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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
DEPRIVAÇÃO E TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO ADOLESCENTE FACE AO
DIVÓRCIO PARENTAL
Soraya Maria Pandolfi Koch Hack
Dissertação de Mestrado
São Leopoldo, 2008
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DEPRIVAÇÃO E TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO ADOLESCENTE FACE AO
DIVÓRCIO PARENTAL
Soraya Maria Pandolfi Koch Hack
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia
Sob Orientação da
Profª. Dr.ª. Vera Regina Röhnelt Ramires
Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Junho, 2008
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
DEPRIVAÇÃO E TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO ADOLESCENTE FACE AO
DIVÓRCIO PARENTAL
elaborada por
Soraya Maria Pandolfi Koch Hack
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Psicologia
COMISSÃO EXAMINADORA
Vera Regina Röhnelt Ramires, Profª. Drª.
(Presidente/Orientadora)
Silvia Pereira da Cruz Benetti, Profª. Drª.
(Relator)
Blanca Susana Guevara Werlang, Prof. Drª. (PUCRS)
(Membro)
Rita de Cássia Sobreira Lopez, Profª. Drª. (UFRGS)
(Membro)
São Leopoldo, 11 de junho de 2008.
DEDICATÓRIA
O lar é nosso ponto de partida. À medida que crescemos
O mundo se torna mais estranho, mais complexos os padrões
De morrer e viver. Não o momento intenso
Isolado, sem antes nem depois.
Mas uma vida ardendo em cada momento.
T. S. Eliot, “East Coker”, Four Quartets
(in: Winnicott, 1999. Tudo Começa em Casa)
À minha filha Sofia, que me desafia na difícil arte de ser uma “mãe
suficientemente boa”. Agradeço por sua existência, seus ensinamentos,
sua compreensão e por tolerar algumas deprivações por conta desta
dissertação e da minha carreira profissional.
Ao meu marido Ivan, meu companheiro e grande incentivador, um
modelo pessoal e profissional, com quem tenho o privilégio de conviver e
aprender.
Aos meus pais Elísia e Homero, com quem aprendi o precioso valor dos
cuidados materno e paterno.
AGRADECIMENTOS
À professora e orientadora dessa dissertação Drª Vera Regina Röhnelt
Ramires, a quem aprendi a admirar, por seu profissionalismo,
conhecimento e postura ética. Agradeço muito pelo holding, acolhimento,
respeito, críticas e desafios recebidos, como também pelas deprivações,
que me instigaram e por diversas vezes me fizeram transitar entre o
estado de dependência relativa e o rumo à independência;
Ao psicanalista José Ottoni Outeiral, agradeço pelas suas contribuições
que me permitiram, ao longo de minha trajetória profissional, ampliar e
solidificar o conhecimento da teoria de Winnicott;
À Drª Norma Uttinguassú Escosteguy, com quem também tive o
privilégio de estudar as aplicações clínicas da teoria de Winnicott;
Às Drª Blanca Susana Guevara Werlang e Drª Rita de Cássia Sobreira
Lopez, pelas significativas contribuições por ocasião da qualificação do
projeto, bem como pela disponibilidade em participar da banca de defesa
dessa dissertação;
À professora Drª Silvia Pereira da Cruz Benetti, uma relatora acolhedora,
disponível e presença consistente em nosso PPG;
Ao corpo docente do PPG e aos colegas de mestrado, agradeço não só por
terem apoiado a proposta da pesquisa, mas principalmente pelas
relevantes reflexões proporcionadas no decorrer desse processo;
Às minhas colegas do mestrado, as psicólogas Aline, Janaína, Michele e
Raquel, pela parceria, identificação e acolhimento... laços e vínculos
suficientemente fortalecidos neste período;
5
À escola que acolheu a proposta deste estudo, em especial as psicólogas e
a coordenadora pedagógica, pela disponibilidade, colaboração e
confiança que viabilizaram a realização desta pesquisa;
Às bolsistas de iniciação científica Daniela e Larissa, a estudante de
Psicologia Simone e a fonoaudióloga Leila que, com paciência, prudência
e ética, colaboraram no registro do material;
À minha colega e amiga, a psicóloga Anie Sturmer, pela compreensão e
apoio, que garantiram neste período a continuidade dos cuidados de
nosso instituto, o IPSI;
Aos colegas e alunos do IPSI, que de alguma forma me instigaram e
incentivaram-me a buscar o desafio do mestrado. Agradeço por terem
tolerado minhas ausências e deprivações que tive que fazer por conta
desse processo e por terem continuamente me escutado e compartilhado
comigo meus velhos e novos conhecimentos;
À secretária do IPSI, Raquel, pelos envolvimentos extras solicitados;
Aos meus pacientes que ajudaram a traçar esse caminho e a buscar o
aprimoramento de meus conhecimentos;
E aos participantes desta pesquisa, os adolescentes e seus pais, pela
confiança depositada e pela colaboração durante todo o processo. Sem
eles não haveria construção, nem tão pouco integração e novos
conhecimentos a serem compartilhados.
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................11
ABSTRACT....................................................................................................................12
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................13
SEÇÃO I
RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO..............................................................................16
1 Objetivos.......................................................................................................................20
2 Método..........................................................................................................................20
2.1 Delineamento ............................................................................................................20
2.2 Participantes ..............................................................................................................21
2.2.1 Critérios de inclusão ...................................................................................22
2.2.2 Critérios de exclusão ..................................................................................24
2.3 Procedimentos............................................................................................................24
2.3.1 Procedimentos Éticos..................................................................................26
2.2.2 Procedimentos de Coleta de Dados ............................................................27
2.2.3 Procedimentos de Análise de Dados...........................................................30
3 Resultados e Discussão.................................................................................................32
7
3.1 Caso 1 .......................................................................................................................34
3.1.1 Descrição ....................................................................................................34
3.1.2 Análise ........................................................................................................42
3.2 Caso 2 .......................................................................................................................49
3.2.1 Descrição ....................................................................................................49
3.2.2 Análise ........................................................................................................57
3.3 Caso 3 .......................................................................................................................62
3.3.1 Descrição ....................................................................................................62
3.3.2 Análise ........................................................................................................73
4 Síntese de Casos Cruzados ...........................................................................................81
5 Considerações Finais ....................................................................................................88
SEÇÃO II
REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA - ADOLESCÊNCIA E DIVÓRCIO:
CONTINUIDADES E RUPTURAS DOS RELACIONAMENTOS .............................94
1 Transições Familiares relacionadas ao divórcio: História e pesquisas.........................96
2 Divórcio.... e Depois? ..................................................................................................98
3 O Adolescente Frente ao Divórcio Parental ..............................................................102
4 Os Relacionamentos Pais-Filhos e o Divórcio Parental ............................................105
8
SEÇÃO III
ARTIGO EMPÍRICO - SEI QUE UM DIA EU TIVE UM PAI”:
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTADO DE DEPRIVAÇÃO E A
TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO ADOLECENTE FACE AO DIVÓRCIO
PARENTAL ..................................................................................................................107
1 A família na atualidade...............................................................................................108
2 E o divórcio parental?.................................................................................................110
3 Retomando conceitos: a deprivação e a tendência anti-social....................................113
4 Ouvindo adolescentes com indicadores de tendência anti-social (Método)...............115
4.1 Caso 1 - Minha mãe parou de ouvir.... Meu pai é um estranho .............................118
4.2 Caso 2 - Sei que um dia tive um pai.........................................................................120
4.3 Caso 3 - Não sinto falta do meu pai ... Sinto muita raiva .......................................122
5 As descontinuidades nos relacionamentos entre os adolescentes e seus pais.............125
PALAVRAS FINAIS ...................................................................................................129
REFERÊNCIAS ............................................................................................................131
ANEXOS .......................................................................................................................139
Anexo A. Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ......................................................139
Anexo B. Carta Consulta ...............................................................................................140
Anexo C. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..............................................142
9
Anexo D. Entrevista com os Pais ..................................................................................143
Anexo E. Entrevista com os Adolescentes....................................................................144
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Dados gerais dos estudos de caso ..................................................................33
Tabela 2 - Número de encontros para cada instrumento ................................................34
RESUMO
Este estudo buscou analisar e compreender as características dos relacionamentos
entre pais e filhos no cenário do divórcio, na perspectiva de adolescentes com indicadores
de tendência anti-social, definida de acordo com o vértice psicanalítico de Winnicott
(1956/2000). Para este autor, crianças e adolescentes podem apresentar desajustes em seu
comportamento, quando passaram por algum tipo de ruptura na continuidade dos cuidados
exercidos pelo ambiente, ocasionando o que ele chamou de estado de deprivação. Com
uma abordagem qualitativa, através de estudos de casos múltiplos, buscou-se identificar
indícios de deprivação nestes adolescentes. O enquadre teórico tomado como referência
também se baseou nas contribuições dos estudiosos da família, que vêm pesquisando as
repercussões da separação dos pais sobre os filhos e nos estudos sobre o divórcio. Os
participantes do estudo foram três adolescentes, de 12, 13 e 15 anos de idade; a primeira do
sexo feminino e os outros dois do sexo masculino. O acesso aos casos foi feito através de
uma escola de ensino privado, com alunos de classe média, situada na região metropolitana
de Porto Alegre. Foram realizadas entrevistas individuais semi-estruturadas, com os pais e
com os adolescentes. Também foram utilizados instrumentos tais como: HTP, Desenho da
Família e Teste das Fábulas. Os resultados sugerem uma associação entre os sintomas
destes adolescentes e as rupturas e descontinuidades dos cuidados parentais. Todos esses
adolescentes tiveram um início de vida suficientemente bom, mas passaram por vivências
de deprivação ainda na primeira infância. As manifestações de tendência anti-social desses
adolescentes foram compreendidas como um reclame pelos cuidados parentais perdidos.
Palavras-chave: adolescente, tendência anti-social, deprivação, divórcio, relacionamentos.
ABSTRACT
This study sought to analyze and understand the characteristics of the relationships
between parents and children in the context of divorce, from the perspective of adolescents
with indicators of antisocial tendency, as defined by Winnicott’s psychoanalytical theory
(1956 / 2000). For Winnicott, children and adolescents who undergo some kind of
disruption in the continuity of parental care may display behavioral maladjustments, which
cause what he called a state of deprivation. With a qualitative approach, through the study
of multiple cases, signs and symptoms of deprivation were sought in these adolescents.
The theoretical fundamentals used as reference were also based on studies on divorce and
on contributions from family experts and scientists, who have researched the impacts of
parental separation on children. The subjects were one female aged 12, and two males aged
13 and 15. The access to these cases was made possible through a private school attended
by middle-income students, located in the metropolitan region of Porto Alegre, Rio Grande
do Sul state, Brazil. Individual semi-structured interviews were conducted with both
parents and adolescents. Other instruments used were as follows: HTP, the Family
Drawing Test, and the Fables Test. The results suggest an association between the
symptoms displayed by these adolescents and the disruptions and discontinuities in
parental care. All these adolescents had a sufficiently good beginning in life, but
experienced deprivation still in their early childhood. The manifestations of antisocial
tendency shown by these adolescents who lost parental care were understood as a
complaint about this loss.
Key words: adolescent, antisocial tendency, deprivation, divorce, relationships.
INTRODUÇÃO
As relações entre pais e filhos na atualidade estão inseridas num cenário complexo,
composto por famílias nas mais diversas composições e configurações. No estudo a ser
apresentado nesta dissertação, enfocamos os relacionamentos de adolescentes que
apresentam indicadores de tendência anti-social com seus pais, no contexto do divórcio.
O divórcio parental e suas repercussões tem sido foco freqüente de pesquisas entre
estudiosos da infância e adolescência, que identificam nesta transição familiar um campo
vulnerável ao aparecimento nos filhos de ressentimentos, decepções e sintomas (Amato,
2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Sourander & Helestelä, 2005; Wallerstein &
Kelly, 1998). O divórcio representa uma ruptura de um ciclo na família, às vezes
precipitando o afastamento de uma das figuras parentais ou fragilizando o relacionamento
entre o filho e uma ou ambas as figuras parentais. Em algumas situações, os filhos, no
meio de uma guerra conjugal, assistem a uma quebra do holding familiar. Onde há guerra,
há sobreviventes em busca do amparo.
Foi também no contexto da Segunda Guerra Mundial que o psicanalista Winnicott
(1956/2000) desenvolveu sua teoria a respeito da tendência anti-social, assistindo a muitos
protestos e condutas destrutivas por parte de crianças e adolescentes que vivenciaram o
efeito da separação e de perda dos pais. Segundo sua teoria, estes jovens sofriam de
deprivação, instalada a partir da vivência de ruptura da continuidade dos cuidados
parentais. Winnicott (1956/2005) distinguiu basicamente dois grupos: os que apresentavam
tendência anti-social, como um pedido de ajuda e esperança de resgatar os cuidados
parentais e os que apresentavam um comportamento delinqüente, com defesas mais
cristalizadas, sem esperança.
14
Articulando os conceitos de Winnicott, alguns autores ressaltam a importância que
o tema da tendência anti-social tem para a clínica psicanalítica contemporânea
(Bogomoletz, 2007; Loparic, 2006; Outeiral, 1991; Safra, 2002). A psicanálise, desde
Freud, passou por reformulações, no que diz respeito à etiologia de alguns distúrbios, entre
eles os comportamentos anti-sociais. A psicanálise tradicional entendia estes problemas
como provenientes de uma culpa originada pela conflitiva edípica. Winnicott introduziu
um novo paradigma à psicanálise quando provou que tais comportamentos eram causados
pela falha ambiental ocorrida a partir da fase da dependência relativa (Loparic, 2006).
Então, encontramos na teoria psicanalítica de Winnicott o entendimento de vários
desajustes no comportamento, surgidos, ressurgidos ou potencializados no adolescente face
ao divórcio dos pais, diante da fragilização dos cuidados parentais. Neste estudo,
enfocamos a tendência anti-social quando ainda há a esperança de resgatar os cuidados
perdidos e não propriamente a delinqüência.
É preciso também considerar que, a despeito da guerra provocada muitas vezes pela
separação dos pais, percorremos outro cenário povoado de conflitos, que diz respeito ao
processo adolescente: uma parte buscando a autonomia, e a outra dependendo ainda de
cuidados parentais. Segundo Levisky (2001), o adolescente luta pela ruptura dos padrões
infantis, necessária para o desenvolvimento da autonomia e individuação. Para Outeiral
(2008), a transformação dos vínculos infantis com os pais para outro tipo mais maduro não
significa uma ruptura do adolescente com a família. Com isso, podemos entender que,
nesta fase evolutiva, respeitando sua necessidade de autonomia, o adolescente ainda
necessita da continuidade dos cuidados parentais.
Para compreender o adolescente com indicadores de tendência anti-social, no
contexto do divórcio parental, optamos, dentro de uma perspectiva qualitativa, na
realização de estudos de casos múltiplos, analisando-os de acordo com as proposições
15
teóricas de Yin (2005). Os resultados foram interpretados de acordo com o vértice
psicanalítico de Winnicott, articulados à revisão dos estudos atuais sobre o divórcio e as
suas repercussões sobre o adolescente.
Na primeira seção dessa dissertação é apresentado o Relatório da Investigação,
contendo a descrição detalhada do método utilizado para coleta e análise dos dados. Na
segunda sessão apresentamos a revisão da literatura, intitulada: Adolescência e divórcio
parental: continuidade e rupturas dos relacionamentos. Nesta, procuramos apresentar uma
síntese dos estudos revisados que associam adolescência e divórcio parental, destacando as
principais metodologias, perspectivas teóricas e, principalmente, as conclusões. Este
levantamento foi relevante para a realização das análises dos dados deste estudo.
A terceira seção apresenta e discute os resultados da investigação, que foram
sintetizados em um Artigo Empírico. Este leva o seguinte título: Sei que um dia eu tive um
pai: considerações a respeito do estado de deprivação e a tendência anti-social no
adolescente face o divórcio dos pais. De forma sucinta, apresenta-se um resumo dos casos
e das análises realizadas. Discorre-se sobre a teoria da tendência anti-social de Winnicott,
apontando os indícios de deprivação materna e paterna dos casos apresentados, integrando
os achados com as conclusões da revisão da literatura. Seguem-se as palavras finais,
trazendo reflexões gerais a respeito do processo da pesquisa realizada.
SEÇÃO I
RELATÓRIO DE PESQUISA
Este estudo buscou investigar, analisar e compreender as características dos
relacionamentos estabelecidos entre pais e filhos no cenário do divórcio
1
em adolescentes
com indicadores de tendência anti-social, definida de acordo com o vértice psicanalítico de
D. Winnicott (1956/2000). Para este autor, crianças e adolescentes podem apresentar esta
peculiaridade em seu comportamento, quando passaram por algum tipo de ruptura na
continuidade dos cuidados exercidos pelo ambiente, ocasionando o que ele chamou de
estado de deprivação
2
Partindo desta concepção, buscou-se, numa abordagem qualitativa, através de
estudos de casos múltiplos, identificar indícios de deprivação em adolescentes que
vivenciaram o divórcio parental, selecionados a partir de seus desajustes manifestados no
ambiente escolar. O enquadre teórico tomado como referência também incluiu as
contribuições dos teóricos da família, que vêm pesquisando as repercussões da separação
dos pais sobre os filhos, tais como Amato (2001), Hetherington e Stanley-Hagan (1999),
Kelly & Emery (2003), Souza e Ramires (2006), Wagner e Feres-Carneiro (1998) e
Wallerstein e Kelly (1998).
1
Neste trabalho, a expressão divórcio inclui todas as separações e dissoluções do vínculo conjugal,
em que um dos cônjuges passa a viver em outro lar.
2
A expressão deprivation é encontrada no texto original em inglês (Winnicott, 1956/1987) e não
tem equivalente no português. Optou-se por manter a proposta original do autor, que distingue deprivação
(quando a criança teve bons cuidados que foram perdidos) e privação (quando a criança nunca teve esses
cuidados).
17
Além disso, foram revisados estudos que associam adolescência e divórcio parental
(Dunlop, Burns & Bermingham, 2001; Sourander & Helstelä, 2005; Souza, 2000; Storken,
I., Roysamb, E., Moum, T. & Tambs, K., 2005). Entendemos, como colocam Wagner,
Falcke e Meza (1997), que integrar todas as demandas da fase adolescente, num cenário
cultural e familiar multifacetado e em pleno processo de modificação, muitas vezes,
significa deparar-se com um agravamento das crises inerentes à adolescência e ao ciclo
evolutivo do sistema familiar.
O divórcio parental é considerado como um dos focos de pesquisas de maior
atenção dos estudiosos da infância e adolescência. Provavelmente, este interesse esteja
associado ao número crescente de separações, como também de recasamentos. No entanto,
o aumento das taxas de separação conjugal contrasta com o reduzido número de pesquisas
qualitativas sobre o tema (Brito, 2007). Tais pesquisas produzem construções de novos
significados, na medida em que, ao invés da amplitude, se opta pela profundidade (Cezar-
Ferreira, 2004), sendo este aspecto pertinente quando o tema está associado às relações
familiares.
A idéia deste foco de pesquisa surgiu da prática na clínica psicológica de crianças e
adolescentes, em que se constata a freqüência de encaminhamentos efetuados pelo
surgimento ou incremento de diversos sintomas, no contexto de rupturas da estrutura
familiar. As transições familiares, como o divórcio, muitas vezes são necessárias,
pertinentes, movidas pelo potencial de saúde do ser humano. Apesar disso, normalmente
geram ansiedade, temores, dúvidas e, por vezes, sintomas. Na clínica de crianças e
adolescentes é comum os encaminhamentos para atendimento emocional, diante da crise
conjugal de seus pais. Isto normalmente acontece quando um dos filhos passa a apresentar
algum sintoma ou desajuste, que muitas vezes aparece ou se incrementa antes, durante ou
depois da transição familiar.
18
Os pais, diante da crise conjugal ou vivendo ajustes pós-separações, acertos,
desacertos, mágoas, etc., muitas vezes desamparam seus filhos, envolvendo-os em
disputas, em alguns casos até provocando a descontinuidade dos cuidados básicos para
com eles (Lang, 2000). Além disso, correm o risco de não perceberem o sofrimento que
esta situação desperta também na criança. E aí se torna comum que outros profissionais,
como por exemplo, professores, acabem por detectar os sinais. Abordando o divórcio
parental, Wallerstein e Kelly (1998) comentam que os professores observam com mais
objetividade quando o comportamento da criança muda. Para muitos alunos, o aumento da
ansiedade e preocupação com a dissolução familiar traz problemas de concentração,
desempenho escolar insuficiente e mudanças de comportamento. É preciso avaliar, em
cada caso particularmente, se os sintomas estão associados à vivência do divórcio parental
ou ao menor investimento dos pais nos cuidados parentais (Wallerstein & Kelly, 1998).
Independentemente da metodologia empregada ou da linha teórica, os autores que
estudam as possíveis repercussões do divórcio sobre os filhos têm citado os desajustes no
comportamento como uma das possíveis manifestações por parte dos filhos (Almeida,
Peres, Garcia & Pellizzar, 2000; Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan,1999; Kelly
& Emery, 2003; Sourander & Helstelä, 2005), principalmente no primeiro ano após a
separação (Cohen, 2002; Harland, Reijneuveld, Brugman, Verloove-Vanhorick &
Verhulst, 2002; Lansford et al., 2006). Nesse sentido, pensamos em investigar até que
ponto estes problemas comportamentais, intensificados no início do período pós-divórcio,
são desencadeados por uma ameaça ou perda real do holding familiar, gerando o estado de
deprivação, que desencadeia a tendência anti-social, tal qual foi entendida por Winnicott.
Para Winnicott (1956/1987), há uma diferença entre a privação e a deprivação que
nos parece importante de ser destacada: a privação se refere a uma falta de algo que nunca
se teve, ocorrendo na fase de dependência absoluta, quando não há ainda consciência do
19
ambiente; a deprivação ocorre a partir da fase de dependência relativa e aparece quando a
criança perde algo bom que já experimentou. Através de um protesto inconsciente
começam as manifestações de tendência anti-social, como uma forma de resgatar os
“direitos perdidos”. Winnicott (1971/1984) descreve que sintomas relacionados às
dificuldades de asseio, furto estão associadas à deprivação materna, ao passo que
agressividade e/ou violênci
a à deprivação paterna.
Fundamentado na teoria winnicottiana, o tema da tendência anti-social também está
sendo estudado por autores contemporâneos, porém com enfoque nas crianças e
adolescentes em situações de vulnerabilidade social (Alexandre, 2006; Garcia, 2004;
Vilhena & Maia, 2002). Estes estudos têm concluído que há um entrelaçamento entre a
tendência anti-social e a falha no exercício das funções parentais. Winnicott (1956/2005)
desenvolveu a teoria da tendência anti-social, observando as reações de crianças e
adolescentes face às rupturas familiares, provocadas pela Segunda Guerra Mundial,
distinguindo basicamente dois grupos: os que apresentavam tendência anti-social, como
um pedido de ajuda, com esperança de resgatar os cuidados parentais e os que
apresentavam um comportamento delinqüente, com defesas mais cristalizadas e sem
esperança. Existe para Winnicott, uma graduação entre a agressividade natural, a tendência
anti-social e a delinqüência (Abram, 2000; Bogomoletz, 2006; Hack, 2007).
Em nosso estudo, abordamos a tendência anti-social como manifestação de
esperança, buscando refletir em que medida a vivência do divórcio parental configura-se
num campo minado vulnerável ao aparecimento do estado de deprivação. Também
procuramos indagar se existem outras causas, não dependentes e anteriores ao processo de
separação, entre elas a história dos relacionamentos entre pais e filhos e as possibilidades
de já ter havido outras deprivações.
20
Portanto, o foco desta pesquisa foi: A tendência anti-social e a deprivação em
adolescentes entre 12 e 15 anos que experimentaram o divórcio parental nos últimos 2
anos.
1 Objetivos
1) Analisar e compreender as características dos relacionamentos estabelecidos
entre pais e filhos no cenário do divórcio, em adolescentes entre 12 e 15 anos com
indicadores de tendência anti-social;
2) Avaliar na história familiar a presença de indícios de deprivação;
3) Contribuir para o campo de conhecimentos relacionados ao divórcio e suas
implicações para os filhos e sua saúde mental, de uma perspectiva psicanalítica.
2 Método
2.1 Delineamento
Esta pesquisa foi pautada por uma abordagem qualitativa-exploratória, a partir da
realização de Estudos de Casos Múltiplos (Yin, 2005).
Na pesquisa qualitativa não há necessidade de um grande número de participantes,
uma vez que, nessa modalidade de pesquisa, opta-se pela profundidade, em detrimento da
amplitude. (Cezar-Ferreira, 2004). A pesquisa exploratória “tem como objetivo
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou
a constituir hipóteses” (Gil, 2002, p. 41). O objetivo principal é o de aprimorar idéias ou
descobrir intuições. O planejamento desta pesquisa é flexível, considerando os vários
21
aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria das vezes, a pesquisa exploratória assume a
forma de pesquisa bibliográfica ou então de estudo de caso.
O estudo de caso é uma modalidade bastante utilizada nas ciências biomédicas e
sociais, consistindo no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira
que permita seu amplo e detalhado conhecimento. A utilização de múltiplos casos é
bastante freqüente nas pesquisas sociais, proporcionando evidências inseridas em contextos
diferentes, colaborando para a elaboração de uma pesquisa de melhor qualidade (Yin,
2005).
Considerou-se apropriada esta modalidade de pesquisa, na medida em que se
buscou identificar uma possível associação entre experiências de deprivação e
comportamento anti-social em adolescentes que vivenciaram o divórcio parental, como
também entender as características dos relacionamentos estabelecidos entre eles e seus
pais.
2.2 Participantes
Os participantes foram três adolescentes, de 12, 13 e 15 anos de idade; a primeira
do sexo feminino e os outros dois do sexo masculino. O acesso aos casos foi feito através
de uma escola de ensino privado, com alunos de classe média, situada na região
metropolitana de Porto Alegre. A seleção inicial foi feita pelo Setor Psicopedagógico e os
estudos de casos foram realizados no consultório da mestranda.
O Setor Psicopedagógico da escola selecionou e encaminhou os casos para a
pesquisa com base nos critérios de inclusão, previamente apresentados pela mestranda,
contidos em seu projeto inicial. Os casos não foram encaminhados na mesma época.
Conseqüentemente, não foram avaliados de forma simultânea. Dessa forma, foi possível
22
avaliar em profundidade um de cada vez. Diante da repetição de alguns aspectos
observados nos três casos, considerou-se suficiente esse número.
2.2.1 Critérios de inclusão
a) Adolescentes com idade entre 12 e 15 anos;
No projeto original foi sugerida inicialmente uma faixa mais ampla de idade, ou
seja, entre 7 e 15 anos. Com isso, nosso objetivo era constatar a existência ou não de uma
concentração maior de encaminhamentos em determinada faixa idade. Não incluímos
menores de 7 anos, para não correr o risco de avaliar crianças cujo processo de separação
dos pais tenha ocorrido num período muito precoce de seu desenvolvimento. Do contrário,
poderíamos nos defrontar com casos de privação e não de deprivação. Também não
incluímos adolescentes tardios, porque outras variáveis interferem nesta etapa de seu
desenvolvimento, como por exemplo, escolha profissional e o término de uma etapa
escolar.
A partir da discussão na Banca de Qualificação, e diante dos primeiros
encaminhamentos, decidimos restringir a faixa etária da pesquisa para a adolescência
inicial e média, tendo em vista que a demanda da escola pareceu estar relacionada com esta
faixa etária. Além disso, encontramos na literatura muitos estudos no contexto do divórcio,
focalizando as reações e percepções de adolescentes em idade semelhante (Freeman &
Newland, 2002; Dunlop et al., 2001; Harland et al., 2002; Souza; 2000; Wolchik et al.,
2002).
b) Indicadores de problemas de comportamento;
Este foi um dos critérios bem discutido com o Setor Psicopedagógico, que
considerou os seguintes desajustes: conduta desafiante, não cumprimento das tarefas
23
escolares; desatenção; agressividade verbal e/ ou física; mentira; desinteresse; dificuldade
de relacionamento com os colegas.
c) Não estar em atendimento psicológico;
Na medida em que a proposta era a realização de estudos de caso, considerou-se
que o fato do aluno estar em atendimento emocional poderia interferir nos resultados da
avaliação. Além disso, levando em conta que a pesquisa se propunha a uma investigação
profunda dos relacionamentos entre pais e filhos, nos pareceu que não seria ético, na
medida em que os procedimentos desta pesquisa poderiam interferir no próprio
atendimento em andamento.
d) Pais separados ou divorciados até no máximo 2 anos;
No projeto inicial, prevíamos incluir casos cujo tempo de separação fosse de até 5
anos. Decidimos reduzir o tempo para 2 anos, para evitar que outras variáveis pudessem
interferir nos sintomas, e também levando em consideração o que a literatura revisada nos
aponta sobre isso. O tempo de separação pode ser uma variável importante na adaptação do
filho frente ao divórcio dos pais (Hetherington & Stanley- Hagan, 1999; Kelly & Emery,
2003; Wallerstein & Kelly, 1998).
e) Autorização dos pais em participar da pesquisa;
O Setor Psicopedagógico da escola entrou em contato com os pais dos alunos
indicados, sugerindo a participação na pesquisa e apresentando para eles a carta de
apresentação da mestranda (Anexo B). Nesse momento, os pais assinaram um documento
concordando com a participação na pesquisa.
f) CBCL Problemas de externalização
Após a concordância dos pais em participar da pesquisa, o genitor que detinha a
guarda do filho recebeu do Setor Psicopedagógico um formulário do CBCL - Inventário de
Comportamentos da Infância e Adolescência (Achenbach, 1991), que foi preenchido por
24
ele e também por um dos professores. Os três adolescentes viviam com suas mães. A
utilização do CBCL neste momento teve por objetivo identificar, segundo a visão dos pais
e professores, adolescentes que apresentassem indicadores de problemas de
comportamento. Foram incluídos na pesquisa os alunos que tiveram escore clínico em
problemas de externalização. Esse critério foi adotado na tentativa de obter uma garantia
de que participariam da pesquisa aqueles que de fato apresentavam indicadores de
problemas na área da conduta.
2.2.2 Critérios de exclusão
a) Alunos com menos de 12 anos e mais de 15 anos;
b) Alunos apresentando problemas de aprendizagem apenas, sem problemas
comportamentais;
c) Alunos com diagnóstico de deficiência mental;
d) Alunos que estavam realizando psicoterapia ou outro tipo de atendimento
emocional;
e) Pais separados há mais de 2 anos;
f) Alunos que não concordaram em participar da pesquisa;
g) Alunos, cujos pais não concordaram em participar da pesquisa;
h) Resultados do CBCL não compatíveis com problemas de externalização.
2.3 Procedimentos
Em junho de 2006, a mestranda visitou duas escolas (uma do ensino privado e outra
da rede pública), ambas com alunos de classe média, situadas no bairro de seu consultório.
Neste contato, inicialmente foi colhido o parecer dos responsáveis pelo Setor
25
Psicopedagógico, com suas observações a respeito dos alunos que vivem no contexto do
divórcio parental.
Nas duas escolas, os depoimentos foram semelhantes. Em ambas foi referido que é
possível observar alguns casos que não modificaram o comportamento a partir do divórcio
parental. Nestes parece haver uma suficiente preservação dos cuidados básicos por parte
dos pais. Em outros casos, há uma mudança no comportamento depois do divórcio
parental. Nestes são observados um ou mais dos seguintes desajustes: dificuldades de
organização, tarefas não cumpridas, falta de material escolar apropriado, desinteresse.
Alguns desses casos também apresentam condutas mais desafiadoras e agressividade para
com os professores e/ou colegas. Os responsáveis pelo Setor Psicopedagógico da escola
associaram tais comportamentos às instabilidades e abandonos por parte de um dos pais.
Em ambas as escolas foram observados problemas de conduta mais acentuados na
adolescência. Porém, a intensidade dos problemas comportamentais variou de uma escola
para a outra. Na escola da rede pública, foram referidas condutas mais destrutivas e
violentas, tais como: roubo de pertences de colegas de aula, agressividade física dirigida a
colegas, afronta verbal aos professores. Na escola da rede de ensino privado, os problemas
mais observados foram o não cumprimento das tarefas, desafios verbais dirigidos aos
professores e brigas entre os colegas.
Num segundo momento da visita, foi feita a proposta de pesquisa. Em ambas as
escolas, houve total receptividade e concordância em relação à proposta, avaliando-a como
pertinente e bem vinda. Foi solicitado por parte da mestranda autorização da direção da
escola, que emitiu um parecer positivo. Um mês depois, a escola de ensino privado
encaminhou o primeiro caso. Na mesma época, a escola da rede pública suspendeu sua
participação no estudo, por que o Setor Psicopedagógico precisou ser fechado por tempo
indeterminado, devido à falta de professores na escola.
26
Por ocasião do primeiro encaminhamento, a mestranda buscou na escola a carta
consulta assinada pela mãe e pelo pai e o protocolo do CBCL preenchido. Esse
procedimento foi seguido em todos os casos sugeridos pela escola. Dos 4 casos
encaminhados, excluímos um deles, cujo resultados do CBCL não era compatível com
problemas de externalização.
Os pais já tinham conhecimento que o estudo de caso seria realizado no consultório
da mestranda. Após a confirmação dos resultados do CBCL, indicando escore clínico em
problemas de externalização, a mestranda fazia seu primeiro contato com a mãe dos
adolescentes, que detinham a guarda do filho. Em um contato telefônico, em que se
verificou os horários disponíveis para a realização do estudo, marcava-se então a primeira
entrevista com a mãe no consultório.
Após ter sido concluída a coleta de dados com a mãe, a mestranda entrava em
contato com o pai, da mesma forma como fez com a mãe, para dar continuidade à coleta.
Depois de concluídas as entrevistas com os pais, eram realizadas as entrevistas com os
adolescentes. Os horários para as entrevistas dos adolescentes eram inicialmente
combinados com as mães. Depois eram recombinados com eles na sua primeira entrevista.
2.3.1 Procedimentos Éticos
O projeto de pesquisa foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa da
UNISINOS, que o aprovou, sob o registro nº CEP 07/021 (Anexo A). O comitê também
aprovou a carta consulta da mestranda (Anexo B) e o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo C).
O TCLE apresenta os esclarecimentos necessários apresentados a cada um dos pais
na primeira entrevista. Foi neste momento que os pais assinaram o documento. A coleta de
dados só foi iniciada depois desse momento.
27
2.3.2 Procedimentos de Coleta de Dados
Para a realização do Estudo de Caso foram utilizados os seguintes instrumentos e
procedimentos:
a) Child Behavior Checklist (CBCL) - Inventário de Comportamentos da Infância e
Adolescência (Achenbach, 1991).
Como mencionado, este instrumento foi aplicado antes do início das entrevistas.
Consiste em um teste validado internacionalmente e utilizado para investigar
manifestações clínicas na infância e adolescência. No Brasil, o CBCL foi adaptado por
Bordin, Mari, e Caeiro (1995). Escores acima de 63 pontos são considerados como
categoria clínica. Esta pontuação é utilizada na versão americana e brasileira. O teste é
composto de duas partes, a primeira das quais avalia a competência social da criança ou do
adolescente em áreas como atividades (esportes, hobbies, tarefas domésticas),
relacionamentos sociais e performance escolar; a segunda parte apresenta uma lista de 113
comportamentos e/ou sintomas que podem ou não estar presentes em maior ou menor
intensidade, nas seguintes áreas (problemas de externalização: comportamento de quebrar
regras e comportamento agressivo; problemas de internalização: ansiedade/depressão,
isolamento e queixas somáticas; outros problemas: problemas de pensamento, problemas
de atenção e problemas sociais).
b) Entrevistas com os Pais
Por se tratar de pais divorciados, foram realizadas entrevistas individuais com as
mães e pais dos adolescentes. O número de entrevistas com eles não foi determinado a
priori, respeitando-se com isso as características e necessidades de cada caso.
Na primeira entrevista com cada pai foi feito, primeiramente, um esclarecimento
quanto à participação na pesquisa, explicando-lhes as etapas. Após concordância, obteve-
se o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (Anexo C) e iniciou-se a Anamnese.
28
A Anamnese foi realizada com o intuito de coletar dados a respeito da história do
adolescente, bem como da história familiar, da relação dos pais entre si, com os filhos e
com o meio familiar próximo (Aberastury, 1984; Coppolillo,1990). Com a coleta de dados
feita, é possível formar um “juízo aproximado sobre as relações do grupo familiar e em
especial do casal” (Aberastury, 1984, p.81), baseado na impressão deixada pelas
entrevistas ao reconsiderar todas as informações recolhidas.
Os dados que os pais nos colocam à disposição nem sempre são exatos; ao
contrário, às vezes são deformados ou superficiais. Durante a entrevista podem omitir
dados, devido à angústia que esse conhecimento provoca (Aberastury, 1984). Por isso,
optou-se pela entrevista semi-estruturada, para conseguir obter os dados mais relevantes,
que freqüentemente não são falados espontaneamente, com o cuidado de não parecer um
interrogatório, com os pais sentindo-se julgados. Este modelo de entrevista é um
procedimento que tem sido amplamente usado em pesquisas qualitativas (Flick, 2004). As
questões norteadoras dessas entrevistas são apresentadas no Anexo D.
Um aspecto que foi bastante explorado nas entrevistas com os pais é a história do
conflito que levou à separação, bem como o nível de relacionamento atual entre os pais e a
descrição do relacionamento com os filhos, antes, durante e depois do divórcio.
c) Entrevistas com os Adolescentes
Na primeira entrevista, foi examinado o assunto da vinda até a consulta, bem como
obtida uma visão geral da vida do avaliado.
A primeira e as demais foram entrevistas semi-estruturadas, enfocando questões
relacionais. No geral, foram abordadas com o adolescente suas percepções e sentimentos
em relação ao divórcio parental, bem como seus relacionamentos com as figuras parentais,
antes, durante e depois da separação.
O protocolo seguido nas entrevistas com os adolescentes encontra-se no Anexo E.
29
d) Desenho da Família
O Desenho da Família é considerado um teste de personalidade, que informa os
conflitos íntimos da criança. Este instrumento permite que ela projete as tendências
recalcadas em seu inconsciente, podendo assim revelar os verdadeiros sentimentos nutridos
pelos membros de seu ambiente familiar (Corman, 2003). “A maneira pela qual a criança
se situa no ambiente de uma família de sua escolha, introduz-nos na própria causa de seus
problemas e de suas dificuldades” (p.177).
e) HTP-Casa-Árvore-Pessoa
A técnica projetiva de desenho da Casa-Árvore-Pessoa tem sido utilizada há mais
de 50 anos para obter informação sobre “como uma pessoa experencia sua individualidade
em relação aos outros e ao ambiente do lar” (Buck, 2003, p.1). Nesta versão atual do HTP,
houve a preocupação de preservar a riqueza dos manuais anteriores de John Buck e, ao
mesmo tempo, melhorar o acesso aos conceitos clínicos interpretativos. Quando
relacionadas à entrevista e a outros instrumentos de avaliação, as informações do HTP
podem revelar conflitos e interesses gerais do indivíduo, como também, aspectos
problemáticos do ambiente.
f) Teste das Fábulas
Utilizado com as crianças e com os adolescentes, o Teste das Fábulas (Cunha &
Nunes, 1993) é um instrumento útil para a compreensão psicodinâmica. Permite identificar
crises situacionais e de desenvolvimento, conflito neurótico, transtornos neuróticos e
psicóticos. É rico também para identificar a natureza das relações entre a criança ou
adolescente e seus pais ou cuidadores.
g) Entrevistas de devolução
Após a análise dos dados, foram feitas entrevistas de devolução para os pais e para
os adolescentes, individuais ou conjuntas, dependendo de cada caso, com intervenções
30
focais, de acordo com a demanda de cada caso estudado. Como propõe Coppolillo (1990),
ao rever os dados encontrados no estudo realizado, devem ser realizadas entrevistas com
recomendações que são essenciais no momento, sempre respeitando os valores morais e
culturais de cada família em particular.
Este foi também um compromisso assumido com os participantes desse estudo, ou
seja, eles tinham consciência, e de alguma forma esperavam por isso, que receberiam um
retorno a respeito do entendimento da situação como um todo, bem como do significado
dos sintomas do adolescente.
2.3.3 Procedimentos de Análise dos Dados
Todas as entrevistas com os pais foram gravadas e posteriormente transcritas sob
autorização. As entrevistas com os adolescentes foram relatadas detalhadamente, de forma
dialogada, incluindo a descrição de seu comportamento não verbal e das respostas ao
mesmo da pesquisadora.
Os testes foram interpretados de acordo com a instrução referente a cada
instrumento. Foram também comparadas as respostas do CBCL emitidas pelos pais e
pelos professores.
O conjunto dos dados de cada estudo de caso foi analisado com base no referencial
teórico psicanalítico, especialmente nas contribuições de Winnicott, e na revisão de
pesquisas sobre o divórcio.
A estratégia analítica geral adotada foi baseada em proposições teóricas, de acordo
com Yin (2005). Foram percorridas as seguintes etapas:
1º. Passo:
Realizou-se uma descrição abrangente de cada caso, organizada de forma
cronológica (seguindo os eventos importantes da história da vida familiar dos
31
adolescentes, de acordo com a percepção dos seus pais e a sua própria) e temática com
base nas seguintes categorias de análise: “relacionamentos entre os adolescentes e seus
pais”, conforme foram descritos por ambos, “eventos significativos de vida”, na percepção
de ambos, “eventos estressores”, também na percepção de ambos, “organização da
personalidade do adolescente, auto-conceito e percepção do ambiente”, baseada no HTP,
“representações inconscientes das relações com os objetos primários”, baseada nos
resultados do Teste do Desenho da Família e do Teste das Fábulas.
2º. Passo:
Foi utilizada a técnica de Construção da Explanação (Yin, 2005), com o objetivo de
analisar exaustivamente os dados de cada estudo de caso e construir uma explanação
psicodinâmica sobre o mesmo. Todos os dados (entrevistas e testes) e resultados foram
integrados na compreensão geral do estado afetivo e psicossocial do adolescente,
identificando a ocorrência de experiências de deprivação emocional e sua relação com o
divórcio parental, ou outros eventos que tiveram algum impacto sobre as relações objetais
significativas dos adolescentes avaliados.
No projeto original da pesquisa foi previsto também um terceiro passo para a
análise, ou seja, a técnica de Análise de Séries Temporais, na modalidade cronológica
(Yin, 2005). Porém, esse passo foi incorporado ao 2º passo. Com a Construção da
Explanação foi possível explorar os eventos ao longo da história de vida do adolescente,
identificando a ocorrência de experiências de deprivação emocional e discriminando as
diversas variáveis e eventos envolvidos na dinâmica do caso, de acordo com nossos
objetivos iniciais. Portanto, depois de realizarmos a Construção da Explanação iniciamos a
Síntese de Casos Cruzados, que constituem o 3º passo de análise dos dados.
32
3º. Passo:
Foi utilizada a técnica de Síntese de Casos Cruzados (Yin, 2005), com o objetivo de
confrontar os resultados obtidos na análise de cada caso em particular, identificando
convergências e divergências e buscando, desta forma, evidências que auxiliassem a
identificar ou não as associações entre experiências de deprivação, divórcio parental e
comportamento anti-social nos adolescentes avaliados.
3 Resultados e Discussão
Em todos os estudos de caso realizados seguiu-se a seqüência planejada. Houve
variabilidade quanto ao número de entrevistas necessárias para a coleta dos dados iniciais,
bem como para as entrevistas de devolução. Estas, particularmente, foram determinadas
pela capacidade de compreensão e assimilação das questões levantadas pela mestranda.
Basicamente, apontou-se nos três casos a necessidade de resgatar a continuidade dos
cuidados parentais, que ficou fragilizada a partir da vivência do divórcio. Além disso,
discorreu-se também a respeito do significado dos sintomas que os adolescentes estavam
apresentando. A devolução foi baseada no levantamento de dados e análise subseqüentes
de cada um dos casos. Em todos, foram sugeridos encaminhamentos para atendimento
psicológico.
No primeiro caso foram realizadas entrevistas conjuntas com a adolescente e sua
mãe e com a adolescente e o pai. Este procedimento foi adotado por solicitação da
adolescente que manifestou a necessidade de verbalizar para os pais suas percepções e
sentimentos acerca dos relacionamentos que tinha com eles.
33
A tabela 1 apresenta os dados gerais de identificação de cada caso. A tabela 2
registra o número de entrevistas realizadas, bem como os instrumentos utilizados no estudo
de caso.
Tabela 1
Dados gerais dos estudos de caso
Casos
selecionados
Idade Sexo Escolaridade Tempo de
separação dos
pais
Caso 1 12 F 6ª série 8 meses
Caso 2 13 M 8ª série 4 meses
Caso 3 15 M 2ª série
2º grau
1ano e 6 meses
34
Tabela 2
Número de encontros para cada instrumento
Caso 1 Caso 2 Caso 3
Entrevistas semi-estruturadas com mãe 2 3 3
Entrevistas semi-estruturadas com pai 1 2 2
Entrevistas semi-estruturadas com adolescente 3 2 3
Sessões de testagem psicológica 3 3 3
Entrevistas conjuntas com adolescente e mãe 2 0 0
Entrevistas conjuntas com adolescente e pai 1 0 0
Entrevistas de devolução com adolescente 3 3 4
Entrevistas de devolução com mãe 1 2 1
Entrevistas de devolução com pai 1 2 1
Total de encontros 17 17 17
3.1. Caso 1
3.1.1 Descrição
Nome da Adolescente: Patrícia 12 a.
Nome da Mãe: Sandra
Nome do Pai: Antônio
Dois meses depois da separação dos pais, Patrícia começou a manifestar desajustes
na escola que não apresentava nos anos anteriores, tais como: desinteresse pelo estudo,
decréscimo no rendimento, afronta aos professores, “ficar” (beijar) com os guris no pátio
35
da escola. Em função disso, os pais foram chamados pelo Setor Psicopedagógico. Patrícia
iniciou esta avaliação 8 meses depois da separação dos pais.
A separação do casal ocorreu por iniciativa de Sandra. O motivo alegado foi a
descoberta de um relacionamento extra-conjugal de Antônio. Desde a separação, ele mora
com esta nova companheira. No entanto, freqüenta a casa, onde mora a ex-esposa com as
duas filhas, manifestando o desejo de reconciliação. Sandra, no momento da avaliação,
tinha um namorado que não freqüentava a casa.
A mãe descobriu o envolvimento do marido, escutando uma conversa telefônica
dele com um amigo. Familiares e amigos do casal sabiam deste relacionamento, iniciado
um ano antes. Depois da descoberta, Sandra verbalizou que lutou muito para manter o
casamento. Relatou episódios de agressividade de sua parte, batendo, por exemplo, na
amante, fazendo ‘escândalos’ em público. Alguns meses antes da avaliação, depois de
Antônio ficar três dias fora de casa, “mandou-o” embora.
O relacionamento extra-conjugal do pai coincidiu com o início de uma crise
econômica na família. Segundo relato de ambos os pais de Patrícia, o setor no qual
Antônio trabalhava foi perdendo mercado havendo não apenas uma queda econômica, mas
o acúmulo de dívidas, que existem até hoje. Ambos os pais de Patrícia trabalham
exaustivamente. Além disso, Antônio tem passado por mudanças de emprego.
Segundo Sandra, o casal se conheceu há quinze anos. Na ocasião, ela, com pouco
mais de vinte anos, tinha sua independência financeira. Começaram a namorar e logo
decidiram morar juntos no apartamento dela. Quando passavam por uma crise, em que se
questionavam quanto à continuidade ou não desse relacionamento, Sandra engravidou de
Patrícia. A partir daí, decidiram permanecer juntos. Casaram por pressão da avó paterna de
Patrícia. A partir daí viveram um relacionamento muito bom por dez anos.
36
Sandra definiu-se como uma pessoa de temperamento bem difícil, sendo muito
explosiva. Sempre foi muito independente, desde criança. Relatou que, entre seus irmãos,
era o “xodó” do pai. Costumava dormir com ele até onze anos de idade, devido à doença
de sua mãe, constantemente hospitalizada. Relatou que teve dificuldade de relacionamento
com a mãe, uma pessoa de difícil convívio. Acredita que seu pai não se separou da mesma
por ele ser muito tolerante. O pai faleceu há alguns anos de infarto.
Antônio definiu-se como uma pessoa calada. Seus pais sempre tiveram muita
dificuldade em dialogar. Lembra disso marcadamente quando tinha seus 15-16 anos.
Verbalizou que seus pais criaram um “monte de filhos” e nunca perguntaram “o que o filho
deles queria”... “Nunca me deram esse carinho, essa conversa, essa interação... essa
comunicação toda”. Pensa que hoje repete com suas filhas o mesmo padrão.
No momento atual, percebe-se confuso, com dificuldade de assumir suas próprias
atitudes. Relatou que se sente muito culpado pela crise financeira que a família vive
atualmente e, ao contrário do que a ex-mulher pensa, o relacionamento extra-conjugal
começou depois do início da crise financeira. Afirmou que, apesar de ter vivido um
casamento muito bom por dez anos, apaixonou-se por outra mulher. Como ele passou a
desejar a separação, começou a se afastar da família. Verbalizou inclusive que foi deixando
as filhas cada vez mais aos cuidados da mãe, “de propósito”. Queria que elas ficassem
“dependentes da mãe”. Foi deixando estas pistas, porque queria a separação. Hoje, no
entanto, comentou que gostaria de retomar seu casamento, pois está arrependido.
Os pais de Patrícia comentaram que durante todo esse processo de brigas nunca
conversaram com as filhas sobre esta crise. A mãe referiu que a única informação que a
filha tinha é de que o pai foi embora com outra pessoa e que, neste momento, a mãe tem
um namorado. Patrícia não comentou nada sobre a separação, nem expressou sentimento
de falta do pai; ao contrário da sua irmã que diz: “Eu quero o meu pai de volta”. A mãe vê
37
semelhança da filha menor com ela (de expressar mais as emoções) e da Patrícia com o pai
(de serem mais calados). Segundo o pai, no momento da separação, pediu a Patrícia que
desse apoio à mãe.
Patrícia foi descrita pelos pais como calada. Segundo a mãe, “prefere ficar
angustiada, na dela, e remoer, do que dar o gosto de botar pra fora”. Sempre demonstra
tranqüilidade, até nos momentos difíceis. É detalhista, gosta de tudo no lugar
“arrumadinho”. Sempre foi ótima aluna e de poucas amigas.
Segundo os pais, Patrícia foi criada com “muito mimo”, sendo primeira filha e
primeiro bebê da família. Conforme a mãe, não foi amamentada. “Ela não quis, eu também
não tava com muita paciência”. Até o nascimento da sua irmã, a menina tinha o hábito de
adormecer junto com a mãe, na cama dos pais. Depois de adormecer, os pais a levavam
para o seu quarto. A mãe engravidou quando ela tinha dois anos e meio. Neste período,
Patrícia mostrava-se muito irritada. Chegou a cuspir no rosto da mãe, quando esta falou
que “vinha a mana” e que esta ficaria no quarto da mãe (de alguma forma tomando o lugar
até então ocupado por Patrícia). No dia em que a irmã nasceu, escondeu-se num canto do
quarto. Até os 5 anos, em seu próprio quarto, Patrícia ainda precisava da mão da mãe para
adormecer.
Patrícia sempre teve um relacionamento próximo com o pai. Chegou a ter febre
numa ocasião em que o pai viajou. No apartamento onde moravam, costumava engatinhar
procurando por ele. O pai também verbalizou que tinha um relacionamento muito próximo
com a filha até aproximadamente a época em que a irmã nasceu, coincidindo com uma
mudança de residência da família e o início da ascensão econômica, que levou o pai a
dedicar-se muito aos negócios.
Quando Patrícia tinha 3 anos, o avô paterno passou a ter problemas cardíacos. A
mãe então se envolveu nos cuidados dele até o momento do falecimento, quando a menina
38
tinha aproximadamente 5 anos. Patrícia iniciou atendimento psicológico aos 7 anos, porque
na ocasião ainda manifestava medos (de ficar sozinha, de máscaras). Fez psicoterapia por
alguns meses e os medos, segundo a mãe, desapareceram.
Um ano mais tarde, com 8 anos, começou a trabalhar na casa uma empregada que
permaneceu com eles até meio ano depois da separação do casal. Ficou muito próxima e
amiga de Patrícia, influenciando, segundo os pais, negativamente, nas questões de
sexualidade, pois costumava assistir na televisão a programas impróprios. Os pais acham
que esse fato estimulou precocemente a sexualidade da menina e que é por isso que ela, no
momento, está voltada a namorar e ‘ficar’ com os meninos.
Até então não demonstrava nenhum problema em seu comportamento ou qualquer
tipo de contrariedade. O único sinal que ela deu de insatisfação foi no ano anterior, quando
decidiu parar uma atividade física (que fez por quatro anos), alegando que a professora
gritava muito. Neste ano, fez o mesmo comentário em relação à uma das professores da
escola. Os professores, no entanto, queixaram-se de que ela grita e “bate boca”, o que os
surpreende, na medida em que a menina sempre estudou nessa escola e jamais manifestou
tais comportamentos. Também impactou os professores o fato dela dar “beijos de novela”
em pleno pátio da escola. Em casa, a partir da separação do casal, a menina passou a isolar-
se no quarto. Dois meses depois da separação, Patrícia teve a menarca.
Durante o processo de avaliação (coleta de dados), Patrícia foi encontrada na escola
fumando cigarro em grupo. A menina pegou cigarros da própria mãe, sem esta saber, e
levou para a escola. Com essa atitude, a mãe passou a pensar que a menina estava tentando
“se vingar” dos pais.
Patrícia, desde a primeira entrevista, mostrou-se falante, não só respondendo às
questões, como também verbalizando espontaneamente situações relacionadas ao seu
momento atual. Acreditava que tinha sido indicada para esta avaliação porque dizia muitos
39
palavrões (idiota, burra, vagabunda). Segundo ela, a irmã também diz. Acrescentou que
outra questão relevante foi o fato de ter “ficado” com um colega seu no pátio da escola.
Comentou nesse momento que continua “ficando escondido” com este menino. Em relação
à escola, às vezes “esquece as coisas” na hora da prova. Tem medo que a mãe a coloque
num internato. Por outro lado, isso teria um lado bom, pois acredita que a mãe não iria
deixá-la lá por muito tempo.
No que diz respeito à separação dos pais referiu: “Meus pais estão separados, mais
ou menos. Ele saiu de casa, tinha outra pessoa. Então parece que ele se tornou meio
estranho para mim”... “mais distante”. Segundo Patrícia, ninguém falou nada para ela
quanto à separação, mas reconheceu que acompanhou todo o processo. Sabia tudo pelos
gritos dos pais; às vezes escutava atrás da porta, “não porque quisesse”, mas porque era
impossível “não escutar”. Comentou: “Percebia e ficava na minha”. Contou tudo o que
ouviu para a empregada e esta confirmou.
Tem conhecimento de que a mãe bateu na atual namorada do pai, mas acredita que
quem deveria também ter apanhado era ele. Não entende por que o pai fica brabo dela (a
filha) ‘ficar’ com um menino na escola. “E o que ele fez para minha mãe?” “Tinha vontade
de dizer isso para o pai”, porque “ele também aprontou”.
Numa das sessões verbalizou que o pai está morando agora numa casa, separado da
atual companheira e está querendo voltar para mãe. Um dia trancou a mãe no quarto para
que ela não saísse. Noutra sessão comentou que o pai ia voltar a morar com elas. Em outra,
disse que isso não aconteceu; enfim, mudanças constantes durante o processo de avaliação.
Em relação ao pai comentou: “Quando o pai tá junto eu não gosto de ficar perto, pois os
dois brigam muito e discutem”.
Queixou-se que a mãe costuma dizer muito não, xinga muito, sempre está do lado
da sua irmã. Não consegue conversar com a mãe, pois esta não a escuta. Disse: “A minha
40
mãe sempre foi de me ouvir, de conversar, ela parou de ouvir”. “Eu não tenho mais
vontade de assistir TV com minha mãe”. Ressente-se com ela pelo fato da mesma estar
trabalhando muito e, quando está em casa, fica dormindo, além de não mais levar as filhas
para passear. Com isso, Patrícia verbalizou que acaba ficando mais no seu quarto. Em
seguida, tentando racionalizar a situação, justificando que já está mesmo na idade de ficar
no quarto.
Em relação à crise financeira, comentou que houve mudanças no orçamento da
família. Porém, no decorrer da avaliação, Patrícia demonstrou estar mais mobilizada com
as mudanças nos relacionamentos que tem com os pais, do que propriamente com as
questões financeiras da família. E acabou sugerindo conversar estas questões em conjunto
com eles, em entrevistas separadas com cada um.
Síntese da Testagem Psicologógica
a) HTP
A análise do HTP revela que o auto-conceito de Patrícia é marcado por
insegurança, sentimentos de inadequação e necessidade de apoio. Há indicadores de
regressão, infantilidade.
O ambiente não é percebido como acolhedor e suficientemente suportivo.
indicadores de retraimento, reserva e vivência do mundo como ameaçador e restritivo.
Os desenhos indicam um componente depressivo, e um esforço e vigilância para
manter a integridade do ego. A depressão parece mascarada por uma negação maníaca e
tendência à superficialidade e à oposição. Também revela uma necessidade de controle,
com traços mais obsessivos.
A análise do HTP permite levantar a hipótese de vivências traumáticas importantes,
com repercussões sobre as relações interpessoais. O componente depressivo parece estar
41
associado à vivência da perda do holding familiar, aspecto que fica mais claro no inquérito
(“a melhor casa era a que tinha aos três anos”, com seu quarto perto dos pais).
b) Teste do Desenho da Família
O desenho revela indicadores de aspectos depressivos e sentimentos de perda, com
uma imagem negativa de si mesma.
Há uma valorização da mãe, que é vista como uma figura forte e, ao mesmo tempo,
mais infeliz. Há uma tendência a desqualificar o pai, associado a uma figura “interesseira”
e movida por “desejos”. Há também indicadores de conflitiva fraterna.
Neste desenho, a menina reproduz verbalmente com muita clareza a conflitiva
familiar atual: trata-se de pessoas que “eram bem felizes....o pai um dia... separou pra ficar
com a outra mulher. E as crianças ficaram sozinhas, porque a mãe ficou preocupada com a
vida dela e um dia a mãe achou um cara legal e as crianças não quiseram aceitar ele como
padrasto. Daí se separou do cara e deu mais amor para os filhos”. Fica claro o desejo de
resgatar o cuidado materno.
c) Teste das Fábulas
A interpretação deste teste revela o predomínio de fantasias de abandono, privação
e rejeição em relação às figuras paternas, em especial à mãe. O estado emocional revelado
é de tristeza, medo, solidão e desamparo. Por outro lado, revela raiva e rebeldia ao mesmo
tempo que culpa e ambivalência.
Patrícia utiliza defesas tais como projeção, racionalização e negação; esta por vezes
maníaca. Diante das dificuldades por vezes foge (“ele iria se esconder para dentro do
ninho...depois que parasse o vento... piar para chamar os pais dele para eles buscarem
ele”).
Em relação à figura materna revela sentimentos de perda e um forte desejo de
resgatar os cuidados perdidos. Aparece o pai como o causador da crise familiar (“ele o
42
pai- tava brincando no mar e daí saiu uma onda muito grande e puxou eles e aí eles se
afogaram”). Além disso, percebe o pai em estado de ‘colapso’.
O teste também revela que a separação dos pais é uma experiência presente que
provoca sentimentos de pesar e perda, principalmente em relação à figura materna.
3.1.2 Análise
A constituição da família Sandra-Antônio iniciou numa relação de desigualdade. A
mãe de Patrícia, uma mulher autoritária e decidida, tinha sua independência,
diferentemente do pai, mais frágil e passivo, que se adaptou ao sistema de vida dela.
Patrícia chegou ao mundo numa posição de poder também, pois foi a partir de sua gestação
e nascimento que o casal decidiu permanecer juntos, casando-se posteriormente.
O início de vida da menina foi marcado pela ambivalência no relacionamento entre
mãe e filha, expressa na vivência da amamentação. De um lado, a mãe verbalizou que a
menina não queria, de outro reconheceu que ela mesma (a mãe) “não tinha paciência”.
Apesar desse impasse, Patrícia continuou a ocupar no início de sua vida um espaço
importante, na posição de primeira filha e neta. Até os 2 anos, teve um relacionamento
muito próximo com a mãe e também com o pai. Costumava adormecer com a mãe na cama
desta, além de engatinhar atrás do pai, que também era mais próximo dela.
Por volta dos 2 anos, a mãe engravidou novamente. A menina, segundo a mãe, não
aceitava essa situação. Chegou a cuspir no rosto da mãe, quando esta anunciara que sua
irmã ocuparia o lugar que de alguma forma pertencia à Patrícia, no quarto da mãe.
Provavelmente, a menina sentiu que seu espaço seria roubado pela irmã. Quando esta de
fato nasceu, Patrícia refugiou-se num canto do quarto, numa tentativa de negação desta
situação. Podemos entender que a menina estaria vivendo um estado de deprivação. Como
define Winnicott (1956/2000), este se instaura a partir da fase de dependência relativa,
43
quando a criança no seu início de vida recebeu cuidados suficientemente bons que foram
retirados de maneira abrupta, levando a uma aflição intolerável. No caso de Patrícia,
aconteceu também por ocasião do nascimento de sua irmã o afastamento do pai que passou
a se envolver cada vez mais em seu trabalho. Podemos refletir neste ponto que o pai não
conseguiu oferecer à filha um holding que atenuasse seus sentimentos de desamparo em
relação à perda do espaço que ela tinha com a mãe. Portanto, é provável que Patrícia tenha
vivido um estado de deprivação materna e paterna.
Patrícia começou a apresentar medos de ficar sozinha, como também de máscaras.
Possivelmente, tais medos tinham uma conexão com seus sentimentos de desamparo e
abandono, associados à vivência da deprivação. Os medos persistiram até os 7 anos,
quando então a menina fez psicoterapia com boa evolução. Até os 11 anos, não há
evidências e relato de outras dificuldades. Pelo contrário, Patrícia mostrava-se adaptada
tanto na família como no ambiente escolar. Talvez essa adaptação tenha sido construída na
base de um falso self
3
, rompido por ocasião do início da transição adolescente e familiar.
De acordo com as pesquisas revisadas sobre o tema do divórcio, no período inicial
da separação é comum aparecerem nos filhos dificuldades e sintomas, principalmente
problemas de comportamento (Almeida et al., 2000; Cohen, 2002; Harland et al., 2002;
Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Sourander & Helstelã, 2005). Também pode
acontecer queda de rendimento escolar, problemas de ajustamento e de relacionamento
interpessoal (Amato, 2001; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002). O que foi
relatado pelos pais é que os desajustes de Patrícia começaram a se manifestar dois meses
depois que o casal decidiu se separar, coincidindo evolutivamente com a transição da
menina para a fase adolescente, esta simbolicamente marcada pela menarca.
3
Segundo Winnicott (1960/1988) o falso self é construído por submissão ao ambiente.
44
Patrícia começou a isolar-se no quarto. No ambiente escolar, surpreendendo os
professores, passou a manifestar comportamentos que não tinha apresentado até então:
desinteresse pelo estudo, decréscimo no rendimento, comportamento de afrontar
verbalmente os professores, “ficar” (beijar) com os guris no pátio da escola. Durante a
coleta de dados, Patrícia ‘furtou’ um cigarro da sua mãe e foi encontrada na escola
fumando. Os pais atribuíram inicialmente os desajustes no comportamento como
conseqüência da adolescência. Para compreendermos o significado dos sintomas de
Patrícia é preciso analisar as diversas variáveis envolvidas e inter-relacionadas nesse
contexto, sem, no entanto, desconsiderar as questões peculiares da adolescência.
Segundo Kelly e Emery (2003), sentimentos associados à raiva, comoção e
descrença podem aparecer neste período inicial, o que foi detectado também em Patrícia,
decepcionada com os pais. Para Patrícia, o pai é visto por ela como o causador da crise
conjugal e familiar, sentido hoje como “um estranho”. Por outro lado, a menina queixou-se
que sua mãe “parou de ouvir”, referindo-se ao fato da mãe estar mais afastada das filhas e
dedicada intensamente ao trabalho. Essa constatação também tem conexão com as
conclusões de Amato (2001) e Dunn (2004), destacando que a manutenção dos desajustes
e/ou ressentimentos e decepções com uma das figuras parentais é frequentemente
associada nos estudos sobre o divórcio com a diminuição da qualidade da parentalidade
exercida após o divórcio. Não só nas entrevistas realizadas como também na testagem
psicológica ficou claro que houve um afastamento dos pais de suas funções parentais.
O pai chegou a verbalizar que foi gradativamente se afastando das filhas, antes
mesmo da separação, para que estas ficassem aos cuidados da mãe. De acordo com Souza
(2000), muitas modificações ocorrem na vida dos filhos antes da separação sem que estes
tenham uma noção clara do que está acontecendo e do que vem pela frente.
45
Os pais de Patrícia, fragilizados com o processo de rompimento do casamento
mostravam-se preocupados em decidir questões relacionadas à separação, buscando
alternativas para lidar com a crise econômica da família. Além de terem possivelmente
desamparado suas filhas, o casal vive hoje em constante conflito, entre mágoas,
ressentimentos da mãe pela traição do pai e tentativas de reconciliação por parte deste.
Segundo Souza (2000) o nível de conflito parental é um fator significativo para a
adaptação dos filhos, além da falta de previsibilidade de eventos da vida cotidiana.
O tipo de vínculo que as crianças estabelecem com seus pais também é uma
variável importante no enfrentamento do divórcio parental (Ramires, 2004). Certamente,
vai havendo uma modificação nesses relacionamentos com o passar do tempo, tendo em
vista as demandas de cada idade. Na adolescência a transformação dos vínculos não
significa uma ruptura com a família (Outeiral, 2008). De qualquer forma, as mudanças nos
vínculos são sempre alicerçadas nas interações vivenciadas (Souza e Ramires, 2006).
Neste sentido, é preciso relembrar a história dos relacionamentos entre Patrícia e os
pais. Como foi citado anteriormente, a menina já havia experimentado o complexo de
deprivação aos dois anos, quando teve de enfrentar dolorosamente o processo de separação
da sua mãe, com a gravidez da irmã, além do afastamento do pai. Patrícia parece estar
neste momento revivendo este estado, denunciado através das manifestações de tendência
anti-social. Para Winnicott (1971/1984), o ato de furtar está associado à deprivação
materna, ao passo que a falha nos limites, necessárias para o auto-controle, é fruto da
deprivação paterna. Fica claro no episódio do furto do cigarro da carteira da mãe, os
indícios de deprivação materna. Além disso, a falta de limites e de repressão, demonstrados
através do ato de “ficar” com meninos no ambiente escolar e a discussão com professores
denunciam a deprivação paterna. Embora tente usar de negação, Patrícia reconheceu: “A
46
minha mãe sempre foi de me ouvir, de conversar, ela parou de ouvir”.. O pai “parece que
se tornou meio estranho para mim... mais distante”.
Conseqüentemente, a história dos relacionamentos entre Patrícia e seus pais, o
conflito parental, o afastamento dos pais das funções parentais ficaram possivelmente
potencializados, no momento em que a menina ingressou no mundo adolescente. Precisa
lidar com o desamparo dos pais e, ao mesmo tempo, elaborar a perda do corpo infantil,
com a vivência da menarca. Segundo Wagner et al.(1997), integrar as demandas da fase
adolescente num cenário familiar em pleno processo de modificação significa muitas vezes
deparar-se com um agravamento das crises inerentes à adolescência. Provavelmente, foi o
que aconteceu com Patrícia.
Neste ponto, é preciso compreender o quadro de Patrícia também à luz dos estudos
do divórcio envolvendo adolescentes. No estudo qualitativo de Ramires (2004) pré-
adolescentes entre 10 e 13 anos demonstraram sentimentos de culpa e temores de
retaliação em relação ao genitor não residente, raiva e tristeza. Tais aspectos são em parte
encontrados em Patrícia, tanto nas entrevistas como na testagem. A cólera é
frequentemente encontrada em filhos que vivem em famílias reconstituídas, conforme
Mahon, Yarcheski e Yarcheski (2003). A menina critica a figura paterna, ao mesmo tempo
em que se identifica com ele. Este aspecto fica claro quando afirmou que o pai não pode
recriminá-la pelo fato dela ter “ficado” com um menino na escola, pois ele “também
aprontou”.
O estudo de Harland et al. (2002) detectou um índice maior de problemas
comportamentais entre 12 e 16 anos nos filhos provenientes de famílias reconstituídas. No
contexto do divórcio, os estudos de Hines (2007), Kelly e Emery (2003) e Storken et al.
(2005) destacam que os problemas de ajustamento e problemas acadêmicos aparecem mais
em adolescentes meninos do que as meninas. Tais estudos indicam que estas têm risco de
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engravidar mais cedo, aspectos esses associados à ausência paterna. Neste aspecto,
podemos entender que a deprivação paterna pode estar levando Patrícia a uma sexualização
precoce, com falhas na repressão.
No caso de Patrícia os diversos problemas de ajustamento e acadêmicos já referidos
anteriormente parecem ser aguçados pela reedição do estado de deprivação não só paterna,
como materna. Portanto, ela sofre a descontinuidade dos cuidados de ambas as figuras
parentais, o que certamente potencializou os sintomas. Estes passam a ser entendidos como
um pedido de socorro, como descreve Winnicott.
Também é preciso considerar a personalidade, descrita como um fator facilitador
ou não na adaptação pós-divórcio (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Ruschena, Prior,
Sanson & Smart, 2005). Patrícia é descrita pelos pais como introvertida e reservada. Além
disso, a dificuldade de comunicação entre ela e os pais, aliada às dificuldades dos próprios
pais em conversar sobre esse momento de vida colaborou para que a menina desenvolvesse
sintomas, de certa forma expressando sua dor e desamparo.
Patrícia, inicialmente, não fez nas entrevistas uma associação entre tais
comportamentos e seus sentimentos de abandono, negando-os em alguns momentos. No
entanto, queixou-se muito do comportamento dos pais. Os sinais de deprivação ficaram
bastante claros na testagem realizada, com indícios que reforçaram a idéia de que existia
algo bom no seu passado que foi perdido, além das questões atuais. Por exemplo, ao
desenhar a casa, fez um comentário de que “a melhor casa era a que tinha aos três anos”,
com o seu quarto “perto dos pais”. No Desenho da Família, inventou uma história
semelhante à sua: “Eram bem felizes... o pai um dia... separou pra ficar com a outra
mulher. E as crianças ficaram sozinhas, porque a mãe ficou preocupada com a vida dela...”
A testagem psicológica revelou também traços obsessivos e uma tendência à
conduta opositora. Apareceu um componente depressivo, com tendência a reagir com
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negação maníaca e superficialidade, como defesa contra seus sentimentos. Por apresentar
uma tendência a não manifestar seus afetos, por vezes negando-os, pode-se inferir que seu
funcionamento é propício aos desajustes de comportamento.
Numa perspectiva psicanalítica, a personalidade é construída, entre outros fatores, a
partir das experiências que se estabelecem entre os filhos e os pais. Lembramos novamente
neste ponto a dificuldade inicial entre mãe e filha e o apego inseguro desta, quando
expressava a necessidade de dormir segurando a mão da mãe. Esta, por sua vez, revela a
história de uma relação conturbada com sua própria mãe (avó materna de Patrícia). Patrícia
é identificada na família como semelhante ao pai, nos aspectos que dizem respeito à
questão da comunicação de seus desconfortos, ao contrário da mãe, que se diz “explosiva”
(como a irmã de Patrícia). O pai também revelou na avaliação uma dificuldade de
relacionamento com seus próprios pais, sem diálogos tendo inclusive consciência de que
está repetindo isso com suas filhas. Portanto, ambos os pais acabam por reproduzir com a
filha seus vínculos anteriores.
Patrícia estava aparentemente ajustada antes da separação, mas não suficientemente
preparada para enfrentar a crise da adolescência aliada à transição familiar, pela maneira
que foi conduzida pelos pais, que se afastaram do exercício das funções parentais. Embora
não tenha havia uma total ruptura com a família, houve sim a descontinuidade dos
cuidados parentais, que a levou a se isolar, como também protestar, através de
transgressões, por seus “direitos perdidos”. Patrícia, possivelmente, reviveu o complexo
de deprivação, que ficou potencializado devido à história anterior dos relacionamentos
entre ela e cada uma das figuras parentais.
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3.2 Caso 2
3.2.1 Descrição
Nome do Adolescente: Fernando – 13 a.
Nome da Mãe: Marlene
Nome do Pai: Jeremias
Marlene procurou espontaneamente o Setor Psicopedagógico da escola, em função
de um episódio no qual o filho foi agressivo com um dos professores. Fernando discutiu
com ele em função de algumas regras. Com isso, foi convidado a sair da atividade na qual
estava participando, reagindo com mais desafio e negativismo: “Não saio, não!”. Sua mãe
ficou sabendo do fato pelo filho, mostrando-se preocupada com a situação. Disse que ele
tem “um histórico de agressividade”, mas que isso nunca havia aparecido na escola.
Relatou que o casal está separado há dois meses.
A separação ocorreu por iniciativa de Marlene. Desde então, Jeremias afastou-se
dos filhos (Fernando tem uma irmã de 8 anos), com quem está tendo contatos raros, no
máximo um telefonema no meio da semana. A mãe pensa que Fernando pode ter
extravasado sua revolta com o professor, que é fisicamente parecido com o pai. O pai de
Fernando sempre foi agressivo e descontrolado. Às vezes, quebrava objetos e também batia
nos filhos; no Fernando batia de cinta. Marlene também vê semelhança entre o pai e o
filho, pois este explode em casa.
O comportamento agressivo do pai foi um dos motivos da separação, aliado às
brigas constantes que o casal tinha no último ano de casamento. Marlene colocou que o ex-
marido sempre entende que as coisas dão errado por culpa dos outros, ele nunca tem
responsabilidade sobre o que acontece. Ela decidiu se separar, encaminhando logo a
separação legal. Foi, segundo ela, um período difícil.
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Os problemas com o casamento começaram cinco anos antes da separação, quando
o casal passou a trabalhar juntos numa pequena empresa. Naquela ocasião, ela tinha se
demitido de seu emprego, e ele foi demitido do trabalho fixo que tinha. O ex-marido
também era agressivo no local de trabalho. Exigia, criticava, atirava os materiais no chão,
quando se irritava. O convívio foi ficando cada vez mais difícil. Passaram por dificuldades
financeiras no último ano. Segundo Marlene, Jeremias criticava, mas não tomava
iniciativas de procurar outras alternativas de trabalho.
A mãe não sabe bem porque se casou. Sua irmã já era casada, então achava que
também deveria se casar. Quando iniciaram o relacionamento, ela tinha por volta de 20
anos. Foram morar juntos, depois de um tempo casaram no civil, e após engravidou de
Fernando. Depois que ele nasceu, casaram-se no religioso também.
Marlene descreveu-se como uma pessoa determinada. Disse que quando decide
uma coisa, está decidido e não olha para trás (exemplos: mudança de trabalho, separação).
Relatou que na sua família “o forte são as mulheres”. Sua mãe, suas irmãs, ela, todas são
mulheres fortes. Por outro lado, seu pai jogava muito quando ela era pequena, e perdia
tudo. Lembra do pai chegando de manhã. Marlene dizia que não ia se casar, nem ter filhos.
Atualmente, não tem contato com o ex-marido, considerando-o uma pessoa muito
difícil e orgulhosa. Ele não está pagando a pensão e nem contribui financeiramente para as
despesas dos filhos. Enquanto estavam casados, já era tudo com ela no que diz respeito às
compras e manutenção da casa. Acredita que pode dar conta sozinha de tudo, que não
precisa dele. Quando se separaram, não quis reivindicar nada para não complicar a
separação. Hoje se questiona se não prejudicou os filhos, pois era direito deles.
Segundo Jeremias, a separação ocorreu por vontade da esposa. O principal motivo,
para ele, foi financeiro, porque ele não estava trabalhando, não contribuía financeiramente.
Verbalizou que a crise econômica no Vale dos Sinos o prejudicou; ele tinha um bom
51
emprego antes, fazia tudo muito bem feito, mas os colegas não agüentavam isso. Relatou
que ajudou a montar a empresa que a ex-esposa trabalha. Exigia bastante, queria um
trabalho bom, “porque o mercado exige”.
O pai relatou também que havia brigas do casal no último ano, por causa da
situação financeira basicamente. Disse que sempre foi uma pessoa muito correta, que fazia
“tudo certinho”. Só batia nos filhos “quando precisava, quando era justo”. Para Jeremias a
separação foi repentina, a esposa decidiu e chegou com tudo pronto. “Já tinha até falado
com advogada”. Sentiu-se pressionado para sair de casa, ficou magoado, deprimido, ainda
não assimilou.
Jeremias mostrou-se fragilizado com a separação, sem rumo, sem saber o que
fazer”. Não conversou com os filhos sobre este processo. Não sabe o que eles pensam.
Acredita que a mãe tem mais convívio com eles e muito mais influência. Tem receio de
falar com os filhos sobre a separação, porque não sabe o que a mãe disse para eles, e
acredita que a cabeça de Fernando “pode estar a mil”. Jeremias se emocionou ao falar dos
filhos, dizendo que mudou tudo após a separação. O contato é só por telefone e às vezes
saem. Fernando está mais seco”, talvez “tomou as dores da mãe”. Às vezes recusa-se a ir
na casa da avó paterna. Jeremias disse sentir falta deles e que era muito companheiro do
filho antes: ia ao futebol, no judô, levava os filhos para a escola, “acompanhava dentro e
fora de casa”.
Atualmente, “mora de favor” na casa de seus pais, não tem um lugar seu para estar
com os filhos. Está preocupado em reorganizar isso, conseguir trabalho, para poder ter
mais contato com eles. Quer ter trabalho, se estabilizar profissionalmente, “dar a volta por
cima” para então se re-aproximar dos filhos.
O pai de Fernando tem irmãos, fruto da união de seus pais. Parece ser de uma
família humilde. Descobriu poucos anos atrás que tem outro irmão de aproximadamente
52
20 anos, fruto de um relacionamento extraconjugal de seu pai. A mãe desse jovem
reivindicou seus direitos judicialmente. Jeremias relatou que sua mãe sempre trabalhou e
batalhou muito, “o que tem dentro de casa foi a mãe quem colocou”. Seu pai costumava
ausentar-se à noite, jogava cartas, vivia num mundo que não é o da realidade. Quando era
pequeno, lembra que o pai saía na sexta-feira de casa e voltava no domingo. Não tinha
muito convívio ele. Descreveu que seu pai é fechado, ele também é fechado e o filho idem.
Marlene também descreveu Fernando como sendo mais fechado e semelhante ao
pai. Para a mãe, a colocação de limites no filho não é fácil. Relatou que tem receio que ele
venha a bater nela. Fernando briga bastante com a irmã, batendo nela. A mãe vê
semelhança da menina com ela própria, pois é mais espontânea e resolve os problemas
com mais determinação. Em relação à separação, a menina reclama e chora a falta do pai, o
que Fernando não faz.
Marlene relatou que Fernando não tem querido ir com o pai na casa da avó paterna.
Segundo ela, eles são pessoas mais simples (“são uns coitadinhos”); as coisas não dão
certo e eles não vão à luta, diferente da sua família. Acredita que eles têm preferência por
netas meninas, e quando Fernando ia lá e algo acontecia (por exemplo, quebrava alguma
coisa) a culpa era do filho, mesmo ele dizendo que não.
Após a separação, Fernando não gostava que fizessem comentários sobre seu pai.
Disse certa vez para a avó materna: “Não fala mal do meu pai, porque eu gosto do meu
pai”. Ao mesmo tempo, Fernando tem medo que ele volte e tire coisas deles de dentro de
casa (após a separação, enquanto mãe e filhos estavam viajando, o pai tirou alguns objetos
da casa).
Às vezes, Fernando aparece com algumas coisas em casa que não são dele: bola,
lápis. A mãe pergunta e ele diz que achou. Quanto à bola, a mãe exigiu que ele devolvesse
para a escola, disse que não a queria mais em sua casa, e a bola sumiu de lá, mas ela não
53
sabe se ele levou mesmo para a escola. Segundo a mãe, Fernando se masturba na frente
dela e da filha, às vezes.
Sobre o seu desenvolvimento, começando pela gestação, a mãe relatou que foi
difícil, pois teve que tomar medicação para não ter parto prematuro (o mesmo aconteceu na
gestação da irmã). Na gravidez de Fernando engordou apenas sete quilos, não tinha
barriga. Ele foi amamentado até um ano e oito meses, mamava e depois olhava para ela e a
mordia. A entrada na pré-escola, aos 2 anos, “foi traumatizante”, porque a disciplina da
maternal era muito rígida. A adaptação foi difícil, a mãe o acompanhou. Pensa que “ele
não era feliz nesse período”. No final da pré-escola ingressou na escola atual, com boa
adaptação.
Quando Fernando tinha 3 anos, Marlene passou a trabalhar 10, 12 horas por dia e,
segundo a mãe, ele ficou mais irritado e agressivo com ela. Com 4 anos a tia teve bebê e
eles se afastaram temporariamente, pois Fernando ficou muito irritado com este bebê, uma
vez que era muito apegado a essa tia e convivia bastante com ela. Posteriormente, nasceu a
irmã. Nesta época, Fernando fez tratamento psicológico. O motivo relacionava-se com a
sua conduta mais agressiva. Até 9, 10 anos, tinha que dormir no quarto dos pais antes de ir
para o seu.
Em sua primeira entrevista, Fernando apareceu com o braço quebrado. Relatou que
brigou com um colega na escola, estavam brincando de atirar bolinhas, ele jogou com
muita força e o colega veio para cima dele; ele disse que teve que se defender. Na escola
chamaram sua mãe, disseram que ele está sempre pedindo para sair e tomar água, que
também sai sem pedir. Ele negou e ela acreditou nele. Disse que é “meio estourado”, às
vezes se descontrola, fica muito brabo e depois passa. Verbalizou que sempre foi
“estouradinho”, mas que piorou depois da separação dos pais. Gostaria de ser mais
controlado.
54
Relatou que o pai “era meio violento”; ele e sua mãe sempre brigavam, e quando se
separaram foram passar uns dias na praia, pois temiam que o pai fizesse alguma coisa.
Colocou que o pai tem dinheiro, mas não lhe ajuda, e que ele não entende isso. Acredita
que não desabafou o suficiente pela separação dos pais, não colocou seus sentimentos para
fora. “Eu me tranco”, disse. Sua irmã chorou bastante, é diferente dele. Há pouco tempo,
quando sua mãe lhe xingou, chorou muito, acha que aí colocou tudo para fora. Falou que
só se acalmou depois que conversou com sua avó, que foi quem lhe criou até os seis anos
porque os pais trabalhavam o dia todo. Ouve muito essa vó.
Em relação ao relacionamento com seus pais, disse que a mãe nunca foi de brincar,
mas conversa bastante. Depois da separação conversam mais ainda, pois antes o clima em
casa andava pesado. Segundo Fernando, sua mãe é tudo para ele, faz o que pode pelos
filhos, sempre se preocupando com ele e com sua irmã.
Fernando comentou que o pai batia nele; uma vez bateu no rosto com a fivela do
cinto. Em outra ocasião o menino fugiu o dia todo para o condomínio ao lado, por
orientação da mãe, para não continuar apanhando do pai. Por outro lado, o pai brincava
com ele e com a irmã, jogava videogame e jogos de computador. O pai não era de
conversar, mas a mãe não era de brincar.
Pensa que o pai poderia procurar mais por ele e pela irmã; só liga uma vez na
semana, quando liga. Não telefona para o pai, porque “ele não se interessa por nós”.
Lembrou que no último ano, quando as coisas foram piorando em casa, o pai não brincava
mais com eles. Acredita que o pai só pensava nele, que é muito orgulhoso. Disse: “Sei que
um dia eu tive um pai. Hoje não”.
Fernando referiu ter um bom aproveitamento escolar. Só tem dificuldades em
História, e não sabe qual a razão dessas dificuldades. Pratica vários esportes e diz que
nunca teve problemas na escola com rendimento ou comportamento. Deu-se conta durante
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as entrevistas que descarregou no professor a raiva que estava sentindo do pai, e também
no colega em quem bateu. Percebe que a mãe não faz muita questão que ele tenha contato
com o pai, não estimula isso, pois quando raramente vai à casa do pai pede que volte logo.
Mostrou-se receptivo no processo de avaliação, manifestando também interesse nas
entrevistas do pai. Pensava que alguém tinha que mostrar para ele quão negativo era o seu
afastamento dos filhos. O menino demonstrou curiosidade em saber o que o pai falava nas
suas entrevistas, se falava sobre os filhos etc. Verbalizou que não desejava que o pai
voltasse para casa, mas sim que ele ajudasse mais sua mãe a cuidar deles, e que os
procurasse mais. Gostaria que o pai fosse menos descontrolado e orgulhoso.
Colocou que tem pena de sua mãe, que ela está muito estressada, pois tem que se
virar sozinha para tudo. Pensa que alguém tem que dizer isso para o pai, mas ele não se
anima a conversar com o pai sobre o assunto. Gostaria que o pai manifestasse interesse,
que ajudasse (não é pelo dinheiro que esperaria essa ajuda, mas pelo que significa).
Síntese da Testagem Psicológica
a) HTP
A análise do HTP revela que o auto-conceito de Fernando é marcado pela presença
de sentimentos de inadequação, falta de confiança em si e insegurança importantes. Há
indicadores de imaturidade, infantilidade, regressão e falta de diferenciação do eu.
Também há indicadores de sentimentos de inferioridade e menosvalia.
O ambiente não é percebido como acolhedor e suficientemente suportivo. Há
indicadores de retraimento, reserva e vivência do mundo externo como ameaçador. Os
desenhos apontam para barreiras nos contatos sociais, isolamento e afastamento das trocas
interpessoais.
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Os desenhos indicam também um esforço e vigilância para manter a integridade do
ego, e aumento das defesas. Sentimentos de iminente colapso da personalidade, vivências
depressivas, ambivalência afetiva.
Há indicadores de conflito com o genitor do sexo oposto, sentimentos negativos
para consigo mesmo, características de dependência e falta de segurança quanto à própria
imagem. Parecer haver também uma forte ligação e dependência em relação à mãe, e
confusão a respeito do papel e da identidade sexual.
A análise do HTP também permite levantar a hipótese de vivências traumáticas
importantes, com repercussões sobre as relações interpessoais que são pobres, um controle
interno rígido, falta de flexibilidade, medo vinculado aos impulsos hostis e dificuldades
para se aproximar e estabelecer relações com as pessoas.
b) Teste do Desenho da Família
O desenho revela a presença de impulsos agressivos importantes, bem como
ansiedade e insegurança. Há falta de espontaneidade, rigidez, tendência à introversão e à
inibição e indicadores de aspectos depressivos. Há indícios também de impulsividade e
agressividade, com negação e culpa.
Há uma supervalorização da mãe, uma idealização desta figura, ao mesmo tempo
em que a omissão do pai revela conflitos relacionados a ele também. Há uma
desvalorização de si mesmo e do pai. As figuras não são diferenciadas quanto ao gênero, o
que sugere certa confusão quanto à identidade sexual.
c) Teste das Fábulas
A interpretação deste teste revela uma relação de muita dependência com a mãe,
acompanhada de sentimentos de insegurança, falta de auto-confiança e sentimento de
colapso iminente do ego. Encontram-se características de imaturidade e regressão, com
temores de abandono e de perda de amor que predominam sobre o conflito edípico.
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A agressão é dirigida para fora, desperta angústias de perda do objeto, temores de
destruição do mesmo e fantasias acerca da impossibilidade de reparação. Há indícios de
fortes sentimentos de rivalidade fraterna.
Em relação à mãe, há idealização e submissão. Por outro lado, há uma
agressividade latente e intensa dirigida à figura materna, que provoca um certo sentimento
de culpa e temores de perda. O pai é visto como alguém que apresenta dificuldade de
controle emocional.
A separação dos pais é uma experiência presente que provoca sentimentos de pesar,
perda e dor intensos. O sentimento de perda e de rejeição encontra-se presente,
especialmente vinculado à figura do pai. Parece ressentido com o pai, mas ao mesmo
tempo resignado: “Toda mãe acolhe mais que o pai”. O pai “fica em outra árvore”. Refere
sentimentos de tristeza diante da separação parental. “Ficou triste porque ia mudar muitas
coisas”. Ao mesmo tempo, mostra o desejo que o pai pudesse ter uma conduta diferente.
“O pai dele buscava ele, ajudava ele”.
3.2.2 Análise
Analisando-se os dados levantados na avaliação de Fernando é possível identificar
algumas fragilidades nos seus relacionamentos com os pais desde a primeira infância,
anteriormente, portanto, à separação conjugal. A constituição da família Marlene-Jeremias
ocorreu de forma inconsistente e casual. Ambos vinham de famílias que enfrentavam
dificuldades em relação à figura paterna. Tanto o pai de Marlene como o de Jeremias
costumavam jogar e ausentar-se de casa por períodos significativos. A figura materna, em
ambas as famílias, era dominante e tornou-se o sustentáculo da família, tanto afetiva como
materialmente.
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De certa forma, essa dinâmica irá se repetir na família Marlene-Jeremias. A mãe de
Fernando parece ser a figura dominante na família, responsável pela sua manutenção
material, pela sua continuidade e pela decisão da separação. O pai de Fernando, com o seu
comportamento agressivo, impulsivo e descontrolado acaba assumindo uma posição de
fragilidade e inconsistência, colocando-se na dependência da esposa e das decisões desta.
A relação de Fernando com os pais é carregada de ambivalência. Em sua história,
encontram-se alguns indícios de deprivação (Winnicott, 1956/2000), inclusive anteriores à
separação dos pais, que podem contribuir para essa ambivalência. Essa deprivação parece
estar relacionada tanto aos cuidados maternos como paternos. A carga horária de trabalho
intensa e crescente da mãe ao longo da sua infância, o afastamento da tia a quem Fernando
era bastante apegado parecem ter contribuído para essa experiência, o que se manifesta
hoje através de comportamentos como roubo e mentira, assinalados por Winnicott
(Fernando aparece em casa com objetos que não são seus, mente para a mãe). Por ocasião
da gravidez da mãe, Fernando iniciou atendimento psicológico, por conta de sua
agressividade bastante intensa neste período.
Ao mesmo tempo, o comportamento agressivo e descontrolado do pai talvez tenha
dificultado que se constituísse como uma figura de referência consistente em termos de
função paterna, falhando na colocação de limites e no estabelecimento do auto-controle
(Winnicott, 1956/2000), o que se manifesta através do comportamento impulsivo,
agressivo e descontrolado de Fernando na escola. O afastamento do pai após a separação, e
o sentimento de rejeição vivido por Fernando como decorrência desse afastamento,
parecem ter incrementado essa experiência de deprivação, levando aos comportamentos de
tendência anti-social observados, possivelmente na esperança de buscar o cuidado perdido,
através das manifestações como o roubo e a mentira, a agressividade, a incontinência e a
desordem generalizada.
59
Como vimos na literatura revisada, a separação dos pais muitas vezes implica em
descontinuidades, rupturas no holding familiar, gerando sentimentos de perda e desamparo.
Vilhena e Maia (2002) assinalaram as falhas nas funções parentais de holding: a mãe em
estabelecer um ambiente suficientemente bom e o pai em oferecer um ambiente
indestrutível, que limita inclusive a relação dos filhos com a mãe. Nesse contexto, as
dificuldades e o sofrimento de Fernando se tornam compreensíveis.
No material projetivo de Fernando foram identificados indicadores de vivências
traumáticas. Constatou-se nas entrevistas realizadas que o pai costumava bater em
Fernando, e apresentava um comportamento agressivo e descontrolado no ambiente
familiar. É possível que tais vivências tenham sido traumáticas para o menino, e
contribuam para as dificuldades e fragilidades observadas na organização da sua
personalidade.
A ruptura do vínculo conjugal, as mudanças conseqüentes, as inseguranças que as
acompanham ou a “guerra” conjugal constituem um campo vulnerável ao surgimento do
complexo de deprivação e da tendência anti-social. Os pais, envolvidos em seus próprios
conflitos, acordos e desacordos, nem sempre têm a disponibilidade emocional necessária
para percebê-la. Desta forma, algumas dessas dificuldades se manifestam fora do ambiente
familiar, como observamos em Fernando. Os sintomas apresentados e manifestados na
escola encontraram eco neste ambiente (Wallerstein & Kelly, 1998).
Os pesquisadores têm sinalizado que as maiores dificuldades aparecem nas
circunstâncias em que houve afastamento parental, com uma história de relacionamentos
mais distantes, antes mesmo da separação (Rushena et al., 2005, Wolchik et al., 2002). O
comportamento da mãe de Fernando, dominante na família, e os conflitos do casal antes e
depois da separação, parecem contribuir para reforçar esse afastamento.
60
Neste contexto, percebemos que o comportamento distante do pai tem também
conexão com o desejo da mãe de excluí-lo. Esta não luta pelos direitos de seus filhos em
receberem a pensão legalmente prevista, além de não estimular o contato entre o pai e os
filhos. Segundo Dolto (1988/2003), algumas mães tratam seus filhos como se fossem só
delas. Este fenômeno tem sido identificado como PAS (Síndrome de Alienação Parental)
ou Padrectomia (Boch-Galhau, 2002; Martinez, 2002). Certamente, em alguns casos (como
o de Fernando) o pai se aliena e rejeita a relação posterior com o filho (Johnston, 2003).
O nível de conflito parental é um fator significativo e foi assinalado por Souza
(2000). Separações litigiosas, falta de diálogo e o não cumprimento ou a falta de
combinações que envolvam os filhos, como neste caso, dificultam o processo. Além da
falta de contato entre pai e filho, contata-se uma desvalorização e um certo denegrimento
da imagem paterna em Fernando, o que parece reforçar as dificuldades de auto-estima,
auto-confiança, insegurança, sentimentos de inadequação e confusão no papel e na
identidade sexual encontrados nos testes utilizados.
Schabbel (2005) considera o período pós-divórcio constituindo o fator mais crítico
no funcionamento da família. Em contraposição à vivência experimentada por Fernando no
momento da avaliação, a maioria dos estudos ressalta a importância da manutenção dos
vínculos do pai-não residente com seus filhos (Kelly & Emery; 2003; Ruschena et al.,
2005; Storken et al., 2005). Os estudos de Amato (2001) e Dunn (2004) revelaram que a
qualidade de relacionamento pai-filho é consistentemente relatada nas pesquisas sobre
divórcio, como um fator diretamente associado ao comportamento do filho. Este precisa
sentir que as ligações afetivas permanecem e que a separação dá conta do conflito, gerando
qualidade de vida e de relacionamento (Souza, 1999).
A capacidade dos filhos em lidar com a separação dos pais vai depender, sobretudo,
da relação estabelecida entre os pais e da capacidade destes de distinguir a função conjugal
61
da função parental (Feres-Carneiro, 1998). O que, no caso ora analisado, não está
acontecendo. A função parental parece ter se extinguido junto com a função conjugal. Este
aspecto fica claramente descrito por Fernando, quando numa das entrevistas, verbaliza:
“Sei que um dia eu tive um pai”. A manutenção dos desajustes e/ou ressentimentos e
decepções com as figuras parentais foi associada nos estudos com a diminuição da
qualidade da parentalidade exercida após o divórcio (Amato, 2001; Dunn, 2004).
Os sintomas apresentados por Fernando foram descritos na literatura. Nos meses
seguintes ao divórcio, é comum os filhos se sentirem mais deprimidos e irritados, podendo
apresentar queda no rendimento escolar, problemas de ajustamento e de relacionamento
interpessoal (Amato, 2001; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002). Efeitos mais
drásticos incluem comportamentos anti-sociais, agressivos, oposicionistas, falta de auto-
controle, baixa responsabilidade social e diminuição do desempenho cognitivo (Almeida et
al., 2000; Harland et al., 2002; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Sourander &
Helstelä, 2005).
A personalidade do filho é encarada com um fator facilitador ou não na adaptação
pós-divórcio, despertando ou não suporte por parte do ambiente (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999, Ruschena et al., 2005). Em Fernando, constata-se características de
personalidade introvertida, reservada, com barreiras nas trocas sociais e um
empobrecimento das suas relações interpessoais. Possivelmente, isto limite bastante suas
possibilidades de encontrar apoio em uma rede que pudesse ser continente das ansiedades e
inseguranças que vivencia neste momento. Conseqüentemente, intensifica-se a importância
da mãe, numa fase em que o adolescente deveria estar vivenciando um processo crescente
de autonomia e diferenciação. A idealização que Fernando faz da mãe torna-se assim
compreensível, da mesma forma que o ódio e a agressividade subjacentes.
62
A literatura aponta que a natureza do vínculo estabelecido entre as crianças e seus
pais, especialmente o apego, modifica-se com o tempo (Souza e Ramires, 2006). “Tais
mudanças tomarão como referência os modelos representacionais do ambiente e do self,
estando alicerçadas nas interações vivenciadas” (Souza & Ramires, 2006, p.39). Em
Fernando, observamos que as experiências vividas no ambiente familiar, marcadas pela
deprivação, insegurança, instabilidade, conflitos conjugais e finalmente pela separação não
favoreceram a modificação e o amadurecimento desses relacionamentos. Fernando se
mantém bastante apegado à mãe (sobre a base de uma forte idealização) e também ao pai
(sobre a base de um forte ressentimento e sentimento de rejeição e abandono).
Possivelmente, inseguramente apegado.
Os dados deste caso mostram que os sintomas apresentados pelo adolescente,
relacionados às vicissitudes dos relacionamentos com os pais, não decorreram da separação
conjugal e se originaram em experiências anteriores vividas com eles. O que nos leva a
reforçar a convicção de que a experiência do divórcio, em si, não é determinante de
problemas e dificuldades necessariamente, e que o enfrentamento do divórcio por parte dos
filhos depende em muito do relacionamento anterior estabelecido entre eles e os pais, da
continuidade desse vínculo e da qualidade da parentalidade.
3.3 Caso 3
3.3.1 Descrição
Nome do Adolescente: Artur 15 a.
Nome da Mãe: Silvana
Nome do Pai: João
63
Artur apresenta desajustes na escola há muitos anos, tais como: desinteresse, não
cumprimento e negativismo frente às tarefas escolares. Em casa, vem cada vez mais
demonstrando dificuldades em aceitar limites, reagindo muitas vezes com condutas
destrutivas (quebrando objetos, batendo portas). Tais comportamentos se agravaram muito
de uns meses para cá, segundo a mãe. O casal parental está separado há cerca de um ano.
Recentemente, depois de um episódio de descontrole, em que quebrou alguns
objetos da casa, decidiu morar com o pai. A participação de Artur nesta pesquisa foi
sugerida nesse período. No entanto, por ocasião do início do estudo de caso, Artur já havia
retornado para a casa da mãe.
Os pais de Artur se separaram depois de mais de 20 anos de casamento, quando
Silvana descobriu que João estava tendo um relacionamento com outra mulher, que hoje é
sua atual companheira. A descoberta desse relacionamento provocou contrariedade nos três
filhos do casal (Artur tem duas irmãs adultas), que discutiram e romperam relacionamento
com o pai. Ficaram alguns meses sem falar com ele.
No decorrer do primeiro ano da separação, houve algumas tentativas de
reconciliação por parte do pai, que nunca chegaram de fato a se efetivar. Pouco tempo
depois da última tentativa, a atual companheira teve problemas de saúde. João então
passou a dedicar-se mais a este relacionamento. Além disso, houve mudanças no trabalho
do pai e restrições econômicas.
Neste mesmo ano, Silvana iniciou um novo relacionamento com um homem que,
aos poucos, foi começando a freqüentar a sua casa. Segundo ela, Artur não gostava dele,
por “ciúmes”. A resistência do filho não começou no início do namoro, mas quando o
namorado começou a freqüentar a casa. No momento em que se iniciou esta coleta de
dados, a mãe verbalizou que estava reavaliando a continuidade ou não deste namoro.
64
Artur também iniciou um namoro com uma menina. Passou a freqüentar
intensamente a casa dela, inclusive ficando lá nos finais de semana. O relacionamento com
a menina e com a família dela parecia ser uma espécie de refúgio, segundo ambos os pais.
Por ocasião do início da coleta de dados, Artur terminou o namoro, porque ela o traiu.
Segundo Silvana, o casal parental conheceu-se por volta dos 20 anos, namoraram,
casaram e tiveram três filhos. Nenhuma das gestações foi planejada. A segunda nasceu um
ano depois da primeira, o que gerou ansiedade na mãe, pois teria que conciliar dois bebês,
com trabalho e estudo. Embora a gestação de Artur não tenha sido planejada, a mãe diz ter
se sentido muito bem nesta gestação, com o respaldo de toda a família.
Silvana acredita que tinha uma família “aparentemente bem constituída” até por
volta de três anos antes da separação. Naquela época, João passou por problemas de saúde,
justamente quando ele vivia transições no trabalho e perdas econômicas. Silvana
verbalizou que trabalhava muito e que, neste contexto, outra ‘pessoa’ deve ter dado mais
atenção ao ex-marido.
Atualmente, João tem contato com os filhos, mas não como era antes da separação.
Costuma eventualmente freqüentar a casa da ex-mulher, conseguindo dialogar, embora
muitas vezes não entrem em acordo quanto à separação legal, quanto à pensão e quanto às
questões relacionadas ao Artur. Não fizeram até hoje o divórcio legal. Combinaram uma
pensão que o pai foi reduzindo com o passar do tempo.
Silvana definiu-se como uma pessoa muito comunicativa. Também diz ser “muito
espaçosa” (toma os espaços dos outros) e dominadora. Seu pai faleceu no seu segundo ano
de vida. Sua mãe nunca mais casou: era ela e duas filhas. A mãe verbalizou que sua família
se caracteriza por ter “mulheres dominadoras”, mas teve um avô que conviveu com elas.
Segundo Silvana, João sempre foi uma pessoa bastante quieta e ponderada. Tinha
várias questões de sua própria história mal resolvidas. Foi deixado aos cuidados dos avós
65
paternos ainda quando bebê, passando a ter com os pais contatos apenas esporádicos.
Sempre foi uma pessoa culta e inteligente. Trabalhou e estudou muito, mas passou por
várias situações de trocas de emprego.
Artur foi descrito pela mãe como comunicativo e extrovertido, mas ao mesmo
tempo fechado, não se abre muito (sempre foi assim). Ele tem o dom da palavra, conduta
sedutora, envolvente: “faz de conta que eu te enrolo e eu vou fazer de conta que eu
acredito”. Muitas vezes Artur faz um “jogo”, mentindo. Diz para o pai ‘a mãe diz que
pode’, quando na verdade a mãe disse que era para ver com o pai.
Os problemas atuais de Artur dizem respeito ao não cumprimento de combinações
relacionadas ao estudo: “mata” aula, brinca, não estuda, escreve muito pouco, não tem
material organizado, não faz os trabalhos, mas empenha-se em conseguí-los com colegas
que já os fizeram. Sempre inventa alguma coisa para sair da aula, às vezes com queixas
somáticas. Seu desempenho é bom nas disciplinas de seu interesse.
Silvana preocupa-se com o filho, pois acha que às vezes ele “viaja”, querendo ter
coisas que a sua condição financeira não permite. Artur não cuida bem de suas coisas,
inclusive sendo às vezes relapso com seu próprio corpo e sua saúde. Em casa age com
violência (batendo portas ou quebrando objetos) quando contrariado e apresenta muitas
queixas somáticas. Embora tenha sempre tido problemas escolares, a rebeldia e o
comportamento mais violento apareceram mais neste ano. Começou a ficar mais irritado e
mais explosivo. Além disso, a mãe suspeita que ele tenha ingerido bebida alcoólica
misturada com água, em alguns momentos em que ficou sozinho em casa.
No dia em que teve a crise de agressividade maior, que culminou no fato de ter ido
morar com o pai, Artur havia pedido para a mãe levá-lo na casa da namorada, o que foi
recusado, pois já era tarde da noite. Artur começou a quebrar as coisas do quarto, inclusive
um quadro do qual gostava muito. Silvana e uma das filhas não conseguiram contê-lo.
66
Então chamaram o pai. Este, segundo a mãe, ao invés de “dar um corretivo”, levou-o
embora.
Com relação a essa mudança, Silvana comentou que foi um período difícil, achou
“que ia ter um troço”, “um nó no estômago”. A avó materna estava “entrando em
parafuso”. Aos poucos ele foi levando seus pertences para a casa atual do pai. Dois meses
depois, Artur questionou sua mãe se poderia voltar para casa. Esta se mostrou receptiva. A
partir daí os dois conversaram e a mãe deixou bem claro que ia continuar cobrando
algumas coisas, mas, ao mesmo tempo, ia rever a sua forma de cobrar. Além disso, Silvana
passou a acompanhar alguns cuidados básicos de Artur, relacionados à sua saúde. Artur
está mais calmo depois que retornou para casa, conforme relato da mãe.
Segundo a mãe, Artur não falou muito do que se passou na casa do pai. Apenas
comentou que este não era o mesmo. Para Silvana o filho “não reconheceu este pai”. A
mãe pensa que ele também fez muitas cobranças, de horários e tarefas. Além disso, Artur
percebeu outras mudanças no pai, que passou a realizar tarefas domésticas e a não
trabalhar.
Acredita que o filho vinha se sentindo sozinho nos últimos tempos, situação
diferente daquela do início da vida. Quando a mãe engravidou do Artur, lembra da
“gritaria” de alegria com o teste de gravidez. Foi também uma “festa” na família também
quando souberam que era um menino. Artur viveu uma infância muito boa, “uma criança
muito amada”, que teve quatro mães: a mãe, as irmãs e a avó materna. Foi muito disputado
por todos. Era uma criança calma, “não era agitado”, sentava no chão, “se entretinha
bastante tempo com as coisinhas dele”.
Silvana cuidou exclusivamente de Artur até os seis meses, quando voltou a
trabalhar à tarde e estudar à noite. Amamentou até os oito meses. Depois que voltou a
trabalhar, ele ficou aos cuidados da avó e do bisavô (este faleceu quando Artur tinha 2
67
anos). A mãe, no seu relato, não fez referência que o pai também cuidava do filho neste
período. No segundo ano de vida ingressou na escola pela manhã e à tarde ficava com a
avó.
Adaptou-se facilmente à escola. No final da pré-escola, mostrava-se desatento e
com dificuldades no traçado. Nesta época, a mãe lembra que ele teve uma ‘crise de
brabeza’, dando pontapés na irmã mais velha. Com 7-8 anos fez tratamento neurológico,
recebendo o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção, e acompanhamento
psicopedagógico. Também pelas questões de aprendizagem, com 13-14 fez uso de
medicação para o déficit de atenção, com acompanhamento médico.
Silvana acha que em alguns momentos da vida de Artur pode ter falhado com ele,
“talvez o faltar, em função de seu trabalho. Em relação ao pai, pensa que não foi presente.
A mãe disse que avançou o espaço do pai, mas ele permitiu. Não lembra do pai brincando
com o filho. Em questões de sexualidade, ele nunca conversou com Artur, deixando a
critério da mãe. No entanto, pai e filho tiveram algumas atividades em comum nos últimos
anos: uma de lazer e outra filantrópica. Saíam sempre juntos para estas atividades, dos 12
anos até a ocasião da separação. Além disso, costumava freqüentar o trabalho do pai. Este
se empenhou para que o filho fosse morar com ele, mas agora que o filho retornou para a
casa, o pai está distante e diminuiu a pensão.
Segundo João, a separação do casal foi conseqüência de um afastamento entre os
dois. Ele teve problemas de saúde (estresse). Por outro lado, a ex-esposa foi tomando
espaço (“não tinha mais espaço para as minhas roupas”). Ela sempre teve um
temperamento muito forte, fazia cobranças dele e dos filhos de forma agressiva. Era
ciumenta e desconfiava dele. A atual companheira, segundo João, era uma amiga que
inclusive incentivava a retomada de seu casamento. Fala que houve tentativas de
reconciliação por conta disso. Comentou que não formalizou a separação ainda por
68
questões financeiras. Embora Silvana questione, acredita que o valor da pensão que dá ao
filho é suficiente para seu padrão de vida.
Sempre teve um relacionamento distante com seus próprios pais. Hoje entende
melhor o motivo que os levou a deixarem-no no início de sua vida (era o filho mais velho)
aos cuidados dos avós. Atualmente, tem bastante contato com sua própria família, que
aceita muito bem sua atual companheira. João verbalizou que se dedica muito a ela.
Com seus filhos o relacionamento hoje, depois da separação, é mais distante,
porque, no início, eles não aceitaram sua atual companheira. João acredita que as irmãs
influenciaram Artur, para que este se afastasse também do pai. De início, o filho se
rebelou, cobrou, mas depois recuou. Com o tempo começaram a sair a cada 15 dias.
Demorou um ano para começar a visitá-lo. Pensa que o filho, embora não tenha
verbalizado ou demonstrado, nunca aceitou a separação, em função da “união que existia,
éramos nós três”. Verbalizou que o filho é fechado como ele, apesar de ser mais
extrovertido que o pai.
Artur foi muito “curtido” por todos, “paparicado” até demais, segundo João.
Sempre foi muito fácil de lidar, tranqüilo e calmo. Lembrou com carinho que cuidou do
filho à noite para que a mãe pudesse terminar a faculdade (isso até uns 4 anos de idade).
Ele e o filho tinham uma relação forte, principalmente na entrada da adolescência, pois
tinham duas atividades em comum (como já foi referido). Artur nunca foi agressivo com o
pai. Pensa que o filho progressivamente foi ficando mais sozinho, pois aos poucos as irmãs
foram saindo de casa, além do próprio pai.
João nunca se envolveu nos problemas escolares que o filho apresentou desde cedo,
porque a mãe “resolvia as coisas sozinha, não dividia”. Os desajustes escolares se
acentuaram nos últimos tempos. O pai acredita que o filho ficou muito sozinho depois da
separação. Isso porque a mãe deu mais espaço ao filho, deixando-o muito “solto”. Em casa,
69
começou a ficar indisciplinado, a desafiar, a “responder”. Isso se acentuou a partir da
entrada do namorado da mãe em casa. Outro fato é que Artur namorou uma menina por
quase um ano, sendo que praticamente “se refugiou da separação” na casa dela. O pai
presenciou quando Artur descobriu a traição da menina, pois foi no período em que morou
com ele.
Pensa que o filho foi morar com ele porque a mãe perdeu o controle da situação.
Conta com pesar e ressentimento que o filho voltou para a casa da mãe. Acredita que ela
acabou pedindo para ele voltar. As condições físicas da casa atual do pai também
influenciaram, pois é distante, não dando possibilidades de independência para ele. O pai
reconheceu que com ele a cobrança era maior, desde as tarefas escolares. Estava
acompanhando mais de perto. Sabia que ia ser por um determinado período que o filho ia
morar com ele, mas não pensou que seria tão pouco.
Neste momento, gostaria de ter mais contato com ele, mas pretende deixar que o
filho o procure. Chama atenção do pai o fato de Artur não ter ido buscar alguns pertences
que ficaram lá. Às vezes, fica sabendo notícias suas por outras pessoas.
Numa primeira entrevista, Artur relatou que o processo de separação dos pais foi
bem difícil para os pais, não para ele. O casal parental andava brigando muito, quando
houve a descoberta de que “o pai tinha outra”. Verbalizou que ficou muito indignado com
o pai, não aceitava o que ele fez. Pensa que poderia ter sido mais sincero com a mãe.
Durante os três primeiros meses ficou sem falar com o pai. Comentou: Eu nem senti falta
dele... tava com muita raiva”. Com o passar do tempo foi se acostumando. Diz que no ano
passado descarregava essa raiva em algumas atividades esportivas. Com a separação, está
mais sozinho em casa, apesar da família materna estar por perto, além da presença da
empregada na casa, durante o dia. Fez referência ao fato das irmãs não estarem mais em
casa, desde o início de sua adolescência.
70
Não costumava ter explosões de raiva como a que teve no dia em que ocorreu sua
mudança para a casa do pai. Apenas lembra que quando estava na pré-escola algumas
vezes mordeu determinados colegas. Nos últimos tempos, vem se sentindo mais irritado e
mais agressivo. Relatou fatos em que se percebe mais explosivo.
Em relação à mudança para a casa do pai, contou que brigou com a mãe, pois ela
havia prometido levá-lo na casa da namorada e não cumpriu. Então, começou a bater nas
paredes, quebrou algumas coisas, inclusive um quadro especial, que ele ainda tem vontade
de concertar, ‘juntar uma parte na outra’. Houve uma ‘rachadura’, quebrou a moldura.
Tentaram conversar com ele e acabaram chamando o pai. Resolveu ir morar com o pai,
mas não foi bom. Era um lugar muito isolado, sem nada para fazer, dependia de carona,
pois não tinha ônibus. Além disso, “aquela casa era muito fria”.
Primeiramente, disse que o relacionamento com o pai não mudou depois da
separação, pois sempre foi mais distante. No entanto, acabou reconhecendo que seu pai
participava de sua vida diária, pois o encontrava a noite, além de almoçar com ele. Antes
da separação, tinha duas atividades em comum com o pai. Justificou o fato de ter parado
com uma delas, porque não gostava mais. No entanto, ficou claro que a suspensão da
atividade estava associada à ruptura com o pai.
No decorrer da avaliação, foram aparecendo outras queixas relacionadas ao pai.
Exemplo: “Meu pai simplesmente me deixou lá... (refere-se à escola) e se foi. Achei que
ele ia ficar lá, mas me deixou e eu tive que vir a pé”. “Eu não posso contar com ele”.
Depois que decidiu voltar a morar com a mãe, o relacionamento com o pai voltou a ficar
distante, como era depois da separação.
O relacionamento com a mãe sempre foi mais próximo. No entanto, sente-se muito
cobrado pelas questões escolares. Às vezes, não a encontra em casa, pois ela trabalha
71
algumas noites. Acredita que o relacionamento com a mãe melhorou com a separação, pois
ela tem saído mais com ele, para jantar ou ir ao cinema.
Em relação ao namorado da mãe, descreveu sua contrariedade de ter um estranho
em casa. “Não me sentia à vontade”. Além disso, ele não costumava conversar com ele.
Não acha bom a mãe namorar, pois se acostumou muito em casa só os dois. No entanto,
aceitaria que uma de suas irmãs fosse morar com eles novamente.
Relatou detalhadamente suas dificuldades e resistências em relação ao estudo. Fica
claro um negativismo quanto às tarefas escolares. Para ele, tal situação começou na 2ª e 3ª
série. No entanto, seu aproveitamento é melhor nas disciplinas de seu interesse. No
momento, está empenhado em mudar a placa mãe de seu computador. “A minha placa mãe
não tá funcionado... tá muito rígida”.
Também falou a respeito do namoro que teve. Sentiu muito o término, porque
gostava dela, mas não pretende voltar a namorá-la. Além disso, tinha um contato muito
próximo com a família dela. Disse que gostavam muito dele e que lá não tinha um filho
homem (somente mulheres). Passava os finais de semana na casa dela. Não esperava ser
traído. Em relação ao consumo de álcool disse que toma eventualmente em festa com os
amigos e raramente em casa.
Artur demonstrou receptividade no processo de avaliação. Colocou-se de forma
bastante verbal, extrovertida e bem humorada. Durante a aplicação dos testes
freqüentemente realizou comentários sobre si mesmo, relatando fatos passados ou
presentes. Por outro lado, durante toda a avaliação queixou-se de problemas somáticos:
dores no corpo. Isto parecia estar claramente associado aos conteúdos que estavam sendo
vistos. “Normal eu não sou”.. “Eu me dei conta que eu falei coisas que eu nunca tinha
pensado... o histórico da minha vida”.
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Síntese da Testagem Psicológica
a) HTP
A análise do HTP revela que o auto-conceito de Artur é marcado pela presença de
sentimentos de inadequação, desconfiança, insegurança, desamparo, vazio e solidão. Há
indicadores de imaturidade e ansiedade.
O ambiente não é percebido como acolhedor e suficientemente suportivo, mas sim
restritivo, despertando-lhe uma certa hostilidade.
Os desenhos indicam também fragilidade egóica. Aparece um esforço para
controlar, mascarar e negar seus sentimentos, compensando com fantasias e defesas
maníacas.
Há indicativos de preocupações sexuais e sentimentos negativos para consigo
mesmo.
A análise do HTP também permite levantar a hipótese de vivências relacionadas à
perdas relacionadas com rupturas de relacionamentos e afastamentos.
b) Teste do Desenho da Família
O desenho revela a presença de impulsos agressivos importantes, rigidez e inibição.
Há indícios de depressão e negação dos afetos.
Apresenta uma descrição um tanto rígida e concreta da família, com menor
referência às interações. O pai, embora tenha sido a primeira figura desenhada, é
desvalorizado, descrito como uma pessoa “séria, humilde, estressada”. A mãe aparece mais
valorizada que o pai, no que diz respeito aos contatos com o mundo externo (como
trabalho e relacionamentos fora da família). Sente-se superior ao pai e à mãe, pois se
percebe com mais perspectivas e recursos.
73
A desvalorização do pai no desenho pode estar associada às decepções reais com a
figura paterna, como também à competição edípica. A exclusão das irmãs também pode
refletir desejo de exclusividade, como também a sua vivência atual.
c) Teste das Fábulas
A interpretação deste teste revela predominantemente fantasias de abandono,
desamparo, privação, rejeição em relação às figuras parentais. Aparecem também indícios
de somatização e conflito de identidade.
Percebe a mãe como mais próxima que o pai e com mais disponibilidade de acolhê-
lo. Revela uma necessidade de resgatar os cuidados parentais perdidos.
Seu estado emocional é de tristeza, solidão, pesar, medo e raiva. Por outro lado,
também é capaz de sentir alegria, quando se sente apoiado. Frente às suas fantasias e seu
estado emocional, utiliza os mecanismos de negação e racionalização.
Durante a aplicação deste teste por várias vezes associava as histórias inventadas às
suas próprias vivências, o que mostra sua ansiedade, fragilidade e falha na repressão. A
maioria das referências dizia respeito a questões da infância, associadas a vivências de
alegria ou de pesar e perda.
3.3.2 Análise
O desenvolvimento de Artur foi marcado por um padrão familiar instituído pelo
casal parental muito tempo antes de sua concepção, e relacionado com as vivências infantis
de perdas, rupturas e descontinuidades inscritas nas histórias de seus pais. A mãe de Artur
perdeu o pai no segundo ano de vida, crescendo numa família marcada por “mulheres
fortes”. O pai, por sua vez uma figura mais passiva, frágil e deprimida foi deixado aos
cuidados dos seus avós paternos no início de sua vida. Talvez tenha sido esta composição
74
que tenha estabelecido um casamento onde a figura materna apresentou-se mais dominante
e a paterna mais passiva, mas não ausente.
A chegada de Artur foi vivida com muita alegria, especialmente pelo fato de ser um
menino, na medida em que o casal tinha duas filhas. No primeiro ano de vida, a mãe
dedicou-se integralmente ao bebê até os seis meses, quando então retomou suas atividades.
O pai também se fez presente nesse início de vida, relatando com afeto e carinho que
cuidou do filho à noite para que a mãe pudesse terminar a faculdade, do primeiro ano de
vida até aproximadamente os quatro anos. A força da dominância feminina aparece no
relato da mãe quando diz que Artur teve “quatro mães” (incluindo as irmãs e avó materna).
Não fez referência em seu relato de que o pai teve uma participação ativa também. A
negação da mãe reflete a sua tentativa de desvalorizar a importância da figura paterna.
Segundo Dolto (1988/2003) algumas mães tratam seus filhos como se fossem delas, caindo
na armadilha de sua própria possessividade.
Neste ponto, é preciso refletir sobre as funções maternas e paternas dos pais de
Artur. De acordo com as concepções de Winnicott (1971/1984) cabe à mãe oferecer ao
filho um holding, um ambiente suficientemente bom. O pai por sua vez, deve estabelecer
os limites necessários para o desenvolvimento do auto-controle. Para Vilhena e Maia
(2002), o pai oferece um ambiente indestrutível, que limita inclusive a relação dos filhos
com a mãe. Provavelmente, a mãe ofereceu ao menino um ambiente suficientemente bom
no primeiro ano de vida. O pai também ajudou no processo de separação desta dupla, na
medida em que cuidou desse filho até os 4 anos para que a mãe pudesse estudar. Ambos os
pais relatam que Artur era uma criança calma e tranqüila e adaptou-se facilmente ao
ambiente escolar.
Parece que as falhas no exercício da função paterna começaram a aparecer na fase
edípica, no momento em que o filho necessitava que o pai apresentasse atitudes mais
75
firmes, com a colocação de limites. Ao contrário do que aconteceu no início de sua vida, o
menino não pôde contar com o pai neste período. Artur, na pré-escola, “não pintava dentro
de limites”. A mãe lembrou que nessa época ele teve uma “crise de brabeza”, dando
pontapés na irmã mais velha. Artur, nas entrevistas, também fez referência a episódios de
agressividade (mordidas) dirigidos a alguns colegas. Os primeiros sinais de tendência anti-
social começam a se manifestar, como um pedido de intervenção paterna, mas a resposta
do ambiente familiar foi outra. A mãe tomou mais posse ainda do filho, como diria Dolto
(1988/2003). A partir daí seguiu não cumprindo adequadamente as tarefas escolares,
manifestando desinteresse. Com os sintomas do menino na escola, reforçou-se inclusive a
exclusão do pai, na medida em que a mãe lidava com ele tentando exercer um cuidado
mais paterno do que materno.
Diante das dificuldades, a mãe supervisionava a execução de suas atividades,
cobrando do filho o cumprimento das tarefas. Segundo a mãe, somente ela se envolvia
nesses problemas, já que o pai não manifestava interesse em interferir nestas questões.
Aliás, para a mãe, o pai nunca se envolveu muito na vida do filho, tendo com ele um
relacionamento distante. Até para falar de questões sexuais o pai pedia a intervenção dela.
A mãe acabou reconhecendo nas entrevistas que muitas vezes não deixou o pai participar.
Verbalizou também que ela pode ter ‘falhado’ com o filho. Segundo suas próprias
palavras: “talvez o faltar”, em função de seu trabalho.
O pai, por sua vez, reconheceu que nunca se envolveu nos problemas escolares que
o filho apresentou, porque a mãe “resolvia as coisas sozinha, não dividia”. Queixou-se de
que a ex-esposa foi tomando espaços. Afirmou que seu relacionamento com o filho foi
muito bom no início da vida dele, como já foi referido, e no início da adolescência de Artur
quando os dois passaram a ter duas atividades em comum.
76
Portanto, Artur passou a sofrer de deprivação paterna, a partir da fase edípica,
porém como seus sintomas não foram compreendidos e manejados, seguiu seu
desenvolvimento sem resolver esses conflitos e agregando no seu histórico outros
sintomas: mentira, desleixo consigo mesmo, desorganização do material escolar. Winnicott
(1971/1984) associa desleixo com deprivação materna. A mãe de Artur acredita que, por
envolvimentos em seu trabalho (além do estudo também), pode ter falhado com o filho.
Podemos pensar que tais sintomas também eram uma forma de Artur reter a atenção da
mãe. Enfim, Artur então deu sinais de tendência anti-social, na esperança de buscar o
cuidado perdido, como diria Newman (2003).
Foi com este histórico e neste contexto que ocorreu a separação do casal. Torna-se
relevante compreendermos como Artur vivenciou esta transição, levando em consideração
também os estudos especificamente voltados para o divórcio parental. A literatura
consultada nos aponta que é bastante comum no período inicial pós-divórcio o
aparecimento de problemas de ajustamento, queda no rendimento escolar e de
relacionamento interpessoal (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999;
Wallerstein & Kelly, 1998). Alguns autores encontram problemas comportamentais em
adolescentes (Harland et al., 2002; Sourander & Helstelä, 2005; Wolchik et al., 2002).
Conforme relato dos pais e do próprio Artur não houve modificações significativas em seu
comportamento logo depois da separação dos pais; ou seja, os desajustes continuavam a se
manifestar como antes da separação.
Os autores também destacam que o medo de perder o contato com o pai que está
indo embora é um dos principais desajustes causados pelo divórcio, porque os filhos têm
medo de serem abandonados (Almeida et al., 2000; Souza & Ramires, 2006). Podemos
entender que no início da separação, o sentimento predominante de Artur era raiva,
negando qualquer tipo de falta que pudesse vir a sentir do pai. A tendência à
77
desvalorização da figura paterna já existente, com a “possessividade” da mãe em relação
ao filho, ficou pontencializada pela traição real do pai em relação à mãe. As mulheres
uniram-se por alguns meses e aí se instituiu o fenômeno de PAS - Síndrome de Alienação
Parental (Boch-Galhau; 2002) ou padrectomia (Martinez, 2002).
Artur inicialmente verbalizou que não sentiu falta do pai no período dos três meses
em que ficou sem encontrá-lo (aliás, o mecanismo de negação é significativo nesse
adolescente, que mascara seus aspectos mais depressivos). Comentou “... Eu nem senti
falta dele... tava com muita raiva”. Disse isso se referindo ao fato do pai ter traído a mãe.
No contexto do divórcio, os estudos com adolescentes apontam com freqüência a
incidência de: sentimentos de raiva, tristeza e em relação ao genitor não residente
(Ramires, 2004), cólera (Mahon et al.,2003), comoção e descrença (Kelly & Emery, 2003).
Para Cohen (2002), raiva e confusão podem levar a desajustes no comportamento (tais
como uso de substâncias, decréscimo do desempenho escolar, depressão, agressividade),
além de uma autonomia prematura com desidealização de cada pai. É o que foi
progressivamente intensificando-se em Artur, como refletiremos a seguir.
A partir do início do segundo ano do divórcio dos pais, Artur passou a acentuar e a
agravar alguns de seus desajustes, além de agregar outros. Conforme relato da mãe, o filho
começou a apresentar-se agressivo e violento quando contrariado, chegando a quebrar
objetos em casa. Os dois discutiam pelas questões escolares, pois a mãe cobrava cada vez
mais, na medida em que o filho também vinha piorando o seu aproveitamento escolar e
organização. Artur também estava descuidando de sua aparência pessoal, além da
possibilidade de ter consumido em casa bebida alcoólica misturada com água. Na
concepção do pai, o filho estava “muito solto” e mais sozinho. Então, possivelmente, Artur
começou a reviver o complexo de deprivação. De um lado, como já foi referido, Winnicott
78
(1971/1984) associa o desleixo e a desorganização à deprivação materna, enquanto a falta
de limites, a destrutividade e a agressividade à deprivação paterna.
Vários fatores devem ser considerados para o total entendimento do que se passava
com Artur nessa fase. Primeiramente, é preciso destacar que os pais, a partir do segundo
ano de separação, reorganizaram as suas vidas, seguindo cada um seu próprio caminho.
Costumavam conversar, conseguindo estabelecer um diálogo. Porém, até hoje não
entraram em acordo quanto à separação legal. Cada um deles projeta no outro a
responsabilidade no que diz respeito aos ajustes econômicos. Além disso, a pensão que o
pai destina ao filho é motivo de desacordos. Conforme Souza (2000), o nível de conflito
parental é um fator significativo para a adaptação dos filhos e para o relacionamento pais-
filhos.
A partir do final do primeiro e início do segundo ano da separação do casal
parental, houve mudanças na vida de Artur que se refletiram diretamente nos
relacionamentos entre ele e os pais, contribuindo certamente para o agravamento de seus
sintomas. De um lado, o pai assumindo o novo relacionamento e envolvendo-se com os
problemas de saúde de sua atual companheira; por outro lado, a mãe iniciando um namoro.
Segundo a literatura revisada, o namoro e o recasamento parental são conseqüências
naturais do divórcio (Dunn, Connor & Cheng, 2005; Souza, 1999). Porém, para Artur, esta
perspectiva talvez tenha lhe despertado sentimentos de desamparo, revivendo o estado de
deprivação já inscrito em sua história. Para os filhos, o recasamento cria uma teia
complexa de relacionamentos que merece ser estudada (Dantas, Jablonski & Feres-
Carneiro, 2004). Isso porque são novos relacionamentos e pessoas entrando em suas vidas,
muitas vezes quando ainda não elaboraram o divórcio dos pais. Por isso, para Lansfod et
al. (2006), o recasamento pode vir a ser um fator de risco, aumentando automaticamente os
problemas de comportamento nos filhos.
79
Naquele momento, talvez os pais de Artur tenham se afastado mais de suas funções
parentais, aspecto esse discutido em muitas pesquisas sobre o divórcio. A potencialização
de desajustes e/ou ressentimentos e decepções com uma das figuras parentais é
frequentemente associado nos estudos com a diminuição da parentalidade exercida após o
divórcio (Amato, 2001; Dunn, 2004). Por um lado, a mãe que detém a guarda deve
proporcionar um ambiente de cuidado positivo (Souza, 2000); por outro, o pai precisa
dedicar ao filho um tempo que seja suficiente a ele, embora seja difícil de mensurar o que
seria “tempo suficiente” (Dantas et al., 2004).
Uma das alternativas inconscientes que Artur buscou para o seu desamparo foi o
namoro que teve com uma menina por quase um ano, iniciando meio ano depois da
separação dos pais. Passava inclusive os finais de semana na casa da namorada,
estabelecendo uma relação muito forte com a família dela, que o tratava como um filho.
Mas a saída mais destrutiva foi o episódio de maior violência em que quebrou objetos em
seu quarto, sem que a mãe e a irmã conseguissem contê-lo. Talvez essa atitude extrema,
que culminou na mudança de Artur para a casa do pai, tenha sido a sua expressão maior de
deprivação, principalmente, paterna.
O afastamento ou falta do pai, no período pós-divórcio, potencializa problemas de
ajustamento e acadêmicos no adolescente do sexo masculino (Hines, 2007; Kelly &
Emery, 2003; Storken et al., 2005). Para esses autores, o menino sente mais a falta da
figura paterna, neste período, pela necessidade do modelo masculino.
A experiência de morar com o pai gerou decepções no filho em relação ao pai.
Artur encontrou um pai cuidador e controlador, e muito envolvido nos problemas de saúde
da atual companheira. Artur chegou a colocar: “Aquela casa era muito fria”. A localização
da casa atual do pai, extremamente inacessível, localizada na zona rural da cidade,
diferentemente da sua situação atual, entrava em choque com as suas demandas
80
adolescentes; ou seja, Artur, para se deslocar, dependia diretamente do pai e da madrasta,
situação muito diferente daquela que tinha na casa da mãe. Neste ponto lembramos que,
segundo Wagner et al. (1997), não é tarefa fácil integrar todas as demandas da fase
adolescente num cenário familiar multifacetado e em processo de modificação. Além
disso, o estudo de Dunlop et al. (2001) com adolescentes de 13 a 16 anos concluiu que a
auto-estima do adolescente está associada a um alto cuidado parental, sem que isso
signifique um controle excessivo por parte dos pais, visto que aquele necessita também de
autonomia e individuação.
Para a mãe, o período foi de muito sofrimento. Por isso não hesitou em aceitar o
filho de volta, quando este pediu. No que diz respeito a ela, o pedido de socorro de Artur
parece ter sido atingido, pois a partir do retorno do filho ela se propôs a reformular uma
série de atitudes de cobrança, além de voltar a acompanhar alguns cuidados básicos de
Artur, relacionados com sua saúde física. Ao mesmo tempo, o filho concordou com uma
série de limites que foram discutidos entre eles. Por ocasião do início dessa coleta de
dados, Artur estava mais calmo e menos agressivo, segundo a mãe.
A personalidade do filho é apontada com um fator facilitador ou não na adaptação
pós-divórcio, despertando ou não suporte por parte do ambiente (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999; Rushena et al., 2005). Por isso, é preciso ampliar essa reflexão, discutindo as
características de Artur. Embora ele se apresente de forma extrovertida e bem
comunicativa, os testes revelam uma tendência a inibir os afetos, negando-os, além de
apresentar tendências à somatização, conduta opositora, fuga para a mania e fuga para a
fantasia. Também aparece conflito de identidade, ansiedade, sentimentos de desamparo,
vazio e solidão. Tais sentimentos parecem ter sido potencializados pelas diversas
deprivações vividas ao longo dos anos. Com sua tendência a mascarar seus aspectos
depressivos, os pais muitas vezes interpretaram seus desajustes como uma simples
81
irresponsabilidade e/ou rebeldia. Também tomavam as questões escolares como
provenientes do déficit de atenção.
Portanto, os sintomas apresentados por este adolescente estão mais relacionados
com as vicissitudes de seus relacionamentos com os pais, marcados por descontinuidades
no holding oferecidos por eles e os afastamentos progressivos. É possível verificar que a
vivência do período pós-divórcio potencializou as dificuldades, que certamente foram
instituídas a partir de experiências muito anteriores ao processo de separação dos pais.
Artur não estava suficientemente em condições de enfrentar esta transição da maneira
como aconteceu e como foi conduzida, pois o fez reviver as deprivações passadas.
4 Síntese dos Casos Cruzados
Ao analisar os dados levantados nos três estudos de caso encontramos vários pontos
de convergência que serão apontados e discutidos nesse momento. Primeiramente, é
preciso considerar que em todos eles foi possível identificar uma história de fragilidade nos
relacionamentos entre pais e filhos desde a primeira infância, muito antes do processo de
separação do casal. Esta fragilidade se constituiu a partir de experiências de
descontinuidades, de rupturas dos cuidados parentais, que entendemos terem desencadeado
nos filhos o complexo de deprivação, tal como foi descrito por Winnicott (1956/2000).
Percebemos que em todos os casos houve um início de vida suficientemente bom.
Embora nenhuma das gestações tenha sido planejada, foram filhos muito bem recebidos e
investidos de cuidados no seu primeiro ano de vida. As mães, ao que tudo indica,
conseguiram desenvolver o estado chamado de “preocupação materna primária”,
fornecendo um contexto propício para que a constituição de seus bebês começasse a se
manifestar (Winnicott, 1956/2000). No entanto, para Patrícia (caso 1) e Fernando (caso 2)
82
a deprivação materna foi vivenciada já a partir do segundo ano: Patrícia, diante da gravidez
e nascimento da irmã; Fernando, diante da carga horária de trabalho intensa da mãe e
também do nascimento da irmã. Ambos, nesta fase, provavelmente incrementaram seus
sentimentos de perda também porque a figura paterna não foi suficientemente acolhedora.
O pai de Patrícia passou a se dedicar ao trabalho, e o pai de Fernando, era um homem
agressivo e violento. No caso de Artur (caso 3) também detectamos a vivência da
deprivação materna a partir do segundo ano de vida, em função das atividades profissionais
da mãe. Porém, neste caso, o pai ofereceu um holding ao filho, atenuando os possíveis
sentimentos de perda em relação à mãe. No entanto, houve deprivação paterna a partir da
fase edípica, quando o pai não conseguiu cumprir sua função na colocação de limites,
necessária ao desenvolvimento do auto-controle.
As figuras parentais dos três casos tiveram experiências marcadas por momentos
críticos no convívio com seus pais na sua infância. Dificuldades de relacionamento são
detectadas nos pais de Patrícia (caso 1): a mãe com a avó materna; o pai com os avós
paternos. O avô paterno e materno de Fernando (caso 2) aparecem desqualificados,
falhando em seu papel provedor de um holding familiar. Na mãe de Artur houve a perda do
pai por morte no segundo ano de vida, o que pode ter sido vivenciado como uma
experiência de deprivação. Já o pai de Artur (caso 3), por sua vez, sofreu possivelmente de
privação, por ter sido abandonado no início de sua vida por seus próprios pais. Chama
também a atenção o fato de que todas as mães dos adolescentes avaliados são identificadas
como autoritárias e com forte poder de influência na família. Os pais dos adolescentes, por
sua vez, se revelam mais frágeis e desqualificados, com problemas econômicos,
desemprego nos três casos, e traição no caso do pai de Patrícia e Artur. Este padrão em
relação às figuras maternas e paternas parece ser também uma repetição da geração
anterior.
83
Todos os adolescentes, ainda na primeira infância, apresentaram desajustes. Patrícia
(caso 1) demonstrou por muito tempo medo de ficar sozinha e de máscaras. Fernando (caso
2) tinha manifestações de agressividade em sua casa. Artur (caso 3) na pré-escola começou
a apresentar desadaptações e dificuldades escolares. Em todos eles surgiram novos
sintomas ou se potencializaram a partir da vivência de separação dos pais. Patrícia e
Fernando passaram a ter problemas de comportamento na escola logo após a separação.
Artur potencializou seus sintomas no início do segundo ano de separação.
Percebemos que o aparecimento ou potencialização desses sintomas estavam
associados a novas vivências de deprivação e não propriamente à separação dos pais.
Patrícia (caso 1) e Fernando (caso 2) foram deprivados imediatamente após a separação,
porém em Patrícia a deprivação foi materna (com sintoma de furto) e paterna
(agressividade, afronta verbal aos professores, dificuldade no controle dos impulsos),
enquanto que em Fernando a deprivação foi somente paterna (agressividade e afronta
verbal aos professores). Artur (caso 3) já manifestava desajustes muito antes da separação
dos pais. Tais desajustes foram potencializados, mas não imediatamente após o divórcio.
Podemos relembrar nesse momento que mesmo contando com apoio da namorada e da
família desta, o sentimento de deprivação em Artur e a potencialização de suas
manifestações de tendência anti-social se incrementaram no segundo ano de separação,
quando ambos os pais ficaram muito envolvidos em seus novos relacionamentos, deixando
o filho mais sozinho. A deprivação materna manifestou-se pela desorganização e desleixo
(com sua saúde e seu corpo) e a paterna através de condutas agressivas e violentas.
Este cenário de descontinuidades nos relacionamentos entre os pais e filhos, com o
conseqüente aparecimento ou potencialização de sintomas, tem conexão com as conclusões
de muitos estudos sobre o divórcio parental. Independentemente do enfoque teórico ou da
metodologia utilizada, a literatura especializada sugere que o divórcio passa a ser um fator
84
de risco para os filhos caso tenha se consolidado um afastamento entre eles e as figuras
parentais. O aparecimento e manutenção dos desajustes e/ou ressentimentos e decepções
com uma das figuras parentais são freqüentemente associados nos estudos com a
diminuição da qualidade da parentalidade exercida após o divórcio (Amato, 2001; Dunn,
2004). A maioria dos estudos ressalta a importância da manutenção dos vínculos do pai-
não residente com seus filhos (Kelly & Emery; 2003; Ruschena et al., 2005; Storken et al.,
2005). Mas é preciso considerar também o relacionamento entre o filho e o progenitor que
detém a guarda. Para Souza (2000), este deve proporcionar um ambiente de cuidado
positivo.
O divórcio, a exemplo do que foi descrito nos três casos avaliados, traz muitas
mudanças para a vida dos filhos. A saída de um dos pais da residência é uma das mais
evidentes. Porém, existem outras, tais como: declínio econômico (Amato, 2001), menos
contato com os pais, instabilidade produzida e o possível prolongamento do conflito
parental (Souza, 1999). Nos três casos, identificamos problemas econômicos que podem
ter incrementado as dificuldades de relacionamento entre o casal muito antes da separação,
sendo que após a separação parece ser motivo de desacertos. Em todos os casos, foram
detectados o prolongamento do conflito parental, seja por questões econômicas, como no
caso de Fernando (caso 2) e Artur (caso 3), seja por mágoas e ressentimentos como no caso
da mãe de Patrícia e do pai de Fernando.
Outra conseqüência natural do divórcio é o namoro e o recasamento parental
(Souza, 1999). Esta perspectiva não é isenta de conflitos; muito pelo contrário. São novos
relacionamentos não só para os pais, mas para os filhos. O recasamento cria uma teia
complexa de relacionamentos (Dantas et al., 2004). A perspectiva de recasamento ficou
evidente nos casos de Patrícia (caso 1) e Artur (caso 2). Nestes casos, a traição do pai é que
precipitou a separação, mas ambas as mães tentam reconstruir suas vidas através de novos
85
relacionamentos. Devemos considerar nesse ponto que é possível que Patrícia e Artur,
sofrendo de deprivação materna e paterna, tenham potencializado suas dificuldades com a
perspectiva dos namoros de seus pais. E como colocam Lansford et al. (2006) o
recasamento pode ser um fator de risco, aumentando os problemas de comportamento nos
filhos.
Embora, as histórias anteriores das relações entre pais e filhos, aliada aos
afastamentos das figuras parentais tenham potencializado os desajustes, devemos
considerar que os três casos apresentaram sintomas no primeiro ano após o divórcio, como
a literatura especializada aponta: depressão, irritação, queda no rendimento escolar,
problemas de ajustamento e de relacionamento interpessoal (Amato, 2001; Hetherington &
Stanley-Hagan, 1999; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002), como também
distração, ansiedade, raiva, comoção e descrença (Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003).
A perspectiva da quebra do holding familiar cria um cenário propício para o
aparecimento de desajustes, com incertezas e mágoas, emergidas no meio dessas “guerras”
conjugal e parental, que ocorrem principalmente no período inicial da separação. Os
sintomas aparecerem com mais freqüência no primeiro ano de separação (Harland et al.,
2002; Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003; Lansford et al., 2006). Com Patrícia (caso 1) e
Fernando (caso 2) haviam se passado cerca de três meses da separação, sendo que Artur
(caso 3) enfrentava o segundo ano quando seus sintomas se potencializaram.
É preciso considerar também que os casos avaliados incluíam filhos vivendo a
transição adolescente, período evolutivo vulnerável ao aparecimento de desajustes. Como
colocam Wagner et al. (1997) integrar todas as demandas da fase adolescente, num cenário
cultural e familiar multifacetado e em pleno processo de modificação, muitas vezes,
significa deparar-se com um agravamento das crises inerentes à adolescência e ao ciclo
evolutivo do sistema familiar. O adolescente tem mais condições de aceitar e perceber
86
a realidade de uma forma mais objetiva. No entanto, a compreensão mais realista da
situação não impede o surgimento de ressentimentos e, conseqüentemente, de sintomas.
Conforme escreve Souza (2000), os adolescentes percebem muitas vezes o divórcio como
uma boa solução para a família, mas, por outro lado, alguns relatam solidão, isolamento ou
incapacidade de buscar fontes de apoio.
Os adolescentes avaliados apresentaram sintomas na área de conduta,
inconscientemente denunciando o sentimento de desamparo e solidão. Demonstraram
compreender e aceitar o motivo da separação dos pais, mas descreveram e identificaram
com propriedade seus sentimentos de raiva dirigidos às figuras parentais que os
deprivaram. Tais achados são compatíveis com alguns dos resultados dos estudos revisados
envolvendo adolescentes, como veremos a seguir.
Harland et al. (2002) detectaram um índice maior de problemas comportamentais
entre 12 e 16 anos nos filhos provenientes de famílias com pais divorciados. Cohen (2002)
cita que sentimentos de raiva e confusão podem levar na adolescência a problemas de
relacionamento, uso de substâncias, descréscimo do desempenho escolar, conduta sexual
inadequada, depressão, agressividade e comportamento delinqüente. Em outros estudos
com adolescentes foram identificados sentimentos de raiva e tristeza em relação ao genitor
não-residente (Ramires, 2004) e cólera (Mahon et al., 2003). A maior fonte de dificuldade
e sofrimento diz respeito à saída de casa de uma das figuras parentais e à falta de
previsibilidade de eventos da vida cuotidiana (Souza, 2000). Todos esses achados são
encontrados nos três casos avaliados.
Torna-se relevante também refletir sobre as diferenças quanto ao gênero dos
adolescentes. As pesquisas revisadas apontam que os meninos mostram-se mais violentos e
com mais problemas acadêmicos que as meninas. Estas são mais ajustadas nas
características sociais e acadêmicas, mas são propensas a engravidar mais cedo (Hines,
87
2007; Kelly & Emery, 2003). A maioria desses estudos associa esses achados à ausência
paterna. As análises de cada caso revelaram algumas convergências e outras divergências
em relação aos estudos citados. O negativismo e a rebeldia estão presentes nos três.
Fernando (caso 2) e Artur (caso 3) apresentam mais problemas de controle dos impulsos no
que diz respeito à agressividade e destrutividade, porém Fernando não revela problemas
acadêmicos, como seria também esperado. Patrícia (caso 1), por sua vez, não se apresenta
mais ajustada do que os meninos, como aponta a literatura. É preciso lembrar nesse ponto
que ela sofre de deprivação materna e paterna, sendo que os estudos revisados descrevem o
afastamento do pai. Patrícia revela uma dificuldade no controle dos impulsos no que diz
respeito à sexualidade, aspecto esse que está implícito nas pesquisas que sugerem a
possibilidade de gravidez precoce.
Com Fernando (caso 2) e Artur (caso 3), o afastamento paterno foi de alguma
forma estimulado pela figura materna, com seus ressentimentos em relação ao pai. As
mães desses adolescentes lidam com seus filhos com possessividade, levando ao que a
literatura define como PAS- Síndrome de Alienação Parental (Boch-Galhau, 2002),
fenômeno também identificado como padrectomia (Martinez, 2002).
A literatura aponta que a personalidade é tida como uma variável importante na
adaptação do filho ao período pós-divórcio (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999;
Ruschena et al., 2005). De acordo com os dados levantados é possível encontrar pontos
em comum entre os três participantes da pesquisa. Ambos revelaram uma tendência à
inibição dos afetos e uma forte negação de sentimentos depressivos, embora estes tenham
sido denunciados de forma muito evidente na testagem psicológica, com sentimentos de
desamparo e solidão. Em todos, há uma percepção do sentimento de raiva em relação aos
progenitores que provocaram a deprivação, porém no início da avaliação nenhum deles
associou diretamente os sintomas apresentados com tais sentimentos.
88
Lembramos nesse ponto que a personalidade se forma através da relação que se
estabelece entre a criança e seus pais. Portanto, a natureza destes relacionamentos pode
influenciar de forma suficientemente positiva ou não o enfrentamento do divórcio parental
por parte dos filhos. Logicamente, à medida em que a criança cresce a relação com os pais
vai passando por modificações: da dependência absoluta, passa pela dependência relativa e
daí rumo à independência (Winnicott, 1963/1988). Porém, as mudanças nas relações irão
tomar como referência as representações do ambiente e do self ( Souza & Ramires, 2006).
Nos participantes da pesquisa aparecem introjetadas vivências de deprivação que
marcaram a história de seus relacionamentos com seus pais. Essas marcas os deixaram
mais vulneráveis, principalmente diante da perspectiva de repetição do complexo de
deprivação. As manifestações de tendência anti-social foram de fato uma espécie de
protesto pelos “direitos perdidos”. Entendemos que nesses casos o divórcio parental foi
um campo minado, que desencadeou nestas figuras parentais a descontinuidade dos
cuidados maternos e paternos. Não podemos deixar de relembrar nesse momento que esses
pais também têm marcas de deprivação na sua história com seus próprios pais. Portanto,
nossa conclusão é de que o principal fator de desajuste apresentado pelos jovens
adolescentes está relacionado com a história e o padrão de relacionamento estabelecido
entre eles e seus pais.
5 Considerações Finais
A partir dessa experiência é possível refletir sobre vários aspectos, que incluem
desde a elaboração do projeto até a sua execução. Há vários pontos a serem discutidos,
como o foco de pesquisa, a demanda surgida a partir da escola, que determinou a seleção
dos casos, e o processo do estudo de caso propriamente dito, com as análises deste material
89
integradas à revisão da literatura existente. Discorrer a respeito das limitações e aplicações
significa não só avaliar o que foi feito, mas abrir portas para pesquisas futuras.
Primeiramente, é preciso considerar que o tema do divórcio parental é bastante
pertinente na atualidade, em função não só do número elevado de separações atualmente,
mas pela complexidade do processo que implica em mudanças na vida das pessoas
envolvidas, em especial dos filhos. Também nos parece relevante a realização da pesquisa
qualitativa, com a utilização de estudos de caso, na medida em que detectamos nos estudos
revisados uma predominância de pesquisas quantitativas. Um terceiro fator de interesse da
pesquisa diz respeito à possibilidade de utilizar os conhecimentos da Psicanálise, também
menos freqüente nas pesquisas revisadas referentes ao contexto do divórcio.
Em relação ao tema da tendência anti-social, entendido psicanaliticamente por
Winnicott, encontramos pesquisas envolvendo crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social e não em outros contextos, como o divórcio. Neste sentido, a
originalidade desta pesquisa quanto ao foco e metodologia nos trouxe desafios e também
limitações. Certamente, há um trabalho a ser construído nesta área em pesquisas futuras.
Buscamos no ambiente escolar o ponto de partida dos casos selecionados. Como já
foi referido, a seleção dos casos dos adolescentes com indicadores de problemas de
comportamento foi feita através do Setor Psicopedagógico de uma escola de classe média
da cidade de Novo Hamburgo. Baseado no projeto original, sugeriu-se inicialmente um
leque amplo quanto à faixa etária (7 a 15 anos) e quanto ao tempo de separação do casal
(até 5 anos). Com isso, tínhamos como intuito detectar qual seria a maior demanda
observada no meio escolar. Certamente, reconhecemos que esta amplitude teve seus riscos.
Caso houvesse uma variabilidade muito grande entre as faixas etárias dos casos
encaminhados, nos defrontaríamos com mais uma variável a ser considerada e analisada
neste contexto: a idade dos filhos e o tempo de separação.
90
Observamos que houve uma restrição naturalmente determinada pela seleção
realizada pelo Setor Psicopedagógico. Chamou a atenção que os casos selecionados pela
escola estavam na fase de adolescência, com pais separados vivenciando no máximo o
segundo ano do divórcio. Nos dois primeiros casos, a separação dos pais ocorreu inclusive
há menos de um ano.
Portanto, com essa constatação, podemos reiterar que o período inicial pós-
divórcio, como a literatura revisada nos aponta, é uma fase vulnerável ao aparecimento de
desajustes, porque entendemos que em muitas situações há uma quebra do holding
familiar, que pode vir a despertar nos filhos sentimentos de desamparo e abandono em
relação ao progenitor não-residente, bem como àquele que detém a guarda. Acrescentamos
que é preciso interligar o tempo da separação com a vulnerabilidade própria da
adolescência, período este caracterizado por oscilações entre a busca constante de
autonomia e a dependência para com as figuras parentais.
É preciso considerar também que tais casos referem-se àqueles cujos pais
concordaram em participar da pesquisa. De qualquer forma, a concordância pressupõe
disponibilidade. Constatou-se nos três casos significativa necessidade de ajuda, o que
certamente moveu e manteve o interesse por parte deles durante todo o processo. Todos
esses casos concordaram em participar da pesquisa, certamente porque buscavam
orientação e ajuda (lembrando que envolviam adolescentes com sintomas
comportamentais, num contexto de transições e impasses familiares e vinculares, mas que
tinham vivências anteriores de deprivação).
É relevante destacar que, de uma maneira geral, na análise dos dados constatou-se
nos três casos, o afastamento de uma das figuras parentais e um fragilizado relacionamento
entre um dos pais e seus filhos, após a separação parental. Tal achado provavelmente
equivale ao estado de deprivação, tal qual foi definido por Winnicott (1956/2000). Porém,
91
chamou a atenção também o fato de que todos estes adolescentes tiverem experiências de
deprivação na história dos relacionamentos com pelo menos uma das figuras parentais,
muito antes da separação conjugal, mais especificamente a partir da fase dependência
relativa. Os pais, que deprivaram os filhos, por sua vez, tiveram em suas histórias vivências
de deprivações com seus próprios pais.
Para fazer nossa integração e discussão dos resultados, utilizamos, além dos poucos
estudos psicanalíticos existentes sobre o tema do divórcio e da tendência anti-social,
estudos quantitativos de uma linha sistêmica, diferentemente da metodologia e do
referencial teórico psicanalítico utilizado em nossa pesquisa. Esta falta de referências de
pesquisas de orientação psicanalítica constitui-se uma lacuna na literatura científica. No
entanto, é possível encontrar um ponto de intersecção entre os diversos referenciais
teóricos. A expressão ‘qualidade da parentalidade’ encontrada em muitos estudos pode, a
nosso ver, ser traduzida ou entendida como a capacidade suficientemente positiva dos pais
em exercer continuamente os cuidados paterno e materno. É freqüente nos estudos a
referência aos afastamentos das figuras parentais, em especial do pai, como um fator de
risco associado ao aparecimento ou potencialização de sintomas. Fazemos uma leitura
psicanalítica desses achados, pensamos que estes afastamentos representam rupturas,
descontinuidades que provocam a vivência do complexo de deprivação e o aparecimento
da tendência anti-social como pedido de socorro.
Os cstudos de caso, da forma como foram planejados e posteriormente realizados,
mostraram ser um método significativamente eficaz no que diz respeito ao levantamento de
dados, possibilitando uma análise minuciosa de todas as variáveis envolvidas. O número de
sessões foi relativamente grande, devido à variabilidade de recursos utilizados (recursos
esses que se complementaram), bem como devido às entrevistas de devolução necessárias
para a finalização de todo o processo.
92
Neste sentido, é preciso refletir sobre o ponto de intersecção entre os estudos de
caso e a pesquisa-intervenção. Como diz Maraschin (2004), todo pesquisar, de alguma
forma, é uma intervenção. Esta afirmação também é encontrada em Ramires e Benetti
(2007), referindo que no campo da clínica há limites tênues entre uma intervenção ou uma
avaliação, um exame, uma entrevista ou uma simples coleta de dados. Portanto:
Partimos da premissa que a avaliação psicológica já se constitui como um processo
de intervenção, sendo muito mais do que um mero levantamento de dados sobre o sujeito. A
própria realização das entrevistas e/ou da aplicação de determinados testes ou técnicas
psicológicas, num setting particular e único pelas suas especificidades, implicam numa
intervenção cujo potencial não é nem um pouco desprezível (Ramires & Benetti, 2007, p. 13-
14).
Em nossa pesquisa, os estudos de caso tal como foram operacionalizados, aliados
ao fato dos sujeitos apresentarem uma demanda significativa de orientação, configuraram
um campo ética e inevitavelmente propício para a pesquisa-intervenção. Nesse sentido, a
avaliação psicológica realizada possibilitou uma maior compreensão dos conflitos, das
dificuldades, despertando a reflexão sobre as possibilidades de transformação,
principalmente no que diz respeito aos relacionamentos entre pais e filhos.
O fato dos estudos de caso serem realizados no consultório da mestranda, de
alguma forma promoveu a aproximação e a integração harmoniosa entre a sua prática
clínica profissional e a pesquisa acadêmica. Sob um enfoque psicanalítico, foi possível
aprimorar o conhecimento, a capacidade de observação, pelo rigorismo minucioso que a
pesquisa se propõe.
Certamente, acreditamos que o foco deste estudo e metodologia deva ser explorado
e investigado em futuras pesquisas. Associar a tendência anti-social dos filhos no contexto
do divórcio parental nos parece pertinente na atualidade. Sugerimos não só a reaplicação
do estudo, mas a possibilidade de aprofundar outras variáveis.
93
Pensamos que a pesquisa poderia ser feita, por exemplo, partindo do
encaminhamento de várias escolas, desde que freqüentada por alunos de um nível social e
cultural semelhante. Também refletimos a importância de se avaliar as diferenças quanto
ao gênero.
Não podemos deixar de relembrar que nossas análises identificaram indícios de
vivências de deprivação na infância das figuras parentais que, por sua vez, deprivaram os
adolescentes avaliados. Portanto, outra sugestão seria investigar a possível associação entre
as experiências das diversas gerações, através da transmissão psíquica. Este fenômeno tem
sido referido na literatura psicanalítica como transgeracionalidade
4
. Segundo Safra: “O
gesto criativo acontece em um determinado contexto histórico, em um determinado
contexto transgeracional. Dessa forma, a criatividade assim colocada cria o já existente e
também alcança o que está posicionado para aquela criança dentro da história familiar”
(2002, p.828).
4
Os pais não são os únicos protagonistas dessa relação, ou seja, há três gerações implicadas nesse
tipo de identificação (Kaës, Fairmberg, Enriquez & Baranes, 2001).
SEÇÃO II
REVISÃO CRÍTICA DA LITERATURA: ADOLESCÊNCIA E DIVÓRCIO -
CONTINUIDADES E RUPTURAS DOS RELACIONAMENTOS
O objetivo desta seção é o de apresentar uma revisão da literatura que aborda os
relacionamentos pais-filhos no contexto das transições familiares relacionadas à separação
e/ou divórcio parental, enfocando as reações, as experiências, as concepções, os
sentimentos dos filhos, especialmente dos adolescentes. Para isso foram acessadas as
seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (incluindo Lilacs, Medline, Scielo),
Indexpsi, Ibict, Psicoinfo e Pubmed. Foi possível constatar a existência de pesquisas que
trouxeram contribuições a respeito das repercussões da separação dos pais sobre as
crianças e os adolescentes (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Kelly &
Emery, 2003; Ramires, 2004; Souza, 2000; Wagner & Feres-Carneiro, 1998; Wallerstein
& Kelly, 1998), além de estudos voltados especificamente ao adolescente (Dunlop et al.,
2001; Hines, 2007; Ruschena et al., 2005; Sourander & Helstelä, 2005; Souza, 2000;
Storken et al., 2005; Wagner et al., Falcke & Meza 1997).
Os estudos revisados têm concluído que as crianças mais jovens podem ser as mais
afetadas pelo divórcio parental, porque são menos capazes de compreender os eventos
familiares, mais propensas a se culpar e a se sentir abandonadas, e têm menos acesso a
possíveis apoios através de relacionamentos fora da família (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999; Wallerstein & Kelly, 1998). O adolescente tem mais condições de aceitar e
perceber a realidade de uma forma mais objetiva. No entanto, a compreensão mais realista
da situação não impede o surgimento de ressentimentos e, conseqüentemente, de sintomas.
95
Como escreve Souza (2000), os adolescentes percebem muitas vezes o divórcio como uma
boa solução para a família, mas, por outro lado, alguns relatam solidão, isolamento ou
incapacidade de buscar fontes de apoio.
Sabe-se que a adolescência é uma fase peculiar do desenvolvimento do indivíduo,
que marca a transição entre o mundo infantil e o mundo adulto. Em meados de 1950,
Winnicott (1957/1997) propunha que uma das grandes tarefas da adolescência seria buscar
a independência emocional dos pais, processo esse marcado por momentos alternados entre
uma independência rebelde e uma dependência regressiva. Segundo este autor, não seria
para os pais uma tarefa simples: as oscilações do adolescente necessitariam encontrar
persistência e continuidade dos cuidados parentais. Fazendo uma leitura contemporânea da
adolescência, Outeiral (2008) acrescenta que, independentemente da cultura na qual o
adolescente está inserido, a transformação dos vínculos infantis com os pais para outro tipo
de vínculo mais maduro não significa uma ruptura do adolescente com a família.
Diferentemente do século passado, os adolescentes enfrentam hoje não só suas
próprias crises, mas também as mudanças constantes no cenário sócio-cultural e na
estrutura da família, que apresenta diversas possibilidades de configuração. A transição
adolescente muitas vezes encontra como pano de fundo algum tipo de transição familiar,
como o divórcio. Em 1997, Wagner et al. ressaltavam que integrar todas as demandas da
fase adolescente, num cenário cultural e familiar multifacetado e em pleno processo de
modificação, muitas vezes, significava deparar-se com um agravamento das crises
inerentes à adolescência e ao ciclo evolutivo do sistema familiar. Esta idéia parece também
pertinente nos dias de hoje.
96
1 Transições familiares relacionadas ao divórcio: História e pesquisas
Nas últimas décadas, assistimos a uma mudança no cenário sócio-cultural,
provocada, entre outros fatores, pelas alterações na estrutura familiar. Na sociedade
ocidental, esperava-se da família que ela permanecesse indissolúvel, independentemente de
seus conflitos. O crescente aumento de separações conjugais e posteriores recasamentos e a
inserção da mulher no campo de trabalho introduziram mudanças nos papéis familiares
básicos (Wagner & Feres-Carneiro, 1998). Com isso, na chamada era da pós-modernidade,
não encontramos mais um modelo único de família, com pai, mãe e filhos biológicos
morando juntos. O divórcio trouxe um leque de novas configurações e organizações
familiares.
Em relação à freqüência, nos EUA, o divórcio parental é experienciado por 1,5
milhão de crianças a cada ano (Wolchik et al., 2002). No Brasil, o IBGE aponta que, em
2005, foram registrados 717.650 casamentos e 150.714 divórcios. Neste mesmo ano, o
registro total de filhos de casais envolvidos em divórcios somou 227.580. Sabemos que
estes são os dados notificados, mas também temos conhecimento de uniões e separações
não oficializadas que não estão enquadradas nestas estatísticas. Talvez a alta incidência do
divórcio justifique o grande interesse dos pesquisadores sobre este assunto na atualidade.
No entanto, entre 1980 e 1990, Amato (2001), detectou uma lacuna de pesquisas.
Numa revisão de pesquisas realizadas nas décadas de 1960 e 1970, Hetherington e
Stanley-Hagan (1999) constaram que aquelas eram baseadas num modelo de déficit; ou
seja, o divórcio era encarado como um evento traumático, partindo-se do pressuposto de
que a saída de um dos pais do lar implicaria em sérias conseqüências para os filhos.
Podemos entender que esta posição refletia, em parte, a própria resistência da sociedade da
época em aceitar que as famílias pudessem ter outras configurações, e romper assim o mito
97
da ‘família indissolúvel’. Os estudos dessas autoras, entre outros, contribuíram para uma
mudança no rumo das pesquisas sobre o divórcio, focalizando a importância da diversidade
dos padrões de ajustamento dos filhos, como resultado da interação entre fatores
individuais, familiares e extra-familiares.
O aumento das taxas de separação conjugal em diversos países contrasta com o
reduzido número de pesquisas qualitativas sobre esse tema (Brito, 2007). Constata-se que
em grande parte dos estudos predomina a metodologia quantitativa e o enfoque sistêmico
(Freeman & Newland, 2002; Harland et al., 2002; Mahon et al., 2003, Sourander &
Helstelã, 2005; Storken et al., 2005). Encontramos no Brasil estudos qualitativos, trazendo
uma compreensão mais psicanalítica (Ramires, 2004), sistêmica (Almeida et al., 2000;
Wagner et al., 1997), como também baseada na Psicologia do Desenvolvimento (Souza,
2000).
Chama atenção a freqüência dos estudos comparativos: entre filhos que vivem com
suas famílias originalmente constituídas e de famílias divorciadas (Freeman & Newland,
2002; Dunlop et al., 2001; Harland et al., 2002; Mahon et al., 2003; Ruschena et al., 2005;
Storken et al., 2005; Wagner et al., 1997; Wolchik et al., 2002); e entre filhos de gêneros
diferentes (Hines, 2007; Mahon et al., 2003; Ruschena et al, 2005; Storken et al., 2005). É
possível também encontrar estudos longitudinais que se preocuparam em analisar as
conseqüências do divórcio a médio e a longo prazo (Almeida et al., 2000; Dunlop et al.,
2001; Amato & Afifi, 2006; Ruschena et al. 2005; Storken et al., 2005 e Wolchik et al.,
2002).
Independentemente da metodologia ou do referencial teórico utilizado, as pesquisas
têm apontado para a relevância do estudo do divórcio parental e as implicações para o
desenvolvimento dos filhos. A separação dos pais muitas vezes implica em
descontinuidades, rupturas no holding familiar, gerando sentimentos de perda e desamparo.
98
No entanto, essa concepção deve ser distinguida do modelo do déficit, como já foi citado,
contido nas pesquisas iniciais sobre o divórcio, que trazia implícita uma idéia pré-
concebida e determinista a respeito das conseqüências do divórcio.
Os efeitos do divórcio não são necessariamente adversos (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999; Hetherington & Kelly, 2002). Muitos filhos, que se movem de uma situação
familiar conflituosa para uma situação mais harmônica, mostram inclusive uma diminuição
de problemas após o separação de seus pais (Kelly & Emery, 2003). Não é
necessariamente a presença do casal parental vivendo juntos que promove a saúde mental.
Às vezes, conviver com pais em constante conflito prejudica o desenvolvimento dos filhos
(Amato & Afifi, 2006; Benetti, 2006).
Portanto, como colocam Souza e Ramires (2006), não é possível estabelecermos
uma relação linear de causa e efeito entre divórcio e conseqüências negativas. É importante
que se compreenda a complexidade e a multiplicidade dos fatores, que possibilitarão
inúmeras formas de integração pós-divórcio.
2 Divórcio... e Depois?
A saída de um dos pais da residência não é a única mudança na vida dos filhos que
acompanha o divórcio parental. Pode acontecer: declínio econômico, mudança de casa e de
escola e afastamento de amigos (Amato, 2001; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999).
Souza (1999) acrescenta menos acesso a avós, menos contato com um dos pais,
instabilidade produzida e o possível prolongamento do conflito parental, através de
disputas de guarda e pensão. O recasamento também pode ser encarado como uma das
possíveis conseqüências, criando uma teia complexa de relacionamentos (Dantas et al.,
2004).
99
A literatura científica tem explorado e descrito numerosos fatores que contribuem
para as vicissitudes que o ajustamento de crianças e adolescentes pós-divórcio enfrentará: o
tempo de separação, as características da personalidade das crianças e adolescentes, sua
idade na ocasião da separação, o gênero, o nível de conflito entre os pais e a qualidade da
parentalidade.
No período inicial da separação é mais comum aparecerem nos filhos dificuldades,
preocupações e sintomas. Diante da separação “os filhos têm que enfrentar o medo de
também serem separados: perder o contato com uma das figuras parentais. Serem, de fato
abandonados” (Souza & Ramires, 2006, p.199). O medo de perder o contato com o pai que
está indo embora é o principal desajuste causado pelo divórcio (Almeida et al., 2000). É
comum os filhos sentirem-se mais deprimidos e irritados, podendo apresentar queda no
rendimento escolar, problemas de ajustamento e de relacionamento interpessoal (Amato,
2001; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002). Efeitos mais drásticos incluem
comportamentos anti-sociais, agressivos, oposicionistas, falta de auto-controle, baixa
responsabilidade social e diminuição do desempenho cognitivo (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999). Os problemas de comportamento têm sido também referidos por vários
outros autores (Almeida et al., 2000; Harland et al., 2002; Sourander & Helstelä, 2005).
Além desses podem surgir distração, ansiedade, raiva, comoção e descrença (Kelly &
Emery, 2003), problemas de internalização e de externalização e problemas
psicossomáticos (Cohen, 2002).
A readaptação à nova situação e a diminuição dos sintomas se dá num período de 1
a 3 anos (Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003; Ramires, 1999). Podemos acrescentar que a
retomada do desenvolvimento pode estar associada também à constatação de que a
separação que se efetivou é conjugal e não parental. Mas certamente outras variáveis
interferem na potencialização ou desaparecimento dos sintomas. Além disso, as transições
100
conjugais tendem a exacerbar problemas nas crianças que já apresentavam conflitos e
desajustes anteriores.
A personalidade é encarada com um fator facilitador ou não na adaptação pós-
divórcio, despertando ou não suporte por parte do ambiente (Hetherington & Stanley-
Hagan, 1999, Ruschena et al., 2005). A personalidade e a psicopatologia dos pais também
é considerada um fator de importante influência nesse processo (Cohen, 2002),
contribuindo para a comunicação posterior do casal a serviço da parentalidade.
O nível de conflito parental é um fator significativo para a adaptação dos filhos
(Souza, 2000) e para o relacionamento pais-filhos. Separações litigiosas, falta de diálogo e
o não cumprimento das combinações que envolvem os filhos dificultam o processo.
Schabbel (2005) considera o período pós-divórcio constituindo o fator mais crítico no
funcionamento da família.
Neste tipo de contexto, é possível o surgimento do fenômeno que vem sendo
descrito como PAS (Síndrome de Alienação Parental), que constitui o afastamento do pai,
por indução da mãe, que impede o contato e manipula o filho contra o pai (Boch-Galhau,
2002). Talvez seja possível fazer uma conexão da PAS com as idéias de Dolto
(1988/2003). Esta autora comenta que algumas mães tratam seus filhos como se fossem
delas, caindo na armadilha de sua própria possessividade. Acrescentamos que o divórcio
pode potencializar algo que já se instituiu na história vincular entre mãe e filho.
Independentemente do conflito conjugal, após o divórcio pode haver uma
diminuição da qualidade da parentalidade. Com o afastamento entre pais e filhos após a
separação, a quantidade de tempo não é suficiente, embora seja difícil mensurar o que seria
“tempo suficiente”. O problema se instala quando os pais, além de considerarem os
cônjuges como ex, passam a enquadrar suas crianças na categoria de “ex-filhos” (Dantas et
al., 2004). Na literatura consultada encontramos mais referências aos riscos de afastamento
101
paterno do que materno (Kelly & Emery, 2003; Storken et al., 2005). Lembramos que em
nossa cultura normalmente é a mãe quem detém a guarda. No entanto, segundo Kelly e
Emery (2003) as mães não residentes costumam visitar mais seus filhos do que os pais não
residentes, que tradicionalmente ficam mais tempo com seus filhos meninos do que com as
meninas.
Amato (2001) refere não ser significativa a diferença entre as reações de meninos e
meninas. No entanto, é possível encontrar estudos indicando que os meninos no primeiro
ano do divórcio apresentam mais problemas comportamentais que as meninas (Kelly &
Emery, 2003). Tais conclusões parecem pertinentes, pois como dizem Hetherington e
Kelly (2002), o ajustamento do menino é complicado com a perda da presença da figura
masculina, mais freqüente na nossa cultura. As meninas são consideradas mais resilientes
face aos estressores da disrupção do casal, mas não estão isentas de dificuldades na
adolescência, como será abordado mais adiante.
As metanálises realizadas por Amato (2001) e Dunn (2004) revelam que a
qualidade de relacionamento pais-filhos é consistentemente relatada nas pesquisas sobre
divórcio, como um fator diretamente associado ao comportamento dos filhos. Estes
precisam sentir que as ligações afetivas permanecem e que a separação dá conta do
conflito, gerando qualidade de vida e de relacionamento (Souza, 1999). A capacidade dos
filhos em lidar com a separação dos pais vai depender, sobretudo da relação estabelecida
entre os pais e da capacidade destes de distinguir a função conjugal da função parental
(Feres-Carneiro, 1998). Uma das alternativas que vêm sendo apontada em alguns estudos é
a guarda compartilhada, referida como um fator de proteção, proporcionando para os filhos
um melhor ajustamento emocional e comportamental (Bauserman, 2002; Zimmerman &
Coltro, 2002).
102
Considerar em que momento evolutivo os filhos vivenciaram o divórcio parental é
outro aspecto fundamental para entendermos a complexidade do processo e a
representação que este tem para eles. Diferentes percepções, fantasias e sentimentos geram
diferentes reações. Cohen (2002) constatou que entre 3 e 5 anos as crianças podem
manifestar agressão, regressão, ansiedade de separação e problemas somáticos. Ramires
(2004), em um dos raros estudos qualitativos realizados com crianças, encontrou entre 5 e
6 anos um desejo/fantasia de reunir os pais novamente, com a separação sendo vivida
como algo ameaçador e destrutivo. Neste estudo, aos 8-9 anos, as crianças revelaram
ansiedade de separação, sentimentos de perda, pesar e dor intensa e fantasias de abandono.
Também para Cohen (2002) na idade escolar aparece o medo da rejeição pela abstenção
parental. Assim, há o aparecimento de outros sintomas: mal humor, acting-out, decréscimo
na performance escolar. Entre 10 e 13 anos, os participantes do estudo de Ramires (2004)
demonstraram maior aceitação da nova união dos pais. Ao mesmo tempo também
revelaram sentimentos de culpa e temores de retaliação em relação ao genitor não
residente, raiva e tristeza.
3 O Adolescente Frente ao Divórcio Parental
Segundo a revisão de Cohen (2002), diante do divórcio parental, o adolescente
pode desenvolver uma autonomia prematura, com desidealização de cada pai. Também
sentimentos de raiva e confusão podem levar a problemas de relacionamento, uso de
substâncias, decréscimo do desempenho escolar, conduta sexual inadequada, depressão,
agressividade e comportamento delinqüente. Problemas acadêmicos e dificuldades de
relacionamento também apareceram na revisão de Kelly e Emery (2003). O estudo de
coorte realizado por Harland et al. (2002) detectou um índice maior de problemas
103
comportamentais entre 12 e 16 anos nos filhos provenientes de famílias com pais
divorciados. Mahon et al. (2003) não encontraram diferenças no estudo comparativo com
adolescentes iniciais, quanto à ansiedade e depressão, porém a cólera é significativamente
maior nos adolescentes com famílias de pais divorciados.
Rushena et al. (2005) através de um estudo longitudinal comparativo, avaliaram
adolescentes entre 17-18 anos que vivenciaram o divórcio parental na infância, concluindo
que as diferenças comportamentais entre filhos de pais divorciados e pais casados
diminuem consideravelmente com o tempo. As dificuldades aparecem nas circunstâncias
em que houve afastamento parental, com uma história de vínculos mais distantes, antes
mesmo da separação. Esta confirmação é encontrada no estudo longitudinal de Wolchik et
al. (2002), com adolescentes de 10 a 17 anos, de famílias em segunda, terceira ou mais
uniões. Parte do grupo de mães participou de intervenções, que tinham como objetivo
melhorar o relacionamento com seus filhos. No final dessa pesquisa, esses filhos obtiveram
índices menores de sintomas de desordem mental, problemas externalizantes, uso de
maconha, álcool e troca de parceiros sexuais, comparados ao grupo que não participou da
intervenção.
O estudo qualitativo de Souza (2000), que avaliou as percepções de adolescentes
entre 14 e 18 anos sobre divórcio, confirma que as maiores dificuldades e fontes de
sofrimento dizem respeito à saída de casa de uma das figuras parentais e à falta de
previsibilidade de eventos da vida cotidiana. Estas conclusões explicam em parte o
aparecimento dos sintomas citados nas pesquisas já referidas.
A auto-estima do adolescente está associada a um alto cuidado parental, sem que
isso signifique um controle excessivo por parte dos pais, visto que aquele necessita
também de autonomia e individuação. Esta é a conclusão do estudo comparativo
longitudinal de Dunlop et al. (2001), com adolescentes de 13 a 16 anos. Embora tais
104
aspectos independam da estrutura familiar e do gênero dos filhos, observou-se nesta
pesquisa relacionamentos mais inconsistentes nas famílias com pais divorciados.
Investigando a percepção de estudantes no início da adolescência sobre os cuidados
parentais, o estudo comparativo de Freeman e Newland (2002) não encontrou diferenças
entre os grupos. Todos referem um declínio no controle dos pais sobre o comportamento
dos filhos, mas não de responsabilidade parental. No entanto, esses autores alertam para a
prematura independência do jovem na família com um dos pais, inclusive com risco de
prejudicar a individuação adolescente.
Os estudos reforçam, portanto, que a manutenção dos relacionamentos pais-filhos é
importante também para o adolescente, porém é preciso considerar a sua necessidade de
autonomia. Nesse sentido, Mahon et al. (2003) recomendam que os pais, no contexto do
divórcio, permitam que os jovens possam ter visitações flexíveis de acordo com seus
horários de ocupação, desenvolvendo cordiais respostas cooperativas a respeito das
demandas jovens, criando planos estruturados que facilitem os empreendimentos de suas
metas e progressos enquanto adolescentes.
Além das pesquisas já referidas, também são relevantes as que tratam
especificamente da influência do gênero dos adolescentes no contexto do divórcio. Hines
(2007), num estudo comparativo de jovens na fase da adolescência inicial, confirma que
meninas são mais ajustadas nas características sociais e acadêmicas que meninos. Estes
necessitam de um tempo maior para se adaptar, mostrando-se mais violentos. De acordo
com Kelly e Emery (2003), o adolescente menino tem mais riscos de apresentar problemas
de ajustamento e problemas acadêmicos. No entanto, as adolescentes meninas estão
inclinadas a engravidar mais cedo. Os resultados também são reiterados no estudo
comparativo longitudinal de Storken et al. (2005), com adolescentes medianos (de 14 a
18): com a ausência paterna meninas adolescentes apresentam mais ansiedade e depressão,
105
diante da perspectiva de relacionamentos mais íntimos; ao passo que meninos têm mais
problemas escolares. Para esses autores, o menino sente mais a falta da figura paterna,
neste período, pela necessidade do modelo masculino.
4 Os Relacionamentos Pais-Filhos e o Divórcio Parental
Constata-se na literatura consultada um predomínio de pesquisas quantitativas, em
detrimento das qualitativas. Ao mesmo tempo, observa-se a existência de muitos estudos
comparativos, com a tendência a atribuir mais problemas aos filhos de pais divorciados,
por vezes desconsiderando a complexidade dos fatores envolvidos.
Apesar disso, de modo geral, as pesquisas, independentemente da variável enfocada
ou da metodologia utilizada, sugerem que o divórcio parental passa a ser um fator de risco
para os filhos, caso tenha se consolidado um afastamento entre elas e as figuras parentais.
A sensação de abandono e desamparo cria uma situação de vulnerabilidade, propiciando o
aparecimento ou a potencialização de desajustes. Porém, é preciso acrescentar que em
muitos casos a fragilidade nos relacionamentos entre pais e filhos já é constatada muito
antes do divórcio.
A natureza do vínculo estabelecido entre as crianças e seus pais, especialmente o
apego, modifica-se com o tempo. “Tais mudanças tomarão como referência os modelos
representacionais do ambiente e do self, estando alicerçadas nas interações vivenciadas”
(Souza & Ramires, 2006, p.39). Assim, reafirmamos a concepção de que o enfrentamento
do divórcio por parte dos filhos depende em muito do relacionamento anterior estabelecido
entre eles e os pais.
Ramires (2004) ressalta que o tipo de vínculo que as crianças estabelecem com seus
pais é um importante fator de resiliência no enfrentamento das transições familiares.
106
Também é preciso considerar a existência de uma ‘resiliência familiar’ (Benghozi, 2005),
ou seja, a capacidade da própria família de reconstruir os seus laços afetivos. Podemos
acrescentar que se o relacionamento “suficientemente” positivo que o filho tem com seus
pais é rompido, enfraquecido ou ameaçado, a resiliência presente até então pode se
transformar num potencial de vulnerabilidade e, conseqüentemente, gerar sintomas, que
descortinam um sentimento de perda, abandono e desamparo.
O divórcio parental é uma situação complexa, que envolve uma série de variáveis
que precisam ser identificadas e estudadas em favor da saúde mental das pessoas
envolvidas. Segundo Feres-Carneiro (1998), apesar da dor da perda despertada pelo
processo de separação, os filhos são mais capazes de enfrentar a separação dos pais do que
estes podem imaginar. O mais importante é a qualidade da relação que se estabelece entre
os membros do casal e entre estes e os filhos. Portanto, é possível reiterar as palavras de
Ramires (2004), destacando a importância dos vínculos estabelecidos entre pais e filhos,
antes, durante e depois da separação.
Essa afirmação é válida não só para as crianças, potencialmente mais dependentes
de seus pais, mas também para os adolescentes. Estes, movidos por sua busca pela
autonomia e com mais fontes de apoio fora da família, despertam muitas vezes a idéia de
que vivem de forma mais independente, aparentemente alheios aos problemas familiares. É
nesse campo que podem se estabelecer as vulnerabilidades que colocam em risco o
processo de individuação em andamento. Ou seja, os adolescentes continuam, em qualquer
estrutura familiar, a necessitar de apoio, limites, enfim continuidade dos cuidados. E, como
as pesquisas mostraram, o desamparo e a ruptura dos relacionamentos predispõem ao
aparecimento de desajustes, ou pré-maturidade. Portanto, sublinhamos a importância da
natureza das relações entre pais e filhos e a continuidade desses laços após a separação.
SEÇÃO III
ARTIGO EMPÍRICO - SEI QUE UM DIA EU TIVE UM PAI:
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTADO DE DEPRIVAÇÃO E A
TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL NO ADOLESCENTE FACE AO DIVÓRCIO
PARENTAL
O objetivo deste estudo foi analisar e compreender as características dos
relacionamentos estabelecidos entre pais e filhos no cenário do divórcio, em adolescentes
com indicadores de tendência anti-social, considerado a partir do vértice psicanalítico de
Winnicott (1956/2000). Para este autor, crianças e adolescentes podem apresentar esta
peculiaridade em seu comportamento, quando passaram por algum tipo de ruptura na
continuidade dos cuidados oferecidos em seu ambiente, ocasionando o que ele chamou de
estado de deprivação
5
Partindo desta concepção, buscou-se, numa abordagem qualitativa, através de
estudos de casos múltiplos, identificar indicadores de deprivação em adolescentes que
vivenciaram o divórcio parental, selecionados a partir de seus desajustes manifestados no
ambiente escolar. O enquadre teórico incluiu também as contribuições dos teóricos da
família, que vêm pesquisando as repercussões da separação dos pais sobre os filhos.
5
A expressão deprivation é encontrada no texto original em inglês (Winnicott, 1956/1987) e não
tem equivalente no português. Optou-se por manter a proposta original do autor, que distingue deprivação
(quando a criança teve bons cuidados que foram perdidos) e privação (quando a criança nunca teve esses
cuidados).
108
O divórcio parental tem sido foco de pesquisa de muitos estudiosos da infância e
adolescência (Amato, 2001; Souza, 2000). Provavelmente este interesse esteja associado
ao número cada vez mais crescente de separações, como também de recasamentos. No
entanto, o aumento das taxas de separação conjugal contrasta com o reduzido número de
pesquisas qualitativas sobre o tema (Brito, 2007). Tais pesquisas produzem construções de
novos significados, na medida em que, ao invés da amplitude, se opta pela profundidade
(Cezar-Ferreira, 2004), sendo este aspecto pertinente quando o tema está associado às
relações e aos vínculos familiares.
Fundamentado na teoria winnicottiana, o tema da tendência anti-social também está
sendo estudado por autores contemporâneos, enfocando crianças e adolescentes em
situações de vulnerabilidade social (Alexandre, 2006; Garcia, 2004; Vilhena & Maia,
2002). Winnicott (1956/2005) desenvolveu a teoria da tendência anti-social observando as
reações de crianças e adolescentes face às rupturas familiares, provocadas pelas
conseqüências da Segunda Guerra Mundial. No século XXI, os campos minados são outros
e precisamos discorrer e refletir a respeito deles.
1 A família na atualidade
A organização familiar, ao longo da história da humanidade, vem sofrendo
alterações estruturais e ideológicas que merecem ser estudadas e analisadas. No século
retrasado, esperava-se que a família permanecesse indissolúvel, independentemente de
seus conflitos. Os movimentos sociais da década de 60 do século XX, como o feminismo e
a liberação do divórcio, culminaram na quebra destes conceitos, levando ao surgimento e
aceitação de diversas configurações familiares (Souza, 2000; Wagner & Feres-Carneiro,
1998).
109
Na pós-modernidade, a vida familiar modificou-se também por outras razões.
Vivemos hoje na era do ‘descartável’, com um avanço tecnológico muito rápido, num
mundo mais violento, competitivo e estressante. Diante de uma realidade externa mais
exigente e impiedosa, a família deveria promover um espaço de holding
6
para o indivíduo
se retroalimentar e conseguir encarar os desafios de cada novo dia. Porém, o que se vê hoje
é uma sustentação mais frágil ou descontínua (Gomes & Paiva, 2003). O tempo
compartilhado entre pais e filhos reduziu-se: os pais trabalham mais, os filhos estão mais
atarefados. “A família reúne-se cada vez menos para conversar sobre o cotidiano”
(Alexandre, 2006, p.64).
Muitos pais falham no estabelecimento de limites, e acabam por criar uma
negligência para com seus filhos. Conseqüentemente, a diferença entre a criança e o adulto
não estaria sendo mais tão marcada. Há a perpetuação da onipotência e do narcisismo
infantil, e assim não se instaura o princípio da realidade (Vilhena & Maia, 2002).
Percebemos também a infância mais abreviada, dando origem à geração dos kids adults e a
adolescência cada vez mais longa. Nos adultos se observa o fenômeno chamado
adultescência”, ou seja, pais tendo condutas adolescentes. Acaba faltando padrões adultos
para os adolescentes se identificarem (Alexandre, 2006; Outeiral, 2008; Vilhena & Maia,
2002). Assim, no cenário da pós-modernidade, observamos vários pontos de fragilidade,
vulneráveis ao aparecimento de manifestações da tendência anti-social, que podem surgir
em diferentes contextos familiares.
6
A expressão holding é utilizada aqui tal qual foi definida por Winnicott (1957/1997). Trata-se de
uma sustentação, um ambiente suficientemente bom, inaugurado na relação mãe-bebê dentro da família e
expandido para outros grupos sociais.
110
2 E o divórcio parental?
Já considerava Winnicott (1957/1997), no século passado, que a ameaça de
desintegração da estrutura familiar não determina automaticamente o aparecimento de
distúrbios clínicos nas crianças. Embora a preservação da família não represente uma
garantia de que a criança irá se desenvolver satisfatoriamente até atingir a plena
maturidade, as rupturas na continuidade dos cuidados parentais podem afetá-la
profundamente. Tais concepções de Winnicott podem perfeitamente serem conectadas hoje
às contribuições dos estudos do divórcio, como veremos a seguir.
O divórcio traz mudanças nas relações íntimas, como também na rede social e
infra-estrutura de vida de todos os envolvidos (Souza & Ramires, 2006). Muitas vezes, as
modificações começam a acontecer na vida dos filhos sem que estes tenham uma noção
clara do que está acontecendo e do que vem pela frente (Souza, 2000). Os pais, diante da
crise conjugal ou vivendo ajustes pós-separações, acertos, desacertos, mágoas, etc., podem
desamparar seus filhos, envolvendo-os em disputas, em alguns casos até provocando a
descontinuidade dos cuidados básicos para com eles (Lang, 2000). Além disso, diante da
separação e do divórcio, os filhos têm que enfrentar o medo de também perder o contato
com uma das figuras parentais e de serem de fato abandonados (Almeida, et al., 2000;
Souza & Ramires, 2006).
Embora o divórcio parental seja considerado uma transição que coloca os jovens
em risco, pesquisas apontam também que muitos filhos se tranqüilizam após a separação,
ao se moverem de uma situação familiar conflituosa para uma situação mais harmônica
(Amato & Affifi, 2006; Hetherington & Stanley-Hagan, 1999; Lansford et al., 2006).
Portanto, é preciso entender se as dificuldades se instalam e se incrementam associadas à
111
vivência do divórcio parental ou a menor investimento dos pais nos cuidados parentais
(Wallerstein & Kelly, 1998).
Os desajustes no comportamento são apontados como uma das possíveis
manifestações por parte dos filhos (Almeida et al., 2000; Amato, 2001; Harland et al.,
2002; Hetherington & Kelly, 2002; Kelly & Emery, 2003; Sourander & Helstelä, 2005),
aparecendo com mais freqüência nos meses seguintes ao divórcio. Os filhos sentem-se
mais deprimidos e irritados, podendo apresentar queda no rendimento escolar, problemas
de ajustamento e de relacionamento interpessoal (Amato, 2001; Wallerstein & Kelly, 1998;
Wolchik et al., 2002). Efeitos mais drásticos incluem comportamentos anti-sociais,
agressivos, oposicionistas, falta de auto-controle, baixa responsabilidade social e
diminuição do desempenho cognitivo (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999). Nos
adolescentes, também é possível encontrar problemas de relacionamento, uso de
substâncias, decréscimo no rendimento escolar, conduta sexual inadequada, depressão e
comportamento delinqüente (Cohen, 2002).
A ruptura familiar, as mudanças, as inseguranças ou a ‘guerra’ conjugal constituem
um campo vulnerável ao surgimento do complexo de deprivação e da tendência anti-social.
Os pais, envolvidos em seus próprios conflitos, acordos e desacordos nem sempre a
percebem. Além disso, algumas dessas dificuldades se manifestam fora do ambiente
familiar. Nesse sentido, os professores observam com mais objetividade que, muitas vezes,
o aumento da ansiedade e preocupação com a dissolução familiar traz problemas de
concentração, desempenho escolar insuficiente e mudanças de comportamento
(Wallerstein & Kelly, 1998).
A literatura também nos aponta que entre 1 e 3 anos há uma diminuição dos
sintomas e uma readaptação à nova situação de vida (Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003;
Lansford et al., 2006). A manutenção dos desajustes e/ou ressentimentos e decepções com
112
uma das figuras parentais é freqüentemente associada nos estudos com a diminuição da
qualidade da parentalidade exercida após o divórcio (Amato, 2001; Dunn, 2004). A
maioria dos estudos ressalta a importância da manutenção dos vínculos do pai-não
residente com seus filhos (Kelly & Emery; 2003; Ruschena et al., 2005; Storken et al.,
2005).
De um lado, a mãe ou pai que detém a guarda deve proporcionar um ambiente de
cuidado positivo (Souza, 2000). De outro, aquele que sair de casa, instalará um problema
se enquadrar seus filhos na categoria de “ex-filhos” (Dantas et al., 2004). Este risco acaba
sendo mais freqüente em relação à figura paterna, pois na maioria das vezes é o pai quem
sai de casa e não detém a guarda dos filhos.
O afastamento do pai pode acontecer também por indução das mães, que
manipulam os filhos. Algumas os tratam como se fossem delas (Dolto, 1988/2003). Esse
fenômeno tem sido identificado como PAS (Síndrome de Alientação Parental) ou
Padrectomia (Boch-Galhau, 2002; Martinez, 2002). Certamente, em alguns casos, é o pai
que se aliena e rejeita a relação posterior com o filho (Johnston, 2003). Não só as crianças,
mas também os adolescentes sofrem com o afastamento do pai. A falta deste, no contexto
do divórcio, potencializa problemas de ajustamento e acadêmicos no adolescente do sexo
masculino, ao passo que no sexo feminino há um risco maior de gravidez precoce (Kelly &
Emery, 2003; Storken et al., 2005).
O estudo longitudinal de Dunlop et al. (2001) apontou que, independentemente da
configuração familiar e do gênero, a auto-estima do adolescente está associada à
manutenção do cuidado parental, respeitando-se a necessidade de autonomia do
adolescente. No entanto, a perda deste cuidado foi encontrada mais em famílias
reconstituídas do que nas originalmente constituídas. No contexto do divórcio, os
113
adolescentes que continuaram a receber estes cuidados mostraram-se mais adaptados à
nova família.
Portanto, entendemos que a deprivação possa acontecer não só no início da ruptura
do casal parental, como também a longo prazo, sendo neste caso provavelmente mais
avassaladora. Também é preciso considerar se houveram outras deprivações anteriores ao
divórcio parental. A história anterior dos vínculos entre os pais e filhos é considerada como
um fator de resiliência no enfrentamento das transições familiares (Ramires, 2004). Porém,
como colocam Laumann-Billings e Emery (2000), resiliência não significa ausência de
vulnerabilidade. Entendemos esta afirmação da seguinte forma: se a relação
“suficientemente” positiva que o filho tem com seus pais é rompida, enfraquecida ou
ameaçada, a resiliência presente até então pode se transformar num potencial de
vulnerabilidade e, conseqüentemente, gerar sintomas, que descortinam um sentimento de
perda, abandono e desamparo.
3 Retomando conceitos: A deprivação e a tendência anti-social
Segundo Winnicott (1956/2000), o complexo de deprivação se instaura quando: a)
a criança no seu início de vida recebeu cuidados suficientemente bons que foram retirados
de maneira abrupta; b) essa perda levou a vivência de uma aflição intolerável; c) a criança
já estava amadurecida o suficiente para dar-se conta de que foi o ambiente que falhou. O
estado de deprivação ocorre a partir da fase da dependência relativa, diferentemente do
estado de privação que acontece no início da vida, na fase de dependência absoluta, quando
o bebê não tem noção do ambiente.
Na deprivação “houve um início de vida bom e depois houve o desastre” (Newman,
2003, p. 413). Na esperança de buscar o cuidado perdido, manifesta-se a tendência anti-
114
social em casa ou num contexto mais amplo. Tais manifestações incluem o roubo e a
mentira, a agressividade, a incontinência e a desordem generalizada. Além disso,
Winnicott inclui outro sintoma comum: a “sofreguidão, juntamente com o seu correlato, a
inibição do apetite” (1956/2000, p. 412).
Há duas vertentes para a tendência anti-social: na primeira, manifestada no ato de
furtar, de urinar na cama ou através da falta de asseio, houve uma perda do cuidado
materno; na segunda, há destrutividade provocando atitudes firmes, relacionada à interação
com o pai, que falha no estabelecimento de limites necessários para o desenvolvimento do
auto-controle (Winicott, 1971/1984). Vilhena e Maia (2002) complementam que falham as
funções parentais de holding: a mãe em estabelecer um ambiente suficientemente bom e o
pai em oferecer um ambiente indestrutível, que limita inclusive a relação dos filhos com a
e.
A tendência anti-social não constitui uma categoria diagnóstica em si. Ela pode
aparecer em crianças ou adolescentes normais ou neuróticos, depressivos ou psicóticos.
Distingue-se da delinqüência, que apresenta defesas constituídas e um congelamento
afetivo, com atos mais violentos (Winnicott, 1967/1999; 1956/2000). Safra (2002) também
destaca a importância de discriminar os comportamentos anti-sociais da organização
psicopática de personalidade.
Atualmente, o termo anti-social tem sido reportado às mais variadas situações.
Segundo Bordin e Offord (2000) existem: a) comportamentos anti-sociais transitórios no
curso do desenvolvimento normal de crianças e adolescentes; b) distúrbios de conduta, que
são uma forma mais abrangente para nomear problemas de saúde mental que causam
incômodo no ambiente; b) transtornos de conduta, caracterizado por ausência de
sofrimento psíquico ou constrangimento com suas próprias atitudes. Estas definições
podem ser articuladas às idéias de Winnicott (1956/2000) que descreveu também as
115
graduações para o comportamento agressivo e destrutivo: a) as manifestações naturais e
normais; b) a tendência anti-social e c) a delinqüência.
O termo anti-social não é utilizado apenas pelo viés psicanalítico. Numa
perspectiva desenvolvimentista, Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini e Hultz (2005)
referem que o termo tem sido empregado para designar o caráter agressivo e desafiador da
conduta de indivíduos que mesmo não tendo o diagnóstico de um transtorno específico,
apresentam problemas comportamentais que causam prejuízos.
A despeito de todas estas considerações, reiteramos que em nosso estudo os
desajustes no comportamento foram traduzidos como indicadores de tendência anti-social,
tal como foi psicanaliticamente entendida por Winnicott, ou seja, como um pedido de
socorro, um protesto do filho em busca do holding perdido, em meio ou após uma ‘guerra’
familiar e/ou conjugal.
4 Ouvindo adolescentes com indicadores de tendência anti-social (Método)
O estudo foi pautado por uma abordagem qualitativa-exploratória, a partir da
realização de Estudos de Casos Múltiplos (Yin, 2005). Participaram três adolescentes, com
idades entre 12 e 15 anos, sendo uma do sexo feminino e dois do sexo masculino. Os
participantes foram acessados a partir de uma triagem realizada em uma escola. A triagem
foi baseada na aplicação do CBCL (Child Behaviour Checklist - Achenbach, 1991),
preenchido pela mãe desses adolescentes, a partir de consulta realizada pelo Setor
Psicopedagógico. Nessa consulta foram contatados os responsáveis pelos jovens que
estavam apresentando indicadores de problemas de comportamento, e cujos pais haviam se
separado nos últimos meses. Foram selecionados aqueles adolescentes que obtiveram
escores clínicos nos problemas de externalização do CBCL. Esses adolescentes foram
116
convidados a participar da segunda etapa do estudo, juntamente com seus pais. O projeto
foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNISINOS, e todos os
participantes, tanto da primeira etapa (triagem) quanto da segunda (estudos de caso) foram
detalhadamente informados a respeito do estudo, seus objetivos e procedimentos,
concordando em participarem.
O número de casos participantes da segunda etapa não foi definido a priori, tendo
sido utilizado o critério da saturação para a continuidade das avaliações. Nesta etapa,
foram utilizados os seguintes instrumentos: a) entrevistas semi-estruturadas com os pais
(realizadas separadamente com a mãe e com o pai) e entrevistas semi-estruturadas com os
adolescentes, a fim de estabelecer um rapport inicial, e a escuta da história de vida dos
pais, dos adolescentes, e da representação dos seus relacionamentos, na perspectiva de
ambos; b) Teste do Desenho da Família (Corman, 2003), utilizado com o objetivo de
avaliar a representação de família desses adolescentes, e os sentimentos nutridos pelos
membros de seu ambiente familiar; c) HTP (Buck, 2003), utilizado com o objetivo de
avaliar a organização da personalidade do adolescente, o auto-conceito e a percepção do
ambiente; d) Teste das Fábulas (Cunha & Nunes, 1993), utilizado por ser um instrumento
útil para a compreensão psicodinâmica, permitindo identificar crises situacionais e de
desenvolvimento, conflito neurótico, transtornos neuróticos e psicóticos. É rico também
para identificar a natureza das relações entre a criança ou adolescente e seus pais ou
cuidadores.
O conjunto dos dados de cada estudo de caso foi analisado com base no referencial
teórico psicanalítico, especialmente nas contribuições de Winnicott, e na revisão de
pesquisas sobre o divórcio. A análise dos dados foi pautada também pelo método de
proposições teóricas, de acordo com Yin (2005), e obedeceu às seguintes etapas:
117
1º. Passo: foi realizada uma descrição abrangente de cada caso, organizada de
forma cronológica (seguindo os eventos importantes da história da vida familiar dos
adolescentes, de acordo com a percepção dos seus pais e a sua própria) e temática com
base nas seguintes categorias de análise: “relacionamentos entre os adolescentes e seus
pais”, conforme foram descritos por ambos, “eventos significativos de vida”, na percepção
de ambos, “eventos estressores”, também na percepção de ambos, “organização da
personalidade da criança ou adolescente, auto-conceito e percepção do ambiente”, baseada
no HTP, “representações inconscientes das relações com os objetos primários”, baseada
nos resultados do Teste do Desenho da Família e do Teste das Fábulas.
Passo: foi utilizada a técnica de Construção da Explanação (Yin, 2005), com o
objetivo de analisar exaustivamente os dados de cada estudo de caso e construir uma
explanação psicodinâmica sobre o mesmo. Todos os dados (entrevistas e testes) e
resultados foram integrados na compreensão geral do estado afetivo e psicossocial do
adolescente. Nesta etapa também foi utilizada a técnica de Análise de Série Temporais, na
modalidade cronológica (Yin, 2005), com o objetivo de explorar os eventos ao longo da
História de Vida do adolescente, identificando a ocorrência de experiências de deprivação
emocional e sua relação com o divórcio parental, ou outros eventos que pudessem ter tido
algum impacto sobre as relações objetais significativas dos adolescentes avaliados.
3º. Passo: foi utilizada a técnica de Síntese de Casos Cruzados (Yin, 2005), com o
objetivo de confrontar os resultados obtidos na análise de cada caso em particular,
identificando convergências e divergências e buscando, desta forma, evidências que
auxiliaram a identificar as associações entre experiências de deprivação, divórcio parental
e comportamento anti-social nos adolescentes avaliados.
118
4.1 Caso 1 - ... Minha mãe parou de ouvir... Meu pai é um estranho
Depois de dois meses de separação dos pais, Patrícia, de 12 anos, cursando a 6ª
série, passou a manifestar na escola problemas que até então não tinha apresentado:
desinteresse nas tarefas escolares, queda no rendimento escolar, discussões com
professores, além de ‘ficar’ com meninos na frente de colegas e professores. Em casa, a
menina passou a isolar-se no quarto. Durante a avaliação, Patrícia foi encontrada fumando
na escola. O cigarro ela havia retirado da carteira da mãe, sem o conhecimento desta. A
partir desse fato a mãe passou a pensar que a menina estava “se vingando” dos pais.
O casal separou-se por iniciativa da mãe, que descobriu um envolvimento extra-
conjugal do pai. A traição do pai aconteceu junto com a crise econômica da família. O pai
disse que queria a separação, mas não verbalizou isso em casa. Foi se afastando cada vez
mais da família, inclusive deixando as filhas aos cuidados da mãe, “de propósito”. Queria
as filhas “dependentes da mãe”. A mãe diz que foi tomada de surpresa ao descobrir a
traição do marido, pois viviam um casamento de dez anos marcados por momentos muito
felizes.
O clima hoje entre eles é de brigas, discussões e tentativas de reconciliação por
parte do pai. Este se diz confuso e culpado. A mãe, por sua vez, fragilizada com a traição
do marido, relata que é agressiva, que briga e se descontrola. Decidiu iniciar um novo
relacionamento, mas tem dúvidas quanto à sua continuidade. Ambos os pais de Patrícia
trabalham muito em função dos problemas financeiros.
A mãe de Patrícia define-se como uma pessoa de temperamento difícil e explosiva.
Teve problemas de relacionamento com a própria mãe, “uma pessoa de difícil convívio”,
sempre doente. O pai de Patrícia, por sua vez, define-se como alguém calado. Sempre teve
dificuldade de relacionamento com os seus próprios pais, que não conversavam com ele.
Acha que repete o mesmo padrão com suas filhas.
119
Patrícia, segundo a mãe, foi “criada com muito mimo”, sendo a primeira filha e
bebê da família. Era muito ligada nos pais. Até o nascimento da irmã, adormecia
segurando a mão da mãe, na cama do casal. Sofreu muito quando aos 2 anos a mãe
engravidou. Chegou a cuspir no rosto da mãe quando esta falou que a ‘mana’ ficaria no
quarto do casal. Quando a irmã nasceu, escondeu-se num canto do quarto. O
relacionamento com o pai mudou depois que a irmã nasceu, pois a partir dessa época ele
passou a dedicar-se exaustivamente ao trabalho. Até os 7 anos manifestava alguns medos
de ficar sozinha. Fez psicoterapia nesta época com boa evolução.
Até a separação do casal, Patrícia, que teve sua menarca no mesmo ano, não
demonstrava outras dificuldades. Sempre foi mais calada. Segundo a mãe até hoje “prefere
ficar angustiada do que dar o gosto de botar pra fora”. Esse perfil é semelhante ao pai,
segundo relato de ambos os pais, e difere da irmã e da mãe.
Nas entrevistas individuais, no entanto, mostrou-se falante e receptiva, queixando-
se muito do clima familiar e dos pais. Segundo relato de Patrícia, ela ficou sabendo da
separação do casal pelos gritos deles, sendo que nunca sentaram com as filhas para
conversar sobre o assunto. A mãe mudou muito. Nas palavras de Patrícia: “A minha mãe
sempre foi de me ouvir, de conversar, ela parou de ouvir”. Ressente-se pelo pai ter traído a
mãe, dizendo que ele não pode reclamar que ela, a Patrícia, tenha ‘ficado’ com um menino
no pátio da escola, pois ele também “aprontou”. Sente hoje o pai como um estranho. Na
testagem psicológica revelou uma tendência em inibir os afetos mais depressivos.
Aparecem indícios de sentimentos de desamparo, abandono e solidão, mascarados por suas
tentativas de negação.
120
4.2 Caso 2 - ... Sei que um dia eu tive um pai...
Fernando, 13 anos, 8ª série, discutiu com um de seus professores, discordando dele
e o desafiando verbalmente, de forma arrogante e inapropriada. Tal atitude causou surpresa
no ambiente escolar. O menino sempre teve condutas mais agressivas e desafiantes em
casa (bate na irmã, bate portas). O que preocupa a mãe é o fato desse tipo de
comportamento ter se manifestado na escola e a semelhança do comportamento agressivo
do menino com o pai. Acredita que o menino teria extravasado no professor sua revolta
com a figura paterna. Este se afastou dos filhos (Fernando tem uma irmã de 8 anos), depois
da separação conjugal, ocorrida meses antes. Desde então, seus contatos são irregulares (no
máximo um telefonema no meio da semana), além de não estar contribuindo
financeiramente com as despesas dos filhos.
O comportamento agressivo do pai foi um dos motivos da separação, aliado às
brigas constantes que o casal tinha no último ano de casamento. A separação ocorreu,
inclusive legalmente, por iniciativa da mãe, depois de alguns episódios de agressividade do
pai, em que quebrou objetos e bateu nos filhos. Dois anos antes, a família passou por
problemas econômicos (desemprego do pai e mudança de trabalho da mãe). O convívio,
segundo a mãe, foi ficando cada vez mais difícil: o pai mostrava-se muito exigente, crítico
e agressivo. O pai, por sua vez, atribuiu aos problemas financeiros o motivo da separação.
Não faz menção ao seu comportamento agressivo.
Os pais hoje não se comunicam. O pai mostrou-se fragilizado e ressentido com a
ex-mulher e também confirma que se afastou dos filhos. Acredita que é preciso
primeiramente se reerguer profissionalmente para depois retomar o convívio com eles. A
mãe revelou que prefere assumir sozinha a educação dos filhos. Acredita que o ex-marido
poderia ajudar financeiramente, mas ela abriu mão da pensão e não faz muita questão que
121
ele procure os filhos. Porém, vem se questionado se não está prejudicando os filhos, “pois
era direito deles”.
A mãe descreveu-se como uma pessoa determinada. Em sua família “o forte são as
mulheres”. Seu pai (avô materno de Fernando) costumava sair para jogar, perdendo muito
dinheiro com isso. O pai de Fernando, por sua vez, descreveu seu pai de forma semelhante.
Não teve muito convívio com ele, nem diálogo. Sua mãe é quem trabalhava e sustentava a
casa. O pai de Fernando definiu-se como uma pessoa “fechada”, como seu próprio pai. Vê
em Fernando semelhança com ele neste aspecto.
A mãe de Fernando igualmente fez referência ao fato do filho ser “fechado” como
o pai, diferente dela e da filha, que são mais espontâneas. No que diz respeito à separação,
por exemplo, a filha reclama a falta do pai, chora, enquanto Fernando não, embora não
goste quando as pessoas falem mal do seu pai.
A gestação de Fernando não foi planejada, mas segundo a mãe, foi bem vinda.
Amamentou até o segundo ano, só parando porque ele a “mordia”. Aos 3 anos, ficava
durante o dia aos cuidados da avó materna. Isso porque a mãe trabalhava de 10 à 12 horas
por dia. Ele então começou a ficar irritado e agressivo com ela. Com 4 anos, a tia materna
teve um bebê, Fernando mostrou-se irritado com a chegada dele e, posteriormente com o
nascimento da irmã. Nesta época, iniciou atendimento psicológico, por sua conduta
agressiva.
Fernando se descreveu como “estouradinho”, referindo que piorou depois da
separação dos pais. Na primeira entrevista apareceu com o braço quebrado, fruto de uma
briga que teve na escola com um colega, alegando que “teve que se defender”. Queixou-se
do afastamento do pai, mas o descreveu como agressivo e por isso não gostaria que ele
voltasse a morar com eles. No entanto, seu desejo é de que ele participasse e se interessasse
mais por sua vida, e pagasse a pensão. Antes da separação, o pai brincava com ele, jogando
122
vídeo-game. O pai não era de conversar e a mãe não era de brincar. Fernando diz: “Sei que
um dia eu tive um pai. Hoje não”. Na testagem psicológica, apareceu uma forte
dependência da figura materna e conflitos com o progenitor do mesmo sexo. Revelou
tendência à inibição e negação dos afetos mais depressivos, impulsividade e agressividade.
4.3 Caso 3 - Não sinto falta do meu pai... Sinto muita raiva
Artur, 15 anos, no segundo grau, apresenta há muitos anos dificuldades escolares:
desinteresse, desorganização do material escolar, não cumprimento das tarefas. Segundo a
mãe, estes comportamentos se intensificaram no último ano. Artur começou a ficar em
casa mais irritado, mais desorganizado e relapso com sua saúde, mais desafiador, agressivo
e “explosivo”. O auge de sua manifestação de agressividade ocorreu quando, após uma
crise de violência em casa, quebrando objetos, Artur pediu para morar o com pai, o que
chegou a se efetivar por um mês. Quando esta avaliação foi iniciada, Artur já estava
morando novamente com a mãe.
O casal se separou depois que a mãe de Artur descobriu um relacionamento extra-
conjugal do marido. Os filhos (Artur tem duas irmãs mais velhas) ficaram indignados,
rompendo o relacionamento com o pai, por alguns meses. Artur chegou a interromper uma
atividade de lazer que praticava junto com o pai, e que nunca mais foi retomada. Houve um
distanciamento entre pai e filho.
Segundo a mãe, o casal viveu um casamento “bem constituído” por muitos anos até
o momento em que o pai passou por uma crise, precipitada por problemas de saúde e
financeiros (três anos antes da separação). O pai, por sua vez, refere que a ex-mulher foi
tomando seu espaço cada vez mais no casamento, afirmação que tem conexão com o
autoconceito dela própria.
123
A mãe se descreve como uma pessoa comunicativa e “muito espaçosa”. Seu pai
faleceu quando ela tinha quase dois anos. Embora tenha tido o avô materno como
referência, caracteriza sua família como sendo de “mulheres dominadoras”. O pai de Artur
se define como uma pessoa quieta e ponderada. Quando pequeno foi deixado aos cuidados
dos avós paternos e, segundo seu próprio relato, só de uns anos para cá entendeu os
motivos que levaram seus pais a tomar tal atitude.
O período inicial da separação do casal foi marcado por algumas tentativas de
reconciliação por parte do pai, que não chegaram a se efetivar. Alguns meses depois, a mãe
iniciou um novo relacionamento com um homem que passou a freqüentar sua casa. Na
mesma época, o pai começou a se envolver com problemas de saúde da atual companheira.
Os pais de Artur sempre se comunicaram, conseguindo conversar sobre as questões
práticas relacionadas à família, mas até hoje não chegaram a um consenso quanto aos
ajustes da separação legal e não há concordância em relação à pensão destinada ao filho.
No primeiro ano da separação, Artur não demonstrava mudanças em seu
comportamento (além das dificuldades anteriores). No entanto, iniciou um namoro com
uma menina, freqüentando a casa dela sistematicamente. Inclusive, chegava por vezes, a
passar os finais de semana lá. Segundo ambos os pais, este namoro foi uma fuga. Artur
andava muito “solto” e sozinho nos últimos tempos, o que contrasta com seu início de
vida.
Embora a gravidez de Artur não tenha sido planejada, foi “uma criança muito
amada”. A mãe lembra que foi uma festa em família quando souberam que era um menino
e que ele teve “quatro mães”: ela própria, a avó materna, as duas irmãs mais velhas. A mãe
dedicou-se exclusivamente a ele até os 6 meses, quando retomou o trabalho e o estudo. O
pai relata com carinho os momentos que cuidou do filho à noite até os 4 anos para que a
mãe terminasse os seus estudos.
124
Artur começou a apresentar dificuldades no final da pré-escola, com desatenção e
dificuldades de traçado. Nesta época, a mãe lembra que ele teve uma ‘crise de brabeza’
dando pontapés na irmã. Com 7 anos foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de
Atenção. A mãe acha que em alguns momentos da sua vida pode ter falhado com ele:
talvez o faltar, em função do trabalho”. Por outro lado, acha que às vezes assumia o papel
do pai, na colocação de limites. Este, por sua vez, relata que teve relacionamento próximo
com o filho no início da vida, como já foi citado, e nos três últimos anos, porque tinham
duas atividades de lazer em comum que duraram até o momento da separação.
Nas sessões, Artur mostrou-se espontâneo e extrovertido, mas com certa
dificuldade de acessar seus afetos, negando-os inclusive. Verbalizou que a separação
parental foi difícil para os pais, não para ele próprio. “Não sentia falta do pai”, mas sim
“muita raiva” pelo que ele fez para sua mãe. Primeiramente, relatou que o relacionamento
com o pai não mudou depois da separação, pois sempre foi mais distante. No entanto,
acabou reconhecendo que seu pai de fato participava de sua vida diária. Disse que a casa
em que morava com o pai e sua atual companheira era “muito fria”. Fica claro que tem um
relacionamento mais próximo com a mãe, mas também se queixa que ela cobra muito as
tarefas escolares. Reconhece o seu descontentamento com a presença do namorado da mãe
em casa, pois se sente invadido. A testagem psicológica aponta para sentimentos de
abandono, desamparo e solidão, que são mascarados e negados. Costumava relatar fatos de
sua vida passada durante a testagem, sempre fazendo referência a situações felizes que já
passaram.
125
5 As descontinuidades nos relacionamentos entre os adolescentes e seus pais
Nos casos avaliados foi possível identificar uma história de fragilidade nos
relacionamentos entre pais e filhos desde a primeira infância, muito antes do processo de
separação do casal. Essa fragilidade se constituiu a partir de experiências de
descontinuidades, de rupturas dos cuidados parentais, que entendemos terem desencadeado
nos filhos o complexo de deprivação, tal como foi psicanaliticamente entendido por
Winnicott (1956/2000).
É preciso considerar que os três adolescentes tiveram um início de vida
suficientemente bom. Embora nenhuma das gestações tenha sido planejada, foram filhos
muito bem recebidos e investidos de cuidados no seu primeiro ano de vida. As vivências de
deprivação materna apareceram a partir do segundo, terceiro ano de vida, por
envolvimento das mães com outras questões: sejam os nascimentos de irmãos, seja por
excesso de trabalho. A deprivação paterna também se evidenciou cedo. Identificamos nos
pais uma certa dificuldade em cumprir seu papel de “ambiente indestrutível” (Vilhena &
Maia, 2002), seja por afastamento, agressividade ou omissão. Os pais destes adolescentes
aparentemente são mais frágeis que as mães, identificadas como autoritárias e
determinadas.
Em resposta às deprivações na primeira infância vieram os sintomas: medo,
agressividade em casa, desadaptações na escola. Em todos eles novas manifestações de
tendência anti-social surgiram ou se incrementaram a partir da vivência de separação dos
pais. Patrícia e Fernando foram deprivados imediatamente após a separação, porém em
Patrícia a deprivação foi materna (com sintoma de furto) e paterna (agressividade, afronta
verbal aos professores, dificuldade no controle dos impulsos), enquanto que em Fernando a
deprivação foi somente paterna (agressividade e afronta verbal aos professores). Artur já
126
manifestava desajustes muito antes da separação dos pais, porém as manifestações de
tendência anti-social se incrementaram no segundo ano de separação, quando ambos os
pais ficaram muito envolvidos em seus novos relacionamentos, deixando o filho mais
sozinho. A deprivação materna manifestou-se pela desorganização e desleixo (com sua
saúde) e a paterna através de condutas agressivas e violentas.
Embora as histórias anteriores das relações entre pais e filhos, aliadas aos
afastamentos das figuras parentais tenham potencializado os desajustes, devemos
considerar que os três casos apresentaram sintomas no primeiro ano após o divórcio, como
a literatura especializada aponta: depressão, irritação, queda no rendimento escolar,
problemas de ajustamento e de relacionamento interpessoal (Amato, 2001; Hetherington &
Stanley-Hagan, 1999; Wallerstein & Kelly, 1998; Wolchik et al., 2002), como também
distração, ansiedade, raiva, comoção e descrença (Cohen, 2002; Kelly & Emery, 2003).
Este cenário de descontinuidades nos relacionamentos entre estes adolescentes e
seus pais, com o conseqüente aparecimento ou potencialização de sintomas, tem conexão
com as conclusões de muitos estudos sobre o divórcio parental, que associam desajustes
e/ou ressentimentos e decepções em relação às figuras parentais com a diminuição da
qualidade da parentalidade exercida após o divórcio (Amato, 2001; Dunn, 2004).
Os adolescentes avaliados apresentaram sintomas na área de conduta,
inconscientemente denunciando o sentimento de desamparo e solidão. Demonstraram
compreender e aceitar o motivo da separação dos pais, mas descreveram e identificaram
com propriedade seus sentimentos de raiva dirigidos às figuras parentais que os
deprivaram. Tais achados são compatíveis com alguns dos resultados dos estudos revisados
envolvendo adolescentes, como veremos a seguir.
Harland et al. (2002) detectaram um índice maior de problemas comportamentais
entre 12 e 16 anos nos filhos provenientes de famílias com pais divorciados. Cohen (2002)
127
cita que sentimentos de raiva e confusão podem levar na adolescência a problemas de
relacionamento, uso de substâncias, descréscimo do desempenho escolar, conduta sexual
inadequada, depressão, agressividade e comportamento delinqüente. Em outros estudos
com adolescentes foram identificados sentimentos de raiva e tristeza em relação ao genitor
não-residente (Ramires, 2004). A maior fonte de dificuldade e sofrimento diz respeito à
saída de casa de uma das figuras parentais e à falta de previsibilidade de eventos da vida
cuotidiana (Souza, 2000). Todas essas dificuldades foram encontradas nos três casos.
Torna-se relevante também refletir sobre as diferenças quanto ao gênero dos
adolescentes. As pesquisas revisadas apontam que os meninos mostram-se mais violentos e
com mais problemas acadêmicos que as meninas. Estas são mais ajustadas nas
características sociais e acadêmicas, mas são propensas a engravidar mais cedo (Kelly &
Emery, 2003; Storken et al., 2005). A maioria desses estudos associa esses achados à
ausência paterna. As análises de cada caso revelaram algumas convergências e outras
divergências em relação aos estudos citados. O negativismo e a rebeldia estão presentes
nos três. Fernando e Artur apresentam mais problemas de controle dos impulsos no que
diz respeito à agressividade e destrutividade, porém Fernando não revela problemas
acadêmicos, como seria também esperado. Patrícia, por sua vez, não se apresenta mais
ajustada do que os meninos, como aponta a literatura. É preciso lembrar nesse ponto que
ela sofre de deprivação materna e paterna, sendo que os estudos revisados descrevem o
afastamento do pai. Patrícia revela uma dificuldade no controle dos impulsos no que diz
respeito à sexualidade, aspecto esse que está implícito nas pesquisas que sugerem a
possibilidade de gravidez precoce.
Em Fernando e Artur, o afastamento paterno foi de alguma forma estimulado pela
figura materna, com seus ressentimentos em relação ao pai. As mães desses adolescentes
128
lidam com seus filhos com possessividade, levando ao que a literatura define como PAS-
Síndrome de Alienação Parental (Boch-Galhau, 2002) ou padrectomia (Martinez, 2002).
A literatura aponta que a personalidade é tida como uma variável importante na
adaptação do filho ao período pós-divórcio (Hetherington & Stanley-Hagan, 1999;
Ruschena et al., 2005). De acordo com os dados levantados é possível encontrar pontos em
comum entre os três participantes da pesquisa. Ambos revelaram uma tendência à inibição
dos afetos e à negação de sentimentos depressivos, embora estes tenham sido denunciados
de forma muito evidente na testagem psicológica, com indícios de desamparo e solidão.
Em todos, há uma percepção do sentimento de raiva em relação aos progenitores que
provocaram a deprivação, porém no início da avaliação nenhum deles associou diretamente
os sintomas apresentados com tais sentimentos.
Observamos que nos participantes da pesquisa aparecem introjetadas vivências de
deprivação que marcaram a história de seus vínculos com seus pais. Essas marcas os
tornaram mais vulneráveis, principalmente diante da perspectiva de repetição do complexo
de deprivação. As manifestações de tendência anti-social foram de fato uma espécie de
protesto pelos “direitos perdidos”. Entendemos que nesses casos o divórcio parental foi
um campo minado, que desencadeou nas figuras parentais a descontinuidade dos cuidados
maternos e paternos.
Deve-se destacar que esses pais também têm marcas de deprivação na história de
seus relacionamentos com seus próprios pais. Portanto, o principal fator vinculado aos
desajustes apresentados por estes jovens adolescentes está mais associado com a história e
o padrão de relacionamento estabelecido entre eles e seus pais, do que propriamente com o
divórcio parental. Este apareceu como um cenário propício ao ressurgimento da deprivação
pela vivência de descontinuidade dos cuidados materno e paterno.
PALAVRAS FINAIS
Encarar a trajetória da elaboração de uma dissertação não é tarefa simples. Pelo
contrário, envolve uma complexidade de estudos, reflexões, construções e reconstruções,
horas e horas em busca de respostas às diversas perguntas que surgem ao longo do
caminho. Mergulhamos num tema que passa a fazer parte de nossas vidas.
Este estudo em particular trouxe outros desafios. A escolha do foco foi originada
na prática clínica, o que imprimiu inicialmente um valor motivador. Porém, surgiram logo
no começo os primeiros obstáculos: a falta de pesquisas e estudos deste tipo.
Primeiramente, em relação ao tema da tendência anti-social, encontramos estudos
realizados por autores contemporâneos, que fazem uma leitura winnicottiana. No entanto,
tais estudos são focalizados mais em crianças e adolescentes em situações de
vulnerabilidade social. Na literatura revisada, não foram encontradas pesquisas que
associam a tendência anti-social em outros contextos, como os do divórcio parental.
Em relação ao divórcio, há uma quantidade significativa de estudos. Porém, a
maioria não se apóia no referencial psicanalítico e não utiliza a metodologia qualitativa.
Uma das dificuldades foi com a familiarização com este tipo de estudo, distante da
trajetória clínica anterior. No entanto, a despeito destas considerações, é preciso
reconhecer a extrema importância de tomar contato com muitos destes estudos, adquirindo
com isso um conhecimento de autores e pesquisadores internacionais que trabalham
exaustivamente com este tema e que têm contribuições consistentemente fundamentas para
a ciência. Hoje se tornaram conhecidos insubstituíveis.
A vivência do mestrado e a possibilidade de se fazer pesquisa, com critérios
cuidadosamente discutidos, estudados, foram enriquecedores, não só porque abriu a porta
130
para novos conhecimentos, mas também porque foi possível conectá-lo ao conhecimento
advindo da psicanálise que fundamenta a prática da clínica psicológica. Enfim, esta
experiência foi ‘suficientemente’ enriquecedora e estimulante para continuar buscando
novos conhecimentos e aprofundamentos.
Este estudo constatou que o aparecimento de manifestações de tendência anti-social
nos adolescentes avaliados estava associado aos afastamentos das figuras parentais e não
propriamente ao divórcio dos pais. Este se constituiu como um cenário de reedição do
estado de deprivação, já vivido por estes adolescentes na primeira infância. Portanto, os
achados apontam para a importância da continuidade dos cuidados parentais,
independentemente das crises e transições familiares.
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Zimmerman, D., & Coltro, A. (2002). Aspectos psicológicos na prática jurídica.
Campinas: Millennium.
ANEXOS
Anexo A
140
Anexo B
CARTA CONSULTA
Meu nome é Soraya Maria Pandolfi Koch Hack. Sou psicóloga e mestranda em
Psicologia Clínica, pela UNISINOS.
Com o objetivo de contribuir para o campo de conhecimentos sobre os vínculos
familiares no contexto do divórcio ou separação parental, estamos desenvolvendo uma
pesquisa que irá avaliar crianças e adolescentes (de 7 a 15 anos) que tenham passado por
essa experiência em sua família. As crianças ou adolescentes serão indicados pelo Setor
Psicopedagógico da escola e encaminhados para esta avaliação com a concordância dos
pais. É necessário que o processo de separação dos pais tenha ocorrido até no máximo há 5
anos. Com esta avaliação pretende-se identificar possíveis dificuldades vivenciadas nesse
importante processo de transição familiar, compreendê-las e contribuir para o seu
enfrentamento.
Sua participação neste estudo, assim como a do seu filho/sua filha, implicará na
realização de algumas entrevistas de avaliação. Alguns testes psicológicos serão utilizados
(cujos procedimentos implicam em realizar desenhos e contar histórias). As entrevistas
serão gravadas e todos os dados e informações, mantidos em caráter confidencial
arquivados durante um período de 5 anos. Este processo de avaliação será realizado no
consultório da pesquisadora, localizado na Av. Maurício Cardoso, 833, sala 304 Novo
Hamburgo.
O conhecimento que os dados levantados possibilitarão sobre as relações familiares
poderá ser divulgado em publicações de caráter científico, preservando-se totalmente a
identidade dos participantes.
A pesquisa não implica em qualquer custo ou risco para você e seu filho/sua filha.
Se forem constatadas dificuldades que demandam atendimento psicológico, e se você
desejar, poderá haver encaminhamento para um Serviço compatível com as suas
possibilidades. A qualquer momento, você poderá solicitar o esclarecimento das suas
dúvidas, bem como desistir de participar, sem qualquer prejuízo para você ou seus
familiares.
Desta forma, solicito sua autorização para a participação de seu filho ou sua filha
na pesquisa, destacando mais uma vez que o procedimento em questão não implica em
141
qualquer risco à integridade física, psicológica e moral dos mesmos. Solicito, em caso
positivo, que preencha a autorização abaixo, devolvendo-a o mais breve possível à escola.
Entraremos em contato com o senhor ou a senhora por telefone.
Contando com sua compreensão e colaboração, agradecemos.
Autorizo meu filho/minha filha a participar da pesquisa articulada ao
Mestrado de Psicologia Clínica da UNISINOS, desenvolvida pela psicóloga Soraya Maria
Pandolfi Koch Hack (telefone- 3593-9285) e orientada pela professora e psicóloga Vera
Regina Röhnelt Ramires (telefone 3590-8121, ramal 1206).
Nome do responsável: ______________________________________________
Nome do aluno: _______________________________Idade: _______________
Telefone para contato: __________________________ Data: _______________
Assinatura: ________________________________________________________
142
Anexo C
143
Anexo D
ENTREVISTAS COM OS PAIS QUESTÕES NORTEADORAS
1. Conte-me a história da sua família, até o momento da separação;
2. Conte-me a história da vida de seu filho/sua filha, desde o momento da sua
concepção até hoje (enfocando gravidez, nascimento, desenvolvimento afetivo,
cognitivo, psicomotor);
3. Como foi o processo de separação;
4. Como ficou definida a guarda dos filhos e demais combinações;
5. Como é o seu relacionamento com nome da criança ou adolescente (história
passada e atual do vínculo);
6. Descrição geral de como está a família hoje, englobando também o relacionamento
e nível de comunicação entre o casal parental, perspectivas de recasamento e
relacionamento dos filhos com seus atuais padrastos (quando houver).
7. Quais os acontecimentos mais importantes na sua história familiar; por quê?
8. Quais os acontecimentos mais difíceis na sua história familiar; por quê?
O número de entrevistas a ser realizado com cada um dos pais dependerá não só
dos dados coletados, mas também das características de cada entrevistado em particular.
144
Anexo E
ENTREVISTAS COM OS ADOLESCENTES
Primeira entrevista Entrevista não estruturada.
Inicialmente serão esclarecidos os objetivos da avaliação e o desenvolvimento do
processo. Essa entrevista não será estruturada, seguindo-se o curso das associações do
adolescente, sendo permitido a ele que se expresse da forma como desejar. O único
estímulo oferecido será que relate como está no momento (realizações, sentimentos,
relacionamentos);
Segunda entrevista Serão investigadas as seguintes questões norteadoras:
1. Conte-me a história da sua vida;
2. Conte-me a história da sua família;
3. Como foi o processo de separação dos pais;
4. Como era a sua vida antes da separação;
5. Como é a sua vida hoje;
6. Como era o relacionamento com cada um dos pais antes da separação;
7. Como é o relacionamento com cada um dos pais depois da separação;
8. Quais os acontecimentos mais importantes na sua história familiar; por quê?
9. Quais os acontecimentos mais difíceis na sua história familiar; por quê?
Dependendo dos dados relatados e das características dos entrevistados, poderão
ser realizadas mais de uma entrevista, tendo como parâmetro as questões norteadoras
acima descritas.
Terceira entrevista realização do HTP e do Desenho da Família.
Quarta entrevista realização do Teste das Fábulas.
Quinta entrevistaentrevista de devolução para o adolescente.
Depois dos dados serem examinados, todos os entrevistados (pais, crianças e
adolescentes) receberão uma devolução, quando então o processo será finalizado. Este
momento será individual, porém, dependendo do caso, poderão ser propostas entrevistas
conjuntas com o(a) filho(a) e seus pais.
145
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