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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
MARIA MORAES PEREIRA DA LUZ
A ESPECIFICIDADE DO JORNALISMO NAS RÁDIOS
COMUNITÁRIAS: A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA CIDADÃ
NO CONTEXTO NEOLIBERAL
Brasília
2008
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1
MARIA MORAES PEREIRA DA LUZ
A ESPECIFICIDADE DO JORNALISMO NAS RÁDIOS
COMUNITÁRIAS: A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA CIDADÃ
NO CONTEXTO NEOLIBERAL
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília, como
exigência parcial para a obtenção do
título de Mestre em Comunicação
Social.
Orientadora: Profa. Dra. Nélia
Rodrigues Del Bianco
Brasília
2008
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2
MARIA MORAES PEREIRA DA LUZ
A ESPECIFICIDADE DO JORNALISMO NAS RÁDIOS
COMUNITÁRIAS: A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA CIDADÃ
NO CONTEXTO NEOLIBERAL
Dissertação de Mestrado aprovada no dia 8 de agosto de 2008 pela
seguinte banca examinadora:
______________________________________________________
Profa. Dra. Nélia Rodrigues Del Bianco (Orientadora)
Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
______________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Esch
Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Pinto Leal
Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília
3
Dedico esta dissertação à minha
encantadora filha Eduarda, por ser minha
razão de viver. Ao meu querido marido
Bruno, pela total dedicação, carinho,
companheirismo, amor e ajuda. Às minhas
duas e maravilhosas mães Renata e
Dadinha, pela força, renúncia, amor
incondicional e cumplicidade.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus em primeiro lugar porque sem acreditar Nele não iria
muito longe. Agradeço à minha linda e cúmplice filha Eduarda, que mesmo tão
pequenina entendeu e até compartilhou de todos os meus sentimentos de angústia,
nervosismo, felicidade e sensação de tarefa cumprida.
Agradeço ao meu dedicado marido Bruno, que em todos os momentos
esteve ao meu lado, me confortando, me ajudando, me apoiando e dando
sugestões. Agradeço às minhas duas mães maravilhosas, Renata e Dadinha, que
sempre estiveram e estarão me dando colo e me educando, com palavras de
carinho e gestos de amor e cuidando com todo o zelo da minha filhota na minha
ausência. Ao meu sábio pai, José Pereira, que sempre se orgulhou das minhas
conquistas e não mediu esforços para dar aos filhos a melhor educação, pois
acredita que conhecimento é algo que ninguém tira da gente. Aos meus dois lindos
irmãos, e Rafinha, pelo amor, carinho, ajuda e cumplicidade. Às minhas tias que
são verdadeiras mães, Rica e Bebeba, pelo amor, carinho, dedicação e torcida
incondicional. Aos meus primos, que são irmãos de alma e filhos por adoção, Cá,
Digo e Lipe, pelo apoio, amor e companheirismo.
À minha irmã de coração, Nanda, que sempre torceu e participou de todas
as minhas conquistas desde minha infância. A minha cunhada Lívia, que ajudou e
vivenciou várias etapas. Às amigas de infância Larissa, Lorena e Elisa por sempre
estarem presentes em todos os momentos da minha vida com palavras e gestos de
amor. Às amigas Gabi, Mil, Rê, Si, Fabi, Cris, Ana Paula, Andréia e Ive pela
preocupação e incentivo. À amiga de faculdade, Rafaela, que sempre se prontificou
a ajudar. À minha amiga e ex-supervisora Mércia, pelo amor e pelo carinho. À amiga
que fiz durante o mestrado e que levarei para a vida toda, Juliana, pelas palavras de
conforto e força. Às amigas de maternidade, Mi e Sol.
À minha orientadora, Nélia, pelas incansáveis correções e sugestões e por
acreditar no meu potencial. À minha amiga e professora, Sayonara, pela força e
textos fornecidos. Aos funcionários da Pós, Regina e Luciano pela presteza.
À toda equipe das dios Calheta e Paranoá FM que me receberam com
muito carinho e não negaram qualquer tipo de informação. Ao Centro das Mulheres
do Cabo pelas informações e receptividade.
5
RESUMO
As rádios comunitárias surgem dos movimentos sociais no âmbito da
comunicação na década de 70, como proposta alternativa aos meios comerciais e na
luta por espaços públicos democráticos de difusão da palavra e construção da
cidadania. O jornalismo pode potencializar esses espaços por meio da notícia
comprometida com os cidadãos. Na contemporaneidade, essas emissoras passam a
ter configurações diferenciadas das suas condições de origem, podendo se
assemelhar às rádios comerciais locais, tendo cunhos políticos e religiosos ou
construírem modelos de jornalismo específicos com a intenção de contribuir para o
desenvolvimento da comunidade. Com o objetivo de analisar o jornalismo nas
emissoras comunitárias, este trabalho mergulhou na cultura profissional dos
comunicadores, nas estruturas organizacionais e nos processos produtivos de duas
rádios, Calheta FM, do município de Cabo de Santo Agostinho, localizado em
Pernambuco, e Paranoá FM, da região administrativa do Paranoá, do Distrito
Federal. Concluiu-se que são organizações familiares, que praticam um jornalismo
específico, de cunho comunitário, no caso da Calheta FM, ou de serviço, no caso da
Paranoá FM. A comunidade participa da recolha, seleção, edição e emissão das
informações na forma de representantes sociais, os comunicadores, na emissora do
Cabo e a cidadania é o principal critério de escolha das notícias com a intenção da
politização das populações. No Paranoá, a comunidade tem espaço para discussão
e críticas, principalmente ao governo local, mas enxerga a rádio como uma
prestadora de serviço.
Palavras-Chave:
Rádio Comunitária. Espaço blico. Cidadania. Jornalismo Comunitário. Valor-
Notícia.
6
ABSTRACT
The communitarian radios arise from social movements in the field of
communication in the 70’s, as an alternative proposal to the traditional media and in
the fight for democratic public spheres of word diffusion and construction of the
citizenship. Journalism can enhance these spheres by providing news that are
committed to the citizens’ interests. Nowadays, in a neoliberal context, these
broadcast stations start to have different configurations from their initial shape, being
able to resemble to the local traditional radios and have a religious and political
character, or to build specific models of journalism with a view to put the community
in way for its development. This work intended to examine how the journalism in the
communitarian radios really work. For that purpose, the routines of news production,
professional culture and organization estructure of two communitarian broadcasters
have been observed, one in the city of Cabo de Santo Agostinho, located in
Pernambuco, Calheta FM, and the other one in Paranoá, which lies in Distrito
Federal, Paranoá FM. It was concluded that both perform a specific journalism, of
communitarian matrix, in the case of Calheta FM, or service, in Paranoá FM. In
Cabo’s broadcasters the community takes part in the gathering, election, edition and
emission of information as citizen-asset, and the citizenship is the main criteria in
choosing news intending to politicize populations. In the Paranoá, the community has
space for argument and critical, mainly to the local government, but sees to radio as
a service.
Keywords:
Communitarian radio. Public Spheres. Citizenship. Communitarian Journalism. News
Values.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - CALHETA FM - DISTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS..............................97
Figura 2 - CALHETA FM - GRADE HORÁRIA DA PROGRAMAÇÃO.......................98
Figura 3 - PARANOÁ FM - DISTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS...........................102
Figura 4 - PARANOÁ FM - GRADE HORÁRIA DE PROGRAMAÇÃO....................103
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - CALHETA FM – PROGRAMAÇÃO JORNALÍSTICA .............................135
Tabela 2 - PARANOÁ FM – PROGRAMAÇÃO JORNALÍSTICA ............................145
9
LISTA DE SIGLAS
ABERT Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
Abraço Associação Brasileira de Rádios Comunitárias
AM Amplitude Modulada
AMARC Associação Mundial de Rádios Comunitárias
ASCIP Associação Comercial e Industrial do Paran
Anatel Agência Nacional de Telecomunicações
ASCOPA Associação Comunitária do Paranoá
BBC British Broadcasting Corporation
BID Banco Interamericado de Desenvolvimento
CEB Comunidades Eclesiais de Base
CECAP Centro Educacional Horacina Cata Preta
CEFET-PE Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco
CMI Centro de Mídia Independente
CNT Central Nacional de Televisão
CORAC Serviços de Radiodifusão Comunitária
DF Distrito Federal
DNA Deoxyribose Nucleic Acid
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ES Espírito Santo
FM Frequência Modulada
FMI Fundo Monetário Internacional
FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
GT Grupo de Trabalho
GTI Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICIRA Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária
LGT Lei Geral de Telecomunicações
MC Ministério das Comunicações
MNRL Movimento Nacional de Rádios Livres
MP Medida Provisória
MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais
NEMP Núcleo de Estudos de Mídia e Política
NMS Novos Movimentos Sociais
Nomic Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação
NTIC Novas tecnologias de informação e comunicação
OC Ondas Curtas
OM Ondas Médias
ONG Organização não governamental
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OT Ondas Tropicais
PDT Partido Democrático Trabalhista
10
PF Polícia Federal
PFL Partido da Frente Liberal
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMN Partido da Mobilização Nacional
PPB Partido Progressista Brasileiro
PPS Partido Popular Socialista
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RadCom Rádio comunitária
RBS Rede Brasil Sul
SBT Sistema Brasileiro de Televisão
SCE Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica
SJPDF Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal
SP São Paulo
SRI Secretaria de Relações Institucionais
TSE Tribunal Superior Eleitoral
TV Televisão
Unas Unidade de Núcleos, Associações e Sociedade dos Moradores de Heliópolis
UnB Universidade de Brasília
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UniCEUB Centro Universitário de Brasília
USP Universidade de São Paulo
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................12
1 O UNIVERSO CONTRADITÓRIO DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS BRASILEIRAS........................16
1.1 RÁDIOS LIVRES – AS PRECURSORAS........................................................................................16
1.2 CONTRA A REPRESSÃO E PELA LEGALIZAÇÃO .......................................................................20
1.3 INSERÇÃO DAS EMISSORAS NO CONTEXTO NEOLIBERAL ....................................................28
1.3.1
As rádios comunitárias na contemporaneidade........................................................................31
1.4 O DISCURSO COMUNITÁRIO........................................................................................................40
2 JORNALISMO E EMISSORAS COMUNITÁRIAS – ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA.............44
2.1 ESPAÇOS PÚBLICOS COMUNICATIVOS PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA.......................44
2.2 MÍDIA LOCAL E COMUNITÁRIA – ENTRE O CONSUMIDOR E O CIDADÃO..............................55
2.3 JORNALISMO DE PROXIMIDADE E COMUNITÁRIO....................................................................58
3 O ESTUDO DO JORNALISMO NAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS .....................................................63
3.1 A OPÇÃO PELO MÉTODO HABERMASIANO ...............................................................................65
3.2 A ABORDAGEM DO NEWSMAKING E AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS ................................67
4 AS RÁDIOS CALHETA E PARANFM – REALIDADES DIFERENTES, PROBLEMAS E
OBJETIVOS COMUNS..........................................................................................................................74
4.1 AS CONDIÇÕES DE ORIGEM DAS DUAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS.........................................74
4.2 O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DAS EMISSORAS ..................................................................82
4.3 AS ASSOCIAÇÕES EM FUNÇÃO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM ........................................84
4.4 APOIOS CULTURAIS QUE SUSTENTAM A DIFUSÃO DE IDÉIAS...............................................88
4.5 O CIDADÃO NO AR – A PROGRAMAÇÃO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM ..........................91
5 A PRODUÇÃO DA NOTÍCIA CIDADÃ...............................................................................................95
5.1 O ESPAÇO DO JORNALISMO NAS EMISSORAS.........................................................................96
5.2 OS COMUNICADORES E SEUS DIFERENTES VALORES ........................................................104
5.3 DA SELEÇÃO À INFORMAÇÃO NO AR.......................................................................................110
5.3.1
O processo de coleta – a comunidade como agente captador de informações.....................111
5.3.2
As fontes – do virtual ao real...................................................................................................117
5.3.3
A Cidadania como Valor-Notícia.............................................................................................120
5.4 O PRODUTO FINAL DA PRODUÇÃO DA NOTÍCIA – OS PROGRAMAS JORNALÍSTICOS .....123
5.5 O JORNALISMO COMUNITÁRIO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM – SUAS
ESPECIFICIDADES E INTENCIONALIDADES...................................................................................146
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................150
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................154
ANEXO I: DIÁRIO DE CAMPO – CALHETA FM – 16/07/07..............................................................162
ANEXO II – DIÁRIO DE CAMPO - PARANOÁ FM – 11/06/07..........................................................165
ANEXO III: ROTEIRO DE ENTREVISTA............................................................................................170
ANEXO IV: FOTOS CALHETA FM.....................................................................................................172
ANEXO V: FOTOS PARANOÁ FM.....................................................................................................173
ANEXO VI: PROGRAMAÇÃO DA RÁDIO CALHETA FM.................................................................175
ANEXO VII: PROGRAMAÇÃO DA RÁDIO PARANOÁ FM...............................................................176
12
INTRODUÇÃO
As rádios comunitárias têm um papel fundamental na democratização da
comunicação, por meio do exercício da cidadania advindo da participação de
sujeitos sociais de uma determinada localidade. Ao se buscar essa democracia,
estar-se-á caminhando para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito, na
medida em que se criem condições de autonomia aos indivíduos, habilitando-os a
construir suas próprias idéias e convicções quanto a quase todos os aspectos da
vida que lhes digam respeito.
Essas emissoras surgem na década de 70 como modelos alternativos aos
comerciais, formando potenciais espaços públicos de discursividade de argumentos
contraditórios que buscam o bem comum, a politização dos sujeitos históricos para o
exercício pleno da cidadania. Retomam-se as redes primárias de relacionamento,
em que o fórum doméstico é publicizado, na forma as organizações comunitárias.
Essas rádios se configuram como comunicações comunitárias, que o
baseadas em princípios públicos, como não ter fins lucrativos; ter propriedade
coletiva; difundir conteúdos com finalidades educativas e culturais, sem fins políticos
ou religiosos e ampliar a cidadania, com ações focadas em uma determinada
comunidade, seja ela limitada territorialmente ou por compartilhamento de valores,
idéias e culturas.
Na contemporaneidade, os veículos comunitários assumem configurações
diferenciadas das idealizadas na sua origem e isso tem forte influência do cenário
mundial e nacional. Com o avanço do neoliberalismo
1
, a partir do final da década de
70 nos países centrais e no final dos anos 80 na América Latina, o Estado passa a
não mais regular o mercado e os gastos sociais reduzem-se com a formação de um
1
Denominação contemporânea para o modelo econômico e social adotado por diversos países
industrializados de cunho capitalista, desde os anos 70, após a primeira elevação dos preços do
petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que provocou o refluxo da
economia. A inflação crônica, a crise financeira e do comércio internacional e o baixo crescimento
econômico foram outros fatores interligados que impulsionaram a crise nestes países. Para superar a
mesma, o modelo neoliberal adotou a liberalização do mercado, ou seja, a não regularização do
mesmo pelo Estado e a redução dos gastos sociais com a adoção de um Estado Social Mínimo,
assumindo uma nova perspectiva do velho modelo econômico liberal. Os Estados Nacionais
passaram a perder autonomia com a internacionalização dos mercados e a unificação monetária,
diminuindo a eficácia de suas políticas econômicas e sociais. Padrões de produção e consumo são
unificados internacionalmente assim como a moeda, representada pelo dólar, já que os Estados
Unidos foram os precursores da implementação deste modelo econômico e social. O fato é que a
estabilidade da moeda e o fim da inflação foram feitos à custa do social. A desigualdade social passa
a ser tratada como algo natural e a pobreza como inevitável. A resolução dos problemas sociais vai
do caráter público e interventivo do Estado para o privado, familiar e comunitário.
13
Estado Social Mínimo. No Brasil, os serviços sociais nas áreas de saúde,
previdência social e comunicação são privatizados e a globalização passa a tentar
padronizar valores e identidades.
Contudo, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo compromete
negativamente o social e tenta padronizar comportamentos, a busca pelo local,
pelos valores compartilhados e por ações comunitárias.
Inseridas nesse contexto, as rádios comunitárias crescem
consideravelmente em termos quantitativos e passam a assumir caráter político,
religioso, comercial ou comunitário, mas neste caso com configuração diferenciada
da adotada nas origens dos movimentos sociais.
Os dados referentes às emissoras comunitárias são diferenciados, a
depender da organização que os coleta e do objetivo de cada pesquisa. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 48,6% dos 5.564
municípios brasileiros existem rádios comunitárias legalizadas, superando o número
de rádios comerciais que operam em freqüência modulada (FM) nestas localidades
(34,3%) e de emissoras em amplitude modulada (AM – 21,2%). Já segundo o
Ministério das Comunicações, das 13.169 associações que participaram de avisos
de habilitação desde 1998 até abril de 2008, 3.189 dios comunitárias brasileiras
conquistaram a legalização, 7.504 tiveram seus processos arquivados e 2.343 estão
com seus pedidos em andamento. Ainda existe um universo de 3.283 instituições
aguardando novos avisos e 3.487 tiveram seus cadastros de interesse indeferidos.
Nesse universo de legalizadas, surge um novo tipo de coronelismo
denominado “eletrônico de novo tipo”, que segundo Venício Artur de Lima e
Cristiano Aguiar Lopes (2007) a moeda de troca continua sendo o voto, mas com
base no controle da informação, na capacidade de influenciar na formação da
opinião pública de comunidades locais, no contexto municipal. De acordo com os
pesquisadores, das 2.205 rádios comunitárias legalizadas até 2004, 1.106 (50,2%)
são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais vereadores, prefeitos,
candidatos derrotados a esses cargos e líderes partidários. E entre os anos de 2003
e 2004, dos 1.822 processos que não tinham um “padrinho político”, apenas 146
foram aprovados e dos 1.010 processos apadrinhados, 357 foram aprovados, tendo
suas outorgas garantidas.
O estudo de Lima e Lopes (2007) apresenta também uma ligação dessas
rádios pesquisadas com a religião, que representam 5,4% (120 emissoras) do total,
14
predominantemente vinculadas com a Igreja Católica (83 emissoras das 120
69,2%).
Mas também rádios com fins comunitários. De acordo com a
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), existem em
funcionamento no país cerca de 15 mil rádios de caráter comunitário. Desse
universo, aproximadamente, 84% não são autorizadas pelo Ministério das
Comunicações, ou seja, 12.600 são rádios livres com fins comunitários, em que se
busca o exercício da cidadania, por meio da discussão racional de temas relativos às
comunidades em espaços públicos reconhecidos pela localidade.
O jornalismo e sua programação podem agregar valor a esses espaços
de discursividade ao empoderar os indivíduos por meio da informação, em formato
de debate, notícia e comentário. A fim de que eles possam tornar-se sujeitos-ativos e
autônomos, para conhecerem seus direitos e deveres e não reivindicá-los, mas
buscarem soluções para as mazelas sociais locais, juntamente com o poder público.
Para a formação desse espaço jornalístico comunitário todo um
processo de produção da notícia, que vai desde a recolha, seleção, edição até a
veiculação do conteúdo. Um processo que envolve cultura profissional e estrutura
organizacional.
Esta dissertação traz o resultado de pesquisa sobre esse jornalismo nas
rádios comunitárias, na perspectiva do emissor, de quem produz a notícia. Logo, as
perguntas a serem respondidas são, a começar do questionamento de partida:
Como é o jornalismo nas rádios comunitárias? E para responder esta, outras
indagações vêm à tona: como é o processo de recolha, seleção, edição e veiculação
de conteúdo? Quem são os atores envolvidos? Que organização engloba esse
jornalismo? E quais as finalidades dessa prática?
Com o intuito de analisar essa especificidade do jornalismo nas emissoras
comunitárias no mundo neoliberal contraditório atual optou-se pelo estudo de caso
de duas rádios que possuem programas jornalísticos e profissionais técnicos
responsáveis. Uma delas está localizada na capital do país, na região administrativa
do Paranoá e é denominada Paranoá FM e a outra no nordeste brasileiro, no
município de Cabo de Santo Agostinho, estado de Pernambuco, chamada Calheta
FM. Esta fora escolhida por indicação da Associação Mundial de Rádios
Comunitárias (AMARC) por causa de sua programação jornalística comprometida
com a cidadania e a Paranoá FM por estar na capital do país e ter sido a primeira
15
emissora do Distrito Federal a conseguir licença definitiva. Além disso, ambas têm
programas jornalísticos diários, o que facilitou no processo de observação das
rotinas produtivas.
Foram realizadas observações ao longo de uma semana em cada
emissora, assim como entrevistas com os comunicadores e diretores das
instituições.
A hipótese inicial é de que essas emissoras têm contradições típicas de
uma sociedade neoliberal, que ao mesmo tempo em que operam um jornalismo
específico voltado para o desenvolvimento da comunidade, têm padrinhos políticos
ou até famílias que dominam essas emissoras.
Para então confirmar ou não a hipótese ao responder às perguntas
supracitadas, o presente estudo estruturou-se em cinco capítulos.
No Capítulo 1, o foco está nas rádios comunitárias, em quem são suas
precursoras, quais as suas condições de origem, o panorama contemporâneo
neoliberal e a relação com a comunidade.
O Capítulo 2 discorre sobre as emissoras comunitárias e o jornalismo
como potenciais espaços públicos de discursividade que objetivam o exercício da
cidadania; faz distinções e aproximações das dias local e comunitária, assim
como dos jornalismos de proximidade e comunitário.
No Capítulo 3, a apresentação da metodologia utilizada, com a opção
pelo método histórico-sociológico habermasiano, pela abordagem teórico-
metodológica do newsmaking e pelas técnicas de observação e entrevistas semi-
estruturadas. Os critérios de seleção das duas rádios também são apresentados.
No Capítulo 4, se pode entrar no universo das duas emissoras
pesquisadas, em suas condições de origem, seus processos de legalização e de
sustentabilidade e uma visão ampla das programações.
No Capítulo 5, a pesquisadora apresenta os resultados da pesquisa, ou
seja, o espaço do jornalismo, os comunicadores, a produção da notícia nos dois
veículos Calheta e Paranoá FM e suas intencionalidades.
Foram várias as motivações para o estudo. Uma em especial diz respeito
à contribuição que as rádios comunitárias dão sobre o direito à comunicação e,
principalmente, ao desenvolvimento comunitário. Além disso, o fato da pesquisadora
ter realizado duas monografias sobre o assunto e atuado profissionalmente com
emissoras comunitárias a incentivou a continuar pesquisando sobre a temática.
16
1 O UNIVERSO CONTRADITÓRIO DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS BRASILEIRAS
1.1 RÁDIOS LIVRES – AS PRECURSORAS
As rádios comunitárias nascem com ideais libertários, pela
democratização da comunicação. Toda a batalha pela liberdade de expressão vem
dos movimentos sociais, iniciados mundialmente na década de 70 contra os regimes
autoritários. Esses movimentos existem em locais com conflitos de interesses entre
classes e de acordo com a conjuntura histórica.
Os movimentos levantaram várias bandeiras e uma delas era contra a
monopolização dos meios de comunicação. As emissoras comunitárias então
surgem para lutar por um espaço de expressão não convencional como uma forma
de comunicação comunitária. Esta é baseada em princípios públicos, como não ter
fins lucrativos; ter propriedade coletiva; difundir conteúdos com finalidades
educativas, culturais e ampliar a cidadania. Ela engloba os meios tecnológicos e
outras modalidades de canais de expressão sob o controle dos movimentos e
organizações sociais sem fins lucrativos. “Em última instância, realiza-se o direito à
comunicação na perspectiva do acesso aos canais para se comunicar. Trata-se não
apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor (...) mas do direito ao
acesso aos meios de comunicação na condição de emissor e difusor de conteúdos
(PERUZZO, 2006, p. 9-10).
As emissoras comunitárias são consideradas tentativas de constituição de
espaços autônomos de difusão da palavra cujas protagonistas são pessoas
anônimas desvinculadas das estruturas políticas hegemônicas, estatais e
administrativas. A rádio comunitária ganha uma denominação segundo o contexto
sociocultural e jurídico onde está inserida. Estão presentes em países latinos,
europeus, asiáticos, africanos e da América do Norte e têm como precursoras as
rádios livres.
O movimento das rádios livres surgiu na década de 70 tanto nos países
centrais quanto nos periféricos. A existência de uma grande maioria insatisfeita com
os sistemas políticos e econômicos, a negação da cidadania e as restrições à
liberdade de expressão pelos meios de comunicação comerciais fizeram criar meios
de comunicação alternativos, dos setores populares, não sujeitos ao controle
governamental e empresarial direto. Era uma comunicação vinculada à prática de
17
movimentos coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente
aos tipos, às formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles da estrutura
então dominante, da chamada “grande imprensa”.
As emissoras livres eram comumente compreendidas como espaços de
representações de ideologias políticas consideradas de esquerda, como meios de
contra poder e expressão democrática de pertencimento local.
Na América Latina, esses meios de comunicação também se firmaram no
âmbito dos movimentos populares, muitas vezes identificados como protestos
sociais coletivos contra os regimes ditatoriais da época. Essas emissoras tinham um
caráter de luta contra os discursos autoritários veiculados na radiodifusão tradicional.
Nos países latino-americanos, as idéias do educador Paulo Freire
2
também foram de suma importância para a implantação desses meios de
comunicação alternativos latinos. Ele tinha como objetivo a libertação humana,
conquistada pela relação interpessoal, convivência fraterna e cotidiana. O oprimido e
o opressor deveriam se emancipar; superar a alienação e se afirmar como sujeitos
históricos. O mundo social não existiria sem o conhecimento humano, que se
produz no mundo da comunicabilidade entre os sujeitos pensantes (FREIRE, 1971).
No Brasil, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), fincadas no método
dialético do educador Paulo Freire, afloraram no final da década de 60 e início da
década de 70. Apoiadas pela Igreja Católica, as CEBs espalharam-se pelo campo e
pela cidade como pequenos núcleos, onde descobriam por meio de discussões as
injustiças, a partir do Evangelho, e buscavam transformar a sociedade. Em algumas
regiões, foram dessas comunidades que nasceram os movimentos sociais e a
questão da mulher nos embates políticos e na luta por direitos, assim como vários
meios de comunicação comunitários.
2
Para o pedagogo Paulo Freire (1971), a comunicação é dialógica e uma co-participação de sujeitos
no ato de pensar um determinado objeto. Este nada mais é do que o mediatizador deste diálogo.
Segundo o educador, o mundo social não existiria sem o conhecimento humano, que só se produz no
mundo da comunicabilidade entre os sujeitos pensantes. Em seu ensaio Extensão ou Comunicação,
original de 1968 e publicado em 1971, Paulo Freire define e contrapõe os dois conceitos
comunicação e extensão. Tratou-se de uma crítica às atividades de extensão dos agrônomos e serviu
de base para a discussão num grupo interdisciplinar composto por especialistas ligado ao programa
de reforma agrária, para o Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária (ICIRA), do
Chile. Freire contrapõe a comunicação à transmissão. Ele argumenta que comunicação é a co-
participação de Sujeitos no ato de conhecer” e que a extensão implica transmissão, transferência,
invasão, messianismo, mecanicismo, invasão cultural, manipulação, doação.
18
Um outro fator determinante para o surgimento dessas rádios latinas foi a
discussão mundial sobre políticas de comunicações, iniciada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no início da
década de 70, em que se objetivava debater sobre o futuro dos meios de
comunicação e a utilização dos mesmos por países em desenvolvimento. Os países
periféricos deveriam ter sua própria voz como difusores de cultura, conhecimento e
desenvolvimento. Diante disso, a América Latina teve um papel fundamental, pois a
região já vinha servindo de laboratório da Unesco em seu projeto de associar
comunicações a desenvolvimento.
Em julho de 1976 houve a Conferência Intergovernamental sobre Políticas
de Comunicação na América Latina e Caribe, realizada na Costa Rica. Desta
reunião saiu a Declaración de San José, onde os países presentes afirmavam que
os programas para o uso positivo dos meios de comunicação dentro das políticas de
desenvolvimento devem ser de responsabilidade do Estado e da sociedade; que as
políticas nacionais de comunicação devem ser elaboradas de acordo com as
realidades onde estão inseridas, apontando para a livre expressão do pensamento e
o respeito aos direitos individuais e sociais. Essas políticas devem contribuir para o
conhecimento, a compreensão, cooperação e integração dos povos, respeitando as
nações, o princípio jurídico internacional de o intervenção entre os Estados e a
pluralidade cultural e política das sociedades.
Essa declaração e a resolução n° 100 da 19ª Conferência Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), realizada em Nairóbi, no Kenya, também
em 1976, deram a base para o início dos trabalhos da Comissão Internacional para
o Estudo dos Problemas da Comunicação, cuja missão seria o diagnóstico dos
problemas relativos à Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação
(Nomic). O prêmio Nobel da Paz, de 1974, o jornalista e jurista Sean McBride,
fundador da Anistia Internacional, foi convidado para presidir as atividades. A
Comissão ficou então conhecida como McBride e teve quatro principais objetivos:
levantar a situação das comunicações no mundo; analisar as necessidades dos
países periféricos quanto ao problema do fluxo de informações; verificar como a
Nomic poderia ser criada diante da também Nova Ordem Econômica Internacional;
verificar como os meios de comunicação poderiam ser instrumentos para formar
uma opinião pública capaz de pensar sobre os problemas mundiais.
19
Entre as 82 recomendações dos trabalhos realizados pela Comissão,
denominado Relatório McBride, apresentado em abril de 1980, estavam:
democratização da comunicação, quebra do oligopólio dos grupos de mídia, fim da
passividade da sociedade no processo comunicacional e do crescimento das
transnacionais operando no fluxo informacional vertical do Norte para o Sul. O
relatório propôs uma regulação do setor. Contudo, Inglaterra e Estados Unidos se
posicionaram contra o documento, pois governo e empresas americanas se sentiram
afrontados, que neste último país há a doutrina do livre acordo em termos de
comunicações. Contudo, o principal argumento foi o de que o relatório feria o artigo
19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma que todo homem tem
direito à liberdade de opinião e expressão, sem interferências, independentemente
de fronteiras. Logo, o documento passou a ter um caráter de apenas recomendação.
Mas foi um importante marco para colocar a questão da democratização na pauta
mundial da academia, dos governos e das empresas.
O Brasil, com forte influência da conjuntura mundial, também teve suas
primeiras experiências com rádios livres na década de 70, com o pretexto de quebrar
o monopólio da fala.
A Rádio Paranóica, de Vitória, capital do Espírito Santo (ES), criada em
outubro de 1970 e fechada em fevereiro de 1971, é registrada como a primeira rádio
livre brasileira. Seus idealizadores, dois irmãos com 15 e 16 anos de idade na
época, tiveram que dar satisfações à polícia a respeito de um suposto envolvimento
com grupos de esquerda.
Depois da Paranóica, fora inaugurada a Rádio Spectro, em Sorocaba
(SP), em 1976, inspirada na experiência dos estudantes ingleses, conhecidos como
piratas
3
. Após o surgimento dessa rádio, por volta de 100 emissoras apareceram, no
3
Em 1958, inaugurou-se, na Inglaterra, a Rádio Caroline, uma experiência alternativa iniciada por
estudantes britânicos inconformados com o monopólio da radiodifusão nas mãos da British
Broadcasting Corporation (BBC). Eles instalaram uma estação de rádio dentro de um barco, fora dos
controles territoriais daquele país e fincaram uma bandeira negra no mastro da embarcação, símbolo
dos corsários, o que fez com que a emissora fosse chamada de pirata. O suporte econômico desta e
de outras rádios piratas inglesas que surgiram vinha dos Estados Unidos, que queria fazer
publicidade de seus produtos na Europa. No Brasil, o termo pirata é inserido erroneamente como
sinônimo de livre. O fato é que ao início dos anos 90, não existiam emissoras com propósitos
puramente comerciais. Além disso, em algumas situações, o termo era mais adequado para
representar a brincadeira que alguns grupos faziam com o dio transmissor livre. Até hoje o termo
pirata é uma denominação utilizada principalmente pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel), pelo Ministério das Comunicações (MC) e pela Polícia Federal (PF) para caracterizar as
rádios clandestinas, ilegais.
20
início dos anos 80, naquela cidade, que acabou sediando o maior encontro de rádios
livres do Brasil, chamado Verão de 82 da Liverpool Brasileira, ao fazer alusão às
emissoras até então denominadas piratas. Esse período é apontado como o marco
inicial do movimento brasileiro em defesa da liberdade de expressão.
Em 1985, inaugura-se a Rádio Xilik, coordenada por professores e
estudantes da Pontifícia Universidade Católica de o Paulo (PUC-SP). Eles
queriam a reforma agrária no ar. O slogan do movimento passou a ser “piratas são
eles, nós não estamos correndo atrás do ouro”, como forma de diferenciar as duas
denominações, pirata e livre.
Cerca de 20 rádios livres e 20 radioamantes, juntamente com alguns
jornalistas e professores realizaram, em 1989, um primeiro evento oficial na
Universidade de São Paulo (USP). Deste, surgiu o Movimento Nacional de Rádios
Livres (MNRL), conhecido por Menerrelê, o Coletivo Estadual de Rádios Livres de
São Paulo e foi banida a expressão pirata, substituindo-a por rádios livres:
Aquela que, em uma conjuntura conflitiva ou o-conflitiva, ocupa um
espaço no dial dos receptores sem ter recebido a concessão de um canal
(...) É normalmente operada por amadores (...) Tem ou não uma linha
política explícita, podendo tanto contemplar finalidades políticas, comerciais
e até pornográficas quanto servir à comunidade (...) Em geral, representa
uma forma de contestar o sistema de radiodifusão vigente. (PERUZZO,
1998, p. 216)
A Rádio Paulicéia, de Piracicaba (SP) foi um exemplo de rádio livre com
fins comunitários. Coordenada pelos atores teatrais Joel Cardoso de Oliveira e
Naomi de Oliveira, Paulicéia dava oportunidade aos meninos em situação de rua,
que atuavam como repórteres de fatos comunitários marcantes.
Foi nessa conjuntura histórica e política mundial que as dios
comunitárias brasileiras surgiram, inspiradas nos ideais das emissoras livres e
vinculadas aos movimentos sociais no âmbito da comunicação comunitária.
1.2 CONTRA A REPRESSÃO E PELA LEGALIZAÇÃO
As emissoras comunitárias brasileiras queriam democratizar o espectro,
mas para isso sentiam necessidade de uma legislação específica para que
pudessem realizar seus trabalhos com segurança. Os veículos comerciais
discordavam porque sabiam que as comunitárias tinham alto índice de audiência,
alcançado pela programação sintonizada com os interesses e a problemática local e
21
por revelarem um grande potencial de atrair os anunciantes locais tanto pelo preço
mais baixo quanto pela possibilidade da alta segmentação do mercado.
Antes da legalização do serviço de radiodifusão comunitária brasileiro,
alguns dispositivos legais apoiavam e norteavam as ações dos militantes pela
democratização da comunicação no rádio.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída na III Assembléia
Geral das Nações Unidas (ONU) de 1948 é respeitada até hoje pelos radialistas
comunitários. Ela aponta a comunicação como um direito humano e proclama que
toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão, em seu artigo XIX.
Em 1969, a promulgação do antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62)
4
, modificado pelo Decreto-Lei 236/67. Toda
modalidade de radiodifusão passou a se enquadrar como telecomunicação. No
artigo 70°, era prevista pena de um a dois anos de cadeia para os responsáveis
pelas rádios ilegais, assim como a apreensão dos equipamentos.
No último ano da década de 60, a Convenção Interamericana de Direitos
Humanos das Nações Unidas (ONU) assina o Pacto de San José da Costa Rica,
cidade onde foram realizadas as atividades. Nesse Pacto, há o artigo 13 que trata de
liberdade de pensamento e expressão. Segundo o documento, não se pode
restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas
ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por
quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias
e opiniões. O Pacto ampliou a concepção de liberdade de expressão da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e deixou os radialistas comunitários mais
esperançosos de seus ideais democráticos.
Contudo, o que realmente motivou as emissoras comunitárias a buscar
uma legislação específica fora a Constituição Federal de 1988, em que se emergiu o
reconhecimento pela liberdade de expressão e de comunicação. Um capítulo inteiro
fora dedicado a esta (Capítulo V Art. 220 a 224), com expressa proibição dos
monopólios e oligopólios e de qualquer dispositivo legal que possa causar embaraço
à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
4
Um novo digo Brasileiro de Telecomunicações fora instituído em 1997, pela forma da Lei 9.472.
Nele, a radiodifusão não é mais contemplada, sendo necessária legislação específica para o setor,
que fora elaborada para a radiodifusão comunitária no ano seguinte.
22
social. A lei também deixa claro como deve ser a programação e a produção de
emissoras de rádio: ter finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
promover a cultura nacional e regional, regionalizando a produção artística e
jornalística.
Após a promulgação da Lei Magna, vários encontros foram realizados
com discussões sobre a legalização ou não da radiodifusão comunitária e sobre
definições do setor. Foi então em 1995 que se institucionalizou o termo rádio
comunitária, no I Encontro Nacional de Rádios Livres e Comunitárias, “definida como
aquelas que têm gestão pública; operam sem fins lucrativos e têm programação
plural.” (COELHO NETO, 2002, p. 252).
O evento deu origem à I Carta de São Paulo, com propostas para o
governo de legalização e conceituação de rádios livres e comunitárias.
Em 1996, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC) promoveu o II Encontro de Rádios Livres e Comunitárias, em busca da
regulamentação da radiodifusão comunitária. O documento final do encontro
recebeu o nome de II Carta de São Paulo e consistiu em um anteprojeto de decreto
presidencial para a regulamentação das dios e televisões comunitárias. O
deputado Arnaldo Faria de Sá, do Partido Progressista Brasileiro (PPB), de São
Paulo (SP), transformou a II Carta no projeto de Lei 1.521/96, que foi negado pelo
presidente daquele período histórico, Fernando Henrique Cardoso, nem chegando a
ir à votação na Câmara Federal.
Naquele ano ainda o surgimento da Associação Brasileira de Rádios
Comunitárias (Abraço), a mais atuante no que diz respeito ao segmento, que nesse
mesmo período elaborou o Código de Ética dos Militantes das Rádios e Televisões
Comunitárias e o Estatuto para Rádio Comunitária. No Código de Ética, a Abraço
deixa claro que as rádios comunitárias surgiram no âmbito dos movimentos
populares; registra o compromisso obrigatório das emissoras com a defesa da
cidadania e com a programação plural; aponta como premissa fundamental a prática
da democracia e apresenta o conselho comunitário como controlador das ões das
emissoras. No Estatuto, a emissora deve promover sempre o debate para contribuir
com os projetos comunitários; realizar cursos de capacitação radiofônica e prestar
serviços de utilidade pública quando necessário.
Em 1997, a repressão às rádios livres no governo Fernando Henrique
Cardoso acirrou ainda mais o debate sobre legalizar ou não as dios. Uma parte do
23
movimento acreditava que com a legislação as emissoras não mais seriam
repreendidas. A outra parte afirmava que a lei tiraria o caráter de liberdade e
anarquismo que caracteriza a rádio livre.
No Congresso Nacional, um conjunto de organizações articuladas em
torno do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
pressionava os deputados na elaboração da lei. A Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), declaradamente contra as rádios
comunitárias, também pressionava os parlamentares para que a lei fosse
promulgada, mas não de forma democrática e sim restritiva. Ela não pretendia
perder anunciantes e ouvintes de suas associadas.
Em 1998, a Lei 9.612 fora promulgada, instituindo o Serviço de
Radiodifusão Comunitário. Vários limites foram impostos, com a ajuda da ABERT,
mas muitos artigos foram resultados da forte mobilização do movimento de rádios
comunitárias.
De acordo com a lei, a radiodifusão comunitária caracteriza-se como
radiodifusão sonora, em freqüência modulada, potência limitada a 25 watts e altura
do sistema irradiante não superior a 30 metros. Trata-se, portanto, de uma rádio de
baixo alcance, com abrangência bastante limitada. Uma conceituação restritiva e
diferente da idealizada pelos militantes, que não contempla o universo contraditório
e complexo atual em que se encontram as emissoras comunitárias. Logo, sugere-se
outra definição para ampliação do conceito.
Para Cicilia Peruzzo (1998a), uma rádio tipicamente comunitária tem que
ter algumas características: sem fins lucrativos, programação vinculada à realidade
local, sistema de gestão partilhado, com órgãos deliberativos coletivos, tais como
conselhos e assembléia, programação interativa com a participação direta da
população; incentivo à produção e transmissão das manifestações culturais locais;
compromisso com a educação para a cidadania no conjunto da programação. Esta
sim é uma definição vinculada aos ideais da comunicação comunitária desde seu
surgimento na década de 70.
a finalidade de uma rádio comunitária (RadCom), de acordo com a lei,
é atender a comunidade onde está instalada, difundindo idéias, elementos culturais,
tradições e bitos daquela região; estimulando o lazer e o convívio social;
prestando serviços de utilidade pública; contribuindo para o aperfeiçoamento
profissional nas áreas de atuação dos jornalistas e radialistas; exercendo o direito de
24
expressão. Nota-se aqui uma conquista para o movimento de emissoras
comunitárias.
Quanto à programação, o artigo prescreve que as rádios devem dar
preferência a programas educativos, artísticos, culturais e informativos; promover
atividades jornalísticas e artísticas na comunidade; não discriminar raça, religião ou
preferências sexuais; vedar o proselitismo; zelar pela pluralidade de idéias; dar
espaço para que a comunidade reclame, reivindique, opine. Tudo o que a
Constituição Federal, em seu artigo 221° previa para os meios de comunicação
em geral. Mais um artigo de conquista para o movimento de luta pela
democratização da informação.
Compete à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a
responsabilidade pela certificação dos equipamentos de transmissão utilizados nas
rádios comunitárias e a fiscalização. Cabe ao Ministério das Comunicações (MC)
estabelecer as normas complementares da RadCom, indicando os parâmetros
técnicos de funcionamento das estações; detalhar os procedimentos para expedição
de autorização; expedir ato de autorização; fiscalizar o funcionamento da RadCom
no que disser respeito à programação.
Para explorar o Serviço de Radiodifusão Comunitária são competentes as
fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, desde que legalmente
instituídas e devidamente registradas, sediadas na área da comunidade para a qual
pretendem prestar o serviço, e cujos dirigentes sejam brasileiros natos ou
naturalizados há mais de 10 anos, com residência na área da comunidade atendida.
As RadCom deverão instituir Conselho Comunitário, com no mínimo cinco
representantes de organizações comunitárias da região, com o objetivo de
acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse
exclusivo da comunidade.
As emissoras comunitárias não terão qualquer tipo de proteção contra
eventuais interferências causadas por outras emissoras, sejam elas comerciais ou
não, mas serão corrigidas caso provoquem interferências nos demais serviços de
Telecomunicações.
Com o surgimento da Norma 2/98, instituída pela Portaria 191, de 6 de
agosto de 1998, a cobertura aumenta para um raio igual ou inferior a 3,5 km da
antena transmissora. As inscrições das entidades interessadas passam a ter um
25
prazo de 45 dias e deverão ser encaminhadas para a Delegacia do Ministério das
Comunicações, algo indefinido até então.
É importante ressaltar que a autorização prevista na Lei 9.612/98 não
garante que a rádio comunitária possa funcionar. Ela apenas abre um processo no
Ministério das Comunicações que deve ser analisado pelo Congresso Nacional e,
após a análise, se aprovado, deverá ser publicado como Decreto Legislativo. Os
processos podem ser acompanhados via Internet, no website do Ministério das
Comunicações. Entretanto, desde a publicação da Medida Provisória 2.143-32, de 2
de maio de 2001, o Ministério das Comunicações pode emitir uma licença provisória
para funcionamento das rádios se o Congresso não avaliar o processo dentro do
prazo de 90 dias, contando a partir do recebimento dos autos. Transcorrido o prazo
e nada resolvido, a entidade deverá requerer ao MC a emissão da licença provisória,
que perdurará até o ato de outorga do Congresso Nacional. Mas antes será
formalizado um Termo de Operação entre a entidade e o Ministério. No governo Luiz
Inácio Lula da Silva, após os 90 dias, quem analisa o processo é a Presidência da
República, por meio da Secretaria de Relações Institucionais (SRI).
A outorga, segundo a Lei de Radiodifusão Comunitária, era de três anos,
permitida a renovação por igual período. Em 11 de dezembro de 2002, o presidente
Fernando Henrique Cardoso sanciona a Lei 10.597 que altera o tempo de outorga
para 10 anos, prorrogáveis por igual período.
Após a promulgação, com todos seus avanços e retrocessos, a lei de
radiodifusão comunitária atinge ainda a uma parcela pequena de emissoras. Os
pedidos de concessão muitas vezes demoram anos para serem avaliados e em
grande parte são indeferidos. A sociedade civil organizada pressionou o Ministério
das Comunicações pedindo mais rapidez na avaliação dos processos e maior
clareza nos critérios da mesma.
Então, em 24 de março de 2003, por meio da Portaria 83, o ministro das
comunicações da época, Miro Teixeira, resolve instituir um Grupo de Trabalho (GT)
para, em caráter emergencial, instruir, acompanhar e analisar os processos relativos
aos pedidos de autorização para os serviços de radiodifusão comunitária. As
reuniões foram públicas e presididas pelo diretor do Departamento de Outorga de
Serviços da Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, do Ministério das
Comunicações, Carlos Alberto Freire Rezende.
26
O GT ressaltou a necessidade de uma mobilização de recursos materiais
e humanos para o processamento dos pedidos de autorização. Além disso, o grupo
verificou que os militantes do setor nutriram esperança nos trabalhos do grupo para
solucionar os conflitos relacionados à repressão das emissoras não autorizadas.
As discussões resultaram em melhorias na gestão da Coordenação do
Serviço de Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações. O número de
funcionários aumentou, nesta coordenação, de seis para 40 e houve a criação de
uma nova área para atendimento específico ao público. Atendendo à demanda de
4.169 entidades, o Ministério publicou novo Aviso de Habilitação em 2006, destas,
2300 participaram do Aviso. Fora finalizado o Manual de Procedimentos e a Cartilha
de Orientação para o público.
Entre as reclamações mais freqüentes sobre a Lei 9.612/98, estão as
referentes às questões: freqüência única (excluindo diversas comunidades do
benefício), proibição de operar em rede (impedindo que as comunidades possam se
articular), exigência descabida de documentação, não-proteção contra interferências
e morte anunciada (podendo funcionar por no máximo 10 anos, segundo a Lei
10.597, de 11 de dezembro de 2002).
Os militantes de emissoras comunitárias optaram pela legalização por
acreditarem que com isso a Anatel e a Polícia Federal não mais os perseguiriam.
Contudo, mesmo depois da promulgação da lei que institui o Serviço de
Radiodifusão Comunitário (9.612/98), esses órgãos continuam fechando emissoras,
muitas vezes realmente comunitárias, por alegarem não cumprimento de todos os
itens da lei que regulamenta o setor. O fato é que a lei não foi resultado das
reivindicações populares, mas sessão da pressão por parte das emissoras
comerciais, temerosas da perda de audiência e verbas publicitárias para as rádios
comunitárias.
Logo, o tema “repressão” contra as rádios comunitárias feita pela Anatel e
pela Polícia Federal, até mesmo em relação às que já têm licença permanente, é
sempre debatido em conferências do setor. E foi o assunto mais abordado pela
videoconferência realizada no dia 08/04/05, em Brasília-DF, e organizada pela
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e pelo Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF). Participaram dos debates os
estados: Rio de Janeiro, Paraíba, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Rio
Grande do Sul, Goiás e Distrito Federal. Foi relatada a truculência com que a Polícia
27
Federal aborda os representantes das rádios e muitas vezes sem mandado de
busca e apreensão, além da questão da Anatel apreender os equipamentos, mesmo
sabendo que não é sua função fazer isto.
Outra questão levantada foi o fato das rádios não poderem fazer
publicidade, apenas terem apoio cultural, mas sem divulgar o preço dos produtos
dos comerciantes locais.
No dossiê Querem Calar a Voz do Povo II A violência contra as rádios
comunitárias (2005), elaborado por diversas organizações militantes no campo da
democratização dos meios de comunicação, há inúmeras denúncias de repressão às
rádios:
A rádio Bicuda FM é uma das mais importantes emissoras comunitárias do
país. Funciona na Zona da Leopoldina, subúrbio carioca com mais de um
milhão de habitantes e se articula a partir de uma ONG ambientalista que
luta pela preservação da única área verde da região (...) No dia 29 de
setembro de 2002, a polícia federal invadiu a emissora com diversos
homens armados. As três pessoas que estavam no local foram impedidas
de usarem telefones. Uma moradora ainda tentou fotografar o que estava
acontecendo, mas teve seu filme apreendido. Uma casa foi invadida, sem
mandato, na busca do transmissor. Pessoas foram ameaçadas
(SINDICATO, 2005, p. 59).
O dossiê também relata casos de agressão física, espancamento e
imposição de algemas nos comunicadores. Essas limitações e represálias muitas
vezes atrapalham o trabalho das dios comunitárias, não permitindo uma
propagação maior de seus discursos e uma articulação com outras emissoras
comunitárias. Muitas delas nem sequer conseguiram a concessão, operando
ilegalmente, mesmo que com fins comunitários.
Cientes de toda essa situação e das limitações, o Ministério das
Comunicações resolveu organizar um outro Grupo de Trabalho Interministerial (GTI),
criado pelo Decreto Presidencial de 26 de novembro de 2004, a fim de analisar a
situação da radiodifusão comunitária brasileira; ampliar o acesso da população a
esta modalidade; aperfeiçoar a fiscalização e agilizar os procedimentos de outorga.
De acordo com Alexandra Luciana Costa, coordenadora de serviços de
radiodifusão comunitária do Ministério das Comunicações, a criação do grupo se deu
em função da importância social do tema e da posição de várias entidades que
representam o movimento de rádios comunitárias, que vêm alertando sobre a
repressão e a necessidade de se discutir a legislação específica, de modo a delinear
uma política pública para o setor.
28
O GTI ficou mais uma vez sob a coordenação do Ministério das
Comunicações. O grupo começou seus trabalhos em 03 de fevereiro de 2005 e teve
como prazo final o dia 10 de agosto de 2006. No final, o grupo apresentou um
relatório ao Presidente da República contendo o diagnóstico da situação das Rádios
Comunitárias em todo país (legislação, fiscalização, novo marco legal) e os trabalhos
do GT de 2003, das entidades representativas, modelos aplicados em países da
América Latina e as medidas para a disseminação do meio.
É nesse contexto histórico-social que se encontram as emissoras
comunitárias brasileiras na contemporaneidade. Muitas delas contribuem para a
elaboração das culturas populares e a formação para a cidadania, contudo, outras
são utilizadas por políticos locais ou igrejas para fins específicos, que não o
desenvolvimento da comunidade. Há também um misto de reconhecimento por
algumas conquistas em forma de lei e uma insatisfação por não terem todas suas
reivindicações contempladas na legislação; por serem, mesmo legalizadas, punidas
pela Anatel e Polícia Federal.
1.3 INSERÇÃO DAS EMISSORAS NO CONTEXTO NEOLIBERAL
O universo de rádios comunitárias na atualidade é muito diferente do
iniciado com as rádios livres na década de 70, ligado aos movimentos de esquerda,
pois essas emissoras sofreram metamorfoses de acordo com as mudanças
histórico-sociais e políticas dos contextos onde estão inseridas.
No caso brasileiro, essas rádios apresentam traços de uma sociedade em
que se consolidou um capitalismo oligárquico-dependente, baseado no latifúndio
tradicional e na importação de produtos industrializados e exportação de matéria-
prima, mantendo, assim, elementos ideológicos e culturais do sistema escravocrata,
dependente tecnologicamente e financeiramente dos países centrais. Na
contemporaneidade, esse capitalismo assume uma nova roupagem – o modelo
neoliberal. Observa-se uma crise da democracia, com desmantelamento das
instituições democráticas por uma lógica economicista, autoritária e tecnocrática
(SOARES, 2003).
No âmbito da questão social, um deslocamento das ações estatais e
universais para a filantropia, benemerência e redes de proteção sociais,
comunitárias e locais. Ou seja, da mesma forma que despolitiza e descaracteriza o
29
movimento de rádios comunitárias, a conjuntura neoliberal atual abre “brechas” para
o fortalecimento local e comunitário.
As políticas sociais passam a ser substituídas por programas de combate
à pobreza, dependentes de recursos externos internacionais e transitórios. Os
agentes públicos estatais são substituídos por organizações do “terceiro setor”
,
no
campo da assistência social de setores carentes.
O modelo neoliberal surgiu como “solução” para a crise instalada nos
anos 70 em países centrais, principalmente Estados Unidos e Inglaterra, em que
houve superprodução, superacumulação e com isso inflação. Aos países periféricos
são recomendadas políticas de ajustes” como: abertura do mercado, rigor fiscal e
reformas. A primeira delas foi a trabalhista, provocando a desregulamentação,
flexibilização e a livre negociação entre patrões e empregados.
Na América Latina, a crise foi transferida via dívida externa, no final dos
anos 80, mediada pelas características políticas e econômicas da região: forte
autoritarismo político, a pobreza acentuada e a não-concretização na maioria dos
países do Estado de Bem-Estar Social.
Os “ajustes” foram consagrados, segundo Laura Tavares Soares (Idem),
em 1989, no Consenso de Washington
5
.
Os serviços sociais nas áreas de
previdência social e da saúde são privatizados, assim como os serviços de
comunicação, antes nas mãos estatais, como o de telecomunicações.
Para Venício Artur de Lima (2004), até a quebra do monopólio estatal das
telecomunicações, no Brasil, promulgada pelo Congresso Nacional em agosto de
1997, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que abre as portas para o
investimento na área do capital privado, o principal ator na formulação das políticas
do setor era, inquestionavelmente, o Estado brasileiro. Com a quebra, a participação
dos conglomerados privados transnacionais na formulação das políticas tem sido
maior. Um marco da privatização do setor que passou a trilhar outros rumos,
5
Em novembro de 1989, ocorreu uma reunião entre os organismos internacionais Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial, funcionários
do governo estadunidense e economistas latino-americanos para decidirem as reformas econômicas
na América Latina. O encontro ficou conhecido com Consenso de Washington, local onde o “pacto” foi
formulado e firmado. O Consenso foi caracterizado por um “conjunto de regras com cunho de
políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes,
padronizadas aos diversos países e regiões do mundo para obter o apoio político e econômico dos
governos centrais e organismos internacionais” (Soares, 2003, p. 19). Entre as recomendações
estavam: privatização, liberalização comercial e financeira, reforma tributária e priorização dos gastos
públicos.
30
impulsionados pela aprovação do Telecommunications Act americano, em fevereiro
de 1996. Fusões, aquisições e uma crescente integração vertical entre as empresas
da área de comunicações vêm fazendo parte do cotidiano nacional. A Lei 10.610, de
dezembro de 2002, regulamenta a Emenda Constitucional 36, de maio do mesmo
ano, que permite a participação direta de pessoas jurídicas no capital social das
empresas jornalísticas e de radiodifusão, inclusive de capital estrangeiro.
No Brasil, a radiodifusão foi excluída da legislação sobre os serviços de
telecomunicações, desde 1995, e “padece de um inédito vazio regulatório que
certamente favorece àqueles atores que preferem a permanência indefinida do
status quo normativo no setor” (LIMA, 2004, p. 93).
As três áreas ainda não estão totalmente integradas, tendo legislações
diferenciadas. As telecomunicações foram transferidas para alguns oligopólios
privados e a indústria de informática consolida-se por meio da presença dos global
players. Já o rádio e a televisão encontram-se praticamente regidos pelo antigo
Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4.117/1962, que segundo Lima (Idem)
está totalmente desatualizado e sem regulamentação legal.
De acordo com Carlos Bolaño (apud PERUZZO, 2008), o modelo
brasileiro de regulamentação do audiovisual é marcado na atualidade por uma
concepção liberal, cujas reformas e privatizações são características. Mas esse
modelo também foi e ainda é fortemente caracterizado por uma concepção
conservadora, absoluta no regime militar, com articulação de interesses entre
poderes políticos e econômicos locais e nacionais. Há uma terceira concepção para
o modelo brasileiro, ou melhor, para denominar as políticas de comunicação
6
, que é
a progressista, a qual defende a diversidade cultural, o princípio do serviço público e
da prioridade das funções culturais e educativas dos meios de comunicação. Essa
linha tem conquistas tímidas, não se efetivam legalmente e/ou na prática. As
conquistas dessa ala foram expressas pela Lei de Televisão a Cabo (8.977/95), a
Lei de Radiodifusão Comunitária (9.612/98), mesmo com todos seus limites, e a
regulamentação do Conselho de Comunicação Social, previsto na Constituição
Federal de 1988 e instalado 14 anos depois por falta de legislação específica
(PERUZZO, 2008).
6
Denominam-se políticas públicas de comunicação - o conjunto de leis, normas e mecanismos
regulatórios que orientam o funcionamento dos meios de comunicação e suas tecnologias, assim
como o papel dos meios na sociedade (PERUZZO, 2008).
31
É preciso entender que a luta pela democratização da comunicação “se
processa nos limites da economia política capitalista e tem, por isto, como
características básicas, propostas imediatas de política blica adequadas a um
sistema econômico de mercado e a um sistema político liberal-representativo”
(RAMOS, 1997 apud PERUZZO, 2008, p. 5).
As pequenas emissoras comunitárias estão nesse turbilhão de mudanças,
logo, são profundamente afetadas, enfraquecidas, possuindo uma série de
limitações: a abrangência desses meios de comunicação continua reduzida, apesar
de muitas rádios comunitárias já estarem utilizando o espaço virtual a fim de
aumentarem seus poderes de alcance; uma utilização dos meios sem maiores
preocupações com sua apropriação pelo público-alvo; explora-se pouco o humor e a
canção popular; carência de recursos financeiros; faltam continuidade e
estruturação; a centralização do poder na mão de poucos, em uma manifestação
de uma esfera pública com temas pautados pelos diretores dessas mídias e não
exatamente pela população local (LEAL; RIBEIRO, 2006).
A comunicação passa a ser tratada como atividade-fim, perdendo a
atividade-meio como função político-pedagógica. A base de funcionamento desses
veículos de comunicação continua sendo o voluntariado, pois eles não contam com
recursos para contratação de pessoal.
Para Cicilia Peruzzo (1998a), as emissoras de baixa potência podem ser
agrupadas em cinco tipos: a) organizações comunitárias que são responsáveis por
todo o processo comunicativo, desde a programação até a gestão do veículo e não
têm fins lucrativos. Essas são eminentemente comunitárias; b) aquelas que prestam
alguns serviços comunitários, mas estão sob o controle de poucas pessoas, ou seja,
são de propriedade privada e sua finalidade é a venda de espaço publicitário; c)
as estritamente comerciais, sem vínculos com a comunidade e programação similar
às das emissoras convencionais; d) veículos de cunho político-eleitoral, ligados a
candidatos e partidos políticos; e) ainda as emissoras religiosas, vinculadas à
Igreja Católica e Evangélica.
1.3.1 As rádios comunitárias na contemporaneidade
Em um contexto neoliberal, não se pode esperar uma realidade unívoca e
sim um universo contraditório, multifacetado. São essas as principais características
32
das emissoras comunitárias brasileiras na atualidade, que vêm crescendo
quantitativamente em todas as regiões do país e se vinculando a objetivos diversos:
políticos, religiosos e comunitários.
Muitas emissoras se titulam como comunitárias, mas, não o: vendem
espaços publicitários; têm programação similar às rádios comerciais; visam o lucro;
são dirigidas ou manipuladas por políticos e religiosos, tal como acontece nas rádios
comerciais.
Contudo, ao mesmo tempo em que nos deparamos com realidades
contorcidas do projeto original de emissoras comunitárias, atreladas aos movimentos
sociais pela democratização da comunicação, têm-se experiências interessantes de
emissoras verdadeiramente envolvidas socialmente, culturalmente e politicamente
com a comunidade onde estão inseridas, contribuindo para o exercício da cidadania,
que é o pilar para a democratização da comunicação.
Segundo a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), o
Brasil tem o maior número de dios comunitárias da América Latina. Segundo a
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), existem em
funcionamento no país cerca de 15 mil rádios de caráter comunitário. Desse
universo, aproximadamente, 84% não são autorizadas pelo Ministério das
Comunicações, ou seja, 12.600 são rádios livres com fins comunitários (LEAL;
RIBEIRO, 2006).
Em 48,6% dos 5.564 municípios brasileiros existem rádios comunitárias
legalizadas, superando o número de rádios comerciais que operam em freqüência
modulada (FM) nestas localidades (34,3%) e de emissoras em amplitude modulada
(AM 21,2%). Os dados são do Suplemento de Cultura
7
, da Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (MUNIC), de 2006, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Foi a primeira vez que as rádios comunitárias
entraram na pesquisa. Observou-se um decréscimo do número de rádios comerciais
FM de 2005 para o ano seguinte, de 51,3 para os supracitados 34,3%. O estudo
revela que esta diminuição deve-se à existência das rádios comunitárias, que
7
A pesquisa foi realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Cultura. O estudo, levado à
campo no segundo semestre de 2006, teve o objetivo de investigar os aspectos relativos à gestão
municipal no âmbito cultural órgão gestor da cultura, infra-estrutura, recursos humanos,
instrumentos, legislação, existência e funcionamento de conselhos, existência e características do
Fundo Municipal de Cultura, recursos financeiros, projetos e atividades desenvolvidas, levantamento
dos meios de comunicação e quantidade de equipamentos e atividades culturais e artísticas. Foi a
sexta edição da publicação, que aplicou questionários às prefeituras.
33
operam na mesma freqüência. No ranking quantitativo dos 21 equipamentos
culturais e meios de comunicação avaliados pelo Suplemento, as rádios
comunitárias encontram-se na posição, na frente não de rádios comerciais FM
e AM locais, mas também de cinemas, jornais, museus, teatros, revistas, provedores
de Internet, centros culturais, televisões comunitárias e a cabo.
De acordo com Alexandra Luciana Costa
8
, coordenadora dos Serviços de
Radiodifusão Comunitária (CORAC), do Ministério das Comunicações (MC), das
13.169 associações que participaram de avisos de habilitação
9
, desde 1998 até abril
de 2008, 3.189 dios comunitárias brasileiras conquistaram a legalização, 7.504
tiveram seus processos arquivados e 2.343 estão com seus pedidos em andamento.
Ainda existe um universo de 3.283 instituições aguardando novos avisos e 3.487
tiveram seus cadastros de interesse indeferidos.
Para Alexandra, os arquivamentos resultaram de diversos fatores: da
inadequação à legislação específica, das questões de ordem técnica (coordenadas
erradas, locais próximos às autorizadas ou fora do município), do descumprimento
de exigências formuladas, da falta de interesse (descumprimento de prazos e
correspondências devolvidas), dos dados incompletos (impossibilitando o cadastro).
Segundo a coordenadora
10
: “os requerimentos são arquivados em demasia, em
razão da concorrência, por haver apenas um canal por município; as entidades que
solicitam o serviço o têm acesso a assessorias jurídicas (muitos documentos são
registrados de forma incorreta (...)). Muitas entidades não têm cunho (caráter ou
finalidade) comunitário”.
8
Dados fornecidos à pesquisadora por Alexandra Luciana Costa, coordenadora dos Serviços de
Radiodifusão Comunitária (CORAC), da Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica (SCE), do
Ministério das Comunicações, no dia 08/04/2008, por correio eletrônico.
9
Trata-se da inscrição das entidades interessadas em executar o Serviço de Radiodifusão
Comunitária nas localidades e canais disponibilizados pelo Ministério das Comunicações. Para se
inscrever é preciso: pagar uma taxa de R$ 20,00 (relativa às despesas do cadastramento) e enviar
uma série de documentos para o Ministério no prazo de 45 dias, a contar da data de publicação do
aviso, que não disponibiliza canais para todo o território brasileiro de uma só vez, ou seja, em um
aviso. Entre os documentos solicitados estão: comprovante de inscrição do cadastro nacional de
pessoa jurídica, estatuto social da associação, ata de eleição da diretoria em exercício, relação de
todos os associados, declaração de que a associação não é executante de qualquer modalidade de
radiodifusão, inclusive comunitária, confirmação das coordenadas geográficas e manifestação de
apoio dos associados para requerer o serviço de radiodifusão comunitária. Até abril de 2008, já foram
realizados 29 avisos de habilitação: 18 de 1998 a 2003, um em 2004, um em 2005, três em 2006,
cinco em 2007 e um até abril de 2008. A lista de documentos está disponível em:
<http://www.mc.gov.br/sites/600/695/00001263.pdf>.
10
Questionário respondido à pesquisadora, por correio eletrônico, em 03/05/2005, para a monografia
de conclusão do curso de Serviço Social, pela Universidade de Brasília. O trabalho analisou a
atuação dos conselhos comunitários das emissoras legalizadas do Distrito Federal.
34
Nota-se uma imprecisão quantitativa do universo de emissoras
comunitárias, mas são dados de uma demanda considerável e sugestivamente
interessante para estudos. O próprio fato de existirem mais emissoras ilegais do que
legalizadas é revelador da pressão que os controladores da radiodifusão comercial
fazem sobre o poder concessionário (Executivo e Legislativo) para impedirem que a
regularização aconteça e do interesse das emissoras comunitárias em terem seus
espaços para livre expressão (LIMA; LOPES, 2007).
Além do número elevado de rádios com esse perfil, também dados
qualitativos recentes que revelam a relação direta desse universo com a complexa,
desigual e contraditória sociedade brasileira.
Em estudo divulgado em junho de 2007, Venício Artur de Lima,
pesquisador sênior do Núcleo de Estudos de Mídia e Política (NEMP), da
Universidade de Brasília (UnB), e Cristiano Aguiar Lopes, consultor legislativo da
Câmara dos Deputados e mestre em Comunicação pela UnB, apresentaram dados
sobre a ligação das 2.205 autorizações de emissoras comunitárias, entre 1999 e
2004, com a política e a religião.
Segundo os pesquisadores, 1.106 (50,2%) das rádios comunitárias
analisadas são controladas, direta ou indiretamente, por políticos locais
vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a esses cargos e deres partidários
11
.
Os cinco estados com maior índice de vinculação Tocantins, Amazonas, Santa
Catarina, Espírito Santo e Alagoas, representam quatro das cinco regiões do país.
A pesquisa apresenta também uma ligação dessas rádios pesquisadas
com a religião
12
, que representam 5,4% (120 emissoras) do total,
predominantemente vinculadas com a Igreja Católica (83 emissoras das 120
69,2%).
De acordo com o estudo, entre os anos de 2003 e 2004, dos 1.822
processos que não tinham um padrinho político”, apenas 146 foram aprovados e
dos 1.010 processos apadrinhados, 357 foram aprovados. Os dados revelam que
dos 314 processos licenciados analisados, com interferência desses “padrinhos
políticos”, 86 rádios são apadrinhadas por ao menos um político do Partido dos
11
Para verificarem o vínculo político, os autores do estudo cruzaram dados referentes aos nomes dos
diretores da emissora comunitária e a políticos locais e familiares.
12
Para obterem estes dados, os pesquisadores analisaram o estatuto das associações, páginas na
internet, teses e dissertações sobre o assunto, notícias de jornais, revistas e outros veículos de
comunicação. Por isso, eles consideram que os resultados não são representativos da realidade, mas
interessantes para reflexão.
35
Trabalhadores (PT), 184 emissoras por ao menos um político de um partido da base
aliada do governo e 44 ao menos um político de um partido da oposição.
Conforme a Lei 9.612, de fevereiro de 1998, que institui o Serviço de
Radiodifusão Comunitária, para se conseguir a outorga, as associações, cujas rádios
são idealmente um dos seus projetos
13
, precisam apresentar ao Ministério das
Comunicações uma série de documentos e uma demonstração de interesse. Com a
análise burocrática e técnica das informações passadas pelas associações, o
processo é encaminhado à Câmara e ao Senado Federal. Se o processo não for
analisado em 90 dias por essas instâncias, de acordo com a Medida Provisória (MP)
2.143-33, de maio de 2001 e reeditada pela MP 2.216-37, de agosto de 2001, as
associações terão direito a uma licença provisória até a espera da licença definitiva
sancionada pelo Presidente da República. As MPs tentaram atender aos anseios de
requerentes ao serviço de radiodifusão comunitária, que esperavam anos de
avaliação do Congresso Nacional e, na maioria das vezes, tinham seus processos
arquivados. Contudo, segundo a pesquisa, a partir da promulgação das medidas:
O Executivo passa a acelerar a efetivação de seus atos e tirar vantagem de
sua agilidade potencial em relação à morosidade (...) Dessa forma, as
rádios comunitárias voltam a constituir, para o Executivo importante moeda
de barganha política.” (LIMA; LOPES, 2007, p. 6)
É interessante salientar que até 1988, o presidente da República era o
responsável na decisão de concessões de serviços de radiodifusão. E isso sempre
foi utilizado como moeda de troca, principalmente para dar apoio ao grupo que
transitoriamente ocupava o Poder Executivo. A partir da Constituição Federal
Brasileira de 1988, compete ao Congresso Nacional a apreciação dos atos do Poder
Executivo relativos à outorga ou renovação de concessões, permissões e
autorizações de radiodifusão sonora e de sons e imagens (artigo 223). No artigo 54,
letra a, item I, um dispositivo legal que impede que deputados e senadores
firmem contrato com empresas concessionárias de serviço público. Entretanto,
percebe-se pelos dados acima que a Lei Magna não é seguida.
O estudo explica que a partir do mandato do presidente brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), da Presidência da
República, passou a participar da análise das outorgas de radiodifusão, além da já
habitual análise técnica e política realizada pelo MC. Com isso, de acordo com os
13
O estudo também revelou que muitas associações são de fachada, só para cumprirem dos trâmites
burocráticos, pois elas representam verdadeiramente propostas partidárias.
36
autores, “a velocidade de tramitação dos processos (...) passou a ser elemento-
chave nas outorgas de rádios comunitárias” (Idem, p. 35).
Para os pesquisadores, os dados mais reveladores são os referentes ao
tempo de tramitação dos processos na Presidência da República, que aponta claros
privilégios para algumas associações, em detrimento de outras. Das 86 rádios cujo
padrinho é do PT, a média de tempo de tramitação foi de 280 dias. para as 184
emissoras apadrinhadas por partidos da base aliada, o tempo foi de 326 dias e para
os partidos de oposição, a espera foi, em média, de 374 dias.
Lima e Lopes (2007) denominam esses interesses políticos vinculados às
autorizações ou não para rádios comunitárias de coronelismo eletrônico de novo
tipo, em que a moeda de troca continua sendo o voto, mas com base no controle da
informação, na capacidade de influenciar na formação da opinião pública de
comunidades locais, no contexto municipal.
Os autores fazem uma alusão ao termo coronelismo eletrônico, que surgiu
no Brasil, na segunda metade do século XX, para designar um novo tipo de poder,
nas mãos de emissoras de rádio e televisão comerciais, mantidas em boa parte pela
publicidade oficial. Trata-se de um poder criador de consensos políticos que podem
contribuir para eleger ou reeleger representantes federais deputados e senadores.
A recompensa da União para esses “coronéis eletrônicos” é antecipada pela outorga
e depois pela renovação das concessões, que confere a eles um poder na barganha
dos recursos para os serviços públicos municipais, estaduais e federais (Idem, p. 4).
Essa relação vem desde o Império, e denominou-se de coronelismo, com o poder
nas mãos de líderes locais que compravam votos, “voto de cabresto”, para
garantirem o controle político dos municípios e tornar intacta a relação com as
províncias (estados) e a União. Como recompensa, eram eles que decidiam o
destino dos recursos estaduais e federais no município e faziam as indicações dos
nomes que ocupariam os cargos de juiz, delegado e professores.
O coronelismo eletrônico caracterizou-se no Brasil pelo domínio do setor
de comunicações nas mãos das elites políticas
14
e famílias tradicionais
15
.
14
Um estudo realizado em 2001, pelo então assessor cnico da bancada do Partido dos
Trabalhadores (PT) na mara dos Deputados, Israel Fernando de Carvalho Bayma, revelou que as
concessões de rádio e televisão continuam servindo como moeda de troca entre o Governo Federal e
o setor privado. A pesquisa abrangeu 3.315 emissoras de radiodifusão, sendo que 271 destas são
concessões de televisão, 1.579 de Ondas Médias (OM), 64 de Ondas Curtas (OC), 80 Ondas
Tropicais (OT) e 1.321 de Freqüência Modulada (FM). Em relação ao percentual de participação
societária ou direção de parlamentares, prefeitos e governadores em emissoras de rádio e televisão
37
Outros estudos também apontam para a ligação entre rádios comunitárias
e religião e/ou política. De acordo com Jacques Mick e Fabiana Vieira (2003), das 32
emissoras comunitárias com autorização do estado de Santa Catarina, 14 estão nas
mãos de políticos; têm algum integrante político como apoiador ou membro da
associação e dez são presididas por deres religiosos ou contaram com eles para
preparação dos documentos para dar entrada com o pedido de concessão. E para
conseguirem esta, algumas associações admitiram explicitamente que contaram
com o apoio de políticos e religiosos.
Em pesquisa de pós-doutorado
16
, apresentada em 2002, a professora
Márcia Vidal Nunes constatou que a grande maioria das 300 emissoras cearenses
ditas “comunitárias” tem fins políticos ou comerciais. Nos termos da pesquisadora:
A grande maioria dessas emissoras vem assumindo um papel nitidamente
instrumental, quer seja para fins político-partidários, nos períodos que
antecedem e no decorrer das campanhas eleitorais, quer seja para fins
comerciais, desvirtuando-se do seu real papel que seria a promoção dos
interesses autenticamente comunitários.” (NUNES, 2002, p. 2)
Márcia constatou que muitos políticos montam redes de rádios
comunitárias para conseguirem mais eleitores, mesmo cientes de que a Lei de
Radiodifusão Comunitária 9.612/98 proíbe a criação dessas redes. Após as eleições,
as emissoras o revendidas para comerciantes locais, mas o nculo político
continua.
As pesquisas apontam uma realidade diferente da idealizada pelos
movimentos sociais, cujas rádios comunitárias eram uma das bandeiras. Agora é
apurou-se na pesquisa que: 37,50% estão nas mãos de políticos do Partido da Frente Liberal (PFL),
17,50% nas mãos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), 12,50% com o Partido
Progressista Brasileiro (PPB), 6,25% com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), 6,25% com o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), 5% com o Partido Popular Socialista (PPS), 3,75% com o
Partido Democrático Trabalhista (PDT), 3,75% com o Partido Liberal (PL) e 2,50% com o Partido da
Mobilização Nacional (PMN). Ao todo, contando os percentuais dos outros pequenos partidos,
somam-se 95% das concessões ou direções (na época da pesquisa) nas mãos de políticos.
15
Conforme Venício Arthur de Lima, em estudo anterior ao acima detalhado, de 2004, os oito
principais grupos familiares do setor de rádio e televisão no Brasil são: família Marinho (Globo),
família Saad (Bandeirantes) e família Abravanel (SBT), no âmbito nacional; regionais: Sirotsky (RBS),
família Daou (TV Amazonas), família Jereissati (TV Verdes Mares), família Zahran (Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul), família Câmara (TV Anhangüera). Apenas dois desses oito não são afiliadas da
Globo: SBT e Bandeirantes. Tem também a família Civita (Grupo Abril), Mesquita (Estado de São
Paulo), Frias (Grupo Folha), Martinez (CNT) e Levy (Gazeta Mercantil).
16
A pesquisa analisou o conteúdo de três rádios ditas “comunitárias” do estado do Ceará, durante as
eleições de 1998 e 2000. O estudo objetivou analisar se a linguagem dessas rádios politiza o ouvinte,
ajudando-o a exercer sua cidadania ou se é uma forma de manipulá-lo, tornando-o um mero
instrumento de produzir votos.
38
uma conjuntura construída historicamente por um Brasil clientelista
17
, em que trocas
de “clientes” dá-se em todas as esferas sociais, inclusive nas comunicacionais.
Além dos vínculos políticos e religiosos, grande parte das emissoras
comunitárias estudadas, atualmente, reproduz a programação das dios
comerciais locais. A Rádio Nova Cidade, de Piracicaba, localizada no interior do
estado de São Paulo, não foge a esta afirmação, pois os programas são cópias do
que estão dando certo, ou seja, dos que estão vendendo na cidade, muita música
sertaneja, pouco jornalismo e linguajar popular.” (PERAZOLI, 2004, p. 10).
As emissoras comunitárias do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, também
têm programação similar às rádios comerciais, interesses político-partidários,
corporativo-religiosos ou mercadológicos (SANTOS, 2006).
Na região de São José do Rio Preto, localizada no Noroeste do estado de
São Paulo, as emissoras comunitárias são coordenadas por empresários locais, que
não têm capital para montarem rádios comerciais, logo, aproveitam dos contatos
políticos deles para conseguirem concessões menos onerosas (FERREIRA, 2006).
Em Campinas, estudo realizado entre os anos de 2000 e 2001 revelou
que das 14 rádios comunitárias legalizadas estudadas, 11 o controladas por
grupos religiosos ou comerciais (FUSER; MAIA, 2002).
As rádios comunitárias brasileiras, na contemporaneidade, inserem-se em
uma complexa e contraditória sociedade, em que práticas clientelistas são comuns
em diversas esferas. Os dados quanti-qualitativos apontados sobre essas
emissoras, de forma geral, sugerem universos com interesses diversos, como os
político-partidários, religiosos e comerciais. Mas é importante salientar que as
emissoras comunitárias não são totalmente partidárias, religiosas ou comunitárias.
Elas revelam em si universos também híbridos que são construídos historicamente.
O fato é que muitas emissoras exemplares ainda não foram estudadas.
Poucas são as que alcançaram o espaço acadêmico para discussão e reflexão mais
17
A clientela romana deu nome ao fenômeno e é seu exemplo mais conhecido. Em Roma, entendia-
se o termo como a relação de dependência tanto econômica quanto política, sancionada pelo foro
religioso, entre um indivíduo de posição mais elevada (patronus) que protege seus clientes: defende
em juízo; testemunha a seu favor; destina terras para cultivo e um ou mais clientes, de status
libertatis, geralmente escravos libertos ou estrangeiros imigrados, retribuem, mostrando submissão e
auxiliando o patronus de diversas maneiras: defendendo-o com armas, testemunhando a seu favor e
prestando ajuda financeira. À semelhança desse clientelismo tradicional, o clientelismo característico
de formações sociais em vias de desenvolvimento tem por resultado uma rede de fidelidades
pessoais que passa pelo uso pessoal por parte da classe política, dos recursos estatais e pela
apropriação de recursos “civis” autônomos, tais como a mídia (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
2000).
39
aprofundada sobre a temática. A rádio Heliópolis, da favela Heliópolis, localizada na
cidade de São Paulo, a emissora Casa Grande FM, da cidade de Nova Olinda,
Ceará, assim como a Laúza, da cidade de Lençóis, do estado da Bahia, são três
exemplos de emissoras autênticas e engajadas criticamente com projetos sociais
voltados para a comunidade onde estão inseridas.
A rádio Heliópolis surgiu em 1992 de um movimento popular por melhores
condições de vida e moradia na região. A emissora compõe um dos projetos da
Unidade de Núcleos, Associações e Sociedade dos Moradores de Heliópolis (Unas),
com atividades iniciadas em 1978. O objetivo principal da rádio é desenvolver ações
sociais voltadas para habitação e infra-estrutura. Somente em 13/03/2008 a
emissora conseguiu autorização para funcionar. Vale lembrar que o processo tramita
no Congresso Nacional e caso não seja avaliado em 90 dias, a emissora terá direito
a uma licença provisória até que a definitiva saia.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) fechou a emissora
em 2006 por causa da ilegalidade da mesma. A sociedade civil reagiu com vários
protestos que atingiram todo o Brasil. Com o fechamento, a rádio funcionou em
caráter experimental por meio de uma parceria com a Universidade Metodista de
São Paulo.
a emissora Casa Grande FM, localizada na cidade de Nova Olinda,
situada no estado do Ceará, trabalha com a valorização da cultura tradicional local e
com a reconstrução cultural situada nas transformações da pós-modernidade, além
de focar na faixa etária jovem. A emissora é um dos projetos da Fundação Casa
Grande, que também tem escola de iniciação à história e à arte da cidade; ações
sociais contra exploração sexual infanto-juvenil e trabalho infantil; museu que retrata
a origem indígena de Nova Olinda e a história da região; editora que cria histórias
em quadrinhos e TV Casa Grande com trabalhos internos dos projetos e
acontecimentos da cidade. Todos os projetos formam a Escola de Comunicação do
Sertão. Crianças e jovens, formados dentro da própria Fundação, trabalham na rádio
como locutores e se dirigem aos seus semelhantes público infanto-juvenil, por
meio de programas musicais, de entrevistas e debates (OLIVEIRA, 2002).
Na cidade de Lençóis, localizada no estado da Bahia, a experiência da
rádio Laúza é aprovada e conhecida pelos moradores. A emissora surgiu em 1997,
engajada em um movimento social mais amplo de moralização das contas públicas e
para isto, era preciso cassar o prefeito da época, envolvido em desvio de recursos
40
públicos. A rádio é uma das atividades da Associação Rádio Comunitária Avante
Lençóis, que instituiu uma biblioteca pública para que os moradores informassem-
se sobre órgãos públicos, direitos e deveres. Um jornal comunitário, cursos de
capacitação profissional e tele-centros também são atividades da associação. Laúza
visibilidade às ações desta e de outras entidades, eventos e moradores que
participam de projetos sociais na e para a região.
É claro que sobre essas emissoras de associações com alcance restrito
ainda não se pode falar da generalização de espaços comunicativos democráticos e
cidadãos, contudo, esses veículos possuem um potencial de realização de uma
interatividade comunicativa mais democrática entre diferentes atores sociais. o
espaços de debates públicos, de reconhecimento de necessidades coletivas, do
exercício da cidadania. E para além dos interesses que representam, esses espaços
fazem ganhar visibilidade (publicidade) de iniciativas privadas em nome de um “bem
comum” (LEAL; RIBEIRO, 2006).
1.4 O DISCURSO COMUNITÁRIO
As rádios comunitárias são enquadradas como comunicações
comunitárias por causa de suas condições de origem, que surgiram como
contraproposta do regime neoliberal, que na década de 70 florescia, reduzindo
políticas públicas mas ao mesmo tempo e contraditoriamente abrindo espaços para
alternativas políticas e culturais e um desses caminhos encontrados foi a ligação de
atividades e ões de cunho comunitário, mais voltadas para o local, como intenção
de aproximação de identidades e valores que começaram a se perder na construção
do mundo globalizado. Elas nascem com profunda ligação com as comunidades
onde estão inseridas, seja territorialmente apenas ou por aspectos culturais, sociais
e políticos que vão além dos limites espaciais:
Comunidade não é simplesmente um lugar num mapa (...) A comunidade
deve ser vista como toda forma de relação caracterizada por situações de
vida, objetivos, problemas e interesses em comum de um grupo de pessoas,
seja qual for a dimensão desse grupo e independentemente de sua
dispersão ou proximidade geográfica” (PALÁCIOS, 1997, p. 36).
As instituições de comunicação são lugares de formação de identidades,
reconhecimento comum e cidadania, constituindo-se em comunidades, em que
reúnem um público que participa do processo comum de compartilhamento de
41
valores e bens simbólicos. Trata-se esta de uma visão integrativa destas instituições.
Já a visão desintegrativa revela que essas instituições são agentes privatizadores do
interesse comum, fragmentadores da subjetividade, provocadores da exclusão e
negação da vida cidadã (MADEIRA, 2004).
Alguns autores enxergam nessas instituições de comunicação um lugar
para a efetividade das experiências comunitárias, cabendo às mesmas gerar
ambientes reflexivos que façam a ponte da esfera comunitarista com a esfera da
vida cotidiana.
Ferdinand Tönnies (1973), sociólogo alemão referenciado no âmbito dos
estudos sobre comunidade, revela a distinção entre a comunidade antiga (antigas
tradições medievais) da moderna sociedade (comércio e centros urbanos). Para ele,
na comunidade há um entendimento compartilhado por todos os seus membros, que
flui naturalmente como o ponto de partida de toda a união. A naturalidade desse
entendimento dá-se pela homogeneidade. A comunidade é marcada pela vida real,
verdadeira e duradoura. a sociedade, é a vida pública, o próprio mundo,
mecânico, artificial, passageiro e aparente.
As definições de Ferdinand Tönnies geraram críticas e aplausos. Há
alguns pesquisadores, por exemplo, que acreditam que a terminologia não é
interessante para se explicar o mundo contemporâneo, pois tem “caráter ilusório ou
romântico, dado o nível de perfeição atribuído à comunidade” (PERUZZO, 2006, p.
11).
Esse perfil homogêneo e endógeno (fim em si mesmo) poderia levar as
coletividades socioculturais ao isolamento étnico, religioso e/ou racial. O fato é que
as comunidades concretas não são homogêneas, mesmo com compartilhamento de
tradições, costumes e laços sociais que unem as pessoas em um sentimento de
comunhão. É claro que alguns grupos minoritários, muitas vezes, isolam-se e não
ultrapassam o lugar comum. A comunidade é um lugar de “desacordos e pluralismos
cultural, político e religioso” (LEAL, 2007).
Em sociedades complexas e plurais, as pessoas transitam entre a
comunidade e a sociedade, sem precisar dizer nesta que pertence àquela, mas
muitas vezes isto se faz necessário para que elas se diferenciem dos “outros”, mas
sem que isso signifique uma renúncia à sociedade.
Para Zygmunt Bauman (2003), o golpe mortal na naturalidade do
entendimento comunitário foi dado pelo advento da informação, que com seu fluxo
42
passou a o mais estabelecer a fronteira entre o dentro e o fora. O entendimento
comum, então, só pode ser alcançado ao fim de uma longa argumentação e
persuasão. E quando alcançado, a luta para chegar lá jamais será esquecida.
De acordo com o autor, com o advento do capitalismo moderno houve a
urgência de substituição da comunidade tradicional por uma rotina artificial e
construída, em que se configuram formas comunitárias de existência social cujos
membros partilham perfis socioculturais e gostos estéticos. A comunidade que ficou
para trás ou nunca existiu é vista como o paraíso perdido. Um mundo que não está a
nosso alcance e nos remete a algo cálido, aconchegante.
Segundo Bauman, na contemporaneidade, nada permanece o mesmo
durante muito tempo e nada dura o suficiente para ser absorvido. Os pontos firmes e
solidamente marcados de orientação que sugeriam uma situação social mais
duradoura, segura e confiável foram embora, assim como a certeza de que o que se
faz aos outros hoje virá a nos confortar ou perturbar no futuro. Trata-se de uma
comunidade difundida pela indústria do entretenimento, nos espaços midiáticos:
Os novos valores e modos de vida, como o consumo e o culto às modernas
formas de relações humanas mediadas pelas novas tecnologias da
informação e da comunicação, contribuem para a constituição de uma
comunidade estética, onde vigoram determinados padrões de beleza e
comportamentos individualistas do tipo egoísta. (LEAL, 2007, p. 90)
novas formas de comunidades efêmeras, que passam a ser definidas
como lugares onde indivíduos compartilham interesses comuns, bens simbólicos,
valores e práticas sem assumirem compromissos de engajamento para além dos
contornos daquilo com o qual se identificam. Não sanções ou coerções para
quem deixa de participar da comunidade. São instâncias fluidas que aparecem e
desaparecem no movimento de transformações identitárias. Elas podem se formar
em torno de eventos artísticos ou de problemas sociais, mas vai sempre se
caracterizar pela superficialidade, transitoriedade, irresponsabilidade ética e a falta
de compromisso a longo prazo.
Vive-se uma constante tensão entre comunidade e individualidade. o
ter comunidade é não ter proteção, mas alcançar a comunidade é perder a
liberdade. Segurança e liberdade são valores preciosos e desejados que possam ser
bem ou mal equilibrados, mas nunca sem atrito.
No espaço contraditório contemporâneo, o engajamento de novos
atores sociais em tomadas de decisões, com a inclusão de temáticas até então
43
ignoradas pelo sistema político, a redefinição de identidades e nculos e o aumento
da participação, especialmente em nível local (SANTOS, 2001).
As rádios comunitárias, como instituições de comunicação, podem
contribuir para a formação de identidades, reconhecimento comum e cidadania,
compartilhamento de valores e bens simbólicos, constituindo-se em comunidades,
mas também podem se revelar como agentes privatizadores do interesse comum,
fragmentadores da subjetividade, provocadores da exclusão e negação da vida
cidadã. Ou até mesmo podem se configurar como comunidades efêmeras, em que
não sanções para quem deixa de participar de suas atividades e se formam em
torno de problemas sociais, ou seja, da falta de liberdade de expressão. Elas podem
ser transitórias, haja vista a quantidade de emissoras que deixaram de funcionar
por não terem conseguido outorgas ou até mesmo por falta de autonomia financeira,
impedida claramente pela lei que regulamenta o setor.
Essas emissoras podem ser espaços comunitários plurais em que o
entendimento comum de pela força do argumento. São esferas públicas locais
em que se abre espaço para o discurso, que objetiva o laço comum e,
principalmente, o exercício da cidadania. E esse espaço para a discussão se efetiva
verdadeiramente na programação jornalística da rádio.
44
2 JORNALISMO E EMISSORAS COMUNITÁRIAS – ENTRE O DISCURSO E A
PRÁTICA
2.1 ESPAÇOS PÚBLICOS COMUNICATIVOS PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
A especificidade do jornalismo nas rádios comunitárias é o objeto de
estudo desta dissertação. Pretende-se pesquisar como se dá esse jornalismo
quais são suas condições de origem; quem são os atores envolvidos e qual a
intencionalidade dele. E para analisar este último aspecto, não se pode deixar de
discutir a relação do processo de produção da notícia com o exercício da cidadania,
tendo o jornalismo como um potencializador do espaço público para que isso se
viabilize. Esse espaço de embates de visões, interpretações dos acontecimentos e
interesses e discursividade que objetiva o consenso pela lei do melhor argumento
faz uso da palavra para politização dos indivíduos.
O espaço público sempre fará parte dos debates sobre esferas públicas
democráticas voltadas para a busca de consensos sobre questões sociais, culturais
e políticas de coletividades ampliadas, associações, movimentos, grupos sociais e
comunidades localizadas, mesmo sofrendo modificações ao longo do tempo.
O que definirá esse espaço serão as formas e as condições de outorga da
palavra concedida tanto ao indivíduo autônomo como a entidades representativas da
sociedade civil (LEAL; RIBEIRO, 2006).
O conceito de esfera pública burguesa foi explorado com profundidade
pelo filósofo alemão Jürgen Habermas (1984), como uma categoria histórica, que
mostra a possibilidade da construção de um lugar onde a ação comunicativa pode
edificar uma consciência coletiva capaz de criar condições de uma existência
solidária, não coercitiva, libertadora e igualitária entre os homens, valorizando a
esfera superestrutural da existência humana.
Habermas parte do modelo original grego das esferas pública e privada. A
primeira consiste na Esfera da Polis (cidade), comum aos cidadãos livres. O caráter
público constitui-se na conversação (lexis) que pode acontecer em um conselho,
tribunal ou práxis comunitária. E é nessa conversação que as coisas se verbalizam e
se configuram, cada um procura se destacar. Mas é importante salientar que essa
esfera pública não corresponde às tarefas públicas, destinadas aos estrangeiros
contratados para tal tarefa. Trata-se da esfera da liberdade e que continuidade à
45
esfera privada da necessidade e transitoriedade. Esta é a esfera da Oikos (casa),
lugar onde os indivíduos privados exercem as faculdades de dignidade e virtude
humanas. Sob o abrigo da dominação do déspota, faz-se a reprodução da vida, o
trabalho dos escravos, o serviço das mulheres; discute-se a morte e a vida.
Esse modelo grego ressurge na modernidade, com a dicotomia entre
Estado e sociedade civil, com a institucionalização do setor público e outro privado.
O autor acredita que essa esfera, nascida no século XVIII, tem um desenvolvimento
próprio, pela história das idéias e pelos elementos herdados da esfera aristocrática
de representatividade pública (os senhores feudais não representam a nação. Eles
são as autoridades pública e privada, que ambas estão ligadas aos bens
fundiários), mas, por outro lado, essa esfera corresponde às experiências vividas na
esfera da produção e do mercado.
Na primeira concepção de esfera pública, o setor público limita-se ao
Poder Público, incluindo a corte. no setor privado há a esfera pública
propriamente dita, de pessoas privadas reunidas em um público, nas suas
concepções literárias e oriunda desta a política, que intermedeia, por meio da
opinião pública, o Estado e as necessidades da sociedade. Ainda nesse setor
privado, a sociedade civil burguesa, representando o setor de trocas de
mercadorias e de trabalho social e o espaço íntimo da família, em que valores como
igualdade, liberdade e dignidade humana são discutidos.
A diferença entre o modelo grego de esfera pública e o modelo liberal
está na inserção da esfera pública burguesa no amplo setor privado. E essa esfera
pública burguesa da era liberal possui critérios institucionais que correspondem aos
padrões normativos de expressão da intersubjetividade pública: sociabilidade
(igualdade de status), paridade (em relação à autoridade do argumento) e não-
fechamento do público (questões discutidas tornam-se gerais por sua relevância e
acessibilidade), que correspondem à lógica de liberdade e igualdade da iniciativa
privada no mercado de trocas e na produção social.
Antes mesmo da esfera pública assumir sua função política, de
contestação da monarquia, a subjetividade que se origina da esfera íntima da família
já tem o seu próprio público. Antes do Poder Público ter sido contestado pelo
raciocínio político das pessoas privadas, forma-se uma esfera blica literária, cujo
romance psicológico do século XVIII passa a ser um ícone. A intimidade da família é
46
o objeto de interesse público. As pessoas privadas passam por um processo de
autocompreensão em relação às genuínas experiências de sua nova privacidade.
Os herdeiros da aristocracia humanista, em contato com os intelectuais
burgueses, eliminam a ponte entre uma sociedade decadente e a corte e passam a
constituir um primeiro formato de esfera pública burguesa. Uma categoria que
também tem origem numa história de valores, crenças e costumes.
A esfera pública literária revela o ponto de vista de Hannah Arendt (2002)
sobre a dimensão plural e inovadora do homem na expressão de sua subjetividade.
Nos salões e cafés, os homens cultos, não preocupados com a necessidade,
discutem questões importantes, de bem comum, e publicizam suas idéias por meio
da literatura, das revistas de crítica, dos semanários.
A experiência de igualdade e liberdade da esfera pública literária foi
importante para a reivindicação política, da luta da burguesia, no século XIX, por
uma esfera discursiva, argumentativa e contrária ao poder vigente da época a
Monarquia. Nos debates públicos, a racionalidade é um resultado do livre confronto
de argumentos privados.
A emancipação de uma classe social a burguesia em uma sociedade
capitalista em pleno desenvolvimento, principalmente nos países ocidentais é o
pressuposto histórico do aparecimento dessa esfera pública política. Novas
instituições blicas são desenvolvidas em função da luta da classe burguesa por
uma esfera representativa dos interesses da mesma. Partidos políticos e imprensa
partidária estão engajados na luta da burguesia pela transformação da Monarquia
(Estado Absolutista) em Estado de Direito Burguês.
A imprensa passa então a assumir uma postura fundamental na relação
entre a burguesia e as outras classes sociais e com o Estado, no século XIX. Este é
chamado ao fórum público. uma privatização do Estado e uma estatização do
privado, com o voto como potencializador dos cidadãos para a escolha de seus
governantes. Uma democracia representativa é instaurada, “onde o dever de fazer
leis diz respeito não a todo povo reunido em assembléia, mas a um corpo restrito de
representantes eleitos pelos cidadãos” (BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO, 2000a,
p. 323-324).
A inserção do jornalismo no regime de mercado e de produção industrial o
deixou livre do poder de intervenção estatal, com mais liberdade para promover a
aparência pública das ações do Estado, uma das condições da democracia. Foi
47
dessa atitude fiscalizadora que decorreu a concepção de poder. E é essa
publicização do governo a razão de ser da imprensa.
Mas a inserção do jornalismo no campo empresarial o tornou com função
pública e execução privada, como um serviço público prestado por um negócio
privado. Desde que a imprensa é tomada pela publicidade comercial, de acordo com
Jürgen Habermas (1984), o que se percebe é a instituição de determinados
membros do público enquanto pessoas privadas.
O campo jornalístico, como um espaço social especializado, então
começa a ganhar forma. As modernas organizações jornalísticas se apresentam
como prestadoras de serviço, responsáveis de munir os indivíduos com informações,
para que eles pudessem agir conforme suas próprias necessidades. “A necessidade
da informação produz a necessidade do jornalismo” (MARTINS, 2005, p. 11).
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1997, p. 105): “O campo é o
lugar de uma oposição entre duas gicas e dois princípios de legitimação: o
reconhecimento pelos pares e o reconhecimento pela maioria, no lucro em dinheiro,
receitas, valores, audiência”. E quem é responsável por esse campo, o jornalista,
fica sujeito ao veredicto do mercado, por meio da sanção direta da clientela ou
indireta do índice de audiência.
De acordo com Paiva (2006, p. 63): “há uma superestrutura produzida
pelo jornalismo comercial/industrial como gerador da narrativa da sociedade atual, e
conseqüentemente promotor e gerenciador de uma estrutura do pensamento público
vigente, tratando-se de uma ordem exclusivista, concentracionista e correlacionada
de maneira funcral aos propósitos consumistas da atualidade”.
Na contemporaneidade, há uma diversidade de perspectivas sobre as
novas versões de espaços públicos como lugar para debate de interesses
particulares e coletivos e revisões críticas da formulação original da categoria
teórica, realizada por Habermas.
Muitas dessas novas definições vinculam a esfera pública ao jornalismo,
como a do jornalista espanhol Jose Luis Dader (1992). Para ele, o espaço público
encontra-se entre os espaços social e privado, como um terceiro “anel”, que
transforma os outros dois em ações públicas por meio dos meios de comunicação
industriais, como Dader denomina os meios de comunicação comerciais.
48
Esse espaço é caracterizado pelo que o jornalista decide que terá
relevância pública:
“Ocorre assim que o diálogo público de toda comunidade desenvolvida é
alimentado, interpretado e reorganizado pela definição de ‘público’ (o que
tem notoriedade pública) e pela distribuição de papéis de participação em
um ‘espaço público’ que o fazer jornalístico instaura”
18
(DADER, 1992, p.
150).
Para o autor, com o capitalismo, o jornalista converteu-se em um novo Rei
Midas, que converte não em ouro, mas em público, tudo o que toca. Muitas vezes
essa função é operada de maneira aleatória, intuitiva e preocupada exclusivamente
por critérios de rentabilidade comercial ou ideológica.
outros autores como Nancy Fraser e Bernard Miège (2001; 2005 e
2004 apud LEAL; RIBEIRO, 2006) que acreditam que o conceito de esfera pública
permanece indispensável para a reflexão contemporânea sobre as organizações da
vida política e social dos cidadãos. Devido à segmentação do trabalho, dos
interesses de setores e grupos e da mudança de comportamentos e estilos de vida,
essa esfera passa a confrontar-se com fragmentações de práticas e valores políticos
e culturais, graves conflitos de interesse, resultando em um cenário de várias e
desiguais esferas públicas.
Contudo, não se pode perder de vista o potencial comunicativo desse
espaço público, sempre associados a iniciativas que podem ser plurais e
emancipatórias, mas nem sempre podem ser mais comparadas ao modelo
normativo de Habermas (LEAL, 2007).
O relacionamento entre a grande mídia e as múltiplas esferas públicas
remete à reflexão atual sobre “a forma e a intensidade com que eles podem ampliar
seus debates e temas através da grande mídia e chegar efetivamente a influir na
formação de consensos e de opiniões comuns a grandes públicos” (Idem, p. 76).
Um outro desafio para essa esfera pública na contemporaneidade é a
questão da visibilidade como na atualidade essas diferentes configurações de
esfera públicas se publicizam, por meio de várias estruturas de comunicação?
Muitas vezes, as manifestações da sociedade civil encontram grande resistência por
parte das grandes redes privadas de comunicações para poderem conseguir
visibilidade às suas questões.
18
Tradução livre da autora.
49
O caráter público e político dessas esferas públicas serão tanto maior
quanto mais visibilidade for dada à discursividade, às críticas ao poder e à
diversidade de conteúdos opinativos, gerados a partir da liberdade política e
individual da qual deve ser garantida pelo Estado de Direito a todo cidadão.
Essas esferas públicas alternativas precisam do engajamento de três
fatores para se tornarem possíveis: comunidade, identidade e individualidade
(LABICA, 1995 apud LEAL; RIBEIRO, 2006).
A questão da comunidade e da identidade está atrelada ao sentimento de
pertencimento a um local, cultura, nação ou etnia. Os vínculos solidários se dão para
aproximação de pensamentos e opiniões. a individualidade diz respeito à
participação do sujeito motivada pelo interesse em um determinado debate que
traduza necessidades ou demandas social, cultural ou política que podem se tornar
causas coletivas.
É importante se fazer a distinção entre espaço público e espaço público
comunitário. As mídias comunitárias ora se voltam para temas de interesse comum a
toda a comunidade, ora difundem opiniões privadas dos seus diretores e aliados.
Logo, mesmo que sejam denominadas comunitárias, podem não se dedicar à causa
de interesse comum. Elas são comunitárias quando tematizam identidades, valores,
idéias e opiniões que remetem diretamente à comunidade dos indivíduos que
constituem seu público receptor; quando buscam consensos pela afinidade de
interesses e práticas sociais.
Esse espaço público comunitário promovido pelas pequenas mídias pode
ser marcado por diferenças de posicionamentos e opiniões e visibilidade de
argumentos. E é exatamente essa divergência de opiniões e a tentativa de
construção de um discurso que fortalecem a noção de público comunitário,
fundamental para tornar possível a comunicação dialógica nesse espaço. Essa
esfera pública comunitária pode gerar processos comunitários, retornando à
premissa de um espaço público enquanto espaço formador de cidadania, com
indivíduos politicamente ativos, em busca de modelos societários emancipatórios.
As rádios comunitárias como esferas públicas contribuem, em termos
práticos, para que a comunidade se comunique de forma crítica, exercendo assim a
cidadania, alcançada por meio da participação dos moradores locais, na emissão, na
produção de conteúdo, no planejamento e na gestão do meio.
50
Esses veículos comunitários buscam a consolidação da democracia,
entendida como uma prática construída historicamente e socialmente, que rompe
tradições estabelecidas e institui novas leis, determinações e normas, com a
participação de indivíduos, muitas vezes excluídos de arranjos políticos, que se
ocupam dessas esferas blicas para problematizar uma condição de desigualdade
na esfera privada.
Ao viabilizar o direito à comunicação, a população torna-se sujeito-ativo,
em um exercício concreto da participação para a cidadania e conseqüente
consolidação da democracia.
o espaço blico “se viabiliza pela exposição de elaborações
subjetivas que se tornam públicas ao serem objetivadas no ato da palavra
pronunciada na cena pública. Percebemos, assim, que o espaço público não é um
evento dado, natural, que simplesmente se manifesta fisicamente em um
determinado local.” (LEAL, 2007, p.10). Trata-se de um campo que precisa de um
lugar comum de comunicação, que só é possível com a organização política.
Os espaços públicos multifacetários atuais possuem forte ligação com o
exercício da cidadania, pois sem politização dos indivíduos não se pode discutir
assuntos de interesse público racionalmente e conscientemente.
Ao permitir ao público o direito de informar e ser informado; proporcionar
espaço plural para debate das questões de interesse público, produzindo
informações plurais; instruir e informar, possibilitando ao cidadão a formação de um
juízo qualificado sobre as questões públicas; dar voz a todos diante da
impossibilidade dos cidadãos expressarem pessoalmente suas opiniões a cada um
de seus pares; promover a aparência pública das ações do Estado; orientar;
mobilizar; romper preconceitos; expor curiosidades; dar visibilidade igualitária para a
multiplicidade de visões existentes na sociedade, as rádios comunitárias e,
conseqüentemente, o jornalismo destas contribuem sim para o exercício da
cidadania, entendida como “competência humana de fazer-se sujeito de sua própria
história, coletivamente organizada. Para que isto aconteça, é necessário: educação,
informação e comunicação, organização política (...)” (DEMO, 1995, p. 2).
O conceito cidadania, portanto, é importante para a discussão sobre
jornalismo nas rádios comunitárias, pois a função maior destas e, principalmente,
daquele nestas é informar a comunidade para que ela possa exercer
51
verdadeiramente sua cidadania, como sujeito histórico e consciente de suas ações,
seus direitos e deveres.
Para Thomas Humphrey Marshall (1967) a cidadania trata-se de um modo
de viver que brota de dentro de cada indivíduo, não sendo algo imposto a ele de fora
e é originária no capitalismo desigual. Segundo o autor, a cidadania se configura
historicamente em três grupos de direitos: civis, políticos e sociais.
Os direitos civis são necessários à liberdade individual. Eles estão
relacionados ao direito de ir e vir, liberdade de imprensa, de pensamento e fé, justiça
e propriedade. No que tange à justiça, é preciso defender e afirmar todos os direitos,
em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual,
por meio dos Tribunais de Justiça. Esses direitos desenvolveram-se no século XVIII.
Nesse período histórico houve a abolição da censura de imprensa e a constituição
do direito de trabalhar. “Quando a liberdade se tornou universal, a cidadania se
transformou de uma instituição local para uma nacional” (MARSHALL,1967, p. 69).
Os direitos políticos configuram-se como aqueles em que os cidadãos
podem participar no exercício do poder político, ou como membro de um organismo
com autoridade política ou como eleitor dos membros de tal organismo. Esses
direitos se apresentaram no Parlamento e nos Conselhos do governo local e
configuraram-se no século XIX, com a doação de velhos direitos a novos setores da
população, transferindo a base dos direitos políticos do substrato econômico para o
status pessoal:
Ao consistir em direitos e deveres, a cidadania enriquece a subjetividade e
lhe abre novos horizontes de auto-realização, mas, por outro lado, ao fazê-
lo por via de direitos e deveres gerais e abstratos que reduzem a
individualidade ao que nela há de universal, transforma os sujeitos em
unidades iguais e intercambiáveis. (SANTOS, 2001, p. 240)
os direitos sociais referem-se ao direito ao mínimo de bem-estar
econômico e ao direito de participar por completo na herança social e levar a vida de
um ser civilizado. Estes direitos avançaram no século XX, com o advento da
educação e dos Serviços Sociais, tendo como fonte original a participação nas
comunidades locais e associações funcionais. Essa passagem da cidadania cívica e
política para a social provocou uma relação mais equilibrada entre o princípio do
Estado e o do mercado, com a nova estrutura de exploração capitalista nos países
centrais. Um equilíbrio obtido por pressão popular enquanto campo de lutas sociais
52
de classe. Contraditoriamente, o aumento do poder controlador dos indivíduos
por parte do Estado.
No Brasil, a ordem de aparição dos direitos foi oposta. A realidade
também era outra. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho (2004),
houve maior ênfase nos direitos sociais que precederam os direitos políticos e civis.
Para o historiador, passados mais de 15 anos do fim da ditadura, problemas como a
violência urbana, desemprego, analfabetismo, qualidade da educação e ofertas
inadequadas dos serviços de saúde e saneamento, além das grandes
desigualdades sociais continuam sem solução. Conseqüentemente, os mecanismos
do sistema democrático, como as eleições, os partidos, os políticos e os movimentos
sociais se desgastam e perdem a confiança dos cidadãos.
Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2001), é preciso na
pós-modernidade encontrar novas formas de cidadania coletiva e não meramente
individuais, com formas político-jurídicas que incentivem a autonomia e combata a
dependência burocrática; personalizem as competências interpessoais e coletivas
em vez de as sujeitarem aos padrões abstratos. “A nova cidadania tanto se constitui
na obrigação política vertical entre os cidadãos e o Estado, como na obrigação
política horizontal entre cidadãos” (Id., p. 278). A idéia de autonomia e solidariedade
deve estar associada ao princípio de comunidade. É preciso estar atento às novas
formas de exclusão social: questões de gênero, raça, qualidade de vida, consumo e
guerra, intrinsecamente ligadas às lutas de classes. Para Santos, o neoliberalismo,
se apropriou da categoria “cidadania” para avançar em seu processo político-
econômico.
De acordo com o professor, o que se apresenta hoje em termos de
conjuntura é uma re-hegemonização do princípio do mercado e de colonização, por
parte deste, do princípio do Estado e da comunidade. Todo esse desequilíbrio tem
sua expressão máxima na teoria política liberal, que representa no campo político a
compatibilização de duas subjetividades aparentemente antagônicas: a coletiva do
Estado centralizado e a atomizada dos cidadãos autônomos e livres.
Santos começa por apontar, que em um primeiro período do avanço
liberal, muitos indivíduos livres e autônomos não são cidadãos por não poderem
participar politicamente da atividade do Estado. O que regula então essa tensão
entre essas duas subjetividades, na sociedade liberal, é a cidadania, que nesta
concepção, limita o poder do Estado e universaliza as particularidades dos sujeitos
53
de modo a facilitar o controle social. Segundo Santos (Idem, p. 240): “Ao consistir
em direitos e deveres, a cidadania enriquece a subjetividade e abre-lhe novos
horizontes de auto-realização, mas, por outro lado, ao fazê-lo por via de direitos e
deveres gerais e abstratos que reduzem a individualidade ao que nela de
universal, transforma os sujeitos em unidades iguais e intercambiáveis (...) enquanto
cidadãos da democracia de massa”. A cidadania, nesse período, abrange apenas a
cidadania civil e política e o seu exercício é por meio do voto, exclusivamente.
No segundo período do capitalismo nos países centrais, denominado pelo
autor como capitalismo organizado, a passagem da cidadania cívica e política
para a cidadania social, com a conquista de significativos direitos sociais nas
sociedades centrais. Uma cidadania que provocou uma relação mais equilibrada
entre o princípio do Estado e o do mercado, com a nova estrutura de exploração
capitalista. Um equilíbrio obtido por pressão popular enquanto campo de lutas
sociais de classe. No entanto, tudo foi feito no marco da democracia liberal, por isso,
a obrigação política horizontal só foi eficaz na medida em que submeteu à obrigação
política vertical entre cidadão e Estado. Nesse mesmo período, contraditoriamente,
há o aumento do poder controlador dos indivíduos por parte do Estado.
A crise deste Estado provocou mudanças na concepção de cidadania, em
meados da década de 70. Houve uma revolta da subjetividade contra a cidadania,
da subjetividade pessoal e solidária contra a cidadania atomizante e estatizante.
No final dos anos 70 e nos anos 80, um período de experimentos
sociais, de formulação de alternativas mais ou menos radicais ao modelo de
desenvolvimento econômico e social do capitalismo e de afirmação política de novos
sujeitos sociais, simbolizada nos novos movimentos sociais, nos países centrais e
em toda a América Latina. Havia a idéia de que produção e reprodução tinham
conexões econômicas íntimas, contudo, para além dela a desconexão era total. Só a
conexão econômica tornava possível a desconeo a todos os outros níveis.
Relação totalmente contraditória que reside no fato de que a hegemonia do mercado
atingiu um nível tão elevado de naturalização social que, “embora o cotidiano seja
impensável sem ele, não se lhe deve, por isso mesmo, qualquer lealdade” (Id., p.
256).
Nos novos movimentos sociais (NMSs), surgidos nas décadas de 80 e
início da 90, a denúncia dos excessos de regulação da modernidade. Novas
formas de opressão são identificadas: machismo, guerra, poluição etc. Contudo, a
54
emancipação, objetivo principal da cidadania, o é política, mas pessoal, social e
cultural. A subjetividade fica acima da cidadania. O que de interessante é o
alargamento da política para além do marco liberal da distinção entre Estado e
sociedade civil.
Para o sociólogo Pedro Demo (1995), a cidadania deve ser incentivada
não como uma forma de tutelar ou assistir o indivíduo, mas com o objetivo de
emancipá-lo. Para isso, é preciso uma educação para a cidadania, com extensão do
conhecimento para todos, criação de espaços de reivindicação e ofensiva do
trabalhador-cidadão, que presencia hoje uma cidadania esvaziada, consumista,
menor, tutelada e assistida.
As rádios comunitárias podem contribuir para a construção dessas novas
formas de cidadania coletiva, desde que, é claro, não prevaleça a vontade dos
diretores da rádio ou de políticos locais, como vem acontecendo em várias
situações. A essa cidadania coletiva pode-se também dar o nome de cidadania
maior, como denomina Demo (1995), que é possibilitada também pelo acesso à
informação e à comunicação crítica e questionadora.
O direito à informação é um direito-meio sem o qual o exercício dos outros
direitos fica prejudicado. A informação é um direito social indispensável para a vida
em sociedade e extensão do direito à educação e à saúde.
Essas emissoras podem contribuir para que a comunidade se comunique
de forma crítica, exercendo assim a cidadania, alcançada por meio da participação
dos moradores locais, na emissão e na produção da notícia.
O jornalismo também está relacionado ao exercício da cidadania, com a
função de informar para conscientizar e politizar o cidadão, além de fornecer a este
uma compreensão da realidade. Segundo Victor Gentilli (2005), o jornalismo tem
uma relação intrínseca com ideais democráticos de liberdade, igualdade e
pluralismo. Ele tem uma elevada importância por permitir ao público o direito de
informar e ser informado; proporcionar espaço plural para debate das questões de
interesse público, produzindo informações plurais; instruir o público e proporcionar o
exercício da cidadania (BENEDETI, 2006, p. 20).
Se esse jornalismo é inserido nas rádios comunitárias, essas funções
podem ser ampliadas, pois essas emissoras carregam em si o compromisso com
a democracia, por meio da cidadania. O espaço público comunicativo então formado
55
potencializa-se com a produção de notícias, indispensáveis para a formação de um
consenso.
Portanto, de acordo com Vera Maria Lopes (1997), um dos maiores
desafios na luta por um Estado democrático contemporâneo é o resgate do espaço
público como espaço formador das políticas sociais mediante a inclusão crescente
de todos os atores sociais. A comunicação social deve ser apreendida como um
direito social e destinatárias de políticas públicas. assim se avançará para uma
agenda de mobilização. Para que isso aconteça, é preciso resgatar o potencial
libertador das tecnologias de comunicação e informação, para que elas sejam
apropriadas por movimentos sociais e populares a fim de aumentar as possibilidades
do exercício da cidadania.
2.2 MÍDIA LOCAL E COMUNITÁRIA – ENTRE O CONSUMIDOR E O CIDADÃO
O jornalismo nas dios comunitárias pode assumir facetas diferenciadas
do jornalismo nas emissoras comerciais, mas também pode ser mero reprodutor do
conteúdo e da produção da notícia destas. Contudo, antes de se aventurar no
universo jornalístico das rádios comunitárias, é sugestivo diferenciar alguns
conceitos que podem clarear a idéia de jornalismo nesse universo e suas limitações.
A produção jornalística assume variações por diversos fatores: meio de
comunicação, local onde está inserido e público-alvo. No caso das mídias locais e
comunitárias, diferenças, mas muita dificuldade em delimitar o que venha a ser
comunitário e local, principalmente por na atualidade usar-se o termo comunitário
indiscriminadamente para denominar programas e emissoras, por diversas mídias.
O termo comunidade já é de difícil acordo em termos de definição, assim
como a denominação local. Embora haja várias definições, pontos em comum no
que diz respeito à comunidade: sentimento de pertença, participação, interação,
objetivos comuns, interesses coletivos acima dos individuais, identidades,
cooperação, confiança, cultura comum, etc. As noções clássicas de base territorial
limitada e auto-suficiência, princípios muito importantes durante décadas, enquanto
fundantes de comunidades, não resistiram às transformações da sociedade nos
últimos anos, pelo menos não enquanto conceito universal. O que significa dizer que
tais princípios continuam válidos apenas para realidades específicas, como é o caso
56
das rádios comunitárias brasileiras, restritas territorialmente por causa da legislação
que a rege (PERUZZO, 2003).
No mundo pós-moderno, uma abertura à comunidade, sem perder o
espírito crítico e a idéia de cidadania. “Conciliar-se-ia a pulsão da unidade que anima
a idéia de comunidade com a idéia de tensão para a pluralidade que anima o espaço
público e o exercício cívico nas democracias modernas” (CORREIA, 2005, p. 3).
os aspectos que caracterizam o local são: proximidade do lugar (em
contraste com o distante), familiaridade (questões de identidade, raízes históricas e
culturais) e diversidade (interage com o global) (ORTIZ, 1999). Trata-se de um
espaço privilegiado do cotidiano, onde novas formas de sociabilidade são
engendradas. “È no âmbito local onde a cultura global hegemônica é
refuncionalizada através de relações de assimilação e rejeição” (BARBOSA FILHO,
2003, p. 4).
Tudo isso constitui no que o sociólogo inglês Roland Robertson (2000)
classifica de glocalização processo de interação entre o local e o global e vice-
versa, mistura de globalização com características locais. O local passou a ser
valorizado como um espaço público regional contra a desumanização,
desterritorialização e o desprezo pela prática da cidadania na contemporaneidade,
uma esfera crítica e de interação dos cidadãos em torno dos problemas que lhes
seriam mais próximos. Para o sociólogo Alain Bourdin (2001) é impossível definir
fronteiras precisas entre o regional, o local e o comunitário.
Outro aspecto interessante na discussão sobre localidade é a questão da
territorialidade. Segundo Peruzzo (2002), hoje está superada a noção de território
geográfico como determinante para a definição do local e do comunitário. Um
terceiro aspecto nesta discussão é a globalização. Esta impulsiona a revalorização
do local, comunitário, ao contrário do que se pensava, ou seja, o sufocamento das
culturas locais e regionais. A realidade vai evidenciando que o local e o global
fazem parte de um mesmo processo: condicionam-se e interferem um no outro,
simultaneamente” (PERUZZO, 2002, p. 10). Mas não se pode esquecer que o local
tem suas especificidades. Ele é o que se pode tocar, aprender, viver cotidianamente.
Segundo Cicilia Peruzzo (2002), as diferenças fundamentais entre mídia
local e comunitária são: vínculos sociais, estratégias de sustentabilidade, processo
produtivo e conteúdos.
57
A tendência é de que a mídia local se ocupe de assuntos mais gerais
(tragédias, violência urbana, tráfico de drogas, política local, serviços públicos,
problemas da cidade, culinária regional, etc.). Para a autora, a mídia local é uma
comunicação voltada para a informação de proximidade. Na prática, no Brasil, ela é
perpassada por distorções motivadas pela forma com que as relações de produção
das notícias e de outros conteúdos midiáticos se processam, mas de uma maneira
geral cumpre uma importante função social” (PERUZZO, 2002, p. 5).
A mídia local não é monolítica, pois vai depender da linha editorial do
veículo que a domina. Segundo a autora, o rádio é eminentemente uma mídia local,
uma comunicação de propriedade privada comercial, movida por interesses
mercadológicos, lucro e aumento da audiência e que tem o objetivo de informar.
O interesse da grande mídia brasileira pelo local deu-se a partir dos anos
90, primeiramente, por fins mercadológicos, ao entender que o conteúdo
regionalizado poderia a aproximar do público e dar mais audiência, que as
pessoas se interessam pelo que lhe é próximo. Além disso, era de interesse da
grande mídia abocanhar boa parte dos anunciantes do interior do país. Logo, os
veículos, muitas vezes, afiliados de grandes redes, começaram a investir em
programação regional, conteúdos antes restritos aos meios de comunicação
comunitários, engajados em lutas sociais da região.
os meios comunitários trabalham principalmente com pautas de
interesse mais específicos de segmentos sociais (assuntos dos bairros, do trabalho,
dos movimentos sociais, questões de violência, esclarecimentos quanto aos perigos
relacionados às drogas e outras problemáticas de segmentos sociais excluídos).
Trata-se de dias sem fins lucrativos, modelos alternativos de comunicação ao
tradicional, com fins de mobilização social e educação informal (PERUZZO, 2003).
Na contemporaneidade, as mídias comunitárias passam a ter novas
características, típicas da sociedade globalizada, em que o local e o universal se
entrecruzam a todo instante. A informação passa a ser mais valorizada e
ferramentas modernas no processo de produção da informação são utilizadas, tais
como a Internet. Contudo, os objetivos continuam os mesmos: exercício da
cidadania e participação da comunidade na comunicação (BOTÃO, 2002).
Muitas vezes, práticas de empresas comerciais regionais apresentam-se
como comunitárias, mas nem toda comunicação local pode ser comunitária.
58
Nas comunicações comunitárias, as organizações sem fins lucrativos
instituem processos de comunicação com vistas à mobilização e à ampliação da
cidadania; funcionam na base das doações, apoio cultural, trabalho voluntário;
produzem conteúdos que pouco ou nenhum espaço têm na grande mídia,
abordando assuntos que afetam diretamente a vida da população local; envolvem a
participação popular autônoma, da gestão à produção de conteúdos.
nas comunicações locais, não interesse de que a população faça
parte do processo de gestão e produção do conteúdo. A vontade é de atrair mais
ouvintes, leitores e telespectadores para conseguirem mais publicidade, mais lucro.
Logo, embora ambas, mídias locais e comunitárias, possam atuar no mesmo
universo territorial e temático, possuem diferenças claras.
2.3 JORNALISMO DE PROXIMIDADE E COMUNITÁRIO
Com as modificações no cenário midiático, o jornalismo local passou a ser
valorizado, tanto pela ação político-comunicativa cotidiana, como pela oportunidade
mercadológica que ele representa. Com a crise financeira dos meios de
comunicação convencionais, na atualidade, estes tendem a confluir para um perfil
comunitarista, que o olhar sobre o outro passa a ser fundamental para
reaproximar o ouvinte, leitor ou telespectador. uma tendência atual de busca do
local, particular, sem a perda da visão do macro.
O jornalismo local caracteriza-se pela busca da informação de
proximidade. Esta é definida como:
Aquela que expressa as especificidades de uma dada localidade, que
retrate, portanto, os acontecimentos orgânicos a uma determinada região e
seja capaz de ouvir e externar os diferentes pontos de vista, principalmente
a partir dos cidadãos, das organizações e dos diferentes segmentos sociais.
Enfim, a mídia de proximidade caracteriza-se por vínculos de pertença,
enraizados na vivência e refletidos num compromisso com o lugar e com a
informação de qualidade e não apenas com as forças políticas e
econômicas no exercício do poder. (PERUZZO, 2002, p. 81)
Essa informação é um dos diferenciais para despertar a audiência e a
atenção do usuário e também uma percepção do uso das novas tecnologias para se
aproximar das comunidades e ao mesmo tempo socializar a apropriação dessas
tecnologias.
59
O jornalismo local pode ser definido como um jornalismo de proximidade.
Para Carlos Camponez (2002), um dos principais pesquisadores desta temática, a
territorialidade é insuficiente para definir este tipo de jornalismo. A proximidade não
pode mais ser medida em “metros”, mas pode ser compreendida pela consonância
ideológica e de identificações psico-afetivas. Para o autor, próximo em jornalismo é
também a representação que o meio faz de seu território e, conseqüentemente, dos
destinatários das suas mensagens.
Para Peruzzo (2002), o conceito de proximidade refere-se aos laços
familiares e à singularidade de uma determinada região, o que tem muito a ver com
a questão do locus territorial.
O conceito jornalismo de proximidade ganhou ênfase em Portugal, com o
surgimento de uma escola preocupada com as questões relacionadas com a
proximidade. Carlos Camponez foi um dos mestres desta academia. Para os
pesquisadores, a crise dos mecanismos de mediação (mídia) seria superada por
uma relação em que a comunidade local readquiriria uma função primordial de
medium entre interesses contraditórios (CORREIA, 2005, p. 4).
Aos meios de comunicação social de proximidade não basta apenas
denunciarem os problemas que afetam a comunidade, mas se envolverem no
esforço coletivo de promoverem o debate e a discussão racionais com vista à
solução para as mazelas locais (COELHO, 2005).
O jornalista português Pedro Coelho (2005), em sua dissertação de
mestrado, discorreu sobre televisões de proximidade, que para ele são espaços
públicos de discussões racionais, cujos consensos são frutos de debate e discussão.
Trata-se de uma comunicação social independente, que afronta as elites e questiona
o seu poder. Contudo, segundo o pesquisador, também intercorrências, como a
criação de redes clientelistas, que provocam a imposição de consensos, em nome
da imagem positiva da região e a excessiva dependência das elites.
José Ricardo Carvalheiro (1996), investigador em Ciências da
Comunicação, da Universidade da Beira Interior, Portugal, antes mesmo das
discussões sobre a definição do conceito, fez forte crítica em relação ao jornalismo
de proximidade. Para ele, uma forte dependência do jornalismo regional com o
poder local. As causas, segundo o pesquisador, estão nos fatos dos veículos
estarem nas mãos de pessoas que direta ou indiretamente relacionam-se com o
60
poder político, à fragilidade das empresas jornalísticas e as lacunas existentes na
formação das respectivas redações.
Tanto em Portugal quanto no Brasil, o jornalismo local não é homogêneo
e reflete diversos graus de participação cívica, desenvolvimento de opiniões públicas
e vários níveis de intervenção dos veículos regionais nos processos de deliberação
democrática (CORREIA, 2005, p. 6).
No Brasil, segundo Peruzzo (2002), os veículos locais ou de proximidade
concedem mais espaços às fontes oficiais; dão mais importância ao jornalismo
declaratório; aproveitam intencionalmente e acriticamente os releases; têm forte
ligação política e partidária com o poder local; carecem de ampla cobertura e de
apuração de acontecimentos, tanto em nível local como regional. Trata-se de uma
estrutura de produção pequena, com poucos profissionais e, às vezes, até
despreparados para o exercício do jornalismo. Muitos veículos aceitam com
naturalidade o jornalismo baseado em fontes oficiais, pois isto garante a
sobrevivência do veículo. Além disso, muitas emissoras locais imitam o estilo de
tratamento da informação da grande imprensa ou dedicam amplos espaços para
notícias nacionais e internacionais. Nessas condições, o jornalismo local deixa de
explorar seu imenso potencial de trabalhar com a informação isenta e atender a
todos os setores que perfilam a vida de uma ‘comunidade’” (PERUZZO, 2002, p. 81).
Na contemporaneidade, em um contexto de globalização, o jornalismo de
proximidade faz todo o sentido para uma melhor relação entre decisão política,
espaço midiático e a vida cotidiana. Trata-se de um jornalismo em que o saber é
compartilhado pelos produtores de notícia e seus públicos. um conhecimento
recíproco de fatos e realidades que servem de referentes e pretextos para a agenda
midiática e para a agenda dos públicos, que dá uma idéia de interatividade e
proximidade (Op. Cit.).
Para Denis Ruellan (2006), os estudos de jornalismo de proximidade
desvendaram a influência do contato direto entre jornalistas e públicos no campo da
produção da informação. Uma situação que não se aplica nas mídias de
abrangência nacional.
o jornalismo comunitário está vinculado às mídias sem fins lucrativos e
voltado para causas sociais, mobilização social e exercício da cidadania. Jornalismo
comunitário é aquele que faz das ruas o espaço principal para produção de pautas,
para confecção de notícias e para onde se remete toda e qualquer informação
61
(BATISTA; FERNANDES, 2005). É um jornalismo também de proximidade, no
sentido teórico, mas na prática vincula-se a mídias bem diferentes das que adotam o
jornalismo local.
Como exemplos de espaços que praticam esse jornalismo comunitário
estão: televisões a cabo (canais comunitários), rádios e jornais comunitários. As
estruturas organizativas e as estratégias de programação são bem diferentes dos
veículos com jornalismo local. Esses espaços não buscam a audiência; o espaço da
programação é plural e, embora haja distorções, os propósitos da programação não
deixam de ser eticamente educativo-culturais, de desenvolvimento comunitário e em
prol da cidadania (PERUZZO, 2002).
“O jornalismo comunitário trabalha com aquilo que é passageiro,
transitório, circunstancial e fragmentário na vida da comunidade. Ele acompanha a
evolução histórica da comunidade” (ROSEMBACH, 2006, p.14).
As rádios comunitárias praticam o jornalismo comunitário e quando não
desvirtuadas dos seus objetivos originais, são as principais fonte de informação
sobre os assuntos locais (HENRIQUES, 2005, p. 3).
O fato é que em Portugal, o jornalismo de proximidade também engloba
as mídias comunitárias, mas no Brasil uma diferença grande entre os veículos
locais e os comunitários, conforme discutido acima.
Para a pesquisadora Raquel Paiva (2006), o jornalismo de proximidade e
o jornalismo comunitário são pólos opostos que dialogam entre si. A proximidade
com a população é importante para as mídias locais, seja para seleção de pautas
como para assuntos que envolvam a coletividade. Já para as mídias comunitárias, o
acesso a técnicas de produção é de incomensurável valor. A discussão do
jornalismo comunitário insere-se na discussão do destino do jornalismo, como busca
de alternativas e revisão de posturas:
Neste contexto, o jornalismo voltado para o quotidiano de coletividades
especificas encara uma nova perspectiva, considerando principalmente a
necessidade de acoplar à visão local a existência dos demais lugares (...)
Os (...) acontecimentos internacionais assumem três possibilidades de
enfoque: a primeira, interpretativa e contextualizada historicamente, portanto
distante de meros informes generalistas; a segunda, conectada com a
realidade local e nacional, portanto ainda pautada pela historicização do
acontecimento; e finalmente, a (...) das pílulas informativas, destinadas a
suplementar os informativos on line. (PAIVA, 2006, p. 12-13)
Para a autora, o futuro do jornalismo é ser comunitário, com a conexão
com a realidade e os interesses da coletividade específica, que é o traço principal,
62
na atualidade, do jornalismo comunitário, uma narrativa inclusiva e fiel aos anseios
das coletividades. Os meios de comunicação convencionais tendem então a confluir
para um perfil comunitarista, que o olhar sobre o outro passa a ser fundamental
para reaproximar o ouvinte.
Na outra ponta, o jornalismo nos meios comunitários não precisa se
preocupar com a proximidade em relação à comunidade. Mas para melhor atrair-la
necessita aprimorar técnicas tanto de produção da notícia como de captura de
apoios culturais.
63
3 O ESTUDO DO JORNALISMO NAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS
O jornalismo nas rádios comunitárias é um processo dinâmico, complexo
e contraditório, tal como a realidade brasileira. Portanto, para analisá-lo optou-se por
uma perspectiva qualitativa, em que os fenômenos são percebidos de forma
dialética, não-linear. Trata-se de uma metodologia em que se pretende apanhar o
lado subjetivo dos fenômenos.
No âmbito dessa metodologia qualitativa foram estudadas duas emissoras
comunitárias em profundidade, escolhendo-se o estudo de caso, que é um
procedimento metodológico que focaliza a realidade de forma complexa e
contextualizada, além de ser rico em dados descritivos. “O estudo de caso deve ter
preferência quando se pretende examinar eventos contemporâneos, em situações
onde não se podem manipular comportamentos relevantes” (DUARTE, 2005, p.
219).
De acordo com Christian Laville e Jean Dionne (1999), a vantagem mais
marcante desse procedimento é a possibilidade de aprofundamento, pois todos os
recursos estão concentrados nos casos estudados, o estando o estudo submetido
às restrições ligadas à comparação do caso com outros casos e nem pretensões em
realizar generalizações. Apenas aprofundar dois casos para uma melhor
compreensão de realidades tão complexas e importantes para o estudo da cidadania
e da democratização da informação.
Das 3.189 rádios comunitárias legalizadas brasileiras e das cerca de 15
mil com fins comunitários, as duas emissoras selecionadas foram a Rádio Calheta
(98,5 FM) e a Paranoá FM (98,1 FM). A Calheta situa-se na cidade de Cabo de
Santo Agostinho, localizada a 33 km da capital de Pernambuco, Recife. a
Paranoá FM encontra-se na Região Administrativa VII do Distrito Federal,
denominada Paranoá, e fica a 25 km da capital do país, Brasília.
As emissoras foram selecionadas pelos seguintes critérios que não estão
em ordem de importância, pois todos são essenciais e estão inter-relacionados:
1. São legalizadas, logo, a pesquisadora não correria o risco de interromper
seus trabalhos a qualquer momento devido ao o cumprimento da lei por
parte das emissoras. Além disso, são rádios que têm licença definitiva
mais de três anos, levando em consideração que a lei de Radiodifusão
Comunitária 9.612 é de 1998. Isso mostra uma história de luta pela
64
concessão e permanência no espectro eletromagnético. A rádio Paranoá FM
foi uma das primeiras emissoras do Distrito Federal a conseguir a licença
definitiva, em 19/03/2004. Já a rádio Calheta a conseguiu em 16/08/2004;
2. Por possuírem programas jornalísticos diários;
3. Por serem casos exemplares em suas localidades. A Rádio Calheta fora
indicação da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) como
uma das poucas rádios comunitárias legalizadas com programas jornalísticos
de qualidade
19
. A emissora fora indicada por causa de um programa
jornalístico que é referência nacional, Rádio Mulher, produzido pelo Centro
das Mulheres do Cabo e referente aos direitos reprodutivos e questões de
saúde da mulher. Além disso, o estado de Pernambuco é conhecido como um
dos mais atuantes no Brasil na área, tendo inclusive apoio das prefeituras do
Recife e de Olinda. a emissora Paranoá FM era de conhecimento da
pesquisadora por outros trabalhos realizados por ela como uma emissora com
muita preocupação com a programação jornalística.
Os programas selecionados para análise foram os de gêneros
eminentemente jornalísticos, os que têm a informação em primeiro lugar e não os
musicais que apresentam notícias.
De acordo com André Barbosa Filho (2003) e Robert Mcleish (2001), os
gêneros jornalísticos veiculados no rádio são: boletim, comentário, crônica,
divulgação tecnocientífica, documentário jornalístico, editorial, entrevista,
reportagem, mesa-redonda ou debate, nota, notícia, programa esportivo, programa
policial, radiojornal.
O trabalho guiou-se pela questão de partida: como é o jornalismo nas
rádios comunitárias selecionadas? E nas questões relacionadas a estas: há
especificidade nele ou é similar aos veículos comerciais? Como é o processo de
coleta, produção, edição e emissão das notícias nas emissoras? Quem são os
atores envolvidos? Qual é a instituição comunicacional que incorpora esse
jornalismo? Quais os critérios que os atores utilizam para selecionar os fatos e
transformá-los em notícia? Quais são os valores-notícias envolvidos neste
processo? Quais as intenções nesse jornalismo?
19
Informações fornecidas via e-mail pela secretária executiva da Associação Mundial de Rádios
Comunitárias - AMARC-Brasil, Sofía Hammoe, no dia 26/10/2006. Sofía havia indicado o programa
Rádio Mulher, na verdade.
65
A hipótese inicial é de que essas emissoras têm um jornalismo específico,
embora não se possa dizer que elas estejam isentas de características encontradas
nos veículos comerciais.
Para analisar o jornalismo nessas emissoras não se pode deixar de
verificar o contexto histórico em que elas estão inseridas, suas trajetórias, normas e
relações com a comunidade.
3.1 A OPÇÃO PELO MÉTODO HABERMASIANO
As rádios comunitárias brasileiras estão inseridas em contextos histórico-
sociais, econômicos e políticos complexos e são identificadas como espaços
comunicativos disputados por diferentes interesses em uma determinada localidade.
Trata-se, portanto, de um grande desafio metodológico apreendê-las. Para análise,
optou-se pelo método reconstrutivista histórico-sociológico de Jürgen Habermas.
Em Mudança Estrutural da Esfera Pública, Habermas (1984) analisa a
estrutura, função, origem e evolução da esfera pública burguesa. O autor define
essa categoria como histórica, típica de uma época, relacionada ao desenvolvimento
da sociedade burguesa ocidental, que está intrinsecamente ligado ao
desenvolvimento do capitalismo.
A trilha metodológica investigativa do autor, segundo Lavina Madeira
(2004), perpassa por alguns níveis de investigação sobre a origem e a evolução da
esfera pública: história das idéias, das estruturas sociais constitutivas da esfera
pública como categoria historicamente dada, do nível ideológico da esfera pública
como forma político-cultural de organização vinculada a um projeto de emancipação
de um sujeito histórico a burguesia. “Habermas analisa histórica e
sociologicamente o processo de evolução da esfera pública burguesa nos seguintes
aspectos constitutivos: instituições objetivas criadas, padrões normativos de
funcionamento e consciência socialmente desenvolvida” (LAVINA, 2004, p. 312).
Para analisar a produção da notícia nas rádios comunitárias, é importante
discorrer sobre o universo pesquisado, a começar de sua origem e sua evolução,
como também categoria histórica que se configura de acordo com o contexto onde
está inserida.
A discussão entre público e privado é uma sugestão interessante na
pesquisa, já que as dios comunitárias são concessões públicas para gestão,
66
planejamento e produção de pessoas privadas que representam ou deveriam
representar uma determinada comunidade.
A própria relação entre Estado, poder blico, setor privado e a rádio
comunitária é intrincada e complicada, o que provoca conflitos e sobreposição de
interesses, distorção do objetivo da esfera pública ou até mesmo a não criação desta
e sim de uma esfera privada, muitas vezes familiar, partidária, política ou até
religiosa.
Não se pode pensar nas rádios comunitárias em outro período histórico
que o do século XX-XXI, pois foi somente na década de 70 que no Brasil essas
emissoras surgiram como forma de protestar contra o monopólio dos meios de
comunicação comerciais e reivindicar o direito à fala, à discussão, à linguagem, ao
argumento. Esse espaço público que surge, as rádios comunitárias, tem
características históricas e normativas, a serem exploradas, que coincidem com a
possibilidade da sociabilidade, paridade e não-fechamento do público, conforme na
esfera pública burguesa, apresentada por Habermas (1984).
O jornalismo dentro dessas emissoras pode contribuir para o debate entre
Estado e sociedade civil, permitindo que esta possa reivindicar direitos àquele e
fiscalizar o poder do mesmo. As ações municipais ou distritais passam a serem
discutidas em fórum público pelas comunidades.
Entretanto, é importante salientar que na atualidade essa esfera pública
pode, nem sempre, ser mais comparada ao modelo normativo de Habermas, pois os
indivíduos vêm oscilando entre a instância crítica do poder, protagonizada pelo
cidadão, e a entidade de caráter econômico e social, formada por indivíduos
consumidores. Mas a que se considerar que mesmo com toda essa superposição de
papéis, na atualidade uma ampliação dos espaços públicos, seja em termos de
interesse e finalidade, como de grupos, setores e indivíduos que os integram. Muitos
destes espaços tendem a levar suas opiniões publicamente construídas ao poder
estatal, a fim de torná-las juridicamente legais, outros não têm esta finalidade (LEAL;
RIBEIRO, 2006).
É interessante afirmar que a variabilidade de interesses que circulam o
espaço público midiático, em geral, pode muitas vezes torná-lo mais um espaço de
pressão do que um lugar para confronto de idéias que pretendem o alcance de
consensos sobre assuntos de interesse comum. Há assim um deslocamento de
67
função da mídia, que coloca em questão tanto as dimensões política e social da
opinião forjada como também a qualidade do público que participa desse processo.
3.2 A ABORDAGEM DO NEWSMAKING E AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS
A produção da notícia envolve atores, ações e valores. Esse processo
está intrinsecamente ligado ao interior de cada veículo, à emissão da mensagem e
sua relação com o público consumidor ou cidadão comunitário, conforme os
objetivos que o meio tem. No caso das rádios comunitárias, o vínculo é com o
cidadão, pelo menos no discurso.
Para a análise da produção da notícia nas rádios comunitárias
selecionadas, Calheta e Paranoá FM, a abordagem sociológica do Newsmaking é a
mais aplicada. Tal abordagem é articulada dentro de dois limites: cultura profissional
dos atores envolvidos e organização do trabalho e dos processos produtivos,
objetivando uma conexão entre esses dois aspectos.
A abordagem do Newsmaking surgiu no início dos anos 70, nos Estados
Unidos, na linha de pesquisa denominada Communication Research, que se
propunha a trabalhar em equipe, com o cruzamento de diferentes teorias da
comunicação até então estudadas.
Trata-se de uma abordagem ligada à sociologia das profissões, no caso, o
jornalismo, sendo mais voltada para este do que para a comunicação de uma forma
geral. É uma hipótese com ênfase na produção da notícia, logo, tendo como foco o
emissor, visto enquanto intermediário entre o acontecimento e sua narratividade, a
notícia, incluindo sobremodo o relacionamento entre fontes primeiras e jornalistas,
bem como as diferentes etapas da produção informacional, seja ao nível da
captação da informação, seja em seu tratamento e edição e, enfim, em sua
distribuição. As causas motivacionais para a escolha do que será notícia também
são enfocadas, ou seja, estuda-se a cultura profissional dos jornalistas e a
organização onde ele está inserido.
É importante expor que o Newsmaking, do ponto de vista metodológico,
não se refere à cobertura de um acontecimento particular, mas ao andamento
normal da cobertura informativa por período prolongado (WOLF, 1999). Logo, as
emissoras selecionadas o podiam deixar de ter programa jornalístico diário para
marcar melhor a rotina produtiva dessas organizações.
68
Verificou-se então de que forma as normas, os valores e as crenças
profissionais interferem no processo produtivo, assim como na organização
profissional e vice-versa.
Um fator que é fundamental para se entender a cultura profissional é a
discussão sobre a objetividade. Para a socióloga Gaye Tuchman (1993), esta é um
ritual estratégico, composto por procedimentos de rotina que tem relevância
tangencial para o fim procurado.
De acordo com a socióloga, três fatores contribuem para que o jornalista
identifique um fato objetivo – forma, conteúdo e relações interorganizacionais.
No que diz respeito à forma, pode-se afirmar que alguns procedimentos
estão relacionados aos atributos formais da notícia: verificação dos fatos (por
telefone ou pessoalmente, por exemplo), apresentação de possibilidades conflituais
(os dois lados da questão), apresentação de provas auxiliares (localização e citação
de fatos suplementares), uso judicioso de aspas (citação de outras pessoas para
não emitirem opinião própria, para deixarem os fatos falarem por si sós), uso do lead
(pirâmide invertida seqüência da informação com o que é mais importante
primeiramente, respondendo às seguintes perguntas o quê, quando, onde, como,
quem e por que).
o fator conteúdo apresenta-se como noções da realidade social que os
jornalistas consideram como adquiridas. É aqui que o senso comum toma valor
importante, pois o jornalista não vai publicar afirmações que contradigam o mesmo.
Esse fator também está associado com as relações interorganizacionais,
“pois a relação dos jornalistas com as organizações leva-nos a tomar por certas
algumas coisas acerca delas” (Idem, p. 75). Os profissionais também procuram
separar os fatos das opiniões.
As relações do jornalista com a instituição onde trabalha e outras
organizações o permitem fazer julgamento do que pode ser uma notícia objetiva.
Para isso, o profissional verifica se as fontes são confiáveis; analisa se a fonte
ouvida tem mais informações a fornecer e com melhor qualidade do que as demais;
verifica todas as afirmações colhidas ou até o silêncio de acordo com o
conhecimento que o jornalista possui dos procedimentos institucionais.
Mesmo com todas essas estratégias, existem discrepâncias entre os
objetivos procurados e os alcançados, segundo a socióloga, pois iludem o leitor de
que a análise do profissional é definitiva e convincente; é um meio para o jornalista
69
passar sua opinião; os profissionais são limitados pela política editorial e induzem a
uma percepção seletiva (Idem, 1993).
Logo, as rádios comunitárias selecionadas foram analisadas nas relações
interorganizacionais, nas culturas profissionais e nos processos produtivos.
Observaram-se também quais acontecimentos são considerados
interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícias.
Alguns valores-notícias ou news values articulados entre si ajudam nessa
escolha, tais como: impacto, proximidade geográfica, quantidade de pessoas
envolvidas no fato, atualidade, brevidade, etc. Será que esses valores o os
mesmos adotados pelas emissoras comunitárias?
A 1ª tentativa de identificação dos fatores que influenciam o fluxo de
notícias foi realizada por Galtung e Ruge, em 1965 (apud TRAQUINA, 2005). Para
os autores, são doze os valores-notícia: duração do acontecimento, amplitude do
evento, clareza ou falta de ambigüidade, significância, consonância, inesperado,
continuidade, composição/equilíbrio das notícias, referência às nações de elite,
referência às pessoas de elite, personalização, negatividade (apud Idem).
Ericson, Baranek e Chan (apud Id.) elencaram oito valores-notícia:
simplificação, dramatização, personalização, infração e crime organizado. Estes
foram cirtérios novos, mas eles também apontaram a continuidade, consonância e o
inesperado como valores-notícia, tal como Galtung e Ruge (1965).
Tais valores-notícia, praticamente infinitos, são agrupados em cinco
grandes categorias, de acordo com Mauro Wolf (1999): substantivas (importância e
interesse), relativas à notícia (brevidade, desvio da informação, atualidade,
atualidade interna, qualidade técnica, equilíbrio), relativas ao veículo (freqüência e
formato), relativas ao público (estrutura da narrativa e protetividade), relativas à
concorrência (exclusividade, geração de expectativas recíprocas, desencorajamento
sobre inovações e estabelecimento de padrões profissionais).
Esses valores-notícia adquirem significado na rotina produtiva do
profissional, por meio da recolha (muitos materiais vêm de agências de notícias e
fontes oficiais), seleção (analisam-se os critérios; pensa-se no formato do veículo, no
tempo e depende do pessoal para a produção da notícia) e apresentação da notícia
(transforma-se o acontecimento em história com início, meio e fim).
As emissoras selecionadas foram avaliadas de acordo com os cinco
grupos de valores-notícia elencados por Wolf (1999), que englobam os outros
70
critérios levantados pelos outros autores supracitados. Mas também se levou em
consideração o veículo rádio, que tem características peculiares. Para Robert
Mcleish (2001), os valores notícia que mais interferem na produção de programas
radiofônicos são: importância, controverso (eleição, guerra, processo no tribunal, em
que o resultado ainda não é conhecido), dramático, geograficamente próximo,
culturalmente pertinente, imediato e inusitado. São critérios mencionados acima,
contudo, os que têm maior importância para o meio rádio.
E para coletar as informações a propósito de como funciona o jornalismo
nas rádios comunitárias, a observação é a técnica metodológica mais assertiva, pois
“a observação revela-se certamente nosso privilegiado modo de contato com o real:
é observando que nos situamos, orientamos nossos deslocamentos, reconhecemos
as pessoas, emitimos juízos sobre elas” (DIONNE; LAVILLE, 1999, p. 176).
A observação possibilitou captar as rotinas produtivas das emissoras
selecionadas tal como ela é. A pesquisadora observou uma semana de trabalhos
nas duas emissoras selecionadas, pois se entendeu que é um período em que os
processos adquirem um status de repetitividade e naturalidade. Na rádio Paranoá
FM, a pesquisadora observou os trabalhos durante a semana dos dias 11 a 16 de
junho de 2007. Na emissora Calheta FM, a observação ocorreu entre os dias 16 e 21
de julho de 2007.
A pesquisadora integrou-se ao contexto, às organizações como
profissional em busca de informações e descobertas. Breves indicações foram
registradas ao vivo e relatórios exaustivos, como notas descritivas, foram
confeccionados na medida em que o dia terminava. Notas analíticas, como reflexões
pessoais da pesquisadora, juntaram-se às notas descritivas, formando um diário de
campo
20
de impressões e descrições dos fatos e dos seres humanos. Essa
observação permitiu à pesquisadora “levar em consideração várias facetas de uma
situação, sem isolá-las umas das outras; entrar em contato com os comportamentos
reais dos atores, com freqüência diferente dos comportamentos verbalizados, e
extrair o sentido que eles lhes atribuem” (Id.).
Contudo, a observação também tem limites e inconvenientes. Sua
fidedignidade e validade, às vezes, são questionadas por alguns, pois estão ligadas
à maneira pela qual o pesquisador integra-se no grupo, à sua memória, seus valores
20
Os diários de campo de um dia de observação nas duas emissoras estão nos Anexos I e II.
71
e concepções e sua “chance” de estar ou não presente em fatos significativos.
também a questão da influência do pesquisador no meio, pois sua presença
modifica a situação rotineira e pode sim afetar o comportamento das pessoas.
Contatos por telefone e pessoais
21
antes do período de observação foram
realizados para que as pessoas não se sentissem tão distantes da pesquisadora e
tão apáticas em relação à pesquisa. E para a pesquisadora, esses contatos prévios
foram de suma importância para um melhor reconhecimento dos universos
pesquisados. Um deles, a Paranoá FM, era de conhecimento da autora desta
dissertação por pesquisa anterior realizada sobre os Conselhos Comunitários das
Rádios Comunitárias Legalizadas do Distrito Federal, como trabalho de conclusão do
curso de Serviço Social, da Universidade de Brasília (UnB). a Rádio Calheta não
era de conhecimento da pesquisadora, mas a região onde ela está inserida sim,
Cabo de Santo Agostinho e o estado de Pernambuco, pois a autora é filha de pais
pernambucanos, logo, conhecedora da cultura local.
A fim de agregar valor à observação, optou-se pela entrevista semi-
estruturada com os atores envolvidos no processo de produção da notícia, ou seja,
todos que possuem relação direta com os programas jornalísticos da rádio e os
responsáveis pela organização de comunicação onde o jornalismo se aplica e ainda
se entrevistaram alguns ouvintes para trabalhar com a questão da relação com a
comunidade. Trata-se de uma técnica intermediária de observação, em que a
pesquisadora faz as perguntas abertas em uma ordem prevista, mas acrescentando
perguntas de esclarecimento ao longo do processo, gravando todas as respostas e
depois decupando tudo para a análise das falas. A entrevista semi-aberta
22
é “um
modelo de entrevista que tem origem em uma matriz, um roteiro de questões-guia
que dão cobertura ao interesse de pesquisa” (DUARTE, 2005, p. 66).
Como técnica complementar à observação e às entrevistas, realizou-se a
análise do conteúdo jornalístico veiculado ao longo das duas semanas de
observação nas duas rádios comunitárias selecionadas, pois se entende que o
21
Foram realizados três contatos anteriores à semana de observação na Paranoá FM, um por
telefone, outro por email e outro pessoalmente para uma primeira conversa com um dos
comunicadores e responsáveis pelo jornalismo da emissora, João Gomes. Na Calheta FM, devido à
distância, foi possívelo o contato por telefone e por email, totalizando quatro emails e dois
telefonemas para agendar a semana de observação e coletar dados sobre a emissora. Também se
conversou com a responsável pelo programa Rádio Mulher, um dos espaços jornalísticos da emissora
pernambucana.
22
O modelo de entrevista que fora aplicado está no Anexo III.
72
processo de produção da notícia só é completo com a emissão da mesma. Na
mensagem pode-se inferir sobre o emissor e o meio onde ele trabalha.
Para Laurence Bardin (1977), a análise de conteúdo é um importante
instrumento de pesquisa de campo, um conjunto de técnicas de análise das
comunicações, obtém, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. Essa análise objetiva o conhecimento de variáveis de
ordem psicológica, sociológica e histórica por meio de deduções.
A análise de conteúdo pode ter um caráter quantitativo e/ou qualitativo.
“Na análise quantitativa, o que serve de informação é a freqüência com que surgem
certas características do conteúdo. Na análise qualitativa é a presença ou a
ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de
características num determinado fragmento de mensagem que é tomada em
consideração” (BARDIN, 1977, p. 21).
De acordo com Bardin (1977), a abordagem quantitativa funda-se na
freqüência de aparição de certos elementos da mensagem, obtendo dados
descritivos por meio de um método estatístico. Já a qualitativa, recorre a indicadores
não freqüentes, passíveis de inferências, correspondendo a um procedimento mais
intuitivo, contudo, mais adaptável a índices não previstos ou à evolução da hipótese.
Esse tipo de análise é válido na elaboração de deduções específicas sobre um
acontecimento de inferência precisa e não geral, podendo funcionar sobre corpus
reduzido e estabelecer categorias mais descriminantes.
O contexto da mensagem e de tudo que interfere nela nessa alise
qualitativa é fundamental, ou seja, as condições de produção, os atores envolvidos e
em que circunstâncias, em qual lugar. A inferência sempre que é realizada é
fundada em função de um índice (tema, palavra, personagem) e não sobre a
freqüência de sua aparição.
Para fins desta dissertação, optou-se pela análise de conteúdo qualitativa.
Definido o tipo de análise, passou-se para o recorte dos conteúdos em temas, que
vão constituir unidades de registro. Estas são definidas como “a unidade de
significação a codificar e corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como
unidade de base, visando a categorização e a contagem freqüêncial” (Idem, p.104).
73
É interessante lembrar que na programação radiofônica “as matérias
apresentadas no começo de um noticiário exercem maior influência do que as que
vêm depois e as declarações finais também têm uma forte relação com o impacto
total provavelmente porque são mais fáceis de serem recordadas” (MCLEISH,
2001, p. 73).
A análise realizada fora de cunho meramente descritivo dos temas gerais
abordados pelas rádios, a fim de ilustrar o que, depois de todo o processo produtivo,
é veiculado nas emissoras, ou seja, o produto final do caminho percorrido pela
notícia.
As categorias a priori elencadas e seus temas correlatos foram: Política
(Internacional, Nacional, Local), Economia (Internacional, Nacional e Local),
Educação (Ensino Infantil, Fundamental, Médio, Técnico, Superior, Educação
Informal e Assuntos Comunitários), Esporte (Internacional, Nacional, Regional, Local
e Futebol), Violência (Polícia, Casos Internacionais, Nacionais, Regionais e Locais),
Cidadania (Projetos, Críticas às Autoridades, Direitos, Deveres, Questões de
Gênero, Questões de Raça, Desigualdades, Assistencialismo, Comunidade).
Ao longo da pesquisa, outras categorias foram inseridas, como Saúde
(Pública, Privada, Soluções e Críticas) e Cidades (Questões da Terra, Problemas
Locais, Soluções).
As emissoras pesquisadas têm suas especificidades; estão inseridas em
contextos históricos diferenciados, mas também possuem características em
comum. Longe de querer fazer comparações, no próximo capítulo pretende-se
mostrar a estrutura organizacional das rádios pesquisadas, seus atores e o contexto
onde estão inseridas, sempre seguindo o método reconstrutivista histórico-
sociológico e com dados obtidos pelas técnicas metodológicas escolhidas:
entrevistas, observação e análise de conteúdo simplificada.
74
4 AS RÁDIOS CALHETA E PARANOÁ FM – REALIDADES DIFERENTES,
PROBLEMAS E OBJETIVOS COMUNS
4.1 AS CONDIÇÕES DE ORIGEM DAS DUAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS
As emissoras Calheta e Paranoá FM estão inseridas em contextos
históricos e localidades bastante diferentes. Não se pretende aqui fazer
comparações entre as duas, mas apresentá-las simultaneamente para que tanto as
diferenças quanto as semelhanças sejam mostradas de forma clara e dinâmica.
A rádio comunitária Calheta FM, cuja freqüência é 98,5 FM, localiza-se na
cidade de Cabo de Santo Agostinho, no estado de Pernambuco, região Nordeste. A
cidade está inserida na Região Metropolitana do Recife e é o principal distrito
industrial do estado (cana de açúcar, têxtil, cimento, etc), tendo um dos mais
importantes complexos portuários do Brasil, o Porto de Suape. A região hoje conta
com mais de 50 empresas, gerando cerca de 4 mil empregos diretos e 20 mil
empregos indiretos. O Porto é pólo distribuidor de automóveis para toda a região
Norte e Nordeste
23
.
para se ter uma idéia da força da indústria na localidade, em 2005, o
PIB da região foi de 2.852.381 milhões de reais, sendo 1.417.010 milhões de reais
na indústria
24
, principalmente da cana de açúcar, que desde 1570, no Engenho
Madre de Deus, hoje denominado Engenho Velho, está presente no município.
Em outro canto do país, na região Centro-Oeste, está localizada a
Paranoá FM, localizada na Região Administrativa VII, denominada Paranoá, que fica
a 25 km do marco zero de Brasília, capital do país e do Distrito Federal. A principal
atividade econômica é o comércio, contudo, há uma forte produção agrícola na
região, que leva o status de maior produtora de feijão da América Latina.
A cidade do Cabo tem 448 km² de território e uma população de
163.139
25
mil habitantes, dos 8.428
26
milhões de residentes no estado de
23
Informações obtidas no site: http://www.recifeguide.com/brasil/pernambuco/cabo-santo-
agostinho.html. Acesso realizado em 20 de julho de 2008.
24
Dados de estudo sobre Produto Interno Bruto de 2005, do Instituo Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Informações no site http://www.ibge.gov.br/cidadesat. Acessado em 10 de junho
de 2008.
25
Dados da Contagem da População 2007, realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Informações no site http://www.ibge.gov.br/cidadesat.. Acessado em
10 de junho de 2008.
75
Pernambuco. A região administrativa do Paranoá ocupa uma área de 853,33 km² e
têm 63 mil habitantes
27
, dos 2.455.903
28
milhões de residentes no Distrito Federal.
Na cidade do Paranoá um elevado número de condomínios na
localidade e núcleos rurais pertencentes a Regiões Administrativas vizinhas, como
Itapoã, que usufruem dos serviços e comércios da cidade, localizada às margens do
Lago Paranoá.
O município do Cabo está repleto de praias paradisíacas, localizadas na
cidade e em regiões próximas, como Guaibu, Suape, Calhetas e Enseada dos
Corais, o que contribui para uma grande movimentação econômica do turismo na
região, que emprega profissionais do município e de toda a Região Metropolitana do
Recife, mas não para cargos de chefia e sim para serviços gerais ou até trabalhos
informais.
Cabo ainda se destaca por ser local da Barragem de Pirapama, que
abastece grande parte da zona sul da Região Metropolitana do Recife, beneficiando
cerca de 1,3 milhão de pessoas. Trata-se da maior obra hídrica do Estado, com
capacidade de armazenar 61 milhões de metros cúbicos de água.
A cidade tem igrejas construídas desde o século XVIII e sítios históricos
que transpiram a época do Brasil Colônia. A maior manifestação cultural da região é
o artesanato em madeira talhada, cerâmica e barro de Santos, famílias e trabalho
braçal, representando bem o cotidiano dos moradores e sua história.
A história do Cabo de Santo Agostinho inicia-se antes da chegada dos
portugueses ao Brasil. alguns historiadores que dizem que Cabo é o ponto de
descoberta do território brasileiro, pois antes de Pedro Álvares Cabral chegar à
Bahia, o navegador Vicente Pinzón, que integrou a primeira Armada de Cristóvão
Colombo, em 1492, teria atracado na bacia de Suape, no dia 26 de janeiro de
1500, e batizado com o nome de Cabo de Santa Maria de La Consolación. Nas
escolas municipais do Cabo, essa é a data ensinada às crianças como sendo a do
descobrimento do Brasil.
Mas antes da descoberta da região, a cidade era povoada por
indígenas da etnia caeté. As primeiras povoações, denominadas Arraial do Cabo,
26
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2005-2006 (PNAD). Informações no site
http://www.ibge.gov.br. Acessado em 10 de junho de 2008.
27
Informações da Administração do Paranoá. Disponível em http://www.paranoa.df.gov.br. Acesso
em 5 de junho de 2008.
28
Contagem da População 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível
em http://www.ibge.gov.br/cidadesat. Acesso em 5 de junho de 2008.
76
surgiram na segunda metade do século XVI. Em 28 de outubro de 1580 foi assinada
a escritura da cidade, na época Morgado de Nossa Senhora da Madre de Deus do
Cabo de Santo Agostinho, vinculando o Engenho Madre de Deus, depois chamado
de Engenho Velho. Mas só em 1618 que o povoamento sede do município se instala
e apenas duzentos anos depois que a Povoação de Santo Agostinho elevada à
predicação de Paróquia transformou-se em cidade do Cabo de Santo Agostinho, em
1877
29
. O município é dividido em quatro distritos: Cabo de Santo Agostinho, Ponte
dos Carvalhos, Santo Agostinho e Jussaral e localizado no litoral sul de
Pernambuco.
Cabo tem sua economia centrada no desenvolvimento da monocultura da
cana de açúcar desde 1570, com a doação de sesmarias ao longo do Rio Pirapama.
Com a construção do Porto de Suape, as atividades também passaram a ser
desenvolvidas em torno deste, com o surgimento de outras indústrias, comércio e
prestação de serviços.
Apesar da crise da atividade sucroalcooleira, ela ainda é a mais forte da
região, sedimentando uma cultura oligárquica de difícil desenraizamento,
caracterizada por latifúndios, monocultura, expulsão dos pequenos produtores e
baixa produtividade, que se reflete no empobrecimento crônico, no emprego sazonal
e o desemprego de uma forma geral, na migração campo-cidade e na favelização
dos centros urbanos mais próximos com a perspectiva de maior oferta de emprego.
Contudo, existe um número até significativo de pequenos proprietários na
atualidade, advindos de reassentamentos e ações de reforma agrária.
Além disso, atualmente o perigo da corrida imobiliária para atender a
demanda de uma segunda residência e infraestrutura para veranistas e turistas,
provocando uma inflação do mercado imobiliário.
Na década de 80, surge o Centro das Mulheres do Cabo, uma
organização não-governamental oriunda das lutas populares e da explosão do
movimento de mulheres, que juntamente com as organizações de bairro realizavam
campanhas de prevenção de doenças transmissíveis e promoção da saúde, além de
lutarem por moradia digna. O Centro nasce em um ato que envolveu 600 mulheres
do município, entre trabalhadoras, estudantes e donas de casa de diversos bairros e
distritos. Hoje já são mais de seis mil associadas que participam de ações em
29
Dados históricos obtidos pelo site da Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho
http://www.cabo.pe.gov.br. Acessado em 10 de junho de 2008.
77
núcleos situados nos bairros periféricos e na zona rural. As atividades objetivam
conscientizar as mulheres sobre o seu papel na sociedade para que possam se
tornar multiplicadoras da luta contra as desigualdades de gênero e pela afirmação
da cidadania
30
.
Trata-se, portanto, de uma região marcada pela oligarquia no campo da
monocultura da cana de açúcar, com mão-de-obra do município e outras atividades
crescentes, principalmente relacionadas com o Porto de Suape, cuja o-de-obra
mais especializada é importada, ficando os empregos mais qualificados para
trabalhadores de outras localidades até do mundo. Ao cidadão local cabem os
postos menos especializados no Porto, assim como o corte da cana e a prestação
de serviços básicos na cidade, assim como os empregos sazonais nos grandes e
modernos complexos hoteleiros da região.
E é justamente por causa dessa situação que a população objetiva uma
melhor politização para reverter o quadro atual, principalmente no que diz respeito
ao poder oligárquico do Brasil ainda Colônia.
Cabo situa-se na região Nordeste, com a maior taxa de analfabetismo do
Brasil, sendo 7.946 (18,9%) da população com dez anos de idade ou mais que não
sabem ler nem escrever, em um total de 42.089 milhões de pessoas. No Brasil, de
uma forma geral, esse percentual é de 9,6% (14.927), dos 156.284 milhões de
brasileiros com dez anos de idade ou mais
31
. Em contrapartida, o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH)
32
do município é de 0,707, em uma escala de 0 a 1.
Mostra-se que os dados oficiais muitas vezes não condizem com a realidade
vigente.
Saúde é a maior reivindicação. A cidade tem 461 óbitos anuais causados
principalmente por doenças do aparelho circulatório (105), respiratório (80) e
30
Informações obtidas por email pela coordenadora de um dos programas do Centro das Mulheres do
Cabo, Ana Veloso, o Rádio Mulher, espaço jornalístico veiculado em rádios comunitárias
pernambucanas para discussão de questões de gênero. Outros dados também encontrados no site
http://www.mulheresdocabo.org.br/o_centro.html. Acesso em 10 de maio de 2007.
31
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2005-2006 (PNAD). Informações no site
http://www.ibge.gov.br. Acessado em 10 de junho de 2008.
32
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), além de computar o
PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva
em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o
indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo índice
de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo
PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de
vida entre os países). Essas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a
um. O IDH pôde ser encontrado no site http://www.pnud.org.br/idh. Acesso em 5 de junho de 2008.
78
infecciosas/parasitárias (56). O município tem Postos de Saúde da Família (37),
Postos Médicos (3), Hospital (2, sendo 1 Infantil), Maternidades (2), mas apenas dois
estabelecimentos têm atendimento de emergência. Não há Unidade de Terapia
Intensiva (UTI), nem Tomógrafo, Mamógrafo, Raio X para Densitometria Óssea,
Ultrasom e Equipamento de Hemodiálise
33
, É claro que os equipamentos o
utilizados de acordo com a demanda, mas conforme observação e entrevistas
realizadas pela pesquisadora desta dissertação, os equipamentos são
reivindicações da população há tempos. Mesmo com uma receita orçamentária
considerável de 19.489.363.976 bilhões em 2006
34
.
A história do Paranoá também envolve lutas, principalmente pela terra.
Mesmo antes da inauguração do Plano Piloto como centro político do país, a história
da capital do Brasil já apresentava a contradição entre planejamento urbano e
construção injusta do espaço. A formação do Distrito Federal se dá simultaneamente
entre as ações dos movimentos populares e as iniciativas do governo local. De um
lado: o espaço “dado”, caracterizado por ações paternalistas, assistencialistas e
controladoras. Do outro: o espaço “conquistado”, resultante do sucesso do
operariado em sua luta por melhores condições de moradia e transporte público
(PAVIANI, 1991).
Com a construção da “capital sonho”, com projeto urbanístico e
arquitetônico moderno, vários operários saíram de suas terras natais para erguerem
o Plano Piloto, que estava marcado para ser o centro do poder político e da
administração brasileira, com os melhores postos de trabalho, os mais altos salários,
mansões e apartamentos maravilhosos. Os proletários da construção civil,
acampados naquele centro para a construção do “novo eldorado”, não poderiam
ficar ali, destoando da paisagem e “poluindo” o ambiente. Até mesmo porque os
idealizadores de Brasília não queriam repetir os mesmos problemas das grandes
cidades: São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente. Então, uma limpeza dos
acampamentos de obras e favelas no Plano Piloto. Para esses trabalhadores,
restavam-lhes as recém-construídas cidades-satélites, com habitações de baixo
custo e pouca infra-estrutura. então uma seletividade espacial do território, uma
setorização do espaço urbano.
33
Dados sobre Serviços de Saúde 2005, do IBGE. Informações no site
http://www.ibge.gov.br/cidadesat.. Acessado em 10 de junho de 2008.
34
Dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda (MF) de 2006.
Informações no site http://www.ibge.gov.br/cidadesat. Acessado em 10 de junho de 2008.
79
Taguatinga é a primeira cidade-satélite a ser constituída como uma ação
de limpeza das favelas, em 1958. Entre 1971 e 1972, a erradicação das
invasões, um movimento que fez originar Ceilândia. entre 1985 e 1989, em que
as favelas do Plano Piloto e de Taguatinga devem ser erradicadas, a fixação da
Vila Paranoá e a ocupação cooptada de Samambaia. Todas essas cidades possuem
rádios comunitárias totalmente legalizadas.
A Vila Paranoá também passou a abrigar operários, com precárias
condições de sobrevivência. Mas de forma diferenciada em relação à Taguatinga e
Ceilândia. Essa Vila teve origem no acampamento de obra que se instalou durante a
construção da barragem do Lago Paranoá, em janeiro de 1957. O local, na época,
contava com estrutura mínima, com fornecimento de água, atendimento médico
precário e os alojamentos para os trabalhadores da construção civil.
A partir de 1970, aumenta o número de famílias que para se deslocam,
em busca de emprego; aumento do preço dos imóveis; suspensão do cadastramento
para aquisição de lotes populares; aumento pela demanda por habitação; por não se
adaptarem às condições de moradias nas satélites; pelas constantes ameaças de
remoção.
O fato é que às margens do Lago Paranoá, áreas são destinadas a
moradores de alta renda, com a construção do Setor de Habitações Individuais Sul e
Norte (SHIS, SHIN). Essas construções, pequenas empreitadas, geraram emprego
temporário para os moradores da Vila Paranoá, além de outros trabalhos
complementares como: jardinagem, pedreiro, lavagem de roupa.
Em agosto de 1981, surgem boatos de que a viúva do ex-presidente
Juscelino Kubitscheck, que seria a proprietária das terras da Vila Paranoá, iria doá-
las a seus moradores. uma briga entre proprietários dos barracos (velhos
moradores) e os inquilinos (novos moradores). Os policiais insistem em derrubar os
novos barracos. Cria-se a Associação dos Moradores da Vila Paranoá para tentar
solucionar os impasses e reivindicar um acordo com a Companhia Imobiliária de
Brasília (Terracap). Esta afirmara que não mais mandaria derrubar os barracos,
desde que os mesmos o aumentassem de tamanho e a área física da favela
também não.
Novos impasses surgem, pois o terreno era pequeno e o número de
pessoas advindas de outras áreas para morarem lá era imenso. A briga dos aluguéis
perpetua em toda a década de 80. Somente em 1989 que os limites da Região
80
Administrativa VII, Paranoá, foram fixados. A área urbana é composta do Setor
Central e Quadras Residenciais.
Para preservar o antigo acampamento da Vila, o local tornou-se área de
preservação ambiental, atualmente Parque Urbano Vivencial. Do “Antigo Paranoá”
ficaram algumas estruturas públicas, como a caixa d’água e a escadaria da Igreja
São Geraldo, construída em 1957, a segunda mais antiga do Distrito Federal, mas
demolida em 2005 por problemas estruturais.
Do ponto de vista dos movimentos populares
35
, a história do Paranoá foi
outra. Muitos dos migrantes (operários denominados candangos) que construíram
prédios e moradias em Brasília não tiveram acesso a estas, ficando ao relento sem
também saúde, educação, trabalho e pão, ou seja, à margem da vida social, política
e cultural. Os construtores da Barragem do Paranoá não fogem a esta regra. Logo,
eles passam a morar em casas desocupadas pelos engenheiros responsáveis pela
construção da Barragem. Começa-se assim a ocupação do território, longo do Plano
Piloto. Esses moradores passam a levar uma vida despercebida, até que nos anos
70 e 80 ocorre um grande êxodo rural no Brasil e novos moradores chegam para
residirem no Paranoá, o que gera novos desafios como o provimento de água, luz,
moradia, escolas, iluminação, etc.
O Estado passa a rotular a região como “invasão” e com isso não provê-la
de serviços básicos e sociais, com até a derrubada dos barracos construídos. A luta
era por água, moradia ou até um cômodo para dormir. Existia também o conflito
entre moradores antigos (que haviam construído a Barragem) e os novos. Os
primeiros, por terem ocupado as casas dos engenheiros que comandaram as obras
da Barragem, dispunham de certos bens de serviço, como água e luz. Devido à
grande procura de água, esses moradores ficaram com medo de não ter mais água.
Mal sabiam eles, que o aumento da população seria a chave da fixação do Paranoá.
Surge então o Grupo Pró Moradia, de jovens católicos, que passaram a
entender que não bastava ficar apenas rezando e cantando dentro da Igreja. Já
existia uma Associação de Moradores na região, mas os interesses eram individuais
e não coletivos, o que provocara revolta na população e adesão da mesma ao
Grupo dos jovens religiosos, que tinha reuniões sistemáticas na igreja para discutir
35
Informações obtidas pelo Grupo de Trabalho Pró-Albetização do Distrito Federal, no site
http://www.forumeja.org.br/df/?q=node/684. Acesso em 21 de julho de 2008.
81
questões comunitários e levar as reivindicações às autoridades competentes,
juntamente com representantes da população local.
O Grupo então resolve entrar na Associação de Moradores e reformulá-la.
Ocorrem outras eleições e há criação de Comissões: Água, Educação, Cultura,
Imprensa. Eles fizeram o primeiro jornal da região, com duas páginas, em que a
população era informada de todas as discussões da Associação, acertos e
desacertos com o governo, que aumenta a pressão, mas de depara com o apoio à
Associação do Projeto Rondon e de professores da Universidade de Brasília (UnB).
Aparece então uma nova luta, a da alfabetização de jovens e adultos, que
até conseguiu realizar o primeiro Censo do Paranoá, o qual possibilitou o
levantamento de dados completos sobre a região e posterior reivindicação de
direitos. Contudo, o governo do Distrito Federal sentiu-se ameaçado e começou a
tentar a desocupação da região e a transferência dos moradores para Samambaia,
outra região administrativa do DF. O governo ameaçou os membros da Associação e
amedontrou a comunidade com idéias equivocadas, principalmente do Grupo de
Jovens Católicos. Um líder comunitário, Gilson de Araújo, aproveita da situação e
também tenta desmobilizar a associação alegando a necessidade da construção de
uma Prefeitura Comunitária, até hoje presente em todas as quadras da região.
Nesse mesmo período, final dos anos 80, ocorre o maior movimento de
luta pela comunidade a expansão do Paranoá, denominado Barracaço. De uma
noite para o dia, os moradores constroem 1500 barracos de madeira. A polícia
tentou derrubá-los, mas a associação e a população construíram barricadas. Elas
não estavam desmobilizadas. Contudo, Gilson de Araújo consegue convencer
muitos moradores de que a melhor maneira é sair da região, pois não haveria infra-
estrutura para a mesma. O líder então consegue se eleger presidente da Associação
de Moradores e sela a aliança com o governo local, na época nas mãos de José
Aparecido de Oliveira. Mesmo com a derrota nas eleições, o Grupo Pró Moradia
consegue entregar a este um Projeto de Fixação do Solo. Contudo, com a vitória de
Joaquim Roriz, o mesmo fora totalmente modificado.
A região do Paranoá tem o IDH de 0,785. Na Educação, o IDH é de
0,948, na Renda é de 0,612 e em relação à Longevidade é de 0,800. Ao passo que
no Distrito Federal como um todo, os números são os seguintes: 0,849 total, 0,938
Educação, 0,795 Renda e 0,813 Longevidade. O Paranoá é uma região bastante
pobre, com uma das rendas per capita mais baixas do Brasil, mesmo estando
82
localizado na capital do país. Contudo, conforme os dados ao IDH, a educação não
é a maior preocupação na região. A falta de oportunidade é que amedronta.
Um problema comum às duas cidades é a questão da segurança. Em
ambas as regiões, muitos protestos e medo de assaltos e até assassinatos. O
que a população revela é que falta policiamento, tanto em termos de quantidade,
quanto em relação à qualidade.
4.2 O PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DAS EMISSORAS
36
São nessas realidades em que se encontram as rádios comunitárias
Calheta e Paranoá FM. A primeira opera na freqüência 98,5 FM e a segunda em
98,1 FM.
Ambas têm uma história longa até chegar à outorga definitiva e
“padrinhos” para consegui-la. No caso da Paranoá FM, tudo se inicia com o próprio
movimento das rádios livres do Distrito Federal dos anos 90, que incentivou o
sonhador e radialista Joaquim Rodrigues da Silva, mais conhecido como Jota
Rodrigues, a abrir “sua própria rádio”.
Com a promulgação da Lei de Radiodifusão Comunitária (9.612/98), Jota
Rodrigues resolve solicitar uma concessão para finalmente realizar seu grande
sonho, o de ter sua própria emissora para dar voz aos cantores que não têm
oportunidade nas rádios comerciais, principalmente os sertanejos.
Seu “Jota”, como é conhecido, é radialista 30 anos na capital federal e
comerciante. Ele sempre apresentou programas sertanejos em rádios comerciais.
Para conseguir a concessão o radialista contou com a ajuda da ex-vice-governadora
do Distrito Federal, Maria de Lourdes Abadia, que fora ouvinte de Silva na época em
que ele tinha programas nas Rádios Capital e Alvorada, no início da construção da
capital federal.
Como Jota Rodrigues tinha um prédio comercial na região do Paranoá,
resolveu aproveitar o espaço para instalar sua emissora, apesar de jamais ter
residido na localidade.
36
Todas as informações sobre as rádios foram obtidas por meio das entrevistas realizadas com os
comunicadores de programas jornalísticos da emissora e diretores do veículo. Optou-se em não
inserir nomes em determinadas situações para preservar suas identidades e opção pela privacidade.
83
A luta pela concessão iniciou-se em 2002. No final daquele ano, a rádio
havia conseguido a licença provisória e em 19/03/2004 a licença definitiva foi
outorgada. Dos 203 processos do Distrito Federal para apreciação, 160 foram
arquivados, cinco estão em reconsideração, 14 estão em andamento e 24 foram
autorizados
37
.
De acordo com Clarisse Rodrigues Lessa, 66 anos, esposa de Jota e ex-
integrante da associação que gerou a dio, “foi tudo muito difícil, mas o presidente
(Jota Rodrigues) seguiu à risca todas as exigências e conseguimos a concessão”.
No caso da rádio Calheta, tudo teve início nove anos, quando o atual
diretor de operações da rádio, Ely José de Paula
38
, mais conhecido como “Batata”
39
,
identificou a necessidade de haver um veículo próprio de comunicação que pudesse
ouvir a sociedade do Cabo e começou a operar sem licença em 1998. “Eu queria um
instrumento de reivindicação e reclamação do cidadão humilde que atendesse às
necessidades básicas da população, como poste apagado, falta de água na rua”,
afirmou em entrevista à pesquisadora.
Batata enviou para a Anatel carta manifestando interesse de implantar a
rádio ainda em 1998. Mas mesmo antes da autorização a rádio passou a funcionar,
sendo fechada três meses depois por questões políticas, que a emissora cresceu
bastante na região por desmascarar autoridades e cobrar providências. Quando foi
fechada, houve manifestação da população (abaixo assinado, carros de som,
passeata) e o juiz concedeu uma liminar de funcionamento. Em 22 de dezembro de
1998, a rádio conseguiu a autorização, mas ainda teria um longo caminho a
percorrer. Durante a trajetória, Batata foi candidato em 2000 a vereador pelo Partido
da Frente Liberal (PFL), hoje denominado Democratas, mas não se elegeu.
Diante da desconfortável situação, o diretor de operações foi a Brasília
seis vezes com advogados para conseguir a licença definitiva. Esta foi possível
37
Dados fornecidos por e-mail por Alexandra Luciana Costa, coordenadora dos Serviços de
Radiodifusão Comunitária do Distrito Federal, em 08/04/2008.
38
Entrevista realizada pela pesquisadora em um estabelecimento comercial próximo à emissora
Calheta FM, no dia 19/07/07.
39
Em 1989, quando Ely trabalhava em uma rádio na cidade de Palmare-PE, próxima a Cabo de
Santo Agostinho, ele passou no teste para fazer um programa de forró pela manhã. foi apelidado
de Coca-Cola por causa da cor da pele dele. Mais tarde, em 1992, em outra rádio, ele conseguiu um
espaço para também fazer um programa de forró e por o poder utilizar o apelido Coca-Cola, pois
havia uma fábrica desta próxima à rádio, ele resolveu, juntamente com os colegas, escolher um novo
nome: Compadre Batata. Com o passar do tempo, as pessoas foram esquecendo o Compadre e ele
passou a ser conhecido então apenas como Batata.
84
após ter acesso ao então Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, na pessoa
de seu assessor internacional Rodrigo Fonseca, conseguido pelo ex-ministro Valter
Costa Porto, que conhecia o trabalho de Batata na Rádio Calheta.
Segundo Ely, o processo para conseguir a concessão é demorado por
causa da burocracia (questões técnicas, aprovação no Congresso, por exemplo).
Durante uma das visitas dele a Brasília, ele revelou que viu milhares de processos
em uma sala para serem analisados e descobriu que eram exatamente 21 mil
pedidos de concessão. Ely afirmou ainda que “forças ocultas” (questões políticas)
fazem de tudo para atrapalhar ou até vetar vários processos.
Verificou-se que a emissora precisou de um “padrinho político” para
conseguir a concessão, o que vai ao encontro do estudo realizado por Venício Artur
de Lima e Cristiano Aguiar Lopes (2007). Entre 2003 e 2004, dos 1.822 processos
que não tinham um “padrinho político”, apenas 146 foram aprovados e dos 1.010
processos apadrinhados, 357 foram aprovados. Das 2.205 autorizações de
emissoras comunitárias, entre 1999 e 2004, 1.106 (50,2%) são controladas direta ou
indiretamente por políticos locais - vereadores, prefeitos, candidatos derrotados a
esses cargos e líderes partidários
40
.
A emissora conseguiu a outorga para funcionar definitivamente em
16/08/2004, depois de um longo e árduo caminho percorrido.
Ela é uma das 149 rádios comunitárias pernambucanas legalizadas.
Outros 269 pedidos do estado foram arquivados, 76 estão em andamento e 183
aguardam aviso
41
. A rádio Calheta FM não é a única comunitária legalizada da
região, há uma outra (Associação dos Amigos de Ponte dos Carvalhos) que não fora
nem citada pelos comunicadores e diretores da emissora.
4.3 AS ASSOCIAÇÕES EM FUNÇÃO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM
As duas emissoras comunitárias criaram associações para conseguirem
as outorgas. Segundo Sayonara Leal (2008), a maioria das rádios comunitárias
brasileiras cria associações para conseguirem a concessão para operarem. Poucas
são as que já têm trabalhos sociais vinculados a uma instituição.
40
Para verificarem o vínculo político, os autores do estudo cruzaram dados referentes aos nomes dos
diretores da emissora comunitária e a políticos locais e familiares.
41
Dados fornecidos por e-mail por Alexandra Luciana Costa, coordenadora dos Serviços de
Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações, em 08/04/2008.
85
A Rádio Calheta FM tem como slogan “Rádio Comunitária Calheta FM
Compromisso com a Cidadania”. Formou-se a Associação de Difusão Comunitária
do Cabo de Santo Agostinho Rádio Calheta A Difusão Cabense com todos os
requisitos necessários, estatuto, diretoria, apoio da comunidade, etc. para abrir
exclusivamente a rádio. Já com a emissora Paranoá FM a história foi idêntica. Criou-
se a Associação Comunitária do Paranoá (ASCOPA) para se conseguir a
concessão.
Contudo, as características de cada associação são diferentes. Jo
Feliciano de Barros Junior, um dos membros da diretoria da Associação Cabense, é
vereador pelo Partido Progressista (PP), de acordo com estudo supracitado de Lima
e Lopes (2007). Contudo, pela observação e entrevistas realizadas, a pesquisadora
verificou que apenas Ely e os comunicadores dos programas da rádio são ativos
tanto em reuniões quanto em ações internas.
Os nomes indicados para diretoria são apenas para cumprimento das
normas legais, pois se observou e se comprovou nas entrevistas com os
comunicadores que os únicos diretores ativos da rádio são Batata, diretor de
operações, produtor e locutor do programa jornalístico, Passando a Limpo, e locutor
do programa de forró Calheta Regional, que passa de segunda a sexta-feira das 5h
às 7h da manhã, e seu filho, Ely José de Paula Filho, mais conhecido como
Elyzinho, diretor de programação, locutor e produtor do programa Calheta Esportes
e produtor do programa musical e informativo Tardes Jovens. A atual esposa de Ely
“Pai”, Alcidésia Maria da Silva, é a representante legal da emissora e presidente da
associação, mas durante a observação da pesquisadora ela não apareceu na rádio.
E segundo depoimento de um comunicador, ela não participa atualmente nas
reuniões da emissora e nem aparece na mesma porque trabalha na área
administrativa e tem uma filha recém-nascida. Há ainda a secretária da rádio e da
associação, Cristiane Vieira, que fica responsável pela parte administrativa da
emissora e pelas atas nas reuniões da associação.
As reuniões da associação, na verdade, são as da própria equipe de
comunicadores da emissora. Elas são realizadas de três em três meses e
devidamente registradas em ata. Um dos comunicadores entrevistados, voluntário
da rádio, afirmou jamais ter participado de uma reunião da associação, mas disse
participar das reuniões da emissora, sem ter a idéia de que a reunião é uma e de
que a associação foi criada apenas para inaugurar a rádio. As reuniões são apenas
86
da rádio e às vezes têm presença de associações. Esses espaços de discussões
ficam confusos, principalmente para quem vai apenas produzir e apresentar um
determinado programa e depois vai embora.
Em todas as entrevistas, percebeu-se que quem conduz e tem a palavra
final é Ely José de Paula, o Batata. Um comunicador, ao ser questionado sobre sua
participação nos encontros, afirmou preferir escutar e “deixar a palavra com Ely
José”. Outro comunicador disse ter voz nas reuniões, mas alega que a palavra final
sempre é do Batata.
houve duas eleições na emissora, uma na constituição da associação
e outra quatro anos depois. Nestas, Ely José de Paula permaneceu como diretor de
operações ou diretor geral. A próxima eleição está prevista para 2009. Um
comunicador entrevistado alega que é preciso ter uma eleição mais democrática
para que haja rotatividade na gestão da emissora.
A Associação não tem conselho comunitário. Batata alega que conversa
bastante com várias associações da região, mas afirma que o conselho na
associação. Contudo, sempre um ou outro membro de instituições participa das
reuniões da emissora.
Em relação ao estatuto da associação, dos cinco entrevistados, quatro
afirmaram conhecê-lo, mas pouco. Um comunicador afirmou jamais o ter lido. Eles
inclusive afirmaram em um primeiro momento não ter conhecimento do mesmo, mas
depois disseram ter uma vaga noção do que se trata: “Conheço Pouco”, “Quase
Nada”, “Conheço, mas não guardo na memória”.
A rádio Parantem outras características, mas várias similitudes com a
rádio Calheta. A Associação Comunitária do Paranoá (ASCOPA) tem como metas
para a rádio: promover e patrocinar atividades culturais e educacionais a fim de
solucionar direta ou indiretamente problemas sociais da população local; mobilizar a
comunidade local e envolvê-la em projetos e atuar junto a órgãos comunitários e
governamentais no encaminhamento de propostas e projetos locais.
O diretor geral da rádio, Seu Jota, é também o presidente da associação e
locutor do programa Paranoá Sertanejo, veiculados às segundas, quartas e sextas,
das 5h às 7h da manhã. Conforme o produtor de áudio da emissora e locutor,
Lindomar Carreiro da Silva “Kevin”, Jota toca 50 trechos de músicas em apenas
duas horas para dar oportunidade para as pessoas.
87
O “braço direito” dele é sua filha, Ana Crystyna Rodrigues Lessa, 39 anos,
formada em Direito. Ela ocupa o cargo de diretora executiva e de programa da
instituição, assim como é a responsável pelos aspectos administrativos e jurídicos da
emissora. Segundo ela, o motivo que lhe fez ingressar na rádio foi para ajudar o pai,
que de acordo com a advogada: “já tem quase oitenta anos e o tem idade para
fazer tanta coisa ao mesmo tempo”.
A associação, que não é desvinculada da emissora, tem uma diretoria e
um conselho fiscal que envolve 13 pessoas. A diretoria executiva é composta por:
presidente, vice-presidente, diretor administrativo e financeiro, diretor de habitação,
desenvolvimento urbano e meio ambiente, diretor de educação, cultura, esportes,
lazer e comunicação, dois secretários, dois tesoureiros e quatro membros do
conselho fiscal. Há formalmente um Conselho Comunitário, que se reúne em festas
ou os membros telefonam para a rádio opinando sobre a programação.
Na época da formação do Conselho, houve uma confusão. Nos termos de
Ana Crystyna:
O que foi acordado é que eles se reuniriam aonde quisessem e trariam
para a rádio suas sugestões e críticas. Infelizmente, eles não trouxeram
nada. Naquele mesmo ano, uma das pessoas que ajudou meu pai a
conseguir apoio da comunidade para montar a dio, e que não era
conselheira, induziu os conselheiros a criticarem a rádio, alegando esta
estar sob o comando de uma família. Eu expliquei que a Associação era de
direito privado e que não existe nada na Lei 9.612/98 que impeça que
membros de uma mesma família façam parte da associação.
Na prática, o conselho é inoperante, assim como várias diretorias da
associação. O vínculo maior é com a Associação Comercial e Industrial do Paranoá
(ASCIP), na figura do seu presidente, João do Violão, que também é locutor de um
programa que toca música caipira, denominado Amanhecer, veiculado às terças e
quintas, das 5h às 7h da manhã, e outro jornalístico, Espaço Empresarial, no qual
divulga informações sobre a ASCIP, das 16h às 17h, toda sexta-feira.
Há uma forte ligação da rádio com os comerciantes, pois Jota é um
comerciante da região, possuindo inclusive uma loja de tecidos no prédio da
emissora e a principal atividade da cidade é o comércio.
Os comunicadores entrevistados alegaram que fazia oito meses que
não havia reunião da emissora. A observação e as entrevistas foram realizadas em
junho de 2007.
Ao serem perguntados sobre o Estatuto, dois alegam jamais o terem lido;
outros três que o “conhece pouco” e apenas um afirma o “conhecer bem”.
88
4.4 APOIOS CULTURAIS QUE SUSTENTAM A DIFUSÃO DE IDÉIAS
As emissoras Calheta e Paranoá FM sustentam-se por meio de apoios
culturais, previstos na Lei de Radiodifusão Comunitária 9.612/98 e definidos no art.
18 como patrocínios restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade
atendida.
A rádio Calheta tem atualmente não mais que quinze apoiadores
culturais. O interessante é a veiculação da rádio com apoiadores como escolas
42
,
cursos de inglês e espanhol. Também muitas inserções de campanhas públicas
do Ministério da Saúde, por exemplo, contra a Aids e outras doenças, Unicef contra
mortalidade infantil, contra a Pirataria e a Baixaria nos Meios de Comunicação, do
Ministério da Justiça. A emissora também produz spots contra rádios ilegais,
denominadas piratas pela Calheta FM e informativos sobre os serviços prestados
pela emissora.
43
Para cada inserção de 30 segundos na programação da rádio, a empresa
paga R$ 2,00 reais. Geralmente são de cinco a sete inserções diárias de cada
estabelecimento. Logo, um pacote mensal para os apoiadores, que vai depender
do número de inserções. A rádio então fecha um contrato de três meses a um ano
com o patrocinador.
Locutores e diretores correm atrás dos apoiadores, mas não se trata de
uma obrigatoriedade. Na visão de Ely José de Paula, cada comunicador deveria
conseguir seu apoio, porém, como nem todos conseguem, em conversa com
advogado, chegou-se à conclusão de que o ideal era fornecer uma ajuda de custo
para o locutor até ele conseguir um apoio. Essa ajuda é de R$ 200 e funciona como
um incentivo inicial para que a pessoa possa procurar outras fontes de
sustentabilidade. Quando ela consegue o apoio para a programação geral, ela fica
42
O Centro Educacional Mário de Andrade (CEMA) é uma dos apoiadores mais presentes na
programação da rádio. Em suas inserções, os próprios alunos dão dicas de saúde, educação, meio
ambiente, esporte e cultura. São estudantes de várias séries que gravam e produzem os apoios
juntamente com a direção do colégio.
43
Veiculação durante toda a grade de programação: É tempo de consciência, é tempo de renovar,
com a Calheta FM a informação está no ar, respeito, arte e cultura, liberdade de expressão, 98,5 FM
a voz do cidadão. Onde você estiver ela estará contigo. É a rádio da família, 8 anos ligando em seu
coração. Calheta FM - venha se juntar a essa emoção, compromisso com a cidadania”.
89
com 20% do valor do apoio e o restante fica para a emissora. Quando ela consegue
patrocinador para o programa dela, a divisão é meio a meio.
Ely José de Paula considera-se como “uma marca”, que de tão conhecida
chama apoiador para a emissora. Ele diz que as empresas que chegam à cidade do
Cabo logo o procuram para divulgarem suas mercadorias e seus serviços. Mas
mesmo assim, para ele a sustentabilidade da rádio é a parte mais difícil:
Os parlamentares que aprovaram a lei induzem as pessoas que estão na
frente das rádios a serem desonestos, a serem mercenários. Você diz, por
exemplo, que quem mantém a dio é o apoio cultural. Que apoio cultural?
Outra questão que dificulta a sustentabilidade das rádios comunitárias é que
rádios não legalizadas que utilizam transmissores com maior potência e
também colocam preços nas chamadas, o que não pode ocorrer nas
comunitárias. Com isso, muitas rádios perdem sua linha de atuação, pois as
pessoas que estão à frente o conseguem apoiadores convencionais,
tendo que recorrer a políticos. Isso faz com que a rádio deixe de atender
aos anseios da sociedade em detrimento de interesses particulares
(políticos).
Segundo Ely, o dinheiro arrecadado com os apoios culturais o cobre a
manutenção da emissora hoje, que chega a R$ 8.000 mensais. O local onde a rádio
funciona foi adquirido e é mantido por ele. Fica no alto de um morro, na Bela Vista, o
que facilita na propagação das ondas.
A emissora tem uma estrutura pequena, mas equipamentos bons. um
estúdio, uma recepção e um mezanino com três computadores para produção das
notícias, contatos etc. (veja fotos no Anexo IV).
Uma outra forma que a emissora encontrou para arrecadar dinheiro foi a
cessão de horários em sua grade de programação mediante uma “ajuda de custo”
de aproximadamente R$ 500. A conta de telefone da empresa ou instituição que
ocupa determinado horário também é paga pela mesma e não pela rádio. No art. 19
da Lei 9.612/98, há a proibição de cessão ou arrendamento do serviço ou de
horários de sua programação.
Os interessados em colaborar com a programação da rádio, sejam eles
apenas apresentadores de programas ou “arrendatários” de espaços, são
submetidos a um processo de seleção com o Batata. Ele faz teste de locução e
entrevista para obter informações como: experiência, relação com a comunidade,
família, trabalho e estudos. Se o interessado atender aos requisitos do diretor de
operações, começa a trabalhar na rádio. Às vezes o próprio Ely é quem corre atrás
das pessoas, como foi no caso do programa jornalístico Rádio Mulher, do Centro das
Mulheres do Cabo.
90
a Paranoá FM tem muitos apoiadores culturais, predominantemente
comerciantes locais
44
. Não muita veiculação de campanhas públicas educativas,
exceto a que proíbe a compra e venda de produtos piratas.
uma loja de tecidos no prédio da rádio, que é de propriedade da
esposa de Jota Rodrigues, Clarisse Rodrigues Lessa, que também contribui com sua
renda para melhorias na emissora. Uma das funcionárias da loja é locutora da
emissora e também faz o papel de secretária da instituição. Ela trabalha anos
com a família Rodrigues.
Os voluntários procuram apoios culturais para seus programas. Alguns
não fazem isto e iniciam suas atividades a convite da direção da emissora. Eles são
os chamados colaboradores e veiculam apenas patrocinadores fixos da emissora.
Todos têm uma atividade principal e o trabalho da emissora é um hobby. Logo, os
voluntários precisam assinar um contrato de voluntariado para que um compromisso
seja firmado.
De cada apoio cultural conquistado, o voluntário fica com 50% do valor do
patrocínio e 50% fica com a emissora. Se o apoio for para a programação da rádio
de uma forma geral, o locutor fica com 30% do valor e 70% vai para a emissora.
Cada chamada custa em média R$2,50. São, geralmente, 10 chamadas ao dia e
mais ou menos 300 inserções mensais. É claro que tem apoiador que paga R$ 1,00
ou até R$ 0,70. “Tem cliente que ajuda com R$ 1.000 e outros com R$ 200. Não
existe custo comercial. Existe custo de apoio. Porque nas rádios comerciais, por
exemplo, a mais barata cobra em torno de R$ 45, R$ 50 reais. Então, comparando
não dá. Não pode nem falar que a Paranoá FM está cobrando”, revela João Gomes,
apresentador do Paranoá Notícias e principal captador de apoio cultural da
emissora.
A emissora está instalada em um prédio de três andares do próprio
presidente da associação e diretor geral da rádio, Jota Rodrigues. um estúdio,
uma sala cujo nome na porta é “Equipe de Jornalismo”, uma copa, um balcão para
recepção de visitantes no térreo e salas fechadas, sendo uma delas para reuniões
de Maçons (Jota é Maçom) e outras para reuniões, eventos, palestras, cursos e até
para dormitório de dois funcionários da rádio, um locutor e repórter e o sonoplasta de
vários programas e também vigilante do local (ver fotos no Anexo V).
44
propagandas de cigarro, o que é proibido por lei. E ela passa todos os dias durante o radiojornal
da emissora – o Paranoá Notícias.
91
Os diretores e comunicadores entrevistados são categóricos em dizer que
o governo deveria dar uma ajuda financeira para as rádios comunitárias, pois o
apoio cultural não é suficiente para mantê-la.
Há uma preocupação grande em não atender aos anseios dos apoiadores
nos programas. “Na rádio comunitária a gente também sofre (em relação ao
apoiador cultural). A gente tem que saber como falar para não atingi-los. Se não,
perderemos a ajuda e a gente não sobrevive. Mas quero deixar claro que eu não
tenho compromisso com político algum, com a comunidade que eu quero
assistir”, revela João Gomes, apresentador do Paranoá Notícias.
4.5 O CIDADÃO NO AR – A PROGRAMAÇÃO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM
A programação da rádio Calheta
45
é predominantemente informativa, com
alguns programas musicais. A rádio utiliza-se de diversos gêneros jornalísticos como
notícias, debates, entrevistas, comentários, enquetes, programa esportivo e
radiojornal para prestar serviço à comunidade e empoderá-la, a fim de que possa
conhecer e reivindicar seus direitos. No que tange às músicas, a predominância é de
cantores e compositores locais e regionais, mas também espaço para músicas
nacionais e internacionais de sucesso no momento.
A emissora também insere sua programação na internet, no endereço
http://www.radiocalhetafm.com
46
. No site, além da programação ao vivo, há o serviço
de atualização automática de notícias locais, regionais e principalmente nacionais e
internacionais, chats e a opção de cadastramento de usuário, o que permite ao
mesmo enviar mensagens particulares a outros usuários do portal; participar das
discussões dos fóruns; receber as últimas notícias e comentar assuntos
47
.
Ao longo de toda a programação há inserção de notícias e, às vezes, links
ao vivo ou sonoras com autoridades locais, líderes comunitários e moradores a fim
de solucionar problemas sociais locais e informar os cidadãos dos seus direitos
48
.
A emissora tem 32 colaboradores, dos quais oito locutores oficiais que
ocupam a grade semanal, uma secretária, um moto boy e 22 voluntários de
45
Programação completa no Anexo VI.
46
Não há a intenção neste estudo de se aprofundar na discussão das rádios comunitárias na internet,
pois isto é assunto para outra pesquisa.
47
A pesquisadora desta dissertação cadastrou-se no site e notou a participação da população por
meio apenas de recados para locutores da emissora.
48
Durante a semana de observação da pesquisadora, não houve reportagem de rua ou link.
92
programas das igrejas católica, evangélica, dos espíritas e da área esportiva que são
veiculados nos fins de semana.
A informação é o carro chefe da emissora, que não admite
assistencialismos, como distribuição de cestas básicas ou outras ações paliativas. É
um espaço educativo também. Vários assuntos são abordados de forma pedagógica
para que mais uma vez a comunidade conheça sua realidade e possa ir atrás de
uma melhor qualidade de vida.
Há cinco comunicadores oficiais que estão envolvidos diretamente no
processo de produção da notícia da rádio. São eles os responsáveis pela produção,
edição e emissão das informações para os ouvintes, em diversos gêneros
jornalísticos: enquetes, notícia, entrevistas, radiojornal e debates. Destes cinco, dois
também são os diretores da emissora e os principais responsáveis pela instituição.
Têm quatro programas essencialmente jornalísticos na rádio, embora
notícias sejam veiculadas em toda a programação musical. um radiojornal, um
programa esportivo e dois programas de entrevistas. Nenhum dos comunicadores
dos quatro programas é formado em Jornalismo, mas uma técnica em Rádio e
Televisão que apresenta o radiojornal e é responsável por todo o conteúdo
jornalístico da emissora.
a programação da Paranoá FM
49
é predominantemente musical, com
ritmos diversificados. alguns espaços para os católicos e os evangélicos.
Contudo, a emissora apresenta também conteúdo informativo com radiojornal,
programas esportivos, debates, entrevistas e reportagens locais produzidas pelos
próprios locutores, links ao vivo e notícias ao longo de toda a programação.
A rádio tem uma forte ligação com os artistas locais. No programa
Paranoá Sertanejo, por exemplo, o apresentador, Jota Rodrigues, chega a tocar em
duas horas mais de 50 músicas para dar oportunidade ao cantor sertanejo do
Paranoá e a outros artistas locais. Há ainda um programa de uma filha dele,
Programa Cláudya Lessa, em que os jovens participam de um concurso de videokê
que vai ao ar todos os domingos. No sábado, os interessados participam de uma
pré-seleção. Uma equipe de jurados elege os melhores cantores para irem ao ar no
domingo, em que os ouvintes decidem quem são os melhores. Como prêmio, a
gravação de uma faixa de CD e a classificação para a final que disputam “uma vaga”
49
Programação completa no Anexo VII.
93
no CD Anual “Talentos da Paranoá FM”. Neste programa também tem Concurso de
Poesias, aos sábados. A apresentadora também promove apresentação dos
participantes dos concursos na comunidade; atividades artesanais para a melhor
idade e cursos de música, literatura, redação e manequim para crianças e jovens da
região.
Existe uma preocupação grande em atender a população com dicas de
emprego. “Nós temos o objetivo de ajudar o cidadão a conseguir emprego.
Assinamos o jornal Correio Braziliense e colocamos as ofertas na parede do prédio,
do lado de fora da rádio. conseguimos muito emprego para as pessoas”, afirma
Clarisse Rodrigues Lessa, esposa de Jota Rodrigues e ex-integrante da associação.
E muitas vezes a ajuda vem também com cestas básicas por meio de sorteios na
programação.
A emissora denuncia calamidades blicas, violência e ões da
administração regional e/ou autoridades locais, assim como abertura de espaço
para a comunidade falar, denunciar, criticar ou até convocar a população para ações
comunitárias, como “revitalização das quadras esportivas”, por exemplo.
um forte apoio aos comerciantes locais, pois estes são os principais
apoiadores da emissora e o comércio é a atividade mais desenvolvida na região.
Na época das eleições de 2006, a rádio manteve um programa de
entrevistas com os candidatos e participação aberta do ouvinte, O espaço foi
denominado Fala Galera e veiculado de segunda à sexta-feira, das 9h30 às 12h.
Das 10h às 11h era um horário reservado para entrevista com políticos locais,
distritais e nacionais.
São 30 locutores voluntários na emissora, dentre estes três são
funcionários com carteira assinada, um programador de áudio, um sonoplasta, que
também é vigilante e reside no prédio da emissora e um locutor, que é o repórter
oficial da rádio.
Na verdade, existem seis programas essencialmente jornalísticos, sem
músicas ou qualquer outro entretenimento, o Paranoá Notícias e A Cidade Desperta,
que são dois radiojornais, Espaço Empresarial e Zona Leste, programas de debates,
Jogo Limpo e Resenha Esportiva, programas esportivos. Notícias e links ao vivo
também permeiam toda a programação quando há acontecimentos novos na cidade,
eventos, reuniões importantes, manifestações, etc. um único repórter, Josecy
Mirindiba, técnico na área de Rádio, para todas as coletas de informações.
94
A rádio tem um fã-clube desde 2003, cujo vice-presidente, Lindomar
Kevin, é também locutor e programador de áudio da emissora. Kevin também é o
responsável pelo site da emissora http://www.paranoafm.com.br, juntamente com
Rener Lopes. A página tem a rádio ao vivo, informações sobre a instituição, seus
locutores e diretores, programação e notícias automáticas retiradas de grandes
agências de notícias.
As emissoras descritas estão inseridas em realidades diferentes, mas
com problemas similares, por estarem em comunidades necessitadas de serviços
sociais e culturais, marcadas por um passado de luta, inicialmente por moradia e
posteriormente por outras mazelas, como desemprego e falta de atendimento
adequado de saúde.
As rotinas produtivas de notícias de cada uma é peculiar e complexa,
como não pode deixar de ser em um mundo neoliberal tão complexo e rico em
contradições.
95
5 A PRODUÇÃO DA NOTÍCIA CIDADÃ
O jornalismo desempenha um papel fundamental na esfera pública de
tornar públicos ou amplificar os discursos e os conhecimentos produzidos pelos
outros atores e instituições sociais, além de agendar temas de interesse público.
O que se espera é que a rádio comunitária, como parte também dessa
esfera pública, possa assumir e exercer o papel de mediação entre o que acontece
no entorno social da comunidade e seus membros.
O jornalismo nas rádios comunitárias pode então potencializar suas ações
de dar visibilidade a atores e instituições locais e agendar suas atividades, assim
como temas sociais para que o cidadão possa se politizar; reivindicar e buscar
soluções para mazelas sociais.
O contexto local onde as rádios estão inseridas influencia na
programação jornalística, seja por apontar quais os principais problemas a serem
discutidos; traçar um perfil de quem faz a comunicação e, principalmente, revelar
características da comunidade, objeto do trabalho de uma rádio comunitária.
o contexto internacional neoliberal de políticas públicas reduzidas
caminhando lado a lado com espaços públicos de discursividade alternativos
direciona as ações contraditórias dentro das emissoras, atingindo suas estruturas
organizacionais, principalmente, logo, o jornalismo sofre forte domínio desse
contexto contraditório.
O jornalismo nas duas rádios comunitárias pesquisadas, Calheta e
Paranoá FM, não podia deixar de sofrer essas influências locais e mundiais, assim
como não podia deixar de esquecer onde está inserido, em mídias comunitárias que
surgem como contraproposta dos veículos comerciais para dar voz a quem não tem
e utilizar esse espaço de debates e informações para politizar os cidadãos.
Logo, esse jornalismo está inserido em universos contraditórios, que
estão mergulhados em realidades humildes, com fortes apelos sociais e histórias de
luta contra a pobreza material e, principalmente, política, aquela que o cidadão não
enxerga que a desigualdade social é construída historicamente e que ele precisa ser
sujeito de sua própria história.
Mas ao mesmo tempo em que esse jornalismo nasce em contextos de
luta contra a desigualdade, ele também nasce em um contexto contraditório, em que
para se alcançar determinados objetivos precisa se enquadrar em “regras”
96
neoliberais, como pedir ajuda a “padrinhos políticos” para conseguirem suas
concessões e criar associações como pré-requisito para atender aos pedidos dos
órgãos competentes, e não montar a emissora para continuar atividades de uma
associação. São decisões típicas de um mundo competitivo, mas também
contraditório, pois mesmo com essas condições de origem, as duas rádios
comunitárias apresentam um jornalismo voltado para o exercício da cidadania, com
a politização dos indivíduos, com utilização de fontes comunitárias, mas também de
recursos tecnológicos pós-modernos como a internet.
O espaço que é concedido ao jornalismo é o primeiro passo para se
entender o processo de produção da notícia nas emissoras. Pois é sugestivo
entender de que esfera está se falando para depois verificar quem ocupa essa
esfera e como ocupa para transformar fatos em notícias, com que critérios e,
finalmente, o resultado da produção – o conteúdo, com suas reais intenções.
5.1 O ESPAÇO DO JORNALISMO NAS EMISSORAS
O jornalismo nas rádios Calheta e Paranoá FM ocupa espaços
diferenciados uma da outra e também dos veículos comerciais de forma geral, tanto
em termos percentuais dentro da grade de programação quanto em relação à equipe
responsável e à organização que a engloba.
O espaço ocupado pelo jornalismo na programação da Calheta FM é de
20% da grade veiculada de segunda a domingo, que tem 21 programas. Destes,
quatro são jornalísticos, oito musicais, quatro musicais informativos
50
, quatro
religiosos, com espaços para as igrejas católica, evangélica e espírita e um é a Voz
do Brasil
51
.
A programação assume características diferenciadas durante a semana e
nos fins de semana. De segunda à sexta-feira, a programação é informativa. A rádio
emite dez programas, sendo três dos quatro jornalísticos, os quatro musicais
informativos, dois musicais e a Voz do Brasil.
50
Os programas musicais informativos são aqueles que m blocos de notícias bem definidos em
suas emissões, sem serem notícias esparsas, que podem ou não aparecerem na programação.
uma produção dessas notícias, que engloba atores que trabalham no jornalismo das emissoras.
51
Optou-se por isolar o programa Voz do Brasil da análise porque não é uma produção das
emissoras comunitárias, além de ser obrigatório de acordo com art. 38. alínea E do Código Brasileiro
de Telecomunicações (Lei 4.117/68). De acordo com art. 2 da Lei de Radiodifusão Comunitária
(9.612/98), o serviço de radiodifusão comunitária obedecerá no que couber aos mandamentos da Lei
4.117/62.
97
nos fins de semana a programação é bastante eclética, marcada por
programas musicais e religiosos. São 14 programas, divididos em oito musicais, um
jornalístico, um musical informativo e quatro religiosos.
A Figura 1 a seguir mostra o espaço do jornalismo na programação da
rádio comunitária Calheta FM, conforme informações supracitadas.
Figura 1 - CALHETA FM - DISTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS
Percebe-se que o espaço concedido ao jornalismo diariamente é de 30%.
Se levar em consideração os espaços musicais com notícias, esse percentual eleva-
se para 70% da programação de segunda à sexta-feira. Ou seja, a maioria da
programação rotineira é marcada por notícias, que são veiculadas nos horários
nobres da rádio, ou seja, pela manhã, das 7h às 9h, e na hora do almoço, das 11h
às 12h30. O que provoca uma maior audiência e uma maior preocupação dos
comunicadores para com a informação em relação ao resto da programação.
Na Lei de Radiodifusão Comunitária 9.612/98, em seu art. 4, consta que a
programação das emissoras com esse cunho deve dar preferência a finalidades
educativas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento da
comunidade, além de promover atividades jornalísticas. Pela distribuição da
programação, percebe-se uma preocupação grande com o conteúdo informativo, ao
contrário das dios comerciais, que cumprem apenas o previsto no Código
98
Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), que atesta que as rádios e televisões
deverão cumprir finalidade informativa destinando pelo menos 5% de seu tempo
para transmissão de serviço noticioso (art. 38 alínea H). As rádios comerciais
geralmente cumprem essa norma com notícias de fofocas, resumo de novelas e/ou
curiosidades.
Além da distribuição dos programas por conteúdo apresentado, há a
quantidade de horas destinadas ao jornalismo, que também é bastante
representativa para se enxergar o espaço jornalístico na emissora. A Figura 2 mostra
essa distribuição em termos de horas destinadas a cada estilo de programa.
Figura 2 - CALHETA FM - GRADE HORÁRIA DA PROGRAMAÇÃO
O percentual da programação jornalística na geral diminui de 30% para
15%, mas o de programas musicais informativos aumenta de 40% para 47%.
Durante a semana, esse percentual aumenta, por causa da concentração dos
programas jornalísticos e musicais informativos na grade de programação para 19%
e 61% respectivamente.
Os números e percentuais dão uma idéia do espaço do jornalismo na
emissora Calheta FM, contudo, não se pretende categorizá-la em números, até
mesmo porque o trabalho é de cunho qualitativo, por se tratar de um universo
complexo, contraditório e dinâmico.
99
E em se tratando de dados qualitativos, pode-se dizer que o jornalismo na
Calheta FM é prioritário. Além de preencher a grade de programação com quatro
espaços sérios e de qualidade, sendo três diários e um semanal, informações são
veiculadas em mais outros quatro espaços diários, conforme supracitado.
Os espaços jornalísticos estão sempre com foco no comunitário e no
exercício da cidadania, principalmente com notícias e debates que politizem os
moradores, em horários nobres, das 7h às 9h (Jornal da Calheta e Rádio Mulher) da
manhã e das 11h às 12h30 (Passando a Limpo), ao longo de toda a semana. Aos
sábados, o programa esportivo Calheta Esporte é veiculado também em horário
nobre, das 12h às 13h. Em se tratando de programa de fim de semana, esse é o
horário de maior audiência.
Além disso, outros fatores revelam a importância do espaço jornalístico
para a emissora. Os profissionais responsáveis pelo jornalismo na Calheta FM o
os também responsáveis pela emissora de forma geral. O diretor geral da emissora
e da associação é o produtor e apresentador do programa de maior audiência não
da rádio mas também de todo o município, Ely José de Paula, o Batata, no
comando do Passando a Limpo. Entende-se assim uma valorização dos espaços
jornalísticos e uma maior preocupação com eles, colocando-os sob o comando das
pessoas que estão no dia-a-dia da emissora, na direção da mesma e as mais
qualificadas. A única técnica em Rádio e Televisão é apresentadora do radiojornal e
produtora de todos os programas jornalísticos da emissora, Cristiane Arantes.
Radialista mais de 20 anos, Ely José de Paula, o Batata, é o principal
responsável pelo jornalismo e pela direção da emissora, assim como presidente da
associação. Seu filho, Ely Filho, é estudante de ciência da computação e
responsável pela produção e apresentação do programa esportivo Calheta Esporte.
O “Departamento de Jornalismo” da rádio então é formado por: diretor
geral Ely de Paula, diretor de programação Ely Filho, produtores Cristiane
Arantes, Ely Filho e Ely de Paula.
Os três são os únicos que permanecem na emissora de segunda à sexta-
feira durante boa parte do dia. Os outros locutores aparecem minutos antes de
seus programas e depois vão embora. São todos voluntários com possibilidade de
conseguirem apoiadores culturais e não têm formação acadêmica ou técnica na área
de jornalismo ou qualquer outra área. Cristiane é remunerada pelo serviço prestado
à rádio.
100
Nessa emissora, a coesão da equipe responsável pelo jornalismo é
grande. O que contribui para isso é o pequeno número de locutores e programas na
grade. A organização facilita o diálogo, assim como a presença do diretor geral, Ely
José de Paula, o tempo todo, que pode até inibir ações dos comunicadores, mas os
deixa mais tranqüilos e confiantes.
Nota-se uma preocupação intensa com o jornalismo ao remunerar o
profissional responsável a fim de criar vínculos e um maior compromisso; ao ceder
os espaços mais nobres, em termos de horários, aos programas jornalísticos, ao
responsabilizá-los com os profissionais de maior confiança e qualificação; ao
conceder espaços consideráveis na programação para o jornalismo e,
principalmente, para a informação local.
Os programas jornalísticos foram pensados pelo diretor, o Batata, com
roteiros específicos e ainda um local no mezanino da emissora com
computadores e espaço físico pequeno, mas bem organizado para que a produção
dos programas sejam realizadas. Os profissionais então foram chamados para
compor a equipe da rádio e não ao contrário, o que mostra uma certa autoridade,
mas ao mesmo tempo liderança e proatividade. Para Batata, o jornalismo deve ter
um caráter comunitário, principalmente se estiver inserido em rádios comunitárias.
Nos termos do diretor:
Tem que ser um jornal que tem a cara da cidade ou da comunidade onde a
rádio está. Tem que conhecer a cidade, os problemas da cidade. Deve
utilizar uma linguagem da comunidade, “que o povão possa entender”. Deve
falar sobre os eventos sociais da cidade, os investimentos feitos na cidade;
as ruas que são entregues; o médico ou medicamento que falta e a rua
esburacada ou sem asfalto.
Para os outros comunicadores, jornalismo também é informação que tem
o intuito de esclarecer os cidadãos sobre seus direitos e deveres para que possam
agir de acordo com suas vontades de forma politizada.
O espaço concedido a essa produção jornalística revela a intenção de um
jornalismo engajado com busca de soluções de mazelas sociais por meio da
denúncia e da politização dos indivíduos, com união de forças dos comunicadores.
Isso em uma realidade marcada pela pobreza material, pela falta de perspectivas de
vida contraditoriamente no maior pólo industrial do estado, mas que tem na
comunidade sua principal fonte de exploração, seja do espaço, seja principalmente
dos moradores. Contudo, a região também é marcada por lutas históricas contra o
101
trabalho escravo, a exploração dos cidadãos e a influência de políticos locais
registrada desde o século XIX.
O jornalismo nessa rádio ocupa local de destaque na programação e
poderia até ter mais espaço na grade se o veículo tivesse mais condições
financeiras para contratar profissionais qualificados e montar uma estrutura melhor,
em termos de equipamentos e equipe.
na Paran FM, a programação jornalística é reduzida. O que
predomina é a programação musical, com incentivo aos cantores locais. Os únicos
programas jornalísticos diários são Paranoá Notícias e Jogo Limpo. Os outros
passam uma vez por semana, completando um universo de seis programas
jornalísticos que são veiculados de segunda a sábado na grade de programação.
Nos primeiros contatos com a emissora para esta dissertação, a
pesquisadora foi informada de que o único programa jornalístico da emissora era o
Paranoá Notícias. Ou seja, para os próprios comunicadores da rádio a idéia de
jornalismo é reduzida.
A emissora brasiliense tem 37 programas veiculados de segunda a
domingo, sendo seis programas jornalísticos, quatro espaços religiosos evangélicos
e católicos, dois programas musicais informativos e 24 programas musicais que vão
desde o ritmo caipira até o rock, dando ênfase nas produções culturais locais, mas
não deixando de lado os sucessos nacionais e internacionais, além da Voz do Brasil.
Nesse universo, os programas jornalísticos ocupam 16% da programação
geral.
De segunda a sexta-feira são 21 programas – com cinco jornalísticos, dois
musicais informativos, dois religiosos, 11musicais e a Voz do Brasil. O jornalismo
então ocupa 24% da grade de programação. A Figura 3 apresenta graficamente
esse universo.
102
Figura 3 - PARANOÁ FM - DISTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS
Mas se levar em consideração a quantidade de horas de jornalismo na
programação, que é ininterrupta (24h), esse percentual diminui, pois os programas
jornalístico tem pequena duração de segunda a sexta, logo, o jornalismo ocupa 18
horas, ou seja, 15% do número de horas total de programação durante a semana,
que são 120. Se levar em consideração os programas musicais informativos, as
notícias ocupam 33 horas durante a semana, com 28% da programação.
Em relação aos fins de semana os percentuais são outros, pois um
programa jornalístico e nenhum musical informativo. O percentual jornalístico então
cai consideravelmente e chega a 2% (uma hora) das 48 horas de programação dos
fins de semana.
A Figura 4 mostra graficamente esse universo de horas ocupadas por
notícias.
103
Figura 4 - PARANOÁ FM - GRADE HORÁRIA DE PROGRAMAÇÃO
Além dos aspectos quantitativos que servem para dar uma visão geral do
espaço ocupado pelo jornalismo na Paranoá FM, os aspectos qualitativos, que
são mais representativos. Cada apresentador é responsável pela produção do seu
programa. Josecy Mirindiba, responsável pelo jornalismo da dio, juntamente com
João Gomes, são os que têm uma ligação com todos os espaços jornalísticos. É
como se cada esfera de discursividade estivesse isolada das outras, não por
vontade dos comunicadores, mas por falta de tempo, recursos, profissionalismo e
conhecimentos mais apurados sobre jornalismo.
Como a maioria dos comunicadores é voluntária, eles têm outra atividade
principal como fonte de renda, logo, chegam à dio minutos antes da apresentação
de seus programas e vão embora em seguida. Apenas Mirindiba é quem fica em
todos os momentos e espaços. Ele é remunerado por isso e reside inclusive no
prédio da emissora.
Um outro fator que o contribui para a coesão dos comunicadores é o
fato da emissora ter vários programas em sua grade que refletem gostos e
preferências dos próprios comunicadores e não anseios da comunidade. É claro que
104
os profissionais terminam por atender à comunidade, mas a intenção inicial é ter um
espaço no dial, algo impensável em outros veículos de comunicação.
A direção da rádio não está presente o tempo todo e isso também têm
duas conseqüências: uma maior liberdade para os locutores e ao mesmo tempo uma
maior desorganização da programação, dos espaços e dos conteúdos veiculados.
Para os comunicadores dessa emissora, jornalismo é dar uma informação
verdadeira para as pessoas, de forma clara e direta. Segundo Josecy Mirindiba,
jornalismo é “formar opinião; levar a notícia a todas às pessoas nua e crua, doa a
quem doer; colocar em prática a voz e a vez do povo e acima de tudo levar à nossa
população a notícia correta e verdadeira”.
Mesmo com a falta de coesão, os comunicadores têm uma preocupação
em informar para dar cidadania à comunidade, a fim de que ela se empodere e corra
atrás dos seus direitos, principalmente os sociais, em uma região com várias
mazelas, dentre elas a que é mais pautada, a questão da falta de emprego.
Diante desse panorama geral do espaço jornalístico nas programações e
nas instituições, sugere-se agora entrar no universo de quem faz esse jornalismo, de
quem é responsável por ele.
5.2 OS COMUNICADORES E SEUS DIFERENTES VALORES
Os cidadãos responsáveis pela produção da notícia nas duas dios
comunitárias são moradores da região mais de dez anos e na maioria dos casos,
nasceram na localidade. Apenas um comunicador em cada rádio pesquisada tem
curso técnico em Rádio e Televisão. Nenhum é formado ou cursa Jornalismo. E são
justamente os dois mais qualificados em termos de conhecimentos acadêmicos e
técnicos os responsáveis pelas reportagens e produção de alguns ou todos os
programas jornalísticos. Na Calheta FM, Cristiane Arantes é a responsável, com
colaboração em programas musicais informativos de Ely José de Paula Filho e
direção geral de Ely José de Paula, que é o produtor do programa dele, Passando a
Limpo, e, segundo todos os comunicadores entrevistados, é “quem tem a palavra
final em tudo”. Na Paranoá FM, Josecy Mirindiba está no comando do jornalismo,
que juntamente com João Gomes, realizam as matérias para toda a programação da
rádio. Gomes ainda é o repórter esportivo da emissora. A direção fica atenta à
programação, mas deixa os comunicadores bem à vontade.
105
Os profissionais são, na sua maioria, voluntários da emissora, tendo uma
ocupação principal como fonte de renda. Na Paranoá FM, os comunicadores são:
comerciante, policial, corretor de imóvel, radialista sem formação acadêmica e
técnico em Rádio e Televisão. Na Calheta, há também policial, estudante de Ciência
da Computação, radialistas sem formação acadêmica e técnica em Rádio e
Televisão.
Logo, eles vêm imbuídos de valores e normas de outras profissões e
afazeres que não o jornalismo. Cada um trás uma característica do que já conhece e
do que lhe é familiar para a emissora.
Não uma identidade profissional (ethos), que é partilhada em
equipe. O ethos é um conjunto de valores, mbolos, crenças, normas (objetividade,
independência, imediatismo), guias, papéis e estereótipos que formam a ideologia
profissional, que se configura como um mito, um sistema de consciência que afeta
profundamente tanto a estrutura da organização noticiosa como a prática do
jornalismo no dia-a-dia.
O processo de profissionalização do jornalismo leva à formação de um
grupo organizado, dependente de uma solidariedade cerrada e de nos seus
membros constituírem um grupo à parte. Esse processo iniciou-se nas sociedades
ocidentais, no século XIX, com o desenvolvimento do capitalismo. Os direitos sociais
então surgem e um deles é o direito à informação. Com isso, o jornalista passa a ser
reconhecido como agente social que tem como missão informar o público
(TRAQUINA, 2005).
Essa mitodologia jornalística, que afeta profundamente tanto a estrutura
organizacional como a prática do jornalismo no dia-a-dia coloca os membros dessa
comunidade no papel de servidores do público, que procuram saber o que
aconteceu; no papel de cães de guarda que protegem os cidadãos contra os abusos
dos outros poderes, agindo assim como poder, com o heróis do sistema
democrático.
São normas e valores não compartilhados pelos comunicadores das
rádios comunitárias, pois eles não são profissionais da área e sim de outros campos
do conhecimento e até da vida comum.
Mas esse diferencial pode agregar valor ao fazer jornalístico, tornando-o
bastante diferenciado do jornalismo comercial, pois os jornalistas, pressionados pelo
mercado, modificam as relações de força nos diversos campos, afetando o que
106
neles se produz e surtindo efeitos semelhantes em universos o distintos
(BOURDIEU, 1997).
Os profissionais das rádios comunitárias não se preocupam com o lucro e
nem com a concorrência. Eles objetivam contribuir com o exercício da cidadania,
principalmente no que tange os direitos sociais; abrir espaços de debates para
melhor compreensão dos cidadãos da comunidade que os cerca.
Na ParanFM, são cinco comunicadores responsáveis pelos programas
jornalísticos da emissora.
No comando do Paranoá Notícias, João Gomes Neto, 44 anos, grau
incompleto, cursa Administração no Centro Educacional Horacina Cata Preta
(CECAP); possui registro precário de publicitário, jornalista e radialista. Trabalha
como corretor de imóveis e captador de apoiadores culturais para seu programa e
para a rádio em geral. Ele também produz alguns apoios culturais. Gomes ainda é
supervisor do Paranoá Esporte Clube e reside na região há 24 anos. Já foi candidato
a deputado federal e é muito amigo do administrador do Paranoá, Sérgio
Damasceno, bombeiro, que tem um espaço semanal no programa Paranoá Notícias
para discutir os problemas da cidade com os moradores e relatar o que está sendo
realizado pela administração. O comunicador ingressou na rádio em 2002 para
captar apoiadores culturais para a emissora e terminou propondo o programa de
notícias, pois, segundo ele, é mais fácil conseguir apoiadores com um produto
concreto. Ele já trabalhava com rádio comercial, na área de publicidade, desde
1983. Depois que entrou na Paran FM foi que tirou o registro de jornalista e
radialista. Veio a convite do presidente da Associação e diretor geral da rádio,
Joaquim Rodrigues.
Na frente do programa esportivo Jogo Limpo, Francisco Bezerra Rocha,
mais conhecido como Dávila Bezerra, 59 anos, repórter e cronista esportivo de dio
40 anos e diretor do Departamento Esportivo da Paranoá FM. Possui o Ensino
Médio e reside na região há mais de 20 anos.
Os responsáveis pela Resenha Esportiva são João Gomes, o mesmo do
Paranoá Notícias, que também é supervisor do Paranoá Esporte Clube e Chiquinho,
presidente da Liga de Esportes do Paranoá, grande liderança da região.
João do Violão, presidente da Associação Comercial e Industrial do
Paranoá (ASCIP), apresenta o programa Espaço Empresarial, além de ser locutor do
programa Amanhecer, de música caipira. Ele é um dos diretores da associação e
107
representante presente na rotina da emissora. João é forte liderança da região e
amigo do presidente da Associação Comunitária do Paranoá (ASCOPA) e diretor
geral da rádio, Jota Rodrigues.
Major Charles de Magalhães Araújo, 40 anos, é o responsável pelo
programa Zona Leste De olho na sua segurança. Ele é policial militar; possui
ensino superior com pós-graduações e é autor do projeto de implantação de
câmeras de vídeos para coibir ações de bandidos. Em 2005, ele conseguiu
implementar o projeto quando era comandante da Polícia Militar da Região
Administrativa de Sobradinho e agora pretende implementar a idéia na região do
Paranoá.
E por fim, Josecy da Silva Mirindiba, 35 anos, grau completo com curso
técnico de Radiodifusão pelo Colégio Universitário de Maceió. Ele é o produtor e
apresentador do programa jornalístico A Cidade Desperta e produtor e repórter de
toda a emissora. Em 2003, Mirindiba ingressou na rádio, por meio da loja de
refrigeração onde ele trabalhava. Ele ligou para fazer o comercial da loja e o dono da
loja falou que Mirindiba também trabalhava em uma rádio, a comercial e religiosa
Nova Aliança. João Gomes o chamou. Dona Clarisse, esposa de Jota Rodrigues,
descobriu que ele trabalhava na Nova Aliança e o chamou também para fazer um
programa católico. Além deste programa, Josecy também passou a produzir e
apresentar o programa Swing Paranoá.
Na rádio Calheta, os profissionais também vêm de diversas ocupações e
com históricos diferenciados.
No comando da emissora e do programa de maior audiência da região,
Passando a Limpo, está Ely José de Paula. O radialista tem 43 anos de idade e
ensino fundamental completo. Há 20 anos ele trabalha em rádio. passou por sete
emissoras comerciais antes de resolver montar uma rádio comunitária, a serviço da
comunidade. Ele é diretor de operações da rádio desde o seu surgimento, sendo
eleito já duas vezes. Mais conhecido como “Batata”, Ely produz e apresenta o
programa de maior audiência da emissora. Batata também cuida de toda a parte
burocrática da emissora, contando com a ajuda da secretária Cristiane Vieira e de
seu filho, Ely José de Paula Filho, para também correr atrás de apoiadores culturais.
Ely José de Paula Filho tem 20 anos de idade; cursa Ciência da
Computação à noite, na Faculdade dos Guararapes, localizada em Recife,
Pernambuco. Mais conhecido como “Elyzinho” ou “Ely Filho” é diretor de
108
programação da emissora, produtor e apresentador do programa esportivo Calheta
Esportes, que é veiculado aos sábados das 12h às 13h e produtor do Tarde Jovem,
que passa de segunda-feira à sexta-feira, das 13h30 às 16h30. Às vezes ele coleta
depoimentos nas ruas, principalmente nos clubes esportivos da cidade. Há três anos
ele trabalha na rádio para “dar uma força” para o pai, Ely José de Paula, mais
conhecido como “Batata”. O outro apresentador e repórter do programa é Bruno
Reis, Optou-se em não entrevistá-lo porque ele participa deste espaço e o do
processo rotineiro de produção da notícia da rádio, durante a semana.
No Jornal da Calheta e em toda a produção jornalística da emissora está
Cristiane Gomes da Silva Arantes, 24 anos. Ela tem Magistério e é formada pelo
Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco (CEFET-PE) em
Radialismo, com habilitação para Rádio e Televisão. Ela trabalhou como locutora
noticiarista e apresentadora do radiojornal em uma emissora AM, denominada Boas
Novas. Desde maio de 2006, Cristiane começa a trabalhar na rádio como
responsável pela apresentação do jornal diário da emissora Jornal da Calheta e a
produção de todos os programas que veiculam notícias e informação Jornal da
Calheta, Passando a Limpo, Tarde Jovem, Calheta Mix, Show da Manhã, Calheta
Brasil. Ela foi procurada por Batata para desempenhar o seu papel na emissora, pois
o diretor o encontrava alguém com o perfil dela, que pudesse cuidar da parte
jornalística, mas sem muito ônus, pois segundo ele, a rádio não pode pagar um
profissional formado na área. Cristiane reside na rua da emissora e chega na mesma
às 5h da manhã; desempenha seu papel e termina seu trabalho, um dos únicos
remunerados da instituição, às 13h. Às vezes, ela faz links ao vivo, mas depende da
importância do evento para a cidade do Cabo. Cristiane é cabense e reside na rua
da emissora.
O outro apresentador do Jornal é Marcos Antônio Bernardo Maurício da
Silva, de 37 anos, formado em Geografia, pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), mas trabalha como policial civil na cidade de Porto de Galinhas. quatro
anos é voluntário na emissora na produção e apresentação do Jornal da Calheta.
Marcos Viana, como é conhecido, já fez locuções comerciais e entrou em contato
com Batata solicitando fazer um teste para locutor da rádio. A primeira experiência
dele em rádio foi na Calheta FM. O “Viana” vem de uma homenagem ao cantor
Herbert Viana assim que ele acidentou-se. Marcos queria fazer uma homenagem
109
para uma pessoa ainda viva, em votos de que ele se recuperasse logo. Marcos
Viana reside na região há mais de dez anos.
o Rádio Mulher, tem a sua frente Flávia Maria Lucena, 24 anos de
idade e o ensino médio completo. Desde 2005 ela produz e apresenta o programa.
O diretor de operações desta, Ely José de Paula, procurou a instituição Centro das
Mulheres do Cabo para que ela pudesse ter um espaço na emissora, pois admira o
trabalho da organização e acredita ser de suma importância para as mulheres da
região. O programa Rádio Mulher é um dos vários projetos do Centro, que objetiva
difundir informações qualificadas sobre temas relacionados à saúde, aos direitos
reprodutivos e à cidadania feminina. O Rádio Mulher também é veiculado em outras
emissoras. Flávia foi capacitada em um dos projetos do Centro, denominado Jovens
Comunicadores, em 1995, que estimula o protagonismo juvenil divulgando
informações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nas escolas públicas e
rádios comunitárias da cidade do Cabo e Mata Sul de Pernambuco. Quando Batata
procurou a instituição para veicular suas idéias na emissora, o Centro convidou a
jovem, já orientada, para ser produtora e apresentadora do programa na rádio
Calheta. O Centro então fechou contrato com a emissora e paga pelo espaço uma
quantia de R$ 500 mensais, assim como a conta das ligações realizadas ao longo
do programa, que é de notícias, entrevistas e debates.
Percebe-se uma mistura de perfis que forma a equipe. Mas se acredita
que não grupos, e sim profissionais que, individualmente, conduzem seus
trabalhos com boas intenções, mas valores e normas completamente diferentes uns
dos outros.
Sem a construção de um ethos, os profissionais das rádios comunitárias
podem até beneficiar a cobertura, pois as normas jornalísticas muitas vezes
provocam um “jornalismo de pacote”, em que a mesma história é contada da mesma
maneira por profissionais diferentes. Há uma influência entre eles, um jogo de
espelhos em que uns enxergam aos outros como padrões de comparações e isso se
estende em qualquer meio de comunicação comercial. A cobertura jornalística acaba
ficando muito semelhante até em países diferentes.
Todo esse conjunto de valores forma a cultura profissional, que tem como
principal fator proeminente o tempo, o qual condiciona todo o processo de produção
da notícia. “O imediatismo age como medida de combate à deterioração do valor da
informação” (TRAQUINA, 2005, p. 37).
110
Longe de pressões da concorrência e do tempo, os profissionais podem
trabalhar pensando mais na comunidade do que na audiência. Com um improviso
que os aproxima dos ouvintes e enxergando neles suas próprias realidades.
Nos espaços jornalísticos, os comunicadores dão suas formas, de acordo
com seus valores e normas pré-estabelecidas de profissionais que não fazem parte
do ethos jornalístico e talvez por isso tenha mais liberdade, criatividade e
compromisso com a comunidade.
E para tornar os fatos em notícias a fim de empoderar as comunidades,
esses comunicadores utilizam-se de critérios de seleção, fontes e edição das
informações que estão intrinsecamente ligados à sua cultura profissional, à estrutura
organizacional e aos fatores externos influenciantes, como as condições de origem
de cada emissora e o contexto em que elas estão inseridas, neoliberal, com
contradições como redução de políticas públicas e aberturas para espaços cidadãos.
5.3 DA SELEÇÃO À INFORMAÇÃO NO AR
De acordo com a perspectiva teórico-metodológica do newsmaking,
adotada por esta dissertação, os jornalistas têm um vocabulário de precedentes: um
saber de reconhecimento (quais acontecimentos possuem valor como notícia), um
saber de procedimento (orienta os passos a seguir da recolha dos dados, com
identificação e verificação dos fatos) e um saber de narração (empacota as
informações em narrativa noticiosa interessante em tempo útil, com uma linguagem
acessível – o chamado jornalês) (BARANEK, 1987 apud TRAQUINA, 2005).
Há um caminho a ser percorrido até o produto final a informação
jornalística. Primeiramente, vem a seleção dos fatos (quais o os procedimentos
adotados para a recolha das informações, os critérios de seleção e as fontes de
informação), depois o tratamento que se para esses fatos até irem ao ar e, por
fim, a notícia veiculada (quais o os temas abordados, como se a participação
da comunidade nessas emissões, quais as linguagens utilizadas). Ao analisar todos
esses passos, percebe-se a verdadeira intencionalidade do jornalismo nessas
rádios, a sua especificidade e seus reais objetivos.
111
5.3.1 O processo de coleta – a comunidade como agente captador de informações
Antes da notícia ir ao ar, os comunicadores passam por um processo de
seleção e edição das informações. O primeiro passo de tudo isso é a coleta dos
fatos que se transformarão em notícia, que é diferenciada da adotada pelos veículos
comerciais, mas com algumas similaridades.
A estrutura organizacional, a cultura profissional e os fatores externos às
rádios têm forte influência na coleta de informações, conforme a perspectiva teórico-
metodológica do newsmaking, que fora observada no cotidiano das duas rádios
comunitárias pesquisadas.
Em relação à cultura profissional, vale relembrar que o ethos (identidade
profissional) não existe entre os comunicadores das emissoras estudadas. Cada um
tem seus valores e suas normas de outras profissões que não a jornalística, pois não
têm formação na área, apesar de alguns serem técnicos. Logo, o processo de coleta
não é unânime e sim unívoco em cada programa, para cada comunicador.
Na Paranoá FM, conforme mencionado anteriormente, não há uma equipe
de produção. Os apresentadores são os produtores de seus programas, mas um
repórter para toda a emissora, que pode entrar com notícias ao longo de toda a
programação. Apesar de ter uma sala específica para “Equipe de Jornalismo”, esta
não existe. O local é apenas compartilhado pelo repórter da emissora, o
apresentador do radiojornal, que também é produtor do seu programa e repórter
esportivo e o operador de áudio. Não uma equipe de produção, editores e chefes
de redação, por exemplo, tal como existe nos veículos comerciais.
A coleta de informações mistura-se com os passos seguintes, edição e
emissão das mensagens, em que o improviso toma conta de todo o processo de
produção da notícia.
Não demarcações claras de pessoas responsáveis pela coleta, tempo
para a apuração e procedimentos, como checar primeiramente o que as outras
emissoras estão veiculando, por exemplo. Ação adotada criteriosamente pelos
veículos comerciais como um ritual estratégico para que não corram riscos de
reprimenda de superiores.
A coleta é realizada no ar ou minutos antes da emissão dos programas e
vai sofrer forte influência das convicções pessoais da cada comunicador, tendo a
direção da rádio como segundo fator de pressão que influencia essa coleta. “A gente
112
sabe que não pode bater de frente com a administração regional. Logo, são feitas as
denúncias, mas com muita cautela”, afirmou um comunicador da Paranoá FM.
No Paranoá Notícias, por exemplo, enquanto João Gomes, o
apresentador, está lendo na íntegra as primeiras capas dos jornais Correio
Braziliense e Jornal de Brasília, Josecy Mirindiba liga para delegacia, posto de saúde
e hospital para checar se notícias e pegar os boletins de ocorrência. Caso ele
descubra alguma coisa, homicídio, falta de medicamentos, etc., ele vai a campo para
averiguar melhor o fato. Da rua, ele liga para João Gomes para fazer o link ao vivo
ou pegar as informações; escreve um texto, sem regras jornalísticas, em qualquer
papel, para João Gomes ler no ar do jeito que recebeu.
Genival Libório, o sonoplasta do Paranoá Notícias, atende telefonemas
durante o programa e muitos deles são para dar notícias como “incêndio” em uma
determinada quadra ou mutirão de limpeza em outra. Ele os passa verbalmente para
Gomes, que dá a notícia no ar. Alguns moradores pedem para que Gomes ligue
depois para eles, prefeitos de quadras, administrador da região, promotores,
delegados etc.
O tema do dia é definido ao longo do programa ou minutos antes.
Exemplo: Projeto Comércio Varejista do Paranoá. Um representante do Sebrae fora
entrevistado na rádio. Foi o presidente da Associação Comercial do Paranoá quem o
levou e sugeriu o bate-papo ao vivo. Gomes ficou sabendo minutos antes do
programa começar. Ele tinha um folder sobre o projeto, mas não sabia que iria
fazer a entrevista. Para ele e para todos os apresentadores, o improviso é “regra” no
jornalismo da rádio.
Não textos redigidos anteriormente, apenas leitura de matérias de
jornais, os assinados pela emissora, e de internet. O único esquema mais certo da
rádio é o de apoio cultural, confeccionado por Lindomar Kevin, produtor de áudio.
Não há roteiros nos programas. Tudo é feito no ar, na hora, no improviso.
Os outros programas que têm notícias são produzidos também ao vivo,
sem roteiros e sem equipe de produção. Minutos antes de o programa ir ao ar, os
apresentadores buscam notícias na internet que mais tem a ver com o seu
programa. Exemplo: Projetos, Política, Economia, Saúde, Fatos Policiais (o
apresentador do programa Zona Leste é policial, logo, tem sempre notícias sobre o
assunto), Notícias de Futebol e Esporte Local (no caso do programa Jogo Limpo, o
113
apresentador sempre conversa com os presidentes das Ligas Desportivas e dos
clubes locais e os leva para um debate ao vivo).
A única produção que é mais aprimorada é a de Josecy Mirindiba, que
coleta informações ao longo da semana nas ruas da cidade, hospital, postos de
saúde, delegacia, administração regional, comércio e bombeiros para informar à
população nos sábados. Ele prefere não coletar nada na internet ou jornais para o
programa A Cidade Desperta, pois acredita que as melhores notícias para a
comunidade são encontradas na própria localidade. Contudo, também não há roteiro
do programa e nem notícias digitadas. São papéis e anotações soltas que
preenchem a mesa de som na hora do programa. Ele também objetiva marcar
entrevistas para o dia ao longo da semana.
As condições de origem da organização e da região também influenciam
bastante na coleta de informação. Por não ter recursos suficientes, a emissora não
dispõe de equipe especializada para essa recolha dos fatos, nem muito menos
profissionais qualificados. Isso gera uma coleta amadora dos fatos, sem critérios pré-
estabelecidos ou normas a serem seguidas, em termos de jornalismo,
procedimentos diferentes dos adotados pelos veículos comerciais.
No jornalismo destes, no conjunto de normas partilhadas, inseridas no
ethos jornalístico, há uma importante para o fazer jornalístico - a objetividade.
Para a socióloga Gaye Tuchman (1993), a objetividade é um ritual
estratégico, que protege os jornalistas dos riscos impostos pelos prazos de entrega
de material, pelos processos difamatórios e pelas reprimendas dos superiores. Esse
ritual é composto por procedimentos de rotina que tem relevância tangencial para o
fim procurado. “A adesão a esse procedimento é freqüentemente obrigatória. Os
jornalistas invocam esses procedimentos para neutralizar potenciais críticas e para
seguirem rotinas confinadas pelos limites cognitivos da racionalidade” (TUCHMAN,
1993, p. 76).
De acordo com a socióloga, três fatores contribuem para que o jornalista
identifique um fato objetivo – forma, conteúdo e relações interorganizacionais.
Em relação ao processo de coleta, o fator das relações
interorganizacionais é bastante presente, pois os jornalistas não perdem tempo e
recolhem o que acreditam não serem ofensivos para a organização onde trabalham.
Na Paranoá FM, a direção deixa os comunicadores livres para emitirem suas
opiniões. A única recomendação é que não batam muito de frente com as
114
autoridades locais para não gerar muita confusão. Logo, eles não vão a campo ou
ler notícias que incriminem os políticos locais, mas podem denunciar mazelas sociais
da região como ações não realizadas. O personalismo das políticas sociais é que
não é aceito. Trata-se de uma norma de profundo bom senso que objetiva buscar
soluções e não atacar pessoas.
A realidade em que a emissora está inserida, cujo maior problema social é
a falta de oportunidade, ou seja, emprego, também influencia na coleta de
informações, pois os comunicadores vão buscar fatos que possam solucionar ou
contribuir para a reversão da situação.
Um último fator importante para essa discussão da coleta de informações
na rádio Paranoá FM é o fato dos comunicadores serem da comunidade, logo,
representantes da mesma e, por isso, profundos conhecedores da região e agentes
comunitários com reconhecimento público. Não se pode então isolar a comunidade
da rádio, como se esta estivesse apenas a serviço daquela. A comunidade também
está inserida na emissora e a maior prova disso é a presença dos comunicadores,
como parte consciente e importante dessa realidade. Pode-se inferir que a
comunidade é sim o principal agente de coleta das informações, na figura de seus
produtores e apresentadores. Essa coleta então é fortemente influenciada pela
comunidade, seus anseios, suas buscas de soluções.
Na emissora Calheta FM o processo de coleta é profissional, embora a
rádio tenha uma equipe de jornalismo reduzida, com técnicos e estudante. O
“Departamento de Jornalismo” é formado pela técnica em Rádio e Televisão,
Cristiane Arantes, pelo radialista Ely José de Paula, e pelo estudante de Ciência da
Computação, Ely Filho. Cristiane é a responsável pela produção de quase todos os
programas jornalísticos e musicais informativos. As exceções ficam para o programa
Passando a Limpo, cujo locutor é Ely “Pai”, Calheta Esporte, cujo locutor é Ely Filho,
Tarde Jovem, programa musical informativo, cuja produção fica a cargo de
“Elyzinho”, Rádio Mulher, produção independente do Centro das Mulheres do Cabo.
Mas apesar da produção estar de certa forma centralizada, a produção
tem variação de programa para programa, que sofre fortes influências da
comunicadora Cristiane e do Batata. Durante a rotina produtiva, ele não edita
propriamente os textos, nem diz quais são os assuntos que devem ser pautados.
Mas nas reuniões da emissora, ele critica ou pede para eliminar determinados
assuntos. Contudo, Cristiane revela que não há restrições quando o assunto é
115
comunidade ou políticos locais. As críticas estão mais voltadas para a pontualidade
dos programas e seus formatos, com foco nos roteiros.
No Jornal da Calheta, por exemplo, Cristiane Arantes chega às 6h para
realizar a produção do programa, que tem roteiro muito bem feito. Eles o para o
mezanino coletarem as informações em sites e jornais da região e redigem textos
próprios, mas as notícias estão em outros meios de comunicação e não nas ruas do
município.
As notícias são sempre checadas antes da emissão e quando retiradas
de outros veículos, estes são escolhidos por sua confiabilidade. em se tratando
da apresentação dos dois lados do fato, o que se percebe é sempre uma luta entre o
público, entendido como o poder público, e o privado, representado pela
comunidade. Logo, há um esforço de que os dois lados estejam presentes.
no Programa Passando a Limpo, Cristiane uma ajudinha na
produção para o apresentador, Ely “Pai”, mas este prefere colher as informações nas
ruas, de acordo com os anseios da comunidade. Não há roteiros, nem notícias
redigidas, pois se trata de uma mesa redonda. Os convidados sentem-se agraciados
com o convite da rádio para participarem do programa, pois como revelou uma
ouvinte: “Cabo pára para ouvir o Passando a Limpo”.
O programa Rádio Mulher é semanal e apresentado pela jovem Flávia
Lucena, que fora capacitada pelo Centro das Mulheres do Cabo para tal função e
outras de comunicadora social. O espaço também é produzido pela jovem. Que
chega às 8h no Centro das Mulheres do Cabo para ligar para as possíveis
entrevistadas do dia confirmando ou não a presença no estúdio e dar a última
verificada nos sites de movimentos sociais, dos principais jornais locais e do Brasil,
para noticiar no programa, que também tem algumas passagens musicais. Há
também um roteiro do programa e tudo é produzido na tarde anterior pela jovem.
No Calheta Esporte, Ely Filho conversa com treinadores, escolas de
futebol locais, clubes da cidade; coleta sonoras durante os jogos, mas também utiliza
os jornais regionais e a internet para coletar informações, que são redigidas em texto
próprio do comunicador e inseridas em roteiro definido.
Em todo o processo de produção, os comunicadores comunitários estão
imbuídos do espírito de informar para dar cidadania à população e não para
lucrarem ou ganharem audiência. Por isso estão mais livres para exercerem suas
116
funções do que os profissionais das mídias comerciais, que sofrem pressão dos
concorrentes, diretores e, principalmente, do tempo.
Assim como na Paranoá FM, os comunicadores são da comunidade, o
que leva e entender que o processo de coleta é realizado pela própria comunidade,
que tem representantes na rádio. Não há uma distinção então entre os profissionais
da emissora e a comunidade, apenas que aqueles são considerados representantes
desta para denunciar o poder público e buscar soluções para as mazelas sociais.
Contudo, por ter um maior grau de profissionalismo, Cristiane distancia-se
mais da comunidade, assumindo posturas de uma profissional de jornalismo, em que
a atualidade e a informação objetiva são os principais objetivos. É claro que ela o
compartilha isso com os outros comunicadores, mas por causa de sua proximidade
com a identidade profissional dos jornalistas, ela acaba influenciando todo o
processo de produção e, conseqüentemente, de emissão dos programas que
produz, principalmente o que apresenta, o Jornal da Calheta, em que a participação
da comunidade é apenas para responder a uma enquete e como esta é sempre
muito difícil, não há praticamente participação dos ouvintes.
no programa Passando a Limpo, a comunidade é a primeira a ser
procurada no processo de coleta de informações. É também ela quem aparece nos
estúdios como principal fonte ouvida, mas na forma de seus representantes do poder
público, associações, líderes comunitários e até moradores comuns.
Nota-se, portanto, que a rádio Paranoá FM e a Calheta FM têm processos
de coleta diferenciados um a da outra. Enquanto na primeira, a coleta é feita no ar,
com predominância do improviso, mas com raras exceções, é claro, na segunda, a
coleta é mais próxima do jornalismo comercial, com averiguação de fontes, roteiros e
textos próprios dos comunicadores, além de organização e pontualidade em todo o
processo produtivo. Ambas têm essas características por sofrerem fortes influências
dos comunicadores, das condições de origem de cada emissora e dos fatores
externos. O fato de estarem inseridas em contexto neoliberal já as apresentam como
universos contraditórios em suas essências, em que, ao mesmo que se tem uma
produção ria em um determinado programa, no outro, não se tem produção
alguma.
Um fator externo bem determinante é a realidade onde cada rádio está
inserida. A Paranoá FM está localizada em uma região cujo principal problema é a
falta de emprego e é fruto de um governo que acredita que pão, leite e gás podem
117
mudar a vida das pessoas. Logo, os cidadãos ficam mais acomodados. Já na
Calheta FM, os problemas sociais são gritantes e históricos, principalmente nas
áreas da saúde, da educação e da segurança. Mas a região é marcada por fortes
conflitos entre poder público e poder privado, representado aqui pela comunidade e
não por empresas e por uma crescente politização da população, o que leva a um
processo de coleta mais crítico e menos assistencialista.
Esses fatores externos e internos também influenciam na seleção das
fontes elencadas pelos comunicadores. Fontes que são importantes para a própria
coleta da informação e para serem ouvidas nos programas, pois suas opiniões são
importantes para a comunidade.
5.3.2 As fontes – do virtual ao real
Mais uma vez não se podem generalizar as fontes que são prioritárias
para cada programa em cada emissora. Pois cada espaço é único, apesar de estar
mais próximo ou não da organização de uma forma geral e da comunidade, como é
no caso da emissora Calheta FM.
Jornais regionais, internet e comunidade são as fontes mais procuradas
para a coleta de informações. Em alguns programas, como o produzidos com
muita pressa e improviso, os jornais regionais e a internet são os mais utilizados.
Em outros, apenas a comunidade é fonte de informação e de entrevistas.
Em quase todos os programas jornalísticos da Calheta FM a comunidade
é a principal fonte entrevistada. Apenas no Jornal da Calheta é que a principal fonte
é a própria mídia impressa e on line, retomando à questão do “jornalismo do
jornalismo”, típico nos veículos radiofônicos comerciais, em que a mídia impressa é
que pauta as outras e não ao contrário.
na emissora Paranoá FM, as informações são buscadas basicamente
nos jornais Correio Braziliense, Jornal de Brasília, internet e comunidade, mas vai
depender também de cada programa, que é fortemente influenciado pelos
comunicadores que os emitem.
Conforme mencionado, cada programa tem sua particularidade dentro
de um universo bastante contraditório. No Jornal da Calheta, por exemplo, as
informações vêm de sites e jornais locais. Os sites são: Jornal do Comércio On Line,
Folha de Pernambuco, Diário de Pernambuco, Terra, Guia dos Curiosos para
118
produção inicial do jornal e curiosidades do dia, site de Geraldo Freire -
oportunidades de emprego, site do Procon e PE 360° Graus. Cristiane também sai
para fazer matéria na rua, mas é raro. As sonoras ao longo do programa são
retiradas da Agência RádioWeb.
no Passando a Limpo, as principais fontes de informação são a
comunidade e as autoridades. Por morar na cidade, Batata comenta ser fácil fazer o
programa, pois ele conhece a todos (prefeitos, delegado, comandante, etc). A pauta
é feita de acordo com a demanda da sociedade, por exemplo, segurança blica,
lanhouse, questão do idoso. Para formular o programa ele busca informação na
Internet, nos jornais que circulam na cidade e, principalmente, com o próprio povo.
Ele possui fontes na própria comunidade que na ocorrência de fatos ligam para
informá-lo. Essa informação também é utilizada para compor a pauta.
No Calheta Esportes, a informação é buscada em: sites como o
esportenet.com.br e o de Diego Pires. ainda as informações que são coletadas
em jogos, escolinhas esportivas e clubes.
Para o programa Rádio Mulher, as informações são buscadas na
comunidade feminina, principalmente por meio de telefonemas e oficinas realizadas
com elas pelo Centro das Mulheres do Cabo, sites de movimentos sociais e jornais
brasileiros e estrangeiros.
Na Paranoá FM, qualquer recado deixado na dio, seja de hospital ou
morador, é lido com o maior respeito no ar. Delegacias, postos de saúde e
comerciantes locais também são fontes importantes para os programas jornalísticos,
assim como a Administração local, que tem até espaço todas as segundas-feiras no
Paranoá Notícias para dizer o que está fazendo e receber críticas e sugestões dos
moradores. Tudo é ao vivo, sem cortes ou edição.
No Paranoá Notícias, os jornais regionais são as principais fontes de
informações e a comunidade é a principal fonte entrevistada, sendo ela
representada pela autoridade local ou pelos moradores.
No programa esportivo Jogo Limpo, por exemplo, as principais fontes
entrevistadas são os presidentes de clubes esportivos e da Liga Desportiva da
cidade. Mas as principais fontes de informações são os jornais, principalmente, o
Correio Braziliense e Jornal de Brasília.
Os programas Zona Leste De Olho na Sua Segurança e Espaço
Empresarial são promotores de ações de dois setores: policiais e comerciantes,
119
logos, estes o as principais fontes de informações, além dos próprios
conhecimentos dos apresentadores e que são as principais fontes entrevistadas.
Nas duas emissoras um jornalismo do jornalismo, em que os veículos
comerciais é que pautam o que será notícia nas comunitárias. É claro que isso não é
o que ocupa o maior espaço na programação, mas é início das informações. A
comunidade então entra no processo com ele engatilhado e rouba a cena. Mas
não se pode generalizar, pois muitos programas cuja fonte principal é a
população cidadã.
Uma outra questão interessante é que o jornalismo não é pressionado
pelas fontes para inserir determinada notícia em detrimento de outra. uma certa
autoridade dos comunicadores em relação a isto. Não existe uma relação
dependente de ambas as partes. Acredita-se que o que está sendo veiculado é
importante para a região, até mesmo porque quem veicula faz parte desse universo.
Na Paranoá FM, a maior influência no que tange às fontes é a dia
impressa e a eletrônica, representada pela Internet. É como se estas estivessem
mais capacitadas para discorrer sobre determinados assuntos, mas principalmente
pelos comunicadores entenderem que a comunidade não tem condições de comprar
jornal ou acessar a internet, logo, precisa ouvir na rádio as principais notícias do dia.
na Calheta FM, a preocupação é realmente com o desenvolvimento da
comunidade. Pautam-se assuntos de interesse para os moradores, que não deixam
de serem representados pelos próprios comunicadores. E se sabe que para
solucionar problemas sociais, é necessária primeiramente a consciência destes, por
meio de denúncias, para depois saber qual a autoridade responsável e o papel da
comunidade. Por isso, uma tentativa de união de esforços de poder público e
privado para busca de soluções, logo, estes são as principais fontes de informações
e para entrevistas.
Com as fontes de informações em mãos, o próximo passo é selecionar
quais fatos tornar-se-ão notícias e para isso os comunicadores utilizam-se de
critérios atípicos dos elencados pelos veículos comerciais, principalmente pela
especificidade do fazer jornalístico das rádios comunitárias.
120
5.3.3 A Cidadania como Valor-Notícia
Para os jornalistas elencarem o que é notícia em um tempo que não
prejudique o dia-a-dia da organização, um conjunto de elementos e princípios
através dos quais os acontecimentos são avaliados se serão notícias ou o. Esses
valores, denominados valores-notícia, são combinados entre si e construídos
historicamente. A função desses valores é invisível, mesmo para aqueles que
profissionalmente têm que operá-los.
Esses valores/notícia adquirem significado na rotina produtiva do
profissional, por meio da recolha (muitos materiais vêm de agências de notícias e
fontes oficiais), seleção (analisam-se os critérios; pensa-se no formato do veículo, no
tempo e depende do pessoal para a produção da notícia) e apresentação da notícia
(transforma-se o acontecimento em história com início, meio e fim).
As notícias então passam a refletir o ethos especializado da comunidade
jornalística e são modeladas por suas estruturas e processos. Esse grupo
especializado professa possuir um monopólio de conhecimentos e saberes
especializados, o que implica em uma certa autoridade.
E é justamente por refletir o ethos especializado, por seus processos e
suas estruturas, que os valores criados pelas emissoras pesquisadas são
diferenciados, embora haja alguns comuns.
Esses valores-notícia podem ser agrupados em cinco categorias, de
acordo com Mauro Wolf (1999):
1 A categoria substantiva (acontecimento em si) - importância (grau e
nível hierárquico dos indiduos envolvidos no acontecimento; impacto sobre a
nação e o interesse nacional; quantidade de pessoas envolvidas; relevância e
significação do acontecimento quanto a sua potencial evolução e conseqüência),
interesse (entretenimento, interesse humano, composição equilibrada do noticiário).
Nas emissoras comunitárias, os valores utilizados da categoria acima são
importância, mas apenas no que diz respeito à significação do acontecimento quanto
à sua potencial evolução e conseqüência, e interesse humano. Um alagamento ou a
falta de estrutura em uma escola municipal é prioridade para as emissoras, por
entender não serem de interesses humanos, como também com conseqüências
se não forem solucionados.
121
2 - a categoria relativa ao produto (notícia) podem se subdividir em -
brevidade (relato adequado aos limites do noticiário), desvio da informação (notícia
ruim é sempre mais interessante, assim como o acontecimento raro), atualidade
(capacidade de o acontecimento ter desdobramentos, relação com o deadline),
atualidade interna (relação com a organização da empresa jornalística, ligação com
jornalismo investigativo e off), qualidade (técnica compatível com o veículo em que
será transmitido), equilíbrio (edição equilibrada em relação ao conjunto de
informações, mesclando temas).
Nessa categoria, um critério utilizado e observado nas rádios pesquisadas
é a atualidade. Trata-se inclusive do segundo critério mais utilizado pelos
comunicadores, tendo na própria fala deles a mesma como importante para a
comunidade. “Escolho temas atuais e de interesse social”, afirmou Major Charles,
apresentador do programa Zona Leste De Olho na Sua Segurança, da Paranoá
FM. Dávilla Bezerra, apresentador do Jogo Limpo, também compartilha da idéia de
que a atualidade é o principal critério para a escolha das notícias. “No meu programa
de notícias, Cidade Desperta, escolho as que são mais atuais”, Josecy Mirindiba
apresentador, produtor e repórter. “Penso na atualidade e na comunidade”, João
Gomes, apresentador do programa Paranoá Notícias.
Os fatos dramáticos e inusitados também são selecionados. Os primeiros
sempre aparecem nos radiojornais porque ainda a cultura de que “o povo gosta
de casos de polícia”, conforme um dos comunicadores. E os fatos inusitados sempre
despertam curiosidades, mas com certeza não está nas primeiras linhas da lista de
seleções das emissoras pesquisadas.
3- A categoria relativa aos meios de informação - bom material visual x
texto verbal (equilíbrio entre os dois), freqüência (continuidade daquela cobertura
que dependerá do acesso à fonte e do local do acontecimento), formato
(narrabilidade que depende das características de cada veículo).
Essa categoria é definitivamente ignorada pelos meios comunitários
pesquisados, pois estes são precários em termos de estruturas, equipamentos e
profissionais qualificados.
4- ainda a categoria relativa ao público - estrutura narrativa (clareza
para o receptor, entretenimento, serviço, identificação dos personagens envolvidos e
do fato narrado), protetividade (evitam-se notícias traumáticas, que causem pânico
ou ansiedade desnecessária).
122
As emissoras comunitárias preocupam-se em servir à comunidade com
informações que atinjam o cotidiano dela. E a grande maioria das notícias tem
identificação com os personagens envolvidos e o fato narrado, pois são coletadas na
própria região, por comunicadores que são da localidade.
5- E, por fim,a categoria relativa à concorrência - exclusividade ou furo
(cada veículo busca ser o único e o primeiro a narrar determinado acontecimento),
geração de expectativas recíprocas (publica-se se o concorrente vai publicar),
desencorajamento sobre inovações (relutância em narrar acontecimentos que
venham a atingir os valores de seus leitores), estabelecimento de padrões
profissionais (novos profissionais copiam comportamentos dos mais velhos).
Essa categoria também é ignorada pelos comunicadores, pois não há
brigas com a concorrência, até mesmo porque esta não existe para eles, que alegam
que as rádios comerciais têm perfil diferente do adotado pelas emissoras
comunitárias e as rádios piratas nem são dignas de reconhecimento blico por
serem ilegais.
Para Robert Mcleish (2001), os valores notícia que mais interferem na
produção de programas radiofônicos são: importância, controverso (eleição, guerra,
processo no tribunal, em que o resultado ainda o é conhecido), dramático,
geograficamente próximo, culturalmente pertinente, imediato e inusitado. São
critérios mencionados acima, contudo, os que têm maior importância para o meio
rádio.
Para as emissoras pesquisadas, a questão do geograficamente próximo e
o culturalmente pertinente têm valores importantes. Como se tratam de mídias
comunitárias de baixo alcance, não como ir muito longe do fisicamente
delimitado, apenas com notícias de outras mídias, é claro. Mas como a fonte
principal é a comunidade, o que é distante também fica longe da discussão da
localidade. o culturalmente pertinente reflete-se principalmente a toda a cobertura
jornalística, que está intrinsecamente ligada à cultura local.
Contudo, um valor que não está inserido na classificação acima, mas
faz parte do universo das emissoras que é a cidadania. Tudo relacionado a esta é
critério principal de escolha para as rádios.
Na rádio Calheta as respostas estão mais voltadas para o valor
Cidadania, assim como a observação averiguou. O principal critério utilizado por Ely
Filho, por exemplo, é o que vai contribuir para o desenvolvimento da comunidade.
123
Para Ely “Pai”, o principal critério de seleção é a comunidade quem diz. E
geralmente os assuntos estão relacionados a mazelas sociais, pois as emissoras
comunitárias inserem-se em contextos de pobreza. Para Marcos Viana,
apresentador do Jornal da Calheta, a comunidade também é quem deve dizer o que
será notícia, contudo, com a falta de recursos não para contratar mais
profissionais para formar uma equipe e ir às ruas. Para Flávia Lucena,
apresentadora do Rádio Mulher, assuntos sociais relacionados à mulher cabense
são notícias em seu programa.
Essa busca do exercício da cidadania está atrelada ao fazer valer o seu
conceito, de tornar os sujeitos autônomos e responsáveis por suas próprias histórias,
para que possam conhecer seus direitos e deveres, e com isso buscarem soluções
principalmente da área social, mas sem esquecer do processo de empoderamento
dos indivíduos, com fortalecimento do conhecimento de seus direitos políticos. A
relação “público e privado” é bastante marcada, mas não apenas como pólos
opostos, em que um reivindica ações do outro, e sim como esferas que possam se
articular para uma melhor qualidade de vida.
Na emissora Paranoá FM também se busca uma politização dos
indivíduos por meio de informações referentes a oportunidades de empregos, para
que empregados os cidadãos possam construir suas próprias histórias, sem tutelas.
Logo, tem-se a comunidade em todo o processo de produção da notícia
produção, edição e emissão, além da gestão dos meios. Trata-se de um espaço de
garantia do direito à comunicação e, conseqüentemente, de busca da real
democracia participativa.
O último passo desse processo é a emissão de conteúdo, que é a mais
influenciada pelos comunicadores, pela organização, pela realidade em que as
rádios estão inseridas e, principalmente, pelo contexto neoliberal contemporâneo.
5.4 O PRODUTO FINAL DA PRODUÇÃO DA NOTÍCIA OS PROGRAMAS
JORNALÍSTICOS
Os conteúdos jornalísticos são os resultados de todo processo de
produção da informação nas emissoras. Logo, eles refletem o que os comunicadores
e a organização pretendem.
124
A informação veiculada nas duas emissoras comunitárias pesquisadas
tem um papel fundamental no exercício da cidadania da população local. Os
radiojornais, os programas de debate, os comentários e os espaços esportivos
assumem posições de destaque na vida dos moradores e das autoridades locais.
Os programas jornalísticos das rádios Calheta e Paranoá FM o
marcados por diferenças de posicionamentos e opiniões e é exatamente essa
divergência e a construção de um discurso que fortalecem a noção de público
comunitário, fundamental para tornar possível a comunicação dialógica nesse
espaço. Essa esfera pública comunitária busca gerar processos comunitários,
retornando à premissa de um espaço público enquanto espaço formador de
cidadania.
Os veículos configuram-se como esferas públicas comunitárias, em que o
foco não é a política nacional ou internacional, mas o dia-a-dia da comunidade e,
principalmente, a discussão de problemas comunitários com busca de solução para
os mesmos. Acredita-se no papel educativo do dio para que ela possa empoderar
os cidadãos, de forma que os mesmos possam lutar pelos seus direitos; conhecer
seus deveres e reivindicar melhores condições de vida para os governantes por eles
eleitos. A visibilidade da discursividade, das críticas ao poder e da diversidade de
conteúdos opinativos é bastante expressiva, o que garante um caráter público e
político considerável e importante para o exercício da cidadania.
São esferas públicas alternativas garantidas por três fatores: comunidade,
identidade e individualidade. No que tange à questão da comunidade, os vínculos
solidários se dão pela aproximação de pensamentos e opiniões. No que diz respeito
à identidade, um sentimento de pertença a um local, a uma comunidade. E em
relação à identidade, diz respeito à participação do sujeito motivada pelo interesse
em determinado debate que traduza necessidades ou demandas sociais, culturais
ou política que podem se tornar causas coletivas.
A Calheta FM é uma instituição de comunicação que acredita na
divulgação de informações para que a população possa conhecer sua realidade e os
canais de reivindicação para a construção de uma vida mais equânime, menos
preconceituosa e mais politizada.
Os gêneros jornalísticos radiofônicos mais empregados são: debates,
comentários e a opinião dos ouvintes. As notícias são consideradas de enorme valia
e permeiam toda a grade de programação.
125
O programa de maior audiência na região é o de debate, que utiliza o
formato de mesa redonda para discutir um tema a cada dia, sempre de importância
para a comunidade e com valor atual. O nome do programa é Passando a Limpo,
veiculado de segunda a sexta-feira, na hora do almoço. O apresentador e produtor é
o diretor geral da rádio, Ely José de Paula, o Batata. Muitos problemas sociais
foram à tona com o programa e solucionados por causa da pressão da comunidade
perante as autoridades. Os cidadãos acreditam que só com a publicização das
mazelas em veículo de grande audiência na região é que os problemas serão
resolvidos.
Além do Passando a Limpo, outros três programas jornalísticos marcam a
programação
52
um radiojornal, Jornal da Calheta, um programa sobre e para as
mulheres, de notícias e debates, Rádio Mulher, e um programa esportivo, Calheta
Esportes. Todos os três cumprem seu papel de informar a população sobre notícias,
principalmente locais e regionais em âmbito geral, no que diz respeito à saúde e
direitos reprodutivos da mulher e ao esporte cabense e pernambucano.
O humor, a cultura local, representada pelas músicas regionais em
vinhetas e até em trechos passados em alguns programas, a seriedade, a
pontualidade e o profissionalismo marcam a programação jornalística da rádio
Calheta FM, que acredita que para chegar aos ouvintes precisa tratar as
informações com muita seriedade, compromisso com a cidadania e rigor na
produção, edição e emissão de mensagens.
Os principais temas abordados ao longo de toda a programação
jornalística da Calheta FM são: saúde, segurança, educação, política municipal e
esporte regional e local. Mas uma categoria engloba todos esses temas, que é a
Cidadania. Pois além de abordarem os temas por meio de denúncias, debates e
informações, os comunicadores objetivam buscar mais conhecimentos sobre a
temática, soluções das autoridades e o papel da comunidade nesse processo.
Por meio das entrevistas com os comunicadores que participam do
processo de produção, edição e emissão das mensagens, da observação (realizada
entre os dias 16 e 21 de julho de 2007) e da análise do conteúdo veiculado de-se
52
um programa musical e informativo que ocupa todo o período vespertino da programação da
Calheta FM Tarde Jovem. As notícias são sobre saúde, cuidados com as drogas e tudo relacionado
aos adolescentes. Todo mês de agosto tem uma gincana ao vivo com as escolas públicas da região.
Contudo, como não se trata de um programa jornalístico, não fora analisado em profundidade.
126
perceber que o conteúdo de cada programa é particularizado, em meio a um
universo contraditório.
Passando a Limpo, por exemplo, é um espaço diário de debate em que
cada dia um assunto é discutido. Autoridades locais e representantes de escolas,
empresas, grêmios e associações são convidados a participar da discussão no
estúdio, ao vivo. A comunidade denuncia; questiona; tira dúvidas e opina por
telefone, às vezes em relação a outro assunto e não o debatido no dia. É um espaço
de denúncias com expectativa de busca de soluções, veiculado das 11h às 12h30,
de segunda à sexta-feira. Trata-se do programa de maior audiência da região
53
.
De acordo com Ely José de Paula, o Batata, produtor e apresentador do
programa, este surgiu cinco anos, a partir da necessidade de haver um espaço
específico para ouvir a sociedade, o promotor público, o prefeito, o delegado.
Segundo o apresentador, o programa é um espaço aberto para a prática da
democracia nas ondas do rádio. O primeiro Passando a Limpo foi com o Centro das
Mulheres do Cabo, responsável por outro programa jornalístico da emissora, o Rádio
Mulher. A vinheta do programa é: “Passando a Limpo: a hora da verdade.
Entrevistas, Denúncias. Faça valer o seu direito de cidadão cabense”.
Segundo uma ouvinte: “O Cabo praticamente pára quando começa o
programa Passando a Limpo. É um programa ímpar, sem tendências políticas e que
trabalha com a realidade da comunidade. Tem problema na saúde, a gente pode
contar com o programa para resolvê-lo”, afirma Cleide Pereira, 35 anos, professora
primária, promotora legal popular e integrante do Fórum de Articulação das
Entidades de Cabo de Santo Agostinho.
O programa apresenta-se como principal canal de denúncia e
reivindicação de direitos da população. O apresentador é respeitado e bastante
conhecido pela comunidade e não faz restrição de tempo ou espaço para as
pessoas, independente de cargo ou posição exercida na sociedade. Durante um
hora e meia de programa, o telefone o pára de tocar e os debatedores fazem
questão de responder às perguntas e às denúncias. Todos estão dispostos a
resolver os problemas, que inevitavelmente sempre aparecem nas categorias
centrais de cada programa. Batata sempre comenta sobre a temática de forma séria
53
Não houve pesquisa de opinião. A informação fora obtida por todos os comunicadores da emissora
entrevistados e por vários ouvintes. Além disso, no horário do programa, a pesquisadora desta
dissertação observou a atenção dos moradores, em suas casas, comércios e órgãos públicos para
com o programa.
127
e politizada. Como morador da região desde que nasceu, 43 anos, e líder local,
ele mostra-se profundo conhecedor das temáticas e, principalmente, das mazelas
sociais comunitárias.
E como cada dia é uma temática, na semana da observação (16 a 21 de
julho de 2007), o conteúdo jornalístico fora gravado e analisado.
No dia 16/07/07 o tema abordado foi Lanhouse. O debate iniciou-se com
a discussão sobre a Portaria Municipal do Ministério Público 04/2007 que
providências e estabelece regras de utilização das lanhouse. No estúdio, um dono
de lanhouse e um professor de espanhol de ensino fundamental e médio. Por
telefone houve participação de representantes do Ministério blico, da Secretaria
do Estado da Criança e do Adolescente, de cinco pais e um aluno. Todos
responsabilizaram os pais pela falta de limites dos filhos, que preferem jogar ou
entrar em sites impróprios a assistirem às aulas. Houve ainda duas denúncias sobre
falta de profissionais de saúde para realização de exames e atendimento em
hospital particular que atende pelo SUS também e posto de saúde de um dos
bairros. Logo, o debate do dia inseriu-se na categoria Educação, com os seguintes
temas inter-relacionados Educação Informal, Ensino Fundamental e Médio,
Iniciativas de Autoridades Governamentais e Iniciativas Comunitárias, na figura dos
donos de lanhouse e da escola. Houve ainda a inserção da categoria Saúde, com o
tema Saúde Pública e Críticas às autoridades competentes.
No dia 17/07/07 o tema foi Segurança Pública. O major responsável pelo
Batalhão do município e o delegado titular da cidade foram os convidados para
debater o assunto no estúdio. Por telefone participaram 15 moradores da cidade,
dentre estes, dois fizeram denúncias de falta de remédio em farmácia popular e
posto de saúde. Fora abordada a questão da Violência na região, com críticas às
autoridades, policiais e vereadores, por causa da falta de policiamento, em termos
quantidades e qualitativos, mas principalmente de políticas públicas para os jovens.
Também foram apontadas soluções para o problema, como melhor iluminação, mais
registros de assaltos nas delegacias para diagnóstico da realidade a fim de traçar
plano de ação policial. Um pai desesperado ligou para denunciar bocas de fumo,
pois o filho estava perdido por causa das drogas”. Para o pai, os assaltos ocorrem
para financiar os traficantes. Ele disse que daria o nome de 50 bocas de fumo da
região se os debatedores dessem seus telefones celulares. Estes deram o telefone
direto da mesa deles.
128
No dia 18/07/07, o tema foi O papel do parlamentar. Objetivou-se falar da
categoria Política, com os temas: local, soluções e críticas às autoridades. Outras
categorias também estavam relacionadas como Cidades (iluminação, urbanização,
policiamento) e Esportes (local, com instalação de quadras poliesportivas para os
jovens). No estúdio teve a presença do presidente da Câmara Municipal e o
presidente do grêmio estudantil da Escola Epitácio. Houve uma preocupação em
pedagogicamente informar qual o verdadeiro papel do vereador, tentando
desvinculá-lo da questão assistencialista, que ainda impera no meio, principalmente
por causa da pobreza acentuada da região. A presença dos jovens era para
averiguar se eles sabiam qual o verdadeiro papel de seus governantes locais e quais
os projetos voltados para a juventude cabense. Os ouvintes participaram por meio
de denúncias e perguntas para o vereador e totalizaram 11 ligações. Ainda neste
dia, o apresentador deu duas notícias que chocaram o mundo e a região a queda
do avião da TAM em São Paulo, o maior desastre aéreo da história brasileira, e a
morte de um policial na região em tiroteio. O representante dos transportes
alternativos do município também fora preso naquela data. Não se soube informar o
motivo. A informação havia sido repassada por um policial da região e Batata
preferiu averiguá-la com a autoridade competente para não dar notícia errada.
No dia 19/07/07 o assunto foi Arquitetura. No estúdio teve a presença de
uma arquiteta conhecida da região que havia enviado e-mail solicitando a
participação no programa. Logo, a categoria Cidades foi a abordada, com o tema
Questões Territoriais. Nesse dia, o formato do programa foi mais de entrevista. O
apresentador perguntou sobre a definição e a importância da arquitetura, o plano
diretor, a questão das construções etc. Por telefone, dois ouvintes fizeram
intervenções. Um perguntou sobre construção, como fazer para construir em lote, se
precisa de autorização da prefeitura. E o outro ouvinte denunciou a depredação de
tubulações em bairro da região. Outros assuntos também foram abordados no dia.
Houve uma explicação sobre a Pré-Conferência da Saúde no Cabo, com a
responsável pelo evento. Logo, as categorias Política e Saúde também foram
abordadas, com os temas Política Local e Nacional, Saúde Pública e Busca de
Soluções na área, respectivamente.
E para finalizar a semana, no dia 20/07/07, o tema abordado fora Saúde da
Mulher, com a presença do ginecologista mais conhecido da região e antigo
secretário municipal de saúde. O tema era para ser Políticas Públicas para o Idoso,
129
mas a responsável por esta temática não pôde comparecer, logo, o apresentador
chamou o médico para o debate, trocando as datas de cada autoridade no estúdio.
O locutor fez perguntas que foram enviadas por e-mail por diversas moradoras e o
médico respondeu a todas com muita paciência e pedagogia. Houve ainda a
participação de dois representantes do Partido Socialismo com Liberdade (PSOL),
que lançaria a legenda na cidade naquela semana, fazendo um ato contra a
corrupção dos políticos e convocando a população para o protesto. No mesmo dia,
uma moradora lembrou o apresentador sobre um abaixo-assinado entregue a ele
sobre o descaso do prefeito da região para com uma das ruas da cidade. Batata
afirmou que leria a carta na segunda-feira por falta de tempo no programa, mas deu
a palavra à cidadã para que fizesse sua denúncia e solicitasse seus direitos:
Essa carta tem que chegar nas mãos do prefeito Lula Cabral. Você, Lula,
na época da campanha prometeu que calçaria a Rua 24, mas depois de
eleito esqueceu da gente. Nós não vamos mais lhe procurer. Vamos
mostrar à imprensa a situação crítica da nossa rua. Não estamos lhe
pedindo um favor, apenas que cumpra sua promessa. Não tivemos
vergonha de votar em você, mas agora temos vergonha do governante que
elegemos.
o Jornal da Calheta é puramente informativo, sem comentários e a
participação da comunidade é reduzida à enquete que não é lançada todo dia, que
geralmente é tão difícil que os moradores terminam por não participar do espaço e
para fazer perguntas aos comentaristas das áreas trabalhista e previdenciária,
econômica e direito do consumidor. As perguntas também são encaminhadas por e-
mail ou inseridas no mural da emissora. Não há participação ao vivo. As enquetes da
semana foram: Barriga Verde é quem nasce em qual estado brasileiro? (três
alternativas), por que os índios também o chamados de silvícolas? (três opções).
Um ouvinte perguntou por email para a sessão da área previdenciária, se pode
acumular duas pensões, de dois maridos falecidos.
O programa é veiculado das 7h às 8h, de segunda à sexta-feira. O
radiojornal é dividido em três blocos. No primeiro bloco, as manchetes do
programa, principais destaques dos jornais regionais (Jornal do Commercio, Diário
de Pernambuco, Folha de Pernambuco), nacionais (Folha de São Paulo, Estado de
São Paulo, O Globo, Correio Braziliense) e internacionais (New York Times, Le
Monde, El País). Toda segunda-feira tem o resumo das manchetes das revistas:
Veja, Istoé, Época, Carta Capital e Quem. Há o comentário do advogado trabalhista
e previdenciário, Dr. Ney Araújo, que responde a perguntas do ouvinte todos os dias.
130
O segundo bloco inicia-se com Momento Esportivo, que tem a
participação do comentarista Jeremias Arantes, diariamente. Depois vêm mais
notícias na área econômica, comentário do economista Josué Mussalem (segunda e
quarta), o quadro Saúde em Foco (sonora da Agência RadioWeb), o Balcão de
Emprego, com ofertas de trabalho na cidade, notícias na área trabalhista e previsão
do tempo.
No último bloco, há notícias de política nacional e regional, Achados e
Perdidos, Cursos e Concursos, notícias regionais referentes a crescimento
econômico, o quadro Seu Direito (sonora da Agência RadioWeb) ou às vezes
comentários da diretora do Procon municipal, Dra. Ana Cabral, notícias locais e o
quadro Fatos Policiais.
De acordo com a apresentadora do programa, Cristiane Arantes, o jornal
é analítico, logo, não tem muito como participar. A intenção é deixar a população
bem informada. A vinheta do programa é: “Você ligado ao mundo da notícia e
prestação de serviço.”
As notícias veiculadas estão sempre voltadas para a população de
Pernambuco e a cidade do Cabo, mais especificamente. São em média 15 notícias
diárias, de aproximadamente um minuto cada. Logo, todos os assuntos têm o
mesmo espaço. O que vai depender é a ordem com que eles aparecem no
radiojornal. As primeiras o sempre regionais, vinculadas ao estado de
Pernambuco, e os assuntos são diversificados, pois são os mais atuais do dia.
Depois vêm notícias de economia nacional, como prestações de serviço e voltadas
para a população cabense. Em seguida vêm as notícias de política, depois de
cidades, mais especificamente desenvolvimento. Os comentários ficam por conta
dos especialistas.
No quadro Momento Esportivo, o destaque é para os três grandes clubes
pernambucanos de futebol – Sport, Náutico e Santa Cruz, com poucas notícias
sobre futebol local, representado pelo clube Ferroviário. Há também destaque para o
futebol nacional, na época pesquisada o foco era na Copa América, e o
Panamericano do Rio de Janeiro, com destaque para as conquistas da nadadora
pernambucana Joana Maranhão. O Campeonato de Surf nas praias do Cabo
também fora mencionado durante a semana pesquisada.
Os assuntos abordados ao longo do jornal são bastante diversificados,
mas a ordem de aparição é sempre fixa: temas atuais regionais, economia nacional
131
que tenha importância para a região, saúde nacional, política regional e nacional,
desenvolvimento da cidade e da região, cidade, fatos policiais locais e regionais. Os
principais destaques da semana foram: Greve dos professores municipais, Pré-
Conferência da Cidade do Cabo, O escândalo do senador Renan Calheiros, Jarbas
Vasconcelos e suas articulações, Acidente do avião da TAM e muitas notícias
regionais de crimes, como abuso sexual, homicídio, assalto e estelionato.
Observou-se que se gasta tempo demais com a contextualização do dia
na história e pouco tempo para notícias que são de suma importância para a região,
como a referente à Pré-Conferência da Cidade do Cabo de Santo Agostinho. A
preocupação em seguir o roteiro e não errar palavras é maior do que com o que está
sendo lido e sua reputação para a região, na hora da emissão.
O programa Rádio Mulher
54
é outro espaço jornalístico da emissora,
veiculado das 8h às 9h, de segunda à sexta-feira. É um programa do Centro das
Mulheres do Cabo, produzido em parceria com os grupos de mulheres locais, que
difunde informações qualificadas sobre temas relacionados à saúde, aos direitos
reprodutivos e à cidadania feminina.
Produção, parte técnica, apresentação, locução e direção são realizados
por mulheres. Por causa disso, o programa passou a integrar a Rede Brasileira de
Mulheres no Rádio, em 1999.
A idéia do programa surgiu em 1995, quando grupos de mulheres de
Água Preta, Joaquim Nabuco, Catende, Palmares, regiões que integram a Zona da
Mata Sul de Pernambuco e ficam próximas à cidade do Cabo, e o Centro das
Mulheres do Cabo resolveram realizar cinco oficinas de rádio com 60 mulheres do
município, que foram finalizadas em 1997. Os encontros geraram um plano de
comunicação com foco no rádio, cujo objetivo era estimular a troca de informações
entre as mulheres e os seus direitos para a população. Em março de 1997, com
financiamento da Fundação MacArthur, o programa Rádio Mulher foi ao ar pela
primeira vez na Rádio Cultura dos Palmares (AM) e depois se expandiu para várias
outras emissoras, principalmente para as comunitárias.
O programa apresenta notícias e principalmente debates sobre direitos
sexuais e reprodutivos da mulher. A vinheta utilizada é a seguinte: “Saúde e
54
Informações adquiridas por meio de entrevistas e da dissertação de mestrado: VELOSO, Ana Maria
da Conceição. O Fenômeno Rádio Mulher: Comunicação e Gênero nas Ondas do Rádio. 2005.
Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação,
Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
132
Cidadania Feminina nas Ondas do Rádio”. O programa tem o apoio da Fundação
Ford. Produção, apresentação, trabalhos técnicos e sonoplastia são realizados pela
comunicadora do Centro das Mulheres do Cabo, Flávia Lucena, com direção geral
da jornalista Ana Veloso. “Nosso programa discute e prepara as mulheres para a fala
pública. Discute a cidadania da mulher no rádio. É uma veiculação feminista que
quebra tabus, discutindo com a população feminina da cidade. Têm manchetes e
notícias dos principais jornais de Pernambuco e do Brasil, além da agenda dos
movimentos sociais”, explica a apresentadora.
Cada dia tem uma temática principal para debates, enquete para o
ouvinte, notícias relacionadas e músicas também vinculadas. Em todos os dias
observados a categoria principal fora Cidadania, envolvendo temas como Questões
de Gênero, Raça, Desigualdade, Busca de Soluções Projetos e Críticas às
Autoridades, Direitos e Deveres. Uma outra categoria vinculada fora Saúde, com
temas de Saúde Pública e Críticas ao Governo Municipal.
As mulheres do Cabo participam do programa por meio de telefonemas,
atendidos ao vivo pela apresentadora. Além disso, sempre um(a) entrevistado(a)
no estúdio, representantes de associações, instituições de defesa do direito da
mulher, autoridades locais e líderes comunitárias. Às vezes há até link ao vivo
quando ocorre um evento ou em situação de denúncia grave. Uma ouvinte relatou
que havia um problema sério de desperdício de água em um dos bairros da cidade,
com acúmulo de lama e ratos. Os moradores haviam conversado com o gestor,
mas nada tinha sido resolvido. Então, a população decidiu fazer interferência por
meio da mídia. Uma repórter da Rádio Mulher foi ao local fazer um link. No dia
seguinte, a situação estava resolvida.
De acordo com uma ouvinte, o Rádio Mulher, em geral, nos traz muita
informação, principalmente para a mulher, situações na saúde, educação, emprego
e renda. Faz-nos colocar em prática por meio da Rádio Mulher, nas entrevistas, nas
visitas, a gente consegue trazer isto para o cotidiano. É um veículo de
transformação”, afirma Cleide Pereira, 35 anos, professora primária, participante das
oficinas de Mídia Advocacy do Centro das Mulheres do Cabo.
A apresentadora é extremamente politizada e preparada para a fala
pública. Geralmente quem participa dos programas são representantes de
movimentos sociais de direitos da mulher. Os assuntos abordados são
meticulosamente estudados anteriormente e fruto de discussões com as mulheres,
133
líderes da comunidade. Trata-se de um espaço público de discursividade e
principalmente esclarecimento de direitos da mulher. A intenção é exercitar a
cidadania feminina.
No dia 16/07/07, o tema abordado foi Racismo, dentro da categoria
Cidadania. A pergunta foi: O município do Cabo de Santo Agostinho é racista? Uma
música de Gabriel O Pensador, denominada Racismo é Burrice, fora inserida na
programação. A apresentadora ainda relatou que racismo é crime inafiançável e uma
prática ofensiva aos direitos humanos. A comunicadora leu o que está na
Constituição Federal de 1988 sobre Racismo. Outros quatro assuntos foram
noticiados pela comunicadora: a greve dos professores regionais e locais; a
informação sobre o mutirão que aconteceria na semana seguinte de cirurgias
gratuitas para crianças com deformidades nas mãos; a 6ª Parada de Lésbicas,
Gays, Transgêneros e Simpatizantes. O responsável pela parada em Pernambuco,
em Recife, deu informações sobre o evento que aconteceria no fim de semana, por
telefone, para os ouvintes. E por fim, um outro assunto abordado foi a convocação
da população para os grupos de discussão com a finalidade de se preparar para a
Pré-Conferência Municipal de Saúde, que aconteceria na semana seguinte. Todos
os dias a comunicadora informa as ofertas de emprego que recolhe da Agência
Municipal do Trabalhador. Ao longo de toda programação spots produzidos pelo
Centro das Mulheres do Cabo o veiculados, com temas variados como os direitos
das pessoas portadoras de HIV/Aids, das trabalhadoras domésticas, campanha
contra a violência contra a mulher, pela descriminalização do aborto e por um
atendimento digno de saúde.
No dia 17/07/07 a assunto abordado fora Violência contra a Mulher, que se
encaixa na categoria Cidadania, no tema Questões de Gênero e Busca de Soluções.
Não se pode inseri-la na categoria Violência porque o programa trata o assunto com
corte sexista e como um sério problema de saúde pública. Logo, outra categoria
vinculada é Saúde, com tema Saúde Pública. Por telefone, houve a participação da
representante do Fórum de Mulheres do Estado de Pernambuco e de um
representante da Secretaria de Defesa Social do Cabo e no estúdio de uma
integrante do Conselho das Mulheres do Cabo de Santo Agostinho e também
vinculada ao Centro das Mulheres do Cabo. Discorreu-se o que o município tem feito
para enfrentar a violência contra a mulher e os movimentos também, além do
134
panorama da situação na região. Notícias sobre aborto, homossexualismo, direitos
da criança também foram abordadas no dia.
No dia 19/07/07 o tema central fora sobre a Pré-Conferência Municipal de
Saúde. A representante pelo evento estava no estúdio para esclarecer; historiar,
apontar os eixos temáticos que serão discutidos e convocar a população para as
discussões. Logo, a categoria abordada fora Saúde, com os temas Saúde Pública, e
Busca de Soluções.
No dia 18/07/07 não houve programa. Na verdade, em 2008 o programa
passou a ser veiculado todos os dias.
No dia 20/07/07 a categoria abordada mais uma vez fora Saúde, com o
tema Saúde Pública. Discutiu-se sobre os direitos das gestantes, principalmente na
hora de parir. A enquete do dia foi: O que você acha do atendimento da maternidade
da nossa cidade? Tem um quadro interessante no programa denominado Você
Sabia. Geralmente a apresentadora sobre um artigo da Constituição referente à
temática ou outro documento, sempre referente a direitos. Nesse dia, houve uma
informação de que antes do Sistema Único de Saúde (SUS), os trabalhadores
com carteira assinada tinham direito a atendimento, com o SUS todos passam a ter
direito de uma saúde pública humanizada.
o Calheta Esportes é um programa esportivo veiculado das 12h às
13h, todos os sábados. O programa traz notícias do mundo dos esportes,
principalmente futebol regional, local, nacional e internacional, nesta ordem. Outros
esportes também são abordados, mas em menor freqüência. Tem entrevistas,
enquete e debates com representantes e torcedores dos times regionais no estúdio.
O slogan do programa é: “No balanço da bola você fica bem informado”.
No estúdio, os torcedores dos três principais times de Pernambuco, Santa
Cruz, Náutico e Sport, participam de um debate. Eles são sorteados para
participarem do programa. Por telefone, os ouvintes podem dar sua opinião sobre a
situação dos clubes pernambucanos ou até sobre a seleção brasileira masculina de
futebol.
Os comentários dos três apresentadores são mais freqüentes do que as
próprias notícias, que vêm na seguinte ordem: três notícias sobre os três maiores
clubes Pernambucanos e mais quatro notícias sobre esportes na região, como
Campeonato de Surf, festa de encerramento do Campeonato de Futebol das Praias
do Cabo e o balanço geral dos resultados das Séries A, B e C do Campeonato
135
Brasileiro de Futebol. No segundo bloco, houve o debate com dois torcedores, cada
um de um time de Recife, Sport e Santa Cruz, comentando sobre o resultado do
campeonato pernambucano e, principalmente, o brasileiro.
Na Tabela 1 a seguir há uma compilação das informações supracitadas.
PROGRAMA HORÁRIO
DIA DESCRIÇÃO
COMUNICADOR
TEMAS
ABORDADOS
Jornal da
Calheta
7h às 8h Segunda a
Sexta
Radiojornal
com foco em
notícias
regionais e
locais
Marcos Viana
Cristiane Arantes
Política Regional
e Local
Saúde
Trabalho
Educação
Economia
Cidades
Rádio Mulher 8h às 9h Segunda a
Sexta
Programa de
notícias,
debates e
entrevistas
do Centro
das Mulheres
do Cabo
Flávia Lucena Saúde
Reprodutiva
Direitos Sexuais
Cidadania
Feminina
Passando a
Limpo
11h às
12h30
Segunda a
Sexta
Mesa
Redonda
com foco na
comunidade
Ely José de
Paula - Batata
Cidadania
Saúde
Educação
Segurança
Política Local
Calheta
Esportes
12h às
13h
Sábado Programa
Esportivo
Ely José de
Paula Filho
Futebol Regional
Futebol Local
Esporte Local
Tabela 1 - CALHETA FM – PROGRAMAÇÃO JORNALÍSTICA
É interessante relembrar que a informação é o DNA do jornalismo e está
associada a um processo maior de compromisso com a democracia, por meio do
exercício da cidadania. Entendida esta no caso da rádio Calheta FM como um
processo de construção do cidadão por meio do esclarecimento e da cobrança dos
direitos sociais brasileiros, mas também da conscientização dos direitos políticos e
civis. Os cidadãos passam a ter consciência de seu papel no cenário local, que não
perde de vista o global. O local passou a ser valorizado como um espaço público
regional contra a desumanização, desterritorialização e o desprezo pela prática da
136
cidadania na contemporaneidade, uma esfera crítica e de interação dos cidadãos em
torno dos problemas que lhes seriam mais próximos.
Em outro canto do país, mais especificamente no centro do Brasil, a rádio
comunitária Paranoá FM apresenta uma programação jornalística bastante diferente,
que fora observada entre os dias 11 e 16 de junho de 2007. O improviso, o
amadorismo e a necessidade de atender imediatamente a população com cestas
básicas e ofertas de emprego marcam o conteúdo veiculado nos programas. “Em se
tratando de jornalismo, a programação poderia ser melhorada. Tenho certeza que
tinha condições de melhorar. Desde que tivesse recurso para isso. É preciso de uma
estrutura melhor, equipe qualificada. O que nós fazemos é um jornalismo muito
amador”, afirma um dos comunicadores da emissora.
O contexto da região favorece essas características, pois durante quase
de anos o Distrito Federal foi governado com políticas assistencialistas, em que o,
leite, vale gás e cesta básica era o feijão com arroz de muitas famílias. Logo, a
população não tinha vontade de encarar um trabalho, pois o básico para sobreviver
era garantido sem esforço. O resultado disso foi um grande número de
desempregados sem qualificação. E é justamente nesta mazela social que a
emissora Paranoá se detém.
O programa mais assistido da região é o radiojornal Paranoá Notícias, em
que o apresentador lê as manchetes e notícias dos dois principais jornais da região,
mas principalmente lista as ofertas de emprego para a região e as fixa na porta da
emissora. É nesse momento que as pessoas mais participam da rádio, pois a
necessidade da região é essa.
A programação jornalística também abre espaço, sem restrições, para os
moradores e para as autoridades locais. Há debates, entrevistas e informativos úteis
à população. O jornalismo então aparece como prestador de serviço para a
população que possui diversas mazelas sociais e uma em especial, a pobreza
política, de falta de conscientização de seus direitos e deveres. Em todos os
programas jornalísticos, os comunicadores, extremamente politizados e líderes
comunitários, alertam para essa apatia da comunidade, que deixa tudo acontecer e
não reclama. Os locutores acreditam que a informação pode mudar essa realidade,
dar mais cidadania à população.
Pode-se então dizer que é um espaço público comunitário ainda em
construção, com esferas de discursividades mais voltados para as denúncias
137
puramente, sem muitas expectativas de soluções. O que se pretende é aumentar a
auto-estima da comunidade e tentar politizá-la, mas em primeiro lugar dar
oportunidade de emprego e atividades para a mesma.
Os principais temas abordados são: política regional e local, saúde,
esporte local e questão territorial. uma região próxima ao Paranoá que ainda não
é regularizada, como muitas no Distrito Federal, e isso é foco de notícias.
Um assassinato de uma comerciante fora o destaque na semana não
apenas na rádio, como também na mídia comercial regional e local. O trato com a
notícia fora totalmente diferente. Enquanto nas dias comerciais o assunto era
tratado como caso de polícia, com dramatização do ocorrido (tira à queima roupa),
criminalização do adolescente envolvido e contextualização da região como um local
extremamente perigoso, na rádio comunitária Paranoá FM a vítima fora tratada como
uma pessoa querida, com família de sentimentos. A população solidarizou-se com
os familiares, mas também requereu providências. O link da semana então foi direto
da passeata contra a violência na região, que objetivou levar uma carta de
reivindicação de melhores condições de policiamento, em termos qualitativos e
quantitativos, para a administração do Paranoá. Enquanto João Gomes, produtor e
apresentador do Paranoá Notícias estava junto com o povo, os comerciantes (que
fecharam suas portas na manhã de quarta-feira, 13/06/07) e totalmente engajado
com tudo, os repórteres de rádios locais comerciais e televisões regionais estavam
distantes, como observadores e ávidos por emoções mais fortes.
seis programas eminentemente jornalísticos
55
na grade de
programação da dio. Apenas um é veiculado todos os dias, o radiojornal Paranoá
Notícias, o mais ouvido da região. Os outros cinco são emitidos apenas uma vez por
semana e voltados para os debates e destes, dois promovem ações institucionais e
líderes da região. Cada programa tem sua peculiaridade, mas sempre com a
intenção de prestar serviço à comunidade, a fim de ajudar na busca de empregos.
O Paranoá Notícias é veiculado de segunda à sexta-feira, das 7h às 9h.
Trata-se do espaço de maior audiência da emissora, principalmente por divulgar
diariamente ofertas de emprego para a região, coletadas dos principais jornais da
55
dois programas musicais com notícias locais Temperatua xima e Swing Paranoá, que são
veiculados todos os dias. Neles espaço para informes locais que o apurados pelo único repórter
da emissora, Josecy Mirindiba.
138
capital e garimpadas pelo repórter do radiojornal, Josecy Mirindiba e pelo
programador de áudio, Lindomar Kevin e afixadas na entrada da emissora.
O locutor faz a leitura de todas as manchetes dos principais jornais do
Distrito Federal Correio Braziliense e Jornal de Brasília, além de algumas matérias
interessantes dos mesmos, que mais tem a ver com a comunidade Paranoá.
leitura de comunicados que são deixados na rádio por autoridades e população em
geral, boletins de ocorrências da delegacia local coletados por Mirindiba, e
participação semanal do administrador local, Sérgio Damasceno. Notícias de
esportes também são veiculadas todos os dias. Conforme define o apresentador,
trata-se da “Ouvidoria da Cidade”.
participação dos ouvintes por telefone e nos estúdios, de forma
espontânea e não programada. Em alguns casos sim, mas na maioria deles a
população chega livremente à dio e é imediatamente atendida. Na semana
pesquisada, por exemplo, um prefeito comunitário fora falar sobre a festa junina da
sua quadra e chegou sem avisar. Ele teve o espaço requerido para discorrer sobre o
assunto e ainda convocar a população para a grande festa.
As notícias são extremamente diversificadas e pautadas pelos dois
principais jornais do Distrito Federal, Correio Braziliense e Jornal de Brasília. Então,
o que foi manchete de capa desses dois veículos foram os destaques do Paranoá
Notícias. Esportes e Fatos Policiais também não deixam de aparecer diariamente na
programação. Em relação aos esportes, há basicamente a leitura dos resultados da
última rodada dos campeonatos nacionais e locais. E os fatos policiais são
principalmente as notícias que se encontram nos jornais sobre o Paranoá e as
outras regiões administrativas consideradas subúrbios da capital da o país.
Como se sabe que Política é o principal assunto discutido na capital
federal, esta foi a categoria principal que perpassou toda a programação do
radiojornal, com o tema Política Nacional. Com o assassinato de uma comerciante
no dia 12/06/07, a categoria paralela à principal do programa fora Violência, com os
temas Policiamento e Críticas às Autoridades Competentes, na quarta, quinta e
sexta-feira.
O radiojornal não tem roteiro e é extremamente amador. O apresentador
do mesmo acredita que essa improvisação o aproxima da comunidade. Percebe-se
realmente uma enorme participação da população no programa. O telefone não pára
de tocar. As pessoas sentem-se à vontade para denunciarem; elogiarem e
139
informarem sobre alguma mazela ou ação na comunidade. A impressão que ficou foi
a de que as únicas notícias programas para o dia são as que estão nos jornais. O
que vier da comunidade sebem-vinda para preencher o horário. Trata-se sim de
um espaço de denúncia e comentários do apresentador, morador da região mais
de 30 anos. Impressionou também a quantidade de apoios culturais que o
apresentador tem que chega a sete, do programa e os veiculados ao longo do
radiojornal, que chegam a ocupar, às vezes, dez minutos da programação.
No dia 11/06/07, além da leitura da capa dos jornais brasilienses, o Hino
Nacional é tocado. Segundo o apresentador é para “dar mais cidadania para o
povo”. Houve um bate-papo no estúdio com o presidente da Associação Comercial e
Industrial do Paranoá (ASCIP) e um representante da Unidade de Atendimento
Coletivo, Comércio e Serviço do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae). O assunto foi um projeto deste denominado Comércio Varejista,
que objetiva atender os comerciantes do Paranoá, com oficinas, capacitações e
intervenções para alavancar a principal atividade da localidade. As intervenções da
comunidade foram sobre o projeto. O debate durou quase 30 minutos de programa.
A categoria então que perpassou foi Cidadania, com o tema projetos.
O apresentador ainda leu um comunicado da diretora do Hospital
Regional do Paranoá de que a população deve fazer reclamações diretamente para
ela para que o problema seja solucionado e que algumas especialidades não tinham
no hospital, logo, os pacientes deveriam procurar outro hospital. Mas foi apenas um
informe.
No dia 12/06/07, além das leituras rotineiras, houve um espaço grande de
debate com os ouvintes sobre Cidades, com o tema Questão Territorial. Líderes
comunitários fizeram um panorama da situação da Região Administrativa Itapoã, que
fica ao lado do Paranoá e é assistida por ela. As obras públicas na região como
saneamento, luz, água e asfalto foram embargadas, pois a localidade ainda não é
regularizada.
Um líder comunitário do Itapoã tentou sensibilizar a população para que
tomasse atitude e cobrasse das autoridades locais providências em relação à
localidade:
Você esfalando João Gomes que vai faltar água, mas eu tenho uma
notícia pior ainda. Em conversa com a Adminstração Regioinal de Itapoã
descobri que o governo distrital embargou todas as obras da cidade. E não
140
para entender, porque o dinheiro está liberado para regularizar a
situação, mas o juiz determinou para Caesb, Ceb e Novacap que não ligue
mais água, nem luz e a Brasiltelecom também não pode fazer serviços na
localidade. São juízes que mandam soltar ladrão bandido que rouba
dinheiro público, mas não mandam prender grileiros que cercaram o
Condomínio Del Lago e o estão vendendo em partes pequenas. Então
você meu amigo, amiga, cobre do administrador o que essendo feito na
Administração do Itapoã. Não pode ser acomodado, quando o governo
quer fazer faz. Ele tem até apoio do exército brasileiro, que usa esse
monopólio para fazer política em cima do povo, que não vai sair não. O
plano de desocupação foi entregue pela Polícia Militar. Vamos se unir. E
a melhor saída é sentar e negociar. Tanto pessoal que tem direito de
reintegração de posse, pessoas da comunidade, qualquer pessoa, e
também o governo do Distrito Federal através de seus representantes. Eu
pedi ao administrador da nossa cidade, Dr. Marco Aurélio, e ao deputado
distrital Leonardo Prudente para falar com o governador, que está calado
sobre esse assunto. É séria a problemática da região, é um processo de
alto risco; é um dinamite que a qualquer momento pode explodir.
João Gomes fez diversas intervenções como profundo conhecedor do
assunto (ele é corretor de imóveis) e algumas soluções. Além do debate que ocupou
mais de 30 minutos da programação, houve a fala do administrador regional da
localidade que sempre apresenta as ações de sua gestão na segunda-feira, mas
excepcionalmente naquela semana ele telefonou na terça-feira.
No dia 13/06/07 o assunto principal foi Violência, com os temas
Policiamento, Críticas às Autoridades e Busca de Soluções. O motivo foi claro: o
assassinato no dia anterior, às 11h da manhã, de uma comerciante que reagiu ao
assalto e levou assim vários tiros. O tema fora capa dos jornais que João Gomes
Correio Braziliense e Jornal de Brasília, além de vários programas de televisão
locais.
No dia 14/06/07 a categoria Violência, com os temas Policiamento, Críticas
às Autoridades e Busca de Soluções prevaleceram. A Associação Comercial e
Industrial do Paranoá (ASCIP) organizou uma passeata contra a violência e levou
documento para o administrador regional solicitando providências. João Gomes fez
questão de dizer que o número de policiais na região é ínfimo, mas que a maior
solução é dar oportunidade para os jovens, principalmente.
No dia 15/06/07, para finalizar a semana, o hino nacional é tocado,
novamente. As manchetes dos jornais eram sobre o assassinato da comerciante e a
passeata contra a violência e uma modelo da região que moraria fora do país. Nesse
dia, o Paranoá virou capa de jornal, infelizmente por causa de uma tragédia.
Ironicamente, o apresentador leu sobre sua própria comunidade, enxergando-se nas
folhas dos jornais. O programa terminou com uma entrevista com dois líderes
141
comunitários que foram divulgar a Festa Junina da quadra deles. Eles chegaram
sem avisar e foram atendidos sem problemas.
o programa A Cidade Desperta, veiculado aos sábados, das 7h às 8h,
é o que mais se aproxima de uma produção jornalística profissional e mais voltada
para a comunidade, pois são notícias basicamente locais.
O apresentador colhe as informações nas ruas, na delegacia, no hospital,
na administração, nos bombeiros e no comércio, além de conferir o que foi passado
para ele durante a semana. “Eu não sou desse tipo, uma pessoa ligou e vou passar
aquilo que ele falou. Um cara me ligou e disse que tinha um incêndio na quadra 20.
Liguei no Bombeiro para verificar. Era no Pinheiral na frente da quadra 20. Já
pensou se eu fosse aquele cara que não sabe me informar?”, afirmou Josecy
Mirindiba, repórter da emissora e apresentador do programa. Segundo ele, o próprio
nome diz do que se trata o programa, de um alerta para a comunidade, para se
informar, saber quais são seus direitos e deveres.
O apresentador coloca o administrador da região para falar com o ouvinte,
ao vivo. De acordo com o apresentador a programação jornalística contribui para o
desenvolvimento da comunidade quando:
A gente entra ao vivo, a população quer falar, quer dizer o que está
acontecendo. Os programas têm alavancado muitas soluções e questões
com a rádio. Uma das chefas (sic) do hospital está trazendo um material
para eu divulgar. O foco para a grande mídia é a violência e eles aqui
desmistificam isso. Eles fazem um papel em defesa da comunidade. Antes
de existir a Paranoá FM, não via nenhuma emissora chegar por aqui 150
FM, JK, 104 etc. As unidades móveis deles agora estão espalhadas e
sempre querendo informações nossas.
A população liga para denunciar e se informar mais sobre determinado
assunto abordado pelo apresentador ou até para falar diretamente com o
administrador regional. Durante a semana, é a comunidade quem pauta Mirindiba.
O tema central foi o assassinato da comerciante da região. Logo, a
categoria principal fora Violência, com os temas Policiamento, Busca de Soluções e
Críticas às Autoridades.
Trata-se de um programa de extrema importância para a população, por
tratar de temas que a diz respeito, única e exclusivamente. Nada é retirado de
jornais ou sites, mas sim das ruas, como uma verdadeira e grande reportagem. A
comunidade identifica-se com tudo e se sente mais à vontade para participar do
espaço. Há uma grande preocupação em informar os moradores sobre seus direitos,
142
como o de ter um atendimento digno de saúde, por exemplo, ou de cobrar
providências no que tange às ofertas de emprego e violência na região.
O programa esportivo Jogo Limpo é veiculado de segunda, terça, quinta e
sexta, das 12h às 13h. Têm comentários e notícias sobre futebol e, às vezes, de
outros esportes. O apresentador, Dávila Bezerra, cronista e radialista 40 anos,
sempre um destaque para o futebol local.
A participação se pela presença de deres esportivos da região, da
Liga Desportiva do Paranoá e dos clubes da localidade. Não telefonemas ou
envio de e-mails.
O tema principal dentro da categoria Esporte é Futebol Nacional. Em
todos os dias a Seleção Brasileira Masculina de Futebol é o destaque. Em segundo
lugar aparece o Futebol Local, com resultados e perspectivas dos times da
localidade e ações do Conselho de Desenvolvimento Esportivo do Paranoá
(Condep), com a palavra do presidente do mesmo no estúdio. João Gomes faz a
leitura dos placares do Campeonato Brasileiro, Séries A, B e C e anuncia os jogos
da outra rodada.
O foco é no futebol nacional, mas há um grande espaço para o esporte
local. Trata-se de iniciativa interessante em se tratando de programas esportivos,
com participação de representantes do esporte local. Há um time que faz a cobertura
dos campeonatos amadores das ligas da cidade, da Série B do Campeonato
Candango, com dedicação ao Paranoá Esporte Clube e ries A e B do
Campeonato Brasileiro. Dávila Bezerra faz a narração; Luis Talício é o comentarista;
Marco Antônio é o comentarista de arbitragem e João Gomes é o repórter.
No dia 14/06/07, o apresentador falou mais de 10 minutos sobre o
assassinato da comerciante local:
Uma coisa tem que ser colocada na prática, ninguém pode responsabilizar a
polícia por isso, pois não tem contigente para prevenção propriamente dita.
Eles não têm culpa de nada. O governo é que tem que ver de outro lado. A
polícia não pode estar em todo lugar e não sabe o que vai acontecer. Agora o
governo sim tem um contingente de funcionários públicos, pessoas de
respeito, que podem trabalhar combatendo a violência. O que está faltando é
uma coordenação séria de forma estratégica para as pessoas poderem
trabalhar, na avenida principal, com motos, cavalaria, contigente maior. É
preciso evitar que o marginal se proponha a esse tipo de coisa. Não é
admissível ter um contigente de 200 a 300 pessoas para fiscalizar 5, 6 mil. É
o momento de sentar a própria população, o comércio e fazer um
investimento. Alguma providência tem que ser tomada. Agora não se faz de
um dia para o outro. A polícia não tem o dom de adivinhar. Os órgãos é que
não souberam trabalhar. É como uma partida de futebol, fazer um gol contra,
não dá para prever. E não pode se acusar ninguém. Na escolha desses
143
elementos que respondem por s existem os interesses pessoais que estão
em jogo.
No outro programa esportivo, Resenha Esportiva, veiculado quarta-feira,
das 12h às 13h, leitura e discussão das notícias esportivas dos jornais do Distrito
Federal, principalmente as relacionadas ao futebol, mas também há bastante espaço
para debates com representantes dos esportes amadores da cidade, não apenas o
futebol.
Os representantes do esporte local vão ao estúdio discutir temáticas como
políticas blicas para o setor, recursos para os mesmos, ações e perspectivas
futuras. Quem apresenta o programa, além de João Gomes, é o presidente da Liga
Desportiva do Paranoá, conhecido como Chiquinho.
Na semana pesquisada, o programa falou basicamente da passeata que
ocorreu em protesto à violência na região. Os apresentadores fizeram o link com o
esporte, alegando que mais quadras poliesportivas, a revitalização do Estádio de
Futebol do Paranoá e mais atividades físicas podem dar mais oportunidade para os
jovens e diminuir a violência.
ainda dois espaços voltados para a promoção de ações de
associação, líder comunitário e autoridade com reconhecimento local, o Espaço
Empresarial e o Zona Leste – De Olho na Sua Segurança.
O primeiro é um programa de notícias, debates e entrevistas da
Associação Comercial e Industrial do Paranoá (ASCIP), veiculado das 16h às 17h,
às sextas-feiras. São divulgadas as atividades da associação; realizados debates
com comerciantes locais sobre suas dificuldades, principalmente, e entrevistados
artistas locais. A comunidade participa no estúdio, ao vivo, nos debates e programas
de entrevistas, mas na presença dos comerciantes associados e artistas locais.
Os temas mais abordados na semana pesquisada foram: Cidadania, com
Busca de Soluções, por meio do projeto Comércio Varejista do Sebrae, em parceria
com a ASCIP e Violência, com os temas Policiamento, Críticas e Busca de
Soluções. Debateu-se sobre a questão da violência com mais intensidade e o medo
dos comerciantes, além da revolta.
Trata-se de um espaço de visibilidade para o comércio local e promoção
das atividades da associação, além do presidente da mesma. Como o comércio é a
principal atividade da região, é interessante que se tenha um espaço para discutir a
temática.
144
o programa Zona Leste De Olho na Sua Segurança é sobre
segurança pública que objetiva orientar e apresentar um projeto do Major Charles de
Magalhães Araújo Junior sobre câmeras de segurança. O policial objetiva
implementar a iniciativa na região e a implementou na região administrativa de
Sobradinho. Segundo o major, a Zona Leste do Distrito Federal é composta pelas
seguintes regiões Paranoá, Varjão, Sobradinho, Itapoã, Planaltina, Sobradinho I e
II e São Sebastião. Para o apresentador, “a programação jornalística da rádio
contribui em muito para o desenvolvimento da comunidade. Uma vez que deter a
informação significa o princípio básico do desenvolvimento intelectual do ser
humano”.
Os moradores podem ligar e opinar sobre o assunto do dia, assim como ir
ao estúdio se desejarem. Na semana do assassinato da comerciante da região, o
assunto não podia ser outro Violência, com os temas Policiamento, Busca de
Soluções e Críticas às autoridades. A solução mais assertiva para o apresentador foi
a instalação das câmeras:
tem empresa grande que banca as câmeras do Paranoá. É preciso que
o govero queira. Vamos atrás de quem for preciso para conseguir isso. O
que posso dizer é que ter mini quartéis não resolve o problema da
segurança no Distrito Federal. Os policiais não querem ficar em postos,
porque querem ir para a rua, combater a criminalidade. Trata-se de uma
medida simpática quando se trata de quem o entende. A solução são as
câmeras de segurança e mais policiais militares nas ruas. O Paranoá tem
torno de 150 mil pessoas, fora áreas rurais. Então teria que ter no mínimo
500 policiais e temo cento e poucos. Deveria tirar de outras regiões que
tem e não precisam. Fiquei chateado porque na passeata hoje o João do
Violão (presidente da Associação Comercial do Paranoá) nem sequer
mencionou o meu projeto de instalação de câmeras.
O programa tem papel importante para mostrar o outro lado da discussão
sobre violência e segurança pública, o de quem é sempre criticado, o policial.
Contudo, há uma insistência com o projeto do Major, o que soa mais como uma
tentativa de autopromoção.
Houve a participação de um ouvinte, chamado Flávio, microempresário da
região:
Gostaria de parabenizar o senhor Major pelo programa. É a primeira vez
que estou ouvindo e a gente não ouve esse tipo de coisa. Queria
parabenizar também os demais programas por estar tentar falar de coisas
boas na cidade, ações do dia-a-dia, delegado. As coisas boas ruins a gente
deixa para Rede Globo e SBT. Hoje realmente foi um dia difícil. Mas muitas
coisas vão acontecer. A cidade foi penalizada muito por conta da situação.
Sirva para todos que representa a rádio, que as pessos falem de coisas
boas, que nós somos um povo hordeiro, trabalhador.
145
A rádio Paranoá FM presta serviço à comunidade com o intuito de torná-la
dona de sua história, logo, de exercer a cidadania. A principal mazela da região, a
falta de oportunidade, gera outros problemas como a violência, que também é tema
comum nas programações. E apesar de ser uma emissora basicamente musical,
possui espaços amadores e improvisados de discursividade e liberação da voz para
quem não tem em outros veículos.
A Tabela 2 compila dados supracitados para melhor visualização da
programação jornalística do veículo.
PROGRAMA HORÁRIO DIA DESCRIÇÃO COMUNICADOR TEMAS ABORDADOS
Paranoá
Notícias
7h às 9h Segunda
a Sexta
Radiojornal
com notícias
de jornais
impressos e
da
comunidade
João Gomes Política Nacional,
Regional e Local
Economia Nacional
Esporte Nacional,
Regional e Local
Saúde
Educação
Trabalho
Cidade
Cidadania
A Cidade
Desperta
7h às 8h Sábado
Radiojornal
com noticias
locais
Josecy
Mirindiba
Cidadania
Saúde
Educação
Trabalho
Jogo Limpo 12h às 13h Segunda,
Terça,
Quinta e
Sexta
Programa
Esportivo
Dávila Bezerra
João Gomes
Futebol Nacional e
Local
Resenha
Esportiva
12h às 13h Quarta
Programa
Esportivo
João Gomes
Chiquinho
Esportes Locais
Espaço
Empresarial
16h às 17h Sexta
Programa de
debate e
notícias
João do Violão Segurança Local
Comércio Local
Zona Leste 20h às 22h Sexta
Programa de
debates e
notícias
Major Charles Segurança Pública
Local e Nacional
Tabela 2 - PARANOÁ FM – PROGRAMAÇÃO JORNALÍSTICA
Na Paranoá FM está se construindo um espaço público comunitário, em
que se intenta tematizar identidades, valores, idéias e opiniões que remetem
diretamente à comunidade dos indivíduos que constituem seu público receptor e
buscar consensos pela afinidade de interesses e práticas sociais.
146
5.5 O JORNALISMO COMUNITÁRIO DA CALHETA E DA PARANOÁ FM SUAS
ESPECIFICIDADES E INTENCIONALIDADES
Diante de toda a descrição e análise do processo de produção da notícia
das duas rádios, desde a seleção até a emissão do conteúdo, com ligações diretas
com a estrutura organizacional e a cultura profissional, pode-se dizer que as duas
rádios comunitárias praticam um jornalismo específico voltado para o exercício da
cidadania, diferente dos veículos comerciais. Um jornalismo contraditório em sua
essência por estar atrelado ao contexto neoliberal.
Calheta FM e Paranoá FM são definidas como mídias comunitárias, por
serem sem fins lucrativos, modelos alternativos de comunicação ao tradicional, com
fins de politização dos indivíduos, mobilização social e educação informal, de acordo
com definição de Cicilia Peruzzo (2003). Portanto, o diferentes dos veículos
comerciais locais movidos a interesses mercadológicos, lucro e audiência.
As principais características que diferenciam a mídia comunitária da mídia
local foram evidenciadas no decorrer da pesquisa: vínculos sociais, estratégias de
sustentabilidade, processo produtivo e conteúdos (PERUZZO, 2002). Nas rádios
pesquisadas, o nculo com a comunidade é intenso, até mesmo porque os
comunicadores são moradores e até líderes da localidade. No caso das mídias
locais, os profissionais muitas vezes nem conhecem a comunidade onde realizam
suas reportagens. Nas emissoras Calheta FM e Paranoá FM, a sustentabilidade se
por meio de apoios culturais e nos veículos comerciais por meio de publicidade
pública, principalmente, mas também privada, com valores altos e sessão de
espaços. Na Calheta FM os espaços também são “comprados”, mas com a intenção
de contribuir para a sustentabilidade da emissora e não para o lucro. Nas rádios
pesquisadas as pautas são específicas de segmentos sociais, como a questão da
violência, trabalho e assuntos da comunidade. nos veículos comerciais locais, os
conteúdos são mais gerais, como tragédias e tráfico de drogas.
A cultura profissional talvez seja a maior diferença entre as duas rádios
comunitárias e os veículos comerciais. Enquanto nas primeiras não como os
profissionais compartilharem valores e normas, pois são de áreas diferentes, nos
segundos essa identidade profissional (ethos) influencia fortemente a produção da
notícia, gerando um jornalismo voltado para o imediatismo, preocupado com o tempo
e com os diretores, em que a atualidade é o principal valor notícia.
147
Na Calheta FM e na Paranoá FM o processo de produção da notícia na
organização de forma geral é responsabilizado por um ou no máximo três
comunicadores. Contudo, cada programa tem sua produção, que reflete nos valores
e convicções de cada apresentador. As pressões exercidas pelas direções são
ínfimas, o que torna o trabalho comunitário mais criativo e livre de interferências
indesejadas, principalmente da concorrência, inexistente na vida das rádios.
As estruturas organizacionais foram geradas contraditoriamente ao
discurso de empoderamento dos cidadãos, com a ajuda de “padrinhos” e com a
criação das associações de forma burocrática, como pré-requisito para a obtenção
da outorga das dios. Contudo, isso não influenciou no processo de produção e na
programação da emissora. Foram arranjos neoliberais necessários para colocarem
em prática o verdadeiro direito à comunicação de quem não tem voz nem vez nos
veículos comerciais. Voltou-se para a questão das redes primárias de organização,
as famílias, a fim de reverter um quadro de mazelas sociais comunitários.
As realidades onde as rádios estão inseridas influenciam
consideravelmente na programação e no processo produtivo. Na Paranoá FM, por
exemplo, em uma região cujo desemprego é enorme, as ofertas de trabalho ganham
destaque na programação, no contato da emissora com a rádio e na motivação dos
comunicadores no decorrer do processo de coleta, edição e emissão das
mensagens.
Assuntos que o conseqüências dessa falta de oportunidades vêm à
tona, como as questões da violência urbana e da falta de perspectivas para os
jovens da região. Outro tema bastante abordado o só na localidade, mas no
Distrito Federal de forma geral é a questão da regularização de condomínios, pois a
região foi crescendo desordenadamente. A comunidade do Paranoá então cobra
providência de políticos locais e regionais e tem os comunicadores como portadores
da justiça social.
na Calheta FM, saúde, educação e política municipal estão em foco
por ser uma região carente de serviços sociais de qualidade, mas principalmente de
políticas públicas, uma redução e ausência típica do contexto neoliberal. Mas a
população reivindica, denuncia, cobra e, principalmente, mobiliza-se para solucionar
esses problemas juntamente com o poder público, que é ao mesmo tempo o seu
principal adversário e aliado.
148
Nas duas rádios Calheta e Paranoá FM trata-se de um jornalismo
comunitário, em que o cidadão é a principal fonte entrevistada e de informação, com
todos seus problemas e objetivando a busca de soluções e não de audiência, com
programação plural. E embora haja distorções, as intenções estão voltadas para o
desenvolvimento comunitário e a educação informal. A proximidade é apenas um
dos facilitadores para a coesão e interação construtiva desses espaços públicos
comunitários, em que a discussão em busca do melhor argumento tem a finalidade
de conscientizar a população de seus direitos e deveres para que possam reivindicá-
los. A concepção de comunidade é aquela em que são formadas identidades por
questões compartilhadas e uma destas é a relacionada aos problemas sociais
(BAUMAN, 2003). São comunidades efêmeras, superficiais e sem perspectivas a
longo prazo, pois não se sabe até quando o espaço de discursividade, representado
pela rádio vai permanecer no ar. Logo, são comunidades voltadas para o
compartilhamento de idéias, valores e identidades.
No jornalismo local ou de proximidade a questão do locus territorial é a
que prevalece e o objetivo maior é informar, com vistas ao lucro, pois as instituições
que o praticam são comerciais.
Para a pesquisadora Raquel Paiva (2006), o jornalismo de proximidade e
o jornalismo comunitário são pólos opostos que dialogam entre si. A proximidade
com a população é importante para as mídias locais, seja para seleção de pautas
como para assuntos que envolvam a coletividade. Já para as mídias comunitárias, o
acesso a técnicas de produção é de incomensurável valor.
Na contemporaneidade, em contexto neoliberal, as rádios comunitárias
como mídias voltadas para a comunidade passam a ter novas características e uma
delas é a valorização da informação e de ferramentas modernas no processo de
produção da notícia, tais como a Internet, mas com os objetivos intactos o
desenvolvimento da comunidade por meio do exercício da cidadania (BOTÃO,
2002). As duas emissoras pesquisadas utilizam-se da Internet como fontes de
informação e até de espaço para propagação de seus conteúdos pelo mundo, pois
se sabe que a abrangência de suas mídias é reduzida.
Esse jornalismo comunitário dessas dias comunitárias analisadas como
espaços discursivos de embates e contradições têm suas especificidades: principal
valor notícia a cidadania, a comunidade como fonte número um de informação e de
entrevistas, profissionais não-qualificados em termos jornalísticos, mas
149
extremamente politizados e engajados em causas sociais, equipe reduzida,
programação plural com diversos gêneros jornalísticos explorados mas não de forma
profissional, grande participação da comunidade na produção, edição e emissão das
mensagens, haja vista que os próprios locutores o da comunidade, e,
principalmente o real compromisso com a cidadania, que fortalece a democracia,
preceitos do jornalismo de forma geral, mas que na prática não é validado nas
mídias comerciais.
150
CONCLUSÃO
O jornalismo nas rádios comunitárias Calheta e Paranoá FM tem suas
especificidades que o distancia do veiculado nos meios comerciais locais. As
estruturas organizacionais, as culturas profissionais e as rotinas produtivas dos
veículos comunitários estudados são diferenciadas das instituições de comunicação
convencionais. E são essas diferenças, influenciadas pelas condições de origem de
cada emissora e inseridas no contexto neoliberal, que torna as rádios pesquisadas
em espaços públicos de discursividade para o exercício da cidadania, por meio da
politização dos sujeitos sociais.
As duas emissoras surgiram do sonho de dois radialistas de terem “suas”
rádios para atenderem aos anseios da comunidade, no caso da Calheta FM, e dos
cantores regionais, no caso da Paranoá FM. E isso vai refletir na programação de
cada veículo. A questão dos dois espaços comunicativos recorrerem a “padrinhos
políticos” para conseguirem suas outorgas revela as contradições do mundo
contemporâneo neoliberal, que da mesma forma que abre espaços para alternativas
democráticas comunicacionais, também as pressiona de tal forma que elas acabam
por pedir ajuda ao sistema. A Lei 9.612/98 é um exemplo disso, pois tem avanços no
que tange ao texto sobre programação plural e educativa e finalidades para o
desenvolvimento da comunidade, restringe o alcance das emissoras para o raio de 1
km.
No que se refere às estruturas organizacionais, pode-se dizer que as duas
emissoras pesquisadas possuem equipes reduzidas de jornalismo, com apenas um
ou dois produtores para todos os programas, mas também os locutores-
produtores. Os diretores de ambas as emissoras são parentes que objetivam por
laços de confiança administrar os espaços com o compromisso para com a
comunidade, retomando assim para o fortalecimento das redes primárias de
relacionamento e construção de espaços democráticos e cidadãos de reivindicação
de princípios básicos de uma vida digna: emprego, saúde, educação e segurança.
Na Calheta FM, a informação é prioridade, tendo mais da metade da
programação preenchida por notícias. Além disso, o diretor geral da emissora é
também o apresentador e produtor do programa de maior audiência da região. E a
única técnica em Rádio e Televisão é que é a responsável pela produção dos
151
programas jornalísticos, o que demonstra uma preocupação e um comprometimento
maior com esses espaços considerados cidadãos.
na Paranoá FM, a música é que toca mais, contudo, os programas
jornalísticos exercem função essencial ao informar, principalmente, oportunidades de
empregos e sobre problemas na região que atingem todos. O único técnico em
Comunicação também é o responsável pela produção dos programas jornalísticos,
intentando-se assim uma profissionalização maior desses espaços, que presta um
serviço de qualidade e diferenciado das mídias locais para a população.
Percebe-se aqui que os anseios dos idealizadores das rádios estão
contemplados na programação. Nas rádios comerciais locais o os anunciantes os
responsáveis pela grade de programas, pois são eles quem financiam toda a
estrutura comunicacional.
A cultura profissional talvez seja o ponto de maior divergência entre os
jornalistas das mídias locais comerciais e os comunicadores das rádios comunitárias
estudadas. Enquanto os primeiros compartilham valores e normas formando uma
identidade profissional (ethos), os segundos levam para a estrutura organizacional
valores e regras de outras ocupações, pois nenhum deles é jornalista. A
conseqüência desse compartilhamento é o empacotamento de idéias e processos
vinculados à produção da notícia que são repetidos em qualquer instituição
comunicacional tradicional, como checar fontes antes de ir ao ar e correr contra o
tempo para não perder para a concorrência. São ações não compartilhadas pelos
comunicadores comunitários e que os tornam então livres de pressões para focarem
mais em seu objetivo que é o desenvolvimento da comunidade. Logo, o fato de não
terem um ethos enobrece a finalidade dos meios. É interessante lembrar que os
comunicadores são moradores da localidade, logo, são considerados “comunidade”
e por isso compartilham valores e normas não de suas profissões, como dessa
“comunidade” de sujeitos sociais, que não vivem no mesmo espaço, mas
discutem mazelas sociais comuns e soluções para estas.
Em relação às rotinas produtivas – coleta, seleção, edição e veiculação de
notícias, as emissoras pesquisadas assumem papéis simplificados e amadores por
falta de recursos financeiros e humanos, mas a comunidade participa dessas etapas,
seja como fonte de informação ou como entrevistada. Os jornais impressos regionais
e a Internet também contribuem para o processo de coleta de informações. Na
contemporaneidade, as rádios comunitárias passam a ter novas características e
152
uma delas é a valorização da informação e de ferramentas modernas no processo
de produção da notícia, tais como a Internet, bastante utilizada não só para a coleta
de informações, como também para difusão de idéias por meio de cópias de sonoras
de agências de notícias e para abranger suas mídias com a programação on line.
No que tange à seleção, o principal critério para a escolha dos fatos que
virarão notícia é a cidadania. Temas vinculados a esta como saúde, educação e
segurança vêm à tona não para a população se informar do que acontece, mas
também para a mesma reivindicar seus direitos e buscar alternativas para sanar as
mazelas, com o apoio do poder público, principal vilão e ao mesmo aliado das
rádios. A comunidade também pauta os temas. Outros valores-notícia que são
utilizados pelos meios de comunicação comerciais vêm à tona, como atualidade
interesse humano e proximidade geográfica, mas não o os principais. Na edição,
os próprios locutores-produtores ficam encarregados disso e muitas vezes isso é
feito ao vivo. A Calheta FM é mais organizada e tem roteiros para todos os
programas, como também uma funcionária remunerada para produzir previamente
as notícias que irão ao ar ao longo de toda a programação. na Paranoá FM, o
improviso é a marca registrada e se acredita que justamente por isso a comunidade
se identifica mais com o espaço. Não roteiros e até os processos de coleta e
seleção são feitos no ar, sofrendo forte influência dos comunicadores que estão à
frente dos programas, mas como fazem parte da comunidade e também sofrem com
as mazelas sociais, assumem um papel de representantes da justiça social.
O conteúdo apresentado é resultado de todo esse processo produtivo,
com suas influências. Na Calheta FM, saúde, educação e política municipal estão
em foco por ser uma região carente de serviços sociais de qualidade, mas
principalmente de políticas públicas, uma redução e ausência típica do contexto
neoliberal. Na Paranoá FM, a falta de oportunidades vem à tona na programação,
tendo a maior participação da comunidade quando o radiojornal lista as ofertas de
emprego da região.
Os veículos pesquisados apresentam-se então como mídias comunitárias,
por serem sem fins lucrativos, modelos alternativos aos convencionais; terem
programação plural voltada para a educação informal e o desenvolvimento da
comunidade; pelos vínculos intensos com a comunidade; pela forma de
sustentabilidade por meio dos apoios culturais e não de publicidade e por causa do
processo produtivo simplificado e engajado com a cidadania. Muito diferente das
153
mídias locais em que a audiência e o lucro são prioritários; os profissionais o são
da região e o processo produtivo é bastante rigoroso e ágil para não serem
engolidos pelo tempo, que é o que mais as pressionam.
Nas duas rádios Calheta e Paranoá FM trata-se de um jornalismo
comunitário, em que o cidadão é a principal fonte entrevistada e de informação, com
todos seus problemas e objetivando a busca de soluções e não de audiência, com
programação plural. A proximidade é apenas um dos facilitadores para a coesão e
interação construtiva desses espaços públicos comunitários, em que a discussão em
busca do melhor argumento tem a finalidade de conscientizar a população de seus
direitos e deveres para que possam reivindicá-los.
Logo, pode-se dizer que a hipótese fora comprovada, pois o jornalismo
encontrado nas duas rádios pesquisadas realmente é de cunho específico e
diferenciado do jornalismo das emissoras comerciais locais, com objetivo maior de
ampliar a cidadania, mesmo que para isso tenham em seu cerne contradições
típicas de uma sociedade neoliberal, como as organizações nas mãos de famílias e
não da comunidade de forma geral e “padrinhos políticos” que de nada influenciam
no processo produtivo da notícia.
É sugestivo não perder de vista que a radiodifusão afeta diretamente as
convicções políticas, sociais e culturais dos sujeitos sociais e influenciam as
ideologias dos mesmos e sua percepção do mundo. A participação efetiva e ativa da
sociedade na radiodifusão, assim como a necessidade de sua democratização,
atende a um requisito fundamental do Estado de Direito Democrático a liberdade,
pois com a democratização dos meios, os indivíduos ficam mais autônomos para
construir suas próprias idéias, participando de todas as instâncias do poder para que
influenciem os rumos da sociedade.
Consciente da importância da discussão da temática sugere-se que
outros trabalhos aprofundem a discussão iniciada nessa dissertação e até lancem
desafios novos para a ampliação do debate, como a relação das rádios comunitárias
contemporâneas com os novos movimentos sociais, surgidos na década de 90, e
ainda presente nos dias atuais, que englobam associações, organizações não-
governamentais e fundações em um cenário ainda incipiente de busca de
alternativas ao modelo neoliberal.
154
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no País e propor medidas para disseminação das rádios comunitárias, visando
ampliar o acesso da população a esta modalidade de comunicação, agilizar os
procedimentos de outorga aperfeiçoar a fiscalização do sistema.
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Serviço de Radiodifusão Comunitária.
BRASIL. Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967. Complementa e modifica a
Lei número 4.117 de 27 de agôsto de 1962.
155
BRASIL. Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio de 2002. Dá nova redação ao
art. 222 da Constituição Federal, para permitir a participação de pessoas jurídicas no
capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens, nas condições que especifica.
BRASIL. Lei n° 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. I nstitui o Serviço de Radiodifusão
Comunitária e dá outras providências.
BRASIL. Lei n°10.597, de 11 de dezembro de 2002. Al tera o parágrafo único do art.
6º da Lei nº 9.612, de 19/02/1998, que Institui o Serviço de Radiodifusão
Comunitária, para aumentar o prazo de outorga.
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capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens, conforme o § 4o do art. 222 da Constituição, altera os arts. 38 e 64 da Lei
no 4.117, de 27 de agosto de 1962, o § 3o do art. 12 do Decreto-Lei no 236, de 28
de fevereiro de 1967, e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de
Telecomunicações.
BRASIL. Lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995. Dispõe sobre o Serviço de TV a
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serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.
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da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da
Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências.
BRASIL. Medida Provisória nº 2143-32 de 2 de maio de 2001, Autoriza a execução
do serviço, o Poder Concedente, expedirá licença de funcionamento, em caráter
provisório, que perdurará até a apreciação do ato de outorga pelo Congresso
Nacional.
BRASIL. Medida Provisória nº 2143-33 de 31 de maio de 2001 (reedição). Autoriza a
execução do serviço e, transcorrido o prazo previsto no art. 64, §§ 2° e 4° da
Constituição, sem apreciação do Congresso Nacional, o Poder Concedente expedirá
autorização de operação, em caráter provisório, que perdurará até a apreciação do
ato de outorga pelo Congresso Nacional.
BRASIL. Ministério das Comunicações. Norma Complementar n° 001/2004 – Serviço
de radiodifusão Comunitária. Esta Norma tem por objetivo complementar as
disposições relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária, instituído pela Lei n.º
9.612, de 19 de fevereiro de 1998, como um serviço de radiodifusão sonora, em
156
freqüência modulada, com baixa potência e cobertura restrita, para ser outorgado a
fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, sediadas na localidade
de execução do Serviço, e estabelecer as condições técnicas de operação das
respectivas estações.
BRASIL. Ministério das Comunicações. Norma Complementar n° 002/1998 – Serviço
de radiodifusão Comunitária. Esta Norma tem por objetivo complementar as
disposições relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária - RadCom, instituído
pela Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, como um Serviço de Radiodifusão
Sonora, com baixa potência e com cobertura restrita, para ser executado por
fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade
de prestação do Serviço, detalhando essas disposições e estabelecendo as
condições técnicas de operação das estações do Serviço.
BRASIL. Ministério das Comunicações. Portaria nº 191, de 6 de agosto de 1998.
Aprova a Norma Complementar do Serviço de Radiodifusão Comunitária nº 02/98.
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162
ANEXO I: DIÁRIO DE CAMPO – CALHETA FM – 16/07/07
Os apresentadores, Marcos Viana e Cristiane Arantes, chegam às 6h para
realizarem a produção do programa, que tem roteiro muito bem feito (fiquei com um
como exemplo).
Enquanto Cristiane finaliza a inserção de notícias no roteiro, Marcos Viana
repassa a ordem das apresentações, minutos etc.
O programa inicia-se com as datas comemorativas, depois aniversários de
gente famosa e uma pergunta para o ouvinte (é a única forma de participação no
programa da comunidade).
Em seguida vem as principais manchetes dos principais jornais do país e do
mundo Diário de Pernambuco, Folha de Pernambuco (a rádio tem assinatura),
Estadão, Globo, Correio Braziliense, New York Times, Le Monde, El País, Revista
Veja, Revista Época, Isto È, Revista Quem (notícias colhidas da Internet).
As notícias são bem rápidas, cerca de dez linhas, sem comentários. A parte
de comentários fica para profissionais da área – política, economia, trabalho, esporte
(Jeremias Arantes faz o comentário do estúdio mesmo), os outros ligam e fazem
os comentários por telefone. Em relação às notícias sobre Saúde, eles baixam da
RadioWeb – Saúde em Foco.
uma preocupação muito grande em seguir o roteiro e o tempo. O jornal
começa às 7h em ponto e termina às 8h em ponto.
Neste primeiro dia, o apresentador alegou que iria sobrar notícias e por isso
precisaria selecionar as que entrariam e as que não entrariam. Mas ele deixou bem
claro que as notícias locais e de polícia não podiam deixar de entrar, afinal, polícia
todo mundo gosta.
O jornal tem dois blocos bem divididos. O primeiro são as notícias mais gerais
e esportes e no segundo, política, achados e perdidos, cursos e concursos,
economia e notícias locais.
Nada é colhido nas ruas da cidade. Tudo é fornecido pela internet ou jornais
locais. Às vezes, a apresentadora Cristiane Arantes vai a alguns eventos da cidade
para fazer a cobertura, mas isso é raro por falta de recursos financeiros e humanos
da rádio, além da forte imposição do diretor/dono/presidente da associação, O
Batata, que como os próprios apresentadores dizem: “aqui sai o que ele quer, mas
ele nos respeita”.
163
Tudo é milimetricamente calculado, com uma preocupação grande em não
fazer comentários e ser muito sério.
As perguntas que são feitas para o ouvinte são bem difíceis e na maioria das
vezes não respostas. “Por que os índios são chamados de silvícola?”, “Barriga
Verde é quem nasce em que estado brasileiro?”.
A comunidade não participa da produção da notícia, nem durante o programa.
Os dois apresentadores enxergam o profissional acima de tudo e esquecem de que
estão em uma rádio comunitária, em que a comunidade precisa ser contemplada e
ouvida.
Às 8h iniciou-se o programa dio Mulher. A apresentadora Flávia participou
do programa Comunicadores Sociais, do Centro das Mulheres do Cabo.
Das 7h às 8h, ela fez uma pesquisa nos jornais locais de notícias sobre
direitos da mulher, principalmente os reprodutivos. Notícias que interessam as
mulheres, seus direitos e que elas possam lutar por espaços de poder.
Depois ela ligou para os entrevistados para confirmar a presença deles no
estúdio ou por telefone, pois no dia anterior à tarde ela fechou a pauta do dia
seguinte e o roteiro.
Suas principais fontes são: jornais locais, Conselho Municipal de Saúde,
Conselho de Defesa Social, Mídia Advocacy, Comunidade, Conselho Municipal da
Mulher, Fórum de Entidades Populares.
Sempre no final da notícia tem um comentário, que na maioria das vezes as
notícias o locais. Os sites IG e JCOnLine também são visitados para caçar
notícias. O Centro das Mulheres do Cabo tem assinatura do JC e Diário de
Pernambuco. E OnLine da Folha de Pernambuco.
Ela discute a cidadania feminina no rádio, políticas públicas. Trata-se de um
programa feminista.
O tema do dia foi a violência contra a mulher. Rejane, do Movimento das
Mulheres do Estado de Pernambuco e Nivete Pereira, do Conselho Municipal das
Mulheres do Cabo de Santo Agostinho, foram chamadas para discutir o assunto.
Falou-se sobre a Lei Maria da Penha, 8 de Março e Movimento das Mulheres, que
precisa de mais visibilidade. Por telefone, o Secretário de Defesa Social do Cabo,
Dr. Mauro. Discutiu-se também sobre a Conferência da Mulher.
164
Depois foi para o Bloco de Notícias Aborto, Casal Homossexual receberá
indenização por danos materiais e psicológicos, criança não pode viajar sozinha,
Hospital da Restauração sem traumatologia.
Flávia ficou de enviar um roteiro para exemplificar o trabalho dela. Ela vive em
Cabo desde criança.
Às 11h30 começou o programa mais ouvido da região, Passando a Limpo.
Quem faz a produção, edição e apresentação do programa é O Batata, Elias José, o
presidente/diretor da rádio.
O apresentador reside na localidade mais de 40 anos, por isso, conhece
todos da região. Ele sempre discute um assunto que está em pauta na cidade. Na
segunda-feira, por exemplo, foi sobre LanHouse, pois há uma portaria 04/07 do
Ministério Público determinando que nestes comércios os jovens não podem entrar
com uniforme da escola para não caracterizar que eles estão matando aula.
Ele ligou para um professor de Ensino Médio, um dono de LanHouse, falou
com uma promotora por telefone e vários pais participaram do programa por
telefone. Contudo, alguns ouvintes entraram no ar para falar de outros assuntos
como falta de médicos etc.
O programa é uma grande mesa redonda em que se debate um grande tema,
de importância para a comunidade.
Cleide Pereira, 35 anos, professora primária, é do Fórum de Articulação das
Unidades de Controle Social e conseguiu resolver um problema de alagamento
em seu bairro por meio deste programa (vide gravação da entrevista com a ouvinte).
Para ela, o programa faz colocar em prática muitas ações, por meio das
informações, da opinião, do debate, da denúncia.
alguns meses, Cristiane Arantes fazia a produção deste programa, mas
Batata não quis mais por achar que ela não estava conseguindo captar os anseios
da comunidade, verdadeiramente.
165
ANEXO II – DIÁRIO DE CAMPO - PARANOÁ FM – 11/06/07
A observação seria de 4 a 9 de junho de 2007, mas dia 7 foi feriado Corpus
Christi. Como não teríamos um dia de atividades normais, resolvi marcar para a
semana posterior. Cheguei na emissora juntamente com o presidente da associação
e diretor geral da rádio, Joaquim Rodrigues, mais conhecido como Seu Jota, e com
João Silvério, da Unidade de Atendimento Coletivo, Comércio e Serviço do Sebrae
no DF. Mas fui saber quem era este depois, no decorrer do programa. Seu Jota
eu já conhecia de outra pesquisa que eu havia realizado naquela emissora.
Apresentei-me para os dois na porta da rádio e expliquei o que estava
pesquisando. Perguntei se Seu Jota já havia sido informado. Ele disse que não, mas
que Crystina (filha dele), deveria estar sabendo. Respondi que sim, pois eu havia
enviado um email e conversado com João Gomes.
Ao chegar ao estúdio, João Gomes, o apresentador, e Genival Libório,
sonoplasta, estavam preparados para começar o trabalho. O Hino Nacional
tocava. Gomes explicou que ele costuma tocar o Hino todas as segundas e sextas-
feiras para dar “mais cidadania para o povo”.
Fui convidada para sentar do lado do representante do Sebrae, mas logo em
seguida chegou o presidente da Associação Comercial e Industrial do Paranoá
ASCIP, João do Violão, também diretor da rádio e locutor de um programa de
música sertaneja da emissora. Fiquei então quietinha no canto, pois os dois seriam
os entrevistados do dia. Gomes não conhecia Silvério, logo, foram apresentados
minutos antes do jornal começar. O primeiro fez algumas perguntas sobre o projeto
quando seria o lançamento, quais os objetivos do mesmo, quem pode participar
etc. Mas Gomes já tinha em mãos um convite sobre o projeto.
O programa começa com saudações a todos os moradores da região, que
inclui Paranoá, Itapuã, Condomínios e o apresentador também menciona locais mais
distantes como Varjão, Asa Sul, Asa Norte (nestes se ouve pela Internet a
programação da emissora). O programa começou mesmo às 7h14, com 14 minutos
de atraso.
Primeiramente, ele deu dicas de trânsito, principalmente para quem sai do
Paranoá para outras localidades. Ele também leu informações de um folder do
Departamento de Trânsito (DETRAN) do Distrito Federal.
166
Depois ele apontou que era Dia da Marinha Brasileira e do Educador
Sanitário. Informações colhidas pela Internet e escritas em um pedaço de papel.
João Gomes leu, na íntegra, todas as manchetes da capa dos jornais: de
Brasília e Correio Braziliense, que a emissora tem assinatura. Ele disse que fazia
aquilo todos os dias e lia tudo antes para não dizer uma palavra errada. Na medida
em que ele terminava a leitura de uma notícia, ele riscava o local, no jornal, com
caneta.
As principais notícias do Correio Braziliense foram: Tocha do Pan pela cidade,
Parada Gay, Pedro Passos e Vavá, irmão do Presidente Lula. Nesta última, João
Gomes teceu comentários, alegando aonde ia parar tudo aquilo, que era um absurdo
toda aquela corrupção etc. Em relação a Pedro Passos, ele comentou que o político
teve mais votos no Paranoá e que isso era culpa do eleitor que não sabia votar e
analisar o que estava fazendo com sua cidadania.
As principais notícias do Jornal de Brasília foram: Repetência escolar,
cavalhada Mirim em Pirenópolis, Drogas, ProJovem, Mortes a tiro em Chá de Panela
na Ceilândia, Nova Paginação do JBr, Tocha do Pan e Hamilton (F-1), no Caderno
Torcida do jornal.
Após a leitura das manchetes dos dois jornais, João Gomes alerta para a
importância da leitura dos jornais. “É preciso ir à banca e comprar o jornal ou à
panificadora. Ler jornal te traz mais cidadania. Você vai aprender a falar sobre vários
assuntos com seus amigos”.
João Gomes resolveu detalhar algumas manchetes, como o caso do irmão do
presidente. “Advogados que defendem irmão do Lula criticam trabalho da polícia”;
“Poluição Visual na cidade (Brasília)”; “Movimento Orgulho Gay”.
Ele é quem produz e apresenta o programa. Ele elenca quais serão os
destaques do dia e a comunidade também sugere pautas etc. É só ir à rádio ou ligar
e solicitar a discussão de determinado assunto.
João Gomes comentou de uma carta que ele recebera de um jovem de 14
anos dizendo que se não der para ele estudar, ele será político, aproveitando o
gancho do caso “Vavá”. Ele também comentou de uma reportagem que saiu no
Jornal Nacional sobre escolas de lona, com precariedade total. Um outro comentário
foi sobre o padre da localidade que pediu em sua homilia, no domingo (dia anterior)
para absorverem o santo homem “Passos”. João Gomes estava presente na missa.
167
Por volta das 7h30, João Silvério, do Sebrae, e João do Violão, da ASCIP,
entraram ao vivo para explicarem sobre o projeto Projeto Comércio Varejista do
Paranoá, que será realizado entre os dias 11 e 29/06/07. A largada começará hoje,
com a equipe do Sebrae visitando cada comerciante para explicarem o projeto, em
um ônibus da organização.
Ouve a participação de um ouvinte conhecido, Pastor Raimundo,
presidente da Escola de Samba Unidos da Vila Paranoá, parabenizando a iniciativa
do Sebrae. João do Violão explicou que faziam três meses que o projeto estava
sendo explicado para os comerciantes da região. O ônibus itinerante ficará na Praça
Central e Praça da Bíblia. Na quarta-feira haveria o lançamento oficial no projeto
com uma palestra motivacional de Mônica Nóbrega.
Ouve outra participação de ouvinte Flávio, do Ponto do Vídeo,
parabenizando também o Sebrae e da Dona Carol pediu mais informações sobre o
projeto. Todos conhecidos do apresentador e comerciantes/empresários da
região.
Com um papel na o, João Gomes anuncia os apoiadores culturais daquele
programa várias vezes, que são seis. Ele recebe 50% do valor pago pelas empresas
e o restante é para a sustentabilidade da emissora. A contribuição mensal do
comércio local varia entre 200 a 1000 reais.
Às 7h52, João Gomes informou que precisava terminar o programa porque a
direção da rádio pediu para finalizar o mesmo até às 8h, mas que ele estava
acostumado “a roubar mais uma hora”.
O apresentador ainda informou que Dra. Agnes do Hospital do Paranoá
afirma que não otorrino, nem dentista no Hospital do Paranoá. Para solicitar o
primeiro especialista, é preciso ir até o Hospital de Base e o segundo especialista no
Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).
Antes de finalizar o programa, João Gomes ainda anunciou o Plantão Policial,
com direito a vinheta. Ele comentou sobre a tragédia na Ceilândia, em um chá de
panela, notícia do Jornal de Brasília. Ele leu a notícia do jornal na íntegra. Outra
informação foi a de que um homem havia atacado uma menina de 11 anos no Novo
Gama, também do Jornal de Brasília e lida na íntegra. Ele fez comentários das duas
notícias e alegou que em todo homicídio tinha um “menor” envolvido. Gomes
apresentou as ocorrências policiais da delegacia da região, que o repórter Josecy
168
Mirindiba havia coletado. E ainda criticou o serviço policial alegando que “tentativa
de homicídio é grave, mas que a polícia diz que é corriqueira”.
Ofertas de empregos foram anunciadas, na verdade, por causa do tempo, o
apresentador só disse que as ofertas estariam fixadas na porta da rádio e que não
era garantia de emprego para ninguém. Era apenas um serviço voluntário da rádio
de informar aos moradores da região. As ofertas o digitadas todos os dias pelo
diretor de programação da rádio, Lindomar Kelvin.
O administrador do Paranoá, Sérgio Damasceno, participa todas as
segundas-feiras do programa, comentando as novidades e ações da administração
local, mas como o tempo ficou curto, principalmente por causa dos entrevistados,
Damasceno falaria na terça-feira, excepcionalmente. Mas ele entrou por telefone no
programa e disse que falaria no dia seguinte, sem problemas.
Esportes Resultados da e rodada do Brasileirão. Esporte Local
Paranoá Esporte Clube ganhou do Guarani, o feminino.
Às 8h45 o programa terminou, com 45 minutos de atraso. João Gomes saiu
com certa pressa do estúdio e da rádio, mas foi muito solícito a mim.
Um programa sem roteiro, no improviso, com basicamente informações dos
principais jornais da região e da população, que tem muita credibilidade do programa
e no apresentador, morador da região há mais de 20 anos.
intervalos para os apoiadores da dio, de forma geral. vinhetas do
Plantão Policial, Ofertas de Emprego, Esportes e em toda a programação, assim
como do apresentador.
Trata-se do único jornal da rádio e do programa mais ouvido da região,
segundo os próprios comunicadores da emissora e alguns ouvintes que foram
entrevistados ao longo da semana.
Às 9h inicia-se o programa musical e informativo Temperatura Máxima. Mas
antes deste programa, um outro de música, das 8h às 9h, contudo segundo
informações, a direção queria eliminar o programa das 8h porque João Gomes
nunca termina o jornal na hora e este é o mais ouvido da emissora.
A princípio, eu não iria observar, analisar este programa, mas fui comunicada
de que ele tinha notícias, dicas de saúde, etc. Então resolvi conferir.
A apresentadora chama-se Ceiça Fontenelle. Ela toca a música que o ouvinte
pede, com ritmos variados. Ela diz que o contato com ouvinte é maravilhoso.
169
Ceiça tem uma pastinha com informações que ela colhe do site do Ministério
da Saúde e dicas de saúde ao longo da programação. Ela o resumo das
novelas, que coleta nos jornais Correio Braziliense e Jornal de Brasília. Ela também
dá o horóscopo.
A apresentadora afirmou que cada chamada de 30 segundos custa R$ 2,50 e
são, geralmente, dez ao dia.
O programa também não tem roteiro, nem equipe de produção. Ceiça é
produtora e apresentadora ao mesmo tempo.
Às 12h inicia-se o programa esportivo. Trata-se de um programa de
comentários e notícias sobre futebol e, às vezes, de outros esportes. Mas o
apresentador, Dávila Bezerra, cronista e radialista mais de 30 anos, sempre
um destaque para o esporte local.
Comentou-se sobre seleção brasileira para a Copa América; as ações do
Conselho de Desenvolvimento Esportivo do Paranoá (Condep), com participação do
presidente da instituição, Sérgio Antônio dos Santos.
O assunto foi a final do campeonato local, em que a Força Jovem Esporte
Clube perdeu da Pedra 90. Havia um representante de um dos times também, Marco
Antônio Costa Santos. Comentou-se a linda festa realizada no estádio local, sem
brigas. Além das ações da Condep, com doação de cestas básicas para famílias
carentes, com o projeto Paranoá Sem Fome. na região cerca de 16 clubes de
futebol.
Para finalizar, notícias da 5ª rodada do brasileirão. É um programa sem
roteiro e com apoiadores culturais.
170
ANEXO III: ROTEIRO DE ENTREVISTA
Perguntas:
Aspectos Pessoais:
Nome Completo:
Idade:
Escolaridade:
Profissão:
Função dentro da rádio:
Ano em que ingressou na rádio e o motivo:
Horário, dias, nome do programa e breve descrição do mesmo:
Com que freqüência você participa das reuniões da Associação (emissora)?
( ) Sempre e participa ativamente das assembléias
( ) Sempre
( ) Pouco
( ) Pouco, mas acompanha as resoluções
( ) Não vai
( ) Não é informado(a) sobre as reuniões
Em relação ao estatuto da Associação:
( ) Conhece Bem
( ) Conhece Pouco
( ) Nunca Leu
( ) Não sabia que tinha um estatuto
Com que freqüência ouve a rádio?
( ) Todos os dias
( ) 6 vezes por semana
( ) 5 vezes por semana
( ) 4 vezes por semana
( ) 3 vezes por semana
( ) 2 vezes por semana
( ) 1 vez por semana (só quando estou no estúdio emitindo meu programa)
Aspectos Gerais:
O que é uma rádio comunitária para você?
Qual a importância da rádio comunitária para a comunidade onde ela está inserida?
Quais são os pontos positivos da rádio?
171
Quais são os pontos negativos da rádio?
Quais mudanças você sugeriria na rádio?
Como é seu relacionamento com a direção da rádio?
Jornalismo:
Você gosta da programação jornalística da rádio? Por que?
O que é notícia?
O que é jornalismo?
Você acredita que a programação jornalística da dio contribui para o
desenvolvimento da comunidade? Em caso afirmativo, de que forma?
Como se dá a participação da comunidade no seu programa?
Quais são as fontes buscadas para o processo de elaboração da notícia?
Quais os critérios utilizados para a escolha de determinado fato em detrimento de
outro?
Como se dá o processo de produção da notícia?
172
ANEXO IV: FOTOS CALHETA FM
Ely José de Paula no comando do programa Passando da Limpo, da Calheta FM
Apresentadores do Jornal da Calheta em plena atividade – Marcos Viana e Cristiane Arantes
173
ANEXO V: FOTOS PARANOÁ FM
Entrada da Paranoá FM com moradores conferindo as ofertas de emprego
Estúdio Paranoá FM e o repórter Josecy Mirindiba
174
João Gomes, apresentado do Paranoá Notícias, lendo as manchetes dos jornais regionais
Prefeitos comunitários participando da programação da Paranoá FM
175
ANEXO VI: PROGRAMAÇÃO DA RÁDIO CALHETA FM
SEGUNDA-
FEIRA
TERÇA-
FEIRA
QUARTA-
FEIRA
QUINTA-
FEIRA
SEXTA-
FEIRA SÁBADO DOMINGO
5:00
5:30
6:00
6:30
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Caminho de
Volta
7:00
7:30
Jornal da
Calheta
Jornal da
Calheta
Jornal da
Calheta
Jornal da
Calheta
Jornal da
Calheta
Especiais
Calheta FM
A Luz do
Consolador
8:00
8:30
Rádio
Mulher
Rádio
Mulher
Rádio
Mulher
Rádio
Mulher
Rádio
Mulher
9:00
9:30
Calheta
Gospel
10:00
10:30
Show da
Manhã
Show da
Manhã
Show da
Manhã
Show da
Manhã
Show da
Manhã
11:00
11:30
Show da
Manhã
12:00
Passando a
Limpo
Passando a
Limpo
Passando a
Limpo
Passando a
Limpo
Passando a
Limpo
12:30
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Regional
Calheta
Esportes
Som das
Praias
13:00
13:30
Todas as
Tribos
Especiais
Calheta FM
14:00
14:30
15:00
15:30
Tarde Jovem Tarde Jovem Tarde Jovem Tarde Jovem Tarde Jovem
16:00
16:30
Tarde Livre
Som das
Praias
17:00
17:30
Especiais
Calheta FM
Alô meu
Deus
18:00
18:30
Calheta MIX Calheta MIX Calheta MIX Calheta MIX Calheta MIX
19:00
19:30
Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil
Estimulante
Especial
Roberto
Carlos
20:00
20:30
21:00
21:30
22:00
22:30
Calheta Brasil Calheta Brasil Calheta Brasil Calheta Brasil Calheta Brasil
Calheta
Brasil
Calheta
Brasil
LEGENDA
Jornalístico
Musical e informativo
Musical
Religioso
Voz do Brasil
176
ANEXO VII: PROGRAMÃO DA RÁDIO PARANOÁ FM
SEGUNDA-
FEIRA
TERÇA-
FEIRA
QUARTA-
FEIRA
QUINTA-
FEIRA
SEXTA-
FEIRA SÁBADO DOMINGO
0:00
0:30
1:00
1:30
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
Ligação
Nacional
2:00
2:30
3:00
3:30
4:00
4:30
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
Madrugada
Paranoá
5:00
5:30
6:00
6:30
Paranoá
Sertanejo
Amanhecer
Paranoá
Sertanejo
Amanhecer
Paranoá
Sertanejo
Quem Sabe
Faz
Ao Vivo
Amanhecer
7:00
7:30
A Cidade
Desperta
8:00
Forró Sertão
8:30
Paranoá
Notícias
Paranoá
Notícias
Paranoá
Notícias
Paranoá
Notícias
Paranoá
Notícias
9:00
9:30
Se Liga
10:00
Super 6
10:30
Termperatura
Máxima
Termperatura
Máxima
Termperatura
Máxima
Termperatura
Máxima
Termperatura
Máxima
Everardo
Ribeiro
11:00
11:30
Amado Batista
Especial
Amado
Batista
Especial
Amado
Batista
Especial
Amado
Batista
Especial
Amado
Batista
Especial
Todo Som
Planeta
Jovem
12:00
12:30
Jogo Limpo Jogo Limpo
Resenha
Esportiva
Jogo Limpo Jogo Limpo
Claudya
Lessa
13:00
13:30
Swing
Paranoá
Swing
Paranoá
Swing
Paranoá
Swing
Paranoá
Swing
Paranoá
Claudya
Lessa
Vida com
Deus
14:00
14:30
Expresso da
Tarde
15:00
15:30
Expresso da
Tarde
Expresso da
Tarde
Expresso da
Tarde
Expresso da
Tarde
Paranoá Mix
É o Bicho Oasis Music
16:00
16:30
Paranoá Mix Paranoá Mix Paranoá Mix Paranoá Mix
Espaço
Empresarial
17:00
17:30
Ponto do
Samba
Brega
Popular
18:00
18:30
Forró
Pesado
Forró
Pesado
Forró
Pesado
Ênio Bastos Alice & Você
19:00
19:30
Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil Voz do Brasil
Voz Católica
20:00
20:30
Sucessos Sucessos Sucessos Sucessos
Sucessos
21:00
21:30
A Verdade que
Liberta
A Verdade
que
Liberta
A Verdade
que
Liberta
A Verdade
que
Liberta
Zona Leste
22:00
22:30
23:00
23:30
Família de
Deus
Família de
Deus
Família de
Deus
Família de
Deus
Família de
Deus
Toque da
Noite
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