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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ -
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM HISTÓRIA
ADRIANE MALLMANN EEDE HARTWIG
A PÉROLA NEGRA REGRESSA AO VENTRE DA OSTRA
Wilson Simonal em suas relações com Indústria Cultural (1963 a 1971)
MARECHAL CÂNDIDO RONDON
2008
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ADRIANE MALMANN EEDE HARTWIG
A PÉROLA NEGRA REGRESSA AO VENTRE DA OSTRA
Wilson Simonal em suas relações com Indústria Cultural (1963 a 1971)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu Mestrado em Hisria
como requisito parcial para a obtenção do tulo de
Mestre em História. Área de Concentração: História,
Poder e Práticas Sociais. Centro de Ciências
Humanas, Educação e Letras, Campus de Marechal
Cândido Rondon, Universidade Estadual do Oeste
do Paraná – UNIOESTE.
Orientadora: Prof.ª Dr. Sarah Iurkiv Gomes
MARECHAL CANDIDO RONDON/PR
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
Hartwig, Adriane Mallmann Eede
H337p A pérola negra regressa ao ventre da ostra: Wilson Simonal
em suas relações com indústria cultural (1963 a 1971) /
Adriane Mallmann Eede Hartwig. Marechal Cândido Rondon,
2008
157 p.
Orientadora: Profª. Drª. Sarah Iurkiv Gomes
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, Campus de Marechal Cândido Rondon, 2008.
1. Simonal, Wilson, 1939-2000. 2. Música popular
brasileira. 3. Indústria cultural. 4. Brasil Regime
militar. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II.
Título.
CDD 21.ed. 780.981
981.061
CIP-NBR 12899
Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539
3
Dedico este trabalho à minha mãe,
Maria Araci M. Eede e
à meus filhos
Carolina e João Vitor E. Hartwig.
AGRADECIMENTOS
Agradecer é sempre algo tão complexo e tão intenso, pois ao fazermos tememos não
contemplar a todos que foram importantes nesse processo. Esta caminhada foi sem dúvida,
uma das mais desafiantes, intelectualmente falando, mas também uma das mais prazerosas
que já enfrentei, pois foram horas e horas lendo, escrevendo, apagando, reescrevendo,
reelaborando idéias, conceitos. Foram horas em frente a um computador, a livros, textos,
fontes, ouvindo sica (não de Wilson Simonal). Talvez os únicos que compartilharam
minha solidão e meus medos, e por vezes, sozinha, assustada, sem nada conseguir escrever.
Mas busquei forças naqueles que se mostraram amigos, parceiros, e que, acima de
tudo, acreditaram muito em mim, que me respeitaram e incentivaram a não desistir.
Começo agradecendo a Deus por me permitir chegar aonde cheguei, por me dar paz
espiritual, serenidade e confiança em que tudo teria um desfecho, seja qual fosse.
Agradeço a minha mãe, que é minha maior fã, pois desde meu ingresso na
Universidade, sempre me apoiou em tudo, acreditando em mim sempre, com suas orações e
palavras de conforto.
Agradeço a minha família, meu esposo, Marcos A. Hartwig e meus filhos, Carolina e
João Vitor Hartwig, pela paciência, pelo carinho, pelo respeito e por compreender minha
ausência em muitos momentos nesses dois anos e meio de pesquisa.
Agradeço àquela que deu início á minha trajetória, pois sempre me deu forças e me
estimulou a seguir em frente, a professora doutora Marli Schlosser, por me desafiar, por me
instigar a no meio acadêmico continuar.
Agradeço à minha amiga e professora da Unioeste, Ivonete Pereira, para mim
exemplo de caráter e ética, mas principalmente, de competência. Mesmo distante se diss a
ler e pontuar sugestões em relação ao Projeto que apresentei quando ingressei no Programa de
Mestrado que agora concluo, acreditando sempre que eu fosse capaz.
Agradeço a minha amiga Eliane Liechescki, pela ajuda na fase inicial, me ajudando a
conferir documentos, organizar textos e me dando o apoio necesrio até o fim de minha
trajetória, ouvindo-me sempre.
Agradeço aos meus queridos pupilos” e “ex-pulilos”, por estar sempre em contato,
pelos recados carinhosos, emails encorajadores, pela compreensão das aulas perdidas e pelo
olhar afetuoso e carinhoso de sempre.
Agradeço aos meus colegas de trabalho, nas três escolas em que leciono, Colégio Rui
Barbosa, Colégio Estadual Novo Sarandi e Colégio João Arnaldo Ritt, por terem me ajudado
nesse processo, com trocas e substituições de aulas, com palavras de força e respeito. Estela
Bolzan, Leonilda Becker e Lurdes Maria Lunkes meu especial obrigado.
A Neander Kloss, diretor do Colégio Rui Barbosa, agradeço a confiança em mim
depositada e o apoio em viagens e eventos, me possibilitando concretizar esse projeto. Á
Lídia Sander e Adriana Werlang (coordenadoras do Colégio Rui Barbosa), meu profundo
carinho e admiração, pois sempre me apoiarem, com um sorriso matinal, uma palavra de
força, por me fazer sentir importante.
À Érica Wrasse, meu eterno obrigado, por acreditar em mim, por me possibilitar por
diversas vezes, fora de hora, ir ao colégio Rui Barbosa pesquisar, ler, estudar, por
compreender o envio das provas e notas, nas madrugadas.
À Márcia Eliane Dewes, diretora do Colégio Estadual Novo Sarandi, um especial
agradecimento, por me dar força, por sempre acreditar em mim, e por ter tido a coragem de
olhar o resultado da seleção desse mestrado, deixando-me uma das minhas mais valiosas
lembranças, tornando aquele dia inesquecível.
À Cláudia da Silva (coordenadora) e Martin Airton Wissmann (vice-diretor), do
Colégio Estadual Novo Sarandi pelos socorros nas horas mais inusitadas, pela ajuda técnica e
pelo profissionalismo, apoiando-me no que precisasse.
À Jairo Luiz Hoffmann, diretor do Colégio Estadual João Arnaldo Ritt, e a
coordenadora, Helena Batista Oliveira, pelo apoio, pelo carinho e respeito.
E, um especial agradecimento àqueles que vivenciaram comigo esse processo, que se
permitiram me ouvir, que se permitiram ser meus amigos, trocando idéias, propondo
caminhos, ajudando a aliviar minhas tensões, fazendo-me perceber que quando temos sonhos
e neles acreditamos, tudo vale a pena, se coragem tivermos para enfrentar os desafios, e, se
cairmos, levantar e sempre seguir em frente, aprendendo tanto com a caminhada, como da
chegada. A vocês, Cézar Karpinski, Carla M. Ramos, Fernanda Pamplona Ramão (também
colegas de academia e que juntos dividimos duvidas e expectativas), á Rejane Munchen,
Juciany May,Vera Ruhoff, Loreci Sutil, William Hubner, Claudeci Malaquias, Rosane Eede,
Eliane Liecheski, Nemora Rodrigues, Paulo Eduardo Lang, meu muito obrigada.
Agradecimento também à Neiva e Darcilo, vizinhos queridos, pelo socorro e apoio, e
pelo empréstimo da “vitrola” para que pudesse ouvir os discos de Wilson Simonal; a Radio
Difusora, em especial a Claudete Lagemann e Jorge Bahia, por me permitir pesquisar na
discografia e alguns discos emprestarem, além das revistas sobre sica; à Márcia
Elisa Sbaraini Leitzke pela correção das normas da ABNT, à Leonilda Becker, pela correção
ortográfica e à Talita Oswald pelo Abstract, à Gustavo Alonso Ferreira , doutorando pela UFF
e colega de pesquisa pela troca de idéias em função do tema em comum Wilson Simonal.
Agradeço também a todos os professores do programa de Mestrado, pois cada um, na
sua singularidade, permitiu-me reaprender o oficio do historiador e a ver a multiplicidade de
discursos que há na sociedade, compreendendo que não existe uma verdade única, e sim,
verdades.
E finalmente, muito obrigada à minha orientadora, professora doutora Sarah Iurkiv
Gomes, pela paciência, pelo respeito, por compreender meu universo e minhas dúvidas, pelas
palavras de apoio, pelos e-mails intermináveis, e, com competência, ajudou-me a chegar até
esse momento. Como ela sempre dizia: “Este é um trabalho feito a quatro mãos, Adry!!”.
Obrigada professora, amiga e colega de profissão, pela confiança depositada.
À todos, meu muito obrigado. Sem vocês, com certeza não teria realizado este que
sempre foi um grande sonho, o de ser Mestre, não pelo título, mas pelo conhecimento
apreendido.
É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
o lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
o transformar sonhos em realidade...
É proibido esquecer seu passado e
apa-lo com seu presente.
É proibido não criar sua história e
o pensar que podemos ser melhores...
(Pablo Neruda)
RESUMO
HARTWIG, A. M. E. A pérola negra regressa ao ventre da ostra: Wilson Simonal em
suas relações com indústria cultural (1963 a 1971). 157p. 2008. Dissertação (Mestrado
em História) - Universidade Estadual do Oeste do Para. Orientadora profª Drª Sarah
Iurkiv Gomes
Este estudo tem como prosito problematizar a sica que, se por um lado, embala
momentos e emoções, por outro, possibilita ao historiador se aproximar de contextos sócio-
históricos determinados ou de conjunturas específicas, tendo como base a premissa de que o
processo que perpassa a produção de um artista, ou de uma música, relaciona-se com certos
momentos históricos. Diante do exposto, explicita-se que, se esta Dissertação tem como
questão central a construção de um artista, ou seja, Wilson Simonal, não se trata de uma
biografia, ou de uma digressão determinista sobre mass media, mas, tendo com fundamento
um estudo de caso, consiste, isto sim, numa análise acerca das relações estabelecidas entre
aquela que se convencionou designar Indústria Cultural e o artista. Artista este, apreendido
enquanto sujeito, tendo em vista as várias formas pelas quais sua vivência, sua experiência,
interfere na conformação peculiar de sua imagem de consumo e nos desdobramentos de sua
carreira. Em síntese, pondera-se, neste trabalho, sobre um intérprete e sua trajetória que,
podendo ser apreendido meramente como mercadoria, instrumento de veiculação da
infalibilidade dos valores burgueses e, em consonância, naquele momento particular, de
legitimação de uma forma determinada de Estado, denota, através de atitudes aparentemente,
ou efetivamente, contraditórias, ao longo de sua vida pública, sua atuação enquanto sujeito.
Outrossim, tendo sido instrumento do sistema, também tira proveito dos ventos que sopram a
favor. A circunscrição temporal desta pesquisa remete aos anos entre 1963 a 1971,
demarcando, em linhas gerais, o golpe civil-militar de 1964 e o subseqüente recrudescimento
de um Regime de Força no país. No que tange a Simonal, torna-se, neste período, um artista
de sucesso, gozando de expressiva popularidade. Considera-se que sua proximidade com os
militares, os investimentos de multinacionais em sua carreira e a imagem construída como
sendo herói das classes trabalhadoras, expressam um projeto das classes dominantes, no
qual, através dos meios viabilizados pela indústria cultural, legitima-se o Regime e
fundamentalmente, afirma-se o capitalismo enquanto formação cio-econômica ideal.
Passado o momento em que além de mercadorias, Simonal é capaz de vender ideologias,
outros ídolos tomam seu lugar. A indústria cultural produz efemérides. Para o artista/sujeito
ser relegado ao ostracismo assume contornos de conspiração; para setores do meio artístico e
intelectual vislumbrar em Simonal um informante do Regime, justifica o menosprezo de que o
artista passa a ser alvo. São apenas exemplos, dentre outros possíveis, de como um mesmo
episódio pode ser lembrado de maneiras diferentes, numa relação direta com o lugar de onde
se fale. Concluindo, as fontes examinadas não permitem estabelecer uma conexão direta entre
as acusações que atingem Simonal e a decadência de sua carreira, sequer é este o objetivo
deste estudo, todavia, por possibilitarem perceber que o ícone do brasileiro que deu certo cai
rapidamente no esquecimento, faz ponderar sobre a constituição das memórias ou de
estruturas de esquecimento.
Palavras chave: Wilson Simonal Música - Indústria Cultural – Regime Militar
ABSTRACT
HARTWIG, A. M. E. The black pearl oyster's return to the womb: Wilson Simonal in
its relations with cultural industry (1963 to 1971). 157p. 2008. Dissertation (Masters
Degree in History) - State University of West of Parana. Advisor Profª Drª Sarah Iurkiv
Gomes.
The purpose of this study is to discuss how music can both, lull moments and emotions and
make possible to a historian to get closer to determinate socio-historical contexts or specific
conjunctures, having as basis, the premise that the process that go through the production of
an artist, or of music, is related to certain historical moments. We would like to emphasize
that if this work has as central question the construction of an artist, Wilson Simonal, it is not
a biography or a determinist digression about mass media, but having as a basis a case study,
consisting in an analysis about the established relations between the cultural industry and the
artist. This artist is seen from the various forms of living and experience that influence his
image about consumption and the path of his career. In a synthesis, this work is concerned
about the singer and his trajectory, that can be seen as a simple merchandize, a propagation
instrument of the bourgeois values in an specific period of time, a legitimation of a State
determined form, shows, through apparent attitudes, or effectively contradictory, throughout
his public life, his acts as a person. Therefore, being an instrument of the system, he also uses
advantage of what comes in favor of him. The time circumscription of this research, between
1963 and 1971, marks out, in general, the military civil coup of 1964 and the subsequent
failure of a Force Regime in the country. Simonal became in this period a successful artist,
having great popularity. We consider that his closeness to the military, the investments of
multinational enterprises in his career, and the image showed of him as the hero of workers ,
express a dominant class project that, through means made available by the cultural industry,
legitimate the regime and fundamentally, assert the capitalism as an ideal socio-economic
formation. After the moment that Simonal is able not only to sell his product but also sell
ideologies, other idols take his place. The cultural industry produces short-livings. For the
artists to be relegate to the ostracism take on outlines of conspiracy; sectors of the artist and
intellectual means see in Simonal a Regime informer, justifies the contempt that the artist
needs to face. These are just examples of how an episode can be remembered in different
ways, in a direct relation with the place where it is said. Concluding, the surveyed sources do
not allow to establish a direct connection between the accusations that attain Simonal and the
decadence of his career, and this is not the objective of this study, but, as they enable us to
perceive that the Brazilian artist was forgotten quickly, make us ponder about the constitution
of the memories or the structures of the forgetfulness.
Key-Words: Wilson Simonal - Music – Cultural Industry Military Regime.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Wilson Simonal – Disco Vou deixar Cair, 1966 ....................................................73
Figura 2. Capa do disco Alegria, Alegria!!! Wilson Simonal - 1967.....................................90
Figura 3. Capa do disco Alegria, Alegria, vol. 2 - 1968........................................................96
Figura 4. Capa do disco Alegria, Alegria, vol. 4 - 1969......................................................100
Figura 5. Foto Wilson Simonal (símbolos), 1969................................................................107
Figura 6. Foto Wilson Simonal (símbolos) 1969 ................................................................107
Figura 7. Foto Wilson Simonal (símbolos), 1969................................................................107
Figura 8. Foto Wilson Simonal (símbolos), 1969................................................................107
Figura 9. Receita de Simonal para ser pilantra....................................................................108
Figura 10. Relaçao das Musicas mais vendidas entre 1969/70 ............................................111
Figura 11. Quadro das fusões das gravadoras de 1969/93...................................................119
Figura 12. Pelé e Simonal, 1970.........................................................................................123
Figura 13. Pelé e Simonal, 1970.........................................................................................123
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................14
1 “O HOMEM E A MÚSICA. O HOMEM: WILSON SIMONAL”...............................23
1.1 NASCEU WILSON SIMONAL DE CASTRO...............................................................25
1.2 O INÍCIO DA MÚSICA NA VIDA DE SIMONAL.......................................................27
2 A CRIAÇÃO DO ÍDOLO WILSON SIMONAL...........................................................33
2.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO...............................................................................35
2.2 O ÍDOLO E A INDÚSTRIA CULTURAL.....................................................................40
2.3 A CAMINHO DO ESTRELATO – S’IMBORA!!..........................................................46
2.3.1 Wilson Simonal “tem algo a mais”? A produção de sua obra.......................................53
2.3.2 O estilo Simonal – o auge de sua carreira ....................................................................62
2.3.3 De Bôscoli a Imperial – o sucesso de um “pilantra”.....................................................69
2.3.4 Simonal - o MUG...nífico............................................................................................73
3 QUEM NÃO TEM SWING MORRE COM A BOCA CHEIA DE FORMIGA ..........89
3.1 SIMONAL – “AQUELE “CARA” QUE TODO MUNDO QUERIA SER”..................102
3.2 SIMONAL E A SHELL HERÓI DA CLASSE TRABALHADORA OU SÍMBOLO DE
SUCESSO?..................................................................................................................112
3.3 SIMONAL – DO SUCESSO AO OSTRACISMO DO “PILANTRA”..........................122
3.4 SIMONAL E A INDÚSTRIA CULTURAL – TUDO PELO LUCRO..........................128
3.5 SIMONAL E A MÚSICA DE MASSA: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE131
3.6 SIMONAL E A MEMÓRIA HISTÓRICA...................................................................135
CONCLUSÃO..................................................................................................................139
REFERÊNCIAS...............................................................................................................144
OBRAS CITADAS............................................................................................................144
OBRAS CONSULTADAS ................................................................................................149
DOCUMENTOS................................................................................................................151
Documentos Publicados.....................................................................................................151
Revistas .............................................................................................................................152
Documentos – suporte eletrônico e/ou internet ...................................................................154
Documentos fonográficos ..................................................................................................155
Documentos orais ..............................................................................................................156
Documentos iconográficos.................................................................................................156
DICIONÁRIO DA PILANTRAGEM .............................................................................157
ANEXOS ..........................................................................................................................158
INTRODUÇÃO
A música, aqui entendida como uma prática social da cultura, por vezes requisitada
pelos poetas ou pelos críticos, entoada pelas mais diversas vozes e nos mais variados lugares,
expressa tanto estados de espírito como experiências de sujeitos históricos múltiplos.
Quando apreendidas, essas experiências ao serem compartilhadas com outros
sujeitos, presentes nesse cenário, são reelaboradas diferentemente, pois cada um o fará de
acordo com suas concepções sociais, econômicas, culturais, políticas. O embate está no fato
de que as classes dominantes, ou grupos sociais determinados, pretendem transformar as
diferentes experiências em práticas sociais comuns, ou seja, homogeneizando-as,
desconsiderando as singularidades na produção e, principalmente, na atribuição de sentidos a
essas práticas pelos sujeitos na sua individualidade, ou em termos coletivos.
Essas e outras questões podem ser percebidas nas décadas de 1960-1970, no Brasil,
nos âmbitos sociais, culturais e político-econômicos. Décadas marcadas de um lado por
alterações políticas, indissociáveis dos projetos econômicos implementados pelas burguesias,
em suas várias faces e, de outro, pela organização e mobilização de setores das classes
trabalhadoras a resistir, na medida e através das maneiras possíveis, ao Regime, em particular
e, numa perspectiva mais ampla, ao sistema como um todo
1
. Não obstante os inúmeros fatores
a caracterizar este período, limita-se aqui, tendo em vista o objeto que se propõe abordar, a
enfatizar o pulular de manifestações artísticas, em uma multiplicidade de formas e conteúdos,
através dos quais diferentes sujeitos expressam concepções de mundo díspares, numa disputa
de poder entre emissários de uma ordem estabelecida, atores fundamentais na sua legitimação
e, aqueles que, de modos peculiares, a questionam, a contestam.
Diante do exposto, define-se enfim, o problema central a ser deslindado neste estudo,
ou seja, analisar a relação entre um artista produzido pela indústria cultural
2
, enquanto ídolo
das massas e o artista/sujeito que, para além de objeto manipulável, manipula também, faz
1
Muito embora se tenha ciência de que a conjuntura político-econômica a distinguir o Brasil após e, em
consonância, com o Golpe civil-militar de 1964 seja fundamental para o desenvolvimento da problemática que
se propõe desenvolver neste estudo, sistematizada mais adiante, vê-se necessário elucidar que a conjuntura
referenciada o constitui objeto de pesquisa por se considerar a expressiva produção historiográfica relacionada
à questão, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Tomar-se-á, nessa direção, basicamente, os aportes
proporcionados por René Deifuss em 1964: A conquista do Estado .
2
Utiliza-se os conceitos indústria cultural, massa ou cultura de massa tendo como suporte, basicamente, os
referenciais de Horkheimer e Adorno. Trabalhos fundamentais para compreender, historicizar e problematizar
esta conceituão são os textos de Horkheimer, Max. Teoria tradicional e teoria crítica e Filosofia e teoria crítica
e ADORNO, Theodor W. O fetichismo na sica e a regressão da audição. In: _____. Textos escolhidos. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.
15
uso daquilo que a sua construção proporciona enquanto sujeito histórico que é. Outrossim,
sendo produto, sua condição tem limites, limites dos quais o artista/sujeito dificilmente tem
consciência. Ademais, aborda-se a atuação do ídolo das massas no processo de reificação,
naturalização, de uma forma específica assumida pelo Estado.
A despeito dos múltiplos estilos musicais, bem como ritmos e artistas que marcaram
o Brasil nos anos 1960 e 1970, esta Dissertação se propõe refletir, tendo como referência as
ponderações acima, sobre um artista, especificamente, Wilson Simonal, compositor e
intérprete, carioca de nascimento, com uma produção difundida entre o eixo Rio de Janeiro -
São Paulo, circunscrevendo a abordagem aos anos entre 1963 a 1971. Refletir acerca de
Simonal nos decênios delimitados, para além de um ensaio biográfico ou determinista, remete
ao intuito de compreender, por um lado, de que maneira e com qual finalidade atua a indústria
que transforma esse artista, por um espaço de tempo determinado, em showman, herói das
classes trabalhadoras, ícone do brasileiro capaz de dar certo e, por outro, a ação e a reação do
artista, entendido como sujeito histórico, em relação a um aparato mercadológico/ideológico
correndo risco de redundância que, se em um momento constrói, inventa o ídolo, em outro,
estará substituindo-o por outro/outros, legando ao primeiro o retorno ao anonimato.
A escolha por este tema deve-se ao fascínio que a sica desperta na autora, tendo
em vista suas diversas possibilidades de interpretação. Apreendida aqui como documento
passível de utilização na elaboração do conhecimento histórico, consiste, acredita-se, em
elemento basilar para entender o muito que resta a ser elucidado acerca das mil faces da
produção artística e seu consumo durante os anos em que uma aliança civil-militar dita os
rumos do Estado brasileiro, muito embora as pretenes deste trabalho sejam bem mais
modestas, conforme já enunciado.
Vale dizer, ainda, que o interesse pelo período referido remonta à Graduação em
História, o que se traduz na monografia elaborada como Trabalho de Conclusão de Curso,
que, igualmente, faz uso da sica como fonte documental. A perspectiva, porém, é diversa,
tanto que ao finalizá-la, percebe-se a permanência de lacunas que suscitam a continuidade da
pesquisa por este campo. Pondera-se que investigar questões relativas ao Regime Militar
tendo a sica e todos os elementos que envolve e/ou são envolvidos por ela é tarefa deveras
interessante, todavia, extremamente complexa, considerando as diferentes possibilidades de
abordagem desta manifestação artística em particular, além da multiplicidade de atores que
expressam sua relação e/ou interpretação da conjuntura político-econômica por meio de letra,
melodia, gestos, dentre outros elementos a perpassar o universo musical.
16
A sistematização da problemática deste estudo encontra fundamento nos aparentes
paradoxos que marcam a trajetória profissional e, em certa medida, pessoal de Wilson
Simonal. Seria simplificador, todavia, supor que tais paradoxos estão relacionados tão
somente, se é que estão, ao estigma de informante dos militares. Entende-se, portanto que,
sendo um fator a distinguir Simonal, a pecha de informante do Regime pode ser apreciada
numa perspectiva mais ampla que remete a questões ideológicas, interesses mercadológicos
da indústria fonográfica e, evidentemente, a postura de Simonal ao longo de sua trajetória, a
qual denota não perceber que a condição de ídolo, pelo que implica, tem limites. É lícito
afirmar, no entanto, que perde seu posto entre os estabelecidos no meio musical numa livre
adaptação da expressão cunhada por Norbert Elias -, mais especificamente após 1971.
O desenvolvimento da pesquisa evidencia a expressividade da produção artística de
Simonal no período em questão, sua popularidade, o trânsito pelos diversos gêneros musicais,
circulando pelo Samba, Bossa Nova, Jovem Guarda, MPB, Tropicalismo, Black Music, muito
embora não se vincule a nenhum deles, particularmente. Além disso, pode-se vê-lo em
companhia de diversos nomes presentes no cenário musical até o presente, distintos entre si
tanto em termos de nero musical, quanto de posição política, dentre estes, destacam-se:
João Gilberto, Roberto Carlos, Geraldo Vandré, Caetano Veloso e Chico Buarque.
Com o desenrolar da investigação fica evidente a quase absoluta ausência de Simonal
dos anais da história oficial. Muito embora não constitua objeto de análise deste trabalho,
considera-se que este relativo vazio merece inquirições mais cuidadosas. Pondere-se que se se
trata de um artista que goza de expressiva popularidade por mais de uma década, é presença
constante nos principais veículos da grande mídia no período, tem sua vida marcada por um
episódio transformado em escândalo por diferentes setores dos meios de comunicação, e,
como num repente, cai no esquecimento.
Tendo como premissa de que só se poderia pautar a reflexão sobre a relação
Simonal/indústria cultural num conhecimento profundo sobre a trajetória do artista, depara-se
logo com o desafio representado pela inexistência de conhecimento historiográfico
sistematizado a respeito do mesmo. Desta forma, há o evidente interesse em explorar o
ineditismo posto entrelaçado, entretanto, com os riscos do novo. Não interpretações a
criticar, ponderar ou que possam contribuir com o estudo que se propõe realizar. Os
apontamentos sobre Simonal se restringem, até bem pouco tempo, a pequenas menções de
críticos musicais, produtores, músicos, como Nelson Motta, Rui Castro, Aquiles Rique Reis,
mas no geral como se fora um personagem coadjuvante, nunca protagonista.
17
Os poucos trabalhos sobre Simonal o bastante recentes, desenvolvendo-se quase
que simultaneamente com esta pesquisa, como, por exemplo, as dissertações de mestrado da
jornalista Mônica Herculano, intitulada “O Rei do Pa-tro-pi - Análise da mídia impressa na
carreira de Wilson Simonal”, defendida em dezembro de 2002 na Universidade Metodista de
São Paulo, e do historiador Gustavo Alves Alonso Ferreira, com o título “Quem não tem
swing morre com a boca cheia de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória
tropical”, esta última defendida em 2007. Em maio passado, o humorista Cláudio Manoel
lançou o documentário que produziu acerca de Wilson Simonal. O tulo “Ninguém sabe o
duro que dei” é sugestivo tanto no que remete à trajetória da personagem como às
dificuldades encontradas pelo produtor do documentário, que reúne entrevistas com pessoas
que conviveram com Simonal de 1939 a 2000.
Parte-se então, para a busca das fontes que viabilizariam a concretização deste
escopo. Busca esta que pode ser traduzida como um longo processo de garimpagem, para o
qual se contou em grande medida com o auxílio dos recursos proporcionados pela Internet
para localizar a documentação, tendo em vista tratar-se de um artista que tendo nascido e
vivido no Rio de Janeiro, terá seu blico, fundamentalmente entre o eixo Rio São Paulo.
Os esforços despendidos são compensados pela quantidade e qualidade de fontes a
que se consegue ter acesso, de diversas tipologias. Há as fontes de imprensa, tais como artigos
de jornais e revistas da época, entre os anos de 1963 a 1972. Citando-se alguns jornais: Jornal
do Brasil, Jornal da Tarde, Folha de São Paulo, Correio da Manhã. Revistas: Intervalo, Fatos e
Fotos, Realidade, Manchete, Melodias, Revista do dio. Estas fontes, localizadas através de
sebos virtuais e do contato com colecionadores, vieram dos mais variados lugares, como São
Paulo, Porto Alegre, Minas Gerais, Pernambuco e Salvador. De Salvador, há que se destacar o
contato estabelecido com Klécius Leão, um dos compositores das canções que Simonal grava,
o qual acaba por fornecer exemplares em vinil dos discos do artista produzidos entre 1972 e
1975.
Além das fontes produzidas pela imprensa, coleta-se o que é possível da obra do
artista. Tem-se acesso, então, a uma coletânea, Box, de CDs, nove ao todo, lançado em 2004
pela Emi/Odeon. Trabalho este, produzido em parceria com os filhos de Simonal, Max de
Castro e Wilson Simoninha. Os nove CDs remetem à sua trajetória entre os anos de 1961 a
1971, período em que é contratado da Odeon. Os CDs mencionados, compilão dos discos
originais em vinil, vêm acompanhados de um encarte com uma biografia escrita pelo
jornalista Ricardo Alexandre, fonte relevante para esta pesquisa. Conta-se, ainda, com uma
entrevista, mesmo que relativamente breve e por telefone, com Wilson Simoninha.
18
Tendo as fontes em mãos, após muita pesquisa em bibliotecas e sebos, tanto virtuais
como em visitas aos locais que se vasculha para localizar qualquer tipo de menção a Simonal,
inicia-se o processo de seleção e análise da documentação. Análise que requer método e
critério, o qual foi difícil definir, até concluir que o historiador, enquanto investigador que é,
deve examinar as fontes, tanto quanto a historiografia, resguardando as subjetividades
inerentes aos documentos, à historiografia e, evidentemente, ao próprio pesquisador quando
interpreta a fonte que esteja a examinar.
Como este foi um trabalho de imersão profunda, por vezes, a paio pelo tema e pelo
que, a longa e estreita convivência, leva a denominar: Simonal – homem objeto chega a tomar
conta das análises, comprometendo-as. Desta forma, a pesquisadora se obrigada a refazer
caminhos e repensar posicionamentos. Mas o contato com a historiografia que se produziu
sobre o período, foi aos poucos elucidando algumas questões, clareando outras, a ponto de
visualizar aos poucos a problemática do trabalho. O encontro da problemática seria, durante
muito tempo, a grande dificuldade desta pesquisa.
Nessa direção, a análise das fontes conjugada com o exame de uma série de obras
voltadas para a historiografia sobre o período permite a elaboração da problemática central da
pesquisa, ou seja, compreender, por um lado, de que maneira e com qual finalidade atua a
indústria que transforma Wilson Simonal, por um espaço de tempo determinado, em
showman, herói das classes trabalhadoras, ícone do brasileiro capaz de dar certo e, por outro,
como esse artista, entendido como sujeito histórico será, em relação a um aparato
mercadológico/ideológico, construído como um ídolo, e, em outro, substituído por
outro/outros, legando-o ao anonimato.
A carreira de Simonal se distingue por ocorrências inéditas no meio musical do
período. Exemplo disto é o contrato que assina com a Shell, multinacional que está se
transformando numa corporação gigantesca, um dos mais vultosos do período, Contrato este,
assinado logo após uma apresentação no maracanãzinho, em junho de 1969, ocasião em que
abre um show de Sérgio Mendes, que deveria ser a grande atração da noite. Será Simonal,
todavia, que revistas e jornais a registrarem o evento, afirmam ter regido um coral de mais de
35000 pessoas.
Sinônimo de popularidade, fenômeno midtico, aceito em alguns círculos, seria
rechaçado em outros que, compostos por pessoas engajadas, que têm a transformação social
como meta, pensam a música como forma de protestar. Nestes casos, Simonal é visto como
um artista alienado.
19
A despeito das críticas relativas à sua postura política, ou o que costumava propalar
como falta de postura política, neutralidade, Wilson Simonal, Simona como gostava de ser
chamado, artista negro do subúrbio carioca, criador de um estilo musical denominado de
pilantragem - aquele que está sintonizado com as novidades -, bom comunicador, conhece
pessoas influentes, bota banca, cria moda, nacional e internacionalmente.
Essa popularidade toda seobtida através de um tipo de canção construída para
Simonal se comunicar com as massas. A sica de Simonal, entendida como sica de
massa
3
, criação da indústria cultural, serve tanto para legitimar a forma que o Estado assume
no Brasil, naquele momento determinado, como veicula valores que contribuem na
preservação do sistema como um todo.
Considerando-se, antes de tudo, a historicidade dos conceitos, toma-se como base
para a reflexão sobre indústria cultural, a perspectiva proposta por Theodor Adorno, tendo em
vista, reitere-se, o contexto em que é elaborada e em que medida fundamenta a enunciação da
problemática deste estudo. Pondera-se que as asseverações de Adorno sobre cultura de massa,
embora o termo venha a ser problematizado a posteriori pela Teoria Crítica, permanece
válido para abordar a transformação de Wilson Simonal em ídolo das massas. Ou seja,
Adorno pauta a cultura de massa enquanto produção de uma estrutura montada com finalidade
determinada, de uma indústria, que transforma as manifestações artísticas em produtos,
mercadorias e em instrumento de veiculação e reificação de valores.
Com o advento da tecnologia e dos mass media - meios de comunicação de massa -,
a difusão e mercantilização de manifestações artísticas, em suas mais diversas formas, torna-
se cada vez mais comum. No caso específico da música, Adorno discute sua transformação
em produto a ser vendido, e o artista, transformado em um símbolo, passaria a vender o
produto em si e os valores que o mesmo corporifica como os únicos valores válidos,
denotativos do modo de vida único, natural, visando a criação de uma sociedade de consenso,
uma sociedade homogênea.
A música de massa, da qual é expressão a sica cantada por Wilson Simonal nos
tempos áureos de sua carreira, atuaria como um fetiche, algo que deixaria o sujeito em êxtase
e, como tal, manteria o mesmo alheio, destituído de uma consciência crítica da sociedade
como um todo. Sendo assim, considera-se que a música composta e/ou interpretada por
Simonal, pode ser apreendida como música de massa.
3
A Teoria Crítica aponta para o cuidado em não confundir música de massa com estilos de sica que brotem
das camadas populares enquanto manifestações espontâneas. Tanto sicas de conteúdos e melodias fáceis
como músicas eruditas são utilizadas pela indústria cultural enquanto mercadorias e enquanto instrumento de
veiculação e legitimação de valores.
20
Inicialmente Simonal não parece estar em busca de um público específico. Ao
interpretar canções como Nanã e Balanço Zona Sul, considerada pelos críticos, como Rui
Castro, como música jazzista e sofisticada, Simonal interpreta músicas de boa qualidade, mas
que não chegam a representar um grande impacto em termos comerciais. Logo, a indústria
fonográfica, percebendo o potencial de Simonal, como comunicador irreverente, ousado e
debochado, utiliza estas características para transformá-lo num símbolo de sucesso,
espontaneidade, superação. Sua sica será, a partir de então, destinada a um público mais
restrito, o chamadoblico da zona norte, de preferência os mais jovens.
Por ser originário de lá, Simonal deverá dar vida a um personagem peculiar, ou seja,
nascido no morro, negro e pobre, que consegue subir na vida. Canta sicas de massa e para
as massas, de acordo com os interesses da indústria fonográfica e com os seus. A imagem que
a indústria constrói e o campo do simbólico, elaborado por Bourdieu, explicita esta questão,
ou seja, sua função será representar para um segmento específico do público, uma
personagem com a qual este público se identifique e nela vislumbre as mesmas possibilidades
de ascensão social. Assim, Simonal nasce e vive no morro, negro, é um artista que supera a
pobreza, o preconceito, que com seu trabalho consegue ter acesso a todos os bens desfrutados
pelas burguesias, o que se exprime, por exemplo, no carro vermelho reluzente que ilustra a
capa de um de seus discos. Vale ressaltar que além de trabalhador e esforçado, distingue-se
pela honestidade e patriotismo.
Em outros termos, Simonal atua como símbolo de um grupo social caracterizado por
condições sociais e econômicas desfavoráveis e que, não obstante estas condições demonstra
que são passíveis de superação através de trabalho, esforço, honestidade e amor à pátria. Ou
seja, a ascensão social e econômica é uma possibilidade para todos que sejam capazes no seio
do sistema capitalista. Em suma, o sistema é bom. Permanecem pobres apenas os ineptos. Na
teoria dos campos, Bourdieu ao tratar do campo do simbólico pondera sobre a relevância
dessa identificação para a aceitação por parte de um grupo de certos ideários veiculados.
Nesse sentido, Simonal por um lado, atua como instrumento do sistema, vendendo
mercadorias e veiculando valores, por outro, é beneficiado sim, pelo sistema, ao menos
durante certo período. Para Adorno, a personagem Simonal e a música que interpreta levam à
alienação social, promovendo a morte da arte e do sujeito, pois adestrado, não consegue se
libertar do canto da sereia
4
.
4
A expressão canto da sereia, pertence a ORTIZ, Renato. A escola de Frankfurt e a questão da cultura. Revista
de Comunicação & Educação, São Paulo, ago. 1985. p. 7.
21
Simonal se transforma em instrumento do Regime em particular e, num sentido mais
amplo, do sistema como um todo, todavia, atua enquanto sujeito, é uma relação de troca, da
qual ele se beneficia, ao menos durante algum tempo. Sendo assim, é preciso sublinhar que,
deslumbrado com o que vivencia, Simonal não chega a compreender qual o papel que a
personagem dele representa, sua efetiva relevância, ser, por princípio, dispensável. O ídolo,
supostamente sinônimo de popularidade, consistindo numa construção da indústria, será
descartado caso não corresponda na vida real àquilo que deve simbolizar. Nessa direção, o
episódio em que Simonal se envolve em 1971, quando seu contador, Rafael Viviani, é preso e
torturado, tem como decorrência imediata, a publicidade negativa. Criados pela grande mídia,
tendo nos escândalos, muitas vezes, alimento para uma sobrevida de suas carreiras, há que se
ponderar que os escândalos, caso ocorram, caso sejam necessários, devem estar de acordo
com a imagem da personagem. Não será o caso de Simonal.
Em virtude dos desdobramentos do caso Viviani, um oficial militar deixa
transparecer para a mídia, ávida por novidades, que Simonal fora informante dos militares.
Ademais, o cantor, em declaração à imprensa, afirma ser de direita, tendo prestado bons
serviços aos militares. É uma fala deveras complexa de ser interpretada. Considera-se que o
artista acredita que tal fala possa lhe ser útil, ponderando que incorpora a personagem
construída, como se fosse real, ou seja, o ícone do brasileiro que deu certo, herói das classes
trabalhadoras.
No intuito de desenvolver e problematizar as questões postas, este trabalho se
organiza em três capítulos. O primeiro capítulo se ocupou em buscar conhecer um pouco da
história de Wilson Simonal, sua infância (1939), as dificuldades enfrentadas e o início da
música em sua vida, os primeiros passos e a popularidade no exército, a vida como crooner ao
sair da corporação militar (1958) num cenário musical com novidades, como a Bossa Nova no
Brasil e o rock nos EUA, até sua entrada no Beco das Garrafas - reduto da boemia carioca - e
o contato com pessoas influentes do meio musical, como Carlos Imperial, Ronaldo scoli, e
Carlos Miéle. Ao ir para o Beco das Garrafas começa a despertar a atenção de produtores
musicais até gravar suas primeiras canções, Terezinha e Biquínis e Borboletas.
O segundo capítulo trata da construção de ídolos e a quem interessa a presença e
permanência desses ídolos, como Wilson Simonal. E, como tal, esse ídolo consiste num
símbolo usado pela Instria Cultural, conceito este criado por Theodor Adorno e Max
Horkheimer, discussão esta, também realizada neste momento, mostrando a origem deste
termo e da Escola de Frankfurt. O grupo frankfurtiano procurou, no tempo em que
22
produziram a obra Dialética do Esclarecimento, demonstrar as intenções do sistema capitalista
em se utilizar de diversas manifestações estéticas e transformá-las em mercadoria.
Procede-se, ainda, em consonância, neste capítulo, à ponderações com base na
junção de aportes proporcionados por Adorno e Bordieu, com o intuito de compreender a
trajetória musical de Simonal, desde a gravação de seus primeiros discos até sua consagração
como artista popular. Ao falar dessa trajetória, optou-se em relacioná-la com o cenário
cultural da época, tão somente como referência, sem pretensões de realizar uma discussão
mais aprofundada, até porque não é esse o objetivo desta pesquisa. Ainda neste capítulo,
mostrar-se-á as mudanças e os reveses que sua carreira passou, iniciando com a Bossa Nova,
uma música mais intimista e menos popular para voltar à esfera de Carlos Imperial, com um
estilo menos comprometido com a inteligência, como gostava de falar. Daí é que surge um
estilo mais pessoal de música, ao que chamou de pilantragem, uma mistura de samba e soul
music. E este estilo o projetou ainda mais, sendo que a partir deste momento, Simonal passa a
abusar de trejeitos, gírias, manias, roupas, até a criação de um boneco, o MUG. O boneco é
negro, evidentemente e, tendo sido produzido entre 1966-1967 leva a supor uma relação com
o movimento negro estadunidense. Além do que, o boneco representa para aqueles que o
adquirem a possibilidade de ser como Simonal, ter o que Simonal tem, estabelecendo uma
suposta identificação com o ídolo.
No capítulo três, o objetivo foi o de problematizar a carreira de Simonal, do ápice até
se ver relegado ao ostracismo, analisando a relação de Simonal e a Indústria Cultural,
refletindo sobre o papel desempenhado pela Indústria Cultural em sua carreira, tornando-o um
ícone, construindo a imagem de um trabalhador que ascende socialmente, representando,
portanto, para as classes trabalhadoras, esta possibilidade. Ademais, busca-se compreender
sua atuação enquanto sujeito na construção de sua carreira e na relação com a indústria, as
várias relações que estabelece e uma memória oficial acerca do artista que oscila entre o
esquecimento e sua caracterização como maldito.
1 “O HOMEM E A MÚSICA. O HOMEM: WILSON SIMONAL”
5
O garoto forte, 4 quilos e 200 gramas, nasceu no dia 23 de fevereiro de 1938.
O jovem médico foi ao berçário e, na pulseirinha de esparadrapo do bebê,
escreveu seu nome completo: Paulo Roberto Simonal. No domingo seguinte,
o marido veio ver Maria e o filho recém-nascido. Mas não concordou com o
nome. E, na visita seguinte, mostrou-lhe o registro: Wilson Simonal de
Castro.
6
Wilson Simonal, um artista de sucesso, símbolo de superação diante das dificuldades
da vida, um negro que se deu bem, um fenômeno pop e de vendas de discos. Estas são
algumas características de um artista que teve uma carreira meteórica, num contexto marcado
por uma multiplicidade de idéias e práticas, mas que na mesma intensidade que nasceu,
também morreu, e ao manusear as fontes que dele falam, o que intrigou foi o fato de que na
memória
7
daquele período (os anos de 1963 a 1971), pouco se registrou sobre sua carreira,
sobre sua obra. Nos anais da história, Simonal ficou registrado como sendo um “dedo duro
de artistas, em função de um episódio, envolvendo seu contador, Rafael Viviani, que será
abordado mais a frente. Simonal declarou por vezes que fora o único artista que viveu nos
anos do regime militar e que não fora anistiado. E foi justamente isso que mais intrigou na
referida pesquisa, ou seja, que fatores levaram este artista a obter o sucesso que ele dissera e
as fontes comprovaram que tinha? Se teve tanto sucesso por que não esnos registros do
cenário cultural do período? Obviamente esse trabalhoo pretende fazer uma análise estética
sobre o mesmo, mas as condições em que a obra de Simonal se construiu, ou seja, como sua
obra foi construída, tanto por ele como pela Indústria Cultural. Qual a representação de
Wilson Simonal naquele contexto? E a questão central foi a de entender porque uma empresa
multinacional como a Shell o utilizará como sendo um símbolo da classe trabalhadora, do
brasileiro pobre que deu certo? Que interesses em jogo, ou o que se pretende com essas
estratégias todas? Simonal é sujeito ou apenas se sujeitou ao jogo do sistema? E é possível
afirmar que sujeitar-se conscientemente lhe suprime a condição de sujeito?
5
Frase dita por Simonal na Revista Realidade, num diálogo entre ele e o dono da casa de Show monte Líbano,
preparando-se para o show e fazendo o reconhecimento do local. SILVA, Milton Severiano da, “Este homem é
um Simonal”. Revista Realidade, São Paulo, ano, 4, n. 45, p. 136-148, dez. 1969. p. 147.
6
SILVA, 1969, op. cit., p. 141
7
Neste estudo não se procederá a uma discussão trica sobre memória e/ou memórias individuais e/ou
coletivas. A utilização da expressão se da com a finalidade, meramente, de remeter aos registros, às
características dos registros ou à ausência de registros sobre Simonal.
24
Com o intuito de proceder à análise significado/papel daquela a que se convenciona
designar indústria cultural, entendida por Theodor Adorno
8
, membro da Escola de Frankfurt,
como sendo a apropriação de manifestações artísticas, como a sica, por exemplo, por uma
indústria que delas se apropria e as transforma em mercadoria, sendo estas mercadorias
utilizadas como estratégias para disseminar ideologias de um sistema que está em franco
crescimento, em especial no pós segunda guerra. Esse tipo de mercadoria visa disseminar os
valores da burguesia como sendo os valores da sociedade como um todo, que se denominou
cultura de massa e para a massa. Porém, segundo Adorno essa cultura de massa não é fruto de
algo espontâneo das massas, entendidas aqui como sendo as classes trabalhadoras ou os
menos favorecidos economicamente, mas sim como uma produção previamente pensada a ser
divulgada como uma prática comum, de todos.
Compreendendo tudo isto, assisto, ouço, compro a produção que se fez no processo
de construção de um artista de sucesso, como Wilson Simonal, especificamente; que com uma
música transformada em objeto de consumo, ou seja, mercadoria, tornou-se pertinente abordar
as estratégias de marketing para torná-la um produto vendável. Nesse sentido, considera-se
pertinente dar início a este estudo elucidando as delimitações temporais, como sendo o
período que compreende os anos de 1963 a 1971, e espaciais, como sendo o Rio de Janeiro e
São Paulo, redutos da produção cultural daquele período, consistindo no cenário de
investigação.
Em face do exposto, avalia-se fundamental discorrer sobre a trajetória de Wilson
Simonal, tanto no que remete à sua vida pessoal quanto na profissional, compreendendo-se
que inúmeras facetas da primeira fase, como a infância marcada pelas dificuldades
financeiras, sua vida no exército, o contato com artistas do meio cultural e as estratégias que
utilizou para a criação de um personagem, de um ídolo e que vão acabar por interferir
significativamente na segunda, agora já como um ídolo. Este por sua vez é entendido como
sendo uma construção da indústria cultural, produzido num contexto em que será considerado
um símbolo de legitimação das ideologias intrínsecas ao sistema capitalista, marcado pela
produção e consumo de mercadorias.
8
ADORNO, Theodor W. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os pensadores).
25
1.1 NASCEU WILSON SIMONAL DE CASTRO
Em 23 de fevereiro de 1938, uma quarta feira de cinzas, noite chuvosa, nasceu
Wilson Simonal de Castro, bairro da Cidade Nova RJ, no Hospital São Francisco de Assis,
com 4 quilos e 200 gramas, fazendo jus aos quilos a mais que D. Maria Silva de Castro obteve
durante a gestação. O nome Simonal foi dado em homenagem ao médico, Dr. Roberto
Simonard que, juntamente com a equipe médica, tornou-se amigo de D.Maria pela sua
presença constante no hospital em função de uma gravidez de risco.
Simonal teve uma infância marcada pela pobreza. Sua mãe era faxineira e seu pai
não tinha uma relação de compromisso com o sustento de seu filho e esposa. Sobrou para D.
Maria, conseguir o sustento dos filhos e dentre as várias estratégias usadas por ela, uma, em
particular, chamou a atenção. Quando trabalhou numa residência em Ipanema, preparava uma
pequena marmita às escondidas e a lançava sobre o muro do quintal para que Wilson tivesse o
que comer. Anos mais tarde, essa mesma casa foi transformada em uma sofisticada sauna
onde o artista Wilson Simonal foi recebido como “superstar”, posando para fotos e
distribuindo autógrafos. De menino pobre, Simonal passa a ser uma estrela do show biz,
sendo considerado o exemplo do filho de uma trabalhadora pobre, construindo uma imagem
de ídolo popular forjada com base nesse passado.
Quando D. Maria conseguiu um emprego numa casa, cujos proprietários
concordaram que ela e os dois filhos pudessem residir no local de trabalho, seus filhos
passaram a conviver com os filhos dos patrões. Segundo sua mãe, D.Maria, “O Wilson e o
Roberto sempre viveram junto com os filhos dos patrões. Nunca freqüentaram morro. Não
teria nada de mais. Mas assim foi melhor”
9
. A fala de D. Maria em dizer que foi melhor para
seus filhos não terem freqüentado o morro deixa transparecer certo preconceito pelo morro,
pois o morro não seria lugar para seus meninos, apesar de serem da mesma condição social
dos meninos que vivem. Simonal, no entanto, declarou em entrevista ao Jornal O Pasquim,
em 1969, que quando criança morava numa “pequena favela” do Leblon, contrariando a
idealização de Simonal feita anos mais tarde. Ao descrever a infância de Simonal, faz como
de uma vítima das suas condições socioeconômicas, aliada ao discurso de preconceito racial
muito presente nas falas de Simonal. A idéia de construir um indivíduo que foi atormentado
por uma infância precária, cria o sentido de que sua ação futura foi condicionada pelo meio no
qual vivia, ou seja, que o fato de conviver com crianças de melhor poder aquisitivo, inculcou
9
SILVA, 1969, op. cit., p. 145
26
sonhos e ambições, quando na verdade ambas o fruto de um construção social para
legitimar um discurso de que se o sujeito “pobre e negroseguir o exemplo dos melhores
favorecidos economicamente e for obediente, pode se dar bem, pode vencer.
Fazia parte do seu cotidiano conviver com suas próprias dificuldades e
conhecer a riqueza de outros meninos; relacionar-se com sua própria
negritude entende as dificuldades de classe. ‘Crioulo nascer rico do xico
pra baixo é pretensão’ declararia Simonal, no auge do sucesso popular.
10
É difícil mensurar a interferência que as condições concretas vivenciadas por ele,
enunciadas anteriormente, representam na sua postura diante do contexto no qual está
inserido, entretanto, o que fica evidente é a utilização consciente que Simonal, já adulto faz
deste passado, ou seja, como sendo um garoto de zona norte que morou com a mãe, na casa
dos patrões, na zona sul, filho de um pai ausente e criado por uma mãe trabalhadora. A
vitimização de si na infância, a ênfase nas humilhações pelas quais passou, será uma
constante nas entrevistas de Simonal aos mais variados meios de comunicação, quando da sua
ascensão artística. A fala de Simonal em entrevista concedida a Tato Taborda, em fevereiro de
1969, no jornal Última hora demonstra isso.
Quantas e quantas vezes me humilharam sempre agi com resignação,
minha mãe me recomendava isso. O negro que quiser subir na vida no Brasil
tem de esquecer sua cor. Embora eu diga ‘Nem vem de ranço que eu tenho
orgulho de minha cor’, sei que, desde pequeno fui condicionado a pensar que
uma loira de olhos azuis é a coisa mais linda do mundo e que um dia
chuvoso é um dia ‘negro’.
11
Essa e outras falas foram constantes, em especial às revistas, de circulação nacional e
mais populares, com notícias dos artistas da TV e do Rádio, como a Revista do Rádio,
Intervalo e Fatos e Fotos, para citar algumas. Assim, Simonal fazia questão de declarar sua
condição anterior ao estrelato, como um exemplo do menino feio, pobre e negro, que
conseguiu mudar sua história, saindo do “anonimatochegando ao “estrelato”. Esse é o tipo
de história que o público deseja ouvir e ver, sendo transformanda em “exemplo”, modelo a
ser seguido (ou consumido), construindo o sujeito desta história como um símbolo, de
sucesso, de status, ou seja, ele (sujeito) e sua obra passam a ser um objeto de consumo. E esta
situação se concretizou para Simonal durante o ano de 1963 em diante, quando da produção
de seu primeiro LP, “Wilson Simonal tem algo a mais”.
10
ALEXANDRE, Ricardo. Biografia de Wilson Simonal. São Paulo: Emi/Odeon, 2004. p.6
11
SIMONAL, 1969 apud ALEXANDRE, 2004.
27
1.2 O INÍCIO DA MÚSICA NA VIDA DE SIMONAL
O menino Simonal não pode prever o futuro. Sua caminhada ao “estrelato”, foi
marcada por muitos reveses, sendo apresentado à sica, ainda pequeno, na escola. Porém a
promessa musical da família era seu irmão Roberto.
D.Maria colocou-os num colégio de semi-internato. Wilson foi matriculado no
Colégio da Cruzada de freiras, ligado à Legião Brasileira de Assistência, fundado por dona
Darcy Vargas, esposa do ex-presidente Getúlio Vargas e Roberto foi para uma escola pública
em Rio das Flores. No internato, Simonal fez parte de um coral e aprendeu a cantar em latim,
conhecendo acordes musicais.
Assim que concluíram os estudos básicos, Roberto e Simonal começaram a fazer
pequenos bicos para ajudar a mãe. Simonal começou a trabalhar, sendo ajudante de guarda de
trânsito, mensageiro ou entregador de telegramas da empresa de telégrafos Western Union.
Quando se dirigia ao Copacabana Palace, chegando, os empregados gostavam de lhe dar
um violão, para que fizesse imitações, cantando rocks, chá-chá-chás e boleros. “De estafeta de
ontem, Simonal, mais tarde, será hóspede ilustre”
12
.Ou seja, “o estafeta conseguiu ser estrela”,
mudou de vida, criando assim o sentido de se chegar onde quer. Numa sociedade que está em
crescimento, onde muitos que também fazem parte do grupo dos “estafetas”, difundir esse
tipo de notícia cria o sentido de alienar o sujeito deixando-o inebriado com a possibilidade de
poder sair de sua condição, não pela consciência crítica, mas pela entrega à doutrinação do
sistema.
Trabalhou nesta empresa até 1956, quando se alistou no exército, o 8º Grupo de
Artilharia Mecanizada, no Leblon , um período muito importante para seu amadurecimento,
segundo o próprio Simonal . “Foi no exército que amadureci, declarou. Antes eu era aquele
tipo de garoto boboca, manja? Aquele garoto bolha”
13
.
Simonal ter servido o exército era para D. Maria um sonho pessoal realizado, pois
além de ter uma possibilidade de seguir carreira, projeção de futuro, simbolizava-lhe
segurança. Lá ele teve alimentação adequada, aprendeu regras de comportamento, fez amigos,
aprendeu esportes e ainda pode fazer uns bicos para ganhar algum dinheiro
14
.
No ercito, tornou-se um instrutor de educação física e ficou conhecido por ensinar
aos soldados os hinos patrióticos (o Hino Nacional, o Hino da Bandeira e outros). O soldado
12
SOARES, Afrânio. Ídolos da Juventude: do moleque Simona a Wilson Simonal”. Revista O Cruzeiro, São
Paulo, ano 39, n. 47, p. 55-57, 18 ago. 1967.
13
ALEXANDRE, 2004, p. 3.
14
Idem, ibidem.
28
256, seu número na corporação, num grupamento considerado “quartel de elite”, o que lhe
agradou, gostando de sentir-se importante. Obediente, aos poucos Simonal perdeu a timidez e
caiu nas graças dos colegas de batalhão e oficiais, que exploraram o fato de o mesmo gostar
de fazer imitações de artistas famosos, como Agostinho dos Santos, George Green, Harry
Belafonte
15
, dentre outros. Simonal se popularizou no quartel, pegando gosto pela fama
repentina. O menino calado tornou-se o palhaço dos recrutas, popular entre os parceiros e
admirado até pelos superiores:
Eu digo brincando que meu charme com a comunicação comou na
Western, mas na verdade foi no exército. Eu cantava umas musiquinhas
entre os soldados, umas coisas meio impublicáveis, quando me chamaram
para cantar no show de aniversário do quartel. Eles precisavam de um
soldado para se apresentar para oficiais no show. Eu me lembro que um
oficial chegou e disse: quem é o oficial que canta? E o pessoal: o 256! Eu fui
lá e dei o recado imitando o Agostinho dos Santos cantando uma música
chamada Três Marias.
16
E foi nesse espaço que Simonal começou a fazer seus primeiros “shows de
imitação”, para oficiais em festas dentro e fora do Exército, tendo no coronel Aldo Pereira,
um protetor e incentivador de seus “showzinhos”. Simonal estava gostando da sua vida no
exército, sendo até promovido a Cabo, porém a transferência do coronel Aldo Pereira para
Copacabana, lhe trouxe alguns problemas com o novo Coronel, Jaime Moitinho Neiva.
Para Simonal, esse coronel “chamava a atenção de um soldado branco de uma
maneira e de um preto de outra”
17
e, esse tipo de popularidade que o soldado 256 teve no
exército o agradou o novo coronel, que mais conservador, criou alguns empecilhos para a
continuidade dos “showzinhos” de Simonal no exército. Simonal declarou sentir-se
perseguido.
Um dia no aniversário do Copacabana, o coronel Aldo Pereira me pediu para
arrumar um showzinho e eu consegui tudo: músicos, instrumentos e tudo
mais. Fui falar com o coronel Neiva que ia a paisana. Levei uma tremenda
bronca e a partir daí comecei a ser perseguido. Notei que tinha preconceito
15
Harold "Harry" George Belafonte, Jr. foi músico, cantor, ator, ativista político e pacifista nort-americano de
ascendência jamaicana. Um dos mais bem sucedidos artistas de origem caribenha da história, foi apelidado de
“Rei do Calypso” por popularizar o ritmo caribenho nos Estados Unidos nos anos 50. Este artista foi uma grande
referência para Simonal, tanto que uma de suas primeiras músicas se chamará Biquinis e Borbletas, um chá-chá-
chá.
16
NORONHA, Sérgio. Simonal - O “Charme” com a comunicação”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 fev.
1970. Caderno B, p. 1 apud FERREIRA, Alves Alonso Ferreira. Quem não tem swing morre com a boca
cheia de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória tropical. Niterói, 2007. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, 2007. p. 89.
17
Simonal, 1970. Jornal do Brasil apud ALEXANDRE, Ricardo. Encarte do disco Singles: lados B e raridades.
o Paulo: Odeon, 2005. p. 3.
29
porque chamava a atenção do soldado branco de uma maneira e do preto de
outra. Até que um dia ele chegou ao ximo. A turma estava toda formada
quando de repente o coronel deu um grito: ‘Cabo Simonal! Não se mexa!
Em forma!’ e foi por afora. Só que eu não estava em forma e sim de cabo
da guarda. Um amigo meu disse: ‘o coronel está passando uma
descompostura crente que você está em forma’. Não tive vida, fui até
ainda a tempo de ouví-lo. Quando ele acabou cheguei na frente da tropa e me
apresentei: ‘cabo da guarda se apresentando. O senhor está me chamando,
comandante?’ Todo mundo percebeu que fora ele que tinha dado o furo. E
ele: ‘não, cabo, pode se retirar’.
18
Esse episódio não “manchou” a imagem positiva que Simonal tinha do exército,
declarando em entrevista ao jornal do Brasil, em 1970, acreditar que ficaria por ali muito
tempo, além de ter uma relação de gratidão com a instituição, pois fora que sua
personalidade mudou, ajudando-o a superar seus complexos, “de preto, feio e pobre”
19
.
Porém, esse tipo de situação fez com que Simonal optasse por dar baixa do exército e tentasse
a vida como crooner, um cantor de músicas populares (muito conhecidas), e no caso de
Simonal, em grande parte, sicas estrangeiras, com imitações de artistas famosos, como
Harry Belafonte, e como tal, veio a integrar o grupo Dry Boys.
Mas ao analisar suas declarações de gratidão à corporação militar, percebeu-se o
quão foram significativas para compreender a relação de Simonal com o exército, muito em
função de quando elas são feitas. Algumas dessas declarações são feitas pós 1969, quando do
auge de seu sucesso, e fazê-las num contexto em que o regime militar está intensificando suas
ações, cria o sentido de que ele, Simonal, tem uma relação de gratidão e simpatia com a
instituição.
O exército mudou muito a minha personalidade. Quando eu dei baixa não
era tão babaquara como antes. Eu tinha uma porção de complexos porque era
pobre, porque era feio e porque era preto. Embora eu tivesse saído por causa
de um oficial racista, foi que eu senti que podia me comunicar com os
outros, cantando nos festivais de quartel.
20
Esse tipo de declaração pode ser entendida como sendo uma estratégia criada por
quem dela quer se utilizar, diga-se indústria fonográfica, para que Simonal demonstre ao seu
blico que não mantém nenhum tipo de atrito com a instituição, porque em fins dos anos de
1960 e anos iniciais de 1970, a agitação social e cultural era grande pela intensificação dos
aparatos de opressão utilizados pelo Regime. Obviamente a referida pesquisa o pretende
18
Simonal, 1970 apud FERREIRA, op.cit., p. 89
19
Idem, ibidem.
20
NORONHA, Sérgio. “Simonal no tempo do rei do “Rock””. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev.
1970. Caderno B, p. 5.
30
fazer uma discussão aprofundada sobre o Golpe civil-militar e seus desdobramentos, mas,
partindo de uma historiografia sobre a questão que se considera pertinente, compreender a
produção da obra de Simonal naquele contexto.
Nesse sentido, entende-se que este período foi uma fase em que o aparelho de
Estado, no Brasil, passa a ser gerido por uma aliança civil-militar-empresarial, que faz uso de
diversas estratégias para se legitimar no poder, tais como um expressivo aparato ideológico,
para o que os meios de comunicação de massa são de extrema relevância, somados às
perseguições, censura, tortura, exílio, tendo na contramão setores variados da sociedade,
como políticos, estudantes, intelectuais, artistas, procurando contestar este regime de força, de
imposição. Segundo Renné Dreifuss
21
, esta forma de governo fora não apenas fruto de um
golpe militar, mas de toda uma teia formada por outros grupos interessados numa forma de
controle social e ideológico, como as burguesias, em suas rias faces, detentores de capitais
que buscavam sua ampliação e multiplicação.
E desse modo, a indústria cultural com seus meios, como os mass media, tornou-se
uma das estratégias do qual o sistema se utilizou para se perpetuar. Ou seja, as produções
culturais, tais como música, por exemplo, são vistas como um importante elo entre os
objetivos do sistema (permanência e ampliação de mercado, consumismo) e o blico, que
atento às novidades mercadológicas e influenciado por elas, as consome.
Assim, a sica de Simonal passou a ser vista como um tipo de produção
mercadológica, que atendeu aos interesses do sistema, nos seus aspectos ideológicos e
econômicos, veiculados pela indústria da cultura. Ideológicos porque tratou-se de um tipo de
música produzida por uma indústria fonográfica, que para ser vendável, produz como sendo
um símbolo, uma representação de um determinado grupo social, vendendo uma imagem de
prosperidade, felicidade, bem-estar social.É um tipo de música que, na concepção de Theodor
Adorno, aliena o sujeito, deixando-o fetichizado e alheio ao que esa sua volta. Econômica,
porque com o mercado fonográfico em crescimento, ela precisa ser vendável e assim serão
utilizadas diversas estratégias na composição do personagem Wilson Simonal, tornando-o
interessante ao público consumidor.
Esse tipo de música, na concepção de T. Adorno, promove uma alienação coletiva,
num tipo de arte técnica, sendo produzida por uma Indústria Cultural
22
.
21
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. (ação potica, poder e golpe de classe). Petrópolis: Vozes,
1987.
22
O pensador Theodor Adorno realizou um estudo sobre a arte e a cultura nas primeiras décadas do século XX,
na Alemanha e nos EUA, na chamada Escola de Frankfurt, tendo como referencia o contexto do seu tempo e
lugar. Porém, este trabalho pretende transpor as idéias de Adorno e os pensadores da Escola de Frankfurt, (mais
31
O termo indústria cultural foi usado por Theodor Adorno, quando da publicação de
sua obra em parceria com Max Horkheimer, “A dialética do Esclarecimento”, em 1947, obra
esta que procurou analisar as mudanças do culo XX com o advento do capitalismo, sob o
viés da indústria cultural. Adorno e Horkheimer foram membros fundadores da chamada
Escola de Frankfurt, que teve, entre outros a contribuição de Valter Benjamim, em que
procurarão fazer uma crítica à sociedade industrial e suas formas de ação, muito em função
das realidades que vivenciaram, com os regimes nazi-fascistas na Europa nos anos de 1930,
pois ambos utilizaram as novas tecnologias (fonógrafo e rádio) aliadas às produções culturais
para reproduzir suas ideologias. No tocante a sica, por exemplo, Adorno questionou sua
apropriação feita por uma indústria que se utilizará da cultura, e suas práticas, transformando-
as em mercadoria, perdendo desta forma sua singularidade, pois fora produzida em massa,
objetivando criar uma sociedade homogênea.
Nesse sentido, a música de Simonal é entendida como uma música produto, criada
para assim sê-lo e para um tipo de público, sendo questionada por aqueles que não
compartilham das mesmas idéias. E, durante os anos de 1960/70 havia uma grande
pluralidade de estilos musicais e de discursos políticos, influenciando para que cada sujeito
escolhesse o símbolo, o discurso que melhor se adaptasse às suas convicções ideológicas e
políticas e que pode ser entendida na perspectiva de Roger Chartier como sendo uma luta de
representações. Obviamente que essas representações são compreendidas na medida que
comandam atos, ou seja, são a idealização de situações concretas, reais, vividas por sujeitos
que estão experienciando, vivenciando o contexto sócio-econômico e político daquele
período.
Simonal procurou desde o início de sua carreira adotar uma postura de não
enfrentamento, mas sabedor de que ao se tornar um ícone, como o foi, adotou uma postura
que estivesse de acordo tanto com a situação sócio-econômica do momento quanto de acordo
com os objetivos da indústria fonográfica. Isso é possível perceber quando de sua declaração
feita em 1970, período este em que houve uma maciça campanha desenvolvida pelo então
presidente Emílio Garrastazu Médici, enaltecendo os valores morais e cívicos do país, onde
Simonal declara:
Eu acredito em pátria, porque me estimula a trabalhar. Acredito em família,
apesar de ter sido desligado da minha família contra minha vontade. Me
faltou o apoio paterno, mas minha e, apesar de ser analfabeta, me ensinou
detalhada à frente) no contexto das produções culturais dos anos de 1960 e 1970, em função do sistema ser o
mesmo, ampliando desse modo suas estratégias de atuação.
32
uma porção de coisas que eu devia respeitar e isso foi muito importante na
minha vida. Sabe, essas coisas de andar sempre limpinho, bem arrumado, de
ajudar as pessoas [...].
23
Simonal , ao fazer tal declaração, enaltece justamente os valores muito defendidos
pelos militares, como sendo amor a pátria, do trabalho para fa-la (“Ninguém segura esse
país”) crescer, da defesa da família e de respeito. Ou seja, cria o sentido de que o indivíduo
será respeitado se for honesto, trabalhador, defendendo a pátria acima de tudo, sem questioná-
la. Esta fala vem a colaborar com o discurso criado pelos militares, reificando suas práticas,
além de que ela adquire mais ênfase, porque está sendo proferida por um ícone, um símbolo,
que exerce um certo poder para quem o ouve, o do convencimento.
Entretanto, a carreira de Simonal ainda está numa fase inicial, em que ainda
ambiciona ser um ídolo e ainda não imagina que, mais que ser um ídolo, será um exemplo,
um modelo a ser seguido.
23
NORONHA, Sérgio. Simonal - O “Charme” com a comunicação”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 fev.
1970. Caderno B, p. 1.
2 A CRIAÇÃO DO ÍDOLO WILSON SIMONAL
Wilson Simonal alcançou o sucesso em tempo recorde. Aquele rapaz magro
e riso franco, escondendo humildade por trás dos dentes alvos e jeito de
pugilista, estava fadado a ser ídolo. E como estava escrito, isso aconteceu.
Cantando em programas de brotos, integrando conjuntos (foi o líder dos
‘Dry Boys’) e lutando para se fazer notado, chegou aos discos, e, num
instante, passava a condição de favorito da juventude – e de todos que
apreciam os ritmos vibrantes da época. O rapaz que começara a vida
entregando telegramas da Western passava a receber muitos outros, de
inúmeras propostas de apresentação pelo Brasil e até o exterior. Sorte?”
24
UM ESCURINHO COM “AÇÚCAR”
(Capa da revista do Rádio out. De 1966)
O GUERRILHEIRO SIMONAL”
(Capa da Revista Intervalo ago/set.1967)
ÊSTE HOMEM É UM SIMONAL”
(Matéria da Revista Realidade – dez. De 1969)
O “CHARME” COM A COMUNICAÇÃO – SIMONAL”
(Manchete do Caderno B – Jornal do Brasil Fev. De 1970)
SIMONAL AQUÊLE CARA QUE TODO MUNDO QUERIA SER”
(Manchete do caderno B jornal do Brasil fev. De 1970
As frases acima se referem às construções de manchetes de revistas, tendo como
destaque Wilson Simonal, já numa condição de ídolo musical.
Ser um ídolo da música, ser famoso, é ter seu nome nas revistas, sua sica tocada
nas rádios, sua presença na TV, é ser um símbolo de sucesso, de “vencer na vida”. E isso era
tudo o que Simonal queria. Ele e muitos outros que na condição dele desejam obter esse
status, de ser considerado alguém “diferente” entre os iguais, de ser destaque. Durante os anos
de 1960, (especificamente a partir de sua metade) Simonal se transformou num fenômeno
24
SIMONAL - Um escurinho com açúcar (capa). Revista do Rádio, São Paulo, n. 890, 08 out. 1966.
34
midiático, sendo o estereótipo do pobre, negro, feio de história de vida comum, que consegue
superar as várias barreiras encontradas na vida e conseguiu vencer.
Esse é um tipo de discurso perfeito para o sistema capitalista, que defensor de uma
ideologia de consumo, depende de várias estratégias para firmar-se. E o uso desse ídolo será
um símbolo, que muitos irão seguir, pois sua imagem será vinculada a certos produtos, que se
tornarão mais facilmente vendáveis. Esse ídolo, na condição de cantor, para assim sê-lo e
manter-se, precisa fazer as “regras”do sistema, abrindo mão de sua individualidade, de sua
escolha, trocando uma carreira singular por uma carreira coletiva, no que T. Adorno
classificou como arte de massa, e neste processo, nem sempre criador e criatura se
reconhecem.
É o que Theodor Adorno chama de fabricação da arte, em partes, referindo-se à
música que foi transformada em produto. Um compõe, outro cria a melodia, outro toca o
instrumento musical e outro a canta, representa. As várias partes compõem um todo, que são
entendidas pelo público como pertencentes a quem a reproduz, o intérprete, que será fabricado
como um ídolo, que se apropria deste “personagem”, vivendo-o constantemente, considerado
uma referência na sociedade.
Assim, cria-se a idéia de que ser um ídolo é ter poder econômico, é ser reconhecido
pela sua obra e pelo que ele julga ser (na verdade ele é o que o sistema quer que ele seja), é ter
liberdade de fazer o que se quer (essa é a imagem que se passa, mas essa liberdade é limitada
pelos seus criadores). O que o público não percebe é que esse ídolo deixa de ser alguém para
ser algo, um objeto, de consumo.
E é esse sonho que muitas pessoas querem cultivar, pois vêem os seus ídolos
constantemente pelos meios de comunicação, possuidores de fama, sucesso, dinheiro e poder.
Ser ídolo para muitos é ser referencia, é ser modelo, é viver esse mundo de fantasia, mesmo
que momentaneamente. E após esta transformação de “homem comum” em ídolo, ele passa a
viver num outro universo, crendo a tal ponto na sua própria invenção, que não admite ou não
entende que toda essa fantasia/ilusão é uma criação de alguém ou de um grupo, movido por
determinados interesses, e; assim como foi construído, poderá ser também desconstruído, por
não ser mais um “objeto” útil.
A sujeição deste indivíduo às regras para ser ídolo faz com que o mesmo perca sua
condição de criador para ser condicionado a fazer o que lhe mandam. Grande parte dos
artistas, criados como tal ou não, sofre neste universo, pois não podem escolher decidir sobre
como conduzir seu trabalho. Eles passam a representar papéis na sociedade, de acordo com o
35
que o sistema gostaria que fosse. Adquirir determinado produto, com a imagem daquele
artista/ídolo passa a simbolizar sucesso, prosperidade.
Wilson Simonal foi um exemplo dessas estratégias mercadológicas. Sua imagem foi
utilizada por empresas como a Shell, que por ser uma empresa estrangeira, encontrou em
Simonal um meio de ligar seu produto ao mercado interno. Simonal representou para a Shell,
um estereótipo, um símbolo de brasileiro nato, que deu certo, levando-a a assinar um contrato
polêmico com o mesmo no final dos anos 60, visando com isso usar sua imagem e
popularidade para divulgar seu produto.
Esse fenômeno de criação de símbolos consiste em estratégias do sistema capitalista
que os utiliza como instrumentos a seu serviço. Ser um ídolo é na verdade ser um símbolo de
algo que se imagina ser, é dar a impressão aos que o vêem que carregar esse status dar-lhe-á
um poder acima dos “mortais comuns”. Pierre Bourdieu
25
chama de poder simbólico, pois
esse artista passa a exercer um poder construído, de ser um símbolo de status, de uma
imagem, de um corpo, de uma voz. As suas atitudes são cuidadosamente pensadas, pois como
ele passa a exercer um poder muito grande entre os indivíduos, dentro de um determinado
campo, toda estratégia é pensada criteriosamente, para se manter a imagem, para que este
símbolo de sucesso, símbolo de luta não se perca nesse jogo de poderes. E, essa imagem deve
ser mantida a todo custo.
O indivíduo o é mais quem pensa ser, por crer na ilusão que lhe foi criada, não
sabendo mais quem é. Ele passa a viver da sombra do que fora um dia, como foi a história do
ídolo Wilson Simonal, que para uns, para outros foi apenas mais um “buscando seu lugar ao
sol”, mas para os seus filhos era o pai que nunca estava em casa, para os amigos, o showman,
o brincalo, o irreverente e para a indústria fonográfica, o campeão de vendas de discos.Ele
assume diferentes identidades, cada uma delas criada para conseguir se relacionar com os
diversos públicos. Mas o que torna um indivíduo um ídolo?
2.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO
A origem da palavra ídolo, em latim significa Idola, Simulacra. Já, para Franscis
Bacon, filósofo moderno, vivencia um tempo em que os estudos científicos ganharam mais
ênfase, o termo adquiriu o sentido de “falsas noções”, ou seja, um tipo de impressão sobre o
25
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel, 1989.
36
objeto que se pretende conhecer, portanto, uma espécie de pré-juízo sobre o ente observado
26
.
Essas falsas noções que são criadas propositalmente , são possíveis de acontecer porque
cada indivíduo as aceita, as interioriza, e se deixa encantar pelo “canto das sereias
27
”, sem se
dar conta das suas armadilhas. Segundo Bacon, em livro Novum Organum (1626), existem
quatro tipos de ídolos, sendo: Ídolos da Tribo (inerentes a natureza humana), da Caverna (ver
as coisas a partir de uma luz particular, do que está acostumado), da Praça (do mercado ou da
feira, refere-se ao jogo das palavras e sentidos na comunicação entre os homens) e do Teatro
(baseia-se em sistemas filosóficos e em regras falseadas de demonstração pura invenção,
como num teatro).
Os ídolos e/ou noções falsas que ora ocupam o intelecto humano e nele se
acham implantados não somente o obstrui a ponto de ser difícil o acesso à
verdade, como, mesmo depois de seu pórtico logrado e de cerrado,
ressurgirão como obstáculo à própria instauração das ciências, a não ser que
os homens, já precavidos contra eles, se cuidem o mais que possam.
28
Obviamente as análises feitas por Bacon são frutos do seu tempo, no contexto sócio-
econômico da sociedade inglesa do c. XVII, onde o mesmo fez uma crítica aos ídolos que
cada um cultiva no seu interior e deste modo seriam obstáculos à ciência. No entanto a
doutrina dos ídolos será utilizada para compreendê-los no contexto da indústria cultural do
c. XX, especialmente os ídolos do teatro, analisando-os no universo da música.
Nesse sentido, entende-se que essa “doutrina” dos ídolos consiste, na verdade, numa
falsa imagem que se tem de algo ou alguém. Para que essa imagem (ex: cantor) seja entendida
como fora criada, entram em ação os Ídolos da Tribo e da Caverna, pois são aqueles que
existem no interior de cada ser humano, seja por uma condição inata, seja por uma condição a
que está acostumado (habitus). O indivíduo se permite criar seus ídolos internos, seus heróis.
Acrescentam-se ainda os ídolos da Praça e do Teatro, pois são aqueles criados, vindos do
exterior para o interior do indivíduo e podem interferir na sua capacidade de percepção,
criando outras idéias, outros jzos de valor. “Os indivíduos sujeitos a esse tipo de idolatria
aceitam, sem questionamento, o que lhes é oferecido pelo ídolo”
29.
26
ARAÚJO, João Fernando de. Os Ídolos de Francis Bacon e as ideologias na cognição musical. Revista
Eletrônica de Musicologia, v. 9, out. 2005. p. 2.
27
A expressão canto das sereias vem da análise feita por Renato Ortiz, ao se referir a alienação da audição,
segundo Adorno, e que usou como base o Mito de Ulisses, que para não ser enfeitiçado pelas sereias, pediu para
ser amarrado ao mastro e conseguiu assim identificar seu canto. Mas segundo Ortiz, na perspectiva de Adorno,
“na sociedade industrial nosso herói mítico não necessitaria de fechar seus ouvidos, ele seria incapaz de
reconhecer a música das sereias”. ORTIZ, 1985, op.cit., p. 8.
28
BACON, Francis. Novum Organum. São Paulo: Nova cultural, 1999. (Os Pensadores). p. 22.
29
ARAÚJO, op.cit., p. 3.
37
É possível perceber essa sujeição dos indivíduos ao se analisar os ídolos midiáticos.
Eles o um constructo de um sistema que se apropria da arte, por exemplo, transformando-a
em um “produto” cultural consumível, e para que assim o seja, utiliza-se de um indivíduo que
será transformado em ídolo, aliado aos mass media
30
. O ídolo torna o produto a que representa
conhecido, criando a necessidade de seu consumo e por sua vez também acaba sendo um
objeto, um produto, pois ele existe por existir um interesse comum – um quer usá-lo (sistema)
e o outro quer ser usado (artista), mas quando o sistema o o quer mais, esse ídolo volta ao
mundo dos cidadãos comuns. Descarta-o como o faz com qualquer produto que não sirva
mais ou não dê mais lucro.
A criação deste ídolo é minimamente pensada e não é fruto do acaso. Inicialmente
parte de um indivíduo que está em busca de ascensão social, e para tanto, terá que seguir
algumas regras, algumas características. Othon Jambeiro, em seu livro Canção de massa,
escrito em 1975, fez uma análise das condições de produção do que ele irá denominar de
canção de massa, que para assim -lo, necessita de um interlocutor. Este interlocutor, que
seum candidato a ídolo, terá de fazer testes de admissão nas gravadoras, que sempre estão
em busca de algo novo, inusitado, e um início é ter boa aparência pessoal. Este interlocutor
terá de despertar no público sentimentos paternais ou maternais, ou identificar-se com atitudes
populares, ou mesmo atração sexual. Este artista irá se identificar a um determinado setor de
blico, geralmente aquele que, após pesquisas feitas pelas gravadoras, irá se interessar em
adquirir determinado produto e como diz Adorno, nada melhor que criar um tipo de sica
“analgésico”, aquela que o dor de cabeça e não faz o público pensar, ainda mais se for o
blico da classe trabalhadora, operários com dias estafantes ou rotinas estafantes, e ao ouvir
uma sica, por exemplo, quer apenas repeti-la e não pensar. Obviamente este blico não é
homogêneo, mas esse é o objetivo de quem tem os meios na mão, torná-lo único, massa, para
mais fácil manejá-lo.
Deste modo, o papel do artista-ídolo é fundamental nesta relação produto-
consumidor, pois ele, a serviço de um diretor comercial e às exigências do mercado, pode
influenciar ou modificar opines deste público. Assim, “a obra de arte somente é produtiva,
na sociedade capitalista, quando se submete e se destina ao mercado, na relação de oferta e
30
A expressão Mass Media significa meios de massa, ou comunicação de massa, que foi criada para referir-se
aos objetos tecnológicos capazes de transmitir a mesma informação para um público mais amplo, isto é, para a
massa, e são os meios pelo qual a informação é transmitida ou comunicada. Inicialmente referia-se ao rádio e ao
cinema, ampliando-se com os avanços tecnológicos para imprensa, publicidade, fotografia, fonógrafo com os
discos e a televisão. CHA, op. cit., p. 293.
38
procura”
31
. Esse artista perde sua liberdade de criação, pois estará submetido às regras da
gravadora.
[...] o artista que se obrigado a vender seu talento criador, a produzir para
o mercado, vê reduzirem-se suas possibilidades criadoras. Portanto na
medida em que as leis de produção capitalista se estendem à esfera da
criação artística, o artista se encontra em contradição com o sistema
econômico no qual integra sua produção, já que sua necessidade de criar
livremente entra em conflito com a sujeição a que é obrigado pela produção
para o mercado.
32
Porém esta postura deste artista-ídolo contribui para promover uma certa alienação,
tanto do artista que produz uma arte para o mercado como do consumidor, que entende como
legítimas as produções do mercado. O blico no entender de Adorno perde sua capacidade
de compreensão e consciência diante dessa produção industrializada. E como parte desta
estratégia este artista deve publicamente ostentar atitudes e opiniões determinadas, sob pena
de perder seu público e sua posição no sistema industrial comercial. Sua imagem é permeada
de contdos simbólicos para prendê-lo ao blico, em que ele representa constantemente,
identificando sua imagem a certos valores do consumidor, como um modelo de sucesso ou um
exemplo de vida a seguir.
O cantor que tem sobre si milhares de olhos apontados tende cada vez mais a
representar, tornando-se o personagem ideal que estes olhos procuram ver,
ao mesmo tempo em que o blico tendea adotar e a imitar mais ou menos
a imagem que o contempla. O cantor torna-se modelo, mas para ser modelo é
preciso modelar-se. [...] Antes mesmo que ele cante, o intérprete é moldado
de tal forma que possa quase imediatamente oferecer-se com um caráter
delineado nos grandes traços, que pode aperfeiçoar-se e corrigir-se no
contato com o público. É já um produto de laboratório.
33
Esse “produto de laboratório” deixa de ser sujeito para virar um objeto e assim se
torna em função da exigência das empresas , e no caso das internacionais, as filiais precisam
criar e divulgar um maneira de vida , uma concepção de mundo que vem de encontro com o
que pretende sua matriz, o de ampliar o mercado de música estrangeira no país.
Essas ações são parte das estratégias criadas por uma instria que se utiliza das
práticas culturais, quer seja vindas da música, da literatura, do teatro, do cinema, para tirá-la
de sua singularidade e transformá-la em “coisa”. E a arte vai se coisificando, porque dentre as
31
VASQUEZ apud JAMBEIRO, Othon. Canção de massa: as condições de produção. São Paulo: Pioneira,
1975. p. 22.
32
Idem, p.23
33
HERMELIN, Cristian apud JAMBEIRO, op. cit., p. 24.
39
várias estratégias que a indústria de bens culturais utiliza, a dos ídolos tem um papel
relevante. Os ídolos da praça e do teatro, pelo poder de persuasão de sua imagem, por
exemplo, influenciam nos gostos artísticos dos indivíduos, colaborando com a
mercantilização da indústria cultural. Esses ídolos que assumem uma importância
significativa na vida do indivíduo, pois serão seu (indivíduo) guia, impedem que os ditos
“consumidores” consigam refletir sobre essas “guloseimas sonoras”34.
Os ídolos promovem o afastamento do ouvinte da própria música para jogá-
lo de encontro a algo que, em absoluto, não se vincula com o mundo dos
sons, com o universo da percepção auditiva, mas ao contrário, ao que está
vinculado ao visível, ao palpável, ao corpóreo mundo das idolatrias, do
simulacro.35
Ou seja,
O sistema de ídolos serve para substituir a relação ouvinte/música, para a
relação consumidor (fanático)/música, uma relação onde, perpetuando-se o
ídolo, a sua música estasempre vigendo, mantendo-se no mercado como
um produto em potencial.36
Dessa forma, o papel do ídolo atua como um ente participante do sistema,
empregando sua imagem a serviço de uma ideologia, que pretende uma massificação da
cultura, e desta forma contribui para um afastamento da sensibilidade, da percepção auditiva
do ouvinte em relação à música, agora transformada em objeto de consumo, em fetiche.
Adorno entende que esse tipo de estratégia é criada por uma indústria cultural, que ao
transformar a arte em objeto, promove uma regressão da audição. “Hoje a regressão das
massas consiste na incapacidade de ouvir o que nunca foi ouvido, de palpar com as pprias
mãos o que nunca foi tocado[...]”
37
.
34
Idem, ibidem.
35
Idem, ibidem.
36
Idem, ibidem.
37
ADORNO; HORKHEIMER apud ORTIZ, 1985, op. cit., p. 9.
40
O ídolo contribui para a “bestializaçãodo indivíduo, que passa a ser visto como
“homem massa
38
, para apenas repetir os movimentos criados por uma Indústria do
entretenimento, e o questione, não se posicione, pois não terá como fazê-lo, envolvido pelo
fetiche da música. Esse indivíduo massa não percebe que ele pprio passa a ser um objeto,
manipulado e precisa de alguns estímulos, como a imagem de alguém que insiste em
permanecer na sua memória o ídolo. O que está em jogo não é apenas a sica fetichizada
ou a coisificação do indivíduo, mas como o pprio Adorno diz, é o que envolve todas essas
estratégias, ou seja, a manutenção do sistema capitalista, difusor de uma ideologia de
consumo.
A transformação da música num produto (assim o construído) visa atender um
mercado consumidor, desejoso de novidades, fazendo com que o indivíduo (tanto o artista
como o receptor) não consiga perceber sua inserção numa “teia”39, num jogo de poder,
alienando-o, sem questionamentos, em função de sua própria percepção estar contaminada.
Essa contaminação é proposital, pois visa criar uma sociedade uniforme, sociedade massa.
2.2 O ÍDOLO E A INDÚSTRIA CULTURAL
Essa massificação da cultura é fruto de um jogo de interesses criados por uma
indústria que se apropria da cultura como objeto a ser comercializado. A expressão Indústria
cultural foi cunhada por Theodor Adorno, com seu texto “Dialética do Esclarecimento” de
1947, para substituir a expressão cultura de massa. Adorno entendeu que o sentido de cultura
de massa estava sendo apropriado pelos detentores dos meios de comunicação, aliados do
sistema capitalista, para criar um sentido de que a cultura de massa veio da massa, de forma
espontânea, como um reflexo de suas idéias, seus anseios. Adorno critica esse ideário,
chamando-o de engodo”, pois na verdade o que estava havendo era uma cultura (com suas
38
O conceito de massa a que me utilizo é de Gustave Lê Bon apud ORTIZ, 1985, op. cit., p. 7, que diz: “A
multidão moderna era uma massa indiferenciada de pessoas na qual a vontade individual estaria completamente
anulada diante do comportamento coletivo, o qual teria sua origem simplesmente no fato das pessoas estarem
aglomeradas em um determinado espaço físico. A multidão possuiria por assim dizer uma “alma coletiva” na
qual o heterogêneo se diluiria no homogêneo, fazendo com que todos agissem da mesma maneira. [...] As massas
seriam amorfas, elas o possuiriam vontade própria...” Esse conceito foi criado por Bon no começo do
século passado e por ocasião do movimento operário na Europa, porém o sentido de massa pode ser aplicado ao
contexto das décadas de 1960 e 1970, em função de ser este o objetivo da indústria cultural, quando pretende
criar uma cultura de massa: homogeneização e controle social, sem crítica, questões estas que serão criticadas
pelos pensadores da Escola de Frankfurt.
39
A expressão teia tem aqui o sentido de ser uma rede de relações, criadas e inseridas num mesmo pano, num
mesmo contexto, controlada por uma “rainha”, aqui entendida como sendo o sistema capitalista.
41
diversas práticas) utilizada propositalmente por uma indústria que não apenas adapta seus
produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo”.
Surge assim o conceito de Indústria Cultural, que para Adorno, estariam contaminando com a
arte e sua sensibilidade. Como esta indústria se atém em buscar “novas mercadorias”verá na
música, por exemplo, uma possível mercadoria, alterando-a, enfeitando-a, tornando-a atrativa
aos ouvidos deste público a qual denomina de massa.
O sentido de utilizar a palavra cultura se refere às produções artísticas, em seus
vários segmentos, como o teatro, a literatura, a pintura, o cinema e especificamente a música,
objeto desta pesquisa. Estas produções artísticas entendidas como práticas culturais foram
utilizadas pelo sistema capitalista moderno, a partir da metade do séc. XIX, em função de
novas tecnologias, como o fonógrafo e o gramofone, por exemplo, para serem mais um
produto a ser comercializado. O sistema capitalista, em seu momento de expansão a partir do
c. XIX, buscara inúmeras possibilidades de se firmar na sociedade enquanto ideologia, e as
práticas culturais, como a pintura e o teatro, por exemplo, representaram poder e status aos
donos do capital.
Inicialmente utilizadas para o consumo pprio e para distinção social, os burgueses,
como forma de demonstrar seu capital (poder), investiram em obras de arte, como uma forma
de se distanciar dos proletários, tornando-a um bem de consumo privado. Havia certa
distinção (distinção esta criada pelos próprios donos do poder) entre a arte erudita e a arte
popular. Porém os interesses mercantis dessa sociedade moderna, galgada pela técnica,
sucumbiram às ideologias das sociedades tradicionais40, que se utilizará de todas as
possibilidades de multiplicar seu capital, inclusive da arte. Assim, o que era descrito como
arte erudita, dita privada, com a modernidade tecnológica, passará a ser compartilhada,
dando-se a impressão de que o erudito virou popular e vice-versa. Obviamente as diferenças
econômicas entre os diversos grupos sociais continuaram existindo, mas os novos tempos
exigiram um “faz-de-conta”, muitos deles fabricado por uma mídia publicitária.
Essa modernização tecnológica se dá com mais ênfase a partir do séc. XIX e no
Brasil, perceptível, a partir das primeiras décadas do séc. XX, mas o ápice será a partir dos
anos de 1960 e 1970, com o crescimento da indústria fonográfica e a abertura ao ingresso de
empresas estrangeiras.
40
Ao se usar a expressão sociedade tradicional, refiro-me ao modelo de sociedade pré-industrial, caracterizada
pela “existência de um poder central, a separação em classes, e a presença de uma imagem central de mundo
(mito ou religião para fins de legitimação de poder”. (ORTIZ, 1985, op. cit., p. 2)
42
Para os donos do capital, interessados em multipli-lo, não limites para seus
interesses e o que é possível ser produzido para ser consumido, assim o será. A idéia de
colocar a sica num objeto frio, como se fosse possível captar a alma do seu criador, será
uma grande novidade. Contribuem para isso as novidades tecnológicas, como a chegada dos
fonógrafos e gramofones.
Mas o que é Indústria Cultural? De onde vem esse termo? A expressão indústria
cultural foi empregada pelos fisofos da Escola da Frankfurt, Theodor Adorno (1903-1969) e
Max Horkheimer (1895-1973), e Walter Benjamin (1892-1940) quando da publicação de
obra, “Dialética do Esclarecimento”, em 1947. Para Adorno o termo Indústria Cultural
serviria para explicar a arte consumida pelas massas, transformada numa mercadoria, que
fruto de um modelo, de uma grande indústria, perdeu sua aura, sua espontaneidade.
A indústria cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do
mundo industrial moderno e nele existe um papel específico, qual seja, o de
portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo sistema.
Aliada à ideologia capitalista, e sua cúmplice, a indústria cultural contribui
eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos
homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma
espécie de anti-iluminismo.41
Adorno, músico de formação ficara decepcionado com os rumos que a sociedade
capitalista moderna havia tomado, pois o que se via era o oposto dos ideais defendidos pelo
Iluminismo. Para os filósofos da escola de Frankfurt, a racionalidade defendida pelo
iluminismo contribuiu para eliminar as diferenças, prevendo com isso manifestações sociais
para o advento de uma sociedade uniformizada, padronizada, na qual “a individualidade
torna-se impossível de expressar”
42.
Esses ideais foram apropriados pelos donos de capital e
os usaram para criar uma sociedade, que ideologicamente direcionada ao progresso, ao fazê-
lo, não percebe que na verdade estase submetendo a um tipo de controle social, pois o
tempo antes livre, agora é expropriado do indivíduo. E a indústria cultural entra em ação para
também ocupar o tempo de lazer desse indivíduo que acaba consumindo o fruto do próprio
trabalho, ou seja, movido por desejos materiais, o tempo do lazer passa a ser em função de
usufruir os bens de consumo por ele próprio produzido. E, no caso da arte, com suas diversas
práticas, ela também passa a ser utilizada como mais um produto do meio, tanto como objeto
de consumo como meio de controle social, pois esse indivíduo, alienado, não consegue mais
41
ADORNO, Textos escolhidos, op. cit., p. 8.
42
ORTIZ, 1985, op. cit.
43
discernir o “canto da sereia”. Passa a reproduzir e perde a capacidade de produzir de forma
espontânea, pois está contaminado pelo sistema.
Nesse meio, perde o que se poderia chamar de cultura erudita e cultura popular, pois
ambas são apropriadas pelo sistema, criando a falsa noção de que houve uma fusão entre o
erudito e o popular. Para os frankfurtianos, não mais sentido em se separar a arte em
grupos ou classes, pois nessas sociedades industrializadas, agora defensoras de uma
homogeneização social, a luta de classes perdeu o sentido e não consiste mais no motor da
história, pois todos os sujeitos fazem parte de um mesmo sistema de dominação. As
diferenças são mera aparência. E essa nova realidade, criada pelo sistema, assume uma função
ideológica, para justamente impedir que o indivíduo a veja tal como é ou fora criada. O que
esem jogo é garantir a dominação social e para tanto a “indústria cultural seria o aparato
que se ocuparia da produção ininterrupta de “excitantes externos” para que a fidelidade das
massas não pudesse ser questionada”
43
.
Essas interrogações de Adorno são feitas no contexto dos anos de 1930, na
Alemanha, pois percebeu o uso de diversas estratégias criadas pelos nazi-fascistas para
construir uma sociedade homogênea, dentre elas a apropriação da arte, em especial da música,
que aliada aos meios de comunicação de massa (rádio), colaboraram para reproduzir suas
ideologias totalitárias.
A arte perdia sua aura e tornava-se mercadoria produzida em série, ou seja, o homem
tornou-se vítima de um novo engodo: o progresso da dominação técnica.
Essa dominação técnica, fruto do sistema capitalista, apropriou-se dos “bens
culturais”, tanto como uma forma de se obter mais um produto à venda como uma forma de
usar esse meio para conseguir “dominar” essas ditas massas, em que os espectadores são
vistos cada vez mais como consumidores, objetos da indústria cultural, que consomem as
idéias e os conceitos dominantes veiculados pelos meios de comunicação de massa. O sistema
a entender que essa liberdade é para todos, que cada indivíduo faz parte do processo, peça
fundamental, mas no fundo, ele é apenas um joguete nas mãos desses grupos dominantes, que
nutrem apenas um interesse, o de difundir sua ideologia e de aumentar seu mercado
consumidor.
Presa à necessidade de ser vendável, a cultura de massa se “normatiza”, tecnifica-se e
tende a apontar para um senso comum, criando uma “rmula do sucesso”. O produto artístico
voltado para o espectador médio não pode ser chocante nem exigir mais do que uma
43
Idem, p. 4.
44
inteligência média pode oferecer/perceber, criando uma promessa constante de satisfação com
o consumo de determinado produto.
Walter Benjamin, integrante do grupo, analisa sob o mesmo contexto a questão da
reprodutibilidade técnica da produção artística e em como esta técnica estaria sendo utilizada
em favor de colaborar com o sistema como um todo, no caso do uso do rádio e do cinema.
Benjamim acreditava que estas técnicas, ao contrário de Adorno poderiam ser utilizadas num
sentido contrário que Hitler estaria utilizando, por exemplo, não o de alienar a sociedade, mas
de promover a conscientização. Para Adorno, a técnica não substitui o momento, a presea,
por melhores que possam ser os aparelhos que serão utilizados para se reproduzir tal sica,
por exemplo. Claro que nesse contexto os gramofones ainda estão em fase de
aperfeiçoamento e se Adorno pudesse conhecer as técnicas de hoje, talvez pudesse perceber
que quase é possível captar a totalidade de um concerto musical, por exemplo. Obviamente
esclaro que para Adorno a questão não era a qualidade dos aparelhos que “engoliam” a
musica e a roubavam do artista, mas o fato dela perder sua função primeira, que é a de
sensibilização, reflexão, contemplação pra vir a ser um “bem” arrancado do seu criador e após
muito ser mexida, trasformar-se-á em um produto.
Assim, esta indústria da criação da cultura pretende criar táticas para conseguir
aumentar o consumo, modificando hábitos, criando valores e ideologias, podendo ser
representadas como a expressão de uma sociedade, criando a noção de homogeneização,
passando por sobre as singularidades que são inerentes à cultura.
Passou a ter o poder de influenciar gostos e criar modelos a serem seguidos, como se
fossem a expressão de uma única verdade, já que uma de suas estratégias é a repetição.
Segundo Dias
44
a vida cultural passou a entrar numa lógica da instria, no que tange a
produção em série e a repetição.
O esquematismo da produção na indústria cultural e sua subordinação ao
planejamento ecomico promovem a fabricão de mercadorias culturais
idênticas, pequenos detalhes atuam sempre no sentido de conferir-lhes uma
ilusória aura de distinção. A obra de arte que era anteriormente veículo da
idéia foi completamente dominada pelo detalhe técnico, pelo efeito,
substituída pela fórmula.
45
44
DIAS, Márcia Tosta. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2000. p. 26.
45
Idem, p. 27.
45
E esta fórmula consistia em ser um tipo de produto que caia no gosto do público,
sendo fácil e rapidamente comercializado. É quando a idéia foi suprimida pelo detalhe
técnico.
Assim, o sentido que a indústria cultural assumiu foi o de dominar, impor,
determinar o que vai fazer cantar, em como vai se apresentar. Isso é fácil de perceber ao
analisar sua presença nos anos da ditadura, pois ela utilizou de várias estratégias para, aos
poucos, dominar os espaços sociais. Começou com o rádio, passou pelos festivais e depois
veio a TV, que “abocanhou” grande parte do mercado da divulgação após os anos de 1970. As
gravadoras entram em cena como uma das táticas dessa indústria que está sempre em busca de
novidades, o que no período das décadas de 60 e 70, não faltou.
E, como uma dessas novidades nesse contexto histórico, pode-se destacar o cantor
Wilson Simonal, que, utilizou-a em seu favor, e foi por ela utilizado, porém o “preço” da
fama lhe custou justamente a fama. Ou seja, para ser famoso, popular, Simonal utilizou desta
mídia a seu favor, mas fama desmedida, sem controle, levou Simonal a, além de afundar nos
projetos da indústria da cultura, a também não perceber que sua carreira estava ficando
repetitiva
46
.
A indústria cultural despertou uma série de críticas feitas por grupos
intelectualizados, como o grupo da Escola de Frankfurt, com destaque a teoria crítica de
Horkheimer que compreendeu o momento como mais rio ainda. Para este intelectual, mais
do que ter a cultura e suas práticas transformadas em produtos a serviço de uma indústria, era
o fato de que ela estaria aliada aos interesses de um sistema que pretende a dominação e a
homogeneização, pois estas novas técnicas surgidas no pós indústria do séc. XVIII teria
ilusoriamente criado uma sociedade dependente, alienada e acrítica.
A Teoria Crítica recebe este nome porque estava interessada em rejeitar a civilização
moderna que subsistiria pela implantação de uma “vida diminuída”. Rejeita o ideal
cientificista aplicado ao donio humano; e definir-se-ia, em contrapartida, por uma prática
teórica ecléctica, interessada em discernir nas chamadas ciências humanas (psicologia,
sociologia, história, etc.) o potencial crítico. Assim, seria também crítica porque não
dogmática seria, enfim, dialética. Ou seja, ela buscaria compreender a sociedade em cada
tempo e em cada acontecimento, analisando as transformações e contradições dela
decorrentes, como sendo parte do processo histórico, não criando regras específicas, mas
percebendo em como elas podem ser criadas, se o forem. A teoria crítica buscou criticar essa
46
SOUZA, Tarik. Derrocada estética veio antes do acaso político. 26 jun. 2000. Dispovel em:
<http://cliquemusic.uol.com.br/br/Acontecendo/Acontecendo.asp?Nu_ materia=253>. Acesso em: maio 2006
46
nova sociedade que estava se formando, pois alienada às mudanças técnicas, não estaria
percebendo essas armadilhas e suas contradições.
E foi dentro dessa lógica do sistema capitalista, intensificado no pós segunda guerra,
que a carreira de Wilson Simonal se desenvolveu. Simonal foi utilizado pelo sistema, para
difundir sua ideologia; usado pela instria fonográfica para vender discos, passando a ser
produto e também sua sica, mas os utilizou para concretizar seu sonho de se tornar um
ídolo artístico, conseguindo assim ascensão social e econômica. A música passa a ter outro
tipo de valor e é ele que conduzirá as ações dos produtores de bens culturais nos anos de 1960
a 1970.
Então, ele se utilizou de diversas representações para se fazer entender e criou
diversas táticas para se colocar no meio social. E qual é o papel do artista nesse processo? Tal
como numa indústria, ele passou a fazer sua parte.
2.3 A CAMINHO DO ESTRELATO – S’IMBORA!!
Vamos s’imbora dançar
Festa tá muito boa
Não deixa ela se acabar
(S’imbora - Wilson Simonal, 1967)
Simonal, ao sair do exército, em 1958, embebido pela popularidade conquistada,
procurou dar continuidade ao seu sonho de tornar-se um cantor profissional. Tentou ganhar a
vida como crooner, sempre procurando estar ao máximo no meio musical. Nesse meio,
conheceu Carlos Imperial, apresentador do programa Clube do Rock, na TV Continental.
Conseguiu marcar um teste para se apresentar, mas um atraso de duas horas o fez perder
sua primeira oportunidade artística, porém consegue trabalhar com Imperial, como seu
secretário.
Carlos Imperial era um dos mais conhecidos produtores musicais do meio artístico na
época, especialmente por revelar novos talentos. Oportunista e de olho nas novas tendências
do mercado fonográfico, Imperial tentou inicialmente emplacar nos seus programas, o rock,
um novo estilo musical dos EUA, visto como o ritmo do momento. Este ritmo teve como
principal ícone, Elvis Presley, um artista branco que cantandosica de negro, fez um tipo de
música que agradava aos jovens, deixando claro, segundo Puterman, a divergência entre a
cultura desses jovens e a de seus pais.
47
“O disco de Elvis provavelmente representou para esses jovens, uma expressão
legítima de contestação, principalmente por trazer uma música de origem negra gravada por
um rapaz branco
47
.
Elvis Presley passou a representar um símbolo de rebeldia, de moda e foi uma
referência para muitos jovens, idolatrado pelas mulheres e seguido (como estilo, moda) pelos
homens. Essas novidades chamam a atenção do blico (especialmente da juventude que
procura demonstrar não aceitar mais os valores conservadores da sociedade, como o
preconceito racial) e do mercado fonográfico, que em ascensão, vê possibilidades de explorá-
las (imagem, ações, popularidade, novidade musical), mercadologicamente. E essa juventude
seuma das responsáveis pelo crescimento das vendas de discos de forma significativa. O
cantor Elvis Pressley, com sua sica “ousada” tornou-se responsável por 25% das vendas
de sua empresa” a gravadora RCA
48
. O novo alvo do mercado era a juventude, sendo
necessário produzir um produto que lhe agradasse.
No Brasil, Carlos Imperial, tentou emplacar o rock que concorreu com um novo
estilo musical surgindo no final dos anos 50, a Bossa Nova
49
, uma musica mais suave, mais
melódica. Com um “banquinho, violão e voz” (opondo-se ao estilo de grandes produções
operísticas dos sambistas), alguns cantores quebraram com a popularidade do samba,
propondo um tipo de som mais sutil, tendo em João Gilberto um de seus criadores, além de
Antonio Carlos Jobim, Newton Mendonça, Carlos Lyra, Vinícius de Moraes, Roberto
Menescal, Baden Powell, Ronaldo Bôscoli e Nara Leão. Em 1958, foi lançado o primeiro
disco de bossa nova, intitulado “Chega de Saudade”, gravado pela Odeon, com destaque à
canção “Desafinado”, gravada por João Gilberto, um jovem ligado às novidades do cenário
musical e as novas linguagens que se desenvolviam tanto no exterior (jazz nos EUA país
este em que morou muitos anos) e no Brasil, com destaque ao eixo Rio/São Paulo.
Este novo estilo de música, ficou mais restrita às elites, sendo considerada uma
música mais refinada, dominando os ambientes mais sofisticados, em que seus criadores
representaram a zona sul carioca, as praias, as mulheres bonitas, o sol, o mar, os amores, os
prazeres da vida, dentre outros.
47
PUTERMAN, Paulo. Indústria cultural: a agonia de um conceito. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 84.
48
Idem, p. 95.
49
O criador do nome Bossa Nova até hoje é um mistério, mas sua origem pareceu quase que por acaso, no que
Caldas afirma: “Roberto Menescal, convidado para apresentar-se com seu conjunto no Grupo Universitário
hebraico-Brasileiro, encontra o seguinte aviso escrito no quadro negro:”Hoje, João Gilberto, Silvinha teles e um
grupo bossa-nova apresentando sambas modernos”. A expressão foi tão feliz (seu criador permanece até hoje no
anonimato) que os profissionais daquele show ficaram conhecidos como os artistas da bossa nova”. CALDAS,
Waldenyr. Iniciação à música popular brasileira. São Paulo: Ática, 1985. p. 47.
48
Essa música mais sofisticada teve pouco ou quase nada de aceitação blica por
parte das camadas mais populares e também não fora essa sua intenção. A Bossa Nova não
tinha essa pretensão, ou seja, nem de ser popular (no sentido de origem) e nem de ser
produzida para cair no gosto popular. Vista de outra forma, os criadores da Bossa Nova
podiam não querer popularidade junto às camadas populares, mas almejavam para si um tipo
de status diferenciado, o de ser música sofisticada, erudita, e não música popular, de massa.
Se os EUA teve o rock como uma novidade, o Brasil teve a Bossa Nova, que
simbolicamente conferiu aos seus criadores um poder além do imediato, um poder de serem
lembrados como criadores de um estilo novo. Na perspectiva de Pierre Bourdieu
50
, este poder
é uma forma de poder invisível, pois se utiliza de símbolos para a construção de uma dada
realidade. Constituiu-se num símbolo de sica brasileira mais sofisticada, mais elitizada.
Segundo Naves
51
“João entrou com o ritmo, a batida bossa-nova, e Tom, com sua harmonia
requintada”.
E esse requinte musical alcançou projeção internacional, especialmente s 1962,
numa série de apresentações nos EUA, no Carnegie Hall, Nova Iorque. Mas o grupo fundador
da Bossa Nova cindiu-se entre àqueles que como Carlos Lyra, ligados à politização
universitária, proe a utilização da arte a serviço de uma conscientização social e, entre
aqueles que, como João Gilberto, Tom Jobim, denominados de conservadores não querem
assumir um compromisso mais político em suas canções, optando em falar do sol, do mar, do
céu azul, da flor, do amor. Os artistas militantes de uma esquerda nacionalista, ligados às
universidades, denominavam-se de engajados e consideravam esse tipo de canção
despolitizada, como colaboradora dos valores pequeno-burgueses dos bairros grã-finos da
zona sul do Rio.
[...] cantar a ‘Garota de Ipanema’, o ‘amor, o sorriso e a flor’, o ‘barquinho
e outras mumunhas mais era o mais bestial sinal de alienação, num país
vitimado pelo ‘imperialismo’ capitalista (o grande tema dos anos 1950 e
1960) e com uma população de mais de dois terços compostos por
miseráveis e subempregados, nos campos e nas cidades.
52
Essa discussão aconteceu em função do contexto social, econômico e político que o
Brasil estava vivenciando. Subdesenvolvimento, aumento da dívida externa, disparidade
social entre regiões do sul e nordeste, miséria urbana e rural, vinda de muitas empresas
50
BOURDIEU, op. cit.
51
NAVES, Santuza Cambraia. Da bossa nova à tropicália. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 21.
52
NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação (1950-1980). 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2004. p. 33.
49
multinacionais com a gestão de Juscelino Kubitscheck, dentre outros problemas. Em termos
de contexto mundial, o clima era o da Guerra Fria, uma disputa ideológica de duas
superpotências entre os sistemas, Capitalista, nos EUA e Socialista, na URSS.
Nesse sentido, o cenário musical desse momento, foi marcado pela variedade de
estilos musicais, de discussões que acabavam influenciando nas composições e criações
artísticas, consistindo num terreno fértil para a criação. Para o sistema capitalista, essas
contradições geravam polêmicas, que suscitadas na mídia, poderiam até servir como
“propaganda” para os ideais do próprio sistema, qual seja, tornar-se conhecida, popular para
ser vendável. As disputas entre os engajados e os ditos alienados
53
acabavam por contribuir na
difusão da música brasileira, seja ela qual for. Isso é possível comprovar, pois como afirmou
Rui Castro em sua obra “Chega de Saudade”, nunca se vendeu tanta sica brasileira como
na década de 60, com destaque ao disco de Elis Regina e Jair Rodrigues “Dois na Bossa”, de
1965. Este disco “tornou-se o disco de música brasileira mais vendido da hisria”
54
.
Ao sistema interessa vender a sica pela qual o blico demonstra interesse, seja
ela qual for, e a partir de então o sistema investe em produzi-la em grandes quantidades. Com
isso não quer dizer que os ritmos estrangeiros não tiveram espaço, como no caso do rock.
Apenas não tiveram o mesmo status que tiveram nos EUA, pois nesse mesmo momento, a
indústria fonográfica se volta para produzir e difundir a novidade local, a Bossa Nova e suas
subdivisões.
E foi justamente nesse contexto histórico, marcado por um cenário cultural múltiplo
e heterogêneo, que Wilson Simonal desenvolveu sua carreira artística. Como crooner, cantava
de tudo um pouco, e não tinha um estilo único. O meio ao qual fez parte e os artistas ligados a
ele, conduziram-no a vários caminhos, ora bossa nova, ora samba, ora soul music, ora
inventando um estilo, a Pilantragem
55
.
Simonal aprendeu a lição com seu primeiro mentor, Carlos Imperial a ser observador
e aproveitar as oportunidades que lhe apareciam e vivencia um pouco de tudo e de todos,
sempre de acordo com o que estava em evincia.Isso Simonal logo aprendeu, a escolher o
que está em evidência se quiser continuar sendo visto.
53
A presente pesquisa não pretende aprofundar essa discussão, porém a esta citando no sentido de compreender
o cerio cultural em torno de Wilson simonal e suas iniciais escolhas musicais. Sobre essa questão, ver a obra
de Marcos Napolitano, 2004, op. cit.
54
CASTRO, Rui. Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
p. 373.
55
Simonal atribuirá o termo Pilantragem a um estilo que criou para a música, misturando Samba, Bossa Nova e
Swing .
50
Inicialmente não se interessou pela Bossa Nova, pois dizia que “não tinha a menor
intenção de cantar baixinho”
56
. Suas referências eram Vicente Celestino e Caubi Peixoto, as
Cantoras do Rádio, Emilinha e Marlene, por serem artistas de presença nos palcos. Mas
Carlos Imperial, um produtor musical muito observador e oportunista, percebeu o crescimento
da Bossa Nova, transformando-se na novidade musical do momento, não necessariamente
popular.
Tentou então fazer seus “pupilos” aderirem, mas como seu público era na sua
maioria representantes da zona norte carioca, percebeu a dificuldade de emplacar a tal da
Bossa Nova, pois esse novo estilo não agradou como se esperava. Segundo Castro
57
Imperial
“farejou que a Bossa Nova poderia ser apenas uma questão de rótulo e viu a chance de vender
sua turma com uma nova embalagem”. Ou seja, atento às variações e oportunidades do
mercado fonográfico”, como era, Imperial se especializou em produzir uma música mais
comercial, popular e vendável, uma música de massa
58
e para a massa.
Para Simonal, o contato com Carlos Imperial foi muito importante, ajudando-o a
definir um “estilo para sua obra”. Inicialmente Simonal até tentou “entrar na onda” da Bossa
Nova, mas seu interesse estava em fazer uma música que considerava mais alegre, que
chamasse a atenção e misturou bossa nova com samba, ao que chamou de Samba Jovem.
À noite, quando podia, dava suas “canjas”, cantarolando em bares no circuito
carioca, conhecido como um reduto da boemia. Nesse meio, conheceu Roberto Carlos, Celi
Campelo, Sérgio Mendes, Ronaldo Bôscoli, Erasmo Carlos (ainda não como um cantor) entre
outros. Seu protetor, Carlos Imperial o apresentou a J.Ribamar, da Odeon. Este, por sua vez,
interessa-se por Simonal, que em 1961, gravou o seu primeiro 78 RPM (disco-demo), com as
canções Terezinha (em homenagem a sua namorada e futura esposa) e Biquínis e Borboletas,
um chá-chá-chá , conhecido como “calipso” (um ritmo de música afro-caribenha).
Esse foi um momento bastante fértil na música brasileira, pois se cruzaram novas
experiências no campo das artes com as tradicionais. A sica produzida neste contexto
não era apenas “música boa de ouvir”, mas “também boa de pensar”
59
.
56
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 4.
57
CASTRO, op. cit., p. 282.
58
O sentido de utilizar o conceito música de massa foi baseado na obra de CHAUÍ, Marilena. Convite a
Filosofia. São Paulo: Ática, 2005. p. 289, que se refere à arte de massa como aquele tipo de sica financiada
por empresas que fazem tanto as reproduções simplificadas de obras da arte erudita como também compram para
produção em escala industrial as obras de artistas individuais e as destinam ao mercado de consumo em larga
escala.
59
NAPOLITANO, Marcos. História e música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 11.
51
Para Wilson Simonal, o cenário musical nacional deste período se apresenta
múltiplo, polissêmico e polêmico. Uma das polêmicas suscitadas era a de que os artistas
deveriam utilizar sua arte para fazer uma crítica às questões sociais, mas nem todos o fizeram.
[...] o artista despolitizado, alienado, romântico, está totalmente alheio em
face dos problemas sociais e concretos vivenciados pelos homens em
realidades históricas cronologicamente determinadas. [...] o artista
despolitizado, defensor da arte pela arte, transformava-se numa presa fácil
ou numa vítima dócil, ou ainda, num instrumento de classe dominante, em
função da produção de obras sintonizadas com o status quo, ou
antipopulares.
60
A proposição de engajamento das artes, aqui defendida por Carlos Estevão Martins
estava vinculada ao Centro Popular de Cultura (CPC)
61
da União Nacional dos Estudantes,
objetivando promover uma crítica às questões sócio/políticas e econômicas e de dependência
cultural, para conscientizar a sociedade dos problemas da pobreza, do subdesenvolvimento, de
questões ligadas ao nacionalismo
62
em oposição ao estrangeirismo crescente no país.
E enquanto alguns artistas estão discutindo a possibilidade da sica servir mais do
que simplesmente “embalar emoções ou mover corpos dançantes”, Wilson Simonal preferia
não se envolver com questões políticas. Optou em fazer de sua música uma forma de
“asceno sócio-econômica”, um estilo a ser seguido, um tipo de canção que fosse
cantarolado na boca das pessoas, ou seja, seu interesse era alcançar um status tal como seus
ídolos possuíam, para ter sucesso, fama, poder, ou seja, de ser um ídolo. .
Neste sentido, logo após a gravação de seu disco-demo de 1961, com as canções
Biquínis e Borboletas e ‘Terezinha’, aos poucos tornou-se mais conhecido no meio artístico,
apresentando-se em boates como a Drink, situado em Copacabana, vindo a trabalhar num
elegante bar, o Top Club, chamando a atenção de Ronaldo scoli e Luiz Carlos Miéle,
60
MARTINS apud CONTIER, Arnaldo D. Edu Lobo Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto
(anos 60). Revista Brasileira de História: Dossiê Artes e Linguagens, o Paulo, v. 18, n. 35, 1998.
61
O CPC - Centro Popular de Cultura, da UNE União Nacional dos Estudantes, foi fundado em setembro de
1961 por Carlos Lira, juntamente com Oduvaldo Viana Filho e Ferreira Gullar. ”Na ocasião, o compositor
comava a considerar a bossa nova apenas uma forma musical moderninha de repetir as mesmas coisas
românticas de sempre. Isso refletiu-se em sua produção que, sem afastar-se de todo o romantismo, passou a
tomar contornos nacionalistas…). SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem. A caão no tempo: 85 anos
de músicas brasileiras. São Paulo: Ed. 34, 1998. v. 2, p. 55.
62
Pode-se entender o conceito de Nacionalismo como sendo um sentimento de pertencer a uma comunidade
cujos membros se identificam com um conjunto de símbolos, crenças e estilos de vida, e têm a vontade de
decidir sobre seu destino político comum. Mas segundo Renato Ortiz, em sua obra Mundialização e Culturaa
retomada dos nacionalismos, no contexto do séc. XX, numa sociedade dominada pela industrialização e num
mundo que tende a um processo de integração sem precedentes, suscitou uma série de lutas de afirmação de
grupos, que o se reconheciam nas representações institucionais forjadas pelos estados nacionais.
52
produtores musicais. Estes por sua vez, levaram-no ao da boemia carioca, o Beco das
Garrafas.
Situado no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, o Beco das Garrafas era uma
rua sem saída, muito movimentada em função de quatro boates o “Litle Club”, o “Bottle’s”,
o “Baccará” e o “Ma Griffe”, ficando famoso, pois, em noites de muito barulho, alguns
“boêmios” mais afoitos atiravam garrafas nas residências próximas. Este era o lugar onde a
boemia carioca se reunia para apreciar as novidades e os talentos musicais. Segundo Nelson
Motta, em “Noites Tropicais”, todos os grandes artistas deste período por passaram. Dizia-
se que era o templo da bossa nova e outras tendências. se reuniram cantores amadores e
profissionais, produtores, cineastas, representantes de gravadoras, dentre outros. Havia
diversos barzinhos onde os artistas se apresentavam e trocavam suas experiências.
Nome pelo qual ficou conhecido o conjunto de casas noturnas, localizadas
entre os edifícios de números 21 e 37 da rua Duvivier, em Copacabana (RJ),
inauguradas na década de 1950, sendo cenário do samba-canção,
interpretado por Dolores Duran, Sylvinha Telles e Marisa Gata Mansa.
Consta que o nome se tenha originado a partir da atitude de alguns
moradores vizinhos, que costumavam arremessar garrafas em reação ao
barulho feito pelos freqüentadores do local. Foi batizado por Sérgio Porto
inicialmente como Beco das Garrafadas, reduzido mais tarde para Beco das
Garrafas. No início dos anos 1960, tornou-se conhecido como o ‘Templo da
bossa nova’, com destaque para as boites Baccara, e principalmente Little
Club e Bottle's Bar, ambas de propriedade dos irmãos italianos Alberico e
Giovanni Campana. Em seus pequenos espaços, abrigavam pocket-shows
assinados com criatividade pela dupla Miele e Bôscoli, responsáveis pela
direção, pelo som e pela iluminação. Além dos musicais noturnos, havia
também as matinês de domingo, que reuniam músicos amadores e
profissionais. O Beco das Garrafas abrigou, nos anos 1960, o melhor da
bossa nova instrumental. Ali se apresentavam Sergio Mendes, Baden Powell.
Entre os cantores, Claudette Soares, Alaíde Costa, Leny Andrade, Nara
Leão, Sérgio Ricardo, Johnny Alf, Sílvio César, Agostinho dos Santos, Jorge
Ben, Wilson Simonal, Pery Ribeiro e Elis Regina.
63
Nesse local, Simonal conviveu com artistas como Carlos Lyra, Elis Regina, Chico
Buarque, Roberto Menescal, dentre outros. A chegada de Simonal ao Beco das Garrafas
provocou espanto e admiração. Apresentou-se com a sica “Lágrima Flor” de Billy Branco,
no meio do show da bailarina Marli Tavares e do Bossa Três, grupo este que o acompanharia
em seus shows futuramente.
63
BECO das garrafas. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_C&nome=Beco+das+Garrafas>. Acesso em:
22 jan. 2007.
53
[...] quando surgiu no Beco, em 1963, provocou uma sensação que é hoje
indescritível e talvez inacreditável. Ele era apenas o máximo para seu tempo:
grande voz, um senso de divisão igual ao dos melhores cantores americanos
e uma capacidade de fazer gato e sapato do ritmo, sem se afastar da
melodia.
64
Seu estilo de interpretar com a canção Lágrima Flor empolgou os freqüentadores do
Beco, atraindo a atenção de pessoas ligadas a imprensa e música, como o jornalista Samuel
Wainer. Além de colegas de sica, Simonal conheceu no Beco, Lennie Dale
65
, um bailarino
norte americano, muito conhecido pelas suas produções no Beco das Garrafas. Famoso por
sua criatividade e irreverência, ao conhecer no Beco artistas como, Wilson Simonal e Elis
Regina, lhes propõe mudanças às suas apresentações, trazendo mais agitação e movimento
aos shows. Desse contato com o Beco, Simonal vai aos poucos deixando de lado a função de
“crooner” para ser cada vez mais cantor, empolgando os freqüentadores, com seu estilo
despojado, fanfarrão, contando piadas e brincando com o público, ao que Ronaldo Bôscoli
chamou de “show man”.
Assim, se a discussão nacional é a busca por novidade, e se ela é Bossa Nova, foi-se
à Bossa Nova, com um jeito particular. Se o contexto de fora fala em música jovem, para
jovens (em função do rock) então, foi-se a sica jovem, para os jovens, criando um ritmo
levemente dançante, mais ousado. Foi essa a nica da carreira e do estilo de Wilson Simonal,
ou seja, não se prender nem rejeitar estilo musical nenhum , porém sempre “de olho” no
mercado.
2.3.1 Wilson Simonal “tem algo a mais”? A prodão de sua obra
O ano de 1963 foi especial para Simonal, pois, aproveitando-se desse momento de
criatividade em alta na sica e das gravadoras, sempre de olho nas mudanças e nas
64
CASTRO, op. cit., p. 362.
65
Lennie Dale ou Leonardo La Ponzina, nasceu no bairro do Brookllyn, nos EUA, e se formou em balé, ficando
famoso por suas produções na Broadway, com destaque ao filme Cleópatra, dirigindo 500 bailarinos. Em 1960,
uma de suas apresentações em Roma teve na platéia o empresário Carlos Machado, que o convidou para
coreografar o espetáculo "Elas atacam pelo telefone", encenado na boate Freds, no Rio de Janeiro. Em seguida,
radicou-se no Brasil. Em 1961, fez sucesso na casa noturna Night and Day (RJ), onde apresentou uma
coreografia de vanguarda, vestido com uma saia e estalando um chicote.Foi personagem de destaque no cenário
da bossa nova, dirigindo, nos anos 1960, rios shows no Beco das Garrafas (RJ), chegando até a criar uma
dança especial para a bossa nova. Inovou a concepção dos espetáculos musicais, ressaltando a necessidade de
produção, ensaio e expressão corporal dos artistas nos shows. Impulsionava o talento de seus alunos, em aulas
vespertinas no Bottle’s Bar, usando a expressão "Cresce, baby!" Estas informações foram obtidas no verbete
LENNIE Dale (Leonardo La Ponzina). In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/detalhe.asp?nome=Lennie+Dale&tabela=T_FORM_A&
qdetalhe=art>. Acesso em: 02 mar. 2008.
54
novidades musicais, lançou alguns discos, mas o destaque foi para o LP, Wilson Simonal tem
“algo mais”, pela Odeon. Neste disco foram 12 canções gravadas por alguns dos
compositores de grande projeção na sica no momento, como: Tito Madi
66
(Balanço Zona
Sul), Billy Blanco (Menina Flor), amigos de Beco como Silvio César (Saudade) e Carlos Cruz
(Samba Cromático), Marcos Valle (Tudo de você), entre outros. Os arranjos e a direção
musical deste disco (e até 1965) será de Lyrio Panicali (tinha contato com a rádio nacional e
tinha cargo executivo na Odeon), Erlon Chaves (obcecado pelo estilo de Quincy Jones
67
) e
Eumir Dedodato (um apaixonado por arranjos de orquestra).
O destaque deste primeiro disco era a música Balanço Zona Sul, de Tito Madi, que a
compôs e a cedeu em primeira mão a Simonal.
Neste disco, que é basicamente produzido com músicas ao estilo Bossa Nova,
Simonal opta por representar um artista mais comedido, e as composições falam mais dos
temas da bossa nova, da flor, do amor, da perda da mulher amada, ou seja, do cotidiano. Mas
como no cenário musical deste momento havia a discussão de bossa nova x samba, ele
escolhe composições que falam de samba, como Samba Cromático (Jair Amorim e seu amigo
Carlos Cruz) e Samba é verbo (Chico Feitosa/Marcos Vasconcelos), para não ficar de fora.
Assim, passa a imagem de que aquele crooner do Beco das Garrafas, das grandes imitações,
sabe de música e está por dentro das discussões do momento. Não se questiona aqui se
Simonal era ou não bom cantor, mas sim de como ele produziu ou de como foi produzida sua
carreira.
Simonal, uma atração dos barzinhos nas noites cariocas, agora se as voltas de
pessoas de grande influência no cenário musical que irão produzir uma carreira.
O título de seu disco, Simonal tem “algo mais” tem o sentido de mostrar que o artista
Simonal, tem algo a mais que os artistas da Bossa Nova. Ele também faz Bossa Nova, mas
sua bossa, segundo o próprio, tem algo a mais a oferecer. Aqui vale uma interessante análise,
pois neste momento em que se discute se Bossa Nova é ou não um estilo de sica brasileira
ou se é o samba, também ficou claro para o mercado fonográfico nacional que este estilo de
66
Tito Madi tornou-se um dos compositores favoritos de Simonal. Chauki Maddi, seu nome original, cantor e
compositor da música Chove fora, fez muito sucesso nos anos de 1950 , sendo mito tocada nas rádios, tendo
mais de 100 mil cópias vendidas. (TITO Madi. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tito_madi>.
Acesso em: 02 mar. 2008.)
67
Quincy Jones foi um dos empresários da indústria do entretenimento norte Americana, arranjador e compositor
de trilhas sonoras, tendo como amigos, Ray Charles e de ter sido arranjador da cantora Sarah Vaughan, Frank
Sinatra, Mile Davis, Ella Fitzgerald. Ficou muito famoso ao produzir a carreira solo de Michael Jackson, com o
disco Thriller. Nos anos de 1960, foi um importante ativista social, e ao lado de Martin Luther King, participou
dos momentos de valorização da música negra americana como o IBAM (Instituto para música Negra
Americana). (QUINCY Jones. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Quincy_jones>. Acesso em: 02
mar. 2008.)
55
música mais romantizada, estilizada, não atingiu a todos os blicos, em especial, o público
mais popular, os menos abastados.
Então, Simonal e seus produtores, de olho no mercado fonográfico, percebem que
Bossa Nova era um estilo de projeção mundial, muito em função de seu show do Carnegie
Hall, em 1962, nos EUA, mas aqui no Brasil, continua às discussões de ser legítimo ou não.
Assim, produziram um disco que misturou um pouco de Bossa Nova, um pouco de samba e
utilizando-se dos meios de comunicação, difundem seu disco dizendo que Simonal “tem algo
a mais a oferecer”, como estratégia.
Na contracapa de seu disco, o jornalista Ricardo Galeno fez a apresentação do
mesmo, com um discurso de que Simonal representaria uma mudança, uma novidade na
música brasileira (lembrando que o mercado fonográfico e o público anseiam por novidades).
Já no começo de seu texto, Ricardo alfineta afirmando que:
O Brasil não está dormindo de pijama listrado, como dormia nos dias de
ontem. uma espécie de revolução, em que a grande maioria toma parte,
isso para desespero e nariz torcido da minoria quadrada, que o dispensa o
pijama, que cronometra tudo, ‘que standardiza’ tudo, que até pra ir a uma
simples sessão de cinema tem dia estabelecido. O Brasil dos dias de hoje é
outro. É revolucionário. Há uma insurreição violenta contra os padrões
preestabelecido, tanto que o vestir das moças e dos rapazes, as conversas que
eles conversam, as músicas que preferem, a literatura que absorvem, dizem
bem da revolução existente e que, fatalmente, derruba os retrógrados
tirando-lhes, em praça pública, o indefectível pijama.
68
Neste trecho Galeno está, de forma agressiva, criticando àqueles que estão
questionando a legitimidade da Bossa Nova enquanto um ritmo brasileiro e defensores do
samba como sendo a única musica brasileira, um samba que traria de volta uma velha guarda,
antigos compositores, (“os de pijama listrado”, como Pixinguinha, Cartola, Noel Rosa ). Neste
embate entre o tradicional samba e a Bossa Nova foi produzido o primeiro disco de Simonal,
em que ele é representado como o novo, o diferente, o que faz parte desta onda revolucionária
(bossa nova), mas propondo-se a revoluciona-lo ainda mais. Vale lembrar que este é o
momento em que as gravadoras passam a investir grandes somas na sica brasileira.
Simonal está com uma das grandes gravadoras do momento, a ODEON, que de olho
nas mudanças “revolucionárias” do mercado musical, investe na produção de sua carreira,
criando um discurso de que sua música tem “algo a mais” a oferecer ao público consumidor.
68
GALENO no disco SIMONAL, W. Wilson Simonal tem “algo mais. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1963. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
56
Ela (música) está dentro da onda revolucionária, não abandonando as velhas referências, mas
adequando-as aos novos tempos, como obriga o mercado.
É interessante perceber as estratégias que a indústria fonográfica cria para adentrar
neste círculo cultural, aqui no caso, da música. Primeiramente encontra um artista, que dotado
de espontaneidade, irreverência, concorda em fazer parte deste circulo. Entregando-se aos
produtores, que de olho nas novidades mercadológicas, cria um personagem. Este personagem
terá que representar os ideais de seus produtores, que querem vender seu produto, o disco, a
música, entoada por este artista, que será transformado em ídolo. Mas para sê-lo, entram em
ação uma série de agentes para transformá-lo, como compositores, arranjadores, produtores
musicais, gravadoras, todos de olho no mercado. Aliás, a indústria fonográfica produzirá o
que acredita ser possível comercializar. Após produzir o disco entra em ação uma poderosa
campanha publicitária, transformando um anônimo em um ídolo nacional.
E como diz Galeno, os anos de 1960 foram marcados por revoluções de
comportamento, de moda, de estilos, nada mais natural, que este novo ídolo seja alguém
inserido nestas ondas revolucionárias.
Então, ele (Simonal) foi alguém que “tirou o pijama”, que ao compactuar com estas
novidades, entendidas e difundidas como necessárias para tal modernização social
(modernização esta criada pelo sistema), e que está oferecendo algo a mais aos consumidores.
Num primeiro momento, pelo percebido no primeiro disco, Simonal optou, ou melhor,
concordou que sua sica, ou melhor, suas interpretações, fossem mais um estilo bossa-
novista, com uma pitada de samba. E assim sua música foi divulgada como
“revolucionária”criando uma expectativa no público consumidor, que a partir dos anos de
1960, além do rádio, tem na TV, um poderoso veículo de informação e difusor de novidades.
Os meios de comunicação assumem, nestes anos que seguem, um papel fundamental na
reificaçao de ideologias, criando a ilusão, a fantasia, misturando o real com o irreal, que
muitas vezes é entendido como real.
No caso da música é o que Adorno chama de regressão da audição, pois este
mercado em crescimento, que se utiliza de bens culturais como mercadorias, recria-as como
“guloseimas irresistíveis”, inebriando sua capacidade de compreensão e como que num “canto
de sereia” se “afunda neste mar ilusório”, perdendo sua capacidade de crítica. Para o mercado,
estes produtos servem para criar uma sociedade padronizada, dizendo ser ela igualitária. Ou
seja, cria o sentido de que o público é uniforme, é uma massa, sendo mais fácil de manipulá-
lo.
57
É dentro dessa lógica mercadológica, que cria “miragens (ídolos) aos perdidos
(consumidores) no deserto”, fazendo-o com a ajuda dos mass média, que é possível perceber
os mecanismos de uma obra construída para Simonal, que se utilizou de discursos como
“revolucionário”, “tirar o pijama”, criando estereótipos como “monstro” para evocar seu
sucesso.
Nesse seu disco, de vinte e dois de agosto de 1963, duas canções se destacam, sendo
Balanço Zona Sul, de Tito Madi, considerado num dos seus primeiros grandes sucessos dos
anos 60, com frases como: Balança toda pra andar; Balança até pra falar; Balança tanto que
já balançou meu coração; Balance mesmo que é bom, Do Leme até o Leblon ; E vai juntando
um punhado de gente Que sofre com seu andar”
69
.
Além desta canção, que falava do balanço do mar e do balao da mulher, que
balançou a juventude daquela época, no mesmo disco destacou-se a canção de Billy Branco,
grima Flor , demonstrando um Simonal romântico, alegre, cantando o amor e a flor, em
versos como:
Deixa pra [...] pra ver, para ver como fica esse amor, chora que é bom mas não
deixa ninguém perceber, pois lágrima feita de amor vira flor...lágrima flor porque morre perfuma o
que importa”
70
.
Essa música foi interpretada por um Simonal que, inteirado e amigo dos bossa-
novistas, segundo Ricardo Alexandre, destoou das suas vozes tímidas e usou arranjos
elaborados, mais dinâmicos. “Não era samba, não era bossa nova. Mas era negro, brasileiro,
sofisticado e poderoso, quase como se Ray Charles e Frank Sinatra encarnassem em João
Gilberto. Ou o contrário
71
.
É o ingresso definitivo de Simonal no mundo dos holofotes, das celebridades, sendo
tratado pela dia como uma estrela. Com uma capa bem elaborada, mostrando um Simonal
alegre, cabelo bem cortado, apresentado com uma boa imagem, o seu primeiro disco de
grande projeção chegou com todo o aparato possível da indústria da música. Bons produtores,
boa gravadora, estilo musical de acordo com o contexto musical nacional do momento e muita
propaganda para o que de vir. Pode-se considerar que Simonal é um exemplo do artista de
laboratório.
Mas o ano de 1964 deu início a um novo tempo na sociedade brasileira,
especialmente s 31 de março, por ocasião do golpe de Estado praticado pelos militares,
69
SIMONAL no disco SIMONAL, W. Wilson Simonal temalgo mais”, op. cit.
70
Idem, ibidem.
71
ALEXANDRE no disco
SIMONAL, W. Wilson Simonal tem “algo mais, op. cit.
58
iniciando uma política de endurecimento, uma política de governo ditatorial coordenada
pelos militares.
No contexto histórico mundial, esse foi o período da chamada Guerra Fria, pós
Guerra Mundial, que consistiu numa disputa ideológica entre Estados Unidos (EUA) e União
Soviética (URSS), em que ambos almejavam a hegemonia de seus sistemas sendo
Capitalismo e Socialismo, respectivamente.
Na corrida por busca de áreas de influência, o crescimento das ideologias
72
populistas tornou-se um entrave aos norte-americanos e também a setores mais conservadores
da sociedade, por representar, dessa forma, uma ameaça ao sistema capitalista e às elites
burguesas além da preocupação de se implantar no Brasil um sistema de governo Socialista.
Isso se tornou mais perceptível devido ao crescimento dos grupos de esquerda, das greves
operárias, do envolvimento de setores intelectuais em defesa de causas sociais, como a UNE
(União Nacional dos Estudantes), das Ligas Camponesas, dentre outros.
Esse clima de agitação, insatisfação e para alguns grupos, de insegurança foi
motivação para que os militares desferissem o golpe no dia 31 de março de 1964. O discurso
endossado pelos grupos de direita era o de que o povo era ignorante, e por isso “não saberia
votar”, pois “elegem demagogos”, que se utilizariam do poder em proveito pprio
73
.
Foram anos em que os mais variados discursos surgiram, justificando atitudes de
repressão, perseguição, censura, tortura, inaptidão da constituição e bipartidarismo, ferindo a
Constituição.
Segundo Fausto
74
“Essa descrença no valor da democracia criou um clima favorável
a soluções do tipo autoritárias”, como uma forma de protegê-la, pois essa democracia estaria,
segundo os militares, em mãos erradas.
Para legitimar suas práticas e discursos, os militares utilizaram-se de estratégias
75
variadas, como campanhas publicitárias do sistema, através do futebol, da moda, feitas em
revistas, televisão, jornais, shows, do uso de imagens de pessoas que tivessem uma certa
72
A Ideologia refere-se a um conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou
de um grupo, que fundamentam suas ações na sociedade. Numa concepção marxista, a ideologia pode ser
utilizada como símbolo de dominação, pois não age pela força e sim pelo convencimento.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. o Paulo: Brasiliense, 1994.
73
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. A modernização autoritária: do golpe militar à redemocratização
1964/1984. In: LINHARES, Maria Yedda (org). História do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 309.
74
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, 2002. v. 1., p. 89.
75
Estratégia pode ser entendida como um conjunto de caractesticas, de mecanismos, como ideologias,
símbolos, mídia, entre outros, ou seja, o táticas que são criados por determinados grupos e/ou sujeitos para
atingir uma finalidade específica, que no caso dos militares seria o convencimento da sociedade de suas ações,
como o Milagre Econômico.
59
representatividade junto a sociedade, sendo apresentadas à sociedade como sendo a expressão
de uma totalidade, de uma homogeneidade, com artistas como Wilson Simonal.
Usados como símbolos do sistema, artistas como Simonal criavam uma visão de
normalidade social, minimizando (quando apareciam ao blico) questões como perseguição
às lideranças sindicais trabalhistas, aos intelectuais à igreja (alguns setores), à organização
estudantil, a UNE , aos intelectuais e artistas,dentre outros.
O desafio foi conviver com essa situação, pois aqueles que vêem tudo e abraçam
uma causa anti-ditadura, aqueles que vêem, mas preferem fazer de conta que o vêem
para não se comprometer e ainda aqueles que não querem ver para o se comprometer,
nem participar. São diferentes perspectivas de um mesmo momento histórico, o que torna
muito complexo qualquer análise mais simplista , até porque não como se estabelecer uma
verdade única e sim verdades.
E foi diante desse contexto histórico, que em agosto de 1964, Simonal lançou o disco
A Nova Dimensão do Samba, fixando-se entre alguns dos melhores cantores daquele
momento, segundo críticos como: Sérgio Lobo, que diz: “Não é possível fazer por menos.
Wilson Simonal é mesmo o melhor cantor moderno no momento. Melhor em voz e estilo.
na verdade uns dois ou três outros que dele podem se aproximar em matéria e concepção de
fraseado
76
.
Neste disco, Simonal grava 11 canções, tendo entre os vários compositores, nomes
como Ronaldo Bôscoli, com a canção Mais valia não chorar em parceria com Normando e
com Roberto Menescal, Ela vai, ela vem. Mas o destaque deste disco ficou com a música
Lobo Bobo, de Carlos Lyra e Ronaldo scoli, além de Nanã, de Moacir Santos e Mário
Telles, consideradas pela crítica, canções de produção refinada.
Este novo disco de Simonal foi produzido num momento em que, além da
instauração da ditadura, houve um crescimento dos meios de comunicação, pois as gravadoras
percebendo o crescimento do mercado da música brasileira, aproveitam-se e aqui investem
com mais ênfase. Para colaborar com a difusão dessa sica, a Televisão passa a ocupar a
preferência nos lares. Segundo Dias
77
, em torno de 36% das verbas publicitárias eram gastas
na televisão, além da nova moda ser possuir um aparelho de televio, dando a São Paulo o
status de maior cidade brasileira com números de aparelhos de TV, importante para os
projetos da Indústria cultural.
76
LOBO no disco SIMONAL, W. A Nova Dimensão do Samba. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon),
LP/ 1964. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
77
DIAS, op. cit., p. 52.
60
Foi o fim da era do rádio para a entrada da TV e outros meios de divulgação
comercial, produzindo programas voltados à atenção mais popular, e usando as rmulas do
rádio, como a produção dos programas de auditório, com shows musicais. Exemplo da época
foi a Discoteca do Chacrinha, da TV Tupi que recebia artistas e os projetava em seu
programa, difundindo sua musica e divulgando sua obra, como foi o caso de Wilson Simonal.
Simonal estava se consagrando como um artista versátil e de grande comunicação
com o público. Segundo a crítica da época, o disco desse ano trouxe a tona o samba misturado
com bossa nova. Segundo Alexandre
78
este disco foi o marco inicial de uma visão de bossa
nova “contaminada” com doses fartas de sambas tradicionais, jazz, pop americano e cultura
de rua. Uma mistura de resultado muito cosmopolita e muito brasileira”. Esse som era Bossa
Nova com orquestra ou Samba com Bossa quebrando paradigmas.O próprio Simonal declarou
numa entrevista:
Sou um cantor e canto samba muito bem, mas gosto de música harmônica.
Gostava de jazz, me identifiquei com Bossa Nova. Mas Nara Leão cantando
é bacana com champanhe. No subúrbio a participação é mais malandra. Fui
o único que gravou Bossa Nova com orquestra.
79
Sob os olhares de Miéle e scoli
80
, ambos produziram um show teatral, chamado
Quem tem Bossa, tem rosa, no qual Simonal demonstrou seu carisma em apresentações em
blico, o que levou-o junto ao grupo Bossa Três a sua primeira turnê internacional à
Colômbia.Essa popularidade lhe deu o primeiro contrato para ser apresentador de um
programa, o Spotlight,na TV Tupi, financiado pela Rhodia, uma empresa transnacional que
procurava nesse momento financiar eventos que associassem a sua imagem a bom gosto,
ligados à vanguarda e à juventude. Segundo Alexandre
81
A Rhodia
82
também passou a
patrocinar os shows de Simonal com o Bossa Três que, naturalmente, tomou para si a
imagem de bom gosto e elegância da marca”.
Nos anos 60, a agitação dos movimentos de contra-cultura e da indústria da moda
fizeram a Rhodia investir em variadas frentes do setor têxtil, para difusão do uso dos fios e
fibras sintéticas como o poliéster, lançado em 1961, e o acrílico, em 1968, dando à empresa o
78
ALEXANDRE na contracapa do disco SIMONAL, W. A Nova Dimensão do Samba, op. cit.
79
SIMONAL apud ALEXANDRE, 2005, op. cit.
80
Ronaldo Bôscoli foi um dos idealizadores da Bossa Nova, e por defendê-la como de sua criação, se
transformará posteriormente num feroz crítico da “contaminão” da Bossa Nova.
81
ALEXANDRE, 2005, op. cit.
82
A Rhodia, uma multinacional francesa, do setor químico e têxtil, instalada no Brasil desde 1919, na região
sudeste, iniciou suas atividades neste país produzindo um Lança Perfume, produto que fazia muito sucesso nos
carnavais. Nos anos de 1950 a empresa iniciou a implantação da Unidade Química de Paulínia, investindo em
alguns intermediários têxteis, látex, solventes, sílicas, entre outros.
61
status de um dos principais produtores mundiais do segmento de química de especialidades,
na atualidade.
Assim, ela buscava associar sua imagem a pessoas/situações que lhe proporcionasse
“qualidade e bom gosto”, fez com que essa multinacional se tornasse a patrocinadora de
Wilson Simonal em sua turnê pela América. Ela objetivava promover-se utilizando a imagem
de artistas bem sucedidos ou pelo menos criando essa imagem, vinculando-a a sua empresa. E
em Simonal ela encontra o que procura, um cantor simpático, criativo e alheio às brigas
políticas, tornou-se popular e aproveitou-se desse momento para divulgar ainda mais o seu
trabalho.
E para popularizar ainda mais seu trabalho, os compositores que Simonal escolhe
o, em grande medida, conhecidos ou com canções conhecidas, como um grande sucesso dos
anos de 1950, de Johnny Alf, Rapaz de Bem e do conhecido bossa novista Tom Jobim, com a
canção Itil Paisagem.Simonal usa-se destas estratégias para divulgar seu trabalho.
O nome do disco A nova dimensão do samba o é aleatória, pois nesse contexto, as
discussões em torno de música brasileira enquanto identidade, o discurso nacionalista estão
cada vez mais crescentes e Simonal de olho nessas questões todas, percebendo que muitas
destas discussões rejeitam a bossa nova e vêem essa identidade mais ligada ao samba, surge
com um título que proe o uso do samba, mas numa nova dimensão, com novos arranjos,
inovadores, segundo Ricardo Alexandre, um samba mais balanço, também em função do
crescimento no Brasil do rock com o movimento da Jovem Guarda.
A Nova Dimensão do Samba é o marco inicial de uma visão de bossa nova
‘contaminada’ com doses fartas de samba tradicional, jazz, pop americano e
cultura de rua. Uma mistura de resultado muito cosmopolita e muito
brasileira.
83
Então se a novidade era samba, Simonal estava ligado nessa novidade, produzindo
ainda “um disco de música muito brasileira”. Esses discursos criam a idéia no público
consumidor, em busca de novidades e as encontrariam em Simonal. Obviamente essa idéia de
novidade é parte de uma estratégia criada pela indústria cultural que assim o quer divulgar,
sendo ele um exemplo do moderno, do jovial, como será percebido com mais ênfase nos
discos posteriores. Simonal irá estereotipar ainda mais sua carreira criando falas próprias,
gírias, vestimentas ousadas, símbolos , como o boneco MUG, chamando ainda mais a atenção
83
ALEXANDRE no disco SIMONAL, W. A Nova Dimensão do Samba, op. cit.
62
do blico, que tem muita coisa nova para ver, como os festivais da canção, os programas
de TV, dentre outros.
2.3.2 O estilo Simonal o auge de sua carreira
A boa fase de Simonal o fez lançar em 1965, dois discos, sendo “Wilson Simonal” e
“S’imbora”, com 12 canções cada um, tendo agora no seu repertório de compositores,
cantores como Carlos Lyra, Chico Buarque, Geraldo Vandré, conhecidos como cantores de
protesto ou ligados ao grupo de artistas que questionavam o sistema como um todo. Como são
nomes influentes e conhecidos no cenário musical, especialmente pela intelectualidade
universitária, u-los representa um certo prestígio à obra de Simonal, atraindo com isso outro
blico. Para os seus produtores o que importa é demonstrar um Simonal sem preconceito,
aberto a todos os públicos e estilos, ou seja, um Simonal de todos e de ninguém, ao mesmo
tempo.
Houve também em seu repertório nomes como Tom Jobim e Vinícius de Moraes,
Ronaldo Bôscoli, Dorival Caymmi e Ari Barroso e amigos como Silvio César e Marcos Valle.
Prevalece nestes discos um estilo que mistura Bossa Nova com samba. Algumas das canções
falavam da Garota Moderna, do Samba do Carioca, do Rio do Meu amor, do Sonho de
Carnaval, do Apito do Samba, do Mestiço, do Sonho de Carnaval , do Balanço Zona Sul, ou
seja, enfocando o cotidiano daquele contexto que falava da modernidade, da valorização das
referências regionais, sem contar que as sicas tendem a criar um ideário específico, como
em Balanço Zona Sul ao público de Simonal que é da zona norte.
Balança toda pra andar
Balança até pra falar
Balança tanto que já balançou meu coração
Balance mesmo que é bom,
Do Leme até o Leblon
E vai juntando um punhado de gente...
84
A música criou a idéia de que a zona sul seria o lugar de mulher bonita, e limita este
espaço como sendo do Leme ao Leblon e que “o balanço é bom”. Segundo a canção, este
seria o lugar certo para se viver e que pode ser entendida como uma representação da
expansão dos valores burgueses, criando a idéia de que aquele é o lugar para se freqüentar.
Por ser originário da zona norte, Simonal cantarolando uma canção que fala de forma positiva
84
SIMONAL, W. S’Imbora. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1965. 1 CD. Remasterizado em
digital em 24 de fevereiro de 2004.
63
da zona sul, vem a difundir valores a um público com história semelhante a sua, de pessoas da
zona norte que conseguiu “mudar” sua situação ao ponto de almejar e usufruir das benesses da
zona Sul e que, como numa receita de bolo, seguindo-se a aplicação dos “ingredientes”, pode
dar certo. Que ingredientes? Trabalho árduo, não questionar, não se sublevar contra o sistema
e segui-lo.
Nesses discos, a mistura da Bossa Nova, com arranjos próprios, foi considerada
exemplo de sica moderna. Segundo Alexandre
85
, são discos que tem cada vez mais uma
marca ppria de Simonal. Para Ronaldo Bôscoli, “A Bossa teve a vez do vioozinho
tímido. Já a vez dogenial João Gilberto. Agora chegou a vez de Simonal. A vez da voz. Não
falo do disco, o. Porque ou eu sou um exagerado, ou este é o melhor disco do ano”
86
.
Simonal incorporou a sua obra cada vez mais elementos das ruas falando gírias como:
“S’imbora”, “Deixa cair”, misturando soul music e big bands, segundo declarou Ricardo
Alexandre.
Simonal destaca-se ainda mais e passa a atuar como ídolo, como estrela. E como
torna-se crítico, faz suas exigências e extravagâncias, o que lhe rendeu a ‘pecha’ , para alguns,
de metido, arrogante e outros. A fama foi deixando transparecer cada vez mais o ídolo, o
artista, o símbolo de sucesso, a imagem da alegria, do personagem.
Nesses discos, a produção em torno da constituão do artista Simonal convidou a
Ronaldo Bôscoli ( um dos pais da Bossa Nova e produtor musical), a apresentação num deles,
a contra-capa do disco “Wilson Simonal”. Essa apresentação faz parte de uma estratégia da
gravadora para divulgar o artista e imprimir-lhe uma imagem vendável. Para tanto, Bôscoli
utilizou-se de expressões de efeito, como “mulato cheio de manha”, “música com balanço
tremendo”, mulato que cantava barbaridade”. São expressões que criam um ideário de ser
Simonal detentor de uma música que despertava o interesse do público, criando certa
expectativa em quem lê para então adquirir um produto daquele que é “entendido do riscado
ou ainda “do único cantor brasileiro que sabe se apresentar”. Outro detalhe na apresentação de
Bôscoli é dizer que “agora chegou a vez da voz”, pois o artista deveria ter presença e voz para
poder encarnar um personagem.Não bastava ser bonito, deveria ter estilo, improviso, ser
criativo, mas dentro dos moldes da industria cultural, e claro voz, pois esses foram anos que a
interpretação bem produzida estava em alta. Eno, dizer que tal disco de Simonal, representa
“a vez da voz”, é muito significativo naquele contexto, pois Simonal não seria apenas um
85
ALEXANDRE, 2005, op. cit.
86
Contracapa do disco SIMONAL, W. S’Imbora, op. cit.
64
intérprete “engraçado”, mas tinha algo a mais, uma voz , tanto que Bôscoli compara-o a João
Gilberto.
Ninguém tem seu embalo. Ninguém tem seu fraseado. Ninguém tem seu
timbre. Ninguém tem o senso da medida que tem Simonal, talvez João
Gilberto seja capaz de dividir como Simonal. Mas ninguém tem a presença
que Simonal tem. Mesmo em disco.
87
Comparar Simonal e João Gilberto representa certo prestígio ao seu trabalho,
tornando sua obra atraente comercialmente. Em termos de produção comercial, essa segunda
metade da década de 1960 será muita significativa para a produção cultural brasileira, em
função da expansão dos meios de comunicação como a TV, por exemplo.Segundo Dias
88
,
esse período ficou registrado como de uma modernização conservadora, pois era do interesse
do Estado, “fornecer toda a infra-estrutura necessária à implantação da indústria cultural no
país em nome da Segurança Nacional”.Em 1965, foi criada a Embratel bem como a
vinculação do Brasil ao Intelsat (sistema internacional de satélites e da construção de um
sistema de comunicação por microondas para poder se comunicar pelos quatro cantos do
país.O objetivo? Promover uma “pretensa integração nacional”.
Sintonizando uma variada gama de interesses, grupos empresariais de rios
setores da indústria cultural foram beneficiados, tais como o editorial, o
fonográfico, o da publicidade e, sobretudo o da televisão. Portanto, o que
caracteriza a situação cultural dos anos 60 e 70 é o volume e a dimensão dos
bens culturais.
89
E essas mudanças todas atingem a carreira de Simonal, que visto como um dos
produtos criados pela indústria cultural, produz uma sica vendável e ao mesmo tempo,
colaborando para a difusão/manutenção do ideário capitalista.
Junto a expansão de Simonal, destaca-se também a sica de Roberto Carlos que,
popularizando-se tanto quanto ele, passa a disputar espaço no mercado fonográfico. Roberto
Carlos aparece por várias vezes na lista dos artistas ou sicas mais ouvidas da semana,
segundo a Revista Intervalo, uma revista semanal, com notícias do meio artístico, produzindo
um informativo semanal sobre vendagens de discos e músicas mais ouvidas na semana. Nas
edições de julho e dezembro de 1965, Roberto Carlos aparece sempre entre os cinco primeiros
lugares na vendagem de discos, tanto os compactos simples, como compactos-duplos e long-
87
BÔSCOLI no disco SIMONAL, W. Wilson Simonal. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1965.
1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
88
DIAS, op. cit., p. 81.
89
Idem, p. 52.
65
playings. Segundo Dias
90
, houve um crescimento médio de 400% nas vendas de discos entre
1965 a 1972 e, segundo a sua pesquisa, um dos fatores que possibilitou os bons números do
mercado fonográfico nacional foi o movimento da Jovem Guarda, com canções tanto
dançantes, próximas do rock como mais românticas.
Entre 1967 e 1980, segundo Dias
91
24% dos lares brasileiros tinham aparelhos de
televisão, o que para a sica foi significativo, em função dos diversos programas musicais
que os diferentes canais apresentavam. “Agora, além das vozes, os brasileiros passaram a
receber imagens em suas casas”
92
.
E um dos programas que passou a ser apresentado na televisão, foi O Fino da Bossa,
produzido no porão da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, no Teatro Paramount,
em São Paulo. Logo a TV Record passará a apresentar este programa, que será apresentado
por Elis Regina e Jair Rodrigues, com músicas que misturavam Bossa Nova e o samba
tradicional, criticando as guitarras elétricas que representavam para eles, a difusão dos valores
do imperialismo norte-americano. Na outra vertente estavam justamente o oposto do
programa de Elis e Jair Rodrigues, o movimento da Jovem Guarda, que teve na mesma
emissora um programa, “Jovens Tardes de Domingo”, atraindo principalmente o blico
jovem. Roupas, cabelos e principalmente, gírias davam o tom do programa, como “é uma
brasa, mora!”. Este movimento tem como participantes que se destacam os cantores Roberto
Carlos (rei da juventude) e Erasmo Carlos (tremendão) e a cantora Wanderléia (ternurinha).
Yeah-yeah-yeah! Virou Iê-Iê-Iê! As odiadas guitarras, símbolo de alienação,
acompanhavam vozes que cantavam meras versões do inglês ou inocentes
letras que, surdas para o que acontecia no país, preferiam que tudo fosse para
o inferno.
Com roupas cheias de estilo e sicas dançantes, o grupo liderado por Roberto
Carlos atraiu a atenção do público que está atento e é interessado cada vez mais em novidades
mercadológicas. Como produziram uma música mais comercial, com nítida influencia nos
ritmos estrangeiros, como o rock, passou a ser vista como música alienada, sendo inclusive
alvo de críticas e passeatas, como a Passeata contra as guitarras, ocorrida no início de 1966,
em São Paulo, patrocinada pela TV Record, tendo Elis Regina, Gilberto Gil, Chico Buarque,
Wilson Simonal como alguns dos participantes.
90
Idem, p. 54.
91
Idem, p. 52.
92
WORMS, Luciana Salles; COSTA, Wellington Borges. Brasil Século XX: ao pé da letra da canção popular.
Curitiba: Positivo, 2005. p. 89
6
6
Esses protestos contra as guitarras não sufocaram-nas, pelo contrário, elas serão a
mola mestra de um outro movimento surgido em 1967, denominado de Tropicália
93
, que
pretendeu devorar
94
a cultura estrangeira. Ao invés de criticá-la, seus criadores, os baianos
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, vêem nesse movimento uma forma de incorporar as
novidades, ou seja, usar as guitarras a serviço da cultura brasileira. Para seus criadores, esse
movimento seria a retomada da linha evolutiva na musica brasileira, estagnada desde a Bossa
Nova.
Com uma música que propunha uma mistura de ritmos e estilos, como numa “Geléia
Geral”, o movimento foi reprovado por aqueles que faziam parte dos defensores de uma
cultura “genuinamente” brasileira, e consideraram os baianos tão alienados quanto a Jovem
Guarda, pois para eles usar as guitarras era uma confirmação de subserviência do Brasil ao
sistema. Um dos grandes acontecimentos envolvendo a negação das guitarras tropicalistas
ocorreu durante o III FIC (Festival Internacional da Canção) da Rede Globo, em 1968,
quando da apresentação da canção É proibido proibir e Queso de Ordem, de Caetano
Veloso, Gilberto Gil, respectivamente. Gilberto Gil, em desabafo, após a confusão criada pela
sua canção e a de Caetano que foram desclassificadas em função das vaias do blico e do
ataque voraz de Caetano ao público, com falas como “vocês estão por fora. Vocês não dão pra
entender. Que juventude é essa?...
95
declarou a um repórter que “Não temos culpa se eles não
querem ser jovens. É isso mesmo, querem que a gente cante sambinhas”
96
. O movimento não
teve vida longa, pois seus criadores foram exilados anos mais tarde.
Além dos programas de televisão, como sendo um dos difusores da produção
cultural, a segunda metade da década de 1960 foi marcada pela Era dos Festivais. A TV
Record organizou o Festival de Música Popular Brasileira, lançando cantores como Milton
Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Edu Lobo. Os
festivais eram considerados espaços de criação e inovação musical, uma espécie de vitrine
para compositores e intérpretes se apresentarem. Para a indústria fonográfica era uma arena de
exibição de novos artistas. Como havia uma censura latente em função da ditadura militar,
alguns artistas aproveitavam aquele espaço blico para exibir suas canções de protesto da
situação sócio-potica do país. O primeiro grande festival foi da TV Excelsior em São Paulo,
93
A Tropicália variação preferida por Caetano é o nome de uma instalação, de 1967, de lio Oiticica. Tal
instalação, que escandalizou o público no Museu de Arte Moderna, era um barraco com corredores cheios de
terra, água, pedras e plásticos. Os visitantes passavam por dentro da obra descalços e vislumbravam vários
ambientes: miseráveis e glamourosos, tímidos e espalhafatosos. Ao final se deparavam com uma televisão
ligada. WORMS e COSTA, op. cit., p. 92.
94
A inspiração do movimento foi o movimento modernista da antropofagia cultural de Oswald de Andrade.
95
VELOSO,Caetano apud WORMS e COSTA, op. cit., p. 102.
96
GIL, Gilberto apud WORMS e COSTA, op. cit., p. 103.
67
em 1965, tendo como vencedora a canção Arrastão de Edu Lobo e Vinícius de Moraes,
interpretada por Elis Regina. Wilson Simonal, Baden Powell entre outros que também se
apresentaram.
A TV Record prosseguiu com os festivais, lançando o II Festival de sica
Brasileira, em 1966, dirigido por Solano Ribeiro, recém chegado na Record, vindo da TV
Excelsior. A Record realizará seu festival até 1969, apesar da concorrente Rede Globo de
televisão, ter criado o FIC Festival Internacional da Canção. Na época, a Rede Globo foi
criticada por estar aliada aos interesses do capital internacional, mas seu discurso foi o de que
a música brasileira deveria se inserir num contexto internacional. O auge da era dos festivais
foi até 1972, pois o endurecimento do sistema acentuou-se, em função de que cada vez mais
os artistas ligados à contestação ao sistema utilizavam-se deste espaço para “protestar” contra
o sistema com sua música.
Aos poucos a fórmula foi se desgastando e o último festival da canção de grande
projeção, foi o de 1982, tendo como canção vitoriosa Escrito nas Estrelas, de Tetê Espindola.
Para a instria fonográfica , os festivais eram um espaço para a apreciação de novidades e
para se observar a reação do blico a determinado estilo ou artista. Assim como a televisão,
também foram utilizados pela indústria cultural para atender seus objetivos.
Wilson Simonal não ficou de fora destas novidades todas. Em seus discos de 1965
procurou misturar Bossa Nova, samba, e sua sica será descrita pela mídia como sica
jovem e moderna. O momento pede samba, Simonal misturou com Bossa Nova, unindo o
novo com o tradicional. O público queria ver um ídolo jovem e moderno e Simonal o fez,
criando um estilo próprio, com gírias próprias, como “se machucar” (se dar mal), “deixar
cair” (o mesmo que garantir a qualidade), “deixa comigo(pedir a vez para uma tarefa),entre
outras, tal como o pessoal da Jovem Guarda. Roberto Carlos cantou o Calhambeque e
Simonal cantou sobre o Carango. Se o momento era para inovar, surpreender, Simonal o fez,
como brincar com o público, descendo até o meio do auditório, no seu programa de TV, Show
em Si...monal, de 1966 ou criando um estilo pprio, que será quase um movimento também,
ao que será denominado de Pilantragem.
Não era rock, não era bossa nova, não era canção de protesto, não era jazz.
Era algo completamente diferente. A pilantragem foi a saída para quem quis
fazer música brasileira com apelo jovem: malandragem do samba
reinventada numa época ‘pra frente’.
97
97
ALEXANDRE, 2004, op. cit.
68
Simonal adaptava-se às novidades como um camaleão, estando sempre ligado ao que
surge no mercado.O mercado fonográfico estava sempre em busca de novidade e como tal,
Simonal tentou acompanhar ao máximo, estando a frente de alguns movimentos como da
Tropicália, segundo relatado por Bôscoli.
Na televisão, inicialmente teve um programa na TV-Tupi, em São Paulo, o Spot
Light. Sua saída desta emissora foi um tanto quanto conturbada e declarou à Revista
Intervalo, de 22/12/1965 que largou o programa por falta de condições técnicas. Com a
manchete “Lobo bobo é muito vivo”, título este de uma de suas canções, Simonal disse que
preferia não usar seu nome em programas de baixo nível técnico e artístico. Neste mesmo ano
foi convidado por Elis Regina a dividir a apresentação do programa “O Fino da Bossa”, um
dos mais populares programas musicais da televisão da época, e mais tarde substituindo-lhe,
em função derias de 02 meses pela Europa.
Sua desenvoltura e seu estilo chamou a atenção dos produtores da TV Record, que
lhe produziram um programa próprio chamado Show em Si...monal, em 1966/67, pela mesma
emissora de TV, vindo a tornar-se uma das grandes estrelas do show bizz, misturando Bossa
Nova, samba e soul music. Esse programa estreou em junho de 1966, sendo transmitido pela
Record de São Paulo aos domingos, às 22:30 e durante a semana , no Rio e Janeiro, pela TV-
Rio. Teve em sua equipe nomes de peso como Chico Anysio e Jô Soares, além dos velhos
amigos Luiz Carlos Miélle e Ronaldo Bôscoli. Era um programa que não limitava público
nem convidados, abusando de bom humor, fazendo piada, recebendo convidados como Nara
Leão, Elis Regina, dentre outros.
Aperfeiçoou-se no alho e óleo e no
champinhon
, transformou-se em pouco
tempo no mais aplaudido showman do Brasil. Dando largas a seu
temperamento, ele domina a platéia e, mais do que isto, consegue êxito em
todos os setores.
98
Com o crescimento dos meios de difuo da música, a multiplicidade de estilos
musicais e de novidades estrangeiras chamam a atenção e muitos artistas afirmavam que a
música brasileira precisava de algo mais contagiante, que se aproximasse mais ainda do
blico. A revista Intervalo de julho de 1965 publica uma matéria falando da apresentação de
Simonal na Europa, com a manchete: “Europa aplaudiu de pé Bossa de Wilson Simonal”,
enfatizando o sucesso da música brasileira, da comunicabilidade de Simonal e criando a idéia
98
SIMONAL ataca de Guerrilheiro (capa). Revista Intervalo, São Paulo, ano 5, n. 242, 27 ago. a 01 set. 1967.
p. 6.
69
de que este tipo de música, “quente”, como abordada na matéria, é do que a juventude precisa.
Segundo Simonal, “São os jovens que comandam qualquer movimento musical
99
É nesse meio de Jovem Guarda, Festivais e a busca por novidades pela indústria
cultural, que Simonal vai crescendo cada vez mais. Simonal procurou não se envolver em
questões polêmicas até então, o que por si só, em função do contexto, já criou uma polêmica,
a de que estaria produzindo um tipo de musica não apenas descompromissada, mas alienante,
contribuindo para a criação e manutenção de um público cada vez mais massa, alheio ao que
esacontecendo ao seu redor. Tornou-se um símbolo de prosperidade e sucesso econômico.
Enquanto uns procuraram utilizar-se de diversas estratégias para conclamar a sociedade à
participação, Simonal representou um alento no barulho das ruas, na agitação estudantil e
sociedade organizada. Simonal surge sempre alegre, confiante, parte do seu papel no jogo do
sistema, criando um ideário aos que o vêem de que tudo está bem, e como ele mesmo dizia,
“deixa cair”, ou seja, deixem as coisas acontecerem. Como ele é produto de uma gravadora,
sua missão é divulgar cada vez mais seu trabalho para vender sempre vez mais, sem tempo
para pensar. E assim, como parte das estratégias criadas para difundir o símbolo Simonal, ele
prosseguimento à construção de seu personagem, mas optou em mudar os rumos de sua
carreira, retornando à esfera de Carlos Imperial e seu estilo mais voltado a produção de
música de massa.
2.3.3 De Bôscoli a Imperial o sucesso de um “pilantra”
Roberto Menescal, Ronaldo scoli e Carlos Miélli não conseguiram manter
Simonal dentro da perspectiva por eles criada, pois sua proposição era a de fazer uma música
mais sofisticada, usando um material mais original, como as canções “Telefone”, “Ela vai, ela
vem”, “Mais valia não chorar”. Segundo Rui Castro, Simonal era perfeito também para coisas
jazzísticas como “Nanã”, de Moacyr Santos e tornou-se o melhor interprete de Jorge Bem até
“País Tropical”.
Naquela fase ele era capaz de encaixar as bossas mais surpreendentes num
tema e torná-lo irresistível. Mas, quando as bossas passaram a ser
importantes em seu estilo, Simonal ficou repetitivo e voltou à esfera de
Carlos Imperial. Em 1966, estava cantando ‘mamãe passou açúcar ni
mim’.
100
99
EUROPA aplaudiu de Bossa de Wilson Simonal. Revista Intervalo, São Paulo, ano 3, n. 132, p. 15, 18 a
24 jul. 1965.
100
CASTRO, op. cit., p. 363.
70
E essa volta de Simonal à esfera de Carlos Imperial, uma espécie de “Midas” de
artistas de época, rendeu-lhe dois discos com músicas voltadas a um público mais popular. O
interesse de Simonal? Ampliar sua comunicação com o público, (a palavra era
comunicabilidade), segundo Ricardo Alexandre. Foi a fase da Pilantragem, também
conhecido como Samba Jovem.
A revista Intervalo, de abril de 1966, fez uma matéria com Simonal falando dele, Peri
Ribeiro, Erasmo Carlos, Bossa Três, Carlos Imperial e Jorge Ben como sendo os criadores de
um ritmo que não era nem iê iê, nem bossa nova, mas utilizava um pouco da cada, um
criação musical que misturava a batida do samba e as guitarras marcando o iê, para um
“ritmo dinâmico, moderno e acessível”
101
, chamada de samba jovem. E Simonal declara que
“as letras por sua vez não conterão mensagens, abordarão temas ao alcance até mesmo do
blico infantil. Coisa leve, gostosa e muito ritmada”
102
. O que chama a atenção nessa fala de
Simonal é a preocupação que o mesmo tem em fazer uma música cada vez mais “leve” e de
simples entendimento do público, para ser melhor consumida.
Este é o tempo da pilantragem, que passará a ser modelo, tal e qual foram Bossa
Nova, Música de Protesto, Rock in Roll, e Jovem Guarda. Todos ao mesmo tempo,
demonstrando a multiplicidade musical que havia no Brasil naquele período, deixando o
blico animado, mas confuso.
Naquela época, pilantra não era um termo pejorativo. Um pilantra era um
sujeito esperto, sintonizado com as coisas. [...] pilantragem era a velha
malandragem do samba, só que produzida por uma geração cosmopolita,
sintonizada em cultura pop, com um mundo pós-Beatles, com televisão,
cinema e moda multi-colorida.
103
Simonal atribuirá o termo Pilantragem a um estilo que criou, misturando Samba,
Bossa Nova e Swing.
A convivência diária de Simonal, Imperial e Mariano fez surgir um estilo
popular, mais novo e diferente de tudo o que estava acontecendo. Enquanto
bossa nova, tropicália e artistas como Roberto Carlos dividiam a cena
musical da época, o que estava ‘deixando cair’ mesmo era a ‘pilantragem’.
104
101
NASCE o Samba Jovem. Revista Intervalo, São Paulo, ano 4, n. 170, p. 10, 10 a 16 abr. 1966.
102
Idem, ibidem.
103
MARIANO apud ALEXANDRE, 2005, op. cit., p. 14.
104
HERCULANO, M. Wilson Simonal: o rei do pa-tro-pi. Digestivo Cultural, São Paulo, abr. 2004.
Disponível em: <http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=1342>. Acesso em: 03 jul.
2006. p. 1.
71
Ser um pilantra nessa época era coisa de quem estava ligado nas novidades,
de ser oportunista, coisa essa que Simonal levou muito a sério. Numa
entrevista, Simonal declarou: ‘Quando falo em Pilantragem, o público sabe o
que é. a imprensa o sabe. Pilantragem é uma posição otimista; se o
mundo vai mal, a pilantragem se preocupa em saber o que é possível fazer
no sentido de melhorar, no sentido de divertir o povo. É o descompromisso
com a inteligência’.
105
A tal da Pilantragem, que além de Simonal, teve outros seguidores como Os
pilantrocratas (com Wagner Tiso e Paulo Moura), a Turma da Pilantragem (de Nonato Buzar)
e até Brigitte Brigitte Bardot “pilantrou”, usando o termo de Ricardo Alexandre, com a
canção de Simonal Nem vem que não tem, chamada lá na França, de Te Veux ou tu Veux Pas.
Os discos de Simonal, produzidos em 1966 e 1967, Vou deixar cair.., e Nos tempos
da Pilantragem , respectivamente, são uma mostra dessa pilantragem.Trata-se de discos com
canções mais popularescas, algumas com recriações folclóricas. Nesses discos, Simonal
interpretará alguns clássicos do cancioneiro popular, cantando canções de ppria
composição, caracterizando a pilantragem como o novo hit da musica brasileira. As canções
Meu Limão, Meu Limoeiro, e, Mamãe passou açúcar em mim, usou da estratégia das estrofes
curtas e repetitivas como:
Meu limão meu limoeiro Meu de jacarandá Uma vez esquindolelê Outra
vez esquindolalá...
106
e ainda...
Eu sei que tenho muitas garotas, Todas gamadinhas por mim, E todo dia é
uma agonia, Não posso mais andar na rua, é o fim . Eu era neném, Não tinha
talco , Mamãe passou açúcar em mim.
107
Ambas as canções são de Carlos Imperial (a primeira é de JoCarlos Burle mas a
nova versão é de Carlos Imperial) e sua estratégia foi a repetição para melhor fixação do
blico. Ainda nesse estilo de canção mais folclórica, tem também a canção A formiga e o
Elefante, de Imperial também com Nonato Buzar. Mas nesse disco manteve um pouco do
estilo anterior a esta nova fase com as canções como “Minha namorada”, de Carlos Lyra e
Vinicius de Moraes e “Franqueza” de Osvaldo Guilherme e Denis Brean.
105
SIMONAL apud SILVA, 1969, op. cit., p. 147.
106
Meu limão, meu limoeiro” no disco SIMONAL, W. Vou deixar Cair.... São Paulo: EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1966. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
107
“Mae passou açúcar em mimno SIMONAL, W. Vou deixar Cair..., op. cit.
72
Nesta fase da obra de Simonal, concorrem com ele em popularidade e vendagens de
discos a turma da Jovem Guarda, que dentre suas canções, Roberto Carlos, gravou O
Calhambeque. Simonal também gravou uma canção falando de carro, chamada Carango, de
Nonato Buzar e Carlos Imperial, parceiros de composição de Simonal.
Camisa verde claro, calça santropê,
E dominando com o carango,
Todo mundo vê, Ninguém sabe o duro que dei,
Prá ter fon fon,Trabalhei, trabalhei...
Capota levantada prá ninguém nos ver
Um abraço, e um beijinho
Isso é que é viver
Ninguém sabe o duro que dei
108
Nessa canção, Simonal sugere a quem a ouve que sim, que ele tem carrão, mas que o
conseguiu com muito trabalho, criando a idéia de que quem trabalha consegue comprar um
“carango”. Em certo momento da canção ele manda um recado à turma da jovem Guarda,
citando todos os seus nomes e diz: “Podem vir Erasmo, Roberto, Jerry, Aguinaldo, não tem
problema, vocêso ver o tremendo carango que comprei”, e emenda com o refrão da musica
dizendo “pra ter fon fon, trabalhei, trabalhei!!!!
109
Simonal aqui se compara aos membros da
Jovem Guarda, muito em função do sucesso que ambos disputam e sugere que o carango dele
é conseguido com trabalho e o outro não, dando a entender que não é só a Jovem Guarda que
consegue carrão, sucesso e sabe viver. Ou seja, entendidas no contexto da ditadura, cria o
sentido ao público que concorda com o iê iê iê , de que sua sica jovem é melhor
qualificada, pois é fruto de trabalho. Para o público que ouve essas e outras declarações, cria o
ideário de vida feliz e de quem tem carrão, fazendo fon fon, podendo passar com o tal carango
pelos belos lugares do Rio de Janeiro. O carro utilizado por Simonal é um Mustang vermelho,
inclusive como imagem do seu disco, é na verdade da indústria automobilística Ford, que em
1968, instala no Brasil sua montadora. E Simonal, mais que produzir um discurso de
trabalho=sucesso, também se transforma num garoto propaganda de uma empresa
multinacional que está abrindo espaço em solo brasileiro, mas que busca na imagem seus
ícones nacionais, uma divulgação de seu produto, para melhor atrair o publico consumidor.
Vincular seu produto a imagem de um artista que representa vitória, superação e ambição, de
um artista que está em ascensão econômica era tudo o que as empresas estrangeiras queriam
para conquistar seu espaço e aqui permanecer.
108
“Carango” no disco SIMONAL, W. Vou deixar Cair..., op. cit.
109
Idem, ibidem.
73
E essa Pilantragem ou Samba Jovem popularizou ainda mais Simonal. Este estilo
ditou moda e Simonal aproveitou a boa fase, desfilando com seus bonés e óculos escuros
grossos, falando gírias como por exemplo a expressão “deixar cair”, título desse disco quer
dizer o mesmo que garantir a qualidade. Nesse disco, ele utiliza grande parte das músicas para
criar uma marca para si. Simonal foi considerado “um showman irresistível, capaz de
transformar o público em imenso coral; o primeiro cantor negro a comandar um programa de
TV, o lançando modas, gírias e estratégias de marketing”
110
.
2.3.4 Simonal - o MUG...fico
Nesse disco de 1966, Simonal utilizou de diferentes estratégias para ter sua imagem
fixada no imaginário popular, como fitas na cabeça, bonés estilizados, óculos de aros grossos.
Mas o ápice dessa personificação aconteceu com a criação de um boneco chamado MUG
seguida de uma sica composta pelo pprio Simonal. O boneco foi criado pelo empresário
Roberto Colossi com a agência de publicidade Magaldi (era um personagem de pano e olhos
esbugalhados, preto, redondo e sem pescoço -) em homenagem à Simonal, simbolizando o
artista, que colocou-o na capa de seu disco, como segue:
Figura 1. Wilson Simonal Disco Vou deixar Cair, 1966
110
ARAGÃO, H. O som do rei da pilantragem esde volta. Jornal do Brasil, o Paulo, maio 2004. Caderno
B. Disponível em: <jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2004/05/20/jorcab20040520003.html>. Acesso
em: 12 jul. 2006. p. 1.
74
O boneco MUG significou Mug..nífico Simonal (posterior nome dado por Carlos
Imperial a um de seus Shows) , foi um sucesso de vendas no natal daquele ano, tanto que as
pessoas o compravam como um amuleto para o próximo ano. Constituiu-se também numa
poderosa estratégia de marketing de sua carreira, pois se tratava de um boneco preto, que
pretendia simbolizar a valorização de Simonal ao fato de ser negro. E o MUG, o “boneco
simpático”, produzido para Simonal como sendo um símbolo da pessoa do Simonal, escreve
na apresentação de seu disco de 1966, dizendo:
A melhor fase de Simonal está começando. Indiscutivelmente, é o cantor de
maior versatilidade. Tem uma voz bem dosada e seu repertório é inteligente.
Gosto de sua maneira de ser, tanto como artista quanto como pessoa. [...]
Dentro do samba, Simonal encontrou o caminho para sua grande
popularidade e penetração no público jovem, mostrando que
possibilidades de se fazer música jovem sem ser copiada e alienada.
111
Nesse período, havia uma grande valorização da sica negra, especialmente nos
EUA. Mas não era só a sica negra que estava sendo valorizada, e sim toda a cultura negra.
De acordo com a apresentação feita pelo “MUG”, a sica que representa a presença negra
no Brasil é o samba, pois grande parte dos referenciais do samba eram negros, muitos
inclusive provenientes dos morros cariocas, como Pixinguinha, Ataulfo Alves, dentre outros.
E dizer que Simonal encontrou no samba o caminho da popularidade e penetração do público
jovem, significa dizer que ele, como negro, está fazendo música de negro (samba), um samba
jovem para umblico jovem.
Esse discurso do “MUG” o é à toa, pois nesse contexto, estavam se difundindo
pelos EUA diversos movimentos de luta pela causa negra, em favor de seus direitos e pelo fim
da segregação racial. Destacou-se o papel do líder Martin Luther King, um pastor evangélico
batista, que utilizou como métodos de luta as estratégias que Ghandi utilizara na
Independência da Índia, ou seja, a tática pela o violência, através da desobediência civil e
do boicote às empresas racistas. Martin Luther King liderou uma marcha de quase um milhão
de pessoas contra o racismo na capital americana. Em 04 de abril de 1968, Martin Luther
King foi assassinado num hotel em que estava hospedado, aguardando o momento para
realizar mais uma grande passeata. King, em suas passeatas, além de lutar pela causa negra
passou também a questionar as atitudes do governo norte americano na Guerra do Vietnã.
Mas havia também os grupos que defendiam a luta armada, um enfrentamento mais direto na
111
SIMONAL, W. Vou deixar Cair..., op. cit.
75
luta por seus direitos, como Malcom Litle, que troca seu nome por Malcom X, líder dos
Panteras Negras.
Simonal se dizia simpatizante da causa negra norte-americana e apreciador do grupo
Os Panteras Negras como afirma Ronaldo Bôscoli:
Na época - acho que posso dizer isso agora Simonal estava muito atento à
criação do Partido dos Panteras Negras nos Estados Unidos...Era algo que
dizia muito a ele, que estava se transformando em um astro, mas pouco
tempo antes era obrigado a entrar pelas portas de trás nos lugares em que
queria ir.Esse assunto sempre estava em pauta nos shows, ou como uma
piada leve, ou em um texto sério.
112
Num momento em que a agitação sócio-política era latente, com uma parcela da
sociedade compactuando com as idéias defendidas pelo movimento dos negros, por exemplo,
ser um negro, como era o caso de Simonal e reafirmá-las, ou dizer que o concorda com
elas, assume certo significado, dentro da lógica do sistema. Pois para o sistema, quanto mais
se reafirmar os valores do consumo, da matéria, da individualidade, melhor. Nesse sentido,
Simonal ao afirmar que era simpatizante da causa negra, assumiu um sentido muito mais
mercadológico do que participante, propriamente dito, pois deixará claro, em várias
declarações, que não tem compromisso com a inteligência, mas com a diversão, com querer
justamente o poder, e este viria através do dinheiro. E isso fica mais claro na matéria feita
pelo Jornal Correio da Manhã, em 1970, em que declara que “não existe segregação racial no
Brasil, mas preconceito de ordem social, de ordem financeira. Onde preto não entra, branco
pobre também fica de fora”. E declara ainda:
Eu tive mil problemas porque era preto, antes de fazer sucesso. Não tenho
agora porque sou rico, os meus problemas jáo os outros. [...] se fosse
branco eu teria feito sucesso muito tempo. Mas o que aconteceu é que
criei fama de antipático e até hoje tem gente quem diz que sou ‘banqueiro’,
porque não faço o tipo marginal. Por quê? Porque a imagem do negro é
aquele tipo marginal. Preto tem que ficar tocando pandeiro, caixa de
sforos, ficar fazendo palhaçada no palco. Como eu faço um gênero que o
pessoal acha que é de branco, como eu sou um show-man, então dizem que
eu fiquei pretensioso, sou metido a importante. Isto é uma conseqüência do
preconceito racial e a gente tem que denunciar. Mas são os brancos também
que acham que eu sou o maior, o show-man, essas coisas todas. Quando eu
falo isso, minha preocupação é a juventude negra do Brasil [...].
113
A fala de Simonal demonstra toda uma preocupação com a questão de seu sucesso
financeiro não ser aceito e chama a atenção para a questão do preconceito racial por sua
112
SCOLI apud ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 14.
113
SIMONAL, pilantra sério. Correio da Man, Rio de Janeiro, 04 dez. 1970. p. 3.
76
condição financeira e não condição social, cultural. Também deu a entender que leva uma
vida tal como o “branco”, valorizando-a e criticando quem a isso critica. Logo, dizer-se
defensor da causa negra foi apenas uma estratégia mercadológica naquele momento, pelo fato
de o mesmo demonstrar apreciar valores mais ligados a uma elite. Ou seja, sua “causa” é em
favor de defender esses valores, de vida promissora, de vestir-se bem, de exibir suas posses,
como carrões, dentre outros, o mostrados por Simonal como sendo aqueles merecidos por
todo indivíduo, inclusive o negro, pois afinal, quem “define se são certos ou não, são os
brancos”.
Essas idéias Simonal deixa transparecer nos seus discos, como o “Deixa cair”, de
1966, e mais tarde o de 1967, “Nos tempos da Pilantragem”, fazendo questão de dizer que é
um disco que mistura bossa nova, samba e soul music, elementos da música negra. A Soul
music
114
, que quer dizer musica da alma, é uma variação da Black Music (música negra) um
dos estilos musicais difundidos pelos negros norte-americanos, como o Jazz, o Blues, o
Swing, com as Big Bands, que foram influência no início da carreira de Simonal. Grande
parte dos ídolos de Simonal eram negros, que se transformaram em ícones da música, com
sucesso e credibilidade, como Johny Alf, Harry Belafonte, Ray Charles, para citar alguns.
Durante a década de 1960, a valorização pela cultura negra nos EUA também chega
ao Brasil, de forma mais tímida, tendo mais ênfase nos anos de 1970. Mas o movimento Black
Power estava crescendo muito em função do momento que se vivia na década de 1960,
considerada pela historiografia, como a década da contestação, entendida como os Anos
Dourados, em termos de politização, em especial quanto aos jovens. O embate dos anos de
1960 estava na disputa bipolar entre norte americanos, capitalistas e soviéticos, socialistas,
que tem seus ideais, difundidos pelo mundo, ganhando mais força a partir da Revolução de
Cuba, glorificando nomes como Ernesto Che Guevara e Fidel Castro. Essas idéias de
contestação ao sistema capitalista e os valores por ele difundidos ganham forma,
especialmente com a juventude universitária, que está em contato com teóricos como Lênin e
Trotski, ícones da Revolução Russa, que lá implantaram o modelo de sistema socialista.
Esse clima de agitação social se agravou com as noticias provenientes da Guerra do
Vietnã, pois a superexposição da mesma pela mídia criou uma opinião publica mundial de não
ser favorável às formas de ação dos norte-americanos no Vietnã. Mas essa crise não se
114
A Soul Music é para designar um tipo de música profundamente influenciada pelo gospel cantado pela comunidade
negra norte-americana. Apesar de sua origem religiosa, o gênero é marcado por apresentar um ritmo bastante sensual, tanto
na interpretação como no modo de ser dançado. Com o surgimento de gravadoras como a Motown que, entre outros, revelou
Diana Ross, e de artistas como Aretha Franklin, Marvin Gaye e James Brown, o gênero se popularizou nos EUA e no mundo.
No Brasil, sua influência começou a ser notada no início dos anos 70. Fonte DICIONÁRIO Cravo Albin da Musica
Brasileira. Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/>. Acesso em: 25 mar. 2008.
77
limitará aos EUA, pois também houve manifestações por parte da juventude francesa, com o
lema “É proibido proibir”, contra os poderosos; da chinesa, com a Revolução Cultural; da luta
por sua nacionalidade, na Tchecoslováquia; dos jovens brasileiros (e não deles) que
lutaram pelo fim da ditadura e abertura rumo à democracia. Grande parte desses movimentos
questionou a sociedade do período, dominada pela técnica como sendo ainda fútil e
conservadora, cada vez mais individualista e contestando a repressão sexual, o racismo, a
alienação do sujeito, dentre outros.
E nesse clima de agitação social a arte significou um elo entre a prática e a
sociedade. Muitos artistas viam na arte uma possibilidade de conscientização das “massas”.
Obviamente todo um interesse por parte da indústria cultural, que nesse momento uma
possibilidade de transformar essa produção artística, a Black Music, em mercadoria. Fato
semelhante houve no Brasil com a Bossa Nova e a Música de Protesto, pois era o que se
comentava no momento, tanto positiva como negativa, mas para a indústria da cultura, a
polêmica é útil, pois legitima uma idéia, que transformada em produto, poderá ser usada,
consumida. No caso da Black Music, haverá uma alternância de estilos nesse contexto, dando
mais ênfase a sica das ruas como o Hip Hop, o Rap, e o Funk, estilos mais voltados à
música dos jovens de rua, isso em função do crescimento do rock and roll.
Assim, a Black Music ganhou força nos EUA, com nomes como James Brown e suas
apresentações cheias de dança. Grande parte das referências de Simonal eram artistas negros,
o mesmo os utiliza em sua obra. E nesse momento particularmente efervescente, afirmar ser
favorável à luta da causa negra assume certo significado, pois como afirma Pierre Bourdieu,
não existem discursos neutros. Esses discursos podem até soar ingênuos e inocentes, mas
naquele contexto, de sociedade industrializada, capitalismo de consumo que visa construir um
ideário aos sujeitos, sujeitando-os e que utiliza de elementos da cultura e suas práticas, como a
música por exemplo, afirmar ser favorável à causa negra, entendida aqui como mais um
produto da indústria cultural, tem a pretensão de demonstrar para o público que também se
identifica com essa causa, demonstrando uma falsa convergência de interesses.
Então defender uma causa como essa, significa na verdade, defender seus interesses
e aos do sistema, que tem como objetivo trazer a pretensa ordem à sociedade. E Simonal
sendo um ícone de fácil comunicação, torna-se um midas, ou seja, sua fala assume um sentido
de verdade e realidade, criando a idéia de doutrina em quem ouve, um modelo a ser seguido.
Para exemplificar melhor esta análise, Simonal disse em certa entrevista:
78
Quando falo pilantragem, o público sabe o que é. a imprensa não sabe.
Pilantragem é uma posição otimista; se o mundo vai mal, a pilantragem se
preocupa em saber o que é possível fazer no sentido de melhorar, no sentido
de divertir o povo. É o descompromisso com a intelincia. [...] minha
agressividade é a irreverência, a agressividade pilantra. A agressividade
animal não acrescenta nada a humanidade. [...] Gosto muito de carinho. E de
ganhar dinheiro.
115
Simonal deixou claro por inúmeras vezes que não tinha compromisso com fazer
música participativa, ou seja, de protesto, pois seus objetivos eram outros, o de fazer música
descompromissada, para alegrar o povo. E fazer sica dizendo ser favorável à causa negra,
num país e vivendo numa região (sudeste) que tem boa parcela do público de pessoas negras,
consiste numa estratégia de vendagem de discos. Logo, dizer defender ou simpatizar com a
causa negra assume mais um tom pejorativo que participativo, pois no final da fala deixa claro
que sua intenção era ganhar dinheiro. Vale lembrar que Simonal está a serviço de uma
gravadora, que define os rumos da carreira de um artista.
Assim, usar o boneco MUG consiste na verdade, numa estratégia para atrair em
especial o blico negro e ele como sendo negro, poderia reafirmar esses valores. Afinal, fora
um negro, pobre”, que com “trabalhodeu certo, segundo o que ele mesmo insistiu em
declarar. E com seu estilo mais debochado, das gírias de rua, da pretensa valorização da
cultura negra, cria um ideário de ser um sujeito pertencente a este universo, mas que com
trabalho conseguiu chegar onde queria. Não se julga se ele trabalhou ou não, mas o discurso
que ele defende ao reafirmar isso, dando a entender que o problema da sociedade, pode não
ser por exemplo o sistema, mas o fato de que o sujeito não trabalhou o suficiente. Ou seja,
Simonal colabora, direta ou indiretamente para a manutenção de um ideário que valoriza o
sucesso pelo trabalho, como sendo a única condição de sucesso e que todos podem lá chegar.
E o preconceito racial? É porque se é negro sem dinheiro, mas se o tiver, possivelmente não
haverá preconceito, segundo Simonal.
Mais do que ser um boneco em sua homenagem, trata-se de toda uma carga
ideológica intrínseca, pois o mesmo por ser negro, atrairia esse público como consumidor em
potencial, credor dos valores difundidos por seu ídolo. Bourdieu afirma que:
Aquele que tem o poder de falar em público sanciona sua fala como digna de
existir, realidade a um discurso. Nesse sentido, a imposição do discurso
daquele que tem o domínio ou o monopólio da fala traduz-se em um poder
simbólico. Ou seja, o poder de inculcar formas e categorias de conhecimento
do mundo, o poder de impor uma visão de mundo.
115
SILVA, 1969, Revista Realidade, p. 147
79
E esse poder, como diz Bourdieu, Simonal possuía devido ao seu carisma com o
blico, sua facilidade em com ele comunicar-se. Com isso, Simonal estaria contribuindo no
adestramento do sujeito, que como tal, perde sua condição singular, individual, para ser visto
como “massa”, nesta sociedade dominada pela técnica e por valores que o criados pelo
sistema, como sendo verdadeiros e homogêneos.
Tem-se com isso um contra-senso, pois de um lado, artistas que a serviço ou não do
sistema, difundem ideais de manutenção de valores cada vez mais capitalistas, como de ter
um “carango”, e daqueles, que justamente na contramão, criticam esses valores, procurando
questioná-los, em busca da conscientização social. Mas não era esse o objetivo de Simonal,
que gravará um disco em 1967, cheio de irreverência e como ele mesmo definiu, cheio de
“pilantragem”.
Nesse disco, sob o título “Tempos da Pilantragem”, Simonal gravou 10sicas, com
ritmos e estilos variados, mantendo a filosofia dos discos anteriores, continuando a usar a
fórmula de sempre olhar o que está em volta e se é possível transformar em música. O
contexto é sua inspiração e sua meta é sempre estar na moda, porque ser pilantra é ser
atualizado com os acontecimentos cotidianos, desde que não políticos, no sentido do
enfrentamento. Assim, Simonal interpretou nesse disco a canção Balada do Vietnã , de
Elizabeth Sanches e David Nasser; duas canções que foram cantadas nos festivais, o II
Festival da sica Popular Brasileira, como A Banda, de Chico Buarque de Hollanda e
Disparada, de Geraldo Vandré e Theo Barros, além da canção O Milagre, de Nonato Buzar,
que o pprio Simonal interpretou nesse festival. também duas composições próprias,
como Tributo a Martin Luther King, em parceria com Ronaldo Bôscoli e Deixa quem quiser
falar, em parceria com Nonato Buzar. Como se percebe, todas as canções falam de realidades
momentâneas. Balada do Vietnã faz referência a tão falada Guerra do Vietnã, e fazer
referência a ela significa ter ibope na certa; Tributo a Martin Luther King fala do líder do
movimento da causa negra nos EUA, o que também era assunto recorrente na mídia e era um
movimento que estava crescendo, em vários segmentos culturais, em especial na sica.
Simonal se aproveita desse momento e com essa canção sugere também defender a causa
negra, aqui no Brasil, tal como King, nos EUA. As demais canções, famosas pelo festival são
utilizadas justamente pela sua popularidade, e nem tanto pelo seu contexto político, como a
Banda, de Chico. Simonal procurou não ficar de fora desses movimentos todos, como descrito
no jornal Folha de São Paulo, de 1967, com o seguinte trecho:
80
Sua imagem brincalhona desfaz-se e, por instantes, o cantor perfila-se. Do
palco sai o moço do Carango e dodeixa cair’e do ‘Machuca’. Estamos
diante de um Simonal sério compenetrado, como ainda o se conhecia. O
poder de sua voz dirige-se aos seus irmãos negros de todo o mundo. E, como
um símbolo, a todos os humilhados e ofendidos, aos tiranizados e aos que
tem fome de justiça. ‘Com uma canção também se luta, irmão’.
116
E a matéria ainda diz que “Simonal toma um partido e coloca-se entre os defensores
de uma causa, os advogados de uma luta”
117
. Segue trecho da canção, que fora censurada
inicialmente, o que certo crédito a ela, criando certa expectativa, pois afinal, mais um
advogado de luta” tivera uma canção censurada. Ou seja, Simonal não é alienação, é
também luta, “pois não queria que outras crianças sentissem na pele as humilhações que ele
sentiu apesar de se chamar Wilson Simonal
118
.
“Sim, sou um negro de cor Meu irmão de minha cor O que te peço é luta sim, luta
mais E a luta está no fim Cada negro que for, mais um negro virá Para lutar com sangue ou
não Com uma canção também se luta irmão”
119
.
Essa canção foi gravada em fevereiro de 1967, mas ficou censurada e presa pelos
militares até o mês de junho daquele ano. Ambas as falas anteriores e a canção procuram
demonstrar um Simonal participativo, defensor de uma causa, porém mais a frente irá se
contradizer ao declarar que seu compromisso era com a alegria, a diversão
descompromissada. Declarou que ao apresentá-la na festa de entrega do prêmio Roquete
Pinto, o cantor pretendia desfazer a impressão que se tinha dele, de alienado.
Dediquei essa música a Luther King, era admiração que esse eminente líder
provoca na melhor parte da humanidade, da qual faço parte como indivíduo
e como artista. Sua luta é a luta de todos os homens sensíveis. Por rios
motivos adiei, mas tanto foram os pedidos que tive de apressar a gravação da
música. Agora o público dirá de sua qualidade.
120
Sua intenção e sua preocupação maior estava em atender a um desejo do público e
mudar a opinião quanto a sua sica, pois como ele mesmo diz, agora o blico poderá
perceber sua qualidade artística.Sua fala foi mais no sentido de querer criar um discurso
propriamente dito do que de se envolver numa causa, pois por vezes declarou que não tinha
compromisso com a “inteligência”. Simonal não queria se indispor com a ordem estabelecida,
mas não gostava da pecha que lhe deram de alienado e compor uma canção baseada num
116
SIMONAL: a luta com uma canção. Folha de São Paulo, 18 mar. 1967.
117
Idem, ibidem.
118
Idem, ibidem.
119
SIMONAL, Wilson. Disco Nos Tempos da Pilantragem, 1967.
120
TRIBUTO de Simonal. Revista Intervalo, São Paulo, ano 5, n. 224, p. 47, 23 a 29 abr. 1967.
81
contexto mais participativo, significava quebrar essa imagem. Mas teve mais uma conotação
mercadológica do que conscientizadora.
Neste mesmo ano, foi capa da Revista Intervalo 185, falando de sua participação
no II festival da Música popular Brasileira, da TV Record, defendendo a canção O milagre, de
Nonato Buzar. Mas ao comentar o episódio dois anos mais tarde, em entrevista ao jornal do
Brasil, declarou que “essa milonga
121
de bom gosto livrou a cara de muita gente, ao se referir
a canção O Milagre. Não canto certas coisas porque não interessa. Canto o que dá certo.
Quero ficar rico”
122.
Agora, o contexto é outro, e “não dá mais certo brincar de “advogado de
luta”, pois o contexto é outro, tanto em sua carreira pessoal quanto ao contexto histórico.
O mesmo ocorreu quando em 1970, em matéria produzida pelo Jornal Correio da
Manhã, sob o título “Simonal Pilantra Sério”, agora muda seu discurso, fala em outro tom,
inclusive da pilantragem, dizendo que agora não está mais na pilantragem, entrou em outra,
que ele chama de Super P., a Super Pilantragem [...]”
123
. Ao comentar sobre sua fase
“revolucionária” declarou:
Acho que a música, em primeiro lugar, foi feita para divertir. Mas é evidente
que através da música você pode fazer um movimento de contestação, de
informação. Então, às vezes, eu faço alguma coisa nesse sentido, embora eu
procure sempre não agredir ninguém. Eu posso contestar, mas de maneira
suave. Era assim quando eu cantava Tributo a Martin Luther King. Eu posso
denunciar, mas de maneira amigável, porque eu sou contra a violência,
contra a provocação. Eu acho que na milonga a gente consegue o que
quer.
124
Dizer-se revolucionário é uma coisa, sê-lo é outra, pois como ele mesmo declarou
por vezes, seu compromisso era com o descompromisso. Mas como afirma Bourdieu, “todos
os atos comunicativos, tais como os discursos e as mensagens, não estão destinados apenas a
serem compreendidos e decifrados. São também signos a serem avaliados, signos de
autoridade a serem obedecidos”. Ou seja, no ano em que produziu a canção em favor da causa
negra, era interessante dizer-se participante, pois o a juventude brasileira estava
contestando, e isso estava “deixando cair”, como a juventude mundial. Agora, 1970, período
da fase mais “dura” da ditadura do governo militar, a fala seria outra.
Ela (a fala) assume como diz Bourdieu, um signo de autoridade, pois agora Simonal,
um ídolo ainda mais famoso e representativo, declarou que a violência não levaria a nada (e
121
Milonga, segundo o dicionário da pilantragem de Simonal, significa um papo furado, que não rende nada.
DICIONÁRIO da Pilantragem. Revista Intervalo, São Paulo, ano 6, n. 269, mar. 1968.
122
Jornal do Brasil, julho de 1969 apud ALEXANDRE, 2004 ou 2005, op. cit., p. 34.
123
Jornal Correio da Manhã, dezembro de 1970, p.3
124
Idem, ibidem
82
os jovens lutando nas cidades, inclusive na luta armada), que brasileiro deveria defender o
Brasil e não ter vergonha de cantar seu hino nacional (e os slogans Brasil ame-o ou deixe-
o estão cada vez mais difundidos pela mídia em favor do governo), dentre outros. O próprio
Simonal passa a ser um símbolo usado para difundir uma imagem positiva do sistema, como
um símbolo de conformidade, de adestramento”, pois suas falas refletem exatamente aquilo
que o sistema quer que ele fale e como também é um produto do meio, se “adestra-see
contribui para o adestramento social.
E para que a mensagem seja compreendida na medida que deve ser entendida,
Simonal declarou à revista Realidade de 1969, que não produzia música que o povo não
conseguia entender. “Simonal não oferece jamais ao público o que ele pprio não entende. Se
ele não entende, não tem convicção para oferecer o produto ao público”
125
. Ao fazer tal
afirmação, Simonal deixa transparecer, mesmo não compondo a maioria de suas músicas, que
ele participa do processo de escolha da canção, de acordo com os interesses do mercado
fonográfico em consonância com a situação presente.
O outro disco de Simonal, produzido em 1967, “Show em Si...monal”, a gravação ao
vivo, de um especial de seu programa Show em Si...monal, em comemoração ao primeiro
aniversário do mesmo, no Teatro Paramount, em São Paulo, no dia 24 de junho de
1967.Tratou-se de um disco duplo, totalizando 19 canções, no qual Simonal repete algumas
canções dos discos anteriores, como a participante Tributo a Martin Luther King, a
popularesca Meu limão, meu limoeiro. A canção de Carlos Imperial, um samba, Nem vem que
o tem, tornou-se um de seus grandes sucessos desse disco, com estrofes como:
Nem vem queo tem
Nem vem de garfo que hoje é dia de sopa
Esquenta o ferro, passa minha roupa
Eu nesse embalo vou botar pra quebrar
Sacudim, sacundá, sacundim, gundim, gun!
126
O disco tem uma grande mistura de sons, com sicas instrumentais, como
Consolação , de Baden Powell e Vinícius de Moraes e O Morro o tem vez, de Tom Jobim e
Vinicius de Moraes, tocadas pelo Zimbo Trio. Há também músicas românticas, como O que
faço pra esquecer, de Sivio César, interpretado por Simonal , e outros sambas como Peguei
uma Ita no Norte, de Dorival Caymmi. Como foi um show gravado ao vivo, grande parte do
disco é feita de medleys, ou seja, poupouries, com pequenas partes de diversas canções.
125
SILVA, 1969, op. cit., p. 148
126
Nem vem que não tem. SIMONAL, W. Show em Simonal. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon),
LP/1967. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
83
Nesse disco, a capa é toda carregada de um signo, pois tem apenas um óculos de
aros largos, a marca de Simonal e um nariz e lábios escuros, simbolizando ser de negro. Já na
parte posterior do disco, algumas manchetes de jornais, como Última Hora, Jornal da Tarde,
Notícias Populares, todas falando positivamente deste show, como a fala do Diário da Noite,
Durante uma hora e tanto, com o Som 3 dando apoio Seguro, Wilson
Simonal deu provas, na Paramount, de tudo quanto pode como show-man. E
ele pode mais do que qualquer outro artista brasileiro. É um sujeito feliz e
um competente profissional.
127
Simonal também brinca bastante com o público, e na primeira canção, faz uma
brincadeira falando de como é o artista na intimidade, dizendo ao público, de forma bem
humorada, que este artista faz a mesma coisa que qualquer outra pessoa. E ao retratar esta
intimidade, inicia sua brincadeira falando sobre o que faz o ídolo logo ao acordar, criando
jingles dos seus patrocinadores como lâmpadas Philips (jingle: lâmpadas Philips, para viver
melhor!), do creme dental, Kolynos (jingle: ah! Que refrescante sensação bem estar
kolynos!!), do homem bem barbeado, com a Gillete Azul (jingle: viria e sucesso com
Gillete super azul, alegria com Gillete Super azul), e do uso do finíssimo sabonete LUX,
usado por Ursula Andrews. “E depois de bem barbeado, banho tomado, vamos ouvir o que vai
pelo mundo através da United Press, usando um rádio-portátil, da Philips (jingle...o rádio
Philips é uma brasa mora!)”
128
.
Ao final da brincadeira, fala da música brasileira e começa a falar dos protestos dos
jovens, em querer entender suas atitudes, o porquê deles protestarem, em relação a música e
diz serem estranhos os caminhos que percorrem a música popular brasileira, mas às vezes não
lhe parece estranho e sim lhe parece ser contra-senso. E ao final da canção faz um apelo em
favor da música brasileira, dizendo que o Brasil está na trincheira da defesa de nossa música ,
e que o brasileiro precisa confiar na sua gente, na sua música, nos seus compositores, nos seus
autores, mas se um dia o tiver em quem confiar, diz: “você pode confiar na Shell(na
forma de um jingle)
A fala de Simonal e sua defesa à musica brasileira vai de encontro à uma declaração
de Claudete Soares, considerada por Simonal, um amuleto de sorte, pois a mesma diz que
precisou sair do Brasil para fazer sica brasileira. “[...] toco diz Claudete, primeiro
127
SIMONAL, W. Show em Simonal, op. cit.
128
Idem, canção n° 04 – Medley: The shadow of uoy smile/Yes, sir, that`s my baby/Rossana (sette uomini d’oro.
84
porque o pagamento é em dólar graúdo. Segundo, porque tirei minhas conclusões: para
cantar música brasileira, atualmente, é preciso sair do Brasil
129
.
Além da brincadeira com jingles de produtos, Simonal também se proe fazer uma
homenagem a alguns artistas, também conhecidos naquele momento, como Hebe Camargo,
Roberto Carlos, Vanderléia, Agnaldo Rayol, Elizete Cardoso, Nara Leão, Claudete Soares,
Jair Rodrigues (o crioullo sangue bom), e Elis Regina.
Diante do exposto acima, é perceptível que esse disco assume um significado em
função do contexto vivido na época que foi produzido, num ano de grande efervescência
cultural, de protestos da juventude e sociedade em geral, pelo Brasil e mundo.
Em termos musicais, é quando surge a Tropicália, um movimento que ao utilizar-se
das guitarras elétricas (difundidas como símbolo de entrega aos valores norte-americanos),
propõe uma renovação na sica brasileira, incorporando elementos diversos, como os
regionais. Aos defensores de uma sica nacional, que representasse uma identidade
brasileira, a utilização de guitarras e de cantar apenas a “beleza do mar e do céu azul” estaria
abandonando as raízes desta sica, entendidas por este grupo, liderado por Elis Regina, Jair
Rodrigues e outros, como sendo o samba.
Os adversários do ‘som universal’de Caetano e Gil têm colocado mal o
problema da inovação nestas composições. Não se trata meramente de
adicionar guitarras elétricas à musica popular brasileira, como um adorno
exterior. O deslocamento dos instrumentos da área musical definida da
jovem-guarda para o da MPB tem, em si mesmo, um ‘significadoque é
‘informação nova’ [...].
130
Mas a idéia de que o ingresso de novos instrumentos na MPB como a guitarra
pudesse contribuir e não regredir não tem muita credibilidade, pois ainda se tinha a idéia de
que seria o samba o elemento chave, central, e ele seria a imagem da música brasileira. Mas
este samba misturado aos elementos regionais, deveria -lo com conteúdo de significado,
com uma mensagem, que fosse uma música participante, consistindo assim na “verdadeira”
sica Popular Brasileira (MPB). Porém, na outra mão da história, os defensores da
Tropicália questionam essa difamação aos tropicalistas, dizendo que sua música também fala
de Brasil, mas noutra perspectiva, de uma forma renovadora, moderna, no que Campos
131
afirmou como sendo um movimento que livrou a música nacional do “sistema fechado”.
129
SOARES, Cláudete. Música Brasileira se for fora do Brasil. Revista Intervalo, n. 242, p. 32, ago./set.
1967.
130
CAMPOS, Augusto de. A explosão de Alegria, Alegria, 1967. In: CAMPOS, Augusto de. Balanço da
bossa. São Paulo: Perspectiva, 1968. p. 141-142
131
Idem, p. 140.
85
Furando a maré redundante de violas e marias, a letra de Alegria, Alegria
traz o imprevisto da realidade urbana, múltipla e fragmentaria, captada...
através de uma linguagem nova, também fragmentária, onde predominam
substantivos –estilhaços da ‘implosão informativa’ moderna: crimes,
espaçonaves, guerrilhas, cardinales, caras de presidentes, beijos, dentes,
pernas, bandeiras, bomba ou Brigitte Bardot, É o mundo das bancas de
revista, o mundo de tanta nocia, isto é, o mundo da comunicação rápida [...]
Alegria, Alegria, ao contrário, se encharca de presente, se envolve
diretamente no dia-a-dia na comunicação moderna, urbana, do Brasil e do
mundo.
132
Para Augusto de Campos a Tropicália representou o novo, o moderno, e não a
alienação, como os defensores da “legítima” MPB apregoavam.
A contribuição do grupo baiano foi decisiva e representou a abertura de uma
etapa nova para a MPB. É feita na base do levantamento da tradição viva, da
recriação dos elementos folclóricos em termos atuais-atuantes, via Mutantes
e Beat-Boys. [...] E ainda teve a virtude de liquidar rápida e definitivamente
a velha penncia nacionalismo-cosmopolitismo existente na musica erudita,
provando, na ppria área popular, que o barreiras na criação artística,
que estamos todos diante de um mercado comum de significados, de um
verdadeiro internacionalismo artístico.
133
Diante do exposto, em meio a essa discussão toda, Simonal no seu disco “Show em
Simonal”, demonstrou estar por dentro dos protestos e das discussões em torno da música
brasileira, pois discursa em meio a uma caão que a sica brasileira estava sendo
“entrincheirada”, tanto por modismos estrangeiros como pela ppria musica estrangeira. Isso
se comprova pelas vendagens de discos, em que os Beatles e os Rolling Stones estão sempre
entre os cinco primeiros lugares, segundo o semanário da Revista Intervalo, nos anos de 1966
e 1967. Simonal não compactua dos mesmos ideais dos ditos “nacionalistas”, mas estava
preocupado com o mercado fonográfico e suas mudaas, e deste modo, conclamou à
juventude a acreditar na sica brasileira, que para ele é a que está mais ligada ao samba, o
seu “produto” de investimento.Este samba deveria ser alegre, sem “compromisso com a
inteligência.
“O grande perigo das artes no Brasil o as pessoas comprometidas com a
inteligência. Umas pessoas preocupadas em fingir que são inteligentes. Eles tumultuam a
verdade [...]”
134
.
132
Idem, p. 141.
133
MENDES, Gilberto. De como a MPB perdeu a direção e continuou na Vanguarda, 1968. In: CAMPOS,
Augusto de. Balao da bossa. o Paulo: Perspectiva, 1968. p. 123.
134
SILVA, 1969, op. cit., p. 148
86
Esta fala de Simonal foi feita em 1969, dois anos após o disco em questão, mas fica
implícito compreender que toda a falácia do disco de 1967 tratava-se apenas de um discurso,
pois naquele momento em que a contestação e a participação estava em alta e inclusive
vendendo discos, ficar de fora poderia excl-lo do processo. Ou seja, ao mesmo tempo em
que demonstrou uma preocupação em também defender a sica brasileira, aqui entendida
apenas como um discurso de sua parte, houve todo um jogo de interesses por detrás de sua
atitude.
Ao se colocar como defensor do samba, que pode ser entendido por Simonal, como
sendo mais que um estilo musical, mas uma forma de comunicação intelegível, uma
linguagem mais próxima do público e por sua vez, um produto comercializável, mas que
agora poderia perder seu lugar quase hegemônico para o rock internacional. Porém, quando
participou de uma apresentação no Festival de Cannes, em maio de 1966, Simonal esna
Europa, em companhia dos sambistas Elisete Cardoso, Zimbo Trio, Clementina de Jesus, para
apresentar o samba, como sendo sica brasileira. Na matéria produzida pela revista
Intervalo, a manchete diz: “Samba manda embaixada a Cannes”, mas Simonal relatou que
preferia cantar bossa nova, mas o o samba jovem, que achava mais contagiante. “Parece
que manda a gente dançar explica, mas ainda está amadurecendo aqui no Brasil. Porque
tentar exportá-lo agora?”
135
. Então, se antes sua preferência era a Bossa Nova o que o teria
feito mudar para agora “defender”o samba? Ë que naquele contexto, a Bossa Nova fixou-se na
Europa como sendo música de qualidade, brasileira, mas de nível cultural elevado. Se o
“champinhón” era a Bossa Nova, Simonal foi de Bossa apesar de dizer que gosta mais do
samba jovem, por ele denominado de Pilantragem, pois era o que mais se aplicava àquele
local. Isso não quer dizer que Simonal não gostasse de samba ou que preferisse a Bossa Nova,
mas que como sendo ele um produto da indústria cultural, empregadode uma gravadora,
tem certas regras a seguir.
Então, se para Elis e Jair Rodrigues, a MPB deveria ser participante, já para Simonal,
ela deveria servir para divertir o povo e ao defender esses ideais, está na verdade defendendo
seus interesses, até mesmo quanto a sua permanência na gravadora. Mas quando o contexto
muda, Simonal também muda.
Outro fator que chamou a atenção foi perceber que o ídolo Simonal além de usar o
blico (entendido como sujeito passivo) para sua carreira, também é utilizado pelo sistema,
para reproduzir seus valores e ideais, como nos jingles de alguns produtos, em grande parte de
135
BRASIL manda embaixada a Canes. Revista Intervalo,o Paulo, ano 4, n. 174, p. 20, 08 a 14 maio 1966.
87
empresas estrangeiras, como Philips, Lux, Kolynos, Shell, anteriormente citados. Os jingles
o frases mais curtas que tinham o objetivo de fixar-se mais rapidamente na mente dos
consumidores. Com isso, Simonal também é um objeto utilizado pelo sistema para difundir
seus valores, tanto que no meio do seu show, pede para as pessoas confiarem na gente do
Brasil, mas finaliza dizendo que se o sujeito não tiver em quem confiar, então pode confiar na
Shell, uma das grandes multinacionais do setor de combustíveis. Ou seja, dizer para o
individuo confiar na sua gente é a mesma coisa que confiar na Shell, que seria igual a gente
do Brasil.
Se por um lado, defende a politização juvenil em favor da musica brasileira, porque é
conveniente fazer esse tipo de defesa nesse contexto, por outro, cria jingles bem humorados e
com discursos simples de produtos a serem consumidos, como creme dental Kolynos, ou do
“finíssimo” sabonete Lux, como sendo produtos provenientes de um capitalismo de consumo
crescente no Brasil, sendo inclusive este o motivo da politização juvenil, o consumismo.
Assim, o disco é uma clara demonstração da comunicação bem humorada de
Simonal, mas ideológico, carregado de interesses próprios, como a questão dos protestos
juvenis (defende a permanência do samba), da difusão dos produtos a serem comercializados (
Philips, kolynos, Lux), e de supostamente homenagear artistas , muitos da Jovem Guarda,
dizendo-se amigo deles. Como diz Bourdieu, “todo discurso deve ser visto dentro de um
contexto social de produção e veiculação”
136
. Deste modo, entendendo este disco no contexto
dos anos de 1967, Simonal defendeu idéias que foram produzidas naquele contexto, pois
mercadologicamente eram úteis. Se as pessoas querem ouvir o ídolo defender a contestação,
mesmo que de forma mais simples, como afirmava Simonal, ele o fará, pois essa é sua função
dentro do jogo do sistema.
No que se refere à imagem do cantor, ela é entremeada de conteúdos
simbólicos que visam prender a ele o público que o diretor comercial
resolveu que se dirigisse. Assim, ele passa a representar constantemente,
para que sua imagem pública se identifique com certos valores do
consumidor, quer aparentando ser o modelo do sucesso, quer o do exemplo
de vida a seguir, quer o de rebelde às instituições sociais, quer o de modelo
sexual, quer o de filho abandonado e sem proteção e assim por diante.
137
Desta forma, para Simonal era conveniente neste contexto defender um discurso
aliado aos interesses do sistema, que o os seus também, pois como sujeito neste processo,
sujeitou-se às regras do capitalismo de consumo, ao defender o fato de que seu grande
136
BOURDIEU apud SETTON, Maria da Graça Jacinto. Indústria cultural: Bourdieu e a teoria clássica.
Revista Comunicação e Educão, São Paulo, dez. 2001. p. 9.
137
JAMBEIRO, op. cit., p. 23.
88
compromisso era fazer música para divertir e ficar rico. Mais a frente Simonal irá declarar que
não entende a apatia do meio artístico a sua obra, dizendo ser inveja, preconceito racial, mas
na verdade não se deu conta de que suas atitudes, cheias de intenções mais ao lado do sistema
do que a inteligência, como ele mesmo dizia, foi o que lhe isolou do meio. Naquele contexto,
dizer não participar de nada é na verdade assumir um posicionamento de participação. Não se
julga se Simonal estava certo ou errado, ou que exista um lado certo ou errado, apenas se
busca compreender o contexto histórico, que fruto do seu tempo e de suas vivências, forjou
uma memória em que elegeu uns e descartou outros. O que para Simonal eram ações
“inocentes”, sem conseqüências políticas, naquele contexto significava alienação, entrega,
submissão do sujeito ao sistema.
Mas apesar de todos os esforços de Simonal em tornar-se conhecido, “falando o que
o povo quer ouvir”, suas estratégias não surtiram o efeito desejado por ele. A revista
Intervalo, de abril de 1967, organizou um concurso para eleger os favoritos do público, e até a
semana de 23 a 29 de abril (o concurso se encerraria em 30 de abril), Simonal não apareceu
nem entre os 10 primeiros colocados como cantor favorito e nem como programa favorito,
dando o primeiro lugar como cantor a Roberto Carlos e como programa, à Jovem Guarda.Isto
posto, a pergunta que fica é inevitável, mas onde está o público de Simonal? E ele tem um
blico? Ou seu público ainda está em construção? Mas será que esse público, dito como
sendo da zona norte, teria acesso a esse tipo de revista? Afinal, ela se ocupou em mostrar as
estrelas do meio artístico e grande parte de suas matérias são destinadas aos membros da
Jovem Guarda que como diz Simonal, era o que estava “deixando cair”.
3 QUEM NÃO TEM SWING MORRE COM A BOCA CHEIA DE FORMIGA
138
Não vou ligar
Deixe quem quiser falar
Eu sou assim, só Deus pode me mudar
Mas Deus não quer
Eu não vou me modificar
Deixa todo mundo que quiser falar
Deixa todo mundo que quiser falar
(Wilson Simonal/Nonato Buzar - Deixa quem quiser falar
Disco Nos tempos da pilantragem, 1966/67)
O ano de 1968 foi agitadíssimo. O clima estava ainda mais pesado, pois os militares
intensificaram suas ações no sentido de conter passeatas, protestos, greves e outras ões da
sociedade civil e/ou organizada. Deste modo, ao perceberem que os festivais estavam sendo
mais do que apenas um espaço de apresentação para novos artistas, os militares passaram a
vigiar mais as apresentações. E foi no III Festival de Música Brasileira, em 1967, que Simonal
deu os primeiros passos a uma nova fase de sua carreira.
A expressão Alegria! Alegria era um bordão que Simonal usava em seus programas,
como dos muitos que criou ao longo de sua carreira. Mas neste festival, Caetano Veloso
ganhou o quarto lugar com a canção Alegria!Alegria, que não se sabe se em tom provocativo
ou em sua homenagem, mas o fato é que a canção, num estilo tropicalista, consistiu numa
alusão a referências do mundo pop daquele momento, falando da coca-cola, Claudia
Cardinalle, protestos, espaçonaves, revistas e Brigite Bardot. Em novembro do mesmo ano,
Simonal grava o disco Alegria!Alegria!!!, o primeiro de uma série de quatro discos, e neste
primeiro, como faixa bônus, interpreta a sica de Caetano Veloso, sendo o mesmo nome do
disco.
Este disco foi considerado pelos críticos da época, como de música comercial e fácil,
como afirma Ricardo Alexandre, “Muitos dos seus s iniciais, jornalistas ou bossa-novistas
fundamentais, jamais perdoaram o cantor por essa opção pela música ‘comercial’e ‘fácil’.
139
Das 14 músicas, a música em destaque foi Nem vem que não tem, de Carlos Imperial,
além de Simonal gravar duas canções de bônus, Alegria!Alegria, de Caetano Veloso e Pata
Pata, de Miriam Makeba e Jerry Ragovoy. Outra opção de “Simona” foi gravar músicas mais
curtas, com letras mais ceis de compreender, fazendo uma interpretação bem humorada,
138
O título é uma alusão ao título do disco Alegria, Alegria! vol. 2, de 1968, “Quem não tem swing morre com a
boca cheia de formiga”
139
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 36.
90
irônica em alguns momentos. As canções Escravos de Jó (versão Wilson Simonal e Luiz
Matar; ra, Pedro, de José Mendes e José Portela Dalavy, Está chegando a hora, versão de
Rubens Campos e Henricão , são exemplos de canções mais conhecidas do cancioneiro
popular. “Optou” em manter no seu repertório nomes de relencia da música naquele
momento, como Caetano Veloso, Carlos Imperial, regravando inclusive uma canção de seu
disco anterior, Nem vem que o tem, de Imperial, uma sica que Simonal cantará em tom
debochado, como percebido no disco. Mantém também uma canção de festival, Belinha, de
Toquinho e Vitor Martins.Ricardo Alexandre escreveu que esse disco fora todo dominado
pela pilantragem, no que ele diz ser uma alternativa ao iêiêiê. A capa do disco, conforme
abaixo, mostra um Simonal com as mãos levantadas, com seus óculos de aros largos e com
um terno impecável, que tem o significado de bom gosto e elegância.
Figura 2. Capa do disco Alegria, Alegria!!! Wilson Simonal - 1967
Simonal gostava de se vestir bem, e certa vez quando foi-lhe perguntado que tipo de
atrativos deveria ter uma mulher para lhe impressionar, disse que entre outras características,
ela deveria ser sofisticada, elegante.Simonal apreciava bons lugares, bons carros e roupas de
qualidade.
Mas qual o sentido da imagem de Simonal nesse disco? Segundo a historiadora
Maria Clara Wassermann, as mãos levantadas tal e qual Simonal es fazendo eram uma
espécie de convite à participação, à contestação, sendo uma espécie de código utilizado em
91
especial pelos artistas que nitidamente ou de forma subjetiva, contestavam o sistema como um
todo. Então, erguer as mãos tinha o mesmo sentido de “venha, vamos participar”, vamos a
luta!!! Mas para Simonal não parece um contra senso defender esse tipo de ação, pois sempre
deixou claro que não tinha interesse de envolver-se em questões políticas? “Não me meto a
fundo em problemas políticos, mas não me omito naquilo que considero importante”
140
. Se
analisarmos o contexto no qual esse disco foi produzido fica cil compreender a situação,
pois foi um momento de intensa mobilização social, de participação política, mas como ele
diz, não se envolve, porém, dá a entender que isso não significa que se precisar, ele ficará de
fora. Exemplo disso foi a canção Tributo a Martin Luther King, que ironicamente foi a canção
sua que mais vendeu, ou seja, a que mais apareceu entre os cinco melhores da semana, em
termos de popularidade. Ou seja, se está dando certo fazer sica participante, mesmo que de
forma leve, como Simonal dizia, que continue, pois é o que está vendendo, mas sem que com
isso precise se indispor de forma mais séria com a polícia política.
Simonal dizia não querer confusão, pois não queria tomar partido de nenhuma
situação, sem compreender que indiretamente estava tomando partido. E a imposição das
mãos tem o sentido de dizer ao blico de que de certa forma Simonal compactua com aquela
ideologia, pelo menos publicamente, mas isso não significa que seja isso uma prática que
condiz com sua realidade. Como dito anteriormente, sempre de olho no mercado, Simonal
produz um disco que procurou misturar diversos estilos para dizer “uso todos e nenhum ao
mesmo tempo”, fazendo um disco leve, de músicas curtas ou de letras simples, abusando dos
refes repetitivos, para se fixar mais.
Nada de maiores compromissos com a inteligência, nada de fundir a cuca.
As coisas rebuscadas ficam difíceis e ninguém entende. Isso é mau, porque
restringe, morou? Por isso não dou a mínima a quem critica as minhas
inveões. Elas me ajudam a fazer coisas mais úteis para a música e para
meu público do que aquilo de que os pilantras que me criticam são capazes.
Quando Simonal fala de fundir a cuca, está na verdade se referindo aos artistas, que
como Chico Buarque, para burlar a censura, fazia sicas com letras sofisticadas, e que
tivesse duplo sentido, no que Caetano Veloso chamou de linguagem de fresta, ou seja, falar
nas entrelinhas, e Simonal considerava coisa muito sofisticada, que o público não conseguiria
entender. Para Simonal, “seu público” preferia ouvir coisas mais simples. Quem é esse
blico? Como Simonal se apropria desse público, garantindo-lhe assim a fidelidade? E será
que lhe são fiéis? Até que ponto esse blico é realmente seu? Pois é possível entender que
140
A NOBREZA de Simonal (capa). Revista Intervalo, São Paulo, ano 6, n. 293, p. 11, 18 a 24 ago. 1968.
92
ele, o público, assim como planta, precisa de “água” para continuar vivo e crescendo, e
Simonal seria essa “’água” pois sempre lhe traria alimento para mantê-lo vivo, ligado. E para
que esse público o consiga compreender essas coisas sofisticadas ou prefira suas
“invenções”, Simonal procurou inventar novas formas de mantê-lo sempre fiél.
Simonal é um símbolo e como tal será seguido por aqueles que nele se identificam,
vêem-se nele. Mas a visão que se tem dele é como sendo um protótipo de si mesmo, o é
fruto do acaso, mas foi cuidadosamente pensado, e para tal, Simonal procurou sempre se
identificar com esse público, por isso dizia o ligar para eventuais críticas. Usar boné, falar
gírias da rua tal como “o pessoal”da rua é uma forma de se identificar ou dizer se identificar
com um tipo de blico. Chico Buarque, Geraldo Vandré Carlos Lyra, tinham seu blico, os
intelectuais ligados a universidade; Tom Jobim, João Gilberto e Vinicius tinham um público
mais erudito, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes tinham um público defensor de
novidades, de vanguarda, Roberto e a turma da Jovem Guarda tinham um público mais jovem
e Simonal tinha um público mais popular, ou como disse a revista Intervalo, o “rei das
empregadas domésticas”.
Obviamente que não se quer dizer que essas categorias são fechadas, estanques, pois
como afirmou Carlo Ginzburg, o que na sociedade na verdade é uma grande circularidade
cultural, não havendo lugares marcados para os sujeitos. Esses papéis, lugares são criados,
mas isso não quer dizer que o possam transitar uns pelos outros, mas cada qual procurou
identificar-se a um tipo de público, que entendido aqui como um produto do sistema,
procurou-se buscar aquilo que melhor lhe conviesse ou lhe fizerem acreditar que lhe convém.
Então, Simonal procurou criar um personagem a um tipo de público em que viu possibilidade
de maior popularidade. Com isso também não se quer dizer que ele não tivesse possibilidade
de percorrer outros caminhos e convencer outro público, pois no início ele bebericou na Bossa
Nova, mas num momento de grande efervescência cultural, num terreno rtil que o Brasil
estava se transformando, muito em função da vinda das grandes gravadoras e sicas
internacionais, Simonal fez uma escolha.
Para muitos a Pilantragem, entendida por alguns críticos como muito semelhante ao
que acontecera com a Tropicália, não passava de música de pilantra, mas não no sentido do
pilantra esperto, mas do pilantra malandro, interesseiro, que produz de tudo um pouco, que no
fundo não produz nada de efetivo. Isso pode se comprovar ao se perceber as discussões em
torno da música nesse momento, em que se busca uma pretensa nacionalidade à música
brasileira, defendida por uns, criticada por outros. Não se inserir nessa discussão seria
93
encarado como não defensor desse tipo de ideologia. Simonal até defendeu a sica
brasileira, mas não queria se prender a um modelo, que era do que se falava nesse momento.
Então seu disco, cheio de pilantragem, provocou a ira de alguns, pois além de não se
posicionar de forma clara e firme, utilizou-se de símbolos para melhor se fixar na mente do
blico. Simonal não pertencia a grupo nenhum, foi um artista que ao não escolher lado, se é
que se pode falar em lados, procurou justamente não se indispor com ninguém. Mas naquele
contexto, de vinculação ou contestação, não se indispor seria na verdade se indispor, pois o
que Simonal mais queria, que foi o sucesso, a popularidade, que lhe derrubou mais tarde.
Quanto mais popular, mais visado e mais analisado, mais procurado pela mídia, mais
investigado, mais alvo, mais observado e o que lhe pareciam ser forças acabaram se
transformando em fraquezas, anos mais tarde.
No ano de 1968, Simonal passa a ser muito requisitado para shows, tanto que,
segundo a revista Intervalo sofreu uma crise de estafa. Essa procura por Simonal por estar
associada ao fato da censura impedir a apresentação de uma rie de artistas, que também
conhecidos pelo público, mas de uma outra forma, por sua contestação ao sistema, por
exemplo, vai em busca cada vez mais de artistas como Simonal. Daí a extrema popularização
de grupos como a Jovem Guarda, que apesar de cantar “quero que tudo o mais vá pro
inferno”, teve um grande espaço na mídia, popularizando-se cada vez mais, tal como Simonal,
por seu descompromisso com a inteligência. Como suassicas não tem o sentido de ser uma
crítica aberta e velada ao sistema, tem o que se poderia chamar de transito livre, não sendo
bem visto pela crítica mais intelectualizada. Eles representam na verdade o amortecimento de
uma situação latente na sociedade , ou assim pretendem, provocando a ira de muitos outros.
O ano de 1968 foi explosivo em todo o mundo. Passeatas por igualdade de direitos
nos EUA e na Irlanda do Norte; protestos contra a Guerra do Vietnã; intervenção da URSS na
Tchecoslováquia; barricadas na França pela democratização do ensino, mas o mais eloqüente
foi o maio de 68 em Paris, em que os estudantes saíram às ruas com cartazes com escritas
como “é proibido proibir”, que ficou famoso no Brasil, no episódio de Caetano Veloso no III
FIC/TV GLOBO, na eliminatória paulista no Teatro da Universidade Católica (TUCA)
141
, em
setembro, em que Nelson Motta diz:
Uma tempestade de vaias e gritos abafou os primeiros acordes. Eles pararam,
a vaia continuava. Caetano sorria e esperava, quase tranqüilo, tinha-se a
impressão. Com ‘Alegria, alegria’ ele tinha vivido e revertido uma
141
O TUCA de o Paulo foi considerado reduto da UNE (União Nacional dos Estudantes) e do PCB (Partido
Comunista Brasileiro).
94
situação semelhante, e ao longo de todo aquele ano tinha se tornado uma
figura polêmica de projão nacional, um dos líderes do Tropicalismo.
que agora a música que ele comava de novo a cantar era mais um conceito
que uma canção, como nem os s de ‘Alegria, alegria’ esperavam: um
aproveitamento político-artístico do slogan dos estudantes franceses ‘É
proibido proibir’.
Mas as vaias cresciam e se misturavam a insultos e objetos pesados que eram
jogados no palco. Caetano parou de cantar e gritou no microfone, no meio da
tempestade, seu lebre discurso, que terminava:
- ‘[...] é essa a juventude que quer tomar o poder? Se vocês forem em
política como são em estética estamos feitos...
A vaia e o tumulto continuavam mas muitos aplaudiam quando Caetano
abandonou o palco, proibido de cantar e indignado com o fascismo do qual
fora vítima.
142
O episódio ocorrido em 1968 revelou um pouco do “caldeirão” que se vivia naqueles
tempos de ditadura. Como a censura estava cada vez mais atuante muitas pessoas que iam aos
festivais aproveitavam para se manifestar, não só em relação à música que estava sendo
cantada, mas do que ela representava. Grande parte do público era formada por uma
juventude politizada, por exemplo, e defensora da idéia de que Caetano não estaria aliado aos
interesses destes grupos defensores de uma sica que utilizasse apenas de elementos
“nacionais”, no que Augusto de Campos chamará de a TFM – a Tradicional Família Musical,
afirmando ser “contra o nacionalismo-nacionalóide em música. O nacionalismo regional ou
hemisrica, sempre alienante”
143
.
Como disse Nelson Motta, “Conservadores e progressistas, reacionários e
revolucionários, quem era o quê naquela noite se soube quando Caetano Veloso e os
Mutantes entraram no palco com roupas de plástico, futuristas, para apresentar “É proibido
proibir”.
144
Ou seja, os festivais transformaram-se cada vez mais em espaços de manifestação
popular.E a ira recaiu sobre Caetano que foi acusado de de mistificador, de oportunista, de
vendido ao capitalismo e ao comunismo, de corruptor da família, de reacionário e de
revolucionário
145
.
Além do clima do festival, houve outros acontecimentos significativos como a morte
de um estudante numa passeata no Rio de Janeiro, o jovem Edson Luiz de Lima e Júnior, que
acirrou ainda mais o fervor dos protestos, pois o mesmo fora enterrado na condição de herói e
seusado como ícone dos movimentos. Nos EUA também foi assassinado outro ícone de
movimento social, o pastor evangélico, Martin Luther King, um líder em favor da causa
142
MOTTA, Nelson. Festivais de 68. Disponível em: <http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=
Colunas&SubArea=Colunas&css=1&ID=112&IDEscritor=44>. Acesso em: 24 fev. 2007.
143
CAMPOS, op. cit., p. 10.
144
MOTTA, op. cit.
145
Idem, ibidem.
95
negra.Em junho deste ano, realizou-se no Rio de Janeiro a passeata dos cem mil contra a
ditadura. Como tentativa de manter uma pretensa ordem, em 13 de dezembro desse ano os
militares promulgaram o Ato Institucional n° 05 (AI5) que promoveu o fechamento do
congresso nacional e apertou a já apertada censura.
O ato que vigorou até 1979, concedeu ao Presidente plenos poderes para
fechar por tempo ilimitado todo o Poder Legislativo; intervir em estados e
municípios; suspender por 10 anos os direitos políticos de qualquer cidadão
e cassar mandatos eletivos; demitir ou aposentar sumariamente funcionários
públicos, inclusive juizes de tribunais; suspender a garantia do hábeas
corpus; efetuar prisões sem mandado judicial e decretar estado de sítio.
146
Na área artística era comum ver espetáculos serem cancelados minutos antes de sua
apresentação, artistas serem agredidos. Os meios de comunicação, obrigados a usar uma
mordaça tiveram que “apertar” ainda mais essa mordaça, e passaram a rechear suas
programações sejam de rádio ou TV, ou suas páginas de revistas ou jornais, com atrativos
possíveis
147
. Simonal era um desses atrativos possíveis, talvez por isso de sua agenda cheia.
Era popular, dava ibope, tinha certo humor conveniente àquele momento, um show-man como
diziam e fazia uma música agradável e popularesca”, promovendo o que
Adorno/Horkheimer irão denominar de alienação, tornando o blico “escravo” de uma
opressão mágica , que tem como contraposição a superficialidade que liberta.Ou seja, num
contexto marcado por uma realidade que se divide em diversas realidades, ouvir Simonal é
não precisar pensar, criticar, pois o fetiche que a sica lhe provocou lhe cega a consciência
criando uma viseira para os acontecimentos a sua volta. E a união imagem/som que Simonal
difundia era perfeita tanto para o sistema ideológico, construindo-se sob o discurso do “negro,
que um dia foi pobre, mas hoje é rico, respeitado e usa calça Lee.
E a ousadia ou provocação de Simonal, com suas expressões, modas, produtos e
ritmos, ou sua pilantragem, como gostava de se definir, fez com que lançasse o disco neste
mesmo ano, “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”. Nesse disco, a
música carro-chefe” será Sá Marina, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, considerada por
Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, como uma das canções mais representativas
daquele ano. Foram 12 canções e uma faixa Bônus, A namorada de um amigo meu, de
Roberto e Erasmo Carlos, misturando estilos e sons, mas mantendo a fórmula de composições
146
WORMS e COSTA, op. cit., p. 105.
147
Ao falar dos meios de comunicação nesse contexto, tem a clareza de que não havia uma unanimidade em
termos de mídia, ou seja, nem toda ela se rendeu ou aceitou a rendição imposta pelos militares. Como exemplo,
pode-se citar o Jornal O Pasquim, que foi considerado um símbolo de resistência, de contestação ao sistema e
seus valores.
96
mais curtas, abusando da repetição dos refrões, com canções cantadas com malícia. Neste
disco, Simonal mistura na gravação ao fundo uma pequena platéia mesclando o canto com a
fala, repetindo suas gírias, como deixa cair, s’imbora e outras, como na canção Cai, Cai , de
Roberto Martins. É um disco que mistura canções românticas com canções mais agitados
(Zazueira, cai,cai), chorosas (Manias), marcha de quartel, (recruta biruta), populares
(Paraíba). Na canção de sua composição Vamos S’imbora, o cantor canta com humor,
brincadeiras, podendo ser ouvido ao fundo palmas, risos e falas de Simonal.
Ôôôôô..Vamos s’imbora dançar
Festa tá muito boa
Não deixa ela se acabar
Ôôôôô..Vamos s’imbora dançar
Ôôôôô..Vamos s’imbor dançar
Muita alegria moçada
nós não podemos relaxar...
148
A canção é curta e Simonal abusa dos trejeitos, no melhor estilo que ele mesmo
definiu, de que música tem que servir pra divertir, de ser simples para que o público possa
entender, repetindo inúmeras vezes o refrão, pois a mesma se limitou a duas estrofes mais um
refrão, consistindo numa estratégia musical, para que ela seja mais facilmente memorizada
pelo público.Segundo Simonal, seu compromisso era fazer uma música que o público
entendesse e se divertisse. Mas a grande ousadia de Simonal não está apenas nas canções, mas
na capa que escolheu para este disco, como demonstrada abaixo:
Figura 3. Capa do disco Alegria, Alegria, vol. 2 - 1968
148
SIMONAL, Wilson no disco SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 2. São Paulo:EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1968. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
97
Como anteriormente relatado, o ano de 1968 foi um dos mais agitados em termos
de contestação social, política, com ações severas por parte dos militares. Segundo Ricardo
Alexandre, a capa desse disco e do disco de 1969, Alegria, Alegria, vol. 3 ou Cada um tem o
disco que merece, foram na verdade, uma estratégia comercial por parte de Simonal e seus
produtores, numa carreira em crescimento, porém suas atitudes não são muito bem vistas por
alguns setores da classe artística, especialmente a ligada à música participante.
Tal perfeccionismo, de algum modo, colaborou para que o cantor
desenvolvesse certa fama de arrogante, ou de acordo com sua própria gíria,
‘banqueiro’ (de quem ‘bota banca’). Provocador, isso ele era: quando o
acusavam de se vender, o que fez foi lançar uma série de álbuns com o
mesmo título (foram 04 alegria, Alegria!!!, entre 1967 e 1970), numa
evidente manobra comercial; em um, posava de smoking e óculos escuros
tomando água-de-côco na praia., no outro usava o subtítulo ‘Cada um tem o
disco que merece’, quando o acusaram de colocar sua voz privilegiada a
serviço de um repertório infantilizado...
149
Porém, se analisarmos por outro lado, a fala de Ricardo Alexandre, tem mais uma
intenção de defesa do artista em função do final de sua trajetória. Ingenuidade ou estratégia
comercial, fato é que Simonal cresce em popularidade tanto para com empatia como para
antipatia. Irônica, a imagem de Simonal na capa, mostra um sujeito, bem vestido, no
“sossego”de uma praia, tomando uma água-de-coco, num lugar “tranqüilo”, de mar e céu
azul, belezas exuberantes, transparecendo calmaria, pois não movimento na praia. Esse
sujeito está feliz, criando um duplo sentido dessa felicidade, pois é um “preto e pobre” que se
deu bem, e está podendo “botar banca”, e por outro lado, de um sujeito que, como estava
sempre atualizado, pois ser pilantra é ser atualizado, segundo Simonal, é sabedor da situação
sócio-política do país e passa uma mensagem nas “entrelinhas”, dizendo ao público, que seu
champinhoné porque ele tem swing, pois quem não o tem, pode “morrer com a boca cheia
de formiga”.
Analisando as posições anteriores de Simonal, essa expressão mais parece um
contra-senso do que jogada comercial, como afirmou R. Alexandre, pois para quem gostava
de coisas mais simples, mais ceis de o povo entender, essa está bem subjetiva. Dizer em
plena ditadura que você pode morrer com a boca cheia de formiga dá o sentido de que você
sabe e muito bem o que acontece por detrás das “cortinasdo poder dos militares e ela pode
tanto soar como alerta, como de quem quer avisar algo como de quem diz que se você tiver
“swing”, ou seja, jogo de cintura, for “submisso”, poderá se dar bem. Em declaração do
149
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 39.
98
próprio Simonal, esses discos seriam uma simples provocação àqueles que o chamavam de
alienado e criticavam sua postura enquanto artista.
Simonal teve grande espaço nos mass média, diga-se jornais, revistas, televisão, tanto
que o próprio Bôscoli e Miélle declararam que só perdia em popularidade para Roberto Carlos
e em qualidade para João Gilberto. “O Simonal chegou e engoliu. Pimba!, direto na mosca. E
já com toda esta descontração: ‘pode deixar que eu já sei onde está o curinga’... Melhor que
ele só Deus – João Gilberto
150
.
Quando entrevistado, fazia questão de mencionar sua relação de respeito e admiração
pelo exército. Em entrevista concedida, Simoninha, o filho mais velho de Wilson Simonal
declarou que, para o pai, o exército e governo militar eram duas instâncias diferentes, e que o
mesmo entenderá da situação com mais clareza quando do episódio de seu produtor e
amigo pessoal, Erlon Chaves, em 1970. sar Camargo Mariano, um dos integrantes do
Grupo Som Três, declarou que:
fui perceber que havia esses dois lados conflitantes muito tempo depois
quando trabalhava com a Elis e convivia com o outro círculo de pessoas. Na
época do Som Três, éramos ignorantes em relação a isso. o era uma
questão de alienação, era uma questão de música. ‘Dá para fazer um arranjo
bacana? É musical? Tem swing?’
era isso que nos importava, a música pela sica. Em determinado
momento, isso passou a ser malvisto.
151
A fala de Mariano pressupõe entender que estavam desligados do assunto, mas
Simonal declara justamente o contrario numa entrevista ao jornal Correio da Manhã, em 1970,
e diziao entender o porquê da sociedade estar agindo daquela forma.
O Brasil durante muito tempo foi desgovernado, a administração foi má,
todo o esquema era devagar, não era funcional. Se os militares estão e
você não gosta desse regime de exceção, o que você deve fazer? Trabalhar
pra esse regime mudar no futuro: não ficar tumultuando com anarquia, não
ficar na gozação, não ficar desacreditando antecipadamente. Pra mim não
importa quem é que está governando. Se todo o brasileiro meter na cabeça
que deve fazer o melhor, o Brasil vai dar um banho.
152
De certa forma, Simonal contribui para a preservaçao do sistema, pois essa fala foi
dita em 1970, em pleno auge de ditadura militar, fazendo sentido a capa do disco Alegria!
150
AUTRAN, Margarida; KUPFER, Paulo José. O papo bom de Miélle e Bôscoli. Revista Fatos e Fotos, ano
8, n. 456, p. 65, 30 out. 1969.
151
MARIANO apud ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 49.
152
SIMONAL, pilantra sério, op. cit., p. 3.
99
Alegria número 3 e inclusive o outro tulo do seu disco de 1969, gravado em abril deste ano,
de forma ainda mais ousada, com o subtítulo Cada um tem o disco que merece.
Como canções, foram ao todo 13sicas, sendo mais uma, chamada de faixa bônus,
a canção de Roberto Carlos, Se você pensa. Tendo como compositores, Jorge Ben, Marcos e
Paulo Sérgio Valle, Nonato Buzar e Paulinho Tapajós, Antonio Adolfo e Tibério Gaspar,
como alguns dos mais conhecidos compositores da época. Porém a crítica considerou um
disco mais comercial, como na caão Mustang cor de Sangue (Marcos e Paulo Sérgio Valle),
reproduzindo indiretamente através da letra a ideologia de comprar um carro.
A questão social, Industrial
Não permite e não quer que eu ande a pé
Na vitrine um Mustang cor de sangue
Tenho um novo ideal, sexual
Abandono a mulher virgem no altar
Amo em ferro e sangue um Mustang cor de sangue.
153
O carro de nome Mustang pertence à fabricante Ford, que passou a ter sede de
produção automobilística no Brasil a partir de 1968. Havia também a canção Mamãe eu
Quero, de Jararaca e Vicente Paiva, considerada muito infantilizada. A canção What do you
say foi mais uma composição de Simonal, que seguiu o estilo das anteriores, com estrofes
curtas e repetição do refrão.
O disco todo apresenta canções românticas, sicas mais popularescas, que
exultavam o amor, ou da dor dos amores perdidos, do mar, dos carros, da mulher esperta,
temas recorrentes aos compositores daqueles tempos. Augusto Marzagão, um dos criadores e
organizadores do Festival Internacional da canção,ao falar da crise do festival, declarou numa
entrevista em 1971, que os compositores deveriam se voltar a compor mais para os temas do
Brasil e não pelo que faz sucesso. “Os compositores se orientam muito pelo ‘Hit Parede’
mundial. Fazem coisas dentro do que está fazendo sucesso no momento”. E cita ainda nessa
matéria o caso da canção de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, Sá Marina, que fez muito
sucesso na interpretação de Wilson Simonal. O estilo do disco de Simonal neste momento
prefere abordar temas como amor, dor de amor, mar, céu e outros.
153
Mustang cor de Sangue no disco SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 3. São Paulo:EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1969. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
Figura 4. Capa do disco Alegria, Alegria, vol. 4 - 1969
Simonal criou um disco provocativo, pois pode-se entender que quem não “tem
swing” como Simonal, não terá o disco que merece. Simonal está em busca de popularidade,
em busca de vender sua música e esta capa chama a atenção.
Paiano vê a ação da censura como mais um chamariz para a venda de discos
de artistas censurados: ‘[...] a imagem de mártir do artista era capitalizada
pelas companhias’. Se a interferência da censura foi drástica do ponto de
vista da crião artística, economicamente, a indústria do disco parece não
ter sentido seus efeitos.
154
A exemplo disso pode-se citar o caso da música Cálice, de Chico Buarque de
Hollanda, lançada em 1973, censurada e liberada em 1978, mas foi uma das canções que
mais vendeu, batendo recordes de execução em estações de radio e emissoras de TV. Nesse
sentido, Simonal aparecer com um disco em tom provocativo, e provocativo àqueles que
produzem música participante, pois aos que não tem uma consciência política ouo estavam
diretamente ligados a ela, o disco representa apenas um artista famoso fazendo pose.
Na imagem da capa desse disco, Simonal es com uma expressão de deboche,
usando uma faixa na cabeça, o que se tornara uma marca de Simonal, com uma roupa branca,
simbolizando paz, e na boca, uma flor, sendo um cravo com folhas verdes e flores amarelas,
lembrando as cores do Brasil, Simonal passa uma imagem de que no Brasil, país do verde e
amarelo tudo estaria em paz.
154
PAIANO apud DIAS, op. cit., p. 57-58.
Segundo Bourdieu
155
, não existem falas neutras, é possível compreender que naquele
contexto não há como ver de forma inocente tal disco, pois cada detalhe era cuidadosamente
pensado, cada detalhe tinha uma função, um sentido, e obviamente que para cada individuo,
houve um tipo de interpretação diferente. Para uns, pode ser sinal de arrogância, ou sinal de
ousadia, ou pura “pilantragem”, como diria o próprio Simonal, ou ainda, uma prova de
conivência com a situação política vigente. É difícil precisar o certo, se bem que o certo pra
quem? E há num contexto como esse o certo? São na verdade grupos diferentes, com
discursos diferentes, disputando espaço, disputando um lugar hegemônico na sociedade.
E Simonal fará uso desse tipo de estratégia, falando em defesa da questão do
patriotismo, do trabalho, da família, típicos do período em questão, fins de 1969 e dos anos de
1970, como percebido no Jornal Correio da Manhã, de 1970.
Eu sou muito nativista. Confesso que fico cheio com essas pessoas que
desacreditam no Brasil. [...] Então, o brasileiro tem vergonha de cantar o
hino nacional. Tem que acabar com isso. Nós somos um pais
subdesenvolvido, um país pobre, estamos atravessando uma fase política
difícil, temos de reconhecer esse troço e temos que tentar melhorar, e não
deixar o barco correr.
156
Essas atitudes contribuem para o aumento de sua popularidade, pois transitava em
todas as categorias, em especial as mais populares. Era interessante ao sistema, ao Regime
militar, pois de acordo ou não com os militares, não representava uma ameaça, por produzir
uma música mais dançante, sem atacar ao sistema. Para Adorno, esse tipo de música conduz o
sujeito à alienação, sem consciência da realidade que o cerca, contribuindo assim para a
manutenção das idéias do sistema, como do consumismo a qualquer preço e de qualquer
coisa. A música de Simonal era popular e vendável e era isso que interessa à industria
cultural.
Simonal foi bom para o mercado e por ser considerado inofensivo, teve uma agenda
lotada de shows e apresentações. Porém, o grande “boom” da carreira de Simonal ainda
estaria por vir. O ano de 1969 estava apenas começando.
155
BOURDIEU, Pierre. A economia as trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996.
156
SIMONAL, pilantra sério, op. cit., p. 3.
3.1 SIMONAL “AQUELE “CARA” QUE TODO MUNDO QUERIA SER”
157
Simonal estava cada vez mais popular, famoso, rico, como tantas vezes falou que
seria. Mas a sua pilantragem não poderia lhe antecipar o que ainda lhe acontecerá.
Indiscutivelmente, de todos os períodos da carreira artística de Simonal, que sempre buscou a
fama e ao sucesso, o auge de sua carreira está nesse ano, e curiosamente, no mesmo sentido, o
ano em que as críticas começam a acusá-lo de pretensioso, arrogante, negro de alma branca,
entre outras. “Me chamavam de pretensioso, preconceituoso, arrogante e folgado
158
.
Simonal dizia não se importar, pois na cabeça dele, era uma forma de preconceito
racial.
Houve racismo, porque eu andava em bons carros, casei com uma mulher
loira, estava fora do padrão. Era um negro que falava dois idiomas, falava
direito, apresentava programa de TV. Quem entendia de sica, me
respeitava. Tom Jobim era meu fã..
159
Simonal representava o estereótipo do sujeito que se deu bem na vida e como ele
mesmo dizia na canção Carango, “pra ter fon fon , trabalhei, trabalhei”. Fazia questão de falar
o que tinha, de mostrar que estava ajudando sua mãe e que a vida melhorara. Já fora capa de
diversas revistas, aparecia em praticamente todas como assunto, seja por uma brincadeira ou
por uma pilantragem que fizera, como aparecer com uma roupa ou uma gíria nova. Simonal
era um símbolo e como tal se constituía numa referência, num estilo definido, assim como
foram Bossa Nova, Tropicália, jovem Guarda, não como artista, mas como sica,
modismos, gírias. Falar champignon era uma gíria criada por Simonal para representar algo de
qualidade, de bom gosto ou usar faixa na cabeça que era uma marca sua.
E em junho/julho de 1969, aconteceu um dos, senão o maior momento da carreira de
Simonal. Sergio Mendes, o Brasil’66, um cantor brasileiro de maior sucesso internacional
naquele momento e que estava nos EUA fazendo campanha do seu disco, Crystal Illusion,
considerado de grande sucesso, era patrocinado pela Shell viria ao Brasil, para um show de
apresentação no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. O show de abertura da noite coube a
Simonal, que subiu ao palco junto com o grupo Som Três e empolgou a platéia, e esta por sua
vez, aos gritos aclamavam seu nome.
157
A frase em questão refere-se ao título de uma matéria jornalística produzida por Sergio Noronha, do Jornal do
Brasil, em 04 de fevereiro de 1970.
158
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 39.
159
Idem, ibidem
Simonal tinha sido escolhido, apenas, como o cantor que fecharia a parte
inicial do show. Do show que seria de um brasileiro consagrado ‘lá fora’,
Sergio Mendes, mas que acabou sendo dele, de Wilson Simonal. Nunca se
havia visto coisa igual. Por trás do palco, enquanto nas arquibancadas a
multidão rugia e assobiava, exigindo mais Simonal, e enquanto ele mesmo
era socorrido, após desmaiar de emoção, havia um sobressalto de homens
agitados. ‘Isso só acontece uma vez na vida’ murmuravam.
160
Foram 30 mil pessoas cantarolando com o cantor, que ao terminar o show e descer
aos camarins, é solicitada sua volta ao palco para um biz. Simonal volta, emocionado, diz
“reger o maior coral do mundo”, no conhecido episodio 10 mil pra direita e 10 mil pra
esquerda. Em entrevista concedida a revista Fatos e Fotos, de agosto do mesmo ano, Simonal
declarou:
No show do Maracanãzinho, foi aquele negócio: o pessoal crente que o
Sergio Mendes ia me levar de cara para os states. Pois é, o Simonal depois ia
voltar cantando em inglês, cobrando uma nota. Então, me deram aquela
prova de carinho: Nós gostamos de você e você não aparece por aqui. Quer
ver como a gente gosta? E toma aplausos. O público é que nem criança,
gosta de idolatrar, faz pirraça, só admira pessoas que fazem determinadas
coisas que ele gostaria de fazer’.
161
A fala de Simonal é bastante interessante para compreender o universo do qual ele
fez parte e ajudou a criar. Inicialmente ele dá a entender que fazer carreira internacional é
bom, pois pode ganhar mais dinheiro. Percebeu-se isso nesse momento, quando foi
comentado o episódio de Claudete Soares, que dizia que “santo de casa não faz milagre”, ou
seja, que se quisesse ganhar dinheiro, teria que ir pro exterior. Outra questão é o quando ele
diz “nós gostamos de voe você não aparece por aqui”, Simonal coloca isso porque grande
parte de sua carreira artística estava até então em São Paulo e ele estaria voltando para o Rio
de Janeiro porque a TV Record acabou com os programas musicais que tinha, dentre eles o de
Simonal.
Mas um dos momentos mais interessantes de sua fala é quando diz que oblico era
como criança, gostava de idolatrar, fazer pirraça, admirava pessoas que faziam
determinadas coisas que ele gostaria de fazer, ou seja, o público está vendo em Simonal
aquilo que ele de certa forma condicionou Simonal a fazer. Simonal construiu sua carreira
sempre de acordo com as expectativas do público, construindo um personagem, baseado nas
expectativas populares, mostrando ao público aquilo que ele queria ver ou que quisessem que
160
SILVA, 1969, op. cit., p. 139.
161
SIMONAL, Wilson apud MARZOLA, Norma. “As Mil Bossas do Pilantra Simonal”. Revista Fatos e
Fotos, Brasília, ano 8, n. 444, p. 69, 07 ago. 1969.
vissem, pois afinal esse personagem não é inocente. Simonal deu vida a um estereótipo que
lhe criaram, baseados nas expectativas de um público e de um mercado, que assim o faz
pensando em atender interesses espeficos, como de produzir uma música de massa, criando
um público massa. Se o público gosta de ver pirraça, Simonal faz pirraça.
É o que Adorno chamará de arte de massa. É uma via de mão dupla. O blico está
clamando um artista que foi criado para este público, para produzir uma sica para este
blico, e que tal como criança , pode ser manipulado por seu ídolo, como o fez Simonal, no
episódio dos 10 mil pra cá e 10 mil pra lá.
Segundo Adorno isso representa uma forma de alienação dessa platéia que ao se
permitir ser massa, é facilmente manobrada, adestrada, não apenas por seu ídolo, que é apenas
um símbolo de algo maior, mas de todo um sistema que está em torno desse ídolo, usando-o.
”A falta de compromisso e o caráter ilusório dos objetos do entretenimento elevado ditam a
distração dos ouvintes”
162
.
O fato de que a música de Simonal neste show, foi eloquentemente incorporada,
representa a justificativa perfeita da indústria cultural que cria o discurso de que mercadoria
de primeira qualidade é na verdade aquela, no caso da música, que os ouvintes desejam.
E serão esses ouvintes/público que irão ditar as regras para o tipo de produção
musical de Simonal. O episódio do Maracanãzinho lhe colocou no lugar mais alto do Olimpo.
No dia seguinte, o epidio foi notícia em grande parte dos meios de comunicação, dando-lhe
mais projeção do que tinha. Simonal foi notícia durante o ano todo nos meios de
comunicação e se aproveitará disso.
Em agosto de 1969 Simonal produziu um single, com aquela que foi considerada o
maior sucesso de sua carreira, a canção de Jorge Ben, “País Tropical”, dando a ela uma
interpretação ppria. Segundo Ricardo Alexandre, era a boa fase de Simonal tomando vultos
inesperados. No ano de 1969, após sua apresentação no Maracanãzinho, foi notícia em jornais
e revistas, e estas por sua vez destinarão algumas páginas para falar de sua vida e obra,
criando modas e conceitos, mais do que já fazia. Esta foi a fase de auge da carreira de
Simonal.
Na revista fatos e Fotos, de agosto de 1969, Simonal foi matéria de 04 páginas, com
a manchete “As mil Bossas do pilantra Simonal”. Já no início da matéria, a revista vai
construindo uma imagem de Simonal, como:
162
ADORNO, Textos escolhidos, op. cit., p. 85.
O rei da pilantragem não mede sacrifícios para estar cada vez mais perto do
público. Seu sucesso é sempre o mesmo, esteja ele no programa do
Chacrinha, na Sucata (cantando para grã-finos) ou no Maracanãzinho,
abafando a popularidade de Sérgio Mendes.
163
Além de rei da pilantragem”, ou seja, rei das novidades, por ser este seu significado,
há outros termos para designá-lo, como “cidadão bem comportado”, “honestíssimo, pilantra e
debochado”, “carioca fanático”. Nesta matéria, Simonal abusa dos trejeitos e passa a defender
valores e idéias bastante sugestivas para o período, tais como dizer que as “três coisas mais
importantes na vida são a saúde, a paz de espírito e a fé.Fé em Deus, em mim, na vida, fé em
tudo. O negócio é viver no manso”
164
. E esse tipo de declaração tornará Simonal um exemplo
a ser seguido, de sucesso e de bom comportamento, num período em que esse tipo de atitude é
bem recebida tanto pelos militares como para o sistema. E essa popularidade toda fará com
que Simonal se perca no caminho, afogando-se no pprio estrelismo, em falas como “Eu sou
o tipo de cara que, quando entro no palco, todos sabem que ali está o bom. pego o
microfone e largo aquela cascata
165
. Ou ainda, declarou que:
O meu negócio não tem psicologia, o tem nada. O necio é falar a
linguagem do público, a linguagem que ele fala. Por isso eu me comunico. O
artista tem que descer do seu pedestal e por os pezinhos no chão, para chegar
ao nível do público. Fazer charme não pé, não funciona. A função do
artista é divertir o público: ele é pago pra isso.
166
A fala de Simonal deixa clara sua vinculação ao mercado fonográfico, como
inclusive produto do meio, ao dizer que o artista deve falar a linguagem do público. Segundo
Othon Jambeiro
167
, essa é uma das estratégias da indústria fonográfica para vender seu
produto, no caso, a sica. Mas Simonal faz mais do que isso, pois além de falar, repetir o
que o público quer ouvir, ele irá colaborar para que o público fale exatamente o que ele e/ou o
grupo por detrás dele, fizeram esse público pensar e reproduzir. Então, quando o publico fala,
no sentido de querer um artista comprometido com seus desejos, no fundoé uma fala criada
pela indústria cultural, mas que soará como sendo uma fala, uma exigência do público. Ou
seja, quando Simonal descreve que o artista tem a função de divertir o blico, este por sua
vez passa a querer ver noutros artistas o mesmo “compromisso”, o de se produzir apenas
música para divertir.
163
MARZOLA, op. cit., p. 69.
164
Idem, ibidem.
165
Idem, ibidem.
166
Idem, ibidem.
167
JAMBEIRO, op. cit.
Essa fala adquire certa relevância, pois ela contribui para a legitimação de uma
ordem estabelecida, no caso dos militares, do sistema, fazendo com que o público passe a ver
com desconfiança quem não produz “a tal música para divertir”. Mas esse blico não se
percebe nesse processo todo e acaba por fazer o jogo do sistema, que é o de manter as massas
alienadas, segundo Adorno. Tem-se claro que a sociedade o é homogênea, mas sim
heterogênea, múltipla, com diferentes abordagens sobre um mesmo tema, que nesse contexto,
essa sociedade é receptora de uma série de discursos e ações para legitimação do sistema.
Essa adestração” social ou tentativa de se criar um discurso único será a tônica da
indústria cultural, que, utilizou-se de símbolos para reproduzir suas idéias e valores. E
Simonal era um desses símbolos, que se constituirá num ícone que atenda aos interesses dos
envolvidos na Instria Cultural, tanto indústria fonográfica, quanto capitalismo de consumo
com o blico receptor reproduzindo valores e idéias para essa sociedade, mascarando uma
realidade ou firmando-se nela.
Assim, a idéia de que falar” o que o público quer ouvir, pode não ser apenas fruto
de uma espontaneidade popular, mas de uma criação feita a este público, através de variadas
informações, em que o ídolo se utiliza de certas estratégias que representam sua existência no
sistema e a do próprio sistema. Assim, Simonal, construirá uma imagem, na qual valores e
conceitos estão presentes em palavras, imagens, vestimentas, atitudes, difundidas em jornais,
revistas, TV, como a sica de pilantra, as gírias que são cada vez mais freqüentes, buscando
uma pretensa aproximação com esse público, criando novas e recriando outras.
Ainda no processo de composição do personagem, Simonal, considerado um dos
símbolos do sistema, utilizou-se de diversas estratégias para o convencimento desse público,
reproduzindo valores e conceitos, tais como usar óculos grossos, chapéus e bonés irreverentes,
faixas de cabelo, dentre outras, como se percebe nas imagens abaixo, fixando no imaginário
popular uma imagem do ídolo.
Figura 5 e Figura 6. Foto Wilson Simonal (símbolos) 1969
Fonte: Revista Realidade, n. 45, dez. 1969, p. 139 Fonte: Revista Fatos e Fotos, n. 444, ago. 1969, p 70
Figura 7 e Figura 8. Foto Wilson Simonal (símbolos), 1969
Fonte: Revista Intervalo, n. 296, set. 1968, p. 7 Fonte: Revista Fatos e Fotos, n. 444, ago.1969, p. 70
Este, por sua vez, utiliza esses estereótipos para fixar-se enquanto um símbolo, e
como tal, passa a exercer uma forma de poder com esse blico. Um poder de ditar modas,
comportamentos, de criar “verdades”. A imagem de Simonal se constituíra naquele “cara que
todo mundo queria ser”, de pobre a rico, de impopular a popular, com carrão. Ao mesmo
tempo que estes estereótipos o fixam enquanto ídolo, símbolo, também constituirão formas de
representação do ídolo, que como tal, terá seus seguidores, usando suas faixas, óculos
escuros,dentre outros.
Ainda nessa fase de superexposição e de ser símbolo a ser seguido, na Revista
Intervalo de 1969, Simonal será capa da mesma, com a manchete “Simonal – como paquerar a
Jane Fonda”. Na matéria em, o cantor se ocupaem dar dicas de como um pila (pilantra)
poderia conquistar não só a Jane Fonda, mas todas as mulheres, na difícil arte da “conquista”e
estabelece alguns critérios, como se fosse receita, ao dizer, “é a receita da paquera. Dois
requisitos especiais: ter “pinta” e fazer gênero de mulher
168
Mas o que chamou a atenção foi perceber qual seria a tal receita de conquista, ao
dizer “o cara deve ser um intelectual. Um intelectual de uniforme, manja? Aquele que usa
barba, sandália e calça Lee”
169
. Além desta fala, Simonal, nesta revista construiu um boneco,
num desenho, demonstrando como deveria ser e agir esse pilantra.
Figura 9. Receita de Simonal para ser pilantra
Fonte: Revista Intervalo, Simonal - Como paquerar Jane Fonda, 1969, p. 23
168
SIMONAL: como conquistar a Jane Fonda. Revista Intervalo, p. 23, out. 1969.
169
Idem, ibidem.
Para Simonal, ser um pilantra ou “pilacomo vai descrever nessa matéria, é ser uma
pessoa que está sempre a frente de seu tempo, de olho nas novidades. Nesse caso, pilantra “é
o cara que para cada mulher tem uma cantada diferente”
170
. Então, Simonal cria o que ele
chamou de receita da paquera, e nela sugere que o homem conquistador deve usar óculos
redondos, com lentes azuis, semelhante ao de John Lennon, usar um cachimbo no bolso e ter
sempre livros, revistas e jornais intelectualizados a mão, e nestes a sugestão é o jornal O
Pasquim, usar lenço colorido no pescoço e medalhão hippie, numa clara alusão ao movimento
hippie defensor do lema paz e amor, além, de uma flor pregando o amor e não a guerra. Todos
esse símbolos que ele mencionou são símbolos muito utilizado no momento, como o
medalhão hippie, do movimento hippie que mexeu com a cabeça da juventude mundial que
estava em busca de afirmar suas idéias. Outro fator que chama a atenção é para a flor, pedindo
amor e não guerra, pois nesse momento a opinião pública mundial está questionando inclusive
as ações militares dos EUA na guerra do Vietnã. Mas o detalhe mais chamativo foi o de que,
este homem moderno deve vestir calça Lee. A calça Lee, um jeans legítimo norte-americano
tornou-se um símbolo de irreverência e da juventude mundial e todos os jovens queriam ter
uma calça Lee como forma de modernidade.
E Simonal no balanço das novidades, como sempre, não fica de fora e procura de
certa forma participar de tudo. De tudo aquilo que ele pensa que possa lhe trazer benefícios
financeiros e de projeção, de status. Pode-se dizer que Simonal foi uma espécie de
“Camaleão”, que mudava de acordo com o clima.
Porém essa fase de superexposição provocou opiniões diversas, como descrito por
Ricardo Alexandre.
A imprensa passou a espezinhar o artista: ‘Aquele necio de suingue, de
sozinho para menininhas, está mais pra baixo que barriga de tatu’, ponderava
Jorge Mascarenhas no Jornal O Dia; ‘aquelas milongas ninguém mais
agüenta’, desabafava a Intervalo; ‘a gente não pode enganar todo mundo
durante todo o tempo’, assombrava Carlos Soh, no Diário e São Paulo.
171
A essas críticas todas, Simonal respondeu, na revista Fatos e Fotos, dizendo:
É, tem gente que torceu o nariz com as minhas bossas, com o meu molho
de champignon, que até disse que eu não sei cantar. Na verdade, eu às
vezes canto mal. Descobri que cantar mal é importante. A gente só deve
cantar bem determinadas músicas. Cantar mal é que comunica. O cantar bem
fica frio, gelado. Um show onde tudo funciona certinho, cem por cento, é
frio. O quente tem que ser meio baguncinha. O brasileiro gosta de
170
SIMONAL: como paquerar a Jane Fonda. Revista Intervalo, n. 352, p. 22, out. 1969.
171
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 23.
baguncinha e sempre chega atrasado. Por isso o folclore funciona. O segredo
do meu sucesso está no cinismo e na despretensão.
172
Algumas expressões acima descritas por Simonal chamam a atenção, pois o mesmo
entendeu as críticas como sendo de pessoas que não compreendem o seu papel de
comunicador e que cantor deve ser comunicador acima de tudo, mesmo que às vezes cante
errado. Também sugere que os outros não teriam seu champignon, ou seja, sua qualidade
musical. Faz também uma crítica ao “cantar certinho” e que a baguncinha, ou seja, a
participação do público é o que legitima um bom trabalho de um artista. Ao se referir a
expressão folclore, ela tem o “sentido de ser todo aquele que sabe a arte de se comunicar com
a platéia”
173
. E a expressão “cinismo” que Simonal utiliza tem o significado de que, Simonal
buscará na imagem de artistas famosos, como Nat King Kole, que fizeram sucesso, usando de
certa dose de cinismo, uma referência para si.
Implicitamente, a fala de Simonal, feita no final do ano de 1969, um período em que
a música está cada vez mais censurada e artistas também, de se colocar como alguém que sabe
como agir nesse contexto e que aquele que canta bem, ou seja, que não se rende às regras da
indústria cultural, é frio, é pouco conhecido. É o que Adorno coloca como sendo um tipo de
música que com o tempo, inebria e diverte o povo, e cansado da labuta cotidiana, o quer
pensar, não quer se conscientizar.
Mas mesmo com todas essas pomicas, que não findam aí, mas estão apenas
começando, em outubro de 1969, Simonal lançará mais um disco que faz uma homenagem às
mulheres, por desempenhar um papel de conquistador, o de “rei das empregadas domésticas”
ou ainda, um “herói da classe trabalhadora”
174
.
Esse disco tem o título Alegria! Alegria volume 04, com o subtítulo “uma
homenagem à graça, à beleza, ao charme e ao veneno da mulher brasileira”. Esse título não é
à toa, pois os anos de 1968/69 foram marcados, em especial 1968, a luta das mulheres pelos
seus direitos, dentre eles de poder fazer suas próprias escolhas, como não apenas casar e ter
filhos, podendo inclusive decidir quando terá filhos, devido a pílula anticoncepcional. Nesse
disco, com 16 canções, sendo os mais variados temas abordados, como falar de brasileiro, de
crianças, de domingo, entre outros. Mas o grande destaque deste disco foi a gravação da
musica País Tropical, de Jorge Ben, ao qual Simonal propôs algumas mudanças, no arranjo
original, que mais tarde foram inclusive incorporadas por Jorge Ben.
172
MARZOLA, op. cit., p. 71.
173
Idem, ibidem.
174
ALEXANDRE, 2004, op. cit.
Moro...
Num país tropical,
Abençoado por Deus
E bonito por natureza (Mas que beleza!)
[...] Sou Flamengo e tenho uma nêga chamada Tereza...
‘Mor...
No patropi,
Abençoá por Dê
E boni por naturê (Mas que Belê!)
[...] Sou flamen e tenho uma nêga chamá Terê Do meu Brasil’.
175
Essa canção possibilitou a Simonal ainda mais projeção e foi considerada como a
mais popular de sua carreira. Ficou por 16 semanas em cartaz no ano de 1969 e continuou a
ser em 1970, sua canção “carro chefe”. Ficou por 17 semanas em cartaz, ocupando a 17ª
posição no quadro musical, como segue abaixo:
Figura 10. Relação das Musicas mais vendidas entre 1969/70
Fonte: Othon Jambeiro. Canção de MassaAs condições de produção. São Paulo: Pioneira, 1975, p. 119
País Tropical, a canção de Jorge Ben, mas famosa na voz de Simonal, será um
símbolo de canção ufanista, mesmo contrário às proposições de Simonal. A brincadeira com
175
País Tropical de Jorge Ben, Intérprete Wilson Simonal no disco SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 4.
o Paulo:EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1969. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de
2004.
as palavras era um exemplo da pilantragem de Simonal, que foi muito além do que ficar só no
sucesso deste disco.
3.2 SIMONAL E A SHELL HERÓI DA CLASSE TRABALHADORA OU SÍMBOLO DE
SUCESSO?
E por conta dessa projeção toda, de ser um símbolo de Brasil e que faz questão de
defender uma imagem positiva do país, é que a Companhia de Petróleo Shell assina aquele,
que segundo a historiografia
176
da época, foi considerado um dos maiores contratos artísticos
da época. A Shell
177
, ou Shell Brasil Ltda, uma empresa anglo-americana do setor petrolífero,
iniciou suas atividades no Brasil em 1903 com o nome Anglo-Mexican Petroleum Products
Company, tendo o primeiro depósito de óleo combustível do Brasil, no bairro da Ilha do
Governador, no Rio de Janeiro, pela Anglo-Mexican. Em 1961, A Shell se nacionalizou,
passando a ser uma empresa brasileira de capital estrangeiro. Adquiriu a razão social de Shell
Brasil S.A.
178
A Shell, que era patrocinadora da Seleção Brasileira de Futebol procurava no
Brasil eventos que reforçassem a imagem de excencia do país, já que estava se firmando no
mercado interno. E Simonal, após o episódio do Maracanãzinho foi descrito como um “herói
da classe trabalhadora transformado em superstar, um soulman que trafegava pela tradição e
pela contemporaneidade, seu garoto propaganda perfeito”
179
.
O contrato foi assinado em 17 de setembro de 1969, numa das salas do prédio da Shell no Rio
de Janeiro, com um valor entre 3 e 300 milhões de cruzeiros novos por s, durante um ano,
segundo J.C.Magaldi, assessor especial da Gerência de Comunicações de Marketing da Shell,
que afirma:
176
Sobre esse assunto ver Revista Realidade, dezembro de 1969, Revista Fatos e Fotos, agosto de 1969, Jornal
do Brasil, setembro de 1969.
177
A Shell tem suas origens em 1833, numa pequena loja que vendia no East End de Londres antiguidades e
objetos exóticos como belas conchas orientais, usadas pelas donas de casa para enfeitar caixas e móveis. Marcus
Samuel, o dono da loja, realizou tantos e tão bons negócios com as conchas, que contratou encomendas especiais
às empresas que navegavam para o Oriente e, em pouco tempo, o negócio cresceu o suficiente para se
transformar numa empresa de importação e exportação, para mais passar a vender querosene e óleos
lubrificantes. Ela adota o nome de Royal Dutch Petroleum Company e tinha como grande rival a norte-
americana Standard Oil.Em 1907, houve grande fusão de ambas, com o nome de Royal Dutch/Shell Group of
Companies. A Royal Dutch saía fortalecida, pois era rica em gasolina, e a Shell possuía óleo combustível. As
duas garantiam o transporte de seus produtos aos quatro cantos do mundo. O resultado da sociedade é a Shell de
hoje, a maior empresa do mundo em negócios com petróleo, e que realiza suas atividade no mercado brasileiro
desde 1913. HISTÓRIA da Shell no Brasil. Disponível em: <http://www.shell.com/home/content/br-
pt/about_shell/institucional/historia_brasil/historia_shellbrasil_0822.html>. Acesso em: 30 mar. 2008.
178
As informações sobre a Shell no Brasil e sua história, foram retiradas do site oficial da empresa. HISTÓRIA
da Shell, op. cit.
179
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 41.
Simonal é o comunicador mais eclético que se conhece hoje em dia. Ele faz
cantar tanto o público todo do Maracanãzinho, como também faz cantar
todos os presentes sofisticados num show da boate Sucata. Ele es
realmente na onda. A Shell precisa vender a imagem da gente jovem. E
Simonal identifica esse público jovem dinâmico, renovador.
180
O contrato entre Simonal e a Shell foi para que Simonal fizesse uma campanha
publicitária por um ano, na televisão, em shows nacionais e internacionais, nos festivais,
como o Festival Internacional da Canção (FIC), em que foi membro do júri na fase nacional.
A imagem de Simonal foi associada aos produtos da Shell, que num primeiro momento
precisava buscar fundos para a seleção brasileira de futebol que iria para a copa de 1970.
O contrato com Simonal-Shell tem apenas nove cláusulas, distribuídas em
seis laudas datilografadas, espaço dois. Ele se obriga a fazer programas de
TV patrocinados pela empresa, a gravar jingles, a ler piadas que os
publicitários da Shell escreverem.
181
Simonal que havia construído uma obra em torno do que o mercado, a indústria
fonográfica queria, agora teve que produzir atendendo a interesses de uma empresa
multinacional ou nacional-estrangeira. E foi recorrente, nos seus discos posteriores, incluir um
jingle da Shell ou em um show.
Formiguinha, acabou a tua vez
O formicida Shell chegou
Pra acabar com teu reinado
182
A Shell estava buscando em Simonal uma imagem nacional para vincular à sua
empresa, que agora, de capital nacional, quer reforçar sua presença no território nacional.
Simonal, como um cantor popular, que transitava por diversos blicos, seria o que eles
denominaram de “representante da classe trabalhadora”, legitimando suas ações no país,
vinculando a imagem da empresa a um símbolo de brasilidade. A escolha por Simonal se dá
muito em função de sua popularidade e de seu fácil trânsito pelos mais variados grupos, o que
interessa à empresa que necessita de uma imagem, de um símbolo que a identifique
positivamente no país. De 1969 até 1971, Simonal será o símbolo de uma empresa
estrangeira, recém nacionalizada, buscando sua permanência no mercado nacional de
combustíveis. Para tanto, a mesma patrocinou shows e apresentações de Simonal, que a partir
de então, divulgou o nome da empresa em eventos por ela criados. Uma das primeiras tarefas
180
MAGALDI, J.C. Simonal está assinando o maior contrato. Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, 17 set. 1969.
181
Idem, ibidem.
182
SILVA, 1969, op. cit., p. 143.
de Simonal seria a de ajudar a buscar fundos para financiar a seleção brasileira de futebol, que
participou da Copa do mundo de Futebol, no México. Houve muita polêmica em torno desse
assunto, pois os brasileiros se dividiram entre torcer ou o pela seleção brasileira de futebol,
segundo Aquiles Reis, cantor do grupo MPB4, pois o governo militar a utilizou como um dos
seus símbolos de defesa de nacionalidade, de imagem positiva do governo, criando certa
antipatia por parte de muitas pessoas.
A copa de 70, no México, causou um drama de consciência entre os que se
debatiam contra o regime militar. O drama de torcer ou não pela seleção
brasileira dividia os corações e as mentes daqueles contingente de pessoas
que sabia que a ditadura estava pronta pra capitalizar politicamente uma
possível vitória da seleção comandada pelo técnico Mário Lobo Zagalo
[...].
183
E nesse impasse, segundo Aquiles Reis, Simonal ficou dividido entre dizer sim ou
não, entre torcer ou não, porém engajou-se com a campanha pela seleção.
Médici e seus companheiros de ditadura ‘rezavam’ardentemente pela vitória
da seleção, que capitalizariam para ‘alegrar’ ainda mais o povo e para passar
ao exterior uma imagem de que por aqui estava tudo as mil maravilhas.Não
estava.
184
Diante desse cenário que se apresentou no final dos anos 60, com inúmeros protestos
ocorridos no mundo todo, intensificando-se em 1969, em especial pelo Festival de
Woodstock, que uma questão chamou a atenção. O que levou uma empresa como a Shell a
escolher Wilson Simonal para ser um símbolo, uma imagem de seus produtos? Para João
Carlos Magaldi, gerente de Comunicações e Marketing , Simonal representou uma idéia de
renovação, de mudança, por ser “o artista mais comunicador do Brasil
185
Simonal é o comunicador mais eclético que se conhece hoje em dia. Ele faz
cantar tanto o publico todo do Maracanãzinho, como também faz cantar
todos os presentes sofisticados num show da boate Sucata.Ele está realmente
na onda. A Shell precisa vender a imagem da gente jovem. E Simonal
identifica esse público jovem, dinâmico, renovador.
186
O objetivo da Shell de querer vender a imagem de gente jovem esteve relacionada
com as mudanças que estava acontecendo naquele ano, em especial com relação aos jovens e
seu comportamento. Em agosto de 1969, por três dias, milhares de jovens, impulsionados pelo
183
REIS, Aquiles Rique. No Gogó de Aquiles. Texto: Confesso que errei. o Paulo: Girafa, 2004.
184
Idem, ibidem.
185
SIMONAL está assinando o maior contrato. Jornal do Brasil, 18 set. 1969.
186
Idem, ibidem.
lema “paz e amor” (aproximadamente 400 mil) se reuniram numa fazenda em Bethel, na
cidade de Woodstock, em Nova Iorque, para um Festival de Musica e Artes, o chamado
Festival de Woodstock, cuja regra foi não seguir regra nenhuma. Foi a volta da simplicidade
do campo, com muita bebida, sexo ao ar livre e drogas, regada a muita música. Este festival
que reuniu nomes da sica, em especial do rock, considerado ritmo de rebeldia, como Jimi
Hendrix, Janis Joplin, The Who, dentre outros, significou uma contestação ao
conservadorismo dos valores ocidentais, em especial à sociedade de consumo e da cultura de
massa. Mas a ironia foi que o que surgiu como contra-cultura
187
, ou seja, como oposição à
cultura de massas, ao estabelecido, ganhou tanta visibilidade que acabou por se tornar a
cultura hegemônica entre a juventude ocidental, perdendo a essência contestatória que levava
consigo para se incorporar à sociedade de consumo.
A contracultura, nascida do protesto e da recusa da cultura dominante, era
por ela absolvida: o rock desses anos, a grande via da expressão do
movimento, foi possível através dos recursos do sistema”. Por um lado
foi o resultado de instrumentos eletronicamente amplificados e foi produto
tanto da indústria cultural quanto dos processos de comunicação da década
de 60. Por outro lado, a sua incrível divulgação foi sustentada pela expansão
da indústria fonográfica. [...] A comercialização do rock enriquecia, de fato,
as indústrias fonográficas, muitas delas multinacionais
.
188
Ou seja, foi um movimento que questionou os valores conservadores, para enfatizar
os ideais da juventude, que passou a ditar regras, deu o tom das produções culturais a partir de
então. E como o mercado está sempre em busca de novidades, este era um novo momento em
que o mercado dele se aproveita para sugerir seus produtos.
Desta forma, é possível compreender o interesse da Shell por um símbolo jovem,
popular e que quebrasse padrões pré-estabelecidos, que estava sempre recriando, no sentido
de, improvisar, ir além. E Simonal estava no auge, sendo muito assediado pela mídia como
um todo, sendo o personagem perfeito para a empresa vincular seus produtos aos novos
tempos, uma representação ideal da empresa em questão. Simonal tinha para com seu publico
uma empatia, em qualquer um dos shows que fizesse fora sempre muito aclamado. Esse poder
187
A contracultura foi um movimento dos anos 60, quando teve lugar um estilo de mobilização e contestação
social e com ele novos meios de comunicação em massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o anti-
social aos olhos das famílias mais conservadoras, com um espírito mais libertário, resumindo como uma cultura
underground, cultura alternativa ou cultura marginal, focada principalmente nas transformações da consciência,
dos valores e do comportamento, na busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e
pequenas realidades do cotidiano. WOODSTOCK: o festival que fez história. Trombeta do Café, 10 jul. 2000.
Disponível em: <http://trombeta.cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1046>. Acesso em: 20 maio
2008.
188
PAES, Maria Helena Simões. A década de 60: rebeldia, contestação e repressão política. 4. ed. São Paulo:
Ática, s.d. p. 27.
que Simonal exercia, de ser modelo, de ser referencia é o que Pierre Bourdieu chamou de
Poder Simbólico, pois legalmente não tem um poder instituído, de um cargo seja potico ou
de outro setor, mas exerce um poder além, pois consegue, com sua presença e seu estilo
convencer as pessoas que o cercam, consegue influenciar, mudar opiniões. Esse poder que
este ícone, construído como ídolo consiste em um poder de construção da realidade, em que a
classe dominante para impor seus valores e legitimar sua dominação, usa-se de símbolos
189
. E
esse símbolo fora Simonal, escolhido e assim moldado pela Indústria Cultural, que como tal,
precisa criar uma imagem e um produto vendável, e que esse produto represente um certo tipo
de público.
O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder e manter a
ordem ou a de subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele
que as pronuncia, crença cuja produção não é de competência das
palavras.
190
Ou seja, Simonal dotado de um poder de comunicação, poder de atrair a atenção das
pessoas se constituirá num símbolo de sucesso, superação, muito em função de sua trajetória
pessoal, que o mesmo fará questão de sempre repetir, especialmente nos anos 1969 e 1970.
Sua fala exerce um poder de convencimento pela pessoa, pelo símbolo que ele é, ou
construído para ser e era isso que a empresa Shell precisava de um símbolo que fosse popular
mas que suas palavras ao serem pronunciadas, tivessem legitimidade, tivessem crença. Tendo
essas palavras poder de convencimento, o nome da empresa estará junto.
Mas este poder o é de apenas convencer o público a adquirir este ou aquele
produto, mas de manter o publico numa condição específica, de aquietação, é uma forma de
adestramento segundo Adorno, desse público, provocando nas massas um silenciamento, em
declarações como esta, feita em 1970, quando criticava os movimentos de
contestação/protesto daquele período. “Ora, a gente é pobre mesmo, então não adianta fazer
coisa nenhuma, deixa como está. Essa não bicho, a gente tem que ajudar, pra ver se
melhora”
191
. Com esse tipo de declaração, Simonal promove uma manipulação ideológica
numa perspectiva de Bourdieu.
E para tanto, a sica de Simonal, alegre, “sem compromisso com a inteligência”,
como ele mesmo dizia, se insere numa produção de massa em que representa segundo Edgar
189
BOURDIEU, 1989, op. cit., p. 12.
190
Idem, p.15.
191
NORONHA, rgio. “Simonal – Uma vocação de Pilantra”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 fev. 1970.
Caderno B, p. 2.
Morin
192
a figura do herói simpático, que conduz o imaginário à realização da felicidade e do
amor, do culto à juventude, que está voltada ao presente.
Assim, Simonal, direta ou indiretamente, com um ídolo e como tal, detentor de um
poder simbólico, contribui para a preservação do próprio sistema, ao produzir não sua
música, mas ao fazer declarações públicas, como “Eu sou muito nativista”, “O Simonal que é
preguiçoso, cascateiro, mas honestíssimo” ou em canções como “pra ter carango, trabalhei,
trabalhei”, “Que cada um cumpra com seu dever” e “Brasil eu fico”. Essas falas vem a
colaborar com os interesses econômicos e políticos da época do que de prestar auxílio ao
blico, levar mensagem contraria aos que se propunham ideologicamente usar a sica
como protesto do sistema.
Desta forma, Simonal para conseguir organizar e melhor controlar seu sucesso e a
prosperidade financeira que teve, desligou-se de seu empresário Roberto Colossi, montando
sua própria empresa, a Simonal Comunicações Artísticas Ltda. A sua carreira lhe deu uma
dimensão maior do que poderia imaginar, pois quanto mais famoso, mais exposto, mudando
muito a sua vida, mas Simonal não se incomodava com isso.
Esta sua maneira de agir enquadra-se perfeitamente no sistema predominante
no mundo capitalista, onde geralmente o artista ‘só é tolerado e em parte
integrado organizadamente, como ‘agente da distração’, como funcionário,
na esfera do consumo, submetido a obrigação de prestar serviços concretos
como os de um camareiro bem pago’, coincidindo, ao mesmo tempo, seu
estereótipo ‘com o de introvertido, o do louco egocêntrico e, frequentemente,
o do homossexual’. É exatamente por isso, pelo fato de o artista somente ser
tolerado nestas circunstâncias, que ‘“em muitos casos pode-se exigir (do
artista) o escândalo de sua vida privada como parte da diversão que deve
proporcionar’.
193
Para Simonal o que importava era o sucesso, a fama, o dinheiro, a vida boa da qual
gabava-se frequentemente o que conseguiu com o sucesso, sem nunca deixar de mencionar
que fora conseguido com trabalho, honestidade e superação. Mas aos poucos Simonal foi
mudando sua forma de ser como afirmam Toninho Pinheiro e sar Mariano
194
. O poder foi
subindo à cabeça.
Simonal mudou depois do show com Sergio Mendes. Admite Toninho
Pinheiro. ‘A estrutura em torno dele foi ficando cada vez maior e ele foi se
afastando, foi cortando algumas liberdades que achávamos que tínhamos e
nos ouvindo menos. Acabou virando uma relação profissional apenas’. César
192
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: o espírito do tempo: 2 NECROSE. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1986.
193
ADORNO, T. apud JAMBEIRO, op. cit., p. 149.
194
PINHEIRO, Toninho Pinheiro; MARIANO, César apud ALEXANDRE, 2004, op. cit.
Mariano contemporiza: ‘É difícil que alguém atinja o poder e passe incólume
por ele’ [...].
195
Ainda em 1969, foi o presidente do júri do IV FIC, da TV Globo, e ao ser
entrevistado, declarou que não gostou da experiência, pois sua vocação é mesmo cantar, até
porque repetiu a façanha ocorrida no Maracanãzinho três meses atrás. A canção vencedora foi
“Cantiga por Luciana”, de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, interpretada por Evinha e diz
ter escolhido esta canção não por tê-la achado a melhor canção, mas por -la achado a mais
comunicativa com o público. “Não existe melhor sica. Este simbolismo de o melhor é
fictício. Consideramos a melhor canção aquela que tenha uma melodia boa, aliada ao seu
poder de comunicação
196
. Em dezembro desse mesmo ano, Simonal protagonizou um filme,
sob o título “Todas as mulheres do Mundo”, de Domingos de Oliveira, título este inspirado no
seu disco e seu bordão recorrente, ao dizer “em homenagem à graça, à beleza, ao charme e ao
veneno da mulher brasileira” dizendo ser esse um filme sobre a pilantragem e não uma
pilantragem. “É Simonal pelos sete lados”, declarou”
197
.
“Foi um filme sem compromisso com a cuca”, segundo Simonal, que por vezes
declarou que não tinha compromissos com o que ele chamava de inteligência, ou seja, de
produzir uma música que fizesse seu publico pensar, o que aliás era uma preocupação
constante, a de produzir uma música fácil de entender. Em entrevista à Revista Realidade, de
dezembro de 1969, declarou que:
Quando falo de pilantragem, o público sabe o que é. Só a imprensa não sabe.
Pilantragem é uma posição otimista; se o mundo vai mal, a pilantragem se
preocupa em saber o que é possível fazer no sentido de melhorar, no sentido
de divertir o povo. É o descompromisso com a inteligência. [...] Minha
agressividade é a irreverência, a agressividade pilantra. A agressividade
animal não acrescenta nada à humanidade.
198
Situando a fala de Simonal no contexto histórico do período, o fim do ano de 1969,
marcado por muitas novidades, também marcou o recrudescimento das ações dos militares,
com a intensificação da censura e das perseguições, em especial com o movimento de luta
armada (não entrarei nessa discussão, poiso é esse meu objetivo). Também é quando houve
um aumento de produções culturais bastante significativo, tanto pela mudança no mercado,
195
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 42.
196
SIMONAL e Malcolm: os donos do Festival. Revista Fatos e Fotos, p. 15, out. 1969.
197
AUTRAN, Margarida. Simonal com tôdas as mulheres do mundo”. Revista Fatos e Fotos, Brasília, ano 8,
n. 461, p. 68, 04 dez. 1969.
198
SILVA, 1969, op. cit., p. 147
como a vinda de empresas multinacionais e a fusão de outras, como no setor da indústria
fonográfica, percebido no quadro abaixo:
Figura 11. Quadro das fusões das gravadoras de 1969/93
Fonte: DIAS, 2000, p. 43
A gravadora de Simonal era a Odeon, que agora uniu-se a Emi, passando-se a
chamar Emi-Odeon. Essas fusões deram às gravadoras mais poder de atuação e de
investimentos, e todas, na concorrência e disputa pelo mercado, buscam produtos novos e
novas idéias que possam lhe trazer lucros. E essas gravadoras passaram a investir nesse
mercado de bens culturais, extrapolando os limites do local, do país em que estão alocadas,
promovendo uma circularidade e rocas desses bens. Em 1970, houve na França, o Festival de
Cannes, do qual participaram 43 países com cerca de 400 gravadoras fonográficas. “É um
espetáculo badalativo, artístico e comercial, que promove cantores anônimos, amplia o
prestígio dos famosos e melhora os negócios das gravadoras”
199
. Neste evento, apresentaram-
se Wilson Simonal, Jorge Bem, Astrud Gilberto, Eliana Pitman e TUCA. Inclusive neste
festival houve uma disputa entre Jorge Ben e Simonal, em que segundo a revista Fatos e
Fotos, Jorge Ben teve um melhor prestígio e rendimento.
Mas segundo Dias
200
, “a consolidação de um mercado internacional-popular de bens
culturais é pressuposto fundamental para que, efetivamente realize-se a intensificação do
processo de mundialização da cultura a que assistimos, neste final de século”. E essa
mundialização teria sido possível pelo crescimento de bens tecnológicos, que ela denominou
199
JORGE Ben e Simonal: nossa música em Cannes. Revista Fatos e Fotos, n. 470, p. 6, fev. 1970. p. 6.
200
DIAS, op. cit., p. 39.
de “revolução tecnológica”, com o advento da informática, dos meios de comunicação e da
automação.
[...] além da mudança nas relações econômicas mundiais, o aumento do
poder das empresas transnacionais, a organização de blocos regionais de
livre comércio e de sistema financeiro próprio, a concentração e
centralização de capitais; o neoliberalismo como ideário legitimador e a
instituição do inglês como idioma comum, [...] onde todas essas
características da sociedade civil mundial promovem o deslocamento das
coisas, indivíduos e idéias [...].
201
Ou seja, com o advento da técnica e dessa pretensa globalização, houve uma
multiplicacão de bens culturais, interrelacionando-se uns com os outros, fazendo com que
haja por parte desses donos de capital, como da indústria fonográfica, uma necessidade de
buscar novos nichos de mercado e novos tipos de produtos, segundo Dias
202
. Desta forma o
mercado passa a oferecer uma variedade muito grande de estilos e subneros.
Este uso em massa dos meios de comunicação de massa e suas tecnologias, também
foram muito utilizados pelo governo em questão, que as usará como uma campanha
ideológica para a sociedade, segundo Renné Dreifuss
203
, campanha esta que teve ênfase no
período pré-golpe, mas se quer será mantida durante boa parte do governo militar. A
estratégia era utilizar os meios de comunicação de massa e seus representantes para difundir
seus interesses, através de uma engenhosa campanha de publicidade, do próprio sistema
inclusive, como o que fez Médici, nos anos de 1970.
E Simonal, como um ícone, um símbolo, consistiu num bom “produto”, tanto para
reproduzir idéias do governo, quer ele estivesse do lado ouo e idéias do próprio sistema, ao
defender que a felicidade estaria na materialização dos sonhos de consumo, como de ter casa,
carro, roupas da moda, etc... Então, contrário ao que falam de sua pessoa e obra, como de
chamá-lo de alienado, Simonal demonstrou ser muito observador e procurou se adaptar aos
novos tempos. Afinal, agora, é o novo contratado da Shell e seu garoto propaganda, e como
tal, a imagem que se pede dele, é a de um artista jovem, mas não no sentido agitador, de ser
bagunceiro, mas de um artista que procurasse estar presente em todas as rodas, em todos os
blicos, apesar de sua maior popularidade ter estado com as camadas mais pobres. E seu
papel seria o de representar esses ideais, pois afinal tornou-se um artista da canção de massa,
que como tal, carrega consigo um sentido de se pretender a domesticação desse público.
201
Idem, p. 40.
202
Idem, p. 41.
203
ver DREIFUSS, op. cit.
O artista canção de massa procura tornar-se - ou as gravadoras e os
empresários procuram torna-lo um modelo para seu publico, identificando
com anseios e problemas e preconceitos que julgar característicos daqueles
que compram seus discos mas, ao mesmo tempo, persegue o intento de se
colocar numa esfera superior, ‘olimpiana’, a fim de tornar-se, enquanto
modelo, um ser mitificado. Isto é, um modelo de vida, um modelo de moda,
um modelo de atividades e comportamentos, mas,acima de tudo, um ídolo.
204
E como tal, este ídolo, construído por uma indústria da cultura, agora contratado pela
Shell, teria que zelar por essa imagem, que deveria presar por estar sempre vinculada a
eventos positivos ou dentro de uma legalidade. Como a empresa não quer se indispor com o
governo militar de época, a fala de Simonal e as atitudes deveriam ser no sentido de que não
viesse a se chocar com os interesses e ideais desse governo. Com isso, não se quer dizer que
Simonal está sendo conivente com o regime militar e nem que esteja alheio ao que está
acontecendo, até porque segundo ele próprio, pilantra é quem está atualizado sobre o que está
acontecendo, mas que está a serviço de um empresa, a Shell, pelo menos até 1971, e como tal,
deveria seguir a risca o que ela lhe pede.
E como a empresa não quer se indispor com a ordem sócio-política do momento e
seu garoto popular propaganda, popular de classe oriunda e popular de popularidade, teria que
ostentar falas e atitudes condizentes com essas perspectivas.
Tanto o é, que Simonal mudará seu discurso, pois em 1967, disse que “com uma
canção também se lutaria, meu irmão” ao falar da canção Tributo a Martin Luther King, mas
agora, na mesma revista, ao ser perguntado do movimento jovem, fazendo passeata, declara
que é “um negócio da maior boboquice. Não resolve nada. [...] Quando se é jovem, acha que
passeata, baderna e anarquia resolvem”
205
.
Simonal fala isso porque os movimentos juvenis no Brasil em oposição ao regime
militar foram muito fortes. Mas isso era o começo. Na década posterior, Simonal senti
ainda um pouco mais o gosto doce do sucesso, mas também conhecerá o gosto amargo do
ostracismo.
204
JAMBEIRO, op. cit., p. 149-150.
205
SILVA, 1969, op. cit., p. 148
3.3 SIMONAL DO SUCESSO AO OSTRACISMO DO “PILANTRA”
África ahe, África aha, mostra meu passado que eu não vi passar
África ahe, Africa aha, quem ta do meu lado pode se chegar
África ahe, África aha, mostra meu passado que eu não vi passar
África ahe, Africa aha, quem ta do meu lado pode se chegar
(Wilson Simonal/Ronaldo Bôscoli – África, África, disco Simonal, 1970)
A década de 70 é considerada uma década de muitas inovações, muitas delas
impulsionadas por uma sociedade altamente tecnológica e com a ascensão dos meios de
comunicação de massa. É deste período a TV colorida e o crescimento das novelas, pois a
fórmula dos festivais e de programas de auditório estava desgastada, o aumento do
investimento da indústria fonográfica em novidades que atendam aos interesses de uma
indústria cultural cada vez mais em evidência.
A década de 70 significou o fim da inocência e do advento de uma sociedade cada
vez mais moderna e modernizante, cada vez mais comunicativa, pelo crescimento dos mass
media , muito em função das propostas de desenvolvimento econômico da gestão de Emilio
Garrastazu Médici, que incentivou a vinda de muitas multinacionais. E elas vieram, em
especial no setor de bens culturais, como da indústria do disco, havendo uma série de
mudanças no mercado fonográfico, tanto com algumas fusões de grandes gravadoras, como
nos gostos populares. É o que Luiz Carlos Maciel
206
, definiu como sendo uma nova era, a era
do rock, que por sua vez, “tornou-se um universo alternativo e a nossa civilização viu-se
assim, repentinamente, diante de uma mudança radical de rumo”
207
.
E Simonal, até onde pôde, foi atrás das novas tendências, mas aos poucos a
superexposição de Simonal tornou-se cada vez mais cansativa. Suas declarações são cada vez
mais ousadas e suas aparições cada vez mais controversas. Seu discurso agora é o de garoto
pobre que se deu bem na vida, que apesar de ser negro, gosta de mulher branca, porque é rico
e que também pode ter carrão, que quem faz passeata é cascata, pois tem gente que
participava para fazer moral (vide revista realidade, dez. 1969), que seu sucesso decorre dele
ser um “verdadeiro show man”, de saber se comunicar com o público, de não ter
compromisso com sica que faça pensar porque segundo ele, não é isso que o público quer
ouvir.
Dando prosseguimento a sua campanha de angariar fundos à copa mundial de
futebol, que se realizaria de maio a junho desse ano, no México, aparece numa matéria da
206
MACIEL, Luiz Carlos apud PAES, op. cit.
207
PAES, op. cit., p. 27.
Revista Fatos e fotos, de janeiro de 1970, ao lado de Pelé e algumas crianças. O título da
matéria fora Pelé e Simonal A alegria das crianças, em que Pelé defende um discurso de
honestidade. Mas o que chamou a atenção foram as faixas na cabeça demonstrando uma
alusão ao estilo de Simonal.
Figura 12 e Figura 13. Pelé e Simonal, 1970
Fonte: Revista Fatos e Fotos, n. 466, jan. 1970, p. 78
As faixas eram um símbolo de Simonal e eram usadas por Simonal e pelas crianças,
representando uma clara demonstração de apreço. Apreço ou interesse em usar as crianças
para divulgar ainda mais um ídolo, ícone de um produto que deveria ser vendido, tanto sua
música como de sua patrocinadora. O interesse em estar cada vez mais na mídia e com
discurso de alegria, honestidade, pai de família, trabalhador, amante da pátria. Em junho de
1970 gravou um EP com 04 músicas, e dentre elas a canção Aqui é o país do futebol.
Em setembro desse mesmo ano gravou um single com a canção Que cada um cumpra
com o seu dever,
Seja no esporte, medicina educação que cada um cumpra com o seu dever
Seja no trabalho, no governo ou na canção - que cada um cumpra com o seu
dever Seja sua tia, sua amiga seu irmão - que cada um cumpra com o seu
dever Seja brigadeiro, cabo velho ou capitão que cada um cumpra com o
seu dever Olha o mundo - eheheheh Olha o tempo ehehehe Olha chuva. E
se você entrou na chuva você tem que se molhar.
208
208
SIMONAL, Wilson. Que cada um cumpra com o seu dever no disco
SIMONAL, W. Simonal. São Paulo:
EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1970. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
A canção é uma alusão aos acontecimentos políticos do período, no sentido de que
todos deveriam cumprir com o dever de obedecer à pátria. E o dizer que “se você entrou na
chuva tem que se molhar”simboliza uma metáfora, pra dizer que se está vivendo esse
momento todo não como fugir dele e cumprir com o seu dever é obedecer e crer. Em
outubro , gravou a música Brasil!Eu fico, de Jorge Bem, numa clara alusão também ao país,
dizendo que se o está contente com o que está posto, poderia ir embora. Num trecho da
canção Simonal canta
Este é meu Brasil, cheio de riquezas mil,
Esse é meu Brasil futuro e progresso do ano 2000
Quem não gostar e for do contra que vá pra.....
209
Esse trecho faz referência ao progresso econômico defendido pelos militares e pela
campanha patriótica que o governo fazia. Simonal ao cantar essa canção, vai aos poucos
mudando sua imagem, a de pilantra para a de defensor do país e que também poderia ser
entendida como sendo uma possível ligação com os militares. Ricardo Alexandre descreveu
que:
Enquanto a arbitrariedade do governo militar dava o tom ( e justificava
qualquer violência em nome da segurança nacional’ a campanha oficial do
‘Brasil Grande’ das grandes usinas, do crescimento econômico de 11% da
integração nacional das grandes rodovias e da comunicação via Embratel
criava a sensação de progresso e segurança contra a ‘ameaça comunista’que
se instalava, por exemplo no Chile. Wilson Simonal, apotico por natureza,
estava no auge do sucesso com o samba rock ‘Pais Tropical’, teve sua
imagem associada ao regime. Seus shows internacionais cantando a
felicidade brasileira e sua inoncia política passaram a interessar à
estratégia governamental ele era o que se costumava chamar de ‘inocente
útil’.
210
Apolítico ou não e inocente ou o, o fato é que Simonal também se beneficiou desse
processo todo, logo, não pode ser considerado de todo inocente. Para Simonal, que gostava do
sucesso e de poder demonstrar isso, defender opiniões que vêm de encontro com o que sugere
os governos militares, então, porque não fazê-lo. No fundo, tudo isso não passava de uma
pilantragem de Simonal para continuar se beneficiando, ter livre acesso e não perder seu
espaço. Mas como disse Aquiles Rique Reis
211
, o que Simonal não imaginava é que no fundo
209
SIMONAL, Wilson. Brasil, eu Fico, no disco SIMONAL, W. Jóia, Jóia. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1971. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
210
ALEXANDRE, 2005, op. cit.
211
REIS, op. cit.
ele não tinha essa moral que julgava ter com os militares, pois eles o usaram enquanto era útil
para seus interesses. Tanto os militares quanto a indústria fonográfica.
Essa nova fase de Simonal o fará gravar dois discos, polêmicos, inclusive, sendo
Simonal, em outubro de 1970, e ia, Jóia, em maio de 1971. Juntando os dois discos, foram
23 canções mais melódicas, com algumas regravações e outras composições suas, como
África, África, em parceria com Ronaldo Bôscoli e a canção Aí você começa a chorar.
Os anos de 1970, marcados pelos slogans do general E.G.Médici, “Ninguém segura
essa país”, e “Brasil ame-o ou deixe-o”, da exacerbação das cores verde amarelo e do
patriotismo forçado, em especial em frente as câmeras de TV, também estão cheios de
novidades em termos de cultura. No 5º FIC, a canção vencedora foi "BR-3", de Antônio
Adolfo e Tibério Gaspar, interpretada por Tony Tornado e Trio Ternura. O intérprete Tony
Tornado, traz ao Brasil, agora com mais ênfase, o movimento da Black Music local,
defendendo o “black is beautiful”, com a moda de roupas coloridas e cabelos grandes .Ainda
neste mesmo festival, o amigo e produtor de Simonal se apresentou com a Banda Veneno,
cantando Eu quero é Mocotó, causando furor aos militares, pois as suas dançarinhas louras,
dançaram de forma considerada muito sensual em torno de Erlon Chaves, chocando os
valores da “conservadora” sociedade carioca.
Uma novidade no cenário musical foi o ressurgimento de Tim Maia, um cantor
brasileiro mas recém chegado dos EUA e com uma bagagem cheia de coisas novas, além do
rock, com nomes como Rolling Stones, Pink Floyd, entre outros. Como sempre, a indústria
cultural esem busca de novidades e em criar um novo cenário para este novo tempo.Agora
o discurso é outro, como afirma o Jornal do Brasil, de 1970, ao declarar que “pilantragem não
é muito comercial. A onda agora é ser um cara direitinho. E eu já entrei na super P. O pilantra
é o bom sacador”
212
.
E diante dessa nova fase, Simonal mudou os rumos de sua fala, para falar de
fidelidade, preconceito racial, nacionalidade, de conformismo, em falas como:
Se os militares estão e você não gosta desse regime de exceção, o que
você deve fazer? Trabalhar pra esse regime mudar no futuro: o ficar
tumultuando com anarquia, não ficar na gozação, não ficar desacreditando
antecipadamente.
213
Ou ainda, sobre ser brasileiro, defensor da pátria e seus valores;
212
NORONHA, “Simonal Uma vocação de Pilantra”, op. cit., . Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 fev.
1970. Caderno B, p. 2.
213
Idem, ibidem.
Aquelas músicas que eu gravei Brasil eu fico e cada um cumpra o seu
dever não são músicas comerciais, são nativistas. Eu sou brasileiro paca,
não tenho vergonha de ser, e fico na maior bronca quando vejo um cara
dizendo que pega mal dizer que é brasileiro lá fora. Essas músicas foram
para denunciar a falta de crédito do pessoal no Brasil.
214
É interessante perceber que numa matéria de dezembro de 1969, na revista
Realidade, Simonal, ao pedir um sque pra tomar em meio a seu ensaio o garçom lhe trouxe
uísque nacional, ao que Simonal lhe ordena que volte com um produto importado. E a
pergunta, defesa do Brasil ou discurso para criar uma imagem condizente com os novos
tempos?
As mudanças estão acontecendo e Simonal, fiel ao seu estilo, prefere não mu-lo
em profundidade, porque até então estava dando certo. Mas sua imagem e suas entrevistas
recheadas de polêmicas, em função de declarações como dizer ser contra fazer música
inteligente, soou para os ditos cantores de protesto, como uma afronta, aos poucos manchando
sua imagem. Os dois discos que produziu em 1970 e 1971 não atingiram o sucesso esperado e
ainda para piorar, Simonalo está mais com aquela bonança financeira. O seu disco de 1971,
fora gravado em meio a denúncias e depoimentos na delegacia.
A prosperidade econômica e a vida fácil, de muito luxo, muito dinheiro, levaram
Simonal a se ocupar mais de sua empresa e fazer menos shows. Nos jornais e revistas, em
especial O Pasquim, segundo Ricardo Alexandre, foi alvo constante de piadas, por
acreditarem que o mesmo, ao fazer shows de inauguração de grandes ginásios e campanha
favorável a seleção brasileira, seria um aliado ou conivente com o regime militar.
Nesse ano, 1971, Simonal rompeu as relações com a Banda Som Três e aos poucos
foi trocando pela Banda Veneno de Erlon Chaves, seu produtor e amigo pessoal. Mas o
inferno de Simonal ainda estaria por vir. No dia 24 de agosto de 1971, seu ex-contador, Rafael
Viviani, que fora demitido após nove meses de serviços prestados, foi preso por dois policiais
e levado num Opala, carro particular de Simonal, cujos policiais se diziam amigos de Simonal
e o levariam ao DOPS para um interrogatório. O motivo desse ocorrido seria, segundo versão
de Simonal, a de assustar o contador, pois para Simonal, ele teria promovido um desfalque de
100 mil cruzeiros em sua empresa. Porém, Rafael Viviani, que se disse torturado e que teria
confessado sob pressão, noutro dia deu queixa contra Simonal, por ordenar seu seqüestro e
por constrangê-lo ilegalmente. Quando Simonal foi chamado para depor, veio bem vestido,
sorridente, fazendo pose para as câmeras fotográficas, pois segundo seu filho Simoninha, até
214
Idem, ibidem.
então não tinha a noção da gravidade que teria sido aquele episódio. Quando chegou, em
depoimento definiu-se como “um homem digno e honesto, dizendo ser um homem de direita,
com bons serviços prestados à Revolução de 1964
215
.
Porém esse episódio chegou até a mídia, que no dia seguinte, o Jornal do Brasil,
colocou a seguinte manchete: “Simonal acusa subversivos e se diz de direita com bons
serviços à Revolução”. Em 07 de setembro desse mesmo ano, Jornal O Pasquim, publicou
uma charge de meia página, chamando-o de dedo-duro, com a manchete O magnífico e
erecto dedo de Simonal, hoje muito mais famoso que sua voz”. O preço de Simonal em dizer-
se de direita, segundo Ricardo Alexandre foi alto demais e perdeu credibilidade no meio
artístico, tendo seus discos boicotados, em especial pelas emissoras vinculadas a
Organizações Globo. Simonal foi praticamente banido do meio artístico, seus discos não
venderam mais como antes.
Em 1971, Simonal rompe seu contrato com a Shell e troca de gravadora, a Odeon,
indo trabalhar na gravadora Philips, que tinha no seu currículo, artistas como Chico Buarque e
Elis Regina, mas a pecha de ser de direita levou-o a ruína. Segundo André Midani, diretor da
Philips, “não era um bichinho muito amado”. Não obteve o sucesso que queria, pois já estava
estigmatizado, marcado. Em 1974, foi condenado a 5 anos e 4 meses de prisão, mas num
segundo julgamento, foi condenado a alguns meses de prisão, para cumprir em liberdade, por
ser réu primário.
Simonal que conheceu o ponto mais alto do sucesso teve agora que sentir o gosto de
ser deixado de lado, condenado a viver num ostracismo, que duraria, segundo ele, até sua
morte. Sua família procurou fazer uma investigação sobre a questão de ser ou não Simonal,
um informante dos militares, e, simbolicamente, comprovou-se que o havia nenhum
registro oficial de Simonal nos arquivos do DOPS. Mas de nada adiantou, pois o blico se
afastou e o era mais um show man como antes. Gravou mais alguns discos, mas suas
músicas não fizeram mais o sucesso de antes. Entregou-se a bebida e a uma depressão,
dizendo que fora o único sobrevivente da ditadura que não fora anistiado. Faleceu em 25 de
junho de 2000, no Hospital Sírio Libanês. Ao seu enterro, dos tempos de ouro do seu sucesso,
só compareceu Jair Rodrigues.
215
ALEXANDRE, 2004, op. cit., p. 51.
3.4 SIMONAL E A INDÚSTRIA CULTURAL – TUDO PELO LUCRO
Dentre as várias questões que ficam ao conhecer a trajetória de Simonal, uma delas
foi a de buscar compreender como um artista tão popular por tantos anos, caiu no
esquecimento de forma tão rápida? E ao se conhecer sua história e trajetória, a resposta parece
óbvia, ou seja, o episódio Rafael Viviani, porém se observarmos além do óbvio, perceberemos
que este fato foi apenas a “gota dágua” numa carreira que já estava em franco declínio. Em
1970, quando Simonal e Jorge Ben foram participar do Festival de Cannes, na França, a
imprensa da época destaca certa indisposição entre ambos, pois a musica que tornara Simonal
tão famoso, País Tropical, fora cantada por Jorge Ben, mas na versão de Simonal e a mídia
começou a dar destaque a Jorge Ben, pois representava uma mudança aos novos tempos. Era
o tempo de músicos como Jorge Ben, Tony Tornado, Tim Maia, que se apresentam com
outras propostas. Simonal quis enfeitar, segundo, Eliana Pitman, em Cannes, perdendo em
popularidade para Jorge Ben.”Simonal teria feito sucesso se tivesse cantado o novo som da
musica brasileira (mais voltado ao estilo black music), o que o aconteceu, pois o mesmo
cantou com arranjo orquestral europeu
216
.
A Revista Intervalo, de 1970, anuncia a seguinte manchete: Simonal e Jorge Bem: A
Guerra nos bastidores. E a matéria diz ainda:
Depois do festival do Midem, onde Jorge Ben venceu, em popularidade, o
consagrado Wilson Simonal, a rivalidade começou: Primeiro, meio
disfarçada. Agora, com força total. Simonal até vem se recusando a cantar
no mesmo auditório onde canta também o criador de ‘Domingas’.
217
E a revista ainda descreveu:
Quem acha que Jorge Bem, agora numa grande fase, está ofuscando a estrela
de Simonal – conforme expressão de um jornalista gaúcho – compara as
recentes temporadas dos dois em Porto Alegre. Na boate Encouraçado
Butikin, Ben reunia um grande público e atraía todas as autoridades locais:
na boate Lajos, Simona, sempre um sucesso, o obtinha, porém, o mesmo
êxito. Muita gente afirmava, no Rio Grande do Sul, que Simonal ‘já cansou
o público gaúcho
218
A superexposição de Simonal, nos anos de 1969/70 queimou sua imagem e saturou
seu blico, conforme a própria revista colocou, e o público por sua vez, conduzido pela
216
ANDRADE, Alécio. Jorge Ben roubou o show de Simonal”. Revista Fatos e Fotos, Brasília, ano 10, n.
471, p. 38, 12 fev. 1970.
217
SIMONAL enfrenta Jorge Ben. Revista Intervalo, n. 378, p. 3, abr. 1970.
218
Idem, ibidem.
indústria cultural, es em busca de novidades, de atrativos diferentes. As “milongas” de
Simonal, com seu swing e suas pilantragens estavam se esgotando, pois representavam a
memória de certo tempo, tanto para o público como para a grande mídia, que agora no
repentino crescimento no Brasil da black music e do rock, um filão novo e maior de mercado.
Outro fator e que este mesmo mercado es em busca de imagens novas, com novas
possibilidades e Simonal teria esgotado a sua. E o fato de Simonal estar envolvido em
acusações, que naquele período tomaram vultos inesperados, só veio a somar com uma
derrocada muito mais artística que política, como o jornalista e crítico musical, Tarik de
Souza
219
afirmou:
Empolgado com o aplauso fácil dos refrões cantados num Maracanãzinho
lotado, Simonal vinha de misturas cada vez mais discrepantes como toada
moderna (Ana Cristina), com velhos clássicos (Atire a primeira pedra,
Pensando em Ti) e a a carnavalesca Mamãe eu quero, num LP
sugestivamente intitulado Alegria, Alegria Vol. 3 ou Cada um tem o Disco
que merece. Foi nessa virada dos anos 60/70 com o recrudescimento da
ditadura e o aparecimento de acusações de colaboracionismo do cantor com
a repressão que sua carreira desandou.mas assinale-se: a débâcle estética
veio antes da política. Em 1972, na faixa-título do LP Se dependesse de mim
[...] ele canta um sintomático ‘quero o tombo/não a rasteira’. Simonal ainda
emplacaria mais adiante, Na Gralha do Cajueiro do partideiro baiano Tião
Motorista, mas a esta altura das mudanças de mercado, nem o povinho seleto
da bossa nem a massa ululante cativada nos hit paredes seguiria atrás deste
flautista de Hamelin às avessas.
220
Não se está aqui discutindo sua qualidade musical, mas de que para a indústria
cultural Simonal não era mais atrativo, não seria mais uma “galinha dos ovos de ourocomo
fora tempos atrás. Simonal não se conformou com isso, tanto que passou os dias afirmando
que a mídia o teria prejudicado, teria destruído sua carreira. O curioso é que essa mesma
mídia que o projetou, de certa forma, com o crescimento dos meios de comunicação de massa,
também lhe destruiu, pois segundo Jaguar, um dos redatores de O Pasquim, a edição
bombástica do jornal, com um grande dedo nela caricaturado, teve uma edição de mais de 200
mil pias. Simonal, que apreciava tanto essa superexposição, que gostava de ser o assunto
219
Iniciou sua atividade profissional em 1968 como repórter, redator e editor de música da revista Veja.
Trabalhou para outras publicações, como Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Istoé, Vogue, Elle, Jornal do
Commercio (RJ), Show Bizz, Opinião, Pasquim, Som 3, Revista do CD, Coojornal, Movimento, Playboy e
Jornal da República. Atuou como consultor das três ries de fascículos História da sica Popular Brasileira
(Editora Abril). Fundou e editou a revista Rock/Jornal de Música. (TÁRIK de Souza (Tarik de Souza Farhat).
In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em:
<http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela= T_FORM_B&nome=T%E1rik+de+Souza>. Acesso
em: 25 maio 2008).
220
SOUZA, Tarik. Derrocada estética veio antes do acaso político. 26 jun. 2000. Disponível em:
<http://cliquemusic.uol.com.br/br/Acontecendo/Acontecendo.asp?Nu_ materia=253>. Acesso em: maio 2006.
dos noticiários, e não importava como, pois se fossem críticas a sua carreira, dizia que “era
porque era negro, porque era rico e porque tinham inveja do seu sucesso”. Agora, não
mais com os mesmo olhos essa apropriação de que foi feito sua obra em nome dos ideais da
indústria fonográfica, do sistema como um todo. Segundo Ricardo Alexandre, que produziu
sua biografia, Simonal ficou sem amigos, sem dinheiro, sem fama, sem nada. Simonal
costumava dizer que a música deveria se modernizar, inovar, mas não esperava que essas
modernidades fossem aos poucos, retirando-o do cenário musical de grande projeção, a
chamada Cultura de Massa.
Augusto Martagão, um dos produtores do FIC-RJ em entrevista a revista Fatos e
Fotos, de 1971, declarou que este festival era a maior atração do Rio, depois do carnaval.
Declarou também que os compositores se orientavam muito pelo Hit Parede mundial,
procurando produzir dentro do que está fazendo sucesso no momento.
O festival cresceu muito e passou a despertar uma série de interesses. Mas na
base, é um momento para oportunidades a compositores e intérpretes
brasileiros e abrir-lhes direta e indiretamente o mercado internacional. Qual
o critério para se ter sucesso? Quem vende mais, o estilo Pop ou o estilo
romântico? Os nomes do momento são Milton Nascimento, Elis Regina,
Dori Caimi, Edu lobo.
221
Estas mudanças no cenário cultural afetou sobremaneira a carreira de Simonal, que
ainda produziu alguns discos nesse “caldeirão em que estava vivenciando. Em 1972,
produziu o disco Se dependesse de mim, em 1973, o disco Olhaí, Balandro...É Bufo no
Birrolho Grinza! E em 1974, o disco Dimensão 75, todos pela Plilips, e os únicos inclusive.
Segundo Pedro Alexandre Sanches, crítico musical e jornalista pela Folha de Sao Paulo,
foram “três discos tão intensos quanto desprezados e odiados por quem os ouviu e por quem
não os ouviu
222
. Simonal, o grande comunicador estava aos poucos sendo silenciado,
relegado ao ostracismo .
221
MARZAGÃO, Augusto. Qual o futuro do festival”. Revista Fatos e Fotos, Brasília, ano 11, n. 550, p. 78,
19 ago. 1971.
222
SANCHES, Pedro Alexandre. Discos da fase de queda demonstram persistência artística. Folha de São
Paulo, 16 out. 2003. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u37868.shtml>.
Acesso em: 03 jul. 2006.
3.5 SIMONAL E A MÚSICA DE MASSA: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
Em meio a esta discussão toda, chamou a atenção o fato de que Simonal caiu num
ostracismo de forma rápida, tanto que sua música sai de cena, dando lugar a outros estilos
musicais, tanto nacionais como internacionais, que passarão a dominar os Hits Paredes. Mas
como um artista que, ao interpretar tantas canções populares, agora não serviria mais?
A questão é que a produção musical de Simonal era uma música de massa, música de
mercado, para consumo rápido e furtivo, seguindo a lógica da indústria da cultura, do
entretenimento. O que Simonal não percebeu é que sua obra foi uma construção da indústria
fonográfica, uma máquina de fazer discos, que deu-lhe projeção, enquanto lhes era
economicamente interessante, até o momento em que tornou-se obsoleto. Segundo Adorno,
A consciência da grande massa dos ouvintes está em perfeita sintonia com a
música fetichizada. Ouve-se a música conforme os preceitos estabelecidos.
As reações do público, quando contrarias ao modelo criado, sai sufocadas,
maquiadas, entrando em cena todo um aparato (propaganda, pesquisa de
opinião “monitorada”)para legitimar essa prática.
223
Ou seja, durante muito tempo a sica de Simonal, fetiche absoluto ao seu público,
de fazê-lo seguir por onde fosse (seu ídolo), usando faixas na cabeça a lá Simonal, contribuiu
para esse jogo de manter as massas amorfas, provocando êxtase às massas. Sem esse estado
de êxtase, segundo a Indústria cultural, a música seria sem conteúdo. Porém agora sua
situação mudou, tudo mudou, o público mudou, o mercado mudou e este mesmo mercado que
um dia se apropriou do sujeito Simonal, o sujeitou as suas regras, transformando num símbolo
aseu uso, fazendo-lhe crer detentor de um poder além dos outros. Mas agora Simonal não
serve mais, pois o que rege esse mercado é a prática cultural, diga-se de uma musica
transformada em mercadoria visando o lucro. Segundo Adorno, a música produzida na
contemporaneidade é aquela que atende a uma lógica mais mercadológica, e “são
manipuladas com o intuito de sua venda, assegurando ao das sicas de sucesso que os
seus ídolos não são excessivamente elevados para ele
224
. Ou seja, trata-se de um tipo de
223
ADORNO, Textos escolhidos, o. cit., p. 87.
224
Idem, p. 74.
música, que contribui a um emudecimento dos homens, segundo Adorno, sem contar que com
isso há também uma decadência do gosto musical.
225
Simonal não tivera consciência de que sua carreira estaria necessitando de mudanças
e imaginou que teria toda essa estrutura ao seu lado, caso necessitasse, tanto que, dizer-se da
direita, foi muito mais no sentido de querer demonstrar uma certa “moral” com os militares,
pois afinal, considerava-se “bom cidadão”, “um patriota” durante muito tempo, do que querer
dizer colaborar com o regime militar. Mas como as interpretações são livres e seus
significados são múltiplos e plurais, Simonal foi julgado e condenado por ter produzido uma
música de massa, por não tê-la usado para uma causa maior, se bem que para ele, sua grande
causa era o sucesso, a fama, a moral na sociedade.
O próprio sistema que lhe imprimiu um poder, poder este simbólico, inserido no
campo
226
cultural, agora lhe retira e o abandona, no sentido de investir em sua carreira. Por
mais que Simonal tentasse não ficar fora de moda, como no caso da black music, o que a
indústria da cultura buscava mesmo era uma nova imagem, com novo estilo e Simonal o se
enquadrava nessas perspectivas. Simonal fora fruto de um tempo que não se quer mais, pois
agora a questão é mudar, modernizar-se.
Mas como um símbolo de brasilidade pode ser o facilmente mudado, alterado,
trocado? Simonal não se constituía numa afirmação de identidade de classe, como da classe
trabalhadora?
As identidades são construídas por determinados grupos, para representá-los,
havendo uma luta de poder para manter a hegemonia dessas representações. No caso, o capital
se utilizou de uma identidade, que assim foi construída em torno de Simonal, para reproduzir
seus ideais, buscando através de sua música criar uma sociedade de consenso, hegemônica.
Por isso do grande investimento nessa construção do ídolo Simonal, pois o mesmo
representou durante muito tempo um personagem, que fora utilizado para “adestrar’ a
sociedade, as ditas massas. Para tanto, a produção de sua música foi, como ele mesmo
identificava, “sem compromisso com a inteligência”, afastando essas massas do que Adorno
chamou de consciência crítica. E a referência que essa massa tem é a de um outro, que se
construiu igual a ela, por ser proveniente dela, a classe trabalhadora. E assim, a música de
Simonal, assume um sentido de ser “canto de sereia” e os iludidos e extasiados consumidores
225
Nesta pesquisa, não me aterei em discutir questões de gosto musical e de ser a musica de massa arte ou não
arte, mas de compreende-la, segundo a perspectiva de Adorno, com sendo uma mercadoria utilizada pela
industria cultural, que tem interesses num mercado de bens culturais, que a quer enquanto produto.
226
O campo, segundo Bourdieu, é um espaço de relações entre grupos com distintos posicionamentos sociais,
espo de disputa e jogo de poder. A sociedade é composta por rios campos, dotados de relativa autonomia,
mas regidos por leis próprias.
não percebem os reais interesses envolvidos em todo o processo. Não percebe, por exemplo,
segundo Adorno, que estão consumindo cópias do que eles mesmos produziram, sob o
discurso de melhorar seu lazer, que também passa a ser expropriado, para ser utilizado em
fazer coisas pré-programadas pelo sistema e ditas como sendo as certas. A Indústria Cultural e
seus mecanismos de reprodução são utilizados para através de imagens e sons, conduzir o
indivíduo a escolhas inconscientes.
E Simonal não se apercebeu disso, ou seja, de que estava sendo usado para algo
maior. Sim, Simonal se utilizou desse estratagema todo, mas imaginava ter o controle, porém,
toda aquela inteligência de que tanto queria fugir lhe “fugiu”, tanto que pagou um preço alto
por falar demais, querer aparecer demais, expor-se demais.
E como identidade de um grupo, Simonal foi aos poucos sendo trocado, como
demonstrou a matéria da revista Fatos e Fotos, ao falar da disputa entre Jorge Bem e Simonal
por ser o legítimo cantor de música brasileira, tanto interna quanto externamente. A capa da
Revista Fatos e Fotos, de 05 de fevereiro de 1970, trazia a seguinte manchete: “Jorge Ben e
Simonal Nossa música em Cannes”. E na edição de 12 de fevereiro, a matéria, não de capa,
entitulou-se “Jorge Ben roubou o show de Simonal”.
Os adeptos de Ben que nunca se conformaram com o segundo plano que seu
ídolo ficou no Brasil, com o êxito de Simonal’ – agora estão vibrando,
porque a platéia e os críticos estrangeiros reconheceram em Jorge Ben (e não
no cantor Wilson Simonal) ‘o verdadeiro representante e criador do
tropi’.
227
Ou seja, são as identidades em disputa e Jorge Bem foi considerado o cantor de
música brasileira que melhor a representasse, em função de ter se apresentado com a cuíca,
instrumento considerado pelos estrangeiros, uma representação da música brasileira. E vale
lembrar que a canção País Tropical foi o grande sucesso de Simonal.
A construção dessas identidades são móveis, não fixas, numa perspectiva de Stuar
Hall, sendo resignificadas, reconstruídas em função dessa globalização e circulação de
culturas. Segundo Hall
228
, nesses novos tempos, surgem novas identidades e elas são
construídas no convívio, no confronto com as outras pessoas. O eu se constrói na perspectiva
do outro.
Deste modo é possível compreender como se construiu a identidade do ex-estafeta,
ex-soldado para o ídolo, o show-man, Wilson Simonal. Para chegar ao status de símbolo da
227
ANDRADE, op. ci.t, p. 40.
228
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferea: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
classe trabalhadora, das empregadas domésticas, foi construindo uma identidade de si,
reconstruindo-a, de acordo com as mudanças cio-econômico-culturais que houve em sua
trajetória. Como identidade construída e firmada por um sistema que dela se apropria, também
contribuiu para a criação de outras identidades, pois foi referência e modelo.
A Identidade, tal como a diferença é uma relação social. Isso significa que
sua definição - discursiva e lingüística está sujeita a vetores de força, a
relações de poder. Elas o são simplesmente definidas; elas são impostas.
Elas o convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem
hierarquias; elas são disputadas.
229
E são nessas disputas que elas se constroem, como no caso de Simonal e Jorge Ben,
ao almejar o status de representante nato da canção brasileira. Por mais que Simonal se dizia
amigo de Jorge Bem, aos poucos foi recusando se apresentar nos mesmos lugares que Jorge
Ben, para evitar comparações, que o mesmo (Ben) estava construindo sua identidade na
perspectiva de Simonal, com comparações. A afirmação dessas identidades ocorrem por meio
do outro, pois é por meio do outro que o eu se reconhece. Simonal construiu sua identidade
vendo-se nos outros, e ela como tal, também foi utilizada para reproduzir ideais. Porém
quando se viu em meio ao ostracismo cultural que lhe relegaram, essa construção simlica
não serviu mais, no que Tomaz Tadeu define como sendo uma relação ampla de poder, não
sendo estas identidades construídas inocentemente. Deveriam atender a certas expectativas.
Agora Simonal teria que recriar, reconstruir sua identidade e se ver novamente
naquele contexto, mas noutra perspectiva, pois essas mudanças o partes de um processo
histórico, que é dialético, não finito e nem absoluto. Por mais que Simonal quisesse, aquele
símbolo que fora criado no ontem não serviria mais ao hoje, tendo sofrido a acusação de
colaboracionismo ou não.
Essas identidades, construídas de acordo com o contexto, buscam em referênciais
simbólicos sua existência e pretensa permanência. Segundo Bourdieu, às vezes precisamos do
outro para nos concebermos. Nós não somos como os outros, mas neles nos inspiramos e nele
nos criamos, pois o eu só é possível porque existe o outro.
Simonal existiu em oposição aos outros e sua identidade se construiu em meio a uma
luta de poder, a do poder simlico, situado no campo da cultura e que buscou meios para se
chegar ao público e de ser popular, de ser famoso, num universo onde vários grupos estão em
disputa. Esses grupos em disputa são os “engajados” ou “cantores de protesto”, os bossa-
novistas, os puristas (MPB), a Jovem Guarda, os Tropicalistas, os Black Musics e/ou os
229
SILVA, 2000, op. cit., p. 81.
Roqueiros. A identidade Simonal se construiu em meio a dos outros, pois fazia questão de
dizer que era um artista diferente entre tantos outros, por ser mais comunicador, ser
“pilantra”=atualizado, ao mesmo tempo que ele. Simonal tornou-se Simonal em função dos
outros grupos, cada um com seu estilo e de cada um, pouco se utilizou. Ora cantou Bossa
Nova, ora Samba, ora soul music, dentre outros estilos. Simonal foi o rei do suingue e da
pilantragem; João Gilberto do “banquinho violão e voz”; Roberto Carlos - o rei do iêiê;
Caetano Veloso - da guitarra elétrica. Ao se ver nos outros, Simonal construiu sua identidade,
a de ser pilantra, malandro, o defensor da classe trabalhadora, o rei das empregadas
domésticas, o conquistador da mulheres.
E esta identidade foi se construindo e reconstruindo frequentemente. Mas até 1970,
Simonal procurou estar ligado em tudo, usou de sua pilantragem, mas afogou-se na própria
criação, na própria imagem, no próprio sucesso. Porém, identidade construída, como cantor
das multidões, da canção de massa, sendo símbolo ou não de uma categoria social, estando ou
não aliado aos militares, Simonal vivenciou todas essas experiências, indo do “lixo ao luxo e
voltando ao lixo”
230
, nesse cenário de dez anos, que lhe deram projeção internacional e fama.
3.6 SIMONAL E A MEMÓRIA HISTÓRICA
Simonal e toda sua trajetória, de carreira meteórica de quase dez anos , desde sua
primeira canção, Teresinha e Biquínis e Borboletas, de 1962 até a polêmica canção de 1970,
Que cada um Cumpra com seu Dever, ficaram mais restritas a pequenas citações de sicos,
escritores, produtores musicais, que também vivenciaram naquele contexto, em seus livros,
como Aquiles Rique Reis, integrante do grupo MPB4, na obra No Gode Aquiles, Nelson
Motta, na obra Noites Tropicais, Rui Castro, na obra Chega de Saudade, para citar alguns.
Então, qual o interesse da memória oficial de grupos e da historiografia oficial (ou
seja, aqueles que produziram a memória do período,) em apagar a existência de uma proposta
alternativa de cultura, leia-se música, naquele período? A que se deve o fato de um artista
com tanta projeção naquele período (como percebido nas fontes), um ícone de grupos, sendo
230
A utilização lixo não pretende aqui criar nenhum juízo de valor nem de demonstrar preconceito a condição
sócio/econômica do início de sua carreira, mas de querer mostrar que Simonal, originário de uma condição de
pobreza, teve em suas os a riqueza para um dia voltar a mesma condição, a de pobreza, e sem saber quem era,
pois como ídolo construído, ele e Simonal se confundiram, se misturaram, tornando um só.
construído como tal ou não; não aparecer na memória oficial
231
, como sujeito desse processo
todo?
Numa perspectiva de Norbert Elias, os grupos que predominam na memória oficial
se dividem os Estabelecidos e os Outsiders, decidindo quem faz parte do grupo e pode ficar e
quem não pode. Simonal foi entendido como alguém que o fazia parte do grupo dos
estabelecidos, aqueles que detêm tanto o poder econômico como cultural, estando ambos
vinculados. Para aqueles que se apropriaram da memória do período e escreveram a hisria
sob a perspectiva dos movimentos de contestação, Simonal não se enquadrava, pois sua
carreira fora toda construída sob pilares do sistema, do mercado, contrariando os seus ideais.
Para tanto, criaram-lhe alguns estigmas, como de alienado, “negro metido a besta”, dedo duro,
como sendo o pior deles. Pior porque de todos os pecados que Simonal cometeu, numa visão
destes estabelecidos, que assim o são, pois disputaram este espaço como sendo seu, ser “dedo
durofoi o que mais pesou, pois naquele momento de extrema agitação social, de grande
tensão política, ser desleal (e com isso não estou concordando que fora mesmo informante dos
militares) era algo muito sério.
O momento em que Simonal construiu sua obra foi de extrema sensibilidade, em que
não tomar partido de algo, era tomar partido, e no seu caso, não ficou provado oficialmente
seu envolvimento com os militares, mas suas atitudes, comportamentos e falas deixaram
transparecer certa ligação. É o poder das palavras que quando proferidas “são como o vento,
que quando se vai, não tem mais volta”. Como de um lado havia o governo dos militares, de
direita, de outro, houve os grupos de oposição tanto ao governo de força, de repressão como
do sistema, Simonal declarou que não tivera ligação com os militares nem se propunha fazer
música participante. Circulou por todas as “rodas”, mas no fundo o pertencia a nenhuma
delas. Simonal foi um joguete nas mãos dos militares, da Indústria Cultural e quando não
atendeu mais as expectativas de ambos, foi descartado. Ele que lutou tanto para ser um
diferente, no fim da carreira, lutava para ser aceito no grupo dos que estão dentro, dos
estabelecidos, mas estigmatizado como tal, nada conseguiu. A identidade que Simonal
construiu não servia mais a nenhum dos grupos.
231
O historiador Gustavo Alves Alonso Ferreira defendeu recentemente sua dissertação de mestrado sob o título
Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória
tropical, pela Universidade Federal Fluminense, objetivando entre outras questões promover um resgate dessa
memória não trabalhada em relação a obra de Wilson Simonal.
São outras tantas marcas do poder: incluir/excluir (‘estes pertencem, aqueles
não’); demarcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar (‘bons e maus’; ‘puros
e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’; ‘racionais e irracionais’)
normalizar (‘nós somos normais; eles o anormais’), [...] ‘dizer o que
somos’ significa também ‘dizer o que não somos’.
232
Mas essa relação dos outsiders e estabelecidos pode mudar e eles podem se
desequilibrar, mudar, mas os estigmas permanecem, pois este estigma teria a função de
produzido, construído como tal, manter um estado de coisas. Simonal até os dias de hoje
permanece com o estigma de “dedo duro”. Ou seja, os estabelecidos poderiam manter sua
relação de poder, em função desses estigmas, como no caso de Simonal.
Então, chamá-lo de alienado, assim como outros também foram, como a turma da
Jovem Guarda, por exemplo, não condiz com o estilo “pilantragem” de ser de Simonal, pois o
mesmo conhecia o contexto histórico o qual vivenciou. Mas o fato de ter sido considerado
entreguista, mesmo sem provas legais sobre o fato, consistiu-se assim numa forma de tentar
manter o poder hegemônico dos estabelecidos.
Logo, Simonal como sendo o outro, o de fora, era necessário para manter a
hegemonia dos de dentro, dos estabelecidos, que assim o são, em função dos de fora. Segundo
Elias, as coisas não são tão racionais, elas são mais imaginativas, e são fruto de uma
construção histórica, no tempo, que se utiliza de diversos símbolos para se manter, recriando-
se sempre.
“A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido ás práticas e a relações
sociais definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído
233
.
O sentido dessas práticas está na marcação simbólica que ela pode exercer, pois pode
incluir ou excluir, sujeitos, modelos sociais, estilos musicais, enfim, esses símbolos podem vir
a ser regras pelas quais uma sociedade pode reger ou ser regida. E, Simonal se constitui num
desses símbolos, pois utilizado pelos militares, contribuiu para a difusão de ideais de um
sistema, em crescimento, num contexto sócio-histórico criado pelos militares, que também
fora utilizado pelo sistema. Adorno afirmou que o alvo dessa indústria cultural não foi nem na
música e nem do blico, mas no sistema e sua reprodução sócio-ideológica, sua preservação.
Simonal foi do grupo dos de fora, assim como foram os artistas da sica brega, a
exemplo de Valdick Soriano, também pouco estudado. Simonal e sua obra contribuíram para
a reificação dos valores burgueses e a permanência de um grupo no poder, favorecendo uma
separação entre os de fora oustsiders e os de dentro os estabelecidos. Ele só não percebeu
232
SILVA, 2000, op. cit., p. 82.
233
SILVA, 2000, op. cit., p. 81.
que estava no grupo dos de fora, para os de dentro (estabelecidos), e no grupo dos de dentro,
para os de fora. No fundo, o estava em lugar nenhum e sua obra limitou-se a aparecer nos
“rodapés”de outros artistas.
CONCLUSÃO
Quanto mais se lia, mais se queria ler, e quanto mais conhecia de Wilson Simonal,
mais queria conhecer. Mas foi necessário parar, para finalizar uma etapa de pesquisa, porém
ainda há muito a falar, buscar, compreender no universo deste artista. Algumas questões serão
de difícil explicação, e talvez o que mais as pessoas que se deparam com Simona queiram
saber é sobre o fato dele ter sido ou não um informante dos militares, talvez não seja possível
responder. Difícil saber disso. Se o foi ficou no tempo, e o que resta são indícios, mas
nenhuma certeza de sua inocência, nem de sua culpa. Mas uma coisa é certa, ele foi acusado e
julgado e assim como as marcas que ficam no tempo ou as palavras que quando proferidas,
não voltam mais, assim foi a história de Wilson Simonal. Muita coisa ficou no tempo, no seu
tempo.
Esta pesquisa, marcada pela busca extenuante por fontes, pelas constantes mudanças
de foco e de variadas interpretações ocupou-se em mostrar sua trajetória num cenário cultural
marcado pela diversidade, pela multiplicidade de estilos musicais, em que havia uma disputa
de poder, um poder simbólico claro, pelo que se dizia ser a memória histórica, que ficaria nas
cabeças e mentes da sociedade. Alguns sujeitos abeberaram-se do que auto-proclamaram ser a
verdade, mas cada sujeito com sua verdade, procurou defendê-la com “suas armas”, com suas
estratégias, como o fez Simonal. Assim, foi deveras curioso conhecer a carreira de um artista
que sujeito histórico, tendo deixado marcas pela sua passagem no tempo, ficou para a
memória histórica, pelo menos a oficial, como sendo um invisível, um “outsiders”.
Porém, este “outsider” chegou e mostrou a que veio e como tantos que ousaram ver o
que estava além do muro”, quebrou regras p-estabelecidas e incomodou àqueles que na
disputa das verdades, julgavam ser a sua a mais digna de ser registrada. Não se pretende aqui,
com essa discussão, dizer quem está certo ou errado, pois o papel do historiador não é esse,
mas de apontar caminhos, de investigar e buscar evidências e se pautar no que dizem os
documentos, interpretando-os. Mas Simonal foi um artista que pagou um preço alto por ser
ousado, ser irreverente, ser até certo ponto “aquele cara que todo mundo queria ser”, por
conseguir balançar uma multidão e transformá-la em fantoche, no famoso 10 mil pra direita e
10 mil pra esquerda.
Simonal poderia ter feito de sua música e de seu papel que fora criado como sendo
um símbolo, algo para contribuir à maior conscientização da sociedade. Mas não o fez, assim
como muitos não o fizeram e nem por isso pagaram o preço que “Simona” pagou. Mas
também não se pode com isso alegar inocência, e nem tem como ser, pois como sujeito se
deixou sujeitar, entregou-se ao jogo do sistema, reproduzindo o que julgou ser politicamente
correto aos outros. Poderia ter usado sua história de vida e como tal, colaborar para maior
consciência social acerca de suas realidades. Porém preferiu idealizar o que muitos
idealizavam, ter carro, ter vida fácil, ser e ter sucesso, ser um símbolo, ser um modelo e
deixar-se utilizar como modelo, não tenha sido a melhor estratégia.
Porém Simonal percebeu que no fundo “o tudoque julgava ser, na verdade “era
nada”, quando do episódio com seu contador, Rafael Viviane. No dia em que foi depôr, ele
como sempre, no auge da fama, apareceu com sua melhor roupa e dezenas de fotógrafos
apareceram, ao que ele não resistiu fazendo pose. Para ele, isso consistia em mais uma
propaganda de sua imagem, de seu trabalho e não tivera a noção exata dos acontecimentos.
Declarou mais tarde ser de direita e de ter prestado bons serviços ao “Estado”. Mas Simonal
não compreendeu o real significado de afirmar que era de direita, pois tal afirmação seria
entendida como uma demonstração de afinidade e prestígio para com os donos do poder.
Obviamente que isso pode ser uma demonstração de alienação por parte do artista, o que
contradiz o que ele insistia em declarar, que era “pilantra”, ou seja, que estava sempre alerta
às novidades que apareciam.
Porém, o interesse de Simonal era a fama, o sucesso, ser o “cara”, ser o rei das
empregadas domésticas, “um herói da classe trabalhadora”, porque isso o colocou num lugar
diferente dos outros sujeitos, conferindo-lhe inclusive certo poder. E Simonal acreditou que
ele era diferente dos outros sujeitos. Ele acreditou que tinha respaldo no meio artístico, que
apesar das divergências de estilo, eles o apoiariam, pois afinal cada um faz o seu trabalho,
mas não foi o que aconteceu, ao que o pprio Simonal declarou: “[...] os artistas não podiam
trabalhar comigo porque inventou-se que iriam se queimar”
234
E ainda nesse sentido, And
Midani, que foi diretor das gravadoras Odeon (hoje EMI), Philips (hoje Universal) e Warner,
em entrevista a Pedro Alexandre Sanches, diz que o contratou porque “lhe pediram pra
fazer isso”, além de declarar que: “Tive que ir artista por artista, entre os mais importantes,
explicando que ia ter que contratar o Simonal. Claro, não era um bichinho amado na
companhia”
235
.
No seu último disco, ainda pela Odeon, “Jóia, Jóia”, de 1971, antes do completo
ostracismo e na luta para manter o lugar conquistado, mesmo após a vida estar sendo
234
JORNAL Folha de São Paulo, 29 jun. 1995.
235
SANCHES, Pedro Alexandre. Eu fui catalisador da Bossa Nova entrevista com André Midani. Folha de
São Paulo, dez. 2001. Caderno Ilustrado. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/cgi-
bin/bibliot/arquivo.cgi?html=fsp2001$banner=bannersarqfolha>. Acesso em: 23 jan. 2007.
devastada por insinuações e crise financeira, Caetano Veloso é um dos artistas que lhe envia
uma composição, de noite, na cama. Porém, o que antes era difícil de escolher, agora era
difícil de conseguir.
Simonal acreditou que “seus bons serviços prestados a pátria”, o ser um bom
cidadão, o fazer sica pra divertir e a incentivar “o povo a trabalhar, a ser honesto, a não
fazer algazarra” o colocaria num lugar especial com o governo, com o poder instituído. Não o
colocou, pois ele foi apenas mais um que o sistema utilizou e quando não precisou mais,
descartou-o, como o fez com tantos outros. Simonal acreditou que dizer ser direita seria bom,
pois os de direita lhe dariam apoio. Não deram e pelo contrário, passam a vê-lo como um
problema, pois ele começou a falar demais, a questionar, a atrapalhar.
E Simonal se achava dono de um poder diferenciado dos outros artistas por circular
em diversas rodas. Porém o poder que exerceu foi um poder simbólico, o de influenciar as
massas, mas foi um poder que lhe foi construído e possibilitado, foi-lhe dado, e em certo
momento, tiraram-no. Fato disso é o episodio com Jorge Ben, com descrito pelas revistas
Intervalo e Fatos e Fotos, nos anos de 1970, falando da mesmice de Simonal, e da competição
entre ambos por ser um símbolo de Brasil. Agora era a “vez”de Jorge Ben.
Outra questão foi o fato de Simonal acreditar que seu público era fiel. Não era, não
como imaginava que fosse. Seu blico mudou, como muito fatos mudaram nos anos de
1970, em todos os campos, com a vinda de novidades estrangeiras e a fusão de grandes
gravadoras. Alguns lhe deram voto de confiança, outros se cansaram de sua fórmula
“pilantra” de ser, dos “limão, limoeiro” e “mamãe passou açúcar ni mim”, canções folcricas
que não atraiam mais o blico, impulsionado agora pelos resquícios do Woodstock, do rock
e da tal busca pela felicidade, da transgressão.
Simonal não percebeu que tudo é cíclico e que os acontecimentos históricos não
param no tempo. E ele parou no tempo. Parou em 1971, quando finalmente teve que tirar a
máscara, ou “lhe” tiraram a venda dos olhos e o que ele viu foi um novo tempo a sua frente,
com uma nova “pilantragem”, que ele o tinha total conhecimento e não dominava. Passou o
tempo que lhe restou a partir do episódio de seu contador, declarando que fora este episodio
que findou com sua carreira, mas na verdade o próprio Simonal findou com sua carreira muito
antes.Tal como nas histórias da mitologia grega, em que Aquiles, pede para morrer jovem e
com grias, Simonal também o idealizara, mas insistiu, sem perceber que o tempo passou e
as grias ficaram no tempo em que elas foram construídas.
Se pudesse teria parado no tempo de 1969/1970, mas sua ganância, seu egocentrismo
exacerbado, sua auto-suficiência e o fizeram ficar cego diante daquilo que defendia e o
consumiu e foi o sistema que criou a iluo do tudo poder, de que os fins justificam os
meios”, parafraseando Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe
236
.
O sistema o contaminou de tal modo que aos poucos ele foi afastando as pessoas do
seu convívio, foi afastando amigos, como o próprio Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli
declararam numa entrevista em 1971, à revista Fatos e Fotos, que não entendiam porque o
mesmo não falava da presença de ambos em sua carreira. Simonal tentou esquecer do passado
ou se achou superior? Após o epidio do Maracanãzinho e da assinatura do contrato com a
Shell, Simonal em entrevistas, dava declarações cada vez mais irônicas, debochadas e se
achando dono de um poder além dos outros, em relatos como nesta entrevista concedida ao
Jornal O Pasquim, de 1969:
Sérgio Cabral:
O Jaguar está dizendo que não tem a menor iia do que
faria se vinte mil pessoas urrassem seu nome no Maracanãzinho.
Possivelmente ficaria estourando de máscara. Você, depois daquela
consagração,o perdeu para sempre a sua pureza?
Simonal:
o, porque na verdade eu sempre fui, não digo puro, mas em
relação à minha profissão eu sempre fui direito. Eu nunca me rodeei de
frescuras e pode parecer até um pouco engrado, cabotino, mas eu não me
envergonho de dizer que eu sabia que o público ia cantar comigo. Eu não fui
lá desprevenido, eu sabia. Já estou acostumado ao público me aplaudir e
empolgar-se com a minha pilantragem. Mas o que aconteceu no
Maracanãzinho foi que o público não se empolgou, o público se
emocionou.
237
E assim Simonal construiu sua imagem, sua carreira, vivendo tal como a personagem
que criou, segundo o modelo que lhe foi imposto. Gostava de justificar sua ascendência social
pelo fato de sua condição de pobreza, quando na infância. Discursava sobre ideais como do
trabalho, da honestidade, do amor servil à pátria, e compreendia que seu poder de persuasão
fazia a diferença, naquele momento que se transformava num símbolo de sucesso e de fama.
Esse poder simbólico de ser uma representação de um grupo ou de um ideal, lhe construiu
uma identidade, a de ser uma identidade da sica brasileira, o que incomodou aos que não
concordavam com esse símbolo. Simonal representava para os mais intelectualizados, o
exemplo do artista que conduz a sociedade à alienação, de uma alienação perigosa, que molda
o sujeito a acreditar apenas no que os olhos e os ouvidos lhe agradem, transformando-os em
massa de manobra. Desta forma, a pretensa dominação pelo sistema se torna mais fácil, pois o
mesmo se utilizou de diversas estratégias para atingir seus objetivos, como da indústria
236
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: comentado por Napoleão Bonaparte. Tradução de Pietro Nassetti. São
Paulo: Martin Claret, 2006.
237
“SIMONAL: não sou racista– entrevista. Jornal O Pasquim, n. 4, jul. 1969.
cultural, do regime militar e de símbolos como Wilson Simonal, que não mudou seu estilo,
por achar-se imutável. O que se percebeu no decorrer dos anos de 1970, foi que as mudanças
ocorreram e em todos os níveis, econômico, social, político e cultural, e não mudar, não seria
entendido como resistência, mas como estar alheio às mudanças, não ser “pilantra”.
Quem ou o que foi Wilson Simonal? Um certo alguém que perpassou os limites do
tempo, no seu tempo, que conheceu a fama, o lugar mais alto do Olimpo, mas também, na
mesma medida, foi conduzido ao Ostracismo.Respostas? Talvez nunca as teremos, pois ainda
há muitas perguntas a serem feitas sobre a passagem deste artista num cenário cultural
particularmente instigante, intrigante e acima de tudo, desafiador.
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SIMONAL e Jorge Bem: Guerra nos Bastidores. Revista Intervalo, São Paulo, ano 8, n.
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SIMONAL não agüentou mais o peso da Fama. Revista Intervalo, São Paulo, ano 4, n. 158,
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SIMONAL revela seus estranhos poderes (capa). Revista do Rádio, São Paulo, n. 957, 20
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SIMONAL, W. Tempos de Pilantragem. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/
1966/67. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Show em Simonal. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1967. 1
CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Alegria, Alegria!!!. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1967. 1
CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 2. São Paulo:EMI MUSIC BRASIL (Odeon),
LP/1968. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 3. São Paulo:EMI MUSIC BRASIL (Odeon),
LP/1969. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Alegria, Alegria! vol. 4. São Paulo:EMI MUSIC BRASIL (Odeon),
LP/1969. 1 CD. Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Simonal. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1970. 1 CD.
Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. ia, Jóia. São Paulo: EMI MUSIC BRASIL (Odeon), LP/1971. 1 CD.
Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Singles, lados B e raridades. (Cd Um). São Paulo: EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP 1961/1968. 1 CD (duplo). Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Singles, lados B e raridades. (Cd dois). São Paulo: EMI MUSIC BRASIL
(Odeon), LP/1968/1971. 1 CD (duplo). Remasterizado em digital em 24 de fevereiro de 2004.
SIMONAL, W. Se Dependesse de mim. São Paulo: PHILIPS, p.1972. 1 Disco Sonoro (30
min.), 33 1/3 rpm, estéreo.
SIMONAL, W. Olhaí balandro! É bufo no birolho grinza”. São Paulo: PHILIPS,
p.1973. 1 Disco Sonoro (33 min.), 33 1/3 rpm, estéreo.
SIMONAL, W. Dimensão 75. São Paulo: PHILIPS, p.1974. 1 Disco Sonoro (30 min.), 33
1/3 rpm, estéreo.
SIMONAL, W. Ninguém proíbe o amor. São Paulo: RCA Vitor, p.1975. 1 Disco Sonoro.
Estéreo.
SIMONAL, W. A Vida é pra cantar. São Paulo: RCA Vitor, p.1977. 1 Disco Sonoro.
Estéreo.
Documentos orais
SIMONINHA, Wilson. Entrevista. 30 jan. 2007, às 17:25 h.
Documentos iconográficos
SIMONAL, W. Disco Alegria, Alegria, vol. 2 ou quem o tem swing morre com a boca
cheia de formiga. 1967. 1 capa de disco
SIMONAL, W. Disco Alegria, Alegria, vol.3. ou Cada um tem o disco que merece.1969.
1 capa de disco
SIMONAL, W.
Disco Vou deixar cair....1966
. 1 capa de disco
DICIONÁRIO DA PILANTRAGEM
Banqueiro – botar banca.
Bicão é o cara que consegue ser mais desagradável que o mais desagradável que existe.
Bigode é aquele cara que está por fora, em todas as bocas, porém.
Cantar com Champignon é algo diferente, cantar de forma sofisticada, mas de bom gosto.
Cascata é uma mentira bem amada, bem construída.
Copo de leite é o cara aborrecido que cortas todas as ondas.
Curtir barato é o cara se divertir às pampas sem gastar nenhum
Deixar cair – é fazer algo com destaque.
Gogó na garganta, ou seja, todo mundo cantando.
Incrementar é fazer algo totalmente fora do comum.
Macaco Gordo é o cara que quebra todos os galhos.
Machucar de leve – é o cara se estrepar todo, ou fazer algo de maneira brilhante, sensacional
Milonga é um papo furado, que não rende nada.
No Porão é pianíssimo, cantar bem baixinho, quase um sussurro.
Peça é a mulher incrementada.
Pilantragem – é fazer algo de maneira simples, sem chamar atenção, mas moderno, atualizado,
por dentro da nova onda do momento.
Presidencial – ser presidente do júri do festival.
Quente é o cara que faz tudo bem, melhor do que a maioria.
Rolha é o cara que consegue ficar por fora e por dentro ao mesmo tempo.
S’imbora ir adiante, em frente.
Tranqüilidade – é paz de espírito.
Fonte:
Revista Fatos e Fotos, ano 8, n. 455, out. 1969.
Revista Intervalo, ano 6, n. 269, mar. 1968.
ANEXOS
Disco de 1963 – Wilson Simonal tem “algo mais” Disco 1964 – A nova dimensão do Samba
Disco de 1965 – S’imbora Disco de 1965 – Wilson Simonal
Disco de 1966 – Vou deixar Cair Disco de 1967 – Show em Simonal
Disco de 1967 – Alegria, Alegria!!! Disco de 1968 – Alegria, Alegria-vol.2
Disco de 1969 – Alegria,Alegria – vol.3 Disco de 1969 – Alegria, Alegria – vol. 4
Disco de 1970 – Simonal Disco de 1971 – Jóia, Jóia
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