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Nesta linha, o Superior Tribunal de Justiça examinou, em habeas corpus, o
cabimento de prisão civil decorrente de inadimplência em contrato de alienação fiduciária em
garantia, celebrado para aquisição de automóvel-táxi, cuja dívida, em menos de 24 (vinte e
quatro) meses, de R$ 18.700,00 (dezoito mil e setecentos reais) já havia alcançado o incrível
montante de R$ 86.858,24 (oitenta e seis mil, oitocentos e cinqüenta e oito reais e vinte e
quatro centavos). A 4ª Turma do Tribunal, à unanimidade, concedeu a ordem de liberdade à
devedora, em conformidade com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
com os direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual
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.
A simples circunstância de se tratar de contrato destinado à aquisição de automóvel,
para o exercício da profissão de taxista, foi levado em consideração pelo Superior Tribunal de
Justiça para dar-lhe tratamento jurídico contratual distinto.
Noutra hipótese, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deparou-se, em sede de
apelação cível, com contrato de plano de saúde celebrado em 1986 (contrato cativo de longa
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No voto do relator, são esgrimidos elementos fáticos associados a direitos fundamentais, como se depreende
dos seguintes trechos: “O descumprimento do contrato, com a falta da entrega do veículo ou de pagamento do
valor exigido, sujeitou a devedora à prisão civil por quatro meses, já decretada pelas instâncias ordinárias. Isso
significa que a devedora, pessoa com sessenta anos de idade, com a provável renda líquida mensal de R$ 500,00,
obtida com a exploração de táxi, consumirá o total de sua renda pelo resto da vida (prevista de acordo com as
tabelas de expectativa de vida vigentes no país), para pagar os juros bancários do contrato de alienação fiduciária
de um automóvel de aluguel. [...] A decisão judicial que atende a contrato de financiamento bancário com
alienação fiduciária em garantia e ordena a prisão devedora pro dívida que se elevou, após alguns meses, de R$
18.700,00 para 86.858,24, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, dá validade a uma relação negocial
sem nenhuma equivalência, priva por quatro meses o devedor de seu maior valor, que é a liberdade, consagra o
abuso de uma exigência que submete uma das partes a perder o resto provável de vida reunindo toda a sua
remuneração para o pagamento dos juros de um débito relativamente de pouca monta, destruindo qualquer outro
projeto de vida que não seja o de cumprir com a exigência do credor. Houve ali ofensa ao princípio da dignidade
da pessoa, que pode ser aplicado diretamente para o reconhecimento da invalidade do decreto de prisão. Na
relação contratual, celebrada por contrato de adesão, houve ofensa ao princípio da igualdade, com a imposição
de sanção grave (prisão) prevista para apenas uma das partes, e também excesso com a cláusula de juros acima
de qualquer limite legal. [...] É certo que há o confronto entre o direito à liberdade de comerciar do credor, o
direito de crédito que lhe resulta do contrato, ambas de natureza patrimonial, com os direitos da paciente à
liberdade de locomoção e de igualdade nas contraprestações. Daí a necessidade da ponderação dos valores em
colisão no caso particular dos autos, o que, penso, deve ser resolvido com a limitação dos direitos do credor, que
pouco perde, ou nada perde, porquanto não se lhe nega o direito de cobrar o lícito, em comparação com a perda
que decorreria da execução da ordem de prisão por quatro meses, só por si infamante, agravada pelas condições
subumanas de nossos presídios” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 12.547/DF. 4ª Turma. Rel. Min.
Ruy Rosado de Aguiar. STJ, Brasília, DF, 01 de junho de 2000. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/jurisprudencia/html. Acesso em: 19 de setembro de 2007).