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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ
ISABEL KOLTERMANN BATTISTI
A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE MEDIDA DE SUPERFÍCIE
SOB UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL
- Uma vivência no contexto escolar -
Ijuí RS
2007
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ISABEL KOLTERMANN BATTISTI
A SIGNIFICAÇÃO CONCEITUAL DE MEDIDA DE SUPERFÍCIE
SOB UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL
- Uma vivência no contexto escolar -
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Educação nas Ciências da
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Dra. CÁTIA MARIA NEHRING
Ijuí - RS
2007
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4
Dedico este estudo:
Aos colegas de trabalho,
que implicados no desafio de educar,
acreditam numa escola que se constitui à cada novo dia.
Aos meus alunos,
em especial, àqueles capazes de causar
inquietações e que instigaram à realização da presente pesquisa.
Aos educadores matemáticos,
por serem capazes de vislumbrar e objetivarem
inúmeras possibilidades no processo de ensinar e aprender matemática.
Sou grata a muitas pessoas as quais, de diferentes formas,
contribuíram e estiveram comigo na realização
desta pesquisa, em especial:
A Maria Rita, Gustavo, Gabriel e Carlos, pelo constante
e incansável apoio e pela compreensão das
minhas muitas ausências.
A professora Drª Cátia Maria Nehring, que, com sabedoria
e competência, enxergou, acreditou e orientou
a presente investigação.
Aos professores Dr. Milton Auth, Drª Lenir Basso Zanon
e Dr. Ademir Damazio, pela criteriosa e atenta
leitura e valiosas contribuições na Banca
de Qualificação e de Defesa Final.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação
Mestrado em Educação nas Ciências da Unijuí.
Aos colegas do curso de Mestrado em Educação nas
Ciências/turma 2005, em especial, àqueles que,
pela convivência e afinidades,
nos tornamos amigos.
Obrigado.
RESUMO
A centralidade desta pesquisa está relacionada ao complexo processo de
ensinar e aprender matemática, em especial, à significação de conceitos
matemáticos num espaço formal de apreensão de saberes, a sala de aula. Seus
objetivos giram em torno do entendimento de como ocorre o processo de
apropriação das significações dos conceitos matemáticos no contexto escolar e da
identificação e compreensão dos principais fatores/elementos que interferem neste
processo. As discussões se estabelecem mediante a análise de aulas de
matemática, as quais foram por mim ministradas em uma turma de série de uma
escola pública estadual, com foco voltado para o estudo de medida de superfícies.
Os dados empíricos são olhados
à luz de categorias da teoria histórico-cultural
desenvolvida por Vigotski e seus estudiosos, articulados a idéias, entendimentos e
conceitos de outros autores, os quais ampliam as condições de análises e
discussões propostas.
Nas análises realizadas, evidencia-se a apropriação das
significações de conceitos matemáticos a partir dos sentidos produzidos pelos
alunos nas diferentes inter-relações e nas relações estabelecidas entre as
significações conceituais; as intervenções que acontecem no contexto da sala de
aula, as quais proporcionam (ou não), a apropriação das significações de conceitos
matemáticos; também o
fazer matemática, que se estabelece a partir de abstrações
e generalizações, fundamentado em representações de diferentes níveis.
Palavras-chave: Abordagem histórico-cultural; Elaboração conceitual; Conceitos
matemáticos; Interações didático-pedagógicas.
ABSTRACT
The centrality of this research is linked to the complex process of teaching
and learning mathematics, specially, to the mathematics concepts meaning in a
formal room of knowledge apprehension, the classroom. Its purpose are around the
knowledge of how does happen the process of meaning apprehension of
mathematics concepts in the school context and the comprehension and
identification of the main factors/elements that interfere in this process. The
discussions are established through the mathematics lessons analysis, which were
taught by me in a 5
th
grade class at a state public school, with the focus towards the
surfaces’ measure study. The empiric data are looked by the categories of the
historical-cultural theory developed by Vigotski and his followers, articulated by ideas,
knowledge and concepts of other authors, which extend the analysis and the
proposed discussions. In the developed analysis, become evident the appropriation
of the mathematics concepts meaning, from the students’ produced meaning in the
different relationships and in the established connections between the conceptual
meanings; the interventions that happen in the classroom context which provide (or
not), the meaning appropriation of the mathematics concepts; the making
mathematics that is established from abstractions and generalizations, based on
representations of different levels.
Key-words: historical-cultural approach; conceptual elaboration; mathematics
concepts; didactic-pedagogical interactions.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Esquema do desenvolvimento dos conceitos científicos (CC) e dos
conceitos espontâneos(CE). .....................................................................................56
Figura 2: recorte do caderno do aluno F2 o qual apresenta uma questão e a resposta
dada pelo aluno.........................................................................................................60
Figura 3: Recorte do caderno de F2, a qual apresenta a atividade proposta pelo
professor. ..................................................................................................................62
Figura 4: Recorte do caderno do aluno F2, o qual mostra as respostas da atividade
desenvolvida. ............................................................................................................65
Figura 5: Segmentos considerados na medida apresentada por Caraça..................66
Figura 6: Peças do jogo Tangran..............................................................................82
Figura 7: Atividade proposta aos alunos. ..................................................................82
Figura 8: Atividade proposta aos alunos. ................................................................106
Figura 9: Recorte do caderno de F2........................................................................108
Figura 10: Recorte do caderno de Q1.....................................................................109
Figura 11: Visão dicotômica do concreto e abstrato................................................112
Figura 12: A concreticidade a partir da ação conjugada entre o abstrato e o concreto
revelando a sistematicidade dos conceitos.............................................................113
Figura 13: Tabela construída em conjunto com os alunos a partir da atividade 4.
(Recorte do caderno de Q1)....................................................................................116
Figura 14: Atividade proposta aos alunos, na qual é utilizado 1m² confeccionado com
papel. ......................................................................................................................118
Figura 15: Questões propostas aos alunos.............................................................120
Figura 16: Registro do aluno F2..............................................................................120
Figura 17: Registro da aluna Q1. ............................................................................120
Figura 18: Registro da aluna Q1. ............................................................................120
Figura 19: Registro do aluno F2..............................................................................121
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................12
1 SER PROFESSOR SER EM FORMAÇÃO.........................................................15
1.1 CONFIGURAÇÃO DA PESQUISA......................................................................22
1.1.1 Questionamentos e objetivos ...........................................................................23
1.1.2 Cenário da pesquisa.........................................................................................24
1.1.3 Aspectos metodológicos: abordagem microgenética .......................................26
1.1.4 Categorias, episódios e abordagem histórico-cultural......................................28
2 SIGNIFICANDO CONCEITOS MATEMÁTICOS SOB UMA ABORDAGEM
HISTÓRICO-CULTURAL..........................................................................................34
2.1 SABER MATEMÁTICO SOB O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO E CULTURAL.......................................................................................34
2.2 FAZER MATEMÁTICA PELA APROPRIAÇÃO DE SIGNIFICAÇÕES
CONCEITUAIS..........................................................................................................40
2.2.1 Na interação pedagógica um conceito a ser significado: superfície.................42
2.2.2 A sistematicidade constituindo conceitos matemáticos e seu desenvolvimento
na sala de aula..........................................................................................................59
2.2.3 Linguagem: ferramenta básica na apreensão do saber matemático................71
3 INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO
CONCEITUAL NAS AULAS DE MATEMÁTICA......................................................81
3.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL: RELAÇÕES COM AS
INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NAS AULAS DE MATEMÁTICA .......................96
3.2 AS INTER-RELAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER
MATEMÁTICA NO CONTEXTO ESCOLAR............................................................100
4 ABSTRAÇÃO, GENERALIZAÇÃO E FORMALIZAÇÃO NO PROCESSO DE
ELABORAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS...............................................104
4.1 A CONCRETICIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER
MATEMÁTICA.........................................................................................................109
4.2 A GENERALIZAÇÃO NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO/FORMALIZAÇÃO
DE SIGNIFICAÇÕES DE CONCEITOS MATEMÁTICOS.......................................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................129
ANEXOS.................................................................................................................133
12
INTRODUÇÃO
Da pluralidade de inquietações vividas no exercício da docência, no
exercício do ser professora de matemática, nasceu a presente dissertação. E se faz
num movimento de imersão e de distanciamento de um lugar o qual configura a
própria investigação, a sala de aula. É neste e deste lugar que a pesquisa se
estabelece. É a partir deste espaço escolar, dos meandros das inter-relações
estabelecidas entre professora, alunos e objetos de saber das aulas de matemática
que esta professora/pesquisadora busca elementos para aprimorar/qualificar sua
prática didático-pedagógica.
O foco de interesse desta investigação desenvolve-se em torno do processo
de apropriação, pelos alunos, de significações de conceitos matemáticos no
contexto escolar. A partir da conceituação de medida de superfície instaura-se, por
entre diferentes situações das aulas de matemática, o percurso desta pesquisa.
Porém, este caminho não acontece de forma solitária, faz-se num constante diálogo
com vários autores, os quais não possibilitam as necessárias conversações, mas
também as fundamentam.
O texto aponta implicações/aproximações da abordagem histórico-cultural
com a prática educativa, especialmente com o processo de ensinar e aprender
matemática no espaço escolar. Na trama e na complexidade das múltiplas relações,
as quais permeiam a apropriação de significação de conceitos matemáticos, fluem
as análises, discussões e reflexões que marcam perspectivas e contribuições dos
autores por hora envolvidos.
As reflexões/discussões desta investigação estruturam-se a partir de alguns
aspectos/categorias considerados, neste momento, fundamentais no processo de
ensinar e aprender matemática no espaço escolar: a formação/constituição do ser
professor”, a significação de conceitos matemáticos, as intervenções pedagógicas
13
neste processo e características peculiares do saber matemático. Estes
aspectos/categorias não delimitam este estudo, mas também marcam o texto da
dissertação, o qual está organizado em quatro capítulos.
O primeiro traz à reflexão o processo de constituição/formação do “ser
professor”, percebendo-o como um processo complexo, permeado por dimensões
subjetivas, históricas e culturais, o qual se estabelece, por vezes, entre conflitos e
inseguranças, mas de forma dinâmica, dialógica e dialética, a partir de reflexões no e
sobre o exercício da profissão, sendo desta forma contínuo, tenso e sempre
inconcluso. Neste contexto, desponta a pesquisa como o elo que liga teoria e prática
e discute questões relacionadas à sala de aula, à escola, à educação e à sociedade
em torno do processo de ensinar e aprender matemática. Ainda neste capítulo é
delimitada a pesquisa, apontando seus objetivos, a metodologia empregada e
descrevendo o cenário no qual esta se desenvolve. Explicita, também, a partir de
alguns pressupostos da abordagem histórico-cultural e de uma breve descrição de
quatro episódios de aulas de matemática de uma turma de 5ª série do ensino
fundamental, as categorias/aspectos considerados nas análises que constituem os
próximos capítulos.
O segundo capítulo desenvolve-se em torno da significação dos conceitos
matemáticos. Discute o saber matemático sob o processo de desenvolvimento
histórico e cultural e marca as duas raízes diferentes na formação do conceito na
criança, apontadas por Vigotski (2001). Uma destas raízes é o desenvolvimento da
generalização, a qual é apresentada em dois grandes estágios na formação dos
conceitos, o sincrético e o estágio de formação de complexos. A outra raiz na
formação do pensamento conceitual na criança é apontada por Vigotski (2001) como
sendo o terceiro estágio da evolução do pensamento infantil, os conceitos
propriamente ditos, os verdadeiros conceitos. No tratamento deste importante
estágio é apontado que este atua na mente do indivíduo fazendo com que ele
distinga nos objetos características e relações cada vez mais abstratas, e vem, de
acordo com Vigotski (2001), complementar o que faltava aos complexos para
formação dos verdadeiros conceitos. No desenvolvimento deste estágio na evolução
do pensamento infantil são apresentadas duas categorias de conceitos, os
cotidianos e os científicos. Ainda no presente capítulo, é discutida a sistematicidade
na constituição de conceitos matemáticos e seu desenvolvimento na sala de aula.
14
Neste item do segundo capítulo são feitas algumas costuras dos
pressupostos da abordagem histórico-cultural com idéias, considerações e conceitos
apresentados por Caraça, o que vem ampliar/complementar as condições de
análises e reflexões. Neste contexto, é apontado que a relação do homem com o
mundo não é uma relação direta com o objeto, mas uma relação mediada por
sistemas simbólicos, os quais são estruturas complexas e articuladas que se
organizam por meios de signos e instrumentos. A partir de então, são tratadas
questões relacionadas à linguagem matemática.
No terceiro capítulo da dissertação é posto à discussão um aspecto
extremamente importante no processo de elaboração conceitual apontado por
Vigotski, as interações. O referido aspecto é tratado a partir de intervenções
pedagógicas no processo de significação conceitual nas aulas de matemática,
indicando implicações e importância na constituição de zonas de desenvolvimento
proximal dos alunos e das inter-relações no processo de ensinar e apreender
matemática no contexto escolar. As inter-relações também são olhadas a partir de
uma função do professor, a gestão da classe.
O quarto, último capítulo, desenvolve-se em torno de questões próprias do
saber matemático que, por muitas vezes, caracterizam esta área de saber de forma
pejorativa. Essas “características” são discutidas a partir do pressuposto de que
“fazer matemática” no contexto escolar se estabelece a partir de abstrações e
generalizações e fundamenta-se em representações em diferentes níveis, expressas
por uma linguagem própria. As discussões deste capítulo estão fortemente
marcadas pelo conceito de área de superfícies que possuem a forma quadrangular e
retangular.
A presente dissertação finaliza tecendo algumas considerações acerca do
estudo, tematizando questões relevantes no processo de apropriação de
significações dos conceitos matemáticos, as quais nortearam as reflexões, como
também, possibilidades de novos questionamentos e entendimentos.
15
1 SER PROFESSOR SER EM FORMAÇÃO
O homem se pode definir como ser que aprende.
Não surge ele feito ou pré-programado de vez.
Sua existência não é por inteiro dada ou fixa;
ele a constrói a partir de imensa gama de
possibilidades em aberto.
Nasce no seio de uma cultura viva,
que só é tal à medida que assumida como desafio
de permanente reconstrução pela atribuição dos sentidos
que imprime a seu convívio em sociedade e na estruturação
da própria personalidade. (MARQUES, 2000, p. 15).
A sala de aula é minha maior referência. É o lugar-tempo mais significativo e
decisivo da escola, é um micro-universo constituído pela cultura, pela sociedade e
pela pessoa de cada um (MARQUES, 2000). É neste lugar, pela ação de ensinar
matemática, que referendo minha atuação como educadora e me configuro como
pesquisadora. É no cotidiano da sala de aula, na convivência com alunos e meus
pares, na identificação e no confronto dos modos de percepção e objetivação, que
tenho elaborado, questionado e redimensionado minha ação didático-pedagógica.
São nestas e a partir destas inter-relações, complexas e, por muitas vezes,
conflitantes que emergiram as indagações e os propósitos da presente pesquisa.
A sala de aula efetivou-se como referência da minha prática didático
pedagógica a partir de vivências articuladas com o entendimento de que o ato de
aprender e ensinar não é dado, não está pronto, de que este se faz a cada aula. A
compreensão do “inacabado” também se refere à instituição escola, a qual não está
pronta, nunca é realidade dada de vez, pois “as práticas que a instituíram e as
práticas que a mantém transformando-a permanecem em relação com o ainda não,
com o ausente e com a evocação do possível” (MARQUES, 2000, p. 91). É a
evocação do possível que nos permite acreditar em uma nova escola, em novas
ações didático-pedagógicas, em uma sala de aula, que se constrói, desconstrói e
reconstrói, com possibilidades de significações a cada novo dia, na medida em que
os sujeitos que a compõem, num processo de constante interação, privilegiam o
diálogo, o questionamento, a crítica, a criatividade, a coletividade, o (re)aprender a
ser e o (re)aprender a fazer.
Esta postura e o próprio processo do (re)aprender está ancorado nas
concepções do professor, as quais também determinam o seu fazer didático-
pedagógico. Suas ações na sala de aula fundamentam-se em determinadas
16
concepções ligadas à sua subjetividade, ou seja, à suas crenças, seus valores, suas
ansiedades, sua sensibilidade e suas formas de percepção. Tomando por base o
pressuposto de que o pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de
conhecer o mundo e de nele atuar é uma produção social que depende das relações
que o homem estabelece com o meio, com os outros (VIGOTSKI, 2001), pode-se
afirmar que estas concepções são significadas, dialeticamente, no curso das
interações.
São nas e a partir das interações que nos socializamos e nos constituímos
como pessoa e como educador, e as ações didático-pedagógicas apresentam-se
como manifestações das percepções, as quais vão sendo (re)significadas no
decorrer do próprio processo. Nesse sentido, as significações do complexo processo
do aprender e ensinar matemática e da não menos complexa instituição chamada
escola passam, necessariamente, pelas significações dos sujeitos envolvidos,
especialmente as do professor.
O exercício do “ser professor” tem características específicas que o
constituem. É, antes de tudo, de acordo com Astolfii e Develay (1990), uma profissão
cujo exercício exige tomada de decisões em sistemas complexos nos quais
interagem inúmeras variáveis, das quais, o próprio professor faz parte. Os referidos
autores identificam aspectos que podem dar corpo à formação do professor, entre os
quais: ensinar é comunicar; é preciso dominar os conteúdos a ensinar, tendo uma
visão geral da disciplina em termos de princípios
1
organizadores, de campos
nocionais, de tramas conceituais, percebendo cada elemento como uma unidade
constituída por conceitos ligados uns aos outros reflexão epistemológica dos
saberes a ensinar; necessita de ferramentas diversas as quais se apóiam na
reflexão didática; é necessário, também, ter consciência do conjunto de valores e
das finalidades que, explícita ou implicitamente, determinam seus procedimentos e
suas escolhas. Ser professor requer, então, saberes
2
e conhecimentos
3
científicos,
pedagógicos e educacionais, sensibilidade, indagação teórica e criatividade para
encarar as situações ambíguas, incertas e conflituosas. Nesse sentido, para ensinar,
1
Relação de dois ou mais conceitos (PIROLA; BRITO, 2001, p. 95.)
2
Saber refere-se a um registro teorizado, descontextualizado, despersonalizado e sócio-
culturalmente instituído, podendo ser ensinado (CONE, 1996).
3
Conhecimento refere-se ao contexto individual e subjetivo, representando o aprendido e
transformado pelo sujeito por uma experiência direta e pessoal (CONE, 1996).
17
o professor necessita de saberes e de conhecimentos que vão muito além de sua
especialidade.
No processo todo de constituição e formação do “ser professor”, percebe-se
que a sua identidade é simultaneamente epistemológica e profissional, constituindo-
se no campo teórico e no âmbito da prática social, na qual percebem-se traços de
historicidade, do próprio processo de desenvolvimento da sociedade.
Considerando que no curso das relações sociais os indivíduos produzem e
se apropriam
4
das diferentes atividades práticas e simbólicas (FONTANA, 1996), as
práticas docentes estão relacionadas à consciência sobre a própria prática, a da sala
de aula e a da escola como um todo. E isto pressupõe conhecimentos teóricos e
críticos sobre o desenvolvimento da sociedade, como também, de forma especial, da
realidade.
Na medida em que se reconstrói um processo histórico amplia-se a
consciência crítica sobre a prática docente e possibilidades de se compreender a
natureza das relações e inter-relações sociais, econômicas, políticas e culturais na
produção dos saberes, na constituição do “ser professor”, na educação escolar, bem
como a importância do processo da escolarização na formação do cidadão. Com e
sob estas percepções, e considerando que “à medida em que mais rica se torna a
prática sócio-histórica, mais decisivas resultam as exigências da aprendizagem e
mais complexas suas tarefas” (MARQUES, 2000, p. 17), possibilidades de um
melhor entendimento do que somos, do que queremos ser e a compreensão da
dimensão dos desafios a que estamos lançados ou a que nos propomos.
As formas pelas quais se compreende o movimento da história, a produção
de saberes e a própria realidade pautam, de diferentes formas e sob vários
aspectos, o ato de ensinar e aprender matemática.
O processo de produção do saber matemático deu-se a partir de
necessidades, da tentativa do homem compreender e atuar em seu mundo. Ao tratar
da dimensão cognitiva, D’Ambrósio destaca que “as idéias matemáticas,
particularmente comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir
e, de algum modo, avaliar, são formas de pensar, presentes em toda a espécie
humana (2002, p. 30). E estas idéias foram, hegemonicamente, de diferentes
4
Atividade cognitiva que se estabelece pela linguagem e implica um processo de conversão de
saberes historicamente produzidos pelos homens em saberes do indivíduo.
18
formas, no decorrer dos tempos e em diferentes espaços, desenvolvendo-se e
intervindo no processo histórico e cultural da humanidade.
Nos tempos pré-históricos a matemática apresentava-se como um conjunto
de noções e regras isoladas obtidas a partir da experiência, das necessidades da
vida diária e das técnicas de trabalho. Na Grécia Antiga, berço da Matemática
clássica e erudita, poucas pessoas tinham acesso ao saber formal. Os escribas, por
serem capazes de decifrar e desfrutar os saberes geométricos e aritméticos da
época eram considerados homens especiais. A escola pitagórica, formada por
aristocratas, também contribuiu para esse pensamento e defendia o número como
sendo a essência de tudo que existe. Assim, a matemática teve sua origem nas
culturas da Antiguidade Mediterrânea e desenvolveu-se ao longo da Idade dia
(D’AMBRÓSIO, 1992).
Na modernidade, pela dessacralização da natureza, o homem busca, por
meio da razão, a garantia da felicidade na evolução da ciência. O racionalismo desta
época encontra seu grande modelo na matemática, considerando real aquilo que é
mensurável e verdade o que pode ser provado por um método. O mundo é visto
como uma grande máquina. Para compreendê-lo, desmonta-se-o, desunem-se suas
peças e estudam-se-as separadamente. Esse modo de percepção do mundo funda-
se nos pressupostos de que não interdependência das partes, de que os
mecanismos não possuem história e que cada parte atua de forma isolada.
Todas estas idéias, formas de pensar, hegemonicamente, no decorrer dos
tempos e em diferentes espaços, foram se desenvolvendo; os saberes foram se
constituindo, se formando. E hoje, o saber matemático está posto ao mundo, é
mediado pelo movimento da reconstrução e em conseqüência do desenvolvimento
científico, tecnológico e econômico, tornou-se indispensável na sociedade
contemporânea. Está presente nos currículos escolares e determina muitos de
nossos comportamentos.
A concepção de que os homens que trabalham com conceitos matemáticos
são superiores aos demais, tão presente na Grécia Antiga e na escola pitagórica
(D’AMBRÓSIO, 1992), ainda se apresenta nas escolas, na medida em que o saber
matemático é considerado difícil e complexo, e assim, que poucos conseguirão
apropriar-se deste.
Embasados no paradigma da modernidade, temos hoje um ensino
mecanicista, com um currículo escolar fragmentado, no qual os saberes científicos
19
são desenvolvidos de forma compartimentada, desarticulados de outros saberes,
fechados em si mesmos como se fossem auto-suficientes. Percebe-se claramente,
ainda, sob esta concepção, a supremacia da matemática sobre as demais áreas de
saber, a qual ainda está sendo desenvolvida, no contexto escolar, de uma forma a-
histórica, sem concebê-la na dinâmica do processo de historicidade, sob uma
concepção formal, racional, como se fosse algo fora do real, mas que pode ser
aplicado para explicar e justificar fenômenos observados. Essa concepção é
marcada pela ênfase em atividades mecânicas, que recorre, excessivamente, à
memorização, repetição e automatização. Concebe-se o ato de ensino e
aprendizagem como o acúmulo de informações organizadas e pré-selecionadas,
com respostas únicas e convergentes, não como um processo do qual o aluno faz
parte e possa interagir.
Sob estes entendimentos não é considerado o que os alunos pensam ou
sabem de matemática, suas idéias, experiências, ou mesmo indagações que
envolvam significações ou utilização de conceitos matemáticos, pois apenas
indivíduos que possuam inteligência especial podem ter o privilégio de participar do
processo de apropriação e construção dos saberes matemáticos.
Estes traços, fortes e evidentes, estão presentes na sociedade, fazem parte
da constituição e formação do professor e, também, da própria constituição da
escola como instituição de ensino. Para que diferentes sentidos sejam produzidos, a
fim de que haja diferentes significações sobre a escola e aos elementos a ela
adjacentes, é necessário que o professor seja capaz de realizar rupturas com
modelos prontos e já tradicionalmente instituídos. Porém,
[...] não é tarefa fácil romper com a ordem estabelecida, tampouco é fácil
ultrapassar as molduras imóveis do definitivo e acabado. Todavia, os atores
reflexivos devem acreditar na possibilidade da mudança como resultado do
esforço contínuo, científico, ético, solidário, coletivo e persistente que se
processa em um movimento iniciado na reflexão feita sobre as ações
efetivadas na espessura concreta do cotidiano e, dialeticamente, a ele
retorna com maior qualidade e mais consistência, voltando com vigor
epistemológico e com força coletiva para provocar rupturas e (re)construir
(BRZEZINSKI, 2001, p. 79-80).
Para que concepções instituídas e consolidadas sejam transgredidas,
superadas, é indispensável que o professor perceba-se no grupo, que assuma uma
postura reflexiva, que avalie seus fundamentos teóricos, seus princípios éticos e
20
filosóficos e, mais especificamente, suas práticas cotidianas. Pois, a reflexão deve
se fazer no e sobre as ações do cotidiano, mas como destaca Brzezinski, a ele deve-
se retornar, porém com maior qualidade e mais consistência, com capacidade tal de
promover rupturas e buscar alternativas que possibilitem (re)significações,
(re)construções.
O processo de (re)construção, de acordo com Fontana,
[...] tem como base a mediação semiótica (particularmente a linguagem) e
envolve as ações do sujeito, as estratégias e conhecimentos por ele já
dominados, as ações, estratégias e conhecimentos do(s) outro(s) e as
condições sociais reais de produção da(s) interação(ões) (1996, p.12).
(Re)construções, (re)significações são processos que não acontecem por si
só, envolvem o meio, os signos, o “outro”, ocorrem no confronto dos interlocutores,
nos sentidos que vão sendo assumidos, reproduzidos, questionados,
redimensionados, impostos, negados, no curso das interações. Nesse sentido, a
coletividade, as múltiplas vozes das e nas escolas são determinantes na formação
do professor e na apropriação de novas significações.
Como são as concepções do professor (concebidas segundo a corrente
filosófica, psicológica e pedagógica que o sustenta) que determinam a compreensão
do processo de ensino e aprendizagem, é necessário que o professor perceba que:
quanto mais complexa se apresenta a sociedade, mais se exigem aprendizagens
sob a forma escolar (MARQUES, 2000); nesta sociedade, plural e diferençada,
marcada por processos de rápidas transformações, as maiores dificuldades não
estão relacionadas com a obtenção da informação, mas em saber desven-la,
integrá-la e analisá-la criticamente; nesse novo contexto, o indivíduo precisa da
escola não para legitimar os saberes de que conseguiu se apropriar, mas para ter
acesso aos saberes que não é capaz de elaborar e sistematizar sozinho
(GIARDINETO,1999, p. 91).
Sob estes aspectos, a constituição e formação do “ser professor” está muito
distante de ser um processo linear e limitado, é um processo contínuo, tenso e
sempre inconcluso, permeado por dimensões subjetivas, históricas e culturais que
influenciam e são influenciadas pelo modo de ser e de vir a ser de cada professor.
Sendo, desta forma, um complexo processo que não se esgota, que não se
completa nem no mundo acadêmico e nem no seu exercício, é um processo que se
21
estabelece, por vezes entre conflitos e inseguranças, mas de forma dinâmica,
dialógica, dialética e permanentemente, que abarca diversos saberes e se constitui
efetivamente na ação e na reflexão - práxis.
Reflexões no e sobre o exercício da profissão na sala de aula possibilitam,
na configuração de sentidos, o acontecer do processo de (re)significação dos
saberes (saber-fazer, saber-ser) do professor. Na busca de compreensões, no
repensar os pressupostos filosóficos/psicológicos/pedagógicos que fundamentam a
prática e o próprio processo de formação do professor junto aos seus pares,
encontra-se um processo reflexivo que articula teoria e prática, que possibilita ao
professor, dialógica e permanentemente, redimensionar sua atuação.
No exercício da prática, a reflexão crítica sobre ela, entremeada com
observações e reflexões teóricas, fornece elementos para aprimorá-la. A prática,
aprimorada, promove e fundamenta teorizações que vão, por sua vez, refletir em sua
modificação. Nesse sentido, teoria e prática complementam-se, fundamentam-se,
estão vinculadas de tal forma que não teoria sem prática, nem prática sem teoria,
como também, nenhuma teoria é final e nenhuma prática é definitiva (D’AMBRÓSIO,
2005, p. 80-1).
Trazer um saber fazer acumulado ao longo dos tempos (pressupostos
teóricos) ao presente fundamenta uma prática e os efeitos da prática do presente
servirão como subsídios para uma reflexão sobre os pressupostos teóricos os quais
poderão ajudar a rever, reformular, aprimorar o saber fazer que orienta a prática.
Se as teorias vêm do conhecimento acumulado ao longo do
passado e os efeitos da prática vão se manifestar no futuro, o elo entre
teoria e prática deve se dar no presente, na ação, na própria prática. E isso
nos permite conceituar pesquisa como o elo entre teoria e prática
(D’AMBRÓSIO, 2005, p. 80). (Grifos do autor).
Estando em permanente processo de busca de apropriação de novos
saberes, de novas percepções e significações, de questionamento de princípios e
concepções, de constantes reflexões (críticas e teóricas) na e sobre a ação,
mergulhei no elo que, de acordo com D’Ambrósio, liga teoria e prática.
No desenvolvimento de uma pesquisa, no articular reflexões teóricas e
reflexões nas e sobre ações do dia a dia de aulas de matemática, busco neste
momento observar, questionar, indagar, considerar, promover rupturas, com o intuito
22
de qualificar minha atuação como educadora/professora de matemática. Para tanto,
no mesmo espaço de atuação docente, me configuro como pesquisadora.
1.1 CONFIGURAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa se põe, neste contexto, como uma possibilidade para como
professora/pesquisadora pensar desafios que passam pela escola, pela sala de
aula, especialmente os relacionados ao ato de ensinar e aprender matemática.
No decorrer do curso de Especialização em Educação Matemática
5
,
desenvolvi uma pesquisa intitulada “Reflexões sobre Ensino Contextualizado no
Processo de ser Professora de Matemática”. Nesse processo investigativo dei-me o
privilégio de discutir e teorizar questões relacionadas à minha prática didático-
pedagógica, a qual é permeada por situações de contextualização no ensino da
matemática. Consegui, no decorrer desta, estruturar uma série de entendimentos e
possibilidades sobre aspectos apreciados, entre os quais, a importância de os
alunos produzirem sentidos sobre objetos de saberes matemáticos e de realizarem
relações conceituais para haver possibilidades de acontecer um processo de ensino
e aprendizagem. Como também, de que a contextualização é um suporte para a
promoção de um ensino na disciplina de matemática, podendo proporcionar aos
alunos a produção de sentidos e relações conceituais e, em decorrência disto,
acontecer a apreensão de saberes.
Nesta pesquisa ficou, especialmente, marcada a importância do trabalho
com ênfase nos conceitos e nas relações conceituais no processo de ensino e
aprendizagem de matemática no contexto escolar. Idéia esta corroborada por
Marques ao afirmar que no espaço da sala de aula,
[...] não se ensinam ou aprendem coisas, ou saberes prontos, mas relações
conceituais em que se articulam as práticas sociais com as razões que as
impulsionam e delas derivam. [...] Os conceitos são instrumentos do pensar
e agir, que se justificam e ganham sentido próprio no complexo sistema que
compõem com os conceitos correlatos e em que interagem em campo
teórico mais vasto (2000, p. 115).
Porém, as temáticas abordadas não se esgotaram, e não tenho esta
intenção. Entendimentos e possibilidades (provisórias e parciais) foram estruturados
5
Curso desenvolvido na Unijuí (2002/2004).
23
e abriram-se em muitas outras questões. Conseqüentemente, discussões e
teorizações feitas no decorrer do curso de especialização e da investigação
desenvolvida aguçaram meus sentidos e me induziram a buscar um aprofundamento
e entendimento de temáticas relacionados à educação e ao ato de aprender e
ensinar matemática no contexto escolar, mais especificamente ao processo de
significação de conceitos matemáticos neste espaço formal de apropriação de
saberes.
Para tanto, me lancei ao desafio de cursar o Mestrado em Educação nas
Ciências e neste desenvolver a presente investigação. Nas discussões, nos
entendimentos, estudos, na estruturação do projeto de investigação e no próprio
curso da pesquisa, alguns encaminhamentos, opções (temáticas/metodológicas/
teóricas), limites, foram sendo estabelecidos.
1.1.1 Questionamentos e objetivos
A centralidade desta pesquisa está relacionada ao processo de apropriação,
pelos alunos, de significações historicamente produzidas pela humanidade do
conceito de superfície. Diante da definição do foco, tem-se como questão principal:
como acontece a apropriação do conceito matemático de superfície no espaço
formal de aprendizagens, numa perspectiva histórico-cultural? A esta questão outras
estão atreladas, entre elas: quais as principais interferências e qual o papel das
interações/relações nesse processo? Considerando-se que a finalidade das relações
em uma sala de aula é explícita, porém alunos e professor ocupam lugares
hierarquicamente diferentes e que nessa relação cabe à ação didático-pedagógica
do professor estabelecer modos de interações/relações, interlocução e controle dos
sentidos produzidos no próprio processo de elaboração conceitual, a outra questão
que se estabelece é: como as configurações das ações didático-pedagógicas
marcam o processo de significação conceitual nas aulas de matemática?
Definidas as questões, os objetivos da pesquisa foram elaborados. Entre
eles destacam-se, a busca de um entendimento de como ocorre o processo de
apropriação das significações dos conceitos matemáticos no contexto escolar, a
identificação e análise dos principais fatores/elementos que interferem nesse
processo, a compreensão do papel das interações/relações no processo de
significação conceitual nas aulas de matemática e a compreensão de como as ações
24
didático-pedagógicas determinam, influem e delimitam o processo de significação
dos conceitos matemáticos nesse contexto.
Como os caminhos se fazem no caminhar (Marques, 1999), estas definições
(foco, questões, objetivos) não ocorreram de forma linear, foram acontecendo e
sendo estabelecidas no decorrer do próprio processo.
1.1.2 Cenário da pesquisa
Como é na sala de aula que no contexto escolar os conceitos matemáticos
são tratados, esta se colocou como uma opção (lugar/tempo) metodológica para
produção dos dados empíricos. Esta opção mostrava-se no início do caminhar e
foi tomando consistência. Assim, é da e na sala de aula, e nela das e nas aulas de
matemática por mim ministradas, que são produzidos os dados empíricos que dão
estrutura e corpo à pesquisa.
Esta opção articulou duas práticas, a da docência e a da pesquisa. No
mesmo espaço em que me coloco como docente, configuro-me como pesquisadora,
coloco-me, juntamente com os alunos em aulas de matemática, como objeto de
pesquisa, olhando este contexto como pesquisadora. Pesquiso, assim, sobre e na
minha ação docente, para com e através dela buscar objetivar os propósitos desta
investigação.
Estando definido que as aulas de matemática por mim ministradas seriam
objeto de pesquisa, precisava definir a série e a turma. Com relação à série, escolhi
aquela que no decorrer de minha atuação profissional muito me exigiu, que fazia
com que questionasse, e muito, minha atuação. Acredito que foi nesta e a partir
desta série que marcantes e fundamentais mudanças aconteceram nas minhas
ações como docente, propiciando, assim, um constante redimensionamento da
prática didático-pedagógica.
Numa análise preliminar, acredito que isto tenha acontecido porque os
alunos desta série (entre 10 e 12 anos) são notavelmente espontâneos, nos dão
quase que de imediato respostas. Assim como o olhar destes alunos brilha com
facilidade, também nos mostram o desconforto, o desgosto, o desinteresse diante
das situações apresentadas ou propostas. Mediante estas considerações a série
foi escolhida, e entre duas turmas nas quais atuava, optei pela turma 52, com a qual,
25
por ser a professora conselheira, muito conversávamos e tentávamos, em conjunto,
encontrar encaminhamentos para os constantes conflitos que nela se estabeleciam.
Assim, as aulas de matemática, por mim ministradas, na turma 52, da
série de uma escola pública estadual
6
, no período de agosto a dezembro/2005, são
colocadas como objeto de pesquisa nesta dissertação
7
.
A referida turma é formada por 26 alunos, 15 meninos e 11 meninas. É uma
turma cujos alunos envolvem-se no trabalho proposto, concentram-se nas atividades
mediante constante motivação e um certo “controle”. Nesta turma de série
várias lideranças. Mostram-se dois grandes grupos, um que ocupa todos os
espaços, que toma conta das aulas e outro que precisa insistentemente ser
chamado a participação e ao efetivo trabalho. Cabe ainda salientar que, no decorrer
do ano, esta turma muito progrediu, sendo que no segundo semestre já era possível
desenvolver diferentes atividades, tanto em grupo
8
quanto individualmente.
Diferenciam-se, especialmente, alguns alunos. Dois meninos por encontrarem-se
numa faixa etária (14 anos) diferente dos demais, assim, a maturidade, seus
interesses são também diferentes, o que causa no grupo, constantes e grandes
conflitos. Dois outros meninos pela resistência em se concentrarem nas atividades
propostas e, assim, facilmente se envolverem com fazeres alheios às aulas. E uma
menina pela apatia, pela não participação nas atividades propostas, especialmente,
naquelas em grupo, preferindo sempre trabalhar sozinha, por sofrer certa
discriminação por parte dos colegas.
É assim uma turma de série, com identidade própria e características
peculiares de crianças da faixa etária em que se encontram.
6
Escola localizada num bairro classe média/baixa, do município de Ijuí, formada, aproximadamente
por 800 alunos, 60 professores e 12 funcionários. Nela estão inseridos Classe Especial, Educação
infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio diurno e noturno. Atuo nesta escola 20 anos como
professora de matemática do Ensino Fundamental e Médio.
7
A autorização da direção da escola para a produção dos dados empíricos em uma turma de e a
autorização para o uso de registros dos cadernos e do conteúdo das filmagens das referidas aulas de
matemática concedida pelo responsável de cada um dos alunos desta turma está de posse da
professora/pesquisadora. O modelo das referidas autorizações consta em anexo.
8
Destaco o trabalho em grupo por considerá-lo essencial no processo de aprendizagem, como
também, por ser complexo, tanto com relação aos encaminhamentos, como ao efetivo trabalho.
26
1.1.3 Aspectos metodológicos: abordagem microgenética
Considerando que a interação entre professor e alunos em uma sala de aula
é marcada pela significação conceitual, pois são os objetos de saber que sustentam
esta relação, foi se delineando nesta investigação a opção metodológica. A mesma
sendo estruturada num trabalho empírico no contexto real da sala de aula, no
acontecer das aulas de matemática, percebendo-as não como um campo de
aplicação de uma determinada teoria, mas como um espaço que possibilita a
observação de operações intelectuais, habilidades e estratégias no processo de
ensino e aprendizagem.
Busquei, para tanto, fundamentos teóricos em Vigotski (1991, p. 74), ao
propor que o estudo deve ser de processos, ao invés de resultados, argumentando
que é somente em movimento que um corpo mostra o que é. Para este autor, o
método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do
estudo. Esta visão apresentada por Vigotski está vinculada a diretrizes
metodológicas que buscam atender duas teses básicas de seus estudos, de que a
gênese das funções psicológicas está nas relações sociais e de que a constituição
do funcionamento humano é socialmente mediada pelo outro e pelos signos.
Vigotski concebe o estudo do homem na qualidade de ser que se constitui imerso na
cultura e como produtor-intérprete de sistemas semióticos. São desta forma,
recorrentes em sua obra signo, palavra e linguagem, especificidades do humano.
Sobre o funcionamento humano e, dentre as diretrizes metodológicas que Vigotski
explorou, estava incluída a análise minuciosa de um processo, de modo a configurar
sua gênese social e as transformações do curso de eventos. Este autor apresenta
uma visão ampla da investigação histórico-cultural com destacado nível nos detalhes
dos processos (GÓES, 2000, p. 11-2).
A partir de sistematizações e de desdobramentos dos princípios
metodológicos apresentados por Vigotski, diferentes autores contribuíram na
construção de uma abordagem metodológica chamada de microgenética. Análise
microgenética, de acordo com Góes (2000, p. 9), é uma forma de construção de
dados que requer atenção a detalhes e o recorte de episódios interativos, focando
os sujeitos, as relações intersubjetivas e as condições sociais da situação,
resultando num relato minucioso dos acontecimentos.
27
Na análise das minúcias de um curso de transformações das ações do
sujeito não são privilegiados elementos isolados, pois afasta-se totalmente do
estudo de elementos e leis de associação. Vygotski propõe a busca de uma análise
por unidades e define a unidade como uma instância de recorte que conserva as
propriedades do todo. Para este autor, a unidade é o componente vivo do todo
(GÓES, 2000).
O termo microgenética não tem filiação única. É micro por ser orientado para
minúcias indiciais, é genética no sentido de ser histórico, por focalizar o movimento
durante processos e relacionar condições passadas e presentes, tentando explorar
aquilo que no presente está impregnado de projeção futura (GÓES, 2000, p.15). A
análise microgenética é, assim, uma abordagem que requer o movimento da
interação e implica o envolvimento de aspectos culturais, históricos e semióticos.
Exige o registro fidedigno e está associada ao uso de videogravações-filmagem e
transcrições. Frente a estas considerações e como as proposições metodológicas e
conceituais devem ser interdependentes e congruentes teoricamente (GÓES, 2000),
a opção metodológica tem cunho qualitativo e está atrelada ao desenvolvimento de
uma análise microgenética de processos de significação de conceitos matemáticos
no contexto escolar. Como procedimentos foram filmadas aulas de matemática,
transcritas, recortados alguns episódios e analisados sob princípios de uma
abordagem microgenética.
No decorrer, percebeu-se que este processo poderia estar articulado a
outras formas. Sem ser pré-determinado, também foram obtidos dados empíricos a
partir de registros escritos de alunos realizados no decorrer das aulas filmadas. As
análises das elaborações dos alunos contribuíram na compreensão do curso de
significação conceitual no processo de apreensão de saberes matemáticos e
configuraram-se como mais uma forma de produção de dados empíricos.
Com o intuito de preservar a identidade dos alunos, no decorrer dos
episódios e na apresentação dos registros, seus nomes não são apresentados. Para
referenciá-los é usada a primeira letra (maiúscula) do nome do referido aluno
acompanhada de um algarismo indo-arábico, diferenciando-o de outros cujo nome
inicia pela mesma letra. Exemplos: Francisco (F1), Fernanda (F2), Carla (C1),
Clarice (C2).
A pesquisa o foi planejada e/ou organizada de forma estática e fechada.
Esteve aberta, constitui-se metodológica e teoricamente nas articulações e
28
entrelaçamentos, sofreu transformações, foi sendo redimensionada, reestruturada no
transcorrer do seu desenvolvimento.
1.1.4 Categorias, episódios e abordagem histórico-cultural
Os episódios foram escolhidos a partir de categorias/aspectos considerados
pertinentes no alcance dos objetivos desta dissertação e que estivessem de acordo
com a fundamentação teórica que a embasa. Assim, as categorias consideradas na
observação e análise dos episódios são aspectos da abordagem histórico-cultural
tratados por Vigotski e seus seguidores, considerados fundamentais em seus
estudos e essenciais ao tratar da apropriação da significação de conceitos
matemáticos.
Para Vigotski (1991, 2001), o caráter histórico e cultural é fundamental no
desenvolvimento dos processos psicológicos superiores
9
dos seres humanos. Para
este autor o pensamento, o desenvolvimento mental, a capacidade de conhecer o
mundo e de nele atuar são produções sociais que dependem das relações que o
homem estabelece com o meio; no processo interativo, todos os elementos se
transformam permanentemente. Ao produzir os meios que satisfazem suas
necessidades, o homem cria uma série de relações que caracteriza a realidade
humana, assim, ao mesmo tempo em que o homem constrói o mundo cultural ele se
constitui culturalmente. Nesta abordagem, a relação entre os processos de
desenvolvimento e de aprendizagem é central, pois, para Vigotski (1991), o
aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento
das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.
De acordo com Vigotski, tudo o que o homem é a mais do que biológico é
adquirido pela convivência com os outros, como algo que vai se constituindo dentro
dele (DAMAZIO, 2000, p. 73). Porém, o desenvolvimento de certos processos
psicológicos superiores depende, essencialmente, de situações sociais específicas,
como é o caso do ensino
10
, as quais se valem de processos de internalização
mediante uso de instrumentos e de mediação semiótica.
9
Funções mentais superiores são relações sociais interiorizadas a partir de ações conscientes
(FONTANA, 1996, p. 12).
10
Nos pressupostos vigotskianos o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento.
29
O processo de internalização consiste na transformação de uma atividade
externa em uma atividade interna, de um processo interpessoal em um processo
intrapessoal. Sob esse entendimento, a significação de conceitos matemáticos não
tem apenas um caráter internalista, passa, obrigatoriamente, por um processo
externo. De acordo com Vigotski (2001), a função do desenvolvimento aparece duas
vezes, em dois planos, primeiro no plano social e depois no plano psicológico, a
princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo depois no interior do
ser humano como categoria intrapsíquica. Desta forma, toda função psicológica
superior primeiramente está presente no contexto social, entre os homens, para
depois se transformar em função individual, ou seja, em função da consciência
individual.
Assim, ao tratar do processo de internalização, Vigotski (2001) desenvolve
um importante aspecto de seus estudos: o desenvolvimento da consciência. A
formação da consciência das funções psicológicas superiores ocorre a partir da
atividade do sujeito, mediada por instrumentos socioculturais. Nesse processo, os
instrumentos de mediação (instrumentos e signos) são fonte de desenvolvimento,
como também de reorganização do funcionamento psicológico global.
A mediação semiótica, em especial a linguagem, é uma ferramenta que se
constitui nos processos intersubjetivos para vir a se tornar ferramenta e constitutiva
da intra-subjetividade, ou seja, do pensamento. Assim, pensamento e linguagem
constituem-se mutuamente. Para Vigotski, é na unidade dos processos da
linguagem e do pensamento que ocorre a produção de significados; cada palavra é
uma generalização latente, cujos significados evoluem. De acordo com Góes (1997,
p. 21), ao incorporar uma palavra, a criança não apenas designa um objeto, mas
também analisa, abstrai propriedades, generaliza-as. Para Vigotski,
a generalização de um conceito leva à localização de dado conceito em um
determinado sistema de relações de generalidade, que são os vínculos
fundamentais mais importantes e mais naturais entre os conceitos. Assim,
generalização significa ao mesmo tempo tomada de consciência e
sistematização de conceitos (2001, p. 292). (Grifo nosso).
Sob esse entendimento, as articulações entre palavra, generalização e
significação de conceitos não ocorrem de imediato e nem isoladamente. A partir de
interações, a palavra é enunciada e interpretada numa rede de outras palavras
significadas (conceito). É na dinâmica dos processos interpessoais, nas instâncias
30
de produção e compreensão da palavra, que o aluno generaliza e desenvolve o
significado.
Para o aluno em processo de aprender matemática, atingir níveis mais
elevados de generalização, nos quais as apropriações aconteçam com e a partir da
significação dos conceitos matemáticos, torna necessário que as atividades
propostas explicitem as múltiplas relações conceituais referentes às propriedades,
às noções e aos princípios, pois
um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados
pela memória, é mais do que um simples bito mental; é um ato real e
complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de uma
simples memorização. ... o conceito é um ato de generalização (VIGOTSKI,
2001, p. 246).
O ato de generalização pode fundar-se sobre processos de constituição de
conceitos cotidianos ou científicos. De acordo com Vigotski (2001), esses processos
diferem entre si, mas mantêm uma relação recíproca. Para este autor existe uma
interação muito próxima entre os conceitos cotidianos, do senso comum, e os
conceitos científicos.
Na aprendizagem dos conceitos científicos, os conceitos cotidianos
fundamentam, dão base “vivencial” aos conceitos científicos, e estes podem trazer
sistematização e elevação de níveis de generalidade aos cotidianos. Nesse
processo a palavra exerce uma função essencial, no conceito cotidiano ela medeia a
vivência com o objeto e no científico cabe à palavra relacioná-lo a outros conceitos
numa rede de palavras significadas. Assim, no processo de significação
conceitual, proposto normalmente em situação do contexto escolar, o o
desaparecimento ou substituição do conceito cotidiano, mas modificações no
intelecto.
Nesta concepção, é na e pela palavra, por meio das interações sociais, que
o ser humano pode, progressivamente, apropriar-se de significações dos conceitos.
Para Vigotski a linguagem humana é um sistema simbólico por excelência, o qual
possibilita a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento, o intercâmbio social e
a formação conceitual. É a linguagem o atributo humano que possibilita processos
básicos da constituição dos conceitos: a abstração e a generalização
(BITTENCOURT, 2005, p.187).
31
Sendo assim, na concepção vigotskiana, a significação conceitual está
fortemente envolvida com a abstração e a generalização e corresponde à elevação
de níveis de significação das palavras. Processo este que, de acordo com
Bittencourt (2005, p.187-8), fundamentada em Vigotski, interfere no processo de
desenvolvimento de outras funções intelectuais superiores, tais como atenção
deliberada, memória lógica, capacidade para comparar e diferenciar.
Considerando que a apropriação da significação conceitual acontece pela
aprendizagem organizada e sistematizada, o papel da escola na elaboração
conceitual é fundamental. Assim, no contexto pedagógico, o professor deve,
conforme Góes (1997), canalizar o esforço no sentido de transformar o
funcionamento conceitual do aluno na direção do conhecimento sistematizado.
Vinculada à tese básica do pensamento vigotskiano, de que o
desenvolvimento humano tem gênese no plano interpessoal e é transformado ou
reconstruído no plano intrapessoal, encontra-se o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal, a qual atribui relevante importância às capacidades que
estão ainda em construção. Ao tratar essas noções, Vigotski (1991) indica que, com
a ajuda do adulto ou de parceiros capazes, a criança faz mais do que poderia
realizar sozinha. Neste sentido, o professor deve conhecer o que a criança faz
sozinha e perceber o que pode realizar com o auxílio de alguém.
Sob essa perspectiva, para o aluno aprender, o professor não pode
pretender que ele faça todas as atividades sozinho ou fazê-las por ele. As atividades
propostas pelo professor devem atender à Zona de Desenvolvimento Proximal, isto
é, às possibilidades intelectuais dos alunos, como também propiciar a constituição
de novas zonas.
Desta forma, na busca da apropriação dos significados dos conceitos pelo
aluno, -se o processo de generalização, o qual é fundamental para o pensamento
conceitual em matemática. Nesse processo, o conhecimento avança na medida em
que novas significações são apropriadas e dadas aos objetos de saber, os quais são
constituídos por conceitos.
Diante dessas considerações, o caráter histórico e cultural, a interação, a
linguagem, palavra e pensamento, a criação da consciência, a Zona de
Desenvolvimento Proximal, os conceitos (científicos e cotidianos, estágios do
pensamento por conceitos) são alguns dos fundamentos teóricos desta investigação
considerando o estudo do processo de apropriação de significações conceituais. Por
32
esta razão, permeiam aspectos selecionados como categorias para, a partir deles,
serem observados e analisados os episódios no decorrer da dissertação.
Na medida em que a compreensão dos pressupostos da abordagem
histórico-cultural acontecia, que as transcrições das filmagens iam sendo realizadas,
as categorias foram se estabelecendo, alguns recortes possíveis foram se definindo
e a partir deles foi feita a escolha dos episódios. Como os dados não se revelam
diretamente aos olhos do pesquisador, eles precisam ser construídos, este trabalho
de escolha de categorias, de recortes e seleção de episódios não aconteceu de
forma rápida, tranqüila e linear. Foi um complexo e contínuo processo que
entremeou diferentes ações, as quais, na medida em que se estabeleciam,
interligavam-se, complementavam-se e definiam-se. O entrelaçamento foi se
modificando, e ao se modificar, foi modificando e constituindo a investigação.
Foram, assim, selecionados 4 episódios, os quais estruturam a dissertação,
pois é com e a partir deles que a investigação se estabelece. As aulas filmadas
trataram do conceito de medida de superfície. Não foram aulas preparadas e
desenvolvidas especialmente para a pesquisa, são aulas que transcorreram no
curso normal do trabalho, o qual estava sendo desenvolvido. Os episódios
apresentam-se na dissertação numa ordem cronológica de situações vivenciadas
nas aulas de matemática.
O primeiro episódio, de acordo com suas transcrições, acontece por entre
muitos questionamentos, está relacionado à significação de supercie. Inicia com
uma conversa informal sobre alterações ocorridas no espaço físico da escola, entre
as quais destaca-se a construção de uma quadra de esportes, foco central da
seqüência da aula. O segundo episódio selecionado apresenta situações nas quais
o professor propõe aos alunos a medida de diferentes superfícies, utilizando em
cada medição uma determinada unidade, e a socialização desta atividade. O terceiro
episódio apresenta a atividade de uma seqüência de ensino, a qual usa o jogo
Tangran e tem como objetivo que os alunos percebam que para medir uma
supercie faz-se necessário considerar como unidade de medida outra superfície e
que, ao usar diferentes unidades de medida, podem ser encontradas diferentes
medidas de um mesmo objeto. Esta atividade foi desenvolvida pelos alunos em três
momentos: no primeiro aconteceu uma retomada da atividade proposta; no segundo,
em pequenos grupos e com vários jogos de Tangran à disposição, os alunos a
desenvolveram; no terceiro momento, houve a socialização da atividade
33
desenvolvida com toda a turma, na qual cada grupo expôs a forma e a medida
encontrada.
E o quarto episódio envolveu atividades as quais também trataram da
medida de supercies, porém usando unidades de medida padronizadas. Neste
episódio são explicitadas situações de generalização e sistematização de conceitos
envolvidos.
Assim a pesquisa foi se delineando. Os conceitos matemáticos tratados nos
episódios analisados foram tomando seu espaço, emergindo, manifestando-se, pois
para a abordagem histórico-cultural é fundamental o papel desempenhado pela
significação conceitual no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, as
quais, de acordo com Damazio (2000), são culturalmente mediadas, historicamente
desenvolvidas e emergem da atividade prática. Desta forma, o próximo capítulo
aborda questões relacionadas à matemática, em especial à geometria (medida de
supercies), objetos os quais sustentam as relações/interações entre os diferentes
sujeitos que compõem as aulas de matemática referenciadas nesta investigação e
cuja significação conceitual tematiza a presente dissertação.
34
2 SIGNIFICANDO CONCEITOS MATEMÁTICOS SOB UMA ABORDAGEM
HISTÓRICO-CULTURAL
Na perspectiva histórico-cultural, a apreensão de saberes matemáticos num
espaço formal de aprendizagens, se estabelece, fundamentalmente, nas
possibilidades que o indivíduo tem de, nas suas interações, se apropriar das
significações historicamente construídas relacionadas aos conceitos que constituem
os referidos saberes. Para Vigotski (2001), os conceitos são significações históricas
que foram organizadas sobre uma lógica e tiveram, durante sua evolução, uma
função espefica na solução de problemas reais.
Elucidar questões relacionadas ao processo de significação de conceitos
matemáticos no contexto escolar, sob abordagem histórico-cultural, implica, entre
outras importantes questões, também, em discutir a constituição do saber
matemático.
2.1 SABER MATEMÁTICO SOB O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
HISTÓRICO E CULTURAL
Disseram-me que este rei (Sesóstris) tinha repartido todo o Egito entre os egípcios,
e que tinha dado a cada um uma porção igual e rectangular de terra, com a obrigação de pagar por
um ano um certo tributo. Que se a porção de algum fosse diminuída pelo rio (Nilo), ele fosse procurar
o rei e lhe expusesse o que tinha acontecido à sua terra. Que ao mesmo tempo o rei enviava
medidores ao local e fazia medir a terra, a fim de saber de quanto ela estava diminuída e de só fazer
pagar o tributo conforme o que estivesse ficado de terra. Eu creio que foi daí que nasceu a Geometria
e que depois ela passou aos gregos.
11
(CARAÇA, 2002, p. 32)
O saber matemático quando visto a partir da abordagem histórico-cultural
deixa de ser um saber exclusivo dos “especialistas”, passa a ser uma qualidade
intrínseca das práticas humanas. Também, está muito distante de ser concebido
como um conjunto de proposições, axiomas e teoremas a-históricos e a-temporais,
que está à parte da realidade, que se basta a si próprio. No entendimento proposto,
o saber matemático é um construto humano inserido no processo de
desenvolvimento histórico e cultural onde é produzido e interfere no
desenvolvimento da sociedade. A matemática, assim, é vista como uma ciência
produzida pelos homens nas suas relações sociais de produção, sofrendo
11
Referência de Heródoto, o pai da História, às origens da Geometria.
35
determinações de diversas ordens, e por isso, passível de certezas e incertezas
(DAMAZIO, 2000, p. 47). Sob este entendimento e, de acordo com pressupostos
vigotskianos, os conceitos matemáticos têm uma natureza social
12
, estão
impregnados da condição humana e, por esta razão, expostos às dúvidas, às
hesitações, às contradições, às certezas e às incertezas, características peculiares
dos seres humanos.
Davis e Hersh (1985, p.453-4) corroboram com esta idéia ao afirmarem que
a matemática não é o estudo de uma realidade ideal, pré-existente e não temporal.
Na concepção apresentada por estes autores, a matemática tem um objeto de
estudo cujas afirmativas fazem sentido. E destacam que sua significação deve ser
encontrada na compreensão partilhada pelos seres humanos, pois a matemática lida
com significados humanos. Significados estes construídos com e por uma
linguagem. Para estes autores, a matemática é inteligível somente dentro do
contexto de uma cultura, é vista como um estudo humanístico o qual se distingue
das outras humanidades pela sua qualidade científica. Neste contexto, Davis e
Hersh (1985) qualificam a matemática como sendo falível, corrigível e significativa.
(Grifos nossos).
Sendo assim, a matemática não é estática e imutável. Ela se movimenta no
compartilhar de significados, no curso do tempo, em diferentes espaços e formas,
sob diferentes compreensões e significações. Nesse transcurso, “conceitos são
ampliados e têm suas possibilidades preenchidas. São criadas novas teorias. Novos
objetos matemáticos são delineados e trazidos para a luz dos refletores” (DAVIS;
HERSH, 1985, p.44).
No processo de construção do saber matemático, de acordo com estes
autores, também um processo concomitante que tende a desfazê-los, seja pela
descoberta de erros, da incompletude de certas teorias, de teorias que são
desprezadas caindo no esquecimento, e outras que se tornam saturadas. ainda
trabalhos que ao serem encarados sob uma perspectiva moderna são reformulados,
são refundidos.
É, assim, na evolução da história da humanidade, no movimento da
interação em diferentes momentos históricos e sociais, que o saber matemático é
construído e a matemática constitui-se como ciência.
12
Para Vigotski (2001), todo cultural é social, a cultura é produzida na vida e na atividade social do
ser humano.
36
Nesse processo verificam-se períodos em que teorias matemáticas
desencadeiam-se diretamente de experiências empíricas e períodos nos quais as
noções, os resultados de fases anteriores são sistematizados e generalizados. Estes
períodos podem ser percebidos ao se tratar de um dos ramos mais antigos da
matemática: a geometria.
A primeira fase da Matemática egípcia e babilônica tinha um caráter
eminentemente prático, não era formada por um corpo de conhecimentos
interligados, mas por conhecimentos soltos, dispersos, obtidos por intermédio de um
raciocínio indutivo. De acordo com Barker (1976, p. 28), os egípcios tornaram-se
hábeis delimitadores de terras, descobriram e utilizaram inúmeros princípios úteis
relativos às características de linhas, ângulos e figuras. Conhecimentos que foram
sendo acumulados e os habilitavam a resolver problemas de traçado de limites, de
comparação de áreas, de projetos arquitetônicos e de engenharia de construções.
Esta fase, que prima por fórmulas e recorrências práticas com base
empírica, é seguida, a partir do século VI a.C., por um período de sistematização
representada pela Matemática grega. Os gregos perceberam os construtos do povo
egípcio e assimilaram seus princípios empíricos, porém a eles não bastou este
critério. Em virtude da própria estrutura da sociedade grega (onde era acentuado o
desdém às aplicações práticas), do interesse teórico, desejando compreender a
matéria por ela mesma, conectaram em estruturas, assentaram em bases firmes o
amontoado muitas vezes desconexo de noções e conceitos. Procuraram encontrar
demonstrações dedutivas rigorosas das leis acerca do espaço, as quais governam
as aplicações práticas da geometria.
De acordo com Barker (1976, p.28), filósofos gregos, especialmente
Pitágoras e Platão, considerando que em sua forma pura e abstrata a Geometria se
aproximava da metafísica e da religião, davam-lhe enorme importância intelectual.
Revestida de um grande misticismo e por acreditarem que a purificação poderia
ser alcançada através do conhecimento puro, a escola pitagórica seria responsável
não apenas pelo estudo de novos resultados a respeito dos números e da
geometria, mas, especialmente, pelo estabelecimento da matemática como uma
disciplina racional (BOYER, 1974). Essa seria a base de praticamente toda a
Matemática desenvolvida até o século XVII.
Por muitos séculos os gregos deram, desta forma, atenção especial à
Geometria, descobrindo e demonstrando inúmeros princípios geométricos. Sem se
37
preocupar com aplicações práticas, fizeram da matemática uma ciência baseada na
abstração, em princípios teóricos e em processos dedutivos. Esta nova fase da
matemática alcançou seu ápice no século III a.C., com os trabalhos, principalmente
no campo da Geometria, desenvolvidos por Euclides, o qual o se limita a enunciar
inúmeras leis geométricas, mas demonstra-as e organiza-as num sistema formal de
deduções de complexidade crescente.
Na matemática entende-se que uma demonstração decorre de um processo
dedutivo. Segundo Barker (1976), é uma cadeia de raciocínios a qual nos permite
assegurar uma conclusão mostrando que ela decorre logicamente de certas
premissas sabidamente verdadeiras. As leis da Geometria, ainda de acordo com
Barker, foram distribuídas em dois grupos, aquelas que se configuram como
premissas básicas e aquelas que são demonstradas com o auxílio destas premissas
consideradas como verdadeiras.
Euclides chama de postulados as leis do primeiro grupo, as quais, segundo
Baker (1976), trata de leis a propósito de retas, ângulos e figuras consideradas
verdadeiras e utilizadas para a demonstração de outras leis geométricas. Euclides
emprega também cinco outros princípios, chamados de axiomas, os quais diferem
dos postulados; enquanto que os postulados tratam especificamente da geometria,
os axiomas tratam da comparação de grandezas, assumindo um caráter muito mais
geral. as leis demonstráveis foram chamadas de teoremas (proposições). Para
assegurar que os teoremas geométricos fossem demonstrados com rigor, de modo
logicamente conclusivo, Euclides define previamente os termos usados nestas leis, o
que lhe clareza e garante que o significado de cada palavra seja adequadamente
fixado.
Assim, baseando-se em postulados iniciais, definições e axiomas, Euclides
“[...] apresenta-nos demonstrações de caráter dedutivo, por meio das quais procura
estabelecer as suas conclusões com o rigor da absoluta necessidade lógica”
(BARKER, 1976, p. 29). Na obra Os Elementos, Euclides unificou uma coleção
completa de teoremas isolados num sistema simples e dedutivo. A geometria
euclidiana, segundo Davis e Hersh (1985, p.32), é o primeiro exemplo de um sistema
dedutivo formalizado. Este sistema exerceu grande influência no pensamento
ocidental, durante mais de dois mil anos permaneceu soberano como descritivo da
estrutura perceptual do espaço.
38
O gosto pelas abstrações teve, desta forma, sua base na estrutura da
sociedade grega e, nesse contexto, a Geometria como um dos ramos mais antigos
da matemática, o qual se desenvolveu a partir de necessidades humanas, foi o
primeiro a se organizar logicamente. Estabelece-se, assim, o formalismo, a
racionalidade, a generalização da matemática e começa a supremacia da abstração
neste campo de saber.
Estes aspectos (formalismo, racionalidade, abstração e generalização)
caracterizaram e constituíram a matemática como uma ciência dedutiva. E hoje,
apesar de, a matemática possuir outros entendimentos e significações, estes
aspectos ainda a caracterizam, como também, são os fundamentos da estruturação
dos conceitos que compõem esta ciência no contexto escolar.
A atividade científica do matemático está ancorada nas concepções
predominantemente platônica
13
e formalista
14
, cujos pressupostos determinam uma
influência direta na formação e na prática dos professores, ocorrendo, como
conseqüência, no contexto escolar, uma forte reprodução das interpretações
originais do matemático com relação à ciência matemática. O matemático procura
apresentar o saber científico na maior generalidade possível, o que é uma finalidade
legítima e sempre presente na pesquisa matemática, e este fato acaba
determinando uma prática pedagógica escolar a qual consiste em também
apresentar o conteúdo em sua forma mais geral possível. No entanto, para
finalidades de ensino, a construção da generalidade não se inicia por ela mesma,
pois a forma de redação
15
valorizada no contexto do trabalho do matemático é
totalmente inadequada para servir de apresentação do saber no contexto escolar
(PAIS, 1999, p. 25-8)
No âmbito escolar, os objetivos são muito distintos daqueles estabelecidos
pelos matemáticos no mundo científico. À comunidade científica cabe a construção
do novo conhecimento, a busca pelo desconhecido, a retificação do sabido. Na
13
Na concepção dada pelo platonismo os objetos matemáticos são idéias puras e acabadas, que
existem num mundo não material e distante daquele que nos é dado pela realidade imediata. (PAIS,
1999, p. 25).
14
Na concepção dada pelo formalismo, a matemática consiste num jogo formal de símbolos
envolvendo axiomas, definições e teoremas, e para trabalhar com estes elementos existem regras
bem definidas, as quais permitem deduzir determinadas seqüências lógicas que representam o
essencial da atividade matemática. (PAIS, 1999, p. 25-26).
15
Importante etapa na construção do saber matemático. “A descoberta da matemática passa,
primeiramente, por uma etapa de síntese do novo conhecimento, para, em seguida, receber uma
formalização através da redação de uma demonstração”. (PAIS, 1999, p. 27).
39
comunidade escolar a relação que se estabelece com os saberes é muito diferente.
Nesse contexto, trabalha-se com a aceitação prévia do conhecimento produzido em
outras instâncias e o objetivo é torná-lo ensinável, acessível ao nível de
compreensão do aluno. Tornar o objeto de saber ensinável não constitui apenas um
processo de transmissão, exige, necessariamente, um processo de re-
contextualização, uma (re)construção de saberes.
A matemática é uma ciência que exige abstrações, ela conduz a uma
exploração e conservação de conceitos na estrutura cognitiva sem a necessidade de
uma representação concreta (PIROLA; BRITO, 2001, p.85). Porém, isso não
significa que seu ensino deva iniciar com um alto grau de abstração, generalidade e
sistematização, com os conceitos sendo apresentados ao aluno em sua forma final
(formal e geral), pronta. Não são raras as vezes em que, pela forma inadequada com
que o saber matemático chega ao aluno, os mesmos aspectos que estruturam a
matemática, acabam por caracterizá-la como um objeto de saber complexo, com alto
grau de dificuldade e assim como um fator de exclusão.
Para Vigotski (2001, p.2467), o processo de desenvolvimento dos conceitos
é um processo psicológico complexo que requer o desenvolvimento de uma série de
funções (atenção arbitrária, memória lógica, abstração, comparação e
discriminação), as quais não podem ser simplesmente memorizadas ou assimiladas.
Sendo assim, para este autor, dificilmente poderia haver dúvidas sobre a total
inconsistência da concepção segundo a qual, no processo de aprendizagem escolar,
os conceitos são aprendidos pela criança de forma pronta e final. O ensino direto de
conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril, seu resultado
consiste no fato de a criança não assimilar o conceito, mas a palavra captada mais
de memória que de pensamento e sentir-se impotente diante de qualquer tentativa
de emprego consciente do conhecimento assimilado. O autor destaca que esse
método de ensino direto de conceitos “[...] é a falha principal do rejeitado método
escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conhecimento vivo pela
apreensão de esquemas verbais mortos e vazios” (VIGOTSKI, 2001, p. 247).
Assim, o saber matemático, no contexto escolar, não pode ser concebido
como uma simplificação do saber científico, pois de um lado uma metodologia
científica com suas especificidades e de outro lado os objetivos educacionais que
conduzem a uma metodologia essencialmente diferente. Para o matemático, o
objeto de saber é o objeto principal de sua atividade, enquanto que na prática
40
escolar o saber é um instrumento educacional que tem natureza própria. Enquanto o
saber científico é validado pelos seus paradigmas internos, o saber ensinado está
diretamente implicado nas relações entre professor, aluno e saber. Na escola, numa
situação de ensino, os objetivos são inteiramente diferentes do matemático.
No entendimento proposto por Pais (1999), o trabalho do professor consiste
em realizar uma atividade que segue um caminho inverso ao do matemático.
Enquanto o matemático elimina as condições contextuais de sua pesquisa buscando
níveis mais amplos de abstração e generalidade, o professor de matemática, ao
contrário, deve recontextualizar o conteúdo, tentando relacioná-lo a uma situação
que seja mais significativa para o aluno. Pais afirma ser extremamente necessário
nesse processo um trabalho pedagógico dialético entre os aspectos particular e
geral.
Diante destes entendimentos, no processo de ensino e aprendizagem,
necessidade de se afastar da idéia de reprodução/transmissão de conhecimentos, a
qual concebe a educação escolar como um exercício de contemplação do mundo
científico. É preciso desenvolver junto aos alunos dinâmicas/estratégias de ensino as
quais proporcionem um caminhar em busca da sistematização/formalidade na
significação dos conceitos trabalhados. Encaminhamentos estes capazes de
estimular o aluno a realizar articulações entre as dimensões teórica, experimental e
intuitiva, implementando entrelaçamentos entre diferentes representações na
significação dos conceitos matemáticos, possibilitando, desta forma, aos alunos o
fazer matemática”.
2.2 FAZER MATEMÁTICA PELA APROPRIAÇÃO DE SIGNIFICAÇÕES
CONCEITUAIS
Para Pais (2006, p. 28-31), fazer matemática no contexto escolar, sob a
coordenação do professor, é uma das finalidades mais expressivas da educação
matemática. Para tanto, a pedagogia da reprodução, na qual o aluno é levado a
fazer cópias, repetir definições e treinar padrões, é um equívoco. De acordo com
este autor, a parte essencial do trabalho didático deve voltar-se para a criação de
dinâmicas as quais visam intensificar as possibilidades de interação do aluno com o
saber matemático, valorizando suas ações e proporcionando um efetivo
envolvimento com os conceitos.
41
E para o aluno se envolver com os conceitos matemáticos, de acordo com
Pais (2006), é preciso desenvolver atividades que multipliquem as articulações
possíveis, sejam elas entre os diferentes temas da Matemática, entre as várias
maneiras de representação, ou entre o saber escolar e os saberes do cotidiano.
Nesse sentido é realçado, tanto interna como externamente aos objetos de saber
matemático, a idéia de enredamento, conexões e articulações, estando
completamente descartada a idéia de, no contexto escolar, desenvolver cada objeto
de saber matemático de forma estanque, fragmentada, obedecendo a uma rígida
linearidade.
Sob estes aspectos, e considerando que “o trabalho pedagógico consiste em
preservar a especificidade do saber científico sem perder de vista sua dimensão
educacional” (PAIS, 2006, p. 39), gradativamente, o processo de ensino e
aprendizagem relacionado à minha prática didático-pedagógica foi sendo
redimensionado e, neste processo, sendo reestruturada a própria organização
curricular de determinadas séries. Reestruturação que procurou privilegiar relações
conceituais e conexões e cujas estratégias de desenvolvimento enfatizam as ações
dos alunos e consideram as características da matemática e estruturas dos objetos
de saber envolvidos.
Nessa reestruturação encontra-se o objeto de saber medida (de
comprimento, de superfície, de volume, de capacidade, de tempo), eixo principal do
trabalho do componente curricular matemática da série do Ensino Fundamental. A
noção de medida está entrelaçada a outros conceitos a serem desenvolvidos
(também interligados), entre eles, os números decimais, números fracionários,
espaço e forma. Cada um destes conceitos tratados na sua especificidade, mas
inseridos num contexto maior de relações. De acordo com Vigotski (2001), a
existência de cada conceito em particular é possível mediante a relação com
outros conceitos. Para este autor os conceitos estão inseridos e são constitutivos de
sistemas conceituais
16
.
Como os episódios filmados e abordados nesta pesquisa dizem respeito à
medida de superfície, deter-me-ei nos conceitos relacionados a este objeto de saber
e naqueles desenvolvidos de forma vinculada a este.
16
Idéia, na abordagem histórico-cultural, considerada fundamental no processo de construção e
apropriação das significações conceituais. Sistematizada no item 2.2.2, página 59-71.
42
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), um
dos objetivos do componente curricular de matemática nas séries finais do Ensino
Fundamental é a compreensão da noção de medida de superfície e de equivalência
de figuras planas por meio da composição e decomposição de figuras. Outro objetivo
é o cálculo da área de figuras planas pela decomposição e/ou composição em
figuras de áreas conhecidas, ou por meio de estimativas.
Para haver possibilidades de atingir tais objetivos parte-se do pressuposto
de que para medir uma superfície e determinar as unidades, é necessário
primeiramente que o aluno se aproprie deste termo, signifique-o num processo de
elaboração conceitual. Para Fontana (1995), a elaboração conceitual é resultante de
um processo de análise (abstração) e de síntese (generalização) dos dados
sensoriais, o qual é mediado pela palavra e nela materializado; desta forma,
considera-se essencial verificar os sentidos produzidos pelos alunos sobre a palavra
superfície e conduzi-los, então, à significação científica de tal conceito.
2.2.1 Na interação pedagógica um conceito a ser significado: superfície
Como o conceito superfície, assim como tantos outros, está significado
cientificamente por nós professores, supomos, por muitas vezes, que o mesmo
aconteça com nossos alunos. Este pode ser um dos grandes “enganos” dos
professores de matemática. Muitos conceitos matemáticos estão tão naturalizados
e os usamos tão tranqüilamente que o nos preocupamos ou damos a devida e
necessária atenção às significações apropriadas e aos sentidos
17
produzidos por
nossos alunos, o que pode, consideravelmente, influir ou contribuir nas deficiências
do processo de ensinar e aprender matemática.
Com o intuito de prosseguir com as discussões e reflexões buscando
maiores níveis de compreensão, apresento um episódio marcado pelo diálogo entre
professora e alunos, o qual se estabelece a partir de uma problematização sobre
alterações ocorridas no espaço físico da escola. Entre as colocações feitas pelos
alunos, a professora evidencia a construção de uma quadra de esportes. No
decorrer do diálogo, a constatação pelos alunos de que a quadra de esportes não
17
No capítulo II, página 76, é apresentada a diferença entre sentido e significado.
43
está concluída, adequada para o uso. Entre outras exposições, foi apontado pelos
alunos que a quadra deveria ser pintada.
Episódio 1
(1)Profª: Isso que quero ver. Voltando ao caderno de vocês e continuando as
anotações. Vocês acabaram de anotar uma constatação. Estou esperando... Vocês
acabaram de anotar que neste segundo semestre foi construída uma quadra, que
a gente viu que esta quadra não está concluída. Então complementando... (A profe
anota no quadro.) Essa quadra não está pronta, não está concluída, está faltando...
Algumas falas... A profª continua...
(2)Profª: Estou esperando a atenção de todos aqui. Quero organizar com
vocês bem direitinho o que é que está faltando para terminar, para a quadra, oh A1,
para a quadra ficar de uma forma adequada para o uso?
(3)M1: Tinta.
(4)S1: Linha.
(5)F1: Linha.
(6)Profª: Uma coisa de cada vez, S1 pra gente poder ir anotando. Levantar a
mão que daí eu consigo ir anotando bem direitinho. Vou esperar. Vou esperar... A3.
(7)A1: As linhas.
(Vários alunos com a mão levantada.)
(8)A2: Linhas.
(9)Profª: Antes das linhas serem pintadas, pensem junto comigo.
(10)M1: Eu sei. Falta tinta.
(11)F2: Pintar.
(12)E1: Um fundo.
(13)Profª: um pouquinho. Ah? Eu acho que vocês estão dizendo a
mesma coisa.
(14)S1: Oh professora, o C1 incomodando aqui.
(A profª aguarda silêncio e espera pela atenção de um grupo de alunos.)
(15)Profª: Posso continuar a aula?
(16)M1: Pode.
(17)Profª: Me ajudem aqui. Eu acho que vocês estão falando a mesma
coisa, não é? O M1 falou tinta, a colega ali falou que falta um fundo, esse fundo que
você ta dizendo é uma pintura E1?
44
(18)E1: É.
(19)Profª: Pintar. Agora me ajudem. Pintar o quê?
(20)F1: A quadra, o fundo da quadra.
(21)Profª: Me ajudem, agora quero atenção de todos. Então vamos ver. O F1
falou que falta uma pintura. (Algumas falas não identificadas.) É levantar a mão e
aguardar a sua vez pra gente poder se organizar. Estou esperando. Nós
estudamos a medida do contorno, a gente viu a largura, alturas, comprimentos...
Mas agora é passar a tinta, é pintar onde? O contorno da quadra?
(22)M1: O fundo da quadra.
(23)S1: As linhas.
(24)Profª: As linhas já foi falado, a gente já comentou.
(25)F2: Completa.
(26)A1: As laterais.
(27)A2: A linha de fundo.
(28)Profª:Sobre as linhas que vocês estão repetindo é porque não
entenderam o que foi comentado a dois minutinhos atrás quando a gente perguntou
assim: Se antes de pintar as linhas teria mais alguma coisa a ser feita? Aí os colegas
disseram que teria que passar uma tinta. Aí a gente viu onde, um colega falou um
fundo. Então fiquem atentos para poder continuar nosso assunto. ok? Então
vamos escutar. L1 vamos ver o que ele disse? G1 repete.
(29)G1: Completa.
(30)Profª: O G1 disse uma coisa que quero atenção de todos. G1, o que
você quer dizer com quadra completa.
(31)G1: Toda ela.
(32)Profª:É isso que você disse L1? O que você falou antes?
(33)L1:Pinta toda ela.
(34)Profª: Quando a gente fala. Gurias quero atenção de vocês também
nessa conversa... Estou esperando A1... Quando a gente fala pintar toda ela, está
falando o quê?
Professora espera um pouco... E complementa...
(35)Profª: A última fala dos colegas foi relacionada a pintar a quadra toda,
será que tem uma palavra, uma forma de dizer a quadra toda. Não é o contorno, não
é um lado, é a quadra toda. Certo? Vamos ver. F1... Fala E1.
(36)E1: É pintar a quadra total.
45
(37)Profª: Pintar a quadra total... Então tenta explicar.
(38)E1: Primeiro tu pinta o fundo de qualquer cor e depois passa só as linhas
por cima, daí como vai ver assim, como são as linhas...
(39)Profª: Desenhar as quadras?
(40)E1: As cores das linhas são diferentes, só o fundo é da mesma cor.
(41)A1: A de vôlei é diferente da de futsal.
(42)Profª: O fundo que quero conversar um pouquinho melhor. O que você
quer dizer G1?
(43)G1: Nada não.
(44)V1: (Dirige-se à frente da sala) Profe eles estão falando dessa parte aqui
(Passa as mãos sobre o tampo de uma classe). Se essa mesa fosse a quadra deve
pintar essa parte aqui, toda a quadra. (Mostra novamente com as mãos.)
(45)Profª: É esse fundo que vocês estão dizendo. Olhem pra cá. Aqui nessa
mesa que o V1 nos mostrou. (Uma classe) Digamos que aqui é a quadra. Ta M1?
Até agora a gente trabalhou com medidas de comprimentos, medimos larguras,
aprendemos a medir contornos, espessuras, etc. (A profe mostra com gestos a
indicação destas medidas na classe). Agora a gente está falando de uma coisa
diferente, o V1 veio aqui e nos mostrou. Hoje, olhem aqui pra mim, a gente está
falando desse espaço aqui. (A profe passa as mãos na superfície da mesa.) Esses
espaço aqui. Oh G1. Vocês acabaram de dizer que tem que pintar a quadra toda.
Então é todo o espaço que forma a quadra. Esse espaço aqui, isto V1? R1. É esse
espaço aqui (mostra novamente com as mãos), assim como a quadra é plano. Tem
um limite. (Mostra com as mãos) E tem duas dimensões. É diferente do que
estudamos até então quando a gente considerava apenas uma dimensão. Tem uma
dimensão para e outra pra (mostrando com as mãos) é assim bi-dimensional,
tem duas dimensões. Cuidem bem estas características deste espaço que estamos
vendo.
(46)L1: É plano.
(47)V1: É limitado porque ele termina?
(48)Profª: É V1, é limitado, porque tem um limite, termina.
(49)R1: Como é isto de duas dimensões?
(50)E1: Não vê que tem comprimento e também largura.
(51)M1: Quando a gente media comprimento era comprimento, não
interessava a largura.
46
(52)Profª: Um espaço assim, plano, limitado e bi-dimensional podemos
chamar de superfície.
(53)A1: Superfície?
(54)Profª: Superfície. Estamos vendo então isso aqui óó (Mostrando com as
mãos), a superfície da quadra. Ok?
(55)Vários alunos: Ok.
(56)Profª: Isso é uma das coisas que está faltando pintar, é uma das coisas
que está faltando nessa quadra. (Um menino faz sinal que quer falar.) L1 o que você
quer dizer?
(57)L1: Bota uma camada fina de cimento na... superfície da quadra.
(58)Profª: L1 acho que não vamos mais botar uma camada fina de cimento
pelo que conversei com o diretor, agora seria somente colocada a tinta.
(Fala não identificada do L1 e do A1...)
(59)Profª: Agora vamos anotar essas coisas.
(60)F1: Falta também colocar a rede nas balizas.
(61)Profª: Uma coisa de cada vez. Estou esperando... Observem aqui.
Anotando. O que é que está faltando? Pintar...
(62)F2: A superfície.
Este episódio se estabelece marcado pelo diálogo. Mas não é um diálogo
que transcorre naturalmente, que simplesmente flui, é marcado especialmente pela
intencionalidade (da professora) e envolve professor, alunos e um objeto de saber.
Das 62 locuções transcritas neste episódio, 36 são da professora, intervenções
estas marcadas por questionamentos e instigações que orientaram os alunos a
pensar sobre um espaço da quadra, do qual pretendia tratar. Nesta orientação, a
professora vai “inibindo” algumas falas e salientando outras nas quais alguns
elementos considerados essenciais na significação de superfície são destacados.
Percebe-se também que em várias oportunidades a professora faz solicitações,
chama os alunos à participação, ao envolvimento com o assunto que naquele
momento estava sendo tratado, possibilitando uma efetiva interação.
De acordo com Pires (2000), o trabalho educativo supõe um processo de
interação profunda, o que acarreta uma mudança de postura tanto do professor
como dos alunos. Nesta perspectiva, abordada por Pires, os eternos monólogos são
47
suprimidos e os diálogos são instaurados nas salas de aula, o que evidencia um
trabalho interativo a partir de uma relação dialógica.
Como a superfície é o foco central desta aula, a professora dirige este
diálogo para a “parte” da quadra que necessita de pintura. Os alunos citam as linhas
que definem as quadras de futsal, vôlei, basquete, handebol, mas o professor
insiste... Questionando se antes de definir e pintar estas linhas outra pintura não se
faria necessária. Diante da insistência, os alunos comentam que na quadra deveria
ser passada uma tinta, que deveria ser dado um fundo na quadra, outros dizem que
toda a quadra deveria ser pintada; o professor continua instigando, perguntando
onde deve ser passada esta tinta, o que significa toda a quadra, se é do contorno
que estão falando.
Neste contexto, um aluno usa como exemplo o tampo de uma classe, no
qual mostra com as mãos o espaço que deveria ser pintado. O professor usa o
exemplo considerado pelo aluno e complementa solicitando que observem as
dimensões deste tampo/plano, levando-os a perceber que este espaço, neste
momento representando a quadra de esportes, é plano, limitado e bi-dimensional.
Um espaço plano com estas características foi definido então, de acordo com as
transcrições, como sendo uma superfície.
A professora não usa a palavra superfície no início do episódio, aparece
apenas no turno 52. Se apresentada no começo da aula, poderia desencadear uma
série de colocações, pois os alunos teriam condições de relacionar estes
entendimentos a sentidos produzidos sobre a palavra superfície. Quando os
alunos falaram em pintura poderia ter questionado se a superfície da quadra está
pintada e/ou sobre a parte da quadra que representa a superfície
18
. Pois, a palavra
“[...] em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e,
posteriormente, torna-se seu símbolo” (VIGOTSKI, 2001, p.161).
A formação de conceitos foi extensivamente estudada por Vigotski e seus
colaboradores, e muito deste estudo é apresentado na obra A construção do
pensamento e da linguagem. Nesta obra, mais especificamente no capítulo 5
Vigotski (2001), afirma que a base desta investigação encontra-se no emprego
funcional da palavra e seu desenvolvimento, ou seja, no significado que o indivíduo
dá à palavra.
18
As aulas dos episódios não foram planejadas fundamentadas na teoria histórico-cultural, ratifica-se
que transcorreram no curso normal do trabalho que estava sendo desenvolvido.
48
Duas raízes diferentes na formação do conceito na criança são apontadas
por este autor. Uma delas é o desenvolvimento da generalização, que desde muito
cedo, faz com que o indivíduo selecione e agrupe objetos de acordo com suas
características concretamente presentes. No processo de generalização, Vigotski
indica dois grandes estágios na formação dos conceitos, o sincrético e o estágio de
formação de complexos.
No primeiro estágio, o sincrético, o indivíduo agrupa objetos formando
amontoados sincréticos, são colocados juntos ao acaso e de modo assistemático. A
criança escolhe os objetos que deverão ficar juntos baseando-se em várias
impressões subjetivas. Geralmente, este estágio se faz presente no pensamento de
crianças de pouca idade.
O segundo estágio do desenvolvimento dos conceitos, denominado como
pensamento por complexos, corresponde, segundo Vigotski (2001, p. 371), à fase
pré-escolar. Este estágio caracteriza-se por um tipo de pensamento coerente e
objetivo. Porém, os objetos são agrupados embasados em relações que se
estabelecem a partir de fatos. Nas palavras de Vigotski: “O complexo se baseia em
vínculos factuais que se revelam na experiência imediata.” (2001, p. 180). A
diversidade destes vínculos, base do complexo, constitui o aspecto mais importante
em sua diferenciação com os conceitos propriamente ditos. Esse estágio abrange
uma variedade do mesmo modo do pensamento em termos funcionais, estruturais e
genético. Nos verdadeiros conceitos, todos os elementos estão vinculados entre si e
a uma totalidade expressa em conceito. Esses vínculos são basicamente uma
relação do geral para o particular e do particular para o geral. No pensamento por
complexo, cada elemento pode estar vinculado ao todo nele expresso, a elementos
particulares integrantes da sua composição e às relações mais diversas; os vínculos
são tão diversificados quanto às relações factuais estabelecidas.
Vigotski (2001) observa cinco fases básicas das generalizações que surgem
no pensamento por complexo. Destaca que não uma hierarquia entre elas, nem
uma determinada faixa etária para esse tipo de pensamento, pois mesmo pessoas
adultas, que têm um desenvolvimento mental que possibilita a formação de
conceitos propriamente ditos, recorrem ao pensamento por complexos. Dentre estas
fases destaco aquela que predomina no pensamento por complexos nas crianças, o
pseudoconceito.
49
O pseudoconceito é uma fase do pensamento por complexos considerado
por Vigotski (2001) como a ponte entre a formação de complexos e o estágio final e
mais elevado do desenvolvimento da formação de conceitos. A generalização que
se forma neste estágio é fenotipicamente igual à de um conceito, a diferença
consiste na essência e na natureza psicológica. Assim, encontrar o limite que separa
o pseudoconceito do verdadeiro conceito é sumamente difícil, pois estamos diante
[...] de uma imagem que de maneira nenhuma pode ser tomada como
simples signo de conceito. É antes um quadro, um desenho mental do
conceito, uma pequena narração sobre ele. Por outro lado estamos diante
de um complexo, ou seja, uma generalização construída com base em leis
inteiramente diferentes daquelas porque se construiu o verdadeiro conceito
(VIGOTSKI, 2001, p. 195).
Pensar por complexos, mais especificamente, por pseudoconceitos, é uma
prática que abrange o mesmo círculo de objetos concretos e o conceito. Está no seu
entorno, é uma sombra do conceito, a qual se configura como pressuposto para a
subseqüente conceituação, porém, como nos mostra Vigotski, os processos de
obtenção são diferentes. Enquanto que
o pensamento por complexos tem como elemento mais característico o
momento do estabelecimento dos vínculos e relações que constituem o seu
fundamento. [...] o conceito, em sua forma natural e desenvolvida,
pressupõe não a combinação e a generalização de determinados
elementos concretos da experiência, mas também a discriminação, a
abstração e o isolamento de determinados elementos e ainda, a habilidade
de examinar esses elementos discriminados e abstraídos fora do vínculo
concreto e factual em que são dados na experiência (2001, p. 219 20).
No pensamento por complexos excedem vínculos ou a reprodução destes,
porém uma rudimentar abstração, é fraquíssimo o processo de discriminação de
atributos. No desenvolvimento de um verdadeiro conceito, a decomposição e a
vinculação são momentos igualmente necessários.
A outra raiz na formação do pensamento conceitual, na criança, é apontada
por Vigotski (2001) como sendo o terceiro estágio da evolução do pensamento
infantil: os conceitos propriamente ditos, os verdadeiros conceitos. Neste estágio, a
mente do indivíduo distingue nos objetos características e relações cada vez mais
abstratas. Sua função genética é desenvolver a decomposição, a análise e a
abstração. Enquanto a formação de complexos tem a função de unificar as
50
impressões do indivíduo em generalizações, a abstração tem a função de isolar os
elementos para examiná-los separadamente. Este estágio da evolução do
pensamento infantil vem complementar o que faltava aos complexos para formação
dos verdadeiros conceitos.
Sob estas argumentações volto ao episódio e agora com possibilidades de
-lo sob mais aspectos. No primeiro momento, ao olhar o episódio, pareceu que as
falas estavam embasadas no pensamento conceitual, agora não é mais possível
fazer esta afirmação. Considerando o pensamento por complexos, os
pseudoconceitos e o pensamento conceitual propriamente dito, vários momentos do
episódio podem ser analisados, haja visto, que ele é muito rico em se tratando da
exposição dos sentidos produzidos pelos alunos.
Do turno 35 ao 40 do episódio ocorre um diálogo entre a professora e uma
aluna (E1) que em suas explanações possibilita entender que os vínculos
estabelecidos no seu pensamento não são simples associações entre fatos ou
associações sonoras entre palavras. A aluna E1 referiu-se à superfície da quadra
como a quadra total, e em sua explicação falou em pintar o fundo
19
da quadra. Ela
tinha usado a expressão fundo no turno 12. Questionada, pela professora, se o
fundo seria uma pintura na quadra, respondeu afirmativamente. Este fato, a
afirmação, o questionamento e a resposta não fornecem dados suficientes para
poder fazer uma inferência; qualquer análise ficaria no nível de suposições.
No decorrer do episódio, fundo da quadra também foi mencionado no turno
20 pelo aluno F1 e no turno 22 por M1, porém foram falas soltas sem maiores ou
melhores explicações e/ou justificativas, o que impede qualquer conclusão.
Novamente faltam dados para que se possa perceber se as colocações foram meras
reproduções, se estão embasadas em um raciocínio entre fatos ou são raciocínios
mais elaborados que envolvem um grau maior de abstração. A aluna E1, instigada
(turno 37) pela professora no diálogo estabelecido entre o turno 35 e 40, relaciona o
fundo à quadra total e afirma, em suas palavras, que este fundo é uma pintura na
supercie da quadra. Nas colocações de E1 percebe-se que seu pensamento se
estabeleceu para além dos fatos, ela elaborou um pensamento que pode nos levar a
entender como sendo por verdadeiros conceitos.
19
Percebe-se que outros sentidos podem ser produzidos sobre fundo e fundo da quadra se estiverem
fora deste contexto.
51
Outro momento deste episódio que se fez sobressair sobre os demais está
no turno 44. Neste, o aluno V1, através de palavras e demonstrações, expõe seu
entendimento. Mostra em uma classe, a qual considerou como exemplo, o espaço
que deveria ser pintado. indícios de que os vínculos existentes podem ter ido
para além de um pensamento por complexos, pois se estabelece certo nível de
abstração. O aluno saiu da quadra de esportes e a representou na classe,
especificando o que pretendia tratar. No pensamento desenvolvido por este aluno,
houve um processo de decomposição, análise e abstração.
Estas considerações, estabelecidas a partir de pressupostos vigotskianos,
possibilitam a indicação da importância da atuação do professor no propósito de
perceber os vínculos estabelecidos entre os sentidos produzidos pelos alunos. Eles
são estabelecidos a partir de amontoados sincréticos ou mesmo de reproduções. Se
não percebidos pelo professor, podem se manter nesse nível e não evoluir para e no
processo de elaboração conceitual.
Estas questões conduzem a uma série de outras considerações e
questionamentos e reportam a diversas situações das aulas de matemática. Explicito
algumas: quando os alunos, considerando um determinado exemplo, desenvolvem
exercícios sem ter idéia do processo que ali se estabelece, ou mesmo quando, ao
fazerem uso de um algoritmo adotam um determinado procedimento ou fórmula
matemática, o/a desenvolvem ou aplicam sem ter compreensão do processo de
desenvolvimento, poderão, com grande probabilidade, estar trabalhando com o
pensamento por complexos e o por verdadeiros conceitos. Estas situações,
instituídas em muitas aulas de matemática, podem levar o professor a concluir que
formação de um pensamento com elaboração conceitual propriamente dito,
porém não garante que este processo esteja acontecendo na mente do aluno.
Assim, é extremamente importante que as ações docentes estejam também
voltadas, sistematicamente, à percepção da natureza dos vínculos presentes nos
sentidos produzidos pelos alunos para, a partir de então, proporcionar uma evolução
no pensamento conceitual dos alunos.
De acordo com as transcrições do episódio apresentado, sob a orientação
da professora, os alunos pesquisaram no dicionário a(s) definição(ções) dada(s) à
palavra superfície, as quais foram socializadas no grande grupo e relacionadas a
colocações expostas anteriormente.
52
Cabe destacar que, para tratar da aprendizagem, de acordo com Pais (2006,
p. 123), é preciso diferenciar dois níveis entrelaçados de conhecimentos, trabalhar
com a elaboração de conceitos, com seus registros textuais e definições,
propriedades e teoremas. As propriedades são condições necessárias para atender
às exigências de uma definição, a complexidade de um conceito, conforme Pais
(2006, p.122), é mais ampla do que a de uma definição. Conceituar, para este autor,
não é uma ação localizada como a expressão ou um registro lingüístico, é um ato
que exige mais do que uma definição, tanto em termos de tempo, como em termos
de domínio. O processo de desenvolvimento de um conceito é muito mais demorado
do que a aprendizagem ou a memorização de uma definição e, quanto ao domínio, o
nível conceitual passa pelo domínio de sua definição, mas, como afirma Pais, vai
muito além. Conceituar: “Trata-se de expressar um discurso objetivo em torno da
idéia, relacionando-a com outros conceitos e teorias, revelando nuances que a
definição é incapaz de expressar” (PAIS, 2006, p. 122).
20
Na intersubjetividade, nas múltiplas vozes, guiadas por inúmeras colocações
e questionamentos, instigados pela professora, foram abordadas noções essenciais
para a significação conceitual de superfície, a bidimensionalidade e a limitação de
um espaço planificado. Percebe-se, no contexto apresentado, um importante
aspecto tratado por Vigotski e referenciado por Fontana (1995), ao afirmar que a
relação da criança com o conceito é sempre mediada por algum outro conceito. Isso
ocorre pelas relações conceituais, as quais, no processo de significação, precisam
ser consideradas. De acordo com o autor, as relações conceituais são os vínculos
fundamentais entre os conceitos.
Outra questão que se manifesta neste episódio está relacionada à diferença
do grau de generalidade das palavras empregadas pelas crianças e adultos. De
acordo com Fontana (1996), é essa diferença de elaboração mental que possibilita o
desenvolvimento das significações conceituais na criança. Para tanto, faz-se
necessário que o professor perceba estes diferentes níveis e atue no sentido de
elevar os níveis de generalização e sistematização dos conceitos de seus alunos.
Porém, ressalvo que a elaboração conceitual não se desenvolve naturalmente.
Conforme Fontana (1995), ela é objetivada nas condições reais de interação nas
20
Diante destas colocações cabe refletir, o quanto, nas diversas situações das aulas de matemática,
oportunizamos ao aluno que defina e quando que realize um processo de elaboração conceitual, nas
palavras de Vigotski, que se aproprie das significações conceituais.
53
diferentes instituições humanas, tendo no contexto escolar uma orientação
deliberada e explícita no sentido da apreensão, pela criança, de conhecimentos
sistematizados
21
. O processo deliberado está explícito no episódio, na medida em
que a professora instiga seus alunos à percepção das características que podem
levar à conceitualização de superfície, buscando subsídios para que alcancem assim
um maior nível de generalização conceitual.
No episódio apresentado, os alunos entraram em contato com a palavra
superfície, que é fundamental no decorrer do trabalho a ser desenvolvido. Porém, a
professora não iniciou a aula com uma definição
22
deste conceito. Em vez disso, foi
proposta aos alunos uma dinâmica a qual, no decorrer da aula, possibilitou um
pensar e um caminhar na busca de significações com um maior nível de
generalização. De acordo com o referencial vigotskiano, no processo de elaboração
conceitual a significação não acontece de imediato, numa forma pronta e acabada,
há, no processo, sempre um devir. No momento em que a criança toma
conhecimento pela primeira vez do significado de uma nova palavra, o processo de
desenvolvimento dos conceitos não termina, está apenas começando.
Para Vigotski (2001), um conceito expresso por uma palavra representa uma
generalização e os significados das palavras evoluem. Assim, quando uma palavra
nova, ligada a um determinado significado é aprendida pela criança, seu
desenvolvimento está apenas começando. No início, é uma generalização do tipo
mais elementar, na medida em que a criança se desenvolve é substituída por
generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando com o processo de
formação dos verdadeiros conceitos. Assim, no momento de assimilação da nova
palavra,
[...] o processo de desenvolvimento do conceito correspondente não não
se conclui como está apenas começando. Quando está começando a ser
aprendida, a nova palavra não está no fim, mas no início do seu
desenvolvimento. [...] O gradual desenvolvimento interno do seu significado
redunda também no amadurecimento da própria palavra (VIGOTSKI, 2001,
p. 394).
21
Também entendidos como científicos na expressão vigotskiana.
22
É muito presente nas aulas de matemática iniciar um determinado conteúdo pela definição,
seguindo por alguns modelos/procedimentos e aplicações.
54
Desta forma, de acordo com estes pressupostos, não é na aula,
parcialmente apresentada neste episódio, que os alunos alcançaram/alcançam a
significação final/formal deste conceito, a aula é apenas o início do processo. Estes
aspectos da abordagem histórico-cultural apontam, também, para uma outra
importante questão no processo de aprendizagem: o tempo. É necessário um tempo
para que a aprendizagem se efetive, caso o aluno não encontre oportunidades ou
tempo para o seu desenvolvimento, a simples memorização pode aparecer como
uma saída rápida, e por que o dizer, a mais fácil. E com relação ao professor,
este, ao dar voz ao seu aluno, precisa aceitar outro ritmo para suas aulas, muito
diferente daquele no qual são apresentadas definições, alguns modelos de
desenvolvimento e uma série de exercícios.
A partir de uma problematização, aparentemente simples, relacionada a um
dos espaços (quadra de esportes) que supostamente vem ao encontro do interesse
dos alunos, a professora os envolveu numa discussão. Instigou-os a expor
percepções e sentidos no plano da subjetividade para então conduzi-los ao plano da
objetividade do saber científico. O caminho para a objetividade, conforme Pais
(2006), passa pela via da subjetividade, porque é uma linha de referência
efetivamente vivenciada pelo sujeito. Da mesma forma que se valoriza a
objetividade, devemos, de acordo com este autor, estar atentos aos vínculos
subjetivos das concepções dos alunos; o que nos parece ser considerado pela
professora neste episódio.
Houve, neste contexto, na intersubjetividade dos atores envolvidos, um
caminhar em busca da significação conceitual de superfície, marcado pela produção
de sentidos e pelo embate entre duas categorias de conceitos, os conceitos
espontâneos (cotidianos) e os conceitos científicos. Vigotski (2001) diferencia-os.
No entendimento apresentado por este autor, os conceitos cotidianos estão
relacionados a categorias ontológicas, intuitivas, próprias de cada indivíduo.
Focalizam a atenção no objeto, dizem respeito às relações das palavras com os
objetos a que se referem. Dadas as suas características estruturais, os conceitos
cotidianos surgem a partir de experiências imediatas e comuns da vida diária, são
impregnados de percepções visuais. Este tipo de conceito materializa-se nas
relações e interações cio-culturais, sem necessidade da escolarização formal, e
permite o desenvolvimento de estruturas importantes de generalização, porém, falta-
lhe a abstração necessária para o desenvolvimento do discernimento e controle
55
voluntário do ato de pensar
23
. São, de acordo com Damazio (2000, p. 54), conceitos
assistemáticos, envoltos em situações contextualizadas, cujas relações são
orientadas pela semelhança concreta e por generalizações isoladas, refletindo numa
sistematização simples daquilo que é perceptível, o que não implica definição verbal
e generalizações abstratas.
os conceitos científicos são formulações históricas produzidas pela
cultura científica e não pelo indivíduo em si, distinguindo-se pela verbalidade e
reflexibilidade. De acordo com Damazio (2000, p. 54), estes conceitos criam
condições para que se realizem atividades mentais independentes do contexto
concreto, derivam de relações deslocadas da realidade para o plano mental. Os
conceitos científicos dizem respeito às relações das palavras com outras palavras.
Focalizam a atenção no próprio ato de pensar na medida em que as conexões entre
conceitos são relações de generalidade, caracterizando-se pelo alto nível de
sistematização, hierarquização e logicidade. Sua estrutura e sua natureza semiótica
permitem atingir níveis superiores de organização de consciência: o discernimento e
o controle consciente do ato de pensar. São apropriações que acontecem
intencionalmente.
O desenvolvimento dos conceitos científicos segue, conforme afirma Vigotski
(2001, p.344-6), por uma via oposta àquela pela qual transcorre o desenvolvimento
dos conceitos espontâneos. Nos conceitos espontâneos tem-se um conceito do
objeto e a consciência do próprio objeto representado neste conceito, mas não se
tem consciência do próprio conceito, do ato propriamente dito de pensamento pelo
qual se concebe esse objeto. E os conceitos científicos começam pelo nível que o
conceito espontâneo não atingiu em seu desenvolvimento. Em função da diferença
de nível entre os conceitos científicos e espontâneos, Vigotski mostra que o que é
forte nos conceitos espontâneos é o ponto fraco dos conceitos científicos e vice-
versa. A debilidade dos conceitos espontâneos apresenta-se na incapacidade para
abstração e no modo arbitrário de operar com eles. Os conceitos científicos revelam
sua fraqueza no campo do emprego espontâneo do conceito, da sua aplicação a
uma infinidade de operações concretas, da riqueza do seu conteúdo empírico e da
sua vinculação com a experiência pessoal.
23
Capacidade de utilizar, voluntariamente as palavras como instrumento do pensamento e como meio
de expressão de idéias (TUNES, 2000, p. 45).
56
Para Vigotski, os conceitos cotidianos e os conceitos científicos diferem
entre si. No processo de desenvolvimento, seguem caminhos dirigidos em sentido
contrário, porém estão internamente e da maneira mais profunda inter-relacionados.
Não existe, entre ambos, uma relação direta de dependência, mas uma relação de
movimento. Em suas palavras,
o conceito espontâneo na criança se desenvolve de baixo para cima, das
propriedades mais elementares e inferiores às superiores, ao passo que os
conceitos científicos se desenvolvem de cima para baixo, das propriedades
mais complexas e superiores para as mais elementares e inferiores.
(VIGOTSKI, 2001, p. 348)
As duas linhas movem-se, como mostra o esquema da Figura 1, não no
paralelo, mas na relação, os dois processos influem-se mutuamente, de tal forma
que os conceitos científicos descem em direção às propriedades mais elementares,
ao concreto que representam, e os cotidianos movem-se para cima, em direção às
propriedades mais complexas, à abstração.
Figura 1: Esquema do desenvolvimento dos conceitos científicos (CC) e
dos conceitos espontâneos (CE).
Para Vigotski:
O desenvolvimento dos conceitos científicos começa no campo da
consciência e da arbitrariedade e continua adiante, crescendo de cima para
baixo no campo da experiência pessoal e da concretude. O
desenvolvimento dos conceitos espontâneos começa no campo da
concretude e do empirismo e se movimenta no sentido das propriedades
superiores dos conceitos: da consciência e arbitrariedade (2001, p. 350).
57
Os conceitos espontâneos, ascendentes, criam uma série de estruturas
indispensáveis ao surgimento de propriedades inferiores e elementares do conceito,
abrindo caminhos para que os conceitos científicos desenvolvam-se de cima para
baixo. Da mesma forma, os conceitos científicos, que descendem, criam uma série
de formações estruturais indispensáveis à apreensão das propriedades superiores
do conceito, abrindo caminhos para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos.
Neste processo de desenvolvimento, “[...] o conceito espontâneo deve atingir certo
nível de seu desenvolvimento espontâneo para que seja possível descobrir a
supremacia do conceito científico sobre ele” (VIGOTSKI, 2001, p.350).
Esses pressupostos vigotskianos, como ressalta Damazio (2000, p. 55-56),
têm importantes implicações no processo de ensino e aprendizagem do contexto
escolar. Entre elas encontra-se o fato de que os conceitos cotidianos são o ponto de
partida para a aprendizagem dos conceitos científicos, porém, os conceitos
científicos não surgem diretamente dos conceitos cotidianos.
Nas estratégias de ensino, o professor deve propor atividades capazes de
proporcionar aos alunos a percepção das significações apropriadas dos conceitos
cotidianos correlatos aos conceitos científicos em processo de significação. Pois o
desenvolvimento de processos de significação dos conceitos científicos deve iniciar
por procedimentos analíticos, pela sua definição verbal, por evidências de tributos e
idéias essenciais subjacentes a eles e pelas suas aplicações à diversidade de
objetos e situações da realidade (DAMAZIO, 2000, p. 56).
No episódio apresentado neste capítulo, percebe-se que a professora iniciou
sua aula com a problematização de uma situação concreta da vivência dos alunos,
levando-os, por inúmeros questionamentos, a detectar, a perceber significações
apropriadas relacionadas aos conceitos científicos que estavam em processo de
significação, possibilitando, assim, o exercício direcionado a novas generalizações,
isto é, à apropriação da significação conceitual propriamente dita.
Analisando o episódio como um todo é possível percebê-lo como uma
unidade dinâmica, na qual prima uma relação dialógica, de movimento entre
processos de desenvolvimento de significações de conceitos cotidianos e científicos.
No decorrer do episódio, inúmeras falas dos alunos, algumas obtidas a partir da
insistência do professor, tais como um fundo, o fundo da quadra, quadra completa,
toda a quadra, quadra toda, quadra total, referiam-se à superfície da quadra, porém
embasados em entendimentos oriundos de significações de conceitos espontâneos,
58
cujo processo de desenvolvimento começou no campo do empirismo e da
concretude.
As significações, apropriadas em interações sócio-culturais, sem a
necessidade do contexto escolar, a partir de reflexões sobre experiências imediatas
e comuns da vivência dos alunos, na medida em que são detectadas, criam
estruturas capazes de abrir caminhos para o desenvolvimento do processo de
significação de um conceito científico, neste caso, de superfície.
Nas falas do professor (24 e 31), percebe-se a exposição de palavras (plano,
limite, plano limitado, dimensão, bi-dimensional, superfície) cujas significações
exigem um grau mais elevado de generalização/abstração e evidenciam
características peculiares dos conceitos científicos. Ou seja, o seu processo de
desenvolvimento começa no campo da consciência e da arbitrariedade. As
estratégias do processo de ensino e aprendizagem apresentadas nesse episódio,
relacionadas à quadra de esportes, mais especificamente à sua superfície,
possibilitaram a ascendência dos conceitos cotidianos em direção às propriedades
mais complexas como a abstração e a arbitrariedade; também, o estabelecimento de
outro processo de desenvolvimento em que os conceitos científicos descendem em
direção às propriedades mais elementares. Assim, no embate, no movimento de
inter-relações entre o desenvolvimento do processo de conceitos cotidianos e
conceitos científicos acontece o início do processo de significação de superfície.
Percebe-se, no episódio apresentado, que dois alunos (L1 e F2) usaram a
palavra superfície em suas falas, porém, cabe ressaltar que o aluno terá
alcançado níveis superiores do pensamento conceitual na medida em que conseguir
operar com ele. Quando for capaz de generalizá-lo para situações as quais não se
limitam ao emprego supostamente correto das palavras ou definições.
De acordo com os pressupostos que embasam esta dissertação, no decorrer
do processo de ensino e aprendizagem, a significação do conceito de superfície
subsidia o desenvolvimento do processo de outros conceitos. Além do que, ao
processo de generalização, de apropriação de significação, outras generalizações e
significações estão entrelaçadas. De acordo com Vigotski (2001, p. 292-3), a
generalidade de um conceito leva à localização de dado conceito em um
determinado sistema de relações de generalidade. O conceito científico pressupõe
seu lugar definido no sistema de conceitos, lugar este que determina a sua relação
com outros conceitos. Organiza-se em um sistema hierárquico de inter-relações, são
59
tipos de generalizações as quais implicam uma estrutura mental superior do
desenvolvimento mental do indivíduo.
Considerando que, na perspectiva histórico-cultural, quando a criança, no
contexto escolar, se apropria das significações de conceitos científicos, a relação
que se estabelece com um objeto é mediada por algum outro conceito, “[...] um novo
conceito, uma nova generalização o surge senão com base no conceito ou
generalização anterior” (VIGOTSKI, 2001, p. 372). Sem nenhuma relação definida
com outros conceitos, seria impossível significar cientificamente superfície, conceito
esse que está inserido em uma rede de significações. Nas palavras de Vigotski, num
sistema conceitual.
2.2.2 A sistematicidade constituindo conceitos matemáticos e seu
desenvolvimento na sala de aula
Para desenvolver esta argumentação parto de outro recorte, o qual envolve
situações transcorridas nas aulas de matemática filmadas e do material (caderno) de
um dos alunos (F2). Porém, para que o leitor tenha um melhor entendimento do foco
principal das análises desenvolvidas nesta fase da dissertação, apresento o referido
episódio em três etapas.
Na primeira etapa a apresentação de uma questão aos alunos, a
resposta apresentada por um aluno e a socialização no grande grupo. A segunda
etapa se estabelece com uma atividade proposta aos alunos, e a terceira etapa
(ponto principal deste episódio) se faz com as repostas apresentadas a esta
atividade pelo aluno F2.
2º Episódio: 1ª etapa
O professor lança aos alunos uma questão para que, em pequenos grupos,
discutam e respondam: O que é necessário saber para pintar a superfície da quadra
de esportes? Os alunos, entre muitas conversas e discussões, fazem uma série de
colocações, entre elas as que estão expostas na Figura 2, a qual é um recorte do
caderno do aluno F2.
60
Figura 2: Recorte do caderno do aluno F2 o qual apresenta uma questão e a
resposta dada pelo aluno.
Antes de analisar as colocações deste recorte, saliento que a referida
questão foi desenvolvida em grupo, o que nos faz entender que as respostas podem
não se referir apenas ao aluno F2, mas a um grupo de alunos. Entre as anotações
apresentadas neste recorte do caderno de F2 encontram-se importantes anotações,
entre elas: saber pintar, saber o tamanho da quadra, as medidas (aqui verifica-se
que o aluno complementou colocando uma seta a qual aponta para medida da
supercie da quadra), saber a superfície e usar uma tinta adequada.
Nessas anotações várias referências à superfície da quadra, porém, com
olhares/percepções diferentes. O referido aluno anotou: tem que saber o “tamanho
da quadra”. Colocação embasada no campo empírico, em vivências cotidianas. Na
seqüência, anotou as medidas e com uma seta indicou que se referiam à superfície
da quadra. Foi usado o termo superfície, o que denota um nível maior de
generalização se o termo considerar as propriedades constituintes do conceito,
alcançando um grau considerável de abstração. Porém, como é um trabalho
desenvolvido em grupo, podem-se fazer várias conjecturas. Podemos supor que as
colocações foram realizadas por diferentes alunos e que, na singularidade de cada
um, encontram-se em diferentes níveis de generalização. Como também, podemos
supor que, sendo as anotações oriundas de apenas um aluno, no caso F2, nestas
questões, são os conceitos cotidianos que lhe dão segurança, mas ao mesmo
tempo, já está caminhando em busca da operacionalização com o conceito.
No momento da socialização, no grande grupo, as colocações foram
consideradas pelo professor, que enfatizou a medida da superfície da quadra, e
questionou os alunos sobre quem havia medido uma superfície e quais as
61
unidades possíveis de serem usadas. Entre exposições e questionamentos os
alunos foram encaminhados à percepção de que para medir uma superfície se faz
necessário usar outra superfície (uma unidade da mesma espécie). E, neste
contexto, a professora propôs que estudassem este assunto com um sugestivo
questionamento: Vamos aprender a medir superfícies?
De acordo com Caraça (2002, p. 31-2), as relações do indivíduo para com o
estado, com base na propriedade, impuseram cedo a necessidade da expressão
numérica da medição, e hoje, nas mais variadas circunstâncias, qualquer que seja a
profissão, há a necessidade de medir. Caraça aponta neste contexto diferentes
profissões em diversas situações de medição, entre elas a dona de casa ao fazer
suas provisões de roupa, o engenheiro ao fazer o projeto de uma ponte, o operário
ao ajustar um instrumento de precisão, o agricultor ao calcular a quantidade de
semente a lançar à terra. Nas diferentes circunstâncias indicadas por Caraça
percebe-se a utilização de conceitos espontâneos, como é o caso da dona de casa e
do agricultor, como também a utilização de conceitos científicos, caso do engenheiro
e do operário. Nessas situações todos efetuam medições, porém com diferentes
níveis de generalidade e sistematização, sendo que nos graus mais elevados se
estabelecem as relações conceituais e nas mais elementares as relações acontecem
diretamente com o objeto, ou seja, no campo empírico.
De forma análoga, os alunos realizaram medições, sejam elas embasadas
em pseudoconceitos, conceitos espontâneos (brincadeiras, jogos, confecção de
brinquedos, etc.) ou em conceitos científicos (medições realizadas em sala de aula
sob a orientação do professor sejam de comprimentos, de massa, de capacidade, de
tempo, etc.). Mas, em qualquer que seja a situação, como diz Caraça (2002, p. 29),
medir consiste em comparar duas grandezas da mesma espécie, e usa o desenho
de dois segmentos de reta como elemento de análise comparativa norteada pelo
questionamento: quantas vezes cabe um comprimento noutro? A resposta a esta
pergunta se faz dando um número que expressa o resultado da comparação com a
unidade, cujo número chama-se a medida
24
da grandeza em relação a essa
unidade.
Na situação de ensino organizada pela professora, a próxima atividade
proposta aos alunos configura a 2ª etapa do episódio.
24
O número que expressa a medida de uma superfície é chamado de
área
.
62
2º Episódio: 2° etapa
Figura 3: Recorte do caderno de F2, a qual apresenta a atividade
proposta pelo professor.
Na referida atividade, os alunos, em grupo, considerando uma determinada
unidade de medida, devem medir a superfície de um também determinado objeto,
como mostra a Figura 3. Como o trabalho em grupo é uma prática sistemática
instituída nestas aulas de matemática, os alunos, com algumas orientações da
professora, organizaram-se em pequenos grupos e desenvolveram a atividade
proposta.
No seu desenvolvimento, percebe-se explicitamente o problema da medida
tratado por Caraça (2002, p.30). Este autor afirma que no problema da medida
três aspectos distintos: a escolha da unidade, a comparação com a unidade e a
expressão do resultado dessa comparação por número. O primeiro e o terceiro
aspectos do problema, segundo Caraça, estão intimamente ligados, um condiciona o
63
outro. A escolha da unidade faz-se sempre em obediência a considerações de
caráter prático, de comodidade e de economia (Grifos do autor).
Na atividade proposta aos alunos, para haver possibilidades de que seja
desenvolvida (lembrando que são quase 30 alunos de série em uma única sala) e
atenda aos objetivos nela imbuídos, a professora precisa, necessariamente, escolher
a unidade de medida considerando a quantidade de vezes que esta cabe na
supercie a ser medida, observando: sua praticidade, comodidade e economia.
Outro aspecto, que também deve ser considerado na organização dessa atividade
(definição do quê medir e da unidade utilizada), está relacionado a sua
potencialidade em promover desafios aos alunos, motivando-os constantemente no
decorrer do seu desenvolvimento.
Para melhor identificação da unidade de medida e do objeto a ser medido,
observa-se que, em cada situação proposta, foram sublinhadas com cores
diferentes. O procedimento pode auxiliar o aluno na identificação dos mesmos e, a
partir de então, encontrar formas para atender o segundo e o terceiro aspectos
colocados por Caraça ao tratar do problema da medida.
As medidas encontradas pelos alunos nesta atividade configuram a etapa
do episódio, porém entre as duas etapas (2ª e 3ª) um importante processo, a
comparação da unidade de medida com a superfície do objeto. É uma operação
basicamente concreta, mas a ela está implicada uma série de idéias que influenciam
sua operacionalização. Na forma de questionamentos, destaco algumas destas
idéias: Como distribuir a unidade na superfície a ser medida? Qual a melhor forma,
no sentido de ser a mais adequada e mais prática? Como marcar na superfície que
estava sendo medida, no quadro pode usar o giz, na classe pode ser usado um
lápis, mas, e no mapa, considerando que este não pode ser danificado? São
questões, mesmo que implícitas, permeiam todo este processo e vão sendo
delineadas a partir da interação entre os componentes de cada grupo. A interação
acontece de forma diferente em cada equipe de trabalho, e se estabelece pela
linguagem.
A operacionalização em si também acontece de formas diferentes. Alguns
grupos distribuem a unidade sob toda a superfície. Um deles, ao medir a mesa do
professor considerando como unidade de medida uma folha de ofício e ao medir o
quadro com uma folha de jornal, faz a demarcação seguindo apenas o comprimento
64
e a largura e depois “faz as contas”
25
. Fazer as contas é realizar o cálculo da área
das superfícies em foco. A idéia de área está implícita nesta atividade em diferentes
níveis, desenvolvida no pensamento e nas ações dos alunos.
A operacionalização desta atividade é um processo concreto, mas em
determinado momento, vai dando lugar a uma etapa de cunho teórico. A
representação da medida encontrada precisa ser expressa numericamente. Trata-se
de um momento que requer a supremacia de objetos matemáticos sobre os demais
aspectos que envolvem a atividade.
2º Episódio: 3ª etapa
A expressão numérica da medida nem sempre foi um número inteiro. A
medida encontrada no primeiro item, como nos mostra a Figura 4, foi 7 cadernos e
um pouco. Este pouco não foi definido numericamente pelos alunos. Na segunda e
na terceira questão foi encontrado como medida números inteiros, 8 cadernos para a
questão da letra b e 16 folhas de jornal na questão da letra c. Na quarta questão,
medição da superfície de um mapa com uma caixinha de CD, os alunos encontraram
40 caixinhas e meia.
Tendo em vista que os alunos estavam familiarizados com os números
racionais em suas representações fracionária e decimal, a medida da questão posta
na letra d da atividade foi expressa numericamente pelos alunos sob diferentes
representações. Primeiramente por número decimal, depois em forma de número
misto. Na seqüência, instigados pela professora, um aluno foi ao quadro e
transformou o número misto em número fracionário. Outro aluno, observando a
fração encontrada pelo colega, efetuou a divisão do numerador pelo denominador,
obtendo o número decimal indicado anteriormente pelos colegas.
25
Multiplicam o número que expressa a medida da largura pelo número que expressa a medida do
comprimento da referida superfície.
65
Figura 4: Recorte do caderno do aluno F2, o qual mostra as
respostas da atividade desenvolvida.
A exploração desta questão ajuda os alunos a perceberem diferentes formas
para representar os números racionais, oportunizando a elevação dos níveis de
generalização dos conceitos. Isto é possível na medida em que o professor perceber
os conceitos em sua unidade, mas também, especialmente, nas relações com outros
conceitos do sistema. A primeira representação numérica desta medida foi expressa
oralmente pelos alunos, 40 caixinhas e meia, e a segunda foi com o número decimal
40,5.
A representação decimal é constantemente mencionada em diferentes
situações cotidianas, faz parte da vivência do aluno, o que não acontece com as
representações na forma fracionária. Assim, o número decimal é mais presente no
pensamento do aluno, porém cabe destacar que sua representação formal deve ser
aprendida na escola como elaboração conceitual. O número misto, nessa situação,
para o grupo de alunos (5ª série), pareceu ser mais significativo do que o número
fracionário que representa essa medida, talvez porque, apesar de sua estrutura ser
diferente, sua leitura possui alguns aspectos semelhantes à do número decimal.
Quando o aluno fez a divisão entre o numerador e o denominador da fração 81 : 2, o
resultado foi indicado por muitos alunos, porém no momento da realização do
66
algoritmo houve algumas dificuldades, alguns inclusive dizendo que o cálculo “não
dava certo”. O “não dar certo” significava que na divisão havia uma sobra, um resto,
se considerado apenas o conjunto dos números inteiros.
Caraça (2002) nos ajuda no entendimento de algumas importantes questões
que explícita ou implicitamente constituem as respostas apresentadas na letra d
desta atividade, ao mostrar o aspecto aritmético da dificuldade de relações entre
números a partir da impossibilidade da divisão. Dito de outra forma, a partir da
expressão numérica de uma medida considerando dois segmentos (Figura 5),
AB
medindo 11 unidades e o segmento CD medindo 3 unidades, faz-se a pergunta:
quantas vezes o segmento
CD
cabe no segmento
AB
? Pelo princípio da economia
essa medida é dada pela razão dos dois números 11 e 3, porém essa razão não
existe em números inteiros, visto que 11 não é divisível por 3. O autor chama a
atenção de que, para resolver esta dificuldade, não bastou o conjunto dos números
inteiros, fez-se necessária a criação de um novo campo numérico: o conjunto dos
números racionais, o qual compreende o conjunto dos números inteiros
26
e os
números fracionários.
A_._._._._._._._._._._B C_._._D
Figura 5: Segmentos considerados na medida
apresentada por Caraça.
Uma situação análoga a esta, de certa forma, foi vivenciada pelos alunos.
Houve a necessidade de usar um campo numérico o qual, apesar de ter sido
trabalhado em diversas e diferentes atividades, ainda não foi internalizado por todos
os alunos.
Sobre o aspecto aritmético desta questão, Caraça apresenta a seguinte
reflexão: tendo dois números inteiros m e n (n 0), se a qualidade é de m não ser
divisível por n, a operação da divisão nega a existência do número quociente. A
essência da definição apresentada por Caraça consiste precisamente em negar essa
26
Entendendo-se por número inteiro quer um dos números naturais, 1, 2, 3, ... , etc., quer o número
zero. (Caraça, 2002)
67
negação e assim, construir o novo número, fracionário, que constitui a parte nova do
campo generalizado. A negação da negação, conforme afirma o autor, é uma
poderosa operação mental criadora de generalizações.
Caraça diz que o caminho da generalização compreende sempre três
etapas: 1ª) reconhecimento da existência duma dificuldade (no caso o dividendo não
era divisível pelo divisor); 2ª) determinação do ponto nevrálgico onde essa
dificuldade reside, uma negação (no caso, no campo dos números naturais não foi
encontrada a solução); e 3ª) negação dessa negação (no caso, criação de um novo
campo numérico, os números racionais).
Para estabelecer as definições necessárias à compreensão dos números
racionais, Caraça apresenta dois critérios que atuam como fios condutores de
raciocínio. O primeiro está relacionado à origem concreta dos números racionais, ou
seja, o significado como expressão numérica de medição de segmentos. O segundo
critério é o princípio da economia de pensamento, utilizando para as propriedades
deste novo campo numérico as definições dadas aos números inteiros e a
manutenção das leis formais de operação.
Caraça nos proporciona a compreensão do processo de “criação” deste
objeto de saber matemático. Mostra-nos que, em sua gênese, o número racional
está intrínseca e fortemente ligado ao conceito de medida. Processo este muito
diferente daqueles apresentados em muitos livros didáticos (“porto seguro” de um
grande número de professores de matemática). Neste “porto”, nem sempre tão
seguro assim, os números racionais são apresentados aos alunos em sua definição
formal ou numa perspectiva empírica em conjuntos contínuos (corte de pizza,
frutas,...). Portanto, distante de possibilitar um processo de elaboração conceitual; no
máximo, o que pode proporcionar é uma elementar memorização. Neste sentido, o
conhecimento da gênese histórica dos conceitos matemáticos pelo professor é uma
condição para a compreensão mais profunda dos referidos conceitos.
Se situações criadas artificialmente, análogas às apresentadas por Caraça
são propostas nas aulas de matemática, certamente as possibilidades de inserir o
aluno num processo de elaboração conceitual aumentam consideravelmente. Tal
situação coloca o “conteúdo em um contexto, possibilitando ao aluno fazer uma
série de inferências. O professor, como mediador entre o objeto de saber e o aluno,
pode então perceber os sentidos produzidos pelos alunos e propor-lhes ações
didáticas para encaminhá-los à apropriação de significações conceituais.
68
Na atividade, apresentada no episódio, encontram-se inúmeros
conceitos matemáticos: medida, números racionais, números decimais, números
fracionários, números mistos, algoritmos... Cada um deles interligado num sistema
maior de relações conceituais. Mas também, na sua especificidade, constituindo um
outro sistema. Por exemplo, o conceito de inteiro no sistema de numeração decimal
está relacionado ao conceito de número, como também a cada um dos conceitos
que formam o referido sistema de numeração. Da mesma forma que o conceito de
inteiro (constituído por outros conceitos: unidade, dezena, centena,...) está
relacionado ao conceito da parte decimal deste sistema numérico, o conceito de
unidade está vinculado aos conceitos de décimo, de centésimo e de milésimo. O
estabelecimento dos vínculos constituintes das relações determina uma análise
específica de cada situação por meio das abstrações e generalizações,
possibilitando a identificação do princípio geral que fundamenta o sistema de
numeração decimal, caracterizando-o como um objeto de saber. Até porque, na
escola, de acordo com Vigotski (2001, p. 324), não se ensina o sistema decimal
como tal, mas ensina-se a copiar números, somar, multiplicar, resolver exemplos e
tarefas e, como resultado, o aluno acaba desenvolvendo algum conceito de sistema
decimal de numeração.
De acordo com os pressupostos vigotskianos, todo o conceito científico deve
ser tomado em conjunto com o sistema de suas relações de generalidade. Porém,
observando que a cada estrutura da generalização corresponde também o seu
sistema específico de operações lógicas de pensamento, possíveis nessa estrutura.
Para Vigotski, cada operação lógica tem estruturas específicas, com pensamentos e
raciocínios específicos, próprios de cada operação. Cada campo numérico tem
estruturas próprias, mesmo havendo, como nos mostra Caraça, relações, pelo
princípio da economia, propriedades e leis comuns.
O processo de aprendizagem possibilita que a criança chegue à nova
estrutura da generalização, a qual cria condições para que seus pensamentos
passem a um plano novo e mais elevado de operações lógicas. Toda operação de
pensamento seja, definição de conceito, comparação e discriminação,
estabelecimento de relações lógicas, se realiza por linhas que vinculam entre si
os conceitos e as relações de generalidade, além de determinar as vias eventuais de
movimento de um conceito a outro (VIGOTSKI, 2001, p. 375-9).
69
Os conceitos sistematizados estão, desta forma, inseridos e são
constitutivos de sistemas conceituais com relações de generalidade, cuja elaboração
implica a utilização de operações lógicas complexas de transição de uma
generalização para outra que são novas para a criança. São as relações de
generalidade que vão possibilitar à criança uma efetiva elaboração conceitual, como
também a evolução nos níveis desta conceituação. Na medida em que se
desenvolvem as relações de generalidade, “[...] amplia-se a independência do
conceito, em face da palavra, do sentido, da sua expressão, e surge uma liberdade
cada vez maior das operações semânticas em si e em sua expressão verbal.”
(VIGOTSKI, 2001, p.368). Na medida em que se amplia a independência do
conceito, possibilita-se a operação voluntária e consciente, como é o caso do uso do
conceito de diferentes campos numéricos para expressar medidas encontradas em
cada situação da atividade apresentada.
Para expressar numericamente uma medida encontrada, muitos alunos,
voluntária e conscientemente, operaram com conceitos científicos, usaram o
conjunto dos números racionais para representar de diferentes formas a expressão
numérica que exprimisse a medida encontrada. Para outros alunos, esta situação foi
mais uma oportunidade de retomar questões as quais ainda não foram
internalizadas e alcançaram níveis superiores de generalização. Aconteceu nestes
alunos, o embate entre conceitos científicos e conceitos espontâneos tratados
nesta dissertação.
Marco, então, a importância e a necessidade de o professor oportunizar em
suas aulas situações as quais possibilitam novos tratamentos, novas abordagens
dos conceitos, mesmo que tenham sido “desenvolvidos anteriormente”. Pois, para
Vigotski, no processo de significação conceitual há sempre um devir. Também, como
afirma Pais (2006, p. 127), o entendimento de um conceito é parcial porque as
limitações não cessam de querer aprimorá-lo, estabelecendo-se na interatividade
entre pensamento e conceito um sucessivo movimento de elaboração do significado.
Em suas ações didáticas e pedagógicas é extremamente importante que o professor
considere que um conceito se constitui com uma variedade de situações.
Como dito anteriormente, os conceitos constitutivos de sistemas mantêm
relações entre si. No entanto, os conceitos, quando fora do sistema, mantêm com o
objeto relações diferentes. Fora do sistema são possíveis vínculos que se
estabelecem entre os próprios objetos, ou seja, vínculos empíricos. Assim, o ponto
70
central que determina inteiramente a diferença psicológica entre conceitos científicos
e conceitos cotidianos é a ausência ou a existência do sistema (VIGOTSKI, 2001,
p.379. Grifos do autor).
Neste sentido, a matemática pode ser caracterizada como um imenso
sistema, cujos campos (aritmético, algébrico, geométrico, probabilístico, estatístico)
são constituídos por sistemas específicos, porém, tanto os específicos quanto os
mais gerais, se inter-relacionam. A compreensão destas relações é que permite ao
aluno fazer uma síntese, a abstrair e a generalizar, é o que permite ir do particular
para o geral e do geral para o particular. Conseqüentemente, possibilita ao aluno
uma elaboração conceitual, culminando com a apropriação das significações dos
conceitos envolvidos.
O olhar
27
para a Figura 4 denota olhar a sistematicidade de conceitos
matemáticos cuja representação constitui um aspecto essencial no processo de
elaboração conceitual dos conceitos envolvidos. Cada um dos conceitos, como
também as suas representações, se faz com e sob uma linguagem específica desta
área de saber e envolve signos e instrumentos próprios.
A elaboração conceitual e o próprio processo de compreensão e atuação
da/na realidade se estabelecem a partir e na interação social, na relação do homem
com o mundo. Os principais mediadores desta relação são as representações da
realidade exterior, pois, de acordo com Oliveira (2004, p. 35) são aqueles que
possibilitam ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes e a fazer
relações mentais na ausência das próprias coisas (como é o caso da elaboração
conceitual). A possibilidade de operação mental não constitui uma relação direta
com o mundo real fisicamente presente, é mediada pelos signos internalizados que
representam os elementos do mundo. Ou seja, por sistemas simbólicos, que não
permitem a comunicação entre os indivíduos, mas também o aprimoramento da
interação social.
A linguagem é um sistema de símbolos construído socialmente e legitimado
pela cultura e pelas práticas do cotidiano, básico em todos os grupos humanos. A
matemática é uma ciência que se constitui com e a partir de uma linguagem
específica. Por isso, a linguagem matemática é mais um aspecto considerado
27
Olhar de uma professora de matemática.
71
fundamental em se tratando da apropriação dos significados dos conceitos
matemáticos.
2.2.3 Linguagem: ferramenta básica na apreensão do saber matemático
As aulas filmadas, configuradas como material empírico desta pesquisa, se
estabelecem a partir de uma unidade de trabalho tendo como foco central: medida
de superfícies. No primeiro episódio apresentado, percebe-se um esforço da
professora no propósito de que os alunos expressem sentidos produzidos
relacionados à significação de superfície. Superfície é uma das palavras chave desta
unidade de trabalho. É em torno do seu conceito que os demais previstos nesta
unidade são desenvolvidos.
Superfície também é um signo, que faz parte de um sistema simbólico o qual
constitui uma linguagem. Sua significação foi construída no decorrer do
desenvolvimento da humanidade e, para se tornar um instrumento do pensamento
dos alunos, precisa por eles ser internalizada.
A importância da significação deste conceito, pelos alunos, está presente no
encaminhamento da professora. Ela procura, pela e na interlocução, fazer com que
os alunos não participem da aula, mas os instiga constantemente a expressar
entendimentos, produzir sentidos, a pensar sobre. A professora garante a seus
alunos um espaço de interação verbalizado, possibilitando, na emergência dos
conceitos espontâneos, o acesso a um universo de sentidos muito mais amplo. E
isto é possível porque a relação entre a professora, os alunos e o objeto de saber
(superfície da quadra) é mediada por uma linguagem.
Vale reafirmar que não as relações estabelecidas no contexto escolar,
mas também a relação do homem com o mundo não é direta com o objeto, mas
mediada por sistemas simbólicos, que são estruturas complexas e articuladas e se
organizam por meio de signos e instrumentos.
A invenção desses elementos (instrumentos e signos) representa um salto
evolutivo na espécie humana e são considerados por Vigotski (1991, p. 59-62) como
fundamentais na mediação com o mundo. Ao longo da história as pessoas
introduziram, sistematicamente, novos sinais, elementos e símbolos na mediação de
suas ações. Para Vigotski, instrumentos e signos são elementos diferenciados que,
72
ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de cada indivíduo
estão mutuamente ligados.
De acordo com Vigotski (1991, p. 62), a diferença essencial entre
instrumento e signo consiste nas maneiras com que eles orientam o comportamento
humano. O instrumento é orientado externamente, constitui um meio pelo qual a
atividade humana é dirigida para o controle e domínio da natureza; sua função é
servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade e como
regulador das ações sobre os objetos para mudá-lo. O signo é orientado
internamente, constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do
próprio indivíduo, a fim de regular as ações sobre o psiquismo das pessoas.
Na evolução das sociedades, os homens foram elaborando instrumentos,
convenções, signos como forma de atuar, registrar e transmitir determinadas
informações no processo de trabalho
28
, momento em que as representações da
realidade têm se articulado com sistemas simbólicos. Oliveira (2004, p. 36) corrobora
esta idéia ao afirmar que os signos não se mantêm como marcas externas isoladas,
referentes a objetos avulsos, nem como símbolos usados por indivíduos particulares,
passam a ser elementos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo
social, portanto, socialmente dados.
“É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve, que lhe fornece formas
de perceber e organizar o real, as quais vão constituir instrumentos psicológicos que
fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo.” (OLIVEIRA, 2004, p. 36). A partir da
experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente
determinadas de organização do real e com os signos fornecidos pela cultura
29
, os
indivíduos constroem sistemas de signos, os quais constituem-se uma espécie de
“código para decifração e atuação do/no mundo. Tais sistemas, especialmente a
linguagem, exercem um papel fundamental na comunicação entre os indivíduos e no
estabelecimento de significados compartilhados. Suas presenças introduzem um elo
a mais nas relações organismo/meio, tornando-as mais complexas. Ao utilizar a
linguagem o ser humano é capaz de generalizar e abstrair, “[...] a generalização e a
abstração só se dão pela linguagem” (OLIVEIRA, 2004, p. 51).
28
O surgimento do trabalho propicia o desenvolvimento da atividade coletiva, das relações sociais e
do uso de instrumentos (OLIVEIRA, 2004, p.36).
29
“Palco de negociações” onde cada indivíduo está num constante movimento de recriação e
reinterpretarão de informações, conceitos e significados (OLIVEIRA, 2004, p. 38).
73
No decorrer do desenvolvimento do indivíduo, são as relações mediadas que
passam a predominar sobre as relações diretas, ou seja, na concepção histórico-
cultural, entre o sujeito e o objeto existe um outro elemento, o signo. Sob este
entendimento o signo é o meio pelo qual, dialogicamente, acontece a constituição do
pensamento, o homem produz linguagem e se produz na e pela linguagem.
O surgimento da linguagem estabelece, de acordo com Rego (2004, p. 53
54), três aspectos considerados essenciais nos processos psíquicos do homem. O
primeiro se relaciona ao fato de que a linguagem permite lidar com os objetos do
mundo exterior mesmo quando eles estão ausentes; o segundo se refere ao
processo de abstração e generalização que a linguagem possibilita; o terceiro está
associado à função de comunicação entre os homens, o que garante a preservação,
transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas pela
humanidade ao longo do tempo.
Assim, os sistemas simbólicos, especialmente a linguagem, como
mediadores, desempenham uma função fundamental na comunicação entre os
indivíduos e no estabelecimento de significados compartilhados que permitem
interpretações e ações relacionadas aos objetos, eventos e situações do mundo real
(REGO, 2004, p. 55). Neste sentido, a linguagem não se coloca apenas como um
suporte do pensamento, tampouco como um instrumento de comunicação, ela é
constitutiva e constituída de/por processos históricos e culturais. Nas palavras de
Pino (2000, p. 39), “[...] é um sistema articulado de signos, construídos socialmente
ao longo da história, veicula significados instituídos relativamente estáveis, embora
mutáveis, o que faz a polissemia das palavras.”
Na Figura 4, percebe-se uma linguagem diferente da língua materna, é a
linguagem matemática que, em muitas situações no contexto escolar, surge como
“vazia”, sem significado para os alunos. A especificidade da linguagem matemática
permite comunicar idéias com precisão, clareza e economia. Ao compararmos um
texto matemático com um texto literário percebemos seguramente uma grande
diferença.
Os símbolos, parte do registro escrito da matemática, são, de acordo com
Davis e Hersh (1985, p. 153-5), um acréscimo numeroso e exuberante em relação
aos adotados nas linguagens naturais. Para os referidos autores, as funções
principais de um símbolo matemático são de designar com precisão e clareza e de
abreviar. Esclarecem que as exigências de precisão pedem que o significado de
74
cada símbolo ou de cada cadeia deles esteja completamente definido e sem
ambigüidades, e sem o processo de abreviatura o discurso matemático é quase
impossível.
Com os símbolos matemáticos, conforme afirmam Davis e Hersh (1985, p.
156), podemos agir de duas maneiras diferentes: calculamos e os interpretamos.
Nos lculos, uma cadeia de símbolos matemáticos é processada de acordo com
um conjunto de convenções padronizadas e transformada em uma outra cadeia de
símbolos. interpretar um símbolo é associar-lhe algum conceito ou imagem
mental, assimilá-lo na consciência humana. Os autores dizem que as regras de
cálculo deveriam ser tão precisas quanto as operações de um computador, no
entanto, as regras de interpretação não podem ser mais precisas do que a
comunicação de idéias entre os seres humanos. Machado (1998, p. 96) corrobora
com esta idéia ao afirmar que muito mais do que a aprendizagem de técnicas para
operar com símbolos, a Matemática relaciona-se com o desenvolvimento da
capacidade de interpretar, analisar, sintetizar, significar, conceber, transcender o
imediatamente sensível, extrapolar, projetar. Estes processos, sejam eles de cálculo
ou de interpretação, se estabelecem com e a partir de uma linguagem matemática.
Tendo em vista a universalização do saber matemático, a humanidade
desenvolveu historicamente uma simbologia própria nesta área de saber, com o
emprego de vários signos, cujo significado ultrapassa o domínio de uma cultura
local. A matemática, conforme Pais (2006, p.72), é uma ciência que desenvolveu em
sua história uma linguagem específica, que exerce uma função objetiva tal qual o
próprio significado de seus conceitos.
Em matemática, toda a comunicação se estabelece com base em
representações, pois trabalha com objetos abstratos (conceitos, propriedades,
estruturas, relações). No processo de apreensão da significação relacionada a seus
objetos de saber se faz necessário, então, o uso de representações por meio de
símbolos, signos, códigos, tabelas, gráficos, algoritmos, desenhos, etc.. São estas
representações que possibilitam a comunicação de idéias matemáticas entre as
pessoas e as atividades cognitivas do pensamento relacionadas a esta área de
saber.
No contexto escolar, inúmeras vezes a mesma linguagem pode ter sentidos
muito diferentes, não entre professor e alunos, como também entre os alunos. A
significação de cada enunciado é determinada na interação com as múltiplas vozes,
75
seja perguntando, respondendo, repetindo, discordando, na busca de validar seus
argumentos. Na abordagem histórico-cultural, o aluno é visto como participante de
um processo coletivo de elaboração (construção e (re)construção) de saberes pela
interlocução. Vigotski (2001) atribui fundamental valor ao diálogo, que permeia todos
os processos de aprendizagem.
Para Rego (2004, p. 61) a fala é entendida como instrumento ou signo e tem
um papel fundamental de organizadora da atividade prática e das funções
psicologicamente humanas. As elaborações produzidas nos episódios apresentados,
aparecem encadeadas, se o num movimento dialético de produção de sentidos. O
enunciado de um é composto pelas falas dos demais interlocutores, sejam eles
alunos ou professora. Percebe-se, como afirma Fontana (1995, p. 126), que os
sentidos elaborados são em parte nossos e em parte do outro, são o efeito da
interação entre os interlocutores num movimento de compreensão e expressão.
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente. A
cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender,
fazemos corresponder uma série de palavras nossas [...] (BAKHTIN, 2004,
p. 131-2).
De acordo com o autor, a palavra constitui o produto da interação do locutor
e do ouvinte, é o território comum, revelando-se múltipla e interindividual. A
apreensão do discurso do outro é um processo dialógico de confrontação entre as
palavras alheias e as palavras cuja significação já foi apropriada. No diálogo do
episódio ou no trabalho em grupo e na socialização que aconteceram no 2º episódio,
os sentidos produzidos pelos alunos foram expostos e outros tantos foram sendo
produzidos. O movimento da interlocução proporciona que novos entendimentos,
novas compreensões sejam internalizadas e, pela interferência da professora, na
elaboração conceitual, novos níveis de sistematização sejam alcançados pelos
alunos. À luz do princípio dialógico de Bakhtin (2004), o processo de elaboração
conceitual configura-se como um processo discursivo, pela articulação e pelo
confronto de múltiplas vozes em condição de interação (compreensão/expressão).
A linguagem matemática pode representar um nível superior de
generalidade e sistematização, como também pode ser totalmente vazia. Para os
alunos, 40,5 caixinhas de CD pode, ou não, representar a sua significação científica.
Como as significações estão associadas aos sentidos produzidos pelos alunos, é
76
essencial, no processo de ensino, que o professor perceba aquelas por eles
apropriadas.
Para que as questões abordadas nesta reflexão sejam melhor
compreendidas, acredito ser importante esclarecer a distinção entre estes dois
conceitos, significado e sentido, o que buscamos no referencial teórico vigotskiano e
de seus estudiosos. Vigotski (2001) ao tratar das relações entre pensamento e
linguagem, apresenta as diferenças entre o sentido e o significado da palavra que,
se consideradas pelo professor no decorrer de suas aulas, podem contribuir/influir no
processo de apreensão do saber matemático.
De acordo com este autor, é no significado que se encontra a unidade das
duas funções básicas da linguagem, o intercâmbio social e o pensamento
generalizante. São os significados que possibilitam a mediação simbólica entre o
indivíduo e o mundo. Conforme Luria (apud MOYSÉS, 2001, p.39), o significado é
um sistema de relações formado objetivamente durante o processo histórico e se
encontra contido na palavra. Assim, quando o significado de uma palavra é
apropriado se está dominando uma experiência social. Por ser de caráter social, os
significados são construídos ao longo da história e estão em constante
transformação. No processo de aprendizagem escolar, as transformações
acontecem principalmente a partir de definições, referências e ordenações de
diferentes sistemas conceituais, tornando-se cada vez mais próximos dos conceitos
estabelecidos na cultura científica (conceitos científicos).
O significado constitui um núcleo relativamente estável de compreensão da
palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam, o sentido refere-se ao
significado da palavra para cada indivíduo, composto por relações que dizem
respeito ao contexto do uso da palavra e às vivências afetivas do indivíduo. O
sentido da palavra liga seu significado objetivo ao contexto e aos motivos afetivos e
pessoais, relaciona-se com o fato de que a experiência individual é sempre mais
complexa do que a generalização contida nos signos (OLIVEIRA, 2004, p. 50-1).
Desta forma, “o compartilhar dos significados é fundamental para que haja
compreensão nas relações interpessoais” (MOYS, 2001, p.41), e a comunicação
se estabelece a partir da produção de sentidos e na negociação de significados.
Na matemática, a linguagem é mais precisa e objetiva, os signos têm um
sentido preciso, o que significa que, no âmbito escolar, a apreensão da significação
das palavras e dos demais signos é fundamental. Assim, as estratégias
77
metodológicas, nas aulas de matemática, devem, de acordo com Pais (2006, p. 75),
explorar a diferença entre o significado matemático dos termos e o sentido subjetivo
que podem assumir no contexto da linguagem cotidiana, visando ao
desenvolvimento de uma linguagem mais próxima da ciência e a percepção de
quando um aluno associa a um termo um sentido diferente daquele previsto no
contexto da matemática. Para isso ser possível é indispensável que o professor
enxergue o aluno, que não permita e possibilite que ele se expresse (de forma
gestual, oral, escrita), mas que considere suas manifestações.
A matemática possui uma linguagem própria, o que em certos momentos
históricos confundiu-se com a própria matemática. Esta linguagem tem registros e
apresenta diversos níveis de elaboração. Aquela utilizada pelos matemáticos sofre
transformações ao ser ensinada/aprendida numa aula de matemática da educação
básica. Modificações para as quais o professor precisa estar atento para não
conceder um destaque excessivo, a ponto de privilegiar sua formalidade em
detrimento de uma elaboração conceitual. A linguagem formal de uma determinada
expressão matemática (definição, demonstração ou conceito matemático) deve ser
um ponto de referência, mas estar íntima e fortemente ligada a um contexto de
articulações capaz de possibilitar a produção de sentidos. A aprendizagem de um
sistema simbólico não deve, nem pode, estar desconectada do que pretende ser
comunicado.
Ler matematicamente uma informação é ter consciência e compreensão da
mensagem impressa na linguagem simbólica. Atribuir significado à idéia traduzida
corresponde a uma aproximação do fazer matemático ao mundo das experiências. É
a apropriação do significado da mensagem lida que possibilita sua inserção nas
relações que podem ser estabelecidas com o mundo (SCHWANTES, 2004, p.101).
No decorrer dessas reflexões e na própria análise dos episódios
apresentados, especialmente no 2º, percebe-se que a linguagem matemática
articula-se com a língua materna. Entretanto, a linguagem matemática não é
materna, mas a significação de seus conceitos fundamenta-se no seu uso. Por
exemplo, palavras como superfície, fração e medida têm um significado matemático
que não é, necessariamente, aquele usado no cotidiano na linguagem natural. A
significação matemática de tais palavras está fortemente articulada à elaboração de
seus conceitos. Nesse processo, língua materna e linguagem matemática estão
constante e sistematicamente articuladas para que, na e pela produção de sentidos,
78
se estabeleça um processo de aprendizagem que encaminhe o aluno à apropriação
da significação científica de tais conceitos. Sem a complementaridade da língua
materna, não haveria aprendizagem matemática.
Entende-se, assim, a linguagem matemática como um aspecto central na
construção do saber matemático, como também em todo o processo de ensino e
aprendizagem relacionado a este campo de saber, porém sob enfoques totalmente
diferentes. O trabalho do professor envolve o desafio que consiste em realizar uma
atividade que, em um certo sentido, é inverso daquela do matemático. O matemático
tenta eliminar as condições contextuais da sua pesquisa, buscando níveis superiores
de generalização e a formalização de sua produção textual. O professor de
matemática, ao contrário, deve (re)contextualizar o conteúdo, criando uma situação
artificial capaz de possibilitar ao aluno um processo de conceituação. Para tal,
propicia um trabalho de interpretação e significação, criando, através e com a
linguagem, caminhos para atingir um vel superior de generalização, sistematização
e formalização que configuram os conceitos matemáticos.
Linguagem matemática e significação são distintos, mas se constituem e se
desenvolvem simultaneamente quando apresentados e desenvolvidos num contexto
que valoriza as potencialidades e respeita a individualidade dos alunos,
possibilitando a produção de sentidos.
Na perspectiva histórico-cultural, a linguagem e a aprendizagem possuem
papéis decisivos no desenvolvimento das funções superiores do indivíduo. São dois
processos fundamentais no desenvolvimento do aluno. A elaboração conceitual no
âmbito escolar necessita de um processo de aprendizagem sistemático. O
aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento
das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas,
sendo central em sua concepção sobre o homem. Cavalcanti corrobora com esta
idéia ao afirmar que
uma relação de interdependência entre os processos de
desenvolvimento do sujeito e os processos de aprendizagem, sendo a
aprendizagem um importante elemento mediador da relação do homem com
o mundo, interferindo no desenvolvimento humano (CAVALCANTI, 2005,
p.194).
Nas interações sociais mediadas pela linguagem, os saberes, como forma
culturalmente construída, passam a ser internalizados. A interação, mediada por
79
instrumentos e por signos, produz modificações no indivíduo, são as ações
partilhadas que levam o indivíduo a se apropriar de um saber construído em uma
cultura e a se modificar, concomitantemente.
O aprendizado possibilita, assim, o despertar de processos internos de
desenvolvimento. O ensino, conforme Cavalcanti (2005), não pode ser identificado
como desenvolvimento, mas sua realização eficaz resulta no desenvolvimento
intelectual do aluno. Na abordagem histórico-cultural, o bom ensino é aquele que se
adianta aos processos de desenvolvimento. Nas palavras de Vigotski, “A
aprendizagem e o desenvolvimento não coincidem imediatamente, mas são dois
processos que estão em complexas inter-relações. A aprendizagem é boa
quando está à frente do desenvolvimento.“ (2001, p. 334). Nesse sentido, o
aprendizado escolar desempenha um papel decisivo na gênese e desenvolvimento
de funções psicológicas básicas para a elaboração conceitual e a compreensão da
realidade.
Para Vigotski (2001), a linguagem é ferramenta básica na apreensão do
saber, é instrumento simbólico básico do ser humano e age sobre o pensamento,
modificando-o e possibilitando o desenvolvimento da estrutura das funções
psicológicas superiores. A linguagem, de acordo com este autor, é uma ferramenta
que se constitui nos processos intersubjetivos para vir a se tornar uma ferramenta
intra-subjetiva, uma ferramenta do pensamento. O signo é o meio pelo qual,
dialogicamente, ocorre a constituição e a existência do pensamento. É por meio da
linguagem que o aluno potencializa o processo de desenvolvimento cognitivo,
tornando-se aos poucos um instrumento de seu pensamento. Nessa perspectiva, a
linguagem matemática, como organizadora do pensamento matemático, possibilita
aos alunos elaborar uma forma particular de pensar, extrapolando o campo da
matemática, a reconstituição do próprio pensamento, bem como o desenvolvimento
de suas potencialidades.
Apropriar-se de significações de conceitos matemáticos no contexto escolar,
sob esta perspectiva, está muito próximo do “fazer matemática”
30
, o que implica que
as ações docentes estejam constante e sistematicamente voltadas a possibilitar
atividades que promovam o compartilhar de idéias. Este exercício possibilita não
a produção de sentidos e de modos de operar intelectualmente, mas também
30
Não como ciência, mas relacionado aos saberes ensinados e aprendidos no contexto escolar.
80
elaborar, participar e negociar... As inter-relações da sala de aula, marcadas pelo
diálogo e pela assimetria entre professor e alunos, devem visar às significações
científicas dos conceitos, mas estar ancoradas nos sentidos produzidos pelos
alunos, sejam estes a partir do pensamento por complexos ou do pensamento por
conceitos propriamente ditos, mas que sejam capazes de romper com o silêncio, o
monólogo e a passividade que em muitas situações configuram as aulas de
matemática.
Nesse sentido, a “[...] sala de aula torna-se um fórum permanente de debate
e negociação de concepções e representações da realidade” (SCHWANTES, 2004,
p.54). A intervenção docente ou discente é um “elemento” fundamental na interação
do aluno com o saber matemático. As intervenções são determinantes no processo
de apropriação de significações dos conceitos matemáticos pelos alunos, cabendo
ao professor orientar, estimular, desvelar os significados que precisam ser
negociados e, de certa forma, controlar os sentidos produzidos pelos alunos. Assim,
o próximo capítulo se desenvolve em torno desta temática.
81
3 INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO
CONCEITUAL NAS AULAS DE MATEMÁTICA
Na mediação da docência em sala de aula
é que se efetivam as aprendizagens formais e sistemáticas
e os conteúdos delas adquirem vida ao serem assumidos
na qualidade de elementos determinados do conhecimento alcançado
no entendimento compartilhado por professores e alunos,
sujeitos/atores do seu ensinar e aprender.
(MARQUES, 2000, p.109).
O trabalho desenvolvido nas aulas de matemática, na série, revela que há
inúmeras situações que privilegiam a coletividade. O trabalho em grupos e a
socialização de questões desenvolvidas foram constantes na dinâmica das aulas.
Como esta dinâmica foge do que “normalmente” acontece em aulas de matemática,
estes aspectos foram considerados no decorrer dos recortes feitos na seleção de
episódios para comporem este capítulo.
O episódio
31
selecionado desencadeou uma série de questionamentos
considerados relevantes no processo de significação conceitual nas aulas de
matemática e determinantes no alcance dos objetivos desta investigação. É marcado
por interlocuções e diferentes situações que podem e merecem ser analisadas,
mas algumas questões que sob o olhar desta professora/pesquisadora tomam
relevância e outras que, devido às próprias delimitações da pesquisa, não são
consideradas neste momento. Assim, por meio das análises, delineiam-se as
reflexões e teorizações as quais constituem este terceiro capítulo.
O episódio envolve situações de ensino e aprendizagem que usam o jogo
Tangran. O Tangran é um jogo chinês antigo. O nome significa "7 tábuas da
sabedoria", é composto de sete peças (chamadas de tans) que podem ser
posicionadas de maneira a formar um quadrado (Figura 6). São elas: dois triângulos
pequenos (TP), um triângulo médio (TM), dois triângulos grande (TG), um
quadrado(Q) e um paralelogramo(P). Deve-se considerar que o Tangran e suas
peças, são objetos tridimensionais, ou seja, prismas. Porém, nesta atividade será
enfocando somente a maior face destes prismas, pois o objetivo é trabalhar com as
superfícies. Assim, no prisma de base triangular será considerada a face que possui
31
Longo, mas necessário para que o leitor não fosse privado do entendimento do contexto analisado.
82
a forma triangular (o triângulo), no prisma de base quadrangular a face que possui a
forma de quadrado (o quadrado) e, assim, com as demais peças do Tangran.
Figura 6: Peças do jogo Tangran.
Com o desenvolvimento das atividades (Figura 7) a professora pretende,
entre outros objetivos, que os alunos elaborem idéias e procedimentos relacionados
ao uso de diferentes unidades de medida em um mesmo objeto. Estas ações haviam
sido encaminhadas numa aula anterior e deveriam ter sido operacionalizadas como
tarefa de casa. Como um grande número de alunos não a realizou de forma
completa, e considerando sua solicitação, professora e alunos combinaram
desenvolvê-las em grupos no decorrer da aula.
5)Usando as peças do Tangran e o quadrado formado com as sete peças, siga as
seguintes orientações:
a.
Considerando como unidade de medida o
Triângulo Pequeno
(TP), meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran.
b.
Considerando como unidade de medida o
Triângulo Médio
(TM), meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran.
c.
Considerando como unidade de medida o
Triângulo Grande
(TG), meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran.
d.
Considerando como unidade de medida o
Quadrado
(Q), meça o
quadrado
formado com as sete peças do Tangran.
e. Considerando como unidade de medida o Paralelogramo(P), meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran.
Figura 7: Atividade proposta aos alunos.
83
Percebem-se três momentos no transcorrer do episódio. No primeiro, a
professora retoma com os alunos a atividade; no segundo, eles desenvolvem-na em
pequenos grupos e com vários jogos de Tangran à disposição. No terceiro momento,
a socialização da atividade desenvolvida com toda a turma, na qual cada grupo
expõe a forma e a medida encontrada. Por ser extenso é apresentado em etapas,
para não correr o risco de tornar-se maçante e cansativo ao leitor.
3º episódio
(1)Profª: Então vamos fazer assim, olhar pra mais um pouquinho, mais
um pouquinho, que ajudo organizar vocês para trabalhar... Vocês viram. Parou um
pouquinho A1. Vocês viram, vocês se deram conta do quanto aquela conversa
desses dias atrapalhou o andamento da aula.
(2)A1: Atrapalhou sim.
(3)Profª: Quando a profe dizia que temos que parar e trabalhar, ver nosso
assunto. Agora, na atividade nº 5, é participar. A atividade nº 5, lê pra nós M2.
(4)M2: Usando as peças do Tangran e o quadrado formado com as sete
peças, siga as seguintes orientações.
(5)Profª: Tá ok! Usando, me empresta V1? Usando o quadrado que pode ser
montado com as sete peças do Tangran. Tudo bem? E as peças do Tangran, me
empresta. Tira pra profe?
(6)A1: Oh sora. Pega as minhas.
(7)Profª: Pode ser. E as sete peças do Tangran, usando o quadrado.
(8)F1: (Não foi possível identificar a fala.)
(9)Profª: Aguarda um pouquinho que a gente resolve, F1. Usando o
quadrado e as sete peças. Quero que o A3 olha pra agora. Siga as seguintes
orientações. F1 depois. (Com o quadrado e as peças do Tangran na mão mostrando
aos alunos a profe fez um sinal para a J2 ler). Letra a.
(10)J2: Considerando como unidade de medida o Triângulo Pequeno(TP),
meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran.
(11)Profª: Agora, todos olhando pra cá, quem não fez vai fazer depois, não
quero ninguém pintando, recortando, escrevendo, é acompanhar aqui. Estou
esperando o C1 olhar pra cá, a E1, A1, todos. Considerando... Vou repetir o que a
colega de vocês acabou de ler. Atenção. Atenção aqui M1. Considerando como
unidade de medida o triângulo, o triângulo pequeno, esse aqui nesse quadrado,
84
agora aqui. Em outras palavras como eu poderia dizer isso, como poderia explicar
pra vocês? Só um pouquinho. F1.
(12)F1: (Não foi possível perceber a fala.)
(13)Profª: Repete F1, bem alto.
(14)F1: Saber quantos triângulos pequenos cabem no quadrado.
(15)Profª: Cabe em todo o quadrado? Alguma dúvida?
Alguns alunos: Não.
(16)Profª: Então agora, lê pra nós a letra b. J2, já leu? Já? Então a F3.
(17)F3: Considerando como unidade de medida o
Triângulo Médio
(TM),
meça o quadrado formado com as sete peças do Tangran.
(18)Profª: Quem explica essa atividade? Quem explica?
(19)A1: Tem que medir.
(20)V1: Tem que medir o quadrado.
(21)Profª: De novo. Diz de novo.
(22)V1: Pegar aquele ali e medir os outros.
(23)Profª: O que é que é os outros?
(24)V1: Tem que dobrar, colocar.
(25)F1: Com o triângulo médio medir o quadrado.
(26)Profª: Ok. Então agora vocês vão me escutar e bem atentos para o que
eu vou dizer. Dei uma passada e ouvi vocês antes embaixo, muitos alunos não
fizeram toda essa atividade. Então vamos fazer assim...
(27)A1: Uns quantos.
(28)Profª: É vários alunos me disseram que não tinham feito... F1, a gente
pode trabalhar nisso aqui sim, mas vocês ouviram o que acabei de dizer. O que a
profe disse A2?
(29)A2: Eu?
(30)Profª: É. O que a profe acabou de falar?
(31)A2: (Fala não identificada.)
(32)Profª: E depois disso? Que a gente pode trabalhar nisso aqui agora,
trabalhar, vocês escutaram? Trabalhar nisso. Dá pra trabalhar, mas assim, nem
perto daquele alvoroço da aula de segunda, o trabalho em dupla é excelente, em
grupinho muito bom, mas S1 é trabalhar, aquelas risadas, aquelas brincadeiras hoje
não. Ok?
Vários alunos OK.
85
(33)Profª: Então formar os grupos e trabalhar.
(Os alunos formam os grupos.)
(34)Profª: Só um pouquinho. Tem grupos que ainda não se organizaram. G2,
J3 ...
...
(Os alunos trabalham e a professora vai interagindo com os diferentes
grupos.)
...
De acordo com as transcrições, muitos alunos não desenvolveram a
atividade em uma aula anterior e nem como tarefa de casa, como a professora havia
encaminhado. No início do episódio, do turno 4 ao 34, a professora orienta, de várias
maneiras, os alunos na execução da atividade, seja mostrando as peças que devem
ser usadas no desenvolvimento da atividade (turno 9), seja em forma de
questionamentos, como é visto no turno 11 quando a professora diz: Em outras
palavras como eu poderia dizer isso, como poderia explicar pra vocês? Ou ainda,
nos questionamentos dos turnos 18 e 23, em que a professora interfere no
entendimento que os alunos possam estar tendo, levando-os a pensar e a expor
suas idéias. A professora, neste início do episódio, não explica a atividade, mas, por
entre muitas chamadas de atenção para efetivo envolvimento dos alunos, leva-os a
pensar sobre ela, como uma forma sutil de intervenção.
(35)Profª: gente. Agora o seguinte. Olhando aqui um pouquinho. (Chama
alguns alunos para ter a atenção dos mesmos.) Aqui prá mim um pouquinho. Aquele
grupo lá, eu estou chamando a atenção. Vou distribuir uma letra dessa questão para
cada grupo. Vocês vão ter o cuidado para organizar isso para daqui a alguns
minutos, explicar como vocês resolveram essa questão. Uns minutos para vocês
prepararem uma forma de explicar a questão para os colegas. que vão ter que
agilizar. (A profe distribui as letras entre os grupos). Vamos lá.
...
(36)Profª: gente, assim agora. (Chama os alunos querendo atenção)
Agora, cuidando o barulho, fazer um círculo bem ligeirinho para a gente passar as
questões.
(Os alunos formam um círculo.)
86
(37)Profª: Feito, gente, agora atenção aqui... Um grupo pensou de forma
diferente dos outros, nem todos encontraram a resposta da mesma forma, por isso
agora C1, eu quero a máxima atenção prá gente entender o que cada grupo fez, a
forma como cada grupo encaminhou. Depois que os grupos, senta direitinho M1,
depois que os grupos já apresentaram a gente pode ir complementando. Vamos
organizar um pouquinho diferente. Gurias, organizam o espaço de vocês para todos
poderem enxergar, tira aquelas cadeiras dali se estão atrapalhando e organiza o
espaço. Isso M2. gurias organizam ali pra todo mundo poder se enxergar. ok,
agora atenção. Pronto? Os grupos que ficaram responsáveis pela letra a, L1 não vou
ficar chamando atenção agora. Vocês, quem mais?
(38)Alunos: A D1.
(39)L1: Ela não.
(40)Profª: Isso? L1, olha aqui pra profe, tem mais de um grupo que ficou
responsável pela mesma letra e eu quero assim, oh, o máximo de atenção, então,
bem direitinho, o grupo da letra a explica para os colegas como vocês encontraram,
mas assim, tem que explicar de forma que todos escutem. A fala não pode ser muito
baixinha e os colegas escutar. Vamos lá, podem colocar as classes um pouquinho
mais pra frente, querem ficar em pé. Ta, vamos então. Um do grupo lê a ordem da
letra a, J1. Só um pouquinho D1. Agora sem conversa, lê de novo D1.
(41)D1: Considerando como unidade de medida o Triângulo Pequeno(TP),
meça o quadrado formado com as sete peças do Tangran.
(42)Profª: Tá ok, vamos lá a explicação é com vocês.
(43)L2: A gente mediu o quadrado e nós botamos assim.
(44)Profª: Como?
(45)L2: (O aluno mostra com as peças.) E nós continuamos medindo, d
nos chegamos aqui e deu 19 peças.
(46)Profª: E assim, essas 19 peças, atenção, que vocês colocaram aí, elas
couberam bem certinho?
(47)L1: Deram bem certinho.
(48)Profª: Será? Vocês (se dirigindo aos demais alunos) também resolveram
assim?
(49)B1: Não
(50)A2: Não fui eu que medi.
(51)Profª: D1 como você fez? D1 explica como você fez.
87
(52)D1: Eu não fiz essa.
(53)Profª: A letra a querida.
(54)D1: Eu não tava fazendo essa.
(55)Profª: Agora eu quero ouvir, essa resposta de vocês. Um outro grupo fez
a letra a? Todos grupos fizeram? Algum grupo gostaria de explicar como fez e
quanto encontrou?
(G1 faz um sinal.)
(56)Profª: G1.
(57)G1: (Pega o material, o triângulo pequeno e o quadrado, e com este
material explica.) A gente foi medindo, colocando na parte em branco em volta,
colocando até completar.
(58)Profª: Quantos triângulos couberam?
(59)G1: 16.
(60)Profª: Oh, bem diferente. G2 mostra para os teus colegas como vocês
fizeram?
(61)G2: Nós ficamos com a outra letra.
(62)Profª: Eu sei meu amor, mas eu vi que vocês fizeram a letra a de um
jeito bem legal também e gostaria que vocês mostrassem pra eles. Oh, os moços lá.
Esse grupo fez bem diferente. Gurias, eu gostaria que vocês cuidassem. Vamos
G2.
(63)G2: (Com o material na mão - o triângulo pequeno e o quadrado. No
quadrado está desenhado a distribuição dos triângulos.) Eu botei, medi ao redor,
daí aqui no meio, depois eu contei as partes.
(64)Profª: Esse grupo aqui eu não vi acompanhar, A1. A G2 tem o desenho.
C1, quero atenção. A G2 tem o desenho de como eles foram fazendo, é uma forma
de fazer, olhem. Alguns fizeram bem diferente.
(65)V1. A gente pode medir pelos cantos e vai medindo, dá por onde quiser.
(66)Profª: que vocês tem que cuidar, aquele grupo disse que dava 19.
Este grupo mostrou com desenho e encontrou 16. E os demais grupos encontraram
quanto?
(67)Vários alunos: 16
(68)Profª: Desse jeito?
(69)Alguns alunos: Sim. (Outros alunos: Não.)
88
(70)Profª: O grupo que não encontrou 16 triângulos pequenos deve refazer
com muita atenção. Certo? Ok? Mais algum comentário sobre a letra a? E letra b,
quem ficou responsável?
Do turno 37 ao 70, a socialização da letra “a” da atividade, acontecendo
uma necessária intervenção. A professora percebe que esta questão não foi
desenvolvida corretamente pelo grupo que a apresentou, mas em momento nenhum
anunciou que a resposta estava errada. Solicitou aos demais alunos, em especial a
um grupo, que demonstrasse como havia desenvolvido e qual a medida encontrada.
Ressalto que a professora conseguiu intervir desta forma porque acompanhou a
operacionalização da atividade pelos diferentes grupos, estando assim, ciente do
trabalho desenvolvido em cada um deles. Destaca-se também, nestes turnos, a
quantidade de vezes que a professora chama os alunos ao efetivo envolvimento
com o propósito da aula.
(71)Alunos: Nós
(72)Profª: F2, lê pra nós.
(73)S1: Considerando como unidade de medida o Triângulo dio(TM),
meça o quadrado formado com as sete peças do Tangran.
(74)Profª: E agora, como é que vocês vão explicar? G1...
(75)F2: A gente colocou os ... (Com o triângulo médio na mão e o quadrado.)
(76)Profª: Ajuda.
(77)F1: A gente colocou os triângulos aqui em volta.
(78)Profª: Mostra.
(79)F2: Mostra ali pra todo mundo.
(80)F1: Dois triângulos eu formei um quadrado e daí eu fui medindo.
(81)Profª: Quantas peças deu em todo o quadrado?
(82)F1, F2 e S1: 8
(83)Profª: 8? Quem mais ficou responsável pela letra b? Aqui. Vocês dois
então.
(84)A1: Pra nós deu 8, igual.
(85)Profª: Mas eu gostaria que vocês explicassem como.
(86)A1: Nós fizemos assim, oh.
(87)G2: Botando assim.
89
(87)Profª: Mostra como vocês fizeram. Grupo lá, L1.
(88)G2: (A aluna demonstra com o material nas mãos.) Nós botamos aqui,
aqui, aqui e fomos fazendo.
(89)Profª: E quanto vocês encontraram?
(90)F1 e G2: 8
(90)Profª: Alguém mais ficou responsável pela letra b?
(91)V1: Eu não, mas posso?
(92)Profª: Claro que sim.
(93)V1: Se a gente não tivesse essa peça (o triângulo médio).
(94)Profª: Só um pouquinho. Deixa o pessoal aqui fazer silêncio. Fala.
(95)V1: Se a gente não tivesse essa peça, fizesse e 8 (Com o triângulo
médio na mão).
(96)Profª: Sim.
(97)V1: O do F2 deu um quadrado, se a gente tivesse o quadrado do mesmo
tamanho dava pra faze contando. Como o quadrado medindo assim com a peça, a
gente faz um quadrado e mede quanto deu, se não tivesse essa peça (o triângulo
médio). Dava igual.
(V1 comparou o triângulo médio com o quadrado e afirmou, em suas
palavras, que como eles possuem a mesma superfície o precisa necessariamente
medir com o triângulo, pode ser usado o quadrado como unidade de medida.)
(98)Profª: Também podia ser. Mais alguém sobre isso?
(99)Alunos: Não.
(100)Profª: Letra c. Quem ficou responsável pela letra c?
(O grupo do B1 fez sinal.)
(101)Profª: Vocês B1? Lê pra nós bem direitinho. S1 quero tua atenção.
(102)B1: Considerando como unidade de medida o Triângulo Grande(TG),
meça o quadrado formado com as sete peças do Tangran.
(103)Profª: Ok. Começamos por vocês, começamos.
(104)B1: Nós pegamos o triângulo e começamos a fazer.
(105)Profª: Explica, vocês entenderam bem direitinho. S1 olha aqui para
mim.
(106)M1: Assim oh sora. A gente pegou isso daqui assim e foi colocando.
(Mostrando com o triângulo e o quadrado em mãos.)
(107)Profª: E quantas peças couberam?
90
(108)M1: 4.
(109)Profª: Então se medir esse quadrado com esse triângulo, quantas
peças vão encontrar?
(110)B1 e M1: 4.
(111)Profª: Quem mais tem essa questão? Ok. Então aqui esse grupo.
Explica para os colegas.
(112)T1: s botamos aqui, aqui, aqui e aqui. (Mostrando com o triângulo
grande e o quadrado.)
(113)Profª: ok, eu vi que vocês juntaram os triângulos. Mostra para os
colegas.
(114)T1: Ah, tá. (Pega 4 TG e monta um quadrado.)
(115)Profª: Elas ocuparam as peças dos colegas do outro grupo.
(116)G1: Do nosso.
(117)Profª: De dois colegas para poder montar e olhem, bem direitinho as 4
peças que o grupo tinha explicado. Ok? Mais algum comentário sobre essa
questão?
(118)Alunos: Não (Bem baixinho.)
(119)Profª: Agora então a letra d, quem ficou responsável?
(120)J1 e V1: Nós.
(121)Profª: Um do grupo lê a letra d, bem alto.
(122)J1: Considerando como unidade de medida o Quadrado(Q), meça o
quadrado formado com as sete peças do Tangran. (C1 faz sinal para J1.)
(123)Profª: Isso aí, vamos lá então J1?
(124)J1: O quadrado...
(125)Profª: Mais alto, aquele grupo lá não está escutando.
(126)J1: Calma. Fui colocando o quadrado, daí deu 4, um não bem certo.
(127)Profª: Deu 4 bem certinho? E os demais, como vocês fizeram?
(128)V1: A gente foi juntando as partes que deu, a gente foi somando.
(129)Profª: Foram juntando os quadrados?
(130)V1: Sim.
(131)Profª: Quanto encontraram?
(132)V1: 8.
(133)Profª: Só um pouquinho que quero comentar uma coisa. Antes de
prosseguir, vamos olhar aqui que eu gostaria de retomar um pouquinho. Aquele
91
grupo de eu quero mais atenção. Tá? Quem era da letra a me ajuda aqui. Gurias!
Quem era da letra a? Qual foi a unidade de medida usada?
(134)L1: Triângulo pequeno.
(135)Profª: E, quantos vocês encontraram?
(136)A3: 16.
(137)Profª: Então 16 triângulos pequenos. (Anotando no quadro.) Quem
ficou responsável pela letra b?
(138)F1: Nós.
(139)Profª: Quanto vocês encontraram?
(140)Alunos: 8.
(141)Profª: 8 o quê?
(142)F2 e F1: 8 triângulos médios.
(143)Profª: Ah, 8 triângulos médios. Letra c, quem ficou responsável?
(144)B1 e M1: Nós.
(145)Profª: Quanto vocês encontraram?
(146)B1: 4.
(147)Profª: 4 o quê?
(148)B1: Triângulos grandes.
(149)Profª: Ok. Continuando. Letra d, quem mais ficou responsável pela letra
d?
(150)E1 e Q1: Nós.
(151)Profª: Vamos à explicação de vocês, depois continuamos aqui.
(152)Q1: (Fala não identificada.)
(153)Profª: Q1 só um pouquinho, estou esperando o G1 prestar atenção.
(154)Q1: A gente tentou ir montando com o quadrado mas a gente não
conseguiu.
Na dinâmica adotada na aula parcialmente apresentada nesta etapa do
episódio, a professora vai intervindo na apresentação/demonstração dos grupos com
palavras e frases que motivam os alunos à exposição, tais como: Ajuda (76). Mostra
(78). Mas eu gostaria que vocês explicassem como (85). Mostra como vocês fizeram
(87). E quanto vocês encontraram (89). Mais alguém sobre isso?(98). Explica, vocês
entenderam bem direitinho (105). Mais algum comentário sobre essa questão?
(117). Deu 4 bem certinho? E os demais, como vocês fizeram? (127).
92
Nos turnos 124 ao 132 a professora percebeu que as medidas obtidas foram
diferentes e optou por retomar as questões até então desenvolvidas, anotando no
quadro as medidas encontradas. No decorrer enfatizou as unidades de medida
consideradas: 16 triângulos pequenos (136). 8 o quê? (141). 4 o quê? (147).
(155)Profª: Será que ... Agora vou lançar para os demais grupos. Licença
F2. Vocês viram como os colegas encaminharam? Alguém fez diferente? Como?
Mostra teu desenho G2. Vou pegar emprestado um triângulo pequeno e um
quadrado. Vou ocupar o desenho da G2, outros fizeram assim, mas peguei esse
porque está desenhado aqui, daí todos conseguem ver. Aqui. J2. S1. Estou
esperando. Dêem uma olhadinha. Aqui vocês viram, pelo desenho da G2 que deu
16. Agora eu gostaria que aí, na mesa de vocês, comparassem o quadrado com o
triângulo pequeno. V1.
(156)V1: Ali. Assim oh. Deu metade aqui.
(157)Profª: Só um pouquinho, gurias aqui. Pode mostrar.
(158)V1: (Levanta e vai até o desenho que está com a profe para explicar.)
Aqui oh. Deu um, dois, daí nos canto dá pra juntar, dá um, dois, três quatro, cinco,...
(159)Profª: Pode contar de novo.
(160)V1: Me empresta?
(161)Profª: Empresto.
(162)V1: (Ele coloca o quadrado grande sobre a mesa e usando o triângulo
pequeno faz a demonstração.) Assim oh, um quadrado, pra juntar, deu 4, junta
esses dois dá cinco, esses dois dá seis, esses dois dá sete e esses dois, oito.
(163)A1: Dois triângulos pequenos, dá um quadrado.
(164)Profª: Oh. Oh. O que os guris viram aqui. C1 você acompanhou? S1
conseguiu ouvir?
(165)A1: Oh. Certinho.
(166)Profª: Isso aí. Vocês conseguiram ver essa colocação que o V1 fez
aqui, o V1 fez assim (Com o quadrado e dois triângulos pequenos em mãos), que
nós poderíamos colocar o triângulo aqui, aqui, aqui, vem aqui do ladinho e explica
pra todos.
(167)V1: (Vai em direção à profe e explica.) Aqui deu quatro, cinco, seis,
sete, oito, os do canto já pra juntar.
(168)Profª: Vocês lá, viram?
93
(169)G1: É a metade do triângulo médio (Alcança as peças para mostrar).
(170)M1: São 8, um quadrado são dois triângulos pequenos.
(171)Profª: E o triângulo médio?
(172)M1: Daí não sei.
(173)Profª: Comparem com o triângulo pequeno pra vocês terem uma idéia.
(174)V1: (Colocando o triângulo pequeno sobre o desenho.) a mesma
coisa. E o triângulo médio?
(175)A2: Dois triângulos pequenos.
(176)Profª: Ok. Então agora olhar prá cá. Vocês me disseram ... Pela
explicação dos colegas vocês viram que deu 8 quadrados, aqui... Estou esperando a
atenção, vocês viram que deu 8 quadrados, agora só um pouquinho.
(177)M1: Que é a metade de 16.
(178)Profª: Que é a metade de 16. E vocês viram que deu a mesma
quantidade que o triângulo médio? Letra “e”. Vocês viram... muita conversa, L1 estou
esperando. Viram que se vocês compararem com o triângulo pequeno é uma outra
forma de encontrarem, dão uma olhadinha, todos vocês com o paralelogramo. Quem
ficou responsável pela letra e?
(179)J2: Nós não conseguimos.
(180)Profª: Então vamos fazer assim gurias, posso dar uma dica, tentem
comparar com o triângulo pequeno.
(181)J1: São dois.
(182)A1: São dois triângulos pequenos.
(183)Profª: Não sei.
(184)M1: São dois triângulos pequenos.
(185)A1: São dois triângulos pequenos.
(186)Profª: Todos, quero que todos comparem isso.
(187)G1: Vai dar 8.
(188)Profª: F1, S1, quantos triângulos pequenos precisa para formar um
paralelogramo?
(189)F1: Dois.
(190)Profª: O S1 eu não vi fazer. Dão uma olhadinha na Q1. Dois
triângulos pequenos... Mostra para os guris. Então qual é a pergunta? Olha a
pergunta. Quantos paralelogramos eu preciso para cobrir todo o quadrado?
(191)Vários alunos: 8.
94
(192)Profª: Tranqüilo isso para todos. Então letra e, 8 paralelogramos.
(Os alunos colocam suas classes nos lugares, alguns comentando...)
(193)Profª: Certo? J1. ok! Coloca a tua classe mais pra frente, S1 coloca
a tua classe na frente da do M1 pra dar mais espaço. Agora, quero atenção. Agora
olhando pra cá. S1 vira pra frente. Atenção.
(194)G2: No triângulo grande pra botar dois triângulos pequenos e um
quadrado.
(195)Profª:Diz de novo que a profe não entendeu.
(196)G2: Aqui(TG) dá dois triângulos pequenos e o quadrado.
(197)Profª: E se fosse só triângulos pequenos, quantos daria?
(198)V1: 4.
(199)Profª: Porque será que aqui deu 16 e aqui deu 4?
(Vários alunos levantam a mão.)
(200)Profª: F2. Eu estou comparando este com este.
(201)A1: Porque é quatro vezes maior. (Foi até o quadro) Porque esse aqui
é 4 vezes menor. É quatro vezes quatro.
(202)Profª: Beleza. Então vamos ver aqui. Com esta atividade eu queria que
vocês percebessem que, olhem bem, que para medir superfície a gente precisa, J2
aqui, A1 quero atenção aqui, a gente precisa de uma outra superfície e tem uma
outra questão bem importante nesta atividade. O que foi que vocês mediram? Quais
as unidades usadas? As medidas encontradas foram as mesmas?
(203)V1: Nós medimos o quadrado, mas com várias peças e dependendo
da unidade de medida que a gente usa... Dependendo da unidade de medida que eu
usar vai ter medidas diferentes.
(204)Profª: Ok?
Quando Q1(154) afirmou que seu grupo o conseguiu desenvolver a
questão “d” da atividade, a forma de intervir adotada pela professora foi diferente.
Ela apresenta algumas dicas para o desenvolvimento das questões. Sugere (155)
que os alunos comparem o quadrado com o triângulo pequeno. Esse procedimento
também foi sugerido em outros turnos: Comparem com o triângulo pequeno pra
vocês terem uma idéia. (173), [...] tentem comparar com o triângulo pequeno (180),
quando a unidade de medida é o paralelogramo.
95
Esta forma de medir comparando as unidades de medida já havia sido
sugerida por V1 nos turnos 95 e 97. O aluno diz a seus colegas que é possível medir
a superfície comparando as peças, mostrou que o triângulo médio possui a mesma
supercie do quadrado e que, assim, pode ser usado o quadrado como unidade de
medida. Nos turnos 156, 158 e 162, V1 tem uma participação muito especial. Para
medir a superfície estabelecida, usa como unidade o triângulo pequeno e compara
com a superfície do triângulo médio, que tem o dobro da superfície do triângulo
pequeno.
Percebe-se assim que as falas, as intervenções dos diferentes sujeitos
presentes nesta sala de aula não são fatos isolados, mas estão articuladas de tal
forma que se complementam. V1 adotou um procedimento percebido pela
professora que apresentou aos demais alunos. Outra forma adotada por um grupo,
que auxiliou no desenvolvimento da atividade foi o desenho apresentado pela aluna
G2. Ela, nos turnos 63 e 88, proporcionou aos colegas um entendimento diferente do
que os outros grupos haviam desenvolvido. Com um desenho, mostrou o raciocínio
realizado pelo seu grupo. O referido desenho foi usado em diversas situações pela
professora e pelo aluno V1 para mostrar suas comparações de unidades.
As intervenções feitas por alunos e professora em diversas situações no
episódio contribuíram para que os alunos elaborassem um pensamento conceitual
acerca do estudado. Enxergando o episódio como um todo, como uma unidade,
percebe-se um aspecto presente no seu decorrer, que é fundamental no
estabelecimento das inter-relações que nele se apresentam: a assimetria. A
assimetria não só nas relações entre professora e alunos, mas também entre alunos.
Se todos os alunos estivessem num mesmo nível, certamente a riqueza das
relações não seria tão pródiga, “os grupos de crianças são sempre heterogêneos
quanto ao conhecimento já adquirido nas diversas áreas, e uma criança mais
avançada num determinado assunto pode contribuir para o desenvolvimento das
outras” (OLIVEIRA, 2004, p. 64). E no que diz respeito à professora e aos alunos, é
a assimetria presente nestas relações que garante um olhar diferente sobre o objeto
estudado e pode possibilitar aos alunos o avanço nos níveis de generalização e
sistematização.
Assim, o que possibilita a interferência de uma pessoa no desempenho de
outra é a assimetria das relações. A possibilidade de alteração no desempenho de
uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vigotski. De
96
acordo com Oliveira (2004, p. 59-60), a capacidade de uma pessoa se beneficiar de
uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento,
no nível de desenvolvimento potencial. Este não caracteriza as etapas
alcançadas, as reais já consolidadas, como afirma esta autora, mas posteriores, nas
quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação
individual. A interferência, conforme Oliveira (2004), também é considerada
fundamental nos pressupostos vigotskianos por atribuir importância extrema à
interação social no processo de desenvolvimento das funções psicológicas
humanas, ou seja, a interação é essencial para o processo de construção do ser
psicológico individual.
A partir da postulação de dois níveis de desenvolvimento, o real e o
potencial, Vigotski (1991) define a zona de desenvolvimento proximal. “É na zona de
desenvolvimento proximal que a interferência de outros indivíduos é mais
transformadora (OLIVEIRA, 2004, p. 61). Assim, a implicação dessa concepção
para o ensino escolar é imediata, por isso é tratada nesta etapa da investigação.
3.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL: RELAÇÕES COM AS
INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NAS AULAS DE MATEMÁTICA
É habitual no contexto escolar admitir-se como capacidade intelectual de um
aluno aquilo que ele é capaz de realizar sozinho. No entanto, para Vigotski (1991),
as ações de um indivíduo assistido por outro também representam uma
possibilidade intelectual. Segundo este autor, a Psicologia esteve por muito tempo
preocupada em detectar o nível de desenvolvimento real do indivíduo. Porém, ele
aponta a existência de um outro nível de desenvolvimento, o potencial ou proximal
que, tanto quanto o real, deve ser considerado na prática pedagógica escolar.
Para o autor existe uma “zonaque corresponde à diferença entre o que um
indivíduo é capaz de realizar sem assistência e em parceria e na “[...] escola a
criança não aprende o que sabe fazer sozinha, mas o que ainda não sabe e lhe vem
ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação” (VIGOTSKI,
2001, p. 331). Nesse sentido, a coletividade, as parcerias e o compartilhar de idéias
tomam um especial valor no contexto escolar e quebram com paradigmas instituídos
que valorizam extremamente o silêncio, o monólogo e uma determinada “disciplina
nas salas de aula.
97
A zona de desenvolvimento proximal separa a pessoa de um
desenvolvimento que está próximo, mas não foi alcançado.
[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de problemas, e o
nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1991, p. 97).
O nível de desenvolvimento real, ao revelar as funções que
amadureceram, nos possibilita o conhecimento do nível de desenvolvimento
atingido. Por sua vez, o nível de desenvolvimento proximal ou potencial se refere a
funções que estão em processo de amadurecimento. O espaço entre estes dois
níveis de desenvolvimento Vigotski define como sendo a zona de desenvolvimento
proximal (ZDP).
A idéia do nível de desenvolvimento proximal capta etapas posteriores, é
uma idéia prospectiva no processo de aprendizagem, focaliza as possibilidades do
aluno. A zona de desenvolvimento proximal refere-se, conforme Oliveira (2004, p.
60), ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão
em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas. É, desta
forma, um domínio psicológico em constante transformação, pois o que a criança faz
hoje com ajuda de alguém podevir a fazer sozinha amanhã (VIGOTSKI, 2001).
Neste sentido, Oliveira (2004) afirma que o aprendizado desperta processos de
desenvolvimento que, aos poucos, tornam-se parte das funções psicológicas
consolidadas do indivíduo.
É importante que o caminho percorrido no processo de ensino e
aprendizagem, seguindo os pressupostos vigotskyanos, esteja demarcado pelo nível
de desenvolvimento potencial dos alunos. Sob estes entendimentos “[...] a escola
tem o papel de fazer a criança avançar em sua compreensão do mundo a partir de
seu desenvolvimento consolidado e tendo como meta etapas posteriores, ainda
não alcançadas” (OLIVEIRA, 2004, p.62).
Nesta abordagem, corroborada por Oliveira e por outros estudiosos, a
intervenção de outras pessoas (no caso da escola pelo professor e colegas de
classe) é fundamental para a promoção do desenvolvimento do indivíduo. Reafirma-
se que no contexto escolar o professor tem o papel explícito de interferir nas ações
de ensino e aprendizagem para a constituição da zona de desenvolvimento proximal
98
dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. Nesse
sentido, a sala de aula é o lugar onde a intervenção pedagógica é intencional e
possui a tarefa explícita de promover e/ou consolidar processos de ensino e
aprendizagem.
Ao analisar o terceiro episódio percebem-se várias situações nas quais
aconteceram importantes intervenções capazes de orientar, induzir, provocar
raciocínios que viessem a auxiliar no desenvolvimento da atividade proposta. No seu
início, aconteceram algumas renegociações entre a professora e os alunos com
relação à atividade que deveria ter sido desenvolvida. Sozinhos, muitos alunos
não realizaram a atividade de forma completa, o que ocorreu com orientações. Uma
situação semelhante a esta é percebida nos turnos 178 e 179, quando a professora
pergunta qual o grupo que ficou responsável para apresentar a letra “e”
32
da
atividade e a aluna J2 afirma que o grupo não conseguiu desenvolver esta questão.
Mesmo em equipe, a questão não foi desenvolvida, mas após algumas orientações
(dicas) da professora, o entendimento por parte não somente dos seus membros,
mas também dos demais alunos. Nota-se, nesse momento do episódio, que medir a
supercie do quadrado considerando o paralelogramo como unidade de medida não
é uma tarefa muito simples, mas como a questão está inserida em um contexto em
que são consideradas outras unidades de medida e existe uma relação entre elas,
então a atividade torna-se possível de ser desenvolvida por alunos de série. No
turno 180, a professora sugere aos alunos que comparem o paralelogramo ao
triângulo pequeno. Com isso, os alunos concluíram o proposto.
Outra questão que marca a análise deste episódio está relacionada à
dinâmica usada em seu desenvolvimento. A estratégia adotada possibilitou um
trabalho em grupo. E, no grupo, com diferentes intervenções, os alunos tiveram a
oportunidade de juntos, por entre os mais variados conflitos, encontrarem caminhos
que os levassem à resolução da atividade. A dinâmica da aula, apresentada no
terceiro episódio, proporcionou aos alunos e ao próprio professor o estabelecimento
de inter-relações. Se esta mesma atividade tivesse sido desenvolvida
individualmente e “corrigida”, verificado o resultado pela professora, sem considerar
o processo intersubjetivo, certamente o entendimento e a própria aprendizagem teria
sido diferente. Porém, a concepção teórica adotada exige um olhar atento do
32
Considerando como unidade de medida o Paralelogramo(P), meça o quadrado formado com as
sete peças do Tangran.
99
professor para perceber quando, onde e como intervir de forma a promover
potencialidades; pois além de favorecer a troca, a negociação, a discussão,
especialmente evidenciada nas relações assimétricas, a metodologia fundamentada
nessa concepção possibilita o desenvolvimento de valores, habilidades e funções
psicológicas extremamente importantes na apreensão de saberes.
Com relação à socialização que aconteceu no grande grupo, houve uma
efetiva intervenção de alunos e da professora. Neste momento, os alunos tiveram
que expor a resposta encontrada e, de certa forma, defendê-la, justificá-la,
demonstrando os procedimentos adotados. Em determinadas exposições, as
respostas não estavam corretas, e neste momento, com a defesa do outro, que
apresenta diferentes argumentações, o aluno aprende a identificar o seu erro e
percebe que necessidade de estabelecer relações diferentes daquelas adotadas.
E os alunos em postura de “expectadores” têm a possibilidade de observar o que se
passa e de aprender com os equívocos dos colegas. Assim, a socialização é
percebida como um valioso momento para a argumentação e justificação. Os alunos
são questionados, instigados pela professora, são lançadas algumas pistas ou
possibilidades e encaminhados à sistematização (momento destacado como muito
importante na apropriação da significação de conceitos matemáticos). Portanto, a
socialização oportuniza ações capazes de constituir zonas de desenvolvimento
proximal nos alunos.
Porém, a socialização e a tarefa do professor (propor ações em
conformidade com a zona de desenvolvimento proximal dos alunos) são complexos,
pois envolvem muitos fatores. Não se tem aqui uma visão ingênua de que a
professora aproveitou todas as possibilidades de interação. Certamente, muitas não
foram consideradas, passaram despercebidas. A socialização é concebida como um
processo, um exercício em que pela vivência vai se consolidando e abrindo novas
perspectivas para os alunos e, especialmente, para a professora.
Nas análises, a partir da abordagem apresentada, percebe-se que a
atividade foi muito além dos objetivos propostos. Possibilitou diferentes relações
conceituais e o entendimento do quanto a situação de ensino proposta em uma sala
de aula e a postura do professor são determinantes na promoção de novas
significações. É nas e a partir das interações que o processo de significação
conceitual se constitui.
100
É, desta forma, de vital importância para o estabelecimento do processo de
ensinar e aprender matemática no contexto escolar, o compartilhar experiências e a
intervenção intencional do professor no sentido de mediar as interações/relações na
promoção não de novas significações, mas também, de constantes interações
entre os alunos. Aceitar esta perspectiva implica assumir que a apropriação das
significações conceituais se estabelece de forma coletiva e compartilhada. Exige um
processo de ensino e aprendizagem que se estabelece na medida em que a
interatividade é posta como um aspecto central e determinante.
Assumir tal perspectiva também requer uma criteriosa análise dos
paradigmas e concepções que fundamentam as ações/relações/inter-relações numa
sala de aula. As referidas relações e inter-relações são muito complexas, estão
subordinadas às ações do professor estabelecidas entre professor e alunos em
torno de um saber.
3.2 AS INTER-RELAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER
MATEMÁTICA NO CONTEXTO ESCOLAR
Os três episódios apresentados nesta pesquisa propiciaram a percepção de
que as finalidades das relações de ensino estabelecidas nas aulas, parcialmente
analisadas, são explícitas. Porém, neste lugar (sala de aula), professor e alunos
ocupam espaços hierarquicamente diferenciados. Sem desconsiderar o importante
papel que os alunos desempenham, são as ações didático-pedagógicas da
professora que promovem a interlocução, o diálogo e as interações. Também,
controlam, de diferentes formas, os sentidos produzidos pelos alunos, os quais
possibilitam a apropriação das significações conceituais.
As interações/relações das aulas são, desta forma, promovidas pela ação da
professora. É, assim, no gestar da classe que se efetiva o ato de aprender e ensinar
matemática nesta turma de série. De acordo com Vigotski, é no decorrer das
relações sociais que os indivíduos produzem, se apropriam e transformam as
diferentes atividades práticas e simbólicas produzidas pela sociedade. Assim, as
interações/relações estabelecidas numa situação de ensino na sala de aula são
fundamentais na apropriação das significações conceituais pelo aluno.
Na sala de aula, ao desenvolver atividades voltadas para o ensino e para a
aprendizagem de um conteúdo espefico da disciplina de matemática, ocorrem
101
inúmeras relações que envolvem o professor, os alunos e o objeto de saber. A
interação e a coletividade estabelecidas nas diferentes relações da sala de aula
marcam os episódios até então selecionados e são, sob a abordagem vigotskiana,
elementos considerados fundamentais no processo de apropriação de significações
conceituais.
Nas relações estabelecidas nos episódios analisados, situações em que
a professora dirige-se especialmente a um aluno ou a um determinado grupo deles,
mas seu foco principal é a totalidade dos alunos da sala. Faz-se necessário então,
olhar, não as relações que acontecem entre alunos e entre a professora e os
alunos, mas também é preciso considerar aquelas estabelecidas entre ela e o
grande grupo, pois a referida professora não se encontra com um único aluno, mas
com uma turma de 5ª série.
De acordo com Gauthier e Martineau (2001, p. 70), cada ação do professor
pensada em função do grupo procura garantir o bom andamento de suas ações, não
no que se refere à aprendizagem dos conteúdos, mas também em relação à vida
coletiva. Nesse sentido, no terceiro episódio, a professora, inúmeras vezes, chama
alguns alunos ao envolvimento com o trabalho proposto e procura instigá-los,
orientá-los, questionar. A leitura de questões é realizada por diferentes alunos. Da
mesma forma, a apresentação dos trabalhos envolve, instigados pela professora,
mais de um elemento de cada grupo. A professora, de acordo com as transcrições,
não aula para um determinado grupo de alunos, os quais estão interessados e
envolvidos, mas percebe-se um esforço para manter o maior número possível deles
em situação de estudo.
Nesse sentido, a idéia de classe é apresentada por Gauthier e Martineau
(2001, p. 70), como sendo central em todo o ensino, e a gestão da turma em uma
sala de aula, como uma função central do professor.
Ao desempenhar esta função a necessidade de manter o envolvimento
dos alunos em situação de ensino e aprendizagem na sala de aula. De acordo com
a abordagem vigotskiana, também a necessidade de fazer com que os alunos
interajam constantemente com o professor, entre o próprio grupo e o objeto de
saber, almejando, pela produção de sentidos, alcançar níveis mais elevados de
sistematização.
Analisando as vídeo-gravações e as próprias transcrições deste episódio
percebe-se que, no seu decorrer, para manter os alunos envolvidos com a atividade
102
proposta, a professora assume diferentes comportamentos. Faz-se necessária uma
assídua vigilância para manter a atenção dos estudantes para que as atividades
sejam desenvolvidas com uma certa e possível tranqüilidade. A professora precisou,
também, manter constantemente o ritmo da atividade. Para assumir esses diferentes
comportamentos, acabou conciliando duas ou mais atividades ao mesmo tempo.
Esses diferentes comportamentos assumidos pelo professor visando manter
os alunos em situação de estudo foram tratados por Bennett (apud GAUTHIER;
MARTINEAU, 2001). Ao abordar a vigilância, este autor salienta a necessidade de
uma consciência relativa ao controle do que ocorre na sala de aula. Outro
comportamento também tratado pelo autor está relacionado às transições
harmoniosas que dizem respeito ao comportamento assumido pelo professor com o
objetivo de fazer com que as atividades sejam desenvolvidas de maneira tranqüila
na sala de aula. Salienta ainda a necessidade de o professor assumir um
comportamento, “clímax”, relacionado à sua capacidade de manter o ritmo da
atividade. Por fim, aborda um comportamento relacionado com a habilidade do
professor de conciliar duas ou mais atividades.
Nesse contexto, Gauthier e Martineau (2001) salientam que a gestão da
matéria e da classe estão fortemente imbricadas uma à outra. Apontam como tarefa
do professor, além da gestão da classe, a de ensinar os conteúdos, ou de acordo
com o pensamento vigotskiano, possibilitar a transformação/evolução do
funcionamento conceitual do aluno na direção do conhecimento sistematizado. Estas
duas tarefas correspondem a duas funções pedagógicas fundamentais exercidas
pelo professor, instruir e educar um grupo de alunos.
Uma das tarefas se refere aos aspectos organizacional,
interacional, social e de gestão da vida da classe, aspectos que algumas
vezes estão dissimulados num programa oculto... A segunda é a tarefa
escolar, os deveres escolares, o conteúdo das aulas e o programa
manifesto. Essas duas tarefas, essas formas de transmissão pedagógica,
estão no próprio cerne do empreendimento educacional, porque definem a
utilidade das escolas e os objetivos que elas são chamadas a realizar
(SHULMAN, apud GAUTHIER; MARTINEAU, 2001, p. 61).
Instruir e educar, de acordo com estes autores, não cabe à escola, como
são consideradas o cerne do exercício educacional, cuja ação do professor no
gestar sua classe as define, estrutura e assegura os devidos encaminhamentos. É
no exercício destas tarefas instruir e educar, pela intervenção do professor como
103
mediador das interações/relações junto ao grupo de alunos, que as aulas de
matemática podem possibilitar aos alunos a apropriação das significações dos
conceitos matemáticos e, conseqüentemente, a apreensão do saber matemático
pelo aluno.
As ações didático/pedagógicas do professor exercem uma decisiva
influência nas condições de constituição da zona de desenvolvimento proximal dos
alunos. É assim, nas e pelas situações de ensino que lhes são propostas na relação
didática, que as intervenções pedagógicas se estabelecem e possibilitam ou não
que o aluno concretize a passagem de um nível de dependência a um nível de
autonomia com relação a um determinado objeto de saber.
Este nível de autonomia está vinculado a características próprias do saber
matemático, à abstração, à generalização e à formalização. Assim, ensinar
matemática no contexto escolar acaba se estabelecendo a partir da proposição ao
aluno de um convite à abstração, à generalização e à formalização relacionados ao
objeto em questão. No entanto, este convite pode ser aceito pelo aluno se for por
ele compreendido, se o professor, no seu papel de mediador entre o aluno e o objeto
de saber matemático, propuser ações que priorizem, especialmente, uma efetiva
negociação de significados.
104
4 ABSTRAÇÃO, GENERALIZAÇÃO E FORMALIZAÇÃO NO PROCESSO DE
ELABORAÇÃO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS
No desenvolvimento das ciências matemáticas
encontramos a cada passo, conjugados,
estes dois motivos para progredir,
dois gumes da mesma arma
actividade racional e actividade experimental;
teoria e experiência;
pensamento e acção.
(CARAÇA, 2002, p. 51).
Nesta etapa da dissertação, uma série de importantes entendimentos já
foram construídos, mas ainda algumas questões, que mesmo sendo abordadas
em outros momentos, acredito que devam ser especialmente tratadas, pois
envolvem aspectos considerados fundamentais no estabelecimento de um processo
de elaboração de conceitos matemáticos. E, também, por serem aspectos
intrínsecos, próprios da matemática que, por muitas vezes, caracterizam esta ciência
de forma pejorativa.
No decorrer dos episódios analisados percebe-se, entre outros, o empirismo,
a contextualização e a percepção/produção de sentidos pelos alunos como fatores
fundamentais no processo de ensinar e aprender matemática. Mas, para que o aluno
tenha possibilidades de atingir os objetivos expostos neste estudo pelos PCNs,
relacionados à medida de superfície (já expostos anteriormente), através de uma
elaboração conceitual, faz-se necessário também uma etapa de
descontextualização, pois o objeto de saber adquire o status de saber matemático
abstrato e independente de contexto. O avanço nos níveis de apropriação das
significações dos conceitos matemáticos está relacionado a um movimento de
contextualização e descontextualização e a uma etapa de descontextualização dos
conceitos com relação a situações e/ou circunstâncias imediatas, em que a
abstração é um elemento marcante.
Paralelamente à abstração no processo de significação conceitual, há a
generalização. Sob este aspecto pode residir uma das grandes dificuldades do
aluno, não no movimento entre geral e particular, particular e geral, mas também
em reconhecer os limites da generalização.
A apropriação das significações dos conceitos matemáticos se estabelece a
partir de abstrações e generalizações, estando fundamentada em representações de
105
diferentes níveis, que precisam ser expressas por uma linguagem própria. Mesmo
que as primeiras representações, tanto na história da matemática como na do
indivíduo, estejam relacionadas a situações empíricas ou imagináveis, o avanço no
processo de aprender matemática está relacionado à desvinculação desses
aspectos e às suas formalizações.
A apreensão do saber matemático no contexto escolar demanda momentos
que priorizem aspectos constituintes e caracterizadores da própria matemática: a
abstração, a generalização e a formalização. Sem eles não como acontecer um
processo de apropriação das significações de conceitos matemáticos. Assim, destino
o presente capítulo para tratar dos referidos aspectos.
Nas transcrições das aulas filmadas, houve muitos momentos em que estes
aspectos se mostraram e desafiaram-me no sentido de estabelecer alguns
entendimentos, mas de forma especial, no momento da tentativa de sistematização
da medida da superfície de figuras geométricas planas, mais especificamente de
quadrados e retângulos.
Assim, os entendimentos sobre os mencionados aspectos deverão se
constituir a partir de um episódio que envolve estas situações e faz parte das últimas
aulas filmadas. O episódio, o quarto desta dissertação, é apresentado no decorrer
deste capítulo com relatos, descrições e recortes de material (caderno) de dois
alunos (F2 e Q1). É organizado em três etapas para que o leitor não seja privado do
contexto no qual transcorreu. Na primeira, consta uma série de atividades propostas
pela professora com a sistematização de uma delas. A segunda etapa ocorreu em
torno da apresentação, relato e anotações de outra atividade. A terceira, última
etapa deste episódio, tem como referência duas questões relacionadas à
generalização do cálculo da área de quadrados e retângulos.
4º episódio: 1ª etapa
As atividades da Figura 8 foram apresentadas aos alunos e foi solicitado que
as desenvolvessem em duplas.
106
Figura 8: Atividade proposta aos alunos.
A primeira destas atividades está relacionada à palavra área, cuja
idéia/conceito vem sendo desenvolvida(o) algumas aulas. As unidades usadas
para medir a superfície são padronizadas, cuja estrutura também vinha sendo
trabalhada. No início do ano letivo, ao desenvolver atividades relacionadas à medida
de comprimentos, o sistema métrico decimal foi apresentado aos alunos e foi sendo
desde então utilizado em diversas situações de ensino e aprendizagem. Agora, ao
tratar de medida de superfícies, este sistema foi ampliado e as unidades
padronizadas para medir superfícies surgiram quase que naturalmente. Os alunos
107
utilizaram-nas com certa segurança. A segunda atividade solicitou que eles
construíssem figuras (não definida sua forma) que possuíssem a respectiva área
utilizando o “material do envelope”
33
.
na terceira atividade, a forma da figura a ser construída com o material e
a seguir desenhada foi definida. Assim, necessidade de os alunos não só separar
os cm² que irão utilizar e os organizar formando uma figura qualquer, mas de pensar
e os organizar na forma de quadrados ou retângulos. Na execução, os alunos,
necessariamente, terão de ter idéia do que sejam quadrados e retângulos e vão
trabalhando com a idéia do cálculo da área dessas figuras. Para construir um
quadrado com, por exemplo, 9 cm² de área, terão que saber o que é um quadrado e
verificar a medida de seu lado, de tal forma que multiplicando pelo seu valor 9
cm². Nas primeiras questões as figuras foram construídas com o “material do
envelope”, para, a seguir, serem desenhadas. No decorrer do desenvolvimento elas
eram, por alguns alunos, apenas desenhadas. Ao serem questionados pela
professora, alguns foram enfáticos ao dizer que não precisavam construí-las com o
material, pois já sabiam como podiam fazer.
Na atitude de não construir a figura, percebe-se um importante aspecto no
processo de elaboração conceitual da medida de superfícies, a abstração. Se não
houve mais a necessidade de construir a figura com o “material do envelope”, é
porque os alunos haviam superado a etapa do concreto físico? Significa que os
alunos alcançaram um nível superior na elaboração destes conceitos? Os alunos
estão sendo conduzidos a caminhar, de forma ascendente, à abstração? É possível
afirmar que nas próximas atividades nem esta representação, a do desenho, será
necessária? O ponto de chegada desta elaboração conceitual é a abstração?
Nas situações relatadas, um movimento entre o abstrato e o concreto.
Em algumas aulas, no início do estudo de medidas, faziam-se necessários
instrumentos (fita métrica construída pelos alunos, régua, etc.) que representassem
o metro linear e seus submúltiplos. Agora, ao tratar das unidades padronizadas para
medir supercies, estes mesmos instrumentos foram usados para medir, como uma
ferramenta. Ao construir quadrados e retângulos alguns alunos não utilizaram o
33
Este material a ser usado na construção das figuras são centímetros quadrados, tiras com 10cm² e
quadrados com 1dm de lado, confeccionados com papel ao trabalhar números decimais (quadrado de
1dm de lado representava um inteiro, as tiras com 10cm² representavam um décimo e cada cm²
representava um centésimo). Está guardado em um envelope colado na capa interna do caderno, por
isso “material do envelope”. Consta modelo em anexo.
108
material do envelope. Por exemplo, o centímetro quadrado se fez presente não de
forma concreta/física, mas representada na forma de desenho ou imaginária. Alguns
alunos marcaram os centímetros quadrados e outros não adotaram o mesmo
procedimento, como podemos ver nos recortes de caderno de dois alunos. São
níveis de concreto/abstração diferentes no processo de aprendizagem de medida de
supercies.
O aluno F2 (Figura 9) optou por desenhar os centímetros quadrados de cada
um dos quadrados desenhados. aluna Q1(Figura 10) desenhou o contorno da
figura não marcando cada cm².
Figura 9: Recorte do caderno de F2.
109
Figura 10: Recorte do caderno de Q1.
No desenvolvimento das atividades, o concreto e o abstrato estabelecem-se
com e a partir de objetos matemáticos. Parece ser tão simples caracterizar o
concreto, o real, o palpável relacionando-os ao abstrato, mas se nos distanciarmos
do senso comum, passa a ser complexa esta caracterização, como também
impróprias as conotações negativas associadas às abstrações. De acordo com
Machado (1998, p.45-50), as idéias e os objetos matemáticos, desde os mais
simples até as estruturas mais complexas, são classificados como abstrações e
grande parte das conotações negativas relacionadas ao termo decorre de uma
caracterização inadequada do seu papel na apreensão de saberes no contexto
escolar.
4.1 A CONCRETICIDADE NO PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER
MATEMÁTICA
Em muitas situações, de acordo com Jardinetti (1996, p. 46), o abstrato é
entendido como algo difícil de ser assimilado na medida em que se traduz um
vínculo não imediato com o real e o concreto entendido como o imediato, como
aquilo de que parte o pensamento no processo de apreensão do real. A partir deste
entendimento, é habitual, segundo Jardinetti, perceber duas interpretações de
concreto. Uma se traduz na utilização de “materiais concretos”, seja manipulando,
110
observando, construindo, desenhando, etc, e a outra de se tomar o concreto como o
imediato, associando-o ao cotidiano.
Sob estas duas visões, este autor afirma que o concreto aparece como a
solução mágica para a superação das dificuldades de apreensão dos conceitos
matemáticos, pois, mediante a mera utilização do concreto/objeto, espera-se que o
aluno seja conduzido a um processo de aprendizagem. Porém, observa que, em
muitas situações, este tipo de atividades, por serem decorrentes de uma reflexão a-
crítica, não auxiliam no processo de apreensão das significações conceituais pelo
aluno. O concreto pode, desta forma, tornar-se totalmente inadequado para os fins a
que se propõe, e sua ineficácia, de acordo com Jardinetti (1996, p. 48), reside no
fato de sua utilização não estar imbuída da lógica que permeia os conceitos
matemáticos.
Os conceitos matemáticos apresentam uma lógica própria de elaboração,
que se revela essencialmente fundamentada em relações. Assim, no processo de
ensino e aprendizagem do contexto escolar, o desafio que se apresenta, de acordo
com Jardinetti (1996, p. 49), é propor ações didático e pedagógicas que
efetivamente estabeleçam condições para que o aluno se aproprie dessa lógica das
relações, das significações dos conceitos matemáticos enquanto relações.
No contexto escolar, é muito difundida a concepção segundo a qual o
processo de apreensão de saberes, de uma maneira geral, desenvolve-se numa
ascensão da realidade aos modelos teóricos, do concreto ao abstrato. Nesta
concepção, as abstrações são consideradas como um objeto em si mesmo,
eliminando seu verdadeiro papel. Para Machado (1998, p. 51), não parece ser
possível compreender o processo de construção do conhecimento como um
movimento unidirecional e de único sentido, do concreto ao abstrato ou do abstrato
ao concreto.
Machado (1998, p.51) afirma que as abstrações não se situam nem no ponto
de chegada, nem no ponto de partida, mas no meio do processo, constituindo
condição para o estabelecimento de um processo de aprendizagem em qualquer
área. Considera as abstrações como mediações indispensáveis, pois por meio delas
se estabelece o reconhecimento e a estruturação de relações progressivamente
mais significativas, que passam a caracterizar um concreto mais complexo e
viabilizam a ação sobre ele. Neste sentido, cada patamar alcançado,
111
[...] pode tornar-se e em geral se torna um novo ponto de partida, que
conduzirá a novo estágio, onde as relações determinantes estruturam-se de
modo ainda mais significativo. E o processo pode seguir assim, numa
cadeia sem fim. Uma cadeia em geral o linear, onde podem coexistir, em
um mesmo nível, diferentes estruturações do concreto organizadas a partir
de distintos sistemas de abstrações e que podem dar origem a diversos
prosseguimentos (MACHADO, 1998, p. 52).
Machado entende que as abstrações são consideradas mediações capazes
de possibilitar, a cada estágio alcançado, a produção de sentidos, tornando as
relações estabelecidas significativas. Sendo, desta forma, consideradas como
indispensáveis no processo de ensinar e aprender matemática. São as abstrações
que tornam possível agir sobre um concreto mais complexo, pois diferentes
estruturações do concreto podem ser organizadas a partir de diferentes sistemas de
abstrações.
Jardinetti (1996, p. 49-50), fundamentado em Marx, afirma que, para a
dialética, o concreto é ponto de partida e de chegada do processo de conhecimento,
e não é apreensível de imediato pelo pensamento, mas é sim, mediatizado por
abstrações. O ponto de partida refere-se ao concreto em seu aspecto sincrético,
sensorial e empírico captado de manifestações mais imediatas, possibilitando um
conhecimento superficial e fragmentário. O concreto ponto de chegada, de acordo
com Jardinetti, refere-se ao seu aspecto multifacetado, aprendido na multiplicidade
de suas determinações. É revelado em sua essência, em suas propriedades não
acessíveis à apreensão sensorial. Nesta abordagem, a relação entre concreto e
abstrato é entendida, conforme afirma Jardinetti (1996, p. 50), como um movimento,
cuja tendência é caracterizada a partir de um empírico, passando pelo abstrato, o
qual identifica como análise para, através de uma síntese, chegar a uma totalidade
rica de múltiplas determinações, o concreto-pensado.
Tanto o concreto como o abstrato, nessa perspectiva, não podem ser
interpretados como algo pronto e acabado e são aspectos importantes no processo
de ensinar e aprender matemática na medida em que são capazes de possibilitar a
percepção das relações, as quais constituem os conceitos matemáticos. Percebe-
se, então, que abstrações que podem mostrar-se concretas para o aluno, e
materiais concretos que podem mostrar-se totalmente desprovidos de significados.
De acordo com Jardinetti, “as abstrações revelam ser concretas no momento em que
possibilitam a elaboração de procedimentos metodológicos que traduzem um
112
sistema orgânico e multirrelacional que englobe e sentido às abstrações” (1996,
p. 52). Inseridas num sistema de relações, as abstrações, de acordo com Jardinetti,
não são percebidas como vazias; quando examinadas sob uma lógica operatória
revelam-se concretas, revelam-se cheias de concreticidade.
Neste sentido, o concreto não está apenas relacionado ao empírico. Se não
estiver inserido numa rede de significações, também pode mostrar-se estéril e vazio,
sem utilidade no processo de ensino e aprendizagem. De acordo com Jardinetti
(1996, p. 53), a eficácia de um material concreto está na sua necessidade de
encarnar as propriedades ou parte das propriedades lógicas do conceito a ser
apropriado, não justificando sua presença se não houver esta necessidade. E o
abstrato pode estar impregnado de concretude na medida em que for capaz de
produzir significados para os alunos.
A visão dicotômica do concreto e abstrato, demonstrada no esquema da
Figura 11, no processo de elaboração conceitual distorce, desta forma, o próprio
entendimento do processo de ensinar e aprender matemática no contexto escolar.
Figura 11: Visão dicotômica do concreto e abstrato.
Esta visão, de acordo com Jardinetti, reduz a abstração a uma etapa do
processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos, por estar
relacionada apenas ao domínio de fórmulas matemáticas. E distorce, também, o
entendimento do concreto, reduzindo-o ao empírico. Nesta forma dicotômica de
perceber o concreto e o abstrato:
[...] os aspectos do processo de elaboração dos conceitos
matemáticos se reduzem a seu resultado em detrimento de sua realização
com sua gênese, fazendo com que os procedimentos de ensino se limitem à
operacionalização estéril dos conceitos na sua forma elaborada
(JARDINETTI, 1996, p. 56).
113
Numa proposta de elaboração conceitual, considerando os aspectos
discutidos nesta dissertação, não cabe uma relação dicotômica entre o concreto e o
abstrato. Mas percebem-se aproximações com outra visão, na qual o concreto e o
abstrato são dois importantes aspectos no processo de ensino e aprendizagem no
contexto escolar. Quando conjugados, como mostra o esquema da Figura 12, criam
possibilidades de concreticidade de extrema importância, na medida em que se
estabelece com e a partir de relações conceituais, ou seja, é considerada a
sistematicidade dos conceitos envolvidos.
Figura 12: A concreticidade a partir
da ação conjugada entre o abstrato
e o concreto revelando a
sistematicidade dos conceitos.
Olhar as atividades apresentadas na primeira etapa do quarto episódio,
considerando a abstração e o concreto sob esta perspectiva, é uma ação complexa,
pois denota também olhar a capacidade destas atividades em revelar e instigar
aos/os alunos a perceberem as relações que se estabelecem entre os conceitos
matemáticos.
Os alunos usaram representações de centímetros quadrados de papel para
construir diferentes figuras. Este ”material concreto” está impregnado de abstrato
que sentido ao material e assim, fundidos, possibilitam aos alunos a construção
das referidas figuras a partir de sua área e garante a apreensão de novas
significações. O mesmo raciocínio pode ser feito relacionado a cada centímetro
quadrado dos desenhos da Figura 9. Se estiver impregnado de abstrato,
representando efetivamente um centímetro quadrado, possibilidades de novos
114
entendimentos a partir desta representação. Para aquele aluno, cujo quadrado de
papel ou o seu desenho não representa um centímetro quadrado, o uso deste
material ou desenho perde a razão de ser utilizado. As Figuras 9 e 10 são uma
representação de quadrados com áreas específicas, podem ser abstrações
impregnadas de concreticidade na medida em que, para os alunos, possuírem a
capacidade de possibilitar a produção/apropriação de significações dos conceitos
envolvidos. As significações se estabelecem na medida em que possibilitam a
percepção das relações, as quais constituem os conceitos.
O uso do material e a representação por desenho no desenvolvimento das
atividades nº 2 e nº 3 podem ser de grande valia no processo para ensinar e
aprender a área de quadrados e retângulos. Para tal, cada centímetro quadrado e
cada centímetro linear (medida do lado das figuras) devem ser capazes de
produzir/revelar relações entre os diversos conceitos envolvidos naquela situação. O
uso de material pelo simples manuseio o interfere e nem desencadeia o processo
de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos.
Entendo que este “material concreto” (cm²) é capaz de possibilitar novos
entendimentos e significações se, em sua representação abstrata, estiver
impregnado de generalizações: medida de comprimento, sistema decimal das
unidades de medida padronizadas para medir comprimentos, medida de superfícies,
unidades de medida padronizadas para medir superfícies, figuras geométricas
(especialmente quadrados), etc.. E, se cada abstração estiver repleta de
significações, de concreticidade, será capaz de potencializar novos entendimentos.
Assim, abstrações, significações e generalizações estão fortemente relacionadas no
processo de apropriação de conceitos matemáticos.
4.2 A GENERALIZAÇÃO NO PROCESSO DE APROPRIAÇÃO/FORMALIZAÇÃO
DE SIGNIFICAÇÕES DE CONCEITOS MATEMÁTICOS
O objetivo principal da atividade nº 4 é encaminhar o aluno a um novo
sistema de generalização relacionado à medida da área de quadrados e retângulos.
Essa idéia vem sendo desenvolvida em diferentes situações encaminhadas pela
professora e, para que a generalização da área destas figuras planas se configure,
faz-se necessária uma sistematização de diferentes conceitos matemáticos. Assim,
115
a generalização no processo de apropriação de significações de conceitos
matemáticos merece, nesta etapa da dissertação, uma atenção especial.
Pensar sobre este importante aspecto no processo de elaboração de
conceitos matemáticos me leva a buscar um entendimento do próprio processo de
generalização. De acordo com Caraça,
[...] o homem tem tendência a generalizar e estender todas as aquisições do
seu pensamento seja qual for o caminho pelo qual essas aquisições se
obtêm, e a procurar o maior rendimento possível dessas generalizações
pela exploração metódica de todas as suas conseqüências (2002, p. 9).
Considerando que quanto mais genérico for um pensamento, maior será sua
potencialidade; para estender as significações apropriadas o homem tem
tendência de generalizar afirmações. É uma tentativa de procurar maior rendimento
do raciocínio a este pensamento, denominado por Caraça de “princípio de
extensão”. Este princípio, na história das ciências, pode ser identificado, juntamente
com os “princípios da economia”
34
e “da compatibilidade”
35
. Aplicando-os ao saber
matemático, percebe-se, de acordo com Pais (2006), que seus enunciados são
construídos de forma mais genérica, utilizando o menor número possível de
conceitos anteriores e não podem contradizer as afirmações antecedentes. O que
nos leva a entender que a elaboração de conceitos se estabelece na permanente
articulação entre o geral e o particular, fazendo-se necessário especificar a
generalidade de uma afirmação a partir da compreensão dos limites de sua validade.
Os caminhos entre particular e geral e geral para particular é a
intencionalidade da professora ao propor a atividade número 4, desencadeando o
movimento, para que os alunos cheguem à regra geral para calcular área de
retângulos e quadrados. A intenção se mostra com mais clareza no momento da
socialização desta atividade ao ser organizada outra tabela (Figura 13),
considerando as medidas do comprimento e da largura dos retângulos obtidos pelos
alunos.
34
Menor dispêndio possível de energia mental, não no dar a definição, como nas suas
conseqüências (CARAÇA, 2002, p. 26).
35
Princípio o qual rege que em estado nenhum da construção da teoria matemática podem ser
tolerados desacordos (CARAÇA, 2002, p. 50).
116
Figura 13: Tabela construída em conjunto com os alunos a partir da
atividade nº 4. (Recorte do caderno de Q1).
Com a tabela da Figura 13 a professora pretende, a partir da análise de
várias situações singulares, buscar junto aos alunos uma sistematização,
alcançando a generalização. Em cada item da questão relacionada à área de
retângulos foram anotadas as possibilidades observadas pelos alunos, casos
particulares para posteriormente serem analisados. E, a partir da análise,
sistematizar e generalizar. As possibilidades de o aluno generalizar, percebendo os
seus limites, aumentam consideravelmente, na medida em que cada anotação feita
seja compreendida e demonstre a capacidade de “enxergar” o retângulo,
representado pelas suas medidas (largura, comprimento e área) em cada linha da
117
tabela. Este “enxergar” envolve a significação das unidades de medida usadas, a
distribuição/colocação destas unidades na superfície do retângulo, a representação
numérica das medidas, ou seja, envolve diferentes
abstrações/significações/generalizações.
Para Vigotski (2001, p. 292), como foi dito anteriormente, “[...]
generalização significa ao mesmo tempo tomada de consciência e sistematização de
conceitos.” Por sua vez, a tomada de consciência dos conceitos realiza-se pela
formação de um sistema de conceitos que se forma a partir de determinadas
relações recíprocas de generalidade. Para Vigotski, a tomada de consciência baseia-
se na generalidade dos próprios processos psíquicos, que redunda em sua
apreensão. Nesse sentido, a apropriação da significação de conceitos científicos,
por parte do indivíduo, pode levá-lo a se conscientizar dos próprios processos
mentais. Como os conceitos científicos o mediados por outros conceitos no seu
sistema hierárquico de inter-relações, a sua generalização leva à localização de
dado conceito em um determinado sistema de relações de generalidade,
considerado pelo autor os vínculos fundamentais mais importantes e mais naturais
entre os conceitos. Assim, para que um conceito possa ser submetido à consciência
e ao seu uso deliberado, ele necessita fazer parte de um sistema, pois consciência
significa generalização. Esta, por sua vez, significa a formação de um conceito
superior, o que implica a existência de uma série de conceitos subordinados. O
conceito superior pressupõe, ao mesmo tempo, a sistematização hierárquica dos
conceitos inferiores a ele subordinados, com os quais se relaciona por meio de um
determinado sistema de relações.
Para Vigotski, parece óbvio que um conceito submete-se à consciência e ao
controle deliberado somente quando este faz parte de um sistema. De acordo com
seus pressupostos, consciência significa generalização, que pressupõe uma
hierarquia de conceitos de diferentes níveis de generalidade. Na medida em que o
aluno se apropria de significações, ele passa a ter condição de tomada de
consciência, não age mecanicamente, o que é muito comum nas aulas de
matemática. E as significações apreendidas passam a ser utilizadas como
ferramentas para novas apropriações. Neste enredamento de significações é que as
generalizações vão acontecendo e os conceitos elaborados.
Os vínculos de generalidade se estabelecem, de acordo com os
pressupostos vigotskianos, não apenas nos conceitos propriamente ditos, mas
118
também nos demais estágios, os quais constituem o processo de constituição dos
conceitos, o sincrético e o complexo. Em experimentos relacionados ao estudo dos
conceitos aritméticos e algébricos, Vigotski (2001, p. 371-2) mostra que a passagem
dos pré-conceitos do aluno escolar para os verdadeiros conceitos no adolescente
realiza-se pela via da generalização das matérias anteriormente generalizadas. E
afirma que um novo conceito, uma nova generalização não surge senão com base
no conceito ou generalização anterior.
Desta forma, os alunos terão possibilidades de generalizar a área de
quadrados ou retângulos se outras generalizações a ela relacionadas tiverem
acontecido. De acordo com as transcrições, na organização da segunda tabela, a
professora, por questionamentos, levou os alunos a perceberem a medida da área
do retângulo como produto da medida de seu comprimento e de sua largura, mas
não fechou esta idéia com a fórmula do cálculo da área desta figura. Deu seqüência
às demais atividades do folheto, comentando sobre a área do nosso município, do
estado e do Brasil, como também sobre as respectivas unidades de medida usadas
para expressar estas áreas. A próxima atividade, relacionada à construção de um
metro quadrado utilizando jornal ou outro papel qualquer, foi encaminhada como
tarefa de casa.
No início da seguinte aula foi proposto aos alunos outra atividade (Figura 14)
que, particularmente, acredito ser muito interessante, pois possibilita ao aluno uma
série de compreensões relacionadas à medida de superfícies.
4º episódio: 2ª etapa
1)Usando o metro quadrado (m²) que você confeccionou, desenhe as seguintes
figuras.
a)Uma figura que possua 6 m² de área.
b)Um retângulo que possua 12 m² de área.
c)Um quadrado que possua 16 m² de área.
d)Um retângulo que possua 20 m² de área.
e)Um quadrado que possua 25 m² de área.
Obs. Em cada figura anote a medida de seus lados e seu perímetro.
Figura 14: Atividade proposta aos alunos, na qual é utilizado 1m² confeccionado com
papel.
119
A atividade foi realizada em grupos no pátio da escola e teve como material
giz e o metro quadrado confeccionado pelos alunos. Seu desenvolvimento
proporcionou aos alunos a percepção da superfície das figuras com suas respectivas
áreas, como também condicionou a sua forma ao espaço (pátio) que possuíam. Dito
de outra forma, mesmo que alguns grupos, por exemplo, pretendessem desenhar o
retângulo de 20 m², tendo 20 m de comprimento por 1m de largura, não o
conseguiriam, por não terem à disposição 20 m de pátio. Assim, teriam que estimar,
pensar, analisar, medir, percebendo as possibilidades de desenho em função da
supercie do pátio que estava à disposição. A realização desta atividade é, de certa
forma, complexa, por envolver uma série de generalizações, (retoma inclusive o
conceito de perímetro). Converte-se em mais um momento que possibilita aos
alunos a generalização do cálculo da área de quadrados e retângulos.
Ao passar pelos grupos, os questionamentos da professora sobre a figura
que estavam desenhando eram constantes. Qual a forma da figura? Qual a sua
área? Qual a medida de seus lados (no caso do quadrado)? Poderiam fazer
diferente? Qual a medida do comprimento e da largura (no caso de retângulos)?
Poderia ser diferente? Como? São instigações as quais encaminham os alunos à
generalização da área destas figuras.
Além destas questões, destaco também a dinâmica de sua realização. É um
trabalho em grupo, mas muito diferente daquele desenvolvido no episódio 3, o qual
envolveu o jogo Tangran. Neste, os alunos discutiram, investigaram possibilidades,
mas cada um tinha seu jogo. Já, na atividade apresentada na 2ª etapa do 4º
episódio, o grupo precisa desenhar uma única figura de cada item. Tinham que
chegar a acordos e trabalhar numa única figura, o que para alunos de série não é
muito tranqüilo, pois as opiniões divergem, a luta pela voz e vez é constante. A
interferência do professor é também extremamente importante, ora questionando,
ora instigando, para que todos os elementos do grupo participem, ora ouvindo, ora
orientando, ora acalmando.
No retorno à sala de aula, de acordo com as transcrições, foi feita uma
avaliação da atividade na qual os alunos fizeram algumas colocações,
principalmente relacionadas a queixas sobre colegas que não se envolveram com o
trabalho. Em função do tempo, a aula foi encerrada e este assunto retomado no
início da próxima, quando a professora dirigiu os comentários e colocações para as
120
figuras, suas formas e medidas. E, na seqüência, apresentou as seguintes questões
para serem desenvolvidas em duplas:
4º episódio: 3ª etapa
1)Pense e responda às seguintes questões:
a. Como posso descobrir a área de um quadrado se sei a medida de seu lado?
b.
Como posso descobrir a área de um retângulo se sei a medida de seu
comprimento e de sua largura?
Figura 15: Questões propostas aos alunos.
Nos cadernos de F2 e Q1 encontramos os seguintes registros relacionados
à primeira questão.
Figura 16: Registro do aluno F2.
Figura 17: Registro da aluna Q1.
E, com relação à segunda questão, a aluna Q1 fez o seguinte registro.
Figura 18: Registro da aluna Q1.
Analisando estes registros percebe-se que, mesmo depois de desenvolver
uma série de atividades relacionadas à área de quadrados e retângulos, sair do
particular para alcançar o geral, não é um caminho simples. Na Figura 16, depois de
mostrar como calcula a área de um quadrado com lado 3 cm, o aluno F2 esboçou o
121
início de uma generalização, mas não esclareceu o número que deve ser
multiplicado. a aluna Q1, nas Figuras 17 e 18, afirmou que deve ser feito um
cálculo de multiplicação (geral) e mostrou, na seqüência, exemplos de multiplicações
que podem ser feitas, não esclarecendo o que estes números representam.
Na socialização destas questões, através das colocações de diversos
alunos, a professora percebeu, que ainda, muitos se mantiveram em casos
particulares, como mostram os registros, com algumas tentativas de generalização.
Assim, entre conversas e discussões retomou a tabela (Figura 13) que haviam
construído de forma colaborativa e, também em conjunto elaboraram as anotações
mostradas na Figura 19, para depois escreverem com mbolos a fórmula geral do
cálculo da área de quadrados e retângulos. A ação da professora foi uma tentativa
de conduzir os alunos à tomada de consciência, pois como afirma Vigotski, esta está
fundamentada na generalização, o que redunda em sua apreensão. A tomada de
consciência da área de quadrados e retângulos resulta como apreensão deste
sistema como caso particular, possibilitando a ação arbitrária no sistema de área de
figuras planas.
Figura 19: Registro do aluno F2.
Analisando os episódios até então apresentados, percebem-se articulações
entre diferentes sistemas. O primeiro episódio está relacionado à significação de
supercie; no segundo, os alunos, usando unidades variadas, mediram diferentes
supercies; no terceiro episódio, utilizando o jogo Tangran, os alunos mediram a
122
mesma superfície usando diferentes unidades de medida, e no desenrolar da
atividade foi retomada a representação decimal, fracionária e mista dos números. E,
no quarto episódio, mesmo que esta idéia esteja sendo desenvolvida, é que se
está efetivamente encaminhando os alunos ao cálculo de área. Percebe-se que uma
série de outras generalizações estão implicadas ao cálculo de área, que outras
significações precisam ser apropriadas pelo aluno para que a fórmula da área do
quadrado, do retângulo ou de qualquer outra figura plana tenha algum sentido para
este aluno. E, no entanto, em quantas salas de aula o estudo de medida de
supercie inicia pela fórmula do cálculo da área destas figuras e/ou pelo uso das
unidades de medida padronizadas para medir superfícies? Inicia pela sua
apresentação geral e formal?
Percebeu-se no decorrer das análises que antes de qualquer apresentação
formal de conceitos matemáticos, necessidade de haver um processo de
elaboração conceitual propiciando aos alunos a apropriação de significações dos
conceitos envolvidos. Desta forma, o processo de formalização não pode antecipar-
se ao processo de investigação, de exploração e elaboração. A partir de uma
diversidade de investigações e explorações, os alunos foram conduzidos à
representação formal da “fórmula” para calcular a área de quadrados e retângulos.
Este processo todo sendo desenvolvido com e a partir da linguagem materna e
matemática, mas expresso pela linguagem matemática.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os espaços
do ensinar,
do aprender
e do pesquisar
redimensionaram-se
em espaço
do ensinar aprendendo,
do aprender ensinando,
do ensinar/aprender pesquisando,
do pesquisar ensinando/aprendendo...
(FONTANA, 1996, p. 170)
A reflexão e a teorização na prática e sobre ela são elementos norteadores
da formação profissional. No seu exercício torna-se possível a incorporação de
experiências e o efetivo e sistemático aprimoramento do “ser professor”, cuja
identidade é simultaneamente epistemológica e profissional. O aperfeiçoamento das
práticas docentes está relacionado à consciência sobre a própria prática. Mediante
receios, especialmente dos desafios que este tipo de modalidade de pesquisa
requer, investigando as e nas próprias ações da sala de aula, da exposição em se
mostrar desvelando posturas e práticas políticas, didáticas e pedagógicas, na
perspectiva da práxis, se estabeleceu e se constituiu a presente investigação.
Mesmo antes de uma série de definições acerca da pesquisa, havia a pré-
disposição de que os dados empíricos seriam produzidos a partir de aulas de
matemática (por mim ministradas), como também, de que o diálogo com o
referencial teórico seria constante e articulado à vivência das referidas aulas. Assim,
o decurso da investigação esteve marcado pelo cotidiano da educação matemática,
tecido a princípios da abordagem histórico-cultural e às idéias e conceitos, sob uma
perspectiva dialética da matemática, desenvolvidos por Caraça.
Na abordagem considerada na dissertação, as raízes da matemática se
fundem com a história da humanidade. O ser humano é compreendido como um ser
124
inserido em uma cultura determinada, com suas ferramentas (instrumentos e signos)
inventadas e aperfeiçoadas no curso da história social da humanidade. Neste
contexto, a matemática é reconhecida como um construto humano que surgiu e se
formou a partir de necessidades e evoluiu/interveio na evolução da sociedade,
sendo desta forma, constituída/constitutiva por/de significados humanos.
O processo de apropriação, pelos alunos, de significações construídas ao
longo da história, do conceito de superfície, foi o foco central deste estudo. Na
busca de possíveis respostas, no processo de investigação de como acontece a
apropriação do conceito matemático de superfície no espaço formal de
aprendizagens, numa perspectiva histórico-cultural, foram estabelecidos objetivos e,
no seu decorrer, sendo atingidos. Apresento, nesta etapa da dissertação, algumas
considerações acerca de questões desenvolvidas no decorrer deste estudo, que aos
olhos desta professora/pesquisadora não são únicas, mas, neste momento,
especialmente relevantes no processo de apropriação de significações dos
conceitos matemáticos por ora apreciados.
Nos episódios apresentados evidencia-se a interação entre alunos e
professora. Na perspectiva histórico-cultural, a interação é um aspecto fundamental
no processo de aprendizagem. Porém, no espaço escolar, as inter-relações
estabelecidas na e pela interação estão repletas de intencionalidades. As
intervenções docentes o deliberadas e explícitas no sentido da apreensão, pelo
aluno, de conhecimentos sistematizados.
No primeiro episódio as ações da professora dirigiram-se no sentido de
encaminhar os alunos a pensar e expor sentidos produzidos relacionados à
supercie da quadra de esportes, na tentativa de levá-los à apropriação da
significação de superfície com um maior nível de generalização. Suas intervenções
se estabelecem por questionamentos e instigações, em várias oportunidades chama
os alunos à participação, objetivando uma efetiva interação, o que evidencia um
trabalho interativo a partir de uma relação pedagógica dialógica.
Este tipo de relação pedagógica também configura os demais episódios, os
quais são marcados pela interação entre alunos e professora, tanto na
operacionalização das atividades em pequenos grupos, como também na
coletividade das múltiplas vozes no transcorrer da socialização das mesmas, onde
os alunos defendem e justificam procedimentos e respostas encontradas e a
professora intervém no propósito de encaminhá-los à apropriação de significações
125
de conceitos matemáticos com maiores níveis de generalização. Em diferentes
enunciados, as palavras aparecem encadeadas, se dão num movimento dialético de
compreensão e expressão, como afirma Bakhtin (2004), revelam-se em perspectiva
múltipla e interindividual.
Neste contexto, o qual favorece trocas, negociações e discussões, percebe-
se que as intervenções dos diferentes sujeitos presentes na sala de aula se
estabelecem pela assimetria entre eles e estão articuladas de tal forma que se
complementam, não são fatos isolados. O que leva a entender as interações do
contexto escolar e as intervenções docentes como fatores essenciais e
determinantes no processo de apreensão de saberes. Trata-se de fatores
instaurados pelo diálogo, que como diz Vigotski (2001), permeiam todos os
processos de aprendizagem.
Assim, na sala de aula a intervenção pedagógica é intencional e possui a
tarefa explícita de promover e/ou consolidar processos de ensino e aprendizagem
.
E
o professor tem o papel explícito de intermediar e provocar nos alunos avanços que
não ocorreriam espontaneamente, de interferir nas ações de ensino e aprendizagem
para a constituição de zonas de desenvolvimento proximal dos alunos. Desta forma,
as ações didático-pedagógicas do professor na sala de aula possibilitam e
“controlam” as diferentes inter-relações entre alunos, professor e objeto de saber, ou
seja, o próprio processo de ensinar e aprender matemática.
De acordo com princípios da abordagem histórico-cultural, a escola, como
instituição formal de apreensão de saberes, através da educação sistematizada e
organizada, tem o papel fundamental de proporcionar ao aluno a apropriação das
significações historicamente produzidas, o que está relacionado a processos de
elaboração conceitual.
A apropriação de significações de conceitos matemáticos no contexto
escolar acontece em duas esferas. Primeiro no social (intermental) e, em segunda
instância, no individual (intramental), que é próprio, é singular em cada indivíduo em
função da consciência individual, neste caso, em cada aluno. Para tanto se faz
necessário um processo de internalização, o qual é mediado e constituído por
instrumentos histórico-culturais, em especial a linguagem. A elaboração conceitual
no espaço escolar está relacionada à evolução do pensamento conceitual do aluno e
a duas categorias de conceitos, os científicos e os cotidianos. No decorrer dos
126
episódios apresentados, estas duas categorias estão, especialmente, marcadas e
diferenciadas pelas relações conceituais estabelecidas.
Os conceitos científicos estão inseridos e são constitutivos de sistemas
conceituais, cuja elaboração demanda a utilização de operações lógicas complexas
de transição de uma generalização para outra. São, como afirmado anteriormente,
as relações de generalidade que possibilitam à criança uma efetiva elaboração
conceitual e a evolução nos níveis desta conceituação. No decorrer das análises dos
episódios percebe-se, seguramente, que na medida em que se estabelecem
relações de generalidade, amplia-se a independência do conceito, possibilitando a
operação voluntária e consciente deste. Desta forma, o estabelecimento, pelo aluno,
de relações conceituais, proporciona a constituição de sistemas, condição básica
para o processo de elaboração conceitual.
A presente investigação possibilitou a compreensão de que, no movimento
da interlocução, pela articulação e pelo confronto de múltiplas vozes em condição de
efetiva interação, no processo de elaboração conceitual, novos níveis de
generalização/sistematização são alcançados pelos alunos. Como também de que
negociação e apropriação de significados são objetivados na e pela linguagem, seja
materna ou matemática.
Pelas interações sociais, nas ações partilhadas, mediadas pela linguagem, o
indivíduo apropria-se das significações construídas em uma cultura e se modifica,
simultaneamente. A linguagem, de acordo com pressupostos histórico-culturais, é o
meio pelo qual, dialogicamente, ocorre a constituição e a existência do pensamento.
Para Vigotski, a produção de significados ocorre na unidade dos processos da
linguagem e do pensamento, pois entende que pensamento e linguagem
constituem-se mutuamente. Nesse sentido, a linguagem matemática possibilita aos
alunos extrapolar o próprio campo da matemática, elaborando uma forma particular
de pensar reconstituindo o pensamento e desenvolvendo assim, suas
potencialidades. Desta forma, língua materna e linguagem matemática são
ferramentas básicas na apreensão do saber, são meios pelos quais se estabelecem
processos de abstração/análise e de generalização/síntese condições para ocorrer
processos de aprendizagem de matemática no contexto escolar.
Na perspectiva abordada, o processo de apropriação de significações de
conceitos matemáticos constitui o fazer matemática no contexto escolar e, assim, o
próprio ato de aprender e ensinar matemática está implicado nas interações entre os
127
diferentes sujeitos que compõem a sala de aula e as relações destes com os objetos
matemáticos em questão.
O saber matemático, para os educandos, a partir desta abordagem, deixa de
ser estático, auto-suficiente, fechado em si mesmo, e passa a ter, efetivamente, um
novo enfoque e uma nova dimensão. Esta nova dimensão oportuniza a adoção de
métodos de aprendizado interativos que poderão possibilitar que a matemática
ensinada e aprendida na sala de aula saia do enclausuramento em que se encontra
e, acerque-se do raciocínio que investiga, que descobre, que reúne, que relaciona,
que faz articulações e que, assim, na produção e negociação de sentidos,
oportuniza aos alunos o estabelecimento de relações conceituais, conduzindo-os à
evolução nos níveis de significação dos conceitos matemáticos.
Ensinar e aprender matemática passa a ser entendido como um complexo
processo, o qual, na medida em que se faz atento à evolução das significações
conceituais, que se estabelece na e pela interação permeada pelo diálogo e
negociações intermediadas pela ação do professor, possibilita ao educando a
apropriação consciente e responsável de significados dos saberes matemáticos.
Oportuniza a compreensão da razão de ser do “conteúdo”, a fundamentação de sua
abstração, como também, a percepção como integrante e responsável pela
apropriação do saber, co-autor do seu conhecimento.
Essa postura requer, por parte do professor, um atento olhar sobre a
significação dos conceitos matemáticos na sala de aula, no acontecer das aulas,
pois é necessário que o professor compreenda como o aluno se apropria das
significações dos conceitos matemáticos, como ele estrutura seu conhecimento e
como interage com estas significações. A partir destas reflexões, possibilidades
de ocorrerem ações que sejam mais significativas na sala de aula e que
efetivamente oportunizem aos alunos a apreensão de saberes matemáticos.
Olhar os dados empíricos da pesquisa, fundamentando-os em princípios da
abordagem histórico-cultural desenvolvida por Vigotski e seus seguidores,
entrelaçados a idéias e conceitos apresentados por Caraça, é estar imerso em
inúmeras possibilidades de (re)significação de experiências e de concepções, em
especial dos significados produzidos sobre a escola, a sala de aula, a docência e
assim, do próprio processo de ensinar e aprender matemática.
Finalizo observando que a presente investigação aponta uma série de
perspectivas. Entre elas, o desafio e a responsabilidade de atuar nas escolas, agora
128
fundamentada por uma abordagem teórica que possibilita a compreensão do aluno
como sujeito interativo no processo de apreensão de saberes matemáticos, a sala
de aula como um fórum permanente e sistemático de negociação de sentidos e
apreensão de significados, e o professor como “elemento” essencial e determinante
no processo de aprender e ensinar matemática, na medida em que atuar como
intermediador entre o aluno e o objeto de saber. Os aspectos teóricos e
metodológicos da pesquisa também indicam perspectivas de novas investigações, o
que nos induz a prosseguir na jornada de professora/pesquisadora...
129
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133
ANEXOS
134
“MATERIAL DO ENVELOPE”
Um inteiro
@
@@
@
135
TERMO DE AUTORIZAÇÃO
Eu,______________________________________________________________,
RG _______________________, diretor da Escola ____ _________________________
__________________________________________________________, no direito das
minhas atribuições, autorizo a professora Isabel Koltermann Battisti, , RG N° 1018457406,
aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijuí, a produzir dados empíricos, a partir de
suas aulas de matemática desta instituição de ensino, para o trabalho de pesquisa, cujo
objetivo é investigar o processo de ensino aprendizagem de conceitos matemáticos, e
possam ser usados integral ou parcialmente na elaboração da dissertação de mestrado da
referida aluna, sob orientação da professora Dra. Catia Maria Nehring.
Declaro, ainda, conceder à pesquisadora o direito de dispor dos mesmos
dados para outras pesquisas que possa vir a realizar posteriormente. Estou ciente, também,
de que a identidade de cada aluno será preservada. Igualmente, declaro estar ciente de que
a participação dos alunos na pesquisa tem caráter voluntário, reservando-lhes o direito de
participar ou não, sem por isso ficar sujeito a prejuízo de qualquer natureza.
E por ser verdade, firmamos o presente.
Ijuí, ________ de_______________ de 2006.
_________________________________________
Diretor da Escola __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
_________________________________________
Isabel Koltermann Battisti
136
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO
Eu,_______________________________________________________________
_________, RG _______________________, Pai ou Re sponsável por
_________________ ________________________, declaro meu consentimento para que o
conteúdo das filmagens das aulas de matemática/2005, ministradas pela professora
Isabel Koltermann Battisti, , RG 1018457406, aluna do Programa de Pós -Graduação
em Educação nas Ciências da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
Unijuí, sirva de dados para o trabalho de pesquisa, cujo objetivo é investigar o processo de
ensino aprendizagem de conceitos matemáticos, e possa ser usado integral ou parcialmente
na elaboração da dissertação de mestrado da referida aluna, sob orientação da professora
Dra. Catia Maria Nehring.
Declaro, ainda, conceder à pesquisadora o direito de dispor dos mesmos
dados para outras pesquisas que possa vir a realizar posteriormente. Estou ciente, também,
de que a identidade do aluno será preservada. Igualmente, declaro estar ciente de que a
participação do aluno na pesquisa tem caráter voluntário, reservando-me o direito de desistir
a qualquer momento, sem por isso ficar sujeito a prejuízo de qualquer natureza.
E por ser verdade, firmamos o presente.
Ijuí, ________ de_______________ de 2006.
_________________________________________
Pai ou Responsável
_________________________________________
Isabel Koltermann Battisti
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