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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A MISSÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA
DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO: ACESSO À
JUSTIÇA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
GUSTAVO MERELES RUIZ DIAZ
Itajaí, dezembro de 2007
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A MISSÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA
DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO: ACESSO À
JUSTIÇA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
GUSTAVO MERELES RUIZ DIAZ
Dissertação submetida ao Programa de
Mestrado em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI,
como requisito parcial à obtenção do Título
de Mestre em Ciência Jurídica
.
Orientador: Professor Doutor Paulo de Tarso Brandão
Itajaí, dezembro de 2007
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AGRADECIMENTO
A Deus, por nos proporcionar a vida. Aos que
muito nos oferecem e nos dão, aos que nos
protegem e nada pedem em troca. São estas
almas que se encarregam de varrer do mundo a
chaga das chagas, que é o egoísmo. Vida longa
aos mestres que nos conduzem pela trilha do
conhecimento.
DEDICATÓRIA
Dedico este texto à minha família. É a existência
deles, pais, esposa, filhos, irmãos, que dá sentido
à nossa. Em especial aos que estão mais
próximos, e por tal, mais sujeitos às ausências,
minha esposa Viviane e os filhos Carla e
Bernardo. Por fim, a todos que anonimamente
lutaram pelo engrandecimento do Ministério
Público, deixando um importante legado às atuais
e futuras gerações de brasileiros.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí, dezembro de 2007
Gustavo Mereles Ruiz Diaz
Mestrando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
SERÁ ENTREGUE PELA SECRETARIA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM
CIÊNCIA JURÍDICA DA UNIVALI APÓS A DEFESA EM BANCA
.
SUMÁRIO
SUMÁRIO.......................................................................................... VI
RESUMO......................................................................................... VIII
ABSTRACT ....................................................................................... IX
INTRODUÇÃO ................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4
DO PRÉ-ESTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ....... 4
1.1 ESTADO MODERNO .................................................................................. 6
1.2 O ESTADO CONTEMPORÂNEO – WELFARE STATE........................... 11
1.2.1
O
RIGENS DO
E
STADO
C
ONTEMPORÂNEO
.................................................... 11
1.2.2
C
ATEGORIAS DE
E
STADO
C
ONTEMPORÂNEO
.............................................. 14
1.3 ESTADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL............................................. 17
1.3.1
D
O
E
STADO DE
D
IREITO AO
E
STADO
D
EMOCTICO DE
D
IREITO
................. 19
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 26
O REGIME DEMOCRÁTICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
IRRADIADOR DE OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS.............. 26
2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS ........................... 26
2.2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – AS DIMENSÕES ... 29
2.2.1
P
RIMEIRA DIMENSÃO
................................................................................. 32
2.2.2
A
SEGUNDA DIMENSÃO
:
O
S
D
IREITOS
S
OCIAIS
........................................... 34
2.2.3
A
TERCEIRA DIMENSÃO
:
OS DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
........................ 37
2.2.4
A
QUARTA DIMENSÃO
O REGIME DEMOCRÁTICO
.................................... 40
2.3 EFETIVIDADE E EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988............................................................. 44
2.4 A LEGITIMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A QUESTÃO DA
JUSTIFICAÇÃO RACIONAL........................................................................... 51
2.5 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – FIO CONDUTOR DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........................................................................ 67
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 72
MINISTÉRIO PÚBLICO.................................................................... 72
3.1 MINISTÉRIO PÚBLICO PRÉ-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ....... 72
3.1.1
O
RIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
.............................................................. 72
3.2 MINISTÉRIO PÚBLICO PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988....... 78
3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO..... 80
3.3.1
C
ONSTITUIÇÃO E
D
EMOCRACIA
.................................................................. 80
3.3.2
A
QUESTÃO DA
L
EGITIMAÇÃO
.................................................................... 86
3.3.3
F
UNÇÃO
S
OCIAL E
P
OLÍTICA DO
M
INISTÉRIO
P
ÚBLICO
:
A
CESSO À
J
USTIÇA
DOS
D
IREITOS
F
UNDAMENTAIS
............................................................................ 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 93
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................ 103
RESUMO
Pretende-se debater neste trabalho o papel do Ministério
Público na defesa dos Direitos Fundamentais no Brasil, e em seguida,
estabelecer a relação dessa atuação com a efetiva concretização do Estado
Democrático de Direito no Brasil. Para tanto, importante analisar que, de um
lado, a Constituição Federal de 1988 afirmou a existência desse Estado
Democrático de Direito, e de outro, incumbiu ao Ministério Público a defesa da
ordem jurídica e do regime democrático. No Capítulo 1 tratamos da
evolução do Estado e do Direito, com uma retrospectiva histórica que inicia
com o Estado Moderno, e da passagem deste ao Estado Contemporâneo, e,
ao final, da passagem do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito.
No Capítulo 2, após uma breve abordagem das expressões Direitos
Fundamentais e Direitos Humanos, far-se-ão considerações sobre a
atualidade e relevância dos temas da eficácia e legitimidade dos Direitos
Fundamentais, e da dignidade da pessoa humana como fio condutor do
Estado Democrático de Direito. No terceiro e último capítulo far-se a
descrição da evolução histórica do Ministério Público e a mudança do perfil de
atuação a partir da Constituição Federal de 1988, através da qual a instituição
obriga-se à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais indisponíveis, e como tal, de todos os princípios e valores
que informam o Estado Democrático de Direito. A Dissertação está vinculada à
Área de Concentração Fundamentos do Direito Positivo, à Linha de Pesquisa
Hermenêutica e Principiologia Constitucional, e ao Projeto de Pesquisa
Democracia, Estado e Constituição na Pós-Modernidade.
ABSTRACT
It is intended to debate this work the paper of the Public
prosecution service in the defense of the Basic Rights in Brazil, and after that,
to establish the relation of this performance with the effective concretion of the
Democratic State of Right in Brazil. For, in such a way important to analyze
that, of a side, the Federal Constitution of 1988 affirmed the existence of this
Democratic State of Right, and another one, it charged to the Public
prosecution service the defense of the jurisprudence and the democratic
system. For in such a way, in Chapter 1 we deal with the evolution of the State
and the Right, with a historical retrospect that it initiates with the Modern State,
and of the ticket of this to the State Contemporary, and, to the end, of the ticket
of the Rule of law to the Democratic State of Right. In Chapter 2, after one
soon boarding of the Basic Right expressions and Right Human beings, will
become considerações on the present time and relevance of the subjects of
the effectiveness and legitimacy of the Basic Rights, and the dignity of the
person human being as conducting wire of the Democratic State of Right. In
the third and last chapter it will become description of the historical evolution of
the Public prosecution service and the change of the profile of performance
from the Federal Constitution of 1988, through which the institution compels it
the defense of the jurisprudence, the democratic system and the unavailable
social interests, and as such, of all the principles and values that inform the
Democratic State of Right.
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objeto o estudo da missão
constitucional do Ministério Público na defesa do regime democrático e a sua
relação com o acesso à justiça dos direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal de 1988. Como objetivo, quer demonstrar que o
Ministério Público está legitimado constitucionalmente para a defesa do regime
democrático, e por conseqüência, daqueles direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal que são essenciais à sobrevivência do Estado
Democrático de Direito.
Justifica-se o trabalho pela necessidade de reafirmar tanto
a legitimação do Ministério Público, assim como a legitimidade e eficácia dos
Direitos Fundamentais, buscando-se, num primeiro momento, um conceito
operacional para esta categoria de direitos, e, em seguida, estabelecer a
relação destes direitos com o Estado Democrático de Direito. Ressalta-se o
paralelismo existente entre a marcha histórica dos Direitos Fundamentais e a
consolidação dos denominados Estados Democráticos de Direito, e a
necessidade de se fortalecer a união destes conceitos, em oposição ao
enfraquecimento pretendido por diversos movimentos de negação aos direitos
fundamentais.
O Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das
reflexões sobre a intervenção do Ministério Público na defesa do regime
democrático. Importante afirmar que a implantação deste novo modelo de
Ministério Público ocorre em meio a importantes acontecimentos no cenário
mundial. A queda do Muro, a globalização e a onda neoliberal são novos
2
ingredientes a dificultar a redemocratização do País e a efetiva implementação
desse Estado Democrático de Direito. Ressalta-se que a real democratização
deve ser entendida não somente como respeito às liberdades individuais e
públicas, mas como verdadeira via de acesso a uma Justiça Social
Para a presente Dissertação foram levantadas as
seguintes hipóteses:
a) As decisões judiciais acerca da legitimação do
Ministério Público na defesa de direitos fundamentais, em geral, estariam em
afronta às disposições constitucionais acerca do Ministério Público,
notadamente os arts. 127, caput e 129;
b) Estaria o Ministério Público cumprindo satisfatoriamente
com a tarefa de defesa da ordem jurídica e do regime democrático?
c) Haveria hoje uma correta compreensão e
reconhecimento dessa tarefa constitucional?
A resposta a tais questionamentos é de extrema
relevância para os rumos a serem tomados pela sociedade brasileira, e que a
efetividade dos Direitos Fundamentais é elemento essencial para a
implantação de um Estado Democrático de Direito, tal como previsto no texto
constitucional.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na
Fase de Investigação
1
foi utilizado o Método Indutivo
2
, na Fase de Tratamento
1
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da
pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
2
“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma
percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e
Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.
3
de Dados o Método Cartesiano
3
, e, o Relatório dos Resultados expresso na
presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente
4
, da Categoria
5
, do Conceito Operacional
6
e da
Pesquisa Bibliográfica
7
.
3
Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.
22-26.
4
“[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma
pesquisa.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa
jurídica. p. 62.
5
“[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD,
Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.
6
“[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa
jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.
7
“Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD,
Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.
CAPÍTULO 1
DO PRÉ-ESTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Para que se possa falar de Direitos Fundamentais como
elemento essencial do Estado Democrático de Direito, mister se faz necessário
reconhecê-los como construção que ao longo da história incorporou-se de
forma irrenunciável ao patrimônio da humanidade, e, segundo, que a evolução
do Estado nada mais é senão a constante e gradativa evolução do direito
positivo, descobrindo e redescobrindo “novos direitos” que se dirigem
essencialmente a cumprir a principal promessa dos “pactos” de Rousseau,
Locke e Hobbes, de reduzir e neutralizar os efeitos do egoísmo e garantir o
“bem estar de todos”.
Assim, a reconhecida mutabilidade histórica dos Direitos
Fundamentais está intimamente ligada à evolução do Estado, e por essa
razão, necessária a análise, de um lado, das principais fases de evolução do
Estado, e de outro, as implicações na efetividade dos Direitos ali prometidos.
Essa mutabilidade implica afirmar que a cada momento
histórico haverá uma nova gama de direitos incorporados aos sistemas
normativos, e também, que essa evolução não se dará de modo uniforme em
todas as nações, razão pela qual este trabalho buscará tão somente identificar
os principais marcos a partir dos quais estes novos direitos surgem e passam
a influenciar outros sistemas normativos.
5
Neste sentido, colhemos a lição de Paulo de Tarso
Brandão, que analisando a relação entre Estado e Direito, afirma:
Toda e qualquer mutação na concepção ou na realidade do
Estado determina, necessariamente, a modificação,
transformação, criação ou até extinção de institutos jurídicos.
Exatamente porque essa verdade não habita o senso comum da
operação jurídica atual é que os denominados ‘novos direitos’,
fruto da atual realidade do Estado e das relações social operadas
no seu interior, que possuem importantes instrumentos para a sua
garantia e realização, não encontram uma perfeita efetividade.
8
De outro lado, a multiplicidade de conceituações acerca
das diferentes formas de Estado
9
nos obriga, neste trabalho, em face da
limitação e delimitação imposta pelo tema, a estudar a evolução do ente
estatal destacando a criação do Estado Moderno e a passagem deste para o
Estado Contemporâneo Democrático, adotando-se, para esta categoria, o
conceito operacional utilizado por Paulo Márcio Cruz:
Conceitualmente, Estado Contemporâneo Democrático é aquele
Estado que se contrapôs ao Estado liberal a partir principalmente
da segunda metade do século XIX evoluindo, durante todo o
século XX, para uma posição interventiva. Como escreve Pasold,
´a participação do Estado na vida da Sociedade passa de uma
fase de tolerância crescente até a de exigência de modo que,
hoje, são poucos os que admitem um comportamento omisso do
8
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos direitos e acesso à justiça.
Florianópolis: Habitus, 2001. p. 19.
9
Paulo de Tarso Brandão observa que ‘A evolução histórica do Estado significa a fixação das
formas fundamentais que o Estado tem adotado através dos séculos’. Mesmo tendo presente
que diante do fato de o curso dessa evolução não ser uniforme e que é impossível uma
disposição cronológica absoluta, em ordem sucessiva, diz Dallari que os autores, para fins
didáticos, adotam uma seqüência que contempla as seguintes fases: Estado Antigo, Estado
Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno. O autor adota essa tipologia e com
base nela oferece suas lições”. (BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos
direitos e acesso à justiça. p. 19)
6
Estado frente ao encaminhamento e à solução dos grandes
problemas sociais’.”
.10
Portanto, essencial que ao se tratar de Direitos
Fundamentais se faça o registro da evolução destes direitos e sua relação a
evolução do Estado.
1.1 ESTADO MODERNO
O Estado Moderno, segundo expressiva opinião
doutrinária, foi inicialmente teorizado por Maquiavel, quando utilizou pela
primeira vez a expressão Stato, sem, no entanto, fazer qualquer relação entre
a forma de organização do poder e o povo.
Aproxima-se mais, portanto, de uma teoria política, do que
uma teoria do Estado.
Maquiavel sofrerá a crítica de Jean Bodin, que embora
tenha considerado o povo como elemento do Estado, colocou-o em segundo
plano, designando ao soberano o poder de instituir leis, não estando
subordinado nem às leis do seu antecessor, nem às suas próprias.
11
Trata-se,
portanto, de um governo despótico, sem compromisso direto com o bem estar
coletivo.
A nosso ver, será Thomas Hobbes
12
o primeiro teórico do
Estado Moderno, pois fa a separação entre a pessoa do governante e o
Estado, e deste, com a religião.
10
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2 ed. 2ª tiragem (ano 2003),
revisada e ampliada. Curitiba: Juruá, 2004. 304 p.
11
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. p. 29-30
12
Thomas Hobbes nasceu em 05 de abril de 1588, na aldeia inglesa de Westport. Iniciou-se na
vida literária traduzindo a obra Guerra do Peloponeso, de Tucídides, em 1629, Em 1642,
7
A finalidade de Hobbes com sua filosofia política é
fundamentar solidamente o poder civil em uma época em que era vigorosa a
ideologia do direito natural e a melhor maneira então de fundar o poder civil
era demonstrar que a obediência ao soberano constituía uma obrigação
derivada de uma lei natural. Segundo sua Teoria, uma vez constituído o
Estado não para os súditos, salvo exceções bem delimitadas, outra
obrigação natural (ou moral), além daquela.
Defendia o máximo de soberania compatível com o
mínimo de resistência.
É que no pensamento de Hobbes, descrito por Bobbio
13
, a
lei natural proíbe violar os pactos, e assim, manda obedecer as leis civis.
Hobbes fala de uma obrigação moral anterior e independente da obrigação
civil. Não fosse assim, segundo Warrander, citado por Bobbio, toda sua teoria
da obrigação política ruiria.
14
Partindo dessas premissas, Hobbes estabelece a
necessidade do pacto com a criação de uma pessoa artificial – agora separada
da pessoa natural do soberano - que, além de garantir a originalidade de sua
obra, coloca-o como precursor teórico do Estado moderno, tido este como
publica Do Cidadão, obra esta seguida do Leviatã, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado
Eclesiástico e Civil, de 1651, que custou-lhe o banimento da corte inglesa em face de suas
controvérsias sobre política e religião. Retorna à Inglaterra em 1652, que estava sob um regime
republicano comandado por Cromwell, que dura até 1660, precedendo-se a monarquia de
Carlos II, seu discípulo durante o exílio em Paris. Assiste à Restauração dos Stuart aos 72 anos,
afastado dos problemas políticos imediatos. Reconcilia-se com o Rei, mas prefere a
convivência com os clássicos, traduzindo parte da Ilíada e da Odisséia. Após escrever uma
autobiografia em versos latinos, morre em 04 de dezembro de 1679, em Hardwick, não vivendo
o suficiente para assistir ao triunfo das idéias liberais às quais tanto se opôs sua obra de Teoria
Política.
13
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1991. p. 202
14
BOBBIO, Norberto. op. cit.. p. 141.
8
aquele que surge na Europa, entre os séculos XII e XVIII, com a centralização
do poder político nas mãos dos reis e independente da Igreja.
João dos Passos Martins Neto observa que No Leviatã,
Hobbes define o estado como um poder único, superior e comum, isso
significa o monopólio estatal e é a soberania que permite esse monopólio, e
corresponde, assim, à estrutura do estado Moderno que sucedeu o estado
Medieval e que coincide com a consolidação dos grandes Estados nacionais
da época moderna (França, Espanha e Inglaterra, etc).
15
Daí a conclusão de que Hobbes não idealizou como
também descreve o Estado Moderno.
para Bobbio, o Leviatã reproduz o contexto de
surgimento do Estado Moderno. Nele, observa a consagração de dois atributos
do poder soberano: não depender de outro poder (Igreja), não partilhar o poder
(Parlamento).
Martins Neto recorda que Hobbes diz no Leviatã que “as
leis são regras do justo e do injusto, não havendo nada que seja considerado
injusto a não ser o Estado, pois nossa sujeição é apenas para o Estado.”
16
Assim é que o Leviatã reflete a unidade jurídico-política
do estado Moderno, “... obtida através da unificação dos ordenamentos do
Estado e perseguida através da unificação das fontes do direito na única fonte
que é própria do poder político organizado, isto é, na lei.”
17
15
MARTINS NETO, João dos Passos. Não estado e estado no leviatã de Hobbes. Florianópolis:
OAB/SC Editora, 1999, p. 134
16
MARTINS NETO, João dos Passos. Não estado e estado no leviatã de Hobbes. p. 161
17
MARTINS NETO, João dos Passos. Não estado e estado no leviatã de Hobbes. p. 147-148.
9
A consolidação política do estado Moderno revisou a
missão política, ou seja, a satisfação terrena do homem e não a sua
preparação para uma vida além da morte.
Segundo Martins Neto .[...] um hegeliano diria, no
pensamento de Hobbes, que o Estado Moderno adquire pela primeira vez
plena consciência de si mesmo, ou, se preferirmos, que a teoria política de
Hobbes é a auto-consciência do Estado Moderno.”
18
O Estado é a pessoa do povo representada na pessoa do
governante, é um homem artificial, resultado da soma de todos os homens
juntos. Aparece assim pela primeira vez na história das idéias, como uma
instituição e não como um poder humano ou individualizado.
A este Estado de Hobbes, que como Locke e Rousseau,
tinha como pressuposto um pacto de todos em favor de um poder racional (O
Estado, como ordem política), cabe de neutralizar o egoísmo e garantir a
todos um bem comum.
O modelo ganhará contornos bem delineados com a
Declaração d Direitos do Povo da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1776, e na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como resultado da
Revolução Francesa e que culminará com a Constituição Francesa de 1791.
19
18
MARTINS NETO, João dos Passos. Não estado e estado no leviatã de Hobbes. p. 148.
19
Cf. Ingo Sarlet, “A despeito do dissídio doutrinário sobre a paternidade dos direitos
fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de 1776, e a
Declaração Francesa, de 1789, é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdade
legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais. As declarações americanas
incorporaram virtualmente os direitos e liberdades reconhecidos pelas suas antecessoras
inglesas do século XVII, direitos estes que também tinham sido reconhecidos aos súditos das
colônias americanas, com a nota distintiva de que, a despeito da virtual identidade do conteúdo,
guardaram as características da universalidade e supremacia dos direitos naturais, sendo-lhes
reconhecida a eficácia inclusive em relação à representação popular, vinculando, assim, todos
os poderes públicos. [...] Igualmente de transcendental importância foi a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789, fruto da revolução que provocou a derrocada do antigo
10
A finalidade deste Estado era, portanto, a garantia
daqueles direitos fundamentais de primeira geração, quais sejam, da liberdade
e da individualidade, com extrema valorização dos ideais liberais da
burguesia.
20
Embora fosse apto à defesa da propriedade e das
liberdades individuais contra o Estado, Ingo Sarlet afirma que “Os direitos
fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras
Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo
social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-
burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e
afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais
especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não
intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu
poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”,
uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por
parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de
oposição perante o Estado” .
21
regime e a instauração da ordem burguesa na França. Tanto a declaração francesa quanto as
americanas tinham como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista,
reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos
de todos os homens, e não apenas de uma casta ou estamento [...] Sintetizando, já que
reconhecer a inequívoca relação de reciprocidade, no que concerne à influência exercida por
uma declaração de direitos sobre a outra, sendo desnecessária, para os fins deste estudo,
qualquer análise que tenha como objeto a mensuração da graduação da intensidade desta
influência mútua, se ´é que tal aferição se afigura viável.” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia
dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.
51/52
20
A primeira geração dos direitos humanos formalmente emoldurados direitos individuais, foi
gestada no século XVII, com a formulação da doutrina moderna sobre os direitos naturais, que
embasou ideologicamente a luta que culminou com a criação do Estado Moderno e a transição
do sistema feudal para o capitalismo. O direito de liberdade era a garantia da livre iniciativa
econômica, livre manifestação da vontade, livre cambio, liberdade de pensamento e expressão,
liberdade de ir e vir, liberdade política, mão-de-obra livre. (HOGERRMANN, Edna Raquel R.S..
Direitos humanos: sobre a universalidade rumo a um direito internacional dos direitos humanos,
disponível em http://www.estacio.br/graduacao /direito/intercam pi/textos/ univ_ dirhum. pdf)
21
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 55-56.
11
Tal modelo, no entanto, não suporta as mudanças trazidas
pela Revolução Industrial do final do século XIX, e pelos efeitos da Primeira
Guerra Mundial, dentre outros relevantes fatores que influenciaram a
passagem do Estado Moderno para o Estado Contemporâneo.
22
1.2 O ESTADO CONTEMPORÂNEO – WELFARE STATE
1.2.1 Origens do Estado Contemporâneo
Com o impacto das mudanças sociais trazidas pelo
capitalismo, inicia-se a luta pelo reconhecimento de direitos até então
relegados pelas constituições liberais.
Importante salientar que o traço preciso que diferencia o
Estado Contemporâneo do Estado Moderno é o “discurso constitucional”,
sendo aceito por vários autores
23
que tanto a Constituição Mexicana de 1917
como a Constituição de Weimar de 1919 constituem o marco histórico dessa
alteração.
A mera declaração de direitos sem o compromisso com a
sua universalização e efetividade faz ruir o modelo liberal de Estado,
cobrando-se deste um comportamento ativo no sentido de estabelecer uma
justiça social.
22
De acordo com Paulo de Tarso Brandão, “Várias foram as circunstâncias que determinaram
profundas transformações na estrutura material do Estado e que desencadearam a
transformação do Estado Moderno no Estado Contemporâneo. Esses elementos foram, entre
outros: a organização do capitalismo com a modificação da livre concorrência de mercado; a
racionalidade do poder legal, entendido como modo de transmissão de comando concreto; os
movimentos sociais que eclodiram a partir da segunda metade do século XIX, ainda no seio do
Estado Moderno;e, ainda, as novas concepções que impressionaram o pensamento político.”
(BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: Novos Direitos e Acesso à Justiça. p.
41)
23
Dentre estes, Pasold e Paulo de Tarso Brandão.
12
O “pacto” que garante a paz, a liberdade e a
propriedade, é ampliado. Deve-se garantir se não a igualdade formal, mas a
igualdade material dos indivíduos. É a busca pelo bem-estar coletivo.
Paulo Márcio Cruz salienta que “Estado de Bem-Estar é o
produto da reforma do modelo clássico de Estado Liberal que pretendeu
superar as crises de legitimidade que este possa sofrer, sem abandonar sua
estrutura jurídico-política. Caracteriza-se pela união da tradicional garantia das
liberdades individuais com o reconhecimento, como direitos coletivos, de
certos serviços sociais que o Estado providencia, pela intervenção, aos
cidadãos, de modo a proporcionar iguais oportunidades.”
24
Este modelo, no entanto, ainda estará fortemente
influenciado pelo anterior. Ele nada mais é do que uma adaptação do modelo
burguês, ao qual são acrescentados dois elementos essenciais, de um lado
garantindo a acumulação de capital mediante a intervenção estatal sobre a
demanda, e de outro, o reconhecimento de uma nova forma de democracia, na
medida em que se buscou a ampliação de diversos direitos sociais.
Passarão a integrar as constituições os direitos sociais,
previdenciários, direitos dos trabalhadores, assistência social, direito à
educação, enfim, direitos que invocam, principalmente, a igualdade entre os
indivíduos. São as liberdades sociais emprestando ao Estado uma nova
perspectiva democrática.
Contudo, convém advertir que o que impulsiona a criação
do Estado Contemporâneo não é a benevolência nem a renúncia da burguesia
aos ideais liberais. Lênio Luiz Streck nos lembra que “A modernidade nos
legou o estado, o Direito e as instituições. Rompendo com o medievo, o
24
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba:
Juruá, 2005; p. 161
13
Estado Moderno surge como um avanço. Em um primeiro momento como
absolutistas e depois como liberal, mais tarde o Estado transforma-se,
surgindo o Estado Contemporâneo sob as suas mais variadas faces. Essa
transformação decorre justamente do acirramento das contradições sociais
proporcionadas pelo liberalismo. Lembra Pereira e Silva que esse ‘Estado
intervencionista não é uma concessão do capital, mas a única forma de a
sociedade capitalista preservar-se, necessariamente mediante empenho na
promoção da diminuição das desigualdades socioeconômicas. A ampliação
das funções do Estado, tornando-o tutor e suporte da economia, agora sob
conotação pública, presta-se a objetivos contraditórios: a defesa da
acumulação do capital, em conformidade com os propósitos da classe
burguesa, e a proteção dos interesses dos trabalhadores’. Além disso, é bom
frisar que ‘o intervencionismo estatal também se constitui em defesa do capital
contra as insurreições operárias, opondo-se à ilusão de igualdade de todos os
indivíduos diante da lei’”.
25
Como bem observa Lenio Streck, cada sociedade
experimenta diferentes graus de evolução, e por essa razão o Estado
Contemporâneo também pode ser apresentado sob diversas formas ou
classificações, conforme o local e a época em que se faça tal análise, com
diferentes reflexos na positivação e garantia de Direitos Fundamentais.
26
É importante que haja tal compreensão para a correta
localização da história do Estado brasileiro em relação à história do Estado
25
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. v. 1. p. 21-22.
26 Paulo de Tarso Brandão colaciona que “Também não se pode deixar de anotar que se aceita
para os fins propostos que ainda encontre vigente, do ponto de vista de sua organização e
finalidade, a noção de Estado Contemporâneo, mas não é possível ignorar que neste momento
histórico uma substancial diferença daquela ordem política que teve início nos albores do
século XX. De outro lado, é preciso observar que o Estado dos dias atuais – definido aqui como
Estado Contemporâneo também é chamado freqüentemente de Estado do Bem-Estar, Estado
Social ou Estado providência, assim como algumas vezes encontra-se a expressão Estado
Liberal para definir o que é mais conhecido por Estado Moderno.” (BRANDÃO, Paulo de Tarso.
Ações Constitucionais: Novos Direitos e Acesso à Justiça. p. 59)
14
Contemporâneo e da passagem de um Estado de Direito para um Estado
Democrático de Direito.
1.2.2 Categorias de Estado Contemporâneo
O Estado de Bem-Estar terá dois momentos bastante
distintos, iniciando-se formalmente com a Constituição Mexicana de 1917 e
com a República de Weimar
27
, tendo como divisor a Segunda Guerra
Mundial
28
, ao mesmo tempo em que adotamos a advertência de Paulo de
Tarso Brandão, de que “... não como ser preciso sobre o momento em que
ocorreu a mudança do Estado Moderno para o Estado Contemporâneo.”
29
Certo é que o ápice do modelo de Estado de Bem-Estar
Social se dará nos anos quarenta, e sua crise surgirá do fim da pujança
econômica iniciada após a II Guerra Mundial, do crescimento descontrolado
dos gastos públicos, a recessão econômica dos anos setenta, o desemprego e
27 Conforme Paulo Cruz, Também é preciso destacar, para ser fiel ao curso dos acontecimentos
no que respeita ao Estado de Bem-Estar, a experiência da República de Weimar (1919-1933).
Mesmo considerando que as previsões de atenção social à população contempladas em sua
Constituição tenham ficado muito longe da realidade, não seria correto, sob o ponto de vista
histórico, não registrar o papel fundamental desta Constituição na concepção da intervenção do
Estado nos domínios econômico e social.” CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia &
Estado Contemporâneo. p. 178.
28
Conforme Paulo Cruz, “Sempre considerando a tese da análise multidimensional, que explica
razoavelmente bem o surgimento do Estado de Bem-Estar, alguns autores quiseram oferecer
uma abordagem mais abrangente no tempo e integrar de forma simultânea a análise
multidimensional e própria evolução do Welfare State. Uma proposição muito consistente a
respeito deste intento foi apresentada por Jean Touchard. De sua leitura pode-se ressaltar a
idéia segundo a qual não se pode conceber o Estado de Bem-Estar sem se considerar a
evolução geral da economia, da política e mesmo da Sociedade. Segundo este autor, esta
evolução teve três fases:
a) a fase inicial, que vai de 1850 a 1925 quando começam as articulações entre responsabilidade
social e a Democracia;
b) fase de consolidação, que se inicia a partir da crise de 1929 e promove a consolidação da
política keynesiana, assim como numa confiança social mais ampla na intervenção do Estado e
na legitimação das garantias sociais em forma de direitos dos cidadãos;
c) a fase de repercussão, que se situa a partir do final da Segunda Guerra Mundial e que teve seu
apogeu nas décadas de 1950 a 1970. Neste período, a principal característica é a relação que
se estabelece entre investimento no âmbito social e expansão econômica” op. cit., p. 174
29
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: Novos Direitos e Acesso à Justiça. p. 40.
15
a inflação dos anos oitenta, tornando-se suscetível de críticas consistentes dos
liberais.
30
Entre o início do Estado Moderno e a atualidade, é
possível tecer uma classificação entre os diversos modelos de Estado de Bem-
Estar. Adotamos a classificação da obra de Paulo Cruz, o qual ensina que “A
partir destas premissas é que se torna possível estabelecer três categorias
que permitem classificar os países com propostas de Estado de Bem-Estar...”.
31
A primeira delas, diz respeito aos Estados cuja
intervenção em relação aos direitos sociais é mínima, cabendo-lhe tão
somente o estímulo do mercado e a garantia dos direitos de liberdade,
caracterizando-se pela criação de um dualismo de classes. Este é o chamado
Estado de Bem-Estar Liberal, caracterizado por ajudar aqueles que
demonstram não ter recursos. As transferências universais são reduzidas.
Nesta acepção os investimentos são baixos e a intervenção do Estado está
destinada a estimular o mercado de forma indireta pela escassez de
investimentos sociais que oferece – ou de forma direta – através dos subsídios
à iniciativa privada. Este modelo previne uma possível retração do mercado,
limita a cobertura dos direitos sociais e cria uma estratificação entre a relativa
igualdade dos assistidos e o bem estar para a maioria da população, que o
mercado se encarrega de diferenciar. É produzido um claro dualismo de
classes. Estão localizados neste modelo países como o Canadá e a Austrália;
30
Além destas causas, Paulo Cruz adverte que “Deve-se ressaltar, no entanto, que a crise
econômica não foi a única responsável pelo questionamento ao modelo keynesiano. O segundo
fato marcante foi o crescimento descontrolado do fasto público. Este fato, vale lembrar, continua
sendo um dos grandes problemas de países como o Brasil, que se debatem entre assumir uma
Democracia Social tardia ou controlar o défcit público, a carga tributária e a não-intervenção do
Estado em setores fundamentais, principalmente o social.” CRUZ, Paulo Márcio. Política,
Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. p. 195.
31
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. p. 192/194.
16
o chamado Estado de Bem-Estar Corporativista
visava dar suporte às necessidades decorrentes das novas realidades imposta
pelas estruturas pós-industriais, garantindo-se direitos sociais às novas
classes. A regra de mercado não é mais preponderante, sendo neutralizada
pela maior intervenção estatal sobre a atividade econômica. Ainda assim, o
objetivo principal deste modelo é a manutenção e consolidação do status
social existente, através de políticas sociais redistributivas de caráter
subsidiário. Países como França, Alemanha, Itália e Áustria podem ser
colocados neste modelo.
A terceira categoria é denominada de Estado de Bem-
Estar Social Democrático, no qual os serviços prestados pelo Estado
dirigem-se de forma preponderante à classe média, com o objetivo de reduzir
a desigualdade social. As políticas sociais não são subsidiárias, ou seja, atuam
independentemente de outros fatores sociais ou familiares. Enfatiza-se o apoio
a políticas para as crianças e adolescentes e à terceira idade. Tais benefícios
geram uma alta carga tributária, e o maior problema deste modelo é a
necessidade que tem de obter uma situação de pleno emprego de sua
população ativa. Dentre os países que adotam este modelo estão Dinamarca,
Finlândia, Noruega, Suécia, Islândia e Holanda
Nestes modelos apresentados, a variação se dará
conforme a maior ou menor intervenção estatal sobre o mercado e sobre as
políticas sociais adotadas, e com o resultado obtido, ou seja, na medida em
que se mostrem garantidos os direitos fundamentais já positivados.
17
1.3 ESTADO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL
Uma vez adotada a classificação supra, indaga-se se o
Brasil pode ser enquadrado em algum desses modelos.
Neste passo, cabe lembrar que nosso País não cumpriu
até o momento sua finalidade social, distanciando-se dos modelos de Estado
de Bem-Estar descritos. O elevado grau de exclusão social e de diferença
de classes são formas de negação dos direitos fundamentais em nosso País.
Ademais, também é possível afirmar a inexistência de uma verdadeira
democracia política no século passado, que somente ao seu final, com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 permitiu-nos sonhar com dias
melhores.
Lenio Luiz Streck, referindo-se à onda liberal que desafia
a função social do Estado, afirma que “... a minimização do Estado em países
que passaram pela etapa do Estado Providência ou welfare state tem
conseqüências absolutamente diversas da minimização do Estado em
países como o Brasil, onde não houve o Estado Social.”
32
Assim, essencial que se especial relevo à expressão
constitucional Estado Democrático de Direito, quer porque a gama de direitos
fundamentais hoje previstos é infinitamente maior do que os direitos
fundamentais de segunda geração que informaram as primeiras Constituições
do Estado Contemporâneo, quer porque a garantia desses direitos encontra
32
SARLET, Ingo Wolfgang . Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 4 ed. Rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2006. p. 24
18
forte resistência e oposição por parte daqueles que defendem os ideais
neoliberais.
33
Ainda, é essencial que se registre também que a transição
do Estado Moderno para o Estado Contemporâneo, resulta de uma crescente
intervenção da sociedade civil na estrutura do Estado, que importará na
abertura de um novo mecanismo de controle político essencial para uma nova
definição dos conceitos de cidadania e de democracia.
O crescimento da atividade da sociedade civil sobre a
relação entre o Estado e os indivíduos é essencial, também, para a
transformação de regimes autoritários em regimes democráticos. No Estado
Democrático de Direito a legitimação se dá pelo compartilhamento do poder
com os mais variados setores sociais, e não mais pelo uso da força.
A Constituição é a regra mediadora dos conflitos que
serão evidenciados pela Sociedade Civil. Ela regulará a função social do
Estado brasileiro.
33
um interessante conceito acerca do neoliberalismo é extraído da obra de Orlando Alves Santos
Junior: “Pelo lado dos organismos multilaterais, o documento Política Urbana y Desarrollo
Econômico: um programa para el decênio de 1990, publicado pelo Banco Mundial (1991), é,
para nós, bastante ilustrativo da concepção neoliberal, que privilegia a produtividade econômica
e a inserção competitiva das cidades dos circuitos globalizados”. (IN NOTA DE RODAPÉ)
“Utilizamos o conceito neoliberal tal qual formulado por Fiori, para identificar as teses do
chamado Consenso de Washington, no qual é redefinido o papel do poder blico, tendo por
base a estratégia de livre mercado. O programa neoliberal, a ser aplicado nos países em
desenvolvimento, estaria assentado em três fases: (i) consagrada à estabilização
macroeconômica; (ii) dedicada às reformas estruturais, com a desregulação dos mercados e a
privatização das empresas estatais; e (iii) destinada à retomada do crescimento econômico
(Fiori, 1995a) Assim, estão colocados em xeque pelo neoliberalismo as posições assumidas em
torno da concepção do Welfare State, fato que demanda esforços no sentido de insistir na
importância do Estado não somente como interventor nas atividades econômicas, mas como
principal meio de articulação política entre o capital econômico e as necessidades sociais.
Feitas estas considerações acerca do Estado, parece-nos possível estabelecer as premissas de
um conceito para a expressão Estado Democrático de Direito e estabelecer a sua importância na
efetividade dos Direitos Fundamentais. (SANTOS JUNIOR, Orlando Alves. Democracia e
Governo Local: dilemas da reforma municipal no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, Fase,
2004. v. 1.000. p. 33.)
19
A Sociedade Civil, por sua vez, exercerá o seu poder,
segundo Paulo de Tarso Brandão, através do uso de duas ordens de
instrumentos: jurídicos e políticos, também essenciais à compreensão do
papel do Ministério Público como defensor do regime democrático.
34
1.3.1 Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito
Ao se utilizar as expressões Estado de Direito e Estado
Democrático de Direito
35
que se ter o cuidado de demonstrar as
significativas diferenças que se podem estabelecer entre elas e as implicações
na garantia dos direitos fundamentais.
Ademais, a importância em conceituar o Estado
Democrático de Direito cresce na medida em que a própria Constituição
Federal assumiu tal expressão, declarando em seu art. que “A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”.
Celso Ribeiro Bastos adverte que antes, porém, de
analisarmos estes preceitos, uma questão nos salta aos olhos: estabeleceu a
Constituição dois princípios ou na realidade o Estado Democrático e do Estado
34
Brandão leciona que “Por instrumentos políticos denominam-se aqui não as ferramentas
fornecidas pelo que a Constituição da República Federativa do Brasil denomina direitos políticos,
uma vez que os trata de forma estrita, mas também se leva em conta a definição de Afonso José
da Silva: “direitos políticos consistem na disciplina dos meios necessários ao exercício da
soberania popular. [...] Os instrumentos jurídicos à disposição da Sociedade Civil estão previstos
na própria Constituição e consistem em ões que visam tutelar interesses da coletividade.”
(BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: Novos Direitos e Acesso à Justiça. p. 69-
70)
35
Estado Democrático de Direito: “O Estado Democrático de Direito, ao lado do núcleo liberal
agregado à questão social, tem como questão fundamental a incorporação efetiva da questão da
igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado garantir através do asseguramento mínimo
de condições mínimas de vida ao cidadão e á comunidade. Ou seja, no Estado Democrático de
Direito a lei passa a ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo
como método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinada ões pretendidas
pela ordem jurídica”.
(
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração
hermenêutica da construção do Direito.p. 37-38.)
20
de Direito significam a mesma coisa? Daremos esta resposta através das
seguintes palavras de Canotilho e Vital Moreira:”Este conceito é bastante
complexo, e as suas duas componentes ou seja, a componente do Estado
de direito e do Estado Democrático não podem ser separadas uma da outra.
O Estado de direito é democrático e sendo-o é que é de direito; O Estado
democrático é Estado de direito e sendo-o é que é Estado de direito;”
(Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª ed. , Coimbra Ed., 1984)
36
Nesta mesma linha, Paulo Cruz escreve que “As
expressões Estado de Direito e Estado Democrático de Direito acolhem a
vontade constitucional de configurar a comunidade política de acordo com os
critérios assinalados acima, resultado de um longo processo histórico.
37
Trata-
se de conceitos elaborados pela doutrina juspublicista, mas que encontraram
lugar nas Constituições.
38
Mas, embora sejam conceitos que não podem ser
dissociados – de direito e democráticos -, reconhece-se que ao longo da
história é possível colher experiências de Estados que se intitulavam de
“Direito” sem ser democráticos, assim como é possível encontrar um Estado
democrático que seja contrário aos Direitos Humanos.
36
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. Reform. De acordo com a
Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 146
37
“O que torna possível o Estado democrático de Direito é justamente a qualidade de abertura que
a essência democrática lhe empresta. Porque “la democracia debe ser propouesta como objetivo
constante y debe entenderse como proceso siempre abierto en el tiempo. (Elías Diaz). A
democracia, na expressão de Miguel Reale, é um verdadeiro processo histórico incessante,
sempre se admitindo uma maior democratização do que é democrático. Não é à toa que o
Estado democrático de Direito é fundado em uma constitucionalização aberta, que define os
princípios básicos mas que permite que várias categories possam ter uma moldura diferenciada
ao longo do tempo.” ( RODRIGUES, Geísa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de
Ajustamento de Conduta – Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 18)
38
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2 ed. tiragem (ano 2003),
revisada e ampliada. Curitiba: Juruá, 2004, p. 214.
21
Parece-nos, portanto, essencial que este conceito seja
sempre submetido previamente a uma análise histórica da evolução do Estado
e dos Direitos Humanos. Celso Ribeiro Bastos, após analisar o conceito
político de Estado de Direito e a crítica à sua concepção meramente retórica
e formalista afirmará que “Desencadeia-se, então, um processo de
democratização do Estado; os movimentos políticos do final do século XIX,
início do XX, transformaram o velho e formal Estado de Direito num Estado
Democrático, onde além da mera submissão à lei deveria haver a submissão à
vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos. Assim, o conceito de
Estado Democrático não é um conceito formal, cnico, onde se dispõe um
conjunto de regras relativas à escolha dos dirigentes políticos. A democracia,
pelo contrário, é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, sendo válido
dizer que nunca foi plenamente alcançada. Diferentemente do Estado de
Direito – que no dizer de Otto Mayer, é o direito administrativo bem ordenado –
no Estado Democrático importa saber a que normas o Estado e o próprio
cidadão estão submetidos. Portanto, no entendimento de Estado Democrático
devem ser levados em conta o perseguir certos fins, guiando-se por certos
valores, o que não ocorre de forma tão explícita no Estado de Direito, que se
resume em submeter-se às leis, sejam elas quais forem.”
39
E assim deve ser tratado o conceito de Estado
Democrático de Direito: sempre deverá estar de acordo (em conformidade)
com a evolução do conceito de direitos fundamentais e do conceito de
democracia, em especial porque o fim máximo do Estado deve ser a máxima
realização do bem estar de todos.
Quanto ao nosso País, o que se pode constatar até o
advento da Constituição Federal de 1988 é a existência de longos períodos ou
de ditaduras, ou de governos que não foram capazes de cumprir as
39
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 19 ed. São Paulo, Saraiva, p. 147
22
promessas do novo Estado Social. Ou seja, vivemos muito mais a condição de
Estado de Direito (Estado-formal) do que a de Estado Democrático de Direito.
Por isso que no verdadeiro Estado Democrático de Direito
haverá necessariamente um equilíbrio entre os princípios, de forma que se
assegure tanto a vontade popular como também a garantia de direitos ou de
situações jurídicas que mereçam proteção individual.
Por essa razão, correto que se utilize a expressão ‘Estado
de direito’ não apenas no sentido de ‘Estado Legal ou ‘Estado regulado pelas
leis’. No modelo idealizado pelo mestre italiano Luigi Ferrajoli, o Estado de
direito nasce com as modernas Constituições e caracteriza-se, no plano
formal, pelo principio da legalidade, e no plano substancial, pela
funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos
fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação de limites aos deveres
públicos correspondentes. Representa, assim, as fontes de legitimação formal
do poder; a segunda, a fonte de legitimação substancial.
Estado Democrático de Direito não representa, portanto,
uma expressão retórica ou vazia de conteúdo, ao contrário, como defende
Lenio Luiz Streck:
O Estado Democrático de Direito, ao lado do núcleo liberal
agregado à questão social, tem como questão fundamental a
incorporação efetiva da questão da igualdade como um conteúdo
próprio a ser buscado garantir através do asseguramento mínimo
de condições mínimas de vida ao cidadão e á comunidade. Ou
seja, no Estado Democrático de Direito a lei passa a ser,
privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado,
tendo como todo assecuratório de sua efetividade a promoção
de determinada ações pretendidas pela ordem jurídica.
40
40
STRECK, Lenio Luis . Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 37-38.
23
Estas considerações têm especial relevância para este
trabalho, uma vez que será a partir da extensão desse conceito de Estado
Democrático de Direito que se pode dimensionar a tarefa do Ministério Público
na defesa do regime democrático, e, por conseqüência, dos Direitos
Fundamentais previstos na Constituição Federal.
Na adoção desse conceito, não há interpretação válida
acerca da legitimação do Ministério Público na defesa e garantia de direitos
fundamentais sem a correta leitura do disposto nos arts. 1º, 5º, § 1º, e 127, da
Constituição Federal.
Com efeito, se cabe ao Ministério Público a defesa do
regime democrático, se o exercício dos direitos fundamentais é pressuposto
para a existência do Estado Democrático de Direito, e se as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata,
não como prevalecer nenhuma espécie de interpretação reducionista, quer
em relação à legitimação do Ministério Público, quer em relação ao direito
material a ser aplicado ao caso concreto. Por isso a adoção do conceito de
Lenio Luiz Streck:
O conceito de Estado Democrático de Direito aqui trabalhado
pressupõe uma valorização do jurídico, e, fundamentalmente,
exige a (re)discussão do papel destinado ao Poder Judiciário (e à
justiça constitucional) nesse (novo) panorama estabelecido pelo
constitucionalismo do pós-guerra, mormente em países como o
Brasil, cujo processo constituinte assumiu uma postura que
Cittadino denomina de ‘comunitarista’, onde os constitucionalistas
(comunitaristas) lutaram pela incorporação dos compromissos
ético-comunitários na Lei Maior, buscando não apenas reconstruir
o Estado de Direito, mas também ‘resgatar a força do Direito’,
cometendo à jurisdição a tarefa de guardiã dos valores materiais
positivados na Constituição. Em outras palavras, o Estado
Democrático de Direito supera as noções anteriores de Estado
Liberal e Estado Social de Direito, questão que é bem definida por
Elias Diaz: o Estado Liberal de Direito é a institucionalização do
24
triunfo da burguesia ascendente dobre as classes privilegiadas do
Antigo Regime, onde se produz uma clara distinção entre o
político e o econômico, com um Estado formalmente
abstencionista, que deixa livres as forças econômicas, adotando
uma posição de (mero) policial da sociedade civil que se
considera em sua fase de beneficiada para o desenvolvimento do
capitalismo em sua fase de acumulação inicial e que vai
aproximadamente até o final da primeira grande guerra; já o
Estado Social de Direito pode ser caracterizado como
institucionalização do capitalismo maduro, no qual o Estado
abandona a sua postura abstencionista tomada inicialmente para
proteger os interesses da vitoriosa classe burguesa, passando
não somente a intervir nas relações econômicas da sociedade
civil, como também se converte em fator decisivo nas fases de
produção e distribuição de bens; finalmente, o Estado
Democrático de Direito é o novo modelo que remete a um tipo de
Estado em que se pretende precisamente a transformação em
profundidade do modo de produção capitalista e sua substituição
progressiva por uma organização social de características
flexivamente sociais, para dar passagem, por vias pacíficas e de
liberdade formal e real, a uma sociedade onde de possam
implantar superiores níveis reais de igualdades e liberdades.
Assim, para Diaz, o qualificativo ‘democrático’ vai muito além de
uma simples reduplicação das exigências e valores do Estado
Social de Direito e permite uma práxis política e uma atuação dos
poderes públicos que, mantendo as exigências garantísticas e os
direitos e liberdades fundamentais, sirva para uma modificação
em profundidade da estrutura econômica e social e uma mudança
no atual sistema de produção e distribuição dos bens. A noção de
Estado Democrático de Direito está, pois, indissociavelmente
ligado à realização dos direitos fundamentais. É desse liame
indissolúvel que exsurge aquilo que se pode denominar de plus
normativo do Estado Democrático de Direito.
41
Parece-nos, então, que a existência da expressão Estado
Democrático de Direito no texto constitucional é absolutamente proposital e
revela ser, de um lado, conseqüência direta do longo período de ditadura
militar que antecedeu sua promulgação, e de outro, o reconhecimento de que
41
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 38-39.
25
o Estado de Direito brasileiro ainda não cumpriu sua função social,
42
cabendo-
lhe enfrentar uma enorme desigualdade de classes mediante a garantia de
proteção dos direitos fundamentais ali assegurados.
Não se pode falar em democracia enquanto não houver
justiça social, entendida esta como a erradicação da pobreza e da
marginalização de classes sociais. Se estas são afirmações constitucionais,
devem servir de guia para o “Estado-Ideal”, devem balizar os atos de todos os
poderes do Estado.
42
A esse respeito, Lenio Streck lembra que “O Estado Democrático de Direito representa, assim, a
vontade constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido que ele é um plus
normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito.
Registre-se que os direitos coletivos transindividuais, por exemplo, surgem, no plano normativo,
como conseqüência ou fazendo parte da própria crise do Estado Providência. Desse modo, se
na Constituição se coloca o modo, é dizer, os instrumentos para buscar/resgatar os direitos de
segunda e terceira gerações, via institutos como substituição processual, ão civil pública,
mandado de segurança coletivo, mandado de injunção (individual e coletivo) e tantas outras
formas, é porque no contrato social – do qual a Constituição é a explicitação – uma confissão
de que as promessas da realização da função social do Estado não foram (ainda) cumpridas”.
(STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 38)
CAPÍTULO 2
O REGIME DEMOCRÁTICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
IRRADIADOR DE OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS
Cumpre inicialmente justificar a opção pela locução
Direitos Fundamentais em face da expressão Direitos Humanos.
O que se quer designar aqui pela expressão Direitos
Fundamentais são todos os direitos individuais, sociais, econômicos, culturais
e políticos positivados pela Carta Magna, em perfeita consonância e sempre
na direção dos Direitos Humanos reconhecidos em documentos de direito
internacional, citando-se como exemplo a Declaração Universal dos Direitos
do Homem de 1948.
43
Neste aspecto, adota-se a lição de Ingo Wolfgang Sarlet:
43
Cf. Calera: Los “derechos naturales” serían aquellos derechos innatos, universales en el
espacio y en el tiempo, que derivan precisamente de la “naturaleza humana”, que contiene un
orden preestablecido, de la misma manera que hay también leyes naturales (jurídicas) con un
simular sentido y fundamentación. Los derechos naturales son, pues, las pretensiones subjetivas
de justicia que corresponden al hombre según su naturaleza humana, es decir, según su orden
natural, sin cuyo respeto el hombre deja de ser hombre. […] hoy se hace cada vez más común la
denominación de derechos fundamentales. Esta expresión suele ser entendida en el sentido de
que se trata de un conjunto de derechos que son el fundamento” de un orden jurídico-positivo.
Es decir, se entiende o se sobreentiende que son unos derechos del hombre sin los cuales un
sistema jurídico no tendría apoyo, no estaría justificado o legitimado. Su sentido de “fundamento”
de un orden jurídico y político histórico indica la particular naturaleza de estos der echos. […] Los
derechos fundamentales suelen ser entendidos como “derechos constitucionales”, derechos que
están reconocidos en la Constitución de un Estado.” LOPÉZ CALERA, Nicolás Maria. Filosofia
de los derechos humanos. In: Filosofia del Derecho (I). Granada: Comares, 1997. p. 208-209)
27
Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e
“direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a
explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a
distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para
aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na
esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao
passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com
os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas
posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para
todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco
caráter supranacional (internacional).
44
Mais adiante, afirma:
Neste contexto, de acordo com o ensinamento do conceituado
jurista hispânico Perez-Luño, o critério mais adequado para
determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da
concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se
revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a
noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem
sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o
conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos
e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-
se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente,
cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador
do sistema jurídico do Estado de Direito. Assim, ao menos sob
certo aspecto, parece correto afirmar, na esteira de Pedro C.
Villalon, que os direitos fundamentais nascem e acabam com as
Constituições, resultando, de tal sorte, da confluência entre os
direitos naturais do homem, tais como reconhecidos e elaborados
pela doutrina jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, e da própria
idéia de Constituição. Neste contexto, situa-se, - apenas para citar
um posicionamento extraído da leitura filosófica o recente
magistério de Otfried Höffe, ao destacar a pertinência da
diferenciação conceitual entre direitos humanos e fundamentais,
justamente no sentido de que os direitos humanos, antes de
serem reconhecidos e positivados nas Constituições (quando se
converteram em elementos do direito positivo e direitos
44
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 35/36
28
fundamentais de uma determinada comunidade jurídica),
integravam apenas uma espécie de moral jurídica universal.
Assim, ainda para Höfe, os direitos humanos referem-se ao ser
humano como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana) ao
passo que os direitos fundamentais (positivados nas
Constituições) concernem às pessoas como membros de um ente
público concreto.
45
Na mesma esteira, o Professor Paulo Márcio Cruz leciona
que “A expressão”Direito Fundamental”, embora utilizada, por diversas
constituições, como a Lei Fundamental de Bonn, não consta formalmente, por
exemplo, da Constituição da Itália, da França e da Áustria. A Constituição do
Brasil de 1988 a usa como epígrafe do Título II. Significa os direitos e
liberdades constitucionalmente protegidos, por meio de instrumentos
estabelecidos pela própria Constituição. As ações constitucionais típicas e as
cláusulas pétreas são bons exemplos destes instrumentos.”
46
E, mais adiante, reforçará os argumentos favoráveis à
diferenciação entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais:
[...] Os “Direitos Humanos” se transformam em “Direitos
Fundamentais” ou, usando uma outra terminologia, em “liberdades
públicas”. Desta forma, se passa de um conceito jusnaturalista
para um conceito positivo. Mas deve-se recordar que os textos
constitucionais, em muitos casos, proclamam que a normatização
e definição dos direitos que nelas estão previstos são levados a
efeito em virtude da convicção de que, efetivamente, estes direitos
e liberdades são anteriores e superiores à própria Constituição.
Esta lhe atribui valor jurídico e formal, mas reconhece seu valor
material.
47
Aliás, a diferenciação entre as expressões direitos
fundamentais e direitos humanos torna-se também importante para reafirmar
45
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 37-38.
46
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 153
47
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 155.
29
o caráter constitucional (ou positivado) da primeira, sem pretensão de
estabelecer entre elas qualquer relação de exclusão ou incompatibilidade,
senão de similitude e complementaridade.
48
Por isso, neste trabalho, por vezes as expressões serão
mencionadas como sinônimos, mas sempre considerando a opção pela
locução Direitos Fundamentais como direitos positivados ou reconhecidos
como princípios do ordenamento jurídico, e, portanto, exigíveis a qualquer
tempo, deixando claro a atenção à dimensão concreta dos direitos
fundamentais sob a ótica do Direito Constitucional.
49
2.2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – AS
DIMENSÕES
Os direitos fundamentais são tão variáveis de sociedade a
sociedade quanto o são as formas de Estado e de governo existentes na
história da humanidade.
48
No entanto, adverte Peces-Barba que uma aproximação lingüística parte de sérias dificuldades
ante a heterogeneidade terminológica. Existem distintas palavras que expressam o conceito de
direitos humanos como 1) direitos naturais, 2) direitos públicos subjetivos, 3) liberdades públicas,
4) direitos morais ou direitos fundamentais, 5)direitos individuais, 6) direitos do cidadão, entre
outros.. Adverte o autor que nenhum desses termos são expressões puras, todos têm conexões
culturais e explicações derivadas de um contexto histórico, de interesses, ideologias e posições
científicas de fundo. Porém todos estes termos fixam sua raiz no mundo moderno, em uma
cultura individualista e antropocêntrica (ou centralizada na pessoa do homem) frente à cultura
objetivista e comunitária própria da Idade Média. Logo, o sujeito e a proteção do mesmo
constitui o núcleo central necessário para a compreensão do uso dos termos como sinônimos
dos direitos humanos. Assim, segundo o autor, o termo mais comum é a própria expressão
“direitos humanos”: E qual seria o seu significado? por um lado, segundo o Prof. Peces Barba,
se refere a uma pretensão moral forte que deve ser atendida para uma vida humana digna. Por
outro, uma pretensão para identificar um sistema de Direito Positivo que efetive este direito
reconhecido no ordenamento.
49
Neste aspecto, Wolfgang Ingo Sarlet alerta que “...há que reconhecer que também a
Constituição de 1988, em que pesem os avanços alcançados, continua a se caracterizar por
uma diversidade semântica, utilizando termos diversos ao referir-se aos direitos fundamentais. A
título ilustrativo, encontramos em nossa Carta Magna expressões como: a) direitos humanos
(art. 4º, inc. II); b) direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º); c)
direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e d) garantias individuais (art. 60, § 4º,
inc. IV). (op. cit, p. 33/34)
30
Isso decorre, certamente, da própria característica
histórica desses Direitos Fundamentais e da sua constante intenção de
limitação do poder, e ddecorre a importância de se relacionar a evolução
desses direitos na linha do tempo, de modo a facilitar a compreensão das
reações e dificuldades enfrentadas na luta pela sua efetividade.
Ciente da diversidade de opiniões e concepções
doutrinárias e alinhando esta opção ao que foi escrito sobre o Estado no
primeiro capítulo, assim como a opção pela locução Direitos Fundamentais,
tomamos como marco inicial deste estudo as primeiras constituições escritas
da Europa e América do final do século XVIII, sob a influência das doutrinas
jusnaturalistas.
Afora as divergências doutrinárias e terminológicas, essa
opção se justifica por evidenciar a convergência de opiniões acerca da idéia de
que os direitos fundamentais estão classificados em gerações
50
, sobre as
quais não há consenso, e que são citadas apenas a título ilustrativo.
Como já anunciado, nem entre os seus defensores há
consenso em relação às várias dimensões dos direitos fundamentais. Bobbio,
na obra A Era dos Direitos, defenderá a existência de três gerações de
direitos. Já Paulo Bonavides, assim como Paulo Cruz, defende a existência de
uma quarta geração.
50
Também relevante registrar as críticas de A.S. Romita, C. Weiss, mencionadas por Ingo Sarlet.
O primeiro autor sustenta que o termo dimensões se refere a um significado e função distinta do
mesmo direito, e portanto, prefere a denominação “naipes” ou famílias” de direitos
fundamentais. O segundo, aponta que as classificações tradicionais baseadas no critério da
evolução histórica acabam por gerar confusões de cunho conceitual em relação ao processo
histórico de nascimento e desenvolvimento desses direitos. Propõe a adoção de critérios de
divisão conforme a positivação dos direitos fundamentais no plano internacional, adotando-se a
terminologia “direitos liberais” (civis e políticos, “direitos sociais, econômicos e culturais”, e
“direitos globais”, referindo-se aos direitos que a doutrina tradicional classifica como sendo de 3ª
geração. In SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 54-55.
31
Paulo de Tarso Brandão, analisando a classificação de
José Alcebíades de Oliveira Junior e Carlos Alberto Wolker, descreve cinco
diferentes gerações de direitos: a) direitos individuais, de igualdade formal
perante a lei, próprios da formação do Estado Moderno; b) direitos sociais,
dando ao indivíduo a possibilidade de organização em grupos ou associações;
c) direitos transindividuais, também chamados coletivos e difusos,
compreendidos nesta seara os direitos do consumidor e direito ao meio
ambiente equilibrado; d) direitos de biotecnologia, relacionados à
manipulação genética, ao direito de vida e de morte; e) direitos relacionados
à realidade virtual, decorrentes das relações que se estabeleceram a partir
do desenvolvimento da cibernética e da rede virtual (Internet).
Sobre o tema das dimensões dos direitos fundamentais,
aderimos às considerações de Ingo Wolfgang Sarlet, que novamente
colocando a dignidade da pessoa humana como fio condutor da história dos
direitos fundamentais e concordando com o posicionamento de Paulo de Tarso
Brandão
51
, para quem a divisibilidade dos direitos fundamentais em dimensões
não logra, por si só, explicar de forma satisfatória toda a complexidade do
processo de formação histórica e social desses direitos, apregoa que esse
processo é de cunho essencialmente dialético e dinâmico, sempre marcado
por avanços, retrocessos e contradições.
52
E, assim sendo, as diversas dimensões dos direitos
fundamentais os revelam como categoria aberta e mutável, ainda que os
“novos direitos” estejam influenciados de forma permanente pelos direitos
individuais que inspiraram a criação do Estado Moderno, alertando para o
51
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: Novos Direitos e Acesso à Justiça. p.
123 e ss.
52
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 62.
32
cuidado de não afastá-los de sua fundamentalidade, preservando-se o seu
prestígio e relevância para que tais reivindicações não sejam banalizadas.
53
Em conclusão, para a finalidade proposta por este
trabalho, far-se-á a descrição dos direitos fundamentais em quatro gerações,
buscando contemplar toda a espécie de direito classificado ou considerado
como fundamental em nossa Constituição Federal, adotando as ponderações
de Paulo Bonavides sobre a existência de uma quarta geração de direitos
fundamentais, justamente aquela que corresponde à universalização dos
direitos fundamentais, decompondo-se nos direitos à democracia, à
informação e ao pluralismo.
De fato, como anunciado no título deste capítulo,
acreditamos no regime democrático como direito fundamental, e não só, mas
também como vetor de irradiação para outros direitos fundamentais.
2.2.1 Primeira dimensão
Feitas essas observações iniciais acerca da classificação
dos direitos fundamentais em gerações, cumpre retomar o tema para afirmar
que esses direitos surgem com as primeiras Constituições liberais do século
XVIII
54
, com a defesa dos direitos à liberdade e à individualidade, preconizados
por Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, dentre outros pensadores que
influenciaram a passagem do Estado Medieval para o Estado Moderno.
53
Ingo Wolfgang Sarlet, citando o espanhol Perez-Luño, afirma que o critério para se reconhecer
um direito como fundamental deve balizar-se no reconhecimento deste por determinada
sociedade, ou mesmo no plano universal.
54
Fábio Konder Comparato delimita o marco inicial do nascimento dos direitos humanos: “O artigo
I da Declaração que o ‘bom povo da Virgínia” tornou pública, em 16 de junho de 1776, constitui o
registro de nascimento dos direitos humanos na História.” COMPARATO, Fábio Konder. A
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 49.
33
Contra milênios de dominação religiosa, surgem o
Racionalismo, a Revolução Científica e o Iluminismo, que acabam por deslocar
o fundamento do poder. O poder emana da razão, e não de uma designação
divina. É a capacidade humana de racionalizar e, por isso, estabelecer um
pacto, que cria o Estado como monopólio da força.
Em contrapartida a esse monopólio, começam a ser
afirmados direitos do indivíduo contra o Estado, delimitando uma zona de não
intervenção na esfera de liberdade individual. São os chamados direitos de
liberdade “negativos”, uma vez que obrigam o Estado a um “não fazer”.
Constituem o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a
lei.
Outro traço marcante mencionado por Paulo Márcio Cruz
é que a idéia de igualdade é inseparável da idéia de liberdade. No Estado
Medieval, os direitos reconhecidos eram vinculados a classes, a grupos
determinados, de modo que o cidadão o era respeitado pela condição de
ser humano, mas apenas em razão de seus títulos ou condição social.
55
No Estado Constitucional, a igualdade formal perante a lei
obriga esse mesmo Estado e a todos que o integram, ao respeito à liberdade
de cada indivíduo.
Tais direitos, de igualdade e liberdade, acabariam por
influenciar o aparecimento de outros, como a liberdade de pensamento, de
expressão, o direito à associação, e os direitos políticos, como o direito de voto
e a capacidade eleitoral passiva, fundamentais para o nascimento das
democracias modernas.
55
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 154
34
A importância da primeira geração dos direitos humanos é
descrita por Paulo Márcio Cruz:
A inclusão destes direitos do homem nos textos constitucionais
teve conseqüência quase que imediata: a transformação de
alguns princípios filosóficos em normas jurídicas. O conceito de
direitos humanos ou direitos do homem, é uma noção filosófica ou
ideológica, noção esta que acata a idéia de que certos direitos são
necessários para que se possa falar de ser humano e de
dignidade humana. Já o reconhecimento jurídico destes direitos os
transforma em normas vinculantes, que não dependem das
convicções de cada um.
56
Certo é que tais direitos inerentes ao indivíduo não terão o
mesmo caráter que tinham quando de sua criação frente às necessidades do
Estado Moderno, mas continuam inspirando e dando fundamentação a
diversos outros direitos da atualidade. A título de exemplificação, o direito à
individualidade assume proporção absolutamente diversa quando falamos de
direito à intimidade e à inviolabilidade de comunicações telemáticas, dentre
outros.
2.2.2 A segunda dimensão: Os Direitos Sociais
O Estado, que na sua primeira dimensão tinha como
objetivo a proteção das liberdades da burguesia e os ideais liberais, tinha
como característica que cada indivíduo buscasse meios materiais para a
satisfação de sua própria subsistência e, com isso, a busca de sua felicidade.
A conseqüência direta desse modelo foi o fim do imobilismo social existente
durante o feudalismo.
Importante ressaltar também que os direitos políticos
surgem ainda no Estado Moderno, pois é através da idéia de status de
56
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p 155.
35
liberdade e de preservação dos direitos individuais que surge o direito à
participação em partidos políticos e sindicatos. Esse exercício coletivo dos
direitos individuais é ingrediente fundamental para a prática da democracia, e
por conseqüência, dos direitos sociais.
Com os processos de industrialização do final do século
XIX e início do século XX, a crise econômica de 1929, a perda da família como
principal núcleo de assistência social, a doutrina constitucionalista liberal não
se mostrou capaz de dar resposta às necessidades coletivas emergentes: a lei
de oferta e procura não garantia condições mínimas de vida aos cidadãos.
57
Por isso, surge como necessidade do Estado a proteção
das classes menos favorecidas, neutralizando as desigualdades decorrentes
do alto grau de concentração de renda e poder que aquele modelo propiciava.
Ao Estado, que até então deveria se limitar a impedir o indivíduo de causar
dano a outrem, caberá a proteção de direitos sociais, mediante intervenção
efetiva nas relações econômicas.
Nesta dimensão, ao contrário da primeira, não haverá
apenas a defesa da liberdade individual contra o Estado, mas a garantia de
desfrutar do bem-estar social que ele pode (e deve) propiciar, mediante
intervenção na esfera dos direitos econômicos, sociais e culturais. São os
direitos chamados de segunda dimensão.
57
Ou, nas palavras de Fábio Konder Comparato, ...a ascenção do indivíduo na História, a perda
da proteção familiar, estamental ou religiosa tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da
vida. A sociedade liberal efereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia de
igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade
para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas
capitalistas. Patrões e operários eram considerados iguais em direitos, com inteira liberdade
para estipular o salário e as demais condições de trabalho. Fora da relação de emprego
assalariado, a lei assegurava imparcialmente a todos, ricos e pobres, jovens e anciãos, homens
e mulheres, a possibilidade jurídica de prover livremente à sua subsistência e enfrentar as
adversidades da vida, mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 52.
36
Comparato, afirmando que essa geração de direitos surgiu
em contraposição aos flagelos sociais decorrentes do sistema capitalista de
produção, faz uma interessante observação sobre a importância histórica
desses direitos, afirmando que “o reconhecimento dos direitos humanos de
caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu
do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XX”.
58
Por conseguinte, é igualmente correto afirmar que o
principal legado trazido pela segunda geração dos direitos fundamentais é a
superação do prisma individualista vigente desde a criação do Estado
Moderno, cedendo lugar à participação da Sociedade Civil.
59
uma estreita conexão entre mudança social e o
nascimento de novos direitos.
60
Assim, essa participação da Sociedade Civil na relação de
entre o Poder e os indivíduos será a força motriz para o surgimento de todos
os demais “novos direitos” ou direitos fundamentais das terceira, quarta e
quinta gerações. Ou melhor, como bem define Norberto Bobbio, o Estado
Contemporâneo traz em si uma alteração na estrutura formal do Estado, pois
além de Estado de Direito, passa a se constituir em Estado Social, integrando
58
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 53
59
para essa categoria, adota-se o conceito de Bobbio, para quem Na contraposição Sociedade
Civil-Estado, entende-se por Sociedade Civil a esfera de relações entre indivíduos, entre grupos,
entre classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam
as instituições estatais. Em outras palavras, Sociedade Civil é representada como o terreno dos
conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver,
intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as solicitações às
quais o sistema político está chamado a responder; como o campo das várias formas de
mobilização, as associação e organização das forças sociais que impelem a conquista do poder
político.” (BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale. et al.. 4 ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. p. 1210)
60
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. de Nelson Carlos Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p. 83.
37
a Sociedade Civil nos seus processos de legitimação e de estrutura da
administração.
Em suma, a segunda geração de direitos fundamentais
trata de direitos voltados ao gozo do bem-estar social.
2.2.3 A terceira dimensão: os direitos difusos e coletivos
Na terceira dimensão, encontraremos os direitos
relacionados à defesa do homem como grupo social. Os direitos desprendem-
se da tutela individual, os ideais iluministas da liberdade e da igualdade unem-
se aos ideais de fraternidade e solidariedade, para garantia da dignidade da
pessoa humana.
A defesa da paz, autodeterminação dos povos, meio
ambiente e o direito a viver dignamente, dentre outros, surgem como
reivindicações possíveis por parte dos cidadãos contra o Estado, com a
particularidade de que poderão comportar uma titularidade coletiva.
Em que pese as diversas opiniões, certo é que os
chamados direitos de terceira dimensão decorrem da visão de que o homem
não é um sujeito abstrato, senão um ser concreto, sujeito de direitos, com
especificidades, com diferenças que modificam a conceituação de igualdade,
ampliando-a.
Surge a necessidade de defesa da igualdade, mas com
um componente adicional, que é o respeito à condição humana real, ou, como
defende Bobbio, a multiplicação dos direitos ocorre porque o próprio homem
não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas sim
38
com sua concretude e especificidades e nas diversas maneiras de existir na
sociedade.
61
O Brasil da atualidade é exemplo concreto dessa
dimensão, ao passo em que proliferam legislações de proteção a grupos
sociais especiais, como as crianças e adolescentes, idosos, mulheres vítimas
de violência, proteção das pessoas portadoras de necessidades especiais,
defesa da união entre pessoas do mesmo sexo, dentre outras.
Isto decorre da afirmação feita no na Constituição
Federal, que em seu art. determina que todos são iguais perante a lei,
mas não somente isso, que significaria a igualdade formal, mas acresce que
tal igualdade será garantida sem distinção de qualquer natureza.
Além de vedar a discriminação, remete à proteção de
direitos que decorrem da própria condição humana em suas particularidades.
Há necessidade de proteção dos desiguais.
Com efeito, razão assiste a Bobbio, quando defende que
em relação às liberdades negativas, é possível afirmar que todos são iguais
perante a lei, mas em se tratando de direitos socais, somente é possível tal
afirmação de modo genérico e abstrato, pois na atribuição desses direitos
sociais – direito ao trabalho, à educação, à saúde -, não poderão deixar de ser
consideradas as diferenças existentes entre os indivíduos e amesmo entre
determinados grupos sociais.
62
61
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 83.
62
Interessante exemplo a ser citado é o debate atual sobre o estabelecimento de cotas nas
universidades públicas brasileiras para grupos raciais, sociais e de pessoas portadoras de
necessidades especiais. O que se quer é dar igualdade de oportunidade àqueles que, por sua
condição no grupo social, não desfrutam das mesmas condições de acesso ao direito à
educação.
39
Assim, a terceira geração dos direitos fundamentais
somente pode ser compreendida em sua gênese se vinculada ao conceito de
dignidade da pessoa humana. Por tal razão, entendemos desnecessária a
classificação dos direitos fundamentais além destas três gerações,
ressalvando a classificação de Paulo Bonavides, que diz mais respeito ao
procedimento democracia, direito à informação e à pluralidade -, do que ao
conteúdo dos direitos fundamentais.
Nesta esteira de pensamento, Sarlet ressalta que não
como dissociar a dignidade da pessoa humana do conteúdo dos direitos
fundamentais. Com efeito, em cada direito fundamental, de qualquer geração
ou dimensão que se queira classificar, reside uma motivação vinculada à
dignidade da pessoa humana. A dignidade perpassa todo o ordenamento
jurídico, dando ao indivíduo a possibilidade de formatar sua própria existência,
de ser sujeito de direitos e ter à disposição instrumentos jurídicos que lhe
sirvam à defesa de sua liberdade (positivas ou negativas).
63
A extensão dessa liberdade é papel do texto
constitucional, que tem como tarefa garantir, de um lado, a isonomia formal
(todos são iguais perante a lei) e material (sem distinção de qualquer
natureza), e de outro, tornar possível que se exerça o máximo de liberdade
com a manutenção de uma ordem jurídica que permita a convivência social, ou
seja, a relação harmoniosa de todos os direitos fundamentais.
64
63
SARLET, Ingo Wolfgang . Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 158.
64
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. p. 177.
40
2.2.4 A quarta dimensão – “o regime democrático”
Como observado anteriormente no item 2.2 supra,
haverá quem defenda direitos fundamentais de quarta geração, nos quais
estão destacados os direitos à democracia (categoria importante neste
estudo), à informação e ao pluralismo.
Embora tenhamos manifestado sobre a suficiência de
se classificar os direitos fundamentais em três gerações, entendemos
relevante registrar a quarta geração mencionada por Paulo Bonavides, em
especial porque essa classificação estabelece uma interessante correlação
entre as diversas gerações e os sujeitos ativos dos direitos fundamentais, o
que nos parece relevante para o trabalho em curso, uma vez que se pretende
demonstrar que o Ministério Público é uma instituição voltada à defesa dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
65
Com efeito, ao tratar os direitos à democracia, à
informação e à pluralidade, Bonavides declara que o sujeito ativo desses
direitos é o gênero humano, ao passo que os direitos de primeira geração
pertencem ao indivíduo, os de segunda, à sociedade, e os de terceira geração,
à coletividade.
66
65
Cf. Sarlet, “Contudo, há que referir, no âmbito do direito pátrio, a posição do notável Prof. Paulo
Bonavides, que, com a sua peculiar originalidade, se posiciona favoravelmente ao
reconhecimento da existência de uma quarta dimensão, sustentando que esta é o resultado da
globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional,
que corresponde, na sua opinião, à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. Para
o ilustre constitucionalista cearense, esta quarta dimensão é composta pelos direitos à
democracia (no caso, a democracia direta) e à informação, assim como pelo direito ao
pluralismo. A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos
contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração,
oferece ainda a nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos
direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, que não se cuida apenas de
vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos
de liberdade.” SARLET, Ingo Wolfgang . Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição Federal de 1988. p. 61.
66
“Tendo por conteúdo a liberdade e a igualdade, segundo uma concepção integral de justiça
política, o direito à democracia, apanágio de toda a Humanidade, é, portanto, direito da quarta
41
Mais adiante, Bonavides justifica sua classificação dada
aos direitos fundamentais, porque a “... geração ou dimensão dos direitos
humanos logra caracterização classificatória mais perfeita se nos afastarmos
da clássica dualidade direitos de defesa (Abwehrrechte) e direitos de
participação (Teilhaberetche), e nos ativermos, de preferência, a outro critério,
a saber, o da extensão referencial de sua titularidade, passando primeiro pelo
indivíduo, a seguir pelo grupo, depois pela sociedade ou comunidade
propriamente dita, até chegar, de último, ao gênero humano. Faz-se mister,
todavia, assinalar que os direitos fundamentais da primeira geração
conservam seu caráter de direitos de defesa, ao passo que os de segunda,
terceira e quarta, por sua vez, não perdem a índole de direitos de
participação.”
67
Parece-nos, portanto, que a classificação dos direitos
fundamentais tal como se apresenta neste trabalho pode contemplar toda e
qualquer espécie de “novo direito”, sem que tal signifique a generalização ou
banalização dessa classe de direito, de forma a diminuir-lhe a importância ou
de inviabilizar a sua defesa ou garantia.
De outro lado, reafirma que o direito à democracia é
essencial para a existência dos outros direitos fundamentais, não havendo
lugar para estes numa tirania ou ditadura.
geração, do mesmo modo que o desenvolvimento, por sua remissão concreta e material aos
povos do Terceiro Mundo, é direito da terceira geração. Com efeito, tomando por base a sua
titularidade, os direitos humanos da primeira geração pertencem ao indivíduo, os da segunda ao
grupo, os da terceira à comunidade e os da quarta ao gênero humano.” BONAVIDES, Paulo.
Teoria Constitucional da Democracia Participativa, por um Direito Constitucional de luta e
resistência, por uma nova hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. 2 ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 162
67
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa, por um Direito
Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica por uma repolitização da
legitimidade. p. 162
42
Estas conclusões estão em conformidade com o
pensamento de Norberto Bobbio. Em sua obra sobre o Futuro da Democracia,
o cientista italiano afirmará que a democracia deve ser entendida como um
conjunto de regras primárias ou fundamentais que estabeleçam quem deva
tomar as decisões coletivas, e com quais procedimentos.
Mas nesse modelo democrático pensado por Bobbio, não
bastará apenas a atribuição do direito à participação a um elevado número de
cidadãos para a tomada de decisões em favor dos demais, tampouco a
existência de regras de procedimentos como a da maioria, sendo
indispensável uma terceira condição: aqueles que elegem quem decidirá
devem fazê-lo tendo reais condições de escolha. Para tanto, devem gozar dos
assim denominados direito de liberdade, de opinião, de expressão das
próprias opiniões, de reunião, de associação, enfim, pois somente a fruição
plena desses direitos poderá trazer a garantia de que os procedimentos ou
mecanismos denominados democráticos estão de acordo com os princípios
filosóficos de liberdade e igualdade que inspiraram a criação do Estado.
68
Mas essa se apenas uma face do que se quer
denominar de democracia, pois a exigência de aproximação entre o direito
positivo e a realidade social nos obriga à busca de uma ampliação desse
conceito.
E por mais que reconheçamos a indefinição do termo
democracia
69
ou sua utilização com força meramente retórica, é inegável que
nos Estados Constitucionais ditos Democráticos de Direito, a avaliação da
68
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de
M.A. Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 1986. p. 20.
69
Da mesma forma que o faz Friedrich Muller, ao afirmar que “‘Democracia’ é uma das
expressões mais indeterminadas”. No entanto, buscamos em Canotilho um conceito possível de
democracia, o qual entendemos ser plenamente aplicável ao Estado Brasileiro.
43
legitimidade do sistema constitucional dependerá do quanto se atende os
direitos fundamentais dos seus cidadãos.
E não poderia ser de outra forma, uma vez que o Estado
Democrático de Direito tem como questão fundamental a incorporação efetiva
da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado garantir através do
asseguramento de condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade, ou,
em outras palavras, no Estado Democrático de Direito a lei passa a ser,
privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como
método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinada ações
pretendidas pela ordem jurídica”.
70
É o Estado Social, ao qual se acresce a vontade
constitucional como elemento valorativo a ordenar a efetividade dos direitos
prometidos e até o momento ainda não cumpridos.
Por tal razão é que podemos falar em quarta geração,
porque sem o direito à democracia não se cumprem as etapas anteriores.
E neste diapasão nunca é demais ressaltar que o Estado
Democrático de Direito será incompatível com a exclusão social, porque nos
seus princípios éticos estão incorporados os ideais de fraternidade e de
solidariedade, assim como porque a igualdade somente poderá ser
interpretada corretamente com o pleno respeito à dignidade da pessoa
humana.
Ou seja, numa democracia, a priori
,
todos são iguais e
devem ser tratados de forma idêntica pela lei, o que implica dizer que todo o
tratamento desigual somente pode ser justificado se destinado à garantia da
70
STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 37-38.
44
dignidade da pessoa humana. Assim, se os deficientes físicos têm tratamento
diferenciado por parte da lei, é porque um componente vinculado à
condição destas pessoas de forma a lhes assegurar a dignidade.
Neste sentido, nunca demais lembrar Bobbio, que com
precisão afirmou que Direitos do homem, democracia e paz são três
momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do
homem reconhecidos e protegidos, não democracia; sem democracia, não
existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras
palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam
cidadãos quando lhe são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá
paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa, somente
quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do
mundo. ”
71
Com efeito, sem que se tenha a garantia dos direitos
fundamentais, não haverá ambiente para sobrevivência da democracia.
2.3 EFETIVIDADE E EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Para iniciar a discussão proposta neste tópico,
relembramos a citação de Bobbio, trazida no corpo do texto, de que o
problema central dos direitos fundamentais não é tanto de justificá-los, mas
de protegê-los.
72
71
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 21.
72
Ao falar do presente e do futuro dos Direitos do Homem, Norberto Bobbio afirma que: “Com
efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido amplo,
político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu
fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o
modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles
sejam continuamente violados.” BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 45
45
E protegê-los significa dar-lhes eficácia e efetividade,
fazer com que deixem de ser meras declarações positivadas para constituir em
preceitos concretos na vida dos indivíduos de uma sociedade.
Como bem salienta Ingo Wolfgang Sarlet, a eficácia dos
direitos fundamentais encerra uma múltipla gama de aspectos passíveis de
problematização e análise
73
, e por esta mesma razão, optamos por delimitar o
tema na análise do princípio da aplicabilidade imediata do disposto no § do
art. 5º, da Constituição Federal de 1988, notadamente a necessidade de uma
correta avaliação da posição do Ministério Público em face da democracia
participativa preconizada pelo legislador constituinte de 1988.
E, ainda assim, a análise far-se-á partindo de duas
premissas: a primeira, de que adotamos a posição de Sarlet, que embasado
nas lições de Gomes Canotilho, afirma que a Constituição da República
Federativa do Brasil constitui-se num sistema aberto de regras e princípios, ou
seja, é um sistema que contempla uma correlação obrigatória e deontológica
entre princípios e normas e o substrato valorativo destas, pois apenas desta
forma poderá ser superada a defasagem entre o Direito Positivo e a realidade
da vida em sociedade.
A segunda premissa, é de que para a efetivação dos
direitos fundamentais, em especial daqueles que exigem uma prestação
positiva por parte do Estado, torna-se relevante a observação do princípio da
proporcionalidade, entendido este como a regra fundamental a que devem
obedecer tantos os que exercem quanto os que padecem o poder.
74
73
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Rev. e atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 243.
74
Para Lênio Luiz Streck, parafraseando Pierre Muller, afirma que violação do princípio da
proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um
fim não são por si mesmos apropriados e/ou quando a desproporção entre meios e o fim é
46
Com efeito, entendemos que a efetividade dos direitos
fundamentais no Estado brasileiro reside na correta interpretação acerca do
alcance e dos limites do dispositivo mencionado, e por conseqüência na
adoção de critérios minimamente objetivos que possam orientar de forma
segura a defesa não só das liberdades individuais, mas de todos os direitos
sociais prometidos na nova Carta, anulando, por conseguinte, os ideais liberais
de não intervenção do Estado.
75
Como já vimos nos demais capítulos deste trabalho, a
história do Estado e por conseqüência, das Constituições e dos direitos
fundamentais são indissociáveis.
Parte-se da idéia de que a liberdade, como direito
fundamental, encontrará no Direito a guarida para sua defesa, e desta forma, a
Constituição, como consolidação institucional do Estado, é condição de
existência desses direitos fundamentais, da mesma forma que estes direitos
fundamentais são condição de existência para o Estado Constitucional.
76
particularmente evidente. O princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) pretende,
assim, instituir, no dizer de Gentz, a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento
de um intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle de excesso (eine
Übesmasskontrolle). Uma inconstitucionalidade vai ocorrer quando uma medida é ‘excessiva’,
‘injustificável’, ou seja, quando não cabe na moldura da proporcionalidade (Klaus Stern)”
STRECK, LÊNIO LUIS . Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 253-254.
75
Optamos também por não atacar diretamente a questão dos efeitos do pensamento neoliberal
sobre a efetividade dos direitos fundamentais, pois embora o assunto seja de extrema
relevância para o tema em estudo, porque entendemos que alguns de seus predicados
baseados em regras de mercado são grave fator de exclusão social, implicaria numa ampliação
demasiada do trabalho e das delimitações impostas pelo seu conteúdo. De qualquer forma, a
exemplo do Professor Paulo Márcio Cruz, deixamos claro que refutamos os preceitos do
neoliberalismo. Segundo preconiza, “para se criticar o Neoliberalismo, faz-se necessário partir-
se de um pressuposto filosófico e de outro econômico”. O pressuposto filosófico é o destino
universal dos bens materiais, ou seja, que são para todos os seres humanos. O pressuposto
econômico é que o comportamento dos indivíduos na esfera econômica o ‘mercado’ leva
necessariamente a conflitos de interesses que podem ser resolvidos ou moderados por uma
instância exterior ao mercado: uma classe social, o Estado, a Igreja ou toda a Sociedade.”
76
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p 70.
47
Ao se falar em efetividade dos direitos fundamentais
convém mencionar, ainda que de forma breve, das várias formas de negação
ou de reducionismo desses direitos.
Lopez Calera, ao indagar porque os direitos humanos não
se realizam mesmo em sociedades politicamente avançadas, e afirmando
que a total realização desses direitos é uma utopia absolutamente irrealizável,
apontará uma problematicidade existencial e outra constitutiva
77
. Na primeira,
os impedimentos são históricos e conjunturais, e que podem ser facilmente
superáveis, como é o caso de sociedades políticas nos quais predominam
poderes absolutos e ditatoriais. No segundo caso, refere-se à existência de
profundas desigualdades econômicas e culturais.
Assim, refere-se a sociedades que mesmo tendo altos
níveis democráticos, bons índices de economia e de cultura, ainda persistem
na negação de direitos fundamentais pela exclusão social decorrente das
desigualdades.
78
Nesta espécie de problemática em que o ponto central diz
respeito aos altos níveis de desigualdade, parece-nos estar enquadrado o
Estado Brasileiro.
Sem dúvida, a desigualdade social pode ser apontada
como um dos principais fatores, senão o mais importante, para a negação dos
77
LOPÉZ CALERA, Nicolás Maria. Filosofia de los derechos humanos. In: Filosofia del Derecho
p. 203-272.
78
A relevância do estudo sobre os efeitos da exclusão social revela-se pelos números que
seguem expostos: “Segundo o Relatório Nacional Brasileiro (Brasília 1996), as estatísticas
oficiais da pobreza indicam, de acordo com o conceito oficial brasileiro da ‘pobreza absoluta’
para o ano de 1990, [...] 17,7% da população na área urbana, 53,4% na área rural e na media
nacional global 27%”. [...] “Nos EUA, o índice de pobreza esta atualmente em 13,7%, chegando
a 1/5 [...]”. In MULLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por
um sistema democrático? Tradução de Peter Naumann. Porto Alegre. Unidade Editorial da
Secretaria Municipal da Cultura, 2000. p.35.
48
direitos fundamentais no Brasil. Superamos uma ditadura militar com uma
denominada constituição cidadã e atingidos níveis de riqueza invejáveis,
temos que admitir que a exclusão social decorrente das desigualdades sociais
ainda existentes é incompatível com o fundamento principal da nossa
Constituição, qual seja, da dignidade da pessoa humana.
Da mesma forma, a desigualdade social e a exclusão dela
decorrente é incompatível também com a democracia, mesmo porque do
ponto de vista da efetividade dos direitos fundamentais no Brasil, que se
ressaltar que a sua proteção constitui um dos cinco fundamentos do Estado
Democrático de Direito, nos termos do inciso III do artigo do Texto
Constitucional, eliminando diversas outras discussões que possam existir
acerca da efetividade dos direitos fundamentais, uma vez que dependerá, para
tanto, de se adotar ou não a aplicação imediata das normas definidoras
desses direitos.
Com efeito, se é verdade, como afirma Norberto Bobbio,
que direitos do homem, democracia e paz o três momentos necessários do
mesmo movimento histórico, pois sem os direitos do homem reconhecidos e
protegidos, não democracia, sem democracia, não existem condições
mínimas para a solução pacífica dos conflitos, também não é menos verdade
que não existem essas condições se parte ou melhor, grande parte da
sociedade vive sob miséria.
Ou, de acordo com Martha de Toledo Machado, “a
democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos
quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais”.
79
79
MACHADO, Martha de Toledo. Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os
Direitos Humanos. Barueri: Manole Editora, 2003. p. 55.
49
Em sua obra sobre Exclusão Social, Friedrich Muller, após
tecer críticas quanto ao uso indevido da expressão “Democracia”, afirma que
esta é uma das formas de Estado que, no plano de ética política, é
incompatível com a exclusão. Segundo defende, somente haverá legitimidade
numa democracia a partir do modo como ela venha a tratar seus cidadãos.
Numa democracia avançada não é importante apenas um status activus
democrático, mas também um nível de exigência com vista ao modo pelo qual
as pessoas nesse território são tratadas concretamente o como súditos
nem como seres subumanos [Untermenschen], mas individualmente como
membros do povo soberano.
80
No núcleo desse pensamento estará enraizado o princípio
da dignidade da pessoa humana.
A história dos Direitos Fundamentais encontrará no
pensamento da filosofia greco-romana e nos pensadores iluministas grande
parte das idéias que até hoje inspiram a criação e reconhecimento de novos
direitos, tornando-os cada vez mais heterogêneos e universais, em especial
após a Guerra Mundial, quando, além dos ideais de liberdade e igualdade,
acresceram-se ao pensamento humanista os ideais de fraternidade e
democracia.
Sob tais preceitos de fraternidade e de democracia, -
os direitos políticos e sociais necessitam ser ampliados par que os sistemas
(políticos e econômicos) sejam legitimados.
Assim, ainda que sejam diversos os sem pretender
esgotar as inúmeras possibilidades de redução ou negação dos direitos
fundamentais, pensamos que o ponto central da discussão desse tema no
80
In MULLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema
democrático? p. 29.
50
Brasil implica em se enfrentar a questão do alcance da norma constitucional e
dos limites materiais que se colocam à frente da solução dos casos
concretos.
81
Ingo Sarlet põe em relevo o papel dos Direitos
Fundamentais na Constituição de Um Estado Democrático e Social de Direito,
declarando que “Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da
definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do
poder, a essência do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não
apenas parte da Constituição Formal, mas também elemento nuclear da
Constituição material. Para além disso, estava definitivamente consagrada a
íntima vinculação entre as idéias de Constituição, Estado de Direito e direitos
fundamentais. Assim, acompanhando as palavras de K. Stern, podemos
afirmar que o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais
assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser tarefa
permanente.” 82
Não se trata, portanto, de definições meramente formais
acerca dos conceitos de Estado, Democracia e de direitos fundamentais. É
necessário ter em mente que “Mediante a positivação de determinados
princípios e direitos fundamentais, na qualidade de expressões de valores e
necessidades consensualmente reconhecidos pela comunidade histórica e
espacialmente situada, o Poder Constituinte e a própria Constituição
transformam-se, de acordo com a primorosa formulação do ilustre mestre de
Coimbra, Joaquim José Canotilho, em autêntica”reserva de justiça”, em
parâmetro da legitimidade ao mesmo tempo formal e material da ordem
81
Ingo Wolfgang Sarlet, ao tecer considerações sobre a colocação do problema da eficácia dos
direitos fundamentais, alerta para o fato de que são vários os aspectos que devem ser
considerados, mas que convém delimitar o estudo ao texto constitucional, o que se mostra
tarefa sistemática e que demanda determinado aprofundamento. SARLET, Ingo Wolfgang. A
Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 243.
82
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 70.
51
jurídica estatal. Segundo as palavras do conceituado jurista lusitano, “o
fundamento de validade da constituição (= legitimidade) é a dignidade do seu
reconhecimento como ordem justa (Habermas) e a convicção, por parte da
colectividade, da sua bondade intrínseca.”
83
Portanto, a mera declaração de direitos sem a garantia de
sua efetividade que transforma a intenção constitucional do Estado
Democrático de Direito em retórica, em declaração vazia de conteúdo.
Necessário, portanto, que novamente sob um prisma
histórico, sejam analisadas as diferentes fases do Estado e sua relação com a
efetividade e eficácia dos direitos fundamentais.
Essa indissociabilidade é verificada desde a Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, segundo a qual
“toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a
separação dos poderes determinadas o possui Constituição”, assim como
na Declaração de Virgínia, de 1776, que declarou expressamente que os
direitos fundamentais passaram a ser a base e o fundamento do governo,
afirmando a idéia de um Estado cujo poder está condicionado ao limites
impostos pela Constituição.
84
2.4 A LEGITIMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A QUESTÃO DA
JUSTIFICAÇÃO RACIONAL
As afirmações feitas no item anterior levam à forçosa
conclusão de que o reconhecimento dos direitos fundamentais é essencial à
consolidação dos chamados Estados Democráticos de Direito, e na medida
83
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 71-72
84
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p 70.
52
em que são reconhecidos e positivados, nasce o desafio de sua garantia, ou
seja, da sua eficácia e efetividade.
Para tanto, necessário que se parta de uma
fundamentação legítima, que se responda positivamente às questões sobre a
preeminência dos direitos fundamentais e sobre a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.
Embora Norberto Bobbio afirme que “O problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto do de
justificá-los, mas o de protegê-los [...]”
·
, optamos por incluir a fundamentação
dos Direitos Fundamentais como tema importante a justificar e exigir-lhes a
eficácia, assim como em razão das conseqüências dessa justificação na tarefa
da hermenêutica constitucional.
85
Ricardo Lobo Torres leciona que “O tema da legitimidade
dos direitos humanos, dos princípios e do próprio ordenamento jurídico
85
Sem pretender alongar o tema, entendemos imprescindível anotar a respeito o pensamento de
Perez-Luño: “Por fundamentación iusnaturalista de los derechos humanos entiendo la que
conjuga su raiz ética con su vocación jurídica. A tenos de ella los derechos humanos poseen una
irrenunciable dimensión prescritiva o deontológica; implican exigências éticas de ‘deber ser’, que
legitiman su reivindicación al donde no han sido reconocidas. Pero, al próprio tiempo,
constituyen categorias que no pueden desvincularse de los ordenamentos jurídicos: su própria
razón de ser se cifra em ser modelo y limite crítico a las estructuras normativas e institucionales
positivas. Cuando esa recepción se produce nos encontramos con los derechos fundamentales:
aquellos derechos humanos garantizados por el ordenamento jurídico positivo, em la mayor
parte de los casos em su normativa constitucional, y que suelen gozar de uma tutela reforzada.
Se trata siempre, por tanto, de derechos humanos ‘positivados’, cuya denominación evoca su
papel fundamentador del sistema jurídico político de los Estados de Derecho. La distinción
germana entre Menschenrechte y Grundrechte, la francesa entre droits de l’homme y libertes
publiques o la italiana entre diritti umani y diritty fondamentalli renponden a la respectiva dualidad
de planos (prescriptivo y descriptivo) y al diferente nível de positividad de ambas categorias. El
empleo de la denominación ‘derechos humanos’ con referencia a los derechos y libertades
reconocidos em determinadas declaraciones y convênios internaiconales puede suscitar cierta
incertidumbre terminológica. No obstante, el uso en esa esfera de la denominación ‘derechos
humanos’ con preferência al de ‘derechos fundamentales’, viene a corroborar que existe
consciência de la limitada garantia jurídica de los derechos proclamados en la mayor parte de
declaraciones internacionales. Pienso que con esta distinción se salvan determinadas
imprecisiones, confusiones y ambigüidades usuales en el lenguaje de los derechos humanos”.
(PEREZ-LUÑO, Antônio Henrique. Derechos Humanos, Estado Derecho y Constituición, 5
ed. Madri, Tecnos, 1995, p. 515)
53
ausentou-se, por aproximadamente um século, das discussões jurídicas, por
influência dos positivismos de diversos matizes. Hoje o assunto ressurge, sob
renovada perspectiva do Estado Democrático de Direito”.
86
Da mesma forma, Fabio Konder Comparato, como
tentativa de suprimir da organização estatal a possibilidade de desvirtuar o
conteúdo dos direitos humanos (neste caso, fundamentais, porque
positivados), afirma que é irrecusável encontrar um fundamento que, ao seu
ver consiste da consciência ética coletiva, numa social e comunitária sobre a
dignidade da pessoa humana, exigindo respeito incondicional a certos bens
ou valores em qualquer circunstância, mesmo que não sejam reconhecidos no
ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais.
87
Assim, a evolução histórica dos Direitos Fundamentais
passa por um período inicial de negação a qualquer justificação ética ou
metafísica, para, ao final, reencontrar as matizes da justificação jusnaturalista,
que busca, fora do Direito, uma fundamentação axiológica. Com efeito, o
positivismo jurídico buscou afastar qualquer possibilidade de justificação moral
ou metafísica do direito, afastando-se das teorias jusnaturalistas do Direito.
88
86
TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
562 p.
87
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 59.
88
“BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone, 1995, p. 135. Apesar da
extensão, justifica-se a referência em razão da clareza do pensamento. “O positivismo jurídico
nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que
mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica
fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade isto é, na distinção entre juízos de fato e
juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste
somente em juízos de fato. O motivo dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza
diversa desses dois tipos de juízo: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da
realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar
a um outro a minha constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de
posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de
influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e,
eventualmente, siga certas prescrições minhas. (Por exemplo, diante do céu rubro do pôr-do-sol,
se eu digo: ‘o céu é rubro’, formulo um juízo de fato; se digo ‘este céu rubro é belo’, formulo um
juízo de valor. A ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela deseja ser um
54
De fato, a tradicional corrente positivista, na busca de uma
fundamentação científica do Direito, eliminou qualquer possibilidade de
valoração do ordenamento jurídico. Com grande eco, Fábio Konder Comparato
comenta sobre a recusa do positivismo em aceitar a fundamentação ética do
direito, apontando para o que chama de grande falha teórica do positivismo,
comprovadas pelas experiências totalitárias do século XX, ou seja, a
incapacidade em encontrar um fundamento ou justificativa para o Direito.
Ao negar a existência de um princípio fora do
ordenamento jurídico, o positivismo comete o erro de justificar o ordenamento
jurídico a partir de seus próprios princípios, sem adentrar aos aspectos
axiológicos que o informam. Conclui que assim como a legitimidade da criação
de um novo Estado, sobretudo após uma revolução vitoriosa, não se encontra
em si mesma, mas numa causa que os transcende, deve existir uma razão
superior ao sistema jurídico que o legitime. Logo, a questão do fundamento
dos direitos humanos reside em algo que vai além do ordenamento jurídico
estatal, mesmo que calcado numa Constituição. Não é a validade formal das
regras que dará legitimidade ao ordenamento, mas sim os princípios que os
estruturou.
89
Os paradigmas racionais e formalistas aos quais
Comparato se refere influenciarão o pensamento jurídico por séculos, até que
conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juízos em questão são sempre
subjetivos (ou pessoais) e conseqüentemente contrariem à exigência da objetividade. O fato
novo que assinala a ruptura do mundo moderno diante das épocas precedentes é exatamente
representado pelo comportamento diverso que o homem assumiu perante a natureza: o cientista
moderno renuncia a ser por diante da realidade com uma atitude moralista ou metafísica,
abandona a concepção teológica (finalista) da natureza (Segundo a qual a natureza deve ser
compreendida como preordenada por Deus a um certo fim) e aceira a realidade assim como é,
procurando compreendê-la com base numa concepção puramente experimental (que nos seus
primórdios é uma concepção mecanicista. […] Positivismo jurídico representa, portanto, o
estudo do direito como fato, não como valor: na definição do direito deve ser excluída toda
qualificação que seja fundada num juízo de valor e que comporte a distinção do próprio direito
em bom e mau, justo e injusto.” In TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos Direitos
Humanos. p. 114-115
89
COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos. Revista Consulex 48:52-
61,dez. 2000. p. 54.
55
a evolução das exigências sociais decorrentes dos processos de consolidação
das democracias demonstrem que o ser humano não pode ser guiado apenas
por regras técnicas, por critérios isentos de sentimento, por normas sem
fundamento ético e moral.
90
Gustavo Moulin Ribeiro, na obra Legitimação dos Direitos
Humanos, relembra que a Teoria Pura do Direito de Kelsen foi publicada pela
primeira vez no ano de 1934, fornecendo uma estrutura formal na qual
poderiam ser conformadas todas as formas de poder, democráticas ou
despóticas, bastando-lhes a criação de uma Constituição que lhes desse a
forma e que conformasse em seus preceitos toda a legislação anterior,
estabelecendo uma ordem jurídica válida. Estariam fora dessa ordem jurídica
válida os preceitos éticos e morais, uma vez que pelos fundamentos
positivistas se necessitava apenas de critérios puramente objetivos para
validar sua teoria.
91
Cumpre ressaltar também que essa teoria positivista
serviu de fundamento a diversos Estados totalitários do Século XX, como
foram o nazismo e o fascismo que, desrespeitando direitos reconhecidamente
invioláveis, como a vida, o direito de opinião, eram considerados, pela clássica
Teoria Pura do Direito de Kelsen, dentro da legalidade.
A partir dessa constatação, houve o questionamento
acerca dos fundamentos do positivismo, e pode-se citar o final da Guerra
Mundial como um importante marco na revisão desses conceitos, resgatando-
90
.Segundo Johannes Hessen, “Não é possível a vida sem proferir constantemente juízos de
valor. É da essência do ser humano conhecer e querer e querer, tanto como valorar Todo
querer pressupõe um valor” (HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Trad. L. Cabral
Moncada. 5. ed. Coimbra. Armênio Amado. 1980. p.40)
91
TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos Direitos Humanos. p. 262
56
se, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, postulados
valorativos sobre as regras que devem reger a vida em sociedade.
Em outras palavras, essa tradicional discussão entre um
direito natural estático e imutável e um direito positivo salvo de qualquer
justificação axiológica, travada por séculos entre jusnaturalistas e positivistas,
perde sentido com as modernas reflexões filosóficas sobre a essência da
pessoa humana, aliadas à comprovação do fundamento científico da evolução
biológica, que deram fundamento sólido à tese do caráter histórico dos direitos
humanos.
92
Lopes Calera, em sua obra Filosofia de Los Derechos
Humanos, também identifica o jusnaturalismo e o positivismo jurídico como
modelos de fundamentação dos direitos fundamentais, ressaltando, como
alternativa que entende mediadora, o modelo dualista de direitos humanos
proposto por GREGORIO PECES-BARBA. Segundo este modelo, o
tratamento dos direitos humanos exige duas perspectivas: uma filosófica e
outra científico-jurídica.
93
Sob a perspectiva histórica, Peces-Barba considera que
os direitos humanos não são direitos, senão valores a serem incorporados no
direito positivo, e sob a ótica científico-jurídica, considera os direitos humanos
como direitos já positivados, e como tais, direitos públicos subjetivos.
Assim, dentro de uma perspectiva histórica, Peces-Barba
defenderá que o conceito de Direitos Humanos consolidou-se enquanto peça
de resistência, culminando na ruptura com o consensualismo derivado do
92
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 32.
93
LOPÉZ CALERA, Nicolás Maria. Filosofia de los derechos humanos. In: Filosofia del Derecho
p. 237/238.
57
contrato social e das noções de individualismo e soberania que lhe eram
peculiares, e com a evolução de seu conceito como categoria superior,
fundada sobretudo na fraternidade, composta de direitos indispensáveis à
plena realização da dignidade da pessoa humana (no plano internacional o
direito ao meio ambiente, ao desenvolvimento e a paz social), implicará no
reconhecimento da existência de direitos superiores à mera contenção do
arbítrio, de fundamentação moral e histórica (evolucionista, neste caso), cuja
positivação é condição sine qua non para o efetivo desenvolvimento da pessoa
humana.
94
Assinala que em se tratando de direitos humanos, devem
ser considerados como pressupostos: exigências éticas justificadas,
especialmente importantes, que devem ser protegidas pelo ordenamento
jurídico.
Nos seus estudos, parte para uma busca do porque dos
direitos humanos, tendo como ponto de partida a pretensão moral justificada,
para em seguida encontrar o "para que".
O certo é que desde a primeira hora, Peces-Barba
buscará encontrar elementos para, adiante, fazer a análise sobre as teorias
que negam total ou parcialmente os direitos fundamentais.
Não basta a dimensão moral para a compreensão dos
direitos fundamentais, devendo ser superada a análise que se faz através de
reducionismos fundamentalistas e funcionalistas. É pressuposto de uma
atividade intelectual integradora, a qual chama de filosofia dos direitos.
94
PECES-BARBA, Gregório. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general. Madrid:
Universidad Carlos III de Madrid, 1995. p. 100-204 .
58
Os direitos humanos, de certa forma, integram direito e
justiça, visto que se originam de todo o na moralidade e concretizam-se no
Estado.
Neste passo, assim como Bobbio, defendemos que a
busca de uma justificação racional dos Direitos Fundamentais não pode se
constituir em fundamento inquestionável ou dogma, sob pena de não se
encontrar a solução prática ao caso concreto que nos aparecer no dia a dia da
vida forense. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto
empreendimento sublime, porém desesperado – mas de buscar, em cada caso
concreto, os vários fundamentos possíveis”.
95
Não será importante a existência de um fundamento
absoluto, mas sim de vários fundamentos, sempre vinculados a uma ordem
ética e moral.
A essas idéias de direitos fundamentais vinculados a uma
ordem ética e moral irão aderir hodiernamente autores como John Rawls,
Jürgen Habermas e Robert Alexy.
Jonh Rawls é autor de uma das mais importantes obras
de Filosofia Política surgidas no pós-guerra. Publicado em 1971, o livro foi
fundamental para a retomada do debate acerca das razões da existência do
Estado, de sua legitimidade de poder e de seu compromisso com a justiça, e
num resgate da obra de Kant, substitui o enfoque positivista e revitaliza o
95
Bobbio afirma que “É inegável que existe uma crise dos fundamentos. Deve-se reconhecê-la,
mas não tentar superá-la buscando outro fundamento absoluto para servir como substituto para
o que se perdeu. Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora também mais difícil. Não se
trata de encontrar o fundamento absoluto empreendimento sublime, porém desesperado -,
mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa
busca dos fundamentos possíveis empreendimento legítimo e não destinado, como o outro,
ao fracasso não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das
condições dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado.
(BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. de Nelson Carlos Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p. 43/44)
59
contrato social, demonstrando que o objeto primário dos princípios de justiça
é a estrutura básica da sociedade. Assim, antes mesmo da constituição de
uma sociedade, seus membros devem eleger os princípios de justiça,
exatamente porque estes influenciarão em todo o conteúdo da Constituição e
na definição do sistema econômico e social.
96
Habermas, por seu turno, afirmará que o
reconhecimento atual dos Direitos Fundamentais como princípios de uma
ordem jurídica geral sócio-estatal, de modo a 1) garantir a estabilidade
juridicamente ordenada; 2) permitir a ampliação da base social na
interpretação e implementação dos direitos; 3) permitir a realização de
decisões pelos entes públicos com base em análises científicas dos fatos
sociais.
Se antes a base jusnaturalista via os direitos fundamentais
como mera garantia de autonomia da esfera individual, hoje se trata de
garantir uma ordem jurídica geral, que abarque e oriente a relação do Estado e
da Sociedade. Houve, portanto, a substituição da mera positivação dos direitos
naturais pela integração democrática e dialética dos Direitos Fundamentais: a
praxis política, no Estado Social, portanto, se guia pela pauta dos Direitos
Fundamentais.
Já Alexy, ao tratar da fundamentalidade e em especial aos
direitos que denominou direitos a prestações positivas, ou seja, aqueles que
exigem um fazer por parte do Estado, empreendeu a tentativa de harmonizar
os argumentos favoráveis e contrários a direitos subjetivos a prestações
sociais numa concepção calcada na idéia da ponderação entre princípios.
96
TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos Direitos Humanos. p. 265-266.
60
Para ele, os direitos fundamentais são posições jurídicas
tão relevantes que a sua concessão ou denegação não pode ficar nas mãos
da simples maioria parlamentar –, daí, conclui que a questão de saber quais
os direitos fundamentais sociais que o indivíduo possui é uma questão de
ponderação.
Enfrentará o problema da escassez de recursos
financeiros pelo raciocínio de que o princípio da reserva parlamentar em
matéria orçamentária, tanto quanto os demais, não é absoluto, sendo possível
que os direitos individuais apresentem mais peso que as razões de política
financeira.
O reconhecimento de direitos originários a prestações
exige a presença de alguns parâmetros: a) quando imprescindíveis ao
princípio da liberdade fática; b) quando o princípio da separação dos poderes
(incluindo a competência orçamentária do legislador), bem como outros
princípios materiais (especialmente concernentes a direitos fundamentais de
terceiros) forem atingidos de forma relativamente diminuta.
Para Alexy, as condições se encontram satisfeitas na
esfera dos direitos sociais que correspondem a um padrão mínimo, como é o
caso dos direitos a condições existenciais mínimas, direito à formação escolar
e profissional, uma moradia simples e um padrão mínimo de atendimento na
área da saúde.
Os direitos do homem são distintos de outros direitos pela
combinação de cinco marcas: são Direitos Universais (no sentido de serem um
“ideal universal”); Direitos Morais (a norma que se refere a um direito
fundamental deve ter validez moral: possibilidade de justificação perante todos
os que aceitam determinada fundamentação racional); Direitos Preferenciais
(têm relação íntima com o direito positivo; este deve concretizar os direitos
61
fundamentais e isso é uma condição necessária para a legitimidade do direito
positivo); Direitos Fundamentais (os direitos do homem devem revelar
interesses e carências que podem e devem ser protegidos e fomentados pelo
direito. Além disso, que o interesse e a carência sejam tão fundamentais que a
necessidade de seu respeito, proteção e fomento sejam prioridade sobre todos
os escalões do sistema jurídico); e Direitos Abstratos (o exercício dos direitos
pode exigir restrições e limitações, notadamente quando outros direitos, como
os bens coletivos, devem ser protegidos. Isso gera a necessidade de
ponderações).
Ao tratar da fundamentalidade, estabelece o jurista duas
condições, a possibilidade de proteção e fomento pelo direito e a necessidade:
A segunda condição é que o interesse ou a carência seja tão
fundamental que a necessidade de seu respeito, sua proteção ou
seu fomento se deixe fundamentar pelo direito. A
fundamentabilidade fundamenta, assim, a prioridade sobre todos
os escalões do sistema jurídico, portanto, também perante o
legislador. Um interesse ou uma carência é, nesse sentido,
fundamental quando sua violação ou não-satisfação significa
ou a morte ou sofrimento grave ou toca o núcleo essencial da
autonomia. Daqui são compreendidos não os direitos de
defesa liberais clássicos, senão, por exemplo, também direitos
sociais que visam ao asseguramento de um mínimo existencial.
Alexy adere à noção de um padrão mínimo de segurança
material a ser garantido por meio de direitos fundamentais, que têm por objeto
evitar o esvaziamento da liberdade pessoal, assegurando, de tal sorte, uma
liberdade real. Na esfera de um padrão mínimo em prestações sociais - assim
afirma Robert Alexy - também será mínima a restrição na esfera dos princípios
conflitantes com a realização dos direitos sociais, podendo-se afirmar, ainda,
que o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações sociais básicas,
indispensáveis para uma vida com dignidade, sempre deverá prevalecer, no
62
caso concreto, quando do conflito com o princípio da reserva do possível e do
princípio democrático, igualmente fundamentais, mas não absolutos.
Não obstante existam divergências pontuais entre os três
autores citados, certo é que convergem num ponto, admitindo a
essencialidade do mínimo existencial, intimamente ligado ao conceito de
dignidade da pessoa humana e de verdadeira condição de liberdade,
funcionando como pressuposto básico de participação do indivíduo em
qualquer comunidade.
97
Marta de Toledo Machado, citando Afonso José da Silva,
observará que ao se erigir a dignidade da pessoa humana como principal
elemento de justificação dos direitos fundamentais não se quer travar uma
discussão em torno da distinção entre valores supremos, fundamentos
constitucionais, princípios fundamentais, princípios inspiradores da ordem
jurídica e princípios gerais de direito, a fim de buscar enquadramento da
dignidade da pessoa humana num deles, mas afirmar que é que a
Constituição Federal que põe como fundamento da República Federativa do
Brasil. Assim, se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num
valor fundante da república, da Federação, do País, da Democracia e do
Direito, e não somente um princípio da ordem jurídica, mas o é também da
ordem política, social, econômica e cultural.
98
Adotando essa linha de raciocínio, entendemos que a
dignidade da pessoa humana é o ponto de esteio do Estado Democrático de
Direito brasileiro e desta feita, o fundamento que legitima dos direitos
fundamentais, porque atrai o conteúdo valorativo de todos os outros princípios.
97
TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos Direitos Humanos. p. 46.
98
MACHADO, Martha de Toledo. Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os
Direitos Humanos. Barueri: Manole Editora, 2003. p. 97.
63
É que para declarar exigíveis os direitos sociais, o direito à
democracia, à pluralidade, à autodeterminação dos povos, é necessário
reconhecer o caráter fraterno e solidário destes direitos.
Com efeito, a fraternidade e a solidariedade, são,
essencialmente, valores. Para consolidar essa idéia, Comparato ressalta a
prevalência de valores como justificação das normas de direitos fundamentais:
A afirmação por Kant do valor relativo das coisas, em
contraposição ao valor absoluto da dignidade humana,
prenunciava a quarta etapa histórica na elaboração do conceito de
pessoa, a saber, a descoberta do mundo dos valores, com a
conseqüente transformação dos fundamentos da ética.
99
Johannes Hessen, por seu turno, afirma que “Os valores
não se distinguem uns dos outros, como se acham ainda entre si numa
determinada relação de hierarquia. São, com efeito, da essência do valor não
a característica de polaridade, que os faz distinguir em positivos e
negativos, de que falamos, como ainda a sua distinção entre valores mais
altos e valores mais baixos”.
100
Assim sendo, a dignidade da pessoa humana se erige em
valor fundamental, seguindo-lhe todos os demais. Toda e qualquer
interpretação que se faça acerca dos direitos fundamentais necessariamente
deverá considerar o valor da dignidade da pessoa humana.
Essa teoria, que inicialmente foi incorporada às normas de
Direito Internacional, às Declarações Universais, gradativamente incorpora-se
às Constituições, a exemplo do que ocorre com a Constituição da República
99
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. p. 1-68.
100
HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. p. 120/1
64
Federativa do Brasil, que elegeu a dignidade da pessoa humana como valor
fundamental.
Com efeito, as normas internacionais primam cada vez
mais pela objetivação positiva de valores, ao estabelecer a igualdade, a
fraternidade, a justiça, a solidariedade, como valores que devem nortear todas
as demais normas que regulam as sociedades humanas.
Tal verificação é facilmente constatada, por exemplo, na
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembléia das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989.
Consta do preâmbulo dessa Convenção que “[...] de
acordo com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, a
liberdade, a justiça e a paz no mundo se fundamentam no reconhecimento da
dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da
família humana. ”.
Dessa verificação decorre que os Direitos Fundamentais
de uma Constituição são, em sua essência, valores, qualidades eleitas pela
sociedade através de seus instrumentos legítimos, cuja garantia deve ser
concretizada.
Por fim, não se pode perder de vista que a história dos
Direitos Fundamentais confunde-se com própria história do Estado, que teve
sua classificação doutrinária estabelecida não apenas temporalmente, mas
principalmente pela quantidade e qualidade de direitos declarados e
garantidos.
É correto declarar, neste diapasão, que existem motivos
racionais que legitimam e reconhecem os Direitos Fundamentais, e como
65
dito, parte dessa discussão resume-se na contraposição das escolas de matriz
subjetiva e objetiva, a primeira, defensora da idéia que os valores não são
passíveis de avaliação científica, e a segunda, que abriga a tese da ética
material de valores.
101
Portanto, sem desprezar os respeitáveis argumentos dos
que defendem que os juízos de valor não podem ser sujeitos de uma
demonstração científica
102
, entendemos que a legitimação dos Direitos
Fundamentais se pela opção ética de sua inclusão dentre os
mandamentos constitucionais.
Sob este aspecto, não é demais ressaltar que todas as
religiões, em tempos, lugares e civilizações diversos, tiveram por fundamento
uma mesma lei fundamental.
101
A ética material dos valores defende uma ordem objetiva e apriorística de valores,
caracterizando-se pelos seguintes pontos:
a)os valores são essências ideais existentes per se com anterioridade e independência de
qualquer experiência, que formam uma “ordem eterna” integrada por uma série de princípios
“absolutamente invariáveis”. Esta ordem ideal de valores se acha estruturada segundo relações
apriorísticas de hierarquia, que configuram uma série de categorias ou classes valorativas que
não podem ser modificadas pelos homens.
b) A ordem objetiva e hierárquica de valores não pode ser conhecida através da razão, senão
apreendida pelo sentimento e intuição de sua evidência. Esta via eidética permite definir os
valores “com o mesmo rigor e exatidão que se tem nos resultados da lógica e da matemática”A
evidência e precisão da intuição eidética dos valores constitui uma prova inequívoca da
objetividade, assim como do caráter absoluto de sua ordenação hierárquica.
c) a apreensão dos valores não deriva de sua cognoscibilidade racional ou empírica. O verdadeiro
e o falso, o que é bom ou mau, na opinião de Scheler, não depende das aquisições da evolução
natural do homem. Por isso, as aparentes contradições ou flutuações dos valores na história são
apenas variações wertrkenntnis humana, ou seja, da consciência axiological. Tal qual o que
ocorre com as idéias eternas platônicas, as mutações históricas e descontinuidades empíricas
dos valores são tão só aparência, fruto das variações da consciência humana axiological. “Não é
o valor dirá Hartmann senão a consciência valorativa o que varia.”A limitação e a falta de
perspectiva geral da imagem do mundo de cada indivíduo o impedem de aceder a imutabilidade
radical dos valores e captar sua absoluta permanência. (PEREZ-LUÑO, Antônio Henrique.
Derechos Humanos y Constituicionalismo ante el Tercer Milenio. Madrid: Marcial Pons,
1996. p. 138/139 (tradução livre)
102
Neste aspecto, afastamo-nos da Escola Positivista para nos aproximar das escolas pós-
positivistas, que pretendem superar a concepção de direito como norma, para aproximá-lo da
idéia de que os direitos fundamentais são princípios, e nesta qualidade, integram a própria
norma.
66
Max Horkheimer afirma que “Todas as tentativas de
basear a moralidade na inteligência mundana, em vez de vê-la em relação ao
mais além uma tendência à qual nem mesmo Kant resistiu todo o tempo
estão fundadas em ilusões. Em última análise, tudo o que diz respeito à
moralidade deriva logicamente da teologia.”
103
Assim, poder-se-ia citar desde a máxima do Hinduísmo,
nascido há 5.000 anos, na Índia (“Não faças aos demais aquilo que não
queres que seja feito a ti, e deseja também para o próximo aquilo que desejas
e aspiras para ti mesmo. Essa é toda a Lei, atenta bem para isso.”), como do
Cristianismo, surgido 2.000 anos, na Palestina (“Tudo aquilo, portanto, que
quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, porque isso é a Lei e os
Profetas).”
Assim também é previsto no Judaísmo (3.400 anos, na
Palestina), Islamismo (1.400 anos, Arábia), Budismo (2.500 anos, Nepal-Índia),
enfim, presente nas maiores religiões do planeta.
Ignorar a existência e a importância dos valores é reduzir
a Ciência do Direito ao arbítrio do homem.
Até Kant, ao buscar a fórmula para racionalizar a moral,
utilizou-se da mesma máxima das religiões, retirando-lhe, no entanto, o
caráter de divindade (Age tu de tal maneira que a máxima de tua vontade
possa valer sempre e ao mesmo tempo como princípio de uma legislação
universal”, valendo-se também daquilo que chamou de primeiro postulado
ético, segundo o qual o ser racional possui a faculdade de agir segundo a
103
KONZEN, Afonso Armando et al. Pela Justiça na Educação. Brasília: Fundesola, 2000. p .36
67
representação de leis ou princípios: um ser racional tem vontade, que é
uma espécie de razão, denominada razão prática).
.
Decorre disso que a dignidade da pessoa humana resulta
tanto do fato de ser ela um fim em si mesmo, e não um meio para se chegar a
um determinado resultado, quanto do fato de que, pela sua vontade racional, o
homem é o único ser que pode viver com autonomia e guiar-se de acordo com
as leis que ela própria cria.
104
É nestas premissas que entendemos existir uma
justificação racional dos Direitos Fundamentais.
Conclui-se, portanto, que num Estado Democrático de
Direito, a legitimação dos direitos fundamentais é o elemento que o diferencia
do Estado Social, e decorre disso a importância de se adotar, na tarefa
hermenêutica, paradigmas compatíveis com o atual estágio da humanidade
para dar sentido aos chamados Direitos Fundamentais.
A seguir, faremos uma breve abordagem sobre a
efetividade e eficácia dos Direitos Fundamentais.
2.5 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – FIO CONDUTOR DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Se no texto constitucional um princípio que caracteriza
o Estado Democrático de Direito, é o da dignidade da pessoa humana. Mais
do que um conceito oriundo das concepções positivistas metafísicas, constitui-
104
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 20-21
68
se hoje em pressuposto ético para o exercício do poder, em verdadeiro
elemento que diferencia os regimes totalitários dos democráticos.
Ao admitir que a legitimação dos direitos fundamentais
parte de uma aproximação entre a moral e direito, Sarlet Wolfgang Sarlet
salienta que a dignidade da pessoa humana constitui o centro do pensamento
que levará às teorias contratualistas, ressaltando não só a influência da
filosófica clássica greco-romana, mas também das doutrinas jusnaturalistas e
do pensamento cristão do final do século XVI, para a consolidação da idéia de
que a personalidade humana se caracteriza por ter um valor próprio, inato,
incondicionalmente inalienável. Nasce dessa idéia o direito de se opor ao
poder:
De particular relevância, foi o pensamento de Santo Tomás de
Aquino, que além da referida concepção cristã de igualdade dos
homens perante Deus, professava a existência de duas ordens
distintas, formadas, respectivamente, pelo direito natural, como
expressão da natureza racional do homem, e pelo direito positivo,
sustentando que a desobediência ao direito natural por parte dos
governantes poderia, em casos extremos, justificar até mesmo o
exercício do direito de resistência da população.
105
Como comentado no capítulo anterior, não basta que a
Constituição abrigue em seu texto normas que garantam a existência de
direitos fundamentais. É necessário que exista uma norma fundante, um
elemento que direcione o intérprete a concluir que a pessoa é o fundamento e
o fim da sociedade e do Estado.
Este elemento é o princípio da dignidade da pessoa
humana. Ele dará à Constituição uma unidade de sentido, dará caráter de
concretude a normas aparentemente programáticas e de legitimidade ao
ordenamento jurídico constitucional.
105
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 46
69
Os direitos fundamentais, ainda que em maior ou menor
grau, conforme o caso, sempre terão uma ligação com o princípio da dignidade
da pessoa humana, uma vez que é a pessoa o seu destinatário final. Portanto,
se é correto afirmar que o fim do Estado é o bem estar de seus cidadãos, o
princípio da dignidade da pessoa humana nos obriga a dizer que é fim do
Estado é o bem estar de todas as pessoas, emprestando à afirmação inicial o
predicado da fraternidade e da solidariedade.
Por ser elemento fundante, valor supremo da ordem
jurídico-constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana tem a
função instrumental integradora e hermenêutica das regras constitucionais e
de todo o ordenamento jurídico.
E ainda que se argumente a existência de controvérsia
sobre a conceituação de princípios fundamentais, Martha de Toledo Machado
afirma que, “independentemente da controvérsia, parece-me inequívoca a
supremacia do valor da dignidade humana no atual texto constitucional”.
106
E conclui esse raciocínio afirmando que não se trata de
estabelecer uma nova controvérsia sobre a distinção entre valores,
fundamentos, princípios, mas sim de situar corretamente o princípio da
dignidade da pessoa humana dentre eles, alertando, ainda, que a própria
Constituição, ao lhe declarar como fundamento da República Federativa do
Brasil, estabelece o limite para sua utilização como elemento hermenêutico:
“Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor
fundante da república, da Federação, do País, da Democracia e do Direito.
Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da
106
MACHADO, Martha de Toledo. Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os
Direitos Humanos. Barueri: Manole Editora, 2003. p. 96-97.
70
ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor
supremo, porque está na base de toda a vida nacional”.
107
Por fim, ciente das várias dificuldades que se possa
enfrentar ao utilizar o princípio da dignidade da pessoa humana como
fundamento hermenêutico jurídico-constitucional, certo é que há neste
conceito parte que não se relativiza nem se transige. Ou melhor, como afirma
Ingo Sarlet ao encerrar sua obra a respeito do tema, “Por derradeiro,
parafraseando, desta feita em outro contexto, a famosa e multicitada assertiva
de Dworkin de que o governo que toma a sério os direitos não leva a sério o
Direito, podemos afirmar que a ordem comunitária (poder público, instituições
sociais e particulares) bem como a ordem jurídica que não toma a sério a
dignidade da pessoa (como qualidade inerente ao ser humano e, para além
disso, como valor e princípio jurídico-constitucional fundamental) não trata com
seriedade os direitos fundamentais e, acima de tudo, não leva a sério a própria
humanidade que habita em cada uma e em todas as pessoas e que as faz
merecedoras de respeito e consideração recíprocos.”
108
Pelas mesmas razões é que Martha de Toledo Machado
arremata que “Penso, outrossim, que a dignidade da pessoa humana é o
ponto de esteio do Estado Democrático de Direito brasileiro o fundamento
básico dele, o ápice da pirâmide valorativa do ordenamento jurídico instituído
pela CF de 1988 eis que, mesmo quando cotejada aos demais fundamentos
referidos de maneira expressa no artigo da Carta Magna, ela tem posição
de centralidade, porque atrai o conteúdo valorativo dos outros quatro”.
109
107
MACHADO, Martha de Toledo. Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os
Direitos Humanos. Barueri: Manole Editora, 2003. p. 97.
108
SARLET, Ingo Wolfgang . Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p 145.
109
MACHADO, Martha de Toledo. op. cit.. p. 97-98.
71
Parece-nos que se trata exatamente disso quando a
questão que se lança é a relação entre o Ministério Público e a efetividade e
eficácia dos Direitos Fundamentais. Cada violação de direito fundamental
obriga o Ministério Público a agir prontamente, pois essa violação atinge não
somente o titular do direito, mas todo o Estado Democrático de Direito.
CAPÍTULO 3
MINISTÉRIO PÚBLICO
3.1 MINISTÉRIO PÚBLICO PRÉ-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
3.1.1 Origens e evolução histórica
Sobre as origens do Ministério Público, podemos apontar
duas principais correntes: a primeira, daqueles buscam demonstrar essa
origem nas civilizações egípcia, com os magiai procuradores-do-rei, ou
grega, onde havia os tesmotetas, com atribuições de acusação criminal, como
acusadores públicos; a segunda, que prega o nascimento do Ministério Público
a partir da monopolização da jurisdição, ocorrida no século XII, na França.
110
Aliamo-nos a segunda corrente, porque, de fato, existe
pouca identidade entre a instituição do Ministério Público e as figuras
110
“Apesar de algumas digressões acerca dos “magiaí do Antigo Egito”, a maioria dos estudiosos
tende a localizar a origem do Ministério Público no advento do Estado Constitucional Francês. A
Constituição revolucionária de 1791 previu, em seu capítulo V (“Do Poder Judiciário”), uma
instituição designada de “Ministère Public” e integrada por Porcuradores (procurateurs) que
deveriam zelar pelo interesse público nos processos judiciais. O Ministério Público resultou da
fusão entre dois tipos de funcionários reais já encontráveis no Ancièn Regime: os Advogados do
Rei (Advocats duRoi), com atribuições cíveis de defesa dos interesses patrimoniais privados do
monarca, e os procuradores do Rei (procurateurs du Roi), com atribuições de sustentar a
acusação dos criminosos e de cobrar tributos reais nos tribunais. (Macedo Junior, 1995: p. 40).
Tratava-se , tal como os juízes, de delegados do rei, que se diferenciavam daqueles pelo
controle da atividade judicial dos mesmos, especialmente quando envolvia interesses da
monarquia. (LOPES, Julio Aurélio Vianna. Democracia e Cidadania. O Novo Ministério Público.
p. 32-33.)
73
acusatórias da Antigüidade Clássica.
111
Aliás, no Brasil, a evolução do
Ministério Público se deu de tal forma que acabou por afastá-lo de suas
origens, pouco restando do Ministério Público do Século XX.
Em terras brasileiras, o Ministério Público passou a ser
previsto como instituição apenas a partir da Constituição de 1934, em capítulo
diverso daqueles destinados aos Poderes Executivo e Legislativo, sendo-lhe
conferida estabilidade aos seus membros e ingresso na carreira mediante
concurso público.
112
Até então, com influências dos direitos canônico e francês,
o Ministério Público do Brasil no período colonial, imperial e início da
República, estava previsto nas Ordenações Manuelinas de 1521 e nas
Ordenações Filipinas de 1603, com a característica de fiscal da lei e como
órgão agente nas ações criminais.
Não havia independência em relação aos demais poderes,
ao contrário, o Ministério Público era tratado como longa manus do Poder
Executivo, com as atribuições dirigidas quase que exclusivamente à atuação
criminal.
111
Neste sentido, a lição de Marcelo Pedroso Goulart: doutrinadores que rechaçam,
peremptoriamente, a possibilidade de ter existido na Antigüidade qualquer instituição ou função
pública que se assemelhasse ao Ministério Público. A crítica é severa sobretudo em relação às
figuras gregas e romanas apresentadas como precursoras do Ministério Público moderno. Tendo
como base a polis e o regime de democracia direta , fundada na participação popular na tomada
de decisões, a civilização grega clássica criou um sistema de organização política que inibiu o
surgimento de instituições nos moldes do Ministério Público. em Roma, foram atribuídas
funções administrativas ou jurisdicionais às figuras elencadas como precursoras do Ministério
Público; nunca, porém, exerceram a acusação em nome do Estado Romano. Para essa
corrente, que apenas admite as origens próximas da instituição, o Ministério Público nasceu no
século XIII, na França, com a consolidação, em 1269, do monopólio jurisdicional da realeza
(“Estatutos de o Luís), foi reconhecida formalmente pela Ordonnance de Filipe, o Belo,
datada de 25 de março de 1303, e ganhou contornos definitivos com a legislação pós-
revolucionária.” GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia, teoria e
práxis. Leme: Led. Editora de Direito, 1998. p. 72/73.
112
GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia, teoria e práxis. p. 72-73
74
Com a proclamação da República, houve o
reconhecimento do Ministério Público como instituição integrante da
organização política do Estado, e por ato do então Ministro Campos Salles,
foram editados dois Decretos regulamentando a atividade ministerial,
atribuindo-lhe a defesa e a fiscalização da execução das leis e dos interesses
gerais do Estado, a assistência aos sentenciados, alienados e mendigos, além
da promoção da ação pública contra todas as violações de direito.
113
A Constituição de 1934 passou a tratar da organização do
Ministério Público, que é citado entre os órgãos de cooperação nas atividades
governamentais, e cujo chefe passará a ser escolhido pelo Presidente da
República, submetendo-se a aprovação ao Senado Federal.
A partir da Constituição de 1946, alguns princípios foram
elevados ao nível constitucional, como o ingresso na carreira mediante
concurso público, estabilidade de seus membros após dois anos de exercício
no cargo, garantia de inamovibilidade, criação do sistema de promoção de
entrância a entrância, mantida, no entanto, a nomeação e demissão do
Procurador-Geral da República pelo Presidente da República restou mantida,
comprometendo a independência e autonomia política do Ministério Público.
Outro fator que contribuía à falta de independência era o fato de que o cargo
de Procurador-Geral da República não era exclusivo dos integrantes da
carreira.
Na Constituição de 1967, aprovada pelo Regime Militar,
os artigos destinados ao Ministério Público foram inseridos no capítulo
destinado ao Poder Judiciário, persistindo a atribuição de defender os
113
O Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, na sua exposição de motivos, declarava que “O
Ministério Púbico é uma instituição necessária em toda organização democrática e imposta
pelas boas normas da Justiça, à qual compete velar pela execução das leis, decretos e
regulamentos que devem ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela
convier.”
75
interesses da União em juízo. Registra-se que desaparece aqui a
demissibilidade ad nutum. Em contrapartida, a apatia política que atinge o
Poder Legislativo durante o regime militar torna de somenos importância a
aprovação do nome do Procurador-Geral da República pelo Senado Federal.
Em 1969, com a tomada do poder por uma junta
composta pelos Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, o
Congresso Nacional foi fechado e uma nova Constituição foi promulgada, sem
alterações substanciais ao Ministério Público.
Se constitucionalmente as alterações não foram tão
significativas, no campo da legislação infraconstitucional houve gradativas
conquistas institucionais na direção da defesa de interesses sociais
indisponíveis. Alguns marcos extremamente relevantes podem ser indicados,
como o Código de Processo Penal de 1941, conferindo ao Ministério Público a
prerrogativa de requisitar a instauração de inquéritos policiais, de promover a
ação de reparação de danos ex delicto em favor das vítimas pobres, e na
esfera civil, com os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, onde a
intervenção do Ministério Público passou a ser determinada pela existência de
interesse público.
Mas é a partir de 1981 que o Ministério Público recebe da
Lei de Política Ambiental – Lei Federal nº 6938/81 -, uma das mais qualitativas
conquistas: a legitimidade para propositura de ação para cobrança da
responsabilidade objetiva do poluidor, defendendo interesse nitidamente
difuso, e, com isso, rompendo a tradição individualista dos códigos
processuais vigentes.
114
114
Neste aspecto, Paulo de Tarso Brandão, analisando as teorias acerca do direito de ação que
informam o Direito Processual no Brasil, adverte que “Mais: no pensamento da doutrina
dominante no Brasil, esse direito somente pode ser exercitado por quem demonstra, de forma
instrumental e provisória, que a sua pretensão é objetiva e subjetivamente razoável. Com isso,
76
Cumpre registrar que o atual perfil do Ministério Público
surge a partir de debates ocorridos no início da década de 1970,
impulsionados pelas Associações de Ministérios Públicos, e dentre as
reivindicações mais importantes estavam a limitação do poder hierárquico do
chefe da instituição, a qual acabou sendo frustrada na edição da Lei
Complementar 40, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público.
A partir de dois encontros, o primeiro na capital paulista,
no Congresso Nacional do Ministério Público, no ano de 1985, e o segundo
na capital paranaense, ocorrido um ano depois, de onde se elaborou a Carta
de Curitiba, contendo importantes contribuições para a evolução da instituição.
Outro fato relevante foi a instituição, no ano de 1985, pelo
Presidente Sarney, da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais
115
,
cuja presidência ficou ao encargo de Afonso Arinos, para cumprir a promessa
de redemocratização do País e preparar um anteprojeto que deveria servir de
texto básico para a elaboração da nova Constituição Federal.
Em 18 de setembro de 1986, a Comissão Afonso Arinos
entregou o anteprojeto da Constituição Federal, ao qual restaram incorporadas
diversas das idéias constantes da Carta de Curitiba.
Dentre os aspectos que se destacavam da Carta de
Curitiba, constam a observância da legalidade constitucional e ordinária, a
delimitação da participação orçamentária, paridade remuneratória com a
magistratura, a proibição do exercício da advocacia.
para cumprir o primeiro requisito, é necessário que o autor tenha necessidade de provocar a
prestação jurisdicional para a defesa de um direito ou interesse que seja
115
Criada pelo Decreto n. 91.450 de 18.7.85, passou a ser conhecida por Comissão Afonso
Arinos.
77
Embora a Assembléia Nacional Constituinte tenha
rejeitado qualquer projeto prévio como ponto de partida, não se pode negar
que estes dois documentos inspiraram o texto constitucional vigente e
consolidaram vinte anos de luta intensa no sentido de transformar o Ministério
Público de apêndice do Poder Executivo em instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, independente e autônoma.
Foram criadas oito comissões e vinte e quatro
subcomissões, onde o Ministério Público permaneceu ao lado da Magistratura,
na denominada Subcomissão do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Em manifestação perante a Subcomissão, o Secretário-
geral da CONAMP expôs as seguintes postulações
116
:
exclusividade da ação penal pública e a supervisão do
inquérito policial mediante requisição e avocação;
vinculação do Ministério Público à democracia, como um
de seus defensores, com competência para representar por abuso do poder
econômico e político, por violações dos direitos humanos e sociais ;
autonomia financeira, ressaltando que o Ministério Público
ainda se caracterizava por ser uma “repartição de um homem só”, composta
pelo Promotor de Justiça, seus livros e uma máquina de escrever;
independência da instituição frente aos Poderes do
Estado, pressuposto de imparcialidade na sua atuação.
116
LOPES, Julio Aurélio Vianna. Democracia e Cidadania. O Novo Ministério Público. Rio de
Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2000. p. 123-124 .
78
Com tais características, surge o Ministério Público da
Sociedade Civil, apto a exercer a defesa da Constituição e do regime
democrático.
3.2 MINISTÉRIO PÚBLICO PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 inaugurou nova fase do
Direito Brasileiro, com a expressa previsão de Direitos Fundamentais e de
mecanismos para sua defesa e garantia.
Colocou em relevo a função social do Estado, afirmando,
no seu artigo 1º, como fundamentos da República Federativa do Brasil, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, o pluralismo político e a soberania.
No art. 3º, prevê como objetivos da República construir
uma Sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização,
reduzir as desigualdades sociais, além de promover o bem de todos.
Com relação ao Ministério Público, a Constituição Federal
de 1988 atribui à Instituição características peculiares em relação aos
Ministérios Públicos de outros países, com poderes e atribuições amplos e
dirigidos substancialmente à defesa da sociedade.
Neste aspecto, Marcelo Pedroso Goulart afirma que:
Além de estatuir normas de organização do Estado, a Constituição
de 1988 ampliou e elevou ao nível constitucional, não somente os
direitos que consubstanciam a cidadania civil e política,
tradicionalmente objeto das cartas constitucionais, mas também
os direitos que consubstanciam a cidadania social (v.g., acesso ao
79
ensino como direito público subjetivo; universalidade da cobertura
e do atendimento nas áreas de saúde, previdência e assistência
social; acesso democratizado aos bens culturais; meio ambiente
ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo;
cumprimento dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente como prioridade absoluta da família, da sociedade e
do Estado.
117
Reconhecendo a vocação institucional do Ministério
Público para a defesa dos interesses sociais, o atual texto constitucional
destacou sua intervenção no âmbito do controle dos Poderes Executivo e
Legislativo, declarando-o como defensor do regime democrático e da
ordem jurídica.
118
A amplitude dessa expressão nos permite afirmar com
certeza absoluta que a Constituição Federal de 1988 propositadamente
colocou o Ministério Público como guardião, como especial defensor dos
Direitos Fundamentais.
Ao tratar do inquérito civil público, ampliando a
possibilidade de atuação do Ministério Público, o texto constitucional passou a
exigir desta Instituição uma efetiva atuação além do processo, fiscalizando e
mediando conflitos sociais decorrentes da ação ou omissão de agentes
públicos ou privados que venham a lesar ou ameaçar direitos difusos,
coletivos, individuais homogêneos ou indisponíveis.
Este novo perfil institucional está diretamente relacionado
com a vocação cidadã da Constituição Federal, dando ao Ministério Público
uma dimensão até então limitada e subordinada à legislação
infraconstitucional.
117
GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia, teoria e práxis. p. 89
118
Constituição da República Federativa do Brasil, art. 129.
80
No entanto, que se advertir: não se trata de uma
conformação tranqüila. Ao mesmo tempo em que se constata que o
nascedouro deste novo Ministério Público se dá em meio ao processo de
redemocratização do País, há que se reconhecer que as instituições ainda são
guiadas por paradigmas de ordem autoritária, e somente o amadurecimento da
relação dessas instituições estatais poderá trazer a plenitude da atuação em
defesa da ordem jurídica e do regime democrático.
3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO E A DEFESA DO REGIME DEMOCRÁTICO
3.3.1 Constituição e Democracia
Ao afirmar que temos consciência da indeterminação e do
uso retórico do termo democracia
119
, assume-se a responsabilidade de optar
por um conceito para essa expressão, ao menos para os fins deste trabalho.
Neste passo, convém salientar que na perspectiva da eficácia dos direitos
fundamentais, mais importante do que dar uma conceituação ao termo
119
Importante sempre lembrar a lição de Noberto Bobbio, para quem : “[...] o único modo de se
chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as
formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras
(primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões
coletivas e com quais procedimentos [...] para que uma decisão tomada por indivíduos [...] possa
ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se
escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as
decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, é a base de quais procedimentos. No
que se diz respeito aos sujeitos chamados a tomar [...] decisões coletivas, num regime
democrático caracteriza-se por atribuir este poder [...] a um numero muito elevado de membros
do grupo. [...] A onicracia, como governo de todos, é um ideal-limite. Estabelecer o número dos
que têm direito ao voto a partir do qual pode-se começar a falar de regime democrático é algo
que não pode ser feito em linha de principio, isto é, sem a consideração das circunstancias
históricas e sem um juízo comparativo: pode-se dizer apenas que uma sociedade na qual os
que têm direito ao voto são cidadãos masculinos maiores de idade é mais democrática do que
aquela em que tem direito ao voto também as mulheres [...]”.BOBBIO, Norberto. O Futuro da
Democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 19.
81
democracia, é adotá-lo como princípio normativo na aplicação das demais
normas.
Ruy Samuel Espíndola, sempre inspirado no mestre J. J.
Canotilho, afirma que o tema “democracia e constituição” surge na teoria da
constituição sob duas perspectivas: a primeira, tendo a democracia como
princípio que empresta legitimidade à Constituição, ou seja, trata da
verificação dos procedimentos que levaram ao resultado final de determinada
carta constitucional; na segunda perspectiva, a democracia constitui-se em
princípio jurídico integrante da Constituição.
120
Somente a confluência destas duas características pode
assegurar minimamente a existência de um Estado Democrático.
Descartamos a abordagem exclusiva do tema pela
primeira perspectiva porque nela poderemos encontrar procedimentos
formalmente corretos, mas que na essência não lograrão êxito em
implementar a difusão de direitos fundamentais.
É sob a segunda perspectiva, alimentada por
procedimentos capazes de assegurar um conteúdo democrático ao texto
constitucional, que entendemos ser possível a interpretação da Constituição
da República Federativa do Brasil, na qual a democracia constitui-se em
norma jurídica ordenadora das relações sociais, como princípio normativo da
Constituição.
121
120
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia, constituição e princípios constitucionais: notas de
reflexão no âmbito do direito constitucional brasileiro. in http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/
index.php /direito/article/viewFile/1757/1454
121
Ruy Samuel Espíndola, em relevante obra sobre os princípios constitucionais, afirmará
entendimento por nós adotado para interpretação do termo democracia. Segundo leciona, “Os
princípios constitucionais são normas jurídicas; normas que integram a Constituição, com a
mesma dignidade de direito que as regras constitucionais ou quaisquer outras normas
constitucionais. É quase pacífica, entre os autores, a distinção entre regra e princípios como
82
Nesse contexto, a idéia de democracia é ampliada. Não
se trata apenas de estabelecer a regra da maioria, pois esta regra pode dar
suporte à opressão de um grupo pelo outro. Nem sempre a maioria estará em
sintonia com as necessidades de determinado grupo social, podendo uma
maioria circunstancial revogar a própria regra da maioria, transformando um
regime democrático em despótico, e neste aspecto, muitos são os exemplos
na história da humanidade.
Portanto, considerando a evolução alcançada pelo
Estado e pelos Direitos Humanos, hoje positivados e denominados Direitos
Fundamentais, a democracia somente poderá ser entendida como um
complexo sistema de regras e procedimentos orientados por diretrizes
axiológicas, ou seja, como conjunto de idéias, princípios éticos e políticos que
ordena a vida dos cidadãos perante o Estado.
Neste sistema, a razão que acompanha o homem não
permite a violação dos Direitos Fundamentais, ou seja, em última análise,
preserva a dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, a Constituição deve ser tomada como um
documento vinculante, um instrumento que determina a todos, cidadãos,
sociedade civil e governo, ao cumprimento de suas determinações. Todos têm
obrigações para com os direitos estabelecidos na Constituição e devem dirigir
seus esforços no sentido de cumprir aquilo que está determinado pelo seu
texto.
Neste sentido, deve ser reafirmado que o texto
constitucional tem a relevante função de legitimar o Poder Político, ou seja, as
espécies do gênero norma jurídica. Todavia, existem alguns publicistas que titubeiam na
utilização de norma como sinônimos de regra, e mesmo os que insistem em sobrepor norma a
princípio, trabalhando com a antiga posição positivista que difere princípio de normas”.
83
relações entre a Sociedade e o Estado, e por isso a função do intérprete fixar a
idéia do contrato social” como um pacto que se constitui na “[...]
materialização da ordem jurídica do contrato social, apontando para a
realização da ordem política e social de uma comunidade, colocando à
disposição os mecanismos para a concretização do conjunto de objetivos
traçados no seu texto normativo deontológico. Por isto, as Constituições
Sociais devem ser interpretadas diferentemente das Constituições Liberais. O
plus normativo representado pelo Estado Democrático de Direito resulta como
um marco definidor de um constitucionalismo que soma a regulação social
com o resgate das promessas da modernidade”. 122
Por este raciocínio, Lênio Streck defenderá que a
violação de um princípio passa a ser mais grave que a transgressão de uma
regra jurídica), atribuindo aos dispositivos constitucionais uma característica
vinculativa e de plena eficácia, da mesma forma que Canotilho dirá que
atualmente não normas programáticas, entendidas como ‘simples
programas’, ‘exortações morais’, ‘declarações’, ‘sentenças políticas’, etc.,
desprovidas de qualquer vinculariedade jurídica.
123
Com a mesma força, Geisa de Assis Rodrigues afirma que
“O desafio do Estado Democrático de Direito é justamente o da inclusão social,
tanto dos que hoje não recebem a proteção efetiva do Estado, quanto
daqueles que por deterem uma parcela efetiva de poder estão fora do seu
campo de sujeição.”124
122
STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 245-246.
123
STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito p. 247.
124
RODRIGUES, Geísa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta:
Teoria e Prática. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 17
84
Para tanto, é essencial invocar a doutrina de J.J.
Canotilho, que defende a idéia de constituição como processo público.
Canotilho constrói, em sua teoria, um sistema coerente de
regras e princípios, diferenciando-os a partir de um superconceito de norma.
Ao declarar o sistema constitucional português como sendo um sistema
normativo aberto de regras e princípios, fornece importantes elementos na
tarefa de conformação das normas constitucionais à realidade, a partir de uma
correta diferenciação dessas duas espécies de normas.
Afirmará que os princípios podem desempenhar uma
função argumentativa ou como verdadeiras normas integradoras do sistema
jurídico, e neste aspecto, compatíveis com vários graus de concretização. Ao
tecer suas considerações sobre o conflito de princípios, defende que os
princípios suscitam problemas de validade e peso, enquanto as regras
colocam apenas questões de validade, ou seja, comportam apenas discussão
sobre o seu acerto ou não.
Descarta a existência de modelos regidos exclusivamente
por regras ou por princípios, alertando que no primeiro caso, haveria um
sistema jurídico de limitada racionalidade prática, marcado pelo legalismo, sem
espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema,
enquanto no segundo, haveria um alto grau de indeterminação das normas.
Daí a idéia de um sistema aberto de regras e princípios.
Canotilho defenderá de forma intransigente que todas as
normas constitucionais são passíveis de aplicação imediata e irrestrita ao caso
concreto, afinal, a constituição é a ordem jurídica fundamental de uma
comunidade, e como conjunto de regras e princípios, terá sempre sa validade
de “lei”.
85
Da concepção de constituição como direito positivo, o
autor defende que as regras e princípios constitucionais devem obter
normatividade, e assim, servir de regra jurídica a regular efetivamente as rela-
ções da vida. Ou seja, uma constituição só será eficaz se for aplicável.
Outra importante contribuição de Canotilho funda-se na
resolução do conflito de princípios e de regras, e nessa estira, alerta que
interpretar as normas constitucionais constitui-se numa busca de significado a
um ou vários símbolos lingüísticos escritos no texto da constituição.
Nessa interpretação, demonstra a importância de
encontrar um resultado constitucionalmente ‘justo’ através da adoção de um
procedimento (método) racional e controlável, fundamentando tal resultado,
destacando-se disso, que toda a norma é ‘significativa’, mas o significado não
constitui um dado prévio; é, sim, o resultado da tarefa interpretativa.
E essa tarefa interpretativa levará em consideração três
níveis de racionalidade: a racionalidade ética; a racionalidade política; a
racionalidade jurídica.
Na racionalidade ética estarão contemplados os principais
valores éticos da humanidade, nela compreendidos a vida e a dignidade da
pessoa humana. Na racionalidade política, ass formas de exercício do poder.
E, por fim, na racionalidade jurídica estarão consagrados todos os
instrumentos de proteção dos direitos dos cidadãos, ou seja, acesso à justiça,
aqui entendido não somente o acesso formal, mas a garantia do acesso
material à justiça dos direitos fundamentais.
É desta democracia, ou deste regime democrático que se
pretende atribuir a qualidade de defensor ao Ministério Público.
86
Com efeito, de nada valeria declarar a existência de uma
Constituição Democrática, ou nas palavras de Canotilho, uma Constituição
Dirigente, sem estabelecer mecanismos independentes e autônomos de
garantia de defesa dos valores que a informaram.
Não se trata, a toda evidência, de mera garantia formal,
senão da garantia da efetividade dos direitos fundamentais. Implica em
agregar também às normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam
a atividade ministerial os mesmos valores éticos, políticos e jurídicos que
informam a Constituição Federal de 1988.
Portanto, como defensor do regime democrático, o
Ministério Público terá como tarefa a garantia dos princípios que informam a
Constituição Federal e que constituem a justificação dos direitos fundamentais.
Dignidade da pessoa humana como valor ético superior, princípio democrático,
direito à pluralidade, princípio federativo, dentre outros, constituem matéria que
vincula a atuação ministerial.
3.3.2 A questão da Legitimação
Ao examinar a intervenção do Ministério Público na defesa
de Direitos Fundamentais, os Tribunais pátrios têm seguidamente negado a
legitimação institucional, quer negando-lhe poder investigatório, quer limitando-
lhe a atuação por negar-lhe a legitimidade processual.
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento do hábeas corpus 81326, impetrado por Delegado de Polícia
que fora notificado, em procedimento administrativo preliminar instaurado pelo
Ministério Público do Distrito Federal, para comparecer ao Núcleo de
Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, tornou-se
paradigmática para o assunto, representando importante corrente doutrinária e
87
jurisprudencial que defende a limitação da intervenção do Ministério Público.
125
Outro importante fato que revela a reação aos novos
mandamentos constitucionais do Ministério Público foi a edição da Lei
10.628/02, que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, nele
introduzindo dois parágrafos que pretendiam alterar substancialmente a
intervenção nos casos de lesão ao patrimônio público: revigorou a
prorrogação de foro especial após a cessação do exercício da função pública,
estendendo-a também para os casos de improbidade administrativa.
Assim, ao alargar a competência originária do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais de Justiça
por lei ordinária, o que se declarou inconstitucional, pretendeu-se subtrair dos
juízes de primeira instância a análise das ações de improbidade administrativa
ajuizadas pelo Ministério Público, sendo exemplo paradigmático da não
conformação das instituições aos novos ares democráticos impostos pela
Constituição de 1988.
Da mesma forma que pretendia inviabilizar a atuação dos
Promotores de Justiça, a lei em referência, ao concentrar todas as ações de
125
Em acórdão da lavra do Ministro Nelson Jobim, restou decidido: EMENTA: RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO.
NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE
POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO.
ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE A Portaria que criou o Núcleo de Investigação
Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério blico do Distrito
Federal, no que tange a publicidade, o foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste
Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes. 2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE
ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE. A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder
de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A
norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito
policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de
autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O
recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos
aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso
conhecido e provido.
88
improbidade administrativa junto aos Procuradores-Gerais de Justiça ou ao
Procurador-Geral da República tornava, senão impossível, bastante difícil o
recebimento e verificação de notícias de casos de improbidade, assim como a
tarefa de colheita de provas, em face da distância entre estes órgãos e os
locais de suas ocorrências.
Outra limitação jurisprudencial à efetividade da atuação do
Ministério Público na defesa do Estado Democrático de Direito diz respeito às
ações ajuizadas em prol do contribuinte em face da cobrança abusiva de
tributos por parte do Estado.
Aliás, talvez resida aqui o melhor exemplo de resistência à
nova face do Ministério Público.
A nova ordem constitucional, acrescida das alterações
trazidas pela Lei 8.078/90, que deu nova redação a vários artigos da Lei da
Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), possibilitou ao Ministério Público a
possibilidade da tutela de interesses individuais homogêneos pelo manejo de
ações coletivas.
Mesmo diante da posição doutrinária quase unânime em
aceitar a adequação da ação civil pública e a legitimidade do Ministério Público
para a defesa do contribuinte
126
, a jurisprudência caminhou em sentido
contrário, culminando com a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso
Extraordinário 195.056-1/PR, no qual era contestada a constitucionalidade
do aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano no município de
Umuarama.
126
Dentre os quais, destaca-se as figuras de Nelson Nery Junior, Prudente Antônio de Souza
89
Tal decisão, embora tenha reconhecido ao Ministério
Público a tutela dos interesses individuais homogêneos, quando os titulares
daquela relação estiverem na situação ou na condição de consumidores ou se
tratar de relações de consumo, assim como daqueles direitos individuais
homogêneos revestidos de relevância social ou de caráter indisponível,
reafirmando o disposto nos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal,
deixou de reconhecer legitimidade para questionar a relação jurídico-tributária
sob o argumento de que não se trata de relação de consumo, tampouco tem
caráter de relevância social ou indisponibilidade.
Por certo que os citados precedentes legislativos e
jurisprudenciais demonstram a dificuldade de compreensão acerca do novo
perfil constitucional do Ministério Público e da dimensão da missão de defesa
da ordem jurídica e do regime democrático.
3.3.3 Função Social e Política do Ministério Público: Acesso à Justiça dos
Direitos Fundamentais
A dificuldade em reconhecer o Ministério Público pós-
Constituição de 1988 como defensor de demandas sociais, refletida nos
precedentes citados, tende a diminuir na medida em que se tem a percepção
das funções social e política da instituição.
Como já dito, a definição do Ministério Público no seu
perfil atual se em meio a amplo processo de redemocratização interna, o
que acabou por facilitar a mudança do perfil de dependência dos Poderes e da
falta de autonomia financeira até então vigentes. Cabe aqui o registro de que
o processo Constituinte se deu em meio a regras de caráter democrático, e
prova disso é o acolhimento quase integral das denominadas “emendas
populares”.
90
Tal espírito acabou também por prevalecer nos diversos
capítulos do Texto Constitucional, que adota explicitamente uma democracia
associativa, ou seja, que adota mecanismos de equilíbrio entre as forças da
sociedade civil e do Estado, facilitando sobremaneira o verdadeiro acesso à
justiça dos Direitos Fundamentais.
Esse novo modelo de democracia, que explicita como
fundamentos da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade da
pessoa humana, e como objetivos erradicar a pobreza e a marginalização,
reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de
todos, certamente tem como missão maior a ruptura com o modelo anterior,
marcadamente burocrático e de pouca permeabilidade das demandas sociais
no seio das decisões políticas.
Assim, a democracia trazida pela Constituição de 1988
visa essencialmente tornar público o processo político, busca estabelecer elos
entre a sociedade civil e o Estado (marcadamente burocrático e elitista),
fortalecendo a cidadania e dando nova roupagem às relações entre o Estado e
a Sociedade.
Por isso que nesse novo desenho constitucional o
Ministério Público é tratado de forma especial, elevado a instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, adornado com perfil
inédito até mesmo no Direito comparado. Aliás, ao contrário do que se espera
de um Ministério Público de um País cujas promessas de democracia e de
garantia de direitos fundamentais se tenham instalado, no Brasil necessita-
se de uma instituição que seja tão forte quanto fortes sãos as negações e os
reducionismos desses direitos tão tardiamente declarados.
Somente o Ministério Público independente e autônomo
será capaz de compreender a missão o somente constitucional, mas
91
principalmente social e política, decorrente da sua configuração de instância
encarregada de ser um elo entre as demandas sociais e os Poderes
encarregados de dar-lhes vazão.
Apesar de órgão do Estado, o Ministério Público é dotado
de mecanismos tanto de independência institucional quanto funcional capazes
de lhe dar a autonomia necessária para funcionar como instituição mediadora
entre os interesses sociais violados ou não cumpridos e a atuação dos
Poderes do Estado.
Com efeito, Lenio Luiz Streck, ao examinar a
hermenêutica constitucional afirma que “Se a Constituição condensa
normativamente valores indispensáveis ao exercício da cidadania, nada mais
importante do que a busca (política, sim, mas também) jurídica de sua
afirmação (realização, aplicação). O como elaborar isso juridicamente, esta é
obra para uma nova dogmática constitucional, cujo desafio é tomar a
Constituição uma Lei Fundamental integral”.
127
Sem sombra de dúvida o Ministério Público foi eleito pelo
legislador constituinte para essa nobre tarefa, de garantir a todos a cidadania
em sua forma mais ampla e plena.
O Ministério Público se constitui, segundo esta ótica, em
verdadeira fonte de acesso à justiça, e não mais o acesso formal aos
tribunais, mas acesso à justiça dos direitos fundamentais que visam, em última
instância, assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana.
127
STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m)crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. p. 50.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate proposto neste trabalho, qual seja, o papel do
Ministério Público na defesa dos Direitos Fundamentais no Brasil e a relação
dessa atuação com a efetiva concretização do Estado Democrático de Direito
está apenas por iniciar.
A efervescência da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e dos demais tribunais superiores na busca de um correta
interpretação sobre o teor dos arts. 127 e 129 da Constituição Federal é uma
mostra dessa afirmação, ora apontando para a redução da legitimação do
Ministério Público, negando-lhe, por exemplo, legitimidade para a defesa de
interesses difusos de contribuintes, ora para a ampliação dos horizontes de
atuação dessa instituição permanente e essencial à função jurisdicional,
declarando-o parte legítima para pleitear direitos em favor da cidadania.
Se é verdadeiro que a Constituição Federal de 1988 de
um lado afirmou a existência de um Estado Democrático de Direito, e de outro,
incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime
democrático, não é menos verdadeiro que tal afirmação se em meio a
importantes acontecimentos históricos que influenciarão de forma decisiva a
interpretação sobre o alcance e sentido das disposições da Carta. A queda do
Muro, a globalização e a onda neoliberal o novos ingredientes a interferir no
processo de redemocratização do País e na efetiva implementação desse
Estado Democrático de Direito.
Com efeito, se consideramos que o Estado Democrático
de Direito é fruto de um processo histórico não podemos prescindir de uma
retrospectiva acerca da evolução do Estado e dos Direitos Fundamentais, e
neste contexto buscamos situar a correta interpretação da expressão “defesa
94
da ordem jurídica e do regime democrático”, a partir da idéia de que disso
depende a implementação e mesmo a sobrevivência dos direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal, a nosso ver, essenciais ao Estado
Democrático de Direito.
Nesta mesma linha de raciocínio situou-se a preocupação
em reafirmar a legitimidade e eficácia dos Direitos Fundamentais, buscando
afastar as teorias em grande parte respaldadas pelos ideais da globalização
econômica e dos neoliberais -, que fundamentam a negação destes direitos, e
por conseqüência, atrasam, quando não impedem, o acesso à justiça dos
Direitos Fundamentais.
Portanto, ao se falar das decisões judiciais negando
legitimação ao Ministério Público para a defesa de direitos fundamentais, ou
mesmo de uma atuação ineficiente, buscou-se demonstrar que embora já
existam conceitos aptos a lhe dar a devida sustentação teórica, quer porque
ainda não se consolidou uma correta compreensão e reconhecimento da
tarefa constitucional de defesa do regime democrático, quer porque não se
adota o conceito dos Direitos Fundamentais como essencial para a
implantação de um Estado Democrático de Direito, tal como previsto no texto
constitucional.
No entanto, é preciso advertir que ao se fazer o estudo da
evolução do Estado e dos Direitos Fundamentais, não se encontra a exata
correlação com a evolução do Ministério Público brasileiro, mesmo porque
esta instituição se torna realmente relevante para o Estado Democrático de
Direito apenas a partir da Constituição Federal de 1988, na qual desaguaram
várias demandas concretizadas na Lei Orgânica Nacional de 1981 e na Lei
da Ação Civil Pública, que iniciaram essa modificação do perfil institucional,
95
deslocando-o da defesa intransigente do Estado para a defesa intransigente
dos interesses sociais.
Em verdade, ao fazer a análise sobre as origens do
Ministério Público, o que se constata é a pouca identidade entre a instituição
atual e as figuras acusatórias da Antigüidade Clássica, e mais, no Brasil essa
evolução se deu em tal velocidade e pouco espaço de tempo, que o
afastamento das origens coloniais e do início da República é ainda maior que
aquele verificado nas instituições similares de outros países
Aliás, é de se ressaltar que até mesmo as grandes
modificações ocorridas a partir de 5 de outubro de 1988 podem ser apontadas
como obstáculos à compreensão dos novos conceitos que são impostos ao
intérprete da Constituição no tocante à atividade ministerial e das dificuldades
ao pleno exercício dessas atividades. Se considerarmos que o Ministério
Público brasileiro passou a ser previsto como instituição apenas a partir da
Constituição de 1934, em capítulo diverso daqueles destinados aos Poderes
Executivo e Legislativo, é plenamente compreensível que ainda se oponham
vários entraves à aceitação do princípio da independência em relação aos
demais Poderes.
Demonstrou-se também que a forte vinculação ao perfil
anterior à Lei da Ação Civil Pública e à Constituição de 1988, cujas
características marcantes eram as de fiscal da lei e de órgão agente acusador
nas ações criminais, constitui-se em grave obstáculo para a compreensão do
atual papel do Ministério Público à frente da defesa de direitos que, de um
lado, em sua maioria nem mesmo estavam previstos no ordenamento jurídico
anterior à Constituição de 1988, e de outro, cujo conteúdo era dado ao
Ministério Público somente o direito de opinar nos processos em que fosse
chamado a manifestar-se, não lhe cabendo nem a defesa nem instrumentos
96
que pudessem investigar a ameaça ou lesão, a exemplo do que hoje permite o
inquérito civil público e o procedimento de investigação criminal.
Portanto, diversas das dificuldades que ainda se opõem à
atuação do Ministério Público decorrem da resistência dos demais poderes do
Estado em ceder parte do poder político que antes lhes era exclusivo e que
agora é transferido ao ombudsman estatal como tem sido denominado por
muitos. Esta posição conferida ao “novo” Ministério Público não é gratuita e
tampouco desarrazoada, pois quis o Constituinte, ciente do esforço que
deveria prosseguir àquela Assembléia Nacional para assegurar a consolidação
do processo democrático que ali se iniciava, conferiu ao novo órgão efetivas
condições de lhes dar a sustentação necessária.
Tal esforço se justifica na medida em que de pouco
adiantaria a expressa previsão de direitos ditos fundamentais sem a presença
de instrumentos que lhe trouxessem a eficácia e efetividade desejadas. Dessa
vontade de tornar concretos direitos fundamentais é possível identificar vários
mecanismos que buscam assegurar-lhes a efetividade e eficácia: dentre os
remédios jurídicos, ações constitucionais como o mandado de segurança, o
hábeas corpus , a ação civil pública e a ação popular; dentre os mecanismos
de cidadania, a democracia participativa que assegura aos mais variados
setores da Sociedade Civil participar das decisões políticas, reinaugurando a
relação entre esta sociedade e o Estado. E, por fim, dentre as instituições, o
próprio Ministério Público, vinculado às demandas sociais como função
essencial à Justiça.
Convém reafirmar que as instituições da sociedade civil
chegam ao final da Ditadura Militar se não inexistentes, em verdadeiro
processo de extinção pelo esfacelamento causado pela perseguição política e
pelo exílio de seus integrantes. A reconstrução da democracia é, portanto, a
97
reconstrução da própria sociedade civil e das instituições que a representam, e
este processo passa necessariamente pela existência de uma instituição que
seja suficientemente independente para receber vazão dos anseios sociais, e
assim, desvinculada das forças políticas que integram os Poderes do Estado.
Esta instituição é o Ministério Público, que não por outra
razão é declarado defensor da ordem jurídica e do regime democrático, e
nessa qualidade, vinculado a todos os interesses sociais.
É forçoso declarar que a Constituição Federal de 1988
inaugurou nova fase do Direito Brasileiro, com a expressa previsão de Direitos
Fundamentais e de mecanismos para sua defesa e garantia, colocando em
relevo a função social do Estado, afirmando, no seu artigo 1º, como
fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o
pluralismo político e a soberania.
E ao atribuir ao Ministério Público características
peculiares em relação aos Ministérios Públicos de outros países, resta claro de
o Constituinte, de forma planejada, buscou dar-lhe a guarda de tais
fundamentos perante o próprio Estado, de modo que sirvam de instrumento
para atingir objetivos da República expressos no art. 3º, de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização,
reduzir as desigualdades sociais, além de promover o bem de todos.
Defendemos, portanto que ao reconhecer a vocação
institucional do Ministério Público para a defesa dos interesses sociais, o atual
texto constitucional destacou sua intervenção no âmbito do controle dos
Poderes Executivo e Legislativo, declarando-o como defensor do regime
democrático e da ordem jurídica.
98
A amplitude dessa expressão nos permite afirmar com
certeza absoluta que a Constituição Federal de 1988 propositadamente
colocou o Ministério Público como guardião, como especial defensor dos
Direitos Fundamentais, entregando-lhe funções muito além daquelas
meramente processuais, através da presidência do inquérito civil público,
fiscalizando e mediando conflitos sociais decorrentes da ação ou omissão de
agentes públicos ou privados que venham a lesar ou ameaçar direitos difusos,
coletivos, individuais homogêneos ou indisponíveis.
A limitação antes imposta ao Ministério Público pela
subordinação à legislação infraconstitucional tem seu fim decretado pela nova
ordem constitucional, que pretende dar força ao processo de
redemocratização do País. O que ora defendemos equivale a dizer que o
regime democrático de que fala a Constituição Federal terá a mesma
dimensão que se der à legitimação do Ministério Púbico para a defesa dos
Direitos Fundamentais, e de igual forma, ao conceito que se adotar para essa
expressão.
Mas não se trata apenas de conferir ao Ministério Público
a condição de “guardião”. Trata-se também de interpretar adequadamente a
Constituição no que tange à legitimidade, efetividade e eficácia dos Direitos
Fundamentais. Por isso buscamos e acreditamos ter logrado êxito neste
aspecto defender de maneira firme que a democracia constituiu-se tanto em
procedimento permanente como em princípio jurídico integrante da
Constituição Federal de 1988, emprestando-lhe legitimidade e exigindo-lhe
eficácia.
Por isso, também buscamos a demonstração de que o
Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição Federal é
incompatível com a exclusão social e com a violação de direitos fundamentais
99
porque tem como princípios éticos os ideais de fraternidade e de
solidariedade. E essa visão somente se torna possível se o intérprete
reconhece o princípio da dignidade da pessoa humana como motivação
vinculada a cada um dos Direitos Fundamentais ditados pelo ordenamento
jurídico. Tal raciocínio consiste em conferir ao indivíduo a possibilidade de
formatar sua própria existência, de ser sujeito de direitos e ter à disposição
instrumentos jurídicos que lhe sirvam à defesa de sua liberdade.
Por outro lado, isto implica em reconhecer também
como princípio o direito à democracia, à informação e ao pluralismo,
exigindo-se que para o reconhecimento de um Estado Democrático de Direito
haja a incorporação efetiva da igualdade como um conteúdo próprio a ser
buscado garantir através do asseguramento mínimo de condições mínimas de
vida ao cidadão e á comunidade.
Pelos princípios que são adotados neste trabalho acerca
do termo democracia, buscou-se a afirmação de que não se trata apenas de
estabelecer a regra da maioria como instrumento político para determinar os
rumos da Sociedade, uma vez que esta regra pode dar suporte à opressão de
um grupo pelo outro, mas que a expressão deve ser entendida como um
complexo sistema de regras e procedimentos orientados por diretrizes
axiológicas, ou seja, como conjunto de idéias, princípios éticos e políticos que
ordena a vida dos cidadãos perante o Estado.
Estes mesmos elementos devem ser utilizados na
interpretação acerca da amplitude da intervenção do Ministério Público quanto
se tratar de questões envolvendo a promoção de Direitos Fundamentais. Estes
Direitos são trazidos ao corpo da Constituição não somente como regras
jurídicas, mas sim como verdadeiros princípios, cuja violação, valendo-se da
100
expressão de Lênio Streck , será ainda mais grave que a transgressão de
uma regra jurídica.
Procurou-se também alicerçar este raciocínio nas lições
de J.J. Canotilho, para o qual é certo que os dispositivos constitucionais que
tratam dos Direitos Fundamentais possuem uma característica vinculativa e de
plena eficácia, para demonstrar que a defesa do Estado Democrático de
Direito deve ser não somente reconhecida ao Ministério Público como dever
institucional, mas também como verdadeiro processo de mediação política
entre os Poderes do Estado e os anseios da sociedade civil.
Reforçando esse entendimento, é de fundamental
importância que se compreenda a existência desses Direitos Fundamentais
em meio a vários pontos de vista de racionalidade: a racionalidade ética, na
qual estarão contemplados os principais valores éticos da humanidade, nela
compreendidos a vida e a dignidade da pessoa humana; na racionalidade
política, as formas de exercício do poder, e, por fim, na racionalidade jurídica,
todos os instrumentos de proteção dos direitos dos cidadãos, ou seja, acesso
à justiça dos direitos fundamentais.
É desta democracia, ou deste regime democrático que se
buscou atribuir a qualidade de defensor ao Ministério Público.
Sobre os precedentes legislativos e jurisprudenciais
citados no terceiro capítulo como forma de demonstram a dificuldade de
compreensão acerca do novo perfil constitucional do Ministério Público,
salientamos que em relação à decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do hábeas corpus 81326, temos a afirmar que a
segurança pública, objeto que o Ministério Público defende ao combater a
criminalidade, também se constitui em Direito Fundamental de todo o cidadão,
essencial para a organização da vida em sociedade.
101
Isto sem adentrar em outras possíveis fundamentações
para concluir de forma contrária ao Supremo Tribunal Federal, notadamente o
fato de que a interpretação utilizada por aquela Corte levou em consideração
precedentes cuja fundamentação remonta a datas muito anteriores à
Constituição vigente, e, portanto, em desacordo com os novos princípios que
regem tanto a atuação do Ministério Público como a efetividade dos Direitos
Fundamentais.
Dentre outros argumentos válidos à refutação da tese que
até o momento prevalece no STF, com grande força deve ser ressaltada a
Teoria dos Poderes Implícitos, pela qual declara-se que se o Constituinte
concede a determinado órgão ou instituição uma atividade-fim, também
concederá implicitamente os meios necessários à consecução dessas
atividades. Logo, se a Constituição Federal concedeu ao Ministério Público a
titularidade da ação penal pública, também lhe conferiu exercer os meios
necessários à consecução dessa finalidade.
Da mesma forma que se refuta outra tese que ilustra de
forma cabal a resistência ao “novo” Ministério Público, qual seja, a decisão
negando legitimidade ao órgão quando atuando prol do contribuinte em face
da cobrança abusiva de tributos por parte do Estado, alegando que a relação
jurídico-tributária na se constitui em relação de consumo. Ora, o direito do
cidadão contra a exação indevida por parte do Estado é daqueles Direitos
Fundamentais de primeira geração, e não deveria gerar nenhuma
perplexidade que o abuso estatal deva ser objeto de intervenção por parte do
Ministério Público.
Ademais, da relação que se cria coma cobrança indevida
de tributo nascem outras várias conseqüências que autorizam o Ministério
Público a agir, notadamente a ação ilegal do administrador ofensa ao
102
princípio da legalidade -, passível de punição na esfera administrativa e por
vezes até na seara penal, o prejuízo ao patrimônio público que advirá no
eventual ressarcimento do indevido, ao qual serão acrescidos juros, correção
monetária e honorários advocatícios.
Portanto, defendemos neste trabalho a idéia de que
decisões dessa natureza somente tendem a ser superadas na medida em que
se tem a percepção das funções social e política do Ministério Público, cuja
concepção por parte do legislador constituinte coloca-o na condição de
verdadeiro mecanismo de equilíbrio entre as forças da sociedade civil e do
Estado, facilitando sobremaneira o verdadeiro acesso à justiça dos Direitos
Fundamentais.
Declarando-se o Brasil um Estado Democrático de Direito,
e sabendo-se que ainda não é possível atingir um nível tolerável de inclusão
social, ou melhor, frente à existência de um verdadeiro abismo entre classes
sociais, entre cidadão e excluídos, fazer dos direitos fundamentais declarados
na Carta de 1988 algo concreto para a população brasileira passa pela idéia
de aceitação de princípios (e os valores que o informam) como verdadeiras
regras, e não mera programação desprovida de conteúdo prático.
E o Ministério Público se constitui, segundo esta ótica, em
verdadeira fonte de acesso à justiça, e não mais o acesso formal aos
tribunais, mas acesso à justiça dos direitos fundamentais que visam, em última
instância, assegurar a existência do Estado Democrático de Direito e o
respeito à dignidade da pessoa humana.
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