Outro fator a ser considerado no processo de dependência do glocal diz respeito ao
surgimento do imagético, ou, como diria Flusser, da “imagem técnica”.
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Esta, segundo o autor,
teria sua origem na fotografia, como forma de visão de mundo. Cada imagem fotográfica traria
em si uma carga de significados que, uma vez decodificados, dariam a perceber o seu
simbolismo, a forma de ver o mundo do fotógrafo.
De fato, Flusser elabora uma releitura nas formas de representação da realidade ao
longo das épocas, cuja expressão se traduziu, num primeiro momento, em imagem do mundo
vivido e, num segundo momento, com a descoberta da escrita, teria sido inaugurada a era linear
para se decodificar o que antes era imagem. O terceiro momento, e que engloba a época atual,
seria a da imagem técnica, que em sua abstração codifica novamente a escrita. Esta é a famosa
“escalada da abstração” de Flusser.
A imagem técnica surge com a fotografia, desenvolve-se com o cinema e culmina
com a expansão da televisão. É, porém, coroada pelo constante fluxo imagético da era
cibercultural. Nos diversos glocais, está envolvido o aspecto lúdico e de entretenimento. Talvez
se questione tal afirmação em relação à fotografia. Entretanto, Flusser mostra que a partir do
aparelho fotográfico já se pode refletir sobre o aspecto lúdico, uma vez que o aparelho seria um
“brinquedo”
16
do “funcionário”
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, ou seja, faz parte do “jogo”.
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Nesse sentido, vale ressaltar a
banalidade a que chegou, na era interativa, a produção de fotografias. Assemelha-se mais a um
jogo infindável de imagens sobrepostas umas às outras, configurando-se, então, o lúdico pelo
lúdico.
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Assim como o cinema nasceu com grande tendência para o entretenimento, assim
também se tornou a fotografia, especialmente na era digital. Até mesmo porque, no momento
atual, pode-se, de certa forma, “animar” a fotografia do mesmo modo como ela foi “animada”
na origem do cinema. A fotografia pode ser editada, reformulada e descaracterizada de acordo
com os variados gostos, o que demonstra também seu aspecto lúdico.
A televisão, como é bastante notório, cumpriu sobejamente seu papel de rede lúdica
e sua existência se restringe cada vez mais a esse aspecto, considerando que o ciberespaço a
abarcou de modo irreversível. Tanto que foi necessário que o aparelho televisivo se unisse à
interatividade para não perder seu lugar tão estimado na sociedade cibercultural. Na verdade,
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Utiliza-se o próprio glossário que Flusser construiu para a “Filosofia da fotografia”. “Imagem técnica: imagem
produzida por aparelho”; “Aparelho: brinquedo que simula um tipo de pensamento” (FLUSSER, 2002, p.
77-78). Esclarece-se que o sentido dado ao conceito de aparelho, por Flusser, faz referência a todo equipamento
capaz de produzir imagem e, assim, refletir uma visão de mundo através dessa imagem.
16
“Brinquedo: objeto para jogar”. (ibid., p. 77).
17
“Funcionário: pessoa que brinca com aparelho e age em função dele”. (ibid.).
18
“Jogo: “atividade que tem fim em si mesma”. (ibid., p. 78).
19
Para Huizinga (2001), por exemplo, na sua definição do homo ludens, o jogo é considerado fenômeno cultural,
como fator fundamental para o surgimento e desenvolvimento da civilização.