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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO
Tamisa Ramos Vicente
VAMOS CIRANDAR
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO E CULTURA POPULAR:
FESTIVAIS DE CIRANDA EM PERNAMBUCO 1960 -1980.
Caxias do Sul
2008
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2
TAMISA RAMOS VICENTE
VAMOS CIRANDAR
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO E CULTURA POPULAR:
FESTIVAIS DE CIRANDA EM PERNAMBUCO 1960 -1980.
Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do grau de Mestre em
Turismo pelo programa de pós-graduação
em Turismo, formação Stricto Sensu, da
Universidade de Caxias do Sul.
Professor Orientador: Dr. Rafael José dos Santos
Caxias do Sul
2008
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VAMOS CIRANDAR;
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO E CULTURA POPULAR:
FESTIVAIS DE CIRANDA EM PERNAMBUCO, 1960 -1980.
Dissertação apresentada como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Turismo pelo
programa de pós-graduação em Turismo,
formação Stricto Sensu, da Universidade de
Caxias do Sul.
Aprovada em _______ de ___________________ de ________
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
4
Dedicado a Meus Pais:
Tereza Noronha (em Memória),
Severino Vicente.
E aos Cirandeiros:
Geraldo Almeida, Cristina Andrade, João
da Guabiraba, Mestre Zé Duda, Lia de
Itamaracá, Dona Duda.
5
Agradecimentos
Esses dois anos foram os mais intensos da minha vida, pessoas que já
estavam na minha vida, anterior a minha entrada no mestrado foram de fundamental
importância durante o processo. E estas são a minha Família que
Embarcou nessa jornada comigo, estiveram e estão comigo para o que der e vier.
Meu pai, Biu, pelo apoio incondicional, meus irmãos, Ângelo, pelo carinho e proteção
e Valeria pelo companheirismo, compreensão, dedicação; e meu companheiro nessa
e em outras vidas Jarbas Rafael, que sempre me faz sorrir nos momentos mais
tensos.
Minha cunhada Cândida e o meu afilhado Rafael, o bebê mais lindo da titia. Meu
cunhado Afonso Oliveira e meu sobrinho de coração Pedro raiz.
Meus sogros Jarbas Joaquim e Márcia e não esquecendo maninho e Taís.
Já em minha trajetória em Caxias do Sul; Deus me enviou pessoas incríveis e a elas
tenho que agradecer:
À Lucélia e sua família, que me receberam de braços abertos em Caxias,
compartilhei com eles vários churrascos aos domingos, meu porto seguro nos
primeiros meses nessa cidade tão cheia de desafios.
Ao meu orientador sempre paciente, deixando que eu seguisse meu ritmo, esteve
sempre ao meu lado, juntamente com a sua família Liliane e Gabriel.
Aos Amigos, Henrique Cardona, Cláudia, Elcio, meu irmão de cor Gilberto, a sempre
enigmática Hernanda, a incrível Inês, Joice, Juliana, Milena e Vanessa.
Em especial meus amigos de Fé, meus irmãos, os forasteiros das “cássias”: Bianca,
sempre com sorriso no rosto, dividimos muitas gargalhadas. Pablo pela sua
serenidade, Thiago meu conterrâneo dividimos nossas angustias, discutimos,
discordamos, mas sempre juntos.
Priscila à mente brilhante.
Rita minha irmã gaúcha, em sua casa, me senti em casa, ao pai, Juvenil, sua mãe
Marlene, seu irmão Régio, tornaram-se a minha família gaúcha. Sempre ao meu
lado nos bons e nos maus momentos, compartilhamos momentos em família. Há
sim! Não esquecendo me fizeram vestir a prenda.
Gilmar, o mineiro, ou minax, pelos cafés no final da tarde, pelos almoços em sua
casa, pelas conversas no parque dos macaquinhos, e tantos outros momentos
compartilhados.
Ao Marcelo e Tiago, vizinhos de cima, cúmplices, amigos, agradeço pelos almoços,
o porquinho com polenta, hummm, delicia.
Karol, pelos abraços apertados, pela cumplicidade, pelas tardes comendo torta
6
sensação junto com Gisele, com seu bom humor e palavras fortes e amigas.
Luciana, sempre carinhosa, disposta a me colocar no colo.
Regina resolvendo todos os pepinos do mestrado, pelas conversas, pelo jantar em
sua casa.
Aos amigos da turma 7, Paulo Roberto, mas conhecido como passarinho, Carol a
sambista porreta de sampa, sandrinha com o seu jeito frágil é uma rocha.
Obrigada pelos lanches, cafés, almoços, jantares, filmes, pipocas, e tantos outros
eventos, tornaram os meus dias mais felizes, e me fizeram agüentar a saudade da
minha família, vocês se tornaram a minha família. Obrigado.
À dona Catarina e sua família por me deixar morar em uma de suas casas, e pelos
convites de tomar chimarrão e churrasco aos domingos.
Aos professores Margarita Barretto, Susana Gastal, Miriam Rejowski, Negrini, Márcia
Capellano, Koche, Rafael Santos, Janaina Macke, sempre provocadores, dispostos
a tirar o melhor de nós.
À pureza, pelo sorriso estampado e pelo café para esquentar nos dias frios dessa
cidade gelada.
AH! Sim, sem esquecer de agradecer, o aquecedor, os cobertores, o leite quente, os
casacos, as meias, o chuveiro quente, as luvas, e assim por diante, que fizeram que
eu suportasse o frio de Caxias do Sul.
7
Resumo
As pesquisas em Turismo na sua relação com a cultura popular no Brasil possuem
basicamente dois enfoques: um em que o turismo é tido como o responsável pela
descaracterização das artes populares, e outro em que a atividade turística é vista
como instrumento de potencial de valorização, resgate e dinamização da cultura
popular de uma comunidade. Esta dissertação visa ponderar criticamente esses
dois enfoques a partir do contexto particular da formação das políticas públicas de
cultura e turismo, assim como avaliar os desdobramentos dessas políticas junto a
cultura popular. No intuito de avançar nas discussões sobre as repercussões do
turismo junto a cultura popular, toma-se como objeto de análise os “Festivais de
Ciranda” (de 1970 a 1986), realizados em Pernambuco pelos órgãos de fomento do
Turismo do Estado, em especial a Empetur e a Emetur. Como técnica de pesquisa
foi utilizada a Historia Oral: uma interlocução com os funcionários dos órgãos de
fomento ao turismo. Prezamos igualmente a trajetória de vida dos mestres
cirandeiros e, como técnica complementar recorremos à pesquisa documental junto
aos acervos dos dois maiores jornais de Pernambuco, o “Diário de Pernambuco” e o
“Jornal do Commércio” bem como do Diário Oficial de Pernambuco da década de
60. As entrevistas foram feitas com dez sujeitos, divididos em três administradores
dos órgãos públicos e sete mestres cirandeiros.
Palavras-chave: Turismo, Cultura, Políticas Públicas, Cultura Popular, Festival de
Ciranda.
Abstract
Research on Tourism with focus on Folk Culture in Brazil have basically two
approaches: one in which tourism is seemed as responsible for adulteration of folk
arts, and another one in which tourism is conceived as a force that could enhance
and revigorate the folk culture of a community. This dissertation aims to understand
the formation of public policies on Culture and Tourism, as well as their influence on
folk culture. In order to advance discussions on the impact of tourism in Folk Culture
we take as an object the festivals of “ciranda” in Pernambuco from 1970 to 1986
organized by local agencies of Tourism of the state - Empetur and Emetur.
Key-words: Tourism, Culture, Public Policies, Folk Culture, Festival de Ciranda,
Pernambuco – Brazil.
8
Lista de figuras
Figura 01 Cartaz do IV Festival de Ciranda 11
Figura 02. Foto de Roda de Ciranda 77
Figura 03 Capa do disco: Têca, Sêlo Mocambo 81
Figura 04 Foto de Roda de Ciranda no Bar Cobiçado 85
Figura 05 Foto de Roda de Ciranda no Pátio de São Pedro 92
Figura 06 Capa do Disco: Vamos Cirandar 98
Figura 07 Foto da Ciranda Brasileira no Pátio de São Pedro 107
9
SUMÁRIO
Lista de Figuras
Introdução 10
1. Estudos sobre a Cultura Popular
13
1.1. Descobrindo a Cultura Popular 13
1.2. Cultura Popular no Brasil 20
1.3. Estudos contemporâneos sobre o popular 27
58
2. Caminhos Metodológicos
32
2.1. Técnicas Metodológicas 33
2.2. História da Pesquisa 38
54
3. Políticas públicas
46
3.1. 1964 – Políticas públicas de Cultura 46
3.2. pós 1964 – Políticas Públicas de Turismo 54
3.3. Empresa de Turismo de Pernambuco – Empetur 58
3.4. Emetur – Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do Recife 62
4. Ciranda
70
4.1. Origens 71
4.2. Mestres 72
4.3. Música 74
4.4. Dança 77
4.5. Ciranda – Dança da Moda 79
4.5.1. Princípios da História 80
4.5.2. O Bar Cobiçado 82
5. Festivais de Ciranda
87
5.1. Festival de Ciranda do Bar Cobiçado
89
5.2. Festival de Ciranda no Pátio de São Pedro
92
5.3. Festival de Ciranda na Ilha de Itamaracá
99
5.4. Repercussões
106
Considerações Finais
111
Referencias Bibliográficas
116
Anexos
123
10
Introdução
No ano de 2003 é instituído o Ministério do Turismo pelo governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no discurso de lançamento do Plano Nacional
do Turismo do período de 2003-2007. Nesse mesmo ano, enfatizava a importância
da promoção do patrimônio ambiental brasileiro, englobando o meio ambiente e
cultura. O plano encarava o turismo como um agente de valorização e conservação,
propondo ações para o desenvolvimento de novos produtos turísticos baseados na
regionalidade, genuinidade e identidade cultural. Entretanto, trazia o alerta sobre a
falta de avaliação dos planos e projetos turísticos desenvolvidos anteriormente no
país.
Apesar da criação do Ministério do Turismo ter menos de dez anos, as
políticas públicas de fomento a atividade, remetem à década de 1960, lideradas pela
criação da Embratur em 1966 - acredita-se que já nesse momento a cultura popular
brasileira estava inserida no contexto da promoção turística do país. Durante a
década de 60 as políticas utilizaram as artes populares, uma tendência que
repercute aos dias atuais, embora o Plano Nacional de Turismo, no período de 2003-
2007, informe sobre a falta de avaliação de tais atuações.
Os estudiosos que se propuseram a estudar a formação da identidade
brasileira, em sua maioria, basearam suas pesquisas junto à cultura popular, dessa
forma a identidade cultural brasileira está intimamente ligada à cultura popular.
(ORTIZ, 2006). Nesse sentido, quando o plano de turismo planeja o elenco de
produtos turísticos com base na identidade cultural brasileira, sugere que se
conduzam ações tendo à cultura popular brasileira como atrativo turístico.
O presente trabalho busca entender a partir de que momento e com qual
finalidade a cultura popular brasileira foi encarada como produto turístico, e as
repercussões desse encontro cultura popular - turismo. Esta pesquisa se propõe,
ainda, identificar como se formaram as políticas públicas de cultura e turismo no
Brasil, e como estas se entrelaçaram durante a década de 1960 e, de modo
particular, como as ações se deram em Pernambuco, mais precisamente, através da
Empetur – Empresa de Turismo de Pernambuco e Emetur – Empresa Metropolitana
de Turismo da Cidade do Recife. De forma geral, busca-se compreender, a partir
desse contexto regional, a dinâmica existente entre o turismo e a cultura popular.
11
Todavia, como não podemos analisar todas as atividades desenvolvidas por
estas Instituições junto à cultura popular, restringimo-nos a estudar a ciranda,
brincadeira popular que sempre esteve presente nos programas de ações desses
dois maiores órgãos de fomento ao turismo de Pernambuco, desde a década de
1970.
01. Folder do IV festival de ciranda de Pernambuco
Fonte: arquivo da biblioteca da Empetur
Por outro lado, esta dissertação busca reconstruir o entrelace das políticas
públicas de cultura e turismo e suas repercussões junto à brincadeira popular
“ciranda”, e encontra-se estruturada em quatro capítulos, sistematizados da seguinte
maneira.
No primeiro capítulo, nos debruçamos sobre o “popular”, apresentamos uma
breve retrospectiva acerca das formas em que as pesquisas surgiram e se
desenvolveram até os dias atuais, buscando perceber suas finalidades e realidades,
para ao final oferecer algumas conclusões sobre a influência da atividade turística
junto às artes populares.
O segundo capítulo, “Caminhos Metodológicos”, expõe como a técnica de
história oral foi adotada já que em sondagem prévia, percebemos que era escassa a
documentação sobre os eventos que enfocavam especificamente a brincadeira
popular “ciranda”, promovidas pela Empetur e Emetur, no período de 1960 a 1980.
Além disso, dentre os caminhos percorridos, descrevemos como foi realizada a
seleção dos sujeitos da pesquisa: os organizadores, executores e artistas que
participaram como concorrentes e/ou como convidados dos festivais de ciranda.
Finalmente, tratamos das dificuldades encontradas ao longo da pesquisa.
12
O terceiro capitulo, “Políticas Públicas de Cultura e Turismo”, discorre sobre
como se iniciaram e se estruturaram as políticas publicas e os seus principais
objetivos. Pontuamos ainda alguns outros movimentos culturais de Pernambuco,
assim como o universo de dois Órgãos de fomento ao turismo de Pernambuco, a
Empresa de Turismo de Pernambuco e a Empresa Metropolitana de Turismo da
Cidade do Recife. Por fim, destacamos as perspectivas tomadas por essas
instituições ao desenvolver atividades junto às artes populares.
O quarto capítulo adentra o universo da ciranda, seus elementos e
características, proporcionando o entendimento de como essa brincadeira popular
tornou-se alvo das ações de fomento ao turismo em Pernambuco.
O quinto capitulo delineia os Festivais de Ciranda organizados e planejados
pela Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do Recife e pela Empresa de
Turismo de Pernambuco, entre os anos de 1970 a 1986, destacando as
repercussões destes na brincadeira popular ciranda.
13
1. Estudos sobre a Cultura Popular
Este capítulo constitui uma breve retrospectiva sobre os estudos da cultura
popular e de suas principais repercussões no turismo, desde os “antiquários” até as
pesquisas atuais com “culturas hibridas” de Néstor Garcia Canclini (2005). Tal
retrospectiva histórica permite-nos questionar o entendimento daqueles que se
debruçaram sobre o estudo da cultura das classes populares e, especificamente,
sobre o porquê de suas visões, marcadamente apocalípticas – afirmam alguns
desses estudiosos, que as artes populares desapareceriam com o tempo ao entrar
em contato com as mudanças econômicas e sociais. Como veremos ao longo deste
capítulo, tal discurso teórico permanece inalterado até a ultima metade do século 20,
malgrado as diversas mudanças no quadro econômico.
Esta análise, quando se debruça nas pesquisas feitas a partir da década de
1980, enfatizará os efeitos da atividade turística junto às artes das classes
populares, daí a ênfase à Canclini, autor de destacada contribuição ao tema,
sobretudo em suas obras “As Culturas Populares no Capitalismo”, (1983) e “Culturas
Hibridas” (2003), com o objetivo de entender como tais estudos influenciaram a
formação das políticas públicas de turismo e as brincadeiras populares, em especial
a ciranda.
1.1 Descobrindo a cultura popular
Os ditos hábitos populares nos séculos XVII e XVIII na Europa eram
confundidos, com os dos nobres da época, pois estes participavam e patrocinavam
as festas, os jogos, as crenças religiosas, e interagiam com os plebeus em seus
dialetos locais. Mas, aos poucos estes foram reprimidos pela Igreja, tanto a Católica
quanto a Protestante, numa política de adequação aos preceitos da Teologia,
fazendo com que os hábitos culturais de uma época fossem vistos como negativos,
no intuito de coibir tais manifestações e isolar, naquele momento, a cultura nobre da
plebéia. (GINZBURG, 2002, p. 16).
Outro aspecto a ser destacado é a formação e o desenvolvimento das
monarquias nacionais. A nova realidade política necessitava promover a integração
14
nacional, homogeneizando os dialetos, formando uma língua nacional e agregando
práticas de controle ao poder unificado. O Iluminismo, movimento intelectual que
buscava valores de universalidade e racionalidade, repudiava as práticas das
camadas populares, considerando-as exemplos de irracionalidade. Como corolário,
irão promover, de forma pejorativa, uma segregação das, práticas populares frente
as assim chamadas “cultas”, razão pela qual defendeu-se que tais práticas deveriam
ser abolidas. (BARBERO, 2003, p. 37).
No entanto, algumas atividades das classes populares ainda eram
relativamente incentivadas, "defendendo uma prática seletiva em relação ao gosto
plebeu [...desde que] previamente depuradas de sua dimensão explosiva” (ORTIZ,
1992, p.12). É nesse contexto que alguns estudiosos voltam-se à pesquisa das
classes populares, coletando práticas, narrativas e objetos, que ficariam conhecidos
como “antiquários”, verdadeiros clubes na Europa, principalmente na Inglaterra e
França.
Os trabalhos dos antiquários foram caracterizados como uma “tentativa de
compilação e de ordenamento do material” (ORTIZ, 1992, p. 13). Esse autor
considera dois traços fundantes dos mesmos: o primeiro, é o seu “afã colecionador”
sem se prender a demarcações temporais:
A denominação “antiguidades populares” se aplicava a um aspecto
diferenciado e díspar de materiais e assuntos: costumes populares, festas,
monumentos celtas, ruínas romanas, história local, tudo era absorvido como
coisas do passado. (ORTIZ, 1992, p. 14).
O segundo traço tem viés ideológico: buscavam justificar o interesse pela
pesquisa sobre as classes populares, atrelado ao “amor às antiguidades ou pelo
gosto pelo bizarro” (ORTIZ, 1992, p. 14-15). Após quase dois séculos de
menosprezo pelos hábitos populares, as revoluções na Europa do fim do século
XVIII e início do XIX, (Revolução Industrial e Revolução Francesa), podem ser
analisadas e apontadas como pontos cruciais na mudança de comportamento e na
compreensão das camadas abastadas das sociedades na sua relação com a cultura
das classes desafortunadas.
A Revolução Industrial, cujo pólo inicial ocorreu na Inglaterra, foi responsável
pela mudança na estrutura econômica da sociedade. Nesse primeiro momento,
15
século XVIII, apenas a Inglaterra surgia como país de economia voltada para a
industrialização. A zona rural daquele país, que anteriormente se movia numa
economia predominantemente agrícola, industrializava-se. A agricultura mecanizou-
se prestando-se à função de aumentar a produtividade, em face de uma demanda
ampliada. Junte-se à massa urbana a uma população que não mais trabalhava nas
lavouras e servia como mão-de-obra para as cidades industriais – início de um
processo que atualmente denominaríamos êxodo rural (HOBSBAWN, 2005, p. 49).
O crescimento da população urbana gerou a necessidade de expansão da
mecanização, uma vez que havia menos trabalhadores no campo para produzir para
o consumo de um maior número de pessoas. Por outro lado, quando as pessoas
saem do campo para a cidade, embora levem consigo seus hábitos culturais,
compõem uma nova dinâmica cultural dentro de uma nova realidade social.
Esse período de transformações econômicas acompanha também,
transformações políticas e ideológicas. Na França, entretanto, as mudanças na
economia ocorriam mais lentamente, face à uma situação de pobreza vivida pela
maior parte da população que era submetida a uma forma de governo que oprimia e
aumentava desenfreadamente os impostos. Enquanto isso, a nobreza continuava
isenta de tais tarifas, gerando um desconforto na sociedade, viria a deflagrar, em
parte, a Revolução Francesa.
Com efeito, as disparidades econômicas e o tratamento desigual aos
estratos sociais ocasionaram a Revolução Francesa, que tinha como lema:
Igualdade, Liberdade e Fraternidade, e como marcos: a Queda da Bastilha em 1789,
e, no ano de 1793, o guilhotinamento do Rei Luís XVI. A burguesia chegava ao
poder na França.
Essa revolução significou para os franceses o fim do sistema absolutista e
dos privilégios da nobreza. O povo ganhou mais autonomia, e os direitos sociais
foram criados ao longo do século XIX.
Posteriormente, a reação dos países absolutistas: Áustria, Rússia, Prússia
levou a França ao confronto da guerra, ocasionando a ascensão de Napoleão
Bonaparte. Mais do que conquistas terras e aumentar o território Frances, as guerras
napoleônicas contra os demais países europeus, tinham como justificativa consolidar
os ideais da Revolução. Nesse contexto, a Revolução Francesa trouxe para o
16
cotidiano, conceitos, como “Nacionalismo” - a identificação do povo como nação, e a
noção de “povo”, com forte lastro revolucionário. (HOBSBAWN, 2005).
Na Europa, com a nova situação econômica caracterizada pela
industrialização e o novo contexto político, onde a burguesia ascendia ao poder, o
povo ganha evidência. As guerras e a industrialização atingem as camadas
populares de várias maneiras. A mecanização da agricultura intensifica o
deslocamento da população em direção às cidades, provocando a diminuição da
população rural; o crescimento das cidades – quase nunca preparadas para receber
novos habitantes - fez surgir bairros de antigos camponeses (agora operários)
acelerando uma urbanização desordenada. A Inglaterra, nesse período diante do
que viu acontecer ao seu país visinho adotou várias medidas de alcance social,
visando evitar semelhantes distúrbios.
Enquanto isso, nos demais países da Europa, sucedia uma volta aos
saberes da cultura popular, cuja emergência dava-se com o intuito de se proteger
das guerras napoleônicas e da influência do papado. Essa tendência cresceu
especialmente entre os alemães que buscavam nas tradições populares as bases
para a caracterização de sua cultura e de sua nação, uma maneira de afirmação
diante, dos franceses, sobretudo, e dos demais povos do continente europeu que
haviam se desenvolvido entre o Renascimento e a Revolução Francesa (BURKE,
1999).
Essa nova abordagem da cultura popular procurava identificar o povo pelas
suas práticas (cultura) e não pela religião e pelas ordens do Papa (Igreja Católica).
Isso ocorreu especialmente na Itália que, como a Alemanha, viveu tardiamente o
processo de unificação política, ambos em 1870 (BURKE, 1999).
Os primeiros estudos sobre a cultura popular desse período trazem a marca
do Romantismo, movimento cultural, artístico e literário que surge na Europa no final
do século XVIII. Tal movimento trouxe uma nova abordagem aos estudos junto às
classes populares que, segundo Ortiz (1990); substituiu a predisposição negativa de
enfoque sobre as camadas populares para um entendimento desse movimento onde
a cultura popular é “um elemento dinâmico para a sua apreensão” (ORTIZ, 1990, p.
18). A principal tendência dos românticos ao estudar a cultura popular, é torná-la
passiva; são inclinadas à sensibilidade, à espontaneidade, porém tratam-nas como
coisas anônimas, diluídas na totalidade. (ORTIZ, 1990).
17
Naquele momento de compreensão do que seja “cultura popular”, as
tradições populares são entendidas como sinônimos de identidade da nação,
alicerce da sociedade, elementos de proteção contra invasões estrangeiras. Os
românticos alemães, por exemplo, buscavam as tradições populares com o objetivo
de estabelecer as bases da cultura e da nação alemã, sob a inspiração de Herder
(BURKE, 1999).
O Romantismo das artes, não diminui o clima turbulento no continente
europeu que, naquele período, encontrava-se agitado devido à re-organização social
e à presença do exército francês.. Nunca é demais ter em mente que a ocupação
física e militar vem acompanhada dos costumes culturais dos soldados; o cultivo dos
hábitos populares foi um dos meios encontrados para a afirmação das comunidades
locais diante do exército invasor. Contudo, Ortiz (1990) alerta que, naquele
momento, “não é a cultura das classes populares, enquanto modo de vida concreto,
que suscita a atenção, mas sua idealização através da noção de povo.” (ORTIZ.
1990, p. 26).
Segundo Barbero (2003, p. 37), os trabalhos dos românticos consistem
numa reação, não uma revolução. Reação às mudanças bruscas ocorridas na
sociedade devido ao crescente capitalismo. Na organização social capitalista, a
cultura popular passa a ser entendida como caminho para legitimar, em cada nação
emergente, a nova forma de poder.
Os românticos estudaram a cultura popular por três vias, denominadas,
respectivamente: a) exaltação revolucionária e surgimento do nacionalismo, que
busca no povo a alma da nação; b) integração e legitimação política e, por fim, c) a
reação política, devido às transformações ocorridas pelo surgimento do capitalismo e
pela industrialização, muitas vezes entendida como caótica e desorganizada; (daí,
portanto, a necessidade de voltar ao passado e à revalorização do antigo). “Voltar ao
passado e à revalorização do antigo” oferecia tranqüilidade às camadas populares,
levando-as a aderir ao projeto nacional (BARBERO, 2003).
A partir desse momento histórico, constitui-se o que seria “popular”,
caracterizando-o basicamente como relação de poder. Essa foi a forma que a
burguesia encontrou para se legitimar, enquanto o novo poder intermediado pelo
povo. Uma outra forma de entender como se formou o conceito cultura popular dá-
se através do processo de manutenção do povo em sua situação social, ao mesmo
18
tempo em que o exclui da sua cultura; isto é nesse movimento, surgem as oposições
culto e popular, constituindo o popular não pelo que é, mas pelo que lhe falta
(BARBERO, 2003, p. 37).
Outra crítica dirigida ao período romântico da cultura popular refere-se às
manipulações de seus pesquisadores, ao catalogar cantigas, histórias, músicas e
outros aspectos da cultura popular. Alega-se que, ao realizarem a coleta das
tradições populares que se mantinham na memória das populações, apesar das
repressões realizadas aos costumes populares nos século XVI a XVII, os coletores
não tiveram muito cuidado com a fidedignidade aos relatos colhidos (CANCLINI,
2003).
Pesquisadores contemporâneos, ao analisarem as abordagens do período
romântico, enfatizam que nessa coleta, prevalece uma tendência para divagações
e, mesmo, para manipulações das tradições. Acreditam que os românticos
modificavam as histórias e canções para que ficassem em harmonia com os seus
objetivos ideológicos nacionais. Canclini (2003, p. 209-210), enfatiza: “os trabalhos
de escritores românticos focaram como utilização lírica de tradições populares para
promover seus interesses artísticos[...]o povo é resgatado, mas não conhecido”.
No período romântico, aumenta significativamente o número dos
pesquisadores debruçados na temática da cultura popular; formam-se sociedades
de estudo e, com efeito em 1838, aparece, pela primeira vez, a palavra Folk-Lore,
criada por William John Thoms e traduzida ao português como folclore. Passou-se a
utilizar essa denominação para representar as vivências e ações do povo. (BURKE,
2005, p. 25). A terminologia “folclore”, inicialmente, era apenas uma nova
denominação, não trazia novas abordagens.
Com a fundação, em 1878, da “Folklore Society” na Inglaterra, novas
abordagens são criadas, e os pesquisadores da cultura popular passam a ser
conhecidos como folcloristas. Os folcloristas desejavam seguir a corrente científica,
dada a efervescência à época em torno da descoberta da ciência, que emerge sob o
parâmetro positivista de pensamento. O folclore busca amparo no pensamento das
ciências sociais do século XIX (ORTIZ, 1990) para alicerçar seu campo de pesquisa.
Desse encontro com o positivismo, os folcloristas procuram um marco
metodológico capaz de fazer de sua atividade uma ciência. “A crença na
19
possibilidade de se fundar uma ciência positivista, em todos os domínios do
conhecimento, anima o clima intelectual da época” (ORTIZ, 1990, p. 29). Nesse
período inicial positivista, de estudo, da cultura popular, os folcloristas, para se
legitimarem como cientistas precisavam afastar-se de vez dos marcos românticos no
estudo das classes populares. “Para se consolidar como ciência, o folclore tem que
reinterpretar seu passado, procurando desenhar de maneira inequívoca suas novas
fronteiras” (ORTIZ, 1992, p. 30). O pesquisador George Gomme (apud ORTIZ, 1990,
p. 41) é um dos batalhadores da cientificidade do estudo do folclore:
Eu reclamo para o folclore a posição e a função de ciência, o que significa
que se deve passar de uma vez por todas do estudo fragmentado de
pedaços e fatos curiosos e ficções para um estudo definitivo e diferente
que possui problemas próprios e trabalha suas conclusões a serem
demonstradas. Esta é evidentemente a diferença de um mero literato ou a
curiosidade antiquária e uma ciência histórica.
Nesse pequeno trecho, ele nos explica o porquê de o estudo do folclore ter
que se tornar ciência e, ao mesmo tempo, faz uma crítica ao período dos
antiquários, românticos, diferenciando o folclore da literatura, e a curiosidade
antiquária da ciência histórica. Um marco para o estudo do folclore foi a publicação
do livro “Cultura Primitiva”, de Taylor (1958) uma Antropologia nascente no quadro
das ciências, que possibilitou aos folcloristas situar seus estudos “na cultura
selvagem no seio das sociedades modernas” (ORTIZ, 1990, p.33).
Esta junção com o primitivismo faz com que os folcloristas estabeleçam que
o folclore seja a “ciência que trata das sobrevivências arcaicas na Idade Moderna”
(ORTIZ, 1992, p. 34), este argumento prosperou e chegou a tornar-se senso comum.
É nessa perspectiva que se reconhece que as camadas desafortunadas da
sociedade possuíam cultura (GINZBURG, 2002, p.16).
Portanto, mesmo criticando os antiquários e os românticos, os estudos
folclóricos ainda estavam presos a preceitos iniciais que se caracterizavam pela
sobrevivência: “enquanto os antiquários colecionavam, os folcloristas criavam
museus”. (CANCLINI, 2003, p.210). Ortiz (1990, p.40) também adverte: “a missão é
agora congelar o passado, recuperando-o como patrimônio histórico”.
Os folcloristas não conseguiram organizar seu método de pesquisa,
proporcionando, assim, uma falta de rigor nos resultados apresentados, alicerçados
20
na postura romântica do anonimato dos seus sujeitos de pesquisa. Não
conseguiram, até os dias atuais, tornar ciência seu objeto de estudo, uma vez que,
segundo Garcia Canclini (2003, p. 211), a eles “interessam mais os bens culturais –
os objetos, lendas, músicas – do que os agentes que os geram e consomem”. E
conclui: “apesar da abundância de descrições, os folcloristas dão poucas
explicações sobre o popular [...] quase nunca dizem o porquê é importante, que
processos sociais dão às tradições uma função atual” (CANCLINI, 2003, p. 212-
213).
Além disso, esse autor (2003, p. 211) afirma que, “condicionados pelo
nacionalismo político e humanístico romântico, não é fácil para os estudos sobre o
folclore produzam um conhecimento cientifico”. E é a partir desses aspectos e dessa
necessidade que a Antropologia e a Sociologia tomam para si essa temática de
estudo, utilizando o método etnográfico antropológico e o das ciências sociais em
geral para pesquisa e análise.
Os estudos antropológicos começam a influenciar os do folclore no momento
em que os conceitos evolucionistas se associam aos argumentos que relacionavam
“colônia x metrópole”, convergindo para o conceito “subalternidade”. O termo “cultura
primitiva” é suprimido, dando lugar a, “cultura subalterna”, para referir-se à cultura
das classes menos abastadas; nome “folclore”, é preterido à terminologia cultura
popular. (BRANDÃO, 1994).
1.2 Cultura popular no Brasil
A pesquisa em torno das razões e interesses pelos os quais conhecimentos
da cultura popular chegaram ao Brasil, aponta para os primeiros estudos publicados
nos jornais de Recife (PE) e de São Luís (MA). Esses artigos foram batizados de A
poesia Popular Brasileira, em 1873. José de Alencar é outro escritor a se debruçar
sobre a cultura popular, tendo artigos publicados em 1874 e 1875, em O Globo, do
Rio de Janeiro e em O País, de São Luís do Maranhão (AYALA; AYALA, 2003).
Estudos de autoria de Celso de Magalhães, ainda no fim do século XIX,
demonstram que havia uma quase sincronia entre os interesses desses estudos no
Brasil e na Europa. À epoca estudioso que mais aprofundou pesquisas sobre a
21
cultura popular foi Sílvio Romero, com o livro Contos populares no Brasil, publicado
em 1888. Naquele período, também no Brasil, houve uma corrida pela
documentação das ações da cultura do povo haja vista uma preocupação latente de
busca por traços nacionais.
Tal busca pretendia uma ruptura cultural em relação à Portugal, pois o país
havia se tornado independente, há menos de 50 anos, e procurava afirmar suas
instituições fundamentais e estabelecer suas características essenciais e comuns a
todos os grupos e pessoas de seu território.
Outro importante estudioso desse período foi Nina Rodrigues que, na busca
pela explicação do “atraso brasileiro”, encontra nas crenças e nos costumes
populares possíveis causas. Esse período de transição entre o Império e a
República ficou conhecido como o período das teorias raciológicas, pois não foram
poucos os estudiosos que partiram de pressupostos raciais. Segundo Ortiz, Nina
Rodrigues foi o principal deles (ORTIZ, 1990). Os pesquisadores dessa época
defendiam que a cultura popular estaria mais presente nas regiões rurais; daí o
entendimento de que a “noção de cultura popular é rude, rústica, ingênua, enfim,
algo que se opõe àquilo que está relacionada ao progresso: a civilização.” (AYALA;
AYALA, 2003, p.18).
As transformações que acompanharam o desenvolvimento econômico
voltado para a modenização do Brasil, trouxeram muitas preocupações aos
pesquisadores da cultura popular, pois acreditava-se que as manifestações
populares desapareceriam com a modernização; por isso, Rodrigues de Carvalho
(Apud AYALA; AYALA, 2003, p. 15) via as manifestações populares como
“reminiscência de lendas e tradições que se extinguem” (Apud AYALA; AYALA, 2003,
p. 15). Câmara Cascudo, folclorista potiguar, acreditava que tais manifestações
seriam “o passado no Presente”.
No Brasil daquele período o método de análise da cultura popular utilizado,
foi o comparativo, pois documentava o maior número possível de manifestações
comparando-as com as tradições das demais regiões e países, tentando identificar
suas origens e entender as formas de difusão ao longo do território. Como no
restante do mundo, no Brasil os pesquisadores da cultura popular, desse período,
são conhecidos como folcloristas.
22
As pesquisas feitas na década de 20 tiveram a grande influência de dois
pesquisadores. O primeiro é Amadeu Amaral, que buscava novas formas de análise
da cultura popular, mediante a contextualização do folguedo, tentando identificar
local e data, origem e idade dos brincantes, o que ele chamou de Geografia do
Folclore. O outro pesquisador da época, não-folclorista, mas interessado na temática
da cultura brasileira, foi o escritor Mário de Andrade, a despeito de uma preocupação
primária com o senso artístico, buscava fidedignidade aos registros. Para isso,
tornou-se um grande incentivador da criação, em 1935, do Departamento de
Documentação de Manifestações Populares, reunindo e catalogando materiais
diversos - filmes, músicas, danças, excursões folclóricas e outros - recolhidos com o
auxílio de folcloristas, com os quais se comunicava em todo o território nacional.
(Mario de Andrade, 1993).
Mário de Andrade foi colaborador importante, como um dos membros que
elaboraram um pré-projeto-base de uma Política de Preservação Nacional - o que foi
parcialmente utilizado para a criação da Secretaria de Patrimônio Artístico Nacional
(Sphan), em 1937. Idealmente, a Sphan teria sua atuação direcionada para a
preservação, tanto de bens de Pedra e Cal quanto dos bens simbólicos; porém, na
prática, apenas evidenciou quase que exclusivamente, a restauração e preservação
dos bens construídos: prédios e monumentos dos séculos XVI, XVII e XVIII
(FALCÃO, 1984, p. 26-27). A preservação dos bens simbólicos teve que aguardar
algumas décadas para ser efetivamente incorporada à política da Sphan.
Além da criação da SPHAN, são também inaugurados, no período, o
Instituto Nacional do Livro, o Museu Nacional de Belas Artes, e o Serviço Nacional
de Teatro. Essas instituições podem ser entendidas enquanto ações tomadas “com o
objetivo de organizar (e controlar) a crescente participação do Estado e da
sociedade de cidadãos antes excluídos da vida nacional”. (FALCÃO, 1984, p. 27).
A gradual substituição da economia basicamente agrária e rural para uma
industrial e urbana faz com que, a partir da década de 1930, especialmente nas
regiões Sul e Sudeste, se passasse a estudar a cultura popular também nas zonas
urbanas do país.
Na década de 1950, os folcloristas reúnem-se no I Congresso Brasileiro de
Folclore (apud ORTIZ, 1990, p. 19). Recomendam que:
23
“os folguedos populares, existentes ou desaparecidos, sejam objeto da
mais intensa pesquisa [...], a fim de garantir uma documentação que sirva,
no futuro, à sua reconstituição, quer por grupos populares, quer por
estudantes, atores e outras pessoas”.
Esse período, iniciado nos anos de 1950, sob a influencia do Congresso, é
conhecido como período conservador, pois visava uma reconstituição posterior das
manifestações populares. A principal preocupação dos folcloristas daquela época era
entender que, para um fato ser folclórico, deveria ter por base uma tradição,
existência comprovada através do tempo.
Nesse contexto é que as ciências sociais no Brasil iniciam os estudos sobre
a cultura popular, enfatizando que as pesquisas deveriam estar inseridas também
numa busca de entendimento sobre a complexidade social em que viviam tais
comunidades, devendo levar em conta a economia, a distribuição de renda, e a
relação entre os grupos socioculturais.
Tais contribuições metodológicas da Sociologia em torno da temática foram
feitas especialmente por Roger Bastide, que realizou pesquisas conjuntas no âmbito
da Universidade de São Paulo. Sobre a importância dessas pesquisas e análises,
Ayala e Ayala (2003, p. 33) afirmam: “Do reconhecimento de que a cultura popular,
como qualquer cultura, só existe enquanto mantida por grupos sociais, chega-se à
verificação da necessidade de estudar as organizações que dão suporte às
manifestações culturais populares.”
Nessa mesma linha, Fernandes (2003) destaca, em sua análise, a
funcionalidade social das manifestações culturais, estudando-as como uma
realidade social. Sua maior crítica aos folcloristas dá-se justamente, pela limitação
das análises descritivas, pois estas são realizadas sem levar em conta o contexto
social. Sendo assim, Fernandes acredita que as ciências sociais poderiam abarcar
melhor o estudo da cultura popular, face à complexidade em que estão compostas.
Os folcloristas da época defendem-se dessa argumentação: Edson Carneiro
(1965, p. 68):
Há uma indisfarçável tendência a reduzir os folcloristas a meros coletores
de um rico material que somente os sociólogos (eles mesmos,
evidentemente) estariam em condições de interpretar. A guerra de sutilezas
desses sociólogos paulistas constituiu, antes de tudo, um retrocesso em
relação ao folclore [...] em geral a atitude desses sociólogos pode ser
qualificada de pedante, na acepção que esta palavra.
24
Carneiro relata que no III Congresso Brasileiro de Folclore, realizado na
Bahia, no ano de 1957, já se colocava o estudado folclore no quadro temático das
ciências sociais, citando essas necessidades de articulação com a interpretação
social e antropológica, afirmando-se que os folcloristas teriam potencial para
explorar tais temáticas.
Em 1959, o Governo Federal cria a Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro (CDFB), com o objetivo de: a) promover registro, pesquisa e levantamento,
cursos de formação e especialização; b) proteger o patrimônio folclórico, as artes e
os folguedos populares; c) organizar museus, bibliotecas, filmotecas, fonotecas e
centros de documentação; d) manter intercâmbio com entidades congêneres e, por
fim, divulgar o folclore no Brasil (MONICA, 2001, p. 23-24).
Além disso, o Governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961), desenvolve-se
com um aumento significativo no processo de industrialização, com a implementação
da indústria automobilística, a modernização dos portos e a construção de Brasília.
O processo de industrialização alcançava regiões do Nordeste. No turbulento
governo do presidente Jânio Quadros (1961), ocorreu um crescente êxodo rural,
promovendo o aumento populacional em muitas capitais.
Nos anos 60, o estudo da cultura popular torna-se ainda mais politizado,
devido às turbulências vividas no país com o fim do governo JK. Esse período vem
marcado por novos paradigmas centrados no marxismo atingindo o corpo das
ciências sociais. Para esses teóricos e pesquisadores de viés marxista, a cultura
popular estava intimamente ligada à dominação política, daí a necessidade de
libertação e conscientização das classes populares mediante valores culturais que
lhes eram próprios.
Desta feita, a cultura popular entra em cena de forma diferenciada,
entendida como parte de um processo político. Um expoente desse período é o
pesquisador Carlos Estevam, que entendia a cultura popular como uma forma
singular de consciência, chegaria à ação política. Tal pensamento irá formar a visão
populista de ação política da cultura popular (CHAUI, 1996).
“A cultura popular, essencialmente, diz respeito a uma forma particularista
de consciência: a consciência política, a consciência que imediatamente
deságua na ação política. Ainda assim, não a ação política em geral, mas a
25
ação política do povo”. (ESTEVAM,1963, p. 29).
Dessa nova forma de entender a cultura popular, emerge uma dimensão
político-revolucionária; surgem os Centros Populares de Cultura da UNE – União
Nacional dos Estudantes (CPCs). Tal movimento dividia a cultura popular em Arte do
Povo, Arte Popular, e Arte do Povo Revolucionária. Arte Popular corresponde “a
designação dada às obras criadas por um grupo profissionalizado e de especialistas”
(AYALA 2003. p. 45); a Arte do Povo seria atribuída ao folclore, uma arte própria às
comunidades das zonas rurais e urbanas não industrializadas. Finalmente, a Arte
Popular Revolucionária corresponderia à arte que os intelectuais produzissem e
levassem ao povo, como a verdadeira cultura, pressuposto de que o povo era
alienado, incapaz de discernir seus próprios interesses. (AYALA; AYALA, 2003, p. 45-
46).
Do exposto, percebemos o quanto o CPC possuía uma idéia preconceituosa,
desmerecendo a arte das classes populares, segundo uma logica elitista de
dominação, como fica evidenciado na citação a seguir:
O traço que a melhor define é que nela o artista não se distingue da massa
consumidora.[...] e o nível de elaboração artística é tão primário que o ato
de criar não vai além do simples ordenar os dados mais patentes da
consciência popular atrasada.[...] A arte do povo e a arte popular quando
consideradas do ponto de vista cultural rigoroso dificilmente poderiam
merecer a denominação de arte (ESTEVAM, 1963, p. 90).
O Centro Popular de Cultura (CPC) tem como fundador Odulvaldo Vianna
Filho, o Vianninha, dramaturgo que propôs um teatro político para discutir as
realidades brasileiras. Odulvaldo Vianna e Carlos Estevam objetivavam politizar os
trabalhadores pela teatralização. Sobre a arte desenvolvida, diz: “A popularidade de
nossa arte consiste por isso em seu poder de popularizar não a obra ou o artista que
a produz, mas o indivíduo que a recebe e em torná-lo, por fim, o autor politizado da
polis.” (ESTEVAM, 1963, p.109).
Um outro movimento do período com ênfase na cultura popular foi o
Movimento de Cultura Popular (MCP); nasce de uma política cultural da prefeitura de
Recife, capital pernambucana, liderada pelo então Prefeito Miguel Arraes. Esse
movimento tinha como objetivo difundir as manifestações da arte popular e
desenvolver um trabalho de alfabetização de crianças e adultos.
O projeto de educação foi coordenado por Paulo Freire, então responsável
26
pelo setor de extensão da Universidade Federal de Pernambuco, e visava alfabetizar
adultos a partir da realidade cultural e social em que viviam, definida por Paulo Freire
como “universo cultural”. (FEIJÓ, 1992, p. 62). Integraram o movimento de
intelectuais e artistas de Pernambuco, personalidades como Francisco Brennand,
Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora, José Cláudio, Aluisio
Falcão, Luiz Mendonça, Germano Coelho, Anita Paes Barreto, entre outros.
O MCP ampliou sua ação para o plano da arte popular, através do
departamento de cultura, tendo como finalidade “interpretar, desenvolver e
sistematizar” a cultura popular. Esse trabalho, realizou pesquisas de fontes
folclóricas, programas de ajuda aos artesãos e apresentações folclóricas em praças
nos subúrbios de Recife (MAURICIO, 1978, p.17). Diante das bem-sucedidas ações
e do clima político da época, o MCP alcança dimensão nacional. Porém, um dos
grandes questionamentos ao movimento é o fato de ter sido basicamente subsidiado
pelos governos municipal e estadual.
Os anos de 1961 a 1964 foram ímpares no processo histórico brasileiro. O
Brasil atravessa um momento político conturbado: vivia o auge do populismo -
política criada por Getúlio Vargas, que consistia em utilizar as massas trabalhadoras
para a sustentação do poder e, concomitantemente, desenvolver a economia
nacional, que estava em crise. O então presidente João Goulart tentava promover
reformas de base, com o apoio dos trabalhadores, objetivando alterar as relações
econômicas e sociais do país.
Entretanto, grupos conservadores da sociedade, como empresários, uma
parte da igreja católica, militares, União Democrática Nacional (UDN) e o Partido
Social Democrático (PSD) temiam que o presidente liderasse um golpe, criando uma
república sindicalista, o que levaria, segundo eles, a um governo comunista.
O golpe militar de 64 depõe o então Presidente João Goulart, e tem início a
repressão aos movimentos populares, entendidos como subversivos pelos novos
dirigentes do País. Então, é nesse contexto que movimentos como o MCP e CPC
são extintos e seus lideres perseguidos e exilados. O ano de 1964 dá início ao
período dos governos militares.
27
1.3 Estudos contemporâneos sobre o popular e o turismo na América
Latina:
Esse sub-capítulo tem por finalidade trazer à discussão em que o dialogo
dos pesquisadores de cultura popular na contemporaneidade tem como interlocução
o turismo. Abordaremos apenas os principais escritores latino americanos a se
debruçarem nesse binômio, são eles: Néstor Garcia Canclini, Américo Pellegrini
Filho e Figueiredo.
Na década de 1980 foi publicada a pesquisa “As culturas populares no
capitalismo”, onde Canclini busca entender a dinâmica das culturas populares no
capitalismo, analisando o artesanato e as festas, pois segundo o pesquisador:
sintetizam os principais conflitos da sua incorporação ao capitalismo. Na
produção, circulação e consumo do artesanato, nas transformações das
festas, podem,os [sic] examinar a função econômica dos fatos culturais:
serem instrumentos para a reprodução social; a função política: lutar pela
hegemonia; as funções psicossociais: construir o consenso e a identidade,
neutralizar ou elaborar simbolicamente as contradições(CANCLINI, 1983,
p.15-16).
Ao escolher estudar essas duas manifestações, Canclini (1983, p.62) se
pergunta por que elas são incentivadas pelas políticas públicas dos países
capitalistas, vindo a concluir que estas desempenham “funções na reprodução social
e na divisão do trabalho necessárias para a expansão do capitalismo.” Mais a frente
o autor sublinha “tanto os aspectos materiais quanto simbólicos, identificando a
complementação e o inter-relacionamento que se estabelece entre eles” (1983,
p.62).
Esta obra de Canclini (1983, p.67) é um dos primeiros estudos em que a
atividade turística constitui um dos fatores de influência junto às culturas populares;
defende que o turismo unifica os países turísticos, pois, “todos falam inglês, existe
um cardápio internacional, pode-se alugar carros idênticos, ouvir a música da moda
e pagar com cartão Américan Express”. Com essa homogeneização dos destinos
turísticos, Canclini acredita que as políticas de turismo voltadas para a cultura
popular de seus países, estados, municípios etc, possibilitam uma diferenciação
turística dos demais destinos.
No entanto, continua o autor, ainda que as políticas de turismo devam
buscar um diferencial, ao trabalhar com a cultura popular local necessário se faz
28
atentar para aspectos globais:
Mas para convencer as pessoas a fim de que se desloquem até hotéis
remotos não basta oferecer-lhes a reiteração dos seus hábitos, um
ambiente padronizado com o qual podem se sintonizar rapidamente; é útil
que se mantenham cerimônias “primitivas”, objetos exóticos e povos que os
ofereçam barato. Mais ainda que o autóctone, o que o turismo requer é a
sua mescla com o avanço tecnológico; as pirâmides ornadas com luz e
som. (CANCLINI, 1983, p.67).
O autor resume a citação acima utilizando a seguinte frase: “a cultura
popular transformada em espetáculo” (CANCLINI, 1983, p.67). Nesse contexto,
Canclini identifica duas linhas ideológicas subjacentes a tal postura:
[...] a)mostrar que o antigo e o moderno podem coexistir, que o primitivo
possui um lugar na vida atual; b) organizar esta relação, enlaçar ambas as
partes ( ao mesmo tempo que as diferencia, subordina o primitivo diante do
atual, como o faz de forma adversativa “mas” : o seu uso reiterado para
vincular o artesanal e o industrial significa que o artesanal é fatalmente
inferior e defeituoso, que pode permanecer entre nós se melhorado por
aquilo que o supera. (CANCLINI, 1983, p.67).
García Canclini toma, como objeto de análise o artesanato e as festas
populares do México, no Estado de Michoacán, cuja economia é voltada para a
atividade turística. Apoiado em pesquisas na década de 70 e 80, mostra que
Michoacán é um dos estados com o maior desenvolvimento artesanal do país,
estando intimamente ligado à entrada de visitantes - um aumento significativo nas
vendas das peças artesanais nos períodos de maior recepção de turistas.
Para Canclini, o discurso turístico bem representa uma forma do
desenvolvimento capitalista reassumir seu papel junto às culturas populares. Em
suas palavras:
[...] em resumo: também no discurso turístico e nos números percebemos a
importância que possuem o artesanato e as festa populares em termos do
desenvolvimento atual. Como atração econômica e de lazer, como
instrumento ideológico, a cultura popular tradicional serve à reprodução do
capital e da cultura hegemônica. Esta a admite, e dela necessita, como
uma adversária que a consolida, que evidencia a sua “superioridade” como
um lugar onde se vai obter lucro fácil, e também a certeza de que o
merecemos porque afinal de contas a história termina conosco (CANCLINI,
1983, p. 69)
Essas manifestações do popular, diz ainda, seguem os padrões estéticos e
de divertimento para o turismo, que nesse processo, conduz a transformação do
29
popular em espetáculo de massa.
Esta filosofia de que a cultura popular pode ser melhorada e transformada
em espetáculo de massa, parece ter sido implementada de forma semelhante no
Brasil, a exemplo das políticas públicas de fomento à atividade turística; as
pesquisas sobre a atuação do turismo na sociedade brasileira também são recentes.
O estudo das ações do turismo junto à cultura popular é observado ainda na década
de 70 pelo pesquisador Américo Pellegrini Filho, ao que parece, um dos primeiros
estudiosos a analisar esse binômio cultura popular - turismo no Brasil.
Pellegrini Filho (2001, p.123-124) acredita que o interesse dos agentes do
turismo pelas manifestações populares baseia-se na busca de possuir um diferencial
turístico das demais regiões: “não vemos como evitar que o visitante se mostre
curioso [...] ou ainda atraído por danças como frevo, ciranda, catira, o batuque de
umbigada, etc”. (2001, p.128)
Entretanto, alerta que essa interação das artes populares com o turismo
pode ocasionar algumas mudanças indesejáveis, malgrada o reconhecimento de
que não é apenas o turismo o responsável por essas transformações. Sobre isso
afirma:
“a rigor, novo elemento humano e novos interesses acabam se integrando
no universo sociocultural[...] fazendo com que se acelere o processo de
mudança em determinados costumes, mudanças que anteriormente
demoraria um tempo maior.”(PELLEGRINI FILHO,2001,p. 129)
E continua: “o interesse do turismo pelo folclore pode ser um dos fatores de
mudança (não é o único)”
(PELLEGRINI FILHO, 2001, p.131). Todavia, o autor
alerta que “essas interferências podem ser fatores de “descaracterização” de
determinadas manifestações folclóricas e mesmo de seu desaparecimento”. (2001,
p.129)
Outro pesquisador a debruçar-se na interação das artes populares com o
turismo, já na década de 1990, foi Figueiredo (1996). Ao concluir sua pesquisa, em
que analisa a influência do turismo na manifestação popular “carimbo”, enfatiza que
o turismo foi o principal responsável pela mudança ocorrida na dança. Figueiredo
observa que o carimbó não é mais dançado espontaneamente nas festas da
comunidade de Souré, mas em formas de atração nos salões dos hotéis e festivais
programados.
O lazer do caboclo já é agora trabalho, pois é para ganhar dinheiro, o ritmo
30
torna-se rápido [...] enfim o que era lazer, dançado em todas as festas,
transformando em espetáculo[...] o turismo com certeza transforma o
brincante em componente de um grupo parafolclórico (FIGUEREDO,1996,
219).
Canclini (1983, p.143-144) finaliza sua pesquisa de 1983 enfatizando que
não haverá políticas eficientes voltadas às artes populares enquanto seus:
[...]produtores não tiverem o papel de protagonistas [...] necessitamos que
os artesãos participem, critiquem e se organizem, que redefinam a sua
produção e o seu modo de relacionar-se com o mercado e com os
consumidores; mas também precisamos que se forme um novo público, um
novo turismo, um novo modo de exercer o gosto e de pensar a cultura.
Em uma proposta de pesquisa posterior, Canclini propõe uma nova
abordagem para analisar os processos modernos junto à cultura de um povo, em
especial da América Latina; não se trata de uma ruptura com a obra anterior, mas
um novo olhar, um aprofundamento de suas análises.
Analisando a cultura do fim da década de 1990, traz uma nova terminologia,
o chamado “hibridismo”, que entende por “processos socioculturais nos quais
estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para
gerar novas estruturas, objetos ou práticas”. (2003, p. XIX) nesse livro mais recente,
busca analisar tais processos, e a cultura popular, que, para ele, desejam apropriar-
se das benesses da modernidade (2003).
Discutindo os processos de hibridização da cultura popular, afirma:
O desenvolvimento moderno não suprime as culturas populares
tradicionais[...] essa expansão modernizadora não conseguiu apagar o
folclore. Muitos estudos revelam que nas últimas décadas as culturas
tradicionais se desenvolveram transformando-se.
(2003.p.215)
Enfatiza ainda, que, apesar de um considerável número de estudiosos
terem uma série de reservas contra a difusão econômica de bens artísticos
populares, defende que a difusão dos aspectos da cultura popular deve-se a
“promoção das indústrias fonográficas, aos festivais de dança, às feiras que inclui
artesanato e, é claro, à sua divulgação pelos meios massivos” (CANCLINI, 2003, p.
217). E conclui:
Se muitos ramos do folclore crescem é porque os estados latino-
americanos incrementaram nas últimas décadas apoio à produção, sua
conservação, comércio e difusão. Há diversos objetivos: criar
empregos[...]fomentar a exportação de bens tradicionais, atrair o turismo,
31
aproveitar o prestígio histórico e popular do folclore [...] mas todos esses
usos da cultura tradicional seriam impossíveis sem um fenômeno básico: a
continuidade da produção de artesãos, músicos, bailarinos e poetas
populares, interessados em manter sua herança e em renová-la(p.217).
Partindo das teorias de Canclini, questionamos sobre as transformações
havidas, e como estas se deram na ciranda, dança popular, inseridas no universo
das políticas públicas de fomento ao turismo. É particularmente instrutivo observar
que “O problema não se reduz, então, a conservar e resgatar tradições
supostamente inalteradas. Trata-se de perguntar como estão se transformando,
como interagem com as forças da modernidade” (CANCLINI, 2003, p. 21).
Tendo em vista que o nosso objeto de análise são as políticas públicas de
turismo junto à cultura popular, no contexto particular da brincadeira popular ciranda,
já identificando que foram quase 20 anos de atividades desenvolvidas, no período
de 1970 a 1986, ações desenvolvidas particularmente pela Empresa de Turismo de
Pernambuco e a Empresa Metropolitana de Turismo da cidade do Recife.
Nesses anos de atuação das políticas de turismo junto à ciranda, alguns
questionamentos já foram produzidos. Percebe-se que o entendimento da influência
do turismo junto à cultura popular está diretamente conectada a forma como a
comunidade cientifica encara as artes populares.
Teremos, então, conclusões a partir do pensamento folclórico perpassado
ao pensamento de Garcia Canclini na sua obra de 1983, “As culturas populares no
capitalismo”, e finalizando com a sua óptica atual dentro dos processos de
hibridização em 2003: “Culturas Hibridas”, das artes populares.
Sendo assim, nossa pesquisa se propõe a identificar, ao longo dos
capítulos a seguir onde se encontram tais discursos, e analisará, finalmente, esses
questionamentos e afirmações levantados pelos pesquisadores, Pellegrini Filho,
Figueiredo e Garcia Canclini nas obras já citadas, serão utilizadas como referencia
para avaliar as ações das políticas públicas de turismo junto a brincadeira popular
ciranda.
32
2. Caminhos Metodológicos
Quando falo de metodologia estou falando de um
caminho possível para a pesquisa cientifica. O que
determina como trabalhar é o problema que se
quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se
sabe aonde se quer chegar. (Mirian
Goldenberg,1997, p. 10 )
Para responder ao problema proposto, optou-se pelo método qualitativo,
“que tem como ponto principal o entendimento de um grupo social, de uma
organização, de uma instituição, de uma trajetória.” (GOLDENBERG, 1997, p. 14).
Quanto às técnicas, utilizamos a pesquisa documental e a história oral.
Dois universos de sujeitos foram abordados para compor os sujeitos da
pesquisa: os planejadores da Empetur da época, e os artistas populares da
brincadeira ciranda que participaram dos eventos (ou simplesmente aqueles
envolvidos que possam esclarecer duvidas). Efetuou-se, também, a coleta e análise
dos documentos custodiados pelo Arquivo Público Estadual, enfocando o Diário
Oficial de Pernambuco, o Jornal do Commércio e o Jornal Diário de Pernambuco,
sendo esses os maiores meios de comunicação impressos do estado entre 1960 a
1986.
No intuito de entender a dinâmica das empresas de turismo pernambucanas
restringimo-nos a coletar informações junto à Empresa de Turismo de Pernambuco e
à Empresa Metropolitana de Turismo do Recife, no que diz respeito à fundação e
ações junto ao turismo e, em particular, aos festivais de ciranda realizados no Bar
Cobiçado, em Paulista, Pátio de São Pedro, em Recife, e na Praia do Jaguaribe, na
Ilha de Itamaracá, nas décadas de 1960 a 1980.
33
2.1 Técnicas Metodológicas.
A história oral devolve a história às pessoas em
suas próprias palavras. E ao lhes dar um passado,
ajuda-as também a caminhar para um futuro
construído por elas mesmas. (Paul
Thompson,1998, p.10)
A história oral, como técnica metodológica da ciência histórica, tornou-se, na
contemporaneidade, uma ferramenta metodológica muito difundida nos meios
acadêmicos, mas isso não significa que a história oral seja uma técnica recente. No
princípio dos estudos históricos a história oral era a própria história, a história
quando ainda não existia a difusão da escrita (THOMPSON, 1998).
Os relatos estavam guardados nas lembranças das comunidades, nos seus
líderes e anciãos, que possuíam, como uma de suas funções, repassar tais
acontecimentos para as gerações seguintes. Historiador, que busca perpetuar tais
histórias por meio da escrita, volta-se para a memória da comunidade, para eternizar
as histórias de uma região, de um país, de grandes homens, comunidades, etc.
(THOMPSON, 1998, p. 80).
No século XIX, com o processo de formação acadêmica, a técnica da
história oral foi desprestigiada, e o academicismo histórico baseou seus
pressupostos na pesquisa em documentos caso não existissem documentos
enfatizava-se, não existiria a história. Nessa perspectiva, a tradição documental
enraizou-se no ceticismo negativista do Iluminismo, com os sonhos românticos sobre
os arquivos (THOMPSON, 1998, p. 79).
Esse debruçar-se sobre documentos proporcionou à ciência histórica, um
método de pesquisa próprio, diferenciando-a de outras disciplinas, já que a
evidência oral também era partilhada pela Antropologia e Sociologia, por exemplo.
Outra vantagem do método documental diz respeito ao fato dos historiadores da
época preferirem gabinetes, que supostamente lhes forneceriam uma proteção
social (THOMPSON, 1998, p. 80).
A principal crítica a esse período da metodologia histórica pauta-se na
exacerbada importância dada aos documentos, tornando a história “uma crítica
textual, perdida em minúcias insignificantes, separadas não só da cultura geral,
como também das questões mais amplas da própria história” (THOMPSON, 1998, p.
81)
34
O avanço tecnológico do século XX teve papel importante para a volta do
método da história oral, já que a criação de gravadores de som e imagem, como
posterior aperfeiçoamento, tanto na qualidade das gravações quanto no tamanho e
na praticidade dos aparelhos, tornou-se um estímulo ao registro de depoimentos.
Sobre esse ressurgir da história oral, a Escola de Chicago assume um papel
de destaque, sendo umas das primeiras instituições acadêmicas a utilizar a
oralidade como ferramenta metodológica, com inegável contribuição em estudos
históricos sobre problemas sociais urbanos.
Diante de bem-sucedidas ações, a técnica afirma-se como ferramenta
metodológica; dar-se um aumento significativo de historiadores que a utilizam,
criando associações para debate e atuação na área. A Universidade de Nova York foi
uma das primeiras instituições de ensino a utilizar a história oral como ferramenta
metodológica, utilizando-a, inicialmente, nas pesquisas biográficas de grandes
personalidades políticas. O exemplo foi seguido por associações sediadas na
Europa e em outros continentes.
A partir da década de 1970 o método volta a ser utilizado nas reconstruções
históricas das “pessoas comuns”. Thompson (1998, p. 98) acredita que:
a história oral cresceu onde subsistia uma tradição de trabalho de campo
dentro da própria história, como com a história política, a história operaria,
ou a história local, ou onde os historiadores têm entrado em contato com
outras disciplinas de trabalho de campo, como a sociologia, antropologia ou
pesquisas de dialetos ou folclore.
A técnica da história oral chega ao Brasil em 1970, porém torna-se uma
ferramenta utilizada com maior freqüência em 1990, chegando à criação da
Associação Brasileira de História Oral, que promoveu diversos seminários e
encontros sobre a temática. Verena Alberti (2004, p. 18) uma das primeiras
pesquisadoras da área no Brasil, define que “a história oral é um método de
pesquisa que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram,
testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se
aproximar do objeto de estudo.”
Esse método tem como intuito ampliar o conhecimento sobre um
determinado evento e recuperar aquilo que não é encontrado em documentos de
outra natureza, a partir de depoimentos de pessoas que dele participaram (ALBERTI,
2004, p. 18-23). Sobre a importância da técnica, Thompson (1998, p. 25) diz: “O
mérito principal da história oral é que, em muito maior amplitude do que a maioria
35
das fontes permite que se recrie a multiplicidade original de pontos de vista.”
Existem dois tipos de entrevistas de história oral: a temática e a história de
vida. A temática tem como foco um tema específico do qual o/a entrevistado/a
participou, e a história de vida ocorre quando a própria vida do entrevistado é o foco
de interesse, desde sua infância até os dias atuais.
Uma das críticas à utilização da técnica de história oral diz respeito a
veracidade dos fatos contados. A esse respeito, Thompson (1998, p. 139) diz que
“os recursos do historiador são via de regra geral para o exame de evidências:
buscar a consistência interna, procurar confirmação em outras fontes, e estar alerta
quanto ao viés potencial.”
Nesse estudo, optamos pela história oral, pois, em sondagem prévia (entre
julho e agosto de 2006), percebemos que era escassa a documentação específica
sobre eventos promovidos pela Empetur e Emetur, dirigidos à brincadeira ciranda,
no período de 1960 a 1986. Diante disso,optamos por preencher a lacuna por meio
da memória latente daqueles eventos, por seus organizadores, executores e artistas
que participaram como concorrentes e/ou como convidados dos festivais de ciranda.
A utilização da história oral em sua dimensão de “história de vida” constitui
nossa proposta de entrevista com os cirandeiros que foram representativos nos
festivais de ciranda realizados na Ilha de Itamaracá. A escolha dos entrevistados
seguiu as recomendações de Alberti (2004 p. 31-32): “Convém selecionar os
entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se
interaram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer
depoimentos significantes.”
Das primeiras entrevistas realizadas com organizadores do evento, nos foi
indicado os nomes de Lia de Itamaracá, João da Guabiraba, Geraldo Almeida, e
Cristina (Dinda). Entretanto, no decorrer da pesquisa, novos nomes revelaram-se
“essências, vivas na memória do grupo”, como Dona Duda e Mestre Zé Duda.
Sobre a especificidade da história de vida, Goldenberg (1997, p. 38) diz: “a
abordagem de História de Vida cria um tipo especial de documento, no qual a
experiência pessoal entrelaça-se à ação histórica [...], o objetivo é estabelecer uma
clara articulação entre a biografia individual e o contexto histórico e social.”
A utilização de entrevistas de história de vida reforça o valor do indivíduo na
36
história, incluindo sua trajetória desde a infância até o momento em que fala
(ALBERTI, 2004, p. 37). Nas interlocução com os cirandeiros, escolhemos a devido
a necessidade de identificar as mudanças nas relações envolvendo a brincadeira
popular ciranda através do tempo, bem como de ajuizar se estas tiveram influência
direta das ações de turismo.
Por outro lado, a história oral com entrevista temática foi utilizada com os
planejadores da Empetur, a saber: Henrique Belo e João Batista, da Secretaria de
Turismo da Ilha de Itamaracá local onde foram realizados as ultimas edições dos
festivais de ciranda do Estado, entrevistamos Valderlusa D`Arce. As entrevistas
foram realizadas com o intuito de entender suas trajetórias profissionais no campo
do turismo e como surgiram as iniciativas de trabalho com a ciranda como foram
pensadas, organizadas e executadas. Sobre isso, Alberti (2004, p. 38) afirma:
A escolha por entrevistas temáticas é adequada para o caso de temas que
têm estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos depoentes,
como por exemplo, um período determinado cronologicamente, uma função
desempenhada ou o envolvimento e a experiência em acontecimentos ou
conjunturas especificas.
A intenção primeira foi resgatar a história dos concursos, possibilitando a
reconstrução daqueles eventos, visando a identificação de seus objetivos e de suas
repercussões. Entendemos que a história oral foi uma escolha bastante apropriada
para o tipo de resultados almejados, visto tratar-se de “estudar acontecimentos
históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos,
conjunturas, etc, à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou
testemunharam.” (ALBERTI, 2004, p. 18).
A coleta de depoimentos exige do pesquisador uma postura ética e uma
disposição pessoal, segundo o que Thompson (1998, p. 254) enfatiza:
[...] Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-sucedido
deve possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e
flexibilidade nas reações em relação a eles, capacidade de demonstrar
compreensão e simpatia pela opinião deles, e acima de tudo, disposição
em ficar calado e escutar..
A esse respeito Goldenberg (1997, p. 56) reforça:
O pesquisador deve estabelecer um difícil equilíbrio para não ir além do
que pode perguntar, mas, também, não ficar aquém do possível. Além
37
disso, a memória é seletiva, a lembrança diz respeito ao passado, mas se
atualiza sempre a partir de um ponto do presente. As lembranças não são
falsas ou verdadeiras, simplesmente contam o passado através dos olhos
de quem vivenciou.
Por outro lado, a Técnica de pesquisa documental, ou de fontes primárias,
utiliza materiais que não receberam tratamentos de análise (DENKER, 2001, p. 125).
Tem como finalidade identificar informações factuais em documentos, a partir de
questões de interesse. Uma das vantagens que ela proporciona é complementar as
informações e sinalizar problemas, e, ainda, ratificar e validar informações obtidas
em entrevista (LÜDKE, 1986).
Realizamos a pesquisa documental visando colher dados primários junto aos
dois jornais de maior influência que registraram os festivais de ciranda em
Pernambuco, a saber: Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco. Além disso, a
pesquisa incluiu o Diário Oficial de Pernambuco. com a intenção de buscar os
documentos de fundação e estatuto das empresas de Turismo, Emetur e Empetur. E,
finalmente, buscamos as diretrizes das políticas municipais, estaduais e federais
para o desenvolvimento do turismo, entre os anos de 1960 a 1986.
O “Diário de Pernambuco” foi fundado em 1825, é um jornal diário e ao longo
dos anos foi aumentando seu numero de páginas, hoje possui sete cadernos. A
pesquisa no Diário de Pernambuco foi direcionada para o “Caderno Viver” cuja
proposta dirigi-se à vida cultural do estado. Cobrimos o período de 1969 a 1986, nos
meses de março até setembro, já devido ao resultado de algumas entrevistas,
evidenciando que entre esses períodos aconteciam os festivais de ciranda.
O “Jornal do Commércio” fundado em 1919, tem publicação também diária,
possuindo sete cadernos. A pesquisa direcionou-se ao “Caderno C”, que trata da
vida cultural de Pernambuco. Restringimo-nos, outra vez, ao período de 1969 a
1986, a partir do mês de março até setembro.
Outras fontes reveladas na pesquisa foram os arquivos públicos do Estado
de Pernambuco e o Departamento de Microfilmagem da Fundação Joaquim Nabuco,
além dos acervos da Empetur, pesquisados com o intuito de confrontar os dados das
entrevistas com os planejadores e cirandeiros.
38
2.2 História da Pesquisa
Em nossa pesquisa o único indício formal sobre a relação direta das políticas
públicas de turismo com a brincadeira popular ciranda, é o Livro “Ciranda – Dança
de Roda, Dança da Moda”, de Evandro Rabello, publicado em 1979. Ali registra-se
que na década de 1970 as empresas de turismo pernambucanas estavam
realizando festivais de ciranda, e que estariam ocorrendo descaracterizações na
brincadeira.
A primeira ação visando o levantamento dos festivais de ciranda foi a visita
ao escritório da Empetur – empresa de turismo de Pernambuco, localizado no Bairro
de Salgadinho em Olinda; buscamos inicialmente na biblioteca da Empetur, a
memória dessa empresa. Entretanto, apenas encontramos um folder do VIII Festival
de Ciranda de Pernambuco, realizado na Ilha de Itamaracá, em 1986; único
documento que remontava à memória daquele evento.
Sendo assim, os “arquivos” desse período estavam na lembrança-viva
daqueles que do evento participaram, seja como organizadores, concorrentes ou
como membros da platéia. Em contato com a bibliotecária da Instituição tomamos
conhecimento da existência de alguns funcionários antigos, que nos forneceram
pistas importantes. Jane Emirce ingressou na Empetur em 1975, como datilógrafa do
primeiro inventário turístico de Pernambuco e após passar por vários setores da
Empetur, dedica-se atualmente ao Departamento de Turismo Social-Pró-lazer, setor
que proporciona descontos para o funcionalismo público de Pernambuco em seu
acesso ao lazer. Cícero da Silva inicia sua trajetória na Empetur como assessor e
hoje é assistente jurídico do departamento Jurídico do órgão. Ceci Amorim atua no
departamento de Infra-estrutura.
A partir de nossos primeiros contatos estes lamentaram não poder ajudar
com a história dos festivais: suas lembranças reportavam as ações estavam
diretamente relacionadas à execução, indicaram assim, João Batista, Pedro Belo e
Henrique Belo. entrevistamos, dois deles: João Batista e Henrique Belo contaram a
história da Empetur e como foi realizado o Festival de Ciranda de Pernambuco na
Ilha de Itamaracá a partir de 1980. Da conversa surgem outros nomes: como
Valderlusa D´arce e Creuza Albuquerque, diretora de Turismo da Ilha de Itamaracá a
última proprietária do restaurante onde aconteciam os Festivais na Ilha.
39
Também do encontro com João Batista e Henrique Belo, saíram algumas
indicações de mestres de ciranda que participaram dos festivais, como Cristina, da
Ciranda Dengosa, João da Guabiraba, da Ciranda Mimosa, Geraldo Almeida, da
Ciranda Imperial e Lia de Itamaracá. O conjunto de suas memórias foram o suporte
que precisávamos para a reconstrução dos festivais, além de nos fornecer opiniões
valiosas sobre a repercussão desses festivais Ciranda e nas suas vidas.
João Batista foi nosso primeiro contato; após um telefonema, em janeiro de
2007, nos encontramos nas dependências da Empetur; com alguma insistência,
acertamos um novo encontro, na intenção de gravar a conversa.
Às 9 horas da manhã do dia 17 de janeiro de 2007, chegando em sua
residência pouco antes do previsto,foi possível uma conversa com sua família. A
conversa familiar proporcionou um ambiente mais reservado e tranqüilo; João
Batista sintonizou no rádio música clássica para que pudesse contar sua trajetória
profissional e, fortuitamente, a história da Empresa de Turismo de Pernambuco.
Conversamos até as 15 horas: aquela tarde proporcionou uma das mais longas
entrevistas na pesquisa, porém fez-se rica em detalhes e em emoção.
João Batista integrara os quadros da Empetur no seu primeiro ano de
fundação, como Contínuo, trabalho que realizou até ser transferido para a equipe de
execução do inventário turístico de Pernambuco: catalogava brincadeiras e
brincantes da cultura popular pernambucana, percorrendo, assim, a maioria das
cidades do estado.
Henrique Belo, nosso segundo entrevistado, um pouco mais reservado,
integrara o quadro da Empetur em 1972, como fiscal dos meios de hospedagens e
agências de viagens e turismo do estado. Posteriormente, com a extinção dessa
diretoria, integraria a equipe do inventário turístico. Anos mais tarde torna-se
assistente de produção de eventos organizados e realizados pela Empetur, até a sua
aposentadoria em 2002. A entrevista foi realizada no dia 02 de março de 2007 as 09
horas, em sua residência.
Tivemos um pouco de dificuldade para encontrar Valderlusa D´Arce,
sabíamos, apenas, ter sido diretora de turismo da Secretaria de Turismo na Ilha de
Itamaracá. mediante informação fomos ter a sua casa de veraneio em Vila Velha,
distrito de Itamaracá, porém por duas vezes, não a encontramos. Seguiram-se
outras tentativas de encontro, por celular, para finalmente, na manhã de 17 de
40
fevereiro de 2007 encontrá-la em seu atual local de trabalho, a Escola Técnica em
Enfermagem no Município de Jaboatão dos Guararapes.
Formada em Jornalismo pela Unicap - Universidade Católica de
Pernambuco, Valderlusa, foi convidada a integrar logo após sua formatura, o
Departamento de Jornalismo, no cargo de professora, atuando também, no quadro
de funcionários do Diário de Pernambuco, como jornalista. Dois anos depois,
responde como chefe do Departamento de Comunicação da Unicap, tendo como
prerrogativas naquele momento a função de viabilizar o Curso de Turismo da
Universidade.
Monta então o corpo docente do Curso de Bacharelado em Turismo, com
diversos funcionários da Empetur, foi o caso por exemplo de Olimpio Bonald.
Valderlusa, mesmo sem nunca ter lecionado em Turismo, estava sempre próxima
dos professores trocando informações; encantou-se pelo assunto nos dizia.
A jornalista foi uma das responsáveis pelo início da formação dos bacharéis
em Turismo do Estado de Pernambuco. Sobre isso, comentara: “Então essa minha
aproximação do Turismo vem exatamente em função da direção do curso, eu me
empolguei, eu gostava muito, então eu passei a ler, a me preocupar, a escrever pra
Embratur, entrar em contato com a própria Empetur.” (2007).
Foi como jornalista que visitou a Ilha de Itamaracá em 1978 “eu visitei
Itamaracá pela primeira vez, [...] eu comecei a fazer matérias sobre Itamaracá [...] Ai
eu vou pra Itamaracá, comprei uma casa em Itamaracá, a minha identificação.”
(2007).
Devido a seu conhecimento de Turismo e seu fácil acesso aos meios de
comunicação, integraria, na década de 1980, os quadros da Secretaria de Turismo
da Ilha de Itamaracá:
Foi ai que surgiu o rapaz que era o secretário de Turismo chamado Bruno
Silveira, cara excelente, ai ele me viu foi lá saber essa coisa toda, ai você
sabe, que a gente sem querer quando é Jornalista a gente aparece, e as
pessoas são doidas por notícias, quanto mais aparecem mas elas gostam,
ai o que foi que aconteceu, ele me conheceu fez aquela amizade danada, e
me levou pro prefeito, e disse: - eu quero que ela seja minha diretora de
Turismo da Secretaria.
A partir dai desenvolve diversos eventos junto a Empetur, visando consolidar
a Ilha de Itamaracá como destino turístico pernambucano, criando o Festival Banho
Noturno, Festa do Peixe Agulha e o Festival de Ciranda, este ultimo é referencia na
delimitação da pesquisa.
41
Cirandeiros
Para encontrar os cirandeiros, contatamos a Fundação de Cultura da Cidade
do Recife para obter um cadastro da maioria dos grupos de brincadeira popular da
Região Metropolitana do Recife, com seus respectivos contatos telefônicos. O
primeiro nome agendado foi o de Maria Cristina de Andrade, mestra da Ciranda
Mimosa, conhecida como Cristina e, Dinda para os amigos. Marcamos nosso
primeiro encontro na Casa do Carnaval
1
, porém, devido a alguns problemas
técnicos, somente conseguimos conversar, uma semana depois no mesmo local,
desta feita num dos restaurantes do Pátio de São Pedro.
A história de Cristina sobre as brincadeiras populares, inicia com o Pastoril
2
,
quando ainda criança, no bairro onde mora, Àgua Fria subúrbio de Recife. Dançava
nos pastoris dos mestres da região, quando sua mãe, Dona Maria das Neves, funda
seu próprio pastoril cujo nome batizou-se como “Pastoril Estrela Brilhante”, em 1961.
No final de 1968, recebe uma proposta de um mestre de ciranda chamado Gildo
para que ela formasse uma ciranda; Cristina comenta:
Chegou uma pessoa lá que entendia da história, Gildo, ai ele chegou lá e
disse: - vamo formar uma ciranda, o que é isso?, Como é isso? E a gente
ficava mangando. Ai ele começou formando, trazia uma pessoa que batia,
trazia outra, os músicos, e ia ensaiando, e fez e aconteceu. (CRISTINA
ANDRADE, 2007)
Após alguns anos dessa parceria com o Mestre Gildo, Cristina, que
acompanhava a mãe e a ciranda cantando no coral, desde sua fundação, vê-se
impelida a assumir a ciranda porque, segundo ela:
teve uma vez que escapuliu [Gildo], e deixou a gente na mão. Minha mãe
chorando aperriada, ai eu disse vamo se bora fazer a ciranda [...] E por
questão de querer ajudar a minha mãe, ai eu fui, e vamo fazer, e ela dizia
você é doida, eu só sabia três ciranda, mas a gente tinha que desenrolar e
fazer, a gente foi a Olinda [...]Daí por diante eu comecei a me infiltrar mais,
1
Fundada em 2001, tem como objetivo ser um local de formação, pesquisa e memória cultural,
sendo subordinada à gerência de Preservação da cultura imaterial da secretaria de Cultura da
Cidade do Recife, localizada em uma das casas pertencentes ao conjunto arquitetônico do Pátio
de São Pedro.
2
Brincadeira popular de origem religiosa, também é denominada Presépio. Folguedo dramático,
performado entre o Natal e a Festa de Reis, compõe-se cordões com diversos personagens, dentre
as quais, as pastoras ou pastorinhas, que cantam e tocam maracá (Lima, 2001).
42
com mais vontade de ser cirandeira e hoje eu me considero cirandeira.
(CRISTINA ANDRADE, 2007)
Além de comandar o Pastoril Estrela Brilhante e a ciranda Dengosa de Água
Fria, Cristina fundou, no ano de 2000 o Urso
3
Cangaçá, que concorre todo ano no
carnaval Pernambucano. No ano de 2008, levou 150 componentes para desfilar pela
agremiação, concorrendo com o tema “O Circo”, e conquistando o campeonato
desse ano.
A entrevista seguinte foi com Geraldo Almeida. no dia 7 de setembro, em
sua residência, no bairro da Bomba do Hemetério, subúrbio de Recife; conversamos
na varanda de sua casa, durante uma tarde inteira.
Mestre Geraldo, nascido no interior da Paraíba, ainda menino aprendeu o
Reisado
4
. Aos doze anos, muda-se para Recife sozinho, como costuma dizer: “Vim
sozinho, me formei aqui”. Conseguiu trabalho como estivador no porto do Recife e
fundou um Reisado na sua comunidade, a Bomba do Hemetério. Tomará contato
com a ciranda por meio de Antonio Baracho na Ilha de Itamaracá. Sobre isso diz: “já
via Baracho cantando com a mulé a ciranda, bem fraquinha, e eu inteligente me
costurei com Baracho” (GERALDO ALMEIDA, 2007).
Sua Ciranda recebe o mesmo nome de seu Reisado: “ Eu botei porque achei
que ele tinha um Império, e as fantasias é toda em espelho.” (GERALDO ALMEIDA,
2007). Geraldo Almeida gravou em parceria com Antonio Baracho e Dona Duda o
Long-play “Vamos Cirandar” lançado em 1976, pela Gravadora Rosemblitz. Segundo
ele, o álbum saiu de uma disputa no Festival de Ciranda: “Eu fui primeiro, Baracho
em segundo, e dona Duda terceiro, e gravamo aquele Vamos Cirandar”. (GERALDO
ALMEIDA. 2007)
Nosso próximo encontrado foi com o Cirandeiro João da Guabiraba e, a
despeito do que o nome Guabiraba possa sugerir, fomos encontrá-lo no Bairro de
Sapucaia, subúrbio de Olinda. Conversamos no interior de seu pequeno
3
Estudos remontam suas origens aos ciganos da Europa, que percorriam as cidades com animais
amarrados a correntes, que iam de porta e porta pedir dinheiro. O urso no carnaval Pernambucano
tem a figura central o urso(homem vestido de urso) segurado pelo dono, dançando todos os ritmos
do carnaval. Sua orquestra é geralmente formado sanfona, triangulo, reco-reco, ganzá e pandeiro,
podendo ter variações. (Lima, 2001)
4
O Reisado é formado por um grupo de músicos, cantores e dançarinos que percorrem as ruas das
cidades e inclusive as propriedades rurais, de porta em porta, anunciando a chegada do Messias,
pedindo prendas e fazendo louvações aos donos das casas por onde passam.(lima, 2001)
43
empreendimento, um mercado, ou simplesmente uma venda, como é comum referir-
se em Pernambuco , a entrevista contou com a participação de sua esposa.
João da Guabiraba nasceu na cidade de Aliança, mas criou-se em Goiana,
onde aprendeu a tocar “Saxe Alto” acompanhando as brincadeiras populares como
músico: “Eu toco Saxe alto, então eu acompanhava, eu tocava nos folguedos dos
outros, era pastoril, era ciranda, o que me chamasse eu tava tocando.”(JOÃO
GUABIRABA, 2007). Dada a sua experiência como músico, decide criar sua própria
ciranda em 1972, ainda que somente em 1973 vê-se forçado a comandá-la como
mestre cirandeiro. João da Guabiraba rememora:
Olhe eu comecei a cantar ali em Boa Viagem eu tava com a minha ciranda,
mas a minha ciranda tinha um cirandeiro, [...] (três cirandeiros cantaram na
sua ciranda até 1973) ai João Canindé, ele tava cantando e eu tocando, ai
ele foi descansar um pouquinho e eu fiquei no lugar dele que tinha um
pistom tocando comigo, ai o cara parece que ficou com inveja porque eu
tava ajudando ele, e o povo tava tudo engurujado e quando eu comecei o
povo veio tudo pra roda, ai ele não voltou mais, foi embora eu procurei ele
pra cantar e ele nada.[...] a partir desse dia eu não botei mais Ciranda (
quer dizer Cirandeiro) e fiquei cantando direto. (JOAO GUABIRABA, 2007)
Grifo nosso.
Guabiraba batiza sua ciranda como “Ciranda Mimosa” e, sobre o nome, ele
confidencia: “Mimosa foi o nome que eu botei, eu botei esse nome por que tinha
uma ciranda Dengosa que é a ciranda de Cristina, então eu botei Mimosa porque a
Dengosa não podia brigar com a Mimosa, ela ainda criou um casozinho, mas depois
ficou na dela (risos)” (JOÃO GUABIRABA, 2007).
Muita informação relevante foi nos presenteada nessas três entrevistas, os
mestres tinham mais de 20 anos de comando - mas algumas lacunas ainda
precisavam ser preenchidas. Por isso, seguimos à cidade de Aliança, localizada a 70
km do Recife, na Zona da Mata Norte do estado. Lá encontrei com Mestre Zé Duda,
no espaço chamado, “Ponto de Cultura Estrela de Ouro”
5
.
Naquele momento, não tínhamos o propósito de aprofundar a questão dos
Festivais de Ciranda, mas entender tão somente a dinâmica da ciranda através de
um mestre que não migrara para Recife no período de 1960 a 1980 para comandar
cirandas na capital, mas que aprendeu a brincadeira ainda na década de 1950,
5
Realização de um projeto financiado com recursos do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, através do Fundo
Nacional de Cultura- FNC – e pelo Governo do Estado de Pernambuco, através do Fundo de Incentivo a Cultura da
Secretaria de Educação e Cultura- FUNCULTURA .
44
sendo mestre até a década de 1980, nos terreiros dos engenhos da região da cana-
de-açúcar.
Conforme detalharemos mais adiante, os primeiros estudos sobre a ciranda
dirigem-se a região da mata norte pernambucana. Os mestres, até então
entrevistados aprenderam o oficio na capital, após de a ciranda ter se tornado
conhecida na região metropolitana do Recife. Conclui-se então que a maioria
desconhecia a ciranda até esta ser trazida por estudiosos como Padre Jaime Diniz,
Evandro Rabelo e o mestre cirandeiro Antônio Baracho que, segundo
pesquisadores, foi o difusor dos princípios da ciranda no Recife e nas cidades
vizinhas.
Nesse sentido, a intenção foi voltar à região do berço da ciranda, e
entrevistar pessoas que nasceram e cresceram brincando ciranda na esperança de
obter delas o processo originário da ciranda até os dias atuais. Com esse propósito,
fomos ao encontro de José Bernardo da Silva, mais conhecido como Mestre Zé
Duda, nascido em 1939, em Buenos Aires, cidade da Zona da Mata Norte
pernambucana.
Já na década de 1950, Mestre Duda possuía o titulo de mestre de maracatu,
comandando diversos maracatus da região. Na mesma década, lidera sua primeira
ciranda, junto com os primos percorrendo os engenhos e animando as noites da
região até meados da década de 1970. Zé Duda alternava-se nessas duas
brincadeiras: “Mas eu sempre gostei de ciranda, brincava ciranda, brincava
maracatu, brincava ciranda, brincava maracatu” (ZÉ DUDA, 2007).
Nas etapas seguintes da pesquisa soubemos que o festival de ciranda da
Ilha de Itamaracá na década de 1980, na verdade, eram posteriores aos organizados
pela Empresa Metropolitana de Turismo - Emetur, no Pátio de São Pedro e no Bar
Cobiçado, no Janga - bairro pertencente ao município de Paulista. Diante desses
novos fatos, a Emetur tornou-se mais um de nossos objetos de pesquisa. Registre-
se que a emetur foi extinta em 1979, sendo renomeada como Fundação de Cultura
da Cidade do Recife.
Infelizmente, não encontramos junto à Fundação de Cultura nenhum
material sobre o período da Emetur: os funcionários da época já estavam
aposentados, os atuais nada puderam informar sobre os primeiros. Daí, todas as
notícias aqui referidas à antiga Emetur serem resultado de pesquisa documental
junto aos jornais e Diários Oficiais de novembro de 1967 e abril de 1969.
45
Não havíamos, a princípio, incluido Dona Duda na agenda de entrevistas,
mas no decorrer da pesquisa de campo, seu nome veio à tona diversas vezes,
tornando-se peça fundamental no contexto dos festivais de ciranda. Assim, no dia 19
de setembro de 2007, sem ter nenhum contato prévio dirigimo-nos ao seu Bar.
Conversamos em uma das mesas. Foi uma conversa rápida, mas rica de
esclarecimentos e atualidades - sua biografia e um CD recente de cirandas
lançados em 2004, são dignos de registro.
Encerramos nosso ciclo de entrevistas com Lia de Itamaracá. Foi Beto Reis
seu produtor, quem fez a intermediação de nosso encontro. No dia 21 de setembro
de 2007, no horário marcado, conversamos das 14 as 17horas em sua residência na
praia de Jaguaribe, Ilha de Itamaracá. Fornecemos mais detalhes sobre Dona Duda
e Lia de Itamaracá no transcorrer das páginas seguintes.
46
3. POLÍTICAS PÚBLICAS
Nas próximas seções percorreremos as políticas públicas de Cultura e
Turismo no período em que o governo brasileiro foi comandado pelos militares.
Santos Filho (2004, p.1) acredita que a criação da Embratur – empresa brasileira de
turismo, tinha o fim último de ser um “instrumento ideal para combater a idéia de
ditadura assassina que os setores da sociedade nacional e internacional
denunciavam.” Não será entretanto, objeto de nossa análise observar os
direcionamentos políticos que encobriam as barbáries ocorridas naquele período.
Estamos mais interessados em direcionar o olhar para as repercussões
dessas políticas públicas na cultura popular. procuramos, evidenciar as atividades
relacionadas diretamente à Cultura Popular, e demonstrando como ocorreu o
entrelace das atividades das políticas públicas de cultura e turismo, e suas funções.
E de resto, sublinhar como essas políticas se apresentaram no governo
pernambucano, no contexto particular da Empresa de Turismo de Pernambuco e
Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade de Recife (Empetur e Emetur,
respectivamente).
3.1 1964 – Políticas públicas de cultura
Antes de 1964, houve algumas tentativas de formulação de políticas públicas
voltadas à cultura. Exemplo disso foi a iniciativa de Mário de Andrade, seja por
pensar e criar o Departamento de Cultura no Município de São Paulo em 1935, seja
por auxiliar na criação da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), em 1937. O intuito de tais ações era o preservar o patrimônio histórico
brasileiro e a atuação do Movimento de Cultura Popular - MCP em Pernambuco.
Entretanto, é somente após 1964 que entram em cena ações voltadas à cultura em
geral, fomentando-se o entendimento de que o patrimônio vai além da pedra e cal.
A economia brasileira, no período político dominado pelos militares, tem um
crescimento significativo, em particular entre 1970 e 1973, época do chamado
“milagre brasileiro”. É nesse período que a classe média se amplia, aumentando-se
o consumo de bens materiais, enquanto a população via-se concentrada nos centros
urbanos. Tais mudanças trouxeram novas perspectivas de estudo no que diz
respeito à produção e disseminação de bens simbólicos. Assim, nesse novo cenário,
47
a cultura se insere no processo de planejamento nacional (ORTIZ, 2006, p. 82).
A nova realidade política brasileira repercute em mudanças e ações na
política cultural; tem início um processo de planejamento das políticas
governamentais onde a cultura assume lugar de destaque. “As produções culturais
no Brasil, que anterior ao golpe militar eram restritas e para poucos, tornam nesse
momento pós-golpe, uma dimensão nacional.” (ORTIZ, 2006, p. 82). O crescimento
populacional, o incremento industrial e a necessidade de mão de obra qualificada,
exigiam uma política de planejamento cultural que atingisse maior número de
pessoas.
Devido a esse novo direcionamento, foi criado, em 1966, o Conselho Federal
de Cultura - CFC, por meio do Decreto-lei 74, de 21 de novembro, competindo a ele:
a)formular a política cultural nacional;
b)articular-se com os órgãos federais, estaduais e municipais, bem como
as Universidades e instituições culturais, de modo a assegurar a
coordenação e a execução dos programas culturais;
c)decidir sobre o reconhecimento das instituições culturais, mediante a
aprovação de seus estatutos;
d)promover a defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico
nacional;
e)conceder auxílios e subvenções às instituições culturais oficiais e
particulares de utilidade pública, tendo em vista a conservação de seu
patrimônio artístico e a execução de projetos específicos para a difusão da
cultura cientifica, literária e artística;
f)promover campanhas nacionais que visem ao desenvolvimento cultural e
artístico
g)manter atualizado o registro das instituições culturais oficiais e
particulares e dos professores e artistas que militam no campo das
ciências, das letras e das artes;
h)proceder à publicação de um boletim informativo de natureza cultural;
i)informar sobre a situação das instituições particulares de caráter cultural
com vistas ao reconhecimento de subvenções concedidas pelo Governo
Federal;
j)reconhecer, para efeito de assistência e amparo através do Plano
Nacional de Cultura, às instituições culturais do país, cujo reconhecimento
se dará mediante solicitação da instituição interessada;
k)estimular a criação de Conselhos Estaduais de Cultura e propor
convênios com esses órgãos, visando ao levantamento de necessidades
regionais e locais, nos diferentes ramos profissionais, e ao
desenvolvimento e integração cultural do País;
l)apreciar os planos de parcerias de trabalho elaborados pelos órgãos
culturais do Ministério da Educação e Cultura, com vistas a sua
incorporação a um programa anual do Ministério da Educação e Cultura, a
ser aprovado pelo Ministro de Estado;
m)elaborar o Plano Nacional de Cultura, com os recursos oriundos do
Fundo Nacional da Educação, ou de outras fontes, orçamentárias ou não,
colocadas ao seu alcance;
n)promover sindicâncias, por meio de comissões especiais, nas instituições
culturais oficiais ou particulares, estas últimas desde que incluídas no
Plano Nacional da Cultura, e sempre tendo em vista o bom emprego dos
recursos recebidos;
48
o)elaborar o seu regimento a ser aprovado pelo Presidente da Republica;
p)emitir pareceres sobre assuntos e questões de natureza cultural que lhe
sejam submetidos pelo Ministro da Educação e Cultura;
q)submeter à homologação do Ministro da Educação e Cultura os atos e
resoluções aprovados em plenário, sempre que fixem doutrina ou norma de
ordem geral;
r)promover intercâmbio com entidades estrangeiras, mediante convênios
que possibilitem: exposições, festivais de cultura artística e congressos de
caráter cientifico, artístico e literário;
s)superintender, ouvido o Ministério das Relações exteriores, cursos e
exposições de cultura brasileira no exterior;
t)promover, articulando-se com os Conselhos Estaduais de Cultura,
exposições, espetáculos, conferências e debates, projeções
cinematográficas e toda qualquer outra atividade, dando, também, especial
atenção o meio de proporcionar melhor conhecimento cultural das diversas
regiões brasileiras. (BRASIL, 1966a)
Em suma, enfoque principal desse período foi definido como sendo a defesa
da cultura. A função primária do Sistema Nacional de Cultura - SNC e do Conselho
Federal de Cultura - CFC seria conservar o acervo cultural já constituído e manter
viva a memória nacional, assegurando a perenidade da cultura brasileira. Essa é a
razão de, no inicio de suas funções, o CFC se concentrar em normatizar os auxílios
financeiros destinados às instituições que se incumbiriam da conservação e guarda
do patrimônio nacional (ORTIZ, 2006, p. 97).
Diz ainda: “Não é por acaso que os institutos Históricos e Geográficos
cultivam a memória dos grandes nomes da história nacional, e que os folcloristas se
voltam para o estudo das tradições populares.” (ORTIZ, 2006, p. 96). Eles existem
para manter certas tradições, certos eventos que estão intimamente ligados ao tipo
de sociedade que se deseja preservar.(ORTIZ, 2006)
Essa visão do Conselho Federal de Cultura vem dos intelectuais que a ele
pertenciam, que estavam disponíveis para pensar esse processo diante do golpe
militar, os chamados tradicionalistas. Tomaram posse como conselheiros: Adonias
Filho, Afonso Arinos, Ariano Suassuna, Arnaldo Schoor, Arthur Reis, Augusto Meyer,
Cassiano Ricardo, Clarival Valladares, Djacir Lima Menezes, Gilberto Freyre,
Gustavo Corção, Helio Viana, João Guimarães Rosa, José Candido de Andrade
Muricy, Josué Montello, D. Marcos Barbosa, Manoel Diegues Junior, Moysés
Vellinho, Otavio de Faria, Pedro Calmon, Raquel de Queiroz, Raymundo de Castro
Maia, Roberto Burle Marx, Rodrigo Mello Franco, todos de reconhecida importância
e projeção nacional.
Esses intelectuais se dividiam por quatro campos de ação: Artes, Letras,
49
Ciências Humanas e Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A volta ao
tradicionalismo, quer dizer, à defesa da tradição ou do reafirmar o que já foi
estabelecido, dá ao governo militar a permissão de “estabelecer ligação entre o
passado e o presente [...], colocando o movimento de 1964, como continuidade e
não uma ruptura” (ORTIZ, 2006, p. 91). Possibilita, também, o retorno à valorização
das tradições da chamada cultura popular, pois o popular representaria a essência
da tradição e da identidade brasileira (ORTIZ, 1994, p.105).
A primeira iniciativa prática do Centro Federal de Cultura (CFC) foi o
incentivo à criação de conselhos estaduais de cultura, e esse estímulo era
caracterizado por projetos de parceria que só poderiam ser firmados com os órgãos
de cultura locais. Esse intento promoveu o aumento significativo de órgãos de
cultura nos estados, passando-se de 2 conselhos estaduais para 22, promoveu-se,
também, um íntimo relacionamento entre os conselhos de cultura estadual e as
políticas do Conselho Federal de Cultura.
Tomada essa primeira iniciativa, o CFC passa a contribuir na criação de
instituições culturais locais; daí, surgem os projetos de criação de casas de cultura,
que teria como finalidade ser um catalisador de informações culturais locais
(CALABRE,2006). Sobre as casas de cultura, Ortiz (2006, p. 87) relata que estavam,
na maioria dos casos, associados às grandes empresas turísticas, que tinham como
finalidade explorar economicamente as atividades folclóricas e os produtos
artesanais. Nesse momento podemos observar o início do entrelace das políticas
culturais com a política de turismo.
Assim, mesmo tendo intelectuais em seu corpo de ações, o CFC não
buscava discussões acadêmicas sobre a cultura, e sim um caráter executivo de
criação de ações para o desenvolvimento econômico a partir de ações culturais
(CALABRE, 2006). Sobre isso Ortiz (2006, p. 108) diz que:
A incapacidade dos intelectuais tradicionais de elaborarem um plano
nacional de cultura não é causal, mas estrutural, por isso o Estado se volta
para um novo tipo de intelectual, aquele que representa a possibilidade real
de consolidação de uma organicidade política e ideológica: os
administradores.
Ações efetivas desse Conselho, criado em 1966, na prática, somente são
vistas na década de 1970, pois fica evidenciado, que a política de esquerda do Brasil
tinha relativa hegemonia na área cultural. O Regime Militar passou, nos últimos anos
da década de 1960, a reprimir as ações culturais que vinham do período anterior.
50
Foram promulgadas, logo após o golpe, leis e portarias que instituíram controle de
várias áreas sociais e extinguiram diversas ações culturais consideradas subversivas
(ORTIZ, 2006, p. 90). A respeito das intenções governamentais sobre a cultura,
Cohn (1984, p. 88) afirma que: “A busca de uma política nacional de cultura
realmente existe nessa fase crucial dos anos 70, e seu objetivo era bem definido: a
codificação do controle sobre o processo cultural”.
Calabre (2006, p. 11) argumenta ainda que:
Segundo a percepção do CFC, a cultura era uma área estratégica para as
políticas de governo, principalmente tendo em vista ser esta um dos
elementos garantidores da segurança nacional. As propostas do órgão
estão voltadas para uma definição de cultura nos padrões eruditos, sem
descartar as contribuições mais diversas para a formação do caráter do
“ser brasileiro”.
Em 1970 ocorreu a criação do Departamento de Assuntos Culturais (DAC).
Estavam subordinados a ele o Museu Histórico Nacional, o Instituto do Livro, a
EMBRAFILME, o Serviço Nacional do Teatro, o IPHAN (ainda nos moldes do antigo
Sphan).
Nesse mesmo ano em Pernambuco, é fundado o Movimento Armorial,
idealizado pelo escritor e teatrólogo Ariano Suassuna, com o objetivo de valorizar a
cultura popular nordestina, buscando “realizar uma arte brasileira erudita a partir das
raízes populares da cultura do País.” (Suassuna, 1974, p. 9). O movimento surgiu
em âmbito universitário, entretanto transcendeu as esferas acadêmicas tornando-se
uma política cultural com o apoio da prefeitura de Recife e da Secretaria de
Educação do Estado de Pernambuco.
O Movimento Armorial buscava aliar a arte popular com os instrumentos da
cultura dita erudita, e usa como argumentação para sustentação e legitimação do
movimento, a seguinte justificativa:
As correntes estrangeiras e cosmopolitas querem obrigar os brasileiros a
se envergonharem de suas peculiaridades, de suas singularidades. Só o
povo é que mantém, até os dias de hoje, essas características brasileiras,
que, nós, atualmente, procuramos defender e recriar, contra a corrente
europeizante e cosmopolita, o que fazemos procurando ligar nosso
trabalho de escritores e artistas criadores à arte e à literatura e aos
Espetáculos Populares.(SUASSUNA, 1974, p. 68)
O Movimento estimulou a pesquisa junto à cultura popular pernambucana, tanto na
arte, literatura, dança, música, pintura, escultura, no cinema,na arquitetura e
tapeçaria, o que ocasionou projetos arquitetônicos, gravura, a criação do Balé
Armorial do Nordeste, da Orquestra Armorial de Câmara, da Orquestra Romançal,
51
dentre outras. Esse movimento tem grande expressão no âmbito estadual,
repercutindo aos dias atuais, é discutido e promovido pela academia e pelos órgãos
públicos.
Voltando ao direcionamento nacional, o Departamento de Assuntos Culturais
promoveu o primeiro Programa de Ação Popular (PAC), em 1973, com o objetivo de
preservar o Patrimônio Histórico e Artístico, incentivar a criatividade e a difusão das
atividades artístico-culturais e capacitar recursos humanos, para: “não apenas uma
abertura de crédito, financeiro e político, a algumas áreas da produção cultural até
então desassistidas pelos demais órgãos oficiais, mas uma tentativa de degelo em
relação aos meios artísticos e intelectuais.” (MICELI, 1984, p. 55).
O PAC desenvolveu um calendário de espetáculos em diferentes áreas da
produção cultural para ser apresentado em todo o Brasil, com o intuito de incentivar
o intercâmbio regional com dotação orçamentária do Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação (MICELI, 1984, p. 64).
Em 1973, também foi criado o Programa Integrado de Reconstrução das
Cidades Históricas do Nordeste (PCH), com orçamento proveniente do Fundo de
Desenvolvimento de Projetos Integrados.Em Pernambuco é criada a Fundação do
Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), com a finalidade de
incentivar a cultura e proteger os monumentos históricos e artísticos do estado.
Finalmente, em 1975, é publicada a Política Nacional de Cultura, com a
proposta de promover “a preservação do patrimônio, o incentivo à criatividade e a
difusão das criações e manifestações culturais.” (COHN, 1984, p. 91). Essa política
tinha como princípios dez medidas básicas, direcionadas à: criação de serviços
nacionais de música, artes plásticas e folclore; criação de um fundo nacional de
desenvolvimento da cultura; criação de casas de cultura em centros de influência
regional; colaboração de universidades e ao financiamento de projetos de natureza
cultural (COHN, 1984, p. 91).
Nessa mesma época, acontece a criação do Centro Nacional de Referência
Cultural (CNRC), por iniciativa de Aluísio Magalhães. Não foi uma ação do Ministério
de Educação e Cultura, como vinha sendo até então, mas uma iniciativa externa,
inicialmente apoiada pelo Ministério de Indústria e Comércio, onde estava lotado o
Departamento de Turismo, não como instituição, mas como instância de apoio. Foi
firmado um convênio do Ministério de Indústria e Comércio com a Secretaria de
Planejamento da Presidência da Republica, envolvendo ainda os Ministérios de
52
Educação e Cultura, da Indústria e Comércio, do Interior, das Relações Exteriores,
assim como a Caixa Econômica Federal, a Fundação Universidade de Brasília e a
Fundação Cultural do Distrito Federal. A equipe do CNRC era formada por
designers, físicos, antropólogos, sociólogos, entre outros (FALCÃO, 1984, p. 31).
Reforçava uma política voltada ao desenvolvimento econômico pela cultura:
O fato de a nova política federal de Preservação do Patrimônio Histórico e
Artístico ter surgido no MIC não indica apenas o compromisso com a nova
política de preservação dotada de um espírito empresarial e
economicamente viva, isto é, integrada ao quotidiano econômico do
cidadão brasileiro. Indica mais. Por um lado, reconhece que qualquer
intervenção na área de preservação cultural, para ser nacionalmente
abrangente, necessita de recursos e do poder de regulamentação do
Estado. Por outro, reconhece que o Ministério da Educação e Cultura
permanecia ainda, operacionalmente conservador, culturalmente
tradicionalista e submisso ao controle político-ideológico do regime.
(FALCÃO, 1984, p. 32).
No ano de 1975, é criada a Funarte - Fundação Nacional das artes, com a
finalidade de promover, estimular e desenvolver atividades culturais em todo o
Brasil. Com três linhas de atuação, duas delas destinadas a atender os artistas
plásticos e os músicos eruditos, dá início à criação de um órgão público que
representasse essa categoria. A terceira linha de atuação receberia de outro órgão a
responsabilidade de promover as atividades que vinham sendo organizadas em
torno da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro desde 1958. Nessa época,
suas atividades englobavam música popular e erudita, e artes plásticas e visuais. A
Funarte convivia com o Instituto Nacional de Folclore -INF, Fundação Nacional de
Artes Cênicas - Fundacen e com a Fundação do Cinema Brasileiro -FCB, todas
ligadas ao Ministério da Educação e Cultura, posteriormente transformado em
Ministério da Cultura.
Em 1976, foi realizado o “Primeiro Encontro de Secretários Estaduais de
Cultura”, e em 1978, a Diretoria de Assuntos Culturais - DAC é transformada em
Secretaria de Assuntos Culturais. A nova Secretaria é composta pelas subsecretarias
de Desenvolvimento Cultural, de Estudos, Pesquisa e Referência Cultural e de
Planejamento, incorporando funções e o acervo do DAC. Tinha como órgãos
subordinados o Instituto Nacional do Livro, a Biblioteca Nacional, o Museu Histórico
Nacional, o Museu Imperial de Petrópolis e, de resto, supervisionava a Embrafilme e
a Funarte (MICELI, 1984, p. 60).
Diante dessa nova dinâmica cultural, ocorriam transformações de enfoque
nos estudos sobre cultura popular e nas formas de incentivo à publicação. Por
53
exemplo, a Funarte lança uma série de livros sobre o folclore brasileiro, tendo
Renato Almeida como editor. A partir de1977 lança a coleção Folclore Brasileiro, com
oito livros que abordam o folclore nos estados de Alagoas, Maranhão, Rio Grande do
Norte, Piauí, Goiás, Ceará, Espírito Santo e Pernambuco.
A publicação de Pernambuco apresenta uma introdução histórica do estado,
a reconstrução das etnias pernambucanas e o que cada uma delas contribui para a
cultura do estado através de mitos, lendas, linguagens, danças, músicas, etc. Apesar
de iniciar o título informando que o folclore pernambucano pode ser dividido nos
ciclos momesco, quaresmal, junino e natalino, Valente (1979) segue a ordem do
Plano editorial formulado pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, que
possui uma outra forma de organizar as informações sobre o folclore.
Seguindo essas orientações, o livro aborda as danças folclóricas, os
folguedos folclóricos, cultos populares, arte e artesanato folclóricos, culinária e
outras manifestações. Das manifestações populares descritas pelo livro constam:
Coco, Quadrilha, Pastoris, Lapinhas e Presépios, Fandango, Bumba-meu-boi,
Mamulengo, brincadeiras infantis e medicina popular. Sobre o carnaval
pernambucano descreve as brincadeiras populares, em especial os caboclinhos,
maracatus, blocos, clubes, troças carnavalescas, passando ainda pela vaquejada,
cavalhada, bacamarteiros, serração do velho e malhação de judas e finaliza com o
calendário de festas tradicionais de Pernambuco. Podemos observar que a ciranda
não é abordada nesta obra.
A Secretaria de Assuntos Culturais - SAC define sua área de influência em
dois pontos: institucional e comunitária. O primeiro volta-se à promoção de eventos,
o que já vinha sendo feito, como o apoio a produções artísticas e o incentivo a
produções culturais; o segundo, destina-se às populações de baixa renda, com o
intuito de garantir mercado para as produções populares. Sobre isso Ortiz adverte:
“a ação comunitária revela assim um primeiro sentido: trata-se de se transformar em
bens rentáveis a produção popular.” (2006, p.119).
Em 1979, o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do
Nordeste- PCH, transfere-se para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – Iphan; também, nesse ano é criada a Fundação Pró-Memória, devido ao
novo direcionamento do Iphan, para “estudar, registrar e impulsionar as atividades
culturais vivas” (apud CALABRE, 2006) e a Secretaria de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
54
3.2. Pós 1964 / Políticas públicas de turismo
O turismo foi objeto, também, de algumas tentativas de criação de políticas
públicas anteriormente ao golpe de 1964. É o caso da Comissão Brasileira de
Turismo - Combratur, criada em 1958, com o objetivo de coordenar, supervisionar e
estudar a movimentação de turistas no país, proporcionando, assim, as primeiras
diretrizes nacionais para o turismo. Tal comissão, no entanto, não foi bem-sucedida
sendo extinta em 1961 (SOLHA, 2002, p.138).
Outras tentativas de regulamentação da atividade turística foram realizadas
em 1965, com a primeira legislação federal que regulamentou a atividade dos
agentes de viagens e operadores de Turismo. Tal iniciativa adveio da divisão de
Turismo e Certames, subordinada à Secretaria de Comércio do Ministério da
Indústria e do Comércio.
A Política Pública de Turismo obtém um salto significativo como já dissemos
anteriormente, com a criação do Projeto de Lei de 1966, que instaura o Conselho
Nacional de Turismo - Contur e a Empresa Brasileira de Turismo - Embratur,
alinhada ao Plano de ação econômica do Governo – PAEG. Torna-se claro que as
políticas públicas implantadas nos governos militares estão ligadas à política maior
de desenvolvimento econômico. “O turismo saía de uma quase marginalização, de
uma atividade secundarista para ser considerado uma atividade econômica de
interesse nacional.” (SILVEIRA, 1975, p.12).
O turismo é concebido como indústria, importante para o desenvolvimento
do país, um agente estratégico capaz de contribuir para a diminuição dos desníveis
econômicos regionais. Com tal demarcação, a atividade turística consolida seu
direito de arrecadar recursos de incentivos fiscais. Para fomentar e promover o
desenvolvimento desse setor nascente no Brasil o governo brasileiro,divulgou de
forma maciça os resultados positivos da economia européia obtidos através da
atividade turística, enfatizando particularmente os números da economia espanhola.
O discurso das políticas de turismo brasileiro estava em sincronia com a
literatura sobre a atividade naquele período, que era basicamente confeccionada por
economistas, ressaltando-se os aspectos positivos da atividade turística, o que
Barretto (2002, p. 89) denomina “visão praticamente messiânica do Turismo”. As
iniciativas do Contur e Embratur ocorrem no mesmo contexto de articulações da
55
cultura, com a implantação do Conselho Federal de Cultura para a formulação de
uma Política Nacional de Cultura.
O ConTur teria como objetivos:
a) formular as diretrizes básicas a serem obedecidas na política nacional
de turismo;
b) participar de entidades internacionais de turismo;
c) conceder a autorização para a exploração dos serviços turísticos, em
todo o território nacional;
d) expedir normas de disciplina e fiscalização das operações da
EMBRATUR das sanções decorrentes do não cumprimento das obrigações
contraídas pelos mutuários;
e) baixar resoluções, atos ou instruções regulamentares deste Decreto-lei,
inclusive as que forem necessárias pelo exercício de suas funções;
f) examinar, julgar e aprovar as contas que lhe forem apresentadas
referentes aos planos de trabalho executados;
g) aprovar o plano geral de aplicação dos recursos da EMBRATUR e
homologar os contratos e convênios realizados pela aludida empresa;
h) modificar, suspender ou suprimir exigências administrativas ou
regulamentares com a finalidade de facilitar e estimular as atividades de
turismo, baixando as normas necessárias;
i) opinar na esfera do Poder Executivo ou quando consultado por
qualquer as Casas do Congresso Nacional sobre o anteprojeto e projetos
de lei que se relacionem com o turismo ou dotem medidas que neste
possam ter implicações;
j) aprovar o projeto dos Estatutos da Empresa Brasileira de Turismo
(Embratur) e suas eventuais alterações, submetendo-as à aprovação do
Presidente da Republica, mediante decreto;
k) aprovar o aumento de capital da Empresa Brasileira de Turismo,
sempre que necessário;
l) aprovar planos de financiamento e convênios com instituições
financeiras e autarquias bancárias autônomas, depois de ouvido o
Conselho Monetário Nacional ou o Banco Central da República do Brasil;
m) organizar o regimento interno. (BRASIL, 1966)
Resumindo, a ConTur teria a função de formular e coordenar a Política
Nacional de Turismo, competindo a ele, também: elaborar diretrizes básicas a
serem obedecidas pelo Plano Nacional de Turismo (PNT); baixar resoluções, atos ou
instruções regulamentares; estabelecer procedimentos a serem adotados para a
concessão de estímulos fiscais e financeiros.
A Embratur, também criada em novembro de 1966, como Empresa Brasileira
de Turismo, estava estabelecida no Ministério da Indústria e do Comércio. Sua
criação foi justificada com base na contribuição que o turismo daria à economia
nacional, podendo trazer novas fontes de divisas e empregos, e pela necessidade
de haver um órgão que pudesse tratar da ampliação do parque hoteleiro e da
fiscalização de agências de viagens.
Cabia à Embratur, segundo o Art. 13:
56
a) fomentar e financiar diretamente as iniciativas, planos, programas e
projetos que visem o desenvolvimento da indústria do turismo, na forma
que for estabelecida na regulamentação deste Decreto-lei ou como
resoluções do Conselho Nacional do Turismo;
b) executar todas as decisões, atos, instruções e resoluções expedidas
pelo conselho;
c) celebrar contratos, estudos e convênios, autorizados pelo Conselho,
com entidades publicas e privadas, no interesse da indústria nacional de
turismo e da coordenação de suas atividades;
d) estudar de forma sistemática e permanente o mercado turístico, a fim de
contar com os dados necessários para um adequado controle técnico;
e) organizar, promover e divulgar as atividades ligadas ao turismo;
f) fazer registro e fiscalização das empresas dedicadas à industria de
turismo, satisfeitas as condições fixadas em normas próprias;
g) estudar propor ao Conselho Nacional de Turismo os atos normativos
necessários ao seu funcionamento;
h) movimentar os recursos da Empresa dentro das diretrizes traçadas pelo
Conselho, autorizando a realização de despesas e o respectivo
pagamento, devendo esses papéis serem firmados em conjunto pelo
Presidente e Diretor. (BRASIL, 1966)
Em 1967, o Decreto-lei 60.224 é regulamentado, cabendo a Embratur
“estudar e propor atos normativos necessários à promoção da Política Nacional de
Turismo e, assim, aqueles que digam respeito ao seu funcionamento”. As diretrizes
da Política Nacional de Turismo dessa época encontram-se no Decreto-lei
60.224/67, art. 3º:
a) promover junto aos órgãos competentes a programação e a execução das
obras de infra-estrutura tendo em vista o aproveitamento, para finalidades
turísticas, dos recursos naturais do País;
b) assentar os lineamentos que permitam caracterizar as atividades turísticas
e dar homogeneidade à terminologia da industria turística;
c) interferir junto ao poder competente para regulamentação adequada do
exercício das atividades e profissões vinculadas ao turismo;
d) estudar a dinâmica do turismo para servir de base ao desenvolvimento das
atividades que lhe sejam inerentes bem como de outras de relevância
econômica;
e) criar condições de melhoria de recursos turísticos mediante financiamento
e estímulos às iniciativas a eles relacionadas;
f) fiscalizar as atividades ligadas a industria de turismo de acordo com a
legislação em vigor. (BRASIL, 1967).
Sobre esse período, Rezende (1991,p.77) afirma que:
[...]apoio do governo brasileiro ao turismo deu-se predominantemente, de
duas formas: pela concessão de vantagens financeiras para a expansão
dos investimentos voltados para a melhoria das condições de hospedagens
e pela execução de um grande programa de melhoria dos aeroportos.
Além de financiar a hotelaria nacional, foi feito um grande projeto de
57
regulamentação dos hotéis do país, prescrevendo-se as áreas onde deveriam se
instalar prioritariamente, com destaque, a Capital Federal, e as capitais dos estados
com potencial ambiental e cultural e próximos a aeroportos (CRUZ, 2002, p. 54).
À Embratur também cabia incentivar a criação de conselhos e empresas de
turismo nos estados brasileiros. Para tal intento, foi organizado o Primeiro Encontro
Oficial de Turismo Nacional, realizado em outubro de 1966, reunindo representantes
de todos os governos estaduais, assim como hoteleiros, transportadores e agentes
de viagens. Como resultado desse encontro “vários estados que não possuíam
organismos turísticos, ou onde a atividade não era reconhecida, resolveram integrar-
se ao Sistema Turístico Nacional.” (SILVEIRA, 1975, p. 23).
Seguindo o modelo de organização da Embratur, surgem as empresas de
turismo estaduais, como a Empresa de Turismo de Pernambuco - Empetur (1967), a
Bahiatursa (1968), dentre outras. Por sua vez estas incentivaram a formação de
departamentos municipais de Turismo, surgindo, assim, em Recife, a Empresa
Metropolitana de Turismo do Recife - Emetur (1968).
A Embratur passou, além disso, a coletar e organizar um registro sistemático
da entrada de turistas no país e nos estados. Volta-se para a regulamentação da
hotelaria nacional, agência de viagens e outros setores vinculados à atividade
turística, com o objetivo de regulamentar o turismo no país, cumprindo, portanto, as
diretrizes do Plano Nacional de Turismo.
Algumas ações realizadas durante esse período aproximam, as políticas de
cultura e turismo das diretrizes do CFC e o Contur, especialmente quando os
Conselhos Nacionais de Cultura e de Turismo. Como detalhamos mais à frente,
ambas tornaram iniciativas voltadas para ações junto à cultura popular, no âmbito da
Empetur e da Emetur.
O Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do
Nordeste, criado em 1973, recomendava que fossem disponibilizados recursos para
o apelo ao turismo (MICELI, 1984, p. 77), proporcionando a entrada dos órgãos de
turismo nas discussões sobre as reutilizações do patrimônio nacional. Neste
contexto, Aluisio Magalhães (apud ORTIZ, 2006, p. 118), diretor do programa na
época, afirma:
Um dos objetivos será o de transformar os bens da união em bens
rentáveis, logicamente quando for possível e não oferecendo riscos ao
imóvel (...) levantaremos os imóveis que poderão ser transformados em
58
albergues turísticos e entregues, por contrato, às companhias hoteleiras
para a exploração comercial e que deverão ser conservados.
Os projetos de criação de casas da cultura, frutos da Política Nacional de
Cultura, foram, na sua maioria, subsidiados e administrados pelos órgãos de turismo
oficiais de cada região. Sobre esse período, Ortiz relata: “A política do turismo tem
um impacto importante no processo de mercantilização da cultura popular, [...],
sobretudo no nordeste [...]; procuram explorar as atividades folclóricas e os produtos
artesanais.” (ORTIZ, 2006, p. 87).
A proposta da Secretaria de Assuntos Culturais voltadas à população de
baixa renda, no intuito de proporcionar mercado para as produções artísticas
populares, convoca o mercado turístico a ter papel fundamental nesse processo,
propiciando ações voltadas a garantir tal mercado. O turismo entra nessa conjuntura
cultural como receptáculo econômico para as manifestações da cultura brasileira.
“Procura-se dessa forma integrar uma política de cultura a uma política de turismo, e
em parte resolver o descompasso entre os investimentos do capital e o consumo
lucrativo de bens culturais” (ORTIZ, 2006, p.118). Essas ações podem ser vistas de
forma clara nas atuações ficam bem evidenciadas no âmbito da Empresa de
Turismo de Pernambuco e na Empresa Metropolitana de Turismo do Recife.
3.3 Empresa de Turismo de Pernambuco - Empetur
Em Pernambuco, acompanhando os direcionamentos emitidos pelo Governo
Federal, no dia 3 de novembro de 1967, é criada a Empresa de Turismo de
Pernambuco, ligada à Secretária de Indústria e Comércio, a fim de executar uma
política estadual de turismo, regida pela Política Nacional de Turismo, com os
seguintes objetivos, conforme o Diário Oficial do Estado:
a) executar as diretrizes estabelecidas pela política de estímulo ao
desenvolvimento do turismo no estado;
b) analisar o mercado turístico e planejar o seu desenvolvimento,
definindo as áreas, empreendimentos e ações prioritárias a serem
estimuladas e incentivadas;
c) apoiar, promover e divulgar o produto e o potencial turístico do estado,
no âmbito estadual, nacional e o potencial turístico do estado;
d) prestar orientação técnica e jurídica a empreendimentos turísticos do
Estado;
e) viabilizar a exploração dos recursos turísticos do estado, induzindo,
promovendo a implantação dos serviços básicos e de infra-estrutura em
áreas de interesse turístico, através da articulação com o estado e com os
59
municípios;
f) coletar, processar e divulgar dados sobre as atividades turísticas do
estado com a finalidade de orientar a política governamental e a iniciativa
privada voltadas para o setor turístico;
g) classificar e manter atualizado o cadastro das empresas e atividades
turísticas em sintonia com a legislação em vigor;
h) apoiar, promover e divulgar a realização de eventos de interesse para o
desenvolvimento do turismo no Estado, podendo conceder prêmios de
incentivo;
i) apoiar e promover programas de recepção de autoridades, investidores
e profissionais, cuja visita seja considerada de real interesse para o
desenvolvimento turístico de Pernambuco
j) estimular iniciativas destinadas a preservar o ambiente natural, social e
cultural dos locais turísticos e das populações atingidas pelo seu
desenvolvimento e articulação com os demais órgãos e entidades
competentes;
k) orientar e incentivar programas de formação e capacitação de recursos
humanos para atender ao desenvolvimento das atividades turísticas no
Estado;
l) fiscalizar, por delegação de competência, o cumprimento das
decisões, atos, instruções e resoluções emanadas dos órgãos federais, na
forma de legislação aplicável;
m) promover e incentivar a criação e o desenvolvimento do ensino técnico
profissional de atividades e profissões vinculadas ao turismo;
n) planejar, orientar e coordenar as atividades ligadas ao fomento da
atividade turística;
o) orientar e coordenar a elaboração de projetos que visem à obtenção de
estímulos fiscais ou financeiros vinculados ao turismo;
p) coordenar e executar projetos de interesse turístico. (PERNAMBUCO,
1967).
Para o que nos interessa aqui aprofundar, destacaremos a atuação da
Empetur junto às artes populares de Pernambuco, cujo objetivo era de “valorizar a
Cultura Popular, sob seus múltiplos aspectos de folclore, artesanato, arte popular e
gastronomia.” (apud MAURICIO, 1978, p.19). A finalidade básica, esclarece ainda o
autor era fazer o turista assistir as manifestações folclóricas e conhecer os objetos
de artesanato folclórico (apud MAURICIO, 1978, p.19).
Com a inauguração da Empetur em 1967, e da Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe em 1973, evidencia-se a grande
influência da Empetur sobre as ações de cultura, vemos o quanto o turismo e a
cultura vão juntas no escope de atuação e na política dessa instituição.
João Batista, funcionário da Empetur, desde sua fundação, em entrevista
concedida para esta pesquisa, fornece algumas explicações acerca dos motivos
pelos quais a Empetur trabalha sempre próxima à cultura pernambucana:
Nós tivemos duas pessoas que a gente pode dizer que formou a espinha
dorsal da EMPETUR, um foi Olimpio Bonald, né, Poeta, intelectual,
olindense, não é, pessoa profundamente ligada aos movimentos culturais
sempre efeverscente de Olinda, e o outro Francisco Bandeira de Melo, [...]
60
é dentro de qualquer trabalho voltado para o Turismo de Pernambuco, ele
tem que ser referencia não é, primeiro porque ele é um intelectual com uma
larga experiência no exterior, ele morou muito tempo em Genebra, e
segundo ele é um poeta, assim como Olimpio, de uma
sensibilidade...(BATISTA, J. 2007)
Percebe-se, então, que, já no início da formação a Empetur, que planejaria
e organizaria o turismo pernambucano, estaria vinculada diretamente às políticas de
cultura, o que se reflete na escolha de seus primeiros diretores, intelectuais com
veias artísticas e que possuíam uma inclinação a trabalhar a cultura nos moldes
propostos pelo Conselho Federal de Cultura, ou seja, trabalhar para o
desenvolvimento econômico das atividades culturais.
Esta inclinação às artes populares do estado, segundo Olimpio Bonald Neto
está embasada na relevância da cultura popular como produto turístico, “por ter-se
aqui aspectos diferenciais capazes de atrair visitantes e fazer o visitante permanecer
aqui.” (apud MAURICIO, 1978, p.19). Idéia essa que é reforçada em depoimento
concedido por João Batista: “no seu primórdio, no seu principio, ele [Empetur]
envereda-se pela potencialidade turística do estado, elegendo a sua cultura como
produto a ser vendido” (JOÃO BATISTA, 2007, grifo nosso ).
Um dos primeiros passos da Empetur seguia, de certa forma, as políticas de
cultura e turismo do Governo Federal, no sentido de catalogação das
potencialidades turísticas e das manifestações culturais do país; logo a Empetur vai
a campo para coletar tais informações no território pernambucano. Diante disso, nos
seus primeiros quatro anos de trabalho, foi realizado o primeiro inventário turístico
do estado, visando identificar suas potencialidades turísticas, tanto em termos de
recursos naturais quanto culturais, do mar ao sertão. A esse respeito Bonald Neto
(1982, p. 5) diz:
Praticamente todas as cidades do Litoral, do Agreste e do Sertão foram
visitadas, muitas, mais de uma vez. Autoridades e líderes comunitários
contatados; e prefeitos, vigários, professoras, escrivãos, jornalistas matutos,
artesãos, Poetas populares, cantores, pais e mães de Santos, curandeiros e
benzedeiras, ex-cangaceiros e antigos combatentes das Volantes, vaqueiros
dos campos abertos e mestres pescadores foram escutados, anotados,
gravados e fotografados. Fazia-se o retrato “corpo inteiro” das raízes, da
intimidade, dos alicerces da memória e da tradição vivas de Pernambuco.
Depois desse inventário, a ação seria “examinar maneiras de poder vender
61
essa cultura popular com o mínimo de deturpação, o mínimo de prejuízo.” (apud
MAURICIO, 1978, p.37).
Nas palavras de Bonald Neto, é visível a postura da política
de cultura do CFC, em manter viva a memória nacional, sendo necessário, dessa
forma, a catalogação, o estudo. Percebe-se no discurso do então diretor de
planejamento turístico da Empetur, a apropriação de certa forma do discurso do
tradicionalismo, enraizado ideologicamente na execução desse inventário, a
exemplo de termos utilizados na sua execução e justificativa como: “alicerces da
memória” e “tradição viva”.
Sobre a estrutura para a realização do Inventario, João Batista (2007), em
entrevista concedida para esta pesquisa, diz:
Eu tinha um roteiro, e nesse roteiro eu colocava o nome da instituição, ou
da figura, da atração, aí colocava quantos componentes, colocava a época
de apresentação, o custo da produção daquilo, quer dizer nós tínhamos
um, roteiro [...] e eu trazia alguma coisa daquele contato, não é?, Eu era a
pomba da arca de Noé que ia se bora mas voltava com o garimpo de
alguma coisa para mostrar que tinha ido em terra firme de algum canto,
então nós trouxemos estandartes, nós trouxemos indumentária, nós
trouxemos uma série de coisas
Após esse momento inicial, várias ações da Empetur foram realizadas em
âmbito estadual, dentre elas o “Campeonato das Cidades”, realizado pela emissora
TV Jornal do Commércio, que consistia em disputa entre os municípios, objetivando
trazer informações sobre os valores, a história, as curiosidades, o artesanato, os
músicos, as danças, os poetas, a culinária, isto é, tudo que fosse característico e
diferencial de cada cidade, em forma de competição. (JOÃO BATISTA, 2007)
Também foram incentivadas a criação e a encenação de peças teatrais,
exposição de novos pintores nas dependências da Empetur, bem como o incentivo à
primeira apresentação da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, no Brejo da Madre
de Deus, distante 220 km da capital, localizada na região agreste do estado. A
encenação, à época, durava três dias e, em cada dia, era realizado um ato da peça.
(JOÃO BATISTA, 2007)
Foram realizados cursos de gastronomia pernambucana, cultura popular,
artesanato, danças. Esses cursos contaram com a participação de pesquisadores da
época, dentre eles: Gilberto Freyre, Mario Souto Maior, Padre Jaime Diniz. Esses
cursos deram vez a novas ações da Empresa de Turismo de Pernambuco,
resultando em concursos nas mais diversas áreas da cultura pernambucana:
culinária, com bolos e doces de Pernambuco; bebidas, como os licores; dança, com
62
os concursos de quadrilha; de música, com sanfoneiros, violeiros, repentistas, dentre
outras ações. De resto, o material coletado durante o inventário turístico-cultural foi
direcionado para a criação do acervo do Museu de Imagem e Som de Pernambuco -
Mispe, em 1970.
Sendo uma das atribuições da Empetur a incentivar a organização de
empresas turísticas municipais, no ano de 1968, a Empresa Metropolitana de
Turismo - Emetur é criada e mantida pela prefeitura de Recife, trabalhando lado a
lado com a Empresa de Turismo de Pernambuco - Empetur, que se encarregaria das
cidades do interior, e a Emetur, ficaria responsável pela capital pernambucana e as
cidades que compunham a região metropolitana.
Estruturava-se, assim, o que foi denominado de Política e Sistema Municipal
de Turismo, com a função de desenvolver o turismo municipal. No entanto, seu
campo de atuação transcendia os limites de Recife, já que em seu decreto, a região
metropolitana fazia parte da sua área de trabalho, composta, neste período, pelas
cidades de Olinda, Paulista, São Lourenço da Mata, Cabo de Santo Agostinho e
Jaboatão dos Guararapes.
3.4 EMETUR – Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade de Recife
A organização das ações voltadas ao turismo do município de Recife até
maio de 1968 estava vinculada à Secretaria de Educação e Cultura, sendo a
responsabilidade do Departamento de Recreação e Turismo. Teria como sua
principal atribuição promover ações de fomento às festividades tradicionais e aos
certames, além de outras atividades artísticas, educativas, culturais, recreativas,
turísticas.
Em junho de 1968, com a Lei Nº. 9927, são criados o Conselho Municipal
de Turismo e a Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do Recife. Segundo o
Decreto, o Sistema de Turismo Municipal possuía os seguintes objetivos descritos no
Diário Oficial de Pernambuco (1968):
a) coordenar dentro do Município do Recife e ajudar quando solicitado, os
municípios que compõem a Área Metropolitana do Grande Recife, todos os
órgãos que integram o complexo do turismo, visando acelerar o
desenvolvimento turístico, aumentando o fluxo interno e externo;
b) fornecer informações precisas sobre as condições turísticas do Município
63
do Recife;
c) diligenciar para que os serviços turísticos se revistam de qualidade e bom
atendimento;
d) propiciar a formação profissional adequada de pessoal ligado às
atividades turísticas, inclusive entrando em convênios com organizações de
ensino de nivel técnico e universitário. (PERNAMBUCO, 1968)
Como parte integrante do Sistema de Turismo Municipal, ao Conselho
Municipal de Turismo – CMTUR, segundo o Diário Oficial do Estado de Pernambuco,
competia: formular, coordenar, organizar, fomentar, promover e fiscalizar as
atividades turísticas dirigidas ao município de Recife, e demais municípios da Região
metropolitana que estivesse vinculado a ele, cuja maior ênfase seria fiscalizar e
monitorar as ações da Empresa Metropolitana de Turismo.
O CMTUR seria presidido pelo Secretário de Educação e Cultura e demais
conselheiros, com a seguinte composição: o presidente da Empresa Metropolitana
de Turismo, os delegados da Câmara Municipal do Recife, do Estado de
Pernambuco, da Superintendência do Desenvolvimento Econômico do Nordeste -
Sudene, da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores de Turismo – Abrajet,
da Associação Brasileira de Agentes de Viagens – ABAV, Sindicatos da Industria
Hoteleira, representantes das empresas transportadoras, representantes do Instituto
Histórico e Geográfico, representante da entidade Folclórica e Artesanal e os
delegados dos municípios que integram a região metropolitana do Recife
(PERNAMBUCO, 1968).
Completando o Sistema de Turismo Municipal, a Empresa Metropolitana de
Turismo da cidade de Recife – Emetur vinculava-se também à Secretaria de
Educação e Cultura, tendo sua natureza de empresa pública, de patrimônio próprio,
possuindo autonomia administrativa e financeira, com o fim de executar a política
municipal de turismo.
Segundo o Art. 12, competia à empresa Metropolitana de Turismo da Cidade
de Recife:
a) Executar diretrizes estabelecidas pelo Conselho Municipal de
Turismo, a serem estabelecidas na Política Municipal de
Turismo;
b) Baixar as instruções que forem necessárias ao pleno
exercício de suas atribuições;
c) Fomentar as iniciativas, planos, programas e projetos que
visem o desenvolvimento da indústria turística e, ainda
celebrar convênios com os Municípios que fazem parte da
área Metropolitana do “grande Recife”, para uma completa
integração turística.
d) Controlar e coordenar a execução de projetos e planos que
64
tenham recebido parecer favorável do Conselho Municipal de
Turismo;
e) Estudar, de forma sistêmica e permanente, o mercado
turístico a fim de dispor de dados necessários a um adequado
controle técnico;
f) Organizar, promover e divulgar as atividades ligadas ao
turismo, na área metropolitana do “grande Recife”, nos
municípios com quem mantiver convênios;
g) Manter um cadastro das empresas turísticas da cidade do
Recife e área metropolitana;
h) Promover e incentivar a criação do ensino técnico profissional
de atividades ligadas ao turismo;
i) Orientar e classificar as empresas de atividades turísticas em
harmonia com a legislação Estadual e Federal;
j) Estimular, promover, proteger e administrar entidades ou
estabelecimentos que constituam motivo de atração turística;
k) Fiscalizar as atividades das empresas turísticas privadas, em
qualquer aspecto que se relacione com o turismo em
harmonia com a legislação Estadual e Municipal;
l) Estimular a criação no município e área metropolitana de
órgãos incumbidos do desenvolvimento do turismo;
m) Colaborar com a diretoria do Patrimônio Histórico Nacional no
tombamento dos bens móveis e imóveis e dos bens a estes
equiparados, tas como os monumentos naturais, sítios,
paisagens cuja proteção e conservação sejam consideradas
de interesse turístico;
n) Manter com a Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional intercâmbio destinado à recuperação, conservação e
exploração do Patrimônio Histórico existente no Município do
Recife;
o) Participar de entidades nacionais e celebrar convênios
turísticos com os Estados e Municípios, quando necessário;
p) Promover apuração de responsabilidade pelas infrações de
instruções normativas do Conselho Municipal de Turismo e
submeter os autos lavrados ao julgamento do referido
conselho;
q) Manter o Conselho Municipal de Turismo informando
relatórios trimestrais acompanhados de boletins estatísticos e
balancetes;
r) Estimular, organizar e promover a realização de festas
tradicionais da Cidade do Recife, como sejam: carnaval , em
colaboração com a C.O.C, festejos juninos, natalinos e
certames, festas e exposição de atividades comerciais desde
que receba a devida cobertura orçamentária para tais fins.
(PERNAMBUCO, 1968)
A diretoria da Emetur era composta pelo presidente, diretor administrativo e
o diretor de certames turísticos, escolhidos pelo prefeito do Recife. No ano de sua
fundação (1968), as atividades da Emetur destinavam-se à estruturação do seu
campo físico e de pessoal, transferindo os funcionários que constituíam o
departamento de Recreação e Turismo para a empresa. As ações de estruturação
do turismo municipal começariam, com efeito, no ano de 1969, com a organização
de um local que foi denominado Centro Permanente de Turismo de Recife.
O local escolhido foi o Pátio de São Pedro, formado por casario do século
65
XVII, disposto em torno da Igreja de São Pedro dos Clérigos, objetivando sua
requalificação social de uso. A magnitude e o ineditismo da estruturação acarretaram
uma grande repercussão na sociedade recifense, tanto da população em geral,
quanto dos comerciantes alojados no local.
Com decreto promulgado pelo prefeito, os comerciantes foram
desapropriados, em nome dessa requalificação, ficando a Empresa Metropolitana de
Turismo responsável pela escolha das atividades comerciais que seriam realizadas
no local e de seus respectivos administradores, e pelas demais atividades
organizadas no Pátio de São Pedro.
Houve uma série de debates produzidos pelos jornais da época, onde tanto
cidadãos comuns quanto figuras socialmente exponenciais como Gilberto Freyre,
expressaram suas opiniões. Das 20 casas que formam o Pátio de São Pedro, 16
foram utilizadas com o apelo turístico. Na sua inauguração, o Centro de Turismo
constituía: cinema, bares, restaurantes de comidas regionais, ateliê fotográfico
(Lambe-lambe), biblioteca, galerias de exposições de arte, de venda de artesanato e
local para apresentação de shows e peças teatrais.
O Centro Permanente de Turismo foi inaugurado oficialmente em outubro de
1970. Todas as noites aconteciam shows de artistas populares; e além disso, o do
funcionamento permanente do escritório dedicado a fornecer informações turísticas.
Sobre o Pátio de São Pedro, João Batista (2007), em entrevista concedida a esta
pesquisadora, diz: “Funcionava como um Point da cultura de vanguarda, [...] você
tava ali com as pessoas que faziam a cultura do estado acontecer.”
A Empresa Metropolitana de Turismo também possuía um plano editorial,
produziu uma coleção de publicações históricas sobre Recife, no intuito de
“estimular mais o conhecimento didático aos próprios recifenses.” (Emetur..., 1969,
p.05). O primeiro volume lançado foi sobre a Igreja de São Pedro dos Clérigos, de
autoria do historiador Fernando Pio; o segundo, sobre a fundação do Recife foi
escrito por Leduar de Assis Rocha.
Nessa coleção, as manifestações da cultura pernambucana também
recebera espaço: foram publicados os estudos do maestro Nelson Ferreira sobre o
Pastoril e Ciranda. Publicam ainda uma série de cartilhas sobre as brincadeiras
populares pernambucanas, e ainda o livro, O que é folclore, em 1968, escrito por
João Santiago, uma retrospectiva histórica da denominação “folclore” e suas de
formas de pesquisa.(Emetur..., 1969, p.05)
66
No final de 1969, a Emetur publica o primeiro calendário turístico do Recife,
contendo a maioria dos eventos a serem realizados pela Empresa naquele corrente
ano, enfatizando as festas “de espírito popular pernambucano, nossas tradições e
eventos serão merecedores de registro” (Emetur...,1969, p. 05).
A Emetur realizou uma série de concursos, como: de quadrilha, no período
Junino; de Pastoril, no ciclo natalino; de fantasias, no carnaval; de ciranda, de
fotografia, dentre outros. Nos cartazes promocionais lançados no ano de 1970
aparecem temas da cultura popular, como violeiros, bumba-meu-boi, repentistas.
Quanto à execução do carnaval de Recife, a Emetur atua, a princípio,
apenas como colaboradora, pois existia uma comissão especial para a organização
do período carnavalesco no Recife: a Comissão Organizadora do Carnaval - COC .
Segundo seu estatuto, a Emetur iria colaborar na realização do evento. Entretanto,
aos poucos, a Emetur vai assumindo as funções do COC, e passa a organizar o
carnaval como um todo a partir da metade da década de 1970.
Com o início das políticas públicas do turismo no Brasil, os órgãos de
fomento ao turismo procuram engajar-se uns com os outros, e é isso que acontece
no Nordeste. Os órgãos de Turismo no Nordeste juntam-se para realizar o evento
chamado Festival do Mar, sugestão nascida em reunião no II Congresso Nacional de
Turismo, realizado na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte.
O evento tinha como principal função “incrementar o turismo em toda faixa
litorânea do Nordeste numa época em que o fluxo cai violentamente: o mês de
outubro [..,] o festival teve início em primeiro de outubro em Salvador, seguindo para
Aracaju, Maceió, João Pessoa, Natal e finalizando em Recife e Olinda.” (É TEMPO...
1971, p. 03).
O Festival do Mar foi organizado pela Comissão de Turismo Integrado do
Nordeste – CTI/NE. Em Pernambuco, a Emetur e a Empetur trabalharam em
conjunto para a realização do Festival; a Emetur organizou o certame em Recife e
Olinda e a Empetur: no interior do estado, Ilha de Itamaracá, Cabo de Santo
Agostinho, Jaboatão dos Guararapes e Igarassu.
Durante toda a década de 1970, a Emetur e a Empetur realizaram projetos
de fomento do turismo em Pernambuco, utilizando o slogan do turismo da época -
“indústria sem chaminé”. Promoviam ações de estruturação do turismo, e a cultura
popular pernambucana se moldava como diferencial turístico; dessa forma, muitos
trabalhos foram realizados junto à cultura de Pernambuco.
67
Diante dessa amplitude de ações realizadas pela Empetur e a Emetur, em
dirigidas à cultura popular, houve reações de intelectuais da época, como o
romancista e teatrólogo Hermilo Borba Filho (apud MAURICIO, 1978, p. 34), que
afirma: “Essas promoções do Governo que utilizam o folclore para fomentar o
turismo são péssimas. E o Turismo é uma desgraça para o folclore”. Em
consonância com esse ponto de vista, a Comissão Pernambucana de Folclore, em
agosto de 1978, no dia do Folclore, lançou um manifesto contrário à atuação das
empresas de turismo, em especial à Empetur e Emetur. Inicia seu protesto com a
seguinte pergunta: “O turismo é realmente importante ou é apenas o responsável
pela decadência e morte do folclore e da cultura popular legitima” (CAMPANHA...,
1978, p.B1).
A Comissão Pernambucana de Folclore entendia que estavam ocorrendo
descaracterizações dos eventos e das manifestações populares. Os membros da
comissão deflagram, então, a “Campanha Pernambucana Contra o Turismo”, em
1978, tendo como principal slogan “O turismo é o câncer da Cultura Popular”
(CAMPANHA..., 1978, p.B1). Afirma-se ainda: “O turismo é como a Coca-Cola, vicia,
prejudica, mas ninguém abandona o hábito.” (CAMPANHA..., 1978, p. B1).
O folclorista Evandro Rabelo atuou como líder do movimento, cujo objetivo
principal era “acabar com o Turismo Oficial e com as entidades tipo a Empresa
Metropolitana de Turismo - Emetur e a Empresa de Turismo de Pernambuco -
Empetur e similares pernambucanas”.(CAMPANHA..., 1978, p. B1).. E ainda
acrescenta:
“Ninguém vê o que está por trás do turismo, o que acompanha as milhares
de pessoas de maquininhas a tiracolo, se deslocam de um lugar para o
outro (...)porém vem com descaracterização e conseqüente morte da cultura
popular, que acaba sendo condicionada em espetáculo de vitrine”
O manifesto enfatiza também a organização do carnaval em Recife, que
estaria, supostamente, desvalorizando as agremiações de frevo e incentivando, com
mais ênfase, as escolas de samba; critica ainda o direcionamento do carnaval para
as grandes avenidas nos moldes das apresentações das escolas de samba do Rio
de Janeiro, e esquecendo as pequenas ruas tradicionais de saídas de blocos.
Rabello (CAMPANHA..., 1978, p. B1). enfatiza: “ [torna-se] patente o processo de
descaracterização que atinge o folclore pernambucano” e, ainda: “demonstração
viva do desprestígio do frevo em Pernambuco”. Rabello finaliza seu manifesto
classificando o turismo como: “uma preparação para enganar os tolos.”
68
(CAMPANHA..., 1978, p. B1).
Os diretores da Empetur, representados por Olimpio Bonald Neto (1982, p.
15), em resposta à ação da Comissão Pernambucana de Folclore diz:
Muitos vêem somente aos aspectos negativos do turismo e atribuem a eles
todas as descaracterizações culturais e poluição ambientais ocorridas em
áreas que passavam a ser receptor de visitante, sem, ao menos, admitir a
ação de outros fatores negativos (fora do controle do setor turístico) que
interferem.
Vale aqui ressaltar (e voltaremos a esse ponto nos próximos capítulos) que a
comissão Pernambucana de Folclore estava vinculada diretamente a essa ação e
que Evandro Rabelo participou por diversos anos da comissão julgadora dos
concursos.
Em 1979, a Emetur torna-se “Fundação de Cultura da Cidade do Recife”,
tendo “por objetivos principais e permanentes: exercer, desenvolver e incentivar a
política cultural do município; fortalecer o sentimento de cidadania; preservar o
patrimônio cultural municipal e nacional, no âmbito da Cidade do Recife.”
(PERNAMBUCO, 1979).
O fomento ao turismo na cidade do Recife ficou reduzido a um departamento
para a promoção de eventos na cidade, o que ocasionou a diminuição de suas
ações em torno do turismo; os festivais vão diminuindo gradualmente até a parada
total no final da década de 1980. Somente em 1989, a atividade turística passa a
fazer parte de uma secretaria: a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo.
Também na década de 1980, a Empetur começa a investir menos em ações
diretamente ligadas à cultura popular pernambucana. Isso, diz-nos João Batista
(2007), em entrevista, ocorreu na transição da presidência da Empetur, de Ricardo
Rocha Pinto, para Elder Lins Teixeira, em 1982; a Empetur conhece pela primeira
vez um administrador no seu quadro de presidência, trazendo consigo técnicos com
vieses administrativos.
Sobre o período de Elder Lins Teixeira, João Batista (2007), na mesma
entrevista, diz:
Ele mudou a visão política e ações estratégicas da Empetur [...] e ele
transferiu a política cultural para a Fundarpe e coube a Empetur a política
exclusiva de captar mercado, feira, congresso, essas coisas, era de
interesse da Empetur[...] e, de certa forma a pesquisa, a produção de
eventos, a divulgação de nossos aspectos culturais mas de raízes não
mereceu mais nenhum realce.
Daí por diante, a Empetur deixa de trabalhar diretamente com a cultura
69
popular de Pernambuco, atuando, algumas vezes meramente como repassadora de
verbas para a produção de eventos.
É com esse pano de fundo que trataremos de aprofundar a discussão das
repercussões das políticas públicas de turismo junto à cultura popular, considerando
de início as reações negativas tanto a da comissão pernambucana de folclore como
a do teatrólogo Hermilo Borba Filho, no ano de 1978. Nesse sentido, nos propomos
a identificar as repercussões dessas ações do turismo na cultura popular, a partir da
esfera da brincadeira popular “ciranda” presente por quase 20 anos nos programas
de ações dos dois maiores órgãos de turismo de Pernambuco, no contexto dos
Festivais de Ciranda.
70
4. Ciranda
O melhor grupo é a ciranda,
todo mundo dança,
quer ver uma coisa,
tocou o povo tá dançando.
Geraldo Almeida (2007)
Embora a ciranda seja uma brincadeira popular extremamente conhecida em
Pernambuco, sendo difícil encontrar um pernambucano que não saiba dançar e
cantar ciranda, poucos estudiosos adentraram o universo da brincadeira. Esta
afirmação baseia-se na constatação de que apenas dois pesquisadores, possuem
trabalhos voltados inteiramente à Ciranda são eles: Padre Jaime Diniz e Evandro
Rabello; o primeiro, com estudo publicado em 1960, e o segundo, em 1979. Depois
de Rabello todas as pesquisas com a ciranda, encontradas nas bibliotecas e centros
de estudos folclóricos em Pernambuco, são resumos e sínteses dessas obras
citadas.
Percorreremos os livros “Ciranda: Roda de adultos no folclore
pernambucano” e “Ciranda: Dança de Roda, Dança da moda”, (dos autores
mencionados acima) para reconstruir historicamente a Ciranda. Utilizaremos,
também, os relatos dos mestres cirandeiros entrevistados a fim de preencher
lacunas e situar a ciranda nos dias atuais. Conquanto não é fim último dessa
pesquisa fazer um ensaio etnográfico ou uma descrição folclórica sobre a ciranda,
as reflexões voltam-se fundamentalmente para aspectos culturais ligados a relação
entre a brincadeira popular ciranda e as políticas de turismo.
Este capítulo trata de contextualizar a brincadeira, estudar onde os autores e
brincantes atribuem origens, significados e valores à ciranda, e ainda, entender a
dinâmica de ascensão da ciranda junto aos pernambucanos, identificando como se
deu e se desenvolveu o encontro das políticas públicas de turismo com a
brincadeira, e as repercussões desse encontro.
71
4.1 Origens
Até o ano de 1960, nos meios de pesquisa sobre cultura popular, entendia-
se por ciranda brincadeira de roda infantil. Com a publicação dos estudos do Padre
Jaime Diniz, evidenciando a ciranda como brincadeira popular de adultos praticada
na Zona da Mata Norte pernambucana, e também denominada ciranda pelos seus
brincantes, adiciona-se ao dicionário do folclore brasileiro mais uma brincadeira
popular. Diniz (1967, p. 101) diferenciou a ciranda de adultos da infantil da seguinte
maneira:
1 A coreografia da ciranda não se limita apenas a um passeio de mão
dadas em forma de roda, mas possui – além de outras características
menores – uns movimentos de pés e um balanceado de corpo muito
peculiares.
2 No repertório das cirandas, nada há do que as crianças cantam nas
tardes limpas, ou nas noites enfeitadas de luar. Nada é comum. Nada é
transposto para os adultos.
Não são precisas as origens da ciranda de adultos, suas influências, apenas
algumas suposições foram criadas, como refere Câmara Cascudo (1967), não
necessariamente sobre a dança ciranda, mas sobre todas as danças de roda. Esse
autor diz que se é dança de roda não é de influência africana, nem ameríndia, é
européia.
Quanto à escassez de estudos sobre a ciranda, Rabello, no livro Ciranda: dança de
roda, dança da moda”, publicado em 1979, faz uma revisão das principais
publicações sobre o folclore brasileiro incluindo dicionários da língua portuguesa.
Afirma que, antes da publicação de Diniz (1960), a maioria fazia referência à ciranda
como dança de crianças e/ou como instrumento de limpeza ou peneira. No entanto,
Rabello evidencia uma roda de ciranda existente em Portugal, que também é
dançada e cantada por adultos, e especula que possivelmente suas origens estejam
nesse lugar.
Rabello (1970, p. 45) revela que até 1940 a dança que dominava a Zona da
Mata Norte pernambucana era o Coco, e que, aos poucos, foi perdendo espaço para
a ciranda: “cantava-se e dançava-se cada vez mais ciranda e logicamente menos
coco”. Neste período, a ciranda era comumente dançada nos terreiros da casa de
trabalhadores rurais, e nas pontas de ruas (esquinas), sendo, “patrocinada”
geralmente por donos de vendas. Sobre isso, o escritor complementa:
72
Ocorre em frente a uma casa comercial. Ali vende-se especialmente, pão,
bolacha, brote, cigarro, fumo, guaraná e cachaça. O estabelecimento
comercial de portas escancaradas durante todo o transcorrer da dança,
esperando por uma freguesia certa, os cirandeiros”. ( Rabello, 1970, p.45).
João da Guabiraba (2007), em entrevista para este trabalho, nos explica
como era a infra-estrutura das festas: “formava num quintal, um terreno assim,
butava aqueles candeeiro, em dois pé de pau.” E Diniz (1960, p. 30) acentua: “os
lugares mais escuros, quase desertos, são geralmente os preferidos. A ciranda de
adultos não é muito amante das luzes.”.
No seu primeiro estudo sobre a ciranda, Padre Jaime Diniz (1960) a define
como “uma dança de roda de adultos no folclore brasileiro”, caracterizando-a, como
dança e canto. Observou, também, que os participantes dessa brincadeira popular
são chamados cirandeiros e cirandeiras.
4.2 mestres
o mestre cirandeiro que não é do improviso
não é mestre cirandeiro
Geraldo Almeida (2007)
ciranda não se aprende,
ciranda aprende, eu cantando assim,
você querendo aprende,
mas pra um cara cantar ciranda,
ele tem que ter uma veia poética.
Zé Duda (2007)
A ciranda é comandada pelo mestre cirandeiro, acompanhada pelos músicos
e dançada pelos cirandeiros ou cirandeiras. O mestre é responsável por tirar as
cantigas (cirandas), improvisar versos, tocar o mineiro (ganzá) e presidir a
brincadeira. Sobre o mestre, Diniz (1960, p. 20) diz: “Principal figura da ciranda,
conhecida pelo nome de “mestre de ciranda” ou simplesmente mestre. É ele o
mestre, o encarregado de “tirar” as “modas”, as “solfas”, as “cirandas””.
Rabello (1979, p. 53) descreve as ações do mestre:
O mestre balança o mineiro [ganzá] e canta todas ou grande parte das
cirandas. [...], alguns mestres costumam colocar a mão no ouvido ao recitar
os versos, antes de cantá-los – é para chegar na consoante – [...] chegar
na consoante parece significar a procura por inspiração. (grifo nosso).
Diniz (1960, p. 22) complementa, informando que os mestres “usam um apito
73
de metal ou uma folha de flandres
6
, soprando diversas vezes antes do início e bem
próximo do fim de cada canto. [...] tem o apito a finalidade de reunir os dançadores
nos momentos de folga em que se interrompe a dança. Sinal que a ciranda vai
começar ou recomeçar”.
Nos primeiros relatos sobre a ciranda, o mestre cirandeiro ocupava o centro
da roda, como descreve Diniz (1960, p.22):
O mestre com o ganzá, rodeado de outros músicos, coloca-se junto a um
mastro que segura um candeeiro. Em torno desse mastro e desses
músicos é que a ciranda, ao som de variadíssimas canções, vai se
delineando até alcançar a forma de roda balaçoiante
.
É o que confirma mestre Zé Duda (2007): “mestre cirandeiro têm que ficar no
meio do terreiro e a ciranda rodando e ele no meio”. Também pode haver troca de
mestres no meio da ciranda, mestre Zé Duda informa que era normal mestre
cirandeiro pedir para tocar na ciranda do outro algumas músicas, sendo consentido,
é entregue o mineiro (ganzá), instrumento que caracteriza o mestre cirandeiro.
No estudo feito na década 1960, Diniz aponta que o mestre também
possuía a função de manter a ordem na brincadeira, evitar brigas e confusões nos
ambientes da ciranda. Mestre Salustiano
7
(apud NASCIMENTO, 2005, p.77)
relembra: “O mestre é quem tinha que resolver essas paradas todinha, andava com
uma bengala de lado... às vezes dava barulho, cacetada mesmo”.
6
Folha de alumínio revestido de estanho. Os mestres enrolavam a folha, e ao contato com a boca
produziam som.
7
Mestre de brincadeira popular pernambucana especialmente de Cavalo Marinho, Maracatu Rural
e Mamulengo, em 1965 recebe o titulo de doutor honoris causa pela Universidade Federal de
Pernambuco e, em 1990, o título de “reconhecido saber” concedido pelo Conselho Estadual de
Cultura de Pernambuco e o de comendador da Ordem do Mérito Cultural, em 2001.
74
4.3 Música
A palavra ciranda também pode ser aplicada à música, conclui Diniz (1960)
em seu estudo, para os brincantes a palavra ciranda seria também sinônimo de
cantiga ou canção. Discorrendo sobre o modo de cantar a ciranda, mestre Zé Duda
relata que a ciranda tradicional tem dois ritmos: o Pé de Pau e a agalopada. A
ciranda pé de pau era mais lenta e a agalopada, segundo Rabello, também teria o
nome de embolada, um pouco mais cadenciada, e que poderia ter uma influência do
coco de embolada. (RABELLO, 1979).
Um exemplo de ciranda pé-de-pau de Mestre Antonio Baracho (apud,
Diniz,1960, p.30):
Cantei ciranda
E o meu amor não veio
Não veio, não veio
E a tristeza se meteu no meio
Ciranda agalopada ou de embolada, do Mestre Zé Duda (2007):
Eu vou subir, eu vou descer
Eu vou descer, eu vou subir
Eu vou tombar não vou cair
Eu vou chorar pra você ver
Além do ritmo, outro fator importante para a músicalidade da ciranda vem,
especificamente, com as cirandeiras. Na entrevista a nós concedida, mestre Zé
Duda (2007) diz que o mestre cirandeiro tinha que levar as cirandeiras para que elas
cantassem as respostas da ciranda: “ciranda tradicional o cirandeiro tem que levar
ou dez ou doze cirandeira,” e João da Guabiraba (2007) outro entrevistado,
completa:
As meninas era que respondiam, que naquele tempo também não tinha
som, a turma formava a ciranda, o cirandeiro cantava primeiro pra meninas
responder e ele saía improvisando e as meninas cantava aquele verso que
ele ensinava a ela ai fazia aquele coral, mas todo o tempo assim, ciranda
começou com o coral do cordão respondia com o cirandeiro.
O mestre canta a primeira parte e as cirandeiras cantam, respondendo algo
como um refrão. Na ciranda agalopada que transcrevemos a pouco, a parte das
cirandeiras seria, segundo Mestre Zé Duda (2007):
75
Eu vou meu bem,
Eu vou mais você
Eu vou na barca nova
Quando a maré encher.
As composições de ciranda possuem temas diversos que, segundo Rabello,
refletia o cotidiano dos mestres. Considerando que na década de 1960 a maioria dos
mestres eram agricultores dos engenhos de açúcar, então a usina, o engenho, safra,
etc., eram os temas constantes, que vinham acompanhados, entretanto, de temas
universais como praia, amor, casamento, moças, namoro, Rabello completa: “nada
rígido e determinado, cantam o que querem”(RABELLO, 1979, p. 54).
Mestre Zé Duda (2007) nos conta como veio a sua inspiração para compor
uma ciranda:
Então ai eu vi a igreja, que igreja mais linda de Paulista, ai tinha um cara
assim e eu perguntei: - como é o nome do Santo dessa Igreja ai de
Paulista? E ele disse: - é Santo Antonio. E eu disse: - que bom. Eu disse: -
Onde é o cinema daqui? E ele disse: - na rua de canoa.
Santo Antonio, a rua de Canoa, ai eu peguei o povo passando na praça e
fiz a Ciranda. Ia passando umas moças morena, tudo morena, Ai eu fiz a
ciranda:
“Meu Santo Antonio da Igreja de Paulista
É tão bonita, meu Deus, que coisa boa
Se gente olha na Praça, só vê morena
No Cinema lá na rua de Canoa”
As cirandas que o mestre Duda fazia e faz, são compostas de quatro linhas
e essas quatro linhas têm que se alinhar com as quatro linhas da próxima ciranda.
Eles nos conta que, isso se fez necessário para que não “roubassem” suas cirandas.
É pegar as frases,oia, só é quatro linhas se for para frente não dá. Então
eu fui brincando ciranda, brincando, somente chamando de quatro linha,[...]
porque ciranda é uma coisa muito fácil de fazer, é quatro linha[...]porque eu
botava ciranda de duas e duas, porque se eu chegasse no canto e
cantasse uma ciranda e o cara disse assim: - a ciranda é de fulano. E eu
dizia: - me dá a outra da frente? Ai ele não sabia, ai se atrapalhava. ( ZÉ
DUDA, 2007)
Abaixo, um exemplo desse tipo de composição de quatro linhas em blocos
sequenciados de mestre Zé Duda (2007):
Não vai pro mar sem canoa
Pra não morrer na maré
Não vá, não vá,
Oh! Deixa de teima mulher.
E a que vem na seqüência:
76
Recife tem uma casa
Se chama casa amarela
Se eu pudesse levava
Meu amor pra dentro dela.
Não era somente mestre Duda que fazia a Ciranda de quatro linhas. Tanto
Diniz quanto Rabello, ao relatar as cirandas em seus estudos, observam que todas
elas seguem o critério de quatro linhas, porém não é possível identificar se essas
seguiam os métodos de Zé Duda de colocá-las em par.
As composições também podiam ser respostas a alguém sobre algum fato,
mestre Zé Duda conta que dava através das cirandas, recados e respostas.
Confidencia que terminou relacionamentos através de cirandas e que respondia a
outros mestres desafios. “Então na ciranda eu não tremia pra ninguém não, tremi
não, porque eu fazia com a ciranda o que eu queria, o que eu queria, tanto ciranda
de quatro linha como ciranda Agalopada, não tremia ninguém na ciranda” (ZÉ
DUDA, 2007)
Os instrumentos musicais utilizados pela ciranda são basicamente os
bombos (zabumba), ganzás (minero) e os caixas (tarol), mas, em alguns outros
grupos, existem variações como a utilização da cuíca e do pandeiro. Foram também
incorporados à orquestra os instrumentos de sopro, que podem ser o piston, a
clarineta, o saxofone ou o trombone. Rabello diz que “poucos são os casos de mais
de um instrumento de sopro, o mais comum é ver-se apenas um destes.”
(RABELLO, 1979, p. 69).
77
4.4 Dança
A ciranda é dançada de mãos dadas para a formação de um círculo; na
descrição de Rabello (1979, p. 44):
Dançam agarrado pelas mãos ou pelos dedos, braço com braços,
totalmente estendido ou encolhido até a altura da cintura, tórax ou ombros.
Usam também colocar as mãos para trás. Acidentalmente ou não , pode
haver um roçar de braço ou de mão no seio da cirandeira, tudo na
dependência da posição dos braços e até do espaço físico ocupado pela
ciranda.
A dança da Ciranda não é difícil, segue sempre o mesmo ritmo, é seguir a
batida do bombo com o pé esquerdo, passos para trás e andando. Rabello (1979, p.
44) completa: “[...] também um leve dobrar de joelhos, requebros, passos de lado,
balanceando o corpo, braços, cabeça e ventre.”
Na ciranda não existe número máximo de participantes; quando a roda está
muito grande, já dificultando a movimentação, é possível fazer um círculo menor por
dentro da roda maior. Entra na dança quem quiser e na hora que quiser, bastando
apenas dar as mãos aos outros cirandeiros (RABELLO, 1979). “A ciranda é dança
aberta. Dança do Povo: quem quiser dançar dança”. (DINIZ, 1960, p.10).
Diniz (1960, p.24) destaca ainda a entrada e a saída dos cirandeiros na
roda: “As pessoas, sem mais nem menos, vão se chegando, se agrupando à dança,
abrindo espaços, com as suas presenças [...] o numero de participantes de uma
ciranda é ilimitado e sai-se e entra-se na roda tantas vezes se deseje”. Os
cirandeiros são conhecidos como os dançarinos da ciranda, não importando se
começaram a dançar há muito tempo ou há apenas 5 minutos, todos são
cirandeiros.
Figura 02: roda de ciranda, Ponto de Cultura Estrela de Ouro. Aliança – PE.
Fonte: Biu Vicente, 2006
78
Diniz e Rabello elencam passos de ciranda: Pé-no-toco, compassada, baião,
parcela, balanço das ondas, balanceado, passo trocado e o passeio, por exemplo.
Entretanto, também relatam a improvisação dos movimentos. Por mais que os
cirandeiros improvisem os passos, devem sempre seguir o som do bombo. Como
falamos anteriormente, os passos da ciranda têm que seguir o bombo.
Mestre Zé Duda conta que era função do mestre cirandeiro levar algumas
moças para dar inicio à brincadeira, as cirandeiras, que além de dançar, cantavam
as “respostas”:
Ia cantar, e de manhã tinha que pagar, pagava todas elas, era uma
tranqüilidade, agora a responsabilidade era grande, porque tinha pai de
família, eu cabinha moço de 18 pra 20 anos chega e pedi a filha do povo,
você garante minha filha, garanto sim sinhô, se o senhor vê que eu não
garanto, venha vê que eu não garanto vamo comigo, pra vê o
comportamento. (ZÉ DUDA, 2007).
Mestre Zé Duda, narra que muitas vezes, pedia permissão aos pais das
meninas para levá-las e ele tinha obrigação de tomar conta delas e, no final da
ciranda levá-las para casa e dar o que hoje chamamos de cachê.
79
4.5. CIRANDA – Dança da Moda
antigamente ciranda era no interior
Hoje a ciranda em Recife está com grande valor
Todos brincam alegremente
Recife é folclore brasileiro
Nesta capital cirandinha agora já se espalhou
Nessa cidade Veneza ela faz muito sucesso
Todos mestres cirandeiros faz os versos com amor
Cirandeiro e cirandeira venha entra nessa roda
Que a ciranda Mimosa chegou
João da Guabiraba (2007)
Apesar dos quase 20 anos de ações voltadas à ciranda, pelos órgãos
planejadores do turismo em Pernambuco, em especial a Empetur e a Emetur,
veremos que o encontro da ciranda com as políticas de turismo, (conforme
procuramos demonstrar via reconstrução histórica) não foi determinante na
valorização da brincadeira nas terras pernambucanas. A ciranda já era bastante
dançada e cantada nas noites da região da Mata Norte Pernambucana e, o adentrar
na capital e na região metropolitana, nada teve a ver com as políticas de turismo. No
entanto, as atividades geradas pelo turismo, posteriormente à sua coroação entre os
pernambucanos, provocaram algumas repercussões que aprofundaremos no
próximo capítulo.
80
4.5.1 Princípios na história
A publicação do Padre Diniz, em 1960, traz para a comunidade recifense o
interesse em conhecer a dança e o canto da Ciranda da Zona da Mata
Pernambucana. Assim, em 1961, a ciranda do mestre Baracho já se apresentava na
capital. A história de mestre Baracho se confunde com a história da Ciranda no
Recife e região metropolitana. Antônio Baracho, nascido na cidade de Nazaré da
Mata, no ano de 1907, trabalhou até a década de 1950 nos engenhos de açúcar.
Além da sua dedicação ao cultivo da cana, desenvolvia o trabalho de mestre de
brincadeiras populares da sua região, a Zona da Mata Norte do estado, em especial
o Maracatu Rural. Confidencia Baracho: “meu causo era maracatu” (apud
MAURICIO, 1978, p.86).
Quando Mestre Baracho muda-se para o município de Paulista onde, em
suas palavras, “não dava maracatu [...] eu tinha que viver da minha veia poeta:
inventei a ciranda” [ao dizer inventei ciranda está se referindo a seu grupo, não à
brincadeira em si] (MAURICIO, 1978, p.86 grifo nosso). Começa a cantar ciranda
somente quando se muda para a cidade de Abreu e Lima, em resposta a um primo
que o chama para se apresentar nas noites de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá.
No momento em que a ciranda entra no gosto dos moradores da região
metropolitana de Recife, ainda no inicio de 1960, é o mestre Baracho que é
chamado para animar as festas, e é ele que ensina a ciranda a diversos artistas
populares da região. Num depoimento, mestre José Barbosa
8
comenta: “Todo fim de
semana eu ia para a casa de Antônio e saía com ele para as cirandas. Eu tocava
mineiro” (SE EU.., 2001).
Além do Mestre José Barbosa, Geraldo Almeida por nós entrevistado também relata
que aprendeu com o mestre Baracho. ”Olhe, a ciranda eu conheço [conheci] lá em
Itamaracá, já via Baracho cantando com a mulé, a ciranda, bem fraquinha, e eu
inteligente me costurei com Baracho” (2007, grifo nosso). Também Mestre Salustiano
(apud, Nascimento, 2004, p. 77). Relata o seu encontro com Baracho:
O velho Baracho tava com uma ciranda, quando eu cheguei aqui ele tinha
essa ciranda lá em Abreu e Lima. Eu falei com ele: Seu Antonio!ô, menino,
como é que vai? Tou bem. Eu tou com vontade de fazer uma cirandinha
para mim também, mas eu não sei muita música de ciranda, aí tô com
8
Mestre Cirandeiro fundador da Ciranda Brasileira em 1975.
81
vontade de cantar a ciranda do senhor, o que eu sei do senhor. Ele disse:
é, cante minha ciranda, mas procure criar para você, porque pra você ser
um bom artista tem que ter sua composição. Aí disse olhe, e botava o dedo
assim pra cima de mim, pra ser mestre tem que ser compositor, ator,
improvisador e inventor, certo?
Com a presença cada vez maior de festas regadas à ciranda, vários artistas
da época voltam-se à pesquisa sobre a brincadeira. Em 1967, a cantora e
compositora Têca Calazans lança seu álbum Têca, Sêlo Mocambo, disco 45
rotações, dividido em Lado A, aquela Rosa de Geraldo Azevedo e Carlos Fernando,
e Lado B, cirandas, com arranjo de Têca Calazans. As cirandas do Lado B são
resultado da pesquisa feita no município de Abreu e Lima pela cantora e
compositora.
Figura 03. capa do Lp: Têca, Selo Mocambo, 1967
Fonte: têca calazans
Seguindo a trilha da ascendência da ciranda nas festas pernambucanas,
deparamos com junho de 1969: os jornais da época enfatizam que a Ciranda tornou-
se o ritmo predileto dos festejos juninos. Em matéria publicada no Jornal do
Commércio (06 de julho de 1969) com a chamada “uma nova dança toma conta dos
Salões” narra-se:
Dos festejos juninos que este ano trouxe uma novidade: a ciranda, dança
tipicamente pernambucana, tomou conta dos salões e veio para ficar[...] do
Sítio da Trindade e do pátio de São Pedro, como também a festa realizada
no colégio Pio XII, a ciranda nos ficou na memória [...] neste São João e
São Pedro a ciranda entrou nos salões e, para alegria nossa, ela deles não
mais sairá.
Fora dos festejos Juninos, no final da década de 1960, o Bar Cobiçado foi o
local que se tornou confluência de ciranda nas imediações de Recife, ficando mais
conhecido como bar da Dona Duda, sua proprietária, localizado na Praia do Janga,
no município de Paulista.
82
4.5.2 O Bar Cobiçado
cheguei em casa, procurei e não encontrei
nem sei por onde anda a minha amada
vem Sandra, Maria e Damiana
dançar ciranda aqui no Bar Cobiçado
Dona Duda (2007)
A história do Bar Cobiçado se confunde com a história de sua proprietária,
Vitalina, conhecida como Dona Duda, nascida em 1925 no engenho Muçaíba, no
Município de Jaboatão dos Guararapes, cidade localizada a 14 km ao sul do Recife.
Foi criada, no entanto, no engenho no Município de São Lourenço da Mata, cidade
localizada a 19 km, ao norte da capital pernambucana. Ali que conheceu a Ciranda e
fundou sua primeira, aos 15 anos com as irmãs e amigas.
Com 19 anos, muda-se para a praia do Janga, localizada no Município de
Paulista, no ano de 1942. Nesse período, o Janga era povoado apenas por
pescadores e suas famílias. Era basicamente uma colônia de pescadores, viviam
em casas cobertas com palha de coqueiro, sendo raras as casas de taipa e, mais
raras ainda, as de alvenaria. Araújo (2004, p.19), em pesquisa, ressalta a dificuldade
de Dona Duda para chegar ao Janga: “deslocamento feito para o Janga [...] feito
inteiramente em lombos de cavalos, incômoda jornada a atravessar cerca de 50
quilômetros. À época, este meio de transporte mais fácil, principalmente o mais
barato para as famílias menos favorecidas”. No Janga, Dona Duda casa-se e
constitui família.
Seu esposo, Antônio Fernando, possuía um sítio na beira da praia que
chamado Sitio Cobiçado, local este que foi o cenário para o início da ciranda de
Dona Duda: “no começo, quando vim morar aqui, chamei a vizinhança para uma
ciranda, pois sempre gostei da brincadeira” (TAÍ, GENTE..., 1972, p. 3).
Primeiramente, a ciranda era voltada para as crianças, filhos dos pescadores,
enquanto os pais se divertiam dançando o Coco de Roda.
Pois, segundo Dona Duda o coco não era dança apropriada para crianças,
motivo pelo qual ”resolve convidar a todos para participar de noitadas de roda de
ciranda com a única preocupação de divertir a criançada”(ARAUJO, 2004, p. 22).
Dona Duda (2007), em entrevista concedida para esta pesquisadora, lembra: “aqui
não tinha luz, era escuro, era um candeeiro grande que a gente butava para brincar
com as crianças”.
Segundo a biografia de dona Duda, ainda sem instrumentos musicais,
83
cantava “a capela” assim ensinava às crianças: “Cantava o refrão de uma música e
pedia para que todos repetissem. Ao mesmo tempo, começa a ensinar a coreografia
imitando as ondas do mar, batendo na areia como se fosse um gostoso vai e vem.”
(ARAÚJO, 2004, p. 22).
Algum tempo depois começa a utilizar os instrumentos que tinha em mãos,
os instrumentos do coco de São João: “Eu comecei com os instrumentos do coco de
São João, era o Zabumba, o Tarol e o Ganzá e a gente tudo cantando, não tinha
instrumento não.” Estes instrumentos a que Dona Duda se refere são os de sopro,
como o Pistom e o Saxofone, por exemplo.
Aos poucos, a ciranda voltada às crianças, chama atenção dos pais que
começam a entrar na brincadeira também: “Os comentários chegaram aos
pescadores que pouco a pouco vão abandonando o coco de roda para acompanhar
os filhos.” (ARAUJO, 2004, p. 22). Havia, nesse inicio, três datas principais para
dançar a ciranda com Dona Duda: sábado de Páscoa, Dia de Reis e Sete de
Setembro.
Na década de 1960, a praia do Janga passa a receber alguns visitantes:
“[...]uma viagem de ordem particular feita por um grupo de amigos ou colegiais para
fazer o que à época era muito comum: piquenique.” (ARAÚJO, 2004, p. 24). Com a
chegada de veranistas, “ao lado da choupana do pescador foram se erguendo
bonitas casas de veraneio, junto às jangadas estacionavam modernos carros do ano
[...] os veranistas foram chegando e gostando [da ciranda]. Pediram que eu fizesse
de quinze em quinze dias, ai foram chegando mais gente, a roda aumentando” (TAÍ,
GENTE..., 1972, p. 3. grifo nosso).
Com o aumento gradativo do interesse da comunidade pernambucana pela
ciranda e a publicidade dos visitantes da praia do Janga, (o popular e funcional
boca-a-boca), a ciranda de Dona Duda torna-se famosa na capital do estado. Em
entrevista concedida ao Jornal do Commércio, Dona Duda diz: “Fizemos sucesso
mesmo de 68 a 73. Era o auge dos veraneios, as pessoas vinham para o Janga no
final de semana e nas férias. Antes disso, não era nada divulgado, só os pescadores
participavam.” (DONA DUDA..., 2001).
Chegar ao Bar Cobiçado exigia um esforço grande de seu público, “tinham
apenas duas opções: seguir a pé pela beira do mar ou pelo caminho de terra
principal [...] ou vez por outra uma lotação [...] eram transportes muito caros”
(ARAÚJO, 2004, p.24). Os que não possuíam veículo próprio enfrentavam maiores
84
dificuldades, Dona Duda lembra: “saltavam em Rio Doce (Olinda) e vinha andando, e
os poços de lama que não tinha estrada (asfalto) com o sapato na mão” (DONA
DUDA, 2007, grifo nosso).
O Bar de Cobiçado foi assim descrito: “Uma imensa roda humana mal cabe
dentro de uma área considerável de terreno de chão batido. Mas sempre tem um
jeito” (TAÌ, GENTE, 1972, P. 3). Com o aumento do público, as apresentações de
ciranda deixaram de ser quinzenais para ser semanais, todas as sextas e sábados.
Dona Duda (2007) lembra:
Todo sábado tinha ciranda pra não perder a tradição que muita gente vinha
que chovesse e fizesse sol, ciranda tava, quando tava chovendo agente
dançava ai dentro do salão, mas dançava, era todo sábado tinha ciranda
Num depoimento tirado do livro de Cylene Araújo (2004, p. 42) conta como
entre os jovens da época, era o lugar certo de estar nos sábados:
eu com 19 anos, estudante da Universidade Federal de Pernambuco e
morando em Boa Viagem, via as colegas organizando caravanas para
assistir à Ciranda da Dona Duda. Para todos era um programa certo a
“ciranda de Dona Duda” no final de cada semana”
Devido ao crescente número de pessoas a se reunir para dançar ciranda,
Dona Duda resolve abrir um bar. Sobre isso, ela diz: “Porque eu tinha que fazer o
bar, povo vinha pra qui não tinha bar não tinha nada, o primeiro restaurante foi esse
meu da praia, porque não tinha, ai o povo queria comer, queria beber, a ciranda
brincando e eles tinham que beber e comer né?.” (DONA DUDA, 2007)
Mesmo com uma estrutura grande em comparativamente ao período,
contando com equipe de 20 garçons, o bar era disputado, vivia superlotado. Era
preciso planejar com antecedência, aconselhava um redator do Diário de
Pernambuco da época: “é preciso ir muito cedo. Senão contará com vários
problemas, entre os quais os de estacionamento e de mesas”. (TAÍ, GENTE..., 1972,
p. 3 ). Devido ao grande publico que se dirigia ao local, refere-se ainda na matéria:
“O pessoal que não encontra mesa para beber (aproximadamente cem, que já estão
cheias) arruma um lugarzinho na beira da Praia” (TAÍ, GENTE..., 1972, p. 3).
Sobre a estrutura montada para os músicos e mestres de ciranda, Dona
Duda (2007) rememora:
85
aquela época era, fazia um tabulado assim de tábua, e eles ficavam ali, e ai
cantavam os versinhos no microfone e o povo aqui tudo dançando ciranda
faziam três, quatro roda e ficavam dançando a noite todinha. Eu parava às
duas da madrugada.
Figura 04: rodas de ciranda no Bar Cobiçado.
Fonte:Diário de Pernambuco. 02.03.1972
Relata, ainda, com sentimento: “Foi uma época muito boa, me diverti muito,
brinquei muito, dancei muito, não tenho nada o que reclamar, sou uma mulher muito
feliz [...] parei de cantar em 77 por causa da minha garganta”(DONA DUDA, 2007).
Com o sucesso do Bar da Dona Duda e da Ciranda, foram surgindo novos
locais para realizar apresentações. Rabello (1979, p. 26) diz: “partiu para as praças,
avenidas, ruas, residências, clubes, restaurantes.” com a demanda, foram sendo
formados muitos grupos de ciranda, dentre eles, a Ciranda Dengosa, Ciranda
Imperial e Ciranda Mimosa, embora não houvessem tantos cirandeiros quanto
fossem necessários para animar as festas. Cristina (2007), da Ciranda Dengosa,
nos conta: “Porque na época tava feito pagode, todo mundo queria formar uma
ciranda”.
Foi assim que, a partir do fim da década de 1960 e durante toda a década de
70, a ciranda torna-se “moda” em Pernambuco, como relata Rabello (1979, p. 26):
Tornou-se predileção geral de estudantes, donas de casa, comerciários,
profissionais liberais, industriais, operários, etc. [...] A ciranda viu-se de uma
hora para outra, transformada em diversão de muitas camadas sociais.
Diniz (2008 p. 26) destaca aspectos interessantes das relações sociais:
Todo mundo dança, pois a ciranda não é bailado fechado de um grupo, de
alguns pares. É de todos indistintamente. Assim é que as senhoras, por
vezes de contrato assinado com as colunas sociais dos jornais
86
pernambucanos, podem ser vistas de mãos dadas a mulatos operários
descalços, de camisa suada, políticos e professores universitários, ao lado
de empregadas domesticas.
Em virtude da enorme repercussão entre os pernambucanos, no final da
década de 60 e toda a década de 70, a ciranda começa a despertar o interesse do
Turismo, Pellegrini Filho (1980, p. 47) relata que:
A preferência pela ciranda na região aumentou consideravelmente [...] a
ponto da Empetur – Empresa Pernambucana de Turismo contratar
cirandeiros famosos para alegrar as noites de sextas, sábados e domingos
em locais de grande afluência de visitantes, como o Pátio de São Pedro e a
casa da Cultura, na capital pernambucana, enquanto clubes e restaurantes
promovem cirandas levados pela onda de interesse surgida em torno do
fato.
Então, no final de 1969, inicio de 1970, os órgãos oficias de turismo,
marcadamente representados pela Emetur, visitam a famosa ciranda de Dona Duda.
Por suas próprias palavras:
Vieram aqui, quando chegaram aqui viram uma noite de festa, isso aqui era
tudo difícil, quando chegaram aqui encontraram uma noite de festa, [...] ai
que quando ele disse. Na época era Augusto Lucena
9
era o Prefeito do
Recife se interessou, Ubiratam
10
era o Prefeito de Olinda se interessou
muito, Barreto Guimarães
11
era o Vice Governador. (DONA DUDA, 2007)
A partir dessa visita em 1969 dos representantes do poder executivo, são
tomadas providências no sentido de tornar mais fácil o acesso dos visitantes à
ciranda de Dona Duda. A entrada foi melhorada com terraplenagem, facilitando o
acesso de automóveis. Sobre isso, Dona Duda detalha: “O Prefeito de Olinda,
Ubiratan de Castro, colocando tratores de propriedade de sua administração para
passar nos fins de semana na estrada ligando Olinda ao Janga” (ARAUJO, 2004,
p.25). Dessa série de encontros, surge então a proposta para se realizar um Festival
de Ciranda, fato que é concretizado em 1970.
9
Prefeito do Recife de 1964 a 1968 e de 1970 a 1975. Publicou os títulos: Aspectos da
Problemática do Desenvolvimento do Recife; Mobilização de Áreas para Habitação de Interesse
Social; Planejamento da Região Metropolitana e Regiões Metropolitanas e Desenvolvimento Urbano
do Recife.
10
Prefeito de Olinda durante dois mandatos de 1968 a 1970.
11
Foi prefeito de Olinda de 1964 a 1967, Vice-Governador do Estado de 1971 a 1975 e conselheiro
do tribunal de contas de Pernambuco.
87
5. Os Festivais de Ciranda
Como já explanamos no capítulo anterior, o grande sucesso vivido pela
Ciranda entre os pernambucanos, no final da década de 1960, despertou a atenção
dos diretores de empresas de turismo de Pernambuco para a brincadeira popular; a
Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do Recife - Emetur foi a primeira a
realizar ações especificamente ligadas a ciranda. A proposta inicial foi realizar de
um festival. Uma matéria do jornal Diário de Pernambuco, anuncia: “[...] a ciranda
está fazendo um grande sucesso no Recife, nos últimos anos, daí o porquê o
Prefeito Augusto Lucena aprovou a realização de festivais dessa dança, promovidos
pela Emetur” (CIRANDA É...., 1972. p.3).
Este evento organizado pela Emetur estava de acordo com a proposta do
Sistema Municipal de Turismo do Recife, além de cumprir fidedignamente metas da
própria Emetur, cujas atribuições eram organizar, promover e divulgar atividades
ligadas ao turismo na Região Metropolitana do Recife. Sendo assim, o festival de
Ciranda realizado no Bar Cobiçado, no bairro do Janga, município de Paulista,
representaria na prática, uma primeira iniciativa que aliava a política da Emetur
voltada para a integração daquela região, com demais regiões metropolitanas de
Recife, tornando o festival e a ciranda o primeiro atrativo turístico do município. O
festival serviria, também como veremos a seguir, como ponto de organização para a
recepção de turistas em Paulista.
O festival de ciranda começa no Janga, no Bar Cobiçado, onde se realiza de
1970 a 1972, com a ação integrada da Emetur, Bar Cobiçado e Comissão
Pernambucana de Folclore. Em seguida, passa para o Pátio de São Pedro,
inaugurada em 1970 local escolhido pela Emetur para ser o Centro Permanente de
Turismo do Recife. O evento acontece nesse novo local entre os anos de 1973 a
1982, servindo também para consolidar o local como destinação turística.
Com esse mesmo intento de ampliar o turismo para outras localidades, o
Festival de Ciranda, no ano de 1977, realizaria algumas seletivas no Bairro de Boa
Viagem, mais precisamente, na recém inaugurada Praça de Boa Viagem, localizada
ao lado do mais famoso hotel turístico da época, o Hotel Boa Viagem.
Em 1980, a Empetur promove também um festival de ciranda, denominado
“Festival de Cirandas de Pernambuco”, na Ilha de Itamaracá, nos anos de 1980 a
1986, em parceria com a Secretaria Municipal de Turismo. No decorrer desse
88
capítulo, procuramos demonstrar que tal proposta, menos que um projeto integrativo,
apresentava-se qual “o tiro de misericórdia”, uma última tentativa de consagrar a Ilha
como destino turístico, proposta essa que não obteve, infelizmente o sucesso
esperado. A Ciranda nas décadas de 1970 e 1980 foi utilizada pela Empetur e
Emetur assim entendemos, para consolidar alguns atrativos turísticos em
Pernambuco, alguns com êxito, outros, nem tanto.
Relataremos, a seguir, os festivais de ciranda que aconteceram de 1970 a
1986, começando no Janga, na cidade de Paulista, passando para o Pátio de São
Pedro, no Bairro de Santo Antônio, centro comercial do Recife e terminando na Ilha
de Itamaracá, município situado a 70 km do Recife.
O Festival de Ciranda era um concurso onde se escolhia a melhor ciranda
do ano, com base em critérios de ritmo, orquestra e coral, sendo que, a cada novo
concurso, acrescentavam-se outros critérios. Ao longo dos anos, membros da
Comissão Pernambucana de Folclore e, ainda, estudiosos, músicos, jornalistas e
técnicos em turismo participavam como julgadores.
89
5.1 Festival de Ciranda do Bar Cobiçado
O primeiro festival de Ciranda foi organizado pela Emetur, em conjunto com
o Bar Cobiçado e a Comissão Pernambucana de Folclore. Dona Duda, a fundadora
da ciranda Cobiçada e proprietária do Bar Cobiçado, relembra que o primeiro
Festival de Ciranda não constituía um concurso de ciranda. Neste primeiro ano,
apenas ocorreram as apresentações de grupos de ciranda, mas as brincadeiras de
Maracatu e Pastoril também marcaram presença na festa. Em suas palavras: “portas
abertas para o Turismo” (DONA DUDA, 2007); a motivação principal que a moveu no
evento foi a de poder divulgar ainda mais a Ciranda, principalmente como atrativo
turístico.
No mesmo período em que ampliava número de grupos de cirandas na
Região Metropolitana do Recife, ao inicio da década de 1970, iniciavam-se, também,
os concursos de Ciranda, cujo principal objetivo, segundo seus idealizadores, era
promover e incentivar novos grupos de ciranda.
Em matéria do Jornal do Commércio, lê-se: “Para fazer bonito, Duda
convidou o mestre Baracho para ensaiar. ´Baracho aparecia só de vez em quando.
Antes do festival, nós fizemos algumas cirandas, para treinar, e ele participou. Agora,
bom mesmo, era Zé de Lima, que era daqui de Paulista, e cantava e fazia versos
muito bem.´” (DONA DUDA, 2001)
No segundo ano do Festival, em 1971, foi realizado o primeiro concurso de
Ciranda, acontecendo ainda no Bar Cobiçado. A matéria publicada no Jornal Diário
de Pernambuco trazia a seguinte chamada: “Cirandeiros empolgam multidão no
Janga” (CIRANDEIROS..., 1971, p.9 ). Ainda segundo jornal, com o público de mil
pessoas, o evento durou quase 12 horas, com inicio às 9 da manhã e término às 21
horas.
Participaram do Festival daquele ano quatro cirandas: mestre Baracho,
mestre Zé Grande, da Ciranda Ás de Ouro, mestre Gil, da Ciranda Dengosa, e
mestre Custódio, da Ciranda do Janga. Todos os concorrentes foram considerados
vencedores do certame, porém em categorias distintas. Mestre Baracho e mestre Zé
Grande ganharam o prêmio de melhor improviso, e mestre Gil e mestre Custódio, de
melhor instrumental e coreografia. Na comissão julgadora estavam Valdermar
Valente, João Santiago, Jordão Emerenciano, Jones Melo, Sebastião Vilanova,
Getúlio César, Evandro Rabelo e Padre Jaime Diniz (CIRANDEIROS, 1971, p. 9).
90
Note-se a participação dos pesquisadores de ciranda alguns deles citados
ao longo desse estudo, como Diniz e Rabello, na comissão julgadora. Possivelmente
estavam engajados na elaboração dos critérios de julgamento, uma vez que eram
membros da Comissão Pernambucana de Folclore, uma parceira no planejamento e
organização do Festival.
Os critérios de avaliação são divulgados pelos jornais, com destaque à
categoria “melhor coreografia”. Nos estudos expostos no capitulo anterior,
enfatizamos à característica de improvisação dos passos e da flexibilidade e
espontaneidade que permitiria que passos diferentes entre os participantes da roda
de ciranda, desde que seguindo o ritmo da música. Tendo em vista que o item
coreografia é entendido como demarcação de passos, pode-se inferir o formato de
concurso de ciranda acaba por promover de certa forma, a homogeneização
daqueles que estão dançando.
No terceiro Festival realizado em abril de 1972, também no Bar Cobiçado,
no Janga, foram erguidos dois coretos: um deles, para as apresentações e o outro,
para os membros do júri, que àquele ano foi formado por Getulio César, Valdemar
Valente, Elza Ribeiro, Olimpio Bonald e Padre Jaime Diniz, todos escritores e
folcloristas, como ressaltamos.
Concorreram ao Festival de 1972, 6 cirandas: Mimosa, Imperial, Olinda,
Dengosa, Nordestina de Olinda e Prata Fina. Nos três primeiros festivais não foram
ofertados prêmios em dinheiro, mas troféus fornecidos pela Emetur e entregues pelo
prefeito da cidade do Recife, na época, Augusto Lucena, não no bar Cobiçado mas
no Pátio de São Pedro. João da Guabiraba (2007) concorreu e, como vice-campeão
do concurso, relembra:
Foi a minha no primeiro festival, o cirandeiro que era Zé dos Passos era um
cirandeiro antigo, eu não era nem cirandeiro eu butei um cirandeiro pra
tocar na minha ciranda lá no Janga, [...] Nesse tempo era o prefeito
Augusto Lucena e ele foi pra lá, [...] Vê a prefeitura de Recife foi quem
patrocinou, e nesse tempo o prefeito Augusto Lucena, naquele tempo era
ele que era o prefeito, ele elegeu o cirandeiro que ele tirou um improviso a
favor do prefeito, ele inverteu o chapéu dele com o chapéu do prefeito, ai
butou o chapéu dele no cabeça do cirandeiro e o chapéu do cirandeiro na
cabeça dele, foi o verso que o cara tirou muito [...] eu sei que tirei o
segundo lugar nesse tempo que o cirandeiro Zé dos Passos era um
cirandeiro antigo que muito antigo a ciranda dele é muito antiga, e as
moreninha que cantava muito bem, [...] só por causa de antiguidade, mas a
minha foi mais bonita, mas a dele a antiguidade é posto.
91
O Festival no Bar de Dona Duda, como ficou mais conhecido, ocorreu até
1972, quando esta teve um problema de saúde e ficou impossibilitada de comandar
o Bar e o festival. Daí, o motivo, como nos conta, do festival ser transferido para o
Pátio de São Pedro, no bairro de Santo Antônio no centro do Recife. (DONA DUDA,
2007)
O Pátio de São Pedro foi o local escolhido pela Emetur para a continuação do
Festival, naturalmente por ser o Centro Permanente de Turismo da capital desde
1970. Todas as noites ocorriam shows com apresentação dos ritmos
pernambucanos, e fechando com a ciranda. Cristina (2007) enfatiza: “Todo santo dia
tinha ciranda, o pessoal podia tá onde tivesse, quando dava na hora que o povo
dizia vamo pro Pátio que tem ciranda, ai lotava isso aqui não cabia ninguém não.”
João Batista (2007) rememora o Pátio de São Pedro:
Consagrou-se como um point da cultura de vanguarda, a gente podia
chegar ali e tinha pessoas que eram crânios, Cristina Tavares, Duda Quines,
que hoje é correspondente da Globo, acho, em Portugal, Carlos Garcia do
Estado de São Paulo, Paulo Brusky, Adão Vieira, Ipiranga Filho, você tava
ali com as pessoas que estavam fazendo a cultura do estado acontecer.
Tomando batidinha que naquela época era o tal.
É plausível supor que, devido à localização privilegiada, o Pátio de São
Pedro tenha proporcionado um número maior de espectadores e simpatizantes –
devido a essa platéia que se erguia nos dias dos Festivais. Os mestres cirandeiros
por nós entrevistados enfatizam que o evento no Pátio possibilitou uma repercussão
maior da ciranda e dos seus grupos.
92
5.2 Festival de Ciranda no Pátio de São Pedro
O pátio de São Pedro
Eu vou improvisar
É o centro do Turismo
Da nossa capitá
Geraldo Almeida (2007)
Quando chega ao Pátio de São Pedro, o Festival de Ciranda alcançava sua
quarta edição, e é nesse período que o Festival recebe, de forma mais acentuada, a
atenção dos meios de comunicação, atraindo os cirandeiros para se inscreverem na
disputa tanto à população para acompanhá-la.
Figura 05: roda de Ciranda no Pátio de São Pedro. Diacolor-Recife
Segundo seus idealizadores e organizadores, o Festival de Ciranda no Pátio
de São Pedro tinha como objetivo, promover o folclore nordestino. O IV Festival
aconteceu de 9 a 12 de maio de 1973, às 20 horas. Foi entregue aos concorrentes
um estatuto; segundo as normas citadas pelo jornal Diário de Pernambuco, os
grupos deveriam concorrer com no mínimo de 30 (trinta) cirandeiros, e seus músicos
deveriam utilizar os principais instrumentos da ciranda.
Os prêmios nesse ano foram em dinheiro Cr$500,00, Cr$ 300,00, Cr$
200,00, do primeiro ao terceiro colocados, respectivamente. Todos os concorrentes
ganhariam Cr$100 cruzeiros pela participão. Concorreram, 12; grupos de
cirandas: Nordestinas, Imperial, Estrela, Pernambucana, Brasileira, Mimosa da
Guabiraba, Prata Fina, Olinda-Rio Doce, Unidas de Água Fria, Dengosa, Luz de
Ouro e Luz da Prata.
As apresentações ocorreram em três dias de seletiva, para a final, no dia 12,
93
apenas uma ciranda de cada dia se classificava para a final. Os critérios de
julgamento estipulados nesse festival foram: variedade de ritmos, orquestra e coral.
A cirandeira Dona Duda integrou o Júri, juntamente com Estevão Rezende (diretor
da Antártica), Francisco Advincola (publicitário), Rosa Maria (radialista), Ricardo
Pinto (jornalista), Leonardo Silva (jornalista) e representantes da Secretaria de
Educação e Cultura Municipal. Vale ressaltar a mudança radical quanto ao tipo de
formação do júri. A partir desse festival, não mais encontramos os pesquisadores
sobre a cultura popular na composição do júri.
Um aspecto a destacar desse quarto Festival, diz respeito a regra para
composição da ciranda. adotou-se o critério de, no mínimo, trinta cirandeiros por
grupo de ciranda. De onde surgiu tal demarcação? Nas pesquisas de Rabello (1979)
e Diniz (1960) nada se apontava sobre o número mínimo de cirandeiros para animar
uma ciranda. Menciona-se um relato de Mestre Zé Duda, explicando que o mestre
deveria levar de dez a doze cirandeiras para responder e dinamizar a roda. Porém
não se pode afirmar que a essa regra segue a lógica do relato do Mestre cirandeiro
da Zona da Mata Norte Pernambucana.
Ao longo do presente trabalho vale lembrar, evidenciamos a característica
de variações de ritmos como sendo três: o pé de pau, agalopado, que foram
descritos pelos primeiros autores e por mestre Zé Duda, e de embalo, este último
nos parecendo ter surgido já nas cirandas da região metropolitana, atribuindo a
criação dessa variação rítmica a Baracho. Essa regra perpassaria apenas esses
três? Ou estaria este falando da harmonia entre os músicos?
O Diário de Pernambuco, ao relatar as seletivas, enfatiza a desorganização
do evento, mas ressalta a importância do Festival, pois “incentivam os participantes
a buscarem um aprimoramento crescente, dotando suas agremiações de
características individuais.” (EMETUR..., 1973, p. 2). O campeão do Festival desse
ano foi a ciranda Prata Fina, seguida pela Estrela do Cordeiro e Luz de Ouro. (
PRATA FINA..., 1973, p. 3)
O V festival foi realizado nos dias 15 a 18 de maio de 1974, com o
regulamento que tanto diminuía o número de cirandeiros obrigatórios para, no
máximo, 20, como prescrevia que todos deveriam estar tipicamente trajados. Nesse
ano, a premiação aumentou para Cr$ 1.500,00, Cr$ 1000,00 e Cr$ 500, 00, para os
três primeiros colocados, além das taças e troféus. Adiou-se no entanto a realização
do evento para o dia 12 de junho.
94
Segundo matéria jornalística, a mudança decorreu como forma de
homenagear o dias dos namorados, e além de: “dar oportunidade de outros
conjuntos da área metropolitana participem.” segundo declaração do presidente da
Emetur, Rubem Gamboa. . E aumentar o número de participantes. Pois, segundo o
mesmo “o festival vem despertando grande interesse.” (EMETUR...,1974, p. 2).
O quinto Festival de Ciranda contou com a participação de Lia de Itamaracá
que, pela primeira vez, iria se apresentar fora do município da Ilha de Itamaracá,
apesar de ser bastante famosa nos meios de comunicação e na própria Ilha. Os
jurados desse ano foram Nelson Ferreira, Arnaldo Paes de Andrade, Maestro Agrício
Braz dos Santos e os Jornalistas Selênio Romem de Siqueira e Cristovão Pedrosa.
Segundo o Diário de Pernambuco, “Apesar das intensas chuvas caídas no
Recife, o Festival de Cirandas constituiu-se em pleno sucesso, com o
comparecimento em massa do público, que desejava assistir e participar da
promoção folclórica.”(CIRANDA..., 1974, p.3). O vencedor do ano foi a ciranda de
Lia de Itamaracá, seguida pela estrela do Cordeiro e Ciranda Imperial.
Importante salientar, nesse V festival, o critério segundo o qual as cirandas
deveriam estar tipicamente trajadas. Em nenhum dos relatos sobre a ciranda feitos
pelos folcloristas Padre Jaime Diniz (1960) e Evandro Rabello (1979), em seus
trabalhos se evidenciava alguma vestimenta característica da brincadeira popular.
estava a regra, e no entanto, quais foram os trajes escolhidos pelos cirandeiros?
Selecionamos algumas falas de nossas entrevistas com os mestres de ciranda:
Geraldo Almeida:o cordão fantasiado, para responder a ciranda, [...] É com a
resposta, com improviso, fantasiada, sapato igual, chapéu tudo igual, roupa tudo
igual, quem não trouxer não ganha” (2007)
João da Guabiraba (2007) completa:
eu cheguei lá com as meninas tudo trajada tudo bonitinha, o chapéu da
turma tudo grande, [...] eu levei minha ciranda um espetáculo de ciranda,
as meninas tudo na roda trajadinha, nesse tempo eu não tinha coral, não
levei coral, mas levei as meninas tudo trajada e as meninas tudo na
medida.
Em entrevista, João Batista fornece outra pista:
os grupos, existia uma uniformidade de apresentação porque como
constituía-se uma atração turística não interessava agente que tivesse uma
discrepância na plástica da apresentação, todos tinham que se apresentar
95
bonito, bonito assim, dá um desconto, e muitos dos casos, era assim, eles
recebiam o cachê ( 2007)
O sexto Festival ocorreu nos dias 14 a 17 de maio de 1975, com a presença
de duas cirandas do interior. Interessante perceber que, segundo os jornais, até
esse ano, apenas as cirandas da Região Metropolitana poderiam participar. Não
sabemos ao certo o porquê disso, entretanto vale lembrar que era a Emetur que
estava à frente cuja responsabilidade pautava-se na promoção do turismo da Região
Metropolitana. Assim, a meta deveria centrar-se no aumento de grupos de Ciranda
na região. Concorreram, nesse ano, 16 cirandas, período em que o Festival de
Ciranda integra oficialmente o calendário turístico do Recife, atribuindo ao mesmo,
uma das melhores promoções da Emetur.
Naquele ano, a comissão julgadora foi encabeçada por Padre Jaime Diniz. A
matéria Jornalística descreve a infra-estrutura do evento: “O palanque oficial foi
armado e a iluminação ampliada com a instalação de gambiarras.” (TUDO
PRONTO..., 1975, p. 2). A matéria evidencia ainda quem são as pessoas que
comparecem ao Festival: “A maioria dos espectadores é formada por turistas, muitos
deles estrangeiros”. E, do resto, que além da premiação em dinheiro, as cirandas
vencedoras receberam troféus.
A Ciranda Imperial ganhou o sexto festival, seguido pela Ciranda do Bolinha
e a Estrela do Cordeiro. O Diário de Pernambuco ressaltou que a Ciranda de Lia de
Itamaracá, uma das grandes cotadas, tendo sido a vencedora do festival anterior,
não estava num bom dia quando se apresentou, desafinou por várias vezes e não
improvisou nenhuma ciranda. Foi desclassificada no segundo dia do Festival. Ainda,
segundo o mesmo Jornal, mais de 3 mil pessoas compareceram para acompanhar o
festival, enfatizando que o número de turistas foi superior ao dos demais anos do
Festival. (DERROTADA...,1975, p. 06)
No VII Festival de Ciranda, realizado nos dias 12 a 15 de maio de 1976, 16
cirandas participaram do concurso, destas, nove foram da região metropolitana e
sete, do interior. Nesse ano, o evento foi filmado pela TV Universitária com a
finalidade de realizar um documentário em cadeia com outras emissoras educativas
do país. No sétimo Festival, a premiação subiu para Cr$ 2.500,00, Cr$ 1.500,00 e
Cr$1.000,00 do primeiro ao terceiro lugares respectivamente. Prevalecia o mesmo
argumento para a realização dos festivais, dava-se o incentivo aos grupos de
ciranda e o incremento do turismo interno. (CIRANDAS..,1976, p. 03). A campeã de
96
1976 foi a Ciranda da Dona Adélia, seguida pelas cirandas Nobre e Brasileira.
(CIRANDA.., 1976, p.07)
De 20 de maio a 11 de junho de 1977, deu-se o VIII festival de Ciranda, cujo
período foi ampliado, com seletivas no Pátio de São Pedro nos dias 20,21, 27e 28
maio e 3 junho; e na Praça de Boa Viagem, nos dias 21, 22, 28 e 29 de maio e 4 de
junho, com o objetivo de aumentar o público na recém organizada feira de Arte e
Artesanato, no bairro de Boa Viagem, diga-se de passagem, continua sendo um dos
principais atrativos turístico do Recife, considerado o cartão postal da cidade, dada a
fama de sua praia.
A semifinal ocorre também na Praça de Boa Viagem, ao lado do Hotel Boa
Viagem, (principal hotel do Recife à época) no dia 06 de junho, e a final, dia 11 de
junho, no Pátio de São Pedro. Após essa maratona, a disputa ficou entre a Ciranda
Imperial e a Continental. A Imperial levou a melhor vencendo o Festival de Ciranda
de 1977. (CIRANDA.., 1977, p. 07)
O IX Festival de Ciranda aconteceu nos dias 19 a 29 de maio de 1978.
Competiram, no final, Ciranda Imperial, Mimosa da Guabiraba, Linda Flor,
Continental e a ciranda do Pátio de São Pedro. Nessa edição, além da premiação, a
ciranda vencedora teria junto à Emetur prioridade para se apresentar nas promoções
da Empresa ( FESTIVAL, 1978, p. A5). O Festival de 1978 foi o último organizado
pela Emetur antes desta se transformar-se em Fundação de Cultura da cidade do
Recife em abril de 1979.
A recém criada Fundação de Cultura continua com a execução do Festival,
realizando o X Festival de Ciranda nos dias 14 a 02 de junho de 1979, com 13
grupos concorrentes, restando apenas 4 cirandas para disputar a final. Infelizmente
não conseguimos identificar as cirandas vencedoras desse Festival, nem qualquer
menção ao público participante, demonstrando-se, assim, um declínio com respeito
ao interesse dos jornais pelo evento.
O XI Festival de Ciranda ocorreu de 3 a 25 de maio de 1980, com
apresentação nas sextas e sábados. A premiação desse ano era de Cr$10.000,00,
Cr$ 7.000,00 e Cr$ 5.000,00. O principal slogan do Festival, divulgado naquele ano,
era o “incentivo a um dos principais costumes da terra” (FESTIVAL.., 1980, p. B8).
Mais uma vez não identificamos os seus vencedores.
Nos festivais XII e XIII, diminui ainda mais o interesse dos nos meios de
comunicação pela divulgação, trazendo-se apenas pequenas notas sobre a sua
97
realização, provavelmente devido ao crescente destaque dado a outro- o Festival de
Ciranda de Pernambuco, realizado na Ilha de Itamaracá, que teve inicio em 1980
sob os auspícios da Empresa de Turismo de Pernambuco e da Secretaria de
Turismo da Ilha de Itamaracá.
Entretanto, os festivais e concursos de Ciranda têm seu apogeu no pátio de
São Pedro, a julgar pelo que Geraldo Almeida (2007) em entrevista a esta
pesquisadora relatou: “Era o pátio de São Pedro que dominava, era o prefeito que
autorizava fazer o folclore de ciranda”. E foi nos moldes dos festivais do Pátio de
São Pedro que outras cidades pernambucanas, como Olinda, Carpina, Limoeiro e a
Ilha de Itamaracá, fizeram seus festivais.
A maioria dos grupos de ciranda da época se inscreviam no festival não
apenas pelo prêmio, mas como forma de divulgação de seus trabalhos, e para
fechar contratos com os órgãos de turismo. Foi do Festival de Ciranda do Pátio que
saiu o primeiro Lp de Ciranda, o álbum “Vamos Cirandar”, lançado em 1976, pela
gravadora Rozemblitiz
12
, e produzido por Nelson Ferreira
13
.
Os grupos de ciranda escolhidos para esse álbum, vêm dos primeiros
colocados no concurso. Geraldo Almeida relembra: “Eu gravei Vamos Cirandar ( um
Lp) uma ciranda, eu Baracho e Dona Duda. Eu fui primeiro, Baracho em segundo, e
dona Duda terceiro, e gravamo aquele “Vamos Cirandar”. Geraldo acredita que o
concurso tenha acontecido em 1972. Entretanto, não foi encontrada nas pesquisas
documentais qualquer menção de como foi organizado o LP.
12
Gravadora pernambucana fundada em 1953. Chegou a controlar cerca de 5% do mercado
nacional. Segundo os especialistas, tem importância fundamental na criação de um público
fonográfico, gravou quase todos os frevos de Nelson Ferreira e Capiba alem de produzir discos de
Samba-enredo, ciranda, maracatu e carimbo. Entra em decadência a partir do ano de 1966 devido
a enchente que atingiu o Recife, destruindo parcialmente seus equipamentos; ainda funcionou até
meados de 1980.
13
Nelson Ferreira, nascido em dezembro de 1902, ao lado de Capiba, foi um dos mais
importantes compositores de frevo do Nordeste. Entre as suas canções mais famosas estão:
"Evocação n* 1", que em 1957 foi sucesso até, mesmo no carnaval carioca; "Borboleta não é ave";
"Coração, ocupa teu posto!"; "Chora, palhaço" e outras. Foi, ainda, diretor artístico da extinta
gravadora Rozemblit, do Recife, faleceu em dezembro de 1976 .
98
Figura 06. capa do Lp vamos cirandar.
Fonte: arquivo do museu da Imagem e do Som de Pernambuco
A fórmula do sucesso desses Festivais de Ciranda é espalhada para cidades
vizinhas a fim de atrair, também, o grande público que se encaminhava para o Pátio
de São Pedro nos dias do festival. Dentre essas cidades a Ilha de Itamaracá se
destacou, pois o Festival tinha duas funções primárias, uma delas era homenagear a
grande garota propaganda da Ilha que era e continua sendo a cirandeira Lia de
Itamaracá, considerada a rainha da Ciranda, e a segunda, como mais um artifício
para consolidar a Ilha de Itamaracá como destino turístico de Pernambuco, fato que
aprofundaremos a seguir.
99
5.3 Festival de Ciranda na Ilha de Itamaracá / PE
A Ilha de Itamaracá, localizada a 50 km ao norte do Recife, tem início a sua
ocupação, pelos portugueses, em 1508. Seu nome foi dado pelos índios da etnia
Tupy, que a chamavam Itamaracá que significa Pedra que Canta. A Ilha teve sua
economia, como o restante de Pernambuco, baseada no cultivo da cana de açúcar.
A Empresa de Turismo de Pernambuco, desde 1968, considerou a cidade como
município com potencial turístico.
A história do Festival de Ciranda realizado na Ilha de Itamaracá se confunde
com a da Cirandeira Lia de Itamaracá. No ano de 1967, a cantora e compositora
Têca Calazans
14
lança um Lp “Têca, Selo Mocambo” com uma seleção de cirandas ,
tendo a canção “essa ciranda quem me deu foi Lia”, o maior sucesso do Lp em
Pernambuco.
Estava na beira da praia
Ouvindo as pancadas
das ondas do mar
essa ciranda quem me deu foi Lia
que mora na ilha de Itamaracá
Diante do sucesso dessa música, a mídia pernambucana se perguntou
quem seria essa Lia?. Teca, que poderia responder tal questão facilmente, estava
morando na França, ficando a cargo da mídia descobrir. A pergunta estava no ar,
quem seria a Lia inspiradora da música?
A então adolescente, Maria Madalena Correia do Nascimento, mais
conhecida como Lia, se mostrou para a imprensa, como essa Lia, que mora na Ilha
de Itamaracá. Lia conta a história que, ca em 1961, visitou a Ilha, e ela foi a
diarista da cantora durante a sua estada e, que em uma das tardes calmas de
Itamaracá mostrou a música à compositora que a letrou.
O pesquisador José Lopes de Albuquerque Soares (1996, p.134-135) relata
este encontro:
Nasceu de um dos inúmeros encontros de Lia e a cantora e pesquisadora
Terezinha Calazans – a Têca – nas alvas areias da praia de Itamaracá.
“Numa bela tarde”, diz José Lopes, “Têca feria o violão, desligada do
mundo, à beira da praia. Ao seu lado, a escurinha Lia cutucava a areia com
um graveto. Num gesto de abandono, começou a solfejar a música da
famosa ciranda, sem dar-se conta do espanto de Têca, que voltava a si num
14
Nascida no Espírito Santo e criada no Recife, inicia sua carreira como atriz no Movimento de Cultura
Popular, nos seus mais de 40 anos de carreira prestigiou os repertórios com ritmos brasileiros, daí a sua
estréia com pesquisas com o ritmo de Ciranda.
100
sobressalto:
– Onde você aprendeu isso, menina?
Lia abriu os dentes, com naturalidade,
e respondeu, muito faceira:
– Ora, dona Teca, aprendi por aí... Acho que foi nos cocos e nas cirandas
que eu sempre vou espiar.
– Pois essa música é muito bacana e eu vou botar letra nisso. Será
uma ciranda em sua homenagem, Lia...”
Inúmeras reportagens foram feitas, Lia de Itamaracá (2007) lembra que: “eu
fiquei só com fama de Jornal, de televisão, de rádio, pra saber se eu era Lia mesmo,
passei por muita coisa, pra poder chegar a ser Lia” sem nunca ter se apresentado
para o público.
Entretanto, Têca Calazans ao voltar ao Recife na década de 1980, não
confirma que a Lia que trata a música é a que a mídia escolheu para ser a Lia, Teca
apenas diz que a sua pesquisa com a ciranda foi feita em Abreu e Lima, junto com
Antonio Baracho. Geraldo Almeida (2007), na entrevista que nos concedeu diz que:
“Lia de Itamaracá não é a Lia de Itamaracá, a Lia legitima, eu tô dizendo porque eu
sei, é Maria Lia do Pilar, era a mulher de Baracho, ela morreu e Lia tomou conta”.
Controvérsias à parte, a conhecida Lia de Itamaracá de hoje, foi peça
fundamental para que a realização do Festival de Ciranda de Pernambuco fosse
realizado na Ilha de Itamaracá, e é a cirandeira conhecida nacionalmente. Lia
recorda também que passou ainda por um quadro do Fantástico chamado “caso
Verdade”, gravou cenas do filme Paraíba mulher-macho (1983) e uma participação
na minissérie da globo Riacho Doce (1990).
Lia, que era empregada doméstica, é convidada para ser cozinheira pela
dona do Bar e Restaurante Sargaço, Creuza Alburquerque, em 1973. Sobre esse bar
João Batista (2007) fala: “um restaurante espetacular, você chegava lá tinha políticos
famosos, gente famosa do estado, porque a comida dela era muito boa, apesar de
muito cara”.
Diante da fama de Lia na mídia, a dona do restaurante, Creuza Albuquerque,
propõe a Lia que ela faça apresentações aos sábados na frente do Bar e
Restaurante Sargaço. Lia de Itamaracá (2007) relembra: “Era na frente do Bar, não
tinha palco, não, era na frente do Bar mesmo, e a roda ficava na frente do Bar, do
lado da praia[...]era tudo ao ar livre, pessoal fazia aquela roda, ia até o meio da
estrada”. E Valderlusa D´arce (2007) complementa “era uma área imensa, dava
quatro, cinco rodas de ciranda”.
101
Lia de Itamaracá (2007) lembra também a sua primeira apresentação, que
aconteceu no Bar:
Que era meu sonho, que às vezes eu pensava que ia ficar só mesmo em
televisão e jornal, e rádio e jornal e num sei o quê. Mas assumi a
responsabilidade de cantar sem ódio e sem medo, com muita fé e com
muita garra isso é marcante, me marcou muito.
No ano de 1977, Lia grava seu primeiro Lp, chamado “a Rainha da Ciranda”.
Também no Bar Sargaço, é feita a festa de lançamento, e como consagrada na
mídia, teve divulgação em toda Imprensa local da época e de resto, em alguns
meios nacionais, como a revista Veja.
Diante do êxito das apresentações aos sábados, que segundo Valderlusa
D´Arce (2007) estavam sempre com significativo sucesso de público, o primeiro
Festival de Ciranda da Ilha foi organizado por ela e Severino Ramos. Sobre esse
funcionário, o Diário de Pernambuco o titula como um dos animadores turísticos da
Secretaria de Turismo da Ilha de Itamaracá. Nesse Festival, ela ainda não fazia parte
dos quadros funcionais da Secretaria de Turismo da Ilha, mas era freqüentadora e
era muito influente no local, pois já tinha produzido diversas matérias sobre a Ilha de
Itamaracá, principalmente sobre Lia e a Ciranda.
Então Ramos e Valderlusa encabeçaram esse primeiro Festival de Ciranda.
Valderlusa D´arce (2007) conta:
Aí resolveu fazer correu atrás do pessoal da Empetur, e conseguiu o apoio,
realmente ele[Ramos] conseguiu o apoio, ai foi atrás de Alfredo, que era da
Itamaracá (Transporte) aí ele me deu os ônibus e o troféu a Empetur deu
também e a gente fez um projetinho e cada ciranda que se apresentava
elas recebiam um cachê, um povo pobre, e a gente pagava um cachê a
eles, e além do premio, o valor em dinheiro, recebia troféu, taças essas
coisas todas.[grifo nosso].
E no seu encontro com a Empetur, narra ainda:
Foi quando eu conheci o pessoal da Empetur, [...], o pessoal todinho que
lidava com essa coisa(de cultura popular e eventos), aí eu digo – vamos
fazer um festival? Este festival seria exatamente em homenagem a Lia (de
Itamaracá), Lia não participaria, não é, ela seria homenageada.
(VALDERLUSA D´ARCE, 2007)
Esse I Festival de Ciranda de Pernambuco ganhou projeção, aconteceu em
agosto de 1980, com a Ciranda Imperial em primeiro lugar, a Ciranda Brasileira em
segundo, e a Ciranda do Pátio de São Pedro em terceiro.
O II Festival de Cirandas de Pernambuco aconteceu no período de 12 a 26
102
de setembro de 1981, aos sábados, com premiações de Cr$ 20.000,00, Cr$
15.000,00 e Cr$10.000,00 do primeiro ao terceiro lugares, respectivamente.
Segundo matéria do jornal Diário de Pernambuco o certame tinha como objetivo
“preservar e divulgar uma das principais manifestações populares da zona litorânea
do Estado de Pernambuco.” (FESTIVAL, 1981, p. A 20). A todos os participantes
foram dados cachês de Cr$ 2.000,00, além do transporte para chegar à Ilha de
Itamaracá (FESTIVAL, 1981, p. A 20).
Como critérios de avaliação, considerou-se ritmo, coreografia, conjunto e
improvisação; cada grupo teria 30 minutos para se apresentar. A comissão julgadora,
era formada pelo artista plástico Adão Pinheiro, o cineasta Luis Gonzaga de Oliveira,
Henrique Belo, da Empetur, o folclorista João Santiago, a jornalista Valderlusa
D´Arce, técnica de Turismo, Andréa Mota e a primeira dama Sônia Amaral.
O Festival contou ainda com a parceria da Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe, obtendo uma divulgação maior
ainda na Imprensa. Sobre isso, Valderlusa D´arce (2007) diz: “Realmente foi
fantástico, se levou televisão, passou no Fantástico, foi uma festa linda”. a mídia
além de cobrir o festival, promovia também a Ilha. “Se você não conhece a ilha o
Festival é um bom motivo para fazê-lo [...] com suas águas mornas e mansas, brisas
e coqueiro.” (FESTIVAL, 1981, p. A 20).
Em 1982, o III festival de Ciranda de Pernambuco acontece em setembro
com 16 grupos concorrendo. Em 1983, Valderlusa torna-se diretora de turismo da
Secretaria de Turismo da Ilha, dando continuidade ao festival, alem de promover
uma série de outros eventos, como a Festa do Peixe Agulha e o Festival de Banho
Noturno, ações que, segundo a mesma, deram visibilidade à Ilha. Em suas palavras:
“Então Itamaracá ficou no auge”( VALDERLUSA D´ARCE, 2007)
Cristina Andrade (2007) descreve sobre a forma com que se chegava à ilha
para assistir o festival:
No Festival a gente ia de ônibus, cada um tinha seu ônibus que levavam
cirandeiro e levava pessoas, levava grupo do Pátio de São Pedro, o
pessoal ficava esperando vinha um carro por aqui e pegava o pessoal e
fazia o meio de transporte que levava as pessoais que queriam ir, e cada
um ia com o seu transporte, porque lá não tinha transporte.[...] tinha um
cachê para fazer isso, além do cachê tinha o prêmio que eu nem me
lembro quanto é que era o prêmio mas tinha prêmio.
A finalidade era atrair visitantes à Ilha, lembra Cristina (2007): “o pessoal de
103
fora vinha muito turista de fora. Era muita gente.” Recorda, ainda que um número
significativo de público das cidades vizinhas à Itamaracá engrossava a massa do
público que se dirigia à Ilha.”
Vinha pessoas de Igarassu, chegava carro de Igarassu, chegava de
Itapissuma, Zé Grande, era uma ciranda boa, ai Zé Grande vinha de
Itapissuma, tinha outro que vinha, e todo mundo trazia seu público né, ai
quando terminava o festival ia todo mundo saia, era todo mundo pra
ciranda mesmo.[...] só pra ver a ciranda quando acabava a ciranda o
publico ia embora. ( CRISTINA ANDRADE, 2007)
Valderlusa D’Arce (2007) lembra bem os detalhes das regras do festival e as
expectativas, relata: “Nós fazíamos cinco sábados, certo, cada sábado eram quatro
grupos, então eram doze grupos, de cada grupo desse, saía uma ciranda
classificada [...] para participar da grande final no quinto sábado. ”
O corpo de jurados era composto por cinco membros, escolhidos a critério
da Empetur e da Secretaria de Turismo da Ilha de Itamaracá. Sobre esses critérios,
D’Arce acrescenta: “Nós escolhíamos entre pessoas que entendiam de música, que
gostavam de folclore, [...] convidávamos maestros, convidávamos todo mundo que
entendesse de música, e evidentemente outras pessoas.” (2007).
Provavelmente, o maior ganho daquele festival de ciranda, dentre tantos
outros eventos do período, foi o de ter consagrado a Ilha como destino turístico.
João Batista (2007) dá detalhes:
É porque há de convir que antes desses eventos (risos) até o acesso à Ilha
era difícil, porque como sendo um núcleo de segurança com aquele
complexo de presídios, você para entrar e para sair através daquele
acesso difícil da ponte, antes desses eventos você tinha que parar para
uma vistoria. Eu me lembro mesmo que antes de explodir esses eventos na
Ilha você entrava, o cara parava e olhava para ver se você ia com algum
preso ou se tinha cara de marginal, essas coisas.
O Festival de cirandas de Pernambuco acontece, ainda, de 1984 a 1986,
ano da saída de Valderlusa da Secretaria de Turismo. João Batista (2007) lembra
que os últimos dois anos de festival foram difíceis:
[...] porque o último, quer dizer, os dois últimos quem fez foi eu [...] eu
pegava o apoio da Empetur mas já não era um apoio institucional, a
Empetur entrava com a marca, porque ela já tinha uma tradição de
promover [...] então a Empetur me dava um aval pra que eu realizasse [...]
não dava suporte financeiro, nem suporte de logística, inclusive o carro era
o nosso. A Empetur dizia assim: faça a captação. Então quem eram os
patrocinadores do Festival de ciranda, os dois últimos a APTUR, as Casas
José Araújo, Guaraná Antártica, Transportadora Itamaracá só[...] Agüentou
104
mais dois anos porque a gente teve saco de fazer mais dois anos .
Em 1987 a mudança de governo, sentencia o fim do Festival de Ciranda.
Sobre isso D’arce diz: “Infelizmente, os governos mudaram a concepção [...] pronto,
ai acabou o Festival. Meu Deus do Céu, que tristeza! Eu nunca vi coisa igual na
minha vida, as noites de Jaguaribe mudaram, as pessoas em vez de ficar em
Jaguaribe iam para o Pilar para ouvir música eletrônica.” (2007).
Segundo ela a principal contribuição que os festivais proporcionaram à
ciranda foi proporcionar o surgimento de bons cirandeiros, como João da Guabiraba,
Dinha, Geraldo Almeida, Cristina, entre outros. Entretanto, como sublinhamos antes
esses cirandeiros já estavam no caminho da ciranda desde a década de 1970, e,
alguns com discos lançados.
Com o término dos festivais de ciranda quase nenhum investimento é feito
na Ilha de Itamaracá para a potencialização da atividade turística do município. Essa
queda nos investimentos dá-se em função de algumas mudanças - por exemplo: um
maior direcionamento de políticas de turismo para o litoral sul pernambucano, tendo
Porto de Galinhas como principal destino. Além disso, como já sublinhado a Ilha
abriga três presídios estaduais fomentando uma insegurança no Município que, aos
poucos, vai perdendo significativamente seu valor no panorama turístico de
Pernambuco.
Hoje, a Ilha de Itamaracá depara-se com a falta de infra-estrutura básica,
saneamento básico, segurança pública etc. Em nossa entrevista em 2007 Lia de
Itamaracá lamenta a situação da Ilha e relembra os tempos dos Festivais de
Ciranda, com nostalgia.
Hoje Itamaracá tá muito diferente, eu acho que tá desacreditado, então
Itamaracá tá muito desacreditado e o pessoal ( faz som de lamento) sem
gosto.[...] mas agora Itamaracá da abaixo de zero, não tem nem
policiamento vai dizer que Itamaracá é a mesma de antigamente, é não,
mudou tudo. Tinha matéria de turismo, matéria de tradição, hoje só bota trio
elétrico, e trio elétrico é da Bahia, quer botar trio elétrico.
Nesse período mais de 40 anos de políticas públicas de turismo em
Pernambuco, pelo menos 20 anos foram marcados de incentivos diretos à Ilha de
Itamaracá como atrativo turístico de Pernambuco, principalmente na década de 70 e
80, quando a Ilha era um dos principais destino de praia do estado. Músicas foram
feitas para ela, como a do cantor Reginaldo Rossi, que imortalizou a Ilha com a
música Itamaracá, tornando-se um hino: “Itamaracá é uma ilha encantada lugar mais
105
bonito que eu vi, [...] ilha de sonho de luz e de cor”. Também o cantor e compositor
Tim Maia menciona a ilha em “Descobridor dos sete mares.”
Todavia, sem o planejamento adequado, a Ilha encontra-se hoje quase que
abandonada pelos órgãos de Turismo Estadual. Não possuindo infra-estrutura
básica adequada, a população encontra-se sem perspectiva já que sua economia é
quase que totalmente baseada no turismo, mas sem estrutura para recebê-los. Os
visitantes de Itamaracá são em sua maioria excursionistas uma prática que
representa pouca divisa para a cidade, os chamados popularmente de farofeiros.
Há indícios de que a Secretaria de Turismo Estadual esteja direcionando
ações para o litoral norte pernambucano, mas nada de concreto até agora. A Ilha de
“sonho, de luz e de cor”,de Reginaldo Rossi é hoje o pesadelo de moradores e
visitantes que, frequentemente, são assaltados: a “luz” está apagada e a “cor” tem a
tonalidade cinza do abandono e da má administração.
106
5.4 Repercussões
Após quase 20 anos de sucesso da ciranda na região metropolitana do
Recife, 13 anos de festivais organizados pelos órgãos responsáveis da Prefeitura do
Recife e 6 anos de Festivais organizados pela Empetur na Ilha de Itamaracá, que
conclusões podemos tirar?. Vejamos o que diz o pesquisador Evandro Rabello
(1979), e também, os mestres cirandeiros que participaram dos eventos.
Evandro Rabello (1979, p. 85) acredita que os festivais de ciranda retiraram
“do povo a liberdade de decidir, mudar, criar e em suma, fazer coisas do jeito que
quiser, sem nenhum policiamento. Os promotores criando artificialmente coisas, que
o povo até então não usava”.
Entretanto, a mestra Cristina Andrade (2007), da Ciranda Dengosa, ao
discorrer sobre a importância dos Festivais de Ciranda defende: “era bom, formava
grupo, aí o pessoal ficava interessado, pessoas que nem tinha grupo e bolava uma
forma de formar um grupo” E completa:
Primeiramente a alegria, aquela coisa gostosa que não existe mais né, que
naquele tempo era bom que agente tinha participação, que a gente é ficava
brincando querendo ganhar, quem vai ganhar, quem vai perder, que a
gente via o público participando, a gente via o Pátio cheio, lotado, você,
olhar de lado, e vê o Pátio cheio lotado e você vai entrar no palco, e ta
cheio de gente, como é que você vai fazer, participação de todo mundo, foi
a melhor época que a gente teve de brincadeira foi a época dos festival. (
CRISTINA ANDRADE, 2007)
Mestre Zé Duda (2007) relembra que na década de 1970 houve mudanças
no ritmo da ciranda, que foi denominada ciranda de embalo, que seria com um ritmo
mais rápido, ou como costuma dizer: “adiantaram a ciranda”. Relembra: “Quando
passou pra essa Ciranda do Embalo, que eu até estranhei, o que é embalo? [...] tirou
a beleza, essa tal de ciranda do embalo, que eu nem sei cantar aquilo, não sei nem
pra onde vai, ciranda do embalo”.
Com relação ao “embalo”, Mestre Baracho, em entrevista concedida em
1978, argumenta: “eu remodelei ela em ritmo de musga. Tipo de musga e dança nun
tinha. Tinha ciranda até com gongue, como maracatu. Foi essa modificância que eu
fiz de ciranda: o ritmo – o jeito de brincar – e musga diferente” (apud MAURICIO,
1978, p.86).
Rabello aponta, também, que os músicos cirandeiros integrantes da Banda
do Pátio, começam a cantar composições mais diversas integrando-as ao ritmo de
107
ciranda. Talvez por isso mestre Zé Duda(2007) fala que: “hoje em dia eu tô vendo
ciranda por ai que é capaz de me dar um samba de maracatu ou mais.” O mestre
quer dizer que a ciranda entrou nos moldes de outros ritmos, ampliando-se a
composição para de que quatro estrofes.
Rabello (1979, p. 25), ao falar desse período tece ainda as seguintes
criticas:
Saindo do seu ambiente, aparece como maneirismos e às vezes até
descaracterizações, como no centro de Turismo do Recife, Pátio de São
Pedro, onde os instrumentos e o cantor de ciranda se apresentam em cima
de tablado e fora do centro da roda.
Figura 07: Ciranda Brasileira no tablado no Pátio de São Pedro.
Fonte: arquivo da Fundação Joaquim Nabuco
Mestre Zé Duda complementa (2007): “a ciranda trouxe a nova moderna,
cirandeiro no palco”. Entretanto, João da Guabiraba (2007) diz:tem que ter palco
né?, porque a ciranda pegou nome [...] mas pelo Recife não, têm que ter palco, som
muito forte, muito bom, porque os cantor não exige?, então as ciranda também pode
exigir.”
Rabello informava que essas práticas, iniciadas, no Pátio de São Pedro,
reproduz-se em outros locais do Recife como a Casa da Cultura e no Bar de Dona
Duda, e que, agora, no centro da roda ao invés de ter os mestres “participantes da
dança [...]colocam, bolsas, sacolas, embrulhos, etc.”(1979, p. 25)
Além de inovações rítmicas, parece que os concursos de ciranda tiveram
papel importante na vestimenta dos grupos de ciranda. Nas primeiras pesquisas
publicadas sobre ciranda, nada se indagou acerca da existência ou não, de alguma
indumentária característica, entretanto no V Festival realizado no ano de 1974, este
108
item constava no critério de avaliação.
O comentário de Geraldo Almeida (2007) de que, para participar, tinha que
estar com sapato igual, roupa igual, sob a pena de não ganhar. Cristina Andrade
(2007) comenta: “tem um festival, é ai o pessoal faz a blusinha igual, ai o outro faz a
calça jeans igual. Porque antigamente aqui tocava ciranda todas as cores no palco,
depois do festival o pessoal começou a se organizar, ai ficou organizado o trabalho,
ficou bom, ficou bonito”.
Na mesma linha de argumentação, João da Guabiraba (2007), ainda hoje,
ao retratar sua ciranda de então, enfatiza:
Eu fiquei com a ciranda até hoje organizadazinha que eu gosto da ciranda
organizada, quando eu tenho uma apresentação eu levo a ciranda
organizada, não gosto tem essa coisa de sair aos pedaços não porque eu
gosto das coisas organizadas, eu gosto de fazer as coisas bonitas aonde
eu chego, você vê as minhas fotografias é tudo assim na medida, tudo na
medida.
João da Guabiraba (2007) fala também do aspecto de competição lembra
de um ano que ensaiou muito para ganhar de Mestre Salustiano:
Antigamente a gente tinha que fazer o seguinte, o festival pelo cenário,[...]
porque Salustiano também tinha uma ciranda que fazia parte desse
festival, então a ciranda de Salustiano todas as meninas do cordão
cantavam, ele não tinha coral encostado a ele, mas todas as meninas do
cordão cantavam. Ai eu fui me apresentar e Salustiano ia se apresentar na
outra semana, eu me classifiquei. Mas o povo dizia: - João a tua ciranda
não vai dá nada com a de Salustiano, que Salustiano o coral dele é
parada.[...]eu formei, levei essa turma todinha pra Boa Viagem na quarta
feira, ensaiava o cordão todinho, com o coral, fiz fita pra menina ir treinar
em casa, toda quarta eu ia com esse grupo todinho, lá pro terminal de Boa
Viagem. Fazer esse ensaio com essa turma do cordão feito Salustiano
fazia né. Ai menino quando chegou essa tua ciranda não tá com nada
porque a de Salustiano é quem vai disputar hoje, eu digo ta bom, e a turma
tudo ensaiada, o cordão todo ensaiado, quando eu entrei dentro do Pátio
de São Pedro que eu fiz um terno moderno né, oxe foi um grito, as meninas
respondendo e mais cinco moreninas no coral, e Salustiano ficou lá em
baixo.
Esse clima de concorrência vai além do nível do Festival em sí-mesmo, é
comum a disputa entre os mestres das brincadeiras populares, mas essas disputas
ficam dentro da brincadeira, nos versos, são duelos com palavras através da poesia.
No caso da ciranda, percebe-se ao longo das entrevistas, nas falas dos mestres, nos
discursos, o desmerecimento aos demais cirandeiros. Geraldo Almeida (2007), por
exemplo diz: “A ciranda de João da Guabiraba nunca improvisou, não é cirandeiro.”
e noutro momento, ao discorrer sobre Dona Duda: “ela não canta direito não![risos].
109
Ganhou, mas não foi ela, foi outro cirandeiro” o que também discursa João da
Guabiraba (2007) também arremata: “Ela não é cirandeira, mas bota ciranda com o
nome dela.”
Além das disputas entre os cirandeiros, no final da década de 1980, há
diminuição significativa das apresentações da ciranda. Nascimento (2005, p. 79)
refere-se a esse período dizendo que a ciranda entrou no “ostracismo”. A Mestra
Cristina Andrade (2007) também observa:aí de repente acabou, não sei que foi que
houve que foi se acabando, os cirandeiros tão morrendo, os músicos tão morrendo,
e o pessoal não tá formando mais grupo, e do jeito que tá vai acabar a palavra
“ciranda” do vocabulário cultural”. E ainda: “já foi o espaço, já foi bem grande, hoje
em dia né, hoje tá resumido ta ficando quase a zero”. João da Guabiraba (2007)
complementa: “antigamente ciranda tava com nome, prestígio a ciranda, depois é
que foi caindo, caindo”.
No entanto, Cristina Andrade (2007) defende que os festivais serviam como
incentivo para a criação de outras cirandas:
O festival de ciranda com 20 cirandas, tá tendo um festival de ciranda,
então vou formar um grupo, foi formado vários grupos nessa época,
quando é agora não tem mais grupo, os grupos tão se acabando.
Dona Duda (2007), ao ser questionada sobre o porquê da Ciranda não ter
tanta repercussão quanto tinha nas décadas de 60 e 70, ela explica:
Porque tudo é um auge, é que quando se divulga todo mundo cai em cima
depois vai se afastando, vai né? Tudo é, se vê um cantor tá famoso,
famoso, depois se esquece dele, depois vem um outro e se esquece dele.
Tudo é o auge nada é para sempre, tudo tem seu tempo.
Sobre a ciranda nos dias atuais, Lia de Itamaracá (2007) diz: “hoje o pessoal
não vê nada, o pátio ninguém vê nada, o Sitio da Trindade ninguém vê nada, a Casa
da Cultura ninguém vê nada, não sei o que tá acontecendo não”. Lia fala ainda da
apatia dos demais cirandeiros e da falta de incentivo dos órgãos de incentivo à
cultura:
Tem muito cirandeiro lá pelo Recife, chega faz pena, o pessoal não investiu
[...]coisa tão bonita dessa, cada um mais bonita que a outra e o povo tudo
cruzando os braços, oxe, por falta de incentivo, de quem ajuda, um apoio,
tanto cirandeiro bom que tem ali dentro do Recife e o povo fecha os olhos,
não digo Itamaracá que é um fim de mundo, mas ali no Recife. Quem ta no
auge da ciranda sou eu que sou guerreira, porque por causa do nome
110
porque senão. (LIA DE ITAMARACÁ, 2007)
Com respeito a essa apatia que envolve os grupos de ciranda atualmente,
Cristina Andrade (2007) desabafa: “a gente trabalhou assim: tem grupo, e as
pessoas que precisava ligava pra gente, e dizia vem aqui que a gente tem
apresentação pra você[...] hoje, a gente tem que recorrer a abaixo assinada, à
proposta, a isso àquilo ou àquilo outro, aí tem que começar como eles querem,
agora tem que começar com um novo modelo de trabalho né?” Vemos então que a
falta de interesse generalizada para com a ciranda, quando comparada aos “bons
tempos” justifica muito a atitude de desânimo, que hoje predomina entre os
cirandeiros. E ainda a nova forma de trabalho dos últimos anos dos órgão públicos
para o incentivo a cultura popular.
João Batista (2007) acredita que é muito difícil para os grupos de ciranda se
adaptarem:quem tinha articulação pra fazer um projeto, pra ser aprovado por
burocratas que estavam submetidos para aceitação de uma rubrica, Lia, Dinda,
Geraldo, João, essa turminha não tão preparados para isso, vão se lascar sempre.”
Mas Cristina Andrade também aponta uma “luz verde no túnel”, que os cirandeiros
estão começando a se organizar: “ a gente trabalhando em cima para que esse
espaço não feche mais do que está fechado, que esse espaço comece a se abrir.”
(2007).
111
Considerações Finais
Esta dissertação buscou, de uma maneira geral, caracterizar e evidenciar o
entrelace das políticas públicas de cultura e turismo e suas repercussões junto à
brincadeira popular ciranda. Assim, partimos analisando a formação das políticas
públicas de cultura, observando o quanto – num primeiro momento – os agentes
mostraram-se interessados pelo desenvolvimento econômico das ações culturais,
buscando garantir mercado para as produções populares, transformá-los em bens
rentáveis, constituindo-se, a bem dizer, instâncias de difusão das manifestações
culturais brasileiras.
Frente aos objetivos das políticas públicas de cultura, a atividade turística se
apresentou como parceria necessária e bem vinda para o êxito dos intentos. Sendo
o turismo considerado no quadro da política pública brasileira, como fator de
desenvolvimento econômico, nada mais natural que houvesse o entrelace dessas
políticas, a fim de resolver a ineficiência no campo de investimentos com o consumo
dos bens culturais.
Com o objetivo de promover análises pontuais acerca desse
entrecruzamento das políticas públicas de turismo e cultura, foram analisados dois
órgão de fomento ao turismo no estado de Pernambuco: o primeiro, criado pelo
Governo Estadual, a Empetur, em 1967, e o segundo, criado pelo governo da capital
pernambucana, Recife, em 1968, a Empresa Metropolitana de Turismo da Cidade do
Recife – Emetur. Vimos que esses dois órgão executaram políticas voltadas às artes
populares.
Tanto a Empetur quanto a Emetur utilizaram o discurso da valorização e
difusão da cultura popular pernambucana como diferencial turístico; desenvolveram
diversas ações de promoção às artes populares do estado, e foram responsáveis,
até a metade da década de 1970, também pelas políticas de cultura estaduais.
Integraram o quadro funcional desses órgãos intelectuais e estudiosos das artes
culturais, mais um indício portanto, dessa integração política.
Diante do amplo campo de ação da Empetur e Emetur, esta pesquisa
concentrou estudos exclusivamente nas ações voltadas à brincadeira popular
ciranda, que foram concretizadas com a promoção e organização dos festivais.
Num primeiro momento, identificamos que o discurso oficial que pairava
112
para justificar a utilização da cultura popular como atrativo turístico, pautou-se na
aparente valorização da brincadeira popular que as ações turísticas pretensamente
promoveriam entre os atores que formam a comunidade. No entanto, percebemos
que esta valorização da ciranda em Pernambuco não está diretamente ligada às
ações turísticas em torno dela.
Por exemplo, a chegada da Ciranda na região metropolitana deve-se
sobremaneira à influência das pesquisas publicadas pelo padre Jaime Diniz, tanto
quanto aos mestres cirandeiros que se encontravam na região, à época, como Dona
Duda, que levou a ciranda para o Janga, onde passou de divertimento de crianças,
para de pescadores, veranistas, estudantes e turistas; como deve-se igualmente à
iniciativa de mestre Antônio Baracho, apto a ensinar os mistérios da ciranda aos
interessados passando a arte à frente. Enfim estas ações isoladas, contribuíram
mais do que as ações das Políticas Públicas de Turismo.
Pode-se afirmar também,com base no que estudamos nos capítulos quatro
e cinco, que, a chegada da Emetur no Bar de Dona Duda em 1970, marca o início
da influência direta das ações do turismo junto à brincadeira popular Ciranda.
Percebe-se claramente que estas instituições utilizaram a ciranda para promover a
Praia do Janga como destino turístico, uma vez que ela já estava sendo freqüentada
por veranistas.
Todavia, as políticas de turismo, de certa maneira, influíram na melhoria da
infra-estrutura do local, houve melhorias nas estradas de acesso à ciranda do Janga
e diversificação de atividades junto à mesma, com a criação dos festivais. Do
mesmo modo, quando o Festival de Ciranda vai para o Pátio de São Pedro,
promoveu-se a ciranda junto a uma platéia ampliada – dando o maior número de
visitantes ao local; dar-se o mesmo no tocante às seletivas do concurso na Praça de
Boa viagem, na época o mais novo local de venda de artesanato.
O que se percebe, analisando as matérias do jornal Diário de Pernambuco
nas décadas de 1970 e 1980, é que a ciranda obteve uma repercussão na impressa
de forma muito acentuada naquele período. Todos os dias havia alguma nota
fazendo referência à Ciranda, muitas vezes ressaltando os mestres e o grupo.
Se não podemos atribuir ao turismo nem a valorização, nem o resgate da
ciranda, podemos reconhecer o papel importante desses órgãos, na difusão e
incentivo aos novos grupos de ciranda, apesar de a dança estar em alta naquele
momento; Esse aspecto está bem evidenciado nas entrevistas realizadas, em
113
especial,a da mestre de Ciranda Cristina Andrade.
Um outro aspecto a ser enfatizado acerca das repercussões dos festivais de
ciranda diz respeito a indumentária utilizada pelos cirandeiros, a partir do
estabelecimento do critério de trajes típicos. As políticas de turismo criaram as
roupas características da ciranda, que até então não existiam, trajes estes que se
tornaram emblemáticos da brincadeira. Sobre esse aspecto, é importante, recorrer a
Canclini (1983) e Figueiredo (1996), quando estes estudiosos enfatizam que o
turismo necessita de alguma produção.
É nessa perspectiva que devemos também refletir sobre o critério de
julgamento da coreografia e seus efeitos na ciranda. Até esse momento, os estudos
sobre ciranda enfatizavam a espontaneidade da brincadeira, alertando quanto ao
perigo de uma homogeneidade nos passos de ciranda, que o impacto dos festivais
poderiam trazer onde todos deveriam dançar igual, por exemplo; entretanto, apesar
dessa categoria, não ocorreu tal homogeneização: numa roda de ciranda atual
diversos passos são executados num mesmo momento, desde que seguindo-se o
ritmo.
Falando-se em ritmo, esta é com efeito uma das categorias dos festivais
que mais repercutiu na ciranda. Os estudos de Padre Jaime Diniz (1960) e Evandro
Rabello (1979), focando ainda o contexto tradicional da brincadeira na Zona da Mata
Norte pernambucana, catalogaram apenas duas diferenças rítmicas na ciranda: o Pé
de Pau e Agalopada, fato também notado por Mestre Zé Duda, ao afirmar que a
ciranda, na década de 1970, apresentava um novo ritmo, o embalo, que tornou a
ciranda um pouco mais rápida.
Com respeito ao ritmo embalo, o mestre Cirandeiro Antônio Baracho afirma
ter sido ele quem criou tal modalidade, sendo esta a que ensina para diversos
artistas populares interessados em formar grupos de ciranda. Afirma, ainda, que a
dinâmica de criação das antigas cantigas de ciranda, marcadas no uso de pequenas
estrofes se transformaram e passam a utilizar formas modernas de fazer músicas.
Sobre este aspecto, podemos trazer Canclini (2003) outra vez com o
processo que denominou “hibridização” - segundo o qual, as artes populares
transformando-se e renovando-se, não teriam o aspecto negativo.
Nesse sentido, uma hibridização pode ser observada quando levamos em
conta a utilização do palco pelos mestres e músicos de Ciranda, saindo do centro da
roda para subir ao palco. Considerando-se que estavam no centro da roda, na
114
ciranda mais antiga para que fossem melhores visualizados e escutados, enquanto
comandavam, a utilização do palco na ciranda tem a mesma finalidade, apenas
utiliza-se de formas modernas, que são o palanque e a aparelhagem de propagação
sonora.
Contudo, à parte transformações trazidas pela modernidade, a ciranda,
enquanto manifestação popular ganha força nos anos 1960 e 1970 marcando forte
influencia em demais expressões da arte popular. Com efeito, por ser a brincadeira
popular de maior repercussão naquele momento na sociedade pernambucana, a
ciranda despertará o interesse de mestres das demais brincadeiras populares que
mobilizam-se para aprender a ciranda.
Embora cada um desses mestres tivessem um outro folguedo que
participavam e comandavam desde a infância, passaram a incluir a ciranda em seus
repertórios, como é o caso, por exemplo, de Geraldo Almeida, com seu Reisado
Imperial, que com ou sem incentivos públicos, sai às ruas no período natalino. Da
mesma maneira, o Pastoril Estrela Brilhante, comandado pela Mestra Cristina, e,
ainda o Urso, comando por ela, também percorre as ruas, no período carnavalesco,
com ou sem incentivos de órgão públicos.
Todavia, esses mestres, em relação a ciranda ficam à espera dos
incentivos, quando não os obtêm guardam os trajes e os instrumentos no armário.
Além disso, nos últimos anos, os órgão públicos para grandes eventos têm
priorizado conjuntos musicais que toquem a maioria dos ritmos populares, como o
frevo, forró, maracatus etc, marca uma tendência de incluir a ciranda apenas de
forma indireta, ou seja, como parte integrante de um show composto de vários
ritmos. Assim, ao invés de se contratar um grupo de ciranda, prefere-se um arranjo
em que duas ou três músicas de ciranda se combinam no repertório, enfim os
grupos como a Ciranda Imperial, Dengosa, Mimosa, são preteridos em nome de
outros que tocam todos os ritmos.
Além disso, os Festivais de Ciranda como dissemos foram um dos principais
emuladores de disputas não salutares antes inexistentes entre os mestres de
Ciranda. Se tradicionalmente, as querelas existentes entre os mestres davam-se
criativamente, expressando-se na forma de poesias cantaroladas na ciranda, com
os festivais, as disputas acirram-se, entram no mérito pessoal, em planos de
desrespeito e conflito.
No nível econômico, o Festival correspondeu relativamente às políticas de
115
cultura, no sentido de fomentar retorno econômico às artes populares, sem, no
entanto, proporcionar a autonomia local. As brincadeiras não puderam manter-se
sem os subsídios econômicos públicos. De certa forma, tornaram a brincadeira
popular Ciranda dependente dos órgãos oficias de cultura e turismo, especialmente
a Empetur e as Secretarias de Cultura Estaduais e Municipais. Os mestres de
Ciranda vale dizer acomodam-se, ficando à espera de que os órgãos tanto de
turismo quanto de cultura, os chamem para se apresentarem.
É importante, para finalizar, tornar aqui explicito os limites e barreiras
enfrentados no período da pesquisa de campo. A principal delas talvez diz respeito
à dificuldade em contactar alguns atores importantes para a contextualização e
interpretação dos dados. É o caso, por exemplo de Creuza Albuquerque dona do
estabelecimento Sargaço, no município da Ilha de Itamaracá. Além disso,
lamentamos a falta de mais documentos referentes à Empresa Metropolitana de
Turismo da Cidade de Recife; e, ainda, alguns dados de seus funcionários, limitamo-
nos aos informes encontrados no Diário Oficial e nos jornais da época. No geral
entretanto, o conjunto das informações agregadas no cotejo com dados oficiais, se
fizeram fecundas para os objetivos de nosso estudo.
116
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Entrevistas concedidas:
ALMEIDA, G. Geraldo Almeida. depoimento [07 de setembro]. Entrevistadora
Tamisa Ramos Vicente. Recife, 2007. 2 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao
projeto de pós-graduação em turismo. Caxias do Sul - RS.
ANDRADE, M, C. Cristina Andrade. depoimento [24 de agosto]. Entrevistadora
Tamisa Ramos Vicente. Recife, 2007. 2 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao
projeto de pós-graduação em turismo. Caxias do Sul - RS.
BATISTA, J. João Batista. depoimento [15 de janeiro]. Entrevistadora Tamisa
Ramos Vicente. Recife, 2007. 3 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao Projeto
de Pós-Graduação em Turismo. Caxias do Sul - RS.
BELO, H. Henrique Belo. depoimento [08 de março]. Entrevistadora Tamisa Ramos
Vicente. Recife, 2007. 2 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao projeto de Pós-
Graduação em Turismo. Caxias do Sul – RS.
D’ARCE, V. Valderlusa D´Arce,. depoimento [07 de março]. Entrevistadora Tamisa
Ramos Vicente. Jaboatão dos Guararapes, 2007. 2 cassetes sonoros. Entrevista
concedida ao Projeto de Pós-Graduação em Turismo. Caxias do Sul - RS.
GUABIRABA, J. João da Guabiraba. depoimento [10 de setembro]. Entrevistadora
120
Tamisa Ramos Vicente. Recife, 2007. 3 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao
Projeto de Pós-Graduação em Turismo. Caxias do Sul - RS.
NASCIMENTO, M.M.C. do. Lia de Itamaracá. depoimento [21 de setembro].
Entrevistadora Tamisa Ramos Vicente. Recife, 2007. 3 cassetes sonoros. Entrevista
concedida ao projeto de pós-graduação em turismo. Caxias do Sul - RS.
PAZ, V. A. da. S. Dona Duda. depoimento [19 de setembro]. Entrevistadora Tamisa
Ramos Vicente. Recife, 2007. 1 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao projeto
de pós-graduação em turismo. Caxias do Sul - RS.
SILVA, J. B. da. Zé Duda. depoimento [13 de setembro]. Entrevistadora Tamisa
Ramos Vicente. Recife, 2007. 2 cassetes sonoros. Entrevista concedida ao projeto
de Pós-Graduação em turismo. Caxias do Sul - RS.
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UMA nova Dança Toma Conta dos Salões. Jornal do Commércio, Recife, 06 jul.
1969, p. capa.
É TEMPO de Mar em Festival. Diário de Pernambuco, Recife, 22 jan.,1971, p. II
caderno.
CIRANDEIROS Empolgam a multidão no Janga. Diário de Pernambuco, Recife, 27
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TAÍ, Gente, a ciranda estourou no Recife. Diário de Pernambuco, Recife, 02 mar.
1972,p. III caderno.
CIRANDA é tema de Festival. Diário de Pernambuco, Recife, 27 mar.,1972, p. 3.
III FESTIVAL de Cirandas já tem êxito assegurado. Diário de Pernambuco, Recife,
18 abr.,1972, p. 6.
EMETUR realiza do dia 9 a 12 deste mês o V Festival de Ciranda. Diário de
Pernambuco, Recife, 03 abr.,1973, p. 2.
FESTIVAL de Ciranda Já inscreveu 12 conjuntos e começará quarta-feira. Diário de
Pernambuco, Recife, 05 abr.,1973, p. 3.
IV FESTIVAL de Ciranda já tem 12 Conjuntos inscritos. Diário de Pernambuco,
Recife, 07 maio.,1973, p. 3.
DONA DUDA Integra a Comissão Julgadora do IV Festival de Ciranda. Diário de
Pernambuco, Recife, 10 maio.,1973, p. 3.
CIRANDA do Cordeiro é finalista do IV Festival. Diário de Pernambuco, Recife, 11
maio.,1973, p. 3.
121
FESTIVAL de Ciranda termina hoje com entrega de prêmios. Diário de
Pernambuco, Recife, 12 maio.,1973, p. 3.
PRATA FINA foi Ciranda Vencedora. Diário de Pernambuco, Recife, 10 maio.,1973,
p. 3.
EMETUR abre inscrições para Festival de Ciranda. Diário de Pernambuco, Recife,
05 maio.,1974, p. 24.
FESTIVAL de ciranda tem inicio hoje no pátio. Diário de Pernambuco, Recife, 07
jun.,1974, p. 6.
EMETUR adia o Festival de Cirandas para 12 de junho em homenagem aos
namorados. Diário de Pernambuco, Recife, 17 abr.,1974, p. 2.
CIRANDA de Lia com muito ritmo e boas evoluções vence concurso no Pátio. Diário
de Pernambuco, Recife, 19 jun.,1974, p. 3.
CONCLUÍDA programação para o VI Festival de Cirandas. Diário de Pernambuco,
Recife, 07 maio.,1975, p. 3.
GRUPOS confirmam presença no Festival de Cirandas e inscrição termina dia 13,
Diário de Pernambuco, Recife, 10 maio.,1975, p. 6.
TUDO pronto para o Festival de Cirandas. Diário de Pernambuco, Recife, 14
maio.,1975, p. 2.
CIRANDA do Bolinha ganha 1º lugar na abertura do Festival. Diário de
Pernambuco, Recife, 16 maio.,1975, p. 6.
DERROTADA a ciranda de Lia. Diário de Pernambuco, Recife, 17 maio.,1975, p. 6.
IMPERIAL é a campeã das cirandas. Diário de Pernambuco, Recife, 20
maio.,1975, p. 3
.
CIRANDAS da capital e do interior se irmanam para o VII Festival no Pátio. Diário
de Pernambuco, Recife, 11 maio.,1976, p. 3.
CIRANDAS iniciam hoje disputa pelo 1ºlugar do VII Festival no Pátio. Diário de
Pernambuco, Recife, 12 maio.,1976, p. 3.
CIRANDA de Dona Adélia é a campeã do Festival. Diário de Pernambuco, Recife,
18 maio.,1976, p. 7
.
PÁTIO de São Pedro terá Festival de Cirandas de 20 de maio a 11 de julho. Diário
de Pernambuco, Recife, 11 maio.,1977, p. 6.
EMETUR recebe até dia 18 inscrições para o Festival de Cirandas. Diário de
Pernambuco, Recife, 12 maio.,1977, p. 6.
CIRANDA Continental e Imperial disputam finalíssima no Pátio. Diário de
122
Pernambuco, Recife, 11 jun. 1977, p. 7.
FESTIVAL de Cirandas no Pátio encerra hoje fase classificatória. Diário de
Pernambuco, Recife, 19 maio.,1978, p. 8.
CAMPANHA Pernambucana contra o turismo, combatendo o câncer da cultura
popular. Diário de Pernambuco, Recife, 22 ago., 1978. Viver, p. B1.
FESTIVAL de Cirandas tem inicio no Pátio com 13 concorrentes. Diário de
Pernambuco, Recife, 05 maio.,1979, p. 5.
FESTIVAL de Cirandas chega à semifinal com 6 classificadas. Diário de
Pernambuco, Recife, 23 maio.,1979, p. 8.
FESTIVAL de Cirandas no Pátio. Diário de Pernambuco, Recife, 17 abr.,1980, p. 8.
FESTIVAL classifica 10 cirandas no pátio. Diário de Pernambuco, Recife, 13
maio.,1980, p. 8.
CORRIDA e Festival. Diário de Pernambuco, Recife, 20 ago.,1980, p. 16.
CIRANDAS Alegram no pátio. Diário de Pernambuco, Recife, 14 mai.,1981, p. 10.
O FESTIVAL. Diário de Pernambuco, Recife, 14 maio.,1981, p. 10.
Festival. Diário de Pernambuco, Recife, 04 set.,1981, p. 20.
CIRANDA de Itamaracá. Diário de Pernambuco, Recife, 09 set.,1981, p. capa.
FESTIVAL. Diário de Pernambuco, Recife, 09 set.,1981, p. 24.
AS CIRANDAS. Diário de Pernambuco, Recife, 26 set.,1981, p. 20
XII FESTIVAL de Ciranda começa hoje no centro. Diário de Pernambuco, Recife,
07 set.,1982, p. 11
FESTIVAL de Ciranda de Itamaracá. Diário de Pernambuco, Recife, 11 set.,1982,
p. 20
CIRANDA. Diário de Pernambuco, Recife, 15 set. 1986, p. 9.
“SE EU tocar numa lata, o povo dança”. Jornal do Commércio, Recife, 29 de
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DONA DUDA, Sente saudades de Cirandar. Jornal do Commércio, Recife, 31 jan.
2001.
123
Anexo A.
1. Diário de Pernambuco, 24 de abril de 1971. 2 .Diário de
Pernambuco,
17 de março de
1972
124
3. Diário de Pernambuco, 18 de abril
de 1972.
4. Diário de Pernambuco 03 de
abril de 1973
5. Diário de Pernambuco, 05 de
abril de1973
6. Diário de Pernambuco, 07 de
abril de 1973
125
7. Diário de Pernambuco 10 de abril de
1973
8. Diário de Pernambuco, 11 de abril de
1973
126
9. Diário de Pernambuco, 12.abril de 1973
10. 14
de abril de 1973 – p. 2
Diário de Pernambuco
127
11.Diário de Pernambuco 05 de abril de 12.Diário de Pernambuco, 07 junho
de 19741974.
13.Diário de Pernambuco 17 de abril de 1974 14.Diário de Pernambuco, 19 de junho de
1974
128
15.Diário de Pernambuco 07 de 6.Diário de Pernambuco, 10 abril de 1975
1
abril de 1975
129
Diário de17. Pernambuco, 16 de abril 18. Diário de Pernambuco, 17 de abril de 1975
de 1975
130
19. Diário de Pernambuco 20de abril
de 1976
20.Diário de Pernambuco, 05 de abril
de 1975
131
21. Diário 22. Diário de Pernambuco, 18 de abril de Pernambuco, 11de abril
de 1976 de 1976
132
23. Diário de Pernambuco, 11de abril
de 1977
24. Diário de Pernambuco, 12de abril
de 1977 p. A-6
133
25. Diário de Pernambuco, 11 de junho de
1977
26. Diário de Pernambuco, 05 maio de
1979
27. Diário de Pernambuco 21de maio de 1979 28. Diário de Pernambuco, 23 de maio de
1979
134
29. Diário de Pernambuco, 26 de maio de
1979
30. Diário de Pernambuco, 02 de
junho de 1979
31.Diário de Pernambuco, 19 de maio de
1978
32. Diário de Pernambuco, 26 de
maio de 1978
135
3.
3
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