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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
A ESCUTA DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR NA
PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS DA ÁREA DA SAÚDE E OPERADORES DO
DIREITO
Janaína Petry Froner
Orientadora: Profa. Dra. Vera Regina Rohnelt Ramires
São Leopoldo
2008
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
A ESCUTA DA CRIANÇA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR NA
PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS DA ÁREA DA SAÚDE E OPERADORES DO
DIREITO
Janaína Petry Froner
Orientadora: Prof. Dra. Vera Regina Rohnelt Ramires
Dissertação de Mestrado apresentada no Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, Área de
concentração Psicologia Clínica, da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
São Leopoldo, maio de 2008.
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Catalogação na publicação:
Bibliotecário Flávio Nunes – CRB 10/1298
F933c Froner, Janaína Petry.
As concepções de escuta da criança vítima de abuso
sexual intrafamiliar na perspectiva de profissionais da Área
de Saúde e Operadores do Direito / Janaína Petry Froner.
2008.
111 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
2008.
“Orientadora: Profa. Dra. Vera Regina Rohnelt
Ramires”.
1. Direito – Psicologia. 2. Escuta de crianças. 3. Abuso
sexual infantil. 4. Interdisciplinaridade. 5. Abuso sexual
intrafamiliar. I. Título.
CDU
-
159.9:343.541
-
053.2
“ Todo mundo é capaz de suportar uma dor, exceto quem a sente”.
William Shakespeare
Dedico esse trabalho às crianças que experimentaram a
sofrida dor do abuso sexual,com respeito e sensibilidade.
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que me ajudaram, de uma forma ou outra, a construir esse
trabalho. O meu MUITO OBRIGADO é nimo perto de todos os incentivos que recebi
durante esses dois anos:
* Ao meu marido Adriano, meu companheiro e grande incentivador desse projeto, com
o qual tenho o privilégio de conviver e aprender. Sempre acreditou e confiou no meu
desenvolvimento pessoal e profissional. Percebia quando eu estava preocupada ou cheia de
idéias. Sem me fazer muitas perguntas, acolhia minhas angústias e vibrava com cada etapa
conquistada;
* Aos meus pais Malize e Vilson e meu irmão Juliano (+ Jordana), os quais não me
tiveram tão próxima durante os quatro últimos semestres, compreendendo sempre o que
era muito importante para mim e que eu não os amava menos por isso. Tiveram
sensibilidade o suficiente para tolerar o silêncio por conta dessa dissertação e da minha
carreira profissional. Torceram o tempo todo para meu êxito, além de me proporcionarem
afeto incondicional;
* À minha orientadora Vera Ramires, também coordenadora desse PPG, pela qual
tenho grande admiração e sinto-me vinculada aproximadamente 10 anos. O meu
reconhecimento especial pela sua continência afetiva, sua paciência e tolerância, seu jogo
de cintura para arrumar tempo de orientar, sugerir, questionar, cada parágrafo dessa
dissertação;
4
* Seu Lauro e dona Glaia, Ana Laura (+Jean), Fábio (+ Valquíria): por terem sido
meus cúmplices, com paciência e tolerância, especialmente nos dois últimos verões. Por
terem respeitado meus momentos de fragilidade e cansaço. Pela compreensão, pela
dedicação e solicitude;
* À minha amiga e estimuladora Magale, sempre dispovel, cutucou meu desejo
inicial para a realização desse Mestrado e me deu apoio durante todo o processo;
* Às minhas colegas de Mestrado, grupo de pesquisa e amigas excepcionais, ou como
diria Winnicott, “suficientemente boas”: Michele, Raquel, Soraya e Aline: o acolhimento
de vocês, o apoio, o carinho (e os cafezinhos e as jantas) foram o gás que eu precisava ou o
“plus a mais” para seguir em frente e chegar no final dessa etapa;
* Às minhas amigas e colegas de consultório: Juliana e Soraia que entenderam minha
falta de disponibilidade e participação ou cooperação em algumas situações;
* Minhas colegas Nete, Ariane e Lizete e meu estagiário Décio (APAE Estrela),
assim como minhas queridas diretoras Clênia e Débora, pessoas que não receberam toda a
atenção e dedicação que mereciam durante esse período;
* Às queridas Franciele e Carine que não pouparam esforços para estar do meu lado,
mesmo quando estavam em férias;
5
* Aos profissionais participantes da pesquisa por terem aberto um espaço nas suas
agendas para integrarem esse estudo. Pela disponibilidade em me receberem e
espontaneidade ao “fornecerem dados e muito conhecimento para o estudo;
* Aos meus queridos pacientes da clínica e diferentes Instituições em que trabalho.
Eles foram minha fonte inspiradora! Me ensinaram a escutá-los e compreendê-los. A partir
de suas experiências, me proporcionaram um espaço para reflexão do que é uma escuta
adequada ou o que necessitam em seus atendimentos;
* Aos componentes da Banca Examinadora, por oferecerem seu tempo e lerem o
trabalho com tanta dedicação, para então, trazerem contribuições positivas para o
aperfeiçoamento do estudo;
* Enfim, a todas as pessoas que acompanharam minhas alegrias, meu entusiasmo,
minhas preocupações...Pessoas que foram compreensivas e disponíveis mesmo quando eu
não conseguia ser nada disso para elas. Que enfrentaram o desafio do Mestrado ao meu
lado, essa vulnerável, assustadora, audaciosa e maravilhosa experiência de viajar no
mundo científico das bases de dados, dos métodos e das pesquisas;
* Muitos frutos foram produzidos a partir “dessa viagem”. O nosso bebê, o qual ainda
não conhecemos, mas que amamos muito, tornou-se o nosso projeto de vida familiar mais
importante agora e que precisamos desenvolvê-lo.
SUMÁRIO
Lista de tabelas....................................................................................................................... 7
Resumo .................................................................................................................................. 8
Abstract .................................................................................................................................. 9
Introdução .............................................................................................................................. 10
1. Seção I Relatório de Investigação .................................................................................. 12
1.1 Problema e Objetivos..............................................................................................
14
1.2 Método....................................................................................................................
15
1.3 Resultados e discussão ...........................................................................................
24
1.4 Alguns apontamentos finais....................................................................................
26
2. São II
A escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do
Judiciário: uma revisão de literatura..................................................................................
31
O abuso sexual e suas implicações................................................................................ 32
As necessidades e demandas do Judiciário....................................................................
35
As necessidades da criança e as possibilidades de escuta............................................. 39
A importância do trabalho interdisciplinar.................................................................... 45
3. Seção III – O abuso sexual intrafamiliar na visão dos profissionais que atuam no âmbito
do Judiciário........................................................................................................................
48
A escuta da criança no âmbito do Judiciário................................................................. 50
Método .......................................................................................................................... 54
Resultados e discussão ..................................................................................................
56
Considerações finais...................................................................................................... 73
4. Palavras Finais..............................................
......................................................................
76
Referências Bibliográficas...................................................................................................... 82
Anexos ................................................................................................................................... 87
Anexo A - Resolução 031/2007 – Aprovação do Projeto pelo Conselho de Ética 87
Anexo B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 88
Anexo C - Questões Norteadoras para Entrevista 89
Anexo D Ficha Informativa 90
Anexo E – Dois exemplos de Entrevistas 91
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Descrição dos participantes ...............................................................................17
Tabela 2 – Exemplos do processo/construção da análise de conteúdo realizada.............24
Tabela 3 – Descrição das categorias ...................................................................................25
Tabela 4 – Categorias intermediárias e finais.....................................................................57
8
Resumo
Essa dissertação abordou as concepções de escuta da criança tima de abuso sexual
intrafamiliar no âmbito do Judiciário, da perspectiva dos profissionais da Área da Saúde e
Operadores do Direito. Buscou-se principalmente analisar as concepções de escuta da criança
vítima de abuso sexual na esfera familiar dos profissionais que realizam esse atendimento no
contexto do Judiciário e encontrar subsídios que contribuam para o aprimoramento do
atendimento prestado a essas crianças. Foi realizado um estudo descritivo, transversal, pautado
pela abordagem qualitativa de pesquisa. Os participantes foram 15 profissionais da Área da
Saúde e Operadores do Direito que possuem experiência no atendimento de crianças vítimas
de abuso sexual, atuando no Sistema Judiciário, ou a serviço dele. As entrevistas com os
participantes foram trabalhadas através da Análise de Conteúdo. O resultado da pesquisa
evidenciou que tanto os profissionais da Saúde como os do Direito possuem concepções de
escuta semelhantes em relão ao atendimento da criança vítima de violência sexual, em todas
as categorias analisadas. Foi possível identificar cinco categorias finais para ambos os grupos
de profissionais: Dinâmica própria do Abuso Sexual Intrafamiliar”, “Preparo e capacitação
do profissional”, “Necessidades da criança”, Demandas do Judiciário” e “Importância do
trabalho interdisciplinar”.
Palavras-chave: escuta de crianças; abuso sexual; judiciário; interdisciplinaridade.
9
Abstract
This dissertation discussed the listening conceptions, in Judiciary scope, of children
who are victims of sexual abuse in family contexts. The conceptions were all from the
perspective of Health Professionals and Law Operators. The main purpose was to analyze the
children’s listening conceptions of the professionals who carry out this kind of service and to
contribute for the improvement of the assistance to those children. A descriptive and
transversal study was accomplished, based on qualitative approach of research. The
participants were 15 professionals of Health and Law. These people have experience in
children’s assistance, acting in the Legal system or at service of it. The data was analyzed
through the Content Analysis. The likeness of conceptions, concerning the assistance of those
children, between professionals of Health and Law was evidenced, by the research’s result, in
all analyzed categories. It was possible to identify five final categories for both professionals'
groups: Own dynamics of the Sexual Abuse in family contexts, “Preparation and
professional's training”, “Childrens Needs”, “Judiciary demands” and “The importance of
interdisciplinar work”.
Key-words: children’s listening; sexual abuse; judiciary; interdisciplinarity.
10
Introdução
Esse trabalho apresenta uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduão em
Psicologia da UNISINOS sobre a escuta de crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar no
âmbito do Judiciário. Foi investigada a escuta de crianças que sofreram esse tipo de violência,
da perspectiva dos profissionais que atuam nesse contexto: Operadores do Direito
(promotores, juizes, delegado de polícia e advogado) e profissionais da Área da Saúde
(psicólogos, assistentes sociais e médico).
Ouvir as vozes das crianças e permitir sua participação no processo judicial no qual
está envolvida é uma conquista provinda da ratificação da Convenção dos Direitos da Criança
e do Adolescente e do Estatuto da Criança e do Adolescente quase duas décadas atrás.
Porém, desde lá, o assunto do depoimento, inquirição ou testemunho da criança m sido
freentemente abordado em diferentes países e apresenta-se como uma questão polêmica, de
grande ressonância moral, por poder causar outros prejuízos à criança, de acordo com a
literatura.
a escuta da criaa vítima de abuso sexual intrafamiliar no contexto do Sistema
Judiciário, tema central desse trabalho, vem se constituindo recentemente como um campo de
interesses, de discussões na mídia e interlocuções entre profissionais de diferentes áreas do
conhecimento que atuam em prol do bem-estar da criança e do seu melhor interesse. Não se
tem conhecimento de pesquisas científicas que apresentam esse enfoque.
Na primeira seção do volume da dissertação é apresentado o relatório de investigação,
no qual são descritas as atividades desenvolvidas no decorrer da Pesquisa. Relata-se o estudo
descritivo, realizado com o intuito de melhor compreender a concepção de escuta dos
profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito diante do atendimento da criança
11
sexualmente abusada e buscar subsídios para o aprimoramento dessa forma de atuação
profissional, especialmente no contexto do Sistema Judiciário. Foram realizadas entrevistas
individuais e semi-estruturadas com os profissionais, a partir de 8 (oito) questões norteadoras.
A análise dos dados das entrevistas foi baseada notodo de Análise de Conteúdo de Minayo
(1998).
A segunda seção é composta por um artigo de revisão teórica que aborda a escuta da
criança vítima de abuso sexual intrafamiliar pelos profissionais da área da Saúde e Operadores
do Direito no âmbito do Judiciário. Apresenta-se inicialmente, uma revisão concisa de estudos
sobre as peculiaridades do abuso sexual intrafamiliar e sobre formas de atendimento de
crianças que experimentaram tal violência. Por fim, como considerações finais, é descrita a
importância do trabalho interdisciplinar no caso de suspeita ou revelação do abuso.
Na terceira seção é apresentado um artigo empírico que visou contribuir para o campo
de estudos sobre o abuso sexual infantil, especificamente o atendimento da criança na
condição de vítima a partir da compreensão das concepções de escuta dos profissionais da
Área da Saúde e Operadores do Direito. Para esse estudo, descrito detalhadamente no relatório
de investigação, utilizou-se um método com abordagem qualitativa através da Análise de
Conteúdo de 15 (quinze) entrevistas realizadas com os profissionais-participantes. A seção
descreveu as categorias intermediárias e finais estabelecidas para os dois Grupos de
Profissionais (Saúde e Direito), sendo que as categorias finais encontradas foram: “Dinâmica
própria do Abuso Sexual Intrafamiliar”, “Preparo e capacitação do profissional”,
“Necessidades da criança”, “Demandas do Judiciário e “Importância do trabalho
interdisciplinar”.
12
Seção I – Relatório de Investigação
Esta seção relata as atividades desenvolvidas no processo da investigação da escuta da
criança sexualmente abusada no contexto do Sistema Judiciário. A motivação pelo tema foi se
constituindo ao longo da trajetória profissional, seja pelo trabalho em instituições públicas
e/ou na clínica privada, seja pela experiência com a realização de perícias psicológicas quando
nomeada pelo juiz de direito das Varas da Infância e Juventude, Família ou Penal, sempre
junto ao público infantil. Esse percurso permitiu observar o intenso sofrimento das crianças,
derivado não somente das seqüelas deixadas pelo abuso como do enfrentamento dos
procedimentos judiciais decorrentes. Enquanto o abuso não é evidenciado ou descoberto, não
como romper com o ciclo da violência e proteger a criança de forma integral. Por outro
lado, quando o abuso é declarado, a criança enfrenta outros dilemas e conflitos, dentro da
família e na sociedade.
A literatura também aponta para as mesmas constatações realizadas na prática pela
pesquisadora. O impacto do abuso sexual e a dinâmica que ele apresenta no âmbito da família
causam prejuízos significativos para o desenvolvimento da criança, especialmente na área da
saúde mental (Aded, Dalcin, Moraes & Cavalcanti, 2006; Azevedo, 2001; Braun, 2002;
Ghetti, Alexander & Goodman, 2002; Junqueira, 2002; M.R.F Azambuja, 2004; Rouyer,
1997; Sanderson, 2005). Alguns desdobramentos após a suspeita ou revelação da violência,
como os procedimentos legais, a reação da família ou dos profissionais de não acreditar ou
apoiar a criança e um atendimento o adequado são as maiores causas de danos adicionais e
sofrimento para ela (Araújo, 2002; Azevedo, 2001; Brito et al., 2006; Daltoé-Cezar, 2007;
Dobke, 2001; Habigzang, Azevedo, Koller & Machado, 2006; M.R.F. Azambuja, 2006).
13
Dos poucos estudos encontrados, a maioria dirige sua atenção para as demandas do
Judiciário e direitos da criança, ou seja, realizar a inquirição da criança evitando maiores
danos para ela, porém, com o intuito de aferir provas e responsabilizar o agressor (Daltoé-
Cezar, 2007; Dobke, 2001; Juárez-López, 2004; Protocolo de Entrevista Forense, 2003).
Tendo presentes essas reflexões, o tema dessa dissertação faz um recorte no campo de
pesquisa dedicado a compreender como os profissionais realizam o atendimento das crianças
que experimentaram o abuso sexual e qual é a visão que eles possuem sobre essa forma de
escuta, especialmente, levando em consideração as condições da criança que vivenciou o
abuso, suas necessidades durante o atendimento e as demandas do Judiciário nesses casos.
Os resultados da pesquisa contribuíram para uma reflexão acerca do tema em questão,
para a compreensão das concepções de escuta dos distintos grupos de profissionais e para o
aprimoramento do atendimento prestado às crianças envolvidas com a Justiça em função do
abuso sexual sofrido. Ampliou os estudos sobre o abuso sexual infantil intrafamiliar, tendo
como enfoque principal a abordagem psicanalítica, que compreende a escuta profissional
como algo além de ouvir apenas a palavra da criança, mas sim como uma intervenção. A
escuta dos profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito que foi investigada e
analisada, foi aquela que Barthes (1990) afirmou ser diferente de ouvir pelos órgãos da
audição, sendo aquela um ato psicológico”, podendo ser definida apenas a partir do seu
objeto ou intenção (Barthes, 1990, p. 217). De acordo com Ferreira (1999) escutar pode ser
entendido como uma atitude de tornar-se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos; aplicar o
ouvido com atenção para perceber algo (p. 803). Ramires e Froner (2008) afirmam que
escutar é mais complexo que ouvir porque implica em uma tentativa de compreender, num
esforço de ir ao encontro do interlocutor e de reconhecer sua fala como legítima.
14
1.1 Problema e Objetivos
Em vista do que foi discutido até aqui, esse estudo se propôs a problematizar a questão
da escuta da criança vítima de abuso sexual, no contexto do Sistema Judiciário. A ocorrência
do abuso, quando revelada, muitas vezes desencadeia um processo judicial, seja de natureza de
medida de proteção, algumas vezes um processo crime, ou mesmo de destituição do poder
familiar. A criança usualmente participa desses processos, tendo que ser ouvida pelos
profissionais da Área da Saúde e também pelos Operadores do Direito.
Portanto, os objetivos desse estudo foram:
Analisar quais as concepções de escuta da criança vítima de abuso sexual
intrafamiliar que apresentam os profissionais que atuam no contexto do seu atendimento;
Buscar subsídios que contribuam para o aprimoramento do atendimento
prestado às crianças vítimas de abuso sexual;
Contribuir para o campo de conhecimentos acerca do abuso sexual infantil.
Por concepção compreende-se o modo de ver ou sentir, a compreensão, categoria que
articula a dimensão intelectual e afetiva daquele que concebe. Parte-se do pressuposto de que
as concepções de escuta dos profissionais envolvidos são atravessadas por sentimentos,
valores, crenças e experiências de vida que são constitutivos dos mesmos profissionais.
15
1.2 todo
Optou-se por adotar uma metodologia qualitativa para a realização desse estudo. Entre
outras áreas de conhecimento, a pesquisa qualitativa tem sido bastante utilizada nas ciências
humanas e sociais, principalmente pela visão mais complexa do objeto de estudo que ela
oportuniza, e por voltar-se para o universo dos significados, das crenças, das atitudes etc. A
pesquisa se caracterizou também por ser um estudo descritivo e transversal.
Os participantes do estudo
Os participantes desse estudo foram profissionais da área da Saúde e Operadores do
Direito que atuam no âmbito do Sistema Judiciário, ou a serviço dele, no atendimento de
crianças vítimas de abuso sexual, especialmente intrafamiliar. O número exato não foi
definido a priori, pois o critério da saturação teórica indicaria o número de entrevistas
necessárias. Estimou-se inicialmente que participariam em torno de 12 (doze) profissionais.
Em relação aos critérios de inclusão, foi estabelecido que os profissionais participantes
deveriam ser brasileiros e estarem regularmente matriculados em seus Órgãos de Classe ou
Conselhos. Deveriam ter pelo menos 5 (cinco) anos no exercício de suas funções profissionais
e ter realizado no mínimo 10 (dez) vezes “a escuta da criança vítima de abuso sexual
intrafamiliar”, atuando no campo dos Direitos da Criança e do Adolescente. Todos os
profissionais participantes foram contatados de forma individual em seu local de trabalho.
Participaram do estudo 15 (quinze) profissionais, sendo 9 (nove) da Área da Saúde e 6
(seis) Operadores do Direito. Suas profissões são:
1 (um) dico-pediatra;
16
2 (dois) assistentes sociais;
6 (seis) psilogos;
3 (três) promotores de justiça;
1 (um) juíz de direito da infância e juventude;
1 (um) delegado de polícia;
1 (um) advogado.
A tabela 1 apresenta alguns dados dos profissionais de acordo com a ficha informativa
(Anexo D) coletada na entrevista individual. Nessa ficha constam as informações sobre idade,
sexo, formação superior e o tempo que a possui. Indaga sobre pós-graduação do participante e
se atende crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar, além de perguntar sobre o tempo que
trabalha com casos de abuso sexual infantil e a experiência no atendimento desses casos.
17
Tabela 1 – Descrição dos participantes
PROFIS
Profissional
Idade
SexoO
FORMAÇÃO
Formação
Superior
Pós-GraduaçãoPÓS
GRADUAÇÃO
Trabalha
com Abuso
Sexual
Quantos casos
atendeu
1
53
F.
Direito
(23 Anos)
Especialista
Aprox. 23
anos
Aprox. 100 casos
2
46
M.
Direito
(24 Anos)
Especialista
Aprox. 8 anos
Centenas de casos
3
37
F.
Direito
(12 Anos)
Mestre
Aprox. 8 anos
Aprox. 300 casos
4
38
M.
Direito
(14 Anos)
Mestre
Aprox. 8 anos
Aprox. 30 casos
5
49
F.
Psicologia
(+ de 25 Anos)
Doutora
Aprox. 14
anos
Aprox. 100 casos
6
41
F.
Assistência
Social
(21 Anos)
Especialista
Aprox. 16
anos
+
de 100 casos
7
32
F.
Psicologia
(8 Anos)
Mestre
Aprox. 7 anos
Aprox. 30 casos
8
44
F.
Psicologia
(19 Anos)
Especialista
Aprox. 15
anos
Aprox. 100 casos
9
39
F.
Direito
(18 Anos)
Mestre
Aprox. 16
anos
Aprox. 100 casos
10
49
F.
Assistência
Social
(21 Anos)
Aprox. 15
anos
Aprox. 200 casos
11
31
F.
Direito
(6 Anos)
Especialista
Aprox. 5 anos
Aprox. 30 casos
12
50
M.
Medicina
(27 Anos)
Pediatria (25
Anos)
Especialista
Aprox. 25
anos
Aprox. 100 casos
13
45
F.
Psicologia (20
Anos)
Especialista
Aprox. 1
0
anos
Aprox. 100 casos
14
42
M.
Psicologia
(16 Anos)
Mestre
Aprox. 16
anos
Centenas de casos
15
43
F.
Psicologia
(19 Anos)
Especialista
6 anos
Aprox. 100 casos
Constata-se que do total de 15 (quinze), onze participantes são do sexo feminino e
quatro são do masculino. Cinco deles possuem entre 31 e 39 anos de idade; oito entre 40 e 49
anos e dois com 50 anos ou mais. Em relação ao tempo de trabalho, sete deles possuem mais
18
de 20 anos de formados e apenas dois deles, menos de 10 anos, sendo que dos 15
participantes, somente 1 não possui o título de Especialista em alguma área.
As especializões dos participantes são variadas, porém muitas delas são voltadas
para o aperfeiçoamento do profissional que realiza a escuta da criança sexualmente violentada
no âmbito do Judiciário (exemplo: Especialista em Violência Doméstica participantes 3; 6;
7; 8; Especialista em Direitos da Infância e da Adolescência participantes 2; 4; Especialista
em Direito de Família participante 11; Especialista em Psicoterapia Familiar participantes
6; 12). Seis deles fizeram ou estão concluindo Mestrado e 1 deles já concluiu o Doutorado.
Todos possuem uma experiência importante com casos de abuso sexual infantil intrafamiliar
(a maioria deles possui mais de 10 anos de experiência), tendo atendido entre dezenas e
centenas de casos durante esse período.
19
Instrumento e Procedimento de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no ano de 2007. Foi feito contato com 21 (vinte e um)
profissionais experientes na realização da escuta da criança, atras de indicações de outros
profissionais da área dos direitos humanos. Por e-mail ou através de telefonema expôs-se os
objetivos da pesquisa, com identificação da pesquisadora, da orientadora e da Instituição de
Ensino (UNISINOS). Porém, 6 (seis) deles não deram retorno dentro do prazo programado
para a coleta de dados ou não tinham disponibilidade de tempo/ horário para a entrevista.
Como os dados estavam se repetindo, concluiu-se a coleta dos dados com 15 (quinze)
participantes das seguintes cidades do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, Lajeado, Santa Cruz
do Sul, São Leopoldo e Gravataí.
O contato pessoal para a coleta dos dados com cada participante se deu através de hora
marcada, de acordo com a disponibilidade do participante e da pesquisadora, geralmente no
local de trabalho do entrevistado (sala de atendimento), particular ou institucional. Solicitou-se
um local tranqüilo, sem barulhos e interferências externas para que a entrevista pudesse ser
gravada.
Ao chegar à sala onde seria realizada a entrevista, definida geralmente pelo
profissional entrevistado, os minutos iniciais eram dedicados ao estabelecimento de um bom
rapport, momento esse de esclarecer vidas sobre o desenvolvimento da pesquisa e sobre a
implicação e participação na mesma. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas de forma
individual com cada profissional. O tempo de duração de cada entrevista variou de 38 minutos
até 1 hora e vinte dois minutos. Entende-se que essa variação se deu em função da dinâmica
flexível de cada entrevista, respeitando o ritmo, a linguagem, as necessidades ou dificuldades
de falar sobre o tema de cada entrevistado.
20
Essas entrevistas foram gravadas em 2 (dois) aparelhos de áudio com tecnologia
digital, para evitar o risco de perder “falas” em função de eventuais problemas no aparelho, e
posteriormente foram transcritas, sob autorização do entrevistado. Dois exemplos de
entrevistas transcritas: uma com participante da Área da Saúde (participante 15) e outra com
participante do Direito (participante 1), eso no Anexo E. Cada entrevista seguiu as questões
norteadoras, apresentadas no Anexo C.
Procedimentos éticos
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UNISINOS e
foi aprovado conforme a Resolução 031/2007, que consta no Anexo A. O Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado em duas vias pelos participantes,
sendo que uma ficou com eles e a outra com a pesquisadora. O modelo encontra-se no Anexo
B. Neste termo, apresenta-se o tulo do estudo; o nome do responsável pela pesquisa e seu
telefone, o objetivo principal e a justificativa da pesquisa, os procedimentos que seriam
utilizados, orientações quanto a possível desconforto e riscos no decorrer do processo de
investigação, os benefícios para os participantes, e a possibilidade de esclarecimentos sobre a
pesquisa, mesmo depois da adesão ao termo. A identidade dos participantes foi mantida em
sigilo, conforme o combinado com eles.
Procedimentos para análise dos dados
A alise dos dados das entrevistas realizadas foi baseada no método de análise de
conteúdo de Minayo (1998), denominado pela autora como método hermenêutico-dialético.
Esse método “coloca a fala em seu contexto para entendê-la a partir do seu interior e no campo
da especificidade histórica e totalizante em que é produzida” (Minayo, 1998, p. 231). Uma vez
21
que foram entrevistados profissionais com distintas formações (juízes de direito, psicólogos,
médico, entre outros), tornou-se indispensável levar em consideração o contexto desses
profissionais, suas diferentes trajetórias acadêmicas e profissionais, suas formações diversas,
na alise do conteúdo produzida nas entrevistas. A análise do material obtido no presente
estudo foi operacionalizada de acordo com os passos propostos por Minayo, seguidos
regularmente e ordenadamente.
Os passos seguintes incluíram a ordenação dos dados, a classificação dos dados e a
análise final. A ordenação dos dados forneceu à pesquisadora um mapa horizontal de suas
descobertas no campo e incluiu a reunião de todos os dados obtidos: a transcrição de
entrevistas, a releitura do material e a organização do mesmo, o que implica em um início
de classificação.
Uma vez transcritas todas as entrevistas, a análise e classificação dos dados se iniciou
com a leitura da totalidade do material coletado. Essa leitura flutuante permitiu uma visão
global e a realização de anotações em torno das regularidades e dos elementos de repetição por
um lado, e das especificidades e particularidades encontradas por outro, nos diferentes Grupos
de profissionais. Momento esse de construção dialética do material, fruto da relação entre as
questões teoricamente elaboradas e o material recolhido. Posteriormente, os dados foram
separados em dois grandes grupos: no Grupo 1 os profissionais da Área da Saúde e no Grupo
2, os Operadores do Direito.
Leu-se, então, exaustivamente as entrevistas dos profissionais do Direito e as
entrevistas dos profissionais da Saúde, separadamente, para conhecer as particularidades
teóricas e práticas em relação ao percurso profissional dos dois Grupos. Nessa etapa, a
pesquisadora pôde identificar impressões e emoções, perceber expectativas e conhecimentos,
além de “duplas” mensagens no texto das entrevistas. Nesse sentido, Franco (2003) apresenta
22
a importância dessa primeira etapa como base do trabalho posterior, ao referir que para se
passar para a próxima etapa de classificação ou agrupamento dos conteúdos das entrevistas em
categorias, é necessário comparar, entender diferenças e semelhaas.
Foram inicialmente estabelecidas categorias analíticas. Com base na revisão
bibliográfica as categorias analíticas construídas foram: “a prática dos profissionais no que
diz respeito à escuta de crianças vítimas de abuso sexual”, suas “concepções dessa escuta”, as
“dificuldades da escuta de crianças vítimas de abuso sexual” e o papel do trabalho
interdisciplinar” na escuta da criança sexualmente abusada. De acordo com Gomes (2001),
essas categorias estabelecidas a priori são mais gerais e abstratas, porém exigem uma base
teórica sólida por parte da pesquisadora. Buscou-se, em seguida, na entrevista de cada
participante, unidades de registro (dados brutos) que respondessem às categorias analíticas.
Esse momento chamado de “ instante hermenêutico”, em que apenas provisoriamente e
para fins analíticos se toma o material coletado como um conjunto separado, a ser
tecnicamente trabalhado, considerando que esse material tem uma “significação” particular e
ao mesmo tempo um papel revelador do todo. As unidades de registro foram dispostas/
classificadas nas categorias analíticas pré-estabelecidas de acordo com sua significação.
Em seguida, foram sendo construídas categorias intermediárias, baseadas nas
colocações dos entrevistados, e que respondessem ao problema de pesquisa: qual é a
concepção de escuta do profissional da área da Saúde ou do Operador do Direito que atende
crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do Judiciário?
As categorias intermediárias foram construídas em dois conjuntos: um deles
abrangendo as falas dos profissionais da Saúde (Grupo 1) e outro, as falas dos Operadores do
Direito (Grupo 2), todas devidamente numeradas para possível identificação. As categorias
23
intermediárias passaram por mais um processo de aprimoramento, sendo recortadas uma a
uma e classificadas em envelopes com cores diferentes.
A partir de leituras transversais de cada corpo, e de critérios de classificação que foram
tanto variáveis empíricas como variáveis teóricas previamente construídas, ou um diálogo
entre ambas, reagrupou-se o material em torno de categorias finais, buscando um refinamento
do movimento classificatório. Todas as categorias foram formuladas com base na análise de 2
(dois) juizes com experiência em Análise de Conteúdo. No final, estabeleceu-se 5 (cinco)
categorias empíricas sobre a concepção de escuta dos profissionais do Grupo 1 e 5 (cinco)
categorias empíricas sobre a concepção de escuta dos profissionais do Grupo 2, agrupadas em
envelopes maiores, também com cores diferentes e devida identificação.
O produto final foi compreendido como o resultado do movimento entre o trico e o
empírico, após idas e vindas da teoria ao material de análise e vice-versa, além de vários
modelos de categorias que foram sendo trabalhados até a versão final mais completa e
rigorosa. O que chama muito a atenção é que as categorias finais tanto dos profissionais da
Área da Saúde como dos Operadores do Direito as mesmas, demonstrando que as concepções
de escuta de ambos os grupos de profissionais são significativamente semelhantes (com
algumas peculiaridades evidenciadas na construção das categorias intermediárias).
Abaixo, apresenta-se exemplos do processo de análise de conteúdo, através de falas de
duas entrevistas. Na medida em que as unidades de registro aparecem com o mesmo sentido,
formam-se as categorias intermedrias e, na medida em que estas se repetem
significativamente vão dando corpo para as categorias finais, de acordo com a revisão
bibliográfica e com a prática/ concepção dos profissionais presentes nas entrevistas (dois nível
de interpretações).
24
Tabela 2 – Exemplos do processo/construção da análise de conteúdo realizada
Participante Unidade de registro Categoria Intermediária
Categoria Final
1 (Direito)
D.1.1
...começou a ver que era preciso que
antes se
estabeleça um nculo de confiança com a vítima, né, que
se converse com ela para conquistar a confiança dela...”
Importância do vínculo de
confiança
Necessidades da criança
1
D.1.2
...nós temos que ter provas para condenar o
abusador...”
Escuta
= constituir provas
e atribuir culpa
Demandas do Judiciário
15 (Saúde)
S.15.1
“...as duas primeiras entrevistas são mais no sentido
de formar um nculo com a criança, de ela poder
apropriar-se do espaço né, de saber o que é que está
acontecendo, de poder ter a confiança mínima que é
possível em uma situação como essa de avaliação...”
Importância do vínculo de
confiança
Necessidades da criança
15
S.15.2
“...essa escuta eu inicio por ter uma compreensão de
até que ponto pra criança está claro o que ela veio fazer, o
que ta acontecendo, uma explicação de qual é o meu papel,
quem sou, porque a criança ta ali...”
Necessidade de situar a
criança
Necessidades da criança
A tabela apresenta o recorte de duas unidades de registro do conteúdo da entrevista de
cada profissional (as entrevistas completas encontram-se no anexo E). Ilustra através da
demonstração da unidade de registro, como se chegou à categoria intermediária e à categoria
final.
1.3 Resultados e discussão
A análise dos dados permitiu estabelecer 20 (vinte) categorias intermediárias no Grupo 1
(Saúde) e 17 (dezessete) no Grupo 2 (Direito). Essas categorias deram origem a 5 (cinco)
categorias finais apresentadas na tabela 3:
25
Tabela 3 Descrição das categorias
Categorias Intermediárias (Saúde) Categorias Intermediárias (Direito)
Categorias Finais
(Saúde e Direito)
-
Peculiaridades e características do
Abuso Sexual Intrafamiliar
- Importância de abrir a escuta para
familiares e terceiros
-
Peculiaridades e características do
Abuso Sexual Intrafamiliar
- Importância de abrir a escuta para
familiares e terceiros
Dinâmica própria do Abuso
Sexual Intrafamiliar
-
Despreparo dos profissionais
- Necessidade de preparo e
capacitação profissional e emocional
- Necessidade de postura profissional
adequada
-
Despreparo dos profissionais
- Necessidade de preparo e capacitação
profissional e emocional
- Necessidade de postura profissional
adequada
Preparo e capacitação do
profissional
- Importância do vínculo de confiança
- Proteção da criança
- Ambiente adequado
- Escuta mobiliza sentimentos e
emoções na criança
- Especificidades na escuta de pré-
escolares
- Necessidade de situar a criança
- Respeitar o ritmo da criança
- Importância do vínculo de confiança
- Proteção da criança
- Ambiente adequado
- Escuta mobiliza sentimentos e
emoções na criança
- Especificidades na escuta de pré-
escolares
- Direito da criança em ser escutada
Necessidades da criança
-
Escuta = constituir provas e atribuir
culpa
- Falta de agilidade nos Processos
Judiciais
- Exigências do Rito Jurídico e da
Perícia cnica
- Limites da confiabilidade
- Limitação do tempo
-
Escuta = constituir provas e atribuir
culpa
- Falta de agilidade nos Processos
Judiciais
- Exigências do Rito Jurídico
Demandas do Judiciário
-
Necessidade de conh
ecimentos dos
distintos campos
-Dificuldades da interdisciplinaridade
-Necessidade de melhores
metodologias de escuta
-
Necessidade de conhecimentos dos
distintos campos
-Dificuldades de interdisciplinaridade
-Necessidade de melhores metodologias
de escuta
Importância do trabalho
interdisciplinar
26
Verifica-se de acordo com as categorias finais que a dinâmica do abuso sexual
intrafamiliar apresenta peculiaridades e características distintas de outras formas de violência
contra a criança, sendo assim necessária a escuta de familiares e outras pessoas para evitar
uma maior exposição e constrangimento das criaas. Constata-se que os profissionais o
estão plenamente preparados para realizar essa escuta, necessitando preparo emocional e
técnico continuado para alcançar uma postura profissional adequada nessa forma de
atendimento.
Os resultados do estudo, de forma geral, demonstraram a necessidade de o profissional
compreender e favorecer as necessidades da criança, assim como as demandas do Judiciário
nesse tipo de escuta. Para isso, o trabalho interdisciplinar foi concebido como importante e
necessário no atendimento da criança no âmbito do Judiciário, de acordo com as concepções
dos entrevistados.
A discussão de cada uma das categorias finais será desenvolvida na Seção III.
1.4 Alguns apontamentos finais
O tema da escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do
Judiciário foi compreendido através da perspectiva de psicólogos, assistentes sociais, médico,
promotores de justiça, juizes de direito, delegada de polícia e advogada. O conteúdo de suas
entrevistas foi analisado partindo e considerando o contexto da sua formação e cultura
profissional, sendo os profissionais divididos em dois conjuntos: Grupo 1 (Saúde) e Grupo 2
(Direito).
Escutar as concepções dos participantes sobre a escuta de crianças sexualmente
abusadas implicou em escutar as emoções e as dificuldades apresentadas pelos competentes
27
profissionais entrevistados. Deve ser levado em consideração que os participantes possuem
ampla experiência no trabalho com crianças vítimas de abuso sexual e alguns deles também
são estudiosos/ teóricos do tema. Parece que a prática é realizada principalmente de acordo
com o aprendizado adquirido ao longo de sua formação e capacitação profissional. Utilizam a
teoria associada ao assunto, a legislação e a ética profissional de cada categoria, como base de
suas abordagens teóricas e técnicas.
Percebeu-se, especialmente com a resposta da última pergunta realizada para cada
profissional (a qual questionava sobre casos práticos experimentados e como fôra a atuação
do profissional), que é muito difícil realizar a escuta da criança vítima de abuso sexual
intrafamiliar. A atuação do profissional é mais difícil do que teorizar ou idealizar uma forma
de atendimento adequado para a criança no contexto do Judiciário. Contudo, colocar em
prática essa escuta vai além daquilo que se estudou e aperfeoou profissionalmente.
necessidade de uma implicação maior e de uma postura diferenciada.
Colocar a escuta da criança sexualmente abusada na rotina de um profissional significa
mergulhá-lo permanentemente na história da sua própria infância e da sua sexualidade.
Significa lidar com a dinâmica de uma família onde há jogos de poder e de sedução, assim
como manejar com o sistema de uma equipe multidisciplinar ou interdisciplinar, na qual
muitas vezes se repetem os mesmos movimentos da família incestogênica. Envolve valores e
ética pessoal que vai embasar, estruturar e solidificar toda a sua conduta profissional.
Os participantes da pesquisa identificaram dificuldades para realizar a escuta da
criança, tais como a falta de compreensão e manejo do abuso sexual intrafamiliar e sua
dinâmica, falta de capacitação e preparo técnico, especialmente para compreender a linguagem
figurativa da criança e da sua família, falta de apoio emocional para lidarem com as angústias
mobilizadas a partir do atendimento do caso, falta de tempo e/ou investimento associada a
28
urgência dos casos que pressionam a criança a contribuir com seu testemunho, não saber
muitas vezes quais são os limites na escuta de uma criaa para que a desejada proteção não se
transforme em outro ato de violência. Entende-se como uma necessidade adequar ou renovar
metodologias de escutas através de sensibilização e capacitação sistemática dos profissionais
que realizam o atendimento da criança vitimizada e que precisam lidar com as emoções fortes
e sentimentos contra-transferenciais da relação que se estabelece.
Está presente, no discurso dos profissionais uma ênfase significativa no papel social
da criança, provavelmente reflexo do ECA, que se encontra na lista das legislações mais
modernas do mundo e pouco a pouco começa a se implementar. Em contrapartida, sabe-se que
não uma preparação suficiente de acadêmicos para a prática com crianças sexualmente
abusadas tanto na Área da Saúde como entre os Operadores do Direito. Além disso,
permanece a falta de investimentos ou recursos para laboratórios de capacitação de
profissionais de forma sistemática, para construção de um espaço com ambiente adequado
para o trabalho em equipe e de rede ser efetivado. um vazio nas Comarcas, de Juizados
especializados, compostos por um corpo cnico voltado para o atendimento e assistência da
criança e sua família. São precárias as políticas públicas efetivas na área, entre outras
questões, o que ficou evidenciado, entre linhas, na concepção dos entrevistados, de acordo
com a análise de conteúdo realizada.
Outro ponto relevante a ser destacado é o fato de a grande maioria dos participantes
terem sido entrevistados em seus locais de atendimento. A partir disso, foi possível observar e
aproximar a escuta da pesquisadora da prática efetiva do participante da pesquisa. As
observações não-verbais e ambientais ficaram claras especialmente quando o profissional
falava de falta de recursos, falta de um ambiente adequado para atender a criança etc.
29
Cabe ressaltar que no primeiro contato com os participantes, alguns imediatamente
apresentaram certa resistência ou receio, realizando várias perguntas a respeito da pesquisa e
propostas futuras a partir da mesma. Porém, com o acolhimento e a escuta da pesquisadora,
todos foram relaxando e sentindo-se à vontade para falar. Alguns até chegaram a mencionar
no final da entrevista “acho que falei demais” (participantes 10; 13)
. Portanto, com essa
constatação, pode-se reiterar que uma escuta onde a liberdade de expressão, com questões
norteadoras, mas não rígidas, facilitam a revelão das experiências pessoais vivenciadas
pelos indivíduos. Essa premissa é válida especialmente para as crianças vítimas de abuso
sexual intrafamiliar, o que foi apontado também pela literatura revisada (Azevedo, 2001;
Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Juárez-López, 2004; Junqueira, 2002; Protocolo de
Entrevista Forense, 2003).
Embora os dois Grupos de profissionais tenham referido que a escuta da criança vítima
de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do Judiciário deve priorizar primeiramente a criança
em fase de desenvolvimento e sua situação a partir do trauma da violência sofrida, as
concepções dos profissionais apresentaram algumas especificidades particulares. Numa visão
dialética, essas diferenças implícitas ou explícitas, construídas a partir da formação e da
história pessoal e profissional de cada profissional, desencadeadas, talvez, pelo papel a ser
desempenhado e pelos paradigmas de cada grupo profissional, aproximam os distintos
conhecimentos para um saber não específico (transdisciplinar).
Visualizou-se em 4 (quatro) entrevistas (participantes 5; 7; 10; 13)* um maior
envolvimento com o Sistema Judiciário associado às suas demandas e Rituais específicos,
embora eram todos participantes da Área da Saúde e 3 (três) deles (participantes 7; 10; 13)*
sem especialização específica na Área Jurídica. Observou-se que o ambiente de trabalho, o
De acordo com Tabela 1.
30
pensamento e visão dos colegas e paradigmas próprios da Instituição Judiciária causam
influências importantes.
Por um lado entende-se que essa evidência de uma escuta transdisciplinar amplia o
conhecimento e olhar prático sob a situação. Por outro, esses profissionais podem perder em
alguma medida a sensibilidade e o olhar clínico próprio e específico do profissional da Área
da Saúde. Entende-se que mesmo um profissional capacitado e conhecedor de diferentes áreas
não terá como dar conta sozinho das características múltiplas e inúmeras facetas que
encontram-se presentes nessa forma de violência e no movimento dinâmico que provêm dela.
Para fazer a integração e discussão dos resultados, utilizou-se os estudos sobre a
escuta da criança vítima de abuso sexual em diferentes contextos (A.L. Ferreira, 2005;
Azevedo, 2001; Junqueira, 2002), e estudos que tratavam especialmente do atendimento da
criança no Judiciário (Brito et al., 2006; Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Juárez-López,
2004; M.R.F. Azambuja, 2006; Protocolo de Entrevista Forense, 2003). Os autores
considerados são de diferentes áreas do conhecimento como direito, psicologia e medicina.
Como sugestões futuras, propõe-se outros estudos sobre esse tema, especialmente na
cultura brasileira. Não há como transpor modelos internacionais de atendimento da criança no
âmbito do Judiciário para nossa realidade sem modificações importantes, pensando nas
necessidades sociais, culturais e legais das nossas crianças. Avaliações sobre métodos
utilizados no Brasil são importantes para aperfeiçoamento constante.
carências de estudos sobre os resultados dessas práticas, até porque elas são muito
recentes. De forma geral, pesquisas sobre a escuta da criança vítima de abuso sexual são
bastante pertinentes na atualidade, especialmente no âmbito do Judiciário, onde parece ser o
foco de maior concentração de demandas, de dificuldades, de limitações e contradições,
devido às necessidades da criança e rigidez dos Ritos Jurídicos.
31
Seção II A escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do
Judiciário: uma revisão de literatura
O objetivo dessa seção é apresentar uma revisão da literatura que aborda o tema do
atendimento de crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar no âmbito do Judiciário. A
escuta da criança vítima de abuso sexual nos processos judiciais dos quais ela é peça
fundamental é um tema delicado, complexo, que se encontra à espera de estudos que venham a
colaborar para o seu aprimoramento. Alguns trabalhos teóricos trazem contribuições a respeito
da necessidade de tratamento diferenciado em face das demandas dessas crianças e suas
famílias (Brito, Ayres & Amendola, 2006; M.R.F. Azambuja, 2006). Outros estudos enfatizam
a importância da estrutura da entrevista com a criança, para alcançar os indícios do abuso,
porém minimizando danos secundários a essas crianças (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001;
Juárez-López, 2004; Protocolo de Entrevista Forense, 2003).
Entre os estudos dedicados ao tema da escuta das crianças no âmbito do Judiciário, há
um predonio de revisões bibliográficas (Azevedo, 2001; Brito et al., 2006; Ferreira, 2007;
M.R.F. Azambuja, 2006; Rovinski, 2004). A metodologia quantitativa aparece em pesquisas
que realizaram um mapeamento dos serviços de atendimento às vítimas ou de fatores de risco
presentes no contexto dessas crianças, através de análises documentais (Habigzang, Koller,
Azevedo & Machado, 2005; Habigzang, Azevedo, Koller & Machado, 2006). Os estudos que
focalizaram as entrevistas de averiguação da credibilidade dos relatos da criança em geral
utilizaram questionários semi-estruturados ou estruturados para coleta dos dados e análise de
conteúdo ou de discurso para sua análise (Juárez-López, 2004; Lamb et al., 2003; Rogers &
Brodie, 2004; Protocolo de Entrevista Forense, 2003). Alguns estudos sobre o atendimento da
criança vítima de abuso sexual utilizaram delineamentos exploratórios ou descritivos (Daltoé-
32
Cezar, 2007; Dobke, 2001). As modalidades de estudos de caso, relatos de experiência ou
pesquisa-intervenção também têm sido utilizadas (Heiman & Ettin, 2001; Junqueira, 2002;
Ramires & Froner, 2008).
A seguir, apresenta-se brevemente o conceito e as implicações do abuso sexual
intrafamiliar e alguns dados estatísticos sobre o mesmo. Na seqüência, discute-se o
atendimento prestado à criança vítima de abuso sexual, com base na literatura revisada.
O abuso sexual e suas implicações
No Brasil, o abuso sexual como atitude violenta contra a criança e o adolescente
ganhou maior visibilidade e importância nas últimas décadas, com a implantação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, a partir do qual crianças e adolescentes
passaram a ser considerados sujeitos em condições peculiares de desenvolvimento, bem como
sujeitos de direto, com prioridade absoluta de atendimento (Brito et al., 2006; Cesca, 2004;
Daltoé-Cezar, 2007; Dias, 2007; Habigzang et al., 2005, 2006; M.P.R. Azambuja, 2005;
M.R.F. Azambuja, 2004, 2006). Pom, os abusos sexuais sempre foram praticados, em todos
os tempos da nossa história, em todas as classes sociais (Aded, Dalcin, Moraes & Cavalcanti,
2006; Daltoé-Cezar, 2007; M.R.F. Azambuja, 2004). Nos últimos anos, o abuso sexual vem
sendo reconhecido como um dos mais graves problemas de saúde pública (Habigzang et al.,
2005, 2006; Pfefferbaum & Allen, 1998).
O número de casos envolvendo crianças e adolescentes em atividades sexuais de
adultos é significativo (Aded et al., 2006). Dos casos notificados nos três primeiros meses de
cada ano, baseando-se em dados de 70 municípios de 14 estados brasileiros, mais o Distrito
Federal, entre as crianças e adolescentes que sofreram violência doméstica, a violência sexual
esteve presente em 13,2% em 2006 e 9,0% dos casos em 2007 (LACRI/IPUSP, 2007).
33
Contudo, esse mero não apresenta a realidade do fenômeno. De acordo com Dias
(2007), apenas 10 a 15% dos casos de abuso sexual são denunciados. Estudos confirmam a
dinâmica da síndrome do silêncio” nos casos de abuso sexual intrafamiliar, como se houvesse
um “muro de silêncio, também entre os vizinhos e profissionais que atendem essa população
(Braun, 2002; Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; M.R.F. Azambuja, 2004; Pfeiffer & Salvagni,
2005). Embora as crianças sejam as vítimas preferidas dos abusadores sexuais, muitos casos
são descobertos ou desvendados anos mais tarde, na adolescência ou na vida adulta (Braun,
2002; Dobke, 2001; Habigzang et al., 2005; Sanderson, 2005).
Watson (1994) sugere que não uma definição única do abuso sexual de crianças.
Esse autor salienta três pontos que servem para distinguir atos abusivos dos não-abusivos: 1) o
abusador possui um poder hierárquico superior, exercendo controle sobre a vítima que não
compreende o que se passa; 2) o agressor deve possuir uma diferença na idade cronológica ou
avanço no desenvolvimento social-cognitivo; 3) o agressor busca ou obtém uma gratificação e
satisfação, sendo que um possível prazer da vítima é acidental ou de interesse de quem abusa.
Glaser (1991) define o abuso sexual infantil como o envolvimento de crianças e
adolescentes, logo em processo de desenvolvimento, em atividades sexuais que não
compreendem em sua totalidade, para as quais não estão aptos a concordarem e que violam as
regras sociais e familiares de nossa cultura. Uma das formas em que o abuso sexual se
apresenta pode ser entendida como incesto, na qual geralmente ocorre uma cronificão em
virtude da ocorrência por um período longo de tempo e do laço de confiança e segredo no seio
da família, “conseqüentemente, como desestruturante de toda uma organização social e
psíquica de seus membros” (Junqueira, 2002, p. 211).
A literatura tem mostrado que o maior mero de crianças violentadas sexualmente
ocorre dentro da própria casa, perpetrada por algum membro da família, ou outra pessoa que
34
exerça função parental, sem necessariamente haver laços de consangüinidade (Barbosa, 2007;
Braun, 2002; M.P.R. Azambuja, 2005; M.R.F. Azambuja, 2004; Sanderson, 2005). Em 90%
dos casos notificados, “o autor é um membro da família da vítima, é alguém que ela ama,
conhece e respeita” (Dias, 2007, p. 23). Normalmente aquele que exerce a função paterna,
como pai, padrasto e avô.
Por ser cometido na clandestinidade e, na maioria das vezes, sem deixar qualquer
vestígio sico (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Habigzang et al., 2005; M.R.F. Azambuja,
2004), o abuso sexual intrafamiliar produz uma série de dificuldades no desenvolvimento
psicológico, afetivo, cognitivo, intelectual, sexual, físico e/ou neurológico (Braun, 2002;
Ghetti, Alexander & Goodman, 2002; Rouyer, 1997; Sanderson, 2005). O abuso sexual deixa a
criança traumatizada, pois deteriora a capacidade reflexiva e o sentido de self, o que torna o
ciclo de desenvolvimento muito perturbado (Thouvenin, 1997). Além disso, os inúmeros danos
possíveis na área da saúde mental podem persistir na vida adulta (Aded et al., 2006; Pfeiffer &
Salvagni, 2005). Crianças abusadas podem se tornar adultos abusivos ou vitimizados,
conforme Aded et al. (2006), reproduzindo relacionamentos disfuncionais com suas próprias
famílias, apresentando transtornos dissociativos e de personalidade borderline (Habigzang et
al., 2005).
Diante da complexidade e das particularidades que envolvem a dinâmica do abuso
sexual intrafamiliar, e das conseqüências para a saúde mental da criança, compreende-se a
dificuldade que ela enfrenta para expressar ou revelar a situação do abuso no contexto familiar.
Para que seja garantida a proteção integral a criança precisa envolver-se com o Sistema de
Justiça. Reviver os fatos através da revelação gera sentimentos de culpa, vergonha, medo, além
de sentimentos ambivalentes em relação ao agressor, possibilidade de desintegração da família
35
e/ou institucionalização da criança (Azevedo, 2001; Ferreira & Schramm, 2000; M.R.F.
Azambuja, 2006).
Confrontar-se com uma realidade da qual não gostaria de tomar conhecimento pode
produzir outros efeitos graves no psiquismo da criança e de sua família (Azevedo, 2001;
Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; M.R.F. Azambuja, 2006). Daí a importância de se refletir a
respeito da forma como esta criança será acolhida pelo Judiciário, como será realizado o seu
atendimento, a sua escuta nesse contexto, o que nos conduz a considerar as necessidades das
crianças e as exigências e os ritos do Judiciário.
As necessidades e demandas do Judiciário
O objetivo do Sistema Judiciário é buscar a justiça social e garantir o direito dos
cidadãos. Na situação da criança sexualmente abusada, Operadores do Direito necessitam
aplicar a lei maior Constituição Federal assim como o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA - Lei 8069/90), para garantir a sua proteção integral e responsabilizar o
agressor. Para alcançar esse propósito, a escuta das crianças envolvidas no abuso sexual vem
sendo defendida como um direito fundamental em todo o mundo. Diante da suspeita de abuso
e da falta de provas concretas no seu corpo, além de toda a dinâmica que envolve o fenômeno
do abuso sexual intrafamiliar, as declarações das crianças têm valor absoluto e decisivo nos
casos de abuso sexual (Brito et al., 2006; Daltoé-Cezar, 2007; Davies, Wescott & Horan,
2000; Juárez-López, 2004; Koshima, 2003; Morales & Schramm, 2002).
Porém, o impacto da violência sofrida, assim como a demora dos processos até que a
criança seja designada para sua oitiva, muitas vezes, pode gerar maior ansiedade, o que
Colacique (2006) chamou de sofrimento acumulativo diante das tramitações judiciais. A dor
36
do trauma, assim como o medo de represálias pode comprometer a precisão em relão à
descrição do local, tempo, recorrência e outros detalhes específicos do abuso (Dobke, 2001;
M.R.F. Azambuja, 2006). De acordo com as normas processuais, a escuta da criança vítima de
abuso sexual intrafamiliar é realizada pelo Juiz de Direito, o qual faz perguntas diretas,
coletando informações sobre o abuso em uma sala de audiências formal. Nessas ocasiões de
aferição de provas, a palavra da criança é muitas vezes confrontada com a versão do agressor,
que pode ser ouvido ou questionado na presença da criança, repassando a responsabilidade
total à vítima, considerando assim seu relato inválido, desacreditado, infantil e fantasioso
(Dobke, 2001; M.P.R. Azambuja, 2005; M.R.F. Azambuja, 2006).
Esse procedimento para a escuta da criança faz com que ela se sinta culpada
indevidamente, o que gera riscos para seu desenvolvimento e para a validade do seu
testemunho (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Sanderson, 2005; Thouvenin, 1997). É
comum, nos casos de crianças e de adolescentes envolvidos no incesto, que a família projete a
culpa das circunstâncias sobre eles. Nesse sentido, os sexualmente abusados, podem recorrer à
retratação, negação ou dissociação, por não suportarem tamanha pressão, o que é
compreendido como prova do caráter infundado de acusação pelos magistrados (Azevedo,
2001; Dobke, 2001).
Ao tornar a sua palavra pública, a criança expõe todo o seu íntimo: de um total silêncio
e segredo, ela passa a ser vulnerável, para cumprir com procedimentos jurídicos (Azevedo,
2001; Brito et al., 2006; Koshima, 2003; M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006;
Thouvenin, 1997). Portanto, pode se dizer que o trauma do abuso sexual tem conseqüências
que vão além daquelas causadas pelo fato em si, apresentando efeitos do processo legal e seus
desdobramentos (Araújo, 2002; Azevedo, 2001; Ghetti et al., 2002; M.R.F. Azambuja, 2004,
2006; Ward, 2003).
37
A forma tradicional de realizar a escuta da criança no âmbito do Judiciário em nosso
país data de décadas anteriores à Constituição de 1988. Não há nada de novo nessa escuta, que
considere as condições especiais da criança - idade, maturidade e sofrimento emocional
proveniente da agressão sofrida (Benfica & Souza, 2002; Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001;
M.R.F. Azambuja, 2006). As crianças abusadas sexualmente costumam ser escutadas como
qualquer pessoa adulta que tenha se envolvido em qualquer situação ilícita, conforme M.R.F.
Azambuja (2006). Para a protão integral da criança é necessário que tais Instituições
realizem uma revisão, análise e reestruturação das práticas utilizadas na vigência do comando
constitucional anterior (Brito et al., 2006; Dias, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006; Sanderson,
2005).
Diante das dificuldades e divergências encontradas na oitiva das crianças, alguns países
modificaram sua legislação em relação a essa questão, com objetivo de maior proteção à
criança durante a constituição da prova. A Argentina e a Espanha, por exemplo, proíbem a
escuta direta da criança pelos Juízes de Direito e pelas Partes. A África do Sul possui um
sistema de intermediação por profissionais da Área da Saúde, que tentam reduzir o trauma e o
abuso secunrio durante a coleta do depoimento (Juárez-López, 2004; Yiming & Fung,
2003). a França torna preferencial esse tipo de escuta, enquanto que o Brasil possui um
Projeto de Lei 7.524, de 2006, que propõe como preferencial a inquirição em local apropriado
para o acolhimento da criança, intermediada por profissional designado pela autoridade
judiciária e registrada por meio audiovisual, para fazer parte integrante do processo (Daltoé-
Cezar, 2007).
Thèry (1992), citado por Brito et al. (2006), considera que ao exercer o direito de
testemunhar (que pressupõe responsabilidade civil e capacidade jurídica), mesmo com
38
cuidados especiais na sua escuta, a criança perde o direito à inncia, exercendo funções que
são de responsabilidade dos adultos. A autora sugere uma maior participação da família nos
processos, para zelar pelos direitos da criança ou do adolescente em condições peculiares de
desenvolvimento.
Na mesma direção, algumas autoras defendem a idéia de que a criança em sofrimento
não precisa ser inquirida em Juízo (M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006). M.R.F.
Azambuja (2006) refere que não existe nenhum parágrafo no Princípio Constitucional
apontando que ela necessite ser ouvida. As autoras mencionam que a escuta no âmbito do
Judiciário não respeita integralmente a criança de acordo com o artigo 227 da Constituição
Federal de 1988, que dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente, pois há a violência
decorrente da exigência de produzir a prova da materialidade do abuso sofrido através da
solicitação de informações detalhadas, desconsiderando o estágio de maturidade e
desenvolvimento em que ela se encontra. Por outro lado, compreende-se que ao não abrir
espaço para a criança falar sobre o abuso no Sistema Judiciário, na tentativa de protegê-la,
corre-se o risco de rejeitar a sua experiência e a própria criança, além de fortalecer a síndrome
do segredo, pois segundo os autores o silêncio é o que mantêm e obriga a criança a submeter-
se às humilhações (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Koshima, 2003).
Uma outra opção utilizada e defendida por algumas estudiosas na área dos direitos da
infância e do adolescente é a avaliação técnica realizada pelo profissional da Área da Saúde
(M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006). A perícia serve para auxiliar o Juiz de
Direito em algum impasse ou conflito que ele não possua competência técnica para
compreender ou decifrar (Herman, 2005; Rovinski, 2004; Shine, 2005). Diferentemente de um
depoimento ou inquirição, é uma forma de escutar as criaas no âmbito do Judiciário sem a
obrigatoriedade de aferição de provas. Pode ser realizada pelo Médico, pelo Psicólogo ou pelo
39
Assistente Social, legalmente matriculado no seu órgão de Classe, que seja expert no assunto
em questão (Ramires, 2006; Rovinski, 2004; Viaux, 1997). Constata-se, pois, que começam a
surgir estudos que apontam para a importância de uma postura diferenciada do profissional que
realiza a escuta, priorizando a proteção da criança e as suas necessidades.
As necessidades da criança e as possibilidades de sua escuta
As condições particulares de desenvolvimento das crianças, somadas à situação de
trauma pelo abuso sexual sofrido, exigem competências múltiplas dos profissionais que
realizam o seu atendimento no cenário do Judiciário. Os estudos revisados salientam a
necessidade de capacitação, treinamento técnico e preparação emocional constante desses
profissionais para intervenções adequadas com as crianças (Azevedo, 2001; Habigzang et al.,
2006; M.P.R. Azambuja, 2005; M.R.F. Azambuja, 2006). Alguns estudiosos pesquisaram e
comprovaram que os Operadores do Direito apresentavam dificuldade na realizão do ato
processual de inquirir a criança sexualmente abusada e em aderir às práticas de entrevistas
recomendadas para evitar maior sofrimento à vítima (Dobke, 2001; Lamb et al., 2003; Pfeiffer
& Salvagni, 2005). Esses autores concluíram que indiferente da área do profissional que
realiza a escuta, há a necessidade de ele possuir uma visão psicológica, além do conhecimento
da legislação específica para realizar a escuta das crianças na esfera jurídica.
O profissional treinado pode analisar o relato da criança e a partir dele encontrar
indícios do abuso. Segundo alguns autores, o profissional da Área da Saúde Mental é um
agente facilitador da fala e das emoções da criança (Benfica & Souza, 2002; M.R.F. Azambuja,
2006). A fala livre e/ou perguntas abertas, sem pressão e sem sugestionabilidade, com
linguagem simples, possibilita à criança dar uma resposta com maior conteúdo informativo
(Davies et al., 2000; Dobke, 2001; Juárez-López, 2004; Rovinski, 2004). Lamb et al. (2003)
40
desenvolveram entrevistas programadas com estímulos livres, para que os entrevistadores
conseguissem escutar as memórias espontâneas das crianças entre 4 e 8 anos, maltratadas
sexualmente. Porém, faz-se necessário levar em consideração que as criaas com menor
maturidade ou menor idade possuem menor capacidade de memorizar e de recordar dados
detalhados (Dobke, 2001; Juárez-López, 2004; Protocolo de Entrevista Forense, 2003).
Através de jogos, bonecos anatômicos, instrumentos projetivos, desenhos e outros
materiais gráficos, consegue-se superar as habilidades verbais limitadas das crianças, assim
como auxiliar na sua avaliação (Pfeiffer & Salvagni, 2005). As atividades lúdicas facilitam
tanto o vínculo como a escuta da criança, pois ela descreve, até mesmo em detalhes, todo o seu
sofrimento através do jogo simbólico (Pfeiffer & Salvagni, 2005; Ramires & Froner, 2008).
Por isso, Junqueira (2002) reforça a necessidade do brincar livre como a linguagem vertente da
criança, que deve ser valorizada na sua escuta para superar e elaborar a situação traumática.
Dessa forma, a experiência da criança aparece com mais facilidade, sem indução alguma.
O profissional deve levar em consideração a experiência vivenciada pela criança e a
tensão psíquica que demanda dela para promover intervenções que possibilitem uma
elaboração psíquica do seu estado emocional (Azevedo, 2001; Colacique, 2006; Ramires &
Froner, 2008). O profissional deve proteger a criança antes, durante e após o processo judicial,
refere Saywitz (2002), citada por Juárez-López (2004). A autora salienta ainda a necessidade
de preparar cuidadosamente a criança para a sua escuta, ou seja, situá-la, amenizando seus
medos e crenças, assim como se deve eliminar a desorientação e confusão que o Sistema Legal
pode produzir na criança. Na mesma direção, Junqueira (2002) alerta para a importância de
orientar a criança sobre os procedimentos que ela precisa enfrentar e deixar claro que, para
garantia de sua proteção integral, não pode haver contrato de sigilo absoluto dos atendimentos.
41
O acolhimento da criança e da sua dor, num ambiente tranqüilo e lúdico, é a base para
um bom resultado (Daltoé-Cezar, 2007; Pfeiffer & Salvagni, 2005). Para isso, os autores são
unânimes em ressaltar que a atitude do profissional frente aos fatos apresentados não deve ser
julgadora ou punitiva, proporcionando uma relação de confiança (vínculo) que ajudará no
acompanhamento subseqüente (A. L. Ferreira, 2005; Dobke, 2001; Junqueira, 2002).
Depreende-se que para que a escuta seja em benefício da criança, ela precisa sentir-se
respeitada incondicionalmente. Sua forma de se expressar e até mesmo o seu silêncio deve ser
compreendido (Barbosa, 2007; Crivillé, 1997; Heiman & Ettin, 2001; Hutchby, 2005; Pfeiffer
& Salvagni, 2005). De San Lazaro (1995) sugere que quando a criança não deseja falar sobre o
abuso, possa indicar um adulto de sua confiança, que tenha um vínculo positivo com ela, para
falar sobre o fato ocorrido.
De forma geral, os demais profissionais que escutam as crianças abusadas
sexualmente devem priorizar o seu acolhimento. O Médico, por exemplo, deve ouvi-la, além
de verificar sua condição física e conduzir os procedimentos necessários com infinito tato para
não agravar seu sofrimento (De San Lazaro, 1995; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Tomkiewicz,
1997). O Médico e o Enfermeiro podem contribuir com uma escuta que vai além dos exames e
tratamentos clínicos tradicionais da área, trabalhando prevenção, especialmente com os
cuidadores da criança (A.L. Ferreira, 2005).
Diversos autores consideram que as pessoas geralmente falam a verdade sobre suas
experiências sexuais e que isso é especialmente lido para crianças e adolescentes vítimas de
abuso sexual intrafamiliar (Braun, 2002; Crivillé, 1997; Dobke, 2001; Sanderson, 2005).
Contudo, é necessário distinguir quando a criança pode estar apresentando “falsas memórias”,
uma psicopatologia caracterizada pela crença absoluta em pseudomemórias de abuso sexual
42
(Pinchaski, Víquez & Zeledón, 2004; Stein & Neufeld, 2001). Uma forma de implantação de
falsa memória na criança é a conseqüência do seu envolvimento na “Síndrome de Alienação
Parental. A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um processo que pode ocorrer após a
separação dos pais, quando um dos genitores, geralmente a mãe, tenta programar uma criança
para que odeie o pai, sem qualquer justificativa, com o objetivo de impedir ou romper a
relação dele com o filho. Esse dispositivo é utilizado como instrumento da raiva da mãe,
direcionada ao ex-parceiro (Gardner, 2002). Uma das conseqüências dessa síndrome pode ser
uma falsa denúncia de abuso sexual, gerando seqüelas nefastas na criança (Junqueira, 2002;
Rovinski, 2004; Trindade, 2007).
Para garantir a proteção da criança, sendo essa uma de suas necessidades, a revelação
ou confirmação do abuso também é considerada importante. Algumas técnicas têm sido
utilizadas no campo do Judiciário, especialmente no exterior, para minimizar danos à
população infantil. A literatura evidencia que as técnicas de entrevista forense apresentam
normalmente uma estrutura baseada na Avaliação de Validade do Relato (AVR). Originada na
Alemanha em 1954, continua sendo uma forma importante em todo o mundo para medir a
veracidade do relato da criança, embora não seja padronizada (Rovinski, 2004). Consiste em
uma entrevista estruturada para exploração do evento traumático, com o maior mero de
informações possíveis, transcrita em áudio para posterior análise do conteúdo do relato, através
da Alise de Conteúdo Baseada em Critério - ACBC (Juárez-López, 2004; Rogers & Brodie,
2004; Rovinski, 2004).
O ACBC é um protocolo com 19 critérios (entre eles: coerência e lógica da
declaração, informações prestadas de forma cronológica, verbalização espontânea, detalhes em
quantidade suficiente, lembrança de conversações etc.) que devem ser pontuados de zero a três,
conforme presença no relato. As essa etapa, faz-se necessário averiguar a validade da
43
entrevista de acordo com os critérios levantados na etapa anterior (Rovinski, 2004). Contudo,
Rogers e Brodie (2004) testaram esse protocolo e consideraram particularmente difícil avaliar a
veracidade do conteúdo através de um instrumento. Verificaram que, à medida que a criança
está familiarizada com um fato alegado, seu relato está propenso a ter um conteúdo que produz
um escore alto no instrumento, indicando que o evento ocorreu, tenha ele acontecido ou não.
Mesmo assim, outros pesquisadores do testemunho da criança no Sistema Judiciário
desenvolveram protocolos de entrevista a partir do AVR e ACBC (Juárez-López, 2004; Poole
& Lamb, 1998; Protocolo de Entrevista Forense, 2003; Yuille, Hunter, Joffe & Zaparniuk,
1993). Esses autores afirmam que buscam uma escuta de qualidade, ou seja, evitando
perguntas sugestivas ou diretivas durante o todo de interrogatório, dando maior
credibilidade aos processos jurídicos e para responsabilização do agressor. Buscam confirmar
com segurança a identificação do abuso e do perpetrador, dentro de um clima de cordialidade,
sensibilidade e imparcialidade, facilitado pela entrevista realizada em etapas, evitando deixar
alegações sujeitas a múltiplas interpretações e reduzindo a possibilidade de novos traumas para
a criança.
Essas técnicas foram desenvolvidas e aprimoradas pelos Operadores do Direito e por
profissionais da Área da Saúde em decorrência da preocupação com a exposição da criança que
precisa dar o seu testemunho em Juízo. Essas entrevistas ampliam a qualidade do conteúdo do
depoimento infantil, evitando novas versões de oitivas nesse contexto.
Tem sido sugerido que a entrevista com a criança seja sempre registrada
audiovisualmente por dois motivos principais: 1 - o entrevistador pode incrementar sua
precisão e competência sobre a evolução e o conteúdo da entrevista; 2 - a criança deixa de ser
exposta a novas entrevistas em caso de dúvidas, pois o documento gravado fica anexado ao
processo judicial (Daltoé-Cezar, 2007; Juárez-López, 2004; Rovinski, 2004). Já o Protocolo de
44
Entrevista Forense de Michigan (2003) propõe que a criança seja escutada por mais de um
profissional através da sala de espelhos.
Jrez-López (2004) aperfeiçoou o protocolo de investigação de Lamb, Sternberg,
Esplin, Orbach (2000). Esses autores desenvolveram no Centro Nacional de Saúde Infantil e
Desenvolvimento Humano (NICHD), um protocolo de investigação para vítimas de abuso
sexual com os mesmos princípios de averiguar a suspeita do abuso. Após aplicação prática em
entrevistas forenses durante mais de três anos, nos Juizados de Girona, na Espanha, Juárez-
López (2004) desenvolveu o Guia de Entrevista Assistida para Inquirição do Abuso Sexual
Infantil EASI-5. Uma entrevista semi-estruturada com um momento introdutório, de
avaliação das condões da criança para relatar fatos ocorridos, fazendo distinções sobre
mentira e verdade, fantasia e realidade, voltando-se a assuntos e eventos da vida escolar e
familiar. No desenvolvimento da entrevista o profissional da Saúde pode avaliar as áreas da
competência infantil (memória, personalidade, questões sociais, nível de conhecimento
corporal/sexual, dentre outras). Essa proposta é compartilhada também por Rovinski (2004) e
pelos autores do Protocolo de Entrevista Forense de Michigan (2003).
Daltoé-Cezar (2007), juntamente com um grupo de profissionais de distintas áreas do
conhecimento, tomaram como base os achados científicos de Dobke (2001) e de projetos
realizados no exterior para iniciarem na cidade de Porto Alegre - Brasil, em 2003, o Projeto
“Depoimento Sem Dano”. Essa proposta foi fundamentada por um estudo teórico-prático, que
investigou uma amostra de 101 processos e as respectivas inquirições realizadas pela
profissional da Área da Saúde, entre maio de 2003 e dezembro de 2005. Foi constatado que a
operacionalização dessa modalidade de escuta, assim como sua metodologia, que possui como
objetivo a materialização da prova com o menor sofrimento possível para a criança, são
positivos em relação ao ato processual de inquirição da vítima (depoimento) tradicional
45
proposto pelo Código de Processo Penal. Porém, o autor não descarta a possibilidade de
aperfeiçoamento em algumas questões metodológicas.
Nesse sentido, reforça-se a importância de adaptações no Sistema Judiciário para a
realização da escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar, levando em consideração
as necessidades da criança, decorrentes especialmente do seu grau de maturidade e do
sofrimento significativo proveniente do trauma experimentado.
A importância do trabalho interdisciplinar
A partir do exposto, percebe-se o quanto é complexo, difícil e peculiar escutar as
crianças no âmbito do Judiciário, conseguindo prote-las integralmente e ao mesmo tempo
respeitando-as em relação aos aspectos relativos a uma suposta experiência traumática
(Azevedo, 2001; Junqueira, 2002). Isto exige um trabalho de equipe efetivo, que vá além da
multidisciplinaridade. O atendimento da criança sexualmente abusada exige um trabalho
interdisciplinar, com capacitação profissional e preparação pessoal e emocional continuadas,
ampliando a compreensão dos casos e possibilitando intervenções adequadas (Aded et al.,
2006; Azevedo, 2001; Cesca, 2004; Deblinger, Lippmann, Stauffer & Finkel, 1994; Heiman &
Ettin, 2001; Junqueira, 2002; Koshima, 2003; M.P.R. Azambuja, 2005). Um empecilho para o
desenvolvimento da abordagem interdisciplinar é que, na prática, uma falha na
comunicação entre os serviços que compõem a rede de proteção, dificultando o trabalho
existente (Habigzang et al., 2006).
A formação pessoal e profissional para o trabalho com o abuso sexual intrafamiliar
também é fundamental (M.P.R. Azambuja, 2005). Alonso-Quecuty (1999) compreende que
cada pessoa possui teorias implícitas dentro de si, ou concepções a respeito de determinadas
46
situações. Assinala que o próprio indivíduo elabora sua teoria baseando-se na sua rede de
experiências, proporcionadas pelo grupo cultural no qual está inserido. Na compreensão e na
atitude frente às diferentes situações, as concepções individuais são acionadas a partir da
história vivenciada por cada pessoa. Sendo assim, compreende-se que profissionais da Área da
Saúde e Operadores do Direito possuem formações distintas que lhes fazem pensar, sentir e
atuar diferentemente ao escutar uma criança. Contudo, essa escuta operacionalizada por
distintas áreas do conhecimento deve ocorrer em sintonia, de forma articulada, em um contexto
no qual estejam claramente definidos e respeitados os limites de cada uma (Aded et al., 2006;
Brito et al., 2006; Habigzang et al., 2006; M.P.R. Azambuja, 2005; Pfeiffer & Salvagni, 2005;
Ramires & Rodrigues, 2004).
O profissional da Saúde é um parceiro importante na escuta da criança no contexto do
Judiciário. Esse profissional, durante todo o processo em que a criança estiver envolvida com a
Justiça, poderá avaliar suas condições, aliviar angústias e contribuir para não causar outras,
principalmente através de uma postura diferenciada (A.L. Ferreira, 2005; Benfica & Souza,
2002; Daltoé-Cezar, 2007; Junqueira, 2002; M.P.R. Azambuja, 2005; M.R.F. Azambuja,
2006). Na condição de perito, esse profissional possui a vantagem de dispor de um tempo
maior para formação de um vínculo de confiança com a criança e para respeitar o seu tempo,
sem correr o risco de pressio-la e/ou de rejeitar sua experiência traumática (Ramires, 2006).
Com formação adequada para isso, poderá fazer uma avaliação mais aprofundada, com
a possibilidade de compreender conteúdos latentes da dinâmica do caso, traduzindo para o Juiz
de Direito o que for do melhor interesse da criança, garantindo sua proteção integral
(Junqueira, 2002; M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006). Os subsídios oferecidos
por esse tipo de avaliação poderão ser um diferencial no momento em que o magistrado
47
necessita concluir o julgamento do caso, podendo chegar à responsabilização do agressor
sexual (Azevedo, 2001; Cesca, 2004).
É importante registrar que se for do interesse da criança, ou se houver necessidade ou
desejo de ela dar o seu depoimento em Juízo, o que é diferente da avaliação ou pecia na Área
da Saúde, ou ainda se o Juiz de Direito entender que seja imprescinvel a sua oitiva no espaço
do Judiciário, que essa possa ser realizada em Juizados especializados, com aperfeiçoamento e
distinção da inquirição da criaa vítima de abuso sexual (Brito et al., 2006; Dias, 2007). Pode-
se dizer que os procedimentos desenvolvidos na última década para a escuta da criança no
âmbito do Judiciário são visivelmente mais adequados ao universo infantil, apresentando um
acolhimento mais humanizado, se comparados às tradicionais audiências judiciais (Daltoé-
Cezar, 2007; Juárez-López, 2004; Lamb et al., 2000; Protocolo de Entrevista Forense, 2003).
Somente através de uma escuta sensível e empática alcança-se o conhecimento da
experiência da criança. Através de um trabalho interdisciplinar, torna-se possível não somente
a proteção dos direitos da criança, mas também a devida atenção ao seu estado subjetivo diante
da experiência traumática do abuso sexual intrafamiliar.
48
Seção III – O abuso sexual intrafamiliar na visão dos profissionais que atuam no âmbito
do Judiciário
O objetivo desse estudo foi analisar as concepções de escuta das crianças que
experimentaram o abuso sexual intrafamiliar de acordo com os profissionais da Área da Saúde
e Operadores do Direito que atuam no âmbito do Judiciário. Para discutir e compreender essas
concepções, é importante mencionar algumas peculiaridades da complexa dinâmica que
envolve o abuso sexual no cenário familiar.
Por abuso sexual intrafamiliar compreende-se um conjunto de atitudes que envolvem
poder, coação e/ou sedução e pode variar entre ações com ou sem contato sexual, perpetrado
geralmente pelo pai, padrasto, tio, primo, ou qualquer pessoa que possua um vínculo
significativo com a criança, sem necessariamente haver laço de consangüinidade (A.L.
Ferreira, 2005; Araújo, 2002; Barbosa, 2007; Dias, 2007; M.P.R Azambuja; Sanderson, 2005).
O agressor busca ou obtém uma gratificação e satisfação sexual com crianças ou adolescentes,
logo em processo de desenvolvimento, em atividades sexuais que não compreendem em sua
totalidade, para as quais não estão aptos a concordarem e que violam as regras sociais e
familiares de nossa cultura (Glaser, 1991).
Uma característica particular dessa forma de vioncia, também conhecida como
incesto, é a dependência afetiva e o laço de confiança existente entre vítima e abusador,
gerando sentimentos contraditórios e simulneos na criança em relação ao perpetrador do
abuso, e a cronificação da atitude incestogênica que se torna um segredo permanente no seio da
família (Dias, 2007; Dobke, 2001; Pfeiffer & Salvagni, 2005). O abuso sexual intrafamiliar
implica em uma desestruturação de toda a organização social e psíquica da família (A.L.
Ferreira, 2005; Araújo, 2002; Junqueira, 2002).
49
O empenho dos pesquisadores em estudar o assunto pode estar associado ao mero
significativamente grande de casos denunciados envolvendo crianças e pelas gravíssimas
conseqüências que repercutem sobre elas. Além de dificuldades no desenvolvimento, essa
forma de violência deixa vestígios, principalmente na saúde mental (Ghetti, Alexander, &
Goodman, 2002; Rouyer, 1997; Sanderson, 2005). Raramente o abuso sexual intrafamiliar
marca fisicamente o corpo de uma criança e, por esse motivo uma maior dificuldade em
decifrar ou avaliar os casos.
O que gera mais obstáculos para os profissionais na escuta da criança vítima de abuso é
que, além de ela apresentar um intenso sofrimento em virtude do impacto do abuso e do
trauma experimentado, a possibilidade da revelação ou quebra da síndrome do silêncio” é
sentida como mais um momento árduo, atravessado por muitos sentimentos e emoções de
cunho ambivalente (Ferreira & Schramm, 2000; M.R.F Azambuja, 2006). Porém, enquanto o
abuso sexual não for revelado ou descoberto, não há como proteger a criança de forma
integral, garantir-lhe saúde física e emocional, além de responsabilizar o agressor. Por outro
lado, quando o abuso é evidenciado, outros dilemas e conflitos terão que ser enfrentados,
dentro da falia e na sociedade (Azevedo, 2001; Junqueira, 2002; M.R.F Azambuja, 2006).
A ocorrência do abuso sexual intrafamiliar ou a suspeita dele, quando revelada,
geralmente desencadeia um processo judicial, seja de natureza de medida de proteção,
processo crime e/ou destituição do poder familiar. Operadores do Direito levam em
consideração a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA para
garantir a proteção integral das crianças e dos adolescentes, além de buscarem a justiça diante
dos fatos. A criança usualmente participa dos processos como única testemunha ocular e
vítima do delito sexual, muitas vezes, anos após o ocorrido, sendo ouvida pelos profissionais
da Área da Saúde e/ou pelos Operadores do Direito (Brito, Ayres, & Amendola, 2006; Daltoé-
50
Cezar, 2007; Dias, 2007; Dobke, 2001; Juárez-López, 2004; Koshima, 2003; M.R.F
Azambuja, 2006).
A escuta da criança no âmbito do Judiciário
A legislação garante direitos fundamentais aos cidadãos, e isso inclui as crianças, que
não podem ter sua experiência rejeitada (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001). O espaço do
Judiciário possui características singulares, uma vez que utiliza um conjunto de medidas que
visam à objetividade e a solução do problema, nem sempre indicados às crianças que estão em
pleno desenvolvimento (Colacique, 2006; Dobke, 2001; M.R.F Azambuja, 2006). Os autores
são praticamente unânimes em reconhecer a necessidade de cuidados especiais e
especificidades na oitiva da criança tima de abuso sexual intrafamiliar durante a aferição de
provas, muitas vezes através da solicitação de informações detalhadas, sendo essa uma das
demandas do Sistema Judiciário. Dependendo de como é realizado o atendimento da criança na
esfera do Judiciário, ele poderá causar traumas adicionais tão graves quanto os do abuso sexual
em si (Arjo, 2002; Azevedo, 2001; Dobke, 2001; Ghetti et al., 2002; M.R.F Azambuja,
2006; Ward, 2003).
Benfica e Souza (2002), M.H.M Ferreira (2007) e M.R.F Azambuja (2006) sugerem
que a criança traumatizada e em pleno sofrimento não precisa ser inquirida em Juízo, referindo
que não existe nenhum parágrafo no Princípio Constitucional brasileiro apontando que ela
necessite ser inquirida ou ouvida (artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre
os direitos da criaa e do adolescente). No mesmo sentido, Thèry (1992), citada por Brito et
al. (2006), considera que ao exercer o direito de testemunhar (responsabilidade cível e
capacidade jurídica), a criança perde o direito à infância, exercendo funções que são de
responsabilidades dos adultos. A autora sugere uma maior participação da família nos
51
processos, para zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Nesta mesma direção, vem
sendo postulado que quando a criança o deseja falar sobre o abuso, pode indicar um adulto
de sua confiança que possa relatar o fato ocorrido (A.L Ferreira, 2005; Barbosa, 2007; Brito et
al., 2006; De San Lazaro, 1995).
Pesquisas sobre as formas de atendimento e necessidades da criança que sofreu abuso
sexual propõem que ela deve ser acolhida em ambiente seguro e adequado, por um profissional
capacitado para compreender e atender suas demandas que são de um ser em desenvolvimento,
com imaturidade emocional e cognitiva, abalada pela experiência do abuso (Azevedo, 2001;
Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Junqueira, 2002; M.R.F Azambuja, 2006). O profissional
deve levar em consideração a tensão psíquica resultante do abuso e promover intervenções que
possibilitem uma elaboração do impacto causado no estado emocional da criança (Azevedo,
2001; Ramires & Froner, 2008).
Para garantir o melhor interesse da criaa, a literatura propõe que durante sua escuta a
forma de ela se expressar e até mesmo seu silêncio devam ser compreendidos e respeitados
incondicionalmente (Barbosa, 2007; Heiman & Ettin, 2001; Pfeiffer & Salvagni, 2005). A
confiança nos adultos, perdida em virtude da dinâmica do abuso e suas particularidades, deve
ser resgatada pelo profissional através de um vínculo seguro (Azevedo, 2001; Crivillé, 1997;
Dobke, 2001; Goodman, Bottoms, Rudy, Davies,& Schwartz-Kenney, 2001; Jrez-López,
2004; Junqueira, 2002; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Protocolo de Entrevista Forense, 2003). É
recomendado deixar a criança falar livremente ou utilizar perguntas abertas, com linguagem
acessível, possibilitando respostas com maior e melhor conteúdo (Dobke, 2001; Goodman et
al., 2001; Juárez-López, 2004; Protocolo de Entrevista Forense, 2003). Jogos, brinquedos de
forma geral, desenhos e instrumentos projetivos são destacados pelos autores para superar as
52
habilidades verbais limitadas das crianças, assim como para auxiliar na avaliação e diagnóstico
(Jrez-López, 2004; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Ramires & Froner, 2008).
Considerando as demandas do Judiciário e as necessidades da criança, muitos países
criaram uma lei especial que prioriza o atendimento da criança vítima de abuso sexual com
maior proteção durante a constituição da prova, evitando, por exemplo, a inquirição direta da
criança pelo Juiz de Direito e pelas Partes (Daltoé-Cezar, 2007; Juárez-López, 2004; Yiming &
Fung, 2003). No Brasil não nada diferente dos padrões tradicionais, em forma de lei, que
considere as condições especiais da criança - idade, maturidade e sofrimento emocional
proveniente da agressão sofrida (Benfica & Souza, 2002; Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001;
M.R.F. Azambuja, 2006). um Projeto de Lei para que o depoimento da criança seja colhido
no formato do chamado “Depoimento sem Dano” (Daltoé-Cezar, 2007). Nessa abordagem, o
profissional da Área da Saúde utiliza pontos no ouvido e traduz ou decodifica para a criança,
em sala diferenciada, o que o Juiz e as Partes (advogados) querem saber. Autoridades Judiciais
e as Partes ficam na sala tradicional de audiências, assistindo pela televisão (vídeo) à inquirição
da criança (Daltoé-Cezar, 2007).
Assim como ocorre no Projeto desenvolvido no Rio Grande do Sul Brasil, alguns
autores consideram importante que a entrevista seja sempre registrada audiovisualmente.
Desta forma, o conteúdo gravado em CD, servirá de subsídio na análise do profissional que
avalia a situação, auxiliando na prova do processo judicial, além de evitar exposição da criança
na exigência de novas entrevistas ou depoimentos (Daltoé-Cezar, 2007; Juárez-López, 2004).
Na condão de perito-avaliador, diferente da oitiva em depoimento, o profissional da
Área da Saúde, que pode ser o dico, especialmente o Pediatra e/ou o Psiquiatra, o Assistente
Social, o Psicólogo possui a vantagem de dispor de um tempo maior para formação de um
vínculo de confiança com a criança e para respeitar o seu tempo, sem correr o risco de
53
pressioná-la e/ou de rejeitar sua experiência traumática (M.R.F. Azambuja, 2006; Ramires,
2006). Com formação adequada para isso, poderá fazer uma avaliação mais aprofundada, com
a possibilidade de compreender conteúdos latentes da dinâmica do caso, traduzindo para o Juiz
de Direito o que for do melhor interesse da criança, garantindo sua proteção integral
(Junqueira, 2002; M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006). Os subsídios oferecidos
por esse tipo de avaliação poderão ser um diferencial no momento em que o magistrado
necessita concluir o julgamento do caso, podendo chegar à responsabilização do agressor
sexual (Azevedo, 2001; Cesca, 2004; Rovinski, 2004).
Sendo assim, compreende-se que profissionais da Área da Saúde e Operadores do
Direito, com suas formações distintas que lhes fazem pensar, sentir e atuar diferentemente ao
escutar uma criança, atuando em conjunto podem favorecer um olhar interdisciplinar sobre a
criança e suas necessidades (Alonso-Quecuty, 1999). Essa escuta operacionalizada por
distintas áreas do conhecimento deve ocorrer em sintonia, de forma articulada, em um contexto
no qual estejam claramente definidos e respeitados os limites de cada uma (Aded et al., 2006;
Brito et al., 2006; Habigzang et al., 2006; M.P.R. Azambuja, 2005; Pfeiffer & Salvagni, 2005;
Ramires & Rodrigues, 2004).
De qualquer forma, destaca-se o quanto é complexo e peculiar escutar as criaas no
âmbito do Judiciário, conseguindo protegê-las integralmente e ao mesmo tempo respeitando-
as em relação às conseqüências de uma suposta experiência traumática. Somente através de
uma escuta sensível e empática alcança-se o conhecimento da experiência da criança. Através
de um trabalho interdisciplinar, torna-se possível o somente a proteção dos seus direitos,
mas também a devida atenção ao seu estado subjetivo diante da experiência traumática do
abuso sexual intrafamiliar.
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Método
Foi realizado um estudo descritivo, transversal, pautado pela abordagem qualitativa de
pesquisa, com o objetivo de analisar as concepções de escuta da criança vítima de abuso
sexual, no contexto do Judiciário. Os participantes foram profissionais da área da Saúde
(psicólogos, assistentes sociais e médico) e Operadores do Direito (juízes, promotores,
delegado de polícia e advogado) que atuam no âmbito do Sistema Judiciário, ou a serviço dele,
no atendimento de crianças timas de abuso sexual, especialmente intrafamiliar. Todos os 15
participantes são brasileiros e estão regularmente matriculados em seus Órgãos de Classe ou
Conselhos. Foi estabelecido como critério de inclusão que deveriam ter pelo menos 5 (cinco)
anos no exercício de suas funções profissionais e ter realizado no mínimo 10 (dez) vezes a
escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar, atuando no campo dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Os participantes foram acessados por conveniência e contatados em
cinco cidades do Estado do Rio Grande do Sul.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
Para a coleta dos dados, foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada, de forma
individual. As entrevistas foram realizadas no contexto do Fórum, dos consultórios médico ou
psicológico, ou escritório do advogado. Essas entrevistas foram gravadas e posteriormente
transcritas, sob autorização. Cada entrevista esteve baseada em questões norteadoras que
buscaram identificar as concepções de escuta dos profissionais, no trabalho com crianças que
sofreram abuso sexual. As questões norteadoras encontram-se no anexo C dessa dissertação.
As entrevistas foram analisadas com base notodo de Análise de Conteúdo (Minayo,
1998). Foram estabelecidas categorias analíticas, com base na revisão bibliográfica, visando a
55
identificar: “a prática dos profissionais no que diz respeito à escuta de crianças vítimas de
abuso sexual, suas “concepções dessa escuta”, as dificuldades da escuta de crianças vítimas
de abuso sexual e o “papel do trabalho interdisciplinar” nessa escuta. Com base nas
categorias analíticas, chegou-se às categorias empíricas, organizando-se o material obtido
através de etapas sucessivas. Para complementar os dados obtidos nas entrevistas, e para
identificar os possíveis entrevistados, foi utilizada uma Ficha Informativa sobre a experiência
do profissional entrevistado.
O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
universidade a qual se vincula a pesquisadora. Os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (anexo B).
Participantes
Participaram desse estudo um médico-pediatra; dois assistentes sociais; seis
psicólogos; três promotores da infância e juventude; um juíz da infância e juventude; um
delegado de polícia e um advogado. Desses, onze participantes são do sexo feminino e quatro
são do masculino. Cinco deles possuem entre 31 e 39 anos de idade; oito entre 40 e 49 anos e
dois com 50 anos ou mais. Em relação à sua formação, sete participantes possuem mais de 20
anos de formação no Ensino Superior e apenas dois deles, menos de 10 anos, sendo que dos 15
participantes, somente um não possui o título de Especialista em alguma área. Seis
participantes fizeram ou estão concluindo Mestrado e um deles concluiu o Doutorado.
Todos possuem uma experiência importante com casos de abuso sexual infantil intrafamiliar
(a maioria possui mais de 10 anos de experiência), tendo atendido entre dezenas e centenas de
casos durante esse período.
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Resultados e discussão
A análise das entrevistas realizadas com esses profissionais, partiu das categorias
analíticas definidas à priori, e levou em consideração a formação, a experiência e o contexto
dos profissionais. As falas foram sendo recortadas em unidades de registro e agrupadas em
categorias intermediárias, de acordo com o referencial teórico, gerando finalmente, as
categorias empíricas finais. Essas categorias são apresentadas na tabela abaixo:
57
Tabela 4 – Categorias intermediárias e finais
Categorias Intermediárias (Saúde) Categorias Intermediárias (Direito)
Categorias Finais
(Saúde e Direito)
-
Peculiaridades e características do
Abuso Sexual Intrafamiliar
- Importância de abrir a escuta para
familiares e terceiros
-
Peculiaridades e características do
Abuso Sexual Intrafamiliar
- Importância de abrir a escuta para
familiares e terceiros
Dinâmica própria do Abuso
Sexual Intrafamiliar
-
Despreparo dos profissionais
- Necessidade de preparo e
capacitação profissional e emocional
- Necessidade de postura profissional
adequada
-
Despreparo dos profissionais
- Necessidade de preparo e capacitação
profissional e emocional
- Necessidade de postura profissional
adequada
Preparo e capacitação do
profissional
- Importância do vínculo de confiança
- Proteção da criança
- Ambiente adequado
- Escuta mobiliza sentimentos e
emoções na criança
- Especificidades na escuta de pré-
escolares
- Necessidade de situar a criança
- Respeitar o ritmo da criança
- Importância do vínculo de confiança
- Proteção da criança
- Ambiente adequado
- Escuta mobiliza sentimentos e
emoções na criança
- Especificidades na escuta de pré-
escolares
- Direito da criança em ser escutada
Necessidades da criança
-
Escuta = constituir provas e atribuir
culpa
- Falta de agilidade nos Processos
Judiciais
- Exigências do Rito Jurídico e da
Perícia cnica
- Limites da confiabilidade
- Limitação do tempo
-
Escuta = constituir provas e atribuir
culpa
- Falta de agilidade nos Processos
Judiciais
- Exigências do Rito Jurídico
Demandas do Judiciário
-
Necessidade de conhecimentos dos
distintos campos
-Dificuldades da interdisciplinaridade
-Necessidade de melhores
metodologias de escuta
-
Necessidade de conhecimentos dos
distintos campos
-Dificuldades de interdisciplinaridade
-Necessidade de melhores metodologias
de escuta
Importância do trabalho
interdisciplinar
A seguir, discute-se cada uma das categorias finais:
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Dinâmica própria do abuso sexual intrafamiliar
De acordo com as concepções dos entrevistados, a dinâmica do abuso sexual
intrafamiliar possui peculiaridades e características específicas, diferentes de outras formas de
violência contra a criança e o adolescente. O abuso sexual intrafamiliar acaba sendo mais
complexo e de difícil acesso aos profissionais, de acordo com os participantes, porque
apresenta muitas variáveis emocionais, sociais e legais associadas. Geralmente, o abuso não
deixa marcas visíveis aos olhos, porém deixa seqüelas para o desenvolvimento da criança e
gera uma desorganização psicosocial em toda a família. Tanto os profissionais da Área da
Saúde quanto os Operadores do Direito consideram que o vínculo existente entre o abusador e
a criança forma um pacto de silêncio e segredo, tornando essa experiência uma forma natural
de relacionamento durante muitos anos, até que a vítima, na maioria das vezes na adolescência
ou vida adulta consegue perceber que essas atitudes não foram positivas para ela. A hipótese
de que o ambiente familiar protege os seus membros mais vulneráveis é falha nesses casos e é
justamente a dependência afetiva e o laço de confiança que mascaram o abuso, gerando
sentimentos confusos e ambivalentes.
Diferentemente de outras formas de violência, o abuso intrafamiliar, muitas vezes,
fixa a criança em uma posição de passividade. Am disso, torna-se de certa forma responsável
pela manutenção dos vínculos, mesmo que esses vínculos não sejam os mais adequados e
necessários ao seu desenvolvimento. Para os profissionais, a criança também é
responsabilizada quando, ao relatar o abuso sexual, faz a quebra do contrato informal que
mantém a família em suas funções, desde as estruturais, econômicas e tamm dos papéis de
cada um, por isso a dificuldade da quebra do segredo.
“eu acho que a situação é mais dicil quando a suspeita é intrafamiliar porque existe
uma relação de afeto muito forte entre abusado e abusador, o segredo é um pacto de silêncio
59
travado entre duas pessoas que se amam, então é muito mais difícil realmente esse tipo de
referência por parte da criança” (Médico-Pediatra).
“por fim, ao sair da audiência, a menina se abraçou no pai e começou a chorar e tudo
aquilo me fez refletir e questionar que algo existia, como que essa vítima abusada né, pelo pai
há tantos anos, estava demonstrando afeto com ele, estava tentando se retratar para se
proteger, e protegê-lo enfim tudo isso” (Promotora de Justiça).
“o abuso intrafamiliar acaba sendo mais traumático para a criança porque tem
variáveis emocionais associadas, vinculação afetiva associada, geralmente o abusador é
alguém que é o pai ou a mãe, ou alguém muito próximo da família (...) então na cabeça da
criança uma confusão muito grande (...) o que torna o abuso intrafamiliar (...) mais difícil
de ser abordado e que vai mexer com o sistema familiar também” (Psicólogo).
“quando é intrafamiliar a criança nunca acha que o abuso sexual é um ato agressivo,
se vier do pai ela acha extremamente normal e o abusador sempre tenta dizer que aquele ato
é de carinho, um ato de amor (Advogada).
Contudo, igualmente mobilizada está sua família, que necessita acionar suas defesas,
muitas vezes evitando enxergar o abuso como um problema, para lidar com todas as
conflitivas envolvidas no fenômeno. Torna-se importante tranqüilizar o familiar protetor,
orientá-lo para possuir uma vigilância maior e auxiliá-lo na construção de uma rede de apoio.
Nesse sentido, principalmente os profissionais da Área da Saúde, mas também os especialistas
da Área Jurídica consideram fundamental estender a escuta e assistência a familiares e
terceiros. Para tanto, quem possua um vínculo afetivo adequado com a criança é que pode
fomentar a possibilidade de haver proteção, rompendo com a dinâmica patológica do abuso
sexual e organizando a escuta e a quebra do segredo pela criança, referem os entrevistados.
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“nós evitamos ao máximo possível a oitiva, especialmente de crianças, buscando
nesses casos, informações de terceiros, se existentes, não se repete a escuta” (Promotor de
Justiça da Infância e Juventude).
“a gente precisa identificar um outro familiar , mas principalmente a identificação
de uma pessoa de confiança da criança, isso é o mais importante” (Assistente Social).
Em relação à escuta de familiares e terceiros, alguns autores sugerem que para evitar
uma maior exposição da criança, e não causar traumas adicionais a ela, os adultos próximos à
criança, ou envolvidos na situação abusiva, como o próprio abusador, podem ser escutados
para a constituição de provas em depoimentos ou na participação de perícias técnicas e para
reconstruírem a proteção da criança (A.L Ferreira, 2005; Barbosa, 2007; Brito et al., 2006; De
San Lazaro, 1995; M.H.K. Ferreira, 2007; M.R.F. Azambuja, 2006). A literatura também
aponta a importância de escutar os familiares da criança para receberem assistência adequada e
orientações para lidarem com as demandas seqüenciais da revelação do abuso e poderem
proteger a criança (Pfeiffer & Salvagni, 2005; M.P.R Azambuja, 2006).
Essa categoria encontra-se em sintonia com a literatura, que indica, nos casos de abuso
sexual intrafamiliar, implicações e conseqüências importantes não apenas para a criança, mas
para toda a família (Aded et al., 2006; Araújo, 2002; A.L Ferreira, 2005; Azevedo, 2001; Dias,
2007; Junqueira, 2002; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Ribeiro, Ferriani & Reis, 2004; M.P.R
Azambuja, 2005; M.R.F Azambuja, 2004, 2006; Sanderson, 2005).
Preparo e capacitação do profissional
De acordo com os Operadores do Direito e os profissionais da Área da Saúde, há
dificuldade, limitações e falta de preparo para realizar o atendimento da criança vítima de
abuso sexual intrafamiliar. De acordo com as falas dos participantes, esse atendimento
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necessita muito mais, além da formação universitária de base de cada profissional. Somente o
treino intelectual para o Operador do Direito ou para o profissional da Área da Saúde não é
suficiente para atender eficazmente uma criança em sofrimento e que precisa revelar o abuso.
De forma geral, todos os entrevistados não se sentem suficientemente preparados para realizar
a escuta da criança e atender as demandas e necessidades peculiares provenientes do evidente
trauma sofrido por ela.
“para muitas crianças o melhor teria sido nunca contar o segredo, porque os
profissionais, a sociedade não estão preparados, não foram capaz de atendê-los quando elas
procuraram auxílio” (Delegada de Polícia).
“é uma escuta difícil, mobiliza a gente, não estamos preparados o suficiente para essa
escuta” (Psicóloga).
De acordo com a grande maioria dos participantes, de ambas as categorias
profissionais, os Operadores do Direito não possuem formação, preparação técnica e
emocional, além de postura profissional necessária para realizar a escuta da criança abusada
sexualmente. Referem os participantes, incluindo os próprios Operadores do Direito, que esses
profissionais não m condições para lidar especialmente com os sentimentos contraditórios
apresentados pela criança durante a oitiva. Mencionam, porém, que eles têm buscado
conhecimentos teórico-práticos para conseguir compreender melhor a dinâmica do abuso
sexual intrafamiliar e, quando necessário, intervir.
“nesta questão do abuso intrafamiliar existem dinâmicas que nós da área do Direito
não compreendíamos, não sabíamos” (Promotora de Justiça).
“atendimento por pessoas que não têm a sensibilidade adequada prá perceber o
quanto aquela criança está sofrendo e muitas vezes não conseguem por angustia própria, por
62
falta de treinamento ou por dificuldades pessoais, não conseguem fazer a criança se sentir
protegida ou acolhida” (Médico-Pediatra).
“Toda a criança vítima de abuso sexual, primeiro lugar ela precisa ter uma escuta, eu
que sou advogada, eu não teria o procedimento correto para fazer essa escuta (Advogada).
“submeter a criança a pessoas não bem treinadas em técnicas de entrevistas e
investigativas, tu estás ajudando a fixar questões traumáticas” (Psicólogo).
“precisa estar muito bem preparado para não rejeitar a experncia da criança né, se
não houver esse preparo emocional, ninguém vai ouvir bem a criança” (Promotora de
Justiça).
A capacitação continuada do profissional, assim como seu preparo emocional,
permitem uma melhor compreensão de seus limites pessoais e profissionais, assim como,
favorece uma escuta adequada da criança com seus processos psíquicos alterados em função
do trauma do abuso, fornecendo ao profissional a possibilidade de transitar com maior
seguraa pelos conflitos e dificuldades de cada criança e seus familiares.
A literatura aponta que a escuta da criança abusada sexualmente no cenário familiar
exige preparação emocional e capacitação continuada do profissional que trabalha na defesa
da sua proteção, do seu bem-estar físico e emocional, e dos seus direitos (Arjo, 2002;
Azevedo, 2001; Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Habigzang et al., 2006; Junqueira, 2002;
M.P.R. Azambuja, 2005; M.R.F Azambuja, 2004, 2006). Autores como Daltoé-Cezar (2007),
Morales e Schramm (2002), Lamb et al. (2003) afirmam que os Operadores do Direito não
têm preparo suficiente para aderir às recomendações em relação à melhor escuta da criança
sexualmente abusada e dar conta de suas necessidades. Portanto, de acordo com a categoria
estabelecida, há a necessidade de capacitação e o preparo do profissional para se fazer a escuta
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e garantir a proteção da criança vitimizada pela violência intrafamiliar e conduzir todo o
trâmite do abuso sofrido de maneira a que traga menos prejuízo à sua vida.
Necessidades da criança
Pode se afirmar que, para os profissionais entrevistados, uma compreensão de que a
criança precisa ser escutada prioritariamente, porém, sua escuta não pode ser igualada a dos
adultos, especialmente no âmbito do Judicário. Seu nível de desenvolvimento emocional e
cognitivo devem ser levados em consideração para que sejam evitadas novas formas de
sofrimento no transcorrer do atendimento e a partir dele. Todos os participantes da pesquisa se
posicionaram dessa forma, referindo a necessidade de cuidados que possibilitem menor
angústia e condições que facilitem a expressão esponnea da criança.
Os especialistas em saúde, de forma geral, mostraram-se mais mobilizados com a
experiência vivenciada pela criança e com o seu sofrimento. Esses profissionais apontam que a
criança é respeitada e protegida integralmente quando sua escuta se através de perícias ou
avaliações no contexto do Judiciário. O psicólogo, o médico ou o assistente social capacitado e
preparado para realizar esse atendimento, quando realiza a escuta com zelo e postura sensível
e acolhedora, de acordo com o nível de desenvolvimento, respeitando o ritmo da criança
garante proteção a ela. os profissionais do Direito consideram a escuta especializada do
profissional da Saúde facilitadora da fala infantil no depoimento ou inquirição dentro do
Sistema Judiciário e dessa forma, afirmam assegurar a proteção à criança, com a
responsabilização e o afastamento do agressor.
“procuro respeitar o tempo da criança e a condição dela de se expressar ”(Psicóloga).
64
eu digo que talvez uma avaliação pudesse ser melhor do que a escuta em forma de
depoimento. Porque realmente em uma situação mais formal, a criança vai ter mais
dificuldade” (Médico-Pediatra).
“tem esse aspecto de proteção, de suspender a ão agressiva e de também buscar
acompanhamento terapêutico, e a segunda característica é de prova, é de produzir uma prova
de suspeita, nima... inicial, que permita o desencadeamento dessa proteção” (Promotor de
Justiça da Infância e Juventude).
A importância de um ambiente adequado, seguro e lúdico, de acordo com as
características infantis, foi igualmente lembrado pelos profissionais de ambas as áreas do
conhecimento. A utilização de material gráfico e brinquedo livre é uma vertente orientadora
para que a criança consiga se comunicar e expressar o que considera essencial, especialmente
na escuta das crianças pré-escolares. Porém, principalmente os profissionais do Direito
sugeriram evitar a escuta da criança que ainda o possua o “dom da palavra” no âmbito do
Judiciário, em função das demandas que provêm dele. Os dois grupos de profissionais (Saúde
e Direito) mencionaram que essa intervenção, de qualquer forma, mobiliza sentimentos e
emoções, como a vergonha, o medo e o sentimento de culpa. Sentimentos esses que devem ser
contidos e acolhidos pelos técnicos que realizam o atendimento no âmbito do Judiciário.
“nesses casos especificamente, a gente procura criar um ambiente o mais receptível
possível” (Promotor de Justiça da Infância e Juventude).
“Então assim, a dificuldade que eu vejo é na abordagem com criança pequena, e
criança pequena que eu digo é desde que começa a falar, de 3, 4 aninhos até 5, 6. Porque de 6
prá frente a gente já consegue ter assim, um relato com começo meio e fim” (Assistente
Social).
65
a gente que de 6 anos para baixo, a criança não no colégio, não tem uma
organização, então a palavra para ela é uma coisa complicada(Juiz de Direito da Infância e
Juventude).
e as lágrimas dele lentas, silenciosas eram grossas e caiam na jaqueta tactel que ele
usava. As lágrimas caiam e eu fiquei pensando... que vergonha que ele tem, e que dor assim
sabe?” (Assistente Social).
Essas concepções expressadas pelos profissionais recebem amparo da literatura
científica. Em relação ao ambiente, os autores referem que ele deve ser seguro, tranqüilo e
acolhedor da dor e sentimentos despertados na criança, com disposição de material lúdico para
a expressão da sua experiência (Daltoé-Cezar, 2007; Juárez-López, 2004; Junqueira, 2002;
Pfeiffer & Salvagi, 2005; Protocolo de Entrevista Forense, 2003). A limitação verbal das
crianças menores pode ser sanada através desse material correspondente ao universo infantil.
Todavia, devido ao nível cognitivo e emocional em que se encontram, as crianças podem
apresentar menor compreensão dos fatos e maior facilidade de serem sugestionadas (Dobke,
2001; Goodman et al, 2001; Juárez-López, 2004; Pfeiffer & Salvagni, 2005).
A criança que sofreu abuso sexual traz consigo, por suas condições vivenciais, a
vulnerabilidade em relação ao estabelecimento do vínculo de confiança com o adulto. Por isso,
o profissional tem papel fundamental no manejo da reconstrução das condições para essa
escuta.
“o que é mais importante é esse estabelecimento do vínculo de confiança com a
criança, porque deve ser algo muito horrível, chegar na frente de uma pessoa que nunca se
viu, que nunca se falou antes, e ter que relatar logo uma experiência abusiva que é dolorosa
pra criança” (Promotora de Justiça).
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“mas a gente vai trabalhando, vai estabelecendo a questão da confiança, vai
explicando que está ali para ajudar, então aos poucos, através de desenhos, jogos,
brinquedos, a gente percebe as situações que ela vai representando ...através disso a gente vai
conversando até que daqui a pouco saia” (Psiloga).
transmitir confiança nisso, eu acho o vínculo fundamental!”(Promotor de Justiça da
Infância e Juventude).
O vínculo de confiança foi reforçado no atendimento da criança vítima de abuso sexual
como sendo fundamental na relação de quem revela e quem escuta, pela grande maioria dos
autores estudados (A.L Ferreira, 2005; Azevedo, 2001; Dobke, 2001; Junqueira, 2002;
M.H.M. Ferreira, 2007; M.R.F Azambuja, 2006). Também foi salientado pelos profissionais
da Saúde a importância de situar a criança diante dos procedimentos pelos quais ela irá passar
no âmbito do Judiciário, o que está diretamente ligado com a confiança que a criança está
tentando desenvolver em relação ao profissional. Os profissionais têm o dever de explicar para
a criança qual a sua função nessa escuta.
“essa escuta eu início por ter uma compreensão de até que ponto para criança
claro o que ela veio fazer, o que acontecendo, . Isso é seguido assim, então de uma
explicação de qual é o meu papel, quem eu sou, por que a criança tá ali” (Psicóloga).
Situar a criança sobre os procedimentos, os quais ela precisa enfrentar é apontado tanto
por Azevedo (2001) como por Junqueira (2002), como uma atitude importante do profissional
que realiza alguma forma de atendimento no âmbito do Judiciário. Profissionais da Saúde
revelam que a criança apresenta a necessidade de um cunho terapêutico que forneça
sustentação psíquica e afetiva na revelação ou quebra do segredo (A.L. Ferreira, 2005;
Azevedo, 2001; Junqueira, 2002; M.R.F Azambuja, 2006; Pfeiffer & Salvagni, 2005).
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Para os profissionais da Área da Saúde, a escuta da criança ganha dimensão terapêutica
e leva em conta o universo infantil com suas peculiaridades, limitações e angústias. os
Operadores do Direito acreditam que oferecendo espaço no âmbito do Judiciário não se rejeita
a experiência da criança enquanto sujeito de direitos, além de identificar a autoria do abuso e a
responsabilização do mesmo (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; Jrez-López, 2004). Porém,
a capacidade ou incapacidade de representação infantil através da verbalização, do brincar, do
silêncio ou de outras formas de expressão, se anulam ou são irrelevantes diante do objetivo de
averiguar provas e evidências claras do abuso sexual (Azevedo, 2001; Benfica & Souza, 2002;
Junqueira, 2002; M.H.M Ferreira, 2007; M.P.R. Azambuja, 2006).
Demandas do Judiciário
Tanto entre os profissionais da Saúde, como para os do Direito essa categoria
empírica ficou evidenciada. Porém, foi construída de forma distinta entre os participantes dos
diferentes grupos. As demandas do Judiciário aparecem tanto nas audiências judiciais e
inquéritos policiais, como na perícia realizada pelo profissional da Saúde.
Foi reconhecido por todos os entrevistados que algumas necessidades da criança
entram em contradição com as demandas que são da ordem do Judiciário. Apesar de os
profissionais estarem buscando um melhor preparo para evitar sofrimentos secundários à
criança, durante esses procedimentos, o Rito Jurídico e o processo da maneira que ocorre em
geral, pode ser massacrante para a criança em desenvolvimento. Nessa categoria, os
profissionais da Área da Saúde entrevistados destacaram que as demandas do Judiciário
interferem, muitas vezes, no trabalho efetivo de busca de proteção da criança.
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Esses profissionais salientaram a exigência de indícios fortes de autoria, na Polícia
Cível, para dar continuidade ao Processo nas duas Instâncias: promover ações de proteção em
favor da criança na Vara da Infância e Juventude e efetivar-se a prova material na área do
Crime para atribuir a culpa. Neste caso, a escuta é constituinte de prova e atribuitiva de culpa.
Tamm na área da Saúde existe essa atribuição, porém, esse entendimento fica subordinado
às necessidades da criança, como sua proteção integral, na concepção desse grupo
profissional.
“eu peguei processos em que a criança simplesmente não falou nada. Prá s do
direito, não falar significa uma não prova, o serviu de prova(Promotor de Justiça da
Infância e Juventude).
“Se tu o chega na condenação do réu através da avaliação, então essa criança
precisa ser ouvida em audiência (Psiloga).
Para constituir a prova judicial os Operadores do Direito, e os profissionais da Área da
Saúde precisam se adequar a alguns Ritos Jurídicos, tanto na inquirição da criança como em
sua avaliação técnica (perícia). Os profissionais que se disponibilizam para esse trabalho no
âmbito do Judiciário, reconhecem o importante papel desse Sistema para a criança e a
sociedade em geral, porém questionam-se em relação à sua rigidez.
“é importante que fale, que verbalize em função disso , por isso eu te digo, algumas
vezes eu fico convencida, por outras questões como pela brincadeira, por algumas coisas que
a criança diz que não seja diretamente, (...) mas não serve muito para uma questão de ajudar
depois os órgãos responsáveis a dar algum encaminhamento né” (Psiloga).
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A polícia civil tem que formalizar uma prova , então a nossa sorte é quando a
criança vem e consegue tranqüilamente verbalizar isso para a nossa policial” (Delegada de
Polícia).
No âmbito do Judiciário, a escuta recebe certa adaptação em relação às técnicas
utilizadas pelos profissionais da Área da Saúde no atendimento clínico de crianças, em virtude
das demandas e exigências desse Sistema. Limites da confiabilidade e limitação do tempo são
exemplos das modificações necessárias de acordo com as falas dos especialistas em Saúde. A
limitação do tempo é uma constatação, por sentirem-se muitas vezes pressionados a realizar
uma escuta que não respeita a criança integralmente de acordo com suas necessidades. Por
outro lado, os processos judiciais são lentos, aumentando o tempo de ansiedade e preocupação
da criança.
“tem que escutar essa criança com toda essa carga que ela vem tá, e de alguma forma
dar solução prá ela, se isso não é possível durante o depoimento, se faz no final, quando faz o
encerramento, e aí se chama um adulto e aí se trabalha essas questões dentro de um limite (de
tempo) que eu não posso porque não é o objetivo de uma avaliação” (Psicóloga).
Os profissionais da Área da Saúde salientaram que o seu papel não é de investigador
policial ou de inquiridor, porém essa escuta supõe o objetivo de fornecer informações
importantes ao Juiz de Direito, o qual julgará o caso. Combinar com a criaa que aquilo que
for importante para sua proteção será comunicado aos Órgãos de Proteção da Criança e do
Adolescente foi mencionado pelos profissionais da Área da Saúde.
“tem que assim, explicar para ela que o que ela conversando comigo vai sim poder
ser utilizado pra além dessa conversa entre s né” (Psicóloga).
Outro problema percebido, não somente pelos profissionais da Área da Saúde mas
também pelos Operadores do Direito, é a falta de agilidade nos processos judiciais. Os
70
processos judiciais, via de regra, costumam se estender por vários anos. As testemunhas e/ou
os envolvidos, são chamados várias vezes para realizarem seu depoimento. Para a criaa que
sofreu abuso sexual isso pode ser penoso, prejudicial e até mesmo tornar-se sem sentido, dado
o tempo decorrido.
“ele está solto e a coisa está rolando ainda, ele não teve um julgamento final ainda,
né. O Juiz tem dúvidas se ocorreu mesmo o abuso” (Psicóloga).
“aí é um problema de investigação, esse fato levou 3 anos até chegar no Ministério
Público” (Promotor de Justiça da Infância e Juventude).
De acordo com a literatura revisada, em diferentes momentos e contextos, as crianças
são chamadas para repetir sua versão, que geralmente é confrontada com a versão do agressor
que, por vezes, é ouvido ou questionado na presença da criança, repassando a responsabilidade
total à vítima, gerando uma exposição dela ou uma não-proteção (Brito et al., 2006; Daltoé-
Cezar, 2007; Dobke, 2001). Conforme Sanderson (2005), a criança sente-se culpada
inadequadamente, o que gera riscos para seu desenvolvimento e para a validade do seu
testemunho pois, dependendo de como a inquirição da criança é realizada, ela pode retirar a
acusação da violência sofrida (Daltoé-Cezar, 2007; Dobke, 2001; M.R.F Azambuja, 2006). De
acordo com a Legislação brasileira atual, se a criança não verbalizar o abuso ou se contradizer
em suas palavras e manifestações, o abuso não é considerado real e a experiência da criança
rejeitada.
Importância do trabalho interdisciplinar
Os entrevistados consideram que não basta um profissional capacitado e treinado para
atender a criança vítima de abuso sexual. A interdisciplinaridade possibilita, uma maior
complexidade da interação e da intervenção necessária nesse tipo de violência contra crianças
71
e adolescentes. É tão fundamental quanto qualquer trabalho realizado em separado com esses
sujeitos, dentro de cada campo de atuação. Talvez um grande campo de análise seja
justamente o trabalho realizado em rede, que, com diferentes conhecimentos e em distintos
âmbitos de intervenção, os profissionais envolvidos na complexa trama do abuso intrafamiliar
podem usufruir dos benefícios da socialização de informações e de tantos outros. Na
concepção de escuta de todos os profissionais, de ambos os grupos, faz-se fundamental um
trabalho interdisciplinar e interinstitucional.
“quando eu falei em rede de profissionais, que são pessoas que eventualmente possam
estar trabalhando juntos, até porque são pessoas que podem ter um olhar diferente, (...) se a
gente tiver outras pessoas com qualificação e com um olhar diferente pode estar realmente
ajudando a esclarecer um quebra-cabeça que às vezes é impossível de resolver sozinho”
(Médico-Pediatra).
“E como nós tínhamos um trabalho bem sintonizado eu precisava muito do trabalho
dela, ela sendo profissional da área da psicologia, também do Ministério Público, a gente
trabalhava sempre em intercâmbio” (Promotora de Justiça da Infância e Juventude).
Na prática, segundo os participantes da pesquisa, existem lacunas ou dificuldades na
formação pessoal e profissional de cada técnico, de distintas áreas do conhecimento, ao
manejar os casos de abuso sexual intrafamiliar, que pode frustrar, desanimar a equipe de
trabalho. Essas lacunas dizem respeito, especialmente, à falta de comunicação e parcerias
entre os serviços que compõem a rede de proteção e à falta de apoio, estrutura e investimentos
nos espaços sicos e no corpo técnico das equipes formadas.
“a falta que faz para a gente trocar um olhar diferenciado sobre cada
intervenção(Assistente Social).
72
“mas o interdisciplinar tem que também ser coordenado com diálogo, com reuniões
periódicas, com conjunto de informações, avisar o que está fazendo, essas coisas” (Promotora
de Justiça da Infância e Juventude).
ainda é difícil a prática. A gente trabalha com muitas vaidades, com algum
corporativismo, que são coisas que eu acho que interfere nisso” (Assistente Social).
“eu trabalho em um time, em conjunto (...) elas procuram ser mais acolhedoras, são
muito mais receptivas, coisa que eu não sou” (Juiz de Direito da Infância e Juventude).
A interdisciplinaridade, quando entendida como uma engrenagem, tem que lidar com
seus próprios limites e frustrações. As áreas do Direito e da Saúde podem desencadear limites
no atendimento às complexidades referentes ao abuso sexual intrafamiliar, muito embora seja
esta a forma referida como sendo mais adequada de escuta da criança. Não bastasse isso,
também deve dar conta dos empecilhos internos dessa engrenagem, que normalmente fazem
parte dos seus processos e funcionamento.
Essas idéias concebidas pelos profissionais estão amparadas pela teoria, que sugere
mais de um profissional capacitado e preparado para realizar a escuta da criança abusada no
contexto de sua família. Equipes interdisciplinares são requeridas, porém que possam
funcionar em rede através do diálogo e das complementaridades dos distintos profissionais e
diferentes conhecimentos (Aded et al., 2006; Brito et al., 2006; Habigzang et al., 2006; M.P.R.
Azambuja, 2005; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Ramires & Rodrigues, 2004).
Conforme o que foi exposto pelos participantes, nas diferentes áreas de atuação e de
distintas formas se evoluiu, principalmente no que diz respeito à realização do trabalho com a
violência intrafamiliar e especialmente quanto ao abuso sexual de crianças e adolescentes.
Porém, entre o ideal de trabalho e os limites de uma engrenagem institucional, existem
caminhos a serem percorridos ou trajetórias a serem adequadas à rede de proteção que se faz
73
presente e necessária para responder positivamente às demandas dessa escuta. E é
principalmente nessa escuta que novas metodologias se fazem necessárias, pois emergem das
necessidades do manejo interdisciplinar. Além disso, a necessidade de se reformular as
relações deste trabalho com crianças, que por vezes se mostram assimétricas e que percorrem
os diferentes âmbitos de atuão profissional, desde a falha na troca de informações quanto à
flexibilidade trica e prática do conhecimento de cada um.
“o Sistema Judiciário deve se adaptar para fazer uma escuta diferenciada para a
criança” (Psicóloga).
“deve ser uma escuta marcada pelo respeito, pelo olhar prá criança que, eu acredito
que puma criança que sofre esse tipo de violência é algo com que ela não está habituada,
que ela tá chegando porque foi desrespeitada, não foi considerada, não foi olhada pela
família (Psicóloga).
Considerações finais
uma lacuna importante entre a idealizão de um trabalho adequado com crianças
vítimas de abuso sexual e aquilo que se tem como realidade na prática diária dos profissionais.
Nas duas esferas profissionais investigadas, percebe-se que reconhecimento acerca das
limitações no atendimento dessa demanda peculiar. Parece ser também reconhecido que os
profissionais da Área da Saúde detêm melhores condições de realizar a escuta da população
infantil, pela formação e experiência que possuem. Na visão desses profissionais, encontra-se
a preocupação com o mundo interno da criança, além da busca de sua proteção física,
psicológica e moral.
Outras dificuldades se evidenciam quando o despreparo dos profissionais aponta para
as questões de formação, manejo e conduta nos casos atendidos e para outros fatores que
74
contribuem para inadequações na realização do trabalho com esse tipo de demanda, que
apontam para a própria lei, na esfera do Judiciário, onde a escuta da criança é enfocada na
concretização de provas. O trabalho interdisciplinar, enriquecedor conforme o ponto de vista
dos participantes, muitas vezes se perde em função da rede de proteção que deveria acolher e
dar conta do trabalho com essas criaas, mas que possui inúmeras tramas falhas, pois
depende do diálogo e da coesão do grande grupo ou equipe envolvida.
Retomando o objeto deste estudo e o problema de pesquisa, constata-se que es
presente nas concepções dos profissionais entrevistados o reconhecimento da complexidade e
especificidade do abuso sexual intrafamiliar. Pode ser ressaltado que essa forma de abuso
sexual sempre será difícil de ser identificada e trabalhada em virtude do vínculo ambivalente
existente entre o agressor e a criança. Essa mesma complexidade desafia permanentemente
todos aqueles que lidam com tais situações no âmbito do Judiciário, fazendo com que se
sintam despreparados em muitos momentos. Isso os leva a buscar continuamente o
aprimoramento profissional, o que é atestado pela busca significativa de formação continuada,
inclusive no vel de pós-graduação estrito sensu.
Constata-se também, de acordo com os dados analisados, que pode haver uma tensão
e/ou dissociação entre as necessidades da criança e as demandas do Judiciário. Entretanto, é
importante que se busque um equilíbrio entre essas dimensões e essa busca está presente na
experiência e nas concepções dos entrevistados. Os participantes dos dois grupos de
profissionais apresentaram algumas diferenças e limitações, evidenciadas nas categorias
intermediárias. Para uma escuta adequada, os Operadores do Direito necessitam conhecer mais
sobre o modo de funcionar da criança e suas particularidades, suas formas de comunicação.
Profissionais da Saúde precisam conhecer melhor o ECA para compreender quais o os
direitos da criança e de que forma eles podem beneficiá-las.
75
O equilíbrio entre as necessidades da criança e as demandas do Sistema de Justiça
requer um trabalho interdisciplinar que promova e sustente a garantia dos direitos da criança e
o seu atendimento adequado no âmbito do Judiciário. A necessidade e importância da
interdisciplinaridade foram amplamente contempladas e salientadas pelos profissionais
entrevistados. Se lacunas nesses trabalhos, também existe muita coisa boa, que serviu de
base ou suporte para a formação dos profissionais entrevistados.
As categorias finais foram as mesmas para os dois grupos de profissionais
investigados. Compreende-se que isso se deve à ampla e consistente experiência dos
participantes, ao fato de eles trabalharem em equipes multidisciplinares ou interdisciplinares,
deparando-se com o mesmo fenômeno em suas atividades profissionais e apresentarem
experiências similares na escuta da criança no âmbito do Judiciário.
76
4. Palavras Finais
O caminho percorrido durante a construção da dissertação de Mestrado apresentou-se
como exaustivo e, em alguns momentos, inclusive árduo, com tarefas que envolveram horas
infinitas de estudos, reflexões, construções e re-construções. A proposta do tema, atualmente
bastante polêmico, foi motivada pela prática profissional e tornou-se um desafio. A falta de
estudos científicos voltados à escuta da criança vítima de abuso sexual no âmbito do Judiciário
reforça a necessidade de pesquisas com esse foco.
Considera-se a proposta da pesquisa realizada como de muita valia, uma vez que,
através da coleta de dados com os profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito, foi
oportunizada a articulação dos saberes de diferentes áreas do conhecimento e de atuação,
funcionando como um diálogo e possibilitando muitas reflexões, especialmente na interface
entre a Psicologia e o Direito. Através do contato com os profissionais, abriu-se um cenário
investigativo para além da coleta de dados.
Primeiramente, é preciso considerar que o tema do abuso sexual é bastante pertinente
na atualidade, um problema complexo e multifacetado cujas proporções parecem vir crescendo
no mundo inteiro. Difícil de ser detectado e de ser tratado, implicando em uma performance
diferenciada das pessoas que realizam a escuta e o atendimento dessas crianças e de suas
famílias.
Os profissionais externalizaram suas dificuldades em atender as demandas do
Judiciário e ao mesmo tempo as necessidades da criança. Expressaram suas angústias em nem
sempre conseguir decifrar e reconhecer o que é o melhor para a criança. Falaram de seus
anseios frente aos casos com tanta complexidade como o abuso sexual no contexto familiar, o
que demanda imensa responsabilidade, sensibilidade e preparação emocional, além da
77
capacitação teórica e técnica. Referiram seus sentimentos ambivalentes de impotência frente
as diferentes necessidades da criaa e de sua família e da satisfação em atender e poder
ajudá-las, além de garantir-lhes proteção.
A riqueza das expressões, manifestações e respostas dos profissionais entrevistados
valorizou o conteúdo (os dados) da pesquisa. Acredita-se que o envolvimento pessoal, a
disponibilidade, profundidade e intensidade com que os participantes responderam as questões
norteadoras contribuíram para a pesquisa. O aprendizado construído a partir das falas dos
profissionais foi ascendente não apenas para a pesquisa, como para o conhecimento trico e
prático sobre a dinâmica do abuso sexual intrafamiliar e sobre a melhor forma de seu
atendimento, que origina um aperfeiçoamento inclusive na cnica psicológica. Nesse sentido,
a coleta de dados foi identificada como uma espécie de capacitação ou aperfeiçoamento
profissional teórico, além de ser parte importante de um estudo maior, a pesquisa do Mestrado.
Os conteúdos expressados pelos profissionais se complementavam na maioria das vezes.
A análise dos resultados indicou que as concepções dessa peculiar forma de escuta são
semelhantes para ambos os grupos de profissionais entrevistados e articulam-se, em parte, pela
sua formação profissional, e especialmente, pelo investimento em especializações na busca
constante de aprimoramento e capacitação profissional. A experiência e prática profissional de
muitos anos de trabalho e a atuação em equipes multidisciplinares ou interdisciplinares (o que
implica em novos aprendizados proporcionado pela integração de diferentes áreas do
conhecimento), também contribuíram para a construção das concepções apresentadas pelos
profissionais nas categorias finais. Os resultados oportunizaram verificar que, de acordo com
as categorias intermediárias e finais apresentadas não ainda uma escuta adequada para a
criança vítima de abuso sexual no âmbito do Judiciário. A partir dos resultados da pesquisa e
da experiência enquanto pesquisadora é possível refletir sobre vários aspectos.
78
Todavia, que se considerar que as difereas entre as duas categorias profissionais
(culturais, éticas e de legislação, linguagem, prática e conduta profissional) necessitam ser
respeitadas, toleradas e compreendidas para que a partir desse diálogo encontre-se uma escuta
que favoreça a criança e as demandas do Judiciário. Portanto, entende-se que os espaços de
escuta devem apresentar distintos conhecimentos e demandas, mas a prática profissional
necessita ser interdisciplinar, com trocas constantes, respeitando o limite e o papel de cada
membro, o que poderá beneficiar favoravelmente tanto a criança que sofreu o abuso, como sua
família, e a rede de profissionais envolvida.
Foi comentado também pelas duas categorias de profissionais que havendo negação do
abuso ou silêncio por parte da criança, não condenação do réu de acordo com os
procedimentos legais e Ritos Judicos. Nesses casos, as necessidades da criança não são
supridas e sim, sucumbidas. Referem os profissionais que o Sistema de Justiça necessita
adequar-se às crianças e não elas ao Sistema. O profissional que compreende a dinâmica
peculiar do abuso sexual intrafamiliar e conhece a predominante “síndrome do segredo
associada, saberá que a criança nem sempre estará em condões de falar ou relatar a
experiência no momento em que o adulto quer que ela fale.
Portanto, deverá apresentar uma forma menos expositiva e humilhante para a criança
ser escutada. O atendimento da criança diante de uma oitiva ou avaliação não pode ser
simplesmente uma coleta de dados ou coleta de depoimento. De simples, a coleta de dados ou
inquirição não tem nada, pois é tão complexa para a mente infantil que é capaz de causar
danos o severos quanto o próprio abuso. Dependendo de como é realizada, a inquirição pode
sugerir que a criança acredite que vivenciou o abuso, mesmo ele não tendo acontecido de fato.
Entende-se, a partir das falas dos profissionais, que vítimas de abuso sexual
intrafamiliar necessitam ser escutadas por alguém que consiga resgatar a confiança que ela
79
perdeu, dar credibilidade às suas palavras e apoio emocional. As provas são conseqüências da
escuta nesse caso, e não a aferição de provas como sendo a escuta. De qualquer forma, se a
escuta não trouxer algum tipo de benefício para a criança, não há porque fazê-la nesse
contexto. Essa concepção esteve presente no conteúdo das entrevistas de alguns profissionais
da Área da Saúde (participantes 7; 8; 12; 15)
.
A postura do profissional que realiza o atendimento da criança não pode ser de segredo
e silêncio. Mesmo que a criança não fale, mas esteja demonstrando através do comportamento,
da sintomatologia ou através de outros indícios, o profissional precisa estar preparado para tais
demandas. Uma profissional do Direito (participante 3) referiu queixas em relação aos
profissionais da Área da Saúde que não querem envolverem-se em perícias técnicas ou enviam
laudos vazios, sem referenciar sequer a dinâmica da criança. Entre tantas características que
diferenciam o profissional da Área da Saúde do profissional do Direito, uma das principais é
que o primeiro tem uma melhor formação para compreender o ser humano para além da
palavra. Quando a criança não consegue falar, pode-se construir o conhecimento com ela, ou
seja, aju-la a nomear o sentimento e re-elaborar esse sentimento na relação transferencial
estabelecida. Considera-se importante os Operadores do Direito confiarem de fato nos
profissionais da Área da Saúde e nas suas competências, para se complementarem na difícil
arte de escutar a dor da criança.
Compreende-se, a partir da concepção dos profissionais, que há propostas interessantes
e mais humanizadas para o atendimento da vítima no Judiciário, porém tamm exposição
delas, mesmo que em menor proporção se comparada com as audiências com inquirições
tradicionais. Entretanto, permaneceu a necessidade de formalizar uma prova, sendo a criança
normalmente a única testemunha do delito. Mudar essa perspectiva tem sido um desafio na
De acordo com Tabela 1, Seção I.
80
reflexão dos profissionais. as perícias ou avaliações, quando realizadas com abordagem que
respeite o tempo da criança e seu nível de desenvolvimento, através do profissional da Saúde,
foram sugeridas por alguns profissionais dessa mesma área e por 4 (quatro) dos Operadores do
Direito (participantes 4; 3; 9; 11)
. Esta seria uma forma menos invasiva de escutar a criaa
no âmbito do Judiciário, mas em nenhum momento esses últimos profissionais mencionam
que a criança não precisa seguir os Ritos Jurídicos, pelo contrário, reforçam a necessidade da
busca de provas para a responsabilização do agressor.
Também nos parece relevante a realização da pesquisa qualitativa para o estudo sobre a
escuta das crianças no Judiciário, com a utilização de Análise de Conteúdo, na medida em que
se trata de um assunto complexo, que demanda mais do que quantificação de dados. A análise
de conteúdo, tal qual como foi operacionalizada, mostrou ser um método eficaz para a análise
dos dados, possibilitando uma compreensão minuciosa e detalhada do tema em questão. A
escolha metodológica de Análise de Conteúdo, embora tenha sido exaustivamente trabalhosa,
possibilitou um olhar aprofundado sobre os pensamentos, valores, crenças, idéias que os
participantes possuem sobre o tema em questão.
Tal compreensão até o momento foi minimamente explorada, através das raras
pesquisas revisadas referentes ao atendimento da criança que sofreu abuso sexual, com
abordagem trica que ao encontro das necessidades da criança e do seu melhor interesse.
Neste sentido, a especificidade desta pesquisa quanto ao foco, grupo de participantes (com
abordagem interdisciplinar) trouxe-nos desafios e também limitações.
Todavia, considera-se que os objetivos propostos nesse estudo de analisar as
concepções de escuta dos profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito e colaborar
81
com subdios para o aprimoramento da escuta da criança no âmbito do Judiciário, foram
contemplados.
Enfim, durante os últimos dois anos, mergulhar nesse mundo de revisões
bibliográficas, bases de dados, métodos de pesquisas foi um grande desafio, especialmente no
estudo de um assunto polêmico, relativamente novo, com poucas pesquisas científicas
realizadas, especialmente numa perspectiva psicanalítica. Realizar uma pesquisa na interface
entre áreas tão distintas e ao mesmo tempo, que se complementam, provocou inquietações
principalmente durante a fase da coleta de dados, na qual os profissionais entrevistados
apresentavam formas de escutar a criança tão diferentes. Esses conteúdos contidos nas
entrevistas, após análise realizada, foram compreendidos e assimilados. As concepções de
escuta dos profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito são praticamente as
mesmas, porém, para alcançá-las, utilizam técnicas diferentes de acordo com seu preparo e
habilidade profissional e emocional.
82
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Zawadzki, N. (2005). Abuso sexual en la infância y adolescencia: Revisión bibliográfica.
88
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
ANEXO B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado(a) Sr(a):
Estamos realizando uma pesquisa que tem como principal objetivo analisar as concepções de
escuta dos profissionais da Área da Saúde e Operadores do Direito diante de criaas vítimas de abuso
sexual intrafamiliar. Esse estudo pre a participação de profissionais da Área da Saúde (como
médicos psiquiatras e pediatras, assistentes sociais, psicólogos) e Operadores do Direito (como
promotores de justiça, juízes de direito, advogados, entre outros) que possuem experiência na escuta da
criança vítima de abuso sexual intrafamiliar. Os procedimentos utilizados implicam no preenchimento
de uma Ficha Informativa, na realização de uma entrevista individual, na qual você é solicitado(a) a
responder a algumas questões e, ainda, em observações da pesquisadora principalmente sobre o seu
ambiente de trabalho e manifestações não-verbais do contexto da entrevista, definido como Diário de
Campo.
O conhecimento que os dados sobre o tema da escuta de crianças vítimas de abuso sexual
poderá ser divulgado em publicações de caráter científico, preservando-se totalmente a identidade dos
participantes.
A pesquisa o implica em qualquer risco para sua integridade física, emocional ou moral, e a
qualquer momento é possível solicitar o esclarecimento das suas dúvidas, bem como desistir de
participar, sem qualquer prejuízo para você.
Espera-se, com esse estudo, contribuir para o campo de conhecimentos e de atendimento da
criança vítima de abuso sexual intrafamiliar.
Esse termo será assinado em dias vias, sendo que uma via ficará com você e outra com a
pesquisadora.
A pesquisadora responsável por esse estudo é a psicóloga Janaina Petry Froner, que pode ser
contatada pelo telefone (51) 8164.6338, orientada pela professora Vera Regina Röhnelt Ramires, que
pode ser contatada pelo telefone (51) 3590-8326, na UNISINOS.
Eu, _________________________________________________________, declaro
que fui informado(a) de forma clara e detalhada dos objetivos e dos procedimentos da
pesquisa, concordando em participar da mesma.
Assinatura: __________________________________________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável: ___________________________________________
Janaína Petry Froner
Local e Data:__________________________________________________________________________________________________
Av. Unisinos, 950 Caixa Postal 275 CEP 93022-000 São Leopoldo Rio Grande do Sul Brasil
Fone: (51) 3590-8121 Fax: (51) 3590-8122 http://www.unisinos.br
89
ANEXO C
Questões Norteadoras:
* Como vo realiza a escuta de crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar?
* O que você pensa dessa escuta?
* Você encontra alguma dificuldade na escuta de crianças vítimas de abuso sexual
intrafamiliar? Qual ou quais?
* Você considera que a entrevista com a criança vítima de abuso sexual intrafamiliar é
diferente da entrevista com outras crianças vítimas de abuso sexual, ou da entrevista com
outras crianças que não sofreram esse tipo de violência? Como é diferente?
* Voacha que a criança tima de abuso sexual intrafamiliar deve ser ouvida no
contexto do Sistema Judiciário, porquê e por quem?
* Como deve ser o atendimento à criança vítima de abuso sexual intrafamiliar?
* O que você pensa sobre o trabalho interdisciplinar nos casos de abuso sexual
intrafamiliar?
* Você poderia relatar um caso de atendimento de uma criança vítima de abuso sexual
intrafamiliar, referindo como foi a sua intervenção?
90
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
ANEXO D
FICHA INFORMATIVA
Entrevistado no. _______
Profissão? _________________________________ quanto
tempo?___________________
Formação ?
( ) Superior Área? ________________________ quanto tempo?
_________________
( ) Pós-Graduação Área? __________________ quanto
tempo?___________________
Sexo? Masculino ( ) Feminino ( ) Idade? ______
Na sua atividade profissional você trabalha com crianças vítimas de abuso sexual
intrafamiliar? ( ) Sim ( ) Não
Se você respondeu Sim à pergunta anterior, há quanto tempo tem essa experiência?
______________________________________________________________________
Com quantos casos aproximadamente você já teve oportunidade de trabalhar?
______________________________________________________________________
Av. Unisinos, 950 Caixa Postal 275 CEP 93022-000 São Leopoldo Rio Grande do Sul Brasil
Fone: (51) 3590-8121 Fax: (51) 3590-8122 http://www.unisinos.br
91
ANEXO E
Exemplos de duas entrevistas realizadas com os participantes:
1. Entrevista com Operador do Direito – Promotora de Justiça (p1):
Pesquisadora: Primeira pergunta que eu te faço, então, é como tu realizavas, se foi
no passado, ou como tu realizas, se é no presente, a escuta da criança vítima de
abuso sexual intrafamiliar?
Participante: ã, a questão e o meu interesse sobre a escuta, a ouvida, ou como nós
falamos, tecnicamente, a inquisição das crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar,
surgiu à partir de um caso em que eu atuei como promotora de justiça, coincidentemente
na tua cidade, esse caso era sobre um abuso intrafamiliar genuíno, como o chamam,
onde era o pai que abusava de sua filha, mantendo com ela ,hãã, conjunção carnal, esse
é termo técnico que é usado em Direito né, ã, mantinha com ela relações sexuais
bastante tempo, dos 12 até uns 15 anos, devia ter a menina nessa época né, então nessa
audiência onde a menina seria ouvida, aconteceram vários, hãã, incidentes, vamos dizer
assim, que me chamaram a atenção e que me fizeram pensar que, nesta queso do
abuso intrafamiliar, existem dinâmicas que nós da área do Direito não compreendíamos,
não sabíamos, e principalmente os operadores do Direito que tem uma formação
jurídica, que não tem outra formação, o que aconteceu nesta audiência eno, aconteceu
que a menina se retratou, dizendo que era mentira o que ela havia dito na delegacia e
que isso do abuso não havia ocorrido, quando na verdade ele havia ocorrido, e depois
colocando a menina e a mãe e o avô materno, hãã, ela acabou admitindo que realmente
aquele abuso tinha ocorrido; por fim, ao sair da audiência, a menina se abraçou no pai e
começou a chorar e tudo aquilo me fez refletir e questionar que algo existia, como que
essa vítima abusada , pelo pai a tantos anos, estava demonstrando afeto com ele,
estava tentando se retrata prá se proteger, e protegê-lo, enfim, de tudo isso, que eu
comecei tamm a refletir sobre como nós ouvimos essa vítima né, como nós
abordávamos , até então nós ouvíamos ela como ouvir qualquer outra pessoa,
chegando ali, perguntava-se seu nome, qualificação, enfim, e dizíamos, o juiz pergunta
num primeiro momento, o promotor pergunta num segundo momento mas é o juiz que
começa a perguntar: sobre o fato, não se estabelece com ela nenhuma conversação,
92
enfim, bom aí, hãã, vi então a necessidade de um estudo maior acerca disso, quando
cheguei em Porto Alegre, uns 7 anos depois, foi, então, que comecei a estudar mesmo
essa questão do abuso, as suas dinâmicas, as suas peculiaridades , o seus segredos,
enfim, tudo isso que nós não sabíamos e aí vi que realmente, nós operadores do Direito,
não tínhamos esta capacitação necessária pouvir a criança, que é pobter um relato
com conteúdo, que é pnão causar dano à vítima, que tão prejudicada pelo abuso,
enfim, bem, mas, então, o que digo, é que nós ouvíamos como ouvíamos qualquer outra
vítima de outro delito, perguntando sobre se aquele fato ocorreu, se era verdadeiro ou se
quantas vezes havia ocorrido, hãã, em que circunstâncias né, então, o que o código diz é
que o juiz e o promotor, enfim, o advogado também, o que todos devem perguntar sobre
o fato e suas circunstâncias, e é isso que nós perguntávamos, depois do trabalho, depois
de tudo, depois de ver que realmente a queso do abuso intrafamiliar tem
peculiaridades que nós, operadores do Direito, não sabemos , que se começou a ver
que era preciso que antes se estabeleça um vínculo de confiança com a vítima né, que se
converse com ela pconquistar a confiança dela, e que se explique o porque dela estar
ali, enfim, se tenha assim uma visão mais psicológica, vamos dizer, do que jurídica
nesse caso .
Pesquisadora: E esse estudo que foi feito a nível teórico, é utilizado hoje na
prática?
Participante: Pois eno, o que aconteceu, hãã, mesmo sabendo que s estávamos
fazendo errado, errado em termos né, vamos dizer inadequado né, uma intervenção
inadequada, as coisas continuaram ocorrendo da maneira como era antes né, até que o
doutor Daltentão idealizou o depoimento sem dano, mas o depoimento sem dano foi
na área da infância e juventude, no 2º juizado da Infância e Juventude, nos outros
fóruns tudo continuava acontecendo como normalmente acontece né, apesar de estar
disponibilizada a sala prá todos os juízes, mas há até hoje, eu percebo uma certa
resistência né, de as pessoas utilizarem uma nova metodologia de escuta , ou porque
entendem que são capazes de ouvir a criança não é, ou porque não tem tempo, entre
aspas, prá ir até o furo central e, hãã, ficando uma tarde inteira vamos dizer num único
processo, enfim, por qualquer motivo alguns não vão né, mas outros não, outros se
mostram sensíveis e já vão utilizando a nova metodologia né.
93
Pesquisadora: E o que você, na condição de Promotora de Justiça pensa hoje sobre
a forma de vocês, Operadores do Direito, entrevistavam a criança (antes desse teu
estudo)? A forma “puramente jurídica”, assim, sem esse “novo olhar e novas
perspectivas de escutar”?
Participante: Então, eu penso que esse modo antigo que ainda é atual , esse modo
antigo ele não atingia os 2 objetivos que tem a inquirição, que é de trazer provas para o
processo com relato, com conteúdo que possa ser validado como prova no processo, e
de não causar danos, de não constranger a pessoa que ali está, eu penso que a forma
antiga não consegue atingir esses 2 objetivos.
Pesquisadora: E essa forma “nova” que tu falas, é o projeto Depoimento Sem
Dano, ou não necessariamente este?
Participante: Bom, eu falo na nova metodologia que foi idealizada pelo doutor Daltoé,
com a tentativa de melhorar a forma como era feita antes, eu não digo que ela é a
correta, que assim deve ser, digo que ela é um passo que se deu, não é, até pra mostrar
que podem existir outras formas.
Pesquisadora: E como que ela deve ser, então?
Participante: Eu penso que deve assim, ela dever ser de forma a não causar danos às
crianças, essa é a forma, como deve ser, bom isso aí nós vamos ter que estudar, não é, e
estudar mais prá ver como isso pode ocorrer.
Pesquisadora: Tu encontras alguma dificuldade na escuta dessa criança?
Participante: Hãã, eu penso que perguntar sobre um tema que envolve violência contra
a criança, sexualidade contra criança é sempre um tema que mobiliza emoções, precisa
estar muito preparado pnão rejeitar a experiência da criança né, se não houver este
preparo emocional, ninguém vai ouvir bem a criança, na verdade, o que eu penso é que
94
o juiz deve se utilizar de um profissional da área da Psicologia com conhecimento sobre
o desenvolvimento da criança, pfazer as perguntas e fazer a inquisição, eu penso que
nós do Direito temos que nos utilizar de outra área do conhecimento, que me parece ser
a Psicologia a mais adequada, h, patravés dele fazer a inquisição, eu sempre digo, o
juiz que não entende Português, que não entende desculpe outro idioma, vamos dizer o
alemão(idioma) e tem de ouvir uma testemunha que fala esse idioma, o que ele faz, ele
nomeia um perito, pega o compromisso dele p através dele fazer a inquisição; da
mesma forma com a criança, se ele não saber ouvir, ele que nomeie um psicólogo prá,
através dele, fazer as perguntas.
Pesquisadora: Então, no momento de receber esse retorno, tu acreditas que a
criança precisaria ir até o judicrio ou que poderia ser chamado o perito que fez a
avaliação?
Participante: Acredito assim que isso possa ser feito né, a questão é que nós temos que
ver assim, o processo penal, e nós falamos do processo penal , ele precisa atender
determinados princípios prá ser válido né, prá não ser nulo, e aí existem os princípios da
ampla defesa, que o advogado e o acusado, eles m o direito de acompanhar aquela
ouvida da criança, claro que o acusado, quando é abuso intrafamiliar, ele não vai ficar
na audiência né, fica o advogado ouvindo as perguntas que estão sendo feitas à criança,
prá poder depois perguntar outras né, aquelas que ele ache necessárias prá defesa do seu
cliente, então essa é a grande queso né, s temos que ver uma maneira de atender os
interesses da criança e também atender os interesses que o do processo, que são
constitucionais assim como os da criança né, existe a questão assim, a mais, os
direitos das crianças são mais importantes, olha os dois são direitos constitucionalmente
contemplados, os dois estão na constituição, então os dois, hierarquicamente falando,
tem o mesmo valor, acontece que temos que chegar numa forma que atenda os dois
interesses.
Pesquisadora: Dra. Fulana, tu percebes diferenças no momento da escuta da
criança que foi vítima de abuso sexual intrafamiliar e daquela que foi vítima de
forma extrafamiliar?
95
Participante: Certamente, é muitíssimo diferente, o abuso extrafamiliar, eu digo
sempre que pode ser dito como qualquer outro delito, a vítima chega e fala, hãã,
tranqüilamente, as pessoas que fazem parte do grupo próximo dela colaboram, e tudo se
desenvolve, hãã, no sentido de trazer prova para o processo, e todo mundo colabora,
quando é intrafamiliar, então é que a coisa complica muitíssimo , há uma dificuldade
que a vítima fale, todos estão querendo que ela mantenha o segredo né, é muito
diferente, muito mesmo.
Pesquisadora: E pensando nessas peculiaridades da criança vítima de violência
doméstica intrafamiliar, tu acreditas que a criança vítima desse tipo de violência,
sempre deve ser escutada no âmbito judiciário? Ou existem casos que não possuem
necessidade?
Participante: Pois então, quando a criança é muito pequena, com menos de 6 anos
vamos dizer, se evita, porque se sabe que não é possível né, vocês da Psicologia devem
entender bem disso, porque ela não tem condições de ter na meria os fatos, ela não
tem condições de relatar e de compreender bem o que se passou, então isso se evita,
hãã, a questão de não ser ouvida mesmo sendo maior, que eu sei que tem um grupo que
defende essa idéia né, e diz aí a criança não tem que ser ouvida porque ela não pode ser,
não pode fazer prova contra seu próprio pai, ou não pode ser o carrasco de seu pai, ou
algumas coisas assim, o que eu digo é o seguinte, eu gostaria que as crianças nunca
precisassem ser ouvidas em juízo e que nunca fossem abusadas, a questão é que nós
temos que ter provas p condenar o abusador, se as provas nós não conseguimos
condenar, e perícias e avaliação psicológica vão nos falar sobre os danos que a criança
sofreu, se elas são compatíveis ou não com o abuso, mas ela não vai nos dizer quem foi
o abusador.
Pesquisadora: E se a criança verbalizou para o perito?
Participante: Bem, aí então, que ele possa ser ouvido, isso sim.
Acontece, e pode prestar depoimento, não tem problema nenhum, a questão é assim,
que se esse profissional der o laudo e colocar ali, não sei se o advogado da defesa iria
96
gostar, eu penso que ele teria que ir e dizer isso prá que o advogado estivesse junto e
pudesse perguntar também.
Pesquisadora: E para a gente resumir, quais são as considerações sobre a escuta da
criança vítima de abuso sexual intrafamiliar, algumas questões bem pontuais que
tu lembras que são necessárias, que são importantes?
Participante: Depois do estudo que fiz, o que é mais importante é esse estabelecimento
do nculo de confiança com a criança, porque deve ser algo assim muito horrível,
chega na frente de uma pessoa que nunca se viu, que nunca se falou antes, e ter que
relatar logo uma experiência abusiva que é dolorosa pcriaa, então, conversar com a
criança primeiro e, entre aspas, perder tempo com ela como dizem, me parece que vai se
ganhar muitíssimo depois não é, porque a criança vai ficar à vontade e vai relatar bem e
não vai se constranger com a questão.
Pesquisadora: E o que tu achas do trabalho interdisciplinar nesses casos?
Participante: A intervenção no caso de abuso intrafamiliar me parece assim, hãã,
absolutamente necessária a interdisciplinariedade, essa é uma conclusão que cheguei né,
agente não deve chegar a muitas conclusões, devem deixar meio abertas, mas essa é
uma conclusão inarredável, prá trabalhar bem com abuso sexual intrafamiliar, nós temos
que trabalhar com várias áreas do conhecimento, e um ajudando o outro e não achando
que um sabe mais que o outro, porque se nós do Direito precisamos de auxílio dos
psicólogos , esse conhecimento que os psicólogos têm, os psicólogos precisam saber
dos conhecimentos que nós do Direito temos p atuar adequadamente, porque uma
coisa é a atuação clínica do psicólogo frente ao abuso, e outra questão é a atuação do
psicólogo como auxiliar do juízo, como perito do juízo, são coisas absolutamente
diferentes.
Pesquisadora: Tu lembras de algum caso que tenha te chamado a atenção, seja
pelo desfecho, seja pelas dificuldades, pelo procedimento, ou pela criança? Um
caso que você pode contar como foi a sua intervenção.
97
Participante: Bem, tem um que me chamou muitíssimo a atenção, e eu penso que foi
esse que me mobilizou a continuar o estudo sobre o abuso, foi um em que atuei num
fórum regional de Porto Alegre, onde o pai abusou da menina, da filha e do filho, eles
tinham idade entre 8 e 6 anos, e neste caso, os dois iriam ver o pai no dia da audncia,
aí o juiz me perguntou se pudia, senhora me diga se pode, mas como a senhora me disse
que pode, não é, que a senhora que sabe se elas podem ver o pai ou não, porque ele
estava preso e algemado na sala do juiz e as crianças estavam pserem ouvidas, não é,
e eu falei, olha, eu penso que podem ver, porque aqui ele não vai abusar delas né, elas
eso querendo ver o pai, estão com saudades do pai, podem ver o pai, e o juiz
autorizou que as crianças entrassem no gabinete e eu fui junto com as criaas, e
quando as criaas entraram, elas se atiraram no colo daquele pai e ficaram no colo do
pai, e ele perguntava se elas estavam bem no colégio, se estavam respeitando a e, se
estavam obedecendo, se tudo estava bem, conversava com eles normalmente,
tranqüilamente ali, como um bom pai, e esse caso me marcou muitíssimo, porque
depois soube, conversei com a mãe dessas crianças e converso até hoje, é que foi feito
um protesto de destituição do poder familiar e as crianças diziam em casa - quando o
juiz que quer nos tirar o pai nos chamar, s vamos dizer pra ele que nós não queremos
que ele deixe de ser nosso pai, nós vamos chegar lá e vamos dizer isso - e um dos filhos
entrou em depressão quando o pai foi preso, que eu pedi a preventiva dele porque
achava que ele ia pressionar muito a família , muito embora a prova fosse assim p
condenar mesmo né, mas era p condenar mesmo, então a prisão preventiva tinha
cabimento naquele caso né. E outra queso que eu vi nesse caso, que era o terceiro
casamento desse pai abusador e os filhos dos primeiros casamentos é que denunciaram
este abuso e eles prestaram depoimento neste processo e, pelos relatos e respostas deles,
eu concluí que havia grande possibilidades de todos eles terem sido abusados pelo pai,
que o pai era alcoólatra, na época que ele praticou o abuso, este que estava sendo
processado, estava alcoolizado, e me marcou tanto que ainda vou fazer um estudo.
Pesquisadora: Mais alguma questão que você queira mencionar, que considera
importante dentro do assunto que estamos falando?
Participante: Não, acho que é isso....
Pesquisadora: Então, muito obrigada pela sua colaboração.
98
2. Entrevista com Profissional da Área da Saúde - Psicóloga (p15)
Pesquisadora: Então Fulana, a primeira pergunta que eu te faço é como tu realizas
a escuta da criança vítima de abuso sexual intrafamiliar?
Participante: Ham, bom, ham, as situações, então, como eu te disse, elas chegam aqui
encaminhadas. Num primeiro momento, a família é escutada pela assistente social.
Então, para mim, quando chega a situação da criança, eu ouço primeiro a criança
sempre, depois faço uma conversa com os pais, dependendo...em um ou outro
momento, dependendo do caso, né. Em algumas situações raras, assim, converso antes
com os pais para ter uma compreensão de algumas situações quando a criança é
pequena, enfim. Então, quando a situação chega prá mim, chega com
algumas...ham...algumas informações em relação, especialmente assim à dinâmica, ao
funcionamento familiar, por que o assistente social fez isso, estado assim, sobre a
situação, sobre a família. s atuamos assim, no sentido de...ha...se puder logo focar
mais a questão, naquilo que é essencial né, e também a situação vem prá mim com
alguma informação, seja do judiciário, então com algumas, ham...como se chama?,
algumas partes processuais. Então s temos, ou quando vem pelo Conselho Tutelar
com alguma informação também de história. Então, quando eu recebo esta criança,
recebo com algumas informações prévias. Sempre assim, ham, essa escuta eu inicio por
ter uma compreensão de até que ponto pcriança está claro o que ela veio fazer, o que
esacontecendo, . Isso é seguido assim, então de...uma explicação de qual é o meu
papel, quem eu sou, porque a criança está ali, claro que sempre numa linguagem que
seja possível que ela compreenda, e este é um assunto que vai retornar depois nos outros
momentos né. Porque isso? Por que normalmente a criaa está, ela chega aqui e...,
ham..., num processo assim de sofrimento , ou, muitas vezes, essas pressões de
casa, pnão contar, ou prá ocultar algum fato, com muito medo , então eu trato
assim num primeiro momento até por consideração a essa criança, não para facilitar
depois a fala dela, mas também que ela possa se situar né, no que está acontecendo, por
que que ela está ali, o que a gente vai fazer, como s vamos trabalhar e qual é o,
o...meu papel e o objetivo então da chegada dela aqui ao nosso serviço. Muitas vezes a
criança confunde , eno o serviço aqui com algum órgão de responsabilização, com
99
abrigos, ela vem temendo que vai ser abrigada se contar a verdade , ou que, de
alguma maneira vai ser punida ou os pais o ser punidos. Mas, de qualquer maneira,
tem que explicar pela que o que ela está conversando comigo vai sim poder ser
utilizado pra além dessa conversa entre nós né. Então, tem sim um certo sigilo nessa
relação, mas não é algo que possa, que eu possa colocar que...vai ficar sempre entre nós
né. Então o que eu coloco? Normalmente a gente, também na cnica , trabalha essa
queso, de que...que ela me diga que, de alguma maneira eu entenda ou agente juntas
entenda que possa trazer um prejuízo prá ela, prejuízo prá alguma outra pessoa, que isso
agente vai ter que ver como fazer, prá isso não acontecer mais, enfim né. Procuro, então,
situar a criança no...no espaço, a minha função, o que eu espero dela, por que ela está ali
né. Então começa assim, por aí, e...dependendo assim da idade da criança, é claro né,
muitas vezes agente então procede só com conversas, ou então com outras atividades
lúdicas, jogos, desenhos . Algumas vezes eu trabalho, aplico algum teste CAT ou o
HTP, mas não dentro do padrão assim de aplicação do teste, ha...o CAT, por exemplo,
seleciono então algumas lâminas que eu considero, que possam, que possam ser
interessantes. A partir da história, que eu tenho, ou das características da criança,
depois que eu converso com ela. Então eu vou montando assim né, com...com o tempo
e...
Pesquisadora: São aproximadamente quantas sessões ou quantas entrevistas com
ela?
Participante: s não temos assim, isso pré-determinado. Mas s temos uma média
que varia tamm, por que existe também assim uma, por exemplo, alguns anos s
tivemos assim uma, uma demanda muito grande de crianças menores de seis anos
e...então aquele ano nós tivemos assim, um...uma média maior de tempo de, de início ao
fim da avaliação e foi uma média de três meses. E...mas nós temos assim um, no geral
assim, uma média de dois meses né, eu costumo fazer uma, se são casos mais graves, no
sentido da criança estar exposta ainda a alguma situão de violência, alguma vida,
até tendo duas vezes por semana, mas normalmente uma vez na semana. E...aí varia
muito, depende muito assim da situação, no que a criança traz num primeiro
momento ou não né. Ha...eu tive uma situação no ano passado em que a menina ficou
oito meses em avaliação. Não é o nosso padrão. Essa não é a secretária, assistente social
(alguém entrou na sala trazendo café – é sua colega : assistente social)
100
Obrigada! (Agradece o café)...Continuando...mas era uma situação assim que, em
função de alguns elementos que a criança trazia, era uma criança de cinco anos,
começou com quatro, depois foi cinco, ham, até a gente ficava, a gente discutia isso
muito em equipe, que é constituída por assistente social, psicóloga e advogados. A
gente discutia bastante, isso por que quando ham...excede um determinado período
da avaliação ela já tem que integrar outros elementos terapêuticos, aliás, desde a
primeira sessão, desde a primeira entrevista a gente já está avaliando questão terapêutica
né. É como tu diz, a criança chegam com um sofrimento às vezes tão grande, que não
tem como tu fazer intervenções tamm que vão contribuir p essa criança poder
ham...enxergar as coisas de outra maneira, pse tranqüilizar um pouco, mesmo que
depois ela ter então um outro tipo de, de abordagem então mais de
acompanhamento psicológico, com psicoterapia né. Então essa é uma situação que se
prolongou, mas por que tinham alguns elementos que davam assim a noção de que
acontecia alguma coisa de abuso, mas a criança não falava, então ali se avaliou que era
importante ter essa continuidade e...e que foi, depois se comprovou ter sido
pertinente né neste caso, por que ela explicou a situação.
Pesquisadora: Para você é importante que ela fale, que ela verbalize?
Participante: Prá mim não, pra isso constar como uma prova né. Por que tu sabe que
para o Judiciário essas questões assim...tem algumas situações em que eu posso estar
convencida de que aconteceu alguma situação de violência, de violência sexual. Mas
convencida, por que eu acredito né, no meu inconsciente né, nas questões do
funcionamento psíquico. E isso é diferente para o juiz isso é muito fácil prá qualquer
advogado de defesa rebater . E...isso, nas audncias, acontece muito né, dos
advogado...né.... “tá doutora, mas não existe complexo de eletro”? Né, então a forma
que esta criança ...ou uma outra pergunta que fazem algumas vezes, ham..., mas,
ham... “As avaliações psicológicas elas tem 100% de credibilidade?”, então a gente sabe
assim, e por isso é importante a gente ter uma equipe interdisciplinar por que tamm
assim, depois de um relatório, que a gente não chama de laudo, mas de relatório de
avaliação né, ou parecer técnico.
Pesquisadora: O que é interdisciplinar? Com o advogado da equipe junto?
101
Participante: O advogado, quando ele tem alguma atuação no caso, assim , senão
normalmente é assistente social e psicóloga. A advogada, ela contribui mais pra
questões assim da objetividade , por isso essa visão do Judiciário, olha isso aqui
talvez não seja muito conveniente ou não tenha pertinência né, dentro da capacitação né.
Por que assim a gente procura colocar no relario aspectos que sejam realmente
importantes prá aquela queso. Nossos relatórios são objetivos, são ham...concisos ,
não são como laudo pericial, não é da nossa área , saúde mental, não segue todos
aqueles quesitos né, e por isso até nós fomos consultados uma vez pelo judiciário se nós
não gostaríamos, nós como entidade de, ham, podemos ser incluídos , no “hall” dos
peritos né, como peritos e a gente não né, por que não é o formato do nosso trabalho,
dos relatórios não é o mesmo de um...de um laudo. Então, assim, é importante que
fale, que verbalize em função disso , por isso eu te digo, algumas vezes eu fico
convencida, por outras questões, ham...pela brincadeira, por algumas coisas que a
criança diz que não seja diretamente, né, dizendo assim, aconteceu, foi de tal maneira
né. Mas isso tudo fica muito, não serve muito prá uma questão de ajudar depois os
órgãos responsáveis a dar algum encaminhamento . Então, nesse sentido, é
importante.
Pesquisadora: O que tu pensas dessa escuta? A que tu realizas aqui...
Participante: Hum, hum. Pois é (risos), é uma escuta especializada que eu acho que
não dada assim, que ham... como uma entrevista psicológica necessariamente. Ela
pode ser realizada, você deve ter visto em outros serviços, assistente social também,
aqui a gente se estruturou de uma forma diferente. Mas penso que, quando ela é
realizada por um psicólogo, ela ham, agrega alguns elementos assim, ham... de
conhecimento , de...de possibilidades de abordagens que são diferentes, então, de
outras áreas de conhecimento né, e isso, acho que algumas vezes isso contribui e
também agrega credibilidade prá...nisso assim, uma visão ham...de fora , de quem
encaminha ou aguarda eno um parecer né. Ham...mas, bom, acho que é uma escuta
especializada né, eu costumo dizer essa não há...apesar de eu ter então uma linha né, de,
de estudo, de conhecimento, de crença dentro da, da psicologia e fora da psicologia
também, que é a psicanálise ham... é muito difícil se utilizar de, do método
psicanalítico, não é esse o objetivo, além do que é uma avaliação, mas o conhecimento
que eu tenho ham... em relação a algumas questões do funcionamento psíquico né,
102
das questões da infância, das questões da perverção, enfim, várias questões teóricas com
certeza contribuem bastante pminha compreensão e para o direcionamento tamm
do trabalho né, das entrevista. Mas assim, então, eu não utilizo técnicas ham...por que
existem assim também no âmbito nacional , algumas técnicas que são
ham...apresentadas como específicas né, direcionadas prá avaliação de crianças que
sofreram ou não violência né, especificamente vioncia sexual né. Eu uso assim,
algumas vezes como eu te disse, testes, uso algumas variantes assim que...
E...uso muito desenho né, brincadeiras com as crianças menores e, e tem então uma
técnica que é muito difundida , e que tem inclusive assim todo um padrão assim ,
de aplicação. A técnica é utilizada com os bonecos ham...fantoches. Eu tenho esses
bonecos, são muito úteis assim, mas não uso assim como...com uma tecnologia.
Pesquisadora: Em todos os casos?
Participante: É, é. Uso mais assim como uma brincadeira, pra ir explorando algumas
coisas e também no sentido de a criança poder se sentir mais à vontade , de poder
estar falando enquanto brinca, mostrando coisas através do brinquedo . Então eu
seleciono também alguns brinquedos de acordo com a criança que vem, assim como os
testes também né e é...por aí né, acho que...
Pesquisadora: De acordo com a faixa etária...?
Participante: Também, por que a gente tem criança desde dois anos até dezessete anos
né. Então é muito diferente né, a forma de trabalhar , algumas vezes se utiliza bem
mais a conversa né, outras não tem essa possibilidade. Às vezes tem que contar com o
fato de a mãe ter que ficar junto, por que a criança tem medo né, ela não, não desgruda
da mãe , por alguns fatores , então são várias as situações que a gente, também
acho... adaptando né.
Pesquisadora: Claro! Fulana: tu encontras dificuldade ou dificuldades na tua
escuta? Se encontra, que tipo de dificuldades tu encontras?
Participante: São muitas, encontra-se... bom...
103
Pesquisadora: Pensando na criança tima de abuso sexual intrafamiliar
especificadamente.
Participante: Hum, hum. Pois é, uma das questões é a forma como a criança chega aqui
né, como eu te disse antes, pressionada né, com medo né, a criança traz muito assim um
receio de um prejuízo pra família, inclusive para o abusador , tem aquela
ambivalência que a gente sabe que existe e...e muitas vezes isso é reforçado na
criança pela família que não quer que a situação venha à tona. Então esse é um dos
fatores né. Outro é a criança saber que vem aqui ham..., não prá algo que é de uma ajuda
prá ela né, é também, é uma ajuda no sentido de que ela vai estar livre de uma situação
de violência, mas não uma ajuda no sentido de, que...que..., que eu possa dizer prá ela
no contrato , que s vamos conversar, que ela não se preocupe com o que vai falar,
que ninguém vai saber disso , então tem essa..., uma precaução né, da criança e do
adolescente em poder falar algumas coisas. Tem casos bem críticos do próprio abuso
sexual né, do..., como isso se processa na cabecinha da criança né, dependendo da idade
dela e tem essas outras questões então que tem haver com o serviço que a gente oferece,
como ela veio parar aqui , então acho que especialmente nessas situações. Outras
assim, crianças que tem muita dificuldade, crianças muito pequenas né, que tem muita
dificuldade de...de expressão verbal, crianças que também fantasiam com muitas
situações, crianças pequenas contam coisas que não são exatamente aquilo né, então
precisam de um tempo maior assim p poder ham...ham...encaminhar, abordar,
compreender o que de fato o que ela está querendo dizer, o que é fantasia, o que não é
fantasia , por que isso é outra coisa utilizada né, que a criança fantasia , imagina,
ela está...dentro da cabeça dela.
Mas nem tudo é contado. E daí, nesses casos especialmente, é importante um
detalhamento da situação que a criaa traz, por que dé possível assim se colocar
assim, uma fantasia acontece, é esperada nessa idade, mas não com detalhes ham...que
só alguém que viu, presenciou ou passou por uma situação dessas ham, traz né. Então, é
bem isso em cada situação tamm as dificuldades são diferentes. Num adolescente, nós
tivemos situações em que ham..., a situação de abuso não era real ou era, era uma
história contada ham, mas já tinha havido um abuso anterior, por outra pessoa, e daí em
função disso, acabava a adolescente se envolvendo em uma outra situação, ou usava
uma história prá, prá dar prejuízo prá uma outra pessoa. Nós tivemos situações assim
também, isso no adolescente acho que é, é mais possível de acontecer , de criar uma
104
história assim, ham, um pouco diferente da criança, as dificuldades são diferentes né.
Um menino , um acréscimo assim de...de...na possibilidade dele relatar uma situação
em função de que tem todos esses casos de masculinidade né. Ham...especialmente aqui
no Sul, onde essa questão do masculino assim dos meninos terem que provar sua
masculinidade, que nos homens é algo muito presente então, assim a...a vergonha né, o
temor da homossexualidade é algo bastante presente nos meninos. Eu acho que isso é
difícil então, é um dificultador pra revelação e um dificultador inclusive para os
casos virem à tona né, no sentido de serem notificados no conselho ou da família que
essabendo, ou outra pessoa da família, por que o menino que, além da queso de
querer preservar né, as outras pessoas ainda tem isso de querer esconder, as meninas
também; está presente a vergonha, mas o menino tem essa queso ainda né do, do risco
que isso se coloca pmasculinidade dele. São alguma questões que eu lembro assim
né, que, certas dificuldades.
Pesquisadora: E...tu percebes diferença no momento em que tu escutas uma
criança vítima de abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar?
Participante: Claro, claro! Eu acho que, especialmente esta questão da ambivalência
né. Bom, mas tu falando assim, vamos pelo teu conceito né, por que assim ham..., a
gente usa o abuso sexual doméstico como algo assim familiar, não algo assim que tem
haver com a família... Quando é com pessoas desconhecidas, ou que ela não tem um
vínculo afetivo, dependência, de confiança ham...fica mais fácil a iluscidação. Eu
imagino e acredito né, e percebo em função de que as questões são equivalências e elas
eso presentes né. Parece até um pouco óbvio assim , por que então essas questões
que a gente falava de, esses temor da criança em trazer um prejuízo para os pais, ou do
temor em sofrer mais violência né, que ela vem revelar o que acontece, isso daí nos está
presente. Eno fica bem mais fácil, a criança consegue ter ódio , ter raiva daquela
pessoa que fez isso né.
Pesquisadora: Hum, hum e já no intrafamiliar?
Participante: Aparece a ambivalência, né, existe o amor por esta pessoa, do cuidado,
da dependência , então isso complica tudo . E é um sofrimento muito maior para a
criança sem vida, quando ela sofre um abuso por alguém que ela conhece né. Acho
105
que também as conseqüências vão ser bem diferentes . Até porque ham...penso, se
acontece um abuso ham...intrafamiliar, isso envolve assim um ponto cego prá família,
talvez uma falta de cuidado com essa criança, não poder ver o que está acontecendo. E
daí a gente pode pensar assim que família é essa . Por isso que se fala família né,
incestogênica, porque na verdade, quando acontece um abuso na família a gente vai
supor que todos de alguma maneira estão envolvidos e que essa criança já a mais tempo,
sofrendo a mais tempo abuso que não são abusos explicitados né, é...porque muitas
pessoas é...consideram o abuso assim, quando existe um ato, né, mas nem sempre é o
ato da, da manipulação, da masturbação, de exibicionismo e outros adultos que são
tão sutis, que nunca vão levar a um processo de, de destituição do fato, poder ou de
prisão , dos acusados. que não é assim que acontece. E... eu penso que, quando
acontece um abuso em ato familiar, é porque esta criança vem sofrendo deste muito
tempo, nessa família, ou vem colocar nesta família um lugar que não é visto, que não é
considerado, respeitado . Então pra mim, via de regra o abuso familiar é, ele traz
conseqüências bem piores, não o abuso em si, mas se relacionar com toda
convivência que a criança já vem tendo na família.
Pesquisadora: Tu também escutas o abusador na avaliação ?
Participante: Normalmente não, porque? A gente (risos), prá completar a pergunta tipo
que como vocês afirmam alguma coisa . Afirmam. A gente costuma colocar que há
indicativos, de que houve uma violência, porque assim, ham...ouviram o abusador prá
que né? Ele vai te dizer que aquilo não aconteceu né, que, vai contar outras histórias né,
a gente não faz acariação no sentido de ouvir os prós, os contras o juiz tem que
fazer...na delegacia se faz isto , durante a faze de inquérito. O que a gente faz é
avaliar a situação, a gente não avalia a criança, não avalia nem mãe, nem pai, até coloca
elementos em relação a isto no relatório de algumas ham...observações, sobre
possibilidades, digamos de proteção dessa família ou não né, embora o abusador , o
acusado, mas agente não faz uma avaliação da criança, uma avaliação das condições de
ego, de funções, enfim, não. O que a gente faz é uma avaliação da situação a partir da
vítima.
Pesquisadora: A dinâmica familiar é considerada?
106
Participante: Sim, sim.
Pesquisadora: Mas a partir do que a vítima traz?
Participante: Não, e tamm outras pessoas da família. Sempre, sempre se houve
outras pessoas, com exceção do abusador, com exceção do abusador. Não que não se
faça isso nunca né. Em casos, por exemplo de violência sexual, algumas vezes eles nos
procuram p falar alguma coisa, outros mandam advogados nos procurarem outros
né...mas, às vezes, quando eles nos procuram, nós escutamos né, mas o que eles trazem
ham...normalmente é um padrão assim, é uma defesa, depois eles vão apresentar em
outros espaços. Como a gente não tem condições de avaliar ham, ham...condições e a
estrutura psíquica dessas pessoas, a gente não o porque de fazer isso né. Então não
fazemos.
Pesquisadora: Fulana, tu pensas que a criança vítima de abuso sexual
intrafamiliar deve ser escutada sempre no âmbito do Judiciário?
Participante: Pois é né, tu faz umas perguntas...eu acho que tem os dois lados nessa
situação. É algo assim como...se uma criança deve sempre, quando aparece uma
situação de suspeita de violência sexual, deve sempre passar por uma perícia médica?
Né...porque a gente pensa, nossa, algumas vezes é uma...é algo assim de muita violência
né, prá essa criança. Eu em alguns, em algumas situações que eu sinta uma criança
muito fragilizada, eu coloco uma sugestão no relatório de que, caso não seja
absolutamente necessário p conclusão, do processo judicial, de que tenha essa
possibilidade de a criança não ser chamada prá...prá audiência né, porque ela vai se
deparar de novo com o abusador, vai ter que falar sobre isso com pessoas que ela não
conhece, com adultos, lá naquela situação física né que é aquela sala com, não sei como
é em outras cidades, mas aqui s não temos no juizado especial, então nada é
preparado para aquela criança. Então, é um juiz assim que se sente até constrangido de
perguntar algumas coisas, não sabe muito como perguntar ou de...a distribuição das
cadeiras e das mesas é algo que inibe esta criança também. Então eu acho que, algumas
vezes deve-se dispensar a criança. Não sei se isso é absolutamente necessário pra
protege-lá né, ham, eu digo assim, se..., se eu não chamar a criaa, pode haver risco de
107
esse acusado não ser, ham..., responsabilizado e com isso se proteger a criança, eu acho
que ela deve ser usada no...ham como...ham...no processo né.
Pesquisadora: E daí, quem seria a pessoa ou profissional mais indicado para poder
realizar essa escuta no âmbito do Judiciário?
Participante: Tem agora toda uma discussão sobre o depoimento sem dano né, que
também se traz os prós e os contras dessa...dessa nova cnica né. Eu acho isso
interessante porque, bem isso que eu vou te dizer, acho que os juízes não têm um
preparo para isso. Aqui, tem o juiz da vara criminal né, que...que faz essas entrevistas e
o que o juiz faz? Ele, ham...tem uma crítica né, sobre essa questão que ele não tem
assim muita habilidade, ou não se sente muito a vontade. Ele passa isso mais p
promotora, que é uma mulher e que é uma pessoa que tem mais habilidade pisto.
Então acho que depende um pouco dos advogados de defesa se sentirem um pouco
ham...prejudicados no seu poder de argumentação, quando a criança não é perguntada
pelo, escutada pelo juiz, no caso, o depoimento sem dano, eles são os que mais batem
contra isso, porque eles ham...perdem um pouco a possibilidade de eles fazerem aquelas
perguntas que colocam em contradição com o que a criaa diz né, enfim, essa é outra
discussão né. Mas eu acho assim que um advogado, desculpa, um juiz que tivesse uma
sensibilidade, um conhecimento da situação, poderia conversar com essa criança, ou um
promotor que tivesse essa...ham...esse quisito né. Mas acho que é viável, é interessante e
é um respeito à criança, se alguém com...uma...um entrevistador com uma sensibilidade
de conhecimento, de uma capacidade específica p isso, se ele pudesse estar
conversando com ela né. Então, nesse caso, o depoimento sem dano, sendo com toda
aquela estrutura toda de ser em outra sala, enfim, mas acho que nisso é um ganho né,
pensando no respeito a criança né, objetiva evitar um sofrimento maior.
Pesquisadora: Outra pergunta seria: o que tu pensas sobre o trabalho
interdisciplinar nos casos de abuso sexual intrafamiliar?
Participante: Acho que, trabalhando numa equipe , que laa olhares desde outros
pontos de vista sobre a situação, isso...agrega muito ao trabalho né, porque são situações
em que, em que a gente percebe assim muitos fatores que estão envolvidos , desde
questões assim individuais, sociais, questões jurídicas , e...acho que isso contribui
108
prá, prá que se possa abordar esse fenômeno de uma forma mais completa e mais efetiva
né. Então, assim, aqui, por exemplo, nossa experiência, ham... muitas vezes algum
aspecto que um profissional não percebe, o outro então se alerta para isso né, ham...mas
quem sabe tal coisa, outro diz não, a mãe me falou isso, mas pmim a mãe falou algo
diferente. E na equipe agente, por ter um...seguir , a mesma, a mesma...noção
desse conceito e compromisso com a ética, agente troca algumas questões. Não abro
assim todas as questões que aparecem, ou que apareçam no, no...na avaliação que eu
faço né, psicológica, até por que tem coisas que são desnecessárias né de serem trazidas,
não tem haver com aquela situação, com aquele contexto, não vão contribuir. Mas
assim, no que contribui para avaliação, nós trocamos informações né, só entre nós e que
fica entre nós e isso agrega ao trabalho né. Am de, de...de se ter assim uma
possibilidade de discussão. Aqui, por exemplo, nós não temos duas psicólogas ou duas
assistentes sociais, é uma de cada área . Então a discussão, quando acontece, é uma
discussão interdisciplinar e isso é muito bom.
Pesquisadora: Resumindo, como deve ser o atendimento ou a escuta da criança
vítima de abuso sexual intrafamiliar?
Participante: Eu acho que deve ser uma escuta marcada pelo respeito, né, pelo olhar
prá aquela criança que, eu acredito que p uma criança que sofre esse tipo de
violência, é algo com que ela não está habituada né, que ela está chegando por que foi
desrespeitada, não foi considerada por que ela não foi olhada né, pela família, então...,
penso que isso é um dos aspectos fundamentais né, do respeito à criança. Ham...e dentro
disso, então, a possibilidade de oferecer um espaço que seja, ham, de construção p
essa criança né, não algo assim onde ela venha prá ser espremida, submetida a técnicas
né, e..., prá se conseguir algum resultado né. Então assim, inclusive a gente sabe que
tem muitos profissionais, muitos serviços que consideram uma avaliação de três meses
ou quatro meses, é algo que é inadmissível, tem pessoas que dizem que, se a criança não
fala nas duas primeiras entrevistas, ela não vai mais falar. Mas a gente não tem essa
experiência né, inclusive as duas primeiras entrevistas são mais no sentido de formar
um vínculo com a criança, dela poder se apropriar do espaço né, de saber o que está
acontecendo, de poder ter a confiança mínima que é possível numa situação como essa
de avaliação e, prá poder falar né, e entender por que isso é importante para ela. Então
acho que essa questão da consideração da criança e, além disso, o que ela precisa ham...,
109
pra além dessa avaliação e da deteão de uma situação de violência que ela sofreu.
Quer dizer o que ela vai precisar a mais do que isso né, por que são...a avaliação é o que
contribui, é uma interrupção do sofrimento dessa criança né, do sofrimento baseado na
repetição do ato, do abuso. Mas ela vai precisar de muitas coisas depois disso , ou
durante esse período de avaliação. Então isso também é algo que nos preocupa bastante,
também é essencial que essa criança possa ser contemplada pela rede de atendimento
né, que muitas vezes são os serviços de saúde, os serviços de proteção, o...e dentro da
saúde, o acompanhamento terapêutico , não na criança, a contemplação da família
nesses processo também é algo essencial. Eno, eu acho que é isso , a oferta de um
ambiente que leve em consideração a criança que está chegando aqui ou o adolescente
que está chegando aqui né.
Pesquisadora: Ótimo...E a última questão, então, que eu te coloco é se tu terias um
caso para me contar, alguma situação que tenha te chamado atenção, seja pela
criança em si, pela forma com que ela foi recebida, ham, pelo desfecho do caso,
pelas dificuldades. Um caso que tu lembras que tenha te mobilizado em algum
sentido. Gostaria que você contasse como foi a sua intervenção...
Participante: Pois é, são vários. Acho que é..., teve uma situação de um menino de oito
anos, que não esmais agora conosco em avaliação e não foi um caso bem resolvido,
foi uma avaliação que não foi conclusiva pra..., acho que essas que me mobilizam mais
e que mobilizam mais os profissionais, não são as situações bem sucedidas né, por que
essas né, agente consegue botar um ponto final né, bom então essa criança está...e essas
situações que são inconclusivas e, nesse caso, um menino que vinha com uma situação
muito, de muito prejuízo já, psíquico né, emocional ham..., por, muitas invasivas assim
dessa família, da mãe, do pai e...uma criança que foi encaminhada pela escola, em uma,
numa primeira situação foi encaminhada pela escola, o caso chegou ao Conselho
Tutelar e, ham..., como a criança não falou para o conselheiro tutelar, disse não, isso não
aconteceu, enfim, o conselheiro arquivou né entre aspas, o caso. Depois de dois anos de
novo, um outro setor, então do município ligado a educação e ao serviço especializado,
encaminhou de novo a situação para o conselho. Então assim, marca , num primeiro
momento que é uma situação onde o menino ficou exposto a uma possível violência
sexual intrafamiliar, o pai era a pessoa apontada assim né. E..., mas uma situação dessas
onde não aparecia, ham, verbalmente, nunca apareceu um relato objetivo né, de uma
110
situação, de um abuso em ato né. Mas, assim, muitas situações, assim , de, de
exposão do menino a, a situações ham..., inadequadas assim, entre os pais né, de
relacionamento sexual entre os pais, de exposição a cenas de filmes, revistas, mas, ham,
uma família com um prejuízo emocional assim, e um comprometimento pquico assim,
ham, muito evidente, muito grande né, onde entrava eno questões religiosas né,
ham..., coisas que Deus falava isso à criança p, havia também uma confusão muito
grande , entre as questões de fantasia e de realidade . Então a criança mostrava
muito nos brinquedos, uma questão de morte muito presente, desenhos , uma criança
que estava, que tinha, podia considerar uma, uma patologia...de fronteira assim,
uma patologia grave. Então, era uma criança exposta aos abusos pela família desde
muito tempo , s até, ham, levantamos a idéia de os outros irmãos mais velhos
terem passado pela situação de violência, ham..., ele chegou aqui com uma situação de
falta de controle dos esfíncteres, de dificuldade de aprendizagem né, de...escapes assim,
psicóticos na escola, por isso assim mobilizou tanto a escola. E com a mãe sem
nenhuma possibilidade de larga esse menino e sem poder perceber que isso poderiam
ser sintomas de, por que ela tamm estava envolvida né como protagonista. Então, essa
foi uma situação de um abuso familiar, onde pai, mãe e filhos, estavam envolvidos né,
mas um abuso muito sutil , às vezes, lembra-me perguntar o que marcou por que faz
parte deste grupo de violência sexual que, talvez nunca chegue a ser acabado, mas que
nem por isso são menos graves, ou trazem menos conseqüências para a criança. Uma
criança sempre invadida por situações incompreensíveis para ela né, da área da
sexualidade infantil e adulta né, e sem a possibilidade de um, de uma figura de proteção
para ela dentro de casa . Então, uma situação grave , e, e o que que se fez nessa
situação, até que ficou bastante tempo aqui conosco esse menino, pela gravidade ele
nunca chegou a trazer isso de uma forma bem objetiva , olha aconteceu isso, aquilo,
aquilo outro. Não se sabe se houve um abuso físico de ter tido algo como penetração
anal, masturbação, essas coisas mais ham...de contato físico mesmo né. O que ficou
mais é essa a exposição física do menino . E dnesse caso aqui o que se fez depois,
nós também pensamos, não!, vamos continuar, então, esse menino precisa, de qualquer
maneira, de um apoio continuado né, e de um espaço onde se em algum momento podia
uma, a possibilidade de ele falar sobre isso, que tenha um espaço prá isso né. Então o
que s encaminhamos assim, uns dez pontos de sugestão para o judiciário né, de
acompanhamento da família pelo Centro de Referência né, o acompanhamento do
menino pelo Centro de Referência que então executa o sentinela, que faz então esse
111
acompanhamento terapêutico, abordagem psicopedagógica do menino, ham..., avaliação
da família, tudo isso a médio prazo . Então, dizer por que que eu lembrei dessa
situação, mas acho que por exatamente aquelas coisas mal resolvidas ou não resolvidas,
e com as quais tamm a gente tem que se deparar né, a gente acha, tu também lida
muito né com essas angustias que chegam até a gente e a gente tem que poder, ham, se
deparar com isso e também poder perceber o limite da nossa ação por que se não isso
continuaria indefinidamente com uma situação até que aparecesse algo que se supunha.
que também nesses momentos de novo , o que eu te digo que é prioritário no
nosso trabalho. A gente pensa que, prá esse menino, não era mais aquilo que eu fazia
com ele , de avaliação, não era mais o que ele precisava naquele momento , ele
precisava ter ido para um outro espaço onde não tivesse essa variável , independente
assim, ham, do por que foi encaminhado pra cá, por onde veio , de ele poder estar
num espaço onde ele pode trazer as angústias dele e ser ouvido e ser ajudado né. Então,
quando agente chega num limite né, que é avaliado pela equipe multidisciplinar, então
e..., sempre também em função da criança nesse caso. Espero que ele esteja bem.
Pesquisadora: É né, a gente fica pelo menos com essa esperança, pelo menos.
Participante: Nossa! É por que assim, em situações assim onde não encontro na família
né, uma referência, bom, se não for com esse pai, essa mãe, com quem essa criança vai
ficar? Tem muitas situações assim né, por que chegam aqui prá nós que são situações de
baixa renda, famílias com uma estrutura assim muito precária né, um funcionamento
onde outras pessoas da família, ou não existem ou não querem ficar com essa criança.
Então a opção seria ir para uma abrigagem , o que também é assim, uma coisa
extrema num caso assim, onde não se tenha outra possibilidade né. Então agente está
sempre lidando com isso , no consultório, enfim né.
Pesquisadora: Trabalhas em consultório também?
Participante: Também aqui e em Porto Alegre.
Pesquisadora: Bom, então, a entrevista é essa. Muito obrigada.
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