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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
LUIZ AMERICO ARAUJO VARGAS
A QUESTÃO AGRÁRIA E O MEIO AMBIENTE: TRABALHO E EDUCAÇÃO NA
LUTA PELA TERRA E PELA SUSTENTABILIDADE.
RIO DE JANEIRO
2007
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LUIZ AMERICO ARAUJO VARGAS
A QUESTÃO AGRÁRIA E O MEIO AMBIENTE: TRABALHO E EDUCAÇÃO NA
LUTA PELA TERRA E PELA SUSTENTABILIDADE.
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro
Rio de Janeiro
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Vargas, Luiz Americo Araujo.
A questão agrária e o meio ambiente: trabalho e
educação na luta pela terra e pela sustentabilidade / Luiz
Americo Araujo Vargas. – 2007.
224f.: il.
Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
de Educação, Rio de Janeiro, 2007.
Orientador: Carlos Frederico Bernardo Loureiro
1. Metabolismo sociedade-natureza. 2. Trabalho. 3.
Educação Ambiental.
I. Loureiro, Carlos Frederico Bernardo (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de
Educação. III. Título.
CDD:
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LUIZ AMERICO ARAUJO VARGAS
A QUESTÃO AGRÁRIA E O MEIO AMBIENTE: TRABALHO E EDUCAÇÃO NA
LUTA PELA TERRA E PELA SUSTENTABILIDADE.
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Aprovada em: Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2007.
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro - UFRJ
__________________________________________
Prof. Dr. Roberto Leher - UFRJ
__________________________________________
Profª. Drª. Roberta Maria Lobo da Silva - UFRRJ
v
Aos assentados e assentadas do Zumbi dos Palmares
dos campos dos Goytacazes.
vi
AGRADECIMENTOS
À minha companheira Carolina, que aduba e rega com amor meu dia a dia.
À Annita Araújo Vargas e Américo Dantas Vargas (in memorian), operária e dona de casa,
operário e bombeiro hidráulico, pelo cuidado que tiveram ao me ensinar os primeiros passos nos
cuidados com a terra e com os homens e mulheres do povo.
Ao Professor Carlos Frederico B. Loureiro, pela confiança, estímulo, apoio, amizade e por ter me
ajudado a compreender as relações históricas entre homens, mulheres e terra.
Ao Professor Roberto Leher, por ter fertilizado desde o início deste curso minha indignação e
vontade de ouvir e aprender.
À companheira Fernanda Matheus, pela confiança e amizade e às companheiras e companheiros
do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio de Janeiro,
pelo apoio e cessão do material da pesquisa.
À Comissão Pastoral da Terra de Campos dos Goytacazes, pela acolhida generosa em sua casa no
assentamento Zumbi dos Palmares.
Aos companheiros e companheiras do Laboratório de Investigação em Educação, Ambiente e
Sociedade (LIEAS/UFRJ) e do Programa Outro Brasil (LPP/UERJ), pelo aprendizado e amizade.
Aos colegas e professores/as do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, pelo convívio e ensinamentos.
vii
A EDUCAÇÃO PELA PEDRA
Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, freqüentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda) para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
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RESUMO
VARGAS, Luiz Americo Araujo. A questão agrária e o meio ambiente: trabalho e educação na
luta pela terra e pela sustentabilidade. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Estudo das interfaces entre educação ambiental e a proposta de educação do MST a partir do
exame de aspectos da questão agrária brasileira atual e seus vínculos com a questão ambiental. A
categoria sustentabilidade é tratada a partir do conceito de metabolismo sociedade-natureza de
Marx, por meio do qual buscou-se caracterizá-la como categoria histórica, expressão do modo
como o homem transforma a natureza e por ela é transformado, o que para o materialismo
histórico dialético significa, em síntese, trabalho. Constatou-se que o avanço do agronegócio e a
intensificação dos conflitos pela terra no Brasil representam uma reconfiguração do capital no
campo, como resultado do advento das políticas neoliberais de reforma do Estado. Esta
reconfiguração do capital no campo conduz a novas rupturas do metabolismo sociedade-natureza
e está associada à condição dependente do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A análise
de indicadores socioeconômicos do meio rural permitiu a identificação de fatores que
determinam profundas desigualdades no acesso a direitos públicos fundamentais como, por
exemplo, à Educação. Acompanhou-se o processo de implantação de uma proposta de Escola do
Campo no assentamento Zumbi dos Palmares, no município de Campos dos Goytacazes, RJ, e a
primeira experiência de sistematização e realização de uma Escola Itinerante em uma atividade
nacional do MST. As interfaces entre a educação ambiental e a proposta de educação do MST
decorrem da centralidade do trabalho assumida nesta proposta para a formação dos sujeitos Sem
Terra, como condição de superação de sua alienação, podendo implicar a transformação da práxis
desses sujeitos e o surgimento de novas relações metabólicas entre sociedade e natureza.
Palavras-chave: Metabolismo sociedade-natureza; Trabalho; Educação Ambiental.
ix
ABSTRACT
VARGAS, Luiz Americo Araujo.The agrarian issue and the environment: work and education
in the fight for land and sustainability (Master degree dissertation in Education - Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007).
This work is a study about the interfaces between Environmental Education and the MST
Educational proposal after the exam of some aspects of the current Brazilian agrarian issue ant its
links with the environmental issue. The category sustainability is treated after Marx’s concept of
Nature/Society Metabolism, by which means it was characterized as a historical characteristic,
expression of the way how human being and nature transforms each other, which, for the
dialectic historical materialism, means work. We noticed that the advance of agro-business and
the intensifying of fights for land in Brazil represent a reconfiguration of the Capital in the
country, as a result of the advent of the neoliberal policies of State reform. This reconfiguration
of the Capital in the country takes to new ruptures of the metabolism between society and nature
and is strongly related to the Brazilian capitalism development. The analysis of the
socioeconomics indicators from the rural environment has permitted the identification of the
factors that determine the deep unequally in the access to fundamental public’s rights, such as
Education. The process of implantation of the proposal of a Rural School in Zumbi dos Palmares
settlement, in Campos dos Goytacazes city (RJ), has been accompanied, as well as the first
experience of systematization and realization of a itinerant school in the scope of a MST national
activity. The interfaces between Environmental Education and MST Education proposal comes
from the centrality of work assumed in this proposal for the formation of landless persons, as a
condition for the overcome of their alienation, which may result in the transformation of their
praxis and in the appearance of new metabolic relations between society and nature.
Key-words: Nature/society metabolism; Work. Environmental Education.
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Figura 1 – Ambientes Educativos da Escola Itinerante Paulo Freire
Figura 2 – Ambientes Educativos da Escola Itinerante Paulo Freire
Figura 3 – Oficina Teatro Boneco Mamulengo
Figura 4 – Marcha da Escola Itinerante Paulo Freire no 5º Congresso do MST
Figura 5 – Sem Terrinhas em ação
Figura 6 – Sem Terrinhas em ação
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LISTA DE ABREVIATURAS
ABEMA – Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
ABONG – Associação Brasileira de Organizações não Governamentais
ANAMMA – Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente
CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
EU – Union European
FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations
FAPRI – Food and Agricultural Policy Research Institute
FGV – Fundação Getúlio Vargas
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IFPRI – International Food Policy Research Institute
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OECD – Organization for Economic Co-Operation and Development
ONU – Organização das Nações Unidas
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
USDA – United States Department of Agriculture
xii
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – A PESQUISA ......................................................................... 1
1.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1
1.2 OBJETIVOS .................................................................................................... 23
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................ 24
1.4 METODOLOGIA ............................................................................................ 33
CAPÍTULO 2 – A EXCISÃO OU FALHA METABÓLICA:
ALGUMAS CONTRADIÇÕES DA AGRICULTURA NO
DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA DO BRASIL ..................................... 48
2.1 O resgate do conceito de metabolismo em Marx por Foster
e suas implicações para a teoria da Educação Ambiental ............................................... 51
2.2 A realidade dos números? ......................................................................................... 69
2.3 Um breve resgate histórico da lavoura
de cana-de-açúcar no Brasil ............................................................................................. 84
2.4 Contribuições para a discussão sobre o atual projeto de
ampliação da matriz energética baseada na agroindústria da
cana-de-açúcar ................................................................................................................. 88
2.5 Rompendo os antiqüíssimos padrões de interação humana na natureza:
o antiqüíssimo pensamento ecológico em uma de suas origens históricas ...................... 94
2.6 Condição capitalista dependente:
para pensarmos sobre a heteronomia e o agronegócio.........................................................100
CAPÍTULO 3 – UM CENÁRIO PARA PENSARMOS A EA NO CAMPO ..............108
3.1 A lavoura de cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, RJ ................................... 109
3.2 O assentamento Zumbi dos Palmares ......................................................................... 112
3.2.1 Localização e acesso ..................................................................................... 112
3.2.2 A ocupação das terras da Usina São João ..................................................... 113
3.3 Interações metabólicas: caracterização socioambiental da área de estudo .................. 115
3.3.1 Recursos hídricos .......................................................................................... 115
3.3.2 Agrotóxicos ................................................................................................... 117
3.3.3 Origem e lugar do trabalho no Zumbi dos Palmares .................................... 119
3.3.4 O contexto educacional no Zumbi dos Palmares .......................................... 120
3.5 A Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária ............................................. 124
CAPÍTULO 4 – A PROPOSTA DE EDUCAÇÃO DO MST:
DIÁLOGOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTALISMO
REVOLUCIONÁRIO...................................................................................................... 142
4.1 Os princípios da educação no MST: a luta pela formação dos sujeitos Sem Terra ..... 145
4.1.1 Os princípios filosóficos ..................................................................................... 145
4.1.2 Educação para o trabalho e pelo trabalho ........................................................... 154
xiii
(continuação sumário)
4.2 Diálogos construídos .................................................................................................. 157
4.3 Escola Itinerante do MST: memórias da Escola Itinerante Paulo Freire .................... 165
4.4 Diálogos em construção: a centralidade do trabalho e a Educação Ambiental .......... 173
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 189
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 194
APÊNDICE ...................................................................................................................... 201
ANEXOS .......................................................................................................................... 208
1
CAPÍTULO 1 – A PESQUISA
1.1 INTRODUÇÃO
Iniciaremos este estudo partindo de um pressuposto configurado idealmente, esperando
que, ao seu final, tenhamos contribuído para a constituição de sua caracterização essencialmente
histórica e social. Seguiremos um pensamento que procurará compreender como o modo e as
relações capitalistas de produção atuam contemporaneamente no que foi comumente denominado
como sustentabilidade. Para nós, a configuração social estabelecida a partir das determinações e
relações capitalistas, notadamente em sua forma neoliberal, tendem a acentuar aquilo que Marx
denominou de “falha” metabólica. Mais adiante neste trabalho buscaremos explicar melhor esse
conceito e seu correlato metabolismo sociedade-natureza, forjados pelo pensador alemão e
resgatados brilhantemente por Foster (2005), na obra intitulada A ecologia de Marx:
materialismo e natureza, que muito nos inspiraram e ajudaram nas elaborações que esboçaremos
sobre as relações sociedade-natureza, em especial aquelas que vêm se configurando como
resultado das lutas pela terra no Brasil.
A compreensão destas relações seum desafio constante e permanente se entendemos
que elas devam ser transformadas, superadas. Se assim for, esta superação decorrerá das próprias
contradições geradas historicamente pelas formas de organização que assumiram os distintos
grupos sociais em seus diferentes estágios de desenvolvimento. Buscando estas formas e estágios
na sociedade capitalista, a partir de seu modo de produção e das relações conseqüentes,
percebemos a gica da expansão e acumulação crescente que agudizam a utilização da natureza
como valor de troca, o que nos parece demasiado insustentável se pensarmos nas condições de
apropriação necessariamente desiguais para a manutenção deste modelo.
2
As veias abertas e expostas por Galeano (1979), nos ajudam a compreender o quanto a
gênese da acumulação capitalista está indissoluvelmente associada a uma violenta apropriação
dos chamados recursos naturais, tanto para o soerguimento quanto para a consolidação de
impérios. Mariátegui (1975), em seu estudo sobre a realidade peruana, analisou as transformações
sociais e políticas liberadas pela ação imperialista sobre os recursos naturais daquele país, quando
afirmou que No período dominado e caracterizado pelo comércio do guano e do salitre, o
processo de transformação de nossa economia, do feudalismo para a burguesia, recebeu seu
primeiro e enérgico impulso”. (MARIÁTEGUI, 1975, p. 11).
Assim, em tempos bem mais recentes, mas o menos truculentos, desde as selvas e
montanhas de Chiapas, passando pela Universidade Intercultural dos Povos e Nacionalidades,
erguida pelos indígenas equatorianos a partir de suas experiências nas cerca de 3.000 escolas de
educação intercultural bilíngüe (ZIBECHI, 2005, p. 202), na “Guerra da água” de 2000 em
Cochabamba ou na “Guerra do Gás” de 2003, ambos levantes impensados pelos que tentavam se
apropriar da dignidade dos indígenas bolivianos, somadas a ocupação da planta da empresa
Aracruz Celulose pelas mulheres da Via Campesina em 2006 no Rio Grande do Sul, vemos surgir
as vibrantes utopias que nos assaltam de esperança e nos lançam, impulsionam a compreender
esses movimentos que refutam por meio da práxis o fim da História. Aqui, cabem emblemáticas
palavras: Os mexicanos morrem todos os dias de doenças curáveis e o país se arruína por
vários caminhos. O Exército Zapatista de Libertação Nacional decide lançar-se à guerra por
desespero e deter, de uma vez por todas, o roubo de nossas riquezas naturais”. (Subcomandante
Insurgente Marcos e EZLN apud CECEÑA, 2005, p. 298).
E por que fazemos questão de destacar essas páginas da história vivas e pulsantes? Porque
nos desafiamos a pensar que a unidade da América indo-espanhola, de que falava Mariátegui,
permanece ameaçada permanentemente pelo isolamento dos povos”, funcionando
3
economicamente como colônias da indústria e da finança européia e norte-americana
(MARIÁTEGUI, 2005, p. 81), reflexão que ganha novo impulso com a transformação do
continente latino americano em “campo de provasdas nações capitalistas avançadas, através da
ascensão de governos encarregados de implementar as políticas conhecidas como neoliberais.
Conforme Perry Anderson (1995), a América Latina constituiu-se um tanto tardiamente
como palco de experiências neoliberais, se comparada aos países da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do leste europeu, mas, o continente latino
americano, ainda de acordo com o historiados inglês, foi “genealogicamente testemunha da
primeira experiência neoliberal sistemática do mundo”, ao referir-se à experiência chilena sob a
ditadura de Augusto Pinochet. (ANDERSON, 1995, p. 19.).
A síntese concisa e precisa de Anderson nos permite acompanhar e compreender os
movimentos de mudança histórica do capitalismo que aprofundariam futuramente as tensões de
classe decorrentes das contradições do novo momento de territorialização e impregnação
ideológica e militar, a nível global, que experimentava o capital. Às experiências de Chile e
Bolívia, isoladas até o final dos anos 80, juntou-se em 88 no México com Salinas, em 89 na
Argentina com Menen, a segunda presidência de Perez no mesmo ano na Venezuela e a eleição
de Fujimori, no Peru, em 90. (ANDERSON, 1995). O autor traça um panorama dessas
experiências destacando algumas das suas especificidades históricas, políticas e sociais
específicas, nossa preocupação é tão somente situar temporal e localmente tais experiências,
pelas convergências que possuem ao apresentar alguns aspectos do movimento hegemônico
engendrado pela difusão das políticas neoliberais que logravam condicionar e manter toda a
América Latina como território livre para a exploração e acumulação capitalista.
Anderson procura nos alertar que o neoliberalismo foi ideologicamente muito bem
sucedido em muitos países, tendo se constituído “um corpo de doutrina coerente, autoconsciente,
4
militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição
estrutural e sua extensão internacional(ANDERSON, 1995, p. 22.), o que nos levar a refletir
exatamente sobre os enfrentamentos culturais e lutas sociais de resistência voltadas à superação
das contradições intrínsecas a este modelo.
Em seu estudo sobre a reforma do aparelho do Estado, já submetida ao receituário
neoliberal, Silva Jr. e Sguissardi (1999) reconstroem a “preocupação” do FMI e BIRD/Banco
Mundial, no final dos anos 80 e início dos noventa, em relação aos países do terceiro mundo,
revelando-a em alguns eixos de sua concepção de desenvolvimento/crescimento que, nos termos
do chamado Consenso de Washington, traduziam-se fundamentalmente em: ajuste fiscal,
privatização das empresas e dos serviços públicos, liberação/ajuste de preços, desregulamentação
do setor financeiro, liberação do comércio, incentivo ao investimento externo, reforma do sistema
de previdência/seguridade social e reforma do mercado de trabalho. (SILVA Jr. &
SGUISSARDI, 1999, p. 26).
O esforço oficial de reforma do aparelho do Estado (reforma administrativa,
especialmente), que se inicia em 1990 no Governo Collor de Mello, e que é relaxado durante o
governo de Itamar Franco, recrudesce com o governo de Fernando Henrique Cardoso a partir de
1995, ao ser criada a Secretaria da Administração Federal transformada no MARE Ministério
da Administração Federal e da Reforma do Estado –, sob o comando do Ministro Luiz Carlos
Bresser Pereira. (SILVA Jr. & SGUISSARDI, 1999). Nos lembram Sader e Leher (2004) que,
pelos idos de 1986, Bresser Pereira, Marcílio Marques Moreira e Pedro Malan, os dois últimos
futuros ministros da fazenda de Collor e Cardoso respectivamente, compunham uma
representação brasileira em Washington por ocasião do Consenso que definiu as regras da nova
ordem social que se estabeleceria hegemonicamente nos anos de 1990.
5
A chamada modernização ou o aumento da eficiência da administração blica será, para
o Ministro Bresser:
resultado de um complexo projeto de reforma, que vise a um só tempo o
fortalecimento da administração pública direta núcleo estratégico do Estado
e a descentralização da administração pública com a “implantação de agências
executivas’ e de ‘organizações sociais’ controladas por contrato de gestão.
(SILVA Jr. & SGUISSARDI, 1999, p. 28).
Reivindica-se para o Estado uma ação reguladora, no quadro de uma economia de
mercado, bem como os serviços básicos que presta e as políticas de cunho social que precisa
implementar”. (SILVA Jr. & SGUISSARDI, 1999, p. 37).
Os autores destacam que na apresentação do Plano Diretor da Reforma do Estado,
elaborado pelo MARE e publicado em novembro de 1995, constava que a crise pelo qual passava
o país nas últimas décadas confundia-se com a crise do Estado e que este, ao ampliar sua
participação no setor produtivo, ter-se-ia desviado de usas funções básicas, com gradual
deterioração dos serviços públicos, agravamento da crise fiscal e aumento da inflação(SILVA
Jr. & SGUISSARDI, 1999, p. 37) e, deste modo, “A reforma do Estado seria instrumento
imprescindível para consolidar-se a estabilização, assegurar-se o crescimento da economia e
promover-se a correção das desigualdades sociais e regionais”. (Idem).
Para Leher (2003), seriam dois aspectos fundamentais que justificariam a reforma do
Estado brasileiro na visão de Bresser Pereira, de vital importância para as discussões que
faremos, pois vinculam-se à dimensões ideológicas e políticas deste estudo, quais sejam:
A emergência de um mundo globalizado, em virtude de uma revolução científico-
tecnológica liderada pelas corporações multinacionais e, por isso, novas formas de
organização dos Estados teriam de ser introduzidas.
6
A questão fiscal. A crise econômica dos anos 1980 se expressou, também, como crise do
Estado, tida por Bresser Pereira como uma crise fiscal e, por esse motivo, um forte ajuste
seria a condição para a retomada dos investimentos. O ajuste teria de se dar por meio de
contundentes cortes nos gastos públicos e não tanto pela reforma tributária, afinal não
realizada por FHC. (LEHER, 2003, p. 39).
Alguns desdobramentos das pressões sociais no biênio 1996-1997, no primeiro governo
de Cardoso, imprimiram um novo rumo às ações governamentais, entre eles: a) o cruel
assassinato de 28 trabalhadores rurais pela polícia militar nos casos de Corumbiara, em
Rondônia, em agosto de 1995 e de Eldorado dos Carajás, no Pará, em abril de 1996, que geraram
intensa repercussão internacional e uma onda de protestos em todo o país; b) o aumento
substantivo das ocupações de terra organizadas pelo MST; c) a tensão social crescente no Pontal
do Paranapanema região caracterizada por uma prática histórica de grilagem de terras situada
num dos principais estados de agricultura capitalista; d) a “Marcha Nacional por Reforma
Agrária, Emprego e Justiça” organizada pelo MST, que chegou em Brasília em abril de 1997; e) a
realização de uma série de protestos no exterior organizados por entidades de apoio ao MST
principalmente durante as viagens oficiais do Presidente da República em favor da reforma
agrária e contra a violência e a repressão praticadas contra trabalhadores rurais e dirigentes do
MST no Brasil (CARVALHO, 1999; MEDEIROS, 2002, apud PEREIRA, 2005).
Como resposta, ainda em 1996 o governo federal criou o Gabinete do Ministro
Extraordinário de Política Fundiária (MEPF). Institucionalmente o MEPF incorporou o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrário (INCRA), subordinado ao Ministério da
Agricultura, arena tradicional de domínio hegemônico das oligarquias rurais e ambos passaram a
subordinar-se à Presidência. Segundo Pereira (2005), para o governo federal, a criação do MEPF
serviu como instrumento para tentar retomar as iniciativas políticas capazes de imprimir
7
direção ao tratamento das tensões no campo e minimizar a ascensão política e a gravitação
social do MST”. (PEREIRA, 2005).
De fato, uma das iniciativas do MEPF – vincular a política de reforma agrária ao processo
mais amplo de reforma neoliberal do Estado, através da descentralização institucional e
administrativa permitiu a realização da “reforma agrária orientada pelo mercado”. O Plano
Real e as reformas efetuadas pelo governo Cardoso impulsionaram a introdução no Brasil dos
programas orientados pelo Modelo de Reforma Agrária de Mercado (MRAM), a exemplo o
Cédula da Terra, como parte das políticas compensatórias às políticas de ajuste estrutural.
O MRAM foi concebido pelo Banco Mundial como uma alternativa às dificuldades e
ineficiências atribuídas à chamada “reforma agrária conduzida pelo Estado”, baseada na
desapropriação de propriedades improdutivas que não cumprem a sua função social. (PEREIRA,
2005). É preciso destacar que sob este direito, expresso na Constituição de 1988, se configuram
as lutas dos movimentos sociais do campo, bem como a política de assentamentos executada pelo
INCRA e que, mesmo sendo considerada “tradicional” e de modestos resultados, permitiu o
diálogo em maior ou menor escala conforme o momento histórico e a ação entre os distintos
atores e seus interesses, tornando clara a disposição central, ou seja, situando as disputas entre o
que é direito de todos e privilégio de alguns.
Considerando a reforma agrária para além uma política de distribuição de terras, com
mudança na estrutura fundiária e transformação das relações sociais e de produção no campo, não
nos parece que o governo de FHC, e mesmo o de Lula da Silva, estiveram ou estejam imbuídos
em mudar o quadro de desigualdade social provocado pelo fortalecimento e apoio à expansão do
modelo de agricultura capitalista simbolizado pelo agronegócio exportador, sob a hegemonia do
capital financeiro e industrial transnacional.
8
Na tentativa de reduzir as tensões criadas com os movimentos sociais que lutam pela
terra, os governos de Cardoso e Lula reconheceram a necessidade de mudanças favoráveis à
agricultura familiar, com a intensificação do crédito rural e alguns programas sociais, mas não da
transformação da estrutura fundiária, da democratização do poder político dos trabalhadores
rurais, tampouco a uma mudança do modelo de desenvolvimento voltado para a ampliação e
fortalecimento do mercado interno de massa e redistribuição real de renda e riqueza.
O modelo de reforma agrária de mercado seria uma alternativa à reforma agrária
conduzida pelo Estado, propalado ao longo dos governos de Cardoso como sendo política pública
compensatória de assistência aos desafortunados e, portanto, deveriam ser “complementadas”
pelas experiências do modelo proposto pelo Banco Mundial, mais competitivas e dignas.
A despeito de tais políticas não terem causado efetiva modificação da estrutura agrária, se
tomada isoladamente, estavam postas as condições para a consolidação de uma organização
social e produtiva no campo pautada pela mercantilização ou “comodificação”, a intensiva
apropriação de terras para a produção de mercadorias e relações fundadas na eficiente
produtividade das empresas da agricultura capitalista.
O agronegócio emerge assim de uma nova reestruturação do capital no campo,
reestruturação econômica, política e ideológica, capitaneada pelo setor financeiro e aditivada por
poderosos investimentos em pesquisas biotecnológicas, apoiadas no frenético desenvolvimento
da informática e das pesquisas genéticas avançadas. Para amalgamar a relação, insiste-se em
defender a idéia da modernidade que, historicamente, busca legitimar muitas ações
antidemocráticas e opressoras, ignorando a diversidade que costuma destacar em seus discursos.
9
No site do Ministério da Agricultura
1
encontramos uma apresentação do agronegócio, seu
cartão de visitas:
Moderno, eficiente e competitivo, o agronegócio brasileiro é uma atividade
próspera, segura e rentável. Com um clima diversificado, chuvas regulares,
energia solar abundante e quase 13% de toda a água doce disponível no planeta,
o Brasil tem 388 milhões de hectares de terras agricultáveis férteis e de alta
produtividade, dos quais 90 milhões ainda não foram explorados. Esses fatores
fazem do país um lugar de vocação natural para a agropecuária e todos os
negócios relacionados à suas cadeias produtivas. O agronegócio é hoje a
principal locomotiva da economia brasileira e responde por um em cada três
reais gerados no país. O agronegócio é responsável por 33% do Produto Interno
Bruto (PIB), 42% das exportações totais e 37% dos empregos brasileiros.
Em seguida, mostra-se uma outra face, uma carta de intenções:
É evidente, entretanto, que o clima privilegiado, o solo fértil, a disponibilidade
de água e a inigualável biodiversidade, além da mão-de-obra qualificada, dão
ao Brasil uma condição singular para o desenvolvimento da agropecuária e de
todas as demais atividades relacionadas ao agronegócio. O país é um dos
poucos do mundo onde é possível plantar e criar animais em áreas temperadas e
tropicais. Favorecida pela natureza, a agricultura brasileira pode obter até
duas safras anuais de grãos, enquanto a pecuária se estende dos campos do Sul
ao Pantanal de Mato Grosso - a maior planície inundável do planeta. (Grifo
nosso)
Mais adiante encontramos um trecho que nos revela as alianças ou parcerias preferenciais
do agronegócio no Brasil, sem as quais efetivamente sua ação não se daria ou ficaria limitada, ao
mesmo tempo em que define as finalidades, em outros termos, quem se apropria da maior parte
das riquezas produzidas “pelo” setor:
O desempenho da agropecuária brasileira é incomparável. Nenhum outro país
do mundo teve um crescimento tão expressivo na agropecuária quanto o Brasil
nos últimos anos. A safra de grãos, por exemplo, saltou de 57,8 milhões de
toneladas para 123,2 milhões de toneladas entre as safras 1990/1991 e
2002/2003. Nesse período, a evolução da pecuária também foi invejável, com
destaque para a avicultura, cuja produção aumentou 234% - ou incríveis 16,7%
ao ano -, passando de 2,3 milhões para 7,8 milhões de toneladas. Não é por
acaso, portanto, que o setor, dono de uma alta produtividade, excelente nível
sanitário e alta tecnologia, tem atraído cada vez mais investimentos
internacionais nos últimos anos. (Grifo nosso)
1
Ver Agronegócio Brasileiro: Uma Oportunidade de Investimentos. Disponível em http://www.agricultura.gov.br/ .
Acessado em 29/06/2007.
10
Finalizamos com um prenúncio que, inadvertidamente, poderíamos considerar
apocalíptico, somente se negássemos o movimento dialético de transformação da realidade ora
dada e não “dada” pelas forças sociais, a ação dos distintos sujeitos que movimentam a história, o
que seria incoerente com as propostas deste estudo.
Com pelo menos 90 milhões de terras agricultáveis ainda não utilizadas, o
Brasil pode aumentar em, no mínimo, três vezes sua atual produção de grãos,
saltando dos atuais 123,2 milhões para 367,2 milhões de toneladas. Esse
volume, porém, poderá ser ainda maior, considerando-se que 30% dos 220
milhões de hectares hoje ocupados por pastagens devem ser incorporados à
produção agrícola em função do expressivo aumento da produtividade na
pecuária. O país tem condições de chegar facilmente a uma área plantada de
140 milhões de hectares, com a expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste
e no Nordeste. Tudo isso sem causar qualquer impacto à Amazônia e em total
sintonia e respeito à legislação ambiental. (Grifo nosso).
Está para além dos objetivos desta introdução a análise de todas as contradições que
recheiam esse discurso. O fato é que, a maior parte da população, quer seja trabalhadores ou
capitalistas, e principalmente esses, reconhecem no agronegócio uma boa oportunidade de lucros
e “desenvolvimento” para o país. As bases ideológicas que sustentam tal afirmação podem ser
sintetizadas a partir desta apresentação do agronegócio que acabamos de reproduzir, não muito
diferentes das divulgadas nos meios de comunicação dominantes.
De fato, de 1996 a 2004, as exportações acumuladas do agronegócio acumularam um
saldo de U$ 225.521 milhões, enquanto as importações U$ 54.187 milhões. Um aumento de
54,3% acumulado em oito anos de hegemonia neoliberal
2
.
Para “darmos nomes aos bois”: café, carnes e couros, soja, sucos e frutas, produtos
florestais (papel e celulose), algodão, cacau, madeira, carvão vegetal e obras de madeira, açúcares
e produtos de confeitaria, entre outros, representam as principais commodities, as principais
mercadorias negociadas na Bolsa Mercantil & Futuros (BM&F) pelo agronegócio brasileiro. De
2
Ver também, em Anexos, Gráfico 1 – Evolução da balança comercial do agronegócio.
11
outro modo: Cargill, Bunge Alimentos, Pão de Açúcar, Carrefour, Wal-Mart, Sadia, Nestlé,
Ambev, Sonae, Perdigão e mais 40 empresas com capital de origem predominantemente
estadunidense e europeu, de cuja soma das receitas líquidas obtemos a quantia de cerca de R$
164 bilhões
3
.
Perguntamos: por quanto tempo o agronegócio subsistirá? O quanto durar a expropriação
dos recursos naturais? A fertilidade dos solos? A disponibilidade de água? A exploração da mão
de obra? A ideologia totalizante? Ou todos? Como se dão as relações do agronegócio com o
Estado? E com o sistema financeiro nacional e internacional? Como se integram o agronegócio e
as cadeias produtivas e ideológicas presentes na falsa dicotomia rural/urbano de consumo e da
primazia da técnica? Como desconstruir essa falsa dicotomia que dissocia campo e cidade e
natureza e sociedade? Como essas questões relacionam-se às demandas educacionais dos povos
do campo?
Há uma outra dimensão inerente à pujante produtividade do agronegócio que não costuma
ser apresentada nos números oficiais, nem tampouco pela ideologia fantasiosa que busca maquiar
e fetichizar a realidade, ideologia resguardada inclusive por uma ciência “neutra”, ensaiada por
grupos que tentam esvaziar e desqualificar o debate e a luta política pela reforma agrária.
A insistência do grande capital internacional e a submissão dos setores dominantes locais
em disseminar a crença para toda a população, rural e urbana, que “o moderno, eficiente e
competitivo agronegócio brasileiro é uma atividade próspera, segura e rentável”, esbarra na
materialidade das contradições e conflitos
4
, como os que vivem dezenas de milhares de famílias
de trabalhadores/as rurais sem-terra acampadas por todo o país.
3
Dados de 2005. Fonte: Revista Globo Rural/Anuário do Agronegócio – Edição nº 2 – Setembro de 2006.
4
Ver, em Anexos, Gráfico 2 – Conflitos no Campo.
12
Conforme apontam os dados do Relatório Preliminar de 2005 do DATALUTA, o Banco
de Dados da Luta pela Terra
5
, projeto desenvolvido desde 1999 no Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Projetos de Reforma Agrária (NERA), vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Unesp, de 1988 a 2004 ocorreram 4.402 ocupações de terras no
Brasil, envolvendo 667.949 famílias. A título de exemplo, apenas no Pontal do Paranapanema,
área de confluência de latifúndios no Estado de São Paulo, no período de 1983 a 1993, foram 9
assentamentos rurais implantados. De 1995 a 2004, com a intensificação e repressão dos
conflitos, foram 96 os assentamentos implantados. (DATALUTA, 2005).
O recrudescimento desses conflitos se deu principalmente a partir de 1995, não por acaso
logo no início do primeiro governo de Cardoso, não querendo dizer com isso que suas origens
estejam assentadas na consolidação das políticas neoliberais, pois a extrema concentração da
estrutura agrária brasileira possui gênese muito anterior, esboçada ainda à época das sesmarias e
engenhos, mas que, qualitativamente, houve uma reconfiguração a partir do advento de tais
políticas, que intensificaram a violência desses conflitos, sempre no sentido de classificá-los ou
associá-los a uma lógica de marginalização dos movimentos sociais e desrespeito à propriedade
privada.
De acordo com Carvalho (2005) a concentração de terras no Brasil é considerada muito
alta. O Índice de Gini, um indicador que mede a desigualdade na distribuição de terras ou renda,
por exemplo, apontava para 0,856 no Censo do IBGE de 1995/96. O índice varia de 0 a 1 e
quanto mais próximo de 1, pior é a distribuição. A evolução desse índice desde 1950 foi a
seguinte: em 1950 era 0,84 (censo IBGE), em 1960 de 0,839 (IBGE), em 1967 era 0,836 (dados
5
Disponível em: http://www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/Dataluta/Dataluta2002/dataluta2002.html Acessado em
30/06/2007.
13
cadastrais do INCRA), em 1972 era de 0,837 (INCRA), em 1975 de 0,855 (IBGE), em 1980 era
de 0,857 (IBGE). (CARVALHO, 2005, p. 35).
A partir de dados do INCRA, o professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira elaborou uma
síntese
6
da estrutura fundiária brasileira que registra que 91,9% dos imóveis ocupam uma área
correspondente a 29,2% da área total. São 3.895.968 pequenas propriedades com até 200
hectares, com média de 31,6 hectares. Os imóveis considerados médios, de 200 a menos de 2.000
hectares, ocupam uma área de 39,2% da área total. Em média esses 310.158 imóveis possuem
531,2 hectares de área. No outro extremo, temos 0,8% dos imóveis ocupando os 31,6% da área
restante. São 32.264 imóveis considerados grandes, possuidores em média de 4.110,8 hectares.
Ainda de acordo com o estudo do Professor Ariovaldo, o Censo de 1995/96 do IBGE
constatou interessante cenário da distribuição das forças produtivas da agricultura capitalista no
Brasil: 86,6% do pessoal ocupado encontrava-se na pequena propriedade, enquanto na grande
propriedade figuravam apenas 2,5% da mão-de-obra ocupada. Do total de máquinas utilizadas
para o plantio, 71,7% estavam nos imóveis com até 200 hectares, enquanto apenas 5,3% nos
imóveis considerados grandes. Quando da utilização de máquinas para colheita, verificou-se que
68,4% estavam nas pequenas propriedades e 5,8% nas grandes. Os pequenos imóveis detinham
ainda 59,5% da frota de caminhões enquanto os grandes imóveis concentravam 11,8% da frota
7
.
Finalizando com dados alarmantes, mas ainda representativos das distintas realidades no campo,
63,4% das pequenas propriedades utilizavam agrotóxicos, enquanto que 95,2% das grandes
faziam uso destes produtos. Quais são as conseqüências desta distribuição para a manutenção da
6
Extraído texto: Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil. Do Prof.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira do Departamento de Geografia – FFLCH – USP. Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento. Informações e dados sobre a Balança Comercial do Agronegócio no Brasil em 2003.
07/01/2004. A primeira versão deste texto foi apresentada para discussão em reunião da CPT Nacional – Goiânia-GO
22/10/2003. A segunda versão ampliada, foi apresentada no XII Encontro Nacional do MST São Miguel do Iguaçu
– PR, 19 a 24 de Janeiro de 2004.
7
Em Anexos, ver Gráfico 3 – Indicadores do uso de tecnologias.
14
lógica produtivista da agricultura capitalista e como esta lógica interage nas relações sociais no
campo e na degradação da natureza são questões que merecem ser discutidas.
Segundo dados do Censo Agropecuário realizado pelo IBGE, havia 2.435.678 meninos e
meninas menores de 14 anos ocupados/as no campo em 1996. Mesmo considerando as
perspectivas culturais, ou seja, a temporalidade diferenciada da inserção da juventude no trabalho
no campo, não nos omitimos em questionar: por que e a serviço de quem estavam ocupados? Por
“opção” de suas famílias? Por influência da formação a que tinham acesso? Por imposição das
condições matérias concretas de subsistência? Quais as conseqüências deste quadro para a
organização social no campo no Brasil?
O DATALUTA informa a existência, entre 2000 e 2004, de 57 movimentos
socioterritoriais no Brasil, a partir de informações da Comissão Pastoral da Terra. (DATALUTA,
2005, p. 24). Em 2004 o MST, com representação em 22 estados do país mais o Distrito Federal,
foi responsável por 850 das 1.623 ocupações de terras, com a participação de 174.448 famílias de
um total de 255.057 famílias envolvidas no mesmo período.
Em acordo com Sztompka (1998), os movimentos sociais são potenciais agentes de
mudanças em nossa sociedade e, em última instância, podem ser entendidos como agentes
primários de tais mudanças, visando autonomia e emancipação sob premissas de ruptura e
superação do capitalismo e/ou de fortalecimento da democracia. Diante das múltiplas
compreensões possíveis da categoria movimentos sociais, assumiremos a conceituação de Ghon
(1997), por permitir as aproximações com a educação e o mundo do trabalho, objetos centrais de
nossa análise. Nela, os movimentos sociais são definidos como:
(...) ações sociopolíticas constituídas por atores sociais coletivos pertencentes a
diferentes classe e camadas sociais, articuladas em certos cenários da
conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de
força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios
criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas
15
pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-
cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos
interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da
solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e
políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não
institucionalizados. Os movimentos geram uma série de inovações na esfera
pública (estatal e o-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da
luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e transformação
da sociedade civil e política. (GOHN, 1997, p. 251).
Tais características apontadas os distinguem dos chamados “novos movimentos sociais”,
conforme discussão de Dupas (2003), mesmo quando incorporam questões de identidade cultural
às suas ações, pois esses movimentos:
São centrados sobre uma problemática de identidade e afirmação, em busca de
um reconhecimento de sua diferença e autonomia. O meio no qual eles evoluem
não é mais o espaço público político e institucional, mas aquele formado por
organizações especializadas com estratégias autônomas. Nenhum desses
movimentos tem como objetivo elaborar uma nova concepção de sociedade, de
existência coletiva das suas finalidades e limites. (DUPAS, 2003, p. 19).
Os movimentos sociais do campo, representam uma nova consciência do direito à terra,
ao trabalho, à justiça, à cultura, à saúde e à educação. Afirmam desta forma uma crença em
consonância com sua realidade e uma ação no rumo da recriação das relações humanas
materializadas pela satisfação de um conjunto de necessidades que não se reduzem a propostas
pontuais, sectárias ou corporativistas. Buscam, para tanto, transformações das relações de
submissão e expropriação configuradas na sociedade capitalista, num complexo de relações que
envolvem grupos, classes, instituições e nações.
Dentre os movimentos sociais com propostas de transformação radical da realidade atual,
está o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. O surgimento do MST deriva da
conjunção de uma série de razões históricas que ainda estão por merecer um tratamento analítico
mais detido por parte dos estudiosos da questão agrária brasileira (Da ROS, 2002). Mas, ainda
segundo este autor, quando buscamos pontuar os principais determinantes históricos que estão na
16
explicação da gênese do MST um consenso entre diversos pesquisadores, com a maior parte
deles destacando com maior relevância os seguintes aspectos: a) o papel desempenhado pelas
mudanças estruturais ocorridas na agricultura, principalmente pelos seus efeitos negativos sobre
as populações rurais; b) o processo de liberalização política ocorrida no final dos anos 1970,
acompanhado do ocaso do regime militar no Brasil e c) a ação dos setores progressistas da
Igreja (católica e luterana) na mobilização e na articulação das lutas pela terra durante o período
do regime militar (Da ROS, 2002, p. 7)
Não nos deteremos neste trabalho nas relações históricas que levaram à emergência do
MST. Para este fim, sugerimos o estudo do Prof. Bernardo Mançano Fernandes (2005) “A
formação do MST no Brasil”, o trabalho de Mitsue Morissawa (2001) A história da luta pela
terra e o MST” e o próprio trabalho de Da Ros (2002), acima citado, como estudos mais
aprofundados da gênese e organização do movimento.
Faremos uma análise a partir de um conjunto de interpretações e considerações teóricas
que nos permita compreender as mediações entre trabalho, natureza e educação, além de
buscarmos contribuir para a historicização e maior reflexão crítica do conceito de
sustentabilidade nos debates entre movimentos sociais do campo e movimentos ambientalistas. E
ainda, neste sentido, nos apropriando principalmente de elementos da Proposta de Educação do
MST, ou da Pedagogia do Movimento publicados em alguns de seus documentos, buscaremos o
possível diálogo, as consonâncias e dissonâncias, possibilidades de aproximação ou afastamento,
os processos em construção, pretendendo sempre fertilizar nossas discussões e provocar reflexões
sobre o que entendemos por uma Educação Ambiental Transformadora (LOUREIRO, 2004,
2004a).
Adotaremos como uma das categorias centrais de nossas reflexões o conceito de
metabolismo sociedade-natureza, resgatado de Marx por Foster, que será retomado adiante para
17
nos orientar na compreensão dos atuais processos e estágios de desenvolvimento das forças e
relações produtivas a fim de propor os nexos e interfaces entre a perspectiva da Educação
Ambiental Transformadora e a Proposta de Educação do MST.
Na medida em que uma proposta de educação pautada na transformação da sociedade
atual e na construção de uma nova ordem social, como a proposta pelo MST, assume-se que os
preceitos que regulam tal ordem estejam em melhor acordo com algo que se considere mais
racional, não à razão que na filosofia da era burguesa conforme Marcuse tomou a forma de
subjetividade racional: o homem, o indivíduo, tem que provar e julgar todo dado segundo a
força e o poder de seu conhecimento(MARCUSE, 1997, p. 139), mas uma razão dialética que
se oponha à idéia do indivíduo como força motora das relações sociais em detrimento da própria
sociabilidade que caracteriza e funda nossa espécie natural e culturalmente instituída em
sociedade.
Um dos aspectos que poderíamos destacar a respeito da compreensão e formulações sobre
a Educação Ambiental (EA) decorre do imperativo de uma superação da dicotomia sociedade-
natureza, tendo em vista que apesar da diversidade de propostas, conceituações, métodos e
abordagens, muitos pesquisadores e estudiosos estão de acordo quando a chamada crise
ambiental representa um conjunto de “reflexos”, ou ainda é conseqüência de uma “crise
civilizatória” mais profunda e complexa. Nos apropriando das concepções teóricas que buscam
compreender a totalidade a partir da perspectiva do materialismo histórico dialético, assumiremos
neste trabalho que a referida “crise civilizatória” nada mais é do que a crise irrefreável da ordem
social capitalista e que os reflexos da crise ambiental são superficialidades ou aparências de uma
totalidade bem mais complexa e essencialmente contraditória.
18
Buscaremos para o tratamento de uma Educação Ambiental coerente com as relações
sociedade-natureza que se quer transformar, em diálogo com a proposta de educação do MST,
uma utopia próxima aquela que nos ensina Florestan Fernandes (1979):
a utopia que não oferece ‘o plano do mundo perfeito’: ela delimita o que é
necessário eliminar e destruir, e o que é preciso respeitar e construir para que o
ser humano seja a ‘medida’ da sociedade, bem como para que a sociedade não
esbarre no ser humano como em uma “barreira estanque. (FERNANDES, 1979,
p. 64).
Acreditamos ser a proposta de educação do MST uma tentativa de aproximação desta
utopia, cabendo-nos então o compromisso social e político enquanto educadores e pesquisadores
em Educação de analisarmos criticamente as formulações dos sujeitos sociais em luta por sua
participação efetiva na construção de um projeto popular de Educação do Campo, educação dos
sujeitos do campo, isto é, dos sujeitos que aprendem no movimento da vida no campo a conduzir
o movimento da sua própria história.
Sem dúvida, o surgimento de novas contradições é, do mesmo modo, resultado das
próprias ações humanas, estejam elas conscientemente voltadas para sua emancipação ou não. A
necessidade de superação dessas contradições decorre do entendimento de que vivemos em uma
sociedade capitalista e que, para além do modo de produção, as relações dessa sociedade
precisam ser superadas. As contradições constituídas em outras sociedades poderão ser analisadas
nos contextos históricos em que existirem. Compreendemos que o estudo e compreensão das
contradições de sociedades futuras são por motivos óbvios limitados, mas isso não nos impede de
refletirmos sobre a necessidade de mudanças objetivas e subjetivas nas relações atuais que estão
postas e que efetivamente não consideramos compatíveis sustentavelmente nos marcos da
sociedade de classes.
Os homens, ao estabelecer as relações sociais de acordo com o
desenvolvimento de sua produção material, criam também, os princípios, as
19
idéias e as categorias, conformidade com suas relações sociais. Portanto, essas
idéias, essas categorias, são tão pouco eternas como as relações às quais servem
de expressão. São produtos históricos e transitórios. (MARX, 1976, p. 105.
Grifo do autor).
Em face desta introdução, consideramos importante delinear o caminho que
percorreremos para buscar os nexos entre a Educação que propõe o MST e a Educação Ambiental
que compreendemos como Transformadora. Assim, este trabalho está organizado basicamente
em quatro partes. A primeira delas chamamos A Pesquisa, composta desta introdução, da
justificativa, dos objetivos e da metodologia, configurando-se a estrutura organizativa deste
estudo. A segunda parte intitula-se A excisão ou falha metabólica: algumas contradições da
agricultura no desenvolvimento capitalista do Brasil, a qual trataremos, no primeiro capítulo,
do resgate do conceito de metabolismo em Marx por Foster e suas implicações para a teoria da
Educação Ambiental. No segundo capítulo, faremos uma análise dos dados contidos no Anuário
Estatísticas do Meio Rural, um trabalho desenvolvido pelas equipes do Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural NEAD e do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos DIEESE. Um terceiro capítulo fará um breve resgate da lavoura de
cana-de-açúcar no Brasil ao qual se seguirá um quarto capítulo onde discutiremos a atual
proposta de expansão da matriz energética baseada na produção do etanol. No quinto capítulo
retornaremos às proposições e elaborações teóricas a partir do conceito de metabolismo
sociedade-natureza em Marx, a fim de contribuir para o debate e composição de um escopo
teórico crítico que fundamente a práxis dos/as educadores/as ambientais e, encerrando a segunda
parte, faremos um breve estudo sobre o conceito de capitalismo dependente em Florestan
Fernandes.
Na terceira parte da pesquisa, intitulada Um cenário para pensarmos a EA no campo
apresentaremos alguns resultados da pesquisa Contribuições para a construção de uma
20
educação ambiental transformadora: a educação e o trabalho em um assentamento de reforma
agrária
8
, realizada no período de agosto de 2006 a maio de 2007 no assentamento Zumbi dos
Palmares, situado no município Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro.
Nesta pesquisa investigamos, apoiados em alguns referenciais do materialismo dialético
histórico, a dinâmica e os processos educativos presentes em um assentamento de reforma
agrária, bem como as relações e formas de produção que permitem o desenvolvimento potencial
de práticas reconhecidas como sustentáveis, fundadas na praxis dos sujeitos protagonistas dos
embates políticos e das ações cotidianas, fundamentalmente do trabalho.
Durante esta pesquisa tivemos a oportunidade de acompanhar parte do processo que
culminou no I Seminário de Educação do Campo, realizado no Centro Federal de Tecnologia de
Campos CEFET-Campos, no dia 11 de abril de 2007, ao qual estiveram presentes dezenas de
famílias de trabalhadores/as rurais e representantes de várias instituições, o que nos possibilitou
relatar os instigantes depoimentos dos sujeitos protagonistas dessa construção, seus saberes, suas
ações transformadoras, suas conquistas e também os limites e dificuldades das famílias de
assentados/as e acampados/as da região.
No quinto e último capítulo desta terceira parte analisaremos os resultados da Pesquisa
Nacional da Educação na Reforma Agrária (PNERA), realizada em 2005 em todos os
assentamentos de reforma agrária instalados a partir de 1985 sob responsabilidade administrativa
do INCRA.
A PNERA é resultado de um convênio assinado em outubro de 2004 entre o MEC e o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio do Instituto Nacional de Estudos e
8
Pesquisa submetida à seleção pública e aprovada conforme o Edital 02/2006 da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós Graduação em Educação (ANPEd), em convênio com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (Secad) do MEC. A pesquisa está publicada no livro Educação como exercício de diversidade: estudos
em campos de desigualdades sócio-educacionais. Gracindo, Regina Vinhaes (org.) [et al]. Brasília: Líber Livro Ed.,
2007. Cap. 15, vol. 2.
21
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do INCRA/PRONERA (Programa Nacional da
Educação na Reforma Agrária). Seu objetivo principal foi levantar informações para subsidiar o
estabelecimento de políticas públicas e ações articuladas que contribuíssem para a promoção do
desenvolvimento do campo e da melhoria das condições educacionais, em especial nos
assentamentos. O levantamento visou caracterizar a demanda educacional e diagnosticar a
situação do ensino ofertado em escolas localizadas em assentamentos ou em seus arredores.
(PNERA, 2005).
Finalizamos este estudo com A proposta de Educação do MST: diálogos para a
construção de um Ambientalismo Revolucionário. No primeiro capítulo intitulado: A proposta
de Educação do MST: a formação do sujeito Sem Terra, apresentamos os princípios filosóficos e
pedagógicos da Proposta de Educação do MST, a partir de documentos produzidos pelo Setor de
Educação do movimento. O segundo capítulo, Diálogos em construção, serão apresentadas
algumas concepções políticas, pedagógicas e metodológicas da educação de crianças, jovens e
adultos expressas nos documentos de Educação do MST cotejadas com algumas falas de
agricultores do assentamento Zumbi dos Palmares. No terceiro capítulo apresentaremos nossa
experiência como participante do coletivo de educadores da Escola Itinerante Paulo Freire,
organizada por ocasião do Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília de 11 a 15 de
junho de 2007 e, finalmente, discutiremos a centralidade do trabalho na formação humana e sua
relação no debate sociedade-natureza com o olhar voltado para a Educação Ambiental.
Existe, de fato, uma realidade concreta marcada por extrema desigualdade, vivida por
imensa parte da população rural e urbana brasileira, e mundial, que sobrevive sob condições de
exploração e precarização intensas do trabalho, estranhada de condições de reprodução humana
dignas, decorrentes de um modelo de sociedade que subsiste conforme quantitativa e
qualitativamente estejam postas as condições de apropriação privada dos mecanismos e relações
22
que mantém o metabolismo sociedade-natureza, sobretudo o trabalho, que diante da perspectiva
adotada nesse estudo é o modo pelo qual o ser humano transforma a natureza e por ela é
transformado.
23
1.2 OBJETIVO
Examinar os processos formativos elaborados pelos sujeitos do campo, identificados nos
documentos sobre educação produzidos pelo MST, buscando interfaces teórico-metodológicas
que contribuam na construção de uma Educação Ambiental Transformadora ou Crítica, definida
conforme as necessidades de superação das condições de alienação as quais os trabalhadores e
trabalhadoras do campo estejam submetidos.
Objetivos específicos
1) Analisar, a partir dos dados da PNERA, o cenário e os desafios postos para a Educação
Ambiental e Educação do Campo nas áreas de reforma agrária;
2) Buscar interfaces, práticas e teóricas, entre a proposta de Educação do MST e a EA, incluindo
suas dimensões políticas, culturais e filosóficas, que fertilizem a prática e a teoria de educadores
ambientais e educadores do campo;
3) Discutir a centralidade do trabalho na proposta de Educação do MST e suas relações com a
Educação Ambiental.
4) Investigar as relações presentes no desenvolvimento da agricultura capitalista no Brasil, tendo-
a como uma das dimensões do desenvolvimento capitalista dependente, e seus nexos com o
conceito de metabolismo sociedade-natureza e falha metabólica.
24
1.3 JUSTIFICATIVA
O MST em sua luta e resistência pela terra e por uma nova relação produtiva com a terra
afirma em seus documentos a necessidade de um processo educativo e formador com base em
suas raízes políticas e culturais. A Educação do Campo é fruto e semente desse processo porque é
espaço de luta permanente, que não se esgota no acesso a uma escola “diferenciada”, do mesmo
modo que a luta pela reforma agrária não se esgota no acesso a terra.
A Educação do Campo que está sendo construída por seus sujeitos, traz um significado de
reconhecimento e ao mesmo tempo renovação dos saberes, conhecimentos e práticas perdidos ao
longo do processo de alienação de trabalhadores e trabalhadoras. Em conseqüência, uma
transformação do campo em território de produção de mercadorias e ao mesmo tempo de seu
estranhamento como espaço da produção da vida. A oposição entre as formas de produção e de
vida no campo se tensionam. A esperança pode ser que dessas contraposições estejam emergindo
práticas coletivas que tragam uma dinâmica nova à consciência dos direitos sociais, dentre os
quais, o direito à educação.
Como elaborar democraticamente políticas públicas para a educação, que assim possam
ser definidas, sem a participação política consciente dos sujeitos às quais elas se destinam?
Também neste aspecto diferenciam-se e se contrapõem a Educação do Campo e a Educação
Rural. O que se quer, pela primeira, é o reconhecimento da educação dos povos do campo como
direito e como conquista pela participação política dos sujeitos ao encontro de sua emancipação,
ao contrário do que pretendeu a segunda, com a domesticação da mão-de-obra e instrumento de
propagação da ideologia dominante que buscava impor a idéia de atraso do campo e da ilusão da
modernidade.
25
Miguel G. Arroyo nos lembra que sempre que a consciência dos direitos avança na
história, as pressões sobre o público se radicalizam”, pois é no terreno dos direitos onde as
políticas públicas encontram sua função”. (ARROYO, 2004, p. 103). Os movimentos sociais
podem educar as massas na busca pela consciência de seus direitos. Daí os próprios movimentos,
ou o movimento em si, como no caso do MST, serem considerados agentes pedagógicos, ativos
formadores de sujeitos de direitos.
Os estudos sobre os processos educativos do campo, formais ou não, compreendidos no
conjunto dos saberes historicamente produzidos pelos sujeitos sociais em suas práticas produtivas
e políticas podem nos ajudar a compreender seus diferentes saberes, formas de organização e
visões de mundo. Tendo em vista que esses saberes têm especificidades em virtude das
diversificadas condições de vida e trabalho, e logo, de inserção na natureza, sua construção
implica na (re)criação de processos educativos diferenciados, fertilizadores da práxis constitutiva
e indissolúvel que pode e deve orientar as pesquisas em Educação Ambiental.
Essa demanda parece-nos impositiva, e nos move frente aos desafios postos à EA e às
carências e lacunas de produção científica que articulem esses dois temas, EA e Educação do
Campo, bem como diante do atual quadro de degradação socioambiental, historicamente
constituído, mas que assume proporções qualitativamente novas com o avanço do agronegócio no
país.
Os processos de formação e educação do povo brasileiro do campo passaram a ser objeto
da ação institucional de governos, universidades, organizações internacionais e dos diversos
movimentos sociais (ARROYO, CALDART & MOLINA, 2004).
O final da década de 1980 viu surgir as primeiras propostas de Educação do Campo que,
de algum modo caracterizavam uma nova forma de organização e apreensão dos saberes dos
trabalhadores e trabalhadoras do campo. Nova pela configuração de seus atores, nem tanto pela
26
sua perspectiva político-pedagógica, pois embasada em autores como Paulo Freire, Pistrak e
Makarenko. Nessa mesma época, e principalmente a partir dos anos 90, a Educação Ambiental
conforme Loureiro (2002), começa a ganhar projeção social e reconhecimento público
9
, e as
teorizações sobre Educação Ambiental começaram a se adensar devido às ações institucionais,
pesquisas científicas e experiências concretas tanto individuais quanto coletivas.
Entretanto, de acordo com pesquisa de Damasceno e Beserra (2004)
10
, as iniciativas no
campo das pesquisas acadêmicas sobre Educação Rural são escassas e insuficientes se
comparadas ao conjunto de estudos e pesquisas realizadas na área de educação em sua
diversidade de temas. A proporção média de trabalhos na área de Educação Rural seria de doze
para mil trabalhos na demais áreas da educação. (DAMASCENO & BESERRA, 2004).
As autoras desenvolveram seu estudo tendo como base 102 dissertações e teses sobre
Educação Rural, disponíveis no banco de dados da ANPEd, a Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação, do período de 1981 a 1998. Educação popular e
movimentos sociais no campo (21,5%), Políticas para educação rural (17,6%), Ensino
Fundamental (14,7%) e Currículos e saberes (13,7%) foram as temáticas mais pesquisadas.
Professores rurais (8,8%), Educação e trabalho rural (7,8%), Extensão rural (6,8%) e Relações de
gênero (2,9%) foram os temas menos pesquisados. Outros trabalhos reuniam 5,8% do total.
Seguramente, nos últimos anos, novas pesquisas e ações foram feitas na temática da
Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo, algumas das quais serão
discutidas neste trabalho, mas também em Educação Ambiental como, por exemplo, conforme
9
Em 1988, a EA passa a figurar oficialmente na Constituição Federal, no Capítulo VI, sobre meio ambiente, no seu
artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, onde se que compete ao poder público promover a Educação Ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. (LOUREIRO, 2002, p.
71).
10
Disponível em: http://www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=59683&type=P Acessado em:
05/07/2007. Neste trabalho as autoras não explicitam uma diferenciação entre Educação Rural e Educação do
Campo.
27
Loureiro (2006a), a criação na ANPEd de um Grupo de Estudos no biênio 2003 e 2004,
posteriormente transformando-se em Grupo de Trabalho no ano de 2005 sobre Educação
Ambiental.
Ao examinarmos uma ntese da produção científica dos cursos de mestrado e doutorado
do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ
11
, constatamos que das 836 dissertações
defendidas de outubro de 1972 a março de 2007, apenas 7 (sete) incluíam em suas palavras-chave
ou tulos expressões da temática rural, dentre as quais Educação Rural, Escolas Técnicas
Agrícolas, Extensão Rural e PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária).
Das 165 teses defendidas no período de setembro de 1986 a abril de 2007, apenas uma tratava de
ensino agrícola, ainda assim no âmbito da educação de nível superior. Neste mesmo
levantamento encontramos treze dissertações e nenhuma tese em EA, nenhuma delas articuladas
a Educação do MST ou Educação do Campo.
Sem dúvida, não queremos afirmar com esse levantamento pontual que tais iniciativas não
existam
12
, ou que não seja considerada sua pertinência pelo conjunto dos pesquisadores em
Educação, mas que são escassas, se comparadas à realidade contrastante do sistema educacional
brasileiro. Ressalte-se ainda que as ações do MST no estado do Rio de Janeiro apenas
recentemente alcançaram uma maior territorialidade, com a presença de acampamentos e
assentamentos em diferentes regiões, não tanto pela aparente constituição predominantemente
urbano-industrial deste Estado, mas principalmente pelas ações do movimento que se
11
Levantamento fornecido pela Coordenação do PPGE/UFRJ. Disponível em:
http://www.educacao.ufrj.br/ensino/posgraduacao/35anos/dissertacoes_mestrado.pdf e
http://www.educacao.ufrj.br/ensino/posgraduacao/35anos/teses_doutorado.pdf Acessado em: 08/08/2007.
12
Sugerimos o trabalho de Adriane Lobo Costa O meio ambiente, a modernização conservadora e a educação
ambiental”. Publicado na Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Grande. V. 06, Julho/Agosto/Setembro 2001. Ver também os artigos Movimentos sociais e educação ambientalde
Audrey S. Coimbra e Adriano A. Fernandes, no V. 15, julho/dezembro de 2005, publicado na mesma Revista
Eletrônica e O materialismo histórico e as contribuições epistemológicas para a Educação Ambientalde Érika P.
Anseloni e Paula G. Alberto, no V. 16, Janeiro/ Junho de 2006 da mesma publicação.
28
concentraram em focos mais conflituosos e tradicionais de luta pela terra no Brasil
13
. Por outro
lado, o MST vem articulando-se à setores mais críticos das universidades públicas, por meio de
convênios e cursos de extensão que têm fomentado importantes atividades de formação,
promovendo a ocupação pública da universidade pública, fazendo-a cumprir seu papel de atuar
para a construção da cidadania dos sujeitos, o reconhecimento de seus saberes e a democratização
do conhecimento.
Conforme o Senso Escolar de 2005
14
, realizado pelo MEC/Inep, dos 207.234
estabelecimentos de ensino, 110.677 (53,4%) encontravam-se na zona urbana e um pouco menos
96.557 (46,6%) encontravam-se na zona rural. Entretanto, na mesma pesquisa constatou-se que
86,4% das matrículas estão nas escolas urbanas e apenas 13,6% nas escolas rurais. Segundo a
nota que introduz a pesquisa, essa distribuição dos estabelecimentos e matrículas por
localização urbana e rural, além de refletir o grau de urbanização do País, aponta para a
importância das escolas urbanas em relação à quantidade de matrículas, principalmente na
oferta do Ensino Médio, Profissional e da Educação Especial”.
De fato, os dados refletem o grau de urbanização do país, mas esta relação não é direta, ou
seja, não pode ser entendida fora de um contexto histórico. Não foi a urbanização, como
fenômeno isolado, que concentrou as matrículas nas escolas urbanas. O modelo de urbanização,
implantado em boa parte das cidades brasileiras, decorre fundamentalmente da própria
concentração de terras, um dos condicionantes da atual estrutura fundiária e da própria
conformação da sociedade brasileira. Assim, a urbanização caracteriza-se por uma ocupação
13
Principalmente os Estados das regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste. Ver: DATALUTA Geografia das
Ocupações de Terra 1988-2004.
14
Disponível em: http://www.inep.gov.br/download/censo/2005/resultados_censo2005.pdf Acessado em:
02/07/2007.
29
desordenada do espaço urbano como conseqüência do “inchaço” das cidades provocado pela
expropriação dos trabalhadores rurais e conseqüente êxodo rural.
Além disso, a concentração das matrículas em estabelecimentos de ensino urbanos se
mais pelo hegemônico sentido alienante da educação rural e menos pela execução de políticas
públicas que absorvam um número excedente de estudantes predominantemente urbanos.
Enquanto incham cidades e escolas de cidades, paira a ameaça da perpetuação das desigualdades
que tem no sistema escolar excludente, rural e urbano, um de seus mais fortes aliados.
Destacamos, sobretudo, a inversão que faz com que se aponte a importância das escolas
urbanas em relação a quantidade de matrículas, principalmente na oferta do Ensino Médio,
Profissional e da Educação Especial”, considerando que são exatamente essas modalidades de
ensino as que são menos ofertadas no meio rural, além de outras determinações, que fazem
crianças, jovens e adultos do campo buscarem sua formação nos centros urbanos.
Deste modo, compreender essas determinações que aprofundam as desigualdades e
marcam a luta dos sujeitos do campo na construção de um modelo de Educação que comporte
suas necessidades, afirme a identidade camponesa e desenvolva o respeito pela terra e pelo
trabalho na terra, são fundamentais se queremos a transformação das relações insustentáveis de
produção e vida no campo e nas cidades.
Não se trata, portanto, de compreender como a Educação Ambiental pode contribuir para
esta transformação, mas como esta transformação posta em movimento pode contribuir para a
constituição de uma Educação Ambiental que se mostre efetivamente Transformadora, que
assuma a garantia e conquista dos direitos e a capacidade de intervenção popular nas decisões de
interesse coletivo como condicionantes políticos de mudança nas relações sociedade-natureza.
Muitos devem se lembrar da polêmica ação do MLST (Movimento de Libertação dos Sem
Terra) na Câmara dos Deputados em 06 de junho de 2006. Sem dúvidas, uma ação temerária que
30
foi alvo de críticas de diversos setores, dos mais progressistas aos mais conservadores,
especialmente esses. Não faremos qualquer análise que possa ser superficial sobre esse fato. Nos
ocuparemos mais detidamente do poderoso significado ideológico atribuído a este ato e aos
sujeitos que o executaram.
Utilizaremos como exemplo, por considerarmos representativo em termos ideológicos
como um instrumento da mídia hegemônica, o Prêmio Esso de Jornalismo 2006 Especial de
Primeira Página conferido ao Jornal Extra, um dos veículos de comunicação de maior circulação
entre as classes populares do Rio de Janeiro, ao publicar a seguinte manchete: “ELES SÃO SEM-
TERRA, SEM RESPEITO, SEM EDUCAÇÃO E SEM VERGONHA”.
Uma síntese, enxuta, mas funcional para efeito de seus objetivos, dos “invasores” que
açoitam a ordem. Pouca diferença faz se os “desordeiros” são do MLST, MST, MPA, MAB,
MTST ou qualquer outro, o que importa para os setores dominantes da mídia, mas também da
sociedade e do governo, é a criminalização desses atos e movimentos em nome da “democracia”.
Uma rápida olhadela na mídia eletrônica dominante será suficiente para encontrarmos incontáveis
outras “reportagens” com tom menos depreciativo, mas não menos intolerantes.
De fato, a democracia que propõe a ideologia da sociedade de classes capitalista não
parece comportar a igualdade como premissa de sua efetivação na prática. A igualdade na
sociedade de classes não vai além da sua institucionalização. Sabemos o quanto é espinhoso para
os meios de comunicação hegemônicos promover um debate aberto sobre a “liberdade de
imprensa” proposta por eles. Isso não seria possível, pois tornaria blico o caráter de classe dos
meios de comunicação dominantes na sociedade brasileira, explicitando as alianças das classes
burguesas e de seu projeto de transformação de mais um direito, o de acesso à informação, em
mais uma mercadoria.
31
Conhecer a linguagem, os símbolos, os significados e instrumentos elaborados pelos
meios de comunicação, disseminados pelos setores dominantes na sociedade brasileira e no
mundo, parece-nos fundamental para a disputa pela hegemonia que se trava no terreno das lutas
sociais. É fato que essas disputas criam outras linguagens, outros mbolos, significados e
instrumentos que se opõem diametralmente às concepções e práticas impostas e que precisam ser
apropriadas pela classe trabalhadora para construção de sua hegemonia.
Por mais recentes que sejam as propostas de Educação do Campo, em particular para nós
a do MST, tais propostas trazem uma perspectiva que comporta proposições problematizadoras e
críticas da realidade social e histórico, dentre elas o modo como se insere o homem na natureza.
Nessas proposições tal inserção se dá fundamentalmente pelo trabalho.
Não poderíamos discutir as relações sociais no campo que conflagram as rupturas
metabólicas sociedade-natureza, nem as alternativas que superem essas rupturas, se não
buscarmos nos apropriar do modo como essas rupturas se expandem ideologicamente.Uma das
arenas deste debate é a construída pela ação dos movimentos sociais em seus processos
formativos e produtivos.
São especificamente essas construções que acreditamos ser pertinentes ao debate entre a
Educação Ambiental e a proposta de Educação do MST, por considerarmos que desse diálogo
possam surgir referenciais teóricos e metodológicos que nos auxiliem pensar sobre um modelo de
desenvolvimento que represente a inserção do homem na natureza a partir do ponto de onde esse
homem está. Isto é, partindo das premissas que adotamos neste trabalho, um desenvolvimento
que considere que o homem vive sob relações de classe em uma sociedade de classes capitalista e
que se insere na natureza conforme essas relações estejam sendo mediadas.
32
A Educação como atividade criadora humana, política e teleologicamente direcionada,
pode se apropriar desses elementos e auxiliar na construção de relações coletivas e individuais
alternativas e práticas que respeitem a troca metabólica sociedade-natureza.
Daí decorre a radicalidade da ação e da proposta do MST para a Educação Ambiental,
pois para que a expansão de seus direitos se efetive, estes devem ser compartilhados por todos e,
por isso, é tarefa de todos, do campo e da cidade, o que enriquece de sentido político
emancipatório os processos produtivos e educativos.
33
1.4 METODOLOGIA
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias,
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a
estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência
dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.
(MARX, 1977, p. 24).
A presente metodologia foi elaborada utilizando-se como principal referência o trabalho da
Professora Miriam Limoeiro Cardoso Para uma leitura do método em Karl Marx: anotações
sobre a “Introdução de 1857”, publicado no Número 30, de setembro de 1990, no Caderno do
ICHF Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF),
tendo uma versão formulada como parte do texto A Periodização e a Ciência da História,
Observações Preliminares, apresentado ao Seminário Internacional sobre a História da
Agricultura Brasileira, CPDA/FGV-RJ, 1977. Para esclarecimentos e cotejamento, utilizamos a
edição brasileira de 1977
15
da Contribuição à crítica da economia política, em particular seu
Prefácio
e a Introdução à crítica da economia política. Nos apoiamos ainda nos textos
reproduzidos do Prefácio e O método da Economia Política, traduzidos pelo Professor Florestan
Fernandes e publicados em 1946 sendo republicados em 1983 na antologia K. Marx, F. Engels:
história, da Coleção Grandes Cientistas Sociais organizada por Florestan Fernandes.
Assumimos esta matriz epistemológica e metodológica do pensamento científico por
entendermos que através de suas formulações poderemos conferir sentido histórico crítico às
análises e categorias que adotaremos para o conhecimento da realidade. Isto porque, para nós, o
conjunto de determinações que incidem sobre a sociedade assume diferenças quantitativas e
qualitativas sob o sistema de produção capitalista e que para a compreensão adequada dessas
15
Tradução de Maria Helena Barreiro Alves e revisão de Carlos Roberto F. Nogueira.
34
diferenças se faz necessária uma construção metodológica que parta da crítica das relações
existentes na sociedade de classes capitalista como relações inerentemente deflagradoras da
ruptura metabólica sociedade-natureza.
O conceito de metabolismo sociedade-natureza só pode ser compreendido a partir do
conhecimento das relações que são estabelecidas em sociedade. Em especial na sociedade
capitalista, que foi nela e a partir dela, ou a partir de suas determinações, que ele pôde ser
criado, como veremos mais adiante. São as relações sociais, de grupos, aos quais pertencem
indivíduos, as que serão objeto de nossa investigação, pois representam a condição humana em
sua perspectiva social e, portanto, histórica. Com isto queremos dizer que reconhecer o caráter
histórico dessas relações é reconhecer que nem elas nem seus efeitos estão dados, ou são naturais,
ao contrário, marcam e movem as determinações presentes e pretéritas de uma sociedade de
classes.
Partiremos de uma concepção teórica, formada a partir de em um plano ideal e concreto, mas
fundamentalmente abstrata: a atividade produtiva no campo conforme se desenvolve no Brasil,
sob as determinações de um sistema capitalista de produção, de modo dependente
16
, não
possibilita o desenvolvimento das relações sociais e forças produtivas que garantam a classe
trabalhadora do campo à realização de suas necessidades de desenvolvimento humano.
Para esta crítica utilizamos a representação que temos da questão agrária brasileira,
compreendida como uma totalidade concreta, composta de questões que vão desde a propriedade
da terra e sua organização às relações sociais que esta permite engendrar, passando
16
Conforme concepção de capitalismo dependente de Florestan Fernandes resumidamente aqui entendida a partir da
idéia de que: uma diferença óbvia entre as economias centrais e hegemônicas e as economias periféricas e
heteronômicas. Essa diferença consiste em que as segundas o caudatárias das primeiras e se organizam para
beneficiar, de uma forma ou de outra, o seu desenvolvimento(FERNANDES, 1972, p. 181). Sugerimos a leitura do
texto Capitalismo dependente, autocracia burguesa e revolução social em Florestan Fernandes de autoria da
Professora Miriam Limoeiro Cardoso publicado pelo Instituto de Estudos Avançados/USP (Coleção Documentos
Série História Cultural 6), julho de 1996; republicado em Idéias (Revista do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp. Campinas, 4 (1 / 2): 99-114, jan./dez., 1997.
35
necessariamente pelo trabalho como categoria geral, em suas diversas formas. Toda esta
representação feita no pensamento e, portanto, concreta, posto que alimentada pelo real, é ainda
apenas reprodução do pensamento e não precisamente o próprio real pois, em acordo com Kosik
(1976) O pensamento dialético distingue entre representação e conceito da coisa, com isso não
pretendendo apenas distinguir duas formas e dois graus de conhecimento da realidade, mas
especialmente e sobretudo duas qualidades da práxis humana”. (KOSIK, 1976, p. 9).
Em nossa representação do real, chegamos a um conjunto de relações sociais que são
condicionadas por determinantes históricos vinculados à produção econômica. Essas relações,
fundadas no trabalho, são em seu conjunto alienadas na atualidade. E o são precisamente pelo
modo como o sistema produtivo na sociedade de classes capitalista e as relações sociais que o
sustenta e reproduz especificamente sob a condição dependente encontrada na sociedade
brasileira, está organizado neste estágio de desenvolvimento presente.
Com seus fundamentos na organização econômico-social da sociedade, na
exploração, a alienação penetra o conjunto das relações sociais. Manifestando-
se primariamente nas relações de trabalho (entre o trabalhador, seus
instrumentos de trabalho e seus produtos), a alienação marca as expressões
materiais e ideais de toda a sociedade esta e seus membros movem-se numa
cultura alienada que envolve a todos e a tudo: as objetivações humanas,
alienadas, deixam de promover a humanização do homem e passam a estimular
regressões do ser social. (NETTO & BRAZ, 2006, p. 45 Grifo dos autores).
Poderíamos propor que para a superação desta cultura alienada poderemos investigar: a) a
realização das objetivações humanas em sociedade: através da práxis constitutiva dos sujeitos
historicamente situados; b) as intersubjetividades que compõem a formação da consciência dos
sujeitos em suas atividades de transformação da natureza e sua ação política e c) esforço de
categorização historicizada dos conceitos utilizados na representação da realidade concreta.
Esta investigação é parte da crítica que fazemos à representação da agricultura capitalista
enquanto modelo produtivo capaz de gerar riquezas e desenvolvimento do campo em suas
36
dinâmicas produtivas e societárias presentes. Atualmente, as forças produtivas encontram-se em
condições tais que não são capazes de manter as relações metabólicas entre sociedade e natureza
num plano que viabilize qualquer tentativa de sustentabilidade, pois são movidas por relações
alienantes, intrínsecas a uma cultura alienante, como no entendimento de Netto & Braz (2006).
Por outro lado, essas determinações produtivas e sociais conflagram múltiplos conflitos,
expressão das contradições inerentes ao modelo referido, assumindo ou definindo configurações
no real que implicam no surgimento de respostas que se contrapõem a essas determinações. Nos
referimos, especificamente à Educação que propõe os movimentos sociais do campo, em
particular o MST, que comporta em suas referências pedagógicas e objetivos políticos a
transformação da sociedade de classes capitalista.
Como a transformação social é conceito recorrente tanto nos documentos sobre a Educação no
MST quanto na concepção de EA que nos apoiamos, acreditamos que nossa opção metodológica
é coerente com os objetivos desta pesquisa.
Quais são as bases materiais e ideológicas em que se assentam os processos formativos dos
sujeitos do campo? Quais são as perspectivas e propostas educacionais que permitem aos sujeitos
do campo tomar em suas mãos a construção de seus saberes e conhecimentos, a afirmação de sua
identidade e cultura? Quais perspectivas devemos adotar diante do papel do campo em um
projeto de desenvolvimento para o país? São questionamentos subjacentes às abstrações e
decorrentes delas, que subsidiam nossa representação do real.
O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo,
unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de
síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro
ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observação
imediata e da representação. (MARX, 1977, p. 218).
Esta consideração nos chama atenção pelo caráter dinâmico da realidade concreta, espacial e
temporalmente situada, exigindo desse modo seu reconhecimento histórico e provisório e um
37
tratamento metodológico que procure entender a realidade tendo suas determinações expressas a
partir de categorias.
As categorias mais simples são produtos das abstrações mais gerais. Estas
categorias-chave, que comandam a produção teórica, definem-se pois, pela sua
simplicidade, pelo seu alto grau de abstração e pela sua generalidade. A sua
generalidade indica que elas são válidas para todas as épocas”. A categoria
simples “trabalho” é a categoria “trabalho em geral”, trabalho “sans phrase”.
Por ter na sua simplicidade a generalidade, ela se aplica a qualquer trabalho, em
qualquer tempo ou lugar. Mas a abstração capaz de produzir-se é produto de
condições históricas, no âmbito das quais, unicamente, ela é plenamente válida,
trazendo consigo não a verdade teórica, como também a verdade prática. Se
unicamente nas sociedades mais complexas se produzem as abstrações mais
gerais, por serem gerais, estas abstrações se aplicam também às sociedades
mais complexas. Contudo, estas abstrações só são inteiramente verdadeiras
nestas sociedades complexas no que elas tem de específico. (CARDOSO,
1990).
A categoria que buscaremos problematizar para os objetivos deste estudo é a de
sustentabilidade. Considerando-a como uma categoria concreta pensada, com sua criação sendo
possível na relação abstrato-real, ou do pensamento que se funda no real, sendo este real dado de
modo caótico, o desafio será torná-la uma categoria de análise válida para a construção científica
que empreenda sob ela e dela, algumas determinações que promovam o conhecimento do real.
Sendo isto possível, como torná-la categoria do abstrato, do plano ideal, do pensamento, para
uma categoria concreta pensada?
Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as
forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e
superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência
destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que
a humanidade levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa
observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema surgiu quando as
condições materiais para o resolver existiam ou estavam, pelo menos, em
vias de aparecer. (MARX, 1977, p. 15).
A categoria de sustentabilidade poderá ser compreendida neste trabalho à medida que formos
explicitando o conceito de metabolismo sociedade-natureza, conceito que carrega profundo
significado crítico para a Educação Ambiental, pois sentido a uma práxis de reconhecimento
38
histórico de pertencimento à condição natural, mas que este reconhecimento não é natural, é
social, construídos pelos homens em sociedade, e portanto, pode ser deflagrado nas relações
sociais estabelecidas em um determinado estágio de desenvolvimento social. No presente estágio
de desenvolvimento do modo de produção capitalista as falhas e rupturas do metabolismo
sociedade-natureza se materializam na realidade concreta. Somente sob determinadas condições
históricas é possível produzir determinados conceitos”, nos diz Cardoso (1990), sendo assim só é
possível a sustentabilidade conformar-se como categoria se vista a partir das relações sociais que
a requerem. Dito de outro modo, a categoria sustentabilidade poderá ser entendida como
categoria quando compreendidas as interações metabólicas sociedade-natureza, de transformação
da base material da vida, de produção e modos de produção humana na sociedade burguesa,
sendo assim historicamente definida.
Queremos, desse modo, evitar abstrações que se limitem à esfera do pensamento especulativo
como as que consideram que o desenvolvimento tecnológico “natural” da sociedade levará ao
desenvolvimento de forças e relações produtivas sustentáveis, invertendo o sentido real por
desconsiderar que as próprias forças e relações produtivas que engendram o desenvolvimento
tecnológico movem-se sobre bases insustentáveis, pois determinadas sob a lógica de expansão e
acumulação do capital.
Nossa contribuição à construção da categoria sustentabilidade, conforme o entendimento
dado acima, será mediada a partir da investigação de um conjunto de documentos que traduzidos
à luz do materialismo histórico dialético nos auxiliará a formular argumentos com os quais
consideramos ser possível estabelecer um olhar crítico sobre as correlações entre Educação
Ambiental e as propostas educacionais do MST.
39
Fontes documentais da pesquisa
O principal documento que nos serviu de apoio para análise do contexto econômico e social
em estudo é o Anuário Estatísticas do Meio Rural
17
, publicado em 2006 e elaborado em conjunto
pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), pelo
Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). Como resultado da sistematização de informações, indicadores e dados, foi criado o
sistema de consultas na internet Fontes Rurais, que contempla a identificação das instituições
produtoras de estatísticas e das fontes disponibilizadas por elas.
Para o cumprimento dos objetivos deste trabalho foram analisados os dados disponibilizados
nos seguintes capítulos do documento: Território e meio ambiente; Indicadores demográficos e
sociais; Trabalho e rendimento; Reforma agrária e agricultura familiar; Indicadores agropecuários
e Conflitos no campo.
Outras fontes, principalmente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), DATALUTA – O Banco de
Dados da Luta pela Terra e Comissão Pastoral da Terra (CPT) também subsidiaram nossa análise.
Para a análise do contexto educacional no campo utilizamos fundamentalmente a PNERA
Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Versão Preliminar, publicada em abril de
2005. A PNERA é resultado de um convênio assinado em outubro de 2004 entre o MEC e o
MDA, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) e do INCRA/PRONERA. De sua apresentação, destacamos o objetivo principal da
pesquisa: levantar informações para subsidiar o estabelecimento de políticas públicas e ações
17
Disponível em http://www.mda.gov.br/arquivos/estatisticas_rurais.pdf Acessado em: 08/08/2007.
40
articuladas que contribuam para a promoção do desenvolvimento do campo e da melhoria das
condições educacionais, em especial nos assentamentos.
O PRONERA é um programa de educação de trabalhadores rurais em projetos de
assentamento da reforma agrária tendo como público-alvo, jovens e adultos moradores de
Projetos de Assentamento da Reforma Agrária criados pelo INCRA ou por Órgãos Estaduais de
Terras, desde que haja parceria formal entre o INCRA e esses órgãos. O objetivo do PRONERA
é “Fortalecer a educação nos Projetos de Assentamento da Reforma Agrária, estimulando,
propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando
metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o
Desenvolvimento Rural Sustentável”. (p. 12).
O levantamento da PNERA visou caracterizar a demanda educacional e diagnosticar a
situação do ensino ofertado em escolas localizadas em assentamentos ou em seus arredores.
Foram recenseados 5.595 assentamentos localizados em 1651 municípios, totalizando os
assentamentos da Reforma Agrária do INCRA instalados a partir de 1985.
A PNERA coletou dados junto a três públicos: professores ou dirigentes de escolas
localizadas nos assentamentos, presidentes de associação de produtores rurais e famílias
assentadas. O levantamento junto aos professores ou diretores teve caráter censitário adotando a
escola como unidade de coleta. A pesquisa cobriu todas as unidades de ensino que atendem
alunos residentes nos assentamentos, localizadas neste espaço ou em seu entorno. Foram
identificadas 8.679 escolas com essas características.
Na pesquisa junto aos presidentes de associação de produtores rurais, o levantamento
cobriu todos os 5.595 assentamentos. Em todos eles foram realizadas entrevistas com lideranças
dos trabalhadores rurais.
41
No que se refere às famílias assentadas, a pesquisa foi amostral, garantindo a
representatividade de todas as Unidades da Federação. O levantamento coletou informações de
todos os moradores de cada domicílio sorteado. A expansão dos resultados obtidos na amostra foi
de 524.868 famílias assentadas, perfazendo uma população de 2,5 milhões de pessoas.
A Pesquisa foi coordenada pela Diretoria de Tratamento e Disseminação de Informações
Educacionais/INEP e realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE,
vinculada a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de
São Paulo (USP), com a alocação de 693 pesquisadores selecionados, distribuídos em todas as
Unidades da Federação. Esses entrevistadores atuaram em campo de 30 de outubro a 28 de
dezembro de 2004
18
.
Documentos do MST
O MST conformar-se como um dos protagonistas pelas lutas anticapitalistas na América
Latina. Em face de sua organização, desde muito cedo o movimento preocupou-se com a
formação de seus militantes e suas famílias. Optamos por não traçar neste momento qualquer
síntese da trajetória de luta do MST em torno da Educação, sobre isto importantes trabalhos
foram feitos, e alguns sustentam nossas formulações. Neste momento apenas destacaremos que o
movimento possui um Setor de Educação organizado para atender conforme Souza (2006), 1.800
escolas de ensino fundamental, freqüentadas por 160.000 crianças e jovens dos assentamentos e
acampamentos rurais. Conta ainda com 3.900 professores/as, além de 250 que atuam nas cirandas
18
Novos documentos desta pesquisa foram recentemente publicados (2007) e estão disponíveis em:
http://www.inep.gov.br/download/estudos_pesquisas/edu_campo/PNERA_relatório%20por%20temas.pdf e
http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/%7BEA5C4F7B-87C7-4973-B3E9-
CE224E2B2060%7D_MIOLO_PNERA_2004.pdf Acessados em 06/08/2007. Não encontramos no sítio do INEP o
link que nos permitiu acessar a Versão Prelimiar da PNERA utilizada para este trabalho, mas notamos que as
recentes publicações trazem algumas informações tratadas neste nosso estudo. No segundo link fornecido acima
constam os dados disponibilizados pela Versão Preliminar.
42
infantis, educação para crianças entre 0 e 6 anos de idade. Existem, ainda, 3.000 educadores/as de
jovens e adultos atuando nas áreas de assentamentos e acampamentos, com um total de 30.000
alfabetizandos/as aproximadamente. (SOUZA, 2006, p. 40). Conforme levantamento elaborado
pela autora, no período de 1991 a 2000 foram editadas 26 publicações pelo Setor de Educação do
MST: duas Séries Formação, dez Cadernos de Educação, seis Boletins da Educação e oito
Coleções.
Os documentos publicados pelo Setor de Educação do MST e por nós analisados foram: a)
Princípios da Educação no MST Caderno de Educação 8; b) Como fazemos a escola de
educação fundamental Caderno de Educação 9; c) Sempre é tempo de aprender: Educação
de Jovens e Adultos Caderno de Educação 11; d) Educação infantil: movimento da vida,
dança do aprender Caderno de Educação 12; e) Pedagogia do Movimento Sem Terra:
Acompanhamento às Escolas – Boletim da Educação nº 8; e f) Somos Sem Terra: Para soletrar a
liberdade – Cadernos do Educando nº 2.
Evidenciando a proposta pedagógica do MST intrínseca ao desenvolvimento do sujeito Sem
Terra
19
em sua relação com a natureza e com sua atividade produtiva, partimos para o
correlacionamento destas propostas com os estudos que consideram a categoria trabalho como
central na ontologia do ser social.
19
“(...) .A condição (individual) de sem (a) terra, ou seja, a de trabalhador ou trabalhadora do campo que não possui
sua terra de trabalho, é tão antiga quanto a existência da apropriação privada deste bem natural. No Brasil, a luta pela
terra e mais recentemente a atuação do MST acabaram criando na língua portuguesa o vocábulo sem-terra, com
hífen, e com o uso do s na flexão de número (os “sem-terras”), indicando uma designação social para esta condição
de ausência de propriedade ou de posse da terra de trabalho, e projetando, então, uma identidade coletiva. O MST
nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem o s, o que historicamente acabou produzindo um nome próprio, Sem
Terra, que é também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso social do nome alterou a norma
referente à flexão de número, sendo hoje consagrada a expressão os sem-terra. Quanto ao hífen, fica como
distintivo da relação entre esta identidade coletiva de trabalhadores e trabalhadoras da terra e o Movimento que a
transforma em nome próprio, e a projeta para além de si mesma.” (Roseli Salete Caldart, educadora do MST, em seu
livro: Pedagogia do Movimento Sem Terra, Editora Vozes, 2000. In: Caderno do Educando – Para soletrar a
liberdade nº 2 fev. 2001).
43
Os documentos analisados seguem algumas idéias/convicções/formulações que são as
balizas (estacas, marcos, referências)para o trabalho de educação do MST e são entendidos
como princípios. Os princípios filosóficos
20
que regem a proposta pedagógica do MST são:
(1) Educação para transformação social;
(2) Educação para o trabalho e a cooperação;
(3) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana;
(4) Educação com/para valores humanistas e socialistas;
(5) Educação como um processo permanente de formação transformação humana.
Os princípios pedagógicos
21
do MST se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação, para
concretizar estes princípios filosóficos. Dizem dos elementos que são essenciais e gerais da
proposta de educação do Movimento, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos
processos educativos, chamando atenção de que pode haver práticas diferenciadas a partir dos
mesmos princípios pedagógicos e filosóficos.
Estes são alguns dos documentos produzidos pelo MST que apresentam suas concepções
político-pedagógicas e metodológicas e nos permite pensar sobre a proposta de formação dos
sujeitos Sem Terra, das crianças, jovens e adultos do campo, não excluindo os da cidade, mas
assumindo uma especificidade e uma concepção fincadas na realidade dos conflitos da luta pela
terra, na história e símbolos de luta do MST e na emancipação da classe trabalhadora do campo.
Nosso intuito foi investigar suas matrizes pedagógicas, práticas, vivências, princípios, métodos e
outras categorias organizativas desta pedagogia em busca de reflexões e diálogos teóricos com a
EA.
20
Cadernos de Educação nº 8 – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. - Dez. 2004.
21
Cadernos de Educação nº 8 – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. - Dez. 2004.
44
Relato de pesquisa
Com a pesquisa intitulada Contribuições para a construção de uma educação ambiental
transformadora: a educação e o trabalho em um assentamento de reforma agrária”, onde
analisamos, a dinâmica de alguns processos educativos que ocorrem em um assentamento de
reforma agrária e observamos como as relações e formas de produção podem permitir o
desenvolvimento de práticas sustentáveis, fundadas na práxis dos sujeitos e constituindo-se em
relações organicamente vinculadas ao trabalho e a atuação política.
Esta pesquisa foi submetida à seleção pública e aprovada conforme o Edital 02/2006 da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Educação (ANPEd), em convênio com a
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do MEC. Os trabalhos
de campo foram realizados no assentamento Zumbi dos Palmares, situado no município Campos
dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, durante o período de agosto de 2006 e maio de
2007. A execução desta pesquisa se deveu, além do auxílio do convênio firmado entre
ANPEd/Secad, ao apoio inestimável do MST e da CPT de Campos, que através de seus
representantes nos acolheram, fornecendo condições materiais sem as quais não poderíamos
realizá-la.
O assentamento Zumbi dos Palmares é fruto da ocupação ocorrida em 12 de abril de 1997 nas
terras da extinta Usina São João, por trabalhadores reunidos e organizados pelo MST, tendo
recebido a imissão de posse em 27 de novembro do mesmo ano. Nele residem 506 famílias de
assentados e assentadas. A maior parte das terras do assentamento está localizada no município
de Campos dos Goytacazes, estando uma parte delas localizada no município de São Francisco
do Itabapoana, também no estado do Rio de Janeiro.
45
Foram realizadas entrevistas com trabalhadores e trabalhadoras rurais: três assentadas e cinco
assentados, um deles agente da CPT, três militantes do MST e uma professora, também militante
e presidente da cooperativa de um dos núcleos do assentamento. Fizemos também uma entrevista
com uma militante do Comitê Contra o Trabalho Escravo, colaboradora do MST e envolvida na
mobilização e construção popular da proposta de implantação de uma Escola do Campo –
Proposta de um Projeto Político Pedagógico de uma Escola do Campo Escola Municipal Carlos
Chagas.
A “seleção” dos/as agricultores/as que poderiam ser entrevistados/as foi feita a partir das
conversas com o médico veterinário Delci de Deus, que oito meses residia nas dependências
da CPT no Zumbi e prestava assistência cnica voluntária aos assentados. Delci foi um dos
responsáveis pelo planejamento e execução de cursos de Agroecologia oferecidos aos
agricultores, baseados em técnicas de tratamento homeopático de pragas em lavouras e rebanhos,
alimentação alternativa para as criações de animais, compostagem e produção de húmus a partir
da construção de minhocários.
Colaboraram também para a realização desses cursos estudantes e professores da
Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e do Instituto de Agroecologia e
Meio Ambiente Solar dos Jesuítas (IAMASOL). Os cursos eram realizados uma vez por mês nas
dependências da Escola Municipal Carlos Chagas, localizada no Núcleo II do assentamento
Zumbi dos Palmares, ao lado do alojamento da CPT, onde nos instalamos durantes dezoito dias
alternados.
Nestas conversas foram fornecidas impressões e informações sobre os/as trabalhadores/as
que de um modo ou de outro se inseriam em atividades relacionadas à educação e meio ambiente
no assentamento, tanto em mobilizações e participação políticas, quanto em processos formativos
ou ainda nas próprias atividades produtivas em seus lotes.
46
Uma das ricas entrevistas com a assentada e professora da Escola Municipal MST, localizada
no cleo IV do Zumbi, teve sua transcrição prejudicada, pois no espaço onde foi realizada, o
vento intenso e constante causou ruídos na gravação, tornando-a praticamente inaudível. Foi
respondido um questionário similar às perguntas das entrevistas via e-mail por um agrônomo e
professor da UENF, envolvido há oito anos nos debates e construção de um projeto de Escola do
Campo no Zumbi.
As entrevistas foram elaboradas com base: 1) na análise do contexto produtivo da região, em
especial do município de Campos, a partir da sua trajetória enquanto lo regional produtor de
cana-de-açúcar e, principalmente, das relações sociais daí resultantes; 2) na análise de estudos
produzidos sobre o assentamento Zumbi dos Palmares e 3) nas proposições da Versão da
Agenda de Pesquisa do MST
22
.
Durante todo o período desta pesquisa tivemos a oportunidade de acompanhar com certa
proximidade as discussões sobre a implantação de uma proposta de Escola do Campo no
assentamento Zumbi dos Palmares. Alguns desdobramentos de tais discussões e mobilizações em
torno desta proposta foram analisados nesta dissertação, pois nos permitiram compreender
algumas determinações que incidem sobre o contexto social e econômico e engendram as
relações sociais presentes no assentamento Zumbi dos Palmares.
Ressaltamos que o caráter de estudo de caso deste trabalho não nos permitiu generalizações,
contribuindo, por outro lado, para nos aproximarmos das práticas políticas, do cotidiano e
socializações dos sujeitos envolvidos, contribuindo com nossas reflexões sobre as subjetividades
que compõem o universo dos que lutam pelos processos de Educação do Campo e sua potência
22
Versão elaborada durante Encontro do Setor de Educação Ibirité-MG 13 a 17 de novembro de 2000. A
primeira versão desta agenda foi elaborada no Primeiro Encontro dos Pesquisadores do MST, realizado no
Alojamento Roseli Nunes, em São Paulo, de 30 de outubro a de novembro de 1998. As versões seguintes m
recebido contribuições de todos os setores de atividades e instâncias do MST, conforme Fernandes (2001, p. 104).
47
de transformação das relações metabólicas sociedade-natureza. Nesta dissertação, utilizaremos
nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
Por fim, optamos por registrar ainda nesta dissertação, nossa participação no Congresso
Nacional do MST, realizado entre 11 e 15 de junho de 2007, em Brasília. O que nos leva a fazer
tal registro é a significância para os objetivos desta pesquisa, de nossa inserção como educador na
Escola Itinerante Paulo Freire, a primeira Escola Itinerante pensada para um evento nacional do
movimento. Além das subjetividades geradas pelo reconhecimento do processo de construção
coletiva da Escola Itinerante Paulo Freire, esta experiência nos possibilitou uma vivência prática
das ações e propostas pedagógicas do MST, que se movem no sentido de ruptura com as relações
alienantes consideradas neste estudo como mantenedoras da falha metabólica entre sociedade e
natureza.
Insistimos que para além dos objetivos estabelecidos nos limites desta pesquisa, pretendemos
desenvolver um esboço teórico que nos permita historicizar criticamente os conceitos de
metabolismo sociedade-natureza e sustentabilidade, a partir da dialeticidade viva, conflituosa e
concreta das contradições expressas pelo enfrentamento entre o modelo de agricultura capitalista
e a perspectiva de formação humana do MST, projetos radicalmente diferenciados em disputa no
momento presente do desenvolvimento do sistema de produção da sociedade de classes
capitalista dependente no Brasil.
48
CAPÍTULO 2 A EXCISÃO OU FALHA METABÓLICA: ALGUMAS
CONTRADIÇÕES DA AGRICULTURA NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA DO
BRASIL
A associação do capitalismo com as cidades é uma das convenções mais firmemente estabelecidas na
cultura ocidental. Supõe-se que o capitalismo tenha nascido e se criado na cidade” (...) “Talvez o
corretivo mais salutar desses pressupostos e de suas implicações ideológicas seja o reconhecimento de
que o capitalismo, com todos os seus impulsos sumamente específicos de acumulação e maximização do
lucro, não nasceu na cidade, mas no campo, num lugar muito específico e em época muito recente da
história humana. Não precisou de uma simples extensão ou expansão do escambo e da troca, mas de uma
transformação completa das relações e práticas humanas mais fundamentais, de um rompimento com
antiqüíssimos padrões de interação humana com a natureza. (WOOD, 2001, p. 76-77).
O texto acima, trecho do livro A origem do capitalismo de Ellen Meiksins Wood é muito
importante para as discussões que estamos fazendo. Para o entendimento de sustentabilidade
concreta que queremos alcançar. Não tanto pela sua afirmativa, que apenas o aprofundamento na
ciência da história poderia nos permitir elaborar, e que pela sua contribuição neste campo à
autora já apreendeu, mas pela possibilidade de criação que sua coerência dialética pode imprimir.
Se admitirmos que, de fato, não foi preciso para o capitalismo uma simples extensão ou
expansão do escambo e da troca, mas de uma transformação completa das relações e práticas
humanas mais fundamentais, de um rompimento com antiqüíssimos padrões de interação
humana com a natureza, devemos daí refletir que, no presente, tanto a extensão e expansão do
escambo e da troca assumiram novas conformações quanto os antiqüíssimos padrões e práticas de
interação com a natureza sofreram novas rupturas.
Não queremos com isso dizer que essa assertiva é falsa. Pelo contrário, enxergamos nela a
potência transformadora da práxis que novas relações humanas fundamentais possam
desenvolver. O que buscamos é a hegemonia dessa nova práxis, viva e concreta, por isso é
preciso conhecer seus entraves, palavra da moda. Assim, para o entendimento de como se
49
dinamizam as forças que impulsionam o capital, mantendo ao mesmo tempo a dominação e
exploração que destrói a força criadora, de trabalho e humanidade da população que vive no
campo, é fundamental pensarmos nas novas alianças que faz o capital para a conformação desta
dominação e ao mesmo tempo interpretar seu legado de fragmentação e subordinação.
Portanto, buscaremos compreender, neste estudo, como o desenvolvimento deste modelo
de agricultura inserida no contexto de uma economia capitalista dependente como no caso
brasileiro, vem contribuindo para o que estamos assumindo como uma das determinações
fundantes do alargamento da falha no metabolismo sociedade-natureza e assim, inviabilizando
qualquer tentativa de sustentabilidade real.
Mas como compreender as relações da agricultura capitalista com a destruição da força de
trabalho criadora camponesa
23
? Como se dá, no presente, este rompimento das práticas
fundamentais e padrões de interação humana na natureza? No nosso entendimento se pela
permanente espoliação das riquezas produzidas no campo que convergem para a manutenção de
uma condição capitalista dependente condenando, campo e cidade, e os trabalhadores e
trabalhadoras que neles vivem, às condições de heteronomia necessárias ao privilegiamento dos
agentes econômicos e reprodução de seus vínculos de dominação.
Embora a economia agrária brasileira nunca tenha sido uniforme e seja
impossível descobrir uma fórmula válida universalmente para qualquer uma de
suas evoluções, ela sempre foi a parte da economia brasileira estrutural e
dinamicamente mais afetada pela condição apontada de heteronomia.
(FERNANDES, 1972, p. 183).
Para Florestan isto se dá porque os vínculos com as economias centrais, ou com os
agentes econômicos privilegiados dessas economias, variaram na transição de um estado colonial
23
Fernandes (1972) afirma que o Brasil não chegou a conhecer um campesinato propriamente dito. (...) O termo
campesinato acaba sendo, pois, uma solução descritiva precária, que pode ser aceita, desde que se leve em conta
que não se trata de uma formação societária definida, mas de uma classe social em vir a ser”. (FERNANDES, 1972,
p. 60-1). Assumiremos temporariamente este conceito de campesinato como classe social em vir a ser, assumindo o
risco de sua precariedade ou incompletude. Mais adiante tentaremos trazer elementos históricos que contribuam para
sua composição.
50
para neocolonial e deste para o de uma economia capitalista dependente. Contudo, no que se
refere à economia agrária, para ele as transformações na natureza dos vínculos em relação às
economias centrais foram menos acentuadas do que se poderia presumir, tendo em vista a
situação global da economia brasileira, nas diferentes épocas econômicas. (FERNANDES,
1972, p. 183, Grifos nossos).
O que nos chama atenção neste trecho é: “a natureza” das transformações nesta “época
econômica”, pois, para as discussões que empreendemos neste estudo, podemos questionar: a
partir da implementação das políticas ditas neoliberais, houve transformações na natureza dos
vínculos entre os agentes econômicos, privilegiados e dependentes? Se sim, como essas
transformações se materializam na realidade concreta? E principalmente, como essas
transformações se revelam na organização da classe trabalhadora do campo?
Mas antes é preciso compreender que quando Florestan fala sobre capitalismo ele busca
situá-lo de forma bastante precisa e específica, pois, “se convertermos a noção de capitalismo em
uma categoria elástica, ela deixará de ser útil à explicação sociológica”. (FERNANDES, 1972,
p. 180). Mesmo distante de um entendimento sociológico mais profundo, estamos em acordo
visto que a agricultura capitalista moderna, em sua forma conhecida como agronegócio, insere-se
dentro do modelo capitalista dependente, ou melhor, continua alimentando-o, já que ela comporta
as estruturas arcaicas e modernas que engendram o modelo capitalista dependente e apóia-se
necessariamente nas burguesias, locais e externas, que operam a dominação e exploração.
Não é possível encontrar respostas precisas para essas questões neste momento. Nem
estamos certos se ao final deste estudo as teremos em sua totalidade, mas acreditamos ser
possível a partir da análise que passaremos a empreender tendo como uma das fonte de dados
para interpretação a pesquisa do DIEESE/NEAD a qual já nos referimos. Mas primeiramente será
preciso reconhecer o conceito de metabolismo sociedade-natureza e algumas de suas implicações
51
para a Educação Ambiental para que possamos seguir em frente. Ao final do capítulo
retornaremos ao conceito de metabolismo sociedade-natureza bem como aos fatores inerentes à
sua ruptura e como estes elementos vinculam-se a condição capitalista dependente no Brasil.
2.1 O resgate do conceito de metabolismo em Marx por Foster e suas implicações para a
teoria da Educação Ambiental
Toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que ele postula
entre os outros homens, ele próprio e a natureza. (MARX, Manuscritos de 1844 In: FROMM,
1975, p. 98.).
Os anos finais da década de 1970 e iniciais da de 1980 assistem ao início da transição
histórica que marcaria o processo de redemocratização no Brasil, após longos anos de repressão e
sufocamento das lutas populares. Os efeitos do modelo de desenvolvimento adotado pelo regime
empresarial-militar, baseado na dependência da captação de recursos externos para o
desenvolvimento das forças produtivas internas, não tardariam a aparecer nas mais variadas
esferas da vida da população brasileira, em especial das camadas sociais mais necessitadas das
políticas públicas.
Neste cenário de mudanças emergem diversos sujeitos e grupos até então silenciados
pelos obscuros tempos de repressão, como os movimentos de trabalhadores rurais em luta pela
reforma agrária e condições dignas de trabalho e vida no campo e “novos” atores, os
ambientalistas, que buscavam chamar a atenção da sociedade sobre os efeitos nocivos da
degradação e superexploração dos recursos naturais. Como resposta às conseqüências dos
processos industriais-tecnológicos, que começavam a afetar em escala global a qualidade de vida
52
das populações, desenvolveu-se uma idéia geral de que o planeta possuía uma certa capacidade
limitada de suportar as intervenções do homem
24
.
Esta idéia compunha-se tanto de fatos inegavelmente atribuídos as transformações de base ou
econômicas, conduzidas pelos processos de urbanização e industrialização pós Guerras, como
pela evidente transformação do ambiente externo, descaracterização de paisagens ou territórios
naturais, poluição, acúmulo de resíduos, etc., como também de transformações culturais
constituintes e constituídas nesta dinâmica. Desta idéia geral, decorreram ainda inúmeras
iniciativas: individuais, institucionais pública e privada, acadêmicas, de movimentos sociais,
governos e Estados.
Dentre as diversas teorias e práticas desenvolvidas a fim de enfrentar os desafios postos pela
questão ambiental, surgiram aquelas que conferiam aos processos formativos um papel de
destaque para a compreensão do conjunto de questões vinculadas as relações do homem com a
natureza. Ao organizar-se, o movimento ambientalista apoiado por outros atores, introduziu e
difundiu como uma das formas de alcançar seus objetivos a Educação Ambiental (EA). Em
síntese, a EA deveria contribuir para o desenvolvimento e produção de conhecimentos,
informações, práticas e valores que permitissem a tomada da consciência e ações diante da
necessidade de preservar a natureza e repensar a condição humana no planeta. A apropriação da
EA pelos diversos setores da sociedade promoveu importantes debates, discussões, produções
teóricas e mobilizações que efetivamente contribuíram para o entendimento dos limites de
exploração da natureza.
Entretanto, esta apropriação também gerou discordâncias teóricas e metodológicas que se
refletiram em posturas conservadoras das relações geradoras da degradação ambiental. D as
20
Este homem em muitas tendências é pensado em termos genéricos. Para a perspectiva assumida neste trabalho, o
homem pode ser pensado em termos concretos, ou seja, por meio de suas relações produtivas e outras relações
sociais que definem identidades de grupo e classe.
53
formulações anti-humanistas, ecocêntricas e individualistas de que nos fala Loureiro (2003) ao
destacar algumas representações para os múltiplos “ambientalismos”, como resultado das
correntes em disputa pela constituição da EA.
Surgiram assim inúmeras tendências na EA que foram agrupadas em categorias
25
por alguns
autores, dentre elas destacamos: educação ambiental popular, crítica, transformadora,
ecopedagogia, para a gestão ambiental, formal, não formal, conservacionista, socioambiental,
para o desenvolvimento sustentável, entre outras.
Vamos seguir em busca de uma compreensão de EA que nos identifique primeiramente a uma
luta
26
social concreta. Isto se faz necessário para sermos coerentes com nosso entendimento de
que a natureza é uma categoria histórica e por isso apreendida pelos sujeitos em determinado
contexto socioeconômico, dinâmico, movido por forças sociais em constante embate cultural e
político. Vale destacar a importância das definições assumidas pelas vertentes da EA,
primeiramente por serem elas mesmas uma possibilidade de aprendizado, como produto e
produção de conhecimento dos sujeitos. O que consideramos fundamental é definir o campo
teórico sob a qual está instituída a EA para se ter clareza da posição e dos diálogos assumidos,
pois estes efetivamente podem comprometer ou estimular, neutralizar ou fertilizar propostas de
formação humana emancipatórias ou conservadoras.
25
Não fazemos qualquer restrição a esta categorização ou classificação, pois compreendemos que elas sejam
esforços dos pesquisadores no sentido de sistematização e teorização essenciais ao estudo e pesquisa em qualquer
ciência. Insistimos apenas em sempre considerá-las como categorias transitórias ou históricas, pois situadas em
determinadas sociedades e em determinados momentos.
26
Freqüentemente utilizamos neste trabalho a palavra luta. Constatamos este termo presente tanto nas publicações
sobre Educação do MST quanto na fala dos atores que tivemos contato ao longo deste trabalho e que o utilizam para
dar objetividade às suas realizações e utopias. Para uma compreensão sociológica do termo podemos nos apoiar em
Tischler (2005) quando afirma que A ênfase na luta como o nervo central do coletivo implica considerar que a
força da resistência está no encontro entre explorados e dominados como uma libertação do reprimido pelo domínio
do capital Mas essa libertação é também um autoconhecimento das potencialidades do coletivo”. (TISCHLER,
2005, p. 116).
54
Dito isto, não discutiremos a multiplicidade de propostas, métodos, conceitos, a diversidade
de apreensões, sentidos e significados que foram e estão sendo construídos a partir do surgimento
do conceito de EA na história, mas sim uma tentativa de nos apropriarmos dos elementos que
condicionaram seu surgimento, suas derivações e movimentos internos e a partir deles buscar
compreender a tarefa da educação ambiental na transformação das relações sociedade-natureza e
principalmente nas determinações do real que não estão postas ou possam ser imediatamente
apreendidas, sendo necessárias sua mediação. Assim, não nos apropriaremos dos conceitos da EA
previamente. Tentaremos expô-los conforme sua possibilidade de criação ou definição objetiva
esteja presente.
Na diversidade de propostas, os argumentos foram muitos: buscou-se um retorno do homem a
natureza; um “pensar global e agir local”; uma necessidade de manejo racional dos recursos
naturais, através do desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis; uma preocupação
crescente com os resíduos produzidos “pelo homem” que deveriam ser adequadamente tratados
para que, ao serem lançados “de volta à natureza”, não resultassem poluição; deveríamos “cada
um fazer a sua parte” para a preservação da natureza; enfim, tornarmo-nos conscientes da
importância de buscar um equilíbrio ou harmonia com a natureza. Desta idéia geral surge o
conceito de desenvolvimento sustentável que vigora como um dos conceitos orientadores oficiais
para ação de diversas organizações sociais.
Tais iniciativas expressaram muitas vezes os anseios sociais, mas em muitas outras, a marca
da fragmentação e reducionismo da sociedade de classes capitalista, pautada por uma hierarquia
de classes e pela divisão social do trabalho que impõe igualmente e necessariamente uma
hierarquia de poder, limitou sua ação. Se devemos reconhecer que estes e muitos outros
argumentos nos ajudaram a aprofundar os debates e conhecimentos sobre a inserção do homem
55
na natureza, também é verdade que nos mostraram algumas contradições desta mesma inserção e
por outro lado, nublaram o entendimento de outras.
A primeira e mais imperiosa delas é que estas feridas tinham sido abertas em outra época e
em outros lugares e que agora se manifestavam de outro modo e em outro lugar. A denúncia da
destruição da natureza veio sendo silenciada, pois, seus efeitos muito eram sentidos pelos
povos originários e oprimidos em diversas partes do globo. Entretanto, foi apenas a partir da ação
de setores hierarquicamente mais elevados das sociedades capitalistas modernas que se torna
referenciada publicamente a idéia de que o planeta possuía limites que poderiam ser rompidos
por uma ação humana generalizada.
Isto nos um indicativo de que a concepção da inserção humana na natureza decorre do
modo como os diversos grupos humanos se apropriam dela e que esta apropriação não se
apenas no pensamento e nem é imediata, ela é mediada por relações sociais indissociavelmente
ligadas a uma totalidade concreta e, portanto, historicamente estabelecida.
Se acompanharmos o raciocínio que devemos melhor aproveitar os recursos naturais para não
causar prejuízos à natureza e à sociedade, e o desenvolvimento sustentável é fundamental para
isso, podemos nos questionar: sobre quais bases sociais, políticas e econômicas estará fundado
esse desenvolvimento? Estará fundada mediante o desenvolvimento e interação conjuntos da
diversidade de culturas e conhecimentos dos povos? Estará fundada sob o somatório de técnicas,
processos e instrumentos acumulados pelos progressos da ciência ou da razão humanas? Estará
fundada sob as determinações que regem a existência de uma sociedade de classes capitalista? Ou
o desenvolvimento sustentável não estará necessariamente vinculado a nenhuma dessas
considerações? Não cremos nesta última possibilidade.
56
Assumiremos provisoriamente uma concepção genérica que considera o homem como parte
da natureza e que todas as agressões causadas à natureza atingirão necessariamente o homem, em
maior ou menor grau conforme for o caso.
Ao pensarmos sobre o tratamento dos resíduos que são produzidos pela atividade humana
devemos refletir: embora todos os homens sejam parte da natureza e produzam resíduos, eles os
produzem da mesma forma e nas mesmas quantidades? Do mesmo modo as influências do
tratamento ou não desses resíduos são as mesmas para todos os homens? A resposta para essas
indagações é relativamente simples: os homens na sociedade de classes capitalista se apropriam
de frações da natureza de modos distintos e conforme o fazem as influências sobre o tratamento
dos resíduos sobre eles também é distinto. Com isto queremos pontuar que os exércitos de
catadores de resíduos, os agricultores e os acionistas da Companhia Vale do Rio Doce, por
exemplo, assumem diferentes posições nas relações de apropriação dos recursos naturais, assim,
as influências de qualquer tratamento sob eles são totalmente distintas, desde que se mantenha
uma singularidade comum, a de que eles mantenham sua condição de apropriação da natureza de
modos distintos.
Consideramos ser fundamental que cada um faça a sua parte no sentido de nos tornarmos
conscientes da necessidade de criarmos padrões societários coerentes com a manutenção da vida
no planeta. Precisamos apenas ressaltar que na sociedade de classes capitalista, estágio de
desenvolvimento hegemônico das sociedades presentes, fazer a sua parte significa cada um seguir
o seu caminho imediato e não olhar para trás, ou melhor, para o outro e para a história. A marca
do indivíduo, exacerbada nesta sociedade, não a permite ir além desta proposta, não permite nem
uma coerência interna, pois ela é em essência reducionista e fragmentada. Para desenvolver este
raciocínio pensamos do seguinte modo: como um indivíduo pode fazer a sua parte sem considerar
o outro? Mas pode-se contestar: não se trata de desconsiderar o outro, trata-se de tomar medidas
57
individuais capazes de mitigar os problemas relacionados ao consumo ou mesmo desenvolver
práticas e valores cotidianos que resultem em uma harmonização com o meio ambiente. É
reducionista porque subsume o conjunto das relações sociais à ação individual, desconsidera-se o
fazer-se humano nas e pelas relações que se mantém em sociedade, em coletividades ou
comunidades. É fragmentada porque considera que essas ações individuais possam ter alguma
efetividade se consideradas apenas suas relações diretas de consumo. Duplamente fragmentada
quando considera apenas o consumo esquecendo-se da produção, distribuição e circulação e todas
as relações sociais envolvidas nestas etapas.
Não aprofundaremos esta polêmica, mas será preciso esclarecer que a visão atomista de
sociedade e das relações que a permeiam é uma característica e mesmo um pressuposto do modo
de produção capitalista. Por isso mesmo seus teóricos negam a possibilidade de conhecimento da
realidade em sua totalidade concreta. Coerente com essa posição, foram assumidas formas de
compreensão das relações sociedade-natureza que privilegiassem as partes constitutivas da
totalidade, mas não as determinações e relações que geram a totalidade concreta onde a “questão
ambiental” pudesse ser compreendida no conjunto de suas determinações. Deste modo essa
compreensão da realidade fragmentada não pode ir além das abstrações que tentam forjar uma
transformação da realidade, mas não podem fazê-lo, pois não passam de abstrações, já que
apreendem apenas parte da totalidade concreta, desconsiderando suas determinações e assim
tendo uma compreensão apenas superficial da realidade.
Como então alcançar tal intento? Como chegar ao conhecimento da totalidade concreta?
Como resolver o problema da fragmentação presente nas teorias e métodos em EA? Talvez uma
idéia seja tentarmos definir uma concepção de homem, ou melhor, de sociedade que faça parte da
natureza, então devemos fazer algumas considerações. A primeira delas sem dúvida é que esta
concepção pode ter validade social histórica se definirmos antes o que move as relações
58
humanas em sociedade e desta na natureza. Isto é: um fio condutor universal que une
sociedade e natureza? Se sim, como isso ocorre?
A universalidade do homem aparece, na prática, na universalidade que faz da
natureza inteira o seu corpo orgânico: 1) como meio direto de vida, e,
igualmente, 2) como o objeto material e o instrumento de sua atividade vital. A
natureza é o corpo inorgânico do homem; quer isso dizer a natureza excluindo o
próprio corpo humano. Dizer que o homem vive da natureza significa que a
natureza é o corpo dele, com o qual deve manter-se em contínuo intercâmbio a
fim de não morrer. A afirmação de que a vida sica e mental do homem e a
natureza são interdependentes simplesmente significa ser a natureza
interdependente consigo mesma, pois o homem é parte dela. (Marx,
Manuscristo de 1844 In: Fromm, 1975, p. 95).
Iniciaremos a partir deste ponto alguns esclarecimentos teóricos sobre a categoria de
metabolismo natureza-sociedade, base conceitual sobre a qual se assentam nossas discussões, nos
apoiando no instigante estudo de John Bellamy Foster em que este busca entender e desenvolver
uma “visão ecológica revolucionária” considerada de suma importância visto que associa a
transformação social com a transformação da relação humana com a natureza de modos que
agora consideramos ecológicos”. (FOSTER, 2005, p. 13).
Na obra supracitada, intitulada A ecologia de Marx: materialismo e natureza, Foster resgata o
conceito de Marx de “falha metabólica” na relação do homem com a natureza, fazendo para isto a
releitura de autores como Epicuro e Darwin, argumentando a necessidade de compreender as
visões da natureza que surgiram do século XVII ao século XIX com o desenvolvimento do
materialismo e da ciência a fim de entender as origens da ecologia. (FOSTER, 2005).
A crítica da agricultura capitalista de Marx e as suas contribuições ao pensamento ecológico
nessa área devem ser entendidas no contexto do período que vai de 1830 a 1880, a “segunda
revolução agrícola”, conforme Foster (2005), caracterizada pelo crescimento de uma indústria de
fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos associado a publicação da obra
Agricultural Chemistry, em 1862, do químico agrícola alemão Justus von Liebig.
59
Conforme Foster, ao escrever O capital no início da década de 1860, Marx foi profundamente
afetado pela análise de Liebig sobre os processos de utilização do solo que terminavam por
roubar-lhe os nutrientes e diminuir sua produtividade. Na verdade, um dos méritos imortais de
Liebig”, observou Marx no volume 1 do Capital, é ter desenvolvido, do ponto de vista da
ciência natural, o lado negativo, isto é, destrutivo, da agricultura moderna”. (MARX e
ENGELS, Collected works; MARX, Capital apud FOSTER, 2005, p. 218).
Foster empreendeu ampla reconstrução do debate histórico sobre a degradação do solo
que emergiu em meados do século XIX. Em um destes resgates, Foster destaca o papel de um
jovem agrônomo, George Waring (1833-1898) ao fazer uma conferência à Sociedade Geográfica
do Estado de Nova York intitulada “As Características Agrícolas do Censo de 1850”, na qual ele
tentou demonstrar empiricamente que o solo estava sendo sistematicamente roubado dos seus
nutrientes através do transporte de longa distância de alimentos e fibras num movimento
unilateral do campo para a cidade. Ao concluir seus argumentos Waring declara:
[...] A questão da economia deveria ser, não quanto nós produzimos
anualmente, mas quanto da nossa produção anual é poupado ao solo. [...] O
homem não passa de um inquilino do solo e é culpado de um crime quando
reduz o seu valor para outros inquilinos que venham depois dele. (FOSTER,
2005, p. 216).
Mais tarde Marx cunharia reflexão que traz sentido semelhante a este, porém problematizada
sob outro aspecto. Esta deve ser uma reflexão desconhecida por muitos ambientalistas e se
configura como essência mesma de um ambientalismo crítico-revolucionário, mesmo não sendo
essa a intenção do autor:
Do ponto de vista de uma formação socioeconômica superior, a propriedade
privada da terra por determinados indivíduos vai parecer tão absurda como a
propriedade privada de um homem por outros homens. Nem mesmo uma
sociedade inteira, ou uma nação, ou o conjunto simultâneo de todas as
sociedades existentes é dono da terra. Eles são simplesmente os seus posseiros,
os seus beneficiários, e precisam legá-la em melhor estado às gerações que as
60
sucedem como boni patres famílias [bons pais de família]. (MARX, Capital
apud FOSTER, 2005, p. 231).
Em outra passagem interessante do trabalho de Foster, devendo ser considerada à luz dos
conhecimentos técnicos que temos hoje, ele lembra a análise da situação do Tâmisa por Liebig
em que este insistia que a reciclagem orgânica que devolveria ao solo os nutrientes contidos no
esgoto era uma parte indispensável de um sistema urbano-agrícola racional. Ele dizia:
Se fosse possível coletar, sem a mínima perda, todos os excrementos sólidos e
líquidos dos habitantes das cidades e devolver a cada agricultor a parcela
decorrente dos produtos originalmente fornecidos por ele à cidade, a
produtividade da sua terra poderia ser mantida quase que incólume por muito
tempo, e o estoque de elementos minerais existentes em todo campo fértil seria
amplamente suficiente para as necessidades das populações crescentes.
(FOSTER, 2005, p. 218).
Tratando-se de uma obra extensa e com ricas fontes históricas, nos ocuparemos neste trabalho
principalmente do conceito de falha metabólica para explicarmos o “fermento” de nossas
discussões.
A categoria conceitual principal da análise teórica de Marx nesta área é o conceito de
metabolismo (Stoffwechsel). Foster nos explica que a palavra alemã Stoffwechsel” implica
diretamente, nos seus elementos, uma noção de “troca material” subjacente à noção dos processos
estruturados de crescimento e decadência biológicos englobados pelo termo “metabolismo”. Na
definição do processo de trabalho, Marx tornou o conceito de metabolismo central a todo o seu
sistema de análise, enraizando nele a sua compreensão do processo de trabalho (FOSTER, 2005;
LÖWY, 2005).
O trabalho é, antes de qualquer outra coisa, um processo entre o homem e a
natureza, um processo pelo qual o homem, através das suas próprias ações,
medeia, regula e controla o metabolismo entre ele e a natureza. Ele encara os
materiais da natureza como uma força da natureza. Ele põe em movimento as
forças naturais que pertencem ao seu próprio corpo, aos braços, pernas, cabeça
e mãos, a fim de apropriar os materiais da natureza de uma forma adaptada às
suas próprias necessidades. Através deste movimento, ele atua sobre a natureza
externa e a modifica, e assim simultaneamente altera a sua própria natureza...
Ele [o processo do trabalho] é a condição universal da interação metabólica
61
(Stoffwechsel) entre o homem e a natureza, a perpétua condição da existência
humana imposta pela natureza. (MARX, Capital apud FOSTER, 2005, p. 221).
Marx demonstrou como a indústria e a agricultura de larga escala concorreram para destruir o
solo e empobrecer o trabalhador. Conforme Foster, grande parte desta crítica está presente em um
trecho de “A Gênese da Renda Fundiária Capitalista”, no Volume 3 do Capital e na discussão
sobre “A Indústria e a Agricultura em Larga Escala” no volume 1 do Capital. (FOSTER, 2005).
Assumiremos o risco de reproduzirmos dois trechos na íntegra, mas conquanto seja
compreendida como construção original e insubstituível em seus termos e significados,
preterimos o rigor metodológico em benefício do enriquecimento teórico deste estudo, bem como
pela sua impressionante atualidade:
A grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo
sempre declinante e a confronta com uma sempre crescente população
industrial amontoada nas grandes cidades; deste modo, ela produz condições
que provocam uma falha irreparável no processo interdependente do
metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria
vida. Isto resulta num esbulho da vitalidade do solo, que o comércio transporta
muitíssimo além das fronteiras de um único país. (Liebig.)... A indústria de
larga escala e a agricultura de larga escala feita industrialmente têm o mesmo
efeito. Se originalmente elas se distinguem pelo fato de que a primeira deixa
resíduos e arruína o poder do trabalho e portanto o poder natural do homem, ao
passo que a última faz o mesmo com o pode natural do solo, elas se unem mais
adiante no seu desenvolvimento já que o sistema industrial aplicado à
agricultura também debilita ali os trabalhadores, ao passo que, por seu lado, a
indústria e o comércio oferecem à agricultura os meios para exaurir o solo.
(MARX, Capital apud FOSTER, 2005, p. 219).
A produção capitalista congrega a população em grandes centros e faz com que
a população urbana tenha uma preponderância sempre crescente. Isto tem duas
conseqüências. Por um lado, ela concentra a força-motivo histórica da
sociedade; por outro, ela perturba a interação metabólica entre o homem e a
terra, isto é, impede a devolução ao solo dos seus elementos constituintes,
consumidos pelo homem sob a forma do alimento e do vestuário; portanto, ela
prejudica a operação da condição natural eterna para a fertilidade duradoura do
solo... Mas, ao destruir as circunstâncias em torno desse metabolismo... ela
impele a sua restauração sistemática como uma lei reguladora da produção
social, e uma forma adequada ao pleno desenvolvimento da raça humana...
[T]odo progresso na agricultura capitalista é um progresso da arte de roubar,
não só do trabalhador, mas do solo; todo progresso no aumento da fertilidade do
solo por um determinado tempo é um progresso em direção à ruína das fontes
mais duradouras dessa fertilidade... A produção capitalista, portanto,
62
desenvolve a técnica e o grau de combinação do processo social da produção
solapando simultaneamente as fontes originais de toda riqueza o solo e o
trabalhador. (MARX, Capital apud FOSTER, 2005, p. 219-20).
O conceito teórico central de “falha”
27
na interação metabólica entre o ser humano e a terra
está presente nestes trechos, isto é, o metabolismo social prescrito pelas leis naturais da vida,
através do ‘roubo’ ao solo dos seus elementos constitutivos, exigindo a sua ‘restauração
sistemática’”. (FOSTER, 2005, p. 220). O conceito de metabolismo deu a Marx um modo
concreto de expressar a noção da alienação da natureza (e da sua relação com a alienação do
trabalho) que desde os seus primeiros escritos foi central à sua crítica. Como ele explicou nos
Grundrisse,
Não é a unidade da humanidade viva e ativa com as condições naturais,
inorgânicas, da sua troca metabólica com a natureza, e daí a sua apropriação da
natureza, que requer explicação, ou é o resultado de um processo histórico, mas
a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta
existência ativa, uma separação que é integralmente postulada apenas na
relação do trabalho assalariado com o capital. (MARX, Grundrisse apud
FOSTER, 2005, p. 223)
Se anteriormente afirmamos que a EA, enquanto processo formativo mediador, pode
contribuir para transformar as relações metabólicas entre sociedade-natureza, é fundamental que
ela se ocupe também do modo como esse metabolismo é desregulado ou descontrolado, ou seja,
sua falha ou excisão metabólica. Mas se é através do trabalho que o homem medeia, regula e
controla o metabolismo entre ele e a natureza, o que desregula ou descontrola esse metabolismo?
O desenvolvimento e utilização de tecnologias ou instrumentos poluentes ou insustentáveis? A
falta de um manejo adequado dos recursos naturais? O crescimento excessivo da população e o
desequilíbrio causado pela “separação” cidade e campo? Pensamos que não.
27
Cf. Löwy, Riss des Stofwechsels, ruptura ou distensão do metabolismo ou das trocas materiais. (LÔWY, 2005, p.
27).
63
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo
ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por conseguinte, ele não se
realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de
sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias
mentais e físicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O
trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no
trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é
trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um
meio para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente
atestado pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser
evitado como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem
se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por
fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por
não ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele
não pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa. . (MARX, Manuscritos de
1844. In: FROMM,1975, p. 93.).
A tese de Marx de que aqueles que afirmam que os homens são fruto das circunstâncias e da
educação, e homens diferentes são frutos de circunstâncias e educação diferentes, se esquecem
que as circunstâncias são criadas pelos mesmos homens e que o educador deve ser educado, pode
ser dialeticamente transposta para buscarmos compreender que: quando afirmamos que podemos
desenvolver nossas sociedades de modo sustentável e esta sustentabilidade poderá promover
mudanças na forma como os homens se relacionam entre si e com a natureza, não devemos nos
esquecer que esta mesma sustentabilidade vincula-se ao modo como os homens transformam a
natureza e são por ela transformados, o que na tradição marxista conceitua-se categoricamente
como trabalho e que na sociedade produtora de mercadorias o trabalho é estranhado assim como
é a relação do homem com outros homens e do homem com a natureza, numa dinâmica que se
retroalimenta. Isto é, concepções, propostas, projetos ou estratégias de sustentabilidade devem
estar radicalmente condicionados aos processos de transformação da natureza, ou seja, trabalho, e
este considerado na totalidade das relações que engendra na sociedade de classes capitalista.
A atual expressão “global” do capitalismo, denominada neoliberalismo, além da
uniformização que promove a erosão cultural dos povos e da homogeneização ideológica de um
64
consenso que busca legitimar a sentença de que “não alternativas”, caracteriza-se por uma
mundialização da opressão sobre as classes-que-vivem-do-trabalho, como nos ensina Antunes
(1999).
A atuação de organismos como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, controlados
pelos principais Estados capitalistas avançados e apoiados pelas frações burguesas dominantes
dos países capitalistas dependentes, expandindo as políticas de liberalização e flexibilização dos
mercados, acompanhadas pela massiva penetração das megacorporações transnacionais,
agudizam a precarização nas relações de trabalho. Isto resulta na disseminação da pobreza (dois
terços da humanidade nessas condições) com conseqüente aumento da violência nos centros
urbanos, degradação dos solos, da água e da biodiversidade e a crescente mercantilização dos
direitos conquistados nas lutas sociais.
Neste cenário, o que nos parece necessário problematizar é: como o produtivismo e o
tecnicismo de matriz cartesiana, orientados para a máxima lucratividade, podem gerar relações
sustentáveis? A manutenção das relações econômicas, jurídicas, culturais e políticas em torno da
propriedade privada capitalista é capaz de promover a sustentabilidade? A apropriação das
riquezas produzidas pela grande maioria, estando concentrada em poucas mãos, pode edificar
práticas sustentáveis? Qual o sentido de riqueza buscamos para conferir sustentabilidade às novas
relações entre sociedade-natureza?
Como todas estas indagações perfazem um amplo espectro da produção de conhecimento, não
havendo em suas formulações qualquer intenção de neutralidade científica, envolvendo as
diversas práticas sociais humanas, e por isso historicamente construídas e em constante
movimento, para efeito deste trabalho, vamos nos concentrar nas práticas educacionais que
encerram em suas formulações e atuações no real, propostas de ruptura com os padrões
orientadores da ordem estabelecida. Neste contexto insere-se o que compreendemos como
65
Educação Ambiental Transformadora definida no Brasil conforme as palavras de Loureiro
(2004a):
a partir de uma matriz que a educação como elemento de transformação
social (movimento integrado de mudança de valores e de padrões cognitivos
com ação política democrática e reestruturação das relações econômicas),
inspirada no fortalecimento dos sujeitos, no exercício da cidadania, para a
superação das formas de dominação capitalistas, compreendendo o mundo em
sua complexidade como totalidade. (LOUREIRO, 2004a, p. 66-7).
As ações e reflexões junto ao ambiente natural não são genéricas e abstratas como se toda a
sociedade compartilhasse os mesmos valores, práticas e decisões e se apropriasse de modo
homogêneo dos recursos naturais ou culturais, bem como sofresse de igual modo os efeitos,
benesses ou riscos, dessa apropriação.
Os modos como os sujeitos buscam alicerçar seus valores e suas formas de apreender o real
estão dialeticamente em permuta com as disputas e conflitos oriundos da concretude das relações
de formação, produção e reprodução de sua existência. Os indivíduos e grupos sociais podem
atuar decisivamente na construção de uma cidadania de fato, quando se confrontam e lutam
contra as imposições e opressões que os tornam menos humanos.
Remetendo-nos novamente a Loureiro (2003), a necessidade de uma transformação da
sociedade e uma radical contraposição aos padrões industriais e de consumo, exacerbados no
capitalismo, aproximou os militantes dos movimentos sociais e ambientalistas dos educadores,
principalmente os envolvidos com educação popular e instituições públicas de educação.
um criativo e vital diálogo, por parte desta vertente da Educação Ambiental com
perspectivas teóricas próximas ao grupo das pedagogias críticas, libertárias e emancipatórias,
como a trabalhada por Paulo Freire, destacada conforme Loureiro (2004a):
pela concepção dialética de educação, que é vista como atividade social de
aprimoramento pela aprendizagem e pelo agir, vinculadas aos processos de
66
transformação societária, ruptura com a sociedade capitalista e formas alienadas
e opressoras de vida”. (LOUREIRO, 2004a, p. 68).
Insistimos, pois, em ressaltar que: as práticas e conhecimentos produzidos em sociedade,
referentes à ações individuais e/ou coletivas no ambiente são constituintes do próprio processo de
humanização que nos permitiu desenvolver uma complexidade que se traduz em nossa
organização social, esta por sua vez, semente e fruto da nossa ação de transformação da natureza,
bem como nossas intensas e infinitas possibilidades de interação cuidadosa com os indivíduos da
nossa espécie e com os das outras espécies de seres vivos. Ao esboçarmos esta afirmação, para
evitar mal entendidos, destacamos não se tratar de sentimentalismo idealista ingênuo, mas da
exigência interacional material-simbólica concreta, dialética e complexa, sem a qual, até aqui, os
conhecimentos disponíveis nos permitem afirmar não ser possível existir vida.
Ora, o que define a existência humana, o que caracteriza a realidade humana é
exatamente o trabalho. O homem se constitui como tal à medida que necessita
produzir continuamente sua própria existência. É o que diferencia o homem dos
animais: os animais têm sua existência garantida pela natureza e, por
conseqüência, eles se adaptam à natureza. O homem tem de fazer o contrário:
ele se constitui no momento em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo
mais suficiente adaptar-se à natureza. Ajustar a natureza às necessidades, às
finalidades humanas, é o que se faz pelo trabalho. Trabalhar não é outra coisa
senão agir sobre a natureza e transformá-la. (SAVIANI, 2003, p. 133).
Portanto, as relações que nos criam e recriam vão além das sínteses metabólicas presentes nos
ciclos e processos materiais e energéticos necessários e presentes nos demais seres vivos, mas no
caso de nossa espécie tal síntese é permeada pelas singularidades e universalidades presentes nos
contextos históricos, forjadores das diferentes culturas.
O contexto cultural engendrado pela ordem social capitalista propicia o surgimento de
contradições que se manifestam principalmente através de mudanças nas relações entre os
sujeitos sociais diversos a partir de novas sínteses metabólicas onde os processos de interação se
dão de forma apartada das relações conformadoras dos indivíduos, isto é, relações sociais na
67
natureza, fazendo-os separar-se dos seus meios de reprodução os quais estão umbilicalmente
vinculados.
A Educação Ambiental Transformadora poderia contribuir com proposições e estudos que
problematizem as rupturas metabólicas geradoras das relações de dominação e exploração, e
vice-versa, isto é, as relações de dominação e exploração que geram rupturas metabólicas, às
quais os diversos grupos sociais estão submetidos e que produzem e reproduzem as condições
desiguais de apropriação material e simbólica da natureza.
Portanto, buscaremos nos orientar sempre sobre o que consideramos um dos pressupostos da
Educação Ambiental Transformadora, qual seja, a idéia de que os sujeitos se relacionam entre si
na natureza de modo diferenciado conforme as relações estejam alienadas ou não, seja com
outros sujeitos, consigo ou na natureza. Ao admitirmos este pressuposto, nos comprometemos
com uma perspectiva teórica e prática que compatibilize a apreensão da realidade concreta
levando-se em conta que relações alienadas, como as temos compreendido de modo inclusive a
alimentar processos e fenômenos insustentáveis –, estabeleceram-se e exacerbaram-se com a
incidência e consolidação de uma sociedade de classes capitalista.
Deste modo, para a Educação Ambiental Transformadora importa, em grande medida, situar e
compreender os processos que envolvem os sujeitos explorados e expropriados de seus modos de
reprodução social por estarem submetidos a uma racionalidade historicamente construída por
diferentes grupos sociais, onde uma pequena fração dos sujeitos hegemonizam os mecanismos
legais, éticos, econômicos e culturais em torno da apropriação dos meios e relações de produção
em favor da reprodução do capital em detrimento da coexistência com os demais grupos sociais,
notadamente da classe trabalhadora do campo, mas também da cidade, fragmentadas pela ordem
social da sociedade de classes capitalista.
68
Em 1960, no Brasil
28
, foram produzidas 37 máquinas agrícolas automotrizes
29
. No ano
seguinte foram 2.430. Em 1976 a produção alcançou seu recorde histórico com 82.632 unidades.
No período de 1989 a 1999, foram produzidos por ano, uma média de 34.840 dessas máquinas, e
de 2000 a 2005 foram, em média, 61.339 unidades por ano, quase o dobro da média dos dez anos
anteriores em apenas seis anos.
No período de 1988 a 1998 foram importadas 50.554 mil toneladas de fertilizantes. De 1999 a
julho de 2006 foram importadas 84.833 mil toneladas. De 1998 a julho de 2006, no Brasil foram
produzidas 71.382 mil toneladas de fertilizantes. Nos dez anos anteriores o total acumulado foi de
68.516 mil toneladas. As vendas, entre 1987 e 1997, movimentaram 113.579 mil toneladas do
produto e de 1998 até julho de 2006 tinham movimentado 154.084 mil toneladas.
No período de 1989 a 1999, foram negociados 2.929,325 milhões de dólares e nos seis anos
seguintes 18.614,000 milhões de dólares em vendas (um aumento de cerca de 84%) de defensivos
agrícolas como: inseticidas, acaricidas, fungicidas, herbicidas e outros.
Indústria, agricultura e comércio assim interagindo nos permitem aproximarmos, ainda
superficialmente, dos nexos que reforçam as atuais relações metabólicas sociedade-natureza e dos
mecanismos que geram sua ruptura ou falha no desenvolvimento da agricultura capitalista no
Brasil. Acentuaríamos que, no presente, as formas de acumulação e apropriação pelo capital, do
que quer que seja, ganharam novos elementos quantitativos e qualitativos, advindos de contextos
externos e internos, que impõem sinal vermelho às disposições da classe trabalhadora, pois esse
avanço do capital aponta para a destruição da natureza e objetivamente daquilo que permite aos
seres humanos se humanizarem, as possibilidades de produção criadora, e não destruidora, na/da
28
Dados extraídos das planilhas elaboradas pelo MAPA que utilizou como fonte a ANFAVEA – Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, da ANDA Associação Nacional para Difusão de Adubos e do
SINDAG - o Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Agrícola.
29
Entre cultivadores motorizados, tratores de rodas, tratores de esteiras, colheitadeiras e retroescavadeiras.
69
natureza, com os outros seres, e das relações que eles são capazes de construir com os outros
humanos a partir delas.
Mas adiante neste trabalho retornaremos ao conceito de metabolismo sociedade-natureza e à
outras implicações de sua interpretação para a Educação Ambiental.
2.2 A realidade dos números?
Nosso objetivo neste item é expor alguns dados que refletem as contradições presentes no
campo brasileiro em decorrência da hegemonia do modelo agrícola capitalista em acordo com o
que, cerca de 30 anos, destacava Prado Jr. ao ressaltar que é uma fato notório e da mais fácil
comprovação que o desenvolvimento agrícola e as condições de vida do trabalhador rural não se
acham direta e necessariamente relacionados”. (PRADO Jr., 1979, p. 29).
No Brasil, é considerada urbana 81,6% da população, e apenas 18,8% representam a
população rural
30
. Segundo dados do IBGE/PNAD, a população rural brasileira em 2004 era
composta de 52,1% de homens e 47,9% de mulheres. A região Nordeste reúne 30,9% da
população rural com 14.766.286 de seres humanos, seguida bem de perto pela região Norte com
30,1% da população rural total. A região Sul vem em terceiro com 19,1% e a região Centro-
Oeste com 13,3%. A região Sudeste, epicentro do modelo produtivo industrial-urbano brasileiro
30
A contestação destes dados pode ser encontrada no livro Cidades imaginárias do Professor Jo Eli da Veiga.
Conforme o autor, as cidades a que se refere o título do livro decorrem de uma falha “imperdoável” do Estatuto da
Cidade (Decreto-Lei 311 de 1938), que não define o que é cidade, transformando em cidades todas as sedes
municipais existentes. Nisto “todo município é cidade, sejam quais forem suas características demográficas e
funcionais. Neste caso apenas 57% da população faria parte da rede urbana: 34%, em 12 aglomerações
metropolitanas, 13%, em 37 aglomerações não-metropolitanas, e 10% em 77 centros urbanos que não pertencem a
aglomerações. Fora dessa hierarquia de cidades que abrange 455 municípios, outros 567 (com 13% da
população), cujo caráter é suficientemente dúbio para que alguns de seus núcleos ambicionem o status de “cidade”.
Mas nenhum critério razoável permitiria que algo semelhante ocorresse com as sedes dos demais 4.485 municípios.
E é neles que vivem os outros 30% da população brasileira”. (VEIGA, 2003, p. 55-56). Não temos elementos para
entrar nesta discussão, apenas consideramos pertinente pontuá-la.
70
comporta 9,5% da população rural. Dos anos de 1950 a 1980, as taxas de crescimento da
população urbana aumentaram respectivamente 8,9%, 10,8% e 11,7% nos respectivos decênios.
No decênio 80-90 o crescimento foi de 8% e houve nova queda neste crescimento urbano entre
90-2000, 5,6%.
Os dados sobre valor e distribuição do rendimento mensal familiar
31
em relação aos
rendimentos oriundos do trabalho
32
, que inclui rendimentos de empregados, empregadores e
trabalhadores por conta própria, apontam uma dia de R$1.225,11 o rendimento do trabalho na
área urbana. Na área rural
33
este rendimento médio desaba para R$ 466,28, o que representa
menos da metade ou 38% do rendimento médio urbano.
Na área rural, em 2004, 73,7% dos domicílios tinham rendimentos de até 3 salários
mínimos, 22,7% recebiam rendimentos entre 3 e 10 salários e 2,7% obtinham rendimentos
superiores a 10 salários. Na área urbana, as mesmas faixas salariais apresentam percentuais de
44,5%, 40,9% e 13,3%. Ainda 1,2% dos domicílios da área urbana e 0,9% da área rural inserem-
se na categoria “sem rendimento”, que inclui os domicílios cujos moradores receberam somente
em benefícios. O rendimento médio mensal domiciliar rural
34
é 47,5% do rendimento domiciliar
urbano, ou R$ 707,00. A pesquisa indica ainda que a proporção do rendimento médio mensal
feminino em relação ao masculino é de 52,1% para as mulheres que vivem na área urbana e de
39,6% para as que vivem na área rural.
31
Observação da pesquisa DIEESE/NEAD: O termo família foi utilizado para indicar a unidade de investigação da
pesquisa, “unidade de consumo”.
32
Consideramos apenas os rendimentos do trabalho (empregado, empregador e trabalho por conta própria),
observando que o rendimento total possuía outras origens como: aposentadoria, rendimento de aluguel e rendimentos
não-monetários, estes sendo definidos como tudo aquilo que é produzido, pescado, caçado, coletado ou recebido em
bens (troca, doação, retirada do negócio, produção própria e salário em bens) utilizados ou consumidos durante o
período de referência da pesquisa e que, pelo menos na última transação, não tenha passado pelo mercado. Os
rendimentos não monetários representam 13,9% do rendimento total urbano e 23,3% do rendimento total da
população rural. (DIEESE/NEAD, 2006, p. 126).
33
Em Anexos, ver Gráfico 4 – Principal fonte de rendimentos das famílias.
34
Neste caso sendo considerados os rendimentos totais, incluindo aposentadoria, empréstimos, transferências,
aplicação de capitais, etc.
71
As atividades agrícolas rendiam até 2 salários nimos à 61,4% dos homens e 19,1% das
mulheres em 2004. 10,2% dos homens e 1,1% das mulheres ganhavam de 2 a 10 salários
mínimos e apenas 1,2% de homens e 0,1% de mulheres tinham rendimentos superiores a 10
salários nimos. Outros 27,2% de homens e 79,8% de mulheres não possuíam qualquer
rendimento (pessoas que receberam apenas benefícios).
Em 2004 a pecuária, atividade de maior rendimento no campo, conferia uma média de R$
577,85 para homens e R$ 447,39 para mulheres. As lavouras forneciam rendimentos médios de
R$ 394,23 para homens e R$ 245,72 para mulheres. A média dos rendimentos do total das
atividades agropecuárias consideradas nos estudo é de R$ 432,72 para homens e R$ 244,18 para
mulheres.
No Brasil, 68,3% dos/as empregados/as no setor agrícola não possuíam carteira de
trabalho assinada em 2004. Nas regiões Norte e Nordeste estes índices alcançavam 84,5 e 81,5%
dos/as trabalhadores/as respectivamente. Do total de trabalhadores/as ocupados em atividades
agrícolas, 88,5% não estavam contribuindo para a previdência. Nas regiões Norte e Nordeste
estes índices alcançavam 96,2 e 95,2% respectivamente.
Conforme os dados sobre a distribuição dos ocupados segundo faixa etária em que
começaram a trabalhar, na zona urbana 13,4% dos meninos e 10,2% das meninas com até 9 anos
são considerados ocupados. Na zona rural este índice salta para 32,5% dos meninos e 27,9%
das meninas com até 9 anos. Na faixa etária de 10 a 14 anos, 44,2% dos meninos e 33,8% das
meninas já estão ocupados com algum tipo de trabalho nas cidades, enquanto no campo os
índices são de 54,7 e 54,3%, para meninos e meninas respectivamente. Podemos, em primeira
análise, sinalizar para a demanda imposta à reprodução do trabalho familiar no campo para as
faixas etárias até os 14 anos, enquanto a partir dos 15 anos as maiores proporções são encontradas
na área urbana. Inicialmente, poderíamos sugerir que isto se deve por três fatores: 1º) A
72
participação no trabalho familiar no campo por parte das crianças e adolescentes, tanto por
imposição do capital (leia-se exploração do trabalho infantil) como por características culturais
do trabalho no campo; 2º) A carência de instituições de ensino formal de vel médio no meio
rural e 3º) O êxodo rural provocado por esta condição, que aumenta os índices de adolescentes
ocupando subempregos nas cidades.
Os dados sobre a distribuição de crianças de 5 a 14 anos por atividade principal de
trabalho nos mostram que, numa média do somatório das grandes regiões, em 2004, tínhamos
75,58% dos meninos e 24,42% das meninas em atividades agrícolas, e 59,08% dos meninos e
40,92% das meninas em atividades não-agrícolas. Cerca de um milhão e duzentas mil crianças
em atividades agrícolas e setecentas e sessenta mil em atividades não agrícolas.
Os maiores índices de analfabetismo em todas as faixas etárias são encontrados no campo,
onde 65,5% da população não tem mais de 4 anos de estudo. Apenas 27,5% tem entre 5 a 10 anos
de estudo, e mais de onze anos de estudo apenas 6,7% da população. A situação urbana, não
menos sombria, mas um pouco menos injusta, indica que 33,7% da população tem até quatro
anos de estudo, 35,9% de cinco a dez anos e 29,8% mais de onze anos de estudo. Os dados
indicam ainda que 9% dos homens e 11,3% das mulheres que vivem nas cidades conseguem
cursar o ensino superior (incluindo mestrado e doutorado) enquanto no campo estes índices não
passam de 0,8% para homens e 1,8% para mulheres.
Em 2001, chegavam a 9.136.624 os trabalhadores associados a 3.911 sindicatos rurais,
representando 44% dos trabalhadores, dentre rurais e urbanos, associados a sindicatos.
Esta pesquisa indicou ainda que 56,1% dos domicílios urbanos possuem rede coletora de
dejetos sanitários, enquanto na zona rural apenas 3,8% dos domicílios são atendidos por essa
rede. No campo, 15,7% utilizam fossa séptica, 54,3% utilizam fossa negra, poços ou buracos e
outros. Cerca de ¼ da população (26,1%) não possui qualquer tipo de esgotamento.
73
Não podemos negar que nesses indicadores evidências da excisão metabólica, uma
cisão explícita entre cidade e campo, expressões concretas das condições que esgotam e destroem
as forças vitais dos/as trabalhadores/as do campo. Entretanto, elas não definem a falha
metabólica, apenas a evidenciam pelas suas relações mais superficiais, não secundárias, mas
aparentes. Existem determinações concretas mais profundas na história do desenvolvimento do
capitalismo no Brasil que condicionam a organização da sua estrutura fundiária e agrícola, bem
como das relações sociais decorrentes delas.
Com relação à estrutura fundiária em 2003, os estudos do DIEESE/NEAD indicam que
73,7% dos imóveis rurais possuíam até 50 hectares e ocupavam 12%, ou 50.743.620 hectares da
área total. Por outro lado, 3,5% dos imóveis com 500 ou mais hectares, ocupavam 235.755.302
hectares ou, 56,1% de toda a área. Merecem destaque os 0,8% dos proprietários, com mais de
2.000 hectares, que ocupavam 31,6% do território agricultável do país. No Brasil, 93,8% dos
imóveis “tem dono”, enquanto 2,5% são arrendados, 0,9% fazem parcerias e 2,9% são
classificados como ocupantes.
Esta concentração, historicamente estabelecida, como indicam os dados atuais e os
trabalhos anteriores a partir dos quais nos referendamos, se observada em um momento mais
recente, precisamente do período de 1992 a 2003 vem sofrendo um movimento de super
concentração. Em 1992, tínhamos uma área média de 106,02 hectares para cada um dos
2.924.204 imóveis rurais espalhados por extensos 310.030.752,20 hectares. Em 1998 houve um
aumento de 18,46% no número de imóveis (3.586.525) e um aumento de 25,39% da área
(415.548.885,60 ha), uma média de 115,86 ha por unidade rural. Em 2003, novo aumento, agora
de 16,40% do número de imóveis, passando a 4.290.531 unidades, para uma área de
418.483.332,30, um acréscimo de apenas 0,7% com relação a anterior. A média de hectares por
unidade rural cai 8%, para 97,53 ha por imóvel. O aumento absoluto do número de imóveis e da
74
área total não nos permite afirmar que houve distribuição de terras, tampouco a diminuição da
área média dos imóveis rurais. Daí pensarmos que reforma agrária neste período, de fato, o
houve.
Desenvolvemos nosso raciocínio do seguinte modo: são dezessete (17) as classes de áreas
consideradas para a organização da estrutura fundiária. Reúnem imóveis que possuem menos de
1 a mais de 100.000 mil hectares, organizando-se em três categorias: pequena, média e grande.
Das oito classes que compõem a categoria de unidade rurais pequenas (menos de 1 a menos de
200 ha), seis (6) tiveram uma queda na sua área média. Isto é, uma diminuição no tamanho da
área que configura a unidade rural. Somadas, a queda dessa seis faixas representam 5,34% de sua
área total. Das três faixas que compõem a categoria de unidades rurais médias (200 a menos de
2.000 ha), a faixa que vai de 200 a menos de 500 ha, sofreu uma queda de 0,05% da área, e duas
outras tiveram um aumento de 0,18% (500 a menos de 1.000 ha) e 0,39% (1.000 a menos de
2.000 ha). Por outro lado, das grandes unidades rurais (de 2.000 a 100.000 ha ou mais!) os
números não foram tão modestos. Na verdade houve uma queda da área em três de suas classes
de áreas: de 0,06% na classe de 2.000 a menos de 5.000 ha; de 1,18% na classe de 10.000 a
menos de 20.000 ha e 0,51% da classe de 20.000 a menos de 50.000. Já na classe que comporta
imóveis rurais de 50.000 a menos de 100.000 ha, o aumento da área foi de 1,29%. Ou seja, 113
imóveis em 1992, que ocupavam uma área média de 67.293,24 ha, em 2003 são reduzidos a 32
unidades com média de 68.173,32 ha de área. Por fim, a imensa propriedade rural, com 100.000
ou mais hectares de terras que, em 1992, era representada por 68 imóveis rurais e que em 2003
eram apenas 22, mas não menores, pois tinham se apropriado de uma área 27,02% maior da que
tinham há onze anos ou 377.923,46 ha, em média!
Expande-se assim, a tradicional estrutura de grandes extensões de terras, concentradas nas
mãos de poucos senhores, porém com novas feições, pois não mais constituídos apenas pelos
75
coronéis herdeiros das capitanias e das políticas oligárquicas de desenvolvimento regional, mas
perversamente renovados pelo capital agroindustrial transnacional com bases fincadas nas
instituições financeiras nacionais e estrangeiras, gerando o conhecido agronegócio. Um novo
nome para uma velha prática, porém mais feroz, por gerar maiores e mais profundas contradições
como procuraremos demonstrar.
Em suma: em termos de transformações da estrutura fundiária, não houve nada parecido
com o que poderíamos chamar de reforma agrária. Para nós o que houve foi uma maciça
concentração de terras nas grandes propriedades rurais.
Nisto talvez resida alguma determinação inextricável do desenvolvimento do capital no
campo no Brasil no presente. A concentração demasiadamente voraz sobre os espaços de um
território altamente estratégico para a expansão das articulações que mantém a economia do país
como um todo, em especial, para efeito deste trabalho, da economia agrária, atrelada
visceralmente à condição capitalista dependente.
Tamanha concentração recebe as bênçãos do capital financeiro e incorpora padrões e
demandas tecnológicas advindas e hegemonizadas das/pelas nações centrais do capitalismo.
Como conseqüências, se esgarçam ainda mais as condições materiais e simbólicas de criação e
representação da unidade sociedade-natureza, conforme as admitimos para a sustentação desta
unidade.
Da excludente Lei de Terras
35
(terras por dinheiro, muito dinheiro) e subseqüente
institucionalização do trabalho livre (com a promulgação de 1888 e leis de imigração a partir de
35
Lei 601 de 18 de setembro de 1850. Aos usuários era dada concessão de uso, as terras eram de propriedade da
Coroa. Essa lei exigia um pagamento à Coroa para o registro legal das terras em cartórios oficiais. Assim, passam a
ser proprietários os que tinham dinheiro para comprar a terra. (STÉDILE, 2000, p. 177).
76
1870) passando pelos distintos ciclos econômicos
36
(café, cacau, borracha, cana, por exemplo), as
formas de apropriação e exploração da natureza e do trabalho humano, presente no modelo de
agricultura capitalista brasileiro, organizam-se conforme o capital precise expandir as
articulações entre as forças que o movem. E o agronegócio é o novo conceito aglutinador dessas
forças no campo.
Aglutinam os latifundiários em sua especulação pelos maiores rendimentos devido aos
altos preços da terra. Aglutinam também os bancos nacionais e estrangeiros, que a partir da
liberalização financeira da Reforma de Bresser, promoveram o maior fluxo de capital
especulativo e fornecimento de créditos para o setor. Aglutinam ainda a indústria de insumos
(sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinas, tratores, etc.) e de subprodutos da agropecuária,
as grandes empreiteiras ou consórcios de construção civil e por fim, mas não menos importante,
os consórcios midiáticos de sustentação ideológica.
Mas o que é o agronegócio? Será apenas um conceito como nos referimos antes? Para que
não seja apenas um conceito vazio, como defini-lo? Quem o define? O MST? Os trabalhadores?
Ou o governo? Para nós o que define o agronegócio são suas práticas e estas não são outras que
não as da agricultura capitalista sob os imperativos de um Estado máximo para o capital,
conforme o pressupõe as classes dominantes.
A Assessoria de Gestão Estratégica (AGE) do MAPA produziu um documento intitulado
Projeções do Agronegócio Mundial e Brasil 2006/2007 a 2016/2017
37
. O AGE preparou um
36
Florestan Fernandes define como ciclo econômico, característico de países capitalistas dependentes aquele em que
“a conjugação de procura externa com técnicas de produção extensiva acarretando um padrão de crescimento
econômico pouco flexível, fundado em substituição súbita dos produtos básicos e em constante mobilidade dos
centros economicamente prósperos”. (FERNANDES, 1972, p. 51).
37
Disponível em:
http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/MENU_LATERAL/AGRICULTURA_PECUARIA/PR
OJECOES_AGRONEGOCIO/CENARIOS%20DO%20AGRONEGOCIO%202006-2007%20A%202016-
2017%20A1.PDF Acessado em 21/07/2007.
77
documento onde é projetado o futuro do agronegócio
38
brasileiro, para subsidiar os formuladores
de políticas públicas na sua tomada de decisão e delineamento de linhas de atuação (...) para o
desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro. Ressaltando que esta visão prospectiva
não é estática (...) em face de mudança no ambiente externo. (MAPA, 2006, p. 4)
De fato, o próprio documento não tarda em reconhecer que o aumento da atividade
externa do agronegócio pode ser analisado pelo seu “grau de abertura”, medido pela relação entre
exportações do agronegócio
39
e o PIB do agronegócio o qual reproduziremos abaixo para melhor
visualização.
QUADRO 1 – Grau de Abertura da Economia e do Agronegócio
Ano
Exportações
Totais
US$ Milhões
PIB Total a
preços
correntes
US$ Milhões
Exportações
do
Agronegócio
US$ Milhões
Grau de
Abertura
Total
(%)
Grau de
Abertura do
Agronegócio
(%)
1989
34.383 415.916 13.921 8,27 -
1990
31.414 469.318 12.990 6,69 -
1991
31.260 405.679 12.403 7,71 -
1992
38.505 387.295 14.455 9,94 -
1993
38.555 429.685 15.940 8,97 -
1994
43.545 543.087 19.105 8,02 2,67
1995
43.506 705.449 20.871 6,59 4,06
1996
47.747 775.475 21.145 6,16 4,58
1997
52.994 807.814 23.404 6,56 5,49
1998
51.140 787.889 21.575 6,49 5,41
1999
48.011 536.554 20.514 8,95 7,90
2000
55.086 602.207 20.610 9,15 8,00
2001
58.223 509.792 23.863 11,42 11,69
2002
60.362 459.379 24.839 13,14 13,90
38
O documento do MAPA estabelece que o agronegócio deve ser entendido como: a cadeia produtiva que envolve,
desde a fabricação de insumos, passando pela produção nos estabelecimentos agropecuários e pela transformação,
até o seu consumo. Essa cadeia incorpora todos os serviços de apoio: pesquisa e assistência cnica, processamento,
transporte e comercialização, crédito, exportação, serviços portuários, distribuidores, bolsas e o consumidor final. O
valor agregado do complexo industrial passa, obrigatoriamente, por cinco mercados: o de suprimentos, o de
produção propriamente dita, processamento, distribuição e do consumidor final. (MAPA, 2006, p. 5).
39
Em Anexos, ver Gráfico 5 – Exportações do agronegócio 1989-2005.
78
2003
73.084 506.784 30.639 14,42 16,96
2004
96.475 609.994 39.016 15,97 19,96
2005
118.308 796.284 43.601 14,86 19,75
Fonte: AGE com dados do MAPA e Banco Central.
Obs. O Grau de Abertura Total é a relação entre as exportações e o PIB total do país.
O grau de abertura do agronegócio é a relação entre as exportações do agronegócio e o PIB do
agronegócio.
Dentre os destinos das pujantes exportações do agronegócio estão envolvidos países da
União Européia (32,5% das exportações); Ásia (excluindo Oriente Médio) com 19,8% das
exportações; 15,1% para Estados Unidos e Canadá; 6,5% com a África e 4,4% somando-se
Mercosul e demais países da América Latina. as importações, 42,6% vem do Mercosul, 19,5%
da União Européia, 13,9% da Ásia (exceto Oriente Médio), Estados Unidos e Canadá são a
origem de 11,3% das importações do setor.
O agronegócio também é uma importante atividade para o avanço do saldo positivo da
balança comercial
40
. Isso é bom, principalmente para o capital financeiro, pois parte deste saldo é
utilizado para pagar os juros e serviços das dívidas contraídas para o financiamento de safras e
rolagens de mais dívidas.
A partir de informações elaboradas junto ao Banco Central a pesquisa do DIEESE
verificou que 59,3% das operações de crédito rural em 2005 foram provenientes do sistema
financeiro público. Em 2004, do valor total dos financiamentos rurais concedidos, os recursos
oriundos do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) dispunham 33,0% para custeio e 38,1%
para investimentos e do Tesouro Nacional 30,1% para custeio e 29,4% para investimentos.
Interessante observar que 96,2% dos contratos, com faixa de financiamento de 0 a 60 mil
reais, receberam R$ 15.743 milhões e, 0,5% dos contratos incluídos na faixa de investimentos
acima de R$300.000, abocanharam R$13.543 milhões ou 33,5% do total para os grandes
40
Em Anexos, ver Gráfico 6 – Exportações totais e exportações do agronegócio.
79
investimentos do agronegócio. Por outro lado, foram financiados em 2004, R$ 4.251 milhões aos
4.353 contratos de financiamento para cooperativas em todo o Brasil.
Outros setores são beneficiados pela expansão do agronegócio como, por exemplo, as
indústrias de defensivos agrícolas
41
que em 1995 vendia US$ 1,5 bilhão em produtos e em 2005
as vendas tinham saltado para US$ 4,2 bilhões. A indústria de fertilizantes
42
que em 1998 vendia
14,7 milhões de toneladas passou a vender em 2005, 20,2 milhões de toneladas. As vendas
internas de tratores também sofreram um aumento em 2004 de 40% em relação ao ano de 1999.
Dentre os principais produtos importados pelo agronegócio estão o trigo, a borracha
natural, o arroz, o leite e o milho. Em 2004, 22% da área colhida da lavoura temporária eram
ocupados por mandioca, trigo, arroz e feijão, ou ainda 44,3%, se considerarmos a cultura do
milho que representa 22,3% deste total. Por outro lado, 48,8% da área colhida da lavoura
temporária são destinados ao cultivo da cana-de-açúcar e da soja.
Em 2005, o complexo da soja, as carnes, o açúcar e o álcool, a madeira e suas obras e o
papel e a celulose respondiam por U$ 27.387,19 milhões do saldo do agronegócio, ou 71,28% do
total. Na safra 2004/2005, somando-se a área plantada de arroz, feijão, milho e trigo, obtemos um
total de 22.646 mil hectares. Apenas a soja ocupava uma área de 23.301 mil hectares na mesma
safra. Dos principais produtos importados do agronegócio em 2005 destacamos o trigo (cerca de
U$ 650 milhões), o arroz (cerca de U$ 130 milhões), o leite (U$ 77 milhões) e o milho (U$ 58
milhões).
Retornando às projeções
43
do documento elaborado pela AGE/MAPA, existem quatro
grandes tendências que apontam para o crescimento e sustentação do modelo produtivo do
41
Em Anexos, ver Gráfico 7 – Vendas de defensivos agrícolas.
42
Idem, ver Gráfico 8 – Produção de fertilizantes.
43
Baseadas em “estudos prospectivos” de instituições como: ONU, FAO, OCDE, USDA, FAPRI, IFPRI EU, World
Bank, FGV, IBGE, CONAB, CNA entre outras.
80
agronegócio. As tendências demográficas indicam um crescimento da população mundial de 6,5
bilhões em 2005 para 8,3 bilhões em 2030, ano em que a população brasileira deverá alcançar
235 milhões de habitantes. O maior crescimento se dará na Ásia, com aumento de 1,1 bilhão de
pessoas entre 2005 e 2030. Estima-se que a população urbana ultrapassaa rural em 2010 e
em 2030, representará 60% da população mundial.
As tendências econômicas indicam um crescimento de 3% nos próximos dez anos da
“economia mundial global”, com diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Estas tendências apostam ainda na queda de barreiras tarifárias e não tarifárias em produtos
agrícolas, aumentando o intercâmbio e cita como exemplos o açúcar e as carnes.
Quanto às tendências ambientais, o documento define que a produção agrícola deve,
progressivamente, fundamentar-se em práticas conservacionistas e, para isto: a) desenvolver-se-
ão tecnologias que conservem água, florestas e a fertilidade natural da terra; b) a floresta
amazônica será objeto de uma política específica, visando preservar sua sustentabilidade e c)
disponibilidade de recursos hídricos será de fundamental importância para o desenvolvimento do
agronegócio e para a segurança alimentar.
As tendências tecnológicas destacam o papel da biotecnologia transformando os mercados
e ampliando as oportunidades na agricultura e na bioindústria e da nanotecnologia para o
desenvolvimento de novas ferramentas para a biotecnologia e para a nanomanipulação de genes
e materiais biológicos”. A perspectiva desta tendência indica que para garantir a competitividade
no médio e longo prazos do agronegócio brasileiro, o desafio é incorporar inovações
tecnológicas desenvolvidas no Brasil e no mundo”.
Entre 2005/2006 e 2016/2017 haverá um crescimento de 27% na produção de soja em
grão. Brasil, EUA e Argentina passarão a concentrar 85% da produção mundial em 2015, o Brasil
será o maior exportador do grão neste ano. A participação dos EUA no mercado mundial cairá de
81
42,2% para 28,8% em 2015/16 e a participação do Brasil passará de 41% para 54,5%. As
exportações brasileiras do produto em 2015/2016 serão 41,1% superiores as de 2005/6.
A produção global de açúcar terá um crescimento anual de 1,85% e atingirá 179,7 milhões
de toneladas em 2016. As exportações do Brasil, que em 2005/6 foram de 18,3 milhões de
toneladas passarão para 22,2 milhões de toneladas em 2015/16. Projeta-se um aumento do
comércio mundial de milho de 75 milhões de toneladas em 2005/6 para 88,7 milhões em
2015/16. As projeções indicam que o Brasil produzirá 51,5 milhões de toneladas, sendo 47,7
milhões para o consumo interno, exportando as 3,7 milhões de toneladas excedentes em 2016/17.
Estimam-se ainda o aumento da produção e exportações mundiais de trigo, arroz e carnes.
O consumo interno de trigo deverá crescer, em média, 2,2% ao ano e em 2016/2017 o Brasil
deverá importar 7 milhões de toneladas do produto. O Brasil permanecerá na condição de
pequeno importador, produzindo 12,7 milhões de toneladas e importando 920 mil em 2016/17 As
exportações de carne bovina segundo o FAPRI, serão liderados pelo Brasil, Austrália, Argentina
e Nova Zelândia, que concentrarão 80% das exportações mundiais.
A produção de etanol projetada para 2017 é de 38,6 bilhões de litros, mais que o dobro da
produção de 2006. O consumo interno para 2017 está projetado em 28,4 bilhões de litros e as
exportações em 10,3 bilhões. A Secretaria de Produção e Agroenergia do MAPA projeta vendas
para 2010, de 1,0 milhão de automóveis Flex, quase o dobro a mais que os automóveis a gasolina,
cujas vendas projetadas são de 467 mil unidades.
O documento ressalta que existem algumas incertezas, embora as projeções sejam
favoráveis para o crescimento do agronegócio nos próximos anos, seriam as seguintes:
crescimento econômico abaixo do previsto, protecionismo dos países desenvolvidos, falta de
investimento em infra-estrutura física, atrasos na tecnologia e defesa agropecuária.
82
Finalizando, o documento chega a algumas conclusões das quais consideraremos
principalmente:
Na produção de grãos (soja, trigo, arroz, feijão e milho), a área plantada deverá se
expandir de 44,4 milhões de hectares na safra 2005/6 para 51,4 milhões de hectares em
2016/17, havendo portanto um acréscimo de 15,8%.
A solução dos graves problemas de logística e de infra-estrutura criará condições para o
crescimento da produção e maior rentabilidade para o setor, visto a necessidade de
escoamento a longas distâncias de produtos brasileiros. A não realização dos
investimentos necessários no setor poderá se refletir em perda de competitividade
internacional e na estagnação do agronegócio brasileiro.
Do ponto de vista do Estado, esforços especiais deverão ser enviados com vistas a
disponibilização de tecnologias e melhorias do sistema de defesa sanitária.
Se por um lado projeções são difíceis de serem analisadas com mais profundidade, pelas
inerentes “variantes” que a elas deixam de ser incluídas, principalmente sob a divisão social do
trabalho capitalista e as lutas sociais decorrentes, por outro nos deixam alertas: trata-se antes de
tudo de um negócio, daí que os seres humanos ou a vida humana pouco serem considerados. Os
números e as concepções ideológicas não deixam dúvidas sobre as intenções do agronegócio e
impõem, desde já, os ferozes desafios que deverão enfrentar os movimentos sociais, os indígenas,
ribeirinhos, quilombolas e pescadores e todos os setores sociais interessados e comprometidos
com a compreensão e modificação das condições que definem a condição heteronômica de
desenvolvimento da sociedade brasileira.
O projeto desenvolvimentista do segundo governo de Lula da Silva aponta para a
continuidade de uma agenda econômica que dita o ritmo social e político e assume um
83
determinado padrão de crescimento como caminho para geração de renda e diminuição das
desigualdades sociais. De fato, está claro que estimular o investimento em atividades produtivas
através do desenvolvimento de infra-estrutura básica tende a gerar um retorno imediato que
reflete diretamente na qualidade de vida de uma fração do trabalho, todavia, no caso em questão,
estes investimentos e o desenvolvimento decorrentes se darão às custas do sacrifício de quem?
Podemos indagar de outro modo: estradas, ferrovias, terminais marítimos, aeroportos,
hidrelétricas e usinas nucleares têm sido erguidos para servir ao crescimento ou desenvolvimento
do que ou de quem?
No documento intitulado Qual é a questão agrária atual?
44
elaborado por pesquisadores da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), por solicitação da Via Campesina, além das
importantes considerações sobre a extrema concentração de terras no Brasil e suas relações com o
padrão de vida no campo e vínculo estrutural com um projeto de desenvolvimento para o país nos
lembra que: o Brasil possui uma área territorial de 850 milhões de hectares, dos quais as
Unidades de Conservação ocupavam, em 2003, cerca de 102 milhões de hectares; as terras
indígenas 129 milhões de hectares; as águas territoriais internas, as áreas urbanas e as ocupadas
por rodovias, outros 30 milhões de hectares. A área total de imóveis cadastrados no INCRA
chega a 420 milhões de hectares. Além disso, cerca de 170 milhões de hectares são constituídos
por posses irregulares, em terras devolutas
45
cercadas, ilegalmente, por grandes proprietários, e
120 milhões de hectares compõem as grandes propriedades improdutivas, segundo levantamento
do INCRA, datado de 2003, realizado de acordo com a Lei nº 8.629/93. (ABRA, 2007, p. 9).
44
Disponível em: http://www.reformaagraria.org/publicacoes/Documento.pdf Acessado em 21/07/2007.
45
Terras devolutas: do latim devolvere, devolutu, derrubado, precipitado, lançado à deriva. No latim medieval,
devolvere passou a significar pedir transferência, para si, de um bem vago, sem proprietário. Terras devolutas são
bens de natureza dominial, vale dizer, integram o patrimônio de pessoa jurídica de direito público, embora não
destinadas a uso público nem concedidas a particulares. Disponível em:
http://www.dji.com.br/constitucional/uniao.htm#Terras%20devolutas. Acessado em 21/07/2007.
84
Fizemos um estudo um pouco mais detido sobre um dos setores mais tradicionais da
agricultura capitalista brasileira. O preparamos por ocasião da pesquisa conveniada entre
ANPEd/Secad, mas o publicizada, o que faremos agora com novos elementos, pois
consideramos contemplar algumas das discussões que estamos fazendo, bem como contextualizar
as considerações que faremos mais adiante.
2.3 Um breve resgate histórico da lavoura da cana-de-açúcar no Brasil
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel...
Tivesse este belo trecho da canção de Milton Nascimento e Chico Buarque traduzido as
relações de produção e permeado as cadeias produtivas da cana-de-açúcar, talvez não teríamos a
profunda concentração de terras e de renda que acompanham a história deste cultivo no Brasil.
Como não apenas por meio da poesia movemos a história, temos profundas contradições que
acompanham estas relações em diversos períodos econômicos do País.
Para isto, colabora um fator que pode ser evidenciado em todos esses períodos, inclusive
atualmente, qual seja, a demanda interna e externa por açúcar e álcool. Embora de caráter mais
contemporâneo e atualmente objeto de verdadeira histeria midiática, outro aspecto que podemos
destacar é a substituição da matriz energética por tecnologias mais “limpas”, dentre as quais uma
das alternativas seria o álcool, a partir da cana-de-açúcar. Poderíamos afirmar que em cada
período a conjuntura interna e externa criaram especificidades, mas, em todos os períodos,
tivemos a intervenção direta e indireta do Estado brasileiro.
Em relação às demandas, desde fins do século XVIII e princípios do XIX ocorrem crises
de produção e consumo nacionais, provocadas pela competição e variações nos preços
85
internacionais do produto, é quando o açúcar brasileiro é progressivamente excluído dos
mercados mundiais onde o substituem produtos de correntes melhor aparelhados ou mais
avantajados por outras circunstâncias favoráveis”. (PRADO Jr., 1980, p. 244).
Esta crise amplia-se com a concorrência da lavoura do café em expansão e com a abolição da
escravidão, tendo ainda contribuído para o declínio da produção as políticas adotadas pelos
grandes países consumidores de açúcar da Europa e pelos Estados Unidos, como as medidas
protecionistas concedidas à produção em suas colônias ou zonas de influência econômica, como
em Cuba. (PRADO Jr., 1980). Situação esta que se reverterá em favor da produção nacional após
1960, quando Cuba perde a sua cota no mercado interno estadunidense em decorrência do
embargo imposto após a revolução socialista de 1959. (IANNI, 1984).
O declínio dramático da produção, decorrente da perda do mercado externo, fez com que
as atenções se voltassem para o mercado interno, relativamente em progresso por conta
principalmente dos lucros dos cafeicultores paulistas. As antigas regiões de monocultura
açucareira (Nordeste, Bahia e Rio de Janeiro) são beneficiadas com a criação, em 1933, do
Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) a partir da qual toda a economia açucareira ficaria
encerrada dentro de um rígido sistema de quotas distribuídas entre as diferentes unidades
produtoras (usinas e engenhos) do país, sob a direção de um órgão oficial do governo federal, o
IAA, que se incumbiria de manter os preços em nível adequado (PRADO Jr., 1980, p. 246),
fazendo surgir novas condições e possibilidades de expansão das usinas canavieiras.
nesta época havia grande concentração de terras nas mãos dos usineiros, proprietários
das usinas, que absorveram as terras dos antigos engenhos centrais
46
, controlando o negócio e por
meio dele concentrando não apenas as terras, mas as riquezas nelas produzidas. (PRADO Jr.,
1980).
46
Grandes unidades destinadas a moer a cana de um conjunto de propriedades. (PRADO Jr., 1980, p. 246).
86
Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-45) o açúcar entra como um item
importante do comércio internacional de gêneros alimentícios. Entre 1951 e 1968, a produção
brasileira de açúcar passou de 26.595.636 sacos de 60 Kg para 68.530.445 sacos. No período
1969-73, a produção brasileira continuou a expandir-se, passando de 72.215.665 sacos para
111.381.873. (IANNI, 1984, p.47).
A despeito da dinâmica produtiva que variou conforme as demandas interna e externa do
açúcar, o estudo de Ianni permite-nos compreender – paralelamente às determinações econômicas
resultantes da industrialização da agricultura, em especial dos processos produtivos da lavoura de
cana-de-açúcar – que as relações de produção decorrentes de tais processos geraram novas
relações sociais que passaram a gravitar em torno da cadeia produtiva canavieira que se ampliava
em permanente embate com as forças sociais envolvidas.
O crescimento da produção açucareira foi também o resultado do
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção açucareira.
Progressivamente cresceu a importância relativa e absoluta da máquina,
fertilizante, defensivo, energia elétrica, derivados do petróleo e da ão
governamental. Ao mesmo tempo, alteraram-se a composição e a participação
da força de trabalho no processo produtivo, tanto nos canaviais como nas
usinas. (IANNI, 1984, p. 49).
Ianni destaca ainda a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, como um dos
marcos importantes no desenvolvimento das relações de produção no mundo rural, ressaltando o
processo de expansão do uso de máquinas e equipamento na agroindústria açucareira, expandindo
ainda mais a sua influência na economia e sociedade rurais. (IANNI, 1984).
Em sua análise
47
sobre o referido Estatuto, Prado Jr. (1979) insiste em dois aspectos que
nos chamam a atenção pela relevância atual, a saber: a) a negligências dos partidos de esquerda e
outros atores progressistas nas discussões que levaram a aprovação deste instrumento jurídico
47
Publicada originalmente na Revista Brasiliense, nº 47, maio-junho, 1963.
87
pelo Congresso Nacional, que deveria corresponder as reivindicações trabalhistas em torno das
relações de emprego, e a promoção das medidas legais de proteção do trabalhador empregado e
melhoria de suas condições de trabalho” (PRADO Jr., 1979, p. 154) e b) a reorganização
produtiva não deveria estar limitada a “subdivisão” fundiária, como o que se limitava a
reivindicar alguns defensores da reforma agrária, pois uma reforma dessa natureza e
profundidade (...) não é possível realizar-se senão como resultante de um amplo movimento
social reivindicatório”. (PRADO Jr., 1979, p. 150) e que essas reivindicações, naquele momento
das lutas sociais travadas pelos trabalhadores empregados na grande exploração rural são o da
transformação deles, de empregados que são, em pequenos produtores individuais e autônomos”.
(Idem).
Diante da garantia de direitos e deveres dos operários rurais e industriais, nos canaviais e
nas usinas, os sitiantes, fazendeiros, usineiros e donos de engenhos de aguardente reagem pela
incorporação de máquinas e equipamentos. Ao lado da legislação trabalhista, a mecanização e
a aplicação de fertilizantes e herbicidas alteram o volume e a qualidade da força de trabalho
engajada nas fainas dos canaviais e usinas”. (IANNI, 1984, p. 72). Mais a frente o autor
esclarece:
O que está em jogo, na agroindústria açucareira, é a crescente elevação da
composição orgânica do capital. Isto é, aumenta a proporção do capital
empregado em terras, máquinas, equipamentos, adubos, defensivos, meios de
transporte e comunicações, ao mesmo tempo que se reduz a proporção do
capital empregado na compra de força de trabalho. Esse processo, em boa parte,
está fundado nas relações de produção. À medida que os vendedores de força de
trabalho ampliam ou aperfeiçoam a sua capacidade de negociar as condições de
trabalho, os compradores de força de trabalho tratam de aperfeiçoar a
tecnologia e a divisão social do trabalho, a fim de reduzir a massa de
trabalhadores a um grupo menor, mais controlável e produtivo. (IANNI, 1984,
p. 96).
O fulcro da crítica de Ianni permanece válido para a conjuntura atual, entretanto, um novo
tratamento ideológico da questão. A crise energética causada pelo iminente esgotamento das
88
reservas de petróleo, obviamente demanda “projeções”, sem as quais o capital enfrentará
problemas para sua acumulação e expansão. Será preciso o desenvolvimento e investimentos em
alternativas energéticas que reponham suas perdas e mantenha os padrões de consumo das classes
dominantes das economias capitalistas hegemônicas e de suas congêneres periféricas.
Porém, isso não pode ser explicitado. Então, o planeta aquece pela “ação antrópica”.
Calamidades são previstas e o futuro da “humanidade” está em jogo. E assim, como em
Hollywood, diante das dificuldades e incertezas da vida, surgem os “heróis”, protagonistas de
uma aventura histórica ou drama real. Para nosso infortúnio, os novos “heróis” do drama nacional
são os usineiros, proprietários de usinas e plantações de cana-de-açúcar para produção de açúcar
e álcool, o primeiro para alimentação humana e o segundo para compor a mistura dos
combustíveis dos automóveis particulares. O “biocombustível”
48
, tido como renovável” e
“limpo”, poderá então contribuir para a criação de empregos e para o desenvolvimento de uma
sociedade sustentável. Será mesmo? A história nos dá outra versão, nos deteremos nela.
2.4 Contribuições para a discussão sobre o atual projeto de ampliação da matriz energética
baseada na agroindústria da cana-de-açúcar
O breve resgate dos estudos de Prado Jr. e Ianni teve o objetivo de evidenciar algumas
contradições promovidas pelos movimentos de organização do capital no campo em torno da
cadeia produtiva da cana-de-açúcar em tempos pretéritos.
Um dos pontos que nos chama atenção nesta discussão é a tecnificação ou maquinização e
intensa financeirização promovidas pelas reestruturações do capital, propulsoras da expulsão dos
trabalhadores(as) rurais para as cidades, precarização da oferta de trabalho restante, uso irracional
48
Não entraremos neste estudo na discussão sobre o conceito de biocombustíveis utilizado de modo hegemônico
pelas frações burguesas dominantes e o de agrocombustíveis utilizado pela Via Campesina.
89
dos recursos naturais-sociais, acúmulo e concentração de terras e renda gerando e criando nexos
com aquilo que compreendemos como falha metabólica natureza-sociedade.
O discurso da supremacia da técnica está presente em vertentes atuantes não apenas, mas
também do ambientalismo. Entretanto, associemos a este debate, primeiramente, às ações do
Estado enquanto agente de desenvolvimento das políticas públicas. Entre as discussões e ações
mais recentes sem vida esta o da utilização de “combustíveis renováveis” dentre os quais o
etanol, que merecerá destaque pelo seu significado histórico, logo, socioambiental.
O Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007
49
produzido pelo Ministério da Agricultura, Pesca
e Abastecimento (MAPA) ao apresentar o item Agroenergia, afirma que os produtores de cana-
de-açúcar serão favorecidos pela decisão de empregar álcool para a produção de energia nas
termelétricas (p. 8).
No documento, o MAPA informa a existência de linhas de crédito no BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), direcionadas para o setor sucroalcooleiro,
para implantação de lavouras, construção e modernização de usinas e co-geração de energia. Em
2005 foi aplicado R$ 1,1 bilhões e em 2006 o programado foi de R$ 1,6 bilhões. (p. 8)
Este “novo” cenário conforme prevê o ministério:
permitirá que o governo federal trabalhe para viabilizar a implantação de
aglomerados agroenergéticos (agriclusters), de modo a ampliar a participação
da agricultura na matriz energética brasileira, reduzindo o custo dos
combustíveis e seu efeito poluente. (p. 8).
A Lei nº 9.478/97
50
que estabelece a Política Energética Nacional, em seu Art. sobre as
políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia tem dentre seus
objetivos: I - preservar o interesse nacional; II – promover o desenvolvimento, ampliar o mercado
de trabalho e valorizar os recursos energéticos; III - proteger os interesses do consumidor quanto
49
Disponível em www.agricultura.gov.br
50
Disponível em www.lei.adv.br/9478-97.htm acessado em 24/02/2007.
90
a preço, qualidade e oferta do produto; IV - proteger o meio ambiente e promover a conservação
de energia; VIII - utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico
de insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; IX - promover a livre concorrência.
O recém aprovado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
51
prevê o investimento
de R$ 503,9 bilhões dos quais R$ 274, 8 bi serão destinados ao setor energético. O PAC possui
como fundamentos econômicos a estabilidade monetária, a responsabilidade fiscal e a baixa
vulnerabilidade externa.
Até 2010 está previsto o investimento de R$ 17,4 bilhões em combustíveis renováveis. sendo
cerca de R$ 12,1 bilhões para a produção de etanol concentrada nos estados de SP, MS, MG e
GO. Os alcooldutos previstos para ligar os centros produtores e consumidores consumirão mais
R$ 4,1 bilhões. Está prevista a construção de mais 77 usinas em todo país.
Para a consecução destas metas o PAC estabelece medidas dentre as quais destacamos:
2) Medidas de estímulo ao crédito e financiamento
Criação de Fundo de Investimento em Infra-Estrutura com recursos do FGTS
Descrição: criação do fundo de investimento em infra-estrutura, com valor inicial de R$ 5
bilhões, com recursos do patrimônio líquido do FGTS, podendo ser elevado para o valor de até
80% do patrimônio líquido do fundo, que atualmente é de cerca de R$ 20 bilhões. Além do aporte
do FGTS, os trabalhadores poderão comprar cotas do fundo até o limite de 10% do saldo de suas
contas no FGTS.
Impacto: aumento do financiamento de investimento em infra-estrutura.
Implementação: Medida Provisória.
3) Medidas de melhoria do ambiente de investimento
51
Disponível em www.planejamento.gov.br. As informações apresentadas neste trabalho foram extraídas da versão
resumida para a imprensa correspondendo exatamente à versão completa.
91
Regulamentação do Artigo 23 da Constituição
Descrição: A medida estabelece as diretrizes e normas para a cooperação entre os entes
federativos com o intuito de harmonizar os procedimentos, bem como elevar a eficiência e a
celeridade no exercício das competências ambientais. (a partir deste os grifos são nossos).
Impacto: maior eficiência na atuação do poder blico com vistas à proteção do meio ambiente,
reduzindo os questionamentos judiciais sobre as competências de cada ente federativo e
contribuindo para a realização de novos investimentos.
Implementação: Projeto de Lei Complementar.
4) Medidas de melhoria do ambiente de investimento – em tramitação no Congresso
Reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
Descrição: a) racionaliza o desenho institucional do SBDC (unifica as funções de instrução e de
julgamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e centraliza as atividades
de promoção da concorrência na Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da
Fazenda); b) enfatiza o combate a conduta anticompetitiva; c) introduz a análise prévia de fusões
e aquisições e rito simplificado para a análise de operações de impacto concorrencial reduzido.
Impacto: criação de ambiente institucional/legal que favoreça o livre funcionamento dos
mercados e o investimento privado
Implementação: PL nº 5877/2005.
5) Aperfeiçoamento do Sistema Tributário
Criação da Receita Federal do Brasil
Descrição: unificação da estrutura de arrecadação e cobrança de tributos da união.
Impacto: redução da burocracia (cadastro, obrigações acessórias, certidões, etc.) e melhora do
atendimento aos contribuintes. Utilização racional e otimizada de recursos materiais e humanos,
92
Possibilitando a redução de custos operacionais, a simplificação de processos, a integração dos
sistemas de atendimento, controle e de tecnologias da informação, bem como a adoção de outras
medidas de eficiência administrativa, de modo a incrementar a arrecadação e cobrança dos
tributos e contribuições. Permite ao Ministério da Previdência Social dedicar-se somente à gestão
dos benefícios.
Implementação: aprovação do PL nº 6.272/2005. (Aprovada em 13/02/2007)
Compreendemos primeiramente que as políticas energéticas traçadas pelo governo federal
continuam acompanhando a lógica neoliberal, explicitada nos fundamentos econômicos para o
PAC, e centrada em ações de fundo economicista sintetizados na trágica fórmula “crescer para
dividir”. Esta gica centra-se não apenas na racionalidade tecnocrática assumida pelas
administrações neoliberais principalmente dos últimos 12 anos, mas também, e
fundamentalmente, pelas reconfigurações do capital financeiro e industrial, que sustentaram e
sustentam a ditadura rentista expressa na perversa política econômica vigente.
É preciso ainda que estejamos atentos a este “retorno” do Estado nas iniciativas de
investimentos em infra-estrutura. O Estado sempre esteve presente, mesmo quando ausente, pois
nesta situação ele está mais exclusivamente à serviço de determinados setores, como atualmente
está para o capital financeiro. Portanto, por mais que o papel do Estado tenha aparentemente se
intensificado precisamos compreender as estratégias que mantém a lógica de desenvolvimento
que pode somar forças, expandindo a expropriação e a acumulação em favor do capital.
Algumas evidências nos indicam que as discussões não avançarão em termos de
transformações radicais da matriz energética brasileira. As alegações favoráveis aos combustíveis
renováveis, por possuírem baixos índices de emissões, alta produtividade e alto conteúdo
energético, baixo consumo de energia no processo de produção de energia e por ser uma fonte
renovável de energia, nublam as discussões sobre transportes públicos de massa, que poderiam
93
desafogar as vias urbanas e estradas e reduzir maciçamente as emissões de gases. Do mesmo
modo, escamoteiam-se as desumanas relações de trabalho que acompanham a lavoura de cana-
de-açúcar desde tempos coloniais e que tem na figura do bóia-fria a representação da miséria, do
desrespeito e da intensa exploração a que são submetidos os que trabalham neste tipo de lavoura.
Além, evidentemente, de privilegiar as soluções tecnicistas em detrimento das decisões
democráticas, resultantes de processos de participação popular que possam incluir os diversos
setores da sociedade.
As metas estabelecidas pelo PAC nos dão indícios da desregulamentação e liberalização
das ações do Estado em favor da iniciativa privada, seja de grupos ou mesmo dos trabalhadores,
como no caso da compra de cotas do FGTS. O cenário acena para flexibilização dos rigores
necessários à proteção dos espaços socioambientais, principalmente do muito ameaçado e
delicado Bioma do Cerrado, região que concentra a maioria dos investimentos previstos para o
setor sucroalcooleiro.
A emenda 3 que integra o projeto de Lei 6.272/2005, que cria a “super receita”, diz em
seus texto: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a
desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de
trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial”. Na
prática a emenda inviabiliza fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nos casos
de trabalho escravo. Quando uma equipe de funcionários públicos encontrar trabalhadores sem
carteira assinada dentro de uma fazenda, o empregador pode simplesmente dizer que as pessoas
dali não têm vínculo com ele. caberia à justiça do trabalho, se algum empregado entrar com
uma ação judicial, definir quem tem razão, o empregador ou a equipe de fiscalização. Os
94
auditores estariam impossibilitados de aplicar autos de infração, que hoje são um dos
instrumentos mais importantes no combate à escravidão
52
.
O capital avança em mais uma reestruturação produtiva no campo, que necessariamente
integrada ao metabolismo das cidades, poderá deixar marcas tão profundas quanto aquelas
conhecidas pelos que analisaram criticamente a história da lavoura de cana-de-açúcar no Brasil.
Entretanto, assim como nessa história tivemos sujeitos que lutaram contra a exploração e
alienação do capital, temos hoje outros sujeitos, imersos nas contradições inerentes ao processo
capitalista de produção mas prenhes de alternativas, ao contrário dos que insistem na direção da
barbárie.
2.5 Rompendo os antiqüíssimos padrões de interação humana na natureza: o antiqüíssimo
pensamento ecológico em uma de suas origens históricas
Retornando ao brilhante trabalho de Foster, relembremos que, na economia política
desenvolvida por Marx, o conceito de metabolismo (Stoffwechsel) foi utilizado para definir o
processo de trabalho como um processo entre o homem e a natureza, um processo pelo qual o
homem, através das suas próprias ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele
mesmo e a natureza”. Todavia, as relações de produção capitalista e a separação antagonista entre
cidade e campo fizeram surgir uma “falha (rift) irreparável” nesse metabolismo. (FOSTER,
2005).
52
Conforme reportagens: “Câmara aprova lei que inibe combate ao trabalho escravo” de 13/02/2007 e “Lei que inibe
a fiscalização do trabalho é inconstitucional, dizem especialistas” de 13/02/2007. Disponível em
www.cartamaior.com.br . No dia 16/03/2007 o Presidente Lula da Silva vetou a Emenda 3 que integra o projeto de
lei que cria a Super Receita. Inúmeros protestos dos sindicatos patronais seguiram-se ao veto e, em todo o mês de
março e até a data de fechamento deste trabalho, vários sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais
manifestaram-se a favor do veto e contra a retirada dos direitos dos trabalhadores. Disponível em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13738 Acessado em 20/07/2007.
95
Foster compreende essa relação como fundamental, pois teria permitido a Marx amarrar a sua
crítica das três principais ênfases da economia política burguesa: a análise da extração da mais-
valia do produtor direto; a teoria correlata da renda fundiária capitalista; e a teoria
malthusiana da população, que conectava as duas entre si. (FOSTER, 2005, p. 202).
Foster argumenta que o cerne da análise de Marx sempre foi a crítica das noções
populacionais malthusianas. O autor afirma que Marx sustentava que a teoria de Malthus, era
importante por dois motivos: primeiro, por dar uma expressão brutal ao ponto de vista brutal do
capital”; segundo, por afirmar o fato da superpopulação em todas as formas de sociedade”.
Para Marx, Malthus recusava-se a olhar para as “diferenças específicas” que a existência de uma
superpopulação humana assumia nas diferentes formações sociais nas diferentes fases de
desenvolvimento histórico, e à redução de todos estes casos diferentes a uma relação numérica
baseada numa lei natural imutável. (FOSTER, 2005, p. 202). A afirmação de que a população
humana crescia geometricamente (enquanto a população de animais e plantas crescia a uma taxa
aritmética) a sofrer limitações externas (de fatores naturais como alta mortalidade infantil,
doença e míngua) não reconhecia o caráter histórico e social da reprodução humana. (Idem).
Deste modo para Marx, Malthus teria erroneamente transformado “em barreiras externas os
limites imanentes, historicamente mutáveis do processo de reprodução humana; e as barreiras
externas [isto é, as limitações externas ao aumento dos alimentos] em limites imanentes ou leis
naturais de reprodução”. (FOSTER, 2005, p. 203)
Por conseguinte, desconsiderava-se o modo histórico específico quando se tratava da questão
da superpopulação. A teoria de Malthus, como argumentou Marx:
abstrai destas leis históricas específicas do movimento da população, que são na
verdade a história da natureza da humanidade, as leis naturais, mas leis naturais
de humanidade apenas num desenvolvimento histórico específico... O homem
malthusiano, abstraído do homem historicamente determinado, existe apenas na
96
cabeça dele; daí também o método geométrico de reprodução correspondente a
esse homem malthusiano. (MARX, Grundrisse apud FOSTER, 2005, p. 204).
Segundo Foster, a crítica de Marx a Malthus fazia coro com a crítica de Ricardo, em que este
assinalava que não era a quantidade de grãos que era mais significativa na determinação da
superpopulação, mas a quantidade de empregos. Marx insistia que esta concepção fosse feita de
modo mais geral, relacionando a mediação social através da qual os indivíduos podem ter acesso
aos meios de sua reprodução e também os criar. Disto compreende que, no capitalismo, o
crescimento da população atingindo uma superpopulação, não pode ser projetado apenas
considerando uma população excedente relativa de indivíduos ou trabalhadores dinamizando a
economia, mas, substancialmente, pelas relações de produção que tornam a existência e
reprodução dessa população excedente relativa imprescindível para a manutenção do sistema.
(FOSTER, 2005).
O objetivo de reproduzir este debate é evidenciar a contradição, expressa no senso comum, de
que a produção em larga escala se legitima para o abastecimento, pois todos sabemos o quanto a
oferta de alimentos, dos mais variados como os produzidos no Brasil, não está diretamente
vinculada ao volume ou quantidade produzida mas sim das condições efetivas da demanda das
classes possuidoras e do acesso relativo das classes trabalhadoras, desconsiderando-se a princípio
a massa rigorosamente excluída, aqueles em que os alimentos são casuais, como os muitos que
vemos pelas esquinas das grandes metrópoles mas principalmente por aqueles que não vemos. A
questão moral aqui somente pode ser objetivada por determinado entendimento da realidade
concreta e portanto qualquer debate que se restrinja a ela (à questão moral) perderá seu sentido.
A teoria do arrendamento diferencial de 1777, elaborada por James Anderson (1739-1808),
mostrou a Marx as principais fragilidades da teoria do arrendamento ricardiana, pois estas, para
97
Marx, eram derivadas da sua incapacidade de incorporar uma teoria do desenvolvimento
histórico. (FOSTER, 2005).
Foster nos explica que Anderson considerava o arrendamento uma cobrança pela utilização
de solos de maior fertilidade. Enquanto os solos menos férteis geravam uma receita que cobria
tão somente os custos da produção, os solos mais férteis recebiam um certo prêmio” uma
vantagem pelo direito exclusivo de cultivá-los que segundo a fertilidade do solo será maior ou
menor: “É esse prêmio que constitui o que agora chamamos arrendamento; um meio pelo qual a
despesa de cultivar solos de graus muito diferentes de fertilidade pode ser reduzido à perfeita
igualdade”. (FOSTER, 2005, p. 205).
As mudanças na produtividade relativa do solo, quer sejam para melhor quer para pior, eram
responsáveis pelo arrendamento diferencial e o as condições de fertilidade absoluta do solo,
no modelo de Anderson, a existência do arrendamento diferencial era atribuída
primordialmente a mudanças históricas na fertilidade do solo, e não a condições de “fertilidade
absoluta”. (FOSTER, 2005, p. 206). Anderson teria afirmado, segundo Foster, que a crescente
divisão entre cidade e campo havia levado à perda de fontes naturais de fertilizantes do solo.
De acordo com Foster, Anderson desenvolveu no fim do século XVIII um corpo de
pensamento que foi de uma presciência fora do comum”, por antever a relação entre a fertilidade
do solo e a química do solo, que quarenta anos depois a revolução científica na química do solo
viria a considerar primordialmente além de questões como a relação entre cidade e campo, e
entre propriedade fundiária e agricultura capitalista”. (FOSTER, 2005, p.206-7).
Foster nos ensina que todas as teorias econômicas clássicas iniciais (Anderson, Malthus e
Ricardo) não se sustentaram devido a falta de um entendimento científico da composição do solo.
Isto fica mais evidente com os dois últimos que confiaram quase exclusivamente numa
concepção de lei natural e menos no primeiro, que construiu uma abordagem histórica onde seria
98
possível melhorar, mas também degradar o solo. Foster nos dá o entendimento que Ricardo
considerava as propriedades do solo como leis naturais fixas, e assim teria atribuído, quase
exclusivamente”, as falhas da agricultura ao cultivo de terras de grau inferior, como resposta a
uma demanda que crescia com o aumento do número de pessoas. (FOSTER, 2005).
Segundo Foster, Marx teria observado que as reais causas naturais da exaustão da terra...
eram desconhecidas de quaisquer dos economistas que escreveram sobre arrendamento
diferencial, em função ao estado da química agrícola na época deles(MARX apud FOSTER,
2005, p. 209-10) e esta consideração teria sido feita a partir da leitura da edição de Organic
chemistry in its application to agriculture and physiology (conhecido como Agricultural
chemistry) de Liebig, publicada pela primeira vez em 1840 oferecendo a primeira explicação
convincente do papel dos nutrientes do solo, tais como nitrogênio, fósforo e potássio no
crescimento das plantas. (FOSTER, 2005).
Na época, antes de 1840, o conhecimento não tinha atingido suficiente profundidade capaz de
compreender a dinâmica e natureza das estruturas que compõem o solo, por isso enfatizava-se o
papel do esterco e do “poder latente” na terra ou solo”. Tampouco poderia ser conhecido o
modo como as plantas se nutrem ou a rede de microrganismos que participam ou contribuem
neste processo, daí o poder latente atribuído ao solo ser visto com freqüência como
inerentemente limitado e ao mesmo tempo indestrutível. Os problemas reais da agricultura não
eram passíveis de verificação”. (FOSTER, 2005, p. 210).
Entendemos ser este ponto fundamental para a compreensão do quanto e de como as
inovações tecnológicas imprimem relações instrumentais, dissociadas das relações de amplitude
sistêmicas, que para a obtenção de uma determinada eficiência exigem como contrapartida um
exaustivo processo de desintegração de relações metabólicas fundamentais. O desenvolvimento
de tecnologias sob a lógica da cadeia industrial-agrícola capitalista parece decorrer da
99
necessidade de exercer um preciso controle sobre condicionantes que impedem a expansão do
capital, controle que pressupõe uma racionalidade instrumental e imediata sobre processos e
mecanismos e que garanta permanentemente a manipulação e domínio dos agentes econômicos
privilegiados sobre as demais tecnologias. Assim, atividades econômicas tradicionais, portadoras
de saberes e técnicas ancestrais, tempos e relações específicas, são absorvidos pelas articulações
homogeneizadoras da cadeia de construção/destruição do capital.
Durante o século XIX, a principal preocupação ambiental da sociedade
capitalista em toda a Europa e América do Norte era o esgotamento da
fertilidade do solo, comparável às preocupações com a crescente poluição
das cidades, o desflorestamento de continentes inteiros e os temores
malthusianos de superpopulação. (...) Os agricultores europeus da época (1820-
1830) invadiram os campos de batalha napoleônicos de Waterloo e Austerlitz e
cavaram catacumbas, de tão desesperados que estavam por ossos para espalhar
sobre os seus campos. O valor de importações de osso da Grã-Bretanha subiu
vertiginosamente de 14.400 libras em 1823 para 254.600 libras em 1837. O
primeiro barco carregado de guano peruano chegou a Liverpool em 1835; em
1841, haviam sido importadas 1.700 toneladas e, em 1847, 222.000 toneladas.
(FOSTER, 2005, p. 211-12).
O desenvolvimento do primeiro fertilizante agrícola em 1843 a partir da solubilização do
fosfato e o trabalho de Liebig foram considerados pelos grandes interesses agrícolas da Grã-
Bretanha como sendo a solução do problema da obtenção de maior rendimento das lavouras. No
entanto, através de seus estudos Liebig teria formulado a Lei do mínimo a qual estabelecia que a
fertilidade geral do solo é sempre limitada pelo nutriente menos abundante, o que foi comprovado
mais tarde pois a utilização dos fosfato sintético deixou de apresentar os resultados positivos
iniciais aumentando a sensação de crise da agricultura capitalista, o que deixou os agricultores
mais conscientes dos esgotamento da fertilidade do solo e da carência de fertilizantes. Além disso
a capacidade do capital de tirar vantagem desses avanços na química do solo era limitada pelo
desenvolvimento da divisão do trabalho inerente ao sistema, especificamente pelo antagonismo
crescente entre cidade e campo”. (FOSTER, 2005, p. 213).
100
Daí que, por volta da década de 1860, ao escrever O Capital, Marx se havia convencido da
natureza insustentável da agricultura capitalista graças a dois acontecimentos históricos da sua
época: (1) a crescente sensação tanto européia quanto norte-americana de crise na agricultura
associada ao esgotamento da fertilidade natural do solo uma sensação de crise absolutamente
não foi aliviada, mas sim impulsionada, pelos avanços da ciência do solo; e (2) uma guinada no
trabalho do próprio Liebig em fins da década de 1850 e na década de 1860 em direção a uma
forte crítica ecológica do desenvolvimento capitalista. (Ibidem). Um campo de onde tudo é
permanentemente tirado”, escreveu Liebig, não pode aumentar ou mesmo manter o seu poder
produtivo”.(...) “Todo sistema agrícola baseado na espoliação da terra conduz à pobreza”.
(FOSTER, 2005, p. 216-17).
O desenvolvimento da agricultura capitalista tem se dado às custas desta excisão metabólica.
Quanto mais ele avança mais traz consigo as conseqüências desta assertiva. No contexto que
vimos trabalhando até aqui, ele assume uma dinâmica totalizadora que não se restringe aos
limites do grande capital ou do grande latifúndio. Seus fundamentos são estruturais e para sua
reprodução articula-se de modo a absorver e dominar o maior número de agentes econômicos
possíveis. Por isso, pensar o agronegócio enquanto atividade de uma oligarquia rural de grandes
produtores, detentora de grandes extensões de terras e amparada em amplo espectro de relações
de poder não está incorreto, mas é apenas meia verdade.
2.6 Condição capitalista dependente: para pensarmos sobre a heteronomia do agronegócio
Ao longo deste nosso processo de formação, por meio do Curso Movimentos Sociais,
Políticas Públicas e Emancipações, promovido em 2006 e 2007 pelo Programa Outro Brasil, do
Laboratório de Políticas Publicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
pela Escola Nacional Florestan Fernandes do MST, tivemos contato com o trabalho da Professora
101
Miriam Limoeiro Cardoso e os diálogos que ela vem anos mantendo com a obra de Florestan
Fernandes. Este contato nos possibilitou uma compreensão, ainda que muito primária, da
proposta e do entendimento de Florestan sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e o
mais importante, das relações de classe inerentes a esse desenvolvimento.
Consideramos ser esta contribuição de Florestan, e seus esclarecimentos pela Professora
Miriam, fundamentais para o entendimento das proposições que aqui fazemos e, por isso, mesmo
que superficialmente, trataremos da questão do capitalismo dependente. Para isto, utilizaremos o
estudo Capitalismo dependente, autocracia burguesa e revolução social em Florestan
Fernandes, de Cardoso (1997)
53
, apoiando-nos no Estudo Sociológico do Subdesenvolvimento
Econômico, a Primeira Parte da obra Sociedade de classes e subdesenvolvimento (1972), do
referido autor.
E por que faremos isso? Cardoso nos diz que Florestan sempre no rumo da transformação
social”, buscava explicar o Brasil, na sua organização e nos seus conflitos, passados e atuais e
nas perspectivas que se abrem para o futuro”. Sob esta mesma orientação é que buscaremos
compreender o campesinato, como sugere Florestan a partir de sua própria construção da
composição da classe enquanto mediação histórica do desenvolvimento capitalista.
O Brasil não chegou a conhecer um campesinato propriamente dito. Além
disso, as condições de vida no campo antes conduzem à dispersão das famílias
ou a constituição de pequenos aglomerados descontínuos e instáveis que às
formações mais ou menos densas e estáveis. Embora o “homem do campo”
brasileiro, trabalhador assalariado ou não, apareça invariavelmente como
dependente, não faria sentido falar numa classe dependente rural”. O termo
campesinato acaba sendo, pois, uma solução descritiva precária, que pode ser
aceita, desde que se leve em conta que não se trata de uma formação societária
53
O texto em que nos apoiamos foi preparado para o curso Movimentos Sociais, Políticas Públicas e Emancipações
e seus números de páginas não correspondem necessariamente ao do texto original publicado Capitalismo
dependente, autocracia burguesa e revolução social em Florestan Fernandes, Instituto de Estudos Avançados/USP
(Coleção Documentos Série História Cultural 6), julho de 1996; republicado “Capitalismo dependente,
autocracia burguesa e revolução social em Florestan Fernandes”, Idéias (Revista do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp). Campinas, 4 (1 / 2): 99-114, jan./dez., 1997. Consideraremos a data de sua segunda
publicação em nossas citações.
102
definida, mas de uma classe social em vir a ser. (FERNANDES, 1972, p. 60-61.
Grifo do autor).
O conceito de metabolismo sociedade-natureza pôde ser forjado, enquanto conceito histórico,
pois estava engendrado pelos conflitos de classe em torno da propriedade e uso do solo que
acabavam por destituir-lhe a fertilidade bem como a capacidade de reprodução do trabalhador.
Portanto, se quisermos mantê-lo como conceito histórico será preciso investigar um caminho que
permita entendê-lo dentro dessa perspectiva que inclua a estrutura e as disputas de classes. Daí
incluirmos o pensamento de Florestan em nosso estudo, menos como uma resposta definitiva,
mais como uma construção que deve auxiliar a compreensão dos movimentos da história e dos
homens que a fazem em uma sociedade capitalista.
Para Cardoso, Florestan não formula uma teoria da dependência sua formulação do
capitalismo dependente constitui uma contribuição teórica à teoria do desenvolvimento
capitalista”. Isto porque quando ele pensa na dependência (ou heteronomia) ele o faz
desenvolvendo o conceito de capitalismo dependente, definido como: parte de um determinado
sistema de produção (o capitalismo); parte deste sistema num determinado momento do seu
desenvolvimento na história (capitalismo monopolista); e parte que é uma de suas
especificidades nesta fase (parte heterônoma ou dependente do capitalismo monopolista)
(CARDOSO, 1997, P. 2).
Florestan demonstrou que a condição capitalista dependente assumia várias formas no mundo
e na América Latina. No caso brasileiro, poderia se caracterizar destacadamente o regime de
classes tanto pelos aspectos mais arcaicos quanto os aspectos mais modernos da estratificação
social condicionada pelo capitalismo dependente”. (FERNANDES, 1972, p. 50, Grifo nosso).
Para vincularmos as “questões de classe” às relações de produção, são necessárias algumas
características fundamentais do sistema econômico sob o capitalismo dependente que não se
103
integra da mesma forma que sob o capitalismo avançado, pois, conforme Florestan: a) ele (o
sistema econômico) coordena e equilibra estruturas econômicas (ou subsistemas econômicos)
em diferentes estágios de evolução econômica; e ainda b) a ordem econômica não exprime o
ponto de equilíbrio dinâmico de um dado estado de articulação do todo, mas o conjunto de
tendências que, no momento correspondem, regulam as situações econômicas (ou algumas de
suas fases) em bases propriamente capitalistas. (FERNANDES, 1972, p. 50-51).
Segundo Cardoso, as relações entre burguesias hegemônicas e dependentes implicam relações
de dominação interna e externa: “Dominação externa que é abastecida pela dominação interna, a
qual se exerce não sobre um setor ou uma fração da burguesia, mas sobre o trabalho e a massa
da população”. (CARDOSO, 1997, p.3). As burguesias locais tomam parte importante nessa
relação. É por meio delas que a articulação se realiza. Por isso, nos explica Cardoso, Florestan as
identifica como parcerias das burguesias hegemônicas.
Para Florestan, a economia capitalista dependente sofre intensa espoliação e apropriação de
suas riquezas pelas burguesias interna e hegemônica e isso é feito à custa dos setores
assalariados e destituídos da população, submetidos a mecanismos permanentes de sobre-
apropriação e sobre-expropriação capitalistas”. (FERNANDES, 1972 apud CARDOSO, 1997,
p. 3). Ou seja, para dar conta dos lucros da burguesia local e a estrangeira hegemônica, a
economia dos países capitalistas dependentes, sob controle desses agentes, precisa produzir
sobre-apropriação e sobre-expropriação capitalistas e, objetivamente, este “esforço” recai sobre a
classe trabalhadora:
A dominação externa se duplica na dominação interna e os setores sociais
dominantes internamente super-exploram e, conseqüentemente, super-dominam
a massa da população (trabalhadora e excluída) para garantir seus próprios
privilégios e a partilha do excedente econômico com as burguesias das
economias hegemônicas. (CARDOSO, 1997, p. 4).
104
Disto decorre que as reflexões sobre as “questões de classe” pensadas por Florestan, a
situação da classe, a classe social, seus interesses, consciência e atuação explicam o
desenvolvimento econômico sob o regime de produção capitalista. O trabalho de Cardoso nos
chama atenção para as reflexões que faz Florestan sobre o sistema de classes sociais que
movimenta ou dinamiza o desenvolvimento capitalista. Segundo a autora, “na sociedade de
classes, os homens fazem a história nas condições concretas que encontram e o seu agir é um
agir de classe. (...) Nas sociedades de classes, portanto, a explicação da história se encontra nas
relações de cooperação ou de luta entre as classes sociais”.(CARDOSO, 1997, p. 2).
(...) Os dinamismos de uma economia capitalista dependente não conduzem à
autonomia, mesmo sob condições favoráveis de crescimento econômico. Como
a articulação se ao nível dos interesses estritamente lucrativos do capital, no
qual a ação econômica adquire significado e funções capitalistas
independentemente das formas de organização das relações de produção, tanto
o setor arcaico mantém, cronicamente, sua dependência diante do capital
externo quanto o setor moderno surge em um clima de associação indireta com
esse capital (mediante suas articulações com o setor arcaico) e cresce
configurando-se como este último (pela presença maciça ou pela associação
crônica com o capital externo). Sob esse aspecto, o que parece, de certa
perspectiva, produto autônomo do aumento da produção interna e do
crescimento do mercado interno, de outro ângulo mostra-se como efeito dos
mecanismos do capital financeiro externo. Em outras palavras, a estrutura e o
padrão de equilíbrio do sistema econômico, sob o capitalismo dependente,
convertem a articulação econômica em fonte de privilegiamento dos agentes
econômicos que podem operar ao vel da integração capitalista das atividades
econômicas internas e subordinam o crescimento econômico interno às
flutuações do consumo e das especulações financeiras no mercado mundial.
(FERNANDES, 1972, p. 53-54).
Essa ordem, como vimos, define em sentido negativo o interesse e a situação de
classe do campesinato, excluindo-o parcial ou totalmente dos mecanismos
normais que poderiam valorizar seu destino social, por meio das relações de
produção e do mercado. Se o sistema econômico pudesse eliminar rapidamente
as estruturas arcaicas, semelhante polarização negativa teria escasso significado
sociológico. No entanto, a articulação de estruturas arcaicas e modernas é um
requisito do capitalismo dependente e este poderá modificá-la, mantendo-se
como tal, de maneira muito lenta e jamais completamente. (FERNANDES,
1972, p. 65).
O assim chamado agronegócio é uma expressão moderna da parceria histórica, explicada por
Florestan, evidenciada por uma aliança entre hegemonias: a do grande capital “nacional” com o
105
hegemônico capital estrangeiro. O aparente paradoxo mantém as condições arcaicas e modernas
acumuladas ao longo dos estágios de desenvolvimento do sistema capitalista. Triunfantes índices
de produtividade e obscuras relações entre capitais que vêm e que vão, artimanhas da liberdade
conferida pelo mercado, convivem com crescentes índices de trabalho escravo e violência no
campo.
Conforme a lista atualizada em julho de 2007
54
do Cadastro de Empregadores (Portaria 540
de 15 de outubro de 2004), foram libertos 7.566 trabalhadores de 192 estabelecimentos em
regime de escravidão ou trabalho degradante entre junho de 2004 e junho de 2007. De 1995 a
2005 foram 18.030 trabalhadores libertados de situações de trabalho “análogas” à escravidão ou
trabalho degradante, segundo dados da CPT
55
.
De 1995 a 2005 foram 315 mortes decorrentes de conflitos agrários
56
. Nos últimos cinco
anos houve um aumento significativo no número de ameaças de morte contra mulheres. Das 133
ocorrências registradas nestes cinco anos, nove foram em 2000; 13 em 2001; 28 em 2002; 35 em
2003 e 48 em 2004. As mulheres mais ameaçadas são sobretudo as que atuam no Norte e
Nordeste e as trabalhadoras rurais e/ou lideranças estão entre as mais ameaçadas.
Entre 1988 e 2004, ocorreram 4.402 ocupações de terras no Brasil. De 1988 a 1995 ocorreram
“apenas” 721 ou 16,37% do total. O “grosso” das ocupações vieram após 1995, chegando a 595
ocupações só no ano de 1998. A região Nordeste concentrou 38,71% dessas ocupações. A
evolução do crescimento do número de famílias envolvidas teve comportamento coerente com o
aumento do número de ocupações. Entre 1988 e 2004, 667.949 famílias envolveram-se em
54
Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_JULHO_2007.pdf Acessado em 23/07/2007.
55
O Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos do MDA considera mortes decorrentes de
conflitos agrários aquelas assim reconhecidas pelo respectivo inquérito policial. Outros dados sobre violência no
campo como: pessoas envolvidas, assassinatos, tentativas de assassinatos, ameaças de morte, torturas, agressões
físicas, prisões, famílias expulsas, famílias despejadas, casas, roças e bens destruídos, pistolagem e outros podem ser
encontrados nos Cadernos Conflitos no Campo da CPT, versão 2005 disponível em
www.cpt.org.br. Os dados
atualizados de 2006 podem ser obtidos em http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=1825&eid=6.
56
Em Anexos, ver Gráfico 9 – Assassinatos por conflitos de terra.
106
ocupações de terras. A região Nordeste concentra o maior número de famílias 247.396 ou 37,04%
do total. A região Sudeste possui 18,87%; a região Centro-Oeste 18,60%; a região Sul 16,78% e a
Norte 8,71%.
Sob o capitalismo dependente, a persistência de formas econômicas arcaicas
não é uma função secundária e suplementar. A exploração dessas formas, e a
sua combinação com outras, mais ou menos modernas e até ultramodernas,
fazem parte do “cálculo capitalista” do agente econômico privilegiado. (...) Em
conseqüência, o agente econômico “mais arcaico”, que não tem possibilidades
(ou só tem possibilidades estreitas) de reinvestir uma parcela do excedente
econômico em suas unidades produtivas (agrícolas, de criação, extrativas, etc.),
preenche as funções econômicas que decorrem de sua posição no sistema
econômico: a) servir de elo entre o mercado interno e o mercado externo na
captação de excedente econômico; b) alimentar uma pequena porção do
mercado interno com alto poder de consumo; c) servir de elo entre o “setor
arcaico” e o “setor moderno” do sistema econômico, transferindo para o
crescimento deste último, indireta ou diretamente, parcelas substanciais do
excedente econômico gerado no primeiro (e que não podem ser reinvestidos
nele, de modo produtivo, mantidas as condições de articulação do sistema
econômico). (FERNANDES, 1972, p. 53).
A questão do capitalismo dependente em Florestan, pelo pouco que pudemos
compreender até aqui, com a indispensável contribuição de Limoeiro, parece-nos um campo fértil
de idéias e uma fonte rica de problematizações, que lança sobre as pesquisas sociais, sobretudo
aquelas voltadas para transformações profundas da base social, um desafio urgente. Entendemos
que neste desafio o ponto de partida deve ser a questão da classe no desenvolvimento do
capitalismo e o ponto de chegada a transformação social. Pelo caminho estão as determinações
que carregam as possibilidades de conferir ao trabalhador uma identidade de classe ao assumir a
luta contra um de seus inimigos reconhecidos, o agronegócio, se apropriando de meios para isso
como a educação. Ao promover uma educação de classe, o trabalhador pode assumir uma posição
de classe consciente na história e materializar o conceito de classe, classe camponesa. Essa
tentativa já é o enfrentamento à heteronomia imposta pela burguesia nacional e estrangeira.
A classe social alicerça-se sobre a comunidade de interesse de classe e de
situações de classe. Mas ela é, sobretudo, um grupo social, sujeito a variações
de acordo com a intensidade dos contatos sociais, a formação de padrões de
107
vida e de aspirações sociais comuns, laços de solidariedade moral ou de atuação
política e formas de consciência peculiares etc. (FERNANDES, 1972, p. 59).
108
CAPÍTULO 3 – CENÁRIOS PARA PENSARMOS A EA NO CAMPO
Passaremos à apresentação, análise e interpretação de uma dimensão particular do
contexto socioeconômico, político e cultural presente nos conflitos e questões abordados neste
estudo, buscando manter o contato com o fio condutor de nossa discussão, qual seja, as relações
sociais que conformam o metabolismo sociedade-natureza. Buscaremos evidenciar como as
determinações de uma totalidade concreta encerram em sua estruturação, e somente assim
permanecem enquanto determinações, as possibilidades de intervenção dos sujeitos na realidade.
Portanto, as determinações poderão assim ser compreendidas, e assim serem mantidas ou
superadas objetivamente, somente enquanto determinações presentes em uma sociedade de
classes capitalista, onde exatamente as relações de classe as criam e destroem. Daí a importância
do reconhecimento da identidade de classe para o/a trabalhador/a, e a importância da tentativa de
negação e não reconhecimento dessa relação pelas classes dominantes.
Considerando que a realidade concreta em que nos movemos, inscrita em um determinado
estágio de desenvolvimento da sociedade – como compreendido anteriormente, uma sociedade de
classes capitalista dependente – condição que em nosso entendimento produz um agravamento da
falha metabólica, a possibilidade de intervenção dos sujeitos nesta realidade somente se dará em
dois sentidos: o de sua negação e superação ou sua manutenção e expansão. A neutralidade aqui
também é conservadora.
O que buscamos entender como novidade, não o “novo mundo rural” apoiado em uma
racionalidade instrumental que suplanta relações fundamentais entre sociedade-natureza, para a
reprodução de mercadorias e ávida maximização dos lucros, mas sim a potência (re)criadora do
novo, alimentada pela práxis transformadora que ressurge nas atividades dos sujeitos, daqueles
109
que lutam pela sua reprodução social nas distintas experiências de organização comunitária que
multiplicam-se nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária.
3.1 A lavoura de cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, RJ
O município de Campos dos Goytacazes teria iniciado seu processo de colonização por volta
do século XVII, quando predominava a atividade pecuária que atendia ao mercado consumidor
do Rio de Janeiro. (LEWIN, 2005). Em meados deste mesmo século, a atividade econômica
principal passou a ser a plantação de cana-de-açúcar e sua transformação em açúcar e álcool, o
que marcaria a história do desenvolvimento socioeconômico da região.
Na virada do século XIX, iniciam-se algumas transformações na produção como o
surgimento de engenhos a tração, a vapor e os engenhos centrais, bem como as primeiras usinas
de açúcar e com elas, os usineiros, que não eram apenas proprietários de escravos, mas de
grandes extensões de terra e de fábricas (usinas) capazes de proporcionar uma alta produção se
comparada com as anteriores”. (LEWIN, 2005, p.66-67). Em 1929, Campos firma-se como o
principal produtor de açúcar no Rio de Janeiro, sendo inclusive o segundo maior produtor do
país, perdendo apenas para o estado de Pernambuco. (LEWIN, 2005).
A Usina São João, onde ocorreu a primeira ocupação do MST em Campos dos
Goytacazes, resultando na criação do assentamento Zumbi dos Palmares, estava entre uma das
grandes beneficiadas pelos incentivos do IAA na região Norte Fluminense. Grande parte de seu
crescimento (aumento da participação no mercado devido à expansão de seu parque industrial)
deve-se aos inúmeros financiamentos recebidos, elevando-a ao posto de grande produtora de
açúcar e álcool na região”. (LEWIN, 2005, p. 69).
110
Nos anos 50 e 60 a Usina São João teria ampliado e reequipado todo o seu parque industrial
com o apoio político e administrativo da Cooperflu
57
e financeiro do IAA. Conforme o estudo de
Lewin, entre 1943 e 1966, a usina teria solicitado empréstimos totais no valor de
Cr$301.110.000,00. Estes investimentos, que não ocorriam apenas na usina São João, mas no
conjunto das usinas campistas levaram a primeira grande mecanização da lavoura, como
conseqüência do Estatuto da Lavoura Canavieira que garantia alguns direitos trabalhistas. Estes
foram suficientes para os usineiros iniciarem as reestruturações produtivas que marcam as
estratégias do capital na maximização da mais-valia. O resultado foi o processo de expulsão da
mão-de-obra assalariada em migração para a área urbana de Campos e outras regiões do Estado.
como a metropolitana. Este quadro traria conseqüências futuras em termos de organização e
mobilização social, principalmente em torno do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos,
que potencializariam as ações do MST na região. (LEWIN, 2005).
Como medida alternativa para atenuar as dificuldades geradas pela crise do combustível,
foi criado, pelo Decreto-lei 76.593, de 4 de novembro de 1975, o Programa Nacional do
Álcool, com o objetivo de expandir a produção e viabilizar seu uso progressivo como
combustível. (NEVES, 1997). O aumento da produção de cana e de açúcar na região açucareira
de Campos deveu-se também aos estímulos concedidos pelo Proálcool.
Em Campos a agroindústria canavieira crescia dependendo das íntimas ligações entre os
setores tradicionais detentores do poder político e econômico, dependia-se cada vez mais de
créditos subsidiados e perdões às vidas”. (LEWIN, 2005, p. 79). Por sinal, traço comum e
permanente da política agrícola para apagar os incêndios do modelo de produção capitalista. Os
empréstimos eram alocados tanto para o pagamento de dívidas vencidas quanto para a aquisição
57
Antigo Sindicato da Indústria do Açúcar do Estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo, criado em 1934 vindo a se
transformar mais tarde na Cooperativa Fluminense dos Usineiros e, em 1948, organizando-se como Cooperflu.
(LEWIN, 2005, p. 71).
111
de outras usinas, em um processo de concentração de usinas endividadas que acabaram por gerar
mais dívidas.
Em um desses empréstimos a Usina São João apresentava uma relação de seu maquinário
como garantia do pagamento das dívidas da Usina Porto Real (no município de Resende, RJ)
incorporada em 1971. Um dos fatores que mais tarde legitimaria a desapropriação das terras da
usina, já que a mesma não tinha outra forma de pagar os direitos trabalhistas de seus ex-
trabalhadores, muitos dos quais agora assentados no Zumbi. Em 7 de novembro de 1995 a Usina
São João teve sua falência decretada pelo juiz da Vara Civil de Justiça de Campos. (LEWIN,
2005).
Em suas análises sobre o lugar, do emprego e da renda no desenvolvimento e o papel do
regionalismo na definição e reprodução das estruturas produtivas do Norte Fluminense, em
especial do município de Campos, Cruz (2003) destaca a monocultura da cana e a estrutura da
agroindústria açucareira como condicionantes históricos da dinâmica econômica, social e
política, o que monopolizou o mercado de trabalho.
Cruz ressalta que a polarização econômica do complexo açucareiro, sustentada por um
regionalismo monopolizador, reproduzia, em decorrência da concentração espacial e
centralização dos recursos um excedente de força de trabalho desqualificada, disponível para o
capital agroindustrial em situação frágil de barganha, o que mantinha relações precárias de
trabalho”. (CRUZ, 2003, p. 5).
Encontramos no estudo do referido autor que o emprego no setor caiu, entre meados de 80
e 2001, de cerca de 50.000 para cerca de 15.000. (CRUZ, 2003, p. 7). A produção de cana e
açúcar passou a ser metade da do auge, nos anos 80, ou seja, de quatro milhões e meio de
toneladas de açúcar, contra quase dez milhões atingidos naquela década. Foi o período de alta
tecnificação das usinas, como dito anteriormente, apoiado pelo IAA.
112
Foram 35.000
58
postos de trabalho perdidos e praticamente o mesmo tanto de mão-de-
obra deslocada para o mercado de trabalho urbano, desqualificada, em virtude dos baixos veis
de instrução e de educação formal, e das condições precárias de vida. Ao final da década de 80, a
extração de petróleo passou a canalizar recursos financeiros para as administrações municipais e
um novo bloco de poder, contrapondo-se ao bloco tradicional, assumiu a hegemonia político-
administrativa na maior parte dos municípios da região. (CRUZ, 2003).
3.2 O assentamento Zumbi dos Palmares
3.2.1 Localização
O Assentamento Zumbi dos Palmares situa-se nos municípios de Campos dos Goytacazes
e São Francisco do Itabapoana, região Norte Fluminense, abrangendo uma área de
aproximadamente 8.000 hectares, entre as coordenadas 21° 32’ e 21° 45’ latitude Sul e os
meridianos 41° 11’ e 41° 16’ a Oeste de Greenwich, compreendendo as fazendas que faziam
parte do conjunto da antiga Usina sucro-alcooleira São João: Jacarandá, Guriri, São Gregório,
Paraíso, Campelo, Santa Maria, Cajueiro, Bom Jesus, Penha e Santana. Fisicamente esta área se
estende desde a margem esquerda do rio Paraíba do Sul, à leste da cidade de Campos de
Goytacazes até próximo ao distrito de Floresta em São Francisco do Itabapoana. (FAO/INCRA,
1999).
58
Teriam sido criados cerca de 30.000 novos empregos no complexo de extração de petróleo, nos últimos vinte
anos, contra a perda de, aproximadamente, 35.000 no complexo ucareiro, para uma população economicamente
ativa que cresceu em mais de 40.000 pessoas no período, considerando-se somente o município de Campos dos
Goytacazes. (CRUZ, 2003, p. 9). Entre 1995 e 2000 o volume de royalties do petróleo recebido por Campos passou
de R$2.500.000,00 para R$148.700.000,00. Enquanto isso, o emprego formal foi reduzido de 47.000 para 42.000
postos de trabalho. (CRUZ, 2003, p. 11).
113
Figura 1. Localização do Assentamento Zumbi dos Palmares no Município de Campos dos Goytacazes no
Estado do Rio de Janeiro. (Extraído de AQUINO et alli., 2006).
3.2.2 A ocupação das terras da Usina São João
A situação da agroindústria da cana-de-açúcar no município de Campos abalada pelas
sucessivas dívidas dos usineiros teve como corolário a demissão dos funcionários e trabalhadores
estáveis das fazendas, sem o pagamento de indenizações. Houve mobilização dos trabalhadores
ante a falta de pagamento, desmoralização das lideranças pelo não cumprimento de pagamento
dos serviços e obrigações sociais e venda de equipamentos e máquinas para pagar financiamentos
bancários, fornecedores e dívidas trabalhistas. Como conseqüência, um grande êxodo rural em
direção à cidade, ampliando-se a favelização da área urbana. Este foi o cenário em que o MST
inicia suas ações em Campos.
Três categorias configuram-se como responsáveis pela construção do processo de ocupação
das terras da Usina São João, a saber: ex-empregados da Usina, trabalhadores cadastrados pelo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de São Francisco de Itabapoana e trabalhadores
reunidos pelo MST. (FAO/INCRA, 1999). Boa parte dos que ocuparam a fazenda eram famílias
114
das favelas de Campos ou eram trabalhadores desempregados dos bairros da Aldeia, Travessão,
Fundão e Santa Rosa. (LEWIN, 2005, p. 114).
Dentre os ex-empregados da Usina incluem-se braçais, funcionários da administração e da
unidade industrial, enfim todos aqueles vinculados à Usina São João e que permaneceram na luta
pelos seus direitos trabalhistas, culminando com a posse da terra.
Para ocupação das terras, o MST reúne trabalhadores das mais diversas origens (cidades e
estados) e ocupações, desde trabalhadores rurais e urbanos (domésticas e cobradores de ônibus),
formando-os (através de reuniões e orientações sobre procedimentos e condutas) ou não (muitos
chegam ao acampamento nos dias iniciais, interessado em obter um lote de terra, uma alternativa
de vida, após terem ouvido no rádio ou de vizinhos). (FAO/INCRA, 1999).
A ocupação ocorreu na madrugada do dia 12 de abril de 1997, um sábado. Diversas entidades
apoiaram a ação, desde Sindicatos à Prefeitura Municipal, incluindo a Escola Técnica Federal,
UENF, Santa Casa e outras, doando mantimentos, roupas, remédios, calçados, etc. Em termos de
apoio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que se instalou em Campos entre 1996 e 1997, foi a
parceria mais constante. (LEWIN, 2005, p. 110).
Em outubro, o INCRA desapropria as terras e em novembro de 1997 cadastra as famílias
acampadas, os ex-funcionários da Usina e as famílias já cadastradas no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São Francisco do Itabapoana. (FAO/INCRA, 1999).
Em assembléia realizada em janeiro de 1998, decidem a divisão dos grupos para ocupação da
área. Espalham-se e recebem os primeiros créditos de instalação, inicialmente o de alimentação
(R$400,00), concedido a 443 famílias e em dezembro o de Fomento (R$1.025,00), concedido a
430 famílias. (FAO/INCRA, 1999).
115
Figura 2. Mapa do Assentamento Zumbi dos Palmares, mostrando o parcelamento em lotes. (Extraído de
Zinga & Pedlowski, 2003)
3.3 Interações metabólicas: aspectos das transformações socioambientais na área de estudo
3.3.1 Recursos hídricos
Em seu trabalho sobre os conflitos em torno do uso da água na Baixada dos Goytacazes,
Carneiro (2004) buscou demonstrar que o período que vai da década de 1930 até meados da
116
década de 1970 caracteriza-se pela implementação dos grandes projetos de drenagem na região
da Baixada Campista.
Conforme o autor, os projetos de saneamento e drenagem implantados a partir desse
período inserem-se no contexto de “modernização do Estado”, à luz do projeto modernizador dos
engenheiros do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). (CARNEIRO, 2004)
Das planícies do Rio de Janeiro, a Baixada de Goytacazes que se afigurava como a
principal, no que se refere ao aproveitamento agrícola. O autor destaca que um dos efeitos
práticos da atuação do DNOS foi o amplo ‘dessecamento’ da baixada outrora pantanosa e
repleta de lagoas e lagunas perenes e temporárias, mediante a construção de uma complexa rede
de canais de drenagem, de mais de 1.300 km de extensão(CARNEIRO, 2004, p. 2), o que teria
favorecido a expansão as atividades agrícolas locais.
Na segunda metade da década de 70 na Baixada Campista foram contrárias à atuação do
DNOS. A primeira manifestação formal neste sentido foi apresentada no ano de 1976, pelo então
diretor do Departamento de Recursos Naturais Renováveis da Secretaria Estadual de Agricultura
e Abastecimento, questionando o órgão federal sobre os impactos de suas obras aos ecossistemas
locais. (CARNEIRO, 2004).
Em 1979 ocorreu a primeira manifestação de pescadores contra obras do DNOS.
Conforme Carneiro esse grupo manteve-se praticamente à margem da sociedade local até o
final da década de 70, quando resolveu protestar de forma organizada contra as intervenções
contrárias aos seus interesses”. (CARNEIRO, 2004, p. 7).
A análise dos aspectos sociológicos deste e de outros conflitos ricamente detalhados no
trabalho do autor, e que não poderemos aprofundar neste trabalho, nos permite afirmar que os
conflitos pelo uso da água são recorrentes na região, tanto em sua escassez quanto em seu
excesso, conforme impressões colhidas informalmente junto a assentados e colaboradores no
117
Zumbi. As relações de apropriação da água aqui são um tanto distintas, mas sua essência continua
a fincar-se no fato de que a água deve estar disponível com qualidade e gratuitamente, tanto para
necessidades humanas e animais quanto para a manutenção das atividades produtivas.
Finalizando esta seção, transcreveremos parte do estudo de Carneiro sobre o conflito
ocorrido no ano de 2001 na lagoa do Campelo, utilizada por pescadores e assentados do
assentamento Zumbi dos Palmares. Assumiremos o risco de parecermos enfadonhos e de
antemão pedimos desculpas ao leitor pela repetição de longo trecho que, todavia, ilustra
emblematicamente alguns aspectos de nossas discussões e será tratada posteriormente por um dos
agricultores assentado no Zumbi.
Os trabalhadores rurais de um dos núcleos do assentamento Zumbi dos
Palmares construíram uma barragem no canal Antônio Resende, responsável
pela drenagem da lagoa, com o objetivo de aumentar o volume e a qualidade da
água do lençol freático, excessivamente ácida à época. Mesmo com as
reclamações dos proprietários rurais situados a jusante da barragem, a SERLA e
a prefeitura de Campos resolveram manter a barragem, por entender que a
situação da lagoa do Campelo tinha chegado em um nível crítico.
Adicionalmente, a prefeitura de Campos realizou a limpeza do canal do
Vigário, adutor de água do rio Paraíba do Sul para a lagoa do Campelo. Essas
duas intervenções recuperaram parte do volume original da lagoa, melhorando
significativamente a qualidade da água do lençol freático e permitindo a
retomada da atividade de pesca. Com a recuperação do volume de água da
lagoa, a barragem passou a verter água, dissuadindo os protestos dos
proprietários situados a jusante. (CARNEIRO, 2004, p. 16).
3.3.2 Agrotóxicos
Ao analisar os impactos socioambientais resultantes do uso de agrotóxicos no
assentamento Zumbi dos Palmares, Aquino et al (2006) do Laboratório de Estudos do Espaço
Antrópico e do Laboratório de Ciências Químicas da Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF) obtiveram evidências, pela intensa utilização de agrotóxicos, que o
118
paradigma tecnológico difundido pela “Revolução Verde” tinha se estendido ao assentamento
Zumbi dos Palmares.
Os autores abordam o papel do pacote tecnológico composto de sementes melhoradas,
sistemas de irrigação e maquinários modernos, acompanhados da adoção de uma ampla gama de
agrotóxicos como um dos constituintes de conformação de tal paradigma, iniciado a partir da
década de 60 do século XX.
Não nos estenderemos na abordagem teórica do estudo, mas para os objetivos deste
trabalho, ressaltamos que como resultados da coleta de dados estabeleceu-se que 46% dos
agricultores estudados fazem uso dos agrotóxicos em seus sistemas agrícolas, estando
concentrada sua utilização nos núcleos 4 e 5 do Zumbi.
Um outro dado significativo é que 20% dos assentados contrata mão-de-obra não-familiar
para a tarefa de aplicação dos agrotóxicos, ao passo que o restante utiliza mão-de-obra familiar
para realizar as atividades relacionadas ao manuseio, utilização e descarte de vasilhames, além
disso, 20% dos assentados declarou não utilizar nenhum dos três equipamentos de segurança
mais básicos como luvas, botas e máscara, e menos da metade usava todos.
Os autores concluem que o resultado do processo de assimilação tecnológica por uma
população sem o devido preparo pedagógico é que a ampla difusão de valores associados à
modernização da agricultura desencadeou uma ruptura nas formas tradicionais de produção e
disseminação de conhecimentos, influenciando diretamente as atividades desenvolvidas pela
agricultura familiar”. (AQUINO et al, 2006, p. 14).
A despeito de sua ênfase na necessidade de preparo pedagógico, questionamos o papel
ideológico das informações produzidas pela “Revolução Verde” interferindo no imaginário dos
agricultores como cerne do problema, pois os reflexos do “despreparo pedagógico” fazem parte
da história de expropriação camponesa pelo capital. Não negamos a necessidade de preparo
119
pedagógico, nem tampouco da hegemonia de um padrão tecnológico destrutivo, mas este padrão
desenvolvido na agricultura capitalista é simultâneo aos processos de degradação do trabalho e
das condições de vida e assim o “preparo pedagógico” quem faz são as forças e relações da
cultura alienada que incidem sobre o trabalho e formação dos trabalhadores e ainda, que para
estes, a manutenção de sua condição arcaica impõe um “preparo pedagógicoque atende pelo
nome de sobre-trabalho e sobre-expropriação.
(...) Se eu for produzir hoje feijão aqui dentro do meu lote, o meu lote dá feijão,
se eu for produzir feijão no lote, eu vou ter de custo hoje pra produzir um quilo
de feijão no meu lote uma cerca de R$1,50 ou talvez chegue a mais um pouco,
pra produzir um quilo de feijão. Por motivo de que esse feijão, ele vai ser
produzido sem agrotóxico e sem “manicanismo”. Sem máquina. Vai ser feito
tudo na base da mão, braçal mesmo. Então se eu produzir um feijão aqui que
chega de custo pra mim produzir ele R$1,50, eu tenho que colocar ele no
mercado, por mínimo R$2,20 o quilo. Se eu colocar ele no mercado por R$2,20,
o mercado tem que botar ele pra atravessar pra outro a três reais. Você vai ter
uma feijão na mesa de boa qualidade, excelente qualidade. Por três reais. Sendo
que, nós temos o outro feijão fora colhido na base do mecanismo n/é? Que
foi tratado com agrotóxico, que foi envenenado, feito na base da
industrialização a noventa e oito centavos, um real. O meu feijão a três reais
ninguém vai comprar! Então tem essa dificuldade de produzir um alimento
competitivo com o alimento que está no mercado. É um alimento orgânico. Sem
agrotóxico nenhum. (Manoel, assentado).
3.3.3 Origem e lugar do trabalho no Zumbi dos Palmares
Em pesquisa coordenada por Becker
59
podem ser encontrados resultados que nos
possibilitam compreender quem eram os demandatários das terras da Usina São João e algumas
articulações urbano-rurais estabelecidas a partir de suas estratégias de sobrevivência.
Em um dos itens da referida pesquisa buscou-se traçar o perfil sócio econômico e a
história migratória e de trabalho dos pequenos produtores rurais assentados no Zumbi dos
59
Pesquisa desenvolvida no âmbito do Grupo de Estudos Espaço e População (GEPOP) do Departamento de
Geografia da UFRJ, com recorrência a dados coletados durante atividades das disciplinas Estágio de Campo III
(1997 e 2003) e Estágio de Campo II (2004), sob a coordenação da Profa. Olga Schild Becker. Foram aplicados 203
questionários (40,1% das famílias) aos responsáveis pelos lotes dos Núcleos 1, 2, 3 e 4, do assentamento Zumbi dos
Palmares. Disponível em
www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/Eixo1/e1%20021.htm
120
Palmares. Destes, contatou-se que 27% eram analfabetos e 37% possuíam entre um e três anos de
escolaridade. 78,4% dos produtores possuíam uma renda abaixo de dois salários mínimos; 34%
entre meio e um salário mínimo e 16% apresentavam nível de renda familiar abaixo de meio
salário mínimo.
Em relação ao perfil migratório, verificou-se que 79,6% apresentava como local de última
procedência municípios do próprio estado do Rio de Janeiro (60,1% do município de Campos dos
Goytacazes). Quanto a situação de domicílio anterior, era predominantemente rural, tanto no
local de nascimento (85,5%) quanto no de última procedência (62,5%).
Quanto a posição na ocupação no local de última procedência, foi indicado que a maioria
relativa (35,5%) dos assentados pertencia à categoria “empregado rural temporário” (bóia-fria da
cana), seguida pelas categorias “empregado urbano de empresa privada” (14%), no caso referente
aos trabalhadores das Usinas sucroalcooleiras do município de Campos, do “empregado rural
permanente” (8,9%) e do “conta-própria rural” (8,4%). O “conta-própria urbano”, em sua maioria
representado pelo “ambulante” (7,9%) e pela empregada doméstica (6,9%). Constatou-se ainda
que em 11% dos lotes os chefes de família apresentavam outras ocupações, especialmente no
urbano (70%), enquanto em 29,1% dos lotes, familiares desempenhavam atividades fora do
assentamento. A pesquisa considerou a pluriatividade dos assentados como parte de uma
estratégia familiar de reprodução frente às dificuldades enfrentadas de permanecer no lote e que
no Zumbi a pluriatividade está fortemente relacionada com as atividades terciárias urbanas.
3.3.4 O contexto educacional no Zumbi dos Palmares
Entre 1999 e 2003 um grupo de assentados, alguns dos quais representantes das
associações e cooperativas, junto à CPT, à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
121
Ribeiro (UENF) e ao MST iniciaram as discussões para sistematizar o processo de implantação
de uma Escola do Campo
60
que se realizaria no espaço de uma Escola Estadual desativada há 15
anos na comunidade de Campelo, e atenderia, a princípio, a demanda de alunos do e ciclos
do ensino fundamental, do ensino médio e da educação de jovens e adultos (EJA).
De acordo com as informações contidas no Plano de Desenvolvimento do Assentamento
(PDA)
61
Zumbi dos Palmares, em um percentual de 50% de famílias entrevistadas, existiam, no
ano de 1999, 510 crianças menores de 14 anos, das quais 184 encontravam-se fora da escola. Dos
433 agregados maiores de 14 anos, 170 não se encontravam estudando.
A pesquisa denominada Diagnóstico socioeconômico e ambiental do Assentamento
Zumbi dos Palmares, com a participação de diversas instituições: UENF, Instituto Superior de
Educação Professor Aldo Muylaert (ISEPAM) e CPT.
Os dados levantados por esta pesquisa
62
são relativos à aplicação de 254 questionários e
revelam que a demanda para 5ª, , 7ª e 8ª série do ensino fundamental alcança 29% (total de 181
pessoas). Acrescentando os/as educandos/as que se encontram ou cursaram a série (demanda
para a série no ano de 2003), temos um total de 318 alunos/as para a Escola nesta modalidade
de ensino. A maior demanda refere-se à 5ª série, com um total de 137 alunos, o que corresponde a
22,53% do total.
60
Assumiremos aqui a definição de escola do campo como aquela que: trabalha os interesses, a política, a cultura
e a economia dos diversos grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo, nas suas diversas formas de trabalho
e de organização, na sua dimensão de permanente processo, produzindo valores, conhecimentos e tecnologias na
perspectiva do desenvolvimento social e econômico igualitário desta população. A identificação política e a
inserção geográfica na própria realidade cultural do campo são condições fundamentais de sua implementação”.
Trecho do texto preparatório da primeira conferência nacional “Por uma Educação Básica do Campo”.
(FERNANDES, CERIOLI & CALDART, In: ARROYO, CALDART & MOLINA, 2004, p. 53).
61
Tivemos acesso ao novo PDA do Zumbi dos Palmares realizado com dados atualizados de 2006. Entretanto, até
nosso último contato com os membros da equipe de pesquisa (no mês de junho de 2007) o INCRA não havia
liberado sua publicação, inviabilizando sua inclusão neste trabalho.
62
Ver Quadro 4 em Anexo.
122
Em relação aos adultos, o PDA revela um quadro bastante injusto: baixo grau de instrução
formal e um índice de analfabetismo de 31,8%. Esta situação foi retratada, também, no
Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental do Zumbi. Analisando a relação idade/série,
constatou-se que 49,4% dos assentados não concluíram o primeiro segmento do Ensino
Fundamental. Destes, 62,6% estão compreendidos na faixa etária entre 21 e 70 anos.
Nas reuniões ocorridas foi discutido qual o projeto de escola seria mais apropriado para esta
realidade, resultando na opção pela implementação de um Projeto de Escola do Campo
63
.
Segundo Abreu & Martinez (2004), como forma de organizar e viabilizar a conquista do
Projeto por uma Educação Básica do Campo no Zumbi foi estabelecida e cumprida, no início do
ano de 2002, uma agenda de ações, no sentido de garantir a concretização das propostas que
emergiram nos encontros:
a) viagem à Escola Família Agrícola de Nova Friburgo, com o objetivo de conhecer como
se deu o processo de regularização da escola no Estado do Rio de janeiro;
b) levantamento das demandas por idade e série das crianças do assentamento que se
concretizou no Diagnóstico socioeconômico do Zumbi;
c) realização na/pela UENF de seminário sobre Reforma Agrária e Educação do Campo
para os alunos que participariam do diagnóstico;
d) organização, pelo MST, de seminário para os trabalhadores dos diferentes
assentamentos e acampamentos do município;
e) reuniões com órgãos públicos, como a Secretaria Estadual de Educação e a
Coordenadoria Regional de Educação;
63
A construção deste projeto tem sido subsidiada pelas múltiplas experiências acumuladas nas Escolas Famílias
Agrícolas (EFAS), Casas Familiares Rurais (CFR), MST e Movimento de Educação Básica (MEB). (ABREU e
MARTINEZ, 2004).
123
f) ato reivindicatório realizado por um grupo de assentados (pais e filhos) na sede da
Coordenadoria Regional de Educação, com o objetivo de protestar contra o não
cumprimento da promessa de remodelação e abertura da escola.
O assentamento Zumbi dos Palmares é um dentre os 5.595 assentamentos de reforma agrária
instalados pelo INCRA
64
desde 1985 em 1.651 municípios do Brasil. Portanto, se anteriormente
afirmamos que não houve nenhuma reforma agrária, entendida como mudanças na estrutura
fundiária e transformação dos padrões das relações sociais ou de desenvolvimento da vida no
campo, não podemos negar que houve relativa distribuição de terras.
Insistimos que não foram transformações estruturais da ordem capitalista dependente que
geraram o surgimento dos assentamentos, mas muitos destes assentamentos são expressões
concretas dos enfrentamentos sociais presentes que convulsionam à ordem e sua constituição
amplia e possibilita espaços de organização e participação social que podem transferir ou criar
nos sujeitos, articulações coletivas e laços de solidariedade que renovam as leituras sobre a
formação da consciência das classes.
Eu acho que isso é um conjunto de fatores n/é? Eu... costumo falar assim que
o... neoliberalismo ele tem... ele é igual um polvo. Tem vários tentáculos ali,
várias pernas n/é? Uma perna na agricultura, então a gente vai tendo aquela
agricultura que eu falei da questão de agricultura de comércio, do mercado n/é?
Sempre o comércio... o mercado... o mercado ditando as regras sempre n/é?
Então uma perna ta na agricultura, outra perna ta na saúde, a gente que
dificilmente um médico é... incentiva as práticas da medicina alternativa, das
plantas medicinais. E um tentáculo na educação, que a gente ta falando agora.
Então a educação pro mercado n/é? Então a gente falar muito de tecnologia,
o homem do campo precisa da tecnologia também mas, não se tem assim... eu
acho que o pensamento geral que vem da educação, eu não posso falar da
proposta pedagógica do município, porque eu não conheço. Mas eu acho que
isso assim é um geral, acho que isso... a educação ta sendo tratada assim
visando as necessidades do mercado.Eu acho que... mais por aí. (Ricardo,
assentado).
64
Esses dados são freqüentemente questionados pelo MST e por estudiosos da questão fundiária como Carvalho
(2005), uma vez que uma parte do que aparece como “assentamento” pode ser entendido como regularização de
áreas, viabilizando a permanência de famílias que se encontravam há tempos na terra, porém em situação conflituosa.
Assumimos como fonte interpretativa os dados dessa pesquisa por tratarem-se dos dados institucionais mais
atualizados.
124
A aparente homogeneidade dos dados que apresentaremos adiante subtrai ou esconde
especificidades que não pretendemos ignorar, pois residem muitas de nossas aspirações, por
outro lado, apontam generalidades históricas, pois engendradas no âmbito das contradições
necessárias ao desenvolvimento do capitalismo dependente. Aqui, nos desculpamos se por vezes
a frieza estatística prepondera, mas fazemos um convite para acompanhar esta leitura com o olhar
atento também, e principalmente, aos relatos de sujeitos que dialogam, vivenciam, enfrentam as
contradições e processos que alimentam a modernidade conservadora, arcaica e heterônoma, mas
também nos revelam sua práxis política e pedagógica transformadora.
3.4 A Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária
65
Em todas as faixas etárias consideradas pela PNERA, as taxas de analfabetismo são maiores
entre a população do campo. Observando os dados da distribuição da população por situação de
domicílio segundo grupos de ano de estudo, a população do campo apresenta os maiores
percentuais quando são considerados os grupos com poucos anos de estudo (de menos de 1 a 6
anos). A situação se inverte, quando aumenta os anos de estudo, neste caso a população urbana
apresenta os maiores percentuais. São pólos duplos de uma realidade duplamente excludente: em
um extremo, 23,2% da população rural e 9,0% da população urbana com menos ou até 1 (um)
ano de estudo, no outro 0,6% da população rural e 6,4% da população urbana com 15 ou mais
anos de estudo.
65
Em Anexos, ver Gráfico 10 – Níveis e modalidades de ensino oferecidos nas escolas de assentamentos.
125
A grande maioria dos/as assentados/as não freqüenta a escola, sendo que destes, 27,1% nunca
o fizeram e não sabem ler ou escrever. Somente 38,5% freqüentaram até a 4ª série e não mais que
5,6% possuem o Ensino Médio completo.
Dos 38,8% dos assentados que freqüentam a escola, a maior parte ou 76,7%, freqüentam o
ensino fundamental (1ª a série). Apenas 0,8% das crianças assentadas freqüentam creches
organizadas como escolas e apenas 7,5% dos/as adolescentes assentados/as freqüentam o ensino
médio. O Ensino de Jovens e Adultos (alfabetização e 1ª a 4ª série) é freqüentado por 4,7% dos/as
assentados/as.
Dentre os responsáveis pelos lotes, 28% nunca freqüentaram a escola. Outros 28% possuem
até a série do ensino fundamental e somente 2% possuem o ensino fundamental completo.
Apenas 4,3% das escolas que atendem assentados oferecem o nível médio. Não por acaso,
somente 2% dos responsáveis pelo lote possuem esta modalidade de ensino.
O regime presencial é adotado em 98,1% das escolas, enquanto apenas 1,3% adota um regime
semi-presencial ou com presença flexível (combina meios presencias e à distância) e 1,2% o
regime de alternância, com tempo na escola e tempo na comunidade. A organização em séries
está presente em 93,7% das escolas do ensino fundamental e 70,5% delas possuem turmas
multisseriadas. No ensino médio 81,5% estão organizadas em séries.
Todas as escolas pesquisadas possuem pessoal docente em sala de aula, mas apenas 67%
possuem pessoal operacional (zeladoria, limpeza, cozinha, merendeira, etc.) e em somente 39,8%
delas existem pessoal de gestão: diretoria, secretaria, administração e inspeção. As mulheres
representam 76,2% do pessoal docente, 84,4% do operacional e 74,6% do pessoal da gestão. Dos
38.035 docentes, 43,4% moram na zona urbana, 33,9% em assentamentos e 22,6% moram na
zona rural, mas fora dos assentamentos.
126
Em 62,5% das escolas não havia qualquer órgão colegiado, como Conselho Escolar,
Associação de Pais e Mestres, etc, em funcionamento. Não havia diretor/a em 56,5% das escolas,
nas demais, 74,3% deles/as foram indicados, nomeados ou designados pelo/a mantenedor/a.
Apenas 16,8% eram escolhidos/as pela comunidade escolar (pais, alunos/as, professoras/es,
funcionárias/os).
Os dados da pesquisa apontam que 58,6% desconhecem
66
as Diretrizes Operacionais Para a
Educação Básica do Campo. Dos 18,2% dos que as leram, 72,1% afirmam que elas são utilizadas
em parte na organização do ensino na escola, outros 15,6% afirmam que são totalmente utilizadas
e 13,2% dizem que não são utilizadas. Outros 23,1% afirmam conhecê-la “de ouvir falar”.
Ao referir-se sobre o ajuste do calendário escolar ao calendário das safras agrícola, a pesquisa
indica que em 85,6% dos casos esse ajuste não existe; 10,2% dos calendários são parcialmente
ajustados e apenas 4,2% deles são totalmente ajustados.
Quanto a localização da escola em relação ao assentamento a pesquisa indicou que 54,3%
delas encontram-se localizadas dentro do assentamento na agrovila/centro comunitário. As
localizadas dentro do assentamento, mas fora da agrovila, representam 25,0% e 20,7% das
escolas localizam-se fora do assentamento.
A própria política interna do INCRA de funcionamento... ela impossibilita o
modelo que a gente pretende implantar como reforma agrária. Ou seja, um
modelo que discute, que pensa junto com os beneficiados, com os assentados, a
forma da gente fazer um assentamento. Por exemplo, hoje a gente discute a
questão da agrovila como experiência e também acaba discutindo a questão da
divisão em forma de raio de sol. Que é uma divisão mais mútua, onde as
famílias ficam mais próximas umas das outras. Esse modelo, por exemplo, a
gente já tá conseguindo implantar já em três assentamentos nosso aqui da região
Norte Fluminense. Então na verdade é assim é... a gente faz o corte da terra, da
topografia da terra, lembrando os raios de um sol n/é? O sol propriamente dito.
Tendo como núcleo o centro n/é? Que é o sol! Então as famílias constroem as
suas casas próximas umas das outras, sem ser o sistema de agrovila. Ou seja, o
lote ele não fica um quadradão, ele fica tipo um corte de pizza onde a pessoa
faz a casa na ponta do corte, no caso. E elas não ficam muito próximas,
66
A pesquisa não especifica quem desconhece as Diretrizes, se os professores, estudantes ou todo o corpo escolar.
127
permanecem dentro do lote e ao mesmo tempo conseguem ver uma a outra, pela
distância... ter facilidade de comunicação, de reunião pra... pra fazer as
assembléias, tomada de decisões, tudo que necessita e ao mesmo tempo
dentro do lote. Então, a gente pega um pouquinho do benefício da agrovila, do
sistema de agrovila, transfere pro sistema de raio de sol e consegue resolver o
problema da distância, da questão da topografia. Que a gente tem áreas aqui na
região que é acidentada. E também consegue beneficiar as pessoas com uma...
por exemplo, tem áreas de terras melhores do que a outra. A gente procura
então com esse corte, com essa experiência do raio de sol, beneficiar de todas as
formas, da água, da luz, do acesso as informações. Que é o uso da biblioteca.
Das culturas, por exemplo, de ir a igreja, fazer as festas, as atividades que tem
da nossa cultura. (Pedro, assentado)
Segundo a pesquisa a distância média aproximada entre a escola e o assentamento é de 8,03
Km e 64,8% dos/as estudantes assentados/as estudam em escolas localizadas no assentamento.
Quanto às vias e formas de acesso, 91,5% das estradas que levam à escola são de terra ou não
pavimentadas e apenas 20,3% dos estudantes costumam chegar de ônibus de linha, ônibus do
assentamento ou transporte escolar. Outros ainda chegam de bicicleta, barcos ou montaria. O
meio de transporte mais utilizado por 57,5% dos/as estudantes são suas próprias pernas. Essa
característica é mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste e menos nas regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Sul. Cerca de 13,06% dos estudantes estudam em escolas localizadas no entorno
do assentamento e 22,07% estudam em escolas localizadas na cidade. Neste último caso, 40,3%
percorrem mais de 15 quilômetros para chegarem à escola.
Aqui no assentamento a maior dificuldade tá sendo a de transporte. Essa é a
maior dificuldade. Agora em relação aos professores... cada qual ta
desempenhando a sua função parece que relativamente bem. Assim, eu pelo
menos o sei nada nesse sentido. Mas a queixa maior é a questão da falta de
transporte, então a escola distante dos alunos e... essa é uma das maiores
dificuldades que eu vejo é as crianças caminhando longas distâncias, seis
quilômetros, oito quilômetros. Imagina a criança oito quilômetros nesse sol de
meio-dia, isso é uma coisa assim no mínimo desumana eu acho
.
(...) E o que eu
tenho visto é isso, escolas distantes. Agora, parcialmente, tem o problema
resolvido que tem um ônibus passando no assentamento. Por que que eu falo
parcialmente? Porque o ônibus ele está... transportando as crianças que moram
próximas do asfalto. O ônibus não entra nas estradas de terra. E o que que
acontece? Tem crianças muito distantes pra buscar. Então o transporte não foi
solucionado de forma satisfatória n/é? Porque quando chove... aquelas crianças
128
que moram mais pra dentro, três quilômetros pra dentro, depois do asfalto...
(Ricardo, assentado).
Pouco mais de um quarto das escolas dos assentamentos funcionam em galpões, ranchos,
paióis, barracões, casas de farinha, casas de professores/as ou moradores/as, templos, igrejas,
salões paroquiais e 0,3% não tem local fixo.
O abastecimento de água via rede pública atende 10,2% das escolas. Em 39,1% delas
obtêm-se água de cacimba, cisternas ou poços e em 17,9% delas a água é trazida de rios,
igarapés, riachos, córregos ou açudes. Em 68,7% das escolas a água para consumo dos/as
estudantes é filtrada. Em 18,6% das escolas a água é clorada ou tratada com água sanitária e em
20,4% não qualquer tratamento. Outras 4,3% são abastecidas por carros-pipa e 5,5% não
possuem qualquer forma de abastecimento, professores(as) e/ou alunos(as) trazem água de casa.
O assentamento ele é... a água dele não é das melhores n/é? Nós não temos uma
água boa, a nossa água é muito ferruginosa. Então... teve uma... teve uma não,
acho que foi o ano de 2004 ou 2005, vinha um caminhão da prefeitura, um
carro pipa que abastecia as casas... por ... longas estiagens e tal. Então abastecia
as casas n/é? Com água potável. que o convênio parece que com o
caminhão... com o dono do caminhão parece que o deu certo. Esse caminhão
parou de atender o assentamento. Então a maioria das pessoas compram água
n/é? Os poços não tem a água boa n/é? Como eu falei, são ferruginosas n/é?
(Ricardo, assentado).
A rede pública de esgoto
67
praticamente inexiste, estando presente em 1,4% das escolas:
44,8% possuem fossas sépticas revestidas com alvenaria e em 29% o esgoto corre a céu aberto ou
em valas. A rede elétrica pública atingia 60,3% das escolas. A energia solar era utilizada por
3,7% das escolas e 21,1% não possuíam fonte de iluminação.
Das 76,2% das escolas que oferecem merenda regularmente, 65,7% eram compostas
predominantemente por produtos industrializados. Em 29,6% das escolas declarou-se que a
merenda era composta com proporções equivalentes de produtos industrializados e naturais e que
18,3% das escolas utilizavam alimentos produzidos nos assentamentos.
67
Em Anexos, ver Gráfico 11 – Destino do esgoto nas escolas de assentamentos.
129
Se nós tivéssemos aqui dentro uma escola de alto nível, além de nós atendermos
as nossas necessidades, ainda cobria as necessidades fora na cidade poderia
vim estudar aqui dentro também! Inverter. Em vez de nós sair daqui de fora pra
ir estudar lá fora, os lá de fora poderia vim estudar aqui dentro. Além de
aprender na caneta e no papel aprendia também na prática. Esse seria a inversão
que teria ser feita. (Manoel, assentado).
Hoje a população briga por esse direito. Porque... a gente não teve estudo mas
hoje a gente a necessidade que faz n/é? A falta que faz estudo, então a gente
briga por esse... esse direito da gente. Pra gente tentar educar os filhos da gente.
Que nós não tivemos mas o é porque nós não tivemos que nós vamos deixar
nossos filhos... não ter essa prioridade. Então o desempenho do povo é muito
bom , em cima disso. O povo briga, o povo quer. Quer que os filhos tenha
conhecimento. que a gente... muitas vezes a briga da gente é em vão, que a
gente não é atendido n/é? Aí não adianta o cara brigar também e não ser
atendido, vai indo o povo até desanima. (Mauro, assentado).
Dentre os principais motivos para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos não estarem na
escola indicou-se que: a escola é muito longe do local de moradia (31,3%), não sala ou escola
nos níveis e séries escolares pretendidos (27,2%) e que precisavam ajudar a família no trabalho
na roça (13,5%). Os respondentes puderam assinalar mais de uma categoria. Havia ainda os que
não gostavam de estudar (12,5%), os que não tinham escola (11,9%) e os que precisavam ajudar
em casa nas tarefas domésticas ou no cuidado com os irmãos menores (7%).
E se tivesse um colégio agrícola dentro do assentamento, n/é? Não seria muito
mais fácil? Pra ele, pra mim, acompanhando ele de perto, entendeu? ali,
fiscalizando a própria escola. Porque não é aceito, a escola da cidade eles não...
praticamente pais num... muitos pais às vezes nem conhece a escola que o filho
estuda n/é? E não era pra ser assim, do meu ponto de vista, tinha que ter um...
mais entrosamento até dos próprios pais na escola pra ali... é... vendo até o
que o filho praticando certo, se ele tá aprendendo alguma coisa de bom ou se
aprendendo alguma coisa de ruim. Que a escola ela oferece tudo. Oferece
coisa boa, oferece coisa ruim também. (Mauro, assentado).
Cerca de 3.000 famílias (0,6%), têm algum membro estudando educação profissional em
escolas agrotécnicas (federais ou estaduais), Escola Família Agrícola ou Casa Família Rural,
Cursos do Pronera, etc. E ainda, apenas 1,3% das famílias têm algum membro estudando curso
130
superior
68
. Um dado interessante é que 45,6% do que freqüentavam o ensino superior, 51,9%
cursavam pedagogia. Cursos como agronomia e zootecnia eram cursados por membros de 0,8% e
3,4% das famílias assentadas respectivamente.
Quando questionadas sobre se as escolas do assentamento ou entorno atendiam as suas
necessidades, 28,0% das famílias afirmaram que atendiam totalmente, para 39,5% atendiam
parcialmente e 32,5% declararam que não atendiam as necessidades do assentamento. Das
necessidades não atendidas, as mais relacionadas foram ao não oferecimento dos cursos e séries
pretendidos e a baixa qualidade do ensino, com 69,7% e 25,4% respectivamente.
No meu pensamento assim, que sou educador também, eu vejo que o tem
atendido esse processo de formação, porque a criança é do campo, tem aquela
pedagogia ainda... que não traz uma referência tão boa, tão forte, que traga
aquele... aquele gosto nde viver no campo. Então assim, as crianças desde a
primeira série, o primeiro segmento, a o ensino médio, a criança vai
aprendendo, parece que assim, gradativamente, ele vai aprendendo, vai
querendo, vai alimentando dentro dele um desejo de sair da terra. Porque a
criança é do campo. Ele olha pro lugar que ele mora com desprezo. Isso é muito
triste. Você olhar pra o lugar que você... que é o seu chão! Você olhar com
desprezo. Então no mínimo é uma pessoa desenraizada, uma pessoa
desenraizada n/é? Imagina uma planta sem raiz. A tendência dela é morrer. Vai
fazendo enxertos aqui e ali, mas... eu acho que a planta sem raiz eu acho que ela
não vai durar muito tempo n/é? (Ricardo, assentado)
Em 42,5% das moradias o esgoto corria a céu aberto ou em valas. Fossas negras eram o
destino do esgoto de 34,5% das casas e 20,4% possuíam fossa séptica (revestida com alvenaria).
Apenas 1,1% das moradias eram atendidas pela rede pública de esgoto.
A principal fonte de abastecimento de água era a cacimba, a cisterna ou o poço em 45,5% das
casas. Em outras 23,4% utilizam-se poços artesianos e em 20,3% a água é trazida de minas, rios,
igarapés, córregos, riachos e ribeirões. A rede pública de abastecimento atende a 7,8% das
moradias. Quanto a qualidade da água para consumo humano, 45,8% não tem tratamento. Em
40,8% das moradias a água é filtrada e em 18,2% é clorada ou tratada com água sanitária.
68
Em Anexos, ver Gráfico 12 – Estudantes no ensino superior nos assentamentos.
131
Rapaz, o problema da água nosso aqui... é um problema que já vem de muito
tempo n/é? Nós já fizemos análise da água aqui que constou é... coliforme fecal
e resíduo tóxico n/é? E esse resíduo tóxico vindo da onde? vindo do solo!
Na época da usina usava muito, muito resíduo é... muito químico, é... adubo
químico, é... herbicida, pra matar o mato de cana, produto tóxico mesmo pra
cupim o atacar a cana. Então, isso tudo no lençol d’água! Foi tudo pro
lençol freático. (Mauro, assentado).
Problema de água aqui pra beber é muito complicado. É que aqui existe um
lençol freático que contaminado que a Usina sacudiu muito vinhoto n/é?
Sacudiu muito vinhoto no solo.... Saneamento não existe. (Eugênio,
assentado)
69
.
Gostaríamos de pontuar que, para nós, não se trata de privilegiar com recursos o
abastecimento e fornecimento de água nos centros urbanos em detrimento das áreas rurais como
um todo, pois sabemos que esta oferta se de modo semelhante à distribuição dos setores
sociais no espaço urbano, distribuição esta conferida historicamente segundo a conformação das
classes sociais urbanas, isto é, favelas, condomínios residenciais, regiões comerciais e áreas
industriais, possuem características próprias de aparelhamento e acesso a bens públicos. Assim, o
acesso à água no meio rural historicamente ocorre conforme a distribuição e conformação dos
interesses do capital, o que modernamente parece-nos confirmar-se pelo modo como são
oferecidas possibilidades de acesso e uso da água (ou da terra) a determinados setores e grupos
sociais e não a outros. São estas possibilidades de acesso e uso que movem a práxis política
transformadora de diversos sujeitos sociais, inclusive em âmbito educacional, como pretendemos
discutir adiante. O meio rural apresenta fortes contradições, não pelo “abandono” por parte do
Estado ou priorização de recursos para sanar os problemas urbanos, já que o país “deixou” de ser
predominantemente rural, mas pelo modo com o qual o capital sistematicamente se organiza no
campo. Consideramos este entendimento fundamental para evitarmos a dicotomia rural/urbano e
evidenciar a interdependência destes espaços.
69
A partir daqui, identificados todos os sujeitos, não mais utilizaremos o termo assentado.
132
Em 54,1% das moradias, a luz chega via rede elétrica pública. A energia eólica é utilizada em
7,9% e apenas 1,0% utilizavam a energia solar. Em 71% das moradias o lixo é queimado, em
19,1% lançado em terreno a céu aberto, em 6,5% o lixo é enterrado e em 2,5% das moradias o
lixo é coletado periodicamente
70
.
A assistência técnica para produção, beneficiamento, comercialização, etc, não existe para
escandalosos 81,9% das famílias e o os órgãos públicos, estaduais e federais, que
predominantemente oferecem esta assistência, além de órgãos não-governamentais, movimentos
sociais e sindicatos. Segundo a pesquisa, o número de famílias que receberam assistência técnica
passou de 76.749 em 2001 para 450.700 em 2005.
Com relação a existência de organizações comunitárias nos assentamentos, os números
indicam que em 85,8% deles existem associação de produtores rurais; em 36,7% sindicatos de
trabalhadores rurais; em 22,2% movimentos sociais organizados. Grupos informais, cooperativas
de produtores e cleos de partidos políticos também foram representados. Essas proporções
sofrem grandes variações regionais. Na região Sul, por exemplo, os movimentos sociais
organizados estão presentes em 62,8% dos assentamentos e a presença de cooperativas de
produtores é quase três vezes maior que a dia nacional. no Centro-Oeste e Sudeste, o
percentual de assentamentos com sindicatos de trabalhadores rurais é um pouco maior do que a
média nacional.
Quanto a participação em organizações sociais, 79,4% declararam-se pertencentes a
associação de produtores rurais; 34,6% a sindicatos de trabalhadores rurais; 28% a coordenação
do assentamento; 15,8% a movimento social organizado; 8,9% a cooperativa de produtores; 7,4%
a núcleo de partido político; 3,0% a setor de educação de movimento social organizado; 4,1%
outra organização e 1,3% nenhuma organização.
70
Situação não muito distinta da encontrada nas escolas. Ver Gráfico 13.
133
No meu ponto de vista é o seguinte: o presidente da associação é um
organizador. Ele vem pra organizar, não deixar as coisas tomar outro rumo e o
próprio presidente de associação ele faz terror no assentado pro cara vender o
lote dele! Que tipo de presidente é esse? Então eu não tenho relação, nem eu
tenho e tem muita gente aí que não quer saber de associação não. E essa
associação que a gente tá organizando, ela é uma associação regional,
associação pra atingir os benefícios de todos os assentados e de todos aqueles
pré que tá acampado e ser pré-assentado. pra vir um projeto de um centro
de comercialização que vai ser na Vermelha... E... com informática, o
pavilhão, e... um ônibus, um caminhão e uma Kombi, eu sei que o projeto eu li
ele todo é... É esse grupo que . Não é nada de presidente de associação que
não se ajunta. É esse grupo de trabalhadores que tão aí. Nós não tamo parado e
o que nós tamo correndo atrás não são pra nós. Nós não somo é... vamo dizer
assim é... os cara tão reunido pra ser um grupo individual, nós tamo pensando
no todos! que pra ser beneficiado tem que se movimentar que nenhum de
nós não somo de pegar o sujeito no colo e dar mamadeira na boca, não é? O
cara tem que se movimentar. (Eugênio).
Quando questionados sobre a cooperação das famílias na organização de atividades coletivas
no assentamento
71
, 39,0% delas declararam cooperar em mutirões (plantio, colheita,
construções); 35,1% em eventos comunitários tais como festas religiosas, comemorativas, bingos,
etc. e 38,5% não cooperavam de nenhum modo. Quando a cooperação refere-se a mobilizações
pela reforma agrária (luta pela terra, por crédito), 19,8% declararam participar e quando as
mobilizações eram pela educação 9,2% das famílias declararam mobilizar-se.
Enquanto o movimento estava lutando para assentar as famílias, as atividades
propostas pelo movimento, tinham uma boa aceitação, depois que as famílias
foram assentadas, uma boa parte dessas famílias, grande maioria mesmo, não
participa das atividades n/é? Inclusive isso é uma queixa assim... geral, isso a
nível nacional! Porque pra mobilizar as pessoas é... mais fácil quando elas estão
acampadas, depois que estão assentadas essas pessoas ficam sentadas! É... se
acomodam e não participam. (Ricardo).
No início todo dia nós se mobilizava, todo dia a gente tinha alguma ação pra
nós fazer pra num ficar parado num canto. pro Rio de Janeiro a gente foi
mais ou menos umas vinte a vinte e cinco vezes pra, pra hoje no que tá. E a
luta não acabou não, pra mim agora que tá começando, porque... nós não
atingimos. Atingimos a terra n/é? Atingimos os Pronaf n/é? De pra cá nós
sofremos as conseqüências. E tem muita coisa pra ser atingido, uma escola de
71
Em Anexos, ver Gráfico 14 – Cooperação da família na organização de atividades coletivas no assentamento.
134
boa qualidade, um posto médico, lazer pras crianças n/é? E o agricultor viver
com dignidade que ninguém tá vivendo ainda n/é? (Eugênio)
Em 59% dos assentamentos há um outro assentamento nas vizinhanças. Pelo menos um
assentamento em 49,6% dos casos, dois assentamentos como vizinho em 28,7% e 3 ou mais
assentamentos em 21,7% dos casos. Os assentamentos com até 25 famílias compunham 22% do
total. Entre 26 e 50 famílias 29,5%, entre 51 e 75 famílias 15,5% e mais de 76 famílias 33%. O
assentamento Zumbi dos Palmares onde fizemos nossa pesquisa possui 506 famílias assentadas.
A caracterização dos assentamentos segundo os serviços públicos básicos de uso coletivo
72
indicam, mesmo considerando as variações dias regionais, uma realidade assustadoramente
excludente: 98,7% não tem coleta de esgoto; 97,1% não tem correios; 95,8% não tem coleta de
lixo; 83,1%não tem telefone fixo/orelhão; 76,9% não tem transporte público: 75,5% não tem rede
de água; 66,7% não tem atendimento à saúde.
Deixa eu fazer uma reiteração na fala anterior, porque as pessoas que
compram água são aquelas pessoas que tem condição de comprar água, porque
também não é sempre que eles tem essa condição n/é? É uma pessoa que tem
condição de comprar água, outra não tem. São obrigadas a beber essa água
que o é potável. Não é aquela água saudável própria para consumo humano.
Então agora pra irrigação e pros animais, os lotes que são mais próximos dá...
que são mais na baixada n/é? Então, esses lotes conseguem água. Mas tem
alguns lotes n/é? Algumas glebas que são em locais altos, isso prejudica muito a
irrigação. O custo é muito alto pra irrigação, óleo diesel, por exemplo, o custo é
alto. A questão de canos, tudo isso o custo é alto. O que faz as pessoas é...
também a... voltarem pra própria... a monocultura n/é? Ou do abacaxi ou da
cana-de-açúcar. (Ricardo).
Apenas 36,5% dos assentamentos possuem atividades de agroindústria e/ou processamento da
produção (casa de farinha, produção de queijo, lingüiça, móveis, artesanato, etc.), sendo que em
49,7% deles, as atividades são exercidas de forma comunitária ou por cooperativas e, o que pra
nós é importantíssimo, significativa parte da organização dessas atividades realiza-se nas escolas
dos assentamentos, como pode ser observado por meio dos dados do Gráfico 16, em Anexo.
72
Em Anexos, ver Gráfico 15 – Caracterização dos assentamentos segundo os serviços públicos básicos de uso
coletivo.
135
Alguns trabalhadores no Zumbi, tem se organizado da seguinte forma: estão
mesmo dispostos a quebrar esse ciclo do... do agronegócio monocultor n/é?
Então, plantando coco, aipim, milho n/é? Várias culturas, e começaram, em
2005, uma feira de produtos agroecológicos, n/é? Então é... eu vejo assim, essa
é uma forma de enfrentamento e uma forma de superação de... tentar superar
esse ciclo, porque você com a produção da cana n/é? A pessoa vê que ele podia
ter um lucro maior, então o que ele faz n/é? Geralmente a tendência é o que, é
plantar mais cana, pra ter mais lucro, então ele tá dentro desse fosso n/é? Então
ele dentro desse ciclo ainda. Então alguns agricultores estão pensando
diferente. o com essa proposta n/é? De fazer feira. Então hoje, assim... no
Zumbi, tem produtores que participa de três feiras, que acontecem aqui na
cidade de Campos n/é? Então assim... essa é uma das formas assim, de
superação n/é? Então tem um grupo que está se organizando pra...
comercializar os suínos de uma forma em grupo... tem um grupo se
organizando pra isso n/é? É... beneficiar a carne do porco n/é? Pra... nessa
tentativa de estar... melhorando mesmo a produção n/é? (Ricardo)
E um outro aspecto que eu gostaria de levantar aqui é que é... na questão, por
exemplo, do plantio de árvores... nós tínhamos pouquíssimas árvores aqui,
porque a idéia era tirar as árvores pra plantar cana, mas com a implantação do
assentamento, quase que todos os lotes a gente vê oito ou dez árvores, no
entorno da casa, da habitação. Querendo ou não, se você multiplicar isso por
um número de 506, é um número expressivo. A gente pode contar isso como
um avanço. Uma outra questão também é que, havia uma área aqui que não
passava mais água e a gente fez uma retenção, é... da onde era um rio que tinha
secado pelo processo da cana, esse rio deixou de existir e hoje é praticamente
uma lagoa. Então a gente recebe visita de vários pássaros, ta povoado de peixes
e as pessoas voltaram a pescar ali todo ano, é... as pessoas vão tiram o seu
peixe pra se alimentar e isso é uma coisa importante que a gente conseguiu
resgatar e as famílias perceberam e comentam: pôxa aqui não tinha um rio?
Aqui era seco mas tinha um rio no passado. Agora voltou, como que foi toda
essa história? A gente fez uma barragem, as duas prefeituras foram contra a
gente, é... os órgãos estaduais tentaram nos impedir, a gente teve que fazer um
processo, toda uma estratégia para poder construir essa barragem para gerar
novamente, manter o curso d’água. Que futuramente segundo os companheiros
da UENF, iria secar a Lagoa do Campelo. Futuramente ela tava condenada.
Então a gente acabou dando uma sobrevida n/é? A Lagoa do Campelo. Que é
uma fonte de renda pra algumas famílias. Que pescam lá, vivem da pesca e tal.
E... uma referência migratória pros pássaros n/é? Que passam aqui por essa
região. (Pedro).
Indagamo-nos sobre quais sentidos e significados podem ser (re)criados frente à condições
tão adversas. Será a passividade ou a indignação, a inércia ou a mobilização, a resistência ou o
êxodo? A formação da consciência dos assentados e assentadas, um universo bastante diverso
136
para generalizações, pode contribuir para o esclarecimento destas indagações. Culturalmente,
entretanto, podemos supor que os sujeitos do campo mantém-se em movimento, recriam seus
laços de solidariedade e coletividade ao mesmo tempo em que são tensionados pela exploração
capitalista que insistentemente impõe a alienação como única alternativa.
Se existem interfaces teórico-metodológicas entre a Educação Ambiental Transformadora e a
Educação do Campo, e acreditamos que de fato existem, estas interfaces não podem se
constranger dentro das limitadas possibilidades educacionais formais. A escola, urbana ou rural,
não atende necessariamente todos os anseios da sociedade, mas certamente é uma de suas
expressões. Expressa assim, muitas de suas contradições dentre as quais separar de um lado,
educadores, e de outro, educandos. Nas escolas rurais soma-se a isto o recorrente modelo que
produz e reproduz educadores alheios à realidade e as necessidades das crianças, jovens e adultos
que vivem no campo.
A recente experiência no assentamento Zumbi dos Palmares nos possibilitou o
reconhecimento de algumas questões tratadas aqui. Mais do que isso, nos fez sentir pulsar o
humano. Os assentados e assentadas que nos receberam em suas casas, agricultores e
agricultoras, alguns ocupados em outras atividades para o complemento da renda, nos trouxeram
olhares diferentes sobre sua realidade e sobre as relações sociais em que estão inseridos.
No universo de 506 famílias nossos pontos de apoio foram o MST, através do Setor Estadual
de Educação e a CPT de Campos. Chegamos então a um grupo de doze famílias das quais
conseguimos efetivar o contato com oito. Todas essas famílias trabalhavam de um modo ou de
outro utilizando princípios e técnicas de produção agroecológica desenvolvidos no lote, ou
apreendidos pelos cursos oferecidos aos agricultores no Zumbi, pela CPT e UENF, além de
outros sujeitos individuais e coletivos. Alguns mantinham relações com o MST e outros eram
137
militantes do movimento. Quase todos estão desde a época do acampamento que deu origem ao
Zumbi e dois deles haviam participado da ocupação em 12 abril de 1997.
Banana, coco, abóbora, aipim, milho, goiaba, acerola, maracujá, mamão, abacaxi, laranja,
aves (galinhas, galinhas da angola, perus, patos, marrecos e codornas), suínos, caprinos, bovinos
e muitos hectares de cana-de-açúcar. De fato, percorremos de moto, dezenas de quilômetros pelo
assentamento, pois as agrovilas eram bem distantes e a maioria dos/as agricultores/as
colaboradores/as residiam nos Núcleos IV e V, e nós estávamos no alojamento da CPT que fica
no Núcleo II, à quilômetros de distância dos outros núcleos. Entre baixios alagados, pequenas e
grandes lagoas, lagos, brejos e percorrendo grandes extensões de asfalto estava a quase
onipresente cana-de-açúcar. Duas pequenas manchas de floresta espremem-se entre os canaviais
no núcleo I. Numa das estradas de terra que rompem os extensos canaviais, passamos por muitas
áreas alagadas, que inclusive invadiam a estrada formando pequenos riachos que por vezes
dificultaram nossa travessia, tendo mesmo alcançado o motor da moto, nos obrigando a parar em
alguns trechos. Por essa estrada percorremos pelo menos meia hora dentro do canavial até que se
chegasse ao asfalto. Em diversos trechos encontramos pessoas, famílias com crianças e mulheres
pescando nas lagoas formadas pela chuva. Neste período choveu intensamente na região e muitos
agricultores perderam parte ou toda a lavoura, inclusive de cana, que é exatamente de onde se
extrai boa parte da renda para o pagamento do financiamento do Pronaf. Pudemos observar no
trajeto, bem como em todo o assentamento, a presença de canários-da-terra, coleiros, pica-paus,
pombas juritis, muitas aves aquáticas, gaviões e os indefectíveis anús, o que nos fez perceber que,
mesmo sendo algumas dessas espécies mais adaptáveis às atividades antrópicas, alguma
biodiversidade resistia ao monocultivo da cana-de-açúcar, o que não nos surpreende de todo, pois
consideramos a dialeticidade viva também em sua dimensão ecológica.
138
A partir de um convênio firmado entre o Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) foi feito o estudo Os impactos regionais dos
assentamentos rurais: dimensões econômicas, políticas e sociais, que se iniciou em 1997. O
objetivo do estudo foi investigar as transformações que os assentamentos rurais provocavam nas
regiões onde estavam inseridos e foi realizado em assentamentos existentes em seis estados
brasileiros, a saber: Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.
A pesquisa resultou em dois trabalhos, o primeiro deu origem ao livro A formação dos
assentamentos rurais no Brasil: processos sociais e políticas públicas, organizado por Medeiros
e Leite e publicado em 1999. O segundo trabalho, de 2004, Assentamentos rurais: mudança
social e dinâmica regional, também organizado por Medeiros e Leite, traz considerações que
importantes para o nosso estudo:
Para além da melhoria nas condições de vida dos assentados, de uma certa dinamização
econômica local, pela diversificação de produtos, a pesquisa mostrou também que os
assentados passaram, de alguma forma, a contar no jogo político local. (MEDEIROS e
LEITE, 2004, p. 47-8).
O assentamento promove um ganho” social, representado pela reinserção das famílias
no processo produtivo, revelando-se como uma importante alternativa de trabalho e
geração de renda para uma população historicamente excluída. O assentamento
Conquista da Fronteira, por exemplo, viabilizou o acesso à terra para 91 famílias neste
local, ao passo que a fazenda que lhe deu origem empregava cerca de seis
trabalhadores. (Pesquisa no Rio Grande do Sul, p. 88).
139
Do ponto de vista dos impactos “internos” dos assentamentos, observou-se uma clara
melhoria das condições de vida e de trabalho entre a população que foi assentada.
Também a alimentação dos assentados ganhou em qualidade, pois passaram a dispor de
mais e melhores alimentos. Isso ocorreu em todos os assentamentos porque havia a
produção em pequena escala de diversos alimentos para o consumo doméstico e, além
disso, uma importante e constante troca de gênero alimentícios entre as famílias.
(Pesquisa em São Paulo, p. 134).
Apesar da precariedade que marcava a situação desses assentamentos, indicando que
uma política pontual de criação de assentamentos não é suficiente para superar as
carências infra-estruturais e a pobreza características do meio rural brasileiro, os dados
obtidos indicam que, com algumas variações, os assentados conseguiram melhorias nas
suas situações de vida, o que se reflete tanto na sua renda e padrão de consumo quanto
na avaliação que faziam da situação no momento da pesquisa em relação ao passado.
(Pesquisa no Rio de Janeiro, p. 178-179).
No estado do Mato Grosso, os assentamentos têm desempenhado um papel semelhante
ao produzido pelos programas de colonização pública e privada nos anos 70 e 80, qual
seja, a consolidação de uma base social, política e econômica para a formação de novos
municípios. Desta forma, a territorialização e reterritorialização que se instalam com os
assentamentos rurais, cujo processo é também turbulento e marcado pela luta por terra,
têm assegurado a presença, a produção e a reprodução do poder político, econômico e
social nas regiões onde são implantados. Para referir-se tão-somente à amostra
trabalhada, os assentamentos Tupã e Eldorado I recentemente transformaram-se em
municípios. (Pesquisa em Mato Grosso, p. 223).
140
Pelo que se pôde observar, a questão da sociabilidade parece ser tanto ou mais
importante de ser compreendida que os aspectos estritamente econômicos. Os
assentamentos, para além dos fatores relacionados à produção, produtividade e renda
monetária, constituem novos espaços de relações sociais que vão sendo construídas
pelas famílias em bases diferentes e focadas numa perspectiva totalmente distinta
daquela que marcou as suas vidas, qual seja, de sujeitos de direitos. Entretanto, para
apreender isso é necessário a construção de outros modelos teóricos e metodologias
capazes de dar conta desses elementos. (Pesquisa de Sergipe, p. 263).
(...) Procurou-se evidenciar que a ampliação dos de baixo à posse da terra não resultou
em modificações substantivas no processo de modernização capitalista em curso no
estado, em todas as suas dimensões. A persistência de um desenvolvimento extensivo
da agricultura subordinado a condições oligopolizadas de mercado, bem como a
ausência de um setor agroindustrial dinâmico e de um conjunto de políticas públicas
orientadas para transformar estruturalmente esse quadro, indica a magnitude dos
obstáculos interpostos ao êxito dos assentamentos na região. (Pesquisa do Acre, p. 299,
Grifo dos autores).
No dia 11 de abril de 2007, ocorreu o Seminário de Educação do Campo, realizado no
CEFET-Campos e organizado pelas instituições que estão participando desta construção e citadas
anteriormente. Muitas crianças, jovens e adultos estiveram presentes representando cerca de 25
famílias do Zumbi, outros assentamentos, acampamentos e pré-assentamentos da região, além de
ONG’s, governo, sindicatos, professoras/es das escolas públicas estaduais, municipais e
universidades, além de muitas/os estudantes.
141
Como parte da abertura do evento, crianças da escola Carlos Chagas, do Núcleo II do
Assentamento Zumbi dos Palmares, apresentaram a mística que teve como tema: Educação do
Campo (é Direito e não Esmola)” simbolizando, nas palavras da relatora Viviane “seus sonhos de
serem doutores do campo: em diversas profissões e distribuíram sementes como símbolo de
esperança. Frutos desta sonhada luta”.
O Setor Estadual de Educação do MST apresentou um histórico sobre o surgimento da
proposta de Educação do Campo. Em seguida, foram apresentadas as Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas do Campo, pela professora Márcia Alvarenga, da Faculdade
de Formação de Professores da UERJ, seguida de debates.
Em outro momento do Seminário, a professora Maria dos Reis, apresentou um histórico e
o processo de construção do Projeto Político Pedagógico de uma Escola do Campo em
Governador Valadares, MG, destacando, enfaticamente, a importância de construção coletiva
deste processo, necessariamente vinculada a participação das comunidades que o reclamam.
Em seguida, a plenária participou de núcleos de debates, onde puderam explicitar suas
dúvidas, questionamentos, angústias, sugestões, críticas e dificuldades. Vale destacar o sentido
dinâmico e político garantido por esta metodologia, onde os sujeitos tiveram a oportunidade de
aprender, ensinar e participar coletivamente das decisões.
Os cinco núcleos formados ao final dos debates levaram à plenária, através de seus
relatores, suas reivindicações e propostas, dentre as quais destacamos: 1) Necessidade de
mobilizações e lutas pela afirmação destes direitos; 2) Questão da formação dos professores
populares; 3) Qual o nosso papel na transformação da sociedade?; 4) Criação de um conselho
local com a participação da comunidade; 5) Continuidade das propostas através do fortalecimento
da legislação; 6) Chamar atenção da sociedade sobre a Educação proposta pelo MST; 7) Reforço
da identidade camponesa a partir de uma educação afirmativa; 8) Criação de redes de
142
comunicação; 9) As escolas da periferia também devem conhecer a realidade das escolas do
campo; 10) Levar a discussão para a comunidade e para as famílias.
Ao final do evento foi feita a leitura da carta Por uma Educação do Campo de Campos
dos Goytacazes e região Norte Fluminense”. Carecemos de espaço neste trabalho para elaborar
minimamente a riqueza de significados deste Seminário para o conjunto das famílias e demais
sujeitos envolvidos com a construção de uma Escola do Campo e todos os sonhos e perspectivas,
limites e possibilidades que acompanham esta luta. Muito ainda deve ser construído, mas as
ações dos trabalhadores e trabalhadoras do Zumbi e de outras localidades abriram espaços para a
criação do novo.
CAPÍTULO 4 A PROPOSTA DE EDUCAÇÃO DO MST: DIÁLOGOS PARA
CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTALISMO REVOLUCIONÁRIO
Antes de iniciarmos a apresentação desta proposta são necessários alguns esclarecimentos
preliminares. O primeiro e mais fundamental deles em nosso entendimento é o de que essas
proposições, princípios e fundamentos, encontram-se em movimento, isto é, estão sendo
permanentemente transformadas pelos sujeitos à medida que deles se apropriam, que a eles
recorrem, que criam sob eles uma realidade viva, e sobre eles outras proposições, princípios e
fundamentos, advindos agora dessa realidade transformada
, como resultado de sua práxis, pois
uma teoria que veja seu próprio âmbito como um limite que deve ser transcendido mediante
sua vinculação consciente com a prática, pode apresentar suas relações com esta atendendo a
uma dupla e indissolúvel exigência teórica e prática . (VÁSQUEZ, 1990, p. 118). Isto
ressalta o sentido histórico, social, concreto em que se sua realização e pode nos ajudar a
compreender esta proposta não como uma cartilha, ou um conjunto de teorizações idealizadas
143
fora de uma materialidade onde possa se expressar, mas de modo radicalmente oposto, como
sendo uma objetivação somente possível pela existência real, forjada nas relações sociais
cotidianas e históricas que criaram, criam e recriam os Sem Terra do MST.
Nossa proposta de educação está sendo posta em prática toda vez que nos
organizamos para lutar por uma nova escola; toda vez que reunimos o
assentamento para tratar sobre a educação que interessa desenvolver para
nossos filhos e filhas; toda vez que um assentado ou assentada aprendem a ler e
escrever; toda vez que mais um jovem descobre o valor de continuar estudando;
toda vez que aumentamos o número de Sem Terra que se formam na
perspectiva de continuar a luta... toda vez que tentamos concretizar estes
princípios. (MST, Caderno de Educação nº 8. p. 28)
O segundo ponto que devemos esclarecer decorre do primeiro. Não faz parte dos nossos
objetivos neste trabalho interpretarmos as concepções, teorizações ou representações firmadas na
proposta de educação do MST à luz de qualquer teoria pedagógica. o se trata, pois, de
legitimarmos “cientificamente” o que acreditamos estar “correto” ou, em oposição,
argumentarmos contrariamente a esta ou aquela proposições: isto “vale”, aquilo “não vale”; esta
idéia é pedagogicamente pertinente, aquela é contraditória. Não buscamos isto. O que
pretendemos é explicitar que existem proposições, concepções e teorizações congruentes, que
convergem, para um processo de formação humana coerente com o que entendemos por
Educação Ambiental popular, crítica e transformadora. Isto não significa que críticas não possam
ser feitas, pelo contrário, os próprios documentos definem esta necessidade permanente,
consideramos apenas que este não é o espaço para fazê-lo.
No processo de humanização dos sem-terra, e da construção da identidade Sem
Terra, o MST vem produzindo um jeito de fazer educação que pode ser
chamado de Pedagogia do Movimento. É do Movimento por ter o Sem Terra
como sujeito educativo e ter o MST como sujeito da intencionalidade
pedagógica sobre esta tarefa de fazer educação. E é também do Movimento
porque se desafia a perceber o movimento do Movimento, a transformar-se
transformando.
Isto não quer dizer que o MST tenha inventado uma nova pedagogia, mas ao
tentar produzir uma educação do jeito do Movimento, os Sem Terra acabaram
criando um novo jeito de lidar com as matrizes pedagógicas ou com as
pedagogias já construídas ao longo da história da humanidade. Em vez de
144
assumir ou se filiar’ a uma delas, o MST acaba pondo todas elas em
movimento, e deixando que a própria situação educativa específica se
encarregue de mostrar quais precisam ser mais enfatizadas, num momento ou
outro. (MST, Caderno de Educação nº 9, p. 6-7).
Assim, nossa proposta é buscar correlações teóricas, na perspectiva específica da proposta
de educação do MST, que possam ser problematizadas e exploradas por educadoras e educadores
ambientais, mas também do campo, enquanto perspectiva de formação humana emancipatória e
que se vincule a uma práxis restauradora do metabolismo sociedade-natureza. Insistimos que
quando nos referimos a correlações teóricas, estas são absolutamente indissociáveis da prática e
que esta não se resume ao trabalho, mas tem nele a sua base fundamental enquanto categoria
social e histórica que possibilita a transformação da natureza e a criação de mediações e
objetivações inerentes à constituição humana. Transcreveremos na íntegra os princípios
filosóficos que regem a proposta pedagógica do MST pois acreditamos que tais princípios nos
permite identificar a centralidade do trabalho que permeia toda proposta.
[...] A natureza é uma categoria social. Em outras palavras, aquilo que, num
determinado estágio do desenvolvimento social, é considerado como natureza,
o modo como é constituída a relação dessa natureza com o homem e a forma
sob a qual ocorre o confronto deste com aquela, ou seja, o que a natureza deve
significar quanto à sua forma e ao seu conteúdo, à sua extensão e à sua
objetivação, é sempre condicionado socialmente. Sendo assim, cabe ao
materialismo histórico, por um lado, responder se numa determinada forma
social é possível haver um confronto imediato com a natureza, uma vez que a
possibilidade concreta de tal relação depende da “estrutura econômica da
sociedade”. (LUKÁCS, 2003, p. 431)
145
4.1 Os princípios da educação no MST: A luta pela formação dos sujeitos Sem Terra
73
4.1.1 Princípios filosóficos
Os princípios filosóficos dizem respeito a nossa visão de mundo, nossas concepções mais
gerais em relação à pessoa humana, à sociedade, e ao que entendemos que seja educação.
Remetem aos objetivos mais estratégicos do trabalho educativo do MST.
1. Educação para a transformação social
Este é o horizonte que define o caráter da educação no MST: um processo pedagógico que
se assume como político, ou seja, que se vincula organicamente com os processos sociais que
visam a transformação da sociedade atual e a construção, desde já, de uma nova ordem social
cujos pilares principais sejam a justiça social, a radical idade democrática, e os valores
humanistas e socialistas.
Deste horizonte vêm algumas características essenciais da nossa proposta de educação:
a) Educação de classe. Quer dizer uma educação que se organiza, que seleciona conteúdos,
que cria métodos na perspectiva de construir a hegemonia do projeto político das classes
trabalhadoras, visando, através de cada prática, em última instância, o fortalecimento do
poder popular e a formação de militantes para as organizações de trabalhadores, a
73
“...A condição (individual) de sem (a) terra, ou seja, a de trabalhador ou trabalhadora do campo que não possui
sua terra de trabalho, é tão antiga quanto a existência da apropriação privada deste bem natural. No Brasil, a luta pela
terra e mais recentemente a atuação do MST acabaram criando na língua portuguesa o vocábulo sem-terra, com
hífen, e com o uso do s na flexão de número (os “sem-terras”), indicando uma designação social para esta condição
de ausência de propriedade ou de posse da terra de trabalho, e projetando, então, uma identidade coletiva. O MST
nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem o s, o que historicamente acabou produzindo um nome próprio, Sem
Terra, que é também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso social do nome alterou a norma
referente à flexão de número, sendo hoje consagrada a expressão os sem-terra. Quanto ao hífen, fica como
distintivo da relação entre esta identidade coletiva de trabalhadores e trabalhadoras da terra e o Movimento que a
transforma em nome próprio, e a projeta para além de si mesma.” (MST. Somos Sem Terra. Caderno do Educando nº
2 – Para soletrar a liberdade, 2001, p. 10.).
146
começar pelo próprio MST. Trata-se de uma educação que não esconde o seu
compromisso em desenvolver a consciência de classe e a consciência revolucionária,
tanto nos educandos e educandas como nos educadores e educadoras.
b) Educação massiva. Ou seja, defendemos como fundamental o direito de todos e todas à
educação, em diversas formas, com especial ênfase para a escolarização. Nesta nossa
breve trajetória histórica, já aprendemos que os saberes que podem ser apropriados e
produzidos através da escola fazem muita diferença na formação integral que
pretendemos para os trabalhadores e as trabalhadoras, em todas as idades. Daí a
importância da nossa mobilização em torno de bandeiras de luta como estas: “Toda
criança na escola... aprendendo!”, “Todos os jovens ao estudo!”, “Nenhum assentado que
não saiba ler, escrever e fazer conta!”. E assim por diante...
c) Educação organicamente vinculada ao Movimento Social. Significa que para nós é
fundamental todo este esforço que fazemos em cada acampamento, em cada
assentamento, em cada uma de nossas escolas, de construir uma proposta de educação do
MST, isto é, que se desenvolva ligada às lutas, aos objetivos, à organicidade do MST.
Porque acreditamos que é a educação do Movimento (mais do que uma educação para o
movimento) que pode melhor dar conta das suas demandas de formação, adequando-se á
dinâmica de suas necessidades e, portanto, participando mais efetivamente dos processos
de mudança.
d) Educação aberta para o mundo. Ou seja, insistirmos numa proposta de educação do
MST não quer dizer nos fecharmos nos limites da nossa realidade imediata ou das nossas
lutas específicas. Isto não nos levaria aos objetivos maiores de mudança. Por isso é
também característica essencial de nossa educação a preocupação com a abertura de
horizontes de nossos/nossas estudantes, de modo que pratiquem aquele velho princípio,
147
também filosófico, de que “nada do que é humano me pode ser estranho”. Algumas
pessoas chamam este processo de aumento da densidade cultural”, que é um outro jeito
de dizer que a nossa vista tem que enxergar além do que nossos olhos alcançam; além do
nosso “lote”. E além disso, já percebemos que quem fica fechado no seu pequeno mundo,
costuma cultivar amarguras e só enxergar problemas, perdendo a capacidade de projetar o
futuro. Nossa educação precisa nos ajudar a continuar rompendo cercas...
e) Educação para a ação. Isto é, queremos preparar sujeitos capazes de intervenção e de
transformação prática (material) da realidade. Não podemos nos contentar com o
desenvolvimento apenas da chamada “consciência crítica”, que é aquela onde as pessoas
conseguem denunciar/discutir sobre os problemas e suas causas, mas não conseguem ir
além disso e até se iludem que por estarem falando sobre um determinado problema, o
estão solucionando. Se o que pretendemos é participar dos processos de transformação
social, então precisamos dar um passo adiante. Nossa educação deve alimentar o
desenvolvimento da chamada “consciência organizativa”, que é aquela onde as pessoas
conseguem passar da crítica à ação organizada de intervenção concreta na realidade. Para
isso, os processos pedagógicos precisam ser organizados de modo a privilegiar esta
perspectiva de ação. O que não pode ser confundido com uma visão “pragmatista” do
conhecimento que desvaloriza todo saber que não pode ser colocado imediatamente em
prática. Isto é um desvio e também não leva às transformações desejadas. Às vezes, é
preciso estudar teorias bem abstratas e difíceis para melhor entender e preparar uma ação.
A questão é ter sempre presente as finalidades práticas destes estudos. Ao mesmo tempo,
é preciso considerar que a própria ação tem uma dimensão educativa que nenhum estudo
teórico pode substituir.
148
f) Educação aberta para o novo. Quer dizer, aberta para entender e para ajudar a construir
as novas relações sociais e interpessoais que vão surgindo dos processos políticos e
econômicos mais amplos em que o MST está inserido; aberta também para trabalhar
pedagogicamente as contradições e os conflitos que aparecem nestes processos. Já
aprendemos que a transformação social é um processo complexo, que não se resume a
uma tomada de poder político e econômico. Ela implica um processo de outras tantas
mudanças que serão capazes de construir um novo tipo de poder, não mais opressor e
repressor como este que temos sentido tanto na nossa pele! E isso tem a ver com novos
valores, novas relações entre as pessoas, homens e mulheres, adultos e crianças, dirigentes
e base, novos posicionamentos diante das várias questões da vida. O espaço social de
transformação tem que chegar ao mundo sem deixar de ser, ao mesmo tempo, o
assentamento, a instância, a família, a vida pessoal de cada um de nós.
2. Educação para o trabalho e a cooperação
Nestes vinte anos de organização e de lutas, o MST vem ajudando a construir um novo
projeto/modelo de desenvolvimento rural, em sintonia com as necessidades e os interesses sociais
dos trabalhadores do campo e da cidade. Os principais elementos deste projeto aparecem
sistematizados no nosso Programa de Reforma Agrária.
O que defendemos através deste princípio é a relação necessária que a educação e a escola
devem ter com os desafios do seu tempo histórico. No caso das práticas educacionais que
acontecem no meio rural, esta relação não pode, hoje, desconsiderar a questão da luta pela
Reforma Agrária e os desafios que coloca para a implementação de novas relações de produção
no campo e na cidade.
149
Para o MST, nesta perspectiva, uma educação voltada para a realidade do meio rural é
aquela que ajuda a solucionar os problemas que vão aparecendo no dia-a-dia dos assentamentos e
dos acampamentos, que forma os trabalhadores e as trabalhadoras para a atividade no meio rural,
ajudando a construir reais alternativas de permanência no campo e de melhor qualidade de vida
para esta população.
Neste contexto, destacamos a formação para a cooperação, como elemento estratégico
para esta educação que vise a construção de novas relações sociais. O aprendizado de
organização e de luta pela terra precisa se transformar numa nova mentalidade em relação às
possibilidades de organizar a vida no meio rural, superando a própria oposição que
tradicionalmente se tem estabelecido entre o mundo rural e o mundo urbano. Por que cada família
ter que sofrer para resolver sozinha os problemas que uma comunidade junta pode resolver com
mais facilidade e em menos tempo? Trabalho, comercialização, acesso às novas tecnologias,
moradia, conquista de escolas, postos de saúde, construção de uma agroindústria, de uma área de
lazer. São estas novas questões do dia-a-dia dos assentamentos que vêm criando as diversas
formas de cooperação que defendemos. Só que muitas vezes elas esbarram na herança cultural do
individualismo, do isolamento e do conservadorismo que ainda carregamos. Por isso, a
necessidade de uma formação intencionalmente voltada para a cultura da cooperação e para a
incorporação criativa das lições da história da organização coletiva do trabalho.
Nossas práticas de educação precisam estar sintonizadas com esta nova mentalidade,
encontrando as melhores formas, os melhores métodos de ajudar a construí-la. E aqui vale
lembrar daquele dito: “Se sei e não faço, é porque de verdade ainda não sei...” Então, de novo,
não podemos nos contentar com belos discursos sobre a cooperação; precisamos avançar para os
saberes, valores e afetos capazes de implementá-la, a partir das condições de cada realidade.
150
3. Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana
O que poderíamos dizer usando uma expressão mais curta: educação onilateral. A palavra
onilateral vem de Marx, que usava a expressão “desenvolvimento onilateral do ser humano”, para
chamar a atenção de que uma práxis educativa revolucionária deveria dar conta de reintegrar as
diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar. Ou seja,
uma educação onilateral se opõe a uma educação unilateral, que se preocupa com um lado ou
dimensão da pessoa, ou só com um lado de cada vez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais,
ou só os aspectos morais, ou só os políticos. O que acontece quando a educação é unilateral é que
geralmente ficam dimensões sem trabalhar; e também a pessoa fica um poço de incoerências, ou
seja, como trabalhador ou trabalhadora é de um jeito, como militante é de outro, como pai e e
de família é de outro jeito ainda.
Estamos defendendo então que a educação no MST assuma este caráter de onilateralidade,
trabalhando em cada uma de suas práticas, as várias dimensões da pessoa humana e de um modo
unitário ou associativo, em que cada dimensão tenha sintonia com a outra, tendo por base a
realidade social em que a ação humana vai acontecer. Algumas dimensões principais que
queremos deixar em destaque aqui:
a formação política-ideológica;
a formação organizativa;
a formação técnico-profissional;
a formação do caráter ou moral (valores, comportamentos com as outras pessoas);
a formação cultural e estética;
a formação afetiva;
a formação religiosa.
151
4. Educação com/para valores humanistas e socialistas
A educação no MST quer ajudar na construção do novo homem e da nova mulher. Para
isso, é fundamental uma formação que rompa com os valores dominantes na sociedade atual,
centrada no lucro e no individualismo desenfreados. Precisamos nos contrapor a isso cultivando,
intencionalmente, como nossos educandos/educandas novos valores; pelo menos aqueles que já
conseguimos vislumbrar como necessários a uma nova ordem social. O próprio processo se
encarregará de nos mostrar que outros valores, que outras dimensões também deverão ser aos
poucos incorporadas.
Estamos chamando de valores humanistas e socialistas aqueles valores, então, que
colocam no centro dos processos de transformação a pessoa humana e sua liberdade, mas não
como indivíduo isolado e sim como ser de relações sociais que visem a produção e apropriação
coletiva dos bens materiais e espirituais da humanidades, a justiça na distribuição destes bens e a
igualdade na participação de todos nestes processos. Alguns destes valores que acreditamos
deveriam ser enfatizados nas nossas práticas educativas:
o sentimento de indignação diante de injustiças e de perda da dignidade humana;
o companheirismo e a solidariedade ns relações entre as pessoas e os coletivos;
a busca da igualdade combinada com o respeito ás diferenças culturais, de raça, de
gênero, de estilo pessoais;
a direção coletiva e a divisão de tarefas;
o planejamento;
o respeito à autoridade que se constitui através de relações democráticas e de coerência
ética;
152
a disciplina no trabalho, no estudo e na militância;
a força/dureza necessária à militância política mesclada com a ternura e o respeito nas
relações pessoais;
a construção do ser coletivo combinada com a possibilidade da livre emergência das
questões da subjetividade de cada pessoa;
a sensibilidade ecológica e o respeito ao meio ambiente;
o exercício permanente da crítica e da autocrítica;
a busca de formação em todas as dimensões e de superação dos próprios limites;
o espírito de sacrifício diante das tarefas necessárias á causa da transformação e do bem-
estar do coletivo;
a criatividade e o espírito de iniciativa diante dos problemas;
o cultivo do amor pelas causas do povo e o sentido internacionalista das lutas sociais;
o cultivo do afeto entre as pessoas;
a capacidade permanente de sonhar e de partilhar o sonho e as ações de realizá-lo.
5. Educação como um processo permanente de formação/transformação humana
Em primeiro lugar, queremos destacar como princípio fundamental da nossa profunda
crença no ser humano e na sua capacidade de transformação, o que é a condição básica para
acontecer um processo de educação/formação. Ou seja, as pessoas mudam, educam-se e são
educadas num processo que termina com a morte. Quem não acreditar nisso, não pode ser
educador/educadora, porque estarealizando uma tarefa em que não acredita verdadeiramente e
que, portanto, será vã.
153
Mas no trabalho de educação é preciso considerar também que:
1) as pessoas não se educam da mesma maneira em todas as fases de sua vida e todas da
mesma maneira; daí porque a discussão metodológica de como educar, de como ensinar,
de como aprender não é detalhe, mas sim elemento essencial para atingirmos nossos
objetivos pedagógicos e políticos;
2) a existência social de cada pessoa é o fundamento (base sobre a qual se funda) de sua
educação. O que educa/transforma a pessoa não é apenas o discurso, a palavra, a teoria,
por melhor que sejam. É sim a vivência concreta do novo. Se o que pretendemos é
transformar ou construir comportamentos, atitudes, valores (consciência) em nossos
educandos/educandas, é preciso organizar as condições objetivas para que vivam durante
o processo pedagógico estas mudanças. Será a partir desta vivência e de tomar
consciência dela, que irão acontecer mudanças reais nas pessoas, e poderemos dizer que
realmente estão se educando;
3) toda uma carga social, ideológica que “educou” nosso povo para a inércia, a não
mudança; por isso, a educação que pretendemos é cada vez menos um processo
espontâneo e mais um processo intencionalmente planejado e provocado;
4) a educação não é obra apenas da inteligência, do pensamento; é também da afetividade,
do sentimento. E é esta combinação que precisa estar tanto no ato de educar, como no de
ser educado.
Os princípios pedagógicos
74
do MST se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação,
para concretizar estes princípios filosóficos. Dizem dos elementos que são essenciais e gerais da
proposta de educação do Movimento, incluindo especialmente a reflexão metodológica dos
74
MST, Caderno de Educação nº 8 – Princípios da educação do MST, 2004.
154
processos educativos, chamando atenção de que podem haver práticas diferenciadas a partir dos
mesmos princípios pedagógicos e filosóficos. São eles:
a. Relação entre prática e teoria
b. Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação
c. A realidade como base da produção do conhecimento
d. Conteúdos formativos socialmente úteis
e. Educação para o trabalho e pelo trabalho
f. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos
g. Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos
h. Vínculo orgânico entre educação e cultura
i. Gestão democrática
j. Auto-organização dos/das estudantes
k. Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das
educadoras
l. Atitude e habilidades de pesquisa
m. Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais
Dentre os treze princípios pedagógicos definidos pelo Movimento, nos reteremos
precisamente no de número cinco, que se refere ao trabalho articulado intrinsecamente com os
processos educativos, princípio este que transcreveremos abaixo e a partir do qual
prosseguiremos com nossa exposição.
4.1.2 Educação para o trabalho e pelo trabalho
155
Na proposta de educação do MST, o trabalho tem um valor fundamental. É o trabalho que
gera a riqueza; que nos identifica como classe; e que é capaz de construir novas relações sociais e
também novas consciências, tanto coletivas como pessoais. Quando dizemos que a nossa
educação pretende criar sujeitos de ação, temos presente que estes sujeitos são, principalmente,
TRABALHADORES. Trabalhadores/trabalhadoras militantes, portadores de uma cultura da
mudança e de um projeto de transformação.
Para nós, vincular a educação com o trabalho é uma condição para realizarmos nossos
objetivos políticos e pedagógicos em duas dimensões básicas e complementares:
a) Educação ligada ao mundo do trabalho. Isto quer dizer que nossos processos
pedagógicos (e, especialmente, as escolas), não podem ficar alheios às exigências cada vez mais
complexas dos processos produtivos, seja os da sociedade em geral, seja os dos assentamentos,
em particular. A escola não tem como único objetivo a formação para o trabalho; mas é um local
privilegiado para também dar conta dele. E pode fazer isso tanto selecionando conteúdos
vinculados ao mundo do trabalho e da produção, como também proporcionando e/ou
acompanhando experiências de trabalho educativo com seus estudantes.
Fazem parte desta dimensão os seguintes objetivos pedagógicos:
desenvolver o amor pelo trabalho e, especialmente, pelo trabalho no meio rural;
entender o valor do trabalho como produtor de riquezas e saber sobre a diferença entre
relações de exploração e relações igualitárias de construção social pelo trabalho;
superar a discriminação entre o valor do trabalho manual e do trabalho intelectual,
educando para ambos;
156
tornar mais educativo o trabalho que nossos estudantes exercem nos acampamentos,
nos assentamentos ou em outras instâncias da organização, do ponto de vista técnico mas
também do ponto de vista da superação das relações de exploração e de dominação;
vincular mais diretamente as escolas com a busca de soluções para os problemas
enfrentados nos acampamentos e assentamentos;
desenvolver habilidades, comportamentos, hábitos e posturas necessários aos postos de
trabalho que estão sendo criados através dos processos de luta e de conquista das áreas de
Reforma Agrária;
b) O trabalho como método pedagógico. Quer dizer, a combinação entre estudo e
trabalho como um instrumento fundamental para desenvolvermos várias das dimensões da nossa
proposta de educação. Vamos identificar as principais:
o trabalho como prática privilegiada capaz de provocar necessidades de aprendizagem, o
que tem a ver com o princípio da relação entre prática e teoria, com a construção de
objetos de capacitação, e com a idéia de produzir conhecimento sobre a realidade;
o trabalho como construtor de relações sociais e, portanto, espaço também privilegiado de
exercício da cooperação e da democracia;
estas mesmas relações sociais como lugar de desenvolvimento de novas relações entre as
pessoas, de cultivo de valores, de construção de novos comportamentos pessoais e
coletivos em comum, de cultivo também da mística da participação nas lutas dos
trabalhadores, e da formação da consciência de classe.
157
4.2 Diálogos construídos
Nossa Escola pode ajudar a perceber a historicidade do cultivo da terra e da sociedade, o
manuseio cuidadoso da terra natureza para garantir mais vida, a educação ambiental, o
aprendizado da paciência de semear e colher no tempo certo, o exercício da persistência diante
dos entraves das intempéries e dos que se julgam senhores do tempo. Mas não fará isso apenas
com discurso; terá que se desafiar a envolver os educandos e as educadoras em atividades
diretamente ligadas à terra. (MST, Caderno de Educação nº 9 – Pedagogia da terra, p. 8).
Rapaz, a escola da cidade, ela tem... é outro... outro critério n/é? Ao contrário
nosso n/é? Porque... o... a pessoa do campo, ele tem que ter a cultura voltada
pro campo. A gente na... os filhos da gente na escola da cidade. Ele aprende
o ritmo da cidade, eles não vão aprender o ritmo da roça. Eu acho que... as
escolas se tivesse, se a gente tivesse a oportunidade de ter escolas dentro dos
assentamentos, era uma questão até de... fixar até mais o jovem no campo,
porque... o jovem está, ele praticamente hoje vive estudando n/é? Até certa
idade o trabalho dele é estudo mesmo. Então foge da realidade. Porque ele ta
estudando lá na cidade mas ele mora na roça mas ele ta estudando na cidade, ele
não ta tendo aquele contato dia-a-dia dentro da área rural. Então foge o
controle, aquele controle dos jovens é... trabalhador rural foge do controle do
campo. Ele vai aprender mais as coisas da cidade. Isso dificulta um pouco pra
gente educar os filhos da gente da maneira que a gente precisava educar.
(Mauro)
Olha, antes disso, antes de eu não querer colocar veneno, de eu entrar no curso
de homeopatia, eu já não usava veneno n/é? Eu tentei não comprar veneno pra
colocar no lote. A bananeira e o coco eu roçava, muita gente acha bonito,
coloca o roundup mata tudo n/é? Mata os nutrientes da terra, mata o mato, eu
nunca fiz isso. Aí o curso de homeopatia acabou de reforçar n/é? aqui dentro do
assentamento, na CPT ali e vai ter aula prática num lote dum assentado. Mas
também é assim, o Movimento educa também n/é? Participava muito de
Educação Ambiental, preservação do meio ambiente. Então nós sempre
participava dessa situação. (Eugênio)
Para a escola do MST o trabalho é um princípio educativo fundamental. Ele envolve o
esforço físico e mental que transforma a natureza e, ao transformar a natureza, nos transforma;
nos humaniza. É o trabalho que nos diferencia dos outros seres vivos. Através dele, de forma
pessoal e coletiva, garantimos as condições objetivas de nossa qualidade de vida. O trabalhador
158
se deseduca e se desumaniza ao ser desapropriado, desqualificado e ou explorado em seu
trabalho”. (MST, Cadernos nº 9 – Trabalho/Produção, p. 33)
Uma das idéias que a gente sempre passa pros trabalhadores... deles plantar
árvores. Ter sempre uma cultura de árvores no nosso lote rural. Sempre
trabalhar essa questão. Por que a árvore? A gente precisa usar a árvore porque
ela tem todo um contato com nós, com a natureza, ela faz toda essa ligação... o
vento toca nela, ela produz a sombra, ela produz embelezamento, ela ta na
madeira dos nossos móveis. Dentro da nossa casa de uma forma geral. Ela tem
muita água, ela refrigera o ambiente. Então, por exemplo, as nossas reuniões
geralmente é feita debaixo das árvores, que a gente começa com aquele
processo da mística de sentir, saber a importância dela. E toda a recuperação da
cultura da polinização n/é? Porque, principalmente aqui no Norte Fluminense,
com a cultura da cana a idéia é acabar com todas as árvores. E a gente quer na
verdade resgatar a cultura da mata, das plantas, da vegetação. E os processos da
agroecologia é justamente isso. É possível você produzir o abacaxi, a mandioca,
as frutas, o palmito, e é possível você produzir árvores, madeira, tudo aquilo
que a gente precisa, pra nossa... pro nosso dia-a-dia, pro nosso cotidiano.
(Pedro).
A produção precisa levar em conta o cuidado com a preservação da natureza e a questão
agroecológica, e ajudar no alerta sobre o risco do uso dos agrotóxicos, que ameaçam a qualidade
de vida. Numa escola a produção geralmente está voltada para o consumo interno, mas se for
possível também precisa ter preocupação com o mercado, proporcionando uma experiência real e
refletida sobre o funcionamento de sua lógica. (MST, Cadernos nº 9 – Trabalho/Produção, p. 34).
A idéia é trabalhar sempre com temas transversais. E vai perspassa tudo isso
n/é? A questão política, a questão social, a questão da etnia, a questão de gênero
n/é? Então a idéia é trabalhar com sistemas pra trabalhar essas questões.
Questão econômica, mas nós produzimos pra sobreviver, então tem que
trabalhar essa questão econômica também. Estudar a viabilidade de mercado,
essa coisa toda, isso é importante... trabalhando. Porém de uma forma mais
humana n/é? Não dessa forma... de degradação, de expropriação da natureza, do
próprio ser humano. (Ricardo)
Não a cana tudo bem, a cana na nossa região aqui é muito boa de cana, então a
gente ainda colhe uma cana aqui sem usar muito tipo de agrotóxico, herbicida,
essas coisa assim. Já o abacaxi não, o abacaxi não tem jeito. Até agora não
conseguimos buscar uma forma que não precisasse usar o agrotóxico e o
herbicida. Não conseguimos buscar ainda, estamo tentando n/é? A gente
tentando fazer aí um... um jeito de fazer uma plantação mais... mais
agroecológica. Usar aí a homeopatia na agricultura¸ caldas, calda sulfocal, essas
coisa assim, biofertilizante, CALDA?? Calda sulfocal é uma cauda que faz com
a mistura de enxofre com cal, esses coisas assim. COM QUAL FINALIDADE?
159
É contra o próprio inseto n/é? Quer dizer, não mata o inseto, mas ela espanta o
inseto. Infelizmente quem usa o agrotóxico ele danificando o meio ambiente
n/é? Porque o agrotóxico ele mata os animais n/é? Mata os insetos, os
microrganismos. E a gente tentando se a gente consegue, embora que não
acaba mais ao menos diminui esse volume de produto químico que é usado, o
veneno que é usado na agricultura. (Mauro).
Também não pode ser esquecida a possibilidade da pesquisa, com áreas comparativas e
áreas experimentais, incluindo o reaproveitamento de produtos e de resíduos da produção, da
adubação verde e orgânica. Estas áreas podem contribuir com o projeto de desenvolvimento do
conjunto do assentamento”. (MST, Cadernos nº 9 – Trabalho/Produção, p. 34).
O uso constante, a aplicação intensiva de agrotóxicos tinha de alguma forma
deteriorado o solo, estragado o solo, acabado, tirado a vida do solo. Então
vamos recuperar isso de alguma forma. E que experiência nós tínhamos? Quais
eram as experiências que nós tínhamos na região ou aqui no Estado ou no
Brasil, que os companheiros puderam trazer pra nós? São várias experiências:
plantar algumas gramíneas, algumas plantas que fixam nitrogênio no solo,
produzem biomassa, uma série de coisas que vai beneficiar o solo. E, também
as minhocas que fazem um trabalho conjunto. que o que foi falado pra
gente: olha, você vai botar a minhoca num solo desse? Num pode! Você tem
que concentrar ela num local, fornecer a matéria que ela precisa pra se
desenvolver, ela vai produzir o húmus e o húmus você vai utilizar na sua
agricultura. Isso vai te dar uma... uma espécie de auto-sustentação. Você não
vai precisar comprar o seu adubo químico. E... depois que a minhoca faz esse
trabalho todo, ela vai aumentando o número de minhoca, a gente também
coloca ela na terra, repovoa a terra, pra ela fazer a função dela naturalmente.
Então é todo um conjunto de seres e organismos que trabalha a questão da
agricultura com a gente. Não é a gente, os agricultores. A gente aprendeu
isso com o Movimento, companheirada do Setor de Produção. Que de
experiência em experiência mostrando a gente. Por exemplo, nós fizemos
uma visita numa área em Parati, onde um grupo de agricultores já trabalhava
essa questão. Nós vimos a produção, identificamos os seres, os organismos,
vimos a coisa detalhadamente. Isso deu um suporte muito bom a gente,
capacitou a gente de uma forma muito boa. Eu vi e hoje eu praticando e hoje
eu consigo passar isso. (Pedro).
O trabalho dos educandos sendo acompanhado por monitores e envolvendo os educandos
em todas as fases do processo produtivo, do planejamento até a comercialização, torna-se mais
educativo. A escola pode proporcionar experiências em várias formas de cooperação e na
organização de diferentes processos produtivos. Mas todas as experiências precisam ser
160
avaliadas, percebendo as vantagens e desvantagens. Será ainda melhor se a Escola contribuir na
elaboração e ou análise do projeto de desenvolvimento do assentamento ou da região. (MST,
Cadernos nº 9 – Trabalho/Produção, p. 33-34).
A escola precisa ajudar a família a refletir e a se posicionar sobre o trabalho realizado
pelas crianças nos lotes familiares ou em empresas associativas. Ele faz parte da colaboração com
o restante da família e da construção do educando, desde que como aprendiz. Ao mesmo tempo
deve estar garantindo o tempo para as atividades da escola e para ser criança ou adolescente. O
que não podemos aceitar é a exploração capitalista do trabalho com a finalidade do educando
contribuir com a complementação da renda familiar, e para isto tendo que negar o seu ciclo de
desenvolvimento como ser humano e deixar de participar da escola. (MST, Cadernos 9 Na
família, p. 37).
Numa escola do MST é importante resgatar os símbolos, as ferramentas de trabalho e de
luta, a mística do Movimento. E fazer do tempo de escola um tempo onde os educandos possam
refletir muito sobre as várias dimensões da sua vida, de sua família, e também da grande família
chamada Sem Terra. Fará isto não apenas através das práticas e de exemplos que permitam ao
educandos olharem para si e para os outros. E as educadoras estarão junto com os educandos
neste fazer, alimentando a capacidade de analisar as falhas e propor formas de superar os limites.
(MST, Caderno de Educação nº 9 – Pedagogia da cultura, p. 9).
A proposta do MST e da CPT, professores da UENF... pessoas que estão
pensando essa questão da Educação do Campo, a proposta é fazer um seminário
agora no dia... ta marcado já... no sei é dia 15... se eu não me engano.
Fazer um seminário sobre Educação do Campo e o público-alvo o os
professores, tanto da rede municipal quanto também estadual n/é? Justamente
pra isso n/é? Pra que os professores tenham contato com essa... com esse jeito
de aprender e de ensinar. Que geralmente não tem nas faculdades n/é? Nas
universidades não tem essa... esse ensinamento ou esse... não consegue chegar a
esse conhecimento n/é? Da proposta de educação do Campo. Então a proposta
inicial é essa, fazer um seminário. E desse seminário quem sabe surjam grupos
de estudo, intercâmbios com escolas que já adotam essa metodologia, essa
pedagogia... (Ricardo)
161
Ela brota do desejo de não cortar raízes. É uma das pedagogias produzidas em
experiências de escola do campo que buscaram integrar a escola com a família e a comunidade
do educando. No nosso caso, ela permite uma troca de conhecimentos e o fortalecimento dos
laços familiares e do vínculo dos educandos com o assentamento ou acampamento, o MST e a
terra. (MST, Caderno de Educação nº 9 – Pedagogia da alternância, p. 10).
Pelo trabalho o educando produz conhecimento, cria habilidades e forma sua consciência.
Em si mesmo o trabalho tem uma potencialidade pedagógica, e a escola pode torná-lo mais
plenamente educativo, à medida que ajude as pessoas a perceber o seu vínculo com as demais
dimensões da vida humana: sua cultura, seus valores, suas posições políticas... Por isso a nossa
escola precisa se vincular ao mundo do trabalho e se desafiar a educar também para o trabalho e
pelo trabalho. (Caderno de Educação nº 9 – Pedagogia do trabalho e da produção, p. 9)
Ser Sem Terra hoje é bem mais do que ser um trabalhador ou uma trabalhadora que não
tem terra, ou mesmo que luta por ela; Sem Terra é uma identidade historicamente construída,
primeiro como afirmação de uma condição social: sem-terra, e aos poucos não mais como uma
circunstância de vida a ser superada, mas sim como uma identidade de cultivo: somos Sem Terra
do MST! (MST, Caderno de Educação nº 9 – p. 5)
Eu não tenho vergonha de dizer o que eu sou não cara. Pra mim pode ser o...
pode dentro da UENF, pode no meio de doutorado, pode perto de juiz,
pode no meio de... perto de polícia, eu me identifico como Sem Terra! Não
tem esse negócio de, quando na... no centro aqui eu vou me identificar como
Sem Terra, se o bicho pegar fora eu vou dizer como Sem Terra. Eu me
identifico como Sem Terra e nada mais! (Eugênio)
Precisamos avançar no entendimento de que os assentamentos não são apenas uma
unidade de produção. Mas acima de tudo são um núcleo social aonde as pessoas convivem e
desenvolvem um conjunto de atividades comunitárias na esfera da cultura, lazer, educação,
religião,... Precisamos estar atentos para que os assentamentos cumpram sua missão histórica de
162
semear mudanças no meio rural. (Caderno do Educando 2 Pra soletrar a liberdade, 2001, p.
24).
Inclusive foi uma das coisa assim que eu... eu como um dos líderes religiosos
também aqui da comunidade... então a gente conversa muito da horta
comunitária. Que é muito importante a gente tem o alface, couve n/é? O agrião
n/é? A gente criar essa cultura aqui entre nós aqui parece que é muito forte no
almoço ter o arroz, o feijão, a farinha e a carne. Isso daí é o básico n/é?
Dificilmente tem uma salada, uma coisa assim. Então na minha casa comecei
trabalhar isso... quando eu cheguei. Então nós temos a horta n/é? Tem lá
alfavaca, couve, essas coisas, isso sempre a gente tem. Então isso daí... e eu
percebi o que, que aquele pequeno gesto... serviu como exemplo porque o... na
minha família continuou cultivando isso n/é? Essa horta, não deixar ela acabar.
O vizinho fez uma horta também, e acho que assim, eu fiquei muito feliz
quando eu vi esse vizinho que antes ele aficava rindo de mim n/é? Falando
que queria comer alface dali e tal e depois ele comeu que eu tirei... (rs) assim na
brincadeira e tal mas isso aí foi uma forma da gente tá incentivando. (Ricardo).
A “alfabetização não é apenas uma campanha (...) é um processo (um movimento,
diríamos hoje) para capacitar as pessoas para dominar um determinado código”, a saber, a
linguagem escrita, as expressões simbólicas e corporais. “Este processo de capacitação é
possível quando se parte das reais necessidades dos analfabetos e da classe trabalhadora, a partir
do MST. A finalidade é dar acesso aos trabalhadores excluídos da vida escolar ao conhecimento
acumulado pela humanidade, partindo do concreto próximo (a necessidade) até chegar ao geral e
distante. Essa apreensão os torna sujeitos pessoais e coletivos do processo histórico onde estão
inseridos”. (MST, Caderno de Educação nº11, 2004, p. 11).
É que eles vão participar que eles ver a coisa dando certo n/é? Eu vejo que é
o caminho porque, principalmente se vim esse projeto que... coisa que nós
nunca vimos de vim em nenhuma associação, já é prova que dá certo uma coisa
n/é? E a cara dessa associação que é as pessoas que é enjuado n/é? O que
representa essa associação é a gente é enjuado, é a gente que participou de
várias lutas, gente que cobra, gente que tem caráter, brigão também, brigão
politicamente n/é? gente encravado! Gente que veio de várias lutas, que não
aceita coisa errada. Gente encravada dessa forma. Então, nela o tem um
presidente de associação, isso nós batemos na tecla, até pra assinar um cheque
tem representação de duas pessoas no banco e é aceitável que no caso de haver
desconfiança pode ir todo mundo no banco num dia só. Tudo isso tem abertura
n/é? E a gente não aceita impunidade, não aceita arrogância, tudo isso tá
discutido, foi dois anos de discussão! E outra coisa é o seguinte que, nenhuma
163
associação ... sendo bem acompanhada e discutida e tendo o jurídico que
nem nós tamo tendo n/é? Nenhuma dessas você vai, não tem jurídico não tem
nada e o nosso sendo acompanhado por um jurídico que é um companheiro
que participou muito da luta n/é? Chamado xxx, que é um advogado que
acompanhando e quer contribuir. Então tamo começando certo. Porque uma
associação não ter um corpo jurídico, como é que vai discutir os problemas?
(Eugênio).
Retoma os princípios pedagógicos das escolas (Caderno de Formação 18), adaptando-
os: a) Todos ao trabalho; b) Todos se organizando; c) Todos participando; d) Todo o
assentamento no grupo de alfabetização e todo grupo de alfabetização no assentamento; e) Todo
o ensino partindo da prática (necessidade); f) Todo monitor é um militante; e g) Todos se
educando para o novo. (MST, Caderno de Educação nº11, 2004, p. 12).
Os objetivos da alfabetização, também adaptados/concretizados no Caderno de Formação
18: 1) Ensinar a ler, escrever e calcular no papel a realidade; 2) Ensinar fazendo, isto é, pela
prática ou a partir de necessidades reais dos alfabetizandos e do Movimento; 3) Construir o novo
que começa nas novas relações e termina em sua sociedade sem exploradores e sem explorados;
4) Preparar igualmente para o trabalho manual (especialização da mão-de-obra) e intelectual; 5)
Ensinar a realidade local e geral; 6) Gerar sujeitos da história a partir de sujeitos do processo de
alfabetização; e 7) Preocupar-se com a pessoa integral e com o coletivo. (MST, Caderno de
Educação nº11, 2004, p. 12).
Também não pode ser esquecida a possibilidade da pesquisa, com áreas comparativas e
áreas experimentais, incluindo o reaproveitamento de produtos e de resíduos da produção, da
adubação verde e orgânica. Estas áreas podem contribuir com o projeto de desenvolvimento do
conjunto do assentamento. É importante que a comunidade e os responsáveis pela assistência
técnica participem da constituição dos projetos e os acompanhem. (MST, Cadernos nº 9 –
Trabalho/Produção, p. 34).
164
o que que acontece a gente... começamos a... tentar, fazendo um esforcinho,
com as entidades que dá apoio a gente como a CPT, a... UENF, que é a
Universidade Estadual de Campos, a gente vem fazendo um esforço pra tentar
evitar até de usar nessas outras culturas que a gente se sente obrigado ainda. Eu
não tinha o costume de trabalhar com esse tipo de produto não? Então esses
cursos estão trazendo novas explicações, novas técnicas? Pra mim esses cursos
ta resgatando o passado n/é? Que até a idade de vinte e dois vinte e três anos eu
não sabia o que que era um agrotóxico. A gente trabalhava de forma natural.
(Mauro).
Sem Terra alfabetizado é alguém que escreve bilhete, que o jornal e os documentos do
MST, que decifra e preenche questionário, que conhece a história da terra e da luta pela terra, que
tem gosto de ler livros e busca o conhecimento cnico, sabe falar em público e, além disso, que
sente o coração bater mais forte por causa da mística e continua a sonhar e a construir uma
sociedade sem exploradores e explorados. (Alfabetização de Jovens e Adultos: como organizar.
Caderno de Educação 3, MST, 1994. In: Caderno do Educando 2 Pra soletrar a liberdade,
2001, p. 7).
As Cirandas Infantis no MST
A Ciranda Infantil é um espaço educativo, organizado com o objetivo de trabalhar as
várias dimensões do ser criança Sem Terrinha como sujeito de direitos, com valores, imaginação,
fantasia e personalidade em formação, vinculando as vivências com a criatividade, as relações de
gênero, a cooperação, a criticidade, a autonomia, o trabalho educativo, a saúde e a luta pela
dignidade de concretizar a conquista da terra, a reforma agrária, as mudanças sociais. (Educação
Infantil: movimento da vida, dança do aprender. Caderno de Educação nº 12, 2004, p. 37).
Cirandas Infantis são espaços que devem ser organizados em todas as atividades,
estâncias e ocasiões que estiverem presentes crianças de zero a seis anos. São momentos e
espaços educativos intencionalmente planejados, nos quais as crianças receberão atenção
especial, e aprenderão em movimento a ocupar o seu lugar na organização que fazem parte. E
165
muito mais que espaços físicos são espaços de trocas de saberes, aprendizados e vivências; de
relações humanas. (Idem).
A Ciranda não pode ser vista apenas como um direito dos pais e das mães que participam
do MST, mas principalmente como um direito das crianças que também o sujeitos construtores
do movimento. Deixar as crianças em casa não pode ser a única opção das famílias Sem Terra.
As crianças devem aprender desde pequenas a amar e compreender o MST, bem como a luta de
seus pais e de suas mães, e a convivência é a melhor forma de aprendizado. (Idem).
4.3 Escola Itinerante do MST: memórias da Escola Itinerante Paulo Freire
“Se a realidade tem que ser modificada, a filosofia não pode ser um instrumento teórico de
conservação ou justificação da realidade, mas sim de sua transformação. (...) A filosofia por si
mesma, como crítica do real, não muda a realidade. Para mudar a realidade, a filosofia tem que
realizar-se”. (VÁSQUEZ,1990 p. 125).
Entre 11 e 15 de junho de 2007, realizou-se o Congresso Nacional do MST em Brasília,
DF. Considerado o maior Congresso Camponês da América Latina, os cerca de 17.500
trabalhadores e trabalhadoras, deram uma demonstração de organização, solidariedade e
esperança, não a esperança nos que vão fazer, a esperança dos que fazem. Conforme Stédile, em
entrevista ao Jornal On Line Tribuna da Imprensa O nosso Congresso foi uma grande
confraternização dos militantes de 24 estados, um momento de reflexão e análise coletiva sobre
o quadro da questão agrária e a sociedade brasileira, e de mobilização, com a marcha que
fizemos para denunciar que o Estado brasileiro, retratado nos seus três Poderes da República,
impede a Reforma Agrária. Além disso, depois de dois anos de discussão nos acampamentos e
assentamentos, fechamos nosso Programa Agrário, que apresenta a nossa proposta para a
agricultura brasileira
”.
166
A Carta do 5º Congresso Nacional do MST (em Anexo) nos dá bem uma dimensão da luta
destes trabalhadores. Não se trata do um projeto pronto de reforma agrária. Lutar e defender estão
entre seus imperativos, suas palavras de ordem, autonomia, ão organizativa. Não se trata de
apontar culpados e punir, mas também não omite os inimigos a serem derrotados, pois conforme
Freire (1987) Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam
na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua
“convivência” com o regime opressor.” (FREIRE, 1987, p. 52). Trata mais de um caminho para
ser feito, construído, para impedir a destruição da materialidade que forja o ser social camponês,
e que para alcançar a soberania popular e a justiça social ao longo e ao final desse caminho, de
modo pleno e não superficial, será preciso que o modelo e as práticas que impõem a ruptura
metabólica sociedade-natureza deverão ser superados e aqui, em ainda seguindo os passos de
Freire “Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que
nos parece fundamental é que esta não cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério
empenho de reflexão, para que seja práxis.” (Idem).
Movido por este empenho e pela experiência de luta dos Sem Terra, o MST organizou a
Escola Itinerante Paulo Freire (EIPF), para acompanhar a trajetória de luta do MST, no seu
Congresso. Uma experiência fascinante de popularização da educação, um somatório de
esforços, de saberes, de experiências de vida, de sentimentos concretizados em 6 grandes tendas:
uma onde funcionava a secretaria da escola, onde as famílias faziam o credenciamento das
crianças e concentrava, organizava e distribuía-se o material de apoio utilizado nas práticas
pedagógicas. Foram credenciadas 653 crianças com até 11 anos. Outras dezenas com 12 e 13
anos não foram credenciadas, pois a princípio deveriam participar com os pais na plenária do
Congresso, mas seduziram-se completamente pela Escola. A Proposta Pedagógica da EIPF foi
disponibilizada para os educadores nos trabalhos de formação nos acampamentos e
167
assentamentos, partindo das experiências de Escolas Itinerantes do MST, como uma proposta que
deveria ser estudada para apoiar na compreensão do sentido e do significado das tarefas que
educadoras e educadores deveríamos cumprir. Dentre seus objetivos destacamos:
Realizar uma pratica de Escola Itinerante no Congresso nacional do MST desenvolvendo
à educação e formação das crianças dos assentamentos e acampamentos, através de uma
metodologia que articule o ensino e aprendizagem com os elementos da identidade e da
pedagogia do MST;
Desenvolver ações pedagógicas diversificadas e prazerosas a partir dos interesses e veis
de conhecimento das crianças e os objetivos do Congresso nacional do MST;
Proporcionar ao educando oportunidades para construir-se como ser humano, capaz de
compreender e interpretar o processo histórico, analisando, comparando, interpretando e
transformando a realidade;
Possibilitar aos educandos/as e educadores/as à compreensão da cultura, da identidade e
da realidade brasileira, partindo dos saberes de experiências feitas buscando a relação com
os conhecimentos universais;
Despertar a consciência organizativa e espírito de liderança dos educandos/as,
educadores/as e participar efetivamente quanto sujeito, crianças no Congresso Nacional
do MST.
Na educação o movimento visa à emancipação do ser humano, buscando formar
um cidadão crítico e consciente de seu papel na sociedade, por isso faz
necessário espaços educativos organizados para participação, luta e
emancipação dos sujeitos que respeite e considere sua temporalidade e
especificidade quanto ser humano. Esta escola se faz, pautada na luta por
melhores condições de vida das famílias Sem Terra que foram historicamente
excluídas, assume do ponto de vista estrutural e organizativo, a condição de
uma “escola em movimento e do Movimento”. (Proposta Pedagógica da EIPF)
168
Três grandes tendas foram montadas para compor o Ambiente Educativo
75
, e neste grande
espaço foram organizadas as Brigadas de Educadores que compunham os Núcleos de Base (NB):
a Brigada da Ciranda Infantil com um NB na faixa de 0 a 2 anos, um NB de 3 e 4 anos e um NB
na faixa etária de 5 e 6 anos. A Brigada da Educação Fundamental foi formado por dois NB’s, de
7 e 8 anos, e 9, 10 e 11 anos. As crianças maiores (12 e até 13 anos) ficaram também neste NB.
Para a realização das atividades pedagógicas na EIPF o trabalho foi organizado em
Tempos Educativos que implicam em um movimento permanente entre ação e reflexão de modo
a construir nos pequenos detalhes do trabalho pedagógico e no jeito de funcionar da escola em
seu dia a dia, situações e momentos diversos de aprendizagem, ou seja, os tempos educativos,
sendo assim cada qual com sua intenção” (Proposta Pedagógica da EIPF)
76
, sendo:
a) Tempo Mística
: 8:30 às 8:45h (de acordo com o término da mística diária realizada na plenária
do Congresso em que as crianças participariam com os pais)
Tempos diário em que educandos/as e os educadores/as, se encontram para cantar músicas
infantis e do MST, trabalhar as frases de ordem e resistência, e se motivar para as atividades
educativas da Escola Itinerante Paulo Freire. Este é o momento em que cultivamos o sentimento
de ser povo brasileiro, a raiz dos povos do campo, ajudando no resgate da memória do povo e na
formação da consciência histórica dos sujeitos. Trazendo presente reflexões sobre a realidade
atual, socializando habilidades artísticas e resgatando os símbolos da vida, da organização, da
luta e firmando a identidade SEM TERRINHA. (PPEIPF)
75
Entendemos por ambiente educativo tudo o que acontece na vida da Escola, dentro e fora dela, desde que tenha
uma intencionalidade educativa, ou seja, foi planejado para que permitisse certos relacionamentos e novas interações.
Não é apenas dito; mas o visto, o vivido, o sentido, o participado, o produzido. O jeito de uma escola ser e funcionar,
o que nela acontece, como ela se relaciona com a comunidade. Tudo faz parte deste ambiente educativo. É a escola
pensada para que nela tudo seja educativo. (MST, Caderno de Educação nº 9Como fazemos a Escola de Educação
Fundamental, 2004, p .22).
76
A partir deste momento PPEIPF.
169
Neste tempo tivemos oportunidade de conversar com as crianças sobre a mística realizada
na plenária do Congresso, quais tinham participado, o que sentiram, estimulando a participação e
a expressividade, constituindo-se também um momento em que resgatávamos as músicas que as
crianças conheciam de sua comunidade e as músicas e poemas do MST que muitas delas nos
trouxeram e entoaram. Aqui nos conhecíamos, nos identificávamos, um a um, sabíamos de onde
vínhamos, por onde andávamos e o que queríamos. O que sentíamos, educadoras/es e
educandas/os, na confluência de sotaques, olhares e movimentos dos Sem Terrinha do Brasil.
b) Tempo Estudo
: 8:45 às 10:00 e das 10:20 às 12:00
Cada cleo de base, com seus educadores/as desenvolvem o estudo, o qual é planejado
de acordo com o método e jeito da Escola Itinerante, levando em conta a temporalidade das
crianças, desenvolvendo atividades de leitura, escrita, pesquisa, desenhos, passeios.... Este tempo
para a Brigada da Educação Fundamental e Ciranda Infantil foi previsto para trabalhar
didaticamente as temáticas de estudo do Congresso Nacional, onde a Ciranda infantil subdivide
este tempo em outros de acordo com a faixa etária: tempo acolhida, banho, descanso, massagem e
etc . (PPEIPF).
O estudo é um dos princípios organizativo do MST, é exatamente o principio que reforça
a importância do conhecimento: quem não conhece a realidade não consegue participar como
sujeito de sua transformação. Mas também não se trata de qualquer conhecimento. Não acontece
numa sala de aula, acontece em baixo das árvores, sentados na grama e até mesmo no relento,
ocorrendo atividades entrelaçadas às atividades específicas de leituras de livros, jornais, passeios,
observações, pesquisa, seminários de discussão, trabalho em grupo, também através diálogos
feitas por educador/a, por militantes do MST ou através de estudo de textos, figuras... (PPEIPF).
170
Neste tempo os educadores e as educadoras do NB ao qual participávamos (de 9, 10 e 11
anos) trabalhamos três eixos temáticos principais: Justiça Social direito à Educação; Soberania
Popular questão ambiental, agronegócio e segurança alimentar e Reforma Agrária: Por Justiça
Social e Soberania Popular. A partir das falas das crianças, sobretudo sua realidade nos
acampamentos e assentamentos, fomos construindo o diálogo, reconhecendo os saberes e
refletindo sobre os temas, materializando nossa discussão principalmente através de desenhos e
pinturas que foram sendo produzidos, apropriados e resgatados em todos os dias em que
estivemos juntos.
c) Tempo Recreio:
10:00 às 10:20 h e 16:00 às 16:20 h
Este tempo é destinado à alimentação das crianças e também no desenvolvimento de rodas
de brincadeiras conduzidas por educadores/as. Com a intenção de desenvolver o lazer através das
brincadeiras, recreação sadia, ajudando na compreensão da dimensão do lúdico na infância e
adolescência Sem Terra. Neste tempo todos educadores\as e educandos\as serão responsáveis
para organizar e realizar as brincadeiras em conjunto. (PPEIPF).
Momento sempre esperado, nos dávamos as mãos e caminhávamos da Escola até a
Cozinha “Alimentando Esperança” onde também restaurávamos nossas energias, sempre
cantando e observando os trabalhos nos outros NB pelo caminho. A organização dos/as
Educadores/as da Cozinha Alimentando Esperança nos manteve com alimentos nutritivos (frutas,
pães, leite) e bem preparados, num trabalho incansável, um compromisso e responsabilidade
indispensáveis para o bom funcionamento da EIPF.
e) Tempo Oficina:
14:00 às 17:20 h
171
Serão realizadas oficinas para desenvolver a habilidade (aprender fazendo), construídas
por práticas diretas dos educandos, orientada ou acompanhada por educador/a, artistas populares
que trabalham com as varias linguagens artísticas e culturais; teatro, flauta, coral, pintura,
capoeira,, reciclagem de lixo, leitura e “contação” de estórias, produção de brinquedos com
garrafas, tampinhas, desenho, musica, mística etc. (PPEIPF).
Foram vários os militantes e grupos culturais que colaboraram com o trabalho dos
coletivos de educadores/as através das oficinas: fantoches, mamulengos, perna-de-pau,
construção de brinquedos populares, pintura, desenho, oficina de flauta, capoeira, produzindo e
resgatando um espaço de risos, sonhos, criação, liberdade, humanidade. Nesse momento corações
e olhares pulsavam, em cada gesto, em cada ato, em cada expressão, sentíamos o fazer-se
humanas todas as crianças Sem Terra, os Sem Terrinha, que transbordavam a alegria do mundo
de cores e sons, de vida e movimento que criaram na EIPF.
A capacidade da criança de perceber o mundo e agir sobre ele pode ser
potencializada através do resgate da imaginação, do brinquedo, dos desafios
cotidianos, das diferentes formas de expressão/linguagem e etc. Este processo
vai além das portas e janelas da Ciranda Infantil, alcançando as diferentes
concepções e relações que existem nas famílias assentadas e acampadas, na
comunidade, nas organizações sociais e culturais. (Pedagogia da Educação
Infantil no MST, Caderno de Educação nº 12, 2004, p. 29).
f) Tempo Reunião do Núcleo de Base:
17:20 às 18:00 h
No final de toda as tardes os NBs reunirão com seus educadores\as para se auto-
organizarem, distribuir tarefas, avaliar as atividades diárias, propor para o próximo dia e resolver
questões que aparecerem. (PPEIPF).
172
Estes foram também momentos de reconhecimento do trabalho pedagógico das/dos
educadoras/es da EIPF, em que trocávamos e refletíamos sobre as experiências diárias, limites e
possibilidades de atuação e demandas advindas dos/das educandos/as.
Tempos Educadores/as
a)Tempo Organização dos Educadores:
7:40 as 8:00 h e 13:45 as 14:00 h
Tempo este destinado para os educadores prepararem os espaços para ocorrer as
atividades educativas que os mesmos irão coordenar, bem como providenciar o material didático
necessário para o bom desenvolvimento da atividade. (PPEIPF).
b) Tempo Avaliação:
(Horário que cada Educador se Organizará em função da Mobilização à
tarde)
Tempo diário em que os educadores farão a avaliação da aula registrando num caderno
como ocorreu a aula, conseguiu atingir os objetivos, como foi a receptividade das crianças...
Também olhará para cada criança no aspecto do aprendizado, da participação, do envolvimento e
trabalho coletivo. (PPEIPF).
c)Tempo Planejamento
(sugestão de horário das 18:20 as 19:00)
Espaço este para os educadores\as por NB se reunirem para re-planejar o Tempo Estudo e
demais atividades educativas da escola, levando em conta as proposições dos educandos e as
condições e circunstâncias que a realidade oferecer. (PPEIPF).
173
Esta vivência, de formação e aprendizado, essa pedagogia em movimento, nos mostrou
entre tantas outras coisas a importância e urgência da formação dos/as educadores/as populares
do MST. Se por um lado mostrou que esta formação não pode prescindir das contribuições das
teorias pedagógicas que nos auxiliem no agir, por outro, mostrou a indissolúvel prática
experimentada pelos/as educadores/as em seus espaços originais concretos de atuação e formação
e a exigência de socialização e coletivização do ato educativo, dos saberes, conhecimentos e
riquezas da complexidade das relações e mediações que constituem e definem a natureza da
formação humana, a natureza histórica e social do ser humano, no fazer-se humano nas interações
sociais que o constitui e que são constituídas por ele.
4.4 Diálogos em construção: A centralidade do trabalho na formação humana e a Educação
Ambiental
¿Qué tiene dueño la tierra? ¿Cómo así? ¿Cómo se ha de vender? ¿Cómo se ha de comprar? Se
ella no nos pertenece, pues. Nosotros somos de ella. Sus hijos somos. Así siempre, siempre.
Tierra Viva. Como cría a los gusanos, así nos cría. Tienes huesos y sangre. Leche tiene, y nos da
de mamar. Pelo tiene, pasto, paja, árboles. Ella sabe parir papas. Hace nacer casas. Gente hace
nacer. Ella nos cuida y nosotros la cuidamos. Ella bebe chicha, acepta nuestro convite. Hijos
suyos somos ¿Cómo se ha de vender? ¿Cómo se ha de comprar? (La madre tierra, Galeano,
2005: 38)
Este belo texto de Eduardo Galeano nos bem uma dimensão da interação metabólica,
indissociável, viva, orgânica, histórica da relação sociedade-natureza. Alguns poderiam
considerá-lo romantizado ou organicista. Não pensamos deste modo, pelo contrário, entendemos
que ele comporta a dialeticidade dessa relação. Como pode a terra ter um dono? Um proprietário?
Aflitivamente pergunta Galeano, se ela não nos pertence, nós pertencemos a ela? Se entendermos
que a universalidade do homem aparece, na prática, na universalidade que faz da natureza
174
inteira o seu corpo orgânicoconforme disse Marx (In: FROMM, 1975, p. 95), então, por um
lado, a terra nos cria como cria também a todos os outros seres vivos, pois organicamente são
poucas as diferenças entre a espécie humana e a dos outros seres vivos, as diferenças se
encontra na complexidade estrutural e de arranjos genéticos e moleculares que assumiram os
variados grupos de organismos ao longo de sua evolução. Assim, podemos entender que a
universalidade humana, enquanto espécie biológica, coincide com a universalidade dos outros
seres vivos, por depender e utilizar em níveis diferenciados, não no seu aspecto funcional, mas
para a própria existência de sua materialidade, todos os compostos orgânicos e inorgânicos que
genericamente utilizam os outros seres vivos.
A terra, que Galeano pergunta como se pode vender ou comprar, sacia e sustenta nossas
necessidades assim como a de todos os outros seres vivos, dos mais simples aos mais complexos,
em termos estritamente biológicos. Esta, sem dúvida, é uma interpretação, uma base para
constituição da objetividade que constitui o cerne da Ecologia, enquanto estudo das relações dos
seres vivos entre si e no ambiente, mas também das subjetividades que compõem a questão
ambiental, dentre as quais, o respeito à todas as formas de vida, pois conecta indissoluvelmente
as condições materiais de reprodução humana a de todos os outros seres vivos, o que para o
movimento ambientalista como um todo e para a Educação Ambiental em particular, constitui-se
um princípio inalienável.
Entretanto, no iluminado olhar de Galeano, está nossa questão: Ella bebe chicha, acepta
nuestro convite”. Este trecho, que poderia ser compreendido como um simbolismo tolo,
romântico, ultrapassado, esquecido, nos impõe pensarmos para além do reino das necessidades,
como nos ensinou Marx. Aqui Galeano nos convida para refletirmos sobre o reino da liberdade. E
ele o faz, porque admite que a terra “aceita nosso convite”. A chicha é uma bebida fermentada,
175
feita de milho, pelos povos indígenas andinos e datada do império Inca. reside a “condição
humana”, conforme a compreendemos. Prosseguiremos com nosso raciocínio.
O milho, compreendido como um organismo vegetal vivo, requer e extrai da terra e do ar
os compostos inorgânicos e orgânicos necessários a sua sobrevivência. A luz solar, captada pela
planta, a partir de um complexo de reações físico-químicas, promove um rearranjo molecular dos
compostos absorvidos, donde resulta açúcares que lhe servirão de alimento, possibilitando seu
desenvolvimento e reprodução.
O homem, compreendido como um organismo animal vivo, requer e extrai da terra e do ar
os composto inorgânicos e orgânicos necessários a sua sobrevivência. Porém, o modo como o faz
não é imediato. A nós, seres humanos, não basta o Sol, embora sem ele não se possa dizer o que
seríamos. Do mesmo modo é com a maioria dos animais. Acompanhemos um outro raciocínio
complementar:
Quando se joga veneno, agrotóxico, na... na planta, pra combater as pragas da
planta, o matando a fauna. Se você jogar um veneno ali num de planta,
num pé de goiaba, pra num bicho na goiaba, ali não bicho na goiaba,
lógico que não dá bicho na goiaba, mas também não dá aranha, não dá um outro
inseto que for, não inseto é nenhum! E quando não dá inseto nenhum,
também não vem dar os pássaros. Por que? Porque tem muitos pássaros que
vive de inseto! Então não vem o pássaro ali. Então se eu tô matando os insetos
que o pássaro vem pra comer, o pássaro também não vêm! Tem pássaros que
come frutas, mas tem pássaro que não come fruta. Ele vem comer o inseto
que quer atacar a fruta. Então quando você aplica o agrotóxico num de
planta você tá matando a fauna. (Manoel)
Ou seja, essa cadeia, como nos explica o agricultor, não pode prescindir dos elementos
que a constitui. A carência ou indisponibilidade de um deles pode provocar uma falha, uma
ruptura na cadeia, que deflagra reações naturais, da natureza, como respostas às ações anteriores,
históricas, pois culturais, e assim em um equilíbrio dinâmico e dialético as forças naturais agem e
podem ser explicadas através de “leis naturais”.
176
Mas onde está a condição humana? Ora, para fazer chicha ou através da linguagem
representarmos parte do conhecimento acumulado durante séculos pela humanidade, nos são
necessários dois tipos de mediação que não são por nós compreendidas exatamente como leis
naturais, quais sejam: o trabalho e a educação.
Os humanos assim como os demais seres vivos, ao transformarem a natureza, também são
transformados por ela. Porém, os seres vivos transformam a natureza para o atendimento de suas
necessidades imediatas, de alimentação, proteção ou abrigo, reprodução e também suas relações
sociais. Sim, pois sabemos que existe uma série de seres vivos que possuem relações sociais
complexas, como alguns insetos dentre os quais as abelhas e formigas; e mesmo as complexas
ações coletivas de espécies de golfinhos e baleias que caçam em bandos encurralando suas presas
ou direcionando-as para outros membros do grupo poderem predá-las. Ressalte-se ainda o
complexíssimo comportamento dos primatas, como o dos chimpanzés, de cujos estudos sobre
comportamento resultaram os conhecidos trabalhos da antropóloga britânica Jane Goodall. Em
seus estudos, a primatologista que durante mais de trinta anos permaneceu na convivência destes
animais na Tanzânia, registrou-se desde a depressão de um chimpanzé que após perder a “mãe”,
entra em inanição e morre, após semanas de vigília do corpo à beira de um riacho, até uma
caçada impiedosa no alto das árvores de um grupo de machos que por fim dilaceram um
chimpanzé intruso de um outro grupo invasor.
Tomar esses (demasiado familiares) e muitos outros exemplos como simples ou
irrelevantes de exame e interesse da ciência seria ir contra exatamente aquilo que ao homem à
sua condição, sua essência: adaptar a natureza às suas necessidades, relembremos assim Saviani
(2003) O homem tem de fazer o contrário: ele se constitui no momento em que necessita
adaptar a natureza a si, não sendo mais suficiente adaptar-se à natureza. Ajustar a natureza às
177
necessidades, às finalidades humanas, é o que se faz pelo trabalho.(SAVIANI, 2003, p. 132-
133).
(...) cumpre ter presente que a humanidade, enquanto conceito, não constitui
unidade homogênea e que as condições decorrentes da atuação humana no
ambiente são definidas em função de cada modo de vida social, em interação
com as condições ecológicas de sustentação. A visão que o marco teórico
crítico tem da humanidade é que esta é a unidade dialética com a natureza.
Somos, portanto, “humanamente naturais” e “naturalmente humanos”.
(LOUREIRO, 2003, P. 48).
Fazer chicha, compreender o processo da fotossíntese, pulverizar uma lavoura com
agrotóxicos ou estudar o comportamento dos primatas são mediações que o homem faz para
transformar a natureza, são portanto, trabalho. O fundamental, todavia, é que sua base não é
estritamente biológica, é também social. Não são leis naturais, são criações humanas. Não são
heranças genéticas, são construções acumuladas pelo desenvolvimento da complexidade humana
dada primordialmente pelo conjunto das relações sociais que constituíram ao longo da história a
nossa espécie e definem a nossa condição humana.
Na verdade, o comportamento do chimpanzé
77
, que se nega a abandonar o corpo da mãe a
ponto de morrer de inanição seria digno de estudos bem mais aprofundados do que este espaço e
nosso conhecimento nos permitiriam. Pensar sobre isso, entretanto não é possível aos
chimpanzés, mas está sem dúvida relacionado ao conjunto de relações sociais estabelecidas entre
nós humanos. Seriam as posições teleológicas secundárias, trabalhadas por Lukács e apropriadas
por Antunes (1999) ao tratar sobre a centralidade do trabalho, este como posição teleológica
primária, protoforma do ser social, comportando a teleologia e causalidade inerentes e exclusivas
77
Este interessante documentário nos foi apresentado à época de nosso curso de graduação e infelizmente não
possuímos sobre ele qualquer referência para maiores informações. Curiosa e excepcionalmente, este chimpanzé
adulto tinha uma profunda relação de dependência com sua “mãe” e esta com ele. Todos os filhotes nascidos
posteriormente tiveram problemas de relacionamento, tanto com a mãe quanto com o irmão mais velho que somente
após um longo tempo, considerado anormal para os chimpanzés, deixou de mamar. Ambos mostravam um
comportamento excessivo de “ciúmes” para com o outro o que foi objeto de estudos detalhados e apaixonados da
pesquisadora. Para maiores informações sobre o trabalho da pesquisadora ver:
www.janegodall.org .
178
da existência humana, do agir e ser humano, dado pelas mediações originais entre homem e
natureza, enquanto as posições secundárias advém exatamente das relações originadas das
intervenções e interferências desta transformação sobre os outros homens e a capacidade que os
produtores de transformações, os seres humanos, têm de fazer com que os outros seres humanos
compreendam ou se apropriem dessas transformações. O trabalho assume neste entendimento o
germe da constituição humana, de onde derivam mas não apenas, prolongam-se, distanciam-se,
assumem outra continuidade a ação e o fazer-se humanos. (Antunes, 1999).
o homem se aliena, e apenas ele, porque é o produto do que ele próprio faz,
de seu trabalho: justamente porque ele faz o seu ser em poucas palavras, por
ser um ente histórico - , o homem se encontra num processo de produção de si
mesmo, isto é, de humanização, dentro do qual pode encontrar-se em níveis
humanos tão ínfimos como o do homem alienado ou coisificado. (VASQUEZ,
1990. p. 138).
Dito de outro modo, antes dos seres humanos aprenderem a fazer chicha ou utilizar
agrotóxicos, os golfinhos se comportavam de forma gregária e já pescavam em bandos. As
plantas também liberavam para a atmosfera o oxigênio resultante da fotossíntese e os
chimpanzés perseguiam indivíduos estranhos ao grupo. Essas são características hereditárias,
herdadas geneticamente, que possibilitaram o desenvolvimento e evolução dessas espécies assim
como as conhecemos. Por outro lado
78
, a “chicha” brasileira é feita de cana-de-açúcar e recebe o
nome de cachaça; a japonesa, feita de arroz, recebe o nome de saquê; a mexicana é feita de agave
e recebe o nome de tequila, e assim, muitas outras compõem o acervo de denominações
lingüísticas e culturais enredadas pelo desenvolvimento da forma como os seres humanos em
78
Gostaríamos de esclarecer que o significado dos exemplos que seguem não vão além de seu mero caráter
ilustrativo, enquanto representação da criação humana e diversidade cultural. Não propomos qualquer similaridade
nas suas finalidades. O modo como é consumida a chicha pelos indígenas é distinto do modo como são consumidas
as bebidas alcoólicas pela maioria dos “ocidentais”. A rapidez e amplitude da difusão das drogas entre os brancos
teve como causa principal a ambição do lucro, que o índio desconhece. Em todas as nações indígenas, as drogas
são sagradas, oriundas dos vegetais hierobotânicos. E o seu consumo é sempre cerimonial, em ritos determinados
por tradição milenar. Observa Koch-Grünberg: Em geral, somente aproveitam qualquer ocasião e qualquer tempo
para tomar narcóticos os índios que foram desmoralizados por nossa civilização”. (SANGIRARDI Jr., 1983, p. 16).
179
diferentes espaços ao longo da história atribuíram ao seu modo de transformar a natureza. Do
mesmo modo outros tipos de produtos químicos foram concebidos pela atividade humana:
Um de coco que produz na base do agrotóxico, ele produz por ano uma
média de duzentos coco. Mas um que é tratado do jeito que eu trato, com
produto orgânico, calda caseira pra combater praga e não tem o poder de
laboratório, um de coco meu aqui produz no máximo cinqüenta coco por
ano. E com mais trabalhos! Porque o trabalho braçal não é mecanismo. QUE
CALDA É ESSA? A calda a gente faz em casa n/é? Com cinza de fogão, com
mato, tem a receita ali. UMA CALDA CASEIRA PRA COMBATER PRAGA?
Exatamente. A gente até na CPT tem um trabalho lá que eles tão fazendo lá
pra repassar pras companheirada que quer trabalhar sem. (O AGROTÓXICO).
É uma receita que é fertilizante pras planta, que não é um fertilizante assim
como aquele que eles fabricam em laboratório. Então você usa: cinqüenta
litros de água, um litro de leite, um litro de caldo de cana, sete qualidade de
mato, cinco quilo de fubá, um cupim, dez quilos de esterco, cinco quilos de
cinza, deixar descansar por vinte e um dias. Mexer todo dia. Modo de usar:
cinco litros da calda em cem litros de água. Aplicar com a bomba todas as
plantas. É um fertilizante e tanto pras planta! (Manoel).
Ao fazermos como Galeano, o convite à terra, para que beba conosco a chicha, estamos
fazendo uma escolha. Essa escolha, apreendida no plano do pensamento e da abstração a partir da
materialidade concreta, portanto agir e pensar no mundo, faculdade de todos os humanos
conforme Gramsci, nos lança para além da esfera da necessidade e define a esfera da liberdade.
Mas já sabemos que a chicha não se faz sem mediações, ela é obra humana, da ação de
transformação da natureza que estamos chamando trabalho. Do domínio das técnicas de cultivo
do milho às tradições que compõem o ritual de fazer e beber a chicha; pensando apenas do
momento da compra do agrotóxico no comércio, até o consumo do alimento contaminado; dos
carregadores de malas da Tanzânia até a fabricação de aparelhos que permitem a captação de
imagens dos chimpanzés para posterior estudo e exibição, existe um amplo leque de mediações
somente possíveis pela apreensão do conhecimento acumulado durante anos de transformação da
natureza para sua adequação às necessidades humanas.
Na medida em que a atividade humana se objetiva em produtos culturais, sejam
eles materiais ou o, temos, como conseqüência, que o processo de
objetivação do gênero humano é cumulativo. Assim, no significado de um
180
objeto ou fenômeno cultural, está acumulada a experiência histórica de muitas
gerações. (DUARTE, 2004, p. 51).
O desenvolvimento das objetivações humanas está ligado, portanto, ao modo como os
seres humanos transformam a natureza, como eles produzem, objetiva e subjetivamente, os meios
com os quais conseguem satisfazer suas necessidades, daí decorrendo a criação de novas
necessidades, a partir dos novos materiais que criam, fenômeno que necessitou o
desenvolvimento de novas mediações que os possibilitassem arquivar ou registrar os caminhos e
os meios que utilizaram, acumulando-os para que pudessem ser repassados para as gerações que
estavam por vir. Para Netto & Braz (2006):
O avanço do processo de humanização pode ser compreendido, pois, como a
diferenciação e a complexificação das objetivações do ser social. O trabalho
aparece como a objetivação primária e ineliminável do ser social, a partir da
qual surgem, através de mediações cada vez mais complexas, as necessidades e
as possibilidades de novas objetivações. O trabalho, porém, permanece como a
objetivação primária do ser social num sentido amplo: as outras formas de
objetivação, que se estruturam no processo de humanização, supõem os traços
fundamentais que estão vinculados ao trabalho (vamos repeti-los: a atividade
teleologicamente orientada, a tendência à universalização e a linguagem
articulada) e podem existir na medida em que os supõem;somente com eles
tornam-se possíveis o pensamento religioso, a ciência, a filosofia e a arte.
(NETTO & BRAZ, 2006, p. 40-41).
Vista desta forma, como processo bastante amplo, a educação desponta no despertar da
humanidade. E está baseada no conjunto dos conhecimentos obtidos sobre o modo como o
homem transforma a natureza, o que compreendemos aqui como trabalho. Porque ou para que ele
transforma são exatamente a objetivação das suas próprias necessidades. O trabalho constitui-se
deste modo como a base sobre a qual o ser humano objetiva as interações metabólicas na
natureza, transformando-a e sendo transformado por ela, acumulando e transformando os
conhecimentos que adquire a partir destas transformações e assim, teleologicamente munido,
181
teleológico também é o seu agir, o que confere o sentido da liberdade que conduz a constituição
humana.
O trabalho, conforme foi desenvolvido e apreendido pelo homem, este como ser que
transforma a natureza e por ela é transformado, é de todo modo coletivo, pois não pode ser
apreendido e acumulado apenas por um, pelos indivíduos tomados isoladamente. Cardoso (1990)
nos chamava atenção para o entendimento do indivíduo como concepção histórico burguesa,
conceito que atendia e ainda atende as necessidades de individualização necessária a constituição
de uma ordem burguesa. Isto é, a finalidade do trabalho, a transformação da natureza, e seu
domínio, não coube e não encontra finalidade e meios apenas no indivíduo, ao longo da história
ou no presente, até mesmo porque, sendo coerentes com o que vimos até aqui, esses
conhecimentos não chegariam até s. E não nos cabe discutir aspectos que se restrinjam ao
plano das idéias. Leonardo Da Vinci teve ótimas idéias a partir de um conhecimento científico
determinado em seu tempo e desenvolvido por sua capacidade de criação e imaginação, mas
poucas condições materiais de objetivá-las, pois os conhecimentos específicos que mediariam
suas objetivações ainda não tinham sido disponibilizados pela sociedade: O que chamamos
sociedade são os modos de existir do ser social; é na sociedade e nos membros que a compõem
que o ser social existe: a sociedade, e seus membros, constitui o ser social e dele se constitui”.
(NETTO & BRAZ, 2006, p. 37).
Deste modo, o trabalho não pode ser individual, pois é desde sempre coletivo, social,
pois para ter se desenvolvido deve ter tido o acordo ou não de outros homens que a
empreenderam. Primeiramente conforme suas necessidades e mesmo no âmbito individual, para
depois se complexificar, assumir a dimensão social típica da humanidade. Se os homens assim
negaram ou sublinharam os conhecimentos produzidos pela transformação da natureza e seus
desenlaces, a história nos permite recuperar. E passar adiante, para a história dos homens o modo
182
como eles transformam a natureza e constroem conhecimento sobre como e porque o fazem, e
isso na sociedade capitalista assume um caráter diferenciado se concordamos com Lukács (2003)
pois Exatamente na medida em que o capitalismo efetuou a socialização de todas as relações,
tornou-se possível atingir um autoconhecimento, o autoconhecimento verdadeiro e concreto do
homem como ser social”. (LUKÁCS, 2003, p. 436).
Por outro lado, a mesma história, através das mediações que os homens nela fazem, nos
mostrou através do conhecimento acumulado e examinado por alguns estudiosos que as relações
sociais e as formas de transformação da natureza quando apropriados de determinado modo
podem levar a uma alienação
79
(Entfremdung)
80
da realidade pelos seres humanos.
Estranhamento inclusive que não pode ser sentido pelos outros seres vivos, pois para a satisfação
de suas necessidades o nível das mediações que realizam não se encontram na mesma
complexidade presente no homem, enquanto ser que faz a sua história por transformar a natureza
de acordo com suas necessidades, adaptando-a a si.
Um dos entendimentos que encontramos para este estranhamento é o seguinte:
A concepção burguesa de trabalho vai-se construindo, historicamente, mediante
um processo que o reduz a uma coisa, a um objeto, a uma mercadoria que
aparece como trabalho abstrato em geral, força de trabalho. Essa interiorização
vai estruturando um percepção ou representação de trabalho que se iguala à
ocupação, emprego, função, tarefa, dentro de um mercado (de trabalho). Dessa
forma, perde-se a compreensão, de um lado, de que o trabalho é uma relação
social e que esta relação, na sociedade capitalista, é uma relação de força, de
79
Etimologicamente a palavra “alienação” deriva do adjetivo latino alius, alia, aliud. Alius significa, simplesmente,
“outro”. Deste adjetivo deriva “alienar”, “alienação”, “alienado”. E são essas expressões que tanto podem significar
“tornar outro”, “tornado outro”, isto é, “objetivar”, “objetivação”, “objetivado”, como “passar para outro”, “passado
para outroou “apropriado por outro”. A primeira acepção traduz o significado positivo de alienação que prevalece
em Hegel, ao passo que a segunda acepção corresponde ao significado negativo destacado tanto por Feuerbach como
por Marx. É desta segunda acepção que vem o sentido mais corrente de “alienação” de “alienado” para se referir
àqueles que não têm consciência de sua própria situação, que não se sabem como sujeitos da história, aqueles que
perderam sua condição de sujeitos de seus próprios atos, de suas próprias obras. (SAVIANI, 2004, p. 29).
80
O termo “Entfremdung” é traduzido em português, por vezes, por “estranhamento” e, em outras vezes, por
“alheamento”. Em princípio, a utilização, em português, de um ou de outro termo para a tradução de cada um dos
dois termos em alemão dependeria do significado positivo ou negativo, bem como de seu significado mais amplo ou
mais específico, que é dado a cada um dos termos num determinado momento da argumentação de um texto.
(SAVIANI, 2004, p. 29).
183
poder e violência; e, de outro, de que o trabalho é a relação social fundamental
que define o modo humano de existência, e que, enquanto tal, não se reduz à
atividade de produção material para responder à reprodução físico-biológica
(mundo da necessidade), mas envolve as dimensões sociais, estéticas, culturais,
artísticas, de lazer etc. (mundo da liberdade). (FRIGOTTO, 1987, p. 14).
Por este entendimento podemos tomar o trabalho como atividade formativa ou educativa,
positiva ou negativamente. Tanto ao fazermos chicha, quanto pulverizarmos uma lavoura com
pesticidas pode ser formativo ou educativo. Ou pode ser expressão da liberdade humana ou pode
ser expressão de sua condição estranha no mundo.
Como se formam os sujeitos que vivem e trabalham no campo? Quais conhecimentos são
necessários para que o trabalho no campo não lhes seja estranho e opressor? Em que medida, os
rearranjos do capital no campo contribuem para um movimento que ponha as pedagogias em
movimento? Compreendemos que, ao contrário dos que pensam o campesinato inexoravelmente
fadado à extinção, as lutas por reforma agrária e todas as conseqüências advindas dos processos
de expropriação e exploração dos que vivem do seu trabalho no campo, o apenas conformaram
e intensificaram as próprias lutas como foram capazes de criar um conjunto de movimentos
sociais prenhes de alternativas à sua alienação.
Acreditamos, não ser esta uma discussão secundária no âmbito das lutas por reforma
agrária, pois, nos últimos anos, a luta pelo direito à educação tem sido considerada
imprescindível, dentre tantos outros direitos inerentes a tal projeto de reconstrução das relações
sociais no campo e nas cidades a que se propõem os movimentos sociais. Entretanto, a educação
a que nos referimos pauta-se intransigentemente pela transformação objetiva e subjetiva da
realidade material concreta dos indivíduos que a almejam, logo: Apenas a mais ampla das
concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança
verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica
mistificadora do capital”. (MÉSZÁROS, 2005, p. 48).
184
Portanto, o fato da lógica acima referida aprofundar o quadro de pauperização e
fragmentação das relações humanas, exige-se seguramente o revolucionamento das bases
materiais e simbólicas, objetivas e subjetivas, racionais e afetivas que propiciam a dinâmica da
vida em sociedade. Assim, insistiremos com a categoria trabalho, tanto pelas contradições
presentes no atual contexto de expansão do capital no campo, quanto pelos seus movimentos
contrários de emancipação dos sujeitos, dentre os quais os processos formativos capazes de
evidenciar que:
O trabalho na terra, que acompanha o dia a dia do processo que faz de uma semente
uma planta e da planta um alimento, ensina de um jeito muito próprio que as coisas não
nascem prontas, mas sim que precisam ser cultivadas; são as mãos do camponês, da
camponesa, as que podem lavrar a terra para que chegue a produzir o pão. Este também
é um jeito de compreender que o mundo está para ser feito e que a realidade pode ser
transformada, desde que se esteja aberto para que ela mesma diga a seus sujeitos como
fazer isto, assim como a terra vai mostrando ao lavrador como precisa ser trabalhada
para ser produtiva.
(MST, Caderno de Educação nº 9 – Pedagogia da terra, p. 8)
¿Qué tiene dueño la tierra? ¿Cómo así? ¿Cómo se ha de vender? ¿Cómo se ha de
comprar? O que significa transformar as relações humanas mais fundamentais em mercadoria? O
que isso pode custar às práticas do movimento ambientalista? O que isso pode custar à
educadores/as ambientais que ignorem as relações de classe que provocam esta reflexão? Para
pensarmos as políticas públicas para a Educação Ambiental e para a Educação do Campo é
fundamental pensarmos como se organiza e constitui o Estado heterônomo brasileiro, em suas
interações, mediações e imposições direta e necessariamente com a classe trabalhadora.
Enquanto não entrarem em cena outras opções eficazes ativas e de maneira
concreta, é o Estado que continua a ser no capitalismo não um instrumento
dos dominadores e dos exploradores, mas também a arena de lutas sociais pelos
limites, as condições e as modalidades de dominação e exploração. (QUIJANO,
2002. In: SANTOS, 2002, p. 482).
Os movimentos sociais do campo incorporam na atualidade um papel de protagonismo
nas críticas mais radicais, no sentido marxiano de buscar compreender (e transformar) as raízes, a
185
gênese dos problemas, com o Estado e seus controladores, historicamente presentes na
constituição da estrutura agrária brasileira e mesmo da condição capitalista dependente.
Da aliança entre latifundiários, grileiros, madeireiros, pecuaristas e os novos (em termos
especulativos), mas não tão novos (em termos de expropriação e exploração) movimentos do
capital financeiro e industrial, resulta a fórmula conhecida como agronegócio. Fórmula apoiada
pela racionalidade científica instrumental pretensamente neutra e em um domínio que impõe a
ideologia da sociedade homogeneizada, reprodutora da modernidade de uma classe, criando as
“florestas de uma árvore” e os transgênicos fetichizados, que carregam em si um prenúncio de
morte às culturas e à diversidade dos povos.
As propostas pedagógicas do MST ou a Pedagogia do Movimento podem nos mostrar
alguns caminhos, capazes de pôr em movimento os sujeitos Sem Terra, seus acampamentos,
assentamentos, sua pedagogia e sua luta. Nestas propostas, encontramos parte da construção
histórica dos direitos de fração significativa de homens e mulheres que vivem e trabalham no
campo. Encontramos também muitas identidades para os sujeitos Sem Terra, notadamente
aquelas que mais lhes aproximam de um sujeito emancipado, a de lutadoras e lutadores do povo.
O MST tem uma pedagogia. A pedagogia do MST é o jeito através do qual o
Movimento historicamente vem formando o sujeito social de nome Sem Terra e
que no dia a dia educa as pessoas que dele fazem parte. E o princípio educativo
principal desta pedagogia é o próprio movimento. É para esta pedagogia, para
este movimento pedagógico que precisamos olhar para compreender e fazer
avançar nossas experiências de educação e de escola. A pedagogia do MST
hoje é mais do que uma proposta. É uma prática viva, em movimento. É desta
prática que vamos extraindo as lições para as propostas pedagógicas de nossas
escolas, nossos cursos, e também para refletirmos sobre o que seria uma
proposta ou um projeto popular de educação para o Brasil. (MST, Pedagogia do
Movimento Sem Terra: Acompanhamento às Escolas, Boletim da Educação
8, 2001, p. 19).
Pensar e fazer da escola uma instituição onde o trabalho assuma a centralidade
restauradora das condições que mantém o metabolismo sociedade-natureza é um dos muitos
186
desafios que se devem ocupar educadores ambientais, do campo, do MST e de todos os que lutam
pela dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo. Fazer e refletir sobre esta
tarefa não é exclusividade de educadores e educadoras, mas de toda a comunidade, de todos os
trabalhadores dos assentamentos e acampamentos Sem Terra, de todos os colaboradores,
assessores, amigos do MST e do povo brasileiro. É fundamentalmente uma atividade prática, de
estar e ser no mundo, envolto por uma materialidade concreta, objetivando a existência forjada
cotidianamente e na história dos que resistem e lutam por dignidade, dos que se transformam,
transformam o outro e transformam o mundo.
Coerentemente com o pensamento complexo e dialético no entendimento da
“questão ambiental”, a realidade não é vista como uma externalidade positiva e
nem a ciência como a portadora de uma verdade neutra, cujas formulações,
hipóteses, argumentos, informações e teorias construídas são isentas de valores.
É nefasto para o conhecimento científico, para ofazer pesquisa” e o agir
educativo ignorar a subjetividade, a presença do pesquisador e do professor
como sujeito social. (LOUREIRO, 2004, p. 117)
Na modernidade capitalista, o ser humano passou a organizar o conhecimento de forma
racional, sistematizada e linearizada, criando o conhecimento científico de matriz positivista,
cartesiano e hegemônico. A ciência passou a ser tida, ao menos na sociedade ocidental, como
pilar da construção da realidade. Esta ciência foi desenvolvida dentro de valores associados a
revolução científica, ao iluminismo e a revolução industrial. A natureza passa, então, a ser
considerada, ao menos para algumas nações ou grupos sociais, principalmente aquelas que
empunhavam a bandeira do mercantilismo e mais tarde a do imperialismo, como uma imensa
fonte de recursos e possibilidades, onde o homem poderia agir indiscriminadamente em benefício
do desenvolvimento de sua sociedade ou classe social.
Considerando que a filosofia positivista quer no domínio das ciências sociais, quer nas
perspectivas das ditas “ciências naturais”, influenciou e influencia as estruturas e nuances do
debate ambiental bem como em outras disciplinas, como nos diz Löwy (2003b) O positivismo
187
“clássico” de Comte ou Durkheim não é um anacronismo do século XIX; encontramos
representantes dele até em nossos dias e ele exerce uma influência considerável sobre a
sociologia moderna, especialmente nos países anglo-saxões.(LÖWY, 2003b, P. 31) podemos
nos questionar qual o entendimento da “questão ambiental” presente nos diferentes espaços de
práticas sociais? Nas escolas não seriam aqueles que consideram as/os professoras/es de ciências
ou geografia os “naturalmente” capacitados para elaborar e executar projetos em EA? Mas não
apenas nas escolas, identifica-se na sociedade uma tendência idealista sobre o/a biólogo/a ou a
professora de biologia, como uma profissão pura, nobre, acima de qualquer suspeita, de proteção
e defesa de uma natureza externalizada, curiosa mas estranha, estampada nas imagens e discursos
de muitos livros de ensino fundamental e médio. Enfim, um debate a ser aprofundado e que
seguramente faz parte do interesses de muitos estudantes e pesquisadores.
Parece-nos pertinente uma análise crítica das relações sociedade-natureza pautada pelas
relações de produção capitalistas, e para isso poderemos analisar as formulações teórico-
metodológicas que propõem mudanças das relações sociais que recuperem o metabolismo
sociedade-natureza sob uma ótica integradora, relacional e contextualizadora. Entretanto
integrar, relacionar e contextualizar não são necessariamente pressupostos compreendidos
uniformemente por todos os pesquisadores ou estudantes da área, mesmo que o seja em suas
falas, que são expressões de fácil consensualidade próprias dos discursos mais etéreos, ou
ainda, esta tríade assume uma perspectiva o ampla que torna difícil sua compreensão e
realização prática. Portanto vamos tentar objetivar nossas críticas, assumindo algumas premissas
fundamentais à Educação Ambiental que estamos aqui propondo, ela foram elaboradas por
Loureiro (2004, 2006):
(1) o pressuposto de que a natureza é uma unidade complexa e a vida o seu
processo de auto-organização;
188
(2) a certeza de que somos seres naturais e de que redefinimos nosso modo de
existir na natureza pela própria dinâmica societária na história natural;
(3) o entendimento de que os agentes sociais são constituídos por mediações
múltiplas: logo, não podem ser pensados exclusivamente em termos mentais,
ditos racionais ou não – somos entes sociais cuja liberdade e individualidade se
formam na existência coletiva;
(4) a definição de educação como práxis e processo dialógico, crítico,
problematizador e transformador das condições objetivas e subjetivas que
constituem a realidade;
(5) a finalidade de buscar a transformação social, o que engloba indivíduos e
grupos (classistas ou não) em novas estruturas institucionais, como base para a
construção democrática de “sociedades sustentáveis” e novos modos de se
viver na natureza.
189
CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dimensão ambiental ou ecológica da realidade humana tem sido mercantilizada e até
mesmo fetichizada, tratando de reproduzir uma “consciência ambiental” conservadora ou
reformista do padrão ilimitado de consumo capitalista, totalmente distante da realidade dos
sujeitos que mais sofrem as conseqüências da degradação socioambiental. Exemplos recorrentes
dessa fetichização são os produtos que são lançados destinados ao público adventure, como
veículos pick-ups e outros com “marcas” e tecnologias que inundam o mercado com a promessa
de sustentabilidade e inserção do homem na natureza. Os crescentes investimentos em campanhas
publicitárias de empresas como Monsanto e Aracruz Celulose, destacando seus avanços
tecnológicos, “programas sociais” e de conservação ambiental, sem citar o dos bancos e empresas
que inauguraram a “era” da “responsabilidade socioambiental”, reforçam a ideologia alienante da
natureza, assim como o de tudo o mais, fora das relações de uma sociedade de classes.
Entretanto, compreendemos que estas são impressões imediatas, ilusões ou
superficialidades engendradas para a reprodução de um consenso alienado sobre as limitações
reais da capacidade de desenvolvimento sustentável possibilitado pelas cadeias produtivas e
relações capitalistas, quer em sua condição dependente ou não.
A configuração definida com as reformas do Estado implantadas no Brasil a partir do
advento do neoliberalismo promoveu um rearranjo do capital, em sua forma monopolista e
imperialista, requalificada por uma liberalização ou autonomização sem precedentes do capital
financeiro, permitindo um avanço considerável dos processos de destruição e desintegração das
estruturas que mantém o metabolismo sociedade-natureza.
Esta destruição e desintegração puderam ser interpretadas neste trabalho principalmente
por meio da compreensão do conceito de falha metabólica em Marx, através do resgate
190
empreendido por Foster (2005), vinculando-o às discussões relativas à questão agrária brasileira,
notadamente, na organização de sua estrutura econômica e social, permitindo-nos materializá-lo
nos conflitos de classes presentes nesta organização. Por sua vez, estes conflitos materializaram-
se decorrendo fundamentalmente:
1) do aumento na concentração de terras: expresso não apenas na quantidade de
hectares, mas, sobretudo, num número reduzido de grandes proprietários de
terras;
2) do aumento de conflitos por terra: violência no campo, conflitos trabalhistas,
ocupações, famílias acampadas e assentadas, etc.;
3) do aumento no número de exportações e importações de produtos da atividade
agropecuária, sem mudanças significativas em termos de distribuição de renda
para os/as trabalhadores/as rurais;
4) da hegemonização de uma racionalidade instrumental voltada para a
maximização da produtividade (lucro), por meio da imposição de um padrão
tecnológico incompatível com a preservação e conservação dos recursos
naturais, notadamente o solo e a água, e incapaz de conferir ao trabalho a
característica ontológica de formação do ser social.
5) Do aprofundamento da contradição aparente na relação entre as estruturas
arcaicas e modernas, que conservam, ampliando, a condição capitalista
dependente representada pelo agronegócio no modelo da agricultura dominante.
Este contexto, respeitado suas especificidades históricas e conjunturais, está presente de
algum modo em toda América Latina e subsisti enquanto as forças sociais que o operam
191
estiverem atuantes, impondo o padrão de super exploração e super expropriação necessário ao
acúmulo e expansão do capital.
Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de
pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes. A tarefa de
seus opositores é a de oferecer outras receitas e preparar outros regimes.
Apenas não como prever quando ou onde vão surgir. Historicamente, o
momento de virada de uma onda é uma surpresa. (ANDERSON, 1995, p. 22-
23).
Portanto, pensarmos essa ordem ignorando sua contrapartida histórica, ou seja, a
resistência a seus efeitos e a sua lógica, excluindo os sujeitos que a ela se interpõem, é pensar na
imutabilidade das categorias historicamente construídas que a definem e mantêm, como se elas
fossem leis naturais e fixas, o que vai de encontro a própria dinâmica societária, dissimulando
suas contradições e impossibilitando qualquer tentativa de sua superação.
Assim, ao voltarmos nossa atenção para os modos como os sujeitos se comportam diante
desta realidade, vimos que a forma de determinados grupos sociais se organizarem implicando
em novas proposições de constituição do ser social, decorridas exatamente de sua posição no
mundo e do modo como assumem essa posição , podem, conforme sejam apreendidas, renovar
ou fertilizar a práxis dos sujeitos sociais, inclusive de educadores e educadoras ambientais, se
concordarmos com Paulo Freire quando afirma que Não há educação fora das sociedades
humanas e não há homem no vazio”. (FREIRE, 1969, p. 35).
Quando tentamos caracterizar a sociedade a qual este homem pertence, tirando-o do
vazio intangível, a-histórico e acrítico, buscamos nos apoiar no materialismo histórico dialético
por considerá-lo um método que recorre ao entendimento da realidade concreta enquanto síntese
de múltiplas determinações, em que O mundo real (...) é um mundo em que as coisas, as
relações e os significados são considerados como produtos do homem social, e o próprio homem
se revela como sujeito real do mundo social”. (KOSÍK, 1989, p. 18), possibilitando uma
192
demarcação da natureza, do trabalho e da educação, situando-as nos marcos do desenvolvimento
da sociedade de classes capitalista. Pensamos que desse modo o conceito de sustentabilidade
adquire qualitativamente uma precisão histórica, negando a totalidade fragmentada e reducionista
da sociedade de classes capitalista ao mesmo tempo em que assume uma totalidade complexa e
dialética tendo a perspectiva da transformação humana indissociavelmente atrelada ao modo
como nos relacionamos em sociedade na natureza.
O rompimento entre campo e cidade foi fundamental para engendrar as forças geradoras
das relações fragmentadas sociedade-natureza, caracterizando a excisão metabólica indicada por
Marx como inerente à economia política capitalista e que permanece na atualidade como fonte de
contradições e motor da degradação ambiental.
A matriz energético-produtivista presente no agronegócio ignora rigorosamente os ciclos
e tempos da atividade agricultural. O latifúndio acumula terras como patrimônio e reserva de
valor, assim, a terra não está voltada para a produção, como ocorre nas pequenas e médias
propriedades. Contraditoriamente a reforma agrária é imprescindível, mas não é suficiente. É tão
imprescindível quanto é a transformação profunda das bases que sustentam o metabolismo
sociedade-natureza impostas pelo modelo de agricultura capitalista. O modelo produtivista das
mesmas pequenas e médias propriedades não privilegia necessariamente a segurança alimentar
tampouco um manejo racional dos recursos naturais, pois também está sustentado por bases
energéticas e tecnológicas, oriundas das relações sociais capitalistas, incompatíveis com o
metabolismo entre seres e nutrientes que viabilizam os solos e a vida.
A diferença entre a realidade natural e a realidade humano-social está em que o homem
pode mudar e transformar a natureza; enquanto pode mudar de modo revolucionário a realidade
humano-social porque ele próprio é o produtor desta última realidade”. (KOSÍK, 1989, p. 18).
Seguindo este raciocínio é que nos movemos em busca do entendimento das relações que podem
193
configurar um novo padrão de desenvolvimento social, ancorado na participação democrática dos
sujeitos na construção de suas possibilidades humanas, que carreguem intrinsecamente as
possibilidades de emancipação do outro além de interações na natureza fundadas na
interdependência e cooperação e não no individualismo e exploração. Compreendemos que a
proposta pedagógica do MST pode nos fornecer alguns nutrientes para o cultivo desta realidade.
A reforma agrária é um negócio muito delicado. teve muita gente que...
teve passagem por aqui, muitos já morreu, muitos já desistiram, muitos já
passaram o lote, outros venderam. Culpa também de outros órgãos público
que não dá muita importância pra reforma agrária. Reforma agrária deveria de
tratar com muito carinho, muito respeito e que não é bem assim. Pra pessoa
resistir dentro de um assentamento tem que ter primeiramente finalidade com a
terra n/é?(Eugênio).
Apenas o homem pode ter finalidades, com a terra, com a água e com os outros homens.
Isto decorre da ontologia do ser social, de cuja característica primária e exclusiva, qual seja, o
trabalho, advém a transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades, sendo
dialeticamente transformado por esta ação criando novas necessidades e novas finalidades. Uma
ação teleológica, historicamente construída e transformada por mulheres e homens, em sua
atividade prática de aprender e ensinar uns aos outros na natureza.
194
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201
APÊNDICE
202
Figura 1 – Ambientes Educativos da Escola Itinerante Paulo Freire
203
Figura 2 – Ambientes Educativos da Escola Itinerante Paulo Freire
204
mmmmmmmmmmmmmm
Figura 3 – Oficina Teatro Boneco Mamulengo
205
Figura 4 – Marcha da EIPF no 5º Congresso do MST
206
207
Figura 6 – Sem Terrinhas em ação
208
ANEXOS
209
Tabela 01 – Estrutura Fundiária Brasileira, 2003
Grupos de área total (ha)
imóveis
% dos
imóveis
área total (ha) % de área
área média
(ha)
Menos de 10
1.338.711
31,6% 7.616.113 1,8% 5,7
De 10 a -25
1.102.999
26,0% 18.985.869 4,5% 17,2
De 25 a -50
684.237
16,1% 24.141.638 5,7% 35,3
De 50 a -100
485.482
11,5% 33.630.240 8,0% 69,3
De 100 a -200
284.536
6,7% 38.574.392 9,1% 135,6
De 200 a -500
198.141
4,7% 61.742.808 14,7% 311,6
De 500 a –1.000
75.158
1,8% 52.191.003 12,4% 694,4
De 1.000 a –2.000
36.859
0,9% 50.932.790 12,1% 1.381,8
De 2.000 a –5.000
25.417
0,6% 76.466.668 18,2% 3.008,5
5.000 e Mais
6.847
0,1% 56.164.841 13,5% 8.202,8
Total 4.238.421 100,0 % 420.345.382 100,0%
Fonte: INCRA – situação em agosto de 2003 in II PNRA, Brasília, 2003. Org. OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 02 – Síntese da Estrutura Fundiária Brasileira – 2003
Grupos de área total
Nº de
Imóveis
%
Área em HA
%
Área
Média (ha)
Pequena
Menos de 200 ha 3.895.968
91,9
122.948.252
29,2
31,6
Média
200 a menos de 2.000
ha
310.158
7,3
164.765.509
39,2
531,2
Grande
2.000 ha e mais 32.264
0,8
132.631.509
31,6
4.110,8
TOTAL
4.238.421
100,0
420.345.382
100,0
99,2
Fonte: INCRA. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
210
Tabela 03 – BRASIL – Pessoal Ocupado –1995/6
PEQUENA MÉDIA GRANDE
Pessoal Ocupado
% % %
TOTAL 14.444.779
86,6
1.821.026
10,9
421.388
2,5
Familiar 12.956.214
95,5
565.761
4,2
45.208
0,3
Assalariado Total 994.508
40,3
1.124.356
45,5
351.942
14,2
Assalariado Permanente 861.508
46,8
729.009
39,7
248.591
13,5
Assalariado Temporário 133.001
72,8
395.347
21,6
103.351
5,6
Parceiros 238.643
82,4
45.137
15,6
5.877
2,0
Outra Condição 255.414
71,0
85.772
23,9
18.361
5,1
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 04 - Brasil – Distribuição da Tecnologia
Máquinas Arados % do Nº de Veículos:
Grupos de área total
(Hectares)
Para
Plantio
Para
Colheit
a
De
Tração
Mecâni
ca
De
Tração
Animal
Caminh
ões
Utilitár
ios
Reboq
ues
Tração
Animal
% do
de
Embar
ca-
ções
Menos de 10 9,4
3,7
7,9
29,2
9,1
12,3
7,3
25,3
38,9
10 a – 20 12,5
7,2
11,9
28,4
8,8
12,1
12,2
23,7
16,5
20 a - 50 24,2
18,4
23,3
25,7
16,9
21,0
23,5
24,6
18,6
50 a –100 15,1
14,4
13,8
8,0
12,9
14,4
13,3
10,2
10,6
Menos de 100 61,2
43,7
56,9
91,3
47,7
59,8
56,3
83,8
84,6
100 a - 200 10,5
13,6
11,5
4,2
11,8
12,2
11,1
7,4
7,0
PE
QUE
NA
Menos de 200 71,7
57,3
68,4
95,5
59,5
72,0
67,4
91,2
91,6
200 e – 500 12,1
16,8
13,5
3,0
14,0
12,8
13,1
5,0
3,9
500 e – 1.000 6,5
9,5
7,3
0,9
8,3
6,3
7,4
1,9
1,5
1.000 e –
2.000
4,5
7,0
5,0
0,4
6,4
4,0
5,4
1,0
1,0
DIA
200 e – 2.000 23,1
33,3
25,8
4,3
28,7
23,1
25,9
7,9
6,4
2.000 a –
5.000
3,3
5,3
3,7
0,2
6,0
2,9
3,9
0,6
1,0
5.000 a –
10.000
1,0
1,9
1,1
0,0
2,8
1,0
1,4
0,1
0,4
10.000 e mais 1,0
2,2
1,0
0,0
3,0
1,0
1,4
0,2
0,6
GRA
N
DE
2.000 e mais 5,3
9,4
5,8
0,2
11,8
4,9
6,7
0,9
2,0
TOTAL 100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
211
Tabela 05 - BRASIL - Indicadores de uso de tecnologia – 1995/6
Estratos de área total
(Hectares)
% do
Uso de
Tratores
Nº de trator em
relação ao Nº total
de estabeleci-
mentos
% do
Uso de
Fertilizante
Total
% do
Uso
de
Agrotóxicos
% do
Uso de
Irrigação
Menos de 10 2,4
1 x 37 30,8 50,0 5,4
10 a – 20 10,7
1 x 11 52,5 78,7 6,0
20 a – 50 16,0 1 x 5 46,6 81,2 6,1
50 a –100 17,7 1 x 4 39,1 82,5 6,2
Menos de 100 7,7 1 x 10 38,1 63,4 5,7
100 a – 200 22,5 1 x 3 38,6 86,5 6,7
PE
QUE
NA
Menos de 200 8,5 1 x 9 38,1 64,6 6,3
200 e – 500 36,5 2 x 3 43,6 92,9 8,3
500 e – 1.000 50,8 4 x 3 44,6 95,0 9,2
1.000 e – 2.000 62,5 3 x 2 47,5 96,2 9,3
DIA
200 e – 2.000 42,8 1 x 1 43,9 93,7 8,6
2.000 a – 5.000 70,1 5 x 2 42,1 95,6 8,7
5.000 a –
10.000
76,5 4 x 1 37,8 94,9 7,9
10.000 e mais 80,9 6 x 1 36,0 93,2 9,3
GRAN
DE
2.000 e mais 72,4 3 x 1 40,7 95,2 8,7
TOTAL 10,5 1 x 6 38,3 55,1 5,9
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 06 - Brasil – Financiamentos obtidos
Grupos de área total
(Hectares)
% do nº de
produtores que
obtiveram
em relação
ao nº total dos
estabelecimentos dos
grupos de área total
Partici-
pação
% do
nº de
estabele-
cimentos
sobre o valor
total
Parcela
média
em
R$
Obtidas por
estabeleci-
mento
Menos de 10
1,9
3,5
2.900,00
10 a – 20
8,5 5,3 3.300,00
20 a - 50 9,1 11,2 5.600,00
50 a –100 8,1 10,0 11.500,00
Menos de 100 3,9 30,0 4.700,00
100 a - 200 8,2 11,1 20.300,00
PE
QUE
NA
Menos de 200 4,1 41,1 6.600,00
212
200 e – 500 9,3 15,7 38.000,00
500 e – 1.000 9,9 11,5 73.500,00
1.000 e – 2.000 10,5 9,8 122.600,00
DIA
200 e – 2.000 9,6 37,0 57.000,00
2.000 a – 5.000 9,9 11,4 284.200,00
5.000 a –
10.000
8,5 4,8 563.200,00
10.000 e mais 9,0 5,5 1.044.653,00
GRA
N
DE
2.000 e mais 9,6 21,7 402.800,00
TOTAL 5,3 100,0 14.400,00
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 07 – Brasil – Distribuição dos Plantéis
Rebanho PEQUENA
%
MÉDIA
%
GRANDE
%
Bovinos 37,7
40,5
21,8
Bubalinos (búfalos) 24,6
44,5
30,9
Eqüinos 59,2
31,3
9,5
Asininos 87,1
11,3
1,6
Muares 63,0
25,3
11,7
Caprinos 78,1
19,2
2,5
Coelhos 93,1
6,4
0,5
Suínos 87,1
11,0
1,7
Ovinos 55,5
35,7
8,8
Aves 87,7
11,5
0,8
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 08 –Brasil – Distribuição do Volume de Produção – Lavouras Temporárias
Produtos PEQUENA MÉDIA GRANDE
Algodão (herbáceo) 55,1
29,9
15,0
Arroz (em casca)
38,9
42,7
18,4
Batata-inglesa(1ª safra) 74,0
20,7
5,3
Batata-inglesa(2ª safra) 76,7
20,9
2,4
Cana-de-açúcar
19,8
47,1
33,1
Feijão (1ª,2ª e 3ª safras) 78,5
16,9
4,6
Fumo em folha 99,5
0,5
Zero
Mandioca 91,9
7,3
0,8
Milho em grão 54,4
34,8
10,8
Soja em grão
34,4
43,7
21,9%
Tomate 76,4
18,5
5,1
Trigo em grão 60,6
35,2
4,2
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
213
Tabela 09 –Brasil – Distribuição do Volume de Produção – Lavouras Permanentes
Produtos PEQUENA MÉDIA GRANDE
Ágave (fibra) 73,4
23,7
2,9
Algodão (arbóreo) 75,9
20,1
4,0
Banana 85,4
13,6
1,0
Cacau (amêndoas) 75,4
23,7
0,9
Café (em coco) 70,4
27,9
1,7
Caju (castanha) 71,8
15,0
13,2
Chá-da-Índia
47,3
52,7
Zero
Coco-da-baia 67,0
19,9
13,1
Guaraná 92,2
7,5
0,3
Laranja 51,0
38,1
10,9
Maçã 35,4
32,3
32,3
Mamão 60,1
35,1
4,8
Pimenta-do-reino 72,6
23,1
4,3
Uva (para mesa) 87,8
9,1
3,1
Uva (para vinho) 97,0
3,0
zero
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 10 –Brasil – Distribuição do Volume de Produção – Extração Vegetal
Produtos PEQUENA MÉDIA GRANDE
Borracha (coagulada) 60,1
20,5
19,4
Carvão vegetal 50,3
27,1
13,6
Castanha-do-Pará 79,1
16,6
2,3
Erva-mate 67,6
25,8
6,6
Lenha 86,9
26,5
6,1
Madeiras em toras 49,7
26,5
23,8
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6. Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
Tabela 11 –Brasil – Distribuição do Volume de Produção – Silvicultura
Produtos PEQUENA MÉDIA GRANDE
Carvão vegetal
11,2
18,1
67,8
Madeiras em tora
10,0
34,8
55,1
Madeiras para papel
8,3
18,6
73,1
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE – 1995/6 Org.: OLIVEIRA, A.U. (2004)
214
QUADRO 2 – Balança comercial do agronegócio
Evolução da balança comercial do agronegócio
Brasil 1996-2005 (em U$ milhões)
Ano Exportações Importações Saldo
1996 21.145 8.010 13.134
1997 23.404 8.164 15.240
1998 21.575 8.049 13.526
1999 20.514 5.700 14.814
2000 20.610 5.739 14.871
2001 23.863 4.781 19.082
2002 24.839 4.381 20.458
2003 30.636 4.649 25.987
2004 39.016 4.881 34.135
2005 43.601 5.184 38.417
Fonte: MAPA, Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio
Elaboração: DIEESE
QUADRO 3 – Venda de agrotóxicos
Venda de agrotóxicos
Brasil 2000-2004
Ano
Total em U$ 1.000
2000 2.499.958
2001 2.287.482
2002 1.951.782
2003 3.136.342
2004 4.494.948
Fonte: MAPA, Agricultura Brasileira em Números – Anuário 2004
Elaboração: DIEESE
QUADRO 4 – Vendas internas de tratores
Anos Milhões cavalos vapor
1999 2,1
2000 2,7
2001 3,3
2002 3,8
2003 3,6
2004 3,5
Fonte: MAPA, Agricultura Brasileira em Números – Anuário 2004
Elaboração: DIEESE
215
QUADRO 5 – Instrução dos assentados por série no Assentamento Zumbi dos Palmares, RJ
Série Zumbi 1
Zumbi 2
Zumbi 3
Zumbi 4
Zumbi 5
Total
Analfabetos 46 9 5 35 7 102
Educação Infantil 5 6 7 16 10 44
9 10 13 16 10 58
19 23 10 28 21 101
24 18 10 24 11 87
4ª (demanda para 5ª série/ ano 2003)
25 20 17 52 23 137
25 10 5 11 7 58
16 9 2 16 6 49
11 5 7 9 1 33
17 5 2 7 10 41
Ensino Médio 10 4 8 8 12 42
Ensino Superior 1 1 0 0 0 2
Fonte: UENF/CCH/2002 In: ABREU & MARTINEZ, 2004.
QUADRO 6 - % PIB Agropecuário em relação ao PIB Total
Ano %
1991 6,84
1992 6,80
1993 6,77
1994 8,72
1995 7,96
1996 7,55
1997 7,13
1998 7,38
1999 7,37
2000 7,10
2001 7,44
2002 7,79
2003 8,88
2004 9,03
2005 7,52
Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais Trimestrais
Link referente ao PIB agropecuário com relação ao PIB total
Disponível em:
http://www.agricultura.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/MAPA/ESTATISTICAS/MAC
ROECONOMIA/7.4.XLS acessado em 13/07/2007
216
QUADRO 7 – Conflitos no Campo Brasil 1995-2005
Conflitos no Campo
Brasil 1995-2005
Ano Número de ocupações de terra
1995 145
1996 397
1997 445
1998 446
1999 502
2000 236
2001 157
2002 103
2003 222
2004 327
2005 221
Fonte: MDA, Departamento de Ouvidoria Agrária e Mediação de Conflitos.
QUADRO 8 – Níveis e modalidade de ensino da escola – Brasil – 2004
Quantidade de alunos Níveis e modalidades Tem o curso (%)
Homens Mulheres
Creche 3,5 4.123
3.346
Pré-escola 30,5 27.743
27.356
Classes de alfabetização 16,7 11.177
11.037
E. Fundamental – 1ª a 4ª série 84,1 205.161
187.693
E. Fundamental – 5ª a 8ª série 26,9 117.161
115.764
Ensino Médio 4,3 15.870
16.156
E. Profissional de nível básico 0,2 486
296
E. Profissional de nível técnico 0,3 2.072
628
EJA: Alfabetização 16,3 13.162
13.053
EJA: 1ª a 4ª série 20,2 20.795
19.519
EJA: 5ª a 8ª série 5,8 9.573
8.573
EJA: Ensino Médio 0,7 1.778
1.774
Educação Especial 15,6 2.333
1.690
Curso Superior 0,1 51
152
Fonte: MEC/Inep e MDA/INCRA/PRONERA – PNERA
Modificado
217
QUADRO 9 – Caracterização das escolas segundo os espaços existentes
(%) – Brasil 2004
ESPAÇOS EXISTENTES GERAL (NE = 8.679)
Cozinha 68,2
Sala/ local para diretoria e/ou secretaria 47,2
Depósito/Almoxarifado 32,8
Sala de professoras/es 16,9
Horta e/ou outro espaço de práticas agropecuárias 12,1
Refeitório 7,6
Quadra de esportes 6,1
Dormitório 3,0
Parque infantil, área de recreação com equipamento 2,9
Laboratório de informática 2,1
Laboratório de ciências 0,9
Sala de artes e/ou oficina 0,8
Outros espaços 4,4
Nenhum espaço 17,7
FONTE: MEC/Inep e MDA/INCRA/PRONERA – PNERA.
NOTA: O respondente pode assinalar mais que uma categoria de resposta.
Modificado
QUADRO 10 – Caracterização das escolas segundo as atividades realizadas pela comunidade
(%) – Brasil 2004
ATIVIDADES REALIZADAS GERAL (NE = 8.679)
Reuniões para organização do trabalho ou da produção 51,5
Festas 38,9
Atividades religiosas 36,6
Reuniões sindicais ou de movimentos 33,5
Atividades culturais 33,1
Reuniões políticas 15,4
Atividades esportivas 12,4
Clube de mães, jovens ou outros 11,6
Comunidade não utiliza a escola 34,6
FONTE: MEC/Inep e MDA/INCRA/PRONERA – PNERA.
NOTA: O respondente pode assinalar mais que uma categoria de resposta.
Modificado
218
QUADRO 11 – Avaliação da escola onde pessoas da família cursam o ensino fundamental
(% Bom) – Brasil – 2004
1ª a 4ª série 5ª a 8ª série Aspectos
Bom Regular Ruim Bom Regular Ruim
Relacionamento dos pr
ofessores
com a comunidade
61,0 27,1 7,0 57,9 27,0 8,4
Quantidade de professores 47,4 35,3 14,8 55,3 32,8 8,3
Qualidade do ensino 42,5 45,8 9,7 50,7 39,4 7,5
Salas de aula (aspecto físico) 38,5 39,4 20,8 48,7 25,7 20,8
Qualidade da água de beber 38,0 25,8 30,4 48,5 31,0 16,6
Quantidade suficiente de salas de
aulas
37,4 33,8 25,7 47,8 35,8 13,7
Material escolar e livro didático 34,7 40,0 13,8 42,0 38,5 16,4
Conservação da escola 32,1 39,7 24,9 38,5 33,9 15,7
Mobiliário (mesas,
carteiras p/
alunos/as)
29,5 40,4 26,9 38,5 38,1 11,4
Qualidade da escola como um todo 29,5 53,2 16,2 38,4 50,1 9,2
Merenda escolar 26,0 39,5 26,0 37,1 40,5 18,8
Outras dependências da escola 24,7 34,6 21,5 33,1 29,9 29,0
Banheiros 24,1 26,3 35,6 30,1 37,8 21,5
Área para brincadeiras infantis 15,2 16,0 20,1 21,3 19,7 12,3
Recursos tecnológicos 11,3 12,2 12,3 21,0 21,6 15,6
Área para prática de esportes 10,5 13,3 16,9 19,8 17,2 14,6
Biblioteca, laboratórios e oficinas 9,5 11,5 13,0 18,1 19,6 11,8
FONTE: MEC/Inep e MDA/INCRA/PRONERA – PNERA. Modificado
QUADRO 12 – Lavoura temporária: Campos dos Goytacazes, 2003.
Item Quantidade
Produzida
(toneladas)
Valor da
produção (R$)
Área
plantada/área
colhida
(hectare)
Rendimento médio
(tonelada/hectare)
Abacaxi
(unidade)
3.750.000 frutos 1.650.000 125 30.000 frutos/ha
Arroz (em casca)
105 64.000 35 3 t/ha
Batata-doce 468 159.000 39 12 t/ha
Cana-de-açúcar 4.280.760 89.896.000 95.128 45 t/ha
Feijão (em grão) 81 113.000 135 0,6 t/ha
Mandioca 11.700 2.223.000 650 18 t/ha
Melancia 80 18.000 8 10 t/ha
Melão 165 100.000 15 11 t/ha
Milho (em grão) 715 293.000 550 1,3 t/ha
Tomate 384 146.000 8 48 t/ha
Fonte: IBGE, produção agrícola municipal 2003.
219
QUADRO 13 - Estabelecimentos rurais, conforme o grupo de área – Campos dos Goytacazes, 2005.
Grupos de área Estabelecimentos (nº) Estabelecimentos (%)
1. Até 10 hectares 4.290 60,32
2. Mais de 10 a 20 hectares 839 11,79
3. Mais de 20 a 50 hectares 966 13,58
4. Mais de 50 a 100 hectares 471 6,62
5. Mais de 100 a 200 hectares 255 3,58
6. Mais de 200 a 500 hectares 189 2,65
7. Mais de 500 a 1000 hectares 68 0,95
8. Mais de 1000 hectares 33 0,46
TOTAL 7.111 100 (99,95)
BRASIL. Relatório com a versão preliminar do levantamento dos dados secundários e dos principais
sistemas produzidos, referentes à realidade sócio-econômica do Território Norte Fluminense. MDA/SDT,
2005.
QUADRO 14 – Área ocupada pelos estabelecimentos rurais, conforme os grupos de área –
Campos dos Goytacazes, 2005.
Grupos de área Área ocupada (ha) Área ocupada (ha)(%)
1. Até 10 hectares 14.218 4,92
2. Mais de 10 a 20 hectares 12.628 4,36
3. Mais de 20 a 50 hectares 31.259 10,81
4. Mais de 50 a 100 hectares 34.457 11,92
5. Mais de 100 a 200 hectares 36.197 12,52
6. Mais de 200 a 500 hectares 59.961 20,74
7. Mais de 500 a 1000 hectares 46.107 15,95
8. Mais de 1000 hectares 54.215 18,75
TOTAL 289.042 100 (99,97)
BRASIL. Relatório com a versão preliminar do levantamento dos dados secundários e dos principais
sistemas produzidos, referentes à realidade sócio-econômica do Território Norte Fluminense. MDA/SDT,
2005.
220
QUADRO 15 – Pessoal ocupado nos estabelecimentos rurais, conforme os grupos de área –
Campos dos Goytacazes, 2005.
Grupos de área Pessoal ocupado
(trabalhadores)
Pessoal ocupado
(trabalhadores) (%)
1. Até 10 hectares 7.747 43,59
2. Mais de 10 a 20 hectares 1.812 10,19
3. Mais de 20 a 50 hectares 2.501 14,07
4. Mais de 50 a 100 hectares 1.505 8,47
5. Mais de 100 a 200 hectares 1.192 6,70
6. Mais de 200 a 500 hectares 1.453 8,17
7. Mais de 500 a 1000 hectares 974 5,48
8. Mais de 1000 hectares 585 3,29
TOTAL 17.769 100 (99,96)
BRASIL. Relatório com a versão preliminar do levantamento dos dados secundários e dos principais
sistemas produzidos, referentes à realidade sócio-econômica do Território Norte Fluminense. MDA/SDT,
2005.
QUADRO 16 – Valor anual bruto da produção animal e vegetal, conforme os grupos de área dos
estabelecimentos – Campos dos Goytacazes, 2005.
Grupos de área VABP Animal e Vegetal (R$1.000,00)
1. Até 10 hectares 7.295
2. Mais de 10 a 20 hectares 3.940
3. Mais de 20 a 50 hectares 7.319
4. Mais de 50 a 100 hectares 7.580
5. Mais de 100 a 200 hectares 6.992
6. Mais de 200 a 500 hectares 13.606
7. Mais de 500 a 1000 hectares 13.705
8. Mais de 1000 hectares 12.723
TOTAL 73.160
BRASIL. Relatório com a versão preliminar do levantamento dos dados secundários e dos principais
sistemas produzidos, referentes à realidade sócio-econômica do Território Norte Fluminense. MDA/SDT,
2005.
221
Evolução da balança comercial do agronegócio Brasil 1996-2006
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ano
U$ milhões
Exportações
Importações
Saldo
GRÁFICO 1 – Evolução da balança comercial do agronegócio Brasil 1996-2006
Fonte: DIEESE
Conflitos no Campo
Brasil 1995-2005
0
100
200
300
400
500
600
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ano
Nº de conflitos
GRÁFICO 2 – Conflitos no Campo Brasil 1995-2005
Fonte: CPT – Cadernos Conflitos no Campo 2005
222
Indicadores de Uso de Tecnologias 1995-96
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
TRA
TO
RES
FE
RTIL
IZA
NTE
S
Tipos de uso
%
PEQUENA
MÉDIA
GRANDE
GRÁFICO 3 – Indicadores do uso de tecnologias
Fonte: Oliveira, A.U., 2004.
Principal fonte de rendimento da família
73,1
8,2
5,3
4,3
3,2
2,3
0,7
2,2
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Produção
Previdência
Processamento
Assal campo
Assal cidade
Assal assentamento
Prog oficiais
Autônomo
%
Principal renda
GRÁFICO 4 – Principal fonte de renda das famílias
Fonte: DIEESE
223
Exportações do Agronegócio 1989-2005
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ano
U$ milhões
GRÁFICO 5 – Exportações do agronegócio 1989-2005
Fonte: MAPA
Exportações Totais e Exportações do Agronegócio
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
140.000
19
8
9
19
9
1
19
9
3
19
9
5
19
9
7
19
9
9
20
0
1
20
0
3
20
0
5
Ano
Exportações Totais US$ Milhões
Exportações do Agronegócio
US$ Milhões
GRÁFICO 6 – Exportações totais e exportações do agronegócio 1989-2005.
224
Fonte: MAPA
Vendas de defensivos agrícolas
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
5000
19
8
9
19
9
0
19
9
1
19
9
2
19
9
3
19
9
4
19
9
5
19
9
6
19
9
7
19
9
8
19
9
9
20
0
0
20
0
1
20
0
2
20
0
3
20
0
4
20
0
5
Ano
U$ milhões
Vendas
GRÁFICO 7 – Vendas de defensivos agrícolas.
Fonte: MAPA
Produção de fertilizantes
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
19
8
7
19
8
8
19
8
9
19
9
0
19
9
1
19
9
2
19
9
3
19
9
4
19
9
5
19
9
6
19
9
7
19
9
8
19
9
9
20
0
0
20
0
1
20
0
2
20
0
3
20
0
4
20
0
5
Ano
mil toneladas de produto
Mil ton
GRÁFICO 8 – Vendas de fertilizantes.
Fonte: MAPA
225
Asssassinatos por Conflitos de Terra 1997-2006
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Ano
Nº de ocorrências
Asssassinatos
GRÁFICO 9 – Assassinatos por conflitos de terra 1997-2006.
Fonte: CPT, Cadernos Conflitos no Campo, 2006.
Níveis e modalidades de ensino da escola Brasil 2004
3,5
30,5
16,7
84,1
26,9
4,3
0,2
0,3
16,3
20,2
5,8
0,7
15,6
0,1
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1
Níveis e modalidades
%
Creche
Pré-escola
Cla alfab
1ª a 4ª
5ª a 8ª
Médio
Prof Bás
Prof Téc
EJA Alfab
EJA 1ª a 4ª
EJA 5ª a 8ª
EJA Médio
Edu Esp
Superior
GRÁFICO 10 – Níveis e modalidades de ensino oferecidas nas escolas dos assentamentos.
Fonte: PNERA
226
Destino do esgoto das escolas Brasil 2004
44,2
25,1
1,4
0,3
29
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
1
%
Fossa séptica
Fossa negra
Rede pública
Rio
Não tem
GRÁFICO 11 – Destino do esgoto nas escolas de assentamentos.
Fonte: PNERA
Ensino superior
45,6
5,9
3,4
2,8
0,8
47,2
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Pe
d
a
g
o
g
ia
Administração
Zoote
c
nia
Direi
t
o
A
g
ro
nomi
a
O
u
tr
os
Cursos
%
Estudantes
GRÁFICO 12 – Estudantes no ensino superior nos assentamentos.
Fonte: PNERA.
227
Destino do lixo das escolas Brasil 2004
80,8
12,7
16,1
5,3
3,2
2,1
0,2
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
1
%
Queimado
Enterrado
Céu aberto
Coleta periódica
Reciclado
Caçamba
Corpos d'água
GRÁFICO 13 – Destino do lixo nas escolas dos assentamentos.
Fonte: PNERA
Cooperação da família na organiação de atividades coletivas no assentamento
39
35,1
19,8
10,3
9,2
38,5
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Mutirões
Eventos comunitários
Mobilizações RA
Campanhas
Mobilizações Edu
Nenhuma coop
%
Atividade
GRÁFICO 14 – Cooperação da família na organização de atividades coletivas no assentamento.
Fonte: PNERA
228
Caracterização dos assentamentos segundo os serviçoes públicos básicos de uso
coletivo Brasil 2004
98,7
97,1
95,8
94,3
83,1
77
76,9
75,5
66,7
47,2
0 20 40 60 80 100 120
Coleta esgoto
Correio
Coleta lixo
Ener elét trifásica
Tel fixo/orelhão
Ener elét bifásica
Transporte público
Rede de água
Atend à saúde
Ener elét monofásica
%
Não tem
GRÁFICO 15 – Serviços públicos básicos de uso coletivo.
Fonte: PNERA.
Atividades realizadas pela comunidade Brasil 2004
51,5
38,9
36,6
33,5
33,1
12,4
34,6
0 10 20 30 40 50 60
Trabalho e produção
Festas
Ativ religiosas
Reuniões sind/mov
Ativ culturais
Ativ esportivas
Não utiliza
%
Escolas
GRÁFICO 16 – Atividades organizadas pela comunidade nas escolas dos assentamentos.
Fonte: PNERA
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