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LEIZA LUZIA OLCZEVSKI
ADOLESCENTES QUE PERDERAM A LIBERDADE: A ESCOLA E AS DROGAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
nas Ciências do Departamento de Pedagogia
da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obtenção do tulo de Mestre em
Educação nas Ciências.
Orientadora: Profª. Drª. Helena Copetti Callai
Ijuí
2007
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LEIZA LUZIA OLCZEVSKI
ADOLESCENTES QUE PERDERAM A LIBERDADE: A ESCOLA E AS DROGAS
Ijuí
2007
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AGRADECIMENTO
A todos que, de uma forma ou outra, contribuíram para minha caminhada, em
especial, à minha orientadora e aos membros da banca.
Pela educação, os indivíduos se constituem socialmente, pois, ao saírem de
seus lugares individuais e privados, encontrando-se com os outros, constroem
lugares coletivos, a partir dos quais se qualificam para a vida como seres humanos.
Humanizam-se pela educação à capacidade do diálogo nas diferenças, à
solidariedade e à cooperação. Os seres humanos se constroem pela educação, um
fenômeno social, eminentemente humano, em cujo processo a escola ocupa (ou
deveria ocupar) um lugar privilegiado e função central como caminho de construção
da liberdade.
Pela drogadição, os indivíduos se destroem, isto é, destroem a possibilidade
de sua educação, pois se tornam reféns de um “poder externo” que não os deixa sair
de si mesmos, de sua situação de prisioneiros da dependência química, para uma
relação dialógica de construção de um “poder interno”, isto é, de atores sociais
livres. A drogadição constitui um processo social exterior e dominador que submete
e serviliza a individualidade, negando-lhe a liberdade.
(Prof. Dr. Walter Frantz)
1
1
Parte da contribuição do professor em seu parecer, após a Banca de Defesa Final deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de campo realizado junto
a adolescentes em conflito com a lei, atendidos pelo CASE (Centro de Atendimento
Sócio-Educativo) de Santo Ângelo, e aos responsáveis por instituições de ensino
público municipal e estadual da mesma cidade. O eixo central da investigação busca
correlações entre o uso de substâncias psicoativas e a evasão escolar, bem como o
uso de estratégias de prevenção ao consumo de drogas operadas naquele contexto.
Tomando como referência os dados resultantes de um levantamento desenvolvido
junto aos adolescentes em conflito com a lei os quais permitiram a identificação
das escolas de origem, situadas no município de Santo Ângelo, concluiu-se que, em
face à complexidade das temáticas inseridas no presente estudo, a prevenção
realizada nos estabelecimentos de ensino consultados carece de um potencial de
efetiva influência sobre aquela população e merece ser revista, a partir de um
enfoque multidisciplinar (que envolva a comunidade escolar como um todo), de
forma a contribuir para a minoração da evasão escolar e do apelo a drogas.
Palavras-chave: drogadição, evasão escolar, adolescentes em conflito com a lei,
prevenção às drogas na escola.
ABSTRACT
This research presents the results of a study carried out with teenagers who
are in conflict with the law and who are assisted by CASE (Socio-Educational
Assistance Center) from Santo Ângelo, and with the individuals who are responsible
for public schools in the same city. The main focus of investigation seeks out for
correlations between the use of psychoactive substances and the nonattendance to
school, as well as the use of preventive strategies to the consumption of drugs in that
context. Taking as reference the figures resulting from a survey carried out with
teenagers in conflict with the law which allowed the identification of the schools
they attended, all of them situated in Santo Ângelo – it was possible to conclude that,
because of the complexity of the matters introduced in the present study, the
preventive actions carried out in those schools lack the potential for an effective
influence on that population and need to be reviewed, from a multidisciplinary point of
view (that involve the school community as a whole), in a way to contribute to the
decrease of nonattendance to school and to the appeal to drugs.
Key words: drug addiction, school nonattendance, teenagers in conflict with the law,
drug prevention in schools.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................
10
1 DROGAS, ADOLESCÊNCIA E EDUCAÇÃO.................................................. 15
1.1 Um enfoque multidisciplinar sobre a drogadição na sociedade
contemporânea.................................................................................................
16
1.2 A adolescência e a vulnerabilidade às drogas............................................
23
1.3 O ensino brasileiro e a preocupação com a prevenção às drogas.............
31
2 CONSUMO DE DROGAS, ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E
EVAO ESCOLAR...........................................................................................
39
2.1 Evolução histórica das políticas públicas de atendimento ao
adolescente em conflito com a lei..................................................................
40
2.2 PEMSEIS, CASEs e o modelo gaúcho de execução de medidas sócio-
educativas dirigidas ao adolescente em conflito com a lei.............................
47
2.3 Consumo de drogas e evasão escolar entre adolescentes em conflito
com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo..........................................
54
2.3.1 Identificação.....................................................................................
55
2.3.2 Histórico familiar..............................................................................
64
2.3.3 Histórico de vinculação ao CASE....................................................
69
2.3.4 A drogadição e a evasão escolar.....................................................
76
3 DROGADIÇÃO E EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO PÚBLICO DO
MUNICÍPIO DE SANTO ÂNGELO (RS) ............................................................
84
3.1 Prevenção às substâncias psicoativas na escola, sob a ótica dos
adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo..
85
3.2 Níveis de prevenção ao consumo de drogas: posições da comunidade
escolar............................................................................................................
88
3.3 Desafios da implementação de um programa eficaz de prevenção às
drogas na rede pública de ensino..................................................................
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................
120
REFERÊNCIAS...................................................................................................
123
APÊNDICES........................................................................................................
128
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Cidades de origem dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no
CASE de Santo Ângelo..............................................................................................58
Quadro 2Escolarização dos adolescentes em conflito com a lei, quando ingressos
no CASE de Santo Ângelo.........................................................................................59
Quadro 3 Última instituição de ensino por onde passaram os adolescentes em
conflito com a lei ingressos no CASE e oriundos de Santo Ângelo...........................62
Quadro 4 Grupo de convívio dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no
CASE de Santo Ângelo..............................................................................................64
Quadro 5 Uso de substâncias psicoativas (lícitas) por familiares dos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.......................................68
Quadro 6 Uso de substâncias psicoativas (ilícitas) por familiares dos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.......................................68
Quadro 7 Instituições de atendimento inclusas na trajetória dos adolescentes em
conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.............................................74
Quadro 8 Substâncias psicoativas (lícitas) consumidas pelos adolescentes em
conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.............................................76
Quadro 9 Substâncias psicoativas (ilícitas) consumidas pelos adolescentes em
conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.............................................77
Quadro 10 Local / situação do primeiro contato com substâncias psicoativas, de
acordo com os adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo
Ângelo........................................................................................................................79
Quadro 11 Padrão de envolvimento referente ao primeiro contato com substâncias
psicoativas, de acordo com adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE
de Santo Ângelo.........................................................................................................79
Quadro 12 Modalidades de prevenção às substâncias psicoativas relatadas pelos
adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.................83
9
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Faixa etária dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE
de Santo Ângelo.........................................................................................................57
Gráfico 2 Cidade de origem dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no
CASE de Santo Ângelo..............................................................................................58
Gráfico 3 Situação estudantil dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no
CASE de Santo Ângelo..............................................................................................60
Gráfico 4 Perfil do grupo de convívio dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo.........................................................................64
Gráfico 5 Indicadores do consumo de drogas entre os familiares dos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.......................................67
Gráfico 6 – Modalidade de internação dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo.........................................................................70
Gráfico 7 Tipos de delitos cometidos pelos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo.........................................................................72
Gráfico 8 Nível de reincidência dos adolescentes em conflito com a lei ingressos
no CASE de Santo Ângelo.........................................................................................73
Gráfico 9 – Trajetória de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo.........................................................................74
Gráfico 10 Indicadores do consumo de drogas entre os adolescentes em conflito
com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo.........................................................76
Gráfico 11 Acessos a atividades de prevenção às substâncias psicoativas
relatados pelos adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo
Ângelo........................................................................................................................81
10
INTRODUÇÃO
o desejo inquieto, que não passa, faz o
encanto da coisa desejada ...e terminamos
desdenhando a caça pela doida aventura da
caçada.
(Quintana)
2
O presente trabalho foi desenvolvido a partir de um recorte temático que
procura aproximar enfoques que integram recentes produções acadêmicas, no
sentido de que características detectáveis no cotidiano de adolescentes em conflito
com a lei o alarmantes. Em especial, no que tange à formação educacional e à
influência da drogadição presentes naquele contexto. Isso se relaciona, em parte, ao
abandono (evasão) da escola.
O tema da pesquisa surgiu a partir do trabalho que exerço como assistente
social desde dezembro de 1999 na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo -
FASE antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM, fundada em
1969
3
. Minha atuação no Centro de Atendimento Sócio Educativo Regional CASE
de Santo Ângelo, como assistente social, se através de atendimentos individuais
e grupais, visitas domiciliares, interpretação e diagnóstico das necessidades e
2
Parte da contribuição da Prof.ª Dr.ª Cristina Kologeski Fraga, em seu parecer, após a Banca de
Defesa Final desse trabalho.
3
A Fundação é composta por várias Unidades de atendimento localizadas em várias cidades de todo
o Estado, sendo que o Centro de Atendimento Sócio-Educativo Regional de Santo Ângelo - CASE é
uma das Unidades da Fundação, a qual atende adolescentes oriundos de 87 municípios que fazem
parte da Comarca Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo. O Serviço Social na FASE é
reconhecido pela intervenção junto ao adolescente e sua família.
11
potencialidades do adolescente e grupo familiar, articulação com a rede de políticas
sociais e sistematização de avaliações dos adolescentes em um contexto
interdisciplinar.
As características do trabalho realizado na FASE e as várias contradições
existentes nesse processo possibilitam dizer que o assistente social nessa
instituição total é também um educador social. Nesse contexto, percebo que minha
atividade vai além do simples atendimento das demandas que se colocam, pois
requer envolvimento reflexivo e afetivo, o que não exclui a razão.
Por compreender que a cidadania se dá por meio de qualquer iniciativa
educativa, e que sem cidadania não inclusão social, fui motivada a seguir uma
linha de pesquisa dentro da área da educação.
A fim de evitar ser totalmente absorvida por uma demanda diária que é
dinâmica, emergencial, intensa e que facilmente nos enreda em tarefas repetitivas,
cujo contexto possibilita muito pouca ou nenhuma reflexão, em 16/01/2001, iniciei
um levantamento de dados com todos os adolescentes internados no CASE,
comparando com os que chegaram até o dia 18/02/2002.
O adolescente é aqui compreendido conforme o Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA, ou seja, pessoa entre 12 e 18 anos de idade ou, nos casos
expressos em lei, pessoa entre 18 anos e 21 anos de idade.
Os dados foram tabulados somente no ano de 2003, pois o foi possível
fazê-lo ao final das entrevistas. Além das entrevistas, foi realizada pesquisa
documental para obter informações mais precisas. É importante elucidar que tal
levantamento de dados teve por finalidade principal a verificação sobre a realidade
social dos adolescentes que chegaram ao sistema de privação de liberdade.
Também, que o mais surpreendente no resultado final do referido
levantamento foi a constatação de que a grande maioria dos adolescentes são
12
usuários de substâncias psicoativas SPA
4
, sendo que destes, um número
expressivo evadiu do sistema escolar ainda nas séries iniciais.
Por conta dos resultados da pesquisa tabulada em 2003, ficou evidenciada a
prática do Estado frente às questões sociais, qual seja, a penalização da pobreza.
Aliando as inquietações sentidas no dia-a-dia do meu trabalho como assistente
social no CASE e na busca de entender esta realidade, no ano de 2002, iniciei o
curso de Pós-Graduação “Educação, Cultura e Cidadania”, oferecido pela UNIJUÍ
5
.
A partir daí, diante da constatação de que na Escola localizada dentro do
CASE não havia um programa efetivo de prevenção ao uso de drogas, fui instigada
a trabalhar com um novo problema. No contexto de um segundo curso de Pós-
Graduação na área da educação, dediquei-me a trabalhar com a questão: “Como se
a prevenção ao uso de drogas nas escolas públicas por onde passaram os
adolescentes antes de ingressar no CASE de Santo Ângelo?”.
A necessidade de aprofundar o estudo desta questão deu-se a partir da
escuta das falas dos adolescentes que referiam, muitas vezes, experiências de
exclusão do sistema escolar concomitante ao envolvimento com substâncias
psicoativas. Daí surgiu a necessidade de estudar as escolas, que no meu entender,
devem ter o compromisso de fortalecer a cidadania.
A percepção da importância de refletir sobre esse assunto surgiu, portanto, a
partir do meu trabalho cotidiano, no qual, a materialização do tema se constituiu por
observações e interpretações das necessidades e potencialidades dos
adolescentes.
4
Substâncias Psicoativas: grupo de substâncias que atuam preferencialmente no cérebro, alterando
o seu funcionamento. Têm o potencial para causar tolerância e dependência.
Droga: na definição farmacológica, é qualquer substância capaz de produzir uma modificação no
funcionamento do organismo.
As duas expressões, no decorrer do texto, serão tomadas como sinônimo.
5
Na monografia do referido curso trabalhei o seguinte tema: “A Prevenção ao uso de drogas na vida
de Adolescentes que cumprem Medida Sócio-Educativa de Privação de Liberdade: interrogando uma
experiência”. Neste trabalho foram analisados gráficos e tabelas que tinham relação com uso de
drogas e escolaridade dos adolescentes, que estavam incluídos no referido levantamento de dados.
13
Corroboraram essa percepção, também, leituras de Aquino, psicólogo,
mestre e doutor em psicologia escolar, professor da Faculdade de Educação da
USP e autor de vários livros relacionados à educação, leituras de Bucher,
psicanalista de origem suíça, doutor em psicologia, professor do departamento de
psicologia clínica da Universidade de Brasília entre outras especialidades, bem
como, leituras de outros autores que tratam da temática em questão.
Assim, busquei elementos para realizar a análise dos dados empiricamente
levantados e para compreender o que presenciava no dia-a-dia.
O primeiro passo foi começar uma nova pesquisa com os adolescentes
internos no CASE, que iniciou em 24/04/06, com 59 adolescentes internados. A
pesquisa finalizou após um mês, em 24/05/06.
A partir desse primeiro levantamento, decidi realizar uma outra pesquisa
com a equipe diretiva (diretores, vice-diretores, supervisores e orientadores
educacionais) das escolas elencadas pelos adolescentes oriundos do município de
Santo Ângelo.
Uma das escolas mencionadas pelos adolescentes, a Escola Aberta,
pertencente ao Centro de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes -
CEDEDICA, não foi incluída na análise proposta por não ser uma escola de ensino
regular. Assim, foram analisadas 6 escolas: 5 estaduais e 1 municipal.
Foram entrevistados, também, representantes da 1 Coordenadoria
Regional da Educação e da Secretaria Municipal de Educação do município de
Santo Ângelo, a fim de verificar como se dá a política de atendimento de prevenção
ao uso de drogas a partir dessas instâncias.
Quanto à estruturação do trabalho, optei, primeiramente, por apresentar a
discussão teórica dos principais conceitos inerentes à temática, numa tentativa de
caracterizar o atual entendimento multidisciplinar da questão da drogadição e sua
influência sobre a sociedade e, especialmente, sobre os adolescentes.
14
Ainda no primeiro capítulo, trago uma análise do papel da escola como
espaço de convergência das dinâmicas enfocadas, especificamente no que tange à
possibilidade de prevenção ao consumo das substâncias psicoativas.
No segundo capítulo, após a descrição de um breve histórico sobre a
evolução das políticas públicas de atendimento aos adolescentes em conflito com a
lei, no mundo e no Brasil, é apresentado o Programa de Execução de Medidas
Sócio-Educativas de Internação e de Semiliberdade do Rio Grande do Sul -
PEMSEIS. Trata-se de uma proposta gaúcha voltada àquela problemática social, na
qual se inclui o trabalho dos CASEs.
Ainda no segundo capitulo, são apresentados os resultados dos
levantamentos estatísticos realizados com os internos, procedimentos que
contribuíram para a real verificação da influência da drogadição sobre os elevados
índices de evasão escolar entre os membros daquele grupo.
O terceiro e último capítulo, por sua vez, através de entrevistas estruturadas,
realizadas com a direção dos estabelecimentos de ensino citados pelos
adolescentes consultados, concentra os esforços da pesquisa destinados a levantar
o quanto as escolas municipais e estaduais do município de Santo Ângelo estão
preparadas para lidar com a prevenção ao consumo de substâncias psicoativas
entre sua clientela, bem como, de que maneira procedem diante da situação descrita
nos capítulos anteriores.
A consulta às instâncias superiores do ensino naquele recorte geográfico
(Coordenadoria Regional de Educação, Secretaria Municipal de Educação), por
outro lado, permite a análise do “discurso da prevenção” que permeia toda a
dissertação ora apresentada.
Sendo assim, coaduna com minha vivência pessoal, quando debato os
desafios da implementação e da importância da valorização da vida e da família
como contraponto à drogadição. Ou seja, busco resgatar valores através de
programa comum aos ensinos estadual e municipal, focalizado no contexto
investigado.
15
1 DROGAS, ADOLESCÊNCIA E EDUCAÇÃO
[...] os direitos não dizem respeito apenas às
garantias inscritas na lei e instituições. [...] os
direitos dizem respeito antes de mais nada ao
modo como as relações sociais se estruturam
[...] os direitos constroem, portanto, vínculos
propriamente civis entre indivíduos, grupos e
classes (DAGNINO, 1994).
Com vistas à aproximação entre o universo de pesquisa abrangido pelo
trabalho ora apresentado e a recente produção acadêmica sobre a temática aqui
abordada, o presente capítulo se configura como uma revisão da literatura referente
ao olhar de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento em relação à
influência das drogas na sociedade contemporânea, em especial no que tange ao
seu impacto entre os adolescentes – grupo-alvo do estudo de campo explicitado nos
capítulos 2 e 3.
As referências selecionadas procuram estabelecer uma base de
entendimento sobre a questão da drogadição, de forma a superar o discurso
corrente em diversos segmentos e ressaltado, via de regra, nas ações concretas de
prevenção às drogas que, em muitos casos, ainda abordam essa problemática
com um forte maniqueísmo, seja em relação aos que a fomentam, seja quanto à
caracterização dos usuários.
Nesse sentido, a formulação abaixo empreendida reflete, em larga escala, a
percepção da complexidade do assunto, constatada através de minha prática
profissional na FASE, instituição que atende a adolescentes em conflito com a lei.
Essa prática profissional assegura a proximidade necessária ao
discernimento fundamental de que, mais do que uma batalha entre indivíduos bons e
maus, a drogadição, tal como relatada na literatura consultada, se traduz em um
sintoma de cada período histórico, associado a um conjunto de causas que
ultrapassam, na maioria das vezes, os critérios individuais de escolha entre uma
postura de ilicitude ou de adequação às normas sociais.
16
1.1 Um enfoque multidisciplinar sobre a drogadição na sociedade
contemporânea
Tomando como referência a ressaltada idéia de “desmistificação” das
causas inerentes à drogadição no mundo atual, inicio a presente discussão que se
propõe multidisciplinar, ou seja, o centrada apenas no caráter relacionado aos
efeitos dessa problemática em termos de saúde pública, que é relevante. Em outras
palavras, a saúde pública é o principal enfoque associado ao tema, mas ela precisa
estar aberta a outras visões sobre o assunto.
Para isso, tomo como ponto de partida a análise do conteúdo de matéria
publicada na revista Superinteressante
6
que aborda a questão das drogas dentro da
seguinte perspectiva:
milênios o homem conhece plantas como a iboga, uma droga vegetal. O
historiador grego Heródoto anotou, em 450 a.C., que a Cannabis sativa,
planta da maconha, era queimada em saunas para dar barato em
freqüentadores. [...] No fim do século 19, muitos desses produtos viraram,
em laboratórios, drogas sintetizadas. Foram estudadas por cientistas e
médicos, como Sigmund Freud (LOPES, 2006, p. 65).
Ainda na abordagem da revista, as proibições ao uso de entorpecentes
globais surgiram apenas no século XX. Remontam a 1948, nos EUA e, mais tarde,
em 1961, em 100 países, incluindo o Brasil. Isso ocorreu após convenção da ONU, o
que demonstra a relevância do tema.
Segundo esse veículo midiático, um levantamento feito em 2005 aponta que
“há cerca de 340 milhões de usuários de drogas no planeta” e que estes usuários
“movimentam um mercado de 1,5 trilhão de dólares” (LOPES, ibidem).
O artigo inclui, ainda, uma espécie de “guia das drogas”, isto é, um conjunto
de quadros dedicados à descrição do histórico e particularidades das substâncias
psicoativas mais freqüentes entre os usuários brasileiros. É válido referir que a
publicação se resguarda, em sua explanação, de determinar um “julgamento moral”
6
Revista de grande circulação no Brasil, com 18 anos de história. São mais de 214 edições mensais
e 76 edições especiais, totalizando cerca de 24 mil páginas com mais de 10 mil reportagens e mais
de 700 infográficos. Trata-se de periódico com grande potencial de penetração entre o público jovem
(Disponível em <http://www.zeroum.com.br/site/3clientes.php?case=abril>. Acesso em mai. 2007).
17
sobre a questão, limitando-se a informar – e isso se ressalta no trecho supracitado –
no que diz respeito às estratégias de criminalização tornadas efetivas, ao redor do
mundo, durante o século XX.
Incorporando elementos próprios da linguagem dos usuários que
descrevem a experiência do consumo como um “barato” –, além de promover a
atualização acerca do “mercado” mundial das substâncias psicoativas, a referida
matéria parece refletir, em justa medida, a abordagem popular da temática, a qual,
traduzida em outros termos, tem estreitado os limites de tolerância entre aquilo que
se convencionou chamar de drogas lícitas representadas, especialmente, pelo
tabaco e o álcool – e as ilícitas (da maconha à heroína, entre outras).
Uma visão como a aqui identificada, disponível a uma grande parcela da
população em qualquer banca de revistas, surge como um sintoma do atual
momento histórico, no qual as “liberdades individuais”, tomadas como sinônimo de
emancipação pessoal e de afirmação da personalidade, se confundem com a
possibilidade de acesso às mais variadas experiências, entre as quais aquelas
relacionadas à droga e seus efeitos.
Tal como exposto por Bucher (1988), no entanto, para além das “facilidades”
de expressão pessoal características da contemporaneidade – as quais conferem ao
indivíduo a autonomia sobre seu corpo, suas escolhas e, por que não afirmar, os
riscos envolvidos nesta condição –, há que se adicionar à discussão recente sobre a
drogadição no mundo ocidental a compreensão quanto a outras motivações, que
remontam aos primórdios da civilização e definem, em maior ou menor grau, o
potencial de permeabilidade de cada um às drogas. Para aquele autor,
numa visão antropológica, podemos falar de três sentidos básicos que
adquiriu o consumo de drogas. Nos dois primeiros sentidos, em que a droga
nos permite fugir à nossa transitoriedade e à angústia que esta nos traz,
bem como nos permite entrar em contato com forças divinas e espirituais,
percebemos que as substâncias entorpecentes nada mais são do que um
meio do qual lançamos mão, na tentativa de preencher uma “falta” e alargar
nossos limites existenciais. A angústia sentida pelo homem diante da
questão da morte e as experiências religiosas e sobretudo místicas com
drogas nos documentam estes dois sentidos (BUCHER, 1988, p. 4-5).
18
Bucher acrescenta, ainda, que recorrer às drogas possibilita um terceiro
sentido: a busca do prazer. O autor ressalta que, “obviamente”, isso é predominante
na toxicomania moderna, ocasionando um prazer solitário que leva a compulsões,
como declara a seguir:
com uma particular violência, o desejo da obtenção imediata de um prazer
intenso está presente, sendo este último solitário, muito mais restrito ao
próprio corpo, sem expressões culturais, cujos investimentos outros acabam
se tornando limitados, quando não inexistentes. A procura de prazer no
consumo moderno se impõe como um fim em si, evidenciando não mais um
caráter social construtivo, pois já não é o caso apenas de uma recusa
social, mas muito mais de um sentir-se incapaz de se situar tanto a nível
individual quanto social (BUCHER, 1988, p. 4-5).
Podemos depreender da contribuição do autor que a problemática da
drogadição se manifesta, hodiernamente, em termos individuais.
Esta individualidade, entretanto, advém de um processo sócio-cultural que,
por sua vez, abre espaço para visualizarmos sua importância, em um mundo
dominado pela ética do consumo, de valores centrados em um ideal de estatuto
social junto à coletividade e na luta pela individualização. Ou seja, a ética da
liberdade a qualquer preço, mesmo que isso comprometa a saúde e o bem-estar dos
cidadãos.
Gikovate (1992), ao analisar a ética bucheriana e sua emergência
histórica no âmbito do consumo de substâncias psicoativas, evidencia que tais
ocorrências se dão a partir da assunção do modelo econômico capitalista,
especialmente no início do século XX.
Esse modelo, segundo ele, é afetado por transformações tecnológicas como
a oferta de produtos em larga escala e o desenvolvimento dos meios de
comunicação, oferecendo um terreno fértil à exploração da drogadição. Desse
modo, uma droga lícita é vista como um “produto de mercado”, estimulado pela
publicidade e a propaganda, e tornado válido, culturalmente, como referência de
poder e penetração social.
19
Apesar de o autor supracitado se referir, em sua obra, à valorização social
das “drogas lícitas”, não podemos deixar de perceber que, em contrapartida, os
mesmos caminhos trilhados para sua exploração, permitem a maior circulação das
substâncias psicoativas. Por conseguinte, drogas lícitas são portais de entrada
àquelas criminalizadas por governos e organizações voltadas à prevenção da saúde
pública. Como ele bem descreve:
Foi principalmente neste século que se observaram algumas das mudanças
mais importantes em relação às drogas. Elas foram se transformando em
símbolos de status, de coisa superior, própria de gente superior. A bem da
verdade esse processo existia nos séculos anteriores no que diz respeito
ao álcool e também ao tabaco. Vinhos especiais, licores caros, conhaques
envelhecidos faziam parte das adegas dos nobres e dos mais ricos entre os
plebeus. Charutos especiais, enrolados à mão, eram privilégio de poucos; o
mesmo valia para os fumos dos cachimbos e para os próprios cachimbos
(GIKOVATE, 1992, p. 8-9).
Diante da referência citada, podemos considerar ao longo do último século a
mutação dos valores defendidos pela sociedade, tornando relevante a percepção de
que, tão recente quanto o combate às substâncias psicoativas, em especial as que
integram o conjunto das “drogas ilícitas”, é a compreensão de sua ação no
organismo humano.
De fato, o enfoque “médico-institucional” sobre a drogadição é pautado, no
Brasil, por uma tentativa de análise conjuntural do impacto das substâncias
psicoativas sobre os indivíduos e a sociedade.
Essa questão é tratada como prioridade no âmbito das políticas de saúde
pública. Em decorrência disso surge a publicação Normas e procedimentos na
abordagem do abuso de drogas veiculada pelo Ministério da Saúde, através da
Secretaria Nacional de Assistência à Saúde / SNAS, cuja descrição é apresentada a
seguir:
Durante anos, o uso indevido de drogas foi tratado como assunto restrito às
áreas médica e jurídica. Hoje, quando o tema drogas é, indubitavelmente,
um dos mais presentes nos meios de comunicação, sabemos que sua
abordagem deve ser a mais ampla possível, envolvendo todos os
segmentos organizados da sociedade, haja vista ser motivo de preocupação
universal. Infelizmente, a maciça produção de notícias sobre esta temática
nem sempre é acompanhada pela devida sobriedade, nem pelo caráter
científico necessário. Sensacionalismos, afirmações emocionais e ou
20
moralismos duvidosos distorcem os fatos e apresentam um panorama
nebuloso e preconceituoso, o qual não favorece a adequada objetividade no
trato específico do problema (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1991, p. 7).
A descrição impressa nesse manual nomeia as drogas como “psicoativas”
ou “psicotrópicas”, cujas substâncias naturais são sintetizadas para, ao serem
ingeridas, produzirem “alterações no sistema nervoso central do indivíduo e,
conseqüentemente, em seu estado emocional e comportamental” (ibidem).
Apesar da seriedade atribuída à problemática ora discutida, pelo órgão
público o qual evidencia, inclusive, as distorções promovidas pela mídia e procura,
em seus propósitos, estabelecer uma base de amplo entendimento quanto à
influência da drogadição, em seus aspectos individual e coletivo, na sociedade –, as
ações dedicadas à prevenção e ao combate ao uso das substâncias psicoativas, no
Brasil, são criticadas por Bucher (1992).
De acordo com este autor, as ações voltadas à drogadição são marcadas,
eminentemente, por um enfoque repressivo, que contribui para a conseqüente
repressão ao comércio-consumo, impingindo, muito mais ao comércio, um caráter de
ilicitude. Conforme o autor supracitado, tais procedimentos não são capazes de
responder à totalidade dos aspectos concernentes à circulação de substâncias
psicoativas, pois, segundo ele,
privilegiando a repressão em detrimento de outros modos de intervenção,
esquece-se de considerar uma série de fatores que são fundamentais para
um trato pertinente da questão. Esquece-se, por exemplo, que as drogas
ilícitas, alvo das investidas repressivas, não são as drogas mais consumidas
no Brasil, nem as que mais geram dependências; que a presença de drogas
na sociedade não é um artefato criado por traficantes internacionais, mas
que obedece a uma lógica intrínseca (e às vezes perversa) ao próprio
funcionamento dessa sociedade; que a procura por drogas não es ao
alcance de mecanismos de intimidação repressiva; que a presença de
“fatores de risco” na população é uma questão de saúde pública e de
educação (e não de polícia), e que assim deve ser tratada (BUCHER, 1992,
p. 2).
Complementando sua crítica, Bucher (1992) afirma, ainda, que:
o enfoque repressivo atém-se exclusivamente ao produto tóxico,
considerado como único fator responsável pelo alastramento do consumo e
das farmacodependências, como se ele fosse um deus-ex-máquina com
poderes diabólicos para seduzir e cativar seres humanos desprotegidos e
21
inofensivos. A experiência internacional, no entanto, prova que não se torna
toxicômano quem o quiser: o engendramento de drogadições corresponde a
um processo complexo onde intervém, além da substância, o contexto
sociocultural e econômico (com suas pressões e condicionamentos
múltiplos) e a personalidade do usuário (com suas motivações pessoais,
conscientes e inconscientes) (p. 2) [grifo do autor].
Como se pode perceber, a problemática relativa à drogadição se configura,
na atualidade, como um conjunto de fatores que, se analisados isoladamente, ou
apenas a partir de determinadas abordagens (médica, jurídica, etc.), tendem a
permanecer sob representações conceituais. Não raro, esses conceitos expressam
visões contraditórias sobre o mesmo tema.
Outro exemplo desta realidade evidenciada ao longo da corrente seção do
presente estudo se refere à “dependência” das substâncias psicoativas, elemento
intrínseco à drogadição e, também, alvo de questionamentos acadêmicos. Tal como
descrito no “Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais” (DSM-IV-
TR™), reconhecida publicação médica que serve como referência para a
especialidade de Psiquiatria, entre outras, os chamados “transtornos relacionados
com substâncias”, associados à dependência, envolvem:
um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos
indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de
problemas significativos relacionados a ela. Existe um padrão de auto-
administração repetida que geralmente resulta em tolerância, abstinência e
comportamento compulsivo de consumo da droga. Um diagnóstico de
Dependência de Substância pode ser aplicado a qualquer classe de
substâncias, exceto cafeína [...]. Embora não seja especificamente
relacionada como um critério, a “fissura” (um forte impulso subjetivo para
usar a substância) tende a ser experimentada pela maioria dos indivíduos
com Dependência de Substância (se não por todos). (DMS-IV-TR™, 2002,
p. 208).
Pela citação supracitada, podemos afirmar, ainda, que os sintomas de
dependência são similares entre as várias categorias de substâncias. No entanto,
para certas classes, alguns sintomas são menos salientes, nem sempre
manifestando a dependência que é definida como um agrupamento de três ou mais
sintomas, podendo ocorrer em qualquer momento.
Evidentemente, esta abordagem redunda na relativa percepção atrelada
ao entendimento da especialização psiquiátrica de que a atuação à problemática
22
das drogas deva ocorrer a partir de intervenções farmacológicas que envolvam a
administração de outras substâncias capazes de “corrigir” ou “ajustar” o
metabolismo, considerado como um sistema biologicamente estruturado e, por esta
mesma razão, capaz de interferir no comportamento humano.
Em um sentido oposto ao da Psiquiatria, a Psicologia e especificamente a
Psicanálise –, trata a questão do consumo das substâncias psicoativas sob outro
ponto-de-vista. Com uma proposta de intervenção terapêutica calcada na análise do
discurso dos indivíduos, e considerando a cultura como um elemento-chave na
determinação das escolhas particulares, a psicanálise interpreta a problemática da
drogadição como um sintoma do atual modo de vida, que acredita que o indivíduo
possa e adeva viver sem sentir dor, constituindo uma cultura dos “prazeres”. Nas
palavras da psicanalista Maria Rita Kehl (s.d.):
é uma cultura que acredita que é possível viver, e que essa é a boa vida,
uma vida de prazeres. de conquistas, de realizações, de sucessos...
aliás, essa é uma palavra muito usada, não é? [...] Na nossa cultura, que é
uma cultura muito individualista e muito hedonista, é uma cultura dos
prazeres, o sofrimento nos deixa numa solidão absoluta. Cada um
sozinho com o seu sofrimento, e inclusive com vergonha de dizer pro outro
que sofre, porque sofrer é coisa pra otário, quem é esperto não sofre. [...]
Hoje o imperativo é consumo, não é? Você merece, você tem direito... [...] E
mesmo os imperativos de consumo, eles se dirigem a todos, na sociedade,
mas eles são acessíveis, a resposta só é acessível a alguns. Muita gente
fica de fora. (KEHL, s.d., DVD Café Filosófico).
Para a autora, a ausência da dor e o culto ao prazer constituem-se em mais
uma das causas de entrada da droga, pois esta viria substituir “todas as mercadorias
que o cara não pode ter, que todo dia ele vê anunciadas, que ele devia ter” (ibidem).
Tomando por base a notória vulnerabilidade dos adolescentes às
ferramentas de estímulo ao consumo representadas desde o advento do
capitalismo pela publicidade e a propaganda, em especial quando estas se propõem
a tangenciar os valores éticos da sociedade.
A provocação suscitada pela afirmação anteriormente reproduzida serve de
parâmetro para, na próxima seção do presente estudo, estimular o debate acerca da
inserção das substâncias psicoativas no cotidiano daquele grupo, população-alvo do
trabalho de pesquisa ora apresentado.
23
1.2 A adolescência e a vulnerabilidade às drogas
A etapa do desenvolvimento humano denominada adolescência, apesar dos
esforços teóricos empreendidos nas últimas cadas com vistas a uma definição
precisa sobre ela, ainda é alvo de controvérsias entre os pesquisadores que se
dedicam ao estudo do tema.
Isso se deve, em grande parte, aos diversos critérios empregados, pelas
mais variadas disciplinas envolvidas na busca pela caracterização das questões que
incidem, efetivamente, sobre o período de transição entre a infância e a idade
adulta.
Em razão disso, e tal como enfatizado na seção anterior do presente estudo
(dedicada a uma abordagem multidisciplinar sobre o fenômeno da drogadição na
sociedade contemporânea), o tópico corrente introduz a problemática da adesão dos
adolescentes às substâncias psicoativas sob um enfoque psicológico e cultural.
Convém ressaltar a importância de incluir, em seu escopo, a delimitação
biológica comumente associada a essa fase do desenvolvimento, a exemplo da sua
definição legal.
É pertinente a contribuição de Calligaris (2000) quanto ao entendimento das
múltiplas interpretações apresentadas, na literatura, em face à adolescência. De
acordo com o autor:
O começo da adolescência é facilmente observável, por se tratar da
mudança fisiológica produzida pela puberdade. Trata-se, em outras
palavras, de uma transformação substancial do corpo do jovem, que adquire
as funções e os atributos do corpo adulto. Querendo circunscrever a
adolescência no tempo, como idade da vida, chega-se facilmente a um
consenso no que concerne ao seu começo. Ele é decidido pela puberdade,
ou seja, pelo amadurecimento dos órgãos sexuais. Alguns dirão que a
adolescência propriamente dita começa um ou dois anos depois da
puberdade, pois esse seria o tempo necessário para que, de alguma forma,
o estorvo fisiológico se transformasse numa espécie de identidade
adolescente consolidada. Outros dirão, ao contrário, que a adolescência
começa antes da puberdade, pois esta é antecipada pela adoção precoce
24
de comportamentos e estilos de adolescentes mais velhos. Seja como for, a
puberdade ano a mais, ano a menos é a marca que permite calcular o
começo da adolescência (CALLIGARIS, 2000, p. 19).
É importante referir que esse psicanalista italiano considera a adolescência
como uma espécie de “moratória” social, em virtude de uma necessidade dos
adultos em estabelecer padrões de regramento aos mais jovens. Por quê? Segundo
ele, é um recurso para que os adolescentes não os suplantem com seu vigor e uma
ampla capacidade de empreender e questionar
7
.
Nessa perspectiva, Calligaris desloca o foco da discussão presente no meio
acadêmico sobre o estágio, da simples identificação das mudanças fisiológicas
atribuídas a essa faixa etária, para as implicações de um momento crucial na vida de
cada indivíduo, pleno em representações psicológicas e comportamentais. E mais,
segundo ele, a caracterização de adolescência é uma produção cultural recente.
Ao encontro de Calligaris (2000), trago Lima (2005), que elabora o seguinte
discurso, no qual se percebe a atual emergência dessa instituição social:
Não faz muito tempo, a adolescência não existia. Isto é, ela existia, mas não
era percebida. As mudanças psicossociais que caracterizam a fase sempre
estiveram presentes numa faixa etária que vai dos 12 aos 19 anos. Mas,
durante muito tempo, passada a infância, o jovem era tratado como um
miniadulto. Trabalhava, casava e saía de casa. "O conceito de adolescente
como conhecemos hoje surgiu quando se aumentou o período em que
eles permaneciam na escola", diz a psicanalista Diana Dadoorian. Ele,
assim, passou a não entrar tão cedo no mercado de trabalho (LIMA, 2005,
p. 62).
Ao intuir que, nas próximas décadas, a adolescência como a conhecemos
possa vir a desaparecer em conseqüência da velocidade das mudanças sociais
que definem o atual momento histórico , a autora supracitada atribui a essa
possibilidade um conjunto de fatores que, em maior ou menor grau, se fazem
presentes entre os jovens do século XXI e podem reproduzir “modelos de
crescimentocomo os registrados em épocas anteriores da História. Para elucidar
essas questões, transcrevo mais uma parte de seu texto:
7
Tal afirmação fica patente ao se considerar seu estudo de 2000, denominado “A adolescência”, no
qual Calligaris define os adolescentes como seres que podem, a partir da maturação biológica
envolvida nesse estágio do desenvolvimento, competir de igual para igual com todo mundo” (p. 15),
e, assim, se tornam alvo de restrições sociais - a referida “moratória”.
25
Quer dizer que os jovens estão precoces demais? Sim. No século 18, a
menarca (primeira menstruação) acontecia geralmente aos 15 anos. Hoje
aparece em média aos 12. Os adolescentes hoje têm sua primeira relação
sexual em torno dos 14 anos. "Mas muitos iniciam a vida sexual aos 11, 12
ou 13 anos" diz [o pediatra e hebiatra Walter] Marcondes filho. Os índices
de gravidez entre eles estão aumentando e metade dos jovens entre 10 e
12 anos já experimentou álcool (idem, p. 63).
À referida “precocidade”, por outro lado, soma-se uma configuração de
mundo que, por conta do elevado acesso às informações, permite a identificação de
um cenário onde se ressaltam as dificuldades de execução das mais diversas
políticas públicas. A sociedade tem se articulado no sentido de estabelecer garantias
aos mais diversos segmentos, em torno de ações que delimitam, ainda mais, o
espaço de cada grupo social.
No Brasil, um caso exemplar é o que envolve a criação do ECA, instrumento
jurídico que dispõe sobre as relações entre o conjunto da sociedade e os indivíduos
por ele assistidos.
Instituído através da lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o ECA, em seu
artigo 2º, estabelece que “criança, para os efeitos desta lei”, é “a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de
idade” (CRESS, 2000, p. 52) [grifo nosso].
Fruto da articulação entre a solicitação da sociedade, através de grandes
lutas, e o reconhecimento, por parte dos legisladores, da necessidade de proteção
aos jovens no país, o ECA é uma prova de que a temática da adolescência, no
Brasil, ainda se encontra em processo de reflexão.
No que tange às representações sociais envolvidas nesse estágio do
desenvolvimento humano, parece claro que o grau de complexidade associado à
adolescência permite um sem-número de interpretações.
Trata-se, afinal, de uma fase de transição e, como tal, surge aos olhos dos
indivíduos nela inseridos como um momento de descobertas e de apropriação de
referências já existentes no meio social.
26
Nesse sentido, Kehl (s.d.) expõe alguns elementos que, na sociedade
brasileira, podem ser determinantes para o sucesso (ou fracasso) desse estágio, ou
da tentativa dos adolescentes em se constituírem, individualmente, como sujeitos
reconhecidos pelo universo dos adultos.
Para a autora, a adolescência deveria ser o limiar da vida adulta. Não
obstante a isso, nossa sociedade não dispõe de um ritual para que essa passagem
ocorra de forma saudável.
Segundo ela, são muitas as portas que o adolescente tem de transpor e as
incertezas sobre o rumo a tomar são muito intensas. Em vista disso, ocorre o medo
de os filhos entrarem pela porta errada, por exemplo, que se deixem influenciar
pelas drogas, como veremos a seguir:
Quem não sabe que fumar um baseado com os amigos é um dos grandes
ritos de passagem da infância para a adolescência? Rito que pode ser bem
inocente, aliás, a depender do contexto que o cerca. Mas temos medo de
que o uso da droga ou da bebida como auto-afirmação do adolescente
possa levar a perigos maiores, a drogas mais pesadas. Um medo
justificado, dada a presença maciça do tráfico neste país. Para alguns
adolescentes, a droga torna-se a via da delinqüência. Meninos de classe
média começam a roubar para pagar dívidas com o traficante. Sentem-se
adultos, vivendo perigosamente. 'Já fumei, bebi, roubei e matei. Sou
sujeito homem', diz um garoto de 10 ou 11 anos no filme Cidade de Deus.
Se o mundo é impiedoso, crescer deve nos tornar impiedosos também
(KEHL, s.d., s.r.).
Entre as questões levantadas pela citação acima reproduzida, a que diz
respeito à permeabilidade dos adolescentes às substâncias psicoativas se constitui
como um dos focos mais explorados na literatura disponível sobre esse grupo, além
dos referentes à sexualidade especialmente no tocante à incidência de doenças
sexualmente transmissíveis e à gravidez e à orientação vocacional enfatizada
pelo modelo econômico capitalista vigente na atualidade.
Quanto à “opção” dos adolescentes pelas substâncias psicoativas, a maior
parte das pesquisas desenvolvidas costuma partir da identificação de fatores que
permitam a visualização de um princípio de causa e efeito, ou seja, buscam
localizar, no universo adolescente, “princípios de suscetibilidade às drogas,
27
conforme os critérios expostos na seção precedente, quais sejam, um conjunto de
“circunstâncias” que envolvem o contexto sócio-cultural de cada indivíduo.
Ampliando este enfoque, a afirmação de Calligaris (2000) corrobora, em
larga medida, a descrição realizada por Kehl (s.d.), pelo menos em um aspecto: o de
que o consumo de substâncias psicoativas, na adolescência, traz em seu bojo a
marca do estrato social a que pertencem os menores de 18 anos.
Nesse sentido, Calligaris (2000) expõe que:
não seria difícil argumentar que o interesse dos adolescentes de hoje para
as drogas é a atuação de um interesse para as drogas da geração
precedente. Os adolescentes de hoje são os descendentes de uma geração
que explicitamente ligou o uso das drogas a todos os sonhos de liberação e
revolução (pessoal, sexual, social etc.) que ela agitou e subseqüentemente
abandonou e recalcou (p. 45).
Sob essa perspectiva, a relação droga versus adolescência é uma herança
dos pais, que sufocaram, “recalcaram” prazeres ao abraçar valores já estabelecidos.
Cabe ressaltar, ainda, que para que se possa concordar que a droga entre
os adolescentes se relaciona à perpetuação de um “ideal” de contestação da
geração anterior, é preciso situar esses mesmos adolescentes no contexto da classe
média brasileira.
Conforme abordarei no Capítulo 2 (em face dos resultados da pesquisa de
campo empreendida junto a adolescentes em conflito com a lei), percebem-se
diferenças evidentes entre os relatos obtidos e a representação social associada às
referências acima reproduzidas.
Contudo, é possível visualizar diferenças entre os adolescentes e sua
relação com as substâncias psicoativas, de acordo com a camada social de onde os
mesmos se originam.
Parece certo constatar que, em um nível mais profundo aquele que
envolve a constituição da personalidade dos sujeitos a drogadição surge como
28
uma “alternativa” para a supressão de determinados “vazios”, estimulados por uma
situação de abandono por parte dos familiares e um sintoma de insegurança diante
da vida e de uma sensação de isolamento.
Conforme identifica Miranda (2001, p.35 e 36), “Algumas questões inquietam
o sujeito na modernidade. Como ser valorizado? Como conseguir reconhecimento?”.
A autora explicita que o adolescente tende a procurar as respostas a essas questões
através de um consumismo sem critérios. Nesse contexto, a droga pode entrar para
ajudar o sujeito “no difícil momento de adolescer” (ibidem).
Referindo-se a um caso de drogadição adolescente (o de Janderson, 12
anos, dependente do crack), Miranda (op. cit.) expõe a dura realidade daqueles que,
apesar de não se encontrarem em situação totalmente “desconfortável” perante as
exigências da vida cotidiana, vêem nas substâncias psicoativas uma forma de
“alívio” para o enfrentamento das questões que assaltam os indivíduos em
desenvolvimento.
Recorrendo à teoria psicanalítica para interpretar o universo simbólico do
adolescente em questão, Miranda (2001) identifica, naquele menino em “avançado
estado de deterioração física, psíquica e social” (p. 28), a dificuldade (comum àquele
estágio do crescimento humano) de o indivíduo se desligar da figura materna, o que
somente se manifestava, no cotidiano de Janderson, a partir da eleição de um novo
“objeto”: a substância psicoativa.
A transição entre o papel de adolescente em conflito pessoal (levado a suprir
uma falta simbólica) ao de “vítima” do consumo e seus agentes (no caso, o
traficante) traz à tona a influência, sobre o processo de drogadição, de outro fator
identificado na seção anterior: o poder dos instrumentos de estímulo ao “gozo” na
sociedade contemporânea.
Ilustrando o exposto, Miranda (2001) assevera que “o adolescente recebe
muitas referências sobre sua responsabilidade pelo que deve realizar para tornar-se
independente(p. 36), mas questiona “até que ponto esse ideal de ‘gozo além do
29
limite’ não é transmitido nas entrelinhas do sintoma, aliado à promessa de felicidade
plena? (ibidem)”.
Tal “promessa”, por sua vez, é tratada em publicação inserida em um curso
de formação de arte-terapeutas (profissionais que se valem do emprego de técnicas
de expressão artística para o tratamento de sintomas psicológicos), como fruto de
um conjunto de elementos que, abaixo dispostos, abrangem os diversos níveis de
“leitura” possíveis acerca do consumo de substâncias psicoativas por adolescentes.
Entre os fatores capazes de contribuir para o desenvolvimento da
drogadição entre menores de 18 anos, incluem-se:
a publicidade escancarada de bebidas, de medicamentos e de
marcas de cigarros em meios de comunicação de massa;
o uso estimulado de drogas lícitas na cena social - os alcoólicos, os
tranqüilizantes, o tabaco e os medicamentos em geral - e as posturas
condescendentes de pais e educadores em relação a esse uso;
as próprias características dos adolescentes que tendem a agir no
sentido do rompimento com valores familiares, muitas vezes de forma
arriscada e destemida;
a exclusão social, vulnerabilizando, especialmente, as crianças e
adolescentes, nos quais a droga é, muitas vezes, o único recurso de
sobrevivência imediato, seja pelo uso ou seja como agente do tráfico;
a insuficiente atuação de equipamentos sociais - escolas, serviços
de saúde e assistência social - tanto para uma abordagem adequada de
prevenção como para o trato de problemas associados ao uso indevido de
substâncias psicoativas;
as piores condições para o manejo de aspectos educativos e de
suporte de que dispõem as famílias de jovens com baixos níveis de renda e
de educação, no que se relaciona ao uso indevido de drogas [...]
(DESENVOLVIMENTO psicossocial e adolescência, 2005, p. 13-4).
Merecem destaque, aqui – em consonância com a realidade apresentada no
Capítulo 2 do presente estudo as referências à exclusão social e à carência de
esclarecimento nos ambientes de baixa renda, como elementos capazes de, se não
estimular, permitir a penetração das substâncias psicoativas naqueles contextos,
como recurso empregado pelos adolescentes para o enfrentamento de suas
questões particulares.
De igual maneira, para a conquista de posições de reconhecimento no
ambiente imediato à sua vivência cotidiana (seja pela contestação às condições
30
familiares associada à drogadição, seja pelo acesso aos bens de consumo em razão
do vínculo com o tráfico).
De uma forma ou de outra, a problemática da drogadição entre os
adolescentes pressupõe, ainda, uma incapacidade das instituições às quais os
indivíduos se vinculam (família, escola, rede de atendimento social, etc.) em oferecer
as condições necessárias para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades,
bem como, para o encontro do equilíbrio emocional.
No que diz respeito à influência familiar sobre o adolescente que faz uso de
substância psicoativa, Almeida (2000) elabora o seguinte pensamento, evidenciando
a importância da transferência de valores às novas gerações:
Uma primeira pista para a discussão [acerca da relação entre drogas
e família] seria perguntar-se se a educação familiar tem sido um processo
de nutrição não no sentido de alimentos, mas no sentido global de
valores. É comum oferecermos a crianças e jovens uma educação voltada
para a aparência das coisas, para o externo, mais do que para o interno.
Educação voltada para o ter em detrimento do ser.
Pensar a educação familiar no sentido de nutrição de valores é
pensar as ões dos indivíduos reportadas a um mundo significativo –
dotado de compromisso com a coletividade, que não anule o indivíduo mas
o promova na relação com o outro. Esse modo plural de existência se
contrapõe ao individualismo egocêntrico e competitivo e implica a visão de
homem que não esinserido no mundo, mas está com o mundo (p. 47-
8).
Objetivando o entendimento das dinâmicas analisadas no presente estudo, a
próxima seção desenvolve um dos conceitos apresentados pela autora supracitada
(o papel da escola frente ao consumo de substâncias psicoativas pelos
adolescentes), no que se refere à influência dessa instituição sobre a temática
especialmente no sentido da prevenção ao uso de drogas.
Tendo em vista as particularidades aqui discriminadas, relativas à
“vulnerabilidade” dos adolescentes às substâncias psicoativas, parece, desde já,
seguro afirmar que as instituições escolares, por suas características intrínsecas
(que vão desde a ocupação do tempo até a formação de valores), possuem um
papel fundamental no enfrentamento da problemática da drogadição.
31
1.3 O ensino brasileiro e a preocupação com a prevenção às drogas
A relação entre as políticas públicas voltadas à educação, no Brasil, e a
temática ora discutida (o consumo de substâncias psicoativas entre adolescentes)
pode ser definida como parte de um conjunto de propostas educativas que, nos
últimos anos, vêm sendo gradativamente sugeridas às instituições de ensino sob a
tutela do MEC – Ministério da Educação.
Talvez o principal expoente do corrente esforço de “abertura do ensino
brasileiro às temáticas contemporâneas, antes distantes do contexto de sala de aula,
os assim denominados PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) publicados em
1998 e disponíveis nas bibliotecas de qualquer escola, de Norte a Sul do país
trazem em suas páginas recomendações didáticas, entre outros assuntos de
relevância na atualidade, a questão das drogas.
Nesse sentido, os “Temas transversais” contemplados pelo MEC
(organizados de acordo com os níveis de instrução atendidos pelo Ensino
Fundamental) envolvem as seguintes áreas temáticas: ética, saúde, meio ambiente,
orientação sexual, pluralidade cultural (de a e de a séries) e; trabalho e
consumo (apenas de a séries). Entre elas, apenas uma (saúde) estabelece
critérios para a abordagem pedagógica da drogadição.
Apesar disso, o enfoque atribuído à prevenção ao consumo de substâncias
psicoativas, naquele âmbito, pode ser interpretado como superficial, visto que, ao
contrário do que se poderia esperar, não são apresentadas alternativas concretas de
intervenção, capazes de dar conta da complexidade do assunto.
Prova disso é a disposição dos PCNs (voltados ao estudo de a 4ª séries).
Neles são previstas discussões sobre a drogadição em torno do conteúdo
denominado “Vida coletiva”, que aponta a iniciação no consumo de drogas como um
“fator de risco”, já nas séries iniciais.
32
Em face disso, torna-se fundamental o reconhecimento da realidade local,
uma vez que o consumo de drogas tem uma ligação forte com as condições
sócioculturais, especialmente na infância, uma vez que hábitos sociais próximos à
criança determinam o acesso ao fumo, álcool e entorpecentes, pois
o consumo de drogas pode ser fator de inclusão ou de exclusão social. Não
evidências de que a opção pelo consumo sistemático de drogas que
limitam a saúde relaciona-se negativamente com informação sobre suas
ações e efeitos. As relações afetivas, socioculturais e econômicas
constituem fatores extremamente significativos. Por isso é fundamental para
a saúde a distinção entre uso e abuso, assim como a compreensão da
importância em preservar a capacidade de escolha, evitando a
dependência. De qualquer maneira, ao se discutir drogas é necessário
diferenciá-las. As drogas não são todas iguais. São distintas do ponto de
vista do risco orgânico, da dependência que provocam, da aceitação legal e
cultural que desfrutam, implicando distintas situações de risco para as
crianças (BRASIL, 1997, p. 113).
No que diz respeito ao enfoque pedagógico direcionado ao nível de a
séries (período dominado, eminentemente, pela participação de adolescentes em
sala de aula), os PCNs, mais uma vez, abordam a temática da prevenção ao
consumo de substâncias psicoativas do ponto de vista do conteúdo “Vida coletiva”.
Por se tratar, no entanto, de um estágio posterior da vida estudantil, o qual
pressupõe um maior preparo dos alunos para o enfrentamento de questões mais
complexas, a publicação confere um tom marcadamente prático quanto à prevenção
à drogadição. Dessa forma, tal como proposto pelo MEC:
A construção de atitudes de proteção contra os agravos à saúde
decorrentes do abuso de drogas precisa ser encarada como um trabalho de
médio e longo prazos. As únicas possibilidades que se têm mostrado
frutíferas no âmbito escolar são as oportunidades de reflexão e de diálogo
sobre o assunto. Não adianta pensar pelos alunos; ao gerar espaços para
essa discussão, a escola possibilita a construção de seu próprio discurso e
a oportunidade de legitimar valores de modo autônomo. Este, sem dúvida,
não é um trabalho que pode ser feito de modo isolado. Articula-se
necessariamente com as demais questões da vida dos jovens e demanda
tanto condições institucionais quanto postura pessoal de acolhimento por
parte dos professores (BRASIL, 1998, p 282).
O texto inclui ainda que a prevenção é sempre o melhor procedimento e
essa educação preventiva inclui aprendizagem social de valores, atitudes e limites,
pois “o uso indevido de drogas não diz respeito aos marginais à sociedade, mas
situa-se no centro de seus conflitos”.
33
O que se ressalta, todavia, das proposições acima reproduzidas, em
qualquer nível, é o que parece ser um reflexo claro do estágio incipiente de
apropriação, por parte das instituições de ensino brasileiras, das temáticas inerentes
aos PCNs, especialmente as que configuram os chamados “Temas transversais”,
que, se trabalhados, fortalecem a prevenção ao uso de drogas.
Dito de outra forma, é relevante a ausência de relatos de situações
concretas vivenciadas, nas escolas, não apenas em relação à temática de
prevenção às substâncias psicoativas, mas em todas as demais. Este fato dificulta a
articulação de estratégias capazes de, efetivamente, ampliarem o espaço de
atuação das instituições de ensino frente às novas demandas sociais.
Mesmo assim, é preciso saudar a capacidade de inovação dos responsáveis
pela definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais, possivelmente
motivados pelo reconhecimento legal das figuras da criança e do adolescente (cuja
culminância se relaciona à promulgação do ECA), pela primeira vez, se propõem a
atrelar temáticas emergentes à responsabilidade da escola.
Ao discutir a validade desta elaboração, Aquino (1998) acena com o que se
pode qualificar como um desafio aos envolvidos na elaboração das atividades
educacionais. Para esse autor, frente aos “Temas transversais”,
vale o esforço de imaginação: não seria a questão do uso/abuso de drogas
psicoativas, se tomada como uma temática transversal, uma excelente
ocasião de articulação dos saberes abstratos dos diferentes campos
teóricos aos clamores concretos da clientela? Uma reapropriação produtiva
de uma demanda social aflitiva? Uma maneira vívida, instigante e intrigante
de construção do conhecimento e de uma certa perplexidade perante a vida
contemporânea e suas vicissitudes?
Mesmo que hoje [...] ainda tenhamos uma certa dificuldade de nos descolar
da imagem tradicionalista, estanque e compartimentada, que cultivamos da
educação formal, não seria possível imaginar, por exemplo, o ensino de
História, ou de Língua Portuguesa, ou de Ciências, estruturados em torno
de temas geradores estranhos e inusitados à escola, mas, ao mesmo
tempo, vizinhos próximos em nosso cotidiano, como a ética, a sexualidade,
a ecologia ou a paz? (AQUINO, 1998, p. 102).
Como resposta ao questionamento formulado pelo autor supracitado,
Almeida (2000) defende duas abordagens pedagógicas possíveis ao problema das
34
substâncias psicoativas (entre adolescentes e a população em geral): a direta, cujo
foco principal reside especificamente sobre as drogas, e a indireta, que centra seu
enfoque nas complexas mediações que envolvem a drogadição.
De acordo com a autora, ambas as abordagens partem, ainda, de um
mesmo questionamento (qual a raiz do problema?), e sugerem múltiplas respostas,
de acordo com as visões de homem e de mundo compartilhadas em cada contexto
específico.
na abordagem pedagógica, Almeida (op. cit.) afirma que é perfeitamente
viável a vertente que trata o problema das drogas de forma indireta. Para o autor:
A educação sobre drogas ocorre sob a forma de inserção no
currículo. No entanto, é falha a avaliação desses programas, que existem às
centenas. Não se sabe ao menos se os que eram usuários de drogas
estavam, depois do programa educativo, consumindo menos drogas e se os
não-usuários haviam passado a consumir drogas. Por outro lado, bem
poucos programas são avaliados e seu acompanhamento é feito num
período de tempo insuficiente para que se obtenham resultados palpáveis
(ALMEIDA, 2000, p. 88).
A crítica presente na citação acima disposta refere-se, em especial, aos
estudos destinados a avaliar o grau de penetração das substâncias psicoativas em
estabelecimentos de ensino públicos e privados, considerados tradicionais no
contexto da educação brasileira.
Promovidas por pesquisadores vinculados a centros de estudos de
reconhecida importância no cenário acadêmico nacional, tais pesquisas, à parte as
limitações que envolvem dentre as quais as reforçadas pela autora supracitada
servem como referência para o entendimento da problemática da drogadição na
esfera da educação.
Uma descrição dos procedimentos associados a esses levantamentos é
apresentada por Lima (s.d.), autor que enuncia que o primeiro inquérito de
uso/abuso de drogas entre estudantes no Brasil foi realizado por Zanini et. al., em
1974.
35
Naquela ocasião, foram entrevistados 1.894 universitários da cidade de São
Paulo, cujos resultados indicam que 9 a 22% dos avaliados usaram drogas só
permitidas por receituário médico sem prescrição e que 2 a 10% experimentaram
drogas ilícitas, sendo a maconha a mais usada. Tomando o texto de Lima, é
possível acrescentar ainda que, em 1978,
COSTA e colaboradores realizaram um inquérito com 5.616 estudantes de
- e - Graus das redes pública e privada da cidade de São Paulo.
MORGADO reavaliou este estudo, a partir do grupo etário 14-25 anos. A
proporção de uso ALV foi baixa. Outro dado interessante é que o uso de
tranqüilizantes (drogas lícitas) foi superior ao de drogas ilícitas - 5% e 1,9%,
respectivamente. Tais achados foram similares ao trabalho realizado com
universitários.
Nos estudos realizados pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas, São Paulo), foram entrevistados respectivamente 16.151 e
19.183 estudantes de e Graus da rede pública de ensino, em dez
capitais brasileiras. A prevalência de consumo ALV de várias drogas,
evidenciada em levantamento realizado em 1987, aponta as seguintes taxas
de consumo: inalantes (14,7%), benzodiazepínicos (5,1%), maconha (2,9%)
e anfetaminas (2,8%). Em relação ao ano de 1989, os dados mostram um
aumento percentual médio de 28% no consumo destas mesmas drogas
(LIMA, s.d., p. 124-5).
A inquestionável validade de tais levantamentos se justifica pelo simples fato
de que, diante de indicadores como os demonstrados, torna-se imprescindível, por
parte dos educadores e dos responsáveis pelas políticas públicas de atenção aos
adolescentes, uma tomada de posição no que tange à prevenção ao consumo de
substâncias psicoativas.
A forma como essa prevenção poderá ser implementada nas escolas, por
sua vez, depende de inúmeros fatores, mas obedece, via de regra, aos
pressupostos da assim denominada “Educação preventiva”, a qual determina três
níveis de intervenção: a prevenção primária, a secundária e a terciária.
Conforme a brochura “Capacitação em prevenção ao uso indevido de álcool
e outras substâncias”, publicada em 1999, pelo Centro de Apoio Operacional das
Promotorias da Infância e Juventude do Estado do Rio Grande do Sul, a prevenção
primária visa a uma intervenção para evitar o uso, prevenir mesmo.
Em vista disso, desencoraja a iniciação de drogas especialmente por
crianças e adolescentes. Essa atitude deve ter início no nascimento da criança,
36
oferecendo um ambiente de amor para que cresça com autoconceito positivo e
envolve a preparação dos pais com programas para gestantes.
A prevenção primária deve ser a principal preocupação da escola, pois “visa
programas e ações de conscientização e sensibilização, de toda clientela escolar,
para uma vida saudável, livre de drogas” (ESTADO do Rio Grande do Sul, 1999, p.
41).
A prevenção secundária, por sua vez, de acordo com a mesma publicação,
seria um prolongamento da primária, visando a atingir crianças e adolescentes que
estão usando drogas ou com dificuldades familiares, sociais ou pessoais. Essa
prevenção é viável porque o usuário ocasional e o experimentador não são ainda
toxicômanos, mas correm o risco de ser.
Em vista disso, o diálogo, as informações e os debates são cuidados que
devem ser intensificados e aprofundados. “Muitas vezes se fa necessário
atendimento individual, inclusive de identificação, de serviço de triagem e terapia a
curto prazo” (ESTADO do Rio Grande do Sul, 1999, p. 41).
Finalmente, a prevenção terciária se caracteriza por um direcionamento a
crianças, adolescentes e adultos que são usuários dependentes de drogas.
Os toxicômanos necessitam de atendimento a longo prazo. A prevenção
terciária atende as pessoas antes, durante e depois do tratamento. Antes do
tratamento, a intervenção visa ajudar o jovem a formular um pedido de
ajuda. Durante o tratamento, visa ajudar para que não se rompa um
processo terapêutico ou de ajuda. Após o tratamento, isto é, após o
abandono do consumo de drogas, visa uma ação conjugada com uma
instituição especializada em reinserção social (Ibidem).
Assim estruturada, a prevenção ao consumo de substâncias psicoativas
tende, enquanto recurso presente no ambiente escolar, a cobrir todos os níveis de
envolvimento dos alunos com a drogadição, desde a etapa imediatamente anterior
ao contato com as drogas, passando pela ação de combate à experimentação e o
consumo esporádico, até o trabalho de recuperação integral de usuários
comprometidos.
37
Entretanto, como bem lembra Bucher (1992),
para que uma idéia de prevenção, qualquer que seja o seu conteúdo, seja
bem sucedida, encontre receptividade na população alvo e surta efeitos
tangíveis, é fundamental que as suas ões sejam norteadas por idéias
construtivas, por valores humanos claramente pensados e enunciados, por
objetivos baseados em uma concepção humana do humano do homem
em suma, por balizes bem definidas que levem em conta as características
psicológicas e sociais do ser humano sobre o qual se quer ‘intervir’ (1992, p.
139) [grifos do autor].
Analisado sob este ponto de vista, o trabalho de prevenção ao consumo de
substâncias psicoativas, a ser promovido no âmbito da escola brasileira, deve
transcender, necessariamente, as limitações impostas por uma espécie de “omissão
histórica”.
Faz-se imprescindível, antes de tudo, uma tomada de consciência, por parte
dos educadores, quanto à validade e ao alcance de uma proposta como a que
envolve a prevenção às substâncias psicoativas, para além de atividades
esporádicas e pouco articuladas aos demais conteúdos incluídos no currículo.
Atenta a essa realidade, Aratangy (s.d.), ao sugerir ações práticas para o
enfrentamento da drogadição entre adolescentes vinculados ao sistema de ensino
brasileiro, propõe aos gestores escolares, professores e demais integrantes da
escola:
1. levar em conta a dimensão emocional, oferecendo opções
culturalmente válidas, que permitam canalizar o turbilhão de emoções que
habita o adolescente, para se contraporem à intensidade das emoções que
a droga propicia (participação em atividades esportivas, desenvolvimento de
expressões artísticas, atividades culturais);
2. levarem conta a preocupação social e a necessidade de
pertinência do jovem, abrindo a possibilidade de participação ativa em
questões que envolvem a comunidade da qual a escola faz parte;
3. oferecer informações verdadeiras e não preconceituosas sobre
drogas, para que o adolescente possa fazer escolhas mais livres;
4. respeitar a inteligência do jovem, não usando mensagens
alarmistas e deformadas (não tratar, por exemplo, todas as drogas como se
oferecessem o mesmo risco, não confundir o uso eventual de uma
substância psicoativa com o uso habitual e contínuo);
5. não fazer afirmações sobre as sensações que a droga produz, para
não correr o risco de se desmoralizar diante de adolescentes que possuem
informações diretas que podem contradizer as suas;
6. abrir um espaço para orientação dos pais de alunos, para que
estes não se sintam tão despreparados e desamparados para lidar com os
desafios da adolescência (ARATANGY, s.d., p. 115).
38
Considerando o enfoque defendido ao longo do presente capítulo, o próximo
título do estudo ora apresentado detém-se sobre o resultado de levantamento
estatístico realizado junto a adolescentes em conflito com a lei, atendidos pelo CASE
de Santo Ângelo.
O objetivo dessa pesquisa relaciona-se à detecção de vínculos entre o
consumo de substâncias psicoativas e as elevadas taxas de evasão escolar,
presentes naquele contexto.
Para um melhor entendimento acerca do papel do Estado em relação a essa
temática específica, a seguir é tecida uma revisão histórica acerca da evolução das
políticas públicas de atendimento aos integrantes desse grupo etário, no Brasil e no
mundo.
De igual maneira, a caracterização da especificidade das propostas
mantidas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em especial no que tange
à aplicação de medidas sócio-educativas de internação e semiliberdade elemento
importante para a percepção do grau de amadurecimento do sistema penal,
orientado à execução das demandas produzidas por adolescentes em conflito com a
lei.
39
2 CONSUMO DE DROGAS, ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E
EVAO ESCOLAR
DROGAS
No começo
Curiosidade
Ilusão…
Depois pensamentos vagos,
Confusões,
Desilusões…
Sem casa,
Sem família,
Sem amigos.
O fim…
Só tristeza,
E solidão.
(O.R.S.)
8
No Capítulo 1 do presente estudo, descrevi os conceitos inerentes à
temática de investigação ora apresentada (drogadição, adolescência e políticas de
prevenção ao consumo de substâncias psicoativas no âmbito da educação
brasileira).
No corrente capítulo, proponho-me a aprofundar a discussão no que tange à
realidade vivenciada por adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de
Santo Ângelo, em especial em relação à busca de indicadores capazes de confirmar
a hipótese formulada na pesquisa de campo incluída nesta dissertação, qual seja, a
correlação entre o consumo de substâncias psicoativas e os indicadores de evasão
escolar dessa população.
Por complexos os temas abordados, escassos os trabalhos acadêmicos
voltados para o esclarecimento dessa problemática e, ainda, no intuito de aprofundar
a discussão sobre a relevância do esforço institucional de atenção ao adolescente,
como preâmbulo à discussão proposta, é abordada a evolução histórica das políticas
públicas de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, bem como, as
nuances do Programa de Execução das Medidas cio-Educativas de Internação e
Semiliberdade - PEMSEIS, cuja ação limita-se ao Rio Grande do Sul.
8
Coletânea de poesias e Textos, 2005, p. 35 – Escola Estadual de Ensino Fundamental Herbert de
Souza (localizada no interior do CASE) – poesia escrita por adolescente interno no CASE.
40
Na corrente investigação, acredito estar contribuindo para a inclusão de um
olhar abrangente sobre a gênese e a adaptação, histórica e geográfica, dos
procedimentos de atenção aos adolescentes em conflito com a lei, com vistas ao
melhor entendimento dos indicadores levantados pela pesquisa de campo, de
maneira a ampliar, ainda mais, a percepção da realidade estudada.
2.1 Evolução histórica das políticas públicas de atendimento ao adolescente
em conflito com a lei
Discorrer sobre uma possível epistemologia das políticas públicas de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei pressupõe, compulsoriamente,
uma referência à obra do filósofo francês Michel Foucault, um dos principais
pensadores contemporâneos a abordar a questão do aprisionamento, em todos os
seus níveis de significação.
Tal constatação se baseia, em especial, no amplo exercício teórico
apresentado em seu clássico trabalho denominado Vigiar e punir, publicado
originalmente em 1975, cujo subtítulo auto-explicativo “nascimento da prisão”
indica o conteúdo da obra, considerada, até hoje, uma das principais referências
acadêmicas sobre o tema.
Apesar de não empregar, nesse texto, o conceito de “política pública”,
Foucault, com base em uma exaustiva pesquisa bibliográfica (que cobre publicações
produzidas desde a Idade Média) descreve como o Estado moderno se organizou,
institucionalmente para responder à necessidade de punição aos infratores,
incluindo a categoria jurídica circunscrita, no mundo atual, sob a denominação de
“adolescente”.
Partindo de uma análise do momento histórico (final do século XVIII e início
do XIX) em que, na Europa e nos Estados Unidos, são abandonados os “suplícios” –
punições violentas aos infratores, largamente ritualizadas e com grande apelo
41
público, marcadas por requintes de crueldade e sofrimento físico em nome do
estabelecimento de instituições voltadas à recuperação dos criminosos, o autor
supracitado relata o surgimento de novas práticas legais, orientadas à execução de
um novo modelo de Justiça, no qual o corpo, antes destruído, passa a ser
“disciplinado”
9
.
Ao se deter sobre os métodos de ação jurídica voltados à incorporação dos
infratores às normas sociais, Foucault, em várias passagens na mesma obra,
enfatiza a importância dada pela Justiça, ao longo da História, à recuperação de
menores envolvidos em situações de ilegalidade.
Este enfoque fica claro quando o autor descreve a emergência, ainda no
século XVI, do que chama de “modelos de encarceramento punitivo”. Segundo ele:
O mais antigo desses modelos, o que passa por ter, de perto ou de
longe, inspirado todos os outros, é o Rasphuis de Amsterdam, aberto em
1596. [...] Destinava-se em princípio a mendigos ou a jovens malfeitores.
Seu funcionamento obedecia a três grandes princípios: a duração das
penas podia, pelo menos dentro de certos limites, ser determinada pela
própria administração, de acordo com o comportamento do prisioneiro (essa
latitude podia, aliás, ser prevista pela sentença: em 1597 um detento era
condenado a doze anos de prisão, que podiam se reduzir a oito, se seu
comportamento fosse satisfatório). O trabalho era obrigatório, feito em
comum (aliás a cela individual era utilizada a título de punição
suplementar; os detentos dormiam 2 ou 3 em cada cama, em celas que
continham 4 a 12 pessoas); e pelo trabalho feito, os prisioneiros recebiam
um salário. Enfim um horário estrito, um sistema de proibições e de
obrigações, uma vigilância contínua, exortações, leituras espirituais, todo
um jogo de meios para “atrair o bem e “desviar do mal”, enquadrava os
detentos no dia-a-dia. Pode-se tomar o Rasphuis de Amsterdam como
exemplo básico. Historicamente, faz a ligação entre a teoria, característica
do século XVI, de uma transformação pedagógica e espiritual dos indivíduos
por um exercício contínuo, e as técnicas penitenciárias imaginadas na
segunda metade do século XVIII (FOUCAULT, 2006, p. 100).
9
Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de
obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo, não é mais elemento constitutivo da
pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos
suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à
distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais “elevado”. Por
efeito dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista
imediato dos sofrimentos: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os psicólogos, os
educadores; por sua simples presença ao lado do condenado, eles cantam à justiça o louvor de que
ela precisa: eles lhes garantem que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva”
(FOUCAULT, 2006, p. 14).
42
O que representam os “jovens malfeitores”, referidos na citação, senão os
adolescentes infratores de hoje? Neste ponto, é importante ter em conta que, como
referido no Capítulo 1 do presente estudo, o conceito de adolescência é recente,
como recentes são as políticas públicas de atenção exclusiva a este grupo social.
Considerando-se que naquele período a emergência da burguesia e sua
crescente demanda por segurança requeria novas técnicas de controle social,
torna-se relevante a reprodução de outro trecho da obra, esclarecedor acerca de
uma “práxis penitenciária” recém-constituída. Assim, para Foucault:
Tivesse eu que fixar a data em que se completa a formação do
sistema carcerário, não escolheria 1810 e o Código Penal, nem mesmo
1844, com a lei que estabelecia o princípio do internamento celular; talvez
não escolhesse 1838, quando foram publicados os livros de Charles Lucas,
Moreau-Christoph e Faucher sobre a reforma das prisões. Mas 22 de
janeiro de 1840, data da abertura oficial de Mettray. Ou melhor talvez,
aquele dia, de uma glória sem calendário, em que uma criança de Mettray
agonizava dizendo: “Que pena ter que deixar tão cedo a colônia”. [...] Era a
morte do primeiro santo penitenciário. Muitos bem-aventurados o seguiram,
sem dúvida, se é verdade que os colonos costumavam dizer, para fazer o
elogio da nova política punitiva do corpo: “Preferiríamos as pancadas, mas a
cela é melhor para nós” (2006, p. 243).
Ainda sobre o surgimento do sistema carcerário, o mesmo autor sinaliza:
Por que Mettray? Porque é a forma disciplinar no estado mais
intenso, o modelo em que se concentram todas as tecnologias coercitivas
do comportamento. Tem alguma coisa do claustro, da prisão, do colégio,
do regimento”. Os pequenos grupos, fortemente hierarquizados, entre os
quais os detentos se repartem, têm simultaneamente cinco modelos de
referência: o modelo da família (cada grupo é uma “família” composta de
“irmãos” e de dois “mais velhos”); o modelo do exército (cada família,
comandada por um chefe, se divide em suas seções, cada qual com um
subchefe; todo detento tem um número de matrícula e deve aprender os
exercícios militares básicos; realiza-se todos os dias uma revista de
limpeza, e uma vez por semana uma revista de roupas; a chamada é feita
três vezes por dia); o modelo da oficina, com chefes e contramestres que
asseguram o enquadramento do trabalho e o aprendizado dos mais jovens;
o modelo da escola (uma hora ou hora e meia de aula por dia; o ensino é
feito pelo professor e pelos subchefes); e por fim o modelo judiciário; todos
os dias se faz uma “distribuição de justiça” no parlatório [...] (FOUCAULT,
2006, p. 243).
Contudo, qual a razão expressa para a inserção, em um estudo como o ora
apresentado, de referências tão genéricas? Em que termos se justifica, diante da
investigação aqui relatada, a consideração de práticas judiciárias tão antigas?
43
Uma resposta clara ao questionamento proposto, intrínseca à elaboração
aqui defendida, inclui, necessariamente, a verificação da transformação, ao longo da
História, dos conceitos de delinqüência e de juventude.
Tais conceitos, como ocorreu em diversos países que até então,
relativamente à problemática legal que envolvia adolescentes, obedeciam a padrões
de abordagem o muito distintos daqueles trazidos por Foucault –, redundaram, no
final do século XX, no âmbito da Justiça brasileira na formulação de políticas
públicas cujos atores sociais são, especificamente, os adolescentes em conflito com
a lei.
Parece certo afirmar, no entanto, que na legislação brasileira, apesar da
inclusão, entre seus diplomas legais, do ECA, vigente desde o ano de 1990, ainda
persistem debates quanto à validade de seus pressupostos fundamentais,
incapazes, muitas vezes, de combater práticas culturais tão arcaicas quanto aquelas
demonstradas no estudo do filósofo francês.
Um exemplo do exposto pode ser constatado pela expressão das idéias de
Romano (2006), para quem, passados dezesseis anos de implementação do ECA,
esse digo de normas legais trouxe alguma segurança para muitos jovens pobres,
formados em famílias violentas e violentadas. Cito o caso exemplar
.
No Recife, um menino pegava mangas nas imediações de sua casa.
As árvores eram próximas a uma oficina de galvanização. Ouvindo barulhos
estranhos, o vigia do local dispara alguns tiros. Policiais militares
perseguem o garoto e o levam para a oficina. Jogam-no num tonel com
hidróxido de sódio (soda cáustica), provocando-lhe queimaduras de
segundo e de terceiro graus. Não satisfeitos, aplicam-lhe tapas e pontapés
nas costas. O tenente chegou a subir em suas costas.
Passado bom tempo, um integrante da patrulha o conduz ao posto
policial, exigindo que ele afirmasse ter caído acidentalmente no tonel.
Segundo outro funcionário da lei envolvido, a pele do adolescente
ficou enrugada “como se fosse papel amassado”.
A defesa dos policiais alegou que o menino tinha credibilidade zero”,
pois era “adolescente e imaturo”.
Um juiz íntegro condenou os policiais. O menino, no entanto, quem
lhe devolverá a pele e a confiança na humanidade? [processo
001977043580-1, julgado pelo Juiz Nivaldo Mulatinho Filho. Cf. “Revista da
Escola Superior da Magistratura de Pernambuco”] (ROMANO, 2006, p. 4).
44
Podemos depreender pela referência acima reproduzida que, de acordo com
os conceitos apresentados por Foucault, não basta que uma sociedade, em nível
institucional, articule instrumentos de controle e/ou regulação dos mais diversos atos
infracionais se os padrões culturais, desse mesmo grupo humano, continuam a se
submeter a regras antiquadas.
Em outras palavras, há, por parte dos indivíduos, no discurso corrente a
respeito dos direitos (e deveres) dos adolescentes, uma evidente parcela de
incompreensão, acerca do real alcance daquele diploma legal.
Nesse sentido, a constatação de Faria (2006), sobre as conquistas
derivadas da aplicação do ECA no período de sua promulgação, é esclarecedora,
uma vez que provocou pequenas revoluções em favor de brasileiros de zero a
dezoito anos, regulamentando conquistas já garantidas pela Carta Magna de 1988.
Desse modo, “um dos principais méritos do ECA foi o de consagrar novos
marcos conceituais e doutrinários das políticas blicas para crianças e
adolescentes, sepultando a herança correcional forjada a partir dos anos 20 (FARIA,
2006, p.A3).
Enfatiza, ainda, que até 1990 a “chamada ‘questão dos menores’ era tratada
de forma assistencialista (ibidem)”, quando Estado e sociedade amparavam crianças
abandonadas e internavam jovens “tidos como ‘disfuncionais’”.
Ao resgatar o antigo conceito de “disfuncionalidade” atribuído a uma parcela
da população adolescente, à qual se impingia um tratamento “correcional”, a
supracitada autora endossa, à sua maneira, a permanência, na Justiça brasileira
até a instituição do ECA de práticas coercitivas próximas do período retratado por
Foucault em sua elaboração sobre o surgimento da prisão.
O que permite a verificação dos avanços positivos, na abordagem jurídica
brasileira orientada aos adolescentes em conflito com a lei, por outro lado, é a
constatação de sua aplicação em termos de direitos sociais mote sobre o qual se
45
sustenta a redação do ECA e diferencial que garante uma abordagem integral da
questão.
Sobre este aspecto específico das políticas públicas voltadas ao
atendimento das demandas sociais (entre as quais se inclui a questão da
criminalidade juvenil), Schons (1999) reconstitui as principais etapas da evolução
das garantias legais aos indivíduos.
De acordo com a linha de tempo elaborada pela autora (centrada na
constituição histórica dos direitos individuais), destacam-se três fases na história da
formação das declarações dos direitos, em sentido amplo.
Na primeira, predominam as afirmações dos filósofos que instituem serem os
homens livres e iguais por natureza. A segunda fase, no entanto, remonta à
Declaração de Direitos dos Estados Americanos e à Revolução Francesa, dando
início a uma nova relação com o Estado que passa a o ser mais absoluto, mas
limitado. Finalmente, a terceira fase remonta a Declaração de 1948, quando a
afirmação dos direitos passa a ser “ao mesmo tempo universal e positiva” (SHONS,
1999, p. 56).
Resultado do amadurecimento da sociedade brasileira frente à necessidade
de atenção particular às crianças e adolescentes, o ECA, em seus pressupostos, se
alinha às conquistas advindas de um processo histórico em que, sem dúvida, os
direitos sociais se constituem como meta a ser alcançada, mantida e
permanentemente rediscutida, com a participação de todos os segmentos por ele
alcançados.
No cenário das políticas públicas nacionais, entretanto, persiste uma
abordagem assistencialista, a qual nem sempre contribui para o correto
enfrentamento das problemáticas surgidas da precária distribuição de renda e da
limitada ação do Estado sobre as questões coletivas. Tal como exposto por Carvalho
(2000):
46
O reconhecimento e a garantia de direitos sociais, embora fruto de
indiscutível avanço civilizatório, acabou enviezando o olhar para o contexto
do fetiche capitalista da mercadoria. Passou-se a fragmentar os indivíduos
na forma de atenção pública. Daí o direito à habitação, ao transporte, à
saúde, o direito da mulher, do trabalhador, do negro, do idoso...
Neste modelo três processos ganharam força:
os direitos dos indivíduos de “per si” (criança, mulher, negro,
idoso...);
a fragmentação dos indivíduos em necessidades transformadas em
direitos de “per si”: direito à saúde, educação, transporte...;
• a psicologização das relações sociais (p. 95).
De forma ainda mais contundente, Carvalho assevera que o quadro de
pobreza e exclusão no Brasil o tem sido alterado pela política social. Ao contrário,
ocorre “a cada década a ampliação das taxas de desigualdade social, ao mesmo
tempo em que a concentração de renda atinge índices insuportáveis (Idem, p. 94)”.
Considerando-se as referências acima reproduzidas, e tendo em vista o foco
específico do presente estudo a relação entre a drogadição na adolescência e a
evasão escolar, no âmbito da realidade vivenciada por adolescentes em conflito com
a lei, internos de uma instituição de atendimento sócio-educativo situada no Estado
do Rio Grande do Sul é possível afirmar que, se as conquistas sócio-jurídicas
referentes àquele grupo representam, em larga escala, a capacidade de
transformação de valores e conceitos que, para que pudessem se apresentar como
tal, na atualidade, dependeram de séculos de evolução e conquistas, em termos de
políticas públicas, muito ainda que se constituir, sob pena de as diversas
instâncias responsáveis por sua efetivação retrocederem a padrões culturais
antiquados, e ainda visíveis sob os novos códigos culturais compartilhados na
contemporaneidade.
É importante incluir as reflexões de Traverso-Yépez e Pinheiro (2000, p.
1444) que enfatizam que “a superação efetiva dos problemas desses e de tantos
outros jovens, timas de um sistema que, repetidamente, nega-lhes o direito a uma
existência digna” depende de mudanças estruturais na sociedade brasileira.
Em vista do exposto, na próxima seção, apresento um dos modelos de
aplicação de políticas públicas de atendimento a adolescentes em conflito com a lei
considerados, no Brasil, como dos mais eficazes, e, no âmbito do qual, se
implementou a amostra apresentada no tópico 2.3, testando a hipótese central deste
47
estudo a correlação entre o consumo de substâncias psicoativas, por parte dos
adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, e os
indicadores de evasão escolar atribuídos a essa população.
2.2 PEMSEIS, CASEs e o modelo gaúcho de execução de medidas sócio-
educativas dirigidas ao adolescente em conflito com a lei
A promulgação, em 1990, do ECA trouxe novo fôlego ao debate público
sobre as formas mais adequadas de atendimento aos sujeitos pertencentes a esses
grupos; situação que culminou, em diversos níveis, na caracterização de políticas
públicas que se espelhassem nas conquistas derivadas dessa lei.
Se, a constituição de programas de atendimento aptos a contribuir para o
desenvolvimento de novas estratégias de atenção às necessidades dos
adolescentes em conflito com a lei, em muitas localidades, ainda não passam de
tentativas isoladas de adequação ao ECA, no Estado do Rio Grande do Sul, a
criação de novas instâncias administrativas e espaços institucionais, dedicados ao
atendimento sócio-educativo dos adolescentes em conflito com a lei, encontra-se em
processo de evolução.
Mas, o que determina o ECA, especificamente, quanto à infração, por parte
dos adolescentes? Vejamos:
Art. 112 Verificada a prática de ato infracional a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º – A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua
capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a
prestação de trabalho forçado.
48
§ Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental
receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas
condições.
Art. 113 – Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.
Art. 114 A imposição das medidas previstas nos incisos II e VI no
art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da
materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos
do art. 127.
Parágrafo único – A advertência poderá ser aplicada sempre que
houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria (CRESS,
2000, p. 76-7).
Em vista do exposto, e especificamente no que se refere aos incisos V e VI
do artigo citado – os quais prevêem, como medida aplicável ao adolescente autor de
ato infracional, a “inserção em regime de semiliberdade” ou a “internação em
estabelecimento educacional” – o Estado do Rio Grande do Sul procedeu, no ano de
1999, a uma grande transformação em sua existente estrutura de atendimento
aos adolescentes em conflito com a lei.
Até aquele ano, via de regra, as ações da então FEBEM (Fundação Estadual
do Bem-estar do Menor) surgiam aos olhos da população como na descrição
assinada pela então presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, incluída no chamado “Relatório Azul”
referente aos anos de 1999 e 2000, onde é destacado que o próprio termo “FEBEM”
possui uma conotação negativa, pois a maioria das referências a ele são, muitas
vezes, marcadas por acontecimentos “dramáticos”.
O problema FEBEM, segundo o relatório, é histórico e urgente, pois “desde a
sua fundação caracteriza-se pelo atendimento inadequado aos internos, calcando
suas ações na filosofia da repressão”. Nesse sentido, faz-se necessário ainda
consoante o relatório – “um reordenamento urgente da instituição, baseado na
pedagogia verdadeira da sócio-educação, à luz do Estatuto da Criança e do
Adolescente”. A partir dessas constatações, o relatório inclui que:
Em 10 anos do ECA, com certeza, avançamos na área da proteção,
com a criação dos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, políticas
públicas que respeitem a criança e o adolescente como cidadãos. No
entanto, na área da aplicação das medidas sócio-educativas, muito pouco
foi feito por esse Brasil a fora! (sic) O antigo e ultrapassado modelo
repressivo, baseado na tortura e na violação de Direitos Humanos continua
sendo aplicado nas Febens de todo o país.
49
[...]
Não existe, ainda, na Febem, um projeto de sócio educação
consistente, coerente com o ECA. Os adolescentes estão, quase sempre,
ociosos. Durante o ano, atividades sócio educativas são oferecidas,
ocasionalmente, de acordo com as possibilidades de convênios, através de
cursos pseudo profissionalizantes, que na maioria das vezes, são breves,
introdutores, sem continuidade, sem estágios práticos.
Em relação aos adolescentes usuários de drogas que chegam ao sistema é
identificada, no “Relatório Azul”, a o existência de um programa terapêutico
sistemático de atendimento para os dependentes de substâncias psicoativas. Isso,
segundo o Relatório, “é lamentável e desastroso, tendo em vista que 85% dos
jovens que ali ingressam são usuários de drogas”.
Consta do mesmo documento, ainda, que a instituição não apresenta uma
forma concreta de solução para aflições psíquicas vividas pelos adolescentes. E
mais, afirma que “enquanto não forem solucionados os problemas de infra-estrutura,
formação técnica e projeto sócio-educativo, ou seja, enquanto não for implementado
o estatuto da criança e do adolescente na Febem, episódios como os motins deste
fim de semana vão continuar acontecendo” (Relatório Azul, 2000, p. 42-43).
O quadro mencionado, reflexo de um momento específico da história do
atendimento dos adolescentes em conflito com a lei no Estado do Rio Grande do
Sul, não difere, em nenhum ponto, daquele demonstrado em reportagens atuais, que
se prestam à descrição da situação dos atendidos em instituições de diversos
pontos do país, inclusive no sistema FASE/RS.
No caso gaúcho, todavia, tal como ressaltado por Jardim et. al. (2004), um
princípio de transformação se impôs ainda no final do ano de 1999, pois, conforme
os autores:
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei
Federal 8069/90, houve a necessidade do reordenamento dos órgãos
públicos e entidades da sociedade civil que atuam na área da infância e da
juventude, com vistas à adequação aos novos paradigmas conceituais e
legais de atenção a esta população.
No Rio Grande do Sul, ao final de 1999, a então FEBEM, criada em
1969, foi desmembrada em Fundação de Proteção Especial – FPE – E
Fundação de Atendimento Sócio-Educativo FASE -, vinculadas à
Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, definindo o papel da
50
FASE no sistema de atendimento, como o órgão responsável pela execução
das medidas sócio-educativas de internação e semiliberdade.
O sistema sócio-educativo de internação e semiliberdade, hoje no
RS, conta com 16 unidades regionalizadas. Com o objetivo de uma maior
uniformidade metodológica e conceitual, sistematização nos procedimentos
e de diretrizes básicas sobre o atendimento, entre outras diferenciações no
funcionamento das unidades, ocorreu então a elaboração do Programa de
Execução das Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade no
RS, o PEMSEIS [...] (JARDIM et. al., 2004, p. 1).
Principal diferencial das políticas públicas de atendimento aos adolescentes
em conflito com a lei, no âmbito do RS, o PEMSEIS, conforme publicação creditada
à Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social dessa unidade da
federação, norteia-se pelos seguintes princípios:
a) a Unidade é um ambiente continente, que possibilita a ação sócio-
educativa a partir de relações institucionais fundamentadas em proposta
emancipatória, com os papéis de adultos e de adolescentes bem definidos,
mediados por um conjunto de regras claras, construídas participativamente;
b) a ação sócio-educativa é um processo de construção coletiva,
coordenada pelos adultos, que considera a experiência sócio-cultural dos
adolescentes e articula as experiências proporcionadas pelo contexto institucional;
c) o processo sócio-educativo é comprometido com a inclusão social e com
a transformação individual e coletiva dos seus protagonistas, da instituição e da
sociedade;
d) todos os funcionários da Unidade, como agentes institucionais na
execução da medida, m papel fundamental na efetivação do programa e o co-
responsáveis pelo planejamento, execução e avaliação;
e) o atendimento é organizado através de atividades terapêuticas e
pedagógicas que contemplam o adolescente em suas dimensões motoras,
cognitivas, relacionais, afetivas, éticas, simbólicas, estéticas e culturais;
51
f) a família é co-partícipe do atendimento e deve ser envolvida no processo
sócio-educativo para o resgate da função protetiva e de referência básica do
adolescente, contribuindo para o efetivo cumprimento da medida;
g) as relações institucionais visam à construção coletiva de direitos e
deveres e norteiam-se nos valores da solidariedade, da justiça social, da
honestidade, da não-violência, da responsabilidade e do respeito à diversidade
cultural, étnica, religiosa, de opção sexual e de gênero;
h) a instituição compõe a rede de atendimento ao adolescente e, como tal,
necessita buscar parcerias com outras instituições governamentais e não-
governamentais, a fim de realizar plenamente sua ação sócio-educativa;
i) a formação permanente dos agentes institucionais é elemento fundamental
para garantir a qualidade social do atendimento [...];
j) o Programa Pedagógico-Terapêutico é desenvolvido a partir do plano
individual de atendimento ao adolescente e de um conjunto de atividades que se
articulam e se complementam;
l) a avaliação da prática sócio-educativa é sistemática e participativa,
envolvendo todos os agentes do processo (internos e externos), com vistas à
melhoria permanente da qualidade social do atendimento (GOVERNO do Estado do
Rio Grande do Sul, 2002).
Em razão de particularidades como as inerentes aos princípios acima
demonstrados, a FASE tem obtido um respaldo positivo junto aos mais diversos
segmentos, como se pode verificar pelo conteúdo de matéria jornalística produzida
pela Agência Carta Maior, publicada em setembro de 2005, a qual compara as
políticas públicas de atendimento a adolescentes em conflito com a lei do RS com
suas similares paulistas:
O processo realizado na Febem do Rio Grande do Sul, desde o ano
2000, pode fornecer algumas contribuições para a instituição paulista, ainda
que a gaúcha seja muito menor, com 16 unidades e 1.075 adolescentes
52
internados. [...] O ponto de partida para o processo de mudança [...] foi um
planejamento estratégico a partir de um diagnóstico amplo da situação da
Febem-RS. mais de um ano a Fundação de Atendimento Sócio-
Educativo (Fase-RS), como passou a ser chamada a instituição, não
registra rebeliões, enquanto no primeiro semestre de 2005 foram
registradas pelo menos trinta em São Paulo.
Respaldo governamental, ajuda da sociedade civil, do Poder
Judiciário e Legislativo, adesão de grande parte dos funcionários à
proposta, investimento maciço em recursos humanos, planejamento
estratégico detalhado, com um objetivo final claro, e a centralidade da
construção de uma proposta pedagógica foram alguns dos elementos
fundamentais desse processo (SUCUPIRA, 2005, s.r.).
Porém, é importante mencionar que a FASE/RS, mesmo com as mudanças
de sistematização dos procedimentos e diretrizes básicas do atendimento aos
adolescentes em conflito com a lei, ainda possui alguns resquícios da antiga
FEBEM, pois o reordenamento faz parte de um processo histórico excludente e
contraditório.
Tal afirmação fica patente quando, na própria abordagem acerca da
implantação do PEMSEIS no Estado (incluída na publicação homônima, produzida
pela Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social do RS), procura-se
relativizar o processo de reordenamento, nos seguintes termos:
Cabe-nos esclarecer que o conteúdo aqui expresso faz parte das
diretrizes técnicas e políticas que têm direcionado nossa gestão frente à
Febem/RS, em grande parte implementadas, presentes inclusive na
linguagem já apropriada por grande parte de nosso corpo funcional. No
entanto, enfrentamos grande resistência ao processo de mudança que tais
conteúdos propõem à lógica institucional. Entendemos que nosso
adversário não está individualmente nas pessoas, mas sim na cultura
resistente que constitui a identidade da instituição Febem. Esta visão não é
um privilégio daqueles que estão dentro, e se expressa, inclusive, na
concepção contraditória que a sociedade nutre acerca dos jovens que estão
sob sua custódia (GOVERNO do Estado do Rio Grande do Sul, 2002, p.19-
20).
O texto refere ainda que o principal desafio para promover a inclusão social
dos jovens é realizar uma mudança social. Efetivamente, o que podemos constatar,
em relação ao projeto gaúcho de reordenamento do atendimento aos adolescentes
em conflito com a lei, é que o mesmo, alvo de uma construção coletiva rumo à
melhoria das condições sob as quais se articulam as relações sociais, no âmbito
daquele segmento específico, necessita evoluir.
53
Para que se façam cumprir, verdadeiramente, os pressupostos de seus
eixos norteadores que é o caso do PEMSEIS –, imprescindível o estabelecimento
de políticas públicas eficazes, no sentido da oferta de condições plenas de inserção
social, oportunidades de inclusão no mercado de trabalho e garantias de cidadania.
Dentre as várias lutas ainda a serem vencidas, ressalta-se a que diz respeito
à superlotação e a falta de cursos profissionalizantes nos estabelecimentos
dedicados à internação dos adolescentes em conflito com a lei, situação que
prejudica a proposta de atendimento do referido sistema.
A realidade da superlotação é identificável através dos dados dispostos nos
Quadros 1 e 2 (Apêndice A), os quais permitem que se visualize, além da
capacidade de atendimento (e seu esgotamento, em várias regiões do Estado), o
perfil populacional de cada uma das dezesseis unidades mantidas pela FASE na
atualidade.
O Quadro 3 (Andice A), por sua vez, detém-se sobre as diversas
modalidades de atos infracionais praticados pelos adolescentes em conflito com a
lei, atendidos pela FASE/RS no mesmo período (março de 2006), indicadores que
refletem, numa abordagem coletiva, aspectos do cenário de pesquisa apresentado a
seguir.
Apresentadas as principais características do modelo gaúcho referente às
políticas públicas de atendimento a adolescentes em conflito com a lei, a próxima
seção do presente estudo dedica-se à demonstração dos resultados da amostra
realizada, no âmbito do CASE de Santo Ângelo, com vistas à detecção de fatores
que comprovem a relação entre o consumo de substâncias psicoativas e a evasão
escolar, foco de minha investigação.
54
2.3 Consumo de drogas e evasão escolar entre os adolescentes em conflito
com a lei atendidos pelo CASE Santo Ângelo
Nesta parte, analiso a incidência do consumo de drogas entre os
adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, no ano de
2006, e a sua relação com a evasão escolar.
Como recurso para verificar a validade da hipótese atribuída ao presente
trabalho de pesquisa a correlação entre o consumo de substâncias psicoativas,
pelos adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, e
os indicadores de evasão escolar –, a corrente seção apresenta os resultados de um
levantamento de dados inserido no estudo de campo, formulado com vistas a
interpretar o conjunto de variáveis incidentes sobre uma realidade específica.
Considerada a proximidade com o universo de estudo onde desempenho
minhas atividades profissionais, bem como, a realização de uma prévia de estudos,
justifica-se a opção pelo estudo de campo. Nesse sentido, recorro a Gil (2002), para
quem, no estudo de campo:
[...] o pesquisador realiza a maior parte do trabalho pessoalmente, pois é
enfatizada a importância de o pesquisador ter tido ele mesmo uma
experiência direta com a situação de estudo. Também se exige do
pesquisador que permaneça o maior tempo possível na comunidade, pois
somente com essa imersão na realidade é que se podem entender as
regras, os costumes e as convenções que regem o grupo estudado (GIL,
2002, p. 53).
Em relação à técnica de pesquisa definida como levantamento, o mesmo
autor informa que “as pesquisas deste tipo caracterizam-se pela interrogação direta
das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer” (GIL, 2002, p. 50-1).
Convém referir que o trabalho de coleta de dados ocorreu em três etapas
que se constituíram na possibilidade de conhecer à realidade a ser analisada, com
procedimentos metodológicos adequados.
55
etapa aplicação de questionário (Apêndice B), junto à população-alvo
do estudo ora apresentado adolescentes em conflito com a lei, internos no CASE
de Santo Ângelo, no período de 24 de abril a 24 de maio de 2006, com vistas a
configurar um levantamento do total de indivíduos consultados (censo).
etapa a partir da constatação da presença, entre a população-alvo do
estudo, de indivíduos oriundos do município de Santo Ângelo, com passagem por
escolas dessa cidade, realização de entrevista (a partir da adesão a um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – Apêndice C) com a direção e coordenação das
mesmas, a fim de se obterem dados referentes a práticas de prevenção ao consumo
de substâncias psicoativas naquele contexto específico.
etapa realização de entrevistas com as instâncias superiores de ensino
do município de Santo Ângelo 14ª Coordenadoria Regional da Educação e a
Secretaria Municipal de Educação, conforme a constituição hierárquica das unidades
de ensino previamente consultadas (escolas municipais e estaduais) – também com
o emprego do Termo de Consentimento Livre e Informado (Apêndice C).
De acordo com a metodologia acima explicitada, serão descritos, a seguir,
os resultados da primeira etapa da pesquisa, desenvolvida junto aos adolescentes
em conflito com a lei, atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, conforme o
agrupamento das questões propostas, conforme segue: 1 Identificação; 2
Histórico familiar; 3 – Histórico de vinculação ao CASE; 4 – Relações com a temática
em estudo.
2.3.1 Identificação
Em resposta ao primeiro grupo de questões formuladas, incluídas no
instrumento de pesquisa anexo, obtive os indicadores abaixo apresentados,
demonstrados através dos Gráficos 1, 2 e 3, e dos Quadros 1, 2 e 3.
56
Neles apresentam-se a idade, o local de origem, o nível de escolaridade
quando do ingresso no sistema de atendimento e a situação estudantil dos
participantes da amostra quando do ingresso na instituição. No caso dos oriundos do
município de Santo Ângelo, consta, ainda, a última escola onde estudaram.
No que se refere à faixa etária dos adolescentes em conflito com a lei
incluídos na amostra realizada, no período circunscrito à pesquisa, as maiores
concentrações se localizavam entre indivíduos com 17 anos (38,98%), 16 anos
(22,03%) e 18 anos (20,34%), caracterizando-se, assim, uma população com idade
próxima ao limite aceito pela instituição, qual seja, 21 anos.
Também através dessas informações, é possível afirmar que a faixa etária
de 16 a 18 anos é a mais presente na Unidade. Diante disso, como estariam esses
adolescentes, caso fosse aprovada a proposta do rebaixamento da idade penal?
Saraiva traz a seguinte reflexão: “[...] que se afirmar que a discussão da questão
infracional na adolescência está mal focada, com, muitas vezes, desconhecimento
de causa (2005, p. 85)”.
Justificando a sua afirmação, o mesmo autor argumenta que:
Não se pode ignorar que o ECA instituiu no país um sistema que pode ser
definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de
sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas
evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do
garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal
enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal
Mínimo (2005, p. 85).
E numa reação ao atendimento dado no Brasil aos adolescentes infratores,
com as questões do sistema penitenciário, Saraiva afirma que:
A crise no sistema de atendimento a adolescentes infratores privados de
liberdade no Brasil só não é maior que a crise do sistema penitenciário, para
onde se pretende transferir os jovens infratores de menos de dezoito anos.
Esta crise, no sistema dos adolescentes, se agudiza quando os arautos do
catastrofismo, sob argumentos os mais variados, até mesmo de defesa dos
direitos humanos, deixam de demonstrar uma série de experiências
notáveis que se desenvolvem nesta área no país, passando uma falsa idéia
de inviabilidade do sistema de privação de liberdade de adolescentes.
(2005, p. 86)”.
57
Observe-se o gráfico abaixo:
Gráfico 1 – Faixa etária dos adolescentes em conflito com a lei ingressos no
CASE de Santo Ângelo
1,70%
5,08%
6,78%
3,39%
22,03%
38,98%
20,34%
1,70%
12
anos
13
anos
14
anos
15
anos
16
anos
17
anos
18
anos
19
anos
Idade
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Frente a esses dados, percebe-se que, se a proposta da diminuição da
idade penal vigorasse na época do levantamento de dados, 83,05% dos
adolescentes internos no CASE, que tinham 16 anos ou mais, estariam cumprindo
pena no sistema penitenciário, onde não é garantido o aspecto sócio-educativo. Isso
poderia ser motivo de maior problema social, com maiores dificuldades de
(re)inserção na sociedade, por vários fatores.
O gráfico abaixo identifica a cidade de origem dos adolescentes em conflito
com a lei, ingressos no CASE de Santo Ângelo, no período de 24 de abril a 24 de
maio. Se a lei da diminuição da maioridade penal já tivesse sido aprovada, a maioria
desses adolescentes estaria cumprindo pena nos presídios de seus respectivos
municípios.
58
Gráfico 2 – Cidade de origem dos adolescentes em conflito com a lei ingressos
no CASE de Santo Ângelo
20,34%
79,66%
Santo Ângelo Outra cidade
Local de origem
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
A amostra indicou a proeminência de indivíduos oriundos de cidades
incluídas na área de acolhimento do CASE Santo Ângelo (79,66%), ao passo que
20,34% dos participantes da amostra eram originados do próprio município-sede da
Unidade, sendo um maior percentual, naquele período, comparando com as demais
cidades de origem dos adolescentes.
Quadro 1 – Cidades de origem dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
Outra cidade
Cidade de origem Ocorrências
Percentual
Santa Rosa 7 14,89%
Ijuí 4 8,51%
Santo Augusto 4 8,51%
São Luiz Gonzaga 4 8,51%
Tenente Portela 4 8,51%
Cruz Alta 3 6,39%
Santiago 3 6,39%
Coronel Bicaco 2 4,25%
Horizontina 2 4,25%
Palmeira das Missões 2 4,25%
Três Passos 2 4,25%
Bossoroca 1 2,13%
Carazinho 1 2,13%
Giruá 1 2,13%
Guarani das Missões 1 2,13%
Jóia 1 2,13%
59
Porto Xavier 1 2,13%
Redentora 1 2,13%
Santo Antonio das Missões 1 2,13%
Soledade 1 2,13%
Não respondeu 1 2,12%
TOTAL 47 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Entre os atendidos oriundos de outros municípios, o grupo com número
maior pertence à cidade de Santa Rosa (14,89%), seguido de atendidos originados
das cidades de Ijuí, Santo Augusto, São Luiz Gonzaga e Tenente Portela (ambos
com 8,51% da amostra total). Destacaram-se, ainda, adolescentes em conflito com a
lei advindos de Cruz Alta e Santiago, municípios responsáveis por 6,39% dos
adolescentes.
A porcentagem maior de adolescentes oriundos dos municípios mais
populosos da nossa região é uma realidade constante no CASE, a exemplo do
histórico de uso e abuso de drogas licitas e ilícitas por parte deles. Nos municípios
menos populosos, a incidência de envolvimento com drogas ilícitas é menor, sendo
que a bebida alcoólica é utilizada de forma significativa por muitos.
No entanto, é importante mencionar que, poucos anos, o crack o era
usado pelos adolescentes das cidades atendidas pelo CASE de Santo Ângelo,
exceto pelos que tinham vivido na grande Porto Alegre/RS.
Em relação à evasão escolar, pode-se afirmar que não índices
diferenciados em relação às cidades em que residem. Esse problema parece
guardar estreita ligação com as condições do ensino em nível macro, pois há
situações de evasão escolar tanto em municípios pequenos, quanto em municípios
maiores. Até mesmo em escolas do meio rural.
Quadro 2 – Escolarização dos adolescentes em conflito com a lei, quando
ingressos no CASE de Santo Ângelo
Nível de escolaridade quando entrou no sistema de atendimento
Nível de escolaridade Ocorrências
Percentual
Ensino Fundamental (5ª série) 22 37,38%
Ensino Fundamental (6ª série) 9 15,25%
Ensino Fundamental (7ª série) 8 13,56%
60
Ensino Fundamental (4ª série) 7 11,85%
Ensino Fundamental (8ª série) 5 8,46%
Ensino Fundamental (1ª série) 3 5,07%
Ensino Fundamental (2ª série) 3 5,07%
Ensino Fundamental (3ª série) 1 1,68%
Ensino Médio (2º ano) 1 1,68%
TOTAL 59 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Em relação à escolarização, os dados revelaram um índice expressivo
referente a atendidos com a série do Ensino Fundamental (37,38%), seguidos por
um grupo com a série (15,25%), e outro com a série (13,56%). Merecem
menção, ainda, os 11,85% afirmaram ter a 4ª série do Ensino Fundamental.
Questionados quanto a estarem freqüentando uma instituição de ensino, na
data de ingresso no sistema de atendimento, verificou-se o seguinte gráfico:
Gráfico 3 – Situação estudantil dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
27,12%
72,88%
sim o
Estava estudando?
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
A grande maioria dos adolescentes em conflito com a lei, 72,88%, revelaram
que o se encontravam vinculados ao ensino regular; ao passo que 27,12%
afirmaram estar assistindo às aulas regularmente.
Se comparados com os indicadores derivados de levantamento promovido
em nível interno, no CASE de Santo Ângelo, junto a 99 atendidos, no período de 16
61
de janeiro de 2001 a 18 de fevereiro de 2002
10
, os dados acima descritos revelam
padrões equivalentes, apesar do fato de ambas as amostras terem sido marcadas
pela transitoriedade na internação de um grande número de atendidos, associadas,
principalmente, às decisões judiciais com base no ECA.
No entanto, é possível afirmar que um número significativo dos adolescentes
que chegam ao CASE não consegue permanecer no sistema escolar e possui
histórico de uso e abuso de substâncias psicoativas.
Em termos de ações concretas na prática escolar, Aquino - um estudioso
das “drogas na escola” traz, a priori, três alternativas sicas para a diminuição
desses riscos, quais sejam:
1 conhecimento científico: propõe o fornecimento de informações
sobre drogas de modo imparcial e científico. A partir dessas informões os
jovens poderiam tomar decisões racionais e bem fundamentadas sobre as
drogas.
2 – educação afetiva: defende que os jovens mais estruturados e
menos vulneráveis, do ponto de vista psicológico, são menos propensos a
se engajar num uso problemático de substâncias psicoativas. Constitui-se,
neste sentido, num conjunto de técnicas que visa melhorar ou desenvolver a
auto-estima, a capacidade de lidar com a ansiedade, a habilidade de decidir
e interagir em grupo, a comunicação verbal e a capacidade de resistir às
pressões de grupo.
3 oferecimento de alternativas: procura propiciar aos jovens
sensações de expansão da mente, crescimento pessoal, excitação, desafio
e alívio do tédio [...] por outros meios que não o consumo de drogas
(AQUINO, 1998, p. 27).
Além dessas três alternativas enumeradas pelo autor, há outras duas que
ele registra como ações concretas possíveis e que, se efetivadas, possivelmente
reverterão o quadro apresentado pelos adolescentes que chegam ao CASE:
1 – educação para a saúde: educar para uma vida saudável é a
proposta central desse modelo. Assim, orientar para uma alimentação
adequada, para atividades não propiciadoras de estresse, para uma vida
sexual segura [...], orientação sobre os riscos do uso de tabaco, álcool e
drogas também se faz presentes (Kliiiitzner e cols., 1991). Muitas vezes são
discutidos temas mais gerais, como poluição, trânsito e perigo atômico,
visando formar um estudante com consciência de algumas características
não saudáveis do mundo que o cerca e com capacidade de escolher uma
vida mais saudável pra si e sua comunidade.
10
OLCZEVSKI (2003). Realidade social dos adolescentes em conflito com a lei, internos no Case de
Santo Ângelo.
62
2 condições de ensino: defende que a vivência escolar,
particularmente a da pré-escola e do ensino elementar, vai ser fundamental
para um desenvolvimento sadio do adolescente e adulto (Kliiiitzner e cols.,
1991). Nessa medida, a ênfase não recai na prevenção do abuso de
drogas, mas na formação global de um jovem saudável. Suas estratégias
pretendem constituir-se, assim, em ações de prevenção à delinqüência, a
patologias mentais e também ao abuso de substâncias psicoativas. Sua
intervenção é intensiva, precoce e duradoura, apresentando grande
tendência para envolver pais e comunidade em suas atividades (AQUINO,
1998, p. 27 - 28).
Como se pode perceber, um grande leque de escolhas para atuar numa
perspectiva de prevenção ao uso de drogas. Assim, é possível acreditar que, quanto
mais realizado e consciente o jovem estiver, menores serão as chances de se
envolver patologicamente com drogas.
Uma escola inadequada e injusta pode constituir um fator propiciador do
abuso de drogas, e, nesse contexto, posso referir que os adolescentes internos no
CASE, assim como outras crianças e adolescentes, necessitam de uma escola
modificada. Nela, é importante substituir o enfoque disciplinador da guerra às drogas
por uma ênfase na formação discente, efetivamente.
Esses dados são preocupantes pois, os 27,42% dos adolescentes que
estavam na escola quando chegaram ao CASE, possivelmente o passaram por
uma prevenção ao uso de drogas, nos moldes apresentados anteriormente.
Os 72,88% que não estavam na escola quando chegaram ao CASE, por
outro lado, estavam ou estão, excluídos da possibilidade de ter a percepção sobre si
mesmos, do seu potencial produtivo, crítico e criativo, os quais, segundo Aquino,
“asseguram a estruturação de níveis de auto-confiança, competência, autonomia e
responsabilidade” (AQUINO, 1998, p.43).
Quadro 3 – Última instituição de ensino por onde passaram os adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE e oriundos de Santo Ângelo
última escola onde estudou:
Escola Ocorrências
Percentual
Ecola Estadual de Ensino Fundamental A 2 22,22%
Escola Municipal de Ensino Fundamental D 2 22,22%
Escola Estadual de Ensino Médio E 2 22,22%
Escola Diferenciada B 1 11,11%
Colégio Estadual C 1 11,11%
63
Escola Estadual de Ensino Fundamental F 1 11,11%
TOTAL 9 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
As escolas acima são estabelecimentos de ensino por onde passaram os
adolescentes que fizeram parte do universo da pesquisa de 24 de abril a 24 de maio.
São as que mais atendem aos adolescentes oriundos da cidade de Santo Ângelo
que chegam ao CASE, pois ficam localizadas próximas às comunidades da periferia,
onde os adolescentes residem.
A Escola Estadual de Ensino Fundamental A e o Colégio Estadual C, são
escolas de ensino fundamental e fundamental e médio, respectivamente, localizadas
em bairros com boa situação econômica, na zona norte da cidade, mas atendem
também alunos de algumas comunidades de baixa renda.
A Escola Estadual de Ensino Médio E e a Escola Estadual de Ensino
Fundamental F, são Escolas de ensino fundamental e supletivo, sendo que a
primeira é, também, de ensino médio. Estão localizadas na zona oeste, em bairros
com bom poder aquisitivo e também atendem a alunos advindos de comunidades de
baixa renda.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental D (até a 4ª série), está
localizada no oeste da cidade, é a única das escolas aqui mencionadas que funciona
dentro de uma comunidade de baixa renda; atende alunos de outros bairros que
também se encontram em situação de vulnerabilidade social.
A Escola Diferenciada B, de ensino supletivo, localizado no centro da
cidade, tem uma clientela com perfil bastante variado, principalmente no que se
refere à maturidade e experiência de vida. Atende a poucos adolescentes.
64
2.3.2 Histórico familiar
Nesta parte serão analisados os dados referentes às questões de histórico
familiar dos adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo
Ângelo, no período de 24 de abril a 24 de maio de 2006.
A amostra realizada permitiu a obtenção dos resultados expressos nos
Gráficos 4 e 5 e nos Quadros 4, 5 e 6, a seguir reproduzidos. Eles demonstram,
respectivamente, os vínculos familiares (ou o grupo de convívio imediato) e a
presença do consumo de substâncias psicoativas entre familiares, além de
indicadores referentes às modalidades de drogadição (legal e ilegal) detectadas
naquele âmbito, de acordo com o grau de parentesco.
Gráfico 4 – Perfil do grupo de convívio dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
16,95%
44,07%
6,78%
32,20%
pais mãe pai outros
Antes da internação, vivia com quem?
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Quadro 4 – Grupo de convívio dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
Outros
Descrição Ocorrências Percentual
Família de irmã / irmão 7 36,84%
Namorada / companheira 4 21,06%
Amigos 2 10,53%
Sozinho 3 15,79%
65
Avó 1 5,26%
Família de padrinhos 1 5,26%
Família de empregadores 1 5,26%
TOTAL 19 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
A grande maioria dos entrevistados convivia, antes da internação, apenas
com a e (44,07%) ou com o pai (6,78%), sendo que um número proeminente
(32,20%) afirmou viver com “outros”, categoria na qual se destacam, de acordo com
os dados coletados, a família de irmão ou irmã (36,84%), a casa de namorada ou
companheira (21,06%) e amigos (10,53%).
É relevante, ainda, o percentual (15,79%) de participantes da amostra que
disseram viver “sozinhos”, circunstância que, juntamente com os demais
indicadores, identifica a ausência de vínculos parentais estáveis.
que se ressaltar, também, a importância de verificar, no levantamento
agregado ao Apêndice D do presente estudo, a renda mensal da família com a qual
o adolescente vivia antes da internação.
Apesar de não ter sido focalizado na amostra atual, esse indicador
destinado a verificar a situação econômica dos atendidos pelo CASE de Santo
Ângelo descreve um cenário que, em maior ou menor escala, o parece ter se
modificado, nos três anos que separam ambos os levantamentos.
O grupo de baixa renda, representado por uma maioria de respostas
orientadas às opções “0,01 a 1” e “1,01 a 2” salários mínimos, conforme o
acompanhamento cotidiano que desenvolvi, pela minha atividade profissional no
CASE.
A partir de minha experiência profissional posso afirmar, ainda, que alguns
dos adolescentes que chegaram até a Unidade não conheceram o genitor ou com
ele não possuem vínculo. A maioria dos internos é assistida pela mãe, sendo que
muitos dos adolescentes permaneceram por determinados períodos de suas vidas
66
sob os cuidados dos avós maternos e/ou tios maternos. Outros residiram com vários
parentes.
Um mero significativo o possui bom relacionamento com os padrastos,
daí talvez a justificativa de residirem com parentes e, apesar de terem irmãos por
parte de pai e mãe, muitos não chegam a conhecê-los.
me interroguei se o uso de drogas e os delitos cometidos por esses
adolescentes podem ser também conseqüência da frágil relação que eles acabam
tendo com a figura do pai, o que poderia se transformar em uma nova proposta de
análise, visto que é notória a ausência do pai na vida desses adolescentes,
conforme apontamento do gráfico e também percepção empírica, já relatada.
Sobre esse aspecto, Carvalho faz uma reflexão:
Acima de tudo, políticas direcionadas para famílias chefiadas por
mulheres devem estar atentas para situações em que a mulher está em
situação de vulnerabilidade tanto por ser mulher quanto por ser chefe de
família. Nesse caso, quatro linhas básicas de ação deveriam merecer
atenção de planejadores e executores de políticas sociais. Inicialmente
seriam os programas de suporte à mulher trabalhadora em geral, como
creches comunitárias e no local de serviço, escolas de período integral,
programas de acompanhamento da criança no período extra-escolar,
programas e alternativas de alimentação comunitária etc.
Antes de mencionar as outras linhas básicas de ação propostas pela referida
autora, é importante dizer, ainda, que através dos diagnósticos realizados na
chegada do adolescente ao CASE observei que um mero expressivo de mães
desses adolescentes teve o primeiro filho na adolescência e a maioria delas passou
por vários relacionamentos conjugais, geralmente tendo mais filhos.
Os respectivos companheiros tinham envolvimento com alguma substância
psicoativa, um número expressivo com bebida alcoólica.
Carvalho continua:
Em segundo lugar seriam as ações para facilitar o cumprimento de
leis que determinam a participação do pai na manutenção da criança [...].
Em terceiro lugar, e mais difícil de se concretizar, seria, os programas de
67
incentivo à geração de renda e trabalho para mulheres chefes de família.
Finalmente, em quarto lugar, estariam ações de prevenção e controle de
gravidez, principalmente as voltadas para a adolescência. (CARVALHO,
1998, p. 88, 89).
Muitos autores defendem que a baixa qualidade de vida é um fator
preponderante ao uso e dependência de substâncias psicoativas. No entanto,
verifica-se que em todas a camadas sociais há o consumo de drogas. Assim,
podemos considerar que as drogas acabam servindo como fuga de variadas
situações hostis.
Em relação aos indicadores do consumo de drogas entre os familiares dos
adolescentes ingressos no CASE, chama a atenção o gráfico seguinte:
Gráfico 5 – Indicadores do consumo de drogas entre os familiares dos
adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
89,83%
10,17%
sim o
Na sua falia, alguém é usuário de drogas?
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Nesse gráfico ficou configurado que 89,83% dos familiares dos adolescentes
são usuários de drogas. É preciso registrar, no entanto, que esses dados estão
relacionados a todo conjunto do grupo familiar, conforme identificado no quadro 5, e
que as drogas utilizadas são drogas lícitas. as ilícitas, conforme quadro 6, não
são usadas pelos pais dos adolescentes.
68
Quadro 5 – Uso de substâncias psicoativas (lícitas) por familiares dos
adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Em caso positivo, quem?
Grau de Parentesco Citações Percentual
Pai 18 28,13%
Mãe 15 23,44%
Irmão / irmã 15 23,44%
Tio/tia 8 12,50%
Padrasto 4 6,25%
Avô / avó 2 3,12%
Cunhado / cunhada 1 1,56%
Primo / prima 1 1,56%
TOTAL 64 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Quadro 6 – Uso de substâncias psicoativas (ilícitas) por familiares dos
adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Em caso positivo, quem?
Grau de Parentesco Citações Percentual
Irmão / irmã 8 61,54%
Tio / tia 3 23,08%
Primo / prima 2 15,38%
TOTAL 13 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
O cômputo dos dados permitiu a seguinte leitura: no que se refere às drogas
lícitas, destaca-se o consumo por parte da figura paterna (com 28,13% das
citações), bem como da mãe e de irmãos e/ou irmãs (ambos com 23,44% dos
resultados), seguido de tios e/ou tias (com indicador de 12,50%).
no que tange ao consumo de drogas ilícitas, o quadro se modifica, sendo
que os percentuais mais elevados derivam, respectivamente, do relato de uso por
parte de irmãos e/ou irmãs (com 61,54% das respostas), bem como por tios e/ou tias
(23,08% das respostas). Em menor proporção, mas não menos relevante (15,38%),
figura o consumo de drogas ilícitas por primos e/ou primas.
A pesquisa demonstrou que os responsáveis pelos adolescentes não fazem
uso de drogas ilícitas. No entanto, quando existe uma figura masculina na vida
desses adolescentes, é comum que esta apresente dependência de bebida
alcoólica.
69
A citação de Bucher confirma essa realidade:
A pessoa que vive em condições sociais tão precárias a ponto de passar
fome, estará obrigatoriamente em contato com outros problemas e outras
restrições: falta de perspectivas profissionais; dificuldades de
relacionamento humano decorrentes da situação social (por exemplo,
discriminação); problemas de saúde; dificuldades de acesso à informão e
à formação cultural
(BUCHER, 1988, p. 35).
Diante da precariedade da vida que levam, esses jovens estão alijados das
condições efetivas de encarar os problemas decorrentes do mundo em que vivem.
Além disso, Bucher reflete:
Isto terá repercussões em sua vida emocional, gerando sentimentos mais
ou menos duradouros de angústia, nervosismo, desânimo e tristeza que
poderão ser minorados através do uso de drogas psicotrópicas. Na medida
em que estas dificuldades sociais são difíceis de superar, o uso de drogas
motivado por uma crise de angústia pode tender a se cronificar, na direção
de uma verdadeira dependência (1988, p. 35)
Não são poucas as dificuldades no cotidiano da vida. No entanto, essa
situação tende a, cada vez mais, aprofundar os problemas e da mesma forma
radicalizar-se na busca do alívio. Recorrer às drogas, portanto, pode identificar
diversas situações de crise social.
Assim, ocorre no interior de grupos que são isolados, mas que seguem
determinadas ideologias, por exemplo, de revolta contra uma cultura dominante, o
que lhes confere uma certa coesão, apesar de toda a exclusão. A droga, para esses
grupos, pode também ser um instrumento de coesão.
2.3.3 Histórico de vinculação ao CASE
O terceiro grupo de questões que faz parte da investigação realizada está
voltado a esclarecer o histórico de vinculação dos sujeitos da pesquisa à instituição
e revelou o cenário demonstrado através dos Gráficos 6, 7, 8 e 9 e do Quadro 7.
70
Gráfico 6 – Modalidade de internação dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
69,49%
28,82%
1,69%
indeterminado provisório regressão de
medida
Modalidade de internação na unidade
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Em sua maioria (69,49%), trata-se de internos integrados ao sistema CASE
por tempo indeterminado, de acordo com a decisão judicial associada ao
atendimento sócio-educativo. Do total de adolescentes em conflito com a lei,
participantes da amostra, 28,82% vinculam-se ao CASE Santo Ângelo sob a
modalidade de internação provisória e 1,69% através da regressão de medida.
O adolescente submetido à medida de internação por tempo indeterminado
terá de permanecer em situação de privação de liberdade pelo período máximo de 6
meses até sua situação ser reavaliada, havendo a possibilidade de permanecer
internado por até 3 anos.
O Juizado Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo leva em
consideração três aspectos principais para definir o desligamento ou não do
adolescente que cumpre a medida de internação. São eles: a natureza do delito; a
situação familiar (daí a necessidade de, em alguns casos, no período de internação
do adolescente haver intervenção do CASE junto a sua família de referência) e; a
situação institucional do interno no período de cumprimento da medida
(comportamento junto a seus iguais e funcionários, comprometimento com as
propostas educativas do sistema, entre outros).
71
A internação por tempo provisório, antes da sentença, não poderá
ultrapassar 45 dias, sendo que o adolescente somente ficará mais tempo internado
por determinação judicial fundamentada.
A internação por regressão de medida ocorre quando o adolescente deixou
de cumprir qualquer outra medida em meio aberto (Liberdade assistida e/ou
Prestação de Serviço à Comunidade). Essa medida não poderá ultrapassar o prazo
de 3 meses.
Levando em consideração minha experiência profissional, posso afirmar que
não em nosso Estado um local adequado para atender adolescentes em conflito
com a lei que estejam em situação de sofrimento psíquico.
Também, a estrutura física do CASE de Santo Ângelo, como de outras
Unidades de nosso Estado, e possivelmente do país, não oferece espaço físico
condizente para que os adolescentes sejam separados por critérios de idade,
compleição física e gravidade da infração, conforme prevê o ECA.
As medidas sócio-educativas em meio aberto o de responsabilidade dos
municípios, porém, dos 87 que integram a Comarca Santo Ângelo, apenas 7 (Santo
Ângelo, Santa Rosa, Ijuí, São Luiz Gonzaga, Cruz Alta, Santiago e Três Passos)
estão em processo de estruturação das medidas de Liberdade Assistida e Prestação
de Serviço à Comunidade, conforme consignações do ECA (Art. 117 e 118).
O gráfico a seguir evidencia que os delitos mais cometidos pelos
adolescentes, no período da pesquisa, são contra o patrimônio:
72
Gráfico 7 – Tipos de delitos cometidos pelos adolescentes em conflito com a
lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
60,66%
37,70%
1,64%
delito contra o
patrimônio
delito contra a vida delito contra os
costumes
Razão(ões) da internação
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Entre as causas da internação, e em especial no que se refere ao tipo de
delito cometido, os atendidos se distribuem da seguinte forma: 60,66% (o maior
índice) cumprem medida sócio-educativa em razão de delito contra o patrimônio
(modalidade onde se incluem o roubo, o furto e o latrocínio); 37,70% dos
entrevistados, por sua vez, respondem por crime contra a vida (representado por
lesões corporais e homicídio), enquanto um número muito pequeno (1,64% dos
internos) possui histórico de delito contra os costumes (categoria na qual se
sobressaem o estupro e o atentado violento ao pudor).
Em se tratando de delitos, é imprescindível refletir sobre a violência. Esta,
segundo Sanchez, advém também a partir da primazia da política econômica em
detrimento da área social:
Assim sendo, sem negar os grandes avanços tecnológicos e científicos, e
os benefícios que deles provêm, não se pode deixar de se enfatizar que as
condições de vida de uma parcela significativa da população brasileira
refletem a violência estrutural, campo fértil de toda a sorte de atos violentos
(SANCHES apud MINAYO; SOUZA, 1999, p. 30).
É possível prevenir a violência a partir de uma melhor distribuição de renda,
com uma educação de qualidade e com a garantia dos direitos sociais sicos para
todos os cidadãos.
73
Em contrapartida, conforme registrado a partir das pesquisas
apresentadas neste trabalho, o mero de internações no sistema FASE está
aumentando de forma significativa. Por quê?
É possível argumentar que:
Neste sentido, evidencia-se a contradição essencial da sociedade
capitalista: por um lado, o trabalho produzido coletivamente e, por outro, a
apropriação privada dos frutos desse trabalho por uns poucos,
escamoteando a grande maioria do processo. De acordo com a autora, a
questão social, sendo desigualdade, é também rebeldia, pois os sujeitos
não apenas vivenciam as desigualdades, mas também resistem a ela e se
opõem (FRAGA, 2003, p. 08)
Em Fraga (ibidem), mais uma vez constatação de que a violência juvenil
é também um problema social estrutural. Vivemos em uma sociedade de consumo,
onde poucos têm acesso a esse estilo de vida.
Gráfico 8 – Nível de reincidência dos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
37,29%
62,71%
sim o
É reincidente?
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Os dados revelam que, do grupo participante do levantamento realizado,
37,29% dos adolescentes em conflito com a lei são reincidentes junto ao sistema
CASE, ao passo em que os demais (62,71%) se encontram sob a tutela da
instituição pela primeira vez.
74
Tal cenário, no entanto, não pode ser visto como um indicativo de ausência
de demandas jurídicas anteriores. Vejamos os resultados representados abaixo.
Gráfico 9 – Trajetória de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Quadro 7 – Instituições de atendimento inclusas na trajetória dos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Em caso positivo, qual(is)?
Descrição Citações Percentual
Medida Sócio-Educativa – Meio aberto 14 35,00%
Abrigos 13 32,50%
CASEs 10 25,00%
Hospitais / comunidades terapêuticas / clinicas
de desintoxicação
03 7,50%
TOTAL 40 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Praticamente a metade dos entrevistados (49,15%) informou ter
passagem por outra instituição dedicada ao atendimento sócio-educativo. Entre elas,
destacam-se diversos centros voltados a esta atividade (35%), abrigos (32,50%),
unidades do sistema CASE (25%) e, em menor grau, instituições de atendimento
terapêutico, em especial as que oferecem serviços de desintoxicação de substâncias
psicoativas (7,50%).
49,15%
50,85%
48,00%
48,50%
49,00%
49,50%
50,00%
50,50%
51,00%
sim não
Há registro de passagem por outra instituição?
75
É importante refletir sobre o dado que se refere à porcentagem de 7,50% de
adolescentes ingressos no CASE que passaram pela prevenção terciária, sendo um
número ínfimo diante da quantidade de adolescentes que fazem uso abusivo de
drogas.
Em nossa região, não Comunidade Terapêutica pública; todas possuem
relações com ideologias religiosas, muitas sem nenhum profissional especializado
para tratar tal questão.
Os meros constantes do levantamento que realizei, no período de 16 de
janeiro de 2001 a 18 de fevereiro de 2002
11
, descrevem a realidade de 99
adolescentes em conflito com a lei, atendidos pelo CASE de Santo Ângelo.
Em relação à problemática ora analisada, faz-se necessário reproduzir os
indicadores referentes à quantidade de ingressos dos atendidos, que configuravam
padrões semelhantes aos ora apresentados, mas que revelam um número
expressivo (25%) de casos de 2º ingresso na instituição, ao lado dos seguintes
percentuais: 3º ingresso (8%); 4º ingresso (2%), e; 5º ingresso (1%).
A mesma amostra, inserida entre os Apêndices do presente estudo,
demonstrou que, naquele grupo, como no ora analisado, o histórico de passagem
por instituições voltadas ao cumprimento de medidas sócio-educativas em meio
aberto é um fator predominante, sendo que, entre os sujeitos abordados nos anos
de 2001 e 2002, os principais indicadores diziam respeito à prestação de serviços
pela comunidade, internação e liberdade assistida.
Não se pode desconsiderar, também, que alguns adolescentes, após
completarem a maioridade, acabam no sistema prisional. No entanto, o em
nossa região nenhuma pesquisa sobre tal questão.
No próximo item, serão analisadas questões referentes à especificidade da
temática em estudo.
11
OLCZEVSKI (2003). Realidade social dos adolescentes em conflito com a lei, internos no Case de
Santo Ângelo.
76
2.3.4 A drogadição e a evasão escolar
O quarto e último grupo de questões, constantes do instrumento de pesquisa
aplicado, está organizado em torno da temática da drogadição e suas correlações
com a evasão escolar.
Através dele foi possível a configuração do seguinte cenário, representado
através dos Gráficos 10 e 11 e dos Quadros 8, 9, 10, 11 e 12, abaixo reproduzidos.
Conforme se pode verificar, a questão em relação à presença de substâncias
psicoativas no grupo apresenta-se assim:
Gráfico 10 – Indicadores do consumo de drogas entre os adolescentes em
conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
94,92%
5,08%
sim o
É usuário de drogas?
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Quadro 8 – Substâncias psicoativas (lícitas) consumidas pelos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Em caso positivo, qual(is)?
Substância Citações Percentual
Cigarro 45 61,64%
Álcool 28 38,36%
TOTAL 73 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
77
Quadro 9 – Substâncias psicoativas (ilícitas) consumidas pelos adolescentes
em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Em caso positivo, qual(is)?
Substância Citações Percentual
Maconha 45 44,12%
Cocaína 27 26,48%
Crack 11 10,78%
Cola de sapateiro 09 8,82%
Loló 05 4,90%
Benzina 03 2,94%
Lança-perfume 01 0,98%
Haxixe 01 0,98%
TOTAL 102 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Praticamente todos os entrevistados (94,92%) afirmaram fazer uso de
drogas, lícitas e ilícitas, mesmo que o regularmente. Entre as substâncias
psicoativas com maior número de citações, encontram-se, no grupo das drogas
lícitas, o cigarro (61,64%) e o álcool (38,36%); no grupo das drogas ilícitas, se
sobressaem a maconha (44,12%), a cocaína (26,48%) e o crack (com 10,78%).
Foram mencionados, ainda, nos instrumentos de pesquisa aplicados aos
adolescentes em conflito com a lei, a cola de sapateiro, o loló, a benzina, o lança-
perfume e o haxixe, com menores índices.
É importante ressaltar, frente aos dados listados, que o seu mputo levou
em conta o número de citações feitas pelos entrevistados (situação que permitiu a
concomitância de uso de substâncias lícitas e ilícitas, em um mesmo indivíduo, bem
como o emprego de mais de uma categoria por sujeito).
Foi possível perceber que a maconha ainda é a droga mais utilizada pelos
adolescentes que chegam ao CASE e, conforme mencionado, o crack está, aos
poucos, fazendo parte da vida desses jovens, o que não acontecia em períodos
anteriores.
Quanto aos percentuais de adolescentes que afirmaram ter feito uso de
substâncias psicoativas, os números da amostra de 2003 (75%) e de 2006 (94,92%)
78
fazem supor que, entre drogas lícitas e ilícitas, houve uma potencialização do
acesso entre os sujeitos.
Porém, é pertinente considerar que na pesquisa de 2003 somente foram
computadas as drogas ilícitas e nesta última pesquisa, no percentual de 94,92%,
estão incluídas também as drogas lícitas utilizadas pelos adolescentes.
Os diagnósticos que realizei como assistente social do CASE confirmam que
a grande maioria dos adolescentes que assume envolvimento com drogas é
dependente das substâncias de que fizeram uso, pois freqüentemente faziam uso da
(s) droga(s) e apresentavam desejo e tentativas frustradas de controlar o uso. Muitos
chegaram a cometer atos infracionais para poder obter a droga e um número
significativo cometeu delitos sob o efeito de drogas.
Quase todos que eram dependentes de alguma droga (exceto do tabaco)
abandonaram atividades sociais (família, igreja e escola) e um mero significativo
apresentou, no início da privação da liberdade, características de abstinência
(conjunto de sintomas fisiológicos e psicológicos quando se deixa de utilizar
bruscamente uma droga).
Alguns, enquanto estavam em liberdade, apresentaram tolerância acentuada
(necessidade de utilizar doses maiores ou drogas mais pesadas para obter o efeito
desejado) e um percentual significativo, apesar dos problemas gerados, fazia uso
continuado dessas drogas antes da privação da liberdade.
Outro ponto, incluído na amostra de 2003, revela que 41% dos entrevistados
cometeram delitos sob o efeito de drogas. Entre as substâncias psicoativas mais
citadas, destacam-se maconha (25%) e as bebidas alcoólicas (29%), também com
percentuais elevados no levantamento atual (44,12% e 38,36%, respectivamente).
Foi a partir dessas informações que verifiquei os danos que as drogas
causam à vida de adolescentes como os que chegam ao CASE. Fui, então,
instigada a problematizar algumas questões referentes ao uso de substâncias
psicoativas, sendo a pesquisa quantitativa um dos instrumentais que utilizei.
79
Quadro 10 – Local / situação do primeiro contato com substâncias psicoativas,
de acordo com os adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de
Santo Ângelo
Onde travou contato com as drogas?
Descrição Citações Percentual
Local público (rua, praça) 25 42,37%
Festa / baile / bar 12 20,34%
Em casa 05 8,47%
Casa de amigo(s) 04 6,79%
Escola 04 6,79%
Outro local / situação 03 5,09%
Campo de futebol / quadra de esportes do
bairro
03 5,08%
Não respondeu 02 3,38%
Instituição de atendimento sócio-educativo 01 1,69%
TOTAL 59 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
No que tange à questão relacionada ao local / situação referente ao primeiro
contato com as substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas), os dados evidenciam que,
42,37% dos adolescentes entrevistados, fizeram uso de alguma droga em locais
públicos (ruas ou praças), ao passo que 20,34% o fizeram em atividades ligadas ao
lazer e diversão (festas, bailes, bares).
São relevantes, ainda, os indicadores do primeiro contato na própria casa
(8,47%), na casa de amigos e na escola (ambos com 6,79% dos resultados
computados).
Quadro 11 – Padrão de envolvimento referente ao primeiro contato com
substâncias psicoativas, de acordo com adolescentes em conflito com a lei
ingressos no CASE de Santo Ângelo
Com quem?
Descrição Citações Percentual
Amigos 46 77,97%
Parentes 07 11,87%
Sozinho 02 3,39%
Não respondeu 02 3,39%
Colegas 01 1,69%
Desconhecidos 01 1,69%
TOTAL 59 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
80
Quanto ao padrão de envolvimento relacionado ao local / situação do
primeiro contato com as substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas), suscitado pela
pergunta “com quem usou drogas pela primeira vez?”, 77,97% dos sujeitos que
afirmaram fazer uso delas, dizem ter-se iniciado na drogadição em companhia de
amigos, enquanto 11,87% vinculam a situação em companhia de parentes.
Os resultados descritos confirmam que o adolescente necessita do grupo
para afirmar-se como igual; dentro desse quadro pode surgir a droga, no entanto,
conforme a contribuição de Bucher (1988):
Existe uma idéia corrente difundida de que o grupo é responsável por
perverter o jovem. É imprescindível ressaltarmos que isso nem sempre
acontece. Por exemplo, se o adolescente não teve oportunidade de fazer
uma sólida identificação com as figuras parentais, no momento em que ele
ampliar o seu círculo de relações, a dificuldade vai se tornar visível. Como
ele não teve oportunidade de se estruturar bem até esse momento, a
qualidade do grupo que ele escolher retratará o que eshavendo (1988, p.
28, 29).
Assim, levando em consideração alguns aspectos da realidade da família
dos adolescentes que chegaram ao CASE, fruto de um sistema apático às
expressões das questões sociais, é possível compreender o alto índice de uso de
substâncias psicoativas por esses adolescentes, os quais fizeram uso de drogas,
pela primeira vez, em variados locais e, a grande maioria, com o grupo de amigos.
Finalmente, no que diz respeito ao acesso à prevenção ao uso de drogas,
nas instituições de ensino por onde passaram os adolescentes em conflito com a lei,
avalie-se o gráfico a seguir.
81
Gráfico 11 – Acessos a atividades de prevenção às substâncias psicoativas
relatados pelos adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de
Santo Ângelo
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
Foi possível verificar que 54,24% dos entrevistados responderam
negativamente à questão formulada. Os demais, 45,76%, afirmaram terem sido
alvos de projetos e/ou programas de prevenção e combate às substâncias
psicoativas.
Em relação à amostra previamente efetuada (cujos resultados encontram-se
agrupados no
Andice D
), é interessante observar os indicadores referentes à
questão “principais motivos que levaram os adolescentes a deixar de freqüentar a
escola”.
Elas sinalizam, em larga escala, para o conteúdo dos depoimentos incluídos
no Capítulo 3 do presente estudo, o qual aborda, a partir do cruzamento das falas
dos adolescentes em conflito com a lei, participantes da amostra atual e dos
responsáveis pelas instituições de ensino freqüentadas por eles, isto é, o cenário
relativo às estratégias de prevenção empregadas.
Assim, entre os resultados levantados em 2003, a falta de interesse aparece
com 63% do total das respostas, enquanto fatores como influência externa (7%) e
trabalho (17%) definem as causas da evasão escolar.
45,76%
54,24%
40,00%
42,00%
44,00%
46,00%
48,00%
50,00%
52,00%
54,00%
56,00%
sim não
Na(s) instituição(ões) de ensino onde estudou,
participou de algum tipo de prevenção às drogas?
82
Percebemos, também, que em comparação aos dados atuais, a população
integrante da amostra realizada em 2003 se divide, quanto ao fato de terem recebido
informações prévias sobre os riscos causados pelas drogas, em 84,85% (que
afirmaram ter participado de atividades de prevenção), e 15,15% (que não o
fizeram), indicadores elevados em relação à amostra atual (que apontou um
considerável percentual negativo – 54,24%).
Muito se fala em educação. No entanto, dados como os aqui apresentados,
referentes à evasão escolar e prevenção ao uso de drogas nas escolas públicas,
mostram, no mínimo, uma distância entre a escola pública e os interesses e
necessidades de um número significativo de seus alunos.
Essa constatação é preocupante, pois o enfrentamento de problemas sociais
como a fome, a miséria, a injustiça e a violência passam, necessariamente, por
investimentos sérios no ser humano, por parte da família, da escola e das esferas
públicas. Conforme Teles (2001):
[...] quem é amado, sabe amar; quem é compreendido, sabe
compreender; quem tem experiência de sucesso em alguma coisa, pode
acreditar em si próprio. quem é aceito, aprende a aceitar. Como pode
alguém se sentir digno e íntegro se não é tratado com dignidade e
integridade? (p. 37).
Para prevenir o uso de drogas por parte dos jovens, é imprescindível levar
em conta a vulnerabilidade do grupo. As estatísticas são conclusivas: jovem, sexo
masculino, pouco integrado ao convívio e com baixo reconhecimento social (amor,
compreensão, respeito, dignidade) possui maior vulnerabilidade como um grupo de
risco, para o consumo de drogas. Nesse contexto, é possível incluir os adolescentes
que chegam ao CASE, pois um número significativo faz uso abusivo de drogas e é
evadido do sistema escolar.
Entendo que reconhecer os aspectos envolvidos na contextualização do
problema das drogas na sociedade é um fator estratégico para implementar
programas de prevenção no âmbito escolar.
83
Porém, nas escolas públicas por onde passaram os adolescentes do CASE,
parece que tal compreensão não existe. Palestras isoladas, desarticuladas do
contexto de vida dos adolescentes, não garantem um desenvolvimento saudável
desses adolescentes.
Quadro 12 – Modalidades de prevenção às substâncias psicoativas relatadas
pelos adolescentes em conflito com a lei ingressos no CASE de Santo Ângelo
Com quem?
Descrição Citações Percentual
Palestras 18 69,23%
Atividades em sala de aula 05 19,23%
Diálogo com a direção da escola 03 11,54%
TOTAL 26 100%
Fonte: Olczevski, L. Trabalho de Campo - 24 de abril a 24 de maio de 2006.
O quadro mostra que os adolescentes ingressos no CASE participaram de
atividades relativas à prevenção ao uso de drogas nas escolas pelas quais
passaram, vinculadas a palestras (69,23%), a atividades curriculares (19,23%) e a
diálogos com a direção da escola (11,54%).
A partir dos resultados ora expressos, os quais permitem a configuração de
um padrão médio relativo à conduta dos adolescentes em conflito com a lei
participantes da amostra atual, frente à problemática da drogadição, a evasão
escolar e as estratégias de prevenção mantidas pelos estabelecimentos de ensino
citados no levantamento, a próxima seção do presente estudo busca aprofundar tal
panorama, a partir da produção acadêmica recente, dedicada à análise das
temáticas aqui reunidas.
84
3 DROGADIÇÃO E EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO PÚBLICO DO MUNICÍPIO
DE SANTO ÂNGELO (RS)
Eu peso conforme o tempo
Eu danço conforme o passo
Eu passo conforme o espaço
Eu como conforme posso
Eu sinto conforme o mundo
Mas no fundo
Eu não me conformo.
(Martha Medeiros)
Tomando como epígrafe os versos de Martha Medeiros, reitero que o
inconformismo do adolescente é uma característica da modernidade.
Nos capítulos 1 e 2 do presente estudo, refleti, a partir de contribuições da
literatura acerca do fenômeno da drogadição na sociedade contemporânea, sobre os
efeitos que esse produto cultural produz nos adolescentes. Essa reflexão norteou
uma análise sobre o universo de pesquisa a que me propus, relativo aos
adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo/RS.
Em face das temáticas ligadas ao uso de substâncias psicoativas por
sujeitos incluídos naquele grupo, percebi que, entre os variados elementos que
incidem sobre o contexto investigado, a evasão escolar se sobressai como foco
capaz de aproximar as realidades da escola e das políticas públicas de atendimento
sócio-educativo. Tomando como referência o exposto, o presente capítulo busca
refletir sobre o uso de substâncias psicoativas e a evasão escolar.
Para tanto, são mobilizadas, a seguir, as falas de adolescentes em conflito
com a lei, participantes da amostra realizada no período de 24 de abril a 24 de maio
de 2006. De igual maneira, como recurso para o esclarecimento das principais
demandas a partir das quais se constituiu o projeto de pesquisa ora sistematizado,
os depoimentos dos responsáveis pelas instituições de ensino de Santo Ângelo
incluídas em seu itinerário educacional.
85
3.1 Prevenção às substâncias psicoativas na escola, sob a ótica dos
adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo
Incluída no instrumento de pesquisa referido, a questão “na(s)
instituição(ões) de ensino onde estudou, participou de algum tipo de prevenção às
drogas?” (a qual resultou no Gráfico 11, que está na página 81) permitiu uma
primeira aproximação com a temática central do presente estudo, no que se refere à
influência da prevenção às substâncias psicoativas sobre os indicadores de evasão
escolar, entre os sujeitos pertencentes ao universo de estudo.
Conforme pude constatar, 54,24% dos entrevistados afirmaram não ter
participado de nenhuma atividade específica de prevenção às substâncias
psicoativas, na escola. Esse fato indica a deficiência, naqueles estabelecimentos
públicos, de práticas dirigidas ao esclarecimento do tema.
Os 45,76% restantes, indicaram que quando tais situações se fizeram
presentes ocorreram, em sua maioria, sob a forma de palestras, de atividades em
sala de aula e diálogos com a direção da escola.
Partindo-se desse cenário, evidencia-se o que se pode definir como “práticas
formais” de prevenção na escola, as quais se caracterizam pela inserção, no
currículo, de estratégias de esclarecimento sobre as drogas, ou mesmo pela
intervenção individualizada de membros da equipe diretiva.
A questão seguinte: “das pessoas que você conheceu, qual você acredita
que tenha melhor abordado a questão das drogas, nas escolas onde passou antes
da internação?”, focalizou a influência de possíveis vínculos, construídos no espaço
da escola, incluídos na trajetória pessoal dos adolescentes em conflito com a lei
consultados.
Nesse sentido, as falas a seguir reproduzidas descrevem, efetivamente, nas
escolas por onde passaram os atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, a emergência
86
de situações de enfrentamento das demandas geradas pelos adolescentes, antes de
sua internação.
Configura-se um quadro de “prevenção informal” que será, posteriormente,
analisado frente ao discurso institucional mantido pelas unidades de ensino situadas
naquele município.
É importante ressaltar, ainda no âmbito dos depoimentos abaixo transcritos,
que podem ser agrupados em três grandes eixos: o que se refere à intervenção de
professores, diretores e funcionários das escolas.
Em última instância, todos permitem a constatação de que, mesmo que não
haja um planejamento sistemático de ação contra as drogas no ambiente escolar
referido, esta se faz presente no cotidiano, em especial, através das trocas pessoais
mantidas no espaço da escola.
Dessa forma, em relação ao primeiro eixo referido (
professores
), destacam-
se as seguintes falas dos adolescentes que relatam o que ouviram de seus
professores (as) na escola. Os depoimentos grifados se referem a falas de
adolescentes oriundos do município de Santo Ângelo:
[...] que o caminho que eu andava não ia certo, eles sabiam que eu tava
aprontando... que não era pra me envolver com drogas... eu acho que a
escola não me ajudô a eu não usá drogas (adolescente oriundo do
município de Santa Rosa, 17 anos).
[...] as professora falavam que não era bom usá droga... não lembro quem
falô melhor comigo sobre isso... a maconha me levô pra FEBEM... aqui o
cara fica pensando (adolescente oriundo do município de Ijuí, 18 anos).
[...] ele dizia que não era pra mim me envolvê com as más companhias, usá
droga, ele me colocô numa escolinha de futebol (adolescente oriundo do
município de Santo Ângelo, 17 anos).
[...] ela disse que o cigarro, as drogas, trariam coisas ruim pra mim, ela
disse que ela também fumava, até que um dia ela botô na cabeça que ia
pará e parô (adolescente oriundo do município de Santo Ângelo, 16 anos).
[...] falô que as drogas levava a gente pro mau caminho, ela falô isso três
vezes, uma vez pra mim sozinho e as outras vezes pra turma... daí eu parei
de usá (adolescente oriundo do município de Santa Rosa, 18 anos).
87
Dos depoimentos relacionados ao segundo eixo de intervenções identificado
(
diretores
), por sua vez, se sobressaem os que seguem:
[...] ele conversô umas dez vezes comigo... que era um piá novo, que não
era pra usá drogas, que eu era educado, essas coisa (adolescente oriundo
do município de Santo Augusto, 16 anos).
[...] ela aconselhava pra gente não usá drogas... ela via os piá (não eram
estudantes da escola) fumando na frente da escola... ela ia falá com eles...
tinha uma diretora anterior que chamava a polícia... os piá respeitavam mais
a última diretora... na frente da escola não faziam mais nada (município de
origem não informado, 16 anos).
.
[...] ele sempre me orientou... sempre... não usa esse tipo de droga... ele era
tipo o pai do cara, dizia pra não fumá, não bebê, não robá (adolescente
oriundo do município de Santiago, 18 anos).
no que se refere ao eixo configurado pela intervenção dos
funcionários
das escolas pelas quais passaram os adolescentes em conflito com a lei atendidos
pelo CASE de Santo Ângelo, merecem menção os depoimentos dos adolescentes,
abaixo listados, que relatam o que foi repassado por funcionários:
Um que me apoiô bastante foi o secretário da escola [...], que me deixô
cuidá das crianças pra não saírem pra fora da escola, daí ele me pagava
(adolescente oriundo do município de Tenente Portela, 14 anos).
[...] teve a cozinheira da escola... ela me ajudô um monte, sentava,
conversava... às vezes na rua ela parava pra conversá comigo... ela é
crente (adolescente oriundo do município de Horizontina, 17 anos).
Como se pode perceber, através dos depoimentos acima reproduzidos, as
intervenções individualizadas, centradas na tentativa dos diversos profissionais que
atuam no ambiente educacional, parecem ser aquelas que, de uma forma ou de
outra, suscitaram algum tipo de questionamento, entre os adolescentes.
Obviamente, tais intervenções, da forma como são relatadas pelos
entrevistados, ao passo em que demonstram um “interesse preventivo”, por parte
dos três grupos caracterizados, têm um alcance limitado, em razão da ausência de
práticas que incluam alternativas concretas de enfrentamento da problemática da
drogadição.
Em algum nível, no entanto, a busca por soluções (caso dos relatos que
dizem da oferta de ocupação remunerada ou mesmo o envolvimento que os
88
profissionais tiveram com os adolescentes), parece ter suscitado entre os sujeitos
consultados, por algum tempo, condições para a permanência dos mesmos na
escola. Essa situação, apesar dos esforços relatados, não evitou, entre a grande
maioria dos entrevistados, a evasão escolar.
Como se verá na próxima seção do presente estudo (a qual se dedica à
análise dos depoimentos dos responsáveis pelas instituições de ensino público de
Santo Ângelo), o relato acima descrito, em especial no que se refere à prevenção no
ambiente escolar, reflete adequadamente os principais procedimentos de
intervenção admitidos pelos profissionais das escolas incluídas no estudo de campo.
Da mesma forma, reflete a dificuldade do estabelecimento de políticas
públicas eficazes, na área da Educação, as quais contemplem a realidade ora
focalizada.
3.2 Níveis de prevenção ao consumo de drogas: posições da comunidade
escolar
Tomando como referência as abordagens pedagógicas acerca do consumo
de substâncias psicoativas defendidas por Almeida (2000)
12
, bem como os níveis de
prevenção às drogas citados em publicação do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias da Infância e da Juventude, do Estado do Rio Grande do Sul
13
(ambos
referidos no Capítulo 1 do presente estudo), é possível fazer algumas
considerações.
A maneira como os adolescentes em conflito com a lei se referem, nos
depoimentos anteriormente reproduzidos, às intervenções individualizadas
promovidas pelos diversos profissionais das escolas por onde passaram,
caracteriza-se, em sua maior parte, por um lado, em
abordagens diretas
, enquanto,
12
Abordagem direta (aquela cujo foco reside especificamente sobre as drogas), e abordagem
indireta (a que centra seu enfoque nas complexas mediações que envolvem a drogadição).
13
Prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária (ESTADO do Rio Grande do
Sul, 1999).
89
por outro, como
prevenção secundária
, em virtude de se direcionarem a
adolescentes que já tiveram contato prévio com as substâncias psicoativas.
Tendo em vista a especificidade dos contatos relatados e o grau de
envolvimento atribuído a essa modalidade de intervenção (a qual independe de
programas de prevenção às drogas, ocorrendo espontaneamente), é preciso
investigar, ainda, como esta se manifesta no âmbito da educação formal. Uma
possibilidade é interrogando os responsáveis pelas instituições de ensino, acerca do
real alcance de suas práticas preventivas às substâncias psicoativas.
Como previsto na metodologia de pesquisa do estudo de campo promovido,
foram realizadas entrevistas, com tal finalidade, nas escolas
14
citadas pelos
adolescentes em conflito com a lei e incluídos no levantamento desenvolvido junto
ao CASE de Santo Ângelo:
- Escola Estadual de Ensino Fundamental
A
;
- Escola diferenciada
B
;
- Colégio Estadual
C
;
- Escola Municipal de Ensino Fundamental
D
;
- Escola Estadual de Ensino Médio
E
;
- Escola Estadual de Ensino Fundamental
F
;
Essas escolas estão localizadas no meio urbano da cidade de Santo Ângelo,
ficam próximas de alguns bairros de periferia, onde residem os familiares dos
adolescentes entrevistados.
14
As escolas entrevistadas não serão identificadas, pois o fim da pesquisa não é esse. A proposta é
verificar como se dá a prevenção ao uso de drogas nas escolas públicas por onde passaram os
adolescentes, antes de ingressar no CASE de Santo Ângelo.
90
Das questões formuladas, apresentadas ao corpo diretivo das instituições
acima citadas, foram priorizadas as que permitiram indicações do grau de atenção à
prevenção das substâncias psicoativas no ambiente educacional, o nível de
penetração da drogadição nos variados contextos abordados e as estratégias de
emprego dos recursos pedagógicos sugeridos pelo Ministério da Educação (PCNs)
na condução das atividades curriculares previstas.
O que verifiquei, através da coleta de dados promovida, é que existe uma
grande homogeneidade nas falas de diretores, coordenadores pedagógicos e
demais membros das equipes diretivas. Ao se manifestarem em nome da instituição
à qual se vinculam, abordam a temática da drogadição, seus efeitos sobre o
rendimento escolar e a dificuldade de inserção, nas atividades previstas no ensino
regular, dos adolescentes usuários de substâncias psicoativas.
Assim, diante das questões que dizem respeito ao grau de atenção à
prevenção das drogas na escola, se sobressai o relato manifesto pela equipe da
Escola Estadual de Ensino Médio
E
, de acordo com a qual:
[...] procuramos trabalhar muito junto com a família, trabalhando
principalmente aspectos de interesse da família. Nós detectamos os temas
e as temáticas que estão preocupando o grupo familiar, coletamos as
informações junto da comunidade, visitando, e a partir daí nós definimos as
temáticas que serão trabalhadas dentro da escola (Entrevista realizada em
Junho de 2006)
Os profissionais chamam a atenção para o trabalho com temas geradores na
interligação com os membros da escola. Na mesma entrevista, dizem:
Levantamos sempre uma proposta fundamental, que é trabalhar com os
temas geradores, e trabalhamos, então, organizamos a escola, de acordo
com os interesses detectados. Agora, inclusive, [...] nós temos um seminário
de pais, aonde nós vamos definir, para o segundo semestre, quais são os
principais valores, normas e princípios que nós vamos trabalhar, e que nós
vamos dar mais ênfase. Então, dentro desse trabalho conjunto com a
comunidade, entra também a questão da drogadição.
Mas o que interessa não é fazer discursos a respeito, e sim considerar que
estes jovens precisam ver um sentido na sua inserção no mundo.
Nesse sentido, um
dos profissionais da educação entrevistado diz:
91
Porém, nós procuramos trabalhar a questão da drogadição, muito mais no
sentido de valorização da vida, e oportunizar atividades pras crianças, que
envolvam trabalho de equipe, que desenvolva a auto-estima... nós temos
grupo de teatro, grupo de dança, nós temos uma grande participação dos
alunos na definição da programação da escola, que são formas de envolver
o aluno em atividades mais saudáveis, e trabalhar a saúde do aluno acima
de tudo (Entrevista realizada em junho de 2006).
para os gestores da Escola Estadual de Ensino Fundamental
A
, a
prevenção ao uso de substâncias psicoativas parte de ões focalizadas nos
professores da área de Ciências como os seus principais executores, a exemplo do
relatado pela grande maioria das instituições de ensino consultadas.
Assim, o quadro exposto é sintomático acerca do universo de pesquisa
anteriormente descrito, tal como segue:
As professoras de ciências, elas fazem um trabalho com os alunos, sobre
as drogas, e também fazem todo um levantamento, um estudo. Depois
disso, a gente traz palestrantes também, pra fazer a culminância, e além
disso, a gente conversa com eles também, quando a gente descobre
alguém que está usando drogas, em particular. Então a gente tenta fazer
todo um trabalho, assim, pra eles entenderem que a droga... eles vão se
sentir bem quando eles usam a droga, mas as conseqüências da droga são
maléficas no organismo, e pra sociedade e pra família deles. A gente
trabalha mais ou menos nessa linha (Entrevista realizada em junho de
2006).
Para a equipe da Escola Estadual de Ensino Fundamental
F
, entretanto,
mesmo as ações focadas, que prescindiam, na maioria das atividades destinadas à
prevenção às drogas, da participação de terceiros, foram abandonadas. Isso se
deve ao fato de que, conforme os responsáveis pela instituição, entrevistados para o
presente estudo, tais situações, paradoxalmente, acabavam por estimular o
interesse dos alunos pelas substâncias psicoativas.
Assim, a forma empregada, naquela unidade de ensino, como recurso para
a prevenção, são os
[...] conselhos... Porque às vezes que a gente chamou palestrantes... nós
chamávamos, no início, palestrantes, que parece... a gente sentia que o
efeito da palestra era o contrário. Muitas vezes... Parece que até, às vezes,
estimulava eles... eles colocavam... em contradição aquilo que estavam
ouvindo... Porque alguns são dependentes, daí achavam que aquilo que
eles estavam ouvindo não era verdade, e muitas vezes até faziam ironia
durante a própria palestra. E passavam pros outros... E até drogas novas
92
que eles colocavam... no Rio de Janeiro, apareceu... agora
apareceu... a ecstasy, eu lembro, aquela vez, que o [representante da
Polícia Federal] falou, apareceu o tal do crack, que eles ainda, naquela
época, não conheciam aqui, e daí eles até tiveram interesse em conhecer.
Tanto é que depois eles ficavam falando pra gente: ah!, o fulano isso,
aquilo... Então, são drogas novas que ainda não eram do conhecimento,
cujo nome fez com que eles procurassem... Despertou o interesse deles...
Em conhecer... (Entrevista realizada em junho de 2006).
Como veremos adiante, a postura associada ao depoimento acima
reproduzido, indicativo do despreparo dos membros da equipe diretiva das escolas
consultadas, quanto à questão da drogadição entre os adolescentes, é similar à
defendida por integrantes de outros estabelecimentos de ensino.
Corresponde à carência de uma visão que contemple, não apenas no âmbito
da prevenção às drogas, mas em diversas outras áreas, a integralidade das
temáticas que incidem sobre a escola na atualidade.
no ambiente escolar vinculado à rede municipal de educação
(representado, na presente pesquisa, pela Escola Municipal de Ensino Fundamental
D
), o enfoque é um tanto distinto, apesar de não se distanciar, efetivamente, dos
cenários acima descritos.
Conforme os dados coletados na entrevista promovida, a prevenção às
substâncias psicoativas, naquele contexto, ocorre nos seguintes termos:
As professoras falam dentro do conteúdo. A gente não tem um projeto à
parte, dentro do conteúdo programado, porque existe, no nosso
planejamento, falar sobre o uso de drogas, e a quarta série, geralmente,
vem o Proerd, que é um programa de combate à droga, mais relacionado ao
uso de drogas. Então vem o pessoal da Brigada Militar, e faz esse trabalho
com os da quarta série. Esse ano, previsto acontecer no segundo
semestre, já tá agendado. E alguma palestra... de vez em quando, têm
pessoas da comunidade que se oferecem, a gente geralmente agenda
(Entrevista realizada em junho de 2006).
No que se refere à prevenção ao uso de substâncias psicoativas entre os
adolescentes, tal como é proposta pela Escola diferenciada
B
(onde se prioriza
somente o modelo de ensino supletivo) ficou demonstrado que ela oferece uma
visão singular do processo ora investigado.
93
Isto pode ser constatado através dos depoimentos abaixo reproduzidos,
pois, conforme a equipe diretiva da Escola
B
:
A proposta começa aqui, dentro das ciências, que é a disciplina mais
especificamente, que se elencou pra trabalhar drogas. A gente pensou, num
primeiro momento, como trabalhar esse conhecimento, não como
informação? Se ele fica na informação, ele não houve transporte pra vida
dele, então a gente vai além, pra competência. Níveis de exigência que nós
vamos levar, pra alcançar uma competência, e essa competência, então, é
que vai fazer com que ele perceba que esse controle tem a ver com a vida
dele, o que eu relaciono isso com a minha vida, e mudo? Tem que haver a
mudança na atitude dele... se não houve, é por que não houve a
conscientização, e ele não fez a relação. Então, nós temos... tínhamos,
essa é uma atividade que nós tínhamos... quando nós fechamos a carga
horária... [...] hospitais, entrevistas, discussões em grupo sobre poluição,
reciclagem, DST, outras doenças, drogas, automedicação, remédios, [...]
chuva ácida, camada de ozônio... todos esses conteúdos, enfocando como
palestras, como discussões, mas nós tínhamos uma carga horária... então o
aluno tinha que participar do núcleo mais assiduamente, mais
sistematicamente. Quando deixou de ser [...], que ele não tem mais a
presença, isso aqui se complicou, não deu mais (Entrevista realizada em
junho de 2006).
Em relação à mesma escola, parece cristalizada a idéia de que prevenção
ao uso de drogas tem que se dar através de palestras, veja a fala a seguir:
[...] tu organiza uma palestra num dia, mas não estão todos naquele dia... Aí
tu organiza num outro dia, daí faltou aqueles daquele dia. A gente sentiu a
dificuldade, que começou a se restringir muito, o pessoal, no momento que
tu fazia isso, e eles não estavam mais... como eles acham que o tempo
deles foi perdido, e eles têm que terminar muito rapidamente, estão com
muita pressa... eu preciso do tempo que eu perdi... ele acaba achando que
a palestra não é interessante... (Entrevista realizada em junho de 2006).
Como podemos perceber, no que tange à modalidade de prevenção ao uso
de drogas na escola, na instituição acima citada, é evidente a dificuldade dos
gestores da educação, no âmbito da pesquisa empreendida, em estabelecer uma
abordagem sistemática do problema. Essa limitação pode ser devido a uma evidente
carência de informações, ou em razão da ausência de estratégias que incluam a
drogadição como tema relevante.
Isso pode ser mais bem compreendido quando, instados a se posicionar em
relação a quem cabe, na escola, a definição de estratégias de prevenção às
substâncias psicoativas, os entrevistados demonstram depender, em larga escala,
da participação de terceiros para a efetivação de trabalhos vinculados à temática.
94
Essa tendência se torna evidente na fala dos representantes do Colégio
Estadual
C
, conforme a qual:
Como a gente desenvolve temas geradores, onde todos trabalham juntos,
toda a escola, todos os segmentos, não tem uma pessoa específica. Mas a
orientação é um dos segmentos, dentro da escola, responsável pra orientar,
pra ajudar, pra encaminhar... por exemplo: um professor, dentro do
planejamento dele, naquela semana, ou naquele mês, ele acha necessário
uma palestra... então ele vem até a orientação, e solicita que a orientação
entre em contato... a URI, é uma parceria que a gente tem, bem grande.
Geralmente o núcleo de enfermagem vem, essa pessoa, que é a nossa
orientadora, entra em contato, e essas pessoas vêm, fazem palestra, ou
uma visitação a um lugar (Entrevista realizada em junho de 2006).
Para a equipe da Escola Municipal de Ensino Fundamental
D
, de outra
parte, o planejamento curricular, que pode ou não incluir elementos de prevenção ao
uso de drogas na escola, é organizado no início do ano, quando são feitos os planos
de estudo, e neles se introduz o tema. Parte da coordenação pedagógica destaca o
tema para ser incluído.
Os entrevistados naquela instituição, no entanto, enfatizam que os trabalhos
ocorrem em função de prioridades, sendo que a prevenção é incipiente, naquele
contexto, porque
[...] as pessoas se preocupam mais com o adolescente e o jovem, quando
falam em drogas. Ninguém pensa na criança usando drogas. E a gente
começou a constatar o uso de drogas, pelas crianças... nunca teve
certeza... a gente sempre desconfiou, nem se atrevia a dizer, porque a
gente não tava vendo... a gente não tem muito contato, a gente não
conhece como reage o drogado... a gente desconfiava. Então, por isso,
acho que nunca houve essa preocupação. Porque são pequenos... ah!, são
crianças... (Entrevista realizada em junho de 2006).
No caso da Escola Diferenciada
B
, a responsabilidade pelo estabelecimento
de estratégias de prevenção e combate às drogas esbarra no próprio modelo de
ensino praticado pela instituição, o qual, segundo os entrevistados, não tem
ressonância entre os adolescentes, sendo mais voltado a pessoas incluídas em uma
faixa etária maior.
Conforme o relato coletado:
95
[...] o adolescente nunca se adaptou ao CES e nem ao Núcleo, porque as
propostas se assemelham. É um trabalho pra adultos responsáveis, porque
nós trabalhamos muito, na nossa filosofia, a autonomia, a independência...
Isso, busca de auto-estima, o respeito à sua individualidade, a reintegração
ao processo, porque ele parou... atendimento permanente, convivência
solidária, conquista solidária, e conquista da sua emancipação... E ele não
consegue, porque é muita liberdade, e ele não tem maturidade pra usufruir
dessa liberdade. Pra ele é liberdade, só... e ele sai, ele não aproveita as
aulas... ele sempre no corredor, ele lá no parque, eles fazem correria...
É muito complicado. Não é passar informação... Informação se adquire em
todos os lugares, e muito mais atualizadas, quem sabe. A nossa função é
fazer as relações do conhecimento com a vida, e fazer com que o aluno
saiba perceber que isso faz parte dele... Se eu não fizer isso, eu não fiz a
minha parte. Eu fiz a da informação, e informação não precisa de
professor, e nem de uma instituição toda montada. A dificuldade, se nós
formos analisar... não tem um trabalho sobre as drogas... (Entrevista
realizada em junho de 2006).
O que se sobressai, dos depoimentos selecionados, é uma noção de que,
pelo menos nos ambientes escolares inseridos na pesquisa realizada, a
incapacidade institucional frente à complexa problemática da drogadição se
configura como um grande desafio a ser confrontado. Essa situação é agravada pela
ausência de propostas concretas de intervenção junto ao público-alvo da escola, às
crianças e aos adolescentes.
Conforme constatado, as demais escolas participantes do presente estudo,
de sua parte, tratam a possibilidade de se valerem da contribuição de profissionais
de outras áreas (como policiais, psicólogos e representantes de entidades de
atendimento a adolescentes usuários de drogas).
É freqüente, entre os gestores consultados, a menção a projetos como o
Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), mantido
pela Secretaria da Justiça e da Segurança do RS, através da Brigada Militar, e a
distribuição de cartilhas produzidas por órgãos como a Polícia Federal.
É evidente, também, a falta de um histórico de prevenção e combate às
substâncias psicoativas, de maneira estruturada. Apesar de serem citadas, em
praticamente todas as escolas consultadas, situações que envolvem a presença de
drogas no ambiente educacional, isso não contribui, verdadeiramente, para a
manutenção de políticas de prevenção que ultrapassem a atenção a casos isolados.
96
De toda forma, parece existir, entre os gestores escolares consultados, um
sentido de incapacidade de lidar com as variadas maneiras sob as quais o vínculo
dos adolescentes com as substâncias psicoativas se estabelece.
Um retrato fiel desta afirmação é a exposição realizada pela equipe da
Escola Estadual de Ensino Fundamental
A
que, diante da necessidade de intervir
sobre a vivência de alunos caracterizados como usuários de drogas, indica os
passos comumente seguidos:
Têm várias conversas com os pais. Tem pais que aceitam, tem pais que
não aceitam... Como esse foi um que... queria que eu provasse que o filho
dele usava drogas. Agora, outros, até, eles vêm e perguntam...
Principalmente os do noturno, que os da manhã eu não vejo tanto uso de
drogas... Da primeira à oitava série, nós temos uns dois, três alunos, mas
até saíram da escola, não apareceram mais... o pai deles disse que, agora,
estão trabalhando na colônia. Temos um que veio da promotoria, que agora
nem mais esvindo na aula, porque ele estava interno no Lar do Menino, e
como eles tão achando que é melhor eles ficar com a família, então ele
voltou pra família... só que a família, a mãe é bêbada, e o pai também, e ele
está na rua. Mandaram ele no centro de recuperação, ele voltou e
continuou... Olha, tem que ver onde ele mora, porque eu fui lá, ver onde é
que ele mora... tu não vai esperar outra coisa dele... está ali, num grupo
onde que usam drogas, está com os pais drogados em casa... o que você
vai querer... vai esperar o quê? (Entrevista realizada em junho de 2006).
À falta de perspectiva de solução do problema, referida no depoimento
acima reproduzido, se agrega, também, o pensamento (corrente entre os gestores
educacionais consultados) de que somente uma mudança estrutural, que envolva a
família, pode ocasionar resultados concretos no enfrentamento da problemática ora
investigada.
Como descrito pela equipe da Escola Estadual
E
, a atribuição de prevenir a
drogadição entre os adolescentes, questão crucial para o desenvolvimento de
estratégias eficazes de ação, envolve todos os segmentos, para além da escola.
Como ressaltado no relato coletado:
Todos os espaços têm que trabalhar a questão da droga. A imprensa tem
que trabalhar, a igreja tem que trabalhar, todas as instituições, e
principalmente aquelas instituições que têm essa atribuição social,
formativa, que é a escola. Temos uma professora, na escola, que faz um
trabalho excelente nesse sentido, é uma pessoa muito preparada... ela é
formada em biologia, trabalha com os pequenos e com o pessoal da noite, e
tem isso muito presente, é uma preocupação dela, e ela estuda e
desenvolve um trabalho mais técnico em relação a isso. Reafirmando a tua
97
pergunta: eu diria que é uma responsabilidade, também, da escola. Acho
que tem outras instituições, que também têm que assumir, mas a escola,
por ter essa oportunidade de trabalhar com formão dos alunos, é muito
importante (Entrevista realizada em junho de 2006).
De fato, conforme a literatura consultada, a escola representa (ou deveria
representar) o espaço formativo por excelência. Entretanto, pelas questões até aqui
apresentadas, o discurso corrente entre a maioria dos entrevistados, ao se referirem
a situações de prevenção e/ou encaminhamento de adolescentes usuários de
substâncias psicoativas, é realizado de modo parcial.
Predomina a ão que consiste em uma difusão de informações centradas
nos malefícios da droga, destinadas principalmente a atemorizar os jovens, sem um
comprometimento pedagógico.
Senão, como interpretar os seguintes depoimentos, coletados junto à Escola
Municipal de Ensino Fundamental
D
, cuja equipe crê que não se inclui, entre as
atribuições da escola, a intervenção sobre usuários de drogas? Conforme o relato de
uma situação específica, envolvendo um aluno de “oito ou nove anos”:
Não é nosso papel acolhendo todo mundo, porque quando trazem esses
alunos pra nós, dizem: qualquer coisa, tu liga pro Conselho Tutelar, tu liga
pra Promotoria, a gente acompanhando”, mas não é assim... depois que
tu pegou, esquecem... todo mundo larga, e despejam na escola... daí tu fica,
subindo... porque tu tem que sentar e pensar, o que tu vai exigir, tu tem que
fazer uma ata, tu estressada com a situação... tu tem que acalmar o
professor, que às vezes já quer largar tudo, por causa de um ou dois
alunos... E ele vai ficando excluído, porque as outras escolas ficam sabendo
quem ele é, ou passou, porque eles vão de escola em escola, e trancam
a vaga pra esse aluno. As mães, os pais, não se comprometem em ajudar,
e a criança fica, e ninguém faz nada. Daí o Conselho Tutelar, geralmente
sabendo... Quando vai esse pai, o Conselho não nos retorno, a
criança continua na rua. (Entrevista realizada em junho de 2006).
A situação fica cada vez mais complicada para a escola diante das reações
que acontecem nessas famílias. Por exemplo,
Tem um aluno, ficou um ano sem estudar, porque depois de três anos
brigando, e ele evadindo sucessivamente, eu também falei: “ano que vem
não tem vaga pra ti”. Depois eu fico sabendo que eles não tão estudando. E
moram perto da escola Esther Schroder, moram perto do Augusto, mas eles
querem aqui. Esse menino ficou um ano sem estudar... a gente deu uma
chance pra ele esse ano, ele veio um dia, e não veio mais... que esse
era um aluno que, na sala de aula, não dava problema. Na hora do recreio e
na saída... (Entrevista realizada em junho de 2006).
98
Conforme podemos perceber pelo relato, é nos termos descritos pela
referida equipe diretiva que se intensifica o processo de exclusão social dos
adolescentes. Em muitos casos, inclui o uso de substâncias psicoativas como
possível estratégia de “fuga” da realidade ou de afirmação da personalidade diante
de um cenário de vulnerabilidade, tal como expresso no Capítulo 1 do presente
estudo.
Contudo, não é apenas a incapacidade da escola em atender às demandas
trazidas a ela pelos adolescentes que contribui para a exclusão social. indícios
claros de que, ao abandonar a escola, ou, ao praticar algum ato infracional, o
adolescente passa a ser tratado de forma diferenciada nos mais diversos âmbitos.
O relato incluído na entrevista promovida junto à Escola Estadual de Ensino
Fundamental
F
, a qual inclui o histórico de um adolescente com passagem pelo
CASE de Santo Ângelo, ilustra o anteriormente exposto:
Sabe qual é o nosso maior problema? Eles vão pra porque cometeram
algo grave... termina o tempo deles, a Promotoria impõe que eles retornem
pra nossa escola... Que acompanhamento alguém vai dar? Nenhum...
Voltou pra escola, e lá fica... Um dia, tocou o telefone... dele mesmo...
queriam saber a freqüência... “ele é freqüente, que de nota”... “eu não
perguntei a nota, eu apenas quero saber a freqüência”. Então, isso
desestimula o trabalho da gente. Ele tem que estar na escola... Ele era
nosso aluno aqui, era grande e cursava a série. Aprontou, foi pra lá...
Quando venceu o tempo dele, o pai trouxe pra cá, e daí eu disse: “pai, será
que não seria melhor o senhor procurar uma outra escola, aqui ele já tem os
amigos dele, será que não vai ser pior pra ele?”. O pai ficou quieto... O que
ele fez? Foi na Promotoria, e o promotor mandou um ofício desse tamanho,
que a gente tava negando a vaga, e que daí a gente ia sofrer o artigo tal e
tal e tal... e era necessário pegar ele de volta... O pai veio com aquele
envelope assim: “mandaram pra senhora”. A gente pega de volta... Só que a
gente senta com o pai e diz: “dá a impressão de que esse aluno não gosta
da nossa escola... ele fica correndo no corredor, ele não assiste à aula”...
ele voltou e aconteceu isso com ele. Todos os dias dava problema com ele,
daí uma manhã eu disse pra ele: “senta aqui... chega por hoje!”, e fui pra
outra sala e liguei pra Promotoria... e quando eu voltei, eu disse assim:
“[fulano], eu liguei pra Promotoria... hoje vai terminar esse problema contigo
aqui dentro... chega! Ninguém mais suporta!”...
Certamente, as dificuldades de aproximação entre as diversas instâncias
dedicadas ao atendimento sócio-educativo dos adolescentes em conflito com a lei
(as quais incluem a família, a escola, o Conselho Tutelar e a Promotoria, entre
99
outras) acabam por refletir as citadas limitações de cada uma delas diante da
temática da drogadição, o que, em um sentido mais amplo, determina posturas que,
via de regra, não partem da prevenção como forma de intervenção possível.
Reflexo dessa linha de pensamento é a opinião dos gestores da Escola
Estadual de Ensino Fundamental
A
, para quem a referida necessidade de mudanças
conjunturais pressupõe, também, uma tomada de posição por parte das famílias que
incluem crianças e adolescentes envolvidos com substâncias psicoativas.
Em tom de desabafo, o depoimento abaixo transcrito é sintomático deste
quadro:
Eu ainda acho que a maior responsável por isso... são os pais, porque a
escola já, quando eles vêm pra escola, eles já trazem uma vivência. O
nosso bairro, aqui, tinha vendedores de drogas, e tem os receptores, e tem
os vendedores, que são nossos alunos, muitas vezes... então, se nós não
vamos saber, aqui na escola, aonde essas crianças andam... então, os pais
é que têm que cuidar, primeiro. Eles largam as crianças na rua, não se
interessam... aonde eles estão, eles estão trabalhando, eu entendo,
também, isso, eles têm que trabalhar pra sobreviver, mas afasta um pouco
do interesse deles, ver onde é que eles estão... e é mais difícil pra nós,
depois que eles sabem... eles dão lição pra nós, de drogas (Entrevista
realizada em junho de 2006).
Na Escola Diferenciada
B
, a opção pela não-repressão aos adolescentes
que apresentam um quadro de drogadição (em sua maioria, “transferidos” para a
instituição a partir de orientação da Promotoria de Santo Ângelo) se mostra como
uma possibilidade, apesar das já mencionadas limitações do método de ensino.
Desta forma, tal como exposto pela equipe diretiva daquela instituição, o
alcance de ações de prevenção é insuficiente, pois
Em sala de aula, é muito genérico o trabalho. Não é um trabalho específico,
até porque é mais a título de conhecimento, porque não existe o problema,
normalmente. Ele é muito pontual, e desaparece rapidinho. Eles não
permanecem aqui. Se tu perguntar aos teus alunos, da casa, que tempo
ficaram aqui no (...), tu vai perceber que foi uma passada, de matrícula [...]...
Mas não é pela repressão. Eu compreendo, a gente percebe que são os
próprios colegas que afastam ele daqui, porque recriminam, e vão pra cima
deles. Cobrando, que essa atitude não é legal... porque são pessoas, que
são quase que avós pra eles, em relação à idade... então as pessoas se
sensibilizam, eu acho, não pra mandar embora, mas cobrando atitudes:
“porque tu faz isso?” “isso não é bom pra ti”... aquela conversa toda que
100
eles devem ouvir do pai e da mãe, agora... mais um aqui... e daí eles fogem
também (Entrevista realizada em junho de 2006).
Um trabalho que pode ser tratado como “referencial” de ação, no âmbito do
estudo desenvolvido, é o manifesto pela equipe da Escola Estadual
E
. Esta escola
faz uma tentativa de ampliação do tempo do aluno na escola, através da oferta de
atividades extracurriculares, dedicadas, entre outras razões, a manter o aluno
envolvido em atividades “saudáveis”.
Para tanto, a escola desenvolve uma proposta de sensibilização dos
próprios professores, como requisito para o que se qualifica como “programa de
valorização da vida”.
Conforme a equipe diretiva da instituição:
Nós trabalhamos, normalmente, com projetos. Definimos os temas, e
definimos alguns valores que vão ser mais focados em cada momento da
escola, porque não adianta tu ter uma série de valores que tu
pretendendo atingir, mas de uma forma mais específica, nós trabalhamos...
se nós trabalhamos a solidariedade no início, agora nós estamos
trabalhando a questão do respeito e da sexualidade, o respeito às
diferenças. Então fica pra mim, dentro da supervisão, tudo aquilo que eu
encontro de textos, pra dar apoio pros professores, dentro da sala de aula, a
gente vai separando... se o professor tem o dele, tudo bem, mas se ele
precisar, ele não precisa deixar de fazer porque não tem o material de
apoio. Na parte de educação artística, agora eles tão elaborando uma
pecinha de teatro, pra apresentar... é um texto simples... nós temos um
grupo de dança, também, na escola... são professores que trabalham fora
de hora, fazem um trabalho extra, completam a carga horária... agora nós
estamos estruturando um clube de leitura, pra ver se consegue trabalhar
melhor a questão da leitura... A gente procura incentivar a questão da auto-
estima deles, desde a forma como a escola trata os alunos, oportunidade
dos alunos se apresentar... (Entrevista realizada em junho de 2006).
Tais procedimentos, de sua parte, podem contribuir para a minoração da
evasão escolar e a redução do envolvimento de crianças e adolescentes com
substâncias psicoativas, quadro relatado pela equipe da Escola Estadual
A
, em tom
de desesperança:
No momento em que eles começam a usar drogas, e muitos usam drogas,
até, pela situação econômica que eles têm... eles usam drogas porque eles
não têm trabalho, se eles tivessem aonde... eu tenho, muitas vezes, me dói
de ver esses jovens pedindo: profe, tu não sabe aonde que tem alguma
coisa que eu pudesse fazer... eles estão nas esquinas, fazendo nada... o
que faz um jovem com todo esse vigor, numa esquina? Ele é uma presa
101
fácil pra quem passar por ali, e oferecer droga pra ele... então, eu acho que
a gente vai conseguir mudar isso, só no momento em que a situação
econômica deles, também, muda. Que não adianta a gente falar, vir
palestrante, sabe, vir quem quiser, se eles não tiverem aonde ocupar o
tempo... isso não vai mudar nunca (Entrevista realizada em junho de 2006).
No que se refere, por outro lado, ao emprego dos subsídios teóricos
propostos pelo Ministério da Educação, através dos PCNs, os quais incluem, como
tema transversal para a educação, alternativas de abordagem às mais variadas
questões presentes em sala de aula como a drogadição –, os pontos de vista
expressos pelos gestores educacionais oscilam de um conhecimento satisfatório
desses recursos, até a quase absoluta desinformação.
Assim é que, diante do questionamento proposto, relacionado à aplicação
daquele instrumento pedagógico no âmbito específico ora investigado, surgem
depoimentos como do Colégio Estadual
C
, para quem:
Tem bastante jogos que a gente comprou, vídeos... bem legais. Agora, as
professoras de ciências e de biologia, elas usam bastante... bem
educativos, os jogos. É dessa maneira que a gente... daí, quando tem a
palestra, é cobrado, como envolve todas as áreas. Então a professora de
português também vai cobrar aquele assunto... ele é trabalhado dentro da
escola, na rotina do aluno na sala de aula é cobrado, através de jogos, de
vídeos, de textos, da informática eles fazem gráficos –, depende como
é que foi feito...
Olha, é tanta coisa que a gente usa, junto, que eles, claro, eles vêm ajudar,
acrescentam... Mas é tantas outras coisas que a gente busca, pra isso, mas
eles são... não se descarta (Entrevista realizada em junho de 2006).
Ou, tal como relatado pela Escola Municipal de Ensino Fundamental
D
:
Isso incluído no plano de estudos das professoras, e na medida que elas
vão percebendo alguma coisa, elas vão introduzindo dentro dos conteúdos
essa parte, dos temas transversais. Tipo: a série, ela usou, várias
vezes, a orientação sexual, que agora a psicóloga trabalhando em cima
disso... eu acho que de acordo com a necessidade do professor, dentro da
sala de aula, ele utiliza os temas transversais... as drogas, a orientação
sexual, a higiene corporal. Em todas as séries. Tá dentro do plano de
estudo, e na medida que é mais profundo, a série maior... a série faz um
apanhado mais de leve, e na medida que vai passando as séries, a
professora vai aprofundando o conteúdo (Entrevista realizada em junho de
2006).
Na Escola Diferenciada
B
, por sua vez, o emprego dos PCNs é apresentado
conforme segue, caracterizando uma metodologia própria de inserção daqueles
referenciais pedagógicos no currículo proposto:
102
[...] isso está premiado em todas as disciplinas... os PCNs foram
trabalhados, tanto que a gente começa o plano de estudos assim... cada
disciplina começa assim: desenvolver a iniciativa para o estudo,
organizando seu tempo, estabelecendo suas metas pessoais de melhor
aproveitamento do processo de ensino-aprendizagem... E qual é o conteúdo
disso? Organização pessoal. Se nós temos como um dos princípios
trabalhar a autonomia, eu preciso orientar ele como ser autônomo. É uma
habilidade que tu tem que desenvolver pra alcançar a autonomia... são
vários níveis de exigência. Todos os professores trabalham com essa
organização... Tu tem que te organizar no tempo, porque o tempo é
preventivo. Se tu não parar e te organizar, esse tempo, tu vai levar muitos
anos aqui... porque pode ser hoje, pode ser amanhã, depois de amanhã... e
ele vai levando... e o tempo não tem limite pra ele... Nós não
estabelecemos, mas orientamos que ele tem que fazer um tempo pra ele...
E depois, outras questões de amplitude... a capacidade de ler e interpretar,
domínio de uma leitura de mundo, de gráfico, de legenda, isso são todos os
planos, também... todos os professores se preocupam, conforme a sua
disciplina (Entrevista realizada em junho de 2006).
Nessa mesma escola chama à atenção a compreensão que possuem os
profissionais em relação à importância em trabalhar com questões relacionadas à
cidadania, que não deixa de ser uma alternativa de prevenir o uso de drogas:
E também: compreender a cidadania como um conjunto de direitos e
deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia-a-dia atitudes de
participação, solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças e
discriminação, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito... E
que conteúdos? Cidadania, valores, deveres, ética, meio ambiente, saúde,
segurança... Todos os planos têm isso. De uma forma, cada um
desenvolveu todas as exigências que eu vou cobrar do meu aluno, pra mim
alcançar a competência... Porque a competência é essa: compreender-se
como cidadão. Então cada disciplina elencou, o que vai trabalhar, mas
todas permeiam essas questões.
Como exposto no Capítulo 1 do presente estudo, no entanto, a carência de
indicações, nos PCNs, de um instrumental que qualifique uma prática de
intervenção, no âmbito do tema específico da Saúde (onde se inclui a questão da
prevenção às drogas na escola), associada às limitações ora demonstradas, faz com
que tal conjunto de propostas se esvaziem em seus propósitos, tal como
demonstrado pelos depoimentos selecionados.
Diante da solicitação de um posicionamento das instituições incluídas na
pesquisa, frente às relações percebidas, no levantamento realizado junto aos
adolescentes em situação de conflito com a lei, internos do CASE, entre a evasão
103
escolar e o consumo de substâncias psicoativas, os gestores educacionais
demonstram posturas próprias, como a expressa pela equipe do Colégio
C
:
Essa questão da evasão é bem cuidada. Nós temos, até nós somos
cobrados quanto a isso... nós temos uma ficha, que a escola tem que
informar quando o aluno falta três dias consecutivos, a escola tem a
obrigação de preencher essa ficha, que se chama FICAI, e enviar pro
Conselho Tutelar, que é o órgão que vai atrás. Primeiro a gente tenta, de
várias maneiras, nesses cinco dias, a escola faz um trabalho de buscar o
aluno... se ele não vier, a gente apela, até na casa a gente vai... Aqui,
evasão pra nós, no Ensino Fundamental, e Médio, de manhã, é zero,
quase... O noturno, que é outra clientela, são maiores, respondem por eles
(Entrevista realizada em junho de 2006).
Os integrantes da equipe diretiva da Escola Estadual de Ensino
Fundamental
F
, por sua vez, creditam à família uma parcela significativa da falta de
estímulo ao estudo, circunstância capaz de contribuir para a evasão escolar.
Partindo-se de situações de contato com as famílias, para averiguação do
porquê das faltas dos alunos, foi descrita a seguinte situação:
E as mães, às vezes, aparecem aqui e nos dizem: profe, ele não quer vir,
ele não gosta de estudar”. Daí como que a gente vai agir numa hora
dessas? Porque no momento em que ele evadindo, é porque alguma
coisa ele anda aprontando... Isso daí, a família permite que ele... [...]
(Entrevista realizada em junho de 2006).
Mas o problema não pode ser caracterizado individualmente. É um problema
social. Na continuidade do depoimento, pode-se constatar isso:
Se uma família não teve chance de estudar, daí eles não dão esse incentivo
a ele, a persistência: “vamos lá, continua”... isso não existe em casa... Tem
um menino de 13 anos que resolveu trabalhar, cuidando de cavalos, e
queria passar pro noturno... Mas olha a idade dele, não tem condições de
passar pro noturno, e a mãe não agüenta, porque ele quer ir pra de noite e
não quer estudar de dia... Faz uma semana ou duas que ele retornou aqui
pra escola... desde março... Esse a gente sabe que era por trabalho, mas a
maioria evade e fica sem fazer nada... Então: se ele não vem pra escola, o
que ele fazendo na rua? E que acontece os furtos, que acontece o
envolvimento em droga... não tem o que fazer... vai pra esse mundo... Por
isso que a gente se preocupa muito com a evasão... a gente trabalha, a
gente tem... (Entrevista realizada em junho de 2006).
Associando claramente a evasão escolar e a “disponibilidade do
adolescente a experiências como a que envolve as substâncias psicoativas, o
depoimento acima reproduzido é indicativo, no entanto, dos esforços comprometidos
104
pelas instituições de ensino consultadas, no sentido de manter os alunos
freqüentando a escola (quadro descrito em praticamente todas as escolas).
Em um outro sentido, e dadas as características específicas de sua proposta
pedagógica, na Escola
B
, a questão envolve a disponibilidade da comunidade
escolar, frente às demandas constatadas, no que toca aos indicadores de evasão
escolar. Conforme essa perspectiva, os gestores crêem que:
[...] nós poderíamos fazer mais quanto a isso. Como é uma minoria, eu acho
que o Núcleo não atende muito essa minoria, porque ele não fica aqui. Se
ele ficasse aqui, eu acho que, quem sabe, nós desenvolveríamos atividades
pra superação dessa situação. A passagem dele é muito rápida, e ele
percebe que não... em princípio ele não quer estudar... Como ele não se
adequa a essa proposta, ele passa muito rápido por aqui, e eu acho que
nós também deixamos de fazer algo por ele... porque ele se sente
desambientado, porque os outros chamam a atenção. Se ele faz bagunça,
ou aquela cara parada dele, que perceberam, e os alunos, eles isolam
ele... ele fica deslocado (Entrevista realizada em junho de 2006).
Apesar de se referirem à “uma minoria”, informando quanto à freqüência de
casos de drogadição entre adolescentes, os entrevistados, cujo depoimento é
reproduzido acima, reafirmam, na citação, algo já exposto ao longo de toda a
entrevista. Fazem referência à pressão dos colegas, em geral mais velhos, sobre os
adolescentes, no sentido de chamá-los à gravidade de sua condição, elemento
capaz de estimular, ainda mais, a evasão escolar, em razão do estabelecimento de
um ambiente sutil de exclusão.
Preocupados em encontrar uma justificativa para os indicadores de evasão
escolar, os gestores da Escola Municipal de Ensino Fundamental
D
, de sua parte,
enfatizam que, dentre os alunos que se incluem neste quadro:
A maioria dos casos são crianças que cresceram, a mãe levando as
crianças pra rua. A mãe que passa pedindo, vendendo alguma coisa, essas
crianças se criaram. A mãe levava, já, no colo, e eles gostaram... porque a
rua tem tudo, né, tu tudo, tu consegue dinheiro fácil, tu livre, tu não
tem horário pra cumprir, e a escola, eles se sentem presos, eles não
conseguem ficar... Uma que, de manhã, eles não acordam, ou chegam
atrasados... se vem, vêm com sono e não rende. E outros, que são
matriculados na parte da tarde, é o horário bom de ir pro centro, de eles
venderem, de eles... E aí, a família também nos enrola, nos engana... ele
chega atrasado, dizem que tava no hospital, que tava no médico, que não
pôde vir... A própria família não tem interesse que a criança venha, ou
porque a mãe sai, e as meninas, geralmente, ficam em casa cuidando dos
irmãos... e toda a família, a história deles é parecida... ninguém quer vir pra
105
escola. E a mãe diz que precisa dela pra cuidar dos irmãozinhos, porque a
mãe vai pro centro; o menino não vindo, porque ele agora prefere ficar
dando trote no celular... não tem interesse, não tem ânimo... são crianças
apáticas, e tu não expressão de alegria nem de tristeza, nem vontade de
brincar.
O que falta para essas famílias, para essas crianças, são outras alternativas
de vida. No entanto, a escola parece não compreender isso, e cada vez mais se
afasta das necessidades de seus alunos, tendo como principal conseqüência a
evasão escolar.
A gente não entende o que eles passam... Daí eles acabam reprovando,
eles ficam uma semana, duas, sem aparecer na escola, aí tu passa pra mãe
que a criança pode rodar... não é problema pra família, eles acham normal
que os filhos... alguns deles não sabem nem ler, porque também não
ficaram na escola, ou ficaram até a segunda, terceira série, e nunca mais
estudaram. Então eles acham normal... não faz mal se tu reprova, que daí
ele vem de novo, diretora... eu também não aprendi a ler. Eles não têm
problema com a justiça... (Entrevista realizada em junho de 2006).
Em virtude dos diversos aspectos desvelados, relacionados à ausência de
prevenção de substâncias psicoativas no ambiente escolar, é interessante resgatar a
contribuição de Aquino (1998), tal como conceituada por Mendes e Fernandes (s.d.):
É consenso que a determinação da qualidade de vida engloba aspectos que
se interligam e que têm relação com as condições materiais necessárias à
sobrevivência e à satisfação das necessidades humanas básicas como
renda, habitação, educação, saúde, trabalho etc. Entretanto, as condições
materiais não são as únicas capazes de explicar tão complexo conceito. [...]
Por isso, outros valores não materiais são considerados, como a
solidariedade, a liberdade, a inserção social, a participação, o acesso à
informação, decorrentes das relações dos homens entre si e com a
natureza. [...] Em suma, trata-se de integrar as dimensões objetivas e
subjetivas sob a ótica individual e coletiva, relacionadas à satisfação das
pessoas, dos grupos e das comunidades priorizando o bem-estar da
sociedade. Esta noção positiva inclui a indagação sobre as condições de
negação da qualidade de vida, como exclusão social, desemprego e
violência, a que está submetida grande parcela da população que vive nas
cidades (MENDES e FERNANDES, s.d.).
Segundo Aquino (1998), a escola é um ambiente social adequado e propício
para desenvolver a problematização do uso de drogas por jovens, discutindo e
elaborando estratégias de informação, orientação e intervenção para uma educação
preventiva em que participem alunos, pais, professores e a comunidade escolar e
social em geral.
106
Entretanto, esse espaço de discussão não é possível para aqueles que
abandonaram as escolas como, por exemplo, um número significativo de
adolescentes que passaram pelo CASE. Essa é uma das razões pelas quais é
imprescindível considerar a necessidade de envolver as comunidades escolar e
social para que participem das atividades desenvolvidas no projeto político-
pedagógico da escola.
Isso se soma à constatação, descrita pelo mesmo autor (e confirmada pelos
depoimentos anteriormente expostos), de que os pais e a comunidade em geral, por
se sentirem despreparados, muitas vezes transferem para a escola, principalmente
para os professores, a responsabilidade e a tarefa de orientar seus filhos. Isso
ocorre, também, no que se refere à prevenção ao uso de drogas.
Entretanto, o despreparo demonstrado pelos gestores das instituições
consultadas, capaz de estimular, por caminhos diversos, a evasão escolar (diante da
incapacidade de intervir de forma positiva sobre a problemática da drogadição, e de
não estabelecer parâmetros claros de prevenção às substâncias psicoativas), não se
reduz ao ambiente restrito das unidades de ensino.
No âmbito das instâncias superiores, responsáveis pela gestão do ensino
público no município de Santo Ângelo – respectivamente, a 14ª Coordenadoria
Regional de Educação, no caso das escolas estaduais, e a Secretaria Municipal de
Educação, no das escolas municipais, a postura acerca da prevenção às drogas,
entre os adolescentes, parece acompanhar o pensamento dos gestores de cada
unidade sob seu comando.
Como relatado pela responsável pela Coordenadoria, em relação aos
procedimentos envolvidos na prevenção às substâncias psicoativas:
Nós temos professores que auxiliam a direção da escola nesse trabalho de
acompanhamento aos alunos que apresentam esse tipo de problema, que
muitas vezes é negado pela família, pelo próprio adolescente, ele nega toda
a vida, eles procuram negar, mas a gente tem procurado, estamos no
quarto ano do trabalho, fazer o quê: chamar os orientadores, os
responsáveis nas escolas, fazer seminários, cursos, debates de formão,
pra que eles tenham como identificar, e também como, então, trabalhar o
problema desses alunos, tanto dentro da escola, não tornando assim o
107
problema público, como um problema pra desmerecer a pessoa, muito pelo
contrário; é um trabalho de conquista, de chamar a família, de ir até a
família, e tentar fazer essa mudança (Entrevista realizada em junho de
2006).
no que se refere à Secretaria Municipal de Educação, o discurso se
apresenta nos termos do trecho da entrevista abaixo reproduzido:
[...] nós temos um trabalho preventivo nas escolas, porque a questão das
drogas faz parte dos Temas Transversais, que é trabalho da educação,
então é sempre desenvolvido durante o ano todo em forma de projetos,
embutido dentro dos projetos de forma interdisciplinar, com todas as áreas
do conhecimento, não somente ciências, mas em outras disciplinas também
fazem trabalhos junto com projetos, e fica assim... a gente manda, pela
secretaria, bastante subsídios de apoio pros professores, e eles, de acordo
com [...] as situações mais urgentes, de alguns casos a gente não tem
detectado muito nas escolas do município, são casos bem isolados então
os professores buscam, conosco, palestrantes, alguém, e a gente indica, e
nós temos sempre uma pessoa da secretaria de saúde que faz o trabalho
nas escolas, mas naquelas que se uma necessidade mais assim... Fora
isso, o trabalho é feito em cima de subsídios e trabalhado sempre dentro
dos conteúdos, e como tema transversal, que ta nos PCNs. Então é um
conteúdo que faz parte da disciplina, de todas, não da disciplina de
ciências (Entrevista realizada em junho de 2006).
Quanto a indicadores da presença das substâncias psicoativas nas escolas
(razão para uma possível mobilização em torno da temática), a 14ª Coordenadoria
Regional de Educação informa que:
Está acontecendo ao nível de escola, está acontecendo, que mesmo...
por que uma coisa que tem que deixar bem claro, tá aumentando tanto, que,
anos atrás... pra dar um exemplo: quinze anos atrás, que eu já tinha direção
de escola, quinze anos atrás eram poucos casos visíveis, aqui no interior,
poucos casos visíveis. Pode ser que até houvesse, que a gente não se...
mas a gente conseguia trabalhar. Hoje, aumentou o trabalho de prevenção,
mas aumentou muito a oferta, e aumentou muito... as famílias tão muito
vulneráveis, tá tudo muito livre, muito solto, liberdade total, os pais quase
não acompanham mais os filhos. E, vamos deixar bem claro, que pelo que
nós percebemos, conversando inclusive com o pessoal de escolas
particulares, que também participam muitas vezes de encontros, que isso
não acontece na classe média, os pobres, é na classe rica também, e é
que o problema, que eles influenciam pelo poder, eles usam isso até
como poder de influência sobre os demais. E eles cativam em cima disso, e
eles levam isso na classe média também, então a gente sente que é
bastante preocupante isso aí. Estamos fazendo a nossa parte, nós criamos,
inclusive, é bom que tu saibas, além de nós criar, nós fizemos três
seminários por ano, sobre isso, cursos de formação com professores e
orientadores educacionais das nossas escolas... (Entrevista realizada em
junho de 2006).
108
No âmbito da rede de ensino público municipal, representada pela Secretaria
de Educação de Santo Ângelo, a preocupação mais evidente, ao contrário da acima
evidenciada, é a criação de uma equipe de ação multidisciplinar, capaz de dedicar
atenção à problemática da drogadição, ao passo em que se dedique, também, à
constituição de um programa de atendimento integral à questão, a ser aplicado nas
escolas da rede.
Assim, tal como relatado pela responsável pelo atendimento à temática das
drogas naquela instância administrativa:
Eu considero fundamental. Eu sei que hoje, a gente não tem, ainda...
porque assim, a gente tem o apoio da URI, da universidade aqui de Santo
Ângelo, e ela encaminha as estagiárias de psicologia pras escolas, não é
uma pessoa formada, ainda, mas ela já consegue detectar situações e dar o
devido encaminhamento. Então elas encaminham, ou pra psicóloga da URI,
ou pra nossa, que nós temos na secretaria, e é claro que isso aí, eu acho
fundamental, que ainda não se... a educação ainda não se deteve, não
tem recursos pra gente ter, realmente, ter uma psicóloga efetiva pra cada
escola. Nós temos 25 escolas, e seria um... sonho, porque isso é uma coisa
que poderia ser mais concreta, que infelizmente nós ainda não
chegamos a esse nível (Entrevista realizada em junho de 2006).
Especificamente em relação aos resultados do levantamento realizado junto
aos adolescentes em conflito com a lei, internos do CASE de Santo Ângelo, as
instâncias superiores do ensino, naquele município, expressam visões
complementares, as quais incluem, até, proposições voltadas à solução de
problemáticas específicas, como a que envolve os elevados indicadores de
exclusão, por parte do ensino formal, de sujeitos com histórico de drogadição, como
os integrantes da amostra promovida.
Assim, tal como exposto pela 14ª Coordenadoria Regional da Educação,
trata-se de um contexto em que, a passos lentos, está-se buscando estabelecer
parâmetros de atendimento eficazes, como podemos observar através do
depoimento a seguir reproduzido:
Nós temos casos que daí a orientadora acompanha sempre, acompanha na
família, tá acompanhando... Mas têm outros casos, que eles saem, por
exemplo, moravam num bairro “x”, aqui, daí a família vai embora, ou eles
também, então se perde muito, nisso... O que eu acho... acho, não, tenho
certeza, que a questão da inclusão, que hoje se fala tanto em inclusão... eu
acho que as áreas de conhecimento e de ações, de secretarias, elas têm
109
que trabalhar mais de forma inclusiva, interdisciplinar, e planejamento e
ação. Por exemplo, assim... a secretaria de ação social, junto com a
secretaria de saúde, trabalhar em rede, e daí ser assim... dentro desse
problema, qual é a minha parte a cumprir, qual é a sua, pra fechar o cerco.
Então, quer dizer que ele tem acompanhamento da assistência social, ele
tem da saúde, ele tem da educação, e ele tem também da justiça, dos
órgãos que acompanham. Então, isso que eu acho que ainda nós não
temos essa cultura e esse preparo... Temos vontade e discernimento, mas
na hora que tu vai agir... (Entrevista realizada em junho de 2006)
É necessário que haja uma política efetiva para prevenir a evasão escolar e,
porque não, a dependência química. Porém, o que foi verificado até o momento, são
iniciativas isoladas e provisórias, conforme relato a seguir:
Eu tenho feito, consegui, do quadro, pegar duas psicólogas que são
professoras, eu retirei de sala de aula, e criei, eu tenho um núcleo de apoio
onde essas duas psicólogas, junto com a orientadora e uma
psicopedagoga, trabalham essas questões de apoio [...]. Então também é
uma prevenção que se faz... Nós passamos o problema, é chamada a
família, são feitas entrevistas, é feito um trabalho com a criança, elas fazem
um trabalho de observação, pra ver aquele desvio de conduta, o que que é,
é físico, o que que aquela criança, já com essa idade, ta tendo certas
atitudes... (Entrevista realizada em Junho de 2006)
Em relação ao relato acima é possível perceber traços de um ensino
tradicional, mas diferenciado, quando a escola identifica a necessidade específica de
um determinado aluno. No entanto, é importante priorizar – na escola – a prevenção,
trabalhando aspectos que fazem parte do desenvolvimento saudável de seus alunos
como um todo.
Nesse sentido, Aquino esclarece:
É exatamente como resposta a essas críticas que nasce a proposta atual
dos temas transversais: trata-se de questões essencialmente sociais,
ligadas ao cotidiano prático das pessoas, e que visam, sobretudo, a
instrumentalização para o exercício ativo da cidadania num contexto social
democrático o que pode e deve ser tomado como objeto precípuo da
intervenção escolar (1998, p.100).
Diante disso, levando em consideração apenas um dos princípios
fundamentais do Serviço Social, “Reconhecimento da liberdade como valor ético
central e das demandas políticas a elas inerentes autonomia, emancipação e
plena expansão dos indivíduos sociais”.
110
Faço, então, uma indagação: por que o Serviço Social ainda não é
considerado um serviço relevante no sistema escolar? O questionamento torna-se
pertinente, pois, conforme já demonstrado, as expressões das questões sociais
inevitavelmente chegam nas escolas e praticamente não são trabalhadas, muito
mais por falta de qualificação que por qualquer outro motivo. O profissional do
Serviço Social tem formação específica para trabalhar com tais questões.
No que tange à área de abrangência da Secretaria Municipal de Educação,
as correlações entre o consumo de substâncias psicoativas e a evasão escolar tal
como demonstrado pelo levantamento realizado junto aos adolescentes em conflito
com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo são analisados, pelos
responsáveis por aquela instância administrativa do ensino, de acordo com a
percepção de que:
[...] no momento em que as crianças estão se envolvendo com esse tipo de
comportamento, elas tendem a abandonar o compromisso do estudo, a
responsabilidade de ir pra aula... então, como nós temos uma... a ficha
FICAI, que é o acompanhamento de todas as escolas, e a criança que faltar
mais que três dias consecutivos, ou cinco alternados, a gente vai atrás, ver
o que ta acontecendo, encaminha pro Conselho Tutelar, a gente
automaticamente, com essa aí, se fazendo um acompanhamento
preventivo da situação, porque daí, se por que que ta faltando, se ta
doente, o que que ta acontecendo, a família vem justificar porque da
infreqüência da criança, e tal... É feito um acompanhamento preventivo, já,
na identificação desse... e essa é a metodologia que se usa (Entrevista
realizada em junho de 2006).
Ampliando o entendimento acima proposto, a mesma fonte descreve, tal
como realizado pela 14ª Coordenadoria da Educação, o atual momento vivenciado
pela instituição, no que tange à implantação de estratégias de combate ao consumo
de substâncias psicoativas na escola, e a conseqüente evasão escolar daí
decorrente, conforme segue:
Pela experiência que eu tenho, o acompanhamento que eu tenho do
trabalho nas escolas, eu vejo que, por mais que nós fizemos um trabalho
com os professores, pra que seja um trabalho interdisciplinar, e para que
todos trabalhem com esse tema na sala de aula, ainda, muitos estão
esperando pela professora de ciências, infelizmente isso ainda é uma
realidade. Mas a gente pretende sanar esse problema, a gente ta
trabalhando pra que deixe de ser um tema só tratado pela professora de
ciências ou a professora de biologia. E a questão do trabalho e do que eu
vejo pelas escolas do estado, não existe muitos que têm sido detectados,
ah!, ta usando droga, e tal, geralmente o que tem sido pedido pra nós, é
questão de problema psicológico, de família, de relacionamento de família,
111
de droga, que pra se comprovar, de uso de droga, nas nossas escolas
municipais, que é até a série, são raros os casos que nós temos. Então
não é um número assim... Eu acho que é um trabalho que ta sendo feito,
que ta sendo preventivo, até porque a ficha FICAI, ela não deixa de ser uma
forma de se prever esse problema, porque no momento em que o aluno
começa a faltar aula, e um dos motivos pode ser o uso de droga, é
detectado logo a questão de freqüência, já se entra em contato com a
família, e é tomado o encaminhamento... (Entrevista realizada em junho de
2006).
O que se pode depreender das falas aqui organizadas é que, no universo
compreendido pelas redes municipal e estadual de ensino de Santo Ângelo, a
ênfase na abordagem à questão da drogadição, no ambiente escolar, entre os
adolescentes, repousa na chamada “prevenção secundária” quando os sujeitos
foram “iniciados” no consumo das substâncias psicoativas –, juntamente com a
“prevenção terciária” (encaminhamento de usuários com histórico de uso continuado
a instituições terapêuticas e dedicadas à desintoxicação).
Por tudo isso, nesse contexto, urge a proposição de estratégias de
prevenção às substâncias psicoativas que privilegiem a “prevenção primária”, capaz
de inibir, através de uma implementação acertada, o acesso e o interesse das
crianças e adolescentes às drogas, ao mesmo tempo em que se estimule a adoção
de valores e a manutenção da qualidade de vida.
É preciso, também, que os professores e a comunidade escolar tenham
acesso a programas de formação, destinados à prevenção ao uso de drogas, para
que não assumam posturas preconceituosas, autoritárias ou paternalistas diante dos
seus alunos, uma vez que essas atitudes atuam no sentido da exclusão do meio
escolar (como evidenciado em diversos dos depoimentos vistos aqui).
Em relação a tal questão, Bucher esclarece:
No nosso entender a escola deve criar oportunidade para que os
professores de todas as disciplinas recebam a formação adequada através
de programas educativos. É preciso que os educadores assumam e se
engajem no processo, dispensando-se, assim a requisição de profissionais
especializados, vindos do exterior do estabelecimento, para falar sobre
drogas diretamente aos alunos [...] a educação nas escolas também deve
visar à comunidade em geral, buscando reduzir os preconceitos e as
hostilidades em relação aos usuários de drogas (BUCHER, 1988, p. 51)
112
Diante do exposto, a próxima seção do presente estudo dedica-se a
discorrer sobre os desafios envolvidos na formulação de uma proposta de prevenção
que atenda, efetivamente, às complexas demandas inseridas na problemática do
uso de drogas e na evasão escolar.
3.3 Desafios da implementação de um programa eficaz de prevenção às drogas
na rede pública de ensino
Verificada a realidade das instituições de ensino público municipal e estadual
de Santo Ângelo, citadas pelos adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo
CASE da mesma cidade, constata-se que, de fato, os profissionais da educação
entrevistados (bem como os das instâncias superiores de gestão escolar por eles
responsáveis), detêm limitações para trabalhar com a problemática das drogas,
como também com outros temas transversais.
Entre as demandas confirmadas, constata-se que as práticas ocorrem, na
grande maioria dos estabelecimentos de ensino, no sentido da denominada
“prevenção secundária”.
Constata-se também a falta de profissionais qualificados para a formatação
e execução de programas e/ou projetos permanentes de combate à influência das
drogas na escola e, também, da incapacidade das unidades de ensino em responder
à complexidade do mundo contemporâneo, no qual se acentua, a cada dia, a
exclusão social.
O desafio da implementação de um projeto consistente de prevenção às
substâncias psicoativas, na rede pública de ensino, na busca de alternativas
capazes, antes de tudo, de manter os adolescentes vinculados à Educação, como
forma de garantir seus direitos básicos enquanto cidadãos em desenvolvimento,
depende, entre outras questões relevantes, da ressignificação do papel da escola
frente aos paradigmas do atual momento histórico, que refletem, de forma
113
preocupante, o abandono dos sujeitos pelo Estado, prejudicando, assim, os
propósitos fundamentais da educação.
Tomando como referência do alcance teórico-prático da escola o conjunto de
questões exposto a seguir tem-se antes de tudo, o seguinte cenário, a partir do qual
toda e qualquer ação dirigida a seu universo pode ser orientada:
• a escola é, por definição, um espaço de socialização do saber;
a escola é o local onde o aluno passa boa parte da sua vida. E essa
é a fase mais rica para a aprendizagem, para mudança de posturas,
atitudes e comportamentos;
• a escola, mais do que qualquer instituição, é privilegiada como
espaço educativo de educação formal;
• a escola, em relação às drogas, pode ser um espaço para discussão
e possibilidades de informações confiáveis fortalecendo as relações
pessoais e o convívio em grupo;
a escola tem competência para mobilizar diferentes segmentos da
comunidade;
a prática de esportes, principalmente coletivos, leva o adolescente a
descobrir a validade de regras, disciplina, espírito de grupo;
a escola poderá criar espaços alternativos nos quais o aluno
buscará a prática do esporte, o convívio com a arte por meio de filmes e de
outras atividades lúdicas (AQUINO, 1998, p. 109-10).
Tal como constatado a aqui, as limitações da escola em atender às
proposições acima listadas podem ser analisadas a partir dos reveses causados por
toda sorte de desmobilizações do coletivo, a ponto de se fazer presente a idéia de
que a distância entre as tentativas de atendimento às necessidades fundamentais
dos indivíduos, e sua efetivação, se amplie dia-a-dia.
Referindo-se especificamente ao grupo etário enfocado no presente estudo,
Aquino refere:
Tratando a temática num contexto ainda mais complexo, é possível
vincular o problema do consumo a dinâmica de desintegração social em que
existem padrões de consumo muito diversos. Assim, podemos admitir que
distintos grupos consomem distintas drogas, em distintos contextos e por
distintos motivos.
Mesmo não sendo possível estabelecer relações lineares entre os
fatores socioculturais e o aumento do consumo de drogas, podemos
abordar o problema sob o enfoque interdisciplinar, que busca nos
fenômenos culturais e sociais as pistas para compreender por que o
consumo de drogas aumenta num determinado grupo social “vulnerável
como os jovens (AQUINO, 1998, p.38, 39).
114
Evidentemente, questionar as estruturas sob as quais repousa, ainda hoje, a
ordem social e a necessidade de melhoria da qualidade de vida dos mais variados
segmentos entre os quais a que abarca a enorme população de adolescentes
expostos, cotidianamente, a todo tipo de experiência, entre as quais aquelas
derivadas do uso de substâncias psicoativas –, exige, no mínimo, a ousadia de se
propor possíveis respostas aos desafios detectados.
No que tange à temática em estudo e à caracterização de um modelo de
prevenção eficaz, a ser aplicado às instituições da rede pública de ensino, as
considerações de Schenkel e Minayo (2005) podem servir de baliza para o aqui
proposto.
De acordo com as autoras citadas, a noção de proteção é um dos temas
que, inevitavelmente, deve integrar o debate acerca da prevenção às substâncias
psicoativas entre adolescentes. Conforme esse entendimento:
Proteger é uma noção que faz parte do contexto das relações
primárias e do universo semântico das políticas sociais. Significa,
sobretudo, oferecer condições de crescimento e de desenvolvimento, de
amparo e de fortalecimento da pessoa em formação. No caso brasileiro, a
doutrina da proteção integral se encontra no Estatuto Brasileiro da Criança e
do Adolescente (ECA), que a resume definindo esse grupo social como (a)
cidadão; (b) sujeito de direitos; (c) capaz de protagonismo; (d) merecedor de
prioridade de atenção; e (e) de cuidados (HAWKINS et al., 1992; COIE et
al., 1993; JESSOR et al., 1995; PETTIT et al., 1997).
E diante disso, é pertinente o entendimento de que:
Dentro dessa premissa de proteção, uma das tarefas de quem atua
na atenção aos adolescentes que usam drogas é determinar que fatores
podem ser evidenciados pela técnica e pela experiência como relevantes
para promover seu crescimento saudável e evitar que corram riscos de
dependências e de acirramento de problemas sociais (HAWKINS et al.,
1992; COIE et al., 1993; JESSOR et al., 1995; PETTIT et al., 1997).
Por outro lado, outros autores preocupados com a questão asseguram que a
própria vida precisa ser considerada e, para tanto, o refúgio familiar é o segmento
mais adequado e que merece maior atenção e cuidado. Nesse sentido, assim
referem:
115
Fatores de proteção são identificados nos seis domínios da vida já
tratados, quando se discutiu a questão dos riscos: individual atitudes e
predisposições; meio familiar relações familiares e atitudes parentais;
escola – clima seguro ou inseguro; amigos – envolvimento ou não com
drogas; sociedade tendências econômicas, falta de emprego; comunidade
– organização ou desorganização (ZWEIG et al., 2002).
Da mesma forma, não se pode esquecer da escola, pois ela é a instituição
que tem, por excelência, a função da educação formal. Esta, por sua vez, constitui
um direito dos sujeitos, do qual o Estado deve dar conta. Nesse sentido, o
entendimento de que a escola deva ser um lugar possível para o atendimento
desses jovens merece ser discutido.
A escola é um poderoso agente de socialização da criança e do
adolescente, ressaltando-se uma certa mística e identidade do tipo de
educandário com o comportamento daqueles que o freqüentam (Kandel et
al., 1978). Por juntar em seu interior a comunidade de pares e por ter fortes
instrumentos de promoção da auto-estima e do autodesenvolvimento em
suas mãos, o ambiente escolar pode ser um fator fundamental na
potencialização de resiliência dos adolescentes (SCHENKEL e MINAYO,
2005, p. 711-713).
Em consonância com o ideário defendido pelas autoras supracitadas, existe
um projeto bem-sucedido de prevenção à evasão escolar (foco primordial de
posicionamento da escola, tanto e relação às substâncias psicoativas, como quanto
a toda uma série de riscos sociais e conjunturais) desenvolvido no município de
Santa Maria (RS).
Este incluiu a Rede Integrada de Atendimento Escolar, composta de vários
projetos educacionais, lúdicos, profissionalizantes, esportivos e estatísticos, esta
rede é composta por:
- Escolas Abertas: têm como objetivo oferecer ensino fundamental às
crianças e adolescentes em situação de risco, sem limite para data ou
época de ingresso, auxiliando assim retorno de evadidos [...];
- Escolas-núcleo Rurais: [...] tem por finalidade proporcionar uma educação
básica de melhor qualidade, adequada à realidade do meio rural [...];
- Ensino supletivo: oferecer oportunidade de estudo formal mais acelerado
aos adolescentes e adulto [...];
- Ensino Profissional: oferta para adolescentes, regularmente matriculados
nas escolas municipais, a oportunidade de profissionalização, incentivando-
se a permanência do aluno na escola regular [...];
- Intervenção de educadores Especiais e Orientadores Educacionais nas
Séries Iniciais: [...] realizar um trabalho preventivo e alternativo nas escolas
da rede municipal, prevenindo a reprovação e a evasão escolar; sensibilizar
os professores do ensino regular para atuarem na educação integradora,
numa perspectiva de escola inclusiva, proporcionando aos alunos uma
116
escola moderna, democrática e verdadeiramente cidadã [...].(BRANDÃO,
1998, p. 7, 8).
Reconhecida em nível nacional, a experiência gaúcha, apesar de não incluir
em seu programa, diretamente, atividades de combate às substâncias psicoativas,
de forma concomitante ao seu objetivo principal reduzir os índices de evasão
escolar – destaca elementos que, por tudo o que foi demonstrado até aqui, tornaram
efetiva a prevenção ao uso de drogas entre crianças e adolescentes.
Entre as propostas incluídas no que se denominou “Rede Integrada de
Atendimento Escolar”, incluem-se: Projeto Escola de Canoagem; Projeto Evasão X
Mídia; Projeto Evasão Esporte; Projeto “O ju como prática educativa”; Projeto
“Capoeira na comunidade”; A “dança na construção de um novo amanhã”; Projeto “A
Escola Canta”; Grupos de apoio pedagógico nas diferentes áreas de conhecimento;
Convênio FUNDAE (Fundação Educacional e Cultural para o Desenvolvimento e
Aperfeiçoamento da Educação e Cultura) (BRANDÃO, 1998).
Tal como exposto pelo autor citado, a “Rede Integrada de Atendimento
Escolar” de Santa Maria (RS), no “ano de sua implantação (1997), [...] conseguiu
reduzir o índice de evasão escolar de 4,02% para 1,35%, e no ano de 1998, de
1,35% para zero” (BRANDÃO, 1998, p. 12).
Um programa como o citado traz em seu bojo a perspectiva de uma
diminuição do processo de exclusão social, apontado nos depoimentos selecionados
como um dos principais agravantes na adição às substâncias psicoativas, o que o
qualifica e em razão de outros propósitos a ele vinculados como experiência
possível no enfrentamento das problemáticas relacionadas à drogadição entre
crianças e adolescentes
.
Tomando-se como referência para o entendimento do conceito de exclusão
social, o posicionamento teórico de Escovel (apud BONETTI, 2000), pode-se
visualizar de que forma a opção pela prevenção ao uso de substâncias psicoativas,
no ambiente educacional, pode contribuir para a (re)inserção das crianças e
adolescentes às atividades educacionais, e uma conseqüente melhoria de sua
qualidade de vida.
117
Exatamente o oposto da exclusão, que “significa expulsar do mundo
dominante, significa literalmente colocar para fora dos parâmetros e das normas que
regem as relações sociais; não apenas marginalizar e sim desconsiderar a
existência humana
(ESCOVEL apud BONETTI, 2000, p. 28)”.
O preconceito gerado pela desinformação dos gestores educacionais acerca
das substâncias psicoativas, reproduz, em larga escala, o pensamento apregoado
pelo senso comum, o qual, de acordo com Ribeiro (s.d.), atribui, no “contexto das
instituições que lidam com o adolescente, [a] o objeto droga [...], como no imaginário
social, o centro da cena e o lugar de personagem principal; assim, desloca o sujeito
ao papel de coadjuvante” (RIBEIRO, s.d., p. 133).
Diante disso, é oportuno avaliar o seguinte pensamento: se o esforço para
combater as substâncias psicoativas é concentrado no tratamento de eventuais
usuários, talvez a droga seja, realmente, o foco sobre o qual se movimente a
comunidade escolar, e não o indivíduo que dela faz uso (o qual, se fosse priorizado,
deveria ser cotidianamente levado a descobrir alternativas ao consumo). Nesse
sentido, Bucher esclarece:
A abordagem da toxicomania apenas como uma questão de patologia
individual é equivocada, tendo em vista que para se atingir a magnitude do
fenômeno é preciso caracterizá-lo e compreendê-lo numa rede complexa de
relações que inclui a droga, o indivíduo e o contexto sócio-cultural (1988, p.
47).
O fato de a pesquisa ora apresentada ter analisado a evasão escolar e a
prevenção ao uso de drogas nas escolas por onde passaram adolescentes em
conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo Ângelo, por sua vez, pressupõe, no
momento em que se procura visualizar formas de saneamento das problemáticas
apontadas no estudo, o resgate de práticas cuja eficiência comprovada possam se
somar às particularidades do universo deste trabalho.
Nessa altura do trajeto, posso falar mais sobre os “temas transversais” como
uma alternativa, no meu entender, inovadora para o enfrentamento das questões
sociais, como, por exemplo, a drogadição, que bate à porta das escolas. As
118
questões sociais são inesperadas e às vezes indesejadas, mas existem e
necessitam de um acolhimento por parte do sistema escolar.
Através das entrevistas com a equipe diretiva das escolas por onde
passaram os adolescentes, universo da pesquisa no período de 24 de abril a 24 de
maio de 2006, foi possível identificar que a maioria das escolas faz pouco uso dos
PCNs. Estes são utilizados geralmente por um ou outro professor, que trabalha um
ou outro tema proposto pelos referidos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Essa realidade apresentada advém, no meu entendimento, da falta de
preparo dos educadores para desenvolver os temas transversais, pois para trabalhar
com os alunos sobre: ética, saúde, meio-ambiente, sexualidade, pluralidade cultural,
preconceitos, solidariedade, drogadição, entre outros, é necessário o mínimo de
formação. O que parece pouco existir nos quadros de professores da rede blica
de ensino de Santo Ângelo, conforme pesquisa apresentada neste capítulo.
Nesse sentido, Aquino faz uma reflexão:
[...] vale o esforço de imaginação: não seria a questão do uso/abuso das
drogas psicoativas, se tomada como uma temática transversal, uma
excelente ocasião de articulação dos saberes abstratos dos diferentes
campos teóricos aos clamores concretos da clientela? Uma reapropriação
produtiva de uma demanda social aflitiva? Uma maneira vívida, instigante
de construção do conhecimento e de uma certa perplexidade perante a vida
contemporânea e suas vicissitudes? (1998, p. 102).
Pode-se questionar, no entanto, que interesse esses jovens m na
construção do conhecimento? De qual conhecimento? Um conhecimento que leve e
permita o quê?
Não obstante a isso, costurando sua argumentação, o autor assim discorre:
Mesmo que hoje, às portas do próximo século, ainda tenhamos uma
certa dificuldade de nos descolar da imagem tradicionalista, estanque e
compartimentada, que cultivamos da educação formal, não seria possível
imaginar, por exemplo, o ensino de História, ou de Língua Portuguesa, ou
de Ciências, estruturados em torno de temas geradores estranhos e
inusitados à escola, mas, ao mesmo tempo, vizinhos próximos em nosso
cotidiano, como ética, a sexualidade, a ecologia ou a paz?
119
E por que não as drogas? O que nos impede de arriscar? (AQUINO,
1998, p. 102).
Por tudo isso, a formulação de estratégias eficazes de prevenção às
substâncias psicoativas na escola deve contar, como recurso para a sua aplicação,
com a identificação das problemáticas sociais que influenciam o conjunto da
comunidade a ser mobilizada. Isso permitiria o efetivo enfrentamento da soma de
condições capazes de influenciar, negativamente, o desenvolvimento dos
adolescentes.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Emoção, que maneira de me deixar só
Agora estou sem caminho e sem solução
Que jeito brusco de expulsar a razão
Que sempre me fala, me guia, sei lá ...
(Martha Medeiros)
Ao cabo do presente estudo, que se baseou na hipótese de que, nas escolas
públicas, a prevenção ao uso de drogas ainda esteja sendo trabalhada com base em
palestras e depoimentos ou repasse de informações relativas aos malefícios das
drogas; e isso acarreta o não-envolvimento efetivo das instituições, por onde
passaram os adolescentes em conflito com a lei atendidos pelo CASE de Santo
Ângelo, com programas de prevenção ao uso de drogas. Daí, é possível elaborar as
seguintes considerações:
As correlações entre a drogadição dos adolescentes em conflito com a
lei participantes da amostra que realizei, em 2006, e os elevados índices de evasão
escolar, indicadores presentes nos dados levantados entre os anos de 2001 e 2002,
no âmbito do CASE de Santo Ângelo, demonstram claramente a necessidade de
que as instituições de ensino desse município enfatizem estratégias de prevenção
às substâncias psicoativas que ultrapassem a mera representação dos efeitos
nocivos das drogas.
É imprescindível estender suas ações a uma política de prevenção à
promoção da qualidade e valorização da vida. Isso pressupõe, necessariamente,
uma prática de interação, diálogo e afetividade, com envolvimento de toda
comunidade escolar.
121
Os discursos mantidos nas instituições escolares consultadas
confirmam a hipótese de despreparo da rede de ensino público de Santo Ângelo, no
que tange à ausência de projetos e/ou programas sistematizados em torno da
questão da utilização, entre os adolescentes, das substâncias psicoativas,
conseqüência, talvez, da falta de políticas públicas de prevenção continuadas e
permanentes.
Como pude perceber, não há, no cenário configurado pelos depoimentos
coletados junto às escolas, um princípio de ação que contemple os diversos níveis
de prevenção sugeridos na literatura consultada, sendo executada como recurso
paliativo, incapaz, por esta mesma razão, de prevenir, limitando-se somente a
atender às demandas em curso.
A carência de atendimento integral às necessidades dos adolescentes
atendidos pelas instituições de ensino público atua como elemento potencializador
da evasão escolar, o que pode contribuir para a exclusão social.
A ausência de cursos e/ou programas que considerem a formação de
gestores educacionais, professores e outros profissionais da educação, acerca do
consumo de substâncias psicoativas entre crianças e adolescentes, contribui para o
elevado nível de desinformação constatado naquele grupo, o que inviabiliza, em
muitas situações, o desenvolvimento de estratégias de prevenção e combate às
drogas na escola.
Nas escolas, dificuldades em se trabalhar com as diferenças. Assim,
é importante existir no contexto escolar a presença de outros profissionais, como por
exemplo, assistentes sociais e psicólogos, para que as várias situações que chegam
à escola possam ser efetivamente trabalhadas.
A literatura consultada, apesar de oferecer recursos válidos para a
compreensão dos temas correlatos às demandas envolvidas na drogadição entre os
adolescentes evasão escolar e características dos adolescentes em conflito com a
lei –, bem como, das estratégias de prevenção às drogas passíveis de
122
implementação no ambiente escolar, tratam estas questões, na maioria das vezes,
como aspectos isolados de um mesmo cenário, o que dificulta o entendimento
integral dos processos aqui analisados.
Faz-se necessário o aprofundamento das investigações ora apresentadas,
como recurso para a definição de estratégias de prevenção às substâncias
psicoativas, na escola, e como forma de combate à evasão escolar e à prática de
ato infracional pelos adolescentes, a fim de propor alternativas concretas de
validação dos propósitos atribuídos ao estudo de campo efetuado.
É preciso ressaltar, ainda, o alto grau de desconhecimento acerca das
temáticas incluídas no presente estudo percebido junto aos profissionais da
educação. Certamente, eles necessitam do apoio de uma equipe multidisciplinar,
não apenas para a formulação de estratégias de prevenção eficazes, mas também,
para o atendimento das variadas questões sociais que incidem sobre a escola, no
atual momento histórico.
O adolescente necessita de um outro olhar para as suas emoções.
Necessita, e muito, “não ficar [...] sem caminho e sem solução”, conforme
epígrafe desta seção. Cabe ressaltar ainda que estas são apenas considerações
que encerram uma jornada acadêmica, mas as inquietações desencadearão novas
reflexões, novos olhares à problemática proposta.
Por tudo isso, os dados e resultados ora apresentados, obtidos na
investigação, permitem a visualização de caminhos viáveis ao enfrentamento das
questões associadas à drogadição no âmbito da escola, desde que tal movimento
ocorra a partir de um princípio de abertura, compartilhado por todos os envolvidos na
prática educativa, à multiplicidade de fatores que se fazem presentes no cotidiano da
prevenção e que correspondem aos principais desafios a ela associados.
123
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128
APÊNDICES
129
APÊNDICE A
Quadro 1 – FASE (unidades de Porto Alegre)
Unidade Capacidade
População
em
07/03/2006
Perfil da população
Comunidade
Sócio Educativa –
CSE*
116 94
Destina-se a execução de medida de
internação e atende em cinco subunidades
independentes, quatro com capacidade para
22 adolescentes e uma subunidade,
denominada “E”, para Internação Com
Possibilidade de Atividades Externas, com
capacidade para 28. A subunidade “A” atende
adolescentes de ingresso no sistema de
internação, oriundos de Porto Alegre e Novo
Hamburgo, em regime de ISPAE. A unidade
“B” atende jovens adultos de 18 a 21 anos
com perfil de maior comprometimento. As
unidades “C” e “D” atendem adolescentes
reincidentes no sistema de internação.
Centro de
Atendimento
Sócio-Educativo
Regional Porto
Alegre I – CASE
POA I
40 91
Destina-se ao atendimento de adolescentes
de origem na região do respectivo juizado,
em situação de primeiro ingresso e com
sentença de primeiro grau.
Centro de
Atendimento Sócio-
Educativo Regional
Porto Alegre II -
CASE POA II
76 121
Constituído a partir da reforma do antigo
Abrigo Juvenil Feminino (AJF), destina-se ao
atendimento de adolescentes de primeiro
ingresso provenientes da região do Juizado
da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
Centro de
Atendimento
Sócio-Educativo
Feminino - CASEF
33 21
Destina-se ao atendimento de adolescentes
de Sexo Feminino que cumprem medida de
Semiliberdade, Internação com Possibilidade
de Atividade Externa (ICPAE), Internação
Sem Possibilidade de Atividade Externa (
ISPAE ) e internação provisória.
Centro de
Atendimento
Sócio-Educativo
Padre Cacique –
CASE PC
80 94
Destina-se ao atendimento de adolescentes
de primeiro ingresso e com sentença de
primeiro grau, cumprindo medida de
Internação sem Possibilidade de Atividade
Externa – ISPAE ou medida de Internação
com Possibilidade de Atividade Externa -
ICPAE, com origem nas regiões do estado
onde ainda não existe Centro de Atendimento
Sócio-Educativo, a saber regionais de Novo
Hamburgo, Santa Cruz do Sul e Osório.
Centro de
Internação
Provisória
Carlos Santos
CIPCS
60 192
Destina-se ao atendimento de adolescentes
em situação de Internação Provisória com
origem no Juizado Regional de Porto Alegre
e nos Juizados regionais que ainda não
possuem unidades do sistema Fase-RS.
Também atende adolescentes internados por
Regressão de Medida do Meio Aberto e
adolescentes em processo de triagem até a
definição da situação jurídica ou do seu perfil
comportamental.
Fonte: FASE (março 2006)
130
Quadro 2 – FASE (unidades do interior)
Unidade Capacidade
População
em
07/03/2006
Perfil da população
Centro Sócio-
Educativo
Regional de
Caxias do Sul –
CASE CS
40 72
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Caxias do Sul.
Centro Sócio
Educativo
Regional de
Santa Maria -
CASE SM
40 62
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Santa Maria.
Centro Sócio-
Educativo
Regional de Passo
Fundo - CASE PF
40 78
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Passo Fundo.
Centro Sócio
Educativo
Regional de
Pelotas –
CASE PEL
40 47
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Pelotas.
Centro Sócio
Educativo
Regional de
Santo Ângelo -
CASE SA
40 62
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Santo Ângelo.
Centro Sócio-
Educativo
Regional de
Uruguaiana –
CASE U
40 57
Destina-se à internação de adolescentes e
jovens adultos com origem na região sob a
jurisdição do Juizado Regional da Infância e
da Juventude de Uruguaiana.
Centro Sócio-
Educativo de
Semiliberdade de
Santa Maria –
CASEM SM
25 12
Destina-se à execução de Medida de
Semiliberdade de adolescentes e jovens
adultos com origem na região sob Jurisdição
do Juizado da Infância e Juventude de Santa
Maria.
Centro Sócio-
Educativo de
Semiliberdade de
Caxias do Sul –
CASEM CS
15 6
Destina-se à execução de Medida de
Semiliberdade de adolescentes e jovens
adultos com origem na região sob Jurisdição
do Juizado da Infância e Juventude de
Caxias do Sul.
Centro Sócio-
Educativo de
Semiliberdade de
São Leopoldo –
CASEM SL
20 15
Destina-se à execução de Medida de
Semiliberdade de adolescentes e jovens
adultos com origem na região sob Jurisdição
do Juizado da Infância e Juventude de Novo
Hamburgo.
Centro Sócio
Educativo
Regional de
Novo Hamburgo
CASE NH
60 100
Destina-se à internação de adolescentes, em
situação de primeiro ingresso, com origem na
região sob a jurisdição do Juizado Regional
da Infância e da Juventude de Novo
Hamburgo.
Fonte: FASE (março/2006)
131
Quadro 3 – Tipos de atos infracionais* praticados pela população
atendida pela Fase-RS em 07.03.2006
Ato infracional %
Roubo 566 50,36
Homicídio 172 15,30
Furto 94 8,36
Latrocínio 63 5,60
Descumprimento de Medida do JIJ** 26 2,31
Tráfico do entorpecentes 29 2,58
Tentativa de homicídio 19 1,69
Estupro 18 1,60
Atentado violento ao pudor 14 1,25
Porte ilegal de armas 5 0,44
Lesões corporais 11 0,98
Dano ao patrimônio 4 0,36
Violação de domicílio 4 0,36
Tentativa de latrocínio 2 0,18
Incêndio 2 0,18
Estelionato 2 0,18
Arrombamento 1 0,09
Seqüestro e cárcere privado 1 0,09
Extorsão 1 0,09
Apropriação indébita 1 0,09
Tentativa de estupro 1 0,09
Tentativa de roubo 1 0,09
Fabricação de entorpecentes 1 0,09
Não informado 86 7,65
TOTAL 1124 100,00
Fonte: FASE-RS – IG – WWW. fase. rs gov.br
* Os dados das tabelas referentes a atos infracionais foram levantados a partir de listagens de
adolescentes fornecidas pelas unidades da Fase-RS, considerando o ato infracional motivador do
último ingresso na instituição.
** Adolescentes que ingressaram na FASE em função do descumprimento de medida sócio-educativa
de meio aberto (LA – Liberdade Assistida – ou PSC – Prestação de Serviço à Comunidade).
132
APÊNDICE B
INSTRUMENTO DE PESQUISA
1 – IDENTIFICAÇÃO
a. Idade
( )
b. Local de origem: ____________________________________________________
c. Nível de escolaridade quando ingressou no sistema de atendimento:
( ) Ensino Fundamental – Série: _________________________________________
( ) Ensino Médio – Série: ______________________________________________
d. Estava estudando?
( ) Sim ( ) Não
e. Se oriundo de Santo Ângelo, última escola onde estudou: ___________________
___________________________________________________________________
2 – HISTÓRICO FAMILIAR
f. Antes da internação, vivia com quem?
( ) pais
( ) mãe
( ) pai
( ) outros: ________________________________________________________________________
g. Na sua família, alguém é usuário de drogas?
( ) sim ( ) não
h. Em caso positivo, quem (e quais os tipos de drogas consumidas)? __________________________
_________________________________________________________________________________
3 – HISTÓRICO DE VINCULAÇÃO AO CASE
i. Modalidade de internação na unidade:
( ) provisório
( ) indeterminado
133
( ) regressão de medida
j. Razão(ões) da internação: __________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
l. É reincidente?
( ) sim ( ) não
m. Há registro de passagem por outra instituição?
( ) sim ( ) não
n. Em caso positivo, qual(is)? _________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
4 – RELAÇÕES COM A TEMÁTICA EM ESTUDO
o. É usuário de drogas?
( ) sim ( ) não
p. Em caso positivo, qual(is)? _________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
q. Onde travou contato com as drogas? _________________________________________________
_________________________________________________________________________________
r. Com quem? _____________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
s. Na(s) instituição(ões) de ensino onde estudou, participou de algum tipo de programa de prevenção
às drogas?
( ) sim ( ) não
t. Em caso positivo, descrever a situação: _______________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
u. Das pessoas que você conheceu, qual(is) você acredita que tenha(m) melhor abordado a questão
das drogas, nas escolas onde passou antes da internação? _________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
134
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O projeto de pesquisa ao qual se vincula o presente Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, intitulado
Correlações entre indicadores sobre o consumo
de drogas junto aos adolescentes em conflito com a lei do CASE, de Santo
Ângelo (RS), a evasão escolar e práticas de prevenção em escolas da rede
pública de ensino municipal e estadual
”, se reveste de importância ao abordar um
tema (a drogadição) que demanda, cada vez mais, a atenção de educadores,
agentes de saúde pública, profissionais voltados ao atendimento sócio-educativo e,
em larga escala, a própria sociedade como um todo.
Partindo da realidade de adolescentes em conflito com a lei, atendidos pelo
Centro de Atendimento cio-Educativo de Santo Ângelo, e em especial, do papel
da escola em seu desenvolvimento, procura-se, através da investigação científica
em curso, detectar elementos que justifiquem os expressivos indicadores de evasão
escolar detectados em levantamento realizado junto àquela população, bem como a
relação deste fenômeno com a presença (ou não) de ações de prevenção às drogas
na escola.
Para tanto, a contribuição de sua instituição de ensino a qual se inclui no
histórico escolar de um ou mais adolescentes em conflito com a lei consultados para
o presente estudo -, através de entrevista gravada, se mostra de fundamental
importância para o efetivo esclarecimento da temática analisada, e envolve apenas o
procedimento de coleta de informações, a discussão acerca do nível de prevenção
às substâncias psicoativas promovido pela escola e seu impacto na sociedade.
É importante frisar que nenhum risco ou desconforto envolvido na
modalidade de pesquisa prevista neste Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, ao mesmo tempo em que, a partir da sua livre manifestação acerca da
temática em estudo, se espera, verdadeiramente, adquirir informações válidas para
o esclarecimento do assunto em questão.
Pelo presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declaro que
autoriza a participação de minha escola neste projeto de pesquisa, pois fui
informado(a) de forma clara e detalhada e livre de qualquer forma de
constrangimento e coerção dos objetivos, da justificativa, dos procedimentos aos
quais serei submetido, dos riscos, desconfortos e benefícios, assim como das
alternativas às quais poderia ser submetido(a), todos acima listados.
Fui, igualmente, informado(a):
da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a
qualquer dúvida acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros assuntos
relacionados com a pesquisa;
• da liberdade de retirar meu consentimento, a qualquer momento, e deixar de
participar do estudo, sem que isto traga qualquer prejuízo à instituição de ensino na
qual desempenho função de liderança;
da garantia de que tanto eu, quanto a escola pela qual respondo, seremos
identificados quando da divulgação dos resultados, e que as informações obtidas
serão utilizadas apenas para fins científicos vinculados ao presente projeto de
pesquisa;
do compromisso de proporcionar informação atualizada obtida durante o
estudo, ainda que esta possa afetar a minha vontade em continuar participando;
de que se existirem gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo
orçamento da pesquisa.
135
O pesquisador responsável por este projeto de pesquisa é LEIZA LUZIA
OLCZEVSKI, residente e domiciliada na Rua Antunes Ribas, 570, apto. 402, na
cidade de Santo Ângelo, RS, e cujo contato pode ser realizado pelo telefone (55)
3312-3761.
O presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma
com o voluntário da pesquisa ou seu representante legal e outra com o pesquisador
responsável.
Data: junho de 2006
Nome da escola: _____________________________________________________
Entrevistado(s) e função(ões): ___________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Pesquisadora: Leiza Luzia Olczevski
Assinatura: __________________________________________________________
136
APÊNDICE D
F
UNDAÇÃO DE
A
TENDIMENTO
S
ÓCIO
-E
DUCATIVO DO
R
IO
G
RANDE DO
S
UL
FASERGS
C
ENTRO DE
A
TENDIMENTO
S
ÓCIO
-E
DUCATIVO
R
EGIONAL DE
S
ANTO
Â
NGELO
– CASE
R
EALIDADE
S
OCIAL DOS
A
DOLESCENTES EM
C
ONFLITO COM A
L
EI
, I
NTERNOS NO
CASE
DE
S
ANTO
Â
NGELO
LEIZA LUZIA OLCZEVSKI
Santo Ângelo - 2003
137
INTRODUÇÃO
Segundo o art. do Estatuto da Criança e do Adolescente
Lei 8069/90, “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Mesmo assim, um número significativo dessa população
crianças e adolescentes são expostos freqüentemente a violações de seus
direitos. Como causas, podemos apontar a falta de políticas públicas e sociais e a
necessidade de mobilização cada vez maior em torno do tema. Tal situação se
revela mais grave quando em foco os adolescentes em conflito com a lei, pois estes
são estigmatizados ao extremo, rotulados de infratores, perigosos e sem-
recuperação, não encontrando, assim, na sociedade, o necessário respaldo para a
defesa dos seus direitos.
Nesse sentido, esta pesquisa tem por objetivo demonstrar a
realidade social de alguns adolescentes que cometeram atos infracionais, bem
como, retratar a necessidade da implantação plena do Estatuto da Criança e
Adolescente, pois, só assim, ocorrerão avanços significativos na efetivação dos
direitos desse segmento, o que ocasionaria mudanças significativas no resultado de
pesquisas similares futuras.
138
METODOLOGIA
As informações contidas desta pesquisa quantitativa referem-
se à realidade social de adolescentes internos no CASE - Santo Ângelo. O
levantamento de dados iniciou em 16/01/2001 (modelo em anexo) com todos os
adolescentes internos e, da mesma forma, com os que chegaram até o dia
18/02/2002, exceto, os dados de 5 dos adolescentes internados que não foram
levados em consideração, tanto por haver deficiência na coleta, como pela
impossibilidade de fazê-la. Além das entrevistas também foi realizada pesquisa
documental.
Para os jovens reincidentes, no espaço de tempo da pesquisa,
foi levado em consideração apenas o questionário que se mostrou mais completo.
Torna-se oportuno frisar que nenhum adolescente negou-se a
responder o questionário e todos foram informados do objetivo do mesmo.
A coleta de dados e posterior tabulação foi realizada pela
Assistente Social do CASE – Santo Ângelo, com o apoio da Direção.
Tabela 1 – Cidade de nascimento, procedência e último delito
Cidade
Nascimento Procedência Último delito
Alvorada 1 --- ---
Augusto Pestana 3 1 1
Barão de Cotegipe 1 --- ---
Bossoroca --- --- 1
Campo Bom 1 --- ---
Campo Novo 1 1 1
Catuipe 6 6 5
Cerro Largo 3 1 1
Coronel Bicaco 1 2 3
Cruz Alta 6 6 6
Dr. Maurício Cardoso --- --- 1
Entre-Ijuís 1 1 1
Erexim 2 1 ---
Eugênio de Castro --- 1 2
Giruá 1 1 1
Guarani das Missões 2 3 3
139
Horizontina 3 4 3
Humaitá 1 --- ---
Ijuí 9 11 12
Independência --- 1 1
Lages 1 --- ---
Novo Hamburgo 1 1 1
Palmeira das Missões 4 6 6
Passo Fundo 3 4 5
Panambi --- 1 1
Perez 1 --- ---
Porto Alegre 3 4 1
Redentora 1 --- ---
Santa Maria 1 2 1
Santa Rosa 7 6 6
Santiago 1 1 2
Santo Ângelo 14 17 17
Santo Antônio das Missões 2 2 2
Santo Augusto 2 1 1
São Luiz Gonzaga 7 5 4
São Miguel das Missões 1 --- ---
São Nicolau 1 1 2
São Paulo --- --- 1
Sede Nova --- 1 1
Três de Maio 4 3 3
Tuparendi 2 2 2
Uruguaiana 1 1 1
Total 99 99 99
Tabela 2 – Idade na data da entrevista.
Idade Adolescentes
12 anos 1
14 anos 9
15 anos 8
16 anos 36
17 anos 29
18 anos 15
19 anos 1
Total 99
Tabela 3 – Grau de instrução na data da entrevista.
Instrução
Adolescentes
1ª Série 8
2ª Série 2
3ª Série 7
4ª Série 16
140
5ª Série 29
6ª Série 13
7ª Série 12
8ª Série 5
Ensino Médio 3
Analfabeto 4
Total 99
Figura 1 – Adolescentes que freqüentavam a escola antes da internação.
73%
27%
Não
Sim
Figura 2 – Principais motivos que levaram os adolescentes a deixar de freqüentar a escola.
63%
13%
17%
7%
Falta de interesse
Influência externa
Trabalho
Outros
141
Figura 3 – Adolescentes que participaram de curso profissionalizante antes da internação.
35%
65%
Sim
Nâo
Figura 4 – Adolescentes que já trabalharam.
10%
90%
Sim
Não
142
Tabela 4 – Idade com que começaram a trabalhar.
Idade
Adolescentes
7 anos 2
8 anos 3
9 anos 1
10 anos 12
11 anos 9
12 anos 25
13 anos 9
14 anos 13
15 anos 8
16 anos 6
18 anos 1
Total 89
Tabela 5 – Atividades que já exerceram.
Atividades
Adolescentes
Agricultura 27
Biscate 9
Chapa 9
Engraxate 7
Indústria 4
Informática 1
Jardinagem 28
Oficina 11
Pintor 5
Reciclagem 2
Secretariado 1
Serigrafia 1
Servente 29
Venda de rua 7
Total 141
OBSERVAÇÃO: o número de atividades excede o número de adolescentes pesquisados pelo fato de
que parte deles exerceu mais de uma atividade laboral.
143
Figura 5 – Adolescentes que estavam trabalhando antes da internação.
71%
29%
Sim
Não
Tabela 6 – Tipo de trabalho exercido antes da internação.
Trabalho
Adolescentes
Agricultura 4
Biscate 4
Capina 2
Chapa 2
Comércio 1
Engraxate 1
Jardinagem 1
Oficina 1
Pintura 2
Secretariado 1
Servente de pedreiro 7
Venda de rua 3
Total 29
Tabela 7 – Renda diária no último trabalho exercido.
Renda diária
Adolescentes
R$ 3,00 19
R$ 4,00 2
R$ 5,00 3
144
R$ 6,00 21
R$ 8,00 1
R$ 9,00 6
R$ 10,00 16
R$ 12,00 5
R$ 15,00 3
R$ 17,00 1
R$ 18,00 3
Sem renda 6
Sem informação 3
Total 89
Figura 6 – Adolescentes que moravam com a família
87%
13%
Sim
Não
Tabela 8 – Renda mensal da família com a qual o adolescente convivia.
Renda
Adolescentes
Sem renda 9
0,01 a 1 salário mínimo 34
1,01 a 2 salários mínimos 23
2,01 a 3 salários mínimos 7
Mais de 3 salários mínimos 16
Sem informação 10
Total 99
OBSERVAÇÃO 1: chegou-se à renda mensal considerando a renda diária do adolescente e o valor
nominal do salário mínimo vigente à época da realização da pesquisa.
145
OBSERVAÇÃO 2: para efeitos de interpretação desta tabela, considera-se família: a biológica, os
colaterais, as pessoas com quem o adolescente estava vinculado afetivamente e, a esposa ou
companheira.
Figura 7 – Adolescentes que tiveram informações acerca das formas de contágio do vírus HIV.
72%
28%
Sim
Não
Figura 8 – Adolescentes que já tiveram DST.
85%
15%
Sim
Não
146
Figura 9 – Adolescentes que receberam informações com relação aos riscos causados pelo uso de drogas.
84,85%
15,15%
Sim
Não
Figura 10 - Adolescentes que usaram drogas.
75%
25%
Sim
Não
147
Tabela 9 - Relação entre a idade e a primeira droga lícita utilizada.
Idade Cachaça Cerveja Vinho Uísque
Conhaque Samba
06 anos --- 1 2 --- --- ---
08 anos --- 1 --- --- --- ---
09 anos 1 --- --- --- --- ---
10 anos --- 1 --- --- --- 2
11 anos --- 2 --- 2 --- 1
12 anos 2 --- 1 --- --- 1
13 anos --- 1 1 --- --- 2
14 anos 1 2 1 --- --- 2
15 anos --- 4 2 --- 1 3
16 anos 1 --- 1 --- --- ---
Totais 5 12 8 2 1 11
OBSERVAÇÃO: Nem todos os adolescentes fizeram uso de drogas lícitas ou responderam a questão.
Figura 11 – Tipos de drogas lícitas utilizadas pelos adolescentes.
19%
3%
7%
33%
38%
Não
S/Informação
Bebida Alcoólica
Tabaco
Os dois
148
Figura 12 – Tipos de drogas ilícitas utilizadas pelos adolescentes.
38%
22%
19%
8%
8%
5%
Maconha
Cocaína
Cola-de-sapateiro
Crack
Loló
Outros
Tabela 10 - Local do primeiro contato com drogas ilícitas.
Local
Adolescentes
Bares 2
Casa 7
Escola 2
Festas 2
Rua 47
Outros 14
Total 74
149
Figura 13 – Com quem usou drogas pela primeira vez.
62%
5%
5%
2%
1%
25%
Amigos
Familiares
Sozinho
Familiares/amigos
Outros
S/informação
Tabela 11 – Motivo que o influenciou ao uso de drogas.
Motivo
Adolescentes
Amigos 6
Curiosidade 46
Curiosidade/amigos 2
Curiosidade/prazer 1
Curiosidade/problemas 4
Prazer 4
Problemas 5
Relaxar 2
Outros 4
Total 74
150
Figura 14 – Adolescentes que cometeram delitos sob o efeito de drogas.
41%
58%
1%
Sim
Não
S/informão
Figura 15 – Tipos de drogas utilizadas no momento do delito.
25%
29%
3%
3%
37%
3%
Maconha
Bebida alcoólica
Crack
Cocaína
Mais de uma
S/informação
151
Figura 16 – Adolescentes cuja família tinha conhecimento de seu envolvimento com drogas.
54%
45%
1%
Sim
Não
Parcialmente
Figura 17 - Adolescentes que tinham algum familiar usuário de drogas.
44%
55%
1%
Não
Sim
S/informação
152
Figura 18 – Adolescentes que participaram de tratamento para abandonar o uso de drogas.
30%
70%
Sim
Não
Tabela 12 – Medidas sócio-educativas cumpridas antes da atual internação.
Medidas
Adolescentes
Internação 1
Internação; Liberdade Assistida 9
Internação; Liberdade Assistida; Prestação de Serviço à Comunidade 20
Internação; Liberdade Assistida; Reparação de Dano 1
Internação; Liberdade Assistida; Semi-liberdade 1
Internação; Prestação de Serviço à Comunidade 5
Liberdade Assistida 4
Liberdade Assistida; Prestação de Serviço à Comunidade 17
Liberdade Assistida; Prestação de Serviço à Comunidade; Reparação
de Dano
1
Prestação de Serviços à Comunidade 21
Nenhuma 19
Total 99
153
Figura 19 – Quantidade de ingressos dos adolescentes.
64%
25%
8%
2%
1%
1º ingresso
2º ingresso
3º ingresso
4º ingresso
5º ingresso
Tabela 13 - Motivo da última internação.
Motivo
Adolescentes
Assalto 21
Atentado violento ao pudor 2
Estupro 4
Furto 13
Homicídio 12
Latrocínio 5
Lesões corporais 7
Regressão de medida 17
Roubo 7
Tentativa de estupro 1
Tentativa de homicídio 2
Outros 8
Total 99
154
Tabela 14 – Tempo cumprido da internação.
Tempo
Adolescentes
01 mês 12
02 meses 7
03 meses 17
04 meses 2
05 meses 4
06 meses 7
07 meses 12
08 meses 6
09 meses 4
10 meses 6
11 meses 3
12 meses 3
13 meses 3
14 meses 3
15 meses 2
18 meses 2
20 meses 1
28 meses 1
Ainda cumprindo medida (27/03/2003) 1
Menos de 1 mês 3
Total 99
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