importante atentar que não
liberdade absoluta no exercício da atividade interpretativa realizada pelo juiz
que o possibilite conferir o sentido que bem entender acerca de determinada
lei.
Tal limitação se torna muito clara quando existe um Tribunal
Constitucional incumbido de atribuir, em última análise, o sentido “definitivo” de
uma Constituição, entendimento este que busca proporcionar maior coesão ao
sistema jurídico.
Dentro dessa ótica não como desconsiderar o papel equalizador que
exerce a jurisprudência de uma Corte Suprema e, analogicamente, de súmulas
vinculantes editadas pelo STF.
2. O objetivo da súmula vinculante
Estabelece o § do art. 103-A da CF/88 que a súmula vinculante terá
por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas,
sobre as quais haja controvérsia atual, apontando a finalidade de se evitar dois
problemas: a insegurança jurídica e a multiplicação de processos sobre
questão idêntica.
Inúmeras vezes podemos nos deparar com decisões diferentes
proferidas para casos idênticos, sendo esta uma característica intrínseca do
Direito, pois aos juízes é permitido, como não poderia deixar de ser, interpretar
o texto normativo com independência e liberdade e isso é bom, pois, o juiz não
é um mero autômato diante de uma norma unívoca, como comentamos nos
capítulos iniciais.
No entanto, a proliferação de decisões divergentes proferidas para casos
concretos que guardam muitas semelhanças entre si, quando não idênticos,
traz uma grave insegurança social, uma insegurança jurídica.
Em decorrência dessa insegurança, foi alimentada no país uma política
de insatisfação perpétua que gerou a interposição inflacionária, por vezes,
meramente protelatória, de recursos endereçados aos tribunais e ao Supremo
Tribunal Federal.
Diante de uma justiça emperrada, devido a problemas de gestão e de
uma legislação extremamente permissiva que apoiava estratégias processuais
temerárias, foram ocorrendo importantes alterações tanto nas normas
processuais quanto nas constitucionais que deflagraram à EC n. 45/2004 e a
criação da súmula com efeitos vinculantes.
Nota-se, dessa forma, que a finalidade da súmula vinculante não é de
limitar a independência ou a liberdade dos magistrados nem impedir a natural
evolução do direito.
O enunciado geral vinculativo foi criado com o objetivo de dirimir
divergências relacionadas à validade, interpretação e eficácia de normas,
auxiliando na diminuição do risco de se criar incoerências no sistema e,
consequentemente, de ocasionar insegurança jurídica.
Essa intervenção sumular acaba por impor obstáculos para prática de
atos processuais que buscavam, tão somente, o retardamento da aplicação do
direito ao caso concreto e da operação da coisa julgada, tendo em vista, que a
interposição temerária de recursos ou mesmo a propositura de ações cujo fim
seja de discutir matéria pacificada e sumulada com os efeitos vinculantes,
poderá ser coibida no juízo monocrático. Isto, evitará a multiplicação de
processos sobre questões que guardam muita semelhança ou sejam idênticas.
É como a estória daquele garoto que todos os dias se dirigia à padaria
do bairro e indagava ao proprietário se o estabelecimento vendia ovos de pato.
Dia após dia o proprietário respondia à indagação do jovem rapaz
dizendo que não vendia ovos de pato.
Certa vez, o proprietário, após muito responder àquela capciosa
pergunta, ameaçou pendurar o garoto na parede utilizando pregos.
Passado alguns dias, o jovem retorna a padaria e indaga: Tem pregos?
No que o proprietário respondeu: Não! E retrucando, disse o garoto: Então me
dá um ovo de pato!
Como o proprietário do estabelecimento, respondeu o S.T.F. e os
demais órgãos do Poder Judiciário a muitos recursos e ações que lhe foram
endereçados ano após ano, muitos dos quais contendo em seu bojo tema que
havia sido arduamente debatido e alcançado o consenso entre os Ministros
daquela Corte, porém, semelhante às indagações do garoto, os recursos com
finalidades meramente protelatórias não cessaram a serem tomadas
providências cabíveis para reorganizar o sistema jurídico brasileiro,
organização esta, que teve como carro de abertura, a súmula vinculante.
Voltando aos objetivos, a súmula vinculante versará sobre a validade de
normas determinadas.
Primeiramente, cabe-nos relembrar que a norma jurídica será válida
quando não contrariar o seu fundamento de validade
25
, a Constitutição, e que
existe diferença entre validade e vigência de uma norma.
A norma será válida se guardar conformidade com a Constituição e
vigente quando cumprir todos os requisitos formais de competência,
procedimento, espaço, tempo, matéria e destinatário.
Assim, uma lei poderá ser vigente, porém, nula, inválida por violar os
limites traçados pela Constituição.
Versar a mula sobre a validade de uma determinada lei significa dizer
que o S.T.F. deverá pronunciar-se sobre qual tese adotada pelos tribunais
deverá prosperar se a que declara que a lei viola seu fundamento de validade,
25
“Sendo a Constituição o fundamento de validade de todas as demais leis, a determinação do significado
de uma de suas normas poderá importar no afastamento uma regra infra-constitucional até então vigente,
mas que se torna incompatível com a norma constitucional da forma por que passa a ser compreendida”
(BASTOS, 2002, p. 110).
sendo consequentemente inconstitucional ou se não viola a Constituição
podendo ser declara válida.
Como bem preleciona STRECK (2005) para verificar-se a validade de
uma norma deve sempre haver um ato de interpretação que preceda tal
verificação, no entanto, ainda sob os ensinamentos do citado doutrinador, o §
do art. 103-A da CF/88 prescreve como objetivo do texto sumular vinculante
emitir interpretação que deverá ser conferida a determinado texto normativo,
que tem originado interpretações divergentes entre os órgão do Poder
Judiciário e também na administração pública direta e indireta.
Para STRECK
26
, o termo “interpretação” contido no dispositivo
constitucional sob análise parece estar relacionado com as hipóteses de
interpretação conforme e de nulidade parcial sem redução do texto, além de
abranger as reiteradas decisões sobre outras interpretações discrepantes não
ligadas com os dois institutos mencionados.
Deve-se atentar para o fato de que a interpretação discrepante que dará
ensejo aos pronunciamentos reiterados do S.T.F. e possibilitará a edição de um
enunciado vinculativo, não se referirá à inconstitucionalidade da norma jurídica,
caso em que, estaríamos diante de um juízo de validade e não de interpretação
no espírito do mecanismo constitucional em testilha.
Em síntese, a mula com efeitos vinculantes terá por objetivo a
interpretação de dada norma que tem sido interpretada de inúmeras formas e
tem ocasionado certa insegurança jurídica à sociedade.
Por último, a norma constitucional prescreve que a súmula apaziguará
também as questões relacionadas à eficácia de normas.
26
Sobre esse assunto (STRECK, Lenio Luiz. In Comentários à Reforma do Poder Judiciário. 2005, p. 165
e 167).
A eficácia referida no artigo sob análise refere-se à aplicabilidade de
dada norma, no entendimento de que a norma deve ser capaz de produzir
efeitos.
Para Streck (2005) conferir outro entendimento ao termo “eficácia” faria
com que o estudo fosse remetido para o campo da sociologia, pois diz que
“Emitir juízos sobre a eficácia, efetividade ou eficiência das normas implica um
bom conhecimento da sociedade, tratando-se, pois, de um saber sociológico”
(op. cit. p. 175).
3. Processo de edição, revisão e cancelamento da súmula
vinculante
A edição, revisão ou cancelamento de uma mula vinculante o pode
ser banalizada a ponto de desconsiderar-se o grande impacto ocasionado no
ordenamento jurídico decorrente do vasto alcance de tais atos.
Deve-se ter a clareza de percepção que, devido o texto sumular vincular
tanto os demais órgãos do Poder Judiciário quanto à administração direta e
indireta, é necessário um amadurecimento prévio, isto é, um entendimento
consolidado anterior à criação, revisão ou cancelamento de uma sumula
vinculante, para que tal texto sumular expresse fielmente o pensamento não
somente do Supremo Tribunal Federal, mas das demais instâncias judiciais.
Esta é a visão de TAVARES (2007):
“Compreende-se que a edição de um enunciado de súmula vinculante
seja um ato de grande alcance no âmbito do sistema jurídico. Daí que
sua edição, revisão e cancelamento dependam, de um amadurecimento
anterior do tema a ser versado na súmula.
Pela sua “gravidade” o conteúdo da súmula vinculante não pode
representar apenas o pensamento imediato e isolado do STF. Deve ter
sido objeto de discussões e maturação ao longo do tempo e das demais
instâncias judiciais, o que sempre contribuirá para a formação do
pensamento do STF.”
Portanto, para a criação, revisão ou cancelamento de uma súmula com
efeitos vinculantes é condição sine qua non que tenha havido antes uma
profunda reflexão sobre o tema objeto do texto sumular.
Além do fator amadurecimento, outra questão chama a atenção sobre a
súmula vinculante, o seu processo de criação, revisão e cancelamento.
Anteriormente à emenda constitucional que inseriu a súmula com efeitos
vinculantes na Constituição Federal de 1988, a súmula existente que possuía
apenas efeito de orientação era disciplinada pelo Regimento Interno do
Supremo Tribunal federal (RISTF).
Agora, inserida no texto constitucional em seu art. 103-A o procedimento
de criação, revisão e cancelamento da súmula vinculante deve ser visto como
integrante do processo objetivo (direito processual constitucional), sendo que
para TAVARES, devido haver uma aproximação entre o controle difuso-
concreto e o abstrato-concentrado, foi elaborada a Lei 11.417/2006 com a
finalidade de disciplinar claramente o processo de criação, revisão e
cancelamento do texto sumular vinculante.
3.1 Requisitos: controvérsia atual, grave insegurança
jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica
O dispositivo constitucional que estabelece os objetivos da súmula
vinculante como sendo eliminar discussões sobre a validade, interpretação e
eficácia de normas carrega em seu texto importantes direcionamentos, como a
menção à “controvérsia atual”.
No contexto dos objetivos mencionados, a súmula será editada se o
entendimento divergente entre os tribunais ou entre estes e a administração
pública caracterizar uma “controvérsia atual”.
Esse termo parece sugerir que a divergência motivadora de edição de
um enunciado sumular deva promovendo uma relevante multiplicação de
processos ocasionando grave insegurança jurídica, ou seja, as divergências
estão ocorrendo.
A desarmonia atual entre os tribunais ou entre estes e a administração
pública, para que torne justificável a edição de uma súmula com efeitos
vinculantes, deve estar ocasionando uma grave insegurança jurídica.
Termos indeterminados como “grave insegurança jurídica” ocasionam
sérios problemas interpretativos, pois não são unívocos e podem gerar muitas
discussões, tendo em vista, como bem aponta STRECK (2005), que o sentido
desses termos não poderá ser produto de discricionariedade
27
do Poder
Judiciário ou do Pode Executivo.
No entanto, é possível identificar um estado de insegurança jurídica se
focar a verificação nas inúmeras decisões divergentes dos tribunais e na
dificuldade de previsibilidade de dizer o direito para o caso que gera
posicionamentos antagônicos.
Se atentarmos com maior reflexão sobre intenção do constituinte
derivado quando inseriu como requisito para edição da súmula vinculante o
estado de insegurança jurídica, chegaremos à conclusão de que buscou-se
preservar a coerência do sistema jurídico.
Preceitua o artigo 103-A da Constituição Federal de 1988:
27
“Não esqueçamos que, por vezes, a grave insegurança (sic) é provocada por falta de políticas públicas
ou decisões legislativas, como, por exemplo, no caso das ocupações coletivas de terras ou as invasões
urbanas, que seguramente ocorrem em face do não-cumprimento da Constituição por parte das
autoridades governamentais. Não será, portanto, qualquer crise por exemplo, uma crise energética, que
deu origem a uma ação declaratória de constitucionalidade sobre o “apagão” que preencherá o
conteúdo, a toda evidência, vago e ambíguo do enunciado(STRECK, Lenio Luiz. In Comentários à
Reforma do Poder Judiciário. 2005, p. 182).
Art. 103-A “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação das partes, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.”
Nessa linha foi elaborada a Lei 11.417 de dezembro de 2006 que
objetivou regulamentar o art. 103-A da Constituição Federal de 1988:
Art. 2º. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma prevista nesta Lei.”
Muito se indagou sobre o real objetivo da súmula vinculante, inúmeros
argumentos a favor foram levantados, outros tantos se posicionaram com
enfático descrédito, porém, inegável é reconhecer que um dos objetivos, se
não o principal, foi atacar diretamente a multiplicação de processos que tem
prejudicado desde muito tempo uma prestação jurisdicional efetiva pelo
judiciário brasileiro.
Temos nos posicionado a favor da tese que entende ser o objetivo da
súmula vinculante a diminuição de processos que inflacionam os gabinetes dos
aplicadores do direito ocasionando uma morosidade mórbida para que o
Estado diga qual norma deverá ser aplicada ao caso concreto trazido aos
órgãos do Poder Judiciário, bem como ao Supremo Tribunal Federal.
Da súmula vinculante, enquanto mecanismo disciplinador e limitador de
demandas judiciais tem originado, ainda, uma dúvida crucial no que se refere à
sua edição, se seria necessária reiteradas decisões idênticas no âmbito do STF
para a elaboração do texto sumular ou se tal requisito deve repousar na
verificação de relevante multiplicação de processos repetitivos nos demais
órgãos do Judiciário.
TAVARES
28
(2007) entende que tanto a relevante multiplicação de
processos no âmbito do Judiciário quanto as reiteradas decisões idênticas
sobre matéria constitucional emanadas do Supremo Tribunal Federal poderiam
motivar a edição de uma súmula vinculante.
Outra questão nos parece importante colocar à discussão, se seria
necessário aguardar uma multiplicação acentuada de processos idênticos ou
no mínimo semelhantes.
Pela interpretação do art. 103-A da Constituição Federal, bem com do
art. da Lei 11.417 de dezembro de 2006 nos parece que não, visto que a
multiplicação dos processos é esperada devido à previsibilidade de que
inúmeras pessoas dentro de uma sociedade passarão enfrentarão situações
idênticas ou semelhantes que demandarão a aplicação de uma mesma norma
jurídica para a solução do conflito.
O entendimento mais correto deve ser aquele que compreende que a
multiplicação de processos possui um objeto relevante
29
juridicamente falando,
sendo assim preenchido o requisito para edição de uma súmula vinculante.
28
Sobre esse assunto consultar TAVARES, 2007, PAG. 41 E 42.
29
“É necessário esperar a multiplicação desmedida de processos exatamente idênticos ou semelhantes?
Parece que não. A multiplicação, que é rotineira em causas comuns a centenas de pessoas, deve ser
relevante (como v.g., ocorre atualmente na discussão sobre a correção monetária do valor da pensão por
morte concedida pelo INSS). Não se exige aqui, relevante multiplicação de decisões semelhantes (no
No entanto, deve-se lembrar que o texto constitucional e a Lei
11.417/2006 fazem referência a edição, revisão e cancelamento de enunciado
de súmula vinculante.
3.2 Início da Eficácia da súmula vinculante
Tanto o art. 103-A da Constituição Federal quanto o art. 2º da Lei
11.417/2006 trazem em seus bojos que o início da eficácia da mula
vinculante dar-se-á a partir de sua publicação na imprensa oficial.
Porém, a Lei 11.417/2006 visando evitar a protelação do início da
eficácia da súmula vinculante editada, trouxe no § 4º de seu art. a
determinação de que após a sessão que editar, rever ou cancelar sumúla
vinculante, deverá o STF providenciar a publicação do texto sumular na
imprensa ofical dentro do prazo de dez (10) dias.
§ 4º. “No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou
cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal
Federal fará publicar, em sessão especial do Diário da Justiça e do
Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.”
No entanto, tal regra comporta exceção, pois preceitua o art. da Lei
da Súmula Vinculante ser permitido o adiamento dos efeitos do enunciado para
momento futuro ou mesmo a restrição de seus efeitos vinculantes.
Art. 4º. “A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o
Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) de seus
membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha
eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse público.”
STF), e sim de processos (no Judiciário). Impõe-se, em relação às decisões, que estas ocorram no âmbito
do STF, e sejam reiteradas.”
Certamente, como bem aponta TAVARES (2007),
30
a questão do
adiamento dos efeitos da súmula vinculante para momento futuro causa e
causará muita polêmica. Isso, tendo em vista que como regra a eficácia da
súmula vinculante é imediata.
Frise-se, a eficácia imediata inicia-se após a publicação do texto da
súmula vinculante em seção especial no Diário da Justiça, bem como no Diário
Oficial da União no prazo de dez (10) dias após a sessão de sua edição,
revisão ou cancelamento e não a partir da data do julgamento.
As dúvidas que sobrevêm a questão é se o adiamento da eficácia da
súmula vinculante integrará o texto sumular. Isto, porque no caso de entender-
se que no próprio enunciado da súmula constará a disposição acerca de sua
restrição temporal, resta claro que tal restrição temporal terá efeitos
vinculantes. No entanto, caso não conste no enunciado da súmula a restrição
temporal, graves problemas poderiam daí originar-se.
Suponhamos que uma súmula verse sobre a inconstitucionalidade da lei
“Y” e que com fulcro no art. 4º da Lei 11.417/06 entenda o STF que a súmula
assumirá efeitos vinculantes em data futura pré-definida e não a partir de
sua publicação.
Diante desse fato poder-se-ia indagar se tanto o Judiciário quanto a
Administração Pública teriam a discricionariedade de seguir o mesmo
entendimento do STF, reconhecendo a lei como inconstitucional, ou, pelo
contrário, entendendo que a lei “Y” será considerada constitucional até a data
disposta no texto sumular que restringe temporalmente os efeitos vinculantes
da declaração de inconstitucionalidade.
30
Sobre esse assunto TAVARES, 2007, p. 63 e ss.
Como bem direciona TAVARES (2007), a possível solução para estas
controvérsias seria fazer constar no próprio enunciado da súmula que até a
entrada em vigor do enunciado a lei “Y” deverá ser considerada constitucional.
No que se refere à restrição dos efeitos vinculantes, não é menor a
dificuldade para os operadores do direito.
A restrição dos efeitos vinculantes poderá ocorrer com a finalidade de
alcançar uma maior segurança jurídica ou devido excepcional interesse
público.
Para TAVARES (2007) uma primeira leitura do art.4º da Lei da Súmula
Vinculante parece induzir que a súmula não seja vinculante, o que seria um
contra-senso.
Como bem aponta o autor, solução para esse problema seria considerar
que a restrição dos efeitos vinculantes nunca ocorra num grau máximo.
No entanto, parece não restar claro quais seriam os efeitos vinculantes a
serem restringidos:
Restringir seus efeitos para Administração Pública e o Judiciário?
Restringir somente para o Judiciário e vincular a Administração Pública?
Restringir espacialmente os efeitos vinculantes?
Restringir os efeitos vinculantes a parcelas do enunciado da súmula?
Essas questões certamente deverão despender aprofundado raciocínio
do STF para que não torne, por vezes, supérflua a súmula vinculante editada.
Fato é que para que haja a restrição dos efeitos vinculantes ou sua
protelação para momento futuro é exigido um quorum de 2/3 (dois terços) dos
membros do Supremo Tribunal Federal.
3.3 Possibilidade de restrição dos efeitos da súmula
vinculante
Estabelece o art. 4º da LSV:
Art. 4º. ‘A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o
Supremo Tribunal Federal, pode decisão de 2/3 (dois terços) dos seus
membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha
eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse público.”
A questão do adiamento dos efeitos da súmula vinculante para momento
futuro se apresenta polêmica, tendo em vista que a regra dita que eficácia da
súmula vinculante é imediata.
É de bom tom relembrar que a eficácia imediata da súmula vinculante
dar-se-á após a publicação de seu texto em seção especial no Diário da
Justiça, bem como no Diário Oficial da União no prazo de dez (10) dias após a
sessão de sua edição, revisão ou cancelamento e não a partir da data do
julgamento, nos termos dos arts. 2º, caput e § 4º do mesmo dispositivo.
Porém, pode ser questionado se tal adiamento da eficácia da súmula
vinculante integrará o texto sumular. Isto, porque, como referido em tópico
anterior, no caso de entender-se que no próprio enunciado da súmula constará
a disposição acerca de sua restrição temporal, resta claro que tal restrição
temporal terá efeitos vinculantes. Entretanto, caso não conste no enunciado da
súmula a restrição temporal, graves problemas poderiam daí originar-se.
Suponhamos que uma súmula verse sobre a inconstitucionalidade da lei
“Y” e que com fulcro no art. 4º da Lei 11.417/06 entenda o STF que a súmula
assumirá efeitos vinculantes em data futura pré-definida e não a partir de
sua publicação.
Diante desse fato poder-se-ia indagar se tanto o Judiciário quanto a
Administração Pública teriam a discricionariedade de seguir o mesmo
entendimento do STF, reconhecendo a lei como inconstitucional, ou, pelo
contrário, entendendo que a lei “Y” será considerada constitucional até a data
disposta no texto sumular que restringe temporalmente os efeitos vinculantes
da declaração de inconstitucionalidade.
Assim, fazer constar no próprio enunciado da súmula que até a entrada
em vigor do enunciado a lei “Y” deverá ser considerada constitucional.
No que se refere à restrição dos efeitos vinculantes, não é menor a
dificuldade para os operadores do direito.
No entanto, a restrição dos efeitos vinculantes poderá ocorrer de
forma justificada, isto é, atendendo as hipóteses trazidas pela LSV: (i) alcançar
uma maior segurança jurídica ou (ii) devido excepcional interesse público e
aprovação de quorum formado por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo
Tribunal Federal.
3.4 Legitimados
O texto constitucional em seu art. 103-A foi explícito em dizer que tanto a
edição quanto a revisão e cancelamento de súmula com efeito vinculante
poderá ocorrer de ofício (pelo STF), ou por provocação pelos legitimados a
propor ação direta de inconstitucionalidade na forma estabelecida em lei.
Em virtude da atribuição de competência ao legislador infraconstitucional
constitucional pelo art. 103-A da Constituição Federal de 1988 para dispor
sobre a súmula vinculante, foram trazidas algumas inovações através da Lei
11.417/2006.
Estabelece o art. da Lei 11.417/2006 que os legitimados a propor a
edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante são:
Art. 3º. São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento
de enunciado de súmula vinculante:
I - o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – o Procurador-Geral da República;
V – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI – o Defensor Público-Geral da União;
VII – parido político com representação no Congresso Nacional;
VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
IX a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal;
X – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
XI os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do
Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os
Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os
Tribunais Militares.
§ 1º. O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo
em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado
de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.”
Na verdade, a Lei da Súmula Vinculante trouxe uma inovação à regra
constitucional disposta no art. 103-A, isto porque a Constituição Federal
permitiu que a Lei infraconstitucional alargasse o rol de legitimados para
provocação do processo de edição, revisão e cancelamento de súmula
vinculante ao mencionar que tal processo se daria “na forma estabelecida em
lei”, esta Lei é a 11.417/2006.
Assim, a Lei 11.417/2006 adicionou ao rol de legitimados ativos para
provocar a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante
estabelecido no §do art. 103-A da Constituição Federal de 1988 os tribunais
e os municípios.
Cabe notar que até o inciso X do art. 3º da LSV não há qualquer
diferenciação do que é estabelecido no § do art. 103-A da CF/88, tendo em
vista, que até esse inciso é repetido estritamente o disposto na Constituição.
No entanto, o inciso XI e o § 1º do art. 3º da LSV alarga autorizadamente
o rol de legitimados, incluindo nele os tribunais e municípios.
Porém, questionamentos podem ser levantados no que se refere à
repetição exata do texto constitucional pelo art. 3º da LSV até o inciso X.
Para TAVARES (2007)
31
isso tem um motivo o temor de causar uma
polêmica desnecessária quanto à incidência imediata da norma constitucional
por influência da controvertida doutrina das normas programáticas.
Outra questão que chama a atenção para a LSV é que o rol de
legitimados ativos é apresentado de forma diferente daquela constante no texto
constitucional, porém, isso não acarreta qualquer conseqüência objetiva, tendo
em vista que todos ali elencados possuem legitimidade para provocar o
Supremo Tribunal Federal a uma análise de edição, revisão ou cancelamento
de súmula vinculante. Essa disposição diversificada transparece tão somente
uma técnica legislativa deficiente.
Fato é que a ampliação do rol de legitimados ativos aparentemente foi
realizada com prudência pela LSV, visto que, apesar da inclusão dos tribunais
e municípios no rol de legitimados o processo para a criação, revisão ou
cancelamento de súmula com efeito vinculante é mais rígido do que o processo
objetivo estabelecido para as ações diretas de inconstitucionalidade e
constitucionalidade, bem como para a ADPF, pois para estas é exigida uma
maioria absoluta (seis ministros) enquanto o processo da súmula vinculante
estabelece 2/3 (oito ministros).
No entanto, cabe ressaltar que a abertura inclusiva trazida pela LSV, no
que se refere aos órgãos do Poder Judiciário possui restrição. Isso porque,
dentre os órgãos do Judiciário que têm legitimidade ativa para provocar a
criação, modificação e cancelamento de súmula vinculativa estão excluídos os
juízes e juízos de primeira instância.
31
Sobre esse assunto TAVARES, 2007, p. 54.
Nesse sentido TAVARES (2007):
“De todos os órgãos do Poder Judiciário, a Lei exclui apenas i) os juízes
e juízos de primeira instância e ii) o Conselho Nacional de Justiça. No
caso, (i) a exclusão ocorre para não promover uma abertura excessiva. A
exclusão indicada em (ii), contudo, bem demonstra que a inclusão do
Conselho Nacional de Justiça não foi satisfatoriamente assimilada (e
talvez nem possa sê-lo).
Também não detêm legitimidade ativa para deflagrar o processo de
súmula vinculante i) os tribunais de contas e ii) os tribunais de justiça
desportiva. Os primeiros por estarem absorvidos na estrutura do
Legislativo e os últimos por estarem no âmbito da Administração Pública
(TAVARES, 2007, pág. 57 e 58).
Por outro lado, devem ser considerados como contemplado com a
legitimidade ativa o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral, o
Superior Tribunal Militar, o Tribunal Superior do Trabalho, os Tribunais de
Justiça dos estados e do Distrito Federal, os Tribunais Regionais do Trabalho,
os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Militares.
No que se refere aos municípios foi estabelecido pela LSV, um requisito
extra para o exercício da legitimidade ativa.
Preceitua o § 1º do art. 3º da Lei da Súmula Vinculante:
§ 1º. “O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo
em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado
de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.”
Antes dessa abertura não era outorgada aos municípios a possibilidade
de discutir diretamente (através de ações com decisões vinculantes) sobre a
inconstitucionalidade de leis que violassem a Constituição Federal em abstrato
obtendo, assim, uma decisão erga omnes.
A ausência de contemplação dos municípios no rol de legitimados ativos
trazia grande responsabilidade ao chefe do Poder Executivo local, visto que, o
descumprimento de lei que supostamente violasse a CF corria por sua conta e
risco, isto é, sob o risco de responder administrativa e judicialmente pelo
descumprimento de norma jurídica vigente, ainda que sobre esta pairasse
vícios que violassem o texto constitucional.
Agora, com a autorização concedida aos municípios pelo § 1º do art.
da LSV é permitida aos municípios a provocação do processo de súmula
vinculante seja no tocante à lei federal, estadual ou municipal desde que haja
um processo em andamento, isto é, processo em que o município figure como
parte.
Apesar de não mencionar expressamente, pela análise tanto da
Constituição Federal quanto da Lei da Súmula Vinculante deverão os
municípios atender aos requisitos estabelecidos pelo art. da LSV, quais
sejam: reiteradas decisões idênticas, controvérsia atual entre órgãos judiciários
ou entre estes e a Administração, grave insegurança jurídica, multiplicação de
processos idênticos e haver processo em curso no que o município figure como
parte.
3.5 Revogação ou modificação da lei em que se funda
Prescreve o art. 5º da Lei da Súmula Vinculante:
Art. 5º. “Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de
enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício
ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme
o caso.”
Esse dispositivo parece demonstrar um excesso de prudência do
legislador ordinário por vezes motivado pelas inúmeras interpretações que são
conferidas à determinada norma ocasionando, em última análise, certo
desconforto dentro do ordenamento jurídico, que pode originar grave
insegurança quanto à previsibilidade da lei.
Além disso, mostra-se óbvio que se dada lei, que foi objeto de
enunciado sumular vinculativo, for modificada ou revogada, será necessário
proceder, de ofício ou por provocação de um dos legitimados ativos, a revisão
ou o cancelamento da respectiva súmula vinculante.
Nesse sentido é o entendimento de TAVARES (2007):
“O que parece ter sido a “intenção”, aqui, é a de reportar-se às súmulas
que tratem de lei (embora isto também não seja impositivo para a
redação de uma súmula). É perfeitamente possível imaginar (e muito
provavelmente ocorrerá) a súmula dispor, v.g., sobre a
inconstitucionalidade de uma lei ou realizar a interpretação conforme de
certo texto de lei. A situação sobre a qual dispõe este dispositivo é a
seguinte: a lei sobre a qual discorreu a súmula vinculante foi revogada,
não havendo mais motivo para seguir a lei.
Mas o dispositivo fala ainda de outra situação, além daquela até aqui
escrita de revogação. É a que autoriza a revogação ou cancelamento de
súmula quando modificada a lei sobre a qual a mula dispõe. Nesse
caso, o art. está a permitir uma indesejável (e certamente
inconstitucional) abertura interpretativa de seu significado. O dispositivo
lido sem maiores preocupações pode ser compreendido como
autorizando o STF a dispor sobre a nova lei, independentemente de
haver reiteradas decisões ou qualquer outro dos demais requisitos de
iniciação do processo de súmula vinculante; assim, por meio desta
interpretação, desde que houvesse, anteriormente, uma súmula
editada que tratasse de lei que, agora, tenha sido modificada, estaria
automaticamente autorizada a criação de nova súmula sobre nova lei,
por menos compreendida e discutida que esta tenha sido” (TAVARES,
2007, pág. 70 e 72).
As considerações de TAVARES o extremamente relevantes, vez que
a Constituição Federal estabelece pressupostos a serem preenchidos como
condição sine qua non para a edição da súmula vinculante.
Isso quer dizer que o Supremo Tribunal Federal não estará autorizado à
edição, modificação ou cancelamento de uma súmula com efeitos vinculantes,
devido à revogação ou modificação de lei cujo texto sumular tenha imputado
efeitos vinculativos sem que estejam presentes os pressupostos, v. g.,
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave
insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica como anteriormente explicitado.
Assim, independente de a LSV autorizar a revisão de súmula vinculante
quando a lei de que trate seja modificada, não quer dizer que poderá o STF
dispor sobre a nova lei sem preencher os requisitos constitucionais que o
autorizam para tanto. Se assim for interpretado o art. da LSV estar-se-á
diante de uma interpretação inconstitucional.
3.6 Impossibilidade de suspensão dos processos
O art. da LSV traz importante vedação ao prescrever a
impossibilidade de suspensão de processos judiciais ou administrativos sob o
fundamento de ter sido instaurado o processo de edição, modificação ou
cancelamento de súmula vinculante.
Preceitua o art. 6º da Lei da Súmula Vinculante:
Art. 6º. “A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de
súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se
discuta a mesma questão.”
Em harmonia com o entendimento de TAVARES
32
, tendo em vista a
proximidade do processo de edição, modificação e cancelamento de enunciado
de súmula vinculante com o processo objetivo, a possibilidade de pedidos de
antecipação de tutela ou propositura de ações cautelares com a finalidade de
suspensão de processos judiciais ou administrativos seria grande.
O art. da LSV foi redigido com extrema técnica pelo legislador, vez
que com a vedação de suspensão sob análise houve a preservação de um
lado, da consistência da própria Lei 11.417/2006, tendo em vista que tanto nela
quanto na CF/88 preceitua-se que o início da eficácia da súmula vinculante se
dá com sua publicação na imprensa oficial. Isso quer dizer que admitir a
suspensão de um processo judicial ou administrativo sob o fundamento de ter
32
Sobre esse assunto ver (TAVARES, 2007, PAG. 75 E 76).
sido instaurado processo para edição, revisão ou cancelamento de enunciado
sumular vinculante seria o mesmo que admitir efeitos retroativos da súmula
vinculante.
Por outro lado, sob a ótica processual atual, que tem privilegiado a
efetividade da prestação da tutela jurisdicional, adotando como diretrizes os
princípios da celeridade e economia processual, seria no mínimo contraditório e
desarmônico com o ordenamento jurídico permitir a paralisação de processos
até que fosse concluído o processo de edição, revisão ou cancelamento de
súmula vinculante.
4. Quem está vinculado à súmula?
Muito se discutiu sobre a Reforma do Judiciário, especialmente no que
se refere à súmula vinculante, sendo que, um dos pontos que causou grande
debate é a questão da abrangência dos efeitos vinculativos do enunciado
sumular.
Tanto o texto constitucional quanto o que consta no bojo da Lei
11.417/2006 expressamente prescrevem que os efeitos da súmula vinculante
abrangerão a administração pública direta e indireta nas esferas federal,
estadual e municipal e os demais órgãos do Poder Judiciário.
Fato é, como atentamente relata TAVARES (2007)
33
, que a Lei da
Súmula Vinculante repetiu o esquecimento no que se refere à administração
pública distrital direta e indireta. Não obstante, esse esquecimento não teve o
condão de isentar o Distrito Federal e seus órgãos dos efeitos vinculativos do
enunciado sumular, tendo em vista a isonomia atribuída aos Estados,
Municípios e Distrito Federal pelo art. 32, § 1º da Constituição Federal.
Assim, a abrangência dos efeitos vinculativos da súmula alcança o
Judiciário e a administração pública direta e indireta.
Discussões surgem, também, no tocante se a abrangência dos efeitos
vinculativos atingiriam o Poder Legislativo.
Num primeiro momento pareceu plausível a interpretação que incluía o
Legislativo no âmbito dos efeitos emanados pela súmula vinculante, vez que,
poderá o Supremo Tribunal Federal dispor, através de enunciados de súmulas
vinculantes sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
determinada lei.
Nesses casos a atividade legiferante que contrariasse texto sumular
parecia eivada de vício de inconstitucionalidade, tendo em vista que o Supremo
Tribunal Federal já havia se manifestado contrário ao texto normativo seja
atribuindo uma interpretação conforme, seja declarando sua
inconstitucionalidade.
33
Sobre esse assunto: (TAVARES, 2007, pág. 36).
Contudo, como preceitua TAVARES
34
a possibilidade dos efeitos
vinculativos da súmula alcançarem o Legislativo, atualmente, não é admitida.
“Contudo, essa possibilidade de alcançar o Legislativo foi afastada, como
admite o próprio Gilmar Mendes, pela EC 45/2004 e, consequentemente,
pela regulamentação. Logo, uma das formas de renovar a discussão
encerrada por súmula vinculante é a de reincidir o legislador na mesma
prática legislativa desabonada pelo STF (cf. Mendes e Pflug, 2005:
371).”
Portanto, poderá o Poder Legislativo editar lei com conteúdo idêntico ao
declarado inconstitucional por uma súmula vinculante o que reabrirá a
discussão sobre a questão e, preenchidos os requisitos constitucionais,
autorizará o Supremo Tribunal Federal editar nova súmula sobre a norma
elaborada.
Parece existirem evidências de estar nosso STF aproximando ou
buscando maior aproximação das funções caracterizadoras de um Tribunal
Constitucional.
Dessa forma, se realmente está o STF caminhando para assumir todas
as atribuições de um tribunal constitucional
35
, parece contraditória a
possibilidade desse Tribunal se vincular às suas próprias súmulas, tendo em
vista ser uma de suas funções a de implementação da Constituição. Nesse
sentido TAVARES (2005):
“Assim, ao Tribunal Constitucional incumbe conduzir a Constituição de
um texto descompromissado para uma living Constituition, para utilizar a
expressão que ganhou o título do livro de MCB
AIN
(1948) e de P
ADOVER
34
Sobre esse assunto: Tavares, 2007, pág. 38.
35
Sobre estudo das funções do tribunal constitucional: TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça
Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2005.
(1953).
Trata-se de realização que tem sido amplamente reconhecida
pela doutrina, uma necessidade de tornar a Constituição um documento
vivo (F
ERRAZ
, 1986: 130), que não pode ser considerada como “norma
estática e fixada no tempo” (R
OCHA
,
1991:
86)
(op. cit. p. 243).
Isso significa dizer que todos os demais órgãos do Judiciário estarão
vinculados aos enunciados sumulares, porém, o STF não. Isso, tendo em vista
que o STF não pode ser um tribunal estático, que engesse o direito, pois com a
evolução social deve haver a evolução do direito que não se estritamente
pela atividade legiferante, mas também pela atividade interpretativa.
Desta forma, a expressão “vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário” inserta tanto no art. 103-A caput da Constituição Federal de
1988 quanto no art. 2º da LSV, traz subsídios suficientes para a compreensão
de que o STF não está vinculado às suas próprias decisões sumulares, o que
permite dizer que poderá rever posicionamento anteriormente firmado através
de súmula vinculante.
5. Contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente o
enunciado da súmula vinculante
TAVARES (2007) refere-se ao presente tema utilizando o termo
“descumprir súmula vinculante” como abrangendo todos aos atos que a lei
buscou coibir no que tange à violação de enunciado com efeitos vinculantes,
sendo tal termo adotado no presente trabalho.
Porém, se mostra necessário abordar e apresentar as respectivas
diferenciações entre contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente o
enunciado da súmula vinculante.
De plano se nota que contrariar súmula vinculante incluir negar sua
vigência, no entanto, a LSV, aparentemente, buscou afastar futuros equívocos
e falhas interpretativas mencionando os dois termos em seu art. 7º.
A Constituição Federal também faz menção à hipótese de contrariar o
texto sumular vinculante, incluindo, ainda, a possibilidade de aplicação
indevida, indicando como remédio cabível para tal mal a reclamação
constitucional.
Portanto, pode-se entender como descumprimento da súmula vinculante
todo ação ou omissão que a aplique ou a interprete indevidamente.
5.1 Variáveis de descumprimento da súmula vinculante
A CF/88 menciona no § 3º do art. 103-A que:
“Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará
que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o
caso.”
A Lei da Súmula Vinculante preceitua em seu art. 7º que:
“Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de
súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá
reclamação ao Supremo Tribuna Federal, sem prejuízo dos recursos ou
outros meios admissíveis de impugnação.”
A Constituição menciona contrariar ou aplicar indevidamente súmula
vinculante, enquanto a LSV, sendo mais detalhista, se refere a
descumprimento, a contrariar, a negar vigência e aplicar indevidamente.
Como mencionado anteriormente, todas as ações ou omissão que
violem de alguma forma o enunciado de mula vinculante será aqui
considerado como descumprimento da súmula com efeitos vinculativos.
Desta forma, diante do descumprimento da súmula vinculante, que tem
como umas de suas finalidades o reestabelecimento da segurança jurídica por
vezes ameaçada pela aplicação e interpretação divergentes de uma mesma
norma a dado caso concreto, caberá reclamação constitucional.
5.2. Reclamação constitucional como medida cabível em
face de desrespeito à súmula vinculante
A reclamação constitucional inicialmente foi prevista no art. 102, inciso I,
alínea “l” da Constituição Federal como instrumento cabível para a
“preservação” da competência e “garantia” da autoridade das decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Cabe ressaltar, que a reclamação constitucional é instrumento utilizado
dentro de uma relação jurídica instaurada em um dos órgãos do Poder
Judiciário, portanto, proposta pelo interessado dentro de um caso concreto.
Com a Reforma do Judiciário, a reclamação constitucional ganha um
novo enfoque passando a ser utilizada, também, como mecanismo específico
de resguardo da efetividade da súmula vinculante, nos termos do § do art.
103-A da CF/88, que em última análise continua a servir como instrumento de
preservação e garantia da autoridade das decisões proferidas pelo STF.
Como bem aponta TAVARES (2007)
36
o STF, antes da Reforma do
Judiciário, vinha sinalizando pela inclusão da reclamação constitucional no
controle normativo abstrato:
“A natureza eminentemente objetiva do controle normativo abstrato
afasta o cabimento do instituto da reclamação por inobservância de
decisão proferida em ação direta (Rcl 354, Rel. Min. Celso de Mello).
Coloca-se contudo, a questão da conveniência de que se atenue o rigor
dessa vedação jurisprudencial, notadamente em face da notória
insubmissão de alguns Tribunais judiciários às teses jurídicas
consagradas nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em
ações diretas de inconstitucionalidade” (Reclamação 397-RJ, Questão
de Ordem, Medida Cautelar, rel. Min. Celso Mello, DJU 21.05.1993).
Assim, a reclamação constitucional passou a desempenhar um papel
relevante no controle de constitucionalidade brasileiro, sendo que, após a
Reforma do Judiciário, sua importância foi reforçada, visto a possibilidade de
reclamação constitucional em face de atos administrativos ou decisões judiciais
que violem enunciado de súmula vinculante.
36
Sobre esse assunto: TAVARES, 2007, pág. 79.
5.3 Legitimidade ativa para a reclamação constitucional
por descumprimento de súmula vinculante
Tem sido o entendimento do STF que a reclamação constitucional para
o controle abstrato em relação ao controle concreto em curso, pode ser
proposta por qualquer interessado prejudicado concretamente por uma decisão
judicial, incluindo-se atos administrativos, no caso de violação de súmulas
vinculantes.
BARROSO (2006) tece algumas considerações nesse sentido:
“(...) tem sido reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte
dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram
a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não
apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir.
Como conseqüência, tem-se admitido reclamação contra qualquer ato,
administrativo ou judicial, que contrarie a interpretação constitucional
consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado
de constitucionalidade.” (op.cit. pág. 185).
Logicamente a abertura da legitimidade ativa para a reclamação
constitucional deve ser estudada com as devidas cautelas, visto que poderá
ocasionar uma crise numérica ao Supremo Tribunal Federal, devido o grande
número de demandas tramitando nos demais órgãos do Poder Judiciário, bem
como a quantidade gigantesca de atos administrativos produzidos
rotineiramente.
5.4 Contencioso administrativo mitigado
A questão do contencioso administrativo mitigado se mostra
extremamente interessante, senão imprescindível para que a súmula vinculante
alcance os objetivos para os quais fora criada.
Primeiramente cabe considerar que, como regra, toda decisão judicial ou
ato administrativo que violar as diretrizes emanadas por uma súmula vinculante
dará ensejo para propositura de reclamação constitucional ao Supremo
Tribunal Federal, buscando a revogação de tal decisão ou ato.
Essa regra foi inserida por meio da Reforma do Judiciário no texto
constitucional que no § 3º do art. 103-A preceitua:
§ 3º. Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão reclamada, e determinará que seja
proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Pela análise do texto acima verifica-se que a regra é a do cabimento da
reclamação constitucional quando diante de uma decisão ou ato administrativo
que viole orientação sumular, no entanto, como anteriormente explanado, a
Constituição Federal concedeu certa liberdade ao legislador ordinário para
dispor sobre o mecanismo sumular vinculante, e com essa abertura a Lei da
Súmula Vinculante estabeleceu uma restrição à propositura de reclamação
constitucional em face de ato administrativo que aparentemente a viole.
Assim, a LSV em seu art. 7º, § 1º dispôs:
§ 1º. “Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da
reclamação só será admitido após esgotamento das vias
administrativas.”
A LSV menciona em seu texto “omissão ou ato da administração” ao
invés de ater-se ao texto constitucional que referiu-se à “ato administrativo”.
Tal discrepância não deve ser deixada de lado, pois a diferença de
termos soa como uma tentativa da lei ordinária de ampliar o âmbito de
cabimento da reclamação constitucional, pois os atos da Administração Pública
podem abranger tanto os atos típicos, aqueles regidos pelo Direito público,
quanto os atípicos, os regidos pelo direito privado.
Para TAVARES (2007)
37
somente em face de atos administrativos que
supostamente violassem enunciado sumular vinculante é que seria permitida a
propositura de reclamação constitucional e, desta forma, torna-se necessária a
redução do alcance deste dispositivo da LSV através de uma declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto com o objetivo de evitar-se permitir
reclamações ao S.T.F. em face de atos da administração que não aqueles
regidos pelo Direito público.
Porém, questão que se apresenta igualmente importante é a do
contencioso administrativo mitigado, isto é, o esgotamento das vias
administrativas como pressuposto para propositura da reclamação
constitucional.
A possibilidade de reclamação constitucional frente a atos
administrativos ou decisões que violem súmula vinculante objetivou resguardar
a observância dos enunciados sumulares e consequentemente reduzir o
número de processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal.
Especificamente sobre esta questão TAVARES (2007) disserta:
“A abertura da reclamação constitucional para as hipóteses de
descumprimento de súmula vinculante (aqui sempre referida como
reclamação constitucional por descumprimento) era, paradoxalmente, a
melhor solução para impor a certeza da observância da súmula
vinculante, proclamada ao som ensurdecedor de uma bomba-relógio
37
Sobre esse assunto ver: TAVARES, 2007, pág. 82 e 83.
prestes a explodir a organização e a capacidade de trabalho que ainda
restam ao STF” (TAVARES, 2007, pág. 84).
Diante desse cenário que de um lado apresentava um novo mecanismo
destinado à redução da inflação processual no âmbito do Supremo Tribunal
Federal e de outro a possibilidade de recorrer de atos administrativos e
decisões que supostamente contrariassem enunciado de súmula vinculante
através de reclamação constitucional endereçada ao STF, vislumbrou-se o
risco de ineficácia da súmula vinculante, especialmente por uma possível
propositura massificada de reclamações constitucionais em face de atos
administrativos.
Nesse sentido TAVARES (2007):
“Isso era particularmente preocupante em virtude do cabimento da
reclamação quando do descumprimento de súmula por ato
administrativo, nos amplos termos previstos na Constituição após EC
45/2004. Até então, a reclamação cingia-se ao âmbito judicial. Com mais
de 5.500 municípios, além dos estados-membros e da União,
produzindo, diariamente, toneladas de atos administrativos na inércia de
sua burocracia, não seria um pensamento cerebrino imaginar uma
catástrofe aproximando-se rapidamente” (TAVARES, 2007, pág. 84).
Em face desse risco a LSV buscou conter a multiplicação de
reclamações constitucionais em face de atos administrativos que violassem
súmula vinculante estabelecendo um pressuposto, qual seja, o esgotamento
das vias administrativas para depois abrir a possibilidade de reclamação
constitucional.
Muitos podem levantar a questão de que a vinculação dos enunciados
sumulares e o estabelecimento de pressupostos para propositura de
reclamação constitucional ferem o direito ao acesso ao Judiciário. Porém,
parece tal entendimento estar chocando-se frontalmente com a interpretação
valida do que realmente significa acesso “ilimitado” ao Judiciário.
TAVARES (2007) tece relevantes considerações sobre essa questão:
“Neste ponto, é preciso reafirmar que acesso “ilimitado” ao Judiciário não
pode ser confundido como acesso “ilimitado” ao STF enquanto Justiça
Constitucional concentrada ou final. A idéia de acesso à Justiça
Constitucional deve ser compreendida e proporcionada exclusivamente
pelo modelo de controle difuso-concreto (cf. TAVARES, 2005ª: 409), não
por uma ilimitada actio popularis direta ao STF. A capacidade operativa
de um Tribunal Constitucional ou de uma Corte Suprema que
desempenhe a função desse Tribunal em dado ordenamento (como o
STF) deve partir da adoção da tese de “jurisdição constitucional como
bem escasso” (WAHL, WIELAND, 1997: 12-35).
Assim, apresenta-se pertinente os apontamentos de TAVARES com os
quais aqui se corrobora, vez que conter as reclamações constitucionais em
face de ato administrativos foi medida adequada e legítima adotada pela LSV
que teve seu fundamento de validade na Constituição Federal de 1988, tendo
em vista que a massificação de tais instrumentos impugnatórios tornaria inócuo
o mecanismo da súmula vinculante no que tange ao controle numérico de
processos endereçados ao Supremo Tribunal Federal.
5.5 Cautelar em reclamação
Muitas questões foram e o levantadas a respeito do mecanismo da
súmula vinculante, tendo em vista o seu grande impacto dentro do
ordenamento jurídico brasileiro.
Dentre essas questões, uma que causa certa discussão é a
possibilidade de cautelar em reclamação constitucional “por
descumprimento”
38
.
A Lei da Súmula Vinculante não foi expressa quanto à possibilidade ou
não de cautelar em reclamação constitucional. No entanto, pela análise do art.
desse diploma legal verifica-se que é coibida a possibilidade de cautelares
com efeitos suspensivos nos processos em que se discuta a mesma questão
que originou o pedido de edição, revisão ou cancelamento de súmula
vinculante.
Aparentemente seria proibida a expedição de cautelares em reclamação
constitucional “por descumprimento”.
Porém, TAVARES (2007) afirma que o STF tem entendido que o poder
geral de cautela é natural à atuação jurisdicional, podendo Poder Judiciário
dele fazer uso independente de previsão legal ou constitucional.
“Reforça esse posicionamento a verificação de que a reclamação é um
instituto, aqui, ligado ao processo objetivo, engendrado para tratar de
eventuais problemas nos efeitos que devem derivar de um processo
38
Termo designado por TAVARES (2007) para as reclamações constitucionais em face de violações de
enunciados de súmula vinculante por decisões judiciais ou atos administrativos.
objetivo (como o da súmula). Assim, é realmente importante que haja
uma possibilidade de restabelecer cautelarmente os efeitos que já
deveriam estar sendo produzidos pela decisão anterior (de eficácia geral
e efeito vinculante descumpridos).
Parece extremamente plausível o entendimento de ser aceitável
cautelares em reclamação constitucional “por descumprimento”, tendo em vista
que violações a enunciados de súmula vinculante podem facilmente violar
direitos dos indivíduos, porém, este entendimento prescinde de
direcionamentos a serem sedimentados futuramente.
5.6 Recursos e outros meios de impugnação
A parte final do art. da LSV preceitua que em face de
descumprimento de súmula vinculante caberá reclamação constitucional sem
prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.
Para TAVARES (2007)
39
esse artigo prepara a exigência de
esgotamento das vias administrativas para propositura de reclamação
constitucional “por descumprimento” em face de ato administrativo.
Esse entendimento se mostra agudo e relevante, pois não poderia ser a
intenção da LSV, sob pena de inconstitucionalidade, reduzir as opções de
mecanismos recursais, quando diante de uma decisão judicial ou ato
administrativo que descumpra súmula de efeitos vinculantes, unicamente a
reclamação constitucional “por descumprimento”.
39
Sobre esse assunto: TAVARES, 2007, pág. 81 e 82.
É fato que em muitos casos, tendo em vista não estar definido o
cabimento ou não de cautelares em reclamação constitucional, se mostrará
necessária a utilização de remédios como o mandado de segurança com a
finalidade de resguardar direitos que caso contrário pereceriam.
5.7 Os efeitos da decisão na reclamação
Preceitua o § 2º do art. 7º da Lei da Súmula Vinculante:
§ 2º. “Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal
anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada,
determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula,
conforme o caso.”
É interessante a reflexão sobre as conseqüências decorrentes do
julgamento procedente da reclamação constitucional.
Julgada procedente a reclamação o Supremo Tribunal Federal não
inserirá em sua decisão qualquer julgamento direcionado ao caso concreto. O
STF se restringirá à verificação acerca do descumprimento da súmula pela
decisão impugnada que, reconhecido o descumprimento, cassará a decisão
judicial ou anulará o ato administrativo.
Assim, a decisão do STF não decidirá o caso concreto, apenas ordenará
que o caso deverá ser julgado novamente pelo órgão competente do Judiciário
ou pela Administração que expediu o ato administrativo, porém, este novo
julgamento deverá respeitar as diretrizes emanadas do enunciado sumular
vinculante que foram anteriormente descumpridas.
Caso a pessoa que apresentou a reclamação constitucional alcance
êxito junto ao STF, possuirá a seu favor a determinação para que o caso seja
analisado novamente e proferido julgado ou expedido ato administrativo em
consonância com a respectiva súmula vinculante.
Como se nota, a decisão do STF não decide definitivamente o caso
concreto, mas apenas determina que para o caso deve ser aplicada a súmula
descumprida, ou seja, o órgão prolator da decisão deverá que desencadeou a
reclamação deverá proferir nova decisão, agora, em consonância com a
decisão emanada do STF.
“Com isso, fica dissipada eventual dúvida do juízo originário (primeira
instância ou tribunal) quanto à aplicação da súmula àquele caso, ou
mesmo quanto à correta compreensão da súmula” (TAVARES, 2007,
pág. 87).
5.8 Crime de hermenêutica?
O descumprimento da súmula vinculante por um integrante do sistema
jurídico é um ato de extrema gravidade, tendo em vista que se rebela contra
diretrizes devidamente definidas pela Corte Suprema, além de violar direitos
que deveriam ser resguardados pela prestação da tutela jurisdicional.
No entanto, como mencionado em capítulo anterior, toda aplicação da
lei exige um ato interpretativo e essa interpretação é um ato de criação do
intérprete, pois a norma jurídica surgirá como produto da interpretação e não
da atividade legiferante, no sentido em que o texto normativo é apenas o ponto
de partida para se concretizar a norma jurídica.
Assim, falar em crime de hermenêutica seria retroceder à teorias
ultrapassadas que entendiam a letra da lei como sendo a norma jurídica a ser
aplicada, vedando ao aplicador do Direito o exercício de todo e qualquer ato de
interpretação senão aquele estritamente restrito à letra do dispositivo legal.
Para TAVARES (2007)
40
seria equivocado o ato de aprovar um crime de
hermenêutica, pois isso corromperia as bases do sistema jurídico.
5.9 Vinculação dos órgãos administrativos em casos
semelhantes futuros
Preceitua o art. 9º da Lei da Súmula Vinculante:
Art. 9º. “A Lei 9784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 64-A e 64-B:
“Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação
fundada em violação de enunciado da súmula vinculante dar-se-á ciência
à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do
recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em
casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas
cível, administrativa e penal.”
Da decisão que acolhe a reclamação constitucional “por
descumprimento” decorrerão dois efeitos: (i) adequação da decisão ao sentido
aplicado pelo STF; (ii) vinculação dos órgãos administrativos em casos
semelhantes futuros.
Assim, em decorrência do acolhimento pelo STF das alegações tecidas
na reclamação o órgão administrativo que proferiu a decisão que tenha
descumprido enunciado de súmula vinculante deverá proferir nova decisão
abarcando, desta vez, o entendimento do STF.
40
Sobre esse assunto: TAVARES, 2007, pág. 88.
Para TAVARES (2007) “trata-se, aqui, de reforçar o disposto no § 2.º do
art. 7º. Da LSV” (op. cit., pág. 96).
Questão controversa, porém, é apontada por TAVARES (2007):
“Mas uma novidade. Ao receber reclamação de órgão prolator de
decisão, o STF determinará que também o órgão recursal fique adstrito
aos termos expostos na reclamação.
Esta última parte descrita seria plenamente compreensível (vincular
todas instâncias administrativas, ainda que a reclamação ocorra a partir
de instância administrativa inicial), não fosse a exigência de que se
apresente reclamação exclusivamente da decisão administrativa final, e
não das decisões intermediárias ou iniciais, em relação às quais ainda
caiba recurso administrativo para outra instância” (op. cit. pag. 96).
Este apontamento é muito pertinente, vez que, conferida a interpretação
levantada por TAVARES estar-se-ia diante de um possível conflito entre o
dispositivo do § 2º do art. 7º e o art. 9º ambos da Lei da Súmula Vinculante.
No entanto, a determinação constante do art. da LSV pode ser
compreendida como medida informativa aos órgãos administrativos, tendo em
vista que, como se verá em seguida, há exigência legal de que todas as
instâncias administrativas passem a respeitar o entendimento do STF
explicitado na reclamação constitucional julgada procedente. Portanto, informar
tanto a instância administrativa inicial quanto as finais (recursais) se mostra
imprescindível para a efetividade dos efeitos vinculativos, neste caso,
presentes e futuros da súmula.
5.10 Violação de súmula vinculante: Grave violação de
dever funcional?
A LSV, não perdendo de vista detalhes importantes preocupou-se, como
não poderia deixar de ser, com a responsabilização do agente administrativo
pelo descumprimento de súmula vinculante cuja aplicação já tenha sido exigida
em um caso específico por decisão do STF em sede de reclamação
constitucional.
LUNARDI (2006) indicava a penalização pelo descumprimento das
decisões do STF como meio de se atribuir maior efetividade ao processo
constitucional e diminuição de reclamações constitucionais.
“Na prática, a falta de efetividade (força) das decisões do Supremo
Tribunal Federal expõe tais decisões ao descumprimento, sem a
possibilidade de uma punição efetiva. Uma boa solução seria a previsão
legal de penalidades para o descumprimento de decisões do STF,
inclusive pela não observância do efeito vinculante. Isso diminuiria o
volume de reclamações e daria mais efetividade ao processo
constitucional” (LUNARDI, 2006, pág. 256).
Nessa linha, a Lei da Súmula Vinculante estabelece na parte final do art.
que o agente administrativo que incidir em descumprimento de enunciado de
súmula vinculante poderá ser responsabilizado pessoalmente nas esferas cível,
administrativa e penal.
TAVARES (2007) menciona que houve quem cogitasse que as decisões
proferidas que não violassem súmula vinculante poderiam ser tomadas como
critério para promoção na carreira. Em sentido contrário, decisões que
violassem enunciado de súmula vinculante serviriam para desabonar possíveis
promoções.
Muitos autores têm entendido que o descumprimento de decisão com
efeito vinculante deve ser compreendida, no plano pessoal, como grave
violação de dever funcional. Nesse entendimento: LEAL, 2006, pág. 168 e
MENDES, 2001, pág. 343.
Assim, a reincidência de inobservância de decisão em sede de
reclamação é ainda mais grave, tendo em vista que o agente administrativo se
mostraria contumaz no descumprimento das decisões vinculantes emanadas
pelo STF.
A Lei da Súmula Vinculante se reporta à responsabilização pessoal do
agente administrativo nas esferas cível, administrativa e penal.
Se em decorrência do descumprimento de súmula vinculante o agente
provocar prejuízo ao erário será cabível a responsabilização cível. Frise-se que
esse prejuízo deverá ser material
41
. Facilmente uma decisão administrativa
revogada ou reformada pode representar prejuízo para a Administração,
como, por exemplo, o particular que teve um direito cerceado e buscou
indenização junto ao Judiciário.
Obviamente, em caso de condenação a ressarcimento do particular que
teve seu direito violado por ato emanado pela Administração o valor
indenizatório sairá dos cofres públicos, porém, poderá o órgão público propor
ação de regresso em face do agente que ocasionou o dano.
Poderá, ainda, ser responsabilizado penalmente agente que violar
súmula vinculante. Tal possibilidade se daria caso o ato que violou súmula
vinculante se configure, também, crime, v.g., o crime de desobediência ou
prevaricação.
Além disso, administrativamente poderá ser instaurado contra o agente
descumpridor da súmula vinculante processo para apurar responsabilidade, o
que, em determinados casos, poderá acarretar exoneração.
41
Nesse sentido TAVARES, 2007, pág. 97 e 97.
6. Dever de dupla motivação
Preceitua o art. 8º da Lei da Súmula Vinculante:
Art. 8º. O art. 56 da Lei 9.784, de 29 de Janeiro de 1999, passa a
vigorar acrescido do seguinte § 3º:
Art. 56. (...)
§ Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria
enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da
decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de
encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da aplicabilidade
ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.”
Este dispositivo cria uma ferramenta de reforço ao efeito vinculante das
súmulas, tendo em vista que se questionada, pelo interessado, a decisão do
agente administrativo e este optar por mantê-la, deverão ser explicitados os
motivos que o levaram a aplicar ou deixar de aplicar a súmula vinculante, isto,
antes de encaminhar o recurso à autoridade superior.
A exigência de dupla motivação busca impor ao prolator da decisão a
obrigação de expor não os fundamentos de sua decisão, mas os fundamentos
que o levaram estabelecer o supedâneo decisório, isto é, explicitar os
fundamentos do fundamento.
Nesse sentido TAVARES (2007):
“Logo, não bastará, no âmbito administrativo, motivar a decisão; será
necessário motivar os motivos, expor as razões pelas quais foi adotado
determinado entendimento (supostamente contrário à súmula), e não
outro (sempre que o órgão prolator da decisão impugnada pretender
mantê-la)” (op. cit. pág. 89).
Desta forma, no caso de uma decisão supostamente violar enunciado de
súmula vinculante e o interessado recorrer de tal decisão, caberá ao agente
prolator do ato impuganado expor os motivos do motivo que o levaram à
adoção do entendimento antes de encaminhar o recurso para a autoridade
superior competente.
Assim, a exigência de dupla fundamentação acaba por criar uma
proteção aos efeitos vinculantes da súmula, visto que o agente administrativo,
em tese, deverá refletir mais detidamente sobre seu posicionamento antes de
prolatar a decisão, o que deverá diminuir o descumprimento de súmula
vinculante.
6.1 Exigência para incidência do ônus da dupla
fundamentação
O ônus da dupla fundamentação é gerado quando a invocação da
súmula vinculante for pertinente ao caso em apreço. Isto quer dizer que não
basta invocar-se genericamente súmula com efeitos vinculantes para que seja
atribuído ao agente administrativo prolator da decisão impugnada o dever de
explicitar os motivos que o levaram à aplicação ou não aplicação de
determinada súmula.
Cabe relembrar que do dispositivo da dupla fundamentação prescreve
como dever do agente prolator de uma decisão a justificação da razão da
aplicação ou da não aplicação de dada súmula.
Portanto, havendo invocação de súmula vinculante pelo recorrente e
manutenção da decisão impugnada, deverá o agente prolator da decisão,
através de um “reforço argumentativo”
42
, justificar a aplicabilidade ou
inaplicabilidade da súmula.
Caso o órgão decisório reconsiderar a decisão impugnada não haverá a
incidência do ônus de dupla fundamentação.
6.2 Hipótese de exclusão da dupla fundamentação
O dever de dupla fundamentação incidirá nos casos em que interposto
recurso o órgão prolator mantiver sua decisão. Nessa hipótese, deverá o
agente administrativo fundamentar os motivos que o levaram a aplicar ou não
sula com efeitos vinculantes.
Porém, o ônus da dupla fundamentação não incidirá caso a decisão
prolatada contenha em seu bojo a fundamentação dos motivos da
aplicabilidade ou inaplicabilidade de súmula vinculante.
Nesses casos, com bem ressalta TAVARES (2007), a hipótese “(...) não
é nem de desconhecimento da existência da súmula vinculante nem da
arbitrariedade no seu não cumprimento” (op.cit. pág. 91), mas uma questão de
interpretação do enunciado sumular vinculante por parte do órgão prolator da
decisão.
Quando a decisão impugnada contiver a fundamentação dos motivos
da aplicação ou não aplicação da súmula, ao recorrente restará apenas alegar
a violação de enunciado sumular não para fins de reconsideração da decisão,
mas para efeitos recursais.
42
Termo utilizado por TAVARES (2007).
6.3 Dever de revisão das decisões contra as quais se
invoque súmula vinculante
Deve-se atentar, ainda, para algumas minúcias do art. 8º da Lei da
Súmula Vinculante que preceitua o dever de revisão da decisão pelo órgão
prolator quando interposto recurso alegando violação de súmula vinculante.
Interposto recurso alegando descumprimento de súmula deverá o órgão
prolator da decisão verificar se permanecem as razões que o motivaram para
proferir a decisão. Caso seja reconsiderada a decisão e dado provimento ao
recurso, a questão seencerrada, porém entendendo o agente administrativo
que deve manter a o ato decisório impugnado, deverá motivar os fundamentos
que o levaram a decidir pela aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula
vinculante.
No entanto, como regra, o órgão prolator tem o dever de rever sua
decisão quando o recurso interposto alegar violação de súmula, porém, não se
pode desconsiderar que reconsiderada a decisão, ainda assim, deverá o
agente administrativo explicitar os motivos que o levaram a tal reforma.
7. Conclusão
Assim, com o presente estudo sobre as súmulas vinculantes chegou-se
às seguintes conclusões:
A aceitação da súmula vinculante como sendo uma fonte do direito, em
síntese, é a aceitação de que não apenas o legislador cria o Direito, mas
também o magistrado, vez que, a criação de diretivas gerais vinculantes
oriundas de uma interpretação amadurecida do Supremo Tribunal Federal
sobre matéria constitucional, cuja observânca seja devida aos demais órgãos
do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, é uma atuação
de ordem normativa.
Que a súmula vinculante mostra-se como verdadeira “ponte” entre
decisões, uma transposição do concreto para o abstrato-geral, tendo em vista,
que os enunciados vinculantes, com alto grau de abstração e com efeitos erga
omnes, são editados somente após as especificidades do caso concreto,
apreciadas em decisões anteriores, terem sido desconsideradas.
A súmula vinculante não impede o exercício do livre convencimento dos
juízes e nem usurpa funções do Poder Legislativo, pois como todo texto
normativo, sempre haverá uma interpretação da súmula vinculante quando
reclamada sua aplicação a um caso concreto, tendo em vista, que, como a
norma jurídica, a súmula vinculante não se confunde com o texto sumular, mas
é o produto da atividade interpretativa e não seu ponto de partida.
A súmula vinculante, tal qual a jurisprudência, exerce um papel de
orientação para elaboração de novas leis e alteração das existentes, bem
como sinaliza para interpretações válidas das normas constitucionais em
determinado período de tempo, não se podendo falar em petreficamento de
decisões, violação de princípios do ordenamento jurídico nem de usurpação de
funções alheias ao Supremo Tribunal Federal, enquanto órgão de cúpula do
Poder Judiciário, visto que, existem possibilidades de revisão e cancelamento
dos textos sumulares vinculantes através de mecanismos jurídicos
constitucionais.
Assim, não que se falar, também, em o risco de engessamento do
sistema jurídico em decorrência da estrutura sumular.
Ainda, verifica-se que as súmulas vinculantes auxiliarão na diminuição
de muitas antinomias do sistema jurídico, bem como na redução do risco de
tratamento diverso a indivíduos que se encontram sob uma mesma situação
jurídica, promovendo uma maior coerência do sistema e unidade do Direito.
Que devido às súmulas vinculantes vincularem tanto os demais órgãos
do Poder Judiciário quanto à administração direta e indireta, é necessário um
amadurecimento prévio, isto é, um entendimento consolidado anterior à
criação, revisão ou cancelamento de uma sumula vinculante, para que tal texto
sumular expresse fielmente o pensamento não somente do Supremo Tribunal
Federal, mas das demais instâncias judiciais.
Que o procedimento de criação, revisão e cancelamento da súmula
vinculante, inserto no texto constitucional em seu art. 103-A, deve ser visto
como integrante do processo objetivo (direito processual constitucional).
Que a diferenciação entre texto sumular e mula vinculante obriga a
realização de uma atividade interpretativa, pois do texto sumular, antes de
interpretado, não emanará nenhum efeito vinculativo, tendo em vista que a
súmula vinculante não é o ponto de partida, mas o produto da atividade
interpretativa.
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