Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
GEISA ORLANDINI CABICEIRA
OLHARES DE “CRIANÇAS” SOBRE GÊNERO, SEXUALIDADE E INFÂNCIA
Gustav Klimt
Presidente Prudente
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GEISA ORLANDINI CABICEIRA
OLHARES DE “CRIANÇAS” SOBRE GÊNERO, SEXUALIDADE E INFÂNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de
Presidente Prudente, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Educação, na Linha de Pesquisa: Processos
Formativos, Diferença e Valores.
Orientador(a): Profa. Dra. Maria de Fátima
Salum Moreira.
Presidente Prudente
2008
ads:
2
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GEISA ORLANDINI CABICEIRA
OLHARES DE “CRIANÇAS” SOBRE GÊNERO, SEXUALIDADE E INFÂNCIA
Banca examinadora:
Orientador(a): Profa. Dra. Maria de Fátima Salum
Faculdade de Ciências e Tecnologia Unesp
Profa. Dra. Mary Neide Damicó Figueiró
Universidade de Londrina Uel
Profa. Dra. Elisabeth da Silva Gelli
Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Unesp
Aprovada em 25 de setembro de 2008
3
Pablo Picasso
Dedico este trabalho a todas as crianças que direta ou indiretamente
participaram desta pesquisa.
4
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho foi possível graças à colaboração direta de algumas
pessoas. Manifesto gratidão a todas elas e, de forma particular:
À minha mãe idolatrada, por sua espiritualidade e fé, de ter sempre acreditado em
mim e me apoiado em minhas escolhas e realização de meus sonhos.
Ao Adalberto, meu amor e meu anjo, pelo companheirismo, compreensão e por
sempre estar ao meu lado me apoiando e até se sacrificando, para que eu pudesse estar
gozando deste momento; e ao Rafaelzinho, que, com o seu sorriso e alegria, sem saber me
apoiou muito.
Às minhas irmãs Aline e Fernanda, por torcerem sempre por mim, mesmo
morando distantes, e por tudo o que passamos juntas.
Ao meu pai, por ter acreditado na minha capacidade de lutar pelos meus ideais; e
aos meus irmãos Ettore e Breno, filhos do seu casamento com Nice, a quem também
agradeço, por fazerem parte da minha vida.
Ao meu amado avô João, pelo carinho desde a minha infância, e a minha avó
Lúcia, pelas suas orações feitas a Deus em prol da minha proteção e bênção.
À minha avó Carmelita, falecida, mas não esquecida, por tudo o que fez por mim e
por sua dedicação, mimo e incentivo em vida.
Aos meus tios Sérgio e Celso, pela sua proteção e ajuda, como também à tia
Simonete, por ter-me inspirado nos meus estudos.
À Profa. Dra. Maria de Fátima Salum Moreira, a pequena notável maior do que eu,
pela orientação deste trabalho, pela paciência, carinho, dedicação e grandes ensinamentos de
vida. Como também por ter acreditado em mim e ter levado os meus sonhos como uma
questão de honra.
A todas as professoras e a todos os professores que passaram pela minha vida, da
graduação à pós-graduação, que têm contribuído para a minha formação enquanto professora
e para minha atuação em sala de aula.
Às professoras participantes da banca de qualificação e de defesa, Profa. Dra.
Mary Neide Damico Figueiró e Profa. Dra. Elizabeth Gelli Yaslle, e às professoras suplentes,
Profa. Dra. Verônica Muller e Profa. Dra. Arilda Inês Miranda Ribeiro, pela cuidadosa leitura
e atenção, e pela grandessíssima contribuição à conclusão deste trabalho.
Aos funcionários da FCT/UNESP: da biblioteca, em especial, Lairce e Márcia, da
pós-graduação e à Paula, do Departamento de Educação, pelo atendimento e disposição e, em
5
especial, a Dona Rute e a Dona Maria aposentadas responsáveis pela limpeza de seus
setores, pelas palavras de amizade, aconselhamentos e pelos cafezinhos...
Aos amigos e às amigas de sempre, pelo apoio e amizade, e à Deise e Taluana, por
terem ouvido os meus desabafos referentes a esse caminho que é o da pesquisa.
À Deise, da Diretoria de Ensino da Região de Santo Anastácio, pela dedicação e
disposição além de suas funções profissionais, e à Elenice, supervisora de ensino, pelo apoio.
A todos os funcionários e professoras da escola na qual trabalho, principalmente
pela preocupação expressa por mim. E aos meus alunos e alunas da série, por me
inspirarem e me mostrarem, a cada dia que passa, que a profissão de professora que eu escolhi
é a mais linda e gratificante de todas.
À direção e funcionários da escola na qual foi realizada a pesquisa, e à professora
da sala de aula em que foi realizada a observação, pelo espaço concedido e pela carinhosa
recepção.
Às maravilhosas crianças que oportunizaram a realização desta pesquisa, com sua
participação e seus ensinamentos, através de seus pronunciamentos e práticas, fazendo-me
melhorar enquanto pesquisadora, professora e pessoa.
Aos professores Rony Farto Pereira e Maria Otília Farto Pereira, por me
oportunizarem apresentar um trabalho de melhor qualidade e por sua competente e precisa
revisão. Ainda almejo conhecê-los pessoalmente, uma vez que vocês, depois da minha
orientadora, foram as pessoas que acompanharam mais de perto o crescimento, passo a passo,
e as descobertas desta pesquisa.
A outras pessoas, que, indiretamente contribuíram com seus bons pensamentos
para que eu pudesse realizar os meus sonhos: os familiares do meu companheiro Adalberto,
como também o Netto, a Neide e o meu “paidrasto”, meus sinceros agradecimentos.
À minha amiga Priscila, que tem acompanhado este meu caminho desde a
graduação, mesmo com a distância mas, quando podemos nos ver, matamos a saudade.
Você fez parte deste momento da minha vida, estudante - graduanda em pedagogia.
À Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro.
A Deus, por ter posto essas pessoas em minha vida.
6
Enfim, a todos aqueles que atuam e lutam para tomar esse
mundo reservado às crianças mais rico, mais justo e melhor,
lembrarei que ninguém sabe de que estão cheias as boas
intenções do paraíso!
(Suzanne Mollo-Bouvier)
7
RESUMO
Esta dissertação de mestrado é vinculada à linha de pesquisa Processos Formativos,
Diferença e Valores” do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT UNESP, em
Presidente Prudente. A pesquisa faz parte do projeto coordenado pela orientadora e que é
centrado nos estudos sobre currículo e as formas de organização escolar, destacando-se os
modos como se encontram relacionados à construção das identidades e diferenças de gênero,
sexualidade, classe, raça e geração de seus agentes. Entende-se que esses diversos aspectos da
vida humana são produtos e produtores da dinâmica sociocultural que estrutura as relações
escolares. Particularmente, trata-se de uma investigação realizada com crianças, com foco na
análise de suas formas de pensar, sentir e agir no campo de suas experiências de gênero,
sexualidade e infância. Tomando como referência os seus pontos de vista, os lugares sociais
que ocupam e as práticas de socialização entre elas e delas com os adultos, o seu principal
objetivo foi o de analisar os significados que elas atribuem às condutas sexuais e eróticas,
relativas aos prazeres sexuais e/ou desejos corporais. As crianças participantes da
investigação são de uma cidade do interior paulista e contam com idades entre 10 a 12 anos.
São aluno(a)s de uma escola pública estadual, retido(a)s em uma 4ª série do Ensino
Fundamental, nomeada como classe de “recuperação de ciclo”. A pesquisa envolve uma
abordagem qualitativa e a sua metodologia é inspirada nos estudos etnográficos com crianças,
com ênfase nos aspectos culturais e simbólicos das experiências sociais e na sociologia da
infância. Para tal empreendimento, foram utilizados: 1) observações diretas em sala de aula,
no recreio e em outros espaços da escola; 2) entrevistas semi-estruturadas e dinâmicas
realizadas com as crianças; 3) questionários abertos, de caráter sócio-econômico e cultural,
aplicados aos familiares das crianças desta sala e da comunidade escolar; 4) questionários
abertos às professoras da sala; 5) pesquisa documental; 6) relatos orais das crianças; 7) diário
de campo; 8) visitas domiciliares. Os resultados indicam que as concepções dessas crianças
sobre a infância são marcadas pelo paradoxo da negatividade/positividade, visto que aquilo
que as distingue seria a possibilidade de poder brincar. E, por outro lado, isso é percebido
como um impedimento ao seu desejo de se tornarem adolescentes, momento em que poderiam
trabalhar e ser mais independentes e respeitadas pelos adultos. De modo geral, demonstram
dificuldades para se identificar como crianças ou adolescentes. O namoro é concebido como
momento de fazer carinho, de beijar, de obter prazer e de manter relações sexuais. Ressaltam,
porém, que apenas os adolescentes e adultos mantêm relações sexuais. As suas vivências com
o namoro são caracterizadas por experiências marcadas por curiosidades, fantasias e
incertezas sobre o que sejam as práticas sexuais. São pontuais, vagos e incertos os seus
saberes e percepções sobre o assunto. Observou-se que meninos e meninas ensaiam tentativas
de sedução e de namoro, de modo que, em muitos casos, destacam-se suas buscas de
oportunidade para estar com quem se julga ser objeto de amor ou desejo.
Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Infância. Educação.
8
ABSTRACT
This thesis is linked to the Masters line of research “Formative Cases, Difference and Values"
of the Postgraduate Program in Education of FCT - UNESP in Presidente Prudente. The
research is part of the project coordinated by guidance and is focused on studies on
curriculum and the forms of school organization, is highlighting the ways in which they are
related to the construction of identities and differences in gender, sexuality, class, race and
generation of their agents. It is understood that these various aspects of human life are
products and producers of dynamic that structures social and cultural the school relations.
Particularly, it is an investigation carried out with children, focusing on analysis of their ways
of thinking, feeling and acting in the scope of their experiences of gender, sexuality and
childhood. Relative to their point of views, the posts they occupy and social practices of
socialization among them and with them and the adults, the main objective of this was to
thesis examine the meanings they attach to conduct sexual and erotic, relating to sexual
pleasures and / or corporal desires. The children that took part in this research are from a town
in the countryside of São Paulo state and are from 10 to 12 years old. They are students of a
public school in a the 4 th grade of elementary school, named the class of "cycle of recovery."
The research involves a qualitative approach and its methodology is based on the
ethnographic studies with children, with emphasis on cultural and symbolic aspects of social
experiences and sociology of childhood. For this venture, were used: 1) direct observations in
the classroom, in recreational activities and other spaces in the school, 2) semi-structured
interviews and dynamics conducted with the children, 3) open questionnaires, character of
socio-economic and cultural , applied to the children‟s family of this classroom and the
school community, 4) open questionnaires to teachers of the classroom; 5) documentary
research; 6) children‟s oral reports; 7) fieldwork; 8) home visits. The results indicate that the
conceptions about the meaning of childhood of those children are marked by the paradox
between negative / positive, because what they see the possibility to play as the posit fact. In
the other hand, it is noticed as an impediment to their desire to become adolescents when they
could work and be more independent and respected by adults. Generally, they show some
difficulties to be identified as children or adolescents. The dating is designed as a time to love,
kiss, get happy and to practice intercourse. However they know that only young people and
adults can practice intercourse. Their experiences with dating are characterized by experience
marked by curiosities, fantasies and doubts about what are the sexual practices. Their
knowledge are punctual, dubious and uncertain about the subject. It was observed that boys
and girls test attempts at seduction and dating, so that in many cases, stand out searches of
their opportunity to be with who they belive that could be the object of their love and desire.
Keywords: Gender. Sexuality. Childhood. Education.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1. INFÂNCIA, GÊNERO E SEXUALIDADE: CONSTRUÇÃO SOCIAL E CAMPO DE
RELAÇÕES..............................................................................................................................22
1.1. Falando sobre crianças e sua infância............................................................................22
1.2. Falando sobre infância e sexualidade.................................................................................30
1.3. Um outro olhar para o gênero e a sexualidade: desdobramentos para uma infância que
fala.............................................................................................................................................33
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS: DESAFIOS PARA UM ESTUDO
ETNOGRÁFICO COM CRIANÇAS....................................................................................45
2.1. Entrada no campo, procedimentos de investigação, aceitação e participação das
“crianças”..................................................................................................................................54
3. A QUARTA SÉRIE RE: AS CRIANÇAS EM DIFERENTES TEMPOS E
LUGARES...............................................................................................................................66
3.1. A escola em que estudam: os diferentes espaços que ocupam na escola.....................66
3.2. Essas crianças da 4ª série RE..........................................................................................71
3.2.1. Em destaque as crianças entrevistadas.......................................................................83
3.2.1.1. As meninas..................................................................................................................84
3.2.1.2. Os meninos..................................................................................................................90
3.2.1.3. Sintetizando: o que fazem essas crianças fora da escola?......................................95
3.3. A professora das crianças da 4ª série RE.......................................................................99
4. AS CRIANÇAS EM ÃO: SUAS FALAS E EXPERIÊNCIAS... MEUS
OLHARES..............................................................................................................................101
4.1. Existe diferença entre ser crianças e ser adolescente? ou Quando a gente é adolescente,
os adultos dão mais atenção, quando é criança, dizem: vai brincar”......................................101
4.2. Afetividades, experiências e sensações: namoro, desejo e prazer ou “As pessoas tiram a
roupa, elas rolam e fazem barulho”........................................................................................118
4.3. As relações sexuais: como acontecem? ou “Primeiro os dois vai para cama e
depois...eles...como é que fala? Eu não sei, professora... Vai coisando... o homem coisa na
mulher”....................................................................................................................................127
4.4. Relações afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo ou As pessoas podem namorar
outras do mesmo sexo, o meu filho não, eu mando ele embora de casa”...............................133
10
4.5. As crianças em seu cotidiano: amizades, desentendimentos e paqueras.........................140
4.5.1. As relações de amizade ou “Quem mexer com ela, mexe comigo”.............................140
4.5.2. Entre tapas e xingamentos ou “Você está xingando a minha mãe?”............................142
4.5.3. O “amor está no ar” ou “Quer ficar comigo?”..............................................................144
4.6. Crianças e adultos em interação: perspectivas de gênero................................................150
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................167
REFERÊNCIAS....................................................................................................................160
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................177
ANEXOS................................................................................................................................182
ANEXO A - Roteiro semi-estruturado: entrevista sobre gênero, sexualidade e infância..183
ANEXO B - Músicas sobre o tema namoro...........................................................................185
ANEXO C - Questionário para professore(a)s.......................................................................191
ANEXO D - Questionário sócio-econômico e cultural para os familiares responsáveis pelas
crianças....................................................................................................................................193
ANEXO E - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os familiares responsáveis
pelas crianças..........................................................................................................................196
ANEXO F - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para as crianças........................198
ANEXO G - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o(a)s professore(a)s.........199
11
INTRODUÇÃO
Quando ingressei no curso de Pedagogia, da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente-SP, as disciplinas,
professores e grupos de pesquisa e outras atividades acadêmicas me ajudaram a traçar o meu
percurso acadêmico, colocando-me em contato com as várias teorias e estudos na área da
educação.
De modo particular, os estudos sobre gênero, sexualidade, formação de
professores, educação infantil e metodologia de pesquisa foram fazendo parte da minha vida e
de meu cotidiano, constituindo significados, rompendo concepções e valores, estabelecendo
novas maneiras de pensar e refletir. Percebia-me em constante processo de (re)construção
enquanto sujeito social.
Sem dúvida, contribuíram para a minha identificação com os estudos de gênero,
especialmente, os questionamentos que eu fazia pelo fato de ser mulher e ter vivido ou
percebido que, em nossa sociedade, se diferenciam homens de mulheres, fato que contribui
para modos de vida e convivência social muitas vezes distintos, o que coloca as mulheres em
situação subalterna e de inferioridade em relação aos homens. Mas foi na Universidade e com
a ajuda do conceito de nero e dos estudos sobre sexualidade e cultura que essas perguntas
foram tendo respostas diferentes daquelas que eu recebera da igreja, da escola e de pessoas
que tratavam tal questão, justificando como natural, transcendental (obra de Deus) e binária a
relação entre o ser homem e o ser mulher.
Participando de grupo de pesquisa de formação de professores em Educação
Infantil e desenvolvendo uma pesquisa sobre representações sociais de alunas da Habilitação
em Educação Infantil sobre corpo e sexualidade
1
, pude iniciar um estudo em que se
associavam os temas formação de professor(a)s, infância, gênero, corpo e sexualidade.
O tema infância, correlacionado às discussões sobre educação infantil, foi fazendo
parte da minha vida pessoal e acadêmica, podendo assim ter contato com vários conceitos
sobre infância, das teorias desenvolvimentistas às culturais e históricas.
A pesquisa de Iniciação Científica teve como temática a formação inicial de
professor(e/a)s da educação infantil e suas perspectivas acerca das práticas educativas e do
1
Pesquisa realizada no ano de 2004, intitulada Representações sociais de corpo e sexualidade de professores em
processo de formação inicial na Habilitação do Magistério em Educação Infantil da FCT/Unesp, financiada pela
PIBIC/CNPq.
12
trabalho com o tema corpo e sexualidade, com crianças pequenas. Tinha como objetivo
conhecer as suas representações sociais sobre o corpo e a sexualidade, entendendo que estas
orientariam seu trabalho nas práticas educativas cotidianas junto àquelas crianças.
Essa pesquisa de Iniciação Científica deu sentido aos meus estudos de gênero e
sexualidade, bem como destacou a importância de me ocupar com os conhecimentos voltados
para as concepções e práticas educativas de professores e de professoras acerca desses temas.
Com essa perspectiva, ingressei no Mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Educação,
da FCT/Unesp, em 2006, apresentando um projeto intitulado “Memórias e vidas de
professoras acerca do gênero e da sexualidade”; com o que, pretendia conhecer as memórias
(das professoras) relativas às suas experiências com e sobre a sexualidade e suas implicações
na construção das identidades de gênero.
Após ter entrado no Programa de Mestrado em Educação, foi que eu e minha
orientadora, depois de alguns estudos e discussões sobre o projeto, acabamos por delinear
uma nova proposta de pesquisa. Esta passou a ter como objeto de estudo os modos de pensar,
agir e sentir de crianças acerca de suas experiências de gênero e sexualidade. Tínhamos
consciência de que era muito amplo o número de pesquisas que se ocupavam com as
concepções e práticas de professores, porém, era reduzido o número de pesquisas cujos
participantes eram as próprias crianças. Ao mesmo tempo, tomávamos contato maior com
estudos que indicavam a importância em se considerar o que as crianças têm a dizer sobre
suas próprias experiências. Nesses trabalhos, elas são concebidas como construtoras de suas
identidades e de suas práticas, como atores sociais e portadoras de direitos, levando-se em
conta as suas especificidades geracionais. Sarmento (2000) traz a seguinte consideração sobre
as crianças:
[...] enquanto atores sociais que se tornam objeto empírico da investigação
sociológica, mas também a infância, como categoria social do tipo
geracional e isto a consideração da infância como categoria social é o
traço distintivo mais importante da análise sociológica. (p.150).
Foram muitas as indagações que me levaram a traçar os objetivos da pesquisa.
Tentava não me perder entre elas e manter o meu foco nas manifestações dos meninos e
meninas acerca do desejo e do prazer sexual. Para isso, também foram observadas e
analisadas suas manifestações acerca das relações de gênero, visto que as identidades e
diferenças de gênero e de sexualidade são fortemente associadas nas experiências vividas
13
pelos sujeitos. A seguir, apresento algumas de minhas inúmeras perguntas, conquanto
soubesse que não é possível responder suficientemente a cada uma delas:
1) Quais são as formas particulares de pensar, agir e sentir das crianças, quando se
trata de lidar com e atribuir significados para os prazeres, desejos e comportamentos ligados à
sexualidade?
2) Que associações fazem entre identidades de gênero e sexualidade?
3) Que valor ou importância atribuem às diferenças de gênero e à sexualidade?
4) Quais são suas formas particulares de pensar e sentir em relação às fantasias,
curiosidades, dúvidas e medos em relação à sexualidade?
5) Como julgam os diferentes modos de expressão da sexualidade?
6) Como tais questões estão presentes em suas vidas?
7) Quais são suas observações sobre os comportamentos sexuais verificados ao
seu redor: mídias, meios de comunicação, família, escola e em outros espaços de
socialização?
8) Como as questões da sexualidade atravessam as relações com seus pares e com
os adultos com quem convivem na escola?
É importante ressaltar que, em princípio, os objetivos e questões norteadoras eram
referentes apenas aos olhares e falas das crianças sobre gênero e sexualidade. Porém, ao me
confrontar mais diretamente com os desafios da pesquisa em campo, novos problemas foram
sendo delineados. Após as observações sistemáticas das interações das crianças nos diversos
espaços da escola, foi que o tema infância passou a fazer parte do objeto de estudo desta
pesquisa. A idéia de indagar as crianças sobre as percepções de sua condição geracional
emergiu em função da necessidade de oferecer-lhes algum parâmetro comparativo, para
falarem sobre os modos como vivem e percebem a sexualidade. Percebi que isso poderia
ser feito se elas tivessem que confrontar experiências geracionais diversas. No caso, foi
tomada a comparação e diferenciação entre duas fases de vida que são bastante próximas: a
infância e a adolescência. Era justamente nesta fronteira que aquelas crianças se encontravam.
Pode-se pensar, ainda, que a palavra adolescência era aquela que as crianças entendiam para
nomear uma etapa que acreditavam ser posterior à da infância.
Delineou-se, assim, a problemática central dessa investigação: a discussão e
questionamento da construção de identidades e diferenças geracionais, de gênero e de
sexualidade pelas crianças no interior da dinâmica social que organiza as relações escolares.
Portanto, trata-se de uma investigação realizada com crianças, com foco na análise
de suas formas de pensar, sentir e agir no campo de suas experiências de gênero, sexualidade
14
e infância. Tomando como referência os seus pontos de vista, os lugares sociais que ocupam e
as práticas de socialização entre elas e delas com os adultos, o seu principal objetivo foi o de
analisar os significados que elas atribuem às condutas sexuais e eróticas, relativas aos
prazeres sexuais e/ou desejos corporais. Desse modo, especificando tais objetivos, destaquei:
1) Reconhecer as diferenças e semelhanças entre meninos e meninas, quanto ao
modo de interpretar, atribuir sentidos e posicionar-se em relação às suas experiências de
gênero e sexualidade;
2) Reconhecer e interpretar as atitudes, dúvidas, desejos, medos, saberes e
preconceitos de crianças sobre a sexualidade e o gênero;
3) Analisar o modo como as crianças percebem e significam o olhar, as atitudes e
as intervenções dos adultos sobre as suas próprias manifestações de gênero e sexualidade;
4) Analisar o modo como as crianças percebem e significam as manifestações de
gênero e sexualidade entre as pessoas adultas.
5) Conhecer quais sentidos e valores as crianças atribuem à infância e à
adolescência e como se identificam em termos de posição geracional.
A constituição desta pesquisa foi permeada pela leitura sobre os vários modelos
explicativos para o conceito de infância, os quais partem de aportes teóricos provindos de
diversas áreas do conhecimento e se expressam em explicações de natureza e caráter também
diversos. Tomei contato tanto com teorias que conceituam a infância como sendo uma
construção social e cultural, sob paradigmas pós-estruturalistas ou não, como de outras cujos
fundamentos têm origem em paradigmas biologistas, naturalistas e essencialistas.
Autores e autoras como Sarmento (2000), Christensen, James (2005), Graue,
Walsh (2003), Soares, Sarmento, Tomás (2005) e Corsaro (2005) utilizam-se de abordagens
metodológicas que concebem as crianças como sendo atores sociais e a infância como uma
construção social. Diferenciam-se de outros estudos realizados com crianças por certo viés da
medicina, da psicologia e da pedagogia em que, segundo Sarmento (2000), “as crianças eram
consideradas, antes de mais, como o destinatário do trabalho dos adultos e o seu estudo era
considerado enquanto alvo do tratamento, da orientação ou da ação pedagógica dos mais
velhos” (p.148).
Também ganham destaque, cada vez mais, tanto as idéias de que essas
explicações atribuídas à sexualidade das crianças são pertinentes às condições e questões
particulares do momento histórico em que foram construídas, como também as teorias que
afirmam tratar-se de discursos elaborados de forma a produzir verdades e conceitos que
15
instituem e constituem disciplinas, cadeiras, periódicos, livros, conceitos e teorias próprias
(FOUCAULT, 1985).
Entre tantas verdades e saberes sobre o conceito de infância, de gênero e de
sexualidade, passei a indagar se, porventura, produzir mais um saber sobre as condutas das
crianças e de seus discursos sobre gênero e sexualidade não implicaria um comprometimento
tal como pode ocorrer com qualquer outro produto do conhecimento - com o processo de
organização e normatização social da sexualidade (WEEKS, 1999). Questionava se essa não
seria mais uma forma de exercício de domínio e governo das crianças. Nesse caso, estaria o
conhecimento produzido pela pesquisa classificando o saber das crianças e o enquadrando em
um tipo de saberes que prescreveriam mais um modelo de cultura da infância”? Essa é uma
reflexão que tenho feito desde a elaboração do projeto de pesquisa, seu desenvolvimento e
conclusão.
Contudo, em meio a tantas contradições e divergências teóricas, parti da hipótese
de que as crianças, em suas relações sociais e interpessoais, apesar de suas singularidades e
diversidades, partilham determinados modos comuns de pensar e agir, os quais são por elas
produzidos e, ao mesmo tempo, são produtores de suas práticas e relações sociais. Esse foi o
foco principal das observações realizadas no campo de estudo desta pesquisa, em que as
relações entre as crianças e delas com os adultos acontecem no espaço escolar.
As crianças participantes da pesquisa formam uma classe de série de
recuperação de ciclo (RE), de uma escola estadual, do interior paulista, que atende alunos de
a série. Os critérios para a escolha dessa escola estão diretamente ligados à facilidade de
seu acesso para a pesquisadora, quais sejam: 1) a diretora e professor(e/a)s se mostraram
disposto(a)s a colaborar em sua realização; 2) possibilidade de participar das reuniões
pedagógicas e HTPCs; 3) fácil acesso aos seus documentos: “livro de advertências”,
prontuários do(a)s aluno(a)s, plano gestor ou projetos da escola, entre outros; 4) facilidade de
observação de práticas escolares e atividades das crianças e de participação em variadas
situações vividas no cotidiano escolar. Como professora dessa escola, em outro período, foi
mais simples o acesso, situação talvez não tão propícia a outro(a) pesquisador(a) de fora.
2
Outro critério se deu pelo fato dessa escola se localizar no centro da cidade, tendo
como clientela crianças tanto de bairros mais distantes como de bairros mais próximos, não
formando um grupo de aluno(a)s extremamente homogêneo em termos sócio-econômicos.
2
Graue e Walsh (2003) apresentam em seu livro, detalhadamente, a entrada do investigador em instituições em
que deseja realizar a pesquisa e apontam a importância de se escolher um local onde seja facilitado o seu acesso,
além de indicar a aproximação por etapas sucessivas como o melhor procedimento para uma positiva entrada em
campo.
16
Portanto, além de formar um grupo heterogêneo, em certos termos, a particularidade dessa
sala de 4ª RE, me chamou a atenção, por ser a única da cidade disponibilizada para a
recuperação de ciclo de crianças repetentes das quartas séries de todas escolas da cidade. Essa
sala também se caracteriza por contar com crianças de idades entre 10 a 12 anos,
diferentemente das outras salas de séries, que, geralmente, o crianças entre 9 a 10 anos
idade. Por essa característica etária poderia captar concepções, principalmente, sobre
sexualidade, de crianças que estão no limiar entre infância e adolescência.
A princípio, os critérios para a seleção das crianças que comporiam o grupo
participante das dinâmicas e entrevistas semi-estruturadas foram:
1) Crianças que demonstrassem interesse e vontade de participar das entrevistas;
2) Crianças mais comunicativas e participantes;
3) Crianças que tivessem estabelecido maior vínculo de confiança com a
pesquisadora;
4) Crianças que mostrassem interesse pelo tema namoro.
Este último critério, a princípio, seria suficiente uma vez que se pretendia captar
os significados que tais crianças atribuem ao desejo, erotismo e às relações afetivas e sexuais.
Entretanto, no decorrer das entrevistas, considerei que seria importante também ouvir as
crianças que não se enquadrassem nesses critérios, para que pudesse ser conhecido o que as
tímidas e as que não aparentam ter interesse no assunto namoro teriam a falar sobre as
questões apresentadas.
Para a realização desta pesquisa, foi adotada a metodologia de caráter qualitativo,
com base nos estudos etnográficos, buscou-se a contribuição dos estudos da Sociologia da
Infância e de outros que enfatizam os aspectos culturais e simbólicos das experiências sociais.
Proceder a uma investigação com crianças que freqüentam a sala de série de
recuperação de ciclo implicava investigar não apenas crianças com idade de 10 anos, mas,
também, com 11, 12 anos. Um questionamento então surgiu: será que eu poderia chamar de
crianças, o(a)s participante(s) de 11, 12 e 13
3
anos de idade? Para tomar uma posição,
primeiro, baseei-me em Sarmento (1997), que fala sobre os termos utilizados para se definir a
idade ao “ser criança” ou do período considerado “infância”. Assim, o autor explica:
Relativamente a esse problema, a tradição jurídica inaugurada pela
Convenção dos Direitos das Crianças considera como criança todo o ser
humano até aos 18 anos, salvo se, nos termos da lei, atingir a maioridade
mais cedo. (Artigo 1º da Convenção, p.15).
3
No final de dezembro, desse ano, essa sala teria dois meninos com treze anos de idade completos.
17
Continuando, porém, completa seu pensamento com a seguinte proposição:
Em contrapartida, a idade legal de entrada no mercado de trabalho constitui
a fronteira a partir da qual, na economia e na legislação de trabalho, se
deixa de referir a condição infantil. Sendo esta actualmente em Portugal (à
semelhança dos países da Organização Internacional do Trabalho) os 16
anos (tendo passado, nos últimos anos dos 14 para os 15 e dos 15 para idade
actual), é aqui que se estabelece tal fronteira. (p.16).
, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Livro I, Parte
Geral, Título I: Das disposições preliminares, apresenta a Lei 8.069, de 13 de julho de
1990, que, de acordo com o Art. 2º, Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa
até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”
(p.9).
A questão de identificar até que idade se vive ou define-se a infância, ainda assim,
é complicada; desse modo, optei por deixar com que o(a)s participantes da pesquisa,
basead(o)as em suas concepções e vivências, se auto-identificassem como crianças ou como
adolescentes. Com isso, também esperava poder captar os sentidos e significados que ele(a)s
próprio(a)s atribuem à infância e adolescência.
Mesmo considerando que vários autores têm se dedicado às pesquisas, que, a
partir de diversas abordagens teóricas, articulam e discutem os temas da sexualidade, infância
e educação (FELIPE, 1998; NUNES, SILVA, 2000), são poucos os trabalhos que se propõem
discutir as práticas e saberes das crianças, segundo os seus próprios pronunciamentos e em
uma perspectiva sociológica e cultural.
Nas pesquisas que têm sido produzidas em torno das representações sociais e das
práticas de professore(a)s acerca do gênero e da sexualidade, têm sido estudadas, com mais
regularidade, as suas concepções, práticas e valores sobre as identidades de gênero e
sexualidade de seus/as aluno(a)s ou sobre orientação sexual e/ou educação sexual na escola
4
.
4
Outros títulos foram localizados, embora não tenham sido analisados. São eles: CORRÊA, C. I. M. Análise da
participação de uma escola pública na educação sexual de seus alunos. 2003. Dissertação (Mestrado em
Educação) Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília; GARCIA, A. M. A
orientação sexual na escola: como os professores, alunos e genitores percebem a sexualidade e o papel da
escola na orientação sexual. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências,
Universidade Estadual Paulista, Bauru; OLIVEIRA, F. M. de. Orientação sexual para jovens do ensino
médio: uma proposta motivadora, reflexiva e emancipatória. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar)
- Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara; PARRÉ, S. H. G. Aplicação dos
parâmetros curriculares nacionais na área de orientação sexual no ensino fundamental: um diagnóstico.
2001. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade Estadual
Paulista, Bauru; STOLL, R. R. Professoras de escola infantil: práticas e significados da sexualidade de meninas
18
Moreira (2005) e Moreira e Santos (2002) realizaram pesquisas sobre as atitudes
e representações sociais de professore(a)s em relação ao gênero e à sexualidade de seu/sua(s)
jovens aluno(a)s, enquanto Cabiceira (2004) analisou suas representações sociais sobre corpo
e sexualidade, Laviola (1998) e Raposo (2004) analisaram suas concepções e modos de
significar as relações de gênero e sexualidade de crianças. Além destes, Raposo analisou
também as concepções das famílias das crianças.
Outras pesquisadoras apresentam estudos referentes a concepções de professores,
da família em relação às manifestações da sexualidade das crianças. Fragiacomo (2003) traz
em seu estudo as concepções que pais de crianças em idade escolar, entre 3 a 6 anos, têm
acerca da manifestação da sexualidade infantil na escola; Senatore (1999) trata das
concepções de sexualidade infantil de professores que trabalham com crianças de 2 a 6 anos -
ambas se utilizam da perspectiva psicanalítica e dos estudos de Freud para análise dessas
concepções. Elisabete Franco Cruz (2003), em sua pesquisa, traz o mapeamento da situação
da educação sexual no âmbito da educação infantil, na cidade de São Paulo, e caracteriza as
experiências de formação que puderam ser identificadas através das professoras que
trabalham com formação de educadoras.
Marília Pinto de Carvalho (2001) discute como o(a)s professore(a)s avaliam o
rendimento escolar de meninos e meninas e até que ponto as posturas e opiniões de
professore(a)s são atravessadas pelas relações de gênero de forma a interferir no
comportamento e no fracasso ou sucesso escolar deles e delas. Em outro estudo (2004),
também analisa as formas cotidianas de produção do fracasso escolar, identificando quem são
os meninos que fracassam na escola. Seus estudos, como os acima citados, contribuíram para
a minha análise das práticas e relações entre as próprias crianças e entre elas e os adultos,
relacionadas ao gênero, sexualidade e infância.
Entretanto, ainda é incipiente a produção de conhecimento sobre como as próprias
crianças, meninos e meninas, experimentam e lidam com aquilo que vivem e observam, com
respeito ao gênero e à sexualidade.
Até o presente momento, sobre a sexualidade, mais especificamente, conhecemos
a pesquisa de Claudia Ribeiro, intitulada “A fala da criança sobre a sexualidade humana: o
dito, o explícito e o oculto” (1996). A autora realizou a pesquisa com crianças da pré-escola à
série. No seu trabalho, tratou das crenças e concepções das crianças sobre “crianças”,
e meninos e educação sexual. 1994. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
19
“sexualidade humana” e “papéis de gênero”. Também observou as distintas formas de
intervenção pedagógica, manifestadas pelo(a)s professore(a)s, bem como as suas abordagens
da sexualidade como objeto do conhecimento. Em sua análise, destaca as concepções das
crianças sobre a vida intra-uterina e compara os seus resultados com a pesquisa realizada por
Jagstaid, na França. Através de dinâmicas, entrevistas, desenhos, filmagens, registros
individuais ou em grupo, analisa as práticas e as falas das crianças, utilizando-se de estudos da
Psicologia Cognitiva e das fases de desenvolvimento, propostas pelos estudos de Piaget, e
também os estudos da Psicologia Social, de Vygotsky.
Quanto ao enfoque das relações de gênero entre crianças, temos algumas
pesquisas mais recentes, que também tiveram as crianças como principais participantes.
Daniela Auad (2006) investiga as práticas escolares com enfoque nas relações de gênero entre
meninos e meninas, na escola. A autora descreve as práticas e comportamentos dos meninos e
das meninas no recreio, na sala de aula, e faz a análise do material didático da escola,
apresentando, em sua pesquisa, uma retrospectiva histórica sobre as escolas mistas no Brasil e
a realidade atual. Conclui chamando a atenção para a necessidade de escolas voltadas para a
co-educação, em prol de relações mais éticas e igualitárias entre meninos e meninas,
criticando as escolas mistas, que, todavia, se pautam por uma educação sexista.
Tânia Mara Cruz (2004) e Edna Oliveira Telles (2005) analisaram as crianças em
seu dia-a-dia escolar, especialmente no recreio, e utilizaram como base os pressupostos de
Thorne (1997), a qual propõe que a análise das relações de gênero entre as crianças seja feita
com enfoque nos “jogos de gênero”, isto é, observando-se seus movimentos e interações,
tanto nos momentos lúdicos, como nos de conflitos. As autoras concluíram que esses
momentos de socialização são expressivos das práticas de nero que perpassam as relações
entre as crianças.
Manuela Ferreira (2002) traz um estudo sobre a construção das masculinidades na
escola e de como a escola intervém nessa construção. Realizou sua pesquisa com crianças do
Jardim de Infância, tendo também investigado, com o mesmo objetivo, jovens de 13 a 16 anos
(ROCHA; FERREIRA, 200).
5
5
Outros títulos levantados com abordagem do tema gênero e infância, embora não tenham sido discutidos no
âmbito desta pesquisa: DANIEL, L. Menino brinca de bola; menina de boneca e casinha: transmissão de
experiências e relações de gênero nas brincadeiras infantis. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação)
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília; SOUZA, F. C. de. Meninos e
meninas na escola: um encontro possível? 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara.
20
Neste trabalho, além do aspecto geracional, destaco os estudos que levam em
conta as várias possibilidades de viver as experiências da infância, enfatizando a importância
em se entrecruzar, na análise sobre a sexualidade, aqui proposta, as demais dimensões que
organizam a vida social das crianças, tais como classe, gênero, etnia, raça e religião.
É importante considerar o poder que carregam os discursos dominantes e a sua
ação na definição das identidades e das práticas sociais, seja por intermédio da mídia, seja
pela organização das diferentes instituições e saberes científicos. Não se nega que as
interações entre adultos e crianças são permeadas pelas relações de saber e poder, as quais
acarretam formas de controle e normatização do “ser criança”. Tais relações se manifestam,
por exemplo, na formação de conceitos que conduzem as crianças a serem interpretadas como
seres (in)capazes, (não) construtoras de conhecimento, (não) desenvolvidas cognitivamente,
“assexuadas” etc. Esses conceitos e representações sociais a elas relacionados costumam
servir para enquadrá-las em modelos e padrões sociais desejáveis. Em relação à sexualidade,
são elaboradas teorias que explicam e determinam como universal o “comportamento sexual
infantil”. Muitas dessas concepções, crenças e conceitos sobre a sexualidade, na infância,
fundamentam as práticas educativas dos profissionais que atuam no universo escolar. Por
intermédio de práticas nem sempre conscientes, permeadas por preconceitos e saberes
considerados inquestionáveis, constituem-se práticas sutis de controle, as quais atuam no
sentido de modelar e adestrar os corpos e mentes das crianças.
Como foi mencionado, embora inicialmente eu tivesse como foco da pesquisa
apenas os olhares das crianças sobre gênero e sexualidade, no decorrer dos trabalhos, percebi
a importância de conhecer o que concebem também sobre infância e “ser criança”, uma vez
que as crianças investigadas se encontravam no limiar entre a infância e a adolescência. Foi
por meio da observação das interações entre as crianças em sala de aula e outros espaços da
escola que refleti sobre o objeto e objetivos iniciais da pesquisa. Sendo assim, tanto a
formulação das perguntas para entrevista aberta, como a produção de outros instrumentos,
levaram em conta esse novo foco de investigação.
Desse modo, para apresentar todo caminho da pesquisa, as suas dificuldades e
soluções encontradas, na introdução, apresento breve trajetória acadêmica, o objeto,
problemática, hipótese, objetivos, os critérios de seleção e o contato com o(a)s participantes
da pesquisa, , discussão dos estudos teóricos e bibliográficos sobre a temática e metodologia
de pesquisa.
No primeiro capítulo, faço uma reflexão teórica acerca da articulação dos temas
gênero, sexualidade e infância, enquanto categorias relacionais e socioculturais, visando tecer
21
uma discussão, apontando a importância de pensarmos esses temas no âmbito da educação
escolar e na formação de identidades e práticas das crianças, sob o ponto de vista da
construção histórica e social da infância.
No segundo capítulo, discuto os procedimentos de pesquisa, o levantamento,
organização e geração dos dados
6
, assim como os instrumentos utilizados na pesquisa e
algumas dificuldades encontradas em seu decorrer.
No terceiro capítulo, apresento as crianças da escola - da RE, com destaque
para aquelas que são escolhidas para participarem das entrevistas; indico as dinâmicas e
outras atividades desenvolvidas, além da caracterização da escola em que estudam, da cidade
em que moram, da professora da sala selecionada e, também, de suas famílias. Pretendo
compartilhar as observações sobre como se relacionam e interagem em diferentes lugares e
espaços, na escola e fora dela, em suas casas e na rua.
No quarto capítulo, compartilho a interpretação, a análise e os resultados
processados e produzidos/gerados na pesquisa, divididos em sub-partes, que tratam das
interações das crianças entre si e com os adultos. Pretendo introduzir uma análise sobre os
significados e sentidos de suas falas e olhares, bem como de suas práticas, no que tange às
suas experiências da e na infância e, em especial, quando vinculadas às relações de nero,
afetividade e sexualidade.
Após a discussão da análise e interpretação do material organizado, tenho como
objetivo discutir, nas considerações finais, o retorno da pesquisa aos participantes e à escola
em que foi realizada a pesquisa. Logo em seguida, serão apresentadas as referências
bibliográficas, os anexos que apresentam toda documentação, atividades desenvolvidas e
instrumentos utilizados na pesquisa.
6
Graue e Walsh (2003) utilizam o termo geração de dados, pois defendem que o termo coleta/recolha de dados
não apreende a aquisição de dados como um processo ativo, criativo e de improvisação. Segundo eles, “os dados
precisam ser reunidos antes de poderem ser recolhidos” (p.115). Sendo assim, a geração de dados exige três
competências básicas: a entrevista, a observação e a recolha de dados, entretanto, existe maneiras variadas de
gerar dados, como também estratégias para o desenvolvimento dessas três competências básicas.
22
1. INFÂNCIA, GÊNERO E SEXUALIDADE: CONSTRUÇÃO SOCIAL E CAMPO DE
RELAÇÕES
1.1. Falando sobre crianças e sua infância
Apesar dos alertas e críticas historiográficas recebidos pelo estudo sobre o
surgimento do sentimento da infância, produzido por Philippe Ariès (1981), este tem sido
uma das principais referências teóricas na explicação dessa faixa etária como sendo uma
construção social e cultural
7
.
Corazza (2002), Sirota (2002) e Heywood (2004), baseando nas críticas de
Flandrin e outros autores, apontam para os diversos aspectos da crítica a que pode ser
submetido o estudo de Áries.
Corazza (2002) ressalta a crítica realizada por Flandrin, em 1964, ao escrever uma
resenha publicada na revista Annales, a qual indicava que Ariès havia priorizado uma
determinada classe social, que tinha acesso a determinados artefatos sociais, como esculturas
e pintores de retratos e outros tipos de registros, que outro segmento social não tinha.
Já outros autores retratam certa ingenuidade da parte de Áries, por atribuir, em seu
estudo, uma possível felicidade inicial na infância, pois, de acordo com DeMause, ao se
inventar a infância, constitui-se a concepção de família que dissipou a sociabilidade das
crianças com diversos grupos sociais e, por meio da privação, tirou-lhes a liberdade, sendo
elas alvo de castigos e de brutalidades cometidas pelos adultos.
Entretanto, é o próprio Áries quem, ao afirmar que esse sentimento apareceu mais
fortemente no século XVII, alerta para o cuidado que se deve ter ao olhar a infância, com uma
visão contemporânea e anacrônica, de sociedades de outras épocas, como as da Idade Média,
ou mesmo as dos séculos XVI, XVII e XVIII, pois, de fato, segundo observa, o modo como
concebiam as idades da vida não é o mesmo com que as concebemos nos dias atuais.
Segundo Ariès (1981), na Idade Média Ocidental, empregavam-se terminologias
eruditas para se designarem as diferentes idades ou períodos da vida, as quais, com o tempo,
se tornaram familiares, tais como infância e puerilidade, adolescência e juventude, velhice e
7
Corazza (2002) reserva um capítulo em seu livro para tratar de teóricos que fazem críticas a determinados
aspectos do estudo realizado por Philippe Ariès. Do mesmo modo, Heywood (2004) apresenta em seu livro
críticas de outros autores à obra de Ariès.
23
senilidade. Essas terminologias aparecem em textos que fazem alusão às idades que
correspondem aos planetas, em número de 7. A primeira idade é representada como infância,
ou enfant”, sinônimo de “não falante”. A segunda idade dura até os 14 anos e é chamada de
pueritia, porque “nessa idade a pessoa é ainda como a menina do olho”. A terceira idade dura
até aos 28 anos, podendo estender-se até 30 ou 35 anos, e é chamada de adolescência, sendo
comparada com a força e o vigor, e à facilidade para procriar (p.36).
Segue-se, então, a juventude, que é comparada à “plenitude das forças” de uma
pessoa, que dura até aos 45 anos ou até aos 50 anos. A senectude estaria entre a juventude e a
velhice. Já a velhice é comparada à caduquice, a falta de força, chamada de senies, no latim,
e viellesse, no francês (idem, p.36-37).
Ariès (1981) nos alerta:
É preciso ter em mente que toda essa terminologia que hoje nos parece tão
oca traduzia noções que na época eram científicas, e correspondia também a
um sentimento popular e comum da vida. Aqui também esbarramos em
grandes dificuldades de interpretação, pois hoje em dia não possuímos mais
esse sentimento da vida: consideramos a vida como um fenômeno
biológico, como uma situação na sociedade, sim, mas não mais que isso. (p.
38).
A juventude se destacava como etapa da vida, pode-se dizer que, na Idade Média,
não havia tanta diferença entre infância e adolescência, suas fronteiras não eram bem
limitadas; assim, até o século XVIII, a adolescência foi confundida com a infância. De fato,
nos dias atuais, damos outros sentidos às idades da vida e as classificamos segundo a
Psicologia, a Medicina, a Psicanálise, entre outras áreas da ciência. Além disso, temos
recursos por meio da Medicina, seja ela tradicional ou alternativa, de chegarmos aos 80 anos
ou até aos 100 anos de idade, o que não acontecia em épocas remotas, devido à existência de
grande taxa de mortalidade, inclusive a de crianças pequenas.
A longa duração da infância, na Idade Média, se dava pela indiferença aos fatores
biológicos, pois, logo após os sete anos, as crianças eram inseridas no mundo dos adultos,
sendo ainda distante a idéia de educação escolarizada. Logo que completavam 7 anos, as
crianças eram enviadas pelos pais para a casa de outros adultos e aprendiam trabalhos
realizados por eles em seu cotidiano, bem como participavam de jogos e brincadeiras
vivenciados pelos adultos.
Segundo Ariès (1981), por volta do século XII, a arte medieval não representava a
infância ou a desconhecia. Em alguns temas religiosos, como o do século XI, o autor mostra
cenas do Evangelho onde se encontra Jesus evocando as criancinhas à sua volta, “oito
24
verdadeiros homens, sem nenhuma das características da infância: eles foram simplesmente
reproduzidos numa escala menor. Apenas seu tamanho os distingue dos adultos” (p.50-51).
Em outra cena, do século XIII, Cristo multiplica os es: “Cristo e um apostolo ladeiam um
homenzinho que bate em sua cintura: sem dúvida, a criança que trazia os peixes” (p.51). Com
base em fontes como essas, é que Ariès afirma que as crianças, nessa época, não eram
representadas por traços que caracterizavam as particularidades de sua idade, mas por homens
de tamanho reduzido.
Por volta do século XIV, se tornaria mais freqüente na arte da época representar a
infância tendo como modelo a vivência do menino Jesus, e de sua mãe quando menina, a
Virgem Maria. Ou pinturas que apresentam a maternidade de Maria mediante um sentimento
encantador de ternura ao envolver, em seu colo, o filho Jesus. Apesar disso, essa iconografia
religiosa da infância sofre mudanças para uma iconografia leiga, nos séculos XV e XVI,
mesmo que ainda a criança não fosse representada sozinha.
No século XV, surgiram outros tipos de representações da infância: o retrato e o
putto, a criança nua.
8
Mesmo assim, as crianças não eram retratadas e pintadas com fidelidade
às características da sua idade. O retrato da criança morta, no século XVI, foi muito
importante para entendermos o sentimento pelas crianças. A criança apareceu, inicialmente,
nas efígies funerárias, sobre o túmulo de seus pais, depois foram aparecendo no retrato de
família; também sendo costume representar, nesses retratos, crianças que havia morrido,
distinguindo-se das vivas por seu tamanho reduzido e por segurarem uma cruz na mão. A
grande inovação do século XVII foram as crianças representadas sozinhas e sendo apreciadas
por sua família, por meio da posse de um retrato de seus filhos. Portanto, é importante
ressaltar que a pesquisa realizada a partir da iconografia, retratos, pinturas, diários etc., dos
séculos estudados por Áries, são referentes à sociedade ocidental e européia e com ênfase nas
camadas sociais abastadas economicamente: a nobreza e, adiante, a crescente burguesia.
Sublinha Áries que
A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua
evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos
séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se
particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e
durante o século XVII. (ARIÈS, 1981, p.65).
8
É, porém, no século XVII que o putto aparece com mais ênfase pois, até o fim do XVI as crianças eram
representadas em cueiros ou então em trajes próprios para a sua idade.
25
Continua o autor a explicar que, também em relação aos trajes, as crianças até o
século XIII usavam cueiros, quando os deixava, suas vestes eram como a dos adultos, de
acordo com a sua condição social. no século XVII, as crianças nobres e burguesas não
eram mais vestidas como aos adultos, elas vestiam um traje peculiar à sua idade. Contudo,
ainda no século XVI era hábito vestir as crianças menores como meninas, suas vestes eram
saia, vestido e avental (idem, p.75).
Por volta de 1770, os meninos deixaram de usar o vestido com gola aos
quatro-cinco anos. Antes dessa idade, porém, eles eram vestidos como
meninas, e isso continuaria até o fim do século XIX: o hábito de efeminar
os meninos desapareceria após a Primeira Guerra Mundial [...] É curioso
notar também que a preocupação em distinguir a criança se tenha limitado
principalmente aos meninos: as meninas foram distinguidas pelas
mangas falsas abandonadas no século XVIII, como se a infância separasse
menos as meninas dos adultos do que os meninos. (ibidem, p.78).
Ariès (1981) apresenta partes da infância de Luís XIII e descreve que, até aos seus
7 anos de idade, as pessoas com quem convivia se divertiam com suas brincadeiras de cunho
sexual, como exibir seu órgão genital, tocar o corpo alheio e satisfazer suas curiosidades. Não
havia rigorosidade e repressão em relação à manifestação de sua sexualidade.
Entretanto, era recorrente o pensamento de que a sexualidade fosse ausente na
vida das crianças. Pois essa idéia estava arraigada na crença de que a inocência infantil jamais
seria conspurcada. Era costume, como mostra a infância de Luís XIII, os adultos dormirem
com as crianças, e haver troca de carícias entre ambos. Todavia, nos séculos XV e XVI, os
educadores, moralistas e estudiosos do comportamento sexual das crianças pregavam
sermões, defendendo que os adultos não tivessem mais contato com as crianças em suas
camas, evitando a promiscuidade delas com eles.
Heywood (2004) afirma que a história da infância é marcada por ambivalência e
ambigüidade” (p.49). Que, durante séculos, a infância foi marcada por conflitos conceituais,
que conduziam o modo que as crianças seriam representadas pelos adultos, como também as
relações estabelecidas entre os grandes e os pequenos. Várias concepções fundamentaram o
tratamento e a prática que deveria ser exercida na educação das crianças, havendo desde
idéias em que as crianças eram configuradas em forma de seres inocentes, como anjinhos, até
aquelas em que eram entendidas como tendo vindo ao mundo contaminadas pelo pecado
original, sendo seres manipulados pelas forças demoníacas. Ou, então, que o passavam de
folhas brancas, ou de uma cera mole que poderiam ser moldadas, ou nasceriam com uma
variedade de características inatas (HEYWOOD, 2004).
26
Apresenta o autor a doutrina cristã, pregada por Santo Agostinho (354 430), que
tratava do tema do pecado original, afirmando que as crianças nasciam com o pecado e de
nada se diferenciavam dos adultos, pois também teriam vontade própria. Agostinho, então,
defendia uma posição oposta à de “inocência da criança”. Lutero e outros protestantes da
Reforma defendiam a tese de que a criança era tão pecadora quanto o adulto e que ela era
inocente até aos 6 anos de vida: “os pequenos ingênuos de Deus” (p.50).
Durante a Alta Idade Média, as crianças eram concebidas, portanto, ou como
sendo uma influência diabólica ou divina. Em contraposição, na Baixa Idade Média,
acreditava-se na criança como sendo uma cera mole, que poderia ser moldada de várias
formas. A partir do Renascimento, não era tão forte a concepção do inato, embora não
totalmente descartada, prevalecendo a idéia do “adquirido”, baseada na crença de que “a mão
que embala o berço define os destinos da sociedade” (p.52). Ainda no século XIX, e início do
século XX, as crianças, no Ocidente, não eram tratadas mais como sendo uma folha em
branco, pois especialistas e estudiosos defendiam a supremacia dos genes e da hereditariedade
sobre o fator ambiente. Em Heywood, temos que “também se pode identificar o surgimento
de uma imagem mais positiva da criança passando, à medida que a ênfase no pecado original
diminui gradualmente a partir do século XVIII” (p.57, 2004).
Ariès (1981) afirma que foi no século XVII que começou a ocorrer uma grande
mudança de costumes, passando a ser contestada e abandonada a até então defendida idéia de
inocência infantil. Surgiram livros de etiqueta destinados às crianças, bem como uma
literatura de boas maneiras acompanhada de uma literatura pedagógica para aos pais e
educadores da época, que abordavam temas concernentes à moralização e à educação das
crianças. Ao mesmo tempo, ainda se destacava, na arte e na literatura, um tema: o da criança
comparada aos anjos, à fragilidade e à inocência; fraqueza esta que colocava a educação como
preponderante para a manutenção das virtudes e como forma de vigilância contínua das
crianças. Esse cuidado seria antagônico à idéia e sentimento de “paparicação” das crianças
pelos adultos, outrora já criticado pelos moralistas.
Segundo o mesmo autor:
O sentido da inocência infantil resultou, portanto, numa dupla atitude moral
com relação à infância: preservá-la da sujeira da vida, e especialmente da
sexualidade tolerada quando não aprovada- entre os adultos; e fortalecê-
la, desenvolvendo o caráter e a razão. Pode parecer que existe aí uma
contradição, pois de um lado a infância é conservada, e de outro é tornada
mais velha do que realmente é. Mas essa contradição existe para nós,
homens do século XX. Nosso sentimento contemporâneo da infância
27
caracteriza-se por uma associação da infância ao primitivismo e ao
irracionalismo ou pré-logismo. Essa idéia surgiu com Rousseau, mas
pertence à história do culo XX. apenas muito pouco tempo ela passou
das teorias dos psicólogos, pedagogos, psiquiatras e psicanalistas para o
senso comum. (Ariès, 1981, p.146).
No entendimento do autor:
O primeiro sentimento da infância caracterizado pela “paparicação”
surgiu no meio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. O
segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos
eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e de um maior
número de moralistas no século XVII, preocupados com a disciplina e a
racionalidade dos costumes. Esses moralistas haviam-se tornado sensíveis
ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a
considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas
frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e
disciplinar. Esse sentimento, por sua vez, passou para a vida familiar. No
século XVIII, encontramos na família esses dois elementos antigos
associados a um elemento novo: a preocupação com a higiene e a saúde
física. O cuidado com o corpo não era desconhecido dos moralistas e dos
educadores do século XVII. (p. 163-164).
Ariès (1981) destaca, ainda, que a aprendizagem antes tão enfatizada nas
sociedades ocidentais e medievais, em que as crianças se relacionavam e se misturavam com
os adultos, tanto na realização dos afazeres domésticos, como no desenvolvimento de um
ofício e na realização de jogos e brincadeiras, teria sido mantida apenas por alguns séculos, de
modo que as crianças pudessem vivenciar a sua liberdade. Pois, nos meados do século XVII,
elas teriam a sua liberdade confiscada por um novo “sistema”, o educacional, uma vez que
a escola teria, nessa sociedade que sofrera muitas mudanças, um lugar, com a finalidade de
educá-las, moralizá-las e discipliná-las e que, portanto, elas não seriam mais livres.
A família também sofreria transformações, da socialização à individualização.
Tanto a mistura entre grupos sociais diferentes como entre as crianças com os adultos teriam
mudadas suas dinâmicas. Os pobres não eram bem vistos pela sociedade burguesa, que se
erguia; os jogos e brincadeiras, antes compartilhados por todos independentemente da classe
ou da geração, passam a ser praticados pelas crianças, mas em separado dos adultos e de
acordo com a ocupação de seu lugar social.
O autor também afirma que, no século XVIII, teria ocorrido um importante fato:
as crianças passam a ser encaminhadas à escola e suas posses conduziam à separação entre as
castas sociais, de forma distinta e hierarquizada. As famílias burguesas não se misturam,
desprezam a multidão, diferenciando-se dos pobres nos costumes, trajes, “sistema escolar”,
alimentação, jogos e diversão. Nesse caso, o sentimento moderno de infância é baseado em
28
preocupação e cuidado com as crianças e, então, novos sentimentos em relação à essa fase
surgiram. a escola do século XVII seria o espaço destinado à educação das crianças, com a
sua separação da sociedade dos adultos. Desse modo, deixa-se, paulatinamente, de explicar e
entender a educação com base na aprendizagem por meio de relações estreitas com os adultos.
Assim, os corpos, as mentes e as almas das crianças passariam a ser os focos de adestramento
e dos discursos dos moralistas.
No século XIX e início do século XX, no Brasil, a infância constitui seus
significados nos discursos do Estado, escritores, moralistas, Igreja, dicos, psiquiatras e
profissionais da saúde. Os agentes do discurso sobre a infância não eram somente brasileiros,
pois ocorria simultaneamente e/ou em diálogo com um amplo investimento discursivo dos
europeus e americanos. A educação tornava-se o alicerce para a administração do cuidado e
do bom desenvolvimento moral da infância, principalmente a da criança pobre, cuja vida se
tornou uma “questão pública, assim como a escola e a saúde etc., cada vez mais tem sido um
dado subordinado ao tema desenvolvimento” (FREITAS, 1997, p.10).
Novas ciências, como a Psicanálise, a Pediatria, a Psicologia, consagraram-
se aos problemas da infância, e suas descobertas são transmitidas aos pais
através de uma vasta literatura de vulgarização. Nosso mundo é obcecado
pelos problemas físicos, morais e sexuais da infância. (ARIÈS, 1981,
p.276).
Pesquisas, relatórios nacionais e internacionais abordavam temas como a
educação e a saúde de países em desenvolvimento. E, sob o prisma do desenvolvimento
econômico, se edificava uma construção social da infância ligada ao desenvolvimento social,
por meio de uma política que se expressava por sua meta de aniquilamento da infância
desamparada e abandonada (FREITAS, 1997; LEITE, 1997; RIZZINI, 1997).
Mas antes da industrialização e da urbanização, com a conseqüente
explosão demográfica nas cidades médias e grandes, tais problemas ficavam
confinados à obra literária de escritores europeus e americanos e à
documentação de asilos, instituições religiosas e leigas de proteção aos
despossuídos [...] A infância passa a ser “visível” quando o trabalho deixa
de ser domiciliar e as famílias, ao se deslocarem e dispersarem, não
conseguem mais administrar o desenvolvimento dos filhos pequenos. É
então que as crianças transformam-se em menores”, e como tal
rapidamente congregam as características de abandonados e delinqüentes.
(LEITE, 1997, p.18).
Esses discursos instituíam saberes e tinham por, meio da educação, um dispositivo
pedagógico de produção de valores sociais, com destaque para as oposições binárias, acerca
29
do que seria normal-anormal, criança de família-menor abandonada, higienização-patologia,
moral-imoral. Desse modo, as crianças passaram a ser o foco desses discursos, passando a
vigorar o discurso idealizador de que o futuro do país dependia das crianças do presente,
como se fossem o centro de um alvo para serem acertadas por dardos. Questões de
desenvolvimento social-econômico e educacional do Brasil não eram apenas abordadas pelos
“nativos”, mas também por estrangeiros, que traziam para este país soluções para que, então,
prevalecessem a ordem e o progresso, sob a forma de receitas infalíveis, que dispõem de
sutilezas assertivas, sem a utilização da repressão e força.
Nos anos 20, no Brasil, movimentos organizados por médicos, higienistas e
intelectuais pregavam sobre a necessidade de reformas dos serviços públicos com vistas ao
progresso do país. A saúde e a educação passam a ser tratadas como questões de prioridade
nacional. Acreditava-se que pela educação seriam incrustados hábitos higiênicos na população
brasileira, sendo a questão sanitária intimamente ligada à da moralização. Assim, por meio da
educação, da higienização e do trabalho, o Brasil estaria rumando para o progresso social,
político e econômico (CARVALHO, 1997).
Continua Carvalho a explicar que se tratava de mecanismos de controle social
produzidos em discursos de uma vasta literatura, ou seja, deveriam concorrer para o
aniquilamento da infância abandonada, para a manutenção da higiene mental e corporal de um
povo que vive nos trópicos, para eliminação do déficit e distúrbios de aprendizagem de
crianças por meio de testes, experimentos e tratamentos, para o desenvolvimento de uma
sociedade destinada ao trabalho, por meio da educação e instrução popular.
9
Segundo Nagle (1974-1976), no ideário brasileiro e republicano, a educação era
considerada mola propulsora para o progresso e desenvolvimento de um país subdesenvolvido
e agrário para um país urbano-industrial. O autor explica:
Uma das maneiras mais diretas de situar a questão consiste em afirmar que
o mais manifesto resultado das transformações sociais mencionadas foi o
aparecimento do inusitado entusiasmo pela escolarização e de marcante
otimismo pedagógico: de um lado existe a crença de que, pela multiplicação
das instituições escolares, da disseminação da educação escolar será
possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso
nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo.
(NAGLE, 1974, 1976, p.99).
9
Também para a análise da imagem da criança produzida pelos discursos do Estado, na República, inspirei-me
em Monarcha (1997), Tozoni-Reis (2002).
30
Também Carvalho (1997) se refere a esse “otimismo pedagógico”, partindo de sua
perspectiva que compreende o discurso disseminado nesse momento histórico como
ferramenta disciplinar:
Esse otimismo pedagógico conta com a natureza. Nas representações que o
articulam a natureza infantil é matéria plástica e plasmável, desde que
respeitada em seu vir-a-ser natural. Disciplinar não é mais prevenir ou
corrigir. É moldar. [...] Por isso, esse otimismo conta, mais do que com a
natureza, com o poder disciplinador das novas exigências postas nos novos
ritmos que a técnica e a máquina imprimem à sociedade. (CARVALHO,
1997, p.286).
A chamada pedagogia da escola nova, no Brasil, funcionou como um mecanismo
de práticas discursivas e institucionais sobre a base da pedagogia moderna, científica ou
experimental. Com um novo arsenal de técnicas e teorias sobre o desenvolvimento da criança,
a Pedagogia e a Psicologia, como face da mesma moeda, cara e coroa, construíram referências
para o normal, o anormal e o degenerado, estabelecendo práticas de medição, classificação,
prevenção e correção, de sorte que a Pedagogia e a Psicologia científica instituíram saberes
sobre a infância, que configuraram em um campo de intervenção disciplinar e de
escolarização (CARVALHO, 1997).
A Psiquiatria, a Psicologia Cognitiva e Desenvolvimentista, a Medicina, a Igreja,
a escola, o Estado são vistos como instituições que se envolveram na produção de “verdades”
sobre a infância, através de suas teorias ou dogmas, ao longo da história ocidental e moderna.
Em relação à sexualidade, são elaboradas teorias que explicam e determinam como universal
o comportamento sexual infantil. Muitas dessas concepções, crenças e conceitos sobre a
sexualidade, na infância, fundamentaram e fundamentam, nos dias atuais, as práticas
educativas dos profissionais da educação ou que atuam no âmbito escolar.
1.2. Falando sobre infância e sexualidade
A Psicanálise, como sendo uma área do conhecimento, também trouxe
explicações sobre o comportamento humano e, por meio, principalmente, dos estudos e das
publicações de Freud, desencadeou-se uma teoria sobre o desenvolvimento das fases
psicossexuais na infância. Essa teoria do desenvolvimento sexual na infância tem amparado,
até os dias atuais, grande parte dos saberes e representações sociais que reforçam modos de
pensar e agir sobre as manifestações da sexualidade das crianças. Os profissionais da
educação ou de outras áreas que lidam com crianças reinterpretaram e fizeram múltiplas
31
leituras dos pressupostos de tais teorias, de modo que, em muitas delas, se constrói um olhar
sobre a criança como sendo um ser universal, sem considerar tanto a importância como as
particularidades dos aspectos sociais e culturais que as constituem. Apenas as diferenciam
segundo as diversas fases de desenvolvimento que perpassariam todo o período da infância,
bem como as possíveis conseqüências saudáveis ou patológicas que se manifestarão, na fase
adulta, decorrentes das experiências da infância.
Mollo-Bouvier (2005, p.398) salienta:
Quase ao mesmo tempo, a psicanálise, ao insistir sobre a importância da
sexualidade infantil, destruía parcialmente uma visão romântica da pureza e
da inocência da criança. Ora avaliam-se os desempenhos, as atividades e os
comportamentos das crianças na linhagem de uma psicologia behaviorista,
ora exploram-se o ser infantil e a relação com uma natureza infantil sobre a
qual se transplantam valores e ideologias geradoras de verdadeiros mitos.
(apud CHOMBART DE LAUWE, 1971).
Nessa perspectiva, através da Psicanálise, em específico, da teoria do
desenvolvimento das fases sexuais da infância, Freud (1976) designa a primeira fase da
sexualidade infantil (de 0 a 1 ano de idade) como fase oral ou canibalesca. Esta é
caracterizada como pré-genital, pois não apresenta em sua organização sexual nenhuma
manifestação da atividade sexual propriamente genital, sendo sua atividade ligada à satisfação
de impulsos orais e à nutrição. Como o beber leite significa prazer, através da sucção, e
promove a satisfação das zonas erógenas (língua, lábios, dedos), entende-se que sugar ao seio
materno é o ponto de partida de toda a vida sexual: “(...) Esse sugar importa em fazer do seio
materno o primeiro objeto do instinto sexual” (p. 367). Para ele, a criança sente prazer em
explorar as zonas erógenas de seu corpo, e passa da sucção à masturbação, ou seja, abandona
seu objeto, o seio materno, e o substitui pelas outras partes de seu próprio corpo.
A segunda organização sexual seria a pré-genital, que é chamada de fase anal (1 a
3 anos de idade) ou de sadismo anal. Nessa fase, as manifestações sexuais masturbatórias
aderem a outras formas de atingir a satisfação erógena, através de ações musculares como as
de zona anal. Quando retêm as fezes, as crianças estimulam contrações musculares na região
anal. Ao passarem pelo ânus, as fezes causam-lhes excitações intensas, devido às sensações
de retenção e expulsão do objeto. Tais sensações estão ligadas ao erotismo anal. Contudo, o
domínio e o controle do objeto estão ligados ao sadismo anal.
A fase fálica (3 a 6 anos de idade) coincide com a descoberta das diferenças
genitais, quando o falo (pênis) se torna o símbolo do genital. Essa fase é marcada pelo
Complexo de Castração e o Complexo de Édipo. Do mesmo modo que o menino acredita que
32
todos os seres humanos possuem o genital masculino, as meninas concluem que suas
genitálias são iguais os dos meninos. Ao deparar-se com os genitais do menino, origina-se, na
menina, a inveja do pênis, e a vontade de se tornar homem. Além disso, a menina apresenta a
fantasia de que já teve um pênis e esse foi castrado.
10
No que concerne à castração, o menino tem medo de ser castrado e a menina
constata que é castrada. O medo da castração no menino deve-se ao fato de que este tem como
rival o pai, ao desejar a própria e. Luta para roubar a sua mãe e tê-la como mulher. Tem
como desejo o desaparecimento de seu pai, ou a sua morte (Complexo de Édipo). Tais desejos
causam-lhe o medo de ser castigado por meio da castração, como se o filho imaginasse a
vingança de seu pai, em resposta aos seus desejos. A identificação com o pai contribui para a
resolução do Édipo. No que diz respeito às meninas, tem-se o seguinte: As coisas se passam
de modo exatamente igual com as meninas, com as devidas modificações: uma afetuosa
ligação com o pai, uma necessidade de eliminar a mãe por jul-la supérflua, e de tomar-lhe o
lugar [...]” (FREUD, 1976, p.389).
Continua o autor a explicar que as crianças formulam várias teorias acerca do
nascimento, elas acreditam ter nascido dentre os seios, do ventre, do umbigo que se abriria
para que pudessem passar, ou que nascem de funções como a micção ou defecação. Muitas
vezes, suas investigações apresentam frustrações na busca pela informação verdadeira, pois as
informações deturpadas, que lhes são apresentadas, causam-lhes desconfiança e a não
satisfação da compreensão esperada.
Sendo assim, o desenvolvimento sexual infantil é marcado pela investigação das
crianças sobre a vida sexual, de forma que a pulsão de saber é a atividade que estimula essas
investigações. “De fato, [...] a pulsão de saber é atraída, de maneira insuspeitamente precoce e
inesperadamente intensa, pelos problemas sexuais, e talvez seja até despertada por eles”
(FREUD, 1989, p. 182). O autor afirma que um dos fatores que desperta a pulsão de saber são
as perguntas em busca da descoberta da origem dos bebês.
A vida sexual infantil seria marcada pela satisfação das zonas erógenas. Assim
como relata Freud (1989), existem no período da infância as pulsões sexuais: pulsões do
prazer de olhar, de exibir e de crueldade, que, de certa forma, não apresentam fins para
satisfação da atividade sexual erógena, porém estabelecerão posteriormente uma aproximação
com a vida sexual. O impulso de crueldade provém da pulsão de dominação em uma fase da
10
Este é um dos aspectos que tem sido alvo das maiores críticas das teóricas feministas e de gênero sobre a
teoria freudiana.
33
vida sexual infantil em que os genitais não assumiram o papel predominante, esta pulsão é
independente das atividades sexuais vinculadas às zonas erógenas.
O período de latência consistiria na diminuição da pulsão sexual, por volta dos 6 a
9 anos de idade até o início da puberdade, onde o sentimento de vergonha e a aversão ao
interesse sexual se manifestam. A energia das pulsões sexuais é desviada para outros fins,
como o interesse nas relações sociais.
A fase genital (a partir dos 10 anos de idade) teria como alvo sexual, que antes
eram as zonas erógenas, outras manifestações sexuais que têm como finalidade atingir as
zonas genitais e o encontro com o objeto. Nesse momento, o corpo passa por transformações
biológicas, afetivas e sociais.
Contudo, as teorias elaboradas por Freud, entre outros estudiosos da Psicanálise,
defendem que todas as etapas ou fases do desenvolvimento sexual infantil estabelecem uma
correlação com a vida sexual adulta, como um elo em continuidade. Assim, a Psicanálise, a
Psiquiatria, a Medicina, a Psicologia, a Pedagogia, entre outras áreas do conhecimento
científico, (re)produzem discursos, por meio de pesquisa sobre as crianças, acerca da
sexualidade, do desenvolvimento afetivo-cognitivo, do desenvolvimento psicológico-
comportamental, do desenvolvimento físico-biológico, como também as classificam como
normal ou anormal, de acordo com os padrões científicos estabelecidos. A criança não é
entendida como parte integrante da construção de identidade, de cultura e conhecimento, suas
práticas, seus olhares em relações aos fenômenos sociais e aos seus mundos são
menosprezados, como ela fosse realmente um ser que não fala.
1.3. Um outro olhar para o gênero e a sexualidade: desdobramentos para uma infância
que fala
Corazza (2002) aponta para vários tipos de violência cometidas, ao longo dos
séculos, contra as crianças, sendo esta praticada pelos adultos como sendo natural e normal.
Para ela, a infância nunca existiu. Assim, mostra a concepção de uma criança que nasce e logo
morre, utilizando-se da expressão natimorta”, ou seja, ao ter que, ao nascer, se adequar ao
modelo do “Sujeito-Verdadeiro, Sujeito-Modelo e Sujeito-Padrão”, proposto à semelhança do
adulto.
Grande parte dessas violências cometidas contra os “infantis”, diz respeito ao
exercício do poder de pessoas adultas sobre as crianças. Desse modo, esse tipo de relação
configura a necessidade do homem em se olhar no espelho e ver uma criança como ele, numa
34
combinação de auto-afirmação, realização e superiorização perante um ser considerado
inferior (CORAZZA, 2002). Continua, a autora, explicando:
A partir dessa junção entre identidade-dependente e necessidade-de-
adultização, o infantil foi criado como uma identidade natimorta, isto é,
como uma identidade que já nasceu morta, ou que, vindo à luz com sinais
de vida, logo morreu. Uma morte tão explícita que o prometido Mundo
Infantil da Modernidade, por efeitos da própria identidade que o habitava,
acabou se produzindo como o Mundo Adulto.
Assim, não deve surpreender que a figura do infantil-adulto de hoje, que
nos causa tanto pânico, seja apenas o atual episódio de uma série de
submissões, dominações e insuportabilidades da diferença infantil bem mais
antigas do que nós. Não é de se espantar que o infantil venha sendo,
séculos, adultizado, justamente pelo tipo de subjetivação que lhe objetivou
como um sujeito carente, primitivo, secundário, incompetente, ignorante,
incapaz, irracional, amoral. (p.198).
Corazza, em “O que faremos com o que fizemos da infância?”, título de um dos
capítulos do livro acima referido, coloca em questão o seguinte: o que nós, adultos, faremos
para reparar tanta crueldade, maus tratos, massacres, violência física, sexual e verbal, descaso
e abandono que cometemos contra as crianças?
Não são fáceis as respostas para tal pergunta. Entre tantos aspectos envolvidos
com a problemática, destacam-se as posições do(a)s pesquisador(e/a)s, na área da Sociologia
da Infância que, através de suas propostas e metodologias, pretendem instituir uma outra
atitude no que diz respeito ao modo como, até então, as ciências humanas têm tratado as
crianças. Entre as várias propostas emergentes, observa-se a proposta de tomá-las como
participantes da pesquisa, ao invés de simples objeto de estudos científicos. Considera-se que,
dar voz às crianças implica localizá-las como constituintes e produtoras de conhecimentos,
cultura e identidade. Entende-se que, mesmo conscientizados de que não neutralidade no
tratamento dessas vozes, esta seria uma forma menos cruel e classificatória de lidar com elas.
Javeau (2005) traz a discussão sobre o uso dos termos criança, infância e crianças,
como sendo constituintes de campos semânticos específicos que, por sua vez, são construídos
com base em posturas teóricas e epistemológicas, que enfatizam o uso de metodologias
consideradas apropriadas no tratamento de determinado objeto de estudo.
Segundo o autor, o termo criança tem um de seus campos semânticos baseado na
Psicologia Comportamental, a qual tem como um dos seus princípios o discurso das fases do
desenvolvimento da criança, sendo os indivíduos considerados em termos universais, sem
levar em conta, portanto, os seus contextos sociais e culturais específicos. O indivíduo é visto
35
em constante desenvolvimento, seguido por etapas, de modo que a criança é entendida como
um ser que ainda está por se desenvolver.
O segundo campo semântico, apresentado pelo autor, tem seu paradigma apoiado
em uma perspectiva demográfica e econômica, correlacionada à sucessão das faixas etárias: a
infância, a adolescência, a idade adulta, a terceira idade etc.
Finalmente, haveria um terceiro campo semântico, que é propriamente
antropológico ou sócio-antropológico, o qual considera as crianças indivíduos reagrupados,
situados em determinado tempo e espaço e vistos como atores ativos na construção de sua
cultura e linguagem.
Os estudos teóricos atuais provindos da História, Filosofia, Sociologia,
Antropologia e até mesmo da Psicologia são, praticamente, unânimes em afirmar a
construção social e cultural dos conceitos de criança e de infância, além de asseverar a
construção social das próprias identidades dos “sujeitos infantis” (SANTOS, 2006). Tais
ciências apresentam posições distintas, porém, quanto à forma como compreendem e
conceituam os processos de “construção social e cultural” das identidades, das práticas sociais
e de seus aspectos simbólicos. As concepções de criança e infância, ddecorrentes, não são
as mesmas para a Sociologia da Infância e para os estudos denominados culturais ou pós-
estruturalistas (idem). A Sociologia da Infância contrapõe-se às análises de cunho meramente
biológico, psicológico ou desenvolvimentista, mas também diverge das perspectivas teóricas
estritamente pós-estruturalistas. Essas últimas, de modo geral, colocam em questão a assertiva
de que os indivíduos possam ser considerados agentes na construção de suas identidades e da
realidade social. Assim, a prática social é compreendida como sobredeterminada pelos saberes
e culturas dominantes, desqualificando-se a possibilidade de que os sujeitos possam ser
produtores de conhecimento e cultura (MOREIRA; SANTOS, 2003). Ao contrário dessas
teorias, a Sociologia da Infância reconhece a criança como agente social e como construtora
da cultura e da história. Sobre isso, Sarmento (2002, p.12) afirma:
As culturas da infância são resultantes da convergência desigual de fatores
que se localizam, numa primeira instância, nas relações sociais globalmente
consideradas e, numa segunda instância, nas relações inter e
intrageracionais. Esta convergência ocorre na acção concreta de cada
criança, nas condições sociais (estruturais e simbólicas) que produzem a
possibilidade da sua constituição como sujeito e actor social.
(SARMENTO, 2002, p.12).
36
O autor salienta que a infância é uma categoria social do tipo geracional,
baseando-se em um conhecimento crítico de sua alteridade, o que implica, ainda, considerá-la
em função de um campo relacional que articula várias dimensões sociais, como classe,
gênero, etnia, raça, religião, demografia etc.
Isso não significa desconsiderar a importância das implicações dos discursos
dominantes, na definição das identidades e das práticas sociais, seja por intermédio da mídia,
seja pela organização das diferentes instituições e saberes científicos. Não se nega que as
interações entre adultos e crianças são produzidas nas e permeadas pelas relações de saber e
poder, as quais acarretam formas de pensamento que se pretendem únicas para definir o que
seja infância, bem como produzem práticas de controle e normatização para as ações das
crianças.
Atualmente, várias áreas de conhecimento, com diferentes abordagens teóricas,
concordam que os significados atribuídos à infância e à criança resultam de uma construção
social. O conceito de construção social, porém, parte de diversos e diferenciados lugares
teóricos. Tomando como eixo de suas análises os lugares institucionais de produção de
saberes e de discursos, Bujes (2002) afirma que tais construções dependem
[...] de um conjunto de possibilidades que se conjugam em determinado
momento da história, são organizados socialmente e sustentados por
discursos nem sempre homogêneos e em perene transformação. Tais
significados não resultam, como querem alguns, de um processo de
evolução, nem estão acima e à parte das divisões sociais, sexuais, raciais e
étnicas [...]. São modelos no interior de relações de poder e representam
interesses manifestos da Igreja, do Estado, da sociedade civil [...]. Implicam
intervenções da filantropia, da religião, da Medicina, da Psicologia, da
mídia [...] (p.24-25).
Assim, mesmo sem discordar da importância dos aspectos culturais, na análise
dos fenômenos sociais, são outras as ênfases dadas por determinados estudos sócio-históricos
e culturais, em seus enfoques sobre criança e infância. Os pontos principais de divergência
estão fundados nos modos variados de se definir o lugar teórico e os significados de sujeito e
de prática social (MOREIRA; SANTOS, 2003).
11
Em suas diversas abordagens, os estudos socioculturais ressaltam que,
dependendo da abordagem teórica, produz-se um tipo particular de análise, a qual pode levar
11
Nesta pesquisa, serão feitas referências a alguns autores identificados com as teorias pós-estruturalistas,
mesmo que não se concorde plenamente com o conjunto de suas posições conceituais e teóricas. Trata-se de
estudiosos que apontam, de forma elucidativa, para muitos dos aspectos analíticos que queremos destacar, na
abordagem teórica proposta. É o caso de algumas observações realçadas em trabalhos como os de Bujes (2002),
Britzman (1999), Louro (1999), Weeks (1999), etc.
37
as crianças a serem interpretadas de uma dada maneira: como seres (in)capazes, como (não)
construtoras de conhecimento, (não) desenvolvidas cognitivamente, assexuadas etc. Trata-se
de pressupostos que costumam servir para enquadrar as crianças em modelos e padrões
sociais desejáveis.
Todavia, as explicações dadas para o sucesso das estratégias de “enquadramento”,
“controle”, “normatização” e “modelização” parecem insuficientes para dar conta das análises
do que temos visto, no interior de instituições disciplinares, tais como a escola e as prisões.
Como conseqüência, observamos a estupefação das pessoas adultas e dos profissionais da
escola, em particular, os quais, muitas vezes atônitos e assustados, se declaram totalmente
incapazes de lidar com a realidade das diversas e rápidas mudanças que ocorrem em nossa
sociedade e cultura atuais. Nesse contexto, as crianças também aparecem com práticas,
saberes e atitudes inusitadas, que surpreendem e preocupam. Mas, afinal, o mundo estaria
mesmo “de ponta cabeça”? O que está acontecendo com as crianças? Elas podem nos ajudar a
entender o que estão vivendo e pensando? Como tornar compreensíveis os pontos de vista das
próprias crianças sobre o que sentem, pensam e fazem, em relação aos apelos eróticos cada
vez mais intensos com os quais estão em contato, na cultura contemporânea?
12
Ouvir e observar o que dizem e fazem as crianças torna-se o sentido proposto por
esta pesquisa, o que não significa negar que o significado do que falam passará pela nossa
própria leitura de pesquisador e de adulto, ou de que aquilo que falam estaria isento da
presença de outras vozes com quem compartilham a experiência da vida social. Trata-se
justamente do entendimento de que os sentidos e compreensões que serão propostos, ao final
da investigação, resultarão do encontro de várias e diferentes vozes e enunciados.
13
Não
podemos nos considerar inocentes, portanto, em relação àquilo a que nos remete Walter
Benjamin (1994), quando aborda a distância entre o narrador e aquele que procura traduzi-lo.
O autor valoriza a narrativa, na medida em que ela seria o lugar de construção de sentidos
para a experiência do próprio narrador, isto é, para aquilo que por ele é vivido: conforme
assevera Benjamin, “o narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por
ouvir dizer. Seu dom é poder contar a sua vida; sua dignidade é contá-la inteira [...]. O
narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo” (p.221). Cabe ao investigador,
por outro lado, conservar a noção de que lhe compete apenas o trabalho de reescrever,
incessantemente, as experiências narradas, sabendo que estas serão por ele reapresentadas,
12
Pronunciamento da professora Maria de Fátima Salum Moreira, em aula no Curso de s-Graduação em
Educação da FCT / Presidente Prudente, no primeiro semestre de 2006.
13
Idem.
38
pois estarão submetidas ao seu próprio crivo teórico e político, fundado nas questões que ele
propõe para a vida.
14
Daí a importância de se ouvir o que as crianças têm a dizer, suas narrativas, suas
vivências e experiências, os sentidos que elas atribuem aos sentimentos e práticas com relação
à afetividade, ao erotismo, ao desejo sexual e à sexualidade. Tais significados e práticas são
tanto produzidas como produtoras das relações vividas entre pares e com outras pessoas de
seu meio social, seja na escola, em casa ou na rua. Interessa discutir e analisar como elas
interpretam e lidam com esses sentimentos e sensações, e como os adultos interpretam seus
sentimentos e práticas.
Nas últimas décadas e atualmente, intensificou-se a discussão dos compromissos
da educação escolar com o trabalho de orientação/educação sexual de crianças, adolescentes e
jovens. De maneira geral, pretende-se que na escola sejam abordados, articuladamente, os
temas gênero, sexualidade e formas de poder, violência e exclusão que atravessam os
significados e práticas sociais relacionados a tais dimensões da vida pessoal e coletiva.
Bernardi (1985), entretanto, chama a atenção para a “deseducação sexual” e
explica que a percepção do adulto-professor, com referência à sexualidade da criança,
norteará o seu trabalho com educação sexual, na escola. Segundo afirma,
[...] o adulto tem medo da sexualidade infantil e juvenil porque estas
colocam em crise a sua sexualidade, que ele adora chamar de madura.
Reconhecer de modo concreto, e não abstratamente como se costuma fazer,
a sexualidade das crianças e dos jovens, reconhecer exigências e direitos,
admitir que se trata de uma sexualidade autêntica [...] significa ter que rever
não a conduta geral frente aos menores, mas também o próprio
comportamento sexual do adulto a começar pela postura frente ao prazer.
Significa recolocar em discussão toda a fundamentação sexofóbica do nosso
sistema, e por isso mesmo o próprio sistema. (BERNARDI, 1985, p.21-22).
Ao se referir à educação das crianças, Muraro (1983, p.23), assim como Bernardi
(1985), explica que as relações de poder vigentes em nossa sociedade têm como objetivo a
manutenção de corpos submissos, produzindo sujeitos que se tornam seus próprios vigias.
Para Muraro,
[...] [o dispositivo da sexualidade] “é o conjunto dos efeitos produzidos nos
corpos, nos comportamentos, nas relações sociais”, produzido por
instituições, normas, leis, toda uma tecnologia complexa, cuja finalidade é
captar, normalizar e usar em seu beneficio as sexualidades individuais e a
sexualidade coletiva. (MURARO, 1983, p.22).
14
Idem.
39
Para tanto, desde a infância, ocorre um processo de adestramento e inculcação de
hábitos sociais primários, os quais, quanto mais simples, mais fundamentais e determinantes
se tornam. Essa autora questiona: até que ponto a transformação da sexualidade acarreta a
transformação da sociedade?
Foucault (1985) mostra que a produção de discursos científicos sobre o sexo,
desde o século XVIII, incide na defesa de que as formas e as práticas sexuais que não
proporcionassem fins reprodutivos deveriam ser tratadas como sendo anormais e irregulares.
Nomeadas de desvios sexuais, tornaram-se formas de controle por meio de práticas médicas,
de autoridades cristãs, de moralistas e de instituições estatais, que discursavam sobre os usos
dos prazeres sexuais e de suas prováveis conseqüências patológicas. O discurso do sexo,
segundo o autor, age como dispositivo de controle sobre a vida dos sujeitos. No entanto, isso
não é visto como repressão, pois a sensação de se ouvir falar muito sobre sexo causa a
pseudo-sensação de autonomia e liberdade sobre as formas de sentir prazer e desejo. Ao
contrário disso, Foucault faz ver que entrar na intimidade das pessoas, por meio da confissão e
análise clínica, e saber como elas experienciam o seu corpo, por exemplo, pode ser entendido
como meio de controlar e normalizar as atividades sexuais e o modo como as pessoas se
utilizam dos prazeres sexuais. Weeks (1999, p.52) enfatiza:
Foucault aponta quatro unidades estratégicas que ligam, desde o século
XVIII, uma variedade de práticas sociais e técnicas de poder. Juntas, elas
formam mecanismos específicos de conhecimento e poder centrados no
sexo. Elas têm a ver com a sexualidade das mulheres; a sexualidade das
crianças; o controle do comportamento procriativo; e a demarcação de
perversões sexuais como problemas de patologia individual. (WEEKS,
1999, p.52).
Pesquisadore(a)s que abordam as questões de gênero e sexualidade têm atentado e
questionado, em seus estudos, para o caráter normativo e naturalizado das identidades de
gênero e sexuais, explicados como sendo algo de natureza biológica e inerente a homens e
mulheres. Tais concepções atribuem formas binárias, fixas e universais para a experiência
erótica e sexual dos corpos, conforme a configuração de seu sexo biológico. Trata-se de
explicações que justificam e instituem as diferenças entre homens e mulheres, bem como os
comportamentos considerados adequados a cada sexo, como, por exemplo, associando-se a
função das mulheres a de reprodutoras da espécie humana e com as de mães e de esposas.
A discussão sobre gênero e sexualidade implica refletir sobre qual seria o tipo de
sociedade normativa e padronizada em que vivem os sujeitos. Trata-se de sujeitos que
vivenciam, através dos meios de comunicação de massa, da cultura, da ideologia dominante e
40
da educação, escolar ou não, determinados modelos e estereótipos de condutas, valores e
tabus sexuais. Esses sujeitos, porém, não são passivos, são dotados de conhecimentos e
experiências e podem agir sobre e modificar o meio em que vivem elaborando de forma
subjetiva e coletiva os seus conhecimentos.
15
Os estudos de gênero m contribuído para o questionamento dos padrões sociais
e rígidos vigentes em nossa sociedade; esses estudos correspondem às interpretações dos
saberes e das formas de organização social que constroem, legitimam, contestam ou mantêm
determinadas classificações, conceitos e hierarquias sociais, a partir das diferenças sexuais e,
portanto, produzem os conceitos de masculino e de feminino, em cada conjuntura histórica
particular (SCOTT, 1990). As identidades de gênero se constituem simbolicamente numa rede
de significados, que são a associação/fusão de múltiplas e variáveis experiências culturais
(MACHADO, 1992, apud MOREIRA, 1999).
Desse modo, o gênero não é decorrência natural das diferenças sexuais, mas “uma
categoria imposta a um corpo sexuado”, pois pressupõe um conjunto amplo de relações que
pode incluir “sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo, nem determinante da
sexualidade” (SCOOT, 1990). Nesse caso, é na produção de significados para as diferenças
biológicas, anatômicas e sexuais que são produzidos e instituídos culturalmente o significado
para as diferenças sociais, as quais implicam no estabelecimento de hierarquias e
desigualdades sociais (MOREIRA, 1999, 2005).
A produção de diferenças para as identidades de gênero mantém estreitas relações
com os modos através dos quais os sujeitos são identificados sexualmente. Dentro de
configurações identitárias e corpóreas, as composições de gênero determinam valores,
aptidões, possibilidades e modelos de conduta sexual para esse corpo sexuado. São criados
paradigmas físicos, morais e mentais, cujas associações tendem a homogeneizar o “ser
mulher”, desenhando em múltiplos registros o perfil da “verdadeira mulher” (SWAIN, 2003).
Louro (1997) diferencia o significado de papéis sexuais do de identidades sexuais.
O primeiro é referido aos padrões e regras que a sociedade estabelece, para ordenar os
comportamentos e classificar os sujeitos. Assim, homens e mulheres se enquadram nos papéis
estipulados pela sociedade, por meio da aprendizagem, onde se ensina como ser menina e
como ser menino. Entretanto, a autora afirma que essa concepção pode ser simplista e que a
aprendizagem de papéis masculinos e femininos é construída na relação entre os sujeitos.
15
Segundo lembrou a professora Maria de Fátima Salum Moreira, em palestra na FCT Unesp Presidente
Prudente, em 08 de maio de 2004.
41
A aprendizagem de papéis femininos e masculinos está intimamente ligada ao
âmbito das relações interpessoais dos indivíduos. As identidades de gênero são produzidas em
um campo relacional da vida social, em que múltiplas faces da vida humana se entrecruzam
de modo dinâmico, contraditório, mutável e múltiplo. Nas palavras de Louro, quando se
afirma que o gênero institui a identidade do sujeito, está sendo entendido que tal fato
“transcende o mero desempenho de papéis”, uma vez que o gênero é um dos elementos que
fazem parte da constituição dos sujeitos (LOURO, 1997, p.25).
Segundo a autora, apesar de conservarem fortes ligações entre si, as “identidades
de gênero” e as “identidades sexuais” dizem respeito a fenômenos diferentes (LOURO, 1999).
Para Weeks (1999, p.43), a “identidade de gênero” concerne aos modos como homens e
mulheres internalizam os padrões sociais de masculinidade e de feminilidade que são social e
culturalmente construídos; o termo “sexualidade”, por sua vez, é utilizado para se referir a
uma “série de crenças, comportamentos, relações e identidades socialmente construídas e
historicamente modeladas que se relacionam com o que Michel Foucault (1993) denominou
o corpo e seus prazeres.
As relações de gênero referem-se, portanto, ao modo como os sujeitos são
simbolizados e identificados, segundo as distinções entre masculinidades e feminilidades
(MOREIRA, 2005). A sexualidade é comumente associada a esse binarismo de gênero, que a
restringe e enquadra em uma única identidade a heterossexual considerada aceitável e
“natural” para se viver “os prazeres do corpo”, como a define Foucault. Opondo-se a essa
identidade heterossexual, considerada normal, constrói-se a identidade considerada desviante
e anormal a homossexualidade , de sorte que são ignoradas as diversas e múltiplas
possibilidades de sentir, desejar, imaginar e vivenciar os prazeres corporais. As identidades
sexuais como formas de vivência da sexualidade são instáveis e mutáveis tanto quanto as
identidades de gênero. Portanto, também o são fixas, de maneira que homens e mulheres
podem exercer uma sexualidade heterossexual, homossexual ou bissexual etc.
Segundo Britzman (1999), existem “muitos obstáculos, tanto nas mentes das
professoras, quanto na estrutura da escola, que impedem uma abordagem cuidadosa e ética da
sexualidade na educação” (p.86). Entre estes, está o fato de que a escola pretende dar
respostas estáveis o que é certo, o que é errado; o que é normal e o que é anormal; o que é
possível e o que não é para fenômenos que, por sua natureza, se opõem à delimitação de
fronteiras. Tais fenômenos são caracterizados pelos aspectos da instabilidade, desejo,
imaginação, curiosidade e invenção, os quais não se deixam aprisionar pelos ditames da
cultura (cf. p.87-89).
42
Sem dúvida, ao aludirmos a identidades sexuais, não poderíamos deixar de
mencionar a institucionalização da heterossexualidade, como sendo norma;
conseqüentemente, a homossexualidade surge como fora da norma, portanto, anormal, razão
pela qual são classificados os homossexuais como constituídos de uma sexualidade distinta,
identificados como os outros como os que são diferentes. Assim, as produções das diferenças
e das desigualdades sexuais e de gênero são construídas de acordo com a sociedade e o
momento histórico vigente e pelos discursos, ideologias, símbolos, representações e práticas
que vão construindo as identidades.
Através da rotulação do anormal, fortalece-se a norma, imbricada em processos
discriminatórios, de exclusão e desigualdade. No caso das identidades sexuais, poder-se-ia
dizer que “a produção da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição da
homossexualidade e de sua auto-afirmação. Uma rejeição que se expressa, muitas vezes, por
declarada homofobia” (LOURO, 1999, p.27).
Torna-se necessário, portanto, desconstruir e interpretar os processos através dos
quais os indivíduos tornam-se “homem” ou “mulher”, em um determinado tempo e lugar,
observando-se que as identidades não são fixas; elas são plurais, contraditórias e sujeitas a
mudança (WEEKS, 1999).
As instigantes questões colocadas pelos autores acima citados, todavia, permitem
uma discordância quanto à idéia de que homens e mulheres internalizam padrões sociais, quer
referidos à masculinidade e à feminilidade, quer concernentes à sexualidade. Preocupamo-nos
com o sentido que pode ser dado à palavra internalização, pois esta pode indicar a existência
de uma via de mão única, que desconsidera, em primeira instância, a capacidade de os sujeitos
se apropriarem, de diversas e criativas maneiras, das formas culturais dominantes. Propõe-se
pensar em sujeitos, que, embora tenham uma autonomia relativa, uma vez que estão
envolvidos nas malhas culturais da sociedade em que vivem, são capazes de subverter ou de
criar novas ordens e sentidos para a vida.
16
Gagnon (2006) proporcionou uma consistente discussão teórica sobre a
sexualidade, fundamentada na idéia de que esta é resultado de uma construção social, cuja
explicação articula elementos corporais, mentais e culturais. Essa construção é realizada com
base em três tipos de roteiros ou “cenários culturais”, os quais demarcam e modelam as
experiências dos sujeitos. Sendo os cenários culturais (domínio sociocultural mais amplo)
16
Segundo lembrou a professora Maria de Fátima Salum Moreira, em palestra na FCT UNESP Presidente
Prudente, em 08 de maio de 2004.
43
associados aos cenários interpessoais (domínio das relações no espaço público) e aos cenários
intra-psíquicos (domínio da vida privada), eles estabelecem entre si uma interação dinâmica, a
qual possui, portanto, dimensões históricas, culturais e individuais (GAGNON, 2006,
p.226).
17
Já Heilborn (1999), fundamentando-se nesse autor, afirma:
A cultura (em sentido lato) é a responsável pela transformação dos corpos
em entidades sexuadas e socializadas, por intermédio de rede de
significados que abarcam categorizações de gênero, de orientação sexual, de
escolha de parceiros. Valores e práticas sociais modelam, orientam e
esculpem desejos e modos de viver a sexualidade, dando origem a carreiras
sexuais/amorosas. (HEILBORN, 1999, p. 40).
Conforme Gagnon (2006), a sexualidade, por muitas décadas, não era um tema
tratado como relevante nas pesquisas de cunho sociológico, sendo que apenas após a Segunda
Guerra Mundial passou a ser objeto de estudo abordado pelos intelectuais da esquerda
freudiana: Wilhelm Reich, Herbert Marcuse, Erich Fromn, Norman O. Brown e Paul
Goodman” (KING, 1972, apud GAGNON, 2006, p.14).
Em contraposição a teorias biologicistas e teorias psicanalíticas é que Simon e
Gagnon fundaram a teoria dos roteiros sexuais, baseada no princípio da interação social entre
os indivíduos. Os roteiros sexuais são intrínsecos ao comportamento social roteirizado ou da
conduta, visto que toda conduta é avaliada socialmente. Nas interações verbais, as pessoas
exercitam o autocontrole da conduta sexual; na própria relação consigo mesmo e com outras
pessoas, os significados dados à sexualidade por meio de aprendizagem e ensinamentos são
organizados em contexto social e cultural específico. Os roteiros levam ao processo final de
um comportamento, os quais são dinâmicos e flexíveis, de sorte a dar continuidade às novas
atividades. Trata-se de um processo em que as subjetividades se modelam nas relações
sociais, as quais roteirizam as suas interações de acordo com seus sistemas de significação. As
práticas de socialização de gênero entre homens e mulheres constituem um exemplo de
aprendizagem de condutas consideradas adequadas para cada sexo desde a infância, de
maneira que, para que se tenha determinado comportamento, é preciso que se tenha
vivenciado ou aprendido um conjunto de roteiros que propiciem concluir uma ação desejada.
O gênero, a sexualidade e a infância são construções sociais, culturais e históricas,
temas que vêm sendo discutidos por diversas perspectivas teóricas, as quais instituem formas
de ser menino ou menina, de vivenciar a sexualidade e de ser criança. Por isso, pensar nos
17
Foi entre as décadas de 60 e 70 que Gagnon desenvolveu, juntamente com William Simon, a teoria dos
roteiros sexuais. Apesar de ter participado da equipe do Instituto Kinsey, sua teoria é oposta à abordagem
naturalista proposta por Kinsey e seus colaboradores (p.15).
44
saberes que circulam na escola e nas práticas educativas que convergem para a formação de
tais conceitos contribui para a compreensão das relações entre educação escolar, gênero,
sexualidade e infância. Ao mesmo tempo, torna possível analisar quais são os sentidos e
valores que as crianças atribuem à sexualidade e aos modos de vivenciá-la, partindo do ponto
de vista de que elas também fazem parte da construção desses valores e significados que
organizam suas práticas e a vida social como um todo.
45
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS: DESAFIOS PARA UM ESTUDO
ETNOGRÁFICO COM CRIANÇAS
Conforme já foi apontado na Introdução, o projeto inicial de pesquisa sofreu
algumas modificações. As mudanças ocorridas também levaram a alterar a direção
metodológica da pesquisa, a qual passou a ser orientada pelos estudos teóricos da Sociologia
da Infância. Foram, ainda, levantados estudos bibliográficos de pesquisas que tivessem
investigado as relações entre infância(s), criança(s) e as problemáticas da sexualidade e/ou
relações de gênero. A dificuldade maior foi buscar instrumentos metodológicos para a
investigação com crianças, de forma a compreender os seus olhares sobre gênero e
sexualidade. Queria evitar que a geração dos dados levasse a uma “pseudovalorização”, isto é,
a meu ver, uma valorização artificialmente construída da fala, das ações e de sua concepção
sobre gênero e sexualidade.
Seja através de métodos quantitativos e/ou qualitativos, seja através de teorias de
caráter biológico, psicológico ou sociológico (de desenvolvimento ou déficit da
aprendizagem, de controle demográfico, social, ou da natalidade e mortalidade), costuma-se
chegar a resultados que predizem quais seriam as práticas mais adequadas para se tratar das
crianças, bem como o que deve ser visto como sendo bom ou ruim para elas.
Os estudos da Sociologia da Infância, com sua proposta de pesquisa etnográfica
com crianças, ajudaram-me a refletir sobre a minha postura enquanto adulta e pesquisadora
que desenvolve um estudo tendo como participantes as crianças.
Pretendia, como indicam Graue e Walsh (2003), realizar um trabalho baseado na
ética, respeito e humildade, segundo afirmam os autores:
O comportamento ético está intimamente ligado à atitude - atitude que cada
um leva para o campo de investigação e para a sua interpretação pessoal dos
fatos. Entrar na vida das outras pessoas é um ser-se intruso. É necessário
obter permissão, permissão essa que vai além da que é dada sob formas de
consentimento. É a permissão que permeia qualquer relação de respeito
entre as pessoas. (idem, p.76).
Essa postura diferenciada em trabalhar junto às crianças na pesquisa contribuiu
igualmente para a orientação do meu olhar na escuta de suas falas e na observação das
interações sociais entre elas mesmas e com os adultos.
46
Para se ter um olhar mais atento acerca das interações entre as crianças e delas
com os adultos, busquei na metodologia etnográfica inspiração e fundamentação teórica para
conduzir os meus atos e reflexões no decorrer da pesquisa realizada, pois, segundo Prout e
James (1990: 8-8 e inalterado em 1997: 8, apud CHRISTENSEN; JAMES, 2005, p.74), “a
etnografia é uma metodologia especialmente útil para o estudo da infância. Permite às
crianças uma voz mais direta e a participação na produção de dados sociológicos do que é
normalmente possível através de estilos de investigação experimental”.
Marisa Lajolo (1997) discute a infância enquanto um objeto de estudo e sua
construção histórica como qualidade de “infante”, ou seja, “aquele que não fala”. A infância é
sempre vista e falada por outros, “jamais assume o lugar de sujeito do discurso”, sempre está
à sua margem, sendo sempre um outro que a nomeia, a classifica e a explica (p.225-226).
Esta pesquisa foi elaborada partindo da idéia de que é necessário discutir e refletir
acerca dos fatores socioculturais que constituem e organizam as práticas de sociabilidade, no
cotidiano dos espaços escolares, destacando os aspectos culturais e subjetivos que se fazem
presentes entre as crianças, explícitos ou não.
Trata-se de análises que podem ajudar em reposicionamentos ou a refletir ou rever
as práticas do(a)s professore(a)s e dos profissionais que atuam na instituição escolar,
decorrentes de um melhor entendimento de como as crianças se apropriam, compõem as suas
experiências e atribuem significados aos ensinamentos implícitos e explícitos sobre
masculinidade, feminilidade, sobre desejo e prazer sexual, sobre sexualidades “legítimas” e
“não legítimas”, permitidas ou não.
Os enfoques teóricos sociológicos para os estudos de gênero, sexualidade e
infância têm levado a posições totalmente opostas ao que é considerado “silenciamento
infantil”, apontando-se diversos alertas para o investigador. Entre estes, chama-se a atenção
para o perigo com a “pseudoparticipação” das crianças na pesquisa. Lembra-se que o
conhecimento das crianças precisa ser interpretado de maneira a ser socializado e apropriado
por outras pessoas e, para isso, é necessário que seja utilizada uma metodologia capaz de
favorecer e oportunizar condições para crianças expressarem os significados e sentidos que
atribuem aos seus modos de vida, ao mundo em que vivem e à forma como nele atuam
(SARMENTO, 2005).
E ao contrário do que muitos autores afirmam, a existência de outras visões
e outras vozes sobre o mundo não é sinônimo de desordem,
superficialidade, ou caos metodológico, senão uma legítima expressão da
47
própria complexidade e multidimensionalidade do que nos rodeia.
(SARMENTO; SOARES; TOMÁS, 2005, p.53).
Ao longo do século XX, ocorreram significativos avanços nas abordagens
investigativas que consideram as crianças, “por si só, enquanto objeto de estudos”.
(CHRISTENSEN; JAMES, 2005; MONTANDON, 2001; SARMENTO, 2005; SIROTA,
2001; SOARES, 2006). Tradicionalmente, as crianças eram desconsideradas como atores
sociais e, portanto, não importava realizar investigações que visassem a levantar e a analisar
as suas vozes e ações. O foco sempre recaía em estudos que abordavam o desenvolvimento
psicológico, relacionado à racionalidade ou maturação, ou, então, a criança era estudada em
seu papel de aluna ou de filha, em seus diferentes contextos de socialização, fosse na escola,
fosse na família, sempre com enfoque no olhar do adulto sobre ela (MONTANDON, 2001;
SIROTA, 2001; SOARES, 2006).
No fim do século XIX e início do século XX, surge uma vasta literatura que é
direcionada para a formação do magistério, sendo a Pedagogia influenciada por várias
disciplinas, inclusive a Psicologia, que oferecia instrumentos para a prática pedagógica
através de procedimentos experimentais, tendo a criança como destinatária. (PINTO;
SARMENTO, 1997; WARDE, 1997).
Pensando a criança como objeto sociológico, Cléopâtre Montandon (2001) afirma
que “temáticas variadas, ricas para o estudo, emergem no momento em que a infância é
considerada como uma categoria social que constitui um objeto sociológico em si” (p.48).
Isso implicará a localização das crianças em contextos específicos, com experiências também
especificas, em diversas situações de vida social (GRAUE; WALSH, 2003). Também levará a
conceber “as crianças como atores sociais capazes de criar e modificar culturas, embora
inseridas no mundo adulto” (DELGADO; MÜLLER, 2005), ou seja, “como sujeito social,
agente de sua própria socialização capaz de reproduzir e transformar a sociedade” (MOLLO-
BOUVIER, 2005), e não compreendê-las apenas como produto social sem nenhuma
participação na construção social, cultural e histórica da humanidade.
Natália F. Soares (2006) faz críticas às investigações que concebem as crianças
como sujeitos ou objetos “na evocação de suas incompetências psicologicamente aferidas, de
racionalidade ou maturação”, afirmando que esses tipos de investigação desconsideram a
criança como “ator social de direito próprio”(idem, p.26). Para a autora, as perspectivas que
consideram as crianças como participantes ou como atores sociais, como sendo parte essencial
dos processos de investigação, com atributos de voz e ação, constituem por meio de suas
pesquisas uma ferramenta indiscutível para fugir ou lutar contra ciclos de exclusão” (idem,
48
p.27). Ela apresenta duas perspectivas que contribuem para um posicionamento das crianças,
nas Ciências Sociais, em que elas sejam consideradas como atores sociais (idem, 2006) e
como participantes ativas dos processos de socialização entre elas e na significação de suas
experiências (ALDERSON, 2005).
De acordo com alguns autores e autoras, a idéia de “escutar a criança” tem sido
substituída pela idéia de “criança enquanto participante” (QVORTRUP, 2005; WOODHEAD;
FAULKNER, 2005). Alderson (2005) defende que ter as crianças como participantes na
pesquisa propicia resgatá-las de suas condições de silêncio e da exclusão. Sustenta que as
crianças sejam tomadas como sujeito, ao invés de serem tratadas como objeto de pesquisa,
indicando “que elas podem “falar” em seu próprio direito e relatar visões e experiências
válidas” (p.423). Sarmento (2005) e Pinto e Sarmento (1997) compartilham de uma sociologia
da infância que constitui a criança como objeto de investigação sociológica por direito próprio
em contrapartida às perspectivas biológicas e psicológicas, que restringem as crianças a um
estado de maturação e desenvolvimento humano e que tendem a interpretá-las sem considerar
os aspectos sociais e culturais.
Kramer (2002) apresenta a concepção de sujeito como constituído por meio de
relações interpessoais (relação com o outro) e pela cultura em que está inserido, ocupando-se
de uma posição ativa nesses dois processos. Enfatiza a importância de se considerar a criança
enquanto sujeito social e ativo capaz de produzir cultura e conhecimento. Aponta que os
pesquisadores que buscam a infância como sendo uma construção histórica também a
reconhecem como parte dessa história. Afirma que “conhecer a infância passa a significar
uma das possibilidades para que o ser humano continue sendo sujeito crítico da história que
produz” (p.46).
Em relação a áreas do conhecimento que trataram do tema infância sob diferentes
perspectivas, conclui:
Em que pensem as seduções exercidas pela psicanálise e o reducionismo de
sua dimensão epistemológica à prática terapêutica, e apesar da difusão
aligeirada da perspectiva sócio-histórica e absorção quase mágica feita
pelos sistemas de ensino, no Brasil, esses dois campos dão grande
contribuição para a concepção de infância historicamente situada; geram em
decorrência, inúmeras possibilidades férteis de investigação. (idem, p.44).
Régine Sirota (2001), em seu estudo sobre os trabalhos dos sociólogos franceses a
respeito da infância, concluiu que estes a abordam como objeto sociológico com foco nos
estudos das instituições, como a escola, a família e a justiça. Ela defende que é preciso
49
questionamentos críticos sobre o conceito de socialização (MOLLO-BOUVIER, 2005;
PLAISANCE, 2004) explicado por teorias funcionalistas que não consideram as crianças
como atores sociais e foco das investigações. De maneira semelhante aos apontamentos de
Régine Sirota, Cléopâtre Montandon (2001) levanta essas questões referentes aos trabalhos
sobre a criança na produção de língua inglesa.
Estudioso(a)s da infância ou da sociologia da infância têm apresentado uma
consistente discussão sobre a participação das crianças nas investigações. Toda essa discussão
resulta no levantamento de questões sobre se, porventura, “dar escuta as vozes das crianças”,
implicaria considerá-las e denominá-las como sujeitos ou participantes, como objetos de
estudo ou como atores? Esses conceitos ou terminologias são utilizados em boa parte dessas
pesquisas que abordam o tema infância ou sociologia da infância. A maioria desses
pesquisadores, cada um baseado em sua perspectiva teórica, defende que se dê “voz” e atribua
capacidade de ação e valor às posições das crianças frente às suas próprias interpretações e
significações acerca do que fazem, de seus modos de vivenciar o mundo e de partilhar suas
experiências com seus pares e adultos.
Segundo Sirota (2001, p. 9), é principalmente por oposição a essas duas
concepções da infância, “considerada como um simples objeto passivo de uma socialização
regida por instituições, que vão surgir e se fixar os primeiros elementos de uma sociologia da
infância”. Tal oposição e questionamentos se dirigem às tradições de fundo funcionalista e
que partem apenas de um enfoque dos dispositivos institucionais: escola, família e justiça,
além daquelas com características biologicistas, psicologizantes ou pedagógicas, as quais
compreendem a criança como ser incompleto, preocupando-se apenas com o adulto que ela
virá a ser e não enquanto um objeto sociológico de investigação e enquanto categoria social
por si mesma. Régine Sirota (2001) cita Dubet, e articula a noção de sujeito e atores à
capacidade de se tornar autores de suas próprias experiências:
[...] Dubet afirma assim que, como a formação dos atores e dos sujeitos não
mais decorre harmoniosamente do funcionamento de uma instituição na qual
cada um teria seu papel, é preciso substituir a noção de papel pela de
experiência [...] Estas se edificam como a vertente subjetiva do sistema
escolar, sendo que os autores se socializam mediante essas diferentes
aprendizagens e se constituem como sujeitos na capacidade de dominar suas
experiências de se tornarem autores de sua própria educação. Nesse sentido,
toda educação é uma auto-educação, ou seja, não é apenas uma inculcação, é
também um trabalho sobre si mesmo. (SIROTA, 2001, p.17).
O principal questionamento proposto pela Sociologia da Infância se coloca em
relação ao modo como, historicamente, as ciências sociais tem priorizado o tratamento das
50
crianças como simples objeto de conhecimento, sem nenhum investimento em sua escuta ou
em seu entendimento como atores sociais, isto é, como “sujeitos envolvidos na produção do
sentido sobre os seus próprios mundos de vida” (p.52). Elas são tratadas como objetos ou
destinatárias de processos de socialização por meio de imposições de valores, normas e idéias
das gerações mais velhas, os adultos, de modo que são vistas como sendo somente fruto da
reprodução social (SARMENTO; SOARES; TOMÁS, 2005). Não se tem atenção aos
contextos em que as crianças se movem e às experiências vividas por elas, em determinadas
situações sociais. Desse modo, elas nunca são investigadas, pois não passam de meros
instrumentos, uma vez que a intenção não é compreendê-las, visto que elas seriam
“simplesmente, veículos para a medição de resultados” (GRAUE; WALSH, 2003, p.18). A
infância se constitui como o próprio objeto de pesquisa (PINTO; SARMENTO, 1997) ou a
diferença seria fazer pesquisa com, e não mais sobre, crianças (CORSARO, 2005).
Independentemente das diferentes posições do(a)s estudioso(a)s da infância e da
sociologia da infância, em relação a considerar as crianças como objetos, sujeitos,
participantes ou atores, esse(a)s têm em comum defender que a pesquisa etnográfica tem
contribuído para os estudos com crianças, pois apresenta possibilidades metodológicas que
vão ao encontro da Sociologia da Infância. Isso ocorre, porque o seu principal foco é buscar a
voz das crianças com vistas a interpretação dos seus mundos sociais e culturais e de suas
capacidades de mudarem o mundo a sua volta. “Se as crianças interagem no mundo adulto
porque negociam, compartilham e criam culturas, necessitamos pensar em metodologias que
realmente tenham como foco as suas vozes, olhares, experiências e pontos de vista”
(DELGADO; MÜLLER, 2005, p.353).
Tomás e Soares (2004) discutem a invisibilidade das crianças nos debates sobre a
globalização, dificultando possibilidades de propor políticas na defesa de seus direitos como
grupo social. Os autores denominam de cosmopolitismo infantil a luta da comunidade, de
pais, professores e professoras de crianças, pela participação e protagonismo da infância nos
debates e nos centros de decisão dos meios políticos e científicos. Entende-se que a
participação das crianças na agenda social e política como a configuração para o surgimento
de uma nova imagem da criança como cidadã.
Em relação à produção científica sobre o tema infância no campo da educação, no
Brasil, referente às duas últimas décadas, Quinteiro (2002) constata ser ela caracterizada por
uma diversidade de temas. E salienta:
Os saberes constituídos sobre a infância que estão ao nosso alcance até o
51
momento nos permitem conhecer mais sobre as condições sociais das
crianças brasileiras, sobre a sua historia e sua condição de criança sem
infância e pouco sobre a infância como construção cultural, sobre os seus
próprios saberes, suas possibilidades de criar e recriar a realidade social na
qual se encontram inseridas. (QUINTEIRO, 2002, p.22).
Diante desse quadro, Delgado e Müller (2005) assinalam: “[...] ainda temos um
longo caminho a trilhar no que se refere à consolidação da área da sociologia da infância no
Brasil [...]” (p.353). Como a etnografia tem ajudado muito(a)s pesquisadore(a)s nas
investigações com crianças, remeto-me a André (1995), para abordar os cuidados na
realização de pesquisas do tipo etnográfico. Recomenda, ainda, que o(a) pesquisador(a) esteja
atento(a) na articulação entre o particular e o geral, não devendo focalizar apenas os aspectos
da subjetividade humana. A autora aponta os seguintes elementos como constitutivos de uma
pesquisa do tipo etnográfico:
a) o papel da teoria na construção das categorias;
b) a necessidade de se respeitar princípios da etnografia, como a relativização
(centrar-se na perspectiva do outro) e o estranhamento (esforço deliberado de análise do
familiar como se fosse estranho);
c) o desenvolvimento do trabalho de campo com o apoio em observações
planejadas e em instrumentos e registros bem elaborados.
18
Geertz (1978) define o que entende por etnografia:
E é justamente ao compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o
que é a prática da etnografia, é que se pode começar a entender o que
representa a análise antropológica como forma de conhecimento. Devemos
frisar, no entanto, que essa não é uma questão de métodos. Segundo a
opinião dos livros-textos, praticar etnografia é estabelecer relações,
selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear
campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as
técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O
que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco
elaborado para uma descrição densa”, tomando emprestada uma noção
de Gilbert Ryle. (p.15, grifos meus).
Segundo Geertz (idem) os textos antropológicos são interpretações de segunda e terceira
mão, apenas um “nativo” faz a interpretação de primeira mão sobre a sua cultura (p.25). Enumera
quatro características da descrição etnográfica (idem, p.31):
1) ela é interpretativa;
2) o que ela interpreta é o fluxo do discurso social;
18
Cláudia Fonseca (1999) também trata, com muita clareza e precisão, dos elementos necessários às pesquisas
etnográficas, voltadas para estudos de caso.
52
3) e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o “dito” num tal
discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis;
4) “pelo menos como eu pratico: ela é microscópica”. Não significa que
não haja interpretações antropológicas em grande escala.
Além de considerar pertinentes as observações de Geertz, destaco Corsaro (2005),
que, ao discutir, mais especificamente, o uso da etnografia nos trabalhos que envolvem
crianças, afirma:
[...] o método que os antropólogos mais empregam para estudar as culturas
exóticas. Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida
daqueles que estudam e dela participem. Neste sentido, por assim dizer, a
etnografia envolve “tornar-se nativo”. Estou convicto de que as crianças
têm suas próprias culturas e sempre quis participar delas e documentá-las.
Para tanto, precisava entrar na vida cotidiana das crianças - ser uma delas
tanto quanto podia. (p.446).
Para realizar pesquisas com crianças, Graue e Walsh (2003), pautados em uma
metodologia que consideram apropriada à investigação interpretativa, destacam:
O objetivo da investigação interpretativa é compreender o significado que
as crianças constroem nas suas ações situadas de todos os dias, isto é, ações
“situadas num contexto cultural e nos estados mutuamente intencionais de
interação dos participantes”. (BRUNER, 1990, p.19, apud GRAUE;
WALSH, 2003, p. 59).
Ressalto que, para a análise dos diversos pronunciamentos levantados, busquei em
Bakhtin o principal fundamento teórico, tendo em vista, especialmente, a sua concepção de
que os lugares em que os textos se cruzam e se interpenetram podem ser considerados como
“centros” organizadores do conjunto dos enunciados. Para o autor (1990, apud MOREIRA,
1999), tais “centros” correspondem e “falam”, exatamente, do meio social que envolve os
indivíduos: “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas
exterior, está situado no meio social que envolve o indivíduo” (BAKHTIN, 1990, p.121).
Os estudos de Bakhtin partem de uma perspectiva semiótica e social, que concebe
o indivíduo como parte integrante de um grupo; sendo assim, este compartilha uma
consciência social ideológica, permeada por signos que são constituintes dos processos de
interação social.
A ideologia do cotidiano é um termo utilizado por Bakhtin para explicitar o
domínio da palavra interior e exterior desordenado e ainda não fixado num
sistema. A ideologia do cotidiano se expressa por meio de cada um dos
nossos atos, gestos ou palavras, permitindo que os sistemas ideológicos
constituídos (moral, arte, religião, ciência) cristalizem-se a partir dela.
53
Dizendo de outra maneira, os sistemas ideológicos constituídos e a
ideologia do cotidiano se reconstroem mutuamente, numa interação
dialética constante. (JOBIM E SOUSA, 1994, p.115).
Para o autor, cada pronunciamento ou ação é fruto das relações dialógicas,
portanto, está associado à realidade, em que se tem ou não a presença do interlocutor,
podendo fazer parte dessa interação o leitor ou ouvinte, de sorte que todo enunciado constitui
um diálogo.
Como técnica para realizar os devidos cruzamentos entre as diversas falas e
práticas observadas entre as crianças, utilizei-me das orientações e procedimentos indicados
por Bardin (1977), que alinhava uma proposta de “análise de conteúdo”
19
, da qual destaco o
aspecto em que ele sugere a produção de uma análise transversal dos conteúdos, de modo que
possam ser constituídas categorias temáticas de análise, com base em recortes e cruzamentos
do material coletado e de sua separação por temas.
20
A análise de conteúdo trabalha com mensagens (comunicação), de forma a
compreender e inferir os conhecimentos, idéias, crenças etc. dos sujeitos. Esse tipo de análise
objetiva manipular essas mensagens, ou seja, o conteúdo que está contido no próprio
conteúdo.
A análise dos dados foi realizada seguindo etapas previamente organizadas. De
acordo com o proposto por Bardin (1977), “antes de qualquer agrupamento por classificação
(ventilação das unidades significativas em categorias, rubricas ou classes) começamos por
reunir e descontar as palavras idênticas, sinônimas ou próximas a nível semântico” (BARDIN,
1977, p. 52-53).
A autora apresenta as diferentes fases da análise de conteúdo, organizando-as em
três grandes pólos cronológicos:
1) A pré-análise;
2) A exploração do material;
3) O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A fase da pré-análise corresponde à fase da organização. Nesse primeiro
momento, o pesquisador emprega suas intuições, faz uma leitura flutuante” e extrai as suas
primeiras impressões; no entanto, sistematiza as idéias iniciais, elaborando o seu plano de
análise.
19
BARDIN, 1977, apud LIBÓRIO, 2003.
20
A interpretação, análise e discussão do material produzido serão realizadas no quarto capítulo desta pesquisa.
54
A exploração do material acontece após as operações de pré-análise serem
concluídas, de modo que “esta fase longa consiste essencialmente de operações de codificação
[...]” (BARDIN, 1977, p.101) e é nela em que se faz a organização dos dados obtidos, em que
se criam as categorias e é sistematizado o trabalho do pesquisador, de acordo com as regras
anteriormente formuladas.
O tratamento e a interpretação dos resultados obtidos são realizados após o
analista ter organizado de forma rigorosa os seus resultados, pois tem informações
oferecidas pela análise. Nesse momento final do trabalho, os resultados obtidos, os tipos de
inferência alcançada são confrontados sistematicamente com o material reunido. São
necessárias operações sistemáticas e a prova de validação dos resultados, a síntese e a seleção
dos resultados, a inferência e a interpretação, portanto, a “utilização dos resultados de análise
com fins teóricos pragmáticos” (idem, p.102).
Assim, a pesquisa é organizada por classificação e agregação, ou seja, organizam-
se as categorias para análise dos resultados; “pode dizer-se que o que caracteriza a análise
qualitativa é o fato e a inferência sempre que realizada estar fundada na presença do índice
(tema, palavra, personagem etc.), e não sofrer a freqüência da sua aparição, em cada
comunicação individual” (idem, p.115).
Como mencionado, a análise de conteúdo permite centrar na compreensão das
falas e dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas compreensões e percepções do
mundo, sem se perder de vista o contexto em que a pesquisa ocorreu; assim, podemos
penetrar no universo conceitual dos sujeitos, para entender o sentido que deram aos
acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em suas vidas.
2.1. Entrada no campo, procedimentos de investigação, aceitação e a participação das
“crianças”
Nos meus primeiros dias de observação eu fiquei aturdido pelo número,
leque e pela complexidade de acontecimentos interativos que ocorriam
diante de meus olhos. No primeiro dia, como não tinha uma idéia clara do
que escrever nas minhas notas de campo, apenas olhei e tentei dar um
sentido geral às coisas. Nos dias seguintes comecei a focalizar o que
ocorria, quando e onde na escola, e descobri uma rotina geral [...] Também
aprendi aos poucos todos os nomes das crianças e, até certo ponto, conheci
suas várias personalidades. (CORSARO, 2005, p.447).
55
Mesmo considerando as especificidades da experiência de campo indicada por
Corsaro, esse seu relato faz-me lembrar dos meus primeiros contatos com as crianças. Tive
dificuldade em organizar aquelas informações que recebia por meio da observação e
conversas informais com as crianças. Mesmo conhecendo a escola e alguns de seus
mecanismos pedagógicos, administrativos e físicos, tudo parecia muito novo. Perguntava-me:
“Como vou captar manifestações da sexualidade das crianças, seja por meio de suas falas, seja
pelas suas práticas? As relações de gênero costumam ser mais perceptíveis...”. Apenas em sua
terceira semana em campo é que Corsaro começou a pensar em como iria ser aceito pelas
crianças e fazer parte de suas interações (p. 447). Em meu caso, porém, essa preocupação
se evidenciava no primeiro dia de trabalho na escola.
Antes de sair de casa, preocupei-me com a roupa que iria vestir. Pensava: se eu for
vestida mais formalmente, as crianças podem sentir receio de chegar perto de mim e, caso o
façam, podem demorar mais para se sentirem à vontade em minha presença... E se eu for
vestida de maneira muito descontraída, será que elas poderão desconfiar da seriedade do meu
trabalho? Deveria eu levar em consideração as posições de hierarquia existentes em nossas
relações de professora-alunos? Ou, ao contrário, isso seria um fator positivo, pois elas
poderiam entender que, ao buscar ouvi-las, o professor, também caracterizado como adulto e
se vestindo como tal, estaria atribuindo a elas o mesmo valor e direito de participação social
que cabiam a uma pessoa adulta? Ou, ao contrário, esse seria um tipo de relação
negativamente visto, pois reforçaria as relações de poder do adulto sobre a criança? É confuso
esse meu raciocínio, mas era assim que me sentia, ainda confusa e assaltada por tais
interrogações. Pensei que seria muito bom ser reconhecida como criança, para ser mais bem
aceita por elas. Mas eu não sou criança e elas sabiam disso. Mais adiante, indicarei algumas
decisões que tomei em relação a essas questões.
Após a autorização da diretora e da professora para a realização da pesquisa na
escola e na 4ª série RE, comecei o contato com as crianças desta sala, de modo que,
inicialmente, a minha presença na escola e na sala de aula tinha por principal finalidade me
aproximar das crianças e estabelecer vínculos de confiança com elas.
Entretanto, simultaneamente a esse contato foram realizados alguns
procedimentos formais, como aguardar a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa e
Educação, para apresentar às crianças, ao(a)s familiares responsáveis e professore(a)s dessa
56
sala a Carta de Consentimento Livre e Esclarecido para, então, poder começar a abordá-las
mais diretamente e dar prosseguimento à participação das crianças na investigação.
21
Sendo assim, o primeiro semestre, um mês antes do recesso escolar de julho, foi
dedicado apenas ao contato com as crianças. No primeiro dia de visita, conversei com
algumas crianças. Percebi, desde o início, que existia na sala de aula um clima de paquera.
Todavia, perguntei-me: será que essa percepção não seria dada interrogação que trazia em
meu olhar?
As meninas passavam a maior parte do tempo conversando e, quase sempre, o
assunto era sobre os meninos. Eu fui apresentada, pela professora, como pesquisadora e,
também, como professora de crianças, que ministrava aula na mesma escola, mas no período
oposto, o vespertino
22
. Ela explicou que o meu objetivo como pesquisadora era observar as
relações entre as crianças, na sala de aula e fora dela.
De início, alguns alunos se aproximaram e quiseram conversar comigo, tal como
um menino, que quase nunca realizava as atividades. Eu olhei para ele e perguntei se não iria
fazer as tarefas, pois eu gostaria de ver o caderno dele. Essa atitude, de imediato, rompeu
nosso distanciamento, visto que ele se mostrou feliz em saber que eu estava interessada no
que ele fazia. A partir daí, nas raras vezes em que fez as suas atividades, ele me chamou para
ajudá-lo, como passaram igualmente a fazer outras crianças.
As meninas logo vieram dialogar comigo e perguntar quem eram os meus alunos,
para que série eu lecionava, qual era a minha idade, se eu era casada, se eu tinha filhos, entre
outras perguntas.
Percebi que elas tinham diários, escritos com versos e poesias; elas perguntaram
se eu queria ler e assim fomos ficando mais próximas e fortalecendo nossos laços de
confiança. A minha aproximação com os meninos ocorreu por meio de “fofoca”, que um
deles viera me falar do colega que, imediatamente, veio se defender. no primeiro dia de
21
Para abordar diretamente as crianças, esperei a conclusão de todo o processo de aprovação da pesquisa pelo
Comitê de Ética da FCT UNESP. Destaco as providências de produção dos documentos para compor o
processo de solicitação: projeto e caracterização da pesquisa, modelos de entrevistas e questionários, Declaração
de Isenção de Ônus, Termo de Compromisso da pesquisadora e orientadora da pesquisa, Folha de rosto, Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os familiares responsáveis pelas crianças (ANEXO E), para
as crianças participantes da pesquisa (ANEXO F) e para o(a)s professore(a)s (ANEXO G), bem como a
autorização da direção da escola em que a pesquisa foi realizada.
22
Maria de Lourdes Rangel Tura (p.195, 2003) cita Da Matta (1978), para abordar a questão da importância de o
observador, ao examinar qualquer realidade social, utilizar-se do estranhamento, que será mais difícil ainda
quanto mais familiar for o espaço observado. Seus apontamentos fizeram-me refletir sobre a minha situação de
pesquisadora e professora, duas experiências que aconteciam no mesmo espaço, na mesma escola; mediante essa
circunstância, como poderia estranhar o familiar e surpreender-me com o corriqueiro e com o que parece óbvio?
Sem dúvida, se conseguisse resolver essas indagações, estaria um passo bem adiante em relação à observação na
investigação participante.
57
observação, eu me encontrava repleta de expectativas e vivenciando muitas emoções,
especialmente em função de “pegas” e de brigas entre os meninos, as quais, em princípio, me
assustaram muito.
No começo das observações, acabei ficando apreensiva, uma vez que as relações
com as crianças foram se estreitando muito rapidamente, e temi perder o necessário
distanciamento entre elas e mim, porque a liberdade para comigo estava se tornando
excessiva. Notei que, sobretudo, a minha notável baixa estatura e figura corporal semelhante à
das crianças foi um dos motivos. Por outro lado, decidi que usaria sapatos baixos e roupas
mais simples, esportivas e descontraídas, entendendo que eu ganharia mais facilmente a
confiança delas. Depois, reconheci que, se, por um lado, isso ajudou, por outro, acabou
atrapalhando. Anotei na ocasião, em meu Diário de Campo:
É uma relação bem complexa. Ao mesmo tempo em que alguns meninos me
chamam de professora, tia ou de Geisa e pedem a minha ajuda nas tarefas,
quando eu vou embora alguns meninos dizem: “Tchau gatinha, tchau
fofinha”. Não sei se é porque sou nova e baixinha, e muitas crianças são
maiores do que eu, é que eles e elas vêm com mais facilidade falar de seus
paqueras, contar as “novidades”. Mas, ao mesmo tempo em que
demonstram ter esta liberdade, ao me chamarem de professora, sinto que
também se recoloca a relação de hierarquia entre professor e aluno, como se
cada um soubesse o lugar que ocupa na relação. (DIÁRIO DE CAMPO,
3/08/07).
Quando eles se despediam de mim, chamando-me de “fofinha”, eu me despedia
formalmente, dizendo “tchau”, “até amanhã”, sem dar muita importância para o que falavam,
pois, a impressão que tive era a de que, eles estavam me testando para saber qual seria a
minha reação. O tempo passou e eles perceberam que não surtiam efeito algum e não tinham
ressonância as brincadeiras que estavam fazendo, passando a perder a graça o fato de me
chamarem de “fofinha”, “linda”, “princesa”.
Os desentendimentos entre as crianças aconteciam muito rápido e, muitas vezes
em que eles começaram a brigar, eu tive que alertar a professora, caso esta não estivesse
atenta passando lição na lousa, por exemplo , por temer que elas se machucassem. Como
dou aula para uma segunda série, já ocorreu de, mesmo com a minha presença na sala de aula,
uma criança empurrar a outra e esta bater a cabeça na quina da carteira, provocando um corte
de onde não parava de escorrer sangue. Para mim, situações desse tipo, na classe dos alunos
investigados, eram constrangedoras e incômodas, receando que as crianças passassem a achar
que eu as estava denunciando. Contudo, apesar de saber que devia me manter no papel de
58
investigadora, estava bem claro que em nenhum momento conseguiria ficar como espectadora
numa situação em que qualquer criança sofresse algum tipo de risco.
Após todo esse procedimento de contato com as crianças e a reflexão sobre o teor
da minha sensibilidade e postura metodológica, foi preciso participar da reunião escolar
bimestral de familiares responsáveis pelas crianças, que ocorre na escola, para falar sobre a
minha pesquisa e pedir-lhes o consentimento para realizá-la. De fato, as entrevistas e a
utilização de outros instrumentos de investigação, abordando as crianças, professore(a)s e pais
ou responsáveis somente poderiam ser feitos após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de
Ética em Pesquisa, da FCT / UNESP (isso ocorreu, praticamente, no começo do segundo
semestre, em agosto). Na ocasião, expliquei aos responsáveis pelas crianças que a
investigação era para observar se diferenças no comportamento entre meninos e meninas e
se ele(a)s entendem que vivem como criança ou adolescente, e que eu não queria somente
observá-lo(a)s, mas também queria entrevistá-los para saber o que pensam sobre as diferenças
entre meninos e meninas, das mudanças que estão ocorrendo em seus corpos, sobre o namoro
etc.
Não foi fácil explicar aos familiares responsáveis o que eu pretendia com a
pesquisa, de sorte que, quando iam assinar, autorizando-me a fazer o trabalho, a maior parte
dizia que a pesquisa era boa, que “a molecada hoje em dia está terrível”. Eu notei que a
importância do meu trabalho foi interpretada, por algumas pessoas que deram a sua
permissão, como uma possível forma de obter o controle sobre as crianças, ensinando-lhes o
que é considerado certo ou errado. Foi complicado explicar os reais objetivos, uma vez que
algumas pessoas queriam ir embora e a professora precisava falar sobre o rendimento de cada
aluno(a). Tive que ler o (TCLE), porque algumas pessoas não sabiam ler e mal assinavam o
nome.
A maioria que assinou o TCLE era composta de mães. Algumas ainda disseram
que consideravam boa a pesquisa, tendo em vista que as crianças de hoje em dia estão
diferentes das de antigamente e que os adultos não sabem mais como lidar com elas. Em
nenhum momento eu disse que iria intervir na atitude e pensamento das crianças, mas, mesmo
assim, parece que interpretaram o que eu ia fazer como sendo algo relevante, que poderia
ajudar na educação das crianças, seja para entendê-las melhor, seja para saber como atuar
junto a elas e/ou controlá-las. Não foram somente as mães que expressaram esse pensamento:
quando os pais e avós compareciam como responsáveis, eles se posicionaram da mesma
forma.
59
Nem todo(a)s o(a)s responsáveis foram à reunião, de sorte que eu tive que ir à
casa de cada um, para colher os seus consentimentos e autorização para observar e fazer as
entrevistas. Nessas visitas, percebi que a maioria mora em casa humilde, em bairros
considerados periféricos da cidade em que realizei a pesquisa. Ao entrar em uma das casas,
que mais parecia um barraco, surpreendi-me ao ver uma televisão, tela plana, de vinte e cinco
polegadas. As casas, mesmo sendo simples, são bem arrumadas, com aparelho de som e com
vários objetos decorativos. Em duas casas, as pessoas estavam jantando, havia um cheiro
muito agradável, de tempero e de feijão: o interessante foi que, em ambas as casas, o jantar
era composto de arroz, feijão, carne cozida e farinha.
Embora o projeto de pesquisa tivesse sido aprovado pelo Comitê de Ética,
percebi, por meio do contato mais sistemático com as crianças, que seria preciso realizar um
maior detalhando nas perguntas e nas dinâmicas que iriam ser implementadas junto a elas.
Portanto, a fim de me fazer melhor compreender e de melhor compreendê-las, precisei mudar
alguns detalhes das perguntas, tendo em vista a forma como estavam sendo inicialmente
propostas. Também sofreram alterações as dinâmicas que propunham registros, elaboração de
diários, elaboração de texto individual ou coletivo, pois as crianças, em sua maioria, não
sabiam escrever e mesmo as que sabiam escreviam pouco.
Com a observação sistemática das interações entre as crianças e suas experiências,
em sala de aula, criaram-se condições para rever todo o meu procedimento de investigação, já
que, se o principal objetivo era o de ouvir as vozes das crianças e conhecer as suas
experiências e a significação que delas fazem, não poderia insistir em nenhum procedimento
ou instrumento de metodológico que as calasse ou as colocasse em constrangimento. Tura
(2003) compartilha, por meio de sua experiência enquanto investigadora, a seguinte
ponderação:
No momento da observação, o sociólogo estabelece uma relação de
conhecimento com seu objeto de estudo, que é, por sua vez, um fenômeno
concreto da vida social, imbricado em relações sociais e de poder e numa
rede de significados socialmente compartilhados (p.184).
Partindo das constatações mediante as observações, foi preciso então realizar
algumas mudanças em alguns instrumentos de pesquisa, como nas dinâmicas, as quais foram
descartadas e reestruturadas sob a forma de perguntas, que constituíram um novo corpo de
entrevista com roteiro semi-estruturado. Poucas perguntas se mantiveram intactas, pois,
através de um estudo-piloto realizado com dois meninos e duas meninas de 10 anos de idade,
que fazem parte do meu convívio social, pude observar a incoerência no modo de perguntar,
60
refletida na dificuldade de a criança interpretar a pergunta, para poder respondê-la. Foi preciso
aprimorar a maneira de perguntar, para que as perguntas pudessem se aproximar o máximo
possível da linguagem exercida pelas crianças. Foram elaboradas perguntas que, embora não
estivessem presas às categorias pré-estabelecidas, acabaram por ser agrupadas, ao final, nos
seguintes eixos temáticos: corpo e sexualidade, infância e adolescência, relações de gênero,
namoro e relações afetivo-sexuais entre pessoas de sexos opostos e de pessoas do mesmo
sexo.
Devido à própria dinâmica da sala, as relações entre meninos e meninas e entre
crianças do mesmo sexo, percebi que seria inviável a realização de entrevistas em grupos.
Sendo a sexualidade um tema que perpassa a intimidade de cada pessoa, poderia esse
procedimento causar zombarias e quebra de sigilo. Optei, então, por entrevistas individuais e
pela participação de cinco meninos e cinco meninas. No decorrer das entrevistas, as crianças
demonstraram certo acanhamento e relataram que tinham vergonha de responder às questões,
ou por temeram dizer algo que consideravam errado, ou por estarem falando de um assunto
que era de extrema intimidade. Após o término das entrevistas, perguntei-lhes o que elas
sentiram, ao responderem as perguntas da entrevista: todas responderam que elas as haviam
deixado com vergonha; então, perguntei o que fazia isso acontecer e elas me responderam
que essas perguntas tratavam de um assunto que deveria ser falado somente com o(a)s
melhores amigo(a)s ou com a mãe.
Marilia Pinto de Carvalho (2003) aborda a questão sobre como os participantes da
pesquisa interpretam a pesquisa e a presença do pesquisador, salientando:
Ao perguntar explicitamente aos sujeitos sobre os seus sentimentos e
percepções frente a cada etapa da investigação, torna-se possível entender a
imagem que formaram da pesquisa e do pesquisador e compreender melhor
as suas reações e respostas como parte de um complexo jogo de interação e
disputas de poder, em sua análise sempre será necessário considerar o
contexto social mais amplo e suas variações. (p.218).
As impressões e sentimentos em relação às observações, às entrevistas e às
dinâmicas foram relatadas pelas crianças em uma conversa entre nós, individualmente. Nessa
ocasião, indaguei delas o que tinham achado da entrevista, das dinâmicas, da minha presença
na sala; do que gostaram e do que não gostaram, e que avaliação faziam do nosso contato. Em
relação aos aspectos positivos, responderam que falar de suas opiniões “é muito legal”; que
gostaram de participar e que, quando eu chegava à sala, ficavam “morrendo de vontade de
serem chamadas”. Elas não fizeram longos discursos em relação à avaliação da pesquisa, mas
foram breves em suas colocações. Contraditoriamente, porém, toda vez que eu chegava à sala
61
de aula, praticamente todas as crianças pediam para serem entrevistadas, emitindo a sensação
de que algo misterioso estaria por vir. É necessário ressaltar que apenas dez crianças foram
entrevistadas e participaram das demais atividades da pesquisa. Todavia, todas as crianças
desta sala foram observadas em suas interações em relação ao gênero, sexualidade e aos
aspectos geracionais, em diversos espaços da escola, como na biblioteca, pátio, quadra
esportiva, sala de vídeo e de informática, aos arredores dos banheiros dos meninos e das
meninas e na aula de Educação Física e de Artes. Também não era possível deixar de observar
o movimento de todas as outras crianças da escola, durante o horário do recreio.
As entrevistas foram gravadas e, imediatamente, no mesmo dia, foram transcritas.
Sempre as lia e relia atentamente, ao mesmo tempo em que procurava captar quais seriam os
pontos que apareciam de forma mais ou menos recorrente nas falas. Procurava não perder o
meu foco, que era o de apreender a presença de traços ou sinais de suas concepções sobre
gênero, infância e, principalmente, sobre sexualidade.
No total, foram realizadas 10 entrevistas, com duração entre 40 minutos e 1 hora e
meia. Cada criança participou somente de uma entrevista. Calcula-se que 30 minutos de fala
correspondem a 2 horas e meia de transcrição, quando a fala do depoente é clara e não
aparecem ruídos na gravação. Ressalto que a utilização de gravador digital e dos recursos do
computador facilitaram o manuseio e a transcrição das falas das crianças.
Foi igualmente realizada uma pesquisa com documentos da escola. Consultei o
caderno de advertência da escola e o prontuário de alunos considerados indisciplinados pela
professora e demais profissionais, com o objetivo de observar se as questões de gênero
estavam presentes nas penalidades aplicadas aos alunos, uma vez que os meninos apareciam
com maior incidência no livro de ocorrências da escola, em relação às meninas, levando-me a
refletir sobre quais seriam as regras escolares que rompiam e em qual porcentagem se
encontravam, em relação às meninas. Em se tratando dessa sala, somente os meninos eram
costumeiramente encaminhados à direção.
Atendendo a minha solicitação, as crianças proporcionaram-me o relato de seu
dia-a-dia. Pedi para falarem sobre o que faziam desde que acordavam até a hora de dormir,
no transcorrer de toda uma semana. Almejava conhecer como eram as suas vidas fora da
escola, em casa, na rua, as suas relações com a família e amigos. Como poucas sabiam
escrever, foi usado o gravador como instrumento de recolha de suas falas. Isso implicava no
trabalho de fazer, no mesmo dia, a transcrição de suas falas, cuidando assim para não perder
os detalhes observados no momento da coleta de seus depoimentos, isto é, o seu olhar, o
entusiasmo ou a tristeza, ao falar de determinado assunto, entre outros sentimentos.
62
Para conhecer o contexto socioeconômico e cultural em que as crianças da 4ª série
RE vivem, enviei aos familiares responsáveis, por intermédio das próprias crianças da sala,
um questionário com questões semi-abertas que abordavam esses aspectos. O mesmo
procedimento foi feito em relação à vida das crianças que freqüentam a escola, mas utilizei
dados presentes no projeto pedagógico da escola, que, no ano de 2006, havia aplicado um
questionário socioeconômico, com questões fechadas, à comunidade escolar.
Em relação às crianças, no decorrer das entrevistas, eu e minha orientadora
decidimos que seria interessante organizar e propor uma outra atividade para captar melhor o
olhar das crianças sobre namoro. Para isso, fiz uma pesquisa através de um programa de
computador que baixa música. Utilizando a palavra namoro, ouvi então várias músicas em
cujas letras eram feitas menções ao namoro e às relações amorosas. Foram selecionadas e
empregadas cinco músicas, sendo que o critério principal da escolha foi o gosto musical das
crianças e dos cantores conhecidos por elas.
As letras deveriam apresentar em seu conteúdo o desejo, a vontade de se ter a
pessoa amada, os sentimentos, o beijo, o amor, o primeiro amor, as inseguranças de quem
ama alguém. Nessa perspectiva, foram utilizadas cinco músicas que falavam de namoro,
porque se tinha como objetivo compreender as concepções dessas crianças sobre namoro,
desejo, relações afetivo-sexuais e amor.
Como constituinte do processo da pesquisa, as entrevistas abertas com roteiro
semi-estruturado permitiram captar concepções e falas das crianças sobre gênero, sexualidade,
infância e adolescência. Os dois últimos itens citados compareceram no decorrer do trabalho
de campo e passaram a ser abordados nas entrevistas devido ao fato de as crianças
investigadas se demonstrarem incertas quanto ao lugar em que se encontravam, nesse limiar
entre a infância e a adolescência. Suas falas e atitudes revelaram que se sentiam e se
consideram crianças, o mesmo com o sentimento de ser e de se comportar como um
adolescente.
As perguntas foram dividas em temas, como: sentimentos sobre o próprio corpo,
infância e adolescência, sexualidade, namoro, relações afetivo-sexuais de pessoas de sexos
opostos e de pessoas do mesmo sexo. Apesar de não haver perguntas diretamente referentes
ao gênero, esse tema estava subentendido em algumas perguntas.
Em princípio, as perguntas de 1 a 7 tinham o objetivo de apreender a relação das
crianças com o seu próprio corpo e, também, serviriam como alicerce para chegar às
perguntas que causam mais timidez, como: como nascem as crianças, como as mães ficam
grávidas. Se fossem indagadas precocemente sobre tais questões, era possível que se criasse,
63
na entrevista, uma situação de constrangimento, não se conseguindo nenhuma resposta.
Começando a entrevista fazendo-as falar de si próprias, eu lhes oferecia uma espécie de
aquecimento para perguntas posteriores e mais complicadas de serem respondidas. Não tive a
finalidade de traçar um roteiro com perguntas que seguissem uma categoria pré-estabelecida,
somente redigi as perguntas baseadas nos objetivos da pesquisa. Os eixos estruturadores
foram construídos após serem realizadas todas as entrevistas e as mesmas serem transcritas,
interpretadas e analisadas, de modo associado aos resultados do uso dos demais instrumentos
da pesquisa. Ao final, foram feitas sínteses que contemplassem uma análise geral dos dados
gerados.
As alterações no roteiro semi-estruturado da entrevista foram realizadas após a
aplicação do estudo piloto e da aplicação da primeira entrevista. Observei, em específico, que
perguntas do tipo: “o que significa para você...”, “o que você sabe sobre...”, ou até, “o que
você pensa sobre...”, por mais abertas e menos tendenciosas que pareçam ser, tinham como
resposta “não penso nada”, “não sei”, “para mim não significa nada”. Assim, precisei mudar o
modo de perguntar. Descobri que, ao perguntar às crianças: “o que é para você...”, “em sua
opinião...”, “pra você...” elas se sentem mais identificadas com o teor das perguntas e isso faz
com que entendam serem muito importantes suas opiniões. Quanto mais acessível ao seu
universo vocabular comum, melhor a criança responderá. Embora não se possa esquecer da
importância em que haja uma predisposição para o diálogo entre a criança e o(a)
pesquisador(a), uma vez que, como apontam Jobim e Sousa, “é a partir do presumido pelos
falantes na interação verbal que a entoação pode ser compreendida” (1994, p.106).
De fato, lembra Duarte (2002, p. 149) que, com respeito à organização do roteiro
da entrevista, é preciso tomar cuidado com perguntas que não são compreendidas: [...] “é
melhor retirá-las do roteiro, pois, quando se tenta explicar demais, acaba-se dizendo, de um
modo ou de outro, o que se espera o que o outro responda” (DUARTE, 2002, p. 149). Sendo
assim, continua a autora, “[...] este deve ser um instrumento flexível para orientar a condução
da entrevista e precisa ser periodicamente revisto para que se possa avaliar se ainda atende os
objetivos definidos para aquela investigação” (p.150).
Para Nadir Zago (2003):
[...] a escolha pelo tipo de entrevista, como é também o caso de outros
instrumentos de coleta de dados, não é neutra. Ela se justifica pela
necessidade decorrente da problemática do estudo, pois é esta que nos leva
a fazer determinadas interrogações sobre o social e a buscar as estratégias
apropriadas para respondê-la. (p.294).
64
Na realização das entrevistas, ocorreu uma particular atenção no sentido de se
observar, perceber e anotar, em um “caderno de campo”, o comportamento dos entrevistados:
as expressões corporais, de rosto e de olhar, tom de voz, emoções, interrupções e gestos, para
que, desse modo, fosse possível captar os pormenores e contradições que as palavras não
podem expressar satisfatoriamente, mas que estão implicitamente anunciados (WEIL;
TOMPAKOW, 1991, p.7). O momento de observação na sala de aula, no pátio e no recreio
permitiu igualmente examinar como a(o)s professora(e)s e funcionária(o)s da escola se
comportam, com respeito às manifestações da sexualidade pelas crianças.
Todo esse material produzido e organizado procede, em primeiro lugar, de um
cruzamento entre as falas das crianças, obtidas a partir das entrevistas, observações, dinâmicas
e dos registros orais que estas produziram. Dessa maneira, foram elaborados eixos temáticos,
os quais foram analisados e compuseram o quadro de referências da interpretação final.
Sendo assim, finalizando este capítulo, apresentarei sob a forma de itens os
procedimentos de pesquisa empregados para realizar a investigação com as crianças da 4ªRE:
1) Elaboração dos documentos necessários para serem enviados ao Comitê de
Ética em Pesquisa e Educação da FCT/UNESP para obtenção de aprovação do comitê para
realização da pesquisa.
2) Conversa, primeiramente informal, com a diretora da escola e depois com a
professora da sala de aula, para, então, poder levar o Termo de Autorização para a Diretora e
garantir a minha entrada na escola, a fim de realizar a pesquisa.
3) Observação e contato prolongado com as crianças, com a finalidade de
construir um vínculo de confiança entre pesquisadora e participantes da pesquisa.
4) Observações diretas e sistemáticas, em sala de aula, de todas as crianças e não
somente das entrevistadas, como também das outras crianças da escola no pátio, nos recreios,
e em diversos espaços da escola.
5) Participação na reunião de familiares responsáveis pelas crianças e visita
domiciliar para a aquisição ou recusa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos
mesmos para realizar a pesquisa com seus filhos e filhas.
6) Apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na sala de aula
para as crianças da 4ª série RE e autorização ou recusa de seus consentimentos, para a
realização da pesquisa.
7) Seleção de um grupo de alunos da sala (5 meninos e 5meninas, entre 10 e 12
anos de idade) para a realização de entrevistas abertas semi-estruturadas e individuais (foi
uma seção de entrevista para cada criança) (ANEXO A).
65
8) Gravação, transcrição e análise das falas das crianças apreendidas por meio das
entrevistas abertas semi-estruturadas e individuais.
9) Dinâmica com músicas que falam sobre namoro (ANEXO B), efetivada em
grupos separados de 3 meninos e de 3 meninas, os mesmos que participaram da entrevista
aberta semi-estruturada.
10) Registros permanentes no diário de campo.
11) Aplicação de questionário aberto aos professores da 4ª série RE, que se
prontificaram a responder as perguntas elaboradas pela pesquisadora (ANEXO C).
12) Aplicação de um questionário socioeconômico e cultural, com questões semi-
abertas para o(a)s familiares responsáveis pelas crianças, visando a conhecer a vida
socioeconômica e cultural das crianças (ANEXO D).
13) Levantamento socioeconômico, que a escola realizou, com o objetivo de
ampliar o entendimento do contexto social do qual participam essas crianças.
14) Utilização de fontes documentais escritas da escola, como pesquisa no livro
de advertências da escola e no prontuário de cada aluna(o) da série RE, com vistas a
conhecer melhor o perfil dessa sala, devido ao fato de ser ela mencionada como uma sala
indisciplinada.
15) Produção de relatos do cotidiano das crianças.
A seguir, no terceiro capítulo, apresentarei as crianças da sala e da escola e, em
especial, as que participaram das entrevistas e atividades propostas. Serão destacadas as suas
características, as manifestações e uso de diversos espaços em que vivenciam as suas
experiências, desde a escola até a casa onde moram, a rua e outros lugares.
66
3. A QUARTA SÉRIE RE: AS CRIANÇAS EM DIFERENTES TEMPOS E LUGARES
3.1. A escola em que estudam: os diferentes espaços que ocupam na escola
A escola onde foi realizada a pesquisa localiza-se nos arredores do centro
comercial da cidade, dando acesso a lojas, sorveterias, centro de cultura e esporte, bancos etc.
Em 1973, a escola passou, após reivindicações, a funcionar em prédio próprio.
Com a organização do ensino do Estado de São Paulo, em 1996 a escola passou a
atender apenas os alunos das séries iniciais, de 1ª a 4ª séries, do Ensino Fundamental.
Localiza-se em uma cidade do interior paulista
23
, caracterizada por ser uma estância turística
que proporciona aos seus habitantes e visitantes condições de lazer, recreação, recursos
naturais e culturais específicos. Os habitantes dessa cidade são festivos e entre os seus
atrativos turísticos está a comemoração do Carnaval, com suas escolas de samba, para o qual
todos se preparam o ano inteiro, visando a oferecer um belo espetáculo. As famílias, com
crianças, rapazes, moças, idosos e idosas podem passar seu final de semana na prainha ou no
Parque do Figueiral, nas Thermas, podem caminhar na Orla, respirando o ar puro que as
árvores proporcionam, ou sentir pela manhã a brisa que vem do rio. Esses habitantes
produzem artesanato, pinturas e outros artefatos para vender para os turistas. Sua população
total é de 39.298 habitantes, entre zona urbana e rural. A cidade é banhada pelas “águas
abençoadas do Rio Paraná”, conforme diz a propaganda da cidade, haja vista que o rio
proporciona o lazer e o ganha-pão, pela pesca e navegação. É notável como a presença desse
rio marca nitidamente o cotidiano e a vida de lazer das crianças investigadas.
Através da escola, as crianças podem ter acesso a vários tipos de conhecimentos,
não somente ao conteúdo escolar, por meio de troca de experiências, onde todos possam
compartilhar suas expectativas, alegrias e sofrimentos. Na medida do possível e do permitido,
espera-se que, nesse espaço, haja momento para interação prazerosa entre as pessoas que o
freqüentam.
23
Informação segundo o censo de 2002 retiradas do site
http://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A2ncia_tur%C3%ADstica
67
A primeira impressão, ao entrar nessa escola, pequenina, colorida, com grades
feitas de arame, que oferece a vista de fora para os que estão dentro e vice-versa, é o cheiro
gostoso de plantas molhadas e um panorama que tranqüiliza e nos esperança. O prédio é
pintado de verde e na porta da sala de pintura, ao lado esquerdo, está pintado o Abapuru, de
Tarsila do Amaral: no lado direito, temos a biblioteca com cheirinho de livro misturado com o
de chão que acabou de ser limpo e, em um cantinho, estão vários brinquedos, como bonecas,
carrinhos, que de fora da biblioteca podem ser vistos através da porta, que é de vidro,
estimulando, provavelmente, a imaginação das crianças. A cada passo que se dá para adentrar
a escola, tem-se a sensação de expectativa e alegria. Como são poderosas as cores e o aroma
das coisas!
Continuando no mesmo sentido da biblioteca, ao lado, tem a secretaria, com
mulheres trabalhando em frente ao computador; em seguida, a sala de vídeo, local onde as
crianças navegam pelo mundo da imaginação, com filmes e desenhos de conto de fadas -
algumas chegam a chorar quando as histórias são mais emocionantes. Continuando à direita,
local onde batem papo, colocam as novidades em dia e compartilham suas angústias e
felicidades. À esquerda, ao lado da sala de pintura, podemos ver a sala de brinquedos e -
como nos ensina Benjamim -, através dos brinquedos, crianças vivem suas fantasias e sonhos,
tornam-se o trem, o cavalo, a mesa, a cama, o que quiserem, centenas e milhares de vezes,
começando novamente a viver de maneira intensa, como que não o tivesse vivido há minutos
atrás. (BENJAMIN, 2002)
Ao lado da sala do(a)s docentes, encontram-se a sala da coordenação e da direção.
Local entendido como que de terror, suspense, de relaxamento, de diálogo, de brincadeira, de
levar bronca, de ser aconselhado, de contar verdade, de contar uma grande mentira ou
mentirola, de inventar histórias, sejam elas exageradas ou não. De terror porque ninguém quer
ir para diretoria para tomar suspensão ou ouvir sermão, de relaxamento porque as crianças na
hora do recreio, ou quando estão enfermas, ali se deitam num sofá grande, e às vezes chegam
a sonhar e a babar, durante a soneca que tiram; e de brincadeira, porque algumas vão à
Coordenação conversar, contar piadas, divertir as pessoas que estão. Inventar história é o
que mais acontece nesse lugar; eu pude ouvir cada história, que dava até para chorar: que
poder de imaginação e de comunicação têm as crianças!
Continuando pelo lado direito, o cheiro começa a ser desagradável, são os
banheiros das meninas e dos meninos, separados somente pelas paredes, de modo que tanto
68
uns quantos outros vivem dando uma “escapadinha” para o banheiro exclusivo do sexo
oposto. Gritam, puxam uns aos outros, escondem-se, jogam água no(a) colega, jogam papel
dentro da privada, entopem os sanitários. De lá, não se vê a hora de passar para outro lugar!
Caminhando mais adiante, uma salinha com computadores, local em que as
crianças fazem aula de informática, a qual tem ar condicionado: dessa sala não vontade de
sair!
A cantina, ao lado da sala de informática, é pequena: são vendidas algumas
coisas gostosas para comer e beber, local onde as crianças passam, esperando na fila, a maior
parte do recreio.
Depois, ao lado esquerdo, após se passar a brinquedoteca, estão as salas de aula,
onde se busca o conhecimento dos conteúdos escolares e da vida, através de momentos em
que as crianças compartilham seu dia-a-dia, suas novidades, suas descobertas.
As salas de aula são decoradas com alfabetos, figuras coloridas, lúdicas e outras
com finalidade pedagógica. Atrás das salas, em um lugar que só se vê pelas janelas, vê-se uma
horta bem cuidada, com vários tipos de verduras. É desse lado que funcionam as seis salas,
destinadas às 2ª
s
, 3ª
s
e 4ª
s
séries. Em frente a essas salas, está a cantina e, quando está próximo
o horário do recreio, a inspetora passa vendendo fichinhas da cantina para as crianças não
perderem muito o seu tempo na fila. Elas vivem dois momentos de expectativa o da hora da
fichinha e o da hora do recreio. E, entre as salas de aula e a cantina, têm-se dois pés de jaca,
que as crianças, professoras e os professores adoram quando cai uma fruta, a qual deixa o
chão lambuzado e o cheiro tomando a escola. O único mal que trazem as árvores são as
“lagartas de fogo”, que parecem criaturas gigantescas, prontas para nos atacar com seus
espinhos de fogo; são geralmente listradas de verde e preto, com 10 cm de comprimento: para
uns, são como dragões mágicos e de guerra; para outros, são criaturas horrendas!
Em frente à cozinha, local em que as crianças fazem a fila para pegar a merenda,
está o palco de apresentações da escola, que sempre tem seu painel enfeitado com algum
tema. Nesse palco, realizam-se as preces feitas por cada turno, os recados da direção,
apresentação de peça teatral, de fantoches, atividades aeróbicas e exercícios físicos, de
música, de danças e, principalmente, as diversas brincadeiras e jogos; algumas vezes,
inclusive, com um aparelho de som que na diretoria, ali também as crianças improvisam
um espaço para ouvir música e dançar.
O refeitório é pequeno, com cinco mesas e bancos compridos e de madeira, todos
variados nas cores azul, amarelo, branco e vermelho. Ao lado do refeitório, avistam-se três
salas de aula, onde funcionam as séries. Em frente a essas salas está um pequeno
69
consultório dentário que atende as crianças da escola. Lembro de meus tempos de escola e me
pergunto: será que aqui também é a sala do terror?
No fundo da escola, encontra-se a quadra em que é realizada a aula de Educação
Física e na qual as crianças brincam, na hora do recreio. duas traves e duas armações de
cesta para jogar basquete, enquanto, do lado esquerdo, estão alguns banquinhos para as
crianças sentarem e tomarem o seu lanche, jogarem as suas cartas e brincarem com seus
carrinhos, suas bonecas, pularem de um banco para o outro. Na verdade, este último, é
proibido pela escola, mas eles e elas nunca obedecem. Há, também, as árvores, que refrescam
e dão uma sombra aprazível.
A seguir, apresento alguns dados que foram retirados do resultado do questionário
sócio-econômico aplicado pela escola aos responsáveis pelas crianças que estudam nessa
unidade escolar; tais dados estão impressos no Plano de Gestão de 2007 da escola.
24
Na escola, estudam 596 meninos e meninas, divididos em 302, no período da
manhã, que funciona das 7h10 às 11h30, e 294, no período vespertino, que dá continuidade ao
ensino, entre as 13h e 17h30. A escola compreende o ensino de a série. À noite, a escola
não funciona. São, no total, 18 salas de aula.
Na escola funciona, ainda, a APM (Associação de Pais e Mestres), o Grêmio
Estudantil e o PROERD, que é um programa de combate às drogas, oferecido pelo governo do
Estado de São Paulo.
As crianças dividem-se em 47% de meninas e 53% de meninos. Dos alunos que
estudam nessa escola, 72,5% moram com pai e mãe, 20,4% moram com os avós, e 7,1%, com
outros. Em relação às pessoas responsáveis por elas, 88% são pais, 7,33% avós, 3,33% tios e
tias e 1,34% padrasto ou madrasta. A quantidade de pessoas residentes em cada casa é: 1,9%
de duas pessoas, 24% de três pessoas, 39,5% de quatro pessoas, 20% de cinco pessoas e de
14,6% de mais de seis pessoas. A maioria das crianças é saudável, pois 91,1% não apresentam
problemas de saúde, fato que acontece apenas com 8,9%, grupo no qual a doença mais
recorrente é a bronquite. Em relação aos pais deles e delas, 13,3% estudaram da à série,
37,30% estudaram da à série, 40,10% chegaram ao Ensino Médio e 9,30% fizeram
também o Grau Superior; já entre as mães, 20,63% estudaram da 1ª à 4ª série, 29,76%
estudaram da à série, 42% fizeram o Ensino Médio e 7,61%, o Grau Superior. Os pais,
em sua maioria, são operários (85,6%); do restante, uma boa parte é formada por
comerciantes (14,4%). A maior parte das es trabalha no lar (98%) e a minoria é
24
Nesse questionário não constam a raça e a cor das crianças, nem a renda salarial.
70
comerciante (2%). Suas casas são: a maioria, 81,6%, é de alvenaria, 15,6% são de madeira,
2,8% são tipo barraco. Dessas, 62% são próprias, 26%, alugadas, e 12% são cedidas. Suas
famílias, em 69%, são da religião católica, enquanto 25,34% são evangélicos; de outras
religiões são 5,66%
25
.
Os professores e professoras de Educação Básica I são, no total, em dezoito,
sendo que 90% apresentam formação de nível superior. Ainda trabalham junto às salas de
Educação Básica I mais dois professores de Artes e quatro de Educação Física. A escola conta
com estagiários que ministram aulas de Informática, em uma sala com 16 computadores. O
corpo de gestores é composto por uma diretora, uma vice-diretora e uma coordenadora
pedagógica.
Em relação ao quadro de funcionários, tem-se um vigia e uma inspetora, esta
última consta no papel de registro de funcionários da escola como agente de organização
escolar, o mesmo caso de outra que cuida da biblioteca. Na secretaria, trabalham quatro
mulheres, uma tem o cargo de secretário de escola e outras três de agente de organização
escolar, sendo uma readaptada. E duas mulheres cuidam da limpeza da escola, têm a função
de agente de serviço e auxiliar de serviços escolares.
As cozinheiras são duas; elas fazem diversos tipos de comida, como arroz
temperado, sopa, arroz doce, cachorro quente, galinhada, arroz com carne, salada e feijão,
macarronada com bastante molho e bem temperadinho, canjica, arroz com salsicha, às vezes,
tem sobremesas, como maçã, melancia, doce de leite, manga, bolacha recheada. ouvi dizer
que algumas mães grávidas, que passam nos arredores da escola, sentem o cheirinho da
merenda que será servida e pedem às cozinheiras um pouquinho para experimentarem e não
passarem vontade.
As cozinheiras trabalham para os dois períodos, isso porque nunca se reaproveita
a merenda. Tudo é sempre feito na hora, fresquinho e com um cheiro de tempero que faz a
barriga ter vida própria, ela imite sons e até se mexe, como dizem as crianças: “a minha
barriga está urrando!”.
No recreio, as crianças participam de várias brincadeiras, se reúnem em grupos
mistos ou separados por sexo, mas geralmente brincam juntos, e parecem preferir a
brincadeira de pega-pega. Correm, trombam-se, choram, “levam broncas” da inspetora e vão
para a diretoria. De acordo com o livro de ocorrências que eu analisei, há um número
considerável de advertências por casos de correr na hora do recreio, ou por “tacarem
25
Esses dados, mas nele não constam a raça e a cor das crianças, nem a renda salarial.
71
coquinhos” uns nos outros. Usam da imaginação e, num jogo simbólico, fazem dos coquinhos
e de papéis amassados as suas bolas de futebol.
No final de semana, no sábado e no domingo, as crianças podem ir passear na
escola, porque um programa chamado Escola da Família, que atende a crianças, adultos e
idosos, sem critério de escolha e seleção. existem aulas de informática, capoeira, pintura,
biscuit, espanhol, entre outras: quem não quiser fazer aula pode ir somente para brincar,
jogar, assistir a filmes, jogar pingue-pongue, desde as nove horas da manhã até as quatro
horas da tarde. E, assim, termina a semana das crianças e começa tudo, novamente, na
segunda-feira.
É claro que a escola tem suas deficiências, limites, obstáculos e barreiras a serem
vencidas. Contudo, em muitos momentos, as crianças conseguem transformar aquele lugar em
um espaço mágico e alegre; enfim, são tantas as brincadeiras que meninos e meninas colocam
em prática, que conseguem me fazer sentir falta do tempo em que eu era criança.
3.2. Essas crianças da 4 ª série RE
26
Essa quarta série é diferente de todas as outras da escola e até da cidade, pois se
trata de uma sala de recuperação de ciclo, freqüentada por crianças repetentes das outras
quartas séries, da própria escola e da cidade, sendo essa sala exclusiva no município para essa
função, abrigando uma variedade de crianças advindas dos quatro cantos da cidade,
principalmente de bairros considerados periféricos.
Ela funciona cerca de oito anos, nessa unidade escolar, sendo em 2007 seu
último ano de funcionamento, pois, a partir de então, não haverá mais sala de recuperação de
ciclo. Por abrigar crianças repetentes, ela carrega um estigma de “sala de problemas e de
alunos indisciplinados”, considerada um amontoado de crianças fracassadas, não somente na
aprendizagem, mas também no que diz respeito a disciplina
27
, ao chamado “bom
comportamento. Foi visível que, no dia em que foi realizada a escolha das salas, nenhum
professor ou professora queria ministrar aulas nessa sala. A professora que a escolheu foi mais
26
No decorrer do texto, sempre me referirei à 4ª série de recuperação de ciclo como RE, do mesmo modo que a
escola se referia a ela.
27
Não pretendo discutir o conceito de indisciplina, de maneira que essa palavra foi utilizada de acordo com
alguns profissionais dessa escola, ao aludiram a essas crianças como sendo indisciplinadas e com dificuldades de
aprendizagem.
72
por negociação do que por disposição, visto que não tinha sobrado sala no período da manhã e
ela já tinha o compromisso de dar aula em outra escola no período da tarde: ou ela ficava com
a série RE ou teria que desistir do seu outro emprego. A professora acabou aceitando dar
aulas para essa sala, confessando que sabia que teria dificuldades, mas que nunca iria
desistir.
Na sala, um total de 28 crianças: 21 meninos e 7 meninas. Como se observa, a
maioria são meninos, num total de 75 % e 25% de meninas. Ao término do ano de 2007,
pode-se dizer que as crianças dessa sala teriam as seguintes idades completadas: vinte e
uma com onze anos de idade, cinco com doze anos e duas com treze.
Os dados apresentados, a seguir, tiveram como fonte o questionário elaborado
para ser respondido pelos responsáveis pelas crianças, conforme foi descrito na parte sobre
procedimentos metodológicos. Os questionários foram enviados aos pais, sendo que 20
famílias os devolveram com suas respostas. São dados de caráter sócio-econômico e cultural,
com vistas a reconhecer elementos familiares, tais como: religião, profissão, raça/cor, além de
várias outras práticas e hábitos cotidianos.
De acordo com a classificação do(a)s responsáveis pelas crianças, em relação à
cor/raça, pôde-se construir a tabela a seguir:
Tabela 1. Freqüência das crianças da série RE, por cor/raça
28
, no ano de
2007.
Cor/raça
Nº de crianças
(%)
Branca
8
40%
Negro
0
-
Parda
11
55%
Moreno
1
5%
Outros
-
-
NR
-
-
Total
20
100%
De acordo com a minha identificação, prefiro juntar as crianças que se dizem
pardas e morenas, como sendo crianças negras, o que totaliza 60%, em relação ao número
total de alunos da sala. Algumas crianças que foram mencionadas como pardas seriam de fato
negras; de acordo com a tabela, mesmo uma parcela menor de brancas. Observando as
próximas tabelas, será possível observar algumas associações entre as categorias de raça,
pobreza e gênero com o fracasso escolar.
A Tabela 2 apresenta a renda familiar das crianças:
28
A questão sobre cor / raça era aberta, portanto, sem nenhuma alternativa para ser assinalada.
73
Tabela 2. Freqüência das crianças da 4ª série RE, por renda familiar, no ano
de 2007.
De acordo com essa tabela, a maioria vive com um salário mínimo; verificando-se
os dados da Tabela 3, cerca de 75% das famílias moram em quatro pessoas ou mais por casa.
Pode-se concluir que a maioria dessas famílias reside numa mesma casa com o número de
cinco ou mais pessoas e com apenas um salário mínimo, para providenciar todas as despesas e
suas necessidades. As famílias das sete meninas da sala sobrevivem com um salário mínimo,
sendo os 15% que vivem de 2 ou 3 salários mínimos, referentes às famílias dos meninos, e os
restantes dos 5% não responderam a essa questão.
Tabela 3. Freqüência das crianças da série RE, por quantidade de pessoas
que residem junto com as crianças, no ano de 2007.
Quantidade de pessoas que
residem junto com as
crianças
Nº de crianças
(%)
2
1
5%
3
4
20%
4
5
25%
5
6
30%
6 ou mais
4
20%
NR
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
Tabela 4. Freqüência das crianças da rie RE, por pessoas que residem
junto com as crianças por grau de parentesco, no ano de 2007.
Pessoas que residem
junto com a criança
por grau de
parentesco
Nº de crianças
(%)
Somente com o pai
1
5%
Somente com a mãe
2
10%
Mãe e tio(a)(s)
1
5%
Renda familiar
Nº de crianças
(%)
1 salário mínimo
16
80%
2 salários mínimos
2
10%
3 ou mais salários mínimos
1
5%
NR
1
5%
Outros
-
-
Total
20
100%
74
Irmãos, mãe e padrasto
3
15%
Avós, irmãos, mãe e
tio(a)(s)
1
5%
Pai, mãe, irmã/o(s) e
tio(a)(s)
1
5%
Avós, irmãos e mãe
1
5%
Avós, pai e tio(a)(s)
1
5%
Pai, mãe, irmã/o(s) e
avós
1
5%
Total
20
100%
De acordo com os resultados da pesquisa, portanto, a porcentagem de crianças que
moram com o pai e a mãe juntos é bastante considerável (45 %). Há um percentual também
relevante de crianças que moram com parentes, como avós e / ou tios e tias. Na sala, apenas
uma criança mora com o pai, avó e tia. A observação que fiz no prontuário das crianças
indicou que somente uma menina não tem na certidão de nascimento o reconhecimento da
paternidade pelo pai.
A Tabela 5 indica as profissões dos pais e das mães dessas crianças:
Tabela 5. Freqüência das crianças da série RE, por profissão dos pais, no
ano de 2007.
Profissão dos pais
Nº de
Crianças
(%)
Profissão das mães
Nº de
crianças
(%)
Auxiliar geral
1
5%
Auxiliar geral
2
10%
Pedreiro
2
10%
Doméstica
4
20%
Zelador
2
10%
Funcionária pública
1
5%
Lavrador
1
5%
Faxineira
1
5%
Ceramista
1
5%
Vendedora
1
5%
Oleiro
1
5%
Do lar
8
40%
Pescador
1
5%
Desempregada, mas
doméstica
1
5%
Desempregado, mas frentista
1
5%
Desempregada
2
10%
Desempregado, mas
açougueiro
1
5%
-
-
-
Desempregado, mas pedreiro
1
5%
-
-
-
Desempregado
4
20%
-
-
-
NR
4
20%
NR
-
-
Outros
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
Total
20
100%
De acordo com a Tabela uma porcentagem considerável de pais que estão
desempregados (35%), enquanto 55% de mães são do lar ou também estão desempregadas,
não contribuindo com a renda mensal em casa. Sendo a maioria das casas compostas por
75
quatro, cinco e mais de cinco pessoas, pode-se presumir possíveis dificuldades financeiras e
necessidades básicas de sobrevivência e qualidade de vida não supridas vivenciadas pelas
crianças da 4ª série RE, junto a suas famílias.
Carvalho (2004) realizou uma pesquisa, entre 2002 e 2003, em que objetivava
compreender “quais processos têm produzido um maior número de meninos do que meninas,
e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda a
obter conceitos negativos e a serem indicados para atividades de recuperação” (p.11).
Observando as tabelas desta pesquisa na rie RE, fica evidente o quanto seus resultados
são idênticos aos obtidos pela autora, no que concerne ao fracasso maior de meninos do que
de meninas, na escola pública. Apesar de nenhuma família identificar seus filho(a)s como da
cor/raça negra, em minha identificação, classifiquei como pardos 40% dos meninos e 15%
das meninas.
Apesar de a maioria das crianças repetentes serem meninos, não podemos deixar
de mencionar o fato de a RE contar com meninas repetentes e de como elas interagem na
sala de aula com a maioria dos colegas que são meninos, dominando o espaço territorial da
sala de aula com os seus corpos, vozes e cheiros. Pesquisas como a de Carvalho (2004) e
Abramowicz (1997) têm mostrado a relevância em se utilizar o gênero como categoria de
análise e identificar processos de classificação e exclusão relacionados com o fracasso escolar
de meninos e de meninas. Abramowicz (1997), em sua pesquisa que trata do fracasso escolar
e, em específico, o das meninas, nos faz refletir sobre algumas concepções de professoras
acerca da repetência feminina e masculina e, através da análise dos depoimentos coletados,
conclui:
No imaginário, no inconsciente institucional, a repetência do menino é de
certa forma aceita como “coisa de moleque”, coisa da idade”, rebeldia; na
menina é burrice, “incompetência”, “ não dá para coisa”, ou seja, não existe
para ela lugar no mundo do saber, restando-lhe o lugar do não-saber: o
trabalho doméstico. (p.52).
Embora o foco desta pesquisa seja o olhar das crianças sobre gênero e
sexualidade, a observação de campo denuncia processos classificatórios, no meio escolar, que
qualificam essas crianças como fracassadas e sem possibilidades de êxito, tanto na escola
como na vida. Em entrevista, perguntei a Taís quais as vantagens em ser adolescente, ao que
ela respondeu: “Trabalhar de empregada doméstica” (Taís, 23/10/07).
76
Essa resposta aponta para um ideal de vida que é construído pelas experiências
vividas na escola, na família e na sociedade, as quais costumam indicar caminhos únicos e
sem vislumbre de outras alternativas para o exercício profissional. Justificando a sua resposta,
a garota completa: “[...] é porque não precisa estudar e eu não sei escrever direito” (idem).
Mesmo sem saber elaborar explicações complexas para os processos de exclusão
social vividos, várias crianças, como Taís, não vêem a escola como possibilidade e meio de
ascensão social, nem como um lugar que irá qualificá-las com saberes específicos para
exercer profissões mais bem remuneradas e bem reconhecidas socialmente. Essas crianças
estão a caminho da quinta série do Ensino Fundamental e mal sabem ler e escrever,
encontrando-se expropriadas das condições de possibilidade de acesso ao que é estabelecido
como prioridade, no conhecimento escolar. Essa realidade, em que vive a maioria dos
meninos dessa sala, revela a falta de perspectivas sociais e a pouca ou nenhuma relevância da
escola, para determinar mudanças em suas condições de vida futura.
Conversando comigo, a professora dizia que o Raí “não quer nada com nada e só
faz bagunça”. Continuando a conversa, eu disse a ela que ele trabalhava, puxando carrinho de
sorvete, na rua, a tarde inteira, debaixo do sol quente. Impressionada, ela concluiu que essa
criança, em lugar de levar “a vida na brincadeira”, a levava muito a sério. Na verdade, Raí não
vive como gostaria a sua infância, pois, em seu relato, diz gostar muito de brincar, mas tem a
responsabilidade de trabalhar e, após o expediente de trabalho, dar a sua mãe todo o dinheiro
que conseguiu. Essas crianças levam consigo o estigma da irresponsabilidade, de não
quererem aprender, sem nenhuma reflexão por parte dos adultos que não estão preparados
para olhar e apreciar a realidade em que vivem.
Conversando com as mães, no dia da reunião da sala, algumas me disseram que as
professoras do ano anterior tiveram como motivo de decisão para reter alguns meninos a
indisciplina e que, se não fosse por esse motivo, o conselho escolar poderia aprová-los. A
indisciplina contribuiu como fator de rotulação da turma da série RE, não somente em
relação a esse ano, mas também às turmas dos outros anos. Ter uma sala de RE em qualquer
escola é sinônimo de problemas, inclusive na avaliação do SARESP, proposta pelo governo
do Estado de São Paulo, que visa a avaliar o rendimento da escola. De fato, o índice de
porcentagem de acertos nas provas é comprometido quando se tem uma sala de RE, levando a
escola nessa situação a ter o seu conceito prejudicado, perante as outras escolas da sua
Diretoria de Ensino.
A questão levantada por Carvalho (2004) é relevante para refletirmos sobre quais
processos contribuem para um maior índice de meninos pobres e, em sua maioria negros,
77
serem retidos e encaminhados para classes de recuperação de ciclo ou paralelas.
Comprovadamente, não se trata apenas da capacidade ou não de aprender e ser competente
para obter bons rendimentos escolares. Atuam nesse sentido os critérios e sentidos prévios de
classificação e juízos presentes na sociedade e, de forma especial, entre os agentes escolares,
os quais são demarcados pelas representações e significados atribuídos à pobreza, raça e
gênero. Em especial, também se destaca o modo como os professores avaliam o
comportamento das crianças, identificando-os segundo suas idéias de disciplina e indisciplina.
A Tabela 6 apresenta os dados referentes à religião das famílias das crianças:
Tabela 6. Freqüência das crianças da 4ª série RE, por religião que pratica, no
ano de 2007.
Religião
Nº de crianças
(%)
Católica
15
75%
Evangélica
5
25%
NR
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
A religião que predomina é a católica, porém, nas observações em sala de aula e
nas demais dependências da escola, não notei nenhuma manifestação das crianças em relação
à religião que praticam.
A Tabela 7 mostra as idades dos pais e das mães das crianças:
Tabela 7. Freqüência das crianças da série RE, por idade dos pais e das
mães, no ano de 2007.
Idade dos pais
Nº de
Crianças
(%)
Idade das mães
Nº de
crianças
(%)
33 anos
2
10%
27 anos
1
5%
34 anos
1
5%
28 anos
2
10%
36 anos
2
10%
30 anos
1
5%
37 anos
2
10%
32 anos
2
10%
39 anos
2
10%
34 anos
2
10%
38 anos
1
5%
35 anos
2
10%
40 anos
2
10%
36 anos
2
10%
43 anos
1
5%
39 anos
2
10%
45 anos
1
5%
40 anos
1
5%
49 anos
1
5%
41 anos
1
5%
65 anos
1
5%
42 anos
1
5%
-
-
-
43 anos
1
5%
-
-
65 anos
1
5%
Outros
-
-
Outros
-
-
NR
4
20%
NR
1
5%
Total
20
100%
Total
20
100%
78
A idade dos pais está, em maior incidência, situada entre os 33 e 40 anos de idade.
Enquanto o maior índice de idade das mães está entre 28 e 39 anos.
A Tabela 8 apresenta a cor/raça dos pais e das mães das crianças.
Tabela 8. Freqüência das crianças da série RE, por cor/raça dos pais e das
mães, no ano de 2007.
Cor/raça dos pais
Nº de
Crianças
(%)
Cor /raça das mães
Nº de
crianças
(%)
Branco
5
25%
Branca
3
15%
Moreno
4
20%
Morena
3
15%
Pardo
9
45%
Parda
14
70%
Preto
29
1
5%
Preto
-
-
NR
1
5%
NR
-
-
Outros
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
Total
20
100%
A maioria dos pais e das mães se auto-classifica como sendo da cor parda, morena
e preta, os pais totalizam 70% e as mães 85%, tal como classificaram a maioria do(a)s seus/as
filho(a)s, numa porcentagem de 60%.
A Tabela 9 mostra o estado civil dos pais e das mães.
Tabela 9. Freqüência das crianças da série RE, por estado civil dos pais e
das mães, no ano de 2007.
Estado civil dos
pais
Nº de
Crianças
(%)
Estado civil
das mães
Nº de
crianças
(%)
Solteiro
3
15%
Solteira
9
45%
Casado
11
55%
Casada
6
30%
Separado
2
10%
Separada
1
5%
Desquitado
1
5%
Viúva
1
5%
NR
3
15%
NR
3
15%
Outros
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
Total
20
100%
A maior parte dos pais é casada, 55% em relação às mães, as quais constam como
sendo 45% solteiras e 30% casada. Uma parte pequena dos pais casados mora com outra
família.
A tabela 10 mostra o grau de escolaridade dos pais e das mães das crianças:
29
A cor indicada preto faz parte da própria auto-classificação do(a)s familiares responsáveis pelas crianças, que
responderam ao questionário socioeconômico e cultural que enviei, em se tratando da questão cor/raça ser aberta.
79
Tabela 10. Freqüência das crianças da série RE, por grau de escolaridade
dos pais e das mães, no ano de 2007.
Grau de escolaridade
dos pais
Nº de
Crianças
(%)
Grau de escolaridade das mães
Nº de
Crianças
(%)
1ª a 4ª série
9
45%
1ª a 4ª série
5
25%
5ª a 8ª série
8
40%
5ª a 8ª série
12
60%
2º grau
0
-
2º grau
2
10%
Grau superior
0
-
Grau superior
1
5%
NR
3
15%
NR
-
-
Outros
-
-
Outros
-
-
Total
20
100%
Total
20
100%
Quarenta e cinco por cento dos pais cursaram entre a séries, enquanto 40%
entre a e 8ªséries; quanto às mães, consta que 25 % cursaram entre a a séries e 60%
entre a e a 8ªsérie, tendo 5% cursado o grau superior. A porcentagem do grau de
escolaridade de 5ª a 8ª série, 2º grau e de grau superior é maior por parte das mães, mostrando
que elas têm um maior grau de escolaridade em relação aos pais.
A Tabela 11 mostra a condição de moradia das crianças e sua família:
Tabela 11. Freqüência das crianças da série RE, por condições de moradia
e por tipo construção da casa, no ano de 2007.
Condições de moradia
de crianças
(%)
Tipo de construção
da casa
Nº de
Crianças
(%)
Própria
8
40%
Alvenaria
10
50%
Alugada
7
35%
Madeira
6
30%
Cedida
5
25%
-
-
-
NR
-
-
NR
1
5%
Outros
-
-
Outros
3
15%
Total
20
100%
Total
20
100%
um número maior de crianças (40%) que residem em casa própria. O restante
mora em casa alugada ou cedida, sendo estimável a porcentagem de 60%.
Cinqüenta por cento moram em casa de alvenaria, mas 15% moram em outros
tipos de casa que podem ser barracos ou lugares em condições precárias de se viver, conforme
pude constatar na visita que fiz a algumas famílias.
A Tabela 12 mostra os eletro-eletrônicos que a família possui:
80
Tabela 12. Freqüência das crianças da série RE, por eletro-eletrônicos que
a família possui, no ano de 2007.
Eletro-eletrônicos que a família possui
Nº de crianças
(%)
TV
7
35%
Telefone
7
35%
Vídeo ou DVD
5
25%
Geladeira
19
95%
Rádio
15
75%
Liquidificador
9
45%
Máquina de lavar roupa
9
45%
Computador
NR
-
-
Outros
3
15%
Total
20
100%
Pode-se observar que são poucas as famílias que possuem vídeo ou DVD e que
nenhuma possui computador, sublinhando como é importante que as escolas públicas
oportunizem às crianças terem acesso aos meios tecnológicos, como a internet, e ao uso de
outros programas no computador, bem como a devida aproximação da arte cinematográfica,
através da linguagem fílmica, mesmo que por intermédio de vídeos e DVDs.
As Tabelas 13, 14 e 15 mostram um pouco dos hábitos cotidianos das famílias das
crianças.
Tabela 13. Freqüência das crianças da série RE, por tipo de leitura que a
família aprecia, no ano de 2007.
Tipo de leitura que a família
aprecia
Nº de crianças
(%)
Romance
3
15%
Ação
0
-
Economia
3
15%
Esporte
3
15%
Drama
3
15%
Notícia e informação
9
45%
Religião
9
45%
Ficção
1
5%
Educação
7
35%
Entretenimento
3
15%
NR
-
-
Outros
1
5%
Total
20
100%
81
Tabela 14. Freqüência das crianças da série RE, por tipo de música em
geral que a família ouve, no ano de 2007.
Tipo de música em geral que
a família ouve
Nº de crianças
(%)
Pop rock
1
5%
Rock
0
-
Sertanejo
11
55%
Romântica
12
60%
Internacional
4
20%
MPB
2
10%
Forró
6
30%
Eletrônica
1
5%
Funk
1
5%
Rap
1
5%
Axé
2
10%
Religiosa
1
5%
NR
-
-
Outros
4
20%
Total
20
100%
Tabela 15. Freqüência das crianças da série RE, por tipo de comida e
pratos mais apreciados e / ou consumidos pela família, no ano de 2007.
Tipo de comida
Nº de crianças
(%)
Estrogonofe
1
5%
Lanche
1
5%
Salgados
1
5%
Churrasco
6
30%
Lasanha
6
30%
Peixe
9
45%
Yakisoba
3
15%
Macarronada
7
35%
Feijoada
5
25%
Dobradinha
5
25%
Sopa
5
25%
Arroz e feijão
16
80%
Carne cozida
17
85%
Carne assada
7
35%
Frango assado
7
35%
Enlatadados
2
10%
Farofa
4
20%
NR
-
-
Outros
3
15%
Total
20
100%
A maioria gosta de ler sobre informação, religião e educação. os pratos mais
consumidos, em ordem de maior escolha, são: carne cozida, arroz e feijão, peixe,
82
macarronada, carne assada, frango assado e o churrasco; yakisoba, lanche, estrogonofe,
salgados e enlatados são os menos consumidos. A maioria das famílias gosta mais de música
romântica, sertaneja e forró; o rock não teve nenhuma escolha e as outras opções tiveram um
índice irrelevante, no gosto musical dessa amostra. As crianças cantam, na escola, mais
músicas românticas e sertanejas: apesar de o funk e o axé não aparecerem como alternativas
expressivas de apreciação, elas cantam diariamente esse gênero musical.
São crianças cuja maioria, oitenta por cento, vive com suas famílias e com um
salário mínimo, 45% são constituintes de uma família do tipo “nuclear”, composta por pai,
mãe e irmãos ou outros parentes. Identificam-se como adeptos da religião católica e 40% têm
casa própria, apesar do pouco salário que ganham. Gostam do estilo musical sertanejo e, pelo
que apresentaram em suas escolhas de comida e pratos mais consumidos, muitas vezes,
devem ouvir música sertaneja comendo um churrasquinho.
Em relação à convivência das crianças em sala de aula, desde o relacionamento
entre as crianças e a professora, entre os meninos e meninas e deles e delas com outras
crianças da escola, pode-se dizer, sob o ponto de vista de quem observa, que é sobrecarregado
de intensa agitação. Estas, vivazes, inquietas e barulhentas, fazem pairar no ar uma forte
agitação das emoções. Para começar, praticamente todos os dias, havia brigas dentro da sala
de aula, sem contar as que aconteciam fora da sala e em outros espaços da escola.
Fiquei surpresa de ver como os meninos brigavam e a maioria de suas brigas era
precedida de agressões físicas acrescidas de xingamentos, a ponto de deixarem a professora
assustada e, algumas vezes, precisar pedir ajuda de outras pessoas, por não agüentar separá-
los, devido à exaltação em que se encontravam e à força que tinham. As brigas começavam,
às vezes, por motivos banais, como fazer pirraças, mexer no material do outro sem pedir, ou
de uma piada de mau gosto, que ofendera o colega. As meninas brigavam mais pelo motivo
de paquerarem o mesmo menino ou por ficar sabendo que a colega havia feito algum
comentário negativo ou falado mal delas. E as brigas entre meninos e meninas eram por
desentendimentos que ocorrem no dia-a-dia ou pelos meninos fazerem pirraça, contrariando
as meninas de caso pensado. Ou, então, quando exibiam zombarias com os sentimentos delas,
por terem descoberto quem era o garoto de quem gostavam.
As meninas, por serem um grupo menor na sala de aula, sentam-se perto
umas das outras; geralmente, na fileira que é encostada na parede da sala,
perto das janelas, ficam sentadas quatro meninas e, na outra fileira, ao lado,
que mais para o fundo da sala, as outras três meninas, que são as que
mais conversam entre si, mas não se tornam um grupo isolado ou apartado
83
das outras meninas. O restante do espaço é ocupado pelos meninos. (Diário
de campo, 25/04/07).
Alguns meninos vêm mais bem vestidos para sala de aula - com tênis, camiseta, às
vezes era o uniforme, calça jeans e boné ou óculos de sol. Havia outros, porém, que mal
tinham o uniforme da escola para usarem, tal como algumas meninas. Percebi que usavam
camisetas com furos, shorts ou bermuda com um rasgo pequeno e cabelos não cortados e
maltratados. Na maioria das vezes, usavam chinelos, que mostravam seus pés sujos e as unhas
não cortadas. Observei que alguns tinham manchas brancas na pele.
Também havia uma menina que ia com roupas bem simples, com calças curtas
para a sua idade, blusas ou camisetas manchadas. Mesmo assim, as meninas sempre estavam
com batom nos lábios, com prendedores de cabelo, maquiagem no rosto; na sala, maquiavam-
se e uma emprestava para outra o “gloss”, o batom, o pente e até o perfume; dentro do estojo,
traziam até esmalte de passar nas unhas. A maioria das meninas calçava rasteirinha ou tênis,
calça e camiseta, que era o uniforme da escola.
Embora agitadas e briguentas, as crianças são alegres, inteligentes e criativas. Isso
faz lamentar intensamente o fato de que muito poucas menos da metade ao final do ano de
2007, conseguiram ir para a série do segundo ciclo do Ensino Fundamental, por não terem
sido devidamente ensinadas a ler e escrever. Estas apresentavam muita dificuldade em
interpretar textos, além de não saberem interpretar e resolver as situações-problema propostas
na aula de matemática.
3.2.1. Em destaque as crianças entrevistadas
A maior parte das dez crianças selecionadas para as entrevistas e dinâmicas se
enquadrava no critério de crianças que se destacavam e melhor se comunicavam na sala de
aula, além de apresentarem, igualmente, maior interesse em assuntos de namoro. Apesar
disso, escolhi, entre eles e elas, um menino e uma menina que não se encaixavam nesse perfil,
mas que tinham características contrárias aos primeiros: eram mais tímidos e demonstravam
falta de interesse em assuntos de namoro, apesar de fazer parte da turma de amigos das
crianças que se destacavam. Com isso, pretendi oportunizar certa heterogeneidade entre as
crianças escolhidas, embora, para o tema a ser discutido sexualidade , fosse aconselhável
lidar com participantes que fossem mais desinibidos e tivessem mais facilidade em
84
comunicar-se, pois falariam de questões que envolvem sentimentos e idéias íntimas e
pessoais. Também era importante que tivessem certa familiaridade com o tema namoro, uma
vez que se objetivava apreender seus sentimentos e sensações sobre as relações afetivas e
sexuais, bem como captar suas manifestações sobre erotismo, desejo, amor e prazer.
Nesse sentido, foram selecionados cinco meninos e cinco meninas
30
, que
participaram da entrevista individualmente, sendo que, na dinâmica com músicas, foram
separados e ouvidos em dois grupos: um de meninas e outro de meninos.
As meninas são: Taís, 11 anos; Alessandra, 12: Lilian, 11; Suzana, 11; Jéssica, 10.
Esta última é a menina que dizia não se interessar pelo assunto “namoro”. A seguir, farei uma
breve apresentação de cada uma delas.
3.2.1.1. As meninas
TAÍS, 11 ANOS: "A minha mãe me trata como adolescente, ela me manda fazer o
serviço de casa"; "Eu tenho vergonha de dizer o que eu sinto para ele”
Taís tem 11 anos, é uma menina alta, magra, com a pele morena clara
31
, cabelos
castanhos, nem lisos e nem encaracolados, com comprimento que vai até os seus ombros,
olhos castanhos. Geralmente, veste-se com calça jeans e usa rasteirinha. Tem mais amizade
com Luiza e Alessandra. Apresentando uma estima baixa, diz achar-se feia e afirma ter
vergonha de se declarar para o menino de que diz gostar. É carinhosa com as colegas: no meu
cabelo adorava passar a mão e tirar os fios brancos. Freqüentemente, estava brigada com
alguma menina, porque ambas gostavam do mesmo menino ou porque achavam que ela é
falsa”, segundo diziam algumas colegas. Geralmente, de acordo com o que observei, nunca
era correspondida pelo menino de quem ela gostava. Não apresentava interesse na aula,
passava a maior parte do tempo conversando. Em seu depoimento, ao responder sobre seu
dia-a-dia, Taís relata:
30
Os nomes apresentados são todos fictícios, para não expor as crianças que aceitaram participar da pesquisa. A
questão da exposição das crianças, na pesquisa, pela utilização de seus nomes ou a falta de identidade destas, por
não serem tratadas pelos seus próprios nomes, é tratada por Sonia Kramer (2002).
31
A caracterização das crianças foi realizada de acordo com o olhar da pesquisadora, não correspondendo aos
critérios para definir cor/raça respondidos pelo(a)s responsáveis no questionário sócio-econômico e cultural.
85
No final de semana, na manhã, eu acordo 11 horas e levanto e vou fazer o
serviço: varro a casa, lavo a louça, varro o quintal, e minha mãe lava roupa.
Tem vez que eu faço o almoço, lavo a louça e vou brincar de pular corda,
pega-pega, rela-congela, esconde-esconde, cada macaco no seu galho.
Volto e vou jantar, escovo os dentes e assisto televisão e vou dormir.
No domingo eu, minha mãe, meu padrasto e meus irmãos (dois meninos -
um tem dez e o outro tem 8), vamos pra prainha.
Nós vai pra casa e faço o serviço, assisto televisão e brinco. À noite eu não
brinco, a minha mãe não deixa [...]
Na minha vida, a pessoa que eu mais gosto é a minha mãe, eu não gosto do
meu padrasto, ele é chato.
As minhas melhores amigas são a Tatiane e a Alessandra. (Taís).
32
Sua mãe é dona de casa e seu padrasto é o único que trabalha fora e tem salário;
moram em cinco pessoas na casa, alugada. Sua mãe estudou até a série e sua família é
evangélica. Os alimentos mais consumidos pela família, em geral, são arroz e feijão, carne
cozida e macarronada. Parece ser uma família de hábitos simples.
Taís diz gostar mais de brincar de pega-pega e conta que sua mãe não permite que
ela brinque à noite, por causa dos meninos do bairro; não gosta de brincar de casinha. Ela
ajuda nos afazeres domésticos com a limpeza da casa e lava as louças que sujam no almoço e
no jantar, enquanto sua mãe fica responsável por lavar as roupas de todos da casa e passá-las.
“ALESSANDRA, 12 ANOS: “Adolescente pode sair, eu saio de vez em quando”; Beijo
de língua é muito bom ... eu gosto de usar calça bem justa”
Alessandra tem 12 anos, é baixa, morena clara, com cabelos encaracolados,
castanho-escuros, e olhos cor de jabuticaba; tem um corpo que apresenta curvas, bem
torneado, pernas grossas e seios desenvolvidos é a única menina que tem o corpo mais de
“mocinha”. Não costuma usar uniforme, usa calça jeans bem apertada (e diz que gosta de usá-
la assim), blusinha e sandálias ou tamancos com plataformas mais altas - que variam entre
sete a dez centímetros; às vezes, também usa tênis. Ela é, claramente, a menina mais cobiçada
da classe, considerada a mais bonita pelos meninos. Vários meninos diziam gostar dela. Ela
32
A transcrição da entrevista segue fielmente a fala das crianças. A entrevista começou quando pedi às crianças
que falassem detalhadamente o que fazem desde o acordarem até dormirem, na semana e no final de semana, e
para me contarem do que gostam de brincar e das pessoas de que mais gostam.
86
também era a que mais se destacava na aprendizagem dos conteúdos propostos pela
professora.
De todas as meninas, é a que mais tem facilidade para se comunicar. Conversa
tanto com os meninos, quanto com as meninas. Algumas meninas a elegeram como a melhor
amiga; como não costuma brigar por questões relativas a namoro, geralmente, suas amigas
brigam por ela.
Em seu relato do cotidiano, Alessandra diz:
Eu moro com a minha mãe e os meus dois irmãos. A minha mãe e o meu
pai o divorciados. Meu pai e minha mãe namoram; e o meu pai vai casar
e, talvez, a minha mãe também.
Quando eu acordo, escovo os dentes, tomo café e venho pra escola.
Eu chego e converso com as meninas, com a Lílian - a minha melhor amiga.
A gente faz a lição, termina e vai fofocar.
Eu vou para minha casa, almoço, lavo louça, limpo o fogão, varro a casa e
vou assistir a novela da tarde.
À noite, eu converso com as minhas amigas, perto de casa.
No final, a gente viaja, nós vamos pra casa do namorado da minha mãe, nós
fica conversando; , o Clebinho vai lá. Tem vez que a gente sai e vai para o
assentamento, ando de cavalo, dou comida pras galinhas.
As pessoas que eu mais gosto é a minha mãe e os meus irmãos.
Quando eu era criança, eu era arteira. Eu lembro quando o meu pai e a
minha mãe separaram, eu não achei nem melhor e nem ruim. (Alessandra).
Como se vê, Alessandra mora com sua mãe e seus irmãos, em casa própria, e
parece ter uma boa relação com o seu pai e a namorada de seu pai. Várias vezes ela me contou
que foi passear na casa do pai e na casa da namorada do pai, passar o final de semana inteiro e
se divertir muito. Sua mãe é jovem, tem 27 anos, trabalha como auxiliar geral, tem curso
superior e ganha um salário mínimo.
Ela não brinca como as outras meninas: seu lazer é conversar com as suas
amigas, namorar e passear com a família do pai ou com sua mãe. Tem a responsabilidade de
cuidar da casa, enquanto a sua mãe trabalha fora. E fala da infância, no passado: “quando eu
era criança...”.
LILIAN, 11 ANOS: "Eu odeio brincar de bonecas"; " Beijo de língua é nojento"
Lílian tem 11 anos, é negra, cabelos crespos e pretos queimados de sol; segundo a
classificação do pai, ela é de cor parda e ele é preto. Veste-se com a calça e a camiseta da
87
escola. Tem os olhos castanho-escuros, com cílios grandes e negros, não é alta nem baixa para
a sua idade, é magra. Conversa bastante, mais com as meninas do que com os meninos. Não
presta muita atenção à aula, tem muita dificuldade na aprendizagem, assim como Taís.
Embora se relacione relativamente bem com as outras meninas, em geral, ela se senta perto de
Andréia, que é uma menina muito tímida, embora diga que a pessoa de quem mais gosta é
Alessandra, outra colega da sala. Lílian gosta de passar batom e de se arrumar, dentro da sala
de aula. Cheguei a observá-la fazendo fofocas e intrigas, colocando uma colega contra a outra
e, às vezes, mostrando-se bem irônica.
Em seu relato do cotidiano, diz:
Minha família é minha mãe, pai, irmã, eu e minha tia.
Eu acordo, tomo banho, tomo café da manhã e vou pra escola.
Chego da escola, almoço, assisto à novela, eu vou brincar fora. Às vezes,
faço serviço.
À noite eu saio pra brincar, tem dia que eu nem janto. Um dia eu jantei
quase meia-noite [...]
Da minha casa eu gosto mais da minha mãe, do meu pai e do meu irmão. Eu
gosto da Alessandra, que é da escola. (Lilian).
Na casa de Lílian, vivem em cinco pessoas. Sua família sobrevive com um salário
mínimo e em casa própria. Seu pai é pescador e sua mãe está desempregada. Sua família é
evangélica, embora nunca a tenha identificado como praticante, nem na escola, nem em seus
depoimentos.
Em entrevista, contou-me que não gosta de brincar com bonecas e que prefere
esconde-esconde, não ajuda em casa nos trabalhos domésticos, passa a tarde dormindo e
depois vai jogar vídeo-game ou assistir novela e, depois, desenho animado. Ela relatou que
gosta de brincar à noite, mas que também paquera, quando tem um menino bonito brincando
com ela, mas que suas companhias para brincadeiras são, na maioria, meninas, com idade
variando de 10 a 13 anos.
SUZANA, 11 ANOS: "(...) quando fiquei me sentindo mocinha, comecei a me arrumar
mais, usar roupas mais curtas”; " Eu sou de um, mas eu não quero namorar, vai... eu
prefiro ficar"
Suzana tem 11 anos, ela é mais magra que Taís, não é baixa, é morena clara, com
os olhos grandes e brilhantes, tem uma voz muito bonita e, às vezes, ela fala como uma
88
mulher adulta. É meiga, ri muito, gosta de conversar, mas copia o que a professora registra na
lousa, apresenta dificuldade de aprendizagem, apesar de ter-se desenvolvido, no decorrer do
ano. Tem alguns meninos que a acham bonita; o Alencar, por exemplo, é apaixonado por
ela, a ponto de chegar a chorar... Ela é vaidosa, fala baixo e com delicadeza, porém, a sala
inteira ouve quando resolve dar suas gargalhadas. Sempre está de bom humor. Tal como as
colegas, distrai-se bastante com adesivos, figurinhas, diário, entre outros objetos.
Em seu relato do cotidiano, diz:
Eu moro com minha vó e vô.
Eu levanto, aí me arrumo pra ir pra escola, volto e brinco.
Eu almoço, espero descansar a comida, lavo a louça e vou cuidar de um
menino.
Eu cuido do nenê da minha madrinha em frente da casa da minha mãe, perto
da minha vó.
Eu cuido dele depois do almoço até as cinco horas. Eu ando com ele,
brinco, ando de motoca, ele tem um aninho.
Eu gosto dele, mas a tia dele é irritante, chata. Eu dou comidinha, mas a
mãe dele deixa pronta. Eu dou banho nele, tem uma menina que o Rafael
que cuida.
Depois do serviço, eu passo na minha mãe, dou um beijo e vou pra minha
vó.
Chego e assisto a Malhação, tomo banho, janto, lavo louça e assisto a
novela e vou dormir.
no serviço, eu assisto DVD de criança. Quando ele dorme, eu saio um
pouco pra brincar, tem criança lá do lado, ou eu durmo com ele [...]
Eu gosto de assistir a filmes de noite.
As pessoas que eu mais gosto é da minha mãe, do meu irmão, a minha é
legal, mas eu não gosto muito do meu vô não.
Tem hora que eu gosto de trabalhar, mas tem hora que não, que tem gente
que perturba a minha vida.
Ao mesmo tempo, eu queria brincar e cuidar dele.
Eu dou o dinheiro prá minha e quando eu quero alguma coisa, levar
dinheiro pra escola, ela me dá. Eu ganho 30 reais por mês. (Suzana).
De acordo com o questionário respondido por sua família, seu pai é casado e sua
mãe é solteira, ela mora com os avós, que possuem casa própria e vivem com uma renda
mensal de um salário mínimo; sua mãe, no momento, está desempregada e mora sozinha perto
da sua casa. São católicos e ela freqüenta a catequese todos os sábados.
Suzana disse que, às vezes, brinca com a boneca Barbie ou de casinha, mas uma
das brincadeiras de que ela mais gosta é esconde-esconde e pega-pega; quase não há meninos,
nas brincadeiras. Ela declarou que gosta de trabalhar de babá e que, quando ela precisa
comprar alguma coisa, pede dinheiro para a sua avó. Ela gosta de um menino, mas ele não
sabe que ela gosta dele. Segundo disse, até hoje ela só deu um selinho e nunca namorou sério.
89
JÉSSICA, 10 ANOS: "Eu me acho ainda criança"; "Eu acho o beijo uma coisa nojenta
Jéssica tem 10 anos, é magérrima, tem a cor de pele parda, olhos castanho-
escuros, é a menina mais alta da sala. É tímida, fala pouco. É distraída e, às vezes, parece que
está desconectada do mundo.
Nunca a ouvi falando de meninos, de namoro, sobre gostar de alguém. Não
cheguei a -la brigar com seus/suas colegas. Fala bem baixo, pausadamente, e aparenta ser
uma menina muito tranqüila.
Taís e Jéssica andam com roupas bem simples, não raro esta veste umas blusinhas
que ficam curtas em relação ao seu tamanho; ela vem sem pentear o cabelo, não passa batom,
como as outras meninas. Na verdade, a maioria das meninas parece que não tem condições de
comprar o uniforme da escola. As que andam com roupas melhores e mais bem arrumadas são
Alessandra, Luíza e Lílian.
Em seu relato, Jéssica, diz:
Eu acordo, escovo os dentes, tomo banho, visto a minha roupa, tomo café
(pão com manteiga e café puro) e vou de bicicleta pra escola.
Na escola eu rezo, nós vamos pra sala, aí, depois, eu faço lição e fico
brincando na sala de joguinho.
Volto pra casa e almoço; lavo louça e o fogão e vou dormir. A minha mãe
limpa a casa, não trabalha fora.
Na minha casa mora eu, minha mãe, meu pai e duas irmãs (de onze e nove)
e meu tio. Meu pai trabalha na cerâmica.
À tarde, depois de dormir, eu vou assistir a filmes e vou brincar na rua de
pega-pega, esconde-esconde, com meninas e meninos, tem uns mais velho e
outros novo. Eu brinco até de noitão até às dez horas. Eu não gosto de
brincar de boneca e de casinha.
Eu janto onze horas da noite e vou dormir.
No fim de semana, eu acordo nove horas e vou limpar a casa, eu lavo só as
minhas roupa e vou brincar de futebol só de meninas, nós não deixa os
meninos brincar.
No domingo, eu acordo às nove e limpo a casa, almoço e de tarde vou pro
rio com a minha família e volto à noite, vou pra igreja católica, volto e janto
e vou dormir.
As pessoas que eu mais gosto é da minha mãe e do meu pai. A minha
melhor amiga é a Luíza, aqui da sala. (Jéssica).
Na casa de Jéssica, moram seis pessoas, incluídos os seus tios; os responsáveis
indicaram subsistir com apenas um salário mínimo e que moram em casa alugada; são
praticantes da religião católica.
90
Ela gosta de brincar de bonecas e de futebol. Jéssica não manifestou interesse no
assunto namoro e disse nunca ter gostado de alguém. Gosta de ajudar em casa, de brincar e de
ir à missa.
Como se pode observar, a maioria das meninas não prefere brincar de bonecas e
de casinha, mas gosta de jogos de perseguição, em que possam brincar meninos e meninas.
Fiz uma pergunta sobre o porquê de não brincarem com meninos e elas responderam que era
porque havia poucos meninos perto de suas casas; somente Taís respondeu que sua mãe não
deixava brincar com meninos, enquanto Jéssica disse que não gosta e não deixa os meninos
participarem das brincadeiras.
3.2.1.2. Os meninos
Quanto aos meninos participantes da entrevista, foram os seguintes: Jonas, de 11
anos; Jorge,10 anos; Gustavo, 12 anos; Alencar, 11 , e Raí, 11 anos, também.
JONAS, 11 ANOS: "Eu não sou mais criança"; Tem um monte de menina que gosta
de mim”
Jonas tem 11 anos, a cor da sua pele é parda, é magro e tem os olhos castanho-
escuros. Ele se preocupa com sua aparência: anda bem arrumado, usa boné e calça baixa e
larga no cós, mostrando a cueca. É bastante paquerado pelas meninas. Tem muito interesse no
assunto namoro, sempre fala sobre isso na sala de aula, porém, na entrevista, em situação
“cara a cara” comigo, mostrou que tinha vergonha de falar sobre o assunto e sobre o que
pensava. Tem uma letra bonita, é caprichoso, ri muito e não é de briga. Gosta de assistir a
filmes e jogar vídeo-game. Sempre ele vem comentar comigo sobre os filmes que passam na
televisão. Tem o costume de conversar com as meninas.
Em seu relato, Jonas, diz:
Eu acordo, vou trocar de roupa, tomo o café, escovo os dentes e vou pra o
ponto de ônibus.
91
Venho pra escola, vou rezar, vou pra classe e faço lição: dou uma volta
dentro da classe. Vou pra o recreio e fico brincando, de vez em quando,
tomo a merenda.
Volto pra casa e almoço; escovo os dentes e vou dormir, depois que eu
acordo, por uma base das quatro horas, eu ajudo: vou lavar louça, limpar
fogão, depois eu vou brincar lá em casa.
Eu brinco de futebol, nado na piscina, de esconde-esconde, com meus
primos.
Na minha casa é eu, minha mãe, meu pai e meu irmão e irmã, de quinze e
treze. Depois, à noite, tomo banho, vou jantar, assisto a televisão, o desenho
na Record. Depois escovo os dentes e vou dormir.
No final de semana, eu acordo sete horas, vou pra catequese, venho pra casa
brincando. Almoço e cada um pega um serviço pra fazer.
À tarde, tem dia que nós sai na casa dos parentes, fica até tarde. Volto à
noite, janto e vou dormir. No domingo, todos vai na igreja, menos o pai. No
domingo é a mesma coisa que no sábado.
Meu pai trabalha de caseiro. (Jonas, 26/11/07).
Moram cinco pessoas na casa, que é cedida, pois o pai de Jonas trabalha de
caseiro, sua mãe é auxiliar geral. Eles e os irmãos vivem com uma renda mensal de três
salários mínimos. São praticantes da religião católica.
Os afazeres domésticos são divididos entre o irmão e a irmã; ele contou que, se
não fizer a sua parte direito, sua mãe bate nele com a bengala. Ela sofreu um acidente e
precisa da bengala para se locomover e, quando precisa, usa-a para corrigi-lo. Em casa
regras que precisam ser seguidas, “senão, o pau come” (26/11).
JORGE, 10 ANOS: “Os adolescentes namoram, (...) nós não, beija e tá bom”;
Nunca namorei”
Jorge tem 10 anos, é gordinho, branco, de olhos grandes e castanhos. Não fala
sobre namoro e parece que não tem interesse nesse assunto. Ele foi o menino selecionado para
participar da pesquisa por não se enquadrar no perfil de crianças que se destacam na sala por
serem comunicativas ou por apresentarem interesse pelo assunto namoro. É brincalhão, não
tem o costume de brigar, parece ser um menino muito carinhoso. Tem um bom
relacionamento com os colegas, mas não conversa muito com as meninas. Não deu entrevista
sobre o seu cotidiano, por motivo de ausência (que é um problema na escola), e sua família
não respondeu ao questionário sócio-econômico e cultural. Em conversas informais, disse-me
que cuida do irmão mais novo, enquanto a mãe faz trabalho artesanal, como biscuit, e pinta
92
pano de prato. Diz gostar de jogar vídeo-game e fala mais sobre filmes e desenhos. Não se
interessa muito por jogar futebol, embora goste de torcer pelo time do São Paulo.
GUSTAVO, 12 ANOS: "Adolescente é mais esperto, criança não"; "O amor é lindo,
falar com ela me dá um frio na barriga (risos)
Alto e magro, Gustavo também é negro e, a meu ver, muito bonito, esperto e
sorridente. É muito comunicativo, quase sempre leva para casa bilhete da professora com
reclamações referentes ao seu comportamento. Ele apresentou um bom desenvolvimento em
relação ao modo como se encontrava no mês de junho, chegou ao final do ano lendo e
escrevendo. Mostra interesse no assunto namoro, a maior parte do tempo fala sobre meninas.
De vez em quando arruma confusão, mas é um menino muito carinhoso e atencioso, abraça a
professora, sempre está conversando com as meninas. Ele se senta na carteira da frente, para
que a professora tenha um controle maior sobre ele. Quando quer, realiza as atividades, mas,
geralmente, passa o tempo em sala conversando e fazendo brincadeiras. Ele é considerado
bonito pelas meninas e vive esbanjando charme
33
, às vezes, vai todo arrumado para escola,
sem uniforme, de bermuda social e camiseta de gola pólo. Algumas vezes, ele vem me contar
sobre as novidades que acontecem na sala de aula e sobre a sua vida.
Em seu relato, Gustavo diz:
Eu acordo cedo, tomo banho, tomo o café, de vez em quando, e eu compro
o pão e venho pra escola de bicicleta.
, depois, na escola faço a lição, de vez em quando, eu vou pra casa e
tomo banho e vou arrumar a casa. Varro, passo o pano no chão, lavo a
louça, o meu pai faz o almoço, tem vez que é eu. Depois, eu almoço e lavo a
outra louça e vou dormir. Meu pai vai pro serviço dele, na Andorinha.
Eu acordo tomo mais um banho, janto e vou pra prainha, tem vez que eu
levo o meu irmão, ele tem sete anos. Eu venho embora, a minha mãe chega
e faz a janta.
Eu tomo banho, janto e vou pra rua e brinco de pega-pega e esconde, tudo
misturado menino e meninas, mais ou menos da mesma idade, tem bastante
criança.
Depois de brincar, eu tomo banho e vou dormir.
No final de semana, eu acordo bem cedo, faço café, compro pão, de vez em
quando vem o sono e eu volto a dormir. Meus pais estão dormindo.
Depois de almoçar eu lavo a louça e vou brincar até as seis horas, vou pra
vários lugares brincar, não fico perto de casa. À noite eu vou pra igreja
33
Digo que ele vive esbanjando charme, pois ele parece acreditar nisso, principalmente, ao me perguntar se eu
acho que ele está bonito.
93
Assembléia de Deus, volto, janto e vou pra escola dominical e faço a
mesma coisa que no sábado. (Gustavo, 26/11).
Seu pai e sua mãe fizeram até a primeira série, o pai trabalha de frentista e a mãe
de doméstica, com uma renda mensal de dois salários nimos. Moram quatro pessoas na
casa, que é própria. São evangélicos praticantes.
Gustavo tem a responsabilidade de cuidar da casa e do irmão mais novo e conta
que, às vezes, faz o café e até o almoço, quando o seu pai se atrasa para vir almoçar. Mesmo
tendo tarefas para cumprir, reserva um tempo para o lazer, vai à prainha, joga vídeo-game,
brinca de futebol. Mas é à noite que ele mais gosta de brincar, é o momento em que se
encontra com as meninas e os meninos para brincar e aproveita para paquerar. Sempre toma
banho para brincar, passa perfume, mesmo sabendo que terá que tomar outro banho para
dormir.
ALENCAR, 12 ANOS: "No meu pênis começou a nascer cabelo”; "Ela não tem coração,
vou esquecer ela
Alencar tem 12 anos, é de cor parda, tem olhos marcantes e castanhos. Costuma
conversar comigo sobre seus sentimentos e, ao falar de sua “amada” Suzana, chegou a ficar
com os olhos cheios de lágrimas. Tem um bom relacionamento com os meninos e as meninas
da sala de aula. Às vezes é tímido; quando está triste, ele se isola e fica em completo silêncio.
Em seu relato, ele diz:
Eu acordo, escovo os dentes, fico assistindo a TV até minha a mãe acordar.
Eu vou comprar pão. Nós toma café da manhã, eu, minha mãe, meu irmão e
meu pai.
Eu vou pra escola a pé, é longe. Encontro os meus amigos no meio do
caminho.
Volto da escola, almoço, levo meu irmão pra escola. Depois volto e vou
brincar de pega-pega, pula corda, rela-congela, e volto pra tomar café da
tarde e assisto a TV [...]
Eu jogo vídeo-game, faço capoeira, às duas horas da tarde. Chego e vou
brincar de bola.
No domingo, eu vou trabalhar com meu pai.
Nós vamos matar porco, laçar boi, ou descarregar saco de cimento e, na
hora do almoço, nós come marmitex. Meu pai me o dinheiro pela ajuda,
todo mês, e eu dou pra minha mãe: ele dá vintão. (Alencar, 26/11).
94
Na casa de Alencar, que é alugada, moram cinco pessoas. Seu pai é açougueiro,
mas está desempregado, e sua mãe é empregada doméstica. A renda mensal é um salário
mínimo. São católicos.
Como Gustavo, Alencar gosta de brincar à noite, que é o momento de também
paquerar. Ele conta que as brincadeiras, como pega-pega e verdade ou desafio, são propícias
para ficar perto ou tocar as meninas por quem sentem algum interesse afetivo-sexual, se
possível podem até beijar ou “ficar”. Ele também se arruma, passa perfume e coloca uma das
suas melhores roupas, pois quer impressionar a menina que ele paquera.
Em sua casa, seu trabalho é de lavar as suas próprias roupas e, no final de semana,
ajuda o seu pai, que presta serviços informais. Este lhe retribui, com vinte reais por mês, o
trabalho prestado em alguma ocasião, dinheiro que ele a sua e, que o gasta com o que
achar necessário.
RAÍ, 11 ANOS: "Eu não sou adolescente. Mas vivo como adolescente, porque eu
trabalho vendendo sorvete”; “Não tive coragem de falar, dá vergonha de chegar, vai que
ela fala um não
Raí tem 11 anos, é negro, tem os cílios grandes e olhos expressivos, é bem magro,
“parece um anzol”, conforme dizem os amigos. Não tem interesse nos conteúdos da escola,
mas, em suas atuações na vida extra-escolar, apresenta facilidade para resolver vários
problemas e situações. Na sala de aula, não copia uma linha do que está escrito, nem faz as
lições de matemática, mas trabalha vendendo sorvete na rua, no carrinho de mão e, nesse
momento, resolve todas as contas e trocos de pagamentos, com tranqüilidade. É brincalhão, de
vez em quando participa das brigas, como o Gustavo e o Alencar, mas não está no rol dos
meninos que vão todos os dias para a diretoria. Ele é engraçado, vive contando piadas e
fazendo brincadeiras com os colegas. Constantemente, a professora o repreende. Às vezes é
nervoso e “respondão”, como se diz na escola.
Em seu relato, diz Raí:
Eu acordo, escovo os dentes, tomo banho, não tomo café, e venho pra
escola.
Volto pra casa, almoço e vou vender sorvete até as seis horas da tarde.
Chego em casa e dou o dinheiro pra minha mãe.
95
Eu vou tomar banho, janto e fico assistindo a televisão, assisto a novela; às
vezes, jogo vídeo-game com meu amigo. Dois moleques vêm na minha
casa.
No final de semana, eu acordo e fico brincando na rua, de jogar bola, até dar
a hora de vender o sorvete. Almoço e vou vender. Chego às seis horas e tem
vez que vou ensaiar no grupo de rap; então eu vou dançar. eu volto e
janto, tomo banho e vou assistir a novela.
No domingo, a partir das duas horas da tarde, venho na praça e vou jogar
bola. Chego em casa, tomo banho e assisto a novela. No domingo não
vendo sorvete, eu gosto de brincar no domingo. (R, 27/11).
Na casa de Raí, que é cedida, moram em quatro pessoas - ele, a mãe e seus
irmãos. Sua mãe trabalha de auxiliar geral e a família se mantém com um salário mínimo. A
religião é católica.
Raí não ajuda no trabalho doméstico, mas trabalha na rua, vendendo picolé, a
tarde inteira, e somente chega à noite; ele gosta de brincar de bola e de vídeo-game, a maioria
que participa das brincadeiras são meninos, são poucas as meninas que moram perto da sua
casa.
3.2.1.3. Sintetizando: o que fazem essas crianças fora da escola?
Em vários depoimentos, alguns meninos e meninas mostram como parte de seu
lazer o passeio na prainha, um lugar na cidade que é turístico, em que se têm alguns bares na
areia da praia. Antes de chegar à parte de areia, tem-se o que as pessoas da cidade chamam de
orla, uma calçada que tem de comprimento quilômetros e onde muitas pessoas fazem
caminhada. Existe um parquinho, em que algumas crianças brincam, e algumas famílias
aproveitam as sombras das árvores e fazem piquenique.
As crianças entrevistadas dizem que, na rua, brincam mais de pega-pega, esconde-
esconde e de verdade ou desafio. Porém, na escola, não costumam brincar de esconde-
esconde e pega-pega. As meninas costumam brincar de “coca-cola” com os meninos da
mesma turma. Essa se parece com a brincadeira de roda, com cantorias, mas tem uma regra de
que um tem que pisar no pé do outro. Os meninos brincam mais de lutinha e de correr atrás de
alguma menina, mas sem combinar algum tipo de brincadeira ou jogo. As outras crianças da
escola, entre 8 e 9 anos, gostam mais de brincar de jogos de perseguição, como pega- pega e
esconde-esconde, semelhante às brincadeiras realizadas na rua pelas crianças da 4ªRE. Os
relatos das meninas indicam que elas são mais livres, em suas brincadeiras, para interagir com
96
meninos, quando as brincadeiras são realizadas na rua. Porém, elas apontam três situações
para que isso não aconteça: a primeira de não brincarem com meninos por não morarem perto
de suas casas; a segunda, porque as mães não permitem, e a terceira por não gostarem de
brincar com meninos. o motivo dado pelos meninos para não brincarem com meninas
coincide com os argumentos que as meninas deram. As meninas que responderam que o
brincam com meninos por o ter quase meninos perto de suas casas, ou porque a mãe não
deixa, interagem com meninos na escola, mais pela conversa do que por brincadeiras ou jogos
de perseguição.
A percepção que os profissionais da escola demonstram ter dessas crianças é de
que são desocupadas, sem controle por parte dos responsáveis e provindas de “famílias
desestruturadas”. Em seus pronunciamentos, elas são nomeadas de “crianças-problema”, a
ponto de as crianças das outras quartas séries se referirem a elas da mesma forma. Verifiquei,
no livro de ocorrências disciplinares da escola, que, nas demais quartas séries, se
apresentavam números equivalentes de ocorrências registradas. Também tive a oportunidade
de ouvir sérias reclamações de uma professora da outra série, sobre alguns de seus alunos.
O discurso sobre a “sala das crianças-problema”, estereotipado e estigmatizante, era vigente
antes mesmo da entrada dessas crianças na escola, sendo que essa marca perseguiria qualquer
criança que fosse estudar nessa classe.
Ali, se produzem identidades e subjetividades, através de gestos, de palavras e de
práticas visíveis e invisíveis, sutis, perceptíveis e imperceptíveis, conscientes e inconscientes.
Eles e elas eram levados a se auto-classificarem como diferentes das outras crianças. Como
numa corrente de persistência e repetição: de tanto ouvir dizer que sou “X”, posso acabar por
acreditar que sou “X”. As crianças tinham suas formas de resistência, enfrentavam os adultos,
não concordavam com suas declarações, mas, como vítimas de um assalto, podem não resistir
e se entregar.
As contradições são inevitáveis. De um lado, cabisbaixos, engolem as suas
palavras e entram na linha da normalidade; de outro, não desistem e contra-atacam, fazendo
questão de vestir a roupagem
34
que lhes foi oferecida, bem como fazendo uso das armas
recebidas, as quais deverão abalar ainda mais as estruturas da ordem social e escolar, que
são tão temidas e criticadas socialmente.
Telles (2005) também relatou, em sua pesquisa, a discriminação que sofrem as
crianças que são mais desfavorecidas economicamente. Segundo a professora da sala que
34
Utilizei essas metáforas para expressar a roupagem que significa o estigma de crianças-problema e as armas
são as características que apresentam essas crianças de serem agressivas, briguentas e indisciplinadas.
97
observou, as crianças que faltavam o faziam em virtude da desestrutura das famílias, pois
afirmava que “meninos e meninas não faziam nada o dia inteiro e a maioria ficava na
rua”(p.102).
As famílias dos alunos da série RE também são vistas como desestruturadas,
mas o que seria uma família desestruturada? Seria uma família que não é composta por pai,
mãe e irmãos? Se for por esse motivo, um engano aí, pois a maioria dessas crianças tem
em suas casas pai, mãe e irmãos. Seria outro, então, o motivo? Talvez o fato de que a criança
provenha de uma família menos favorecida economicamente? Nesse caso, os professores e
demais profissionais da escola contariam, porventura, com renda salarial tão acima daquela
média apresentada pela família de seus alunos?
Como observado nos depoimentos das crianças, eles e elas trabalham,
sistematicamente, todos os dias, seja se responsabilizando por importantes afazeres
domésticos, seja trabalhando fora de casa e ganhando algum dinheiro ou não. Das dez
crianças entrevistadas, entre meninos e meninas, somente uma não tinha uma rotina de
trabalho comprometida com certos tipos de atividades domésticas, sendo que uma delas não o
realizava por que trabalhava fora de casa. Três crianças faziam trabalhos informais, sendo que
somente um menino não estava trabalhando naquele momento, mas havia trabalhado em
oficina mecânica.
Portanto, essas crianças não são desocupadas, pois vivenciam uma rotina
permeada por responsabilidades comparadas, em vários casos, às de um adulto. Observe-se,
no quadro abaixo, o que disseram as crianças entrevistadas sobre seus compromissos diários
com responsabilidades que envolvem trabalho:
Quadro 1. Nome das crianças e tipo de ocupação diária.
Nome da criança
Idade
Tipo de ocupação diária
Raí
11 anos
Vendedor de pico
Taís
11 anos
Ajuda nos afazeres domésticos
Alessandra
12 anos
Ajuda nos afazeres domésticos
Lílian
11 anos
Brinca e assiste televisão
Suzana
11 anos
Trabalha de babá
Jéssica
10 anos
Ajuda nos afazeres domésticos
Jonas
11 anos
Ajuda nos afazeres domésticos
Jorge
10 anos
Cuida do irmão mais novo
Gustavo
12 anos
Ajuda nos afazeres domésticos
e cuida do irmão mais novo
Alencar
12 anos
Ajuda o pai no serviço
98
Quando elas dizem que se consideraram adolescentes e vivem como crianças,
como veremos adiante, revelam que “brincar” significa coisa de criança, e, como gostam de
brincar, consideram-se crianças. Da mesma forma, por observarem as transformações no
próprio corpo, pensarem em namorar e terem responsabilidades de trabalho idênticas às dos
adultos, consideram-se adolescentes. A dicotomia entre ser criança e ser adulto está presente
em suas falas, uma vez que, para elas, ser adolescente é quase uma forma de ser adulto.
As diferenças de gênero precisam ser analisadas de acordo com o contexto social
observado, uma vez que os resultados desta pesquisa não coincidem com o que mostra Telles
(2005), sobre serem as meninas que apresentam um maior controle nos tempos da casa e na
escola. Observei, ao contrário, que as meninas e os meninos, de modo geral, realizam os
mesmos tipos de tarefas, como lavar a louça, limpar a casa e cuidar dos irmãos mais novos.
Os meninos, no entanto, não exerciam somente serviços considerados masculinos por
envolver força física, como carregar lixo, varrer o quintal etc., mesmo em casas em que se
tinha irmã e os afazeres eram divididos. Os meninos brincam à noite na rua como as meninas,
porém uma das meninas respondeu que a mãe não a deixa brincar com outros meninos, e uma
respondeu que brinca à noite, mas não gosta de brincar com meninos.
As categorias como raça/etnia, classe, religião, idade se entrecruzam com a
categoria de gênero, para que possamos entender o fenômeno das relações sociais. As
diferenças de gênero o além dos papéis masculinos e femininos socialmente atribuídos a
meninos e meninas como comportamentos considerados desejáveis em sua cultura ou
sociedade. A influência do meio social em que vivem e os significados atribuídos às
diferenças dos sexos podem, em situações circunstanciais, e, dentre essas, as condições
econômicas familiares, influenciar para que meninos exerçam papéis considerados femininos
e as meninas exerçam papéis considerados masculinos. Os papéis sociais, como as
identidades, são políticos, negociados e readaptados. A sua constituição não é nem fixa e nem
binária, segundo é comumente definida. Embora sejam constituídos por oposições binárias,
não são fixos. As próprias normas são constantemente ressignificadas e reordenadas segundo
os lugares e as situações específicas em que ocorrem.
Por meio das relações dialógicas, a palavra tem a função social de comunicação e
de instituir significados e sentidos para as práticas sociais. Ela pode (re)produzir modos de
ser, de pensar e de agir, pois a sua enunciação, transmitida de “boca em boca”, cria e recria
modos de interação social ou grupal. Isso ocorre, seja de forma imposta ou coercitiva, seja
através de formas sutis e subliminares. As palavras expressam e instituem práticas e
representações preconceituosas sobre determinado objeto, grupo ou pessoa. No caso dessas
99
crianças, por mais que resistissem ao estigma de “crianças-problema”, responsabilizadas pelo
abalo da ordem escolar, tornava-se grande a probabilidade de que se identificassem com o
rótulo a elas conferido. As representações dos adultos dessa escola acerca de crianças que
fazem parte de grupos de recuperação de ciclo reafirmam a identificação que receberam e
reiteram seu baixo rendimento escolar e desvalorização social.
Bakhtin concebe as relações dialógicas como formadoras de ideologia e da
constituição da subjetividade. Numa releitura desse autor, Jobim e Sousa (1994) trazem essa
discussão para reflexão sobre as trocas verbais na construção da subjetividade da criança e a
apreensão que esta faz do seu meio social, absorvendo e produzindo seus discursos pelo uso
dinâmico da palavra. Assim, destacamos essa análise.
Entretanto a concepção de linguagem por ele construída nos remete para
um novo olhar e uma outra compreensão do papel das trocas verbais na
formação das ideologias e na constituição da subjetividade da criança. As
questões sócio-ideológicas abordadas na perspectiva do dialogismo
bakhtiniano podem ser retomadas como um tópico primeiro para uma teoria
da cultura. Permitindo uma redefinição do lugar que a criança ocupa na
constituição dos valores que transitam em nosso contexto social, as idéias
desse autor nos orientam na direção das seguintes indagações: Como a
criança apreende o discurso do outro? Como ela experimenta as palavras do
outro na sua consciência? Como o discurso é ativamente absorvido pela
consciência e qual a influência que ele tem sobre a orientação das palavras
que a criança pronunciará em seguida? Que concepção de mundo se
explicita na sua linguagem? Como a sua palavra revela a ideologia do
cotidiano? Como essas manifestações da ideologia do cotidiano questionam
ou alimentam os sistemas ideológicos constituídos? Enfim, como se articula
a consciência da criança com a lógica da comunicação ideológica? (JOBIM
E SOUSA, 1994, p.115-116).
3.3. A professora das crianças da 4ª série RE
Aletéia
35
, com 41 anos de idade, branca, cabelos bem lisos e castanhos, com o
comprimento um pouco abaixo da orelha, usa óculos - as crianças a acham bonita; ela se veste
de maneira bem juvenil, ri muito, é extrovertida. A meu ver, ela é a professora mais alegre e
bem disposta da escola. Todos os dias em que eu estive fazendo a observação de campo e me
encontrava na sala dos docentes da escola, ela entrava na sala falando bem alto: “Bom dia,
professores!” e após bater o sinal, com o mesmo jeito alegre, entrava na sala de aula. Trabalha
35
Nome fictício.
100
19 anos na rede pública, tem curso superior em Pedagogia, é professora concursada e
efetiva, tal como as professoras de Artes e de Educação Física. É casada, tem dois filhos. É
católica, mas não praticante. Falou-me que gosta de pintura e que já pintou alguns quadros.
A professora da sala, muito animada, é carinhosa e sempre incentivava as crianças
com palavras positivas. Dedicada, sempre procurava conversar com aquelas que pareciam
passar por algum problema, como pude presenciar. Como várias outras colegas, fazia
lembrancinhas para que levassem para os seus pais e suas mães, em certas datas
comemorativas. O mesmo era feito para seus alunos e alunas, como na páscoa e no dia das
crianças.
Apesar de serem várias as dificuldades que precisavam ser ultrapassadas no dia-a-
dia da sala de aula, a professora me falou que nunca perdia o ânimo ou a esperança. Na
reunião com o(a)s familiares responsáveis, mesmo ao falar sobre algumas crianças que não
tinham um bom comportamento e boa convivência com a professora e os colegas, ela se
mostrava bem cuidadosa com seus responsáveis, mantendo, na maior parte do tempo, uma
postura otimista em relação às crianças.
Antes de qualquer análise e apresentação da composição da pesquisa referente à
prática pedagógica da professora em relação ao tema sexualidade, é importante ressaltar que,
mesmo expressando falas e práticas identificadas como preconceituosas, homofóbicas e
sexistas, esta profissional, em sua constituição enquanto pessoa, foi influenciada por valores,
concepções e crenças da sociedade em que vive, que produz constantemente modelos e
padrões normativos de modos de ser e agir, em detrimento de outras formas de manifestação
da sexualidade ou de se vivenciar outras formas de prazer afetivo-sexual. Tanto quanto ela, ao
fazer parte dessa mesma sociedade, eu me incluo como professora e profissional não isenta de
preconceitos a serem constantemente revistos e criticados.
Na quarta parte, serão apresentadas algumas das análises, como resultados obtidos
na pesquisa, bem como algumas considerações pautadas nas reflexões que este estudo
oportunizou sobre os saberes, falas e práticas e experiências das crianças em relação ao
gênero, sexualidade e infância.
101
4. AS CRIANÇAS EM AÇÃO: SUAS FALAS E EXPERIÊNCIAS... MEUS OLHARES
4.1. Existe diferença entre ser criança e ser adolescente? ou “Quando a gente é
adolescente, os adultos dão mais atenção, quando é criança, dizem: vai brincar...”
Nesta pesquisa, a idéia de “experiência humana” se articula a todas as formas de
vida, trabalho e arte que são produzidas pelos sujeitos e, ao mesmo tempo, são produtoras de
suas identidades, diferenças e diversidades socioculturais (THOMPSON, 1979). Concorda-se
com as perspectivas teóricas que consideram que toda a prática social é discursiva, lingüística
e culturalmente produzida (CHARTIER, 1990). Entende-se, ainda, que as posições e
identificações sociais (geracionais, de gênero, sexualidade e classe) que os sujeitos expressam
e ocupam são determinadas e determinantes dos conflitos e tensões presentes nas relações
sociais como um todo. A ênfase, nesta investigação, incide sobre os aspectos geracionais, de
gênero e sexualidade que constituem as identidades e diferenças entre as crianças pesquisadas,
cujo recorte etário está situado entre dez e doze anos. A adolescência é concebida por elas
como a fase em que se tem mais atenção dos adultos e quando passam a ser tratado(a)s com
maior igualdade em relação a eles. Para serem ouvidas e participarem das atividades
cotidianas dos adultos, as crianças precisam se tornar adolescentes. Quando se é adolescente,
o tratamento é diferenciado, como relata Alessandra: “Porque as pessoas não ficam zoando
com a nossa cara, chamando de criançona. Pode sair, eu saio de vez em quando. A gente
começa a ter mais atenção” (ALESSANDRA, 12 anos).
Sublinha Kramer (2003, p.18):
O sentimento moderno de infância corresponde as duas atitudes
contraditórias que caracterizam o comportamento dos adultos até os dias de
hoje: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida
pela “paparicação” dos adultos; e a outra surge simultaneamente à primeira,
mas se contrapõe a ela, tomando a criança como um ser imperfeito e
incompleto, que necessita da “moralização” e da educação feita pelo adulto.
Continua a autora a explicar que o contexto burguês em que vivemos produz esse
sentimento relativo à infância, baseado na concepção de criança universal e de uma essência
infantil, pelos quais as crianças são entendidas e explicadas de acordo com parâmetros
genéricos, em que não se considera a sua realidade de classe, social e cultural. O fator de
102
dependência econômica das crianças em relação aos adultos também contribui para reforçar
as relações de poder e de desigualdade entre adultos e crianças, sujeitando-as, muitas vezes, a
situações de agressão física, psicológica e verbal.
As crianças da RE denunciaram, através de suas práticas e falas cotidianas, o
abuso de autoridade e de status dos adultos. Por outro lado, demonstraram que burlavam tais
práticas, por meio de várias estratégias que serviam para infringir as regras impostas.
Os depoimentos das crianças evidenciaram que elas percebem quando são
menosprezadas e desdenhadas pelos colegas ou pelos adultos, seja na escola, seja na família,
seja ainda em outros espaços de convivência social. Talvez decorra daí o alto valor que
atribuem à condição de adolescente, concebida como momento em que a pessoa é considerada
alguém que tem direitos, voz mais ativa, e no qual suas atitudes são reconhecidas e/ou
valorizadas.
Em relação à concepção que meninos e meninas têm sobre infância e
adolescência, em alguns momentos, suas palavras registraram compreender as crianças como
incapazes de diferenciar entre o certo e o errado, que não têm responsabilidade. Talvez isso
também explique o forte desejo de ganharem o espaço público de trabalho, visto como lugar
onde seriam reconhecidas como pessoas responsáveis e mais importantes. Também contribui
para a sua não percepção do valor de suas vidas o fato de que não são devidamente
reconhecidas pelo trabalho que exercem em casa ou, então, “ajudando os paiscom trabalhos
mais pontuais, no espaço público. No entanto, em alguns momentos, deixaram transparecer
que deveriam ser mais espertas e exigir reconhecimento, tal como disse Gustavo, 12 anos:
“Adolescente é mais esperto, criança não, ela nem pensa, ela só vai e faz”.
As crianças apontam que existe diferença entre ser criança e ser adolescente,
apenas duas se mantiveram em silêncio e não responderam nada em relação a isso. Observei
que o sentido de ser criança aparece ligado às idéias de inconseqüente, bobo (em relação à
esperteza dos adultos), sem raciocínio, ingênuo. Esperam que, na adolescência, tudo isso
possa ser superado. Alessandra, por exemplo, explica:
Porque criança não tem tanta responsabilidade, ela só quer brincar, é...
xingar, atentar. Adolescente não, sabe o que está fazendo. Sabe que não
pode fazer aquilo, sabe o que é errado. (ALESSANDRA, 12 anos).
Esse momento é vivido em termos de um evidente conflito, por se julgarem
localizados em uma fronteira que separa, de forma tênue, o que consideram ser o estado de
criança e o de adolescente. Se os atributos destinados ao ser criança são negativos, a auto-
103
imagem que elas têm de si próprias como sendo crianças também apresenta uma carga de
significados negativos: sem voz, sem autonomia, sem responsabilidade.
Para Bakhtin, a palavra não pertence ao falante unicamente. É certo, diz ele,
que o autor (falante) tem seus direitos inalienáveis em relação à palavra, mas
o ouvinte também está presente de algum modo, assim como todas as vozes
que antecederam aquele ato de fala ressoam na palavra do autor. Bakhtin
(1985) afirma que tudo o que é dito está situado fora da alma do falante e não
pertence somente a ele. Nenhum falante é o primeiro a falar sobre o tópico de
seu discurso. (JOBIM E SOUSA, 1994, p.100).
Desse modo, o discurso dessas crianças não é desprovido de influências e de
valores de outras pessoas com que convivem ou com quem tiveram algum tipo de contato: ao
contrário, é constituído por essas “vozes” e conceitos. Em função de suas interações com os
adultos e outras crianças, em contextos sócio-espaciais particulares, as concepções
apresentadas acerca do que é infância e do que é ser criança desenharam linhas que
distinguem e conjugam um ser pleno adolescente e adulto de um ser inacabado a
criança. Sendo assim, mesmo que seja o fato de poderem brincar aquilo que mais prezem na
infância situação esta que pode se opor ao compromisso com o trabalho isso as distancia
da condição de adolescência, em cujo limiar se encontram, e a qual almejam. [grifos meus].
As respostas mostraram que a adolescência es associada à liberdade. Elas
indicam que a adolescência nada tem de ruim, apenas que não dá para brincar como criança,
embora Lilian repita que, quando for adolescente, continuará brincando na rua à noite.
Em suma, as falas das crianças denotam que elas se mostram divididas entre
brincar, sair, paquerar e “ficar”. As suas respostas afirmando que adolescente sai, trabalha
fora de casa e namora são referentes à afirmação de que a adolescência é melhor do que a
infância. De acordo com algumas respostas:
Sim, adolescente pode..., ah, não precisa ficar muito tempo em casa, se você
não gostar de ficar em casa, pode sair. Criança não pode fazer isso.
(ALESSANDRA, 12 anos).
A criança não pode sair na rua à noite. O adolescente faz compras. (TAIS, 11
anos).
É melhor ser adolescente porque não precisa ficar muito tempo em
casa, se não gostar de ficar em casa pode sair, pode ficar até uma hora
da manhã curtindo com os colegas. Criança não pode fazer isso.
Adolescente pode sair com a namorada, curtir os colegas. (ALENCAR,
11 anos).
104
O bom de ser adolescente é porque não precisa só ficar dentro de casa,
pode sair, fazer o que quiser. (LILIAN, 11 anos).
Sair, morar sozinho. (JÉSSICA, 10 anos).
Jorge, 10 anos, apesar de responder que se considera criança e de que é melhor ser
criança do que ser adolescente, enfatizou que os adolescentes têm “mais coisa pra fazer” do
que as crianças: “É mais melhor ser criança, fica brincando. Adolescente tem mais coisa pra
fazer. Estuda mais, trabalha, arruma a casa”.
Jéssica, 10 anos, diz que se considera criança e vive como criança, e acha que “ser
criança é melhor do que ser adolescente, porque brinca”, visualiza apenas um fator negativo
na adolescência: “não poder brincar mais”.
Na conversa com Lílian, 11 anos, ela respondeu que se considera “um pouco
criança, um pouco adolescente”. Perguntei o porquê de, às vezes, ela se considerar
adolescente e, outras vezes criança, ao que ela respondeu: “Porque eu brinco”. Retomei a
conversa: “O que te faz sentir adolescente?” E ela: “Não brincar, sair na rua sozinha, ir para a
avenida sozinha”. Apesar de sua aparente confusão, ela concluiu dizendo que se sentia mais
como “adolescente”.
Suzana, 11 anos, responde que vive como criança, por ainda brincar, mas trabalha
como adolescente. Entretanto, acha melhor ser adolescente porque “adolescente sai sozinho e
criança não”.
Taís, 11 anos diz: “Eu me considero criança, mas vivo como adolescente, pois a
minha mãe me manda fazer serviço de casa. Eu me considero criança porque eu brinco”. Ela
apresenta algumas falas contraditórias, pois, em uma outra resposta, ela diferencia criança de
adolescente, ao dizer que este trabalha fora de casa: “adolescente é melhor, porque trabalha
fora de casa, pode trabalhar em loja”.
Gustavo, 12 anos, destacou que a “única coisa ruim é levar um fora das meninas”.
Raí, 11 anos, disse que era “só se ficar vagabundando e não brincar mais”.
Como vimos, nas respostas referentes às comparações entre as fases da vida na
infância e na adolescência, tanto por parte dos meninos, como das meninas, foi marcante a
ênfase no lamento sobre a perda do momento de brincar e na expectativa em poder namorar e
sair, bem como em ser tratado com mais atenção e respeito quando se é adolescente.
105
Destacam, portanto, entre as vantagens da adolescência, a possibilidade de se
fazer ouvir nas conversas com adultos, expondo seus pontos de vista. Provavelmente esse fato
também contribuiu para que se identificassem, em maior número, com a condição de
adolescentes, quando foram indagadas quanto a considerar-se “crianças” ou “adolescentes”.
Assim, sempre que perguntados se viviam como crianças ou como adolescentes, as respostas
eram ambivalentes, apesar do esforço em se classificarem em uma delas.
Vale a pena observarmos a entrevista com Alencar, 11 anos:
Para você, o que é melhor ser: criança ou adolescente?
Alencar: Adolescente.
Pesquisadora: É! Por quê?
Alencar: Porque adolescente pode...não precisa ficar muito tempo em casa,
se você não gostar de ficar em casa, pode sair. Criança não pode fazer isso.
Pesquisadora: Criança não pode?
Alencar: Não, o pai não deixa. O adolescente fica até uma hora da manhã
acordado, curtindo com os colegas.
Pesquisadora: Você se considera criança ou adolescente?
Alencar: Eu, (risos) adolescente.
Pesquisadora: Quantos anos você tem?
Alencar: Eu vou fazer doze.
Pesquisadora: Mas você vive como criança ou adolescente?
Alencar: Mas como criança, né?
Pesquisadora: Ah! Mas você tem vontade de ser criança ou adolescente?
Alencar: Adolescente.
Pesquisadora: O quê que você faz que é de adolescente?
Alencar: Eu saio.
Pesquisadora: Mas você sai para onde você quiser ir?
Alencar: De vez em quando, eu vou para qualquer lugar.
Pesquisadora: Que lugar que você vai?
Alencar: Thermas.
Pesquisadora: Você sai á noite?
Alencar: De vez em quando, nós vai para o lanche.
Mesmo que se considere adolescente, porque sai à noite com seus colegas de
nove, dez e doze anos, para Alencar, a criança se torna adolescente a partir dos doze anos.
Nesse sentido, na hora de se definir em uma das categorias, respondeu: “Mais como criança,
né?” (ALENCAR, 11 anos). Do mesmo modo, Gustavo também afirmou: “Criança. Porque
gosto de brincar, sou brincalhão” (GUSTAVO, 12 anos).
Constatou-se, ainda, pelas entrevistas, uma preocupação maior por parte dos
meninos em poderem trabalhar ao chegarem à adolescência. As vantagens em ser adolescente
estão associadas ao trabalho por ter autonomia, poder fazer planos, conquistar bens
financeiros. Em seus depoimentos, apareceram as seguintes referências ao trabalho: Porque é
bom trabalhar. (RAÍ, 11 anos, vendedor de picolé). Ter um emprego bom (JORGE, 10 anos).
106
Ser feliz, trabalhar de empregada. (TAÍS, 11 anos). Raí, que vende sorvete, 11 anos,
demonstrou que vive no dilema entre trabalhar e ficar brincando. Em entrevista, falou que
apenas no domingo ele não trabalha e que esse dia é reservado só para brincar, principalmente
de vídeo-game. Segue a entrevista:
Pesquisadora: O que você espera da adolescência?
Raí: Que seja bom pra trabalhar.
Pesquisadora: Pra você, o que é bom (vantagem) em ser adolescente?
Raí: Porque é bom trabalhar.
Pesquisadora: Pra você, o que tem de ruim (desvantagem) em ser
adolescente?
Raí: Só se ficar vagabundando. E não brinca mais.
Pesquisadora: Você acha que tem diferença em ser criança e ser
adolescente?
Raí: Tem. Adolescente é mais bom, porque já trabalha firme.
Pesquisadora: Qual é a sua idade? Você se considera criança ou
adolescente?
Raí: Onze. Criança.
Pesquisadora: Mas você vive como criança ou adolescente?
Raí: Mais como adolescente.
Pesquisadora: Por quê?
Raí: Porque eu trabalho.
Pesquisadora: A partir de que idade você acha que é adolescente?
Raí: Dezoito.
Pesquisadora: E quinze anos é o que?
R: Pré-adolescente.
Pesquisadora: Até que idade é criança?
Raí: Até os nove anos. Depois de dez é pré-adolescente.
Note-se que Raí, 11 anos, respondeu que, mesmo não sendo adolescente, vive
como adolescente, porque trabalha. Ele acha que adolescência é a partir dos dezoito anos e
que depois dos dez anos é pré-adolescente. Entretanto, entende que também é criança, porque
brinca. Já entre as meninas, a maioria diz viver como criança, pelo fato de brincarem.
Para os meninos e as meninas, as crianças também trabalham, mas exercem suas
atividades no espaço privado e sem remuneração. Das dez crianças entrevistadas, três
trabalham e recebem dinheiro por seu trabalho, sendo remunerado(a)s mensalmente, mesmo
que esse dinheiro seja destinado às suas mães.
Diferentemente dos resultados da pesquisa realizada por Cruz (2004) e Telles
(2005), que verificaram que os meninos fazem serviços domésticos mais ligados à força e
atividades consideradas “masculinas”, os meninos da RE também exercem atividades tidas
como “femininas”. Eles cozinham, limpam a casa, lavam a louça e cuidam dos irmãos mais
novos, enquanto o pai e a mãe trabalham fora de casa.
Gustavo, 12 anos, por exemplo, trabalhou em oficina mecânica, mas, no
momento, realiza trabalhos domésticos e cuida do irmão mais novo:
107
, depois, na escola, faço a lição de vez em quando, eu vou pra casa e
tomo banho e vou arrumar a casa. Varro, passo o pano no chão, lavo a louça,
o meu pai faz o almoço, tem vez que é eu. Depois eu almoço e lavo a outra
louça e vou dormir. (RELATO DO COTIDIANO).
Raí trabalha de vendedor de picolé, que é chamado de “carrinheiro”, andando
pelas diversas ruas da cidade e, como já apontei, reserva o domingo somente para descansar e
brincar, não realizando trabalhos domésticos:
Volto pra casa, almoço e vou vender sorvete até as seis horas da tarde.
Chego em casa e dou o dinheiro pra minha mãe. (RELATO DO
COTIDIANO).
Suzana, 11 anos, além de ajudar em casa, nos afazeres domésticos, trabalha
cuidando de um bebê de um ano de idade, de segunda a sábado, das 13h às 17h:
Eu almoço, espero descansar a comida, lavo a louça e vou cuidar de um
menino.
Eu cuido do nenê da minha madrinha, em frente da casa da minha mãe,
perto da minha vó. Eu cuido dele depois do almoço até as cinco horas. Eu
ando com ele, brinco, ando de motoca, ele tem um aninho.
Eu gosto dele, mas a tia dele é irritante, chata. Eu dou comidinha, mas a
mãe deixa pronta. Eu dou banho nele. Depois do serviço eu passo na minha
mãe, dou um beijo e vou pra minha vó.
Ao mesmo tempo, eu queria brincar e cuidar dele. Eu dou o dinheiro pra
minha vó e, quando eu quero alguma coisa, levar dinheiro pra escola, ela
me dá. Eu ganho 30 reais por mês. (RELATO DO COTIDIANO).
Apenas Lílian, 11 anos, que em relação às outras crianças entrevistadas não
realiza trabalhos domésticos em casa. Já Alencar, 11 anos, ajuda o pai, nos finais de semana,
ganhando vinte reais, que entrega à sua mãe:
No domingo eu vou trabalhar com meu pai.
Nós vamos matar porco, laçar boi, ou descarregar saco de cimento e, na hora
do almoço, nós come marmitex. Meu pai me o dinheiro pela ajuda todo
mês e eu dou pra minha mãe, ele dá vintão. (RELATO DO COTIDIANO).
Jorge, 10 anos, ajuda a sua mãe, cuidando do seu irmão de um ano de idade. Diz
que sua mãe trabalha com artesanato, para poder vender e ajudar nas despesas da casa.
Jonas, 11 anos, relata que divide o serviço de casa com a irmã, que é mais velha:
108
Volto pra casa e almoço, escovo os dentes e vou dormir; , depois que eu
acordo, por uma base das quatro horas, e ajudo: vou lavar louça, limpo
fogão, depois eu vou brincar lá em casa. (RELATO DO COTIDIANO).
Jéssica, 10 anos e Taís, 11 anos, ajudam igualmente em casa, têm suas tarefas
demarcadas para o dia-a-dia.
Volto pra casa e almoço, lavo a louça e limpo o fogão e vou dormir.
No domingo, eu acordo às nove e limpo a casa, almoço. (JÉSSICA,
RELATO DO COTIDIANO).
Chego da escola, faço lição, volto, varro a casa e vou assistir “pica-pau”.
À tarde, eu lavo louça e varro a casa de novo [...]. No final de semana, na
manhã, eu acordo 11 horas e levanto e vou fazer o serviço: varro a casa,
lavo a louça, varro o quintal, e minha mãe lava roupa. (TAÍS, RELATO DO
COTIDIANO).
Alessandra também realiza atividades domésticas todos os dias, enquanto a sua
mãe trabalha fora de casa: “Eu vou para minha casa, almoço, lavo louça, limpo o fogão, varro
a casa e vou assistir a novela da tarde” (RELATO DO COTIDIANO).
Além do fato de adolescentes trabalharem fora de casa é bastante demarcado pelas
crianças a sua situação de, ao contrário das crianças, serem remunerados em troca desse
trabalho. Jéssica, 10 anos, diz:“o adolescente trabalha” (JÉSSICA, 10 anos). Eu perguntei se
criança também não trabalha e ela respondeu que sim, explicando, porém, a diferença do
trabalho de ambos: “Criança limpa a casa, lava louça. O adolescente trabalha na loja”. Assim,
fica evidente que o trabalho que elas executam em casa não é valorizado e, por conseqüência,
elas também não se sentem valorizadas por isso.
Para os meninos e as meninas, brincar é coisa de criança e trabalhar, no espaço
público e no mercado de trabalho, é coisa de adolescente, associada a atividades exercidas
pelos adultos. Em pesquisa de 1997, Abramowicz já afirmava:
A infância feminina das crianças dessa classe social está hoje vinculada a
um determinado trabalho doméstico. A menina vem substituindo cada vez
mais o lugar da mulher, da mãe trabalhadora, nos afazeres domésticos. Com
o menino, às vezes ocorre o mesmo; no entanto, o menino acaba
ingressando no mercado de trabalho, ou no subemprego como engraxate
[...]; ou mais tarde talvez em alguma função desqualificada no mercado
formal, caso fracasse na escola. Para a menina fracassada, resta o trabalho
doméstico em sua ou em outra casa. (ABRAMOWICZ, 1997, p.52).
A classe referida pela autora é a mesma que identifiquei entre as crianças desta
pesquisa, que são provindas de camadas populares, cujos pais ou responsáveis são
109
trabalhadores assalariados, recebendo mensalmente o equivalente a um salário mínimo. Uma
vez que essas crianças também carregam em sua realidade diária a marca da repetência e do
insucesso escolar, me pergunto: Quais seriam as expectativas que essas crianças têm, para
suas vidas, seja escolar, seja profissional?
Apesar de apontarem aspectos mais positivos na adolescência do que na infância,
observam-se, com bastante freqüência, suas reclamações acerca do fato de que, ao se
tornarem adolescentes, as crianças não podem mais brincar. A maioria delas demonstrou o
quanto ainda gosta disso, enumerando suas brincadeiras prediletas: pega-pega, esconde-
esconde e verdade ou desafio.
36
Tem vez que eu faço o almoço, lavo a louça e vou brincar de pular corda,
pega- pega, rela-congela, esconde-esconde, cada macaco no seu galho.
Volto e vou jantar, escovo os dentes e assisto a televisão e vou dormir.
Eu brinco com menina, a minha mãe não deixa eu brincar com menino.
Eu não gosto de brincar nem de casinha e nem de boneca. (TAÍS, 11 anos,
RELATO DO COTIDIANO).
Pude captar, em algumas de suas falas que tratavam de hábitos cotidianos de
brincar, que algumas de suas brincadeiras propiciam certos tipos de jogos sexuais, os quais
revelam os primeiros momentos em que meninos e meninas, deliberadamente, experimentam
seus primeiros contatos inscritos na ordem dos desejos e prazeres que envolvem o corpo, a
sedução e a fantasia.
Vou brincar. Volto, tomo banho, nós janta, escovo os dentes, coloco o boné,
passo perfume e vou brincar.
nós brincamos de verdade e desafio, menino e menina misturado. Às
vezes, a gente fica com alguma menina. (ALENCAR, 11 anos, RELATO
DO COTIDIANO).
À noite eu saio pra brincar, tem dia que eu nem janto. Um dia eu jantei
quase meia-noite. Eu brinco de verdade-desafio, pega-pega, caiu no poço,
mistura menino com menina, têm alguns mais velhos de 11, 12 e 13.
(LILIAN, 11 anos, RELATO DO COTIDIANO).
Eu tomo banho, passo perfume, janto e vou pra rua e brinco de pega-pega e
esconde-esconde, tudo misturado: menino e menina, mais ou menos da
mesma idade: tem bastante criança. (GUSTAVO, 12 anos, RELATO DO
COTIDIANO).
36
Verdade ou desafio é uma brincadeira em que se utiliza, geralmente, um lápis, caneta ou garrafa. Um
participante gira um desses objetos, sendo que, o lado detrás destes corresponde a quem pergunta e a frente
quem responde. Para quem apontar o objeto, este faz a pergunta e conseqüentemente a resposta parte do outro.
Se, por acaso, aquele a quem o objeto indicar para responder a pergunta do desafiante não quiser responder terá
que “pagar” com um castigo.
110
Os meninos, mais que as meninas, se arrumam, tomam banho, passam perfume
para o grande momento o de brincar, o de se encontrar outras pessoas com quem desejam
estar, que paqueram e fantasiam possibilidades de chegar a experimentar algum beijo ou
carícia. Para que tudo isso ocorra, existem os momentos preliminares, como se fossem
aquecimentos: o banho, o trocar de roupa, o pentear o cabelo, o olhar-se no espelho. Trata-se
de momentos em que a imaginação e o lúdico associam-se, na composição dos jogos
amorosos. Ao relatarem seus encontros, por meio de brincadeiras, conseguiram passar para
mim as emoções que vivenciam diariamente, praticamente todas as noites. Alencar e Gustavo,
por exemplo, me contaram, em conversas informais, que escolhem suas melhores roupas para
brincar na rua, quando brincadeiras com meninas. Lílian disse que, às vezes, ela fica”,
mas beija selinho”, porque “beijo de língua é muito nojento”; a brincadeira que ela citou
caiu no poço envolve contato físico, seja pelo aperto de mão, seja pelo abraço, o beijo nos
lábios ou no rosto, ou o passear de mãos dadas.
As ambigüidades continuam. Taís, 11 anos, diz ser ainda criança, mas, confessa:
minha mãe me trata como adolescente, ela me manda fazer serviço de casa”. Taís conta que
tem a responsabilidade de, todos os dias, limpar a casa e lavar a louça, enquanto sua mãe lava
e passa a roupa. Ter responsabilidade está ligado a ser adolescente e viver como um, apesar de
se contradizer, ao dizer que a diferença entre adolescente e criança se explica porque o
primeiro trabalha em loja e o segundo, em casa.
Somente Alessandra, 12 anos, respondeu que vive como adolescente, pois tem
algumas responsabilidades, como ajudar sua mãe no serviço de casa e não brincar mais, e que
antes não realizava serviços domésticos, somente brincava e que hoje isso é diferente.
As únicas “crianças” que se declararam mais explicitamente sobre se considerar
adolescente e viver como adolescente foram Alessandra, 12 anos, e Jonas, 11 anos. Por sua
vez, Jéssica e Jorge foram as únicas crianças que responderam que se consideram crianças e
vivem como crianças. É interessante que a maioria acha que é adolescente, mesmo não
tendo claro por que motivo: ora dizem que é pelo fato de trabalharem, por saírem à noite, por
já namorarem, mesmo que respondam que vivem como criança pelo fato de ainda brincarem.
A adolescência também foi associada à liberdade e à possibilidade de namorar
como os adultos, como, por exemplo, manter relações sexuais. Em relação às vantagens em
ser adolescente, destaco, a seguir, o que falaram as crianças. Alencar: “Ah, um monte de
coisa. Pode sair com as namoradas, curtir os colegas” (ALENCAR, 11 anos). Para ele, criança
não pode sair, porque o pai e a mãe não deixam. Ele se considera adolescente, afirmando que
111
já namorou e teve experiências sexuais. Outras vantagens apontadas foram: “Poder sair,
dirigir carro...” (JORGE, 10 anos).
Gustavo respondeu: “Mulher. A natureza manda” (GUSTAVO, 12 anos). A
associação que fez entre a idéia de “vantagem da adolescência” e “mulher, a natureza manda”,
ele não soube explicar, quando lhe pedi para deixar mais claro o que queria dizer. Talvez
estivesse repetindo o que seus colegas ou conhecidos mais velhos dizem sobre as mulheres e o
sexo.
Ao objetivar captar a concepção das crianças sobre a adolescência e a infância,
quis também saber se e como associam a infância e a adolescência à sexualidade e ao corpo.
Em relação ao namoro, a maioria respondeu que as crianças não namoram, ou por
“não ter idade pra isso”, ou “porque a mãe não deixa”. Relataram que as crianças também
namoram, mas classificaram como sendo manifestação do namoro de criança o selinho, que é
o beijo em que se encostam os lábios, sem ngua (segundo a definição das crianças), “se
abraça” e se “passeia de mãos dadas”, se “toma um sorvete”...
A fala de Gustavo, 12 anos, expressa bem as respostas das outras crianças
entrevistadas sobre o que pensam do namoro de criança: “Criança não namora. Não existe
namoro de criança”. Outras respostas foram:
Não, porque são muito pequenos ainda. (JONAS, 11 anos).
Não. Porque o pai não deixa. (JORGE, 10 anos).
Não, porque a mãe não deixa, não tem tamanho para isso. (TAIS, 11 anos).
Dizem que namoram, quando eu era criança eu falava que namorava,
conversava. (ALESSANDRA, 12 anos).
Tem criança que até pode beijar na boca, tem mãe que não deixa.
Criança não sabe beijar. Fica falando que sabe, mas na hora não sabe. O
adolescente sabe (SUZANA, 11 anos).
O fato de os pais e as mães não deixarem as crianças namorarem foi bem
marcante também nas respostas dadas a outras perguntas. Fica bem claro que namorar não faz
parte da vivência dessas crianças, particularmente daquilo que elas entendem que seja o
“namoro”, envolvendo beijo na boca. Um dos meninos frisou que criança pega na mão e se
senta junto para comer um lanche, quando está namorando.
sobre o namoro de adolescente, quase todas as crianças responderam como
Jonas: “Os adolescentes transam e as crianças não” (JONAS, 11 anos). Esse ponto foi
abordado através da pergunta sobre se existiria diferença entre namoro de criança e de
adolescente, de forma que pude também captar alguns de seus modos de se expressar acerca
das práticas da sexualidade.
112
As respostas sempre fizeram menção ao ato de manter relação sexual, quando se
tratava de namoro entre adolescentes. Afirmaram que o(a)s adolescentes “transam” para terem
filhos, baseados em seus conhecimentos sobre a relação sexual. Em primeiro lugar,
continuaram reafirmando o tipo de diferença que pensam haver entre o namoro de criança e
de adolescente, como Raí, 11 anos, que disse: “Existe. O adolescente transa, as crianças não.
Acho que coloca a camisinha, acho que o pênis... e transa, coloca na perereca”. Perguntei a
ele porque coloca camisinha, e ele respondeu: “Acho que é pra ter filho”. Continuei a
perguntar: “e se não colocar a camisinha?” E ele: “Aí não tem filho”.
Também Alencar, 11 anos, quando indagado, respondeu: “É que... o adolescente
[pára para pensar um pouco] pode fazer sexo, né? que as crianças não podem. Ah, beija na
boca, faz sexo, um monte de coisa”.
Os dois meninos distinguiram os tipos de namoro pelo fato de o adolescente beijar
na boca e a criança não, porém, a ênfase maior foi na crença de que os adolescentes,
necessariamente, “transam”. O interessante é que parecem julgar que transar e ter filho são
coisas indissociáveis. E as confusões quanto a isso são imensas, haja vista o caso de Raí, para
quem, se o homem colocar a camisinha, a mulher engravidará.
Jorge, 10 anos, respondeu que os adultos fazem outra “coisa” que as crianças não
fazem e que considerava os adolescentes adultos. “Namorar, eles podem ir em outro lugar,
nós não, beija e bom”. Perguntei qual era o “outro lugar” e ele respondeu: “No quarto”.
Retruquei: o que eles fazem no quarto? E Jorge: “Eles transa”. “Mas o que é transar?”,
perguntei. E ele: “Não sei o que é transar, ouvi falar”. Nesse momento, ele confessou que
nunca havia beijado, embora, em outra oportunidade, tenha declarado que já havia beijado.
Todas as meninas responderam que existe diferença entre o namoro de criança e
de adolescente. Como os meninos, elas relacionaram o namoro de adolescente a beijar, tocar
no corpo da outra pessoa e manter relações sexuais. Segundo Lílian, 11 anos: “Sai escondido.
A menina fica grávida sem os pais saber. Eles fazem sexo. Uma pessoa vai na cama com a
outra”. Em entrevista, Suzana, 11 anos, relatou a diferença entre namoro de adolescente e de
criança:
Pesquisadora: Pra você as crianças namoram?
Suzana: Acho que namoram.
Pesquisadora: Como é que as crianças namoram?
Suzana: Tem crianças que pode até beijar na boca, tem mães que não deixa.
Pesquisadora: Na sua opinião existe diferença entre o namoro de criança e
de adolescente?
Suzana: Tem, o de adolescente pode fazer um monte de coisa.
Pesquisadora: Fazer o que?
113
Suzana: Por exemplo, ficar...um pegar no outro.
Pesquisadora: Como pegar?
Suzana: Ah, é assim pegar aonde não deve.
Pesquisadora: É, aonde?
Suzana: Aquela parte.
Pesquisadora: Qual parte?
Suzana: A parte da...da mulher.
Pesquisadora: Qual parte da mulher?
Suzana: Não sei falar o nome...acho que é a parte da vagina, é que fala.
Pesquisadora: Eles pegam lá?
Suzana: É, tem homem que é safado, as mulher também deixa, né.
Pesquisadora: É só lá que não pode pegar?
Suzana: Não, tem outros lugares também.
Pesquisadora: Tem outros lugares?
Suzana: A parte da bunda e o peito. Acho que é safadeza.
Pesquisadora: Criança não faz isso?
Suzana: É, criança não faz.
Pesquisadora: E adolescente faz?
Suzana: Adolescente faz.
Pesquisadora: O que ele faz?
Suzana: Tem adolescente que transa.
Pesquisadora: E criança transa?
Suzana: Criança não.
Lílian, 11 anos, diz que “a criança, se achar outra pessoa bonita, quer namorar.
O adolescente quer ficar por ficar mesmo. Criança não sabe beijar. Fica falando que sabe,
mas na hora não sabe. O adolescente sabe”.
Para Taís, 11 anos, os adolescentes “beija, vai pra cama”. Indaguei-a sobre o que
faziam na cama e ela respondeu que “eles transa”, continuei a insistir que me explicasse o que
é transar e, então, ela me explicou que “transar é namorar”.
Alessandra, 12 anos, garantiu que os “adolescentes fazem sexo, criança não faz,
eles ainda não faz, porque são pequenos, beija no rosto”. Em resposta a minha indagação
seguinte, explicou-me o que é “transa”, para ela.
Alessandra: Eles transa...começa a beijar pela boca e vai descendo...,
começa a fazer carinho, tira peça por peça. Fica um em cima do outro
(risos) e enfia o pinto na xana. a mulher fica (imita o som da mulher
mantendo uma relação sexual). Quem é virgem, a primeira vez dói. A
minha mãe contou que doeu e que às vezes até sangra. A minha também
contou que dói, mas que depois pega gosto. Tem que usar camisinha para
não engravidar, a mulher tem que tomar comprimido ou o homem usar
camisinha.
Pesquisadora: Mas você acha que o que eles fazem é bom ou ruim?
Alessandra: Bom, é fazer amor, está no momento que queria, faz o que
quer.
Pesquisadora: Você já imaginou isso?
114
Alessandra: Já, eu penso que vai doer, vou ficar com medo. Mas acho que o
meu namorado deve falar que ele vai coisá devagar, que não vai fazer nada
de errado, que vai me ensinar.
Por meio da pergunta se existe diferença entre namoro de criança e de
adolescente, pude captar o que as crianças concebem sobre as relações afetivo-sexuais, ao
explicarem que os adolescentes transam e as crianças ainda não o fazem, e o que então é
transar. Alessandra é uma menina que já namora e idealiza a sua primeira relação sexual, suas
expectativas, medos e sonhos. As conversas que tem com sua mãe e avó, juntamente com
outras influências de amigas, escola, entre outras, configuraram a imagem do ato sexual,
associada ao romantismo, à compreensão, à aprendizagem, ao carinho, à escolha, à dor e ao
prazer.
Para essas crianças, existe diferença entre ser criança e em ser adolescente,
principalmente porque os adolescentes têm mais liberdade para: saírem de casa,
desacompanhados dos adultos, exprimirem suas vontades, trabalharem fora e, inclusive,
manifestarem a sua sexualidade e manterem relações sexuais. As crianças não diferenciaram
os adolescentes dos adultos, mas explicaram pontualmente as diferenças entre criança e
adolescente, afirmando ser peculiar da infância o ato de brincar.
Em relação às experiências com seus corpos, como os compreendem e os
idealizam, pude captar que as crianças, quando iam mencionar algum órgão genital ou as
formas de conhecimento com prazeres do corpo, ficavam com muita vergonha, abaixavam a
cabeça ou desviavam o olhar. As perguntas relacionadas aos seus corpos tinham, como um
dos objetivos, oportunizá-las a expressarem os seus sentimentos com respeito ao seu corpo:
alegrias, angústias, prazeres, decepções (o que as incomodava, aborrecia, entristecia ou
chateava). Meninos e meninas referiram-se às mudanças que ocorreram em seus corpos,
tornando a enfatizar que, ao se tornarem adolescentes, deixam de brincar e passam a ter
maiores responsabilidades. Assim, mesmo que a pergunta indagasse sobre as mudanças
físicas, mostraram-se bastante envolvidos com o comportamento social que julgam ser
esperado na adolescência.
No que tange ao modo como percebem e compreendem as mudanças que ocorrem
no corpo das crianças quando chegam à adolescência, os meninos responderam:
O crescimento e o pênis, que fica grande. O pênis cresce, cabelo, pêlos nas
axilas e no peito, a partir de treze e quatorze anos que é adolescente.
(ALENCAR, 11 anos).
A voz fica grossa, cresce pêlo debaixo do subaco. (JONAS, 11 anos).
115
Jorge, 10 anos, respondeu que cresceu e engordou. Ele é baixinho e gordinho, e
demonstra ser incomodado com a aparência. Porém, não deu importância ao tema namoro,
por ocasião de nossas conversas, revelando seu interesse maior por vídeos-game e filmes, em
lugar de falar sobre meninas.
De modo geral, quanto às mudanças em seu próprio corpo, os meninos
observaram terem ocorrido mudanças: no pênis, onde nasceram pêlos e também nas axilas,
engrossamento da voz, cresceram ou engordaram. Os meninos, apesar de demonstrarem muita
vergonha, ao responderem a essa pergunta, falaram mais das mudanças em seus próprios
corpos do que as meninas, referindo-se, também, mais do que elas, aos seus próprios órgãos
genitais. Quando indagados de qual parte de seu corpo mais gostavam, dois responderam que
era do pênis, como Gustavo, 12 anos, que foi categórico e direto: O pênis”, disse ele. Um
deles respondeu que era da cabeça, outros dois disseram “as mãos”, explicando que um dos
motivos é porque com elas podem mexer nas coisas ou porque a achavam bonitas. Dos três
meninos que fizeram referência ao pênis, dois responderam destacando a mudança de
tamanho:
[risos] No pênis começou a nascer cabelo (ALENCAR, 11 anos).
Acho que é o crescimento [fica mexendo com os objetos à sua volta], acho
que é o pênis [fala rápido]. Fica grande [risos]. (RAÍ, 11 anos).
Os meninos tiveram mais resistência para falar das mudanças que ocorrem no
corpo das meninas, de sorte que alguns chegaram a ficar em silêncio e não responderam à
pergunta, ou se limitaram a dizer que nunca haviam observado tais mudanças. Todos
revelaram que tinham vergonha de falar. Apenas um respondeu que a vagina muda, enquanto
três enfatizaram que os seios crescem.
A maioria das meninas respondeu que as mudanças observadas em seus corpos
foram: crescimento dos seios, crescimento de pêlos debaixo dos braços, mudanças no corpo, e
que a menina fica mocinha e menstrua. Apenas duas meninas falaram da menstruação e
somente uma explicou fisiologicamente o seu mecanismo: a adolescente menstrua uma vez
por mês e, se isso não ocorrer, significa que está grávida.
Foi Alessandra, 12 anos, que, tendo respondido que menstruou, explicou: “Fica
mocinha, ela menstrua uma vez por mês, e quando não desce é porque está grávida”. Ela é
uma das meninas que mais respondeu às perguntas sem tanta timidez, sendo uma das mais
116
velhas na sala de aula. Segundo comentei, é uma das meninas mais paqueradas pelos
meninos e que tem um corpo mais definido como de mocinha, de adolescente.
Sobre as mudanças nos corpos dos meninos, as meninas disseram que não sabiam
quais eram e que nem reparam nos meninos. As respostas que obtive, em sua maioria,
indicaram que, quando os meninos chegam à adolescência, mudam o jeito de andar, nascem
pêlos nos braços e nas pernas.
Sobre o gosto ou o desapontamento com as mudanças que observavam em seus
próprios corpos, as meninas nem sempre demonstraram estar gostando. Enquanto Taís, 11
anos, respondeu gostei, porque é legal”, Lílian, 11 anos, afirmou: “Não. incomodando.
Pêlo debaixo do braço incomoda. Não quero ficar mocinha, porque os outros ficam
mexendo”.
À pergunta sobre qual parte do seu corpo mais gostavam, duas meninas
responderam: “da barriga”; uma, que gostava das nádegas e pernas; outra do rosto, e as
demais, das pernas. Constatei que as meninas se preocupam com a aparência da barriga e,
aquela que diz gostar do seu rosto, tem uma admiração maior por seus olhos.
Ah, das minhas pernas e da minha bunda. Porque a minha bunda é grande e
as minhas coxa é grossa. (ALESSANDRA, 12 anos).
Minha barriga. Ela é durinha. (LILIAN, 11 anos).
A Alessandra é a menina que mais deu atenção ao corpo, falou de fantasias e
desejos, em relação a sexo, contou-me que é “mocinha”, que sua mãe conversa com ela
sobre gravidez e que pensa no dia em que tiver sua primeira relação sexual: “que a primeira
vez seja boa e linda”. Continuou a contar que sua avó diz que o sexo é bom, rejuvenesce a
mulher e que tem que aproveitar a vida e não arrumar filhos. Ela se vestia com roupas que
contornavam e valorizavam as curvas de seu corpo. Ela é uma menina que namora e tem
conhecimento sobre menstruação, gravidez e prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis pelo uso da camisinha como me explicou. Ela conversou comigo sobre o
cuidado que é preciso ter com o corpo, tanto em relação à saúde física como à estética, que
“as mulheres precisam se arrumar”.
Analisando, nas falas das meninas, as poucas referências a seus órgãos genitais,
considerei que isso era comum, visto que se tratava de assunto que normalmente provoca
vergonha e timidez entre as pessoas. Porém, o que me intrigou foi o fato de as meninas
falarem menos dos seus órgãos genitais do que os meninos.
117
Provavelmente, tal circunstância seja provocada pela construção das identidades
de gênero, em uma sociedade que, entre outros elementos, carrega as marcas do
patriarcalismo e apresenta a mulher como um ser inferior ao homem, baseando-se na idéia de
que isso se fundamenta em diferenças biológicas e sexuais entre ambos. Trata-se de valores e
simbologias cujos significados são construídos em uma longa duração histórica, que, desde
Aristóteles, é explicado que o macho fornecia a forma e a fêmea a matéria, o útero, sendo este
como uma terra que, a princípio sem vida, precisava ser fertilizada. E, como explica Parker,
em relação à vagina, esta se torna, em suas várias conexões simbólicas, “um ponto de foco
para as noções de impureza na vida brasileira” (1991, p.68). O autor, assim, prossegue:
Um quadro diferente e muito mais complicado aparece quando se trata do
corpo da mulher e as representações de feminilidade que ele codifica.
Assim como o falo toma forma como uma arma, um instrumento de força e
violência potencial, o corpo da mulher surge, através de um processo bem
parecido de associação lingüística, tanto como o objeto dessa violência
quanto, paradoxalmente, um local de perigo por si só. (PARKER, 1991,
p.67).
Também é oportuno lembrar o que diz Muraro (1983), em pesquisa realizada por
ela:
A primeira coisa que podemos inferir sobre a sexualidade feminina é o que
afirmamos antes: ela parece menos centrada sobre os órgãos genitais do
que a do homem. Aparece mais difusa sobre o corpo (“corpo é coisa de
mulher”) e a dos homens mais centrada no pênis. (p.326).
A resistência dessas meninas em falar de seus corpos, em específico de sua
genitália, tem raízes em uma história de repressão, violência e descaso para com as
necessidades sexuais e de prazer femininos, como apontou Muraro, em investigação realizada
mais de vinte anos, abrangendo homens e mulheres de várias classes sociais. Conclue-se
que, na cultura brasileira, como destaca Parker (1991), está presente o corpo mais genitalizado
do homem, o que se liga aos princípios da lógica de uma sociedade patriarcal, que tem o
homem como produtor e como ser ativo, na relação sexual, em busca do gozo e do prazer.
Essas concepções estão ancoradas nas falas das meninas, que manifestam uma
desvinculação, em ser mulher, do conhecimento do seu próprio corpo e de seus deleites.
118
4.2. Afetividades, experiências e sensações: namoro, desejo e prazer ou “As pessoas
tiram a roupa, elas rolam e fazem barulho
37
...
Nas observações que fazia, tanto dentro quanto fora da sala de aula, eu ficava
atenta a todas as manifestações das crianças que tivessem possíveis relações com a questão da
sexualidade.
Notei a necessidade que alguns meninos demonstravam em afirmar a sua
virilidade e provocar situações alusivas ao sexo. Um dia, as crianças vieram me buscar, na
hora do recreio, para me levar até o Raí e mostrar o que ele tinha na carteira. Ele mostrou: era
uma camisinha. Imediatamente, as crianças me olharam para ver a minha reação, me
observavam, curiosíssimas. Eu fiz apenas um breve comentário, dizendo: “É melhor se
prevenir...” o entrei em detalhes sobre a questão, visto que Raí tem onze anos e não é
improvável que tenha tido alguma experiência sexual. Era grande a expectativa das
crianças, que continuavam me olhando e aguardando mais alguma resposta ou reação tenho
certeza disso. Considerei que era melhor apenas observar o que elas faziam ou diziam e
simplesmente manter a atitude de ter associado o uso da camisinha a algo positivo.
Provavelmente, ao deixar à mostra o que tinha em sua carteira, o garoto pretendia reafirmar a
sua masculinidade, virilidade e sexualidade. Pretendia mostrar, não a mim, mas às demais
meninas e meninos, que ele não era mais criança.
Verificando o movimento, no recreio, notei um grupo de meninos que brincam de
verdade ou mentira. Os meninos da série RE estavam por enquanto, tomando sopa. Eu
continuei caminhando pelo pátio da escola, quando vi Gustavo, 12 anos, pedindo lanche para
as meninas; tratava-se de algumas meninas da 2ª série, que estavam sentadas na mureta, e ele,
rindo, em tom de zombaria, dizia: “Me um lanche, que depois te dou um doce.” Como eu
estava perto e, sabendo que ele não tinha nenhum doce para oferecer, perguntei: “Que doce
Gustavo?” Ele respondeu: “Que doce...? Um pirulito!” Eu logo entendi que havia malícia,
devido à expressão de seus gestos e de seu rosto, bem como de seu modo de olhar. Olhei para
ele, séria, e retruquei: “Por que um pirulito?Ele deu uma risada maliciosa. Olhei para ele e
disse: Sei o que quer dizer com pirulito, você o acha que elas são muito pequenas?” Ele
suspirou, dando risada: “Não é isso, não, professora. Não anota no caderno”. Os colegas que
37
A partir desse item, aparecerão nomes de crianças que não participaram da entrevista e de outras atividades
propostas pela pesquisadora, mas são alunos e alunas da 4ªRE, este(a)s serão apresentados por nomes fictícios e
em negrito, para que se diferencie das crianças entrevistadas.
119
estavam perto opinaram: “Anota sim, professora, para mostrar para a mãe dele”. Respondi:
“Eu já disse milhões de vezes que o que eu anoto não é para professora e para a mãe ver, é
para eu saber”. Eu o questionei sobre o pirulito, porque, mais que por palavras, a nossa
conversa era por meio de gestos e olhares, em que um estava testando os limites do outro.
Sabíamos claramente a que estávamos nos referindo. Minha resposta também continha um
sentido simbólico e mais velado, isto é, se as meninas não eram “muito crianças para ganhar
um pênis” (DIÁRIO DE CAMPO).
Na sala de aula, algumas crianças estavam em volta da minha carteira, haviam
terminado a atividade e perguntavam sobre as minhas férias. De repente, Luís chama a minha
atenção: “Professora, olha as meninas sentadas na minha carteira”. Paulo disse: “Ficam
passando o rabo na sua carteira, vai ficar cheirando”. Os outros meninos dão risadas.
Os meninos quase sempre, em seus xingamentos, brincadeiras e até conversas
casuais, como essas duas acima explicitadas, exibem algum tipo de referência ao corpo, com
alguma conotação de sexualidade.
As perguntas realizadas por meio das entrevistas, sobre namoro, tinham como um
dos objetivos oportunizar que as crianças expressassem as associações que fazem entre
namoro, prazer e desejo. Assim, as crianças puderam falar de seus sentimentos e sensações
relacionados ao namoro.
A pergunta O que é namoro, para você?” obteve as respostas que seguem. Para
Jonas, 11 anos, trata-se de “relação entre homem e mulher”. Ele relaciona o namoro a uma
relação de longo tempo e heterossexual. A maioria dos meninos, porém, respondeu que é
passear, beijar na boca e conversar. O namoro também está ligado a uma relação de amizade
entre casais, e de conversa.
Uma relação amigável. (GUSTAVO, 12 anos).
Fazer carinho um no outro. (LILIAN, 11 anos).
Namoro, ah, é uma coisa de carinho e amor, que um pode contar com o
outro, ficar nos momentos mais alegres e tristes; ah, namoro é beijar e fazer
carinho, essas coisas. (ALESSANDRA, 12 anos).
Especialmente as meninas responderam que namoro é beijar na boca, passear, ser
amigo(a), acrescentando a presença de carinho, companheirismo e cumplicidade. Alguns
meninos e meninas disseram, igualmente, que namorar é “ficar”. Tal como Jorge, 10 anos,
Suzana, 11 anos, diz:
120
Namoro é uma coisa e ficar é assim, um ou dois dias. Namoro é assim, às
vezes é pra valer. É... Quando uma pessoa está mesmo interessada na outra,
ela já diz: eu quero namorar com você. Acho que é assim.
O conceito de namorar, para ambos, está identificado com uma relação mais séria
do que ficar, que é de apenas alguns dias. Respondendo sobre o porquê e sobre a importância
do namoro na vida das pessoas, observei mais alguns aspectos quanto ao significado e
importância que atribuem a esse fato.
Pra se conhecer mais. (JONAS, 11 anos).
Romance. Compreensão, ser amigo. (GUSTAVO, 12 anos).
Acho que é porque beija, porque transa. (RAÍ, 11 anos).
Perguntei a Raí por que as pessoas se beijam e transam, se isto seria bom ou ruim,
porém ele se limitou a responder que não sabia. Para os meninos, as pessoas namoram para ter
alguém para fazer carinho, ser amigo, para dizer coisas bonitas e para manter relações afetivas
e sexuais. As meninas, por sua vez, responderam:
Porque na cabeça deles devem gostar, porque é bom. Ah, eles ficam
beijando, agarra, agarra... (SUZANA, 11 anos).
Beijar é bom, eu gosto de beijar. (ALESSANDRA, 12 anos).
Para a maioria, as pessoas beijam. Suzana imagina que deve ser bom, devido ao
“agarra-agarra”; o contato físico que as pessoas têm, quando namoram, deve ser bom,
segundo ela, remetendo para a idéia de prazer advindo com essas relações. Alessandra tem
experiência de namoro. Ela me contou que havia terminado com seu namorado e que havia
sofrido um pouco. Perguntei se ela beijava o normal ou selinho o nome desses tipos de beijo
foi ela quem me explicou. Ela me disse, com gestos, como é cada tipo de beijo e que o normal
é chamado “de língua”, e é o mais gostoso.
Alessandra, 12 anos, e Lílian, 11 anos, foram as únicas que confessaram ter a
experiência do beijo com a língua. As outras beijavam selinho, enquanto Taís, 11 anos, e
Jéssica, 10 anos, nunca beijaram. De todas as dez crianças entrevistadas, somente Jorge e
Jéssica, ambos com 10 anos, não manifestaram, na escola, interesse pelo namoro. Em uma
conversa com Jorge, ele declarou que o beijo na boca é muito “nojento” e que nem pretende
beijar tão cedo, como igualmente frisa Jéssica. Namorar não faz parte do mundo imaginativo
e lúdico dele e dela. as meninas, que falam, na sala, sobre namoro e paquera, gostam do
121
beijo na boca, mas sem ser o de língua: dizem que, nesse caso, “baba muito e é nojento”.
Somente Alessandra diz gostar do beijo “de língua”.
A pergunta Você namora ou namorou e como você namora?” objetivava que
as crianças falassem de suas práticas afetivas ou sexuais e quais os sentidos que dão a essas
práticas. Dos meninos, somente Jorge respondeu que nunca namorou. Gustavo, 12 anos,
respondeu que está namorando uma menina, porém eles nunca se beijaram, que o namoro
deles é só pelo olhar. Perguntei: “Você já falou o que sente por ela?” Ele: “Já”. Eu disse: “E o
que você falou?” Resposta: “Oi, e ela falou oi. Fiquei tremendo. Se alguém fizesse „tuc‟, eu
caía no chão”.
Os meninos e meninas, quando falavam de namoro, de amor, de estar perto da
pessoa que se ama, costumavam referir-se aos sentimentos associados a tais situações: o
medo, a vergonha, o frio na barriga, o disparo do coração e a ansiedade. “Dá um frio na
barriga quando a gente tá com quem gosta”. (RAÍ, 11 anos).
São certos sentimentos e sensações vivenciados por crianças que parecem
caracterizar a diferença do namoro delas e dos adolescentes, uma vez que muitos
adolescentes, atualmente, experimentam formas de prazer sexual mais explícita, que podem
incluir as relações sexuais. Raí se autodenominou adolescente, afirmou que criança não
namora, porém, ao relatar sua própria experiência, revela que ainda não beijou a menina de
quem diz gostar.
Alencar, 11 anos, garante que namora igual adolescente e acentua bem essa
diferença, por ter, segundo ele, “feito sexo” com uma menina. Alencar: “Eu fiz sexo, só que a
mãe dela pegou. Não deu quase nada, ? A mãe dela chegou e pegou. Eu tava em cima da
cama, A mãe dela chegou. Eu pulei a janela. Depois, ela [a mãe] viu eu na rua, conversou
comigo. Falou nada, não. Ah, falou que eu sou pequeno, que sou criança e não posso fazer
aquilo lá ainda”. Perguntei: “Você acha que ela está certa?” Alencar: “Ah... não”.
Eu não sei se as declarações de Alencar são verdadeiras, contudo sua fala deixa
claro que, por se considerar adolescente, ele tem que namorar como adolescente, de sorte que
critica o posicionamento contrário dos adultos. Em entrevista, contou que, no momento, está
namorando uma menina de sua idade, que tem onze anos, e que somente a beija.
As crianças expressam seus sentimentos e experiências em relação ao namoro,
como indicam abaixo as entrevistas de Alencar, 11 anos; Jorge, 10 anos; Suzana, 11 anos;
Gustavo, 12 anos e Raí, 11 anos.
Pesquisadora: Você gosta de alguém?
122
Alencar: Não.
Pesquisadora: De ninguém?
Alencar: Aqui da escola não, só da minha vila.
Pesquisadora: Você não falou que gostava da Suzana (nome fictício da
menina da sala que também deu entrevista)?
Alencar: Não gosto mais dela não.
Pesquisadora: Não gosta mais? Por quê?
Alencar: Porque não, a menina gosta de outro e nem olha para a minha cara,
desisti, parti para outra.
Pesquisadora: Você namora?
Jorge: Não.
Pesquisadora: Você quer namorar?
Jorge: Ainda não.
Pesquisadora: Com que idade você quer namorar?
Jorge: Com quinze.
Pesquisadora: Você gosta de alguém?
Jorge: Gostar não, só acho bonita.
Pesquisadora: O que é namoro para você?
Suzana: Namoro? Ah, namoro eu acho que é, assim: ficar um com outro; é
namorar, beijar; acho que é isso: ficar.
Pesquisadora: Ficar é namoro?
Suzana: Ficar não, namoro é uma coisa e ficar... quando, assim... um,
dois dias. Namoro é assim, às vezes é para valer.
Pesquisadora: Como assim, pra valer?
Suzana: É...quando uma pessoa está mesmo interessada na outra, ela diz:
eu quero mesmo namorar com você, acho que é assim.
Pesquisadora: Por que as pessoas namoram?
Suzana: Porque...acho que elas devem gostar de namorar.
Pesquisadora: Por que será?
Suzana: Porque na cabeça deles eles devem gostar de namorar, porque é
bom.
Pesquisadora: Por que é bom?
Suzana: Ah, porque fica beijando, agarra, agarra.
Pesquisadora: É bom isso?
Suzana: Acho que é.
Pesquisadora: O que as pessoas fazem quando namoram?
Suzana: (risos) Elas beijam, dorme junto.
Pesquisadora: Dormem juntos?
Suzana: A minha irmã dormiu.
Pesquisadora: É. O que aconteceu?
Suzana: Ah, quando eu cheguei lá, ela estava beijando o namorado dela. Eu
falei: que pouca vergonha essa aqui; depois ela falou: a gente está se
beijando. Falei: ah!! beijando...
Pesquisadora: Por que, além de beijar e dormir junto faz o que mais?
Suzana: Ah, porque a minha irmã.
Pesquisadora (interrompendo a resposta da entrevistada): Não, não
falando da sua irmã. Mas assim, além de beijar e de dormir junto o que mais
faz... quando namora?
Suzana: Quando namora...acho que eles fazem aquilo o que as outras
pessoas fazem.
Pesquisadora: O que?
Suzana: (risos) Acho que eles fazem sexo, sei lá. (responde rapidamente)
Pesquisadora: E o que é fazer sexo?
123
Suzana: (risos) Acho que eles faz...que eu não sei falar...Acho que é
deitar na cama, fazer...
Pesquisadora: Fazer como?
Suzana: Ah! Fazer... É uma coisa assim...Quase todo mundo faz, menos as
crianças.
Pesquisadora: Como é que é a relação, fazer sexo?
Suzana: Acho que é...para eles acho que é bom, né? Na minha cabeça... Eles
tem que fazer.
Pesquisadora: Mas fazer como? É isso que eu quero saber...
Suzana: (risos). Eles ficam pelados. Eles começam fazer. Eles tira a roupa,
eles rola.
Pesquisadora: Eles rolam?
Suzana: É que o homem...eu não sei, mas acho que ele fica, ele fica... com a
mulher na cama. Ele tá na cama e faz o sexo. Eu não sei direito [grifos
meus].
Pesquisadora: Ah!
Pesquisadora: Em sua opinião, tá, por que as pessoas namoram?
Gustavo: Porque elas gostam.
Pesquisadora: É. E o que você acha que tem, assim, no namoro para elas
gostarem?
Gustavo: Carinho. Romance. Compreensão e ser amigo.
Pesquisadora: Você namora ou já namorou?
Gustavo: Já.
Pesquisadora: Tá namorando agora?
Gustavo: Tô.
Pesquisadora: Mas você falou que gosta de uma menina, mas está
namorando outra?
Gustavo: Não, eu tô namorando com ela.
Pesquisadora: Mas vocês nunca beijaram?
Gustavo: Não.
Pesquisadora: Então como você namora ela?
Gustavo: Pelo olhar.
Pesquisadora: Você já falou o que sente por ela, para ela ouvir a sua voz?
Gustavo: Já.
Pesquisadora: O que você falou?
Gustavo: Oi, e ela falou oi.
Pesquisadora: Só, mas ninguém falou que gosta?
Gustavo: (risos) fiquei tremendo.
Pesquisadora: Ficou tremendo... (risos).
Gustavo: Se alguém fizesse “tuc”, eu caia no chão.
Pesquisadora: Como você está em relação ao namoro?
Gustavo: Mais ou menos.
Pesquisadora: Por que mais ou menos?
Gustavo: Por que ela passa mais tempo com as amigas dela.
Pesquisadora: Ela está gostando de você?
Gustavo: Tá.
Pesquisadora: Você já beijou?
Gustavo: Já.
Pesquisadora: Já namorou sério uma menina?
Gustavo: Uhum ... uhum...
Pesquisadora: É, quanto tempo?
Gustavo: Um ano.
Pesquisadora: Um ano de namoro! Quantos anos você tinha?
Gustavo: Eu tinha nove.
124
Pesquisadora: Você ficou namorando dos nove aos dez?
Gustavo: É, dos nove aos dez.
Pesquisadora: E ela tinha quantos anos?
Gustavo: Tinha nove também.
Pesquisadora: E ela era da escola ou morava perto da sua casa?
Gustavo: Perto da minha casa.
Pesquisadora: Como vocês namoravam?
Gustavo: A gente passeava.
Pesquisadora: Ah é!? E sua mãe sabia?
Gustavo: Sabia, ela ia em casa.
Pesquisadora: E sua mãe dava dinheiro para você sair?
Gustavo: Não, eu que trabalhava.
Pesquisadora: Como assim, trabalhava?
Gustavo: Na oficina.
Pesquisadora: Desde os nove anos? O que você fazia?
Gustavo: Lavava o carburador.
Pesquisadora: É, e com o dinheirinho que você ganhava você saía?
Gustavo: Uhum... uhum...
Pesquisadora: Em sua opinião, por que as pessoas namoram?
Raí: Acho que é porque beija, porque transa (cabeça baixa).
Pesquisadora: Você gosta de alguém?
Raí: Gosto de uma menina da minha rua.
Pesquisadora: Vocês namoram?
Raí: Sim.
Pesquisadora: Com é o namoro de vocês?
Raí: Nos só beija de selinho e de língua também.
Pesquisadora: Quanto tempo de namoro.
Raí: Uns dias.
Pesquisadora: Ela tem que idade?
Raí: Onze anos.
Pesquisadora: Ela foi sua primeira namorada?
Raí: Foi, mas não o primeiro beijo.
Pesquisadora: Quando você deu o primeiro? E você gostou?
Raí: Tinha dez. Gostei.
Alessandra, 12 anos, namora, com o consentimento do pai e da mãe, em casa, e
passeia com o namorado. Declarou que beija na boca de ngua, que “selinho é muito sem
graça”. Lílian, 11 anos, disse que beijou na boca, somente de selinho. “O beijo de língua é
nojento. A pessoa coloca a língua dentro da boca da outra”. A maior parte das meninas é
adepta do selinho, enquanto os meninos dizem achá-lo sem graça. Apenas Jorge tem a mesma
opinião da Lílian. Todos apresentaram a experiência do namoro e da paquera como positiva,
lúdica e misteriosa, no sentido de que não dá para saber se a outra pessoa gostou ou não do
beijo.
Através da dinâmica, utilizando músicas que falavam sobre namoro, objetiva
compreender sentimentos e sensações que as crianças atribuem ao namoro, ao ato de namorar,
como o que pensam e sentem sobre o primeiro amor, sobre o beijo, em estar junto com outra
125
pessoa, as mudanças que ocorrem no comportamento, quando uma pessoa começa a ter o
desejo de namorar, como também sensações prazerosas ou que causam ansiedade, frustração,
medo etc.
38
As músicas usadas foram pesquisadas através de um programa de computador,
que baixa música da internet. Baseei-me em dois critérios para a escolha dessas músicas: em
primeiro lugar, as músicas escolhidas deveriam abordar temas relacionados com os objetivos
tratados acima e, em segundo lugar, precisariam fazer parte de repertório musical conhecido
das crianças. As músicas escolhidas, dentre uma grande quantidade baixada do programa do
computador, foram: “Ela quer, pensa em namorar”, de Luiz Gonzaga; “Já sei namorar”,
do Grupo Tribalistas; “Meu primeiro amor”, de Sandy e Júnior; e “Velha infância”, do Grupo
Tribalistas. As crianças escolhidas para participar das dinâmicas com a música, realizadas em
dezembro de 2007, foram apenas seis dentre as dez com quem fiz as entrevistas semi-
estruturadas. São elas: Lílian, Suzana, Taís, Alencar, Raí e Gustavo.
As falas das crianças, após terem ouvido a música de Luiz Gonzaga, foram as
seguintes:
É verdade, quando eu fui me sentindo mocinha, comecei a me arrumar
mais, usar roupa mais curta, passar batom, mas que fraquinho.
(SUZANA, 11 anos).
Ah, eu não sou muito vaidosa, mas eu mais cuidadosa do que antes, não
gosto de ficar com o cabelo despenteado. (LILIAN, 11 anos).
Indaguei, então: “Vocês acham que é mesmo verdade que, quando a menina fica
moça, ela fica suspirando, pensando em namorar?” Em coro, elas responderam dando risadas:
“É”. Perguntei: “Vocês têm mais alguma coisa pra comentar da música?” Balançam a cabeça,
com gesto negativo.
Os meninos fizeram as seguintes observações: “É, as meninas ponha roupa curta,
se arruma, passa maquiagem e começa a sair” (RAÍ, 11 anos). “Fica mexendo com os
meninos, em vez de estudar” (GUSTAVO, 12 anos). Questionei: “E quando vocês ficam
mocinhos?”.
Quando eu parei de brincar é porque gostava de uma menina. (ALENCAR,
11 anos).
Nós não estuda, fica mexendo com as meninas, fica falando das meninas
pro colega, fala pro colega da menina que gosta. (RAÍ, 11 anos).
Nós se arruma, escova os dentes, passa desodorante. (GUSTAVO, 12 anos).
38
As crianças foram retiradas da sala de aula e levadas para uma sala de brinquedos (brinquedoteca), onde
apliquei a dinâmica da música. Primeiramente elas ouviram, e eu as perguntei o que haviam entendido da música
e se concordavam com a mensagem que a letra passava.
126
Quando a gente vai no lugar que tem a menina que a gente gosta, a gente
põe roupa nova. (GUSTAVO, 12 anos).
Nos depoimentos das crianças sobre a música “Já sei namorar”, a maioria
confirmou que beija selinho. Lílian, 11 anos, falou: “O beijo de língua é nojento, esquisito,
parece que babando”. As colegas riram e balançaram a cabeça: “É mesmo”. Suzana, 11
anos, aproveitou para falar: “Se o menino pôr a língua na minha boca, eu mordo!” (SUZANA,
11 anos). Todos riram. eu apresentei a seguinte questão: “Vocês querem ficar ou
namorar?”.
Eu quero ficar com alguéns. Eu concordo com a música, nós quer ficar com
quem quiser, com um só enjoa. (LILIAN, 11 anos).
Eu sou de um, mas eu não quero namorar, vai, eu prefiro ficar.
(SUZANA, 11 anos).
Tem que ser só um. (TAÍS, 11 anos).
Não gosto de selinho não, beijo de verdade tem que ser de língua.
(ALENCAR, 11 anos).
É bom, mas tem que escovar a língua. (GUSTAVO, 12 anos).
Eu quis saber o que seria um beijo bom. Os meninos responderam que sabem
namorar e beijar de língua. Diferentemente de parte das meninas, que falaram que melhor é
“ficar”, todos os meninos preferem namorar sério, somente com uma menina.
A menina tem que gostar de mim, e eu gostar dela. A menina tem que beijar
bem. (ALENCAR, 11 anos).
Ficar com todo mundo é bom, mas é melhor namorar a menina que gosta.
(GUSTAVO, 12 anos).
Depois, inspirados pela música “Meu primeiro amor”, as crianças comentaram:
Eu tava na primeira série, eu ficava com vergonha de falar pra ele, vai que
ele ia contar pros meninos. (SUZANA, 11 anos).
Eu tinha nove anos, eu fiquei mida, nunca falei pra ele. (LILIAN, 11
anos).
Eu tinha 10 anos, eu nunca falei para o Gustavo, tenho medo dele me
desprezar. (TAÍS, 11 anos).
Não tive coragem de falar, vergonha de chegar, vai que ela falava um
não. (RAÍ, 11 anos).
Eu ficava de longe, ia me aproximando, dando uma de amiguinho.
(ALENCAR, 11 anos).
127
Gustavo, 12 anos, acrescentou: “Eu gostava de uma menina que foi embora, eu
sofri. Chorei [risos]. Namorava de mãos dadas, dava selinho”. Perguntei: “Quantos anos você
tinha?”. Ele respondeu: “Uns sete”.
Depois de ouvirem a música “Velha Infância”, alguns meninos e algumas meninas
continuaram a cantarolá-la, bem baixinho. Os seus comentários foram:
Eu não fico pensando em ninguém não. Na hora de dormir, eu durmo
[risos]. (LILIAN, 11 anos).
Ah, eu penso, né? quando gosto mesmo. Ah, professora... eu fico
imaginando a gente junto, ah, dá vergonha de falar. (SUZANA, 11 anos).
É, penso. (TAÍS, 11 anos).
Ah, eu penso. Ah, eu não vou falar não, professora. (RAÍ, 11 anos).
Penso, sonho com a gente junto, se beijando. (ALENCAR, 11 anos).
Todos os meninos confessaram que pensam na pessoa amada o dia inteiro e
manifestaram menos resistência do que as meninas, para falar dos seus sentimentos. Não
tiveram vergonha de dizer que sonham com a pessoa de quem gostam, todavia não quiseram
entrar em detalhes.
Na entrevista realizada com as crianças, quando lhes foi perguntado se elas
gostam de alguém, a maioria respondeu que sim e que eram correspondidas. Outras, em
número menor, declararam que apesar de gostarem de alguém, não eram correspondidas. Na
sala de aula, é possível perceber a tristeza dessas crianças, do Alencar e da Taís, os dois que
eu pude observar mais, que gostam de alguém, mas não são correspondidos.
À questão “Você está gostando?”, em relação ao namoro, teve uma resposta
interessante de Alessandra: “Tou gostando. Eu gostei de duas pessoas, do Nando e do
Clebinho, o meu ex-namorado”. Essa resposta mostra que, às vezes, não apenas
sentimentos por uma única pessoa, mas que se pode gostar de mais de uma pessoa ao mesmo
tempo. Entretanto, em entrevista, ela diz gostar mais do Clebinho.
4.3. As relações sexuais: como acontecem? ou “Primeiro os dois vai para cama e
depois...eles...como é que fala? Eu não sei, professora... Vai coisando...o homem coisa na
mulher...”
Sempre visando a reconhecer e interpretar as concepções das crianças e seus
olhares sobre a sexualidade, durante a entrevista, as questionei sobre suas compreensões e
128
opiniões acerca de como as mães ficam grávidas e como as crianças nascem. Com isso,
pretendia chegar aos modos como elas entendem as relações afetivo-sexuais. Também, como
mencionado, através da pergunta se existe diferença entre namoro de criança e de
adolescente, pretendia captar, por meio das explicações das crianças sobre o namoro de
adolescente, como entendiam ser as relações-sexuais. Em princípio, não esperava que as
crianças diferenciassem o namoro de adolescente do de criança mediante a ocorrência de
relação sexual. Como assim o foi, tornaram-se as suas respostas uma fonte de análise sobre o
que falam e concebem sobre a sexualidade, o uso dos prazeres e de como as relações sexuais
acontecem.
Em relação a como as crianças concebem a diferença entre o namoro de
adolescente e de criança e suas explicações sobre as relações-sexuais, as quais denominam
“transar” e fazer sexo”, compartilho trechos das falas das crianças em entrevista. Por
exemplo, Lílian, 11 anos:
Lílian: O adolescente faz outras coisas.
Pesquisadora: O que ele faz?
Lílian: Sai escondido. A menina fica grávida, sem os pais saber.
Pesquisadora: Então, o que elas fazem para ficar grávida?
Lílian: Fazem sexo (fala rapidamente, sem timidez).
Pesquisadora: Então, o que é sexo?
Lílian: A mulher fica com o homem.
Pesquisadora: Mas o que acontece? Como assim?
Lílian: Eu não sei professora. O que é.
Apesar de conceber que os adolescentes fazem sexo e que para a mulher ficar
grávida precisar ter mantido relação sexual, é difícil para Lílian explicar o que é sexo.
Através das perguntas como as mães ficam grávidas e como nascem os bebês, as
crianças puderam compartilhar seus conceitos, crenças e conhecimentos sobre essas questões
e, principalmente, como as relações sexuais acontecem, uma vez que essa questão não seria
abordada diretamente. As respostas indicam que a relação sexual ocorre através da introdução
do pênis “na xana” ou “no cu”. Não responderam baseadas no conhecimento de que existem
diversas maneiras de se relacionar com o corpo, em uma relação sexual. Surpreendi-me em
saber que algumas delas concebem que é apenas pela introdução do pênis no ânus que
acontecem as relações sexuais, e que seria por esse mesmo lugar que se daria o nascimento de
uma criança.
Como respondeu Jorge, 10 anos, também o fizeram outras crianças: “Não sei o
que é transar, só ouvi falar”.
129
Compartilharam comigo que, na verdade, não sabem como acontece uma relação
sexual, apresentam concepções sobre o ato baseadas no que ouviram dizer; somente Alencar
diz saber, por ter assistido a um filme pornográfico.
Ah, o tênis (refere-se ao pênis) entra dentro... dentro do... do... (risos) Ai,
caramba! É palavrão... do cu (pensamento). É tem aquilo. Ah, caramba!
Dentro da xana. (ALENCAR, 11 anos).
Alencar ficou confuso em afirmar se o pênis do homem entra na vagina ou no
ânus da mulher. As imagens do filme pornô eram as únicas referências que ele tinha, para
explicar como é que acontece uma relação sexual.
Para a pergunta “Em sua opinião, como é que as mães ficam grávidas?”, as
respostas foram confusas e reticentes. Gustavo respondeu que seria “[...] pelo namoro... faz
amor... coloca no furo [risos] no cu... na vagina...” (GUSTAVO, 12 anos). Ele disse que sexo
era “uma coisa com amor” e que “para fazer sexo a pessoa tem que usar camisinha, que o
homem coloca a camisinha no pênis e transa”. Continuou a explicar que o homem coloca o
pênis “no furo, no cu”. Porém, afirmou que, “se não quiser ter filhos, é não usar
camisinha” [grifos meus]. Não soube exclarecer se, para a mulher ficar grávida, o homem tem
que colocar o pênis no “cu” ou na vagina dela.
Raí, 11 anos, também acha que, para a mulher ficar grávida, tem que colocar a
camisinha. E que o nenê nasce com seis meses. Alencar respondeu que é através do “sexo”
que as mães ficam grávidas, mas que nem todas as vezes que elas “fazem sexo” elas ficam
grávidas.
Jéssica, 10 anos, disse que não sabia e que nunca ouviu nada sobre esse assunto.
“Ah, elas transa, e depois enjoa, e : sinal que fica grávida”, comentou Suzana, 11 anos.
Lílian, 11 anos, elucida:
O homem pega e coisa com ela.
Pesquisadora: O que é coisa?
Lílian: Faz sexo com ela. Primeiro os dois vai para cama e
depois...eles...como é que fala? (pensa). Eu não sei, professora. Vai
coisando.
Pesquisadora: Mas como assim, coisando? (ela repete várias vezes coisa, e
pesquisadora e entrevistada riem).
Lílian: O homem coisa na mulher.
Pesquisadora: Mas o que é coisar?
Lílian: O homem coloca hormônio dentro da mulher.
Pesquisadora: Mas coloca como?
Lílian: (sussurra) Pelo pinto, professora.
Pesquisadora: O hormônio é o quê?
Lílian: O nenê.
130
Lílian: (risos e fala) No buraquinho. (fica tímida, com sorriso encabulado).
Coloca o pinto na piriquita... (pára, pensa e se corrige). Não, na bunda.
Pesquisadora: Mas a bunda é por onde faz coco?
Lílian: É.
Pesquisadora: Mas quando entra esse hormônio na mulher o quê que
acontece?
Lílian: Vai um monte (refere-se aos hormônios), aí depois vão morrendo,
fica um, dois.
Pesquisadora: Quando fica, como é que faz para virar um nenê?
Lílian: Ele vai crescendo, a barriga da mulher vai crescendo.
Pesquisadora: Mas ele vai crescendo como?
Lílian: Desenvolvendo. Ele era uma bolinha.
Eu precisei perguntar se elas sabiam como o nenê vai parar na barriga da mãe,
pois algumas tiveram dificuldades em entender a pergunta - “pra você, como as mães ficam
grávidas?” Recorri, então, a essa outra pergunta como estratégia para entender o que as
crianças concebem sobre as práticas sexuais.
Através dessa forma de formular a questão, pude perceber que algumas crianças
apresentam teorias muito particulares sobre como as mães ficam grávidas, e as poucas
informações que têm são completadas com muita imaginação.
Quando indagados sobre o que as pessoas fazem quando namoram, também
falaram sobre o lugar que as relações sexuais ocupam na vida das pessoas. A maioria dos
meninos respondeu que as pessoas se beijam e fazem sexo” quando namoram e alguns não
responderam nada. Suzana, 11 anos, disse:
[...] quando namora... Acho que elas fazem aquilo que as outras pessoas
fazem. Acho que elas fazem sexo, sei lá. Acho que é deitar na cama, fazer...
(perguntei o que era sexo e ela continuou) É uma coisa que todo mundo faz,
menos as crianças. Acho que é... para eles acho que é bom, né? Eles ficam
pelados. tira a roupa e está fazendo. Eles tira a roupa, eles rola. É que o
homem... Eu não sei, mas acho que ele fica... com a mulher na cama (...) Ele
tá na cama e faz sexo. Eu não sei direito o que é sexo.
Para essa garota, namorar também é manter relações sexuais. Deu para perceber
que ela realmente não tem claro nem o modelo mais comum e tradicional de se manter a
relação sexual, mas ela imagina que seja bom, por as pessoas estarem abraçadas e juntas. Em
uma conversa informal, ela me disse que imaginava que o sexo era bom, mas, ao mesmo
tempo não, porque “a mulher grita, parece que está com dor”.
Quando indagada sobre como as mulheres ficam grávidas e como nascem os
bebês, Suzana, 11 anos, falou: “É um ovinho; eu não sei como chama aquilo não. É que tem
gente que tira pelo cu”. Perguntei sobre como é que a mãe faz para ficar grávida e essa garota
131
respondeu: “Tem que enfiar bem enfiado (risos). O pinto do homem. Enfia naquele
buraquinho. Mas vai ficar grávida se enfiar bem enfiado. Na vagina tem um lugar que
enfia, acho que é lá”. Perguntei se era o mesmo lugar por onde sai o xixi e ela respondeu:
Não. É embaixo. Mas vai ficar grávida se enfiar bem enfiado. É que fica
uma gosma dentro, acho que é isso, do pinto do homem. Vai virando um
ovinho e fica crescendo. Vai crescendo e vai ficando grande e quebra
(refere-se ao bebê). Quando a mulher recebe a notícia que está grávida, ela
vai esperar, esperar dezenove meses, aí vai... tá grávida.
Ela não sabe explicar e tem dúvida se o pênis do homem penetra na vagina ou no
ânus da mulher. Para Raí, a mulher fica grávida por seis meses.
Apesar de quase todas as crianças responderam que o beijo de língua seria o
principal ato realizado entre as pessoas que namoram, penso que, talvez, por acanhamento,
algumas delas não disseram pensar de forma próxima à de Suzana, isto é, que no namoro as
pessoas também transam.
As respostas à pergunta - “em sua opinião, como nascem as crianças?”
acrescentaram, ainda, outras, que seguem. Raí, 11 anos, disse que não sabia, e Jorge
respondeu:
Corta a barriga e tira. Tem um tubo, um negócio, o que a mãe come vai pro
bebê. É o imbigo umbilical. (quer dizer umbigo). Tipo assim, tem uma
cobrinha, quando nasce a criança, o médico corta. (JORGE, 10 anos).
“Acho que é por trás, né?” indagou Alencar, 11 anos. Disse que estava em dúvida
se as crianças nascem pelo “cu” ou pela “xana” “Ichi...acho que é pela xana, não sei, não”.
Note-se que ele foi o menino que disse ter tido uma experiência sexual com uma menina.
Gustavo, 12 anos, também respondeu questionando: “Nasce pela barriga. Pelo cu também,
não é?”. Mais uma vez surpresa: quis confirmar o que ele queria dizer, indaguei: “é por onde
sai o cocô?” Ele respondeu que sim, que era apenas por estes dois lugares - barriga e cu. O
mesmo respondem Lílian, 11 anos, e Gustavo, 12 anos:
Lílian: O nenê nasce, nascendo.
Pesquisadora: Mas, como assim?
Lílian: Nascendo. Pela bunda.
Pesquisadora: Por onde sai o cocô sai o nenê?
Lílian: É. Nasce também pela barriga, faz normal, cesariana.
Pesquisadora: Normal é o quê?
Lílian: Normal é a pessoa que ela tem que fazer força para sair.
132
Lílian, 11 anos, porém, respondeu: às vezes nasce pela xana” ou pela barriga,
corta aqui em baixo (mostra a barriga). A mulher vai pra Santa Casa e eles tira o bebê da
barriga”.
Gustavo: Nasce pela barriga.
Pesquisadora: É só pela barriga que as crianças nascem?
Gustavo: Pela barriga.
Pesquisadora: Que mais?
Gustavo: Pelo cu também, não é?
Gustavo: Pelo cu, você fala que é por onde sai o cocô?
Gustavo: Uhm, hum.
Pesquisadora: Tem a barriga e o cu só, ou elas nascem por outro lugar?
Gustavo: Só.
Taís, 11 anos, contudo, falou bem baixinho: “pela barriga da mãe... pela coisa da
mulher, pela piriquita”. Alessandra, 12 anos, diz que as crianças nascem “às vezes pela xana
ou pela barriga, corta aqui embaixo (mostra a barriga). Jéssica, 10 anos responde que “a
mulher vai pra Santa Casa e eles tira o bebê da barriga”. Perguntei se o nenascia pela a
barriga e ela respondeu que não sabia.
A maior parte das crianças entende que os bebês nascem pelo ânus da mulher;
apenas Thaís e Lílian falaram mais claramente sobre o parto: que o bebê nasce, ou pela
cesariana, ou pela vagina. Elas e eles falam sobre sexo, mas, na realidade, não detêm
orientações claras sobre o assunto, seja por parte da família ou da escola. Um dos lugares
onde observam as relações erótico-sexuais é a televisão, mas esta, normalmente, não
apresenta tomadas de imagens detalhadas, nem mesmo os vários aspectos que envolvem uma
relação sexual entre pessoas, tais como a ética e o respeito mútuo, que são necessários à
educação para a sexualidade. Apresentam generalizações e pontos superficiais de informação,
com apelo aos padrões estéticos de beleza, ou formas estereotipadas de vivenciar a
sexualidade e as múltiplas identidades sexuais. Apesar de tanta informação transmitida pelos
meios de comunicação, principalmente no período de carnaval, devido ao combate a AIDS e
DSTs, as crianças apresentam outras falas que não coincidem com a ordem das explicações
científicas, por exemplo. Considero que isso deve ser visto como um alerta para os
profissionais da educação, pois tanta informação não significa formação. Essas crianças, de
certa forma, pensam, imaginam e almejam uma vida sexual. Cada vez mais, as bonecas e
carrinhos, entre outros brinquedos, deixam de ser suficientes para preencherem ou
satisfazerem suas fantasias e desejos. Trata-se de um momento em que se encontram em um
133
limiar entre a infância e a adolescência e, portanto, necessitam de orientações e recursos mais
adequados a esse momento de suas vidas.
4.4. Relações afetivo-sexuais entre pessoas do mesmo sexo ou “As pessoas podem
namorar outras do mesmo sexo, o meu filho não, eu mando ele embora de casa
Em minha proposta de pesquisa, elaborei questões que as crianças deveriam
responder sobre o que pensavam ou sabiam acerca das relações afetivo-sexuais, entre pessoas
do mesmo sexo. Pretendia reconhecer os saberes e os preconceitos que, possivelmente, as
crianças teriam sobre essas relações, bem como se haveria diferenças entre as respostas de
meninos e meninas.
À pergunta “em sua opinião, mulher pode namorar mulher, e por quê?” obtive as
seguintes respostas:
Só se for sapatona. (ALENCAR, 11 anos).
Não. Porque tem que namorar homem. (RAÍ, 11 anos).
Tem que fazer a vontade (ALESSANDRA, 12 anos).
Aí é sapatona. (TAÍS, 11 anos).
Não. Porque elas são mulher. (JÉSSICA, 10, anos).
A maioria dos meninos mostrou-se desfavorável, em relação ao namoro de
homem com homem e mulher com mulher. Somente Lílian, Alessandra e Gustavo, dentre as
dez crianças entrevistadas, disseram ser favoráveis ao namoro homossexual. Embora este
último venha a se contradizer, depois. À pergunta: qual é a sua opinião sobre namoro de
homem com homem e mulher com mulher, apresentaram as seguintes respostas:
Nenhuma. Como eles podem ter filhos? (JORGE, 10 anos).
Errado, porque nos dois têm tênis. (refere-se ao pênis) (ALENCAR, 11
anos).
Uma relação legal. (GUSTAVO, 12 anos).
É feio. (TAÍS, 11 anos).
em relação à pergunta “você seria amigo de um homem que namorasse outro
homem e de uma mulher que namorasse outra mulher”, as respostas foram:
Sim. (JORGE, 10 anos).
134
Não. Não, porque eu não gosto. (RAÍ, 11 anos).
Seria, tem que respeitar. (GUSTAVO, 12 anos).
Eu tenho vontade de ser amiga de um homem que namora outro homem.
Pra ele me contar as coisas que eles fazem. (ALESSANDRA, 12 anos).
Vou deixar de ser amiga só porque ela namora outra mulher? (LILIAN, 11
anos).
Seria. (SUZANA, 11 anos).
Não, porque ela namora outra mulher. (JÉSSICA, 10 anos).
Não, porque os outros ia ver elas duas andando. Aí, iam falar: - a Taís está
andando com duas sapatona. (TAÍS, 11 anos).
Sobre ser amigo(a) de um(a) homossexual, as crianças mantiveram suas opiniões
divididas. Aqui está presente o discurso que circula, atualmente, sobre ser contra, mas
“respeitar” a orientação sexual de cada um. Aparecem, nessas manifestações, as ambigüidades
e fragilidades do sentido da palavra respeito”, tão difundidas em campanhas publicitárias e
nas escolas. As palavras respeito e diversidade, que estão em circulação, têm seus significados
circunscritos a pontos de vista bastante limitados. Elas não se fundamentam na crítica ao
sentido da diferença e ao modo como elas são construídas e justificadas de modo a manter as
hierarquias e subordinações tanto de gênero, como sexuais. Taís foi bastante explícita quando
manifestou sua opinião, assumindo que não quer ser confundida com pessoas moralmente
condenáveis. Segundo Louro:
Sob esta ótica, os apelos em prol da tolerância e do respeito aos diferentes
também devem ganhar outra conotação. É preciso abandonar a posição
ingênua que ignora ou subestima as histórias de subordinação
experimentadas por alguns grupos sociais e, ao mesmo tempo, dar-se conta
da assimetria que está implícita na idéia de tolerância [...] Ela se liga,
contudo à condescendência, à permissão, à indulgência atitudes que são
exercidas, quase sempre, por aquele ou aquela que se percebe superior.
(LOURO, 2003, p.48).
O que mais permitiu observar a força dos preconceitos existentes foram as
respostas à pergunta “e se seu filho namorasse outro homem, você aceitaria?”
Não, meu filho é outra coisa. Nem sei o que eu faria, eu colocava pra fora
de casa. (JORGE, 10 anos).
Expulso, vai morar com outro homem. (ALENCAR, 11 anos).
Eu batia no meu filho e não deixava namorar. (RAÍ, 11 anos).
Gustavo, que nas outras perguntas parecia aceitar a relação homossexual,
mostrou outra forma de pensar diante dessa pergunta:
Eu ia brigar. (GUSTAVO, 12 anos).
135
Taís e Suzana responderam:
É vergonha para uma mãe um filho namorar outro homem. É feio. (TAÍS,
11 anos).
Eu não aceitaria. Eu ia mandar embora de casa. (SUZANA, 11 anos).
Apenas duas meninas responderam:
Vou; se ela quer, tudo bem! (LILIAN, 11 anos).
Eu iria dar o maior apoio. (ALESSANDRA, 12 anos).
Somente Alessandra e Lílian mantiveram suas respostas coerentes com aquilo que
vinham falando até então. As demais crianças que haviam dito que aceitavam o convívio com
um amigo ou amiga homossexual expressaram sua homofobia, quando tiveram que se
manifestar sobre como lidariam com tal prática sexual, caso a mesma fosse vivida por seus
filhos ou filhas.
A maioria foi contra esse tipo de relação. O estigma do que é considerado feio,
errado e inconcebível permaneceu nas falas das crianças. De acordo com Gagnon (2006),
pode-se inferir que as falas das crianças o construídas em função da cultura predominante
nos grupos e relações sociais das quais fazem parte:
Do ponto de vista da teoria da roteirização, as preferências eróticas por
pessoas do mesmo gênero são despertadas e moldadas em sistemas de
significação oferecidos à conduta por uma dada cultura. Portanto, o que
geralmente se interpreta como “a cultura contra o homem” ou “a cultura
contra a natureza” é, na verdade, um conflito entre indivíduos ou grupos
aculturados de modos diferentes. (p.194).
Algumas situações observadas em sala de aula, nas interações entre as crianças,
que envolveram também a participação da professora, são elucidativas de como as crianças
são educadas para pensar e se posicionar sobre a sexualidade e, em especial, sobre a
homossexualidade.
Certo dia, um aluno apareceu na sala com uma revista pornográfica que, segundo
explicou para a professora, havia ganhado de um jovem, o qual era aluno de Ensino Médio,
em outra escola. Eu não estava presente na sala nesse dia, mas fiquei sabendo que a
professora mandou esse menino para a diretoria. No outro dia, em que eu estava na sala, a
professora retomou a conversa sobre o que havia acontecido. Enfatizou que as crianças
deveriam tomar cuidado com aquilo que pessoas mais velhas lhes oferecem. Ela explica que o
136
rapaz que havia dado a revista poderia ter “segundas intenções” para com o seu aluno.
Continuou sua exposição, afirmando que ser homossexual é uma opção e que muitos sofrem
por causa da sociedade preconceituosa em que vivemos. Que, caso alguém escolha esse
rumo”, terá que pensar nas conseqüências, tais como sofrer preconceito e as conseqüências
físicas, pois “o ... não mais funcionará”(ao invés de pronunciar a palavra cu ou anus, ela faz
um gesto interrogativo e reticente). Para explicar por que o anus não mais “funcionaria”, ela
disse que eles passariam a defecar nas calças e cheirar mal. Nesse dia, a conversa foi dirigida
estritamente aos meninos, dos quais também foi chamada a atenção para que tomassem
cuidado com o oferecimento de drogas e com pessoas que os chamassem para fazer coisa
errada [dando a entender que era roubar].
Entretanto, por mais que a professora reconheça que a sociedade tem preconceito
para com o(a)s homossexuais, sua fala também é preconceituosa. No início da conversa com
os meninos, eu estava entendendo que ela estava preocupada com a possibilidade de que
houvesse intenção de abuso sexual por parte do jovem que ofereceu aquela revista, mas o
sei se o menino também compreendeu isso. Com a continuação da preleção dela, porém, a
conversa foi tomando outras dimensões. Entre estas, a aversão disfarçada e talvez
inconsciente pelo(a)s homossexuais é o ponto-chave. Além de uma figura extremamente
depreciativa da possibilidade de que pudesse haver qualquer espécie de prazer através da
relação anal e de que esta é também uma região erógena , foi enfatizado que isso
implicaria um estrago físico, com conseqüências terríveis. A mensagem era para ser
decodificada da seguinte forma: todos os homossexuais, homens, não possuem mais o
controle do esfíncter e, por isso, defecam nas calças e cheiram mal é isso que vocês querem
para as suas vidas? Além disso, como o esfíncter não é uma palavra tão comumente usada, a
professora fazia gestos com as mãos, para que todos entendessem.
Em linhas gerais, a professora mostrou aversão não apenas à relação afetivo-
sexual homossexual, mas a um tipo de relação sexual em que o homem se coloca de forma
passiva:
Fazendo o papel passivo nessas trocas, entretanto, o viado ou bicha abre mão
de sua identidade masculina passa a ser definido como essencialmente
feminino em termos de função social e, na melhor das hipóteses, como uma
imitação grosseira da fêmea biológica em termos de status social, socialmente
inadequado como homem e um fracasso biológico como mulher. (PARKER,
1991, p.79).
137
As representações sociais, tabus e crenças sobre o coito anal permeiam a fala da
professora, que apresenta uma lógica sexual pautada na contrariedade a todo o tipo de contato
sexual que foge das finalidades sociais relacionadas à relação heterossexual.
A relação sexual anal tem configurações históricas, associadas ao modo de
vivenciar o corpo e o uso de seus prazeres, de modo que as relações extraconjugais, a
masturbação e a homossexualidade são considerados ameaça à instituição familiar. A
construção social desses tipos de conceitos sobre normalidade/anormalidade, nas relações
afetivo-sexuais, foi por muitos anos tratada pela medicina higienista, que, através de seus
discursos, construiu e disseminou uma cultura sexual em que certas práticas são patologizadas
e definidas como sendo anormais causadoras de esquizofrenias, neuroses, doenças
sexualmente transmissíveis e sífilis (MATOS, 2003). Nesses discursos, fica evidente a
existência de uma maior preocupação com a homossexualidade masculina do que com a
feminina.
É quase que persistente a tendência de ensinar que os meninos devem ser
heterossexuais e as causas desastrosas em vivenciar outras identidades sexuais. A
manifestação da sexualidade, o desejo e o prazer dessas crianças são estritamente conduzidos
à heterossexualidade e não se discute se poderia ser prazeroso estar com pessoas do sexo
oposto.
Além dessas questões, a prática daquele menino ao olhar uma revista em que
aparecem mulheres nuas não foi relacionada, pela professora, à curiosidade, à busca de
sentido para o erotismo e à promoção de fantasias sexuais, nem, igualmente, à manifestação
de sua própria sexualidade, ou seja, de alguém que busca o prazer através do olhar e da
imaginação. A utilização desse tipo de revista, na escola, poderia ser realmente questionada,
mas foi, na verdade, destratada a subjetividade, assim como o comportamento de Luan, a
ponto de ele passar por uma situação de humilhação perante as outras crianças. As
afetividades, as práticas e os desejos ligados à manifestação da sexualidade não são aceitos
nem tolerados pela escola, e muito menos se torna pauta de diálogo e de conversa para uma
formação que vise à educação para a sexualidade.
Em outro momento, ocorreu na sala um episódio em que um menino colocou a
mão no pênis do outro; não cheguei a presenciar a cena, mas o menino que foi tocado contou
para a professora. A coordenadora veio, chamada pela professora, conversar com a sala e
começou a dizer que quem pega no... [ela não usa a palavra, faz gesto] do outro “é viado”,
“bicha”. Diz ela: “Sabe o que é isso? O homem que gosta de homem, isso é uma opção sexual
138
de cada pessoa”. Após o término de sua fala, chamou o menino para ir à diretoria da escola, e
ele a acompanhou, de cabeça baixa.
Podemos perceber que, nesse caso em sala de aula, a atitude do garoto foi
diretamente associada a uma determinada classificação e juízo sobre a sexualidade do menino
punido, colocando-o em uma situação vexatória, em que a sua sexualidade foi questionada e a
mensagem passada foi preconceituosa, pejorativa e homofóbica. Tocar no pênis de alguém do
mesmo sexo, mesmo que isso costume ocorrer em brincadeiras entre homens, é considerado
anormal, como coisa de “viado” e “bicha”, uma vez que essas são palavras empregadas para
inferiorizar um grupo, uma identidade sexual em relação a outro/outra. Em nenhum momento
foi discutida a necessidade de respeito ao corpo do outro e a de que se tenha permissão para
que possa ocorrer qualquer ação que envolva os direitos da pessoa sobre seu corpo e sua vida
íntima.
As professoras que trabalham com crianças, mas não apenas estas, geralmente,
manifestam bastante despreparo para lidar com situações que envolvam o corpo e a
sexualidade. Apesar da boa vontade da professora e de seu esforço para indicar que existem
várias formas de vivenciar a sexualidade ao dizer aos alunos que gostar de pessoa do mesmo
sexo “é uma opção sexual” , ela não tem conhecimentos para explicar o significado dessa
chamada “opção”, de maneira que a sexualidade continua sendo tratada de forma
naturalizante, reforçando as oposições binárias na abordagem das identidades sexuais.
Parker (1991) explica o simbolismo que a palavra ou expressão “bicha” encerra,
uma vez que, por meio da diferenciação sob outras formas de vivência sexuais, reforça a
definição cultural da masculinidade, configurando em oposições a outros tipos de identidades
sexuais. Enfatiza:
Um entendimento do homem não é construído meramente em oposição à
mulher, mas ao mesmo tempo, através de sua relação com figuras tais como
o machão, o corno, a bicha ou viado. E a mulher como o homem, precisa ser
apreendida não apenas em oposição a ele, mas através de figuras como a
virgem, a piranha e até o sapatão. Essas figuras adicionais têm papéis
secundários no elenco de personagens do drama sexual brasileiro, mas de
qualquer maneira, todos desempenham ações cruciais na construção do
gênero na vida diária. (p.74).
Em uma outra ocasião, ocorreu um episódio em que alguns meninos estavam
chamando os outros de “quatro cu” e os “mandavam tomar no cu”, pois estes são os
xingamentos que eles mais utilizam nessa sala. Chamando a atenção dos alunos, a professora
os questionou sobre o porquê do uso dessas palavras. Sem obter respostas, ela explicou que
139
quem usa tal xingamento “parece que está querendo ser o quê?” e “quem fala cu toda hora,
parece o quê?”
Ao comentar dessa forma o que ocorrera entre os alunos, é como se a professora
estivesse, com palavras mais suaves, perguntando se eles estão querendo ser homossexuais.
Reforçam-se, assim, desde cedo, as práticas de diferenciação e exclusão sexual na escola, pois
se trata, claramente, de criticar certas práticas ou prazeres sexuais, associando-os a
determinadas orientações ou modelos de sexualidade, geralmente não aceitos e condenados
socialmente.
As oposições binárias em relação ao gênero e à sexualidade estão presentes na fala
das crianças, professora e gestores, legitimando-se, assim, um modo de vivenciar a
sexualidade e um único padrão de identidade sexual, a heterossexual. A necessidade de se
explicitar aquilo que seria inferior ou anormal é uma estratégia utilizada geralmente de
forma inconsciente para garantir e evidenciar o normal, como foi observado.
Fica evidente, portanto, como em cada cultura as verdades e saberes estabelecidos
são construídos social e simbolicamente, nas interações e relações dialógicas entre os sujeitos,
as quais são explicadas por Bakhtin, citado por Jobim e Souza (1994, p. 103):
O sentido dialógico da verdade proposto por Bakhtin se caracteriza pela
idéia oposta ao modo de conhecimento monológico. Pra esse autor, a
verdade não se encontra no interior de uma única pessoa, mas está no
processo de interação dialógica entre pessoas que a procuram
coletivamente. (JOBIM e SOUSA, 1994, p.103).
As concepções das crianças, que levam a um poder conceitual baseado na
negatividade da identidade homossexual, têm suas fundamentações na cultura e na sociedade.
Em relação a nossa cultura brasileira, poder-se-ia dizer que temos uma pré-disposição em
negar as identidades sexuais que ferem ou ameaçam simbolicamente as identidades
heterossexuais e de gênero divergentes das normas e dos padrões socialmente estabelecidos
(LOURO, 1999; MATOS, 2003; PARKER, 1991; WEEKS, 1999).
São, como se pôde perceber, práticas de representação da realidade que se fazem
presentes em todas as dimensões sociais e em todos os grupos geracionais. Mesmo tendo
grandes dificuldades em atribuir sentidos para a sexualidade, seus usos e modos de
funcionamento, as crianças já demonstram quanto assimilaram dos preconceitos em relação
à homossexualidade. Parker (1991) destaca as relações entre erotismo e poder, bem como a
necessidade de transformar os modos e significados culturais do erótico:
140
As interações sexuais entre indivíduos de mesmo sexo, os relacionamentos
extraconjugais, a masturbação e o intercurso anal tornam-se particularmente
eróticos porque destroem a hierarquia de valores do cotidiano. Como nos
casos de gênero e sexualidade, então, as relações entre erotismo e poder
devem ser entendidas não procurando reduzir um ao outro, mas examinando
as maneiras pelas quais cada um deles toma forma através do outro [...] Quer
dizer, o funcionamento do poder deve ser entendido através das formas e
significados culturais do erótico, e o simbolismo do erótico precisa ser
interpretado através das estruturas do poder e da sua capacidade de
transformá-las. (p. 203-204).
4.5. As crianças em seu cotidiano: amizades, desentendimentos e paqueras
4.5.1. As relações de amizade ou “Quem mexer com ela, mexe comigo”
Observei que uma relação muito forte de amizade entre as meninas da sala,
apesar de se sentarem mais próximas apenas Taís, Alessandra e Luíza. Na hora do recreio,
todas as meninas (que são sete, na sala) passam o recreio juntas. Elas dividem o lanche ou se
sentam para comer a merenda, andam pelo pátio conversando e, o que mais chama atenção, é
que uma empresta para a outra acessórios como presilhas, baton, gloss, pente, perfume,
trocam de sandálias, uma arruma o cabelo da outra. Elas têm o costume de fazer cafuné uma
na outra e de terem contato físico, como deitar no colo e se abraçar.
As seis amigas estão andando juntas, resolvem sentar-se, Taís percebe que o
cabelo de Suzana está desarrumado e pede para arrumar. Ela tira a
xuxinha da amiga, passa a mão entre os seus cabelos como se estivesse
desembaraçando, estica-o e começa a amarrar. O ato de amarrar o cabelo
demorou, pois ela ficou um bom tempo alisando o cabelo da amiga.
(DIÁRIO DE CAMPO).
Elas trocam os diários, uma lê, a outra escreve versos no diário da outra e,
assim, a troca de objetos representa laço entre pessoas de um mesmo grupo,
pois elas fazem questão de deixar claro para quem elas vão emprestar os
seus objetos. (DIÁRIO DE CAMPO).
Apesar disso, entre elas, parece haver mais disputas e menos cumplicidade do que
a que existe entre os meninos. O seguinte episódio mostra duas amigas que brigam por
141
gostarem do mesmo menino, Luan. Os colegas e as colegas incentivam as duas a brigarem,
na hora da saída.
Todo(a)s estão falando sobre esse assunto, uns dizem que a Taís é “traíra” e
que a Alessandra não deve mais conversar com a amiga. O Luan esentre
elas, ouvindo os fuxicos e nem parece que é dele que estão falando.
A Luíza, que é amiga das duas, conduz Alessandra a romper com a
amizade e de certa forma ambas desprezam Taís. A Taís, como tem as duas
como melhores amigas, puxa conversa e as duas fingem que não tem
ninguém falando. (DIÁRIO DE CAMPO).
Luíza, que não tinha nada a ver com o desentendimento que Taís era quem
gostava de Luan e, infelizmente para ela, o Luan gostava de Alessandra dizia em tom de
ameaça, como se fosse bater nela na hora da saída: “quem mexer com ela, mexe comigo”,
referia-se a quem mexesse (ou importunasse) com Alessandra.
Essa “guerra fria”, porém, não durou dois dias, de maneira que, com ressalvas, as
duas voltaram a conversar com Taís e todas passam, novamente, o recreio juntas, a falar dos
meninos e paqueras da rua onde moram.
A briga das três amigas, acima relatada, reforça um pensamento tendencioso que,
conforme o pensamento popular, diz que os homens são fiéis entre si e as mulheres são falsas
e fofoqueiras. Nessa lógica, reafirma-se que, ao contrário das mulheres, um homem nunca
“dedura” ou trai o outro. está um ponto que deveria ser mais bem pensado, a partir das
construções das identidades de gênero e do modo como estas servem para colocar as mulheres
em situações hierárquicas inferiores, seja em termos profissionais, seja familiares, morais ou
outros. Ainda resta discutir melhor essa situação, pois, ao que tudo indica, os resultados
dessas observações estariam corroborando e reforçando as desigualdades de gênero. Talvez
isso possa ser feito, analisando-se com mais atenção as práticas dos meninos, em vários
momentos e situações de suas relações escolares, nos quais eles se mostram extremamente
agressivos uns com os outros.
Gustavo gostava da Alessandra, que gostava, nesse momento, de Luan; Este
também gostava de Alessandra, que disse para o colega que veio falar dela para ele: “Eu não
vou trair um amigo meu, eu não vou ficar com ela”. “Entre ela e o meu amigo, eu fico com o
meu amigo”. Até o que eu pude observar, eles realmente não “ficaram”, e todos continuaram
amigos.
As relações de amizade entre os meninos são mais expressas, pelo menos com
esses meninos da RE, pela fidelidade em defender o colega de um outro menino que o
ameaça. No entanto, eles brincam de um cair em cima do outro, de puxar os braços, tirar o
142
boné da cabeça do outro e jogar para o outro colega e, através desses tipos de brincadeira,
acabam também demonstrando a força maior de uns sobre os outros, utilizando-se de táticas
que humilham e desvalorizam os colegas. Essa prática é mais fortemente realizada quando se
trata de brincadeiras que envolvem aqueles que não fazem parte de um determinado grupo. As
brincadeiras se tornam de cunho mais agressivo ainda, para machucar, através de socos e
pontapés. As humilhações e xingamentos, com brincadeiras que depreciam a outra pessoa, são
mais contundentes e explícitos. Muitos meninos se submetem às pancadarias proporcionadas
por outros meninos, para fazerem parte ou estarem por alguns momentos dentro daquele
grupo.
Pude observar, igualmente, solidariedade entre os meninos, como está explícito na
seguinte anotação.
O Alencar está isolado da turma, esno canto da sala, no fundo, sentado
em uma cadeira, com a cabeça baixa. Parece que eschorando. As outras
crianças estão brincando dentro da sala de verdade ou desafio. Depois de
um bom tempo, percebem o isolamento de Alencar e se aproximam. O
primeiro a se aproximar é um colega, depois outro e vão de forma delicada
e amorosa, com a voz baixa, mas que para outros ouvirem, perguntam o
que está acontecendo e se ele está bem. Ele, calado, balança a cabeça,
gesticulando que não. A professora percebeu o que estava acontecendo e foi
em sua direção. Quando menos se espera, quase todas as crianças, até eu,
estavam a sua volta. Ele disse que estava triste, pois o seu parente estava
com câncer e se encontrava internado na Santa Casa. (DIÁRIO DE
CAMPO).
Em uma sala em que ocorriam tantas brigas, disputas e agressões verbais.
Também são notáveis o quanto, tanto meninos, como meninas, vivenciavam, cada um ao seu
modo, formas particulares de relações pautadas em solidariedade, carinho e atenção.
4.5.2. Entre tapas e xingamentos ou “Você está xingando a minha mãe?”
Em vários momentos, os xingamentos não tinham, aparentemente, como intenção
principal ofender o colega com base em sua classe social ou raça, e as crianças empregavam
ataques verbais com apelos sexuais, como, por exemplo, este: “Vou colocar o meu pau na sua
boca” (DIÁRIO DE CAMPO).
143
Antes de bater o sinal do fim do recreio, várias crianças da RE estavam em
frente aos banheiros. Gritavam, empurravam... De repente, Alessandra grita com Jonas. Eu
perguntei a causa da discussão e ela me respondeu que ele havia pedido para que ela fosse ao
banheiro feminino, perguntar a uma outra menina se ela queria ficar com ele, porque ela era
muito gostosa. Alessandra se sentiu ofendida por sua colega e foi reclamar com a inspetora,
que chamou a atenção do Jonas. Devido à advertência da inspetora, Jonas estava discutindo
com Alessandra, chamando-a de fofoqueira. Ela brigava com ele, argumentando que teria sido
ele quem pedira para ela dar o recado, e que ela somente repetiu o que ele lhe dissera.
Os outros meninos fizeram um rculo e começaram a discutir, chamando-a
de X9, que tem o mesmo sentido de uma pessoa que entrega a outra ou que
trai. Ela chamou Jonas de falso, mentiroso, e os meninos continuaram a
chamá-la de X9. Ela ficou nervosa e começou a dar tapas fortes nas costas
dele, que somente esquivava dos tapas, dando risada. (DIÁRIO DE
CAMPO).
As brincadeiras entre meninos e meninas são, geralmente, as meninas batendo nos
meninos, mas não são em todos os meninos que elas batem. Alguns meninos deixam claro
que, se precisarem, eles batem em mulher, afinal, se mulher bate em homem, por que homem
não pode bater em mulher?” (aluno da 4ª RE, 09/10/07).
Através de tapas e xingamentos, as meninas exercem certa vantagem em relação
aos meninos, que fingem estar no controle da situação, através dos seus risos e zombarias,
mas são as meninas que os acabam agredindo, bem mais, e ainda têm o poder de reclamar
para a professora, que chama a atenção deles e até os encaminha para a diretoria.
Certo dia, na sala de aula, Renato começa, sem nenhum motivo, pelo menos
aparente, a cantar: “As Murilinhas”, ao que o Márcio se defende, xingando a mãe dele. Raí
entra na conversa e diz: “Você está xingando a minha mãe? A sua mãe que tem quatro cu”.
Ao que, responde Márcio: “A sua mãe é que tem quatro cu e quatro bucetas”. A partir daí,
vários outros meninos começam a se envolver na discussão. Raí, referindo-se à mãe do
segundo menino, diz: “A mãe dele solta leite em pelos peitos”. A professora ouve e diz a
Raí: “A sua mãe solta leite em pelos peitos? Eu vou perguntar, vou começar a anotar e
mostrar tudo para as mães”. Raí respondeu à professora: “Ele disse que a minha mãe tem
cabelo no “cu”. No meio da discussão, a professora quer esclarecer a confusão e saber quem
começou a xingar a mãe, porém nem eles próprios sabiam dizer.
Porém, continuou a professora: “A mãe de vocês está trabalhando e vocês falando
delas! Elas estão pensando que vocês estão estudando! Eu vou conversar sobre isso na reunião
144
de pais”. E acrescenta: Eu não conversei com vocês sobre falar de cu e bosta? Eu vou ter
que conversar com os pais”. A professora conversou com a sala sobre o tratamento que estão
tendo entre si. Disse que não quer ouvir mais palavrão, porque o sexo é uma “coisa” prazerosa
e tem que ser feito com responsabilidade.
Mesmo após a “bronca” da professora, o primeiro menino continua fazendo
barulho e brincando. A professora novamente chama a sua atenção. Isso nos mostra que os
meninos, principalmente, participam de brigas que depois nem sabem quem foi que começou,
quem está certo ou errado. Quando os observava conversando, eu não percebi Márcio xingar
a mãe de Raí, mas vi que ele tinha ido fazer “futricas” para os colegas, com afirmações que
nem eram verdadeiras. Talvez esses fatos possam desestabilizar as assertivas que colocam
apenas as mulheres como naturalmente não confiáveis ou dadas à intrigas e disputas.
Como quase sempre a classe está envolvida em alguma briga ou confusão,
atravessadas por agressões ou xingamentos, a professora praticamente não trabalha os
conteúdos que preparou para ensinar, fica a maior parte do tempo chamando a atenção dos
alunos. De acordo com a declaração da direção, essa é a sala que tem mais aluno(a)s que
levam advertência e suspensão, sendo bastante grande o índice de brigas com agressões
físicas e verbais. A justificativa da direção é que esse(a)s aluno(a)s vieram de outras escolas e
são repetentes, sendo considerado(a)s, em suas fichas, como “aluno(a)s indisciplinado(a)s”.
Essas crianças chegam a essa escola com seu perfil social e escolar já demarcado, sendo vistas
como casos praticamente sem solução. Já está previamente definido que apenas algumas
crianças iriam para 5ª série, sabendo ler e escrever.
4.5.3. “O amor está no ar” ou “Quer ficar comigo?”
No começo da aula, a professora fez uma leitura da história Chapeuzinho
Amarelo, de Chico Buarque de Holanda. Após a leitura, foi guardar o livro e, enquanto estava
de costas, um menino estava dizendo que Taís,11 anos, gosta de Gustavo, 12 anos; Gustavo
ficou bravo e pediu para a professora brigar com um menino. Taís, sem graça, somente
balançava a cabeça, como se estivesse negando a afirmação do colega. Eu perguntei, em
particular, se realmente ela gostava dele e ela me respondeu que sim. Quando indaguei se ela
não se importava por ele gostar da Alessandra, ela me respondeu: “Eu o, ela namorando
145
um menino”. Pelo que entendi, aquele movimento com a cabeça foi para não se sentir
constrangida, já que Gustavo reprova o seu sentimento por ele (DIÁRIO DE CAMPO).
Na hora do recreio, aparece uma menina da outra série, batendo no Jonas; um
dos meninos que estava comigo diz que é porque ela gosta dele. Eu perguntei a ela qual era o
motivo de estar batendo nele, e ela explicou-me que era porque o Jonas, 11 anos, havia pedido
aos meninos que corressem atrás dela e eles acabaram quebrando o seu relógio. Várias vezes
eu a vi dando “tapinhas” nele, e ele parece que estava gostando dessas atitudes, as quais
estavam se configurando como um joguinho para chamar a atenção um do outro.
Um menino da sala veio comentar comigo e mostrar a menina que a maioria dos
meninos considera bonita. Ele disse, todo contente, que a tinha cumprimentado e ela
respondera com um “oi”. Um colega que estava ao seu lado comentou que ela era gostosa.
De repente, ele olha para mim e diz que a menina que gosta de Jonas não é muito bonita, pois
tem o dente feio.
Os meninos selecionam e separam as meninas bonitas das consideradas feias;
um padrão de estética que distingue as mais admiradas e cortejadas das desprezadas e
ignoradas. De acordo com o que relatam os meninos, para serem bonitas, as meninas têm que
ser magras, com cabelos bem cuidados, dentes bonitos e olhos claros, preferentemente.
Algumas meninas vão à escola com batom, esmalte e outros acessórios, como cinto, bolsa e
óculos. Na hora do recreio, estão com suas bolsinhas desfilando no pátio e até se utilizam
desse acessório para baterem nos meninos.
Soou o sinal do fim do recreio e, nesse momento, corria atrás de Jonas, não
apenas Taís, como também as suas amigas.
Jonas, 11 anos, que também gosta de Alessandra, 12 anos, escreveu um bilhete
para ela, dizendo: “Sinto que você não quer mais ficar comigo”. Alessandra me deu o bilhete
todo amassado, para que eu lesse. E Jonas me pediu que eu o devolvesse para ele, a fim de
que não fosse parar em outras mãos. Em seguida, ele me entregou um outro bilhete todo
amassado, que um dos seus colegas recebera de Luíza. Essa garota, quando é paquerada, bate
e xinga os meninos e fica furiosa quando recebe bilhetes. Porém, no bilhete estava escrito: “te
amo muito. Você é bonito, gostoso. Você é muito gostoso. Te amo muito”. Quem respondeu a
esse bilhete foi uma das meninas: “Não, eu te odeio”.
Em uma outra ocasião, Gustavo veio falar comigo e pediu que eu convencesse
Suzana a namorar Alencar. Explicou: “É, professora, no dia que o Alencar
descobriu que ela beijou outro, ele até chorou”. Perguntei para Suzana qual era o motivo pelo
146
qual ela não queria nada com Alencar. Ela respondeu que não iria namorá-lo, porque não
gostava dele.
Após o recreio, Alencar veio, puxou a cadeira e sentou-se perto de mim. Eu
aproveitei a oportunidade para perguntar a ele se era verdade que ele
gostava da Suzana. Ele respondeu: “Gosto” [com voz que parecia que
estava bravo]. Passaram-se dois minutos, ele, como se estivesse irritado,
batia uma régua na outra e logo disse: “A Suzana tem coração de pedra, ela
não gosta de ninguém”. (DIÁRIO DE CAMPO).
Em outra ocasião, Gustavo veio me contar que Luíza e Taís estavam brigando por
causa dele: “Tou achando maior engraçado”. Sobre essa disputa por Gustavo, Suzana revelou
que Luíza e Taís estavam brigando por gostarem do Gustavo, mas que ele gostava de
Alessandra e que, na seqüência, as duas passaram a brigar por gostarem de um outro menino.
Essas brigas vinham ocorrendo duas semanas. Perguntei para Suzana se esse menino sabia
que elas gostavam dele. Ela respondeu que sim e que, apesar de brigarem por causa dele,
ainda continuam amigas.
Quis saber, de algumas meninas, se Luíza e Taís ainda estavam brigando por
causa desse menino, pois, quando eu achava que elas estavam gostando dele, elas
indicavam que o alvo de suas atenções voltara a ser Gustavo. Na realidade, passei a observar
que quase sempre, quando uma resolvia gostar de um, a outra também resolvia gostar.
Perguntei-me: será que é cumplicidade que envolve a relação das duas amigas ou competição?
Ou seriam ambas as coisas?
Suzana e Alessandra disseram que Taís estava namorando Alencar. Eu, em tom de
brincadeira, indaguei se Alencar havia parado de gostar de Suzana. Um dos meninos que
estavam no meio da roda disse: “É pra fazer ciúmes pra Suzana que o Alencar está namorando
a Taís”. Alencar, por seu turno, disse-me que essa história é “pura invenção, [porque] ela é
feia”.
De tantas paqueras e investimentos que não deram certo, enfim, um afinal acabou
se concretizando: Gustavo veio me dizer, todo sorridente, que Alessandra e ele estão
namorando e que estão beijando todos os dias. Eu acompanhei a paquera dos dois até virar
namoro. Ele é que ia até a carteira dela, ficavam conversando e sorrindo, até que ele tomou
coragem e, segundo me confidenciou, declarou-se na hora da saída, e deu um beijo nela. Eu
lhe perguntei qual foi a sensação provocada pelo beijo, ao que ele respondeu: “O coração
parecia que ia sair pela boca, ele fazia tuc... tuc...”
147
Hoje quando entrei na sala, havia acabado o recreio, percebi que Gustavo
estava sentado perto de Alessandra, olhando para ela. Eu aproveitei um
momento que ela foi conversar com as outras meninas e perguntei ao
Gustavo como ele e a Alessandra estavam, ele me disse: “Está bem”.
Retomei: “Como, bem”? Ele: “Eu perguntei se ela quer namorar comigo.
Que ela é bonita.” Eu: “É, e ela?” Ele: “Ficou rindo”. Alessandra voltou
para o seu lugar e eu parei de conversar com Gustavo. (DIÁRIO DE
CAMPO).
Bater, para as meninas, como forma de chamar a atenção de um menino, ou um
menino mexer com uma menina como forma de aproximação, é um acontecimento bem
comum nas observações que tenho feito. Estava sentada, olhando a sala de aula em seu ritmo
cotidiano, quando, de repente, vi o menino de que Luíza gosta jogando papel nela e ela
revidava, não com intuito de vingança, como faz com os outros meninos, mas com a intenção
de brincar. Ela demonstrava gostar dele, pois, se partisse de outro menino, como em outras
vezes havia presenciado, ela responderia com agressões físicas. Diferentemente de outras
ocasiões, porém, ela sorria, parecia que estava gostando da brincadeira. Os dois, em tom de
paquera, ficaram um correndo atrás do outro e os tapas dela pareciam mais agrados do que
agressão, uma forma mais sutil para não chamar tanta atenção e os dois terem contato físico.
De acordo com Cruz,
[...] algumas meninas podem se utilizar dos tapas como uma forma de
expressarem sua agressividade sem colocar em risco sua identidade
feminina, que os tapas, diferentemente das brincadeiras de lutas,
carregam uma certa neutralidade em relação às características das
feminilidades disponíveis socialmente, mesmo sendo mais ligados ao uso
pelas mulheres. (CRUZ, 2004, p.151).
O que observei, nessas brincadeiras, foi que nelas se fazia presente também um
sentido sexualizado, uma vez que os tapas das meninas podiam ter vários sentidos, geralmente
disfarçados: poderiam ser tanto o desejo de tocá-los, como de demonstrarem que
correspondiam ou não ao jogo sexual proposto, como, ainda, poderiam ser uma forma de se
auto-afirmarem, nas relações entre e com os meninos e as meninas.
Certa vez, deparei-me na sala de aula com um episódio em que Vitor havia
acertado a perna da Luíza com uma carteira. Ela, nervosa, começou a gritar e disse que iria
bater nele. Pegou o seu chinelo e deu-lhe várias chineladas. Todos os que estavam na sala de
aula pararam para olhar, devido ao barulho que as chineladas faziam em suas costas. então
a professora percebeu o que estava acontecendo e disse: “Pára, gente, você é mocinha”.
Como se nota, as meninas são sempre mais chamadas ao bom comportamento e à delicadeza,
148
nos tratamentos interpessoais, sendo desconsiderados os motivos que as levaram a tomar
determinadas atitudes.
Luíza, agitada, continuou a bater no colega e a professora voltou à lousa, para
passar mais lição. O que não se leva em consideração, na observação desse fato, é que a não
interrupção dos gestos da garota tinham como contraponto um garoto que, disfarçando a sua
dor e sorrindo, fingia que para ele nada estava acontecendo.
Altmann (1999), em sua pesquisa sobre ocupação do espaço físico escolar por
meninos e meninas em idades próximas às das crianças desta pesquisa, apresenta alguns
dados que podem ser associados à investigação que realizei na 4ª RE. As meninas, tal como as
investigadas por Altmann, adotavam estratégias para manter a professora como aliada, contra
os meninos. Tratava-se de uma estratégia sutil, para conservarem a professora sempre ao seu
favor. As meninas da RE ajudam a professora a arrumar e varrer a sala, ao término da aula.
Embora houvesse exceções, quase sempre mostravam ser mais silenciosas do que os meninos,
que tomavam conta de todo o espaço da sala de aula, com seus corpos e suas vozes. Das sete
meninas, três não concluíam freqüentemente as atividades propostas pela professora, mas não
atrapalhavam o andamento da aula, pois conversavam baixo, mas sua atenção somente era
chamada quando se levantavam para ir à carteira de outra colega. Em diversos momentos,
assisti a casos de meninas batendo nos meninos com muita agressividade e força. Mesmo
assim, nunca foram mandadas para a diretoria, o que ocorreria invariavelmente com os
meninos. O máximo que acontecia com elas era a chamada de atenção, pela professora, para
que se comportassem como “mocinhas” (SILVA, 1999). As meninas, ao contrário do
entendimento de que seriam dependentes e frágeis, são capazes de enfrentar os problemas
corriqueiros da sala de aula, utilizando-se do seu carisma, disposição em ajudar e delicadeza,
e aproveitando-se dessa situação mais privilegiada para se vingarem dos meninos e acabarem
por ganhar deles, nas situações de conflitos em que estão envolvidas. Essa capacidade de
sedução é igualmente vivenciada na hora do recreio, pois, como percebi, quando as meninas
de outras salas provocavam os meninos e estes vinham bater nelas, elas chamavam a
inspetora, que os acabava repreendendo ou até levando-os para diretoria.
Para explicar os jogos de gêneros nas interações entre os sexos, Thorne (1997,
apud CRUZ, 2004) explica e conceitua as estratégias de aproximação realizadas por meninos
e meninas. Assim se pronuncia a autora:
[...] ao utilizar os conceitos que considero como a ludicidade, a
agressividade e a violência, agrupei as situações que envolviam a busca de
149
aproximação através do conflito (conflito por aproximação) e as práticas
decorrentes destes conflitos (jogos de gênero conflituosos) em um único
conceito: a sociabilidade do conflito. (p.105).
Concordo com Cruz quanto ao conceito de “sociabilidade do conflito” e sobre os
seus diversos significados, expressos em práticas de aproximação ou de cisão entre as
crianças. Em minha experiência, os meninos também empregavam as brigas como forma de
aproximação com outros meninos e com as meninas. Participar de uma lutinha entre colegas
se configurava numa forma de distanciar outros meninos que não faziam parte daquele grupo
ou de se auto-afirmar como pertencentes a ele, como se, de certa forma, solidificassem uma
identidade; o que tinham em comum: tratava-se de um tipo de regulamentação própria. São
diversas as formas de masculinidades que circulam nos espaços e tempos da escola
(FERREIRA, 2002), de sorte que fazer parte de um grupo, mesmo em meio a singularidades e
diversidades, exigia práticas de auto-reconhecimento e de identidade que constituíssem certa
homogeneidade. A mesma prática de lutinha, entretanto, poderia servir igualmente para
excluir aqueles que não eram desejados pelo grupo. A rejeição a estes acontecia nos
momentos da brincadeira de lutinha que, ao contrário de se configurar um motivo de união, se
tornava um meio de se desenvolver a agressão, a opressão e até a covardia. Soube, apesar de
não ter visto, um grupo de quatro meninos da 4ªRE que se reuniram e seguraram um menino
da série, batendo nele até que ele conseguisse escapar e procurasse a inspetora, para relatar
o fato ocorrido. Após o recreio, a coordenadora foi até a sala de aula da 4ª RE averiguar quem
eram os meninos que haviam batido no aluno da série; estes relataram o ocorrido na
diretoria, e acabaram levando advertência pelo que fizeram. Entre os próprios estudantes da 4ª
RE, observei que, se algum menino da própria sala não era bem-quisto em determinado grupo,
era punido através de socos e pontapés, sem nenhuma explicação aparente para que a agressão
ocorresse, pelo simples fato de querer se infiltrar no meio em que não foi convidado.
As meninas brigavam, por motivo de desentendimentos casuais ou falta de
identificação em suas opiniões sobre determinado assunto. Na maioria das vezes, brigavam
por achar que uma outra menina ou menino havia dito algo negativo sobre sua reputação.
Porém, entre as meninas, havia uma tolerância maior, como perdoar e fazer as pazes com
mais facilidade do que entre os meninos. Nessa sala, as brigas eram incitadas em maior escala
devido às provocações que levavam os meninos a agressões físicas e xingamentos. em
relação às meninas, as maiores confusões se deram pelo motivo de elas gostarem do mesmo
menino ou por se colocarem no lugar da amiga, posicionando-se contra alguma outra colega.
150
4.6. Crianças e adultos em interação: perspectivas de gênero
Voltei minha atenção, por um determinado tempo, para a dinâmica de relações
entre todas as crianças da escola, ampliando o leque de observação sobre o funcionamento da
escola para além de sua circunscrição apenas aos alunos da série RE. No recreio, algumas
crianças brincam de pega-pega. Noto que, em alguns grupos de meninas, estas estão sentadas,
conversando e, enquanto lancham ou comem a merenda da escola, outro grupo brinca de
“Barbie”. Alguns poucos meninos brincam na quadra de futebol, com um coquinho, dividindo
a quadra com outras crianças que estão brincando de pega-pega, conversando ou paradas,
tomando sol.
Verifiquei que os meninos provocam as meninas, como em um episódio em que vi
um grupo de meninos jogando folhinhas no cabelo de uma menina e sair correndo e rindo;
parece que ela nem chegou a entender o motivo. As colegas, solidariamente, desprenderam o
seu cabelo, limparam e o prenderam novamente.
Enquanto andava pela quadra e pátio da escola, observava como os grupos de
meninas, de meninos e os mistos se comportavam. Geralmente, havia algumas meninas
correndo atrás de meninos, e vice-versa. Um dia, resolvi me aproximar e perguntar por que
elas estavam correndo atrás deles. Elas me responderam: “Eles estavam passando a mão na
nossa bunda”. Enquanto conversava com as meninas, os meninos da série RE estavam
pegando o boné um do outro e jogando: a brincadeira começava de forma divertida, até que
um deles ficou nervoso e foi bater em quem estava com o seu boné. Por meio de brincadeiras,
meninos e meninas expressam tanto maneiras de aproximação, amizade e coleguismo, como
de provocação e perseguição.
No recreio, comumente, nota-se uma divisão equiparada de grupos de meninos e
meninas, sem que haja predominância da organização de um grupo sobre o outro. Na verdade,
tenho dificuldade em separá-los e observá-los, porque me parece que uma grande mistura
de meninos e meninas, em grupos mistos, apesar de perceber que, em relação aos grupos
divididos entre meninos e meninas, o grupo misto é menor. Há um maior número de meninos,
correndo e brincando de lutinha, mas também um número considerável de meninas
correndo ou em grupo com meninas ou em grupos mistos, com os meninos. Enfim, correndo
pela escola toda estão meninos e meninas, geralmente em grande algazarra. Algumas crianças
se sentam para comer, enquanto algumas meninas brincam de boneca ou ficam apenas
conversando; poucos meninos ficam sentados, a não ser se estiverem jogando carta.
151
Hoje, no recreio, os meninos ficaram correndo mais do que as meninas.
Parecia, não sei se devido ao feriado de ontem, que as crianças, de modo
geral, estavam agitadas. Alguns meninos brincavam de pega-pega, sem
meninas na brincadeira. Poucas meninas estão sentadas ou passeando, estão
também brincando de correr. Hoje parece ser o “dia geral do pega-pega”,
tanto é o alvoroço em que se encontram. Um grupo de meninos brinca de
duelar, eu perguntei que brincadeira era aquela e eles me responderam que
estavam brincando de Yug-Y-oh, um desenho da TV Globinho, em que os
adversários duelam com cartas poderosas que apresentam monstros e
guerreiros com poderes e golpes que valem pontos de vida. Poucos meninos
brincam de futebol, utilizando o coquinho como bola. (DIÁRIO DE
CAMPO).
A preferência das crianças por jogos de perseguição é apresentada por Thorne
(1997), a qual se torna também referência nos estudos de Cruz (2004) e Telles (2005), autoras
que relatam, em suas pesquisas com crianças do primeiro ciclo do Ensino Básico, que suas
brincadeiras prediletas (como também pude observar em minha investigação) são as que
envolvem perseguição, como o esconde-esconde e o pega-pega, que está em primeiro lugar.
Thorne (1997) refere-se a essas brincadeiras como sendo jogos de gêneros, que
ocorrem por meio da interação entre meninos e meninas, configurados por seus aspectos
lúdicos e conflituosos. Assim sendo, os relatos das crianças da RE, que contam de suas
vidas fora da escola, apresentam a brincadeira de pega-pega como a mais praticada na rua
onde moram e também a mais praticada pelas crianças da escola, no momento do recreio.
Na escola e no uso dos seus diversos espaços, observei que as crianças andavam
em grupos de meninas, grupos de meninos e grupos mistos, como apontaram Thorne (1997),
Cruz (2004), Telles (2005) e Auad (2006), apesar de os grupos mistos apresentarem uma
quantidade maior de meninas do que meninos. Nesta pesquisa, foram pouco constatados os
clubinhos, que Cruz (2004) encontrou, em sua investigação. Diferentemente do que ela
observou, pouco se notou a existência de grupos fechados, que pessoas de outro sexo não
freqüentam. Também foi verificado que, mesmo havendo uma quantidade perceptível de
grupos mistos, as crianças, de modo geral, acabam se separando por sexo, com atividades
mais apreciadas por meninos ou por meninas. Ainda que se tenham poucos grupos de meninas
que brincam de bonecas e de ter alguns meninos que jogam cartas e bola, essas atividades são,
em geral, praticadas por garotas ou garotos, mais exclusivamente, ao contrário do que ocorre
nas brincadeiras de pegapega, de roda ou pepsi-cola, as quais envolvem tanto meninos
como meninas. Estas são as brincadeiras que proporcionaram formas de convivência mais
igualitárias e compartilhadas por meninos e meninas, não somente no que diz respeito à
igualdade de gênero, mas também a outras categorias, como raça, geração e classe social.
152
Manuela Ferreira aponta uma maneira reflexiva de atentar para as relações entre
meninos e meninas.
É, pois, enganoso presumir que as relações entre gêneros se constroem
unicamente numa base relacional de sentido ou oposicional simples e
resumir esse processo apenas e entre espaços do brincar ao “faz-de-conta”
que definem fronteiras de exclusividade feminina ou masculina. Está, pois,
dado o mote que permite prosseguir a análise e mostrar que o gênero,
enquanto exemplo de fenômeno social, também se constrói activamente em
espaços à partida, mais mistos na sua freqüência de gênero e etária, em
momentos de maior acalmaria e relaxe e em relação de maior reciprocidade.
(FERREIRA, 2002, p.17).
A socialização, através da brincadeira, permite a quebra de barreiras relacionadas
a fatores sociais, como raça, geração, gênero, classe social. No recreio, por exemplo,
chamaram minha atenção os momentos em que as crianças das quartas séries brincavam de
“pepsi-cola”, parecida com uma brincadeira de roda, com cantorias. Essa brincadeira era
realizada, geralmente, por crianças das primeiras e das segundas séries e, portanto, seria
considerada como pertinente às crianças menores. Contudo, passou a fazer parte das
brincadeiras de crianças de 10 anos ou mais, tornando-se, depois do “pega-pega”, a mais
praticada pelas crianças da escola. Certamente, foi rompida a barreira que costuma posicionar
as crianças em função da demarcação das suas diferentes idades; todavia, reparei igualmente
que não foi incluída nenhuma criança da série, nas brincadeiras de pepsi-cola e de pega-
pega realizadas entre as crianças da série. Isso leva a pensar que sempre existem normas e
restrições às práticas de inclusão/exclusão desenvolvidas entre as crianças, mesmo quando se
quebra a rigidez na divisão em termos de gênero, geração, raça ou classe social.
A inspetora de alunos, na hora do recreio, está sempre caminhando pelos espaços
da escola; percebi que, nesse momento, uma compreensão maior por parte dos adultos em
deixar as crianças mais livres, de maneira que se alguns vão, nesse horário, para a diretoria,
isso se deve mais a motivo de briga. Verifiquei que há uma maior vigilância nas proximidades
do banheiro das meninas e dos meninos, porque um fica do lado do outro. Na maioria das
vezes, as crianças brincam de pega-pega, ou um menino mexe com uma menina, ou vice-
versa, e o banheiro acaba sendo o local de se esconder ou de ir atrás de quem se procura. Vi
várias vezes a inspetora levando menino e menina para a diretoria, por entrar um no banheiro
do outro.
153
Thorne (1997) constatou também, em pesquisa realizada com diversas escolas de
ensino elementar norte-americanas, um controle menor das crianças, no recreio, por parte dos
adultos, do que em relação à sala de aula.
No que concerne ao comportamento disciplinar das crianças, foi grande o número
de agressões, desobediências e desrespeito que encontrei, nos registros do livro de
advertências da escola, a maior parte cometida pelos meninos. A quarta série RE se destaca
em relação às demais salas da escola, no número de advertências por indisciplina e agressão
cometidas pelas crianças das demais salas.
Pude me deparar com situações de amizade entre crianças e funcionários; algumas
meninas costumam na hora do recreio andar abraçadas com a inspetora e se envolvem em
conversas com as merendeiras. No entanto, uma cobrança maior por parte dos adultos
sobre as meninas, quando estas praticam algo considerado como “indisciplina”, normalmente
se dizendo que elas precisam se comportar como “mocinhas”, que “até parecem menino” e
“se o têm vergonha”. É notável, como outras pesquisas também demonstraram, que
uma tolerância maior para com os meninos, baseando-se em explicações de que algumas
práticas de indisciplina são mesmo “coisa de menino” e que “menino é mesmo assim”. Nessas
relações, vão se produzindo masculinidades e feminilidades, por meio da aprendizagem do
que é aceitável e desejável, nas condutas de cada sexo.
Uma vez, estava observando a aula de Educação Física da rie RE, quando a
professora propôs a brincadeira “rela-congela americano”, semelhante ao pega-pega: se o
pegador tocar em qualquer pessoa, esta fica esperando que alguém venha salvá-la, tocando-a
também. Meninos e meninas brincavam, que, mesmo que alguma criança não quisesse
brincar, a professora pedia para continuar na brincadeira, pois fazia parte da aula que ela havia
preparado, da qual todo(a)s deveriam participar.
Eu lhe perguntei se ela costuma propor atividades ou deixa as crianças
escolherem. Ela disse que direciona a atividade, caso contrário, as meninas ficam sentadas e
os meninos jogando futebol. Continuando a conversa, quis saber como eram as aulas nas
outras quartas séries, se existia alguma sala em que as meninas também jogavam futebol. Ela
respondeu que sim, mas que ela deixa as meninas brincarem somente por 10 minutos. Eu
perguntei por que o tempo de jogar das meninas não era o mesmo dos meninos. “Futebol é
coisa pra meninos, porque, se elas jogarem junto com eles, podem se machucar. Elas não
aceitam jogo misto”, foi a resposta.
Após a atividade proposta pela professora, os meninos foram jogar futebol, e
quatro meninas foram jogar dama, outros meninos e outras meninas ficaram sentado(a)s ou
154
andando pelo pátio. No futebol, os meninos que assistem aos outros brincarem passaram o
tempo todo zombando daqueles que não jogavam bem: “Olha como ele joga bem”, diziam,
em tom de ironia.
Na ocosião, até entendi a preocupação da professora com as meninas, para que
não se machucassem, mas pensei: Por que, então, ela não divide proporcionalmente o tempo
de jogar o futebol entre meninos e meninas? A justificativa baseada na fragilidade feminina
exclui as meninas de determinadas atividades físicas e lúdicas, de modo que, desde cedo,
passam a ser convencidas de que são incapazes para realizar determinadas atividades e que só
lhes resta calar-se e acostumar-se em se privar dessas suas vontades e das oportunidades.
Auad (2006) também aborda, em sua pesquisa, a separação dos meninos e das
meninas em brincadeiras destinadas a cada sexo, como também fez Altmann (1999), por meio
de relatos e práticas exercidas no espaço escolar e no uso das quadras escolares:
Há algo em comum nesses relatos: o esporte é um meio dos meninos
exercerem o domínio de espaço na escola. Percebe-se ainda que as meninas
resistam à dominação masculina por meio de outras atividades que não as
esportivas, como jogos musicados, pular corda. Assim, elas conquistavam
espaço na quadra ou no pátio recorrendo a outras atividades e não jogando
futebol, o que se explica pelo fato de o esporte e mais especificamente o
futebol ser um espaço masculino na escola. (p.159).
Seriam, então, as brincadeiras de roda e os jogos de perseguição, realizados pelas
crianças, menos discriminatórios do que as práticas esportivas desenvolvidas na escola? De
acordo com minhas observações e as de Altmann, tudo indica que sim. Os próprios adultos
contribuem no reforço de práticas de desigualdades, cujo caráter sexista tem fortes
implicações nas relações de gênero, pois separam meninos e meninas entre capazes e
incapazes para desenvolver as atividades.
As práticas pedagógicas de professore(a)s no cotidiano escolar são permeadas
pelas concepções e valores desse(a)s em relação à alguns aspectos e experiências da vida.
Portanto, para me aproximar das concepções do(a)s professor(e/a)s que trabalham com a
série RE, acerca das manifestações da sexualidade das crianças e a importância ou não da
educação sexual na escola, apliquei um questionário aberto, referente à manifestação da
sexualidade das crianças daquela sala, para duas professoras que aceitaram responder a de
Artes e a professora responsável pela sala. Fundamentava-me na idéia de que as concepções
dessas professoras sobre a sexualidade das crianças orientavam e orientariam a sua prática
docente e a sua relação e interação com essas crianças. (CABICEIRA, 2004).
155
A professora da sala tem 41 anos de idade, é pedagoga e efetiva, na Secretaria de
Educação Estado de São Paulo, como professora do Ensino Básico I, enquanto a professora de
Artes tem 23 anos de idade, é formada em Artes e não é efetiva em sua área; além disso,
ambas já fizeram curso de especialização na área da Educação.
Elas falaram sobre o comportamento e a conduta das crianças frente à
sexualidade. Em relação aos comportamentos mais freqüentes que observam nas crianças e se
diferença entre meninos e meninas, a professora da sala apresentou posição semelhante à
da professora de Artes, ou seja, ambas entendem que as meninas são mais calmas e discretas
que os meninos, e que estes são mais “aguçados”. Basearam suas respostas em
acontecimentos ocorridos na escola, envolvendo meninos que se apresentam excitados e se
masturbam no banheiro. A professora de Artes disse que entendia. em relação ao que
consideram como positivo e como “problema”, no comportamento das crianças, a professora
da sala apontou o caso do menino que se apresenta excitado sexualmente, e, de positivo, a
passagem da fase de pré-adolescente para outras fases; a professora de Artes mencionou como
negativo a falta de diálogo familiar e como positivo o fato de as meninas serem mais
carinhosas do que os meninos.
Nas questões relativas a se julgarem ou não preparadas para tratarem do tema
sexualidade com as crianças e sobre a responsabilidade do(a) professor(a) trabalhar com
educação para a sexualidade, as duas responderam que deveriam, primeiro, fazer cursos e se
especializarem nesse tema. A professora da sala respondeu que o(a) professor(a) não tem
condição de se responsabilizar, ainda, por esse trabalho na sala de aula, porque precisa de um
“estudo mais criterioso” e da participação de um especialista na abordagem do tema. A
professora de Artes disse que as crianças precisam receber mais informações sobre o tema
sexualidade e concorda que o professor também precisa se responsabilizar por esse trabalho,
desde que se capacite para isso.
Nas perguntas sobre se tiveram, em algum momento de sua formação e atuação
profissional, estudos sobre o tema sexualidade e, ainda, se conhecem as orientações propostas
pelos PCN para educação da sexualidade, as respostas foram as que seguem. A professora da
sala respondeu que já fez um curso organizado pela Secretaria da Educação, nos anos de 1997
e 1998, e que também realiza leituras sobre esse tema, conhecendo as orientações propostas
pelos PCN, quanto à educação sexual. A professora de Artes admitiu que não conhece e nunca
leu a respeito desse tema. Ambas afirmaram que a escola dispõe de material didático sobre o
tema, mas somente a professora da sala teve contato com esse material, que apresenta o tema
da sexualidade na revista Ciência Hoje, em que chegou a ler e pesquisar.
156
Nas perguntas que apontavam se elas haviam utilizado algum material em sala e o
que consideravam importante nessas leituras, a professora da sala respondeu que usou em sala
de aula a revista Ciência Hoje e que esse material “vem desmistificar as diferenças entre
meninos e meninas e que também traz informações importantes sobre a prevenção e a
iniciação da vida sexual”; a professora de Artes respondeu “não” às duas perguntas.
Em várias pesquisas, feitas por outros profissionais, constatou-se que os
professores e as professoras apresentam dificuldades em tratar do tema sexualidade, na escola,
e para lidar com a manifestação da sexualidade das crianças, dificuldade justificada pela falta
de preparo profissional para trabalhar a educação para a sexualidade, na escola (CABICEIRA,
2004; LAVIOLA, 1998; RAPOSO, 2004; SENATORE, 1999). Entretanto, pode-se refletir a
respeito das posições das professoras referentes às manifestações da sexualidade das crianças
com a posição de Yara Sayão (1997):
No cotidiano escolar, quando se proíbe (ou inibe) certas manifestações,
quando se intervém junto a um aluno que “se excedeu”, ou quando se
convoca os pais para uma conversa reservada, em todas essas situações a
escola está (re) produzindo certos valores morais, mais ou menos rígidos,
dependendo do profissional que protagoniza uma dada situação. E é
exatamente por reconhecer o importante papel da escola na construção dos
papéis concernentes à sexualidade que se fundamenta a proposta de que a
escola realize a denominada orientação sexual. (p.112).
É bom salientar que, uma vez que permanece uma concepção de que as meninas
são mais dóceis e assexuadas e os meninos mais agitados e mais sexualizados, as professoras
reforçam concepções binárias de masculinidades e feminilidades, em que a agressividade dos
meninos ou a sua “compulsão” em masturbar-se são mais aceitas do que se as mesmas
partissem das meninas. Como se sabe, são várias as barreiras de formação escolar e cultural
que impedem o exercício de uma educação para a sexualidade coerente com as necessidades
de uma vida melhor e mais justa, para meninos e meninas. Fica, no entanto, a questão sobre o
que teria sido realmente aprendido e internalizado pela professora da sala, tanto em suas
iniciativas particulares de leitura, como quando teve oportunidade de fazer um curso
“preparatório” sobre o trabalho com a sexualidade, na educação escolar. Sabemos que o
problema é mais complexo e envolve todo o sistema educacional dirigido para a formação e
preparo dos professores, que deveria debruçar-se efetivamente sobre esta (nossa) questão:
como lidar com problemas sobre gênero e sexualidade, na escola?
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar a minha investigação com as crianças, pretendia conhecer e analisar as
suas práticas e seus olhares sobre gênero, sexualidade e inncia: suas experiências, seus
modos de ser, pensar, agir e sentir. Constituía-se a investigação em entender as crianças como
produtoras de cultura e atores ativos, nas transformações do contexto social em que vivem.
Não são apenas reprodutoras de um sistema, seja este mais global, seja mais pontual, como o
sistema educacional. Conforme observado na investigação realizada, as crianças questionam
as regras e as normas propostas pela escola em que estudam; elas as burlam, apresentam
resistências e reivindicam para que seus pontos de vista sejam contemplados. Isso não quer
dizer que as crianças em nenhum momento sejam influenciadas pelos modelos e padrões de
beleza, de identidade sexual, de identidade de gênero e pelos estereótipos de gênero e sexuais
existentes em nossa sociedade. Elas influenciam e são influenciadas pela sociedade em que
vivem, são produtoras e produto dessa sociedade e cultura.
Para me aproximar e conhecer as suas falas e experiências sobre gênero,
sexualidade e infância, recorri aos estudos que abordam as dimensões sociais, históricas e
culturais e à Sociologia da Infância, sem desconsiderar as particularidades teóricas e
metodológicas que existem entre os estudiosos dessa vertente sociológica. Em todo o percurso
da investigação, valorizou-se, principalmente, o estudo sobre como trabalhar com as crianças,
dar importância às suas vivências e aprender sobre e com elas.
A Sociologia da Infância tem sublinhado a necessidade de, nas investigações com
crianças, tê-las como atores e participantes da pesquisa, privilegiando o seu modo de perceber
o mundo, as suas experiências e ação social; tem defendido a descentralização das pesquisas
apenas com enfoque nas concepções, significados e falas dos adultos, ou seja, adultocêntricas.
Isso não implica pensar que seja pouco relevante incluir-se a escuta quanto ao que os
professores e agentes educacionais têm para dizer sobre as manifestações da sexualidade das e
pelas crianças.
As ciências humanas não têm tratado as crianças como agentes do processo
investigativo, tão pouco atribuem a devida importância em se conhecer o fenômeno das
relações sociais, sob o ponto de vista delas. Para que se erga um novo campo de estudo que as
tome como participantes, ao invés de simples objeto da pesquisa, indica-se com bastante
freqüência a etnografia como caminho metodológico das investigações, o que levou a presente
pesquisa a buscar orientação em suas teorias e procedimentos.
158
Uma pergunta orientava a investigação com as crianças: como valorizar a voz do
narrador, uma vez que nesse tipo de investigação os modos com que se abordam as falas,
olhares e experiências das crianças são o que se tem de mais precioso? Remeto-me a Walter
Benjamin, que concebe a narrativa como o ponto em que se constituem os sentidos da
experiência daquele que fala, ou seja, como aquela orientada a produzir as condições de
possibilidade para que a criança que fala possa traduzir os seus sentimentos, medos, sonhos,
desejos.
Várias pesquisas relacionadas ao tema da história social da infância, no Brasil,
também contribuíram na fundamentação teórica desta pesquisa, pois revelam a urgência em se
abordar a infância brasileira como uma construção social, cultural e histórica. Nesses estudos,
são analisadas as representações sobre infância que constituem o imaginário, em nosso país,
bem como os discursos e práticas institucionais e de determinados agentes que, no campo da
educação, visaram a determinar as práticas formativas destinadas a explicar e disciplinar a
criança.
Na escola, desde pequenos, os alunos são submetidos à inculcação de hábitos e
comportamentos desejáveis e que são determinados pelos segmentos sociais dominantes da
sociedade. Ali aprendem como se comportar na sociedade em que vivem: a disciplinar e
orientar seus desejos, modos de pensar, sentir e se comportar de acordo com o seu sexo. Essa
sociedade espera que as crianças absorvam de forma dócil e harmoniosa seus preceitos, de
modo que aprendem desde cedo que os que não se adequam a essas normas são desviantes e
marginalizados, são os “anormais”. Daí a contribuição dos estudos feministas, de gênero e da
sexualidade, na perspectiva das ciências sociais, para compreendermos que o gênero, a
sexualidade e até mesmo a infância são construções sociais, históricas e culturais, submetidas,
portanto, às relações de poder e saber que variam em cada momento e sociedade.
Esta investigação revela como a escola concorre para a construção das identidades
e/ou diferenças de gênero e de sexualidade das crianças e, igualmente, como as próprias
crianças são produtoras da dinâmica social que estrutura as relações escolares. Pode-se
constatar que as práticas escolares repercutem na vida das crianças e fazem parte de sua
elaboração de conceitos e de como elas vivenciam o mundo em que vivem. Entende-se que as
explicações para a produção social das relações de gênero e da sexualidade vão além da
explicitação da reprodução de estereótipos e de papéis de gênero e sexuais, pois a questão é
mais complexa. O recorte desta pesquisa, porém, é dado pelo objetivo em compreender como,
no âmbito escolar, são observadas as construções sociais sobre as relações de gênero e a
sexualidade, bem como os modos de vivenciá-la. Embora nem sempre claras e facilmente
159
perceptíveis, estas se fazem presentes nesse espaço e devem ser examinadas de forma
associada a outras dimensões que organizam as identidades sociais, tais como classe,
raça/etnia, religião, geração, concebidas como constituídas pelas relações de poder e
resistência.
Na escola, como se pôde observar, ao abordar a identidade/orientação-afetiva
homossexual, a professora tratou desse tema remetendo-se aos modos como os meninos se
relacionavam uns com os outros, ao utilizarem palavrões para ofender e desmoralizar o
colega, reforçando a inferiorização desse tipo de manifestação sexual, pela sua comparação a
um tipo de relação afetivo-sexual que não é normal, ou seja, desviante. Como também ocorreu
com a professora de Educação Física, ao aludir à prática do jogo de futebol como uma
atividade apropriada aos meninos, reforçando oposições binárias com respeito ao gênero.
São perceptíveis também as dificuldades dos professores e demais profissionais da
educação em lidar com o tema da sexualidade e do gênero, evidenciando como as práticas e
atitudes das crianças e jovens, na escola, têm sido provocadoras e evocativas de diversas
formas de inquietação e reação, por parte desses profissionais.
Outra questão que se levantou relacionava-se ao apoio que os professores buscam
em teorias que explicam a sexualidade infantil, pois essas teorias não satisfazem mais, nem
são consideradas suficientes para explicar as manifestações da sexualidade das crianças.
Acaba-se por verificar, em conseqüência, que as ciências não dão conta de explicar e
controlar as manifestações da sexualidade das crianças, apesar de todos os esforços
empreendidos. É uma ironia, mas necessária, “dando tapa com luva de pelica”: as crianças
estremecem as certezas dos adultos sobre os seus mundos, mostrando que, mais do que se
pensa, elas portam saberes, particulares e múltiplos; elas produzem, agem e intervêm nos
“elaborados” projetos que visam a pedagogizar e orientar a sua conduta sexual.
Enfim, observar os saberes que circulam na escola e nas práticas educativas que
convergem para a produção das relações de gênero e sexualidade contribui para entender
como as crianças interpretam e significam o mundo a sua volta. Constatei, através de suas
falas, práticas e interações entre elas e com os adultos as suas potencialidades e múltiplas
capacidades de inventar e reinventar o mundo, indicando tanto para os aspectos que lhes são
comuns como para aquilo que rompe com modelos identitários únicos, homogeneizadores e
fixos. A “absorção” desses modelos e as suas compreensões sobre sexualidade o são uma
via de mão única, não se tratando, portanto, apenas de reproduzirem práticas sexistas,
homofóbicas e normativas ou de adotarem práticas adversas a essas, mas de um constante
diálogo entre aceitação e recusa.
160
As falas das crianças, mediante os significados que atribuem à infância e à
adolescência, apresentam uma consistente associação da adolescência à liberdade, à maior
participação na vida social dos adultos e ao desejo de ser respeitado. Também à possibilidade
de manter uma vida sexual ativa, poder trabalhar no espaço público e ser remunerado, ser
considerado responsável, ter reconhecida a sua capacidade de raciocínio em resolver as
situações e problemas que ocorrem no cotidiano. Em contraposição às associações com a
adolescência, a infância é relacionada a aspectos considerados como vistos negativamente na
vida social do ser humano, tais como ser bobo, não ter capacidade de tomar decisões, fazer
o que se considera errado socialmente, agir e falar sem pensar, xingar as pessoas, não ser
responsável, não saber o que faz, não poder namorar e não ter liberdade para sair de casa à
noite, não ter uma vida sexual ativa, trabalhar somente no espaço privado e não ser
remunerado pelo seu trabalho.
Os principais resultados indicam que a concepções dessas crianças sobre a
infância são caracterizadas pelo paradoxo da negatividade/positividade, visto que aquilo que a
distingue seria a possibilidade de poder brincar. Porém, por outro lado, isso é percebido como
um impedimento ao seu desejo de tornar-se adolescente, momento em que poderiam trabalhar
e se tornariam mais independentes e respeitados pelos adultos. De modo geral, demonstram
dificuldades para se identificar como crianças ou adolescentes.
Tal paradoxo ainda se estende para a questão de por que se considerarem crianças
ou adolescentes e para a razão de viverem como crianças e adolescentes, pois se diferenciam
do que se consideram e de como vivem. Tive dificuldade em organizar seus pronunciamentos
e poder compartilhá-los. Organizei uma tabela para elucidar e compreender esse ponto de
discussão.
Quadro 2. Os sentimentos das crianças em relação a como dizem viver, ser e
se considerar: criança ou adolescentes.
Como as crianças se consideraram:
como criança ou adolescente; como
dizem viver: como criança ou
adolescente; o que acham melhor: ser
criança ou adolescente.
As crianças entrevistadas/idade
Considera-se adolescente, diz viver
como criança, mas acha melhor ser
adolescente.
Alencar, 11 anos, e Gustavo, 12 anos.
Considera-se adolescente, diz viver
como adolescente, acha melhor ser
adolescente.
Jonas, 11 anos, e Alessandra, 12 anos.
Considera-se criança, diz viver como
adolescente, mas acha melhor ser
adolescente.
Raí, 11 anos, e Taís, 11anos.
161
Considera-se criança, diz viver como
criança, mas acha melhor ser
adolescente.
Suzana, 11 anos.
Considera-se criança, diz viver como
criança, e acha melhor ser criança.
Jorge, 10 anos, e Jéssica, 10 anos.
39
Considera-se e diz viver como criança e
também como adolescente, mas acha
melhor ser adolescente.
Lílian, 11 anos.
As dez crianças entrevistadas que responderam que vivem como crianças fizeram-
no porque ainda brincam, enquanto as que responderam que se consideram adolescentes,
basearam-se no fato de saírem sozinhas e terem namorado ou de haverem beijado alguém,
ou, ainda, por trabalharem fora de casa ou realizarem serviços domésticos em casa.
Trabalhar, namorar versus brincar tornaram-se conceitos ambíguos para essas crianças.
Entretanto, são marcantes os pronunciamentos indicadores de que consideram a adolescência
como sendo melhor do que a infância. Contrapôs-se a essa afirmação apenas a fala de duas
crianças. Seis crianças afirmam que se consideram como crianças e três dessas dizem viver
como criança. Duas das crianças que se consideram adolescentes dizem viver como criança.
Duas consideram-se e dizem viver como adolescente. Apenas uma criança disse: Um pouco
dos dois”; então, juntamente com essa menina, somam-se seis crianças que se consideram
crianças, ao lado de cinco, contanto novamente com ela, que dizem viver como crianças.
O aspecto da ludicidade foi marcante nas falas e práticas das crianças em relação
às suas experiências com o namoro: elas fantasiam e sonham com a pessoa amada, anseiam
em estar com a pessoa que dizem gostar e se preparam para isso, arrumando-se, adornando-se
e usando perfumes. Além disso, sofrem e temem em ser desprezadas. Os meninos se
mostraram mais interessados em namorar do que as meninas, as quais mencionaram o “ficar”,
explicando ser um modo de relação entre duas pessoas sem que precise haver algum tipo de
compromisso. também o registro de brincadeiras sexualizadas entre meninos e meninas,
momento em que interagem de forma lúdica e sexual, como ao se tocarem, se beijarem, ao
terem uma intimidade, já que, mesmo que aparentemente negada pelas meninas, quando
batem nos meninos, a aceitação de trocas corporais é recíproca entre ambos, o sorriso dos
dois é o ponto de partida. Destinam a prática do namoro e as relações sexuais aos
adolescentes, embora apresentem dificuldade em explicar como ocorre e o que é uma relação
sexual.
39
Jorge e Jéssica, até o final de 2007, completariam 11 anos.
162
Em relação às experiências corporais, as meninas mostraram maior resistência em
falar de seus órgãos genitais, diferentemente dos meninos. Também foi observada uma grande
valorização das crianças pelo corpo belo e escultural: os meninos classificavam as meninas
como feias ou bonitas e suas interações eram baseadas nesses estereótipos, o mesmo
ocorrendo com as meninas. Sabemos que, nos dias atuais, somos bombardeados pelos
programas dos meios de comunicação, pela mídia, sobre o padrão de corpo que cultiva a
nossa sociedade; são discursos que incitam ao culto do corpo torneado pelas curvas e
músculos definidos, corpo escultural e esbelto. A indústria cultural nos cerca com ofertas de
receitas e remédios que contribuem para manter uma forma estética estereotipada, formas
variadas de regimes para emagrecer, sessões de bronzeamento artificial, horas prolongadas em
academias, cirurgias plásticas para melhorar a estética, a busca por um estilo que condiz com
a moda vigente. (SANT‟ANNA, 1995). A questão do corpo escultural ficou evidente quando
alguns depoimentos das crianças revelam que a parte do corpo de que menos gostam é da
barriga, afirmando que esteticamente uma barriga com gordura localizada não corresponde ao
modelo de corpo desejado, mas, ao mesmo tempo, ao afirmar que a parte do corpo de que
mais gostam é a barriga, “porque é durinha”.
As suas vivências com o namoro são caracterizadas por experiências marcadas por
curiosidades, fantasias e incertezas sobre o que sejam relações e prazeres sexuais. São
pontuais, vagos e incertos os seus saberes e percepções sobre práticas sexuais. Afirmam
entender que as relações sexuais ocorrem por meio do coito anal ou, então, pela vagina, não
demonstrando compreender que possam ocorrer de diferentes formas. Também entendem que
as crianças nascem pela barriga e vagina, porém, alguns evidenciaram acreditar que elas
nascem pelo ânus. Observou-se que meninos e meninas ensaiam práticas e tentativas de
sedução e de namoro, de modo que, em muitos casos, se destacam suas buscas de
oportunidade para estar com quem se julga ser objeto de amor ou desejo.
Algumas falas apontam que o “sexo deve ser bom”, porque se “faz carinho”, as
pessoas “tiram a roupa”, “tiram peça por peça”; no entanto, salientam que também as
“pessoas gritam” quando estão mantendo relações sexuais. Igualmente é um momento em que
as pessoas “fazem amor”.
As práticas sexuais e os modos de sentir prazer, em nossa sociedade, ora recebem
uma importância e valorização excessiva quase uma “obrigação” sem fim ora são
permeadas por tabus e valores negativos. Entre as crianças investigadas, as relações sexuais e
o ato de namorar foram vistos como algo positivo e bom, somente indicando como negativas
as suas possíveis conseqüências, como a gravidez. Porém, o namoro e as relações sexuais com
163
pessoas do mesmo sexo foram discriminados, revelando-se no pronunciamento das crianças o
“discurso do respeito” por quem exerce a homossexualidade, ainda que manifestassem
repúdio diante da possibilidade de seus filhos ou filhas serem homossexuais.
Através das perguntas sobre como as mães ficam grávidas e como nascem os
bebês, as crianças compartilharam seus conceitos acerca da forma como as relações sexuais
acontecem, uma vez que essa questão não seria abordada diretamente. São pontuais, vagos e
incertos os seus saberes e percepções sobre práticas sexuais. As respostas indicam que a
relação sexual ocorre através da introdução do pênis na “xana” ou no “cu” ou apenas pela
introdução do pênis no ânus. Porém, não demonstram compreender que as relações sexuais
possam ocorrer de diferentes formas. Também entendem que as crianças nascem pela barriga
e vagina, porém, alguns demonstraram compreender que elas nascem pelo ânus. Mencionam,
de acordo com o seu modo de explicar, a fecundação do espermatozóide no óvulo, não
detalham, mas elucidam a questão, ao apontarem o surgimento de um “ovinho” que vai
crescendo. Algumas meninas fazem menção ao parto normal e à cesariana, como também à
menstruação; indicam a importância da camisinha para a mulher não ficar grávida. No
entanto, também apresentam falas equivocadas sobre o período de gestação da mulher, como
dezenove meses e seis meses, ou o caso específico de um menino, que respondeu que para a
mulher ficar grávida é preciso usar camisinha.
Nesta investigação, perceberam-se poucos grupos fechados que separam meninos
de meninas. Embora verificado que mesmo havendo uma quantidade perceptível de grupos
mistos, as crianças, de modo geral, acabam se separando por sexo, quando são atividades
consideradas femininas e masculinas. Constatou-se que as brincadeiras de roda e os jogos de
perseguição, realizados pelas crianças, são menos discriminatórios do que as práticas
esportivas desenvolvidas na escola. Poderia afirmar que os próprios adultos contribuem no
reforço de práticas de desigualdades de gênero, ou seja, de sexismo, pois, no recreio,
momento no tempo escolar em que menor vigilância dos adultos, as crianças praticam
atividades menos excludentes, tanto em relação ao gênero, quanto à questão geracional. As
crianças das séries do período da manhã brincam de brincadeiras de roda consideradas de
crianças de 1ª e 2ª série, enquanto as das 4ªséries do período da tarde, mesmo sendo da mesma
escola, não praticam essas mesmas brincadeiras. Em acréscimo, notaram-se crianças de
diferentes sexos e idades fazendo parte de uma mesma brincadeira. Entretanto, aparece em
menor freqüência as crianças de diferentes idades brincando juntas, porque uma igualdade
mais perceptível de gênero do que geracional.
164
No questionário aberto realizado com as professoras da série RE, verifica-se
que julgavam importante o trabalho de educação sexual na escola e que precisariam participar
de cursos capacitadores para tratar desse tema, na sala de aula. Por meio de suas falas, pode-se
perceber que a questão da educação sexual é mais ampla e envolve todo o sistema educacional
dirigido para a formação e preparo dos professores, para lidar com questões sobre nero e
sexualidade, na escola.
Após a análise das falas e das práticas das crianças, estas foram organizadas em
eixos temáticos estruturadores. Essa produção, reconheço, apresenta também o olhar do
pesquisador, que é constituído por concepções, conceitos e representações sociais sobre o
tema infância, gênero e sexualidade, sendo destituído, portanto, de qualquer “neutralidade”,
seja em relação aos aspectos teóricos, seja aos aspectos políticos dessa construção.
40
Sendo
assim, os resultados indicam os sentidos e significados que são atribuídos à sexualidade, pelas
crianças, mas também como, quando e em que situações e circunstâncias elas vivenciam e
participam da construção de tais significados, em diversos tempos e lugares, como na escola,
em casa, na rua.
Os resultados desta investigação devem contribuir para uma reflexão sobre o
currículo e as formas de organização social da escola e de interação entre os sujeitos que nela
circulam, destacando-se o modo como estão relacionadas à construção das identidades e
diferenças de gênero e sexualidade das e pelas crianças. A difusão dessas análises para os
professores e para os profissionais da educação e para a comunidade escolar é uma tarefa
difícil de executar. De fato, em se tratando de um tema polêmico, como é a sexualidade, e de
possíveis denúncias sobre seu tratamento, na instituição escolar, de maneira equivocada,
sexista e homofóbica, podem prejudicar na divulgação dos resultados de pesquisa e numa
possível intervenção na prática docente.
De acordo com Tura (2003),
[...] a apresentação da análise e interpretação realizada pelo pesquisador
pode desvendar segredos que se pretendiam ocultos ou romper algum pacto
de silêncio; também é possível que a fala do pesquisador acione a percepção
de que esse estranho não está autorizado a vir dizer aos habitantes deste
lugar o que está “certo ou errado entre a gente”[grifos da autora]. (TURA,
2003, p.203).
Entretanto, pesquisadores têm abordado a questão de falta de repercussão dos
trabalhos acadêmicos para o campo de pesquisa. Essa fragilidade é apontada em relação às
40
Kramer (2002, p.54) ressalta: “Nas ciências humanas e sociais, a neutralidade é não um equívoco teórico,
mas também uma impossibilidade prática; isto tem decorrências éticas que merecem a nossa atenção e cuidado”.
165
pesquisas realizadas no âmbito nacional e internacional, não sendo um problema somente de
pesquisas desenvolvidas no Brasil. Alves-Mazzotti (2003) discute o reduzido impacto das
pesquisas educacionais nas práticas escolares, como também Tardif (2005) constatou, em sua
pesquisa realizada em Quebec, no Canadá, que os professores “[...] consideram os produtos da
pesquisa acadêmica muito abstratos, descontextualizados e isolados de sua prática cotidiana, o
que se traduz na sua rejeição e contribui para o descrédito da universidade e seus produtos”
(p.24), e que o campo de estudo, as instituições escolares, são tratadas por esses pesquisadores
como laboratório de estudos, sem resultados para os professores, somente como realização de
uma causa própria.
Um primeiro fator relevante, porém, é o de como apresentar os resultados da
investigação para as crianças participantes de todo esse processo. Isso se tornou um problema,
porque, a partir deste ano, as crianças não mais estudariam nessa escola, pois cursariam a
série do ensino fundamental, dispersando-se pelas escolas da cidade que oferecem vagas para
essa rie. Não pude realizar uma pesquisa-ação que oportunizasse o compartilhamento e
redirecionamento da investigação, construção e mudanças por parte de todos os participantes,
inclusive as professoras. Contudo, esta investigação proporciona ao leitor a oportunidade de
conhecer e aprender sobre o ponto de vista das crianças, seus olhares e suas experiências, e
como significam e elaboram sentidos com respeito às condutas sexuais e eróticas relativas aos
prazeres sexuais e/ou desejos corporais, articuladas à sua concepção de infância e de gênero,
exigindo que tratemos com mais seriedade as posições das crianças frente ao mundo, em vez
de tentar enquadrá-las em modelos teóricos rígidos. Os acadêmicos e profissionais da
educação deveriam ouvir mais as crianças e compreender que elas fazem parte de toda uma
construção histórica e cultural de modos de viver e expressar a sexualidade e de se sentir
menino ou menina, como se buscou fazer com as crianças participantes desta pesquisa.
Para apresentar os resultados de investigação aos profissionais da escola em que
foi efetivada, escolhi o caminho de buscar a colaboração dos profissionais da Diretoria de
Ensino responsáveis por essa unidade escolar. Junto a uma ATP (Assistente Técnico
Pedagógica), elaborarei um projeto justificando à Diretoria de Ensino a importância de
compartilhar os resultados da investigação realizada nesta unidade-escola, solicitando que esta
autorize a realização de um curso de 30 horas, com certificado, para que junto aos professores
dessa escola possamos discutir os resultados obtidos na investigação e a elaboração de um
projeto que vise a trabalhar com o tema educação sexual, de maneira direcionada, fazendo
parte do currículo formal da escola pois o tema sexualidade não é ali abordado. Entretanto,
como aponta Figueiró, é importante que o(a)s professore(a)s tenham a consciência de que
166
tratam desse tema informalmente, uma vez que todos os dias intencionalmente ou não a
escola educa sexualmente seus alunos e suas alunas” (FIGUEIRÓ, 1995, 2007) e que as suas
concepções sobre sexualidade orientam as suas práticas pedagógicas na escola.
Compreendo que 30 horas de debate sobre o tema sexualidade, relações de gênero
e poder relacionado a outras categorias sociais e estruturais não transformarão concepções que
talvez estejam rígidas e impenetráveis, mas creio que esses profissionais que, provavelmente,
nunca realizaram estudos mais organizados e sistematizados sobre esse assunto, terão a
oportunidade de compartilhar as suas práticas e de pensar em um plano de ação que aborde
esses temas, para discutirem com seus/suas aluno(a)s e de ter um parâmetro para analisar a
refletir sobre a sua prática docente.
A idéia do certificado é para estimular o(a)s professoro(a)s a participarem da
socialização dos resultados da pesquisa, visto que este(a)s não são obrigado(s) a tal
empreendimento.
Objetiva-se levar tais debates para outros espaços escolares que se mostrem
interessados, de modo que os encontros sejam para o(s) professore(a)s debaterem sobre o
tema proposto, levantarem questionamentos, reflexões, anseios, compartilhar seus
conhecimentos, reverem as suas práticas e seus valores, aprimorarem seus conceitos sobre
sexualidade, para que possamos trabalhar na perspectiva de uma educação sexual
emancipadora, pautada em constantes (re)construções de saberes e valores, os quais devem
ser continuamente submetidos à nossa crítica. É importante discutir, na escola, os significados
da diversidade e diferença nos modos de vivenciar a sexualidade, sendo esta pensada como
constituída em relação com outros aspectos sociais, como gênero, raça/etnia, religião, classe.
De acordo com o que disseram as professoras, elas acreditam poder tratar do tema
sexualidade na sala de aula, se forem “capacitadas” para isso.
A idéia de “capacitar-se”, contudo, é um campo aberto para a construção de
diferentes sentidos. O que seria “capacitar-se” em serviço? Em um momento em que
múltiplas visões sobre o que seja “formação docente” concorrem e disputam determinadas
compreensões, penso que este deve ser o próximo desafio que se coloca para a continuidade
de minhas atividades de pesquisa.
Para que o tema “sexualidade” seja mais bem abordado nas escolas, é importante
que continuem a ser produzidas mais investigações que possam ser levadas para discussão em
cursos de formação inicial e contínua de professores. Essa pesquisa pretende contribuir para
isso, ao trazer, de forma inédita, as perspectivas das próprias crianças em relação às vivencias
dos desejos, prazeres corporais, emoções e fantasias que experimentam.
167
REFERÊNCIAS
ABRAMOWICZ, A. A menina repetente. 3.ed. Campinas: Papirus, 1997 (Coleção
magistério: formação e trabalho pedagógico).
ALDERSON, P. Crianças como pesquisadoras: os efeitos dos direitos de participação na
metodologia da pesquisa. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p.419- 442,
maio/ago. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br . Acesso em: 18 jan. 2008.
ALTMANN, H. Marias (e) homens nas quadras: sobre a ocupação do espaço físico escolar.
Educação e Realidade, São Paulo, v.24, n.2, p. 157-173, jul./dez. 1999.
ALVES-MAZZOTTI, A. J. Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares. In:
CARVALHO, M. P.; VILELA, A. T; ZAGO, N. (orgs). Itinerários de pesquisa:
perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 33-48.
ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade. Cadernos de Pesquisa, São
Paulo, n.113, p.51-64, julh.1995.
ARIÈS, P. História social da criança e da família. Tradução Dora Flaksman. 2.ed. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1981.
AUAD, D. Educar meninos e meninas: relações de gênero na escola. o Paulo: Contexto,
2006.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
Lisboa: Edições 70, 1977.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F.
Vieira. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras
escolhidas, v. 1).
______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução de Marcus
Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades: Editora 34, 2002 (Coleção espírito crítico).
168
BERNARDI, M. A deseducação sexual. Tradução de Antônio Negrini. São Paulo: Summus,
1985.
BRITZMAN, D. Curiosidade, Sexualidade e Currículo. In: LOURO, G. L. (org.). O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p.83-111.
BUJES, M. I. E. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro: DP & A, 2002.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (1990): lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990, lei
n. 8.242 de 12 de outubro de 1991. Câmara dos Deputados. Coordenação de Publicações.
Brasília, DF, 3. ed, n. 36. 2001. (Série Fontes de Referência. Legislação).
CABICEIRA, G. O. Representações sociais de corpo e sexualidade de profissionais em
processo de formação inicial na Habilitação para o Magistério em Educação Infantil da
FCT/UNESP. 2004. Relatório final apresentado à PIBIC/CNPq. Faculdade de Ciências e
Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente.
CARVALHO, M. M. C de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da
higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. (org). História social da criança no Brasil.
São Paulo: Cortez, 1997. p.269-288.
CARVALHO, M. P. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas.
Estudos feministas, p.554-574, 2ºsemestre, ano. 9, 2/2001.
______ .Um lugar para o pesquisador na vida cotidiana da escola. In: _____; VILELA, A. T;
ZAGO, N (orgs). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 207-222.
______. Quem são os meninos que fracassam na escola? Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
v.34, n.121, p.11-40, jan./abr.2004.
Censo de 2002. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A2ncia_tur%C3%ADstica. Acesso em: 22 mar. 2008.
CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representação. Tradução Maria Manuela
Carneiro. Lisboa: Difel, 1990.
CHRISTENSEN, P.; JAMES, A. Investigação com crianças: perspectivas e práticas.
Tradução Mário Cruz. Porto: Edições Escola Superior de Educação de Paule Franssinetti,
2005.
169
CORAZZA, S M. Infância & educação: era uma vez... quer que conte outra vez? Petrópolis:
Vozes, 2002.
CORRÊA, C. I. M. Análise da participação de uma escola pública na educação sexual de
seus alunos. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Filosofia e Ciências,
Universidade Estadual Paulista, Marília.
CORSARO. W. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos
etnográficos com crianças pequenas. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91,
p.443-464, maio/ago. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 12 out.
2007.
CRUZ, E. F. Educação sexual e educação infantil nos relatos de profissionais que trabalham
com a formação de educadoras de creche e pré-escola. Pro-Posições: Revista Quadrienal da
Faculdade de Educação, Unicamp, v.14, n.3, p.103-118, set./dez. 2003.
CRUZ, T. Meninos e meninas no recreio: gênero, sociabilidade e conflito. 2004. Tese
(Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
DANIEL, L. Menino brinca de bola; menina de boneca e casinha: transmissão de
experiências e relações de gênero nas brincadeiras infantis. 2005. Dissertação (Mestrado em
Educação) Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília.
DELGADO, A. C. C; MÜLLER, F. Sociologia da Infância: pesquisa com crianças. Educação
e Sociedade, Campinas, v. 26. n. 91, p. 351-360, maio/ago.2005. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br . Acesso em: 23 jun. 2006.
DUARTE, R. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo. Cadernos de
Pesquisa, n. 115, p.139-154, mar. 2002.
FAULKNER, D.; WOODHEAD, M. Sujeitos, objetos ou participantes? Dilemas da
investigação psicológica com crianças. In: CHRISTENSEN, P.; JAMES, A. Investigação
com crianças: perspectivas e práticas. Tradução Mário Cruz. Porto: Edições Escola Superior
de Educação de Paule Franssinetti. 2005, p. 1-28.
FELIPE, J. Sexualidade nos livros infantis: relações de gênero e outras implicações. In:
MEYER, D. (org.). Saúde e sexualidade na escola. Porto Alegre: Mediação, 1998. p.11-124.
FERREIRA, M. O trabalho de fronteira nas relações entre géneros como processo
estruturante de identidades homo e heterossociais de género ocorridas nas brincadeiras
170
entre crianças em espaços de “brincar e faz-de-conta” num JI. 2002. Disponível em:
http://www.fpce.up.pt/ciie/publs/artigos/fornteira.doc . Acesso em: 12 set. 2007.
______; ROCHA, C. A prender a ser rapaz entre rapazes e raparigas: masculinidades
em duas escolas C+S do Distrito do Porto. 2002. Disponível em:
http://www.fpce.up.pt/ciie/publs/artigos/aprender.doc . Acesso em: 12 set. 2007.
FIGUEIRÓ, M. N. D. Educação sexual e política de leiturização: uma junção promissora.
Revista brasileira de estudos pedagógicos, Brasília, v. 76, n. 184, p.718-724, set./dez. 1995.
______. A educação sexual presente nos relacionamentos cotidianos. Revista Terapia
Sexual, São Paulo, v.10, n.1, p. 69- 98, jan/jun. 2007.
FONSECA, C. Quando cada caso não é um caso: pesquisa etnográfica e educação. Revista
Brasileira de Educação, n. 10, p. 58-78, jan./abr. 1999.
FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 7.ed. Tradução Maria
Thereza da Costa Alburquerque e J. A Guilhon Alburquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
_____. A História da Sexualidade I: a vontade de saber. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
FRAGIACOMO, V. M. Um estudo sobre a concepção que os pais de crianças, em idade
escolar, têm acerca da sexualidade infantil e sua manifestação na escola. 2003.
Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) Faculdade de Ciências e Letras, Universidade
Estadual Paulista, Araraquara.
FREITAS, M. C. (org.). Para uma sociologia histórica da infância no Brasil. In: ______.
História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p.9-16.
FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise. Parte III. Tradução Jayme
Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. 16 (1916-1917).
______. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (1856-1939). 2.ed. Tradução
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1989, v.7 (1901-1905).
171
GAGNON, J. H. Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade.
Tradução Lúcia Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
GARCIA, A. M. A orientação sexual na escola: como os professores, alunos e genitores
percebem a sexualidade e o papel da escola na orientação sexual. 2003. Dissertação (Mestrado
em Educação para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Tradução Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Zahar,
1978.
GRAUE, M. E; WALSH, D. J. Investigação etnográfica com crianças: teorias e métodos e
ética. Tradução Ana Maria Chaves. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
HEILBORN, M. L. (org) Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
HEYWOOD, C. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea no
ocidente. Tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004.
JAVEAU, C. Criança, infância (s), criança (s): que objetivo dar a uma ciência social da
infância? Educação e Sociedade, Campinas, v.26, n.91, p. 379-389, maio/ago. 2005.
Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br Acesso em: 10 set. 2007.
JOBIM E SOUZA, S. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamim. Campinas:
Papirus, 1994 (Coleção magistério: formação e trabalho pedagógico).
KRAMER, S. Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 41-59, jul. 2002.
___________. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 7.ed. São Paulo:
Cortez, 2003 (Biblioteca de educação-série 1 escola; v.3).
LAJOLO, M. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, M. C. (org). História social da criança
no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p.225-246.
LAVIOLA, E.C. Sexualidade infantil através de relatos de educadoras de creche. 1998.
Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
172
LEITE, M. L. M. A infância do século XIX segundo memórias e livros de viagem. In:
FREITAS, M. C. (org). História social da criança no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 17-
50.
LIBÓRIO, R. M. C. Desvendando vozes silenciadas: adolescentes em situação de
exploração sexual. São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano), Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
LOURO, G. L. (org.). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista.
Petrópolis: Vozes, 1997.
______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica,1999.
MACHADO, L. Z. Feminismo, Academia e Interdisciplinaridade. In: COSTA, A. O.;
BRUSCHINI, C. Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, 1992. p.24-38.
MATOS, M. I. S. Delineando corpos: as representações do feminino e do masculino no
discurso médico. In: MATOS, M. I. S; SOIHET, R. (org). O corpo feminino em debate. São
Paulo: Ed. UNESP, 2003. p. 107-128.
MOLLO-BOUVIER, S. Transformação dos modos de socialização das crianças: uma
abordagem sociológica. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p.391-404,
maio/ago. 2005. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 18 jan. 2008.
MONARCHA, C. Arquitetura escolar republicana: a escola normal da praça e a construção de
uma imagem de criança. In: FREITAS, M. C. de (org). História social da criança no Brasil.
São Paulo: Cortez, 1997. p.97-136.
MONTANDON, C. Sociologia da infância: balanço dos trabalhos em língua inglesa.
Cadernos de Pesquisa, n.112, p.33-60. mar. 2001. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br . Acesso em: 18 jan. 2008.
MOREIRA, M. F. S. Fronteiras do desejo: amor e laço conjugal nas décadas iniciais do
século XX. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em História Social), Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
______. SANTOS, L. P. Indisciplina na escola: uma questão de gênero? Educação em
Revista. Marília, v.3, p.141-160, 2002.
173
______. Preconceito, Sexualidade e práticas educativas. In: SILVA, D. J; LIBÓRIO, R. M. C.
Valores, preconceitos e práticas educativas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
MURARO, R. M. Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil.
Petrópolis: Vozes, 1983.
NAGLE, J. Educação e sociedade na primeira República. São Paulo, EPU: RJ, Fundação
Nacional de Material Escolar, 1974-1976.
NUNES, C.; SILVA, E. A educação sexual da criança: subsídios teóricos e propostas
práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas:
Autores Associados, 2000. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo; 72).
OLIVEIRA, F. M. de. Orientação sexual para jovens do ensino médio: uma proposta
motivadora, reflexiva e emancipatória. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) -
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara.
PARKER, R. G. Corpos, prazeres e paixão: a cultura sexual no Brasil contemporâneo.
Tradução de Maria Therezinha Cavallari. São Paulo: Best Seller, 1991.
PARRÉ, S. H. G. Aplicação dos parâmetros curriculares nacionais na área de orientação
sexual no ensino fundamental: um diagnóstico. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação
para a Ciência) - Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru.
PINTO, M.; SARMENTO, M. J. (coord.). As crianças: contextos e identidades. Universidade
do Minho: Centro de Estudos da Criança, Portugal: Braga, 1997.
PINTO, M; SARMENTO, M. J. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o
campo. In: As Crianças: contextos e identidades. Universidade do Minho. Centro de Estudos
da Criança, 1997.
PLAISANCE, E. Para uma sociologia da pequena infância. Revista Educação e Sociedade,
Campinas, v. 25, n. 86, p.221-241, abr. 2004. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br .
Acesso em: 18 jan. 2008.
QUINTEIRO, J. Infância e Educação no Brasil: um campo de estudos em construção. In:
FARIA, A. L. G.; DEMARTINI, Z. B. F.; PRADO, P. D. Por uma cultura da infância:
metodologias de pesquisa com crianças. Campinas: Autores Associados. 2002. p.19-48.
(Coleção Educação Contemporânea).
174
QVORTRUP, J. Macro-análise da infância. In: CHRISTENSEN, P; JAMES, A. Investigação
com crianças: perspectivas e práticas. Tradução Mário Cruz. Porto: Edições Escola Superior
de Educação de Paule Franssinetti, 2005. p. 73-96.
RAPOSO, A. E. S. Sexualidade infantil: formas de pensamento em uma escola para
educação infantil e na família da criança. 2004. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva)
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
RIBEIRO, C. A fala da criança sobre sexualidade humana: o dito, o explícito e o oculto.
Lavras: Universidade Federal de Lavras, 1996. (Coleção Dimensões da Sexualidade).
RIZZINI, I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para infância no Brasil.
Rio de Janeiro: Petrobrás, 1997.
SANTOS, S. E. A criança e sua infância: combates nos saberes em educação. 2006.
Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente.
SANT‟ANNA, D. B. (org). Políticas do corpo. São Paulo. Estação Liberdade, 1995.
SARMENTO, M. J. Sociologia da infância: correntes, problemáticas e controvérsias.
Sociedade e Cultura 2, Cadernos do Noroeste, Série Sociológica, v.13, n.2, 145-164, 2000.
______. Infância, exclusão social e educação como utopia realizável. Educação, Sociedade e
Culturas, n.1, p.13-32, 2002.
______ ; SOARES, N. F; TOMÁS, C. Investigação da infância e crianças como
investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianças. Nuances:
Estudos sobre educação, ano XI, v.12, n.13, p. 50-63, jan/dez. 2005.
______. Gerações e Alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Revista
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 91, p.361-378, maio/ago. 2005.
SAYÃO, Y. Orientação sexual na escola: os territórios possíveis e necessários. In: AQUINO,
J. G. (org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas. 2.ed. São Paulo: Summus,
1997, p.107-117.
175
SENATORE, R. C. M. Os anjos, afinal, têm ou não sexo? Uma reflexão à luz da psicanálise
sobre as concepções de sexualidade infantil dos professores. 2003. Dissertação (Mestrado em
Educação Escolar) Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista,
Araraquara.
SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
Alegre, v.16, n.2, p.5-22, jul./dez.1990.
SILVA, A. C. D. et al. Meninas bem comportadas, boas alunas: meninos inteligentes, mas,
indisciplinados. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 107, p.207-225, jul. 1999.
SIROTA, R. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e do olhar.
Cadernos de Pesquisa, n.112, p.7-31. mar. 2001. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br . Acesso em:18 jan. 2008.
SOARES, N. F. A investigação participativa no grupo social da infância. Revista Currículos
sem fronteiras, v.6, n.1, p.25-40, jan/jun. 2006.
______; TOMÁS, C. O cosmopolitismo infantil: uma causa (sociológica) justa. In:
CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 5. , 2004, Braga: Associação Portuguesa
de Sociologia, p. 1-12. Disponível em:
http://cedic.iec.uminho.pt/textos_de_trabalho/textos/artigocongressoaps.pdf. Acesso em: 14
junh. 2008.
SOUZA, F. C. de. Meninos e meninas na escola: um encontro possível? 2003. Dissertação
(Mestrado em Educação Escolar) Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
Paulista, Araraquara.
STOLL, R. R. Professoras de escola infantil: práticas e significados da sexualidade de
meninas e meninos e educação sexual. 1994. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
SWAIN, T. N. Feminismo e recortes do tempo presente: mulheres em revistas femininas.
[S. L.: s.n.], [1984?].
176
TARDIF, M. Difusão da pesquisa educacional entre profissionais do ensino e círculos
acadêmicos. Revista Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 13-35, maio/ago. 2005.
TELLES, E. O. As relações de gênero nos tempos e espaços escolares: estudo etnográfico
em uma escola pública de São Paulo. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
THOMPSON, E. P. Tradición, revuelta y consciencia de clase. Barcelona: Editorial Crítica,
1979.
THORNE, B. Gender play: girls and boys in school. New Jersey, USA: Rutgers University
Press, 1997.
TOZONI-REIS, M. F. C. Infância, escola e pobreza: ficção e realidade. Campinas: Autores
Associados, 2002. (Coleção Educação Contemporânea).
TURA, M. L. R. A observação do cotidiano escolar. In: CARVALHO, M. P.; VILELA, A. T;
ZAGO, N. (org). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 183-206.
WARDE, M.J. Para uma história disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS,
M. C. (org). História social da criança no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. p. 289-310.
WEEKS, J. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, G. L. (org). O corpo educado: pedagogias
da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 35-82.
WEIL, P.; TOMPAKOW, R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-
verbal. 29.ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
WOODHEAD, M; FAULKNER, D. Sujeitos, objectos ou participantes: dilemas de
investigação psicológica com crianças. In: CHRISTENSEN, P; JAMES, A. Investigação com
crianças: perspectivas e práticas. Tradução Mário Cruz. Porto: Edições Escola Superior de
Educação de Paule Franssinetti, 2005.
ZAGO, N. A entrevista em seu processo de construção: reflexões com base na experiência
prática de pesquisa. In: CARVALHO, M. P.; VILELA, A. T; ZAGO, N. (org). Itinerários de
pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
p. 287-309.
177
BIBLIOGRAFIA
ALVES-MOZZATTI, A J. Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, n.113, p.39-50, jul. 2001.
ARIÈS, P; BÉJIN, A. (orgs.). Sexualidades Ocidentais. Contribuições para a História e para
a sociologia da sexualidade. Tradução Lygia A. Watanabe e Thereza C. F. Stummer.São
Paulo: Brasiliense, 1986.
BOZON, M. Sociologia da sexualidade. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de
Janeiro: FGV, 2004.
BRUSCHINI, C. Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo:
Fundação Carlos Chagas, 1992.
CAMARGO, A. M. F.; RIBEIRO, C. Sexualidade(s) e infância(s): a sexualidade como tema
transversal. São Paulo: Moderna, 1999.
CARVALHO, M. P. No coração da sala de aula: gênero e trabalho docente nas séries
iniciais. São Paulo: Xamã,1999.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes do fazer. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
COLAÇO, V F. R. Processos interacionais e a construção de conhecimento e subjetividade de
crianças. Psicologia: Reflexão e Crítica, v.17, n. 3, p. 333-340, 2004.
CONNELL, R. W. Políticas da masculinidade. In: Educação e Realidade. p.185-206, 1995.
DEL PRIORE, M. (org.). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
DEMARTINI, Z. B. F. Histórias de vidas na abordagem de problemas educacionais. In: VON
SIMSON, O de M . (org.). Experimentos com histórias de vida (Itália-Brasil). São Paulo:
Vértice, Educação. Revista dos Tribunais, 1988, p. 14-43.
FAZENDA, I. C. A. (org.). Metodologia de pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989.
(Biblioteca da Educação, série I. Escola, v.11).
178
FARIA, A. L. G.; DEMARTINI, Z. B. F.; PADRO, P. D. (org). Por uma cultura de
infância: metodologia de pesquisa com crianças. Campinas: Autores Associados, 2002.
(Coleção Educação Contemporânea).
FELIPE, J; GUIZZO, B. S. Pró-Posições. Dossiê: Educação infantil e Gênero. Campinas,
v.14, n.3 (42), p.19-30, set./dez.2003.
FIGUEIRÓ, M. N. D; RIBEIRO, P. R. M. (orgs.). Sexualidade, cultura e educação sexual:
propostas para reflexão. Araraquara: FCL-UNESP, 2006. (Série Temas em Educação Escolar,
7).
FLEURI, R. M. Intercultura e educação. Revista Brasileira de Educação, n.23, p.16-35,
maio/jun/jul/ago. 2003.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Tradução Lígia Vassalo. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1987.
FOUREZ, G. O método científico: a adoção e rejeição de modelos. In: A construção das
ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. Tradução Luiz Paulo Rouanet. São
Paulo: UNESP, 1995. p.63-89.
GATTI, B. A. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.113, p.65- 81, jul.2001.
GIDDENS, A. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas
sociedades modernas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
____________. O que é ciência social? In: Em defesa da sociologia: ensaios interpretações e
tréplicas. Tradução Rodeneide Venâncio Majes e Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo:
UNESP, 2001.p.97-113.
GUIRALDELLI JÚNIOR, P. Infância e educação e modernidade. In: GAGNEBIN, J. M.
Infância e pensamento. São Paulo: Cortez, 1996, p.83-116.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. 7.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
ITURRA, R. O imaginário da criança: os silêncios da cultura oral. Lisboa: Fim do Século
Edições, 1997.
179
KRAMER, S. Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter Benjamin. In:
_____. (org.). Infância: fios e desafios da pesquisa. 5.ed. Campinas: Papirus, 1996, p.13-38.
LEITE, M. I. F. P. Brincadeiras de menina na escola e na rua: reflexões da pesquisa no
campo. Cadernos Cedes, n.56, p.63-80, abr.2002.
LOPES. Z. A. Meninas para um lado, meninos para o outro: um estudo sobre
representação social de gênero de educadoras de creche. Campo Grande: Ed. UFMS, 2000.
LOURO, G. L. (org.). Currículo, gênero e sexualidade: o “normal”, o “diferente” e o
“excentrico”. In: LOURO, G. L; NECKEL. J. F; GOELLNER, S.V (org). Corpo, gênero e
sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 41-52.
LÜDKE, M; ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, 1986.
MORENO, M. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Tradução Maria Cristina
de Oliveira. São Paulo: Moderna; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas.
1999.
NICHOLSON, L. Interpretado o gênero. Estudos feministas, Florianópolis, v.8, n.2, p.9-42,
2000.
NOLASCO, S. A. O mito da masculinidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1995 (Coleção
Gênero Plural).
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.5,
n.10, p. 3-15, 1995.
POPKEWITZ, T. S. História do currículo, regulação social e poder. In: SILVA, T. T. O
sujeito da educação: estudos foucaultianos. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p.173-210.
QUEIRÓZ, M. I. P de. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON SIMSON, O de M.
(org). Experimentos com histórias de vida (Itália-Brasil). São Paulo: Vértice, p. 14-43,
1988.
180
PORTER, R. História do corpo. In. BURKE, P. (org.) A escrita da história. Tradução Magda
Lopes. São Paulo: Edunesp, 1992. p.291-326.
RIBEIRO, J. S. B.”Brincar de ousadia”: sexualidade e sociabilização infantil no universo das
classes populares. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 19, Supl. 2, p. 345-353, 2003.
SARLO, B. As culturas da infância na encruzilhada da segunda modernidade. In:
SARMENTO, M. J; CERISARIA, M. B. Crianças e miúdos. Perspectivas sócio-pedagógicas
da infância e da educação. Porto: Portugal, Edições ASA, 2004. p.9-34.
SARMENTO, M. J. A vez e a voz dos professores: contributo para o estudo da cultura
organizacional da escola primária. Portugal: Porto Editora, 1994.
SILVA, T. T. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes,
2000.
______; HALL, S; WOODWARD, K. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. 3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
SILVA, S. P. Considerações sobre o relacionamento amoroso entre adolescentes. Cadernos
Cedes, Campinas, v.22, n.57, p. 23-43, ago.2002. Disponível em:
http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 03 fev. 2008.
SOUZA, E. R de. Marcadores sociais da diferença e infância: relações de poder no contexto
escolar. Cadernos Pagu (26), p. 169-199, jan/jun. 2006.
VAINFAS, R. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. 2.ed. São Paulo: Ática, 1992.
VÁRIKAS, E. Gênero, experiência e subjetividade: a propósito do desacordo Tilly-Scott.
Tradução Ricardo A.Vieira. Cadernos Pagu, Campinas, Núcleo de Estudo de nero Pagu,
v.3, p.63-84, 1994.
VEIGA-NETO, A. A cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação. São
Paulo: ANPED, n. 23, p 5-15, maio/ago. 2003.
181
VIANNA, C. Sexo e gênero: masculino e feminino na qualidade da educação escolar. In:
AQUINO, J. G. (org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas. 2.ed. São
Paulo: Summus,1997, p.119-129.
WIELEWICKI, V. H.G. A pesquisa etnográfica como construção discursiva. Acta
Scientiarum, Maringá, v.23, n.1, p. 27-32, 2001.
182
ANEXOS
183
ANEXO A
Roteiro semi-estruturado: entrevista sobre gênero, sexualidade e infância
1. Pra você, que mudanças ocorrem no corpo dos meninos, quando chegam à
adolescência?
2. Pra você, que mudanças ocorrem no corpo das meninas, quando chegam à
adolescência?
3. Você observou alguma mudança em seu corpo?
4. Como você se sente com essas mudanças?
5. Você gostou ou não gostou dessas mudanças?
6. De que partes do seu corpo você mais gosta? Por quê?
7. De que partes do seu corpo você menos gosta? Por quê?
8. O que você espera da adolescência?
9. Pra você, o que é bom (vantagem) em ser adolescente? Por quê?
10. Pra você, o que tem de ruim (desvantagem) em ser adolescente? Por quê?
11. Você acha que tem diferença em ser criança e ser adolescente? Quais?
12. Qual é a sua idade? Você se considera criança ou adolescente?
13. Mas, você vive como criança ou adolescente?
14. O que você faz para se considerar criança ou adolescente?
15. O que, para você, é namoro?
16. Em sua opinião, por que as pessoas namoram?
17. Pra você, o que as pessoas fazem quando namoram?
18. Em sua opinião, as crianças namoram?
19. Como é namoro de criança?
20. Pra você, existe diferença entre o namoro de criança e de adolescente? Quais?
21. Existem diferenças entre o que as crianças e os adolescentes fazem durante o namoro?
22. Você gosta de alguém?
23. Você namora ou já namorou? Como você namora?
24. Em sua opinião, como é que as mães ficam grávidas?
25. Em sua opinião, como nascem as crianças?
26. Em sua opinião, homem pode namorar homem? Por quê?
27. Em sua opinião, mulher pode namorar mulher? Por quê?
28. Qual é a sua opinião sobre namoro de homem com homem? E de mulher com mulher?
29. Você seria amigo(a) de um homem que namorasse outro homem?
184
30. Você seria amigo(a) de uma mulher que namorasse outra mulher?
31. E se filho namorasse outro homem, você aceitaria?
32. E se sua filha namorasse outra mulher, você aceitaria?
33. Como você está em relação ao namoro?
185
ANEXO B
Músicas sobre o tema namoro
Já Sei Namorar
Marisa Monte
Composição: Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte
Já sei namorar
Já sei beijar de língua
Agora, só me resta sonhar
Já sei onde ir
Já sei onde ficar
Agora, só me falta sair
Não tenho paciência
pra televisão
Eu não sou audiência
para a solidão
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo é meu também
Já sei namorar
Já sei chutar a bola
Agora, só me falta ganhar
Não tenho juiz
Se você quer a vida em jogo
Eu quero é ser feliz
Não tenho paciência
pra televisão
Eu não sou audiência
186
para a solidão
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo é meu também
Tô te querendo como ninguém
Tô te querendo como Deus quiser
Tô te querendo como eu te quero
Tô te querendo como se quer
Sandy e Júnior
Primeiro Amor
Composição: Teddy Randazzo/Roger Joice/versão:Kassiano e Rocky
Eu te conheci
Foi tão bom pra mim.
Nem eu sei por que razão
Eu fui ficando assim.
Perto de você
Minha timidez
Me calava,sem me abrir,
Vontade de dizer
Meu primeiro amor
O meu coração
Bate por você.
Venha me fazer perder o medo.
Estou te amando
Me abraça
187
Me ensina a te amar
Pegue minha mão
Saiba tudo que eu estou sentindo.
É o meu primeiro amor
Como vou falar
Desse meu amor
Toda vez é sempre assim
Eu fujo de você
Talvez por eu ser
Tão menina assim
Não consigo encontrar
Coragem pra falar.
Tribalistas
Velha Infância
Composição: Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte
Você é assim
Um sonho prá mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...
E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
188
Na nossa velha infância...
Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só...
Você é assim
Um sonho prá mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...
E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância...
Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só...
Você é assim
Um sonho prá mim
Você é assim...(3x)
189
"Você é assim
Um sonho prá mim
E quando eu não te vejo
Penso em você
Desde o amanhecer
Até quando me deito
Eu gosto de você
Eu gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
___________________________________________________________________________
Luíz Gonzaga
O Xote das Meninas
Mandacaru, quando "fulóra" na seca
É o sinal que a chuva chega no
Sertão
Toda menina que enjoa da
Boneca
É sinal de que o amor
Já chegou no coração
Meia comprida, não quer mais
Sapato baixo,
Vestido bem cintado
Não quer mais vestir timão
Ela só quer, só pensa em namorar
Ela só quer, só pensa em namorar
De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando
Sonhando acordada
O pai leva ao doutô
A filha adoentada
190
Não come nem estuda,
Não dorme, não quer nada
Ela só quer, só pensa em namorar
Ela só quer, só pensa em namorar
Mas o doutô nem examina
Chamando o pai de um lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
Que pra tal menina
Não tem um só remédio
Em toda medicina
191
ANEXO C
Questionário para professor(a)s
Prezado(a) Professor(a)
Estamos realizando uma pesquisa sobre as representações sociais das crianças sobre gênero e
sexualidade. Assim, lhe apresentamos o questionário abaixo, para ser respondido, por escrito,
pelo(a) senhor(a). Não é preciso colocar o seu nome. Os resultados desta pesquisa poderão
ser-lhes devolvidos, na forma de relatório sobre todos os entrevistados, após o término da
pesquisa. Muito obrigada!
I Dados do (a) participante:
Sua cor:_________________________Idade:____________Tempo de magistério_______
Ministra mais aulas em escola particular ( ) ou pública ( )?
Nº médio de aulas que ministra por semana:______________
Séries escolares em que mais dá aula:______________
É professor concursado? Sim ( ) Não ( )
Tem formação superior? Sim ( ) Não ( )
Onde? ___________________________________________________________
Fez outros cursos? (Especialização, Pós-Graduação, outro curso superior)
________________________________________________________________
As questões a serem feitas dizem respeito ao comportamento das crianças, seus/suas
aluno(a)s, frente à sexualidade:
1- Como você analisa o atual comportamento das crianças, diante das questões
referidas à sexualidade? O que explica, ou estaria determinando, em sua opinião, a conduta
atual das crianças frente à sexualidade?
2- Quais são os comportamentos mais freqüentes que você observa, entre as crianças?
3- diferença de comportamentos entre garotos e garotas? Caso haja, você poderia
citar o exemplo de algum(ns) caso(s) que observou?
4- O que considera “problema” nos comportamentos observados? Por quê?
192
5- O que considera positivo nos comportamentos observados? Por quê?
6- Você se julga preparada(o) para discutir as questões sobre sexualidade com as
crianças? (Você se julga preparado/a) Para responder às suas questões? Para discutir seus
comportamentos? Como se sente diante das situações que vivencia?
7- Você acha que o(a) professor(a) deve se responsabilizar e se preparar para o trabalho
de educação para a sexualidade, junto às crianças?
8- Em que momentos de sua formação e atuação profissional tais questões foram
abordadas e estudadas?
9- Conhece as orientações para a educação da sexualidade apresentadas nos PCNs? O
que pensa sobre elas?
10- A escola dispõe de materiais didáticos e livros sobre o assunto, para aluno(a)s e para
professor(e/a)s?
11- Caso a escola disponha, quais deles você já leu ou consultou?
12- Utilizou algum material em sala de aula? Qual?
13- Poderia falar sobre o que considerou importante ou significativo nessas leituras ou
nos materiais didáticos que já consultou e/ ou utilizou?
193
ANEXO D
Questionário sócio-econômico e cultural para os familiares responsáveis pelas crianças
(os nomes não serão divulgados).
1- A criança
Nome da criança ______________________________________________
Data de Nascimento ______________
Idade ______________
Sexo ______________
Cor _______________
Naturalidade __________________________________________________
Endereço_____________________________________________________
_____________________________________________________________
2- Pai
Idade ______________
Cor _______________
Sexo: ______________
Estado Civil ____________________
Profissão _______________________( ) empregado ( ) desempregado
Formação:
1ª a 4ª série ( ) 5ª à 8ª série ( ) 2º Grau ( ) Grau Superior ( )
3- Mãe
Idade ________________
Cor: _________________
Sexo _________________
Estado Civil _____________________
Profissão _______________________( ) empregada ( ) desempregada
Formação:
1ª a 4ª série ( ) 5ª a 8ª série ( ) 2º Grau ( ) Grau Superior ( )
4- Renda familiar:
1 salário mínimo ( ) 2 salários mínimos ( ) 3 ou mais salários mínimos ( )
194
5- Quantas pessoas moram na casa?
6- Quem são as pessoas responsáveis por acompanhar a vida escolar da criança?
( ) os pais ( ) os avós ( ) tios ( ) outros
7- Quem são as pessoas que residem junto com a criança?
( ) avós ( ) irmãos ( ) pai ( ) mãe ( ) tios
( ) primos ( ) outros ( ) padrasto/madrasta
8- Condições de moradia:
( ) própria ( ) alugada ( ) cedida
9- Tipo de construção:
( ) alvenaria ( ) madeira ( ) outros
10- Quanto às condições de moradia:
( ) nº de quartos ( ) nº de salas ( ) cozinha
( ) banheiros ( ) lavanderia ( ) possui quintal
11- Quais eletro-eletrônicos a família possui?
( ) tv ( ) vídeo ou DVD ( ) rádio ( ) computador
( ) telefone ( ) geladeira ( ) liquidificador ( ) máquina de lavar ( ) outros
12- Qual religião pratica?
( ) católica ( ) evangélica ( ) outros
13- Que tipo de leitura a família, de modo geral, aprecia?
( ) romance ( ) ação ( ) economia ( ) esportes ( ) drama ( ) notícia e informação ( )
religião ( ) ficção ( ) educação ( ) entretenimento
14- Que tipo de música a família, de modo geral, ouve?
( ) pop rock ( ) rock ( ) sertanejo ( ) romântica ( ) internacional ( ) MPB ( ) forró
( ) eletrônica ( ) funk ( ) rapp ( ) outros
195
15- Que tipo de comida e pratos a família, de modo geral, gosta e mais consome?
( ) estrogonofe ( ) lanche ( ) salgados ( ) churrasco ( ) lasanha ( ) peixe ( ) yakishoba
( ) macarronada ( ) feijoada ( ) dobradinha ( ) sopa ( ) arroz e feijão ( ) carne
cozida ( ) carne assada ( ) frango assado ( ) comida enlatada ( ) farofada ( ) outros
196
ANEXO E
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA O(A)S
FAMILIARES RESPONSÁVEIS PELAS CRIANÇAS
Pesquisa: “Olhares de crianças sobre as diferenças de gênero e a sexualidade
Pesquisadora: Geisa Orlandini Cabiceira UNESP- Campus de Presidente Prudente
Orientadora: Maria de Fátima Salum Moreira- UNESP- Campus de Presidente Prudente
Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa: Profª Drª Maria de Lourdes Corradi da
Silva- UNESP- Campus de Presidente Prudente
1. Natureza da pesquisa: seu(sua) filho(a) está sendo convidado(a) a participar desta
pesquisa, que tem como finalidade analisar o que as crianças pensam, como agem e sentem
em relação às diferenças entre meninos/homens e meninas/mulheres e sua sexualidade. A
pesquisa será realizada no horário da escola (observações na sala de aula, no recreio e em
outros espaços da escola).
2. Participantes da pesquisa: no máximo, 12 a 16 crianças, da série, de Recuperação
de Ciclo, do Ensino Estadual e Fundamental, desta unidade escolar. A pesquisa será realizada
apenas nessa 4ª série.
3. Envolvimento na pesquisa: Ao participar deste estudo, seu filho(a) participará de
dinâmicas, como teatro, produção de textos, debates e entrevistas propostas pela pesquisadora,
que serão gravadas. As atividades serão realizadas na sala de aula ou no tio da escola, em
horário combinado com o(a)s professor(e/a)s e diretor(a) da instituição. As crianças terão
liberdade de se recusar a participar da pesquisa, em qualquer momento, sem qualquer
prejuízo. Sempre que quiser, poderá pedir mais informações sobre a pesquisa, através dos
telefones (18) 3916.1958, orientadora da pesquisa, profª Drª Maria de Fátima Salum Moreira,
ou com a com a pesquisadora responsável, Geisa Orlandini Cabiceira (32812414 ou
97476881), ou com a coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da UNESP (18-3229
5355- ramal 26).
4. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os
procedimentos adotados para sua relização obedecem aos Critérios da Ética na Pesquisa com
Seres Humanos, conforme resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos
procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
5. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são confidenciais, ou
seja, seu(a) filho(a) não será identificado(a) através das entrevistas.
197
6. Benefícios: ao participar desta pesquisa, você e/ou seu(a) filho(a) não terão nenhum
benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo possa nos trazer informações
importantes sobre o que as crianças pensam sobre as diferenças entre meninos/homens e
meninas/mulheres e sobre a sua sexualidade, mudanças no corpo, seus sentimentos; se a
escola consegue dialogar com as crianças de forma a responder suas dúvidas sobre
sexualidade; como a escola trata esse tema? Esta pesquisa deve colaborar para
compreendermos como as crianças pensam e compartilham seus saberes sobre sexualidade
com outras crianças e adultos.
7. Pagamento: você e seu(a) filho(a) não terão nenhum tipo de despesa para participar
desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
Após esses esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento, de forma livre,
para participação nesta pesquisa. Portanto, preencham, por favor, os itens que seguem:
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, autorizo
meu(minha) filho(a) a participar da pesquisa.
_______________________________
Nome do(a) responsável pelo(a) participante da pesquisa
Cidade, ____de __________de 2007.
____________________________
Geisa Orlandini Cabiceira/Pesquisadora responsável.
198
ANEXO F
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA AS CRIANÇAS
Pesquisa: “Olhares de crianças sobre as diferenças de gênero e a sexualidade
Pesquisadora: Geisa Orlandini Cabiceira UNESP- Campus de Presidente Prudente
Orientadora: Maria de Fátima Salum Moreira- UNESP- Campus de Presidente Prudente
Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa: Profª Drª Maria de Lourdes Corradi da
Silva- UNESP- Campus de Presidente Prudente
Você está sendo convidado(a) para participar de um estudo, uma pesquisa intitulado Olhares
de crianças sobre as diferenças de gênero e a sexualidade”. Nós pedimos autorização de
seus pais ou responsáveis, e também da diretora de sua escola, os quais deixaram você
participar da mesma.
A sua participação nesta pesquisa é muito importante, porque você nos ajudará a conhecer o
que as crianças pensam sobre as diferenças entre homens e mulheres e sobre as relações
afetivas e sexuais entre as pessoas (por exemplo: namoro). A sua opinião é fundamental para
enriquecer o nosso estudo e para que os adultos entendam que as crianças e adolescentes têm
muito a dizer sobre as suas vidas.
Se você puder participar deste estudo, nós vamos pedir para você participar de dinâmicas,
propostas pela pesquisadora, e de entrevistas, que serão gravadas, enquanto ocorrem as
atividades. Nas entrevistas (que serão gravadas), não aparecerá o seu nome; somente a
pesquisadora responsável podeter acesso a suas falas e analisar as respostas de todos que
participarem da pesquisa.
Você tem o direito de participar ou não deste estudo; você também poderá deixar de participar
das atividades, caso você não queira. Se você precisar conversar com alguém sobre as
informações que vo deu no questionário, você poderá telefonar para a pesquisadora (e
orientadora), que trabalha na UNESP, cujo telefone é (18) 3229-5388, e que se chama (profª)
Maria de Fátima Salum Moreira, ou para a pesquisadora responsável Geisa Orlandini
Cabiceira, cujo telefone é 97476881 ou 32812414. Ficaremos muito gratas em poder contar
com sua participação e colaboração.
Então, se você aceitar participar desta pesquisa, gostaríamos que você escrevesse seu nome e a data de
hoje, nas linhas abaixo, o que indica que você aceitou participar desta pesquisa com a gente.
Seu nome:____________________________________________________________ Data:_________
____________________________
Geisa Orlandini Cabiceira/ Pesquisadora Responsável
199
ANEXO G
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
PROFESSOR(E/A)S
Pesquisa: “Olhares de crianças sobre as diferenças de gênero e a sexualidade
Pesquisadora: Geisa Orlandini Cabiceira UNESP- Campus de Presidente Prudente
Orientadora: Maria de Fátima Salum Moreira- UNESP- Campus de Presidente Prudente
Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa: Profª Drª Maria de Lourdes Corradi da
Silva- UNESP- Campus de Presidente Prudente
Natureza da pesquisa: A(o) sra. (sr.) está sendo convidada(o) a participar desta pesquisa, que
tem como finalidade identificar e analisar as representações sociais de crianças sobre gênero e
sexualidade: seus modos de ser, pensar, agir e sentir.
8. Participantes da pesquisa: professor(e/a)s desta unidade escolar e seu/sua(s)
respectivo(a)s diretor(e/a)s e coordenador(e/a)s.
9. Envolvimento na pesquisa: Ao participar deste estudo, a sra. (sr.) permitirá que a
pesquisadora lhe aplique um questionário na escola onde trabalha, em horário previamente
combinado. A sra. (sr.) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar
participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para a sra. (sr.). No entanto,
solicitamos sua colaboração para completar o roteiro de perguntas para podermos obter um
resultado mais completo para a referida pesquisa. Sempre que quiser, pode pedir mais
informações sobre a pesquisa através do telefone (18) 3916.1958, com a orientadora do
projeto, profª Maria de Fátima Salum Moreira ou com a professora Dra. Maria de Lourdes
C.C.da Silva, coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da FCT/UNESP, no telefone
(18) 32295388 / ramal 26.
10. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os
procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética na Pesquisa com
Seres Humanos conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos
procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.
11. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente
confidenciais, os questionários serão identificados com um código e não trazem o seu nome.
12. Benefícios: ao participar desta pesquisa a sra. (sr.) não terá nenhum benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre as concepções dos
profissionais de educação sobre o tema do gênero e sexualidade , de forma que o
conhecimento que será construído a partir desta pesquisa possa subsidiar propostas de
200
formação inicial e continuada de professores, que pode beneficiar parcelas da população
infanto-juvenil e o trabalho com o tema na escola.
13. Pagamento: a sra. (sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa,
bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre
para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que seguem:
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu
interesse em participar da pesquisa.
_______________________________
Nome do(a) Participante da Pesquisa
Cidade, _____de _____________de 2007.
______________________________
Assinatura do Participante
_____________________________
Geisa Orlandini Cabiceira
Pesquisadora Responsável
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo