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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM PROCESSO CIVIL
RICARDO RANZOLIN
COEXISTÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL E DO JUÍZO ESTATAL:
O ENFOQUE CONSTITUCIONAL
Porto Alegre
2008
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2
RICARDO RANZOLIN
COEXISTÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL E DO JUÍZO ESTATAL:
O ENFOQUE CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Processo
Civil, ao Programa de Pós-graduação em
Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas e
Sociais da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Araken de Assis
Porto Alegre
2008
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3
RICARDO RANZOLIN
COEXISTÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL E DO JUÍZO ESTATAL:
O ENFOQUE CONSTITUCIONAL
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Processo
Civil, ao Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em 07 de julho de 2008.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof. Dr. Araken de Assis - Orientador
______________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Gilberto Porto
______________________________________________________
Prof. Dr. Teori Albino Zavasci
4
RESUMO
O trabalho foca a arbitragem interna, a partir da atualização legislativa preconizada pela nova
Lei de Arbitragem Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 –, visando reconhecer os
fundamentos da coexistência entre o juízo arbitral e o juízo estatal. Principia-se pelo
reconhecimento da nova teleologia da arbitragem alinhada à categoria das Alternative Dispute
Resolution e pelo exame da problemática da sua natureza jurídica, a partir do contraste com
conceito de jurisdição compatível com o sistema jurídico vigente, sobretudo diante das
peculiaridades da Constituição Federal. É brevemente historiada e contextualizada a evolução
legislativa da arbitragem no Brasil, bem como esquadrinhadas suas distinções em relação a
institutos afins. São examinados, a seguir, os fundamentos pelo qual se estabelece o direito à
utilização do microssistema privado da arbitragem como via institucional adicional de solução
de conflitos. Para fins de organização da exposição, tal exame é divido na investigação da
eficácia negativa da convenção arbitral como o Direito brasileiro comporta a renúncia à via
judicial de modo que se evite a sua concomitância com o processo arbitral – e na investigação
de sua eficácia positiva como o Direito brasileiro comporta a imposição vinculativa da
convenção arbitral às partes contratantes, de modo que o processo arbitral e sua decisão se
impõem a elas. Por fim, são estudados princípios e conceitos diretamente pertinentes às
relações entre o juízo arbitral e juízo estatal, os quais auxiliam na aplicação prática da ratio do
sistema, que exige harmonia entre eles. São apreciados o princípio competência-competência,
o separability concept, a condição jurídica dos árbitros, o princípio da máxima equiparação
possível da decisão arbitral à sentença judicial, o alcance da decisão arbitral frente às tutelas
executiva e mandamental, a peculiaridade das tutelas cominatória e de urgência na órbita
arbitral, a aplicação das instâncias revisionais e do instituto da coisa julgada à arbitragem, a
forma e os limites do controle jurisdicional sobre a decisão arbitral, a incidência dos efeitos da
decisão arbitral frente aos terceiros, bem como a aplicação a ela dos efeitos anexos à sentença
judicial.
Palavras-Chave: Arbitragem : Arbitragem interna : Direito processual civil : Brasil. Juízo
arbitral. Jurisdição estatal. Sentença arbitral. Convenção arbitral : Eficácia.
Lei de Arbitragem : Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996 : Brasil.
5
ABSTRACT
This thesis focuses on Brazilian domestic arbitration based on the new Brazilian Arbitration
Act Act number 9.307 of September 23rd, 1996 aiming to recognize the fundamentals of
the coexistence of arbitration and state court systems. Firstly, the new teleology of arbitration
in light of the category of “Alternative Dispute Resolution” is examined as well as the
problems concerning its juridical nature in contrast with the concept of “jurisdiction”
compatible with the current legal system, especially in face of the peculiarities of the
Brazilian Federal Constitution. The legislation evolution of arbitration in Brazil is briefly
narrated and contextualized and its distinctions in relation to similar institutes are clarified.
Next, the grounds for the right to choose arbitration as a form of resolving disputes are
analyzed. For didactic purposes, such examination is divided into: investigation of the
negative aspect of enforceability of the arbitration agreement – how the Brazilian Law
conciliates the waiver of the right to have disputes resolved before the state court system so as
to avoid its concomitance with the arbitration proceedings – and the investigation of the
positive aspect of its enforceability how the Brazilian Law provides a means for enforcing
an agreement to arbitrate so that the arbitration proceedings and its decisions bind the parties.
Lastly, principles and concepts pertaining directly to the relations between arbitration and
state court realms are studied, which help to apply the harmony between them provided by the
Law, such as the competence/competence principle, the separability concept, the juridical
qualification of arbitrators, the principle of “maximum possible equality of the arbitration
award in comparison with the judicial sentence”, the range of the enforceability of the
arbitration award, the peculiarity of comminatory and urgent measures of protection in the
arbitration orbit, the application of revisional instances and the concept of res judicata to
arbitration, the form and limits of state court control over the arbitration award, the incidence
of the effects of the arbitration award on third parties, as well as the comprehensive
application of the effects imposed by statutory Law on judicial sentences to arbitration award
are examined.
Keywords: Arbitration : Brazilian domestic arbitration : Procedural Law : Brazil. Jurisdiction.
Arbitral award. Arbitration agreement : Enforceability. Brazilian Arbitration Act.
Act n. 9.307 of September 23th, 1996 : Brazil.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8
1.1 DELIMITAÇÃO DA TEMÁTICA.......................................................................................8
1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO............................................................................................9
1.3 METODOLOGIA...............................................................................................................10
2 FEIÇÃO CONTEMPORÂNEA DA ARBITRAGEM. PROJEÇÃO DA
CATEGORIA JURÍDICA DAS ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION .................14
3 NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM .................................................................24
3.1 PRINCIPAIS PROPOSIÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE A NATUREZA DA
ARBITRAGEM...................................................................................................................26
3.2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE JURISDIÇÃO............................................................32
3.2.1 CONCEITO CLÁSSICO DE JURISDIÇÃO................................................................................32
3.2.2 INTERDEPENDÊNCIA ENTRE PROCESSO E JURISDIÇÃO. CONCEPÇÃO ATUAL DA UNIDADE
JURISDICIONAL À LUZ DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS .............................................35
3.3 NOÇÃO DE JURISDIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. A RÍGIDA
DELIMITAÇÃO DOS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS E A NOVA LEI DE
ARBITRAGEM.................................................................................................................39
3.4 COMPARAÇÃO ENTRE A NATUREZA DO PROCESSO JUDICIAL E A DA
ARBITRAGEM.................................................................................................................44
3.4.1 A TEORIA DO DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. O CARÁTER PÚBLICO E A FORMA
ANGULAR.........................................................................................................................45
3.4.2 VISÃO GERAL DOS FUNDAMENTOS DO DIREITO À ARBITRAGEM E OS TRAÇOS
DISTINTIVOS EM RELAÇÃO AO PROCESSO JUDICIAL .......................................................50
3.5 POSICIONAMENTO DA ARBITRAGEM DIANTE DA AUTOTUTELA, DA
AUTODEFESA E DA AUTOCOMPOSIÇÃO ................................................................53
4 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA ARBITRAGEM ........................................................57
4.1 O EMBRIÃO DA ARBITRAGEM....................................................................................57
4.2 BREVES REGISTROS HISTÓRICOS DA LEGISLAÇÃO SOBRE ARBITRAGEM
NO BRASIL .......................................................................................................................59
4.3 CONTEXTO DA NOVA LEI BRASILEIRA. A DISSEMINAÇÃO DA
ARBITRAGEM NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS........................................................64
4.4 INSUFICIÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ANTECEDENTE E AS LINHAS
GERAIS DA NOVA LEI DE ARBITRAGEM BRASILEIRA.........................................71
5 INSTITUTOS AFINS: DISTINÇÕES EM RELAÇÃO À ARBITRAGEM .................76
5.1 ARBITRAGEM DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO.......................................76
5.2 ARBITRAMENTO ............................................................................................................76
5.3 ARBITRAGEM IRRITUAL E PACTO DE ARBITRAMENTO......................................78
5.3.1 ARBITRAGEM IRRITUAL....................................................................................................78
5.3.2 PACTO DE ARBITRAMENTO...............................................................................................81
6 FUNDAMENTOS DO DIREITO À ARBITRAGEM. A EFICÁCIA DA
CONVENÇÃO ARBITRAL...............................................................................................83
6.1 EFICÁCIA NEGATIVA DA CONVENÇÃO ARBITRAL ..............................................83
6.1.1 RENÚNCIA AO EXERCÍCIO DA PRETENSÃO PROCESSUAL ÍNSITA À CONVENÇÃO
ARBITRAL ........................................................................................................................83
6.1.2 O DIREITO AO PROCESSO COMO DIREITO SUBJETIVO.......................................................87
6.1.3 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO E DA
DEMANDA EM FACE DA CONVENÇÃO ARBITRAL .............................................................89
7
6.1.3.1 Breve Identificação da Categoria dos Princípios no Ordenamento Jurídico................90
6.1.3.2 Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário ........................................................92
6.1.3.3 Princípio da Demanda...................................................................................................94
6.1.3.4 Ponderação Entre os Princípios da Inafastabilidade do Poder Judiciário e da
Demanda e os Limites da Renúncia ao Exercício da Pretensão Processual................95
6.1.4 EFICÁCIA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.....................................................................97
6.1.5 EXCEÇÃO PROCESSUAL DE CONVENÇÃO ARBITRAL. INAPLICABILIDADE DOS
INSTITUTOS DA ELEIÇÃO DE FORO, DA EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA E DA
LITISPENDÊNCIA EM FACE DA CONVENÇÃO ARBITRAL..................................................102
6.1.6 CLASSIFICAÇÃO DA EXCEÇÃO PROCESSUAL DE CONVENÇÃO ARBITRAL. A CATEGORIA
DOS IMPEDIMENTOS PROCESSUAIS .................................................................................105
6.2 EFICÁCIA POSITIVA DA CONVENÇÃO ARBITRAL...............................................108
6.2.1 PANORAMA DAS TEORIAS DA AUTONOMIA PRIVADA E DO NEGÓCIO JURÍDICO.
FUNDAMENTOS DA EFICÁCIA POSITIVA DA CONVENÇÃO ARBITRAL..............................108
6.2.2 CLASSIFICAÇÃO E OBJETO DA CONVENÇÃO ARBITRAL. O NEGÓCIO JURÍDICO AD
FINIENDAM LITEM...........................................................................................................113
6.2.3 CONVENÇÃO ARBITRAL COMO NEGÓCIO JURÍDICO DE DIREITO PROCESSUAL E
MATERIAL......................................................................................................................116
6.2.4 EXUBERANTE REGULAMENTAÇÃO DA ARBITRAGEM. NORMAS DE ORDEM PÚBLICA
COMO FUNDAMENTO COMPLEMENTAR DA EFICÁCIA POSITIVA DA CONVENÇÃO
ARBITRAL ......................................................................................................................119
6.2.5 AÇÕES PARA IMPOSIÇÃO DA CONVENÇÃO ARBITRAL.....................................................123
7 RELAÇÕES ENTRE JUÍZO ARBITRAL E JUÍZO ESTATAL.................................127
7.1 PRINCÍPIO COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA............................................................127
7.2 SEPARABILITY CONCEPT ............................................................................................130
7.3 CONDIÇÃO JURÍDICA DOS ÁRBITROS....................................................................131
7.4 PRINCÍPIO DA MÁXIMA EQUIPARAÇÃO POSSÍVEL DA DECISÃO
ARBITRAL À SENTENÇA JUDICIAL .........................................................................132
7.5 DECISÃO ARBITRAL E AS TUTELAS EXECUTIVA E MANDAMENTAL ...........134
7.6 MEDIDAS COERCITIVAS APLICADAS DIRETAMENTE PELO ÁRBITRO..........137
7.7 DECISÃO ARBITRAL E A TUTELA DE URGÊNCIA................................................138
7.7.1 ARBITRABILIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA ................................................................139
7.7.2 PRESSUPOSTOS DA FLEXIBILIZAÇÃO DA EFICÁCIA NEGATIVA DA CONVENÇÃO
ARBITRAL ......................................................................................................................143
7.7.3 ARBITRAGEM E A TUTELA ANTECIPATÓRIA....................................................................149
7.7.4 CABIMENTO DA SOLICITAÇÃO DA EXECUÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA FORMULADA
DE OFÍCIO PELO ÁRBITRO ..............................................................................................151
7.7.5 PROCEDIMENTO DA SOLICITAÇÃO DA EXECUÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA ................152
7.8 DECISÃO ARBITRAL, INSTÂNCIAS REVISIONAIS E COISA JULGADA............155
7.9 CONTROLE JURISDICIONAL SOBRE A DECISÃO ARBITRAL.............................161
7.9.1 FUNDAMENTOS E LIMITES DO CONTROLE JURISDICIONAL ..............................................161
7.9.2 AÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ARBITRAL .................................................................165
7.9.3 IMPUGNAÇÃO DA EXECUÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL ....................................................168
7.9.4 DECISÃO ARBITRAL E AÇÃO RESCISÓRIA.......................................................................174
7.9.5 DECISÃO ARBITRAL E QUERELA NULLITATIS INSANABILIS ................................................175
7.9.6 DECISÃO ARBITRAL E PRETENSÃO DE QUEBRA ATÍPICA DA COISA JULGADA ...................177
7.10 EFEITOS DA DECISÃO ARBITRAL FRENTE AOS TERCEIROS ..........................178
7.11 EFEITOS ANEXOS À DECISÃO ARBITRAL .............................................................186
8 CONCLUSÕES (articuladas por capítulo)....................................................................189
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................201
8
1 INTRODUÇÃO
1.1 DELIMITAÇÃO DA TEMÁTICA
A delimitação do tema do trabalho exige que se decline, antes de tudo, que se estará a
tratar da arbitragem de direito privado, tipicamente destinada à solução de causas cíveis, a
qual, exceto pela polissemia, distingue-se totalmente da arbitragem das hostes do Direito
Internacional Público esta dedicada ao processamento de conflitos entre países envolvendo
aspectos de suas soberanias.
Outra delimitação precípua da temática em estudo é o seu foco estrito sobre a
arbitragem nacional, dita também interna ou doméstica. Tal especificidade tem em conta o
fato de a nova Lei de Arbitragem Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 –, além de ter
preconizado ampla reforma que repercutiu sobre a estrutura, a funcionalidade, a teleologia e a
própria natureza do instituto, também ter estabelecido corte profundo entre a regulação da
arbitragem nacional e da arbitragem estrangeira. A esta última foi mantido o controle
jurisdicional prévio, através de sua submissão ao mesmo ritual de homologação pelo STJ a
que estão sujeitas as sentenças judiciais estrangeiras. É claro que, após a expedição do
exequatur, o exame de eventuais invalidades se processou na própria demanda
homologatória. Já a decisão arbitral nacional foi totalmente autonomizada, galgando eficácia
plena per se desde seu proferimento, incondicionada por qualquer ato jurisdicional
confirmatório, e sofrendo controle jurisdicional especial somente a posteriori.
Embora a arbitragem estrangeira não seja de menor interesse, por configurar um
sistema distinto, exigiria uma apreciação totalmente própria e à parte, optando-se por se
apreciar exclusivamente a arbitragem interna e a órbita jurídica particular que lhe foi
conferida pela nova Lei.
Assim, ao se fazer referência singelamente à expressão arbitragem, adiante, se estará
elipticamente designando a arbitragem de direito privado interna.
9
1.2 OBJETIVOS DO TRABALHO
O objetivo do presente trabalho, em última análise, é o de prestar contas ao desejo de
encontrar resposta à indagação de como se fundamenta no sistema jurídico a eficácia das
relações entre a via arbitral e a via judicial, o que La China identifica como o coração do
debate em torno da arbitragem: “[ . . . ] sono, questi due mondi in contrasto tra loro, ed in tal
caso quale deve prevalere sull´altro, o possono coesistere, e come ed a che condizioni?”
1
.
Em que pese o reavivamento da doutrina em relação à arbitragem após a nova
conformação que lhe foi dada pela nova Lei de Arbitragem, com a edição de diversas obras de
relevo e periódicos especializados, o certo é que ainda não se pode apontar para uma teoria
estruturada e muito menos consolidada acerca dos fundamentos do instituto no Direito pátrio.
Mesmo o importante julgamento do Plenário do STF, que admitiu a constitucionalidade de
todos os dispositivos da nova Lei, debruçou-se, a rigor, sobre o exame da executabilidade in
natura da cláusula compromissória, sem adentrar em soluções para as indagações que movem
o presente estudo. O fato é que a arbitragem, além de tratada em esparsos julgados que não
lograram formar jurisprudência, remanesce sob conhecimento vago, inclusive entre
operadores do Direito, prosseguindo como matéria extraordinária dos currículos acadêmicos.
Tampouco consuetudo plasmado pelo seu uso social franco e contínuo a conferir pegadas
de relevo à investigação doutrinária.
Com esse objetivo e nesse contexto, o trabalho principia por demorar-se,
propositalmente, no tratamento da teleologia contemporânea da arbitragem, bem como de sua
polêmica natureza jurídica, trazida direta e pontualmente para o ringue do sistema jurídico
nacional atual, aprofundando-se o contraste com os limites da concepção de jurisdição que
emana do mesmo sistema. A seguir, se tratou brevemente do histórico da legislação sobre o
instituto, buscando-se flagrar as carências que impediram o seu desenvolvimento na prática
social brasileira. Fez-se, após, sua distinção conceitual diante de institutos afins.
Adiante, abordou-se os alicerces que dão fundamento à eficácia da arbitragem interna,
tencionando delimitar claramente sua órbita de alcance, para informar àqueles que a elegeram
como forma de solução de conflitos com quanto se pode contar com ela. Tal exigiu exame da
eficácia negativa e positiva da convenção arbitral, adentrando-se, ao final, na apreciação dos
1
LA CHINA, Sérgio. L’arbitrato: il sistema e l’esperienza. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2004. p. 11.
10
princípios e conceitos pertinentes à prática da relação entre a via judicial e a arbitral, que
encerram o trabalho, também a partir do viés de flagrar as possibilidades da arbitragem como
via eficiente para solução de conflitos, auxiliada pela operacionalização harmoniosa com a via
judicial estatal.
Parece que, como na busca por destino na selva fechada, o estudo do tema ainda irá
avançar sobre trilhas que, após efetiva acomodação pela prática social, serão abandonadas
pela comparação com outras menos tortuosas, ou, melhor dito, que venham a ser mais aceitas.
1.3 METODOLOGIA
O estudo se vale precipuamente do método analítico e dedutivo, tendo por campo de
análise o Direito brasileiro em seu estágio atual.
Lembra-se aqui a lição de García de Enterría no sentido de que: “Es la idea substantiva
del Derecho lo que determina su método y no lo contrario”
2
. Nessa senda, pincelam-se, em
linhas gerais e sintéticas, a concepção do Direito que se buscará ter presente, servindo de guia
para os entendimentos, e, afinal, os posicionamentos que se tomarão sobre a temática em
estudo.
A já antiga idéia do Direito como sistema foi tratada e colocada em patamar de
evolução paradigmática por Claus-Wilhem Canaris
3
. A influência de tal concepção na
aplicação e obtenção do Direito, por sua vez, é detalhadamente perpassada por Juarez Freitas
4
.
O sistema é um todo, que toma forma ao mesmo tempo que seus elementos se
transformam
5
. A adição dessa nova fonte a Lei 9.307/96, que introduziu, com traços
inéditos, um renovado microssistema de solução de conflitos exige que se tente encontrar a
unidade e a organização do Direito único que daí resultou, sempre à luz de uma racionalidade
2
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Reflexiones sobre la ley y los principios generales del derecho. Madrid:
Ed. Civitas, 1986. P. 17.
3
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Trad. de
Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
4
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995.
5
Edgar Morin assim conceitua sistema: “[ . . . ] é uma unidade global, não elementar, visto que é constituído por
parte diversas inter-relacionadas. [ . . . ] mas tem de ser produzido, construído e organizado. É uma unidade
individual, não indivisível: podemos decompô-lo em elementos separados, mas então a sua existência
decompõe-se. É uma unidade hegemônica, não homogênea. E prossegue: A idéia de unidade complexa vai
ganhar densidade se pressentirmos que não podemos reduzir nem o todo às partes nem as partes ao todo, [ . . . ]
mas que temos de tentar conceber em conjunto, de modo simultaneamente complementar e antagônico, as
noções de todo e de partes, de uno e de diverso [ . . . ]” MORIN, Edgar. O Método. Porto Alegre: Ed. Sulina,
2002. V. 1, p. 102.
11
prática, dialética e material (não apenas formal), tendo em conta o caráter teleológico do
Direito. “Havendo uma ciência jurídica esta de ser prática”
6
. Canaris considera indicativo
de uma interpretação judicial do Direito bem sucedida que a nova proposição jurídica não seja
compreendida em contradição com o sistema legal, mas antes se deixe incluir sem quebra no
todo existente da ordem jurídica
7
. Diante de um caso não se aplica topicamente uma norma
primacialmente vocacionada; todo o Direito é chamada a depor
8
.
As incompletudes, insuficiências e contradições normativas não devem ser negadas
as normas foram criadas em realidades históricas distintas, por pessoas distintas, com
interesses distintos, sendo potencialmente contraditórias, por sua natureza
9
. Deve-se sem
utopismos e com consciência da falibilidade e provisoriedade do conhecimento humano
10
procurar interpretar e superar a diversidade e até a falta de preceitos, no esforço de encontrar
uma conformidade mais ampla, avistando conexões materiais das partes que compõem o
sistema – uma interpretação sistemática.
O sistema jurídico é aberto, inacabado e apenas completável, com constante evolução
do conhecimento doutrinário, conceitual e científico que se mesmo sem alteração de
normas
11
–, mas, sobretudo, com evolução preconizada pelos fatos, que são elementos
6
ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. ed. Tradução de J. Baptista Machado. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 13.
7
CANARIS, 1989, op. cit., p. 173.
8
Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma
aplicação da totalidade do Direito. FREITAS, 1995, op. cit., p. 47.
9
Karl Engisch assim referiu-se aos tempos fortes do Positivismo: “[ . . . ] um tempo em que os juristas aderiram
firmemente à opinião de que deveria ser possível estabelecer uma clareza e segurança jurídica absolutas através
de normas rigorosamente elaboradas e especialmente garantir uma absoluta univocidade a todas as decisões
judiciais.” ENGISCH, 1996, op. cit., p. 170.
10
Toda teoria, conforme Popper, é formada por conjecturas a respeito da realidade, i.e., por um modelo do
mundo, que busca descrevê-lo. Como toda teoria tem por objeto específicos aspectos do mundo, é
simplificadora da realidade. Cabe dizer que é impossível, através da linguagem, esgotar o objeto real descrito.
Quanto mais se sabe sobre um objeto, i.e., quanto mais respostas se obtêm a partir dele, mais perguntas
surgem. O cientista ao formular uma teoria, não está a descobrir uma lei natural, da mesma forma que
um navegador descobre um continente desconhecido. Está, em verdade, tentando produzir um modelo
causal que busca reproduzir a realidade. A boa teoria é a que melhor reproduz racionalmente a
realidade. Mas, persiste sempre como postulado aberto, para ser refutado, superado e aprimorado. Só é
teoria científica o que pode ser refutado e testado. Cf. POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica.
Tradução: Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1996.
11
Juarez Freitas destaca que a missão do intérprete é tornar visível a conexão de sentido inerente ao sistema
como um todo coerente, que é aberto, “[ . . . ] no sentido de que são viáveis as mudanças também em face da
sempre potencialmente possível (re)descoberta de outros princípios, que se sucedem, não raro de modo
diacrônico, envolver histórico de permanentes transformações”. FREITAS, 1995, op. cit., p. 35. De fato, a
evolução científica do manuseio do Direito, em face do estabelecimento de ligações e conexões que aprimoram
o entendimento do sistema, é evidente em vários exemplos. O disregard of legal entity é um deles, passando a
ser aplicado por nossos tribunais muito antes das inovações legislativas que hoje o agasalham. E tal se deu a
partir do apuro científico no estabelecimento de ligações e conexões entre os conceitos de fraude, de
necessidade de realização do direito e de abominação aos abusos de direito, além de pressões da própria moral
diante do avanço dos fatos sociais. Esta evolução científica da visão sobre o todo do Direito modificou o
Direito – sem alteração de suas fontes primárias.
12
presentes e inerentes ao Direito
12
. Dá-se sua extração a partir deles e com eles, de modo que
para cada caso prático se tente desvendar a coerência e a ratio última do sistema, atenta à
riqueza histórico-cultural da vida social, que oxigena a proposição prescritiva.
que se ter como absorvida toda a pertinente crítica sofrida pela escola do
positivismo jurídico, de jeito a não se escoimar da abrangência do Direito os temas
cientificamente intratáveis, ou que não se enquadram em um discurso científico perfeitamente
neutro e de gica racional pura, pois envolvem valores, moral, etc., inclusive presentes nos
direitos fundamentais constitucionais.
Não se abdica, é claro, de apreciações lógico-dedutivas e de silogismos formais.
Tampouco do gramatical, do literal, do empírico, ou da compreensão histórica. No entanto, se
a norma é ponto fundamental, não o é de modo apriorístico, abstrato ou axiomático. A norma,
apartada da realidade prática, pouco ou nada é
13
. García de Enterría completa: “[ . . . ] el
Derecho excede necesariamente de la ley”
14
.
Ponderado que, se a juridicidade positivista extremada leva à ajuridicidade total
15
, a
valoração material é de ministrar-se sempre sob ligação com os limites do Direito e com o
método encontrado e deduzido do próprio Direito. Pois não se faz justiça sem a garantia de
elementos formais garantísticos. As hierarquizações dos valores não são do intérprete e se
estabelecem em uma ordem jurídica historicamente determinada
16
. O primado da Constituição
12
Segundo Antonio Menezes Cordeiro, “[ . . . ] apenas na solução concreta Direito. Basta atentar no dilema
alternativo: conhecer um Direito independente das soluções que ele promova ou viabilizar decisões jurídicas
sem a prévia intervenção de regras constituintes e legitimadoras.” CORDEIRO, Antonio Menezes. Prefácio. In:
CANARIS, 1989, op. cit., p. cvi.
13
Segundo Eros Roberto Grau a norma nem existe a priori: é sempre o resultado de uma interpretação e não o
objeto desta. Vide: FREITAS, 1995, op. cit., p. 152.
14
GARCÍA DE ENTERRÍA, 1986, op. cit, p. 53.
15
Foi o próprio Kelsen que explicitou que o Direito positivo aplica uma moldura dentro da qual existem
indeterminadas possibilidades de sua aplicação. Esta indeterminação do Direito, segundo o autor, se
também frente à escolha entre normas contraditórias de uma mesma lei, mas nesses casos a decisão do
intérprete não estaria jungida a critérios jurídicos, mas balizada por critérios de fora do Direito: "A questão de
saber qual é, dentre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a 'correta', não é
sequer - segundo o próprio pressuposto de que se parte - uma questão de conhecimento dirigido ao Direito
positivo, não é um problema da teoria do Direito [ . . . ] mas de outras normas, que aqui, no processo da criação
jurídica, podem ter sua incidência: normas de Moral, normas de Justiça, juízos de valor sociais que
costumamos designar por expressões correntes como bem comum, interesse do Estado, progresso, etc. Do
ponto de vista do Direito positivo, nada se pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade. Deste ponto de
vista, todas as determinações desta espécie apenas podem ser caracterizadas negativamente: são determinações
que não resultam do próprio Direito positivo. Relativamente a este, a produção do ato jurídico dentro da
moldura da norma jurídica aplicanda é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a
produzir o ato." KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 393. Em outras
palavras, no momento crucial em que o Direito teria de ser Direito, para Kelsen ele não o é. Contudo, se crê, ao
contrário, que a escolha do modo de aplicação do Direito ao caso concreto não pode, jamais, deixar de prestar
contas ao próprio Direito.
16
Os limites da interpretação do Direito coincidem com os de sua formação. E, segundo García de Enterría:
“[ . . . ] a superação do positivismo de nenhum modo pode implicar o abandono da positividade do Direito.”
GARCÍA DE ENTERRÍA, 1986, op. cit., p. 257.
13
– onde se registram consensos possíveis do povo sobre valores básicos – e o respeito às fontes
e à formação do Direito vigem como marcos de afugentamento do arbítrio: princípio básico
do Estado Liberal e Democrático de Direito
17
.
A Constituição está no ápice do sistema. É a partir dela que o sistema se aglutina e se
organiza. Ali se encontram seus estandartes e âncoras fundamentais, e dela deriva a
iluminação do sentido das normas infraconstitucionais.
A superação das antinomias passa pelo reconhecimento de sua natureza axiológica,
pelo reconhecimento de que os enunciados encapsulam valores, princípios e regras
hierarquizáveis entre si. Guardam aplicação, outrossim, o critério da especialidade e o
cronológico, tendo-se presente a preferência do primeiro, pois a norma anterior especial
prepondera em relação à norma posterior geral. Sem esquecer o que, aliás, dever-se-ia reter
até antes, que os princípios e regras superiores do sistema (que habitam a Constituição)
prevalecem mesmo que não posteriores e não especiais, bem como os princípios superiores
prevalecem sobre as regras superiores
18
.
A completibilidade do sistema, que não permite decisões non liquet, exige que se
superem as lacunas ou omissões da lei, que ocorrem não pela dificuldade de localização de
norma expressa, mas pela dificuldade de se encontrar um critério para optar ora pela norma
geral inclusiva, ora pela norma geral exclusiva
19
. Essa superação deve se dar com a utilização
da analogia (lato sensu) e com a aplicação subsidiária das demais fontes do Direito.
Tudo sem esquecer que a apreciação tópica das normas é relevante como forma de
apreensão de conteúdos, mas a tarefa mesmo do intérprete é analisar a repercussão da
aplicação da norma dada como sendo resultado de efetiva resposta de todo o sistema. “É certo
que a mais qualificada interpretação sistemática não resolve todas as nossas dificuldades, mas
é o melhor modo de enfrentá-las.”
20
É sob tal método que se quer tentar dar nitidez à temática em foco.
17
A interpretação sem método é a negação ao Direito, a negação ao Direito em seu ponto culminante, pois é na
sua concretude que ele se faz, ontologicamente, Direito.
18
FREITAS, 1995, op. cit., p. 57-79.
19
Ibid., p. 86.
20
Ibid., p. 139.
14
8 CONCLUSÕES (articuladas por capítulo)
A partir de questionamentos acerca da eficiência do afunilamento do sistema de
solução de controvérsias na tradicional ação judicial e o decorrente congestionamento do
Poder Judiciário, projetou-se o movimento internacional em prol das denominadas Alternative
Dispute Resolution, dentre as quais se destacam a arbitragem, a mediação e outros institutos
similares. Elas podem ensejar formas mais coexistenciais no estabelecimento de paz social,
por exigir que as partes se envolvam responsavelmente na construção da solução do conflito,
bem como podem viabilizar maior celeridade e precisão na superação de determinadas
controvérsias, auxiliando no desafogo do Judiciário.
A nova Lei de Arbitragem brasileira, na esteira das alterações legislativas havidas em
praticamente todos os países civilizados, renovou amplamente o instituto da arbitragem,
inserindo-o na nova perspectiva instrumental e teleológica das ADR, conferindo uma efetiva
via institucional a mais aos cidadãos para obtenção de justiça.
A arbitragem se estabelece mediante escolha expressa das partes e segue o mesmo
modelo arquetípico do processo judicial: atuação de um terceiro imparcial, que profere
julgamento racionalmente fundamentado, dentro dos princípios de igualdade de tratamento
das partes e oportunidade para defesa e produção de provas, configurando um microssistema
próprio de solução de controvérsias.
A natureza jurídica da arbitragem, à luz da perquirição de sua eventual
jurisdicionalidade deve ser averiguada a partir da análise de cada sistema jurídico em
particular, tendo em conta que tanto arbitragem como jurisdição são designações
polissêmicas, bastante relativizadas pelas circunstâncias de cada ordem jurídica localizada no
tempo e no espaço.
O conceito clássico de jurisdição não foi suficientemente influenciado pelo atual
estágio de desenvolvimento dos direitos fundamentais constitucionais, pelos quais a jurisdição
pode ser concebida a partir das garantias ao devido processo legal e da forma pela qual
15
cada ordem constitucional em particular estrutura o direito fundamental à obtenção da
prestação jurisdicional.
A Constituição brasileira contém traço peculiar, pois, além de expressamente atribuir
ao Poder Judiciário a exclusividade da prerrogativa da prestação jurisdicional através do
processo judicial, ainda define restritivamente os seus órgãos, depreendendo-se concepção de
jurisdição vinculada diretamente ao caráter estrutural da investidura numerus clausus dos
órgãos do Poder Judiciário.
Em face dessa rigidez do texto constitucional, descabe leitura da legislação ordinária
no sentido de que o processo arbitral pudesse ser confundido com espécie do gênero processo
judicial ou de que a atividade do árbitro pudesse ser compreendida como jurisdicional. A
escolha pela arbitragem configura a escolha por outra via de solução de controvérsias, que
não se confunde com a via judicial estatal.
Isto não quer dizer que somente atividades dos órgãos do Poder Judiciário são
juridicamente aptas à finalidade de solucionar conflitos. A atuação do árbitro também pode
fazê-lo, mas sua eficácia não advém de fracionamento do poder jurisdicional. De fato, a
arbitragem faz as vezes do processo judicial, mas sob a órbita jurídica de um microssistema
privado de solução de controvérsias.
Diferentemente do processo judicial, em que normas de ordem pública fundamentam
integralmente as relações jurídicas processuais, a ponto de não haver relação jurídica
processual entre as partes, mas apenas delas para com o Estado (Poder Judiciário) e deste para
com elas, na arbitragem as relações jurídicas obrigacionais derivadas da convenção arbitral se
estabelecem inclusive entre as partes.
A jurisdição estatal tem mais abrangência do que a atuação do árbitro no que se refere
(i) à delimitação da cognição não se restringe a dirimir litígios envolvendo direitos
patrimoniais disponíveis; (ii) à ubiqüidade – independe de convenção prévia para sua atuação;
e (iii) ao alcance da eficácia de suas decisões toca-lhe o comando da força física legitimada.
Entretanto, dentro do espaço de validade que é reservado à arbitragem, a eficácia do processo
arbitral e de suas decisões encontra esteio na proteção constitucional ao negócio jurídico (ato
jurídico perfeito), que sequer o controle jurisdicional pode violar. É assim que a decisão
arbitral faz lei entre as partes, sem se poder dizer que seria mais ou menos do que a jurisdição
estatal.
Não obstante suas distinções, a via do processo judicial e a via da arbitragem se
inserem em um sistema jurídico uno, que garante tanto o direito à opção pela convenção
arbitral, quando couber, como também o direito à não opção por ela. Há, assim, uma
16
imposição teleológica de harmonia entre ambas as formas de obtenção de justiça, sem que isto
implique hibridização das suas naturezas.
A arbitragem não se confunde com a autotutela ou a autodefesa. Estas consistem em
ação material direta especialmente legitimada pela ordem jurídica em prol da concretização
do direito material por seus titulares. Já o direito de postular agir através do processo arbitral
pode ser exercido legitimamente por quem é e por quem não é titular do direito material em
disputa. Além disso, a alteração do mundo fático pela ação da força física, que caracteriza a
autotutela e a autodefesa, são absolutamente exógenas à arbitragem.
A arbitragem tampouco enquadra-se na categoria jurídica da autocomposição. A
convenção arbitral elege via instrumental para solução da lide através da heterocomposição
preconizada pela decisão do árbitro.
A arbitragem como instrumento tipicamente destacado do processo judicial tem sua
origem no Direito Romano pós-clássico, com a previsão legislativa das espécies contratuais
da conventio compromissi, da stipulatio poenae e do receptum arbitri, que permitiam que as
partes contratassem que a decisão de suas controvérsias fosse processada e julgada por árbitro
privado de escolha delas, ao invés do juízo estatal.
Com a absorção em Portugal de parte das fontes romanísticas a partir do final da Idade
Média, foram herdadas as previsões legislativas acerca da arbitragem, que se mantém no
Direito brasileiro desde o descobrimento. Tratam da arbitragem as Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, a Constituição do Império, o Código Comercial de 1850 e o
Regulamento 737. Após ser prevista para fins específicos em leis esparsas e sem maior relevo
no século XIX, a arbitragem foi regulada no Código Civil de 1916 e também em diversos
códigos processuais estaduais, bem como nos ulteriores códigos processuais federais de 1939
e 1973.
A edição da nova Lei de Arbitragem revogou toda a legislação anterior, excetuadas
normas especiais, como a regulação da arbitragem vinculada aos Juizados Especiais. O atraso
da alteração legislativa é comparativamente marcante se notado que a Convenção de Nova
Iorque, de 1958, que uniformizou as legislações quanto ao respeito às decisões arbitrais, foi
17
firmada por quase todas as nações desenvolvidas, a ponto de a arbitragem ser atualmente
prevista em mais de 90% dos contratos comerciais internacionais.
As insuficiências significativas da legislação brasileira antecedente consistiam na não
previsão da cláusula compromissória, na exigência de homologação do laudo arbitral pelo juiz
estatal e na precária e lacônica regulação do processo arbitral e sua sintonia com o processo
judicial. Todos esses aspectos foram superados pelas disposições abrangentes da nova Lei de
Arbitragem.
A arbitragem de direito público é instrumento próprio do Direito Internacional
Público que serve para solução de disputas entre Estados nacionais envolvendo aspectos de
suas soberanias, geralmente processadas e julgadas perante a ONU. Não se confunde com a
arbitragem de direito privado, suscetível de ser contratada pelas partes para solução de
controvérsias envolvendo direito privado disponível.
O arbitramento é meio de prova do processo civil estatal, pelo qual o magistrado
designa técnico para emitir laudo com estimativa acerca de fatos ou coisas da qual detém
conhecimento especial, podendo tal estimativa ser seguida ou não pela sentença judicial. A
arbitragem, distintamente, não se confunde com diligência do processo civil estatal. Em sede
de processo privado, o árbitro contratado pelas partes profere julgamento de justiça, o qual é
eficaz per se, sendo insuscetível de revisão pelo Poder Judiciário.
A arbitragem irritual e o pacto de arbitramento consistem em contratação que atribui
a um terceiro a definição de questão de faton não solvida pelo consenso direto da partes ou a
tarefa de completar negócio jurídico formal em nome delas, sem que ele tenha obrigação de
proferir decisão segundo justiça. A própria contratação extingue eventual lide antecedente.
Na arbitragem, distintamente, o árbitro sempre age em nome próprio e jamais em
representação das partes. Estas persistem exercendo suas pretensões em relação à lide,
tentando provar e convencer o árbitro de sua procedência. A lide perdura, assim, durante todo
o processo arbitral, sendo solucionada pelo julgamento imparcial com dever ser de
distribuição de justiça.
18
A eficácia negativa da convenção arbitral consiste na sua suficiência jurídica para
conferir aos seus signatários o direito de exigir a extinção da ação judicial que tratar sobre lide
cuja solução as partes convencionaram submeter ao juízo arbitral. Com isso se garante que a
aplicação prática da arbitragem não se torne inviável pela concomitância com a via judicial
estatal.
Essa prerrogativa da convenção arbitral encontra fundamento em renúncia inerente à
ela, que atinge a pretensão processual. Tal renúncia é limitada sob diversos aspectos:
- é sempre condicionada a que se confirme a efetiva possibilidade de utilização da via
arbitral para solução da controvérsia, desvelando haver um princípio de legitimação
subsidiária permanente da via judicial imanente ao microssistema da arbitragem;
- atinge a eficácia da pretensão processual das partes para determinados exercícios
referentes a lides especificamente previstas na convenção arbitral que tratem de direitos
patrimoniais disponíveis;
- não atinge a pretensão processual das partes à obtenção dos atos de imperium
necessários para imposição da solução da lide, que remanescem sob a égide do juiz estatal,
conferindo-se ao árbitro tão-somente o pronunciamento (lógico) da decisão pelo juiz estatal
a iuris dictio;
- não atinge a pretensão processual das partes ao controle jurisdicional sobre a
validade e eficácia da convenção, do processo e da decisão arbitral.
A concepção do direito processual das partes como direito subjetivo justifica e
fundamenta sua disponibilidade suficiente para que, através da convenção arbitral, se
renunciem a determinados exercícios da pretensão processual.
O princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário é princípio-garantia
dirigido ao legislador ordinário, não se voltando contra as próprias partes titulares do direito
processual, devendo ser compreendido em conjunto e em ponderação com o princípio da
demanda, pelo qual se atribui aos cidadãos o direito de disporem e comandarem o exercício
de suas pretensões de direito processual. A preservação da garantia de acesso à via judicial
impede tão-somente uma renúncia geral e inespecífica ao exercício da pretensão processual.
Mesmo na cláusula compromissória, pela qual as partes prometem levar ao processo
arbitral causas futuras e ainda inexistentes que possam decorrer de um dado contrato, as
19
pretensões processuais já são previamente determináveis, não configurando renúncia geral ou
inespecífica que violasse o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, sendo nesse
sentido a tônica do julgamento do STF que examinou a constitucionalidade de todos os
artigos da nova Lei.
A eficácia da renúncia ínsita à convenção arbitral não se estabelece como cláusula de
eleição de foro, nem se confunde com as figuras jurídicas da exceção de incompetência ou da
litispendência. Estas se aplicam para a definição da competência intra órgãos do Poder
Judiciário ou para a solução do fenômeno da concomitância entre processos judiciais, não se
aplicando diante da convenção arbitral.
A convenção de arbitragem confere exceção processual própria exceção de
convenção arbitral –, a qual é privativa do manejo das partes, descabendo seu conhecimento
de ofício pelo julgador. O efeito dessa exceção opera diretamente no plano do Direito
Processual, impedindo o seguimento da relação jurídica processual e impondo a extinção do
processo sem julgamento do mérito. Sem se confundir com as condições da ação ou com
hipótese de ausência de pressuposto processual, tal exceção é classificada na figura jurídica
dos impedimentos processuais.
A eficácia positiva da convenção arbitral consiste na condição de imposição do
processo e da decisão arbitral às partes contratantes, as quais não podem se esquivar de se
submeter àquele e sofrer as conseqüências da solução do conflito que ali for determinada.
O principal fundamento da eficácia positiva da convenção arbitral reside no princípio
constitucional da autonomia privada e no seu subgênero, a autonomia negocial, que garantem
incolumidade ao encontro de vontade dos indivíduos. O efeito vinculante dos negócios
jurídicos torna o conteúdo de suas disposições absolutamente imperativo às partes, mesmo
contra vontade ulterior de uma delas, de modo que, ainda que inexistissem as normas
infraconstitucionais regulamentado a arbitragem, a liberdade contratual geral assegurada pela
Constituição conferiria fundamento suficiente para a eficácia das obrigações típicas da
convenção arbitral.
No caso da arbitragem, a autonomia negocial é dirigida para o estabelecimento de
negócio jurídico sui generis que tem por fim a eliminação da incerteza jurídica negócio
20
jurídico ad finiendam litem –, e cujo objeto particularíssimo não é o direito material
controvertido, mas a eleição de uma via para obtenção de solução de lides sob a égide da
justiça. Sobre a res deducta no processo arbitral é lançada, de certo modo, situação de
incerteza e de expectativa de direitos, prevista de forma ainda latente pelas partes ao contratar
a arbitragem, e de forma pulsante quando dão início ao processo arbitral, em situação
análoga à que se vislumbra no processo judicial.
O negócio jurídico ad finiendam litem se estabelece como negócio jurídico processual
por sua eficácia no plano processual, que lhe confere aptidão para extinguir a ação
processual sem julgamento do mérito – e, concomitantemente, como negócio jurídico de
direito material por sua eficácia própria do Direito das Obrigações, ensejando diversas
relações jurídicas privadas de trato sucessivo das partes entre si e delas para com o árbitro e
vice-versa.
Outro importante fundamento da eficácia positiva da arbitragem advém da exuberante
regulamentação do instituto, a qual é fonte direta de ônus e deveres ex lege, que possibilitam e
incrementam o feixe de relações jurídicas necessárias para que a contratação da arbitragem
seja forma eficiente e célere de solução de litígios. A regulação legal colmata as imprecisões e
insuficiências da convenção arbitral, bem como impõe aos terceiros que não firmaram a
convenção arbitral o dever de colaboração para a busca da justiça no processo arbitral.
Os efeitos da eficácia positiva da arbitragem podem ser estabelecidos in natura,
através de medidas extrajudiciais e judiciais próprias. No caso da cláusula compromissória
cheia, a nova Lei permite a instituição extrajudicial do processo arbitral por iniciativa de uma
das partes, podendo a parte recalcitrante sofrer inclusive os ônus e efeitos típicos da revelia.
No caso de cláusula compromissória vazia, a ação judicial de rito célere prevista no art.
da nova Lei, que possibilita que sentença judicial supra a vontade das partes e determine a
instituição do processo arbitral, nomeando árbitro para que tenha início o processo arbitral.
A concepção atual da arbitragem como mais uma via com efetividade prática para
distribuição de justiça está calcada em sua operacionalidade sincrônica com a via judicial
estatal, sem a qual a arbitragem não lograria atingir sua finalidade prática.
21
Dentre as construções doutrinárias que estabelecem marcos claros para presidir o
concerto instrumental das duas vias, o princípio competência-competência elimina dúvida
referente à indesejável concomitância entre a via arbitral e judicial. Tal princípio determina
ser sempre o árbitro o primordialmente legitimado para apreciar se a questão submetida à
arbitragem é ou não suscetível de julgamento arbitral, mesmo diante de situação em que uma
das partes alegar qualquer vício da convenção ou do processo arbitral, inclusive da investidura
do árbitro. Só após esgotada a via arbitral, com o proferimento da decisão final, é que se torna
possível controle jurisdicional sobre o julgamento arbitral, devendo ser de plano extinta, sem
julgamento de mérito, a ação judicial prematura.
O separability concept estabelece a autonomia da cláusula compromissória em
relação ao negócio jurídico objeto do contrato em que estiver inserta, mesmo se ambos forem
formalizados através de um único documento, de modo que a eventual ineficácia de um não
significa, necessariamente, a ineficácia do outro.
Quanto à condição jurídica dos árbitros, a interpretação conforme à Constituição da
disposição infraconstitucional da nova Lei que prevê serem os árbitros juízes de fato e de
direito é no sentido de que a cognição do árbitro se estende tanto à matéria de fato como a de
direito, sem que se suponha comporem os árbitros a categoria Juiz de Direito.
A disposição da nova Lei de que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, se
devidamente compreendida dentro dos limites da Constituição Federal, está a estabelecer
princípio de máxima equiparação possível da decisão arbitral à sentença judicial, de modo
que os efeitos práticos daquela sejam tão próximos quanto equivalentes aos desta. Essa
equiparação genérica cede somente diante de incompatibilidade em face da distinção de
origem estrutural e funcional entre elas. O próprio sistema pressupõe tais diferenças, tanto que
aonde os efeitos da via arbitral não chegam, são previstos procedimentos especiais, através da
via judicial, propiciando-se que sejam eles alcançados.
As decisões arbitrais são desprovidas das eficácias executivas e mandamentais, sendo
seu alcance limitado àquelas de índole declaratória, constitutiva e condenatória. Isto não
significa que o árbitro não possa conhecer de postulações de cunho preponderantemente
executivo e mandamental.
À luz do princípio da máxima admissão prática possível da arbitragem, a decisão
arbitral irá até, no máximo, ao julgamento da procedência ou improcedência da postulação,
sendo as medidas específicas de imposição forçada da alteração da realidade fática
processadas perante a via judicial estatal.
22
O árbitro pode aplicar diretamente medidas coercitivas que não impliquem o emprego
direto da força física e prescindam do poder de imperium.
Todas as medidas coercitivas necessárias antes da decisão arbitral final que
demandarem o poder de imperium, inclusive as tutelas de urgência, serão objeto de
julgamento de sua procedência ou improcedência pelo árbitro e, após, de solicitação por parte
deste ao Poder Judiciário, para que através de tutelas executivas ou mandamentais se obtenha
sua consecução prática. Tal solicitação é procedimento sui generis que não se enquadra em
qualquer rito ou categoria de ação tipificados, sendo prerrogativa exclusiva do árbitro e
podendo ser formulada por ele inclusive de ofício.
No que pertine especificamente às tutelas de urgência, verifica-se haver um princípio
de flexibilização da eficácia negativa da convenção, pois, diante de qualquer situação de
efetiva impossibilidade do juízo árbitral para apreciar a postulação de tutela de urgência em
tempo de evitar o perecimento do direito, viabiliza-se, excepcional e pontualmente, a
possibilidade de socorro direto à autoridade judicial estatal para conhecimento da procedência
ou não da medida e sua execução. Esta flexibilidade é fundamentada na própria natureza da
renúncia condicionada ao exercício da ação processual, ínsita à convenção arbitral, e no
princípio de legitimação subsidiária permanente da justiça estatal. Tão logo se desfaça a
excepcional impossibilidade de atuação do árbitro, pela ratio de máxima aplicação prática
possível da arbitragem, torna a ele a cognição da tutela de urgência, inclusive com
prerrogativa de proferir julgamento alterando o status quo estabelecido pela tutela de cunho
provisório conferida na via judicial. Frente à solicitação por parte do árbitro acerca de tutela
de urgência, o magistrado estatal, sem reanalisar o merecimento da decisão, tratará tão-
somente de verificar, em exame perfunctório, típico do provimento provisório e de urgência, a
conformidade da decisão em relação à moldura de validade e eficácia da convenção arbitral.
São igualmente arbitráveis as antecipações de tutela, seguindo o concerto instrumental
entre o juízo arbitral e estatal os mesmos parâmetros que norteiam a tutela cautelar.
A decisão arbitral está sujeita a recurso apenas e na forma eventualmente prevista na
convenção arbitral. Em não havendo previsão de recurso como é a praxe nas convenções
arbitrais –, a sentença arbitral é definitiva.
A coisa julgada material, por seu caráter público, se impõe per se ao magistrado
estatal, o qual tem o dever de, de ofício e a qualquer tempo, extinguir ação judicial que vise
rejulgamento de questão objeto de sentença de mérito transitada em julgado. Tendo a
decisão arbitral sua definitividade fulcrada nos limites estruturais da categoria jurídica dos
negócios jurídicos, seus efeitos não logram alcançar tal atributo. Na ação judicial que vise
23
rejulgamento de questão objeto de decisão arbitral, não o dever e nem mesmo a
possibilidade de o magistrado estatal invocar de ofício a existência da decisão arbitral anterior
para extinguir o feito. Trata-se de exceção de prerrogativa privativa das partes e, se não for
formulada tempestivamente por elas, incinde a preclusão processual, de modo que a ação
judicial prossegue, e a nova sentença sobrepõe-se, validamente, ao já julgado na via arbitral.
A escolha pela arbitragem remete as partes a um julgamento para solução da causa
adstrito ao livre convencimento do julgador privado. Com efeito, a decisão arbitral está sujeita
apenas ao controle jurisdicional dos pressupostos de existência, validade e eficácia que
emolduram sua formação e não à exame propriamente revisional. Desde que não violados a
ordem pública e os bons costumes, a decisão arbitral poderá ser baseada na eqüidade ou em
outras regras distintas das do ordenamento brasileiro, por autorização expressa do Direito
brasileiro. Ainda, se a decisão arbitral desafinar da orientação jurisprudencial pacificada e
sumulada nos tribunais ou da orientação de súmula vinculante, estas não afetarão a decisão
arbitral. A revisão judicial da decisão do árbitro, ela sim, representaria profunda afronta ao
Direito, visto que os limites da atuação do Judiciário em relação às decisões arbitrais estão
calcados no próprio princípio constitucional do caráter objetivado do controle jurisdicional.
O controle jurisdicional das decisões arbitrais é exercido de forma concentrada através
da ação de nulidade da decisão arbitral. Todos os aspectos da validade e eficácia do negócio
ad finiendam litem, desde sua constituição inicial até como os atos ulteriores do processo
arbitral, são suscetíveis ao controle jurisdicional através da ação de nulidade, apesar de que,
em relação aos atos do processo arbitral, dada sua natureza instrumental, prepondere o exame
com foco no atingimento da finalidade. O prazo de 90 dias para proposição da ação de
nulidade não tem natureza decadencial, em havendo oportunidade de invocação do direito na
via da impugnção da execução.
As decisões arbitrais devem ser objeto de cumprimento/execução sob os novos
procedimentos empregados às sentenças judiciais, não estando sujeitas aos procedimentos de
execução dos títulos extrajudiciais e à ação de embargos à execução, prevista no artigo 745 e
seguintes do CPC.
A outra forma de controle jurisdicional concentrado sobre a decisão arbitral cifra-se na
impugnação da execução da decisão arbitral, sendo sua aplicação restrita às decisões arbitrais
que exigirem execução. Todas as demais não ensejarão tal hipótese adicional de controle
jurisdicional, sendo suscetíveis apenas à ação de nulidade.
Aplica-se à impugnação da execução da decisão arbitral a invocação de sua
inexigibilidade em razão de ser ela fundada em lei ou ato normativo declarados
24
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou em suas aplicações ou interpretações
tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. Tal
controle a posteriori se dará inclusive quando a convenção arbitral eleger a eqüidade ou
normas distintas da do ordenamento brasileiro para presidir a solução do conflito, desde que a
decisão resultante seja materialmente incompatível com a leitura da Constituição pelo STF.
Em razão de as ações de nulidade e de impugnação da execução arbitral serem
instrumentos especiais que abrangem em parte a cognição possível e pica da rescisória, esta
é inaplicável diante da decisão arbitral.
A querela nullitatis insanabilis e a pretensão de quebra atípica da coisa julgada
aplicam-se à arbitragem, por analogia, pois, se são aptas a excepcionalmente superar o valor
segurança jurídica que embala a coisa julgada para aplacar vício gravíssimo, são aptas
também, nas mesmas circunstâncias, a superar o valor segurança jurídica que embala
igualmente os negócios jurídicos.
Os efeitos das decisões arbitrais frente a terceiros não são regidos por sistemática
distinta da que preside as decisões judiciais. O mero interesse dos terceiros pode ser
validamente atingido tanto pela decisão arbitral como pela judicial. Mas o interesse jurídico
dos terceiros, enquanto terceiros, não pode ser validamente atingido por decisão arbitral ou
judicial. De outra parte, a exigência pela lei processual da presença de todas as partes no
processo, como se dá diante do litisconsórcio necessário, atinge, igualmente, o processo
arbitral. Porém, como a convenção arbitral vincula aqueles que a tiverem contratado, a
necessidade da presença de terceiros que se negarem a figurar no processo arbitral é
insuperável, o que determinará, em tal situação, a extinção do processo arbitral e a invalidade
do que prosseguir sem a presença dos litisconsortes necessários. As demais formas de
intervenção de terceiros como o litisconsórcio facultativo, a assistência, a assitência-
litisconsorcial, a oposição, a nomeação à autoria, a denunciação da lide e o chamamento ao
processo – não são obrigatórias na arbitragem e nem afetam o andamento do processo arbitral,
embora possam ocorrer convencionalmente, se as partes e os terceiros assim avençarem. Não
se aplica ao processo arbitral a figura dos embargos de terceiro, os quais poderão ser
aparelhados contra a execução da decisão arbitral perante o Pode Judiciário.
É inaplicável a figura jurídica da conexão ou da continência entre processos arbitrais e
entre processos arbitrais e judiciais. Tais institutos são fatores de modificação de competência
intra Poder Judiciário, e a arbitragem é a escolha por via extrajurisdicional. Contudo, em
havendo grau de incompatibilidade por prejudicialidade, incindibilidade ou dependência entre
as matérias sub judice na via arbitral e na via jurisdicional que não envolverem as mesmas
25
partes, a solução em prol do princípio da máxima admissão prática possível da arbitragem
será a de suspensão do processo arbitral, até que se decida a questão na parte que for
parcialmente prejudicial, incindível ou dependente do julgamento na via judicial. Se
envolverem as mesmas partes, ambos o processo arbitral e o processo judicial prosseguem, e
o status quo estabelecido pela primeira decisão em uma das duas vias terá eficácia para ser
seguido pela outra, evitando que se estabeleçam julgamentos incompatíveis.
Quanto aos efeitos anexos previstos pela lei para as sentenças judiciais, dentro do
princípio de máxima equiparação possível das decisões arbitrais às sentenças judiciais, não se
vislumbra incompatibilidade excepcional para sua aplicação extensiva às decisões arbitrais,
como se dá, por exemplo, com a hipoteca judiciária, a multa de 10% por não pagamento
espontâneo do devedor e o cômputo de juros no caso de condenação pecuniária.
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