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PONTICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicão e Semtica
Dissertação de Mestrado
CIBERESPAÇO E DEPENDÊNCIA
Uma análise dos nculos do humano com o glocal interativo como habitus
Bárbara Conceição de Oliveira Barbosa
Orientador: Prof. Dr. Eugênio Rondini Trivinho
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BÁRBARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA BARBOSA
CIBERESPO E DEPENNCIA
Uma análise dos nculos do humano com o glocal interativo como habitus
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como
exincia parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação
e Semiótica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de o
Paulo (PEPGCOS-PUC-SP), sob a orientação do Prof. Doutor Eunio
Rondini Trivinho.
Área de Concentração:
Signo e significação nas mídias
Linha de Pesquisa:
Cultura e Ambientes Midiáticos
o Paulo/SP
2008
2
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BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
3
Dedico este trabalho à minha família,
composta de preciosos amigos,
que partilham comigo os habitus do cotidiano.
4
RESUMO
A presente Dissertação de Mestrado se destina à análise da dependência tecnológica
suas origens, seu “estado da arte” e suas conseqüências no âmbito da relação entre ser
humano e media interativos.
O contexto da pesquisa, de natureza exclusivamente teórica, é o da cibercultura,
entendida como organização social de época, originada do desenvolvimento tecnológico
posterior à Segunda Guerra Mundial.
O principal objetivo é analisar o fenômeno da dependência à qual está sujeita a
civilização cibercultural.
O problema de pesquisa reside nos seguintes questionamentos: como se configura uma
relação assim posta? Quais fatores a favorecem? No âmbito social-histórico, a dependência
propicia a conservação de estilos de vida tecnológicos? Estaria presente tanto no plano coletivo
quanto no individual?
Como hipótese principal, o estudo redefine e sobrevalora como dependência , o
nculo estrito dos sujeitos sociais às tecnologias e redes interativas, vínculo cuja análise deve
considerar os aspectos civilizatórios e antropológicos envolvidos, pois implica, a um só tempo,
história recente, sociedade e indivíduo.
A fundamentação da pesquisa privilegia propostas teóricas articuladas pela categoria
da crítica e consolidadas nos últimos vinte anos, com base nos seguintes autores: David Harvey,
Fredric Jameson, Krishan Kumar e Jean-François Lyotard (pós-modernidade); Paul Virilio
(conceito de dromologia); Eugênio Trivinho (cibercultura, dromocracia cibercultural e
fenômeno glocal); Francisco diger e David Le Breton (imaginário cibercultural), Philippe
Breton (comunicação como valor utópico); Pierre Bourdieu (conceito de habitus); Vilém
Flusser (imagem técnica); Jean Baudrillard (conceito de excesso). A reflexão incorpora,
também, referências a pesquisadores que estudam o uso patológico da internet, como Rosa
Maria Farah e Denise Razzouk, entre outros autores e perspectivas teórico-epistemológicas.
Em relação aos resultados alcançados, destacam-se, como favorecedores da
dependência, o contexto da dromocracia cibercultural (regime da velocidade na era digital), o
contexto glocal (vivência em tempo real) e as características inerentes ao glocal interativo,
como a velocidade, a virtualidade, a desterritorializão, a personalização etc. Esse panorama
enseja práticas, que, incorporadas pelo sujeito, são objetivadas no habitus glocalizado e o
afetam no corpo e na subjetividade. Tais transformações e suas conseqüências requerem gradual
aprofundamento nas pesquisas dos fatores que as engendram, o que justifica o presente
trabalho.
A pesquisa se insere na Linha de Pesquisa “Cultura e ambientes midiáticos do
PEPGCOS-PUC-SP por versar sobre o impacto das tecnologias interativas nos âmbitos social-
histórico e cultural; e encontra guarida na área da Comunicação no Brasil, ao lado de pesquisas
cada vez mais preocupadas com a cibercultura e suas práticas comunicacionais.
PALAVRAS-CHAVE: dromocracia cibercultural; fenômeno glocal; tecnologias interativas;
relação humano-máquina; dependência do glocal; habitus glocalizado.
5
ABSTRACT
The present Master’s Degree Dissertation is intended to analyze the technological
dependence its origins, its “state-of-the-art” and its consequences in the sphere of the
relationship between human being and interactive media.
The research contexts, of an exclusively theoretical nature, is the cyberculture,
understood as a social organization of epoch, originated from the technological development
that followed the Second World War.
The main objective is to analyze the dependence phenomenon to which the
cybercultural civilization is subject.
The research problem lies in the following questionings: how a relationship so
presented is configured? Which factors favor it? In the social-historic sphere, does dependence
provides the preservation of technological lifestyles? Would it be present both in the collective
plan and in the individual plan?
As a main hypothesis, the study redefines and overvalues as dependence the strict
social subjects bond to interactive technologies and networks, a bond whose analysis should
consider the civilizatory and anthropological aspects involved, as it implies, simultaneously,
recent history, society and individual.
The research fundamentation privileges theoretical proposals articulated by the
criticism category and consolidated in the last twenty years, based on the following authors:
David Harvey, Fredric Jameson, Krishan Kumar and Jean-François Lyotard (post modernity);
Paul Virilio (the concept of dromology); Eugênio Trivinho (cyberculture, cybercultural
dromocracy and glocal phenomenon); Francisco Rüdiger and David Le Breton (cybercultural
imaginary), Philippe Breton (communication as an utopian value); Pierre Bourdieu (concept of
habitus); Vilém Flusser (technical image); Jean Baudrillard (the concept of excess). The
reflection also incorporates references to researches who study the pathological use of Internet,
such as Rosa Maria Farah and Denise Razzouk, among other authors and theoretical-
epistemological perspectives.
In relation to the achieved results, we can highlight, as favoring dependence, the
context of cybercultural dromocracy (the velocity regime in the digital era), the glocal context
(real-time living) and the inherent characteristics to interactive glocal, such as velocity,
virtuality, deterritorialization, personalization, etc. This panorama gives cause to practices that,
incorporated by the subject, are objectified in the glocalized habitus and affect it in body and in
subjectivity. Such transformations and their consequences require gradual deepening in
researches about the factors that endanger them, which justifies the present work.
The research is inserted in the “Culture and mediatic environments” Research Line of
PEPGCOS-PUC-SP, as it deals with the interactive technologies impact on the social-historic
and cultural spheres; and finds support in the Communication area in Brazil, beside researches
more and more concerned about cyberculture and its communicational practices.
KEY WORDS: cybercultural dromocracy; glocal phenomenon; interactive technologies;
human-machine relationship; glocal dependence; glocalized habitus.
6
SURIO
INTRODÃO .........................................................................................................................10
CAPÍTULO I –ABORDAGEM PRELIMINAR DA DEPENDÊNCIA E
CONTEXTUALIZÃO DA CIBERCULTURA.....................................14
1. Considerações preliminares sobre a dependência........................................................15
2. Contextualização histórica da cibercultura...................................................................17
2.1. Pós-modernidade............................................................................................18
2.2. O fenômeno comunicacional.........................................................................21
2.3. Cultura pós-moderna, comunicão e cultura tecnológico-infortica.......24
2.4. Conceito de cibercultura................................................................................27
3. Dromocracia cibercultural............................................................................................30
3.1. Dromologia....................................................................................................31
3.2. Sistema dromocrático cibercultural...............................................................34
CAPÍTULO II – GLOCAL E HABITUS.................................................................................37
1. Fenômeno glocal...........................................................................................................38
1.1. Características gerais do fenômeno glocal....................................................39
1.2. Glocalização e cibercultura............................................................................43
2. Conceito de habitus em Bourdieu.................................................................................45
3. Habitus glocalizado: síntese entre teoria da ação e vivência em tempo real...............49
CAPÍTULO III – DEPENNCIA DO GLOCAL NA CIBERCULTURA........................53
1. Fenômeno glocal e dependência...................................................................................54
1.1. Natureza e características gerais....................................................................56
1.2. Fatores que contribuem para a dependência do glocal..................................59
2. Dependência do glocal e habitus..................................................................................67
3. Dromocracia cibercultural e dependência do glocal interativo....................................70
CONCLUSÃO ..........................................................................................................................79
REFENCIAS 82
7
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq e à CAPES,
pelo apoio no desenvolvimento desta Pesquisa;
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
pela disponibilidade da estrutura necessária
ao bom andamento do curso de Mestrado;
Aos professores do PEPGCOS-PUC-SP,
que contribuíram para as reflexões
que deram ensejo a esta Dissertação;
À querida “Cida” (PEPGCOS-PUC-SP),
sempre disposta a nos auxiliar nos trâmites acadêmicos;
Aos colegas do COS, agradáveis companheiros de estudos,
que partilharam o conhecimento e a atenção;
Aos colegas do CENCIB, pelo intercâmbio
de experiências e workshops;
A Eugênio Trivinho, pela paciência, incentivo e atenção
com que me orientou nas pesquisas acerca da cibercultura,
especialmente pelo aprofundamento no âmbito da crítica;
Aos amigos Lygia e Márcio, pela troca de idéias tão preciosas,
e pelo encorajamento para seguir no caminho acadêmico;
Aos colegas de trabalho, no TRT-8ª Região,
por todo apoio e compreensão;
A todos os amigos de Belém, que,
de uma forma ou de outra, incentivaram-me,
e aos novos amigos que me receberam com grande carinho em São Paulo;
Aos freis Agostinianos Recoletos,
pela amizade e auxílio, em “uma só alma e um só coração”;
Às Irmãs Marcelinas, pela calorosa acolhida que me proporcionaram
e pela oportunidade de intensificar os momentos de oração;
Ao pe. Fabrizio Meroni, pela confiança, amizade
e, sobretudo, pelas orações;
Às minhas irmãs e aos meus irmãos,
pela amizade e apoio inestimáveis,
e pelo auxílio sempre presente;
À minha mãe (in memoriam) e a meu pai,
pelo amor, carinho, dedicação e incentivo de todas as horas;
À Santíssima Trindade, fonte e razão de nossas vidas,
pela graça infundida em nossos corações!
8
INTRODUÇÃO
O advento dos meios de comunicação a distância inaugurou a era da civilização
mediática e, gradativamente, a inserção dos media na vida cotidiana acarretou profundas
transformações para os indivíduos e para a forma de articulação sociocultural.
O tema principal da presente análise teórica é a dependência aos meios de
comunicação “capazes de tempo real” (TRIVINHO, 1998, 2001b, 2007), no âmbito da
cibercultura. Busca-se especificar qual a natureza desse fenômeno e quais suas características,
bem como apreender os fatores que a favorecem no contexto tecnológico atual. Esta
dependência guardaria alguma relão com a dromocracia cibercultural e com o habitus
mediado?
Na tentativa de responder a esses questionamentos, estruturou-se a análise em três
momentos, que tratam, respectivamente, do contexto societário articulado pelas infotecnologias
e redes digitais; dos conceitos de glocal e habitus, que são necessários para abordar a
dependência, e, por fim, da especificação da dependência propriamente dita em relação aos
media interativos.
O primeiro capítulo está destinado à contextualização da época atual; porém,
preliminarmente, foram abordadas algumas características com o intuito de esclarecer a
dependência em questão. Não se trata de dependência no sentido do uso patológico da
infotecnologia, mas de um fenômeno de cunho sociocultural e estrutural.
Em seguida, foram necessárias explanações sobre a pós-modernidade e sobre suas
divergências em relação ao pensamento moderno. Posteriormente, abordou-se a conceão de
Philippe Breton, que vislumbra os ideais da cibernética de Wiener como fundamento da
expansão do conceito de comunicação como valor utópico.
o apresentados, com base nas obras de Breton e Trivinho, os alicerces que
constituem a cultura tecnológica: a condição pós-moderna, o fenômeno comunicacional e o
10
desenvolvimento da informática. A configuração societária engendrada por esta cultura tem na
velocidade um de seus elementos mais determinantes.
Para a compreensão da gica estrutural radicada na aceleração, isto é, a
dromocracia, foi necessário abordar a sociodromologia de Paul Virilio. A perspectiva
dromológica contribui para a contextualização do regime dromocrático hodierno, também
erigido sobre a velocidade. Na análise em questão, utilizou-se a significão que Trivinho
inaugurou em sua epistemologia crítica ao conceber a cibercultura como organização societária
de época e como a fase mais avançada da civilização mediática.
Para a análise dos impactos decorrentes da emergência dos meios de comunicação
interativos, o segundo capítulo aborda a teoria do glocal, também de Trivinho, que remete à
nese dos media e da ação por eles mediada. O enfoque no fenômeno glocal conduz à
apreensão da abrangência que alcançaram os meios digitais e da conseente proliferação de
uso desses aparatos nas práticas em sociedade.
No intuito de refletir acerca das práticas mediáticas, utilizou-se o conceito de
habitus de Pierre Bourdieu. As ações realizadas mediaticamente são, assim, analisadas como
práticas glocais. Dessa articulação epistemológica, surge o conceito de habitus glocalizado
como prática internalizada e objetivada na ambiência glocal.
O terceiro capítulo está dedicado a explicitar a dependência do glocal propriamente
dita. Inicialmente, procedeu-se à abordagem de forma abrangente, englobando, inclusive, os
vários glocais (de massa e interativos) e especificando qual a natureza da dependência, suas
características e implicações.
Na seqüência, foram apontados fatores que contribuem para o fenômeno da
dependência do glocal, como os contextos pós-moderno e comunicacional, as peculiaridades do
imatico, a compulsoriedade de uso das tecnologias e as características inerentes ao glocal
interativo.
Abordou-se, igualmente, o aspecto de “relação inerente à dependência do glocal, a
qual aparece como habitus, como ligação intrínseca entre ser humano e glocal, figurando como
elemento conservador da estrutura sociodromocrática cibercultural.
Para concluir, apresentou-se a dependência como mantenedora da lógica da
velocidade na época atual, indicando como ela se encontra presente tanto em âmbito coletivo
quanto na esfera individual. Abarca a sociedade em toda a sua estruturação e o ser humano em
sua subjetividade e corporeidade.
Uma vez descortinado esse contexto, tem-se uma primeira análise, concisa, mas
pontual, sobre a dependência irreversível entre humano e tecnologias interativas.
11
A presente reflexão, se contribuir para chamar a atenção para a necessidade de uma
visão mais crítica sobre a vivência tecnologicamente mediada, nos dias correntes, terá cumprido
o seu principal objetivo.
12
CAPÍTULO I
ABORDAGEM PRELIMINAR DA DEPENDÊNCIA
E CONTEXTUALIZAÇÃO DA CIBERCULTURA
13
Desde então deve-se sem dúvida ter começado a pensar que não havia centro,
que o centro não podia ser pensado na forma de um sendo-presente,
que o centro não tinha lugar natural, que não era um lugar fixo mas uma função,
uma espécie de não-lugar no qual se faziam indefinidamente substituições de signos.
Derrida (2002, p. 232)
[...] tal reescritura informática não só se prende ao presente,
como também representa uma espécie de “formatação do futuro”, vale dizer,
uma configuração prévia de suas próprias condições estruturais em devir.
Trivinho (2001a, p. 143)
Para caracterizar a dependência do glocal (ambiência que não é nem local nem
glocal e que pressupõe tecnologias capazes de transmissão em tempo real), deve-se ter em
mente o contexto da civilizão hodierna, seu surgimento e estado atual, fincados na cultura
s-moderna e no desenvolvimento da informática e dos meios de comunicação a distância.
Num primeiro momento, é importante frisar alguns esclarecimentos, no que tange ao
significado da dependência que será abordada nesta análise. Em seguida, será contextualizada a
cibercultura, buscando-se explicitar seu conceito e suas principais características.
Com esse intuito, recorrer-se às especificidades da pós-modernidade e da
comunicação como valor utópico, no sentido de apresentar a inter-relação entre cultura pós-
moderna, fenômeno comunicacional e de ambos com a cibercultura.
Posteriormente, será contextualizada a dromocacia cibercultural para a apreensão
da lógica da velocidade na cibercultura e a imbricação entre o mercado de produtos
informáticos e a estrutura sociocultural atual. Será abordado, igualmente, o conceito de
dromologia, necessário à compreensão da dromocracia cibercultural, especialmente em relação
à dinâmica de aceleração em todas as esferas da civilização tecnológica.
A abordagem desse panorama permiti quer-se crer melhor apreensão do
fenômeno da dependência na civilização mediática atual, especialmente em se tratando de uma
dependência sociocultural e estrutural, como delineada a seguir.
1. Considerações preliminares sobre a dependência
Tendo em vista a grande recorrência que o termo dependência terá neste estudo,
fazem-se necessários alguns esclarecimentos sobre o respectivo significado no presente
contexto. O termo, como proposto, o corresponde ao conceito desenvolvido no campo da
economia, tampouco na área da psicologia e/ou psicanálise.
14
Bem se sabe que o conceito de dependência é relativamente recente. Somente no
século XIX, a dependência passou a ser considerada como uma espécie de doença.
Anteriormente, o estava ligada a uma perda de controle, a um desejo compulsivo ou a um
desvio patológico, mas uma opção do indivíduo. Aos poucos, o conceito foi mudando de
sentido do uso por opção de drogas, álcool etc, para culminar no sentido do uso patológico,
como um transtorno da mente (BERRIDGE apud RAZZOUK, 1998).
Entretanto, vale ressaltar que a dependência em análise não está reduzida à
dependência de cunho patológico. Ela será considerada, antes de tudo, como fenômeno
sociocultural que ultrapassa, vai muito além do aspecto patológico, embora o número de casos
clínicos de dependência de internet seja cada vez mais crescente. Até mesmo em razão desses
sintomas sociais, tornam-se realmente urgentes reflexões que auxiliem a compreensão das
transformações ocorridas na sociedade nas últimascadas.
Considerando a forte carga (sobretudo negativa) que o conceito de dependência traz
em seu bojo, propõe-se, ao nível conceitual, uma redefinição de seu significado, ampliando-o,
assim, com o objetivo de aplicá-lo ao contexto social-histórico hoje vivenciado.
A sociedade atual é eminentemente tecnológica. Dessa forma, esta dependência
seria, em primeiro lugar, tecnológica e se apresenta como a impossibilidade de viver sem a
tecnologia. A dependência, em amplo sentido, tem sua fonte principal no imaginário
tecnológico, que, dentre outros aspectos, tem na tecnologia a confiança de que os problemas e
limitações humanos encontram solução nos diversos avanços da técnica e da tecnologia.
1
A
dependência à tecnologia pode ser percebida em sua ampla utilização nos vários âmbitos do
conhecimento e áreas de atuação humana, tendo em vista as condições irreversíveis de tais
estruturas tecnológicas.
Considera-se, neste estudo, que, sob o ponto de vista sociocultural, a dependência se
torna muito mais profunda e menos percebida. Talvez por isso mesmo mais dissimulada e
capciosa. É uma dependência velada, habitual, que está presente no cotidiano dos sujeitos no
contexto tecnológico atual. Uma vez inserida no dia-a-dia de todos, ela contém um aspecto
antropológico a merecer especial atenção.
Esta dependência engloba toda a esfera social e, através da socialização, engendra
também o cultural. Está estritamente ligada à cultura, uma vez que as produções culturais o
1
Nesta reflexão, utiliza-se o entendimento de Trivinho a respeito do conceito de técnica, abarcando objetos
(como utensílios, ferramentas etc.) e procedimentos orientados para a prática. O autor percebe esta concepção da
técnica como peça importante para a sua apreensão do ponto de vista histórico. No que se refere à tecnologia,
Trivinho evoca o sentido proposto por Marcuse (1967), que data o surgimento da tecnologia em fins do século
XVIII. O conceito está relacionado à “ideologia do progresso”, que se formou na intersecção do iluminismo
francês com o liberalismo inglês. (TRIVINHO, 2007, p. 50).
15
perpassadas por ela. Vem acompanhada de aspectos históricos relevantes a serem reconhecidos,
sem os quais não haveria uma adequada compreensão da dependência aqui formulada.
Ela se mostra, ainda, como fenômeno estrutural de época. Vale ressaltar, entretanto,
que não será tratada neste estudo como mero condicionamento, mas como fator de
dinamicidade, próprio das pticas perpassadas pela tecnologia.
Esrelacionada, especialmente, à emergência dos meios de comunicação de massa
e, posteriormente, dos media interativos, pelo que se pode perceber o aspecto comunicacional
da dependência. Por esta razão, o presente estudo foca os meios de comunicação a distância
como tecnologias imprescindíveis à civilização humana, em sua fase mediática. Serão
abordados, mais especificamente, os media interativos, em virtude de serem a configuração
mais avançada de tecnologias capazes de tempo real e considerando a articulação societária que
eles engendram. A dependência aos meios de comunicação a distância é apresentada como
produto da constante utilização dos mesmos e da importância a eles conferida na civilização
mediática. Por sua vez, os hábitos comunicacionais, mediados tecnologicamente, são
referenciados como sendo, a um só tempo, produtos e produtores da dependência aos meios de
comunicação. Todo o contexto de dependência em conjunção com os hábitos comunicacionais
surge como fator preponderante de manutenção da civilização tecnológica atual.
Esta primeira abordagem da dependência pretende somente mostrar o
direcionamento a ser adotado para a análise deste fenômeno em seu aspecto sociocultural,
antropológico e comunicacional. Para o cumprimento deste objetivo, é necessário, antes de
tudo, conhecer-se o contexto civilizatório hodierno.
2. Contextualização histórica da cibercultura
Este tópico está destinado a apresentar o conceito e as especificidades da
cibercultura, com base em sua inter-relação com a condição s-moderna, com o alargamento
do significado da comunicação e com o que se denominou “revolução informática”.
Para melhor compreensão da queda dos metarrelatos como forma de legitimação e
do surgimento da cultura pós-moderna, se abordado brevemente o contexto pós-moderno,
mediante suas principais características, em tensão com os ideais da época moderna.
O fenômeno comunicacional, por sua vez, envolve a ampliação do conceito de
comunicação como valor central para a sociedade após a II Guerra Mundial. Na base desse
fenômeno radica, segundo Phillipe Breton, a cibernética de Wiener, que encontra acolhida na
sociedade pós-moderna.
16
Indica-se o encadeamento que Breton descortina entre a teoria cibernética, a história
da informática e a expansão do conceito da comunicação. O autor deixa claro que o alcance
ideológico da comunicação se deve às formas de difusão dos ideais da cibernética. Estes, por
conseguinte, serviriam de base para a invenção do computador. Esse contexto culminaria, por
fim, com a civilização tecnológica como hoje se apresenta, tanto que alguns dos conceitos
inaugurados pela cibernética estão na base do modo de vida cibercultural.
Evidencia-se, pois, a estreita correlação entre fenômeno comunicacional e cultura
tecnológica, ambos gestados no contexto pós-moderno (TRIVINHO, 2001a). Depreende-se daí
a importância da imbricação desses fatores para mapear mais precisamente o que vem a ser a
civilização tecnológica atual, com o fim de contextualizar sua emergência e desenvolvimento.
No sentido de definir a cibercultura, buscar-se-á a conceituação elaborada por
Trivinho (2001a, 2007), que analisa, sobre nova epistemologia crítica, as bases de estruturação
da “civilização mediática avançada”. A abordagem por ele elaborada toma como base a
intrínseca relação entre cultura pós-moderna, comunicação e civilização tecnológica e nos
apresenta o conceito de cibercultura como sendo a organização societária de época. Sua análise
leva em consideração desde os aspectos do estilo de vida cibercultural até a transpolítica e o
surgimento das neo-utopias.
É necessário esse enfoque para se chegar à abordagem do regime dromocrático
cibercultural, que contribui também para a reflexão sobre o quadro da dependência aos meios
de comunicação interativos.
2.1. Pós-modernidade
2
A compreensão a respeito da condição pós-moderna es necessariamente
relacionada à apreensão do projeto moderno. Em vista disso, serão indicados, primeiramente,
fatores relativos à modernidade e, posteriormente, serão apresentadas as características mais
relevantes da condição pós-moderna para o estudo em questão.
A época moderna foi um momento histórico marcado por grandes revoluções
sociais, culturais, políticas, econômicas e técnicas com a Idade da Razão ou Iluminismo, que
propalava os ideais fundamentados no progresso, na razão, na ciência e na técnica (HARVEY,
1992; KUMAR, 1997). Kumar, mais especificamente, afirma que o início da modernidade é
marcado pela Revolução Francesa em 1789. Este acontecimento trouxe novo significado ao
conceito de revolução. Ela marcou o início de uma época que estaria em constante mudança e
2
Este item está fundamentado nas obras de Harvey, Jameson, Kumar, Lyotard e Trivinho, que desenvolveram
densa reflexão e precisa contextualização social-histórica e cultural do fenômeno pós-moderno.
17
implicava na “idéia de continuação ininterrupta de novas coisas” (KUMAR, 1997, p. 92). A
visão de história da era moderna rompe com o passado e orienta-se para o futuro pela crença no
novo, na transformação da sociedade. O significado da revolução francesa estava associado
diretamente à liberdade e à vitória da razão. Com isso, surgiu a concepção de que a era moderna
seria o grande ápice do desenvolvimento humano. A “idéia da modernidade nasceu mais
propriamente durante o século XVIII.
O sentido do progresso técnico pulsava naquela época em virtude da Revolução
Industrial, ocorrida na Inglaterra, em fins do século XVIII. A crescente industrialização da
sociedade ocidental fez com que ela se tornasse, paulatinamente, uma civilização mundial. A
tecnologia industrial se fazia presente em vários âmbitos, desde a esfera do comércio e da
indústria, passando pelos novos inventos e descobertas, até os armamentos bélicos, cada vez
mais sofisticados.
Assim, essas duas grandes revoluções deram “forma e consciência” à época
moderna, bem como à sua “substância material (ibid., p. 93). Nesse ínterim, a técnica foi se
estabelecendo como um dos vetores primordiais de estruturação e desenvolvimento da
sociedade. Esse fato solidificou a idéia de que o ser humano o poderia mais prescindir de
todos esses avanços. O ideal moderno fazia crer que eles impulsionavam o progresso da
humanidade. Dessa forma, a técnica passou a ser considerada, freqüentemente, como
possuidora de força autônoma.
Kumar nos recorda que a modernidade possuía, em si, um caráter ambivalente.
Existiam, pelo menos, dois movimentos antagônicos, que seriam, segundo o autor, a “idéia da
modernidade e a “cultura da modernidade”. A “idéia da modernidade seria, em síntese, esse
sentimento baseado nos ideais iluministas, que confiavam o desenvolvimento da história e a
liberdade do ser humano ao império da razão, do cientificismo e do tecnicismo. De outro lado,
estaria a “cultura da modernidade”, que o autor apresenta como sendo os movimentos culturais
e/ou sociais contrários a esse espírito do tempo da era moderna. Entre estes movimentos, ele
enquadra, em alguns aspectos, o romantismo, que reavivou caracterísitcas medievais e da época
antiga em suas obras, como forma de crítica ao presente racionalizado, e o modernismo,
movimento artístico cultural, surgido no final do século XIX, que se posicionava “em favor do
sentimento, da intuição e do uso livre da imaginação”, em detrimento dos valores defendidos
pela modernidade “burguesa” (ibid., p. 96-97).
Dessa forma, a ambivalência existente na ppria modernidade apresentou aumento
gradativo com a crise dos valores modernos, o que contribuiu para a emergência da cultura pós-
moderna, trazendo consigo pontos de divergência em relação aos ideais da época moderna.
18
A definição de pós-moderno é ambígua em si mesma. Para alguns teóricos, ela não é
considerada como época histórica, mas antes como estado diferente de coisas. Aludido
fenômeno cultural provocou mudanças em vários âmbitos da sociedade e está situado, pela
maioria dos autores, como tendo surgido no s-guerra (JAMESON, 1997; KUMAR, 1997;
TRIVINHO, 2001a) e sido impulsionado, sobretudo, pela revolução cultural dos anos 60 do
século XX (HARVEY, 1992). Ela representou uma espécie de resposta à sociedade que emergia
da barbárie das duas grandes Guerras Mundiais, consideradas como a culminância do que foi
capaz de realizar o progresso da técnica, da ciência e da razão modernas. Esses fatos
desencadearam um sentimento de desencanto em relação às ideologias modernas, que tinham
como objetivo último a emancipação da humanidade (TRIVINHO, 2001a, 45-49).
Para Lyotard (1999, 2002), o pós-moderno seria, principalmente, a perda de
credibilidade nas “grandes narrativas” como forma de legitimação. A pós-modernidade valoriza
as “pequenas narrativas” em detrimento das grandes visões de mundo.
Isto não quer dizer que não haja narrativas credíveis. Por metanarrativa,
ou grande narrativa, entendo precisamente narrações com uma função
legitimante. O seu declínio não impede que milhares de histórias, umas
pequenas e outras menos, continuem a ser a trama da vida cotidiana.
(LYOTARD, 1999, p. 33).
Por isso, nesse fenômeno, a tendência aos localismos/regionalismos, tendo em
vista que as comunidades formadas nesses contextos determinam seus “próprios critérios de
competência”, tornando-se autolegitimadoras (KUMAR, 1997, p. 145-146). Com efeito, a
condição pós-moderna se apresenta como novo estilo de ser e estar no mundo. É propensa à
fragmentação e à descentralização, aceita o efêmero, o descontínuo, o mutável e se opõe ao que
é unitário e totalitário (HARVEY, 1992).
Categorias provenientes do pensamento moderno, como identidade, sujeito, história,
razão, entre outras, são questionadas pela pós-modernidade. Para o pensamento pós-moderno, a
identidade é aberta, o sujeito é descentrado e a subjetividade é passível de mutações (KUMAR,
1997; TRIVINHO, 2001a).
Vale ressaltar, também, o conceito de pós-modernismo, que, segundo Kumar (ibid.,
p. 112-113), é o equivalente cultural da pós-modernidade. Ele teria surgido como forma de
contraposição ao movimento modernista, que, por volta das décadas de 60 e 70 do século XX,
se encontrava em certo nível de institucionalização e elitismo, em detrimento de seu caráter
contestatório de fins do século XIX. O movimento cultural pós-modernista figura como uma
das primeiras manifestações da condição pós-moderna e foi a partir dele, segundo Kumar (ibid.,
p. 114), que a teoria pós-moderna ganhou maior impulso.
19
2.2. O fenômeno comunicacional
3
No intuito de conhecer a significação da comunicação para a sociedade atual e
explicitar sua conjunção com a cibercultura e com a s-modernidade, se primeiramente
contextualizada a teoria cibernética, da qual nasceu o conceito de comunicação como valor
utópico. Com a difusão dos ideais desta corrente de pensamento, esta definição de comunicação
alcançou significativo alargamento, que perdura e influencia nos dias de hoje.
Por volta da década de 40, cientistas de várias áreas do conhecimento se
concentraram em torno do que se convencionou chamar cibernética para a construção de um
campo interdisciplinar. Philippe Breton (1991, 1992) afirma que, nesse contexto, a busca de
desenvolvimento tecnológico tinha caráter ideológico.
Norbert Wiener, pai da cibernética, propôs uma nova visão de mundo, global e
unificada, que se organizasse ao redor do eixo da comunicação e abrangesse todas as áreas de
conhecimento. Na leitura que Breton realiza da teoria cibernética, ele a aponta como a principal
impulsionadora dos esforços de alavancar o progresso científico.
Para Wiener, o ponto central desta teoria era o fluxo livre de informações, única
alternativa que libertaria o mundo do estado de entropia
4
no qual se encontrava e que o
reergueria sobre as bases de uma sociedade autogovernada, que permitisse deixar fluir a
informação.
A auto-organização do mundo dependeria da utilização do potencial comunicacional
tanto dos seres humanos quanto de seus colaboradores, as “máquinas inteligentes” (BRETON,
1992, p. 53-54). Na perspectiva cibernética, a complexidade de um fenômeno se daria pela
capacidade de emitir e receber informações. Em vista disso, os seres humanos e as quinas
inteligentes estariam nivelados, que ambos apresentam complexidade na permuta de
informações. Ele utilizou a noção de comunicação como base de todos os fenômenos naturais e
artificiais. Assim, todo o mundo visível poderia ser compreendido em termos de troca e
circulão de informações. Por conseguinte, configurar-se-ia uma nova categoria: a do homo
communicans (ibid., p. 50-52), que consistiria em um ser sem interioridade. Uma vez que a
interioridade não existe, restaria, tão-somente, a transparência em todas as ações. Esta
(transparência) é um conceito bastante difundido em nossa cultura comunicacional. Aliás, com
3
Neste tópico, as referências à teoria cibernética e à comunicação, como valor utópico, estão baseadas em
Philippe Breton. O autor aborda, em várias obras, questões históricas relacionadas à teoria cibernética, à
invenção do computador e ao caráter ideológico de que foram imbuídos esses fenômenos.
4
Este conceito é proveniente da lei da Termodinâmica, da Física, na qual os sistemas, sempre em crescente
estado de desorganização, tendem à destruição de si mesmos.
20
a cibernética, nasceu a maioria das grandes noções que alimentaram, posteriormente, as ciências
da comunicação (como, por exemplo, o conceito de retroação).
Breton destaca, inclusive, alguns aspectos que concorreram para o sucesso da
cibernética. Entre eles, está o fato de ela se constituir como verdadeira alternativa às ideologias
políticas tradicionais vigentes à época. A sociedade, renovada pelo livre fluxo de informações,
não requereria o combate a inimigos para se garantir o progresso; seu vigor residiria
simplesmente em libertar as forças comunicacionais do interior dos “seres comunicantes”.
Tratar-se-ia, assim, não de uma sociedade baseada no antagonismo ou no conflito, mas na
comunicação e no consenso racional. O único inimigo dessa sociedade não seria o humano, mas
a entropia, a porque humanos e “máquinas inteligentes” estariam participando,
conjuntamente, numa espécie de “ligação social unitária” no combate à entropia.
Por fim, Wiener acabou por transformar a comunicação em valor de amplo alcance
social e político. O fluxo descentrado de informações, interligado ao autocontrole desses fluxos,
formava os alicerces de uma espécie de “anarquismo racional”, cuja idéia muito agradava aos
cientistas desiludidos com os sistemas políticos que tinham fracassado em sua missão de bem
governar (ibid., p. 55-58).
A princípio, a comunicação como valor era restrita ao campo científico. Contudo, a
aceitação dos ideais da cibernética por alguns pesquisadores e, por conseguinte, a ampla
divulgação realizada seja por meio da ficção científica, de textos científicos, ou pelos
ensaístas e futurólogos impulsionaram a ampliação do sentido da comunicação como valor
utópico e central na sociedade. Breton afirma que a comunicação passou a viger como valor
s-traumático em relação à barbárie ocorrida na primeira metade do século XX, tendo em vista
que ela se opunha à idéia das chamadas “teorias de exclusão” (nazismo e fascismo, por
exemplo) de que nem todos os seres humanoso seres humanos. Além disso, representava uma
solução à crise geral dos valores, especialmente porque o novo sentido conferido à comunicação
não trazia em si um conteúdo moralista. E, por fim, seria uma resposta à crise dos sistemas de
representação política, em virtude da queda das ideologias da modernidade.
Com o passar do tempo, a comunicação se tornou cada vez mais um valor de caráter
utópico. Breton aponta duas vias originais de difusão desse novo valor, que ele denominou de
“impregnação pela aplicação” e “influência intelectual” (ibid., p. 102-115).
A primeira via – “impregnação pela aplicação” – consistiria em três etapas. Iniciava
pela invenção de uma nova máquina ou técnica, depois se criava um discurso de
acompanhamento dessa tecnologia, que orientasse as pessoas na sua utilização e indicasse um
sentido que a ela deveria ser aplicado. Por fim, deixava-se que as técnicas agissem por si
21
mesmas, por serem carregadas de sentido. Essa espécie de difusão pode não parecer, a priori,
tão eficaz, mas teve grande repercussão e rapidamente alcançourios setores da sociedade.
A segunda via de difusão, de caráter intelectual, contaria com a influência da nova
noção de comunicação, a partir da “teoria da informão”, em certos campos disciplinares
como a biologia, a antropologia, a psicologia e os estudos sobre complexidade –; com o
trabalho da literatura de divulgação, que consistia em textos acerca da própria cibernética; com
a difusão do imaginário da ficção científica, que alimentou a cultura e o imaginário social, bem
como o imaginário dos engenheiros ou dos criadores das novas tecnologias; e com a influência
dos ensaístas (entre eles, McLuhan, Alvin Toffler, Alain Minc etc.) da chamada “sociedade da
comunicação”, cujas teses foram largamente ampliadas através dos media.
Os avanços tecnológicos obtidos, principalmente no pós-guerra, impulsionaram a
percepção de que se começava a viver em uma nova sociedade fundada no conhecimento: a
“sociedade de informação”. Este seria, segundo alguns autores, o resultado da convergência das
tecnologias de informão e do advento das telecomunicações.
A informação – e aqui percebemos a inflncia da teoria cibernética – teria a função
essencial de produzir harnica conexão entre conhecimento e comunicação. Daí supor que
“sociedade de informação” e a propalada “sociedade de comunicação” não se
complementam, mas também se confundem. Os media, de massa e/ou interativos, estariam
envolvidos tanto no processo de geração de conhecimento, quanto na sua divulgação.
Breton nos mostra que o fato de se tomar a comunicação como valor utópico gera
certos “efeitos perversos”. A primeira conseqüência pode ser constatada no sentido da palavra
comunicação, que passa a significar tudo e, ao mesmo tempo, já não quer dizer nada. Sua noção
amplificada dificulta, inclusive, o estabelecimento de um objeto para a própria ciência da
Comunicação. O autor nos alerta, inclusive, para o caráter de orientação externa da ação
humana de que estariam imbuídos os media, reduzindo o ser humano a algo que mais “reage”
do que “age”. Em conseência, a comunicação como utopia traz consigo vários pontos
negativos, como por exemplo o aumento da ignorância acerca do mundo, por se ter a ilusão de
que se tem o saber; a ilusão da libertação pela comunicação; a busca de um mundo de harmonia
e consenso e, com isso, a eliminação da crítica. Além disso, vale ressaltar a utilização da
comunicação como máscara para o liberalismo, que o ajudou a recuperar a perda de
credibilidade resultante dos conflitos mundiais do século XX. Este regime se sustenta é bom
lembrar –, especialmente, dos media e da informática (ibid., 117-141).
Uma vez delineado o contexto do surgimento da cibernética e da expansão da
comunicação como valor utópico, passaremos ao tópico seguinte, buscando estabelecer
22
conexões entre a cultura pós-moderna, o fenômeno comunicacional e a cibernética, na tentativa
de explicitarmos melhor o panorama cibercultural.
2.3. Cultura pós-moderna, comunicação e cultura tecnológico-informática
A sociedade mediática tem seu início marcado, especificamente, pela invenção do
telefone e do telégrafo, no culo XIX. Ao longo do século XX, os meios de comunicação
ganharam cada vez mais amplitude com os avanços técnicos ocorridos no âmbito do cinema, do
rádio e da televisão, até culminar nos meios comunicacionais eletrônicos, como hoje os
conhecemos. O progresso nas técnicas e aparatos comunicacionais contribuiu para uma
crescente percepção de modernização da sociedade e, por conseguinte, fomentou a idéia de uma
evolução cultural e o sentido de democracia que o acesso a esses meios proporcionava.
Alguns teóricos estão de acordo que essa nova concepção da comunicação,
juntamente com a utilização dos meios de comunicação de massa, favoreceu a expansão e a
concretização da culturas-moderna (HARVEY, 1992; KUMAR, 1997, TRIVINHO, 2001a).
Trivinho, teórico da cibercultura, ao tecer sua reflexão acerca das bases estruturais
da civilização atual, constata a imbricação do contexto pós-moderno com o fenômeno
comunicacional.
Se a ascensão do fenômeno pós-moderno coincide com a progressiva
mistura protagonizada pelos media de massa, por sua vez, condiciona e
otimiza a realização da própria pós-modernidade. (TRIVINHO, 2001a, p.
72).
Afirma, ainda, que a comunicação se tornou um fenômeno totalitário, uma vez que a
sociedade se estrutura a partir da articulação das redes digitais e de telecomunicações. Em
contrapartida, a comunicação encontrou também na cultura pós-moderna o contexto ideal para a
aceleração da expansão de seu significado utópico. Esta era a mesma sociedade que buscava
respostas ao vazio deixado pelas duas guerras mundiais, como explanado anteriormente no
item 2.2 deste capítulo. Assim, a comunicação se estabeleceu como o vínculo social que havia
sido prejudicado nos conflitos.
Breton, quando faz a inter-relação dos ideais da teoria cibernética com a
comunicação como valor utópico, remete-nos à questão da “ligação social”, que toda sociedade
necessita para sua sobrevivência, e seria encontrado, doravante, na comunicação. Nesse mesmo
sentido, Trivinho afirma que a comunicação, ao ocupar lugar central na sociedade pós-moderna,
tem nela sua ppria forma de expansão:
23
[...] a comunicação irradia a cultura pós-moderna e acelera o seu
enraizamento para que ela, comunicação, se imponha mais rápido e de
maneira definitiva como utopia substitutiva às teleologias em ruínas, no
estrito mister de hiperexpansão da civilização mediática. (TRIVINHO,
2001a, p. 73).
Kumar (1997, p. 139) nos lembra, igualmente, que alguns pós-modernistas vêem nos
media um potencial emancipatório para o sujeito, pois reforçariam nele a capacidade de se
autoconstituir, de criar sua autonomia. O caráter de personalização, relativo ao estilo pós-
moderno, encontrou guarida na publicidade e nas formas individualizadas de comunicação,
permitidas pelos meios interativos. A fluidez e a rapidez do que é imagético refletem, em muito,
a efemeridade e a descontinuidade pós-modernas.
O aspecto de hibridismo do pós-moderno, inclusive, reflete-se na fusão ensejada
pelos media entre o que está distante e o que está próximo, entre o público e o privado, entre o
humano e a máquina (TRIVINHO, ibid., p. 44-45). A mesmo o discurso político, sem a
mesma força de convencimento ideológico da modernidade, passou a depender, em grande
parte, das estratégias de marketing para poder se mostrar convincente (id., p. 70-72). O advento
dos media interativos acentuou essas características, embora a cibercultura, como organização
societária atual, tenha tido a capacidade de “reconjuntizar” o que a pós-modernidade, também
engendrada pelos media, já havia dispersado (id., p. 61).
Ao mesmo tempo em que se engendrava a condição s-moderna mesclada ao
fenômeno da comunicação, era gestada também a cultura tecnológica, que, mais recentemente,
encontra-se em sua fase informática. Trivinho (ibid., p. 79-91) nos mostra que o conceito de
sociedade tecnológica não é novo e que, nas perspectivas teóricas mais recentes, esassociada
à “implosão das grandes metanarrativas modernas”, à “fabricação de uma história artificial
pelos media convencionais”, à simulação, ao simulacro, e, inclusive, à “espetacularização e
esvaziamento da política”. Vemos, assim, que ela se funde ao pós-moderno e à comunicação.
Nessa sociedade tecnológica, desenvolveu-se a passos largos a cultura informática,
que deve seu surgimento sobretudo aos ideais da cibernética, segundo Breton.
5
Após seu sucesso inicial, a cibernética, como teoria, permaneceu no esquecimento.
Porém, seu princípio ideológico continuou sendo levado a termo por vários cientistas, que se
empenharam, cada vez mais, em desenvolver técnicas que possibilitassem a construção da
sociedade livre – pelo seu potencial informacional.
5
A abordagem de Breton (1991, 1992) a respeito da história da informática é importante chave de compreensão
do contexto tecnológico atual, em razão de detalhar precisamente o caráter ideológico do processo de surgimento
e desenvolvimento da tecnologia informática.
24
Vale ressaltar que Breton analisa, nessa mesma direção, a invenção do computador
como possibilitadora da realização dos ideais aspirados, alguns anos antes, pelos cientistas.
As condições em que o computador foi inventado são conhecidas, mas
raramente se evoca o contexto ideológico global que realmente sentido à
nova máquina. A invenção do computador, em 1945, deve, contudo, ser
situada claramente na intersecção da crise do saber e das ideologias que
começa antes mesmo de a guerra ter materialmente terminado e da utopia
da comunicação emergente, de que será um verdadeiro cavalo de Tróia.
(BRETON, 1992, p. 103).
Assim, a criação da nova “máquina de comunicar” veio responder aos anseios de um
nculo social que prescindisse dos sistemas políticos nascidos na modernidade –, que fosse
livre dos sigilos e garantisse a circulação da informação de maneira transparente.
Percebe-se, claramente, no desenvolvimento gradual da informática, a imbricação
entre a s-modernidade (com a perda da ligação social em virtude dos grandes conflitos do
século XX e da crise dos ideais da modernidade), a comunicação (que vem substituir a ligação
perdida) e a tecnologia (com a invenção de máquinas que possibilitem o nculo social pela
comunicação).
Constata-se, dessa forma, que o fenômeno pós-moderno, a comunicação e a cultura
tecnológica atual convivem e se entrelaçam por suas próprias características híbridas e pela
forma como hoje o mundo se articula com os media informáticos e de comunicação. Estes
contextos, imbricados, estão na nese da cibercultura.
2.4. Conceito de cibercultura
6
Para a realização de uma reflexão social-histórica da atualidade, faz-se necessário
compreender, primeiramente, a formação da civilização tecnológica como hoje a conhecemos,
permeada por aparatos digitais e articulada a partir de interações comunicacionais em redes.
Este contexto é denominado de cibercultura.
No trabalho teórico de Eugênio Trivinho, encontram-se subsídios para a apreensão
da cibercultura como estrutura societária de época, constituída como:
[...] a configuração material, simbólica e imaginária da vida humana
correspondente à predominância mundial das tecnologias e redes
digitais avançadas, na esfera do trabalho, do tempo livre e do lazer.
(TRIVINHO, 2007, p. 116).
6
Neste item, as referências à cibercultura estão fundamentadas nas obras de Eugênio Trivinho. Tal conceituação
será de extrema importância no presente estudo para a análise do fenômeno da dependência do glocal.
25
Esse fenômeno social tecnológico teve origem as a Segunda Guerra Mundial,
quando, frente à grande crise de valores, formou-se gradativamente o discurso da “sociedade da
informação” (já referenciada no item 2.2). A referida definição engloba as transformações
tecnológicas, culturais, sociais e comunicacionais ocorridas nessa época. Ela compreende
mudanças no âmbito da microeletrônica, que deram ensejo ao surgimento do computador e que
foram propulsoras da expansão da informação em âmbito mundial, concomitantemente aos
avanços na área das telecomunicações. Da conjunção de tecnologia, comunicação, mercado,
iniciativas estatais e empresariais, somada à difusão dos ideais da teoria cibernética de fins da
década de 40, no século XX, sobreveio uma aceleração contínua na produção e utilizão de
bens e serviços informáticos. Tal dinâmica, em breve espaço de tempo, implicou em profundas
mudanças na sociedade e no cotidiano dos indivíduos.
As inovações tecnológicas surgidas, sobretudo a partir da emergência da
informática, foram se fazendo presente em vários âmbitos da sociedade. Tiveram ampla
aceitação na medicina, na biologia, na engenharia, na economia, na agricultura, nas artes e,
como o poderia deixar de ser, no campo da comunicação (TRIVINHO, 2001a, p. 57-58). É
este último que mais nos interessa no presente enfoque.
Aquilo a que se chamou de revolução informática afetou de modo historicamente
inédito a comunicação e os media em si. Houve amplo deslocamento dos meios de massa para
os meios de comunicação interativos. Na verdade, hoje, os media de massa precisam passar por
reconfigurações que tenham por base a matriz infotecnológica, a fim de garantir a sua
sobrevivência na cibercultura. A partir da cultura digital, surge um novo modelo
comunicacional. Nele, não as figuras do emissor e do receptor, mas a fusão dos dois,
considerando que a comunicação interativa permite a flexibilização do envio e recepção da
mensagem simultaneamente. A partir dos media interativos, o campo da Comunicão precisou
reformular grande parte de seus conceitos e abordagens.
Trivinho teoriza sobre a cibercultura, o a restringindo somente a um aspecto, seja
ele cultural, econômico ou político, mas a apresenta como a própria forma de organização social
hodierna, de cujo fenômeno a comunicação e o desenvolvimento tecnológico são vetores
essenciais:
[...] Na cibercultura, tudo passa pelo vetor informacional, virtual e
imagético. Nesse sentido, se a comunicação é a última configuração social-
histórica do desenvolvimento da tecnologia, a cibercultura é o arranjamento
tecnológico mais recente da comunicação. Como tal, ela caracteriza uma
nova fase da civilização mediática, a fase pós-massificação cultural.
(TRIVINHO, 2001a, p. 61).
26
A cibercultura seria a organização social vigente, permeada pelos meios de
comunicação interativos (com os media de massa abarcados em sua estruturação), e alicerçada
na civilização articulada pelo fenômeno comunicacional. As redes multimediáticas respondem,
por sua vez, a contento, à forma descentrada do contexto social atual.
A comunicação, predominante na cultura de massa, -se reescalonada na
cibercultura e se aprofunda como vetor (id., p. 61). Ela se expandiu, sobretudo, a partir da
emergência das redes digitais, do imperativo da globalização mundial e do imaginário de
integrão informacional do mundo. As redes digitais permitem a realização de uma
comunicação com fluxos de características bidirecionais (simultâneos) e, por isso, respondem
aos anseios da articulão fragmentada e desterritorializada da civilização tecnológica. A
comunicação consta, assim, como dinamizadora das práticas ciberculturais.
Trivinho nos indica, também, que a cibercultura se estabeleceu, progressivamente, a
partir das estruturas sociais profundamente marcadas pela condição pós-moderna. A
fragmentação e a descentralização, típicas do pós-moderno, encontram possibilidade de
realização por meio das vias digitais e se coadunam à forma de estruturação descentrada da
cibercultura. Esta é, também, considerada como fenômeno transpolítico (id., p. 219-221), uma
vez que, nela, os sistemas políticos convencionais restaram submetidos à lógica do modo de
vida cibercultural, no qual até o Estado depende das estratégias de comunicação e das
tendências tecnológicas como forma de autolegitimação (id., 70-72).
O aludido aspecto reforça o que se constatou a respeito da substituição das
ideologias pela comunicação como utopia, na análise de Philippe Breton (item 2.2). Pelo
exposto, a civilização cibercultural, estabelecida na imbricação entre comunicação e pós-
modernidade, desenvolve-se como que prescindindo do Estado, por isso é transpolítica.
Na intersecção entre cibercultura e pós-modernidade, podemos constatar, ainda,
vários aspectos em comum, como o hibridismo que traz em seu bojo os paradoxos e
ambigüidades típicas da condição pós-moderna ; a pulverização de fronteiras relacionada à
desterritorialização, à confusão entre o público e o privado –; e a mescla entre real e virtual,
global e local, sujeito e objeto.
As interações em rede respaldam, também, os anseios da cultura pós-moderna, no
que concerne ao sujeito considerado sem identidade. Alguns autores postulam que o indivíduo
s-moderno encontraria nas redes a possibilidade de ressignificar sua identidade,
multiplicando-se e dissolvendo-se nos fluxos informacionais (POSTER apud KUMAR, 1997, p.
138-139).
27
A despeito das características comuns inerentes tanto à cibercultura, quanto à s-
modernidade, existem também pontos de diverncia entre os dois fenômenos, como, por
exemplo, no que se refere ao tema da utopia. Enquanto esta é desacreditada no âmbito da pós-
modernidade, na cibercultura ela surge na forma das “neo-utopias”, que estariam
fundamentadas na superação das limitações humanas a partir dos avanços tecnológicos, que vão
desde a integração comunicacional eletrônica da civilização tecnológica até os projetos na área
de Inteligência Artificial, robótica e engenharia genética (TRIVINHO, 2001a, p. 76-78).
Trivinho enfatiza que este é um momento histórico que está para além da s-modernidade.
Inclusive, denomina-o de “hipermodernidade cibercultural”, em virtude de apresentar novas
crenças utópicas.
A comunicação eletrônica está presente em grande parte dos processos sociais,
políticos, econômicos e culturais em nossos dias. É cada vez mais ampla a informatização de
procedimentos nos vários âmbitos da sociedade, e que, muitas vezes, torna-se obrigatória. As
atividades estão migrando, gradativamente, para o ambiente virtual. Uma quantidade
considerável de transações bancárias, por exemplo, podem ser efetivadas diretamente em
caixas eletrônicos; as notícias nos chegam com extrema velocidade por meio dos jornais online,
o que imprime certa defasagem aos jornais tradicionais; os comunicadores, via web, têm
prioridade em relação aos telefones convencionais, uma vez que possibilitam o contato flexível
com várias pessoas simultaneamente, sem contar a vantagem das ligações sem tarifas
telefônicas; e, até mesmo, o rádio se tornou possível de ser sintonizado via Internet, via
telefonia celular ou por meio de outros acessórios digitais.
Nos dias atuais, a vida cotidiana, em vários aspectos, está intensamente perpassada
por infotecnologias. Sua utilização só tende a crescer em virtude do grande incentivo às práticas
multimediáticas. A cultura tecnológica se desenvolve por meio da constante fabricação e
aquisição de produtos informáticos, acompanhados do discurso de informatização da sociedade.
Tudo isso indica que um agenciamento no sentido de se expandir e conservar esta cultura,
como a melhor das formas de vida, senão a única, que a sociedade pode vislumbrar em seu
horizonte.
Três décadas depois de desencadeada, a informatização se converteu numa
matriz social de enquadramento: todos os processos agora se encontram nela.
[...] Trata-se de uma lógica de reescritura estrutural, totalitária, irreversível,
progressiva, não só estritamente técnica em todos os seus detalhes
modelares, mas também econômica, política, cultural e social, que sacode o
funcionamento e o modo de ser da vida humana. (TRIVINHO, 2001a, p.
142, grifo do autor).
28
Para maior aprofundamento desta reflexão, se introduzido, na seqüência, o
conceito de velocidade, que, conforme Trivinho (2001a, 2007), constitui-se como vetor
estrutural da cibercultura. Não é pura coincidência que a velocidade de acesso às interações em
rede digitais seja elemento tão importante para nossa sociedade. Nem é de causar admiração,
também, a corrida (dromos) às várias espécies de atualizações (upgrades) de hardware e
software. É pela velocidade que o dinamismo cibercultural pode se estabelecer e se conservar.
Somente abordando o aspecto da velocidade no contexto atual, poder-se-á compreender melhor
a lógica da cibercultura, que se impõe aos indivíduos como dromocracia cibercultural.
3. Dromocacia cibercultural
Os aspectos do sistema dromocrático cibercultural, que serão apontados neste
tópico, tem como base o conceito de dromologia e dromocracia de Paul Virilio. Trivinho
cunhou o conceito de dromocracia cibercultural a partir de análise reescalonada desses
conceitos para delinear (da forma mais apropriada possível para o contexto vigente) todas as
nuanças do modo de estruturação e articulação da civilização tecnológica presente.
A dromologia se refere à lógica da velocidade como vetor dinâmico das sociedades.
Na cibercultura, porém, aprofunda-se ainda mais como vetor (TRIVINHO, 2001a, 2007) e se
torna capaz de gerar segregação a partir da estruturação de novas camadas sociodromocráticas,
doravante provenientes de matriz tecnológica.
O conceito de velocidade, como vetor estrutural, conduz à ampla e profunda
reflexão no que se refere à forma de atuação, de movimentação e articulação da civilização
mediática hodierna. Trivinho nos mostra que a velocidade é condição sine qua non de
existência e conservação da lógica cibercultural.
3.1. Dromologia
Virilio constata que, assim como existe a poluição atmosférica ou hidrosférica,
um fenômeno de poluição dromosférica, que significa a poluição da extensão (meio geofísico).
Essa “poluição” se faz presente em virtude da revolução ocorrida tanto nos meios de transporte,
quanto nos meios de comunicação instantânea, o que afetou o território e “o tempo vivido de
nossas sociedades” (VIRILIO, 1993b, 2000). O autor assevera que a ecologia o se atém ao
estudo das conseqüências que essas mudanças trazem para o ser humano e seu meio ambiente
(2000, p. 47-48). Em vista disso, ele propõe a dromologia como a disciplina mais adequada
para esta análise. A palavra dromologia tem sua raiz grega no termo dromos, que significa
29
corrida, movimento, deslocamento. Paul Virilio, em seu trajeto teórico, utiliza-se deste conceito
para explicitar de que forma a velocidade se apresenta como chave de interpretação do processo
de desenvolvimento das sociedades. Assim, o progresso das sociedades é analisado pelo autor
em proporção ao desenvolvimento do “progresso dromológico”, isto é, a partir da velocidade
como vetor estrutural de organização societária.
Virilio mostra que a velocidade de deslocamento/circulação esteve sempre presente
nas revoluções, na conquista de territórios e vias marítimas, no domínio do espaço reo, na
dinâmica dos corpos automotivos, nas formas de domesticação dos “veículos metabólicos” (os
corpos das crianças, das mulheres, das pessoas de outras raças, dos proletários etc.) e, agora,
com toda a potência da velocidade da luz, nas vias comunicacionais. Em todas essas situações, a
velocidade vigorou como fator essencial nas estratégias políticas e militares de cada época, não
se excetuando, evidentemente, os dias de hoje. A esta conjunção entre sociedade organizada e
velocidade, Paul Virilio denominou dromocracia.
A partir deste ponto de vista, o autor traça excelente panorama dos tipos de meios de
transporte ao longo da história. Estes meios ganharam, gradativamente, aceleração e
aperfeiçoamentos técnicos. O autor considera, inclusive, os meios comunicacionais como
veículos o “último veículo (1993a) –, uma vez que apresentam “formas de deslocamento”
sem se sair do lugar.
Com a aceleração contínua dos novos “veículos” sejam eles de transporte ou
comunicacionais –, houve gradual desaparecimento do território. A movimentação
experimentada nesse sentido, ao longo dos séculos, apresentou-se como uma fase inicial da
desterritorialização hoje em dia o comum no ciberespaço. Na época das grandes
navegações, por exemplo, o mar foi sendo cada vez mais conhecido e mapeado, o que
pulverizou as fronteiras entre os continentes, em virtude da maior capacidade dos transportes
marítimos. Posteriormente, com a invenção do avião, o território foi de tal forma dominado, que
não mais barreiras para as aeronaves sempre mais velozes e sofisticadas.
Por tudo isso, as concepções de espo e tempo o reconfiguradas a partir do
referencial de velocidade desses meios. Virilio (2000) afirma que até a viagem do homem à lua
permitiu ao ser humano ter outro referencial de percepção da própria Terra. Uma vez que se
a Terra reduzida a um ponto, a percepção do espaço teria sido transformada, a partir dessa nova
referência. Aqui, tamm, se verifica a “redução” do território.
Com a aceleração dos meios de transporte e telecomunicacionais, além da supressão
do espaço, surge igualmente o tempo real. Ele não pode ser comparado ao tempo das sociedades
30
históricas. Pelo contrário, é o tempo da “tele-ação instantânea”, é o tempo próprio do “não-
lugar” das tele-transmissões. Constitui-se, assim, da instantaneidade dos fluxos informacionais.
É o fim do mundo “exterior”, o mundo inteiro torna-se subitamente endótico,
um fim que implica tanto o esquecimento da exterioridade espacial quanto
da exterioridade temporal (now future) em benefício único do instante
“presente”, deste instante real das telecomunicações instantâneas. (VIRILIO,
1993b, p. 107, grifo do autor).
A revolução dos “transportes de massa”, do século XIX, e a “revolução das
transmissões”, no século XX, afetaram tanto o espaço público quanto o espaço doméstico
(2000, p. 31-35). Isto implicou na urbanizão do “espaço real”, que depois foi seguido pela
“urbanização do tempo real com as tecnologias de tele-acção” (grifo do autor). Com efeito, as
tecnologias de telecomunicação, além de afetarem o “corpo territorial (meio ambiente
humano), atingiriam a natureza do indivíduo e do seu “corpo animal”. A velocidade das
transmissões nos meios comunicacionais, paradoxalmente, implicaria em uma inércia
crescente”, uma vez que o indivíduo, para estar tele-presente não precisaria se locomover. É
muito freqüente, em Paul Virilio, a análise entre os opostos “deslocamento” e “inércia”, sempre
a partir do vetor “velocidade”. Nesse sentido, ele afirma que o “último veículo(o audiovisual)
teria dado início à “inércia domiciliária”, que conduz à sedentarização, tendo em vista que o
indivíduo se limita ao ponto de telecomando, a partir do qual o meio ambiente é controlado por
ele.
Em sua compreensão da trajetividade (isto é, o ser humano como “ser do trajeto” e
não somente subjetivo ou objetivo), ele conduz à reflexão do conflito entre o nomadismo e o
sedentarismo. A partir destes pressupostos, ele nos mostra como no âmbito das “tecnologias de
telecomando” e de “telepresença a distância”, um “movimento para o imóvel”, devido à
possibilidade da realização de ões a distância sem se sair do lugar de origem, culminando,
assim, em uma “sedentarização terminal”. Podemos perceber o quanto é complexo o princípio
da velocidade e quantas mudanças paradigmáticas sua aceleração estabeleceu, entre elas as
concepções de tempo e espaço, como visto pouco.
O autor elabora o conceito de velocidade relacionado, sobretudo, à realidade da
guerra. Por isso mesmo, para ele, a velocidade remete à violência, à tomada de “assalto”, à
dominação do inimigo. O deslocamento foi fator determinante na formão das cidades e em
suas estratégias militares. Esta movimentação estaria, notadamente, ligada ao espaço
geográfico, uma vez que a velocidade de atuação das estratégias de assalto, por exemplo,
implicava na garantia ouo da conquista de um território.
31
Interessante notar que, assim como a velocidade de deslocamento representa
ocupação de uma área no meio geofísico, a circulação dos fluxos nas vias comunicacionais
proveria o alcance do não-território, do virtual, do ciberespaço. Tal conquista é algo a que a
civilização tecnológica confere máximo valor: a posse da velocidade.
Uma vez que a velocidade está na nese da dromocracia, esta poderia ser um
regime fundado sobre o “assalto”. A violência seria parte integrante de sua lógica dromocrática.
Este sistema traria em si a profunda diferença entre um corpo que se desloca (se move) e aquele
que sofre coerção da liberdade. O primeiro representaria aqueles tipos de “corpos” ou “almas
que fazem valer a sua vontade, enquanto o último indica os “corpos sem vontade”, a que Virilio
(1996b) se refere comumente com o termo “proletário”. Obviamente, quando se trata da
dromocracia na cibercultura, estas definições dos corpos livres para agir e dos corpos sem
vontade merecem as devidas readequações para se enquadrarem na gica, sempre paradoxal,
vigente na cibercultura.
Esta abordagem do “progresso dromológico” auxilia na apreensão de como esse
mesmo fenômeno ocorre na cultura tecnológica e mediática atual, o qual se estabelece como
vetor de sustentação da dromocracia na cibercultura.
Eugênio Trivinho se fundamentou precisamente nas reflexões de Virilio para
elaborar o conceito de dromocracia cibercultural, referindo-se à lógica do regime da velocidade
na época atual – a cibercultura.
3.2. Sistema dromocrático cibercultural
Na cibercultura, a velocidade alcança o seu ápice como articuladora e dinamizadora
do social. É na e pela velocidade que a civilização tecnológica se abastece e garante a constante
produção e reciclagem de tecnologias informáticas.
Assim se põe, portanto, o estado da arte da velocidade tecnológica: na
medida em que os seus vetores objetais e processuais predominantes
tecnologias e procedimentos comunicacionais são, ipsis literis, os mesmos
que sustentam o modus operandi da cibercultura, ela, desde pelo menos
meados da década de 70 do século XX, arranja-se, no plano social-histórico,
como dromocracia cibercultural. (TRIVINHO, 2007, p. 71, grifo do autor).
Na civilização dromocrática cibercultural, surge o que Trivinho denomina de
“gerenciamento infotécnico da existência”, ou seja, vigilância social silenciosa sobre a
necessidade de atualização, por parte do indivíduo, de seu conhecimento informático e de seus
aparatos tecnológicos. Este processo requer a “dromoaptidão propriamente cibercultural” (id., p.
32
102-105), que seria a capacidade de acompanhamento das mudanças tecnológicas, mediante a
aquisição das “senhas infotécnicas de acesso”.
Tais senhas consistem no domínio do “objeto infotecnológico completo (hadware);
produtos ciberculturais compatíveis (software); status irrestrito de usuário da rede; capital
cognitivo necessário para operar os três fatores; e capacidade geral (sobretudo econômica) de
acompanhamento regular das reciclagens estruturais dos objetos, produtos e
conhecimentos” (id., p. 103). A cidadania, na cibercultura, depende da posse dessas senhas.
Elas indicam o nível de dromoaptidão que cada indivíduo/instituição adquire na civilização
tecnológica. Ser “dromoapto”, então, implicaria em possuir as senhas de acesso para atuação na
cibercultura.
Esta civilização, em sua essência dromocrática, é primordialmente totalitária, uma
vez que o se pode viver ciberculturalmente sem as senhas de habilitação da cidadania. Pode-
se verificar a arbitrariedade deste sistema no círculo vicioso que se cria em relação à superação
de velocidade/capacidade de equipamentos, aplicativos e redes informáticas. A progressiva
inserção das infotecnologias na vida cotidiana e nas várias áreas do conhecimento humano
reforça a obrigatoriedade de se viver constantemente em contato com elas.
o se pode deixar de abordar os interesses econômicos e mercadológicos como
fatores intrínsecos à lógica dromocrática cibercultural. Na verdade, é neles que esta sociedade
encontra dinamismo para a sua realização. Todas as atividades humanas são passíveis de se
tornar alvo da informatização proporcionada pelas tecnologias digitais. Na medida em que a
virtualização atinge várias esferas de ão, os indivíduos vêem-se enredados nas estratégias de
mercado das empresas que sobrevivem do desenvolvimento e da produção de infotecnologias.
À “rede institucional internacional responsável pela produção e circulação de produtos
ciberculturais [...] e pela fomentação acelerada do cyberspace”, Trivinho denomina de
“megatecnoburocracia (2001a, p. 213-215). É esta “instância socioeconômica e político-
cultural” que se impõe, discretamente, na estruturação do estilo de vida na cibercultura e opera
a “informatização, virtualização e ciberespacialização das sociedades contemporâneas” (id.). A
imbricão entre mercado, política, economia e sociedade, às voltas com a necessidade de uso
de equipamentos informáticos e redes telecomunicacionais, reforça a percepção da existência de
uma relação intrínseca entre o panorama sociodromocrático da cibercultura e a dependência às
tecnologias digitais.
Outro aspecto que Trivinho nos indica em relação ao regime sociodromocrático da
cibercultura é a emergência de um novo modo de distinção social. Como o ciclo de atualização
tecnológica conhece, gradativamente, menores intervalos de tempo, surgem doravante camadas
33
sociais que estariam divididas entre aqueles que são providos das condições necessárias para
acompanhar as aceleradas mudanças e aqueles que o se encontram nessas condições, seja
porque não possuem qualquer acesso a tecnologias, seja porque, quando o têm, é realizado por
meio de produtos tecnologicamente defasados. Trivinho afirma que tais diferenças no modo e
capacidade de acesso aos bens ciberculturais inauguram a “estratificação
sociodromocrática” (2007, p. 108-109), regida pelo capital da “mais-potência e geradora de
segregação social. Neste novo estilo de riqueza, o que es em jogo é a velocidade de acesso,
velocidade de atualização, velocidade de capacitação para utilização das infotecnologias.
À vista dos aspectos apontados, pode-se perceber que a configuração
sociodromocrática da cibercultura promove e reforça a suposta necessidade de se viver
constantemente em conexão. A comunicação tem papel primordial nesta sociedade, pois
funciona como motor para a renovação da ordem sociodromocrática. Como referenciado
anteriormente no item 2.4 deste capítulo, verificou-se que a cibercultura é também um
fenômeno comunicacional. A constante prática informacional presente na atualidade está
estritamente ligada à necessidade de aparatos mais velozes e que proporcionem maior
conectividade.
Trivinho nos recorda que o princípio dromocrático obteve enorme expansão com a
emergência da comunicação em tempo real, que mudou profundamente as bases socioculturais
a partir da primeira metade do século XX (id., p. 62-63). Constatamos, assim, que dromocracia
cibercultural, comunicação e velocidade são fenômenos correlatos, que convivem imbricados,
no momento histórico atual.
No sentido de concluir o arco da explanação acerca da época cibercultural, no
capítulo seguinte serão dedicados alguns tópicos à abordagem do fenômeno glocal e do conceito
de habitus, que servirão de fundamentação para a análise da dependência do glocal. Os
conceitos anteriormente referenciados encontram sua aplicação concreta no contexto glocal.
Além disso, é nele que se , de fato, o relacionamento do ser humano com as tecnologias
digitais.
34
CAPÍTULO II
GLOCAL E HABITUS
35
A configuração do presente se desdobra, assim, como se a
condição glocal fosse, para todas as gerações (a atual como as vindouras),
a única e válida esperança do porvir.
Trivinho (2007, p. 275)
Com efeito, o ‘insconsciente’ não é mais que o esquecimento da história
que a própria história produz ao incorporar as estruturas objetivas
que ela produz nessas quase naturezas que são os habitus.
Bourdieu (1983, p. 65)
A reflexão ora proposta tem como objeto principal a dependência do glocal
interativo. Este tópico visa precisamente apresentar o fenômeno glocal para indicar suas
características e implicações.
Primeiramente, o glocal será abordado de forma abrangente, com base na categoria
do glocal criada por Trivinho para, posteriormente, ser dado enfoque mais específico ao glocal
interativo.
Em seguida, será abordado o conceito de habitus de Pierre Bourdieu, que se coaduna
à análise das práticas mediáticas como ações que, uma vez internalizadas, tornam-se bitos
individual e socialmente objetivados.
No último tópico deste capítulo, buscar-se-á encontrar o elo entre habitus e glocal.
Considerando, pois, as práticas glocais (de massa e/ou interativas) como geradas e incentivadas
no contexto da cibercultura, pode-se encontrar a relação intrínseca entre ambos os conceitos,
culminando em sua conjunção comohabitus glocalizado”.
Uma vez especificadas as características do habitus glocalizado, conclui-se a
fundamentação epistemológica necessária para a análise propriamente dita da dependência do
glocal.
1. Fenômeno glocal
7
A categoria do glocal supõe a hibridação de dois termos: global e local. Dessa
conjunção, surge uma terceira via semântica que não significa nem um nem outro, mas sua
fusão (TRIVINHO, 2001b, 2007). O termo foi primeiramente utilizado na esfera corporativa e,
posteriormente, referido por Virilio, de forma crítica, no âmbito das ciências humanas e sociais,
7
O desenvolvimento deste pico está baseado nas obras de Eugênio Trivinho (2001b, 2007), nas quais o autor
formula a definição de glocal como categoria teórica para a crítica da civilização mediática.
36
porém sem desenvolvimento teórico a respeito (2007, p. 282-283). Na conceituação elaborada
por Trivinho, emergiu novo significado para o termo, com a carga crítica necessária, oposta e ao
mesmo tempo identitária ao contexto mediático avançado.
Serão abordadas, primeiramente, as características gerais que dizem respeito
simultaneamente ao glocal da cultura de massa e ao glocal interativo. No âmbito mais
específico da cibercultura, será abordada a inter-relação entre glocal e dromocracia
cibercultural.
O regime sociodromocrático atual encontra sua realização e conservação
precisamente nas várias dimensões do glocal: seja no contexto glocal, seja no desejo do glocal
ou, de modo mais concreto, nas práticas glocais (vincia em tempo real).
O contexto em questão contribui para vislumbrar a glocalização da existência como
fator preponderante para a caracterização da dependência do glocal.
1.1. Características gerais do fenômeno glocal
O conceito de glocal nasce na vigência da cibercultura e de sua lógica estrutural,
porém, enquanto categoria conceitual, serve de prisma para a revisão social-histórica do
desenvolvimento da comunicação no século XX. Os aspectos aparentemente hegemônicos da
globalização econômico-financeira e o aumento dos localismos político-culturais (que Trivinho
afirma serem fatores conflitivos, quando não excludentes entre si) motivaram o surgimento do
glocal no âmbito da reflexão crítica (2007, p. 247). Com a categoria do glocal, Trivinho busca
dissecar os fundamentos e conseqüências da civilização mediática sob o ponto de vista social-
histórico. Ao mesmo tempo, reescalona a teoria da comunicão e permite a renovação da
crítica social dessa mesma civilização, sobretudo no contexto da cibercultura (ibid., p.
239-243).
O glocal, em sentido estrito, está presente desde a invenção da telefonia
convencional, uma vez que, em sua estrutura, podia-se constatar a condição glocal atual:
tecnologias capazes de funcionamento em tempo real, infra-estrutura de rede, espectralização da
interação humana e bidirecionalidade de fluxo comunicacional, acoplamento entre ser humano e
quina, dentre outras características (2001b, p. 66-67). A partir daí, progressivamente, foram
surgindo outras modalidades de glocal: os mais significativos são o rádio, a TV e, na atualidade,
os meios de comunicação interativos. Dessa forma, o glocal de massa equivale, a rigor, ao
“glocal radiofônico” e/ou ao “glocal televisivo”, que podem ser também denominados de
“glocal da cultura de massa”. Quanto aos media interativos, remetem ao glocal cibercultural, ou
37
ainda, ao glocal digital ou ciberespacial, que indica o glocal próprio da presente época. Trivinho
afirma que a saga da comunicação instrumental a distância é a saga planetária do próprio
glocal (2007, p. 245).
O fenômeno glocal é selo genuíno da civilização mediática, “capaz de diferi-la [...]
das outras fases sociotecnológicas (ibid., p. 258). Ele es na base da existência dessa
civilização e da forma como ela se expressa e, por isso, configura-se como o “modo
predominante de irradiação sociossemiótica [...] e transmissão cultural na história
contemporânea” (ibid., p. 292-293).
O glocal é, assim, uma “invenção tecnocultural original da era das
telecomunicações”, embora tenha sido percebido com mais clareza no âmbito ciberespacial (cf.
TRIVINHO, 2007), devido ao fato de o contexto de acesso ao cyberspace
8
envolver
acoplamento mais significativo do que em qualquer outro contexto glocal, tanto no que diz
respeito à indexação à “técnica eletronicamente objetalizada (material) quanto ao
“acoplamento simbólico e imaginário” (imaterial) (ibid., p. 246). A cibercultura seria, assim, a
fase social-histórica mais avançada da civilização glocal, na qual se faz presente a convergência
dos vários meios de comunicação em um , os unimedia satelizados, e conta com um
“desenvolvimento tecnológico integrado” (ibid., p. 287, grifo do autor).
Ao analisar a indexação existente entre global e local, proporcionada pela
glocalização, Trivinho afirma que é neste âmbito que o glocal se mostra como realmente é: um
“implante tecnológico”, que uma vez fixado no “reduto imediato de ação do corpo”,
sustentação para a “irradiação simbólica e imaginária” daquilo que é próprio da ordem global.
Com isso, percebe-se que a acepção do glocal ultrapassa o glocal técnico que
supõe a conexão em tempo real , e chega ao âmbito cultural e econômico. Este aspecto
configura o glocal em sentido lato.
O glocal sintetiza, em seu conceito e em seu modus operandi, a proliferação
social das tecnologias comunicacionais, a mundialização mercadológica da
cultura, a globalização econômica e financeira e a especificidade geográfica
das culturas citadinas. (TRIVINHO, 2007, p. 292).
O glocal é, assim, vetor de organização de todas as instâncias sociais, influindo nas
práticas políticas e na sociabilidade, bem como nas formas de produção cultural (ibid., p. 293).
Emntese, o fenômeno glocal pode ser expresso da seguinte forma:
8
O autor preferência à utilização do termo em língua inglesa por razões de “política da teoria”, ou seja, para
expressar a origem do conceito que remonta às tensões políticas e militares no período da Guerra-fria.
Permanece, assim, manifestada a relação que o conceito guarda com o campo bélico (TRIVINHO, 2007, p. 337).
38
um bunker
9
de acoplamento corporal e simbólico-imaginário entre ser
humano e máquina processado no lugar de acesso como ambiência
representativa do contexto local e umbilicalmente vinculado aos conteúdos
da rede como dimensão representativa do universo global. (TRIVINHO,
2007, p. 248-249).
Vale assinalar que o fenômeno glocal ou glocalização, em virtude de possuir
abrangência, adquire característica civilizatória; mescla-se ao fenômeno da própria existência.
Nesse sentido, Trivinho aponta alguns aspectos que derivam do fenômeno glocal: o desejo do
glocal, a mentalidade glocal, as práticas glocais e as trocas glocais. Estas derivações estão
imbricadas também no contexto e na condição glocais.
O contexto glocal significa o espaço concreto onde o corpo se encontra no contexto
de acesso/recepção/retransmissão, ou seja, na ambncia glocal. A condição glocal, por sua vez,
significa a condição típica de vida na era mediática, que se realiza de forma mais abstrata,
social-histórica, configurando-se como situação de época e envolvendo todos os contextos
glocais (ibid., p. 296).
Na análise do fenômeno glocal, é necessário considerar a reconfiguração do espaço
e do tempo empreendida pelo glocal, assim como se sua reconfiguração no processo
dromológico, de Paul Virilio, em virtude das características próprias da velocidade e aceleração
dos meios telecomunicacionais. O espaço, em sua acepção geográfica, materializado, é objeto
de reescritura por parte do glocal, uma vez que é transformado em “arena tecnológica”, seja do
ponto de vista do contexto da vivência concreta do “espaço imediato da condição glocal”, como
sob o prisma da socioespacialização tecnoimagética do aparelho de base” (a tela). No glocal
interativo, até mesmo a percepção do próprio espaço local é alterada e obliterada, em virtude do
isolamento corporal operado diante da tela interativa.
[...] na medida em que a consciência centra-se apenas na socioespacialização
da tela, deprecia-se, do ponto de vista da vivência, a espacialização
convencional imediata. (TRIVINHO, 2007, p. 254).
Dessa forma, o espaço se converte num bunker glocal” (ibid., p. 253). Trivinho
utiliza a metáfora do bunker para significar a infra-estrutura tecnológica estabelecida no campo
próprio de ação do sujeito para possibilitar o acesso e a troca glocais (ibid., p. 310). O bunker
(considerando a origem bélica do termo) não seria somente construção material, mas abrange o
imaginário social de necessidade de defesa em relação ao mundo fora do contexto glocal. É
sobretudo no bunker glocal interativo que se percebe esta configuração como uma espécie de
proteção e confinamento do “sujeito interativo”.
9
Bunker significa um reduto cavado no solo como proteção/defesa contra ataques inimigos em contextos de
guerra (ibid., 2007). Trivinho aponta Virilio como o primeiro autor a utilizar a metáfora do bunker nas ciências
humanas e sociais contemporâneas.
39
Não raro, os equipamentos envolvidos [...] são fixados de maneira tal que o
sujeito, assim tecnologicamente “rodeado”, como numa arquitetura mínima e
glacialmente rústica a lhe fazer cerco justamente para melhor resguardá-lo
de ameaças exógenas, vê-se realmente autocartografado numa redoma (em
geral, invisível ao si-próprio) cujo ponto capital (o seu lugar como sujeito
interativo) é, por assim dizer, percebido, ao mesmo tempo, como
relativamente sitiado por quem observa o cenário de fora. (TRIVINHO,
2007, p. 310).
Também a categoria do tempo sofre reconfiguração em sua representação. Torna-se
“um tempo tecnicamente produzido, o tempo da instantaneidade da luz, o tempo real”. Um
tempo que Virilio havia detectado como o “tempo sem tempo porque infinitesimal, gerado
pela velocidade da luz (ibid., p. 255-256).
O fenômeno glocal se traduz, assim, em uma cadeia de “anulações empíricas”,
quando espaço e tempo, por exemplo, são reduzidos a “puro fluxo”. Trivinho reforça, inclusive,
que a “interface” vigora como “vértice mediático-operacional entre o espaço destruído e o
tempo nulo” (ibid., p. 257).
Dentre as anulações empíricas forjadas pelo glocal, Trivinho nos recorda também a
dissolução dos conteúdos das informações e imagens que, a princípio, vigeram como motivo da
“invenção sociotecnológica” do glocal, em virtude da necessidade de multiplicação e
proliferação das mesmas. Porém, uma vez envolvidas na lógica de “hipercircularidade” própria
da ambiência do glocal, o absorvidas pelo fenômeno glocal. Por conseguinte, perdem muito
de sua força de expressão e reforçam o glocal como sendo a própria informação e a própria
imagem (ibid., p. 262-266).
[...] doravante é o glocal que, na realidade, se põe como sendo a própria
informação e a própria imagem, ou melhor, é ele que, do ponto de vista
social-histórico, passa a ser a mensagem, aquilo que, por si só, significa,
independentemente dos fluxos que o perpassam. (TRIVINHO, 2007, p. 266).
Dessa forma, as informações e imagens não vigem mais como o principal valor de
troca na era mediática, mas antes como “uma espécie de energia básica do glocal, o seu
capital”, e contribuem para a sustentação do processo civilizatório do glocal (ibid., p. 265).
O glocal, segundo Trivinho, rege-se pela “lógica do objeto”
10
, isto é, significa que o
objeto passa a ocupar mais o centro da cena que o sujeito, o que registra o encontro da
civilização glocal com a descentralização em relação ao sujeito da condição pós-moderna.
Assim, o glocal atinge sua “consagração histórica” e seu desenvolvimento engloba um estilo de
vida baseado na “teleexistência”. A “existência em tempo real” permeia o processo de
glocalização da existência.
10
O autor utiliza o termo objeto em sentido lato para significar “[...] todo e qualquer ente formalmente
constituído [...] e todo e qualquer processo plena ou tendencialmente configurado”.
40
O conceito de glocalização da existência significa, precisamente, o processo pelo
qual toma forma o fenômeno glocal. Este processo conhece seu mais alto grau na cibercultura,
com as “socioespacializações audiovisuais” próprias desta época.
1.2. Glocalizão e cibercultura
Trivinho assevera que o fenômeno glocal pressupõe a “clivagem bidimensional do
mundo vivido”, que significa a existência do âmbito geográfico (lugar material que engloba a
experiência corporal) e do universo espectral (formado pelo não-lugar, de caráter imaterial) das
redes comunicacionais (ibid., p. 249). Tal clivagem é levada a termo pelo processo de
“glocalização da existência”, sendo que as tecnologias que dividem os “dois mundos” são as
mesmas que os reconjuntizam e obliteram a sua cisão. Com efeito, Trivinho aponta o
macrodeslocamento de uma polis material historicamente constituída para as “estruturas
infoeletrônicas do cyberspace (ibid., p. 250). Por isso mesmo, o glocal e a clivagem que ele
pressupõe são, para Trivinho, o acontecimento mais relevante para a história da civilização
mediática.
O autor nos recorda que as transformações proporcionadas pelo glocal no âmbito
social-histórico e político-econômico não poderiam ter ocorrido sem a significativa mudança no
“metabolismo” da imagem. Esta, no último quartel do século XX, converteu-se em campo de
atuação humana em virtude da socioespacialização tecnológica que ela provê. A natureza da
imagem doravante permite não somente a contemplação, mas a inserção e a interferência na
imagem. Esse deslocamento, segundo Trivinho, ocasiona uma tendência de sedução mais
propensa à “cena transpolítica do universo mediático” que à cena das zonas urbanas com sua
ação política e suas movimentações social-históricas (ibid., p. 251).
Com o glocal, a lógica da pós-industrialização significa transformação
compulsória de cada ponto territorial e arquitetônico em zona de
acesso/recepção/retransmissão livre de barreiras ou fronteiras convencionais,
em proveito única e exclusivamente das barreiras ou fronteiras eletrônicas.
(TRIVINHO, 2007, p. 261).
O modo de vivência cibercultural é eminentemente moldado pela
socioespacialização tecnológica, fruto da glocalização da existência. Neste modelo de vida, a
virtualização assume papel primordial. A partir do momento em que os avanços na
microeletrônica possibilitaram a digitalização de dados, estabeleceu-se, cada vez mais, o
imperativo de virtualizar a realidade, transformando tudo em informação que possa ser
41
transmitida através das redes comunicacionais. Essa dinâmica faz parte do processo
dromológico inerente à cibercultura.
A cibercultura aprofunda, diversifica, flexibiliza, multiplica e reescalona o
fenômeno glocal e o processo sociotécnico por ele desencadeado e nele
fincado, a glocalização da existência. (TRIVINHO, 2007, p. 290).
O glocal seria, assim, responsável pela indexação dos contextos locais ao “processo
de glocalizão capilarizada do planeta e que culmina no âmbito da experiência do ser,
envolvendo o corpo, o psiquismo e a existência (ibid., p. 262). Nesse sentido, Trivinho ressalta
que o processo de glocalização da existência seria a “forma de articulação sociocultural e
transpolítica da experiência humana correspondente a uma época marcada por redes
comunicacionais, em especial o cyberspace (ibid., p. 295). Na atualidade, a existência em
tempo real é amplamente propagada fazendo com que a “condição glocal bidirecional” seja a
experiência de mundo mais difundida e aceita (ibid., p. 269).
A “glocalização da experiênciafaz referência ao modo como se dá, concretamente,
a glocalizão da existência. Para Trivinho, a vida humana está passando por uma “reescritura
mediática absoluta", considerando que a utilização crescente de tecnologias capazes de rede
engendra uma reestruturação dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais, a partir do
contexto glocal. O estilo de vida na atualidade, por conseguinte, é fortemente marcado pelas
experiências apreendidas nas práticas glocais.
O glocal é o vetor de articulação e modulação não somente de todas as
instâncias e setores sociais, mas também de sua produção simbólica,
imagética e material, nele se expressando ou por ele passando (ou, ao menos,
tendendo a fazê-lo) as manifestações e intervenções implicadas.
(TRIVINHO, 2007, p. 292, grifo do autor).
Apresenta-se ao indivíduo, ainda, o desafio de conviver com o autoritarismo
invisível da dromocracia cibercultural, que cria condicionamentos à vida humana e forja um
redimensionamento da sociabilidade. Confere-se grande importância ao fato de se “estar
conectado” ao mundo inteiro, em decorrência de uma concepção que reserva à tecnologia o
sentido de extrema necessidade desta em qualquer atividade humana, que doravante acontece
como fazer glocal.
O processo de aceleração da existência específico da dromocracia cibercultural
impulsiona a vivência glocalizada. Esta, por sua vez, reforça o aspecto de dependência do
glocal que detalharemos no próximo capítulo –, tendo em vista que as atividades nos rios
campos da experiência humana já não prescindem do glocal.
42
[...] não é senão através do fenômeno glocal e das práticas glocais que se
realiza a reprodução social-histórica da civilização mediática, em especial
no que isso agora concerne ao seu braço mais avançado, o cyberspace; é
através do glocal que se aprofunda e se sofistica cada vez mais o modelo
comunicacional-publicitário de mundo, de vida e de ser. (TRIVINHO,
2007, p. 274).
Tal reprodução social-histórica teria o intuito de conservação da civilizão glocal e,
para isso, utiliza-se do glocal socializado, tornado habitus. Em vista disso, se necessário
aprofundar este conceito habitus – e descortinar sua inter-relação com o fenômeno glocal e a
dependência do glocal.
2. Conceito de habitus em Bourdieu
A definição de habitus seimprescindível para a análise da dependência do glocal.
Assim, reservou-se um tópico exclusivamente para tratar deste conceito, elaborado por Pierre
Bourdieu em sua teoria da ação.
Buscar-se definir o habitus e destacar suas principais características, que
permitirão especificar posteriormente o habitus glocalizado. O habitus em Bourdieu tem uma
dinâmica própria, que demonstra o quanto ele é, a um tempo, produto e produtor de práticas.
Sob o prisma das práticas glocais, o habitus é aspecto primordial na conservação do
regime sociodromocrático cibercultural e no fenômeno da dependência do glocal.
Para abordar o conceito de habitus em Bourdieu seria interessante citar o conceito
de bito em Aristóteles, em razão de ser, segundo Barros Filho e Martino (2003), a reflexão
sobre esta temática que mais se aproxima da definição de habitus como proposta pelo sociólogo
francês. Para Aristóteles, o hábito está relacionado tanto a um saber prático do cotidiano quanto
a um saber científico. O pensamento aristotélico a respeito do tema engloba desde a arte a a
ciência, bem como a compreensão do mundo no dia-a-dia (ibid., p. 61).
11
O conceito de habitus de Pierre Bourdieu muito herdou do hábito aristotélico,
porém, levando em conta a relação dialética entre a prática incorporada como habitus (“sistema
de classificações”) e as estruturas sociais objetivas, que Bourdieu denomina de “campo”. Este
seria o espaço social onde se encontram inseridos os atores sociais, que possuem posições
11
Os autores recordam que o conceito de hábito foi, também, tratado por Tomás de Aquino, exegeta de
Aristóteles, para o qual o bito seria um mediador entre “a possibilidade do conhecimento e sua efetivação”. O
hábito seria, assim, mediação entre potência e ato. Outro autor que abordou este conceito foi Wittgenstein, uma
das fontes filósóficas de Bourdieu. Em sua concepção, o hábito estaria vinculado a um repertório cognitivo, que
uma vez incorporado passa a gerar estruturas lógicas para percepção e compreensão da realidade. (BARROS
FILHO; MARTINO, 2003, p. 66-67).
43
fixadas a priori, mas que, posteriormente, no embate das forças concorrenciais entre os vários
atores do respectivo campo, adquirem novas posições.
A teoria da prática, erigida por Bourdieu, está fundamentada no conhecimento
praxiológico, que considera tanto as estruturas objetivas do mundo social, as disposições
estruturadas nas quais elas se atualizam, bem como as “relações dialéticas” entre ambas. De
fato, considera tanto as “necessidades dos agentes” (regidas por “sistemas de disposições
duráveis”, ou seja, o habitus) quanto a “objetividade da sociedade” (ORTIZ, 1983, p. 19). Com
efeito, Bourdieu buscou a superação, no âmbito da teoria social, tanto da perspectiva
fenomenológica, que parte da experiência do indivíduo, quanto da perspectiva objetivista, que
parte das relações objetivas que estruturam as práticas individuais (ibid., p. 8), e chegou à
seguinte definição de habitus:
Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e
estruturador das práticas e das representações que podem ser objetivamente
“reguladas” e “regulares” sem ser o produto da obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins
e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e
coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um
regente. (BOURDIEU, 1983, p. 61).
Bourdieu considera o habitus como conjunto de “esquemas generativos que
presidem a ação do indivíduo. À medida que há a interiorização de normas e princípios sociais,
passa a existir a adequação entre as “ações do sujeito e a realidade objetiva da sociedade como
um todo” (ibid., p. 15). Existiria, assim, um processo de “interiorização da exterioridade e de
exteriorizão da interioridade”. Dessa forma, o habitus é orientador da ação, porém
funcionando como reprodutor das estruturas objetivas que lhe deram ensejo.
[...] as práticas que o habitus produz (enquanto princípio gerador de
estratégias que permitem fazer face a situações imprevisíveis e sem cessar
renovadas) são determinadas pela antecipação implícita de suas
conseqüências, isto é, pelas condições passadas da produção de seu princípio
de produção de modo que elas tendem a reproduzir as estruturas objetivas
das quais elas são, em última análise, o produto. (BOURDIEU, 1983, p. 61).
Neste ponto, pode-se retomar a reflexão de Barros Filho e Martino (2003, p. 62-63),
que frisam a limitação na capacidade de atribuição de sentido em virtude do habitus, que estará
sempre condicionada pelas experiências anteriores do indivíduo. A “exposição sensorial a um
determinado recorte da realidade prevê esta dimensão limitante do habitus, uma vez que
haverá “caráter seletivo” no contato entre o sujeito e qualquer realidade. Uma vez que o hábito
aristotélico na práxis do cidadão comum, como na práxis científica, é experienciado
44
sensorialmente, Aristóteles confere grande ênfase na singularidade da trajetória de cada
indivíduo no meio social. O hábito constaria, assim, como construção social que leva em conta
a “trajetória singular de experiências” do indivíduo e que atua, por conseguinte, como fator
determinante de percepção, “dispensando, em grande medida, a reflexão do receptor”.
Entretanto, ainda que se encontre intensamente condicionada pelo habitus de
trajetórias particulares, a prática do sujeito é relativamente autônoma porque é produto da
relação dialética entre uma situação e um habitus. Em razão disso, não se poder afirmar que um
habitus é determinante em si mesmo, mas sempre conta com as “transferências analógicas de
esquemas” possíveis ao ator social.
Bourdieu também enfatiza o habitus como sendo resultante das trajetórias singulares
dos agentes, mas cuja experiência está relacionada a sua posição no mundo social, e que
produzem esquemas de percepção e apreciação, de acordo com a posição ocupada. O habitus é,
por conseguinte, produtor de práticas e representações.
[...] as representações dos agentes variam segundo sua posição (e os
interesses que estão associados a ela) e segundo seu habitus como sistema de
esquemas de percepção e aprecião, como estruturas cognitivas e
avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma
posição do mundo social. O habitus é ao mesmo tempo um sistema de
esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e
apreciação das práticas. (BOURDIEU, 2004, p. 158).
Embora os hábitos internalizados se tornem “regulares”, não se põem
necessariamente como obediência a regras. Entretanto, influem no processo de construção de
representações do mundo, em virtude das experiências anteriores. O habitus possui uma
dimensão perceptiva que rege a atribuição de sentido e a influência sobre a “exposição seletiva”
às mensagens (BARROS FILHO e MARTINO, 2003, p. 74). O indivíduo tende a buscar
mensagens que sejam conformes ao hábito incorporado. Configura-se, assim, como método
de abordagem do mundo e funciona como controlador da própria trajetória. Revela-se, então,
como “regulador da exposição do sujeito ao mundo, ou seja, é o princípio da exposição
seletiva que definirá as instâncias de socialização a serem freqüentadas pelo sujeito, e que
estejam de acordo com seu hábito (ibid., p. 74-81). Portanto, o habitus não seria pura
obediência a normas, mas
“a mediação universalizante que faz com que as práticas sem razão explícita
e sem intenção significante de um agente singular sejam, no entanto,
“sensatas”, “razoáveis” e objetivamente orquestradas. (BOURDIEU, 1983,
p. 73).
45
Bourdieu, assim como enfatiza o habitus como prática incorporada, reforça a
existência e influência dos princípios sociais objetivamente estruturados na ação do indivíduo.
Aqui, surge a questão da dominação, tão frisada por Bourdieu (e nisto ele segue o trabalho
pedagógico de Durkheim), que pressupõe um processo de inculcação de um sistema de
classificações. Este é, ao mesmo tempo, um trabalho pedagógico que administra o processo de
inculcão, reproduzindo com isso as “relões hierarquizadas que estruturam a sociedade
global” (ORTIZ, 1983, p. 16).
A princípio, pode parecer que o hábito seja somente produto e produtor de regras
externas ao sujeito, mas ele possui sempre duas dimensões:
O habitus se apresenta, pois, como social e individual: refere-se a um
grupo ou a uma classe, mas também ao elemento individual; o processo
de interiorização implica sempre internalização da objetividade, o que
ocorre certamente de forma subjetiva, mas que não pertence
exclusivamente ao domínio da individualidade. (ORTIZ, 1983, p. 17).
Obviamente, para Bourdieu, uma vez que os indivíduos internalizam as
representações objetivas de acordo com a posição social ocupada por cada agente, ocorre uma
“relativa homogeneidade” dos habitus subjetivos. Os agentes que ocupam posições semelhantes
tendem a produzir práticas semelhantes, pois as disposições adquiridas na posição ocupada
implicam um ajustamento a essa posição” (BOURDIEU, 2004, p. 155). Até a busca por
produtos existentes em sociedade teria sua escolha condicionada à posição ocupada pelo sujeito
em um determinado “sistema de estratificão”. Isso decorre precisamente da ação pedagica,
que equivale ao processo de manutenção da socialização desenvolvida na trajetória marcada
por distintos hábitos, sendo que o hábito primário está na base de estruturação de novos hábitos
e assim sucessivamente (ORTIZ, 1983, p. 17-18).
Bourdieu atenta, ainda, para as relações de poder existentes no campo, que se
estruturam conforme a distribuição do que o autor denomina de “capital social”. Este “quantum
social determinaria o pólo dominante e o dominado dentro de um campo e estabeleceria as
regras do jogo. Em vista do fator determinante do capital social, o ator buscaria “investir” nesse
capital a fim de acumulá-lo. Entretanto, este investimento estaria condicionado à posição “atual
e potencial” do ator no campo.
Dentre as modalidades de capital, Bourdieu trata, com ênfase, o capital simbólico,
que detém relevante papel, uma vez que engloba todas as formas de capital, que o
apreendidas por meio de percepções internalizadas como habitus. É bastante nítido, por
46
exemplo, o capital simbólico na comunicão mediática como visão de mundo, como forma de
representação da realidade.
O capital simbólico é uma propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital, físico,
econômico, cultural, social), percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepção são
tais que eles podem percebê-las, entendê-las e reconhecê-las, atribuindo-lhes valor
(BOURDIEU, 2007, p. 107).
Uma vez abordado satisfatoriamente o conceito de habitus na teoria da ação de
Bourdieu, resta averiguar em quais aspectos este conceito poderia auxiliar na análise da
intersecção entre habitus e fenômeno glocal. A apreensão das características do habitus em
Bourdieu permite captar suas confluências com o habitus glocalizado, conforme explanação a
seguir.
3. Habitus glocalizado: síntese entre teoria da ação e vivência em tempo real
O habitus, nesta análise, é apresentado em seu estilo glocalizado, o que permitirá
vislumbrar a ntese entre a teoria da ação de Bourdieu, no que tange ao habitus, e a teoria do
glocal de Trivinho, com a carga crítica peculiar a ambas as categorias. O habitus glocalizado,
significa todo e qualquer sistema de disposições sociais, culturais, coletivas, individuais etc.,
que tenha por objeto os contextos glocais. Do glocal telefônico ao glocal interativo, as práticas
por eles mediadas poderão ser caracterizadas como implicando, de modo imanente, o habitus
glocalizado.
Ao longo do desenvolvimento dos respectivos contextos glocais, vigorou o habitus
glocalizado como produto e produtor das mesmas práticas. No contexto glocal interativo, resta
conhecer e especificar um pouco mais as características e desdobramentos do habitus
glocalizado, e refletir criticamente sobre o fenômeno da dependência por ele engendrado.
Conforme referenciado no tópico anterior, o conceito de hábito foi objeto de
reflexão ao longo dos séculos. Em vista disso, vislumbra-se seu viés histórico, de
desenvolvimento e de transformações dos hábitos em várias épocas. Por conseguinte, o hábito
relativo à era mediática é um hábito que se tornou glocalizado, ou melhor, historicamente
glocalizado. De outro ângulo, o hábito, com o passar do tempo, culmina no habitus glocalizado.
Ele se formou na mesma medida e aceleração com que foram emergindo os respectivos glocais.
As mudanças havidas durante esse tempo no habitus glocalizado ocorreram na mesma
proporção que as transformações operadas pela expansão dos media.
47
O hábito específico do glocal pode ser referenciado comohabitus glocalizado ou
habitus do glocal”, que significa hábito realizado em prática glocalizada, marcado pelo glocal
e que se perfaz nos contextos glocais. Nessa prática, o internalizadas ões glocais que,
posteriormente, são socializadas e, assim, servem como “estruturas estruturantes” para a
produção de novos habitus glocalizados.
O objetivo desta análise é absorver a definição de habitus de Bourdieu e remodelá-lo
em prol de sua aplicação no contexto do glocal. Este tópico está destinado à especificão da
natureza do habitus glocalizado. Vale ressaltar que não se trata de abordar o habitus inscrito no
conteúdo do que é acessado mediaticamente (cuja análise se insere na teoria social de
Bourdieu), mas de refletir acerca do habitus mediatizado em si, o que equivale também à
mediatização do habitus.
O habitus glocalizado pode ser considerado um bito “orientador da ão” do
indivíduo. A princípio, esta orientação parece estar relacionada diretamente à ação glocalizada
propriamente dita, como ocorre no contexto glocal. Todavia, o habitus glocalizado, como
orientador da ação, não se restringe somente à ptica na ambncia glocal. Ele engloba o hábito
direcionado pela própria dinâmica dromocrático-cibercultural e vige, igualmente, pelo princípio
da velocidade (progresso dromológico), cujas características serão detalhadas no item 2.2 do
capítulo III.
A ação se mostra orientada pelo habitus glocalizado quando, por exemplo, o
indivíduo, sem motivo aparente pelo qual necessite acesso em tempo real, realiza a ação mesmo
assim. Uma pessoa que liga seu aparelho de TV e se dedica a desempenhar outras tarefas
enquanto o som provindo da televisão “preenche” o ambiente, é outro exemplo de prática
orientada pelo simples habitus social mediatizado, expresso no ato “natural” de ligar o aparelho
de TV. O indivíduo que se põe a fazer contatos telefônicos com amigos somente para “passar o
tempo”, ou finalidade similar, também demonstra o habitus do glocal telefônico. Da mesma
forma, um internauta que acesse constantemente a sala de chat, sem motivo ou finalidade
aparente, apresenta-se como exemplo do habitus.
Nesses três exemplos, percebe-se que existe razão para o acesso ao glocal, que pode
significar simples fuga da solidão ou necessidade de trocar idéias com alguém. Entretanto, é aí,
precisamente, que se insere o habitus glocalizado. À medida que o sujeito sabe que uma
tecnologia glocal disponível para utilização, a tendência de ação, num momento como esse, será
a da real utilização do equipamento, como se não houvesse outra alternativa. É nesse sentido
que o habitus glocalizado orienta a ação do indivíduo. Uma vez que ele se encontra
48
internalizado, o habitus glocalizado emerge como vetor orientador invisível da ão do
indivíduo.
À proporção que o habitus glocalizado é incorporado, ele vigora como estruturador
(produtor) da “percepção e da atribuição de sentido(cf. BOURDIEU, 2004). À medida que se
vive em uma sociedade mediatizada, os procedimentos e ações passam a ser percebidos em
função do habitus glocalizado. Infere-se daí, a grande repercussão que têm os fatos transmitidos
via meios de comunicação em detrimento de fatos similares sucedidos no entorno social
imediato. Qual seria a razão para se conferir maior importância a fatos glocalizados do que a
fatos que acontecem no contexto concreto e não-mediado da vida social? A percepção
glocalizada implica uma tal modificação de parâmetros em relação à vivência imediata. Por que
o “mundo da fantasia”, amplamente difundido pelos media, é percebido de forma tão real por
tantos que já passaram da infância?
A percepção glocalizada é alimentada por habitus glocalizados, ou seja, por práticas
mediatizadas. Da experiência glocalizada, nasce o habitus como “atribuidor de sentido”. O fato
de se viver na condão glocal parece ser o que mais importa na civilização mediática. A
conectividade é o valor (ou antes, a interconectividade). A ação ganha sentido à medida em que
é glocalizada. Por exemplo, a criação de avatares no Second Life parece não fazer sentido algum
(ainda) do ponto de vista social-histórico. Entretanto, adquire sentido para aqueles que os
propõem e participam dessa rede espefica, pelo fato de ser habitus glocalizado dos mais
valorizados na cibercultura, o de “viver virtualmente”.
O habitus glocalizado é também sistema de produção” de práticas glocais e, ao
mesmo tempo, de “percepção e apreciação das práticas(BOURDIEU, 1983, 2004). O habitus
glocalizado primário, ou seja, as ações realizadas em um contato inicial com o ambiente glocal
e a gradual adaptação ao seu contexto, seria fonte de produção de outros hábitos glocalizados. O
todo de percepção e aprecião das práticas possui como matriz o hábito primário. A
aprecião de outras práticas filtrada por esse habitus glocalizado rejeitará ou reformulará, de
acordo com os parâmetros conhecidos, o que não seja “compatível” com aquele habitus
glocalizado.
Assim, pode-se entender, por exemplo, por que uma criança, habituada ao vetor
imatico televisivo, com seu padrão não-linear de leitura e entendimento de mundo, apresenta
certa dificuldade de apreensão do vetor linear próprio da escrita/leitura dos textos/livros
convencionais.
o é por outro motivo, também, que as produções artísticas (como no caso dos
efeitos especiais da indústria cinematográfica) se estabeleçam como habitus glocalizados
49
padronizados (sobre outra matriz: a digital), que faz parecer até “decepcionantes” os efeitos que
não utilizem as novas tecnologias.
Os habitus glocalizados se inserem no cotidiano dos indivíduos e são internalizados
na mente (para não dizer no corpo) e objetivados em sociedade. Ocorre, assim, gradativamente,
uma espécie de “exposição seletiva por parte do indivíduo, na qual as mensagens que o se
coadunem ao novo habitus vão sendo deixadas de lado. Como na civilização mediática, o
sujeito está exposto contínua e seletivamente às mensagens mediáticas, esses habitus
engendrados a partir dessa exposição influem no “processo de construção de representação do
mundo” (BOURDIEU, 1983; BARROS FILHO e MARTINO, 2003), que passa a ser mapeado,
visualizado e percebido através da via mediática.
O habitus, para Bourdieu (1983, p. 76), perfaz-se como produtor de história. No
âmbito do habitus glocalizado, não é bem o que ocorre. Na verdade, o habitus glocalizado é
repetição de si, expressa na e para a sociedade como um todo em desdobramento contínuo. Vê-
se pressuposta a característica de “hipercircularidade” do glocal, como algo que se reitera para a
própria sobrevincia (TRIVINHO, 2007, p. 262-266). Assim, o habitus glocalizado é
perpetuação de si mesmo.
Esta breve análise do habitus glocalizado servi de base para a reflexão no âmbito
mais específico da cibercultura e na inter-relação do habitus do glocal com o fenômeno da
dependência.
50
CAPÍTULO III
DEPENDÊNCIA DO GLOCAL
NA CIBERCULTURA
51
[...] a partir de agora, o avanço móvel do ser
não é mais feito do recuo imóvel das coisas sob seus olhos.
O que se dá é o inverso: o avanço móvel das coisas que o cercam
é feito do recuo imóvel de um ser subjugado.
Virilio (1996a, p. 130)
Vivemos cada vez mais, obviamente, em função de tal magia imagética:
Vivenciamos, conhecemos, valorizamos e agimos cada vez mais
em função de tais imagens. Urge analisar que tipo de magia é essa.
Flusser (2002, p. 15-16)
No intuito de abordar a dependência do glocal propriamente dita no âmbito da
cibercultura, é necessário fazer menção de forma abrangente à dependência ao fenômeno glocal,
de tal forma que vislumbre o glocal desde o seu surgimento. Portanto, analisar-se-ão as
características gerais dessa dependência para, posteriormente, serem abordadas em relação ao
glocal e, mais especificamente, ao glocal cibercultural.
Vale ressaltar, como já referido no item 1 do capítulo I, que a dependência do glocal
é examinada nesta análise como fenômeno sociocultural e estrutural. Dessa forma, ela é tomada
como característica de época. Assim como o hábito na civilização mediática se tornou
glocalizado, a dependência, por sua vez, transformou-se em fenômeno estrutural de época,
porque está estritamente ligada ao hábito do glocal e à organização societária mediatizada.
O primeiro tópico terá como objeto de análise a natureza e as características da
dependência do glocal, bem como os fatores que contribuem para a sua dinâmica. O segundo
tópico tratará do aspecto de “relação” que o fenômeno da dependência revela em seu bojo, bem
como as correlações entre dependência do glocal e a lógica do regime cibercultural.
1. Fenômeno glocal e dependência
Em primeiro lugar, será abordada a dependência em relação à tecnologia, em sentido
amplo, que es relacionada, sobretudo, ao imaginário tecnológico, no que se refere ao
progresso e desenvolvimento das sociedades humanas. No item 2.1 do capítulo I, verificou-se
que a época moderna foi um momento de grandes revoluções, entre elas a Revolução Industrial
e a Revolução Francesa. Os inúmeros avanços e descobertas ocorridos naquele momento
histórico foram suficientes para fazer crer que a humanidade alcançava o ápice de sua
realização, graças à técnica, à ciência e à rao.
52
A concepção de progresso humano erigido na técnica e tecnologia se faz presente no
contexto atual e gradativamente apresenta maior vigor. Com os avanços tecnológicos
engendrados sobretudo após a II Guerra Mundial, essa mentalidade ganhou mais força, com a
crescente credibilidade na potência das tecnologias inforticas. Com isso, ganharam inserção
em várias áreas de atuação, a começar pelo âmbito militar, e, posteriormente, nos diversos
seguimentos da sociedade (BRETON, 1991; TRIVINHO, 2001a, 2007).
A tecnologia está presente tanto na medicina (com equipamentos cada vez mais
sofisticados seja nos laboratórios de pesquisas, seja nos procedimentos mais comuns como, por
exemplo, exames laboratoriais), nas artes plásticas (com a arte digital), na geologia (com o
equipamento GPS, por exemplo, dentre outras tecnologias), na educação (especialmente no
ensino a distância), e, sobretudo, no âmbito comunicacional. No que diz respeito às
telecomunicações, vários avanços tecnológicos influenciaram na expansão dos meios de
comunicação a distância. O imaginário tecnológico funciona perfeitamente aqui quando prega
uma integração planetária na qual todos poderão ter acesso à rede comunicacional. Tal
concepção permeia também o discurso da globalização política e econômica, que tem nos
media forte aliado (MATTELART, 2002).
Como frisado anteriormente, o contexto gerado pelos avanços tecnológicos
contribuiu para o aumento da credibilidade no potencial dos aparatos que facilitariam a vida
humana na transição do século XX para o XXI. Doravante a sociedade “harmonicamente”
articulada com os aparatos tecnológicos não vislumbra outro modo de ser que não o auxiliado
pela tecnologia.
Quase nada é feito sem a utilização de máquinas. O pensar que se pode fazer
algo sem ela se com eficácia e sucesso tornou-se idílico.[...] Essa condição
revela, no início do século mais cientificamente avançado, a extrema
dependência do ente humano em relação à máquina. (TRIVINHO, 2001a, p.
82).
Esse panorama alimenta o imaginário tecnológico de que o progresso humano esteja
pautado no avanço tecnológico. Assim, apresenta-se uma dependência estrutural em relação a
esses aparatos, uma vez que não se pode mais prescindir deles para a própria organização da
sociedade.
A questão que se põe agora é a da verificação da especificidade da dependência
nesta época histórica. Por sua característica eminentemente mediática, a sociedade tecnológica
apresenta uma dependência marcada pela vivência do/no glocal. É salutar lembrar, ainda, que a
dependência do glocal, como fenômeno sociocultural, é antes dependência à tecnologia e, por
isso, herda suas características. Ela se analisada, levando-se em conta os aspectos
53
sociocultural, social-histórico, antropológico e comunicacional a ela inerentes e que se inter-
relacionam.
A dependência do glocal traz consigo a carga do imaginário tecnológico tecido ao
longo dos culos. O glocal, por si só, responde, igualmente, ao caráter de desenvolvimento da
civilização a partir do progresso tecnológico, com raiz no pensamento da era moderna, por
reduzir distâncias, agilizar procedimentos e expandir em nível planetário toda a gama de
informações que circulam nos contextos glocais. Por conseguinte, a dependência do glocal se
evidencia na necessidade de utilização do objeto tecnológico que permita a glocalização, ou
seja, que proporcione o acesso em tempo real para a estruturação da civilização mediática.
Outra característica da dependência do glocal, relacionada ao imaginário
tecnológico, encontra-se na crença da integração de todo o planeta através das redes
comunicacionais. Percebe-se a busca desenfreada pela conexão de maior número de zonas
urbanas e rurais para que tenham acesso à complexa rede glocal (TRIVINHO, 2007, p. 293),
porque a acesso democrático às tecnologias glocais é considerado elemento de primeira
necessidade para o indivíduo na civilização mediática. A prioridade conferida ao glocal e as
constantes estratégias estabelecidas em sociedade para o seu alcance trazem à reflexão outro
aspecto da dependência da tecnologia que também é próprio da dependência do glocal: a
tecnologia como fim em si mesma. Também o glocal, em sua fase de planejamento, criação,
produção, e implantação, apresenta-se como fim em si mesmo, à vista da procura desenfreada
de atualização das tecnologias glocais, bem como das estratégias de mercado e excessivo
consumo de que são objeto.
Assim como a dependência da tecnologia é gestada por um habitus tecnológico,
também a dependência do glocal é forjada pelo habitus glocalizado. Entretanto, a relão entre
habitus e dependência será detalhada adiante. No momento, é importante frisar que a
dependência do glocal tem características específicas que precisam ser pontuadas para,
posteriormente, servirem de base à análise da dependência no contexto dromocrático
cibercultural.
1.1. Natureza e características gerais
A dependência do glocal possui especificidades que se entrelaçam às características
do fenômeno glocal. Antes de tudo, ela faz refencia a consumo de produto abstrato,
relacionado à cultura. Nesse sentido, a relão que ela pressupõe entre o ser humano e o aparato
tecnológico o pode ser comparável à relação gerada na dependência puramente tecnológica.
Por exemplo, a adaptação do sujeito à utilização de um automóvel ou ao uso de um
54
eletrodoméstico que não se pode deixar de utilizar, não é da mesma ordem da adesão a um
programa televisivo que passa a fazer parte da vida cultural de um indivíduo, ou à facilidade de
consulta a sites de busca regularmente acessados, que determinam a precisão e a agilidade de
obtenção de informões. No segundo caso, a dependência é bem mais profunda, implicando
um objeto abstrato que, à medida do uso, é internalizado como habitus.
A dependência, como fruto do habitus glocalizado, é adquirida no processo de
reprodão dos sistemas de disposições glocais, interiorizadas e objetivadas a partir dos
diversos contextos glocais. A dependência do glocal deve sua natureza, igualmente, à própria
dinâmica da civilização mediática, fincada no ponto de “não-retorno”. Ela se alimenta do
excesso produzido pelo fenômeno glocal. Por isso mesmo, a repetição é fator primordial de seu
engendramento.
Baudrillard (1996), em sua análise sobre a obesidade como metáfora da sociedade
do excesso, afirma que a redundância gera uma sociabilidade saturada e vazia. Sua gica seria
a da potencialização, “da elevação aos extremos na ausência de uma regra do jogo” (p. 23-31).
Pode-se concluir que a dependência vige como parte do processo de saturação mediática. Ela é
motor para a reiteração de ações no contexto glocal rumo ao excesso. Quanto mais se acessa o
glocal, maior ainda a “necessidade” de utilizá-lo, de tê-lo disponível para si.
Na abordagem à natureza da dependência do glocal, vale suscitar a devida tensão em
relação ao aspecto do vício. Parece óbvio o fato de que uma dependência, no uso habitual deste
conceito, está relacionada diretamente ao cio. Entretanto, quando se trata de utilizar a
conceituação em relação ao glocal, o que era óbvio, torna-se obliterado. Por exemplo, quando
um produto considerado ilícito é objeto de dependência, geralmente existe um dispositivo legal
que estabelece sua utilização como criminosa. Com isso, aplicam-se penalidades ao indivíduo
que cometer a infração de utili-lo. Na dependência do glocal, o objeto ao qual se encontra
atrelada o é ilícito. Pelo contrário, o glocal é fenômeno amplamente aceito e celebrado. Em
conseqüência, não norma legal que o proíba, nem penalidades para o indivíduo que
(constantemente) faça uso dele, sendo bem maior a possibilidade de serem criadas leis que
estimulem o acesso ao glocal, que em sentido contrário. Com isso, a dependência do glocal
recebe aprovação coletiva, com efêmeras manifestações a seu desfavor, mas que o chegam a
desfazer a aura do glocal como objeto desejado e necessário à vida cotidiana. A aceitação
oblitera a dependência e tem o efeito de apagar da mente das pessoas o caráter de dependência,
que sai da esfera de percepção dos indivíduos. O esquecimento fica evidente, especialmente,
quando as pessoas nem sequer se questionam quando buscam prioritariamente o acesso glocal.
55
A dependência toma a aparência de algo normal, naturalizado. Ela é fruto da prática
diária em sociedade e que, por isso, tornaria óbvio o fato de que todos os indivíduos façam uso
das tecnologias capazes de tempo real. E, pelo fato de muitas pessoas não poderem ter acesso a
elas, a sociedade, como um todo, também se empenha em conceder essa “naturalidade” de
utilização do glocal a todos aqueles que ainda não a possuem.
Assim, o conceito de dependência não está ligado somente a algo negativo, a um
hábito destrutivo. Ela pode estar relacionada a algo considerado positivo, à medida que a
dependência seja objeto de aprovação. O objetivo da presente análise seria, sobretudo, mostrar
que todo esse quadro de vivência glocalizada, sancionada, pode ser nominado como
dependência. Ela se mostra como tal somente quando a sensação de falta, de vazio, de
impossibilidade; ou, ainda, quando o indivíduo, por perder o senso crítico, refugia-se no acesso
ao glocal. Nesse caso, a dependência serviria de preenchimento do vazio ocasionado pela
saturação mediática.
12
Igualmente quando o indiduo não pode dispor de algum elemento de
base que esteja comprometido (aparelho, energia, capital financeiro/cognitivo, inclusive o
tempo vivido etc.) e, por essa razão, o seja permitido o acesso ao glocal, transparece o
sintoma da dependência. Ocorre, então, um estranhamento entre o indivíduo e a situação que já
havia se tornado naturalizada, que já se tornara habitus.
A adaptação às interações glocais se de tal modo, que se chega a certo nível de
tensão, caso haja impossibilidade de acessá-las. É o próprio drama que se instaura quando um
dos elementos de base não comparece. Como nos afirma Trivinho: “o drama é o termetro da
dependência”,
13
ou seja, quanto mais se faz presente a impossibilidade de viver sem o glocal
interativo aqui incluídas todas as tecnologias digitais da atualidade –, maior o atestado de
dependência entre humano e tecnologia, entre sociedade e processo tecnológico.
Se no caso de ocorrer problemas em um autovel ou aparelhos domésticos, se
instaura uma dramaticidade própria decorrente dessas “ausências tecnológicas”, quanto mais
nos casos em que problemas de software ou de hardware ocasionem a perda de dados
eletrônicos. A habitualidade, com que eram utilizados, sofre, geralmente, grassima
interrupção, causando transtornos ao indivíduo afetado pelo problema.
Com o avanço da tecnologia, que possibilita várias ferramentas de backup,
restauração de dados/disco etc., é algo quase inaceitável pelo usuário o fato de se perder dados
do disco rígido de uma quina. Assim, também, quando sobrevêm problemas ao provedor de
12
Neste ponto, vale a referência a Baudrillard (op. cit., p. 23-31), que indica o “esvaziamento dialético” como
proveniente da redundância mediática.
13
Notas de aula do dia 05/07/2007, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da
PUC-SP.
56
acesso à Internet, cujos equipamentos deixem de funcionar por alguns instantes (o que se dirá se
perdurar por alguns dias). O fato é quase uma afronta a um “ser teleinteragente (para usar a
expressão de Trivinho), que todo mês salda a mensalidade junto a seu provedor para ter a
garantia do precioso acesso. Também o fato de um usuário acessar sua caixa de entrada do
endereço eletrônico, à espera do recebimento de e-mail’s, e se deparar com a caixa vazia,se
configura como motivo de estranhamento para aquele indivíduo. É algo que se precisava ter
naquele momento e não em outro. O imediatismo é próprio dos dias atuais no acesso
glocalizado.
A ansiedade e/ou frustação, causada(s) pelo fato de não se poder ter acesso ao glocal
interativo, demonstra que se apresenta uma necessidade inconsciente de estar conectado. Este
aspecto faz parte do que Trivinho nomeia como “desejo do glocal” que, ainda que não esteja
presente o glocal tecnológico a base operacional formada pelo aparato tecnológico capaz de
rede e a transmissão em tempo real , se vislumbra a possibilidade de possuí-lo.
Inconscientemente ou conscientemente –, pretende-se estar glocalizado. O desejo do glocal,
portanto, é um sinal de dependência.
Se no âmbito particular, o transtorno é profundamente vivido, quanto mais no
âmbito corporativo das grandes empresas e instituições, que dependem estritamente do
funcionamento de seus sistemas e banco de dados em perfeito estado. O drama, seguramente,
repercute em larga escala, além de ser coletivo.
Com efeito, constata-se que a dependência do glocal é evidenciada claramente nas
diversas situações citadas, ou seja, em diferentes âmbitos, em setor privado ou público, emvel
individual ou social, com tecnologia glocal ou o. E, sobretudo, na era cibercultural, está
ligada estritamente à falta das senhas infotécnicas, que são causa tamm de drama marcante.
No entanto, esta relação será especificada posteriormente para dar lugar, na seqüência, à
reflexão acerca dos elementos que favorecem a dependência.
1.2. Fatores que contribuem para a dependência do glocal
Uma vez delineada a natureza da dependência do glocal, serão analisados neste item
os fatores que contribuem para a ocorrência de tal fenômeno. Destacam-se aqueles que se
considera de maior importância e que estão na base de outros elementos que tamm
influenciem nesse panorama.
Faz-se necessário retomar, sucintamente, a contextualização do capítulo I referente à
s-modernidade e ao fenômeno comunicacional, uma vez que suas características são
primordiais para a consolidação da dependência do glocal.
57
Vale frisar, ainda, que a reflexão acerca da imagem se encontra baseada em Vilém
Flusser, em virtude da concisa, mas abrangente, releitura acerca da imagem que o autor
inaugurou em sua “filosofia da fotografia”. Esta confere os pontos necessários para a
compreensão da importância do imatico na sociedade tecnológica.
a) Contextos da condição pós-moderna e do fenômeno comunicacional
Um aspecto importante a ser frisado em relação ao glocal é o seu desenvolvimento
concomitante à gestação da cultura pós-moderna (esta, em grande parte, fomentada pelos
media, como visto) e sua valorização em virtude da propagão da comunicação como valor
utópico. Pode-se então indagar: quais seriam as implicações desses contextos para a formação
da dependência sociocultural do glocal?
Em primeiro lugar, referenciam-se os avanços tecnológicos que em meados do
século XX foram colocados, sob influência dos ideais da cibernética, como a possibilidade de
reerguimento do mundo após a II Guerra Mundial, como já visto nos itens 2.2 e 2.3 do capítulo
I. Esse sentido de progresso, unido à expansão da comunicação como valor central, contribuiu
para que esta última (pressuposta aqui a circulação de informão) fosse tratada como objeto de
primeira necessidade.
A comunicação e as suas técnicas constituem-se, assim, como um recurso
essencial para todas as disfunções da nossa sociedade. [...] A comunicação
funciona, hoje, de forma cada vez mais sistemática no discurso social como
um recurso universal, talvez mesmo como o único recurso. Cada problema
encontraria, pois, uma abordagem racional” graças à comunicação que
originaria, ao mesmo tempo, a “transparência” na análise e o “consenso” na
solução. (BRETON, 1992, p. 118).
Como a cultura pós-moderna se plasmou no mesmo contexto comunicacional, de
concepções marcadas pelo pensamento cibernético, muito do estilo da vivência glocalizada
deve sua existência às características propriamente pós-modernas de descentralização, postura
apolítica, experiências personalizadas/individualizadas etc., que são proporcionadas
principalmente pelo glocal interativo.
A dinâmica da cultura pós-moderna, fundamentada na oposição às ideologias
modernas, encontrou guarida nas tecnologias glocais, que permitem o acesso às informações de
forma relativamente descentralizada e cujo conteúdo é pesquisado pelo indivíduo de forma
aleatória, ou seja, com (relativa) liberdade, não sujeitos a leis do Estado e demais normas
sociais.
58
No que tange à politização, o pós-moderno encontra no glocal a forma de expressão
de que necessitava para suprir a ausência das ideologias modernas. A manifestação política
também migrou para o glocal para surtir efeito satisfatório, tal foi a perda de credibilidade em
relação à política institucionalizada (TRIVINHO, 2001a, p. 48).
Como abordado no tópico 1 do capítulo II, Trivinho trata do âmbito da experiência
do ser que foi igualmente abarcada pelo glocal. É nesse sentido que se pode dizer que as
experiências pós-modernas de personalização/individualização são atendidas pela vivência
glocalizada. As experiências virtuais, por exemplo, respondem à concepção de dissolução do
sujeito propalada pelo pensamento pós-moderno.
[...] as tecnologias de comunicação interativa e virtual poderiam ser melhor
vistas [...] como um sintoma e, ao mesmo tempo, uma resposta à crescente
atomização da sociedade contemporânea. Quem sabe as pessoas não
recorrem ao ciberespaço, formado por redes anônimas, fluidas e sem centro,
para, de forma até certo ponto irônica, combater o solipsismo e mal-estar
gerados pela fragmentação das condições de vida e flexibilização das
identidades que caracterizam a condição pós-moderna, surgida
paradoxalmente com a ajuda dessas tecnologias. (RÜDIGER, 2002, p.
126-127).
Por fim, o abrangente imaginário comunicacional que se formou a partir dos
ideais da cibernética, reforçados pelo desenvolvimento da infortica e aceito como valor
central pela sociedade pós-moderna. É em virtude desse imaginário de integração
comunicacional do planeta por via do glocal, que surge a premente necessidade de se estar
conectado em rede, sobretudo ao ciberespaço.
14
Todas essas características que imbricam fenômeno comunicacional, condição s-
moderna e fenômeno glocal, figuram como elementos para o engendramento da dependência do
glocal, uma vez que a vivência glocalizada passa a ser algo comum e necessário para a
organização e articulação desta civilização (TRIVINHO, 2007).
Constata-se que os elementos, pouco expostos, podem ser aplicados a todos os
tipos de glocal (telefônico, radiofônico, televisivo ou interativo), uma vez que os contextos pós-
moderno e comunicacional estão correlacionados ao desenvolvimento dos respectivos meios.
b) A era da imagem
14
Significa a rede World Wide Web em toda sua “extensão virtual”.
59
Outro fator a ser considerado no processo de dependência do glocal diz respeito ao
surgimento do imagético, ou, como diria Flusser, da “imagem técnica”.
15
Esta, segundo o autor,
teria sua origem na fotografia, como forma de visão de mundo. Cada imagem fotográfica traria
em si uma carga de significados que, uma vez decodificados, dariam a perceber o seu
simbolismo, a forma de ver o mundo do fotógrafo.
De fato, Flusser elabora uma releitura nas formas de representação da realidade ao
longo das épocas, cuja expressão se traduziu, num primeiro momento, em imagem do mundo
vivido e, num segundo momento, com a descoberta da escrita, teria sido inaugurada a era linear
para se decodificar o que antes era imagem. O terceiro momento, e que engloba a época atual,
seria a da imagem técnica, que em sua abstração codifica novamente a escrita. Esta é a famosa
“escalada da abstração” de Flusser.
A imagem técnica surge com a fotografia, desenvolve-se com o cinema e culmina
com a expansão da televisão. É, porém, coroada pelo constante fluxo imagético da era
cibercultural. Nos diversos glocais, está envolvido o aspecto lúdico e de entretenimento. Talvez
se questione tal afirmação em relão à fotografia. Entretanto, Flusser mostra que a partir do
aparelho fotográfico já se pode refletir sobre o aspecto lúdico, uma vez que o aparelho seria um
“brinquedo”
16
do “funcionário”
17
, ou seja, faz parte do “jogo”.
18
Nesse sentido, vale ressaltar a
banalidade a que chegou, na era interativa, a produção de fotografias. Assemelha-se mais a um
jogo infindável de imagens sobrepostas umas às outras, configurando-se, então, o lúdico pelo
lúdico.
19
Assim como o cinema nasceu com grande tendência para o entretenimento, assim
também se tornou a fotografia, especialmente na era digital. Até mesmo porque, no momento
atual, pode-se, de certa forma, “animar” a fotografia do mesmo modo como ela foi “animada
na origem do cinema. A fotografia pode ser editada, reformulada e descaracterizada de acordo
com os variados gostos, o que demonstra também seu aspecto lúdico.
A televisão, como é bastante notório, cumpriu sobejamente seu papel de rede lúdica
e sua existência se restringe cada vez mais a esse aspecto, considerando que o ciberespaço a
abarcou de modo irreversível. Tanto que foi necessário que o aparelho televisivo se unisse à
interatividade para não perder seu lugar tão estimado na sociedade cibercultural. Na verdade,
15
Utiliza-se o próprio glossário que Flusser construiu para a “Filosofia da fotografia”. “Imagem técnica: imagem
produzida por aparelho”; “Aparelho: brinquedo que simula um tipo de pensamento” (FLUSSER, 2002, p.
77-78). Esclarece-se que o sentido dado ao conceito de aparelho, por Flusser, faz referência a todo equipamento
capaz de produzir imagem e, assim, refletir uma visão de mundo através dessa imagem.
16
“Brinquedo: objeto para jogar”. (ibid., p. 77).
17
“Funcionário: pessoa que brinca com aparelho e age em função dele”. (ibid.).
18
“Jogo: “atividade que tem fim em si mesma”. (ibid., p. 78).
19
Para Huizinga (2001), por exemplo, na sua definição do homo ludens, o jogo é considerado fenômeno cultural,
como fator fundamental para o surgimento e desenvolvimento da civilização.
60
essa união não salvou a televisão de ser posta um dia de lado em relação ao aparelho
interativo, mas aprofundou ainda mais seu caráter de entretenimento.
Percebe-se, assim, o quanto a imagem técnica é chave de compreensão do próprio
fenômeno glocal, que teve grande parte de sua inserção na civilização humana pelo prisma do
imatico. Afinal, foi a imagem técnica que perdurou ao longo do século XX, forjando a
sociedade pós-moderna e aprofundando o fenômeno comunicacional. De fato, foi a imagem que
prendeu a atenção de milhares de pessoas, sobretudo após a II Guerra Mundial, quando os
aparelhos de televisão foram sendo inseridos, paulatinamente, nos lares. Enfim, foi a imagem
técnica que contribuiu na difusão dos ideais da propaganda de globalização socioeconômica e
cultural. Assim, imagem técnica e glocal se fundem em uma coisa. O glocal o sobrevive
sem a imagem cnica. A imagem cnica necessita do fenômeno glocal para reproduzir-se ad
infinitum (TRIVINHO, 2007, p. 262). Nesta inter-relação estão comprometidos vários, senão
todos, seguimentos da civilização mediática, uma vez que a imagem técnica e o glocal
engendram a maioria das práticas hodiernas.
Dessa forma, a dependência do glocal está estritamente ligada à imagem técnica, em
virtude de sua fluidez, luminosidade e virtualidade (no caso da fotografia, a imagem pode ser
materializada). Tais qualidades fazem da imagem técnica objeto de atenção de qualquer
indivíduo. A imagem, cnica ou não, por sicapta a atenção. No caso da imagem técnica, a
atração aumenta consideravelmente. De fato, o processo de dependência se descortina e se
aprofunda à medida que o sujeito se expõe (ou é exposto) às imagens técnicas. A habitualidade
da exposição do indivíduo às imagens é capaz de fazê-lo pensar imageticamente. A imagem
técnica, pela repetição, reforça a interiorização de padrões imaticos aos quais o sujeito foi
exposto em sua “trajetória particular” (para lembrar Bourdieu).
A dependência produzida pelo imatico pode ser constatada em vários casos, não
patológicos, de videodependência. Pode-se chamar também de iconodependência, ou ainda,
tecnoiconodependência, para se aproximar mais da esfera da imagem técnica. Essa dependência
é também estrutural. A imagem técnica se torna imprescindível à civilização mediática para que
esta se organize e se articule glocalmente (TRIVINHO, 2007, p. 251). O que seria da
propaganda sem a imagem técnica, por exemplo? E do marketing? O mercado teria sério
processo de “desaparição” (no que tange à “visibilidade mediática”) sem as imagens. Evidente,
portanto, que imagem e dependência do glocal caminham juntas. A dependência se alimenta da
cultura da imagem, engendra o social pelo imatico e forja a história da própria imagem
técnica, que se realiza como história de dependência do glocal.
61
As características tratadas neste item foram um pouco mais restritas aos glocais
produtores de imagem técnica, como é o caso dos glocais audiovisuais. Nos dois itens
seguintes, é necessário frisar, que os fatores abordados dirão respeito, mais especificamente, aos
glocais interativos, uma vez queabarcam, em grande parte, os glocais da cultura de massa.
c) Sentido de obrigatoriedade na utilizão do glocal
O aspecto agora apresentado se refere, principalmente, ao processo de glocalização
da existência e da experiência, conforme explanado no tópico 1 do capítulo II. A
glocalização, como processo de engendramento da época mediática, que produz a crescente
digitalização de procedimentos em sociedade. À medida que as tecnologias glocais foram sendo
desenvolvidas e aperfeiçoadas, a tendência foi a de inserção desses aparatos tanto em ambientes
coletivos, como corporações e instituições diversas, quanto no âmbito individual. O processo de
glocalização não parou de açambarcar mais e mais as atividades e a própria existência humana.
Em relão aos glocais telefônico, radiofônico e televisivo, pode-se observar a que nível chegou
sua expansão.
No que se refere ao glocal cibercultural, o processo de glocalização se reescalona.
Trivinho (2007, p. 310-311) frisa que, no glocal interativo, o ser humano está envolto pelo
processo de glocalizão no corpo, na subjetividade e em suas relações, resultando em uma
“dependência tecnológica inaudita”. Bem a propósito é a figura do bunker no contexto glocal
cibercultural que Trivinho evoca para demonstrar que se vive realmente em uma espécie de
“confinamento interativo” no reduto glocal (ou seja, no bunker glocal). O ente humano depende
do acesso glocal para estar em sintonia com o mundo cibercultural e, por isso, encontra-se em
estado de acoplamento com o aparato infotecnológico.
A obrigatoriedade de uso do glocal envolve, por exemplo, o ambiente de trabalho, à
vista das ferramentas e/ou aplicativos necessários à sobrevivência de determinada instituição.
No desempenho de suas atividades laborais, não é permitido ao trabalhador se esquivar do
contato com as infotecnologias. É seu dever, para fazer jus à concorrência no mercado de
trabalho cibercultural, buscar adquirir o “capital cognitivo (cf. TRIVINHO, 2001a, 2007)
necessário para o habilitar à atividade glocalizada. A dependência se faz presente no contexto
da busca de atualização de si mesmo como ser teleinteragente da era informática.
A glocalização da existência estabelece “normas” (se o o são leis de fato) que
determinam a utilização do glocal cibercultural por todos os indivíduos. Vale atentar para o fato
de que, no glocal de massa, essa obrigatoriedade não estava claramente presente. A
imperatividade em possuir aparelhos glocais de massa seria mais no sentido de se estar
62
atualizado/informado sobre os últimos acontecimentos no mundo. Quanto ao glocal telefônico
convencional, é possível que as pessoas se vejam compelidas a adquirir seus aparelhos, porém
esta tecnologia é geralmente utilizada coletivamente, o que no glocal telefônico celular é
bastante diferente. Neste contexto glocal, interativo por excelência, o aparato é individualizado,
particular, sendo que a lei da imperatividade de utilização é mais significativa; seu cumprimento
é mais exigido. Na experiência glocalizada celular, o indivíduo deve cumprir a cláusula de
atendê-lo assim que haja uma chamada. “Legislações glocalizantes” como essas é que suscitam,
por exemplo, a famosa “netiqueta”.
20
O glocal cibercultural sobrevive dessas leis. A exigência de se possuir uma vida
glocalizada é cada vez mais premente, com o risco do indivíduo o ser considerado
cibercidadão. Na cibercidadania, está inscrita a compulsoriedade da práxis glocal. Em virtude
da glocalização da existência, o indivíduo se vê compelido a glocalizar a experiência, ou seja, a
inserir em sua vincia os aparatos glocais possíveis de torná-lo “compatível” com a civilização
mediática em curso. Uma vez que a glocalização da experiência, como afirma Trivinho (2007,
p. 295), “diz respeito ao modo concreto no qual e pelo qual a glocalização da existência se
consuma no contexto glocal”, aos poucos, o campo próprio vai se tornando glocalizado. As
práticas glocais estão no cerne deste processo como habitus glocalizado.
d) Características inerentes ao glocal interativo
O processo de glocalização, contudo, o advém somente do imperativo de
utilização do glocal ou do imaginário social em torno dele. Paralelo a esta questão, apresenta-se,
por parte do indivíduo, o próprio desejo de usufruir do glocal. Sobretudo no contexto glocal
cibercultural, o desejo de acesso ao ambiente mediático se dá em virtude dos resultados práticos
e, na maioria das vezes, satisfatórios, que ele oferece. Sob o prisma de uma visão pragmático-
utilitarista, o glocal digital é desejado por suas características de rapidez de acesso, de
racionalização e agilização de procedimentos ou pela virtualidade, que se configuram como
alguns dos motivos determinantes para a priorização do acesso ao glocal interativo. O sentido
de “controle sobre o equipamento glocal, tamm, é aspecto importante para o sujeito que o
opera, pois alimenta a fantasia de onipotência (cf. LE BRETON, 2003, p. 151) e a ilusão de que
a condição existencial por ele montada no bunker glocal lhe concede poder absoluto (cf.
TRIVINHO, 2007, p. 310). A o custo das transações é determinante na escolha do acesso
mediado em detrimento do contato presencial. Inclusive, o são poucos os casos em que
adquirir um produto via web é menos dispendioso (física e economicamente) que comprá-lo
20
Normas de etiqueta para se viver em rede cibercultural.
63
diretamente na loja. O comércio eletrônico em geral incentiva o cliente a preferir a aquisição de
produtos pelo acesso glocal, fazendo com que o indivíduo passe a valer mais virtualmente que
presencialmente.
Dentre as características do glocal interativo que também muito contribui para a
preferência do acesso ao glocal, está a questão da segurança. O usuário opta muitas vezes
permanecer no conforto do domicílio em vez de se sujeitar aos “ataques” que seu entorno social
pode lhe ocasionar. Na perspectiva da segurança que o acesso ao glocal confere, está a
priorização do contato via rede com a alteridade. O outro como “espectro” (TRIVINHO, 2007,
p. 358-364), por meio do acesso glocal, parece menos ameaçador que no contato direto,
incluindo a possibilidade de as pessoas expressarem, com maior facilidade, o que realmente
desejam dizer.
Por fim, além da obrigatoriedade de utilização do glocal e das características
próprias deste ambiente que reforçam o fenômeno da dependência, não se pode olvidar a
atuação de profissionais especializados na área da informática que empenham grandes esforços
na digitalização de procedimentos em várias áreas do conhecimento. Eles estão envolvidos no
amplo processo dromológico de informatização dos processos socioculturais existentes. No
âmbito dos sistemas relacionados ao tráfego, por exemplo, existem projetos de automação
das estradas para circulação de veículos automatizados que não precisarão de motoristas para
guiá-los. Um dos objetivos desses projetos seria o de diminuir a incidência de acidentes de
trânsito, em razão de que a maioria destes ocorrem devido às falhas humanas.
21
No encontro da
biologia molecular com a informática, existe a programação biológica que concorre, por
exemplo, para o sequënciamento de genes humanos. Na bionanotecnologia, computadores
moleculares queem fitas de DNA comprovam que se pode computar com o DNA.
22
Isto sem
contar com projetos, ainda no plano teórico, de “computadores desenvolvimentais”, que seriam
quinas baseadas em computação molecular capazes de se desenvolver em sua estrutura, tanto
em nível sico quanto em nível de aprendizagem.
23
Ainda hoje (talvez mais do que nunca), o
imaginário científico continua a projetar novas formas de acoplar cada vez mais o humano e a
tecnologia.
21
Pesquisa de Ana L. C. Bazzan, sob o título Traffic as a Complex System: Four Challenges for Computer
Science and Engineering, apresentado no Seminário Integrado de Software e Hardware, no XXVII Congresso da
Sociedade Brasileira de Computação - SBC 2007, ocorrido de 30 de junho a 6 de julho de 2007, na cidade do
Rio de Janeiro.
22
Pesquisa de Leila Ribeiro, sob o título “Os Desafios da Computação Biológica”, apresentado também por
ocasião do evento acima citado.
23
Pesquisa de Antônio Carlos da Rocha Costa e Graçaliz Pereira Dimuro, sob o título On the Notion of
Developmental Computing Machine, apresentado na mesma ocasião.
64
2.1. Dependência do glocal e habitus
Adentra-se, neste tópico, na especificação da dependência como relação e sua
conjunção com o habitus glocalizado, pois, na cibercultura, hábito e dependência se encontram
também intrinsecamente relacionados.
Primeiramente, é necessário frisar que, conforme Barros Filho e Martino (2003),
qualquer reflexão que se empreenda acerca dobito é indissociável do conceito de repetição. É
precisamente pela reiteração que o habitus engendra a dependência, a qual, por sua vez,
alimenta-se do habitus. Pode-se afirmar, então, que a dependência do glocal equivale à
cristalização do habitus glocalizado, e que este redunda na incorporação da relação de
dependência.
O processo acima descrito apresenta, por si só, uma estrutura circular. Com efeito,
para uma adequada compreensão do fenômeno da dependência, é necessário que sua
explicitação se faça em termos de circularidade, ou seja, o como falar da relação entre
habitus e dependência sem haver implicação entre ambos. Neste sistema de aspecto cíclico,
constata-se que a dependência do glocal pode ser considerada como relação. Ela somente é
dependência “em relação a” algo, apresentando-se assim como o próprio habitus de uso deste
“algo”. Ela figura como habitus positivo, como o fator mais importante, por constar como
mediadora na relação do humano com o objeto tecnológico/ambiência glocal.
Pode-se dizer, portanto, que três características relevantes a serem pontuadas no
fenômeno da dependência, sob a perspectiva do habitus:
a) Dependência como habitus
Neste aspecto, a dependência se mostra como mero habitus, como simples relação
entre ser humano e aparato capaz de tempo real, o que garante que o indivíduo volte a atuar no
contexto glocal, por necessidade ou não. O fenômeno glocal necessita da dependência na
modalidade de habitus aceito para a perpetuação da civilização mediática.
É sob este prisma que se vislumbra a dependência como sendo a própria relação
entre ser humano e máquina. Ela se torna objetivamente regular, ainda que não seja “produto da
obediência a regras” (para lembrar Bourdieu). Aliás, ela mesma é a regra. Na civilização atual,
ou o ser humano é dependente do glocal digital ou não é cibercidadão. A ação do indivíduo está
orientada por esse habitus de dependência, sem “intenção consciente”
24
de sua parte.
24
As expressões estão em grifo para recordar que constam na definição de habitus da teoria social de Bourdieu
(1983, p. 61).
65
b) Dependênciao relacionada a vício
Os conceitos de bito e dependência, nos estudos especializados sobre a tetica,
não significam a mesma coisa. Embora não haja consenso entre os autores, existem correntes
que definem o bito como prática corriqueira, mas que o trazem danos às pessoas que o
praticam. O vício, ao contrário, seria a falta de controle sobre um determinado hábito e cuja
prática ocasiona prejuízos ao indivíduo. A dependência, por sua vez, seria o “desejo forte e
compelido” (cf. EGGER apud PRADO, 1998)
25
a um hábito particular.
Em se tratando do glocal, pode-se dizer que o habitus existe desde o seu início, uma
vez que começa a ser internalizado a partir de sua prática primária para funcionar como
orientador da ação, da percepção e da apreciação das práticas futuras.
Constata-se, assim, que fases no desenvolvimento do habitus, um processo de
gestação, no qual ocorre a “estruturação”
26
do sujeito. A relação de dependência entre ser
humano e objeto glocal toma forma à medida que se perfaz esse habitus glocalizado. Por
conseguinte, o habitus no contexto glocal não redunda em cio, porque não se revela como
algo prejudicial para o sujeito. A relação de dependência que dele nasce também o tem
ligação com o vício, pois, ainda que exista um “desejo forte” a um habitus glocalizado, não se o
considera fator destrutivo ao indivíduo.
c) Dependência não regida pela vontade do indivíduo
À primeira vista, pode parecer que somente aqueles que mantém contato direto com
a ambiência glocal seriam por ela afetados. Entretanto, é importante frisar que a dependência
acontece com ou sem a anuência do ser interagente, pois o habitus glocalizado traz inscritas em
si as exigências da “condição glocal”. Esta, por ser espírito de época, atinge o indivíduo ainda
que ele o faça utilização (ou quase não faça) do glocal tecnológico propriamente dito. Na
verdade, o sujeito está envolvido pela mentalidade glocal, de que nos fala Trivinho (2007). Há,
igualmente, o desejo do glocal que impulsiona a realizar as práticas da civilização mediática,
amplamente celebradas e, por isso, culturalmente conservadoras.
25
A diferenciação entre vício e hábito está baseada no autor Oliver Egger, cujo estudo sobre comportamento na
Internet é citado na pesquisa de Oliver Zancul Prado, entitulada Pesquisa Internet e Comportamento Um
estudo Exploratório sobre as características de uso da Internet, uso patológico e sobre a pesquisa on-line,
disponível em: http://www.netpesquisa.com.
26
A palavra estruturação é considerada no sentido tomado por Bourdieu, que traz toda a dinamicidade
característica do habitus, que é disposição estruturada e estruturante que se internaliza sem a necessária
conscientização do sujeito. Estas disposições são abertas a uma infinidade de possibilidades de produção de
outros habitus, em virtude dos esquemas generativos” a que o sujeito submete as práticas incorporadas.
Considerando-se a “exposição seletiva” a que ele se expõe com base em habitus internalizados primariamente.
66
Neste ínterim, cabe lembrar que, ainda que a pessoa nem sequer deseje estar inserido
no processo de glocalização, a dependência acontece em virtude da compulsoriedade
característica do estilo de organização societária que é a cibercultura, como citado no item 1.2
deste capítulo.
Nas três características acima indicadas, pode-se constatar sempre a dependência
como relação entre o ser interagente e o glocal. Inclusive no processo de gestação do habitus,
pode-se admitir que surgem rios níveis de dependência. Entretanto, o é foco deste estudo
pontuar distinções no que toca ao tipo de relação de dependência, uma vez que se tratariam de
questões empíricas e seriam requeridas análises também dessa natureza. Porém, isso não
impede que se constate uma classificação desses níveis de dependência relacionada tanto à
espécie de glocal envolvido (telefônico, televisivo, interativo etc), quanto ao nível de estruturas
internalizadas pelo sujeito na ação glocalizada, mas levando sempre em consideração a
dependência como fenômeno sociocultural.
Vale ressaltar que a dependência de uso patológico da tecnologia é de outra
natureza. Ela, ao contrário da dependência do glocal, é reconhecida como negativa e pode estar
relacionada também ao vício. É bem verdade que a dependência de uso patológico da Internet,
por exemplo, inicia como dependência do glocal. Porém, é preciso registrar a mudança da
natureza da dependência nesse processo de migração de um tipo de dependência para o outro,
pois não se pode aplicar a mesma análise a ambos.
Em face do panorama apresentado neste item acerca do aspecto de relação da
dependência, podem ser apontadas três formas de mediação inerentes ao fenômeno da
dependência do glocal: em primeiro lugar, o habitus glocalizado é mediação do processo de
dependência, isto é, em se realizando o habitus glocalizado, engendra-se simultaneamente a
relação de dependência; segundo, a dependência consta como mediação da relão humano-
quina, sendo ela própria, como relação, a manter a assiduidade do sujeito ao ambiente glocal,
ainda que não desejada; terceiro, a dependência é mediação na estruturação sociodromocrática
da cibercultura, ou seja, o processo de dependência atua como elemento de conservação da
lógica estrutural na cibercultura.
Esta última forma de mediação da dependência se objeto de detalhamento no
tópico seguinte, visando constatar sua inter-relação com o sistema dromocrático cibercultural.
2.2. Dromocracia cibercultural e dependência do glocal interativo
Neste item, busca-se descobrir as interseções entre a dependência do glocal
interativo e a dromocracia cibercultural. Serão considerados os fatores inerentes ao regime
67
sociodromocrático da cibercultura que propiciam a dependência, como a estruturação social
sujeita às redes digitais, as relações sociais permeadas pelo ambiente glocal, o indivíduo com
vivência glocalizada e as implicações desses aspectos no fenômeno da dependência.
Dentre as características inerentes ao sistema dromocrático na cibercultura, pode-se
abordar primeiramente o aspecto transpolítico. A dependência do glocal digital se reveste da
perspectiva transpolítica na medida em que vige como fator articulador da vida glocalizada e
como elemento independente da política institucionalizada. O conceito de transpolítica para
Trivinho engloba:
[...] todos os acontecimentos e fatos, situações e circunstâncias, fenômenos,
processos e tendências sociais, econômicos e/ou tecnológicos, seja
duradouros, seja transitórios, sempre de alcance macroestrutural, cuja
natureza, dinâmica e conseqüências escapam, inteira ou parcialmente, à
jurisdição das instituições políticas consolidadas [...]. (TRIVINHO, 2007, p.
187).
A natureza e as conseqüências de uma dependência que se configura como estrutural
também ultrapassa os âmbitos do Estado, que se encontra enredado pelo fenômeno da
dependência quando se obrigado a renovar continuamente sua plataforma de equipamentos
informáticos, sob o risco de “parar no tempo”. Em face do caráter transpolítico, é que tantas
instituições, públicas ou privadas, vêem-se compelidas a informatizar suas atividades. É uma
necessidade que escapa à atuação e articulação de uma instituição específica.
Os indivíduos, por sua vez, são impelidos a realizar procedimentos através do acesso
ao glocal, sem haver, em muitos casos, outra alternativa de reali-los de forma convencional.
Como exemplo, pode-se citar atividades como as Declarações de Imposto de Renda à Receita
Federal, cujo envio por parte dos contribuintes, em virtude do contexto infotecnológico, deve
ser realizado por via digital. Esta atividade, em breve, expurga por completo o antigo
procedimento manual de preenchimento.
No âmbito do Poder Judiciário, o modo de peticionamento eletrônico ganha cada
vez maior abrangência, em virtude da celeridade processual. Entretanto, imbuído no discurso da
celeridade, está a razão de ser da época histórica atual, que é regida pela velocidade. Muitos
dos que advogam se em obrigados a entrar na era cibernética para seguir a tendência da
vivência cibercultural, que é de abolir a materialidade das petições em papel.
Iniciativas do Governo, como o PROUNI,
27
demonstram, igualmente, o profundo
nível de dependência que a tecnologia informática ensejou. Interessante notar que o referido
27
Programa Universidade para Todos, criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei
11.096/2005, com a finalidade de concessão de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de
graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. (para detalhes,
ver: http://prouni-inscricao.mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm).
68
Programa é destinado a estudantes que não possuam condições de arcar com o ensino em
Faculdades particulares. Entretanto, a inscrição só pode ser efetivada via Internet e o de outra
forma, o que, obviamente, obriga estes mesmos estudantes a acessarem o glocal interativo
para efetuarem suas inscrições.
Interessante, também, as muitas faculdades, universidades e escolas que
estabelecem aos alunos a realização de tarefas escolares por via do glocal digital. Aqueles
alunos que, por algum motivo, não possam ter acesso ao glocal ou, que o fazendo, não possuam
o “donio pleno” das senhas infotécnicas de acesso à cibercultura, terão possíveis dificuldades
e, talvez, graves resultados para seu desempenho escolar.
Os Bancos são exemplo claro de instituições que não sobrevivem mais sem a
infotecnologia. Seria impensável o fato de um Banco ter problemas em seus servidores de
Banco de Dados ou em algum aplicativo necessário ao funcionamento de suas transações. Com
efeito, percebe-se que a dependência do glocal tem um caráter institucional. O Banco o mais
funcionará sem o glocal, sem o tempo real. Outro exemplo a que se pode referir neste contexto,
é o caso de uma pane ocorrida no sistema de uma empresa do Estado de São Paulo, responsável
por 68% das conexões à Internet, em 3 julho de 2008, que afetou diretamente o funcionamento
de todos os provedores que delas dependem, causando grandes transtornos aos usuários.
28
A dependência, também sociotécnica, que surge em contextos como esses,
configura-se como transpolítica precisamente pelo fato de não depender das instituições para ser
plasmada, para tomar forma. Pelo contrário, as instituições é que necessitam se revestir do
glocal para ser parte da cibercultura. E a dependência do glocal vige, assim, como motor de
estruturação tecnológica (aqui implícito o seu caráter mediador) para cada ente institucional.
Na esteira da dependência em seu viés transpolítico, vislumbra-se a necessidade de
acompanhamento das mudanças tecnológicas vigentes na civilização cibercultural. É a “lógica
da reciclagem estrutural”, de que nos fala Trivinho, que direciona o “gerenciamento infotécnico
da existência” das atualizações informáticas que regem o habitus do indivíduo. Este habitus
tenderá a ser o de possuir as senhas infotécnicas de acesso à cibercultura. O indivíduo buscará
adquirir para si o aparato infotecnológico que represente um continuum de potencialidade glocal
interativa. Responderá, dessa forma, ao progresso dromológico próprio da cibercultura, regido
pela “mais potência” (TRIVINHO, 2001a., 2007).
28
Para detalhes, acessar: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u419105.shtml ou
http://www.estadao.com.br/cidades/not_cid200088,0.htm.
69
Nesta perspectiva, vê-se que a “dromoaptidão” conferida pelas senhas infotécnicas
implicam diretamente no fenômeno da dependência, tendo em vista que o indivíduo, para
chegar à dromoaptidão, deve se expor ou ser exposto gradativamente ao habitus glocalizado.
O sujeito social, por exemplo, para atender à demanda transpolítica da dependência
que abarca as instituições em sua dinâmica, como nos exemplos pouco referenciados,
necessita se revestir de uma “compencia ciberdromológica” (TRIVINHO, 2007, p. 183), que o
auxilie a realizar, com a nima desenvoltura possível, todas as “tarefas” ciberdromocráticas a
ele impostas.
A “megainfoburocracia”, como conjunto das instituições provenientes de vários
setores da sociedade, na qual proliferam a produção de objetos informáticos e da qual decorre a
propaganda pragmático-utilitarista em torno da interatividade, é grande fomentadora da
dependência do glocal interativo.
, no mercado, diversos tipos de aparatos tecnológicos que vão desde os mais
simples aparelhos de telefonia celular porém, com a possibilidade de acesso à web –, até os
últimos modelos de equipamentos wireless tecnologia de redes sem fio. Estes dispositivos
abrangem, cada vez mais, maior parcela no mercado. A articulação em sociedade, doravante,
depende deles, uma vez que proporcionam mobilidade e ao mesmo tempo glocalidade, ou seja,
concomitantemente o indivíduo está conectado e em movimento.
Considerando a importância que se confere, na civilização eminentemente
dromológica, à questão da mobilidade, vale assinalar, brevemente, o que Paul Virilio assevera a
respeito da inércia polar gerada, paradoxalmente, pela velocidade. Ele afirma que, com o
donio dos meios de telecomunicação, entrou-se na “era da imobilidade”, ou seja, o indivíduo
contempla ou manipula as imagens, porém a partir do seu ponto de acesso mediático TV ou
computador, por exemplo. É marcante a célebre frase de Virilio, que diz: “doravante, tudo
acontece sem que seja necessário partir” (VIRILIO, 1993a, p. 38-39).
No âmbito das tecnologias sem fio, a frase de Virilio permanece crucial, pois ainda
que se parta, o glocal acompanha o “ser teleinteragente”. Com efeito, conclui-se que a
dependência em relação ao glocal apresenta aspectos sociais ou seja, da vincia coletiva ,
porém, está presente, também, na atuação individual do sujeito que empreende suas atividades
cotidianas por meio do glocal.
As práticas glocais, por sua vez, engendram as relações sociais através do glocal. A
dependência em relação ao glocal digital se evidencia também na forma com que a
sociabilidade é exercida no dia-a-dia glocalizado dos indivíduos e na estruturação da vida em
sociedade. Os comunicadores via web, salas de chat’s ou comunidades virtuais são prova dessa
70
dinâmica. Para muitos, são imprescindíveis as relações criadas através desses estilos
glocalizados de vida, ainda que não se conheça pessoalmente o interlocutor com quem se troca
experiências. Aliás, no ciberespaço, confere-se grande importância à possibilidade de se poder
permanecer, se assim se desejar, no anonimato.
No ambiente das salas de bate papo, muitos dos elementos que compõem,
segundo Goffman (1995), as interações sociais, estão suprimidos, tais como
a visão dos gestos, da expressão facial do ator etc. Os elementos
expressivos não controláveis ficam praticamente excluídos e pouco da
fachada pessoal realmente fica exposta durante o encontro entre as pessoas.
(LOPES in FARAH, 2004, 133-141).
Os habitus glocalizados do constante acesso às comunidades virtuais e outras formas
de “vivências virtuais, como no caso da criação de avatares e de experiências de imersão,
criam sistemas de percepção e atribuição de sentido a partir de uma experiência virtual
concebida como vivência em comunidade, ainda que não se coadune à concepção tradicional de
comunidade. Essa nova atribuição de sentido, os novos habitus glocalizados incorporados,
específicos de tais vincias virtuais, forjam a relação de dependência entre o indivíduo e
determinada ambiência glocal. A dependência alimenta o próprio habitus (como visto no item
anterior) de acessar esta ou aquela comunidade ou de fazer esta ou aquela experiência virtual.
No tipo de contexto glocal acima referido, o conceito de “socioespacialização
imatica” de Trivinho é percebido mais claramente, uma vez que a sociabilidade passa a ser
vivida no “espaço” da tela. Os participantes se adaptam à estética imatico-interativa que
produzem novos habitus a partir desta matriz imagética, instaurando a dependência do glocal
interativo então experienciado.
Muitos dos discursos ciberufanistas que em na tecnologia um caminho, senão a
própria ferramenta, de libertação do ente humano de sua corporeidade, como no caso do ideal
transumanista, estão imbuídos dessa percepção glocalizada, de uma atribuição de sentido
virtualizada, de vivência socioespacializada, que tem na tela o sentido do ilimitado, em virtude
de o mais serem percebidas como tela pura, ou imagem, mas como “janelas” (para utilizar o
sentido dado por Flusser). A relação de dependência se mostra na tendência em perceber de
forma glocal o existente, o mundo vivido. A dependência se caracteriza pela compreensão da
realidade a partir de novos habitus percepcionais. A percepção mesma é envolvida pela
dependência do glocal.
É bem verdade que o exemplo utilizado do ideal transumanista
29
chega a ser um
extremo dessa relação de dependência. Entretanto, o exemplo serve para frisar que a percepção
29
Para detalhes, acessar www.transhumanism.org/index.php/WTA/more/207/.
71
pode ser envolvida pelo habitus glocalizado em qualquer situação, mesmo nas utilizações mais
comuns da tecnologia glocal.
No caso do bunker glocal, por exemplo, a tendência do indivíduo é passar a
perceber, no campo imediato de ação, prioritariamente o entorno tecnológico, aquilo que lhe dá
acesso ao glocal, como no caso de uma criança que, entretida em frente a uma tela de
computador, atende sua irmã – que lhe chama – somente quando ela (a irmã) utiliza a telefonia
celular para entrar em contato.
30
Tal é a atenção que o humano dispensa ao ambiente
mediatizado, a ponto de não perceber seu entorno imediato, mas seu entorno mediado.
Nesse contexto cibercultural, o processo de bunkerização glocal vigora como
resposta ao desejo do acesso glocal, à necessidade premente de se estar conectado ao glocal, sob
qualquer motivo (dos mais justificados aos mais banais possíveis). A bunkerização glocal, ou
seja, a construção do reduto glocal, da “fortificação” glocal, é resultado do fenômeno da
dependência estrutural que acontece na cibercultura. É necessário construir a “fortaleza
tecnológica glocalizada, na qual possa acontecer o contato com o glocal ciberespacial. O
“acesso ao mundo inteiro” acontece neste contato. Assim, quer queira o indivíduo quer não, ele
precisará/é impelido a montar para si o bunker glocal.
Podemos constatar esta dependência, igualmente, na massiva aquisição de
tecnologias digitais por parte dos indivíduos/instituições atitude que, obviamente, está
justificada em nome da praticidade e agilidade e que prevê a implantação dos contextos
glocais necessários às transações da atualidade. Viver glocalmente significa viver
dromologicamente. Sem a tecnologia capaz de tempo real não velocidade adequada para se
viver na dromocracia cibercultural. Por isso mesmo, em virtude da corrida (dromos) à
bunkerização glocal, uma excessiva produção de habitus de aquisição” de dispositivos
digitais de última geração, que permitam uma conexão glocal potencializada. É a relação de
dependência expressa na necessidade da velocidade para se viver ciberculturalmente.
Por oportuno, seria interessante fazer novamente referência ao que Virilio nos diz
sobre o conceito de inércia, porque está estritamente relacionado ao conceito de velocidade. A
vertiginosa aceleração em todos os âmbitos da experiência humana, sobretudo no que se refere
à utilização das tecnologias comunicacionais, impõe ao ser humano, paradoxalmente, a
“sedenterização terminal (conforme expressão de Virilio, referenciada no item 3.1 no
30
Exemplo citado no painel da profª. Maria Cristina Franco Ferraz (UFF), com o título “O estatuto da imagem
no século XIX: por uma genealogia da cibercultura contemporânea”, no I Simpósio Nacional de Pesquisadores
em Comunicação e Cibercultura, ocorrido no período de 25 a 29 de setembro de 2006, na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
72
capítulo I). O autor enfatiza que o ser sedentário é aquele para quem não prevalece o trajeto,
mas sim o sujeito e o objeto, e o seu movimento seria em direção à inércia.
Historicamente nos encontramos portanto diante de uma espécie de divisão
do conhecimento do ser no mundo”: de um lado, o nômade das origens,
para quem predomina o trajeto, a trajetória do ser; de outro, o sedentário,
para quem prevalece o sujeito e o objeto, movimento em direção ao imóvel,
ao inerte, que caracteriza o “civil” sedentário e urbano, em oposição ao
“guerreiro” nômade. Movimento este que se amplifica hoje diante das
tecnologias de telecomando e telepresença à distância, para alcançar em
breve um estado de sedentariedade última, em que o controle do meio
ambiente em tempo real prevalecerá sobre a organização do espaço real do
território. (VIRILIO, 1993b, p. 108, grifo do autor).
Por conseguinte, pode-se constatar que o processo de sedentarização na cibercultura
acontece sob dois aspectos, ambos relacionados aos habitus glocalizados e, conseqüentemente,
ao fenômeno da dependência do glocal. Um deles engloba o indivíduo sedentário, que a partir
de seu posto glocal-interativo (o bunker glocal na acepção de Trivinho), faz contato com o
mundo multimediático, porém inerte em um único ponto. O segundo tipo seria o indivíduo que,
mesmo se locomovendo, está acoplado a um glocal interativo vel (no caso de acessórios ou
aparatos sem fio, que configuram também bunker glocal).
31
Virilio afirma que o indivíduo portador de deficiência física que necessita de
aparatos para sua locomoção equivale, paradoxalmente, ao indivíduo lido que passa a
necessitar dos equipamentos para realizar as suas atividades. Este último seria o “indivíduo
válido sobre-equipado”. Nesse sentido, configura-se a dependência ao aparato glocal como
necessidade de “locomoção” nas vias medticas. Dependência esta, que obviamente é
engendrada pelos habitus de se “mover” glocalmente. A idéia de locomoção está estritamente
ligada ao progresso dromológico. Logo, a dependência é parte do processo de aceleração.
A invalidez do sujeito válido remete à inércia polar de que trata Virilio (1993a) em
sua obra. Se, na cibercultura, ela está relacionada ao contexto glocal interativo, poder-se-ía falar
de uma inércia relativa ao ambiente glocal cibercultural. Aqui, a referência polar é o glocal.
Logo, o indivíduo está inerte em relação ao/em função do glocal, ainda que em mobilidade,
como há pouco referido.
Nesse ponto, ressalta-se o nível de acoplamento entre corpo e aparato tecnológico, já
referenciado por Trivinho (2001a, 2007), que é muito mais profundo na cibercultura, em função
da lógica dromocrática própria desta época histórica e da ambiência glocal interativa.
31
O bunker glocal não é necessariamente uma construção material, mas se configura como “certa disposição
contígua da infra-estrutura tecnológica na circunscrição ambiente (domo ou escritório), locus mais comum do
corpo e da subjetividade, do campo próprio assim mediatizado e, portanto, do acesso e da troca glocais”.
(TRIVINHO, 2007, p. 310). Assim, uma estrutura com tecnologia sem fio que possibilita mobilidade ao
indivíduo, mas mantendo-o na ambiência glocal, também pode ser caracterizada como bunker glocal.
73
A indexação compulsória do corpo à infotecnologia demonstra o aspecto
antropológico da dependência do glocal. A subjetividade passa a ser moldada progressivamente
pela vivência glocalizada. A prática da busca de construção de identidades no ciberespaço é um
indício claro do acoplamento subjetivo do ser ao ambiente glocal. O habitus glocalizado é
incorporado em processo cognitivo que modula cada vez mais a mente do indivíduo, que se
torna articulada pela dependência do glocal, no sentido de que retém as trajetórias particulares
do ser teleinteragente como habitus glocalizados internalizados e objetivados. Assim, ela
influirá, dentre outros aspectos, na expressão da linguagem, que se apresenta bastante
modulada pela linguagem informática, como nos indica Le Breton:
O vocabulário informático penetra as maneiras de explicar o homem e seu
corpo; [...] Ao mesmo tempo em que o vocabulário humaniza a máquina,
por um movimento recíproco, o homem mecaniza-se: estamos bem
“formatados” para um emprego ou para uma tarefa. Estamos “conectados”,
pois integramos uma informação, um equívoco em um raciocínio, ou um
gesto ou uma palavra desastrada de alguém é percebido como um bug ou
“um erro de programação”. (LE BRETON, 2003, p. 154).
Influirá, ainda, na implantação progressiva da mentalidade glocal cibercultural, que
supõe um “psiquismo cibernético (TRIVINHO, 2001a, p. 223), no qual o humano se percebe
como “máquina comunicante” (na expressão de Wiener, citado por Breton). Sob esse prisma,
toma forma o discurso em relação ao ser humano como máquina, sob influência da área de
Inteligência Artificial, que teve grande expansão na segunda metade do culo XX e muito
influenciou a ciência e o senso comum na aplicão de características maquínicas para se referir
ao ente humano. Sherry Turkle (1989, p. 233-261), em sua pesquisa com profissionais da área
de informática, jovens universitários e crianças, que tinham acesso constante a computadores,
averiguou a recorrência entre os entrevistados em se perceberem como máquinas. Apesar do
tempo decorrido entre a época das investigações da autora (década de 70 e 80 do culo XX) e
os dias de hoje, muito dos resultados encontrados ainda se fazem notar – e até mais legitimados
na tecnocultura em geral. A dependência aqui inscrita é total, pois se a concepção de ser
humano perpassada pelo habitus glocalizado, oriundo da interação no ambiente glocal
cibercultural.
O corpo humano é, igualmente, submetido a este processo de vinculão à máquina.
Os media digitais, por exemplo, vestem o indivíduo como próteses quem sabe,
consideradas permanentes. Com efeito, tem-se notícias de tecnologias glocais acopladas à
moda,
32
que reforçam o caráter de dependência corporal ao glocal interativo. Ao mesmo
32
Para detalhes, acessar os sites http://superpink.com/interface/index.php?itemid=41 e http://www.htmlstaff.org/
ver.php?id=207.
74
tempo em que uma roupa servir para vestir o usuário, servirá também para conectá-lo ao
ciberespaço.
O corpo tecnologicamente vestido, fruto da dependência do glocal cibercultural, soa
como resposta ao crescente contexto de expurgo do qual o corpo humano é objeto, em virtude
das experiências virtuais. Le Breton chama atenção para o fato de que:
Dissociando corpo e experiência, fazendo a relação com o mundo perder o
caráter real e transformando-a em relação com os dados, o virtual legitima a
oposição radical entre espírito e corpo, chegando à fantasia de uma
onipotência do espírito. A realidade virtual está aquém e além do corpo
este é passivo, mesmo que ressoe com os inúmeros efeitos de sensações e
de emoções provocadas pela imagem. [...] Representa um mundo em que o
tempo, liberado da duração, converte-se em espaço de puras informações
que não requerem mais a corporeidade humana. (LE BRETON, 2003, p.
143-144).
É como se o corpo humano, para não se tornar obsoleto, como já prenunciado por Le
Breton (2003) e Sibilia (2002), precisasse ser potencializado pela tecnologia para se
salvaguardar da obsolescência. Ainda que de certa forma velada, a cultura de rejeição do corpo
humano passa por práticas muito simples que vêm tomando lugaralgumas décadas, como a
excessiva preocupação estética com o corpo no sentido de “corrigi-lo”. A concepção da “sde
perfeita”, de que trata Sfez (1996), traz indícios de uma cultura pautada no aperfeoamento do
humano pela via da tecnologia. Essa linha de pensamento e a práxis dela decorrente adquirem
grande aprofundamento com as experiências virtuais, que alimentam ainda mais o imaginário
do ser perfeito.
Com base nos argumentos tecidos neste item, torna-se óbvio que a dependência do
glocal interativo contribui, como elemento sociocultural, para a manutenção do estilo de vida
cibercultural. Ela reitera as práticas glocais ocorridas no ciberespo. A construção do habitus
glocalizado é ensejada pela relão de dependência do humano em função do glocal e ao
mesmo tempo, ela (dependência) é reforçada pela objetivação dos habitus já internalizados.
Vislumbra-se que a dependência que se perfaz a partir do habitus do glocal é
condição sine qua non para manutenção do regime dromocrático na cibercultura. Ela perpetua a
estrutura dromológica presente na era tecnológica, reproduzindo as estruturas objetivas da
dromocracia cibercultural, das quais ela mesma é, paradoxalmente, produto.
33
Enquanto relação
compulsória entre humano e glocal interativo, a dependência é também fator de estruturação da
lógica da reciclagem estrutural. Ela contribui para a reiteração da necessidade das senhas
infotécnicas e para o reforço das neo-utopias ciberculturais. A civilização tecnológica toma
33
Referência ao conceito de habitus, que reproduz as estruturas objetivas dos sistemas que lhes deram ensejo
(BOURDIEU, 1983, p. 61).
75
lugar como civilização dependente da tecnologia. É uma característica irreversível,
considerando a profunda conjunção do habitus convencionalmente socializado com o habitus
glocalizado.
Na cibercultura, a inculcão do sistema de disposições glocalizadas estruturantes
ocorre à medida que se processa a glocalização da existência. Como a glocalização se imbrica
tanto na dromocracia cibercultural quanto na dependência do glocal, conclui-se que ambos são
fenômenos que se complementam e se fundem para a perpetuação da civilização mediática
atual.
76
CONCLUSÃO
77
Após a análise da dependência do glocal interativo, englobando aspectos de sua
natureza, algumas de suas características e a inter-relação que ela possui com o habitus
glocalizado e com a dromocracia cibercultural, conclui-se que a dependência é condição sine
qua non do modus vivendi na cibercultura.
Vale frisar a importância do conceito de habitus de Bourdieu nesta reflexão, por
oferecer fundamentação para toda e qualquer pesquisa que busque enveredar pelo prisma de
abordagem sociocultural. Sua teoria social, por apreender o que de mais genuíno pode haver em
sociedade, que são suas práticas (e por isso mesmo envolvem indivíduo e coletivo, além das
estruturas objetivas), dificilmente deixa de abarcar algum âmbito de atuação humana.
Percebe-se quão amplo e interessante é o horizonte de pesquisa que engloba a teoria
da ação de Bourdieu e a epistemologia crítica da cibercultura de Trivinho. Nesta conjunção,
vislumbram-se as possibilidades de desdobramentos no que se refere às similaridades
guardadas as devidas proporções, em virtude dos contextos diferenciados entre as estruturas
sociais intuídas por Bourdieu e a lógica estrutural da cibercultura, descortinada por Trivinho.
A dependência do glocal digital, ainda que se apresente como habitus
naturalizado na relação com o equipamento, traz consigo toda carga negativa inerente a este
termo em seu uso convencional, que pode suscitar questionamentos relativos à condição de
vinculação do ser humano às tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, incentivar um espírito
crítico frente à utilização, compulsória ou não, do glocal interativo.
Quiçá a reflexão em tela seja um incentivo a todos os que combatem a dependência
no que se refere ao uso patológico de tecnologias (ou, mais especificamente, ao uso abusivo da
Internet), no sentido de que tenham em mente que a relação de dependência sociocultural
antecede ao uso patológico e, por isso, precisa ser considerada em toda sua abrangência. O
indivíduo pode ser vítima de um quadro de dependência, como enfermidade, porém, subjaz a
esse estado todo o contexto cibertecnológico que fomenta tal dinâmica.
78
Considerando os vários aspectos delineados nesta análise, e embora a dependência
do glocal seja processo de aparência irreversível, assim como o fenômeno glocal, permanece
sendo imprescindível a busca de um posicionamento crítico em relação à lógica estrutural da
cibercultura, a qual o poupa os indivíduos e os processos socioculturais de seu enredamento.
Resta, assim, buscar contribuir para a priorização nas palavras de Trivinho (2007, p. 252)
das “perspectivas e fundamentos de crítica teórica acerca das condições atuais da civilização
mediática”.
Estima-se que o presente trabalho possa contribuir, na direção acima indicada, para
outras pesquisas que abordem a dependência na era infotecnológica, em virtude da importância
do tema para a crítica da cibercultura.
79
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TRIVINHO, Eunio. Redes: obliterações no fim doculo. São Paulo: Annablume; FAPESP,
1998.
______. O mal-estar da teoria: a condição da crítica na sociedade tecnológica atual. Rio de
Janeiro: Quartet, 2001a.
______. A dromocracia cibercultural: lógica da vida humana na civilização mediática
avançada. São Paulo: Paulus, 2007.
TURKLE, Sherry. O segundo eu: os computadores e o espírito humano. Lisboa: Presença,
1989.
VIRILIO, Paul. A inércia polar. Lisboa: Dom Quixote, 1993a.
______. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993b.
______. A arte do motor. São Paulo: Estação Liberdade, 1996a.
______. Velocidade e política. 2. ed. o Paulo: Estação Liberdade, 1996b.
______. A velocidade de libertação. Lisboa: Relógio D’Água, 2000. (Coleção Mediações).
______. Aquina de visão. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. 5. ed. São
Paulo: Cultrix, 1984.
81
2. Teses e Dissertações
CUNHA, Michelle P. Redes glocais: articulação política e mobilização social na civilização
mediática contemporânea. São Paulo: 2005. Apresentada como Dissertação de Mestrado,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
MONTEIRO, Márcio W. A falácia da interatividade: ctica das práticas glocais na
cibercultura. São Paulo: 2006. Apresentada como Dissertação de Mestrado, Pontifícia
Universidade Católica de o Paulo – PUC-SP.
ZAFALON, Zaira R. As bibliotecas na cibercultura: crítica da estética da informação na era
do cyberspace. São Paulo: 2006. Apresentada como Dissertação de Mestrado, Pontifícia
Universidade Católica de o Paulo – PUC-SP.
3. Trabalhos apresentados em evento
BAZZAN, Ana L. C. Traffic as a Complex System: Four Challenges for Computer Science and
Engineering. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 27.,
2007, Rio de Janeiro. Anais... Manaus: SONOPRESS, 2007. 1 CD-ROM.
COSTA, Antônio C. R.; DIMURO, Graçaliz P. On the Notion of Developmental Computing
Machine. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 27., 2007,
Rio de Janeiro: IME. Anais... Manaus: SONOPRESS, 2007. 1 CD-ROM.
FERRAZ, Maria C. F. O estatuto da imagem no século XIX: por uma genealogia da
cibercultura contemporânea. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE PESQUISADORES EM
COMUNICAÇÃO E CIBERCULTURA, 1., 2006, São Paulo. Resumos... São Paulo: CENCIB/
PUC/SP, 2006. v. 1. p. 34.
MORAES, Gláucia T. B.; PILATTI, Luiz A.; SCANDELARI, Luciano. Comportamento
patológico provocado pelo uso indevido de Internet. In: ENCONTRO NACIONAL DE
ENGENHARIA DE PRODÃO, 25., 2005, Porto Alegre. Disponível em:
http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/Ebook/ARTIGOS2005/E-book%202006_artigo%2016.pdf.
Acesso em: 13 nov. 2007.
RIBEIRO, Leila. Os Desafios da Computação Biológica. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 27., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Manaus:
SONOPRESS, 2007. 1 CD-ROM.
4. Artigos em meio eletrônico
ASSOCIÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Tecnologia invade vida dos brasileiros e
causa dependência. Clipping Diário de Notícias On-line,o Paulo, mar. 2007. Disponível
em: http://www.abpbrasil.org.br/clipping/exibClipping/?clipping=4186. Acesso em: 13 nov.
2007.
______. Dependência Digital pode levar a problemas sociais. RedePsi, São Paulo, maio 2007.
Disponível em: http://www.redepsi.com.br/portal/modules/news/article.php?storyid=3986.
Acesso em: 25 mai. 2007.
82
BAITELLO, Norval. Mídia como droga. Ghrebh: Revista do Centro Interdisciplinar de
Semiótica, Cultura e dia. São Paulo, out. 2003. Disponível em:
http://revista.cisc.org.br/ghrebh4/index.html. Acesso em: 22 mar. 2007.
GOALES, Luciana. Jogos on-line e alterações de comportamento. Vox Scientiae: revista do
Núcleo José Reis de Divulgação Científica da ECA/USP, São Paulo, ano 7, n. 38, Mai/Jun.
2007. Disponível em: http://www.eca.usp.br/nucleos/njr/voxscientiae/lu_goncales_38.html.
Acesso em: 13 nov. 2007.
MORAES, Gláucia T. B.; PILATTI, Luiz A.; SCANDELARI, Luciano. Dependência de
internet: pesquisas mostram que a internet pode causar dependência. Disponível em:
www.simpep.feb.unesp.br. Acesso em: 13 nov. 2007.
PRADO, Oliver Z. Pesquisa internet e comportamento: um estudo exploratório sobre as
características de uso da internet, uso patológico e sobre a pesquisa on-line. 1998. Disponível
em: http://www.netpesquisa.com/introducao/historico.htm. Acesso em: 15 dez. 2007.
RAMOS, Sérgio de P. Da contribuição de fatores psicodinâmicos na gênese da dependência
química. Psychiatry On-line Brazil, ago. 1997. Disponível em:
http://www.polbr.med.br/arquivo/depend.htm. Acesso em: 3 fev. 2008.
RAZZOUK, Denise. Dependência de internet: uma nova categoria diagnóstica? Psychiatry On-
line Brazil, mar. 1998. Disponível em: http://www.polbr.med.br/arquivo/arquivo_98.htm.
Acesso em: 13 Nov. 2007. Acesso em: 13 nov. 2007.
TIRABOSCHI, Juliana. Presos na rede. Galileu, São Paulo, n.186, jan. 2007. Seção
Reportagens. Disponível em:
http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT1242130-1719-4,00.html. Acesso em: 13
nov. 2007.
YOUNG, K. Internet addiction: the emergence of a new clinical disorder. Annual meeting of
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www.netaddiction.com/articles/newdisorder.htm. Acesso em: 31 dez.2007.
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